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de Pesquisadores
do PPGAartes
UERJ
Cont
ingên
cia
2017
Cont
ingên
cia
Anais do 6 0 Seminário
de Pesquisadores do PPGAr tes
UER J
5 A 6 DE JULHO 2017
CENTRO CULTURAL DA UER J - DECULT
RUA SÃO FRANCISCO XAVIER, 524
MARACANÃ - RIO DE JANEIRO
2 CONTINGÊNCIA 3
SUMÁRIO
Apresentação 08
Grupos de Trabalho
Berlinda A 10
Berlinda B 16
Vestígio A 24
Vestígio B + C 30
Vontade A 35
Vontade B 41
Participantes Convergência
Agrippina Cândido Viegas Pequeno 47
Corpos em TRANSito: Corpos transvestigeneres e o espaço público
Alice da Palma 53
Carne. Imagem, desejo e Encarnação em Fra Angelico
Ana Alves 59
Rastros paleopoéticos: toda caverna tem uma saída ou é prisão
Ana Elisa Lidizia 64
Carta ao leitor. Por uma crítica de arte epistolar
Bernardo Wagner Marques Baptista 68
Rabeca: o artefato musical como escrita etnográfica
Cristiane de Souza 74
Sobre o Vestido Branco - Encontros
Douglas Zimmermann de Oliveira 78
Potências imperceptíveis como procedimento criativo
Gilberto Hora e Daniele Gomes 83
Performance Presente - Transformando ações cotidianas em arte política
Istefânia Marcarini Rubino 88
A Visceralidade na Obra de Anna Bella Geiger (1965-1969)
Lara (Larissa) Silva 92
Recolho História de Mulheres - Mapeando memórias de “continuum lesbiano”
CATALOGAÇÃO NA FONTE Leonardo Antan 98
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC Reis e Pinto - As linguagens marginais dos desfiles das escolas de samba em 1980
UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC
Leonardo Perdigão Leite 103
Outros olhares, outros trajetos: arte no cotidiano citadino
S472 Seminário de Pesquisadores do PPGAartes UERJ (6. : 2017 : Rio Lucas Sargentelli 106
de Janeiro)
Deriva de um diagrama (Aldeia Maracanã, UERJ e Metrô-Mangueira)
Contigência : Anais do 6º Seminário de Pesquisadores do
PPGAartes UERJ / 6º Seminário de Pesquisadores do
Patrícia Amorim da Silva 112
PPGAartes UERJ; Ana Emília Silva ... [et al.], organizadores. - Ficção e realidade na construção de identidades de gênero na fotografia digital de retratos
Rio de Janeiro : UERJ, DECULT, 2018. Pedro Ambrosoli 117
148 p. Cores proibidas sobre corpos de carne
Pedro de Souza Fonseca 122
ISBN 978-85-85954-78-9 A subjetividade poeta. Por novos modos artísticos de atravessar a rotina
Seminário realizado de 5 a 6 de julho 2017 Centro Cultural da Rafael Amorim 127
UERJ.
Breves apontamentos sobre as relações afetivas com nossos espaços cotidianos
1. Arte e educação - Congressos. I. Silva, Ana Emília. René Gaertner 132
II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Departamento Audioguias e Lista de insanos. Como engolir o mar com uma enciclopédia
Cultural. III. Título. Thábata Castro Roberto 137
CDU 7:37(063) Odoyá! Um presente de cor à cidade
Victor Hugo de Oliveira Pinto 142
A arte como vontade/potencialidade da percepção/transformação na realidade.
Bibliotecária: Leila Andrade CRB7/4016
Bibliotecária: Leila Andrade CRB7/4016 Espaços e fissuras na criação estética como bricolagem/criação da realidade
Escolhemos um abrigo para experi- ameaçada, abandonada pelas finanças Está escrito assim no pé da cruz, ali no jardim.
rielle Franco. Hoje nos atravessa a morte bissexual, militante, de esquerda, é exe- olhos fechados.
de Marielle; à ocasião do Contingência e cutada a tiros no meio da rua, como um Pra ser vulto
o vento leva
ainda agora, um cenário crise, precarie- recado simbólico, nos faz vislumbrar tre-
o vento pesa o vulto
dade e crueldade frente a instituições, vas mais profundas. Porém, assim como Subiu aos céus
trabalhadores e estudantes do Estado. nossas vozes na polifonia contingente, Lançou-se ao mar.
“Crise no Estado, estado de crise. Crise que vibravam nos corpos emissores de
no Estado, estado de crise. Crise no Es- som e em todos os outros, que nos fa- Exercício de quedas no escuro.
Transmutar o luto em luta, isso sim.
tado, estado de crise.”, escrevia então. ziam mover pelo espaço e encontrarmos Respeitar a(s) memória(s).
“Um corpo em crise produz a crise pra uns aos outros, a vida de Marielle - e não Vestígio na luta não é o que sobra e fim.
É ir além do próprio
sair do lugar. Um estado em crise pro- a morte - nos faz manter o pulso, a voz
Vestígio.
duz a crise pra manter um lugar. O que vibrando, a escuta ativa do outro, o en-
atravessam os corpos em crise para que contro dos corpos. Nos faz ver a noite no 1 Luciana Grizoti. Artista visual e artista educa- duada em Terapia Através do Movimento pela
a crise se mantenha no estado? Primeiro que ela tem de múltiplo e potente: as vo- dora, bacharel e mestranda pelo Programa de Faculdade Angel Vianna.
Pós-graduação em Artes/UERJ, sob orientação da
como farsa, depois como tragédia.” Esse zes juntas, sem distinção dos contornos, Profª Drª Leila Danziger. 4 Violeta Pavão. trabalha seu corpo buscando
a construção de imagens que causem ruído nos
texto, repetido por mim como mantra que a olhos nus parecem dissolver-se, 2 Andrea Pech. Artista, performer, educadora e espaços e afetos. Mestre em Artes Visuais (UERJ),
enquanto caminhávamos, juntos, no mas para aqueles que enxergam além designer. Mestranda no Programa de Pós-gradu- investiga criações estéticas através de oficinas
ação em Artes/UERJ. Possui especialização em corporais, dança, desenho, escritas e escutas.
escuro, numa sala fechada, em alternân- do óbvio, permite que sigamos moven- Ensino da Arte pela UERJ e graduação em design
pela ESDI-UERJ. 5. Frase construída em coletivo por todos os par-
cia de ritmos e volumes, hoje reverbera do juntos, apesar do apagar das luzes. ticipantes do grupo de trabalho a partir de pa-
em tom de luto. “O que vai ser da gente Escrito por Violeta Pavão em 06 de ju- 3 Luana Fonseca. Artista, Arquiteta e Urbanista, lavras escritas individualmente, inspiradas pela
graduada pela Escola de Arquitetura e Urbanis- apresentação das pesquisas artísticas dos com-
durante a noite?”, dizia uma das vozes lho de 2017 e 24 de março de 2018: mo da UFF, mestre em artes pela UERJ, pós-gra- panheiros de imersão.
1 Eduardo Mariz, fotógrafo com ênfase de pro- UERJ, linha de pesquisa História e Crítica da Arte,
dução para artes visuais, desenvolve também orientação professora Sheila Cabo. Grupos de trabalho - vontade a
trabalhos em performance, vídeo e escultura.
Orientado por Roberto Corrêa dos Santos, cursa 2 De acordo com os dados do Censo Escolar
doutorado em artes na UERJ, onde concluiu mes- divulgado no ano de 2017 com a chancela do
trado em 2013. Participa de exposições continua- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educa-
mente desde 1994 como curador ou artista. cionais Anísio Teixeira (INEP), entre 2010 e 2017
– período das gestões de Sérgio Cabral e Luiz
Fernando Pezão – foram fechadas pelo estado
2 Ellen Lima, Mestranda do PPGArtes UERJ, na 231 escolas públicas. Além disso, uma resolu-
linha de pesquisa História e Crítica da arte, sob ção da Secretaria de Estado de Educação (See-
orientação do professor Guilherme Bueno. Atua duc), publicada no diário oficial em 01/08/2017
como docente na rede pública Estadual e Muni- estabelece normas para a oferta de Educação
cipal do Rio de Janeiro. Básica. A resolução, entre outras coisas, prevê o
encerramento de turnos e turmas sob o termo
3 Paula Trope, artista com atuação em Arte Con- “otimização”, que na prática, superlota turmas,
temporânea, desenvolvendo trabalho experi- deixa professores excedentes e fecha escolas
mental no campo da imagem técnica. Professora exatamente onde a presença do Estado se faz
de Artes e Fotografia. Doutoranda do PPGArtes mais importante.
Sobre Vontade
Vestígio, Berlinda, Vontade… DES- cada uma das palavras nesse diagrama
MONTE … Marginal, memória, símbo- atualiza também imagens, desejos e
lo, fóssil, beira … GOLPE… realidade, ações presentes no cotidiano dos estu-
narrativa, embate, tensão… RISCO… dantes de Arte da UERJ. Ora definem,
CAÔ… COMOÇÃO… RUA. ora margeiam reflexões. Vontade foi a
Essas palavras compuseram o dia- palavra norteadora das nossas trocas
grama usado como parte da convo- durante os dois dias que compuseram o
catória do Contingência. Não neces- Contingência. Desejosa por atualidade,
sariamente em ordem, as palavras “Vontade” dialoga com um contexto es-
emergiram como sugestões investiga- pecífico, arrasta a cadência ritmada das
tivas para os grupos de trabalho desse palavras que deram início a esse texto e
encontro. Berlinda, Vontade e Vestígio diz sobre uma conjuntura pela qual não
ganharam centralidade e deram ori- podemos deixar de passar. Retomemos
gem a laboratórios teórico-práticos, es- ao sujeito que conjuga nossa verborra-
paços em que os pesquisadores partici- gia, a UERJ.
pantes experimentaram coletivamente Por consequência de uma política
proposições criadas a partir do inte- antidemocrática, vivemos na Universi-
resse em comum. Ocorre afirmar que dade do Estado do Rio de Janeiro um
1 Ana Emília C. Silva é crítica e pesquisadora de dução: Renato Rezende. São Paulo: Conrad Editora
artes visuais, cursa doutorado no PPGARTES/ do Brasil, 2004.
UERJ na linha de pesquisa Crítica e História da HUIZINGA, Johan. Homo Ludens.(1938) Trad.
Arte sob a orientação da Prof. Dra Sheila Cabo João Paulo Monteiro. São Paulo: Editora Pers-
Geraldo. pectiva, 2000.
2 Rafael Adorján é artista visual e cursou mes- ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: Trans-
trado no mesmo programa, na linha Processos formações Contemporâneas do Desejo. Porto
Artísticos Contemporâneos sob a orientação de Alegre: Sulina; Editora da UFRGS, 2007.
Regina de Paula.
SCHILLER, Friedrich. A Educação Estética do
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Homem(1791). Trad. SCHWARZ, Roberto e SÜS-
SEKING, Pedro. Schiller e os gregos. In: Kriterion,
BEY, Hakim. Zona Autônoma Temporária. (2001).Tra- Vol. 46, no 112, Belo Horizonte, 2005
Débora Seger 1
Gabriela Caspary2
Ao todo, foram organizados seis loop) para trabalhar a sonoridade tradi- 2 Gabriela Caspary é bacharel em História da 3 Agamben, Giorgio. Profanações. São Paulo:
grupos de trabalho divididos por três cional contemporaneamente. Arte pelo Instituto de Artes da UERJ e mes- Boitempo, 2007, p. 49.
Nos anos 70, o artista contemporâneo de “mise en abyme”, com uma imagem
Carlos Vergara fotografa cenas do carna- dentro da outra. O corpo, a palavra e o es-
val carioca como objeto de sua pesquisa pectador: imagens de um “poder” que se
visual. “Poder” é o título da obra que faz apropria dos corpos no mesmo instante
parte da série “Bloco de Carnaval Cacique em que estes se apropriam dele. Aqui, o
de Ramos”. A natureza alegórica dessa “poder” é o verbo que nomeia os corpos,
imagem pode ser comparada a uma ação ou seja, a própria expressão de uma força
que resgata do esquecimento algo que que se volta para fora. A equação é literal,
ameaça desaparecer, fazendo sobreviver o corpo é igual ao “poder”, antes mesmo
o “poder” como uma presença em po- de qualquer ideia de representação. Na
Policiais militares usam escudos para se proteger das pedras atiradas por
manifestantes no Centro do Rio de Janeiro (18/junho/2013). tencial que, por sua vez, gera um efeito fotografia de Vergara, o “poder” encarna
Figura 02 Figura 03
Estrutura interna da rabeca de cabaça. Moura, 2017 Artefato musical de madeira
Conceitos de Di Freitas. e aço. Autores: Bernardo Marques, Cleiton
do Prado e Francisco de Freitas (Difreitas)
1 Docente de Arte .Licenciado pela Escola de Be- no filme HO, do cineasta Ivan Cardoso. De todo
las Artes(EBA/UFRJ,2013). modo, suas propostas artísticas buscam ma-
neiras de incoporar e fazer com que o público
2 Doutoranda em Educação (PPGE-UFRJ).Ensaia interaja com suas obras, como é o caso de seus
a docência desde que se graduou em Filosofia “Parangolés”, que se propunha a “incorporar a re-
(IFCS-UFRJ) volta” (JACQUES, 2001).
3 Esse enunciado de Hélio Oiticica foi proferido
“CONTINUUM LESBIANO” as narrativas como forma de resiliência tivas, constituindo uma cartografia das
em torno das memórias e esquecimen- ações de continuum lesbiano.
tos engendrados nas sociabilidades e
(VESTÍGIO A) constituição dessas sujeitas historica- o termo continuum lesbiano inclui
mente silenciadas e subalternizadas, uma gama de experiências identificadas
com mulheres – na vida de cada mulher
por serem mulheres.
e ao longo da história – não simples-
LARA (LARISSA) SILVA 1 A construção da obra é parte de pes- mente pelo fato de que uma mulher
quisa em andamento que toma como tenha tido ou desejado conscientemen-
mote revisão bibliográfica, relato de te uma experiência sexual genital com
outra mulher. Se o ampliamos até incluir
experiências e coleta de narrativas re-
muitas outras formas de intensidade
alizadas por mim, pretendendo visibili- primária entre duas ou mais mulheres,
zar práticas e modos de ação política e incluindo o compartilhamento de uma
cultural. Essas experiências priorizam o vida mais profunda e rica, a união soli-
Resumo: Por compreender a construção da dária contra a tirania masculina, dando
percepção do mundo e das existências se cons- registro e difusão da trajetória de mu- e recebendo apoio prático e político(...)
tituindo num quadro de pensamentos e ações lheres em escala de construção de sub- (RICH, 1986. P.67)
ordenados em categorias, imagens e represen- jetividades, procurando dar centralida-
tações sociais – estas legitimando lugares, pa-
de aos pontos de toque e conexão entre Instrumentalizando, postulados e
péis e atividades na criação e instituição do que
considera-se padrão e real –, a importância da as sujeitas que vão se constituindo. teorias já produzidas por autoras les-
lesbianidade para análise da memória traz motes Ao potencializar os relatos como ma- bianas nos servem como objeto de re-
de resistências e resiliências contidas no amor e triz de investigação da representação,
fortalecimento das relações entre mulheres. flexão e consequente consolidação de imagem 1
trabalhamos em função da emergência possível reordenamento simbólico das
ação “recolho histórias de
Palavras-chave: lesbianidade; mulheres; memó- mulheres”, 2017.
da ruptura com a heteronormatividade visibilidades, trazendo nas memórias
ria. Fotografia: Emmanuele Russel.
imagem 2:
grafittis de Lara,MaiDu e J-LO Borges
em Irajá, 2018.
1 Mestranda em Imagem e Cultura no PP- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Fotografia: JLo Borges
GAV/UFRJ, orientanda de Profª Drª Cláudia
Oliveira; Licencianda em Artes Visuais na DIDI HUBERMAN, Georges. Diante da imagem.
UERJ e Licenciada em Geografia pela Facul- São Paulo: Editora 34, 2014.
dade de Formação de Professores da UERJ. LORDE, Audre. “Las herramientas del amo nunca
Lésbica e feminista, poeta e artista em for- desarmarán la casa del amo”. In: MORAGA; Cher-
mação. ríe & CASTILLO; Ana (orgs). Esta puente, mi espal-
da. San Francisco: Ed. ISM Press, 1988, p 89-93.
100 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ CONTINGÊNCIA 101
mente para influenciar um fechamento A vitória de “Liberdade! Liberdade! O presente texto parte da ideia de que
de ouro dos anos 80, o desfile “Ratos e Abra as asas sobre nós” nesse mesmo a realidade é performada e/ou encenada
Urubus larguem minha fantasia”, pre- ano, contando a história oficial, mar- conforme os textos de Law e Mol (1995) e
sente num grande imaginário popu- caria a soberania dos estilos luxuosos de Law e Urry (2005). Por esse viés, a rea-
lar, traria características bebidas na sobre as estéticas marginais e políticas, lidade e a sociedade não são a priori, mas
fonte desses dois carnavalescos por fazendo-as se extinguir completamen- OUTROS OLHARES, são moldados através de nossas práticas.
Joãosinho Trinta. te no decorrer dos anos vindouros. OUTROS TRAJETOS: É lógico que existem estruturas que são
prévias a nossas existências individuais.
ARTE NO COTIDIANO CITADINO Porém, elas não podem ser entendidas
como formas transcendentes que com-
(BERLINDA A) põe um todo maior que as partes.
Os autores desenvolvem a questão da
política ontológica, ou seja, não há várias
perspectivas acerca de uma única e mes-
LEONARDO PERDIGÃO LEITE1
ma realidade, mas a encenação de múlti-
plas realidades. Esse movimento é obtido
1 Mestrando da UERJ em Arte, Cultura e Cogni- FERREIRA, Felipe. Escritos Carnavalescos. Rio de Ja- quando se troca da epistemologia para a
ção, orientando do Prof. Dr. Felipe Ferreira. É gra- neiro: Aeroplano, 2012.
duado em História da Arte pela mesma institui- ontologia. “Esse é um deslocamento que
Resumo: A presente proposta passa pela assun-
ção. Atua no site Carnavalize e no universo das FOUCAULT, Michel. O que é um autor?. In: ______. nos move de um único mundo para a
ção de que existem caminhos invisíveis pelas
escolas de samba. Além de ser curador indepen- Ditos e escritos III: Estética: literatura e pintura, músi-
dente dos “Dia de Glória”. ca e cinema. Rio de Janeiro: Forense, 2011. cidades, ou seja, que há trajetos não mapeados ideia de que o mundo é multiplamente
pelas instâncias reguladoras - sejam elas o Esta- produzido na diversidade dos contextos
GUIMARÃES, Helenise Monteiro. Carnavalesco, o do, os gestores e administradores das cidades ou
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS profissional que “faz escola” no carnaval carioca. outras que tentam normalizar as ações citadinas.
sociais e relações materiais. A implicação
AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boi- Dissertação de mestrado apresentada à Escola de é que não há um único mundo” (LAW e
Desta forma, podemos compreender o grafite
-tempo, 2007. Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro. Rio de Janeiro, UFRJ, 1992.
e a pixação como práticas que performam um URRY, 2005, p.397, tradução nossa).
COELHO, Frederico. Eu, brasileiro, confesso minha movimento ora de marginalidade ora como mo-
Mol (2008) desenvolve em artigo al-
culpa e meu pecado: cultura marginal no Brasil das PEREIRA, Bárbara. Estrela que me faz sonhar: Histó- vimento artístico, quando em espaços expositi-
décadas de 1960 e 1970. Rio de Janeiro: Civilização rias da Mocidade. Rio de Janeiro: Verso Brasil Editora, vos, museus ou galerias, ou espaços autorizados. gumas ideias e várias perguntas sobre a
Brasileira, 2010. 2013. Podemos pensar que nas práticas ilegais desses política ontológica. Uma das considera-
RAMÍREZ, Mari Carmen. Táticas para viver da adver- movimentos - cabe salientar que o grafite já gal- ções feitas é de que se deve falar em on-
DUNN, Christopher. Brutalidade Jardim. A Tropicá-
lia e o surgimento da contra-cultura brasileira. São sidade: O conceitualismo na América Latina. Arte & ga junto à mídia e ao senso comum um status
Ensaios. Revista do Programa de Pós-Graduação em
tologias, no plural, pois a realidade passa
Paulo: Editora Unesp, 2008. de arte enquanto a pixação ainda é relegada a
Artes Visuais EBA, Rio de Janeiro, n.15, 2007. sujeira e vandalismo - existem outras versões, a ser entendida como algo produzido,
FABATO, Fábio; SIMAS, Luiz Antônio. Pra tudo se co-
SCOVINO, Felipe. Táticas, posições e invenções: outras visões de mundo, outras histórias e outras localizada histórica, cultural e material-
meçar na quinta-feira – o enredo dos enredos. Rio
dispositivos para um circuito da ironia na arte con- memórias que não são vistas nos circuitos oficiais mente, e por isso, múltipla.
de Janeiro: Editora Mórula, 2015.
temporânea brasileira. Tese de doutorado apresen- das cidades.
FAVARETTO, Celso. Tropicália, Alegoria, Alegria. São tada à Escola de Belas Artes da Universidade Federal
A autora ainda destaca que o termo
Paulo: Ateliê Editorial, 2007. do Rio de Janeiro, 2007. Palavras-Chave: Cidade; Grafite; Pixação de referência da política ontológica é o
102 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ CONTINGÊNCIA 103
de performance. Soma-se a esse ter- protesto; como formas artísticas; como Não é minha intenção de romantizar to dentro da legalidade como o antídoto
mo a ideia de versões. Diz Mol: “Em vez forma de rememorar e homenagear os o grafite e a pixação como manifesta- da pixação, praga que deve ser combati-
de atributos ou aspectos, são diferentes mortos; dentre outras. ções artísticas essencialmente marginais da e erradicada da cidade ideal.
versões do objecto, versões que os instru- Também é possível observar, como e transgressoras, mas de dizer que elas Algumas questões que permeiam
mentos ajudam a performar [enact]. São nos casos do Museu de Favela (MUF) e podem servir a variados usos. No Rio de o trabalho são: como fazer com que
objetos diferentes, embora relacionados na proliferação de galerias em favelas Janeiro, temos como exemplo o uso dos esses outros olhares e circuitos sejam
entre si. São formas múltiplas da realida- cariocas, como a Galeria Providência grafites na revitalização da Praça Mauá mapeados e explorados sem recorrer
de — da realidade em si” (MOL, 2008, p.6, e a Galeria Babilônia que o grafite é para as Olímpiadas e a formação de um à institucionalização? Como manter a
grifos da autora). utilizado como uma forma de contar polo turístico pensado e fomentado pela multiplicidade e a singularidade dessas
Desta forma a política ontológica é histórias de outras maneiras. O MUF, Prefeitura da cidade. Neste sentido, os manifestações? Como abrir espaço para
um museu de percurso localizado nos murais são protegidos, financiados e a proliferação de diversas expressões de
um termo composto. Refere-se a morros do Cantagalo e Pavão-Pavãozi- divulgados à exaustão por redes televi- diferente cunho político, ideológico, ar-
ontologia — que na linguagem filosófica nho, faz uso dos grafites como forma sivas propagando a ideia de que o grafi- tístico, marginal?
comum define o que pertence ao real, as de narrar e de rememorar a história te muralista, normalmente ligado a uma Não há de minha parte uma resposta
condições de possibilidade com que vi-
dos moradores das favelas. Os murais estética realista é arte e que a pixação, fechada para cada uma das perguntas,
vemos. A combinação dos termos “onto-
logia” e “política” sugere-nos que as con- foram feitos com a curadoria de Carlos seu “primo feio” é crime e deve ser de- mas uma multiplicidade de cenários nos
dições de possibilidade não são dadas Acme e foram pintados por diversos sencorajada. Portanto, há uma campa- quais o grafite e a pixação se performam
à partida. Que a realidade não precede
grafiteiros como Kajaman e Eco. nha midiática que incentiva o grafite fei- de diferentes maneiras.
as práticas banais nas quais interagimos
com ela, antes sendo modelada por es- Desta forma, o MUF constrói narrati-
sas práticas. O termo política, portanto, vas que diferem das histórias e memórias
permite sublinhar este modo activo, oficiais e podem ser relacionadas àqui-
este processo de modelação, bem como
lo que Pollak (1989) chama de memó-
seu carácter aberto e contestado (MOL,
2008, p.2, grifos da autora). rias subterrâneas, ou seja, de memórias
contestatórias, alternativas às narrativas
estabelecidas pelos poderes instituídos. 1 Bacharel em Museologia, licenciado em Peda- and sociality. The Sociological Review, 43: 274-294,
Dessa forma, procuramos entender gogia, mestre e doutorando em Psicologia Social 1995.
Diz o autor, na UERJ. Faz parte da linha de pesquisa História,
as manifestações do grafite e da pixa- Imaginário Social e Cultura e é orientado pelo LAW, John; URRY, John. Enacting the social. Eco-
ção2 como práticas que não são apri- A fronteira entre o dizível e o indizí- professor titular Dr. Ronald Arendt. Integra o gru- nomy and Society, nº 33, 390-410, 2005.
vel, o confessável e o inconfessável, se- po de pesquisa Entre-Redes.
sionadas em categorias estanques, mas MOL, A. (2008). Política ontológica: algumas ideias e
para, em nossos exemplos, uma memó-
que se performam de diferentes manei- 2 Optei pela grafia da palavra com X como é co- várias perguntas. IN: J. Arriscado Nunes, & R. Roque
ria coletiva subterrânea da sociedade mumente escrita pelos pixadores e não com CH
ras em diferentes contextos. Ao longo civil dominada ou de grupos específicos, (Eds.), Objectos impuros: experiências em estudos
como no dicionário.
de uma memória coletiva organizada sociais da ciência (Biblioteca das ciências). Porto: Edi-
do último ano de pesquisas no douto- ções Afrontamento.
que resume a imagem que uma socie-
rado foi possível ver que há utilizações dade majoritária ou o Estado desejam
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio.
do grafite e da pixação como formas de passar e impor. (POLLAK, 1989, p. 8) LAW, John; MOL, Annemarie. Notes on materiality Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989.
104 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ CONTINGÊNCIA 105
Em 2014, participei da mostra co- Essa pergunta foi um disparador para tras narrativas – insurgentes contra as vio-
letiva de graduação no bacharelado trocas que abordaram sensações plás- lências do Estado-empresa – precisavam
em Artes do IARTES-UERJ com uma ticas e estéticas naquele momento de ser construídas. Desde então, continuei
série de ações, a partir de um dia- urgência política, momento em que ou- acompanhando as mudanças no entorno.
grama, pelo entorno do campus da
UERJ. O diagrama (imagem 1) suge-
ria os limites de uma área a ser visi-
tada (em uma caminhada guiada por
mim) entre a universidade e dois vi-
zinhos, a Aldeia Maracanã e a favela
Metrô-Mangueira. A área havia sido
DERIVA DE UM DIAGRAMA escolhida pela gravidade do que pas-
(ALDEIA MARACANÃ, UERJ E sava ali, tendo em vista o seu papel
METRÔ -MANGUEIRA emblemático das muitas remoções
na cidade do Rio durante os prepa-
rativos para megaeventos esportivos
(BERLINDA B que transformaram a cidade entre
2012 e 2016. Naquela semana a Me-
trô-Mangueira passava por mais uma
LUCAS SARGENTELLI1 série de intervenções policiais e re-
moções forçadas, continuação das
violentas expropriações de diversos
Resumo: Com esse breve relato, busco narrar
grupos de moradores em anos ante-
como se deu o meu contato com a retomada da
Aldeia Maracanã, contando como se deu esse riores. Em março de 2013, a totalida-
contato com a resistência e as minhas atividades de de moradores na Aldeia também
de militância nos últimos meses, pois se deram a havia sido removida. Com o nome Instrução para
partir da minha prática artística. Tive, até agora, a uma dúvida,
oportunidade de propor algumas vivências com que dei à proposta, ‘Instrução para 2014.
moradores e frequentadores da Aldeia. Entre elas uma dúvida’, também quis evocar o Galeria Gustavo
Schnoor
um exercício de mapeamento coletivo das rela- desafio de experimentar a espaciali- Coart / UERJ
ções entre Aldeia, UERJ e Mangueira, que gerou
zação daquele estado de coisas, mas, Foto: Beto Pêgo
diversos cadernos de nota. Compartilho aqui al-
gumas dessas notas. sobretudo, fazer circular a pergunta
durante a caminhada e em conver-
Palavras-chave: pesquisa-ação; resistência; Al-
deia Maracanã; diagrama; caminhar sas posteriores: ‘cabe a dúvida aqui?’
106 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ CONTINGÊNCIA 107
Outra ação, em 2015, foi uma segun- proposta, que chamei de ‘Como dita o Aldeia Maracanã da vida, naquele movimento. O contato
da versão da caminhada guiada2 . Pro- figurino’, foi a de frustrar a festividade com integrantes da resistência me fez
pondo uma apropriação do imaginário sugerida no convite e pela semana de Em abril de 2017, li uma matéria de compreender, por exemplo, que o terre-
do carnaval, convidei pessoas a virem carnaval. Como em um cortejo fúne- jornal4 sobre a retomada da aldeia no ano no e o prédio abandonado pelo Estado
fantasiadas e trazerem instrumentos bre, naquele dia chuvoso de fevereiro, anterior por um grupo indígena dissiden-
por décadas não são apenas uma heran-
musicais para realizar o percurso entre realizamos o percurso carregando ins- te que havia optado por não negociar
ça histórica (o prédio onde funcionava o
os três locais. Os convites foram feitos trumentos sem poder tocá-los. Com o com o Estado. Eles recusaram a ‘propos-
Museu do Índio foi construído pelo Du-
por email, através de cartazes coloridos ta’ governamental do realocamento da
projeto, quis investigar os efeitos de que de Saxe em 1862 e doado em 1910
aldeia para um terreno em Jacarepaguá
no espaço expositivo e na noite da aber- criar um evento falido como memória ao Serviço de Proteção aos Índios, órgão
ou mover-se para apartamentos do pro-
tura da mostra3 . Guiei a caminhada ves- de um evento traumático para a cidade. estatal comandado pelo Marechal Ron-
grama ‘Minha Casa, Minha Vida’. Fiquei
tido do personagem “Amigo da Onça”. A (imagem 2). don, quando de sua criação, em 19105 ;
sabendo depois que uma liminar na jus-
em 1953, Darcy Ribeiro criou ali o primei-
tiça garante hoje o uso do terreno pelos
ro Museu do Índio do Brasil).
indígenas, como ‘manejo parcial de terra’.
A Aldeia Maracanã é principalmente
Visitei a Aldeia Maracanã pouco tem-
um espaço espiritual e político de reto-
po depois, e, desde então, sigo acompa-
mada das práticas de povos originários,
nhando e colaborando com integrantes
massacrados por mais de cinco séculos
da retomada. Esse encontro resultou da
de colonialismo. O que está em ques-
minha pesquisa artística, mas vem se
desdobrando na militância política e essa tão ali são, principalmente, os modos
relação segue se atualizando. O processo singulares indígenas de habitar, hoje,
inclui revezamentos, desvios, e, claro, dú- aquele território e de como esses mo-
vidas. Passei a visitar a aldeia com certa dos produzem saberes e espaços para
frequência (procuro estar lá uma vez por acolhida de ‘parentes’ de todo o Brasil,
semana), e, aos poucos, laços afetivos es- tornando a Aldeia uma embaixada dos
tão se fortalecendo. Seja para ajudar nos indígenas e povos tradicionais na cida-
mutirões, levar provisões ou participar de. E aquele não é qualquer território.
dos eventos públicos como mostras de O território conhecido como Maracanã
filmes, oficinas, discussões; seja para pro- (ou Maraká’nà), na cidade do Rio de
por dinâmicas com integrantes e colabo- Janeiro, era utilizado como reserva de
radores, que se constituíram como expe- manejo ecológico durante o período
rimentação plástica ou estética. pré-colonial. A denominação do espaço
Como dita o figurino, 2015. Aos poucos, vou aprendendo com a (com referência a seu passado ances-
Foto: Pedro Victor Brandão insistência, característica tão marcante tral, imemorial, indígena) como Mara-
108 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ CONTINGÊNCIA 109
canã ‘nos remete a seu sentido como da relação Aldeia + Mangueira + UERJ Com esse breve relato, busquei nar- plantas medicinais cortadas
território sagrado dos Povos Tupi, como toda uma ecologia de saberes, trocas e rar como se deu o meu contato com a jogos no Maracanã – MEDO
ação do Estado – Remoção
bem-comum imaterial, como territoriali- apoio afetivo entre esses lugares e seus retomada da Aldeia Maracanã. Contando
desmatamento
dade indígena6’. atores. Essa rede se nota na participação como esse contato com a resistência e as dificuldade na luta – falta de estrutura
A resistência da Aldeia constitui, assim, dos indígenas em movimentos de apoio minhas atividades de militância com eles momento atual – recuperação, replantio
um movimento que toma por princípio a à UERJ; na presença constante de profes- nos últimos meses, se deram a partir da união das lutas: negros e indígenas
sua relação com a territorialidade, seu sig- antes da UERJ – favela do Esqueleto
sores, alunos e funcionários da UERJ na minha prática artística. Tive até agora a
espiritualidade, ancestralidade
nificado histórico ancestral e social atual, aldeia; de ações comunitárias importantes oportunidade de propor algumas vivên- resistência na UERJ
como base de sua atuação política. Pela de décadas na Mangueira, que seguem se cias com moradores e frequentadores ocupa Bandejão
força de sua luta, a aldeia recebeu apoio renovando, por funcionários da UERJ; de da Aldeia. Entre elas, um exercício de Bruno Alves – estudante morto por falta de
de diversos grupos minoritários e movi- moradores (especialmente crianças) da mapeamento coletivo das relações entre assistência pelo Estado
Bruno vive
mentos sociais. Desde a primeira entra- Mangueira que frequentemente visitam a Aldeia, UERJ e Mangueira, que gerou di-
estudantes na luta
da no prédio abandonado em 2006, por Aldeia; e muito mais. versos cadernos de nota7 . Compartilho peixinhos na UERJ na resistência
reiteradas vezes os indígenas voltaram a Atualmente, as atividades na Aldeia aqui algumas dessas notas: A UERJ É UM CEMITÉRIO INDÍGENA’
‘aldeiar’ aquele espaço, e em 2013 se tor- são voltadas para o fortalecimento da rela-
naram símbolo das lutas contra as remo- ção com a terra, que inclui as necessidades
ções no Rio de Janeiro dos megaeventos. mais básicas como água, luz, construção
As marchas de junho de 2013 no Rio de de mais casas e o plantio, no sentido da
Janeiro tiveram na luta contra as arbitra- autonomia alimentar, principalmente. Ou- 1 Artista e pesquisador. Atualmente é mestrando -rio.shtml?cmpid=compfb Consultado em 1 de
da linha de Linguagens Visuais no PPGAV/UFRJ. março de 2018.
riedades cometidas na Aldeia um de seus tro desejo entre os integrantes é o do au- Orientação de Felipe Scovino; Coorientação de
Ricardo Basbaum. 5 Wikipédia, consultado em 1 de março de 2018.
principais disparadores. No cenário atual, mento da população indígena habitando
2 No contexto da mostra Abre-Alas, na Galeria A 6 Trecho do texto de apresentação do 1º Con-
do golpe de Estado institucionalizado e o território. Apoiadores e colaboradores gresso Intercultural de Resistência dos Povos In-
Gentil Carioca.
do desgaste com a crise política, a Aldeia são também convidados a aprofundar sua dígenas e Tradicionais do Maraká’nà – COIREM,
3 As filipetas distribuídas durante a abertura da realizado em 2014.
Maracanã conquistou uma vitória parcial relação com a cultura indígena através da mostra na galeria diziam: ‘Você está preparado
para encarar o espaço de maneira inovadora? Para 7 Realizado em outubro de 2017. Convidei pessoas
por entre as brechas do poder. atuação junto ao movimento. O principal atuantes nos três locais a uma experimentação com
lembrar como é navegar pela esquina da sua casa
É marcante que, visto o risco de des- projeto da Aldeia, hoje, é a Universidade como um astronauta? Reinterpretando os seus o percurso das caminhadas anteriores, a partir da
próprios sonhos? Gostaria de construir um cartaz proposta de uma atividade. No jogo-exercício que
monte de instituições públicas como a Indígena – que, enquanto aldeia-univer- eu trouxe, alguns participantes narram, ao vivo,
mental coletivo? Com fantasias invisíveis e ins-
UERJ, integrantes da Aldeia estejam dire- sidade, visa aliar os princípios de manejo trumentos musicais imaginários? Para tudo isso e sem parar, sua experiência do percurso e outros
muito mais, nos encontre dia 28 (sábado) de feve- pensamentos que lhes ocorra; outros participantes
tamente envolvidos em atividades várias comunitário e vivência do território com reiro às 16:30h, na entrada da antiga localização da tomam o máximo de notas possível da narração
contínua dos primeiros em blocos de notas. Realiza-
por lá. Destaco o curso ‘Língua e cultura o ensino e valorização dos saberes dos po- Aldeia Maracanã - Avenida Radial Oeste, no mes-
ram o percurso conosco, 7.principalmente, pessoas
mo quarteirão do estádio do Maracanã.’
Tupi-guarani’ dado por Urutau Guajajara, vos indígenas e tradicionais –, segue sendo da aldeia, o que já mostra outra forma de ativar rela-
4 http://www1.folha.uol.com.br/cotidia- ções no diagrama inicial. O exercício se conectou, de
às quintas-feiras, e a venda de artesana- discutida em encontros abertos na Aldeia no/2017/04/1879927-indios-retomam-aldeia- forma não esperada por mim, com a narrativa oral e
to, às terças-feiras. Existe desde o início (geralmente aos sábados). -maracana-estopim-de-protestos-de-2013-no- práticas de caminhada na cultura indígena.
110 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ CONTINGÊNCIA 111
A vontade de pesquisar este assunto e local específicos. Essa mudança nega ao to, um instrumento de dominação. A foto-
veio de várias possibilidades criativas ofe- corpo seu caráter universal e, como tal, ele grafia foi um meio para classificar, identi-
recidas pela questão de gênero relaciona- pode ser percebido ou avaliado de forma ficar, analisar o ser humano e através dele
da à manipulação de imagens pela foto- subjetiva (de acordo com a percepção da corrigi-lo e controlá-lo (esse poder exer-
grafia digital e softwares de computador. pessoa, seu passado). A representação do cido por instituições públicas como esco-
A capacidade dos seres humanos de cons- corpo é um canal para observar os com- las, prisões, etc.). Assim, algumas pessoas
truir um alter ego à medida que os escri- portamentos que refletem as relações em eram elegíveis para viver na sociedade e
tores criam seus personagens, como dar uma sociedade, de um determinado mo- outras não.
Ficção e realidade vida e identidade a personagens que exis- mento e lugar. Além de estar mais aber- No século XIX, com o período de colo-
na construção de identidades tiam apenas na imaginação e como isso tamente presente, a imagem da figura nização maciça, a fotografia foi utilizada
de gênero afetou a forma como a Fotografia passou humana pode informar sobre construções como ferramenta para literalizar estereó-
a ser recebida pelo público. Como mudou como poder, ideologia e política. tipos e para exercer o controle simbólico
na fotografia digital a relação que as pessoas tinham anterior- De acordo com Michel Foucault (1926- sobre os corpos dos outros sob a forma
de retratos mente com a imagem, o relacionamento 1984), a visão do corpo humano como de seus substitutos fotográficos, a foto-
com a mídia e a tecnologia e, finalmente, a somente uma entidade física surgiu no sé- grafia desempenhou um papel central na
construção da identidade. culo XVIII com a influência do Iluminismo formação do colonialismo. Não estava so-
(VONTADE A)
De acordo com a filósofa búlgaro-fran- (Foucault, 1975). O ser humano não era zinho nesse processo (os assuntos “orien-
cesa Julia Kristeva, a identidade, construí- mais a articulação da entidade espiritual e talistas” na pintura romântica também
da sobre a representação do corpo, é me- física. A fotografia também foi fundamen- foram estereotipados). Mas, ao contrário
PATRICIA AMORIM DA SILVA1 diada pelas relações sociais. Isso significa tal para isso, pois parece funcionar como de imagens tão obviamente artesanais
que nossa identidade expressa é quando a visão humana para oferecer um conhe- como pinturas e impressões, as fotogra-
confrontada com a identidade de outros cimento mecanicamente empírico, exata- fias desmentiam
Resumo: O objetivo e o tema da pesquisa é de- povos, como as diferenças entre si são evi- mente o que o Iluminismo propôs. Esse O surgimento da fotografia digital veio
senvolver uma discussão que explore como a denciadas (KRISTEVA, 1984). filósofo francês afirma que a disciplina em 1960, com a necessidade da NASA1
manipulação fotográfica do corpo humano afeta Desde o período renascentista até dos indivíduos é possível de ser executada para mapear a superfície da Lua e enviar
a maneira como se percebe a pessoa retratada.
Este assunto descobre relevância social con-
agora, o corpo humano foi compreendido através de um dispositivo onde as técnicas imagens para a Terra. A solução para isso
temporânea, pois a prática da manipulação de a partir de um ponto de vista externo; nós que nos permitem ver, induzir os efeitos era usar os avanços na tecnologia da in-
imagem tornou-se um lugar comum dentro do construímos nossa imagem corporal atra- do poder e os meios de coerção tornam- formação. Assim, a NASA passou de usar
consumo moderno de imagens. A partir dessa
vés do olhar de outra pessoa não através -se claramente visíveis sobre aqueles que sinais analógicos para sinais digitais com
observação, argumenta- se que, onde quer que
a realidade modelada é consumida como o re- da nossa. Ao longo da história, o corpo hu- o aplicam (Foucault, 1975, p. 196). A câ- suas sondas espaciais para mapear o es-
gistro da realidade, ipso facto, é também sujeito mano foi representado em uma variedade mera tornou-se um instrumento de poder paço. Em meados da década de 1970, a
à modelação de maior compreensão mundana. de formas diferentes. Essa alteração ocor- que poderia ser usado no controle da vida Kodak criou o sensor de imagens utilizado
Palavras-chave: Arte; Fotografia; Digital; Mani- re no corpo de acordo com o ambiente das pessoas. Representou um exemplo de em câmeras digitais. Consiste em uma pe-
pulação; Identidade. físico, refletindo a cultura de algum tempo progresso industrial e científico e, portan- quena placa que converte luz em imagens
112 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ CONTINGÊNCIA 113
digitais. A Kodak criou a primeira câmera matizada, o que permite que o produto grafia digital e manipulação, confundem ções sobre a imagem motivam a mudan-
digital profissional em 1991 (Nikon F-3) resultante desse processo não seja neces- fatos e ficção (o acontecimento de um ça social, pois o cidadão comum não está
com sensor de 1,3 megapixels ( capaz de sariamente uma imagem fixada em um momento misturado com a criação do em plena disposição para distinguir se a
gravar 1,3 milhões de pixels que pode- papel, mas agora não precisa ir além das autor) com nova curiosidade, pelo qual fotografia digital foi manipulada ou não.
riam produzir uma impressão digital de informações binárias armazenadas pelo a imagem fotográfica não se afirma mais Tudo devido à impossibilidade de retratar
qualidade fotográfica de 5x7 polegadas). computador. Embora a fotografia digital como a representação da realidade. a realidade, porque a fotografia não pre-
Desde então, a tecnologia digital desen- possa ser impressa, o formato binário o A fotografia digital está cada vez mais serva mais um momento, mas o altera ou
volveu-se cada vez mais rápida. A expan- torna ideal para a Internet através de blo- relacionada com questões diárias, como o cria. A fotografia digital de publicidade
são das tecnologias digitalizadas e outros gs, sites e e-mails. É mais rápido e mais a perda de individualidade, a reprodu- e/ou arte representa o mundo simboli-
mercados de mídia e multimídia perme- barato. Isso leva ao futuro da fotografia. tibilidade de objetos e o acesso indis- camente, pois não há imagem que não
aram a acessibilidade de pessoas, profis- A manipulação aconteceu desde o criminado a informações resultantes da seja manipulada se considerarmos que a
sionais ou não, de tais equipamentos. O início da fotografia. Era chamada de re- globalização e, especialmente, a perda fotografia funciona do ponto de vista de
sensor da câmera em trabalhos digitais toque e feita com um pincel adicionando gradual de identidade nas atividades de outra pessoa. Como qualquer outra arte,
atua da mesma forma que o filme no cores à fotografia. Mesmo assim, apesar rotina, como ir ao banco, dirigir, andar na a fotografia não é imparcial. A manipula-
analógico. É sensível à luz, mas com a di- dessa manipulação, a fotografia não per- rua sem perceber o espaço por onde se ção de imagens tornou-se uma expressão
ferença de que não tem grãos, mas pixels deu sua credibilidade como indiciológica. passa e nem as pessoas ao redor, levando gráfica deixada pelos artistas em sua fo-
e, tecnicamente, quanto mais mega pixels No entanto, o desenvolvimento tecnoló- as pessoas a refletirem sobre sua indivi- tografia e transformou o corpo humano
possui, melhor a qualidade de imagem. gico da fotografia que lhe permite, como dualidade em oposição à sociedade. O por diferentes perspectivas, há uma obje-
As obras de arte atuais, produzidas meio, expressar ideias, começou no final choque entre subjetividade e identidade. tivação desse corpo como resultado das
usando tecnologias multimídia, são cada do século XIX. Além das questões éticas, devemos levar várias manipulações exercidas sobre ele.
vez mais dinâmicas. No caso da fotogra- A diferença hoje em dia é que a mani- em consideração princípios e valores cul- O problema da fotografia digital atu-
fia, a imagem está se tornando difícil de pulação digital no computador fica mais turais que mudam ao longo do tempo almente é como ela alcança as pessoas
analisar devido a sua contemporaneidade fácil e acessível a todos. A diferença en- e do lugar. Ainda temos que aprender a instantanea e abundantemente, já que as
(a tecnologia da evolução da fotografia tre os dois processos é que quase tudo diferenciar o gosto da ética; as coisas não pessoas prestam cada vez menos atenção
é tão rápida que difícil refletir sobre seu o que é feito com o equipamento analó- podem ser consideradas não éticas ape- para lê-la. As pessoas se esqueceram de
uso). O fotógrafo não quer colocar marcas gico fica mais rápido com o digital. Esse nas porque não gostamos delas. A cultura olhar para o mundo e quando vêem em
de tempo na imagem, mas sim deseja se processo de manipulação está cada vez afeta muito o gosto. Quem define os limi- isso sem o aparelho fotográfico se sen-
eternizar através da sua criação, a aspira- mais transparente, pois há uma escala- tes da manipulação? tem perdidas, porque sentem vontade de
ção de recriar o mundo a cada momento. ção em diferentes pontos de interferên- A manipulação de imagens na fo- registrar tudo ao seu redor, elas também
Usar a fotografia para criar uma ilusão cia ou aprimoramento de imagens. Essas tografia digital tanto na arte como nos se acostumaram a olhar através de uma
tornou-se muito mais atraente do que oportunidades crescentes permitem meios de comunicação sempre gera janela, da câmera. Ao contrário da escrita,
documentar o mundo lá fora. A fotografia que a imagem capturada transforme o discussões. Esses podem abordar uma que requer entender regras de gramáti-
digital difere da analógica em seu proces- ordinário em algo incomum. A transpa- variedade de questões sobre a vida, a ca, para fotografar basta simplesmente
so, já que não é mais química, mas infor- rência, agora oferecida através da foto- cultura, a sociedade, etc. Essas manipula- pressionar um botão. O fotógrafo ama-
114 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ CONTINGÊNCIA 115
dor acredita que a fotografia se resume a Eles estão mais interessados em nos fa- A convivência de movimentos de corpos
esse gesto automático, pois ela contem- zer sentir do que ver as coisas como elas no interior de páginas com palavras es-
poraneamente não pretende mostrar a realmente são. critas pode ser um contrassenso. Porém,
realidade, mas construir significados di- A fotografia digital veio superar os o evento estudado aqui conduz a esse
ferentes. Os fotógrafos não querem ficar limites previamente estabelecidos como encontro, pois há uma fisicalidade lite-
na superfície da imagem, mas explorar meio de comunicação e criar novas for- rária aliada aos dois seres humanos e de
um mundo metafórico de significados. mas de composição. uma galinha que compõe as camadas da
escritura corporal Kinjiki, a primeira expe-
rimentação coreográfica do butō do artista
japonês Hijikata Tatsumi (1928-1986). Es-
CORES PROIBIDAS SOBRE ses processos ressoam corpos que vivem,
andam e dançam fora das normas estabe-
CORPOS DE CARNE lecidas, criando coreografias particulares.
As ligações de Hijikata com as palavras
(VESTÍGIO A) escritas eram profundas, segundo Mark
Holborn, “Hijikata literalmente escrevia
dança; Ele ficava surpreso com as simila-
PEDRO AMBROSOLI 1 ridades entre o processo criativos dos es-
1 Artista visual e educadora na Escola Concept. FLUSSER, Vilém. (2002). A Filosofia da Caixa Preta: critores e os seus” (HOLBORN, 1987, p.13).
Bacharel em Artes Visuais pelo Centro Universi- Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio
tário Belas Artes de São Paulo. Mestre em Artes de Janeiro: Relume Dumará. Ele criava atravessado pela devoração de
pela Northampton’s School of Arts. Trabalho de
pesquisa sobre a prática fotográfica aplicada à HARRISON, Charles; WOOD, Paul J. (2003). Art in livros de diversas naturezas, sua escrita era
facticidade do retrato humano sob a orientação Theory 1900 – 2000: An Anthology of Changing polimórfica com tênues distinções entre
do Prof.º Dr. Staff Craig. Ideas. 3rd edition United Kingdom: Blackwell
Publishing.
palavras e imagens. Com suas vinculações
Resumo: Em 1959, a obra Kinjiki (Cores Proibi- entre literatura e artes visuais, Hijikata
Referências bibliográficas JEUDY, Henri-Pierre. (2002). O corpo como objeto da
das) de Hijikata Tatsumi (1928-1986) apresen-
arte. São Paulo: Estação Liberdade. construiu corpos de imagens de carne.
BARTHES, Roland. (1984). A Barthes Reader. Canada: tou seu butō junto com a participação de Ōno
Susan Sontag. KRISTEVA, Julia. (1984). Revolution in poetic Yoshito e uma galinha viva. A proposta deste Kinjiki aconteceu em 1959 no Dai-is-
language. Trans Margaret Walker. New York: estudo é escrever junto aos movimentos deste chi Seimai Hall em Tōkyō em um evento
EWING, William A; Hayward Gallery. (2004). About Columbia University Press. ato e compor possíveis corpos que estavam nes- organizado pela Associação Japonesa de
face: photography and the death of the portrait.
London: Hayward Gallery. LE BRETON, David. (2003). Adeus ao corpo: ses momentos através de alguns dos vestígios
deles e influências como as fotografias feitas por
Dança, ele escolheu Ōno Yoshito para lhe
Antropologia e Sociedade. São Paulo: Papirus.
FIGUEIREDO, Lucy. (2007). Imagens polifônicas: Shashinkan Kurokawa; os escritos do próprio acompanhar. Houve pouca documentação
corpo e fotografia. São Paulo: Annablume. O’REILLY, Sally. (2009). The Body in Contemporary
artista na época; textos de Mishima Yukio, Jean da performance, só sobrevivendo duas fo-
Art. London: Thames & Hudson Ltd.
FOUCAULT, Michel. (1975). Docile bodies. In: Genet e Georges Bataille.
________. Discipline and Punish: The Birth of the PULTZ, John. (1995). Photography and the body. tografias feitas por Shashinkan Kurokawa,
Prison. France: Gallimard. London: Everyman Art Library. Palavras-chave: butō; corpo; escrita; coreografia. outras onze em ensaios posteriores no es-
116 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ CONTINGÊNCIA 117
túdio de Tsuda Nobutoshi por Otsuji Seiji O nome da performance é o mesmo biotexto, uma escritura em ações, um re- dutiva. Eu sou capaz de dizer que minha
do livro homônimo de Mishima Yukio dança compartilha uma base comum
e alguns depoimentos como o de Yoshito lato vivido pela carne. Pouco depois de
com os crimes, a homossexualidade
e o do crítico Nario Gôda. É verdade que (1925-1970), publicado em 1951. A tra- Kinjiki, ele escreveu o texto Para a prisão masculina, as orgias, os ritos porque são
desde sempre as imagens se desvanecem dução comum ocidental para Kinjiki é (1961) em que relata a influência e seu comportamentos que explicitamente
tanto quanto uma pedra vira pó, mas é “Cores proibidas”, mas a pesquisadora convívio com alcoólatras, drogados, gays ostentam seus despropósitos na face de
Katja Centonze aponta “Prazeres proibi- uma sociedade orientada para a produ-
possível vê-las através das sombras. e criminosos que lhe acompanham des-
tividade. Nesse sentido, minha dança é
Sob a penumbra, os dois artistas se dos” como possível tradução, destacando de a infância em Tōhoku até chegar em baseada na ativação humana, incluindo
moveram descalços, com silêncio ao o cunho marginal dos desejos envolvidos Tōkyō, em 1952, quando conseguiu pe- a homossexualidade masculina, o crime
nela. Apesar da trama do romance de quenos trabalhos diurnos que não eram e uma batalha ingênua contra a nature-
fundo, interrompido por gravações de za primitiva, se constitui naturalmente
Mishima ser uma concepção temporal suficientes para viver e seguir suas aulas
gemidos, respirações pesadas e músicas como uma revolta contra a “alienação do
linear, há referências a figuras informes de dança. Para se sustentar, ele recorreu à trabalho” na sociedade capitalista. Essa
tocadas com gaita por Shûgo Yasuda. Ini-
que Hijikata buscava. Também, muitos venda de sucatas e roubos. Esse ambien- também é, provavelmente, a razão pela
cia-se com a perseguição de Yoshito por
dos acontecimentos mais relevantes su- qual expressamente me aproximei dos
te lhe propiciou viver um ambiente sexu-
Hijikata, seguida do encontro dos dois criminosos.
cedem na noite como na performance e almente aberto. O texto de 1961 aponta
quando Hijikata empurra uma galinha Existem alguns pontos comuns na
ambos artistas sumariamente exploram traços importantes dessas experiências: taciturnidade dos criminosos, e há er-
para o outro que a sufoca entre as pernas.
os extremos do corpo humano, apresen- ros esmagadores que se estendem di-
Ōno dispôs a galinha no chão e Hijikata retamente. Sou sempre arrastado pelas
tando materiais considerados abjetos De repente, um corpo nu entrou no
se aproximou dele, os dois rolaram ao pernas que nunca levaram as políticas
como homossexualidade e morte. porto das armas. O corpo nu está san-
redor entrelaçados no chão, sugerindo como cúmplices para passear. Jovens
grando. Em meio a uma continuidade
A narrativa se passa em Tōkyō tam- que perseguem muito além da suspeita
sodomia que não se tem conhecimento semelhante à raiva, eu faço reparos para
bém, um pouco depois da Segunda da medicina interna e faca cirúrgica, que
braços e pernas que constantemente se
de concretização. As luzes foram abaixa- a civilização de hoje dispensa sobre eles.
Guerra Mundial. Os protagonistas são desviam de um corpo orgânico individu-
das e o palco mergulhou na escuridão, Aposto numa realidade de vitalidade
um escritor idoso renomado, Shunsuke al. Esquecendo a origem das pernas e até
absurda que purgou o eco da lógica do
deixando o público seguir a ação esprei- mesmo das armas. Eu sou uma oficina;
e Yuichi, um jovem empresário. Os dois meu corpo e sonho com o dia em que
minha profissão é o empreendimento
tando pelo breu e ouvindo os sons dos caminham na descoberta de suas sexu- sou enviado para a prisão com eles. Na
da reabilitação humana, que hoje existe
dois rolando e lutando junto a gravações prisão, vou aprender a jogar futebol.
alidades por meio de um percurso de com o nome de dançarino.
Essas são as pernas dos criminosos que
de respirações tensas. Esse momento foi lugares fora do controle da sociedade Todas as forças morais civilizadas,
não tem necessidade de aprender se co-
registrado numa única fotografia de Ku- em colaboração com o sistema de eco-
heteronormativa onde crime e sexualida- nomia capitalista e suas instituições polí-
locar em tal lugar. Estou estudando este
rokawa em que há predominantemente de se misturam, são parques, banheiros ticas, excluem firmemente a carne como
tipo de “dança criminosa”. 2
preto com algumas zonas cinzas que são públicos, becos, saunas, boates e bares. objetivo, meio ou instrumento de prazer.
fragmentos dos corpos dos dois dançari- Misteriosos incêndios, verdadeiros so- Ainda mais, para uma sociedade orienta- Hijikata transformou estas vivências
da à produção, o uso da carne sem obje-
nos. Por fim, Hijikata grita “Je t’aime, Je pros da noite emanam dessas estâncias e marginais em matéria e intenção para
tivo, que eu chamo de dança, é um inimi-
t’aime” (“Eu te amo, Eu te amo” em fran- convidam a volúpia tomar controle. go mortal e um tabu. Isso porque minha suas obras assim como Jean Genet (1910-
cês) para Yoshito que bate seus pés com Já a escrita de Hijikata cria neologis- dança é uma operação para exibir a este- 1986), seu escritor favorito. Ele via a sexu-
rilidade absoluta contra a sociedade pro- alidade e a violência de Genet como por-
força contra o chão apavorado. mos muito pessoais e existe como um
118 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ CONTINGÊNCIA 119
tas para profundezas do corpo que lhes ao passo que o colocou como forma sim- dançar suas coreografias próprias, atra- irregulares, junto com morte e sexo, são
são apresentadas como zonas sombrias bólica e oferenda para o ato sexual que vi- vés de diversas experimentações e das as carnes e as cores da performance que
de criação nas quais eles tateiam outras ria a seguir. Para Georges Bataille, as expe- obras de outros artistas como Mishima, dança contra as coreografias instituídas e
possíveis concepções de corpo, locomo- riências místicas e eróticas estão entre as Genet e Bataille. Em Kinjiki, esses corpos se presentifica em suas transgressões
ção e experiência. Dez anos de caminha- mais intensas e as que provocam maior
das marginais de Genet pela Europa fo- unificação do corpo por intensificarem as
ram recolhidos no seu biotexto Diário de relações pulsantes entre desejo e morte,
um ladrão (1949), em que relata seus pas- estes eram considerados como funda-
sos silenciosos que espreitam e aspiram mentais na vida interior do corpo e para
a invisibilidade em sua criminalidade que sua consciência de si, mesmo que numa
está em Kinjiki também, são movimentos experiência de crise.
acompanhados dos seus próprios sons O autor francês foi lido por Hijikata
que Genet descreve: e influenciou suas concepções de corpo
e carne. Sobre isso, ele escreveu: “O que
Caminhada na ponta dos pés, o o ato de amor e o sacrifício revelam é a
silêncio, a visibilidade que precisamos carne. (...). A carne é em nós esse excesso
mesmo em plena luz do dia, as mãos que
que se opõe à lei da decência. A carne é
tateiam organizando na sombra gestos
de uma complicação, de uma precaução o inimigo nato daqueles a quem obseda
insólita - girar a simples maçaneta de o interdito cristão, mas se, como creio,
uma porta exige uma multidão de mo- existe um interdito vago e global que se
vimentos de que cada um tem o brilho
opõe (...) à liberdade sexual, a carne é a
de uma faceta de joia (...) a prudência, a
voz sussurrada , o ouvido atento, a pre- expressão de um retorno dessa liberdade
sença invisível e nervosa do cúmplice e a ameaçadora” (BATAILLE, 2013, p.116). 1 Mestrando em História da Arte pela Alma Ma- HOLBORN, Mark. Dance of the Dark Soul. Nova York:
compreensão do menor sinal dele, tudo Hijikata investigava essas vivências ter Studiorum – Università di Bologna, Itália. Atua Sadev/Aperture Foundation, 1987.
nos firma em nós mesmos, nos confirma, também como curador e artista interdisciplinar.
faz de nós uma bola de presença que a
libertadoras, mas não foi qualquer corpo CENTONZE, Katja. Encounters between Media and
2 Esta tradução foi feita pelo autor com trechos
palavra de Guy descreve tão bem: que ele filosofou, ele escolheu o dos do- já traduzidos por Éden Peretta e Christine Grei- Body Technologies. Mishima Yukio, Hijikata Tatsumi,
-A gente se sente viver. (GENET, 1983, p.29) ner da versão em inglês To prison, publicada na and Hosoe Eikō. In: B. Geilhorn, E. Grossman, Miura
entes, criminosos, crianças, deficientes, revista The drama review, ver as referências bi- H. and P. Eckersall (org.). Enacting Culture-Japanese
prisioneiros, prostitutas, homossexuais, bliográficas. Theater in Historical and Modern Contexts. Mün-
Estas práticas são a construção de vida transexuais que não eram apenas margi- chen: Iudicium, 2012.
em ato com a ativação da consciência do nalizados e proibidos na época, mas es- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PERETTA, Éden. O soldado nu: raízes da dança bu-
corpo em suas minúcias. Essas experimen- tão em posição subalterna há muito mais BATAILLE, Georges. O erotismo. Belo Horizonte: Atu- toh. São Paulo: Perspectiva, 2015.
tações são ampliadas em ações como o tempo. Hijikata tentou compreender os têntica Editora, 2013.
TATSUMI, Hijikata. To prison. In: In: TDR: The Drama
estrangulamento da galinha pelo qual Hi- mecanismos corporais que esses corpos GENET, Jean. Diário de um ladrão. Rio de Janeiro: Review, Volume 44, Number 1 (T 165), Spring 2000,
jikata quebrou a temporalidade de Kinjiki possuem para existir, para andar e para Nova Fronteira, 1983. p.43-28.
120 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ CONTINGÊNCIA 121
Estesícoro, um relegado pensador lheres aparecem, as mulheres são de Entrei em contato com as reflexões li-
formosos joelhos ou olhar. Poseidon tem
grego nascido em 650 A.C. e atuante no terárias de Anne Carson e os fragmentos
sempre as sobrancelhas azuis de Posei-
intervalo entre Homero e Gertrude Stein, don. O riso dos deuses é insaciável. Os de obras de Estesícoro, por ela recupe-
um período difícil para um poeta (CAR- joelhos humanos são ágeis. O mar é in- rados, quase um ano após as considera-
SON, 2017, p.9), foi ignorado pela História cansável. A morte é má. Os fígados dos ções e sugestões que ofereci em formato
cobardes são brancos. Os epítetos de
por muito de sua obra ter sido recupera- de apresentação ao Contingência 2017.
Homero são uma dicção fixa com a qual
da em precários fragmentos e, de resto, ele liga cada substância do mundo ao Sei, também, que a desconstrução que
ter se perdido descuidada, infelizmente.
A SUBJETIVIDADE POETA Me deparei com sua práxis em análises
seu atributo mais adequado, deixando-
-os prontos para o consumo épico. (CAR-
o pensador produziu na linguagem e
na forma de escrita daquela época nada
POR NOVOS MODOS ARTÍSTICOS da escritora e tradutora canadense Anne SON, 2017, p.10)
tem de relação à temporalidade do ago-
DE ATRAVESSAR A ROTINA Carson em “Autobiografia do Vermelho”,
Em oposição à fixidez da adjetivação ra, que já nasceu sob essas possibilidades
livro publicado em 1998. Um longo pre- infinitas de caracterizar aquilo que no-
homérica, Estesícoro “por uma qualquer
âmbulo, dividido em três partes, antecede meamos. Mas acredito que, ao trazer a
(VESTÍGIO A +B) razão que ninguém consegue nomear”
o romance de Carson, que é inteiro escrito noção de “subjetividade poeta” presente
(idem. p. 11), fazia uso dos adjetivos de
em versos; em um dos pontos dessa vas-
maneira não-ortodoxa, sobretudo para a em minha fala e minhas investigações,
ta introdução vestigial, Carson recupera
época. Os antigos como Estesícoro e Ho- anseava por esse “desaferrolhamento do
PEDRO DE SOUZA FONSECA 1 e traduz alguns fragmentos de Estesícoro
mundo” que Estesícoro foi capaz de pro-
mero ainda estavam povoando o mundo
acerca do mito de Gerião, um dos mons-
de ideias, ainda procuravam descobrir as mover através de suas razões que não
tros derrotados por Héracles em seus
coisas, dar nome às coisas. Mas Estesíco- conseguiam dar conta de nomear. Anse-
Doze Trabalhos.
ro, ainda assim, procurou forçar as bor- ava por essas formas de libertar os seres e
Carson, ao nos esclarecer os motivos
das, alargando-as; ou, como bem coloca as coisas seja através de um modo de ver
de centrar-se no mistério do esquecido
Carson, “Estesícoro começou a soltar os ou agir. À época, tal conceito da subjeti-
Estesícoro e sua produção tão incompleta
ferrolhos”, “Estesícoro soltava o ser” (idem) vidade poeta caiu como uma luva no que
diz que, na Grécia antiga, sobretudo nas
e então “Todas as substâncias do mundo dizia respeito à aproximação da arte com
tradições dos textos épicos de Homero,
começavam a flutuar. De repente, não se a resistência cotidiana que propus, e ago-
Resumo: Partindo do conceito de “subjetividade os adjetivos atuavam enquanto “ferrolhos”
poeta”, sugerido por Rosane Preciosa em “Rumo- do ser. A metáfora do ferrolho diz respeito podia dizer nada sobre cavalos terem cas- ra procuro complementar esse conceito
res discretos da subjetividade” (2010), procuro
a seres e coisas – substantivos – estáveis, cos ocos. Ou de um rio ser prateado na raiz. com outras vozes.
uma ponte entre a vida e os mundos da arte, em
imóveis, cujas características e virtudes Ou de uma criança ser imaculada. Ou de o De acordo com uma ideia postulada
que a arte se insere no cotidiano e passa a habi-
tar não somente os espaços institucionalizados, deveriam ser rápida e claramente identifi- inferno ser tão fundo quanto o sol é alto. Ou por Rosane Preciosa em “Rumores discre-
como também nossas estratégias rotineiras no cadas: então os adjetivos os envelopavam. de Héracles ser forte no infortúnio. Ou de tos da subjetividade”, temos que a sub-
encontro com um mundo linha-dura que nos um planeta estar preso a meio da noite. Ou jetividade poeta “se expõe ao mundo e
tem exigido leveza e criatividade.
Quando Homero menciona o san- de um insone estar fora da alegria. Ou de aguenta o tranco. Não se protege de suas
Palavras-chave: Arte; Subjetividade; Cotidiano. gue, o sangue é negro. Quando as mu- assassínios serem negro creme.” (ibidem) ininteligibilidades, nem fica abismado
122 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ CONTINGÊNCIA 123
diante de seus inúmeros paradoxos. Vai é possível astutamente desviar toda Em analogia, percebo as adjetivações que vem sofrendo com a crise da imagina-
misturando todos os ingredientes que re- a operação não-artística para longe de de Estesícoro muito próximas à intencio- ção de seus governantes, cujos horizontes
onde as artes costumeiramente se con-
colhe em seu desitinerário a céu aberto e nalidade de Kaprow e suas atividades. Am- lucrativos de expectativa não condizem
gregam, tornando-se, por exemplo, um
os devolve constelação de inventos” (PRE- contador, um ecologista, um dublê, um bos esmiuçam e viram de cabeça pra baixo com a realidade de um povo que se assola
CIOSA, 2010, p.29). A autora ainda define político, um vagabundo de praia. Nes- aquilo que enxergamos e decodificamos cada vez mais. Versa sobre estarmos PRE-
ses diferentes ambientes, os vários tipos rapidamente. A metáfora dos ferrolhos
o poema como um “conteiner de aconte- SENTES, atentos aos muitos desmontes.
de artes discutidos operariam indireta-
cimentos” (idem), e acredito que podemos mente como um código guardado que,
soltos cabe bem à subjetividade poeta, Creio que a subjetividade poeta, em
estender o adjetivo desaferrolhado a todo em vez de programar um curso especí- aquela que não se esconde, que sugere e toda a concepção que aqui procurei evi-
o espaço produtivo da arte em si, local não fico de comportamento, facilitaria uma que, como o ferrolho, apenas destranca: a denciar, nos apresenta sugestões frutífe-
atitude de brincadeira deliberada em
somente de desconstrução, como de pro- porta continua lá, fechada. Nós escolhe- ras para os próximos passos. Ainda em se
relação a todas as atividades profissio-
dução de novas formas de enxergar a vida nalizantes bem além da arte. (KAPROW, mos abri-la e enfrentar o fora, ou encarar tratando do encontro no Contingência,
e atravessarmos o cotidiano. 1971, p. 221) o destrancamento da oportunidade e per- sobre o qual este texto procurou refle-
Acredito que a arte poderia ser enxer- manecermos no dentro e na dúvida do tir, terminei minha apresentação com a
gada como nos coloca o artista perfor- Partindo, então, das premissas não- que está fora. proposta de “ir e voltar sobre si mesmo”,
mático Allan Kaprow, o qual uno às ideias -artísticas necessárias para produzir arte, Vivemos um período de desmonte(s), retirada de um poema curto de Gab Mar-
de Preciosa para sugerir um olhar atento Kaprow propunha, por exemplo, peque- de intervenções repreensivas, de extre- condes (2016, p.19). A instrução, seme-
à subjetividade poeta. Em 1971, Kaprow nos deslocamentos nas ações cotidia- ma reatividade por parte de uma parcela lhante às atividades de Kaprow, porque
escreveu “A educação do não-artista”, pro- nas: através de anotações de ordem que conservadora de habitantes do mundo exigem que nos debrucemos sobre uma
pondo que vislumbrássemos a arte sob chamava de “atividades”, o artista nos que trancam todas as portas, manipulam ação cujas respostas motoras ou intelec-
duas perspectivas: uma, a Arte com letra convidava a olhar atentamente (ou desa- todas as fechaduras para que jamais nos tuais não se dão diante de nossos olhos,
maiúscula, dizia respeito à toda forma de ferrolhadamente) para ações cotidianas. sintamos livres, em nem sequer considerar abrindo as portas destrancadas para o
Arte institucionalizada, elocubrada e res- Por exemplo, a oportunidade de encarar uma porta de- fora, para o movimento, para novas for-
paldada, absorvida tanto pelos museus, saferrolhada, pronta para ser aberta. A prá- mas de enxergar tanto a nós mesmos,
Hello/Goodbye (1978)
quanto pelos mercados galeristas. Em tica em arte contemporânea reflete sobre quanto a situação em que nos encontra-
A escreve Adeus e Olá
suma, a Arte que acontecia dentro de um uma certa “arte de viver”, em letra minús- mos, nossos arredores, os encontros com
em folhas
espaço propício a esta. Já a outra seria a entrega as folhas para B cula, estratégias de entradas e saídas para o mundo, enfim. Encontros que admitam
arte com inicial minúscula, referindo-se a B esperando em algum lugar períodos de crise. Crises financeiras, crises que não há lugar para a Lógica singular, e
uma visão expandida do que é que a arte lendo as palavras escritas por A estatais, crise no imaginário de um país sim lógicas plurais, novos modos de vida.
deveria representar em nossas vidas. A se aproxima de B
caminhando
A tal arte com letra minúscula era uma
diz Olá
espécie de “arte de viver”, que atravessa-
ou Adeus.
va a vida e que se ativava como estratégia (KAPROW apud NARDIM, 2011, p. 108)
1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação busca sugerir relações entre arte, vida e escrita,
em Artes, Cultura e Linguagens da UFJF, orien- analisando processos criativos e possíveis pontes
no cotidiano de quem fosse. De acordo tado pela profa. Dra. Rosane Preciosa Sequeira. entre teoria, ficção e as escritas de si.
com o artista, Escritor e desenhista, em seus ensaios e ensejos,
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS NARDIM. Thaise. As Atividades de Allan Kaprow: Testemunhar a banalidade dos dias
artes de agir, obras de viver. Disponível em <
é atentar-se ao que deixamos de lado
CARSON, Anne. Autobiografia do Vermelho. Lisboa: http://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaValise/article/
não (edições), 2017. view/19892 > Acesso em 14/03/2018, 17:00 quando imersos na rotina que nos condi-
ciona a um cotidiano de comportamen-
KAPROW, Allan. A educação do não-artista (I). MARCONDES, Gab. Mão Dupla. Rio de Janeiro: Lu-
naparque, 2016. (coleção megamíni) tos automatizados. O verbo testemunhar
1971. Disponível em <https://liviafloreslopes.
files.wordpress.com/2015/12/kaprow-allan- aqui nos acompanhará como um olhar
PRECIOSA, Rosane. Rumores discretos da subjetivi-
-a-educaccca7ao-do-nao-artista.pdf> Acesso dade – Sujeito e escritura em processo. Porto Ale- novamente para a banalidade, como pai-
14/03/2018, 17:00 gre: Sulina: Editora da UFRGS. 2010.
BREVES APONTAMENTOS sagens que se constroem e se destroem
nestes recortes temporais e que dificil-
SOBRE AS RELAÇÕES AFETIVAS mente aparecem nas cartografias usuais
COM NOSSOS de dispositivos mapeativos.
ESPAÇOS COTIDIANOS Essa relação sujeito/cidade, em que
há um eu testemunhando um outro, pa-
rece ter sofrido um afastamento das im-
(VESTÍGIO A) portâncias do dia a dia, como se não es-
tivéssemos continuamente agenciando
negociações com os espaços que habi-
RAFAEL AMORIM 1 tamos durante as vinte e quatro horas de
um único dia. Nos habituamos a tomar as
cidades como cenografia de uma rotina
produtivista, sendo necessário um desvio
para vislumbrá-la como campo de afetivi-
Resumo: Ensaio elaborado a partir de recentes
dades, poesia e práticas artísticas.
apontamentos sobre a construção de uma poé-
tica verbo/visual na arte contemporânea, em que Portanto, essa percepção sobre a banali-
o artista se vê interessado na interlocução entre a dade traz consigo ações silenciosas que de-
prática da escrita e o território urbano para a pro- pendem do ser, do estar. Uma vez habitando
dução de materiais que propiciem maiores proxi-
estes espaços, é preciso relacionar-se com
midades entre sujeitos e seus lugares de passa-
gens. Sobretudo, tem-se o intuito de propor uma eles, olhá-los duas vezes e enxergá-los com
sensibilização do olhar para com a possibilidade olhos de possibilidades. Tomemos consci-
de se enxergar as cidades como vasto campo de
ência dos microprocedimentos inerentes ao
experimentações poéticas em troca com aqueles
que as habitam. nosso existir: coisas as quais fazemos todos
os dias sem um intuito aparente. Desde a es-
Palavras-chave: escrita; cidades; arte contempo-
colha por um dos lados de uma calçada ou
rânea.
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por uma rua em detrimento da outra. d’água, estações e plataformas de trem, exercício poético sobre a construção ima- Há aqui um desejo de sobrevivência
Por exemplo: a memória associativa trilhos, pontos de ônibus, janelas, bicicle- gética da escrita meio ao banal. Trata-se do sensível. É possível pensar que esteja-
de pontos de referências para se chegar a tas, telhados, caixotes etc. de vestígios escritos alicerçados a demar- mos diante da busca do não apagamento
determinado lugar nos revela uma sensi- Assim, escolhemos o que enquadrar, cação de territórios sensibilizados por do mundo como o conhecemos. Já não
bilização sobre esses lugares, sobre nossa o que figurar e ao escolhermos, excluímos uma escrita afetiva, frequentemente com escrevemos cartas. Trata-se de um jogo
troca entre os habitarmos e sermos ha- o restante. Excluímos tudo o que está fora remetentes e destinatários ocultos. de deslocamentos: do papel para o muro,
bitados por eles. Diante desses procedi- de quadro. Figurar essas paisagens, en- As palavras são da ordem do cuidado da escrita para a cidade.
mentos, que nos passam despercebidos, tão, é ficcionalizar o banal. Figurar esses com o outro e, ao se escolher deslocá-las A percepção acerca da presença de
é que encontramos a possibilidade para espaços é abrir perspectivas para teste- do papel ou das telas de dispositivos ce- Paredes cartas surge como resposta ao
pensar a cidade como um outro, desmisti- munhá-los de maneiras diversas. lulares, deixando-as sobre um muro para não condicionamento perante a indi-
ficando sua imagem comumente atrelada Revelamos sobre nossos lugares ha- serem lidas no fluxo cotidiano das gran- ferença rotineira para com o território
a um monstro que nos engole. bituais (nossa rua, nosso bairro, nossa ci- des cidades, tem-se um gesto situado urbano, tal como resposta ao conserva-
Quando olhamos da janela para a dade) quando escrevemos a respeito da no campo dos microprocedimentos já dorismo na linguagem que visa excluir
rua (a nossa rua), a enxergamos como calçada em que caminhamos ou com re- citados anteriormente. Nesse gesto existe toda e qualquer prática marginal que
ela é, como a conhecemos. Apenas uma lação às características específicas de uma uma troca, embora imperceptível, capaz não esteja inserida nos hábitos de higie-
artéria – caso seja possível abrirmos esta avenida. Porém, os obscurecemos quando de ressignificar os espaços. nização das cidades e espetacularização
associação ao corpo humano, já que es- abrimos mão de tratarmos sobre o outro Elas, as escritas, nos chegam como rá- dos espaços por meio da ideia de um
tamos propondo reconhecê-la enquanto lado da calçada ou quando não escreve- pido vislumbre em nossos lugares de pas- progresso ao qual não interessa a singu-
um outro. Mas não a vemos por completo. mos sobre outros aspectos para eviden- sagem: às vezes, enquanto ainda nos en- laridade do sujeito.
contramos dentro do transporte coletivo, Encontrar Paredes cartas é ver o outro
Tudo o que está fora do alcance da visão ciarmos, por exemplo, seus transeuntes.
andando no ritmo acelerado do cotidiano resistir e reexistir em seus espaços diários,
também existe em experiência, através Ao escrevermos sobre essas banalida-
etc. Acontecem (pois são gestos) quando é também reconhecer coisas que vemos
de escalas múltiplas, do micro ao macro. des, estamos, de alguma forma, revelan-
não procuradas, assim como uma carta todos os dias, mesmo que não as procure-
São meios de existir, algumas vezes silen- do e obscurecendo a realidade, nos apro-
que demora a chegar: quando não esta- mos. É o reconhecimento de si mesmo na
ciosos e invisíveis. Portanto, o instante em ximando e afastando, habitando espaços
mos à sua espera, somos acometidos por coisa, a espera por alguém para decodi-
que enquadramos determinada paisa- inabitáveis, recortando-os, tomando-os
sua chegada. ficar a mensagem, ler a carta. Trata-se da
gem (com os olhos ou com a escrita) tor- para fazermos o que desejarmos com ele.
Podemos nos valer dessa afetividade comunhão entre o eu e o outro.
na-se um instante decisivo sobre o nada. Até aqui, podemos propor que o teste-
em direção a um destinatário (ou na bus- Ao acessarmos esta prática, acessa-
Olhar para este instante em que nada munho pela banalidade se dá a partir da
ca por um) para pensarmos na potência mos também o caráter de imediaticida-
e tudo acontece ao mesmo tempo é acei- comunhão com os espaços.
das marcas que as ruas e as cidades dei- de em sua comunicação, que não se trata
tar como experiência a figuração da ba- Nesse curso que seguimos, sobre re-
xam sobre seus remetentes, que também da mesma ordem da escrita publicitária
nalidade e de seus elementos habituais: cortes de elementos que compõem a
são cartógrafos circunscrevendo seus de outdoors, de placas e prospectos in-
de prédios, ruas, becos, viadutos, postes a banalidade, é onde situa-se a série de
próprios espaços, transmutando a si e a formativos que populam as cidades. A
buracos, bueiros, lixeiras, canteiros, poças fotografias intitulada Paredes cartas: um
seus cotidianos. imediaticidade dessas escritas tende a se
128 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ CONTINGÊNCIA 129
fazer sentir, agindo no inconsciente do pela forma como descrevemos para ter-
movimento cotidiano, para que, dessa ceiros ou através de qualquer que seja a
maneira, possa existir não apenas para linguagem preterida.
um destinatário. Testemunhar a banalidade é, então,
O encontro com as Paredes cartas além de reconhecer as paisagens cons-
irrompeu do desejo por construir ima- truídas pelo fluxo que tomamos, olhar
gens como parte de um todo, a pulsão mais atentamente para os vestígios de
por criar um recorte que naquele ins- uma existência em partilha com um outro
tante decisivo simbolize algo incapaz de que germina em trocas: um outro sujeito,
ser apreendido pelo aparato fotográfico, um outro cidade. Um outro que recorre
130 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ CONTINGÊNCIA 131
Audioguias e Lista de insanos (2010 e minou a população de hibridus azulis pressões do outro e do desconhecido. A
caranguejae em toda aquela região.
2012) são trabalhos que compõem parte estrutura enciclopédica do texto procura
Como resultado do massacre, criou-se
da minha pesquisa teórica e prática de uma mancha azul que se observa até evidenciar o status de legitimidade desse
mestrado. A pesquisa investiga dois mo- os dias de hoje no solo daquela região, tipo de discurso com o uso de um voca-
vimentos relacionados à figura enciclo- onde um dia habitaram os bravos Gue- bulário que se propõe científico e na uti-
renguês.(Trecho do Audioguia da cida-
pédica: o sentimento enciclopédico, que lização de um meio que se supõe neutro
de do Rio de Janeiro – Guerenguê, Vol.
passa pelo desejo de abarcamento do 1, 2012) – a voz de computador, dotada de certa
todo; e a natureza do discurso enciclopé- neutralidade e credibilidade –, porém,
AUDIOGUIAS E LISTA DE INSANOS dico, abordada através da desmontagem Audioguias – A história dos lugares é sarcástico em relação aos sistemas de or-
COMO ENGOLIR O MAR COM UMA e da crítica dos sistemas organizadores formando a partir da construção de uma ganização oficiais e institucionalizados,
ENCICLOPÉDIA do conhecimento. Ambos os trabalhos pequena enciclopédia da história dos lu- no momento em que se observa o caráter
são produzidos a partir da experiência gares no formato de áudio [o texto é lido satírico e paródico do texto.
de viver na cidade do Rio de Janeiro, no por uma voz feminina de computador], Se a ficção pode ser traduzida como
(BERLINDA A) embate e nos desdobramentos causados em que cada lugar dá origem a um ver- uma pluralidade dos pontos de vista,
por esse encontro que abarca todas as bete, no qual são descritos aspectos his- logo pode ser considerada um real sobre
suas contradições, histórias – visíveis e in- tóricos, etimológicos, geográficos, sociais o qual foi necessário fabular. Criar contra-
RENÉ GAERTNER1 visíveis – e sua paisagem urbana e huma- e culturais2. Essa construção surge a partir factuais para que nele se evidenciem ou-
na. Experimentar a cidade com o corpo [e das minhas imaginações e impressões re- tros protagonismos, outras histórias que
sua relação de tensão com a paisagem] e lacionadas aos lugares e seus nomes e se no futuro, talvez, se apresentem como
com a imaginação – no sentido de pen- desenvolve numa escrita que incorpora a uma possibilidade efetiva. Poderia ser,
sar os possíveis, as ficções que constroem apropriação de uma linguagem científica dessa forma, a ficção científica - aquela
Resumo: O texto faz um recorte da pesquisa de
mestrado da artista intitulada Como engolir o mar a sua imagem; mas também no sentido e uma estrutura enciclopédica, aliadas que projeta um futuro possível -, uma
com uma enciclopédia, trazendo um comentário de um pensar crítico que recolhe os frag- a uma narrativa fantástica em que são ficção de potência política, no sentido
dos trabalhos Audioguias – a história dos lugares e mentos do sensível e produz imagens postos em evidência dados e descrições amplo da palavra, que a todo tempo joga
Lista de insanos (o primeiro uma coletânea de ver-
que despertam o aspecto questionável absurdas. Na acomodação no mesmo com as ficções [construções] históricas.
betes sobre os lugares em formato de áudio e o
segundo uma série de desenhos de personagens [e por vezes risível] das narrativas oficial- plano entre linguagens aparentemen- Se os Audioguias são contaminados pelo
urbanos e um vídeo), que exploram questões em mente instituídas. te opostas, as narrativas dos Audioguias real [este atual em que vivemos] é por-
torno da crítica e desmontagem dos modelos de propõem um questionamento e uma que, dentre outros aspectos, este se apre-
organização do conhecimento. Convoca a ficção
(...) Em 1889, após a “Revolta dos desmontagem dos discursos históricos senta como irremediavelmente absurdo
como instrumento tanto de projeção dos possí-
Guerenguês”, que culminou na instaura- oficiais, do conhecimento instituído e das e inapreensível. Se a fala dos Audioguias
veis dentro de uma cidade– outras narrativas e
ção do Estado Guerenguelense da Gua-
outros protagonismos -, como de questionamen- fragilidades e limites dos conceitos [por muitas vezes se mostra precária – incor-
nabara, na atual Jacarépaguá, o governo
to dos discursos hegemônicos. porando também os erros de tradução da
do Rio decreta estado de calamidade exemplo, real e ficcional, ou verdade e
Palavras-chave: desmontagem, ficção, discurso, pública e realiza defensiva no conhecido mentira]; e por outro lado, colocam em máquina -, ela assume essa fragilidade,
cidade. “Massacre dos Guerenguês”, que exter- jogo como se dá a construção das im- que é também a fragilidade dos discursos
132 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ CONTINGÊNCIA 133
hegemônicos da história e dos processos montá-los. Desmontar os discursos que se Lista de insanos é uma série de dese- construção, num contraponto aos as-
de tradução do outro, do desconhecido. pretendem autoridade de uma história ou nhos de personagens construídos a partir pectos negativos que se relacionam com
Dentro do plano do desconhecido, de um povo – seja através do humor, da da minha vivência diária na cidade, no os sentimentos de repulsa e com a ideia
do não experimentado - o não saber -, apropriação dos dispositivos, ou por um caminhar pelas ruas e observar as pesso- de controle – no sentido de impedir que
proponho-me a descrever com a autori- deslizamento da linguagem -, questionar as e conviver com elas, mas também me esses animais proliferem ou sejam vistos
dade da personagem que incorporo, um o que constitui esse conhecer e falar sobre observar como habitante desse espaço e onde não são desejados. Os insetos tam-
lugar que não conheço, ser guia de um o estranho, o desconhecido, o outro. tentar entender como ele afeta a mim e as bém são ao mesmo tempo o estranho e
lugar que não conheço. Nesse sentido, É impossível nomear a cidade, ao pessoas que o habitam. Os desenhos par- o familiar; estranho no que concerne à
o próprio nome Audioguia é contraditó- mesmo tempo poder lhe ser dada todos tem de um interesse pelas formas e abor- diferença (eles parecem ser o grupo de
rio, guiar o quê e por onde? Os nomes os nomes. Marco Polo fez da sua cidade dagens dos desenhos científicos de inse- animais que mais diferenças comportam)
dos lugares oferecem a pista que traça o todas as cidades, e através desse movi- tos e também da minha prática de criação e à necessidade de mantê-los à distância
caminho do estranho e do desconheci- mento, inventariou todas as suas virtu- de personagens - embora frequentemen- aceitável; e familiar no sentido de que
do. Na tentativa de traduzir/ler o outro, des, suas comicidades, suas vergonhas e te misture nos desenhos morfologias es- compartilhamos com eles o espaço e no
a máquina fala com propriedade o texto brutalidades, evidenciando, assim, o ca- tranhas ao grupo dos insetos. Num de- sentido de sua função necessária dentro
que lhe foi delegado, porém, sem nunca ráter múltiplo e ao mesmo tempo único terminado aspecto, há uma referência à de um todo, função primordial no que diz
perder seu sotaque de origem. E então, que é vivenciar uma cidade singular que ciência e aos artistas viajantes, na prática respeito ao equilíbrio e manutenção da
quando o movimento de apropriação dos abarca, de diferentes maneiras, todas as dos naturalistas da coleta e catalogação própria vida. Somado a isso, penso que as
dispositivos e das linguagens se faz: des- outras. de espécies e na representação dos tipos questões como as relações de espaço – os
urbanos feitas pelos artistas viajantes no cantos, as esquinas e as bordas -, os cor-
Brasil do século XIX, mas essa referência se pos que habitam esses espaços, as ideias
dá mais numa crítica a essas práticas, uma de restos e de invisibilidade, também
vez que se observa nelas um viés científi- passam pelo processo de produção dos
co circundado pelo discurso institucional, desenhos e do vídeo Lista de insanos – a
Desenhos - série o qual tem como ponto norteador a bus- boca quase sempre consome (2017, 2’24’’)3
Lista de insanos, ca pelo sentido e pela verdade através da que é um prolongamento poético da sé-
nanquim sobre
representação; enquanto penso a repre- rie onde o que está em jogo, entre outras
papel (caderno,
14x21cm), sentação de personagens, também como coisas, é sobretudo o tempo em que es-
2016-2017. uma expressão do não saber, da tentativa ses personagens aparecem e desapare-
Fonte: acervo da
autora, 2017. de capturar algo que não é explicável em cem na tela, a forma como se duplicam
sentenças discursivas. ou multiplicam, os enquadramentos de
Desejo trazer a figura dos insetos, detalhes (fragmentos de objetos e cor-
sobretudo na sua forma de potência: de pos) e a trilha sonora que também traz a
levante coletivo, de metamorfose, de ideia de um tempo que se desenrola e é
resistência, de escape, de destruição e interrompido, num lugar que não temos
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certeza aonde fica, mas que nos é próxi- Trabalhar com fragmentos, com res- O culto de Iemanjá realizado à bei-
mo e familiar. ra do rio Ogum, em Abeocutá, na África,
tos, possibilita que tudo seja reordena-
transferiu-se no Brasil para o mar. No
A produção dos Audioguias e da Lis- do e que novas relações sejam eviden- continente de origem, o mar era o reino
ta de Insanos passa por um exercício de ciadas, possibilita a ressurgência das mítico de Olocum (literalmente, o Dono
criar ficções, um instrumento de resis- ou Dona do Mar, divindade considerada
coisas. Apesar da insistência de todos os
pai ou mãe de Iemanjá). Iemanjá perdeu
tência em amplo sentido. Criar ficções, sistemas ordenadores, da sua insuficiên- o rio Ogum e ganhou o mar. A nova geo-
remontar os fragmentos do real, cons- cia em dizer o mundo e das suas sutis grafia reorganizou o panteão; a nova cul-
truir lugares para suportar a ausência tura rearranjou os patronatos. (VALLA-
brutalidades. No meu trabalho, o resto
das imagens e a sua simultânea multipli- não é propriamente aquilo que se apre-
ODAYÁ! DO,2011,p.33)
cação infinita. Criar ficções para resistir à senta em sua materialidade, mas um UM PRESENTE DE COR Dentre os rituais que se mantiveram
brutalidade dos discursos de dominação motivo, o que me faz imaginar de onde À CIDADE no Brasil está o Presente à Iemanjá. Rea-
– e, quando possível, ironizá-los, expô- aquilo se desprendeu, o que de ausên- lizado anualmente, com a finalidade de
-los ao seu ridículo e ao seu absurdo -; cia ele carrega e no que pode se trans- renovar o axé, agradecer, homenagear e
operar na desmontagem e na desquali- formar, quais as potencialidades que (BERLINDA A) realizar novos pedidos, levando ao mar
ficação dos discursos e dos dispositivos ele traz. A montagem também é mais oferendas e objetos sagrados ao orixá. No
de poder. A ficção como um possível que um jogo de recolher esses fragmentos Rio de Janeiro, esse evento ocorre em cin-
constitui o real e nele age – é preciso fic- e recolocá-los em ação, numa ação de THÁBATA CASTRO ROBERTO1 co datas distintas. Neste artigo falaremos
cionar o real para que ele seja pensado projetar possíveis, do que um procedi- de três delas, que são: 29 de Dezembro,
como afirma Rancière (RANCIÈRE, 2005, mento que se percebe imediatamente. realizado pelo Mercadão de Madureira
p. 54). A ficção como superfície para su- Recolher esse mundo então, esse dispo- (Madureira x Copacabana); 2 de feverei-
portar as ausências e perceber a condi- nível e insuficiente que se apresenta a ro, realizado pela Casa de Cultura e Afoxé
ção humana diante do incomensurável e mim, assumir a insuficiência, e remontá- Estrela D’oyá (Lapa x Praça Marechal An-
do impossível; e ao mesmo tempo, ques- -lo quando possível, remontá-lo quando côra); e o do segundo domingo do mês de
tionar e perturbar a realidade do mundo. necessário. fevereiro (praia Recôncavo em Sepetiba),
Resumo: Uma análise sobre a cor branca que realizado por uma comissão organizadora
percorre a cidade através dos Presentes à Ieman-
com membros de diversas terreiros. Além
já. Destacando este elemento como ímpar na
estrutura religiosa, assim como nos rituais, pro- dessas três datas, encontramos também o
porcionando uma observação da construção do dia 31 de dezembro, festa popularmente
1 Artista visual e pesquisadora, mestra em Arte e REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS espaço urbano através da dinâmica estabelecida conhecida como Réveillon e o dia 15 de
Cultura Contemporânea pela UERJ (2017). pelos Presentes e os territórios por onde passam.
RANCIÉRE, Jacques. A partilha do sensível: estética agosto, onde se comemora o dia de Nos-
Indiciando a cor como elemento primeiro deste
2 Audioguias disponíveis em: https://sound- sa Senhora da Glória, que foi sincretizada
e política. São Paulo: Ed. 34, 2005. ritual, para nortear a discussão, possibilita uma
cloud.com/rene-gaertner
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: série de relações acerca da arte, do ritual religio- em Iemanjá.
3 Vídeo disponível em: https://vimeo.
Companhia das Letras, 1990. so, como também disseminadora de tal estética. Esses cortejos acabam por ter a respon-
om/212936409
Palavras-chave: Presente; cor; ritual; cidade sabilidade de manter viva, no meio urbano,
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uma estética da cultura negra invisibiliza- Iemanjá é a mãe dos orixás, está à es- por excelência, que veicula e representa, homenagear Iemanjá. E nela, o branco é
da pelo racismo estruturado na sociedade querda, onde estão as Iyabás, matriarcas, ao mesmo tempo, a água – sêmen – e a percebido como a cor inserida pelos cor-
brasileira. Ao saírem pelas ruas, eles não genitoras, usam o branco e outras cores. água contida – sangue, branco, femini- tejos. Não descarto os outros tons e co-
só provocam uma incisão no cotidiano da Oxalá, o pai, o senhor do branco, faz par- no-; ela fertiliza, apazigua e torna pro- res trazidos, mas reconheço o peso que o
urbe, como acionam uma mobilidade que te da direita onde está a força patriarcal, pício; nenhuma oferenda ou invocação branco tem, através de seu quantitativo
sempre foi característica das práticas da po- está relacionado à criação, há um mito poderá ser efetuada sem água.” (SANTOS, no espaço urbano. Tornando-se um bloco
pulação negra (e por consequência parte que revela que anos após ter ficado pre- apud THEODORO, 2013) em movimento, constituindo quase uma
da cultura popular), pela falta de estabilida- so por engano nas masmorras de Xangô, A relação da cor com as religiões de unidade, através de suas partes (popula-
de e pelos inúmeros despejos causados por o mesmo ordenou que todos vestissem matrizes africanas e, por consequência, ção de devotos que traja roupas típicas
tantas ações higienistas na cidade. branco como forma de desculpa por com a arte afro- brasileira, vê-se retoma- de rituais, ou quaisquer roupa branca),
A estética dos Presentes de Iemanjá le- aquele terrível engano. das por diversas vezes em obras que bus- trazendo uma experiência significativa,
vam para a rua as texturas, cores, cheiros, cam e abarcam esses vínculos, trazendo pois o branco também é luz, e aqui se tor-
[...] o branco, poder genitor repre-
sons, objetos ritualísticos, ervas, flores, senta não só existência genérica no àiyé, o cotidiano visual dos terreiros para os na também identidade.
atabaques, e muito mais do universo dos mas também existência genérica no meios culturais, como museus e galerias. Esse movimento e este corpo único
terreiros para a cidade. A procissão anun- òrun e como tal constitui um dos três No entanto, essa disseminação ain- acabam por dialogar com uma passagem
cia que a capital neste universo religioso elementos que participam na formação
da é restrita pela aceitação dessas obras de Oiticica, que diz: “[...] Quando, porém, a
de tudo o que existe. Mas, simultanea-
também tem componentes do sagrado e pelo próprio sistema educacional, que cor não está mais submetida ao retângu-
mente, o branco representa, também, a
(a natureza é sagrada nas religiões afro). E passagem, a transformação, de um nível pouco faz com que a população circule lo, nem a qualquer representação sobre
ela movimenta as ruas para este sentido. de existência a outro, assim como o ex- por esses ambientes. Sendo assim, acre- este retângulo, ela tende a se ‘corporifi-
E provoca imagens ímpares desta ação pressa o mito que atribui ao òpásóró de
dito que as obras públicas que dialogam car’; torna-se temporal, cria sua própria
Òrisálá a separação, a diferenciação en-
que interrompe o fluxo urbano. Observo com essa temática realizam a grande estrutura, que a obra passa então a ser ‘o
tre o àiyé e o òrun. Em todos os ritos de
e recorto esses momentos através da fo- nascimento e de renascimento, o branco tarefa de, instauradas no “mundo”, disse- corpo da cor.’” (OITICICA, 1986, p.23)
tografia como linguagem visual, que me representa não só a morte e o renasci- minarem essa estética por meio de suas O branco, que para diversos campos
permite salientar essas cenas que apre- mento reais, mas também a morte e o
presenças, como é o caso dos orixás flu- como arquitetura, engenharia, decoração e
renascimento simbólico ou rituais (SAN-
sentam o universo afro-religioso atraves- tuantes instalados no Dique do Tororó; do até mesmo a arte, muitas vezes é encarado
TOS,1976,p.78)
sando a cidade, transformando a urbe artista Tati Moreno, o Cedro da Ancestrali- como uma não cor, ou seja, entende-se que
num grande terreiro expandido. Identificamos aqui o motivo para a dade; de Mestre Didi; o Portal de Iemanjá; um local branco não informa nada, pode ser
Assim, analiso aqui um dos elemen- presença massiva da cor branca, que pre- de Jorge dos Anjos e poucas outras obras. um ambiente preparado para receber algu-
tos que se destaca nesta caminhada co- domina e se apresenta como base na in- Essas obras públicas trazem não só o ma coisa. Aqui, ele ganha corpo, o branco se
letiva, a cor branca, a indumentária ritual. dumentária e em algumas oferendas de- branco, mas as cores e os elementos que impõe de maneira significativa e volumosa,
Trarei o branco explorando-o no universo positadas para Iemanjá. O branco, assim dialogam entre si e constroem assim toda ele tem contornos e texturas e, mais que
afro-religioso e na arte, numa tentativa como a água, estão associados à vida, ao uma carga simbólica. isso, ele se locomove no espaço urbano.
de revelar a potência dessa cor que erro- poder genitor, Iemanjá é a água, por ex- Uma carga similar, porém mais forte, E essa locomoção é praticada com
neamente tratamos como neutra. celência a vida. “o omi, água, é a oferenda se apresenta nos cortejos destinados a um ritmo, entoado por atabaques. Essa
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massa de cor dança, literalmente dança. em meio a prédios e montanhas. O branco
Porque dançar aqui é rezar. traz essa relação ambígua, ao mesmo tempo
Como dito por David Batchelor: “[...] em que se tenta com ele introduzir uma neu-
Mas precisamos seguir com prudência, tralidade. Pode-se, com o mesmo, interromper
tomando especial cuidado para não to- tal fluxo. A exemplo, as pessoas compreendem
marmos cor e branco como opostos.” os setores médicos que utilizam roupas bran-
(2007, p.15) E acredito que este papel é cas no seu dia-a-dia, mas olham com muita
exercido quando inserimos estes cortejos estranheza/preconceito para pessoas que es-
sobre os bairros que os abarcam, princi- tão de preceito (utilizando roupas brancas, e
Devotos no Cortejo dos Filhos de Gandhi em Cortejo percorrendo
palmente em se tratando dos bairros de normalmente com a cabeça coberta).
uma barca cedida pela Prefeitura para homena- a Praia do Recôncavo,
Copacabana e Centro, que expõem algu- Muitas vezes, perceber o cortejo será notar gens à Iemanjá. Fevereiro / 2014. em Sepetiba. Fevereiro / 2017.
ma necessidade e intenção estética e que essa massa unificada, essa alteridade no espa-
confundem tons claros e o uso do branco ço urbano, e o mais curioso é que esse rito está
como sinônimo de limpeza. inserido há muito tempo na cidade, e mesmo
Nada que há na cidade se compara à al- assim, não perde essa condição de um corpo
vura encontrada nos Presentes à Iemanjá, e é estranho à realidade cotidiana. Devotos aguardando a
chegada da imagem
neste momento que isso é revelado. Talvez Os Presentes estabelecem um fluxo,
de Iemanjá
se sinta a mesma coisa quando se é renova- orgânico e dinâmico. Eles têm sonorida- na orla de Copacabana.
da a pintura dos Arcos da Lapa, por alguns de e perfume, literalmente perfume, eles Dezembro / 2017.
instantes nada naquela região é tão alvo. causam impacto no ambiente deixam um
Lembro da obra de Jaume Plensa, rastro tão orgânico quanto eles, pétalas
Awilda, instalada na Praia de Botafogo em de rosas. Eles são efêmeros, são rituais,
2012, uma cabeça gigante feita de pedra de performáticos, mas não como um vínculo
mármore e resina branca, emergia da água na interpretação, apenas na vivência.
como se uma mulher de tamanho irreal fos- Neste ponto é importante pensar a
se sair do mar. Ela possuía feições negras, era construção da arte afro-brasileira por 1 Mestranda no PPGArtes – UERJ, da linha de pes- OITICICA, Hélio. Aspiro ao Grande Labirinto . Rio
uma alusão clara à Iemanjá. A escultura con- meio da exploração/apropriação das re- quisa História e Crítica da Arte, graduada em His- de Janeiro: Rocco-Rio, 1986.
tória da Arte prla mesma instituição. Desenvolve
frontava o morro do Pão de Açucar que esta- ligiões de matrizes africanas, tendo aqui, seu trabalho relacionando a linguagem fotográfi- SANTOS, Juana Elbein dos. Os Nagô e a Morte:
va ao fundo da estátua, e nada, nada naque- como seu signo maior, a cor. Mas, não dei- ca com as religiões de matrizes africanas, eviden- Pàdé, Àsèsè e o culto Égun na Bahia. Petrópolis:
ciando as imagens instauradas no meio urbano
la região era mais branco, do que a Awilda. xando de lembrar como essa construção através dos rituais públicos. Ed: Vozes, 1976
Vemos aqui um “corpo” estático, branco, vem sendo fundamental para a difusão, SILVA,Yara da. Tia Carmem: Negra tradição da
inserido no espaço urbano, que causava es- resistência e valorização dessa estética que, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Praça Onze. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
tranheza não só pelas dimensões, mas tam- por muito tempo, esteve à margem, seja BATCHELOR, David. Cromofobia. São Paulo: Ed: VALLADO, Armando. Iemanjá, a grande mãe afri-
bém pela cor, essa massa branca, antinatural, dos debates, dos estudos e do óbvio social. Senac – São Paulo, 2007 cana do Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2011.
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Introdução arte contemporânea como nas bricola- bliográficas que tratam tanto do caráter
A partir da constatação de que a arte gens construídas pelos estudantes nos político da estética contemporânea e o
é uma característica de construção de espaços escolares. A partir das inquieta- papel que o ensino de arte pode propor-
linguagem das pessoas e que é um dos ções trazidas pela arte contemporânea, cionar para o empoderamento e descon-
meios de comunicação mais antigos, o olhar desloca-se do espectador passivo dicionamento das pessoas.
aponta-se a estética como uma poten- e contemplativo para maior atuação do Para o alcance dessa reflexão, o tex-
cialidade imanente do ser na medida sujeito enquanto protagonista da obra e to tem como referência os textos de
em que constitui as sensações/sentidos da transformação do olhar e percepção Foucault (1999) para a compreensão da
A ARTE COMO VONTADE/ que fazem parte das suas experiências, da realidade em favor do estranhamento ordem do discurso como elemento for-
POTENCIALIDADE DA PERCEPÇÃO/ narrativas e trânsitos que se manifestam que descondiciona as pessoas. Com base matador da educação e das subjetivida-
TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE. nas suas expressividades. A partir destas nesta consideração, de que a história da des, assim como para a compreensão dos
afirmações procura-se trazer a ideia da humanidade é permeada de condicio- processos de castração e naturalização
ESPAÇOS E FISSURAS NA CRIAÇÃO arte como um elemento que tem pos- namentos, afirma-se que estes condicio- da anulação dos sujeitos e suas potencia-
ESTÉTICA COMO BRICOLAGEM/ sibilidade de tensionar valores e ideias namentos estão presentes em diversas lidades em favor de determinadas nor-
CRIAÇÃO DA REALIDADE já cristalizadas e enraizadas. Esta tensão esferas da sociedade, incluindo a educa- matividades. Em seguida, busca proble-
está constante nas buscas e trânsitos dos ção que, por sua vez, está diretamente matizar a ideia de hegemonização deste
sujeitos por superar limites e confrontar associada a um modelo de memorização discurso através dos usos e consumos
(VONTADE A) ao invés de se pautar pelo aprendizado que proporcionam a bricolagem e a cria-
sujeições. Portanto, a potencialidade da
arte não está apenas no simbólico e cul- necessário para o desenvolvimento da ção (CERTEAU, 1998). Através destas pre-
tural, mas também no político, na medi- criatividade. Até então, a escola estava missas, busca compreender a arte como
VICTOR HUGO DE OLIVEIRA PINTO1 da em que a sensibilidade da percepção diretamente relacionada a um modelo uma linguagem que produz símbolos e
incomoda e proporciona estranhamen- de memorização e fixação tecnicista dos representações que afetam as pessoas
tos em relação às supostas estabilidades, conteúdos. Diante deste modelo extre- (ELIADE, 1996) e consequentemente são
desloca o olhar da zona de conforto para mamente palavrório e que não está vin- fundamentais na construção de senti-
o movimento e fluxo constante, reafir- culado à ideia de desenvolvimento da dos que nos constituem como sujeitos
Resumo: Esta proposta tem como objetivo deba- mando autonomias e subjetividades. criatividade (READ, 1968). Com base nes- (READ, 2013). Portanto, entende-se que a
ter sobre o valor simbólico presente nos signos da ta premissa, o artigo busca no conceito diversidade não é algo que necessita de
sociedade e as possibilidades do sujeito a partir
da inquietação do olhar através da arte como sig- Metodologia de bricolagem (CERTEAU, 1998) para a explicações, mas sim de ser sentida.
nificado/significante de desejos. Na medida em compreensão das possibilidades da arte
que se percebe a formação do simbólico, cons- O presente artigo parte da con- e do ensino de artes nas brechas e possi- Relevância
tata-se que os símbolos são representações dos cepção da arte como um elemento de bilidades de ressignificações da vida nos/
desejos que se manifestam nas diversas relações/
formação política e reflexão crítica da dos/com os sujeitos. Para tal objetivo, o A relevância deste artigo consiste em
tessituras que compõem o imaginário e dinâmica
das diversas subjetividades que se entrelaçam no sociedade, através das probabilidades presente artigo parte de análises críticas elucidar a função da arte para o desen-
conjunto de redes de relações e afetos humanos. existentes tanto nas possibilidades da e problematizadoras de referências bi- volvimento humano e como o ensino de
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artes pode contribuir para a construção cimento. Michel de Certeau nos oferece É imperante compreender a versão das suas diversificadas maneiras de en-
da autonomia dos sujeitos através das um material rico para debater e refletir so- dada pela Base Nacional Curricular Co- tender o mundo e a vida, das suas diver-
diversas possibilidades de transforma- bre as táticas de desconstrução e de resis- mum no que se refere à questão da arte sas experiências e narrativas. Por isso, não
ção, ressignificação, proporcionado pelo tência aos moldes disciplinarizadores que nas escolas. No seu entendimento, o do- há como padronizar uma diversidade tão
acesso à diversas linguagens e culturas buscam adequar e conformar os sujeitos cumento oferece a ideia de que a arte grande através de metas prévia e vertical-
que a arte oferece. Na medida em que na medida em que o autor expõe que compreende um fenômeno visual (BRA- mente estabelecidas por instituições ou
se compreende que a diversidade faz aqueles tidos como desconhecidos. Criam SÍLIA, 2016), entretanto, não considera a secretarias de ensino.
parte da existência, também se compre- a partir do momento que fazem usos da- dimensão simbólica da arte como uma
ende as múltiplas maneiras de expressão quilo que consomem (CERTEAU, 1998). linguagem expressiva que constitui a al- Considerações finais
que se manifestam em diversas culturas Michel Certeau (1998) afirma que exis- teridade das pessoas.
que constituem a humanidade. Portan- tem fissuras entre os discursos e ordens É importante compreender que toda É importante considerar que o uni-
to, questiona-se: A arte pode promover estabelecidas e o modo como as pessoas esta lógica da BNCC está alicerçada numa versalismo produziu uma série de pen-
a emancipação política de opressões e no cotidiano se apropriam desta ordem. É lógica de padronização do ensino e, tam- samentos abissais (SANTOS, 2002, 2007),
segregações? Em um mundo permeado a partir da apropriação do que existe que bém, desconsidera as particularidades e que legitimam segregações e precon-
por relações de poder (FOUCAULT, 1979) novos significados e símbolos são cons- especificidades de um país continental ceitos que embrutecem as pessoas
a arte pode assumir um papel de descon- truídos e são os múltiplos modos de se como o nosso em favor de um entendi- (ADORNO, 2012). Diante deste cenário, a
dicionar as pessoas através da educação apropriar da realidade que constituem a mento que se pressupõe como válido educação estética assume um papel fun-
estética dos sentidos (READ, 2013). As- astúcia, a bricolagem, as ressignificações, para todas as demais escolas. Além deste damental no desenvolvimento sensível
sim, este artigo é fundamental por buscar que, por sua vez, constituem as táticas de entendimento uniforme, também preva- dos indivíduos contra os processos de
elucidar, a partir de discussões filosóficas, um enfrentamento indireto em relação aos lece a ideia da arte como “enriquecedora” condicionamento a partir do desenvol-
o papel político-social da arte na constru- discursos e estruturas que se querem hege- como “mobilizadora”, assim, dando a en- vimento cultural (MARCUSE, 1968; OS-
ção da autonomia das pessoas. mônicos. É a astúcia de remodelar o que é tender que os estudantes são receptácu- TROWER, 1987, 1998) que é feito cotidia-
modelado pelas formas das ordens estabe- los que necessitam ser “despertados para namente. Portanto, a arte é fundamental
lecidas e discursos hegemônicos que cons- a sensibilidade, para o questionamento e para a superação de segregações e para
Resultado e discussão
tituem os múltiplos saberes que, em suas para a problematização”, como se não fi- o desenvolvimento sensível, já que se
Com base na discussão acima, a pes- existências, burlam as estruturas e ordens zessem isso no cotidiano e também como constitui como um elemento fundamen-
quisa busca uma alternativa em relação do discurso. A partir deste exposto, toma- se fossem pobres culturalmente, quando, tal na construção da percepção do sujeito
ao modelo de formatação como uma -se como ponto de partida analisar como na prática, os jovens estudantes possuem perante a si e ao mundo (READ, 1972; LE
tática importante na desconstrução de este tipo de relação se dá no ambiente dis- uma diversidade muito grande a partir BRETAON, 2016).
condicionamentos e preconceitos, legiti- ciplinar da escola. Para isso é importante a
mados pelas práticas e relações estabele- coleta de dados, a pesquisa e entrevista de
cidas no cotidiano da escola de modo a estudantes e professores como um termô-
validar os jovens estudantes como autên- metro que mostrará a cartografia dessas
ticos produtores de estéticas e de conhe- relações no ambiente escolar.
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1 Licenciado em educação artística, habilitação READ, Hebert. Arte e alienação. Rio de Janeiro:
em artes plásticas pela Escola de Belas Artes da Zahar 1968.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, EBA-UFRJ,
Mestre em educação pelo Programa de Pós- Gra- __________. Educação pela arte. 2 ed. São Paulo:
duação em Educação da Universidade Federal Flu-
minense, PPGE-UFF. Atua como professor de Artes Martins Fontes, 2013
visuais na Secretaria Municipal de Educação e Cul-
tura de Itaboraí (SEMEC- Itaboraí) e na Secretaria __________. O sentido da arte. São Paulo: Institui-
Municipal de Educação de Queimados (SEMED – ção Brasileira de Difusão Cultural S. A. (IBRASA), 1972.
Queimados).
OSTROWER, Fayga. A sensibilidade do intelecto, vi-
sões paralelas de espaço e tempo na arte e na ciên-
cia, a beleza essencial. Rio de Janeiro: Elsevier, 1998
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trópolis: Vozes, 1998. pensamento abissal, das linhas globais”. Revis-
ta Novos Estudos. Novembro 2007: 71-94.
ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 1996. SANTOS, Boaventura de Souza. “Para uma so-
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Paulo: ciologia das ausências e uma sociologia das
Graal Edições, 1979. emergências”. Revista Crítica de Ciências Sociais.
Coimbra: Outubro 2002: 237-280
LE BRETON, David. Antropologia dos sentidos. Pe-
trópolis: Vozes, 2016.
Documentos consultados.
MARCUSE, Herbert. Eros e civilização, uma interpre-
BRASÍLIA, Base Nacional Comum Curricular
tação filosófica do pensamento de Freud. Rio de
Janeiro: Zahar, 1968. (BNCC). Brasília: Ministério da Educação, 2016.
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150 ANAIS DO 60 SEMINÁRIO DE PESQUISADORES DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES • UERJ