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1 Introdução
Para os(as) viajantes que transitam pela BR-101 na região do extremo sul da Bahia pela
primeira vez, uma imagem que certamente impressiona o olhar mais atento recai sobre as casas
de indivíduos e famílias que residem à margem da estrada, nas faixas de terras de domínio do
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Em sua maioria, são famílias
que não estão ali acampadas, não são membros de movimentos sociais reivindicando a posse
da terra, mas residem e vivem ali na beira da rodovia, cultivando mandioca, urucum, pimenta,
mamão, milho, feijão, hortaliças e frutas diversas. Moram em casas de pau a pique, lonas, tábuas
de madeira, folha de zinco; algumas são de alvenaria. A maioria vive sem água potável, energia
elétrica e banheiro dentro de casa. Trata-se, portanto, de uma população que possui um modo
de vida sui generis, sobre cujos estudos pelas ciências sociais são rarefeitos, 3 e que permanece
invisível aos olhos do Estado, posto que sequer será recenseada em 2020, conforme informação
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Seguramente, a invisibilidade dessa
população traz consequências graves para seus membros em termos de saúde, educação e
assistência social, sobretudo para as crianças e idosos, que vivem em situação de extrema
vulnerabilidade social.
Nessa perspectiva, o objetivo mais geral do presente artigo é apresentar ao público leitor
o perfil dessa população e revelar a sua existência. Especificamente, pretende-se aqui
caracterizar e dar visibilidade a esses indivíduos e famílias, para que, dessa maneira, possam
ser alvo de políticas públicas de proteção e promoção social, posto que o avanço mais profundo
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Mestra pelo Programa de Pós Graduação em Estado e Sociedade da Universidade Federal do Sul da Bahia
(UFSB).
2
Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Estado e Sociedade da Universidade Federal do Sul da
Bahia (PPGES-UFSB), coordenador do Grupo de Pesquisa em Criminalidade e Segurança Social
(GPECS/CNPQ).
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Registra-se que o único artigo sobre essa população: MITIDIERO Júnior, Marco Antônio. Agricultura de beira
de estrada ou agropecuária marginal ou, ainda, o campesinato espremido. Acessar
http://revista.fct.unesp.br/index.php/nera/article/view/2263.
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da democracia requer que as políticas públicas tenham um foco nas populações em maior
vulnerabilidade social. Mas, para tanto, é importante e até mesmo necessário nomear, pois, “se
não se nomeia uma realidade, nem sequer serão pensadas melhorias para uma realidade que
segue invisível”. (RIBEIRO, 2019, p. 41) Desse modo, imbuídos da tarefa de nomear essa
população, de dar a ela visibilidade, atribuímos, então, o nome de “beiradeiros” a esses
indivíduos e famílias que detêm a posse de faixas de terra de domínio da União nas beiras das
rodovias do país.
As pessoas entrevistadas se autodenominam como moradores “da beira da pista”, “da
BR-101”, “da beira da BR-101”, “da pista”. Não se trata, portanto, de uma categoria nativa,
mas que busca resumir as diversas designações encontradas no contexto da pesquisa, ao tempo
que faz analogia às pessoas que já são assim chamadas por ocupar as margens dos leitos dos
rios, sobrevivendo do que plantam e colhem nas margens fertilizadas pelas vazantes pluviais.
(VARGAS, 1987; VELHO, 2009)
Desse modo, na pesquisa que ora apresentamos, foram entrevistados 68 moradores ao
longo de 25,7 km da BR-101, que corta o município de Teixeira de Freitas (BA), na direção
norte. A pesquisa foi aprovada e registrada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da
Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).
A investigação recaiu sobre o levantamento de dados socioeconômicos com aplicação
de 68 questionários estruturados, com perguntas objetivas, que foram analisados com a ajuda
das informações complementares registradas do caderno de campo produzido, constituindo-se
num censo sobre dados socioeconômicos e demográficos.
As visitas a campo foram feitas, em sua maioria, aos domingos pela manhã e iniciadas
em setembro de 2018, estendendo-se até o mesmo mês do ano seguinte. Inicialmente, foram
realizadas três visitas exploratórias, de modo a identificar o dia da semana e o horário mais
apropriado para viabilizar a pesquisa, além de estabelecer os primeiros contatos com os
moradores.
Havia um temor no início da pesquisa de como seríamos recebidos, pois queríamos
evitar ser reconhecidos como membros do DNIT ou de qualquer outro órgão do governo com
o objetivo de retirá-los das terras ocupadas. Essa investigação faz parte do rol de pesquisas
conduzidas pelo GPECS – Grupo de Pesquisa em Conflitos e Segurança Social da Universidade
Federal do Sul da Bahia (UFSB)4. Desse modo, além do carro com a identificação da
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O GPECS é coordenado pelo Profº. Drº. Herbert Toledo Martins e da Profª. Drª Dhanyane Alves de Castro, do
qual participam professores doutores, mestras e dois estudantes de doutorado, fazendo interlocução com diferentes
instituições como o IFBaiano e UFSB e programas de pós graduação como PPGES e PPGER, ambos da UFSB.
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Fonte: Banco de dados do ArcGIS de imagens, licenciado para a UFSB. Elaboração do mapa:
João Batista Lopes da Silva.
A pergunta inicial que motivou a pesquisa foi a seguinte: quem são os beiradeiros? A
partir dessa indagação, outras perguntas sobrevieram desenhando a problemática da pesquisa.
Quem são essas pessoas? De onde elas vieram? O que fez com que ocupassem as terras às
margens da rodovia? Como se reproduzem na beira da estrada? Nessa perspectiva, o artigo
encontra-se dividido em três seções além desta introdução. Na segunda seção, caracterizamos
os beiradeiros como posseiros e apresentamos um breve histórico sobre o instituto da posse,
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sua origem histórica no Brasil desde o período colonial. Na terceira seção, são analisados os
dados socioeconômicos da pesquisa em diálogo com as perguntas dispostas. Por último, são
apresentadas as considerações finais do trabalho.
sistema, que durou até 1835, fazia dos outros herdeiros uma espécie de agregados do patrimônio
herdado com base na primogenitura. Contudo, o morgadio “não impedia a abertura de novas
fazendas e a constituição de novas propriedades mediante simples ocupação e uso da terra”.
(MARTINS, 1981, p. 33)
A ocupação fazia parte do processo de obter uma sesmaria. “O futuro sesmeiro ocupava
antes a terra, abria sua fazenda e só assim se credenciava para obter a concessão e a legitimação
da sesmaria. O emprego útil da terra era a base da legitimação”. (MARTINS, 1981, p. 33)
Cumprido esse requisito e sendo branco de puro sangue, o título de sesmeiro era concedido. No
entanto, o mestiço ou bastardo pobre podia abrir a sua fazenda e ocupar a sua posse, mas, devido
ao fato de ser impuro de sangue, dificilmente conseguiria uma sesmaria, ou seja, não se tornava
proprietário de terras. Essa é a origem histórica dos posseiros.
Como agregados, os direitos dos posseiros eram tão somente uma concessão dos
fazendeiros, “como uma questão privada e não como questão pública”. (MARTINS, 1981, p.
35; MEDEIROS, 2002) Desse modo, sob a vigência desse mecanismo de exclusão da
propriedade da terra, inicialmente, pela pureza de sangue e, a partir da Lei de Terras (1850),
pelo poder financeiro, foi se constituindo uma diversidade enorme de categorias que
conformam o campesinato brasileiro, cuja característica principal é estar excluído do acesso à
propriedade da terra.
Contudo, a partir dos anos de 1950, tem início uma revolução tecnológica no campo,
também chamada de industrialização da agricultura (SILVA, 1981), modernização
conservadora (GUIMARÃES, 1976) ou modernização da agricultura. (WANDERLEY, 2014)
Basicamente, esse processo significou que as atividades agrícolas passaram a ser subordinadas
ao capital financeiro e indústrias que dominam o setor, o que foi entendido como “adoção de
máquinas, equipamentos e insumos de origem industrial nos processos da produção agrícola”.
(WANDERLEY, 2014, p. S028) Todas as regiões do país nas décadas de 1960 e 1970 foram,
de alguma forma, afetadas pelo processo de modernização do campo e pelas políticas
desenvolvimentistas em curso, que incentivavam a industrialização do país à época, com
milhares de trabalhadores sendo expulsos das terras que ocupavam.
A consequência desse processo foi a expulsão massiva dos camponeses residentes no
interior das grandes propriedades, que passaram a ser contratados apenas nos momentos de
necessidade de trabalho, como na plantação ou na época da colheita. Com diferenças regionais
acentuadas, esse processo ocorreu praticamente em todo o território nacional. E não foi
diferente na região do extremo sul da Bahia, que, no início dos anos de 1970, se integrava de
maneira mais efetiva à região Sudeste por intermédio da pavimentação da BR-101. Os
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de Freitas, 45,5% nasceram em outras cidades do extremo sul baiano, como Itamaraju,
Medeiros Neto, Alcobaça, Prado, Guaratinga, Itanhém, Vereda, Jucuruçu e Itabela, e 39,8%
nasceram em outros estados. Infere-se desses dados que se trata de um movimento migratório
característico da região sul da Bahia, sendo a maioria dos beiradeiros da pesquisa pessoas que
sofreram as consequências dos processos de exclusão econômica e social, tanto no campo
quanto na cidade.
Quando o assunto é escolaridade, é notória a discrepância entre os entrevistados e a
média no Nordeste. E, confrontando com o índice nacional, esse déficit é ainda maior.
Sobre o tempo que residem na estrada, havia pessoas com apenas 6 meses de moradia
(10,3%), com 6 meses até 1 ano (7,4%), com mais de um 1 ano até 3 anos (23,5%), com mais
de 3 anos até 5 anos (16,2%), com mais de 5 anos (11,8%), com mais de 10 anos (30,9%). A
moradora nº 25 conta que já mora ali há cerca de 30 anos, que veio de Itajuípe (BA), porque
“as coisas estavam difíceis”, e que não havia nem asfalto. “A gente ajudava nos acidentes,
tapava buracos com terra pra ganhar um trocado dos motoristas!”. Todos os sete filhos
nasceram ali, tendo o mais velho 27 anos de idade.
No quesito religião, 50% são evangélicos, 36,8% católicos, 10,2% sem religião, 1,5%
religiões de matriz africana, e 1,5% outras religiões.. No perímetro da pesquisa, encontramos
pelo menos duas igrejas destinadas ao culto evangélico e uma igreja católica. Apenas um
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entrevistado é praticante de religião de matriz africana, residente de uma ocupação que fica
num morro de terra, um terreiro de candomblé denominado “Novo Quilombo”, nome dado,
segundo o morador, pelos próprios orixás.
Sobre tipo de aparelhos domésticos existentes nas casas dos beiradeiros, em 52
ocupações (76,47%), existem celular e fogão a gás. Nem sempre é possível comprar o botijão
de gás, inviabilizando a utilização do aparelho, de modo que o jeito é usar o fogão a lenha. A
geladeira está presente em 27 casas (39,70%); 24 têm televisão e rádio (35,29%), mas a maioria
desses objetos são fruto de doação. A dificuldade de acessar energia elétrica é um fator
impeditivo para usufruir desses bens, principalmente no que diz respeito ao uso da geladeira,
que seria imprescindível para armazenar alimentos de forma adequada, assim como para assistir
televisão.
Dos 68 entrevistados, 20 afirmaram haver crianças na ocupação (29,42%), enquanto 48
(70,58%) respondem negativamente. Alguns preferiram que as crianças e adolescentes, ainda
em idade escolar, permanecessem na zona urbana, seja com os avós ou com os cônjuges de
relacionamentos anteriores.
Das famílias pesquisadas, 66 (97%) são de pessoas que se declaram agricultores, sendo
que 30 (44,11%) beiradeiros cultivam urucum, matéria-prima do corante, que produzem e
vendem ali mesmo na estrada ou repassam nas feiras do município. Desses agricultores, 58
(85,29%) plantam mandioca, além de itens como feijão, milho, pimenta do reino, abóbora,
acerola, arroz, batata, cacau, cana-de-açúcar, goiaba, jaca, limão, manga, maracujá, quiabo e
frutas diversas.
A pergunta relativa aos motivos de terem vindo se instalar na beira da rodovia foi aberta.
Desse modo, os entrevistados alegaram mais de um motivo em suas respostas. Contudo,
considera-se aqui apenas a primeira resposta. Assim, 37% dos entrevistados justificaram a
dificuldade de pagar o aluguel. O entrevistado nº 57, por exemplo, explica que, por não poder
pagar aluguel, ele e a família enxergaram ali um local para sobrevivência, assim como a
entrevistada nº 35, ao afirmar: “aqui não precisa pagar aluguel”. Dos entrevistados, 8,8%
alegaram o desemprego como motivo principal para ocupar as terras da rodovia. Outros 10,3%
consideraram como primeira opção a subsistência. É o caso do entrevistado nº 16, que explicou:
estando desempregado na cidade, mas tendo um pedaço de terra para plantar, na falta do que
comer, “posso pegar uma fruta no pé e fazer um suco para minhas filhas”. Já 47,1% justificaram
“ser da roça”, “gostar da roça” como motivo principal para estar na beira da estrada. O
entrevistado nº 14, que possuía uma casa no valor de 35 mil reais na cidade e a trocou por aquela
posse na estrada, conta que “na rua tava muito ruim. Aqui pode plantar uma mandioca. Só
sairia se desse zebra, se fosse para zona rural também”; e que, para um dos filhos, que possui
patologia mental, “fica mais tranquilo aqui também”. Algumas declarações espontâneas se
tornam emblemáticas: “se eu vim pra rua, eu morro”, da entrevistada nº 37; assim como as do
entrevistado nº 9: “Rua não quero mais nem no sonho”; do nº 4: “todo mundo comprou um
direito pra sair da rua”; além do entrevistado nº 13, que traduz muito bem esse desejo
predominante quando relata que, na rua, não há paz: “O local da paz é a roça”.
Existem pelo menos três grupos que se organizaram para obter energia elétrica junto aos
fazendeiros. Os ocupantes da beira da pista que ficam mais próximos da sede do município
informaram que “energia vem da Prainha, de seu Ivo”. A Prainha seria uma fazenda situada
nos limites de Teixeira de Freitas. Atualmente, são 16 pessoas que se utilizam dessa forma de
distribuição de energia. Seu Ivo, que tem 81 anos, conta que chegou à região antes do
desmatamento realizado para dar lugar à criação de gado, serrarias – havia cerca de 60, na época
–, além das plantações de eucaliptos, que alimentariam as indústrias de celulose que se
instalaram no extremo sul da Bahia e norte do Espírito Santo. Conta que seus avós vieram do
Congo como escravos e, ainda, que ali antes era a Fazenda Nova América.
Apenas 9 pessoas informaram que recebem aposentadoria, sendo que há pelo menos 16
pessoas maiores de 60 anos nas 68 ocupações visitadas. Dos entrevistados, 25 declararam
receber Bolsa Família e apenas 6 recebem Bolsa de Prestação Continuada (BPC), seja a pessoa
com necessidades especiais ou algum idoso.
Em consulta à Secretaria Municipal de Assistência Social, responsável pelo
credenciamento de munícipes nos programas sociais disponibilizados pelo Governo Federal, a
informação é de que não há um critério que identifique as pessoas nessas condições de moradia.
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Caso um dos moradores da beira da estrada procure o órgão para pleitear algum benefício, será
atendido dentro dos critérios já estabelecidos e, caso forneça todos os documentos e atenda aos
pré-requisitos legais, o pedido então é deferido.
Entre os entrevistados, 33,6% afirmaram que as crianças recebem o Bolsa Família, e
14,7% disseram não receber, enquanto 51,7% não responderam ou não souberam responder. No
decorrer das entrevistas, é perceptível que há muita desinformação sobre este programa de
transferência de renda e quais as exigências legais para participação no programa, o que é
coadunado pela baixa escolaridade dos pais. Alguns mencionam que já tentaram inscrever as
crianças, mas, muitas vezes, a falta de um ou outro documento exigido leva à desistência.
No que se refere ao acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto 64,7% não
recebem visita de agente de saúde, 35,3% entrevistados citaram um mesmo nome, “Rogério”,
que seria o agente destacado para atender no perímetro considerado “rural” e seria lotado na
Unidade de Estratégia de Saúde da Família (ESF) Rural II e III, que fica na zona urbana, no
centro de Teixeira de Freitas. É importante ressaltar que esse profissional foi sempre elogiado
por aqueles que confirmaram suas visitas, que falam de seu profissionalismo e prestatividade,
que ele costuma trazer-lhes resultados de exames, avisar sobre consultas ou procedimentos a
serem realizados.
Ao responderem sobre problemas de saúde, 37 (54,41%) entrevistados afirmaram sofrer
algum acometimento em sua saúde, como hipertensão arterial, problemas de coluna e diabetes.
Outras muitas doenças são citadas e demandam exames laboratoriais, como colesterol elevado
e anemia, além de doenças cardíacas, glaucomas e transtornos mentais, como ansiedade e
depressão. Muitos beiradeiros, 26 deles (38,23%), se referem a esses mesmos ESF Rural II e
III, já mencionados, quando perguntados sobre a qual unidade de saúde costumam se dirigir.
Os demais mencionaram outras unidades espalhadas pela cidade, assim como a do distrito de
Santo Antônio. Perguntados sobre como chegam às unidades de saúde, 25 responderam que vão
de ônibus, 11 se locomovem de carro, 10 de bicicleta, 8 vão andando, 9 de moto, 5 informam
que vão de ônibus escolar.
Quando visitamos a ocupação nº 20, o morador contou que funciona como um local de
apoio para atendimento da equipe de ESF. Em visita ao referido posto na zona urbana, o
enfermeiro responsável pela equipe da ESF II, Jorge, confirmou a informação do beiradeiro,
acrescentando que as visitas são mensais, para viabilizar o acesso das pessoas da estrada aos
serviços de saúde do município. A equipe é composta por profissionais de saúde, incluindo
médico e, algumas vezes, um dentista. Há um cronograma de atendimentos, além da
distribuição de medicamentos, mensalmente afixado no mural interno do posto. Os casos mais
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complexos são encaminhados para o posto fixo na zona urbana ou mesmo inseridos na rede de
saúde via regulação. Apesar de a pesquisa identificar que 85,3% dos entrevistados possuem o
cartão do SUS, critério preferencial para acesso à rede pública de saúde no Brasil, os beiradeiros
relatam que o acesso é difícil e demorado.
4 Conclusões
O presente artigo pretendeu trazer ao conhecimento do público leitor uma população até
então praticamente desconhecida, invisível aos olhos do Estado, e que vive em condições de
extrema vulnerabilidade social, não obstante o poder público municipal garantir o acesso das
crianças à educação fundamental, ao Bolsa Família e ao SUS. No entanto, resta ainda a garantia
de acesso a direitos e a políticas públicas sociais – energia, saneamento básico, moradia,
segurança alimentar, renda básica etc., o que poderá ser um marco diferencial na ampliação da
qualidade de vida dessa população. A ocupação irregular não pode ser justificativa para que as
políticas públicas que a sociedade contemporânea foi capaz de produzir não alcancem os
beiradeiros.
Ao traçar o perfil dos beiradeiros, observa-se que são posseiros oriundos, em sua
maioria, do interior da Bahia (79,4%), sendo que 45,5% são do extremo sul da Bahia e de
cidades próximas a Teixeira de Freitas. Os motivos pelos quais os beiradeiros ocupam as
margens da rodovia são reveladores da vulnerabilidade social em que vivem. Tomando por base
as respostas a essa pergunta, vimos que 37% dos entrevistados foram morar na beira da estrada
por não conseguirem pagar o aluguel e 10,3% consideram que morar na beira da estrada tornou
possível a subsistência da família, isto é, o acesso a itens alimentares a partir do cultivo próprio,
o que na cidade seria improvável, seja por falta de recursos, seja por falta de terra para plantar.
Entre os entrevistados, 8,8% alegaram o desemprego como o principal motivo para morar na
beira da estrada, o que talvez explique o aumento de moradores após o término da pesquisa, em
setembro de 2019. Por fim, 47,1% dos entrevistados justificaram “ser da roça”, “gostar da roça”
como motivo principal para estar na beira da estrada. E aqui é preciso compreender que esses
indivíduos, mesmo possuindo moradias na cidade, preferem morar na beira da estrada, pois é
assim que conseguem estar na “roça”, posto que, como proprietários de terras na região, isso
seria impossível para eles.
Nessa perspectiva, mesmo com todas as externalidades negativas, os beiradeiros
constroem um modo de vida sui generis, estabelecendo entre eles laços de reciprocidade e rede
de afetos, interagindo em comunidade, compartilhando conhecimentos, recursos,
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pertencimento e proteção mútua, reproduzindo suas próprias vidas. Mesmo os que não são
agricultores descobriram na beira da estrada uma forma de suprir as necessidades de trabalho,
moradia, o bem-viver e a paz que, na zona urbana, eles não identificam mais. Quando a maioria
dos beiradeiros (95,6%) diz que só sairia para outro local “de roça”, eles traduzem o desejo dos
ocupantes da beira da estrada BR-101 de serem reconhecidos como uma população rural,
almejando viver entre parâmetros de cidadania e dignidade humana.
Referências