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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Ana Clara de Oliveira Prates Parma


Esther Maria Dias Kfuri
Geovanna Ferreira Carazza
Gustavo Dias Ribeiro
Isabella Barbosa de Paiva Diniz
Marcela Marques Rodrigues
Victor Sidartha Mandelli Noujeimi

TRABALHO 1:
Projeto de Pesquisa

Belo Horizonte
2022
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INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 garante o acesso universal à saúde através do Sistema


Único de Saúde (SUS), política pública prevista para atender toda a população brasileira do
nascimento até a morte, cuidando do indivíduo, sua família e comunidade não apenas sobre a
perspectiva da doença, mas também da promoção da saúde. Segundo vídeos da Série SUS
(2015) um dos princípios do SUS é a integralidade, ou seja, é explícito que a atenção à saúde
deve ocorrer em rede, considerando os níveis de complexidade diferenciados que precisam
ser acionados e as necessidades específicas de pessoas ou grupos (Ministério da Saúde [MS],
2000). Outro princípio que fundamenta o SUS é o de descentralização, que faz com que suas
estruturas e organizações sejam facilmente acessadas de qualquer município, não sendo
exclusivo as regiões centrais e metropolitanas. Apesar de funcionar muito bem, o SUS ainda
carece de estruturas e profissionais que atendam toda a demanda do território nacional, dessa
forma, é necessário entender como se organiza a saúde coletiva em regiões onde esse sistema
não atua plenamente.

Barra de Guaicuí é um distrito de Várzea da Palma, no norte de Minas Gerais, considerado


um ponto turístico e cultural na região. Destaca-se a Igreja de Pedras, obra arquitetônica não
finalizada, que conta com uma árvore em seu centro, e foi tombada pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pelo Instituto Estadual do Patrimônio
Histórico e Artístico (Iepha). O distrito se localiza a menos de 800 metros de onde o Rio das
Velhas deságua no São Francisco. A população ribeirinha é composta por aproximadamente
2.800 habitantes. Barra de Guaicuí conta apenas com uma UBS com uma equipe de saúde da
família (eSF), que em 2011 contava com um médico, um enfermeiro, dois técnicos de
enfermagem e seis Agentes Comunitários de Saúde (ACSs), a qual cobria todo o distrito e a
área rural de abrangência (Nascimento, 2011). A UBS tem pouca estrutura e faltam
especialidades, além de ser necessário que a população se desloque até Várzea da Palma para
receber atendimento hospitalar e atendimento médico em especialidades que não estão
presentes no centro de saúde. Tal demanda foi explicitada a partir de relatos dos moradores e
do contato de uma das pesquisadoras com o distrito. Nesse sentido, acredita-se que um
contato mais direto com as práticas informais de saúde no contexto do distrito, em que há
diversos atravessamentos, pode ajudar a compreender a organização da rede de saúde dessa
população, a partir da perspetiva expandida de práticas de saúde proposta pelo SUS.
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OBJETIVO

O objetivo da pesquisa proposta é contribuir para o fortalecimento da saúde coletiva


no distrito de Barra do Guaicuí (MG), por meio da promoção do encontro entre os
pesquisadores e a população em questão, a fim de entender o funcionamento em saúde
coletiva no contexto de um distrito ribeirinho afastado de hospitais e, com isso, compreender
quais as possíveis demandas dessa população. Assim, após reconhecido o impacto desse
encontro, pretende-se discutir as demandas populacionais, bem como a articulação já
existente no contexto de saúde informal do território, o qual é caracterizado pela presença da
eSF, ou seja, equipes de Atenção Primária em Saúde (APS) em exercício de práticas
democráticas e participativas no âmbito individual e coletivo que podem contemplar as
práticas particulares dessa população (Nascimento, 2011). Logo, caso identificadas
reivindicações nessa articulação, justifica-se um segundo momento de intervenção com a
população e profissionais da saúde, tendo como objetivo final refletir sobre essas práticas
territoriais e colocar em ação as medidas investigadas capazes de contribuir para o
fortalecimento dessa rede informal de saúde coletiva, ainda mais articulada pós intervenção
no contexto da pesquisa na APS.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo do tipo pesquisa-intervenção cartográfica. Essa escolha parte


da noção da cartografia como metodologia que acompanha um processo, voltando-se para o
estudo de subjetividades “em torno de movimentos, de processos complexos e situações
cotidianas” (Paulon & Romagnoli, 2010, p. 97). Uma vez que o problema de pesquisa aponta
para a precariedade dos serviços de APS do território, a investigação de formas outras de
promoção de saúde podem potencializar a interlocução entre território, sujeito, comunidade e
políticas públicas. Nesse sentido, o acompanhamento de linhas inventivas e flexíveis, a partir
do referencial da esquizoanálise, pode operar o novo em possibilidades de fortalecimento da
saúde coletiva em Barra do Guaicuí, distrito do município de Várzea da Palma – MG.
A partir do encontro entre pesquisadores e campo, problematizando as relações de
poder que se materializam e tensionando as fronteiras cristalizadas de conhecimento,
busca-se micropoliticamente contribuir para demandas em saúde do território. Ainda que esta
pesquisa não tenha como ponto de partida as demandas espontâneas dos sujeitos com os quais
estaremos nos relacionando, ofertar uma proposta de trabalho de pesquisa-intervenção faz
com que as partes envolvidas avaliem a realidade presente, bem como os desejos e negações
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existentes, o que pode ou não criar uma necessidade (Rocha, 2006). Para que isso seja
possível, a análise de implicação dos pesquisadores é um elemento que atravessará todo o
processo cartográfico. Esta é uma ferramenta da análise institucional, a qual pressupõe a
auto-análise do pesquisador no processo da pesquisa, ou seja, seus atravessamentos
subjetivos e estruturais emergentes na relação com o campo e “sua implicação com a
instituição do saber científico, e sua abertura para criar zonas de indagações, de
desestabilização que possam favorecer ao coletivo aflorar” (Paulon & Romagnoli, 2010, p. 97).
Como primeira etapa da pesquisa-intervenção, propomos o mapeamento de núcleos de
promoção de saúde, sem vinculação necessária com à saúde formal, prevista nos programas e
normativas oficiais. A fim de possibilitar esse mapeamento, contaremos com as ACSs para
conhecer as dinâmicas do territórios e para indicar, se houver, os espaços e atores que são
referências no distrito em relação à promoção de saúde a partir de outros saberes, que não o
biomédico e tecnicista. A articulação entre estes atores é justificada a partir da Política
Nacional de Atenção Básica (Ministério da Saúde, 2012); uma vez que as eSF se constituem
enquanto atores diferenciais no acesso ao território e a população adscrita, sendo a principal
porta de entrada e de comunicação com toda a Rede de Atenção à Saúde. A escolha dessas
profissionais se dá a partir do papel híbrido e polifônico (Nunes et al., 2002) , tanto de
profissionais da saúde das eSF como de moradoras do território, de modo que, com elas, esse
mapeamento pode ser facilitado, assim como a interlocução entre as diferentes perspectivas
de promoção de saúde. A partir disso, os procedimentos metodológicos para essa etapa serão
a entrevista aberta (Minayo, 2014) com as ACs da UBS do distrito e o acompanhamento, se
possível e consentido, de algumas visitas domiciliares, já realizadas pelas profissionais no dia
a dia do trabalho, com o objetivo de entender, a partir do cotidiano do acompanhamento dos
casos pelas ACs, formas de promoção de saúde produzidas pelo usuários.
Em segundo momento desta pesquisa-intervenção propomos a organização de, no
mínimo, três rodas de conversa com representantes do território, estes identificados em etapa
anterior como referências locais na promoção de saúde, juntamente com os pesquisadores e
membros da eSF. As rodas de conversa possibilitam discussões em torno de uma temática,
compondo uma metodologia participativa (Méllo, Silva, Lima & Paollo, 2007). Diante os
objetivos desta pesquisa-intervenção, aos participantes será sugerido como tema de discussão
a articulação entre saúde formal e informal produzida territorialmente. Assinala-se como
potencial desta metodologia a possibilidade de um tensionamento e horizontalização das
relações de poder, estando os sujeitos implicados criticamente diante da realidade (Sampaio,
Santos, Agostini & Salvador, 2014). Ademais, preconiza uma leitura de mundo em contínuo
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movimento, fomentando um espaço de confrontação de realidades (Warschauer, 2017). No


acontecer das rodas e, em especial, no último encontro acordado, sugere-se a temática acerca
de movimentos por vir, fomentando a ampliação, continuidade e renovação das articulações
constituídas entre os atores sociais e APS, com objetivo de fortalecer a promoção de saúde no
território. A quantidade de encontros pode sofrer alterações conforme as demandas do grupo.
A pesquisa-intervenção também lançará mão das restituição como procedimento
metodológico processual para que usuários e trabalhadores sejam atores no percurso do
projeto, de modo as produções e sínteses que emergirem deste trabalho serão compartilhadas
durante e após a finalização da pesquisa com aqueles que co-produziram o conhecimento
com os pesquisadores. Todos os sujeitos implicados com esta pesquisa serão informados
sobre os objetivos do estudo, sendo convidados à participação mediante assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido. A pesquisa será submetida ao Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), respeitando a Resolução 196/96
(Conselho Nacional de Saúde, 1996) – a qual dispõe sobre as diretrizes regulamentadoras
acerca de pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil.

Referências Bibliográficas

Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:


Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
Floss, Mayara (2015). Série SUS: Os Princípios do SUS. Recuperado de
https://www.youtube.com/watch?v=PzVxQkNyqLs
Floss, Mayara (2015). Série SUS: Você já ouviu falar bem do SUS?. Recuperado de
https://www.youtube.com/watch?v=C2YRU_lvW4Y
Méllo, R. P., Silva, A. A., Lima, M. L. C., & Di Paolo, A. F. (2007). Construcionismo,
práticas discursivas e possibilidades de pesquisa em psicologia social. Psicologia &
Sociedade, 19(3), 26-32.
Minayo, M. C. S. (2014). Técnicas de pesquisa. In M. C. S. Minayo, O Desafio do
Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde (14ª ed.). Sãao Paulo: Huciet.
Ministério da Saúde. (2000). Sistema Único de Saúde (SUS): Princípios e Conquistas.
Secretaria Executiva. Recuperado em 26, agosto, 2022 de:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sus_principios.pdf.
Ministério da Saúde (2012). Política Nacional de Atenção Básica. Distrito Federal:
Ministério da Saúde.
Nascimento, G. P. S. (2011). Hipertensão como fator de risco para doenças
cardiovasculares: plano de ação no âmbito da ESF-Guaicuí [Trabalho de conclusão de
curso, Especialização em Atenção Básica em Saúde da Família, Universidade Federal de
Minas Gerais]. Corinto, Minas Gerais.
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Nunes, M.; Trad, L. B.; Almeida, B. A.; Homem, C. R.; Melo, M. C. I. C.. (2002). O agente
comunitário de saúde: construção da identidade desse personagem híbrido e polifônico.
Cadernos de Saúde Pública, 18 (6), 1639-1646. Recuperado de
https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/14399/1/M%C3%B4nica%20de%20Oliveira%20
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Paulon, S. M.; & Romagnoli, R. C. (2010). Pesquisa-intervenção e cartografia: melindres e
meandros metodológicos. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 10(1), 85-102.
Rocha, M. L. (2006). Psicologia e as práticas institucionais: a pesquisa-intervenção em
movimento. Psico, 37(2), 169-174.
Sampaio, J., Santos, G. C., Agostini, M., & Salvador, A. D. S. (2014). Limites e
potencialidades das rodas de conversa no cuidado em saúde: uma experiência com jovens
no sertão pernambucano. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, 18(2), 1299-1311.
Warschauer, C. (2017). Rodas em rede: oportunidades formativas na escola e fora dela (2ª
ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra.

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