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A IMPORTÂNCIA DOS INSTRUMENTOS DE GOVERNANÇA SOBRE OS

RECURSOS HÍDRICOS EM ESCALA MUNICIPAL

Samara Cristina Oliveira de Farias Lima 1; Fábio Leite Dias¹ & Joecila Santos da Silva ².
Abstract:

Resumo:

A governança da água é um tema de grande relevância para os municípios brasileiros e


apresentam-se estratégias para o seu desenvolvimento com o objetivo de fortalecer a atuação dos
municípios no SINGREH.
A má gestão dos espaços urbanos, associada às mudanças climáticas, resultou em um
aumento significativo do número de municípios afetados por desastres relacionados à água na
última década em todo Brasil. A governança da água surge neste contexto, como abordagem
analítica e prescritiva para desenvolver uma gestão integrada de recursos hídricos, capaz de
articular a conservação dos recursos hídricos com o desenvolvimento urbano e do saneamento
básico. Diversos estudos sugerem que falhas da governança da água, que ocorrem em múltiplos
níveis da administração, estariam na origem de boa parte dos problemas relacionados à água que
ameaçam a segurança hídrica. No Brasil, cabe aos municípios promover a integração das
políticas públicas no âmbito das cidades, tendo em vista as diferentes áreas que incidem sobre os
recursos hídricos, tais como a gestão ambiental, do saneamento básico e do uso e ocupação do
solo. No entanto, os municípios não possuem dominialidade sobre os recursos hídricos, ou seja,
não têm responsabilidade direta pela sua administração. Partindo da hipótese de que a
governança da água é um tema essencial para os municípios brasileiros, a tese foi desenvolvida
com base em dois estudos distintos: primeiro, uma análise do marco legal brasileiro, quanto ao
papel dos municípios no Sistema Nacional de Gestão de Recursos Hídricos (SINGREH);
A principal contribuição deste trabalho reside na identificação de problemas típicos de 24
pequenos e médios municípios brasileiros na área da gestão de recursos hídricos, por meio da
análise do ambiente institucional e a aplicação da governança da água como ferramenta analítica.
A indicação de possíveis estratégias e indicadores para construir uma gestão municipal de
recursos hídricos no contexto analisado confere um sentido prático ao trabalho, fazendo jus à
“governança para practitioner”, uma nova tendência nas discussões sobre a gestão de recursos
hídricos (BERTULE et al., 2017; JIMÉNEZ et al, 2020)

1Mestrandos do Programa de Pós Graduação em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos – ProfÁGUA/UEA, Av. André Araújo, 2010, Bairro
Petrópolis, CEP: 69067-375, Manaus/AM, Brasil, scodfl.mgr23@uea.edu.br; fld.mgr21@uea.edu.br;
²Doutora em Ciências – UFRJ/Université Toulouse e Professora da Universidade do Estado do Amazonas – UEA, Av.Darcy Vargas, 1200, Parque 10,
CEP: 69050-020, Manaus/AM, Brasil, jsdsilva@uea.edu.br
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Palavras-Chave – Rio Negro; Curva-chave; Vazão.

REVISÃO DE LITERATURA
GOVERNANÇA DA ÁGUA Do ponto de vista do sistema: é a forma como a sociedade
se organiza (instituições, atores e suas relações), para estabelecer as regras formais e
informais sobre o funcionamento dos processos decisórios. Do ponto de vista da função
social: são as regras, práticas e processos (formais e informais), por meio dos quais as
decisões são tomadas, implementadas e seus resultados avaliados.
No Brasil, cabe aos municípios promover a integração das políticas públicas no
âmbito das cidades, tendo em vista as diferentes áreas que incidem sobre os recursos
hídricos, tais como a gestão ambiental, do saneamento básico e do uso e ocupação do solo
(Lei n° 9.433/1997). A implementação dessas diversas políticas é de interesse local,
portanto, de responsabilidade do município. Ao mesmo tempo, conforme a Constituição
Federal de 1988, os municípios não possuem dominialidade sobre os recursos hídricos, ou
seja, não têm responsabilidade direta pela sua administração. No entanto, cabe aos
gestores municipais promover a conservação do meio ambiente e o combate de todas as
formas de poluição, inclusive a hídrica; o planejamento urbano, que contempla o uso e
ocupação do solo, a regularização fundiária e a habitação; além disso, o município é titular
dos serviços públicos de interesse local, incluindo os serviços de saneamento básico
(BRASIL, 2015; WHATELY, 2017; CNM, 2022).
Esse tema é de grande relevância também para o Brasil (TUCCI, 2008; ANELLI, 2015;
AGÊNCIA BRASIL, 2015; ANA, 2016:2019a; SOTTO et al., 2019). A má gestão dos espaços
urbanos, associada às mudanças climáticas, resultou em um aumento significativo do número de
municípios afetados por desastres relacionados à água na última década em todo Brasil (ANA,
2019a).

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Pahl-Wostl (2017) esclarece a diferença entre gestão e governança, considerando as atividades
de gestão, como sendo a análise e o monitoramento dos recursos hídricos, para a manutenção
dos mesmos dentro de limites acordados; e a governança, como a função social que regula o
desenvolvimento da gestão de recursos hídricos, levando a situação dos mesmos em direção a
um estado desejado e afastando-a de um estado não desejado.
De acordo com Gomide & Pires (2014), enquanto o ambiente institucional diz respeito às
regras gerais que estabelecem o fundamento para o funcionamento dos sistemas político,
econômico e social, os arranjos institucionais, por sua vez, representam as regras específicas que
os agentes estabelecem para si e entre si, nas suas relações econômicas, políticas e sociais. O
arranjo institucional é “o conjunto de regras, mecanismos e processos que definem a forma
particular como se coordenam atores e interesses na implementação de uma política pública
específica” (p. 19). São, portanto, os arranjos que viabilizam a implementação das políticas
públicas pelo Estado. O arranjo institucional constitui a capacidade técnico-administrativa e
política do Estado para implementar as políticas e alcançar os resultados almejados.
A capacidade técnico-administrativa do Estado está relacionada à implementação, através
de processos formais, das ações necessárias e coordenadas para a produção de resultados. A
capacidade política refere-se às habilidades do Executivo em ampliar os canais de interlocução e
negociação com os diversos setores da sociedade, administrar conflitos e evitar a captura por
interesses de certos grupos ou atores sociais. A capacidade política, ao mesmo tempo em que é
definida pelo arranjo, também o define, o molda, amplia ou reduz. Pois, a constituição do arranjo
institucional depende diretamente da capacidade política do Estado (GOMIDE & PIRES, 2014).

Figura 1- Dimensões da Gestão Integrada de Recursos Hídricos de acordo com a Associação


Mundial da Água

Fonte: Adaptado de GWP (2000)

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Quanto ao termo “integração”, este se refere a uma multiplicidade de dimensões envolvidas na
gestão da água, como: as dimensões humana e ecossistêmica; áreas de bacias hidrográficas e
costeiros; gestão do uso e ocupação do solo integrada à gestão dos RH; água azul (presente nos
corpos d’água superficiais e subterrâneos) e água verde (“escondidos” nos ecossistemas); águas
superficiais e subterrâneas; integração da quantidade e qualidade da água etc. (GWP, 2000).
Theesfeld & Schleyer (2013) realçam a importância da compreensão do fenômeno da integração e
de seus possíveis níveis e graus. Fundamentados em Huppert (2005), os autores distinguem
vários graus de integração: a) a integração de recursos hídricos superficiais e subterrâneos, que
pode considerar um ou mais níveis da administração, é mais simples; b) a integração intersetorial,
em que o interesse recai sobre os impactos gerados, a partir de um uso determinado dos recursos
hídricos, sobre outros, como, por exemplo, a irrigação com relação ao abastecimento; c)
integração que contempla a multiplicidade de recursos, como água, floresta, solo etc.. Os níveis
referem-se às instâncias político-administrativas, conforme apresentado no Quadro 9.

AS FALHAS DA GOVERNANÇA DA ÁGUA DE ACORDO COM A OCDE


A OCDE analisou os mecanismos de governança da água em 17 países da OCDE (2011) e em
13 países latino-americanos (2012), inclusive o Brasil. A avaliação tinha o intuito de promover
o diálogo a nível nacional, envolvendo as múltiplas partes interessadas e orientando a
formulação de políticas públicas no setor da água, principalmente, para as cidades. Como
resultado, a organização descreve diferentes áreas com maiores potenciais de apresentarem
falhas de governança. Para uma melhor compreensão, a OCDE (2011) organizou as falhas da
governança da água em 7 categorias: 1) falha administrativa; 2) falha política; 3) falha da
informação; 4) falha da capacidade; 5) falha do financiamento; 6) falha dos objetivos; 7) falha
de responsabilização (accountability gap). Para análise das falhas, a OCDE sugere um
conjunto de indicadores (OCDE, 2016) (Quadro 10).

Administra Política Objetivos Finan- Informaçã Capacidade Responsabil


ção ciamento o i- zação
Accountabil
ity

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Descompas Abordagens Incoerênci Carência e Falhas na Falta de Instituições
so entre setoriais, as e descontinui quantidad profissionai frágeis, falta
níveis e hierárquicas. contradiçõ dade de e, s de
escalas Indefinições, es nos recursos qualidade capacitados integridade
administrat lacunas e objetivos. financeiros. das , de dos agentes.
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funcionais responsabilida compromi es, e transparênci
(hidrológic des. sso levando a infraestrutu a. Ausência
as). político. decisões ras. de
equivocad participação
as. e controle
sociais

MATERIAL E MÉTODO

Os riscos relacionados à água vêm aumentando significativamente em muitas cidades ao


redor do mundo, envolvendo eventos extremos como inundações, escassez e poluição da água
(UNPD, 2006: 2013; IPCC, 2012; OCDE, 2016: UN-WATER/UNESCO, 2021). Ao longo da história
da humanidade, as comunidades se estabeleceram no entorno dos rios, por encontrarem nas
águas uma importante fonte de alimento, a garantia para o abastecimento humano e animal, meio
de transporte, além de um espaço de recreação e lazer. A construção das cidades avançou sobre
os mananciais, destruindo as matas ciliares e alterando os cursos dos rios, para atender às
necessidades de uma população crescente e cada vez mais urbana. O consumo mundial da água
aumentou em seis vezes no último século, em função dos processos de urbanização,
desenvolvimento econômico e crescimento populacional (UN-WATER/UNESCO, 2021).
A decisão de utilizar os rios próximos como receptores de efluentes e resíduos sólidos,
associada à busca de água limpa em outras bacias, cada vez mais distantes, viabilizou o
crescimento das cidades, em detrimento dos ecossistemas que as sustentam (WHATELY, 2018).
A redução da responsabilidade dos municípios em decidir sobre assuntos de interesse
local vai na contramão do desenvolvimento da governança da água. Neste sentido, serão
discutidos, vários argumentos que reforçam a importância das instâncias locais para a
implementação de uma governança da água. Finalmente, discutem-se possíveis abordagens para
fortalecer a governança da água no âmbito dos municípios e a importância desta para melhorar a
gestão de recursos hídricos no Brasil, como base em diferentes referências nacionais e
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internacionais (GWP, 2013; ANA, 2016:2019; OCDE, 2016:2018; OGA, 2019; IAS, 2021; CNM,
2018). Mostram-se cenários de mudanças institucionais que podem ocorrer nos três níveis da
federação, assim como iniciativas locais que podem contribuir para desenvolver a governança da
água nos municípios e no Brasil. Considerou-se, principalmente, a realidade de municípios médios
e pequenos, do ponto de vista populacional, uma vez que estes representam a grande maioria dos
municípios brasileiros. Em regra, possuem estrutura de gestão incompleta, recursos financeiros e
humanos restritos, instrumentos de gestão pouco desenvolvidos e reduzida capacidade política e
técnica-administrativa. Diante do aumento significativo e da urgência dos problemas relacionados
à água, o que os gestores públicos desses municípios podem fazer, além de ignorar as mudanças
climáticas, confiar na normalização dos regimes de chuvas e aguardar as decisões tomadas em
outras escalas administrativas? A governança da água, com suas várias abordagens, oferece
instrumentos teóricos e práticos para planejar uma transição. As mudanças necessárias envolvem
ações, como: mapeamento e envolvimento das partes interessadas (stakeholders); criação de
uma política municipal de recursos hídricos; identificação dos problemas prioritários e de suas
respectivas escalas e a adequação das escalas administrativas; e, definição clara das
responsabilidades e atribuições. Além disso, o trabalho mostra que a gestão integrada de recursos
hídricos pressupõe que os gestores municipais promovam: a articulação interna
(intersetorialidade), envolvendo os vários setores cujas decisões incidem sobre os recursos
hídricos, tais como, meio ambiente, saneamento básico, desenvolvimento urbano e outros; e, a
articulação externa (integração multinível), envolvendo outros municípios e órgãos estaduais,
federais e os comitês de bacia hidrográfica.

Ocorre que boa parte dos municípios brasileiros, considerados de pequeno e médio porte ,
possuem estruturas administrativas que não são suficientemente desenvolvidas para dar conta da
complexidade de suas atribuições. Observa-se que uma assimetria políticojurídica e financeira dos
municípios em relação à União e aos estados inviabiliza, em muitos casos, a implementação
efetiva das políticas públicas de âmbito local (GRIN & ABRÚCIO, 2019). Além disso, a concepção
de que a escala mais apropriada para a gestão dos recursos hídricos é a bacia hidrográfica, -
quase uma unanimidade na área especializada e no senso comum -, se reflete na Política
Nacional de Recursos Hídricos (ABERS & JORGE, 2005; PORTO & PORTO, 2008; ANA, 2017).
Portanto, apesar de boa parte das questões hídricas, relacionadas aos processos de urbanização,
acontecerem no âmbito loca

RESULTADOS E DISCUSSÃO

CONCLUSÃO

AGRADECIMENTOS

REFERÊNCIAS
ANA. Agência Nacional De Águas. Base de Dados Hidrológicos. Disponível em:
<http://www.snirh.gov.br/hidroweb/>. Acesso em: 20 de maio de 2023.

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ANA. Agência Nacional De Águas. Conjuntura dos Recursos Hídricos do Brasil: Regiões
hidrográficas brasileiras - Edição Especial. Brasília: ANA, 2015. Disponível em:
<http://www.snirh.gov.br/portal/snirh/centrais-de-conteudos/conjuntura-dos-recursos-hidricos/
regioeshidrograficas2014.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2023.

JACCON, G.; CUDO, K.J. (1989). Curva-chave: analise e traçado. Brasília, DNAEE, 1989.

SEMA (2019). Plano Estadual de Recurso Hídricos do Amazonas - PERH/AM - Relatório de


Consolidação do PERH/AM - Revisão 01. Governo do Estado do Amazonas. Disponível em:
<https://meioambiente.am.gov.br/wp-content/uploads/2016/04/Produto-IV-Consolida
%C3%A7%C3%A3o-do-PERH-AM.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2023.

SEMA (2019). Gestão de Recursos Hídricos no Amazonas - Relatório 2019. Governo do Estado do
Amazonas. Disponível em:
<https://meioambiente.am.gov.br/wp-content/uploads/2018/03/RELATORIO-DE-GEST
%C3%83O-Recusros-h%C3%ADdricos-sema-2019.pdf>. Acesso em: 04 jun. 2023.

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