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PROYECTO INSIGNIA
Inclusión en la agricultura y los territorios rurales

Possibilidades e desafios das políticas


de desenvolvimento rural para a inclusão
social e produtiva na América Latina:

Contribuições da experiência
brasileira recente
João Torrens e Lauro Mattei

Cuaderno de Trabajo sobre Inclusión 3


3
Possibilidades e desafios das políticas
de desenvolvimento rural para a inclusão
social e produtiva na América Latina:

Contribuições da experiência
brasileira recente
João Torrens e Lauro Mattei

PROYECTO INSIGNIA
Inclusión en la agricultura y los territorios rurales
Cuaderno de Trabajo sobre Inclusión
Indice

Apresentação .......................................................................................v

Indice ..................................................................................................vii

Introdução ............................................................................................6

I. Construção da institucionalidade para a gestão social .............1

II. Políticas de desenvolvimento rural para


a inclusão social e produtiva no Brasil ........................................7
1. Breve concepção sobre inclusão socioprodutiva .........................8
2. Notas sobre as políticas brasileiras recentes de
inclusão socioprodutiva ..............................................................9

III. Influências das políticas de desenvolvimento territorial


e agricultura familiar brasileiras na América Latina .................13

IV. Limites e desafios para o futuro das políticas de


desenvolvimento rural no Brasil e na América Latina ..............19

Referências Bibliográficas ...............................................................25


Apresentação

As recentes experiências desenvolvi- Para isso, definiu-se pela realização de


das no Brasil com a construção e im- três estudos interligados, desenvolvi-
plementação de uma diversidade de dos a partir da coordenação técnica de
políticas públicas com foco na inclu- Carlos Miranda (IICA Brasil) e Lauro
são social e produtiva nas áreas rurais Mattei, professor do Departamento
ganharam grande repercussão não de Economia da Universidade Federal
só no país, mas também nos demais de Santa Catarina e membro do
países da América Latina e Caribe. Observatório de Políticas Públicas em
Compreender as lições e o significado Agricultura (OPPA)1. A primeira parte,
histórico e político dessas iniciativas elaborada por Lauro Mattei, analisa as
de dinamização de processos inclusi- políticas de desenvolvimento rural em
vos de desenvolvimento dos territó- sua relação com os processos macroeco-
rios rurais é uma contribuição central nômicos e políticos, passando pela crise
para fortalecer a cooperação técnica econômica da década de 1980, pela
no plano hemisférico. Assim, reco- agenda neoliberal dos anos 1990 e pela
nhecendo a transcendência dessas po- fase do “Novo Desenvolvimentismo”,
líticas, o Projeto Insígnia Inclusão na que marca os primeiros quinze anos
Agricultura e nos Territórios Rurais no do século XXI. A partir da identifica-
Brasil decidiu realizar um conjunto ção das principais políticas públicas que
integrado de estudos para analisar a incidiram sobre as áreas rurais, Silvia
importância das institucionalidades Aparecida Zimmermann e Valdemar
criadas al longo das últimas décadas, João Wesz Junior, ambos professores
no caso brasileiro, e suas possíveis im- pertencentes à Universidade Federal da
plicações para a América Latina. Integração Latino-Americana (UNILA),

1. O OPPA se constitui num grupo de pesquisa integrado ao Programa de Pós-Graduação de Ciências


Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA), ligado à Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro (UFRRJ).

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente v
analisam na segunda parte sete políticas abordados quatro aspectos centrais
específicas, distribuídas em três focos di- desenvolvidos pelos estudos anterio-
ferentes: políticas de apoio à produção res: a construção da institucionalidade
e comercialização (crédito, aquisição de para a gestão social, um balanço sobre
alimentos e alimentação escolar), polí- a importância dessas políticas de in-
ticas de infraestrutura nas áreas rurais clusão no Brasil, as influências das po-
(luz, água e habitação) e políticas de líticas de desenvolvimento territorial e
transferência condicionada de renda de agricultura familiar para a América
para famílias em condições de vulne- Latina e, finalmente, os limites e desa-
rabilidade (Bolsa Família). O terceiro fios dessas experiências para o futuro
estudo analisa como estas sete políticas das políticas de desenvolvimento rural
nacionais e a política de saúde se imple- com inclusão no Brasil e na América
mentam em um território rural especí- Latina.
fico: nas áreas rurais dos dez municípios
que integram o Cariri Oeste, no estado Com a divulgação desse documento,
do Ceará. Esta análise de territorializa- a coordenação do PI Inclusão espera
ção das políticas foi desenvolvida por contribuir com o aprofundamento dos
Ana Roberta Duarte Piancó, professora debates sobre o papel das políticas pú-
de Geografia da Universidade Regional blicas integradas de desenvolvimento
do Cariri, e Joelmir Pinto (assessor rural como um fator de fundamental
territorial de Gestão Social do Núcleo importância para a redução dos pro-
de Extensão em Desenvolvimento cessos de exclusão e desigualdades
Territorial, vinculado à Universidade nas áreas rurais da América Latina e
Federal do Cariri). Caribe. Portanto, este documento pre-
tende servir como um instrumento de
O presente documento integra a série discussão para socializar o legado e as
dos Cadernos de Trabalho de Inclusão, lições da experiência brasileira e am-
publicado no âmbito do PI Inclusão. pliar o debate sobre as potencialidades
Nele se apresenta uma análise final de políticas desta natureza para a in-
desse processo, em que se discute o clusão da agricultura familiar nas dinâ-
legado e as lições dessas políticas de micas de desenvolvimento equitativo
desenvolvimento rural com foco no e sustentável dos territórios rurais do
fortalecimento dos processos de inclu- continente.
são social e produtiva para o Brasil e
para o continente latino-americano, João Torrens (IICA)
de forma mais ampliada. Elaborado Líder do Projeto Insígnia Inclusão na
por Lauro Mattei e João Torrens, são Agricultura e nos Territórios Rurais

vi Cuaderno de trabajo 3
Introdução

As lutas sociais rurais e agrárias desde inclusão produtiva rural, seja por meio
os primórdios da década de 1990 co- de novos canais de comercialização
meçaram a ter maiores êxitos no Brasil viabilizados por esses diferentes orga-
quando o Estado passou a reconhecer nismos governamentais.
um conjunto de atores rurais que his-
toricamente haviam sido relegados ao Neste contexto, implementou-se no
esquecimento. Neste processo de ins- Brasil, a partir de diferentes órgãos go-
titucionalização das demandas desses vernamentais, um conjunto variado de
atores dois fatores foram importantes. programas e políticas públicas destina-
Por um lado, a própria criação de um das à promoção do desenvolvimento
ministério governamental – no caso o rural e à inclusão social e produtiva.
Ministério do Desenvolvimento Agrário Em sua maioria, essas políticas mobi-
(MDA) – que abriu espaço para que lizaram recursos públicos em prol de
agricultores familiares, assentados dos comunidades rurais que apresentavam
programas de reforma agrária e outros problemas na estrutura produtiva, altas
segmentos rurais tivessem canais de deficiências de infraestrutura e eleva-
diálogos e de reivindicações de suas de- dos graus de pobreza e exclusão social.
mandas. Por outro lado, o maior envol- Parte dessas ações foi analisada em ca-
vimento e integração de outros órgãos pítulos anteriores, os quais mostraram
e instâncias governamentais durante os avanços obtidos em várias áreas,
o Governo Lula – como foram os ca- bem como limites e desafios que ainda
sos do Ministério do Desenvolvimento precisam ser enfrentados no meio rural
Social e Combate à Fome (MDS), do brasileiro.
Ministério da Educação e do próprio
Ministério da Agricultura, Pecuária e Mesmo operando em um contexto
Abastecimento (MAPA) – foi decisivo rural ainda fortemente afetado pelas
para ampliar o papel político desses se- marcas históricas reveladas pelos ele-
tores no âmbito geral e específico, seja vados índices de concentração de terra;
por meio de programas destinados à pelo domínio político e econômico do

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente vii
latifúndio e por um processo moderni- sociais e culturais existentes no espaço
zante que excluiu milhões de agricul- rural. Para tanto, além de estimular a
tores familiares durante quatro décadas diversificação dos sistemas produtivos
posteriores ao pós-guerra; verifica-se e a preservação dos recursos naturais,
que ao longo das duas últimas décadas procurou-se fortalecer a institucionali-
emergiu a construção de um novo mo- dade e a participação das organizações
delo de desenvolvimento rural no país sociais na concepção e implementação
constituído a partir das distintas formas de políticas públicas.
de vida e de produção ancoradas na
base familiar e nas organizações asso- Neste capítulo, à luz das grandes li-
ciativas e cooperativas e tendo como nhas apresentadas anteriormente em
premissas as diferentes dimensões da capítulos específicos, procuraremos
sustentabilidade e a diversidade de su- sistematizar alguns aspectos que fo-
jeitos sociais presentes no espaço rural, ram determinantes no contexto refe-
por entender que este deve ser, além renciado dos programas e políticas de
de um local de produção, um espaço de desenvolvimento rural brasileiro. Mas,
vida e de relação social com a natureza. como um processo desta natureza é
bastante contraditório, também será
Nesta trajetória, destaca-se a importân- discutido um conjunto de desafios que
cia da abordagem territorial adotada ainda precisam ser enfrentados e supe-
pelos programas e políticas de desenvol- rados para que uma efetiva transição
vimento rural. Tal abordagem buscou de uma visão tradicional de desenvol-
superar as iniciativas de políticas setoria- vimento rural dê lugar a uma concep-
lizadas e fragmentadas, ao adotar uma ção mais abrangente que seja capaz
concepção multidimensional e inte- de ultrapassar as barreiras restritas da
grada de processos econômicos e sociais produção, concebendo o rural também
com o objetivo de utilizar adequada- como um espaço de reprodução social
mente as potencialidades econômicas, e de vida.

viii Cuaderno de trabajo 3


I. Construção da institucionalidade
para a gestão social

A emergência de novas institucionalida- relevância central, contribuindo para


des responsáveis pela gestão social das conformar novas bases institucionais
políticas públicas traduz uma diretriz que regulem a transferência de determi-
aprovada pela Constituição Federal do nadas competências aos níveis estaduais
país de 1988 e permite que atores so- e municipais. Estas definições constitu-
ciais, tradicionalmente excluídos dos cionais, bem como a afirmação de um
processos de construção das políticas, conjunto de direitos sociais, econômicos
tenham condições de ampliar sua par- e políticos, exemplificam o pacto social
ticipação na esfera pública. A criação consubstanciado durante a construção
dessas novas arenas de articulação, ne- da atual Constituição do país.
gociação e disputa de interesses entre os
atores, nos diferentes níveis de governo, Além das ações de aperfeiçoamento
representou um passo importante para a das instituições democráticas (confor-
reconstrução da democracia e para a am- mação de novos partidos políticos, elei-
pliação do campo da Política, no período ções livres, reconfiguração dos Poderes
posterior ao ciclo da ditadura militar. A Legislativo e Judiciário, etc.), a nova
histórica tradição da cultura autoritária, Carta Magna se define pela promo-
centralizada, descendente, clientelista, ção de conselhos gestores das políti-
corporativista e assistencialista que per- cas setoriais, nas diferentes escalas de
meia o Estado brasileiro se vê diante governo, como uma estratégia de de-
da necessidade de forjar e implementar mocratização das políticas com base na
estratégias que valorizem uma cultura participação ativa da sociedade civil na
democrática, descentralizada, partici- gestão dos bens públicos. A expansão
pativa, convergente e transparente. No do processo de criação desses conselhos
arcabouço institucional definido pela representou uma grande oportuni-
Constituição Federal de 1988, o tema da dade para a conformação de mecanis-
descentralização político-administrativa mos inovadores de interlocução entre
e fiscal do Estado brasileiro assume uma Estado e Sociedade, na medida em que

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente 1
os setores sociais mais bem organizados organizações da sociedade civil, uma
passaram a ocupar uma nova posição adequação de suas institucionalidades
política nos processos de gestão pública. e práticas de atuação, para que se defi-
Estes espaços de articulação no interior nam regras claras para a tomada de de-
da esfera pública ampliada (que não se cisões relativas ao uso e aplicação dos
restringe às instituições estatais) per- recursos públicos.
mitiram uma maior visibilidade das de-
mandas sociais, abrindo possibilidades A organização desses conselhos cum-
para uma melhor adequação das ações priu um importante papel no contexto
dos governos municipais e estaduais da redemocratização do país, pois per-
à diversidade dos contextos locais e mitiu o fortalecimento de capacidades
regionais. dos atores institucionais, econômicos
e sociais envolvidos na sua dinâmica,
Com isso, os mecanismos democráticos buscando desenvolver programas de
de gestão social conformados a partir formação em temas como gestão so-
deste período valorizam e reconhecem cial, diálogo multiatores, planeja-
a importância da dimensão política da mento e desenvolvimento territorial,
inclusão, a qual não se limita apenas articulação de atores, participação po-
aos programas de transferência condi- lítica nos espaços de governança, etc.
cionada de renda, de acesso a ativos e O permanente diálogo entre gestores
serviços sociais, de incentivo à geração públicos e os atores sociais que são
de ocupação e renda, etc. A valorização sujeitos das políticas públicas se cons-
da participação social nos mecanismos titui num fator primordial para defi-
democráticos de gestão pública confi- nir os ajustes necessários à execução
gura-se numa estratégia vital para pro- mais efetiva dos diferentes programas
mover a emergência de práticas sociais governamentais.
que consolidem uma cultura política
inclusiva, com condições mais efetivas A análise histórica desses processos de
de incidência nos processos de tomada gestão social das políticas deve consi-
de decisões. derar duas dimensões importantes:
a local e/ou municipal e a territorial.
Nesse sentido, o tema da gestão social Não se trata de fases diferentes que se
ganha força a partir da Constituição de sucedem no tempo, até porque estas
1988 e, progressivamente, vai conquis- ações se sobrepõem a partir de 2003.
tando maiores espaços na construção Entretanto, os períodos anterior e pos-
da agenda política dos governos das terior ao Governo Lula demarcam ên-
distintas unidades da federação, bem fases de abordagem muito distintas,
como do próprio governo federal. Este especificamente em relação aos meca-
cenário passa a exigir, tanto das ins- nismos de governança e ao seu grau de
tituições governamentais quanto das abrangência e cobertura.

2 Cuaderno de trabajo 3
No período entre 1988 e 2002, observa- visão estratégica sobre o conjunto das
se uma forte tendência dos conselhos ações realizadas num mesmo espaço
locais de se restringirem à dimensão (município ou território), reduzindo-
municipal, principalmente porque du- se as possibilidades de gerar sinergias e
rante o predomínio das políticas de complementaridades entre as ações de-
recorte nitidamente neoliberais pre- senvolvidas em cada área de interesse
valeceu uma concepção que estimu- público.
lava estratégias de desenvolvimento
local nas áreas rurais do país. A ado- A execução desses mecanismos de ges-
ção dessas estratégias, num ambiente tão social previstos no marco constitu-
de retomada da redemocratização e cional nacional enfrenta diversos tipos
de valorização da participação cidadã, de resistências no interior de cada âm-
serviu para gerar aprendizagens coleti- bito de atuação, em especial nas esferas
vas relacionadas ao exercício compar- municipais, onde a superação da cul-
tilhado das decisões nos espaços locais, tura política autoritária e patrimonia-
formando atores para atuar nessas no- lista, fundada sobre a reprodução de
vas arenas de negociação, concertação práticas clientelistas e corporativas, se
e disputa. apresenta como um desafio atual.

No Brasil, se estabeleceu uma prática Outro aspecto limitante da criação des-


muito comum no plano municipal, de tas instâncias de gestão, válido parti-
criar um conselho de gestão para cada cularmente para o caso dos Conselhos
setor (educação, saúde, desenvolvi- Municipais de Desenvolvimento Rural,
mento rural, assistência social, cultura, se refere às raízes históricas de uma
etc.) ou para alguns programas dos “falha institucional”, tal como identifi-
governos estaduais2, financiados com cada por Abramovay (2004) e Favareto
recursos de bancos públicos, em sua & Demarco (2004), pois não foram ge-
maioria. Isso levou à emergência de radas as habilidades institucionais e o
uma espécie de cultura “conselhista”, suporte técnico necessários para que
que provocou uma disseminação do as autoridades municipais e as equipes
número de conselhos e uma fragmen- de gestores setoriais pudessem exer-
tação da participação social. Em geral, cer satisfatoriamente as competências
entre os conselhos municipais e seus transferidas pela nova Constituição,
diferentes atores não se forjou uma principalmente aquelas referidas à

2. No caso específico dos municípios, a organização dos Conselhos Municipais representava um pré-re-
quisito básico para viabilizar o repasse de recursos financeiros da União ou dos Estados para que as
administrações locais pudessem desenvolver as ações previstas num determinado programa.

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente 3
definição de estratégias de desenvolvi- Territoriais, criados pela Secretaria
mento local, com uma visão de médio e de Desenvolvimento Territorial do
longo prazo. Os Conselhos Municipais Ministério do Desenvolvimento
de Desenvolvimento Rural não foram Agrário, dentre outros). De todos os
suficientemente capazes de ampliar a mecanismos de governança estimu-
democratização das políticas e propi- lados pelos ministérios, os Colegiados
ciar espaços efetivos para uma gestão Territoriais foram aqueles que con-
social estratégica, que contribua não seguiram maiores capacidades de
só para a definição da aplicação dos re- mobilização, adesão, visibilidade, re-
cursos financeiros de um determinado presentatividade e reconhecimento
programa governamental, mas princi- político.
palmente para incorporar estratégias
de planejamento, inovação, execução Estas instâncias de articulação dos ato-
e avaliação dos projetos de desenvolvi- res territoriais (instituições governa-
mento. Esta debilidade se percebe num mentais, de diferentes áreas e níveis
importante obstáculo institucional, ex- de governo, organizações representati-
presso na hegemonia da lógica setorial, vas da agricultura familiar – sindicatos,
pois as iniciativas aprovadas nesses cooperativas, associações, etc., organi-
conselhos tendem a valorizar quase zações de mulheres, jovens, quilombo-
que exclusivamente atividades econô- las, pescadores artesanais, indígenas,
micas relacionadas ao setor primário da etc., redes sociais, organizações não-
produção. governamentais e universidades) bus-
cam superar o localismo, a tendência à
No período que se inaugura simboli- municipalização e à fragmentação das
camente com o primeiro mandato do ações. Buscam fortalecer a construção
governo Lula, em 2003, a dimensão da de planos e projetos territoriais que res-
gestão territorial das políticas públicas pondam a necessidades estruturais da
passa a ocupar um lugar de maior des- agricultura familiar e que tenham ca-
taque na consolidação dos processos pacidade de contribuir para um desen-
de participação social. No âmbito do volvimento mais integral do território.
governo federal, diferentes ministérios
criaram mecanismos próprios para via- A formação dessa nova institucionali-
bilizar esta abordagem territorial (os dade de governança territorial provoca
Consórcios de Segurança Alimentar e uma reconfiguração e um realinha-
Nutricional –CONSAD, vinculados al mento das forças políticas territoriais,
Ministério de Desenvolvimento Social uma vez que as mesmas necessitam se
e Combate à Fome; os Fóruns ou articular com um conjunto mais amplo
Conselhos das Mesorregiões, instituí- de instituições e organizações sociais
dos pela Secretaria de Desenvolvimento para poder definir e priorizar inicia-
Regional do Ministério de tivas de interesse coletivo com maior
Integração Nacional os Colegiados potencial de impacto na dinâmica

4 Cuaderno de trabajo 3
territorial. O balanço geral desses proje- incidir politicamente junto a outros se-
tos aponta para o predomínio de ações tores do Estado. Além disso, a partir do
vinculadas à dimensão econômica do Governo de Dilma Roussef se verifica
desenvolvimento, em especial aque- uma clara tendência à diminuição do
las relacionadas ao fortalecimento das peso das políticas de recorte territorial,
infra-estruturas de apoio à produção valorizando-se a execução de ações a
agropecuária, à agroindustrialização partir das instituições pertencentes ao
e à comercialização. Os projetos terri- pacto federativo, o que provocou um
toriais que abordam temas como edu- deslocamento da importância dos es-
cação no campo, serviços de extensão paços de gestão social e da participação
rural, conservação ambiental, promo- política da cidadania na construção das
ção da cultura local, etc., ou seja, pro- políticas públicas.
jetos com uma perspectiva de trabalho
não centrada na dimensão agrícola ou Além disso, existem diversas outras
econômica, representam um número dificuldades que ainda precisam ser
menos significativo. Esta limitação se superadas, merecendo destaque: os
explica, dentre outros fatores, pela in- órgãos colegiados territoriais não con-
capacidade apresentada pela maioria templaram o conjunto da população
dos Colegiados Territoriais no sentido territorial, uma vez que nem todos os
de ampliar seu leque de fontes de fi- segmentos sociais que fazem parte do
nanciamento, permanecendo muito territorio participaram do processo;
limitados aos recursos disponibilizados a pluralidade de temas quase sempre
por organismos e programas governa- ficou restrita à questão da agricultura
mentais, como foi o caso do PRONAT. familiar, o que pode ter inibido a par-
ticipação de outros setores neste pro-
Com a criação do Programa Territórios cesso; a capacidade de formulação
da Cidadania, em 2008, e o aumento técnica carece de maior qualificação no
do número de instituições envolvidas momento de se propor inovações nas
na gestão das políticas e ações com foco políticas públicas; baixa coordenação
nos territórios rurais, estes problemas entre programas distintos e com dife-
de coordenação e capacidade de formu- rentes instrumentos de políticas públi-
lação de projetos intersetoriais e multi- cas; baixa articulação e integração das
dimensionais se revelaram ainda mais políticas entre os diversos níveis de go-
graves, evidenciando as limitações dos verno, provocando descontinuidades
colegiados, salvo raras exceções, para de ações, etc.

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente 5
II. Políticas de desenvolvimento
rural para a inclusão social e
produtiva no Brasil

Heranças históricas marcaram socie- em diversas partes do mundo. São


dades extremamente desiguais, como as próprias crises que rondam a hu-
é o caso da sociedade brasileira. Em manidade atualmente as porta-vozes
grande medida, a marca dessa desi- da necessidade de um repensar sobre
gualdade se explicita claramente por esta forma de debater os problemas
meio de graves indicadores de pobreza globais e, particularmente, os proble-
e de exclusão social, que muitos ainda mas da fome, da miséria, da pobreza
permanecem analisando apenas pelo e da exclusão social em sociedades
comportamento da renda doméstica, subdesenvolvidas.
inclusive relacionando-a ao próprio
comportamento de agregados macroe- Esse repensar possibilitaria a emergên-
conômicos, em especial ao Produto cia de uma nova ordem social amparada
Interno Bruto (PIB). Essa trajetória na garantia e ampliação dos direitos de
analítica, mesmo que se reconheça sua todos, o que significaria a conforma-
importância, sempre delimitou os ter- ção de sociedades mais coesas e com-
mos do debate ao horizonte do cresci- prometidas com o combate à exclusão.
mento econômico, confinando todas as Princípio elementar neste caso seria a
demais estratégias socioeconômicas a conformação de políticas públicas uni-
este plano. versais capazes de garantir o acesso de
todos aos bens públicos, especialmente
É exatamente esta concepção que aos serviços de saúde, educação, mora-
se encontra atualmente em questão, dia e alimentação saudável e de qua-
uma vez que a associação histórica en- lidade. Nesta sociedade idealizada ao
tre crescimento e desenvolvimento se estilo weberiano, o protagonismo dos
desfez, em grande medida, devido aos agentes sociais é fundamental, bem
próprios impasses dos modelos de orga- como o respeito à diversidade cultural,
nização econômica e social existentes étnica, racial e de gênero.

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente 7
Em linhas gerais o que os temas até aqui 1. Breve concepção sobre
tratados procuram mostrar é a necessi- inclusão socioprodutiva
dade de rearticular o processo de de-
senvolvimento numa escala maior, no Observando diversas experiências –
horizonte do território, por exemplo, governamentais e não governamentais
dando a esta remodelação visibilidade - em curso relativas à inclusão socio-
para que a participação e a geração de produtiva, nota-se que na maioria dos
novas oportunidades sejam a marca de casos a estratégia se resume à promo-
um novo tempo. É a isto que muitos ção de ações voltadas ao incentivo de
se referem quando propõem a inclusão geração de trabalho e renda aos grupos
socioprodutiva enquanto elemento es- sociais vulneráveis, enquanto estraté-
tratégico de combate à exclusão social gia central para combater a pobreza e
e à pobreza. promover a inclusão social. Para tanto,
busca-se o fortalecimento de pequenos
Registre-se que este debate não é tão negócios; a articulação de segmentos
novo, uma vez que por muito tempo de cadeias produtivas; a disponibiliza-
em diversos lugares do mundo se bus- ção de programas de treinamento de
cou promover a inclusão quase que mão-de-obra visando ampliar as capa-
unicamente pela via da geração de citações pessoais; a elevação da renda
emprego e de renda. Todavia, observa- per capita familiar, etc.
se que mais recentemente o tema da
inclusão ganhou maior amplitude Neste contexto, verifica-se que o debate
ao deslocar as preocupações também sobre a inclusão socioprodutiva perma-
para a melhoria da qualidade de vida nece circunscrito à esfera do mercado
das pessoas, sendo fundamental neste de trabalho. Sabemos que em momen-
caso o atendimento de necessidades tos de crise e/ou de reestruturação pro-
nas áreas de saúde, educação, alimen- dutiva ajustes no processo de trabalho
tação, transportes, habitação, cultura são frequentes, os quais têm implica-
e lazer, para além da simples inserção ções diretas sobre as camadas mais vul-
no mercado de trabalho. Desta forma, neráveis da sociedade. As heranças do
a inclusão socioprodutiva vai além do ajuste estrutural da década de 1990 es-
acesso aos mercados, procurando via- tão aí para comprovar essa argumenta-
bilizar a garantia de direitos econômi- ção. Não foi por acaso que exatamente
cos e sociais3. nesse período se verificaram as maiores

3. Além dessa dimensão socioprodutiva, pode-se analisar a importância também dos processos de inclusão
político-institucional, por meio da ampliação da participação dos setores tradicionalmente excluídos das
decisões políticas relativas à construção e gestão das políticas, ou ainda de inclusão cultural, mediante
a valorização dos saberes e conhecimentos locais, bem como da diversidade de manifestações artístico-
culturais expressas pelos atores dos territórios rurais.

8 Cuaderno de trabajo 3
taxas de informalização do mercado saúde, educação, transportes, cultura e
de trabalho em praticamente todos os lazer. Além disso, é fundamental que
países da América Latina, ocasionando seja garantido o acesso aos bens natu-
uma forte expansão dos índices de po- rais, especialmente a água e a terra.
breza, que atingiram seu teto máximo
em 2002, ano em que 43% da popu- Finalmente, a inclusão via políticas so-
lação latino-americano foi classificada ciais é o elo do tripé capaz de garantir
como pobre. inversões no processo de conformação
da pirâmide social, em cuja base deverá
Por isso, muitos analistas estão advo- estar assentada toda estratégia dessas
gando que a questão da inclusão socio- políticas. Para tanto, manter e ampliar
produtiva precisa ser entendida para as políticas de transferência de renda;
além do mercado de trabalho. Para universalizar o acesso a todas as polí-
tanto, torna-se necessário fazer uma ar- ticas sociais; ampliar as ações sociais às
ticulação entre três esferas essenciais en- camadas mais vulneráveis da popula-
quanto estratégia de combate à pobreza e ção; e estimular a organização social são
à exclusão social: a produtiva, a de acesso ações efetivas que irão contribuir no
aos mercados de bens e serviços; e a de sentido de se promover uma inclusão
inclusão social via políticas públicas. social ao estilo “bottom up”.

No primeiro caso, destacam-se polí-


ticas específicas voltadas às ativida- 2. Notas sobre as políticas
des produtivas capazes de agregar brasileiras recentes de
valor aos produtos; ampliar o acesso inclusão socioprodutiva
aos mercados locais e regionais; bem
como programas voltados ao processo Ressalta-se que os capítulos três a sete
de construção de novas formas de or- desta obra analisaram exatamente po-
ganização da produção pautadas, por líticas e programas que explicitam as
exemplo, pelos princípios da economia três dimensões anteriormente mencio-
solidária, além de estabelecer métodos nadas da inclusão social e produtiva,
produtivos centrados na gestão e con- ou seja, as políticas públicas de forta-
servação dos recursos naturais. lecimento das atividades produtivas; as
políticas públicas de acesso ao mercado
No âmbito da inclusão via acesso aos de bens e serviços; e as políticas públi-
bens e serviços, é fundamental garantir cas de inclusão social.
as camadas mais vulneráveis da popula-
ção o direito aos serviços de infraestru- No primeiro caso – capítulo III, assi-
tura básica, especialmente de moradia nado por Silvia Aparecida Zimmermann
e saneamento dignos, bem como aos e Valdemar João Wesz Junior – anali-
demais serviços públicos nas áreas de sou-se as políticas de apoio à produção

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente 9
e à comercialização, com ênfase no outros ministérios na definição e
Programa Nacional de Fortalecimento execução de outras políticas, espe-
da Agricultura Familiar (PRONAF), cialmente do PAA e do PNAE.
Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA), e Programa Nacional de Esses elementos permitiram aos auto-
Alimentação escolar (PNAE). Dentre res concluir que, apesar da existência
as principais conclusões dos autores, de algumas limitações de ordem técnica
destacam-se: e operacional, os programas e políticas
analisadas foram de grande relevância
a) o papel decisivo desempenhado para promover a inclusão social e eco-
pelas organizações da sociedade nômica dos agricultores familiares em
civil na formulação, implantação todo o país.
e monitoramento dessas políticas
destinadas ao fortalecimento da No segundo caso – capítulo IV, tam-
agricultura familiar, registrando-se bém assinado por Silvia Aparecida
a importância dos espaços de par- Zimmermann e Valdemar João Wesz
ticipação da sociedade civil neste Junior – analisou-se as políticas de in-
processo, o que certamente serviu fraestrutura para as áreas rurais, com
de estímulo para a emergência de ênfase no Programa Luz para Todos;
uma gestão mais descentralizada e no Programa Água para Todos; e no
participativa de políticas públicas; Programa Nacional de Habitação Rural.
Dentre as principais conclusões dos au-
b) a construção de plataformas integra- tores, destacam-se:
das de informações sobre o público
-alvo dos programas, destacando-se a) a importância de oferecer à popula-
o caso da Declaração de Aptidão ção rural, especialmente em regiões
ao Pronaf (DAP), instrumento que que convivem com elevados índices
permite aos beneficiários acessar de pobreza e de desigualdade social,
distintas políticas a partir de um o acesso a esses serviços básicos,
mesmo documento, fato que reduz considerados como requisitos míni-
a burocracia e amplia o acesso aos mos à promoção da cidadania e do
distintos programas públicos; desenvolvimento social;

c) a existência de um órgão governa- b) que o acesso a esses bens (água,


mental – caso do MDA – foi de suma energia elétrica e habitação) pos-
importância para que as demandas sibilita o ingresso posterior a ou-
da agricultura familiar brasileira tras políticas públicas que possuem
fossem ouvidas e comtempladas ações complementares e que se for-
pelas ações do governo federal. A talecem quando executadas con-
isso se soma também a atuação de juntamente, tendo em vista que se

10 Cuaderno de trabajo 3
destinam ao enfrentamento de pro- o chamado CadÚnico (Cadastro
blemas multidimensionais; Único) dos potenciais beneficiários
desses programas, os quais podem
c) o enfoque universalizante desses acessar, a partir deste cadastro, di-
programas garante que todos os seg- ferentes políticas sociais. Com isso,
mentos sociais residentes em áreas além da redução da burocracia, ob-
rurais com elevada desigualdade servou-se uma ampliação do nú-
socioeconômica e regional possam mero de beneficiários efetivamente
usufruir dos benefícios oriundos de atendidos por esta política social;
tais políticas, com implicações di-
retas na melhoria da qualidade de b) a ampliação do programa em pratica-
vida de toda a sociedade. mente todos os municípios do país a
partir da decisão de se descentralizar
Esses elementos permitiram aos auto- o cadastramento dos beneficiários
res concluir que as mudanças provo- no âmbito de seu espaço domiciliar
cadas pelas políticas de infraestrutura foi determinante para ampliação do
analisadas são indispensáveis para fo- programa, o que exigiu dos órgãos
mentar a inclusão social dos agriculto- governamentais maiores investi-
res familiares, especialmente daqueles mentos em infraestrutura de comu-
que vivem em áreas rurais que apre- nicação e de assistência técnica nos
sentam precários índices de desenvol- próprios municípios;
vimento. Isto porque os programas
analisados, além de propiciar o acesso c) a gestão descentralizada iniciada
a serviços básicos essenciais, geram be- pelo Programa Bolsa Família pro-
nefícios irradiadores e multiplicadores moveu uma ampliação também da
que perpassam a percepção das pessoas oferta de serviços assistenciais, o que
sobre os resultados de determinadas contribuiu de forma decisiva para
políticas específicas. a criação e o fortalecimento do sis-
tema unificado de assistência social.
Finalmente, o terceiro caso – capí-
tulo V, assinado por Silvia Aparecida Esses elementos permitiram aos auto-
Zimmermann e Valdemar João Wesz res concluir que, embora os programas
Junior – analisou as políticas sociais de transferência de renda sejam rela-
de transferência de renda, com ênfase tivamente recentes no contexto das
no Programa Bolsa Família. Dentre políticas sociais brasileiras, eles estão
as principais conclusões dos autores, mudando a realidade de muitos mu-
destacam-se: nicípios do país que até então não re-
cebiam qualquer política de assistência
a) a importância da construção da social, vivendo apartados do restante
Plataforma Integrada de Informação, do país.

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente 11
III. Influências das políticas de
desenvolvimento territorial e
agricultura familiar brasileiras na
América Latina

A partir de 1988, com a aprovação pela final de 1999 – quatro anos depois da
Constituição Federal da normativa que institucionalização do PRONAF.
estabelece o princípio da igualdade de
direitos para o acesso aos benefícios da Assim, ao longo desses últimos 15
Previdência Social por parte dos tra- anos, aproximadamente, essa tendên-
balhadores rurais, assegurando-lhes cia de diversificação e diferenciação
direitos anteriormente restritos às ca- dos instrumentos de fortalecimento
tegorias dos trabalhadores urbanos, da agricultura familiar vai ganhando
se observa a emergência de uma ten- maior força, sendo criados programas
dência à diversificação das políticas de assistência técnica e extensão rural,
públicas para a agricultura familiar. seguro, garantia de preços, agroecolo-
A criação dessas políticas respondeu, gia e produção orgânica, agroindús-
fundamentalmente, às manifestações trias rurais, comercialização, sanidade
e proposições das organizações de re- agropecuária, formação profissional,
presentação da agricultura familiar, educação do campo, compras institu-
bem como às críticas do modelo de es- cionais, alimentação escolar, crédito
truturação das políticas que, de fato, fundiário, turismo rural, moradia, ele-
excluía amplos setores da população trificação rural, água. Estes programas
rural do acesso a direitos, ativos, bens foram criados no âmbito do MDA ou
e serviços públicos para as áreas rurais. são desenvolvidos em parceria com
Além disso, é preciso reconhecer que outros ministérios e instituições do
esse movimento vai ganhar maior im- governo federal. Outras ações impor-
pulso com a formação do Ministério de tantes buscam valorizar a participação
Desenvolvimento Agrário (MDA), no das mulheres, da juventude rural e das

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente 13
populações quilombolas e indígenas de países latino-americanos para co-
nos processos de inclusão social e pro- nhecer o significado dessas iniciativas,
dutiva desenvolvidos nas comunida- apresentações desses programas em
des rurais. Além desses instrumentos espaços de discussão sobre políticas
específicos, a implementação de uma públicas, trabalhos de divulgação rea-
política de desenvolvimento territorial lizados pelas redes de investigação so-
nas áreas rurais do país, com a conse- cial e de gestão do conhecimento, etc.,
quente montagem de uma institucio- os programas nacionais transcenderam
nalidade específica para a gestão social as fronteiras do Brasil e serviram como
dos territórios rurais, também merece importantes referentes para países da
destaque como parte desse movimento América Latina e África.
de ampliação do leque de políticas de
fortalecimento da agricultura familiar No contexto regional da América
e de sua inclusão nas dinâmicas de de- do Sul, devido à posição estratégica
senvolvimento territorial. ocupada pelo Brasil no âmbito do
Mercosul, as políticas voltadas para
O Estado brasileiro foi um dos países a agricultura familiar assumiram um
pioneiros na América Latina a incorpo- significativo papel nas discussões da
rar em sua agenda política um conjunto Reunião Especializada da Agricultura
diversificado de instrumentos públicos Familiar. A REAF se constitui num
de desenvolvimento territorial e forta- organismo oficial do Mercosul, criada
lecimento da agricultura familiar4. A em 2004, e é responsável pela elabora-
abrangência desses programas, asso- ção de um marco de políticas regionais
ciado aos impactos sociais e econômi- para a agricultura familiar. Os deba-
cos por eles provocados nos territórios tes sobre a definição de agricultura
rurais, permitiu uma projeção interna- familiar, a construção de um registro
cional de muitas dessas ações. Por meio de identificação dessa categoria social
dos processos de cooperação Sul-Sul, como um instrumento para ter acesso
expresso em intercâmbios bilaterais a programas governamentais5 e, mais
de experiências, visitas de delegações recentemente, as elaborações em torno

4. De acordo com SABOURIN et all (2015), em Cuba, a aprovação de políticas específicas para a agricultu-
ra familiar inicia em 1993, no marco do “colapso do bloqueio soviético” (SABOURIN, 2015, p. 6).

5. Nesse aspecto, o desenho institucional da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) serviu como um
importante ponto de partida para as discussões referentes ao Cadastro da agricultura familiar. A REAF
publicou em 2016 um estudo de sistematização dos registros nacionais da agricultura familiar intitulado
“Los Registros Nacionales de la Agricultura Familiar en el ámbito del Mercosur: el rol de la REAF en el
proceso de su construcción a nivel regional”, analisando os marcos normativos desses instrumentos no
Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, Bolívia, Equador e Venezuela.

14 Cuaderno de trabajo 3
das políticas de extensão rural, con- com enfoque de inclusão e equidade,
tam com uma forte influência da ex- mediante o fortalecimento de amplos
periência brasileira. No caso específico processos de participação dos atores
do Uruguai, a constituição das Mesas institucionais e sociais na gestão dessas
de Desenvolvimento Rural revela uma ações. Na concepção dessa articulação
forte inspiração no modelo de gestão regional, duas experiências programá-
territorial implantado pela Secretaria de ticas assumiram um papel central, além
Desenvolvimento Territorial do MDA. das próprias lições extraídas das inicia-
No Paraguai, as iniciativas de fortale- tivas implementadas em seus respecti-
cimento de programas de alimentação vos países e territórios: a contribuição
escolar vinculados à produção familiar, europeia, em especial do Programa de
por exemplo, demonstram claras re- Desenvolvimento Rural Sustentável de
ferências com as políticas executadas Espanha, e a brasileira, por meio dos
no Brasil. Estes exemplos revelam a programas Territórios de Identidade e
influência das políticas públicas de de- Territórios da Cidadania.
senvolvimento territorial e de inclusão
da agricultura familiar desenvolvidas No plano nacional, esta influên-
no Brasil tanto no plano regional, no cia se manifesta na Política Nacional
âmbito da REAF, como no desenho po- de Desenvolvimento Rural Integral,
lítico-institucional referente a estes te- aprovada pela Guatemala, em 2009;
mas nesses países. no Programa Territórios de Progresso,
elaborado em El Salvador em 2011;
No caso da região centro-americana, na aprovação da Lei n° 9036, de 2012,
esta dupla contribuição (regional e que transforma o antigo Instituto de
nacional) das experiências brasilei- Desenvolvimento Agrário (IDA) da
ras também é possível ser constatada Costa Rica em Instituto Nacional de
de maneira muito concreta. Na es- Desenvolvimento Rural (INDER) e
fera regional, o Sistema de Integração cria, em 2015, a Política de Estado
Centro-Americana (SICA) aprovou para o Desenvolvimento Rural
oficialmente, em 2010, uma institucio- Territorial Costarriquense (PEDRT); e,
nalidade regional para formular uma na República Dominicana, a Estratégia
estratégia para o desenvolvimento sus- Dominicana para o Desenvolvimento
tentável dos territórios rurais. Nasceu, Rural Territorial, aprovada em 2014.
assim, a Estratégia Centro-Americana Nesses casos específicos, as conver-
de Desenvolvimento Rural Territorial sações realizadas pelas autoridades
(ECADERT), como instrumento de ar- governamentais, durante as missões
ticulação e proposição política supra- diplomáticas entre o Brasil e estes
nacional, que tem por objetivo geral países, a realização de intercâmbios
influir na construção das políticas pú- de experiências, a participação de
blicas de desenvolvimento territorial, autoridades ministeriais em fóruns

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente 15
e encontros latino-americanos, bem Dentre os países andinos, as insti-
como as atividades de cooperação tuições colombianas têm realizado
técnica promovidas pelos organismos diversos processos de aproximação
internacionais com a participação de institucional com as autoridades brasi-
ministros ou secretários de Estado, leiras, tanto pelas políticas de agricul-
contribuíram para compartilhar as ex- tura familiar quanto pelas políticas de
periências das políticas brasileiras e, desenvolvimento territorial rural. Um
principalmente, seus resultados, lições dos eixos centrais do Acordo de Paz,
e aprendizados. recentemente assinado entre o go-
verno colombiano e as Forças Armadas
Seguramente a região da América Revolucionárias de Colômbia (FARC),
Latina onde a influência institucional é a dinamização econômica e social dos
das políticas brasileiras tenha obtido territórios rurais, assegurando um lugar
um alcance mais limitado, em termos de destaque para a agricultura familiar
de sua apropriação pelos órgãos go- em termos de garantia da segurança
vernamentais, é a região andina, tanto alimentar e nutricional, de inclusão
no âmbito da Comunidade Andina de das populações rurais nos processos de
Nações (CAN) como dos países que desenvolvimento territorial, de recons-
a integram. Talvez os programas que trução do tecido social e de criação e
receberam um maior grau de adesão fortalecimento de novas institucionali-
nesses países sejam aqueles relaciona- dades de gestão social que promovam a
dos às compras institucionais e de ali- territorialização das políticas.
mentação escolar (casos de Colômbia,
Equador e Bolívia). Na região andina, Em todas essas regiões e países, o papel
o debate público sobre a apropriação desempenhado por organismos de coo-
contextualizada do conceito de agri- peração internacional, como a FAO e o
cultura familiar em seus marcos legais IICA, pelas redes de gestão de conheci-
e sobre a formulação de políticas di- mento que articulam hemisfericamente
ferenciadas para esta categoria social centros de pesquisa de diversos países,
só mais recentemente vem ganhando bem como pelas redes de organizações
espaço na agenda política. Um dos fa- sociais vinculadas à agricultura familiar
tores que explicam essa dificuldade de na América Latina, de diferentes for-
amplificar as políticas está relacionado mas e perspectivas, contribuiu para dar
ao peso cultural e político da noção maior visibilidade e reconhecimento às
de “campesinato” entre as autorida- políticas de desenvolvimento dos ter-
des governamentais, as organizações ritórios rurais e de fortalecimento da
de representação política, as organi- agricultura familiar implementadas no
zações não-governamentais, as redes Brasil. Tais políticas são consideradas
sociais, as universidades e os centros como importantes referências institu-
de investigação social. cionais e expressam um conjunto de

16 Cuaderno de trabajo 3
aprendizados muito pertinentes para familiar, no marco de estratégias in-
aqueles países interessados em desen- clusivas de desenvolvimento rural. As
volver instrumentos normativos que atividades realizadas em vários países
facilitem esses processos em cada con- da América Latina contribuíram para
texto específico. colocar o tema da agricultura familiar
num patamar mais elevado da agenda
Nesses processos de cooperação, de política desses países.
maneira alguma se buscou levar a
experiência brasileira para que suas O atual cenário político brasileiro,
políticas sejam adotadas cegamente após o impeachment da Presidenta
nesses países latino-americanos, o Dilma Roussef e o consequente des-
que resultaria totalmente inconce- monte dos programas de inclusão so-
bível, devido às diferenças geográfi- cial e produtiva implementados desde
cas, históricas, político-institucionais, 2003, aponta para um arrefecimento
sociais, econômicas e culturais que dessas ações e, muito possivelmente,
caracterizam a diversidade das traje- do orçamento público destinado a es-
tórias institucionais de cada país, bem sas políticas. A extinção do MDA en-
como das capacidades organizativas fraquece este campo de forças políticas,
e de autonomia dos atores sociais, da e, sem dúvidas, cria uma grande difi-
correlação de forças e dos projetos na- culdade para fortalecer os processos
cionais em disputa. de cooperação Sul-Sul. Mesmo assim,
e considerando-se todas as limitações
Além da contribuição promovida pelos apresentadas pelas políticas públicas de
organismos de cooperação internacio- desenvolvimento territorial rural e de
nal na difusão e intercâmbio das políti- agricultura familiar, entendemos que
cas brasileiras, percebe-se que as ações as lições e aprendizados dessa trajetória
desencadeadas durante e depois do Ano brasileira recente se constituem num
Internacional da Agricultura Familiar, legado fundamental para as institui-
em 2014, deram um maior impulso às ções governamentais e também para as
discussões sobre as políticas públicas organizações sociais dos demais países
para o fortalecimento da agricultura latino-americanos.

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente 17
IV. Limites e desafios para o futuro
das políticas de desenvolvimento
rural no Brasil e na América Latina

É certo que desde os primórdios do sé- que ainda precisam ser superados para
culo XXI a temática da ruralidade vem se construir um novo paradigma de de-
ganhando novos contornos analíti- senvolvimento, em que o espaço rural
cos a partir de um consenso formado passe a ser concebido para além de um
que ressalta o fato de que os espaços simples local de produção de mercado-
rurais – brasileiro e latino-americano rias agropecuárias.
– são cada vez mais heterogêneos e de
uma amplitude que vai além das tra- No caso do Brasil, como apontamos an-
dicionais classificações oficiais. Esses teriormente, após a adoção da política
dois aspectos (heterogeneidade e di- de desenvolvimento territorial no ano
mensão) atuam diretamente sobre as de 2003 abriu-se um leque enorme
políticas públicas, obrigando-as a se- de oportunidades, especialmente no
rem repensadas, ao mesmo tempo em campo da democratização das políti-
que se estabeleçam novos parâmetros cas públicas. Todavia, a trajetória das
no processo de construção, execução e políticas analisadas em um território
avaliação das mesmas. específico é reveladora de que muitos
gargalos ainda estão presentes, os quais
Isso ficou mais evidente em países influenciam decisivamente os próprios
onde esse repensar das políticas públi- resultados das referidas políticas. De
cas de desenvolvimento rural ampliou uma maneira geral, destacaram-se os
sua escala a partir da adoção da abor- problemas de coordenação dessas po-
dagem territorial, passagem esta que, líticas, tanto entre as diferentes esfe-
sem dúvida, foi limitada em muitos ras do próprio governo federal como
casos e portadora de inúmeras dificul- entre os distintos níveis de governo
dades. Todavia, o fato concreto é que (federal, regional e local); de falta de
essas experimentações recolocaram na capacitação para formulação de proje-
ordem do dia um conjunto de temas tos de desenvolvimento intersetoriais e

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente 19
multidimensionais; de falta de espaços historicamente dominam o Estado
para a gestão social e para o estímulo de forma clientelística, bem como
ao protagonismo político dos benefi- direitos passam a ser negados por
ciários; de ausência de envolvimento esses mesmos agentes públicos;
de todos os atores sociais na constru-
ção das políticas territoriais de desen- c) a persistência de estrutura fundiária
volvimento; e de poucas inovações no secular marcada pela concentração
processo de construção e execução das da terra e do poder político nas mãos
novas políticas, etc. de um pequeno número de pessoas
é outro fator responsável pelo pro-
Alguns desses elementos ficaram mais cesso de exclusão social e criador de
visíveis quando se buscou analisar a dificuldades para se implementar as
ancoragem dessas mesmas políticas em políticas de desenvolvimento terri-
um determinado território. Neste caso, torial da forma que foram concebi-
os capítulos 6 e 7 da presente obra – das no âmbito do país;
ambos assinados por Joelmir Pinho e
Ana Roberta Duarte Piancó - apresen- d) a limitada capacidade de gestão téc-
tam algumas lições apreendidas a par- nica e gerencial das administrações
tir do Território Cariri Oeste, estado do locais, associada à questão ética-
Ceará. Dentre os principais pontos li- política, também se traduziram em
mitantes identificados pelo estudo local fatores limitadores de sucesso da po-
destacaram-se: lítica de desenvolvimento territorial
no Cariri Oeste. Por isso, a constru-
a) o reduzido diálogo entre as ins- ção de uma nova cultura político
tituições locais responsáveis pela -administrativa é fundamental para
execução das políticas com as or- que tais políticas consigam atender
ganizações dos trabalhadores rurais aos interesses coletivos;
e os próprios cidadãos das comuni-
dades beneficiadas, implicando em e) a baixa integração e articulação entre
um desconhecimento, por parte dos o conjunto de instituições existentes
beneficiários, dos objetivos, benefí- no território (órgãos governamentais
cios e responsabilidades das distin- estaduais, órgãos governamentais
tas políticas; locais, universidades, ONGs, etc.)
também foi considerado um fator li-
b) a inadequação - e até mesmo ine- mitador no processo de implementa-
xistência - de um sistema de comu- ção das novas políticas públicas;
nicação entre os governos locais e
as populações rurais, fato que fa- f) a fragilidade do processo organiza-
vorece a continuidade do controle tivo das comunidades rurais e de
político por parte de oligarquias que suas organizações representativas,

20 Cuaderno de trabajo 3
fato que impede um maior grau de das políticas nacionais, é fundamen-
empoderamento desses atores no tal buscar fortalecer as capacidades de
sentido de também torná-los prota- empoderamento dos atores territoriais
gonistas políticos. para que tenham melhores condições
de incidir nos processos de gestão de
De algum modo, todos esses fatos re- seus territórios, tornando-se, assim,
portados podem estar indicando um protagonistas da construção de um
certo esgotamento do processo que desenvolvimento inclusivo e susten-
estava em curso, o qual seguramente tável. Nesse sentido, os arranjos ins-
foi profundamente afetado pelo clima titucionais, criados ao longo desses
político que se instaurou no Brasil últimos anos, representam arenas de
após as eleições de 2014, culminando participação social que permitem a
com a deposição da presidente legiti- ampliação da vivência cívica aos ato-
mamente eleita no mês de agosto de res envolvidos nesses processos. Estes
2016. A partir de então, o clima de in- processos fortalecem a esfera pública
certeza tomou conta dos programas de da sociedade enquanto espaço de
desenvolvimento rural que estavam publicização e concertação de uma
em curso, especialmente da política de diversidade de demandas sociais e
desenvolvimento territorial. econômicas.

Deste modo, para retomar os processos Numa perspectiva propositiva de aper-


de governança territorial das políticas feiçoamento desses arranjos, alguns
públicas e superar as limitações anterior- desafios permanecem, tais como as ne-
mente identificadas, torna-se decisivo, cessidades de: superar a fragmentação
antes de tudo, priorizar estes espaços das políticas; articular e harmonizar as
como locus privilegiado da gestão social intervenções das distintas esferas de
das políticas vinculadas ao desenvolvi- governo, promovendo maiores níveis
mento inclusivo e sustentável dos ter- de coordenação e integração das ações;
ritórios rurais. Atualmente, a retomada ampliar os espaços e mecanismos de
desse processo como diretriz de governo proposição e formulação de políticas;
se mostra bastante comprometida no garantir maior representatividade so-
caso brasileiro, em função das posições cial nos espaços institucionais, etc.
políticas definidas pelo Governo Temer,
que apontam para uma tendência de Finalmente, é importante ressaltar
esvaziamento desses espaços institucio- que o esforço analítico desenvolvido
nais, que poderá enfraquecer a partici- ao longo das reflexões apresentadas
pação da sociedade civil. neste livro sobre o legado das políti-
cas públicas de desenvolvimento rural
Porém, independentemente das in- para a inclusão social e produtiva no
tenções e práticas dos atuais gestores Brasil representa também uma valiosa

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente 21
contribuição para o debate sobre a de inclusão, investigando outros terri-
importância das políticas inclusivas tórios do Brasil e de alguns países la-
nos demais países da América Latina tino-americanos que implementam
e do Caribe. Coordenadas pelo IICA políticas de desenvolvimento inclusivo
Brasil, no âmbito das ações do Projeto nos territórios priorizados.
Insígnia Inclusão na Agricultura e nos
Territórios Rurais, as análises integra- Além disso, recomendamos que este
das deste livro constituem-se num material possa servir de base para a pro-
aporte de referência para a construção dução de análises comparadas que bus-
de uma agenda política latino-ameri- quem integrar criticamente resultados e
cana que seja capaz de formular e im- lições aprendidas de outros estudos exe-
plementar um conjunto articulado de cutados pelo Projeto Insígnia Inclusão
políticas de desenvolvimento dos ter- (tais como os diagnósticos das políti-
ritórios rurais fundadas em processos cas de inclusão realizados no México,
inclusivos e sustentáveis. Guatemala, Costa Rica, Colômbia
e Equador), pelo Projeto Insígnia
A título de recomendação, sugerimos, Agricultura Familiar ou por outras ins-
primeiramente, que outros países pos- tituições governamentais, organizações
sam utilizar, metodologicamente, o fio sociais, universidades e centros de inves-
condutor traçado para desenvolver as tigação comprometidas com a constru-
análises difundidas neste livro, bus- ção de conhecimentos que se traduzam
cando relacionar as políticas públicas de em bens públicos hemisféricos.
inclusão sócio-produtiva, de um lado,
com o contexto macro político, econô- Nesse sentido, uma análise mais pro-
mico e social e, de outro lado, com o funda e integrada sobre o significado
contexto territorial onde são aplicadas desses complexos e diversificados pro-
por diversos atores. A realização de um cessos na América Latina nos permi-
estudo mais amplo e de caráter propo- tiria identificar os fatores estruturais
sitivo acerca da relevância das políticas potencializadores e limitantes para a
de inclusão para o fortalecimento e di- implementação de políticas e iniciati-
namização dos territórios rurais e para vas de desenvolvimento inclusivo nos
a redução das desigualdades sociais territórios rurais. Os resultados de uma
na América Latina e Caribe, tomando análise comparada representam uma
como base este recorte metodológico, contribuição decisiva para o enfrenta-
configura-se numa demanda atual mento e superação das diferentes for-
para os processos de investigação so- mas de exclusão existentes nas áreas
cial no continente. Como continuidade rurais latino-americanas.
deste trabalho aqui iniciado, este novo
estudo poderia complementar a aná- Recomendamos, em segundo lugar,
lise sobre o alcance real dos processos que os atores implicados nos processos

22 Cuaderno de trabajo 3
de construção de políticas públicas de regionais e hemisférico, em um tra-
combate à pobreza e de promoção de balho articulado com as instituições
estratégias de desenvolvimento terri- contraparte, deve incentivar e apoiar a
torial rural inclusivo avaliem o signi- criação e consolidação de espaços inte-
ficado das ações realizadas e, a partir rinstitucionais de debate e proposição
dessa avaliação, proponham uma nova de estratégias e políticas de desenvol-
agenda política para o desenvolvimento vimento territorial rural. Essas políti-
rural, que não seja apenas de caráter cas devem incentivar o entrelaçamento
meramente incremental. Para enfren- dinâmico das economias dos espaços
tar e superar os novos desafios das si- rurais e urbanos, a inclusão social e pro-
tuações de exclusão com propostas dutiva dos grupos sociais vulneráveis,
compatíveis com as relações contem- a sustentabilidade ambiental e a parti-
porâneas estabelecidas entre os espaços cipação cidadã na gestão das políticas
rurais e urbanos, se faz necessário con- nos territórios. Onde for politicamente
formar um novo acordo político-social, viável, é importante que se constituam
envolvendo governo e sociedade civil, marcos institucionais e instrumentos
que reconheça a necessidade de rea- operativos que deem o amparo legal
lizar uma profunda mudança institu- a essas políticas, incorporando os se-
cional capaz de dar suporte às políticas guintes eixos estruturais: (i) o fortaleci-
inovadoras de inclusão nas áreas rurais mento da produção agrossilvopastoril,
. baseada em um novo padrão tecno-
Essa nova agenda deve incorporar um lógico que priorize a soberania e a se-
conjunto de objetivos estratégicos, tais gurança alimentar e nutricional e que
como: (i) gerar um modelo de desen- seja resiliente às mudanças climáticas
volvimento com foco central na redu- em curso; (ii) a promoção da qualidade
ção das desigualdades e na superação de vida e do bem-estar social das po-
da pobreza; (ii) construir mecanis- pulações dos territórios rurais, conside-
mos solidários de integração entre as rando que estas regiões não se limitam
áreas rurais e urbanas, reconhecendo a espaços de produção e, portanto, ne-
a heterogeneidade social das popula- cessitam ter acesso a um conjunto de
ções rurais e valorizando seus espaços direitos, bens e serviços públicos e pri-
de vida e trabalho; (iii) consolidar os vados; (iii) o incentivo à implementação
direitos de cidadania, expressos no de processos continuados de inserção
acesso a ativos, bens e serviços que as- social e produtiva, com diversificação
segurem melhores condições de vida e dinamização das economias territo-
às populações rurais. riais, potencializando suas vantagens
comparativas; (iv) o fortalecimento de
Para viabilizar as condições institucio- ações focalizadas no empoderamento
nais que permitam alcançar este re- dos atores sociais, na discriminação po-
sultado, o IICA, nos planos nacionais, sitiva e na consolidação de mecanismos

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente 23
institucionais de participação política possa servir tanto como uma referên-
que assegurem a diversidade dos atores cia para iniciativas políticas em outros
no processo de planejamento e gestão países, quanto principalmente como
social do desenvolvimento dos territó- um ponto de partida para uma articu-
rios rurais. lação entre instituições interessadas em
avançar na construção de análises com
Estas recomendações finais buscam este enfoque e na elaboração de pro-
apontar alguns caminhos que nos per- postas de políticas públicas capazes de
mitam dar continuidade a esta inicia- impulsar transformações significativas
tiva desenvolvida no Brasil, de maneira para o desenvolvimento inclusivo nos
que o legado histórico dessa experiência territórios rurais.
Referências bibliográficas

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tas sobre a inclusão socioprodutiva. In: Fórum DRS-IICA,
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Caribe: nuevas perspectivas. San José, IICA, 2015. 400 p.

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente 25
Acerca de los Cuadernos de Trabajo sobre Inclusión

Los Cuadernos de Trabajo sobre Inclusión Documentos de análisis para facilitar el


son una publicación seriada no periódica de conocimiento e intercambio de procesos
documentos conceptuales y metodológicos, nacionales y territoriales de inclusión.
experiencias nacionales o territoriales,
discusiones comparadas y aprendizajes sobre Documentos relacionados con el forta-
inclusión, empoderamiento y dinamización lecimiento de capacidades para la inclu-
económica en procesos de desarrollo de sión en procesos de desarrollo.
los territorios rurales y de sus agriculturas
familiares, como también de la gestión social Discusión comparada de experiencias
de las políticas públicas y transformaciones nacionales y territoriales de inclusión en
institucionales relacionadas. la agricultura y los territorios rurales

Propósito Aprendizajes y buenas prácticas sobre in-


clusión en la agricultura y los territorios
Compartir avances, productos intermedios rurales
y versiones avanzadas de bienes públicos
generados en procesos territoriales,
Políticas públicas para el desarrollo terri-
nacionales, regionales o hemisféricos
torial incluyente y el fortalecimiento de
asociados al Proyecto Insignia de Inclusión
las agriculturas familiares
en la agricultura y los territorios rurales

Procesos institucionales e interinstitu-


Ámbito temático
cionales para el desarrollo territorial
incluyente y el fortalecimiento de las
Aportes y debates conceptuales sobre in-
agriculturas familiares
clusión, con énfasis en empoderamiento
y dinamización económica, en procesos
de desarrollo territorial y fortalecimiento Acciones colectivas para el desarrollo te-
de las agriculturas familiares rritorial incluyente y el fortalecimiento
de las agriculturas familiares
Metodologías de trabajo para el desarro-
llo incluyente de la agricultura y los te- Otros temas relacionados con inclusión
rritorios rurales en procesos de desarrollo territorial.

Experiencias documentadas o sistemati- Autoría


zadas sobre desarrollo de los territorios
rurales y sus agriculturas familiares Pueden publicar todas las personas par-
ticipantes en procesos relacionados con
Estudios de caso relevantes sobre desa- el PI de Inclusión o en colaboración con
rrollo territorial e inclusión. iniciativas afines.

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente 27
Las personas que publican sus trabajos en Títulos de sección en mayúsculas y ne-
esta serie mantienen su autoría intelec- grita, con números romanos
tual, y son responsables por sus conteni- Subtítulos en cursiva y negrita, con nú-
dos. Pueden publicar versiones revisadas meros romanos
posteriores en revistas, libros u otras obras, Numeración de páginas en la esquina
haciendo referencia a la versión inicial. inferior derecha de cada página, salvo la
portada
Comité editorial Vinculo a sitio web y fecha en la cual es-
taba disponible el trabajo citado, en los
Está conformado por el Líder y el equipo casos pertinentes
de coordinación del Proyecto Insignia de Bibliografía al final del fascículo: Autor
Inclusión en la agricultura y los territo- en mayúsculas, año entre paréntesis, tí-
rios rurales tulo del libro o revista en negrita, ciudad
de publicación y editorial.
Idiomas
Versiones electrónica e impresa
Castellano, portugués, inglés o francés
Electrónica: Publicada como archivo
Formato pdf, enviada a lista de correos de per-
sonas y entidades interesadas, y dispo-
Por la naturaleza de esta serie, el formato nible en el espacio virtual del Proyecto
es flexible y los textos se publicarán sin Insignia de Inclusión en la Agricultura y
revisión filológica, pero se solicita a los los Territorios Rurales en portalsiget.net
autores y autoras aplicar en los manuscritos
los siguientes aspectos de estilo: Impresa: Libre impresión de ejempla-
res por parte de Representaciones del
Espacio seguido, tipo Meridien No. 12 en IICA, contrapartes institucionales u
el texto y No. 10 en las notas al pie. otros interesados y Sede Central del
Índice general automático al inicio del IICA, según demanda y disponibilidad
fascículo de recursos.

28 Cuaderno de trabajo 3
Proyecto Insignia Inclusión en la Agricultura
y los Territorios Rurales

Este proyecto brinda servicios de coopera- de generar y fortalecer condiciones institu-


ción técnica a las instituciones contraparte cionales para que las políticas públicas de
del IICA, con el objetivo de contribuir al es- inclusión alcancen a un número más am-
tablecimiento de procesos político-institu- plio de grupos excluidos y, con esto, pue-
cionales que apoyen el diseño y la gestión dan producir impactos más profundos en la
participativa de políticas integradas de de- sociedad.
sarrollo incluyente en los territorios rurales.
El fortalecimiento de marcos institucionales De forma complementaria, en los territorios
y políticas públicas de inclusión rural es un es importante fortalecer el empoderamiento
elemento clave para el éxito de este pro- de los grupos excluidos y sus capacidades de
yecto. Así, las poblaciones rurales que han protagonismo social para que participen de
vivido tradicionalmente en diferentes condi- instancias de articulación territorial, se ar-
ciones de exclusión de los procesos de de- ticulen con sectores organizados, elaboren
sarrollo tendrán mejores oportunidades para proyectos y construyan iniciativas económi-
integrarse de manera más justa y equitativa cas de interés común que contribuyan a la
en las dinámicas del desarrollo de la agricul- dinamización del territorio.
tura y los territorios rurales.
El proyecto se desarrolla en 11 países del
Para alcanzar este objetivo, el rol del IICA es continente (México, Guatemala, Honduras,
facilitar la articulación de las instituciones Costa Rica, Haití, República Dominicana,
gubernamentales, organizaciones económi- Surinam, Guyana, Colombia, Ecuador y
cas y sociales, academia y empresas del sec- Brasil) y, a excepción de Haití, la cooperación
tor privado, con la finalidad de sensibilizar y técnica del IICA se ejerce simultáneamente
estimular la construcción participativa y la en los ámbitos nacional y territorial. Acorde
gestión social de un conjunto de estrategias, con la concepción sistémica del proyecto,
políticas, programas y acciones integradas las acciones se ejecutan en las dimensiones
de inclusión social, económica y ciudadana de las políticas públicas, de la dinamiza-
en los territorios rurales con predominio de ción económica incluyente y del empodera-
la agricultura familiar. Las acciones del pro- miento de los actores. Además, integrando
yecto no se limitan a organizar y desarrollar las experiencias desarrolladas y las lecciones
proyectos que atiendan a las necesidades aprendidas, al final del proceso se pretende
inmediatas de grupos de mujeres, jóvenes producir bienes públicos que puedan servir
o etnias que trabajan y viven en situaciones de referencia para otros países de América
de exclusión en las áreas rurales. Se trata Latina y Caribe.

Possibilidades e desafios das políticas de desenvolvimento rural para a inclusão social


e produtiva na América Latina: Contribuições da experiência brasileira recente 29
Inclusión en la
agricultura y los
territorios rurales

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