Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Autor (a):
19 a 27 de outubro de 2021
Camponeses e suas conexões com os mercados externos de café- Perspectivas desde
duas regiões colombianas1
Introdução
Esse artigo toma como ponto de partida debates acadêmicos, que no século XX
relacionavam ao campesinado com categorias como auto-subsistência, mercado local ou
auto-exploração familiar, procurando ampliar essas discussões com base nas posições e
oposições sociais de camponeses-cafeicultores localizados em duas regiões cafeeiras da
Colômbia: a Sierra Nevada de Santa Marta e Huila. Nelas pode se observar uma crescente
conexão com o comércio internacional e uma ampliação da produção, atravessada por
dinâmicas internas e pela procura da qualidade com carimbos e avaliações do sabor
(QUIÑONES RUIZ, 2020).
A Sierra Nevada tem se caracterizado por uma cafeicultura associativa ligada aos
padrões de sustentabilidade. Alguns grupos associativos (conformados principalmente por
pequenos produtores de menos de cinco hectares) têm conseguido se relacionar
diretamente com compradores internacionais não somente exportando café verde (café
seco sem torrar), mas também adicionando valor ao exportar torrado. Huila tem se
posicionado por seu terroir em que os atributos da qualidade física e em xícara de sabor
atingem uma diferenciação a outras regiões. Inclusive um produtor liderou a primeira Feira
de Borbón Rosado, uma variedade localizada no Sul de Huila, que promoveu e atraiu
outros atores do circuito (QUIÑONES RUIZ, 2020).
1
O presente paper foi realizado pelo apoio de dois projetos de pesquisa. As reflexões relacionadas com os
camponeses de Huila (Colombia) foram apoiadas pelo projeto “El impacto de los cultivos y alimentos
transgénicos en la seguridad y soberanía alimentaria de comunidades campesinas, indígenas y raizales en
tres territorios colombianos: Tolima, Huila y San Andrés-Providencia” da Convocatoria Nacional para el
fomento de alianzas interdisciplinarias que articulen investigación, creación, extensión y formación en la
Universidad Nacional de Colombia 2019-2021. Código: 47524.". Entretanto as reflexões relacionadas com
os produtores de café na Sierra Nevada de Santa Marta e a Red EcolSierra, foram apoiadas pelo projeto: the
Austrian Science Fund (FWF) [grant no. T960-G27].
Igualmente, aquelas duas regiões colombianas objeto da pesquisa não foram parte
das “áreas tradicionais” de produção de café durante o século XX e as duas
experimentaram experiências forjadas a partir de conflitos e deslocamentos internos de
pessoas que chegaram a suas áreas (por violência ou por falta de terras) (CNMH, 2015),
sendo que, nas últimas duas décadas tem se posicionado no setor cafeeiro seguindo
diferentes caminhos. Igualmente, nas últimas décadas aquelas áreas têm aumentado sua
produção (FNCC, 2017) e ao mesmo tempo têm se articulado com mercados de cafés
especiais pela chegada de empresas exportadoras e multinacionais com concursos de
qualidade.
Adotaremos um trabalho teórico e etnográfico baseado nessas duas regiões, com o
objetivo de demostrar as mudanças desse campesinato com sua articulação com os
mercados de café. Em primeiro lugar, vai se realizar uma diferenciação analítica entre a
circulação do produto social e as relações sociais de produção; em segundo lugar, vai se
discutir sobre duas formas de abordar o conceito de valor, uma ligada aos “valores
simbólicos” do café desenvolvidos por DAVIRON & PONTE (2005) e outra, que tem
como ponto de partida Marx com o valor-trabalho (WOLF, [1982], 2005; e NAROTZKI,
2004); e em terceiro lugar, vão se evidenciar algumas tensões que existem dentro daquelas
propriedades pela articulação com os mercados globais de café.
Polanyi ([1957], 1976; p. 22), desenvolve um modelo analítico no qual existem três
princípios que integram a economia: a reciprocidade, a redistribuição e o intercambio. No
entanto, seguindo a Godelier ([1957], 1976; p. 30-34), na análise sobre o conceito de
“forma de integração”, Polanyi não diferencia as relações sociais de produção e as formas
sociais de circulação. Sendo que, a primeira é entendida como as relações sociais, que
determinam o acesso dos indivíduos e os grupos e seu controle sobre os meios de produção,
e o segundo, o produto social, que regulamenta o processo de circulação desses produtos.
A mutua relação entre essas esferas permite ir além de afirmações que procuram
explicar a expansão cafeeira nas duas regiões da pesquisa, como uma “questão natural”
exclusivamente ligada à qualidade das terras (dada por alguns técnicos), o qual não
contempla as relações sociais que construíram aquela realidade. O produto não explica a
priori, as relações sociais que a produzem.
O campesinato das duas regiões cafeeiras está caracterizado pelo trabalho familiar
e o trabalho assalariado, tanto na colheita de café quanto na alimentação dos trabalhadores
que as vezes é vendida. O produto do trabalho é o café junto com outros produtos centrais
para sua reprodução, mas de menor valor de cambio, como a mandioca, a banana, o feijão,
o milho, entre outras. As relações familiares estão no meio de relações de produção e
reprodução, as quais dependem das trocas e regras morais que fazem funcionar a produção.
2
Um café é classificado como especial, por ter algum atributo organoléptico, um carimbo que certifique
alguma pratica particular, ou uma característica que a diferencia do café convencional como fazer parte de
um grupo particular de produtores, ligadas a questões étnicas, de gênero, ou da paisagem local.
A produção e venda de café gera uma tensão dentro daqueles produtores: sentir-se
empresários, na medida em que controlam parte dos meios de produção, que nesse caso, é
a terra, e a disciplina na procura de melhorar as qualidades para se articular com traders e
torradores que pagam um melhor preço. Por outro lado, são camponeses no sentido das
suas relações familiares, de trabalho e na produção de alimentos para o consumo local e
doméstico.
Porque básicamente una finca es una empresa y mirándola como tal, el que vive
diariamente de ella tiene muchos beneficios, muchísimos, puede hacer mucho, puede tener
muchos animales, y tener muchas cosas que te pueden producir y generar otras entradas
(rentas), no solamente el café. Tener una finca no tiene precio, porque son tierras que
producen lo que se les siembre, hay gente que siembra fríjol, maíz, todo eso da (Entrevista
con productor, Sierra Nevada de Santa Marta, 2019).
Desse modo, os espaços produtivos das fincas mantêm uma hierarquia entre o café
que é propriamente um cultivo que serve para vender no comercio, fazer negócios, pagar
as contas e comprar o que precisarem em casa, e os “cultivos” para el gasto ou pancoger3
que ajudam, isto é, que servem principalmente para o consumo da casa e ocasionalmente
para vender.
3
Embora não exista uma definição de pancoger no Dicionario da Real Academia Española, diversas
instituições e académicos da Colômbia definem pancoger como “aqueles cultivos que satisfazem parte das
necessidades alimentícias de uma população determinada. Na área cafeeira são cultivos de pancoger: milho,
feijão, yuca (mandioca) e plátano (banana). ” (FNCC, 2010. Tradução própria)
4
As vezes em meio das entrevistas os “cultivos” para el gasto não eram definidos exatamente como cultivos
devido que não eram plantados de uma forma simétrica dentro do espaço produtivo da finca, mas onde
existiam ‘espaços livres’ ou ‘claros’ no meio do cafezal, pelo que diferente de um cultivo eram ‘umas plantas
e frutos que ajudam na casa’. Em um trecho de uma entrevista foi visto claramente: “E: e você tem outros
cultivos (diferentes ao café)? Rta. Não tenho não; E: Mas você tem plátano, mandioca?; Rta: Sim, sim, mas
não é cultivo, é para el gasto” (tradução própria). Devido que não foi encontrada uma melhor forma de
definir vai se usar aspas quando seja referido aos “cultivos” para el gasto, ou cultivos de pancoger o que
seria diferente a fazer cultivo, que se apresenta quando uma área delimitada é semeada de forma homogênea
com o objetivo de comercializar seus produtos, como o cultivo de café ou as vezes o cultivo de plátano ou
nas terras cálidas o cultivo de arroz.
esforço físico melhorando os preços do café, pode tornar mais vulnerável ao campesinato
frente as flutuações do mercado ou as decisões dos traders e torradores.
Por esse motivo, esses cultivos são denominados de ajuda, devido que, com sua
venda pode se pagar alguma conta ou pendência do momento, porém, sua função principal
está dentro do espaço de produção e consumo da casa, isto é, garantir parte do seu alimento
para não gastar com aqueles produtos dinheiro no mercado. Igualmente, naquelas áreas
cafeeiras, diferir no tempo o consumo não está dado com sua venda a dinheiro, mas
principalmente pelo cálculo de plantar nos tempos frios (de não safra de café) para
consumir os alimentos dentro da casa nos tempos quentes (de safra de café) em que
aumenta a necessidade de alimentos dentro da casa.
Portanto, existe uma grande área das propriedades que não está plantada em café,
nem conta com a densidade técnica recomendada. O pancoger normalmente deriva do
trabalho dos diferentes integrantes da família, nos dias em que “podem e tem um tempo”.
A falta de braços dentro da família pode impossibilitar as condições para o trabalho do
pancoger devido que a esposa e os filhos do produtor também se dedicam a eles e a
retribuição monetária é baixa ou nula, pelo que pagar uma diária para seu cuidado não está
5
Tradução, por Alcida Rita Ramos, da Introdução a The Developmental Cycle in Domestic Groups,
organizado por Jack Goody, Cambridge Papers in Social Anthropology, n.1, Cambridge University Press,
1958, pp - 1-14.
dentro do horizonte de possibilidades. A importância do pancoger pode ser maior ou menor
dependendo da família do produtor, a pressão para vender a mão de obra ou se dedicar
exclusivamente ao cultivo.
Dentro do consumo doméstico, somente uma pequena porção do café chega a ser
transformado, pelo que as diferentes formas que adquire o grão são importantes na sua
circulação dentro dos diferentes espaços em que adquirem preços de equivalência. Os
grãos de café são trocados por dinheiro, comida, insumos básicos para a casa e como
garantia para empréstimos no comercio local. O grão adquire diferentes preços que
dependem das suas formas adquiridas a partir de processos materiais e simbólicos e
classificados nas seguintes categorias: café cereja, café molhado, café seco pergaminho,
café pasilla, café trillado, e café torrado6.
6
O café molhado existe desde faz muitas décadas e tem sido fonte de renda de comerciantes locais. O café
seco depende da infraestrutura nas propriedades e como vai ser apresentado mais adiante, foi interesse inicial
dos grupos associativos, impulsados desde a institucionalidade cafeeira. A pasilla é um café de menor
qualidade e preço, que aparece no processo de lavado depois de tirar a casca, em que é separado por boiar
nos tanques de armazenamento por ter sido colhido verde, isto é, sem madurar (café entregue normalmente
às mulheres ou filhos pequenos das famílias). O café especial que está ligado ao carimbo, traders e
provadores de café. O café trilhado é o café exportado no porto, e o torrado, quando está pronto para o seu
consumo.
Esses “diferentes” cafés foram chamados conceitualmente como forma-grão-
moeda, devido que cada grão de café adquire um preço diferente, que depende dos
processos que se realizam dentro das fincas e os diferentes reconhecimentos locais,
institucionais ou por traders e torradores. O grão de café desde o cultivo até ser consumido
adquire formas e circula entre mãos, com valores diferenciados a partir de processos e
reconhecimentos.
Seguindo a Polanyi, “as mercadorias são objetos producidos para sua venda no
mercado e os mercados são definidos como contatos efetivos entre compradores e
vendedores” (POLANYI, [1944], 2003; p. 122). Assim, a classificação dos cafés constrói
o comercio de café, o qual, é especifico e diferente aos de outras mercadorias. Portanto,
sua organização está construída na sua avaliação e classificação (física e simbólica), no
processo de troca de mãos até chegar ao consumidor final, os processos de importação e
torrado, as formas de transporte, a “venda” da imagem do produtor ao consumidor, as
distâncias percorridas e as condições políticas e econômicas que possibilitam sua
circulação por diferentes espaços locais e globais.
As apropriações de valores
Daviron e Ponte (2015; p. 22) apresentam, segundo a Fundação de Comercio Justo
(2002, p. 4), que “um cafeeiro seria afortunado se das £1.75 em que é vendido um
capuchino em Londres, chega a ele 5 centavos”. Em termos absolutos os países produtores
(isto é, não o produtor) recebe entre o 5 e o 10% do valor na cadeia de café e sobre alguns
convênios de carimbos de comercio justo pode flutuar entre 12% e 21% do valor
(DAVIRON E PONTE, p. 248 e PANHUYSEN, S. E PIERROT, J., 2018), o preço da
xicara é fixo, mas para os produtores do mundo, seu preço flutua segundo as bolsas de
valores. Assim, para além da assimetria, é importante analisar em quais espaços é
apropriado o valor do café desde a produção até o consumo.
Tomando em conta, a produção e a circulação, existem pelo menos dois processos
relacionados com a apropriação do seu valor: um derivado das relações de trabalho, tanto
familiares como salariais, no qual, os custos de produção e o esforço das famílias, muitas
vezes sem retribuição monetária, gera um maior lucro aos comerciantes locais ou àqueles
que exportam e distribuem nos países consumidores; e por outro lado, o valor gerado pelas
qualidades física, simbólica e de serviço (DAVIRON E PONTE, 2015).
Nesse sentido, devem ser tomadas em conta, a constituição das relações locais para
a produção e ao mesmo tempo, compreender a natureza social do café. Para Daviron e
Ponte (2005, p. 33), embora existam atributos físicos e materiais de um produto e possam
ser “intrínsecos” e “objetivos”, são criados mecanismos de padronização em atributos
medíveis para ser valorados pelo usuário/consumidor ou empregados como próximos, com
exatidão de medida por meio de parâmetros físicos, químicos e bioquímicos (DAVIRON
E PONTE, p. 34). Igualmente, no café existem uma série de padrões “inmateriais” como a
qualidade simbolizada dada por carimbos, a publicidade do lugar de produção do café, o
sabor medível em laboratórios para públicos específicos, e a forma como os consumidores
finais recebem no serviço pessoal nas lojas uma experiência valorada no pago de um maior
preço (QUIÑONES, 2019).
7
A Federación Nacional de Cafeteros de Colombia (FNCC) é uma organização fundada em 1927, que agrupa
e representa institucionalmente os cafeeiros da Colômbia e funciona a partir de duas grandes esferas: uma
gremial e outra administrativa. A organização representa por meio de mecanismos de democracia indireta,
uns 563.000 produtores de café do país para 2018 nos 15 Departamentos cafeeiros do país.
Caturra (levada do Brasil e adaptadas às condições topográficas colombianas8) e mais tarde
com a criação da variedade Colômbia (anos 80), que possibilitavam, uma maior densidade
de pés por hectare e uma maior produtividade das existentes.
Nos anos 2000, foi constituída uma segunda onda com os grupos associativos que
foram criados por uma política do Estado administrada pela FNCC. Aqueles grupos
tiveram como uma das suas funções mudar as condições que faziam que cafeeiros
vendessem o café molhado aos comerciantes que o secavam, armazenavam e revendiam.
8
Sobre as variedades de café semeadas, ver: Arcila Pulgarín (2017, p. 72). Texto: “Factores que determinan
la productividad del cafetal”. Capítulo 3 do livro: “Sistemas de producción de café en Colombia”. Chinchiná,
Cenicafé, 2007. 309 p. Disponível em:
https://www.cenicafe.org/es/publications/sistemas_de_produccion.pdf
do armazenamento e classificação em cata e tamanhos que anteriormente não era realizado
localmente, mas por especialistas e máquinas nos lugares de exportação ou importação.
A trajetória dos grupos foi diversa, alguns não tiveram uma longa vida, e outros
conseguiram perdurar no tempo e se articular a clientes exportadores. Os grupos que
perduraram contam com algumas características comuns. Em primeiro lugar, seus líderes
passaram de morar do campo para o Pueblo, resultado de um processo administrativo
sendo que o Pueblo é o centro que articula o comercio de bastas áreas rurais e de gestão
(pelas estradas que comunicam aquelas áreas com os centros de armazenamento),
modificando seu status e mostrando a oposição entre o campo e a cidade. Em segundo
lugar, as Cooperativas de cafeteiros foram os primeiros em comprar o café seco desses
grupos, mas posteriormente, devido às condições, foram diversificando suas vendas a para
outras empresas.
Assim, em torno dos cafés especiais e os grupos, foi se construindo uma dinâmica
que diferenciou a grupos de camponeses. Novas articulações e conhecimentos começaram
a circular dentro das famílias de cafeeiros. Em casos, pessoas associadas que aprenderam
sobre diferentes classificações de café, fundaram os seus próprios grupos. Aquela dinâmica
de separação foi mais pronunciada em Huila do que na Sierra Nevada de Santa Marta, que
conta com a Red Ecolsierra, que articula diferentes grupos daquela região.
A qualificação dos grupos iniciou com a secagem do café dos seus associados, mas
com o tempo, alguns articulados com compradores internacionais que precisavam
9
Nas oito versões do concurso, os ganhadores foram La Victoria, de Santa María (Huila), em 2002; o Grupo
Florida Matitui (Nariño), em 2003; o grupo da Finca San Pablo (Cundinamarca), em 2004; o Grupo
Hatogrande, do Norte de Santander, em 2005; a Cooperativa de Caficultores del Meta, em 2006; a Asociación
de Productores de Cafés Especiales Calarama (Tolima), em 2007; o Grupo Asprocubarral (Meta), em 2008,
e a Cooperativa de Caficultores de Támara (Casanare), em 2009. Disponível em:
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:ZC94muiyA18J:www.cafedecolombia.com/cci-
fnc-es/index.php/comments/illycaffe-fnc_una_alianza_en_busca_de_la_alta_calidad+&cd=3&hl=es-
419&ct=clnk&gl=br
10
O concurso “Taza de la Excelencia” foi organizada desde 2005 até 2015 pela FNCC, a partir desse ano
está organizada pela Asociación Colombiana para la Excelencia del Café (ASECC). Assim, a FNCC criou o
concurso “Colombia tierra de la diversidad”, e promove férias de café locais nos pueblos (Como a realizada
em Tello Huila em agosto de 2019), nesses concursos e férias somente podem participar variedades
aprovadas e estudadas por Cenicafé e a FNCC o que exclui uma parte dos produtores (ver apartado sobre
variedades 2.3.).
volumes, realizaram a construção de laboratórios e a formação de pessoal especializado
para classificar os cafés. Além do pessoal capacitado como provadores/as, o equipamento
básico de um laboratório é: filtro de agua, torrador, trilhador, molinho, zaranda, maias,
maquinas de pesagem, gás e energia.
Em casos, famílias camponesas com uma casa no pueblo, tem combinado o espaço
familiar e da comercialização de café. Em uma parte dela estão os dormitórios, a cozinha,
a sala de estar, o comedor. Na outra, está a parte dedicada ao café: uma bodega de
armazenamento, um laboratório para provar, e uma loja para preparação de expressos e
venda de café torrado. No entanto, outros grupos, articulados com empresas maiores,
contam com pessoal especializado e uma separação das suas casas de família e o lugar de
secagem de café, constituindo uma rede com uma divisão de tarefas e especialidade
administrativa mais sofisticada como na Sierra Nevada.
Na produção especializada nas duas regiões cafeeiras não foi necessária a disciplina
do modelo de uma “agricultura militar” (WOLF, 2005: 381 e 382; e MINTZ & WOLF
1957), mas uma disciplina focada na produção de pequenas quantidades de qualidade para
mercados específicos. A disciplina das plantações funciona a partir do capataz que
organiza aos diferentes trabalhadores, enquanto, na produção de cafés especiais o
tratamento dos trabalhadores e as relações familiares são centrais para sua compreensão.
Gaviota avalia com cuidado os processos que Ernedy leva na sua propriedade. O
seu café é enviado e avaliado, sendo realizadas gráficas a partir de pontos e curvas para
medir o seu rendimento. Para a empresa “o importante é manter a disciplina, e a
qualidade”. Para ela não funciona que um produtor tenha uma boa pontuação hoje e no dia
seguinte não, pelo que preferem a constância que depende da disciplina. Para Ernedy, a
sua perseverança e o amor pelo que faz são os motivos principais pelos quais a empresa
ficou interessada em fazer diretamente o negócio com ele.
Ernedy é disciplinado e procura manter a qualidade para ter bons preços, porém
sente medo e incerteza das avaliações, pelo que sempre quer estar experimentando e fazer
o que “o comprador peça”. Os pactos com o comprador são de palavra e o pagamento
depende do que o provador avalie: 84, 85, 86 são suas pontuações11. A pontuação pode
variar dependendo do momento em que é colhido o grão de café, o clima e as chuvas. Ele
11
Para Ernedy: “Porque nosotros empezamos con taza con puntaje en taza en 84,5 y vamos en 86,5, pero
con los procesos que yo le hago y ellos me mandan, yo voy 3 años, voy para 4 años con ellos y seguimos
experimentando. Yo no he parado. Hay gente que le hacen una y ya, entonces como el otro año no le pasó.
Esto es de usted moverse, pellizcarse, porque esto influye mucho el clima, el día que usted lo coge, porque
si el día que lo coge, está soleado da unos atributos y si está lloviendo da otros atributos” (Ernedy, 2019).
leva uma rígida contabilidade com a qual procura observar as diferentes variáveis que
influem nos diferentes atributos do café, para dessa forma controlar a produção: os dias de
cada processo, o clima, a quantidade de café, o lote que foi colhido, a variedade, as horas
de fermentação, o peso depois de despolpar, o dia de início e fim da secagem.
Nos últimos anos, semear variedades exóticas está sendo outro dos processos de
experimentação. Os traders e torradores, compram café em diferentes regiões e países, o
que faz que exista uma circulação de sementes que proveem de várias geografias. As
empresas levaram a Huila e a Colômbia variedades exóticas como Pacamara de Centro
América, e em Huila difundiram uma variedade exótica do Departamento batizada como
borbón rosado. Elas foram entregues a produtores que experimentam semeando em
pequenas extensões de terra, com o compromisso futuro que essas empresas comprem a
produção.
Conclusões
O artigo procurou mostrar como os produtores de duas regiões colombianas estão
relacionados com a circulação global e local do café. Os diferentes produtores estão
imersos nessas conexões que passaram de estar dominadas pelos comerciantes locais, para
espaços nos quais existe um maior controle sobre o destino da produção, a partir da
associatividade e de concentrar maior quantidade de processos dentro das propriedades.
Desse modo, na circulação global do café, a apropriação de valor está quando não
é reconhecido o esforço realizado dentro das famílias com trabalho não pago e na confiança
construída localmente e subsumida no produto. Por outro lado, o consumidor final avalia
o produto, a partir do seu sabor, da sua forma, dos carimbos e das histórias presentes
12
Ver: “Procesos del Café: Lavado, Natural y Honey” Por Fabian Vanegas -agosto 31, 2016. Disponível em:
https://www.yoamoelcafedecolombia.com/2016/08/31/procesos-del-cafe-lavado-natural-y-
honey/?fbclid=IwAR2f90m4o6xs3AbRv_XpDLrpufAUz6ES98MqPXm-wm11J5Cm7r8IXSXf2ic
Consultado em: 2/04/2020
naquele café. Essa avaliação do consumidor não é transmitida diretamente ao produtor,
sendo que as apropriações das qualidades ficam em diferentes atores da cadeia, chegando
uma pequena fatia aos que realizaram o primeiro trabalho.
Nesse cenário os grupos associativos permitiram que por meio de uma política
administrada pela FNCC, processos e conhecimentos fossem integrados na vida dos
camponeses, tencionando suas vidas entre o campo e a cidade. Laboratórios e centros de
armazenamento colocaram a camponeses frente a uma nova realidade da qual alguns
entraram no negócio e na lógica de disciplina, tanto na produção quanto no comercio.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Mauro W.B. Narrativas agrárias e a morte do campesinato. Ruris, v.1, n.2, pp.
157-186. 2007.
NAROTZKY, Susana. “Where Have All the Peasants Gone?”. The Annual Review of
Anthropology (45). 2016.
PANHUYSEN, S. & PIERROT, J. Coffee Barometer 2018. Hivos, the Hague, the
Netherlands. 2018. Disponível em: https://www.hivos.org/program/safe-platform/coffee-
barometer-2018/ (accessed March 1, 2021).
WOLF, Eric & MINTZ, Sidney (1957). Haciendas y Plantaciones en Mesoamerica y las
Antillas. (Traducción al castellano de Felix Blanco, 1975).
WOLF, Eric R. Europa y la gente sin historia. Trad. de Agustín Barcenas. 2' ed. México:
FCE. 2005.