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45º Encontro Anual da Anpocs;

GT43 - Transformações rurais no Brasil e no mundo - desafios para a política e para as


ciências sociais

Título do trabalho: Camponeses e suas conexões com os mercados externos de café-


Perspectivas desde duas regiões colombianas

Autor (a):

Camilo Andrés Salcedo Montero. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em


Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/IFCS/UFRJ),

Xiomara Fernanda Quiñones Ruiz Post-doc researcher, Institute for Sustainable


Economic Development. University of Natural Resources and Life Sciences, Vienna
(Austria).

19 a 27 de outubro de 2021
Camponeses e suas conexões com os mercados externos de café- Perspectivas desde
duas regiões colombianas1

Introdução
Esse artigo toma como ponto de partida debates acadêmicos, que no século XX
relacionavam ao campesinado com categorias como auto-subsistência, mercado local ou
auto-exploração familiar, procurando ampliar essas discussões com base nas posições e
oposições sociais de camponeses-cafeicultores localizados em duas regiões cafeeiras da
Colômbia: a Sierra Nevada de Santa Marta e Huila. Nelas pode se observar uma crescente
conexão com o comércio internacional e uma ampliação da produção, atravessada por
dinâmicas internas e pela procura da qualidade com carimbos e avaliações do sabor
(QUIÑONES RUIZ, 2020).

Analisando a interação das esferas da produção (com relação à terra e às relações


de trabalho), e a circulação do café, procura-se contribuir ao debate sobre as conexões de
um campesinato com o seu consumo global, atravessado pela construção de grupos de
produtores, de carimbos e de compradores a nível internacional, enfrentando o dilema da
interdependência e a autonomia frente a esses novos mercados.

A Sierra Nevada tem se caracterizado por uma cafeicultura associativa ligada aos
padrões de sustentabilidade. Alguns grupos associativos (conformados principalmente por
pequenos produtores de menos de cinco hectares) têm conseguido se relacionar
diretamente com compradores internacionais não somente exportando café verde (café
seco sem torrar), mas também adicionando valor ao exportar torrado. Huila tem se
posicionado por seu terroir em que os atributos da qualidade física e em xícara de sabor
atingem uma diferenciação a outras regiões. Inclusive um produtor liderou a primeira Feira
de Borbón Rosado, uma variedade localizada no Sul de Huila, que promoveu e atraiu
outros atores do circuito (QUIÑONES RUIZ, 2020).

1
O presente paper foi realizado pelo apoio de dois projetos de pesquisa. As reflexões relacionadas com os
camponeses de Huila (Colombia) foram apoiadas pelo projeto “El impacto de los cultivos y alimentos
transgénicos en la seguridad y soberanía alimentaria de comunidades campesinas, indígenas y raizales en
tres territorios colombianos: Tolima, Huila y San Andrés-Providencia” da Convocatoria Nacional para el
fomento de alianzas interdisciplinarias que articulen investigación, creación, extensión y formación en la
Universidad Nacional de Colombia 2019-2021. Código: 47524.". Entretanto as reflexões relacionadas com
os produtores de café na Sierra Nevada de Santa Marta e a Red EcolSierra, foram apoiadas pelo projeto: the
Austrian Science Fund (FWF) [grant no. T960-G27].
Igualmente, aquelas duas regiões colombianas objeto da pesquisa não foram parte
das “áreas tradicionais” de produção de café durante o século XX e as duas
experimentaram experiências forjadas a partir de conflitos e deslocamentos internos de
pessoas que chegaram a suas áreas (por violência ou por falta de terras) (CNMH, 2015),
sendo que, nas últimas duas décadas tem se posicionado no setor cafeeiro seguindo
diferentes caminhos. Igualmente, nas últimas décadas aquelas áreas têm aumentado sua
produção (FNCC, 2017) e ao mesmo tempo têm se articulado com mercados de cafés
especiais pela chegada de empresas exportadoras e multinacionais com concursos de
qualidade.
Adotaremos um trabalho teórico e etnográfico baseado nessas duas regiões, com o
objetivo de demostrar as mudanças desse campesinato com sua articulação com os
mercados de café. Em primeiro lugar, vai se realizar uma diferenciação analítica entre a
circulação do produto social e as relações sociais de produção; em segundo lugar, vai se
discutir sobre duas formas de abordar o conceito de valor, uma ligada aos “valores
simbólicos” do café desenvolvidos por DAVIRON & PONTE (2005) e outra, que tem
como ponto de partida Marx com o valor-trabalho (WOLF, [1982], 2005; e NAROTZKI,
2004); e em terceiro lugar, vão se evidenciar algumas tensões que existem dentro daquelas
propriedades pela articulação com os mercados globais de café.

As relações de produção e a circulação do produto social

Polanyi ([1957], 1976; p. 22), desenvolve um modelo analítico no qual existem três
princípios que integram a economia: a reciprocidade, a redistribuição e o intercambio. No
entanto, seguindo a Godelier ([1957], 1976; p. 30-34), na análise sobre o conceito de
“forma de integração”, Polanyi não diferencia as relações sociais de produção e as formas
sociais de circulação. Sendo que, a primeira é entendida como as relações sociais, que
determinam o acesso dos indivíduos e os grupos e seu controle sobre os meios de produção,
e o segundo, o produto social, que regulamenta o processo de circulação desses produtos.

Metodologicamente procura-se separar analiticamente as relações de produção e as


formas de circulação do produto social (GODELIER, 1976; p. 34). No caso aqui
apresentado, nas relações sociais de produção estão as relações de trabalho, de gênero, a
compra de insumos, e a intervenção na produção a traves de diferentes carimbos,
compradores e associações que constroem as condições para produzir, e por outro lado,
está o produto social que é o grão de café, o qual circula por diferentes espaços e que,
seguindo a Appadurai (1986), pode “adquirir uma vida própria”, tanto local, quanto
internacionalmente.

A mutua relação entre essas esferas permite ir além de afirmações que procuram
explicar a expansão cafeeira nas duas regiões da pesquisa, como uma “questão natural”
exclusivamente ligada à qualidade das terras (dada por alguns técnicos), o qual não
contempla as relações sociais que construíram aquela realidade. O produto não explica a
priori, as relações sociais que a produzem.

Portanto, nas regiões analisadas, o mercado não integra as diferentes relações


sociais que possibilitam a produção de café, que sendo um produto de circulação global e
fortemente influído pelos preços internacionais, mantem em questões como a terra, as
relações de gênero, a produção de alimentos, uma serie de relações que não estão
integradas pelo intercambio, seguindo a Narotzki:

[El] sistema de mercado resulta apropiado únicamente allí donde el mercado es la


institución que integra la economía en su totalidad, es decir, producción, distribución y
consumo. Por otra parte, donde la economía está incrustada en otras instituciones como el
parentesco o las estructuras políticas centralizadas, puede existir también el intercambio de
productos. (NAROTZKY, 2004; p. 82).

Como apresentam Comerford (2003), categorias como família, casa e comunidade


articulam realidades na produção e na política, sendo que não podem se idealizar como
categorias harmoniosas, pelo fato de que suas relações não estão monetizadas. Elas estão
atravessadas por relações agnósticas e de subordinação que também se reproduzem e, em
muitos casos, estão atravessadas por conflitos e assimetrias. Dentro da produção de café
nas regiões estudadas, a especialização pode fazer que algumas relações tendam a sua
mercantilização (como quando chegam trabalhadores nas propriedades a comida passa de
ser preparada pela esposa do produtor para ser contratada uma pessoa paga para sua
realização), o qual mexe e tenciona relações como as de gênero dentro das casas.

A integração do dinheiro em relaciones que anteriormente não estavam


monetizadas faz pensar na forma como a divisão do trabalho muda, assim como as posições
sociais dos integrantes dentro das casas. Ao mesmo tempo, companhias e grupos de
compradores internacionais de café tem instalado localmente uma serie de carimbos que
moldam a forma de fazer a produção de café, com práticas ecológicas, comercio justo,
mulheres cafeeiras, ou práticas para produzir o café dentro de certos padrões para melhorar
seu sabor (principalmente de colheita, fermentação e secagem).

Portanto, a produção está estreitamente ligada com a circulação do produto social,


o qual, articulado com os mercados internacionais, constrói uma serie de diferenciações do
mesmo produto, tanto físicas quanto simbólicas, a qual depende das relações dos
produtores com traders e torradores, que influi na disciplina de trabalho do produtor e a
articulação com laboratórios que classificam os grãos e seus sabores.
Nesse sentido, existem dois espaços de articulação: tanto naquela disputa e
assimetria com os comércios internacionais, quanto nas mesmas relações de produção de
café e de reprodução das suas famílias produtoras, sendo que podem se analisar pelo menos
quatro esferas dentro do mundo cafeeiro: 1) o controle dos meios de produção como a terra
e a discussão de campesinato como empresário; 2) as formas de circulação dos grãos de
café como moeda local; 3) as formas de apropriação dos valores na produção e circulação
do café: e 3) o controle existente sobre esse produto social por meio de dois processos: a
associatividade (que possibilita relações mais próximas com compradores) e o
disciplinamento dentro da produção nas propriedades para vender um café especial2.

Camponês e empresário: as hierarquias entre cultivos

O campesinato das duas regiões cafeeiras está caracterizado pelo trabalho familiar
e o trabalho assalariado, tanto na colheita de café quanto na alimentação dos trabalhadores
que as vezes é vendida. O produto do trabalho é o café junto com outros produtos centrais
para sua reprodução, mas de menor valor de cambio, como a mandioca, a banana, o feijão,
o milho, entre outras. As relações familiares estão no meio de relações de produção e
reprodução, as quais dependem das trocas e regras morais que fazem funcionar a produção.

2
Um café é classificado como especial, por ter algum atributo organoléptico, um carimbo que certifique
alguma pratica particular, ou uma característica que a diferencia do café convencional como fazer parte de
um grupo particular de produtores, ligadas a questões étnicas, de gênero, ou da paisagem local.
A produção e venda de café gera uma tensão dentro daqueles produtores: sentir-se
empresários, na medida em que controlam parte dos meios de produção, que nesse caso, é
a terra, e a disciplina na procura de melhorar as qualidades para se articular com traders e
torradores que pagam um melhor preço. Por outro lado, são camponeses no sentido das
suas relações familiares, de trabalho e na produção de alimentos para o consumo local e
doméstico.

A exposição internacional que alguns produtores têm tido, permite repensar ao


campesinado relacionado com seu trabalho braçal e os pode vincular à construção de
negócios como alternativa de vida; paradoxalmente, isto os pode someter a uma extração
de maior benefício devido ao discurso da qualidade (DAVIRON e PONTE, 2005), sendo
que existe uma disputa pela apropriação do valor do produto social ao longo da circulação
do café.

Nesse caso é central realizar a diferenciação entre os meios de produção e o


processo produtivo (NAROTZKI, 2004, p. 277). Na primeira estão fatores como a terra,
as relações de trabalho dentro da propriedade, as formas de organizar o espaço produtivo
na finca, as relações dentro das mesmas unidades domesticas em casa e na cozinha. No
segundo é necessária a análise do produto, que nesse casso é o café, o comercio, a
articulação e o controle sobre o produto do trabalho camponês, que está influenciada pela
institucionalidade cafeeira, os comerciantes e os diferentes mercados de café que
constroem o preço do grão ou brindam assistência técnica ou financeira.
Em relação à distribuição dos produtos dentro das propriedades o café é o cultivo
dominante, mas não é uma monocultura. Assim, para um produtor de café da Sierra
Nevada, a sua empresa, que é sua terra, não está exclusivamente vinculada à produção de
café, mas a uma diversidade de alimentos que tem uma relação com o consumo da casa,
com o comercio local e com a produção da finca. A empresa para um camponês está ligada
a sua terra e a sua produção diversa.

Porque básicamente una finca es una empresa y mirándola como tal, el que vive
diariamente de ella tiene muchos beneficios, muchísimos, puede hacer mucho, puede tener
muchos animales, y tener muchas cosas que te pueden producir y generar otras entradas
(rentas), no solamente el café. Tener una finca no tiene precio, porque son tierras que
producen lo que se les siembre, hay gente que siembra fríjol, maíz, todo eso da (Entrevista
con productor, Sierra Nevada de Santa Marta, 2019).
Desse modo, os espaços produtivos das fincas mantêm uma hierarquia entre o café
que é propriamente um cultivo que serve para vender no comercio, fazer negócios, pagar
as contas e comprar o que precisarem em casa, e os “cultivos” para el gasto ou pancoger3
que ajudam, isto é, que servem principalmente para o consumo da casa e ocasionalmente
para vender.

O pancoger tem jogado um papel importante para que cafeeiros/as se sustentem,


tanto para o consumo de alimentos nas suas casas, quanto para ajudar às rendas em tempos
de crise. Assim, o café dificilmente teria se expandido e mantido em produção sem a
existência desses “outros cultivos” 4 com uma duração variável como o plátano, o feijão, a
yuca (mandioca), a arracacha, o milho, entre outros, possibilitando as condições para que,
embora existam flutuações e volatilidade no preço do café (ainda mais após a ruptura do
pacto que quotas que controlava a produção nos países produtores de café em 1989),
tenham comida todos os dias em casa. Em relação à ameaça da reprodução camponesa
pelas flutuações dos preços do mercado Afrânio Garcia Jr. destaca em sua análise com
camponeses do nordeste brasileiro que:

“Portanto, quanto maior a ameaça ao consumo doméstico e a reprodução social


camponesa, maior será a tendência ao princípio da alternatividade operar. E ao
inverso, quanto maior a estabilidade das condições sociais de produção e consumo
e da reprodução destas condições, maior será a tendência a especialização em
lavouras comerciais, a se transformar num farmer”. (GARCIA JR., 1990; p. 127).

A chegada de novos mercados e as crises promoveram a especialização de


produtores com os cafés especiais, marcando um dos caminhos da produção cafeeira. A
especialização produtiva, a disciplina e o foco em um cultivo, embora possa diminuir o

3
Embora não exista uma definição de pancoger no Dicionario da Real Academia Española, diversas
instituições e académicos da Colômbia definem pancoger como “aqueles cultivos que satisfazem parte das
necessidades alimentícias de uma população determinada. Na área cafeeira são cultivos de pancoger: milho,
feijão, yuca (mandioca) e plátano (banana). ” (FNCC, 2010. Tradução própria)
4
As vezes em meio das entrevistas os “cultivos” para el gasto não eram definidos exatamente como cultivos
devido que não eram plantados de uma forma simétrica dentro do espaço produtivo da finca, mas onde
existiam ‘espaços livres’ ou ‘claros’ no meio do cafezal, pelo que diferente de um cultivo eram ‘umas plantas
e frutos que ajudam na casa’. Em um trecho de uma entrevista foi visto claramente: “E: e você tem outros
cultivos (diferentes ao café)? Rta. Não tenho não; E: Mas você tem plátano, mandioca?; Rta: Sim, sim, mas
não é cultivo, é para el gasto” (tradução própria). Devido que não foi encontrada uma melhor forma de
definir vai se usar aspas quando seja referido aos “cultivos” para el gasto, ou cultivos de pancoger o que
seria diferente a fazer cultivo, que se apresenta quando uma área delimitada é semeada de forma homogênea
com o objetivo de comercializar seus produtos, como o cultivo de café ou as vezes o cultivo de plátano ou
nas terras cálidas o cultivo de arroz.
esforço físico melhorando os preços do café, pode tornar mais vulnerável ao campesinato
frente as flutuações do mercado ou as decisões dos traders e torradores.

A manutenção de cultivos para el gasto é uma forma de organizar as esferas da


produção e o consumo (HEREDIA, 1979), que tem como finalidade assegurar parte da
alimentação do grupo doméstico e sua produção depende da quantidade de terra e de
integrantes disponíveis para trabalhar e/ou consumir. O equilíbrio entre as pessoas que
trabalham dentro do grupo doméstico e as pessoas que consomem depende do ciclo de
desenvolvimento do grupo doméstico (FORTES5, 2011).

Para a alternatividade dos produtos é importante tomar em conta a análise realizada


por Garcia Jr. & Heredia (2003) em que “o rendimento equivalente ao “mais-do-que-o-
gasto” serve apenas para adquirir o necessário ao gasto de épocas posteriores. Em miúdos:
a venda a dinheiro é apenas uma forma de diferir no tempo o consumo da unidade
doméstica”. Portanto, o mercado desses produtos está inscrito a espaços locais e nacionais,
tendo uma dinâmica diferente à do café.

Por esse motivo, esses cultivos são denominados de ajuda, devido que, com sua
venda pode se pagar alguma conta ou pendência do momento, porém, sua função principal
está dentro do espaço de produção e consumo da casa, isto é, garantir parte do seu alimento
para não gastar com aqueles produtos dinheiro no mercado. Igualmente, naquelas áreas
cafeeiras, diferir no tempo o consumo não está dado com sua venda a dinheiro, mas
principalmente pelo cálculo de plantar nos tempos frios (de não safra de café) para
consumir os alimentos dentro da casa nos tempos quentes (de safra de café) em que
aumenta a necessidade de alimentos dentro da casa.

Portanto, existe uma grande área das propriedades que não está plantada em café,
nem conta com a densidade técnica recomendada. O pancoger normalmente deriva do
trabalho dos diferentes integrantes da família, nos dias em que “podem e tem um tempo”.
A falta de braços dentro da família pode impossibilitar as condições para o trabalho do
pancoger devido que a esposa e os filhos do produtor também se dedicam a eles e a
retribuição monetária é baixa ou nula, pelo que pagar uma diária para seu cuidado não está

5
Tradução, por Alcida Rita Ramos, da Introdução a The Developmental Cycle in Domestic Groups,
organizado por Jack Goody, Cambridge Papers in Social Anthropology, n.1, Cambridge University Press,
1958, pp - 1-14.
dentro do horizonte de possibilidades. A importância do pancoger pode ser maior ou menor
dependendo da família do produtor, a pressão para vender a mão de obra ou se dedicar
exclusivamente ao cultivo.

O grão de café como moeda local


Localmente os grãos de café adquirem valores diferentes e circulam de fato como
uma moeda para pagar ao comerciante, as contas no mercado local, ou intercambiar em
pequenas quantidades para compras cotidianas após colhido, tirada a casca e vendido
molhado, isto é, sem secar. Aquela circulação local, constrói relações, as vezes de
dependência, com os comerciantes locais que endividam antes da safra aos produtores com
o compromisso da sua venda em molhado, após o qual secam o café e o revendem,
apropriando-se de parte do ganho dentro da cadeia da sua circulação.
Portanto, em relação ao comercio local de café, é necessário distinguir entre os
comerciantes em que sua principal atividade está na compra e venda de café (sendo
adicionado valor mediante a secagem e em alguns casos sua exportação ou venda torrado)
e o comercio como mais uma das ocupações de camponeses (alguns com uma loja para
comprar café no centro urbano), que pode virar, em certas condições a atividade principal
(grupo associativo) com um lugar para secar, estocar e vender no melhor momento.

Dentro do consumo doméstico, somente uma pequena porção do café chega a ser
transformado, pelo que as diferentes formas que adquire o grão são importantes na sua
circulação dentro dos diferentes espaços em que adquirem preços de equivalência. Os
grãos de café são trocados por dinheiro, comida, insumos básicos para a casa e como
garantia para empréstimos no comercio local. O grão adquire diferentes preços que
dependem das suas formas adquiridas a partir de processos materiais e simbólicos e
classificados nas seguintes categorias: café cereja, café molhado, café seco pergaminho,
café pasilla, café trillado, e café torrado6.

6
O café molhado existe desde faz muitas décadas e tem sido fonte de renda de comerciantes locais. O café
seco depende da infraestrutura nas propriedades e como vai ser apresentado mais adiante, foi interesse inicial
dos grupos associativos, impulsados desde a institucionalidade cafeeira. A pasilla é um café de menor
qualidade e preço, que aparece no processo de lavado depois de tirar a casca, em que é separado por boiar
nos tanques de armazenamento por ter sido colhido verde, isto é, sem madurar (café entregue normalmente
às mulheres ou filhos pequenos das famílias). O café especial que está ligado ao carimbo, traders e
provadores de café. O café trilhado é o café exportado no porto, e o torrado, quando está pronto para o seu
consumo.
Esses “diferentes” cafés foram chamados conceitualmente como forma-grão-
moeda, devido que cada grão de café adquire um preço diferente, que depende dos
processos que se realizam dentro das fincas e os diferentes reconhecimentos locais,
institucionais ou por traders e torradores. O grão de café desde o cultivo até ser consumido
adquire formas e circula entre mãos, com valores diferenciados a partir de processos e
reconhecimentos.

Assim como a moeda é um papel, seu preço-equivalência depende do significado


social e simbólico assignado. Portanto, o que aqui chamamos de forma não está dada
somente por suas características físicas, mas pelas características simbólicas e de
representação que adquire. Pelos processos e avaliações que apresenta uma disciplina e
organiza parte da produção que atravessa diferentes espaços antes de chegar ao seu
consumo final.

Para Polanyi ([1957], 1976; p. 302) o mercado é o lugar de intercambio, o comercio


é a sua forma e o dinheiro é seu médio. O café como moeda funciona dentro de um
comercio, que se cria quando é possível conseguir produtos que não estão ou faltam em
um determinado lugar. Os comerciantes estão caracterizados por um caráter bilateral do
movimento, em que o objeto da sua ação está na aquisição e o transporte de produtos
(POLANYI, 1976; 303).

Seguindo a Polanyi, “as mercadorias são objetos producidos para sua venda no
mercado e os mercados são definidos como contatos efetivos entre compradores e
vendedores” (POLANYI, [1944], 2003; p. 122). Assim, a classificação dos cafés constrói
o comercio de café, o qual, é especifico e diferente aos de outras mercadorias. Portanto,
sua organização está construída na sua avaliação e classificação (física e simbólica), no
processo de troca de mãos até chegar ao consumidor final, os processos de importação e
torrado, as formas de transporte, a “venda” da imagem do produtor ao consumidor, as
distâncias percorridas e as condições políticas e econômicas que possibilitam sua
circulação por diferentes espaços locais e globais.

As apropriações de valores
Daviron e Ponte (2015; p. 22) apresentam, segundo a Fundação de Comercio Justo
(2002, p. 4), que “um cafeeiro seria afortunado se das £1.75 em que é vendido um
capuchino em Londres, chega a ele 5 centavos”. Em termos absolutos os países produtores
(isto é, não o produtor) recebe entre o 5 e o 10% do valor na cadeia de café e sobre alguns
convênios de carimbos de comercio justo pode flutuar entre 12% e 21% do valor
(DAVIRON E PONTE, p. 248 e PANHUYSEN, S. E PIERROT, J., 2018), o preço da
xicara é fixo, mas para os produtores do mundo, seu preço flutua segundo as bolsas de
valores. Assim, para além da assimetria, é importante analisar em quais espaços é
apropriado o valor do café desde a produção até o consumo.
Tomando em conta, a produção e a circulação, existem pelo menos dois processos
relacionados com a apropriação do seu valor: um derivado das relações de trabalho, tanto
familiares como salariais, no qual, os custos de produção e o esforço das famílias, muitas
vezes sem retribuição monetária, gera um maior lucro aos comerciantes locais ou àqueles
que exportam e distribuem nos países consumidores; e por outro lado, o valor gerado pelas
qualidades física, simbólica e de serviço (DAVIRON E PONTE, 2015).

Para a primeira dessas formas de apropriação, é necessário pensar que as relações


especificas entre o trabalho e o capital estão no caso analisado, incrustadas em outras
relações sociais que podem se qualificar como “não econômicas” (NAROTZKI, 2004; p.
134). Naquelas relações não mediadas monetariamente são as que possibilitam a produção
de café e sua qualidade. Tal como apresenta Narotzki, tomando como referência
agricultores de azeitonas em Catalunha, as relações salariais são somente uma das formas
pelas quais são construídas as relações com o capital.

La propia inversión en trabajo del agricultor; el trabajo de su esposa y de sus hijos


en la explotación, el trabajo doméstico de las mujeres para la familia y la
reproducción de la fuerza de trabajo; el trabajo de reformas que realizan los
hombres de la casa. (…) constituyen una relación de trabajo/capital en la que la
mercantilización no se realiza directa sino indirectamente por medio de los precios
de mercado para los productos o la mano de obra (Friedmann, 1980: Chevalier,
1983; Banaji, 1977, citado en: NAROTZKI, 2004; 273 e 274).

Portanto, o ganho do produtor depende mais das flutuações do mercado do produto


e menos do mercado laboral (NAROTZKI, 2004; p. 276). Pelo qual, a circulação daqueles
produtos pode criar a ilusão de criar valor, mas que como apresenta Godelier:
"La circulación de mercancías no crea valor, sino que lo realiza, y a traves de esta
circulación la plusvalía creada en el proceso de producción se reparte entre las
diversas variedades de capitalistas (industriales, financieros, propietarios de
tierras) y toma la forma de beneficio de las empresas, interés del capital o renta de
la tierra" (GODALIER, [1957], 1976; p. 33).

Dentro daquela circulação e apropriação de mais-valor, pode-se confundir a


poupança de um camponês local, e sua subsunção em relações capitalistas e em
consequência a construção de capital. Seguindo a Pearson (1976; p. 381), o camponês pode
chegar a poupar, enquanto os empresários procuram lucro. Um camponês pode investir
seus ganhos em terra, com a finalidade de deixar terra aos filhos para trabalhar, o qual não
o constitui uma relação capitalista em si. Pelo qual, como o aclara Eric Wolf:
“La riqueza en manos de quienes la tienen no es capital sino hasta que controla.
medios de producción, compra fuerza de trabajo y la pone a trabajar, acrecentando
continuamente los excedentes mediante la intensificación de la productividad
merced a una curva siempre creciente de insumos tecnológicos (…) Únicamente
cuando la riqueza se ha hecho de las condiciones de producción en las formas
especificadas podemos hablar de la existencia o dominio de un modo capitalista.
Esto quiere decir que no hay capitalismo mercantil. Sólo hay riqueza mercantil;
para que el capitalismo sea tal deberá ser capitalismo-en-la-producción (WOLF,
2005; p. 103 e 104).

Nesse sentido, devem ser tomadas em conta, a constituição das relações locais para
a produção e ao mesmo tempo, compreender a natureza social do café. Para Daviron e
Ponte (2005, p. 33), embora existam atributos físicos e materiais de um produto e possam
ser “intrínsecos” e “objetivos”, são criados mecanismos de padronização em atributos
medíveis para ser valorados pelo usuário/consumidor ou empregados como próximos, com
exatidão de medida por meio de parâmetros físicos, químicos e bioquímicos (DAVIRON
E PONTE, p. 34). Igualmente, no café existem uma série de padrões “inmateriais” como a
qualidade simbolizada dada por carimbos, a publicidade do lugar de produção do café, o
sabor medível em laboratórios para públicos específicos, e a forma como os consumidores
finais recebem no serviço pessoal nas lojas uma experiência valorada no pago de um maior
preço (QUIÑONES, 2019).

Para aqueles mercados agrícolas a “padronização significa uniformar as


especificações de qualidade de rangos, de lugar a lugar e de momento a momento entre
compradores e vendedores” (THOMPSON, 1951 e DAVIRON E PONTE, 2005; p. 34).
Os padrões são criados para permitir transações de mercado e criam objetividade
(DAVIRON E PONTE, 2005; p. 36), sendo que no café, estão na qualidade, a pesagem, a
umidade, a embalagem, os carimbos e o sabor testado e classificado em laboratórios.
Seguindo a Polanyi (2003, p. 307) “o que a natureza faz diferente o mercado o converte
em homogêneo”.

Nesse processo, apresenta-se o paradoxo do café em que embora exista um maior


esforço do produtor para seguir as recomendações de traders e torradores, recebem menos
em termos absolutos. A publicidade sobre como é produzido o café pode aparecer em
forma de vídeos e fotos nas lojas consumidoras de café para “apresentar” aquelas famílias
camponesas, o qual, nem sempre conduz a uma retribuição econômica ao produtor, mas
aumenta o ganho dos vendedores. Portanto, para Daviron e Ponte, enquanto os produtores
e suas organizações não controlem ao menos parte da sua produção “imaterial”, vão estar
confinados ao “problema dos produtos primários”.
Nesse sentido, segundo Daviron e Ponte, não é a oferta e demanda a que
regulamenta os mercados, são os atributos de qualidade. Assim, os produtores além de
controlar esses padrões físicos do mercado, precisam disputar a qualidade simbólica, que
os economistas expressam como “bens de status” (GROSSMAN E SHAPIRO, 1988,
DAVIRON E PONTE, 2005, p. 36), sendo que utilizam a etiqueta e são inspecionados por
uma terceira, o certificador. Ao mesmo tempo, é necessário pensar sobre a apropriação de
valor, nos cafés de relação, em que é vendida uma história do exótico para o consumidor
final (DAVIRON E PONTE, 2005, p. 154).

Os grupos associativos e os paradoxos da apropriação de valor

Dentro do associativismo de pequenos produtores de café na Colômbia existem


duas ondas que foram impulsadas pela Federación Nacional de Cafeteros de Colombia
(FNCC7). A primeira onda, nos anos setenta e oitenta do século XX, articulou-se nos
chamados “Grupos de Amistad”, que tiveram como propósito canalizar a ajuda do Estado
em infraestrutura, gestão de recursos e serviços técnicos, com a implantação da variedade

7
A Federación Nacional de Cafeteros de Colombia (FNCC) é uma organização fundada em 1927, que agrupa
e representa institucionalmente os cafeeiros da Colômbia e funciona a partir de duas grandes esferas: uma
gremial e outra administrativa. A organização representa por meio de mecanismos de democracia indireta,
uns 563.000 produtores de café do país para 2018 nos 15 Departamentos cafeeiros do país.
Caturra (levada do Brasil e adaptadas às condições topográficas colombianas8) e mais tarde
com a criação da variedade Colômbia (anos 80), que possibilitavam, uma maior densidade
de pés por hectare e uma maior produtividade das existentes.

Nos anos 2000, foi constituída uma segunda onda com os grupos associativos que
foram criados por uma política do Estado administrada pela FNCC. Aqueles grupos
tiveram como uma das suas funções mudar as condições que faziam que cafeeiros
vendessem o café molhado aos comerciantes que o secavam, armazenavam e revendiam.

Assim, produtores começaram a construir infraestruturas para secagem solar dentro


das suas propriedades, e vender o café seco diretamente à Coopertaiva de cafeicultores
(que dependem parcialmente de dinheiro da FNCC) ou a empresas compradoras de café,
deixando de depender dos comerciantes. Ao mesmo tempo, alguns desses grupos
associativos começaram a construir centros de armazenamento em pueblos (pequenas
cidades) e logo após, alguns deles incursionaram nos mercados de cafés especiais.

Assim mesmo, eles são constituídos principalmente por pequenos e médios


produtores tanto em Huila quanto na Sierra Nevada, permitindo relativizar afirmações
colocadas por Daviron e Ponte (2005; p. 265) em que “os exportadores que tentam
satisfazer os mercados de especiais, dependem cada vez mais das grandes propriedades,
enquanto os pequenos agricultores ficam na margem”.

Com a participação de agrônomos extensionistas, um dos propósitos dos grupos era


capacitar aos cafeeiros na produção e nos processos de qualidade. A trajetória de vida de
uma grande quantidade de produtores de cafés especiais das duas regiões estudadas, está
relacionada com aqueles grupos, sendo que facilitaram a educação e formação em
processos de qualidade a eles ou seus filhos por meio de capacitações e eventos.

Assim, aqueles grupos permitem um maior controle sobre o produto do trabalho


camponês, porém aquela maior disciplina dos produtores gera um ganho que nem sempre
fica neles e está em uma constante disputa, tanto entre os mesmos associados, quanto com
as empresas exportadoras que procuram diminuir os “custos de transação”, isto é, o preço

8
Sobre as variedades de café semeadas, ver: Arcila Pulgarín (2017, p. 72). Texto: “Factores que determinan
la productividad del cafetal”. Capítulo 3 do livro: “Sistemas de producción de café en Colombia”. Chinchiná,
Cenicafé, 2007. 309 p. Disponível em:
https://www.cenicafe.org/es/publications/sistemas_de_produccion.pdf
do armazenamento e classificação em cata e tamanhos que anteriormente não era realizado
localmente, mas por especialistas e máquinas nos lugares de exportação ou importação.

A trajetória dos grupos foi diversa, alguns não tiveram uma longa vida, e outros
conseguiram perdurar no tempo e se articular a clientes exportadores. Os grupos que
perduraram contam com algumas características comuns. Em primeiro lugar, seus líderes
passaram de morar do campo para o Pueblo, resultado de um processo administrativo
sendo que o Pueblo é o centro que articula o comercio de bastas áreas rurais e de gestão
(pelas estradas que comunicam aquelas áreas com os centros de armazenamento),
modificando seu status e mostrando a oposição entre o campo e a cidade. Em segundo
lugar, as Cooperativas de cafeteiros foram os primeiros em comprar o café seco desses
grupos, mas posteriormente, devido às condições, foram diversificando suas vendas a para
outras empresas.

Os grupos associativos nasceram a traves de uma série de incentivos em


infraestrutura, em que os produtores associados se comprometiam a vender parte do seu
café ao grupo como intermediário das Cooperativas. No entanto, aqueles incentivos em
subsídios e capacitação técnica que vinham financiadas desde o Estado sofreram uma
queda desde 2002, pelo que entregar café para a Cooperativa começou a não representar
nenhum benefício para os associados dos grupos. Assim, seus líderes deveram “bater
portas” para se desligar paulatinamente da Cooperativa procurando empresas e clientes
frente à ameaça de entrar em um processo de desintegração.

A capacitação e a infraestrutura nas propriedades, fez que os cuidados nos


processos de produção de café precisassem de um maior tempo de trabalho por parte das
famílias produtoras. Por outro lado, um dos propósitos para a criação dos grupos foi que
os produtores se desligassem dos comerciantes, quês tiveram que se adaptar devido que
em muitas áreas diminuíram os volumes de circulação do café molhado, sendo que, alguns
fizeram negócios diferentes ao café, enquanto outros se reinventaram e conseguiram se
articular aos novos mercados.

Aqueles grupos iniciaram ao mesmo tempo da promoção de concursos de


qualidade. Os primeiros desses concursos na Colômbia, foram promovidos pela empresa
italiana Illycafè, que realizou oito versões do concurso por grupos de produtores (2003-
2010) 9. Após disso, desde 2005 foi criado o concurso “Taza de la Excelencia” organizado
pela FNCC10, em que participaram cafeeiros individualmente, classificando os cafés por
qualidades físicas e organolépticas, com provadores especializados. Com o tempo, outros
concursos e leilões foram promovidos por empresas por fora da influência da FNCC,
procurando perfis específicos dos clientes consumidores a traves dos seus provadores.

Esses concursos de qualidade foram o lugar em que diferentes empresas


exportadoras, começaram a contatar produtores e grupos. Os concursos funcionaram como
um lugar de encontro, devido que não necessariamente aqueles que ganhavam os prêmios
e o dinheiro, eram os que terminavam vendendo àquelas empresas. Elas procuraram
produtores que além da sua qualidade fossem pontuais e disciplinados. Segundo algumas
testemunhas de técnicos e cafeeiros coletados na pesquisa, muitos produtores não sabiam
exatamente qual processo realizaram para ganhar, sendo “questão de sorte”, em que
“deixaram o café mais horas no tanque e esqueciam de tirar, ganhando o concurso pelo
sabor derivado da fermentação”.

Assim, em torno dos cafés especiais e os grupos, foi se construindo uma dinâmica
que diferenciou a grupos de camponeses. Novas articulações e conhecimentos começaram
a circular dentro das famílias de cafeeiros. Em casos, pessoas associadas que aprenderam
sobre diferentes classificações de café, fundaram os seus próprios grupos. Aquela dinâmica
de separação foi mais pronunciada em Huila do que na Sierra Nevada de Santa Marta, que
conta com a Red Ecolsierra, que articula diferentes grupos daquela região.

A qualificação dos grupos iniciou com a secagem do café dos seus associados, mas
com o tempo, alguns articulados com compradores internacionais que precisavam

9
Nas oito versões do concurso, os ganhadores foram La Victoria, de Santa María (Huila), em 2002; o Grupo
Florida Matitui (Nariño), em 2003; o grupo da Finca San Pablo (Cundinamarca), em 2004; o Grupo
Hatogrande, do Norte de Santander, em 2005; a Cooperativa de Caficultores del Meta, em 2006; a Asociación
de Productores de Cafés Especiales Calarama (Tolima), em 2007; o Grupo Asprocubarral (Meta), em 2008,
e a Cooperativa de Caficultores de Támara (Casanare), em 2009. Disponível em:
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:ZC94muiyA18J:www.cafedecolombia.com/cci-
fnc-es/index.php/comments/illycaffe-fnc_una_alianza_en_busca_de_la_alta_calidad+&cd=3&hl=es-
419&ct=clnk&gl=br
10
O concurso “Taza de la Excelencia” foi organizada desde 2005 até 2015 pela FNCC, a partir desse ano
está organizada pela Asociación Colombiana para la Excelencia del Café (ASECC). Assim, a FNCC criou o
concurso “Colombia tierra de la diversidad”, e promove férias de café locais nos pueblos (Como a realizada
em Tello Huila em agosto de 2019), nesses concursos e férias somente podem participar variedades
aprovadas e estudadas por Cenicafé e a FNCC o que exclui uma parte dos produtores (ver apartado sobre
variedades 2.3.).
volumes, realizaram a construção de laboratórios e a formação de pessoal especializado
para classificar os cafés. Além do pessoal capacitado como provadores/as, o equipamento
básico de um laboratório é: filtro de agua, torrador, trilhador, molinho, zaranda, maias,
maquinas de pesagem, gás e energia.

Em casos, famílias camponesas com uma casa no pueblo, tem combinado o espaço
familiar e da comercialização de café. Em uma parte dela estão os dormitórios, a cozinha,
a sala de estar, o comedor. Na outra, está a parte dedicada ao café: uma bodega de
armazenamento, um laboratório para provar, e uma loja para preparação de expressos e
venda de café torrado. No entanto, outros grupos, articulados com empresas maiores,
contam com pessoal especializado e uma separação das suas casas de família e o lugar de
secagem de café, constituindo uma rede com uma divisão de tarefas e especialidade
administrativa mais sofisticada como na Sierra Nevada.

O disciplinamento de um produtor de café especial


Um dos caminhos utilizados pelos cafeeiros e suas associações frente as crises foi
a especialização produtiva. Primeiro secando café e posteriormente procurando empresas
e clientes que oferecessem maior estabilidade nos preços em troca por uma maior
qualidade.

A qualidade que procuram alguns dos comerciantes articulados com mercados


internacionais, precisa da disciplina de grupos de produtores/as, constituindo uma serie de
tensões dentro das propriedades, com o trabalho e com a mesma administração da terra.
Um exemplo, daquela tensão, está no caso em que a especialização no café faz desaparecer
outros dos cultivos que também constituem relações dentro das famílias. Portanto, procura-
se desmitificar algumas concepções que podem idealizar ao campesinato como
desconectado dos mercados e o dinheiro, e mostrar que a individualidade não
necessariamente desestrutura a vida camponesa, sendo sua articulação ambígua com a
modernidade (WOOLTMANN, 1990; p. 41 e p. 55).

Na produção especializada nas duas regiões cafeeiras não foi necessária a disciplina
do modelo de uma “agricultura militar” (WOLF, 2005: 381 e 382; e MINTZ & WOLF
1957), mas uma disciplina focada na produção de pequenas quantidades de qualidade para
mercados específicos. A disciplina das plantações funciona a partir do capataz que
organiza aos diferentes trabalhadores, enquanto, na produção de cafés especiais o
tratamento dos trabalhadores e as relações familiares são centrais para sua compreensão.

Ernedy um produtor com 7 hectares, começou vendendo café seco à Cooperativa e


por médio dela conheceu a empresa exportadora de café “Gaviota”. As condições da sua
propriedade são boas, pela altitude e a terra. A empresa procurava produtores que fossem
disciplinados e seguissem suas diretrizes. Assim, os “promotores” que são técnicos de
“Gaviota”, iniciaram diversos experimentos: na forma de colher o café, na calibração e o
cuidado da despolpadora, e das horas de fermentação (horas que fica lavado antes de secar),
e de secagem (com sombra). A disciplina e a estandardização dos processos foram os
motivos pelos quais Ernedy conseguiu se manter e fortalecer as relações comerciais com
Gaviota.

A disciplina para produzir um café especial precisa elementos como a padronização


de tempos e tarefas após um processo de estudo e experimentação. Esses cafeeiros
precisam estar fixados e concentrados na propriedade para coordenar os processos que
envolvem trabalhadores, que dependendo da sua importância precisam de maior ou menor
confiança.

A contabilidade das atividades cria uma diferenciação entre os produtores. Ernedy


procura contabilizar em cadernos cada uma das atividades realizadas na sua propriedade.
Existe uma multiplicidade de custos não contabilizados pela grande maioria dos cafeeiros.
A especialização do café faz que cada atividade e produto seja contabilizado embora não
seja sempre traduzido em dinheiro como: os cultivos para el gasto que ajudam na
economia da casa, a produção de café por lote, a compra de alimentos na galeria, a
quantidade de comidas realizadas, a diária das mulheres preparando os alimentos, ou as
diárias dos filhos do dono e o dono.

Além da contabilidade, outra das estratégias de Ernedy é o tratamento aos


trabalhadores para que trabalhem bem nos diferentes processos. Ele paga um melhor preço
aos recolectores por quilo colhido, a comida não é descontada do seu trabalho, isto é,
pagamento livre, e oferece doces ou mais pães no café da manhã. Assim, ele espera que
os recolectores colham só grãos maduros e cuidem dos pés de café. Logo após da colheita
é importante calibrar e limpar as máquinas despolpadoras todos os dias, para o qual é
importante ter um bom patiero. O patiero é a pessoa encarregada da limpeza das
instalações e das atividades de recepção do café maduro, de controlar os tempos em que se
deixa o café fermentando antes de tirar a casca na despolpadora, e o tempo de fermentação
após de despolpar no tanque de armazenamento, para passar finalmente aos secaderos.

A disciplina e a coordenação nas diferentes atividades no processo de colheita são


centrais para que o café possa ser bem avaliado. Segundo Ernedy, um grão que não esteja
maduro ou a falta de limpeza das instalações, pode estragar o sabor: “que um grão fique
na máquina despolpadora, ou uma falha na limpeza com a bassoura no tanque de
armazenamento faz que o provador fale que o café está estragado e o rejeite” (Ernedy,
agosto 2019).

Igualmente, os processos de padronização na finca dependem de cada cliente, o que


para um é qualidade e um atributo do café, para outra pode ser um defeito. A
experimentação pode criar perfis de sabores que dependem dos clientes e os torradores de
café. No entanto, existem alguns acordos tais como “xicara limpa”, em que pode se detectar
defeitos como a não existência de grãos que foram colhidos sem a maduração necessária.

Gaviota avalia com cuidado os processos que Ernedy leva na sua propriedade. O
seu café é enviado e avaliado, sendo realizadas gráficas a partir de pontos e curvas para
medir o seu rendimento. Para a empresa “o importante é manter a disciplina, e a
qualidade”. Para ela não funciona que um produtor tenha uma boa pontuação hoje e no dia
seguinte não, pelo que preferem a constância que depende da disciplina. Para Ernedy, a
sua perseverança e o amor pelo que faz são os motivos principais pelos quais a empresa
ficou interessada em fazer diretamente o negócio com ele.

Ernedy é disciplinado e procura manter a qualidade para ter bons preços, porém
sente medo e incerteza das avaliações, pelo que sempre quer estar experimentando e fazer
o que “o comprador peça”. Os pactos com o comprador são de palavra e o pagamento
depende do que o provador avalie: 84, 85, 86 são suas pontuações11. A pontuação pode
variar dependendo do momento em que é colhido o grão de café, o clima e as chuvas. Ele

11
Para Ernedy: “Porque nosotros empezamos con taza con puntaje en taza en 84,5 y vamos en 86,5, pero
con los procesos que yo le hago y ellos me mandan, yo voy 3 años, voy para 4 años con ellos y seguimos
experimentando. Yo no he parado. Hay gente que le hacen una y ya, entonces como el otro año no le pasó.
Esto es de usted moverse, pellizcarse, porque esto influye mucho el clima, el día que usted lo coge, porque
si el día que lo coge, está soleado da unos atributos y si está lloviendo da otros atributos” (Ernedy, 2019).
leva uma rígida contabilidade com a qual procura observar as diferentes variáveis que
influem nos diferentes atributos do café, para dessa forma controlar a produção: os dias de
cada processo, o clima, a quantidade de café, o lote que foi colhido, a variedade, as horas
de fermentação, o peso depois de despolpar, o dia de início e fim da secagem.

No entanto, nem todo processo de experimentação foi bem-sucedido. Ernedy e a


empresa fizeram dois experimentos que não deram certo: 1) produzir café honey que é um
processo no qual, logo após da colheita e de tirar a casca, o café é secado com a baba sem
lavar; e 2) café natural, em que o café é secado com a casca12. Porém pelas condições de
umidade e do clima da área, os fungos crescem facilmente, o qual, terminou estragando
esses processos.

Nos últimos anos, semear variedades exóticas está sendo outro dos processos de
experimentação. Os traders e torradores, compram café em diferentes regiões e países, o
que faz que exista uma circulação de sementes que proveem de várias geografias. As
empresas levaram a Huila e a Colômbia variedades exóticas como Pacamara de Centro
América, e em Huila difundiram uma variedade exótica do Departamento batizada como
borbón rosado. Elas foram entregues a produtores que experimentam semeando em
pequenas extensões de terra, com o compromisso futuro que essas empresas comprem a
produção.

Conclusões
O artigo procurou mostrar como os produtores de duas regiões colombianas estão
relacionados com a circulação global e local do café. Os diferentes produtores estão
imersos nessas conexões que passaram de estar dominadas pelos comerciantes locais, para
espaços nos quais existe um maior controle sobre o destino da produção, a partir da
associatividade e de concentrar maior quantidade de processos dentro das propriedades.

Desse modo, na circulação global do café, a apropriação de valor está quando não
é reconhecido o esforço realizado dentro das famílias com trabalho não pago e na confiança
construída localmente e subsumida no produto. Por outro lado, o consumidor final avalia
o produto, a partir do seu sabor, da sua forma, dos carimbos e das histórias presentes

12
Ver: “Procesos del Café: Lavado, Natural y Honey” Por Fabian Vanegas -agosto 31, 2016. Disponível em:
https://www.yoamoelcafedecolombia.com/2016/08/31/procesos-del-cafe-lavado-natural-y-
honey/?fbclid=IwAR2f90m4o6xs3AbRv_XpDLrpufAUz6ES98MqPXm-wm11J5Cm7r8IXSXf2ic
Consultado em: 2/04/2020
naquele café. Essa avaliação do consumidor não é transmitida diretamente ao produtor,
sendo que as apropriações das qualidades ficam em diferentes atores da cadeia, chegando
uma pequena fatia aos que realizaram o primeiro trabalho.

Nesse cenário os grupos associativos permitiram que por meio de uma política
administrada pela FNCC, processos e conhecimentos fossem integrados na vida dos
camponeses, tencionando suas vidas entre o campo e a cidade. Laboratórios e centros de
armazenamento colocaram a camponeses frente a uma nova realidade da qual alguns
entraram no negócio e na lógica de disciplina, tanto na produção quanto no comercio.

Assim, a disciplina na produção de café permite uma maior concentração de


esforços familiares e comunitários. Uma maior liberdade dado pelo dinheiro que pode
circular nas suas mãos que os pode colocar também frente ao dilema de uma maior
dependência daquele cultivo, sendo necessário para o camponês, o controle dos valores
simbólicos do café, na procura de conseguir uma maior estabilidade e que os seus maiores
esforços não terminem sendo um elemento mais de concentração e apropriação de valor
pelos intermediários da cadeia. Portanto, essas relações com os mercados globais de café
possibilitam a construção de uma ordem moral que possibilita um tipo de produção e de
economia de um campesinato particular.

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