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UNIVERSIDADE INDEPENDENTE DE ANGOLA

FACULDADE DE DIREITO

MANUAL DE APOIO
DE FILOSOFIA DO
DIREITO

DOCENTES:

Regente Prof. Dr. Francisco Isaac Jacob

Professor Assistente Dr. Nilton do Amaral Capalo

_________________________________________
1. HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO

Podemos distinguir na história da filosofia do direito três fases: 1) a fase da


antiguidade clássica greco-romana onde a realidade jurídica foi considerada
como um aspecto da realidade natural. 2) A fase da idade media onde o direito
foi considerado como aspecto da realidade espiritual transcendental; 3) a fase
moderna onde a realidade jurídica é percebida como produção do sujeito
empírico ou racional. Destas três fases, se adiciona a quarta fase que é a
contemporânea-actual, de modo diferenciado internamente a ponto de tornar
difícil uma definição unificante. A ideia de Direito Natural tem como elemento
comum unificador e identificador a ideia de existência de uma ordem normativa,
imanente e manifestada na natureza ou na realidade, que é como que o
paradigma, o modelo ou o arquétipo a que deve subordinar-se o direito positivo,
que deve procurar explicitá-lo, desenvolvê-lo e concretizá-lo nas ordens
normativas que estabelece ou constitui.

Sendo um Direito ideal, o Direito Natural tende a ser concebido ou pensado


como algo tão permanente ou intemporal – ainda que apenas no plano formal,
variando ou podendo variar historicamente os seus conteúdos concretos – como
permanente e supratemporal é essa ordem normativa essencial e supra empírica
que rege ou estrutura a natureza ou a realidade cósmica, social e humana.

Por outro lado, a ideia de existência de um Direito Natural contraposto ao Direito


positivo, faz apelo a uma determinada ideia ou noção de natureza, na qual se
conteria, implícita, mas cognoscível, essa legalidade ou normatividade que
constitui o Direito Natural, e segundo a qual essa mesma natureza seria
permanente e imutável, o que explicaria a permanência e a imutabilidade quer
seriam atributos do Direito Natural.

A ideia de Direito Natural implica ou pressupõe quatro ideias ou noções


complementares ou essenciais:
a) A de que existe uma natureza permanente, constante e imutável;

b) A de que essa natureza contém em si, como seu elemento intrínseco


essencial e estruturante, uma determinada legalidade ou ordem normativa;

c) A de que o homem pode ascender ao conhecimento dessa legalidade ou


dessa ordem normativa que se contém ou se manifesta na natureza;

d) A de que o Direito positivo, enquanto ordem normativa humana


reguladora da conduta e da convivência social, retira a sua validade da
conformidade com essa legalidade ou ordem normativa natural, que deve
ser o seu modelo ou paradigma.

1.1. A ideia de natureza

O termo natureza é dos mais equívocos e plurissignificativos dos com que lido o
pensamento filosófico, pelo que não será de estranhar que, quando usado ou
contido na designação Direito Natural, essa sua característica igualmente se
revele.

Ele tem, desde logo, um duplo sentido ou significado, que se pode qualificar,
respectivamente de cosmológico ou físico e de ontológico.

No primeiro sentido, o tema natureza reporta-se ao universo da matéria e da vida,


contrapondo-se, então, ao domínio psíquico ou ao reino espiritual, enquanto, no
segundo, designa o que faz que cada ser ou ente seja o que verdadeiramente é,
equivalendo então a substância ou essência, como quando se fala na natureza
humana ou na natureza das coisas.
1.2. Concepção essencialista ou substancialista do Direito Natural

a) Concepção cosmológica- esta concepção individualiza-se por referir o


Direito Natural à ideia de natureza como ordem cósmica, que contém
em si a sua própria lei, fonte da ordem em que se processam os
movimentos dos corpos que se articulam os seus elementos
constitutivos ou essenciais.

b) Concepção teológica- se o pensamento pré-socrático e, de certa


maneira, a tragédia grega, em especial Ésquilo e Sófocles, representam
de forma paradigmática e exemplar o jusnaturalismo essencialista ou
substancialista de feição ou inspiração cosmológica, a versão
predominantemente teológica deste modo de pensar o Direito Natural
encontrou na filosofia medieval e, de modo eminente em Santo
Agostinho, São Tomás de Aquino e Suarez a sua mais acabada
expressão.

O primeiro, fundindo em síntese original platónica e a sua teoria das ideias com a
teologia e o pensamento cristão, sustentou que a ordem universal ou a ordem do
mundo é regida pela lei eterna, dimanada de Deus, cujas ideias são os arquétipos
eternos das coisas.

Por sua vez, a lei natural é entendida como participação do homem na lei eterna e
encontra-se impressa na alma humana, dela devendo os legisladores extrair as
regras de conduta, as normas ou as leis mais adequadas ao condicionalismo
histórico.

São Tomás de Aquino e, em geral, o pensamento filosófico-escolástico


desenvolveram estas ideias, designadamente o conceito de leis e suas espécies e a
distinção entre as duas formas de Direito Natural.
Para o Aquitanense, a lei era definida como “prescrição da razão prática, em
ordem ao bem comum, promulgada por quem tem o cuidado da comunidade”.
Toda a lei deriva da lei eterna, na medida em que participa da recta razão.

A lei natural decorre da natureza humana, é participação da lei eterna na criatura


racional, tendo sido promulgada através da sua impressão na mente do homem,
pelo que é naturalmente cognoscível.

A mutação da lei natural pode verificar-se por dois modos: ou ela adição de
novas realidades ou por subtracção, deixando certos preceitos particulares de ser
lei natural.

c) Concepção antropológica- a versão antropológica do jusnaturalismo


essencialista ou substancialista encontrou a sua expressão vincada e
significativa no pensamento pós-renascentista, racionalista e
iluminista, em especial em Grócio, Hobbes, Espinosa, Puffedorf e
Locke.

Para esta corrente de pensamento filosófico-jurídico, o fundamento do Direito


Natural deixa de ser Deus e a lei eterna dele directamente derivada, para passar a
encontrar-se na razão humana ou na natureza racional do Homem.

1.3. Concepção formalista do Direito Natural

Esta segunda grande concepção do Direito Natural tem a sua origem no


pensamento Kantiano, tendo encontrado a sua mais acabada expressão na
corrente neo-Kantiana desenvolvida em Marburgo, no final do séc. XIX em
especial por Rudolf Stammler.

Para esta corrente neo-Kantiana (o ser), aliás inacessível ao conhecimento, não é


possível retirar ou fazer derivar nenhuma norma ou princípio ético (dever-ser),
que só na razão pode encontrar-se. Tal princípio, de natureza racional, formal ou
universal, na sua máxima generalidade, como imperativo ético categórico,
apresentar-se-ia da seguinte forma: “age como se a máxima da tua acção se
devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da Natureza”.

1.4. Concepção existencialista do Direito Natural

O pensamento filosófico-jurídico desenvolvido a partir da perspectiva existencial


vem, neste ponto, a opor-se a qualquer das correntes jusnaturalistas anteriores, ao
negar que exista qualquer essência, substância ou natureza humanas, comum a
todos os homens e dada previamente como virtualidade ou potencia que a cada
um caiba passar a acto ou realizar, pois sustenta que no Homem a existência
precede a essência e entende que aquela resulta da dialéctica entre a natureza das
coisas e a vocação do Homem, entre o dado e as circunstâncias exteriores, a
situação em que o Homem se encontra e aquilo que a sua radical liberdade
constrói, no caminho sempre ameaçado entre o ser ele próprio e o fracasso, a
alienação ou a alteração.

Portanto, é praxe na Filosofia do Direito estudar os clássicos da Filosofia que se


detiveram diante dos problemas jurídico-normativos.

Antiguidade clássica: os Gregos tiveram profunda fé baseada numa ordem


natural. Em conformidade com essa ordem, esses procuram as razões e o
fundamento do direito, o critério absoluto para avaliar a justiça das instituições
existentes, dai o direito era visto pelos gregos no seu aspecto objectivo, como
uma norma de conduta civil derivada da própria natureza das coisas. A natureza
foi tida como princípio material e o sujeito não se distingue dela como princípio
autónomo. Deste propósito, o direito revelou-se como um aspecto físico que
governa o mundo natural.

Por isso Heráclito definia a justiça a física necessidade que mantém cada coisa
na própria ordem e no próprio curso. Pitágoras definiu-a como harmonia do
universo e das relações sociais. Com os Sofistas, a fé na existência e na
inteligibilidade de uma ordem natural é choque ao homem empírico elevado a
medida das coisas, a origem humana, convencional da lei. O direito com
Pitágoras se revela como conceito de relação, uma relação relativa entre as
acções e a lei positiva.

Sócrates se opõe ao direito como relação e como conceito. Ele não duvida da
existência de uma justiça natural; porém, mas do que afirmá-lo, é preciso
entende-lo, isto é, traduzi-lo em conceito, conhece-lo na sua nota universal e
constante. Para Sócrates, o problema da justiça se resolve no problema do
conhecimento daquilo que é justo em si, independentemente das várias opiniões
humanas. A injustiça é vício do intelecto não é da vontade. Para ele, o conceito
de legalidade, que é a justiça nos seus caracteres formais, ou seja, universais, e
necessárias e que como tal, deve ser respeitada independentemente dos seus
conteúdos. Morrendo, rendeu homenagem ao valor da justiça.

Com Platão, o direito é uma realidade que o homem aprende através do intelecto
e actua o Estado. Justiça e Estado são para Platão termos que estão juntos
necessariamente. Segundo ele, a justiça não é do homem, mas sim do Estado, que
atribui a cada um o que é seu, que impõe a cada classe social a sua função
específica. A ideia da justiça não tem só valor formal. Não é um conceito que
procura fora de si o seu conteúdo, mas é realidade e actividade ideal que vive e se
concretiza no Estado. O ponto de vista naturalístico, não é superado porque a
ideia platónica objectiva nem é subjectiva. É, todavia, superado o conceptualismo
abstracto de Sócrates, porque a ideia de que o intelecto desfeito dos vínculos do
sentido intuísse a realidade concreta, princípio de verdade e de acção.

Com Aristóteles a realidade natural forma a unidade da matéria de verdade e


multiplicidade das formas individuais. Se a natureza é actividade dos seres que se
explica segundo o fim dele, a justiça natural, isto é, objectiva; é actividade do
espírito que se explica em ordem para o bem e a felicidade comum, isto é
possível só se a igualdade, entre os seres que juntos convivem é respeitada, e
garantida. Subjectivamente considerada, a justiça é hábito de valores que realiza
aquilo que o é justo opera nas relações entre outrem. Por isso é que Aristóteles
chama justiça virtude inteira e social, informando todas as actividades humanas
em relação aos outros. A justiça geral se especifica em formas particulares
segundo a índole e o fim das relações chamada a regular. As condições
objectivas e subjectivas do direito são analisadas por Aristóteles; também por ele
a justiça não é própria do homem, mas do Estado, este por sua vez é instituição
natural que surgem e se constituem para educar com as leis os ânimos à justiça.
Para os Estóicos, o conceito de natureza se confunde com a razão imanente nas
coisas; de consequência, viver segundo a natureza, é viver em conformidade com
a razão universal. Existe, portanto, um só direito, um só Estado, não circunscritos
no âmbito do limitado mais que se estende a todos os homens que se encontram
na Civitas omnium maxima, submetidos a mesma lei sem distinção de classes de
condições sociais, de nações. Esta justiça natural objectiva não é estranha ao
homem, mesmo que não fosse posta por ele; dotado de razão, o homem participa
da natureza universal e pode tirar da própria sua natureza a lei do bem comum. O
justo objectivo é pela sua natureza; o justo subjectivo pela sua racionalidade,
torna a pessoa humana sagrada. Homo homini res sacra. A igualdade da natureza
gera uma fraternidade entre os homens e entre os povos; a objectivação em
sentido empírico da lei natural acentua-se com o Epicureus, que fazem-na derivar
das necessidades da tendência à felicidade ínsita na natureza humana. De acordo
com esta tendência os homens procuram o Estado e o direito mediante um pacto
recíproca garantia. A natureza invocada pelos gregos tem o fundamento do
direito no princípio material que com o tempo tornou-se o princípio ideal e
racional até a humanizar-se e a individualizar-se nos Estóicos e nos Epicureus.

A ideia de justo estranha e contraposto ao homem, foi com o tempo


subjectivando nas formas do conceito e da e da ideia numa primeira fase, com
exigência da natureza racional e sensível do homem e no segundo momento.
Mesmo que o homem tenha desvinculando a ideia de justo da ordem política, não
conseguiu desfazer-se da ordem natural da qual ele mesmo pertencia e refletia da
lei e da felicidade. Um progresso inverso, seguiram os Romanos, os quais
compreenderam o direito como comando da vontade direcionada ao útil e na
necessidade. (ius civile), para se compreender progressivamente com uma norma
de equidade (ius aequum ac bonum), como norma que responde a natureza
comum do homem (ius gentium) e portanto, como expressão da razão humana
em harmonia com a razão universal (ius naturale), procuravam na natureza das
coisas o fundamento do direito.

Na idade média: a filosofia do direito reflectiu a nova concepção da vida e da


realidade surgida com o cristianismo. O objecto da especulação não é mais a
natureza impessoal, mas Deus concebido como pura espiritualidade, como
princípio pessoal dotado de inteligência e de vontade infinita. A humanidade
deve se organizar para o fim sobrenatural sob a lei divina onde a realização do
Estado devia dispor de meios do direito, com valores subordinados com as
finalidades temporais. Através desta forma de ler a realidade, se concebe como a
especulação jurídica medieval, mais do que construir novos sistemas que se
explicam e justificar as instituições positivas, deviam direccionar a conciliar a
vida religiosa com a necessidade do direito e do Estado, de modo a inserir o
mundo jurídico na organização universal da Igreja. Foi uma especulação de
compromisso na qual um dos elementos caracterizador era o dogma cristão, dos
sistemas de filosofia jurídica herdada da antiguidade.

S. Agostinho, ilustrou e defendeu a doutrina da supremacia da Igreja sobre o


Estado. A Igreja e o Estado, constituem uma civitas; mas só a civitas dei é
destinada a triunfar. O Estado justifica-se como meio necessário a garantir a paz
externa, terrena que é a condição pela qual a Igreja actua seus fins. Na doutrina
da paz se resume os aspectos mais originais da filosofia de direito de Agostinho.
A paz é para ele sinónimo de ordem e de harmonia, de coordenação das partes
com o todo. Cada organismo tem um seu ordenamento particular pelo qual,
existe e se conserva: o corpo em relação aos seus membros (pax corporis;) a
criação irracional no regulamento dos seus instintos (pax animae irrationalis) o
ser racional na harmonia das actividades teoréticas e práticas (pax animae
rationalis). Analogamente o Estado é (ordinatas coelestis ordinatissiima et
concordissima societas fruendi Deo et invicem in Deo.) A lei é divina e natural; é
vínculo universal que conserva o mundo físico e moral. Dá a cada ser o seu lugar,
sua função e constitui a essência da justiça.

Particular significado, tem a doutrina de paz com a ética onde se revela como
princípio de ordem interior, isto é, uma das tendências sensíveis e faz do
indivíduo um membro harmónico na vida de todo. A perfeição moral é sinónima
de paz connosco mesmo, com os nossos semelhantes, com Deus. Com a paz o
homem garante-se e protege-se contra os maus da vida terrena, conquista a saúde
da alma. O ordenamento positivado tem como objectivo, a pacificação da
sociedade, numa lógica orgânica das relações humana. Esse por sua vez não se
actua por si, mas por obra do homem; não basta conhece-lo, ocorre, porém, obtê-
lo, quere-lo e actuá-lo constantemente nas nossas acções. Essa é a conquista
progressiva; nisto consiste o fundamento e os limites da ordem jurídica e política.

A especulação jurídica da idade média culminou com a doutrina da lei de S.


Tomas segundo a qual, Deus guia o intelecto do homem com a lei, reforça a
vontade com a graça. A determinação dela constitui para S. Tomas o problema
fundamental. Existe uma lex aeterna que é a razão divina que ordena e governa o
mundo. A lex naturalis é a participação imperfeita, limitada da razão humana à
lei eterna. Por esta, o homem malgrado a corrupção originária consegue,
distinguir mesmo em falta da lei escrita e revelada, o bem e mal. Existe depois
uma lei positiva humana secundum quam disponunter quae in lex naturae
continentur.

O direito positivo humano, como determinação, especificação, interpretação da


lei natural, não pode este derrogar enquanto se inclina à utilidade individual e
colectiva. Dai que, aquilo que é útil e oportuno não pode ser um contrasto com a
lei natural. Por outro lado, a imperfeição da lei humana tem uma esfera de acção
mais restrita daquela da ética. Essa não pode, omnia vitia cohibere, sed raviora
tantum. Isto é aqueles que ameaçam as condições da vida social e a quibus
possibile est maiorem parten nultitudinis abstinere. Não contradiz o sentido
realístico de Tomas, os limites entre a moral e o direito. Para ele, o direito se
realiza por um carácter formal da positividade, isto é, da sanção humana, mas os
seus preceitos dizem respeito a moralidade do homem médio, isto é, do homem
considerado não tanto em relação as exigências da vida religiosa e moral quanto
em relação, aquelas da vida externa social. A noção de direito subjectivo
conquista na idade média novo valor. O homem é sujeito do direito não enquanto
cidadão, mas enquanto pessoa espiritual e moral. Ele não consegue os seus
direitos do Estado, mas de Deus, e logo pode opor-se ao Estado que viola estes
direitos. Por isso a liberdade não é só externa ou civil, mas é também interna,
subtraída a qualquer coerção externa. A igualdade da justiça consiste em não se
fundir na natureza, mas na essência espiritual e moral do homem. O homem não
é mais um instrumento passivo de uma realidade a ele estranha, se faz activo
cooperador de justiça, a qual não é mais contemplada com i intelecto, mas
conquistada pelo querer e pela liberdade do homem que revive em si e nas suas
obras a justiça eterna.

Na idade moderna: a fase moderna da filosofia do direito evolui com desenrolar


filosófico iniciado com Bacon Descartes; tende a resolver a realidade natural e
sobrenatural em realidade subjectiva.

Em relação a nova posição do problema filosófico se desenrola com o


jusnaturalismo, isto é, o endereço da procura do fundamento do direito nas
tendências naturais e exigências da natureza humana que retira desses o concurso
da vontade e das convenções humanas a ordem jurídica e política.
Destacam-se nesta fase, os pensadores como: O holandês Grotius. Do postulado
teológico e de qualquer estatuição do direito positivo, deriva o direito positivo
natural de natureza social e racional do homem, concebido como vínculo de
união e de conservação da vida colectiva. Distingue assim da moral que governa
os movimentos interiores da alma, como também da política que pretende avaliar
e distribuir os interesses e o bem comum. A corrupção da natureza humana
ofuscou o conhecimento do direito natural e tornou possível a comunhão da vida
dessa regra. Substitui o direito voluntário que se fundou sobre o princípio do
direito natural, pacta sunt servanda gera relações de obrigatoriedade recíproca
entre os indivíduos. Deste pacto surge também o Estado, que é a união pacífica,
ordenada pelos homens livres, para o gozo recíproco e reconhecimento dos
direitos de utilidade comum.

O estado não surge para garantir as relações convencionais (ius aequatorium)


mas exprime e defende também os interesses públicos mediante normas, tendo
como objectivo as relações de soberania (ius rectorium).

Hobbes: o direito natural é explicação de liberdade egoísta, afirmação de


potência de um contra todos. Por isso, o sinonimo de (ius belli) ou (ius pacis),
surge em virtude de um pactum subiectionis), em virtude do qual os indivíduos
concordam entre eles com o pacto irrevogável de transferir os direitos naturais
sem condições à pessoa soberana, onde a vontade natural, isto é, do Estado
personificado no soberano (Leviathan).

Spinosa: para ele o direito natural é ipsa naturae potentia, conexa a cada ser aos
fins da sua conservação. Mas as más experiências, induzem os seres dotados de
razão a criar-se uma ordem civil, na qual as exigências dos indivíduos e da
sociedade se explicam sob os auspícios do Estado nos limites impostos pela salus
publica.

Locke: para este pensador inglês, o direito natural é na sua óptica, o direito do
homem no estado hipotético de simplicidade e de inocência originária, que opera
sob o império da lei natural, em conformidade as suas necessidades naturais
segundo um cálculo racional de utilidade. Neste Estado natural de paz, de mútua
assistência os homens se reconhecem livres e iguais e cada um em relação as
suas necessidades constrói uma propriedade mediante o trabalho e a ocupação da
terra comum. A liberdade onde cada um goza no estado natural é sinónimo de
independência recíproca e esta é possível só se o arbítrio de cada um for limitado.
A igualdade é a medida da liberdade natural. Com garantia dos direitos naturais,
os homens convergem a criar o Estado e a este confia-lo o poder coercivo e
punitivo desenhado a forma de natureza. O direito natural entendia-se segundo
Locke com o direito inalienável do homem à liberdade e a propriedade nos
limites da igualdade.

Rousseau: devia demonstrar que o empirismo dos jusnaturalistas e do mesmo


Locke, se de um lado podia explicar o facto do direito, na sua génese psicológica
e sociológica, do outro, não o justificava racionalmente. O direito entendido em
relação das tendências naturais do homem, pode gerar relações fundadas sobre a
força e o arbítrio. Inspirando-se aos métodos do racionalismo Cartesiano,
Rousseau faz do direito um produto da razão colectiva que os homens criam
renunciando a viver segundo as leis da natureza empírica. Os direitos do homem
dão exigência da natureza sensível de se transformarem a mediação do Estado,
num direito da personalidade racional do homem e com tal adquirir valores
universais e morais.

Kant: resume a especulação anterior superando na definição do direito o ponto


de vista empírico e racional. A Ele se deve a filosofia do direito como disciplina
autónoma. Na antiguidade, na idade média, os problemas que hoje chamamos de
filosofia do direito, eram tratados como parte da ética. Na idade pré kantiana o
problema das relações do direito com a moral assume um histórico significado e
se põe como um aspecto da luta que o indivíduo sustentava contra o Estado em
defesa da própria liberdade interior.

Thomaius: antes de Kant, procurou distinguir a esfera moral daquele do direito


em base a critérios formais (exterioridade, liberdade, coercitividade) ou critérios
fundados sobre a finalidade da norma, (paz interior e exterior). Kant procurou na
natureza da actividade prática do sujeito, o fundamento da distinção. Tal
actividade essencialmente livre pode se afirmar ou em relação a lei moral ou nas
relações externas sociais. No primeiro caso determina-se pelo dever em si, no
segundo caso pelo motivo heteronomia subjectivo, pelo qual a conformidade à lei
é só externa (legalidade).

A vontade que se explica em função dos fins subjectivos. É a vontade económica


não jurídica. A esfera do lícito não coincide com aquela do direito. A liberdade
exterior onde o direito consiste é uma ideia de relação, que implica uma relação
entre os valores. Dai a necessidade de uma norma de razão reguladora da mesma
liberdade. Essa norma se resume no reconhecimento e no respeito recíproco a
liberdade. A consistência das vontades empíricas é condicionada com a norma
racional da igualdade, das liberdades nas suas relações externas. O equilíbrio
disto, implica acções recíprocas e portanto, coercivas.

A estabilidade de um sistema jurídico pode ser concebida nos pressupostos que


cada querer ou vontade qual seja o movente (motivação) que o explique a operar,
se mantenha exteriormente nos limites impostos pela lei de coercividade sem a
possibilidade de iludir, por isso, a coesão como poder de obrigar ou de ajuste do
direito, é condição da liberdade e se estende quanto a mesma liberdade. O direito,
ou seja, a liberdade externa, se realiza no Estado e este deriva do contracto o
título racional de legitimidade. O Estado kantiano serve aos fins do direito e
como tal é Estado jurídico. Na filosofia de Direito do Hegel, (Histórico), as
novas correntes tinham tendência de fazer do direito a expressão do espírito
colectiva e entendiam a vida na forma como se desenrolava. A filosofia do
direito é toda penetrada de influência romântica e histórica e pode ser entendida
como uma filosofia de história aplicada ao direito que se torna na história. E
objectividade, significa moralização dos valores, superando a própria
individualidade empírica, subordinação a uma realidade universal, afirmação de
liberdade não abstracta, mas concreta e real. No progresso de inserção do
indivíduo na colectividade, isto é, na progressiva conquista da consciência e da
liberdade de aí, consiste na razão da história e do mundo. A liberdade e a
humanidade prevêem mediante a coerção do direito e do Estado. O ponto de
partida do direito é a vontade livre; a liberdade é a substância de querer em todos
os seus graus. Mas a vontade políptica é liberdade subjectiva, natural, imediata; é
determinada dos instintos, dos desejos é relativamente racional, isto é, em relação
ao sujeito. A medida que a vontade se desfaz da naturalidade torna-se universal e
moral, isto é, absolutamente livre, não só na forma, mas também no conteúdo. O
desenvolvimento tem lugar em contraste, superado e renovado num grau mais
alto. Ao querer imediato corresponde o direito abstracto, a liberdade subjectiva;
aqui se opõe o universo moral. Da sua síntese, se geram as liberdades éticas que
se revelam progressivamente na forma da família da sociedade, do Estado. Só
neste último o direito se configura como liberdade do espírito objectivo
inteiramente realizado. Kant e Hegel tinham delineado as orientações
fundamentais da especulação jurídica.
2. A FILOSOFIA JURÍDICA NA HISTÓRIA

O significado filosófico-histórico do Direito é encontrado a partir da contradição


que existe entre a natureza estática do Direito e a natureza dinâmica da História.
A hegemonia do direito encontra seus limites históricos, na soberania que
coexiste com outras soberanias sem ser dominada por nenhum outro sistema. A
guerra, é um limite na impossibilidade de se substituir regularmente uma
Constituição por outra, por vias legais, a revolução é um outro limite. A Filosofia
do Direito é a filosofia que mesmo diante dos fenómenos jurídico-normativas, foi
preciso esperar que um filósofo e não um jurista construísse um sistema
filosófico tendo o direito como peça central. Friedrich Hegel foi quem fez ao
publicar em 1820 o seu livro intitulado Princípios da filosofia do Direito. A obra
Princípios da Filosofia do Direito de Hegel é um marco que delimita o início da
Filosofia do Direito como centro de uma investigação filosófica sistemática.

É por isto que se entende existir uma Filosofia do Direito propriamente dita, e
uma Filosofia do Direito impropriamente dita que se encontra nos textos
filosóficos escritos ao longo da história da filosofia, cujos sentidos incidem mais
ou menos em questões jurídico-normativas. Os filósofos sempre se depararam
com a experiência da normatividade social. Mas antes de Hegel não adveio daí
nenhum sistema filosófico que concebesse o direito em face da totalidade da
sociedade (nem de um sistema lógico coerente com as outras ciências). Podemos
apontar, à guisa de princípio, que pode ser levantada, dentre outras razões, o
papel que o direito exerce nas sociedades modernas e a forma como o direito
moderno, com seus fundamentos lógicos e sua força coerciva, reflectem em toda
a estrutura social. O historicismo jurídico, e que comummente se chama escola
histórica do direito, não tem propósito filosófico directo nem político, porém suas
doutrinas interligam-se mediante certas premissas filosóficas e também por meio
do programa da restauração política.
A ideia da codificação não era nova, uma vez que contava já em seu favor com
experiências em alguns Estados italianos, na Prússia, na Áustria e especialmente
na França, cujo Código Civil, preparado durante a revolução, teve o selo de
Napoleão.

Não era por acaso que, depois da proclamação dos direitos do homem e do
cidadão (1789), passaram os homens da Revolução Francesa a se dedicarem à
elaboração de normas do direito privado, para reunidas na unidade sistemática do
Código que, aprovado em 1804, é ainda hoje vigente na França.

Isto, fazia notar os inconvenientes produzidos pela disparidade das leis e dos
costumes e ainda chamava atenção para a importância nacional que a unificação
do direito privado assumiria nas relações entre os vários Estados. O direito,
sustenta Savigny, vive na prática e no costume, que é a expressão imediata da
consciência jurídica popular. A "consciência jurídica popular" tem um conceito
característico, que a escola histórica do direito derivou do historicismo filosófico
de Shelling e de Rege! Na realidade, toda essa corrente está em estreita conexão
com o historicismo filosófico, e até se pode chamá-la uma aplicação particular
dele no campo do direito.) Todo povo tem um espírito, uma alma sua, que se
reflecte numa numerosa série de manifestações que são: moral, direito, arte,
linguagem, são produtos espontâneos e imediatos, todos, desse espírito popular
(Volksgeist).

Facto da sua existência, assim o direito não é criação do legislador, mas uma
produção instintiva e quase inconsciente, que se manifesta no fato, e só na fase
posterior aceita a elaboração reflexiva por meio dos técnicos, que são os juristas.
Ao trabalho dos juristas segue-se, depois, a legislação, que se funda, porém,
sobre costumes preexistentes. Portanto, as leis, segundo Savigny, têm uma
função de todo secundária, não fazem nada que fixar (e quase imobilizar,
cristalizar) os princípios já elaborados pela consciência jurídica popular.
Estudo do fato histórico do direito e induzir a considerar o surgir do direito em
relação às condições particulares de cada povo. Somente esta é a fonte autêntica e
genuína do direito. Daí a aversão de Savigny (e em geral da escola histórica)
contra a codificação. Sendo sínteses sistemáticas de leis, os códigos têm maior
estabilidade e podem, a longo prazo, até conter a evolução espontânea do direito.

Por esta parte a escola histórica representa um progresso relativamente às


concessões precedentes, que descuravam o lado positivo, histórico, do direito,
mas tem, todavia, defeitos, que vieram mais assinaladamente à luz com o
progresso ulterior da ciência.

O estudo do direito positivo, justamente propugnado pela escola histórica, não


deve excluir a especulação ideal da justiça. Segundo a doutrina daquela escola,
devemos tomar uma posição passiva diante de todo produto histórico. Mas essa
adoração do fato consumado contradiz a exigência crítica da nossa consciência e
é negação de todo progresso jurídico. Se identificamos sistematicamente o real
com o ideal, negamos a possibilidade do progresso. Eis o ponto no qual permeia
o erro de todo o historicismo e em que se revela, de outro lado, a superioridade
das escolas racionais clássicas. O fato não pode conter a noção do direito; antes,
a escolha dos fatos pressupõe um intuito ideal, porque, para recolher os fatos ou
fenómenos jurídicos, devemos, antes de tudo, ter os critérios distintivos do
jurídico do não jurídico.

Na verdade, se é certo que o direito surge mediante o costume, não é menos


verdadeiro que o costume é depois, gradativamente, absorvido pela lei. O
costume é a folha primitiva, rudimentar, tosca, do direito, é igualmente verdade
que a elaboração legislativa é uma folha superior, uma vez que admite e supõe
uma crítica, uma discussão, uma consciência "toda atenta". Mais, se a lei, na sua
origem, não tem outra eficácia que a de estabelecer e fixar os produtos do
costume, e se constitui como fonte autónoma, afirma-se como inovadora,
também a respeito do costume.
A teoria da escola histórica tem, em suma, o defeito de ter dogmatizado a fase
inferior do desenvolvimento. Daí se poder dizer que aquela teoria recebe tanto o
desmentido dos fatos, quanto mais avançados são os estágios da civilização.

Os juristas da escola histórica foram, em geral, normalistas; consideravam o


direito como protótipo de todos os direitos, válido de certo modo para todos os
povos. (Isso contrasta com a máxima da mesma escola, segundo a qual todo povo
teria um espírito próprio, e a todo espírito popular corresponderia um certo
direito).

Todavia, a teoria da escola histórica, salvo rectificações particulares, e o


abandono de certos termos e caracteres extrínsecos (que se vinham perdendo à
medida que a doutrina se difundia), pode ser considerada ainda hoje
predominante, com seus méritos e com seus defeitos. São geralmente admitidos
os dois princípios da historicidade e da relatividade do direito. E assim mesmo a
opinião dominante é no sentido de que se deva voltar a atenção apenas para o
direito positivo, e não para o direito natural. Essa tese, enquanto visa restringir o
campo da Filosofia do direito, excluindo a pesquisa pura da justiça, constitui um
erro pernicioso.
3. A HISTÓRIA DO DIREITO E O DIREITO COMPARADO

Quando se fala em sistema de normas, fala-se em várias características.


Um sistema de normas precisa ser uno, ter completude (não se admite lacunas - a
lei pode ter lacunas, o sistema normativo, não), e ser coerente (que não é
contraditório, não mantém posturas conflituosas).

O sistema normativo precisa ser coerente. Não pode ser contraditório. P. ex., se
uma norma permite algo, uma outra norma no mesmo sistema normativo, não
pode proibi-lo.

Conflito aparente de normas (é aparente porque o sistema não permite


incoerências):

1. A regra especial prevalece sobre a geral;


2. A regra posterior prevalece sobre a anterior;
3. A regra superior prevalece sobre a inferior.

A ciência jurídica enquanto dogma jurídica ou conhecimento sistemático do


Direito tem por objecto a manifestação positiva do Direito. Há uma diferença
entre a Filosofia do Direito e Política Jurídica. Esta consiste na primeira tratar de
valores do Direito e dos instrumentos que possibilitam a realização destes
valores. O Direito positivo é objecto da história do Direito e do direito
comparado, enquanto a existência e os factos de vida jurídica são objectos da
Sociologia e da psicologia jurídica.

A história do direito tem como objectivo, a evolução e a eficácia do Direito.


Indaga também outras manifestações culturais buscando a compreensão do seu
significado histórico na cultura de determinada época.
O direito comparado ocupa-se como relacionar as diversas ordens jurídicas
nacionais de povos civilizações, feita sob perspectiva política.

O direito comparado é ciência etnológico do Direito porque procura estabelecer


uma relação pesquisando a relativa realidade dos povos primitivos, e tem como
objectivo construir, com fundamento nestes dados primitivos, a pré-história do
desenvolvimento do direito dessas civilizações. A função dos comparatistas é de
colocar em evidência a função que deve desempenhar o direito comparado, de
modo que buscam tornar os juristas aptos a cumprir a tarefa que lhes é confiada,
cada um na sua especialidade. Devendo os comparatistas preparar um espaço a
fim de que os outros possam empregar nas suas variadas funções o método
comparativo, devendo ter como conhecimento os perigos que estarão expostos e
as regras de prudência as quais devem se sujeitar.

A especialidade obtida por cada um será provinda do conhecimento, o qual


amplia o repertório do profissional, sendo este necessário para a melhor
compreensão dos Juristas no próprio direito, tanto para aperfeiçoarem quanto
para estabelecerem regras de conflito ou de fundo uniformes ou até mesmo uma
harmonização dos diversos direitos.

Devendo os comparatistas instruírem os juristas para que compreendam os


interlocutores, pois os juristas, por possuírem uma formação com conceitos
distintos daqueles que passaram a ser utilizados, encontraram dificuldades na
compreensão, já que o direito comparado passou a actuar em um
desenvolvimento moderno, tendo a partir dai uma teoria incrementada em
princípios.

Os comparatistas surgem a partir do direito comparado o qual define as relações


de semelhanças e diferenças em um ordenamento jurídico, podendo ele ser
constituído de diversas culturas, ajudando a alargar os horizontes para os
reformadores da lei e dos legisladores em todo o mundo. Por se tratar de um
direito essencialmente formal, histórico e processual, é ligado aos fatos, cabendo
ao juiz à decisão final, analisando o caso concreto e a jurisprudência a ser
aplicada, sendo necessário então que haja a compreensão entre juristas e
interlocutores.

O direito comparado estuda as diferenças e as semelhanças entre os


ordenamentos jurídicos de diferentes Estados, agrupando-os em famílias.

Muitos definem o direito comparado como ramo do direito, mas essa concepção
é errada, pois, um ramo de direito visa regular de maneira específica uma dada
situação jurídica, o que não acontece com o direito comparado. Este direito
comparado vai estudar as diferenças e semelhanças entre os ordenamentos por
via de uma macro-comparação ou micro-comparação.

Direito comparado é o estudo das diferenças e semelhanças entre a lei de


diferentes países. Mais especificamente, envolve o estudo dos diferentes sistemas
jurídicos existentes no mundo, incluindo o direito comum, o direito civil, direito
socialista, a lei islâmica, a lei hindu, e a lei chinesa. Ele inclui a descrição e
análise dos sistemas jurídicos estrangeiros, mesmo onde não há comparação
explícita é realizada. A importância do direito comparado aumentou
enormemente na idade actual do internacionalismo, da globalização económica e
de democratização.

Embora auxilie no estudo de diversos ramos do direito, é no direito internacional


privado que a disciplina do direito comparado exerce papel essencial: as
instituições jurídicas estrangeiras são estudadas por meio da comparação entre
ordenamentos jurídicos.

Montesquieu: de acordo com o ponto de vista predominante, é considerado


como o pai do direito comparado. Sua abordagem comparativa é evidente no
seguinte trecho do capítulo III do livro I do que muitos consideram sua obra-
prima, De l'esprit des lois: as leis políticas e civis de cada nação devem ser
adaptadas as pessoas para quem elas são que as vão obedecer e devem estar em
relação com a natureza e o princípio de cada governo, (instituições civis). Elas
devem estar em relação ao clima de cada país, para a qualidade de seu solo, à sua
situação e extensão, para a principal ocupação dos nativos, se lavradores,
caçadores ou pastores: eles devem ter relação com o grau de liberdade que a
Constituição vai suportar, para a religião dos habitantes, às suas inclinações,
riquezas, número, comércio, costumes e costumes. Além disso, no Capítulo XI
(intitulado "Como comparar dois sistemas diferentes de leis") do Livro XXIX ele
aconselha que "para determinar qual desses sistemas [ou seja, os sistemas de
Francês e Inglês para a punição de falsas testemunhas] é mais agradável à razão,
devemos levá-los cada um como um todo, e compará-los em sua totalidade ". No
entanto, um outro trecho onde a abordagem comparativa de Montesquieu é
evidente é o seguinte do Capítulo XIII do Livro XXIX:

Como as leis civis dependem das instituições políticas, porque eles são feitos
para a mesma sociedade, sempre que há um projecto de adopção do direito civil
de outro país, seria adequado para analisar de antemão se estes têm as mesmas
instituições e os mesmos direitos políticos.

Várias disciplinas se desenvolveram como ramos separados de direito


comparado, incluindo direito comparado constitucional, direito administrativo
comparado, direito civil comparativa (no sentido da lei de delitos, ilícitos,
contratos e obrigações), direito comercial comparativa (no sentido das
organizações empresariais e comércio), e do direito penal comparado. Estudos
sobre essas áreas específicas podem ser vistas como análise micro ou macro
comparativa legal, ou seja, comparações detalhadas dos dois países, ou estudos
de amplo alcance de vários países. Estudos comparativos de direito civil, por
exemplo, mostrar como a lei das relações privadas é organizado, interpretados e
utilizados em sistemas ou países diferentes. Parece que hoje as principais
finalidades de direito comparado são: para alcançar um conhecimento mais
profundo dos sistemas jurídicos em vigor para aperfeiçoar os sistemas jurídicos
em vigor possivelmente, contribuir para a unificação dos sistemas jurídicos, de
uma escala menor ou maior na comunicação entre os sistemas jurídicos. Neste
mundo globalizado, o direito comparado é importante porque fornece uma
plataforma para o intercâmbio intelectual nos termos da lei e que cultiva uma
cultura de compreensão em um mundo diverso. Além disso, o direito comparado
ajuda a alargar os horizontes para os reformadores da lei e os legisladores de todo
o mundo. Também pode ser útil nas relações internacionais na definição de
políticas estrangeiras.

Direito comparado é diferente dos campos de jurisprudência geral (teoria legal),


o direito internacional, incluindo tanto o direito internacional público e direito
internacional privado (também conhecido como conflito de leis).

Apesar das diferenças entre o direito comparado e estas outras áreas jurídicas, de
direito comparado ajuda a informar todas estas áreas de normatividade. Por
exemplo, o direito comparado pode ajudar as instituições jurídicas internacionais,
como os do Sistema das Nações Unidas, ao analisar as leis de diferentes países a
respeito de suas obrigações do tratado. Direito comparado seria aplicável ao
direito internacional privado no desenvolvimento de uma abordagem para a
interpretação de uma análise de conflitos. Direito comparado pode contribuir
para a teoria jurídica, criando categorias e conceitos de aplicação geral.

Perfila-se a classificação dos sistemas jurídicos, de acordo com a ideologia


inspirando cada um, em cinco grupos ou famílias:

Leis ocidentais, romano-germânica (compreendendo os sistemas jurídicos em


que a ciência jurídica foi formulada de acordo com o Direito Romano - ver
também a lei Civil (sistema legal) Subgrupo anglo-saxão Lei Soviética Direito
muçulmano Lei Hindu Lei chinês especialmente no que diz respeito à agregação
por David das Leis romano-germânica e anglo-saxão em uma única família,
David argumentou que a antítese entre as leis anglo-saxãs e Direito romano-
germânica, é de um técnico ao invés de natureza ideológica. De um tipo diferente
é, por exemplo, a antítese entre (digamos) o italiano e a Lei americana, e de um
tipo diferente, que entre a, muçulmano, hindu ou chinês law soviética. De acordo
com David, os sistemas jurídicos romano-germânica incluiu os países onde a
ciência jurídica foi formulada de acordo com o Direito Romano, enquanto os
países de common law são aqueles em que a lei foi criada a partir dos juízes. As
características diferenciais, exclusivamente à família ocidental das outras quatro,
são democracias liberais, economia de mercado, capitalista e religião cristã.

Zweigert e Kötz: propõem uma metodologia diferente, multidimensional para a


categorização de leis, para encomendar as famílias de leis. Para eles
determinarem essas famílias, deve ser levado em conta cinco critérios: 1) o
contexto histórico, 2) o modo característico de pensamento, 3) as diferentes
instituições, 4) as fontes reconhecidas de direito, 5) a ideologia dominante.
Usando os critérios acima mencionados, eles classificam os sistemas jurídicos do
mundo em seis famílias:

F1) Família romana 2) família alemã 3) Família common law 4) Família Nordic
5) Família das leis do Extremo Oriente (China e Japão) 6) Família religiosa
(muçulmana e lei Hindu).

Família romano-germânica: é formada pelo conjunto dos direitos nacionais que


sofrem fortes influências do direito romano e do seu estudo através dos séculos.
Em termos geográficos, pertencem a esta família os direitos de vários países
europeus, de toda a América Latina, uma grande parte de África, do Oriente
Médio, do Japão e da Indonésia.

O período de formação histórica destas famílias, começa no século XIII, com o


renascimento do interesse pelo estudo do direito romano nas universidades
europeias, a partir da redescoberta do Corpus Iuris Civilies . O seu
desenvolvimento prossegue na idade Moderna até a chamada fase do direito
legislativo, durante a qual surgem as noções de que o direito não é imutável, deve
ser fruto da razão, e o resultado da aplicação da razão ao ordenamento jurídico
pode e deve ser registado por escrito. O encontro destas ideias com o
nacionalismo romântico dos séculos XVII e XIX permitiu o surgimento dos
direitos nacionais, no âmbito da família romano-germânica. Já não eram mais
exclusivamente direito romano, mas um conjunto de regras, conceitos e
mentalidades jurídicos nele baseado, alterado, ampliado e adaptado pelos séculos
de estudo do direito romano, agora posto por escrito, de maneira sistemática (à
luz da Ratio).

O conceito de um único direito romano (adaptado pelos juristas medievais e


modernos) válido para toda a Europa foi substituído ao direito nacional, adaptado
às necessidades e circunstâncias locais. Mas os países europeus continentais
podiam traçar uma origem comum para os seus respectivos direitos nacionais - o
estudo do direito romano -, o que os faz pertencer à família romano-germânica.
Na família romano-germânica, a regra do direito é genérica, a ser aplicada ao
caso concreto pelos tribunais. Esta regra de direito genérica costuma ser criada
por meio de leis escrita. A generalização permitiu o fenómeno da codificação do
direito, pelo qual as regras genéricas são compiladas em códigos de leis e
posteriormente aplicadas pelos juristas e tribunais.

Família do Common Law: esta família é formada a partir do direito originário


aa Inglaterra, com as actividades dos tribunais reais de justiça, após a conquista
normanda. Além do direito britânico, este sistema inclui quase todos os países de
língua inglesa.

A conquista normanda permitiu a formação de um governo central forte na


Inglaterra, cujos tribunais tinham jurisdição sobre todo país. As decisões
daqueles tribunais foram, aos poucos, estabelecendo um direito comum -
Common Law, em Inglês - a todo o reino, que se sobrepôs aos costumes
jurídicos locais, particulares a cada condado ou vilarejo, em vigor até então.

O direito inglês, Common Law, foi forjado, portanto, a partir de decisões


judiciais. Um juiz, diante de um caso concreto, não buscava a regra geral contida
numa lei escrita para solucioná-lo; antes, examinava as decisões judiciais
anteriores à procura de casos semelhantes, cuja solução aplicava ao caso
concreto. Esta é a grande diferença entre o sistema romano-germânica e o
do Common Law: o primeiro funciona “do top para baixo” (o legislador preceitua
uma lei geral, cuja regra abstracta é aplicada pelo juiz a um caso concreto),
enquanto o segundo opera "de baixo para cima" (as decisões judiciais em casos
concretos – jurisprudência - formam uma espécie de regra geral que é aplicável
no futuro a outros casos concretos semelhantes).

A base lógica deste direito jurisprudencial (case law, em inglês) é a regra


do stare decisis (ou regra do precedente), pela qual as decisões judiciais
anteriores (os precedentes) devem ser respeitadas quando da apreciação de um
caso concreto.

O papel desempenhado pela lei escrita no Common Law é menor do que na


família romano-germânica. Em geral, a lei (statute, em inglês) só é acatada em
juízo depois de examinada nos tribunais; o rigor, não é a lei que é aplicada pelo
juiz, mas os precedentes gerados a partir do exame da lei nos tribunais.

Família dos direitos socialistas: antes fazia parte da romano-germânica, depois


com a entrada de ideias marxistas se separa. Teve sua origem na Rússia em 1917,
quando a Rússia assume o encargo da edificação de um novo tipo de sociedade, a
sociedade comunista, colocada sob o signo da fraternidade. A família dos direitos
socialistas pretende criar a “sociedade comunista”, onde não existirá Estado nem
Direito, eles fogem da tradição romano-germânica. Para os socialistas o direito é
uma superstrutura, reflexo de uma estrutura económica. Fazem parte desta
família aqueles países socialistas que pretendem atingir uma sociedade comunista
como a União Soviética e alguns países da Europa. A regra de conduta se baseia
na doutrina marxista-leninista, onde não há diferenças no direito, pois tudo visa o
"o bem colectivo", prevalecendo as tendências comunistas. Onde a lei tem um
papel fundamental para o Estado. O direito dos países socialistas é fortemente
influenciado pela noção de Estado socialista, o qual possui muito mais
atribuições e poder de intervenção na sociedade, em comparação com os países
capitalistas. Sua forma aparente, por outro lado, assemelha-se ao direito dos
países da família romano-germânica.

Com a fragmentação da União Soviética e a queda da Cortina de Ferro no final


do século XX, o âmbito geográfico desta família de direitos tornou-se bastante
restrito, especialmente quando se exclui, como fazem alguns doutrinadores, o
direito chinês da família socialista, devido à suas peculiaridades.

Outras Famílias: as famílias romano-germânica, dos jurídicos em vigor no


mundo e incluem as maiores potências do planeta. Não obstante, fora da
Europa e das Américas podem existir concepções diferentes do que seja direito,
ou grupos de ordenamentos jurídicos estruturados de forma diferente das grandes
famílias. Estes casos - geralmente na Ásia e na África costumam ser reunidos
num capítulo "outros" ou "outras famílias" pelos juristas.

Importa salientar que, não é incomum conviverem o direito formal, "moderno",


adoptado de modelos europeus ou americanos, com regras e hábitos (e
concepções do direito) locais.

Direito muçulmano: O Direito Muçulmano é o direito da comunidade religiosa


Islâmica, ou seja, é um direito que rege os crentes onde quer que eles se
encontrem. O Direito Muçulmano é o direito de um grupo religioso, e não de um
povo ou de um país. Este grupo religioso conta com mais de 400 milhões de fiéis,
repartidos por mais de 30 países. O direito muçulmano não é uma ciência
autónoma, mas uma das faces da religião. Esta compreende a teologia (que fixa
os dogmas, aquilo em que o muçulmano deve acreditar) e a Char’ia, que
prescreve aos crentes o que devem ou não fazer. Então a châr’ia é a via a seguir,
a lei revelada; compreende o que nos chamamos Direito, mas também o que o
crente deve fazer em relação a Deus (oração, jejuns, etc.). A sanção é o estado do
pecado; ela não é, portanto, aplicada senão aos crentes; o direito muçulmano é
inaplicável aos infiéis. O Fiqh é o conjunto de soluções preconizadas para
obedecer a châr’ia; é a ciência dos direitos e deveres dos homens, nas
recompensas das penas espirituais. Ciência das Normas que podem ser deduzidas
por um processo lógico, das quatro fontes da châr’ia: O Alcorão, a tradição
(Sunna), o acordo unânime da comunidade muçulmana (idjma) e a analogia
(qiyâs). Os muçulmanos concebem a ciência do direito como uma árvore: as
quatro fontes são as raízes, a lei revelada (châr’ia) é o tronco, os ramos
constituem as soluções especiais deduzidas da lei revelada (fiqh).
Direitos do Extremo Oriente: nos Estados do Extremo Oriente, o direito é visto a
exercer a função subsidiária na composição dos conflitos sociais; mais
importantes para tal fim são a convicções, a moderação e a conciliação.
4. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO

Podemos identificar ao menos duas teses acerca da natureza da distinção


entre princípio e regras: (i) a distinção se deve a um aspecto lógico; (ii) a
distinção se deve a um aspecto de grau de generalidade.

Para alguns teóricos, a diferença entre princípio jurídico e regra apresenta um


carácter lógico. De acordo com esse ponto de vista, tantos os princípios quanto as
regras, são conjuntos de padrões que apontam para decisões particulares acerca
das obrigações legais, mas diferem no tipo de direcção que apontam.

A regra tem uma única dimensão: a da validade. Se for válida, a regra deverá ser
aplicada integralmente ou não ser aplicada. São normas que só pode ser
cumprida ou não. Se uma regra é valida, então há que se fazer exactamente o
que ela exige, nem mais, nem menos. Portanto, as regras contem determinações
no âmbito do fático e juridicamente possível. Esse aspecto da regra é também
chamado de “tudo ou nada” - ou a regra é totalmente aplicada, ou não. Não
existem diferentes graus de aplicação.

Os princípios, são mandamentos de optimização, caracterizados pelo fato de


que podem ser cumpridos em diferentes graus, sendo que a medida devida de seu
cumprimento depende não apenas das possibilidades reais, mas também das
jurídicas, cujo âmbito é determinado por princípios e regras opostos. por sua
vez, apresenta a dimensão de peso ou importância, não faz sentido, falar em
validade. Dentre os princípios aplicáveis ao caso concreto, será eleito aquele que
apresentar maior peso relativo aos demais em face da situação analisada. O
princípio eventualmente deixado de lado continuará existindo e poderá ser
evocado em outro momento, sem qualquer tipo de consequência a sua existência.
Em caso de conflito entre regras, uma poderá ser excluída do ordenamento, ou,
ainda, em casos mais ambíguos, aquela que apresentar maior poder descritivo e
regulador prevalecerá. Em outras palavras, podemos dizer que regras são
comandos definitivos, enquanto princípios são requisitos de optimização. Se a
regra é válida e aplicável, esta requer que seja feito o que se prevê na sua íntegra.
Já os princípios são normas que exigem que algo seja realizado em seu maior
nível possível, dadas as condições do caso em estudo, contendo assim uma ideia
de gradação.

Os princípios gerais do Direito, classificados como princípios monovalentes são


enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a
compreensão do ordenamento jurídico em sua aplicação e integração ou mesmo
para a elaboração de novas normas.
Os princípios gerais do direito são os alicerces do ordenamento jurídico,
informando o sistema independentemente de estarem positivados
em norma legal.

São exemplos:

• falar e não provar é o mesmo que não falar;


• ninguém pode causar dano, e quem causar terá que indemnizar;
• ninguém pode se beneficiar da própria desonestidade;
• ninguém deve ser punido por seus pensamentos;
• ninguém é obrigado a citar os dispositivos legais nos quais ampara sua
pretensão, pois se presume que o juiz os conheça;
• ninguém está obrigado ao impossível;
• não há crime sem lei anterior que o descreva;
• ninguém pode alienar mais direitos do que possui.

A Filosofia do Direito (em estudos sobre o Direito positivo, com a escola


positivista e o jus naturalismo), encontramos o estudo da relação dos princípios
com os preceitos imutáveis do direito natural, que corresponde a uma justiça
maioríssima e essencial, emanada da própria ordem equilibrada da natureza (ou
de Deus), independente da vontade do homem. Resgatando antecedentes
históricos de nosso sistema normativo-judicial, reportamo-nos à Roma antiga,
onde, superada a fase da autotutela/autodefesa (quando um indivíduo impunha
sua vontade a outro, a pretensão era exercida pela força e a punição ocorria em
regime de vingança privada), os indivíduos passaram a constituir árbitros de
confiança mútua – normalmente sacerdotes e anciãos – para mediar a solução do
conflito. Suas decisões pautavam-se nos princípios ditados pelos costumes
(mores) da época. Os princípios gerais que são enunciados normativos – de valor
muitas vezes universais – que orientam a compreensão do ordenamento jurídico
no que concerne à elaboração, aplicação, integração, alteração (derrogação) ou
supressão (ab-rogação) das normas. Representam o núcleo do sistema legal. São,
pois, as ideias de justiça, liberdade, igualdade, democracia, dignidade,
legalidade etc., que serviram, servem e poderão continuar a servir de alicerce
para o edifício do direito, em permanente construção.

Hoje, os princípios gerais são – em sua maioria – escritos, porque já foram


incorporados ao sistema legal (positivados, expressos, escritos, codificados). Tais
princípios são a base, o fundamento não apenas do ordenamento jurídico em si,
mas, além, das relações entre as pessoas e directores do planeamento futuro da
nação em todos seus aspectos.

Celso António Bandeira de Mello, demonstrando a força jurídica dos princípios:


Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A
desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento
obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de
ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido,
porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua
estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e
alui-se toda a estrutura nelas esforçada. Portanto, é mais do que plausível a
possibilidade de choques entre um ou mais destes princípios, gerando o
fenômeno jurídico da antinomia, que, para Tércio Sampaio Ferraz Júnior, é: "A
oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcial),
emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo que
colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de
critérios aptos a permitir-lhes uma saída nos quadros de um ordenamento dado

Quanto ao critério que se usa para se dirimir a contradição, se usa, via de regra,
os seguintes critérios:

1. Critério Hierárquico (norma superior revogando norma inferior): no


conflito entre uma norma inferior e outra superior, esta deve prevalecer sobre
aquela.

2. Critério cronológico (lei posterior revoga anterior): havendo conflito entre


duas normas de igual hierarquia prevalece a editada posteriormente.

3. Critério da Especialidade (norma especial revoga a geral): assim, cotejando-


se duas normas de mesma hierarquia, a norma especial prevalece sobre a norma
geral, visto que o legislador, ao tratar de uma determinada matéria de maneira
especifica, procede, ao menos presumidamente, com mais acuidade. Com efeito,
os princípios elevados a direitos fundamentais são todas partes de uma mesma
norma (Constituição), superior a todas as outras no ordenamento a que se
referem; foram promulgadas e são generalíssimas por sua natureza.

É fundamental frisar, que todo PGD escrito (inserido na legislação) é norma


jurídica! Exemplos: Na área constitucional (chamados normas princípios
lógicas): - todos devem ser tratados iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza; todos são inocentes até provas contrárias; ninguém deverá ser
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei;
nenhuma pena deverá passar da pessoa do condenado; aos acusados em geral
devem ser assegurados o contraditório e a ampla defesa; a propriedade deve
cumprir sua função social; deve-se pugnar pela moralidade administrativa; etc.
Na área civil: ninguém deve violar a lei alegando que não a conhece; nas
declarações de vontade deverá ser mais considerada a intenção do que o sentido
literal da linguagem; o enriquecimento ilícito deve ser proibido; ninguém deve
transferir ou transmitir mais direitos do que tem; a boa-fé se deve presumir e a
má-fé deve ser provada; deve ser preservada a autonomia da instituição familiar;
O dano causado por dolo ou culpa deve ser reparado; as obrigações contraídas
devem ser cumpridas (pacta sunt servanda); quem exercitar o próprio direito não
estará a prejudicar ninguém; deve haver equilíbrio nos contractos, com respeito à
autonomia da vontade e da liberdade para contractar; os valores essenciais da
pessoa humana são intangíveis e devem ser respeitados; a interpretação a ser
seguida é aquela que se revelar menos onerosa para o devedor; a pessoa deve
responder pelos próprios actos e não pelos actos alheios; deve ser mais
favorecido aquele que procura evitar um dano do que aquele que busca realizar
um ganho; ninguém deve ser responsabilizado mais de uma vez pelo mesmo
facto; nas relações sociais se deve tutelar a boa-fé e reprimir a má-fé; etc.
Se utilizarmos um PGD escrito (= Lei) para suprir lacuna, estaremos a realizar a
operação de integração por analogia. São os não-escritos, ou seja, não inscritos
textualmente no ordenamento jurídico: aqueles recém-surgidos, em forma de
ideias e reflexões dos juristas, sobre temas novos, que ainda não foram tutelados
formalmente pelo legislador1.

1
Cf. Os argumentos podem ser consultados com maior pormenorização na obra de Norberto Bobbio,
título original em Italiano: Teoria dell'ordinamento Giuridico, Torino, G. Giapichelli, 1960. Teoria do
Ordenamento Jurídico, Trad. Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora UnB, 1995),
5. REFLEXÃO E ESPECULAÇÃO

Sendo essencialmente interrogativa, problemática e não solucionante, a filosofia


é, igualmente, reflexão, ou pensamento reflexivo, especulação ou pensamento
especulativo. A filosofia é uma actividade que consiste na própria reflexão
filosófica, é um caminhar gradual na busca da verdade.

5.1. Filosofia e Ciência

Enquanto a ciência ou as ciências procuram conhecer aspectos particulares da


realidade, os modos como ela se manifesta, ou seja, os fenómenos e suas leis ou
relações, à filosofia interessa o ser enquanto ser, ou, para usar os termos claros e
decisivos de Aristóteles:

“Cada ciência trata de algum género limitado de seres considerado como


realidade que é e como é, e não enquanto ser, ao passo que a filosofia é o único
tipo de saber ou actividade intelectual que se ocupa dos seres ou da realidade
enquanto ser”, isto é, na sua determinação contingente, mas na sua essência,
naquilo que faz que cada um seja o que é.

Daqui decorre também ser a filosofia um saber especulativo e teórico e não um


saber prático e operativo, um saber “dos primeiros princípios e das primeiras
causas” e não um conhecimento de causas secundárias ou de princípios
derivados, que, por isso mesmo, é o único capaz de estabelecer os fundamentos
de todo o saber humano, pois consiste também numa actividade de
fundamentação do saber, designadamente das condições de possibilidade e da
validade do conhecimento e seus limites e de todo o saber, quer teórico quer
prático, incluindo o próprio conhecimento científico.
A noção de “aporia”
Termo que significa falta de caminho ou de saída, aquilo que impede o
movimento e não deixa avançar. Trata-se de contradições ontológicas, da
irredutibilidade de uma coisa ou de uma realidade ao pensamento, do desacordo
entre o ontos e o logos.

A filosofia é, fundamentalmente aporética, já que a sua actividade interrogativa


do real e do próprio pensamento a conduz à identificação e ao tratamento das
aporias, à verificação de que o pensamento e a realidade se não identificam e de
que nem tudo é pensável ou abarcável pela razão humana.

5.2. Noção de filosofia do direito

A expressão filosofia do direito é relativamente recente e teve as suas primeiras e


mais difundidas utilizações na primeira metade do séc. XIX, através das obras de
Hegel, Kant, Lerminier, Austin, Ahrens e Rosminie.

Sendo reflexão filosófica sobre o direito, a filosofia do direito é filosofia e, como


tal, não é reconduzível ou assimilável à Ciência Jurídica ou à Teoria Geral do
Direito. Por outro lado, porque é filosofia, o modo como a filosofia do direito
considera o Direito é muito diverso daquele pelo qual estas ciências ou formas de
conhecimento do jurídico o consideram. Na verdade, ao passo que a Ciência
Jurídica e a Teoria Geral do Direito partem sempre do direito positivo, de um
sistema jurídico-normativo concreto, espácio-temporalmente definido, do direito
vigente numa determinada comunidade e numa determinada época; a filosofia do
direito, porque é filosofia, interroga-se sobre a essência do direito, sobre o seu
valor e o seu fim, sobre o ser do direito ou o direito enquanto ser e sobre a justiça
que o garante, bem como sobre o valor gnosiológico do saber do direito dos
juristas, isto é, sobre o fundamento e valor da própria ciência jurídica.

Dai que, no seu ensaio metafísica dos costumes (1797) Immanuel Kant (1724-
1804) distingue duas grandes questões relativas ao direito. A primeira questão é
relacionada ao filósofo Jurista que se interroga (quid jus) o que é o direito? O
que prescreve as leis num certo lugar e num determinado tempo? A esta pergunta
originária surge uma outra. Neste caso a segunda questão está relacionada com o
(quid Juris), ou seja, o que deve ser o direito? São duas realidades consequentes
produzidas desta dicotomia que forma o ser e o dever ser do direito.

Norberto Bobbio foi um dos tantos pensadores que esquematizou o pensamento


de Kant, superando essa dicotomia em três áreas temáticas da Filosofia do
direito:

1- Ontológica: que corresponde o ser do direito


2- Deontológica: que compreende o dever ser do direito
3- Fenomenológica: que descreve o direito como fenómeno social.

Destas áreas temáticas do estudo do direito, encontramos os conceitos de dever,


validade, norma, ordenamento jurídico.

A segunda área que Bobbio chama de deontológica é a que se ocupa do estudo de


valores das quais se inspiram os ordenamentos jurídicos, ou seja, teoria da
justiça. É nesta temática onde se coloca a relação entre o direito e a moral. Os
termos chaves deste tema são: a justiça, o conceito de norma justiça. Nesta sua
incarnação a filosofia do direito se apresenta como teoria da justiça, sendo um
momento saliente da divisão entre ser e dever ser; dai a importância das normas
que derivam de premissas logicamente normativas.

A terceira área temática, área fenomenológica: é o estudo do direito como


fenómeno histórico e social, de uma serie de problemas que provem dos mesmo
indicadores como uma relação entre o direito e a sociedade. O conceito chave
desta área temática é a eficácia, isto é, que uma norma seja eficaz. Esta divisão,
levamos à distinção dos três critérios de avaliação das normas jurídicas vigentes
num determinado ordenamento jurídico. Isto é, cada norma jurídica pode ser
avaliada em três pontos de vistas logicamente independentes uma da outra. A
justiça corresponde a validade, justa e eficácia. Escreve Bobbio “diante de
qualquer norma jurídica, nós podemos fazer uma tríplice ordem de
problemas.”Se a norma é justa ou injusta; se a norma seja eficaz o ineficaz.
Trata-se portanto, dos três distintos problemas da justiça.
6. NOÇÃO ELEMENTAR DE DIREITO

O conceito de direito apresenta uma definição genérica segundo a qual o direito


fosse visto como uma estrutura normativa complexa que seja:

a) Dotado de um aparato sancionatória reconhecido.


b) Capaz de predeterminar os procedimentos com os quais reagir aos estímulos
provenientes da sociedade.
c) Aplicável em linha de princípio em cada campo da vida social.
Os elementos que compõem o conceito dizem respeito a:
a) Instrumentos de regulação
b) De auto-regulação
c) As suas funções e normas internas dirigidas aos operadores para prefixar
critérios e princípios das suas intervenções. As alíneas, a e b são puras normas
externas, dirigidas aos operadores de direito, para reduzirem suas
possibilidades de comportamentos e consentir reciprocamente expectativas
nos vários âmbitos social.

O conceito de direito, representa um conjunto e complexo (em género


sistemático) das normas que regulam a vida dos membros duma sociedade a que
faz referência. A ciência jurídica neste âmbito, estuda os subscritos sistemas,
sendo uma faculdade garantida do ordenamento em cada pessoa ou organização;
o juízo sobre a legalidade e legitimidade das acções do Estado e das
personalidades físicas e jurídicas com que se relaciona.

O termo direito expressa um conjunto de regras que estão em vigor num


determinado Estado num determinado momento e que respondam as
necessidades dos cidadãos de viverem numa sociedade o mais possível ordenado
e com tranquilidade. Direito objectivo e direito subjectivo, correspondem ao
conceito de poder “facultativo”. A pergunta o que é o direito, constitui ainda um
problema aberto; onde a solução depende em grande parte do quadro filosófico
onde cada estudioso tem referências através das quais afronta tais questões
derivantes. Como se pode ver, o direito é de facto, um complexo das normas e
consuetudines que coordenam a vida de uma colectividade num determinado
momento histórico. Pode ser também definido como regulamento das relações
entre os indivíduos que fazem parte duma certa colectividade estatal, assistidos
pela garantia de observância do poder de autoridade do Estado que sanciona as
violações das regras estabelecidas e codificadas (direito Penal) do Estado com
base o processo penal; (direito Processual penal); fixa as regras que os privados
devem observar nas relações entre eles (direito civil); decide com imparcialidade
sobre as controvérsias entre privados com base o processo civil (direito
processual civil); organiza serviços públicos e administração pública (direito
administrativo) com a faculdade dos cidadãos respeitarem as regras fixadas pela
actividade pública administração e dos serviços públicos por meio do processo
administrativo e com a obrigação dos cidadãos contribuírem segundo algumas
regras estabelecidas; (direito tributário) aos serviços necessários para o
funcionamento das instituições públicas, com a faculdade dos cidadãos fazerem a
fiscalização e justeza nas contas públicas. As regras entre estados (direito
internacional público).

O direito é ainda um instrumento normativo capaz de se regular antes de


regulamentar a sociedade. O pressuposto lógico é que só um conjunto de
normas ordenadas em modo coerente no seu interior pode ordenar em modo
coerente qualquer objecto externo a si. Isto todavia, tem a sua valência no caso
em que se realizam pelo menos dois pressupostos.

Então o que é o direito? Quando formulamos esta pergunta esperamos na


resposta uma definição conceptual de direito, para esclarecer do ponto de vista da
coisa o que é o direito. A procura de uma definição, existem tantas, uma podia
ser “o direito é um conjunto de leis”. Não seria suficiente, porque o direito não é
só leis. De facto as definições são várias, pelo facto de existirem muitos métodos
de direito. Cada uma das definições do direito pressupõe uma teoria do direito. É
uma elaboração conceptual e que explica o que seja o direito. A filosofia do
direito serve a explicitar estes pressupostos, isto é, a compreender o que está por
detrás de uma definição do direito, qual é abordagem científica ao direito,
abordagem filosófica ao direito. A ciência e a filosofia. As ciências empíricas
ocupam-se do que é, do que foi e do que será; a Filosofia do Direito estuda o
conteúdo valorativo das normas, o que deve ser, muito embora não acontece
sempre na realidade. Kant, ensinou ser impossível deduzir os valores a partir da
realidade, fundamentar o dever ser no ser, transformar leis naturais em normas
superiores, remontando, aos valores. O universo dos valores e o universo dos
factos coexistem em órbitas paralelas que não se interpenetram. A forma de
realidade, entre valor e realidade, entre ser e dever é denominada pelo dualismo
metodológico.

A filosofia do direito portanto, é a disciplina que indaga a complexa


fenomenologia da experiencia jurídica, procurando o sentido profundo através
duma reflexão sobre os fundamentos do direito e das ideias de justiça, sobre a
natureza da lei, a relação do direito com a moral, a politica, a economia e a
sociedade em si, com mecanismo de legislação do Estado, sobre os pressupostos
lógicos que apoia a afirmação de um conhecimento científico do direito e suas
metodologias argumentativas que marcam o funcionamento quotidiano.

6.1. Aspectos fundamentais do conceito

O conceito de direito está na ideia do mesmo direito enquanto dever ser. O


direito é real. Por isso não pode ser obtido individualmente, empiricamente, a
partir de fenómenos jurídicos, porque tais fenómenos precisam ser qualificáveis
como jurídico. Dai a imanência das suas características que são:

Necessidade – o direito é fundamental para a existência de uma sociedade que


sem um conjunto de normas que a regule é um mero aglomerado de pessoas, ou
seja o homem tem de viver em sociedade para se realizar enquanto homem, mas
também a sociedade não existe sem direito.

Alteridade – o direito não se destina a regular a conduta do homem isolado, mas


sim enquanto relacionado com outros no âmbito da sociedade, o direito regula
essencialmente algumas das relações entre os homens, as que assumem uma
relevância jurídica e por isso se tornam relações jurídicas.

Imperatividade – o cumprimento das normas jurídicas não é apresentado como


uma opção, o direito pretende orientar a conduta do homem, independentemente
da vontade dos destinatários, só assim consegue desempenhar a sua função
ordenadora, essencial para a própria substância da sociedade.

Coercibilidade – o caracter imperativo do direito impõe que este crie meios a fim
de levar os destinatários das suas normas a optar pelo cumprimento, castigando o
infractor e premiando o cumpridor. Traduz-se na possibilidade de imposição
coactiva, se necessário pela força e contra a vontade dos seus destinatários, das
normas e sanções jurídicas

Exterioridade– é caracterizada em dois aspectos: o estado de espírito dos


destinatários das normas jurídicas, o seu pensamento interior são, em regra,
indiferentes para o direito; as intenções dos sujeitos são tomadas em
consideração pelo direito, embora este só intervenha se esses elementos ou
intenções se manifestarem exteriormente de algum modo, a mera intenção de não
cumprir uma qualquer norma não provoca a intervenção do direito, este só age
perante comportamentos.

Estadualidade – embora não seja tomada como característica do direito, assume


hoje em dia uma relevância significativa, significa que o direito regula a conduta
do homem inserido numa determinada sociedade, a sociedade estadual.
Esta consuetudine responde a duas exigências muito precisas: a primeira
exigência é aquela de distinguir o direito daquilo que não é não direito; toda a
vida quotidiana dos homens é de uma certa maneira, determinada por regras, de
critérios que orientam o comportamento; nem todas estas regras têm o carácter
jurídico. Muitas delas representam o campo da ética, de costumes, do agir
económico, etc. por isso é preciso traçarmos uma linha que demarque a fronteira
entre aquilo que são as regras propriamente ditas jurídicas e aquelas que não
representam tal carácter.

A segunda é aquela de aprender a natureza do direito, pois que a compreensão


disto que é o direito aparece decisiva para trata-lo de maneira mais adequada. Em
particular, as regras jurídicas para serem aplicadas precisam de um conjunto de
operações, que tem o nome de interpretações do direito. Tais operações podem
ser concebidas e praticadas em muitas formas. A compreensão do direito se
apresenta decisiva para orientar o modo de conceber e praticar tais operações.

Esta determina os princípios fundamentais do ordenamento jurídico angolano,


determinando os direitos e os deveres dos cidadãos, organização do Estado, os
órgãos de soberania e seus poderes e as consequentes competências e as suas
recíprocas relações e o procedimento de formação das leis ordinárias.

A característica da constituição é que esta não só disciplina as relações entre os


governantes e os governados, mas que tem um vínculo de regras que devem ser
observados também por que exerce o poder, os princípios aos quais a legislação
ordinária dai produzida deve se uniformizar.

A conformidade das leis ordinárias à Constituição é submissa ao juízo do


Tribunal Constitucional e as suas eventuais divergências é desta sanção com a
declaração de inconstitucionalidade que provoca o anulamento e faz perder
retroactivamente o carácter obrigatório.
As leis ordinárias são constituídas por Códigos (civil, de Processual Civil, Penal,
Processual Penal) que disciplinam de modo sistemático e detalhado os sectores
das relações entre os cidadãos e o Estado. Em consequência, estes se põem em
posição de subordinação em relação as leis que são destinadas em implementar e
a suas eventuais contrariedades a tais leis determina a invalidade que pode ser
declarada dos juízos ordinários.
7. DIREITO COMO SISTEMA DE REGULARIDADE FACTUAL

Pode-se dizer que uma das relações da Filosofia com o Direito passará pela
tentativa de avaliar, de sopesar a actuação do Direito frente à sociedade a fim de
contribuir para que ele, o Direito, busque os aprimoramentos possíveis e
necessários ao alcance de sua primordial meta: organizar, de forma razoável, a
sociedade administrando de modo equitativas as divergências de interesses dos
indivíduos que compõem a sociedade. Depois do passado predomínio pelo direito
natural e mais tarde o direito positivo, vive-se em tempos, do pós-positivismo,
pós-naturalismo onde as figuras principais dos sistemas normativos são a ética e
os princípios, (valores estes), que são objectivos de inspiração do direito
moderno enquanto sistema normativo. As liberdades individuais já têm grande
nas sociedades ditas liberal democráticas, onde os direitos são garantidos e
tutelados, (in factus), onde o ser humano é algo que tem seu valor reconhecido, e
busca o seu bem comum do mundo real.

O direito como regulador de factos reais, pressupõe a doutrina do direito


enquanto ordenamento jurídico, que é um sistema de normas jurídicas. Aqui a
pergunta doutrinal a que se faz do direito é: qual é o pressuposto a que se funda a
unidade duma pluralidade de normas jurídicas? Porque uma norma jurídica
pertença a determinado ordenamento jurídico? Uma pluralidade de normas
forma, uma unidade, um sistema, um ordenamento quando a sua validade pode
ser reconduzida a uma única norma como fundamento último desta validade.
Esta norma constitui a unidade na pluralidade, de todas as normas que formam
um ordenamento. Segundo a espécie da norma fundamental, isto é, segundo a
natureza do princípio superior da validade, se pode distinguir duas espécies de
ordenamento de norma fundamental. (Sistemas normativo); as normas de uma
das duas espécies são validas, em força ao seu conteúdo, porque este tem uma
qualidade imediatamente evidente que atribuí validade. As normas obtêm esta
qualidade de conteúdos enquanto são relacionadas a uma norma fundamental 2,
sob o conteúdo do qual se possa subsumir o conteúdo da norma das normas que
constituem o ordenamento, assim como a particularidade se assume sob o
universal. As normas da moral pertencem por exemplo a esta espécie. A norma tu
não deves mentir, tu não deves enganar, tu deves manter a tua promessa etc., são
deduzidas de norma fundamental da verdade.

Kelsen vê na coerção o elemento determinante da ordem jurídica. Segundo ele


enquanto ordem coerciva, o Direito distingue-se de outras ordens sociais. E isso
significa que a ordem reage contra condutas humanas indesejáveis e socialmente
perniciosas com um acto de coerção, isto é, um mal que é infringido ao indivíduo
contra sua vontade, se necessário, em caso de resistência, empregando a força
física. Vale ressaltar que é a ordem jurídica que determina as condições factuais
sobre as quais se dá essa aplicabilidade da força física. Existe, portanto, um
monopólio da coerção por parte da comunidade jurídica. Kelsen formula uma
teoria do Direito dinâmico, em que não se fornece quaisquer respostas sobre o
conteúdo do mesmo, sendo este “algo criado por certo processo, e tudo que é
criado desse modo é direito (Kelsen, 2000, p. 179). Dessa forma, Kelsen afirma
que todo e qualquer conteúdo pode ser direito, sendo que a validade de um
sistema jurídico não pode ser negada pelo facto de o seu conteúdo contrariar
duma outra norma que não pertença à ordem jurídica cuja norma fundamental é o
fundamento de validade da norma em questão.

2
A Norma Fundamental é um conceito de teoria do Direito desenvolvido pelo jurista austríaco Hans
Kelsen, no âmbito de sua Teoria Pura do Direito. Para Kelsen, a Norma Fundamental é uma norma
pressuposta no plano lógico jurídico, sendo fundamento último de validade do ordenamento jurídico. Para
Kelsen, há a assunção de que a norma fundamental é pressuposta. É um pressuposto baseado na razão
(dogmática) que, conforme observa Tércio de Sampaio Ferraz, “ela encarna o próprio princípio da
inegabilidade dos pontos de partida”(Júnior, 2003, p. 1888), sendo condição sine qua non para o estudo
dogmático do Direito. No entanto, não se pode falar que a “norma fundamental” é tão-somente uma
ficção positivista: a norma fundamental refere-se a uma determinada realidade. Segundo Krishnan, a
norma fundamental deriva do fato de que foi aceita por um número suficiente de membros de
determinada comunidade, podendo ser identificada como uma regra fundacional simplesmente por não
depender de outra norma superior, e sim pela simples aceitação, como válida, pelos membros dessa
comunidade (Krishnan, 2009, p. 7).
8. DIREITO COMO ORDEM NORMATIVA CONCRETIZADA

O tratamento científico do direito positivo desenvolve-se em três fases: a


interpretação jurídica que consiste na busca dos significados, isto é, na
incorporação à normas jurídicas em si mesma, não no sentido subjectivo ou
relativo ao pensamento das pessoas que participam de sua criação. A
jurisprudência como ciência do direito busca dar uma resposta imediata a cada
pergunta prática jurídica sem transcorrer a existência de lacunas, contradições,
ambiguidades, da lei. Precisa conhecer e entender as leis melhor do que as
próprias pessoas conscientemente ao redigi-las ou aprova-las. A segunda fase
correspondente a ela, é a comprovação da ausência de lacunas e contradições nas
normas relativas a determinado instituto jurídico. Os factos sancionados pelo
Código Penal visam à protecção de um bem jurídico que a lei pretende tutelar.
Essa operação de construção jurídica faz-se a partir de determinados fins
jurídicos (construção teleológica); todavia, existem outras construções do
processo como relação jurídica de desenvolvimento gradual. A última fase
examina cada instituto jurídico, a sistemática jurídica examina a ordem jurídica
sob seu aspecto geral ou universal. A evolução de cada norma concreta que a
integra ou alguma de suas partes.

Kelsen move-se da posição da doutrina pura de direito, segundo a qual, falando


dos mundos das normas e dos factos, ocorre evitar sempre evitar cada possível
ambiguidade e ter bem presente que, na falta de uma qualificação normativa, não
se podem individuar os factos que seriam relevantes de serem estudos para
compreender a norma do ponto de visa da filosofia de direito. No momento em
que mete em evidência as raízes factuais dos ordenamentos normativos, os
confins entre um discurso relativo ao mundo das normas e um discurso relativo
ao mundo dos factos. Ehrlich, por sua vez sublinha a prioridade temporal e
social, com relação ao direito posto pelo Estado, do direito que nasce
espontaneamente das relações sociais, e que por isso é em condições de regular
em modo autónomo, atingindo a mínima parte a considerar-se aquele direito
positivo.

A partir de uma forte influência do pensamento epistemológico de Immanuel


Kant, Kelsen concebe o ordenamento jurídico como sendo um conjunto
hierarquizado de normas jurídicas, que se estruturam de forma escalona e
ordenada. No entanto, essa hierarquia não é interminável; assim, a mais alta
norma dessa hierarquia não possui como critério de sua validade uma norma
superior, tendo em vista que esta norma é o ponto máximo da hierarquia de um
determinado ordenamento jurídico. Como norma mais elevada e fundamento de
validade de todas as normas de um ordenamento, ela tem de ser pressuposta,
visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se
fundar numa norma ainda mais elevada (Kelsen, 1999, p. 217). Sendo assim, esta
norma, como sendo pressuposta, é designada por Kelsen como sendo “a normal
fundamental” (Groundnorm), cuja validade objectiva não pode ser posta em
questão.

Kelsen oferece um exemplo do conceito de norma fundamental: “devemos


obedecer às ordens de Deus; Deus ordenou que obedeçamos às ordens dos
nossos pais. Logo, devemos obedecer às ordens de nossos pais” (Kelsen, 1999, p.
221). Conforme esse exemplo, temos a norma “obedecer aos pais” com sua
validade objectiva sendo dada pela norma “devemos obedecer à Deus” que, por
si, não pode ser objectivamente contestada por outra norma superior, sendo, neste
exemplo, a “norma fundamental”. Nesse sentido, a norma fundamental de um
ordenamento jurídico positivo não é nada mais que uma regra fundamental,
conforme a qual são produzidas as normas do ordenamento jurídico, a criação da
estabilidade fundamental da produção jurídico (Kelsen, 2006, p. 96).

Com base em sua Teoria Pura do Direito e sendo esta uma construção teórica
inserida no positivismo jurídico, Kelsen não reconhece qualquer regra moral ou
lei natural como critério de validade de outra norma positiva, motivo pelo qual
rejeita considerações moralistas a respeito da validade da norma fundamental;
trata-se assim de uma teoria formal de validade, em que a validade da norma
depende de elementos que não levam em consideração o mérito das normas
(Dimitri, p. 278).
9. DO CONHECIMENTO JURIDICO

9.1. Do conhecer em geral

Todo o conhecimento humano pressupõe a existência de dois elementos ou


pólos: um “sujeito” e um “objecto”, alguém que conhece e algo que é
conhecido, ou ainda, um cogitans e um cogitatum. É exclusivamente sob a
condição do funcionamento destes dois pólos em combinação um com o outro,
que pode dar-se a respectiva relação chamada “gnósea” ou relação de
conhecimento. A ciência é apenas um tipo particular ou grau mais evoluído na
vida dessa relação. Nas ciências do espírito, porém, deve notar-se que nesta
relação entre o “sujeito” e o “objecto” alguma coisa de muito especial se passa
que não se passa nas outras: o primeiro elemento da relação, o sujeito, assume
em face do outro, indubitavelmente, um papel muito mais importante do que nas
ciências da natureza. Por outros termos: não só os referidos “dispositivos” e
meios de captar o “dado” e de reelaborar, comunicando-lhe um sentido, são em
maior número, como ainda e sobretudo, crê-se, os conceitos primordiais na base
daquelas ciências assumem, mais do que as “categorias” Kantianas nas outras,
função mais decisiva na organização dos dados da respectiva experiência sobre
que trabalham. Mais: tais conceitos são, não só formais e a priori como
“categorias”, mas inclusivamente materiais, possuidores dum conteúdo
analisável, e constitutivos, isto é, altamente enformadores daquela parte da
realidade que o homem com o seu esforço é chamado a construir com eles.

9.1.1. Dos diferentes graus e tipos de conhecimento jurídico

O conceito a priori é apenas condição do conhecimento. Será quando muito um


pré-conhecimento, mas não ainda rigoroso conhecimento.

O verdadeiro conhecimento neste domínio só é dado a alcançar no “juízo”,


quando se afirma a existência de uma relação, suposta legítima, de conveniência
ou não conveniência, entre certos pensamentos, conceitos ou não conceitos, dois
quais um, pelo menos, pressupõe necessariamente, em qualquer grau, a
experiência.

Aquilo a que se chama conhecimento do direito pertence, antes de tudo, ao


domínio de objectos e experiência3[1], e faz-se, em quatro tempos ou graus
distintos de apreensão e elaboração do seu particular “objecto”. São eles:

1) Um conhecimento espontâneo e como que ainda só intuitivo, vulgar, do


jurídico ou do jurídico-político;

2) Um conhecimento propriamente dito do direito, ou melhor, jurídico do


jurídico;

3) Um conhecimento científico do direito e das coisas políticas;

4) Um conhecimento filosófico dessas mesmas coisas.

9.2. Do conhecimento filosófico do direito e a sua utilidade para o jurista

O conhecimento da problemática filosófica do direito interessa o jurista, pode


dizer-se, em duas direcções fundamentais. Em primeiro lugar, é esse
conhecimento filosófico, e só ele, que pode dar a justa noção do equilíbrio e da
exacta proporção que entre si devem manter no quadro geral do estudo jurídico
as diferentes partes desse estudo.

Mas, há ainda, em segundo lugar uma outra função não menos importante na
filosofia do direito para a formação do jurista. Esta poderia chamar-se antes uma
função de pedagogia moral e de deontologia profissional. O jurista é talvez, entre

Experiência dos objectos espirituais e culturais, em cujo domínio aparece justamente o “jurídico”
histórico e positivo, e que está na base das chamadas “ciências da cultura”.
todos os cultores das ciências do espírito, depois do teólogo, aquele que maior
tendência tem para o dogmatismo.

9.3. Da ontologia do direito

É preciso notar, antes de tudo, que isso a que genericamente chama-se direito não
se deixa de situar numa camada, região ou esferas únicas do ser. Situa-se, por
assim dizer, antes, ao mesmo tempo ou sucessivamente, em várias dessas esferas
ou regiões. Trata-se aqui dum ser que, como alguns outros, percorre ou atravessa,
as diversas esferas e regiões ônticas do ideal, do real, do não-sensível e até
mesmo do sensível, projectando-se em cada uma delas de modo e com
determinações gerais muito diferentes. Este pensamento tornar-se-á mais claro se
disser, que o direito, partindo do ser ideal como valor e ideia, torna-se real como
ser não-sensível na foram de direito histórico.

O direito positivo; suas fontes, modos e manifestação e determinações


ônticas

Direito positivo chama-se precisamente ao direito, a ideia de direito, quando


projectados na região da realidade não-sensível a que se dá o nome de “espírito
objectivo”. É como dizer, metaforicamente: é essa ideia com os seus valores
feitos carne. De simples ideia, o direito torna-se aí realidade histórica concreta.
Enche-se de conteúdos. Ou, por outras palavras ainda: transforma-se em cultura.
O direito positivo é, ao lado de muitos outros, um dos ramos ou manifestações
dessa cultura e “espírito objectivo”.

Nesse sentido, é lícito dizer que a positividade, o ser positivo, é tanto da essência
do direito, como da religião, da arte e de todos os outros seres e objectos
culturais.
9.4. A teoria egológica do direito

A noção de conduta e o papel decisivo atribuído à sentença judicial, entendiam


como fenómeno jurídico por antonomástica, são o cerne da teoria egológica do
direito formulada e desenvolvida pelo jusfilósofo argentino Carlos Cossio.
Reconhecendo e denunciando as limitações inerentes tanto ao positivismo como
ao empirismo jurídicos, no que um e outro representam de hipertrofia,
simultaneamente deformante e redutora, de um momento ou aspecto da realidade
complexa que é o direito, a teoria egológica parte de uma concepção culturalista,
isto é, da visão do direito como realidade cultural, procurando surpreender e
determinar o que nele há de específico.

O seu pressuposto é o de uma ontologia pluralista, na qual distingue quatro zonas


ou regiões, a dos objectos ideais, a dos objectos naturais, a dos objectos
culturais e a dos objectos metafísicos, distintas quanto à sua realidade, à sua
relação com a experiência, com o tempo e com os valores e ao seu método
próprio de conhecimento.

Para a teoria egológica do direito é concebido como algo que o homem faz
actuando segundo valorações, isto é, como objecto cultural. Dado, porém, que o
seu substrato não é nenhuma porção da natureza, tem de concluir-se que é a
conduta humana, ou seja, que o direito é conduta, sendo, como tal, um objecto
egológico. Mas a conduta humana constitui uma experiência de liberdade, em
que a criação de algo axiologicamente original emerge a cada instante,
constituindo por isso, não um ser, mas um dever-ser existencial.

Para a teoria egológica do direito, as normas, sendo um dever-ser, são-no de


natureza lógica e não axiológica, constituem a representação conceitual de uma
certa conduta, um esquema interpretativo da conduta, no qual a referência da
norma à conduta corresponde à relação gnosiológica entre o significado ou
conceito e o objecto.
9.5. A teoria tridimensional do direito

Caracter tridimensional – o direito apresenta uma tripla dimensão: fáctica,


valorativa e normativa. O direito é um conjunto de princípios e de normas
(dimensão normativa) destina a regular situações factos ocorridos na vida social
(dimensão fáctica), regulação que se efectua de acordo com determinados valores
– em especial com a justiça – que se pretende atingir (dimensão valorativa)

Apesar de se situar também numa perspectiva culturalista, a teoria tridimensional


do direito e o seu principal sistematizador, o filósofo brasileiro Miguel Reale,
afasta-se, consideravelmente, da visão egológica, à qual censuram o conceber a
norma jurídica como simples esquema lógico, a exclusão do teleologismo e a
redução do direito ao facto da conduta, insuficiências que pensam resultarão da
fracassada e ecléctica tentativa de fundir o formalismo Kelseniano com
elementos retirados da corrente fenomenológica e da filosofia heideggeniana.

Pretende-se afirmar que este, o direito, na experiência que dele tem-se, se


apresenta à nossa observação, não sob uma, mas sob três formas: ora como facto,
ora coo norma ou lei, ora como valor. Dar-se-ia aqui uma como que natureza
trina.

O direito é tridimensional. Simplesmente, só se tem de acrescentar a isto, dentro


da doutrina do “espírito objectivo”, que esta tridimensionalidade é a que se deixa
observa em todos os outros seres ou objectos culturais da mesma região que
possam envolver a ideia dum dever-ser, e, antes de tudo, na moral e na religião.

A teoria tridimensional, não é exclusivamente própria do mundo do direito, mas


sim mais ou menos aplicável a todos os objectos da realidade cultural, não região
do não-sensível, a que pertencem.
Para esta teoria, a norma jurídica, mais do que uma proposição lógica, é uma
realidade cultural, que não pode ser interpretada com abstracção dos factos e
valores que condicionaram, o seu advento, nem dos factos e valores
supervenientes, assim como da totalidade do ordenamento em que se insere.
Recusa, portanto, a concepção que vê na norma um simples e abstracto
enunciado lógico, um mero dever-ser lógico, concebendo-a como uma relação
concreta surgida na imanência do processo factual-axiológico, através da qual se
compõem conflitos de interesses e se integram tensões fáctico-axiológicas,
segundo razões de oportunidade e de prudência. Toda a norma jurídica surge da
integração do facto e do valor, pois assinala uma tomada de posição perante
factos em função de valores.

Direito é uma realidade tridimensional, constitui uma triunidade, é,


simultaneamente, facto (a conduta ou o agir humano), valor a que se refere esse
facto e pelo qual ele se afere e norma que pretende ordenar o primeiro em função
do segundo, encontrando-se essas suas três faces ou dimensões interligadas e co-
implicadas, nenhumas delas tendo sentido separada das restantes.
10.O HOMEM E A CULTURA

10.1. O homem como problema

É precisamente a revisão crítica a que contem puramente, foi sujeito este


conceito positivista materialista ou naturalista de homem, a reivindicação da
especialidade da realidade psíquica e espiritual, bem como a atenção dada pelas
correntes ritualistas e pragmáticas e por pensadores como Dilthey, Nietzsche,
Unamuno, Zergson ou Husserl ao mundo próprio do homem e ao sentido da vida
e da evolução criadora, ou o estudo do inconsciente desenvolvido pelas diversas
escolas em que se dividiu a psicanálise4[4], que vieram atribuir irrecusável
actualidade à interrogação sobre o homem, sobre o que singulariza no conjunto
dos seres, sobre o seu ligar no mundo e sobre o seu mundo próprio, o da cultura.
O lugar do homem no mundo.

Na estrutura do mundo ou da realidade definida por esta nova ontologia


pluralista, o lugar do homem é o de um ser composto por três elementos
distintos, mas inseparáveis e reciprocamente interdependentes que participa das
três últimas ordens ou estratos do real: enquanto ser corpóreo, integra-se na
região da vida, enquanto ser psíquico, na da alma ou da psique, enquanto ser
racional ou espiritual, na do espírito.

10.2. Valores e cultura

É pelo espírito que o homem se torna capaz de se elevar ao conhecimento e à


realização dos valores, dos princípios ou dos ideais e de criar, assim, o seu
mundo próprio, o da cultura, contraposto ou complementar do mundo meramente
natural de que participa pelo seu corpo.

4[4]
Freud, Jung, Alder.
Nas suas diversas e múltiplas formas a cultura é sempre criação do homem,
tentativa de criar realidades valiosas, de incorporar valores nas coisas, de
acrescentar à natureza ou de dar à natureza um sentido valioso.

A cultura, porque criação humana, é marcada, simultaneamente, pela


temporalidade, pela historicidade e pela objectividade, já que a obra de arte, a
posição filosófica, a norma jurídica, uma vez criadas ou formuladas, adquirem
vida própria, tornam-se como que independentes do seu autor ou do seu criador,
são portadoras de um sentido próprio e seu, aberto dinamicamente ao
conhecimento e à interpretação vivificante daqueles que como elas entram em
contacto, sendo nessa relação, a um tempo cognitiva e estimativa, que
plenamente são e adquirem a sua plenitude de ser e de sentido.
11.EXPERIÊNCIA JURÍDICA E ONTOLÓGICA DO DIREITO

11.1. A experiência jurídica

Para uma adequada compreensão do conceito de experiência, há desde logo, que


ter em conta que este termo comporta dois sentidos diferentes, objectivo um,
subjectivo o outro. No primeiro deles, designa-se habitualmente por experiência
o acto de experimentar ou de fazer experiências, visando provar, ou comprovar
hipóteses científicas acerca de determinados fenómenos, das relações
permanentes entre eles ou das condições da sua ocorrência ou verificação,
enquanto, no segundo, se refere ao resultado vital ou vivencial do experienciado
ou da vida vivida, reportando-se, por isso, ao mundo do homem e da consciência
e não já ao dos factos, dos fenómenos naturais das coisas.

Se se procura determinar em que se distingue a experiência jurídica da


experiência científica, tida até há pouco como a única experiência, verificar-se-á
que diferem uma da outra tanto pelo seu objecto como pelo critério a que
obedecem, como ainda pelo tipo de ordem a que se reportam.

A experiência jurídica, porque se insere no domínio da acção ou da conduta


humana livre, apresenta afinidades e traços comuns à experiência ética, pois
também esta tem por objecto regras de acção e por critério juízos sobre essa
mesma acção, fundados em determinados princípios, valores ou ideais, agora de
índole ética e já não jurídica. A experiência ética é porem mais ampla.

A experiência jurídica apresenta um duplo sentido: ou refere-se a duas realidades


distintas, pois tanto pode designar os dados através dos quais se nos revela a
realidade jurídica, apresentado valor e sentido eminentemente ontognosiológico,
na medida em que nos dá a conhecer essa mesma realidade, como reporta-se às
formas de constituição ou criação do próprio direito, à experiência constituinte
do direito.
A experiência jurídica aparece constituída por um conjunto complexo, mas
unitário, de dados, de que se destaca, em primeiro lugar, a sua estrutura
antinómica, a natureza ou dimensão conflitual das relações jurídicas, o envolver
uma questão prática, um problema referente à conduta em que existe um conflito
entre diversos sujeitos, de modo a obter a paz social.

Este tipo de experiência que é a experiência jurídica revela-se constituído por


dados que se referem não só a pessoas e a realidades da vida ou a coisas do
mundo, como também a valorações, a necessidades e pretensões, envolvendo
questões concretas que é necessário resolver ou decidir.

11.2. Direito como realidade cultural

Como realidade cultural, o direito não pertence ao mundo físico nem biológico,
em que imperam a necessidade, a causalidade e o determinismo, nem ao domínio
psíquico das emoções e dos sentimentos, nem sequer ao dos seres ideais, em que
se situam as realidades lógicas e matemáticas, pois enquanto estas são
intemporais e abstractas, o direito é concreto, variável no tempo e no espaço, e,
como realidade humana, é profundamente marcado pela temporalidade e pela
historicidade essenciais ao próprio homem.

Como criação cultural não é um dado, uma realidade preexistente que o homem
encontre no mundo ou na natureza, nem uma realidade estática, mas sim espírito
objectivado, projecção espiritual do homem. Algo que está aí para ser pensado,
conhecido e vivido e cuja existência depende, por isso, da relação cognitiva e
vivencial que o homem como ele estabelece e mantém, a qual lhe dá vida e
contendo e actualiza, dinâmica e criado realmente, o sentido que nele está latente
e lhe é conferido pela referência a valores, princípios ou ideais.

O direito caracteriza-se por ser uma criação humana que se objectiva em normas,
constituindo uma ordem reguladora da conduta ou do agir humano na sua
interferência intersubjectiva, na sua convivência ou na sua vida social.
No domínio da cultura, o direito individualizando-se, assim, por se referir à
actividade prática do homem e não à sua actividade teorética, por dizer respeito
à acção e à conduta e não ao saber, ao conhecimento ou à verdade, por ter como
domínio específico o dos conflitos de interesses surgidos na vida social, que visa
resolver ou decidir de acordo com determinados princípios, valores ou ideias.
Sendo realidade humana e criação cultural, o direito define-se também pela sua
temporalidade e historicidade (características), dado que não só a visão dos
princípios, valores ou ideias a que se refere e procura tornar efectivos é sempre
imperfeita e precária, porque obtida a partir de uma determinada situação
concreta, historicamente definida, como ainda o direito só enquanto vivido e
aplicado verdadeiramente é.

A temporalidade e a historicidade são, evidentemente, a própria condição


essencial de tudo o que é humano. Nada relativo à existência empírica do
homem, indivíduo ou comunidade, pode pensar-se fora do quadro temporal. Toda
a realidade sensível ou não-sensível é dada no tempo. Só estão fora dele os seres
e objectos ideais, como a ideias e conceitos gerais, que jamais deve-se confundir
com a sua projecção temporal no campo da realidade, sensível ou não. E o
mesmo, diga-se da outra, determinação fundamental da existência humana: a sua
historicidade. A duas determinações são, de resto, convertíveis uma na outra. A
historicidade é, pode dizer-se, a efectivação mais concreta e repleta de conteúdo
da temporalidade, com a nota particular de se referir só ao homem.

Esta particularidade do direito e o ponto de vista de que considera a conduta


humana revelam o seu carácter de realidade social e a sua bilateralidade
(característica), pois envolve sempre relações entre pessoas, implicando direitos e
deveres de uns perante os outros.

Por outro lado, o direito é uma realidade social heterónoma (característica), uma
vez que a regulamentação ou a ordenação da conduta que se propõe estabelecer é
imposta do exterior dos sujeitos, por um outro sujeito dotado de poder de definir
e impor critérios, regras ou normas de conduta ou de comportamento.

11.3. Direito como ordem normativa

Outra determinação fundamental do direito positivo, evidenciada pela


experiência, é a que consiste na sua imperatividade e normatividade. Todos os
preceitos jurídicos se deixam reduzir a um imperativo ou ordem dada a alguém,
sendo a designação dessa ordem, sobretudo quando referida a uma generalidade
de homens e igualdade de condições, o mesmo que norma ou normatividade e
imperativo, sendo esta determinação aliás uma determinação que pertence ao
próprio conceito de direito.

São ainda determinações fundamentais ou características do direito positivo as


suas obrigatoriedade e coercibilidade. Pela primeira, entende-se uma
obrigatoriedade de consciência.

O homem obedece às normas do direito, desde que o faça conscientemente, tem


de o fazer no sentimento de quem presta uma homenagem a certas ideias de
valor, mesmo que isso lhe custe.

A obrigatoriedade do direito em consciência só pode ser uma obrigatoriedade


moral, ou então não será coisa alguma; será tão só coacção, medo, conveniência
ou despotismo. Esta consideração coloca, porém, diante de uma derradeira
determinação ou característica essencial do direito positivo: a sua coercibilidade.
Costuma-se dizer que o direito é norma coactivamente imposta pelo Estado aos
homens na vida social. À primeira vista, pode ser contraditório falar em
coercibilidade do direito, justamente depois de se ter acabado de dizer que ele se
funda só numa obrigatoriedade toda moral de adesão aos seus preceitos, fora de
qualquer coacção. Todavia a contradição é meramente aparente. Ela só existirá se
disser, ser todo o direito só coacção, mas direito só se torna coactivo
eventualmente; torna-se coactivo, ainda em homenagem a um dever-ser moral, só
na medida em que o não acatamento dos seus preceitos por parte de alguns
homens arraste necessariamente consigo: ou a ofensa dos direitos dos outros, ou
a ruína da ordem social estabelecida.

As normas em que se objectiva o direito constituem uma ordem, num amplo


sentido: por um lado, formam um conjunto ordenado a partir dos princípios,
valores ou ideias de cuja visualização ou interpretação são objectivada expressão;
por outro lado, procuram ordenar, reflectir ou tornar direita ou recta a vida
social, a convivência entre os homens, as suas relações, substituindo por uma
ordem, caos a que a desordenada conduta individual inevitavelmente conduziria,
no seu jogo de egoísmos e na luta em que o mais fraco sucederia ao arbítrio do
mais forte.

A ordem que o direito visa instituir, porque referida a valores, princípios ou


ideias, não é uma ordem neutra ou indiferente, mas sim uma ordem justa, uma
ordem concreta, definida a partir do princípio ou valor justiça, que é
precisamente, aquele que dá sentido e conteúdo ao direito na sua essencial
dimensão axiológico-cultural.

Partindo da justiça como princípio, valor ou ideal, o direito é, pois, o meio de que
o homem se serve para alcançar uma adequada ordenação da sua conduta social,
com o fim de coordenar o exercício da liberdade de cada um com a liberdade dos
restantes, realizando deste modo, o bem comum da sociedade política.
Positividade, validade e vigência.

O tipo de ordem normativa que o direito constitui nas diversas formas por que se
manifesta e nos vários modos como se torna efectiva, apresenta como traço
individualizador a positividade. Esta, como atributo essencial das normas criadas
ou reconhecidas pelas entidades investidas de autoridade ou de poder, significa
que o direito é posto por essas mesmas entidades, que é por elas definido,
estabelecido, estatuído ou criado, seja pelo legislador, seja pela comunidade que
adopta determinado costume, seja pelo juiz que profere uma sentença.
A positividade, enquanto atributo e específico do direito, não deve confundir-se
com a sua validade, a sua vigência ou a sua eficácia.

O termo validade para o positivismo jurídico deve ser entendida de um modo


formal, reportando-se à conformidade de qualquer norma com as de valor
superior que definem o seu processo de formação.

O conceito de vigência reporta-se à força vinculante do direito positivo, à


circunstância ou ao atributo de ter força por si, pelo que este, quando pela
revogação ou pela caducidade, deixa de estar em vigor, não perde o seu carácter
de direito nem a sua essencial positividade.
12.O DIREITO E AS OUTRAS ORDENS NORMATIVAS

12.1. Direito e moral

O direito não é, porem, a única ordem normativa da vida social do homem, outras
com ele coexistindo, como a moral, a religião e os usos sociais.

A moral de que aqui se fala é a moral positiva, a que se dá também muitas vezes,
o nome de moral dos costumes. É o conjunto de preceitos, concepções e regras,
altamente obrigatórios para a consciência, pelos quais se rege, antes e para além
do direito, algumas vezes até em conflito com ele, a conduta dos homens numa
sociedade.

É aquilo que os homens apreendem ou julgam apreender no seu esforço de


realização dos valores éticos, como única fonte e fundamento de todo o dever-ser
e obrigatoriedade nas suas relações consigo mesmo e com os outros homens.

A primeira distinção ou o primeiro distintivo destas duas ordens normativas e do


qual, de certo modo, os restantes decorrem, parece encontrar-se no diferente
ponto de vista de que cada uma delas valora a conduta humana, pois que,
enquanto a moral a considera de um ponto de vista absoluto e radical, no sentido
que tem para a vida do sujeito, ao direito apenas importa o alcance ou a dimensão
social dessa mesma conduta, sendo, portanto, relativo e não já absoluto o seu
ponto de vista.

Esta diversa natureza das ordens normativas explica, igualmente, outro decisivo e
essencial elemento distintivo: é que, atendendo ao indivíduo ou ao sujeito da
conduta enquanto tal, considerando-o a partir do domínio da interioridade e da
consciência, a moral caracteriza-se pela sua unilateralidade, e pela imanência do
critério moral, pelo seu carácter radicalmente autónomo, pela total liberdade no
cumprimento dos respectivos preceitos e pela sua irrecusável incoercibilidade,
enquanto, pelo contrário, o direito se define, precisamente, pela sua bilateralidade
atributiva, em que cada direito corresponde sempre um dever, e vice-versa, e pela
sua natureza heterónoma, que faz que a realização dos seus comandos possa ser
imposta às vontades individuais.

Da autonomia da moral e da imanência do critério moral decorre que ela só


obriga o sujeito ou o agente se e na medida em que este reconhece e aceita os
respectivos preceitos e, de certo modo, os faz seus, sentindo-se obrigado, em
consciência e a dimensão social do direito que explicam que ele não só se
desinteresse da intenção com que o sujeito cumpre as normas jurídicas, como
obriga tanto os que concordam com o respectivo conteúdo como os que dele
discordam.
13. A AXIOLOGIA DO DIREITO

13.1. A justiça

A problemática da Justiça é, simultaneamente, ontológica, gnosiológica e


metafísica, defronta-se com três interrogações fundamentais: que é a Justiça?
Como é possível conhecê-la? Porque é a Justiça, qual é o seu fundamento?

Na consideração do problema ontológico da Justiça, na tentativa de saber o que


ela é em si, duas perspectivas são possíveis, pois que ela apresenta dois diversos
sentidos ou duas faces complementares, podendo ser considerada de um ponto de
vista subjectivo, como virtude individual, como atributo do Homem justo, ou de
um ponto de vista objectivo, como valor, princípio, ideia ou ideal.

A primeira perspectiva é adoptada pela ética, enquanto a segunda, é a própria da


Filosofia do Direito e da Axiologia.

A circunstância, porém, durante largos séculos, a reflexão sobre a Justiça se ter


desenvolvido quase exclusivamente no âmbito da Ética e de ser relativamente
tardia a autonomia especulativa da Filosofia do Direito marcou profundamente o
modo de concebê-la, sendo fonte de não pequeno número de dificuldades com
que, ainda hoje, se defrontam a Axiologia e a Filosofia do Direito.

Duas advertências cabem fazer aqui. A primeira para notar que, quando
considerada como virtude, a Justiça individualiza-se, face às restantes, pode dizer
respeito a acções e não a paixões e pela sua bilateralidade, por se referir sempre e
necessariamente a relações intersubjectivas.

A segunda observação será para recordar que, sabem que estas duas perspectivas
ou estes dois modos de considerar ou de pensar a Justiça sejam complementares,
o segundo (objectivo) tem prioridade lógica e axiológica sobre o primeiro
(subjectivo), dado que, sendo a Justiça virtude do Homem que age rectamente,
necessário se torna, para defini-la saber o que é, em si, a Justiça como valor,
princípio, ideia ou ideal.

13.2. O princípio da Justiça

A Justiça é acima de tudo e antes de mais, liberdade, que implica respeito pela
personalidade livre de cada um ou por cada Homem enquanto pessoa. Mas se não
é a lei que nos pode dizer o que é devido a cada um, nem a Justiça se reporta
apenas a bens exteriores, as coisas ou a cargos, se o seu a que se refere é o
próprio de cada um, num sentido ontológico radical, vindo a consistir na
liberdade e na personalidade e no que uma e outra implicam de direitos e bens
exteriores, isto é, de propriedade, então deve concluir-se que a Justiça não
depende nem pode procurar-se ou fazer-se residir na generalidade da lei, antes se
encontrando na diversidade do concreto, do singular e do individual.

Se é exacto que, a inadequação entre Justiça e igualdade é menos evidente e


clara, subsiste ainda aqui, todavia, uma não coincidência entre elas, porquanto
nessa consideração analítica de certos aspectos da realidade ou da situação
humana há sempre, inevitavelmente, um esquecimento, uma indiferença ou um
ocultamento de que individualiza e distingue-se as situações, as pessoas e as
relações entre elas e entre elas e as coisas e a própria diversidade real e funcional
das coisas, que contêm já em si, virtualmente, uma injustiça ou uma Justiça
incompleta ou imperfeita, que põe ou pode pôr em perigo o seu ou o próprio de
cada um dos sujeitos em causa.

Com efeito, exigindo a Justiça plena e perfeita o integral respeito e consideração


pelo individual e pelo singular e concreto de cada homem, envolve, em si, o
Homem todo e não aspectos dele abstractamente considerados.
Daí que, se a igualdade pode ser e tende a ser o critério da Justiça legal ou da
Justiça que se exprime na lei, de modo sempre imperfeito, dada a sua
generalidade, que corresponde a uma abstracta média, a uma imagem ou um
modelo mental e não a qualquer concreta singularidade, que nunca com ela
plenamente se conforma, nunca pode ser o fundamento e o critério essencial e
decisivo da Justiça enquanto valor, princípio, ideia ou ideal.

Se a Justiça é sempre concreta, se o seu fundamento ou o seu critério essencial


não pode ser a igualdade e se a lei, na sua generalidade, não é a forma mais
adequada da justiça, perde sentido a distinção clássica entre a Justiça, entendida
como conformidade com a lei, e a equidade, concebida como correcção da
generalidade da lei quando esta se revela claramente inadequada para reger o
caso concreto e para dar a este uma solução mais justa do que a que da aplicação
daquela resultaria, pois tal como se pensa, a verdadeira Justiça é sempre
equidade.

13.3. Atributos da Justiça

A Justiça como valor, princípio, ideia ou ideal não pode ser concebida ou
pensada como algo de substancial ou estimativo; ela é antes o que é o próprio do
justo, o que o faz ser justo e que se revela pela sua negação ou pela sua ausência,
isto é, pela injustiça.

Sendo princípio, valor, ideia ou ideal, a Justiça é um insubstancial que de nada


depende, mas do qual, no mundo jurídico, tudo depende.

Por outro lado, ainda, porque é insubstancial e concreta, a Justiça não é


susceptível de ser objectivada ou aprisionada ou expressa em fórmulas ou regras,
de ser limitada ou delimitada por qualquer definição. Verdadeiramente real é a
injustiça. A Justiça, pelo contrário, sendo o nada de que tudo depende, não existe
em si, não tem ser, é uma meta, um objectivo nunca plenamente realizado ou
alcançado, é uma intenção ou uma intencionalidade, é a luta permanente,
infindável e sempre recomeçada pela sua própria realização.

Resulta serem ainda atributos da Justiça a alteridade ou bilateralidade, já que se


refere ou se reporta às relações entre os Homens, a quem outros Homens ou a
sociedade devem dar o que é próprio a cada um; a equivalência ou a
proporcionalidade, que impõe que haja equilíbrio ou punidade entre as prestações
de cada um dos sujeitos da relação. Decorre ainda algumas importantes
consequências:

Cumpre notar que as diversas fórmulas ou regras de Justiça tradicionalmente


apresentadas, ou revelam do puro domínio da Ética, como acontece com a
honeste viverem ou são meras variantes particularizadas do princípio essencial do
suum cuique tribuere, como ocorre com o neminem laedere ou com o pacta sunt
servanda, pois o não prejudicar ninguém ou o respeitar os compromissos
validamente assumidos mais não são do que formas de dar a cada um o que lhe é
devido.

Em, segundo lugar, deve notar-se que, do ponto de vista da Justiça, é mais
decisiva a aplicação da lei do que a própria lei, porquanto é então que, em
concreto, o direito se realiza e o próprio de cada um se afirma e define, o que,
obviamente, não impede um juízo sobre a Justiça ou a injustiça da lei em si.

Desta conclusão uma outra deriva: a de que, na concreta realização da Justiça, é


mais decisivo o papel do juiz do que o do legislador, da jurisprudência do que da
lei. De igual modo, o costume e a norma, e pela sua menor abstracção e
generalidade, pela sua maior proximidade do concreto, pela sua origem mais
vivencial do que racional-voluntária, mais colectiva do que individual, poderá
garantir melhor do que aquela uma solução justa.
Por outro lado, esta visão de Justiça vem pôr a claro a inadequação do modo de
entender a sentença como meio processo lógico formal, como um raciocínio
silogístico e chamar a atenção para que o dizer o direito – a jurisdição – do caso
concreto, o juízo de legalidade que o juiz profere, é condicionado, precedendo
em larga medida, determinado por um juízo de Justiça de natureza intuitivo-
emocional, ditado pelo sentido de Justiça.

13.4. Gnosiologia da Justiça

Porque a Justiça é valor, princípio, ideia ou ideal e, por isso, insubstancial, não é
susceptível de ser apreendida ou aprisionada por uma definição, na medida em
que esta é sempre um pôr limites, um marcar de contornos de um aspecto da
realidade.

Por outro lado, a sua natureza de valor, princípio, ideia ou ideal impede-a de ser
objecto de um conceito, pois é o resultado das possibilidades criadoras da razão e
os valores, os princípios e os ideais transcendem a razão e ano dependem dela na
sua existência, e apenas na sua efectividade e na sua realização parcialmente dela
quedam dependentes.

O conhecimento que da Justiça alcançamos é um conhecimento concreto,


existencial, um conhecimento imediato, intuitivo e emocional, em que o
sentimento inato de Justiça tem um papel decisivo e determinante, não
dispensando, porém, a colaboração ou a participação de elementos racionais, que
laboram a partir dos dados fornecidos por aquele primeiro conhecimento
intuitivo-emocional.

Sendo pois insusceptível de ser definida ou deduzida genérica e abstractamente


pela razão, a Justiça apenas pode ser intuída no caso concreto, mediante a
emoção ou o sentimento avaliador ou sentimento moral ou de Justiça, do qual,
contudo, é possível dar razão, pois possui a sua verdade que, não sendo do
domínio lógico-dedutivo, não deixa de ter a validade e garantia, próprias das
“razões do coração”, da experiência imediata e da vivência dos valores.
13.5. A Justiça e os outros valores jurídicos

Se a Justiça é o princípio ontológico do Direito, o valor que fundamento e o ideal


que ela visa realizar, não é, no entanto, o único valor ou o único fim que o direito
serve ou procura tornar efectivo.

Assim, é corrente atribuir-lhe outros fins ou indicar outros valores como


jurídicos. É o que acontece com a ordem, a paz, a liberdade, o respeito pela
personalidade individual, a solidariedade ou a cooperação social e a segurança
como fins do direito ou como valores jurídicos que coexistem com a Justiça no
firmamento axiológico do Direito, conveniente se tornando, por isso, estudar o
modo como ela se articula e compatibiliza.
14.PRINCÍPIOS LÓGICOS DO PENSAMENTO

a) Princípio da Identidade: "O que é, é". P= P


b) Princípio da não-contradição: Uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo
tempo, ~(p^~P). Dito de outro modo, o mesmo objecto não pode ter
propriedades opostas ao mesmo tempo e em relação ao mesmo aspecto: "nada
é e não é ao mesmo tempo".
c) Princípio do terceiro excluído: Uma coisa é ou não é, P V~P; não há uma
terceira possibilidade.

A razão obedece a princípios formais, que lhe garantem a coerência. Uma das
principais descobertas da Filosofia Clássica, foi a de que existem três princípios
fundadores da racionalidade, que estão na base de todos os outros:

O Princípio da Identidade, que na linguagem da Lógica Clássica se exprime da


seguinte forma: -Cada ser é igual a si mesmo.

O Princípio da Não-Contradição: - Uma coisa não pode ser e ser ao mesmo


tempo, de acordo com a mesma perspectiva. (Uma proposição não pode ser
verdadeira e falsa ao mesmo tempo, de acordo com a mesma perspectiva).

O Princípio do Terceiro Excluído: - Uma coisa é ou não é, não há uma terceira


hipótese. (Uma proposição é verdadeira ou falsa, não há uma terceira hipótese).

Estes três princípios regulam a estrutura formal do pensamento, não se referindo


ao seu conteúdo. Eles indicam-nos como devemos pensar e não o que devemos
pensar. São, por isso, princípios meramente formais. Mas isso não diminui a sua
importância: se o nosso pensamento não estiver correctamente estruturado (a isso
chamamos coerência), nada podemos pensar. É que só os pensamentos
correctamente estruturados (em termos formais) são que podem receber um
conteúdo. Assim, podemos concluir que, nos seus diversos níveis de
desenvolvimento, os nossos pensamentos têm basicamente a mesma estrutura
formal, o que varia é o seu conteúdo. Vejamos os seguintes exemplos:

a) ‘O Ramos é um bom futebolista’.

b) ‘Ontem não choveu’.

c) ‘O homem é um animal racional’.

Se repararmos com atenção, podemos ver que, apesar de terem um conteúdo


diferente, estes três enunciados têm a mesma estrutura formal:

Conceito-base + Elemento de ligação + Conceito-atribuído

Na linguagem da Lógica Clássica estes elementos, que constituem o juízo


recebem a seguinte designação:

Sujeito + Cópula + Predicado

Um juízo, ou qualquer outro acto do pensamento, que esteja mal construído em


termos formais, ou seja, que viole qualquer dos princípios lógicos ou das regras
deles derivados, diz-se inválido em termos formais. Portanto, a validade
formal do pensamento corresponde à sua coerência ou estruturação formal.

Mas já vimos que, para além de uma estrutura formal, os nossos pensamentos
têm que ter um conteúdo (caso contrário seriam vazios). Ora, o conteúdo dos
nossos pensamentos também tem que estar correctamente estabelecido. Aquilo
que determina a correcção do conteúdo do pensamento não é um conjunto de
princípios ou regras de carácter formal, mas a sua adequação à realidade.
Assim a validade material (ou verdade), corresponde, de acordo com a
definição aristotélica, à adequação do pensamento à realidade. Sendo assim, a
validade material (ou verdade) do pensamento está fora do âmbito da lógica
clássica, que tem como objecto o estudo dos princípios e das regras que
permitem a coerência formal do pensamento e não a sua adequação à realidade.

O problema da adequação à realidade não depende da lógica clássica, mas


da Gnosiologia (Filosofia do conhecimento) e da Epistemologia (Filosofia das
ciências). Sendo assim, a partir deste momento não nos iremos preocupar com
o conteúdo dos enunciados com os quais iremos trabalhar, mas apenas com a sua
estruturação formal, com a sua conformidade com os princípios e regras que
regem a sua coerência formal.

Mas com isto não se pense que a Lógica ( a partir deste momento sempre que nos
referirmos à Lógica, estamos a referir-nos à Lógica Clássica) não se preocupa
com a verdade (validade material), antes pelo contrário: é que o pensamento só
pode ser verdadeiro se estiver correctamente estruturado. Podemos, então,
concluir o seguinte:

A validade formal é uma condição necessária da validade material, quer


dizer: os enunciados só podem ser válidos em termos materiais (verdadeiros) se
forem válidos em termos formais. Mas um enunciado pode ser válido em termos
formais, sem que seja verdadeiro (válido em termos formais). Simplificando: os
enunciados inválidos em termos formais são necessariamente falsos; os
enunciados verdadeiros não podem ser inválidos em termos formais; os
enunciados válidos em termos formais podem ser ou verdadeiros ou falsos,
consoante a sua adequação ou não adequação à realidade.

14.1.1.Regras de validade do silogismo

As construções dos silogismos obedecem a um conjunto de regras. Tendo em


conta a distinção entre proposições afirmativas e negativas, a distribuição
dos termos e a funções dos termos: maior, menor e médio ou mediano, as regras
do silogismo categórico são oito: quatro dizem respeito aos termos e quatro às
proposições.

14.1.2. Regras dos termos

1ª- Regra: O silogismo tem três e apenas três termos: o maior, o médio ou
mediano e o menor.

Exemplo:

Todas as orquídeas são flores

Algumas mulheres são Orquídeas

Algumas mulheres são flores

Silogismo inválido.

Os termos têm de corresponder a três conceitos. Quando se usa como termo


médio ou mediano um termo ambíguo com sentido diferente em cada premissa, o
silogismo passa a ter quatro termos em vez de três, o que o torna inválido.

2ª Regra: O termo médio ou mediano não pode entrar na conclusão.

Exemplo:

Todos os desportistas são bem dispostos

Todos os desportistas são trabalhadores. Logo, Todos os desportistas são

trabalhadores bem-dispostos
Silogismo inválido.
O termo médio é incluído nas duas premissas para fazer a ligação entre os termos
maior e menor e não na conclusão.

3ª Regra: O termo médio tem que ser tomado, pelo menos uma vez, em toda a
sua extensão (universalmente), ou seja, deve estar distribuído pelo menos uma
vez.

Exemplo:

Todos os gatos são mamíferos

Todos os cães são mamíferos. Logo, Todos os cães são gatos


Silogismo inválido.

Em nenhuma das premissas o termo médio ou mediano «mamíferos», designa a


totalidade dos mamíferos, ou seja, não está distribuído, por isso, não desempenha
a função de ligação entre os outros dois termos.

4ª Regra: Nenhum termo pode ser mais extenso na conclusão do que nas
premissas. Se na conclusão um termo está distribuído, também tem de estar
distribuído na premissa onde ocorre.

Exemplo:

Todas as orquídeas são flores

Nenhuma rosa é orquídea

Logo, nenhuma rosa é flor

Silogismo inválido.
Apresenta o termo "flor" universal na conclusão - predicado de uma frase
negativa-sendo particular na premissa maior - predicado de uma frase afirmativa.

Regras das proposições

1ª De duas premissas negativas nada se pode concluir.

Exemplo:

Nenhum judeu é apreciador de carne de porco

Nenhum muçulmano é apreciador de carne de porco. Nada se pode concluir


Silogismo inválido.

Quando existem duas premissas negativas, não é possível estabelecer qualquer


conexão válida entre os termos do silogismo.

2ª Regra: de duas premissas afirmativas não se pode extrair uma conclusão


negativa.

Exemplo:

Todos os físicos são grandes pensadores

Alguns homens são físicos

Logo, nenhum homem é grande pensador

Silogismo inválido.
Uma vez que as premissas são ambas afirmativas, o predicado não está
distribuído, o que significa que se referem a parte dos elementos do conceito (há
pensadores que não são físicos e há homens que não são físicos). Inferir uma
conclusão negativa equivale a usar o predicado em toda a sua extensão (o
predicado das proposições negativas está distribuído), o que torna o termo maior
mais extenso na conclusão do que na premissa maior.

3ª Regra: de duas premissas particulares nada se pode concluir.

Exemplo:

Alguns angolanos não são cabindenses

Alguns angolanos são luandenses

Nada se pode concluir


Silogismo inválido.

Sendo as premissas particulares referem-se a parte dos elementos e o termo


médio ou mediano não estabelece ligação com todos os elementos do conjunto.

4ª Regra: A conclusão segue sempre a parte mais fraca, isto é, se uma


premissa é negativa, a conclusão é negativa; se uma premissa é particular, a
conclusão é particular.

Todas as árvores deste jardim ficam sem folhas no Outono

Nenhum pinheiro fica sem folhas no Outono

Logo, algumas árvores deste jardim são pinheiros


Silogismo inválido.
A qualidade negativa da segunda premissa não permite que se extraia uma
conclusão afirmativa.
Exemplo:

Alguns frutos são saborosos

Nenhum camarão é fruto

Logo, nenhum camarão é saboroso


Silogismo inválido.

A quantidade particular da primeira premissa não permite que se extraia uma


conclusão universal

14.1.3. Silogismo expositório

O silogismo expositório não é propriamente um silogismo, mas um


esclarecimento ou exposição da ligação entre dois termos, caracteriza-se por
apresentar, como termo médio, um termo singular. Por exemplo:

Aristóteles é discípulo de Platão.


Ora, Aristóteles é filósofo.
Logo, algum filósofo é discípulo de Platão

a) Polissilogismo
O polissilogismo é uma espécie de argumento que contempla vários silogismos,
onde a conclusão de um serve de premissa maior para o próximo. Como por
exemplo:

Quem age de acordo com sua vontade é livre.


O racional age de acordo com sua vontade.
Logo, o racional é livre.
Quem é livre é responsável.
Logo, o racional é responsável.
Quem é responsável é capaz de direitos.
Logo, o racional é capaz de direitos.

b) Silogismo informe

O silogismo informe caracteriza-se pela possibilidade de sua estrutura expositiva


poder ser transformada na forma silogística típica.

Por exemplo: "a defesa pretende provar que o réu não é responsável do crime por
ele cometido. Esta alegação é gratuita. Acabamos de provar, por testemunhos
irrecusáveis, que, ao perpetrar o crime, o réu tinha o uso perfeito da razão e nem
podia fugir às graves responsabilidades deste acto".

Este argumento pode ser formalizado assim:

Todo aquele que comete um crime quando no uso da razão é responsável pelos
seus actos.

Ora, o réu cometeu um crime no uso da razão.


Logo, o réu é responsável pelos seus actos.

c) Silogismo hipotético

Um silogismo hipotético contém proposições hipotéticas ou compostas, isto é,


apresentam duas ou mais proposições simples unidas entre si por uma cópula
não-verbal, isto é, por partículas. As proposições compostas podem ser divididas
em:

A) Claramente compostas: são aquelas proposições em que a composição entre


duas ou mais proposições simples é indicada pelas partículas: e, ou, se ... então.
- Copulativa ou conjuntiva: "a lua se move e a terra não se move". Nesse
exemplo, duas proposições simples são unidas pela partícula e ou qualquer
elemento equivalente a essa conjunção. Dentro do cálculo proposicional será
considerada verdadeira a proposição que tiver as duas proposições simples
verdadeiras e será simbolizada como: p ∧ q (ou p.q, ou pq).

-Disjuntivas: "a sociedade tem um chefe ou tem desordem". Caracteriza-se por


duas proposições simples unidas pela partícula ou ou equivalente. Dentro do
cálculo proposicional, a proposição composta será considerada verdadeira se uma
ou as duas proposições simples forem verdadeiras e será simbolizada como: p ∨
q.

- Condicional: "se vinte é número ímpar, então vinte não é divisível por dois".
Aqui, duas proposições simples são unidas pela partícula se...então. Dentro do
cálculo proposicional, essa proposição, será considerada verdadeira se sua
consequência for boa ou verdadeira, simbolicamente: p ⇒ q (ou p ⊃ q).

B) Ocultamente compostas: são duas ou mais proposições simples que formam


uma proposição composta com as partículas de ligação: salvo, enquanto, só.

- Exceptiva: "todos corpos, salvo o éter, são ponderáveis". A proposição


composta é formada por três proposições simples, sendo que a partícula salvo
oculta as suas composições. As três proposições simples componentes são:
"todos os corpos são ponderáveis", "o éter é um corpo" e "o éter não é
ponderável". Também são exceptivos termos como fora, excepto, etc. Essa
proposição composta será verdadeira se todas as proposições simples forem
verdadeiras.

- Reduplicativa: "a arte, enquanto arte, é infalível". Nessa proposição temos


duas proposições simples ocultas pela partícula enquanto. As duas proposições
simples componentes da composta são: "a arte possui uma indeterminação X" e
"tudo aquilo que cai sobre essa indeterminação X é infalível". O termo realmente
também é considerado reduplicativo. A proposição composta será considerada
verdadeira se as duas proposições simples forem verdadeiras.

- Exclusiva: "só a espécie humana é racional". A partícula só oculta as duas


proposições simples que compõem a composta, são elas: "a espécie humana é
racional" e "nenhuma outra espécie é racional". O termo apenas também é
considerado exclusivo. A proposição será considerada verdadeira se as duas
proposições simples forem verdadeiras.

O silogismo hipotético apresenta três variações, conforme o conectivo utilizado


na premissa maior:

- Condicional: a partícula de ligação das proposições simples é se então.


Se a água tiver a temperatura de 100°C, a água ferve.
A temperatura da água é de 100°C.
Logo, a água ferve.

Esse silogismo apresenta duas figuras legítimas:

a) PONENDO PONENS (do latim afirmando o afirmado): ao afirmar a condição


(antecedente), prova-se o condicionado (consequência).

Se a água tiver a temperatura de 100°C, a água ferve.


A temperatura da água é de 100°C.

Logo, a água ferve.

b) TOLLENDO TOLLENS (do latim negando o negado): ao destruir o


condicionado (consequência), destrói-se a condição (antecedente).

Se a água tiver a temperatura de 100°C, a água ferve.


Ora, a água não ferve.

Logo, a água não atingiu a temperatura de 100°C.

- Disjuntivo: a premissa maior, do silogismo hipotético, possui a partícula de


ligação ou.

Ou a sociedade tem um chefe ou tem desordem.


Ora, a sociedade não tem chefe.
Logo, a sociedade tem desordem.

Esse silogismo também apresenta duas figuras legítimas:

a) PONENDO TOLLENS: afirmando uma das proposições simples da premissa


maior na premissa menor, nega-se a conclusão.

Ou a sociedade tem um chefe ou tem desordem.


Ora, a sociedade tem um chefe.
Logo, a sociedade não tem desordem.

b) TOLLENDO PONENS: negando uma das proposições simples da premissa


maior na premissa menor, afirma a conclusão.
Ou a sociedade tem um chefe ou tem desordem.
Ora, a sociedade não tem um chefe.
Logo, a sociedade tem desordem.

- Conjuntivo: a partícula de ligação das proposições simples, na proposição


composta, é e. Nesse silogismo, a premissa maior deve ser composta por duas
proposições simples que possuem o mesmo sujeito e não podem ser verdadeiras
ao mesmo tempo, ou seja, os predicados devem ser contraditórios. Possui
somente uma figura legítima, o PONENDO TOLLENS, afirmando uma das
proposições simples da premissa maior na premissa menor, nega-se a outra
proposição na conclusão.

Ninguém pode ser, simultaneamente, mestre e discípulo.

Ora, Pedro é mestre.


Logo, Pedro não é discípulo.

d) Dilema

O dilema é um conjunto de proposições hipotéticas e contraditórias entre si, tal


que, afirmando qualquer uma das proposições, resulta uma mesma conclusão
insatisfatória. Por exemplo:

Se dizes o que é justo, os homens te odiarão.


Se dizes o que é injusto, os deuses te odiarão.
Portanto, de qualquer modo, serás odiado.

Outro exemplo de dilema, na cultura popular, é:

Se correr, o bicho pega. Se ficar, o bicho dorme.


e) Falácia do termo médio não distribuído

A falácia do termo médio não distribuído é uma falácia formal cometida


quando o termo médio das premissas de um silogismo categórico não
é distribuído na premissa menor nem na premissa maior. Entende-se como um
termo não distribuído quando há elementos de sua classe que não são afectados
pela proposição. Essa falácia possui carácter silogístico. Nos silogismos
clássicos, todas as proposições consistem em dois termos. Cada proposição, por
sua vez, possui uma das quatro possíveis distribuições de termos. São elas das
formas: "A" (todo), "E" (nenhum), "I" (algum) ou "O" (algum não). O primeiro
termo é distribuído nas sentenças da forma A; o segundo termo é distribuído nas
sentenças da forma O; ambos são distribuídos nas sentenças da forma E; e
nenhum dos termos é distribuído em sentenças da forma I.

A falácia do termo médio não distribuído ocorre quando o termo que liga as duas
premissas não abrange toda a classe a qual pertence.

Neste exemplo, a distribuição está em negrito:

1. Todo Z é B
2. Todo y é B
3. Portanto, todo y é Z

B é o termo comum entre as duas premissas (o termo médio), mas em nenhum


momento ele é distribuído, portanto, esse silogismo é inválido.
Outra regra da lógica pertinente ao assunto enuncia que todo termo distribuído na
conclusão deve ser distribuído em ao menos uma das premissas.

1. Todo Z é B
2. Algum Y é Z
3. Portanto, todo Y é B
O termo médio – Z – é distribuído, porém, Y é distribuído na conclusão e não
em uma premissa. Por esse motivo tal silogismo é inválido.

A falácia do termo médio não distribuído possui a seguinte forma:

1. Todo Z é B
2. Y é B
3. Portanto, Y é Z

Nesse argumento, B é o termo médio e não é distribuído na premissa maior


"Todo Z é B".

Pode ser ou pode não ser o caso de que "Todo Z é B", mas isso é irrelevante para
a conclusão. O que é relevante é quando pode-se afirmar que "Todo B é Z",
situação desconsiderada no argumento. Essa falácia é semelhante a afirmar o
consequente e negar o antecedente. Entretanto, ela pode ser corrigida com a troca
dos termos na conclusão ou na primeira co-premissa. É bem verdade que na
perspectiva da lógica de primeira ordem, todos os casos de falácia do termo
médio não distribuído são, de fato, exemplos de afirmação do consequente ou
negação do antecedente, dependendo da estrutura do argumento falacioso.

Por exemplo:

1- Os estudantes da Unia levam mochilas

2- Meu Avô leva uma mochila

3- Logo, meu Avô é um estudante da Unia


A filosofia do direito é a proposta de investigação, que valoriza a abstracção
conceitual, servindo de reflexão. Sobre as construções jurídicas sobre os
discursos jurídicos, sobre as práticas jurídicas, sobre os factos e as normas
jurídicas.

Para conseguir superar, as diversas limitações empirista e idealista na


abordagem, tanto filosófico quanto científica do direito, o Miguel Reale propõe
que este deva ser estudado no seu tríplice aspecto:

Histórico-social

Axiológico

Normativo

Pois o direito realiza um valor através de uma norma de conduta. Assim não há
que separar o facto ou conduta, o valor ou finalidade a que a conduta está
relacionada, nem a norma que decide sobre a conduta, pois o direito é
simultaneamente um facto social, uma norma ou comando um valor ou dever-se.
O direito portanto, possui sempre uma Tridimensionalidade ôntica que o situa no
mundo da cultura. Deste modo, qualquer análise jurídica deve considerar
necessariamente o complexo das normas em função das situações nómadas, isto
é, deve apreender o objecto do direito em sua estrutura tridimensional.

É só através das suas relações com facto a que se refere, dai Miguel Reale
atribuir ao direito carácter da ciência social compreensivo-normativa, que estuda
o seu objecto numa perspectiva que vai muito além do formalismo Kelseniano e
da tendência idealista que vê no direito sobretudo um complexo de juízos
lógicos. A norma exerce no tridimensionalíssimo jurídico o papel dinâmico de
integrar o elemento fáctico ao elemento axiológico, sendo por conseguinte parte
da realidade jurídica. A norma é por isso variável em função dos outros
elementos da relação tridimensional: o facto e o valor.
A teoria tridimensional do direito, em razão da interacção essencial dinâmica dos
três elementos que a constituem, implica uma forma especial de dialéctica na
abordagem do fenómeno jurídico, a que Miguel Reale denomina dialéctica da
implicação polaridade, distinguindo-a da hegeliana e marxiana.

Nas relações entre facto e valor, esses elementos são irredutíveis um ao outro, ou
seja, constituem realidades autónomas, distintas, de modo que do ser não se pode
passar directamente para o dever-se, embora a recíproca não seja verdadeira, ai
está o factor polaridade. Mas facto e valor exigem-se mutuamente, de modo tal
que não podem ser considerados em separado nem desvinculados da norma que,
em ligada realiza o direito, por sua vez a norma não pode ser compreendida
senão em função desses dois elementos, que constituem respectivamente o seu
conteúdo e o seu fim eis o factor implicação.

Para Miguel Reale, a essência do direito reside na integração normativa de factos


e valores, ele viu bem os três aspectos da realidade jurídica, que são o facto, o
valor e a norma, e não deixou de reconhecer que cada uma dessas três grandes
dimensões do direito é por sua vez, variam em função das condições do espaço e
tempo social. Quanto ao definir a ciência do direito como normativa, Reale reduz
a ciência jurídica ao estudo da norma, reservando o estudo dos valores à
deontologia jurídica, no plano filosófico e o estudo do facto à sociologia jurídica.

O direito é simultaneamente um facto social, uma norma (comando), e um valor


(dever-se), assinalando-se-lhe uma dimensão:

Axiológica-normativa: o direito é visto como uma ordem positiva de valores,


como algo que apenas tem uma validade relativa, a relativa sobretudo, à
consciência dos valores que predominam num certo espaço e num certo tempo.
Dai deriva grande parte da autonomia do direito, dotado de uma lógica própria e
de um esquema típico de desenvolvimento.
Normativo-real: o direito existe para ser realizado, porque quando se institui
torna-se real. As tendências axiológicas na linha do existencialismo, exigem-se
um direito válido, vigente e eficaz (os três momentos da vida do direito), a
validade enquanto fundamento do dever-se do cumprimento de um qualquer
direito. A vigência e a eficácia enquanto momento da respectiva realização. A
vigência como momento potencial e intencional, a eficácia como momento real e
actual. Trata-se, portanto, de uma concepção integrada dos três momentos do
direito como dever-se que é, como um transcendente situado. O mesmo
equilíbrio se nota no concernente à “Teoria Pura do Direito” de Hans Kelsen,
cuja contribuição maior seria constituída pela demonstração de que no direito o
essencial é a sua dimensão normativa.

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