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RESUMO
A Política Nacional de Humanização almeja a formação de coletivos em prol de
transformações na saúde. O SensibilizArte, projeto de extensão universitária,
se configura como uma dessas formações, intermediada por recursos
expressivos, como a Contação de Histórias. Nesse âmbito, objetivou-se
investigar o uso da Contação de Histórias na humanização da formação e do
cuidado em saúde a partir da experiência de cinco profissionais de diferentes
áreas da saúde que integraram o SensibilizArte. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa, exploratória, realizada a partir de entrevistas semidirigidas e
utilizando-se da análise de conteúdo para análise dos dados. Os resultados
apontam para a importância do trabalho multidisciplinar, a necessidade de
construção de uma relação próxima com o paciente e a importância do
protagonismo para uma atuação em saúde humanizada. Discute-se como as
vivências do projeto permanecem na prática profissional posterior, a partir do
paralelo entre o cotidiano do trabalho em saúde e o projeto de extensão, visto
que as atividades possibilitaram experiências práticas no cenário da saúde, por
meio do lúdico. Observou-se, ademais, a influência da Contação de Histórias
na prática profissional dos participantes, auxiliando na interação paciente e
equipe de saúde e servindo de amparo para uma prática humanizada.
Palavras-chave: contação de histórias; humanização; recursos expressivos;
clínica ampliada.
1
Graduanda em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) -
anacarolianams@gmail.com.
2
Psicóloga, Mestre, Doutora e Pós-doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São
Paulo (IP-USP). Professora adjunta do Departamento de Psicologia e Psicanálise da
Universidade Estadual de Londrina (UEL) - mairabonafe@gmail.com.
Agência de Fomento: Fundação Araucária.
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ABSTRACT
The National Humanization Policy aims at the formation of collectives in favor of
transformations in health. SensibilizArte, a university extension project, is
configured as one of these formations, intermediated by expressive resources
such as Storytelling. In this context, the objective was to investigate the use of
Storytelling in the humanization of training and health care based on the
experience of five professionals from different health areas that integrated
SensibilizArte. This is a qualitative, exploratory research, conducted from semi-
structured interviews and using content analysis to analyze the data. The
results point to the importance of multidisciplinary work, the need to build a
close relationship with the patient, and the importance of the protagonism for a
humanized health work. It is discussed how the experiences of the project
remain in the later professional practice, starting from the parallel between the
daily work of health and the extension project, since the activities made
possible practical experiences in the health scenario, through the play. It was
also observed the influence of the Storytelling in the professional practice of the
participants, assisting in the interaction between the patient and the health team
and serving as a support for a humanized practice.
Keywords: storytelling; humanization; expressive resources; extended clinic.
Introdução
De acordo com a Política Nacional de Humanização (PNH), criada em
2003, humanizar pode ser entendido como incluir diferenças nos processos de
cuidado e gestão em saúde (Brasil, 2013). A PNH preza pela construção
coletiva e compartilhada na tomada das decisões, buscando o empoderamento
dos indivíduos e o desenvolvimento de competências, como criticidade,
liderança e inovação (Sato & Ayres, 2015). Entende-se que, neste cenário, os
indivíduos são convidados a (re)pensar o cotidiano de trabalho na saúde e
instigados a intervir a partir de iniciativas inovadoras (Martins & Luzio, 2017).
Por meio do empoderamento, procura-se tornar possível que indivíduos
e coletivos sejam capazes de exercer controle e autonomia acerca de aspectos
significativos de suas vidas, conseguindo conviver com as limitações existentes
(Martins et al., 2009). Na saúde, o empoderamento é possível a partir de
profissionais “comprometidos com a mudança social e o fortalecimento de
práticas cidadãs questionadoras” (Carvalho & Gastaldo, 2008, p. 2031) e se
ampara na descentralização do poder, com ações multidisciplinares e
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Metodologia
Trata-se de uma pesquisa empírica, de natureza qualitativa e caráter
exploratório (Turato, 2003). Neste sentido, propõe-se a investigação de
fenômenos apreendidos pelos participantes do estudo, dando-se foco para a
significação dessas experiências para aqueles que as vivenciaram, procurando
compreender a construção e a descrição desses fenômenos (Turato, 2005). A
escolha por uma abordagem qualitativa propicia um olhar multifacetado sobre
os dados coletados, devido à pluralidade de significados e o caráter subjetivo
desse material (Campos, 2004).
Participantes
Participaram deste estudo cinco profissionais da saúde (Tabela 1),
graduados há mais de um ano e meio. A composição da amostra seguiu o
critério da variabilidade de tipos (Turato, 2003), com um representante de cada
uma das diferentes áreas da saúde que compõem o projeto, que serão aqui
denominados por meio das iniciais das suas áreas de atuação: Enfermagem
(EN), Fisioterapia (FI), Medicina (ME), Odontologia, (OD) e Psicologia (PS).
Teve-se como critérios de inclusão os participantes serem graduados em
cursos da saúde, terem participado da frente de atuação da Contação de
Histórias do projeto SensibilizArte por pelo menos um ano e serem formados
há mais de um ano e meio.
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Tempo de
Tempo de
Participantes participação no Campo de atuação profissional
formado
projeto
Psicóloga aprimoranda em
Psicologia (PS) 3 anos 1 ano e meio hospital, através de residência
multiprofissional
Realizou residência
Fisioterapia (FI) 5 anos 3 anos multiprofissional. Experiência em
clínica particular
Caracterização da Amostra
Procedimentos
Para realização desta pesquisa, fez-se um levantamento dos
colaboradores da Contação de Histórias que se enquadravam nos critérios de
inclusão por meio dos registros do projeto de extensão. Após o contato e aceite
em participar a pesquisa, foram realizadas as entrevistas, que foram gravadas
e transcritas na íntegra pela pesquisadora responsável, organizadas,
posteriormente em arquivos individuais. As entrevistas ocorreram em um único
momento, individualmente, nos locais indicados pelos participantes.
Instrumentos
Para a realização da coleta de dados, foi construído um roteiro de
entrevista semidirigida, composto por questões iniciais relativas à participação
geral no projeto, focalizando-se o recurso expressivo da Contação de Histórias.
Os participantes da pesquisa foram questionados acerca das expectativas e
motivações para entrada no projeto, atividades realizadas, recepção dos
pacientes. Questionou-se como a Contação poderia colaborar na
hospitalização, quais foram os momentos mais marcantes, de que forma ter
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Aspectos éticos
Esclarece-se que esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina com
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Resultados e discussão
O paciente, o contador e a história
Essa categoria aborda a relação do paciente com o contador e a
Contação de Histórias, discutindo a perspectiva dos participantes sobre o
paciente. As atividades propostas pelo SensibilizArte se configuram como um
momento de escolha, já que os colaboradores perguntam antes de entrarem no
quarto se o paciente deseja ouvir uma história. Trata-se, portanto, de um
momento atípico em um ambiente em que o sujeito pouco pode escolher.
Utsunomiya et al. (2015) comentam que a Contação de Histórias se caracteriza
como uma novidade na rotina hospitalar, distinguindo-se da temática da
doença.
A Contação busca colocar o paciente como protagonista no cenário
hospitalar, treinando o futuro profissional para compreendê-lo e incluí-lo no
processo saúde-doença de maneira dinâmica, diferente do que ocorre no
modelo biomédico (Utsunomiya et al., 2015). A profissional da Psicologia
comentou que nas primeiras vezes que entrou no hospital, pensou ter feito algo
de errado, por conta da postura do paciente frente a sua presença, mas,
posteriormente, foi percebendo que a negação do paciente não tinha relação
com ela, mas era o jeito dele expressar o que estava sentindo:
(a Contação) era algo de lazer, mas também um momento
para repensar a situação, para ver de uma perspectiva
diferente, ou até mesmo para expressar algum
sentimento. Vejo isso nos quartos que a gente tinha
negativo. Alguns pacientes eram até grosseiros, mas,
aquilo era importante para eles também, era um jeito de
expor o que eles estavam sentindo e eu acho que o
projeto permitiu essa compreensão. (PS)
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Considerações finais
Objetivou-se discutir o uso da Contação de Histórias no ambiente
hospitalar como um instrumento para humanização da formação de
profissionais de saúde. Por meio dos relatos, compreendeu-se a relevância da
vivência no projeto para a formação e atuação. Percebe-se a singularidade e
riqueza do trabalho de contar histórias atrelado à simplicidade do recurso, que
é de baixo custo e fácil acesso. Contar histórias permite ampliar o universo, por
meio da imaginação, e acessar o paciente de uma maneira diferente. Trata-se
de uma ‘porta de entrada’ para o encontro com o outro, caracterizando-se
como um encontro agradável entre profissional e paciente, diferenciando-se da
rigidez hospitalar.
No entanto, visualiza-se que não é necessário narrar uma história para
usufruir dos aprendizados do projeto. A Contação se encontra no cotidiano do
hospital quando há uma escuta atenta, uma fala clara e acessível, um olhar
sensível e integrado para com o paciente, uma dinâmica interdisciplinar bem-
sucedida, um posicionamento crítico e inovador e uma participação ativa e
presente nos fazeres em saúde.
Logo, independente da forma como esse instrumento influencie e ressoe
no ex-colaborador, entende-se que a Contação de Histórias está presente e
impacta na realidade atual dessas pessoas e, consequentemente, no cenário
da saúde no SUS. Cada participante da pesquisa apontou para aprendizados
que carregam consigo, demonstrando o impacto e a singularidade da
experiência. O SensibilizArte se apresentou como uma forma de intervir no
cotidiano, com formação de profissionais amparados pelas diretrizes da PNH,
como a clínica ampliada e compartilhada, e capazes de participarem
ativamente da construção de uma prática humanizada em seus cenários de
atuação. Há o desenvolvimento de empoderamento de todos os envolvidos,
paciente ou colaboradores, assim como instituído na política.
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Referências
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08582016000200007&lng=pt&tlng=pt
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Gomes, I. L. V., Câmara, N. A. C., Lélis, G. M. D., Grangeiro, G. F. C., & Jorge,
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Utsunomiya, K., Basile, M. A., Lopes, T., Okajima, L., & Ferreira, E. (2015).
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