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Brasileira de Gonzaga-Duque

re a função de trazer ao pú-


eigo e aos estudantes de his-

LLI
::::)
a::::)
ARTf fNSAIOS f DOCUMfNTOS

da arte e da crítica de arte


jas poucas - e uma das me-
Q
4:
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<(
A ARTE
N
; - obras escritas sobre arte
eira no século XIX.
Jro polêmico que mostra com
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o\J BRASILE IRA
:a a existência e a qualidade
!bate artístico no Brasil, antes
vento do modernismo, sua ree-
, passados mais de cem anos,
visível um debate que funda-
Gonzaga-Duque
)U a constituição, . nos séculos

! XX, da produção artística no

I e dos discursos estabelecidos


da: a questão da criação de
3.rte nacional ou brasileira. Introdução e notas
questão deve começar a ser I deu Chiarelli
rada de frente pelos estudan-
especialistas, que terão em
.'e Brasileira um elemento fun- LLI
-'
mtal para suas reflexões.
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ISBN 85-85725-14- 1

I or nrJ()
I 11~; I ÍO!J ()

/.IJI/1//1/1/(1•; 11111 C0 1l1


llllilll',illl ilill IVÍI 11 ba-
1 :11 t 11 rasil, A ARTE BRASILEIRA
lllilii iHIIIIciO p rtl O seu
tjlllllii lld íl m nto . Para
til In pu1 t de três estraté-
11• t•; , ;1 pub li cação de en-
" !lo•, in ód itos sob re as
lllc •; t cs artísticas mais
iÍÇJ IIificativas do debate
11ual, a pub licação de tex-
o in éditos sobre estética
ll istória da arte interna-
ionais e a reedição de
extos básicos da historio-
grafia artística brasileira.
Sempre com a intenção
am pla de aprofundar o
debate sobre as artes vi-
suais no país, a Coleção
rte: ensaios e documen-
tos periodicamente lança-
rá textos que colocarão
em discussão questões
fundamentais para o pen-
samento artístico brasilei-
ro contemporâneo .
Tadeu Chiarelli
Coordenador da coleção
A ARTE BRASILEIRA

Introdução
e notas
Tadeu Chiarelli

Adaptação do português arcaico


para o contemporâneo
Maria Clarice Sampaio Villac

Arru(os, Belmiro de Almeida, 1887.


Coleção Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

Óleo sobre tela, 89 x 116 em.


f'\WCftDO
Obs: Gonzaga-Duque foi o modelo masculino neste quadro. ~ lfTRftS
lli\1) , IN li IINII 'I l NI\1 lll 111111 () 11 1\() Nl\ I' IJIIII liÇÃO ( lll)
( Ml\ltiiUilA lllllll\1) IIVII , P, UIII\11)

o n ~ g , Duqu , I O 3·1 11 .
li I\ no IJroallolro I Luiz Gonzaga Duquo · mrada: lntroduç o notao elo Tadou
Clllorolll. - Complnoo, SP : M rcodo do Loiras, 1995. - (Coleç o llrt : En·
solos e Documentos)

ISBN: 85·85725·14-1

1. Arte- Brasil 2. Arte- Brasil- História


I. Chiarelli, Tadeu. 11. Hulo.

95-9341 CDD-700.981

Índices para catálogo sistemático :


1. Brasil :Artes : Histó ria 700.981

' ttn ário

Coleção Arte: ensaios e documentos


Coordenação: Tadeu Chiarelli

presentação 9
Capa: V ande Rotta Gomide
Adaptação e Revisão: Maria Clarice Sampaio Villac <:onzaga-Duque:
a moldura e o quadro da arte brasileira 11

c· msas 53

Manifestação 73

Movimento 99

Progresso 139

Escultura 235

DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGU A PORTUGUESA; Conclusão 257


@MERCADO DE LETRAS
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Telefax: (01 92) 34-5786 Notas 263
CEP 13023-010
Campinas- SP- Brasil
Referências bibliográficas 269

Proibida a reprodução desta obra


sem a autorização prévia da Editora . .
livro A Arte Brasileira de Gonzaga-Duque passou por um
1H'O • so de modernização de seu português, realizado por Ma-
l In larice Sampaio Villac e revisado pelo coordenador desta co-
l "~· üo . Procurou-se atualizar o texto do autor sem no entanto
t l<• s aracterizá-lo, mantendo as particularidades de sua lingua-
1'.<'111 e certas palavras e expressões que denunciam suas predile-
<;o 'S por soluções estilísticas preciosas ou arcaicas.
'
Visando o público leigo e os estudantes de história da arte e
ela rítica de arte brasileiras, foi realizado um breve estudo sobre
n produção de crítica de arte de Gonzaga-Duque, assim como
uma série de notas biográficas sobre os intelectuais e artistas
('itados no texto. Tais notas foram providenciadas com o sentido
I localizar melhor o leitor no quadro de referências de Gonza-
~~a-Duque. Nem sempre, no entanto, foi possível encontrar dados
sobre os nomes citados pelo autor. Os casos omissos poderão
ser sanados numa futura edíção.
Visando mais uma vez o público não-iniciado, no final desta
díção foi colocada a bibliografia que serviu de base para a cons-
tituição das notas biográficas.

9
nova dlção d 'A /\ri' J.Jrusll 'lro ('OIIIOLI ('O rll a ajuda d'
l ·:Kta
atgu111a I ssoa . A Lditora M r ·ado d I. tras o oord nador
d ~ta coleção aproveitam a oportunidade para agract c r a Âng -
la Ancora da Luz, professora da Universidade Federal do Rio de
Janeiro; a Felisbina Joana D'Arc de Oliveira, da Seção de Referên-
cia e Circulação da Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes
da USP; a Maria Valéria Gianotti, da Divisão de Artes Plásticas do
Centro Cultural São Paulo e a Sérgio Berditchevsky, aluno do
Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e
Artes da USP.
Finalizando, alertamos o leitor que nesta edição foi respeita-
da a maneira como Gonzaga-Duque grafou o nome dos artistas e
outras personalidades citadas. Já nas notas biográficas procurou- <,o11zaga-Duque:
se escrever tais nomes respeitando a grafia original dos mesmos. " 1110! lma e o quadro da arte brasileira

Tadeu Chiarelli

(>it resse de republicar A Arte Brasileira, de Luis Gonzaga-


ltlrqu' Estrada, passados mais de cem anos de sua primeira edi-
1 , n (I 888), se estabelece a partir de dois eixos fundamentais.

O primeiro, diz respeito ao fato de ter sido este livro uma das
1u li r<·as - e uma das melhores - obras escritas sobre arte brasi-
lt •lrH r o século XIX. Neste sentido, parece fora de propósito man-
lr•l' o público atual apartado desse estudo que hoje se tornou um
Ir Hli · ' precioso das raridades bibliográficas brasileiras, sendo en-
c·otllrado em poucas bibliotecas públicas e particulares do país.
Repleta de considerações pertinentes sobre alguns dos princi-
pai s artistas brasileiros do passado, a reedição de A Arte Brasileira,
11or ua vez, aponta para a possibilidade de se ampliar os estudos
rt ao apenas sobre a produção artística brasileira dos séculos ante-
,. ores mas, igualmente, sobre a própria crítica e história da arte do
país no século XIX - estudos que necessitam ser urgentemente
lnt nsificados, se quisermos estabelecer um quadro mais preciso
Ia bases remotas do debate artístico brasileiro moderno.
É justamente dentro do âmbito desta necessidade que a ree-
dição do livro de Gonzaga-Duque inscreve seu segundo eixo de

lO
11
lnl 'J' •::;::; . A r' lição I • J\ J\rte IJrosilelm IOJ'IIfl ,' JV•l, após ta1 tlli ii! 'IJI o, il vl ndn dn Mlssao (' a l'un la<·[to da A ad mia
to ano , o d bat qu funda ntou a ·onstll ul<·t o pare la 1 1 11.1111 :: 11'. " r <'Hr ;1 llH Hinnça to na1 •I 1 arti ta na sociedade
ignificativa da produção artí tica realizada n Brasil no · culo j, ti '"' .tltiN: : ua l'of'f naçüo ra r alizada d maneira anônima, e
XIX e no século XX, e dos discursos estab le idos obre ela: refi- h 1 tu li 1111( I do com o art·csão r ti r do dos estratos mais baixos
ro-me à questão da criação de uma arte nacional ou brasileira, '' ll"ll'""<;.to, a partir a riação da Academia, era de se esperar
uma arte que, em sua configuração final foss e capaz de emitir 1111 11 .tl'lilll:t <'0111 •çass a r pensado como um profissional ao
sinais inequívocos de uma identidade local intransferível. 111 ti t".ldi'IH r('S rvad uma formação erudita, propícia a capaci-
' 111 11n 1 <'llti(lo d fazê-lo interagir no processo de constituição
A questão da nacionalidade na arte, um problema que se ins-
creve dentro do complexo - e às vezes contraditório - espectro I 11111.1 <'ullu ra visual superior, onde à mera perícia artesanal
.11 " ' '·' l'.' tar ali ado um saber intelectual, consciente da tradição,
da modernidade surgida no século XIX no Brasil, deve começar a
1111 d.t•: IJ'ildiçõ artísticas e culturais do momento.
ser encarado de frente pelos estudantes e especialistas que terão
em A Arte Brasileira um elemento fundamental para suas reflexões. 1'111' outro lado, a instituição da Academia, composta por in-
Durante todo este século que agora chega ao fim, a idéia de ll •l, •t' ltlélis • artistas vindos diretamente da cena parisiense, leva-
uma arte nacional se manifestou de maneira explícita, quer na ' " <'I'N 1ue o ensino artístico oficial e erudito no Brasil iria se
produção de artistas brasileiros significativos, quer no debate 1 Ltlw i<'C' r sobre as bases daquilo que de mais moderno se fazia
sobre arte no país. Reafirmando, tal necessidade, no entanto, " •' 1:tJJ'OJ a, colocando o país em situação de igualdade com a arte
não surgiu na cena brasileira no século XX. É, na verdade, um illlllf'llíH'i nal.
problema formulado no século anterior, cujas ressonâncias re-
percutem até hoje. No uadro dos professores vindos com a Missão, existiam
lll',lll't s visceralmente comprometidas com o ideário da Revolução
Assim, e com a intenção de contextualizar a importância de
11 .111n sa e do momento napoleônico recentemente extinto- Le-
Gonzaga-Duque dentro deste debate, é que parece importante le-
vantar certas questões referentes ao surgimento da necessidade 111 1•I 01 - , e artistas que gravitavam ao redor das duas questões
1'111 'I i as que se digladiavam na França naquele momento. De um
de constituição de uma arte nacional no território artístico-cultu-
ral carioca do século XIX. Na seqüência será examinada a singula- 1.1(10, o partidários do neoclassicismo na arquitetura (Grandejean
ridade de A A rte Brasileira neste debate e, finalmente, as transfor- tlt• Montigny) e na pintura (Jean-Baptiste Debret); do outro, os
mações pelas quais passou o pensamento de Gonzaga-Duque em l' lltusiastas de uma atitude afastada dos rigores neoclássicos (Ni-
l 'ol; s Antoine Taunay), com fortes inclinações para a sensibilida-
relação à questão da identidade nacional da arte aqui realizada.
tl<• romântica que se fortalecia cada vez mais na época, contami-
1HIndo cada vez mais, inclusive, os círculos oficiais da arte francesa.

A Academia Imperial de Belas A rtes Trazer para o âmbito de uma Academia fundada no Novo
Mundo o debate artístico que se travava na França, deveria signi-
A compreensão da arte no contexto brasileiro ganha um ou- lkar colocar o Brasil no centro do debate artístico internacional,
tro estatuto a partir do início do século XIX quando, em 1816, foi l'azendo tábula rasa da tradição barroca engendrada no país du-
fundada a Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, rtmte o período colonial e do desprezo com que até então o artis-
conseqüência primeira da chegada da Missão Artística Francesa. la plástico era visto no meio brasileiro.

12 13
1 1 1 I HH~ I,' .IO C:<' I'Hi d<• Hplas 1\rl t'H; a -r i a~·ão da
tlt .11 .1
No <' 111 <\lll O, a fun l a~·<. o cl<' \llll H ltt s ltltti ~·Ho d<' <• nsl no vo ltada , t1.1 , .ldt •ttl 1 <' 11 1 1Htl:l lnstru nto fundam ntal
1 1• ' " dn ••• II 11 11 0 H; il i n s li lui ~·l\o em 184
1 ara a fom ·1ção I ·uristas ' ru lil o.· Ir \1 <' ll o ·:t r s I 1 o Brasil om do "Prêmio de
11
lois ob tá ulos muito fort ·. J rim ~tro I nn is ontund nt 1 "'"In n il! lt'itli Ort\ITH 1 to na l·:uropa dos melhores alu-
11
deles, era justamente o preconceito qu os bra ·H iros livres pos- I tlu •lt•t'li tii ' II IO <' lr . 1
suíam em relação a qualquer tipo de trabalho manual. As artes
t ' "'llll tll ln : t' 10.' po uros om os lementos minimos para
plásticas, pelo fato de serem produzidas através do exercício da
ttlllttlll d .ldt •.1m: ,' <'liS 1 ropósito , faltava à Academia entrar
manualidade, estavam relegadas ao universo das artes mecâni-
111 ' ' " , " ' " n d i'IHI I t' cu lt ural qu começava a ser travado na
cas - território de homens desqualificados, os escravos -, e
1 1," , qt lt' pt ult•,;,'<' anr~ar iar uma inlportância efetiva no meio,
nem mesmo a proposta de formação erudita embutida na idéia
da Academia erradicava tal preconceito presente em todo o cor-
po social brasileiro. 1 opl tlt ' lol 11 p l' ti C' il ai d bate que se travava no Rio de Janeiro

O outro obstáculo foi a própria fundação, na verdade intem-


I"" t'

pestiva, da Academia. Criada num período em que o Brasil passa-


va por intensas transformações políticas e sociais, tal situação 1 ',/, \1' /11 r/1• 1111 /U arte nacional
fez com que aquele projeto fosse relegado a um plano absoluta-
mente secundário. DeLxada aos sabores de interesses mesqui- p.i t ll t' da 1 ro lamação da Independência mas, sobretudo,
nhos e corriqueiros, a Academia e seu desejo de formação de , , " 111 11 lo dn R p-"ncia (1831-1840) e do li Império (1840-1889),
1
artistas profissionais e eruditos por vários anos foram totalmen- 11111
1, p,.l tllla r orpo nos grupos intelectuais ligados ~o poder,
1
"

te abandonados pelo poder público. ,


1 11 1 1
Jl ,l( l< L se construir um passado para o Brasil que de
'•'•

11 11111 ,~ 11 tiltH'i ra desvinculasse sua história e seu imaginário, da-


Os primeiros índices de mudança no estado indigente da Aca-
demia começam a ser percebidos a partir apenas da gestão de ""' ,,.. d1• Por tugal.
Félix Érnile Taunay na direção da instituição (1834-1851). Foi a ,., s como exemplo, um fato significativo: criado em 1838,
11 111
partir desse período que a Academia aos poucos conseguiu o reco- , , 111 illt tl o 1(i tórico e Geográfico Brasileiro teria como uma de

nhecimento mais efetivo do Estado, reconhecimento este traduzi- 11 1


~t 1 111 · o('S onstruir uma história do Brasil, uma memória na-
do em concessões e melhoramentos, na verdade mínimos e nem ' 11111 ,11 (!\;(' 1 via valorizar os aspectos autóctones do país, em

sempre permanentes, mas que acabaram possibilitando de fato t11 •11 11111' 111 o de sua herança lusitana.
àquela instituição realizar seu intuito primordial de formar artistas. ( > d<'l at , ampliado no campo cultural e artístico cario~a,

Apenas como exemplo, é possível citar nos anos 30 daquele • •


1 1 11
:1 sobre várias questões. Além da constituição de uma his-

século a retirada da Tipografia Nacional das dependências da Aca- 1111t.1 Ideal do Brasil, ao máximo desvinculada da história de ~o~­

demia, as encomendas de retratos do príncipe D. Pedro pelo go- lt l )~.t l , hu s ava- se também a constituição de uma história literar1a
verno central e das províncias, e os subsídios dados pelo governo
à Academia para a tradução e/ou publicação de livros didáticos. .' ollrc os empreendimentos da Academia Imperial de Belas Artes na g~~tão
d\' 1: •lix Taunay ler "FélLx Emílio Taunay e a Academ1~ de Belas Artes , de
/\li' r ' do Galvão (Revista do Patrimônio Artístico e Hiswnc~ r:'acwnal, R10 de
Na década seguinte, uma outra série de concessões demons- ,IH n •l ro, s/d.) e o Ensino Artístico. Subsídios para a sua HISlOrta, de Morales de
tra o reconhecimento da existência da Academia pelo Estado. los Rios Filho .
Entre elas, o aceite do governo em 1840 da proposta da Acade-

15
14
brasil(•ira, pro 'LU'tUldo 11 · l ~t os dt'lllt ' IJi m: 1111 t 'O,' dt• uma ·1mll " n IJI• ,, 1111 •, ' "•J oi.Hl dt• p Jtiiii 'H J)I 'Ot '('(i(' IIJ 111 als tia natur •:;:a
ia bra j I n·a. 1 ,, 11111 11 ' llwt' .t·t•nt, 011 da s tiOlllrinas ('SP(' ·iais d • s us
11; 111 " '' tu t' l' t• las ronsl<.knl las p lo ara t r s t' cni-
Este debate tinha a intenção d dar nta lgualm nt da cons- 1
'" )11 111 ' 111 11 1'11 t-l't '
tituição de uma produção literária, poética c t •atrai marcada p lo
interesse da busca de valores típicos brasileiros. Jlllllllln 1.11 o tlt•. ·:as propo tas de Porto-Alegre terem sido
Se as artes visuais quisessem de fato participar e contribuir 11 1, t ,t•w p.ll't', ' na 1\ ad mia apenas em meados de 1856
nessas discussões teriam que, mais cedo ou mais tarde, abraçar a 1, ""'" ,, dt •hnl!• naC'ionalista no Brasil nas outras áreas da
questão que emanava das outras áreas da cultura da época: a 11 llllllll" :1 no I Imp >rio - , dá bem a medida do quanto

questão da busca de uma identidade nacional. 2 pi .P.J lt '.t l t•.· lavam alheias e/ou alijadas do processo de
111 ,11ht t' :t id(•nticlade nacional da cultura brasileira.
O primeiro a tentar elevar a produção visual local aos patama-
res do debate sobre a identidade da cultura brasileira foi Manuel "1 não tenha sido possível até hoje encon-
ttl.tlllll , l' lllhora
Araújo Porto-Alegre. Pintor, cenógrafo, poeta, dramaturgo, crítico 11' tlqllt'l dot 'lllll nto que atestasse alguma resposta dos mem-
e historiador, Porto-Alegre fazia parte da primeira geração român- tll , .tdt'llliil a Porto-Alegre, sabe-se, por outros documen-
tica brasileira e foi o responsável pelo primeiro ensaio de história 111' , 11.1 pt '.t 1leu, a LU la instituição fez uma escolha entre uma
da arte conhecido no país. Sua "Memória sobre a Antiga Escola de 111.1 ,11, •11'!1 In la "da natureza" e aquela oriunda "das doutri-
Pintura Fluminense", publicada em 1841 na Revista do Instituto 1 1 llltLII : d(l ~->' usmestres".
Histórico e Geográfico Brasileiro (do qual era membro), foi a pri- ,, IH '1 o cln I\ ademia fica nítida a partir da leitura de um tre-
meira tentativa de repertoriar o passado artístico colonial do Rio ' , "' 11111.1 t•n rl a scrita por Araújo Porto-Alegre ao pintor brasilei-
de Janeiro, detectando certas singularidades daquela produção. 1 11•11 r'l ll'i t'(' ll s, ntão bolsista da Academia Imperial na Europa:
Em sua gestão como diretor da Academia Imperial (1854/1857)
- quando a instituição já se encontrava minimamente aparelhada 1 ,Jitllt• o nu, stude anatomia, estude o desenho, e veja se toma
lt 1ll •liti'O{'h t' por mestre, que é hoje o pintor mais filósofo e o
para constituir-se num instrumento de glorificação do Império e
1!1 .11 •, ,., t(·tl ·o que conheço. Estude cavalos, porque as nossas
de um sentido de nação que então se forjava -, Araújo Porto-Ale- ilo~l.tlll.t .' t•;lg m esse estudo; e lá achará belíssimos modelos ...4
gre, numa reunião da Congregação da Academia em 1856, propôs
duas teses sobre o nacional na arte, para serem discutidas por l 'n t' t'NI • locumento percebe-se que a opção da Academia na
seus colegas: , 1.111 tlt • Porto-Alegre voltava-se para a construção idealizada
"' tt111 .1 "tlli tologia brasileira", baseada em obras de gênero histó-
Para que o Brasil forme uma escola sua, que princípios deverá
' '' '' • vn ll n las para a glorificação dos valores ideológicos do Im-
adotar a Academia como cânones invariáveis, para obter esse
i" 11 11 Nao xiste mais aquilo que se percebia, pelo menos em
caráter peculiar que mereça o nome de escola, sem contudo
precipitar-se no estilo amaneirado? '' ,., 110 ·'me da Academia no período em que foi fundada: o
1 ' " " " 11 • (' nn·e posturas estéticas antagônicas acabou cedendo lu-

E logo depois:
\ l'ti l\ lo Porto·Alegre, Sessão da Congregação da Academia de 27 de setem-
11111 dt 1856. Em O Ensino Arlíslico... de Morales de los Rios Filho, p. 24 7.
2 Sobre este assunto, ler Da Europa Possível ao Brasil Aceilável, de José Neves 1 ill'i os Rubens, Vilor Meirelles, sua Vida e sua Obra. Rio de Janeiro, I. Nacio-
Bittencourt (Dissertação de mestrado, UFF, 1988). •lltl, I D45 , p. 34.

16 17
gnr a um a pro r OSU\ homogt'lll'i :r.ntlo l'l\ d<• p1'od ll ~'i\O :n·t ístlcn, vo l , 111t " 11.111.1 IHll' n l orl'~; í\tl'll\líHio.· do ronl<tlllismo do r a-
tada para uma fLmção muito ·Iara. ' 11\11 ' '• ''I'.IIH 'Illos do ;\lnhl<·nt(' artístico ·ario a não iden-
lt • , 11111" \i '.ldt•llllíl <'O ill •çura1 1 igualn nt as posicionar
Esta situação não deve cara t •riz·u· '\ Acaden ia lmp rial ck
1 •!111 • 1.111, d lll\nli z nntlo as lis us õ sobre a identidade
Belas Artes do Rio de Janeiro como u a insütuição atra ada,
afastada dos valores estéticos de seu período. Se formos pensá 111 i1 11.1' .illt•:: pl :u.; IÍ('í\S do I aís.
la dentro do quadro conservador das academias de arte interna 1 ,, 1 1111 pnd< • ~H' I' çomprovado pela leitura da produção da
cionais, ela fazia aqui no Brasil o que a maioria das outras acad - , "' .1111• qlll' fHI I'J',ill •m paral lo e após o término daquela
mias fazia no resto do mundo: tentava adequar as estruturas
estéticas vindas da grande tradição acadêmica francesa do sécu- , 111 1'111.\n n d<•hatc ela crítica estava circunscrito a ques-
lo XVII a um gosto já mesclado por valores surgidos com o ro- 1, 11 1, " ' d.1.11'11' local do período - a análise de uma ou outra
mantismo e as vertentes realistas que começavam a ganhar força 11 , 11111 ,, ., 111nrdaz<'S mais à personalidade de um determina-
na Europa (a obra de Delaroche - o parãmetro a ser seguido por li li 1.1 dn IIIH' 1 ropriamcnte à sua obra etc. -, a partir da
Meirelles - sintetiza bem este quadro). , .11, l1 • 1H1!) 1wr 1 e-se que a crítica de arte carioca amplia
11 11 1
O único viés de singularidade que aquela instituição iria in- 1 1 1111111ln <11• ndagações, passando a refletir sobre a arte bra-
troduzir na produção levada a cabo sob sua égide, seria a intro- 1 1 1, 111 1,,.,·:11, .· uns po síveis especificidades, as linhas estilisti-
dução de um temário nitidamente pautado na história e nos as- 'li" dt •\ t'l'in .'t'RUir te.
suntos literários brasileiros, buscando dar um sotaque local a
um gosto estético acadêmico internacional.
Como se sabe, essa nova orientação da Academia faria com 1 , ,. , rlrtrlt•lra s ola brasileira de pintura
que surgissem algumas das obras oficiais mais celebradas do sécu-
lo XIX no Brasil efetuadas, em sua maioria, pelos principais artistas 11 11\11' s1 sab , o primeiro segmento intelectual e artístico a
daquele período: o já citado Vitor Meirelles e Pedro Américo. 11 , 111 11'1 ' :1 proposição de uma arte brasileira limitada à produ-
' 11.ill ;.oldíl a partir e em torno da Academia Imperial, foi aque-
Porém, o início do debate sobre a constituição de uma arte
ll l' 1tln ,\ !<<'vista Jllustrada, publicação semanal carioca, aboli-
brasileira só iria se instaurar em definitivo no Rio de Janeiro a
partir de 1879, quando~ Academia se posicionou publicamente 1•111 '" ,. l'(•publtcana.
sobre o problema montando, em paralelo à Exposição Geral da- 1111 1 t.\11<10 o debate sobre a identidade da arte brasileira, a
quele ano, uma mostra especial intitulada "Coleção de quadros /ll u '' rtrlulria opor à proposta de arte nacional visível na Mostra
nacionais formando a Escola Brasileira (na Pinacoteca)" . Ali a 11 , o~dt • lllia, uma arte naturalista/realista. Segundo aquela pu-
direção da instituição reunia as obras que, em seu entender, re- 1olt• 11 "' 1 ap •nas esta tendência, disposta a um embate direto
presentavam a "escola brasileira" : produções artísticas realiza- .,111 " 1·1'· alldad física e humana do país, seria a estratégia ideal
das por mestres e/ou ex-alunos da Academia, em grande parte 1 1 " <'OIISlituição de uma arte tipicamente brasileira.
,11
versando sobre temas nacionais. 1 ltll t t•ss • posicionamento é que a Illustrada, a partir de 1879
Foi a partir do posicionamento daquela instituição sobre o . "illl 't'oll'iH a aumentar, por um lado, suas críticas ao ensino e à
que entendia a respeito da "arte nacional" ou "brasileira" - uma lllltdlll 'dO r alizada no interior da Academia Imperial e, por ou-
produção idealizada, voltada para a valorização da tradição aca- ti li , oi •• dorizar a produção dos artistas paisagistas brasileiros,

18 19
sobretudo aqu 1 ·saídos da apr't'rld :t. :~p. ·111 <·o rrr o : 1rti ~ta ul(•rn:ro ''"'' /t~,dn ri 111 11• lwusill'lrf/
Georg Grimm, na d ' ada s uint '.
"11 1 n tlt • Fl'll F•rr•Jra o suía como objetivo apenas
Em sentido oposto, porta-voz da ofi ·ialldad a A ad min 1 , ,,, dt • '""llt'ir·n mai. pontual na discussões sobre a ques-
Imperial e do Império, os textos do então dir ror do Li u ele• '' ttl• t~llll.tdl' nacional da art brasileira do século XIX, o
Artes e Ofícios do Rio, Bethencourt da Silva, publicados na R vis 1 •!li' uqu publicaria três anos depois possuía
1 dtllt,:tp.:t 1
ta Brasileira - como respostas veladas às críticas da Illuscrad11 r , "'''''" on, I' 11 <\0 ap nas este.
-, tentariam reforçar o caráter idealizadamente romântico da
' "'' "I\" 1ltí(ll l t' não desejou pensar a arte aqui produzida
produção saída daquela instituição, afirmando que esse carát r
" ' '"' lt'l 'r'llorio r strito do ambiente artístico carioca de sua
representaria melhor as peculiaridades da "alma brasileira": 1 , 111.1 '• • 1111 rompr endê-la no universo cultural brasileiro

11111 11111 lodo. O autor desejava refletir sobre em que medida a


A arte nacional, a nosa escola de manifestar a vida interior da , ''" ,,,, , 1 ~ 1111 a rui L vada a cabo corresponderia às necessida-
alma brasileira... , é mais propensa ao ideal do que à cópia servil trtltltr• t•t•ns <Ja nação brasileira, da cultura aqui produzida.
da natureza.
Educada nas sempiternas teorias da escola italiana, a escola 1•, , , • , 11' n nrt • brasileira dentro deste contexto mais amplo
brasileira começou no dia em que a notabilíssima colônia artís- t 1111 , " ' t• lt•vú-la de maneira decisiva ao mesmo patamar onde

tica que o conde da Barca fez vir ao Brasil deu a sua primeira 1,,,, , .. ,•:, t n, 1 or xemplo, a discussão sobre a literatura nacio-
lição de desenhos aos fluminenses .. . O caráter da pintura entre ' t1 """"''lt• pniodo. Porém, o debate literário nacionalista da
nós tem o cunho viril dos povos meridionais: ardente, volup- I''" '1H ' Il t' t' a sobre as bases sólidas de uma crítica e uma histó-
tuosa e arrebatada... 5 111' ' ' olll :t ILI vinham se processando desde O final do século
111 1' t > qll<' não era o caso das artes plásticas.
pt •:m r· la polarização que se percebia no ambiente artístico
Nos anos que antecederam a proclamação da República, a
"1111 .1 tlil t' l o a, a história e a crítica de arte no país sofriam dos
questão da arte nacional produziria dois livros fundamentais para
'" 111111 : pr·c•conceitos e desatenção que a própria produção artís-
o entendimento da arte no país no século XIX. Em primeiro lugar,
' 1 •,nl r·ln. Fora a "Memória" de Araújo Porto-Alegre, e textos
aquele escrito por Félix Ferreira, Belas Artes: Estudos e Apreciações,
publicado em 1885 (a ser publicado nesta coleção); e A Arte Brasi-
I'•" · n~: tlt\ imprensa, quase nada existia em termos de reflexão
•dt tl ' .tr'lt' no Brasil_?
leira, de Gonzaga-Duque, publicado em 1888 e agora republicado.
111•dlm •nsionar o debate artístico no Brasil, elevando-o à gran-
No seu livro, Félix Ferreira iria opor à arte idealizada da Aca- 1· " t' sofi ticação do debate literário, significava conceber uma
demia, a pintura de paisagem e/ou de gênero, como únicas alter-
nativas capazes de fazer surgir entre nós uma arte nacional, com 1 tl'it t.tndo a questão do fim do regime escravagista, que mobilizava as várias
características próprias, distintas daquelas dos outros países. totllloi tlu s ~ociais brasileiras, 1888 foi também o ano de lançamento da mo-
11111111'1\t ll l Jfistória da Literatura Brasileira, de Sílvio Romero, obra que mostra-
' 11 lllllllO bem o grau de maturidade que o debate literário já atingira no país.
De alguma maneira, Ferreira seria o porta-voz de toda uma
11 li vro de Félix Ferreira, obra preocupada fundamentalmente com a produ-
geração de jovens paisagistas que estavam surgindo na época. ' .to do século XIX, ta lvez ainda fosse recente demais para poder servir como
1"' t' tn ra Gonzaga-Duque. Em nenhum momento de A Arte Brasileira a obra
5 Bethencourt da Silva, "Belas-Artes", Revista Brasileira, Rio de Janeiro, p. 363 e ss. tlt• r:t' IT •ira foi citada.

20 21
, d• •' ' lt d t :w ttl '~lo t·ro nologko :oh r<' o ass unl o. " ·onclu·
história da art ·lo ai - as'. 1\ ntd nttH 'I•t o, llil l'íl qu:dquN dia1•.n >H 111 111 1 " 't' l' I'O itl o ('Hpí tulo int ro lut'ório do livro, do qu
tico ou posicionamento sobr '1 icl<•nt i cl t~ d t• nadot ai la ari • <llH ' ,, 11111 1 d.t ,u·tt• lli'HHII<'ira qu<' sur ostam nt on: lui.
aqui se processava. 1 ' '" ., , .,", < :on:t.agn 1 uq 1 1 art d um diagnóstico pes-
1
Devido, portanto, ao interesse em di utir a art produz icl:t '. PI' ''' 'IH'I'Ituo: o da so i dacle c da história brasileiras,
no Brasil num patamar superior, capaz de transcender as m rt~. · , I'""' ,1 ,1 II' :H dtnr ('n on lusões igualmente pessimistas
crônicas sobre os artistas e - ao mesmo tempo - , devido :1 1 1111 p1nt ll•:t.ldn no país.

consciência da precariedade do campo das artes visuais do pa ís " , , 1 lt1 •l .to dlagnósti o com que inicia o livro, Gonzaga-
foi que Gonzaga-Duque numa única obra iria criar e, simultan •a l i ' ' " ' ' ' ' ' lt'l' H <' l'squ • ido das possibilidades positivas que
mente, intervir em sua própria criação. ' " , 1 11.1 .tt' lt ' l>rasi l ira nos capítulos do interior de seu li-

Ou seja: em A Arte Brasileira, o autor funda de novo a histó lllll "' lli.H I<' !(> r coerente com a visão negativa que
ria da arte brasileira, a princípio glosando e ampliando o texto , 111 1 1.1 da t' li I'<' int lectual brasileira possuía do país na
1
basilar já citado de Araújo Porto-Alegre, ao mesmo tempo qur , 1111111 11 ,, nut or a não dar a devida importãncia a certas

estabelece um juízo de valor para esta mesma história. ,, 1 lilll.ult •n qu <' ob ervou na arte produzida no Brasil, visí-

No entanto, o juízo que Gonzaga-Duque formularia sobre a "'' •.t ptlltl o.· lnt rnosdeA ArteBrasileira.
existência ou não de uma arte singular no Brasil parece não ter 1 t 1 l'"ln ll t'l~aliva do país e de suas produções era funda-
surgido como conseqüência natural da narração que iria estabe- ' li! 1d .1 pt •l.t p rN; nça no meio intelectual brasileiro de publica-
lecer sobre as transformações ocorridas no campo da arte no Rio h 1 , ,, .tlt•r HO ·iológico de fundo determinista, que forçavam
de Janeiro, entre o período colonial, até o final do II Império. Pelo 1 , 1 lllt ',t:l .·oi r todas as áreas de atuação humana no Brasil.

contrário, lendo sua obra, fica nítida uma cisão estrutural no 1 , , , , ,, t :onzaga-Duque, percebe-se nitidamente nos dois ca-

livro, motivada pelos propósitos de formular uma narrativa coe- l "'' '""' ill> l' ('m fe cham A Arte Brasileira, a presença do pen-
rente sobre a arte brasileira (que Gonzaga-Duque entenderá sem- 1"' 11111 tln 1'11 >sofo e historiador da arte francês Hyppolyte Tai-
pre como sendo apenas aquela carioca), e diagnosticar a situação 1, ,, ,,·I' l'H tudar a arte de qualquer nação.
geral dessa mesma arte.
Assim, A Arte Brasileira pode ser dividido em duas partes
distintas: aquela formada pelos capítulos onde a história é narra- 1 ''' 1/lt ' lll ', a planta, a f1or
da, onde os artistas e certas obras são analisados a partir de
critérios estéticos que o crítico empresta do debate europeu (ca- 1 111110 o o nsamento deste autor é fundamental para o escla-
pítulos "Manifestação", "Movimento", "Progresso" e os apêndices ' tllll'l l lo dos diagnósticos que Gonzaga-Duque faria sobre a arte
"Amadores" e "Escultura"), e aquela formada pelo primeiro e úl- 1 , , 11, •11 ,, independentemente da própria realidade da arte lo-
timo capítulos ("Causas" e "Conclusão"), moldura que pouco tem ti lfl ll' '' ~l lu dou no interior do livro - , talvez seja interessante
1 " lt tll ol : ínt se que o próprio Taine formulou sobre o seu méto-
a ver com o quadro traçado no seu interior.
tudo da história da arte:
Ao que tudo indica, "Causas" não surgiu como uma hipótese
de trabalho a ser averiguada pelo estudo sobre a realidade da arte t-. tw; t rar-vos-ei, primeiro, a semente, isto é, a raça, com suas
brasileira (ou carioca), e nem "Conclusão" deve grande parte de qtt.llldnd •s fundamentais e indeléveis, tais como persistem atra-
suas posturas taxativas ao conhecimento do autor, adquirido após

23
22

V 'Sti <' lOd tiS tiS t irT UII S t , 11 (' iH.' t' 1'111 t o do s () ,' (' I lll ll.'; (' 111 Sl') •,tri
da a planta, isto '. o próprio povo, t'O IIt .' uas qualida k s or 1'.
nais, d envolvidas ou lirni tatlus, t' lll todo " ISO, at llradas t' 1 1• 1 I HtqtH', os <'lt•m otos formadores da nação bra-
transformadas, por seu m io c sua hi stória, fln alm '11 l '. ·1 fl or, n hr• ur <·o po rt u{~( (imigrantes, "degredados
isto é, a arte, e especialmente, a pinLLu·a, em qu • L rmi na to lo '' 11rdltr t'O IIt 1 ou a r l vância, uma vez que foi
este desenvolvimento. 8 r " rl ll tl 'rr lt• ti '1. mado p J processo de colonização-,
• r t 1 .• tdo. l'l'i nd l alm nte do cruzamento entre o
1 11 1 lrn t• lt' llt(' nl os ' que surgiria o mestiço, o homem
Percebe-se aqui que, para o autor francês, a arte é o pro lulo,
a floração de um determinado contexto histórico-social d, Ulll:l
raça. Tais fatores determinariam a qualidade da produção artísll 1 • rlt • :r r he a da da família real portuguesa, em
1" ' " ' , •

1 t•t·ononti os da Colõnia poderiam ser resumi-


I" r 1"' •
ca de qualquer nação.
i""' ,ll,'.ro d!• Portugal sobre sua colõnia e pela explora-
' 1 1 n "''1'.1'0 pdo s nhor branco. Neste contexto, a po-
Seguidor de Taine, Gonzaga-Duque, portanto, antes d O<'ll
ld'(t rgottl.t p •la m trópole e pela religiosidade imposta
par-se com a realidade da produção artística brasileira - d<•l
11111 I' ' " "vadia beata".
xar que, a partir dela, surgisse seu posicionamento sobre a id<' rr
" 1111 •.r 11 o 11 (' h gada da família real mudaria este quadro
tidade (ou não) da arte local - , irá estabelecer uma reflexão so
11 1 1 " 111:tfl I t•ra constituído por uma raça ainda em for-
bre as questões raciais, históricas e sociais do país, que terianr
' 111 1 .r r' t<' l •rísticas próprias, e subjugada do ponto de
determinado o caráter da população brasileira e de sua produ(< \o 1 lotpn llt I!'O <'r ligioso.
cultural geral.
1 1,11" ,, o ambiente brasileiros não eram os mais favorá-

(1 11 1 11 '•lll'f',l lll nto de qualquer "floração" original, tal cons-


Instruído pelo ambiente intelectual brasileiro de sua épO<'ir
1• I' lcllllilYa mais evidente quando se começava a refletir
que, como foi dito, em seus elementos mais destacados, deixavir
1 11 1nclt11;ao ultural do país:
transparecer uma visão extremamente negativa da história do
Brasil, o autor, no primeiro capítulo de A Arte Brasileira, dar;t 111 I tl'ra:ura não é um produto do pensamento nacional.
início à construção de uma moldura pessimista da história e da • 11 '• pri ncipais poetas, isto é, aqueles que podem, posto
'"' 11111 1 · o~ m •m e, marcar uma frase, .. ., são reflexos das inspi-
sociedade brasileiras, que encontrará seu complemento final no
,, '" •, rios po ' Las estrangeiros ...
último capítulo da obra. 1' do s tn aiores romancistas brasileiros, Alencar e Macedo,
"!• "'''• .t uma crítica rigorosa e imparcial, oferecem o resulta-
Dado o caráter coeso desses dois capítulos e o distanciamen . lo • • 1\1 1 1\ t(': no primeiro, excesso de imaginação decaindo para
to que guardam do discurso que compõe o interior do livro, eles • t•lll 'llild ad •; no segundo- observação sem método e falta de
1 llllitll'll to •stético da forma ... E'<cetuando alguns homens notá-
serão analisados em separado, para depois serem retomados quan
' I 1' 111 l'I C·ncias, ... , nenhum filósofo de incontestável mérito po-
do forem levantadas as transformações do pensamento de Gon-
li• 11111', apr ·sentar entre as mediocridades européias. Eis, em suma,
zaga-Duque no decorrer de sua trajetória como crítico de arte. 1 11 i.t t•s piritual do povo brasileiro. A única preocupação do povo

1 1.r 11 1 política, esta política que protege e sustenta uma escória

8 Taine, H. Filoso(ia da Arle. São Paulo, Edições Cultura, 1944, p. 145 . 11 c'IIJIOeira- esta política de campanário, inútil e estéril...

24 2S
loca l, c1ut• vinlt<l :-w nd o pmct•ssatla no l ~io d • Jan •iro p •lo ·pinto-
Como é possível perceber, esta moldura iniciada por Gonza- n•s lo p(• ríotlo co loni'l l. l·:m s gun lo, t ria introduzido no país
ga-Duque para enquacfrar a arte brasileira, não podía ser mais un 'l sino l •s ·ara tcrizador dos elementos autóctones, produ-
pessimista: numa sociedade formada por sujeitos desclassifica- zindo uma arte sem significação para o país.
dos e submetidos a explorações de várias ordens, faltava qual-
Aqui fica claro que foi o método de Taine que possibilitou a
quer possibilidade para o surgimento de uma arte genuína, ca-
;onzaga-Duque conceber esta visão crítica sobre a Missão Fran-
paz de ser original. É com ironia que o autor, ao finalizar o pri-
<'<'Sa (e que abalava a própria Academia Imperial em suas bases).
meiro capítulo, cita textualmente Hyppolyte Taine: "Telle est en
/\s obras dos pintores coloniais, elas eram frutos legítimos do
ce pays la plante humaine; il naus rest à voir l'art qui est sa fleur'.
111 •io carioca. Já os artistas vindos com a Missão e formados atra-
Discutidas as causas, ou "la plante humaine", Gonzaga-Du- v(•s dela, teriam introduzido uma produção sem aderência real
que passa a analisar "sa {leu r'. O autor irá dívidir a produção na sociedade brasileira.
artística carioca, em três grandes fases: "Manifestação" , "Movi-
Foi esta postura que fez o autor valorizar o conceito de "es-
mento" e "Progresso".
1'01'1 fluminense de pintura" cunhada por Araújo Porto-Alegre
A fase de "Manifestação", compreenderia o período iniciado t•m sua "Memória", e a ironizar a proposta de "Escola Brasileira",
em 1695 - ano em que Frei Ricardo do Pilar "acolheu o claustro" l'!'ita pela Academia para agrupar toda a produção realizada sob
no Mosteiro de S. Bento no Rio de Janeiro, até a chegada da ,' \ tt\ influência. Na produção acadêmica não era possível perceber
Missão Francesa, em 1816. n "f ição nativa" , já que ela era fundamentalmente cosmopolita
A fase "Movimento" iria de 1831 até 18 70. O autor não deixa uma arte sem tradições e sem uma estética própria. Já na
explícito no texto, mas parece que essa última data foi escolhida "t•scola fluminense", era possível perceber a coerência entre suas
por coincidir com o fim da Guerra do Paraguai - o que, para obras e o meio que a criou.
Gonzaga-Duque, deveria ter concorrido para alguma mudança mais
significativa na produção artística brasileira. 1831 corresponde
ao ano em que Debret teria deixado o Brasil de volta à França. Uma arte cosmopolita: visão negativa
A fase "Progresso", por sua vez, iria de 1870 até a data de
publicação da primeira edíção de A Arte Brasileira. Finalizada a 1\. conclusão de que o caráter da arte brasileira era "cosmo-
narração desse período, Gonzaga-Duque passa às suas conclusões. IIOII ta" , foi encarada por Gonzaga-Duque igualmente de maneira
lii'P,ati.va, pelo menos em A Arte Brasileira. 9 Percebe-se aqui que o
Ali, o primeiro objetivo do autor é, finalmente, posicionar-se
"1 1to r desejaria encontrar na produção visual local, índíces de
sobre a proposição da Academia Imperial de Belas Artes do Rio
de Janeiro que, como foi mencionado, havia montado uma mos- tl ltta brasilidade insuspeita.
tra paralela à Exposição Geral de 1879, chamada "Escola Brasilei- l'ara ele, pelo menos a Guerra do Paraguai, e tudo o que ela
ra", e que, após o término do evento, cristalizara aquela mostra lt •rln significado em termos de uma tomada de consciência nacio-
especial em seção permanente de sua Pinacoteca. 11 11 , <1 veria ter propiciado a formação de uma "escola brasileira",

Numa atitude bastante ousada, Gonzaga-Duque não se furta


•1 ~luis tarde, em outros textos do autor, como será visto, Gonzaga-Duque
em declarar que a Missão Francesa havia sido um mal para a arte t r'HI ISl'o rmaráessa sua visão primeiramente pessimista do cosmopolitismo
brasileira, pois seria ela a responsável por dois fatos gravíssi- dt~ un e brasileira.
mos. Em primeiro lugar, teria interrompido uma tradíção visual

27
?R
o que não ocorreu. Após levantar todas essas questões, ele se prom<·t • lor · d 'I ois tombam. rapitlam ·nt ·, outros st·a ionam
pergunta: "Esse desnacionalismo ameaça continuar?" E responde: para lOdo o s ·rnpr •. J ·st daqu ·1 lado, na obra de um artista
r ito orno na obra de um principiante, encontra-se sempre a
... É de presumir que sim, pois nação nova como é o Brasil inspiração trangeira: assuntos imitados. A paisagem brasileira
tendo em seu seio elementos que não podem receber direta~ é interpretada como os mestres interpretam a paisagem de ou-
influências do meio nem têm pela nação outros interesses que tras regiões; é difícil saber, às vezes, qual natureza os pintores
não sejam os pessoais, já está além disto, segundo as expres- desse gênero pretendem representar. E, se copiam bem o a~pecto
sões do Sr. senador Silveira Martins, "arruinado por efeitos de geral da natureza, falseiam irreverentemente a cor local ...
causas em muitos anos acumuladas pela política bastarda da
centralização, da intolerância e das injustiças". A constatação a que chega o autor é que o "torpor intelectual"
r gia a produção artística brasileira. Para ele, nem idealistas nem
Como se percebe, Gonzaga-Duque volta ao ambiente sociopo-
r alistas conseguiam articular uma visualidade própria para a arte
lítico brasileiro e à "planta humana" local para entender a falta de
brasileira, porque todos imitavam os mestres estrangeiros. Mesmo
nacionalismo na arte brasileira. Tentando aprofundar a questão,
os paisagistas - e neles, percebe-se, estaria uma outra esperança
o autor iria buscar na problemática da educação, da formação do
elo autor para se atingir a "arte nacional" - , mesmo eles sofriam
artista brasileiro, razões talvez mais concretas para compreender
clo mesmo problema: interpretavam a paisagem como os mestres
a inexistência de uma arte nacional no país:
c·~tTangeiros. É, o "desnacionalismo" ameaçava continuar ...
... Ora, sendo as profissões letradas as que maior interesse No entanto, após construir essa moldura tão pessimista para
despertam ao brasileiro, é claro que a arte, considerada até há 1 hi tória da arte brasileira e da situação artística de sua época,
pouco um desprezível ofício de negros e mulatos, medrada em
( :onzaga-Duque lança uma possibilidade para mudar esta situação:
país onde não estão ainda desenvolvidos o luxo e o bom gosto,
ficasse destinada às classes pobres, aquelas que não podiam
... Em um país colocado nas atuais circunstâncias em que se
educar convenientemente seus filhos para fazê-los entrar nas
Academias... acha o Brasil, só estudos longos e muita meditação podem ele-
var o artista a sua merceida posição de dar-lhe os elementos para
'l ua independência de pensar e de agir. Em tais colisões[sic]
Entrando finalmente na questão da extração social e na for-
dir-se-á como Pierre Petroz:
mação do artista brasileiro, Gonzaga-Duque chega a uma primei-
ra constatação, fundamental para entender seu pensamento, nes-
S é indispensável exercitar a vista e a mão não é menos indis-
te PrimOO'o momento de sua trajetória:
flltnsável cultivar o espírito. Saber para poder, tal deve ser antes
i/ tudo, a divisa da arte.
... Daí, portanto, os insignificantes conhecimentos dos nossos
antigos artistas e a superficialidade da maior parte dos moder-
nos. Para chegar-se a esta conclusão basta lançar o olhar para as l'ara Gonzaga-Duque, somente através do estudo o artista
mais recentes produções. Todas as obras acusam um grande 111 .w I iro, em última análise, abandonaria sua condição de mero
torpor intelectual, nenhum pensamento superior as veste; ... Os ttlt'llíiO, capaz apenas de reproduzir modelos preestabelecidos,
artistas que se inspiram na realidade têm, em geral, uma noção p.u 1 transformar-se num "verdadeiro" artista, isto é, um profis-
falsa da arte; os idealistas degringolam para o incompreensível, lntt:d que, além da habilidade manual fosse capaz de elaborar
acusando a decadência de uma arte que ainda não teve estabilida- t 1111 pl't sarnento e uma ação original no campo da arte. Só assim,
de, porque nunca teve unidade de e-xpressão. Uns chegam a estado dt ' "' ~·a ndo a independência do "pensar e agir" é que o artista

28
29
lo ·al poderia vir a criar uma arte onde o "torpor intelectual" não 11111 n vt•z qut' 0 honH'ttt <' o nwio brn.·llt•lros llitO l'onlll1Vll11t 11111 .1
fosse seu qualificativo primeiro. lm s<' sóli la nara tal surgl tn nto.
No •ntanto, s nos prim iro '11timo 'ar ítulos (• pt~l<'ttlt' t•::::,,
visí.O ·mtipática do autor m r lação :, art 'aos artis tn s do 11"''·,
A moldura e o quadro 110 lnt 'rior de A Arte Brasileira, pelo ontrário, o Qtt<' S<' 11ot.t 1'
111 na mpatia, uma aderência do me mo à maioria dos a~·tt~:tall 1•
Uma arte cosmopolita, produzida por artistas perdidos em das obras que comenta. Nesta parte do livro, v~ -s o <'~''.'~~·o 1' 0
torpor intelectual, são essas as considerações básicas com que lt storiador buscando seu objeto, lutando para sanar as cltl intltl:t
Gonzaga-Duque conclui A Arte Brasileira. Porém, a visão negativa tl<•s surgidas pela falta de documentação sobre artistas t' ol>t'il~l, 1'
do autor não se resume a essas conclusões. Ainda no último capí- a ima de tudo - , a tentativa de refletir sobre a art aqui pro
tulo do livro, Gonzaga-Duque, ao se referir aos artistas brasileiros tluzida a partir de critérios estéticos conectados com o cl<•llnl 1'
do século XIX - muitos deles ainda em atividade à época da publi- .1rt ís ti co internacional.
cação da obra -, não lhes poupa considerações desabonadoras.
primeiro dado a se perceber neste caso é que at: a _t.tl iIi ·;:n
1•110 dos ensinamentos de Taine por Gonzaga-Duq~e, _e dtl<•n•nll'
Ao se referir aos artistas do período "Progresso" - exatamen-
te seus contemporâneos -, o autor afirma que essa designação
1tos apítulos interiores do livro. Se no primeiro e último ca ptllt
indicava apenas a "estabilidade do ensino acadêmico e o maior los, 1 ercebe-se o pensamento do autor.franc~s e~ suas co n ~·~:~~..
número de produções e produtores" porque, a princípio, nada dis- t'O<'S gerais, no restante do livro seu metodo e utilizado __ m S( 11. .
tinguia os artistas desse período de seus incaracterísticos anteces-
1•1t•n ntos mais específicos. E Gonzaga-Duque não se unlml i\! H'

11 ,1. ' das proposições de Taine. Além dele e do trabalho ~c ~r;llt,tn


sores. Quando cobra desses mesmos artistas obras inspiradas na
história e nos costumes brasileiros, esquece propositadamente a l'mto-Alegre -usado para a narração do ambiente ~tlst.H'O r;t
produção de alguns seus contemporâneos, que tentavam introdu- tloca do período colonial-, o autor de A Arte Bras~lezra la:. ~~~:~
zir esses temas em suas produções. Ao se referir às pinturas que 1t1• cc•rtas proposições de outros autores contet?-poraneos, sol> •<
celebravam as batalhas, pinturas surgidas após o término da Guer- lt tdo aquelas do historiador e filósofo francês Eugene Veron.
ra do Paraguai (referência às produções de Vitor Meirelles e Pedro
Américo), classificava-as de "raquíticas e inúteis". l·:sta postura mais inquiridora, menos preconceituos_a, e llliliS
, otH'Ctada com métodos de análise que, de alguma manerra, tent.a
Mesmo quando escreve sobre a falta de conhecimentos dos
,1111 pensar a arte em seus aspectos mais específicos, como. lol
artistas modernos locais, não chama a atenção para nenhum ar-
d tio 1raticamente acabou por transformar as duas partes do ltvm
tista que pudesse ser exceção à regra que estabelece.10
1 , ;•studo em dois ensaios autônomos. Porém, mais tarde, •n .Oli
11
Ainda em suas conclusões, Gonzaga-Duque exclui proposita- 11 ,1s obras do autor, quando ele (como será visto), acabou por .11111
damente qualquer valor positivo da arte produzida no Brasil no 1. 11 mn posição pessimista- de base-, em relação à arte brasil(•t

1 .1 , .m universo mais vivo que formulou sobre essa mesma ar~·. nos
século XIX, para marcar bem seu conceito preestabelecido sobre a
impossibilidade da existência de uma arte de qualidade no país, , ,111 nulos interiores da obra em discussão, Gonzaga-Duque m:l ,'t'
'' '"'sf'onnar no primeiro crítico brasileiro a formular uma v1sao
10 O que contradiz o próprio posicionamento do autor quando se refere, no IIII ' IIOS provinciana sobre a arte produzida no país, e sob~e os PI'O
interior do livro, a determinados artistas, como Henrique Bernardelli e Bel·
• 1 , 1111 as que ela deveria seguir para alcançar sua autonomia.
miro de Almeida, por exemplo.

31
30
Ant s porém de ntrar nessas questões que dizem respeito mo Jag m t •ri u nnis valor que uma escultura e um p~oc:s~o
às transformações do pensamento de Gonzaga-Duque no decor- j urícli o t nografado ·cria mais artístico que uma obra !iteraria.
rer de sua carreira como crítico de arte, seria importante voltar ao
Mais do que imitar fielmente tudo o que está na realidade,
interior de A Arte Brasileira para tentar entender como ele formu-
aberia ao artista captar o caráter essencial do objeto representado:
la uma visão menos preconceituosa sobre seu objeto de interesse.
Neste sentido, em primeiro lugar seria importante tentar ca- ... o próprio de uma obra de arte é dar o caráter essencial, ou,
racterizar o pensamento estético de Gonzaga-Duque em oposi- pelo menos, um caráter importante do objeto, tão domi.ÍJ.ador e
tão evidente quanto possível, e, para isto, o artista suprime os
ção à postura da Academia Imperial de Belas Artes, visível no
traços que o ocultam, escolhe os que o manifest~m, corrige ~s
em que ele está alterado, refaz os em que ele esta anulado ... 1
miolo de seu livro.

Embora neste trecho se perceba o perigo do surgimento de


Taine e Veron como antídotos ao idealismo acadêmico um outro tipo de idealização, fica nítido que, para Taine, estaria
fora de propósito, por um lado, uma arte baseada na imitação dos
Se para a Academia - a partir de seu porta-voz Bethencourt antigos mestres (como queriam as academias), e, por outro, uma
da Silva -, a arte brasileira estava mais "propensa ao ideal do que
arte que copiasse escrupulosamente a realidade aparente, com?
à cópia servil da natureza", para Gonzaga-Duque, parecia não ha-
1 sejavam certos partidários do naturalismo/realismo. Para_Tru-
ver distinção entre a arte aqui realizada e a produção internacio-
n , as artes imitativas formavam códigos estruturados a partir da
nal. Esta situação fica clara pelo fato do autor não ter criado um
r alidade circundante.
método de análise específico para refletir sobre a arte local. A
este partido primeiro (que, de alguma maneira, faz ressoar a base Reforçando esta postura, Taine ainda considerava como pon-
do conceito de cosmopolitismo presente no último capítulo do tos altos da história da arte universal a estatuária grega do
livro), o autor alia uma predileção pela produção artística preocu- p ríodo clássico, a pintura do Renascimento italiano, e dos
pada com a captação da realidade circundante - predileção esta Países Baixos (Rembrandt entre outros). Além do fato dessas
também visível no pensamento de Hyppolyte Taine. produções terem surgido como conseqüência de condições ra-
<'iais e sócio-históricas privilegiadas (o que estaria de acordo
Além de seu método baseado no estudo da raça e do meio
t·om os princípios gerais de sua estética determinista), o que
histórico-social para o entendimento da obra de arte, Taine igual-
haveria em comum a esses três momentos da história da arte
mente acreditava que as artes estavam divididas entre aquelas
, Pria que, neles, todos os artistas souberam criar suas obras
que possuíam por característica a imitação da realidade (poesia,
lt•ndo como base a imitação do real, uma imitação filtrada por
escultura, pintura), e aquelas que operavam a partir de combina-
r nas capacidades de evidenciar as características dominan-
ções matemáticas (arquitetura e música).
lt·s dos objetos retratados, características muitas vezes ressal-
No terreno das artes de imitação, segundo o autor francês, l.tdas a partir da anulação arbitrária de outras.
todas as grandes escolas artísticas estiveram fadadas à decadên-
Este interesse pelos "momentos realistas" percebidos pelo
cia quando abandonaram a imitação do real e o modelo vivo, a
favor da imitação dos mestres. lllosofo em questão, seria muito comum durante o século XIX, na
1 , 1ti a de arte francesa - sobretudo o interesse pelos artistas
Isto não queria dizer, absolutamente, que a arte devia consis-
tir apenas na exata e completa imitação pois, se assim fosse, uma 1I Taine, H., op.cit., p. 30.

32 33
do Paí es Baixos. Não apenas Taine, mas igualmente Thoré, Fro- ... la mitologia(' da rn tafísi a... Co qu' xpli a a progressiva
mentin, Veron e outros, escreveram sobre artistas holandeses e pr domtnrm ia da xpr s ão na art ; por isso que o desenho
belgas, certamente motivados pela própria produção artística da dos s nllmcnto das pai'<ões a invade a cada dia um pouco
época, contaminada sobretudo por pintores preocupados com mai ; ' por isso que a paisagem, isto é, a ~"Pressão das emo-
questões ligadas ao naturalismo e ao realismo - Courbet, Th. çõ s do homem em face da natureza tomou, desde há 40 anos,
Rousseau e outros. um lugar e uma importãncia cada vez mais considerável... 14

Se Gonzaga-Duque foi influenciado por Taine, ele o foi igual- Veron, ainda mais que Taine, se apresenta como um autor dis-
mente por Eugéne Veron e deste pensador, parece claro, o autor t<mciado dos cânones acadêmicos, preocupado em enfatizar a li-
brasileiro retirou certas idéias também fundamentalmente con- b rdade individual do artista e sua originalidade. Porém, todo este
trárias ao pensamento acadêmico da época. di tanciamento não o leva, absolutamente, a aplaudir as experi-
Também ele um determinista, Veron assim definia a arte e as rn ntações que cada vez mais via ocorrer na cena artística européia:
artes plásticas em particular:
... Esta criação [a pintura], ... chegou a ser o mais perfeito espelho
das coisas e o meio mais completo e ~"Pressivo de traduzir as
impressões do homem em face dos espetáculos da natureza.
... a arte não é senão uma resultante natural do organismo
Toda a sua história se ~"Plica por este duplo caráter: uns, aten-
humano, que é construído de modo a e;'<perimentar um prazer
dendo somente ao seu poder de imitação... limitaram seu papel à
singular em certas combinações de formas, de linhas, de cores,
tradução literal dos espetáculos visíveis ... ; outros, ... , fascinados
de movimentos, de sons, de ritmos, de imagens ... As artes plás-
ticas, feitas para a visão, manifestam essas impressões pela pelo seu poder de ~"Pressão, chegaram a considerar esta arte
interpretação dos objetos, das formas, das atitudes, das cenas uma espécie de suplemento à linguagem escrita ou falada, e
reais ou imaginárias que as criaram .. .12 tentaram impor-lhe as simplificações, as abreviações e as conven-
ções que o uso e a necessidade sempre acabam por introduzir em
Assim, o artista: toda a espéde de linguagem.
Grandes pintores são aqueles que têm podido resistir a essas
duas correntes e condliar numa suprema unidade este duplo
... Contanto, que observe as normas positivas,que resultam das
aráter da pintura.
necessidades fisiológicas de nossos órgãos, e que são as únicas
Atualmente, após diversas oscilações, o público, fatigado das
certas e definitivas, não deve ele preocupar-se com as convenções
simplificações da escola acadêmica e das fantasias, por vezes
e os moldes acadêmicos. Ele é livre, absolutamente livre no seu
artificiais da escola romãntica, recai na procura do verdadeiro;
domínio, sob a condição ~"clusiva de ser sincero em grau absolu-
tem sede de sinceridade... 15
to, de não querer ~"Primir senão idéias, sentimentos e emoções
que lhe sejam próprios, e de não se modelar a ninguém... B
t:: ta busca do "verdadeiro" e da "sinceridade" na obra de
tt 'll' e, por um lado, tomará este tipo de pensamento refratário
A partir desta negação ao conformismo das academias, Veron .t• correntes mais ousadas da arte francesa do século XIX, por
vê positivamente o progressivo afastamento da arte do século XIX 11IIII'O, não fará com que Veron se esqueça das especificidades
dos ditames da tradição. Para ele, cada vez mais a arte se afastava: dn 11 ·ódigos artísticos. Talvez mais do que Taine, Veron, na obra

12 Veron, Eugene. A Estética. São Paulo, Edições Cultura, 1944, p. 9.


1I Vnon, E., op.cit., p. 11.
13 Veron, E., op.cit., p . 10.
I I v~· ron, E., op.cit., p . 105.

34
35
itada, irá p~stula~ c~rtos conceitos sobre cor, linha, compo.sição l •i1'or poc.l rú '11 ontrar muitos x mplos deste fato no
etc., _q~e serao assimilados de maneira efetiva por seu discípulo 11 t 'rior cl A Arl Brasileira. Aqui, chamo a atenção apenas para
brasilerro, Gonzaga-Duque.
H distinção que o autor realiza entre as obras e as posturas de
Vi to r M ir lles e Pedro Américo, evidenciando seus critérios e s-
I •ti o , afastados dos cânones acadêmicos.
Gonzaga-Duque versus o gosto acadêmico
No caso do perfil e da análise que traça de Pedro Américo e
llla produção é nítido como o autor valoriza a obra "A Batalha do
Analisando os capítulos interiores de A Arte Brasileira, per- vaí", naquilo que ela possui de mais inovador, em relação à
c~be-se _que Gonzaga-Duque também seguia Taine em suas con- ll':tdição acadêmica - ou seja, o estilo pessoal de Américo:
Slderaçoes sobre o "método moderno", para a análise das obras
de arte:
artista abandonou as cediças linhas da composição acadê-
mi a, e compôs o sujeito como melhor entendeu, para transmi-
.. . O método moderno que procuro seguir, e que começa a in- tir mais fielmente a impressão recebida. Para alguns constitui
troduzrr-se em todas as ciências morais, consiste em conside- ('SSC modo de proceder um imperdoável erro, porque é despre-
rar as obras humanas, em particular as obras de arte, como zar os mais austeros princípios da arte. Se, entretanto, indagar-
fato~ e pro.dutos cujos caracteres é preciso notar, e cujas cau- mos bem da causa que provoca a impersonalidade em artistas
s~s e. pr:nso pesquisar; nada mais. Assim compreendida, a I • uidados estudos e de inteligências assinaladas, acharemos
nenna n~o. proscreve nem perdoa; verifica e explica... Quanto a ('Omo causa fundamental esses austeros princípios da arte, que
ela [a estetica de Taine], tem simpatias por todas as formas de tanto preocupam aos críticos convencionalistas.
~te e P~r todas as escolas ... ; aceita-as como outras tantas ma- Umitar o artista a copiar a linha de composição desse ou da-
mfestaçoes do espírito humano; julga que, quanto mais nume- qu le mestre antigo, de Rafael ou Rubens, de Leonardo ou de
rosas e contrárias, tanto mais mostram o espírito humano por I{ •mbrandt, é negar o direito do estilo, que é a afirmação da
nova~ e n~erosas faces; ela faz como a botânica que estuda Individualidade. Copiar dos mestres as obras-primas é procu-
c~m Igual mteresse ora a laranjeira e o loureiro, ora o abeto e a nr imitá-los, e a imitação não faz mais do que realçar o mérito
betula; ela própria é uma espécie de botânica aplicada não às do original.
plantas, mas às obras humanas ...16 '
' I) ' resto, quem imita é porque não pode inventar.

. Assim, o que se nota no texto do autor brasileiro é uma tenta- St' m "A Batalha do Avai", Gonzaga-Duque reconhece a pre-
tiVa de ~álise distanciada, sem partidarismo. Procura conhecer a ' ' IH,':t de um artista "inovador", livre dos cânones da tradição
personalidade do artista, as circunstâncias que o levaram a reali- l .qu•:-:ar de todos os reparos que faz à personalidade e a outros
z~ ~~ ou qual produção, e poucas vezes deixa escapar alguma '' .tll:dhos do pintor), já na análise que faz da obra principal de
Oplillao pessoal mais direta sobre o que está observando. 11o1' Meirelles, "A Batalha dos Guararapes", o autor não se posi-

Porém, apesar deste esforço de imparcialidade, de analisar a ''"' trú da mesma maneira.
arte como se fos~e um herbário, percebe-se que Gonzaga-Duque, l'nra introduzir seu pensamento, Gonzaga-Duque lança mão
s~mpre que .poss1':'el, procura privilegiar certas obras de arte que d. 11111 t xto do pintor sobre a referida obra, lançado em 1880,
VIslumbra distanciadas do gosto convencional acadêmico. · •llilt• M irelles expõe seu apego à convenção e à tradição acadê-
1111• .t 110 ampo da arte.
16 Taine, H., op.cit. , pp. 18-19.
t '0111 ntando o texto de Meirelles, Gonzaga-Duque conclui:

36 37
... ~ ~ inteiro, dos pés à cabeça, da cabeça aos pés, quem aí
Artista mod mo ·ra aqu 1 que pintava temas modernos: a cida-
esta. E o antigo discípulo de Consoni e de Delaroche, ouvindo
com respeito a palavra dos mestres, aceitando como um faná-
d m transformação, seus agentes (burgueses, proletários), e o
tico aceita as inspirações da crença, todas as teorias que lhe s u cotidiano.
ensinaram, que lhe meteram dentro da cabeça .. . Para Gonzaga-Duque- influenciado pela filosofia positivista
... Toda a obra produzida por este artista é, pois, uma obra que infestava certa intelectualidade carioca da época - , a arte
vagarosa, cuidada, caprichada no arabesco, de colorido bem moderna, fugindo dos temas ligados à tradição, devia preocupar-
combinado, em suma, correta.
s em enaltecer cei"tos valores morais da contemporaneidade bur-
Não será, nunca, uma obra extraordinária, opulenta de vigor,
~esa, sobretudo a família.
audaciosa, sincera, espontânea, viVificada por esse clarão es-
tranho que se intitula o gênio. Não; isto nunca... A partir dessas predileções é que o crítico iria considerar o
1\hneida Jr. autor de "Fuga para o Egito", um artista moderno. Ao
É bastante significativa esta posição de Gonzaga-Duque entre ·malisar "Arrufos", de Belmiro de Almeida (para quem teria posa-
as duas pinturas dos dois principais artistas do II Império, porque, o para a figura masculina presente na obra), Gonzaga-Duque
desde a Exposição Geral de 1879 havia surgido uma grande polêmi- iria considerar o pintor um artista moderno por excelência, jus-
ca no meio artístico carioca, cujo assunto era decidir qual das duas l'am.ente por explorar um tema "doméstico":
obras era a mais significativa, qual dos dois artistas era o melhor.
O autor, com distanciamento, e a partir de critérios básicos
... o pintor desprezando os assuntos históricos para se ocupar
de um assunto doméstico, prova exuberantemente que com-
de modernidade - o estilo pessoal, a liberdade individual -
preende o desiderato das sociedades modernas, e conhece que
de~a claro ao leitor qual das duas obras prefere e qual dos doi~ a preocupação dos filósofos de hoje é a humanidade repre-
artistas era mais digno de atenção por parte do público. sentada por essa única força inacessível aos golpes iconoclas-
tas do ridículo, a mais firme, a mais elevada, a mais admirável
das instituições - a família.
A modernidade em Gonzaga-Duque

O. apoio_ à liberdade individual do artista, ao mesmo tempo


O quadro e a moldura
que distanciava o crítico das convenções da arte acadêmica, o
faz_ entrar no território da modernidade das artes visuais, que
Gonzaga-Duque, um crítico antiacadêmico e moderno, como
entao se articulava na Europa e que podia já ser percebido em
alguns artistas brasileiros. l'oi possível observar, encontrava no ambiente artístico ao seu
l'<•dor, obras e artistas capazes de demonstrar, no Brasil, a exis-
Se tal "liberdade individual" estava bastante vinculada à que- 11 ncia de uma produção antenada com as grandes questões ar-
~ra dos valores acadêmicos de composição, do uso da cor, da 1 .· ticas e estéticas debatidas na Europa.
linha e de outros questionamentos puramente formais, estava
também presa à própria temática a ser explorada pelo artista. Eram obras e artistas conectados com os princípios da arte
Ptlropéia, sem dúvida. Não possuíam nenhuma raiz fincada na
. Pode-se dizer, inclusive, que no primeiro estágio da moder- ,. ':tlidade sociocultural do país, certamente, mas, pelo entusias-
mdade no campo das artes plásticas, a busca de novos temas era 1110 do crítico ao analisá-las (e aqui foram dados apenas alguns
o seu índice principal, muito mais do que as questões formais. 110ucos exemplos), causa estranheza lembrar que, no último ca-

38 39
d l al era um fato consumado. O
pítulo d J\ Arte Brasileira, ele os tenha simplesmente ignorado, '\ !'alta d arát ·r na ·ional a art 0 . b - fosse visto
ou desprezado. ~·osmd opolitisummoadqau~~a~~tpli!~~~~~!~
ain a como _
:;o:,r;:::enos já era
O cosmopolitismo e o desnacionalismo que Gonzaga-Duque a ito sem maiores problematizaçoes.
aponta de maneira tão pessimista e negativa em sua "Conclu-
- do cotidiano do jovem crítico de arte
são", são os mesmos que ele percebe, sem nenhum desses traços centrado na narraçao le
desabonadores, no interior do livro. 'amillo e de suas relações com jovens artistas e com outros e -
' ' . . do final do século XIX, percebe-se no ro-
Mais uma vez, torna-se evidente a cisão entre a antipatia do m ntos ~a Vlda carwc:utor dará (através de Camillo) à necessida-
autor em relação ao seu objeto, na moldura que constrói para a n ance a ~nfa~~;~;e~o se libertar de modelos preestabelecidos e
arte brasileira, e a empatia que é percebida no quadro que traça. d do arnsta , . . dividualidade Investimento este que
investir em sua propna m t -· de uma arte nacional,
Esta cisão, que mostra muito bem o quanto Gonzaga-Duque - . · ·s claramente a cons ruça 0 ,
nao VISaria mru , . . . al máximo possiVel
estava dividido em relação à arte brasileira, na época em que a produção arnsnca ongm • 0
escreveu o livro, como foi dito, só iria se resolver de maneira mas apenas ~ di . ais Como se vê, é possível pensar as
fora dos padroes tra cwn . em questão como uma aplicação,
original nos outros trabalhos do autor. argumentações do personagem . nza a-Duque.
Se a pressão do meio intelectual brasileiro da época, impreg- na prática, das teorias de Veron absorVIdas por Go g
nado pelas filosofias de viés determinista, obrigava-o a ter uma E -nfase à individualidade será passada por camillo ao
visão pessimista em relação à realidade e ao devir da arte brasi- ssa ~ . A , .o - talentoso, porém sem forças para lutar
leira, com o passar do tempo ela se abrandaria, e Gonzaga-Du- jovem arnsta grari . . o uma cena fundamental para o
que, então, passaria a constituir um outro posicionamento sobre
o problema.
:~~~.:.-:.:~:ti~:·=:~:::~:es pelas ; 'ais P~~":e"l~:~
. ões de Gonzaga-Duque sobre a art~ b~~e :gratrrio que hospeda o
- uarto de Mello Castro, pnm
I'Stao no q Camillo tenta convencer seu
. ue não tem onde morar.
A Arte Brasileira em Mocidade Morta pmtor, q . . to que rompa com a suprema-
jovem amigo a liderar um moVliDen
'ria da arte acadêmica no Rio:
Pouco mais de dez anos após o lançamento de A Arte Brasi-
leira, Gonzaga-Duque publicaria o romance Mocidade Morta em . arro [Camillol voltou teimosamente à sua
E preparand o o ng ...
1899, obra com a qual acabaria sendo reconhecido como uma .... , . . a nin ém poderia iniciar este movimento co~o ~ o
das principais figuras da literatura simbolista no país (na verda- ldeJ.a. - Olh 'habi:ade de pintar está acima das complacennas,
podes. A tu~ ou melhor que os teus mestres, gozas de
de, de uma literatura eclética, naturalista/simbolista).
~:.~::s ::o~;:nsa e de provada afetuosidade de te~s compa-
Embora fundamentalmente diferentes entre si, os dois livros ~ uis alma de artista, sabes ver, sabes sentrr. Rompe
guardam algumas semelhanças de pontos de vista, notadamente nherros ... , poss , . d inferno a Academia.
de vez com a chatice publica, man a a0
em relação à questão da arte brasileira. As constatações pessimis-
Pouco te custa!
tas do autor sobre a arte local vistas na primeira obra, por exemplo,
aparecem igualmente em seu romance, embora mais atenuadas. ~Vontade tenho-a eu, vontade não me falta ...
Em Mocidade Morta, Gonzaga-Duque parece ter recolhido seu
desejo de uma arte brasileira, por ter chegado à conclusão de que
=~t~~.~o~- ? .
É que eu não posso. Tu sabes que estas cmsas nao
-

41
40
.tl , t , ' una . a m sr. a, ap nas varian-
la clvlllz.a~· ,o lo C) '1 n ' , , ~ que vêm de acordo com
Slc na vontade do artista, são um conjunto de drcunstân- . . l ,-·ct ·' d s d xpr ao, -
lo •m paru u a ' " , da mel· o de produçao.
das .. .l7 d rninante em ca
o tra o P iqui o da raça o . . de hoje, talvez de amanhã,
ai oncluiremos q,ue, na Arnenc; ão existe essa característi-
Percebe-se neste trecho como a personagem do pintor se utili- sobrctudo na sua parte mendi?n ' :nc~so dos produtores, a
za de subterfúgios deterministas, derivados das idéias de Taine (o ca que acentua, pelo involu~tano ~s
"conjunto fatal de circunstâncias" nada mais é do que a raça e o origem nacional da obra arnsnca ...
meio brasileiros), para não assumir a responsabilidade de liderar o . . aulatino das idéias gerais de Taine,
rompimento com a Academia. Era a deixa criada pelo próprio au- Além do distanClamento p ~ mo Gonzaga-Duque começa a
tor para, através de Camillo, colocar sua visão mais atenuada so- P •rcebe-se também nesta citaçao co ·tos para a arte produzida
ectro de conce1 .
bre as idéias gerais do historiador e filósofo franc~s. A seguinte rormular um ?utro esp or uma visão que acredita ser o pais
resposta de Camillo demonstra muito bem que Gonzaga-Duque, já no Brasil, mmto paut~d~ Pd ultura ocidental sendo, portanto,
no final do século, vira-se obrigado a adaptar os pensamentos que lt •rdeiro de uma tradiçao a~ . "''S "cosmopolitas". Co-
. digos mternacwncu .
haviam influenciado sua formação original como crítico de arte, l<'!rítimo, operar com co danças para Gonzaga-Du-
> •• ~ · d todas essas mu • ·
adequando-os à situação do processo artístico brasileiro: 1no consequencm e . ul uma "raça"- que dar1a
'bilid de do Brasil forro ar .
qu , a possl ~. brasileiro à arte produzida no pais:
... Basta!. .. Olha, meu velho, tu saíste do internato de padra- ttm caráter especificamente . "após laborar de séculos .
1 futuro longmquo,
lhões ... E foi de lá que trouxeste este ranço. Tem paciência, o ,
1 .10· gada naque e . , m"am anh_,
a Ou seJ·a·. nem no presente e
conjunto estabelecido por Taine só é aplicável às velhas nações Portanto, nem "hoJe ne . : l pensar em uma arte com
o próximo sena poss1Ve
históricas. Nós outros, americanos, somos produtos de um a- tl tmnum fu tur . .
montoado de todas as raças, em que predomina mais esta do . . · ·camente nacionais.
rnractensncas np1 t- a
que aquela e, portanto, a nossa vida espiritual resulta da afini- . A rário confuso, pergunta en a0
dade da raça predominante que, para nós, brasileiros, é a lati- Voltando à cena do livr~,. ~ enfa~izar justamente a busca da
na, pelo ramo português.. . Tu não ignoras... que somos um ( ·amillo o que fazer e este, ai, rr. a (uma questão certamen-
povo independente por sua .política, temos as nossas leis, a ll lividualidade do artista em Sl m~eron), nem mais aludindo

nossa administração interna, somos uma nação ofidalmente cons- \I' aprendida por Gonzaga-?:~~ ealidade levaria, pelo "involun-
tituída. Ora bem. Mas ... Esses atributos não pressupõem na- ,\0 fato que essa busca da m ~ u num futuro remotíssimo - ,
cionalismo, na verdadeira acepção do termo. \,trl concurso dos produtores. - .
Insensível, inapercebidamente, opera-se conosco a fusão dos mais • gun·ento de uma arte nacwnal.
,10 sur
dessemelhantes elementos, estamos num adiantado período cós-
mico. O que vier, após laborar de séculos, será outro povo ...,
desviado completamente do primitivo que, por sua vez, foi as- ···- ·n que hei de. fazer?
Mas, CaiDl o, . . aproveita 0 teu talento.
similado, fundido, apurado, como se tem dado com os cessan- ada ma1s s1mp1es. ·
_ Oh, senhor .. . n . . . Toma a tua palheta, va1
tes, minguados aborígines. A nossa preceptora espiritual ... é a . · ·a id10ssmcras1a.
Fntrega-te a tua propn olve esmiuça procura
Europa. Dela recebemos as idéias coordenadas, etiquetadas, . t da-a observa, rev , ' .
r ara a natureza, es u '. a a tua visualidade, fD{a
prontas para o consumo de seres mentais ... Sendo assim (o que l h' de ter urucamente par
n la o que e a a . ela dá-lhe a tua alma...
parece irrefutável) a Arte, para todas as nações que nasceram •ssa nota, desenvolve-a, viVe para '

17 Gonzaga·Duque. Mocidade Morta. Rio de janeiro, Oficinas da Livraria Mo-


111 ;onzaga-Duque, op.Cl't ·· ·p p · 42 -43.
derna, 1899, pp. 41 -42

43
42
- E depois?
a n Jma !) r(' I' 'nsa ai ·gorh à ubcrdade do solo, que
- Depois, terás conseguido a tua arte, nota bem - a tua arte! - rarl t ·•va
Vo a aon lavor ar das CIL'<adas com a P az entre Farrapos .e
E outros virão fazer com a mesma independência, animados pelo '' · · tinham sempre !l-
Monarquista ! As suas composições muslcaJs d t.
e;xemplo triunfante do teu lutar. Depois cairão os estafados tulos característicos, lembrand o os deng ues peraltas a mes I-
preceitos do academicismo, o sistema métrico das concepções çagcm escand eso"d a.·· 20
guiadas, os dogmas estéticos do ensino oficial. Aí tens tu, é o
início da revolução com que sonho ...19

É perceptível que Gonzaga-Duque já em Mocidade Morta pa- Contem porâneos e A Arte Brasileira
rece apostar apenas na progressiva qualificação do artista brasi-
O distanciamento de Gonzaga-Duque em relação à questão
leiro e não em uma hipotética - e inexistente - arte nacional.
la arte nacional brasileira iria aumentando paulatinamente com
Por outro lado, se na "Conclusão" de A Arte Brasileira existia 0 passar dos anos. .
uma queixa explícita de Gonzaga-Duque pelo fato dos artistas Em seu livro Contemporâneos, coletânea_ de textos ~ubli~~g~
locais não tomarem como tema para suas obras cenas oriundas Ostumamente (1929) e que contempla o penodo que VéU~~ d
da história, da literatura ou da realidade "típica" brasileira, em · t ensamente como cnnco
I't 1908 (quando o escritor atuavam t tale
Mocidade Morta essa queixa já não existe. Pelo contrário, o autor ~ r ·e Gonzaga-Duque, na maioria dos artigos, enc~ntra-se ~ ~
chega até a ironizar os artistas que se dedicam a esse tipo de
temática, sobretudo através da descrição do personagem Salvia-
~~ l~~e
t alheio à questão da identidade nacional. M~s
_d o que Isto.
o autor mostra-se impaciente quando esta problematlca aflo~a na
no, artista preocupado em fazer arte nacional a qualquer custo, produção de certos artistas, demonstrando que seus questiona-
quer na literatura, nas artes plásticas ou na música:
das artes visuais estavam voltados para ques-
rn ntos no campo balh s que anali-
1ô s relativas mais à qualidade artística d~s t:a o .
... Era um nada rouco, precipitava as palavras, salivando, de
,• ava, do que propn·amente quanto à predileçao dos artistas por
instante a instante, os lábios com a ponta da língua. Depois de
negociar o seu quadro histórico, dedicava-se à última demão 1t'rnáticas nacionais. .. .
dum romance, Nhá Cotinha... Silviano tinha um grande orgulho Comentand o o Sala-o de 1904' por exemplo, o cntlco,
. ao anali-
t ·
de seus méritos literários, ainda mais que do seu laureado dile- :-m1· a produção do pintor Modesto Brocos, ~ar::~~o: ~:i~~
tantismo musical, e esse livro ... enchia-o de presunção, porque I <'nsidade a má influência que as obras regwn
lhe parecia o início duma era regeneradora da literatura patri- ,Ir. teriam causado na produção de Brocos:
cia, transviada dos assuntos caracteristicamente nacionais por
desprezíveis imitações francesas. O seu apego ao nativismo era O professor Modesto Brocos, em Pintura a óleo ' só expõe um
ferrenho e feroz . Nos seus quadros históricos a preocupação ~uadro intitulado "Cena Doméstica"' pintado com o. sabor q~e
nacionalista esbarrava com exageros irrisórios. Em Poncho Ver- todos lhe reconhecem, mas despido de interesse e_stetlcolh. Po- e
de, que a meia voz pública comparava a um cromo de barraca, ser ue lhe não faltem admira. d ores... Eu, por mim
. ' e que e nao .
ele colorira com vermelho e ocre uma cabocla nua, sobraçando bate~ei as palmas nem aos que o copiarem, pm~, sobre achar fna,
imenso balaio de ananazes e cambucás, no intuito de abrasilei- d~sajeitada e banal essa "Cena Doméstica", nao compreendio o
. t a Poderá dar semelhante
deleite que a estesia de um artls alid d co oca-a
falha
19 Gonzaga-Duque, op.cit., pp. 43-44. Gastão Pereira da Silva, em seu livro Almei- ção de figuras, a que falta visivelmente natur a e e
da ]r., sua Vida e sua Obra (p. 89), se utiliza deste mesmo trecho de Gonza-
ga-Duque para demonstrar o antiacademismo do crítico carioca.
'() Gonzaga-Duque, op.cit ., pp. 197-198.

44
45
·omposição do asstmto.

av . . ~<:>-'
Essa maneira foi usada por Almeida Jr., que haVia perdido as ·ass- mpercebia alidade de produção
uma qumais · aceitá-
·ma-
e-"Xcelentes técnicas da estréia para se transformar num pintor jr.,1, dqualidade
sd qu esta que nao. na obra do pmtor l

pastoso, amaneirado e duro. Obteve, porém, sucesso e não peque- d fase regionalista.
no. Chegou a fazer discípulos. Mas, considerada a nossa incultura no, des e sua - 1904 Gonzaga-Duque voltará a
estética e essa intermitente pretensão de fundamentar uma arte Ainda comentando o S~a? de . ,al através do comentário
nacional com a Pintura de costumes, o e-"Xemplo poderia ser esco- . . tura de temanca regwn , . . da
s referir a pm . t de nome João Macedo, msprra_
da produção de um certo ~Is a o o crítico irá enfatizar que nao
lhido, e atenuado pelo apuro educativo dos novos artistas.
Agora quem lhe segue a traça, sem se preocupar com a correção do
num tema "caboclo". Aqm e nov l ·a bem desenvolvido pelo
Principal defeito, é o professor Brocas e na "Cena Doméstica" tem , "adverso" ao tema, desde que e e seJ
mais uma infeliz tentativa, como já teve nos "Filhos de Caim", não artista:
obstante seus reconhectdos méritos como desenhista .. 21
. os ao caboclo como assunto pin~-
··· Não serei dos mrus advers t. tl. co que o caipira; ao contra-
É interessante perceber que, em 1904, para Gonzaga-Duque idero menos es e t.
resco não o cons - falte talento ao ar lS-
já não importa mUito se o tema de uma pintura é regionalista ou ' d . desde que nao .
rio por ser boa aca emza, dr "1as o que devemos exigir e
não. Agora parece até perdoável para o crítico que alguns artis- ' b l cá lo no qua o. ,, ' .
ta para sa er co o - b l Ora todos os pmtores
tas desejem de vez em quando fundar uma arte nacional, através 0 l . ealmente ca o c o... ' l
que caboc o seJa r . h h ano que é o caboc o,
q d
da produção de "pinturas de costumes". Perdoável, porque não ue têm toma o por tema esse blc od um talqualmente
rr·
' ele e,..
b lh de o repro uz
parecia coisa mais tão importante ... Mais do que a temática esco- não se dão ao tra a o d b ro cozido argamassam-no
fazem-no e cera . . habilidades de artista e seus recur~o
d da terra ou e ar ' s
lhida por Modesto Brocos, o que Gonzaga-Duque critica em sua
obra e na de Almeida Jr. são as supostas deficiências de trata- consoante suas propnas l d lintra que nos desafia a
imaginativos ... E daí uma caboc a a pe ...
mento pictórico percebidas nas obras do segundo e transpostas ponta dos botms .
... 22
acriticamente para as do primeiro.

AqUi Gonzaga-Duque está distante do crítico que publicou A


Arte Brasileira, em 1888. Naquela época ele não via, mas desejava Uma arte cos mopolita·· visão positiva
uma arte nacional. Se ainda mantivesse aquele desejo, talvez as
supostas deficiências pictóricas observadas na fase regionalista , .. "d rodução visual local, se
Em relação ao "cosmopolitismo a Pvia como um mal e em
de Almeida Jr. não teriam se transformado em obstáculos para a
'm A Arte Brasileira Gonzaga-Duque o do em 1907 parecia en-
glorificação do artista, como exemplo a ser seguido pelos pinto-
res mais jovens (como seria proposto anos depois por Oswald de Mocidade Mort~, um fato consuma
como uma ualidade positiva da arte pro u
• d _
t nder esse carater como q t" do resumo que faz o
Andrade, Monteiro Lobato e Candido Portinari). Mas em 1904 o . , ue se entende a par Ir
crítico estava mais preocupado em como o artista devia resolver :r.ida no pais. E o q tes plásticas daquele ano:
-rítico de sua análise sobre as ar .
plasticamente os temas propostos, do que propriamente com a
origem de seu tema. Gonzaga-Duque parecia até não se importar demonstram-nos que as artes plas-
... Em conjunto, esta~ n~:~Vidade no decorrer do ano de 1907.
se as novas gerações se inspiravam ou não nos temas de Almeida ticas tiveram e-"Xcepcwn . . bstinação para o nobre,
" alta e prodlgwsa o
Não inculcam
para o filosóficoa e o nacwna
. l" qu e a moderna arte inglesa ca-
21 Gonzaga-Duque.
1929, p. 110. Contemporâneos. Rio de Janeiro, Typ. Benedicto de Souza,

~2 . pp. lll-112.
Gonzaga-D uque, op.crt.,

46
47
racr ris Ucamen t acusa ...
~em poderia ser assim. I '111 ... t' t\ d(' h Oj(' ...
E, antes, como a francesa d É uma art qu pod' ·ofrer confronto com a dos outros países
, escontando-lh d
norme, resultante direta da ale . e _a esproporção e- mais em evidência.
ver, da felicidade de esquece ~na de adrrurar, da alegria de Falta-lhe o cunho, a marca nacional? Mas senhores, a arte de
reza e dos seres que nel r pe o esplendor plástico da natu- um povo não resulta da vontade de um grupo nem da tentativa
a v1vem a ind "f
natureza, as baixezas desses m ' 1 erença dessa própria de uma escola.
de seu próprio pensamento" esmos seres e até "as torturas Nos países novos, nas condições especiais dos países america-
... Ela documenta a diversidad~ semi nos, em que o hibridismo das raças faz apontar os mais dispa-
cosmopolitas é um produt . mental das nossas origens ratados tipos, sem uma psicose determinada, sem o faceis por
' o vanegado da
formando com impulsos d s raças que nos estão assim dizer étnico; em que as tradições das primeiras ondas de
esgarrantes dos r f
e de que nos diferenciamos mai . lpos undamentais, colonização se perdem e (\ispersam rapidamente, não se pode
mos. Em todo caso e· um s rapJdamente do que supo- e-xigir uma caracterização de cenários, uma representação con-
, a prova da nos ·d
bral e uma afirmação d sa Vl a emotivo-cere- cordante e coesiva de indivíduos e costumes ... 24
e que somos Alguém ...23
Este valor positivo dado ao c .. Como se percebe, até aqui o discurso de Gonzaga-Duque de
no país faz com que Gonzaga-D osmopolitismo da arte realizada I 908 é coerente com sua Visão de que a arte produzida no Brasil
brasileira no que ela possuía de ~q~: perceba a p:odução artística t ria como característica básica o cosmopolitismo, já que o país
optar por um Viés supostam ari~~el, heterogenea, ao invés de s ria formado por um "hibridismo de raças".
E ente uruflcador, porém restrito
sta postura o coloca como o r · . .. .
tender que a arte brasil . p Imerro cntico no país a en-
eira se caracterizar· ·
que ela poderia estabelecer com . Ia ~ais pelo diálogo O nacionalismo ameaça continuar?
. a arte mternacwnal.
. O deseJo de uma arte nacional b
uma tipologia característica P , ase_ada em elementos de No entanto, logo a seguir o autor aparentemente volta a re-
vamente pelo autor Perceb' arece ter Sido superado definiti- c·uperar seu desejo de uma arte nacional, antevendo-a naquele
. e-se nessa nova
agora alia as características da so . d d b ~o~tura como ele m.esmo futuro longínquo, mas percebendo, aqui e ali, no presen-
duto variegado de raças" , Cle a e rasilerra - "um pro- 1 ',certos índices desse mesmo futuro:
mopolita", por definição. O ~r~~:: que ~qui se pro.duz - "cos-
agora positiva, que eXistia um l
a~sl~, c~ega a conclusão, .. . Mas, se o povo se afina por uma clara, definida aspiração
ciedade local e a sua prod - a r: a~ao mtnnseca entre a so- nacional, se os fatores da sua formação lhe transmitiram inten-
. uçao artistlca. samente o seu sentir e o seu modo de ser, que nós, felizmente,
E com esse mesmo pensamento contamos; se a sua expressão depende de uma só língua, em-
ce que vai finalizar seu dis ~ue Gonzaga-Duque pare- bora adaptada e corrompida, este povo virá a ter, indubitavel-
1908: curso na mauguração do Salão de mente, a sua arte.
Esperamos, pois, por esse dia próximo, e arte característica,
.. . Essa arte, senhores, marca uma . - verdadeiramente brasileira, surgirá desta natureza admirável,
hoje, representa duas geraçõe transJçao de ontem para desta luz de ouro, dessa alma popular feita com a nostalgia do
s que se confundem, a de on-
índio, a infalibilidade animal do africano e a alma lírica do
23 Gonzaga-Duque, op.cit., p . 213 .
· •I Go nzaga-Duque, op.cit., pp. 254-255 .

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?onugu . manlja e exul. Ela sur i . - .
unpressionantemente bela g ra, entao, Integra, pálpita urn profi sional qu om o passar dos anos percebeu que o de-
. . , como surg· •
te dos cmzeis os mármo h 1" . Iram sob a febre tremen-
res e emcos ar d , s nvolvim mo da cultura artística de uma nação está sempre
profunda da Forma sob . ranca os a adoração
B erana e Imortal ·omprometido mais com a qualidade das obras realizadas por
xmo. Sr. Presidente. ···
Antes de eu terminar, creio ue . .
s u artistas do que propriamente pelos temas escolhidos para
artistas brasileiros, expositor~ d~terpretei o pensamento dos cs a produção.
orgulho de, por esse modo sl, bizendo-vo~ que eles sentem o Se a questão do naturalismo na arte pode - e deve - ser
, co a orar na glo · .
cançada pela sabedoria e pat . . na unperecível al- ntendida como um primeiro índice de modernidade, mesmo
notismo do vosso governo_2s
quando se desvia, em países periféricos como o Brasil, para o
Aqui flagra-se Gonzaga-Du nacionalismo, a crítica de arte de Gonzaga-Duque, que não deixa
lancolicamente ufanista o de .qude retomando de maneira me-
. seJo e uma art . s contaminar por proposições xenofóbicas, pontua um territó-
nos sentnnentos das "tr" e nacwnal, baseada
es raças formador " · rio diferenciado na crítica de arte brasileira, entre 1870 até o
to d os esses conceitos a part· d as , apos ter superado
· · • Ir o contato dir final da Segunda Grande Guerra.
arnstica que analisou e P eto com a produção
rocurou conhecer. Operando numa época onde a questão do nacional na arte
Uma regressão do crítico e 1 - , brasileira estava apenas se iniciando, Gonzaga-Duque, como foi
riores, ou uma concessão a umm re ~çao as suas posturas ante-
leiTo por uma arte nacional tal possiVel desejo do Estado brasi- aqui em parte demonstrado, problematizou tal questão, desde o
ção da República? Afinal Af, vez acentuado após a Proclama- Início de sua carreira.
1908 ' onso Penna Pre ·d Em seus textos posteriores ao livro A Arte Brasileira, o autor
, estava presente à solenidad ., SI ente do país em
quele ano e, pelo discurso d G e de mauguração do Salão da- lrja deixando de enfatizar o problema, apostando na individuali-
ou precisava agradar o Pr .de onzaga-Duque, o crítico queria lade do artista local e em suas potencialidades em deixar a con-
es1 ente... •
lição de mero artesão, caso se dedicasse ao estudo dos proble-
mas gerais que envolvem seu metiê.
Gonza~~-Duque e a arte brasileira: Ironicamente, este crítico faleceu em 1911, início de uma dé-
uma Vlsao contemporânea cada em que o nacionalismo nas artes plásticas brasileiras passa-
ria a ganhar cada vez mais força, insuflado, em grande parte, pela
I' losão da I Grande Guerra Mundial.
Seja qual for o motivo que levou
o desejo por uma arte com . ~onzaga-Duque a enunciar No campo da crítica de arte, antecedendo o movimento mo-
em 1908 -após tê-lo su c~actensticas tipicamente nacionais cl rnista, Monteiro Lobato seria o herdeiro do naturalismo nacio-
este fato não deve nn · P dir~era o paulatinamente desde 1888 - nalista do século XIX, conceito que estruturou e deu maior di-
· . e
B rasileira todo um trabalh que se perceb '
a no autor de A Arte rn nsão, entendendo-o dentro de sua justa medida- uma ten-
Go o para a superação desta questão
1I"'ncia moderna, a única possível, do seu ponto de vista, para um
nzaga-Duque, numa história d .. .
deve ser Visto não com .. a critica de arte no Brasil pais como o Brasil.
. o um cnt1co nacio ali ·
muitos, sobretudo a Partir d úl . n sta (como querem No Modernismo, após breves instantes favoráveis a um diá-
esse timo trecho citado), mas como
logo mais aberto com a produção internacional, a maioria da
25 Gonzaga-Duque, op.cit., p. 255. •r·ítica e seus principais artistas iriam optar igualmente por um
dls urso de cunho nacionalista, para o qual chegariam a usar,

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51
muitas vczc , e tratégias formais não muito afastadas de solu-
ções de fundo naturalista.
Aspecto sempre presente no debate artístico brasileiro do
século XX, a necessidade de se pensar e de se construir uma arte
nacional só começaria de fato a deixar de ser uma questão para a
crítica brasileira, paulatinamente, a partir, sobretudo, do térmi-
no da Segunda Grande Guerra.
Neste último pós-guerra, a crítica e os artistas locais, em sua
maioria descompromissados com tais necessidades, iriam ope-
rar diálogos extremamente salutares com a arte e o pensamento
artístico internacional, cumprindo, talvez, finalmente, a predile-
ção pela diversidade na arte aqui produzida, vislumbrada em causas
alguns textos de Gonzaga-Duque ao longo de sua carreira.
Com a leitura de A Arte Brasileira, o leitor poderá introduzir-
se nas bases do pensamento estético deste crítico que, nascido
em meados do século passado (1863), conseguiu antever algu- I a decadência a Portugal têm sido es-
mas possibilidades para a arte brasileira, fora do eixo às vezes As causas qu~ l~varam_ e são conhecidas; não é este,
restrito demais da busca de uma identidade nacional para a arte Iudadas por notavels escntores, . ar .o que já é sabido, e es-
que se produz no Brasil. portanto, o oportuno lugar para r~pls
rrupulosamente contado. rm"tida ao organismo
~ . f . turalmente, trans -
Tadeu Chiarelli Essa decadenna 01, na . tr, pole uma colonizaçao
, d nos enVlar a me o ..
·ocial brasileiro, alem e B il "asilo cauto e homiZIO
. d d sendo o ras , " )
d J·udeus e degra a os, , qUl·sessem vir morar .(1
. rtminOSOS que al . .
traranndo a todos os c d r El-Dourado foi diVl-
,, romete o '
Colonizada a n?va terra, ~5~5) "cujos donatários tinham po~
dl a em 12 capitamas (1530- das"(2) e a doação f01
al o de cunhar moe ,
ti res soberanos, s vo ... d de entre nobres e estimados su-
\nrtilhada, com r egulada eqlll. a ' , 1 historiador que me serve
• . J - m DlZ o notave .
ditos de El-rel D. oao . . "Cada capitania deVla cor-
p ontamentos.
1\( autoridade nestes a t podendo estender-se para
60 léguas de cos a, . ,
l't'sponder a 50 ou s conquistas dos donata-
- - did ue se alargassem a . l .
0 .s rtao a me aq
· d · go da Esp
anh a obra do re1 co oruza-
a,
,. os". Porém, dep01S o ~u . o desmoronamento do que
1lor sofreu trans or
f maçoes tros que, do prior do Crato, as disso-
. f . m·evitável. As loucuras .
1• \t• f1zera, 01

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52
s mpre prontas e luzentes,
·om sab r, ond a padas estavam
lu çõ da duquesa de Mântua e de Miguel de Vasconcelos, fize- as olubrinas cuidadosamente escorvadas. .
ram de Usboa um couto de tratantes, regidos pelas leis da políti- c . . sultou o prisionerro que, por sua
ca da pilhagem, que corrompeu para sempre o nervo da força Dessas lutas mtestmas re trabalho do escravo
m escravo· e como o .
portuguesa. Prostituída lisboa, degenerados os costumes do povo, v z transformou-se e ' l ·zadores a prancar o res-
' . am os co om •
apodrecida e viciada a sua nobreza, esquecida a glória das ban- parecia lucranvo, começar ' . b e Anchieta concorreram
gate de índios. As missões de No rega .
deiras que acenaram, triunfantes, transpondo "os mares nunca
dantes navegados", não ficou do reino de Afonso Henriques mais muito para esse fim. . . , di
lhida sede dos missionar10s ' z
do que os restos, devorados pelo jesuitismo crescente, como os "Havia em São Paulo, a esco
sobejos de um jantar fidalgo lançado às matilhas famintas. Hou- o autor de As Colônias Portuguesas,
ve curto intervalo no desenvolvimento da desmoralização, em . ·ampara o sertão a descer
. d as bandeiras Sal _
que pareceu paralisar-se o mal; e isto foi quando a enérgica e uma feitona de on e omércio era feroz: a morte espe
escravos; a crueldade d~sse c .d-o a venda no curral era a
egoística altura política de Sebastião de Carvalho, o famigerado · t·am
rava os que reslS l .a escrav1 -a ,os jesuítas a ldaa
... d e cn·ar
Pombal, fez saber em todo o reino que havia um rei imbecil no sorte dos submissos. Twera~ ent: o trabalho dos índios em
aldeiamentos, onde monopo zav
trono dos braganças, porém que o braço forte e autor de todos
proveito próprio.(3)
os movimentos pertencia a um outro homem, soberano mais so-
berano do que o rei, e inflexível, resoluto como lippe. . . "bulando encômios aos jesuítas,
Uma autoridade msuspelta, turl .- dos jesuítas com os índios,
No dia em que o corpo de Pombal foi dado à sepultura, cor- confessa francamente que, da uruao me'rcio com a metrópole,
reu pela sociedade portuguesa um suor frio, anunciador de enfer- 1 um enorme co . .
resultou para aque es d mas (4) Estreitados assun, m-
midade próxima: era o anúncio de mal que se julgava paralisado. incalcula as so ·
donde provinham . la inteligência e pelas armas
Paralisado esteve enquanto a ditadura de Pombal durou, porém dios e jesuítas, a classe mrus forte p: ole que era a desses últi-
ainda seu cadáver não era devorado pelos vermes, já o jesuitismo ldados da metrop ,
garantidas pelos s~ . d o caráter de educadora; sen-
procurava erguer a cabeça do meio do abatimento em que jazera. . prunerra toman o . ·
mos, dommou a ' diç-ao dos indígenas fo1 eqmpa-
, · em que a con · di
Na colônia os emigrados sustentavam uma guerra atroz con- do, em 1609, epoca oficialmente curadora dos m os.
tra os naturais, arredando o elemento nacional para o interior. rada à dos colonos, nomeada d ç-ao administrada pelos
d al fosse a e uca
Temendo a ferocidade dos gentios os capitães-mores armavam e Compreendem to os qu deslumbravam os selvagens
sustentavam aventureiros, grupo cosmopolita de calcetas e trâns- missionários aos selvagens. Eles q~eli e que os amansavam e
d culto cato co,
fugas, que dizimavam as tribos, e punham fogo às malocas. Tor- com os esplendores o . . eles os escravizadores que
nou-se cruenta essa perseguição. À ofensa respondia a reação do domavam mais do que cateqmsavam_,ador~s que monopolizavam
ofendido. Quando os índios podiam, ocultos nas florestas, soltar patrocinavam as bandeiras, os negoCl os sobrenaturais, os sobre-
uma flecha da entesada embira, e fazê-la atravessar, rápida, o o trabalho do índio; ele~: os ~~:~~) e Aboze-Bebe (Nóbrega);(5)
corpo de um branco, não tremia-lhes a mão: era certo e fatal o humanos, o grande PaJe (~ dessas bestas bravias, ameigand~­
golpe; ao sibilar da seta, a preia caía, ensangüentando o solo, a eles, de resto, que eram peo t com deslumbrantes vesti-
lhes a desconfiança com brando ~es o~tudando-lhes o movimen-
rugir na agonia da morte. Os brancos não poupavam, também,
duras, previdentemente_ co~p~t~ .:~ : cultura nas aldeias, tal faz
ao inimigo a vida. Tinham armas bem preparadas, para os ata-
to e a língua , Para depms suJel a-
ques. Cada casa ou propriedade era um pequeno arsenal dirigido

55
54
. s idade do escravo negro,
A s d da l i a pr duzl~l a ~mo o continente Africano era
o '' Jiío para galgar a sela da indomada besta, - eles, digo eu, os índiOS raro poucos, e c undo inteiro levas de
1 orqu Os d ·aro para o m . .
educariam na escravidão disfarçada, isto é, nesta vida de traba- ande armazém de on e Sal Os próprios jesuítas, ffilSSlO-
b scar os negros. Quan-
lho contínuo para lucros alheios, em que o indivíduo julga-se ' cravos, l~ foram. u ercadores de carne humana. -
livre mas que, de fato, é escravo. Falsos espíritos, educados no nários na Africa, fizeram-se m urn bispo de Luanda, assenta
convencionalismo bíblico, acreditando piamente, ou hipocritamen- do os míseros negros ~mbarcavam. do cais, abençoava-os,(9) por~
te, que o gentio, assim como o negro, eram descendentes da raça do numa cadeira de m~more, PVI~vretor com cristãos. Não foramAf. s?
condenada de Caim, os jesuítas procuravam dominá-los, porque - odiam con · da n-
que h ereges nao P mércio com o armazem
os discípulos de Loyola punham em prática o plano de dominar portugueses que entraram em ·coores franceses e espanhóis merca-
o mundo em nome de Deus, não só com as armas espirituais, t s foram os P1 • fazenda negra.
'a· ingleses, e es e . dosa
, f enda a ren .d-
mas também com os instrumentos mundanos, a riqueza, a intri- d jaram a mesma az ' . bal bolindo a escraVI ao
· tes le1s de Pom a - ar-
ga e até a força.(6) Os colégios, que fundavam, eram para os Depois das termman tm· mu proporçoes extra
- dos negros a õ~
brancos ou para os mestiços, protegidos pelos brancos. O selva- los índios, a expor.ta~ao d As Colônias Portuguesas que
gem era a besta de carga, o braço para a cultura, o servo para os . . . D. bistonador e
dmar1as. lZ 0 G _ pará a importação
colégios, para as habitações. Mantê-los ignorantes, disfarçada- anhia do rao 2
. eiros anos da Comp - ano· das quais de 2 a
mente civilizados, fazia-se preciso para o intuito das missões. n os prun
. . u a 100.000 cabeças por ,
no Brasil chego . Rio de Janeiro... . An ola,
A população indigena desaparecia, rapidamente, dos centros 43 000 com desnno ao . loniais dão, saJ.dos por g
D~ 1759 a 1803 os registros co de 14 a 15.000 por ano.
em que os colonizadores brancos edificavam suas casas. O exter- para o Brasil, 642.000 negros, ou _ ..
mínio teve princípio no ano 1531, quando Afonso de Souza fun- ulsa da coloroa os
lit' a de Pombal exp -
dara a capitania de São Vicente, batendo os carijós, na Bahia. Ern 1768 a enérgica po lC . ald . s fogem para o sertao,
· d voam as ela ' - ·ca
Sucessivamente foram batidos os pitagoares, os tupiniquins, os I suítas· os índios espo b diente· máquina econoiDl ,
caetés, os tamoios e os aimorés. As epidemias completavam o . orém ~ negro aí está, mudo e o e casos .de desarranjado, sem
extermínio. A varíola dizimou a maior parte dos aimorés, que I .d chicote e consertada, em
moVI a a
vendiam-se, famintos, para escravos, e abandonavam os filhos, \lspêndios maiores. . - bra de portugueses,
- urna naçao nova, o
fugindo à peste.(?) Escasseava, por esta forma, o elemento indí- Assim se formava .
gena, do qual as gerações foram raríssimas, porque os mamelu- n sta parte da América.
cos, nascidos do cruzamento do branco com o índio, eram tidos
como entes desprezíveis. A índia marabá não tinha seduções nem
encantos para os da tribo: era uma degenerada.(8) Na cor de seus
cabelos e de seus olhos, na delicadeza de sua pele, sentiam algu- II · .dade de trabalhO
ma parte do inimigo de todos - o colono - e deixavam-na sozi- . as e a necess1 .
ede de assinaladas nque.z urnentaram a escraVI-
nha, sem amor, sem amizade, como a vergôntea criminosa de AS s nquezas, a -
. a o alevantamento d essa . da união do portugues
uma família ilustre. \Mr vo que nascia . tu-
ti ~ o, materializando o ?o . e com a branca, tambem por
Escravizados e batidos, os índios fugiam, sentindo a nostal- com a africana, com ~ mdigenad s enviavam seus descendentes
gia da vida selvagem, deixavam-se morrer na sombra das flores- classes mrus abasta a
1'.\l sa. As
tas, ouvindo cantar passarinhos e murmurar cachoeiras.
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.. · ·aro casi-
. outras em que eXl.Stl
qu o p vo hamava - m m~hos,ta uma cruz pintada de b~~co,
a r in para os studos de Coimbra, e de lá voltavam formados,
nha d conjuntadas, tendo a _P~: de intrigas, parteiras cr~?-
ocupando desembargadorias, ou postos milicianos. Esses, educa- noravam velhas tecederr . - de melhor aparenCla,
dos em outro meio, tendo aspirações patrióticas, foram os pri- ond I ilh N s hab1taçoes
sa ' locustas maltrap a~. ~aseira durante o dia, enquanto ~s
meiros propugnadores da independência da pátria. A revolução
V\·viam as mulheres nat fama , ' ·te diante de uma candeia
balho· e a nm ,
de Minas, a chamada Inconfidência de 1789, de que foi Tiraden-
maridos andavam ao ra ~a em forma de M, cruzav~ em
tes o mais glorioso responsável, é assaz importante para exem- d azeite, sentadas na banq , . d bilros· e a velha vovo, reza-
plificar essa poderosa influência dos patriotas ilustrados, no país. . algumas duz1as e ' ~ Cdras
diversos senndos s histórias das Tres I
Mas, não se julgue que o povo compreendia, já tão cedo, a sua , .o ou contava, aos netos, a
va 0 rosan , (ll)
liberdade e por ela pugnava; a idéia de liberdade foi alimentada do Amor e da Moura Torta. - famílias andavam em ran-
por Claudio Costa, Alvarenga Peixoto e outros de educação supe-
Nas enluaradas noites _de ~:~~~sceatas capitolinas no Oute~-
rior. O povo, se aí entrava, era como uma força automática, mo-
hos pelas ruas até alta nolte, d Palácio, sentavam-se no caiS
vida sem consciência, alheada de entendimento. E isto é verdade;
ro da Glória, ou iam para o l~~~ei :.andava tocar, e ali, homens.'
tanto que os trâmites do processo dos inconfidentes foram se-
guidos com geral aplauso, e quando o sentenciado passou pelas Par a ouvir a música que ovaroVlCe
as me o
l dias do lundu de mon roi.
'u
mulheres e crianças, g?za alicerces do cais; e o luar ~o ce '
ruas desta capital, em direção ao antigo Largo de São Domingos, mar soluçava, embaiXO, ndos seu passar as diamantmas_ es-
onde estava erguida a forca, a populaça seguia-o muda e curiosa, arrastan o
ia sereno e longo, L . de Vasconcellos f ma)
no · ·ardina-
ouvindo, com devotamento religioso, as vozes rouquenhas dos .' l r.uando no governo de m~ la' de preferência ao
11 e as. ~ , . famílias 1am para ,
frades de Santo Antônio que entoavam o Bendito. do o passeio publico, as
Aquele infame espetáculo, que a colônia assistia muda e cu- largo do Palácio. - inh s sussurando na cabe-
riosa, prova exuberantemente o relaxamento da nobreza dos sen- , . d · açoes mar a • .
".0 soprar cálido as vrr aro as belas-noites, ou-
timentos do povo. r.: - da lua passav
\ ira das árVores; ao clarao ' trovador de paletó de ganga,
da viola de algum ·
A metrópole, temendo os progressos da colônia, matava a vindo o tanger ul~ canção desse tempo:
liberdade na pessoa de Xavier Tiradentes - para exemplo aos acompanhando a ~op
rebeldes à soberania do reino (dizia ela) como havia morto, em
Vou me embora, vou-me embora
1747, as suas aspirações literárias de onde podia resultar a vul- . or· a na-o vou nao ...(l2)
Emen '
garização de nobres idéias pela poderosa força da imprensa, man-
dando fechar a tipografia de Isidoro da Fonseca. Comprimia, as- altas horas da noite por alguma
Às vezes, a quem passava a . encontrar um homem deitado
sim, o povo numa existência pusilânime. E esse povo, acanhado,
rua em meses de verão, aco~teCla da casa que ficava aberta.(13)
ignorante, pequenino, formou uma sociedade vadia e beata. A ' . d palha a porta ' U das
sobre uma esterra e ' e passava avante. ma
cidáde era uma aldeia, suja e escura. Por aqui, por ali, via-se uma
ou outra casa, de aspecto triste, janelas toscas, portas fechadas.
~ caminheiro notíva~o arreda:~::·desse tempo era o capa~ó_cio:
mais importantes enndad~s so do ue hoje é o capoeira, V1Vla a
capadócio, que foi a ongemum ~go ou no posto da gu~~a,
À noite esse aldeia parecia uma pocilga fétida, rescendendo o
cheiro nauseativo do azeite de baleia que alimentava as torcidas
boêmia~ dormindo na casa d~ tas dos ricos nas ocas10eS
dos candeeiros enforcados núm poste.(lO) Havia ruas em que só tocando viola nos fados, cobrmdo ascos
se encontravam homens de má catadura, amarelos, imundos, a

59
58
Cl(l borctoacla, r ·uftant 1' .
I

part Ogi 0 d amore · ·


c ' mestiço, rapagão alto de _crnmnosos . .I::ra, na maior
dt' suas a as qu ornasse as janelas com colchas de damasco.
banha de cheiro. Andava de ,Viol cabele~a enorme e untada de
I

< · nado da âmara percorria as ruas, em bando, trazendo em


fora uma bolsa de Viagem. Em to~o~u guitarra ao lado, como se
pr gão público seus alvarás "para assim o povo haver ciência do
damente, por causa de cantar ao d o_s fados ele entrava obriga-
qu lhe era ordenado sob pena de condenação". Era este o povo
dos em gementes arpejos de um ~afw,_ e tocar lundus, dedilha-
da colônia; povo enfraquecido e beato, que pedia instantemente a
Além dessa VI.d . a o scemdade revoltante.
a monotona · . ~ C'dificação de conventos para freiras, como famintos pedem pão.
nada mais tinha interesse Os ch se~ mteligencia e sem energia
festas do Rosário e do Esp.írito-S=rtnnentos populares eram as No dia que começaram as obras do Convento D'Ajuda o regozi-
em Mata-Porcos, constrlliam b to: No Campo de Sant'Anna e Jo e os aplausos públicos foram estrondosos: o ideal estava realiza-
de Panos Vistosos. HaVia um tarraqUinhas de tábuas, enfeitadas do. Já havia conventos de freiras, que, em orações cotidianas, pedi-
um . . rono para o . riam a Deus a salvação das almas pecadoras. No entanto a cidade
SUJeito vestido de calção b Imperador do divino
cabelos em cachos, e coroa de ranco,-capa de veludo escarlate' ra miserável e suja; a população escassa, a educação uma quimera,
recebia os agradecimentos do papelao dourado à cabeça, qu~ a fortuna pública insuficiente. Os vice-reis pediam emprestado a
Os negros africanos, livres e es~~:~· e os presentes dos festeiros. bolsa de particulares o dinheiro necessário para ocorrer às despe-
ça, ornados de penach os, formavam bandos de d sas do Estado. Houve um particular, Manoel da Costa Cardoso, a
os e cocares t an- quem a fazenda real foi devedora por muitos anos de sessenta mil
tas e avelórios em tod ' razendo guizos aos pés f.
v . o o corpo faziam , I- cruzados. D. João V com a sua mon<;>mania eclesiástica enviou para
~ pmchos, berravam monossíl~b :sgares selvagens, da-
gria de feras em liberdade. os de língua bunda: uma ale- Roma cerca de 180 milhões de cruzados, além do que gastou com a
pompa das igrejas do reino e os 54 milhões que desbaratou com a
"Em 1767 o p dr
SilvaI - a e Ventura lembrou-se"- di inepta luta contra Felipe V de Castela. O francês Duguay Trouin,
z o Sr. Velho da que invadiu o Rio de Janeiro em 1711, levou 600 mil cruzados! para
de ~undar no largo do Ca . o luxo daquela corrompida França de Luiz XIV, o rei-sol. O contra-
capital, ainda bisonho na a~~ um te~trinho, que o povo da bando de ouro e de diamantes, fazia-se livremente pela serra da
na ~os aplausos e pateadas ~as plateias e ignorante na ciên- Mantiqueira, então legendária pelas quadrilhas de ladrões e assas-
perto~w de então constava da~ ?mava a Casa da Ópera! O re- sinos que a infestavam. Os conventos eram edificados por doações
va,_ o JUdeu, fluminense ue operas d~ Antonio José da Sil-
~es, era formado em ~~ mereceu o titulo de Plauto portu- de particulares. Tudo se fazia à custa da riqueza particular, porque
fOI rela"Xado em carne, se~n;;s p~la U~v~rsidade de Coimbra os cofres do Estado estavam sem dinheiro. Desde o tempo de D.
morreu queimado como cristão a rase JUndica da inqUisição ~ João ma colônia mandava para o reino toda a sua riqueza, todo o
outubro de 1739. . o novo, em Lisboa no dia 19 de
seu trabalho. Lisboa foi reedificada com o dinheiro do Brasil, e
todas as inovações de Pombal foram realizadas com esta enorme
, Nos dias de festa pública e nos .
Camara ordenava ao povo que b dias de gala, o Senado da mina da América. O único Vice-rei que, por seu caráter ríspido e
I . ranqueasse de cal as frontarias rígido, procurou melhorar o estado da colônia, foi o Conde da Cu-
Jose Maria VELHO DA SILVA nha; porém sua obra não foi avante, não progrediu, porque outros
:~=~r~~0~0~:~ca. Membro d~ ~~~~:t~~~) ~s~~~~~~0 • profes~or de literatura
8
a desvirtuaram. E, contudo, os negros chegavam da África, aos mil,
to à lndependên~~ac~;~~aps~llo autor, escreveu, entre ~u~;~;r~;:acbo _Brasileiro.
descarregados nos armazéns, para ser vendidos em turmas. À pro-
1. . • ano e Can- porção que o polvo metrópole sugava o Brasil, o sorvedouro fazen-
da engolia escravos.

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. joã dlstraia-s m Maca u, ntoando o cantochão com os
111 l'rad s do onvento da Boaventura; arruava em Niterói seguidO
\ uma legião de criados, e quando estava no palácio, ao dobre
zou A notíciadeda
a corte invasão
lisbo a. francesa, ao norte de Portugal , anarqm-. las trindades, espapava-se numa banca de jacarandá, defronte
uma janela.
A população lisbonense lev Um criado acendia o pavio de uma tocha, que ardia, espetada
do-se nas ruas, falando em crimantou-se desordenada, revolveu-
regente mandou aprontar com es, tomada de terror. O príncipe n grande castiçal de madeira dourada, em meio da sala D. João
pudesse embarcar com a cort presteza uma esquadr a em que
guerra abriam velas às beni~~~· ~o r~mper do dia, os vasos de orava e adormecia.
rota para o Brasil. vrraçoes do Tejo demandando A chegada do foragido príncipe não deiXou de ser útil para
a colônia. Os portos do Rio de Janeiro foram abertos ao comér-
·lo de todas as nações amigas; foram criados tribunais supre-
cais do Palácio, via desem~ar e Janerro, boquiaberto e postado no
. Em 1808 o povo do Ri d .
mos, fundados uma imprensa, um banco e escolas superiores,
ser:os tauxiados de fitas e ~~ a corte de D. João VI: quinze mil
frerras, d_esembargadores, repe~~i:~~: :na multidão de frades,
abertos os sertões aos exploradores de todo o mundo.(lS) A
r volução portuguesa de 1820 obrigou D. João a abandonar o
. Era solene o espetáculo O r' _' apos e farrapos.(l4)
nrasil, passando a regência para as mãos de seu filho D. Pedro,
pe augusto em terra sua, ao Íad~ dmcipe, gordo e risonho, pôs o
um príncipe desenvolto de costumes, herdeiro direto do caráter
~or seus reverentes vassalos e be e D. Carlota joaquina, cercado
e.':':: I dava gargalhadas estriden:~ru:::~s frades, enquanto D.
Intrigante, despótico e ambicioso de sua mãe, a afamada prince-
sa D. Carlota }oaquina. O governo de D. Pedro caiu, cedo, na
am a seu lado, aparentemente humil;a esgares para os que
odiosidade pública, talvez, por ter ele entendido reconciliar a
O belo aspecto da t es e resignados.
. erra
metropole dinheiro e diam , que durante tanto tempo enviara , •·aça portUguesa com a nacional. A natureza arrogante, estúrdia,
O antes, seduziu a corte a ;unbiciosa com que era dotado não Ibe deixaVa compreender a
s agaloados servos do . . . necessidade de independência desse povo. Queria governar, man-
zos da capital do reino. Er!.:m~p·e for~gido esqueceram os go- Jar, impor, porém desorientado - não cnidava soerguer o ele·
~
Plantas e pássaros foram os c . aiS felizes, talvez, na colônia 2
mento nacional. Francisco da Veiga, na História do Primeiro
patrocinados pela coroa dav.:dados deles, porque, ociosos
cos e de aves indígenas, Pa -se as coleções de vegetais exo·t . Reinado diz que "o povo brasileirO era uma mescla de estrangei-
es
co~a os, cobertos de crachá . os ms, aos três, fardadosI-
d · sseavam a d . ros, onde o elemento nacional menos importância tinha". Por
t' se gênio ;rreqnieto, e por esse espírito desequilibrado, ele foi
particulares, visitavam-nas e :· entravam nas melbores casa;
casa re~stada, via à porta' e~ta~ ~a selguinte o proprietário da um títere nas mãos de Andrada, o mais ardente propugnador da
povo traduzia a abreviatura pel fuas etras P.R., para o rei. O ndependência brasileira, e um dos maiores vultos entre as ilus·
rua - e p assava a chasquear. a rase segum·t e -ponha-se na
\rações da sua época.
Imediatamen t e 0 proprietár. f ·
para casa pouco cômoda, ou par~o azi~ a remoção dos móveis
Francisco da VEIGA (1834-1899) - Historiador fluminense. Ativo no Rio de
Janeiro na segunda metade do século XIX. Entre outras obras, escreveu A
~orque bem sabia, se deixasse de o melO da rua, sem recalcitrar, Revolução de 7 de Abril de 1831 e Evaristo da Veiga e O Primeiro Reinado.
e confiscação. cumprrr a ordem, sofreria pena

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A tal r 'sp ito di:t liv ira .Martins3:
nas arí ias; basta· trança· r luz nt' , tão negras como o ébano,
Títere coroado nas mãos de And t< o b la com o o ônix; e por sobre isto a macia opulência das
~o~ado, temerário, caprichoso s~~~a,dD. Pedro, arrogante, apai-
lenco, despótico por temper~ o e costumes, violento, co- formas, os ademanes graciosos dos costumes.
força que faz os imperadores ento, ~or e_d~cação, não tinha a
O príncipe era aventureiro e concupiscente. À noite freqüenta-
estadis~as. Colocado na posi~ã~er::u a mteligencia ~ue dirige os
levar, VIa-se agora forçado a optar d s~~ que se tinha dei'<ado va os fados, entrava nas tavernas, corria a cidade, embuçado, dis-
e o. B~asil; a situação que ajudara :~1 _ ame~te entre Portugal farçado como um herói de novela. Os seus amores eram públicos.
defmrr, dominava-o já· e se aind , n~o _a cnar, pelo menos a orno Luiz XV, teve uma Sra. de Montespant, uma Sra. de Pompa-
sentar o papel de Jan~ a agit -a no prmCipio de 22 podia apre-
português fomentado pelo ~ot~r~scente do movimento anti- dour, citada e conhecida por todos. A sua nobreza, os seus fârnulos
o instrumento de uma sep - s en? :Andrada, obrigou-o a ser fardados, os seus íntimos serviçais ouviam missas diariamente, en-
araçao pohtica e dinástica.
toavam terços, acompanhavam procissões e fortaleciam a beatice
Proclamada a independência não lhe f . . matando negros, a vergalhadas. Pelas ruas da capital andavam os
trono, posto que fosse amb· - OI possivel permanecer no scravos arrastando grilhões, ocupados em serviços domésticos,
Içao sua conservá-lo.
jornaleiando; ou em bando, iam para o pelourinho da Prainha ser
Imediat~ descendente de uma dinasti .. . açoitados. Nas fazendas, os desgraçados sofriam a prática de um
portugues e não brasileiro D P dr a europeia, filho do solo
que a política o arrastou ~ã~ t~ o, apesar dos atos decisivos a regime de terror, porque o fazendeiro temendo a rebeldia do negro,
ess~ quid de gênio nacio~al, esse a n? s_angue, na ~a íntima, a reação da besta, trazia-os enfreados, e como que tolhidos de toda
naçoes e que no Brasil fun . Patriotismo, nervo mtimo das
tem Cionava orgamcament d d c qualquer ação intelectual, por um sistema de desumana discipli-
pos. O sentimento -desta falta d e es e largos
povo, a consciência de ue D e acordo entre _o Príncipe e o na. Inventou para esse fim os mais perfeitos instrumentos de mar-
Ist? português, lançava ~os es~~:o era eJtrang~lro e por sobre tírio - os troncos, as gargalheiras, as escadas, os bacalhaus cortan-
Peita constante, fundamentad s um_a esconfiança, uma sus- tes, os sinetes incandescentes, as tesouras para cortar lábios e ore-
a nos atos Irrefletidos do soberano.
lhas, os anjinhos, e colares de ferro. De mais - quando o delito era
O elemento portugu ~ f .
de tudo - do comércio, e~~ l::~r::r~do p~la _cor~a, to~ou conta
gravíssimo, amarravam os negros e os metiam vivos no âmago das
fornalhas ardentes dos engenhos. E para amansá-los, para bestializá-
do magistério, e até da magi t ' da mdustna, da Imprensa,
los, para materializá-los, lhes não dava descanso: obrigava-os a uma
a raiva, a revolta, começav~ ~~tura. O desgosto crescia; o ódio,
fadiga constante, dia por dia, até a morte. De manhã, às três da
de todos os lados grasinavam co~~~ent~ em t~dos os partidos,
madrugada, ao pintar da aurora, a negralhada partia para o eito.
o estado. A voz de José Custódi ~-a diss~luçao que ameaçava
Fazia o serviço à vista dos feitores armados de vergalhos, silencio-
mento pedindo providência o Ias fazia-se ouVir no Paria-
sos, à retaguarda de cada uma das turmas. Do corpo caía-lhe o suor
nacional. D. Pedro estava s~d:o governo par~ garantir a honra
em bagas, porém o braço devia ser incansável, e o aço das enxadas
desejoso, as sensaço-es d ' gozando, feliz e cada vez mais
os amores As b il · reluzia no ar, de momento a momento, sem interrupção. Quando a
ras: peles morenas rescendendo a ~ I ras erras eram seduto-
enxada fugia-lhes das mãos, quando o pulso enfraquecia pela tena-
gue mestiçado; olhos negros bl o uptuosa quentura do san-
. . . 'o ongos, doces n o fitar, insidiosas cidade do trabalho, o vergalho zig-zagava no espaço, estalava, la-
3 nhando-lhe o dorso nu: ouviam-se uivos de dor cruciante, e gotas
Joaquim Pedro de OLIVEIRA MARTINS 18 .
português. Entre outras obras ( . 4~-~ 894) -Político e historiador de sangue borrifavam a terra. De volta às senzalas, era contada,
tugal Contemporâneo além doe~creceu Htstona da Civilização Ibérica e Por- distribuída pelos cubículos pestilentos em que dormia, e trancada à
, vro Citado pelo autor.
chave. As mulheres trabalhavam e reproduziam. Eram como as fê-

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. .,. à mer · de um pouco de bom
m •as nas faz nda d riação. Para aumentar o valor do cativo, 1·: raros pt.u s s xtst m ond '. 1 tar cidade tão bela. Nada
de poder-se-la evan
para aumentar braços no trabalho, o fazendeiro amasiava-se com frosto ' d boa vont a ' . . . ontanhas de
' . erto de nos mumeras m
as escravas, ou deixava essa tarefa para seus filhos. Nove meses, nos falta. Temos mUltO P . . ~dras para formosas cons-
. d onde poder-se-la retrrar P .
depois de urna gestação penosa, vinha à luz mais um escravo, desta gramto e . mais largas calçadas; a terra tem VIÇO,
vez - mulato - conseguintemente - peça de maior preço, fazen- truções, e laJeS para as palmeiras gigantescas, mais
b da de vigor - dela surgem
da de mais valor. upera un ultural das colunas coríntias; copam-se
airosas que o garbo esc d . . vegetação brota rápida e f e-
A família brasileira foi criada nesse meio lnbrido: terror de um árvores como engenhosos ~cels,t: um céu quase sempre limpo,
lado, e de outro costumes mesclados, saturados das nugacidades, liz· cobre essa natureza exu eran l .cal
das superstições que sazonam no cérebro corrompido dos escravos. alt,o, deslumbrante, banhado pelos raios do so tropl .
O segundo império não conseguiu destruir esses costumes. Somente nos falta o homem.
A lei de 7 de novembro de 1831 aboliu o tráfico de escravos para . ·d de São do Sr. Tobias Bar-
o Brasil, o principal fator da decadência da nação, porém de 1831 a A tal respeito citarel uma auton a .
52 tinham entrado criminosamente nas costas do país 546.313 reto4 as seguintes palavras:
negros escravizados! ue mais fere as vistas do obser-
0 q · · a1 que bem se
0 que mais salta
- aos olhos,
· r ente .
na vida mumCIP ,
vador, o fenomeno mms sa ~ vida geral do país, é a falta de
pode chamar o expoente a d ·ndi.vi'duos alguma causa
_ . d agregamento os I • .
coesao saCia1, o es d . lamento absoluto, de atomos
que os reduz ao estaddo d'e ~:ode poeira impalpável e estéril.
N imaginários, quase po Ia lZ '

Em 1860, Maximiliano, arquiduque da Áustria, entrando no


. . do é o estado, não é a nação; é o
Rio de Janeiro, levou o lenço ao nariz. Entre nós o que ha de or~amza seus altos funcionários na cor-
Há vinte e seis anos que se deu este fato e a cidade de São governo, é a adimmstraçao, por ·ncias por seus ínfimos cau-
te por seus sub-rogados n~s ?rovi o' qual permanece amor-
Sebastião continua a ser, pouco mais ou menos, o que era. Além , · · · ao e o povo -
datários nos mumCiplOS, n . e entre' si, a não ser a comunh~o
da grande falta de limpeza que caracteriza a capital do império, fo e dissolvidO, sem outro ham d servilismo. Os cidadãos nao
há incúria por tudo quanto diz respeito à beleza da cidade. A rua da língua, dos maus c:_ostumes e c~mbinar a sua ação. Nenhuma
do Ouvidor, "um verdadeiro clube ao ar livre" como lhe chamou podem, ou melhor, nao querem aos outros· eles não têm uma
nobre aspiração os prende uns. erem por 'si· tal é o fato mais
um viajante notável, onde se reúne o high-life, o prazo-dado dos força intelectual e mor~ para ~I~ece em ger~l. Deste modo de
elegantes, a rua de todas as novidades e de todos os pretextos às notável que a observ~çao esta e . parte resulta a indiferença
flaneries, é um beco mal calçado, mal alinhado, sujo e margeado viver à parte, de sennr e pensar ·fo que 'pessoalmente não lhe
com que olha cada um pa:a a:gl a o seu dia contempla impas-
de pequeninos edifícios sem arquitetura. As demais ruas do cen- diz respeito, e enquanto nao c '
tro da capital são intransitáveis. A primeira impressão que rece- sível os tormentos alheios ...
be, diante da cidade, quem chega de capitais como Paris, Lon- 9) - Crítico polemista, advogado e
dres, Viena, Haia e Roma, é a de se achar em uma aldeia que foi 4 TOBIAS BARRETO de Menezes (1839l·dl8d8 de Direito do Recife. Um dos prin-
. F mado pela Facu a e .
crescendo, ganhando grande extensão, a pouco e pouco, à pro- poeta sergtpano. or R 'f Foi abolicionista e republicano .
cipais integrantes da Escola do eo e.
porção que o número de habitantes ia aumentando.

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1·: que ·w bn 'il iro hJta o s n ·o da nacionalidade, falta o amor
da pátria que resulta do amor dedicado a sua profissão, do res- A sua lil •ratura n1o ·, um pro duto do pensamento nacional.
dem posto que
. . t s isto é aqueles que po ,
peito dedicado à família, da espontânea simpatia para com o ( s s us prinCLpaJ poe a , M
alhães Gonçalves Diass e Aze-
pedaço de terra em que teve o berço, da consciência dos seus
deveres. Para ele apenas há, além do rico ocioso que se inculca
~ ~~:~~':;~~~:~~~õe~de poe~as estrdangeiros, segun-
do afirmam aqueles que os têm estudado e cnnca o.
sob o título de capitalista, duas profissões dignas - a lavoura e
o bacharelado. Ou manda e açoita escravos, ou conquista perga- Diz um crítico, o Sr. Sílvio Romero: 7
minho para entrar na política.
. . . bre e mesquinha, desconceituada
A vida espiritual brasileira e po , luz de novos princípios. -
O povo: o operário, o artífice, o jornaleiro - é um pariá, peque- e banal para quem sabe pensar a com aração, inaugurada há
nino, mestiçado, doente. No campo é um miserável, um pobre per- Aferida pelo moderno met?do ~~tenta~se caprichosamente es-
muito nas literaturas europeias, te de nossa própria his-
dido entre a população escrava das fazendas, amarelo, entanguido, , f d desprezarmos a corren h
téril. A orça e urso das idéias livres, eis-nos c ega-
tísico, ventre protuberante, olhar cansado, membros enfraquecidos tória e pormo-nos !ora do c os de ínfimos glosadores das vul-
pelos vícios e por febres palustres. Ao norte como ao sul, ele roga e dos ao ponto de na o passarm. dando o espetáculo de um
garidades lusas e francesas; eis-no~
implora da bondade de um grande proprietário umas braças de povo que não pensa e produz por SL
terra onde possa levantar os esteios de uma habitação de taipa de
. sebe, e aí, passa a dormir a metade do dia, depois da caça ou da . . mancistas brasileiros, Alencar e Macedo,
Os dms mawres ro . cial oferecem o resultado
pesca que pratica para se alimentar. Sem expediente para empre- sujeitos a uma crítica rigorosa e rmpar . , - decaindo para a
gar lucrativamente o tempo da sua eXistência, sem energia para · · · esso de imagmaçao
s guinte: no prrmeuo exc - sem método e falta de
gundo __ observaçao
buscar fortuna no trabalho, sujeita-se unicamente a ser tropeiro, puerilidade; no se ~ ro de literatura está qua-
jangadeiro, ou camarada, porque essas ocupações têm o encanto sentimento estético da f~r~a. ~:s~;r:~e por duas causas -- pela
do dolce far niente. Encarapitado no dorso de uma cavalgadura, se morto no nosso co.me~c~o ela falta de apoio da imprensa
seguindo a boiada; postado ao leme da leve jangada, ou seguindo falta de propriedade htera~Ia, edp ão ilegal das mágicas de Mon-
pelos sertões bisonhos viajantes, está gozando a existência, pas- jornalística que se entrega a trda uç ão do gosto do público. O
. Ri h bourg de onde epravaç
sando por impressões agradabilíssimas à sua natureza selvagem e
preguiçosa. Mas para o trabalho persistente de lavrar a terra, para a teatro temc merecido
tepin e e . ' am. d a menor importância que o romance, a
atividade de qualquer indústria, para tudo quanto for preciso em-
1823-1864) - Poeta maranhense da segu~da
pregar inteligência, sente-se impotente. O estrangeiro que emigra, Antonio GONÇALVES DIAS ( . d J . o Pertenceu ao Instituto Htston-
• ·
geração romanttca, a tuante no . Rto e anetr · ·
l' os de poemas publicou, en
tre
desejoso de fortuna, acostumado ao trabalho, toma conta da terra, co e Geográfico Brasileiro. Alem d: sedus L1'!~1ua Tupi.
expulsa-o de sua companhia, acaba afastando-o para os recônditos '1 Ocean ia e Dtcwnarw e tn ::~
outros, Brast e a . EDO (1832-1903)- Médico, historiado: e
das províncias como os primeiros habitantes civilizados fazem em Manuel Duarte Moretra de AZEV H' . ·co e Geográfico Brasileiro. Alem
um país de bárbaros. . '1 bro do Instituto tston C •
escritor
da obra citada pelo autor escreveu, entre outras , Da Respiração e ompen-
canoca . '' em

Nas capitais, ele que é filho do cruzamento de muitas raças, dias de História Antiga. . . RO 1851-1914) - Crítico, polemista e
SILVIO Vasconcelos da Stlva ROME I~ d de Direito do Recife. Foi amtgo
7
e possui os sentimentos e costumes das mais variadas nações,
folclorista sergipano. Estudou na Facu da ~scola do Recife. Escreveu, entre
recomenda-se, unicamente, pela desigualdade de aspirações, pela m dos integrantes a
de Tobias Barreto e u . . M d rna História da Literatura
indiferença com que olha e examina os interesses da sua pátria. outros, A Literatura Brasileira e a Cnltca o e '
Brasileira e Cantos Populares do Brastl.

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Nota d~ onzu.gu.-Duque
<Titi ca ' a po sia. Em 18 1 o rov m o subvencionava uma compa-
nhia dxamática diJ:igida por João Caetano dos Santos para montar ( I) 0 1. Martins - As Colônias Portugu êsa.s.
peças brasileiras "determinadamente nos dias de gala" mas a (2) Ibid .
companhia eximia-se dessa obrigação alegando falta de originais
( ) lbid. "l
dignos de cena. Há dez ou onze anos Alencar contava menos de (4) F. Pinheiroll - Apologia dos Jesuítas no Brasl.
trinta espectadores para a primeira e última representação do ( 5) 0 1. Martins, ob. cit ..
seu drama O jesuíta, e, há muito pouco tempo, uma companhia
(6) Ibid
dramática brasileira conseguiu apenas dar cinco ou seis espetá-
culos! Excetuando alguns homens notáveis em ciências, quer en- (7) lbid. . ' . )
. - A Marabá (poeslas lmcas
(S) A. Ganç alves D1as
tre antigos, quer entre modernos, nenhum filósofo de incontestável
mérito podemos apresentar entre as mediocridades européias. (9) 01 Martins, ob. cit.. . .
. d s ·l - Gabriela - Crônica dos Tempos Colomms.
(]O) J. Velho a 1 va
Eis, em suma, a vida espiritual do povo brasileiro. A única
preocupação do povo está na política, esta política, que protege e (ll) lbid. .
( I 2) Dr. M. de Azevedo - O Rio de janeiro.
sustenta uma escória - o capoeira - esta política de campaná-
(1 3) ]. Velho da Silva, ob. cit ..
rio, inútil e estéril, como a denominou o Sr. senador Taunay, 8 e
da qual, segundo as expressões de um outro senador, o Sr. Jun- (14) Ol. Martins - História de Portugal.
queira,9 resulta o estado anárquico em que sempre se acharam (15) Ol. Martins- As Colônias Portuguesas.
todas as instituições do pais.

Telle est en ce pays la plante hurnaine; il naus reste à voir


l'art qui est sa fleur.
H. Taine 10 - Phil. de l'art dans les Pay-Bas.

8 ALFREDO d'Escragnolle TA UNA Y (184 3-1899)- Escritor e historiador cario-


ca . Lecionou Mineralogia e Geologia interinamente na Escola Militar. Partici-
pou da Guerra do Paraguai. Foi deputado por Goiás , presidente das provín-
cias de Santa Catarina e Paraná. Foi senador por Santa Catarina. Abolicionis-
ta . Escreveu, entre outros, A Relirada da Laguna e Inocência.
9 SENADOR JUNQUEIRA (Não foram encontrados documentos.). - - ----- .- . . A oloqia dos jesuítas no Brasil, é o c?~ego
10 Adolphe Hyppolyte TAINE (1828-1892)- Filósofo, historiador e crítico fran- 11 Ao que tudo mdlca, autor de r -RO (1825-1876), historiador, cnuco e
cês. Influenciado pelo Positivismo de Comte, concebe uma teoria determi- Joaquim Caetano FERNANDES PINHEI eados do século XIX. Ele foi o
. no Rio de Janeiro em m .d I s
nista da arte e de sua h istória. Para ele a obra de arte não é um fenômeno ensaísta carioca, auvo . 1 ma de Catequese SeguL o re 0
5
isolado e, para compreendê-la, é necessário colocá-la em relação a toda a autor da obra Breves Re(lexões sobre o dLS e ferências sobre a obra citada
]esuitas no Brasil. Não foram encontra as re
produção de seu autor, com a tradição visual a que ele pertence e com a
sociedade onde vive. Entre outros , escreveu A Filosofia da Arte. por Gonzaga-Duque.

7l
70
Manifestação

"L'art, c'est la nation, c'est /e peuple"


Henry Havard. 1

Apintura brasileira abrange três períodos distintos, corres-


pondentes aos progressos moral e material da nação. O primeiro
período excede a um século; parte de 1695 e termina em 1816,
com a fnndação da Academia de Belas Artes.
Partindo, pois, das primeiras eras coloniais, não podia deixar
de ser um produto da fé religiosa, transplantada do velho mnn-
do e vicejada à sombra da rude inteligência desse tempo. Para
que ela tomasse um caráter elevado como tomou a pintura reli-
giosa na Itália, para que tivesse a importância que teve na Espa-
nha, para que fosse original como foi a afamada escola dos pin-
tores do século dezesseis na Holanda, fora preciso que se tivesse

1 HENRY HAVARD (1838·1921)- Historiador e crítico de arte francês . Publi·


cou, entre outros, o Dicionário da Mobília e da Decoração.

73
rnanil' 'S lad 'm um stado organizado, tendo tradiçõ s, tendo
hi 'tória, tendo outras influências mesológicas. . ursor dessa pintma, frei Ricardo do
l:oi o qu , , l u. PI Flandres acolheu o claus-
b ditino Nasceu em ·
Ela manifestou-se, sem dúvida, mais pelas condições geográ- Pil ar 2 ra monge ene . . 1695 e morreu em 170 .
, . no Rio de Tanerro, em '
. ~ · de fra Gio-
0
ficas e pelos efeitos climatológicos aos quais estava sujeito o tr d sse mosterro, ·
povo, do que por outras quaisquer influências. E, sem um fim da a serena eXIstenoa
A vida desse monge recor d rador da Capela de Orvie-
determinado, sem um destino definido pela desarmonia do pen- vanni da Fiesole.3 Como_o pied~~s:t~ frei Pilar foi um homem
samento popular, pelo temor à tirania metropolitana, pela falta to segundo as expressoes de s' eparado para todo o sem-
, s costumes.
de uma sociedade constituída, rica, poderosa, educada que pu-
~re _m~danas, en;e~~ava
simples e santo nos seu do sobre o calor da carne o
desse aproveitar as suas obras recompensando o trabalho, amol- das paixões os sofrimentos dos eles-
dou-se à religião, submeteu-se ao dogmatismo católico que do- frio e sotmno habito de mong , al com a resignação da sua
, l bondade do seu coraçao; e a tar_ ~·
minava a desagregada sociedade dessa época. d ma da sua P avra, _ · d
graçados com_a oç
O gosto do povo não fora alentado e cultivado pela magni- alma, com a mcomparave lh dirigia-se à portaria para diVI-
toque de reco er, .
ficência dos trabalhos arqUitetônicos, pelo desenvolVimento da antes de soar o . entos que recebia.
b de pobres os proVIm
arte torêutica, pelo aperfeiçoamento da ourivesaria e da arte lir com a tm a lt pálido concentrado;
l. · so· magro a o, •
de lavrar, proibidas na colônia por carta régia de 30 de agosto Era um alucinado re IgiO . , . , alimentava-se somente
não trazia outras vestes a1-m e do habito, e
de 1766. A igreja dos jesuítas é uma flagrante prova do mau
gosto e da falta de inteligência que presidiram a formação das de legumes. ·tas unicamente che-
suas obras. Os mosteiros e os conventos foram edificados du- d mUI
De todas as suas ob ras, que foram · colocada no al-
ue está
rante o domínio do estilo barroco, essa brutalidade inventada . . gem do Salva or, q . d
ga-nos perfeita: a rrna . . d fundo escmo do pame es-
1
pelos fundadores da Inquisição. Nem palácios, nem templos tar-mor da sacristia do mosterrco .. to empalidecida pelo tempo,
d t tma de ns o,
suntuosos possuía a colônia. Tudo era acanhado diante dessa taca-se a eleva a es a ltado para o céu transparece
b l N seu rosto vo .
natureza. Onde inspirar-se? ... A fradaria impunha o catolicis- porém ainda e a. o . iritualiza a sua rrnponen-
mo, não com a exaltação religiosa que desenvolveu-se na for- uma vaga, suavíssima castidade que:~~ em cmvas longas o pano
te figma antiga, de cujos ombros pe
mação da arte italiana, porém com o calculado intento de do-
minar a população para explorar a terra; a metrópole deixava 2 - - Pintor alemão nascid o em Colôrua. Na
as despesas gerais do estado por conta da bolsa particular FREI RICARDO DO PILAR (? -1 tOO) b I ' uno Rw de janeiro no Mosteiro
seg unda meta ed do século XVII se esta e ece
· · painéiS
porque necessitava sustentar o clericalismo de Roma, e fabri- de São Bento , onde executou vanos .. (1395 - 1455)- Pintor italta-
car badalos imensos para sinos colossais. 3
Giovanni DA FIESOLE, Beato ou Fra ~on~:~~~a arte religwsa voltada prado~
rder o tom místico, de u~. a
Diante, pois, desses barracões acachapados, desses mostei- ~~j;,rei domimcano. Buscou a cnaça .
do Rem"imento <em, nod ent:~~~~;':
muito <pm<Odo pdõ muco
ros frios, acanhados, inúteis; diante dessas casas mal construi- mentação gótica. O artts:a fOI re es~o caráter místiCO de sua obra, quanto
. ·anal do século XIX tanto pe
mternac1
das, no meio dessa eXistência sem horizonte, dessa Vida sem P
or sua vida exemplar. ·r to e historiador da arte italia-
aspirações, como formar-se uma arte superior? Impossível. A ma- - 4 ) Pintor arqu1 e
Giorg io VASARI (1511-151 ~ .
4 . .,
, d· . rte publicou Vida dos mats Exce-
nifestação artística deveria forçosamente participar dessas in- no Considerado o primeiro hlstonadorEma :ua,obra estuda a vida e a produ-
fluências, partindo do convento e amoldando-se ao convento. len.tes A rquitetos, Es cu
. lt ares e Pmtores.
P imeiro Renascimento ate, seu s contem-
. ·.
ção dos artistas italianos,
porâneos, e entende a obra e d~sd~li~h:langelo como o apogeu da arte Italiana.

74
7S
tal a f 'li ·i lad no acabamento dessas partes que faz supor ter
!WSado
f 1 la ·l âmid . 'ri ·ro , cl, clll Ja do
alma de a fr i Ricardo do Pilar estudado o .desenho na sua terra natal,
5
onde,
a ar ao céus; 1 vanta os br . c çu erra, parece muitos anos antes de ele vir à colônia, Franz Floris, Mabuse
voltadas de palmas para c· aços, estende as mãos, amparadas
provas do suplído, a cicat:ade apresenta ao Padre Eterno,
martírio. os cravos. Eli! Eh! Eis as provas do
com~ oxieG e Van Orley 7 imitavam com notabilidade o estilo italiano.
Depois de Ricardo do Pilar o pintor que se conhece é José de
Oliveira. 8 Devia ter nascido nesta cidade em 1700 e tantos porque
no vice-reinado de Bobadella era encarregado da decoração da sala
. Deviam ser essas efetivamente as
rmaginação do artista quando a p~avras do Nazareno, na principal do Palácio dos vice-reis - chamada sala das audiências;
fazendo surgir do p~el a fi a sua mao vagarosa e calma ia roas não se sabe ao certo o ano do seu nascimento nem o da sua
pensamento a última obra de ~i ~~ressa admiravelmente um morte. Não se conhece também a origem dos seus estudos.
tos na solidão do claustro· nas . ilar. Os anos escoaram-se len-
uma cintila; amara a reli ião c cmza_s do coração apenas reluzia Podemos supor que fosse discípulo de frei Pilar? Não. Frei
estatuídos, fora bom, res~ ~d:n~nra com ~s preceitos por ela Pilar não teve discípulos, se os tivesse fácil seria conhecê-los,
r~signado e imensamente~sign:1~e~o~~~a::-ens~ente bom; senão por quem se deu aos estudos dos precursores como o fez
em o ~o~ de Ma-
o Sr. Porto-Alegre9 que pesquisou e miudeou os arquivos dos
na; e durante tantos anos a tran üil.
esperança do seu espírito er al~ Idade da sua eXIstencia, a conventos, pelo menos pela tradição constante dos monges be-
espiritual e toda pura da lam rmentados pela doutrina toda neditinos, aos quais consultei. Há um fato importante a ver e que
que e que fora anunciad · v pode, neste caso, satisfazer a nossa curiosidade: era vezo na co-
por Gabriel, nas risonhas alturas de Na . o a rrgem-mãe,
sos apressarem-se para a tumba al' ~are. Agora sentia os pas- lônia mandai ao reino talentos aproveitáveis para se aplicarem
templativos, na face daquelas ' d I, diante dos seus olhos con-
po. Alguma cousa de celeste ~:~ es desbotadas pelo ar do tem- 5 Frans FLORIS (1515-1570)- Pintor flamengo. Após estudar com Lambert
Lombard, passou sete anos entre Florença e Roma. De volta a Antuérpia tor-
nh- eJava na sua fantasia d d
a, quando o sol sorria lá na linha do . , . es e ma- nou-se um dos principais renovadores da arte local, devido aos fortes influxos
quando o badalar do carrilha- mar, ate ao carr da noite, que recebeu da cena artística italiana, impregnada de valores maneiristas.
. ~
1
o, na torre do mosteir 6, Michiel COXIE ou COXCIE (1499-1592) - Pintor flamengo. Em seu estágio
no SI encio das celas. o, repercutia
romano tornou-se membro da Academia de San Luca. De volta ao seu pais de
origem, levou uma linguagem impregnada de influxos maneiristas, rafaelescos.
Era a concepção desse painel Ex 7 Barend VAN ORLEY (1488-1541)- Artista flamengo influenciado pela obra
como os crentes das catacumbas. ecutou-o e_ morreu; morreu
de RAFAEL (que conheceu através de cartões para tapeçaria); buscou unir o
sorrir, confiado na recompensa a ' c?mo os apostolos da paz, a
· os JUStos. carater clássico da arte italiana ao realismo flamengo.
8 ]osé de OLIVEIRA(?-?) Viveu no tempo de Bobadella; decorou o palácio dos
Falta ao desenho dessa f .
te, UIJ;,l traço mais seguro - I:.::~l:co~nest~velmente importan- 9
vice-reis.
Manuel de ARAÚJO PORTO-ALEGRE (1806-1879) -Pintor, poeta, escritor,
garoso e feliz, fazendo pe b VIgor. E, antes, correto, va- teatrólogo, crítico, historiador da arte e diplomata gaúcho. Aluno de Debret
rce er um pulso frac · ·d
na ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO, anos depois
persistência
. enorme para vencer o contorno o e tlml
dil o,- uma foi diretor daquela instituição. Como crítico e historiador da arte, refletiu
penor pelo acabamento . Desconta-se em consid • uma pre- . eçao
. su- sobre a produção artística carioca de seu tempo e foi o primeiro a estudar
ao meio em que a obra foi· executad a, a mcorre
. -eraçao
d a epoca e os artistas locais anteriores à chegada da Missão Artística Francesa de 1816,
nota-se da bacia aos pés . mcorreçao
. _ 'disfarçadaçao 1 e relevo
d que tendo publicado seu principal estudo sobre o assunto - "Memória sobre a
Antiga Escola de Pintura Fluminense" -, na Revista do Instituto Histórico e
manto, porém, perceptível a. VIsta
. experrmentada
. pe as obras do
Contud Geográfico Brasileiro, do qual foi membro.
co, os b raços, a fisionomias-ao f eitos
. com talento· e habilidade;
o, o tron-e

77
76
vând'tl o; o 1 'lO a igr j a da rdem T rceira sofreu um retoque
aos 'Studo, p J qual·s m o travam predile - É
o o
g ral por }os ' Gonç alves, 17 o al eijadinho, um brochador de
para alem-mar tivessem e . d çao. • possiVel que pared e s; e os retábulos da mesma igreja por Narciso da Silva
aproveitar as lições de arti~~a do J~ose d e Oliveira que poderia
o

Vieira Lusitano 11 Roch 12 A ~ ~empera de Manoel da Serra, 10 o elho.l 8 19


14 ' a, panc10 Gonçalves 13 v· · Foram discípulos de José de Oliveira- João de Souza e o
se e outros notávei· s cult . d '
0 1va ores da p· t fl Ierra Portuen- 20
sas epocas. Podemos acredit m _:rra. orescidos nes- cenógrafo Muzzi.
. ar nessa asserçao A · ~ ·
pecnva e a valentia do · CienCia da pers- Francisco Muzzi foi mais um curioso do que artista. Dele não
c1aro-escuro que
trou o Sr. Porto-Alegre na- di nas suas obras encon- h á notícias positivas nas crônicas coloniais. Houve, é certo, uma
0 po am ser-lhe · t
cendente que fosse o seu talento. ma as, por mais trans- família Muzzi nesta cidade; porém a respeito do cenógrafo nin-
guém fala. O Sr. Porto-Alegre o diz cenógrafo do Teatro Manoel
José de Oliveira decorou al' Luiz. Aí há um erro de história. O primeiro teatro que existiu no
da fortaleza da Conceição eml daquela sala a sala de armas
, a cape a-mor da ant' . . Rio de Janeiro foi fundado pelo padre Ventura, no Largo doCa-
me tas, hoje Capela Imperial t . Iga IgreJa dos car-
li pim, em 1767, e foi incendiado em 69. O povo denominava-o: a
Ordem Terceira de sa-o F . , o eto e os retabulos da igreja da
e~~cra._
ranc1sco da Penit~ · casa da ópera. Em 60 quando o marquês do Lavradio tomou
obras existe em nossos dias A al d Nenhuma dessas
vice-reis foi retocada no te~ o ~e a e a~dienCias do Palácio dos
conta do governo geral do Rio de Janeiro, um palaciano chamado
Manoel Luiz, que morreu no tempo de D. João VI sendo, então,
ta, no tempo de D Pedro I p F D: Joao VI por Manoel da Cos-
~
d d · por ranc1sco do Am al15 . moço da câmara e coronel de milícias do quarto regimento, edifi-
e de D. Pedro u por Porto-Ale e A ar · na mawri-
çao estragou-se, e depois foi caia~·.
sala de armas da Concei-
cou novo teatro, na rua que ficava à esquerda do Paço. A casa da .

, o teto da cap~la dos carme-


ópera tornou-se depois disso conhecida pelo nome de Teatro21Ma-
litas representando a vir em de
artista Raimundo da Co~ta e S~o~~e Car~elo fm retocado pelo
noel Luiz; e o cenógrafo desse teatro foi Leandro Joaquim. (1)
va depms de caiado por um Acresce o seguinte: se Francisco Muzzi se tivesse dedicado à arte
da pintura podíamos admiti-lo como cenógrafo. Mas não existe
10 MANUEL DA SERRA (N-ao foram encontrados dad no Rio de Janeiro uma só obra que confirme a sua profissão. Ora,
11 Francisco
- de !\'latos Vie'tra, d'!to VIEIRA LUSITANO os ( sobre este artista)..
tugues. Estudou em Roma Es . ,. 1699-1783)- Pintor por-
12 . peoa tzou-se em tem· I' . ro entre os séculos XVlll e XIX. Conhecido como retratista e como pintor de
Joaquim Manuel da ROCHA (1-3 - as re tgwsos.
Infl uenctado
· 1
pela obra de VIEIRA LUSITA 0-1 t 86) - Pinto
. r e gravador português. cenas religiosas.
Desenho e Figura e aJ·udou na ·. " d NO. Fot professor da Aula Régia de 17 ]osé GONÇALVES (?-?) - Pintor carioca. Ativo no Rio de janeiro no século
. cnaçao a Acade . d
13 Aparício GONÇALVES . Wao foram encontrad mta XIX. Retocou quadros da Igreja da Penitência daquela cidade.
d· d o Nu, em 1780. 18 Narciso da SILVA COELHO(?-?)- Pintor ativo no Rio de janeiro no século
entanto, existiu um André Gon ça Ives (1692-1762) os a osp·sobre este artista · No
ro essor de Joaquim Manoel da ROCHA) - mtor ativo em Lisboa, XIX. Restaurou os retábulos da Igreja da Penitência naquela cidade.
P f
14 ~!EIRA
19 João de SOUZA(?-?)- Artista atuante no Rio de janeiro na segunda metade
PORTUENSE
nto neoclássico (1765-1805)-
de sua époc· Pintor.
d - Influenciado pelo espí-
portugues. do século XVIII. Algumas obras sacras do Convento do Carmo no Rio de
d'enoa.. em Londres. De volta ao a, estu ou
seu . , . em Roma e, mats. tarde, fixou resi-
janeiro lhe são atribuídas.
e Pmtura do Porto, em 1803 Es . l~ats, maugurou a Academia de Desenho 20 João FRANCISCO MUZZl (?-?)-Pintor, desenhista e cenógrafo atuante no
. · peCJa IZOU-Se em p' t . d .
5 Franosco Pedro do AMARAL ('1 -1 . m uras e temas reltgiosos. Rio de janeiro na segunda metade do século XVlll.
1
entre a antiga Escola Fluminen~e d!3~~;: Pmtor carioca, ponto de ligação 21 LEANDRO JOAQUIM (17 38?-1798?)- Pintor e cenógrafo brasileiro, ativo no
Jruoada com a Missão Artística Fra dra e a nova fase da arte brasileira Rio de janeiro na segunda metade do século XVlll. Considerado um dos
dos ainda no período colonial f . n~esa e 1816. Tendo iniciado seus estu- principais representantes da Escola Fluminense de Pintura.
16 Ra· d ' Ol maJs tarde aluno de DEBRET
Jmun o da COSTA E SILVA(?-?) Pintor flum·mense, atuou no .Rio de Janei-

79
78
S<'n lo ral'os os sp tácUlos do 1' atro Manoel LUiz, pouco teria
. iro da ua liberdade. Havia na ci-
um cenógrafo que fazer; logo, é óbvio, Muzzi não podia susten- f'at igant ' para ajuntar o clinl~ l pela riqueza e pelo talento de
tar-se e Viver com os lucros obtidos pelos trabalhos cenográficos. dadc uma família de c~r, notave M oel da Cunha recorreu à
João de Souza é o autor da Virgem do Carmelo que está no s us filhos, a farrúli~ ?Ias da C~~z.let: a soma com que devia
proteção dessa famiha para c P
altar da portaria do convento do Carmo, e, talvez, dos quadros m rar a carta de alforria. ,
retocados que existem na sacristia e celas desse convento. A Vir- o P , . Cruz não pôs obstáculos ao louva-
gem do Carmelo tem apenas colorido; é uma obra vulgar, um retra- A generosidade da família . Ih dinheiro restante,
· tor adiantou- e 0
to, em busto, de quem quer que seja. Manoel da Cunha, 22 discípulo v l interesse do mestre-pm ' litas entrou na sociedade, fa-
de Souza, tem maior vulto artístico, e ofusca o nome do mestre. o decorador da capela dos carm: nestidade de uma existência
:tendo esquecer o passado com a o
Cunha era mulato, filho de um branco e de uma africana, trabalhosa. · té
escrava da família do cônego ]anuário da Cunha Barbosa. O pai
Acompanhou a nova fase da~ ela da Virgem da Vitória, na
ua vida o seu sentrmento es -
desprezou-o, deixou-o cativo, porque não era intUito seu multi-
plicar a raça humana segundo os deveres sociais - reconhecen- tico. Decorou por e~se tempo~ . a~ tou o teto e o Santo André
do os filhos e legando-lhes o nome. Igreja de São Fran~Isco de Pa lo adfv:sos quadros para o Mostei-
Avelino para a IgreJa do Caste , de de Bobadella, para o
As famílias daquele tempo quando tinham amizade às crias - B fez 0 retrato ao con , .
ro de Sao ento, di benfeitores da Misericordia
mandavam-lhes ensinar um ofício, a família do cônego Barbosa Senado da ~~ara; retratoud :ee~~oss Meninos (Igreja de São Fran-
por simpatia ao mulatinho, meteu-o na oficina de João de Souza. um dos
ecisco smdicos da lrman
Mais tarde, depois do escravo ter crescido, encontrou nele algu- de Paula). Foram grandaes os progressos por ele alcançados
ma habilidade para a pintura; pensou em fazê-lo mestre-pintor, nessas obras. - Falta-lhe no
profissão lucrativa a tantos réis por dia, e, fato decidido entre os '
A sua pintura e larga, so 'r1da sem pretensoes.
' , e' sincero real e
membros da ilustre família, o mulato foi enviado a Usboa para ~ . d li deza de traço, porem '
fazer-se profissional. Quando voltou da capital do reino (175 7?) desenho eleganCia, e ca , t ato do conde de Bobadella.
firme. A melh~r de suas obras,e ~~:~o à sua época; tem o olhar
foi encarregado da pintura do teto da Capela do Senhor dos Pas-
Vê-se-o no meiO da ~ela, em peb ~ante descendo em anéis so-
sos, na igreja dos carmelitas. Copiou aí, por um desenho que
dominante, a cabelerra farta, ~d~o braç'o direito, segurando um
fazia parte da sua bagagem de artista, o Descimento da Cruz, de
23 bre as espáduas. O conde este datário· e no fundo do qua-
Daniel Volterra, pintura um tanto defeituosa porém promete-
rolo de papéis, como num gesto mban e um c' anto da baía do Rio
dora de grandes obras. Começou dessa época a trabalhar por sua d · 1 os perce e-s
conta, à noite, dando lições de desenho; tomando empreitadas dro, aberto em ms P an , de andas velas, vão-se demandan-
de Janeiro, co~ as naus que, P ue ele executa as ordens de
de pintura em casas particulares; desenvolvendo uma atividade do mar largo. E no momen~o em q
p bal expulsando os jesmtas em 1759.
22 Manuel da CUNHA (1 73 7 -1809) - Pintor carioca nascido escravo, conseguiu om , 1809 cercado dos desvelos de
a alforria após estágio de estudos na Europa .
Manoel da Cunha morreu em a'ga com as economias do
23 Daniele da VOLTERR A (1509 ca- 1566) - Pintor italiano. Influenciado por
farnili.a em uma pequena casa P
sua balho• O escravo soube f azer-se homem .
RAFAEL, mas sobretudo por MICHELANGELO, foi um dos principais segui- seu tra · , d s
dores deste último, conseguindo, porém, uma interpretação particular dos
f . também disCipulo e ouza,
temas que desenvolveu em suas pinturas, sobretudo os religiosos . . Trabalhou por este temp?, e (~~387 - 1798?) Vê-mo-lo, em
0 fluminense Leandro Joaqmm. ·

80
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I' '( l" liO
< ' m um dos s •us I 'lin ls - a r difi ~
t do Parto. Era um tipo miúd açao do R olhimen- F z, 'nt rto, Wlr I rom ssa: se ficasse bom, a primeira vez
painel entrega o pintor que ~· c~r?uJ. nto e de cor parda. Neste
arquiteto, o projeto da ;eedific:~o
dor Luiz de Vasconcellos. ç
e: acmn~ava as funções de
o recolhimento ao governa-
1 tomass dos pincéis seria para pintar os derradeiros mo-
entos da Senhora da Boa Morte.
Como puro cristão incapaz de retroceder com as obrigações
São dois os painéis (coro da I . ontraídas perante a fé, realizou a promessa (Igreja do Hospício)
o incêndio e a reconstrução d g~eJa do Parto) que comemoram fez grande número de quadros religiosos espalhados por diver-
ções, parecem ser da prnn· . efsse ec~ll~mento, e, pelas incorre- sos templos desta cidade. A Igreja do Castelo possui dois desses
I erra ase artisnca do · trabalhos.
ugar está um retrato em bu t d . pmtor. No mesmo
obra de uma simplicidade to~; o Vlc~-rei Luiz de Vasconcellos, O seu desenho é fraco e tímido, quase sempre defeituoso,
za do traço do que pel te, mais pela precisão e delicade- porém o colorido é suave. Nos primeiros tempos desconhecia o
cessor de D. Luiz de Ma cruenhza do_ colorido. A expressão do su- valor dos tons e não sabia iluminar os quadros; nas últimas obras
ascare as e verdade.
rece combinar-se naturalm rramente justa e pa- mostrou-se mais cuidadoso, procurando corrigir-se desses erros,
ente com o seu carát · o que conseguiu com admirável engenho. A Senhora da Boa Mor-
tante e epigramático D L . d er resistente, cons-
sangue dos Medieis ~a ~ar:z Ce V:concellos tinha uma gota do te, salvos um ou outro senões no arabesco, é, para esse tempo,
frade, um pouco artista ro;e orp ent?, descansado, um pouco uma das boas produções artísticas. Unidade de ação, justeza de
tou jardins, levantou f~!es ;~u· os artista~ do seu tempo, plan- expressões e harmonia geral da cor recomendam-na entre as obras
tânicos de Conceição V 11 P hcas, coadJuvou os estudos bo- contemporâneas.
e oso, e rezou muito·
~ode para cair nas boas graças d . . , rezou o mais que Dois outros artistas são dessa época, um é o religioso Fran-
E bem . o remo do ceu e de S M a rainh cisco Solano 24 (. ... 1814c.) natural de Macacu, professado na or-
sua far~as:~r:e~h:~u~le que está ali, todo cheio de bo~omia n: dem de Santo Antônio. O outro é Raimundo da Costa e Silva,
tos, cabelo puxado à nuuro, olhpescoç? curto, lábios finos e direi- flmninense também, e como aquele nascido e falecido em datas
ca, o os azms e espertos. ignoradas.
Leandro Joaquim deVia-Ih
Foi um bom amigo seu. e conhecer bem de perto o caráter. , Frei Solano era uma infeliz criatura de talento, porém metido
no convento no melhor tempo da sua mocidade. Como aquele sim-
Uma febre epidêmica, conhecida pático e desditoso autor das Inspirações do Claustro podia dizer:
levou o Pintor ao leito d 1 pelo nome de zamparine "Eu também anteVi dourados dias" que se foram, lentamente, se-
José de Castro segundo ur~te dongo tempo. O melancólico D: cando na solidão da Vida monástica. Fez-se artista por si, por suas
ao contrário d; antecess con e _e Rezende, estava no governo· próprias forças, aproveitando as horas vagas em contínuos exercí-
or este nao queria sabe d ,
toda a tarde a passear nas salas do P r e _artes. Levava cios de desenho e pintura. Era uma paixão que o arrastava. Quando
para trás, sobre as abas da aço, com as maos cruzadas frei Mariano da Conceição Velloso, coadjuvado por Luiz de Vascon-
cravados no assoalho L drcasaca, a cabeça meditativa, os olhos cellos, partiu para o interior desta capitania a fim de realizar estu-
. ean o Joaquim Viu s b d
çara mão da Pintura religiosa co . - e a . an onado. Lan- dos botânicos levou-o em sua companhia, na qualidade de dese-
no reinado do marquês d L mo_se fizera cenografo em 1769,
alquebrantava-o. o avradio · Mas a m or·estia
· era tenaz; 24 Francisco Benjamin, dito Frei Francisco SOLANO (?-1814c.). - Pintor flumi-
nense . Executou, entre outras atividades, as ilustrações para a obra Flora
Fluminense.

82
83
nhls ta.L:m 179 voltavam da p r grinação científica. Os estudos do
d uto naturalista eram ilustrados pelo habilidoso e jovem frade, , defeitos não lhe despem a simpa-
d o p nsam 'n to. omudo esses d inceridade de uma alma
que, dessa ocasião por diante, empreendeu a composição de vários tia. A crítica deve ver ness~s obr~s:~~peramento·formado sob
Painéis- São Carlos oferecendo o seu poema à Virgem d'Assun- ingênua, toda a espontaneidade. e
ção, Santa Isméria e o Senhor da Paciência. influências, que devemos respeitar. ·-
O seu fraco era a pintura decorativa: as valiosas imitações de Silva é o autor do São Sebastiao, da
Raimundo da Costa. e Ca ela Imperial; da Conceição, na
tecidos, as bordaduras, e de porcelanas, por ele feitas, eram apon- Igreja do Castelo; da Ceia, .na P C ·sto na Igreja do Sacramen-
tadas em grande número. Até há poucos anos existiam no Conven- Igreja do Hospício, e do Batismo de n ~e pintou para diversos
to de Santo Antônio, posto que deteriorados pelo tempo, dois va- , d de número de retratos q ~
to, alem e gran o a maior parte dos seus contempora-
sos de madeira imitando a porcelana da Índia. Conta-se que sendo particulares. Pertenceu, .com l foi um fraco desenhador.
enViado a São Paulo, decorou o convento desta cidade para a recep- neos, à escola dos colonstas e como e es
ção do bispo São Mateus. As imitações eram tão lindas e feitas com elevada e corpulento. Consta que
tão rara habilidade que o prelado não pôde calar a admiração: Era homem pardo, esta~ur~ de e era major de ordenanças.
morreu com oitenta ano~ e I a , ndeu-a por si; e era também
- Como!... Uma ordem tão pobre com semelhante pompa! N" ém lhe ensinou a pmtura, apre .
Quem escreve estas linhas Viu em 83, no Convento de Santo e:.::or-entalhador, ofício que aprendeu de seu pai.
Antônio, desta corte, uma admirável imitação de damasco bran- d . tura foram uma cabeça de
co, pintado sobre a face de um altar de madeira. O tempo tinha Os seus primeiros trabalh~s ; pm vidraça na Capela do
São João Batista e a decoraçao e_ uma ais af~ados presepes
estragado em parte esta obra, mas ainda assim a Vista iludia-se. A Livramento, onde armava presepes, os m
pintura decorativa do teto da sacristia desse convento é também desse tempo. . ,
produção sua, e, sem dúvida alguma, a que mais o recomenda.
. . res vieram se reumr a campa-
Anos depms outros_tres P~~noel Dias de Oliveira Brasilien-
~
Encontra-se nesta vastíssima composição a força inventiva e a
habilidade técnica de frei Solano. O colorido é Vigoroso às vezes e nhia dos precursores. Sao el:5s . Alves26 e José Leandro de
· d Romano Antomo
às vezes fraco, a luz, distribuída com uma superior prova de bom se, cognomma o o , ' a é oca Domiciano Pereira Barre-
gosto em nada semelhante à dos outros trabalhos, banha serena- Carvalho. 27 Perten~e~ a mesm P as portas do oratório que se
to,28 autor dos pameis que ornam
mente a cena, dando relevos de uma clássica imponência a certos
grupos onde se-vê o desvelo por ele dispensado a esta composição. . BRASILIENSE ou O ROMANO (1764-1837)-
25 1\Ianuel Dias de OLIVEIRA, dito O R a fixando-se no Rio de Janeiro.
Em um dos cantos, duas encantadoras cabeças louras de anjos, d m Lisboa e em om •
Pintor carioca. Estu ou e_ . nh
e
Figura, criada em 180 , naqu -
pintadas com uma graça digna dos mestres da Renascença, con- Responsável pela Aula Publica de Dese o e 0

trastam com a severa tonalidade do colorido do fundo. Os grupos la cidade. . R. de Janeiro e em Pernambuco
26 Antomo . ALVES (?-
. ?) . 1 XIX ativo no w
. - Retratista
de nuvens e de anjos que acompanham as linhas circulares da de-
na primeira metade do secu o - . 834) -Pintor carioca que vivenciou as
coração, satisfazem amplamente as exigências da crítica, concor- 2
-; José Leandro de CARVALHO (1 ; 50?-1 B "1 ao transformar-se em Reino
rendo para o bom efeito da pintura. O ponto mais vulnerável em · p·tssou o ras1
transformações pelas. quais . < amília Real para a Capela da Igreja de Nossa
frei Solano era a expressão dos gestos; algumas das suas figuras Unido . O retrato que pmtou da F .
Senhora do Carmo, no Rio de JaneirO, OI
f . destruído no levante pqpular,
têm moVimentos esquerdos, ações que não correspondem à articu-
ocorrido a 7 de abril de 18 31. . . no Rio de Janeiro entre os
lação dos membros, expressões que não traduzem com proprieda- 28 . .
DomiCiano PEREIRA BARRETO(?-?)- Pmtor ativo
séculos XVIII e XIX.

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H<'ha po r t rús do ·oro ch lg r ja da rct T . .. ~
i o da P nit ' n ia e Jo é v ·ct } 29 m I cu a d Sao Fran- v lho, h •io d • filhos. sistiu da profissão; retirou-se para a ci-
cisco de Assis da P, ortaria dlo ac , autor da morte de São Fran- dad d ampo , onde abriu um colégio, de primeiras letras, e
b ' onvento de Santo Ant · onde faleceu em 1831.
os foram inferiores aos contemporâneos. orno. Am-
Antonio Alves (... 1814?) foi medíocre pintor. Na Academia
Manoel Dias foi enViado à Euro .
guês, que faleceu pouco tempo dep~i: psor ~ neg~oCiante portu- de Belas Artes existe um esboço de retrato d'el-rei D. João VI, que
pouco promete.
de ~e Porto, sendo obrigado a servir d~ c:i:~ ~-::o ~ara~ cida-
dedicou-lhe simpatia e conhecendo- , VIv_:r. amo Com Francisco Pedro do Amaral e José Leandro de Carvalho
:~~ura, trouxe-o par~ lisboa onde 0 ~:le~ra:~:~~~:ç~of~::.a~ termina este período artístico. O primeiro, discípulo de Manoel
da Costa, um cenógrafo português, e depois do artista francês
Pia. M::~e~~~~a~:::adu~sCast~lo, tendo antes estudado na Casa João Debret, 32 decorou o teto da sala principal da Biblioteca Na-
e senamente aos estud
aplicação proveitosa enVI·aram R os, e, por essa cional, o palacete da marquesa de Santos, algumas salas da Quin-
• -no a orna.
ta da Boa Vista e o teto do Paço da cidade. Há poucos anos existia
sÓb :~:;::~~- ~1~~~~tr~~~A~ademia d~
0
São Lucas, tomou-o dele, no Museu Nacional, uma miscelânea desenhada e colorida
sor régio de Pintura abriup ul ~o de Janerro, nomeado profes- com notável habilidade. Morreu ainda moço, no ano de 1830.
casa f ,. a as e desenho e Pintura em uma José Leandro é dos precursores o que melhor acentuou a sua
não P:~;~:t~:~;:e~: damoHdospício, que_fo~am freqüentadas por indiVidualidade. Nasceu em Muriqui, distrito de Itaboraí, em 1700
a ores e profissiOnais. e tantos. Os primeiros anos da mocidade passou-os nas oficinas
Entre as obras dele que atualm . de Leandro Joaquim e de Raimundo da Costa e Silva.
Senhora Sant'Ana (Casa' d M d ) ente eXIstem, contam-se a
a oe a retocada há Vinte e t A chegada de D. João à colônia foi um poderoso incentivo
:o;~l:sa1::o~~ ~oc~enc eiçã?
1
(1813) que se acha na Acad::
anerro. Era um bom pint d f
flores e natureza morta e habil' . or e rutos,
dos progressos da sua arte. A corte do rei queria embasbacar a
multidão indígena com um pequeno luxo de saltimbancos. Man-
' lSSlffio em trabalhos decorativos dava-se retratar, encomendava pinturas para o muro das habita-
Vl fo~a:~~::~:~das decolrações para a recepção d'el-rei D. ]oã~ ç õ~s; mostrava-se conhecedora do bom gosto. José Leandro era
, . as por e e. O seu desenho não t um pequeno Velázquez 33 dessa burguesia pretensiosa e boçal.
ganCia e correção, porém o colorido foi-lhe vibrante :~;;:de ele-
Com a ~hegada dos artistas franceses, da colônia Le Bret 31
Francesa, chegada ao Rio de Janeiro em 1816, onde criou a ACADEMIA IMPE-
RIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO . joachim LEBRETON era o chefe
a sua notonedade sofreu seriamente Tamb , . , on, da Missão.
· em ]a estava cansado
' 32 Jean Baptiste DEBRET (1768-1848)- Desenhista e pintor francês . Integrou
29 José VIDAL (?-1831)- Pintor ativo no R. d . a Missão Artística Francesa, permanece ndo no Brasil até 1831. Na França
século XIX, autor de uma pint . 10 e Janeiro na primeira metade do escreveu e ilustrou Viagem PiLoresca e Histórica ao Brasil, em três volumes.
. ura representando a mo t d s-
Assis no Convento de Santo Ant" . . r e e ao Francisco de 33 Diego Rodrigues de Silva y VELÁZQUEZ (1 599-1660) - Pintor espanhol. Em
omo, no Rw de Janeiro
30 POMPEO BATONI (1708-1787) _ p· .. . . s ua primeira fase opta por uma orientação nitidamente naturalista com
RAFAEL e da estatuária clássica, dese~~~~vi~al!ano. Influe~ciado pela obra de predileção por cenas populares. Em 162 3 é nomeado pintor do rei e se torna
mente para o Neodássico embora . e u uma produçao que tendia nitida- o principal artista de sua época, retratando a nobreza espanhola. É a partir
Correggio. , mantivesse certa sensualidade vinda de de sua segunda viagem à Itália (1649)- onde entra em íntimo contato com
31 COLÔNIA LEBRETON _ 0 . _ a pintura veneziana do Renascimento - , que o artista alcança seu total
urra designaçao possível para a Missão Artística amadurecimento.

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O m •lhor r trato d João VI .
d anto Antônio) é feito p.o q~ exrste no país ( onvento I r l foi o prirn iro, o prim iro que negou-se a praticar o
r suas maos o tipo · d .
so, mole, indolente do filho de D M . . . m ec~so, medro- vandali mo.
com a mais feliz precisão de det~e~Ia, a dmda, foi apanhado Os patriotas não cediam. Em grupos, pelas ruas, vibrando
retratos daquele tempo 0 . que se conhece entre os acetes, exaltados, ostentando no tope do chapéu posto à banda
·
d o em uma poltrona abot d rei, retratado até os · lh
JOe os, assenta- fitas distintivas com as cores do pavilhão nacional, pediam o
para nós mali . , oa o no velho casaco de lã escura olha devastamento do painel. Afinal José Leandro apareceu.
, CIOsamente com aquel 'l ,
mesmo tempo humilde T, b . e ce ebre olhar irônico e ao
Era um homem alto, cheio de corpo, olhar tristonho, a fisio-
, .
b
beiço inútil e frio dos embo eiço carnudo, aquele legendário
our ons, a barba escanh d nomia grave. Entrou na capela. Diversas vozes partiram da mul-
nedias, o pescoço cheio e oa a, as faces tidão: - Lá vai ele ... Lá vai ele! - E um brado de entusiasmo
penteados em dois canud curto, AA grande ca~eça, de cabelos trovejou, por entre palmas, gestos desordenados e esgrimas de
para trás, ~ssenta bem sobos nas temporas, puxados em rabicho cacete - Viva o Brasil!
se sobre o peito e a enormre o :orpanzil. Um dos braços dobra-
' e mao rechonchuda O artista entrou pálido, a cabeça baixa, os olhos fixos no
antigo, encastoado de prata . agarra o bastão chão. Atrás dele vinha um aprendiz trazendo uma caçarola e
pernas inchadas, quando ca:!~e apoiava o moVimento das uma brocha. As portas do templo estavam fechadas; no recinto,
El-rei disse uma ocasião que SuaM . no coro, alguns rapazolas empregados em acolitar os sacerdotes
pressava), tinha desejo d aJestade (era como se ex- nos ofícios, espiavam para a rua através das vidraças. Puseram
Capela do Carmo. Cham:r::-sae ;etratado no alt~-mor da antiga ao lado do altar-mor uma escada, o artista subiu por ela e, lá do
po. Apresentaram-se José Leandr oncurso os artistas desse tem- alto, começou a brochar o painel. A mão tremia-lhe; copioso suor
o e um italiano se - de febre inundava-lhe o rosto; mas, enérgico e resignado, ia len-
no, conhecido pelo nome de Ar . 34 , , me nao enga-
lbid o por ter apresentado m lh genzw. b
Jose Leandr f .
o 01 esco- tamente passando e repassando a brocha untada de cola. O ber-
os príncipes D. Pedro e D ~ or es oço. ~etratou a familia real: reiro da multidão ecoava longe, como um som abafado de trovão
el-rei e a rainha genuflexo.s, a~~o~a mao do anjo da guarda, que vai rolando pelo infinito.
trono de nuvens cercado d . a do Monte Carmelo, num , Os sacristãos desceram do coro e vieram colocar-se defronte
sua maior comp~sição. e ail]os alados, abençoando-os. Foi a do lugar em que estava o mestre, mudos e cheios de curiosidade;
ao lado da escada, o aprendiz seguia com os olhos admirados a
Mas o exaltamento dos ânim . total devastação daquele trabalho. Grande parte da pintura tinha
sentia vestígios dos estran . os em 7 de abril de 31 não con- desaparecido e, nos pontos em que o colorido ainda brilhava,
dão de patriotas desvairad::lro{ na ter~a brasileira. Uma multi- grossas lágrimas de cola corriam apressadamente, vertiginosa-
à porta da capela, que apagas~:~ ~ntu~Iasmo pedia aos brados, mente, terminando em pequeninos glóbulos escuros. Fora, no
tar, senão invadiria o templ F pamel, desc~ssem-no do ai- céu sereno e azul, a luz sorria. Era uma manhã tranqüila e fresca.
versos artistas para apagare~ ao~~:.chamados, Incontinenti, di-
Estava concluído o sacrifício: daquela composição que tanto
cuidado lhe dera, que tantas esperanças lhe alimentara, restava
34 ARGENZIO (?-?) - Arquitet . .
.
Janelro o, Pintor e cenografo ·t· r . unicamente o pano e um pouco de cola. Mudo e pálido, mais
na primeira metade d , I I a lano . Ativo no Rio de
antigo teatro São Pedro de AI _o se~u o XIX. Foi decorador e cenógrafo do pálido ainda, desceu da escada, entregou a brocha ao aprendiz e
cantara daquela cidade.
murmurou apenas:

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1 sdc l ~ l () o artista .João Batista Oebret, pintor histórico, co-
L::stá onsumado ... m çara a l cionar a não pequeno número de alunos em um prédio
particular, porque o edifício da Academia estava em construções 7
. ~esse momento volveu o olhar
IgreJa, como se procurasse al a cpara as_ paredes laterais da sob o cuidado do arquiteto Victor Grandjean de Montigny.3
dos doze apóstolos Tamb, gum ousa. La estavam os bustos 38
· em eram obra sua Q Batista Debret, discípulo do célebre Luiz David, foi um emi-
tarde não teria a mesma so t ... uem sabe se mais nente vulto da colônia, e um dos artistas mais instruídos que
s r e que teve o p · 1 d
eus olhos encheram-se de lá im _ame o altar-mor? têm vindo ao Brasil. Nota-se, às vezes, em suas obras, uma rude-
entristecidas como se brot gr das que desCiam pelas suas faces za antipática de linhas, e um certo maneirismo no colorido, mas
' assem o coração ess 1· ·
d as, essas gotas de uma chaga mcuravel.
. , as agrrmas pesa- se o desenho não lhe saía gracioso, leve, inspirado do lápis, se
também às vezes não tem a superioridade antiga que caracteri-
Em 50, dezenove anos d - .
restaurou o painel l d epms, o artista Caetano Ribeiro35 zou o desenho do autor da "Morte de Marat" é, não obstante
• avan o a camada de 1
sobrepusera-lhe. co a que o precursor essas falhas, produto de uma adestrada mão, guiada por cabeça
que pensava, que tinha idéias, que conhecia os segredos da sua
Desde esse tempo José Leandro d .
coração a sangrar. Roubaram-lhe esaparec~u. O infeliz tinha o arte. A "Sagração do Imperador D. Pedro I" (sala do trono, no
baram-lhe o amor Refugio ur:na das mawres glórias, e rou- Paço) o "Desembarque da Imperatriz Leopoldina" e o retrato de
los desgostos gas~o pelo u-seEmna cidade de Campos, vencido pe- D. João VI (Academia de Belas Artes) são a prova que temos da
' anos. 1835 deixava d · -
sem ilusões, sem os cuidados da famíli ~ eXJ.strr. Morreu sua maneira vagarosa, muito procurada, em que sequer há vis-
mulher amada· apenas um lh a, sem ouvrr os soluços da lumbres de flexibilidade e ligeireza.
' ve o amigo e um Cri t A primeira é uma obra de dimensões enormes; toma a meta-
pendurado à parede, assistiram-Ihe os últrmos
, . . s o crucificado,
mstantes.
de da parede da sala do trono e toda a sua altwa.
O esboço desse quadro (A. B. A.) é um dos bons trabalhos de
João Debret. A perspectiva da Capela Imperial, representada do
II
decreto em 1816, a Academia só passaria a funcionar com alguma regulari-
João Debret, Nicolau Taunay, Henrique da Silva, Simplício. dade a partir de 1826. Nesses dez anos, suas atividades ficaram resumidas
praticamente às aulas de DEBRET. A partir de 1889 a instituição passou a se
chamar Escola Nacional de Belas Artes·.
A colônia de artistas frances 37 Auguste Henri Victor GRANDJEAN DE MONTIGNY (1776 - 1850) - Arquite-
neiro em 1816 vei·o d es, que chegou ao Rio de Ja- to francês. Aluno de Percier e Fontaine, ganhou o Prêmio de Roma, honra
, emarcar uma no · máxima da Academia francesa. Seguidor do Neoclassicismo na arquitetura,
sileira. Até então a educ - d va epoca para a arte bra-
seus próprios esforços, :ç;~iz~: ~~ssos artistas dependia dos
introduziu tal estilo no Rio de janeiro, quando lá chegou como integrante da
Missão Artística Francesa. É de sua autoria o antigo edifício da Alfândega
ram transportar-se ao rein ram. aqueles que consegui-
o para o culnvo da art d. daquela cidade, hoje Casa França-Brasil.
ah ertura da Academia (1826)36 é oi 0 , . e pre lleta. A 38 Jacques-Louis DAVID (I748-1825)- Pintor francês. Foi em seu estágio ita-
de florescimento. P s prenuncio de uma fase liano que David estruturou sua filiação à pintura neoclássica, influenciado
pelas obras de RAFAEL e Poussin, pelas idéias de WINCKELMANN e Mengs
mas, sobretudo, pelo estudo da estatuária clássica. Pintor profundamente
comprometido com os valores da Revolução Francesa, tornou-se o pintor
35 Caetano
vo no RioRIBEIRO (7-?)- Retratista
de Janeiro em mead d' re_staurador, decorador e cenógrafo Ati- oficial do período napoleônico. Após a restauração, exilou-se em Bruxelas.
3 os o seculo XIX ·
6 ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO . DE JANEIRO- Criada por

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90
rn t lo para a par<' I ' elo oro, l m um I elo afastamento de linhas;
. uadro Vê-se-o no chão,
as figurinhas são desenhadas com saber, e estão bem posadas; a cn m·natlo pr ' lornina na ~01: desse qda d~ plano principal,
cor é harmônica e feliz nos efeitos do claro-escuro, enfim, o as- d al ta que esta a esquer
numa parte a g co inheiros, nos vestidos das da-
pecto geral é agradável. O quadro é, ao contrário, um insucesso. nas camisolas e capacetes dos mar - na libré dos lacaios e
fardas dos cortesaos, ,
O desenho das figuras do plano principal está grosseiramen- mas de honra, nas parte do fundo, no ceu.
te feito; a cabeça de José Bonifácio que no esboço tem uma si- d ão para o rosa, numa .. d
ainda, em gra aç - um colorista, soube com habilida e
lhouette fácil, é ai incorreta e mal colorida; a figura do marquês Mas Debret, apesar de nao ser d minante harmoniza-se
. . d te que esta cor pre o
de Palma é dura e pouco afastada; o fundo com as linhas parale- listnburr a.luz, e sor , . d ço-es Como no quadro
propnas gra a ·
las de arqueiros e espectadores, não tem perspectiva, o colorido perfeitamente com as_ suas e edo é o seu savoir faire. O movi-
cru da vestimenta imperial de D. Pedro, verde e amarelo, e o precedente o detalhe e o seu ~ gr l n'te A atitude de D. João VI, a
. sidade de um sargento-mor que a ~el-
encarnado que superabunda na decoração da capela, fatigam a as figuras e exce e · . . .
mento das pequen
vista, misturam-se desarmonicamente. pose de D. Carlota, a cuno . . -es de três marinherros
. l d galena e as poslço
A figura de D. Pedro, de botas e calças brancas, não tem vida, ta agarra-se a co un~ a ' tá pintado em corpo inteiro,
la galeota, dos qua:s apenas umd ets de uma verdade que, à pri-
parece um manequim vestido, posto naquele trono de papelão, sao surpreen en e, .
com cortinas sem curvas, sem dobras; lisas, completamente li- são de uma expres . linha de composl-
. .f ta e atrai. Entretanto a
sas, e pintadas em um tom Uniforme. meira VIsta . se mam es aixa dividida em duas partes, em forma
ção, demasladame~te b , gradável impressão que de
O "Desembarque da Imperatriz Leopoldina", (esboço?) é, sem de paralelas, não da ao qua~o u;:aacompreender bem as quali-
dúvida, melhor do que o quadro precedente. improviso choque o es~ecta .or. ame minucioso.
dades que ele encerra, e preciso um ex , .
A cena passa-se no arsenal da Marinha. A imperatriz acaba
de desembarcar, D. Pedro vem recebê-la. Ela, de costas para a ·sta francês é um retrato dEl-rei D.
frente do quadro, traja um vestido de seda branca, manto lilás e O terc:iro quadro do artl tudo está magistralmente pinta-
João VI. Ai, nessa pequena tela, d de vinho do docel que
ouro, diadema com plumas brancas. Vê-se-lhe o perfil do rosto tina de velu o cor
emoldurado por um grande brinco de pingente. O príncipe, de do: o trono, a larga cor . d a metade de duas colu-
d f do delXan o ver
perfil, fardado, de calções e sapatos rasos, toma-lhe a mão e tOII\a quase to o o un , l d d almofada da coroa, e a
parece dizer-lhe algumas palavras. A rainha D. Carlota Joaquina, nas e um ar:~ , ,.
de porta o ve u o a
vestimenta reglél do prmClpe,
. d
tudo ai está feito com um CUlda o
, l D João está de pé no
em frente de ambos, no segundo plano, vestida de encarnado e , ntimento notave . ·
ouro, diadema de plumas vermelhas, e manto azul debruçado no incontestavel e com se d d trono manto encarnado
dr bre o estra o o ·0
braço direito cuja mão está apoiada à cintura, tem um arzinho meio do qua do, soino borda d as a our o , forrado de seda branca,
brejeiro, cheio de desembaraço. Ao fundo, D. João vai entrar no com
cai deas seus
armas ore numa opulência de curvas e debruça-se no
ombros
coche, porém uma turba de áulicos vem beijar-lhe a mão, e ele, já hão garbosamente.
aborrecido, volve a cabeça olhando para o meio do quadro. Uma
ala de cortesãos, à direita as damas de honra, à esquerda os altos uerdo curvado, a mão descansada nos
Ele tem o braço esq did gurando pequeno ce-
dignatários, formam o cortejo. Ao fundo estão os coches impe- dim· direito esten o se 0
·?
riais, e o morro de São Bento onde um formigueiro de chap~us
copos do espa á um lobo oco. Esta parte assenta
de sol encarnados, parece agitar-se. tro em cuja extrermdade e:tforrad~ de veludo vermelho escuro,
sobre a mesa da c~roa, tod luída porém sem verda-
franjado de ouro. E uma obra bem cone '

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cl<: < .' i_r><> cJ e I . .Jofio VI n· o 'ra a lll I
'UJa fl 1ono1nia · altiva. · ujo olhar · dominante, r 'S ultou, diz Jo· o I br 't (Voyage au Brésil, vols. in-fol. Paris,
I ) uma conomia de fundos baseada na supressão de uma
O seu retrato feito por José Le dr
defeituoso no desenho, fraco no c
nom.ia é mais 0 s . 0
on
tn.°• .
do, embor~ amanerrado,
tem mms a sua fisio-
parte de artistas franceses." Mais tarde, em 26, depois de nove
·mos de lutas, de doestos, de calúnias, efetua-se a abertura da
Academia diante de numeroso concurso de povo e do imperador,
gir o o~iginal ou ;~t:.eTalvez f~sse id~ia de João Debret corri-
nesse momento o diretor aproveita a oportunidade para, no
ser agradáveÍ ao rei. Dest;~~e~~ e lsentnne~to estético, ou para discurso oficial, apresentar um projeto de estudos em que de-
d . que a manerra andou mal ·
o, porque se deewu uma obra di aVIsa- monstra haver necessidade só de uma classe de desenho em um
pela cor, não pôde debx gna de ~preço pelo desenho e
ar um retrato perfeito. urso de cinco anos.
Como ficou dito no pr· · . d
. .
foi um dos fundadores da :c~w estas linhas Baptista Debret
da primeira exposição de P~~:IDla de ~elas Artes e o iniciador
Esta idéia justa em seu princípio (escreve Debret, ob. cit.) po-
rém viciosa na sua aplicação porque anulava a atividade das
outras classes, devia desgostar os professores, conduzindo-os
quatorze anos teve que sustentar' no pms ~1826). Por espaço de a uma forçada demissão, em vista da inutilidade em que fica-
artista portugues Henrique José da ~a ~~dilosa contenda com o riam colocados.

;~s!o~~:::i~~s c~~~orna,~ssMeenojoso re~~~:r d:e~~~!~~~: ~e~=~


. Le Breton40 (1822) H .
O projeto falhou. E por isso e pela vitória alcançada por Debret
chegou à colônia um · enr1que da Silva com a exposição dos trabalhos de alunos, em 26, o despeito do
ano antes da chegada dos ti f diretor redobrou de intensidade. Lançava mão de bizarrias, umas
encomendados ao marques d M .ai ar stas ranceses
Lisboa foi Francisco Bento Me . ~ va; quem o mandou buscar a nugas que iam-se desenvolvendo em qu.izílias. Ao princípio ne-
para ilustrar uma trad - aria argini, barão de São Lourenço gava salas para as aulas de Debret, depois marcou horas de au-
uçao que fazia do En · b '
poema filosófico de Alexandre p saw so re o Homem, las, obrigando os alunos a estudos imperfeitos, num determina-
ope.
do número de minutos. Os discípulos do artista frances rebela-
Em 17, quando Le Breton esperava . .- ram-se contra a ditadura, reuniram-se, deliberaram enviar como
bre os estatutos das a opiruao do governo so-
diretor Henrique da Seilscol~s que apresentara na qualidade de
parlamentário ao imperador o companheiro Manuel de Araujo
' va e nomeado co 1 Porto-Alegre.
fessor régio de desenho e dir t d , m gera surpresa, pro-
e or as escolas. "Desta nomeação Um dia Pedro I, que a rogos do barão de São Lourenço nomea-
ra Henrique da Silva pintor da Imperial Câmara, descavalgou à
39 Henrique José da SILVA (1772-18 34) p·
- Farmou-se em Lisboa s . . . - mtor · desenhista e pro f essor ponu-
g ues. porta da Academia. Houve um rebuliço no edifício; o imperador
ACADEMIA IMPERIAL DE BÚA~cl:~~;~eDnatal. Nomeado em 1820 diretor da estava no átrio. Ouvia-se-lhe o tinir das esporas e o som dos pas-
até seu falecimento. 0 RIO DE JANEIRO, esteve no cargo
sos. O diretor apressou-se a vir recebê-lo, todo curvo da espinha,
40 Joachim LEBRETON (1760-1819) - . . debuxando o sorriso untuoso do servilismo nos lábios secos:
Abandonando a carreira reJig· . Escntor, polemista e político francês.
• . JOScl com a Revolução F .
cretano perpétuo da classe de B I A
. d
rancesa, tornou-se se-
e as rtes do Institut d F
- Imperial Senhor ...
peno o napoleônico. Caído em des ra a o e - rança, durante o
Vlte do Marquês de Marialva d gc ç com a Restauraçao, aceitou o con- -Nada de imperial senhor!
Artistica que então formavam e o onde ~a Barca para chefiar a Missão
BELAS ARTES DO RIO DE ]ANEI:ga a cnaçao da ACADEMIA IMPERIAL DE Disse-lhe D. Pedro com aquela arrogância espanhola que o
caracterizava; o diretor empalideceu.

94
95
Vim aqui sab •r d b
m ~t '. LU1 as ar ilrari dad s que o nhor co- ·ampos d ·bal ' O ' um céu longo c alto, e os pastores da Arcádia
que aspirmn o ar fresc o, delicioso da manhã alegre, refestelados
- Eu, imperial se ...
por sobre a macia grama das pastagens, a cantarem, acompa-
- Sim. E quem há de ser? Do nhando as notas que um dentre eles tira da maviosa flauta; en-
peite os pedidos de M. Debret. . ... ravante ordeno-lhe que res- quanto as cigarras estridulam na copa das olaias floridas, e o
rebanho pasta... O correio que chega à aldeia, trazendo o ramo
mid~n~::or estava atônito. D. Pedro afastou-se, deixando-o su- da paz, e as cartas dos ausentes; o contraste de sentimentos que
do o ânim goAnha porque acabava de passar. Não serenou contu- se nota nessa multidão curiosa, aflita por ler as apressadas li-
, 0 · gora opunha-se formalm ·
realizar a de 29 Porto-Alegre f . ente as exposições; para nhas dos que ainda ficaram longe do lume do lar - toda essa
Pereira, para efetuar-se a d OI e~tender-s_e com José Clemente admirável representação da natureza, viva de colorido e viva de
Conselheiro Maia Em 31 Je_ 30Dfob1 necessaria a intervenção do expressão, sente-se, num relance de vista, diante das paisagens
. . oao e ret partiu para a Fr de Nicolau Taunay.
companhia de Nicolau Antonio Taunay 41 . ança em
vidual·d d · • a mms acentuada indi
1 a e artistica que fazia parte da colôm·a. 42 -
Na miniatura a delicadeza dos seus pincéis é admirável. A
Paisagista de mérito e distinto Pintor hist. . morte de Francesco di Marco Raibolini, o velho mestre Francia,
nome escrito entre as celebridades da in onco te~ o seu como lhe chamavam, revela todos os seus dotes de desenhador.
como por entre aqueles que b P tura do seu pms natal, As figuras não têm mais que três centin1etros de altura, as maio-
1e e Racine No Rio de J em escreveram a lingua d c .
. e orneil- res, e ainda assim, apesar desse ridículo tamanho, nada lhes fal-
são - "O .P anerro as obras que recordam o seu nome
s astores da Arcádia" · . ta: anatomia, expressão, movimento, tudo quanto respeita ao cor-
coleção do imperador D. Pedro II) P~~em (dQumta ~a .~oa ;;'ista, po humano e tudo quanto diz respeito às suas vestimentas. A
reio d'Ami " . ' orte e FranCia e o Cor-
ens , propnedades do senador Alfredo d'E li toilette de Francia, de veludo cor de vinho, o seu gorro antigo, os
Taunay. scragno e
seus punhos, as suas meias cinzentas apertadas sobre os joe-
lhos, os seus sapatos, são feitos com um rigor inexcedível, um
- Desenh~ correto, delicado; colorido sóbrio mas exato exp
sao, anatoillla e movime t al . res- rigor capaz de enfrentar com a primorosa delicadeza das figuri-
grande sinceridade de imnr~s~= çam-se e~ suas o?ras, por uma
to artístico. O tradutor d:]eru:oi
?ordumTmcontestavel sentimen-
a em, e asso, era um poeta.
nhàs de Meissonier. Os microscópicos mosaicos italianos, em-
pregados em adereços de toilette ou em cofres para jóias, pare-
cem rudes trabalhos de paciência diante desse quadro.
As curvas dos caminho il .
no mistério d s s encwsos, perdendo-se distantes
as moutas sombrias das árvores; o remanso do~ Francia, pálido, o olhar enevoado, a grande barba branca caí-
------ da ao peito, tomba fulminado de morte nos braços dos discípu-
41 Nicolas ANTOINE TAUNAY (1755-1830 - . - los. É no momento que na sua oficina retiram de um caixão a
Academia francesa em Ro d . ) Pmtor frances. Pensionista da
realizou obras de caráter hmta: . urante o apogeu do período napoleônico Santa Cecília, de Rafael. Ele julgou-se o semideus da pintura da
.
fIzessem Is onco embora sua fo -
.
mais apto à .. intura d
" e
'.
paisagem
rmaçao e sensibilidade 0
Integrou a M" - ArtJstica
.
sua época. A "Adoração do Cristo", e a "Pietà", os "Esponsais de
vew para o Brasil em 1816 · Issao que
do então voltou ao seu paJ.'spdermanecendo no Rio de Janeiro até 1821, quan-
Santa Cecília" e a "Descida da Cruz", diriam aos séculos futuros
e ongem. que Francesco Francia fora o maior mestre da Itália e o maior
42 Essa informação de Gonzaga-Du ue n- . .
havia voltado para a França em 1~21 . ao e correta. NJcolas Antoine Taunay artista do mundo! Mas o louro filho de Urbino, o formoso Rafael,
animando com tão suave expressão aquela celeste figura, arran-

96
97
c·ou lllc o fotro da vida. Morr u fulminado p la stup nda b l za
lo quadro, ·'Iombou vencido diante do ideal clarão que iluminava
a obra do m ço!

Henriqu da Silva (t 1834) deixou além de alguns desenhos


em aguada de nanquim, das estampas da tradução do barão de
São Lourenço, dois retratos a óleo. Com o n° 297 guarda a Acade-
mia de Belas Artes um retrato, e o outro foi um retrato de D.
Pedro I, que não se sabe onde hoje está. Nesse único trabalho,
insuficiente para se avaliar os dotes do antigo diretor da Acade-
mia, o colorido é fraco e cru, a maneira acanhada, a anatomia
facial descurada, a roupa pintada sem estudo do natural. A figu-
ra está retratada até os joelhos. É um velho, segundo indica o
Movimento
branco dos cabelos à escovinha, assentado em uma cadeira, ten-
do a perna esquerda passada sobre a outra. Veste casaca com
botões amarelos; do lado esquerdo pende uma fita vermelha com a
cruz de Cristo, tem colete branco, e calças de ganga; olha para o
lado, e o braço çlireito passado por cima do espaldar da cadeira I
segura um livro. · - d Uma Baran-
183 0 - 14 · - Emílio Taunay,
.
Cicarelh, Correa e '
M au Augusto Muller,
dier, Francisco Moreau, Lmz Augusto ore '
Simplicio de Sá43 (nasceu em Lisboa... t 1838, nesta corte) era
Buvelot, Luiz Stallone e Reis Carvalho.
discípulo de João Debret e foi quem o substituiu na aula de pintu-
ra. Em 30 (?) recebeu o título de pintor da Imperial Câmara e a · ara
nomeação de professor de desenho dos filhos de D. Pedro. Atual- Emílio Taunay1 (1795-1882) depois barão de Ta~a~, velO P
, . d ois de ter falecido o estatumo Augusto
mente existe um retrato desse imperador (Convento de Santo An- o Brasil pouco tempo ep _ . Em 31 seu pai Nico-
tônio) que é obra fraca em desenho e em colorido. 2 f · arte da coloma Le Breton. • '
Taunay, que azia p d do governo a cadeira de pro-
lau Taunay, entregou-lhe pdor o~ em or morte de Henrique José da
fessor de pàisagem da Aca eiDia, e P . ue ser-
Sil foi nomeado diretor desse estabelecrmento, lugar em q
vi~:té 54, tendo requerido a sua jubilação de lente em 51.
- - - - .- - - - 881) - Pintor franco-brasileiro . Acompanhou
1 FÉLIX Emile TAUNAY (lt95-l B . i! Professor de pintura de paisagem na
Notas de Gonzaga-Duque o pai, ANTOINE TAUNAY, ao ra~TES DO RIO DE JANEIRO, foi diretor da-
ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS A
quela instituição. • - d ANTOI-
(1) Gabriella-]. Velho da Silva. . 768 1824) - Escultor frances . Irmao e
2 AUGUSTE Marie TAUNAY <1 · não pôde usufruí-lo devido
. t u Prêmio de Roma mas
NE TAUNAY, conqUls o 0 - F Artista de orientação geral neo-
43 Simplício Rodrigues de SÁ- (?-1839) Pintor português, que radicou-se no a problemas relativos à Revoluçao rancesa. .
Rio de Janeiro. Foi aluno de DEBRET e retratista da Imperial Câmara. clássica e de pouca produção, faleceu no Rio de JanelrO.

98 99
,1 ~
Sao s 'is qu·t lros qu a 1\.cact
'
.
mia possUi d se ·
~ çao a qle tão im recidamente deram arnsta, na sua I os s 'US tr "s quadros histórico , "A morte de Turenne", "Des-
le1ra. Duas aisagens trê dr . , ~ nome de Escola Brasi- ob rta da água t rmais de Piratininga" e o "Caçador e a onça",
, s qua os histoncos e
mam a obn do barão de T . . um retrato, for- que menos importância merece é o primeiro, cujo colorido e
aunay, a1 reumda ve· .
ro 1ugar as paisagens A "v· d - . . ]amos em pnmei- modelado estão abaixo do medíocre. A "Descoberta das águas
. Ista a Mae d'Agu "
com que os cariocas de remot . a , nome pitoresco termais de Piratininga" tem o seu principal defeito na figura do
fonte de água existente em as ~ras de.signavam a abundante caçador Martinho Coelho que no meio da tela, ao lado do cavalo
província, é um dos seus melhum os bmrus amenos sítios desta de que acaba de desmontar, faz um gesto frouxo com o braço
comprimento do que largur . oresf tra alhos. O quadro tem mais direito, olhando lentamente para o céu. A expressão desta figura
a, ao undo um c t d não tem verdade. Um caçador que passa por uma impressão como
crespa de árvores· depoi·s d d ore e montanha
· , escen o para · . ·
outra montanha de form ~ . o Primerro plano, uma aquela, não olha para o céu, admira curiosamente a descoberta
· a coruca· no alt 0 d feita pelo acaso. O movimento dos cães que se estorcem, latindo,
uma casa rústica _ a antiga c . ' , . e sua fralda vê-se
outra montanha à es uer <UXa d agua, da qual parte para a escaldados pela temperatura das águas termais, é bem precisa-
madeira. O céu está ~an~~~~ep~esentada em corte, uma bica de do; e o busto do pajem que está acocorado no segundo plano,
zinco; as montanhas revestidao de nuvens rarefeitas, branco de revela não vulgares conhecimentos de anatomia das formas. É
cam-se perfeitamente do fund s e exub~rant: vegetação desta- sob este ponto de vista que o seu "Caçador e a onça" se recomen-
oxigenado, tonificante, das alr:.~~nde ha muno ar, o ar fresco, da. A figura do caçador representada nua acusa um intuito -
alardear o modelado caprichoso dos músculos e das formas, por-
A "Vista do mato virgem u . quanto não consta que os caçadores do interior desta província,
corresponde à boa ;l'>'lpres - dq e se esta reduzindo a carvão" não
uu sao o quadro ac · · deixassem, ao menos, de vestir calças, mormente sendo eles mesti-
tudo é áspero e desagrada' 1 U Ima mencwnado. Neste ços ou portugueses. O tipo que o barão de Taunay apresenta
. ve . mas figurinh d '
graciOsamente desenhadas, vestidas d a.s e negros, des- parece ser o de um português, tal são os traços característicos: a
e azul claro, reúnem numa e cores VIvas - encarnado cor, o cabelo fino e corrido, o desenvolvimento do frontal, o su-
madeiras, de casca esbranq!ar~e do terreno . diversos toros de boval do rosto; logo esse tipo que é filho de um meio mais civili-
corpo lenhoso, cujas camadas çc~ a : d~ colondo mUito vivo no zado, consegUintemente - escravo dos costumes adquiridos des-
e pelo alburno são nitidam t ~centncas formadas pelo cerne de ,a infância, de forma alguma infringiria os hábitos do seu país.
jo medular é acusado Os ten e o sder~adas, tanto quanto o esto- Pintá-lo de corpo nu foi preocupar-se com a exibição das formas
. roncos e arvore f
~uadro mostram ter sido pintad s que Iguram neste de onde resulta convenção, porém convenção perdoável porque
Cia, com toda observação do det~~h~ po~ um, :om
. que formam moitas no primeiro 1' os t~or?es e~ os gravatás
toda paciên- todo o movimento do dorso, todas as contrações dos músculos
estão estudados com saber.
falso e estão mal modelad O P ano, a direita, tem colorido A espádua e o braço esquerdos, a saliência do músculo deltói-
Prússia e um pouco de ocr~s. verde-azulado, talvez azul da
de, o comprido supinador, toda a contração do pulso e mão deste
todas as folhas· a luz . ,fque s: ~es I.lOta, predomina em braço, são admiravelmente observados. A onça que o caçador se-
• · CUJO oco nao e p · d .
todos os tons confunde 0 al reCisa o, umformiza gura pelas patas e a retém em pé, por uma força prodigiosa, de
os efeitos do ~laro escuro ~ ore as complementárias, obscurece peito contra uma árvore, está bem movimentada; a posição da
dução exata de exemplare~ d eoc~pando-se o artista com a repro- cauda é o que menos agrada porque, parece-me, a flexão que ela
a comoção sentida diant do remo vegetal, deixou de transmitir dá ao dorso, apoiando a pata direita sobre o tronco para fugir
pintar a óleo uma estam e a natureza, e o que consegUiu foi com o corpo da pressão em que está, devia provocar uma grande
pa para qualquer museu botânico.
curva das vértebras lombais de sorte que a cauda formasse no

100
101
d uma fo ru •ira, "quas que se aproximando na verdade do efei-
çhão uma n •rvosa linha lig ·.
v·- lá, sem lhante a ~ nam ntc curva, ~ não no ar como
to aos quadros de Geraldo Dow,4 do Museu de Bruxelas" (ob. cit.).
água que passa pelo prirneir~rar:de ~onto de mterrogação (?). A O "Casamento de S. M. D. Thereza Christina", em Nápoles
teza; e não se pode dizer q P ano e transparente e tem correu- (Sala amarela, Paço) é uma obra muito fraca quer em composi-
contrário, a p~rspectiva aér~= :r~s~qduadro haja falta de ar; pelo ção, quer em colorido. Há uniformidade em todos os gestos, pou-
,\ os segredos do artista. co conhecimento do claro-escuro, e muito pouco cuidado na pla-
O retrato lO Sr. D. Pedro li (1835) nimetria. O aspecto geral deste quadro é duro e desagradável. As
nhada e coloriQ\.li por mão de mestre. tem
Masuma cabeça bem
o mesm - dese-
. . tintas foram corridas a brocha, esbatidas, metodicamente, de canto
d o corpo e dos acessórios. A farda
menino imperial (D Pedro tinh
~ nao se dira
que _veste o franzmo corpo do
a canto: depois disso feito, parece que o autor lançou sobre a tela
uma camada de cera, calçou sapatos da lã e a poder de uma
é mal modelada e .de um t a ne~ta ep~ca onze anos de idade)
escova de chumbo e pêlo passou horas e horas inteiras a enverni-
feitos, e apenas é sofrível o ~~ç~ or_me, os dourados são mal
do o chapéu armado apóia a - relto que curvado, sobraçan- zar, a brunir, a lustrar a sua obra. 5

de pé sobre _um estrado atapetr:':~. ~:~~~~~~ v~~~~:~·;!;~;stá


Ninguém mais se lhe aproxima do que Corrêa de Lima (fale-
cido em 57) o autor da "Magnanimidade de Vieira" e do retrato
A posiçao dos pés é falsa or . . .
estão, desequilibraria co P ~ue, umdos e mclmados, como do marinheiro Simão (A. B. A.).
te, a fio comprido, sobre ~~h~~~~~anc~::;o. a estender-se de fren- Como pintor, como desenhador, possuiu os elementos que o
0

uma cor escura confunde-se co P eJamento do fundo, de estudo e a perseverança fizeram entrar, à força, no seu cérebro.
as rugas que a calça branca fa~ o tapete escuro do as~oalho, e A sua pintura de um colorido claro, escorrido e de desenho
duras, muito procuradas. na perna esquerda sao muito pouco mais ou menos correto, é fatigante e inútil; nada exprime.
Naquela geometria de linhas, duras, direitas, ásperas, riscadas
O estudo das obras do barão d T -
cer uma inteligência acima d vule ~un~y nao nos dá a conhe-
por uma impassível mão; naquelas cores opacas, espessas, às
maneira de fazer e de uma o d gar, ~em ~e certa prática na vezes transparentes porém sempre frias, não se encontra a alma
lho, encontra-se-lhe uma . ~an e at~n~ao dispensada ao traba- de um artista. A "Abnegação de D. Maria de Souza" (Quinta da
. . . mgenua audacm em copiar a natureza. Bo;~_-Vista) tem a cor mais pura e o desenho melhor, mas não
E sobno no color·d
1 o, e quase sempre correto no desenho deixa de ser amaneirado e fatigante.
Claudio Barandier, 6 falecido em 67, estreou na exposição de
d Cicarelli3 ve·10 para 0 Rio· de Janeiro em 1840 e n ·· -
a Academia (43), apresentava "U . a Expos1çao 43 com três retratos finamente modelados, e coloridos com sen-
em Nápoles". Era um quadro de ~a reVIs!a no Campo de Marte, timento. Em 44 além de alguns retratos apresentou uma compo-
com simplicidade e bem desenh:d~po~çoes regulares, co~orido sição "A filha de Jefté", cuja expressão era cheia de calma e resig-
Brasiliense) que a figura do ar uid . Diz Porto-~egre (Mznerva
~qu: c_arlos tinha uma bela
imponência e grande semelhançqa f.lSionormca. 4 Gerald DOW (Não foram encontrados dados sobre este artista.).
5 José CORREIA UMA (1814-1857)- Pintor carioca, ativo no Rio de Janeiro na
O "Luar" , estudo ' exposto na mesma ocasião tinha feli f . primeira metade do século XIX. Especializou-se em pintura histórica e em ·'
d e luz , e o que mais
· o recomendava era o contraste
• das luzesz da
e elto
lua retratos.
Claude Joseph BARANDIER (?-1867)- Pintor francês. Surge no Rio de Janei-
6 ro em 1840, participando da Exposição Geral daquele ano. Estabelecendo-se
3 Alessandro CICARELLI (1811-1879 - . . .
onde se formou foi para o R. d )J Pmtor Itahano. Nascido em Nápoles em São Paulo, onde faleceu, foi professor do pintor paulista Pedro Alexan-
' 10 e ane1ro em 1840 d · '
como retratista Em 18 t f · on e ficou conhecido
· 48 rans ere-se para 0 Chil drino Borges
Academia de Pintura de Santiago F I . e onde se torna diretor da
· a eceu em Napoles.

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11H~'i o, oloricto brilhant ' o des nh .. .
/i ->ns ) Afarnil · d . o coneto (Mznerva Brasi- No ano 'uint Ltm outro quadro histórico acusa o gênio orgu-
. Ia o VIsconde de s t Th
to desse general, assinado por Bar:~ ereza possUi um retra- lho o e absoluto do artista.
desenho e bom modelado or' er e~ 1845. A cabeça tem A crítica severa porém justa, não consegUiu vencer esses de-
torno da farda sobre o , P em o_ busto e descUidado no con-
feitos ; ele achou-a impertinente e continuou a elaborar nas mes-
dedos do general são fi~~:p~,deli~ mdao esquerda sem verdade. Os mas faltas, desprezando a reflexão e o estudo. O "Grito do Ipiran-
, .
d ote flSico e ca os como os de uma M d
que não possuía o ilustre militar. a ona, ga" (Senado) contém erros imperdoáveis no desenho. A figura de
Francisco Moreau, 7 (falecido em 5 . , D. Pedro é poseuse e acha-se mal montada, gravidade esta que
Gros, em 1842 conclUia um t 1 d 6) disCipulo do barão de aumenta diante da grande reputação de perfeito cavaleiro de que
-
Sagraçao a e a e regulares dimens- " gozava o primeiro monarca; a figura de uma menina, à esquerda,
de S. M. D. Pedro II" (Sala d d . oes - A
~rês bispos no prin:~iro plano são ~e ocel, no Paço). A figura de tem o corpo relativamente menor do que a cabeça, e as suas feiçõ-

d:~::~~o:e:'~e~~ ~~;~~~:::~~: ~~~~:1.~3:~ :::~


es são as de uma adulta; nas figuras do segundo plano faltam
relevo e destreza de toque. A melhor de suas obras, é talvez, "A
0 viSita do Imperador aos doentes de cholera-morbus" (Paço Muni-
agrupamento. O colorido d · · , . , orna
::t:~~~a~~~r!~os das cap~~ ~~:.~l:~i~~~o e~~~;=o~r~~
cipal) contudo há falta de relevo, o colorido é fraco, a luz deficien-
0 te, o toque uniforme e amaneirado. Tem superior aos outros qua-
de Francisco MoreauU:~ tponalidadde nca e calorosa. A habilidade dros um feliz afastamento do fundo, e grande quantidade de ar.
" assa os segredos da palh t 0 LUiz Augusto Moreau8 (falecido em 75) que poucas vezes abor-
David triunfante" (1843 ) e a. seu
lantes· o azul , tem uma escala de tons os mais cinti- dou os assuntos históricos, em 43 expôs "Jesus Cristo no Monte das
.. , o nacar, o amarelo e 0 v d al
são os mais lindos possíveis.. er e re çam-se na tela e Oliveiras" cujo defeito principal era o de ser uma reminiscência de
um quadro de Signol. 9 À parte este senão, o modelado era fino, ten-
feita!~t~ :eess:~=!~rância de coloração as figuras são imper- dendo para as belas formas, à maneira dos clássicos, perfeito conhe-
cimento do claro-escuro e colorido suavíssimo.
No ano segUinte fazia sucesso com um pequeno quadro de
~ braço_ direito de DaVid é horrível de desenho e em todo o ante- gênero - "Alta de mineiros". É em um rancho, à margem da
e;~ço ha uma perfeita confusão de músculos; o tóra'l: e o ventre estrada. A noite é calma e tropical; um luar de verão que lança
ao. errados; o cúbito, no braço esquerdo, está situado de tal sobre o azul sereno uma aguada de ouro, convida aos descantes,
manerra que, se a figura se . -
braça em supinação Em ge alannnasse, nao seria capaz de pôr o sobre a esteira, ao planger da viola. Ao lado do pouso arde uma
. . r, pouco se encontra nesta produção fogueira, o clarão das chamas faz destacar das trevas do rancho
que anunne, fora de uma grand , .
· . e pranca, as qualidades acessá- figurinhas admiráveis pela naturalidade e graça.
nas a um pmtor histórico· nenh nh .
mias hebraicas d d ' um co ecunento das fisiono-
' na a e temperamento de homens do Oriente· 8 Louis-Auguste MOREAU (1818-1877)- Pintor francês. Aluno de seus irmã-
um capacete romano uma clâmide gr . , os François e Charles e do barão Jean-Antoine GROS . .Fixou-se no Rio de
· ' ega, uma funda fechada e
com Urantes e cabelos à moderna (Porto-Alegre. :t'l:p. de 43). Janeiro a partir de 1840, onde ficou conhecido por seus retratos e cenas de
gênero. Trabalhou juntamente com BUVELOT na realização dos desenhos
7
FRANÇOIS René MOREAiJ (1807-1860 - . . preparatórios para o livro Rio de janeiro Pitoresco.
no Rio de Janeiro em meados d , ~ Pmtor e desenhista francês. Ativo 9 Eugéne SIGNOL (1809-1848) - Pintor francês . Aluno de Picot, participou
do do irmão LOUIS-AUGUSTE) o sec~· o passado (onde chegou acompanha- dos salões parisienses, entre 183 7 e 1848. Conhecido como paisagista, em-
' espena IZOu-se em pintura histórica e retrato.
bora tenha pintado quadros de gênero histórico.

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FSl' p
· qu no quadro é de um efeit
tiva aérea a tonalidade o encantador. A perspec- l ~rn toda a obra d Luiz Moreau, s nte-se uma nota poética,
opostas, a'origin~dade d, as nuanç~s- formadas pelas duas luzes transpare a entimentalidade de uma alma escrava das pai-
a composiçao fazem xões, lê-se em caracteres indeléveis a melancolia por vezes seve-
parte dos seus trabalhos. -no superar a maior
ra, por vezes ligeira de um temperamento dominado pelo lirismo
A "Cena de Walter Scott" e da época. A escolha dos assuntos, a ternura e transparência do
nenhuma das qualidades do P xpo~ta nesse mesmo ano não tem colorido, a espontaneidade do desenho, acusam evidentemente
gens peca pelo relevo as exp rece_ ent:. O desenho dos persona- essa influência. E por ele adenar-se aos ímpetos de seu sangue,
luta de ar. Nas mesm~s con ~e~soes sao triviais e há falta abso- sujeitar-se à tirania do seu espírito, fazer como lhe ditava o pen-
dor (miniatura) que pelas inc~çoes_ acha-se o retrato do Impera- samento sem procurar estranhas veredas, individualizou-se de
rreçoes parece Pintado de cor tal forma que poucos contemporâneos conseguem, em estatura
Tempos depois terminou ara
tos de DD. Ál;:::rres Cabral J .
S. M. o Sr. D. Pedro ll os retra-
Gama, Pintados CO.t::'l umas~ onso ?e Albuquerque e Vasco da
artística, enfrentar com ele.
Apenas, em seu tempo, houve um que talvez o passasse,
ciência de execução Ent t guiar su~eza de talento e uma grande deixando-o a perder de vista, se um ceticismo frio e corruptor
· re anto estao m ·t 1 como ferrugem, não viesse enroscar-se no seu cérebro. Esse foi
como obra, com o retrato da t . L UI o onge de enfrentar
Lammermoor", (Conservatórioc Da nz , .agrange • n a "D esposada de Augusto Müller.l 1 Ao contrário de Luiz Moreau, é de uma grande
colorido, e mesmo sob o ponto ~a::tlco). Sob o ponto de vista do energia de toque, de uma esquisita paixão pela força, pela vida,
retrato passa todas as suas b sta d? dese~o este soberbo pelo nu. Até 1860 ocupou a cadeira de paisagem, merecendo
difusão da luz é doce e como ras.t tonalidade e fresca e terna a
tintas e os reflexos foram . o qdue entamente espargida, as mei~s
louvores do artista Biard pela maneira com que se houve entre
os alunos. Mas não era esse gênero de pintura o que mais mere-
b ' JOga os com um requint . . . , ceu desvelos do seu talento. A pintura histórica, particularmente
raço esquerdo, nu, estendido no es . e lllimitavel. O o retrato, tem nele um representante dedicado que, em outro
de uma carnação perfeita d paço, em linha horizontal, é
tempo e em meio diverso, teria conseguido os mais estrondosos
figura é imponente, majest,os:. ~u:odelado esc~tural. Toda a sucessos. O retrato de Grandjean de Montigny (A. B. A. n° 318) é
e negros cabelos, a sobranceiria do se cabeça aquecida de sedosos sem dúvida, uma obra-prima, e como o retrato de Mme. Reca-
envolve o corpo, o manto azul u olh~, a roupa alva que lhe mier, de Luiz David, poderia fazer uma reputação. Grandjean
lambendo-lhe submiss que das espaduas desce até o chão destàca-se, vivo e expressivo, da tela. É um bom homem, com as
. ' o, as pegadas resum -
apruxonado, como se houvesse ' e~ um nao sei que suas faces nédias, rosadas, olhos azuis, penetrantes, alegres; o
interesse em reUnir sua alma for part: do artista extraordinário cabelo alourado, já misturado com fios de prata, a boca grande e
Parece-me que nessa grande t l P::egr~a beleza daquela figura. vigorosamente traçada. Tem o busto enfronhado em um sobretu-
arte ... Parece-me que um H-.vo.e a a Il_laiS alguma cousa além da do escuro, a cabeça levemente curvada sobre o peito, e sorri para
senu.lHento análogo .
de Greuze10 o Abelardo d L . . ao sent1mento que fez nós, tão cheio de bondade que sente-se vontade de lhe tirar o
. e oetitla uma obra · d chapéu, como a um conhecido antigo, um bom vizinho camarada:
gmava a mão febril do artista mis , -pnma a natureza,
mento, embebia as tintas no , turava os tons com o seu pensa- - Eh! Bonjour M. Grandjean!
seu sangue ...
10 Jean-Baptiste GREUZE (1725-1805) - p· - 11 August MÜLLER (1815-1883?)- Pintor alemão naturalizado brasileiro. Mül-
Acade~ia francesa, aos poucos abando~~tor fra~ces. Alun_o. de Natoir na ler se estabeleceu no Rio de Janeiro com o pai, quando ainda era criança.
car-se a pmtura de cenas de ê u a tematJca alegonca para dedi- Estudou com DEBRET na ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE
tura holandesa. g nero e retratos, com certa influência da p in- JANEIRO e mais tarde foi professor de paisagem naquela instituição. Além de
paisagista de interesse, produziu retratos que o tornaram conhecido no meio.

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. . ~ . das alturas estendendo as
omo a águia QU, aspJra o oXIgcruo c c - ' a palheta tom-
O retrato do nPSl re ' o r r ' ia dos Santos (n° · L A B. A ) não . ~~.. ·to confrangeu-se-lhe o coraçao e
t 'm o toqu tão seguro, mas há digno de nota o belo estudo do asas para o uuuu .
nu (região do tóra,'X) em que não só a carne como a forma acusam bou de suas mãos convulsas.
uma adestrada mão de mestre. A expressão da figura, retratada O desprezo dos contemporâneos tinta-lhe saturado a alma
em busto, é de uma realidade tocante.
de ódio e fel. .
Nada mais verdadeiro, nada mais fielmente apanhado do na- . - de 43 estreou com duas paisagens o artista
tural, do que aquela fisionomia de avestruz, estupidamente ino- Na expos1çao A · ta do convento
12 filho de seus próprios esforços. VlS
fensiva. Olha-se-lhe uma, duas, três vezes, e cada vez que se a Buve1ot , d Gl. rl· a continham promessas
t ~ · e a do morro a 0 •
examina, ela se nos afigura mais viva, mais verdadeira. A sua de Santo An oru0 vistas da praia de Botafogo,
cabecinha pequena, com os olhos miúdos e vazios, o nariz rubro, que foram realizada~ e~ 44d~o:n_a~elo efeito de luz, verdadeira-
as faces mal barbeadas e encovadas, a boca murcha, estão perfei- e do Corcovado, a prunera . . ara a Europa e nun-
tas; digo - perfeitas - porque há retratos que põem o modelo mente trop1c . al · Algum tempo depms parnu P
diante da nossa fantasia sem que, para isso, o conheçamos. ca mais voltou ao Brasil.
O "Jurguta, no fossl~e Tulia", tem como as duas obras aci- . Stallonil3 que em 43 expu-
Menos feliz foi o retratista LUlZ balho abaixo
ma citadas, solidez e sin licidade de colorido, escrupulosa ob- . · em 44 apresentava tra
nha dous retratos sofnvels, e d . 0 Rio de Janei-
servação anatõmica e viga no desenho. O orgulhoso vencido dos . esso fê-lo aban onar
romanos está ao fundo de fosso; um pulso, no alto do quadro, da mediocridade. Esse msuc . . do sul Longe da capital
. il' m uma das proVIncms ·
ameaça-lhe com um soco. E ele, o apostrofador da pátria dos r o e dorme lar-se e .d a pouco até desaparecer com-
Scipiões, martirizado, insultado, faminto, responde às ameaças do Império, foi sendo esqueci o -
com uma ironia que resume o supremo esforço da coragem: "Por pletamente da falange dessa geraçao.
Hércules! quão frio é o vosso banho!" . Carvalho14 que acompanhou de muito perto.todo ~ pe-
Rels . d segundo se diz, no mte-
O assunto foi inspirado em Tito Uvio, e tem na tela a sober- ríodo do Movi~e~to, fal~ceu l~or~~a de natureza morta (flo-
ba estatura que lhe deu no livro o historiador antigo. Se não rior desta proVlllCla. Dedicou-se P se notável pela fidelidade
bastasse este elogio para dar ao quadro todo o valor de que é res e frutos), gênero em que ~ornou-t za Além desse gênero
merecedor, bastaria dizer que a figura de Jurguta é uma excelen- u sempre cop1ar a na ure ·
te academia. com que procuro . d tratos que ligeira importância
pintou não pequeno numero e re '
Diante dessa obra, tão pequena em quantidade quanto vasta mereceu.
em boas qualidades, naturalmente pergunta-se pelo artista. O
artista ... como é doloroso dizer! ... O artista foi corrompido pelo 4 1888) -Pintor suíço. Ao se estabelecer em
12 Abraham Louis BUVELOT (181 - b' · ·No Brasil, se estabeleceu
homem. Esta metade do ser que o distinguia deixou de existir, . d la Escola de Bar tzon. l
Paris foi influenoa o pe . . d J· . o onde suas paisagens a can-
. .l .d depots no RIO e anetr , . B -
porque um ceticismo profundo, transcendente, apagou da sua primetro em Sa va or e
·s de um
. . . 5 'ça retoma rap 1damente ao ra
estagw na w ·
D
Çaram sucesso . epot lb e Austrália onde falece
compreensão a idéia de um destino a cumprir. ·d· ·. em Me ourn , ·
sil e depois fixa rest enoa . . r· Com formação em Nápo-
A natureza dotou-lhe com um temperamento rebelde e ner- 13 Luigi STALLONI (?-?) -Pintor paisagtsta na tano.
voso, a educação formou o seu caráter arrogante e despótico, a les, foi para o Rio de Janeiro em 1843 . esenhista e cenógrafo cearense.
sociedade trocou as suas ilusões por desenganos e lágrimas. O 14 José dos REIS CARVALHO(?-?)- Ptnt~r, d dos pela ACADEMIA IMPERIAL
Integrou o primeiro grupo de alunos orma
homem era forte, porém não sabia sofrer. E, quando no seu espí- DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO .
rito enobrecido pelo estudo, a imaginação criadora alentou-se

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/1

lil c; ' un pintor cJ' d corações chamado João de Deus; 17 o pri-


1
Manu l de Araújo Porto-Alegre
meir o não qu ria ensinar a ninguém, e o segundo era apenas um
bom encarnador de imagens. Pelo que observava nas poucas ve-
Para quem estuda o desenvolVime zes que era admitido a ver trabalhar estes homens, aprendeu o
que encima estas linhas , . . nto da arte no Brasil o nome manejo das tintas a óleo e começou por si mesmo a fazer alguns
e O mais Sim ' f
que se lhe apresenta. pa Ico e o mais importante painéis.
(. ..)
Manuel de Araujo Porto-AI
cidade, do Rio Pardo, na provínc~gr~ na.sceu na então vila, hoje Seduzido por José Simeão 18 para ajudá-lo nas pinturas que estava
novembro de 1806. Ia o Rio Grande do Sul, a 20 de fazendo em uma casa, tomou gosto por esse gênero de trabalho e
começou a trabalhar por conta própria; tais progressos fez que o
Aos cinco anos de idade perdeu seu ·. orgulhoso João de Deus não duvidou convidá-lo para o ajudar nas
do a segundas núpcias foi seu dr Pa.J., tendo sua mãe passa- pinturas que estava fazendo em outra casa.
A , pa asto quem o m d d Vendo nesta a gravura de C. S. Pradier, 19 segundo João Baptista
prendeu as Primeiras letras P · an ou e ucar.
onde estivera por almn.,., t em orto Alegre e no Rio de Janeiro Debret, representando o desembarque de S. Alteza Real a Arqui-
. . "~" empo em 1816 Já er . . '
mms mstruído na escola, quando el . . . a o Prunerro e o duquesa D. Carolina Leopoldina, e sabendo que o pintor estava no
ver Pintar a ilumin - P a Prunerra vez gazeou para ir Rio de Janeiro, concebeu então a idéia de vir para a corte apren-
açao que a Câmara de p t Al
fazer pelo nascimento do Prm ' \ d or o egre mandara der a pintura com ]. B. Debret, mas não pôde realizar o seu dese-
·
h aVIa c. pe a Beira Nas aul - jo, não só por não ter ânimo de deL"Xar sua mãe sozinha mas ainda
nesta cidade de Iatun · 1'r ~- f"il : as, que entao
' d.' an . es, osofw• geograt·Ia, álgebra e
geometria fez os estudos
'
Desde a infância mostro
u sempre
l
assict com
. 0 mai or aproveita.J.nento.
mwta inclin -
.
porque esta se não resignava a separar-se do filho. E'Xtr. do esbo-
ço biográfico publicado nos Anais da B. N. vol. XI, p. 892).
nh o e as ciências naturais . açao para o dese-
colher produtos da natur~::I~~assav~ a~ horas vagas a Pintar e O recrutamento que fez em 1826 o presidente Salvador Ma-
museuzinho preparado po I' s qums tinha no seu quarto um ciel, na província, decidiu a mãe separar-se do extremado filho.
r e e.
Aos dezesseis anos querendo ter . -
relojoeiro Já ajudava uma profissao escolheu a de
va na confecção de ro~:~ :estre ~·. Jacques Rousseau, e trabalha-
No dia 27 de janeiro de 1827 entrou para a aula de]. B. Debret;
carreteis quando cheg P ' logo depois freqüentou os cursos de arquitetura e de escultura
gre um jovem francês, Francisco The~ 15 . ou a orto Ale-
da mesma Academia, e com tanto aproveitamento se dedicou a
ma cousa de desenho M d Ar . . .' que haVIa estudado algu-
todas estas disciplinas que na Exposição de 1830 obteve três
que era hóspede de ·se~ ;est~l.D~ ~~ou-se de ~zade com ele,
pouco tempo o excedeu, por ue ~ meçou a pmtar; mas em
seu mestre de relojoaria vend her era apenas um curioso. O 16 Manoel José GENTIL(?-?) - Pintor ativo no Rio Grande do Sul na primeira
metade do século XIX . Retratista, foi um dos primeiros professores de Araú-
aconselhou-o a sem•ir ' . o aquela vocação tão pronunciada,
"........ a pmtura, aVIvando-lhe ,. jo PORTO-ALEGRE.
narração que lhe fazia d . o espmto com a 17 João de DEUS (?-?) - Pintor e decorador ativo no Rio Grande do Sul na
as maravilhas de Par· d
onde tinha servido e batalhado IS e a Espanha, primeira metade do século XIX. Foi um dos primeiros professores de Araújo
então em Porto Alegre um no tempo de Napoleão I. Havia PORTO-ALEGRE.
retratista por nome Manoel José Gen- 18 José SIMEÃO (?-?)-Pintor decorador, ativo no Rio Grande do Sul na primei-
15 ra metade do século XIX. Araújo PORTO-ALEGRE foi seu discípulo .
François THER (?-?) - Cidadão f -
início do século XIX e I rances. Estabelecido na capital gaúcha 19 Charles Simon PRADIER (1786-1848)- Gravador franco-suíço. Estudou gra-
.. com a gum domíni . no
ArauJo PORTO-ALEGRE no desenh . o no campo da arte, introduziu vura em Genebra, sua cidade natal e, em Paris, seguiu os cursos de gravura
o e na Pintura. de Auguste Boucher. Integrou a Missão Artística de 1816. Retirou-se do
Brasil em 1818, continuando sua obra em Paris, onde faleceu .

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J)J't•mios, um clt' pinturu urn d' 'lr .
ra Fr q ·· . ' < QUJl tura c outro de cscultu-
<. u ntou os pnmciros anos d - .. Matri u lou s ' na aula do barão Gros, 20 e encetou estudos anatô-
filo ofia do beneditino Padre M a Escola _Militar; a aula de micos com o professor Emery.
Gertrudes Maia; estudou anat estr~_Fr. Jo~e Polycarpo de S.
dio Luiz da Costa a quem d Offila e ISIOlogia com o Dr. Cláu- Um dia Emery foi obrigado a suspender a lição por falta de
ra; e a perspectiv~ estudou-=~~; ~os to que adquiriu pela leitu- preparador, Porto-Alegre ofereceu-se para substituí-lo e com tan-
go mesmo. Dissecou por d . mestre]. B. Debret e consi- ta mestria e destreza preparou os músculos da coxa, que mere-
da Misericórdia e assistiu à~I~-~os ~o Hospital da Santa Casa ceu público elogio do professor e aplausos de todos os estudan-
Dr. Domingos José Marques I7oes o professor de anatomia, tes. Uma infelicidade veio interromper a serena e progressiva
b
Guimarães Pei-xoto depois e _as ddo Dr. Dommgos Ribeiro dos
' arao e Iguarassu. (ob. cit.)
marcha da sua existência. Soledade e Ferreira da Veiga morre-
ram, ficou ele desamparado e reduzido à miséria; porém o minis-
Tendo-lhe D. Pedro encomend d tro do Brasil na França, José Joaquim da Rocha, socorreu-o, e
prestou-se a dar uma sessão na a . o um retrato_ seu, para o qual Luiz de Menezes Vasconcellos Drumond que chegava a Paris por
ver terminada a obra: Qumta da Boa VIsta, disse-lhe ao esse tempo, ofereceu-lhe vinte mil francos para ir à Itália termi- ·
nar os seus estudos. Do generoso e não vulgar oferecimento o
artista só se utilizou de quatro mil francos. Em 3 5 a Assembléia
A Imperatriz quer este retrat
todos, e logo que o acabares l~ep~r~ue o ach~ mais parecido de geral lhe tinha concedido uma subvenção anual de 600$000 du-
de fazer outro e o del d VIras entrega-lo; depois me hás rante três anos.
mesmo levar a ~inha so a e e meus filhos, os quais irás tu Visitou Londres, e viajou pela Bélgica e Holanda. Em 3 7 vol-
Itália, ou onde melhor tgera em ~umque, e de lá partirás para a tou para o Brasil.
convier
quiseres, contanto que lá não fiq esn\s ar ' e pe1o tempo que
ues. Logo depois foi nomeado professor de pintura histórica da
Academia; em 40, pintor da Imperial Câmara. Em 48 foi nomea-
A promessa não foi realizada por ter . orto do substituto de desenho da Escola Militar; em 54 diretor da
e logo depois 0 imperador abdi ca d o. -Alegre adoecido, Academia de Belas Artes, donde retirou-se em 57. Em 59 partiu
para a Prússia na qualidade de Cônsul Geral do Brasil, em 67 foi
transferido para Portugal, país em que faleceu em 29 de dezem-
Pretendia fazer a viagem à sua c . .
recebido cinco mil cruzad usta, POIS tinha recentemente bro de 1879. Foi agraciado pelo Sr. D. Pedro 11 com diversas con-
os, parte da herança p t . decorações e em 74 com o título de barão de Santo Ângelo.
desta feita ficou burlado 0 . . a erna; mnda
seu mtento a falta d dinh ·
ter emprestado por dias . e eiro, por Porto-Alegre tinha uma fisionomia simpática: fronte larga po-
seus cinco mil cruzados a um parente_e amigo de infância os rém pouco longa, cabelo áspero e negro, olhos oblongos, cheios
Mediante a benévol ' que _nunca mms lhe foram restituidos. de vivacidade e de audácia, a boca grande, incisivamente recorta-
a proteçao de Evaristo Ferr . d .
que lhe entregou 400$000, produto d eira- a Veiga, da, barba cerrada e curta contornando o queiro. Era de estatura
agenciada, de Monsenhor A V d e uma subscnçao por ele alta, ombros largos, mãos e pés grandes.
orde . . a Soledade, que lhe deu uma
. m para receber na França a mesada de 20$000 f O seu caráter está perfeitamente fotografado nos seguintes
Jose Bonifácio que do AI . . artes, a de
gratuita no navio de guer:;::e ,G~vellhe ob:ivera passagem tópicos do testamento que deixou:
para a França em ces urance, pode enfim partir
· companhia d 20 Antoine-Jean GROS (1771-1835)- Pintor francês . Aluno de DAVID, dedi-
julho de 1831 ch d e seu mestre Debret, a 25 de
de outubro do' m egan o a Brest em setembro e a Paris no dia 4 cou-se à pintura histórica. Inicialmente bastante influenciado por seu mes-
esmo ano. (ob. cit.) tre, Gros aos poucos iria superar o seu apego ao Neodassicismo levantando as
bases do Romantismo, que influendaria bastante GERICAULT e DEIACROIX.

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a Evari sto la V •i ra urna arta m qu s' destaca o tópico seguin-
N u ~n provoqu 'i luLas, por m a amizade me levou ao campo t : "Aborr ço a política, porque ela é a causa da minha desgraça;
mUltas vezes, c o direito sempre. por ela perdi a pensão que me prometeu o Sr. D. Pedro I; e por ela
Nunca amei os homens pela sua posição; nunca adorei o di- perdi a que o Sr. Martim Francisco pediu às Câmaras para mim".
nheiro, tendo sempre vivido pobremente, e nunca tive outra A confissão é irrefragável prova do que deixei dito. Ele cortava os
ambição que não fosse a de um nome sem mancha.
embaraços que antevia no caminho escolhido.
Sofri pela amizade e pela justiça, porque sempre detestei a
deslealdade e o despotismo. Por esse método seguro de proceder, chegou a sobressair em
E de meus pais, de meu soberano, e dos homens honestos, fui todas as posições em que esteve. Como estudante da Academia
sempre respeitoso e dedicado amigo. de Belas Artes, ocupou sempre um lugar distinto entre os con-
temporâneos; como estudante de humanidades, completou, de
maneira honrosa, um curso que por si valia um bacharelado;
Ninguém como ele dedicou-se aos amigos e ninguém teve como funcionário público, desempenhou perfeitamente o cargo
tanta altivez de caráter. Protegido por D. Pedro I, protegido por de diretor da seção de arqueologia, e numismática do Museu
Sole~~de, pelo conde de São Salvador e por D. Pedro 11, pôs a sua
Nacional e o de diretor da Academia da qual fora aluno. Neste
grat1dao acima de todos os escrúpulos. Teve a fibra da dedicação, último c~go, de onde se demitiu por causa da nomeação de
e para que fosse um homem extraordinário, um verdadeiro sím- Lopes Cabral Teive,2l para professor de pintura histórica, ~~­
bolo de virtudes, iluminado pela admiração dos pósteros através da meação imposta pelo marquês de Olinda, desenvolveu uma atiVI-
história, bastaria ter tido uma mais nítida compreensão da inde-
pendência, uma mais firme idéia do destino da humanidade. Foi dade digna de todos os elogios.
apenas um homem do seu tempo. Dois poderosos elementos co- Reformou o curso da Academia, criando aulas de matemáti-
~abor_aram junt~s para fazê-lo assim. Faltou-lhe ao temperamento
cas aplicadas, anatomia artística, arqueologia, estética e história
rmagmoso, porem calmo e operoso, a inflama\lilidade dos rebel- das belas-artes, e fundou uma pinacoteca; concorrendo ao mes-
des; a proteção imediata que recebeu dos palac~~os, a convivên- mo tempo para a fundação do Conservatório Dramático e da
cia com _homens, cujas aspiraçõ~s políticas eran limitadas pelas Ópera Nacional.
o~or~dad~s, mataram-lhe o mteresse pelas l tas partidárias. E, fez mais, com verdadeiro amor à carreira abraçada, foi o
Vm-se rmpelido a ser discreto entre a amizade de D. Pedro um primeiro que arrancou do esquecimento os únicos documentos
príncipe português, e a de Evaristo da Veiga, um monarq~sta existentes sobre a história da pintura brasileira, o primeiro que,
extremamente patriota; e viveu em companhia de ambos, e de em uma Iconografia, falou da maior glória musical da América
ambos foi amigo respeitoso e beneficiado. De mais - ele que se do Sul, - o padre José Maurício, e ainda o primeiro a se ocupar
nos afigura metódico e sensato pela progressão gradual de com- da crítica de belas-artes.
pl_:xos ~studos realizados, traçara, talvez, um itinerário a seguir.
Nao qms, por conseqüência, proceder levianamente em questões *
das quais insignificantes resultados poderia fruir. Como artista'
um ideal maior antojava-se-lhe à imaginação. O velho mundo co~ Como escritor, teve Porto-Alegre os defeitos do seu tempo. O
suas :naravilhas da arte, despertava-lhe a fantasia; falava-lhe ao tom, as idéias, o estilo, a frase, são perfeitamente daquela época,
coraçao dessas estrarilias criações da Renascença, desses monu-
mentos grandiosos em que sente-se palpitar a alma de um povo
21 Joaquim Lopes Cabral TEIVE (181 6-186 3) - Pintor carioca. Aluno de DE-
na produção de um gênio. Era esse o seu ideal, o seu único inte- BRET e de GRANDJEAN DE MONTIGNY . Professor d e pintura histórica na
resse, a .sua preocupação constante. Absteve-se da política, com ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO.
verdaderra sombranceria de ânimo, e, em 35, escrevia de Nápoles

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f<'ll1, in('ont 'Stav bn nt' o csti · ·
mo d Magalhães, em Oligiato gm~ daf_últnn_a fase_ ~o classicis- sos da ror ma s ·uJ lw·al ' v ra. Não é preciso ler toda a sua
Montalverne. ' e a ilosofla espmtualista de obra para c compreender o ardor, a paixão, com que ele adorava
Seu estilo é pomposo e lon o N- o estilo acepilhado e acadêmico, a encenação de palavras longas e
curtos, frases resumidas com 1 g . ao ~e lhe notam períodos sônicas, que esfuzilam e estuam em meio de períodos fatigantes.
senvolve-se cheio de f~ P etas, precisas. O pensamento de-
res. A figura era para ele ~ tentre f~alavras_ c~bertas de esplendo-
oque Irme e últnno do lavor:
A musa do Sr. Dr. Macedo . A sua carreira literária prejudicou, de alguma forma, os mé-
Himalaia que vive f . d e uma dessas apsaras formosas do
de o hav~r modifica~~~:: soe~erf_ume das flores e que depois ritos do pintor.
bre a terra sobre o tálamo d r sew apaüwnado o derrama 50- Até hoje, quando se fala entre artistas daquele tempo, no
corações ~ue voam ao ext e Icwsdo, ou entre o_s lábios de dous nome de Porto-Alegre, gabam-lhe a bondade que o caracterizava,
, remo a ventura· e um ·m elogiam-lhe o talento e a verbosidade, mas, sempre e sempre
deus Indra que adeja musicalmente, e em c~da zon: m a do
passa, como um sonho venturoso que per- chamam-no de - pintor medíocre.
, se reveste de um novo
mal te. (Rev. do Inst. Hist. 1857). es- E muitos dentre esses desconhecem, completamente, as obras
que ele deixou!
É esse o tom da sua obra.
É verdade, e ninguém o contesta, Porto-Alegre pelo talento
Ainda mais uma amostra Dest que possuiu, pelos estudos que fez em Paris e em Roma devia
Colombo, o princípio da desc : - aco, ao a~aso, do prólogo de
nçao que Boabdil faz a D. Fernando: ser um grande artista. Grande não o foi; porém medíocre, no
Mergulhava no mar o limbo ardente sentido em que o classificam, também não.
O sol; suave tarde a primavera O cotejo de sua obra com a dos artistas daquela época, nos
De andaluzas delícias revestidas dá um resultado vantajoso para ela. Há um fato, dependente
Sobre o bafo de meiga e fresca brisa simplesmente do acaso, que pode favorecer esse exame. Na Casa
De nardo e lume um oceano etéreo de Misericórdia, da cidade do Rio de Janeiro, entre muitos traba-
VInha os lábios ungir de almos encantos· lhos da maior parte de nossos artistas, existem um retrato e uma
E o astro do Profeta a prumo ao cimo ' composição do poeta das Brasilianas. O retrato está colocado ao
Desta imensa guarita das vigias, lado de outros, no saguão do hospital, junto da entrada da far-
Brilhava puro e calmo, como a face mácia geral. É a benfeitora D. Luiza Rosa. Vê-se-a no meio da tela,
da Huri que nectariza eternamente em pé, trajada de preto, tendo o braço esquerdo curvado sobre a
Os ~ábios do escolhido. De repente cinta, uma bolsa de veludo negro pendente do pulso, e um maço
O ceu se enluta, e as cândidas estrelas de apólices do governo entre a mão e o peito; o braço direito
Em verdes flamas se convertem cruzam exprime um gesto de caridade e de oferecimento, e o fundo do
Trovejando no espaço ronco ho~rendo! '
quadro representa uma parte do antigo Campo de Sant'Anna,
E basta. Toda a sua obra é isto. tendo de um lado a igreja que foi demolida há alguns anos, e de .
outro a entrada da antiga rua de São Pedro onde ainda existe a
~P~~u~~~~~s~~ t~s~~z~~!~~~~~o::Oa;;s~d:a da sátira p_ara casa em que morou a obscura senhora.
clamide grega, e, temulenta de entu . n a or, amava mrus a A fama de desenhador incorreto de que gozava Porto-Alegre
Siasmo, abandonava-se aos ex- esmorece diante desse excelente retrato, vivo, palpitante, e cui-

ll6
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ladosa nt on luído. A mão querela c a cabeça, emoldurada ção, s br aqu L tom antigo, in1itado de Ticiano. Aí o toque já
por um toucado negro, são primorosamente pintadas, mas o ponto não é o m smo que se observa no retrato de D. Luiza Rosa. Agora
em que o artista mostra-se, não original mas pessoal, é o hori- é menos justo e mais vagaroso. O pincel lambeu o quadro, lenta-
zo~t : o~de procurou transmitir ao observador uma imagem da
mente, paulatinamente, da esquerda para a direita, de baixo para
eXJ.stenCia da retratada. Conta-se que D. Luiza Rosa não conhece- cima. A tonalidade é severa, as sombras são extensas, largas, e, à
ra pai nem mãe, era uma enjeitada, criada em um recolhimento proporção que se afastam dos pontos suavemente iluminados pe-
de órfãs, no Porto. Aí um indivíduo foi buscá-la para consorte, las chamas de um candelabro de três braços, tornam-se compac-
embarcando-se ambos para o Brasil. tas, pesadas, densas. Cristo está de frente para o quadro, tendo a
cada lado seis discípulos. A sua figura é a única em que a luz, sem
. Mort~ o primeiro marido, D. Luiza recebeu em segundas núp- razão de ser, dá de cheio, envolvendo-a numa claridade intensa. A
cias um ncaço negociante que depois de longos anos de casado sua fisionomia é trivial; não tem a resignação estóica do mestre
faleceu, le~ando à exemplar esposa a enorme fortuna que, a ro- que prevê a traição de um dos discípulos, nem a angélica melan-
gos de Jose Clemente Pereira, ofereceu ao Hospital de Misericór- colia do apóstolo da paz, enviado por Deus ao mundo.
dia. Deste fato tirou o artista a nota pessoal de sua obra, procu-
rando concentrar em uma figura a história dessa existência. Não é um ideal da filosofia herética, nem da fé cristã; não tem
a feição humana das criações de Rembrandt, 23 nem a feição so-
Não direi que foi feliz em semelhante intento; adergam com brenatural idealizada por Leonardo de Vinci. 24 Como concepção
a intenção aqueles que conhecem a vida da afortunada órfã. o artística o tipo do Cristo, apresentado por Porto-Alegre, de forma
horizonte carregado, enegrecido pelos castelos de nuvens tem- alguma satisfaz as exigências da crítica e corresponde não só ao
pestuosas que se acumulam e o arco-íris que, segundo o vulgo, é seu talento inventivo como à força de suas crenças religiosas.
anunciador de bonança, podem despertar no observador a idéia
de uma existência ao princípio infeliz porém, em breve tempo, No entanto tudo aí foi concluído com uma paciência enorme,
mudada em venturosos dias de riqueza, alegria e caridade; mas, com uma tranqüilidade de espírito posta a toda prova. A expres-
me parece, e por mim é que falo, demasiado vago e assaz pueril
o pretendido alcance de tal figura. 22 TIZIANO Vecellio (1490c .-1576) - Pintor italiano. Aluno de Giorgione, no
futuro iria superar as lições do mestre . Sua sensibilidade forte, impregnada
Como quer que seja, isto é a nota mais verdadei1 da indivi- , de um intenso sentido de colorido redimensionou a pintura veneziana de
dualidade de Porto-Alegre, e que em nenhum outro tra alho trans- sua época. Já no final da vida, influenciado pelo ambiente maneirista do
parece tão completa e saliente. período, Tiziano iria enriquecer ainda mais sua obra pela ênfase dada ao
desenho e ás composições onde o caráter plástico ficaria bastante evidente.
Na "Ceia" (zimbório da Misericórdia) onde o cui( ado do ar- 23 Harmenszoon van Rijn REMBRANDT (1606-1669) -Pintor e gravador ho-
tista está exarado nos menores traços, a falta dessa pequenina landês. Inicialmente influenciado pelos pintores caravaggescos de seu país,
parte do seu ser é sensível. Não se julga, à primeira vista, que aos poucos vai individualizando sua poética, através de uma acuradi! inter-
pretação psicológica dos seus retratados. Especialista em retratos mas tam-
esta obra seja produzida pelos pincéis do cantor de Colombo e bém autor de obras mitológicas, religiosas e paisagísticas, Rembrandt foi
das Brasilianas. além do realismo holandês de seu período. Dono de uma técnica irrepreen-
sível, sempre buscou uma visão mais introspectiva da realidade aparente.
A primeira impressão que se recebe diante desta tela é a de
24 LEONARDO DA VINCI (1452-1519)- Pintor, escultor, arquiteto, engenheiro
estar a gente olhando a obra de um medíocre e pretensioso pintor e escritor italiano . Aluno de Verrocchio em Florença, já em suas primeiras
da Renascença, e só depois de um longo estudo comparativo, e só obras ficam evidentes sua originalidade e independência em relação aos
depois de autênticas asseverações sobre a autoria da obra, é que modelos iconográficos de sua época. Unindo as investigações nos campos
chega-se a descobrir posto que palidamente, um reflexo do talen- da arte e da ciência, Da Vinci foi um dos artistas mais influentes da arte
to do artista errando sobre as vulgares linhas daquela composi- ocidental.

118 119
sao dos cli s í ul os, a anatomia da posiçõe a anatomia das m mo ano, ~nrda a pinacoteca somente um pequeno quadro
formas, o característico da raça, os costumes, tudo m ostra de- "Interior de um cárcere".
pender de um trabalho lento. Mas falta-lhe a originalidade, falta-
lhe a nota pessoal das obras dé um grande artista. É urna obra fraca; esbatida e lisa como urna pintura em por-
celana, feita por mão pouco amestrada. Em 42 expôs um esboço
E, enquanto esse quadro, que é o mais acabado de todos os para urna tela histórica "Naufrágio de Medusa" que não chegou a
seus trabalhos, peca pela ausência da personalidade, o esboço da realizar, e um retrato sofrivelmente desenhado.
"Coroação" acusa a mão que o fez, indica a cabeça que o concebeu.
Mendes Carvalho, 25 como Barros Cabral, foi aluno da Acade-
, Muito falta para ser considerado croquis de um mestre, po- mia. Debutou na exposição de 42 com três retratos, urna peque-
rem a intensidade da cor, a maneira do conjunto, um quer que
na tela histórica "Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Por-
seja, que sente-se e não se traduz, denunciam um artista afasta-
to-Seguro" e um esboço para obra de grandes dimensões: "Plan-
do das vulgaridades, mas esterilizado, infecundo, corrompido
tação da cruz pelos selvagens". No seguinte ano apresentou um
por ter a cabeça mais adiantada do que a mão, isto é, por ter
quadro religioso: "A deposição do Cristo" obra regularmente fei-
mais teoria do que prática, mais erudição do que exercício.
ta, mais prometedora que real. Explorou com algum mérito o
retrato e fez-se professor de desenho.
Foi, também, nesse gênero - o retrato - que mais trabalhou
Belisle.26 Raros são os trabalhos que deixou, e, para comprovar
A obra de Porto-Alegre, o pintor, não corresponde à fecundi- seus méritos apenas conheço um retrato insignificante em dese-
dade de Porto-Alegre, o poeta.
nho e cor.
Julgada, imparcialmente, ela não inculca um mestre, denun- Ao lado dos expositores de retrato figuravam novos sectá-
cia um artista mal orientado.
rios da pintura histórica.
Não obstante esses defeitos, ele foi para sua época e para o
Entre eles, dois filhos da Academia, Mello Côrte Real 27 e Ma-
meio em que viveu, um homem superior, um artista digno de
xim.iano Mafra, 28 que expuseram, o primeiro, "Nóbrega e seus
confronto com os seus coevos, apesar de vacilar diante da indivi- companheiros" (n° 311, A B. A); o segundo "Thomaz Gonzaga
dualidade de alguns.
no cárcere" e a "Morte de Sócrates". Ambos eram estreantes e

III
/ 25 Mendes CARVALHO(?-?)- Pintor, gravador e caricaturista catarinense. Es-
tudou na ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO e foi o
primeiro aluno daquela instituição a receber o Prêmio de Viagem_ ao exte:
rior. Lançou a primeira revista de caricatura do país, A Lanterna Mag1ca. Fm
retratista reconhecido.
1844-50- Barros Cabral, Mendes Carvalho, Belisle, Mello Côr- 26 Louis Constant BELLISLE (?-?) - Artista ativo no no Rio de Janeiro em mea-
te Real, M. Mafra, F. Souza Lobo, José da Rocha, N. Bautz, Lasa- dos do século XIX. Ganhou m~dalha de ouro na Exposição Geral de 1842 .
nha, Serpa, Freire, Crumholz, Heaton, Antonio Nery, Alves de 27 Manoel Joaquim d e Mello CORTE REAL (1810c.-1848) - Aluno de DEBRET
Brito, Caetano Ribeiro. na ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO, mais tarde
tornou-se professor de desenho daquela instituição .
28 João Maximiano MAFRA (1823 -1908)- Pintor fluminense. Aluno de Araújo
PORTO-ALEGRE na ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JA-
De Joaquim Lopes de Barros Cabral Teive, professor de pin-
NEIRO, foi professor de pintura histórica e exerceu cargo de direção naquela
tura histórica da Academia, jubilado em 1860 e falecido nesse instituição

120 121
34
·on çavam n s · ano a n ai ar o primeiros passos no dificulto- Ro ha,:H> Na1 ol •c_ o Bautz,31 Lasanha,32 Serpa, 33 Freire e Hea-
so ampo da pintura histórica. ton35 que foram expositores até o ano de 1860.
O primeiro produziu muito pouco porque em menos de três Raros são os trabalhos que deles existem. Os poucos que nas
anos, depois da estréia, foi arrebatado dentre o número dos vivos; minhas assíduas pesquisas pude descobrir são de nenhum méri-
o outro desviou-se do gênero ao princípio escolhido para fazer to. Um retrato do escultor Pettrich36 feito por Napoleão Bautz e
retratos e reger a aula de desenho de ornatos, na Academia. que descobri entre um amontoado de objetos na loja de um ade-
lo, é trabalho de relativo valor, posto que, por justiça, não mere-
Se na pintura histórica, em que tão rapidamente trabalhou, ça ser citado juntamente com as obras de outros artistas.
deu unicamente provas de dedicação ao trabalho, na pintura de O escultor está pintado a meio corpo, tem a cabeça voltada
retratos não conseguiu posição diversa, apesar de não pertencer para fora do quadro e de pé, segundo a posição em que está,
ao número dos piores retratistas do seu tempo. vestido de blusa de brim pardo, vai trabalhar num busto de már-
O maior defeito de Maxi.miano Mafra está no colorido. O de- more que tem em sua frente, sobre o banco. A cabeça desse
senho não lhe saía puro do lápis, ou para melhor dizer - não retrato tem boa impressão, o desenho satisfaz as exigências ar-
tinha qualidades que o notabilizassem, mas, em geral, não peca- tísticas, o colorido é harmonioso e, sobretudo, o modelado da
va em proporções. Era, em verdade, fastidioso e ronceiro e de tal blusa está acabado com habilidade e observação.
forma vagaroso que bem confirmava o pouco uso da mão, tanto Heaton dedicou-se também à aquarela e é nesse gênero que
quanto imprimia à obra feição de índole mais operosa que artís- conheço dois pequenos trabalhos seus, datados em 44. São duas
tica. É no colorido que sua fraqueza às claras transparece. Há paisagens montanhosas. Em uma- sobre a fralda de uma escar-
retratos que, pela carnação, parecem pertencer a uma só espécie pa, solitário e romântico retiro, amenizado pela sombra de
de indivíduos, filhos de uma mesma família a quem a natureza um anoso carvalho, está erguida a branca ermida da aldeia, sin-
houvesse dado a cor da telha. Dissuadido, talvez, de alcançar
grandes resultados, e persuadido pela própria consciência, que é 30 José ·da ROCHA(?-?) -Artista ativo na segunda metade do século XIX, no
poderosa e que tem por si um espírito douto, abandonou a pa- Rio de Janeiro.
lheta para empregar sua atividade nos misteres do cargo de se- 31 Francisco Napoleão BAUTZ (?-?) - Pintor, desenhista e professor alemão
cretário e de professor de desenho de ornatos da Academia. ' ativo no Rio de Janeiro a partir de meados do século XIX.
32 LASANHA- (?-?) -Pintor ativo no Rio de Janeiro, por breve período, em
Alguns nomes chegam à vez de se"ktados. Não tenho para meados do século XIX. Participou da Exposição Geral de 1846.
escud~-los o~tra aprese_ntação alé~o -~úmero de letras com 33 Francisco Ferreira SERPA Freire(?-?)- Pintor fluminense. Aluno da ACADE-
que sao escntos e, por 1sso, pode parecer a muitos puerilidade MIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO, concorreu ao Prêmio
de Viagem em 1845 no gênero paisagem; não foi classificado. Foi premiado
minha fazendo imprimir cousa insignificante. Somente o escrú-
na Exposição Geral de 1849.
pulo da fidelidade em historiografar todo movimento artístico
34 Paulo José FREIRE (?-?) - Artista fluminense . Aluno da ACADEMIA IMPE-
realizado no país, levar-me-ia a este procedimento. RIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO, concorreu ao Prêmio de Viagem
de 1846; não foi classificado.
Durante esse tempo, verdadeiramente estéril, por entre os 35 George HEATON (?-?)-Aquarelista e litógrafo inglês, ativo no Rio de Janei-
artistas já nomeados, apareceram os Srs. Souza Lobo, 29 José da ro em meados do século XIX.
36 Ferdinand Friedrich August PETTRICH (1798-1872)- Escultor alemão, foi
29 Antonio de Araújo SOUZA LOBO (1840-1909)- Pintor e cenógrafo flumi- aluno do pai e de Thorvaldsen. Depois de se estabelecer nos Estados Unidos,
nense. Especializou-se em pintura histórica e retratos. Foi aluno da ACADE- fixou residência no Rio de Janeiro, onde participou da vida artística local,
MIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO . sobretudo como retratista.

l ? ":l
122
ge la pura no isolam nto em que cimentaram seus muros. Em fr s ura das flor '::;, a irradiant al gria dos renos dias azuis, a
outra - à margem de um córrego, sobre o esboroado muro da grandeza das serras, os olorosos frutos sazonados eram cousas
velha ponte, uma figurinha de calças vermelhas, chapéu desaba- estranhas e fantásticas , ofereceu a Alves Brito 39 assunto para
do e varapau apoiado ao sobaco, fincado no chão por outra ex- seus pequenos quadros. Foi à paisagem e à natureza-morta_que
tremidade, admira os castelos de nuvens que o vento arquiteta ele se dedicou. Zeloso por seu nome e trabalhador encoraJado
no céu. Não há, em pintura, gênero de tão difícil prática como a procurou observar e estudar bem a natureza, dC:Udo ~ s~us qua-
aquarela. Da primeira aguada espargida sobre o ponto que se vai dros em fidelidade o que lhes faltava em execuçao artistica.
pintar depende a perfeição do trabalho e para prejudicá-lo basta
uma pequena falta de segurança no tom ou uma insignificante Caetano Ribeiro ligou seu nome à habilíssima restauração da
falta de destreza no manejo dos pincéis. Ao artista faltou, em obra-prima de José Leandro, o painel do altar-mor da Capela Imperial.
alto grau, as qualidades requeridas em um bom aquarelista. A Apesar de viver em um meio em que as belas-artes de nenh~­
tonalidade acusa embaraços, mormente nas nuanças, e a cor, ma atendível razão gozavam, procedeu com rara compreensao
para dizer em gíria de ofício, não é bem lavada. do destino das obras de arte, cingindo-se a lavar a cola que o
precursor sobrepusera-lhe, naquele memorável dia de abril.' :e~­
Quem possuiu todos dotes de um verdadeiro artista foi
37 peitando-lhe o traço e a cor. Foi retratista, decorador, e habilíssi-
Crumholz que esteve durante alguns anos no Rio de Janeiro. o
mo cenógrafo, gênero em que mais trabalhou.
r:trato de Manuel Araújo Porto-Alegre é uma dessas obras que,
so de per si, dilatam e formam uma reputação. Estilo de mestre
desenho que pode ser taxado rigoroso ou írrepreensível, colori~
do claro e exato, e ~xpressão admirável pela naturalidade, fazem
desse retrato obra de inestimável valor.
w
38
Antonio Nery (falecido em 1866) estava ainda no tempo
das ilusões e amores, no desabotoar da vida, quando uma rajada 1850-60 - Grandjean Ferreira, Silva Manuel, Delfim da Cama-
percuciente, arrebatando-lhe a razão, trocou-lhe os risos em hila- ra, Tiron e Rocha Fragoso, A. Souza Lobo, Agostinho da Motta,
ridade de doudo. A obra desse infeliz é triste como as trevas que Taglibue e Picozzi, Giuliani, A. Biard.
avassalavam sua consciência. O "Lavrador de Farsalia", "Telêma-
co e Filoctetes" são obras muito fracas. O desventurado moço
Leão Palliere Grandjean Ferreira40 foi um distinto artista, do-
tinha a alma impregnada de desalento, cansada~e elancolias.
tado de verdadeiro engenho e habilidade.
A natureza que para Antonio Nery não tinh< os deslumbra- Unindo decidido culto do belo antigo à facilidade de um de-
mentos da cor, porque para seus olhos conte~ ativos e vazios a senho encantador, fez especialidade dos assuntos bíblicos e das
37 Ferdinand KRUNNHOLZ (1810-1878)- Pintor alemão. Estudou nas acade-
39 Virgínia Alves de BRITO(?-?) - Paisagista e pintor de flores e frutas, ativo
mias de Viena, Veneza e Paris. Nesta última cidade tornou-se um retratista
no Rio de Janeiro em meados do século XIX.
significativo junto à corte francesa. Entre 1844 e 1848 se estabeleceu em
Lisboa, indo depois para o Rio de Janeiro, onde fixou residência até 1853, 40 Leão Palliére GRANDEJEAN-FERREIRA (1823-1887) - Pintor carioca. Filho
quando voltou para a Europa. No Brasil foi pintor oficial da corte. de Armand Julien Palliére (gravador integrante da Missão Artística Francesa)
e neto de GRANDJEAN DE MONTIGNY, Grandejean-Ferreira fez seus estudos
38 Francisco Antonio NERY (1828-1866) - Pintor carioca. Prêmio de Viagem da
em Paris e, de volta ao Brasil, ganhou o Prêmio de Viagem da ACADEMIA
ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO em 1848, per-
IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO, fato que o fez retornar à
maneceu em Roma até 1851 especializando-se em pintura histórica na Aca-
demia de San Luca. capital francesa . Viaja posteriormente pela América Latina, fixando-se na
Argentina e depois no Chile. Faleceu em Paris.

124
125
ai 'VOrias ·om primoroso gosto de composição, de estilo e de cor. " · rtório co1n a sua orça" ·, m dúvida, o menos valioso de
A decoração do teto da biblioteca da Academia, é uma obra que seus trabalho .
no seu gênero, só tem confronto com a decoração da sala do A vítima de Perpenna, o general hábil e orador eloq?ente, o
trono (Quinta da Boa Vista) feita por Bragaldi. 41 A composição é bondoso e justo amigo da Espanha, não me pare:e fe~zmente
de uma simplicidade tocante, de uma preciosa pureza de linhas, retratado por Grandjean Ferreira. Se a seu lado nao estivesse a
que lembra, em harmonia e singeleza, a severidade das linhas corça branca, se no fundo não houvesse guerreiros suste~tando
gregas. O colorido é simples, rico em limpidez, feliz na tonalida- as armas de Mário, dificilmente poder-se-ia pensar no vencido de
de. O caráter decorativo relaciona-se perfeitamente com o fim a Pompeu.
que a sala é destinada, e com o caráter do edifício. Nem mais um A cabeça de Sertório, como ali se vê, é vulgar e ~té ~eia. O seu
esperdício de linha, uma prolixidade, um desgarre de pincel. Sob tipo não indica um personagem que tanta i~~ortanCia teve na
a cúpula azul do céu estão reunidas a escultura, a arquitetura e a guerra da Espanha. E uma figura risonha raqrutica,_ cabe~a chata,
pintura. A arquitetura, a grande arte social por excelência, figura cabelos à escovinha, barba aparada à moderna. Nao se1 ~m ~u:
no centro, sobre uma grande cadeira grega, tendo ao lado as documento histórico o artista estribou-se para fazer do srm~an­
co-irmãs. As expressões dessas três figuras, delineadas pelo mol- co personagem um ente tão feio. Custa-me a crer que GrandJean
de formoso e ao mesmo tempo grave de onde saíram as peregri- Ferreira, que era consciencioso e instruído, : que votava amor ao
nas belezas do paganismo, se traduzem em serenidade, saber e ideal antigo, houvesse procedido com leVIandade, deturp~do
talento. Sobretudo, a que preside a reunião patenteia, nos corre- um tipo histórico unicamente para satisfazer a incompreensiVel
tíssimos traços fisionômicos, galhardo talento e soberana calma. capricho.
Não desmente esse apurado gosto de compor o "Fauno e Em 1850 e tantos Grandjean retirou-se do Brasil, desgostoso
bacante" (n° 333, A. B. A.) que, apesar de ser assunto inspirado e desiludido, segundo afirma-se. Conta-se, também, que, há pou-
na mitologia, é superior ao "Cristo no Jardim de Gethsemani". cos anos, vindo da Europa para o Rio da Prata, o vapor em que
'viajava entrou no porto do Rio de Jane~o e que ele negara-se a
Assunto de menor importância e por conseguinte sujeito a outra
desembarcar. Devia ser bem funda e dmda a chaga que, na terra
interpretação, o Fauno não apresenta a severidade de linhas, que
do seu nascimento, abriram-lhe na alma!
se nota na alegoria às artes. Obedece a composição diferente.
Ainda assim o seu segredo de grupar não desmerece em rigor, Poluceno da Silva Manuel, 42 atual professor de desenho do
nem perde em simplicidade o que poderia desmerecer e perder Imperial Colégio Pedro 11, trabalhou por algum tempo em retratos
se tratado fora por mãos menos amestradas. j a óleo. Foi um artista fraco, porém muito trabalhador e honesto.
Também dedicou-se exclusivamente a esse gênero o capitão
A pintura é fina: o contorno suave, o toque deli~~- e um
Delfim da Cãmara,43 premiado em diversas exposições com me-
pouco amaneirado, a perspectiva aérea profunda. N~se quadro
dalhas de ouro e de prata. Artista e militar! Em 65 quando a
tudo é sensual. O corpo da bacante tem uma provocante opulên-
cidade de Uruguaiana foi invadida pelo exército do ditador Lo-
cia de redondezas, de curvas, de proeminências tépidas. Ela se-
gue o Fauno, entrelaçada por seus braços, ébria de lascívia, o
42 Manuel POLUCENO Pereira da SILVA(?-?) - Pintor carioca. Aluno_premi~do
olhar encandecido, a boca a sorrir, os cabelos esparsos, sacudi- na ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JAN~IRO, fm retratista
dos pelas auras daquele retiro de gozo. e professor de desenho no Colégio Pedro li do Rio de Jane1ro.
43 DELFIM DA CÂMARA - (l834-l916c.) - Pintor carioca. Foi a~uno da ACA-
41 BRAGALDI (?-?)-Artista ativo no Rio de Janeiro em meados do século XIX. DEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO. Prem1ado com me-
Deixou obras em espaços publicas e privados daquela cidade. dalha de prata nas Exposições Gerais de 1875 e 1876.

126 127
, viva, nu111 b •lo f'un lo v rd amar lo, cujas tin~as combinam-
JWS,t'l• lll ' s ' a ·hava •m Porto 1\l •gr , viv ndo da sua palheta,
e m uma )ram a, suave, dulcíssima. Os cabelos sao le~~s, sed~­
nv rgou a blusa do voluntário c alistou-se como soldado raso
sos, prateados pelos anos de inquebrantável labor; a flswno~a
em um dos batalhões da província do Rio Grande do Sul.
serena e altiva, é bem a daquele valoroso luta~or, a daq~ele m~­
Em 70 o soldado trazia nos punhos os galões de capitão, o pirado poeta, que, pelo arrojo da sua imaginaçao, pelo diam~tl~
peito bordado de medalhas e uma fé-de-ofício gloriosa, para o no brilho das suas idéias, pelo encanto da sua palavra, pela una
recomendar ... ao esquecimento da pátria. Terminada a guerra, culada rigidez do seu caráter, parecia adormecer em um mundo
retirou-se do serviço ativo das armas. Voltou à sua oficina de diverso do nosso mundo, onde a mão do Criador, da Legenda
artista e à sua provincia natal, o Rio de Janeiro, onde tem traba- dos Astros, lançou as jóias do seu tesouro.
lhado muito, porém sempre modesto, sozinho, e respeitado. Tirone44 não teve, como Delfim da Camara, o pode~ de da:
Como artista, Delfim da Camara possui dotes raros, mas não ao retrato a verdadeira expressão do retratado. A sua pmtura e
aproveitados e bem desenvolvidos em tempo. Afastado da Aca- pesada, compacta, rígida.
demia, ainda muito moço, por causa de uma injustiça sofrida os retratos de frei Montalverne, frei São Carlos e outr?~ ~ue
com o concurso de viagem de 1852, começou a trabalhar por se acham no Convento de Santo Antônio, são pesados e tnVlaiS.
suas próprias forças sem ter um mestre que lhe ensinasse a ver,
Nas mesmas condições estão os Srs. Rocha Frago~o e A: de
45

ou um atelier onde pudesse fazer completos estudos. Conside- Souza Lobo.46 o primeiro, que produzia retratos, senao perfe~tos
rando-se, com justiça, este fato, os progressos por ele obtidos pelo menos fiéis, como 0 do Conde de Bom-fim,_ e o de Francisco
em uma carreira, que lhe tem sido por demais acidentada, são dePádua, foi decrescendo paUlatinamente, e hoJe _tem c~e~ado a
extraordinários. produzir verdadeiros monstros. O segundo, n~o e destltmdo de
Poucos artistas terão, como ele, mais delicada impressiona- amor à arte, capricha por fazer bem, mas nao tem alcançado
bilidade pela cor: a isto está reunida uma facilidade imensa de grande progresso.
desenho e não comum conhecimento de anatomia. Falta-lhe o Agostinho José da Motta, 47 (falecido em ~878) ocu~ou por
modernismo, essa esquisita maneira de fazer e de ver as cousas, largos anos a cadeira de paisagem na Aca~erma. ~e~u~mto, ma-
que caracteriza as obras do nosso tempo. A sua maneira é tímida grito, de membros franzinos como uma cnança linf~t1ca, a pele
e estudada, e é sempre despendendo uma grande soma de tem- pálida amarela olhar doentio e cismador - que o Vla na rua -
po igual à de paciência empregada que conclui suas obras, aliás julgav~-o um a~adêmico pobre. Estudou na Itália, com vontade
dignas de atenção e de encômios da mais exigente crítica. inquebrantável, e de lá nos trolL"Xe muitos esboços, desenhos e
O retrato do conselheiro Leôncio de C~arvo (Academia de
Direito, em São Paulo) reúne qualidades tais o· e o tornam mais 44 Frederico TIRONE (?-?) - Retratista ativo no Rio de Janeiro na segunda
uma composição do que um simples retrate' afetado e sem ex- metade do século XIX.
Joaquim ROCHA FRAGOSO (?-1893)- Pintor fluminense. Retratista, chegou
pressão. O ilustrado lente de direito está i::le pé, junto de um 45
a receber medalha de ouro na Exposição Geral de 1866. .
parapeito onde tem a mão esquerda levemente pousada, tatean- · A · · d SOUZA LOBO (1840-1909) - Pintor, restaurador e ceno-
do-o, como é hábito seu quando discursa. Ao fundo do quadro, 46 Antomo rauJO e d d · 1 XIX
grafo fluminense, ativo no Rio de Janeiro na segunda meta ~ ~ secu o ·
levado ao longe por um valente jogo de perspectiva aérea, vê-se a Agostinho José da MOTTA (1824-1878)- Pintor carioca. Premw de V1agem
47
estátua da Justiça. O colorido é brilhante e sólido e a luz perfei- da ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO.' :studou e~
tamente distribuída. O retrato do conselheiro José Bonifácio (As- Roma. De volta ao país, foi professor de paisagem na msntmçao o~~e fo1
aluno . Conhecido em sua época como paisagista meticuloso, Motta fmlgual-
sembléia Provincial) é um c:msciencioso trabalho, rico de cor e mente um pintor de naturezas-mortas com notável sentido para o ornamental.
de expressão. A cabeça do grande tribuno parece animada, pare-

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ol ras, 'n1r l as a "Vista d Ronn" C 8) um studo l, paisa-
Ao la(l< lt'. :a: p ·\isag ns fi uram dou quadros de frutas do
m italiana. Era intelig nte, porém inativo, quase preguiçoso. Brasil, primoro amente pintados, uma parasita esplêndida em
Para tudo e a todos dizia sempre, com sua vozinha aflautada, colorido, e um estudo de cabeça, acabado com a mais rigorosa-
débil, de menino raqllitico: "Sim, mais tarde ... Há de se fazer ... mente fiel observação do original.
Com vagar, filho, com vagar ... "
Na paisagem e em natureza morta (flores e frutos) Agostinho
A natureza não foi o primeiro cuidado de Agostinho da Mot- da Motta não tem com quem possa sofrer confronto, posto que
ta. Muitas vezes ele a desprezou para criar, combinar, harmoni- não tivesse um toque vigoroso e seguro, um estilo terso e nobre.
zar linhas que podem dar conta da fina delicadeza de seu gosto, O temperamento de Motta não lhe permitiu ser criador e arroja-
porém nunca da sinceridade da sua comoção, e da espontaneida- do, mas brando, manso, e delicado, e, por isso, a feição mais tenra
de das suas impressões. Convencionalista, não por inabilidade, e suavemente poética que existia na natureza brasileira, ele apa-
porém por preguiça, vinha fazer quadrinhos de cavalete, no ate- nhou e traduziu como ninguém ainda, até em nossos dias, a tem
lier, muito a gosto, metido no casaco de brim pardo, devagueian- compreendido e interpretado com maior saber e igual talento.
do por fantasias douradas, entre duas fumaradas de cigarro e
uma chávena de café. Em 1850 chegaram ao Rio de Janeiro com a companhia lírica
do maestro Giannini dous cenógrafos e pintores decorativos de
No entanto ele tinha a fibra dos grandes artistas. A "Vista de incontestável mérito. Eram eles os Srs. CalL"Xto Taglibue 48 e Sílvio
Roma" (328, A B. A) tirado do natural é obra de inestimável Piccozzi, 4 9 ambos falecidos no mesmo ano, durante a epidemia
valor pela precisão do toque, pela poética combinação da cor. No de febre amarela.
primeiro plano, à margem de um córrego, duas figurinhas italia-
nas, bem posadas, contemplam o vasto cenário de Roma, ao des- Desses dous artistas existe a decoração de uma sala de jantar,
cambar do sol. A antiga cidade dos césares, aquela robusta Roma no palacete do marquês de Abrantes (hoje propriedade do Sr. ba-
dos tempos heróicos, tão vista, tão historiada e tão prostitllida, rão do Cattete-visconde de Silva) feita no estilo Scrozati, de Milão.
repousa ao fundo, envolta e\n manto azulado de névoas, sob um Do artista Giuliani, 50 que aqui esteve em 1855 de passagem
céu alCU:anj~d? poré~ longo ~ melancólico. O esboroado anfitea- para o Rio da Prata, existem dous magníficos retratos, perten-
tro, o zrmbono de Sao Pedro, \ s agulhas das torres, dominam a centes a um distinto amador. São trabalhos perfeitamente acaba-
vastíssima e sinuosa planície de telhados, e, lá de longe, levantados dos, que acusam um artista de fina têmpera.
para o céu, esfumados pela dúbia claridade do crepúsculo, pare- ' Augusto Francisco Biard 51 esteve durante algum tempo no
cem procurar no espaço a potentíssima história do seu passado. Rio de Janeiro, onde recebeu ineqllivocas provas de apreço e con-
A segunda paisagem italiana (n° 322) apesar da coloração,
que é rica, não tem o efeito da vista de Roma. A impressão é 48 Calixto TAGLIBUE (?·1850) - Pintor e cenógrafo italiano, ativo no Rio de
menos completa. Mas a pequenina vista da fábrica do barão de Janeiro na primeira metade do século XIX .
Capanema, em Petrópolis, é simplesmente encantadora. Imagine- 49 Silvio PICOZZI (?·1850)- Pintor e cenógrafo italiano, ativo no Rio de Janeiro
na primeira metade do século XIX.
se um canto de natureza, solitário, sumido perto das encostas
50 GIULIANI (?-?)-Artista em rápida atividade no Rio de Janeiro em meados
bravas de um monte; junto da estrada uma casinha rústica, des- do século XIX.
pretensiosa, sozinha, cercada de blocos de pedra que os canteiros 51 François·Auguste BIARD ( 1798·18820 - Pintor francês . Antes de vir ao Bra·
desprezaram; una-se a isto a interpretação mais exata, a mais fiel si! aos 60 anos, Biard viajou por vários países e, na França, foi retratista
de todos esses acessórios e poder-se-á fazer uma idéia, pouco oficial da corte de Luis Felipe. No Brasil, demorou-se pouco no Rio (onde
mais ou menos verdadeira, desse quadrinho que não terá mais de realizou retratos), preferindo conhecer a região amazônica. Voltou à França via
três palmos de comprimento sobre dous de altura. Estados Unidos. Em seu país de origem publicou o livro de memória Dois Anos
no Brasil. Pintor preso às regras de um academismo vincado pelo naturalismo.

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.si ti 'ração, ·11 'gando a oi ter do lmp 1·acto 1- um at ~t ·
ct p . 1 r na sa1a s us quadros .•uo pintado com um cm·act rístico c paciente cui-
o aço. Essa d .h cada hospedagem valeu ao Brasil e, particular- dadÓ, coloridos om um esplendor fora do vulgar, desenhados
: ente aos flumme~ses, um livro de crítica injusta e de calúnias com um escrúpulo extraordinário, quase fatigante .
. ~farçadas em sunl~zas de verve parisiense. Em português qua-
lifl~~-se est: procedime~to com um adjetivo pesado e justo no Reconhece-se, ao mais ligeiro golpe de vista, um grande arti-
~o e, porem em frances e em linguagem delicada chama-se a fício empregado pelo pintor para vencer tudo quanto escapou à
Isso - grosse bonne humeur. sua faculdade de coordenação; e o trabalho que, a pouco e pou-
co, vai-se-nos afigurando melhor, pela habilidade da sua técnica,
~· Biard deix~u poucos trabalhos, dos quais não encontrei pelo calor do seu colorido, é, na sua complexidade, mais uma
um so. Era ~ artista de grande mérito que figurou com al
sucesso em diversas exposições de Paris. gum obra de paciência, mais uma prova de infatigável cuidado, do
que uma simples obra de arte.
~ A sua índ~le sarcástica levava-o para a charge, e foi nesse
gener.o que mms trabalhou. "Bon Gendarme" "Mal de m " "A Feita por esse sistema - sistema idêntico ao da confecção
prent b b · " ' er . p- dos maquinismos de pequenos relógios - pequena ou quase
- I ar I~r e outros quadros expostos em diversas épocas
s.ao verdaderras caricaturas, donde resultou chamar-lhe um , , nenhuma parte da comoção sentida pelo artista a obra possui.
tico francês - o Paulo de Kock da pintura. ' . cn- Tais são os defeitos que se notam nas paisagens em miniatu-
De resto, a sua maneira era elegante, e o desenho correto. ra, mormente no gênero por ele escolhido - o panorama - pois
que requerendo observância de todas as formas em um todo já de
si complexo, obriga a um trabalho lento e fastidioso. Mas, esque-
cendo essas fraquezas, os quadros de Facchinetti merecem, longe
v de complacência ou de hipocrisia, sinceros elogios. No gênero em
que são feitos, constituem obras perfeitamente acabadas.
1860- 70. N. Facchinetti, Arsên o da Silva, Nascimento, Vinet A "Vista da baía do Rio de Janeiro, tomada do alto da Boa
E. De Martmo, Perret, l\1ill, G. Jam s. ' Vista em Teresópolis" é uma das melhores produções suas. O
panorama é vastíssimo. A vista sente-se bem diante daqueles
esmeraldinos campos, diante daquele céu infinito em que o sol
Um arti~ta laborioso e de mérito é esse velho Facchinetti. 52 das onze horas brilha com toda a sua luz tonificadora. Vê-se de
Chegou ao Rio de Janeiro em 1849 e desde logo conquistou nome longe, numa sucessão gradativa, as matas, as pequeninas casas
porql!e, conhecedor de sua arte e trabalhador dedicado não tev~ das fazendas, os montes, a alvíssima fumaça dos roçados que se
um so .momento de d~~~o. nem trocou o estudo da ~atureza, extinguem, o mar sereno e a curva acidentada das montanhas. A
ao ar hvre, pela tranqüilidade da oficina, entre bibelots e estofos luz inunda esta natureza, uma grande luz que faísca nas pedras,
No gênero a que se dedicou, a miniatura, não tem, atualmen~ vivifica os campos e os ervados, suaviza os horizontes através de
te, quem possa confundi-lo e empanar-lhe o brilho do nome. Os uma neblina azulada, tênue, doce, erradia.
"Da Janela do meu atelier' (palheta), a "Lagoa Rodrigo de
52 Nicolau Antonio FACCHINETTI (1824-1 900)- p· t . l' Freitas", "Ponta da Itanhagá", "Enseada de Paquetá", "Ilha de Bro-
fo - . . m or Ita 1ano. Com breve
18r4~a~ao artiStica em Veneza, o artista se estabeleceu no Rio de Janeiro em coió" assim como todas as suas miniaturas têm qualidades reco-
cum . om. um naturalismo meticuloso e sem grandes rasgos poéticos, do-
. ~ntou a. paisagem canoca, fluminense e parte de certas regiões minei-
mendáveis.
~~:~f~~t~~~a~~~~~e~a~e captação dos panoramas possibilitou-lhe conseguir A cor é quente, quase sempre exata, bem observada; o dese-
nho minucioso em todos os detalhes, as perspectivas felizmente

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d s ' rwo lvidas, 'm suma, us uas obras s1o con lui las om
máx:llno rigor. 0 foram trata los 1 or J\..rs '\ nio com uma nota poética e terna, que é
a sua nota p s oal.
Para vencer todas as dificuldades, para obter a forma e 0 Fora deste gênero a maior parte das suas produções são me-
tom exato das causas mais insignificantes e mais afastadas do díocres. A paisagem que, atualmente, a Academia guarda sob o
?on~o de observação, lança mão de lentes de aumento, pois é n° 334 é, sem dúvida, o melhor trabalho a óleo por ele feito. O
mterramente impossível que o seu órgão visual abranja, desar- quadrinho tem pequenas dimensões, talvez uns cinqüenta centí-
mado, as extensões que em seus quadros nitidamente observa- metros de comprimento sobre vinte de largura.
mos. Daí certo prejuízo para a tonalidade do quadro, que, se
É uma vista dos arredores de Paris, tirada do natural. O céu de
escapasse .ao artista perfeito conhecimento do claro-escuro, apa-
um azul pálido está algodoado por nuvens que desgrenham-se
~ecer-nos-1a sem perspectiva aérea e planimetria. Mas Facchinetti
lentamente; embaixo, o campo, terreno inculto de alguma herda-
e um verdadeiro artista, conhece todos os segredos do desenho e de, onde crescem arbustos enfezados, tristes arvoredos queima-
da cor, e, sem pecha para a importância de suas pequeninas te- dos pelo inverno, procurando bracejar o espaço em busca de seiva.
las., su~s~itui a espontaneidade pela fidelidade. Não sou simpáti-
co a illllllatura aplicada à paisagem, e isso por causa não só da Há na maior parte dos trabalhos de Arsênio, até naqueles de
somenos importância, uma nota sentimental, uma melancolia per-
impressão como da personalidade do artista, mas sou obrigado a
v:r nos trabalhos de Nicolau Facchinetti um mérito relativo po-
rem frrme e inquestionável.
tinaz, cuja origem encontra-se no temperamento do homem. Ar-
sênio foi um desacoroçoado.
Chegando ao Rio de Janeiro conquistou imediatamente uma
Outro miniaturista de mérito foi Arsênio da Silva, 53 falecido reputação artística, vendeu à sociedade elegante daquele tempo
em 1_881. Em 61 veio, definitivamente, para o Rio de Janeiro, quase todas as gouaches que pintara, criou uma turba de admira-
de~ms de ter estudado em Roma e ~ Paris a arte da sua predi- dores e amigos, fez, enfim, um pequeno sucesso. Mas como de-
l~çao. Nesta última cidade consegu u aprender um segredo de via esperar, os invejosos ergueram-se do pesado silêncio da sua
pm~ar gouaches que deu-lhe não p( uena estimação ao nome, própria inutilidade e fizeram fogo vivo contra ele.
assim como estudou e bem aprende · as linhas, o colorido e ma-
Faltou-lhe resolução para enfrentar com os adversários. E,
neira que os orientalistas apresentavam em seus quadros.
humilhado, desiludido, rolando de desengano em desengano, pro-
~Unido, pois, desses conhecimentos, começou a pintar pe- curou no esquecimento de seu nome lenitivo para suas dores.
quenmas gouaches, onde difícil é separar a garridice do toque, a Daí resultou-lhe uma moléstia lenta e devastadora, uma espécie
~ue~tura da cor, da ligeira habilidade de traço, da elegância e de spleen, o tédio da vida, que veio arrancar-lhe pelos lábios o
fidelidade do desenho. Aquelas pitorescas cenas orientais, aque- último calor das entranhas, no momento em que ele tudo esque-
las longas caravanas árabes, percorrendo o deserto ao pôr-do- cera: seus amigos, suas aspirações, e até a arte!
sol, as paisagens espetaculosas daquela terra em que, diante da Obscuro como morreu Arsênio, ou ainda mais obscuro, morreu
nossa fantasia, tudo tem um aspecto grandioso pela cor do céu Nascimento,54 o autor dos medalhões do zimbório da Misericórdia.
pelo caráter da vegetação, pela forma caprichosa dos edifícios' Para este nem sequer a esperança sorriu. Pouco trabalhou e pouco
' deixou. Os quatro bustos dos apóstolos, que figuram naquele esta-
53 A_rsênio Fortunato da SILVA (?-1881)- Pintor pernambucano. Com forma- belecimento de Caridade, são trabalhos de pouco mérito.
çao IrucJal no Recife, Silva se estabeleceu no Rio de Janeiro, após estágios em
Roma e Pans. Tradicionalmente é reconhecido como o introdutor da pintura
a guache no pais. 54 Carlos Luis do NASCIMENTO(?·?)- Pintor ativo no Rio de Janeiro na segun-
da metade do século XIX, participou da Exposição Geral de 1870.

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, ll t' J~rlq uc Vi n<rs:. f~> i paisagista ' r •tratista. N ss último g A_
d sfaz. C CO IIlparto, p •sadíssin1o e brusco no contorno. Igual
n ro d Dwu obras m dío r , por ·m m paisagem trabalhou com
talento. A ~uebrada solitária de um caminho, a tacitmna quieti-
defeito cn ·omra-sc no "Combate de Riachuelo" em que, além
disto, há figuras horrivelmente desenhadas. O "Bombardeamen-
tude dos pantanos, as sussmrantes fontes sombreadas pelas fran-
to de Cmuzu" e o "Ataque dos encomaçados Barroso e Rio Gran-
ças das trepadeiras em flor, os velhos troncos carcomidos aban-
de" são pintados com extraordinário e indesculpável descuido,
~o~ados sobre a margem dos córregos que vão ladeando ~ terra parecem obra de aprendiz, pouco conhecedor da arte e sem ne-
~da e escma onde crescem fartos tinhorões e arrimam-se nin-
~eias de folhas espalmadas, todos esses sítios, onde quer que nhum vislumbre de talento. Das suas telas históricas as únicas
que se podem salvar da pecha de desprezíveis são "O Gran-Cha-
ouvesse um tom ~omântico e saudoso, foram, por ele, interpre-
tados com verdadeiro sentimento. co" e o "Aprisionamento da corveta Bertioga".

. Perr:t~6 P?ssuiu i~~ sentimento, porém a sua pinttrra tem


A primeira é uma obra em que o desenho dos detalhes peca
maiOr_mer~t?, e larga, solida, vigorosa. As manchas são acusadas irreverentemente, mas onde existe algum merecimento por ser a
com srmphcidade e segmança. menos defeituosa; a segunda está pintada com certa expressão e
transmite ao observador uma impressão, não completa, porém
Em toda a tela, à direita, à esquerda, em cima ou embaixo, nos agradável: as duas corvetas velejam à bolina, uma à caça da outra.
f~anoes afas~ado~ ?u nos planos principais, encontra-se a mesma Estão em pleno mar. As ondas crescem e corcoveiam ao sopro das
gu za e srmpliCidade, o mesmo desenho consciencioso e feliz. virações vespertinas. O céu estende-se num horizonte infinito em
Foi precisamente essa simplicidade, essa segma maneira de que o sol, em sua passagem, deixou apenas um reflexo morno e
fazer, o que faltou a De Martino.5 7 Os seus trabalhos s- il alaranjado. Há uma vastidão desse céu em que ainda bruxuleia o
t
:s· ao vac an-
e mcorretos. No "~taque da fragata Imperatriz" (Min. da Ma- sol, na imensidade irrequieta desse mar escmecido, nesses dois
rinh~) tudo _quanto diz respeito a dese$o de navios pode-se lutadores que ao longe correm de velas enfunadas e bandeiras
considerar ngoros~m~nte pintado. Ele cc ecia muito bem to- tremulantes, uma intraduzível expressão de melancolia e dúvida.
?os o~ aparel~os _nauticos, por mais comJ. icados que fossem. E Em cima é o infinito que se envolve, vagarosamente, no luto da
rmpenosa razao tinha para estar senhor c}( sse conhecimento. noite, embaixo é o infinito, que soluça, que plange chocando vaga
Perten:eu dtrrante alguns anos à marinha italiana onde ob- com vaga, aos beijos, aos soluços, separando-se e correndo em bus-
teve os galoes de primeiro-tenente. E"Xcetuando esta q~alidade, ca de ignotas paragens onde desfaleça em leitos de areia, ou esfran-
quadro, ~orno obra de arte, tem insignificante valor. A tinta é
0
galhe-se nas escarpas dos rochedos. E por entre mar e céu, debaixo
pesad~ e Igual, a tonalidade pobre, a luz mal distribuída. o fumo da imensidade em que a imaginação humana procura e julga en-
que sm d?s flanco~ do vaso de guerra tem a mesmíssima densi- contrar a esperança, sobre a imensidade em que ela antevê a morte,
dade da agua, e nao se espraia no espaço, não se move, não se vão aqueles dois barcos procurando aniquilar-se mutuamente.
Os pequenos quadros de cavaletes que De Martino deixou
55 Henri _Nicolas VINET (181!-1876) - Pintor francês . Aluno de Corot e in- são superiores a este. Parecerá má-fé, talvez, o desprezar obras
v
fl~encfiado em sua formaçao pela pintura ao ar livre da Escola de Barbizon
met Ixou-se no Brasil prod · · d
. ·
- ·
uzm o entao paisagens do litoral fluminense.
' que devem ter, pelo menos, o mérito da composição. Mas é aí
56 justamente que está o fraco do pintor. De Martino era um ama-
Felix PERRE: (?-?) - Pintor francês. Ativo no Rio de Janeiro na se unda
m eta~e _do seculo XIX. Retratista e pintor de cenas de gênero particip~u da dor, cujos estudos artísticos foram imperfeitos; tudo quanto fez
Exposiçao Geral de 1872. '
foi devido ao seu notável pendor para a pintura; e, inteligente,
57 ;~oardo DE MARTINO (1832-1912)- Pintor italiano. Especialista em mari- afouto, encorajado, conhecendo muito bem o meio em que vivia,
ads, chegou no Brasil em 1868, documentando as batalhas navais brasilei- e sabendo com habilidade pouco comum insinuar-se, viu na pin-
ras urante a Guerra do Paraguai.
tura histórica uma explorável fonte de lucros.

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1\ animosidc d om qu' r a dotado f "-lo mpr ender ess s
trabalhos.
Conquistando amizades na sociedade das influências políti-
cas deste país, pôde vender os seus quadros, senão muito bem,
contudo, por preço muito acima do seu valor real. Na verdade,
essas obras nada valem. Os erros que aí se notam são crassíssi-
mos. Faltou-lhes, para tudo dizer, desenho de arabesco, desenho
de detalhe, unidade de composição, conhecimento de claro-escu-
ro, densidade da cor, tonalidade, nuanças, proporções, enfim,
tudo quanto é indispensável em um pintor histórico.
Atualmente (De Martino vive em Londres) a sua maneira, nem
sequer vagamente, lembra o autor desses monstros. No Museu Progresso
Naval existe um pequeno trabalho seu representando o encoura-
çado Independência. Na feitura desse quadro nota-se um cuidado
excessivo na observação dos menores detalhes.
Tudo aí é feito com paciência, com saber, com escrúpulo. Ao I
navio não falta um escaler, uma corda no aparelho do velame,
uma corrente ao cano das fornalhas. É de um desenho minucio- Pedro América (1)
síssimo. A água tem volume e transparência, o céu é longo, a
perspectiva aérea feliz. Não há nesta peqm)na tela o menor, o Conta Claretie1 que - entrando Horácio Vernet n~ atel~e_r
2
mais leve traço do autor do "Bombardeamen o de Curuzu".
de Dupré3 e Eugênio Larni,4 e fazendo algumas observaçoes cnn-
Foram contemporâneos a De Martino, o paisagista Augusto cas sobre a batalha de Honschoate, em que os dois trabalhavam
Mill5 8 e o marinhista Gustavo James. 59 An bos foram artistas juntos, Dupré admirado da maneira_singular pela qual_ o estra~
medíocres. O último morreu em um hospício de alienados, no nha notava os defeitos, depois de diversas perguntas, mdagou
ano de 1884.
lhe se, por acaso, também era pintor.
_ Não por acaso, porém por vocação e, talvez, por espírito
de família.

1
Arséne Arnaud, dito Jules CLARETIE (1840-1913) -Escritor, jornalista e
dramaturgo francês. Como cronista da vida parisiense, escreveu sobre ar-
tes visuais.
2 Horace VERNET (1780-1863)- Pintor francês. Acadêmico impregnado por
valores românticos, pintoú várias cenas de batalhas, onde celebrou os feltos
de Napoleâo Bonaparte, Carlos Xe Luis Felipe. .
Jules DUPRÉ (1811-1889)- Pintor e gravador francês. Ligado a Escola de
58 August MILL (?-?)-Pintor especialista em marinhas, ativo no Rio de Janeiro 3
na segunda metade do século XIX. Barbizon.
59 Gustave .JA!viES (?-1884) - Pintor especialista em marinhas, ativo no Rio de 4
Eugênio LAMI (1800-1890) - Pintor e gravador francês. Considerado um
Janeiro na segunda metade elo século XIX. dos principais litógrafos de sua época.

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vo o nom? id , 1 1 L f •bvr •1i! outros, freqüentando ao mesmo tempo as
- Horácio Vernet. aulas da orbonne.

Os artistas descobriram-se, respeitosamente. Reunia ao poder de aplicação e de estudo uma rara eficiência
de aspirações. Tinha a fibra dos homens que nascem para desta-
Américo 5 é artista, também, por espírito de fanúlia. Seu pai e car-se do vulgo, a perseverança gloriosa dos trabalhadores, o tem-
seu avô foram músicos, e tem um irmão, pintor de grande talen- peramento delicado dos artistas.
to, o Aurélio de Figueiredo. 6
Para se conhecer Américo, para se fazer uma idéia justa da
Começou a estudar belas-artes em 56, depois de ter estuda- sua organização moral puramente sentimentalista é preciso con-
do humanidades no Imperial Colégio e em 59, por proteção do versar com ele, sem prevenções, amigo para amigo, francamente,
imperador, partiu para a França, de onde voltou em 64, regres- intimamente, entre as quatro paredes da sua oficina. Quando ele,
sando à Europa tempo depois, para receber o grau de doutor em por uma boa-fé peculiar dos talentos superiores, esquece o mun-
ciências físicas e naturais pela Universidade de Bruxelas. do das negociações, dos preconceitos, das ambições ervadas, para
Em Paris estudou a pintura com o autor da "Morte da filha de deixar apenas ver o artista; quando põe de lado o Dr. Pedro Amé-
Tintoreto", M. Léon Cognietf que, nesse tempo tinha por alunos rica de Figueiredo e Mello, para deixar falar o América, a simpa-
os artistas Bonnat, 8 Paul Laurens, 9 Mlle. Jacquemart,10 Theoph. tia que lhe dedicamos aumenta, origina-se em amizade, diante
deste coração tão grande, dessa inteligência tão poderosa. Fala
5 PEDRO AMÉRICO de Figueiredo Cirne e Mello (1843-1905)- Pintor paraiba-
muito de si, dizem, e é verdade, fala muito de si, com franqueza,
no. Após estudar na ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE convicto do seu valor, ufano do seu trabalho. Nós todos, por
JANEIRO, estagiou em Paris junto a INGRES, COGNIET e VERNET. De volta ao mais modestos que sejamos, temos dentro de nós essa pequeni-
Rio, foi professor de desenho e história da arte na~CADEi•1IA. Sua perma- na chama do amor-próprio que é a nossa consolação em momen-
nência no Brasil f~i várias_ vezes interrompida por • onstantes viagens à Eu-
ropa. Com formaçao academ1ca contammada pelo r mantisrho e pelo realis- tos de infelicidade e o mais poderoso incentivo para a luta, nas
mo, foi - junto com VITOR MEIRELLES -, o arti ta oficial do II Império, horas de entusiasmo. Desgraçado do homem que se não confia,
tendo realizado várias obras encomendadas pelo E tado brasileiro. por um instante, no seu próximo! Desgraçado do homem que
6 Francisco AURÉLIO DE FIGUEIREDO Cirne e Mello (1854-1916)- Pintor pa- levc,t a vida toda a calcular palavras!
raibano. Fixou-se no Rio de Janeiro ainda jovem e lá freqüentou a ACADE-
MIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO. Em 1876 parte para Quando ele nos fala da Itália, entusiasmado, pondo em rele-
Florença, onde estagia com seu irmão, PEDRO AMÉRICO, por dois anos . De vo o gênio hospedeiro dos florentinos, descrevendo as maravi-
volta ao Brasil, fixa residência no Rio, onde inicia carreira profissional.
lhas artísticas da pátria de Leonardo e de Miguel Angelo; quando
7 León COGNIET (1794-1880) - Pintor francês . Especializado em cenas histó-
ricas e retratos . Professor de pintura, ensinava seus alunos dentro da tradi-
lembra o seu passado, as doces reminiscências do tempo da boe-
ção acadêmica . mia, as queridas ilusões da mocidade, a existência obscura de
8 Léon BONNAT (1833-1922) - Pintor francês. Pintor de cenas históricas Areias, as cantigas dos tropeiros, os sertões do norte onde sobre
religiosas e retratista . Influenciado pela arte espanhola (morou e estudo~ o penacho dos coqueiros vem gemer a jandaia à hora do pôr-do-
em Madrid), e pelo ensino acadêmico de COGNIET, Bonnat foi um artista
tradicional.
sol, sente-se desabrochar em seus lábios palavras sinceras, fra-
9 Paul LAURENS (1838-1921)- Pintor francês. Aluno de COGNIET, expôs pela
ses que são como um transbordamento da sua alma.
primeira vez no Salão francês em 1868. Especializou-se em pintura histórica.
10 Nélie André Jacquemart, conhecida como Mme. JACQUEMART (1841-1912) 11 François-Theophile-Étienne GIDE (1822-1890) - Pintor francês. Aluno de
-Pintora francesa. Foi aluna de COGNIET. Especializou-se em retratos, sen- DELAROCHE e COGNIET. Pintou retratos, paisagens e cenas de gênero .
do muito requisitada pela sociedade francesa de sua época. 12 LEFEBVRE (Não foram encontrados dados sobre este artista .).

140 141
1·: ·or qu naturalidad lá , 1 r ssão à frase !
Pali y a rnorr 'r 110s ár cres da Bastilha e atirou Deniz Papin a
. onv rs~.aclmiravelmente. A sua palavra atrai, é de uma mo- um canto d Londres, já não faz parte do século dezenove, e,
dalidade facilima, clara, melodiosa. Mas, debaixo das galas dessa hoje, com uma facilidade imensa, explica-se o trágico fim de Ner-
f?rmosa fraseologia, como na essência de seus trabalhos literá- val, a prematura morte de Musset, os revezes sofridos por quanto
r~o.s, como na concepção de seus quadros, descobre-se um meta- gênio anda por este mundo sublunar. Mas, consideremos um pon-
hsico pretensiosamente eclético. to: por que aplicar a tal legenda dos gênios a Agavino? O autor é
E, para bem o caracterizar, sirvo-me de uma classificação do quem nos diz que o seu personagem tinha talento, e, para tudo
autor do Mes Haines: 13 América é um idealista histérico. Como prova explicar, fá-lo jogar espírito com um parisiense, questionar com
~esta asserção basta folhear o Holocausto, essa obra vacilante e pos- um inglês, conversar com um italiano, filosofar com um portu-
tiça, re~~ndada simultaneamente, com pedaços de romantismo e guês. No entanto Agavino passa inutilmente pela existência.
de cepti~Ismo. Agavino, o protagonista do romance, é um grande É um feliz e é um desgraçado. Instrui-se muito, enriquece,
pulha, cnado pela fantasia do romancista para simbolizar uma clas- passeia às capitais civilizadas e para contrabalançar tanta felici-
se (?) ou antes: um indivíduo - o autor. E como é profundamente dade enfastia-se da ignorância de todo "o mundo" e, termina,
b~al esse simbólico personagem! Passa pelos olhos do leitor como enlouquecendo de amor!
VItima d~ preconceitos de raça, apatxona-se por ciganas, enriquece
Nada mais faz que prove o seu privilegiado talento.
de um dia para outro, corre a Europa inteira, instrui-se, a dizer bem,
em. todos os ramos do conhecimento humano, possui talento privi- Como estudo psicofisiológico de uma personalidade, o pro-
le~ado, sofre c?m desdém a ignorância dos homens do seu país e tagonista é desengonçado, pálido, ético, fátuo, pretensioso. Fal-
ate do estrangeiro, e depois dessa longa sucessão de fatos fantasia- ta-lhe uma capa de veludo e o respectivo espadim para ser consi-
dos, sem cor, sem observação, sem causas, o extraordinário Agavino derado perfeito cavalheiro.
acaba desprezado pelo mundo, vilipendiado pelos homens e atassa- Ao florescer da mocidade já é um sábio. Conhece e pratica a
lhado por um~ patxão ultra-romântica, qu~o acompanha em todos música, pinta, verseja e o que é mais - poeta; fala com entendi-
os passos da VIda e rouba-lhe a razão. mento raro sobre astronomia, física, quimica, história, filosofia,
É esta obra a que o autor chama, r prefácio, fora do co- matemáticas, geografia, trigonometria e dispõe de uma voz ex-
mum. Deveria dizer - fora do tempo. cepcional, para a qual não há prosódia difícil. Por contrapeso a
tantos dotes faz-se escultor em Paris, um Coustou apaixonado
Onde está, pois, o alcance do romance? Será uma tese? Será
pelo pé de Mme. de Pompadour, porém que, ao invés de pedir às
o estudo de uma personalidade? O que defende e o que prova, 0
irmãs que envolvam o modelo do delicado pé da maftresse de
autor? Desse amontoado de fatos quais as conseqüências a tirar?
Luiz XV nas dobras da sua mortalha, vende a sua obra a um judeu
Co~o tese, não se lhe reconhece importância nem verdade. o para libertar-se da fome! Com um pouco menos de instrução e
r~~anCista quis repisar a cediça opinião que propala a desdita do um pouco mais de verve seria um segundo marquês de Custine,
gemo. Isto, em tese, é uma puerilidade. O tempo que condenou mas falta-lhe, também, uma condessa de Merlin para, ao deixar
sua mão, confidenciar aos íntimos: Elle ne serre pas. Elle colle. O
13 Émile ZOLA.(l840-l902)-:-- Escritor e crítico de arte francês . Zola apoiou a que é, pois, esta obra senão uma crise da histeria do autor.
pmtura realtsta e naturaltsta francesas da segunda metade do século XIX.
Escreveu a favor d.e Manet e outros artistas que mais tarde integrariam 0 É o próprio autor, desorientado, céptico, desiludido, espica-
grupo dos Impresswmstas. Entre outros, publicou Mes Haines (lVIeus Ódios) çado pelas ambições, mordido por aspirações de glória e de ri-
onde atacou os defensores da arte presa à tradição. '
queza; é ainda ele - sereno, crente, idealista operoso, embeveci-

142
143
elo 1 'lo amor da an , a ari iado p los inefávei prazer da fa- o ·olo, t 'm, S<' dúvJ<la, a imponência d grandes procissões
mília, tranqüilizado pelo vigor da idade. Algumas páginas foram fantástica . A existência lendária dos evangelizadores empalide-
escritas nos momentos em que a terrível moléstia ficava em es- ce diante do raciocínio, porém dá magníficos painéis, de uma
pasmo, isto é sem ação; outras em horas de crise. grande impressão de formas e trágicos jogos de luz. O claro-es-
Para estudá-lo, vale; para ser meditada, é por demais medío- curo de Rembrandt, a suave linha de Scheffer, 15 a correção de
cre; talvez consiga apenas distrair os espíritos frívolos. David, o movimento de Géricault, 16 podem tirar desses assuntos
estranhas obras-primas.
É esse, portanto, o ideal de Pedro Américo; e foi por isso que
faltaram tintas à sua palheta para terminar a tela - "Sócrates
Quais as obras que esse homem deveria produzir, ou me- afastando Alcibíades do vício". Mas, para os assuntos religiosos,
lhor: quais os assuntos prediletos a esse temperamento? para as severas cabeças dos escritores sagrados, para a doce e
Os bíblicos e os históricos, me parecem de melhor acordo piedosa expressão dos santos, nunca os pincéis correram em vão
com tal natureza, sobretudo os bíblicos. E não erro. Extraio de sobre·a face da palheta. No entanto a reputação de Pedro Améri-
uma carta por ele enviada a um colega (em 64, a Vitor Meirelles14) co não foi criada com os quadros religiosos.
o tópico seguinte, que muito bem corrobora a minha asserção: O seu nome começou a crescer depois da exposição do "Com-
:Minha natureza é outra; não creio dobrar-me com facilidade às bate de Campo Grande" e tomou, definitivamente, importância
e~gências passageiras dos costumes de cada época, que tam- depois de concluída a tela de Avaí: pode-se estranhar esse resul-
bem são uma das fontes em que um talento como o seu pode tado porque, nestas condições, o único a esperar seria o de ter
achar pérolas. A minha paixão só a história sagrada sacia-a ... alcançado notoriedade com os assuntos que tão intimamente pa-
recem ligados a sua natureza; ainda assim, encontra-se uma aten-
S~; só a história sagrada pode saciar um espírito como o
dível explicação - a pintura de batalhas produz bonitos arranja-
seu. E nos desrazoamentos das lendas da igreja que ele há de
mentos, é espetaculosa como ação, e, por conseguinte, harmoni-
encontrar o gozo da sua imaginação criadora. Aí, nessas páginas,
za-se perfeitamente com o seu temperamento.
tudo vacila; ~as sobre.t~~as ~signifi~ânt.as ridículas, perpassa
uma aragem Ideal. O diluVIo umversal e u absurdo, porém para ' Acresce que Américo não empreendeu a pintura de batalhas
a arte, para a mise-en-scene, é de uma dra atização admirável. A por decidida predileção, mas sim por interesse, sem que, de for-
queda das muralhas de Jericó ao som da trompas de Josué faz ma alguma, se tornasse ridículo.
rir, mas o desfilar do exército vencedor em frente dessas massas Não foi por predileção porque nunca ele se preocupou com
que tremem, oscilam no espaço e abatem-se em estilhaços sobre os assuntos militares, nunca fez estudos especiais nesse gênero,

14 VITOR MEIRELLES de Lima (1832-1903)- Pintor catarinense. Após estudar 15 Ary SCHEFFER (1795-1858)- Pintor holandês. Ligado ao Romantismo,
na ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO e ganhar o Scheffer pintou cenas da história contemporânea, dando-lhes significação
Prêmio de Viagem, estagiou em Roma com MINARDI e em Paris com COG- alegórica. Como DELACROIX, em grande medida, foi influenciado pela pin-
NIET e Gastaldi. De volta ao Brasil, exerceu o cargo de professor de pintura tura de RUBENS.
histórica na ACADEMIA, de 1862 a 1890. A cultura visual italiana da segun- 16 jean-Louis Théodore GÉRICAULT (1791-1824)- Pintor, escultor e gravador
da metade do século XIX (onde se percebe uma busca de síntese entre a cor francês. Aluno de VERNET, após estadia na Itália, onde estuda MICHELAN-
de derivação veneziana e a linearidade florentina) parece ter influenciado GELO e Caravaggio, sua obra aos poucos deixa os parâmetros neoclássicos
bastante este artista que, juntamente com PEDRO AMÉRICO, foi um dos
principais artistas do I! Império . iniciais para atingir uma dramaticidade que ajuda a inaugurar o Romantis-
mo na grande pintura européia.

144 145
d pois d produzir dois quadros de batalhas n nhum studo ou par , f 1 st a a n1aior preocupação do artista. Um grupo prin-
e boço ou quadro apresentou que tivesse a mais leve relação com cipal e a essórios, eis a idéia do autor, logo o quadro resume-
eles. Compreende-se um pintor de batalhas como Neuville, 17 se nesse grupo.
18
como Detaille e Beaumetz, 19 cujos interesses pelo gênero são
afirmados por inúmeros estudos e pequenos quadros de episó- Depois do grupo que é o ponto principal da tela, encon-
dios de guerra; mas é incompreensível o esquecimento votado ao tram-se acessórios reproduzidos com fidelidade, e sobretudo
assunto por um artista que fez a sua reputação com duas telas com largueza: no plano primeiro, à direita, um paraguaio _fe-
tão importantes! bricitante de raiva, dispara um canhão, que podia levar a VIda
do conde, se a resolução de Almeida Castro não fosse tão pron-
Houve, portanto, interesse pecuniário na composição desses
ta; ao centro, como base do grupo, um outro inimigo golpeado,
dois quadros. E, para não parecer caluniosa a asserção, lembro
uma proposta, feita por ele ao governo imperial, de pintar a "Ba- caído sob as patas dos cavalos, vibra um golpe de lança, com a
talha 24 de Maio", depois de um longo período de trabalho em força brutal da agonia; e, no plano esquerdo, como um~ nota
que nem um só episódio militar tomou a atenção do artista. elegíaca e doce, no meio daquele hino de ferocidade, um JOvem
oficial brasileiro morre nos braços de um capuchinho, volvendo
É verdade que o interesse não o fez ridículo.
para o céu saudoso olhar que a morte enevoa. Quando a nossa
O assunto, como deixei dito, foi sentido, estava em harmonia vista cansada de fitar o grupo principal procura, na tela, outro
com o temperamento do artista. ponto em que se repouse a atenção, e dá com essa_s d~as figu-
ras isoladas a um canto, ambas sublimes na dedicaçao, uma
*
pela pátria e outra pela religião, sentimos abalos nos_ noss~s
nervos e como que prontos a derramar com a quenda mae
O "Combate de Campo Grande" (1872) funda-se em um erro
daquel~ valente infeliz as lágrimas de dor inconsolável que
- o título. Seria acerto denominá-lo - O marechal conde D'Eu em hão de empanar seus olhos ao saber da nova.
Campo Grande, pelo mesmo motivo que fez a passagem de Arcole A mão do oficial moribundo de cujo pulso ainda pende a
ser co~ecida n~ ar~e pela designaç~o d~e':t\ apoleão em Arcole". espada pelo fiador, aperta, trêmula, o flanco em que _a bala pene-
VIsto com JUStiça, o quadro nao pa~ a de um episódio mi- trou. De seus lábios partem as últimas murmuraçoes, e o seu
litar do príncipe Conde D'Eu na campar a do Paraguai. Na tela olhar fraco, procurando pelo último instante a luz do sol, ~z-lhe
domina um grupo formado pelas figur s eqüestres do príncipe adeus o melancólico adeus da eterna partida, porque nao po-
e dos oficiais Almeida Castro e Galvão. É para aí que converge dend~ beijar os lábios da mulher amada resta ao infeliz, ~or
a atenção dos espectadores ao primeiro golpe de vista, e, me consolação, fitar a luz do imenso astro que há de marcar ~s ~as
de saudade e o esquecimento daquela que ainda aquece a últrma
17 Alphonse-Marie-Adolphe de NEUVILLE (1835-1885)- Pintor e ilustrador gota de sangue no seu coração de moribundo.
francês. Aluno de Picot e DELACROIX. Especializou-se em pinturas de cenas Apesar da habilidade com que foi pintado este quadro, ape-
militares.
18 Jean-Baptiste·Edouard DETAILLE (1848-1912) - Pintor francês. Aluno de
sar da grande soma de talento despendida pelo artista na com-
1\Ieissonier. Especializou-se com sucesso no retrato de cenas militares. posição desta tela, e, sobretudo, apesar do cuidado com que co~­
19 Henri-Charles-Étienne Dujardin·BEAUMETZ (1852-1913) - Aluno de Caba- pôs os principais personagens, a crítica censurou o grupo domi-
nel, estréia na cena francesa em 1880, especializando-se em cenas de bata- nante julgando-o impossível por ser aéreo. Os caval~s m~ntados
lhas e cenas populares.
pelo príncipe e pelos oficiais Almeida Castro e Galvao sao apre-

146 147
s : ~~~ ~~ los no ~?m_ n_to d puJo. Não me parece justa a censura.
2
D1z E. V ron a pagma 302 de sua Estética:
J·: foi aí, pr' ·isam nt , que o artista vacilou.
A cor ' , neste quadro, um dos caracteres mais firmes da
O q~e acaba de arruinar a tese dos desenhadores da imobilida- individualidade do artista. O pincel é dócil e humilde em suas
de ~ um fato fisiológico recentemente descoberto pela ciência: mãos. Modela bem, contorna rapidamente e seguro, passeia pela
esta demonstrado que a imagem impressa na retina aí persiste tela com uma firmeza verdadeiramente notável.
durante mmto tempo, e qu~, por conseqüência, o gesto, posto
que passa_ndo por uma sene de atitudes sucessivas, fica com- O dorso do paraguaio que, no plano direito, dispara o ca-
pleto na VIS~a, sobretudo quando é rápido e quando, na realida- nhão, é de uma realidade tocante; o grupo formado pelo mori-
de, a sucessao se transforma em uma simultaneidade verdadeira.
bundo e pelo frade é habilmente executado. Desenho e cor com-
. Não há impossibilidade na posição em que os cavalos foram binam-se admiravelmente, parecem resultantes de um só traba-
pmtad~s e nem mesmo uniformidade no gesto, pois o artista lho em um mesmo momento.
teve cwdado de desigualar a linha de direção em que se acham Na "Batalha de Avaí" os progressos do artista são brilhante-
o_s cavalos; log?, a censura j improcedente. Creio que mais crite- mente realizados. É a guerra com toda a sua hediondez, com
nosamente tena procedido a crítica se censurasse a posição afe- todos os seus crimes, com todas as explosões da sua barbarida-
t~da e r_nuda e~ que o ~intor colocou o herói deste combate. Aí, de. O soldado em luta é uma fera que conquista, faminta, a posse
Slffi, eXIste_ de_fe1to. Americo procurando destacar do grupo a fi- da preia. Não conhece complacência. Ataca enraivecido porque é
gura do prmope deu-lhe o aspecto de um manequim vestido. atacado sem generosidade, mata para não ser morto, e na refre-
. . A cabeça _é muda, nenhuma contração dos músculos da face ga, no acanhado terreno em que está, não sofreia a. cólera para
mdica o hermsmo, ou a resolução; o seu olhar nenhuma relação medir os gestos. É a fera golpeada, alucinada, terrível, arrojada,
t~m com o que se pas~a; o gesto do braço direito é duro e inexpli- que desconhece inteiramente todas as dificuldades, saltando por
cavel, no ~ntanto a figura de Almeida Castro é soberba, o seu sobre todos os obstáculos para tirar vingança. A batalha começa
rosto exprlffie coragem e audácia, a mão que agarra o freio do por homens e termina por ursos. Age em primeiro lugar a mate-
corcel_montado pelo marechal é de um desenho correto, e tanto mática dos planos, a esmagadora ciência da estratégia. A inteli-
cavaleiro como cavalo formam um todo admirável pela fidelida- gência humana descobre para a vida e inventa para morte.
de de desenho, pela verdade de expressãv.. , Na oficina é Gutemberg, é Volta, é Papin, é Jenner, é Pasteur;
Um la~so _de _r~visão em uma obra-prir a é o desaparecimen- na caserna chama-se Comblain, Krupp, Withworth e de Bange. Na
to de uma msignificante estrela no firmar ento. oficina é Deus; na caserna é Satanás. Ao princípio o cálculo, a .
Nada vale. ordem, as linhas · de ataque seguindo a passo, a proporção das
descargas, abaixando-se com as sinuosidades do terreno, ocul-
Dirão mui~os; mas se esta figura não representasse o ápice tando-se por trás da serenidade das plantas, deitando o joelho
do grupo dommante, porque aí é preciso pôr em prática o ditado em terra para matar mais certo e esquivar-se da morte. Se não
~ na ~erra como na guerra, e já que o artista foi convenciona- fora tudo isto depender de uma disciplina longamente pensada,
lista, seJamos também convencionalistas no convencionalismo. dir-se-ia que esses homens eram raposas. Cada homem que cai,
. O ~po principal deve ser perfeito, particularmente, na pri- desperta no camarada da fileira a raiva que vai crescendo rapida-
merra figura. mente. Uma bala, que arranca a pala de um boné, faz tremer; o
estilhaço de uma bomba, que leva a pele de um braÇo, faz gritar;
20 Éugene v:~oN - (?-?) Filósofo, historiador e crítico de arte francês. Escre- e do medo e da dor nasce a alucinação da vingança. Chega a luta
veu A Estel!ca.
brutal, horrorosa, ferida frente a frente, rosto a rosto, em que

148 149
quan~o mais mata, mai c d ja matar. ch iro da pólvora, hão, m rd('IHio o$ · •us próprios m mbros, até que a pata de
a _?O_ rra, o sangu:, os grit_os, o rincho dos clarins, as imprecações, 0 um cavalo lh s f nda o crânio, ou a baioneta de um soldado se
vormto dos canhoes, o brilho e o retintim das armas, desvairam. lhes crave nas costas, escorregadia, como uma azeitada mola de
A onda que veio serena, cresce tremenda agora, e subverte máquina. Então o moribundo ruge de dor, faz um movimento
tudo. _ü fumo dos canhões que estouram intermitentes varrendo para se erguer sobre as mãos, porém lhe vem à boca aberta uma
pelotoes e companhias inteiras, escurece a vista. Levanta-se e golfada de sangue escuro, e abaL"Xa-se, inteiriçando as pernas por
descarre~a-se o braço armado, continuamente, sem descanso, num cima de outros cadáveres, recalcados, pisados, imundos. E de
automatis~o que parece incrível. Cerra-se aos camaradas, une-se lado a lado, numa sucessão de vagas, surgem nuvens de homens,
a c~mpanhia, avançando, espingardeando, carregando à baione- umas após outras, em ordem, bandeiras desfraldadas, as armas
ta, a _couce de arma, quando falta tempo para passar o cartucha- nuas, enquanto os clarins soluçam, estridentes, e os canhões vomi-
me. ~ um delírio. Sem querer, acidentalmente, transvia-se do ba- tam balas, roncando, entre nevoeiros de fumo que ora dispersam-
talha~,, perde_-se num grupo inimigo onde a luta é renhida e in- se lentamente, ora estonteiam no ar em círculos desconcertados.
descrltlvel. Poe-se em prática toda a agilidade, toda a força possí- É por esta maneira de ver e de sentir que Pedro Américo nos
veL_ O soldado salta como um tigre ferido, uiva como um lobo, oferece a Batalha de Avaí, que tão grande celeuma despertou na
vocifera, avança, recua, acomete, desvia-se; sujo, suado, 0 olhar imprensa fluminense e tanta bulha lançou entre os críticos discí-
atormentado, a boca medonha como a fauce de um carniceiro. pulos de Ch. Blanc. 2 1 Desenha dor do movimento e não da linha,
Quem puder abranger com a vista toda a extensão de um campo deu a seu quadro um brio magistral e triunfante. Estendeu quan-
de ~atalha, no momento em que a luta está a terminar, há de to lhe foi possível a ação, partindo do primeiro plano onde há
sentrr uma confusão inexprimível. figuras pintadas com um vigor digno de mestres. E foi precisa-
_Pouco a pouco, como quem sai de um mergulho e repousa, mente este vigor, esta independência de composição com que ele
vera ~or partes ~ luta. Aqui um grupo, ali outro, além ainda outro, tratou o quadro que provocou a longa discórdi_a entre os acadê-
e mrus outro e runda mais outros, confusos, movediços, entre fer- micos e os inovadores.
ros que brilham no ar e descem ligeiros, entre relâmpagos de armas O artista abandonou as cediças linhas da composição acadê-
de fogo. E esses grupos, aumentam de súbito, desenvolvem-se como a mica, e compôs o sujeito como melhor entendeu, para transmitir
ros~a de uma serpente que se estende, o~dispersam-se rapidamen- màis diretamente a impressão recebida. Para alguns constitui esse
te, a chegada de uma nuvem de poeira, c homens e de cavalos que modo de proceder um imperdoável erro, porque é desprezar os
saltam espantados, relinchando, espurr do os freios, corcovean- mais austeros princípios da arte. Se, entretanto, indagarmos bem
do ferozes, em meio daquele revolto oc ano de ferro e fogo. da causa que provoca a impersonalidade em artistas de cuidados
As impressões são rápidas. De um lado homens caindo, con- estudos e de inteligências assinaladas, acharemos como causa
torcendo-se desesperadamente na agonia de uma morte sem con- fundamental esses austeros princípios da arte, que tanto preocu-
solações e sem paz, tendo os intestinos à mão que, convulsa, os pam aos críticos convencionalistas. Limitar o artista a copiar a
aperta; outros tombando como figuras de papelão ao sopro do linha de composição desse ou daquele mestre antigo, de Rafael 22
v~nto, d~ repente, sem uma queixa; outros que, de improviso,
sao colhidos por uma bala, voando em estilhaços, como frag- 21 Charles-August BLANC (?-?)-Crítico de arte e tratadista francês. Publicou
Gramática das Artes do Desenho, em 1880.
mentos de uma maçã inútil e podre. Os cavaleiros caem com os
22 RAFFAELLO Sanzio (1483-1520) - Pintor e arquiteto italiano. Influenciado
cavalos, em um só tempo, e alguns ainda estorcem-se, mordendo por MICHELANGELO, e sobretudo por DA VINCI, Rafael reinterpretou esses
a terra, ensangüentada, mordendo os cadáveres que juncam 0 modelos com originalidade, superando certos esquemas compositivos de seus

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u L Rub 'ns, <!:l d L onardo ou d R mbrandt, é negar o cUreito d h rói, '111 cJor, m grito, em desespero, em ânsia, em agonia,
do estilo, que é a afirmação da individualidade. Copiar dos mes- em temor, em infâmia, e em todas as alternativas dos sentimen-
tres as obras-primas é procurar imitá-los, e a imitação não faz tos e dos instintos humanos, num momento como aquele que
mais do que realçar o mérito do original. serviu de assunto ao artista. O encarnado, o amarelo e o branco,
De resto, quem imita é porque não pode inventar. de um lado, predominando neste ou naquele grupo, caracterizam
a força, fazem a nossa fantasia ouvir os sons estridentes dos
A composição do Episódio militar de Campo Grande, um pouco clarins de guerra, os gritos e as blasfêmias dos feridos. No preto e
tímida em certos pontos, é, contudo, a primeira fase desse estilo no roxo há notas plangentes, gemidos de moribundos, sombras
largo e vigoroso que vemos na "Batalha de Avaí". Precisamos a misteriosas, a morte, o esfacelamento, o nada! Comparemos, cui-
atender bem a um ponto de máxima importância. O estilo não é dadosamente, a cor, o movimento, o aspecto geral do quadro, as
unicamente o toque. Uma mediocridade, como afirma E. Véron, massas, o toque, as expressões, com o episódio militar de Campo
pode ter o toque habilíssimo, e por esse fato jamais deixará de Grande, e em ambos se há de verificar uma personalidade, um
ser uma mediocridade. O estilo é o próprio artista visto através artista febricitante, emocionado pela grandeza do assunto.
da sua obra, é o conjunto da s·d.a obra: a expressão, o assunto, o Em todas as grandes telas em que a mão segura dos dese-
toque, a linha, e sobretudo, a cor, é enfim o je ne sais quoi de que nhadores do movimento tem deixado traços indeléveis, observa-
fala Fromentin24 na sua obra Les maftres d'autrefois: "N'y a-t-il se, às vezes, uma energia tão cheia de ardidez que parece deslo-
pas dans tout artiste digne de ce nom un je ne sais quoi qui se
car para o exagero. É o que se nota nos quadros de Rubens e
charge de ce soin naturellement et sans effort?"
Delacroix, esses dois grandes expressores. Mas não resultará esse
Observemos atentamente, sem prevenções, sem malignidade, exagero da complexidade do assunto? Não será, também, ocasio-
a obra de Américo. E neste grande quadro, a que chamaram con- p.ado pelo movimento rápido do pincel que acompanha o movi-
fuso e incompreensível, veremos, em cada rosto uma expressão mento do modelo, ou o movimento que a própria figura toma na
particular que em uns e outros se traduz, por uma magia inigua- imaginação ardente do artista? Não será, ainda, conseqüência da
lável, em ódio, em vingança, em coragem de bruto e em coragem febre e do arrojo que se apoderam do artista no momento em
que, ele procura dar vida à figura?
antecessores. O artista conseguiu levar para seus retratos e cenas religiosas sem dúvida; porque não podemos admitir que artistas da
É,
.uma maior naturalidade dos modelos,~ém de investir na análise psicológi-
ca dos mesmos. Rafael foi um dos artist s mais influentes da arte ocidental.
têmpera de Rubens, Rembrandt, Paulo Veronês 25 e Delacroix, 26
23 Pieter Paul RUBENS (1577-1640)- Pinte. flamengo . Estudou em Colônia e ignorassem o desenho a ponto de cometer faltas indesculpáveis.
na Antuérpia. Em seu es tágio italiano- 11 00/1608 -,deixou-se influenciar
pelas obras de TIZIANO, Tintoretto, VERONESE, A. Carracci e Caravaggio, 25 Paolo Caliari, dito o VERONESE (1528-1588)- Pintor italiano. No irúcio da
que dariam as estruturas básicas para sua obra que, ampliando as conquis- carreira, com influências de Giulio Romano, Correggio e Parmigiarúno, cola-
tas de seus antecessores, redimensionou a pintura de sua época. Seus mo- borou na decoração de edifícios projetados por arquitetos significativos do
delos são retratados com naturalidade insuspeita, suas composições atin- período (entre eles, Palladio). Pintor cuja poética se manifestava por um
gem um grau de complexidade e movimento que o colocam entre os princi- forte gosto ornamental e cenográfico - repleto de um intenso conhecimento
pais artistas do barroco e da arte ocidental. do .uso da cor-, foi igualmente um dos principais retratistas de sua época.
24 E.ugéne FROMENTIN (1820-1876)- Pintor, escritor e crítico de arte francês . 26 E.ugéne DELACROIX (1798-1863) -Pintor francês. Em sua formação foi im-
Hábil pintor e crítico sensível, em seu livro Os Mestres A nligos - onde estu- portante o convívio com as obras de GERICAULT e GROS e o estudo das
da as obras dos mestres holandeses e flamengos -, tenta refletir sobre as obras de MICHELANGELO e RUBENS. Delacroix ampliou as rupturas que
obras daqueles artistas a partir de uma sensibilidade típica do século XIX, GERICAULT havia iniciado em relação à arte acadêmica, enfatizando em
impregnada sobretudo pelos valores ecléticos de derivação romântica . suas telas a cor e as composições complexas e vigorosas, em detrimento da

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Sobr st motivo tran r vo um tr cho de Theophile Silves-
tre,27 a respeito de Delacroix.
Como disse, Delacroix tinha a inquietação da sua arte. Quando
À maneira de Ticiano, de Paulo Veronês e de Rubens, Delacroix seu démon familier, seu arrebatamento, o tomava, ele supri-
começa por esboçar com grisail/e, para conseguir simples e mia, quebrava os membros dos seus personagens, distenden-
prontamente estabelecer o efeito geral. O que ele deseja é a do-os ou encurtando-os, pouco lhe importava, contando que a
vida de tudo; é um drama arrebatador. Se tornardes, isolada- figura fosse boa e que a figura principal alcançasse bem o seu
mente, cada um dos personagens, ficareis admirados do de- lugar no quadro. O fundo tinha de resto, para ele, tanta impor-
senvolvimento excessivo, algumas vezes monstruoso, de suas tância quanto a figura. Todos podem ver em Versailles a "En-
formas ativas, desenvolvimento que o artista julgou necessário trada dos cruzados em Constantinopla" . Nesta grande tela, to-
à energia do movimento, à intensidade da expressão. Seme- das as figuras estão nos seus respectivos lugares, e parecem
lhante desordem não se produz absolutamente na natureza, respirar o ar a cheios pulmões. Direis uma janela aberta para o
muito menos existe na nossa imaginação e é sobretudo à nossa passado. Sois transportado, por encanto, ao Bósforo, aí vereis a
imaginação que o pintor deseja falar. Ele diz que - a pintura cidade com as suas ruas estreitas e brancas.
não é mais do que a arte de produzir a ilusão no espírito do No primeiro plano, vereis um desses rudes cruzados maltratar
espectador, em sendo olhada. - Eis porque os seus heróis se a um senador, talvez o Paleologo; o velho agarra-se às colunas
deslocam ferindo de ponta e de talho na ardente batalha; os de pórfiro; uma mulher, genuflexa, implora a clemência desse
cavalos desenfreados pela vertigem, vêm morrer, abatidos a bruto; à direita, estão os guerreiros a cavalo; tudo aí é soberbo
nossos pés, ensangüentados e raivosos; os olhos dos homens de vida e de cor; porém o cruzado que abate o velho vestido de
encolerizados saltan\ das órbitas; os vencidos, as vítimas, sú- túnica violeta e ouro, vos mostra o peito ou o dorso?
plices, por terra, estendem os braços com toda a violência do Não me confiando no meu julgamento, consultei diversos artis-
desespero. tas e amadores. Nenhum me respondeu.
Consultando Ricourt, 29 grande entusiasta de DelacroL'X, se o
que víamos no senador era o peito ou as costas, ele me respon-
Citarei ainda uma autoridade que, se às vezes é parcial, não deu - Não é isto nem aquilo, é a pintura.
deixa de ser ouvida aqui porque é na arte o antípoda de Dela-
croix: diz Jean Gigo,ux, 28 no seu livro- Causeries sur les artistes
de rnon ternps: Vê-se, claramente, que o movimento em um quadro de batalha
pode resultar do exagero, mas nunca da ordem estabelecida en-
Delacroix tinha a inquietação da sua arte; procurava esta qual- tre o contraste das figuras, entre si, e dos grupos, como, preten-
quer cousa que não se aprende em nenhum mestre, e que nos dem impor os acadêmicos. Não sou eu, pequeno e obscuro, quem
emociona. Queria a vida; a \\ da a todo custo, a vida em toda a
parte, na terra, no céu, em to;,~o das suas figuras . Com o resto afirma isso. É a obra dos mestres, é a individualidade de Dela-
pouco se lhe dava. \ croix, o maior pintor do século XIX, cujo nome, na frase de Gus-
tavo Planche,3° se refletirá sobre outros nomes para os salvar do
placidez neoclássica. Neste sentido foram fundamentais os temas que esco- naufrágio; é ainda Neuville, Detaille e Beaumetz, que compreen-
lheu para pintar: cenas políticas contemporâneas transformadas em alego- deram os processos do mestre e deles sabem tirar recursos para
cais, o cotidiano de países exóticos ao olhar europeu etc. Suas qualidades de o movimento de seus quadros.
colorista foram apreciadas pelos impressionistas e pós-impressionistas.
27 Théophile SILVESTRE (182 3-18 76) - Escritor e crítico de arte francês. Escre-
veu sobre Ingres, COURBET e DELACROIX. 29 RICOURT (Não foram encontrados dados sobre este autor.).
28 Jean François GIGOUX (1806-1894) - Pintor francês . Artista ligado ao Ro- 30 Gustave PLANCHE (1808 -1857) - Crítico de arte francês. Escreveu sobre os
mantismo, fico u conhecido sobretudo pelas ilustrações que elaborou para salões de arte de Paris entre 18 31 e 18 52. Profundamente identificado com
uma edição de Gil Elas, de Lisage. a pintura romântica, exaltava GROS, GERICAULT e DELACROIX.

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~· _u ~b urdo: t n~ar o mov:im nto p la ordem na chapa rn nt a qu ' ; u ~ l avo Plan h começava a condenar, em 1831 , nas
acadenuca, e negar o proprio movimento. Compreendemos bem telas de Lcbrun3 1 Horácio Vernet. Escrevia o notável crítico:
que o movimento em um quadro de batalha é o delírio, e não o
movimento resultante da ordem de um agrupamento de pessoas Lebrun e Horácio Vernet acharam para formar e arranjar a car-
pouco mais ou menos entusiasmadas. Considere-se a luta como nificina métodos simétricos dos quais o público já se vai enfas-
a luta é, a dor cruciante que a entrada de uma lâmina afiada nos tiando. Uma batalha em que se batalhe, em que os episódios ao
intestinos, ou no peito, provoca na vítima; a raiva, o paroxismo invés de descerem até a elegia ou até a anedota, se libertem,
naturalmente, do sujeito e formem, em se reunindo, uma vasta
da cólera que sente um homem, seja ele fogoso ou frio, estreita- e ardente epopéia, eis o que nos falta; e quando a teremos?
do num círculo fatal, em que se mata sem piedade; considere-se,
procure-se compreender o delírio que provoca o fumo denso e
excitante da pólvora; a desarmonia cortante, aguda, indescritível Pois bem; apesar de certos críticos ignorantes compararem Pedro
dos gemidos, dos uivos, das imprecações, num organismo de Américo a Horácio Vernet e outros certos críticos aconselharem-no
que estudasse bem o processo do autor da "Batalha de Fontenoy"
homem que se vê ilaqueado nesse meio onde as esperanças não
ele, na tela de Avaí, mostra ter seguido processo diverso.
c~egam; e ver-se-á que, a bem da verdade, é inteiramente impos-
S1vel disciplinar os movimentos de um combatente. A campanha O arabesco da "Batalha de Avaí" não lembra, nem sequer
franco-prussiana de 1870 pode oferecer exemplos. vagamente, nem uma das composições de Vernet.
Essa raça fria, esses metódicos germanos, 'formando um exér- As suas linhas aproximam-se mais das linhas serpentinas de
cito arregimentado e inigualável, eram feras na luta, tinham o rábi- Hogarth, 32 desenvolvidas em assunto de grande movimento, do
do instinto dos tigres em combate. Nem piedade nem clemência que das linhas semicirculares e piramidais dos antigos pintores de
possuíam esses calmos filhos da terra da baladas. Por onde passa- batalha; e, se não fosse a precipitada confusão das linhas do pri-
vam, por onde arrastavam as suas carretas de Krupp, por onde meiro plano, à direita, essa obra teria conseguido realizar as aspira-
faziam ouvir o tropel de seus cavalos, deixavam a ruína, a miséria, ções de Planche. De mais - se a pintura moderna é a pintura de
a morte. Invadiam o lar, assassinavam os velhos indefesos e as multidão, isto é, a pintura para o povo; se ela é feita para impressio-
imbeles crianças, esbofeteavam e fuzilavam as mulheres, saquea- nar, para fazer sentir a realidade; como exigir do artista a calculada
vam e incendiavam as propriedades, matavam, trucidavam, cega- composição de linhas acadêmicas? Não é justa tal exigência.
mente, como uma horda bárbara, como uma raça indomável. Ago- O primeiro plano desse quadro satisfaz muito pouco por cau-
ra estabeleça-se a comparação entre esse exército disciplinado e o sa da aglomeração de figuras ao lado direito. O carroção, o velho
nosso, entre o noss~ :xército e ~ da república do Paraguai, uma cego, a mãe e o filhinho, o pequeno carroceiro, o carneiro, o boi, o
turba selvagem, fananca, desterni\ta, que, para fazer calar os ca-
nhões, abraçava-se com eles, tapan~o-lhes com o ventre as bocas 31 LEBRUN (Não foram encontrados dados sobre este artista.).
fumegantes. E desta comparação tiraremos um resultado satisfa- 32 William HOGARTH (1697-1764)- Pintor e gravador inglês . Inicialmente gra-
tório para a minha afirmação. No entanto, para combater esse mo- vador de estampas de cenas satíricas, de acontecimentos contemporâneos e
de ilustrações para livros, aos poucos passa a dividir sua produção de grava-
vimento real, esse deslumbrante brio de fazer, essa viva repre- dor com a de pintor. No campo da pintura, além do retrato, passa a produ-
sentação do encontro de dois exércitos, falar-se-á, talvez, na falta zír cenas contemporâneas, em viés satírico e moralizante. Em 1753 publica
de unidade que daí resulta e que é caracterizada pela extensão das o tratado A Análise da Beleza, onde afírma que a observação da natureza
linhas do arabesco e pela variedade de ação. É preciso notar que deve prevalecer sobre a imitação dos cânones clássicos. Para Hogarth a "li-
nha serpentina da natureza", percebida a partir da observação do real, devia
essa unidade, tão falada e tão exigida pelos acadêmicos, foi justa- se opor às formas geométricas estáticas na elaboração da obra de arte.

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·avalo, o c to d fr utos, a arca, todo e s amontoado de figuras ao n ar do do rw lr' ' ln l ctu u d a'<.i.as a ampou em Villeta, as
e obj etos estranhos ao assunto, formam mna nota dissonante. fanúlias dos lugar s ir unvizinhos fugiram incontinenti. É o va-
loroso general quem nos relata isto na Ordem do Dia n. 2 72 de
Pode-se dizer, sem temor de errar, a obra está prejudicada 14 de janeiro de 1869:
na sua totalidade por esse grupo. O autor pretendeu fazer um
contraste violento entre o delírio dos combatentes e a pobre fa- ... durante o seu trajeto (fala do movimento feito ao mando do
mília indefesa que ali se acha envolvida na luta, para por esta brigadeiro ]. M. Menna Barreto) deparou com um número ex-
forma, exalçar a parte concepcional da sua obra. Mas, infeliz- traordinário de famílias paraguaias, em muitas das quais iam
ainda feridos do combate de 6 e batalha de 11 que fugiam
mente, estragou o conjunto com o detalhe. Se, de fato, foi esta a amedrontados por causa do acampamento de nossas forças ...
sua intenção, muito pouco escrúpulo empregou na sua feitura. O
carroceiro tem o tronco bem desenhado, porém não se sabe, ao Outro ponto de refutação. - Em toda obra de arte o que
certo, em que emprega a sua força; parece um remador que larga mais impressiona é a realidade, é o vivo, o verdadeiro. Faltando a
a catraia afastando-a com a vara; a mãe, a quem uma bala desvia- esse grupo realidade por inexplicável, falta-lhe impressão. Me-
da mata o filhinho, tem uma carnação bonita e o relevo da sua lhor e maior alcance tem o grupo do capuchinho com o oficial
estrutura correto, porém a sua expressão é fraca; desse grupo moribundo no Episódio de Campo Grande, posto que desse o
apenas o velho cego está primorosamente executado, já pelo de- artista firme prova de ignorância de movimentos militares, rep-
senho e pela cor, já pela felicidade com que se exara na sua fisiono- resentando um capelão em pleno terreno de luta; não obstante o
mia a crudelíssima luta por que está passando o seu espírito. erro, nos parece mais facilmente explicável a presença deste do
Depois, parte da impressão desse grupo mistura-se e con- que a daquele outro.
funde -se em linhas muito pesadas e desarmônicas; a direção que Mas volvendo ao que dizia eu - a confusão notada no con-
leva o carneiro, o plano em que está o boi, a área que ocupa o junto da tela de Avaí resulta da natureza do assunto. Deprimi-lo,
cavalo morto (parece um animal em estado de putrefação) jun- ampliá-lo ou resumi- 'lo, seria crime.
cam de tal forma este plano que um grande espaço e espaço Deve-se considerar o momento escolhido pelo artista que
importante da tela não desperta atenção no espectador. Ainda não é precisamente o fim dessa terrível batalha, e sim a primeira
falta ao grupo verdade - que é uma das bases em que se funda manifestação do seu epílogo, quando - depois de violento fogo
a justiça na concepção - segundo Proudhon. 3 3
de artilharia, carregaram sobre o inimigo a sa divisão de cavala-
Na região em que se feriu a peleja não havia habitantes e os ria e três batalhões de infantaria do 8° corpo. Foi esse o momen-
habitantes das circunvizinhanças, de Villeta, de Baldovino, de to escolhido, já por ser o de maior movimento e portanto agradá-
Loma Valentina ou do Ypané, nenhuma necessidade tinham de vel ao temperamento nervoso, irrequieto, fantasista do pintor; já
afrontar a batalha para mudarem-se. De mais - as famílias para- por oferecer ensejo de apresentar, como aureolados pela mesma
guaias temiam, aliás sem motivos, os exércitos aliados. Apenas glória, os vultos mais eminentes do nosso exército.
os batalhões acampavam, a gente das imediações levantava do- No desenvolvimento da ação o artista tomou proporções admi-
micílio. Depois da batalha de 11 de dezembro, quando o exército ráveis. A região em que se deu a batalha é aquela que ali vemos, um
vasto pampa, despido de vegetação, o terreno acidentado, sinuoso,
33 Pierre-Joseph PROUDHON (1809-1865)- Teórico político e filósofo fra ncês. ora enganador, ora firme; durante a primeira carga feita ao inimigo
Identificado com as questões ligadas ao socialismo, Proudhon vai se aproxi-
mar da estética realista de COURBET. Foi publicada postumamente a obra,
caiu copioso aguaceiro, e o solo está lamacento e escorregadio. As
de sua autoria, Do Princípio da Arte e de sua Destinação Social. nuvens empastam o grande céu, carregado e triste, mas os horizon-

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tes lar iam, inundados d radiant luz, a luz límpida e plênclida mata r lllai:-: tttll tl wz. lhu jovem militar brasileiro, tão moço quanto
predecessora das tempestades. Pelos confins desse pampa, lá ao val nt , d um salto, abre com a espada inutilizada a cabeça do
longe, lá muito longe, onde a luz sorri e o céu tinge-se da cor simbó- artilh eiro e toma o canhão. Esta figura é bela, audaciosa, entu-
lica da esperança, estão as coxilhas de Loma Valentina esbatidas siasmada, porém lembra uma igual figura da Batalha de Coul-
pela evaporação atmosférica. E no meio dessa natureza, digladiam- miers. No meio de seus soldados o coronel Sá e Brito é morto.
se dois exércitos, ambos corajosos, resolutos; um meio bárbaro; ou- Seu corpo inanimado cai nos braços dos seus subordinados; ain-
tro civilizado; um mandado pelo despotismo, o outro pela disciplina da há neles piedade e dedicação, desarmam-se, para salvarem o
que nasce da inteligência e da liberdade. No plano esquerdo um corpo do chefe!
oficial brasileiro leva duas bandeiras inimigas ... E o seu coração pal- Dos flancos do inimigo, pela direita surge a cavalaria ao mando
pita de entusiasmo; por sua mente atordoada pelo estampido dos dos generais Andrade Neves e Camara, pela esquerda a infanta-
canhões e pelos gemidos lancinantes dos clarins passam pensamen- ria carabinando a todo o vigor. O fumo enovela-se, sobe para o
tos que brilham como fragmentos encandescentes de metralhas - ambiente, perde-se nas alturas; as espadas e os sabres cintilam,
aquelas bandeiras tintas de sangue tomou-as ele em perigo de vida; os feridos contorcem-se, os cavalos saltam, espumando os freios; a
elas vão atestar o seu valor, vão lhe acumular de glórias. lama do terreno mistura-se com o sangue dos moribundos; no ar
De repente o corcel que galopava fogoso, saltando por sobre perpassam lamentações, zumbem projéteis, arrebentam grana-
cadáveres, é retido vigorosamente pelo freio. Num relance o oficial das; toda essa multidão enorme, esses dezesseis ou vinte mil
vê-se cercado de inimigos, cada qual mais terrível, cada qual mais homen s movem-se ao olhos do espectador estupefato.
desesperado. Estas feras também têm uma pátria e um símbolo Mas nem todas as figuras satisfazem a execução da obra. O
sagrado. A pátria está invadida por estrangeiros que matam seus general Ozório está posado com afetação, metido em um espaço
companheiros, arrebanham seus gados, pisam suas propriedades, apertado, e montado em um cavalo que não tem movimento. A
amedrontam suas famílias; o símbolo que é a sua dignidade, o seu ação do seu braço direito é frouxa e paralisada; o seu rosto nada
ser, uma cousa estranha que não sabem definir mas que sabem exprime e é tal a imobilidade que apresenta que, sem dúvida
respeitar porque viram desde crianças tremular triunfantemente alguma, indica ser copiada servilmente de uma fotografia mal
no meio dos batalhões, nas muralhas de suas fortalezas, nas praças feita. O duque de Caxias, militar perfeito e homem correto, apre-
de suas cidades, é agora arrancado da mão de seus irmãos de ar- senta-se, nessa batalha, de farda desabotoada, falta importantís-
mas, a golpes de espadas, a bala de fuzil, a jogo de lança. sima por ser o general em chefe do, exército brasileiro e, por
Um braço de ferido procura livrá-lo de um dos golpes, mas o conseguinte, uma das figuras dignas de reparo.
generoso intento é iludido porque faltam forças a esse louro o conjunto, apesar dos defeitos, é vigoroso, grande, vivo,
defensor, .um oficial como ele cheio de coragem e de mocidade. admirável. É um quadro de batalha em que se batalha, esse que
O torvelinho da luta oferece ocasião à fuga de um miserável, aí está e que com toda imparcialidade, constitui a maior obra de
ignobilmente belo, _que leva entre as trêmulas mãos criminosas arte que o Brasil possui.
farda e carteira de üm tenente. Os cadáveres juncam o solo; um
negro seminu tombou sem um gemido, ao receber no crânio um *
golpe que abriu-o de meio a meio.
Mais adiante um inimigo carrega, sozinho, o côncavo bojo de
Para a exposição de 1884, Pedro Américo enviou, de Floren-
um canhão. É o último esforço. O sangue corre abundante das
feridas; a vista mal percebe as linhas que avançam; é preciso ça, catorze quadros.

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1-:rtlr' ' I s figuravam uma r proclução da ·ariocu., obra com- la, 'In t\ 'lt\.'t', vai Lur ibul.ando inconscientemente o altar onde
posta antes de "Sócrates e Alcebíades", uma outra alegoria "A ard m d 1as to has.
noite" e três retratos. É mn primor essa obra pelo lado de execução, mas pela con-
Nenhum assunto militar preocupou o pintor de batalhas, não cepção está muito longe do quanto prometia o autor da "Batalha
porque o seu sentimento estético tivesse evoluído com os pro- de Avaí". Américo objetivou os fenômenos da impressionabilida-
gressos filosóficos do nosso tempo, pelo contrário; o decurso de de imaginária de Heloísa na tênue fumaça que se desprende do
cinco anos foi estéril para o artista, ele ainda é o mesmo, o mes- turíbulo. Pelo espaço evolam-se, em ondas de fumo, corpos ró-
míssimo. David, Judite, Virgem Dolorosa, Jacobed, Heloísa, são seos de mulheres nuas aos abraços com rapazes louros, insetos
os assuntos das suas telas. Para Judite o pintor serviu-se de um fantásticos, animais disformes. Um Doré 34 improvisado.
modelo vulgar. Nenhum caráter de raça, excetuando-se o nariz, Idêntico defeito existe em Joana D'Arc, ouvindo pela primeira
recomenda o tipo da matadora de Holofernes, que traz na cabeça vez a voz que lhe prediz o seu alto destino. A pastora do Mosa
um pano à egípcia e nas orelhas brincos de argola, iguais aos que está de joelho em terra, traz as mãos postas e a sua expressão
hoje se fazem nas ourivesarias. A seus pés está a cabeça da víti- traduz melhor o espanto ou o terror do que a surpresa e o prazer.
ma e um alfange turco! Ao fundo do quadro, entre as árvores do jardim, divisa-se numa
O David que Pedro Américo nos apresenta lembra o velho auréola, um anjo de pé, os cabelos esparsos, e as asas abertas.
cego que figura na tela de Avaí. O vencedor de Golias está em É a isto que se pode chamar, com propriedade, a história
decrepidez e Abisag vem-lhe aquecer os nervos frios e empeder- idealizada, ou o idealismo na história. Américo está, portanto,
nidos. Abisag é assaz insignificante para merecer atenções; seu incorrendo em uma falta gravíssima, porque praticou um crime
corpo nu, moreno e quente, é falso como estudo, tem pouco contra a probidade histórica. Joana D'Arc não é um tipo bíblic~,
modelado. Tapetes, peles e panos formam a qualidade recomen- não é uma ficção do Antigo Testamento, é uma verdade no donn-
dável do quadro, porque são executados com verdadeira maes- nio da história. Vejamos a opinião de alguns historiadores ares-
tria. Maiores qualidades possui Heloísa que é correta e encanta- peito dessa heroína. Citarei dois, ~ujas ~b\a s tenho à ~ão_ ~ que
doramente pintada. Olhos, boca, nariz e pele fazem da sua cabe- merecem inteira confiança. Henn Martm, na sua Hzstona da5
ça uma obra delicada, bonita, e ... desejada. A encantadora aba- França traduzida pelo Sr. Pinheiro Chagas, assim se expressa:
dessa de Argenteuil revê, mentalmente, as horas de felicidade
passadas junto daquele belo Abelardo, por quem sofre. Ela ainda Propagava-se nesse tempo, entre o povo, a idéia de que a em-
o deseja como o desejou desde o momento que o teve perto de presa em que se tinham malogrado os esforços dos poderosos
si, ensinando as belezas da literatura antiga. Ainda sente palpi- seria realizada pelos fracos, e que, nada podendo os homens,
viria a salvação de uma mulher, de uma virgem; e tratavam de
tar o coração por aquele louro sábio a quem se entregou de cor- explicar neste sentido as obscuras profecias atribuídas ao ve-
po e alma; e nas suas pupilas negras, brilhantes, úmidas de sau- lho profeta céltico Merlin. Um vago rumor destes boatos che-
dade, a doce imagem do amado professor lhe acorda na alma um
mundo de desejos vãos, douradas quimeras, ilusões de amor. A 34 Gustave DORÉ (1832-1883)- Desenhista, gravador e escultor francês. Au-
imagem do Redentor ali está, bem perto de sua carne febricitan- todidata, ainda adolescente começou a produzir suas litografias e a colabo-
te, retorcido, agoniado na cruz que a ingratidão levantou no cimo rar em jornais e revistas . Suas ilustrações sugestivas e repletas de fantas1as
anunciam o Simbolismo.
do Calvário; mas o seu melancólico olhar, os seus lábios frios, a
35 Henri MARTIN (1810-1883)- Historiador e político francês. Escreveu, entre
sua vasta fronte pálida, não lhe arrebatam desse mar de cismas outros, Hislória da França e ]oana D'Arc. Foi deputado na Assembléia Nacio-
em que baloiça lenta e docemente o seu espírito apaixonado. E nal, em 1881.

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gou ·ws ouvi dos ti(' .J oana, qu t' cada wz mais absorta em se us nao S(' r'(' Solw l'u('l inH'n tc a d('Saparccc r sob o dominlo d ou-
p •r samentos, tinha s mpr' di ante dos olhos os campos de tra; iU Untlo toc.Jas as forças ma teriais parecem gastas, quando
batalha juncados de cadáveres, as cidades arruinadas, as al- os qu ' têm o d ·ver ele zelar pela salvação comum, perdendo
deias em chamas, o pobre povo morrendo pelo ferro e pela esse dever c não sabendo onde achar recursos, parecem nada
fome. Um dia, tinha treze anos, num acesso ele exaltação que a mais esperar senão do acaso ou suj eitarem-se à lei elos vence-
elevou como que acima ele si mesma, julgou ouvir urna voz dores, as im aginações populares, mais tenazes na esperança,
celeste que lhe dizia- Joana, filha de Deus, em nome do Se- procuram, exteriormente ou acima elas forças humanas, um
nhor, vai à França, corre em defesa do delfim' és tu que hás ele poder sobrenatural que, na hora ela crise suprema, vem enfim
faz er com que ele reconquiste o reino! - Quando esta idéia se fazer triunfar a justiça. Corria o ano de 1429. E, como tudo isto
apossou dela pela primeira vez, Joana teve medo e rompeu em era resultante ela culpável vontade ou ela criminosa fraqueza
soluços. Mas essa idéia não a abandonava e a voz elo céu conti- de urna mulher, Isabel da Baviera, era ele urna mulher, segundo
nuava a ecoar em sua alma, incitando-a a partir. E não clei;'{ava a crença popular, que devia vir o castigo ela esposa perjura, da
de ouvi-la no som elos sinos, no murmúrio dos bosques, debai- mãe desnaturada e a expulsão dos ingleses.
xo elas abóbadas da pequena igreja ele Domrémy, e sob o céu ~ara que a libertadora esperada não tivesse, posto que mulher,
recamado ele estrelas. nenhuma semelhança com a princesa estrangeira, devia ser urna
humilde filha elo povo, urna virgem pura e simples.
Escreve Frederico Lock, 36 na sua história de Joana D'Arc: Todas essas causas fermentavam nessa alma pensativa e ingê-
nua. As lendas que ouvira contar em sua infância, as festas
supersticiosas da árvore elas fadas, tinham-na, em boa ocasião,
Não havia nesse tempo meios de instrução para os filhos elos predisposta ao êxtase."
aldeãos. Joana nunca soube ler nem escrever. Toda sua ciência
literária limitou-se às orações as mais usuais que ela aprendeu Os dois historiadores citados estão de acordo sobre o fenô-
ele sua mãe (p. 28). Nas longas horas ele guarda solitária sobre
as colinas ele Domrémy, na contemplação indefinida elos lon- meno psicofisiológico que se deu. A voz misteriosa que Joana
gínquos horizontes, na marcha misteriosa das nuvens viajan- D'Arc ouvira não era mais do que o produto de uma alucinação,
tes, Joana habituou-se ao devaneio. Sua imaginação ia até ao resultante deste ou daquele princípio, desta ou daquela causa.
céu, onde o cura da aldeia lhe tinha dito residir a felicidade Laturneau 37 referindo-se às alucinações, p. 288 da sua Fisiologia,
eterna; ela o via povoado ele criaturas divinas, todas perfuma- cita como exemplo de alucinados hipnóticos Joana D'Arc e Cris-
elas de olores deliciosos; amava e deL"Xava-se cair no êxtase
dessas ilusões, já no campo, já no jardim ele seu pai, que ficava tóvão Colombo. Muitos autores poderiam ainda corroborar esta
perto da igreja, já ria própria igreja a que muito freqüentava, asserção. Não há que negar: Joana D'Arc foi uma pobre rapariga
confessando-se e comungando-se fr eqüentemente (p. 30) . .. . alucinada, vítima de uma ereção cerebral e de uma excepcional
quando Joana somente viu à roda ele si lágrimas, misérias e organização física.
discórdias entre vizinhos, semente única e sinistra que deL'<OU
a guerra, o seu vago cismar se transformou em profundo senti- Colaboraram na sua extraordinária impressionabilidade ner-
mento de piedade. Sob a influência ele urna alma reta e pura, vosa, talvez, fortes influências hereditárias e rudes influências
este sentimento se aliou ao ele justiça: não pôde acreditar que mesológicas, resultando perturbações patológicas que a levaram
tantos desastres devessem se perpetuar, e que Deus não tives-
se compaL"Xão do reino ela França. Crescendo em idade e em ao fanatismo.
pensamento, vendo o mal durar sempre sem que ninguém ti- Mas, para Pedro América, um pintor histórico do século de-
vesse vontade ou poder de pôr cobro a ele, Joana pensou q4e
zenove, a donzela de Domrémy é um tipo da história sagrada, na
podia ser chamada, ela própria, a executar esta obra ele pieda-
de e ele justiça: a libertação ela pátria. Um tal pensamento nada qual, disse ele, só encontraria fonte capaz de abrandar a sede da
tinha ele estranho nessa época e nesse momento. Uma nação sua imaginação!

36 Fredric LOCK (Não foram encontrados dados sobre este autor.). 37 LATURNEAU (Não foram encontrados dados sobre este autor.) .

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"Ja ob d" , ap sar d p rtcn r ao número do a tmtos fa- s rva m :-w III H< ' IHH, lo lo o u r stá subordinado à terrível
tais, como lhes chama Claretie, · concepcionalmente superior a influ ~ n ia qu 1"1-lo screver o Holocausto.
todas essas obras. A mãe do legislador hebreu, sublime pela na- Não direi, entretanto, que tenha estacionado para todo o sem-
turalidade da atitude e da expressão, é bem um tipo da tribo de pre; isto não; mas direi que algum poder, acima da vontade do
Levi escravizada pefos Faraós. De pé, vista de perfil, a mulher de artista, tem afastado a sua mentalidade dos trabalhos do nosso
Amram tem o olhar choroso perdido no infinito; leva o braço tempo, das nossas aspirações, do nosso sentimento estético, das
direito ao rosto com um gesto de medo e desconsolo, e com a necessidades da nossa época.
sestra mão agarra o frágil berço de papiros em que dormita o
futuro libertador de Israel. O fundo do quadro pouco agrada; a Thoré, 38 um crítico de grande talento, dizia que a pintura
v:getação não pertence às regiões banhadas pelo Nilo, e, tam- modern(l era a do homem, isto é, pouco mais ou menos, o que
bem, o corpo do menino salvo por Termutis tem muita falta de disse Fromentin chamando-lhe - a pintura da multidão. A pintu-
relevo anatômico. Na mesma ordem, ou, talvez, acima desta, está ra que América atualmente nos apresenta, é a pintura do luxo,
a sua "Rabequista Árabe", um delicado perfil de menina, morena, da magnificência; uma arte sensual, voluptuosa e bonita. "A noi-
de olhos negros e cheios da lânguida dormência do Oriente. A te" é um grande bosquejo de formas arredondadas, um tipo de
justeza do toque, a simplicidade das linhas e o brilhantismo har- beleza pagã; Abisag na "Velhice de David" parece feita para des-
mônico das cores, fazem desta pequena tela um belo quadro de pertar a concupiscência do espectador; "Heloísa" é um outro tipo
cavalete. lascivo; essas figuras respiram a sensualidade, seus lábios são
grossos e vermelhos, seus olhos dilatados e negros.
"A noite" é uma composição muito inferior às precedentes.
A natureza do assunto mais se presta à escultura, entretanto, se Dir-se-á que o meio em que o artista tem vivido, Florença,
o artista o tivesse tratado por outra maneira, cuidando mais da acha-se sob a influência de Epicuro e Ovídio, Horácio e Boccacio,
cor, poderia ser aceito. Como painel decorativo falta-lhe cor; fal- Ariosto e Aretino.
ta-lhe relevo, a luz não tem foco precisaçlo, é fraca e uniforme. A sua maneira é a mesma; o toque nada tem de notável, de
Nos dois retratos (estudos de costumes) de "D. Catarina de original, de extraordinário, chega a ser, algumas vezes, acanha-
Athaide" e de "Menina em costume de 1600, na Espanha" a cor é do. O modelado do corpo de Abisag é medíocre, a Judite parece
abundante e viva. A D. Catarina de Athaide, a alma gentil de que, acàbada a ponta de pincel. Mas a cor é o seu tour de souplesse.
tão apaixonadamente, nos fala Camões pode perfeitamente ser O pintor coadjuva espontaneamente o desenhista. A tinta é o
confundida com D. Inês de Castro ou D. Magdalena de Villenha. seu segrego, é o poder criador das suas obras. É uma prodigiosa
A questão única está no título e não no tipo. boceta de Pandora, essa palheta brilhante e opulenta. América
esboça a figura, tal como ela ~2 apresenta na sua imaginação,
dá-lhe o movimento próprio, e depois reanima-lhe, isto é, dá-lhe

38 Théophile THORÉ (1807-1868) - Crítico de arte francês. Seus textos mais


Desta exposição tiramos a seguinte conseqüência: o pintor significativos em relação ao Realismo e ao Naturalismo foram escritos entre
de Avaí nenhum progresso alcançou no espaço de cinco anos; a 1844 e 1848. Após seu exílio (1849), passou a usar o pseudônimo de Bür-
guer e a escrever sobre artistas como Vermeer van Delft e Franz Hals. Amigo
sua concepção está tão adiantada quanto esteve no tempo em e admirador de Theodore Rousseau, considerava a arte uma demonstração
que pintou o São Jerônimo e o São Pedro, o seu talento é ainda de amor à natureza e acreditava que só uma volta à "verdade natural" con-
bafejado pela velha filosofia espiritualista, as suas crenças con- seguiria regenerar a arte.

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·or. Não ' uma cor conv n iona l, p r parada, pr m ditada, sco-
No cp isó lio tlt' ·ampo rande o grupo dominante contrasta
lhida, não; é a cor de que ela precisa para viver, que ela deve ter
com a fumaraça escura que enche o esp aço no plano esquerdo, e
para mover-se. Como branco passa o cinzento, mistura-se o azul,
o seu m ovimento, a sua grandeza fazem-se sentir rapidamente.
justapõe-se o verde, e vem o negro, e o amarelo, e o violeta. Toda
Na "Batalha de Avaí" a luta é mais feroz, o encarniçamento mais
a palheta se preciso for, todas as tintas se a necessidade exigir,
horrível, por causa dos grandes contrastes formados pelos ras-
contanto que a figura palpite, viva, desempenhe a sua ação.
gos claros no horizonte, pela cor escura do céu e pela luz exten-
Repare-se no quadro de Avaí as figuras do primeiro plano. sa que banha os combatentes, de sorte que esses efeitos bruscos
formam um todo selvagem, estranhamente rude.
Na perna da calça do paraguaio há branco, amarelo, azul e
É esse contraste o que falta a "Noite", pois a figura parece
cinza, e esta calça, à nossa vista, é de um branco sujo, e veste
perfeitamente a perna. Foi esse o efeito desejado, é esse o efeito pregada num fundo sem perspectiva, onde a imaginação nada
que sentimos. No corpo do cavalo que leva o oficial do revólver encontra. Parece esquisito e até fora de senso comum que um
encontra-se sienna queimada, ocre, negro, branco e azul, e esse colorista tenha procedido por este modo, quando em todos os
seus quadros é o contraste da cor uma das notas mais firmes de
animal está magistralmente pintado; na esplêndida máscara do
oficial que jaz por baixo da carreta, mergulhado na lama; na face seu estilo.
do jovem militar que monta sobre o canhão, na cara do gatuno Em conclusão: qualidades e defeitos, vulgaridades e rarida-
que leva a farda, no dorso do ferido que debruça-se na arena, em des, precisão e prolbddades, engenho e imitação, foram a perso-
todas essas figuras, não há que procurar uma tinta simples, um nalidade de Pedro Américo, talvez o maior e o mais simpático
tom obstinado. É a cor necessária, precisa para o efeito; uma vez artista brasileiro.
alcançado isto cessa o trabalho e não há que esbater, que justar,
que unir e harmonizar os tons.

Como todos os coloristas Américo procura o contraste das co-


res dos acessórios com o objetivo. Na "Carioca", um dos quadros II
mais antigos do autor de "Jacobed", esta qualidade, ou melhor,
.Vitor Meirelles (2)
essa preocupação está idelevelmente acentuada. O ultramar puro
do céu parece, a quem observa o quadro por partes, de um efeito
exagerado, mas para o conjunto, esse exagero é um elemento de É um homem pequeno, metódico, sem vício e modesto. Passa
força e, consintam-me dizer, de quentura. Nesse fundo carregado, sempre direito e asseado, com o andar miúdo e rápido, por entre
caloroso, fora do vulgar, a formosa figura sobressai, imponente, a multidão que formiga nas ruas. Tem a pele morena, levemente
grandiosa, fantástica. Se em lugar desse ultramar, o pintor cobrisse tinta de rubro: seus olhos são grandes e negros; usa cabeleira à
a tela com o azul de cobalto ou mesmo com ultramar e branco, a romântica que lhe emoldura bem o rosto, porque é anelada e
parte da rocha em que senta-se a figura não teria o profundo misté- grisalha; o bigode é farto, retorcido... nas pontas, um pouco à mili-
rio que a envolve nem ela aparecer-nos-ia tão feiticeira e bela por- tar, um pouco à poeta.
que o tom róseo de suas carnes esmoreceria com a fraqueza dos
Em 1852 foi enviado à Europa na qualidade de interno da
tons do fundo. Assim o seu olhar é mais àrdente, os seus cabelos
Academia de Belas Artes. Depois de ter visitado Parts, partiu para a
mais negros, a sua boca mais vermelha, o seu corpo mais lúbrico, o
sítio em que está mais silencioso e encantado. Itália. Cuidadoso e, como ninguém, dispondo de uma força volun-
tiva extraordinária, assim que chegou a Roma, tratou de arranjar

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profess or e encetar seus estudos. Foi escolhido Minardi 39 N·\ r p p n'SI' III H~· ão da bal alha dos ··uarara rws n'ío tiv ·em v ista
. d ' um o fa to Ia ba talha no aspe ·to cru nto r roz propriamente
apaiXona o do desenho, um idólatra da linha, mas Vitor Meirelles
dito. Para mim a batalha não foi isso, foi um encontro feliz ,
abando~ou-o pouco tempo depois para tomar lições com Nicolau onde os heróis daquela época se viram todos reunidos.
Consom, 40 professor da Academia de São Lucas. A tela dos Guararapes é uma dívida de honra que tínhamos a
. Colega~ e biógrafos de Vitor afirmam que ele foi um dos pagar, com reconhecimento, em memória do valor e patriotis-
mo daqueles ilustres varões. Meu fim foi todo nobre e o mais
mais labonosos alunos desse tempo. Noite e dia dedicava-se ao elevado; era preciso tratar aquele assunto como um verdadeiro
estudo ~a arte com um ~ntusiasmo de fanático. o desenho!. .. 0 quadro histórico, na altura que a história merecidamtmte con-
desenho .... era a sua mawr preocupação, o seu cuidado, 0 seu sagra àquele punhado de patriotas, que, levados pelo entu-
amor. Estudav~-o sempre, nos museus, na academia, nas horas siasmo e pelo amor da pátria, se constituíram assinalados
beneméritos.
de descanso. Minardi e Consoni educaram-no rigorosamente. A minha preocupação foi tornar saliente, pelo modo que jul-
To~ando Porto-Alegre a direção da Academia de Belas Artes guei mais próprio e mais digno, o merecimento respectivo de
consegwu do governo prorrogar por mais três anos o dado pra- cada um deles, conforme a importância, que se lhes reconhece
de direito.
zo para os estudos de Vitor, na Europa. Aconselhou-lhe, então, Sobre estas bases a minha composição não podia deL"Xar de ser
que fosse para a França e fizesse todo o possível para ter entrada tratada com simplicidade e nobreza, como era peculiar ao pró-
no atelier de Paulo Delaroche, 41 um dos mais notáveis desenhis- prio assunto.
ta~, em 18~1, e - um arranjador engenhoso- segundo Planche. Os episódios, por mais pitorescos e característicos de uma ba-
FOI em Pans que Meirelles concluiu os seus estudos. talha, cujo fim fosse tão-somente representar a destruíção ou o
extermínio de uma raça pela outra, não poderiam, na tela dos
Guararapes, contribuír senão para excitar o interesse calculado
* pelo artista, que só cogitou de chamar a atenção do espectador
sobre os personagens principais. É dessa subordinação rigoro-
sa na disposição dos episódios e sua relativa importância que
Apro~eitarei para este rápido bosquejo da sua individualida- resulta sempre, num painel, o caráter de grandiosidade, a sim-
de um artigo seu publicado em 1880. É em resposta aos críticos plicidade e perfeita unidade que, ainda mesmo os mais estra-
nhos nesses preceitos da arte, jamais deixaram de reconhecer
da tela dos Guararapes, e onde o artista faz, talvez desprevenida- como indeclinável, e que me ufano de ter ali observado.
mente, a sua profissão de fé. O movimento na arte de compor um quadro não é, nem pode
Deixo ao lado grande soma de comentários para transcrever ser tomado ao sentido que lhe querem dar os nossos críticos.
a parte que nos é necessária: O movimento resulta do contraste das figuras entre si e dos
grupos entre uns e outros; desse contraste, nas atitudes e na
variedade das expressões, assim como também nos efeitos bem
39 Tomaso MINARDI (1787-1871)- Pintor italiano. Estudou na Academia de calculados das massas de sombra e de luz, pela perfeita inteli-
San Luca em Roma . Fascinado concomitantemente pelo colorismo vêneto e gência da perspectiva, que, graduando os planos nos dá tam-
flamengo .e pela lmeanda_d e dos pintores do Primeiro Renascimento, fez de bém a devida proporção entre as figuras em seus diferentes
sua obra a tentatlva de smtese dessas duas influências. Aderente ao gosto afastamentos, nasce a natureza do movimento, sob o aspecto
dos pmtores ~azareno.~ (que se opunham aos neoclássicos), promoveu 0 do verossímil, e não com cunho do delírio.
mamfesto do Punsmo , em 1834. Foi professor de VITOR MEIRELLES. Nunca o movimento em um quadro, no seu único e verdadeiro
40 Nicola CONSONI (1814-1884) - Pintor italiano. Aluno de MINARDI R
~ ~a .
sentido tecnológico, se consegue senão à custa da ordem, de-
Decorou a b1'bl'wteca do Vaticano.
pendente da unidade principal, que tudo subordina no acordo
41 Hippolyte Delaroche, dito PAUL DELAROCHE (1787-1856) - Pintor francês . filosófico do assunto com os seres que retrata.
Aluno deGROS, fo1 um dos principais pintores de cenas históricas da França Para que a ação seja uma, deve apresentar uma idéia dominan-
na pnme1ra metade do século XIX. te, sem ter nada de estranho, nem de supérfluo ao assunto de

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lha com um aferro sem limites, trabalha todos os dias, metódico,
~Ju t:
s' trata, mesmo porque do sublime ao ridículo a dist ' .
c so de wn passo. ancw calmo, paciente; e tendo aprendido a idolatrar a forma, a pureza
A_ arte entre nós_ ~stá ai~da no período da juventude, a produ- da linha, nunca tentou abandonar este culto, porque, para tanto,
çao, como a cntica, nao pode deixar de sem1i fora preciso partir o coração.
estabelecid 1 ' b~r as normas
.d as pe os povos, em que uma e outra têm melhor Toda obra produzida por este artista é, pois, uma obra vaga-
fl oreso o.
Os meus estudos feitos na Europa, nos países onde mais se rosa, cuidada, caprichada no arabesco, de colorido bem combina-
engrandece o ~ulto das musas deu-me conhecimento, ao me- do, em suma, correta.
nos, ~os pnnopws fundamentais da composição artística -
Não será, nunca, uma obra extraordinária, opulenta de vigor,
~~e na? se eleva ou se a~2ate pela vontade do artista ou dos que
epnmem. (R. S. Paio, A Batalha dos Guararapes, etc.). audaciosa, sincera, espontânea, vivificada por esse clarão estra-
nho que se intitula o gênio. Não; isto nunca.
Não podi~ encontrar melhor e mais justa expressão do ho-
*
mem e do artista.
, É _ele inteiro, dos pés à cabeça, da cabeça aos pés quem aí
esta. E o ~tigo discípulo de Consoni e de Delaroche: ouvindo Todos os seus quadros, desde o da "Primeira Missa" até o da
com r~spen~ a palavra dos mestres, aceitando, como um fanáti- "Vista de um Cemitério" constatam, precisamente, esta maneira
co acena as Imposições da crença, todas as teorias que lhe ensi- de ver, maneira que, para ele, é a última palavra da estética de
naram, _que lhe meteram dentro da cabeça. É o moço escrupulo- mil oitocentos e trinta e com a qual pretende descer à campa.
so, sozmho, dev?tado ao estudo da sua arte, e economizando Não é unicamente maneira de ver, é também questão de tem-
q~~to ~ra po~~Ivel a mesada para sustentar sua mãe que, na peramento, este pirronismo.
patna, ficara vmva e pobre; é este coração puro e grande, esse Produzindo a "Primeira Missa" Vitor alcançou um verdadeiro
obscu:o estudante honesto, envolvido em modéstia e cheio de triunfo porque escolheu assunto simpático às suas idéias e de
respeito por seus deveres, que desprezava as seduções dos ví- acordo com as suas convicções íntimas. Este assunto dava um
c~os para trabalhar, para conquistar um nome. Não lhe falta um bom quadro histórico segundo os preceitos acadêmicos. A pri-
fw ~e cabelo neste retrato desenhado par lui-même, não falta um meira missa não podia ser senão aquilo que ali está. Devia ser,
botao na sobrecasaca, um pouco de goma nos colarinhos
;e~
forçosamente, aquele conjunto, isto é, um altar, um padre ofi-
pouco de betume nas botinas. Está completo e calmo, fiel e ciando, um outro servindo de acólito, a guarnição da armada
lado
vem como d em um d retrato de Denner ·43 É ainda o h ornem que portuguesa assistindo ao ofício divino, o gentio aproximando-se,
os, e quan o em quando, atravessar a rua do Ouvidor sem cauteloso, admirado, imitando o que via fazer. É isso o que narra
:mp~e~os ao_lado, depressa sempre, asseado, sempre ~om a a história e só.
~sma flswnorma, o arzinho de preocupação, o bigode frisado
Do mesmo modo procedeu Horácio Vernet ·na "Misse en Ka-
so re os talhos dos lábios, o olhar perdido no espaço. Não há
bylie" porque nada mais tinha que inventar, salvo acessórios.
forças humanas capazes de modificarem-lhe os hábitos. Traba-
Tudo resumia-se em um grupo principal no qual estivesse con-
substanciada - a idéia dominante. A ação dependia de um ar-
42 João Zaferino Rangel de S PAIO (1838 7) C. . .
carioca. Ativo no Rio d · . -. - nuca, escntor e teatrólogo ranjo engenhoso, grupamentos bem combinados entre si, tendo
e 1ane1ro na segunda metade do século XIX Escreveu
0 Quadro da Batalha de Guararapes, onde estuda a obra de VITOR r-fEIRELLES os efeitos bem calculados pela perspectiva e pela distribuição
43 Balthasar DENNER (1685-1749) - Pintor alemão. Famoso em sua . .· das sombras e da luz.
pelos retratos realizados com minucioso naturalismo. epoca

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Vitor pintou muito b m t quadro a sim como pintou om na ional 'Stava r pr s ntada por sua melhor s canhoneiras, duas
muita delicadeza a "Moema" posto que sem verdade, mas cingin- corv ta ' uma fragata. O combate tomou proporções assustado-
do-se ao ideal de seu tempo, às aspirações artísticas da sua épo- ras, a canhoneira Paranaíba sofreu uma abordagem na qual su-
ca. Digo sem respeito à verdade porque para uma afogada cuspi- cumbiram, além de grande número de praças, o jovem Greenhalgh,
da à praia as formas da índia estão demasiadamente macias e a Pedro Affonso, Andrade Maia e o intrépido marinho Marcilio Dias.
cor é ainda muito quente ...
Ao fim de longas horas de luta, quando nada mais julgava-se
Sem cuidado, porém, andou aceitando incumbência de pin- fazer para salvar as nossas forças de mar, o chefe Barroso, co-
tar quadros de batalha. O mesmo interesse que forçou Pedro.
Arnérico aceitar tais encomendas dominou Vitor Meirelles, mas
mandante da fragata Amazonas, resolveu-se aproar para os na-
vios do inimigo e feri-los de bombordo com um choque violento.
entre ambos houve uma diferença - a índole. Homem de têmpera antiga, resoluto e destemido, pôs imediata-
Estreou o autor da "Primeira Missa" neste gênero difícil e mente em prática a resolução tomada.
para o qual nunca sentiu o menor impulso, já por seu tempera- O momento escolhido pelo artista é esse em que, tendo me-
mento, já por não ter até então ligado a menor importância a tais tido a pique dois navios paraguaios, o denodado chefe de divisão
assuntos, com a Passagem de Humaitá. Podia-se, com franqueza, levanta vivas ao Brasil, mandando içar no lais da verga o sinal n°
esperar um insucesso completo, um desses medonhos insuces- 10- sustentar fogo.
sos que levam em degringolada uma individualidade, porque,
Como se vê o assunto não é ingrato; pelo contrário, oferece
como julgo ter explicado, o assunto era refratário à natureza do
magníficos pontos de efeito. Mas a natureza de Vitor é tímida, não
artista. Isto não aconteceu. A "Passagem de Humaitá" não conse-
lhe consente ver o lado trágico da luta. E, por este motivo, o quadro
guiu mais do que provar um grande conhecimento de perspectiva.
é sereno; a luz da tarde banha cariciosamente, num beijo morno e
Os longes são pintados com saber imenso. Mas, afinal, que demorado, esse vasto cenário enevoado pelo fumo; nas mansas
impressão deixa no observador este quadro cheio de manchas águas do rio nadam paraguaios, bóiam dois corpos mortos e um
negras e clarões vermelhos? Vê-se unicamente um horizonte aver- camalote, destroços do combate. De um lado, à direita, enchendo o
melhado, bojos de navios debuxados entre nevoeiros densos de primeiro plano, vê-se um convés de navio já a meio submergido.
fumo, e um céu enorme, sujo de nuvens, iluminado pela palidez Sobre ele estão ainda alguns tripulantes, uns atarefados em carre-
do crescente e pelas chamas da fornalha que arde ao longe. Sem gar um canhão, outros assentados impassivelmente; na cai"Xa da
a menor dúvida, esse conjunto é pintado admiravelmente, mas roda desse navio, figura um marinheiro da nossa armada, ajoelha-
falta-lhe uma figura que o anime. A vista apenas percebe num e do, fitando o céu e fazendo um belo gesto com o braço direito;
noutro lado trevas e clarões, massas negras e massas vermelhas. defronte dessa figura, tornada estátua, um oficial da marinha ini-
Não obstante, fora injustiça dizer mal dessa obra, ela é o assun- miga, aponta-lhe ao peito, com a calma de um atirador de salão, o
to. A esquadra brasileira transpôs Humaitá alta noite, e foi preci- cano de uma pistola; mais adiante, há um velho que atravessa hori-
samente essa passagem que o governo encomendou ao artista. zontalmente o navio que se submerge em linha vertical. É isto o
O segundo quadro de batalha exposto por Vitor Meirelles foi combate naval do Riachuelo, pintado por Vitor Meirelles.
a de Riachuelo (1872), um dos feitos mais brilhantes da nossa Tudo quanto lhe foi possível fazer, tudo quanto dependia de
marinha na guerra contra o Governo do Paraguai. Neste quadro o conhecimentos de arte: as perspectivas, as proporções de dese-
assunto coadjuvava o artista. O combate naval de Riachuelo co- nho, os efeitos do claro-escuro, aí estão observados. Mas, since-
meçou às 9 1/2 da manhã e terminou às 3 1/2 da tarde; a armada ramente escrevendo, é difícil nos impressionar, esse quadro.

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no, não l l' ll l vi h, formam um bando de figuras estáticas que
A tranqililidad que aract riza os combatentes no convés
fazem do conjunto do quadro uma verdadeira alegoria, uma aglo-
do vapor paraguaio, longe está de nos transmitir o angustiado
m eração de personagens bem posadas, bonitas, estudadas com
transe por que passam esses vencidos. Tanta calma, tanta sereni-
pr edileção pelo acabamento de todas as suas vistosas e bem con-
dade, em tal momento! Esses infelizes vão morrer miseravelmen-
te, ~em um e~forço supremo. Ou o rio ou a metralha inimiga, feccionadas vestimentas.
darao termo as suas vidas. Os sinais de vitória, tremulam nas o espectador é obrigado a despender duas, três horas de
vergas dos navios brasileiros, nada mais lhes resta senão morre- observação, de paciência, de trabalho analítico, para convencer-
rem co_m? valentes, empregando o derradeiro alento para quei- se que o movimento das figuras foi precisado. Creio que me faço
mar o últrmo cartucho. Mas ... não foi isto que o artista concebeu. compreender. Dizendo que o movimento foi precisado, e que
esta precisão só é encontrada depois de um lento estudo parcial
Ora, pelo que fica exposto, é óbvio que o pintor sentindo-se
do quadro, não quero dizer, está claro, que o movimento seja
impossibilitado de reproduzir as cenas de guerra, abandonasse
sentido - ao primeiro golpe de vista. De mais se o pintor igno-
de uma vez para sempre esses assuntos; no entanto assim não
rasse a expressão dos músculos, se ignorasse que no movimento
aconteceu. Depois de concluir a tela do Riachuelo, aceitou a in- da marcha o peso do corpo é constantemente sustentado por
cumbência de pintar a Batalha dos Guararapes, fato tirado da
uma porção do aparelho locomotor enquanto que seu centro de
nossa história colonial. Compreende-se facilmente que não lhe gravidade é levado para diante por outra parte deste aparelho; se
sendo possível aproveitar bem o assunto de um quadro de com-
ignorasse que todo o movimento desta ou daquela parte do cor-
bate naval, grandes dificuldades iam-se-lhe antojar com a feitura po, deste ou daquele membro corresponde à extensão dos mús-
de uma batalha campal, onde a quantidade de figuras é maior e,
culos flexórios e extensores em alternatividade, se ignorasse ele-
por conseqüência, maior o movimento.
mentos de anatomia, se, em suma, ignorasse rudimentos de de-
Vitor começou elaborando em um erro: o convencionalismo. senho de figuras, certo, artista não fora e, por conseguinte, não
A sua obra é "um feliz encontro, onde os heróis daquela época se merecia tanta atenção.
viram todos reunidos". (resposta aos críticos de Guararapes). Dis- Dúvida alguma pode existir sobre o ter ele cuidado destas par-
se ele e disse bem. Logo este quadro é uma alegoria. Efetivamen-
tes aliás elementares da prática; mas temendo dar o passo que
te, a disposição dos grupos de combatentes afirma que o intento
"se~ara o sublime do ridículo" (sic.) caiu na monotonia e daí no
do artista não foi outro que reunir, por uma maneira bonita, os maneirismo. É por este simples fato que a expressão fisionômica de
heróis da guerra contra os soldados de Keeweer. Há figuras notá-
Vital de Negreiros parece igual à de Fernandes Vieira e a de Dias da
veis nesse quadro. O sargento-mor Dias Cardoso é um belo tipo
Silva, que, por sua vez, parecem idênticas às de Felipe Camarão,
corretamente desenhado; Vital de Negreiros apesar de ter a ação
Henrique Dias e Dias Cardoso, pelo menos ao primeiro lanço de .
do braço direito paralisada está bem montado e a sua máscara
vista. Esses heróis têm os olhos arregalados e a boca aberta, redun-
exprime paixão e denodo; a cabeça do general holandês, cabeça
dando disso igualdade de emoções em temperamentos diversos.
que à primeira vista parece pequena para o corpo, é de um relevo
Felipe Camarão está de tal forma posado que, para quem o repara
:xtraordinário; o tambor, no primeiro plano, recomenda-se pela
desprevenido, julga-o errado no desenho, por causa da grande sa-
JUSteza de expressão e pelo esmero artístico com que foi tratado·
liência da caixa toráxica e da dureza do braço direito, cuja linha é
o índio que contrai a perna ferida, no plano direito, tem, ness~
oculta até o punho pela cabeça e pelo peito. As figuras do primeiro
~ovime~to _realidade; mas os pretos comandados por Henrique
plano, em número diminuto, devido ao respeito votado à praxe
Dias, os mdios comandados por Felipe Camarão, cuja cabeça está
acadêmica, estão, a dizer com propriedade, fora de ação.
habilmente executada, a guarda de Segismundo, no último pla-

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mom nto scolh i.clo p lo artista foi o final cl s a luta, cl si- as linhas l~t' J 'His, a disposição dos grupo principais não têm ori-
gual e renhida, segundo refere Varnhagen na sua história d' Os ginall la l - in r -se às linhas piramidais dos mestres antigos;
H ola ndeses no Brasil, e, apesar de ter o inimigo perdido novecen- os seus personagens são, em geral, tipos de beleza física e bem
tos homens e trinta e três bandeiras, raros são os feridos que aí caracterizados nos traços distintivos das raças a que pertencem.
estão no campo de batalha. Conclui-se, pelo que fica exposto com a máxima imparcialida-
No detalhe a obra merece elogios porque há acessórios ma- de, ser o quadro da batalha dos Guararapes uma obra que, para
gistralmente pintados, e a tonalidade geral é calorosa e feliz. As satisfazer as exigências da crítica, necessita de uma longa abstra-
roupas são bem estudadas, posto que demasiadamente limpas ção no seu conjunto; quer isto dizer, para avaliá-lo torna-se neces-
para dez horas ele combate, ao sol; mas não se pode explicar o sário um instinto de gastrônomo: é preciso dividir a ação, separar
motivo que levou o artista a meter sobre a cabeça de um soldado os grupos, isolar as figuras e tomar cada qual de per si para, vaga-
holandês um chapéu alto, copa redonda, de pelo de seda cinzen- rosamente, esmiuçadamente, notar-se-lhe as boas qualidades.
ta. Em nenhum dos quadros de Rembrandt, de Der Helst,44 de O autor da "Primeira Missa" nada tem de extraordinário em
Wouwerman, 45 de Van Steen, 46 figuram nos três de seus tipos de seu estilo e no seu sentimento de colorista. A sua gama é delica-
soldados ou de populares tal forma de chapéu. Talvez eu elabore da, atenuada, algumas vezes brilhante; a tonalidade terna e har-
em um erro, mas nunca encontrei em quadros holandeses um moniosa, a oposição das sombras e da luz suave e nuançada, o
chapéu de forma semelhante. No quadro de Rembrandt que se claro escuro, se bem que praticado com saber, é pouco vigoroso.
conhece pelo título de "Ronda noturna" como no "Banquete da
guarda cívica" de Bartolomeu van Der Helst, obras que muito O seu desenho parece feito a compasso, é exato. Estuda-o
serviram a Vitor Meirelles para o estudo dos costumes holande- durante horas e horas, bosqueja-o, mede, relaciona, estabelece
ses (R. S. Paio, op. cit.) há chapéus escuros, de copa alta, emplu- proporçôes precisas, nos mais insignificantes trabalhos e a mes-
ma paciência emprega na execução. Para fazer a mão de um re-
mados, e de abas largas; nos quadros de costumes de Adriano
trato do general Tibúrcio gastou dois croquis, um a carvão outro
Van Ostade 47 encontram-se gorros de feltro, carapuças, chapéus
a óleo; e para pintar a mão do sargento-mor Dias Cardoso, na
de forma cilindrica e sem abas, porém da maneira do que se vê à
ba~alha dos Guararapes, dispendeu igual trabalho.
cabeça daquele vermelho soldado impassível, não, nenhum só.
A paisagem, sobretudo o último plano onde vê-se o Cabo de Um acessório qualquer, uma jóia em vestimenta de dama,
Santo Agostinho, é pintada por mão de meste. A composição - uma condecoração na casaca de um cavaleiro, custam-lhe tanto
tempo quanto é preciso para um pintor moderno executar uma
44 Bartholomeus VAN DER HELST (1613-1670)- Pintor holandês . Influenciado
boa mancha.
por Frans Hals e REMBRANDT. Como retratista, também foi influenciado
por Van Dyck. O característico mais importante na individualidade de Vitor
45 Philips WOUWERMAN (1619-1 668)- Pintor holandês. Famoso em sua épo-
Meirelles é o sentimento poético, embora convencional, com que
ca pela sua pintura de cenas de caça e batalha . ele interpreta a natureza. A perspectiva aérea constitui um se-
46 Jan Havickszoon STEEN (1626-1679) -Pintor holandês. Influenciado por gredo seu. Os raios dourados do sol poente enchem os seus qua-
VAN OSTADE e Van Goyen. Famoso por suas cenas de gênero onde observa dros de uma suave melancolia, espiritualizam as longínquas ma-
com acuidade a vida da população holandesa de sua época.
tas onde sempre figuram os dois coqueiros gêmeos e a copa
47 Adriaen VAN OSTADE (1610-1685)- Pintor e gravador holandês. Aluno d<:
opulenta das massarandubas enastradas de parasitárias. É aí que
Frans Hals e influenciado por REI'v!BRANDT. As características realistas ('
cruas de sua produção inicial são atenuadas no período maduro. o pintor tem a sua alma.

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li[
s ' 111 du dn, l llll dos que melhor sabem expressar, com toda a
Almeida Junior e Rodolfo Amoedo
clar ' Za ' nilll 'Z de um estilo à Breton, 49 os assuntos tomados
de improviso a uma página da Bíblia, da História, ou simples-
mente da vida de todos os dias e de todos os homens.
~ ~tre os artistas que enviaram quadros à última exposição aca- Corot, so era também, de um tipo semelhante; pequeno, ro-
~ermca de 1_884_ ~quele que acusava, por suas obras, maior origina- busto, tez tostada pelo sol, olhos pequeninos e azuis. Ia aos tea-
lidade e mais rnnda e moderna compreensão da arte era Almeida tros de chapéu de feltro e sapatos grossos, de peregrino, com
48
Junior. Para mim, e, sem dúvida, para muitos - Almeida Junior atilhos de couro.
vale por grande parte dos expositores que ali figuravam.
Os quadros de Almeida Junior se inculcam antes pela simpli-
Ele é a sua obra. Forte, obscuro por índole, devotado ao estu- cidade do assunto e pela maneira por que foram pintados, do
do como é devotado ao canto de terra, na província de São Paulo que pela preocupação da escolha. É o assunto que lhe comove e
o~d~ viu pela primeira vez a luz; baixote e quase imberbe, sim~ impressiona que vai para a tela. Não joeira, não mira e remira o
plono no falar e simplório no trajar, a arte é para ele uma nobre sujeito, com intento de fazer bonito e parecer agradável. Nada.
profissão e não uma profissão elegante, agradável ao sentimen- Há de ser a impressão que recebeu, a cena que observou, a idéia
talismo das meninas românticas. que se coordenou na sua imaginação, a causa de trabalho. Pode-
Na Aca~~mia o autor de "Descanso do modelo" foi o que se ria escrever na porta de seu atelíer o aforismo atribuído a Alber-
chama na gma de estudantes - um bicho. Os colegas metiam à to Dürer5 1 "Toda preocupação da beleza é inútil na arte".
bulha, desapiedadamente, o seu tipo de provinciano; e, quando ele No primeiro é um assunto inspirado na história do cristia-
falava co~ a boca muito aberta, cantando as sílabas finais das pala- nismo. Maria, a mãe de Jesus, foge para o Egito em companhia do
:ras, faz1~-lhe troça, motejavam-no, satirizavam-no. Contam que esposo e do filho. A tarde os apanha nos solitários confins do
mdo a Paris um brasileiro importante pediram-lhe para visitar o deserto, depois de uma longa jornada ao queimor do sol, sobre a
atelie~ de Almeida Junior e notar os progressos que ele conseguira incandescente areia dos descampados. Os derradeiros raios da
em tres ou quatro anos de ~studo. Satisfazendo ao pedido e acei- luz poente perdem-se no infinito, avermelham estratos esparsos,
tando a incumbência, foi ter com o artista brasileiro. Admirou-se de melancolizam o extenso areal do deserto enchendo o espaço de
vê-lo. O moço conservava ainda os mesmos gestos, o mesmo tipo silêncio e desolação. Estão à margem de um córrego miserável; o
desconfiado e tímido, a mesma maneira de falar, dos caipiras. o
que fez, sobretudo, pasmar ao visitante foi ouvi-lo dizer: 49 Jules BRETON (1827-1906)- Pintor francês. Nascido em Courriéres, inte-
- Istou morto por mi pilhar no Brasil! rior da França, o artista retratou fielmente o cotidiano dos camponeses de
sua região natal, detalhando suas características étnicas, vestuário etc.
Pois bem; deste modesto provinciano, inalteravelmente ro- 50 Jean-Baptiste Camille COROT (1796-18 75) - Pintor francês . Paisagista e pin-
ceiro, surgiu um artista de valor, e um dos mais intimamente tor de figuras, so ube mesclar ao "classicismo" analítico de suas composi-
ligados às condições estéticas da sua época; o mais pessoal, e, ções, uma fina capacidade de criar valores tonais e colorísticbs que muito
influenciariam os futuros impressionistas.
51 Albrecht DÜRER (1471-1528)- Pintor e gravador alemão. Em sua primeira
48 José Ferraz de ALMEIDA JR. (1850-1899)- Pintor paulista. Estudou na ACA- fase, sofreu influência das obras de Andrea Mantegna e Giovanni Bellini e da
DEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO e, depois, em Pari~ paisagem italiana que retratou em aquarelas. A obra de Dürer pode ser
co~ bolsa concedida por D. Pedro !I. Inicialmente impregnado pelos valores interpretada como uma síntese feliz entre o interesse pelo detalhe, típico da
estet1cos d~ Realismo Burguês europeu, no final da vida retratou em várias arte da Europa setentrional, e a grandiosidade compositiva da arte italiana
cenas de genero o homem do campo do interior do seu estado. do Alto Renascimento.

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j urn 'lltO dócil, m qu a virg m mãe cavalga, abaixa o pescoço
para nútigar a sede. E José, tun simples operário, sadio e robusto, qu os •u ('O I'po caia inanimado. Tal é a impr .. ão qu _no causa
nesse momento, abatido pela fadiga, empoeirado, caminhando essa pinlUra, ond os tons lançados com facilidade aJustam~se,
ao lado da cavalgadura em que vai a esposa, volve-lhe o olhar unem-se, combinam-se adnúravelmente. Mas o que funda a IID-
doce, banhando a alma no meigo eflúvio daquela face de tão portância técnica do quadro é o efeito da luz poente, que se
casta, tão serena e resignada mulher, em cujos braços adorme- derrama suave e vagamente no fundo, nas figuras, no solo, dan-
ceu o louro filho! do tons espelhados de aço polido às águas do mísero córrego.
No "Judas" e no "Descanso do lenhador" a pintura me parece
Diante dessa trindade honesta, sã, infeliz, sente-se mna pro-
mais compacta, porém felizes os tons, o jogo da luz, o desenho e
funda impressão de respeito, tun enorme e intraduzível senti-
a expressão. No primeiro, severa e imponente tela de uma ~upe­
mento de veneração. É que esse grupo, vemos bem, compõe-se
rioridade que lembra alguns quadros espanhóis, o denunciador
de três pessoas respeitáveis e puras; tuna família pobre, afastada
do louro rabino de Nazaré, debate-se com o remorso, quando ao
dos atrativos do luxo, afastada dos esplendores da felicidade de
fundo, na cumeada do Calvário, a poleá e as centúrias crucificam
tun lar inviolável. Para os meus olhos essa adorável criatura, que
o apóstolo do bem e da ternura, do amor e da paz.
traz ao colo o pequenino rechonchudo e louro, ensina sem retó-
rica, ensina sem sentimentalidade, a grande, a poderosa, a ini- À margem do caminho, sobre um pedaço de pedra -~ru~a,
gualável abnegação de mãe, que expõe-se às fadigas da jornada, posou Judas Iscariotes. E aí, só e perseguido pela consCienc_m,
às inclemências do sol, à tempestade das areias, para salvar a abismou-se no torvelinho do remorso. Pende-lhe sobre o peito
vida ao fruto do seu amor, a vida do sangue de seu sangue, do uma comprida barba escura; a luz dos olhos é sinistra e fixa; as
gérmen das suas entranhas. Para mim, esse quadro é a apologia suas feições, acentuadamente judaicas, revelam que dentro da-
da mulher-mãe, feita com menos poesia do que a fez MicheletSZ quele crânio alguma cousa há que vai queimando, corroendo a
porém não com menor talento. razão. A mão, que recebeu os trinta dinheiros, treme e ~~ece
paralisar se não for ao templo repô-los nas mãos dos ,~Ciaos e
Não sei, ao certo, se foi este o intento que secundou a inspi-
príncipes dos Sacerdotes; os lábios que oscularam a pálida fron-
ração do artista, não sei... Mas considerando o seu temperamen-
te do Mestre murmuram palavras dispersas, vagos sons de uma
to, considerando a gravidade das suas obras posteriores, estou
dor surda e incurável. O suicídio é o preço do resgate desse tor-
inclinado a admitir, a julgar certo, que à feitura desta obra presi-
mento ... E o malsim pensa nesse último alivio, vendo, ao longe,
diu tal intuito. Como quer que seja, ela representa o ideal da arte
estender-se para o espaço o ramo agoniado de uma figueira alvar.
moderna; é tuna obra sólida, moral, simples e bem feita. O tipo
de Maria nada tem de seráfico, é bem o de tuna mulher do povo, No segundo, o artista nos apresenta um vigoroso estudo de
que adora o seu filho e sente túrgidos os seios para o amamen- tronco. Os braços e o peito do mameluco, que descansa do traba-
tar. Ela atravessará todos os solitários plainos arenosos da Ará- lho da derrubada para tirar duas fumaças ao cigarro, são pinta-
bia, todos os desertos da África, para garantir a vida do filhinho; dos com saber. A carnação, e sobretudo o tórax, são de uma
e se lho quiserem arrebatar dos braços, será forçoso, primeiro, verdade que lembram os estudos de Bonnat. Acho-lhe, no entan-
to, com pouca naturalidade; parece que foi propositalmente po-
52 Jules MICHELET (1798-1874) -Historiador e filósofo francês. Lecionou his- sado para ser pintado. Melhor, porém, menos original, ele se ~os~
tória e filosofia na Escola Normal Superior de Paris. Além de obras no campo tra no "Repouso do modelo". É um atelierde pintura. O intenor e
da história - História da França; História da Revolução-, Michelet publicou quente e banhado por uma luz fraca e igual. Num fundo de pare-
títulos ligados a temas filosóficos e humanitários, como O Amor e A Mulher,
entre outros . de brilham duas faianças, uma moldura de quadro, o ferro agudo
de uma lança. O pintor - um mestre, de longas barbas louras,

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'orado, simpático, com a cabeça toucada por um barrete d velu- t ~o d o l l'o /\ JJI O(' lo:, :l
·, ainda p nsiontsta da A ad mia, m Pa-
do cor de vinho - acaba de descansar a palheta, acende o cigar- ris. uando J\lm ida Junior fez a exposição dos seus quadros,
ro e, durante esse lapso de tempo perdido, o modelo - uma ele enviou para figurarem entre as telas do pintor paulista três
rapariga morena, preludia ao piano uma música. quadros: a Marabá, exposto em Paris, estudo de tronco de mu-
- Muito bem! Muito bem! lher, e uma meia figura.
O autor destas linhas publicou por esse tempo (1882) um
Dize-lhe o mestre e bate palmas, a sorrir, com o cigarro entre folhetim no Globo, onde procurava defender a interpretação dada
os dentes. Ela pára, agradece-lhe com uma risadinha fresca e pelo artista ao tipo da mestiça. Hoje, sem temor de afirmar, dis-
maliciosa os elogios.
corda, em parte, das linhas que escreveu. O quadro de Amoedo
Esta cena é reproduzida com muita facilidade e graça. o mo- como obra histórica pouco valor encerra: l 0 por que, se o pintor
delo que está assentado ao tamborete do piano acha-se de costas o tivesse enviado com o título de Melancólica, ou de Isolada, ou
para a frente da tela; tem o corpo nu até os quadris donde cai ao se nô-lo remetesse como um simples estudo do nu, ninguém, ao
ch~o um l_argo panejamento amarelo. O seu rosto, que se vê em certo, encontraria a fonte que lhe serviu de inspiração; 2° para
~eiO perfil; o olhar brejeiro, a risadinha que lhe arregaça os lá- ter a importância cíe uma tela histórica necessário fora que rep-
biOs, os den:ez~os miúdos e claros, a cabeça redonda, pentea- resentasse uma cena das nossas tribos indígenas; 3° sendo a
da com eleganCia, a cor quente da epiderme, a posição dos bra- nossa forma poética - o lirismo, como muito bem assegura o Sr.
ços lançados ao teclado, são feitos com a maior predileção pelo Sílvio Romero, e tendo sido nesse lirismo que o pintor encontrou
acabamento e pela realidade. a tocante descrição do tipo de Marabá, era justo que amoldasse a
execução do seu trabalho aos traços descritivos da poesia que
~ pintura não é igual à dos outros quadros, nem isto seria
lho inspirou. Mas o poeta dos Timbiras nos descreve a Marabá
possiVel; a tela terá quando muito uns 80 e tantos centímetros
um tipo louro, de olhos azuis como o mar; e o pintor, afastando-
de largura sobre um metro e tanto de comprimento. Mas as duas
se desses característicos, dá-lhe à tez o tom queimado das folhas
figuras são tocadas com facilidade, coloridas, com imenso gosto,
secas, aos olhos o negro do jacarandá, aos cabelos a cor dos
desenhadas com muito capricho e observação. o reflexo da luz
frutos do tucum.
que .a presenta a tampa do piano é maravilhosamente apanhado,
e foi, talvez, esse belo efeito e o gracioso desenho do modelo ' É um tipo de mestiça, esse que ai figura na tela. Mas não é o
que despertaram a atenção da crítica parisiense quando foi ex~ tipo da Marabá, a filha do estrangeiro, odiada pelos gentios. A
posto no Salon de 82. degeneração de uma raça não é caracterizada por maior ou menor
quantidade de matéria colorante na epiderme. Mais nos impressio-
Como disse, Almeida Junior é entre os artistas contemporâ- na e mais satisfaz a meia figura. É um tipo de menina pobre, filha
neos um dos que maiores disposições mostram e mais qualidades de algum trapeiro do quartier latin. A coitadinha está pensativa,
possuem para acompanhar o movimento artístico de seu tempo. encostada a uma parede, prevendo, talvez, a aproximação da misé-
Desde essa exposição até hoje não sei e ninguém sabe o que ele ria. O seu rostinho é delicado e simpático; o seu corpo que começa,
tem feito. Dizem que vive em sua província pintando retratos.
É pena que vocação artística desse feitio se isole e viva em- 53 Rodolfo AMOEDO (1857-1941)- Pintor baiano. Aluno da ACADEMIA IMPE-
bre~ado no interior de uma província, onde pode erigir fortuna, RIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO, em 1878 ganhou o Prêmio de
Viagem, estabelecendo-se em Paris por um período . Foi professor da Escola
porem, obscuramente. Quem estréia de uma maneíra tão brilhante Nacional de Belas Artes. Pintou cenas históricas, religiosas e mitológicas e
deve procurar corresponder à confiança que despertou. foi um dos retratistas brasileiros mais significativos.

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a rora, a tomar redondezas vi.ripotentes, está acusado com simpli-
cidade e franqueza sob o pano bem modelado que o veste. J·:s.'(' ,'('nlím 'll'tO vivo da natureza, essa rápida maneira de
senti.r a forma, a densidade e a cor dos corpos, manifesta-se com
O tronco de mulher é uma grande promessa de habilidade maior habilidade no "Estudo de mulher". A mulher, nua, sobre
técnica e prova de muito estudo de anatomia das formas. um divã de seda escura, é vista de costas; tem um dos braços
Depois desses três trabalhos, Amoedo enviou para a exposi- caído para o chão, indolente, preguiçoso, segurando uma venta-
ção de 84: "O último Tamoio", "A partida de Jacó" (exposta em rola chinesa. O conjunto é todo claro; as paredes, os panos, a
almofada em que a figura pousa a doce cabeça redonda e pentea-
Paris) e um estudo de mulher. "O último Tamoio" é um quadro
da, o tapete felpudo que cobre o chão, são de uma to_nalidade cor
engenhosamente tocado. Ao fundo um corte áspero de monta-
de opala e, numas e noutras nuanças, de um tom mais carregado.
nha e um pedaço de céu; no primeiro plano uma praia extensa e o modelado do corpo da mulher atinge a perfeição. Sente-se atra-
deserta onde o mar cospe o cadáver de Aimbire, o chefe dos vés dessa carne, carne que é carne, carne que tem sangue, a dis-
Tamoios, que Anchieta contempla comovido tomando-o entre os posição dos músculos. E para qualificar o poder de realidade _que
braços. O cadáver de Aimbire está pintado com profundo senti- tem este quadro, a estranha vida que anima esta obra-pnma,
mento de realidade, porém o tipo de Anchieta é falso. O missio- apenas encontro como forma clara e única a frase dita por uma
nário jesuita não tinha barba, o seu rosto era comprido e chupa- senhora diante dessa figura:
do, a cabeça grande, os olhos mergulhados em profundas órbi- - Que mulher sem vergonha!
tas, o nariz aquilino e longo. A composição agrada muito, sem
Este quadro que na exposição de 84 foi o melhor pintado, o
parecer pedante e procurada; e a execução é franca e audaciosa,
que resumia mais conhecimento de modelado e maior savoir fai-
porém simples e severa. "A partida de Jacó", apesar de ser assun-
re, isto é, espontaneidade, segurança e elegância de toque, mere-
to antigo, foi tratado pelo privilegiado talento de Amoedo por
ceu da congregação acadêmica uma censura por... ser imoral!
uma maneira feliz e digna /de elogios. O ar enevoado da madru-
gada cobre ainda os campos, e o crescente, desmaiando a pouco Oh! a pudica congregação quer uma arte ad usum delphini! Que
a moral seja respeitada com auxílio da folha de videira, Srs. artistas;
e pouco num céu de uma cor de pérola azulada, vagueia numa
assim o manda e ordena a sempre pura, a sempre imaculada, a
auréola de luz lívida e bruxuleante. Os currais foram abertos· o
sempre vi.rgem, e muito ilustre e sábia congregação acadêmica.
rebanho saiu, encolhido, friorento, cabisbaixo; Jacó, de braç,os
nus, o corpo resguardado, até o joelho, por uma túnica grossa,
apertada à cinta como o hábito dos monges, os pés calçados em
sandálias, despede-se dos cuidados paternais recebendo na testa
N
o ósculo da felicidade. E o orvalho cai, miúdo e frio. o pai, na
ombreira da porta, aconchegado às roupas, espalma a mão no Décio Villares, Aurélio de Figueiredo, Tomás Driendl,
espaço para ver se o filho pode sair. Augusto R. Duarte

É simples e belo este quadro; de uma admirável simplicidade


que se sente ao primeiro relance de olhos; de uma beleza poética Décio Villares5 4 é entre os artistas da nova geração um dos
e boa, que vai diretamente levantar em nossa memória a cena que mais têm exposto e se recomendam pelo talento.
que presenciamos por uma madrugada de junho, na província,
para além das montanhas, à hora da partida do gado. 54 DÉCIO Rodrigues VILARES (1851-1931) - Pintor carioca. Estudou na ACA-
DEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO. Aluno de PEDRO

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lJotaclo de uma fecundidade pou ·o vuJgar, viajado p •la Itália não s' pode considná-Jas omo ori rtnai , porquanto o s um n -
e pela França, o seu nome está, seriamente, ligado ao atual perío- to, dele - artista, consiste na habilidade de fazer, na maneira de
do da nossa arte. Entretanto, Décio, seja por impulso indomável manejar os pincéis. E esse brilho de riqueza, essa variedade de
de temperamento, seja por falta de aplicação ao trabalho inova- tons, essa presteza e segurança de toques, fazem esquecer, a
dor do no~so_ tempo, não procura fortalecer o seu espírito e colo- muitos, a sua pequena observação da realidade e a sua leve orien-
~ar-se _na fllerr~ dos_ modernos artistas. Deixa-se atrofiar por uma tação intelectual. Compreende-se em um velho artista, empeder-
rm?enosa alucmaçao do chie, à guisa dos pintores do século de- nido nos esboroados sistemas, teimoso e sonolento, todos esses
zoito, ~m Fr~ç~; ou vai colher na Bíblia os assuntos de suas senões; mas em um moço que agora começa a sua gloriosa car-
obras. E a~ss1vel que o artista procure inspirar-se onde me- reira, sobretudo, moço viajado e que deve, como é de esperar,
~or lhe conVI:r, seja, por circunstâncias diversas, de conveniên- conhecer todos os processos artísticos, todas as novas doutri-
Cia s~a. escol~~a a Bíblia; mas pode-se, nesse caso e pelo direito nas, esse descuido é de valor maior, salvo se tudo isto depende
de crltl~a, eXIgrr uma condição: a de fazer alguma causa nova de uma excepcional organização.
re~onst1~do ~a época e dando aos personagens suas verda-
Décio Villares foi um discípulo fanático pelo mestre, Pedro
derras fe1çoes. Fm sob este ponto de vista que Ruskin55 escreveu:
América, e compôs os dois São Jerônimos; depois a arte francesa
Moisés ainda não foi pintado, nem Eliseu, nem Daví (senão seduziu-o, não a grande arte, mas a arte chie, empomadada, anê-
coi?-o um florescente moço) nem Débora nem Gedeão nem mica; e tem produzido, após a "Fugida para o Egito", retratos de
Ismas. Rob~stos personagens em couraças ou velhos de l~ngas
barbas, o lenor pode lembrar-se de muitos que, em seu catálogo coldcream e veloutine.
do Louvre ou dos Ufflzz1, se lhe apresenta como Davís e Moisés ... Convém dizer que a par desses defeitos, em rigor denomina-
dos - capitais - Décio possui altas qualidades de colorista e de
Décio incorre. neste erro; interpretrar a Bíblia como a interpre- desenhador. O seu desenho é fácil e elegante, as suas tintas são
t~ ~s vul~ar:1dades do mundo artístico. A "Fugida para o Egito", de um brilho claro e puro, reunindo-lhes uma graciosa e segura
~ Sao Jero~~ e~ oração" e o "São Jerônimo traduzindo os maneira de dar a pincelada que distingue suas obras das de to-
livr~s heb~mcos , sao quadros admiravelmente pintados, com um do& os artistas contemporâneos. A linha curva de um busto de
notavel
·d d VIgor
d de toque e precisa exatidão de linhas , mas sem senhora, a cabeça altiva de uma aristocrata, as roupagens custo-
noVI a e e concepção. Preferível a eles, é sem dúvida 0 grupo sas, veludos e sedas e pedrarias finas, são, em suas telas, peda-
de ~abeças de "Paolo e Francesca de Rimini", onde se r'evelam 0 ços admiráveis, magníficas, esplêndidas partes de um todo boni-
delicado gosto do compositor e a riqueza de tintas do colorista
to, porém, quase sempre fraco.
Suas composições, têm, certamente, grande mérito; no entant~
Aurélio de Figueiredo foi companheiro de estudo e de atelier
AMÉRICO em Florença e de Cabanel em Paris, retornou ao Brasil em 1881. de Décio Villares. Possui, como este, uma rara habilidade de fa-
Apesar de ter s1do reconhecido no início como um pintor de temas sacros zer e tem a palheta variada e brilhante. E, não obstante a predile-
atualmente a obra de Vilares está ligada ao ambiente cultural positivist~ ção pelas alegorias e telas decorativas o seu sentimento estético
canoca da passagem do século, para o qual produziu obras de interesse.
abrange mais vasta extensão. A facilidade de pintar, o viço do
55 ~ohn RUS_KIN 08~9-190())- Escritor e crítico de arte inglês. Interessado na
eavaha?ao do Gotlco e na sociedade artesanal da Idade Média Rusk· _ talento dão-lhe ensejo de trabalhar muito, ora em composições,
des~obnu os primitivos italianos, o que o avizinhou domovim~nto p::.~:­ ora em quadros de gênero, já em paisagens, já em natureza mor-
faehta. Entre outros, publicou Pintores Modernos, onde realiza uma reflexão
acurada da obra de Turner. ta, ou em pequenas fantasias a pincel.

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'orno obra d valor pela composição, entr todas que Aurélio são p itti H d o ~J ~H' IIIJ H' ' ·om tonalidad b m obs 'rvada, por uma
tem produzido, acha-se em primeiro lugar o "Encontro de Paolo e man ira lltn~a, d 'S mbaraçada, e certa.
Francesca de Rimini" em que estão observadas, com vivo interes-
Tomás Driendl56 é um forte. Nasceu, segundo creio, na Ba-
se, todas as leis da unidade e da variedade. A tela inteira é de um
viera e estudou, tmnbém supondo, na Alemanha.
brio magistral. A fisionomia de Francesca, orando, tem uma fine-
za esquisita, uma inarrável expressão de crença e devotamento. A Em 82 expõs a sua "Cena de família nas montanhas da Bavie-
pele é fresca, láctea e ruborizada; um pouco transparente. Ajoe- ra" uma pequena obra-prima que fez pele de galinha nos artistas
lha~a sobre o pedestal do mausoléu dos seus antepassados, toda indígenas. Em 84 pintou o primeiro retrato do Sr. Antônio Ferrei-
vestida de preto, reza com fervor, apoiando os cotovelos sobre ra Vianna, outra obra-prima que embasbacou o público, isto é, o
0
túmulo, as mãos erguidas, os olhos azuis levantados para o céu. respeitável público metido em assuntos artísticos.
Do alto da cabeça redonda, pendem duas serpentes de ouro que
Sólido, as espáduas largas, a cabeça enérgica e simpática, ele
repousam, voluptuosamente, sobre as suas espáduas envolvidas
mna com toda a impetuosidade de um sangue puro e rubro as
no veludo negro do vestido, cuja cauda, numa grande curva doce,
cores fortes, bem temperadas, as linhas ásperas e firmes, os as-
como o lombo recurvo de um urso preto, descansa em cima do
suntos másculos. O retrato do Sr. A Ferreira Vianna é uma obra-
P~imeiro degrau de mármore. A aia acompanha-a neste momento. prima pela vida que o anima. Mas, desculpe-me o artista, o Sr.
Ajoelhada perto do túmulo, de costas para a frente do quadro,
Ferreira Vianna, o deputado conservador, o autor das Conferên-
passa os olhos pelo livro de orações. Junto dela arde o incenso em
cias do Divino, não é esse que aí está na tela, esse vigoroso homem
uma cacholeta de bronze. Ao fundo, no pátio do castelo dos Srs.
de gabinete, a cabeça arrogante, o olhar resistente e sublevador;
de Ravenna, está Paolo, em pé, em posição contemplativa, cerca-
esse, seria, talvez, o antigo orador republicano. O Sr. Ferreira Vian-
do de homens d'armas. Na frente dessa pequena turba, menos de
na do nosso tempo é o que figura na tela feita para a Candelária.
uma corja, um pajenzinho, encantadoramente belo porém afeta-
Sim, ali está o seu retrato animado. É dele aquele gesto do braço
do na atitude, vem trazer à senhora a espada do cunhado que a
contempla, enamorado e mudo. esquerdo. São dele aquela fisionomia crente, aquela atitude vagaro-
sa, lenta. Quanto à maneira pela qual são pintados esses quadros,
. Nos pequenos quadros de gênero, nas alegorias, nas fanta- imaginai Ribot5 7 pintando com a mão de Courbert. 58 Tudo é since-
SI~s a pincel, o talento de Aurélio tem uma feição característica.
Ve-.s e ~ue todo o trabalho é espontâneo e rápido. Nos traços os 56 THOMAS Georg DRIENDL (1849-191 6)- Pintor alemão. Estudou na Acade-
mms Simples, conhece-se a mão sempre ligeira e leve do artista; mia de Munique. Veio para o Brasil a negócios, em 1881. Estabelecendo-se
nos toques, os mais insignificantes, o pincel passa com a mesma no Rio de Janeiro, reencontrou Georg GRIMM, que havia conhecido na Ale-
manha. Pintor de cenas de gênero e retratista ligado à tradição naturalista
facilidade. O seus tipos prediletos são os louros, adoráveis cabe- do norte da Europa, Driendl gravitou em torno do grupo de artistas de
ças penteadas com chie, flexíveis corpos vestidos de seda rosa. Niterói (onde se fixou), capitaneados por GRIMM.
Aqui é uma condessinha recolhida ao boudoir digno dos créditos 57 Théodule RIBOT (1823-1891)- Pintor francês. Artista acadêmico ativo em
da Maison Salagnad, de Paris, que, reclinada na dorm.euse relê meados do século XIX na França. Como COURBET e MANET, apreciador da
págil_las queridas. Ali é uma fidalga de vinte anos, cuidand~ dos
arte espanhola. Porém, sua formação acadêmica o impediu, ao contrário dos
outros dois artistas, de revigorar aquela tradição dentro de um padrão con-
quendos objetos da sua alcova. temporâneo.

. As epidermes das figuras de Aurélio parecem transparentes 58 Gustave COURBET (1819-1877)- Pintor francês. Pode-se dizer que a forma-
ção de Courbet está mais presa à observação das obras dos grandes mestres
VIdros coloridos através dos quais passa a claridade de uma luz da pintura espanhola, holandesa, veneziana e flamenga que encontrou no
interior. Mas os panejamentos, as tapeçarias e os ornamentos Louvre, do que nas aulas que assistiu em ateliês de Paris. Courbet rompeu

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ro ' fran o. pinc 1 não vacilou, passou de uma ó vez na tela v
seguro e rápido. A cor é severa e ao mesmo tempo brilhante. Não s~
lhe encontra o branco puro, o blanc d'argent. Driendl não vê o bran- Jorg Grimm, La:nguerok, A. Parreiras, Ribeiro, Castagneto
co isolado. Todas as cores participam das cores vizinhas; todas as
cores. Diz ele. E dizendo põe em prática a sua opinião. Mas, apesar
Duas coisas que, no Rio de Janeiro, ninguém conseguiu fazer
desta maneira de proceder, a vida está nas suas telas. A cabeça do
e Jorge Grimm60 alcançou realizá-las: reunir em exposição cento
Sr. Antônio Ferreira Vianna destaca-se perfeitamente daquele fun-
e cinco quadros e fundar escola! Foi na exposição de 82 promovi-
do de gabinete; seus olhos vêem, seu peito, envolto numa camisola
da pela Sociedade Propagadora das Belas Artes, que nos apare-
branca sobre a qual foi vestida às pressas a toga, respira; a mão
esquerda aperta nervosamente o crucifixo. ceu o paisagista alemão. Em uma das salas do Liceu de Artes e
Ofício, reuniu e suspendeu aos muros uma notável bagagem ar-
É precisamente o contrário -do que tem sucedido, ultimamen- tística. Ali expôs ele tudo quanto possuía em trabalhos. Paisa-
te, com os quadros de A. Rodrigues Duarte. 59 Nas obras de gens de Capri e vistas de Roma, marinhas de Gênova e jardins de
Driendl o relevo é brusco, a vida palpita nas figuras por uma Florença, cantos da natureza da Alemanha e estudos da natureza
maneira chocante, fazendo-nos o efeito de um relincho de clarim da África, estradas de Túnis e vilas do Brasil, uma mesquita de
pelo silêncio de uma noute enluarada. Nos últimos quadros de Constantinopla e um portão de Alhambra, pirâmides do Egito e
Rodrigues Duarte o relevo é difuso, as ações estáticas.-As figuras panoramas de Portugal. Em duas, três ou cinco horas fazia-se,
do primeiro plano têm a mesma densidade dos últimos planos; os em frente de suas telas, uma viagem ao redor do mundo. A natu-
corpos dos homens confundem-se, em espessura, com os objetos reza dos países em que Jorge Grimm esteve nos aparecia irra-
que os cercam; a luz tem a mesma intensidade das sombras· a diante de luz e de cor, diante dos nossos olhos vadios, acostuma-
tinta é fraca, oleosa, escorregadia. Os seus ferreiros, são uns ;o- dos às tintas pálidas, anêmicas, miseravelmente doentias da maior
bres homens de óleo e pós colorantes; o modelo é uma infeliz parte dos nossos paisagistas. Aqui era uma estrada de Túnis,
rapariga que melhor andaria se procurasse um hospital para ope- empoeirada, longa, solitária, coberta por um céu imóvel. Ali, uma
rar os quadris, que ela os tem quebrados; a "Lagoa à margem do costa da ilha de Elba, estacada com o áspero arrojo de suas ro-
Para.Iba", a "Vista da Cascata Grande da Tijuca" são provas de chas defronte da sanha rugidora do mar. Mais acima, destacan-
vidros coloridos com pretensões a paisagem d'apres nature. Bons do-se no ambiente caloroso e pesado, via-se Atenas, a velha, a
quadros são o "Militar pensativo" e a "Pitada". Mas longe estão de cansada, a imorredoura Atenas; de outro lado, era um pequeno
recordar o autor das "Exéquias de Atala" essa grande tela pintada
em Paris e que prometia um artista de primeira ordem. 60 Georg GRIMM (1846-1887)- Pintor alemão . Estudou na Academia de Muni-
que. Após o término da guerra franco-prussiana (onde combateu), Grimm
viajou por vários países, chegando ao Brasil no final dos anos 70 . A presen-
com os esquemas acadêmicos de sua época, tanto na escolha dos temas ça de várias de suas obras na Exposição da Sociedade Propagadora das Belas
(optou pelas cenas de gênero com camponeses sem terra, operários e peque- Artes do Liceu de Artes e Ofícios do Rio em 1882 alcançou muito sucesso, o
nos burgueses provincianos, ein contraposição aos "grandes temas" conven- que o levaria a se tornar professor interino de pintura de paisagem da ACA-
cionais), quanto na configuração de sua pintura, dando preferência aos mo- DEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO. Ao se ver forçado a
delos encontrados na arte popular que evidenciavam o caráter bidimensio- abandonar aquela instituição , uma série de alunos o seguiram e, juntos,
nal do suporte. Foi o principal artista do Realismo na França.
formaram um grupo de artistas que mais tarde seria conhecido como "os
59 Augusto Rodrigues DUARTE (1848-1888) - Pintor português. Estudou na pintores de Niterói", ou "Grupo Grimm". O naturalismo um tanto distancia-
ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO e em 1874 parte do dos cânones acadêmicos que passou a seus discípulos, seria responsável
para Paris como ganhador do Prêmio de Viagem. Realizou pinturas de tema~ pelo surgimento de artistas singulares da arte brasileira, entre eles, Antonio
históricos, cenas de gênero e paisagens. PARREIAS e CASTAGNETO.

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·apricho nas ocasiões em que o paisagista c ctispõ a pintar. ha-
d unta tottidid ild(• llarmonio a, doe , às vez s na arada, s m-
ma-se a esse modo de proceder - arranjar efeito.
62 prc ncantadora. Qu r nos apresentasse uma marinha, quer nos
O Sr. Languerok estreou no Rio de Janeiro com três qua- apresentasse uma paisagem, ou simplesmente uma figura, a com-
dros de subido valor. "Crepúsculo", e duas cenas de costumes no posição, a cor, a maneira de ver e de compreender a natureza
reinado de Luiz XIV. atestavam um artista de grande invenção e de grande sentimento.
O seu "Crepúsculo" era um quadro perfeitamente pintado. A esquisita facilidade e a caprichosa doçura da linha, a quentura
Sentia-se naquele melancólico céu de outono, naquela longa pla- da cor, um pouco à outrance; o toque bizarro, apressado e conci-
nície taciturna e pobre, naquela única figura que, sozinha, lavava so, a expressão que nesse adorável conjunto havia, davam às suas
a roupa no antigo tanque raso, em forma de piscina, e escurecido obras, a óleo ou a gouache, um cunho estranho e original.
pela sombra das miseráveis árvores que o cercavam, uma expres-
são de fadiga e tristeza, à hora em que na ermida da aldeia o sino Antonio Parreiras, 5 5 Ribeiro 66 e Castagneto 67 foram discípu-
tange, saudoso e compassadamente, as trindades. Nas duas cenas los de Jorge Grimm.
de costumes (pescaria e jogo de bola) as figuras foram tratadas São três moços trabalhadores, empenhados nos desenvolvi-
por um pincel delicadíssimo e seguro. A paisagem, os costumes e mentos dos estudos a que se dedicaram. Parreiras foi dos discí-
as atitudes das figurinhas recordavam os quadros de Watteau63 e pulos do paisagista alemão o que mais de longe acompanhou os
de Boucher.6 4 caracteres da escola.
E era para esse gênero, um tanto modificado pelas influências
Influíram nele, talvez, uma invencível predileção pelas cores
do tempo atual, que o Sr. Languerok sentia decidida predileção.
pálidas, pelos aspectos tristonhos da natureza, ou, também é
Havia no seu estilo mais gracioso e delicado do que propriamente
razão aceitável, o seu órgão visual é insensível às cores gritalho-
amaneirado, o que quer que fosse daqueles elegantes decorado-
res das eras da Sra. de Montespan e da Sra. de Pompadour.
65 ANTONIO Diogo da Silva PARREIRAS (1860·1937)- Pintor fluminense. Alu-
No entanto, esquecendo o tom decorativo de seus quadros, no da ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO, abando·
uma inexprimivel e suave poesia transparecia nesses trabalhos, nou aquela instituição para acompanhar os ensinamentos de Georg GRIMM
em Niterói. Após breve estágio italiano, voltou para o Brasil, tornando-se
bem caracterizados pela individualidade de um artista que não se ; professor da Escola Nacional de Belas Artes . Sua sensibilidade original para
confundia com o vulgo. A sua pintura a gouache, sobretudo, era a captação do ambiente circundante foi aos poucos sendo deixada de lado, _em
prol da necessidade do artista de ser reconhecido não apenas como patsagista
62 Henri LANGEROCK (1830c.-1890c.)- Pintor belga. Estudou na Academia de mas, sobretudo, como pintor de história e nus- considerados temas mats eleva-
Gand. Paisagista ativo no Rio de Janeiro na primeira metade dos anos 80 do dos, nos circulas acadêmicos brasileiros da passagem do século.
século XIX. Com Vitor MEIRELLES pintou "Panorama da baía da cidade do 66 FRANCISCO Joaquim Gomes RIBEIRO (?-?) - Pintor português. Estudou na
Rio de Janeiro". ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO e em 1884 a
63 Jean-Antoine WATTEAU (1684-1721)- Pintor francês. Watteau, recusando abandonou para acompanhar os ensinamentos de Georg GRIMM em Niterói.
o caráter grandiloqüente da pintura francesa da época, comandada por Le Foi professor do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro entre 1892 e 1896.
Brun, redimensionou as influências da arte de REMBRANDT e de RUBENS, 67 Giovanni Battista Felice CASTAGNETO (1851·1900) -Pintor brasileiro de
criando uma linguagem de sutil cromatismo que não esconde, porém, sua origem italiana. Estudou na ACADEMIA Uv!PERIAL DE BELAS AR~ES DO RI~
visão irônica da sociedade aristocrática da época. DE JANEIRO e foi assistente de ZEFERINO DA COSTA na decoraçao da IgreJa
64 François BOUCHER (1703-1770) - Pintor e gravador francês . Inicialmente da Candelária. Discípulo de GRIMM, Castagneto soube mesclar aos ensina-
influenciado por WATTEAU, Boucher interpretou ao mesmo tempo que aju· mentos do mestre um forte pendor à síntese formal e á gestualidade, carac·
dou a consolidar o Rococó, através de pinturas e gravuras onde sobressaem terísticas provenientes de seu viés psicológico profundamente introspecti-
aquelas de profundo caráter erótico . vo, o que contaminava a mera captação da realidade aparente em seus qua·
dros . Um dos principais artistas modernos brasileiros

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nas. Daí esta pobreza de tons, esta geral monotonia de cor, que J•:l<.' apr'<• rr d< <r consigo próprio. Arranjou uma caixa d tinta ,
se notam em seus quadros. comprou ·artõ s telas, alugou um bote e partiu para uma via-
gem à volta das nossas praias. Não quis saber de leis nem de
Ultimamente a sua maneira de pintar de nenhum modo re-
regras. Precisava unicamente da natureza, da natureza vigorosa,
corda a maneira do professor. Vai tendo a sua maneira própria, o para seus estudos de visu. Passava uma falua de velas enfunadas;
seu estilo. Há um ano apresentou um quadro "O antigo palácio e, febril, o punho ligeiro, a vista firme, esboçava-a num cartão,
imperial, em Petrópolis" pintado com recomendável precisão de em três, quatro segundos. Uma onda corcoveava, contorcia-se,
toques e boa impressão da natureza, além de pequenas telas que levantava-se rugindo, vinha abater-se às bordas da sua embarca-
há exposto.
ção; pois bem, durante esse tempo os seus pincéis acompanha-
Ribeiro é o contrário de Parreiras. Foi o último discípulo de vam na tela o seu movimento, e quando ela abatia-se, os pincéis
Grimm que se afastou da escola, e, mais do que os colegas, se- cessavam de trabalhar. A onda morria, no mar, fundindo-se com
guiu-a muito de perto. Os seus pequenos quadros representando o grosso da água; mas, na tela, ficava viva, tumultuosa, arquean-
solitários cantos da natureza brasileira, aproximam-se dos de do o dorso, bramindo. Uma rajada de vento soprava de sudoeste:
nuvens rolavam no céu; o mar cuspia. E quando à rajada sucedia
Jorge Grimm. São obras em que o trabalho material suplanta e
a quietitude, o artista tinha mais uma tela pronta.
faz esquecer aquilo a que Laugel 68 com sua indiscutível autori-
dade, chama o caráter ideal da arte. Para esse processo de fazer, á la diable, possui ele o braço
rápido e certo, o toque exato e a vista perspicaz.
Castagneto (João Batista) é um original. Filho de um lobo do
Quando lhe falta tempo para mudar pincéis, maneja um só,
mar, de um velho nauta embalado pelas vagas do Mediterrâneo e
mergulhando-o em diversas tintas, ou pinta com os dedos, com
do Iônio, João Batista Castagneto nasceu artista e nasceu mari-
as unhas, com a espátula, com o primeiro objeto que tiver à mão:
nheiro. Herdou de seu pai o amor pela misteriosa inconstância um seixo resistente, um pedaço de pau, um pedaço de corda, um
do mar, recebeu da sua querida Itália o bafo quente da impres- palito, o cano do cachimbo, a ponta do cigarro.
sionabilidade artística. Como o mar o seu temperamento é rebel-
A sua caixa de tinta é um caos, a sua palheta na mão de outro
de. Ama e odeia. É manso e é irascível. Um dia pensou que o
artista seria inútil porque, a aglomeração de cores, o empastela-
estudo acadêmico, em vez de fazê-lo progredir, vinha impedir-
m~nto de tintas secas, fazem mal à vista. Também não lhe peçam
lhe os passos; e rasgou, de um momento para outro, os motivos
um quadro acabado, envernizado, escovado, esbatido. Seus estu-
que o prendiam à Academia. Como artista ele sente, por uma dos são feitos d'apres nature, à guisa de pochades, largamente,
maneira originalíssima, maneira de que só ele possui o segredo, independentemente. Mas quanta expressão nesses empastelamen-
todos os enlevos, toda a poesia das vagas. A voz tormentosa das tos quanta individualidade nesses borrões despretensiosos e sin-
águas, o doudo soluçar das ondas, as ciclópicas lutas do oceano, ceros! Ora, é uma marinha de uma tonalidade suave e leve, com
vibram dentro dele estranhas cordas sonoras de um sentimenta- um pequeno barco ao centro dando ao conjunto um encanto todo
lismo que a màis ninguém a natureza deu. E como o mar, a sua sereno e feliz. Ora, é o rancho da praia coberto de leprosas telhas
pintura é forte e é doce, é rápida e é vagarosa, tem asperezas e desmanteladas pelo vento. Aqui é um assunto tomado ao cair da
tem carícias, parece transparente e parece compacta, brilha e se tarde. O sol desaparece, lentamente, do céu; nuvens caliginosas,
entenebrece. formadas em massas largas e caprichosas vagueiam pelo ar; o
horizonte tinge-se de uma cor alaranjada, intensa, vívida; ao lon-
68 LAUGEL (Não foram encontrados dados sobre este autor.). ge montes azulados, perdidos no silêncio do espaço, como mura-

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lha 'norm de uma cidad la inv ncív L No mar, ao qu nte re-
utro.· nrtistas qu s d diqu m ao m smo g"n ro (não te-
flexo dos últimos raios do sol, de velas abertas às virações repen- mos p r 'nquanto quem exceda Castagneto) poderão ver melhor
tinas, correm faluas bojudas. Ali é uma vista do arsenal de guerra, e ver tudo, todos os acidentes da linha, da cor e da luz; poderão
apanhada da praia de Santa Luzia. Ao fundo, além, muito além, possuir tons mais novos e mais imprevistos; poderão ter a imagi-
rola o mar as vagas e vem tumultuoso, irrequieto, espojar-se à nação mais fantasista, a tinta mais calorosa, os efeitos mais va-
praia em um dolente e bruto espreguiçar. O sol banha a natureza. riados e contrastados; mas é impossível que tenham a sensibili-
Os telhados e as paredes caiadas das oficinas do arsenal, ilumina- dade tão meiga, a personalidade mais acentuada, mais profunda-
das pela luz risonha, parecem dilatar no quadro um longo riso de mente revelada; que como ele, possuam o amor hereditário à
força diante do mar que geme na areia. vida do marítimo; que tenham a atividade mais desenvolvida e
Acolá é um melancólico e saudoso ponto, banhado pelas águas que sejam tão simples, tão fortes, e tão alegres.
pesadas de uma nesga de mar. Uma porção de pedras soltas Não. Isso nunca.
forma como um cabo onde treme um arbusto isolado e triste.
Depois há um breve pedaço de terra onde edificaram dois rústi-
cos chalets. De um lado passa a estrada, escarpada, margeada de
altas árvores. Vão por ela caminhando algumas pessoas. Do lado
oposto um monte de pedras agudas; depois, a perder de vista, VI
uma ponte, e depois ... depois o infinito. No horizonte há não sei
quê de vago, de suave, de triste e tocante que nos fere o coração Henrique Bernardelli, ]. Maria de Medeiros, Pedro Pinto Peres.
e nos traz à memória os isolados sítios onde deixamos com a
última inconstância da mocidade o nosso sentimentalismo ado- A qualidade que há de faltar a João Batista Castagneto para
rável e puro. Na escarpa, um raio amortecido do sol que se esvai ser um revolucionário na arte, terá Henrique Bernardelli 70 - o
envolve duas figurinhas em tons dourados e leves, pondo na cultivo intelectual.
ramagem do fundo uns tons macios de pelo.
Bernardelli é um robusto moço dotado de talento omnímodo
É isto a sua obra atual. Impressiona fortemente, agarra o e, por hereditariedade, de verdadeiro sentimento artístico. Os
espectador e fá-lo sentir. Mas se alguém lhe for pedir uma tela à seus trabalhos inculcam um temperamento irrequieto, nervoso,
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Desgoffe, ele voltando as costas, responderá como Cambronne sôfrego de impressões, uma dessas organizações atléticas, muni-
aos ingleses. Será timoneiro, criado de servir, ajudante de pedrei- das de espáduas largas, forte peito, músculos desenvolvidos e
ro, moço de carretos, o que for preciso para ganhar subsistência; reforçados pelo higiênico exercício das caminhadas ao ar livre,
mas nunca, nunca abandonará o seu estilo pessoal, aquela nota pelo alto das montanhas. A sua obra é vigorosa, original, cheia
livre e larga, que está intimamente ligada à sua natureza, que faz de calor, cheia de ousadia.
parte da sua organização e que é a nota mais luzidia e firme da
sua crescente individualid ade. 70 Henrique BERNARDELLI (1858-1936)- Pintor brasileiro. Nascido no Chile,
naturalizou-se em 1871. Aluno da ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO
RIO DE JANEIRO. Em 1878 viajou para Roma. Foi professor da Escola Nacional
69 Blaise Alexandre DESGOFFE (1830-1901)- Pintor francês. Especializou-se
de Belas Artes. Típico pintor eclético da passagem do século, Bernardelli mes-
em retratos e naturezas-mortas. Aluno de Flandrin na Escola de Belas Artes
clava uma estruturação compositiva presa aos ditames acadêmicos, suavizada
de Paris . Ficou conhecido por sua capacidade de retratar jóias, armas e
drapeados. por temáticas de sabor realista e um tratamento pictórico de superfície, ás
vezes próximo às soluções impressionistas e pós-impressionistas.

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' r> · uv uma ár-
·stu da, alllii i! IH'''' ', <'' um pa1s qu J
heia de ousadia! sim, porque ela é nova, porque ultrapassa vor qu '. ·orla la 'abandonada à t rra pobr , ard n~ durante
os arruinados sistemas da confecção acadêmica, porque faz sen- longos tempos de seca, sente um dia, nas rru._z~s def~adas , a
tir o caráter essencial do objeto, segundo a expressão de H. Tai- umidade renovadora e com ela a seiva. A Itália de hoJe, ~odo
ne; porque comove e é pessoal e é verdadeira. Veja-se um quadro mundo sabe, surge do abatimento de anos e anos decorndos,
de mestre, qualquer dos "nossos mestres" e enquanto a obra depois que Cavour e Vitor Emmanuel cons~arc:m a obra da
deste consegue, unicamente, da nossa atenção um qualificativo, unidade nacional. A ciência, a indústria, o comerc10, a arte, qu~
algumas vezes destilado pela complacência; a obra daquele nos hoje crescem no seio dessa nação, são forças novas. A arte parti-
impressiona, nos desperta alguma emoção nova, nos provoca ad- cularmente, que no passado foi um foco de luz para o mundo
miração ou ódio. Eis aonde está a superioridade do artista. civilizado, abandonando a legenda gloriosa das suas e~_cola~, ve~
Em muitas ocasiões a condescendência deve ser considera-
agora marcar um belo período n!l mentalidade euro.pe1a. DIZ T~­
ne que a obra de Miguel Ângelo, 12 para ser consegmda, .era pr~Cl­
da, já o disse Claretie, o pseudônimo do desprezo. Condescender,
so a alma de um solitário, de um meditabundo, de um.Jusncerro,
sinônimo de complacência, implica perdoar, e só a fraqueza faz
alma elevada e generosa, perdida entre almas amolecidas e. ~or­
jus ao perdão. - E ele não é um fraco. Pertence à espécie de
artistas que produziu em 1830 Delacroix, em 1860 Eduardo Ma- ruptas, entre traições e opressões, diante d? triunfo. irremediavel
net.71 É o artista para ser combatido em sua época e para ser da tirania e da injustiça, sob o peso das rumas da li~erda~e e da
pátria. É 0 meio influindo na produção artística. E f~I o melO que,
glorificado depois de morto. Há trabalhos que não podem ser
sem dúvida, deu à obra de Bernardelli este grandioso aspecto,
compreendidos em seu tempo. Ernani, na sua premiere, foi vaia-
do: "Le Deujener sur l'herbe" recusado pelo júri do Salon e Mme. novo e independente.
de Bovary foi considerada uma escrófula na literatura. ora bem. Para se compreender obra feita entre essas influên-
Os estudos de H. Bemardelli estão compreendidos nesta classe cias preciso fora que o nosso m~io passasse_o.u tivesse passado
de trabalhos inacessíveis às mediocridades, trabalhos que, pelo pelas mesmas transformações. E des~ecess.ar:w gastar ~~avras
caráter estranho neles exarado, pelo modo de serem feitos e sen- para se descrever as influências morais, rehgio~as e _soCl~S que
tidos, desesperam os homens habituados em um meio inerte, presidem a vida nacional; o fato é assaz conhecido. Eis pois qual
corrompido pelos preconceitos, pela necessidade do elogio para a causa do silêncio em uns, do irrefletido entusiasmo em outros
viver, da submissão para a subsistência, da mudez para fazer e de censura em mais outros. Portanto ela não passou desperce-
amizades, da hipocrisia para subir. bida. Incompreendida, sim, passou; incompreendida por todos!
Para se compreender uma obra de arte é necessário com- Dentre os seus trabalhos, por aquela ocasião expostos, três
preender o meio em que ela nasceu. A exposição dos trabalhos mereciam ser considerados quadros. O primeiro era.a Tarant~lla,
de Bemardelli realizada em 86 não passou despercebida, como excelente pintura de costumes, pincelada com mmta energia e
se pretendeu dizer, mas passou incompreendida. Bemardelli vive e
MICHELANGELO Buonarroti (I475·I564)- Escultor, pintor, arquiteto _e poe·
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71 Édouard lv! ANET (1 83 1·1883) - Pintor francês. Aluno de Couture foi, no ta italiano. Aluno de Ghirlandaio e Bertoldo de Giovanni. Com este ulomo
entanto, a observação da obra de certos mestres mais antigos (Giorgione, estudou escultura antiga. Michelangelo foi celebrado amda em vtda como o
· ··mo a que havia chegado a arte do Renascimento nallano, nas
TIZIANO, Goya, VELASZQUEZ, os japoneses) que estruturou sua poética. Um ponto maxt . . nh d · · ·
revolucionário dentro da tradição pictórica, Manet pintou ícones da vida modalidades artísticas que professou . Mas tambem fm testemu a o trun~
contemporânea de Paris, o que causou escândalo. Porém, sua atitude mo· da polêmica entre aqu~les que o idolatravam e o grupo que contrapunha a
derna perante a arte e a cultura visual de seu tempo encontrou respaldo em sua intensa dramaticidade, a graça e a delicadeza da arte de RAFAEL
Baudelaire, ZOLA e nos jovens futuros impressionistas.

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r 'éoüidact . A cena passa- no interior de uma taverna. Duas ra-
parigas, uma loura, outra morena, bambaleiam-se ao ritmo da
· p ar d inv 'josa
cta sobr'(' o I anco, r o tada a un a m la d ,
sozi-
do balcão
nha 1' v" um Ua do seu futuro. Ao fundo, p or etras . ,
famosa dança napolitana. A loura, pletórica de lascívia, recua,
meneando os quadris intumescidos, uma das mãos apoiada ao
a ta~~rneira levanta o filhinho nos braços, e, não tendo a m~s
quem dedicar expansões de alegria, cobre-lhe o rosto de c arlclas~
colete de belbutina cor de pinhão, o braço direito no ar, tremeli-
acompanhando, a cantar, o n·tmo langoroso da dança dos. lazzaronz.
cando, triunfante, o pandeiro. Arfa-lhe o busto ligeiramente de-
vassado pela imprudência do corpete. Sente-se-lhe a macia re- Os outros dois quadros eram ~ Mate~~ ?,elo ~Ipo de ~u~
dondeza do seio nu, que breve extasiará a vista do rapazio, sal- lher amamentando uma criança, e Ao mew-dia , paisagem pm
tando fora das roupas, no primeiro movimento que ela fizer. E tada por uma maneira sólida, segura e franca. . ,
no seu olhar, nas suas faces, na sua boca, estonteia uma ardente Os demais trabalhos valiam muito por~ue co~s~Itmam ver-
satisfação provocada pela excitação moral. A companheira, garri- dadeiros estudos de uma perfeita orgarnzaçao artistica. As duas
da e voluptuosa, segue-lhe os passos, fazendo negaças com o cabeças de velho, Oferenda à Flora, Ruínas em R~vello, ~asas
corpo. Também ela volita e quebra-se com faceirice nos meneios brancas Porto de Capri, Rua em Sorrento, e os dms pas_tei_s -
da dança; também possui filtros sensuais no olhar negro e ar- ' e Síria, formavam uma expos ição importantissrma,
Meditando .
dente '··· A rapariga que rufa o pandeiro, um magnífico tipo de pela expressão forte e bem traduzi~a da natureza, pela manerra
mulher do povo, queimado pelo calor do sol que estreleja o azul violenta e pródiga por que foram feitos.
das vagas de Sorrento, não pára e não cansa. Ugeiros os dedos Havia defeitos nesses trabalhos, e muitos e não pequenos
tamborilam no couro do instrumento predileto. O nervoso movi- defeitos têm sido apontados em obras de maiores mestr~s. _M_as
mento que faz para chacoalhar o pandeiro desarranjou-lhe os os defeitos de Bernardelli formam qualidades. Um r~volucwnarw,
cabelos bastos e pretos, que escondem o brilho insidioso dos um inovador, não pode ser um frio desenh~dor_da linha, nems~
olhos ... porém, ela nem dá por isso! O pandeiro soluça e choca- colorista preciso. É necessário que ele veJa difere~te, que J
lha; o meneio das dançantes é rápido e gracioso: relembra a cur- l t que pinte o que sente, sem artifícios antigos- m~s p~r
va das vagas nas noites de lua cheia ... Que lhe importa que os reso u o, tilo nao e maJ.s
artifícios modernos, porque, afinal de contas, o es -
cabelos se desmanchem! Ela está cativa de uma comoção supe- do que um artifício empregado para exprimir as noss~s emoçoes.
rior. Palpita-lhe apressado o coração, sente nas veias um sangue , Jose, Mari·a de Medeiros73 (professor de desenho figurado, na
inflamado de amor, doudejam-lhe na fantasia insetos de rubins e . , ·do
Academia) tem-se mostrado um artista modesto e tlml .
esmeraldas, de safiras e diamantes, feridos por um raio de luz
estranha!. .. Nem sequer os ouvidos escutam o estalar dos beijos A "Iracema" exposta em 84, foi uma composição e~- que o
com que um rapazola peralta procura babular o rosto de uma .
acessório sacrificava a figura e a r·Igura, por sua vez sacnficavanh .
f nte oo
menina, a seu lado! , .
acessono. A tela era vasta - ao fundo uma monta
. a, a ·re t as-
mar, depois a praia onde está uma flecha fmca~~ na arei~, r .
A alegria da dança propagou-se por todos os circunstantes.
passand o um guaJ.· amum e um ramo de maracuJa, a .flor "a PaJ.- t ·
Até um velho freguês da taverna, no qual as quedas das ilusões xão, e defronte do ramo simbólico a filha do~ TabaJaras re r~
podem ser contadas pelas faltas dos dentes, sente as titilações lentamente os passos" (Diz o catálogo). Esta figura de forma al
do prazer, os suaves atritos das saudades sobre a aspereza da-
quele espírito quilotado pelo álcool e pela longa vida perigosa do 849 1925)- Pintor português. Nascido nos Aço-
mar, e revê na cena que tem diante dos olhos um pouco do seu 73 José Maria de MEDEIROS (1 - .. ACADEMIA IMPERIAL DE
. o Brasil em I865 onde freq uento u a
res, vew paras
BELAS ARTE DO RIO DE JANEIRO ' da q ual foi professor. Especialista em
passado; enquanto uma pequerrucha que lhe fica ao lado, trepa-
pintura de temas religiosos e históricos.

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Salvaterra primorosa descrição de
guma atisfaz ao espectador. É roliça e inútil. O fundo, e o pri- a última corrida de wuros emd . elme~te sabia fazer a áurea
. ·ca como a muav
meiro plano em que há uma onda que se afasta da praia, são grandeza cl ass1 . . No momento em que o mar-
perfeitamente pintados, magistralmente pintados. Uma obra con- pena do autor dos Fastos da IgreJa. . gar a morte de seu belo
.al desce à arena para vm d lh
cluída com cuidado, mas infeliz. quês de Marl va d estender no chão, atravessan o- e
Peres 74 é um grande trabalhador. Incansável e inteligente acor- filho que um tour~ ~caba e das pontas dos chavelhos, o mar-
o flanco com as ngidas e agu .b al frio e impassível em
da-se cedo, muito cedo, dá comida a um gárrulo canário belga, al parece na tn una re . .d
quês de Pom b a _ ara dar notícia a el-re1 o
que é o trovador de seu atelier, e toma da palheta e dos pincéis frente de espetáculo tao doloroso, P
para começar ou concluir trabalhos. Desde a manhã até a noiti-
rompimento com a Espanha. . . l O
nha está na oficina, um segundo andar da rua Sete de Setembro, ue seja uma obra admirave .
· a trabalhar febrilmente em retratos, quadros de gênero, fanta- . Não se pode dizer ao certo~; esboço em que se notam q~~-
sias, telas históricas. quadro é apenas um esboço, : o expressão e cor. A composlçao
É pequeno, cheio de corpo e possui a qualidade de não se dades não vulgares, .e~ dese : - de Rabello da Silva. As figu-
parecer com pessoa alguma. Olhos miúdos e negros, muito ne- dá justa idéia da ~eliss~a ~~:~~:~adas e expressivas; a de ~a
gros e úmidos; nariz grande, bigode preto e curto, caindo aos ras de Pombal e d _el rel saod ul celeste, e coberta de pedrarms
talhos da boca; mento pequeno e pouco saliente. São estes os grande dama vesnda de s~ a a~ . almente de uma pose bem
traços de sua cabeça, uma cabeça pouco redonda, grande, e de finas, que está aod~~~:c~U:~~t:efidelidade.
cabelos curtos, quase à escovinha. observada e repro d
. E ·to" e a "Ução de bor a-
Começou a estudar no liceu de Artes e Ofícios, essa enorme Em 1884 expôs a "Fugida par~ o c~ade quase todos. A críti-
oficina de luz fundada pelo benemérito Bethencourt da Silva, e do"' entre seis peque~os retratosl a ie~a e m~ parece, foi unânime
depois de uma aplicação constante, meteu-se a compor um qua- ca analisou com sevendade aque a ,
dro histórico que pertence à Academia de Belas Artes - "Elevação na censura. . "F mda para o
da Cruz", um como prólogo da "Primeira Missa" de Vitor Meirelles. d d deve-se dizer que a u"'~ .
Em honra da ver a e . . guém pode contestar e
Essa obra é de um principiante. Nada tem de notável, senão a Egito" é obra defeituosa, porem o qu:_ mnfora de vulgaridade. Não
qualidade de ser prova de aplicação ao estudo. Depois de uma · m compor obra tao . . _
o arrojo do arnsta e . Paulo Laurens,76 a memona nao
viagem a Paris, entrou a trabalhar com uma alma nova, melhor me refiro ao assunto. Crew que 1878 ou 80 expunha no Salon
orientado pelos estudos que fez diante das obras dos mestres. me a1L'Cilia neste momento, em . m-ma-e era representada
· " m que a vrrge
O centenário do marquês de Pombal, festejado no Rio de uma "Fugida para o EgitO e . adormecida com Jesus no rega-
Janeiro pelo Clube de Regatas Guanabarenses, fê-lo empreender sobre o pedestal de uma esfmge,d algum modo a obra de Peres.
uma composição histórica que não pôde concluir por falta de ço. A cena desse q~adro lembra ~al da maneira por que está
meios. O assunto desse quadro fora colhido nas páginas dos Con- Não me refiro, pols, ao assuntol o a areia esse todo isolado
pintada a tela de Pedro Peres. O ugar, ,
tos e Lendas, do ilustre escritor português Rabello da Silva. 75 Era
. . . . de Portugal no século XIX, f~i tam-
português. Um dos pnnClpalS es~ntor:s Escreveu entre outros, Hiswna de
74 PEDRO José Pinto PERES (1841-1923)- Pintor brasileiro de orgiem portu-
bém ministro da Marinha daque eDpaN!S. ·te todos ~s Gatos São Pardos.
guesa. Nascido em Lisboa, veio para o Brasil com cinco anos de idade. Aluno . I ;(VII e XVIIT e e OI
de VITOR !IIEIRELLES na ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE Portugal nos Secu os f f • f cês Artista de formação aca-
S (1838 1921)- Pmtor ran · li o
JANEIRO, a obra do mestre influenciou marcadamente sua produção. 76 jean-Paul LAUREN - d. . . tratados com meticuloso rea sm .
dêmica, especializado em temas me Jeva~s,
75 Luis Augusto REBELO DA SILVA (1822-1871)- Escritor, crítico e político

?()7
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tens o, vermelho ao fundo, cinzento embaixo e azul escuro
VIl
em cima, formando duas massas opostas que, à proporção que
se aproximam dos primeiros planos crescem em sombras, dimi- B lmir o ct Alm eida
nuem em intensidade, tornando-se cada vez mais simples e mais
nuas, são de uma dificuldade que atemoriza. Peres poderia ser
feliz na empresa se tivesse estudado com tento e de visu a natu- , . eiro ue possui a verve, a sagacidade de um pari-
reza africana. Das figurinhas que aninam a tela, a que menos E um mm . q d é sobre a soleira de uma porta,
siense bulevarderro. Na ruaH e p sa o seu tipo pequeno, forte,
agrada, posto que fosse a mais estudada, é a de São José. Aquele no Café Inglês ou na Cas~t" ~~:~u~ndo solteiro foi um boêmio
São José assim com ares de folgazão da Penha, refestelado na buliçoso, destaca-se na m 1 , ·
areia, é muito do nosso tempo, e ainda mais - é menos um tipo desregr ado um perfeito tipo a Muger. b.
' · inho arre 1ta-
Entre camara~as, na rua do Ouvi~, c~:soPn:-~es agarrar o
de judeu atormentado pelo cansaço da fuga do que um boneco
bem posado. A virgem-mãe com o louro filho sobre o regaço, tem do e atrevido fareJando os pacatos ~ ~suntos para pintar e em
naturalidade na posição em que está, e o burrinho ali, em frente
ridículo, tinha na cabeça um cento l : ~ sua predileta musa era a
casa um cento de quadros para c~nc7~· G arm· 78 e a bem da ver-
da família fugitiva, cabeçudo, calmo, pachorrento, dá um e/ou de
realidade à cena.
. tali ou Daumer e av ' '
que inspirou e rmor z . ainéro79 e Bordallo Pinhei-
Preferível a este quadro é a sua "Lição de bordado" ou os dade, deve-se dizer q~e depms d~ Bor:Ores caricaturas. Só depois
seus pequenos quadros de gênero, os seus retratinhos, de colori- ro80 ninguém tem feito,_ ~o Br_as , ~: de ter visto de perto quanto
do sólido e relevo firme. Nos quadros de gênero ele revela-se um de casado e depois de_viaJ~do~ depo . os para o artista conquistar
artista consciencioso e delicado. A "Aboboreira" é um estudo trabalho e quanta dedicaç~ sao pr~~:mia de uma vez para sem-
feliz da natureza, o seu "Freqüentadores de atelier' tem grande um nome foi que ele ab~J·=~~ :bandon~á é a toilette.
observação e malícia, o "Interior de uma ferraria" indica qualida- pre. A única cousa que e
des apreciadas em um pintor que estuda os assuntos ao ar livre.
Em retratos tem produzido obras dignas de estima e men- 77 Honoré DAU.MIER (1808-1879) - Litó grafo, . escultor
arisiense esobretudo
pintor francês. No
por suas
ção. O seu último quadro - "Primeira distribuição de cartas de início da carreira ficou conhendo no mewd Pe'poca A partir de 1860, sua
.. ntra os poderosos a · .
litografias satmcas co R . ou da pintura mew para o
liberdade, no Paço Municipal" - é um engenhoso agrupamento amizade com Corot, d·entes
ousse au e l\üllet
.. o aprox1m ' ,
de retratos perfeitamente pintados. Mas é preciso notar, Pinto 1 adqwndos na sua prática como gravador. Ate
qual leva
hoje certosdoexpe
as obras artista chamam a atençao - pela
. sensibilidade com a qua 1
Peres não faz retratos como todos fazem ou são capazes de fa- d vida miserável de Pans.
zer. Se assim fosse ele não teria o nome de um bom retratista. retratou certas cenas a . ·u Chevalier (1804-1866)-
d- . de Sulpice-Gw aum e .
Ele os faz por uma maneira fora do comum; procura entrar na 78 Paul GAVARNI, pseu orumo_ fluenciado por DAUMIER, Gavarní, nos JOr-
Desenhista e gravador frances. In d e no Charivari, desenvolveu uma
intimidade dos seus retratados, buscar-lhes a nota, o caracterís- nais La mode, ]ou mal des genls d~ mon ~ uma crônica irôníca e divertida
série de ilustrações e caricaturas, orman o
tico, a feição típica, a expressão fisionômica. É nisto que está a
grande dificuldade, e dela o Peres desdenha porque conhece-lhe da vida parisiense de sua época. dor italiano O primeiro
(7 7) Desenhista e grava ·
o segredo. 79 Luigi BORGOMAINER O . ·. - . . E, . ão Geral de 1875 . Publicou
registro de sua presenç a no
. Brasil fOI na
F
xposiç
o Foi professor de BORDALLO
caricaturas na Vida Flummense e no Lgar .

PINHEIRO. 46 _ ) _Desenhista e caricaturista


80 Rafael BORDALLO Preste~ PINHEI~O (~8 ou1905 a exercer atividade de caricaturis-
português. Nascido emLisboa, o~ e c e~875 onde atuou na mesma atividade
ta, se estabeleceu no Rw de Janerro e~ L. boa dedicou-se à cerâmica.
nos jornais O Mosquilo e outros. Devo ta a IS

208
209
v stuário é para Belmiro81 o .
zac82 e para Alphonse Karr 83 ~ue foi para Honoré de Bal- s v·U1 lU" <I<• n•a c• porta d af , o p ralta qu viv do jogo do
lus Durand 85 o qu - , o que e para Daudet84 e para Caro- dinh iro das on ubinas, por maior cuidado que desenvolva no seu
feição artís~ica um esm· etpara dLeon Bonnat e Rochegrosse-86 uma vestuário estará sempre mal vestido. O vestuário de Belmiro é o de
' orna o bom '
lhe chama o mestre, o sr. Ramalho Or ~o~to8; do asseio, ou como um homem de talento e de gosto. E existe uma certa relação entre a
pessoal, de uma filosofia T . tigao, a expressão gráfica sua maneira de vestir com a sua maneira de pintar e sentir os assun-
são necessidades de um h. er tozlette, ter saúde e ter dignidad~ tos. Ele pinta e vê a natureza de um modo muito diferente pelo qual
U ornem que se pr pintam e vêem outros artistas. Em 83 por um capricho pintou uma
m peralta, sumamente estú ido eza e possui talento.
nalha desde a medula do p , _e profundamente canalha ca- marinha. Era o naufrágio do Mont-Serrat, que deu à costa próximo
b s ossos ate os p d ' da barra do Rio de Janeiro. Não obstante ser a primeira vez que
s: em, trajar-se ao rigor da moda oros a p:le, pode vestir-
interpretava tal assunto, saiu-se muito bem. A água, o horizonte
nao tem individualidade -, mas nunca tera toilette, porque
Ent ' porque nao tem sentimento artístico enegrecido, o barco desarvorado lutando com a fúria das vagas,
re o vestuário à moda de . impressionavam diretamente o espectador. A pintura, mais do que
sevandija há uma disnn· - um homem de talento e o de um o assunto, acusava uma personalidade. Tinha vigor e franqueza.
çao enorme· tão d
entre as unhas de uma Lad , gran e como a que existe Mas pouco vale este quadro para dar nome a um artista, e, cônscio
Y para as unhas de um .
carvoerro. o desta verdade, Belmiro estudou muito, trabalhou com interesse
81 Belmiro de ALMEIDA 0858·1935 . para concluir uma tela que lhe desse maior merecimento. Este qua-
~EMu; IMPER~AL DE BELAS ARTE~ ;~~Itor mineiro. Matriculou-se na ACA- dro ele acaba de pintar. É um episódio doméstico, uma rusga entre
eu vanos premias Ainda 1 O DE JANEIRO em 1874 ond cônjuges. O marido, um rapaz de fortuna, chega em companhia da
vária · · a uno, começou a t e rece-
, s VIagens que fez à Europa ent a uar como caricaturista. Nas
:a~e:, c?m a pintura dos macchia,ioli i;a~~~: contato com o Realismo Bur- esposa à bonita habitação em que viviam até aquele dias como dois
pos_-Impresswnistas. Todas essas . fi ; e com as obras impressionis- anjos. Tudo em redor demonstra que aquele interior é presidido por
~:r~:;:t:~~t_do afrtista, sobretudo o P~:ti~~~%a; s~ mostrarão presentes um fino espírito feminino, educado e honesto. Ela, o encanto desse
82 Ima ase de sua obra pos-Impresswnista que interior à bric-à-brac, depõe o toucado de palha sobre um mocho .
Honoré de BALZAC (1799-1850) __. . .
~os ta de vários romances) como uEscntor frances. Concebe sua obra (com- coberto por um belo pano de seda e entra em explicações com o
epoca. Foi um dos iniciado~es do Re:quadro da sociedade francesa de sua esposo. E ele, muito a seu cômodo em um fauteuil de estofo sulferi-
83 Alphonse KARR (1808-189 . ISmo na literatura. no, 'soprando o fumo do seu colorado havana, responde-lhe palavra
- ~ - &wro ·
ma. Colaborou no jornal Figaro. r e JOrnalista francês, de origem ale- por palavra às e.,xplicações pedidas. Há um momento em que ela
84 Alphonse DAUDET (1840-189- . excede-se, diz uma frase leviana; ele reprova, ela retruca, ele repele;
mo sempre filtrado por uma s:~s~i~~~r~to; francês. Ligado a um naturalis-
as segumtes obras: Tartarin e Taras. e antaswsa, publicou, entre outras então ela não se pode conter, é subjugada por um acesso de ira,
85 CAROLUS DURAND (Ch . cone A Alerswna. atira-se ao chão, debruça-se ao divã para abafar entre os braços o
f . arles-Em!le-Augu ·t D
rances.RPossuía ateliê c·lbert o ao ensmo
ge· . dese· urand) 0838-1917) - p·Intor impeto do soluço. É este o momento que o artista escolheu. Da
d ~~os. econhecido como retratista pres/ovedns artistas, sobretudo estran- esposa, debruçada sobre o divã, vê-se apenas o perfil, mas ouve-se-
a epoca. Igia o pela sociedade par· .
86 ISiense lhe os soluços que fazem estremecer o seu corpo.
Geor~es Anotine ROCHEGROSSE (1859- .
!rances. Aluno de Boulanger e Lefébvr~ 9:8)- Pmtor, ilustrador e litógrafo Debaixo do seu vestido foulard amarelo percebe-se o colete, o
p,ans em meados da segunda metade d~ so~ um! dos pintores da moda em volume das saias, os artifícios exteriores que a mulher emprega
ans1enne. ecu o XIX. Foi desenh· d .
87 , Ista e VJe para dar harmonia à linha do corpo. Na fimbria do vestido a pon-
Jo~e Duarte RAMALHO ORTIGÃO 1
gues. Junto com Eça de Queirós dir~g~~~-191 S) - Escritor e crítico portu- ta do sapatinho de pelica inglesa ficou esquecido, sobre o tapete
' revista Farpas. do assoalho, como se propositalmente, animado por estranho po-

210
2ll
der, tomasse aquela atitude para contemplar a rosa que caiu do /\s gnn l<'.' 1 'la1:> h.istóri as, os assuntos militar s, os bibli os,
peito da moça e jaz no chão, melancólica, desfolhada, quase mur- as al goria , p rt nc m ao muro dos templos, dos aquartelamen-
cha, lembrando a olorente alegria que se despegara do coração da tos. As pequenas paisagens animadas, paisagens alegres, sítios
feliz criatura naquele tempestuoso momento de rusga. E o espo- encantadores em que a inteligência do imigrante levantou a choça
so, um guapo rapaz delicado e forte, num gesto de indiferentis- e plantou de flores; os pequenos quadros de episódios domésti-
mo, atende a tênue fumaça que se desprende do charuto, levan- cos; as crianças que brincam na relva viçosa dos jardins, os velhos
tando-o entre os dedos, em frente do rosto.
enrugados que vêm ler os jornais à porta que abre para o pomar
Ainda no Rio de Janeiro não se fez um quadro tão importante de laranjeiras em flor; as mocinhas rosadas que borrifam as viole-
como é este. Os assuntos históricos têm sido o maior interesse dos tas, a gravidade elegante da haus-frau que se ocupa nos afazeres
nossos pintores que, empreendendo-os, não se ocupam com a épo- da casa, a representação viva, tocante de impressão e de observa-
ca nem com os costumes que devem formar os caracteres aprovei- ção, das cenas domésticas, de uma rusga, da alegre chegada de
táveis na composição dessas telas. Belmiro é o primeiro, pois, a um filho, da partida de um ente estimado; a leitura à noite em
romper com os precedentes, é o inovador, é o que compreendendo torno do lampião, na mesa redonda da sala de jantar; a merenda
por uma maneira clara a arte do seu tempo, interpreta um assunto dos pequenitos, de olhos esgazeados e bocazinha faminta, senta-
novo. Vai nisto uma questão séria - menos a de uma predileção do dos no regaço de suas mamães que repassam a colher na tigela
que a de uma verdadeira transformação estética. O pintor despre- do caldo; toda essa infinita multidão de episódios e de cenas, são
zando os assuntos históricos para se ocupar de um assunto do- os assuntos que mais comovem, mais impressionam ao homem
méstico, prova exuberantemente que compreende o desideratum de hoje. E de fato; um chefe de familia, ainda moço e instruído,
das sociedades modernas, e conhece que a preocupação dos filóso- não irá suspender ao muro do seu gabinete ou da sua sala qua-
fos de hoje é a humanidade representada por essa única força ina- dros de assuntos bíblicos ou militares. A casa de família, sendo
cessível aos golpes iconoclastas do ridículo, a mais firme, a mais um alegre santuário de paz, não comporta o peso sanguinolento
elevada, a mais admirável das instituições - a família.
dessas cenas de guerra, dessas trágicas representações dos suplí-
É desta arte que o povo necessita porque é a que lhe fala inti- cios inquisitoriais nem a representação estúpida das solenidades
mamente das alegrias e das desilusões, cujos sulcos ainda perma- oficiais. Nela, na casa de família, a mobilia como tudo quanto
necem em seu coração. É da arte que a Inglaterra, melhor do que fizer parte da decoração devem ter um caráter real e firme, de-
qualquer das atuais nações artistas, empreende e pratica pelo gênio vem, antes de tudo, ter um cunho de honestidade e verdade.
88
de Millais e Stone, 89 de Walker 90 e Wells, 91 que nós, os filhos de Belmiro fez bem em pintar este quadro. A sua pintura, disse
hoje, os trabalhadores de paz e da reconstrução social, precisamos. eu, tem semelhança com o seu vestuário.
88 John Everett MILLAIS (1829-1896)- Pintor inglês . Integrante do grupo pré- É alegre, é caprichosa, é nova. As tintas são claras e simpáti-
rafaelita. Com uma pintura menos voltada para o transcendental, a obra de cas, os toques são rápidos, largos e bem lançados. Nenhuma pre-
Millais buscou retratar cenas do cotidiano inglês, através de um naturalismo tensão a empastamento, nenhuma pretensão a mancha descura-
de teor moralista.
da, se notam neste trabalho. O toque é sempre apropriado. Os
89 Provavelmente Marcus C. STONE (1840-1921)- Pintor inglês. Ficou conhe-
cido por suas pinturas de temas populares, sendo que suas obras foram estofos, a carne, os metais têm, aí, a sua tonalidade justa, exatís-
reproduzidas e espalhadas pelo mundo, através de gravuras e fotografias. sima. O foulard que veste a mulher, a casemira de que é feita a
90 WALKER (Não foram encontrados dados sobre este artista.). roupa do homem, os panos que estão na parede do fundo, as
91 WELLS (Não foram encontrados dados sobre este artista.). almofadas do divã, o estofo do fauteuil, e o pedaço de seda que

212 213
ai _m dobras da banqueta do primeiro plano, são pintados com
a maxima precisão e delicadeza. A rim 'in f ição pela qual Monteiro com çou as r con ide-
rado foi pela de paisagista. As suas pequenas paisagens, feitas
Belmiro possui, portanto, muita sensibilidade de vista e muita
com um sentimento finamente melancólico, algumas de uma suavi-
destreza de punho, qualidades estas que se acham reunidas a uma
dade apaixonada e saudosa; outras ásperas, secas, vencidas pela
feliz compreensão de seu tempo e do destino da pintura moderna.
soalheira de dezembro, porém sempre participando de certa tris-
teza cuja origem estava no próprio artista; deram-lhe, na nova
geração de pintores, lugar merecido.
A Fundação da Cidade de São Sebastião elogiada com maior
VIII complacência que justiça, veio transviá-lo do caminho seguido,
para iludi-lo com os estrondosos sucessos da pintura histórica.
Firmino Monteiro, Zeferino da Costa o empreendimento antecipado de obras neste difícil gênero, não
podia nunca garantir-lhe resultados iguais aos que for~- c?lhi-
dos. As figuras apresentadas em seus novos quadros histoncos,
O nome de Firmino Monteiro 92 data da época em que foi muito inferiores às da tela acima mencionada, vieram provar que
exposta a Fundação da Cidade de São Sebastião. ao artista faltava uma das principais qualidades requeridas no
Antes desta obra pode-se dizer que ele era unicamente um pintor histórico - estudo perfeito do corpo humano. Firmino
principiante inteligente e feliz, conseguindo vender à Academia Monteiro, não tivera esse estudo. Fazia figurinhas, é verdade,
duas paisagens históricas de insignificante valor - "Eliezer e figurinhas como rápidas impressões de movimento para paisa-
Rebeca" e "Exéquias de Camorim." gens, mas figuras em que além da expressão fosse obrigado a
dar exatamente o desenho de anatomia das formas, em todos os
A Fundação da Cidade de São Sebastião valeu-lhe um suces- seus detalhes, em que tivesse de mostrar conhecimento de mo-
so pela ousada independência com que encarou o assunto ex- delo vivo, teria de, indubitavelmente, lutar com invencíveis difi-
pungindo de si os prejuízos da pulhice acadêmica. Nesta ~bra culdades. E prova mais forte, mais autêntica, mais clara, mais
transluzia um talento ainda novo e disposto para cometimentos inquestionável está em serem menos infelizes as figurinhas da
~aior:s. Não desmentiu a confiança despertada. Em 84 expunha tela "O Vidigal" do que as da Morte de Camões e do Episódio da
Camoes no seu leito de morte", "O Vidigal", "Alvarenga Peixoto Retirada da Laguna, precisamente pelo fato de serem aquelas de
no_ desterro",,"Um e~isódio da Retirada da Laguna", "O Capitão menor tamanho e acharem-se como que agregadas ao acessório
Joao Homem , dezoito estudos de paisagens e três estudos de que constitui boa parte do quadro onde predomina o gênero
costumes. Só por este fato merece verdadeiros elogios, pois de- para o qual a sua vocação é irresistível.
monstra enraizado entusiasmo pelo trabalho, qualidade um pou-
co rara neste país tropical onde um dia de sol, no verão, estafa Firmino Monteiro conseguiu nesta exposição mostrar-se ao
mais um indivíduo do que a mais penosa ocupação braçal. público tal qual é, quero dizer, apresentou-se como um paisagis-
ta de fibra, um pintor de poucos estudos, e um artista que não
92 Antonio FIRMINO MONTEIRO (1855- 1888) - Pintor carioca . Estudou na
descura da sua educação literária.
ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO, tendo sido A "Morte de Camões" é um assunto novo e que implica estu-
aluno de VITOR MEIRELLES, Agostinho da 1\IOTA e ZEFERINO DA COSTA
entre outros. Inicialmente interessado na produção de paisagem, no final d~
do de crítica da história. Não é aquele lendário poeta desgraçado,
VIda busca o reconhecimento no campo da pintura histórica . morrendo no catre de um hospital, tendo, por último consolo, a
extrema dedicação do escravo Jaó. É Luiz de Camões, o maior

214
21S
poeta entre os maiores, o autor desse colossal monumento da 1 os 1uadros qu atrá fiz m nção ap nas scolhi stes para
concepção humana - Os Lusíadas - que morre ao lado de sua falar a r sp ito da individualidade e dos estudos de Monteiro, e
mãe, cercado dos desvelos da família, e consolado pela religião. isso por serem de um contraste imediato facilitando, conseguinte-
mente, clareza e brevidade na crítica, se crítica pode ser este des-
Assunto novo, é exato, mas assunto que não impressiona, que
conchavo de linhas. Reconheço, como todos reconhecem, em Mon-
não indica altas qualidades imaginativas e organização apaixona-
teiro uma inteligência prometedora. Quando chegar à baliza dos
damente sensível em um homem que é artista e, segundo os fisiolo-
quar~nta anos, e mais alimentado de saber estiver o seu espírit?,
gistas, superior a outros indivíduos da sua espécie. Esse quadro, a há de rir-se, enxugando o ventnunulo das lágrimas, pelo inoculta-
"Morte de Camões", não fere o nosso coração, não vem diretamente vel contentamento com que a glorificação dos seus trabalhos lhe
ao nosso pensamento, não nos dá à vista o menor gozo; é um encherá o peito. Estamos em 1884. Daqui para diante há uma vas-
assunto novo mas obscuro, mal concebido, vagamente determina- tidão de anos ... Ditosos dos que ainda podem contar com o futuro!
do. No centro da tela, em um estrado muito de propósito colocado
ali, está o leito do moribundo. Aos pés do leito D. Anna de Sá E entre os ditosos está Zeferino da Costa, 93 um artista con-
temporâneo, dotado de um espírito solerte alentado pelo alvo-
soluça, debruçada às cobertas que envolvem o frio corpo de sua
rear da mocidade.
amada criatura. Perto dela, de pé, severo, contemplativo, acha-se
um amigo do grande poeta. Ao fundo um frade murmura ainda Em Roma, onde estudou como aluno interno da Academia,
algumas frases do De profundis e, mais para os últimos planos, compôs três quadros - "Óbulo da viúva", "Moisés recebendo as
vêem-se uns três frades que se vão. A estas figuras falta relevo, tábuas da lei", e "Caridade" além de um considerável número de
falta vida; as linhas da composição são feias, não se harmonizam estudos muito bons.
com a taciturnidade do assunto; a cor é fraca e embaraçada; o con- Nos dois primeiros quadros percebe-se um colorista de fina
junto é mole, é aborrecido. O corpo de D. Anna de Sá, vestido de têmpera, mas a "Caridade", como concepção artística é dos três
preto, confunde-se com as cobertas que estão sobre o leito. Esse o que mais valor possui. O motivo é simples: uma rica mulher
todo é pretensioso: falta-lhe realidade. Grande acerto tem Eugênio chega à miserável choupana de uns necessitados; ao fundo, soer-
Veron quando diz que um canistrel de ostras, desde que seja bem guida da enxerga, está a entrevada, a moradora desse casal obs-
pintado, é infinitamente superior, sob o ponto de vista do gozo curo, e na porta da entrada aparece um criado de libré com as
estético, a uma cena de história mal interpretada. provisões que este generoso coração traz à pobre. Depois desse
pequeno quadro Zeferino fez para a exposição de 79 um estu~o
Já não está nas mesmas condições o seu quadro "Vidigal". do nu a que deu o nome de Pompeiana, à maneira de certos prus
Neste o assunto é perfeitamente determinado pela repercussão que batizam os filhos com os populares nomes dos vultos histó-
que teve na impressionabilidade do artista. Em um canto de rua, ricos. A Pompeiana, de Zeferino, foi exposta no antigo salão da
uma das ruas do memorável tempo d'el-rei, o célebre Vidigal Pinacoteca, cuja entrada primitiva era pela rua de São Jorge. Daí
prende um capadócio. O vago, munido de violão, no meio de uma certa ironia do acaso, levando à rua de São Jorge uma pom-
soldados firmes e armados de rubros camarões flexíveis e resis-
tentes, desculpa-se do melhor modo possível, prevendo a sumá- 93 João ZEFERINO DA COSTA (1840·1 915)- Pintor carioca. Aluno da ACADE-
ria aplicação da pena que, em casos idênticos, fazia Vidigal com MIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO, onde mais tarde foi
professor. Seguindo para Roma em 1869, através do Prêmio de Viagem,
enorme conhecimento da terapêutica endérmica apropriada à va-
estuda na Academia de San Luca. Pintor acadêmico contaminado pelo Rea-
gabundagem. Esta cena tem por teatro uma paisagem pincelada lismo Burguês de sua época, talvez a sua principal contribuição à arte cario-
~om petulância e presteza, de um efeito simpático, saisissante. ca tenha sido os painéis que pintou para a Igreja da Candelária.

216 217
pciana que deVia ter passado pelo Largo do Rocio. O maior defei-
to que tem esta falsa pompeiana Fritz & Mack é o de ocultar nos cá-lo, iludido· p la fr s ma, cor forma elos pr ciosos bago .
recersos do corpo a reuma peçonhenta que aduba as flores do Será possível que a imaginação dos pósteros, talvez menos pito-
deboche. Este corpo é pérfido como a deslumbrante aparência da resca que a dos gregos, venha a procurar forma condigna para
urtiga das montanhas a que a população montezinha chama ar- caracterizar a mestria com que Estevão da Silva96 pinta os frutos
rebenta-cavalos. A incauta mocidade não tem a observação bas- desta nossa natureza tropical. Não sei se já lhe aconteceu ataran-
tante fiel para reparar nos postiços que entraram na conforma- tar-se diante de gárrulo enxame de pássaros que, invadindo seu
ção daquele corpo de coldcream; aquilo assim arranjado como atelier, Viesse beliscar as telas, mas posso afirmar que os seus
está não prova cuidados ortopédicos, foi conseguido há alguns quadros desafiam o nosso paladar.
anos a esta parte para o gasto exclusivo dos colegiais que marti- Realmente é difícil, e até parece impossível, pintar frutos
rizam os seus respectivos buços, vaidosos de parecerem homens melhor do que os tem pintado Estevão. Os seus pêssegos são na
e dos velhos estafados em uso de coleópteros afrodisíacos.
forma, na cor, na penugem macia e alourada que os reveste, ver-
É incompreensível este inglório trabalho, este de retratar co- dadeiros pêssegos; sente-se nas mangas por ele pintadas o olor
cottes esbodegadas, em um moço de grande talento e de grandes penetrante e delicado desses frutos saborosíssimos; não é possí-
aptidões artísticas. Qual a causa de parecer pompeiana esta ruim, vel que haja cor mais exata, desenho mais preciso, do que a cor e
esta ignóbil figura, lavada em óleo, emplastada de gorduras aro- o desenho desses abacaxis que se vêem em suas telas, entre os
máticas, besuntada de valoutine para disfarçar a alambazada es- mais frescos, os mais sazonados cambucás, abacates e laranjas.
trutura de suas formas? Pompeiana por quê?
Que excelentes uvas, que doces araçás, que gostosos frutos, es-
Estou bem certo que hoje o artista daria tudo para apagar tes que ele imita. Ali está a fidelidade, está a realidade, e quando
desse quadro o seu nome.
o artista consegue nos iludir perfeitamente, quando consegue
passar para a tela o que vê e o que sente na natureza, tem conse-
guido tudo. Há, no entanto, na sua habilidade uma pequena falha
- é a maneira de fazer as sombras. Estevão carrega-as rudemen-
IX
te, acusando, como se faz na Academia, a projeção dos corpos.
Estevão da Silva, Pagam, A do Valle,]. Bailá, E. Rouede, Leopol- Disto resulta um certo peso na tonalidade.
dino Faria, L Santoro, Camnizares, S. Novak, Caron e Vasquez, O mesmo defeito, ainda que menos pronunciado tem Paga-
Paff, A Agostini e A Petit. Os esquecidos. ni97 nos seus bonitos e cuidados estudos de flores.

Conta-se que Zeuxis, 94 o célebre rival de Parrhasius,95 pin- 96 ESTEVÃO Roberto SILVA (1845?-1891)- Pintor fluminense . Aluno da ACA-
DEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO, foi suspenso duran-
tou um cacho de uvas tão perfeito que os pássaros Vieram debi- te um ano, por ter publicamente se declarado injustiçado na premiação
escolar. Estevão Silva era negro. Apesar de ter produzido algumas pinturas
94 ZEUXIS (segu~da metade do século V a.C.) - Pintor grego. Ativo na Grécia, de temas religiosos e históricos, notabilizou-se na cena carioca da época
Macedônia e Asia. Um dos maiores pintores de sua época, e cuja obra era como pintor de naturezas-mortas.
rica em novas soluções espaciais e cromáticas. 97 João Batista PAGANI (1858-1891)- Pintor italiano. Nascido em Gênova, sua
95 PARRASIO (segunda metade do séc. V a. C./ primeira metade do século IV família se estabeleceu no Rio de Janeiro em 1860. Aluno de Vitor MEIRELLES
a.C. - Pintor grego. Nascido em Éfeso, trabalhou em Atenas. Em sua obra na ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO. Concluindo
sobressai a busca original para a representação do volume e do movimento. o curso, montou ateliê com ESTEVÃO SILVA. Pintou retratos e paisagens,
tendo predileção pela pintura a guache.

218
219
ponto qu am açaram um cst·1 ·ionarismo compl 'lO, cons qü 'n-
Artista de merecimento porém extremamente modesto, raras
te, talvez, da falta de estudo diante da natureza.
vezes tem aparecido, mas o pouco que há exposto, especialmente
em estudos de flores, inculca os dotes que o distinguem. Na expo- A primeira vez que Leopoldino Faria101 se apresento_u ~o
sição de 84 apresentou uma vista da Cidade do Rio de Janeiro, público foi com um quadro histórico de maior intere~se_ patno.
cujo colorido era limpo, mas o quadro não satisfazia, era inútil. Tomara por assunto a condenação de Tiradentes, _belí~srmo as-
sunto desprezado pelos pintores nacionais que mais cmdam dos
Antônio Alves do Valle 98 é um dos artistas mais consciencio-
Davís e dos Vercingetorix que dos ainda não explorados ass~­
sos que temos. Dotado de verdadeira vocação para a arte, é sem- tos arrancados à nossa pobre história. O único que tem fe1to
pre com esmero e consumado gosto que conclui os seus qua-
alguma cousa nesse gênero é Firmino Monteiro.
dros. Pinta indistintamente uma marinha, um canto de paisa-
gem, uma pequena cena de interior, ou faz retratos, mas traba- Leopoldino Faria teve, pois, a glória de ser o pr~eiro a se
lho devido a seus pincéis há de sair bem acabado, sem que por ocupar com este simpático assunto, assunto que merec1a ser t_ra-
isso desmereça em valor artístico. tado por uma perfeita organização artística. F~t~ _a Leopoldino
conhecimentos indispensáveis em um pintor histonco. O seu de-
Há quatro ou seis anos que Júlio Ballá 99 retirou-se do Brasil.
senho é defeituosíssimo, a sua composição deficiente, a sua pin-
Durante o tempo que aqui viveu trabalhou muito em paisagens e
tura feita com diminuta facilidade.
retratos sem que mostrasse o menor desenvolvimento. Mau de-
senho, colorido claro mas uniforme, tonalidade embaraçada, ma- L. Santoro102 e s. Novak103 há pouco tempo que estão no Ri?
neira acanhadíssima, tais eram os caracteres dos seus trabalhos. de Janeiro e têm trabalhado muito, mas por maneira extraordi-
104
nariamente infeliz, tão infeliz quanto Camnizares que, s~gun­
Emílio Rouéde, 100 o marinhista, o pintor à la minute, o boê-
do consta, foi professor na Academia de Belas Artes da Bahia.
mio à la diable, o fotógrafo, o zincografista, que reunia a estes
dotes ainda mais os de inimitável jogador de bilboquê, drama- caron105 e vasquez106 são dois principiantes, mas princi-
turgo e comediógrafo, cozinheiro e pasteleiro, estreou nesta ca- piantes que revelam talento. Discípulos, atualmente, do célebre
pital com uns pequenos quadros onde se reconhecia boa disposi-
ção para o cultivo da pintura. Francês por nascimento, espanhol 01 LEOPOLDINO Joaquim Teixeira de FARIA (1836-1911)- Pintor fluminens_e.
1 , Aluno de Vitor MEIRELLES e ZEFERINO DA COSTA, participou da Expos1çao
por educação, alegre e encorajado, dedicou-se à pintura de mari-
nhas, gênero em que, ao princípio, alcançou alguns resultados Geral de 1884.
02 Luigi SANTORO (?-?) -Pintor italiano . Ativo no Rio de janeiro na segunda
satisfatórios, mas de um momento para outro diminuídos, e a tal 1
metade do século XIX.
03 Spayni Ernst cesar August NOVAK (?-?)-Pintor austríac~. Sua presença na
1
98 ANTONIO Alves DO VALLE de Souza Pinto (?-?) -Pintor ativo no Rio de cena carioca foi registrada pela primeira vez na Expos1çao Geral de 1884.
janeiro na segunda metade do século XIX. Recebeu medalha de prata na Pintor de paisagens.
104 Miguel Na varro y CANNYSARES (7-1913) - Pintor espanhol. Após es~ágio
Exposição Geral de 1879.
99 Jules BALLÁ (?-?)-Pintor francês. Ativo no Rio de Janeiro na segunda metade em Roma, foi para Salvador, onde se tornou um dos principais responsave1s
do século XIX. Recebeu medalha de ouro na Exposição Geral de 18 79. pela criação da Escola de Belas Artes da Bahia. Faleceu no Rio de jane1ro. Fm
100 Émile ROUÉDE (1848-1908)- Pintor, gravador, fotógrafo, teatrólogo fran- retratista e pintor de gênero histórico.
cês. Após estágio na Real Marinha Espanhola, Rouéde chegou ao Brasil por HIPÓLITO Boaventura CARON (1862-1892)- Pintor fluminense ._Integrante
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volta de 1880, se estabelecendo no Rio de janeiro, depois em Ouro Preto, do grupo de artistas liderado por GRIM.M. Participou da Expos1çao Geral de
Itabira do Mato Dentro, São Paulo e Santos, onde faleceu. Pintor especializa- 1884. Após viagem á Europa (1885-1889), se estabeleceu em Jmz de Fora,
do em marinhas, alcançou grande interesse na cena carioca, onde expôs em onde faleceu. Paisagista.
1882 na Sociedade Propagadora de Belas Artes do Liceu de Artes e Ofícios e
na Exposição Geral de 1884. 106 Domingo Garcia y VASQUEZ (1859c.-1912) - Pintor espanhol. Aluno da

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paisagista francês Hanoteau, 10 7 têm mostrado, em consecutivos l loj ' o 'r. J?aff stá qu ido. Já nã? há vivalma qu o o~si­
estudos, verdadeiro amor pela natureza. Os seus pequenos qua- dere notabilíssimo fisionomista, o que e para lamentar em VIsta
dros além do capricho com que são desenhados, possuem quali- da perda importante pela qual passarão as meninas elegantes e
dades recomendáveis no colorido e na confecção. Dois nomes os fartos comendadores do futuro.
que vão crescendo vertiginosamente, os desses dois rapazes tra- -
Eu prefiro como fisionomista o Sr. Angelo . . 109 o s
Ag~stnn.
balhadores e modestos. seus retratos são detalhados, amaneirados, mas pmta~os com
observação e ricos de cor. Angelo Agostini é ~ colonsta op~­
Ao falar no Sr. Paff, 108 deve-se dizer como os franceses:
lento. A sua palheta tem as mais belas, as mais claras, as ma:s
Les dieux s'en vont. transparentes, as mais puras tintas. Os qua?rinhos que expos
Houve um tempo, perdido nas brumas do nosso passado em 1882, no liceu de Artes e Ofício, não pnmavam pelo dese-
não remoto mas já afastado, em que E. Paff foi o retratista predi- nho, primavam pela beleza das tintas.
leto dos brasileiros. Não sei quais as causas que influíram nesta Também teve a fama de fisionomista o Sr. Augusto Petit,llO
simpatia. Dizem alguns, com certeza os menos avisados, que era pintor feito pela força de vontade. Augusto Petit foi, duran_te
pela semelhança dos retratos com os retratados, semelhança que muito tempo, a maior fábrica de retratos que houve no pais.
os pincéis do Sr. Paff conseguiam com extrema facilidade, mas Fazia-os de todos os tamanhos e de todos os feitios, e, o que
não me parece assaz satisfatória semelhante razão porquanto, mais 0 recomendava, retratava comendadores perfeitamente co-
confesso, muitos retratos vi assinados por este pintor, os quais mendadores. Abóboras dos pés à cabeça.
me despertavam dúvidas sobre a parecença com os originais.
Era bem possível que esses narizes, esses olhos e essas bo-
cas, fossem iguais no retrato, aos dos senhores retratados, e que
ocupassem os seus respectivos lugares com a mesma disciplina
os esquecidos formam um grupo de artistas que desapare-
de uma companhia de sapadores alemães, em todo o caso des- ceu do convívio dos contemporâneos.
confio que o maior número dos senhores retratados não tinha
esses cabelos azuis, essas rugas roxas, esses lábios cor-de-rosa, Em 1879 na exposição geral de belas-artes, apresentaram-se
essas faces carminadas que ali eu vi muitas vezes. pela última ~ez, como se empregassem o .der~adeiro .esforço a
fim de vencer almejada notoriedade e, desiludidos, de1Xar~- se
ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO, integrou o
esquecer num letargo de saudade enquanto viam, entre nevoas
grupo de artistas liderado por GRIMM. Considerado pelo próprio mestre o
melhor paisagista do grupo, na volta de seu estágio europeu (1885 -1888), 109 Angelo AGOSTINI (1843-1910)- Pintor, litógrafo e jor?alista itali~no . Com
sua produção não consegue manter o mesmo grau de aceitação. formação de pintura na França, em 18 58 fixou res1denna em Sao Paulo,
107
Hector-Charles-Auguste-Octave-Constance HANOTEAU (1823-1890) - Pin- onde fundou os jornais Diabo Coxo e O Cabrião. Forçado a mudar-se para o
tor francês . Aluno da Escola de Belas Artes de Paris, foi retratista, paisagista Rio de Janeiro, fundou Vida Flum inense, Mosquito e a Revisla Iluslr~da . ~m
e pintor de gênero. todas essas p ublicações contribuiu com textos ácidos sob.re os mais vana-
108 dos assuntos políticos, sociais e artísticos e com suas cancaturas sobre os
Karl ERNST PAFF (18 33 -1887) - Pintor e fotógrafo alemão. Freqüentou a
Academia de Dresdem. A partir de 1867 no Brasil, trabalha em Recife e em mesmos assuntos.
Salvador e em 1877 fi xa residência no Rio de Janeiro. Transfere-se para São llO August PETIT (1844-1927) - Pintor francês . Fixou-se no Rio de_J~neiro e~
Paulo, onde falece. Como pintor, destacou-se pelos retratos (inclusive da 1864. Retratista requisitado em sua época, participou das Exposiçoes Gerais
família imperial brasileira) e pelas paisagens. de 1879, 1884 e 1898, entre outras.

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cinzentas, perderem-s para todo o s mpre os corpos brancos
das esperanças. Os morros
. En~~~ ele~ ~ouve al~s moços de talento, como Francisco Augusto Off
Villaç~ e Crrilo Carnerro.l 12 De Francisco Villaça há por aí, em
coleçoes de amadores, diversos quadrinhos de gênero e paisa-
gens. A sua pintura foi, às vezes, amaneirada, cuidada em exces- Em setembro de 1883, num dia ardente, levava-se a enterrar
s?: r~buscada em todos os detalhes, um tanto japonesa, pela pa- o corpo de um grande artista e de um inigualável boêmio: Augus-
CienCia, pelo descanso com que foi conseguida, mas o assunto to Off.l 18
demonstra ter passado por uma alma vibrátil, ter ferido as cordas A moléstia o surpreendera no atelier, apegou-se-lhe ao corpo
simpáticas de um organismo delicado, de um temperamento es- sob a forma de varíola, encheu-o de pústulas, corrompeu-lhe o san-
cravo do idolatrismo pela arte. De Cirilo Carneiro teve a Academia gue e matou-o. Nem sequer deu-lhe tempo de pensar nesta doloro-
uma -Deposição de Jesus Cristo -feita por superciliosa manei- sa existência que ele fizera a sorrir. Quando seu esquife desceu em
ra, afastada das convenções. Quadro grande não concluido, cheio mãos de amigos para o coche fúnebre, quando seu corpo separou-
de promessas luminosas e provas de juvenil talento criador. se para toda a eternidade daqueles a quem tanto havia amado,
Pertenceram também a este grupo os senhores: ouviu-se pelos cantos da sala o soluçar de frágeis peitos em que já
Alexandre Biagini, 113 autor de um quadro histórico - "Lot e havia corações feridos. Seis orfãozinhos ficavam entregues ao de-
suas filhas fugindo ao incêndio de Sodoma e Gomorra"· samparo, pobres, obscuros, habituados às privações.
114 ' Augusto Off pertenceu a uma classe de homens que possui o
L. Marzim e Numa Haring, 115 paisagistas;
coração maior do que é necessário para a vida. E era pelo coração
Wiegandt,ll 6 aquarelista, e N. Panini,ll 7 autor da "Tomada do que ele devia morrer, mas a morte, escarninha e irônica, babu-
Reduto do Estabelecimento" quadro reproduzido em litografias. jou-lhe de bexigas, esta espécie de lepra que deformiza o corpo,
111 Fran~isco VILAÇA (?~?) - Pintor ativo no Rio de Janeiro na segunda metade
o corrói, o reduz a pus. Pobre Augusto Off! Tu que foste tão
simpático, com teus pequeninos olhos azuis, devaneadores e ao
do seculo XIX. Mençao honrosa na Exposição Geral de 1876, e segunda me-
dalha de ouro na de 1879. mesmo tempo risonhos; tu, que possuías os cabelos tão louros e
112 Cyrilo CARNEIRO (1854 -?)-Pintor pernambucano. Estudou em Portugal e sedbsos, a epiderme clara e r~sada, a estatura elevada de um
na França. Enviou obra para a ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO homem forte; tu, que eras artista, que sabias amar a linha, prezar
RIO DE JANEIRO, que foi exposta na Exposição Geral de 1879. o relevo, idolatrar a cor; tu, infeliz que foste! Passaste do leito à
113 Alex~ndre BIAGINI (~·?)-Pintor ativo no Rio de Janeiro na segunda metade
cova deixando na mortalha os pedaços gangrenados do teu corpo!
do seculo XIX. Mençao honrosa na Exposição Geral de 1879.
114 L MARZ!N (?·?)-Pintor francês ativo no Rio de Janeiro na segunda metade Porém, abandonando a vida, deixaste para tua lembrança os
do século XIX. · belos retratos que tanta reputação te deram. Basta um só destes
115 N_uma HERING (?-?)-Pintor ativo no Rio de Janeiro na segunda metade do Offs, uma só destas telas, um só destes crayons, para que consi-
seculo XIX. Menção honrosa na Exposição Geral de 1879. gas viver em nossa memória. Chega, é bastante, este magrúfico
116 Bernhard WIEGANDT (1851-1918)- Pintor alemão. Cenógrafo em seu país de
ongem: ~hega ao Brasil em 1876, fixando-se primeiramente em Belém e depois
118 August OFF (1838-1883) -Pintor, desenhista e litógrafo alemão. Com for-
em Vttona e no Rio de Janeiro, onde permaneceu até 1880, quando retornou à
mação francesa, chegou ao Brasil em 1870 estabelecendo-se como profes-
Alemanha. Documentou a paisagem dos lugares por onde passou no Brasil.
117 N: PANINI (?-?) - Artista ativo no Rio de Janeiro na segunda metade do sor, inicialmente no interior do estado do Rio de janeiro e depois na antiga
seculo XIX. Capital do Império. Foi reconhecido pelos retratos que pintou de personali-
dades da época.

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li11

retrato de Fagundes Varella que o teu coração ofereceu esponta- nas, separando da barba os lobos das orelhas, levantando o can-
neamente aos órfãos do poeta. Que, por mim, relembre esta pági- to dos lábios, frisando os supercílios, são de uma perfeição imensa,
na inspirada as linhas que Ferreira de Menezes 119 te endereçou: são de uma originalidade notável. Também na pintura ele tem a
mesma nota, tem os mesmos toques, os mesmos traços. E isto é
Meu caro Augusto Off. seu, exclusivamente seu. Ninguém nunca o fez assim. Eis a sua
A fisionomia do poeta foi aquela mesma que o senhor conse- arte, eis o seu trabalho. Ele sentiu o tipo, viveu com ele, conhe-
guiu perpetuar.
Era aquele o seu ar. Vê-se ali o clarão da centelha que ardia na ceu-lhe o íntimo, a fisionomia acentuada, o ar externo, a aparên-
poderosa cabeça. A sua boca era aquela: firme, feita para o cia, e o põe vivo no papel ou na tela. Vemos, então, o homem, o
canto sonoro, afinado, justo. -Aque.les olhos que vêem longe, poeta, o artista, o pensador, o burguês, tais como são.
foram os daquele meu amigo de infância; olhos vagos por mo-
mentos, fL"Xos outros, de uma persistência incômoda, em uma Augusto Off, por ter esta impressionabilidade sensibilissima,
imagem, talvez a da glória, com certeza a da desgraça, de quem exasperava-se facilmente quanto tirlha de fazer o retrato dos se-
ele foi o filho dileto. O senhor não o conheceu, mas adivinhou- nhores Qualquer-Coisa. Era de vê-lo, nesses momentos. Em seu
o, tal é o laço invisível que une certos talentos, a vibração,
apesar do espaço e do tempo, que certos engenhos recebem de atelier, uma sala de fundo em prédio à rua do Senado, agarrava a
outros que às vezes não viram nem conheceram. O senhor, fotografia, e punha-se a mirá-la, durante horas e horas, soprando
artista de imaginação fantasista, embora não quisesse, havia fumaradas que tirava de um cachimbo preso aos dentes. Depois
de dar à fisionomia de Varella aquele cunho divino, o sigilo do de algum tempo, num gesto brusco, jogava a fotografia sobre a
gênio, como ele escreveu numa estrofe. O senhor estampou no
retrato a dualidade que havia no infeliz pensador: o anjo e o mesa. Apanhara a boçalidade do homem, mas sentia-se estafado,
demônio. enojado pelo imenso afã de prescrutar a alma de um bruto. Co-
A testa informe, mas vasta, os cabelos revoltos, sempre agita- meçava a trabalhar sem o fremente entusiasmo do artista, injuria-
dos por quais terríveis e místicas ventanias? ... ali estão. Seu do pela áspera imposição da necessidade, e, ao terminar o retrato,
trabalho, meu caro Sr. Off, é perfeito.
Aplaudo-o. Não há do poeta retrato tão semelhante e acabado. em pé, meneando a cabeça, enchendo de tabaco o cachimbo qui-
Quase que o oiço falar. Tenho-o ali, tenho-o no retrato, o meu lotado, dizia-lhe, a sorrir: "Vá lá seu coisa, você deve agradecer
amigo, o meu companheiro de pobreza e de sonhos, o meu isto a meus filhos". No entanto, o seu proverbial bom humor, a
irmão quase. sua alveolada alegria de boêmio, transpareciam em um instante
se se lhe entregasse a fazer o retrato de um poeta, de um roman-
Lembremo-nos ainda desta bela cabeça de Teófilo Gautier, cista, de um sábio. É que há nos artistas, naqueles que merecem
com o seu ar oriental, a sua pose de pachá; lembremo-nos ainda este nome uma imperiosa afinidade entre os espíritos superiores,
destes retratos de Alexandre Dumas Filho e de Augusto Comt '. como existe entre as crianças a espontaneidade da simpatia.
Como são vivos, como são reais!
De resto, Augusto Off foi um excelente boêmio traído pelo
Aqui, na tela, ali, no crayon, sente-se a individualidad cl<' coração. Como Figaro, receando chorar principiava por se rir de
um grande artista. Estes delicados traços, estas sombras d uma tudo, porque esse espírito estava saturado do pessimismo de
transparência incalculável conseguidas pelo esfuminho, t s gol S hop nhauer 120 e como ele descobria nas tragédias da vida hu-
pes de luz, leves, completos, docemente esbatidos; st s twrvo
sos rabiscos, estes tiques rápidos de lápi , r urvando as ttilri I' O r'illllr SC IIOI'ENII I\LJER ( 1788-1860) - Filóso fo al mao. Influ enciado por
1\,11 11, dt' SI' II VO IVI'IIII III il vi s, O ( 11' 111\111 (10 Ollci\' O ir ()I1H'nl devia d\'SV)c\1'•1)' U(IS
ll fl Jos ·· f.F.HHEIRI\ I)F. MI ·: NEZI ~S ( I H•I ;, I HH I ) Llt<·nl!o, porltl , l \'" '''olrr1:o r• •llld i l'ill I.r .-, 1' 11 )\tiiiii HM i d11 1'\'.l i i(i,l(lí', :il t'i\V('S dtl l'o \ Z t10, dO ii St'l' l i SIIIO l' da fli)\ il
Jorrhli ls i .l . Sun prod1r~· o rlllll <'il l'olpirlillt',\111\ ,.,,, II VI'w,, ''11'''"'· ''"' ilnrr , lh~~-------- di i' · pr ti l · " • tl.J u,rl 11"
mana o detalhe cômico que tão bem aproveitado foi pelo grande t ~ m na xi.sCncia duplo combate, o da subsi tên ia o do ideal.
Honoré de Balzac. Há nestas leis o que quer que seja de misterioso ...
Uma ocasião certo ator encomendou-lhe um retrato e negou- Generoso Frate12 1 foi uma dessas vítimas, contando apenas
se ao pagamento. Longe de encolerizar-se Augusto Off dirigiu-se vinte e tantos anos de idade, menos de vinte e seis. A epidemia
ao ator e disse-lhe com a maior bonomia possível: de febre amarela, em 1885, levou-o para o túmulo quando, re-
- Somos ambos artistas. Ao senhor, ninguém pode fazer cém-chegado da Itália, trabalhava para efetuar uma exposição.
uma encomenda; eu sou mais infeliz. Em todo o caso sou eu Esta exposição foi realizada na casa De Wilde pelos cuidados
quem lhe deve porque o senhor foi ao meu atelier representar de seu prestigioso amigo N. Facchinetti e o Exrno. Sr. cônsul da
uma farsa. Estamos pagos.
Itália, mas foi uma exposição póstuma, arranjada do melhor modo
possível e para a qual foram aproveitados os poucos trabalhos
deixados pelo infeliz moço, alguns já terminados, a maior parte
por acabar.
Generoso Frate, Leoncio Vieira, Huascar. Não sei se ela deu o bastante para garantir a torna-viagem da
mãe do artista que, sem o filho, ficou reduzida a condições es-
cassas, porém sei que veio provar o belo talento de Generoso
Aos vinte anos, quando o coração borbulha intumescido de Frate, talento ainda não desenvolvido com todo o seu poder, ain-
amor e a mente se deixa arroubar pelas fantasias; aos vinte anos, da um tanto vacilante, preocupado com as mundaneidades, mas
quando se almeja a glória e se percebe entre cambiantes estrele- verdadeiro e prometedor.
jamentos o destino que se julga vir desempenhar na sociedade, a
morte de um homem é um assassinato cometido pela natureza. Entre os trabalhos reunidos nesta exposição, notavam-se -
um retrato do paisagista Facchinetti cuja máscara era pintada
A irresponsabilidade do criminoso aumenta o delito. Contra com valentia e verdade, uma enorme palheta suja (sic) com o
ele nada há que fazer, nenhum código o pode entregar aos cárce- retrato da Exrna. esposa do marinhista E. Rouede, alguns bons
res, nenhum juiz o pode mandar à forca. E, no entanto, dentro de estudo,s a lápis, e diversos pratos desenhados à fumaça, gênero
nós, ondula, fremente, a cólera contra a crueldade. Não foi um
iniciado no país e unicamente feito por Generoso.
fraco que arrebentou em meio da viagem; não foi um soldado que
tombou no momento da carga, não foi um nulo que caiu fulmina- O desenho de Generoso Frate é rápido e agradável, um
do pelo excesso dos prazeres; foi uma vítima, novel trabalhador tanto à caricatura, e o seu colorido bonito, claro, sólido, mas
da paz que, a cantar, ia em busca da oficina e no momento de nenhum quadro, que como tal pudesse ser considerado, aí fi-
dobrar uma encruzilhada, onde as árvores erguiam alegremente gurava, talvez devido à falta de tempo que teve o artista para
para o azul a viçosa ramaria de seus braços, recebeu em cheio se dedicar a trabalho de maior cuidado. A nota dominante des-
sobre o peito, inesperada e cobardemente, o projétil da morte. ses trabalhos era o chie. O desenhador exagerava um pouco a
linha, dava-lhe curvas muito puras porém afetadas, à guisa de
Enorme injustiça! As naturais circunstâncias que precedem
Gustavo Doré, e o pintor esforçava-se para concluir de modo
as causas mórbidas determinadoras da morte, poupam os inú-
teis, deixam à sociedade os libertinos, os asquerosos, os ignóbeis
121 GENEROSO FRATE (1857-1883)- Pintor italiano . Com formação em Gêno·
e, como se tivessem caprichos de amante, arrebatam do número va, sua cidade natal. Faleceu no Rio de Janeiro, tendo passado pouco tempo
dos vivos aqueles que têm talento, aqueles que trabalham, que no país.

228 229
cond_ig_no a forma da linh a pincelando a'
negligé, com cer ta A ra. . Abigail romp u os laços banais dos pr '<·on ·'i os '
garn d Ice m as n ão lon ge do maneirismo.
fez da pintura a sua profissão, não como outras qu , a r adas
* dos mesmos cuidados pat ernais, aprendem unicamente a art :ti-
nha colegial, p elintra, pretensiosa, hipócrita, execrável de faz r
bonecos em papel Pellee e aquarelar paisagens d'apres cartons;
Leôncio Vi~ira122 também morreu moço e, pode-se dizer não para dizer que sabe desenhar e pintar cetins de leques, não
ob scuro como VIveu. •
para reunir à prenda de tocar piano e bordar a retrós a d e m arti-
rezaD~dic~do-se à paisagem pequena importância ligou à na tu- rizar pincéis, mas por índole, por vontade, por dedicação.
, on e resultou fazer quadrinhos convencionais e muito É que a Sra. amadora possui um espírito mais fino, m ais
~~~os. Antes de ~orrer empreendeu uma composição: "O ser- profundamente sensível às impressões da natureza e sabe, ou
d . da montanha (pertencente à Academia de Belas Artes) ue por si ou inteligentemente guiada, aplicar o seu talento a uma
eiXou esboçada. Talvez fosse o seu melhor trabalho. q nobre profissão que há de, senão agora, pelo menos em breve
b Nas mesmas condições esteve Huascar de Vergara 123 hom tempo, colmar-lhe a vida de felicidades.
tra alhador e modesto, porém artista de muito pouco ~érito. em Oportuno não é o lugar para entrarmos em largas considera-
ções sobre a benéfica influência da arte no desenvolvimento das
boas qualidades humanas nem razões maiores se apresentam
para ditar semelhantes considerações, pois estas páginas não têm
. XI pretensões pedagógicas nem aqui se trata de educandos.
Amadores
Contudo, ao falarmos em um nome de senhora que principia
a sua carreira artística, não podíamos deixar de, atenciosamente,
fras~~~de S~a~Jl24 dizia a Napoleão que "o gênio não tinha sexo" elogiar tão rara dedicação.
P ada mumeras vezes e que, entre nós a Sra D Ab. ail d
Andrada125 b d ' . . Ig e A Sra. D. Abigail começa apenas a mostrar seu talento para a
aca a e corroborar com o seu valioso talento.
Creio que a Exma · t · pintura e o tem feito por uma maneira um tanto feliz. O seu
o sim 1 . . . pm ora começou os estudos artísticos com quadro "Cesto de compras" é uma promessa de sumo valor, pela
~ es mtuito_ de completar a sua educação, porém a paixão precisão dos detalhes, pela pureza do colorido, pela observação
pel a pmtura dommou-a. '
do desenho; o pequenino quadro "Um canto do meu atelier" tem
122 LEÔNCIO da Costa VIEIRA (1852-18 . . qualidades dignas de atenção; os retratos e as paisagens que há
DEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES D~1~I-;; ~mtor canoca. Es_t~dou na ACA- exposto são verdadeiras vitórias para uma amadora, mas nestas
sição Geral de 1875. EJANEIRO. PartiCipou da Expo- obras ressente-se um pulso muito feminino, muito tímido, e so-
123 Huascar de VERGARA (Nã f bretudo um exagero, aliás perdoável, de aproveitar bem o assun-
124 A L . . o oram encontrados documentos sobre este artista.).
nne Olilse Germame Necker b d .. to sufocando a primeira impressão recebida como se obrigada
MADAME DE STAEL(1766-181,7) aroEnes~ e Stael-Holstein, conhecida como
- sentara francesa fosse às convenções do ensinamento.
125 Abigail de ANDRADE (1864-?)- Pintora . . . . .
segunda metade do sécul . . canoca. Ativa no Rw de Janeiro na O talento da Sra. D. Abigail nos faz confiar em futuras obras.
dade Propagadora das Be~a~~r~:~t~:~~:; exposi?ão ~e~lizada pela Sacie-
Da artista são conhecidas alguma . de da Exposiçao Geral de 1884. Estamos certos de que uma viagem à Europa influenciaria
cotidiano carioca. s pmturas e cena de gênero, retratando o grandemente no desenvolvimento da orientação estética da se-
nhora amadora.

230
231
c ma mi turar com os
Também há feito jus à nomeada de talento apreciável a Exma.
Sra. D. Anna Navarro Muniz de Aragão. 126 S. Ex. dedica-se à pin-
::::ao~:~b~~l:~~ ~~~i~eJ~::~:;ssivel~ente para a n~tur;~
tura em porcelana, gênero delicado e difícil, porém, digno dos
pacientes desvelos de um educado espírito de senhora.
~~e::~~~~:~~~~~li~:s ~:~~!~d~~·:.n;:,~ ~o:~~~:;
Entre os amadores contam-se dois nomes simpáticos e vanta- estações ~~: :0.:~:~~~~~~· c~::~:~t~~~::~ss:ê:~:~:s. foi
josamente conhecidos: os dos Srs. França Junior 127 e L Pacheco. bradods di MeJtastaso128 nesses belos versos, hoje banais e
conta a por
O Sr. França Junior foi discípulo de Jorge Grimm, um daqueles sem frescura:
discípulos mencionados no capítulo V da parte Ill deste livro, e, ó primavera! gioventu dell'anno!
como seus colegas, seguindo com interesse as pegadas do profes-
sor. Mas em um belo dia tomou a sério a sua personalidade de ó gioventiJ.! primavera della vita!
artista e desertou da escola. A índole do Sr. França Junior não po- O seu coração de poeta sensível aos aspecto~s da natur::~
dia, de forma alguma, combinar-se com a de Grimm, cuja pintura
participa da rudeza de expressões, da resolução espontânea das
que diante dos ol~os, desse~ pred~sti~~:r~~s;e~~:::: da
parece espirituahzada, devm ouVIr a ~ na vida o
vontades, da muda resignação do trabalho que formam seus traços - compreendida pelos que tem
característicos; aquele, tipo brasileiro e bem-educado, homem de cor ~ da forma, ~~o Não é que ao seu ilustre professor falte
sociedade e de talento perfeitamente culto, tendo por traços distin- destmo dos vege ~~s. - lta-lhe o nervosismo do ver-
tivos a amenidade do trato, a delicada investidura das expressões, a inteligência e hablhtaçoes, mas ~:T da de extrema do verdadei-
obediência calculada das obrigações, o prazeroso cuidado pela per- dadeiro artista, falta-lhe ~a er:~:~ ~nguém sabe ver, daqueles
feição do vestuário, natural e forçosamente teria outra predileção r o poeta, daqueles q~e ve~m sabe sentir' daqueles que tradu-
pela pintura, manifestada nas mais sentidas expressões da natureza. que sentem como runguem . · são de cada flor, de
zem, pela imaginação, a par~cula~;::e: atiram para dentro
E de mais a mais, ele que fora poeta em sua mocidade, ele
cada planta, de cada canto a na t como uma saraivada de
que vira a arte dos países civilizados, ele que possui uma edu- m um dado momen o,
cação literária e que avidamente lê o que se tem escrito e o que do nosso ser, e - ondade de alegria, de ingenuidade,
se escreve de mais novo, de mais emocionante, de mais notó- estrelas, as emoçoes de b d, mor As felizes paisagens
rio nas letras da França, da Itália, da Espanha, de Portugal e da de força, de saudade, de graça, e agaveia de glórias para o Sr.
Inglaterra; ele que é um homem são, forte, pletórico de bom do Sr. França Junior devem ser uma
sangue, inviolável ao enraizamento dos vicios, e que já orçan- Grimm. . ·sta
do pela idade dos severos papais, tem a radiante fisionomia de . di 'pulo seu que se formou este prosagi .
Fm como sc1 .
um moço, a pele limpa, o olhar brilhante, a dentadura esplên- Ainda há muito que esperar do Sr. França Junior, ~as .~co~-
. di os seus progressos sao VlSlVels,
126 Ana Navarro Muniz de ARAGÃO (Não foram encontrados dados sobre esta testavelmente, de dia para da tureza com uma dedicação
artista.). pois tem o cuidado de estu ar a na
127 Joaquim José da FRANÇA JR. (1838-1890) - Pintor, teatrólogo e jornalista merecedora de elogios.
carioca. Aluno particular de Benno TREIDLER. Aluno ouvinte da ACADEMIA
Il\fPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO, foi aluno de GRIMM naque- 98 1782)- Poeta italiano . Nascido em Roma,
128 Pietro Trapassi META~TASIO ~16 (- d f leceu). Criou vários melodramas e
la instituição. Seus contatos posteriores com o grupo capitaneado pelo artis- mas com forte atuaçao em Y_l~na on e a
ta alemão foram escassos. Em sua pequena produção, sobressaem as pintu- ajudou a revigorar o teatro hnco.
ras de paisagem.

233
232
Não menos poeta, pelo sentimento de suas paisagens, pela
harmonia de cores das suas gouaches é o Sr. Insley Pacheco.l 29
Mas o Sr. Pacheco tem uma desvantagem: a de fazer paisagem de
fantasia. No recolhimento do seu belo atelierde fotógrafo, diante
da sua mesa de mosaico italiano, tendo ao lado a palheta de
porcelana com as mais alegres tintas, a sua imaginação guia-lhe
o adestrado pulso nos suaves contornos de montanhas de safira
esbatidas em céus cor de turquesa. Pelas plarúcies de um róseo
quente destacam-se grupos de árvores de esmeraldino verde e
amarelo de ouro, e longe, num nevoamento lilás, brilham doce-
mente as torres das igrejas, os telhados das casarias, baloiçam o
penacho os coqueiros vergados, nascidos gêmeos.
Bonitos arranjamentos de cores, bonitos e bem feitos. Escultura

Notas de Gonzaga-Duque I

(l) Pedro América de Figueiredo e Mello nasceu na cidade de Areas, . Silva 1 o primeiro escultor brasileiro,
Paraiba, a 29 de abril de 1843. Valentlffi da Fonseca e ' . fidal o portu-
(2) Victor Meirelles de Lima nasceu na província de Santa Catarina, a o que melhor mereceu este nome, era filho d~ : .~ente em
18 de agosto de 1832. guês contratador de diamantes e de uma cno a resl
Minas Gerais.
A seu respeito conta-nos Porto-Alegre:
' . . - · lo natural amor, seu pai o
Pela sua vivacidade e mteligenoa, pe
levou para Portugal, onde o mandou educar; mas este ~or
durou poucos anos, porque os parentes trataram de o reenvw~
ara o Brasil conjuntamente com sua mãe, logo que .seu pai
ialecera Os nossos antigos faziam-no educado em Lisf?oa, o
. , l Valentim segundo a Irma o
que me parece impossiVe , porque ,

. . 1ESTRE VALENTIM (1740/50-1813) -


1 Valentim da Fonseca e Süva, dito ~- deu em Portugal. Estabelecido no
Escultor mineiro. Parte de sua.forlmai~o :~eiro traçado do Passeio Público
Rio de Janeiro, foi o re~~onsav~ P.~ ~ariocas. Foi responsável igualmente
daquela cidade, e yor vanos .cha an:~:m Terceira do Carmo , entre outros
pela ornamentaçao ~a. IgreJa dfa Od t mergulhado nos valores estéti-
129 Joaquim INSLEY PACHECO (?-1912) - Fotógrafo e pintor português. Radica- trabalhos. Artista ongmal, pro un amen e
do no Rio de Janeiro, estudou pintura com Arsênio SILVA, tendo sido pre- cos do Rococó internacional.
miado nas Exposições Gerais de 1864, 1866 e 1898

235
234
Sr. Sim cão (l ), 2 e os que o conheceram de perto, conservou até
morrer o sota~~e minhoto; e não é possível a um brasileiro à entrada do terraço no Pa io Púl Ji ·o, o · rn ·dalhõ ·s qu • ornunt
~panhar este VICIO de pronúncia em Lisboa, onde se não troca o o portão deste jardim; a decoração do teto da i - ja da ·ruz, ·1 da
.d p~r v, e nem se fala à galega. Que este artista fora de tenra capela-mor da igreja de São Francisco de Paula, e grand núm ro
l a e, e volt~a ainda jovem, é fato constante, assim como de de lâmpadas ainda hoje existentes em algumas igrejas.
que fora aqm que aprendera a arte torêutica com o entalhador
Sem a menor dúvida seus trabalhos torêuticos são superior s
que_ fez as primeiras obras da ordem terceira do Carm
aos trabalhos de escultura, propriamente dita, cujos defeitos têm a
qums foram c~ncluídas em parte por Valentim, e ultimam~n~:
no mesmo estllo, pelo sr. Pádua. sua imediata explicação nos insignificantes estudos que ele possuía
P~ssuiu este mestre, além de sua grande facilidade na inven- desta arte. Desses trabalhos o melhor, o mais acabado, o que pare-
~ao, ~ande a~or ao trabalho. A ele corriam todos os artistas ce mais eurítmico é o grupo dos jacarés, no Passeio Público, fnndi-
r o Rio de Janeiro, mormente os ourives e lavrantes para obte- do por suas próprias mãos por ter falhado na primeira fnndição.
d~m ~esen~os e moldes d: banquetas, ciriais, lâmpadas, custá- Correu algum tempo como certo ter sido Valentim o arquiteto
las, rontms, salvas, rehcarios, e tudo o que demandava lQ-xo e das igrejas da Cruz e da Candelária, mas o Sr. Porto-Alegre refuta
gos~o. Talvez fosse Valentim uma das causas poderosas que com lucidez esta asserção. Escreve o ilustrado pesquisador:
monvaram aquela bárbara carta régia de 30 de agosto de 1766
qu~ mandou fechar todas as lojas de ourives, seqüestrar todo~ A igreja da Cruz, que passou sempre por ser obra de Valentim,
os mstrumentos da arte r t d talvez porque a concluísse aos trabalhos exteriores e fizesse
. . . . . ' ecru ar to os os oficiais solteiros,
prmblr o ofloo no Rio de Janeiro e castigar os delinqüentes toda a obra de talha no interior, é feitura do brigadeiro José
com as penas de moedeiros falsos! porquanto é sabido e foi Custódio de Sá e Faria, 3 como verifiquei pela leitura das atas e
;empre constante, que semelhante carta régia fora lançada em correspondências da Irmandade, mormente na carta de ordens
avor de alguns_ ourive~ de Portugal a quem os nossos tiravam de 13 de outubro de 1765, na qual se faz a encomenda de toda
o ganho, o que e claro a vista da perfeição das obras de prata e a obra de mármore, para Lisboa, e onde se fala aí nos desenhos
o~o daqu:les tempos, e das lâmpadas e mais objetos que se feitos pelo sobredito Faria, não só do templo, como das peças
veem em Sao Bento, Carmo e Santa-Rita, modeladas e inventa- encomendadas. Aqueles belíssimos captéis, mísulas, fechos de
das por Valentim. arcos, florões das quartelas e outros objetos, custaram pouco
•mais de 60$000 réis, o que não seria de admirar, a não ser sua
d Foi~ mestre Valentim o primeiro, no Brasil, a fazer aplicação perfeita execução .. .

:u.
o esm te ao metal, tendo-o empregado pela primeira vez em
dos modelos dos aparelhos de porcelana feitos com o caulim
~ilha do G~vernador e a pedido do célebre João Manço, cogno-
.. . Também afirmavam os antigos que o risco da Candelária
pertencera a Valentim, o que não é exato, o mestre Marcellino, 4
canteiro, e autor da obra, ouviu muito a Valentim, mas não
mmado em Usboa - o químico. seguiu os seus conselhos em tudo, porque este mestre se quei-
xava de que a tenacidade de Marcellino era a causa de ficar
- . Entre as ob~as por ele deixadas as que nos chegam até hoje aquele templo defeituoso; e Valentim se não enganou: o seu
sao. as duas estatuas de ferro fnndido . interior é uma desarmonia com o exterior.
que ornam o chafanz das
marrecas, na antiga rua dos Barbonos; o grupo de jacarés na fonte
3 José Custódio de Sá FARIA (7-1792) - Engenheiro militar, cartógrafo e ar·
2 Simeão José de NAZARETH (1778-18 . quiteto português. Ativo no Brasil na segunda metade do século XVIII. Fale·
MESTRE VALENTIM R . 58) -Escultor canoca. Foi discípulo de ceu em Buenos Aires. Atuou em Santa Catarina, São Paulo e no Rio de janeiro.
Domingos, no Rio d~ J=~~i~~~avel pelo trabalho em talha da Igreja de São
4 Mestre MARCELINO (?·?) - Mestre-de-obras ativo no Rio de Janeiro na se-
gunda metade do século XVIII.

236
237
Talvez essas referências partissem de ter Valentim d d
LeandroJoaqunn . a o, com Tomou conta, temporarimn nt , da cad ira cl ultura, um
. . ' o nsco para a reedificação do recolhimento do discípulo seu, Francisco Allão, lO ainda muito fraco para sem -
Parto, Incendiado em 23 de agosto de 1789 reedif - .
lhante responsabilidade, mas, em pouco tempo depois, foi subs-
realizada no curto espaço de seis meses! ' Icaçao que fOI
tituído por Marcos Ferrez, 11 o autor da estátua de Pedro I e do
Valent~ f~leceu nesta corte em 1o de março de 1813, dei- busto de D. João VI, existente na Biblioteca Nacional.
xando ~or disCipulo José Carlos Pinto,5 Simeão José de Nazareth
e Francisco de Paula Borges. 6
Em 1850 veio Luiz Giudice 12 que deixou alguns bustos em ges-
so, notando-se entre eles o de Gonçalves Dias e o de Araújo Porto-
Trabalharam também nesta arte frei Domingos da Silva 7 au- Alegre. É também obra sua o baixo-relevo em pedra lioz do frontão
tor 'ddo arco-c~u~eiro na capela-mor do mosteiro de São B~nto da Misericórdia. Deve-se a Giudice a descoberta da Plastelina. É des-
J o se a Conceiçao8 e Simão da Cunha. 9 , ta época o estatuário Petricch, autor das estátuas de Anchieta e frei
Manuel de Jesus, que pertencem ao Hospital da Misericórdia, a de
D. Pedro II, na Biblioteca Nacional, e a de José Clemente Pereira
(mármore) que está no Hospício de Pedro TI, na praia Vermelha.
li
*

No período que vai da fundação da Academia de Belas Artes


(1816) a uma parte do movimento (1850) teve o país seis esculto- Francisco Manuel Chaves Pinheiro 13 (cavaleiro e depois oficial
res, sendo quatro estrangeiros e dois nacionais. da Rosa e condecorado com o grau de cavaleiro de Cristo; nascido
Del~s, o primeiro aqui chegado (1816) foi Augusto Taunay nesta cidade a 5 de setembro de 1822 e falecido a 6 de março de
que fazia parte da colônia Lebreton As um'·cas obra 1884) foi discípulo de Ferrez, substituindo-o na aula de escultura
d · f , · s que nos
eiXo.u ?~amas estatuas em gesso e o baixo-relevo que ornam o
frontispicio da Academia de Belas Artes. Faleceu em 1823 . 10 Francisco ALLÃO (ou João Francisco ALÃO) (?-?)-Discípulo de Vieira POR-
anos depois de chegado. , seis TUENSE, na cidade do Porto. Transferiu-se para o Rio de janeiro, requisitado
p~ra modelar esculturas para o Paço Real da Boa Vista. Substituiu Auguste
Marie TAUNA Y no cargo de professor da ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS
5 José Carlos PINTO(?-?)- Escultor ativo n 0 R. d J . ARTES DO RIO DE JANEIRO, mas não foi seu discípulo.
d d · 10 e aneiro na segunda t
e o seculo XVIII. Discípulo de MESTRE VALENTIM. me a- 11 MARC FERREZ (1788 -1850)- Escultor e gravador francês. Chegado ao Rio
6
F~~~cisco de Paula _BORGES (?-?) - Escultor ativo no Rio de Janeiro na se- de Janeiro logo após o grupo que compunha a Missão Francesa, juntou-se a
g . a metade do seculo XVIII. Discípulo de MESTRE VALENTIM. ele e, ao lado de seu irmão Zepherin Ferrez (1797-1851), teve seu nome
7
Frei Dommgos Conceição da SILVA (1643-1718)- E I - . ligado aos primeiros anos do ensino artístico naquela cidade. Foi professor
cacto no Rio de Janeiro Tom" h'b· - seu tor portugues, radi- da ACADEMIA Il\1PERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO.
. · uu a no aos 4; anos Foi 0 t d . .
pais obras escultóricas do Mosteiro de São Bento no. R' d aJu or as prmo- 12 Luigi GIUDICE (?-?)-Escultor italiano. Atuou no Rio de Janeiro na segunda
• _ • 10 e aneiro.
8 Jose da CONCEIÇAO (?- 175 5) - Escultor . . . metade do século XIX , onde executou baixo-relevo para a Santa Casa de
ro no século XVIII. Com Simão da CUNH e entalhad.or ativo no RIO de Janei- Misericórdia.
Mosteiro de São Bento naquela ci'dade TA ptrofdFuzm Imagens para a Igreja do 13 Francisco Manuel CHAVES PINHEIRO (1822-1884)- Escultor. Aluno de Marc
. _ · ex o ootnote
9
Simao da CUNHA(?-?)- Escultor e entalhador -- . FERREZ na ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO,
Janeiro no século XVIII. Com José da CONCEIÇÁ~rtug~es a~uante no RIO de onde mais tarde foi professor de escultura. Sua produção denuncia muitas
Igreja do Mosteiro de São Bento naquela cidade. pro uzm Imagens para a vezes a pura introjeção de certos valores neoclássicos, assimilados sem ori-
ginalidade e sem grande perícia técnica.

238
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por concurso com o talentoso Pânfiro. 14 Como professor efetivo Scba tião, gesso, que e tá no ni ·ho da ·cadaria prin ii al do
regeu esta aula, mais tarde transformada em aula de estatuária paço Municipal; o baixo-relevo que orna o templo da lória rep-
durante 32 anos, sendo jubilado em agosto de 84 em conseqüênci~ resentando a Assunção da Virgem; os doze apóstolos (em madei-
das enfermidades que o atacavam. ra) que ornam o interior da igreja de São Francisco de Paula; o
busto de Tiradentes, e a estátua de ferro fundido do finado con-
Chaves Pinheiro foi protótipo da força de vontade. Apesar de selheiro Buarque de Macedo, que foi erigida no jardim das Ofici-
mestiço não teve a imaginação fogosa que, quase sempre, consti-
nas da Estrada de Ferro D. Pedro li.
tui um dos caracteres deste cruzamento, trabalhou muito, traba-
lhou extraordinariamente, a tal ponto de, em menos de três dias, Nesta numerosa obra nota-se o desalinho, ou para melhor
aprontar duas figuras alegóricas que deviam figurar em um pro- dizer, a ausência de habilidade técnica que forma uma das
visório arco de triunfo, levantado pelo comércio desta capital, feições dos seus trabalhos. A espátula ou cinzel manejava com
durante os festejos comemorativos à terminação da guerra do o mesmo vigor tanto a carnação como a roupagem; não há
Paraguai; mas tendo unicamente uma educação literária por de- propriedade, não há justeza de corte. Tome-se para exemplo
mais rudimentar (estudou as primeiras letras na escola pública disto o busto de Tiradentes. A espátula rompeu a massa dos
da freguesia do Sacramento, donde saiu em 1835 para se matri- cabelos da mesma forma que rompeu a da carnação e a do pano
cular na Academia) não pôde aceirar seu espírito para figurar que envolve o busto.
como artista culto, cuja concepção fosse guiada por um cérebro A espessura é a mesma, a mesmíssima.
lucidamente orientado. Aprendendo com decidida vontade o me-
No movimento a sua habilidade ainda falseia. A estátua de
tier a que se dedicou e dispondo de uma robustez física capaz de
agüentar o mais fatigante trabalho, mostrou sempre grande ati- João Caetano e de Joaquim Augusto são mudas, têm a ação para-
lisada, não dão uma idéia imediata de que o artista imaginou ou
vidade e presteza na feitura propriamente material de suas obras.
sentiu. Na parte concepcional ainda a mesma fraqueza se nos
Durante a sua existência de artista além de muitos bustos (retra-
apresenta. Nenhuma idéia nova, nenhuma expressão exata da
tos) e santos que fez por encomenda, cinzelou: uma estátua eqües-
vida ps~cológica se manifesta nesses trabalhos. O grupo alegóri-
tre do imperador D. Pedro li, no gênero monumental (gesso) per-
co da lei de 28 de setembro de 1871 é uma ingênua reunião de
tencente hoje ao Asilo dos Inválidos da Pátria; o grupo alegórico
três ou quatro figuras, sem anatomia, roliças, talhadas da mesma
da lei de 28 de setembro de 1871, gesso, que está na Secretaria
maneira, imóveis, posadas, inanimadas. O pensamento de liber-
da Agricultura; duas estátuas pedestres do imperador D. Pedro
dade fremente na alma humana, não é traduzido pelo menor
li, gesso, uma pertencente à Misericórdia e outra à Casa da Moe- '
jogo dos músculos faciais, nestas figuras.
da; as estátuas de João Caetano dos Santos e a de Joaquim Au-
gusto Ribeiro, gesso, que se acham no vestíbulo do Conservató- Silva Guimarães15 estudou alguns anos na Itália e produziu
rio de Música; o grupo em gesso "Colombo descobrindo a Améri- muito pouco, notando-se entre seus trabalhos os bustos do vis-
ca" propriedade da família do falecido marquês de Olinda; o São conde de Sapucaí, de Gonçalves Dias e Cunha Barboza, que se
I
acham no Instituto Histórico.
14 Francisco Elídio PÂNFIRO (1823·1851) - Escultor e professor fluminense. Alu-
no de Marc FERREZ na ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE
15 Joaquim José da Silva GUIMARÂES Júnior (?-?) - Escultor e gravador de
JANEIRO, mais tarde foi professor de escultura naquela instituição. Obteve
medalhas, ativo no Rio de janeiro na segunda metade do século XIX.
Prêmio de Viagem.

241
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Foram discípulos de Chaves Pinheiro, Caetano de Almeida ll1
Reis, 1 6 Rodolfo Bernardelli 17 e Hortêncio de Cordoville.l 8 Os dois
primeiros completaram seus estudos na Europa e ocupam, hoje,
notável lugar entre os escultores contemporâneos. Cândido Caetano de Almeida Reis (discípulo de Rochet) 19
nasceu na cidade do Rio de Janeiro a 3 de outubro de 1840. Em
Hortêncio de Cordoville, dos três, foi o único que permaneceu 1854 matriculou-se na Academia de Belas Artes e em 65 teve o
no país, não por vontade própria, mas por falta de proteção duran- prêmio de viagem.
te os seus estudos acadêmicos. Pobre, desprotegido e modesto,
confiou sempre em suas próprias forças, tendo de se afastar um Ao vê-lo passar pela rua, pequeno, ativo, com o chapéu de
pouco da arte predileta para trabalhar em arquitetura donde retira pelo de seda enterrado na cabeça, os cabelos grisalhos aparados
os elementos de subsistência. Nestas condições pouco tem feito, sobre o pescoço, os olhos pequeninos e vivos, a barba rapada,
apenas alguns bustos em gesso (retratos) que mereceram sempre lembramo-nos desses persistentes trabalhadores de gabinete que,
elogios da crítica pela fidelidade fisionõmica e pelo irrepreensível com a perene atividade das formigas, esquecidos do mundo, sós,
acabamento do trabalho. inflexíveis, metódicos, vão minando os velhos edifícios das cren-
ças para nivelar o trilho em que deve bufar e correr a máquina do
Dotado de belo talento de artista, e de uma prodigiosa força progresso. Almeida Reis é dessa massa de heróis.
de vontade, não deL"Xará, com certeza, perecer seu nome nesse
horrífico embate de vicissitudes da fortuna, tendo o extremoso Durante o dia, encontra-se-o no interior da sua oficina, em
cuidado de talhar bloco rememorável, assim que menos aciden- uma das salas ao rés do chão do antigo Paço da cidade, vestido
tada lhe correr a existência. de blusa de brim pardo, toucado por um coçado gorro de veludo,
febricitante de inspiração, a talhar o mármore ou a cortar o bar-
ro, largamente, com a segurança e o vigor de um Rude. 20 Vê-se-
lhe, então, a descoberto a fisionomia simpática: a testa é vasta,
os olhozinhos brilham com a mais viva expressão de entusias-
mo, a boca grande ri de quando em quando, ri contente; é um
risQ honesto, levado aos lábios pela força de um sangue rubro e
pela tranqüilidade da consciência. E ao fundo, no alto da parede,
16 Cândido Caetano de ALMEIDA REIS (1838·1889)- Escultor fluminense. Foi dominando a sala de trabalho, o busto de Augusto Comte, presi-
al uno de CHAVES PINHEIRO na ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO de a criação de suas obras as quais devem aos seus métodos
RIO DE JANEIRO. Ganhador do Prêmio de Viagem em 1865 .
científicos o quanto têm de adiantadas e perfeitas.
17 José l\1aria Oscar RODOLFO BERNARDELLI (1852-1931)- Escultor e profes-
sor mexicano, naturalizado brasileiro. Aluno de CHAVES PINHEIRO na ACA- Convém dizer que o estatuário tem pelo grande filósofo do
DEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO, foi ganhador do século XIX a maior veneração possível, pois foi pelo estudo de
Prêmio de Viagem, estabelecendo-se em Roma durante quase uma década,
quando foi aluno de Achille MONTEVERDE. De volta ao Brasil, foi saudado seus livros, que ele chegou a ser o mais bondoso, o mais modes-
como um dos renovadores da arte local, devido à sua escultura de teor to, o mais simples dos homens. Nenhuma futilidade o alimenta,
verista. Diretor da Escola Nacional de Belas Artes, logo após a Proclamação
da República, ocupou o cargo até meados da segunda década deste século .
19 ROCHET (Não foram encontrados dados sobre este artista).
18 Hortêncio Branco de CORDOVILLE (?-?)-Escultor ativo no Rio de Janeiro na
20 François RUDE (1774-1855)- Escultor francês. Responsável pela decoração
segunda metade do século XIX. Estudou na ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS
ARTES DO RIO DE JANEIRO . escultórica do Arco do Triunfo, em Paris. Acadêmico de viés neoclássico, foi
influenciado pelos valores estéticos surgidos com o Romantismo.

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Par -m qu o interno não atisfez a Academia, e tanto
a menor chama da maldade humana, dessa que lampeja sob a
que a sua original produção foi posta de lado sem que merecesse
forma de egoísmo sórdido, de inveja, de maledicência, escalda-
lhe o sangue. De um positivismo prático e profundamente mora- o menor cuidado na sua conservação.
lizador não conhece o inútil porque se o inútil existe e ele o Mas não faltam obras pelas quais se avalie os méritos do
depara principia por eliminá-lo e acaba por esquecê-lo. A sua escultor. Em uma das salas do Museu Nacional encontram-se três
obra é também assim. gessos em que a mesma amplitude de execução e maior ciência
anatômica os recomendam entre os melhores trabalhos que a
Nascida de uma organização perfeitamente igual sem a me-
estatuária brasileira venha a produzir.
nor diversidade, ela é sincera e pessoal e tem a distinta qualida-
de de ser unicamente sua, porque é verdadeira e convicta. Agora cessou a alegoria, o artista vai se inspirar diante da
humanidade. Clareou em seu espírito a aurora de um novo tempo.
A Parafba (A. B. A.) feita em época muito distante (1867) já
Em um lado da sala repousa Geremias, o grande profeta de
pode ser considerada o prenúncio de um artista destinado à apli-
Israel, em cujos ouvidos ainda parecem ecoar as tristes melo-
cação das leis da estética moderna à escultura, tais são os carac-
péias do povo escravo. De outro lado queda-se pensativo o imor-
teres especiais que a crítica lhe nota.
tal estatuário de Moisés.
Em 67 Almeida Reis era um interno da Academia, e, nesta A vida, a realidade tocante, desta estátua conseguiram do
condição, devia escolher assunto, segundo é praxe, na Bíblia, guar- 21
estro poético do ilustrado Sr. Generino dos Santos um belíssi-
dando o maior respeito pela forma pura e imutável do classismo. mo soneto que não me furtarei ao prazer de transcrever, pois,
Ora a Parafba nada tem de bíblico, logo acusa o mais irreverente com mais eloqüência do que me fora dado fazer, exprime a im-
desprezo pela fria forma das alegorias acadêmicas, arrojo este
portância desta obra:
que, sem dúvida alguma, contrariou a ditadura oficial da arte. A
estátua é moldada em gesso e representa uma índia assentada Paria, diavo/o.
sobre um rochedo donde ela separa duas pedras que dão livre Miguel Ângelo.
passagem à veia d'água. '

E com o vigor de movimento que o artista lhe deu foi-se a Buonarotti a cismar tinha curvado a fronte
Como um deus a engendrar no pensamento um mundo.
muito pretendida e assaz falada dignidade da forma. Os braços Onde achar a expressão daquele olhar profundo
que forcejam dois calhaus da rocha não podem ter o contorno Quem dera leis ao Povo e água dera ao Monte?
dos braços da Vênus Calipígia, nem o seu corpo apresenta as .
suaves curvas da Vênus de Medieis. A tensão dos músculos dos Onde o escopro divino? Onde o mármore insonte?
braços, dos do peito, são sabiamente feitos sem que o artista Onde a linha? o contorno? o movimento? o fundo
tivesse ensejo de lançar mão de detalhes insignificantes sob pre- Sulco de dor que assombra? E o gesto audaz, fecundo,
texto de exatidão. Todavia não lhe falta nenhuma das boas quali- Que abrira à Humanidade intérmino horizonte!
dades da escultura. Há proporção no desenho, harmonia entre a
inspiração e a feitura, a expressão é justa, a posição original, o 21 Generino dos SANTOS (1848-1928)- jornalista e poeta pernambunuw . 11111
dou o jornal humorístico Diabo a Quatro em Pernambuco . Após Hill.tr 11111111
modelado firme e largo. Existindo, pois, estas qualidades essen-
advogado no Espírito Santo, fixou·se no Rio de janeiro. Era poslllv ~.1 •I
ciais, quais ainda podia-se exigir do artista?

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Buonarotti a cismar quedara-se impotente! A on pção do arti ta nasc do meio m qu le viv as
No entanto o céu se obumbra ... estala o raio ... ingente lutas com as necessidades da existência, o tenaz indiferentismo
Bloco vem do Sinai rolar junto a seus pés ... de uma sociedade ávida de riquezas inúteis avara e estupidamen-
Súbido acordar ... empolga um flúmen à passagem ... te guardadas, sociedade que ainda não fez a sua emancipação
E, qual Jeová criara Adão à sua imagem, moral porque ainda vive em meio-barbarismo tendo por exclusiva
Pôs-se a talhar na rocha a estátua de Moisés. aspiração a política que colabora no seu estacionarismo, levaram-
no para outra corrente de inspiração. São as surdas tempestades
Espelham estes lapidados versos a tremenda luta psicológica do coração humano, as espumantes, negras, encrespadas lutas
em que está empenhada a celebração daquele portentoso ho- psicológicas que ele ora compreende porque também as sente e
mem, tais são os seus traços fisionômicos, a sua atitude, a flexi- esta estátua em gesso, o Crime, tão elogiada pelos periódicos ameri-
dez meditativa do seu profundo olhar. canos, em 1876, não é mais que o produto de uma alma agitada
Este corpo talhado por uma maneira austera que não deixa pelos dissabores. Depois do Crime (da qual resta hoje apenas a
esquecer de todo a do grande mestre, tanto pela violência e lar- cabeça, no atelier do artista) veio o "Gênio e Miséria", como Mi-
gura de passar a espátula quanto pelo sentimento da forma, este guel Angelo que após o Pensiero fez a Noite, obra aquela que
corpo nos recorda aquele grande florentino que, para distrair mais merecia o bronze. De uma simplicidade gr~diosa este ~u­
Pedro de Medieis fazia estátuas de neve, e, para assombrar a po há de ser mais tarde para os nossos futuros Wmckelmanns a
Humanidade, talhava estátuas de mármore. pedra de toque no estudo da sua individualidade.
Na mesma sala, defronte de Miguel Ângelo, ergue-se sobre um A figura do Gênio que a Miséria impávida arrasta é de belís-
hemisfério a Estrela d'Alva como se fora a ideal Vittoria Colonna sima linha grega. A cabeça, semelhante à de Apolo, tem bastos
que, bondosa, ungida de amor puro, viesse contemplar o bem-ama- cabelos a sombrear-lhe a fronte; seus olhos, exprimindo uma suavi-
do naquele momento em que a "cismar tinha curvado a fronte". dade intraduzível, procuram no infinito espaço a alvinitente qui-
Eu preferiria, e tanta liberdade me releve o artista, que esta mera com que tanto sonhou; e seminu, de rastros, vencido, ainda
estátua assim como é feita, toda castidade e toda mansidão, se tem nos lábios o esboço de um sorriso untado de amargura, com
chamasse simplesmente Mulher, porque me parece ser este o se àquela infeliz alma embora arrastada pelo espinhoso caminho
intento do escultor para prestar justíssima homenagem a este das privações, embora insultada pela boca escorbútica da calú-
grandioso culto sabiamente instituído pela filosofia moderna. nia e da inveja, desprezada pela corte sevandija dos imbecis en-
dinheirados, anatematizada pela leprosa súcia dos hipócritas e
Estrela d'Alva é um simbolismo mais poético talvez como servis, se deixará erguer, nas asas vaporosas das fantasias, para
forma, porém menos verdadeiro como intuito. Não obstante, es- atração sobrenatural de um mundo que se não sabe onde gravita
tas formas exuberantes de vida, este suave contorno de linha, porém que o homem chama, no prosaísmo da sua linguagem, a
esta dulcíssima expressão de amor e pureza, que tão prodiga- imortalidade, a glória!
mente foram dispensadas ao gesso, dão-lhe, chame-se ela Estrela
d'Alva, Mulher ou Vênus - Fecunda, o caráter ideal da escultura 22 Johann .Joachin WINCKELMANN (1717-1768)- Teórico e historiador da ar_te
contemporânea. alemão. Escreveu Considerações sobre a Imitação das Obras Gregas na Pm-
lura e na Escullura (1755), considerada a primeira teorização do Neoclassi-
Mas não é para a doce tranqüilidade dos felizes que o artista cismo. Em 1764 publicou Hislória da A rle na Antigüidade, texto que redi-
estava destinado. mensionou os estudos de história da arte.

246 247
.. E que contras~e ela faz com a Miséria, alta, óssea, andrajosa
Expr são de dor d tormento, ma tormento dor qu
sillldstram:nte ~aJes~osa na sua compostura atrevida e noJ·enta;
Po er-se-a eXImr maJ não atingem a covardia, o medo. Caráter como aquele, era nobre,
e.~ or re ahdad e do que esta que aí tão clara-·
mente se exara na figura da Miséria? não se adenava ao sofrimento físico . Em todo o demais - o artis-
ta mostrou escrúpulo sem decair no exagero ou no maneirismo.
. Impossível
DIr-se-a , . Jamais m-ao d e esc ul tor a representará tão VI·va Os acessórios caracterizam perfeitamente a ação; os trajes são
com tod · · . ·
- - a a JUStiça que Almeida Reis a sentiu, e tal afir- exatamente os da sua época.
Il_laçao nao faz pasmar a ninguém já que ninguém ignora as vicis-
Ontem foi Antonio José, que saiu da sua oficina, gesso que
~ltudes pelas ~u~is passa um artista em país onde os lucros obti-
os pela proflssao muitas vezes são minguados para , . valia o bronze; hoje é a estátua alegórica do Progresso, bronze
sub · t~ · a propna que vale a imortalidade! Em cima da estátua o relógio existente
fort~s ~~Cia! ~as os grandes talentos, os verdadeiros talentos na fachada da estação central da Estrada de Ferro D. Pedro 11. É
il _ eCI os pe 0 estudo, nunca se deixam abater pela queda da~
usoes. Como o fogo lavrando em uma floresta elas deixam no uma bela figura talhada em molde clássico, seminua, robusta de
borr~ho, que se julga apagado, oculta e vívida c~ntelha que mui- vida e mocidade. Olha obliquamente para a rua, numa expressão
tas vezes de novo ateia o incêndio. de força e de arrojo, e nos traços, os mais leves, da sua simpática
fisionomia paira o doce reflexo de uma bondade infinita. Cerviz
Em Almeida Reis não se extinguiram as iluso-es C , . hercúlea: corpo que relembra o esbelto contorno dos atletas gre-
tas "t f · aJram mw-
, mw as ugiram com o desenvolver dos anos, mas nos reces- gos; posição que rivaliza com as mais notáveis linhas da escultu-
s~s do seu ser, no íntimo do seu coração, ficaram algumas ra antiga, tipo que · se fora desencavado da poeira de remotas
ha~ de finar-se quando o frio da morte inanimar o cor oq: eras faria o assombro da Humanidade, tal é esta magnífica alego-
a::tista. Estas, ~s que ficaram, foram alentadas por outra in~pira­ ria que se harmoniza esplendidamente com o edifício onde está.
çao. A H~amdade, os progressos do homem sobre a sociedade Sobre o diâmetro do relógio, tem a mão direita levantada para o
as ~aVIlhas dos seus inventos, as conquistas do seu saber sã~ infinito empolgando um gavela de raios, e a esquerda apoiada a
atua ente as fontes em que a sua imaginação criadora pro~ura um escudo em que está esculpida em relevo uma locomotiva; um
o assunto de suas obras. dos joelhos ·descansa sobre uma peça de engrenagem, e a perna
direita estendida, entesada em todo o seu comprimento, assenta
d Antonio José .. "o poeta da Inquisição", é obra de quem está
e posse do sentime.nto artístico de uma geração nova, para a firme no solo como se mais uma passada gigantesca fora o bas-
:al a. arte t:m a mais elevada importância nas funções sociais tante para vencer a vastidão dos tempos.
hi t~mo ~ose, além de ser um tipo saliente da nossa particul~ A geometria, a mais correta, a anatomia, a mais observada, o
~tona, e um dos nomes que marcam uma fase da literatura de desenho, o .mais preciso, a expressão, a mais justa, formam o
dms ~vos e, por conseguinte, nome digno da veneração de seus conjunto deste trabalho, em que a largueza da maneira de fazer
seme . antes. O escultor o foi surpreender no momento em que a não desmente a grandiosidade do assunto.
foguerr~ do Santo Ofício devora-o. A expressão do poeta é uma
O busto de Danton feito para o Centro Positivista constata,
e~ressao ~e dor e det?rmento, bem caracterizada pela contra-
por uma maneira clara, a orientação artística que Almeida Reis
ç ~ dos mus~ulos faciaJs, pela f:Lxação chorosa dos olhos pelo
há tido ultimamente. Sabe-se que a reabilitação da memória do
tralemulo moVImento dos lábios onde parecem gemer as úl~imas
P avras de esperança. ilustre patriota francês foi realizada por Augusto Comte ao tra-
çar o quadro da revolução de 93, e depois foi o ilustrado Dr.

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Robinet que, com awillio· de irrefragáveis documentos, rebateu tudá-lo ·onv ni m m nt , poi a sua p r onalidad r qu r s-
os aleives e as calúnias frechadas contra a vida íntima do grande tudo mais amplo, mais cônscio, mais perfeito.
patriota, demonstrando cabalmente que entre o homem e o esta-
dista nenhum abismo havia. Antes, porém, deste trabalho dos
positivistas a história confiada à pena de robespieranos ou à de
maledicentes adversários da revolução francesa, desenhara tão N
feiamente o caráter de Danton que a arte não entrepidou em
fazê-lo venal, feroz e poltrão. Por muitos anos a calúnia influen-
ciou poderosamente no espírito dos artistas que retrataram a Rodolfo Bernardelli nasceu em 1852 e matriculou-se na Aca-
célebre vítima dos Jacobinos. demia de Belas Artes em 1870. Em 73 executou a primeira estátua
- "David" em 74 a "Saudade da Tribo" e um ano depois a está-
Apenas um fê-lo como ele o foi; este artista chamou-se Luiz tua: "À es;reita", sendo as duas últimas premiadas na E"'Cpo~iç_ão
David, o grande, imortal autor da "Morte de Marat". Universal de Filadelfia e das quais restam, unicamente, memona.
No busto feito por Almeida Reis a fisionomia de Danton é sim- Em 1876 fez concurso e obteve o prêmio de viagem indo para
pática e ao mesmo tempo enérgica, seu olhar inteligente, sua fronte Roma onde esteve nove anos estudando, consecutivamente, sob
larga, sua boca vigorosamente delineada, atributos que se acham a úni~a dedicação e pedindo conselhos, em caso de necessidade,
em direto acordo com a firmeza do seu caráter, com o poder do seu aos conhecidos estatuários Monteverde 23 e Maccgnam· D' ors1.· 24
privilegiado talento, com a enorme bondade do seu coração. Há dois anos, em uma visita ao atelier do professor Zeferino
da Costa no coro da igreja da Candelária, encontrei-o a retocar
Aquela cabeça nada tem de vulgar, mas também nada possui
de feroz e de grosseiro. uns bust~s de barro. Julgava-o um moço robusto, queimado pelo
sol da Itália, sanguíneo, olhos grandes e firmes no fitar, barba
É pois a resolução de um problema estético, que perderia em loura e certa. A realidade desmentiu completamente o belo retra-
originalidade se o escultor conhecesse o retrato do companheiro to que a fantasia me delineara. Estava defronte de um moço fran-
de Camilo Desmoulins, devido aos severos pincéis de Davi, pro- zino, baixo, olhos de passarinho, testa ampla sulcada _P~r. uma
blema felizmente resolvido e que comprova estudos da estética rug~ profunda que, sem depender dos anos, dava-lhe a fisiOno-
do nosso tempo e respeito às aspirações da sociedade moderna. mia uma nota altamente original, e barba castanha emoldurando
o rosto, aparada em pontas, sob o mento.
Em conclusão:
Vi-o trabalhar. É quase impossível precisar a maneira pela
Almeida Reis é, portanto, um artista e um pensador. Nas qual ele esculpe tão rápida e tão delicadamente. A ~~a ~abilidad~
atitudes em que surpreende os seus personagens, na energia e técnica chega à perfeição, e tal é o cuidado que sm dispensar a
unidade das linhas, na maneira larga sem pedantismo, severa feitura de suas obras que não há forças humanas ca~az_es de
sem frieza, por que os executa, no agrupamento dos detalhes, fazerem-no fundir um bronze no Rio de Janeiro. A connssao en-
está o artista; e no poder da imaginação, na vida expressiva com
que anima as suas obras, na originalidade de suas composições, 23 Giulio MONTEVERDE (183 7-1917)- Escultor italiano. Alcançou suce~so em
seu país como um dos principais artistas ligados ao Reallsmo vensta na
na escolha dos assuntos, na independente interpretação que lhes escultura do período.
dá, está o pensador. Não lhe chegam estas linhas, bem sei, para 24 Maccagnani D'ORSI (Não foram encontrados dados sobre este artista.).

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carregada de erigir em São Paulo um túmulo para os restos do
~1rvor q 1 11 fica à o ·tas, cmp.inanclo todo o tron o, faz 1 m-
patnarca da independência brasileira encarregou-o desse traba-
brar mulheres experientes em seduções e que estudam ao espe-
lho e desejava que a parte-bronze - fosse fundida nas oficinas
lho atitudes provocadoras. Falta-lhe, portanto, naturalidade. A
da es~rada de ferro de D. Pedro II, mas Bernardelli protestou cabocla, mesmo a mestiça, a marabá, tem característicos étnicos.
energic~mente tendo, no entanto, que ceder consentimento para
A região pubiana, que na "Faceira" é pobre de tecido adiposo, é
se fundir nestas oficinas uma placa de inscrição porque os co- desenvolvida e túmida; os cabelos, e isto forma um característico
illlsswnados pediam presteza na conclusão do trabalho.
de grande valor, são bastos, ásperos e lisos, muito lisos e áspe-
A placa foi fundida em maior tempo que era preciso para ser ros, impossíveis de sujeitarem-se a penteados caprichosos, como
encomendada na Europa, e constituiu-se, pela péssima fundição é o penteado que a estátua tem; seus pés são espalmados, quase 1
que sofreu, em pesadelo para o escultor. sempre cambadas pelas contínuas marchas, pelo exercício de su-
Desde a exposição do baixo-relevo - "São Sebastião e Fabío- bir às árvores, escalar serros, grimpar-se aos outeiros, pisar ter-
la" (1879) o artista revelou-se um perfeito cultor da forma em- reno espinhoso, falso ou pedregulhos; seu olhar é sonolento e
bora ~este baixo-relevo o desenho e o golpe sejam aligeir~dos. contemplativo pelas influências do clima e pela forma externa
Possumd? :sta f~cilidade, que hoje forma o traço mais carregado dos olhos; os exercícios da pesca e da caça, e a fabricação penosa
da sua fe1çao artistica, ameaçou desviar-se da arte caindo na ca- dos arcos, a edificação das malocas, afeiam-lhe as mãos e dão a
ncatura, ao gosto de Grévin. 25 A "Faceira", estátua em gesso ex- seus músculos a rigidez dos atletas, a conformação bem acen-
posta e~ 1880, nasceu dessa fase, veio desse transviamento. A tuada dos tendões como em uma anatômica figura sem pele.
concepçao do artista parece ter sido uma e a execução foi outra. Nenhum desses traços possui a "Faceira", e se a reduzisse
~esVIaram-se opostamente. O escultor pretendeu apresentar um em seu tamanho, ter-se-ia uma perfeita produção à Grévin.
tipo de _cab_o~la,~ cujo meneio do corpo, natural e gracioso, cuja
expr:ssao flswnomica maliciosa e loureira, concretizassem a con- Este estilo, felizmente, foi prestes abandonado pelo escultor,
cepçao explicando o título. Mas, para característico do tipo nos que começou a estudar o antigo chegando a reproduzir duas
deu apenas - olhos oblíquos! Vestiu a sua figura com adornos belas estátuas gregas em mármore - Vênus Calipígia e Vênus de
selvagens; dependurou-lhe às orelhas rodelas de pão, atou-lhe ao Medieis (A. B. A.) para, em breve tempo, nos oferecer este primo-
pescoço c_olar de dentes, e aos punhos braceletes de penas; e roso grupo do Cristo e da mulher adúltera, concebido fora de
d~pms ~ou-a com o espírito de uma rapariga libertina, quero toda a preocupação clássica e animado por estranho poder.
dizer, moVImentou-a com tal garridice de gestos que de forma O Cristo, aquele louro rabino de Nazaré, aquele pálido Jesus
alguma podem acudir à voluptuosidade de uma índia. tão humilde e cuidadoso com as ternas criancinhas que vinham
De mais, a estrutura da "Faceira" é flácida. Há no seu corpo ao seu regaço gozar de perto o aroma da sua voz e o luar dos
molezas de uma carne já cansada pelas noites febris do deboche; seus olhos, de pé, envolvido na grossa clâmide de lã, dirige a
e:aste em seu sorriso a untura do carmim e a palidez da perver-. palavra à multidão, enquanto com o braço esquerdo protege a
Sid~d:; seus olhos miúdos têm o brilho tentador da lascívia, e a infeliz pecadora que se esconde, rasteira e transida de medo,
pos1çao em que está, apoiada com ambas as mãos a um cepo de junto de seus pés. Escribas e fariseus vociferam pedindo ao sá-
bio castigo para a adúltera. São impiedosos! E a voz da multidão,
25 Alfred GRÉVIN (1~27-1892)- Caricaturista e pintor francês . Seus desenhos que assanha-se como feras, ruge aterradora. Ela procura a som-
com legendas espmtuosas o tornaram bastante conhecido em sua época .
bra da clâmide do Nazareno, a fisionomia cheia de remorso e de

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dor. Por todo o seu corpo corre o arrepio de uma forte comoção;
p ·sas, não s lhe ncontra uma ·fallla , e, por isso, o detalhe
lampejam seus olhos aterrados, aflitos e chorosos; a face descan-
forma um dos caracteres da sua obra.
sa à palma da sinistra e a direita comprime, nervosa, o seio que é
fraco para conter o rápido arfar do coração. E Cristo, suavíssimo A clâmide que o Cristo veste foi tão minuciosamente talha-
e varonil, bondoso e justo, faz ouvir a sua maviosa palavra: "O da, foi tão escrupulosamente observada, que a ilusão é ~ompl~ta;
que de vós outros está sem pecado, seja o primeiro que a apedre- a carnação atinge ao maior grau do modelado a que e possiVel
je." (São João, cap. VIII). chegar a escultura.

A palavra acompanhada de um gesto vagaroso e firme faz Daí conclui-se que Bernardelli é um realista, te~do por única
calar a turba. O escarcéu serenou. Ainda um ou outro homem preocupação a verdade, qualidade esta que se ~amfesta da mes-
tenta falar, mas a multidão se afasta, a passo tradigrado, a cons- ma maneira no esboço em gesso do Santo Estevao.
ciência desinquieta, a cabeça pendida, e os mais afoitos acompa- O santo está representado estendido por terra, no momento
nham o grosso dos primeiros emudecidos. É esse o momento em que sofre a dilapidação.
escolhido pelo artista, e que é maravilhosamente caracterizado
nessas duas figuras corretamente talhadas em mármore. A expressão do seu rosto é de sofrimento e cre?~a; todo o
seu corpo magro, raquítico, enfraquecido pelo martmo que. lhe
O Cristo, de Bernardelli, é um tipo judaico, humano, real; não rasgou as carnes e faz escorrer abundante sangue das !endas
relembra de forma alguma as antigas criações da escultura, não é indo coagular-se no solo, chega a provocar a estupefaçao pela
uma inspiração da fé católica segundo a imposição dos dogmas, verdade que encerra. A sua habilidade de trabalhar chegou ao
não é um transcendente tipo místico, tal como criara Leonardo prodígio.
da Vinci ou o imaginara o beatífico Fiesole. Nisto vai o valor da Sente-se na figura o tom áspero da pele mal cuid~da; e~­?
sua estátua. Para fazê-lo como o idealizaram os mestres dopas- queleto acusa-se debaüm dessa carne pobre com a maior fideli-
sado e do renascimento fora necessário que o meio atual em que dade anatômica; a massa dos cabelos é seca e ~értil; o _s~ngue que
o artista vive tivesse decaído para a fervorosa fé do tempo dos
se coagula no chão, por baixo do franzino pe~t~ ~a VItrma te~- o
mártires, e, portanto, que Bernardelli fosse um originalíssimo espelhamento dos corpos líquidos que se soli.diflcam, a posiça~
estacionário. Mas, também, não é uma criação propriamente sua, do braço que comprime o peito, pela nat.uralidade com que fm
tipo desencavado das grossas camadas dos tempos e ressurgido feito, vale por si só a reputação de um artista.
aos nossos olhos pelo fiat criador de talento extraordinário. As-
sim, como ali vemo-lo, já o tinham concebido muitos mestres, Não vai nestas frases o menor vislumbre de elogio exa?era-
tornando-se mais notável entre todos, o célebre Delacroix. do, é pura e simplesmente a impressão que tod?s sentem diante
dessas duas obras-primas, e se o autor destas linhas ~em a f~an­
A composição desse grupo é bela e moderna. A figura do queza de elogiar sem rebuços as duas obras c~tadas nao ~ deL=.a-
Cristo apresentada em grandeza superior ao natural, tem bas- rá de ter para afirmar que acha incompreensl~el em artista tao
tante imponência e serenidade, a expressão do seu rosto, os ges- respeitador da verdade a colocação_ d~ uma aureola n~ cabeça do
:os de seus braços são verdadeiros e denotam muita observação. Santo Estevão. Por que, por via de loglca, o escultor nao _aureolou
o Cristo? Ambas as figuras são humanas pela expres.sao e pela
O corte é seguro, delicado, meticuloso; nos menores cantor-
forma, ora, se Santo Estevão que é um mártir c~omz~do pela
lOS, nas linhas mais difíceis, mais sutis, nas massas menos es-
igreja, tem como emblema de santidade uma aureola, Cnsto que

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foi o_fundador dessa religião donde saiu Santo Estevão, Cristo
que e pelo dogma da sua igreja o verbo feito carne, o Deus feito
Homem, devia trazer à cabeça esse convencional simbolismo com
que a igreja representa os seus eleitos, os seus filhos, os seus
fundadores, os seus personagens sagrados.
Perante este simples fato surgem ao espírito de quem 0 ob-
~er:a as seguintes ilações: ou o Santo Estevão é anterior ao grupo
~ns~~ e a mulher adúltera", ou o artista não tem as convicções
Clent_Iflca~ do seu tempo nem a verdadeira fé católica e por con-
segumte e um grande habilidoso que respeita unicamente o de-
senho e o savoir-faire.
A _segunda hipótese é fraca para permanecer de pé, creio,
Conclusão
mas so trabalhos posteriores poderão derrocá-la de todo. Ainda
assim, a individualidade de Rodolfo Bernardelli é, entre os artis-
tas contemporâneos, a que mais brilha e goza de maior nomeada.

A colônia Lebreton concorreu, involuntariamente, para reti-


rar da nossa arte a feição nativa e a originalidade. Durante o
Notas de Gonzaga-Duque tempo de aprendizagem, marcado nas páginas anteriores sob o
capítulo II do período Manifestação, tivemos sete artistas estran-
(1) Discípulo de Valentim. geiros, dos quais dois foram discípulos da colônia, e nenhum
artista brasileiro, quando ainda viviam José Leandro, Oliveira Brasi-
liense e Francisco do Amaral.
Os primeiros artistas pintavam santos ou faziam retratos,
tendo um dentre eles, Leandro Joaquim, deixado dois painéis de
grande valor histórico, mas, dedicando-se à pintura religiosa -
resultante da educação recebida - não deixaram de mostrar no-
tável aptidão para o colorido e muita disposição para o estudo
da natureza bruta, como demonstram os fundos dos quadros de
Manoel da Cunha, os de Leandro Joaquim e os estudos de paisa-
gens devidos a Francisco do Amaral, entre os quais recomenda-
se uma pintura a fresco na Quinta da Boa-Vista (Veja a nota Fran-
cisco do Amaral).
Como o ensinamento da colônia desapareceram os nossos
coloristas e os paisagistas que a pouco e pouco se manifestavam
para dar lugar a uma geração de artistas mais instruídos talvez,

256 257
porém ~enos habilidosos. João Debret, Nicolau Taunay e Henri-
indagaçõ s. onclui-se, pois, qu a ta art faltam - f ição na-
que da Silva des~nvolveram o gosto pelos assuntos históricos e
tiva e originalidade, primordiais qualidades para a fundação de
pelo estudo da figura mas tão desastradamente que, ao partir
uma escola. Vejamos agora um outro ponto:
de~se tempo, os artistas se nos mostram pretensiosos, frios ama-
~:rrados. Re_sultou disso a for~ação completamente inÚtil do Se a nossa arte não tem uma estética nem no seu ensinamen-
~do penodo da arte, o Mov1mento; pois que, apesar do gran- to existem tradições, como admitir a existência de uma Escola
de ~~ero de artistas recém-chegados ao país, nenhum caráter Brasileira? Salvo se se confunde sob o nome de escola a reunião
deflrudo tomaram as obras feitas durante esse tempo. de todas as manifestações individuais que representam a arte de
A ~cademia de Belas Artes tratando de reunir algumas obras um povo, como praticou e claramente explicou Eduardo Ches-
dos artist~s _desse e de posteriores períodos, catalogou-as sob neau tratando da pintura inglesa; mesmo sob este ponto de vis-
0
nome ~enenco e pomposo de Escola Brasileira! Parece incom- ta, aliás pouco sustentável, não pode existir uma escola brasilei-
p:eensiV~l se~elhante classificação. Os pintores do período Mo- ra porque a feição que caracteriza a nossa arte é o cosmopolitis-
VImento mspiraram-se na bíblia, na mitologia e na história anti- mo, e um país para ter uma escola precisa, antes de tudo, de uma
g~, qu~do o povo, que ~esse tempo era formado, como hoje arte nacional.
amda ~· de partes heterogeneas, quero dizer, de raças diferentes É isto o que vemos na história das escolas da Espanha, da
emancipando-se apenas do jugo metropolitano, não tinha a fé França, e da Holanda. Melhor e com maior acerto procedeu o Sr.
fervorosa, o fanatismo enraizado do espanhol sob Filipe II
of , para Porto-Alegre dando à reunião de pintores do período colonial o
~re~e~ a seus artistas essa fonte de inspiração nem fora, no nome de Escola Fluminense. Nesse conjunto de artistas transpa-
prm~I~IO d~ su_a _existência, educado na idolatria para possuir rece uma nota característica - espontaneidade; seus trabalhos,
tra~çoes mnologicas. Os pintores do período Progresso, desig- pela maior parte inspirados na religião cristã, são feitos com
naçao que tenta exprimir unicamente a estabilidade do e ·
d~ · nsmo unidade de vista, singular semelhança no desenho e sentimento
aca effilco e o maior número de produções e produtores segui-
da cor. O cotejo dessa obra, desde João de Souza até José Lean-
ram, pouco mais ou menos, a corrente de inspiração qu~ segui-
dro, nos dá um resultado igual, perfeitamente definido. Essas
ram os a~tece~sores. O romance, a poesia e a história do país
poderiam, pois, ser consideradas manifestações de uma escola,
n_e~~a influ_encia tiveram nessas obras que permaneceram in- mas as obras dos períodos procedentes, mormente do último
vwlavei~ ao palido alvorecer do pensamento nacional. Onde 0 período, nenhum caráter constatam para tal classificação. Ainda
Y-~uca-Prrama, os Timbiras, a Marabá, o Guarani, Mimosa e Mau- mais, depois de terminada a guerra contra o governo do Paraguai
ro. Onde as c:nas tão comoventes da Cachoeira de Paulo Afonso
as manifestações que apareceram foram por demais radicais e
e do Guaram, as descrições tão verdadeiras dos poemetos de
inúteis, cingiram-se apenas a alguns quadros de batalhas, quan-
~arella, os ?ersonagens tão simpáticos de Bernardo Guimarães e do era de esperar que, posto o país em novo caminho, o espírito
)ouza, os tipos comuns e bem delineados de Francisco de Almei-
de nacionalismo, pela convergência de sentimentos, pelos novos
ia e Macedo? Onde a vida dos nossos tropeiros, a representação
fatos históricos que iam formar uma tradição, pelo desenvolvi-
:las cenas da roça, da existência das fazendas, dos costumes dos
mento de uma nova política e de ciências positivas, repercutisse
~scravo_s?_ O~de os assuntos da nossa história, aqueles assuntos longamente na arte. Bem cedo estas esperanças foram desiludi-
~u_e ~~s mt~amente ~os falam da formação da nossa pátria, os das por uma exposição geral (1871) onde os quadros de assuntos
Pisodios da mdependencia, a revolução de Tiradentes? Inúteis
bíblicos e as alegorias formavam a parte mais importante da ex-

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posição, aumentando de ano para ano como provam as exposiçõ-
conforme os seus interesses pessoais m força mo triz d 'ta po-
es d: ~9 e 84 na Academia, e a de 82 realizada no Uceu de Artes lítica. Ora, sendo as profissões letradas as que maior interesse
e OficiOs pela Sociedade Propagadora das Belas Artes.
despertam ao brasileiro, é claro que a arte, considerada até há
Demonstrados estes pontos, que me parecem assaz valiosos pouco tempo um desprezível ofício de negros e mulatos, medra-
para combater a pretendida Escola Brasileira, uma pergunta se da em país onde não estão ainda desenvolvidos o luxo e o bom
oferece:
gosto, ficasse destinada às classes pobres, aquelas que não po-
Este desnacionalismo ameaça continuar? diam educar convenientemente seus filhos para fazê-los entrar
É de p · que Sim,
· pois nação nova como é o Brasil nas Academias.
resumu
~end~ e~ seu seio elementos que não podem receber direta~ Daí, portanto, os insignificantes conhecimentos dos nossos
u:nue~cias do meio nem têm pela nação outros interesses que antigos artistas e a superficialidade da maior parte dos moder-
nao seJam os pe~so~s, já está além disto, segundo as expressões nos. Para chegar-se a esta conclusão basta lançar rápido olhar
do Sr. ~enador Silverra Martins, l "arruinado por efeitos de causas para as mais recentes produções. Todas as obras acusam um
e~ mm~os an~s a~umuladas pela política bastarda da centraliza- grande torpor intelectual, nenhum pensamento superior as ves-
çao, da mtoleranCia e das injustiças". te; algumas são concluídas com enorme predileção pelo acaba-
~a verdade, depois da escravidão, a força que mais tem con- mento e não raras com certa habilidade, mas, em essência, se
c.orndo para o nosso estacionarismo e desnacionalismo é a polí- nos apresentam de uma pobreza profunda. Os expressares e de-
ticag:m. Po~ ~la. tem-se preterido o mérito para elevar às altas coradores confundem-se em contínuas contradições. Os artistas
funçoes SOCiaiS mcapacidades protegidas por homens endinhei- que se inspiram na realidade têm, em geral, uma noção falsa da
rados e por laços de parentesco com famílias notáveis; por ela arte; os idealistas degringolam para o incompreensível, acusan-
tem-s~ descurado das principais lacunas para o adiantamento do a decadência de uma arte que ainda não teve estabilidade,
~atenal e ~oral d~ ~aís, conse~t~do-se a advocacia administra- porque nunca teve unidade de expressão. Uns chegam a estado
. ~· patro.c~~do mocuas COilllssoes onerosas ao Estado, distri- prometedor e depois tombam rapidamente, outros estacionam
~mnd.o pnvilegw~, pondo à testa de repartições públicas indiví- para todo o sempre. Deste e daquele lado, na obra de um artista
uos meptos; e ainda por ela desenvolveu-se nas classes abasta- feito como na obra de um principiante, encontra-se sempre a
la~ a me~alo~ania das posições que tornou-se sintomática: a inspiração estrangeira: assuntos imitados.
nmor asprraçao do chefe de família é fazer seus filhos bacharéis A paisagem brasileira é interpretada como os mestres inter-
l.U doutore~ ?ara entrarem na política por meio de casamentos pretam a paisagem de outras regiões; é difícil saber, às vezes,
Icos. _A ~ohtica por sua vez garante o patrocionarismo nos car- qual natureza os pintores desse gênero pretendem representar .
.os pubhcos e concede títulos nobiliários, porque nos falta abso- E, se copiam bem o aspecto geral da natureza, falseiam irreve-
Jtamente a nobreza do sangue azul. rentemente na expressão local. Raríssimos são os que se salvam
Por este fato as profissões letradas transbordam assustado- desta censura e ainda assim por condescendência, em vista do
ame~te, _:nquanto as pr~fissões diretamente produtoras pas- grande esforço empregado para alcançar melhores resultados.
am as maos dos estrangerros que, enriquecidos, constituem-se Em um país colocado nas atuais circunstâncias em que se
'
acha o Brasil, só estudos longos e muita meditação podem elevar
Silveira MARTINS (Não foram encontrados dados.).
o artista à sua merecida posição e dar-lhe os elementos para a

260
261
sua in~ependência de pensar e de agir. Em tais colisões dir-se-á
c~m _P1erre Petroz: 2 "Se é indispensável exercitar a vista e a mão
nao e menos indispensável cultivar o espírito. Saber para poder,
tal deve ser, antes de tudo, a divisa da arte".

L. Gonzaga Duque -Estrada.

Notas

LEANDRO .JOAQUIM - (p. 79)

Está aí em dúvida a época do seu nascimento, 1768 que se deve ler


1738. Não me fundei em dado certo para escrever a data porque foi
impossível encontrar documento que a tal respeito me elucidasse, mas
presumi-a pelo cálculo seguinte: no painel da reedificação do recolhi-
mento do Parto o seu retrato por ele próprio pintado representa, no
má'<imo, homem de 40 anos, e se esta hipótese satisfaz, o pintor deveria
ter nascido em 1738, porque o incêndio do recolhimento foi em 1789.
Relativamente à época da sua morte dei a de 1798, e assim procedi
também por hipótese, visto o artista não ser nomeado nem mais trabalhos
apresentar no fim do vice-reinado do Conde de Rezende (1790- 1800).
Referindo-me às obras deste pintor omiti, involuntariamente, a Santa
Cecilia que está hoje na parede esquerda do consistório da igreja do Parto.

FRANCISCO AMARAL - (p. 78)

A seu respeito escreveu Porto-Alegre:

Francisco Pedro do Amaral foi discípulo de José Leandro e de-


pois de Oliveira Brasiliense, mestre que abandonou para estu-
Pierre PETROZ (Não foram encontrados dados.). dar com a colônia francesa após a sua chegada a esta capital.
Era homem de cor parda, de estatura média, e de uma fisiono-

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mia regular e inteligente. Morreu solteiro e foi o exemplo dos O benJeitor está repre enlado em ·orpo ínl iro, tamanho na I ural ,
f1lhos e dos irmãos. .. Copiou todos os arabescos de Rafael de pé, debruçado sobre uma alta escrivaninha de 'Scritório, olhando
to~as as composições de Percier para abandonar pela escol~ para fora da tela.
class1ca a borromínica em que fora educado por Manoel da
Costa....F:z muitos painéis, dos quais vimos há pouco tempo
duas cop1as, mas não sabemos dos originais; nem onde estão
JOÃO DEBRET - (p. 87)
outros como sejam cenografias, interiores de edifícios ornados
e muitas paisagens e cenas. contemporâneas, das quais ainda O retrato de D. João VI que pertence à Pinacoteca, apesar de muito
temos uma grande impressão, principalmente de um painel bem pintado, lembra pela atitude da figura, pelo delineamento geral dos
que representava uma fogueira de São João. acessórios um retrato de Luiz XIV (galeria de Versailles) pintado pelo
artista Rigaud.
Fundou em 1827 a Sociedade de São Lucas, composta de todos
os pi_ntores, e à sua morte tinha ela um fundo suficiente para
acudir a seus irmãos necessitados. Faleceu no dia 1o de no-
MONVOISIN
vembro de 1830, vítima de uma tuberculose, e foi sepultado
com honras eclesiásticas nas catacumbas da igreja do Hospício. No período Movimento não foi mencionado este importante artista
francês, que esteve muito pouco tempo no Brasil. Pintou um retrato de
Pintou a fresco o palácio da marquesa de Santos e decorou 0 teto S.M. o Sr. D. Pedro II (1833) atualmente colocado na parede do fundo da
da Biblioteca Nacional a pedido de frei Antonio da Arrabia e a Sala dos Estrangeiros, na Quinta da Boa Vista. Como pintura tem mérito,
casa de um tal Plácido, no largo do Rocio (Rev. do Inst. Hist., 1856). a cor é riquíssima, notando-se um deslumbrante amarelo no forro do
manto; mas no desenho é exagerado e infiel.
À página 2 57 refiro-me à pintura a fresco existente em uma das
.alas da Quinta da Boa Vista, sem que tivesse informações positivas,
ARAÚJO PORTO-ALEGRE- (p. 110)
nas acredno ser esta pintura devida a Francisco do Amaral por ele ter
norad_o ~a Quinta, onde ajudava D. Pedro I a fazer ensaios litográficos e Não mencionei os quadros deste artista que estão colecionados na
er o umco que, nesse tempo, pintava a fresco. De mais a mais 0 de- Pinacoteca por julgá-los insuficientes para representarem a individuali-
enhno é aí tímido e muito rebuscado, razões que afastam o pen~amen­ dade. do ilustre brasileiro. O de n° 31 O, retrato de D. Pedro I foi pintado
o de considerá-lo trabalho de qualquer dos outros artistas, e, sendo durante o tempo de aprendizagem; as duas paisagens italianas, 308 e
ma pmsagem, mais comprova a minha asserção porquanto Amaral ti- 309, estão abai"o da crítica, talvez fossem pintadas na época em que o
ha verdadeira vocação para esse gênero. artista abandonou pela vida consular a sua arte.
. Dizia um antigo e já falecido servidor da Quinta que um dos painéis Deixei, também, de mencionar por considerar inútil, um retrato do
mtados nesta parede era devido aos pincéis de D. Pedro I. · poeta Gonçalves de Magalhães e um esboço para a Passagem do Mar
Vermelho (A. B. A.)

SIMPLÍCIO RODRIGUES DE SÁ - (p. 98)


BARAO DE T AUN AY - (p. 99)
Deste artista possui o Sr. Dr. Joaquim Pereira da Cunha 0 retrato do "A obra do barão de Taunay não nos dá a conhecer uma inteligência
tarquês de Inhambuque, e a Casa da .Misericórdia desta corte um retra- acima do vulgar" escrevi com imparcialidade e franqueza, mas injustiça
> do benfeitor Antônio Rodrigues dos Santos, retrato colorido com
seria se, tendo ainda um pequeno espaço para reparar faltas, não desse
gum vigor, embora se lhe note na cabeça falsos toques de vermelhão. provas do meu grande respeito e da minha muita admiração por esse

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profundo pensador cujo caráter fora talhado em molde não comum. Se
na pintura a sua vasta e cultivada inteligência não teve o calor preciso "Para que houvcss uma razão d s r na prodi galidade de so m b r:::~
para destacá-lo dos contemporãneos, não lhe faltaram ocasiões para fazê- violáceas seria preciso que os corpos ilwmnados fossem d uma d l
la valer em outros ramos do saber humano. A ele devemos, entre muitas minada cor, isto é, amarela; "
inovações, a idéia da grande naturalização tão valente e gloriosamente - Ainda têm hoje, para mim, o mesmo valor. Disse o meu conten~
sustentada, no tempo atual, por seu digno filho o Sr. senador Escragnol- dor, julgando vitória certa, que esta observação era uma a~nerra (SlC) m~s
le Taunay. Serôdio é o saldo desta dívida, mas, ao menos, tranqüila tal procedimento não podia ser ditado pelo bom uso_~a r~zao, e tanto nao
permanecerá a minha consciência. O barão de Taunay faleceu em 1882. f . Sr X escreveu: "Só na cabeça do ilustre cntlco e que pode have_r
m que
cor o · ou roxa feita com o amarelo" - prostltwçao
violácea · · - mcom
· preens1-
vel do período por mim escrito e que, me parece, é bast~te claro. Co-
HENRIQUE BERNARDELLI - (p. 201) meti um erro gravíssimo, mas igual falta cometeram auto~l~ades mere-
cedoras de maior crédito entre os homens de ciência. Eugemo Ver.o~ n~
Quando em novembro de 86 abriu-se a exposição dos trabalhos de sua Estética, livro que na competente opinião do Sr. Ram~ho Ortlgao e
Henrique Bernardelli, o autor destas linhas, ocupando um modesto lu- destinado a fazer época na crítica, transcreve a tal res~elto dms exem-
gar na colaboração efetiva da Semana, publicou três ligeiros artigos sobre plos (pp. 274 e 275): 1o Diz Eckerman que, em ~ dla do ano 1829,
esta exposição, artigos despretensiosos mas embebidos em justiça (Se- estando em companhia de Goethe a olharem açafroes de um amarelo
mana, vol. II, n°s 97, 98 e 99, 1886, artigos Belas Artes por Alfredo muito intenso notaram no solo, em torno daquelas planta~, . manchas
Palheta). Em um desses artigos notei que Bernardelli abusava dos tons violetas 2o Narra Charles Blanc (autor da importante Gramatzca do De-
azuis, e por isto abiscoitei de um colaborador da Revista Ilustrada, o Sr.
X, impiedosa e virulenta apóstrofe. senho): Eugênio Delacroi-x estava em um d~a ocupa~o na pintu_ra de _um
panejamento amarelo, mas, por mais que fizesse, nao conseg~a dar~~~
Colhido de momento por ofensas rudemente atiradas (Revista Ilus- o brilho desejado. Pensando nos brilhantes amarelos consegwdos P .
trada, 1886, n° 444, ano XI) apenas tive tempo de dar expansão à minha Veronês e Rubens, tomou a resolução de ir ao museu do L?uvre. Isto fm
energia protestando contra a agressão e pedindo a meu implacável ad- em 1830. Havia então, em Paris, grande número de cabnoles amarelo- se~
versário escolha de armas mais dignas de homens educados. Inútil foi a reno· foi um destes que o artista escolheu. No momento de entrar par
proposta. Para não tentar uma luta inglória terminei, e me diz a cons- o car'ro parou subitamente notando, com enorme surpresa, que o amar~­
ciência que com muita sobranceria, esta questão mal encaminhada. Tecen- lo do cabriolé produzia violeta nas sombras. Despediu o cocherro e: vo -
do agora àquele artista os elogios que ficaram nas páginas 201 e seguin- tando para o atelier, tocado de admiração, aphcou sobre a tela a lei que
tes deste livro, as pessoas que não leram os meus escritos mas que acab'ava de descobrir. Estas duas transcrições comprov~ que a_sombra
acompanhavam pelos A pedidos da Gazeta de Notícias do referido ano tinge-se sempre da complementar da cor iluminada, fenomeno Ja conhe-
esta questão, têm o direito de pensar que, por covardia, procurei retra- cido por Newton e, não há muitos anos, minuciosamente estudado por
tar-me.
Chevreul.
É pois para estes a presente explicação. A seguinte teoria exposta por meu irascível censor:
Nos mencionado~ artigos não censurei Bernardelli, notei simplesmen-
te um exagero do pintor e o capítulo VI deste livro é calcado sobre eles Se o ilustre crítico se desse o trabalho de refletir veria .que as
com a única diferença de ser este capítulo, embora rápido, escrito com paisagens e figuras feitas em pleno ar não podem deixar de
mais calma e maior conhecimento do valor daquelas obras. participar da luz do céu; e sendo este azul, toda a parte que
Os elogios são os mesmos. Quanto aos períodos provocadores da não for iluminada pelo sol há de ser forçosamente azulada,
ra do meu contendor: sobretudo nos planos mais distantes;
"Noto, também, abuso de tons azuis e sombras violáceas, já nas
'iguras, já nas paisagens;" - Não tem razão de ser, pois é prova da falta de conhecimentos da
física e da ótica.

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A respeito da cor azulada dos planos distantes Laugel no seu livro
L'optique et les arts demonstra que é isto devido à insensibilidade da
nossa vista para a percepção das cores a grande distância, concorrendo
para ocasionar este fenômeno a intercepção do ar entre o observador e
o horizonte longínquo; e relativamente à cor azul do céu (espessas ca-
madas de ar, corpo diáfano) qualquer compêndio de física, na parte em
que se trate da luz traz este fenômeno explicado com o nome de absor-
ção, onde se verifica que o céu não tem luz própria e portanto as partes
não iluminadas pelo sol não podem receber a luz de um corpo que não a
tem. De mais a mais, para a terra refletir a cor do céu fora preciso que
ela tivesse uma superfície polida, isto é, tivesse o poder da reflexibilidade.
O único ponto que se me podia contrariar naqueles supracitados
artigos era o de não ter considerado a maneira do artista sentir a tonali-
dade, fato dependente já de influências de ordem moral (Paul Bert - obs. Referências bibliográficas
pre. à l'Académie des sciences, 1878, Charcot clin. psc.) já por defeito orgâ-
nico (Laugel, ob.cit., Helmholtz, opt. phys) já pela natureza do terreno e
pelos fenômenos da luz.
Feita esta explicação, concluo dizendo que não é razão inatacável
para considerar Henrique Bernardelli um mestre - o estudo de sete anos. Dicionários e enciclopédias
BENEZIT, E. Diclionaire critique el docum enLaire des peintres, sculpteurs, dessinateurs
Muitos artistas, cujos nomes poderia citar, mais tempo gastaram
el nraveurs. Paris, Libraire Gründ, 1976. .
para con~eguir a admiração do mundo civilizado, e, ainda depois de "' . . · d e J aneuo,
· Typographia
. ··ona·r ·0 Biblionrá(ico Brastletro. RIO
conquistarem a reputação de mestres, se lhes notam erros e defeitos. BlAKE, Augusto. tuD 1 "'
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ti Editore, 1986. . L' · d


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BERGER, Paulo (coord.). Pinluras e Pinlores do Rio Anligo. Rio de Janeiro, Livraria
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CORDOVIL, Heloysa de F. Aurélio de Figueiredo, Meu Pai. Rio de Janeiro, Soe. Gráfi-
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PEIXOTO, Maria E. Santos. Pinlores Alemães no Brasil duranle o Século XIX. Rio de
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Modernidade e Modernismo no Brasil foi, originariamente, ~
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versidade de São Paulo.
ROSEMBLUM,R. /JANSON,H.W. 19/h - cenlury arl. New York, Harry N. Abrams, Inc.,
1984. "Dos vários debates brotaram algumas sugestões de análise,
RUBENS, Carlos. Pequena Hislória das Arles Pláslicas no Brasil. São Paulo, Compa- que pontuaram não apenas as diferenças fundamentais exi~ten­
nhia Editora Nacional, s .d .
tes entre modernidade e modernismo, mas chamaram tambe~ a
TAUNAY, Afonso de E. A Missão Arlíslica de 1816. Brasília, Ed. da Universidade de atenção para a necessidade de um estudo aprofundado do_secu-
Brasília, 1983.
lo XIX, a fim de avaliar as várias implicações que o conceito de
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arte moderna adquire no Brasil".
NEINBERG, H. Barbara. The Jure o( Paris: Nineleenth-Cenlury American painlers and
lheir French leachers. New York, Abbeville Press Publishers, 1991. os artigos apresentados durante o encontro estão agora reu-
nidos neste livro e resgatam esses debates.

ISBN 85-85725-03-6 160 pp.

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