Você está na página 1de 20

Intercâmbios e contradições discursivas: os desafios na construção do conhecimento de

ATER no Nordeste1.

Eliana Andrade da Silva (UFRN)

Ramonildes Alves Gomes(UFCG)

Introdução

O presente artigo objetiva problematizar a trajetória do conhecimento científico sobre


Assistência Técnica e Extensão Rural produzido na região Nordeste, o qual, consequentemente,
influencia às práticas e conforma certo modelo de agricultura. As discussões aqui expostas
foram extraídas do projeto de investigação de Pos Doutoramento2 intitulado: “Circulação
internacional de atores e de idéias e sua relação com a produção de conhecimentos sobre ATER
no Nordeste”. Para efeito deste partimos da hipótese que os estudos de ATER no Brasil e no
Nordeste se situam na dinâmica das trocas e dos intercâmbios internacionais de conhecimento,
mas sob um padrão científico de caráter dependente que dificulta a produção e difusão de
saberes que retratem as particularidades da região As questões norteadoras são: a) Como se
processa a circulação internacional de ideias sobre ATER?; b) Quem são os intelectuais que as
elaboram e que se inserem nos fluxos da produção de conhecimentos?

No que se refere a metodologia da pesquisa tomou-se como base os dados do sistema


da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Neste universo foram
escolhidas como fonte de investigação as dissertações dos cursos de Mestrado em Extensão
Rural da Universidade Federal Rural de Pernambuco e da Universidade Federal do Vale do São
Francisco, sem deixar de reconhecer outras modalidades de registro do conhecimento
produzido, priorizamos os programas citados porque estes são os únicos programas de pós-

1
44º Encontro Anual da ANPOCS - GT45: Transformações rurais no Brasil e no mundo – desafios para a
política e para as ciências sociais.

2
o estágio de Pós doutorado foi realizado junto ao Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais
da Universidade Federal de Campina Grande foi realizado no período que compreende o mês de Fevereiro de
2019 à fevereiro de 2020 no Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais desta Universidade.

1
graduação em Extensão Rural existentes na região. Como estratégia de pesquisa complementar
também foram realizadas pesquisa e análise documental, além de entrevistas.

Como critério para escolha da amostra definimos analisar: a) trabalhos de dissertação


de Mestrado; e b) pesquisas que tivessem como objeto de estudo a Assistência Técnica e
Extensão Rural (ATER). Foi estabelecido como período de análise os anos de 2004 à 2018,
tendo em vista que a partir de 2004 é promulgada a Política Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural (PNATER). Também neste contexto foi regulamentada a Lei de ATER em
2010. No comput geral da pesquisa foram levantadas 42 dissertações de Mestrado na UFRPE,
sendo que deste universo 12 foram descartadas, tendo em vista que não se encontram nos
critérios de investigação. Assim, foram analisadas 30 dissertações da UFRPE. Já na UNIVASF
o universo total foi de 17 trabalhos tratavam sobre ATER. Destas foram descartadas 3
dissertações e foram analisadas 13 dissertações. Este trabalho de análise, classificação,
categorização e análise ocorreu entre os meses de outubro e novembro de 2019.

A produção de conhecimento em ATER: dinâmicas e atores

Pensar a circulação de ideias e portanto, as formas de produção cultural presentes na


literatura, na ciência não é suficiente apresentar apenas o conteúdo textual dessa produção
e tão somente o contexto social no qual ela se desenvolve. É necessário para além do texto e
do contexto analisar os pontos de mediação entre estas esferas. Nesse sentido, a noção de
campo científico se apresenta como o universo no qual se situam os agentes e as instituições
nas quais se inserem os intelectuais e são os espaços nos quais se difundem a produção
intelectual. Portanto, Campo pode designar “esse espaço autônomo dotado de leis próprias. Se,
como macrocosmo, ele é submetido a leis sociais, essas não são as mesmas. Se jamais se escapa
às imposições do macrocosmo, ele dispõe, com relação a este, de uma autonomia parcial mais
ou menos acentuada (Bourdieu 2004, p. 20-21).

O campo científico se constitui como campo de forças e um cenário de lutas por sua
transformação ou manutenção. Ou seja,

o que comanda os pontos de vista, o que comanda as intervenções científicas, os


lugares de publicação, os temas que escolhemos, os abjetos pelos quais nos
interessamos é a estrutura das relações objetivas entre os diferentes agentes que são,
para empregar a metáfora ‘einsteiniana’ , os princípios do campo. Ou mais
precisamente, é a posição que eles ocupam nessa estrutura que determina ou orienta,
pelo menos negativamente, suas tomadas de posição. (Bourdieu, 2004, p. 23)

2
Assim, para Bourdieu a identificação da dinâmica do campo científico está relacionada
a construção do que denomina de relações objetivas. Aqui o autor sugere a adoção da noção de
capital científico em detrimento da noção de posição de classe social para identificar a posição
dos agentes e sua relação com os demais agentes sociais em um determinado campo. Esta noção
de capital científico, concebido como simbólico, está ligado ao reconhecimento dos demais
agentes no interior do campo e no cenário de uma cultura científica e dos agentes que nela se
inserem.

No caso da produção científica de ATER podemos considerar como atores influentes


os pesquisadores da área, e os agentes públicos de ATER, ou seja, a massa crítica que escolhe
este tema como objeto de elaboração científica. Também participam deste cenário as
instituições de elaboração e financiamento das políticas públicas de ATER, a saber
organizações governamentais como MDA, INCRA, Emater, bem como
aquelas implementadoras de ações de ATER com recursos públicos como organizações não
governamentais. Este é o cenário de relações no qual se insere a produção de conhecimentos
em ATER na contemporaneidade.

O processo de institucionalização da ATER como política de Estado a partir de 2004


cria as condições para desenvolvimento de uma produção cientifica de ATER influenciada por
marcos regulatórios governamentais , ou seja pelas novas legislações e ações públicas em
vigor (PNATER, LEI DE ATER, ANATER, SIBRATER, PLANAPO). Inicialmente é
necessário demarcar que a extensão rural é considerada uma modalidade de intervenção a qual
se conecta diretamente a uma concepção de Desenvolvimento econômico, social e também a
uma concepção de Desenvolvimento rural.

Em face da conjuntura brasileira e do arranjo político institucional marcado pela


chegada de um governo de centro esquerda ao Estado no ano de 2003 a ATER adquire um
status de política púbica. De acordo com a pesquisa documental podemos apontar que a Política
Nacional de ATER (2004) se fundamenta em uma concepção de assistência técnica rural
pautada em uma abordagem humanista, multidisciplinar, participativa, educativa,
agroecológica e sustentável (BRASIL, 2004).
Na esteira das alterações observadas na ATER é possível identificar também uma
redefinição de categorias beneficiadas tais como o agricultor familiar, considerando suas
particularidades de gênero, etnia, geração, raça. Também é observado um novo ordenamento

3
no formato de operacionalização do serviço. Nesses termos, surge a definição de um sistema de
ATER público, descentralizado com participação da sociedade civil. Assim, é estabelecido

como público da ATER a agricultura familiar em toda a sua diversidade, contempla as


dimensões de gênero, raça e etnia, e ratifica um novo arcabouço institucional para
ATER pública no país, descentralizado, que inclui as organizações estatais e não
governamentais de Ater, tem a participação dos três níveis de governo, municipal,
estadual e federal e assegura a gestão social, compartilhada com o Estado (seminário
nacional de ATER, 2008, p.11)

A institucionalização da ATER é acompanhada pela formação de uma


rede internacional e nacional de intercâmbio que vai se consolidando pari passu ao processo
de consolidação da política púbica de ATER. Vale destacar que desde a metade da década de
1990 já havia uma massa crítica em torno das pesquisas sobre ATER voltada para discussão
das novas concepções de ATER, em detrimento do paradigma Difusionista. Mas é a partir
do ano de 2004 (quando se institui a PNATER) que estas dinâmicas de trocas cientificas se
fortalecem a medida em que se constituem redes de pesquisa entre universidades e poder
público (MDA/Capes), se criam novas universidades e novos cursos de pós graduação em
Extensão rural se distribuem pelo Brasil. Neste processos alguns pesquisadores se destacam
como é o caso de Roberto Caporal. A trajetória deste intelectual é emblemática da formação
de uma massa crítica nos estudos rurais no Brasil na contemporaneidade. Ou seja, conforme
Paulino (2017, p. 53)

Francisco Caporal cursou graduação em agronomia na década de 1970, período de


gestação do movimento de agriculturas alternativas, obtendo Mestrado em Extensão
Rural pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) no ano de 1991, cujo título do
trabalho é “A Extensão Rural e os limites à prática dos extensionistas rurais do setor
público”, entrelaçando as áreas de ciências agrárias, extensão rural, desenvolvimento
rural sustentável e agroecologia. Por fim, realizou seu doutoramento em Agroecología,
Campesinado e Historia na Universidad de Córdoba, em 1998, com o trabalho intitulado
“La Extension Agraria del Sector Público ante los desafios del desarrollo sostenible
sob a orientação de Eduardo Sevilla Guzmán, espanhol que se tornou um grande
expoente da constituição da agroecologia na América Latina na década de 1980 graças
a sua contribuição sociológica ao campo. Dentre suas parcerias no processo de
legitimação científica da agroecologia, uma das mais conhecidas é com o professor José
Antônio Costabeber.

Ambos (Caporal e Costabeber) são os principais formuladores das concepções do que


se denomina “Nova ATER”. A partir de 2004 as mais relevantes sistematizações teóricas na
área da Extensão Rural brasileira, seja através de publicações científicas, seja no conteúdo das
legislações sobre ATER as influências de Roberto Caporal são incontestáveis. A trajetória de
Roberto Caporal na temática da extensão rural inicia-se ainda nos anos 70/80 através de sua

4
atuação como técnico da Emater. No Rio grande do Sul. Após trabalhar na gestão Olivio Dutra
é convidado para o Ministério do Desenvolvimento Agrário especialmente na
Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural da Secretaria de Agricultura Familiar
(Dater/SAF) a partir de 2004.

As influências teóricas deste autor tem como fontes oriundas da literatura espanhola
sobre Desenvolvimento Sustentável. Ou seja, sua trajetória expressa um movimento
de circulação de ideias cujo fluxo é Brasil-Europa-Brasil. Neste fluxo de circulação
internacional os intelectuais em geral buscavam novos aportes teóricos para subsidiar seus
estudos e sua atuação sobre atividade extensionista no Brasil, especialmente no que se refere
aos estudos sobre Desenvolvimento e Agroecologia, ou seja,

O grande fluxo de agroecologistas nesta ponte entre Brasil e Espanha formula um


cenário científico conformado por relações pessoais, sendo os pioneiros deste
movimento agrônomos do Rio Grande do Sul. Temos então dois nós da rede
agroecológica nesse momento: o primeiro deles, efetuado na atividade extensionista,
onde diversos agrônomos que já se conheciam acabariam partindo para um mesmo
caminho, isto é, o aperfeiçoamento intelectual fora do país; o que nos leva ao segundo
nó, as interações que aconteceram na cidade de Córdoba, que auxiliaram na
conformação de um grupo de pesquisadores voltados para um mesmo objetivo (Paulino,
2017, p.159)

Sem dúvida o processo de circulação internacional presente no intercambio Brasil-


Espanha contribui para gestação ainda nos anos de 1990 de um grupo de cientistas, agentes
públicos, ONGS os quais contribuíram para formação de uma geração de sujeitos onde a
atividade cientifica se associou a atividade de gestão pública. Aqui denominamos este grupo
como a 1ª geração da Nova ATER. Neste processo se inicia um movimento de circulação
internacional (e nacional) de ideias onde a nova concepção de Extensão Rural e a Agroecologia
são alguns dos principais objetos de troca acadêmica. Concordamos com Paulino (2017) a
medida que afirma que “No caso da agroecologia, as viagens, os contatos pessoais, e as
formações acadêmicas em outros países contribuem para constituir a configuração
brasileira”(Paulino, 2017, p. 135). Esta é a mesma trajetória que os estudos sobre ATER
apresentam nos anos 2000. Assim, o campo agroecológico se firma na ATER através dos
seguintes fatores: a) ao treinamento de uma nova geração de agroecologistas, em que muitos
deles se tornam professores e pesquisadores em universidades públicas e centros de extensão
rural; b) A re-orientação do movimento da agricultura familiar para a agroecologia; c) A entrada
de agroecologistas no Governo Federal.

5
Outra determinação para pensar a circulação internacional e nacional de ideias sobre
ATER está ligada ao crescimento das universidades e a dinamização da pesquisa cientifica no
âmbito da Pós graduação no país. Na década de 2000 vários cursos de Mestrado e Doutorado
foram criados durante o ciclo de expansão universitária e ensino tecnológico entre os anos 2003
e 2016. Essa ampliação concorreu para que muitos pesquisadores passassem a ocupar vagas
como docentes no ensino superior. Em tal cenário, Pari passu à implementação da política de
ATER as pesquisas nesta área avançam e são dinamizadas, inclusive com o incremento dos
recursos públicos.

caracterização dos programas de pós graduação em Extensão Rural no Nordeste

A produção de conhecimentos em Extensão Rural é retratada neste estudo a partir das


elaborações dos trabalhos de Dissertação de Mestrado dos programas de Pós graduação da
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e da Universidade Federal do Vale do
São Francisco (Univasf), tendo em vista serem estes os cursos de pós graduação voltados para
pesquisa nesta temática.

Nesse sentido, para efeito de compreensão das referidas produções iniciamos com uma
caracterização dos Programas de Pos graduação em análise.

O Mestrado em Extensão Rural é integrado ao programa de pós graduação em extensão


rural e desenvolvimento local da Universidade Federal Rural de Pernambuco
(UFRPE). Sua criação deu-se em 2004 no contexto de um conjunto de mudanças na conjuntura
política do Brasil, resultante da eleição de Luis Inacio da Silva. Em tal contexto as políticas de
ATER iniciam um ciclo de reconhecimento, desenvolvimento e consolidação. O curso de
Mestrado em Extensão (POSMEX) foi criado na perspectiva de ensino e produção de
conhecimentos na perspectiva da inclusão social e da sustentabiliadade. A Área de concentração
deste Curso é Extensão Rural e as linhas de pesquisa do programa são: a) Políticas e
Estratégias de Comunicação e b) Extensão Rural para o Desenvolvimento Local.

A segunda unidade de análise pesquisada neste estudo foi o MESTRADO


PROFISSIONAL3 EM EXTENSÃO RURAL da Universidade Federal do Vale do São

3
A criação deste curso adquire o formato de Mestrado Profissional e para uma compreensão desta modalidade
de curso remetemos a portaria que reorienta os critérios de criação destes cursos. Conforme o Artigo 3º da Portaria
normativa 17 de 29 de dezembro 2009 na qual atesta que o “Mestrado profissional é definido como modalidade

6
Francisco (UNIVASF). Foi criado em 2016 em um contexto completamente distinto da criação
da realidade do UFRPE. O ano de 2016 demarca o fim do ciclo dos governos de caráter centro-
esquerda no Brasil, o qual foi um período de ampliação das políticas sociais. A conjuntura de
criação do Mestrado em Extensão Rural da Univasf é marcada por fragilização das políticas
sociais, quadro que atinge frontalmente a política de ATER. No entanto, essa universidade
desempenha um papel de extrema relevância no âmbito da formação e requalificação de força
de trabalho para a região.

A partir do levantamento sobre as informações do Curso de Mestrado em Extensão da


UNIVASF foi possível caracterizá-lo como uma formação pós graduada voltada para
capacitação interdisciplinar de extensionistas. Nesse sentido, o curso possui como Área de
Concentração Extensão Rural e Desenvolvimento e o mesmo apresenta três linhas de
pesquisa. Quais sejam: Identidade, cultura e processos sociais; b)Processos de inovação
sociotecnológica e ação extensionista e c) Instituições sociais e desenvolvimento territorial.

A partir da apresentação das características dos Programas de Pós Graduação


explicitaremos no item a seguir os resultados obtidos através das análise do material pesquisado.

Resultados da pesquisa: a produção de conhecimento sobre ATER na UFRPE:

No cômputo das dissertações analisadas identificamos a existência de um conjunto


composto por 42 trabalhos de dissertação. Destes 42 trabalhos, trinta 12 (doze) trabalhos foram
descartados tendo em vista que não se enquadravam nos critérios estabelecidos. Nesse sentido,
a amostra de pesquisa foi composta por trinta (30) dissertações de mestrado.

No que se refere aos temas foi possível identificar a existência de uma variedade de
temáticas que se inserem na área da Extensão Rural. Assim, agrupamos os trabalhos nos
seguintes temas: quilombolas (6%), pesca (20%), Extensão Rural (46%), Desenvolvimento
Rural/Desenvolvimento Local (23,3%) e Agroecologia (3,3%). Além deste aspecto observamos
nos trabalhos a tendência de estudos baseados em situações concretas- aspecto que se revela
na recorrência dos Estudos de Caso como estratégia de investigação.

de formação pós-graduada stricto sensu que possibilita: I - a capacitação de pessoal para a prática profissional
avançada e transformadora de procedimentos e processos aplicados, por meio da incorporação do método
científico, habilitando o profissional para atuar em atividades técnico-científicas e de inovação; II - a formação de
profissionais qualificados pela apropriação e aplicação do conhecimento embasado no rigor metodológico e nos
fundamentos científicos (Diário Oficial da União, 2009, p. 20)

7
Os dados demonstram que com relação as temática fica explicita a vocação do Programa
de Pós Graduação em Extensão rural e comunicação da UFRPE na realização da pesquisa no
âmbito da Extensão Rural e a adequação das dissertações às linhas de pesquisa do referido
programa. O número de trabalhos sobre a Extensão Rural é
significativo, representando 46% da amostra. Chama atenção também o número de
dissertações que tratam da temática PESCA. Esta temática comparece em segundo
lugar representando 20% da amostra. Constitui-se uma vocação cientifica da UFRPE a
investigação sobre a dinâmica da pesca especialmente a partir da conjuntura 2004-
2016, através da dinamização da implementação de políticas públicas pelo ministério da
pesca. Comparece na amostra a presença de Dissertações sobre a temática Desenvolvimento
Local/ Desenvolvimento Rural que representam 23, 33% da amostra.

Observamos a presença de Maria Salete Tauk Santos e também desponta como


intelectual de destaque nesta área Ângelo Brás Callou- citado em 83% dos trabalhos
analisados, seja citado literalmente no texto, seja nas referências bibliográficas. A pesquisa
apresenta a existência de um autor que investiga a temática de ATER há pelo menos duas
décadas e que oferece uma contribuição a pesquisa sobre ATER em âmbito regional. Observa-
se em sua trajetória fluxos de circulação nacional e internacional. Ângelo Brás Callou realiza
pós Doutorado na Europa (Portugal) e também circula pela UFSM quando realiza o mestrado
em Extensão Rural nesta universidade na década de 1980. No entanto, em sua trajetória não
identificamos inserção em órgãos governamentais implementadores de políticas públicas. Este
aspecto nos faz hipotecar sua pouca projeção regional e nacional ao fato de estar situado em
uma universidade da região nordeste, que embora tenha uma produção científica considerável
não logra reconhecimento nacional na área de Extensão Rural . Há portanto, na realidade citada
a presença de uma massa crítica regional localizada na UFRPE que se desenvolve há pelo
menos duas décadas e vem contribuindo para o aprofundamento da pesquisa na temática da
Extensão Rural, embora estes intelectuais não logrem de projeção nacional.

A pesquisa expõe um dado interessante: foi possível observar uma influência de


intelectuais mundialmente conhecidos nas produções da dissertações analisadas, contexto no
qual podemos citar Pierre Bourdieu como um dos intelectuais mais influentes nos estudos
analisados. A influência de Pierre Bourdieu é evidente sobretudo na recorrência da categoria
Capital Social e com menor incidência aparece a categoria Habitus. Além de Bourdieu a
pesquisa mostra a influência de autores estrangeiros como Carlos Jara, Sevilla Gusman,

8
Miguel Altieri os quais conformam um quadro teórico sobre a definição dos paradigmas e
processos de Desenvolvimento (Sustentável e Local).

Por fim, a pesquisa nos indica a presença de Paulo Freire como uma das referências
teóricas recorrentes nos estudos. Dos trabalhos analisados apenas 3 (%) não citam Freire nem
nas referências ou no desenvolvimento da dissertação. É presença marcante a obra
“Comunicação ou Extensão” referenciada pelos autores. Portanto, Paulo Freire está na base de
constituição do que se convenciona denominar de Nova concepção de ATER crítica ao modelo
difusionista. De maneira geral podemos indicar que os trabalhos analisados giram no entorno
de uma relação na qual os elos constitutivos são os paradigmas explicativos de
Desenvolvimento e os novos modelos de Assistência Técnica e Extensão Rural. Nesses termos,
elencamos as questões mais relevantes encontradas na amostra pesquisada: Agroecologia;
grupos sociais (mulheres, quilombolas, pescadores, juventude); b) políticas sociais públicas; c)
comunicação rural;d) formação de agentes de ATER; e) legislação sobre ATER.

Para finalizar é preciso destacar como achado da pesquisa a existência de uma massa critica
regional localizada na UFRPE que vem produzindo conhecimento na área da ATER e
colaborando para o avanço da perspectiva crítica de Extensão Rural a partir da reflexão de
questões que caracterizam algumas particularidades da região nordestina. Observamos na
trajetória intelectual dos autores regionais um processo de circulação nacional, cujo ponto de
convergência é a UFSM, no entanto, os processos de circulação internacional são menos
incidentes, o que certamente gera um processo de hierarquização dos
pesquisadores/intelectuais. Neste grupo se inserem Angelo Brás Callou, Maria Salete Tauk
Santos e Lima de Jesus, os quais possuem vasta produção científica, mas não obtém projeção
nacional nos processos de circulação nacional de ideias sobre ATER. É preciso destacar que,
se por um lado há esta produção pujante, por outro, esta mesma produção não se projeta para
outras regiões do Brasil tendo em vista alguns aspectos: a hegemonia dos intelectuais do Sul-
Sudeste na produção de conhecimentos, reproduzindo a histórica desigualdade regional; a
hegemonia de intelectuais do sexo masculino, reproduzindo uma assimetria de gênero na
produção de conhecimentos; o fato de estes intelectuais oriundos do Sul-Sudeste em
sua grande maioria passaram pelas dinâmicas de circulação internacional e nacional.

Resultados da pesquisa: a produção de conhecimento sobre ATER na UNIVASF:


Para compreender a produção científica da UNIVASF é necessário contextualizar que
este programa tem início no ano de 2016, o que caracteriza-a como uma produção recente,

9
embora esteja em processo de dinamização. Nesse sentido, apenas duas turmas
foram tituladas: uma turma refere-se ao ano de 2016 (23 dissertações defendidas) e uma outra
turma no ano de 2017(24 dissertações defendidas). Assim, nossa amostra foi constituída por
dissertações de mestrado das duas turmas referenciadas e que inicialmente constavam com 17
dissertações a serem analisadas e, deste grupo, três dissertações foram descartadas por
considerarmos que não atendiam aos critérios de pesquisa. Assim foram analisadas treze (13)
dissertações. Quanto aos temas e objetos de estudo identificou-se a presença das seguintes
temáticas: a)ATER e comunidades Tradicionais com destaque para comunidades rurais,
produtores rurais, comunidades de terreiro, quilombolas; (53,8%), b) Ater e
tecnologias; (30,7%), c) Formação de agentes; (7,6%) e d) Outros: (7,6%). Neste grupo
também predomina o Estudo de Caso como estratégia de pesquisa utilizada.

Neste grupo obtém destaque os estudos sobre as comunidades tradicionais e principalmente


a questão da adequação da ATER as particularidades das comunidades de Terreiro,
Quilombolas, Comunidades rurais existentes na região. Identificamos nas dissertações uma
crítica no que se refere a invisibilidade destes povos na agenda pública brasileira, acompanhada
de reivindicação por reconhecimento. Assim, alguns trabalhos identificamos a crítica ao
racismo institucional que no caso da ATER se expressa na falta de conhecimento, por parte
dos agentes de ATER, de habilidades e saberes para atuar junto a estas comunidades
tradicionais. A aproximação aos temas e objetos de estudo encontrados nos trabalhos nos
permitem identificar que os mesmos expressam particularidades locais da região, bem como
questões ligadas a importância de apresentar novas tecnologias de atuação de ATER no
contexto do semiárido nordestino. Tendo em vista a particularidade de ser o PPGUNIVASF um
mestrado profissional e que alguns pesquisadores possuem como característica serem agentes
de Extensão Rural, traço que particulariza a produção cientifica em questão. Um aspecto a
ressaltar que os alunos egressos do Mestrado em Extensão da Univasf possuem como requisito
de obtenção do grau de mestre a redação de uma dissertação e a apresentação de um “produto”
de conclusão do curso, que pode ser um projeto de intervenção.

No que concerne as perspectiva teórica dos trabalhos analisados identificamos uma


diversidade de autores e pontos de vista teórico metodológicos. Entretanto, se destaca a
presença das análises de Pierre Bourdieu nos temas habitus e campo. em seis (06)
dissertações. Também comparecem autores clássicos dos estudos sobre Agroecologia e do
Desenvolvimento Rural Sustentável. Neste grupo destacam-se Miguel Altieri, Sevilla Guzmán.

10
Também identificamos a presença de autores da renomados na sociologia Rural como Ricardo
Abramoway, Josefa Salete Cavalcante, José Eli da Veiga.
No que se refere aos autores que versam sobre a ATER foi possível identificar a presença
de Roberto Caporal como o intelectual mais citado nas dissertações. Dez trabalhos (10) citam
pelo menos uma vez o autor como referência para definir e analisar a ATER, bem como na
crítica ao modelo tradicional de extensão Rural. Três (03) trabalhos não fazem nenhuma
referência ao autor. Outro autor que se tornou referência nos estudos sobre ATER é Paulo
Freire. Assim, na análise dos trabalhos identificamos uma recorrência as ideias de Paulo Freire
em cinco (05) dissertações. As influencias de Paulo Freire são item de destaque na pesquisa
seja como referencia para crítica ao modelo difusionista, seja na elaboração dos “produtos de
intervenção” dos alunos deste programa de pós graduação. A perspectiva Agroecológica
também se evidencia nas análises.
Neste conjunto de dissertações analisadas a ATER tende a ser definida a partir de uma
concepção que transita entre prática educativa e uma política pública. Nesse conjunto observa-
se uma tendência a analisar o papel do Estado como central na implementação de uma ATER
pública e gratuita. Em apenas um trabalho se apresenta uma reflexão acerca da primazia do
Estado na implementação das ações de ATER ou em que medida o Mercado seria um possível
agente de ATER. Neste grupo a segunda geração de ATER se apresenta com evidência (Marcus
Peixoto, Marcelo Miná Dias) apesar de encontrarmos também a influência da primeira geração
de ATER , notadamente através das contribuições de Roberto Caporal.

.
Convergências e divergências: As tendências da produção de conhecimento em ATER
nos programas de Mestrado UNIVASF e UFRPE
Após a análise das dissertações dos Programas de Pós graduação em Extensão Rural foi
possível identificar algumas tendências gerais capazes de possibilitar um panorama da produção
científica sobre ATER no nordeste na atualidade.
Diante da análise dos trabalhos delimitados na amostra consideramos que há elementos
de aproximação e distinção entre as realidades estudadas. No conjunto dos elementos
considerados comuns podemos destacar a presença de intelectuais nacionalmente e
internacionalmente conhecidos como é o caso de Roberto Caporal. Este é um dos
intelectuais responsáveis pela elaboração, difusão e consolidação das novas concepções de
ATER, que se apresenta inclusive na legislação pertinente a ATER (PNATER). Uma

11
tendência observada nos dois programas de Pós Graduação é a presença direta de Paulo Freire
citado na grande maioria dos trabalhos. Sua influência é observada na crítica ao modelo
Difusionista, apresentando uma proposta de comunicação na perspectiva dialógica, adotando
a metodologia de Educação Popular. O Clássico livro “Extensão ou Comunicação” é a
referência nesta discussão. Na UNIVASF se observa a presença da nova (segunda) geração de
intelectuais de ATER (Marcelo Miná Dias, Vivien Diesel, Heribert Schimitz, Márcio Peixoto)
Já na UFRPE observamos um dado interessante: a existência de uma massa crítica regional
(NE) atuante há cerca de duas décadas na pesquisa sobre a temática Extensão Rural. Deste
dado podemos depreender algumas conclusões. Inicialmente destacamos a presença de
intelectuais que vem acumulando análises sobre as temáticas relativas ao Desenvolvimento
Rural e as Ruralidades. No entanto, chama-nos atenção o fato de que há uma invisibilidade
destes pesquisadores no canário nacional da produção científica, corroborando a hipótese
inicial de nossa pesquisa. A análise da produção cientifica de ATER na UFRPE confirma
nossos pressupostos de que há uma hegemonia dos intelectuais do Sul do país na elaboração e
difusão das novas concepções de ATER. Para explicar este quadro é necessário recorrer ao
conceito de Hegemonia como “direção intelectual e Moral “ e como predominância de
uma determinada direção social possibilitada por condições concretas. Esta direção
hegemônica dada pelos pesquisadores do Sul e também do Sudeste está ligada aos antecedentes
históricos da produção de conhecimentos sobre Extensão Rural que possui uma forte tradição
na região Sul do Brasil. Para alguns autores esta tradição está ligada ao fato de que os resultados
da modernização da agricultura foram mais visíveis inicialmente nesta região, bem como é nela
onde se germinam as críticas ao referido modelo. Também podemos explicar este
cenário através da criação e da atuação dos movimentos sociais de trabalhadores rurais, a
exemplo do Movimentos dos Sem Terras (MST) o qual tem ao longo de mais de três décadas
contribuído para consolidar uma crítica política e social ao modelo tradicional de agricultura,
bem como tem atuado na formulação de uma proposta alternativa a este modelo. Em termos
mais concretos a pesquisa revela a importância da produção da UFSM na elaboração de
conhecimentos na área de Extensão Rural desde a década de 1980. Não obstante esta tradição
a criação do Mestrado em Extensão Rural e mais recentemente a criação do Doutorado em
Extensão Rural nesta universidade tem revelado grande contribuição para formação
de gerações de intelectuais voltados ao estudo da ATER em uma perspectiva crítica. A
pesquisa revela vários dos intelectuais que estudam Extensão Rural e que realizaram mestrado
nesta universidade e atualmente desempenham atividades docente. São eles: Roberto Caporal,
Marcelo Miná Dias, Vivien Diesel e Ângelo Brás Callou. Neste grupo nos chama a atenção o

12
fato de que apesar da extensa carreira na docência e pesquisa sobre a temática Extensão Rural
e mesmo tendo realizado o mestrado na UFSM Ângelo Brás Callou não possui a projeção e o
nacional. Para compreender este panorama recorremos as análises de Pierre Bourdieu à
medida em que afirma que a circulação de ideias e a consagração de intelectuais e de suas
produções depende das posições ocupadas dos cientistas (BOURDIEU, 2004). Em nossas
análises alguns elementos de ordem histórica e outros de ordem conjuntural concorrem para
que alguns se destaquem e se projetem nacionalmente/ internacionalmente e outros
permaneçam no nível local ou regional. Fatores como as históricas disparidades regionais
precisam ser considerados neste processo. O fato de UFRPE e a UNIVASF estarem localizadas
na região nordeste do Brasil contribuem para um certo “localismo” e regionalismo científico.
Apesar da disposição de meios tecnológicos de comunicação disponíveis se
observam dificuldades para que estes intelectuais consigam projetar sua produção científica
nacionalmente. Neste processo os meios editoriais, as redes de pesquisadores, as políticas
públicas são fatores a serem considerados, dado que se encontram na região sudeste
predominantemente. A pesquisa nos mostrou que há apenas duas editoras nas quais os autores
podem contar para divulgação científica. Ambas de alcance local/regional, portanto, limitando
a capilaridade desta produção científica. Alia-se a este elemento a relevância da atuação do
estado como elaborador, gestor de política pública, inclusive é notório o financiamento público
das produções de livros através das editoras das universidades públicas. Nesse sentido, a
presença do Estado se processa em todo o circuito de produção e de circulação da produção
científica sobre ATER no Brasil. Além deste fator determinante – a atuação estatal na produção
e circulação de ideias- este cenário é emblemático para refletirmos sobre o fato que as políticas
de financiamento de pesquisa e de publicação se constituem na verdade como um
reconhecimento e legitimação do Estado em relação aos pesquisadores e suas produções.
Inclusive o financiamento das pesquisas, dos eventos, da participação dos pesquisadores nos
eventos e o financiamento das bolsas de estudo dentro e fora do país se constituem como fatores
de legitimação dos intelectuais frente ao Estado, bem como e marca também a legitimidade
destes atores em relação aos seus pares. Ou seja, uma vez reconhecidos pelo Estado por meio
dos financiamentos de pesquisa e de publicação se constituem os nexos das relações entre os
grupos intelectuais, estabelecendo critérios de hierarquização, legitimação, disputas e
parcerias. O Estado é um importante agente organizador e propulsor da dinâmica de produção
e circulação de ATER.
Apesar das desigualdades regionais e de gênero identificadas na pesquisa,
sobretudo na relação na posição ocupada pelos intelectuais, observamos a existência de uma

13
dinâmica de produção e circulação de ideias na área de ATER que se realizam a partir da
academia, mas passam pelo mercado editorial, através de livros e periódicos científicos e pelos
eventos nacionais e internacionais sobre Extensão Rural. No caso da ATER a produção
cientifica tem como um dos meios de divulgação os eventos, os congressos, os simpósios etc.
No caso de livros há uma predominância de coletâneas de artigos, em geral fruto de estudos de
mestrado e doutorado, em geral financiados pelas editoras universitárias. Neste caso os livros
não versam apenas sobre o tema da ATER, mas trata-se da reunião de estudos diversos que
inserem-se na área do do Desenvolvimento Rural e dos estudos Agroecológicos.

Um circuito de eventos nacionais e internacionais tem organizado a agenda de pesquisa


sobre ATER através de uma rede de trocas científicas por onde trafegam as produções sobre
ATER. Damos destaque para o Congresso Latino Americano de Sociologia Rural (ALASRU),
para o Encontro Brasileiro de Agroecologia (ABA) e Congresso da Associação Latino
Americana de Sociologia (ALAS), para as conferências nacionais de ATER e os Encontros da
Rede de Estudos Rurais4. Estes eventos são alguns dos meios de circulação nacional e
internacional de ideias sobre ATER, nos quais atualmente o Brasil ocupa lugar de destaque. Vale
ressaltar que nestes eventos há um rico processo de intercâmbio de conhecimentos sobre ATER
ao nível da América Latina, de maneira a possibilitar uma troca de experiências de intervenção e
de socialização de estudos.

Além destes eventos voltados para especificamente para a discussão e socialização de


estudos rurais, nos quais os pesquisadores interessados em ATER se reúnem, há uma rede
interdisciplinar formada por várias instituições promotoras de fóruns de investigação que tem
congregado os intelectuais, docentes e estudantes (de graduação e pos graduação) da área. Assim
os principais eventos de circulação nacional tem sido promovidos pela Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), pela a Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC), pela a Sociedade Brasileira de Economia, Administração e
Sociologia Rural (Sober), pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), pela Sociedade
Brasileira de Sociologia (SBS), pela a Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em
Economia (Anpec), pela Associação Nacional de História (Anpuh), pela Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade (ANPPAS), bem como

4
A Rede de Estudos Rurais foi constituída a partir de um investimento coletivo, feito por estudiosas das
mais diferenciadas formações disciplinares e teóricas. Essas pessoas, interligadas tematicamente
tendo o “rural” como campo de investigação, no início do novo milênio, criaram um espaço próprio de
reflexão. A Rede Rural tem como objetivo dar visibilidade à produção intelectual, análises e
sistematização de tendências em curso no campo brasileiro. (consulta realizada em 14 de maio de
2020)

14
pela Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB). A variedade de associações envolvidas
deixa notório o caráter interdisciplinar dos estudos de ATER. No entanto, a nossa pesquisa
indica que os intelectuais mais reconhecidos no âmbito dos estudos de ATER ainda são
liderados hegemonicamente por profissionais da Agronomia- fator que está ligado a trajetória
histórica de extensão rural como atividade de agrônomos. Entretanto, a denominada Nova
ATER renova e amplia a concepção de Extensão Rural, sobretudo a partir da perspectiva
Agroecológica e de Desenvolvimento Rural Sustentável os quais ampliam as possibilidades de
diálogo com outras profissões e áreas de conhecimentos (antropologia, sociologia, serviço
social, educação). Estes elementos contribuem para que nas últimas décadas a Extensão Rural
seja uma área de atuação de uma multiplicidade de profissionais e também para que seja uma
área na qual as mulheres figurem como profissionais bastante atuantes, rompendo na prática
extensionista a hegemonia masculina. No entanto, no âmbito da pesquisa sobre ATER mantém-
se e reproduzem-se os traços conservadores como a hegemonia dos pesquisadores do sexo
masculino e oriundos do Sul e Sudeste do Brasil.

O levantamento da trajetória destes personagens nos conduzem a uma síntese de que há


no país uma nova geração de pesquisadores, agentes públicos e docentes que escolheram a ATER
como objeto de reflexão. Além deste aspecto é possível considerar a importância do curso de Pós
Graduação em Extensão Rural da UFSM como lócus de formação de novos pesquisadores e de
extensionistas ocupados em investigar a extensão Rural a partir de um ponto de vista
Agroecológico e orientado por um paradigma de Desenvolvimento Rural sustentável. Estes
intelectuais são da área das ciências agrárias (engenharia agronômica e Florestal). Ficam nítidas
na maior parte desses trajetos intelectuais a presença de processos de circulação internacional,
cujas origens estão na Espanha e que chegam a América Latina e ao Brasil através da “primeira
geração da nova ATER” liderada por Roberto Caporal e Antonio Costabeber. A formação em
nível de Mestrado em Extensão Rural na UFSM é o elemento comum a primeira e a segunda
geração de ATER que aqui retratamos. Embora a segunda geração não apresente como elemento
comum experiências de estudos no exterior revelam em comum a experiencia de Mestrado em
Extensão Rural como fator de formação e identidade com a temática Extensão Rural. Portanto,
mesmo não indo à Europa para formular suas concepções teórico metodológicas as influências
europeias- Espanholas estão presentes na literatura utilizada, sobretudo aquelas que tratam sobre
Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável.

15
De posse destas informações é possível observar que há um novo fluxo de influências
teóricas que contribui para ressignificar a concepções de Ater no Brasil na década de 2000.
Estas influências europeias marcam um giro histórico na perspectiva de ATER que predomina
no Brasil a partir de 1940, cujas matizes são originárias dos Estados Unidos. temos portanto,
uma inflexão teórica passando da matriz funcionalista para o enfoque transdisciplinar no qual
saberes de várias áreas se associam para compor este “campo” a partir de uma nova hegemonia,
invertendo as relações de saber dominantes fundamentadas na primazia da agronomia como
ciência e profissão dominantes na produção cientifica sobre ATER. Neste sentido, embora
seja visível na primeira geração de ATER características como a liderança intelectuais
formados em Agronomia , predominantemente do sexo masculino, oriunda do sul do Brasil, -
na segunda geração observamos a entrada de intelectuais de outras formações (Engenharia
Florestal, Engenharia de Pesca, jornalismo Ciências Sociais, Antropologia, Educação, Serviço
Social, entre outros). Há portanto, uma alteração de composição do “campo “ cientifico de
ATER a partir da metade de década de 2000 com a inclusão de pesquisadores de outras áreas
de saber contribuindo para os estudos sobre ATER no país.

Além deste aspecto Temos um novo fluxo internacional de ideias para orientar a
Extensão Rural que, criticando a matriz americana coloca em seu lugar a perspectiva europeia.
Este movimento nos apresenta uma nova hipótese: este movimento de gestação de uma nova
ATER se constituiria em um novo colonialismo de ideias? Consideramos que o novo marco de
ATER embora marcadamente crítico em relação ao paradigma tradicional difusionista é
elaborado resgatando os princípios da educação popular de Paulo Freire, mas contem em si
elementos de um movimento global de importação de ideias. Nesse sentido, constitui-se
portanto, como um movimento híbrido de elaboração de um novo paradigma de ATER, no qual
associam-se marcos internacionais de Desenvolvimento (Sustentável , Rural, Local), paradigma
da Agroecologia às elaborações Freirianas de relação dialógica e da metodologia da educação
popular . nesse sentido, se constitui um paradoxo na produção de ATER: embora seja frequente
a afirmação de que é necessária a elaboração de saberes a partir dos territórios locais no sentido
de gerar um saber autônomo observamos que se repete o processo de manter a referência a um
saber vindo de fora como fonte necessária para criação de um saber local. Nesse sentido, o
elemento nacional presente da concepção de ATER reside no legado de Paulo Freire. Este
movimento de origem da nova concepção de ATER que ora predomina na produção de
conhecimentos acadêmicos e que se expressa também nas legislações da política apresenta
traços históricos observados por Florestan Fernandes de presença de influências estrangeiras

16
no “fazer cientifico” nacional. Também podemos considerar como particularmente brasileiro
no âmbito da ATER as clivagens de gênero e etnia amplamente presentes nas discussões desta
área.

Considerações finais

Os resultados indicam que a produção de conhecimentos sobre ATER no Nordeste é


marcada por contradições que espelham desigualdades nacionais na circulação de produtos
científicos e a aceitação de categorias e paradigmas estrangeiros. Dessa forma, podemos
considerar que nos processos de circulação de ideias constituem-se redes de intercâmbio de
ATER das quais participam universidades, pesquisadores, centros de estudo, fóruns
(congressos, encontros, seminários), associações (Redes de estudos rurais, CLACSO,
ALASRU, ALAS, etc) e governos. No interior destas redes de circulação de conhecimentos
se expressam elementos indicados por Pierre Bourdieu: legitimidade, oposição, alianças
e interesses existentes entre os grupos de intelectuais que se voltam para a temática de ATER.
Este feixe de relações se estrutura e se fortalece no interior de um ciclo de dinamização
e ampliação das políticas de ATER que ocorrem entre os anos de 2004-2016. Há portanto,
uma conexão entre política pública e produção e circulação de conhecimentos de ATER, tendo
como mediação a atuação do governo federal no financiamento as ações de ATER, bem como
no financiamento das pesquisas, de publicações, de pesquisadores e na parceria para realização
de alguns eventos. Neste aspecto observamos que atuação do Estado no que se refere
a circulação de conhecimentos em ATER é uma mediação essencial seja através do
reconhecimento público de alguns intelectuais como sujeitos passiveis de legitimação na órbita
governamental- o que se expressa através de convites para compor cargos no governo ou para
assessorar a elaboração de ações e políticas. Este movimento gera nos grupos intelectuais
dinâmicas de legitimação, disputas e hierarquias que passam a ser reproduzir entre
os mesmos. Portanto, no “campo” científico de ATER os valores que regem as relações se
pautam em: posição crítica em relação a Revolução Verde, à Modernização Conservadora no
campo, a adoção da Agroecologia como paradigma teórico prático, a defesa do paradigma de
Desenvolvimento Rural Sustentável, ao protagonismo da sociedade civil na elaboração e na
execução de políticas de ATER e a defesa do Estado como financiador das ações ATER. Em
síntese, os elementos de legitimação no grupo de ATER podem ser assim compreendidos:
experiência em Extensão Rural, produção de conhecimentos sobre ATER, circulação

17
internacional (pos graduação no exterior), ocupação de cargos públicos nos governos estadual
e federal, desenvolvimento de pesquisas e docência na área. Assim, os intelectuais brasileiros
se constituem como “lideranças nacionais” em suas respectivas áreas portando elementos como
: a)títulos acadêmicos , b) experiência em gestão pública, c) realização de pesquisas na área, d)
experiencias de circulação internacional e d) contatos com intelectuais estrangeiros
mundialmente reconhecidos.

No caso de nossa pesquisa consideramos que há um predomínio das produções de


ATER oriundas do Sul do país como balizas nacionais para extensão Rural. Esta “hegemonia
do Sul” se conserva ao longo do tempo e permanece inalterada. A pesquisa por nós realizada
nos confirma a hipótese de trabalho de que há uma desigualdade regional na produção de
ATER, a qual é geradora de uma invisibilidade das elaborações de ATER do nordeste. Região
marcada por disparidades regionais econômicas, sociais políticas e também no que se refere a
circulação de conhecimentos. Constatamos que há uma produção pujante na região mas que
permanece invisível tendo em vista que os meios de divulgação de conhecimentos são escassos
no território nordestino. Há poucas editoras nas quais as publicações sejam escoadas e as
editoras universitárias também possuem poucos recursos financeiros para publicação. Restam
as revistas dos programas de Pós graduação como condutos de escoamento dos saberes
produzidos pelos intelectuais que além de serem poucos são de circulação reduzida. Além
destes meios os cadernos de resumos e artigos apresentados em congressos são meios de
circulação da produção de saberes sobre ATER. A pesquisa nos demonstrou que não apenas o
nordeste sofre com a invisibilidade da circulação de ideias. A região Norte do Brasil também
sofre com a invisibilidade: os pesquisadores desta região não conseguem driblar as disparidades
regionais e encontram óbices para fazer circular suas produções sobre ATER. Este quadro nos
remete a uma conclusão: os conhecimentos de ATER advindos do sul se constituem como
balizas teórico, metodológicas e práticas para todas as regiões do país, enquanto as produções
do nordeste e do norte não encontram ressonância- a não ser regionalmente. As especificidades
regionais são hierarquizadas a partir de um parâmetro “sulista” que é cheio de ricas
particularizadas e portanto, não universais os quais são propagados como se o país fosse
homogêneo. No caso dos autores observamos que há intelectuais com uma trajetória longa na
produção de ATER , mas que encontram-se limitados a um reconhecimento local e
regional. Neste caso fatores como não exercer funções públicas no governo e não possuir
experências de circulação internacional são elementos que limitam sua projeção. Em oposição
a isto observamos que intelectuais mais jovens possuem projeção nacional por terem seus

18
estudos em grandes centros de formação do Sudeste sob a orientação de pesquisadores
reconhecidos ao mesmo tempo em que ocuparam cargos no governo federal, mesmo que por
pouco tempo.
Um fator de consenso na pesquisa é a relevância de Paulo Freire nas dissertações
analisadas. Podemos concluir que os saberes de Freire são o elemento “tipicamente nacional”
nas elaborações de ATER contemporâneas. Especialmente no que se refere a metodologia de
atuação para ATER a proposta de educação dialógica é o ponto de convergência e fornece
balizas para realidades como a nordestina. Consideramos que a produção de ATER expressa
paradoxos como:
a. Sul/sudeste X Nordeste/norte
b. Nacional X internacional
c. local X nacional
d. masculino X feminino
e. agronomia X demais áreas de conhecimento
Assim, elementos de nacionalidade e regionalidade se mostram subsumidos nos
elementos internacionais. Um paradoxo entre paradigma de ATER (agroecológico, local) em
paralelo uma hegemonia do sul como referência universal para um mundo rural como se o
mesmo fosse homogêneo, convivendo com um discurso de uma prática dialógica, popular,
horizontal que considera as particularidades locais e regionais. As relações que operam na
produção e circulação de conhecimentos sobre ATER são contrapostas a uma proposta de uma
ATER horizontal e local. O local/ regional (norte-nordeste) se expressam de forma desigual na
literatura especializada sobre ATER no Brasil.
Outros níveis de assimetria foram encontrados na circulação de conhecimentos
sobre ATER: uma hegemonia da agronomia como área que lidera as discussões e pesquisas
sobre a temática e a hegemonia masculina na pesquisa sobre o tema, como demonstramos na
pesquisa. Estas tendências estão sendo superadas muito lentamente tendo em vista que a partir
da proposta de nova ATER profissionais de outras áreas iniciam uma inserção como
pesquisadores e extensionistas. E no caso das relações de gênero na pesquisa ainda são muito
desiguais dado que apenas duas mulheres são citadas como referência de ATER. Já intervenção
observa-se um número significativo de mulheres como agentes de ATER.

19
Referencias

Bourdieu, P. os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico.SP:
editora Unesp, 2004.
Fernandes, Florestan. A sociologia no Brasil: Contribuição para o estudo de sua formação e
desenvolvimento. Petrópolis, Vozes, 1976.
GARCIA, A. Circulação internacional e formação intelectual das elites brasileiras / Ana Maria
F. Almeida [et al.]. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004.

GRAMSCI, A . Cadernos do cárcere, volume 2. edição e tradução, Carlos Nelson Coutinho;


co-edição, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. – 3º ed. - Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2004.
LATOUR, B. Reagregando o social: Uma introdução à teoria do Ator rede, EDUFBA, 2012.
PAULINO, J. S. o campo científico e a agroecologia no brasil: atores, discursos e políticas
públicas. tese doutorado em ciências sociais, campina grande, 2017.

BRASIL, Seminário nacional de ATER. SAF/DATER-Ministério do desenvolvimento agrário.


Brasília, 2008.

20

Você também pode gostar