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Publicado em parceria com Southern University Press, 1912 University Press Dr MC sUMÁRIo

6806, CarbondaJe llinois 62901 USA, a partir do título - The later works oflohn Dewey:
Volume 10: 1934 Art as experience de [ohn Dewey e eclitado por [o Ann Boydston.
© 2010 Martins Eclitora Livraria Ltda., São Paulo, para a presente eclição.
© 1989 porThe Board ofTrustees, Southern llinois University (a seguir
chamado The Work.

Publisher Evandro Mendonça Marlins Fontes


Produção editorial Luciane Helena Gomide
Produção gráfica Sidnei Simonelli
Diagramação Casa de ldeias
Preparação Denise Roberti Camargo
Revisão Dinarte Zorzanelli da Silva
Mariana Zanini
Pryscila Bilato Grosschiidl

l' edição 2010


l' reimpressão 2012
Impressão Yangra]
Introdução por Abraham Kaplan . 7

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, Sp, Brasil) Arte como experiência ,..,..,.., ,..,..,..,..,..,..,.., . 51
Dewey, Iohn, 1859-1952. Lista de ilustrações , . 55
Arte como experiência I John Dcwcy; [organização [o Ann Boydston;
editora de texto Harriet Furt Simon; introdução Abraham Kaplan; tradução Prefácio , , , . 57
Vera Ribeiro. - São Paulo: Marfins Martins Fontes, 2010. - (Coleção Todas
as Artes)
l
+ ] A criatura viva . 59
Título original: Art as experience. A criatura viva e as "coisas etéreas" . 85
Bibliografia.
ISBN 978-85-61635-54-)
...,Ter uma experiência . 109
O ato de expressão . 143
1. Estética 2. Experiência I. Boydston, Jo Ann. 11. Simon, Harriet Furst.
111. Kaplan, Abrahan. IV.Título. V. Série. O objeto expressivo . 178
Substância e forma . 215
09-05834 CDD-701 A história natural da forma . 259
Índices para catálogo sistemático:
1. Arte: Filosofia 111 701
A organização das energias . 301
A substância comum das artes . 339
A substância variada das artes . 381
Todos os direitos desta edição reservados à A contribuição humana . 429
Martins Editora Livraria Ltda.
Av. Dr. Amaldo. 2076 O desafio à filosofia . 469
01255-000 São Pauto SP Brasil Crítica e percepção , . 509
Tel.: (11) 3116 0000
info@martinseditora.com.br Arte e civilização , . 551
www.martinsmartinsfontes.com.br
Notas 587 INTRODUÇÃO
Lista de referências bibliográficas de Dewey 607 por Abraham Kaplan
Índice remissivo 619

Não muito depois de Martin Buber ter deixado a Ale-


manha e se instalado em Israel, perguntaram-lhe como se
estava arranjando com o hebraico. "Agora sei o suficiente
para fazer que me entendam", respondeu ele, "mas, infe-
lizmente, não o bastante para não ser compreendido." Em-
bora [ohn
,--
Dewey tenha escrito em sua língua pátria, não
logrou um êxito visível em se fazer compreender.
Em compensação, também não é ininteligivelmente
profundo. Compartilha a adesão de Charles Peirce ao bom
senso crítico e o realismo robusto de William James, mas
sem o rigor do primeiro ou a felicidade de expressão do se-
gundo. Embora os escritos de Dewey exibam algo aquém
da coerência linear de um tratado de Aristóteles, são tam-
bém menos tortuosamente convergentes que um diálogo
de Platão. No que tem de pior, Dewey foi acusado de ser
- --
difuso e repetitivo, às vezes tão intricado quanto o irmão de
William James, Henry. No que tem de melhor, porém, é di-
reto, lúcido e eloquente.
8 JOHNDEWEY ARTE COMO EXPERrnNOA 9

Desde os tempos de Dewey, a filosofia - pelo menos no ~wey nasceu três anos de ois de Freud e morreu três_
mundo de língua inglesa - vem se conscientizando cada vez anos antes de Einstein. Com esses dois contemporâneos
mais, e até de maneira dolorosa, da linguagem que emprega. compartilha a distinção melancólica de ter exercido um vasto
De G. E. Moore e Bertrand Russell a Ludwig Wittgenstein, ( impacto pelas razões erradas. Relatividade não é relativismo,
Gilbert Ryle e outros, a filosofia tem sido equiparada à análi- e sim a afirmação de uma constância, do intervalo de espaço-
se, e esta a uma explicação da lógica da linguagem como tal, -tempo entre os acontecimentos. Psicanálise não é libertina-
ou de locuções específicas. Dewey recorre com frequência à gem, e sim uma revelação das irracionalidades da atuação dos
etimologia, mas como um r~urso
trumento
expositivo, e não um in~-=-
de análise, Seu texto requer menos uma leitura ri-
limpulsos inconscientes. O eragmatismo não é um oportuni~
~ na busca de fins materiais, mas uma avaliação de meios e
gorosa' para apreender o sentido do que ele diz, do que uma fins por suas condições e consequências na experiência. A filo-
leitura sensível, para compreender seu propósito ao dizê-Io, ~a compartilhada por Dewey com Charles Peirce e William
No fundo, o que responde pela inteligibilidade é mais [ames está a anos-luz de distância do pragmatismo vulgar da
( o estilo do pensamento que o da linguagem. O pensamen- economia de resultados e da política sem princípios.
to do pragmatismo suscita interpretações equivocadas não O que é verdade é que Dewey exerceu menos impacto
apenas por parte de leigos, mas até de filósofos da agudeza nas escolas de pensamento do que nas escolas públicas, me-
superlativa de Russell. nos efeito na teoria política do que nas políticas dos países
Que o pragmatismo foi largamente mal compreendi- em desenvolvimento. A influência de uma filosofia é uma
do é hoje, creio eu, um dado incontestável da história inte- base duvidosa para categorizar seu conteúdo. O pragma-
lectual. Williám James observou que tismo, em especial, resiste à categorização abstrata, "Inde-
pendentemente do que mais o pragmatismo seja ou deixe
urna fórmula favorita para descrever [os pragmatistas] de ser", escreveu Dewey certa ~ez, "o espírito pragmático ~~
é afirmar que somos pessoas que acham que, dizen- primordialmente, ur;;
revolta contra o hábito mental que
do o que consideramos agradável e chamando-o de 'd,escarta qualquer coisa - até um assunto tão humilde quan-
verdade, cumprimos todas as exigências pragmáticas. to um método da filosofia - enfumando-a [00'] nos escani-
Deixo a critério dos senhores julgar se essa não é uma nhos de um armário de arquivo.r"
calúnia despudorada'. Categorizar o pensamento de Dewey nos escaninhos do
pragmatismo vulgar é impróprio, da maneira mais flagran-
Apenas calúnias um pouco menos despudoradas vitimaram te, no que tange a sua filosofia da arte. Tal como vulgarmen-
Dewey. te concebido, o pragmatismo nem sequer pode interessar-se

1. William [ames, Pragmatism: A New Name for Some Old Ways of Thinking, 2. Dewey, The Influence ofDarwin on Philosophy and Other Essays in Contempo-
Nova Iorque, Longmans, Green, and Co., 1921, p. 233. rary Thought, Nova Iorque, Henry Holt and Co., 1910, p. iv.
10 JOHNDEWEY ARTE COMO EXPE~NCIA 11

pela arte, pois, nessa concepção, a arte é eminentemente o lazer, ou tão somente capazes de usá-Io na exibição
não lucrativa e pouco prática - a menos que se trate de de- ostentadora e na dissipação extravagantes.
senho industrial, decoração de interiores, propaganda ou de
uma simples mercadoria que sirva para proteger da inflação. Eis um dos pontos focais das concepções equivocadas in-
I Para Dewey, muito pelo contrário, "não há teste que revele corporadas ao pragmatismo vulgar. O pragmatismo de_
com tanta segurança a parcialidade de uma filosofia quanto Dewey não é uma simples filosofia da ação; é igualmente
sua abordagem da arte e da experiência estética">, A filoso- ~filosofia do pensamento e do sentimento - o primei-
fia, longe de ser indiferente à arte, deve reconhecê-Ia como ro para nortear a ação, o segundo para identificar as consu-
central para as preocupações filosóficas. mações visadas pela ação. "Os críticos imputaram sentidos
Uma das últimas formulações de Dewey sobre essas estranhos a esta concepção [o instrumentalismo]", explica
preocupações se encontra em The Philosophy of [ohn Dewey, ele no contexto de sua estética. "Seu conteúdo real é sim-
na resposta dada por ele a seus críticos: "O problema de res-
ples: o saber é instrumental para o enriquecimento da ex-
tabelecer a integração e a cooperação entre as crenças do
periência imediata" (p. 496). Esse enriquecimento é, em
homem sobre o mundo em que ele vive e suas crenças sobre
essência, o que a arte proporciona. A contrapartida dis-
os valores e os propósitos [...] é o problema mais profundo
so resume a filosofia deweyana da arte: o que quer que
de qualquer filosofia que não esteja isolada da vida'". Para
proporcione em alguma medida o enriquecimento da ex-
,Dewey,
------ a arte é o lócus paradigmático dos valores,- e a cria-- periência imediata é, nessa medida, estético. O resto é
ção e o prazer advindo da arte são o protótipo dos objetivos
comentário, no qual Dewey explica "experiência", "ime-
dignos da condição humana.
diatismo" e "enriquecimento".
Décadas antes, Dewey deixara explícito que
Na perspectiva de Dewey, a explicação é especial-
não há questão mais importante perante o mundo que
mente necessária por causa dos dualismos recorrentes que
[...] a conciliação das atitudes da ciência prática com a atormentaram a filosofia. Em todos os seus escritos, espe-
apreciação estética contemplativa. Sem a primeira, o cialmente nos que dizem respeito à arte, ele se preocupa
homem toma-se joguete e vítima das forças naturais. com "as separações que perturbam o pensamento atual: a
[...] Sem a segunda, a humanidade poderia tomar-se divisão de tudo em natureza e experiência, a da experiência
uma raça de monstros econômicos [...] entediados com ~ prática e teoria. arte e ciência, a da arte em útil e refina-

3. Dewey, Arte como experiência, São Paulo, Martins Martins Fontes, 2010, 5. Dewey, Reconstruction in Philosophy, Nova Iorque, Henry Holt and Co.,
p. 472. As referências ao livro subseguentes aparecem entre parênteses e se refe- 1920, p. 127 (A filosofia em reconstrução, trad. E. Marcondes Rocha, São Paulo, Na-
rem a esta edição.
cional, 1958), in [o Ann Boydston (org.), The Middle Works oflohn Dewey, 1899-
4. Paul Arthur Schilpp (org.), The Philosophy of Iohn Dewey, Library of Living -1924, Carbondale e Edwardsville: Southern Illinois University Press, 1982, vol.
Philosophers, Evanston, Northwestern University Press, 1939, p. 523. 12, p. 152.
13
12 jOHNDEWEY ARTE COMO EXPE~NClA

da, servil e livre'". É possível identificar dualismos correlatos o que atrapalha nosso pensamento não são os concei-
'---- -
i em t.oda a históri: da filoso~a: o dualism~ do intelecto e dos tos emparelhados em si, mas a suposição (feita pelos que es-
sentidos em PIatao, da razao e da emoçao nos estoicos, do crevem a anatomia da experiência em geral e da experiência
corpo e da mente em Descartes, das qualidades primárias e artística em particular) de ue_essa~separaçôes são íneren-
secundárias em Locke. tes à própria constituição da natureza human~ A ideia é que
Outros dualismos permeiam os vários campos da filoso- ~instituições e as práticas sociais têm os moldes que têm
fia: o analítico e o sintético, a dedução e a indução na lógica; por causa da natureza das coisas. A verdade, no entanto,
I o subjetivo e o objetivo, o racional e o empírico na epistemo- é que as coisas são concebidas dessa maneira porque nos-
logia; fato e valor, dever e desejo na ética; fé e razão na filoso- sas instituições e nossas práticas são como são. A distinção
fia da religião; quantidade e qualidade, teoria e experimento entre "belas-artes" e "artes úteis", por exemplo, no dizer
na filosofia da ciência. Todos eles entraram em voga recen- de Dewey, "baseia-se simplesmente na aceitação de certas
temente, por serem revestidos de termos da neuroanatomia: \ condições sociais existentes" (p. 96).
os hemisférios esquerdo e direito do cérebro - um dedicado Dizem que Dewey protestava contra a caricatura do
aos cálculos, o outro à intuição; um realista, o outro criativo; pragmatismo como" a filosofia do homem de negócios norte-
um para a ciência, o outro para a arte. -americano", retrucando que, de maneira igualmente justifi-
Essas diversas antíteses, tomadas em conjunto, foram cável, poderíamos interpretar o dualismo francês como uma
institucionalizadas em um ~alismo cultural que é a principa.! expressão da propensão gálica a manter uma amante e tam-
preocupação do pensamento deweyano como um todo. A e~ bém uma esposa. Em princípio, a caricatura, por mais exage-
cola foi isoladá da sociedade, e os intelectuais, dos homens de rada ou distorcida que fosse, seria pragmática em si, porque
ação; as ideologias do individualismo e do coletivismo são co- o pragmatismo aplica o método genético à filosofia, do mes-
Jocadas em contraste; o trabalho é contraposto ao lazer, e por mo modo que o aplica a outros campos do pensamento. As
isso o esforço social tem se orientado para encurtar a jorna- ideias devem ser compreendidas em termos de suas origens
da de trabalho, em vez de tomar o trabalho mais significativo; históricas e suas funções sociais, como já haviam enfatizado
o mundo rotineiro da realidade define os papéis do homem, Marx e Nietzsche. Dewey chega até a se permitir interpreta-
enquanto o domínio do valor fica entregue à mulher; a auto- - ções psicológicas evocativas de Freud. "As oposições entre
ridade governa as questões terrenas, enquanto a liberdade fi- mente e corpo, alma e matéria, espírito e carne", observa ele,
ca restrita ao nada etéreo da religião e da arte. "originam -se todas, fundamentalmente, no medo do que a
vida pode trazer" (p. 89).
6. Dewey, Experience alld Nature, Nova Iorque, W. W. Norton and Co., 1929, Nessas questões, Dewey é mais sociólogo do que psicó-
p. 358, in [o Ann Boydston (org.), The Later Works of [ohn Dewey, 1925-1953, Car-
bondale e Edwardsville, Southern Illinois University Press, 1981, voI. 1, p. 269. logo. É menos receptivo do que William [ames às maneiras
14 JOHNDEWEY ARTE COMO EXPERmNClA 15

como a filosofia de uma pessoa se ajusta a sua personalida- pensamento pode ser caracterizado ~o~o um movimento
de. A filosofia de cada um é produto de seu estilo cogniti- repetido do dualismo para o monismo. Vez por outra, ele
vo individual. Embora o estilo não seja tudo, ignorá-Io por formula seus problemas como leva~tados por um dualismo;
completo é fatal para a compreensão. O que William [ames lida com eles mostrando que a dualidade pode ser reduzida
diz sobre a conceituação da realidade poderia aplicar-se a a algo que é unitário.
toda uma filosofia: "O isso dela é dela mesma, porém o o quê Nem toda díade define um dualismo. Para Dewey, as dia-
depende do qual, e o qual depende de nôs'", des servem, comumente, para especificar os dois polos entre os
Uma característica importante do estilo cognitivo de um quais um certo domínio pode ser localizado - os pontos finais,
filósofo é o que me aventurei a chamar de seu "número má- por assim dizer, de um segmento de reta em um espaço concei-
gico". Trata-se do número que o pensador acha mais simpá- tual (um trinitário veria os dois como extremos entre os quais se
tico, de modo que elabora ou compacta distinções até chegar encontraria o meio-termo justo). O que transforma uma díade
a esse número mágico. Quantas pessoas se encontram em em um dualismo é considerar que os dois componentes se di-
uma sala ou quantos elementos químicos existem na nature- videm e se opõem por sua própria natureza, interpretando-os,
za podem ser externamente determinados; o mesmo não se à maneira da dialética transcendental de Kant, como categorias
dá com a contagem das formas de amar ou dos componentes da realidade, e não como formas de pensamento.
do pensamento. Há niilistas cujo número mágico é zero, uma
As díades, a exemplo do organismo e seu meio, ou dos
vez que eles repudiam todos os esquemas classificatórios; há
meios e fins, são uma característica inseparável da filoso-
monistas e dualistas, trinitários e "quadrados" (cujo número
fia deweyana. Dewey resolve os dualismos não por se recu-
mágico é o quatro), pluralistas (com um número maior) e plu-
sar a contemplar as distinções traçadas pelos dualistas, mas
ralistas radicais (cujo número mágico é o infinito, permane-
por reinterpretar as diferenças consideradas substantivas
cendo abertas todas as classificações- encerradas apenas por
e intrínsecas como sendo, ao contrário, funcionais e con-
"etc. etc. etc."). Charles Peirce é trinitário, e William James,
textuais. Trata-se de uma técnica de corte transversal, que
pluralista; o número mágico de Dewey parece ser o dois.
superpõe novas distinções perpendiculares às antigas. "A
Uma descrição mais exata de seu estilo cognitivo, co-
única distinção que vale a pena traçar não é entre a prática e
mo o de muitos outros filósofos, requer mais do que um nú-
~oria", diz ele, porexemplo, "mas entre as formas de prá-
mero mágico. Kant, por exemplo, tanto é trinitário quanto
-tica que nãõ sao-inteligentes nem prazerosas de uma forma
quadrado; tudo na arquitetõnica de Kant aparece em grupos
-intrínseca e imediata, _eaquelas que estão repletas de signi-
de três ou quatro, muitas vezes em uma disposição três por
ficados prazerosos."
quatro. Os números mágicos de Dewey são dois e um: seu

7. [ames, Pragmatism, p. 246. 8. Experience and Naiure, p. 358 (Later Works, vol. 1, p. 268-9).
16 JOHNDEWEY ARTE COMO EXPEmNCIA 17

o dualismo da razão e do afeto, tão destacado na filo- o investigador cie~ficonão faz outra coisa resulta da c~n-
sofia da arte, é levado a ceder lugar ao dualismo das emo- vers~o de u!lla ~er~ência de ritmo e ênfase em uma dife-
ções racionais e irracionais, ou ao dualismo do pensamento rença de qualidade"jp. 78).
insensível e do pensamento impregnado de paixão pela ver- - Tirando os dualismos do caminho, Dewey pode des-
dade e de ânsia de congruência. Na vi~ão de ~ewey, não só tacar a busca de continuidades, outra característica de seu
a criação artística é estética, mas também o é o pensament~._ estilo c~itivo. Um d~se~s primeiros trabalhos foi um li-
"O pensador tem seu momento estético", diz ele, "quando vro sobre Leibniz, cuja metafísica se apoia em continuida-
suas ideias deixam de ser meras ideias e se transformam nos des (Russell também escreveu um trabalho inicial como
significados coletivos dos objetos." Inversamente, "o artista- esse, mas concernindo a um aspecto totalmente diverso do
tem seus problemas e pensa enquanto trabalha" (p. 78). pensamento de Leibniz). Charles Peirce, com sua doutri-
Nas perspectivas do dualismo cultural, a arte se contra- na do sinequismo, fez da continuidade um dogma cardeal,
põe à ciência como subjetiva, e não objetiva; como privada, aplicando-o inclusive em sua teoria do significado. Dewey_
e não pública; concreta, e não abstrata; particular, e não ge- procura por continuidades empíricas, e não metafísicas ou
ral; sensorial, e não intelectual. Mas falamos em compreen- lóglcas. i;~ca o tipo de continuidade empírica para o qual
der a arte, inclusive uma arte não representacional como a a teoria da evolução foi o paradigma, em seus anos de for-
música; e "intelectual", aplicado à experiência, argumenta mação. pewey nasceu no ano em que foi lança da a Origem
Dewey, "simplesmente nomeia o fato de que a experiência das espécies; em 1909, fez uma palestra na Universidade Co-
tem sentido" (p. 138). lumbia sobre a influência de Darwin na filosofia - certamen-
A experiência de pensar "difere das experiências que te um dos poucos filósofos, entre os da arte, a reconhecer de
são reconhecidas como estéticas, mas o faz somente em maneira explícita essa influência.
seu material. O material das belas-artes consiste em quali- Como resultado, Dewey repudia a "concepção da arte
dades; o da experiência que tem uma conclusão intelectual que a 'espiritualiza', retirando-a da ligação com os objetos
consiste em sinais ou símbolos" (p. 113-4). "A ideia de da experiência concreta", as teorias que "isolam a arte e sua
que o artista não pensa de maneira tão atenta e penetran- apreciação, colocando-as em um campo próprio, desvincu-
te quanto o investigador científico", e.rossegue Dewey, "é _ 'Gdo das outras modalidades do experimentar" (p. 70-1). A
absurda. [...] [Ele] tem de discernir uma relação particu- tarefa da filosofia da arte é "restabelecer a continuidade en-
lar entre o agir e o suportar em relação ao todo que deseja tre, de um lado, as formas refinadas e intensificadas de ex-
produzir. Apreender tais relações é pensar, uma das mo- periência que são as obras de arte e, de outro, os eventos,
dalidades mais exigentes do pensamento" (p. 124). Em su- atos e sofrimentos do cotidiano universalmente reconheci-
ma, "a estranha ideia de que o artista não pensa e de que dos como constitutivos da experiência" (p. 60). O problema
18 JOHNDEWEY ARTE COMO EXPERffiNClA 19

é "recuperar a continuidade da experiência estética com os comentou Bertrand Russell-. Tal como Russell, que afirma-
processos normais do viver" (p. 70). va que o conhecimento empírico se baseia em postulados
Qewey fala em "restabelecer" e "recuperar" a conti- que não estão sujeitos à validação lógica (nem à validação
nuidade. Sua própria teoria estética é uma continuação do empírica), Dewey reconhece com franqueza: "Não sei co-
que veio antes, como é a filosofia pragmática de modo ge- mo a mera argumentação pode determinar a escolha [entre
ral; o subtítulo do livro Pragmatismo, de William [ames, é uma filosofia transcendental e uma filosofia empírica da ar-
A New Name for Some Old Ways of Thinking [Um novo no- te]. Mas já é alguma coisa saber o que está envolvido quan-
me para antigos modos de pensar]. A arte sempre teve con- do se faz a escolha" (p. 335). Aí está, a propósito, um indício
tinuidade com a vida, e permanece assim, exceto por alguns da filosofia de Dewey sobre a crítica da arte.
gestos locais e evanescentes de esteticismo ou antiarte, que Uma vez feita a escolha, a filosofia da arte toma-se ime-
Dewey basicamente ignorava. Não é a continuidade da arte diatamente central para o resto da filosofia. Na arte, a expe-
que precisa ser restabelecida, é a filosofia da arte que precisa _ riência é "libertada das forças que impedem e confundem seu
restabelecer seu reconhecimento da continuidade, da mes- desenvolvimento como experiência. [...] É à experiência esté-
ma forma que não era a ciência que precisava ser salva do tica, portanto, que o filósofo precisa recorrer para compreen-
ceticismo de Hume, e sim a epistemologia que acabou ne- der o que é a experiência" (p. 472). O fato de a epistemologia
gando ter um conteúdo. se apoiar na estética não é uma descontinuidade tão espan-
Que a arte é "o desenvolvimento esclarecido e inten- tosa no pensamento filosófico quanto se afiguraria à primeira
sificado de traços que pertencem a toda experiência nor- vista. A Crítica da razão pura, de Kant, por exemplo, come-
malmente completa" é algo que Dewey considera como" a ça por uma "estética transcendental" (a ênfase compartilhada
única base segura sobre a qual se pode erigir a teoria estéti- no caráter imediato da experiência transforma a comunhão
ca" (p. 125). Não há outra base capaz de servir de alicerce à da linguagem em mais do que um acidente linguístico).
teoria estética senão o reconhecimento de que a arte é pro- Portanto, o ponto de partida da filosofia deweyana da
duto da interação contínua e cumulativa de um eu orgâni- arte é que, "por ser a realização de um organismo em suas
co com o mundo. lutas e conquistas em um mundo de coisas, a experiência é
Não há outra base para um empirista, bem entendido. a arte em estado gerrninal" (p. 84). Nem toda experiência
A alternativa só pode ser a arte funcionar "porque uma es- é, igualmente, uma realização. Quando o é, marcanternen-
sência transcendente (em geral chamada 'beleza') desce so- te, nós a chamamos de "uma experiência" (a língua ingle-
bre a experiência de fora para dentro" (p. 335). Mas por que sa não tem um rótulo para "uma experiência", como fazem
ser empirista nessas questões? "A realidade pura e simples
9. Bertrand Russell, Human Knoioledge: lts Scope and Limits, Nova Iorque, Si-
é que se faz demasiado estardalhaço sobre a 'experiência"', mon and Schuster, 1948, p. 452.
20 JOHNDEWEY ARTE COMO EXPERIÊNCIA 21

o alemão com a Erlebnis, distinta da Erfahrung, e o hebrai- quência de eventos (como uma apresentação musical). Em
co com a chavayah, distinta da nisayon)*. "Um objeto é pe- si, isso não deve ser erroneamente concebido como a "obra
culiar e predominantemente estético", afirma Dewey, "[...] de arte", que é aquilo que o produto artístico faz com a ex-
quando os fatores determinantes de qualquer coisa que se periência e na experiência. O produto artístico e a obra de
possa chamar de experiência singular se elevam muito aci- arte constituem uma díade fundamental na filosofia da ar-
~
ma do limiar da percepção e se tornam manifestos por eles _tede Dewey.
mesmos" (p. 140-1). A filosofia analítica, na medida em que lida com a es-
pe modo algum a arte, por si só, dá ensejo a uma expe- tética, ocupa-se muito com a identidade da obra de arte, e
riência. O ato de amor, os rituais religiosos, as cerimônias de. não com o que a torna estética. A pergunta que os analis-
todos os tipos, os desfiles e espetáculos, os eventos despor- tas costumam fazer é o que constitui "o" poema, lido por
tivos e atividades similares compõem um domínio do quase. pessoas diferentes, "a" peça teatral ou composição musical,
estético que se transmuda gradativamente em arte propria- apresentada em diferentes espetáculos. Essa questão do um
mente dita. Mas Dewey fica tão atento à continuidade que e do muitos vê na distinção entre o produto artístico e a obra
pouco tem a dizer em termos específicos sobre aquilo de que de arte a diferença que Charles Peirce, em sua teoria dos
a arte é uma continuação. Nesse aspecto, ele contrasta mar- signos, rotulou de sin-signo [token] elegi-signo [type]. Essa
cantemente com seu contemporâneo Ernst Cassirer, que via diferença não é o que impulsiona a distinção de Dewey.
na arte uma "forma simbólica", como o ritual, em uma pers- Antes, ele se interessa pela circunstância de que aqui-
pectiva posteriormente enfocada na teoria estética de Su- lo que o produto artístico faz com a experiência e na expe-
sanne Langer. riência depende daquele a quem pertence essa experiência.
A experiência, se examinada empiricamente, ela mes- Uma vez que "toda experiência é resultado da interação en-
ma, não é algo que aconteça em uma subjetividade encap- tre uma criatura viva e algum aspecto do mundo em que ela
sulada. Tem um lócus objetivo, evocado e perpassado por vive" (p. 122), também a arte emerge de uma interação en-
uma transação entre organismo e meio. O ponto focal no tre organismo e meio. Sozinho, nenhum dos dois é decisi-
meio da transação, no que tange à experiência estética, é o vo. O fato de a obra de arte dever sua existência e seu caráter
que Dewey chama de "produto artístico", o objeto ou a se- à pessoa que reage a ela, assim como ao produto artístico,
não torna subjetivos os seus atributos.Aestética de Dewey é
* Na língua alemã, Erlebnis é a experiência não integrada, atomizada, a "quin- uma aplicação à ar~~do relativismo objetivo que também se
tessência de um momento passageiro que desfila com a roupa emprestada da expe-
riência [Erfahrung]", nas palavras de Walter Benjamin; em português, aproxima-se
encontra em sua ética, sua lógica e sua metafísica.
da ideia de experiência como vivência imediata, acontecimento, revelação; já a Er- 9s atributos da obra de arte dependem não apenas das
fahrung é a experiência integrada, verdadeira, enraizada na tradição, mais próxima
de nossas ideias de prática de vida ou tarimba. (N. T.) pessoas que a vivenciam (assim como do produto artísti-
22 jOHNDEWEY ARTE COMO EXPEmNCIA 23

co), mas também das circunstâncias da experiência. Dewey _ da "informação" é ilustrado, entre os antigos, por Aristóte-
é rigorosamente contextualista. Os propósitos extraestéticos les, Lucrécio e Platão, respectivamente, tal como o é, entre
dão uma relevância especial a certos contextos, como os que os modernos, por Dewey, George Santayana e Benedetto
determinam a atração da bilheteria, o valor de mercado ou a Croce, também respectivamente. A teoria estética, declara
eficácia política. O enriquecimento da experiência imediata Dewey, "só pode basear-se em uma compreensão do papel
dá relevância a outros contextos. De que tipo eles são é algo central da energia" (p. 297).
a ser especificado pelas normas da crítica da arte. Nas filosofias da arte de Dewey e de Aristóteles, a ener-
Toda filosofia traz, inevitavelmente, a marca do pon- gia é considerada em termos biológicos. A biologia deweya-
to de partida do filósofo - matemática, ciência, religião, po- na é naturalista; ele não se interessa pela enteléquia nem
lítica. Em uma peça de lorde Dunsany*, uma quadrilha de pelo "elã vital" de Bergson. Seja ao lidar com a arte, a polí-
ladrões propõe disfarçar-se de "deuses da montanha", ves- tica, a moral ou a educação, Dewey partilha com Aristóteles
tindo mantos dourados sobre os andrajos. Mas o chefe do (que também era naturalista, no sentido do biólogo) a cons-
bando protesta, dizendo que, quando os andrajos aparece- ciência da primazia das respostas adaptativas ao meio nes-
rem, as pessoas verão que eles são ladrões; assim, decre- ses campos da psicologia do desenvolvimento.
ta que vistam a roupa esfarrapada por cima do manto, para Com base nos princípios darwinianos, Dewey tinha
que, ao verem o ouro por baixo, as pessoas se convençam da a convicção de que a mente não podia ser uma especta-
aparição de deuses disfarçados. A filosofia de Dewey, a meu dora desinteressada dos acontecimentos, estando, antes,
ver, está longe de ser esfarrapada como alegou a crítica cap- ativamente envolvida neles. Isso não equivale a enalte-
ciosa. Inegavelmente, sua rica formação na ciência biológica cer a ação, à maneira do pragmatismo vulgar. É uma con-
e social transparece por toda parte. sequência da natureza da inteligência, tal como revelada
Na concepção deweyana, a experiência estética não é ª- em sua gênese. A "mente" não é uma substância nem um
\ contemplação passiva de objetos inertes. É ativa e dinâmi- atributo da substância; é uma qualidade de nossos atos.
~ 1ca, um fluxo padronizado de energia - em uma palavra, é vi- Não é denominada por substantivos nem adjetivos, mas
,.\ va. "Energia" era uma categoria básica da ciência do fim do por advérbios.
I século XIX e início do século xx, tal como fora "matéria" no O dinamismo de Dewey incorpora a visão de que o ca-
século XVUI e como se tornou a "informação" em nossa épo- _ ráter ordeiro da experiência estética não é imposto de fora
\ ca. Na estética, o predomínio da "energia", da "matéria" e para dentro, mas feito das relações das interações harmo-
niosas que as energias têm entre si. A ordem é imposta de
• Referência à peça The Gods of the Mountain (1923), do escritor anglo- fora quando é apenas uma questão de pura contiguidade
-irlandêsEdward john M. D. Plunkett, IS· barão de Dunsany, conhecido como lor-
de Dunsany. (N. T.) (como a percepção que Kim tem do sortimento de joias na
24 JOHNDEWEY ARTE COMO EXPERffiNCIA 25

salva de Lurgan, no romance de Kipling*); de puro condicio- Correspondendo a essas qualidades delimitadoras da
namento (o medo que os Deltas têm das flores em Admirável experiência estética, há duas modalidades extremas de liga-
mundo novo, de Huxley); da convenção social (os sentimentos ção das fases consecutivas do fluxo contínuo da experiência.
em relação ao admirável Crichton, de Barrie**, na Inglaterra e "Em um polo, está a sucessão solta, que não começa em ne-
na ilha deserta); ou das idiossincrasias da história pessoal (as nhum lugar particular e que termina [...] em um lugar ines-
rememorações proustianas de coisas passadas, evocadas pelo pecífico. No polo oposto, estão a suspensão e a constrição"
sabor das madeleines). Em contraste, os modos de equilíbrio (p. 116-7). O primeiro é a falta de objetivo de um fantoche
atingidos na experiência estética se dão" a partir e por causa sendo levado para um passeio; o outro é a eficiência mecâ-
da tensão"; "não são estáticos nem mecânicos. [...] Os objetos nica de uma viagem de trem. Na experiência estética, o que
circundantes beneficiam ou prejudicam" (p. 76, 79). vem antes não é irrelevante para o que vem depois, mas
Nem todas as interações de energias são estéticas. também não determina rigidamente seu sucessor.
Dewey demarca o campo do estético por uma definição diá- A ligação deve ser de tal ordem que leve a experiência
dica característica, explicitando os dois polos que marcam su- não meramente a um fim, mas a um desfecho. A experiência
as fronteiras. "Os termos delimitadores que definem a arte", "faz o percurso até sua consecução. [...] seu encerramento é
diz ele, são" a rotina, em um extremo, e o impulso capricho- ~consumação, e não uma cessação" (p. 109-10). Dewey
so, no outro?>. Por um lado, temos a "submissão coagida" aplica a toda a arte o que Aristóteles diz da tragédia - que ela
às convenções, à "abstinência rigorosa", à "estreiteza"; por tem começo, meio e fim, sendo o fim aquilo que vem "na-
outro, à "desatenção para com as pendências", "desperdício, turalmente depois de algo [...] e sem que haja mais nada a
incoerência e complacência displicente" (p. 117). Uma situa- seguir"." Não se trata de que apenas tropecemos no resul-
ção é ilustrada pela experiência de fadiga produzida pelas tado final: somos levados a ele; uma vez chegados a ele, não
repetições sem sentido - tal como retratadas, digamos, em buscamos outra coisa. A experiência é autos suficiente; é es- :I
Tempos modernos, de Chaplin; a outra é ilustrada pela expe- tética apenas "na medida em que é final, ou não desperta
riência de tédio produzida pelo ócio vazio - como represen- uma busca por outra experiência"."
tada' por exemplo, no conto de Tchekhov intitulado A dama A realização a que se chega não é a consecução de obje-
do cachorrinho. tivos externos, especificáveis sem referência à experiência em
si. Não compete à arte fornecer triunfos vicários. O desfecho
10. Experience and Nature, p. 360 (Later Works, vol. 1, p. 270) .
não se limita aos contos de fadas em que o herói e a heroína
• Referência ao romance Kim (1901), do escritor inglês J. Rudyard Kipling
(1865-1936). (N. T.)
11. Aristóteles, Poetics [Poética], 1450b .
•• Referência à peça homônima, The Admirable Crichton (1914), de sir James
12. Dewey, The Quest for Certainty, Nova Iorque, Minton, Balch and Co., 1929,
Matthew Barrie (1860-1937), escritor e dramaturgo escocês. (N. T.)
p. 235 (Later Works, vol. 4, p. 188).
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JOHNDEWEY ARTE COMO EXPERIÊNCIA 27

vivem felizes para sempre; há tanto desfecho, ou mais até, na o silêncio. O chiar de uma chaleira no fogão elevou-
tragédia, na qual, como diz a criança de escola, todo mundo -se, agudo e estridente para os ouvidos. Sete rostos
morre no fim. Também há desfecho nas artes não representa- lívidos, todos virados para o homem que os domina-
cionais, como a música e a pintura expressionista abstrata. Se va, imobilizaram-se de absoluto pavor. Então, com um
a arte é a realização de um desejo, trata-se de um desejo evo- súbito estilhaçar de vidro, uma reluzente profusão de
cado e intensificado pela experiência, e não dado por anteci- canos de espingarda irrompeu por todas as janelas, en-
pação. Essa é a essência da "finalidade sem fim" na estética quanto as cortinas eram arrancadas de seus suportes.
de Kant. O fim, em uma experiência estética, é "vivido como
a consumação de um processo" (p. 115). Não são apenas os personagens que se assustam; os es-
Dewey afirma a continuidade não apenas entre a expe- pectadores ou leitores também vivenciam a surpresa. Em
riência estética e outras experiências, mas também dentro Grandes esperanças, de Dickens, sentimos um pouco do pa-
da própria experiência estética. "Não há buracos [...] nem vor de Pip ao ver "um homem começar a avançar por entre
centros mortos quando temos uma experiência singular. Há os túmulos ao lado do pórtico da igreja" (a versão cinema-
pausas, lugares de repouso, mas eles pontuam e definem a tográfica acompanhou essa figura que avultava com um
qualidade do movimento. Resumem aquilo por que se pas- crescendo repentino) ..A experiência estética não evita a sur-
sou e impedem sua dissipação e sua evaporação displicente" presa, mas a frustração. Sentimo-nos realizados, apesar de
(p. 111). As instruções cênicas da última cena de O inspe- surpresos - talvez mais até, em função disso. A reestrutura-
tor geral, de Gogol, diziam: "Todos os personagens, mudan- ção da expectativa intensifica a experiência, torna-a menos
do subitamente de posição, ficam petrificados. [...] Mantêm superficial, eleva-a acima do desenrolar rotineiro das coisas
suas posições por quase um minuto e meio". Esse é, sem conhecidas.
sombra de dúvida, o momento mais dramático da peça. Para George Santayana, o belo é o esperado, modi-
Um episódio similar aparece em O vale do medo, de Co- ficado pelo prazer. Entendida ao pé da letra, essa é uma
nan Doyle: qualidade não da beleza, mas da graciosidade - daqui-
lo que é fluido, luzidio, tranquilizador, e beira o superfi-
- E então?! - gritou o chefe McGinty, por fim. - Ele cial e o decadente. Se o inesperado é feio, trata-se de uma
está aqui? O Birdy Edwards está aqui? feiura que pode muito bem ser estética. A pintura pós-
- Sim - respondeu McMurdo, devagar. - O Birdy -impressionista, pela qual Dewey foi muito influenciado,
Edwards está aqui. Birdy Edwards sou eu! marcou uma libertação do dogma oitocentista da beleza: o
Findo esse breve diálogo, houve dez segundos em que de que a arte devia capturar o belo - na prática, a gracíosí-
era como se o cômodo estivesse vazio, tão profundo foi dade. No século xx, a libertação do dogma chegou à frui-
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JOHNDEWEY ARTE COMO EXPERIÊNCIA 29

ção em Picasso, cujas figuras, como As donzelas de Avignon, periência" (p. 263). Ela é a encarnação externa da energia na
são magnificamente feias. matéria, o padrão no qual as energias são liberadas e canali-
As expectativas podem ser frustradas, mas o sentimento zadas. "[...] a arte, em sua forma, une a mesma relação entre
de antecipação se aguça. A experiência estética é sustenta- o agir e o sofrer, entre a energia de saída e a de entrada, que
,da pelo suspense, não pelacuriosidade a respeito dos des- faz que uma experiência seja uma experiência" (p. 128). <4
fechos. Dewey cita com aprovação o dito de Coleridge sobre A forma da obra de arte não deve ser confundida com a
a poesia: "O leitor deve ser levado adiante [...] não pelo de- figura (no sentido amplo) do produto artístico. A forma dei-
sejo irrequieto de chegar à solução final, mas pela atividade xa claro o que está implicado na organização do espaço e
prazerosa do percurso em si" (p. 62). O suspense, além dis- do tempo na experiência. A figura ou formato desempenha
so, é uma questão de oioenciar o percurso, e não meramen- um papel importante na determinação dessa organização; o
te de saber a respeito dele. A obra de arte não é uma trama mesmo fazem a matéria perceptiva e a substância expressiva
de mistério estragada pelo conhecimento prévio; o suspen- para as quais o produto artístico fornece um lócus. A centra-
se, na arte, é um apetite que aumenta a partir daquilo com lidade de algo em uma pintura depende não apenas de sua
que é alimentado. '
localização na tela, mas também de sua cor e textura, daqui-
As consumações cumulativas que compõem a expe- 10 que ele representa, e de como ele é pintado.
riência estética resultam de que, na experiência, "o passado Abstrair a forma de seu contexto de experiência gera
reforça o presente e [...] o futuro é uma intensificação do que
~."
apenas uma fórmula, uma articulação de ossos ressecados.
existe agora"(p. 82). Cada etapa resume os valores do que Todos os estilos artísticos têm suas formas distintivas, re-
veio antes e evoca os que ainda virão. Caracteristicamente sultantes de convenções que atuam sobre os formatos e os
pragmática é a formulação deweyana de que os valores de temas, os materiais e os tratamentos. À medida que as con-
todos os meios empregados são incorporados ao fim atingi- venções se estabelecem com mais firmeza, a estilização ge-
do. Por meio desse entrelaçamento de instrumentalidades ra fórmulas; o resultado é a arte acadêmica. As fórmulas da
e realizações, a experiência constitui um todo e leva consi- arte popular mal chegam a proporcionar uma experiência
go sua qualidade individualizante. Tem a unidade orgânica estética; em um contraste esclarecedor encontram-se a Sin-
de um ser vivo, como diz Platão, no qual todas as partes se fonia clássica de Prokofiev e os sonetos de e. e. cummings,
adaptam umas às outras e ao todo». nenhum dos quais é arte formalista, e sim pastiches do es-
Assim, Dewey pode então definir a forma na arte como tilo clássico.
"a operação dasforças que levam à sua realização integral da ex- Os valores formais são as consumações dos interes-
'\
ses despertados na e pela obra de arte, não os introduzi-
13. Platão, Phaedrus [Fedrol, p. 264.
dos na obra de fora para dentro. A arte pode ser chamada
31
30 JOHNDEWEY ARTE COMO EXPERmNClA

de formalista quando nela se destacam os valores formais, se desdobra de maneira estruturada. Não há uma estrutura
distintos dos (e não "opostos aos") valores decorativos e ex- substantiva, de algum modo inserida nela, como um esque-
pressivos (para Dewey, os três são repetidamente ilustra- leto na carne. Forma e matéria são inseparáveis porque não
dos por Cézanne, Matisse e Van Gogh, respectivamente). A existem relações sem relata, e não existem coisas que não se
estética formalista faz da forma o eixo em torno do qual gi- relacionem com outras coisas. O que é forma num contex-
ra sua filosofia da arte. O formalismo moderno foi uma rea- to é matéria em outro, porque as relações entre as próprias
ção saudável ao sentimentalismo e ao didatismo vitorianos, percepções relacionam-se entre si.
bem como à difundida falácia fotográfica (a ideia de que o A estética idealista, de Platão a Benedetto Croce, de-
valor estético de um quadro reside na estreiteza de sua se- preciou a encarnação material da arte, restringindo seu
melhança a seu objeto). papel a proporcionar a esta uma habitação local menos
Dewey concorda que a forma é essencial, mas acres- evanescente e menos privada do que os compartimentos
centa que as essências só têm realidade nas encarnações da mente, nos quais, segundo supõem os idealistas, a arte,
materiais. Isso pode não ser verdade na matemática, em- em sua natureza própria, tem seu ser. Dewey teria aplau-
bora Dewey possivelmente relutasse em dizê-lo, mas é in- dido a resposta de Mallarmé a seu amigo Degas, quando
questionavelmente verdadeiro na arte. Se apenas Euclides este se vangloriou de ter, todos os dias, centenas de ideias
fitou a beleza nua, o resto de nós inventa consumações ves- para poemas: "Os poemas, meu amigo, não são feitos de
tidas. A arte nos chega através dos sentidos, portões de toda ideias, mas de palavras!".
experiência. Até PIatão e Plotino reconhecem que, se a arte A obra de arte não emprega meios puramente mate-
nos faculta elevar-nos ao superno, os degraus da escada são riais para chegar a um fim puramente ideal. Na experiên-
feitos da matéria dos sentidos. Um haicai zen fala disso sem cia estética, o material é o lócus do ideal, encarnando em
rodeios: "Botões de ameixeira na primavera: Para realmente si significados e valores. É isso que faz de um material um
conhecê-los, o coração ... - Mas o nariz também!" "veículo": o fato de os meios serem incorporados ao resul-
O produto artístico consiste em um material físico; a tado. "Todos os casos em que os meios e fins são externos
obra de arte é a eflorescência da matéria perceptiva. A figu- uns aos outros são inestéticos", afirma Dewey. "Talvez es-
ra ou formato pertence ao material; a forma, à matéria. Di- sa externalidade até possa ser vista como uma definição do
zer que a matéria "tem" forma é uma locução enganosa, que inestético" (p, 355). É fato que os fins de toda ação trazem
sugere a existência independente de formas. Assim como a a marca dos meios utilizados para sua consecução. É es-
caminhada que fazemos passa a existir ao caminharmos, e o se o princípio subjacente à crítica deweyana dos absolutis-
resfriado que contraímos passa a existir quando é contraído, mos políticos. Na arte, os meios e os fins se interpenetram
a matéria adquire forma à medida que a experiência estética tão intimamente que mal são distinguíveis entre si. Quan-
32 jOHNDEWEY ARTE COMO EXPERIÊNCIA 33

do o sentido e o valor de um ato são manifestos tanto no A estética não dita o modo como os materiais devem
agir quanto em seu resultado, nós o chamamos, com justa ser usados, a não ser para dizer "esteticamente!", ou seja,
razão, de um "belo" ato, e, quando ele é recorrente, de ex- em prol do enriquecimento da experiência imediata. Não há
pressão de um "belo" caráter. nada artisticamente errado com lenhos de cerâmica e con-
Sempre que a matéria e a forma estão em conflito, ou soles de lareira feitos de estanho, exceto pelo fato de eles
mesmo apenas dissociadas uma da outra, é porque o ar- poderem captar e irradiar a luz de maneiras que confundem
tista não foi fiel a seus materiais. "A insinceridade na arte e dissipam a percepção que temos deles. Na arte, o que pa-
tem uma origem estética, e não apenas moral", diz Dewey; rece certo é certo. O importante é que o contexto ideal da ex-
"encontra-se toda vez que a substância e a forma se sepa- periência estética depende apenas do que ela proporciona à
ram" (p. 248). "Toras de madeira" que queimam gás, sob percepção. "Aquilo que não é imediato não é estético", diz
consoles de lareira feitos de estanho pintado, para parecer Dewey (p. 234). Uma cópia que só possa ser distinguida do
mármore, são o exemplo típico da falta de autenticidade no original por radiografias, microscópios e análises químicas é
designo As mercadorias baratas e chamativas, feitas de ma- esteticamente equivalente ao original, seja qual for o seu va-
teriais inferiores, são conhecidas no ramo comercial como lor de mercado. A formulação de William James sobre a pos-
"borax:", termo que também se poderia entender como que tura pragmática vem a propósito: "Uma diferença que não
proporcionando uma categoria da análise estética. faz diferença não é diferença".
Fazer do material um veículo requer uma perícia consi- Se dado uso dos materiais faz ou não diferença para a
derável. É PQr isso que o dualismo da arte "pura" e "aplica- experiência estética, depende apenas de como os materiais
da" é insustentável. Toda arte se assenta na habilidade. Os são vivenciados. Não pode haver percepção estética senão
trabalhos de Klee e Miró têm uma simplicidade de criança, em um processo desenvolvido ao longo do tempo. A distin-
mas não são nada infantis em sua concepção ou execução. ção entre arte espacial e temporal é aplicável, se tanto, ape-
Às vezes, a demonstração de habilidade transforma-se em nas aos produtos artísticos, não às obras de arte. Nenhuma
um fim em si. O virtuosismo é a habilidade cultivada por ela experiência, muito menos a experiência estética, é instantâ-
mesma, não a serviço da arte. O desempenho de um ginas- nea. Deus ordena que o profeta escreva para que aquele que
ta ou um acrobata é quase estético; para o bailarino, o cor- corre possa ler, mas a visão não acompanha o ritmo do cor-
po transforma-se em um veículo, incorporando valores de redor. Ela se move, diz o poeta, apenas com velocidade de-
meios e fins. liberada, com uma instantaneidade majestosa.
A percepção estética significa não apenas relance ar
• Acredita-se que essa gíria norte-americana da década de 1920 tenha sur- os olhos por algo, mas atentar para ele, fitá-lo, perscrutá-
gido dos prêmios promocionais vistosos, mas ordinários, que eram oferecidos por
uma grande empresa na compra de seu sabão de bórax. (N. T.) -10 - em suma, vê-lo realmente. O olhar comum para no
34 JOHNDEWEY ARTE COMO EXPERffiNCIA 35

reconhecimento - a percepção se detém no ponto em que se integra ao que está por trás e dentro dela - a expressão e a
serve a uma outra finalidade. "O objeto é identificado co- forma. Caso contrário, constitui um glacê, como na arquite-
mo sendo de tal ou qual tipo, ou de uma espécie dentro tura oportunamente denominada "bolo de noiva". O prédio
desse tipo [a fim de que] o empreguemos para fins cos- da Biblioteca do Congresso é coberto de elementos decora-
tumeiros" (p. 324). O contexto estético tem seu próprio tivos; as superfícies lisas de mármore da biblioteca contígua,
objetivo: percebemos para atingir a satisfação no proces- a Folger Shakespeare Library, proporcionam mais do que
so de percepção. As coisas podem ser reconhecidas como parece à primeira vista.
estéticas mesmo que não proporcionem satisfação em sua O prazer estético não é uma espécie singular do he-
percepção; isso define o âmbito do kitsch. Uma vez que a dônico; só se diferencia por sua estrutura e função em uma
coisa seja reconhecida como" Arte", não há muito mais a experiência integrada. Uma atriz de cinema de olhos ver-
fazer com ela. des e cabelos castanho-avermelhados é inegavelmente mais
A percepção não é apenas mais discriminadora do que agradável quando vista em cores. Muito diferente disso é o
o reconhecimento; é também mais fiel ao que está ali para uso da cor, digamos, nas cenas de batalha do Henrique v, de
ser percebido. É notório que vemos apenas o que esperamos Laurence Olivier, nas quais a panóplia dourada da cavalaria
ver e, por isso, mal chegamos a olhar. Na arte, as expectati- francesa é salpicada de sangue e terra.
vas são esticadas até o ponto de ruptura, depois reestrutu- A personalidade de Dewey, tal como transparece em
radas e restabelecídas, reforçadas e transformadas em um seus escritos, é sóbria e contida, especialmente se compara-
todo. Ao contrário do reconhecimento, a percepção estética, da à de William James. Dewey é um reformista totalmente
explica Dewey, "não identifica algo presente em termos de dedicado, mas certamente não filosofa com um martelo, co-
um passado desvinculado dele mesmo. O passado se trans- mo Nietzsche. O discurso não precisa ser uma imitação do
põe para o presente, expandindo e aprofundando o conteú- assunto tratado. Embora a filosofia deweyana da arte seja
do deste último" (p. 91). desapaixonada, a arte em si não é nada disso. A experiência
A percepção estética é empreendida por ela mesma, por estética é emocional de ponta a ponta.
ser prazerosa; comprazemo-nos com as superfícies senso- A experiência é emocional, "mas nela não existem coi-
riais das coisas. A cor faz uma contribuição substancial para sas separadas, chamadas emoções" (p. 119). Com seu pen-
a frequência dos cinemas e os índices de audiência da tele- dor para as continuidades, Dewey desconfia de todas as
visão. A arte decorativa é aquela que enfatiza os valores sen- formas de separação. O que ele diz nesse ponto não é que
soriais, como faz a arte formalista com os valores formais. Só as emoções são contínuas a outras coisas, ou ligadas a estas,
é arte, e não pura decoração, quando a superfície sensorial mas que não são coisas, de forma alguma, tampouco even-
36 JOHNDEWEY ARTE COMO EXPERIÊNCIA 37

tos. As palavras que dão nome aos sentimentos não desig- rentes incongruências tornam-se congruentes, quando to-
nam substâncias, mas atributos. " [...] as emoções ligam-se a mamos conhecimento da base de seu conteúdo afetivo. As
acontecimentos e objetos" (p. 119); uma emoção "não é al- interpolações de J. Alfred Prufrock* "Na sala as mulheres
go que exista por si em algum lugar, e depois empregue um entram e saem! Falando de Michelangelo" e "Eu devia ter
material pelo qual expressar-se"!'. A emoção na arte é uma sido um par de garras irregulares! Precipitando-me pelos pi-
qualidade do movimento padronizado na experiência esté- sos de mares silenciosos" não são - a despeito de tudo que
tica. "Todas as emoções", diz Dewey, "são qualificações de têm de inesperado - interrupções e irrelevâncias. Sua tona-
um drama" (p. 119). lidade afetiva e suas imagens dão-lhes uma coerência fluen-
Não existe emoção senão como vivenciada por um su- te com o resto do poema.
jeito senciente. Isso não torna subjetivas todas as emoções. A encarnação da emoção na matéria conformada é
Nesse ponto, o relativismo de Dewey vem à tona. "[ ...] a o que constitui a "expressão". Dewey certa vez caracte-
emoção é para, de ou sobre algo objetivo, seja na realidade rizou esse termo como" a mais abrangente e, portanto, a
ou no pensamento" (p. 156). A suposição inversa é o er- mais vaga de todas as palavras da língua", avaliação com-
ro fundamental da ética das emoções, bem como da estéti- partilhada por Benedetto Croce e outros contemporâneos
ca expressionista. A emoção é "evocada por objetos físicos e de Dewey=.
pessoais; é uma resposta a uma situação objetiva">. Quando Para tornar o termo menos abrangente e, por conse-
não é assim, ela é "preliminar ou patológica" (p. 136). Dife- guinte, menos vago, Dewey explicita que a expressão es-
rentemente dos estoicos e de Espinosa, Dewey não vê todos tética não é "um mero processo de descarga das emoções
os afetos como uma espécie de loucura, mas vê dessa ma- pessoais" (p. 179), ao contrário da estética do romantismo
neira, como Aristóteles e Freud, apenas os afetos que não novecentista. A própria palavra "arte", adverte ele, "po-
podem ahcerçar-se racionalmente em uma realidade obje- de associar-se não à transformação específica das coisas,
tiva interna ou externa. Similarmente, existem ilusões per- tornando-as mais significativas para a mente, mas a [...] for-
ceptivas, mas nem toda percepção é ilusória. mas de indulgência afetiva"". Tais formas de indulgência
A realidade em que se baseiam as emoções pode estar nem sequer constituem um expressar a si mesmo, para não
oculta nas profundezas da psique, como no caso dos sinto-
mas neuróticos e da arte dos loucos. "A fase afetiva liga [a 16. Sidney Ratner e Jules Altrnan (orgs.), [ohn Dewey and Arthur F. Bentiev: A
Philosophical Correspondence, 1932-195.1, New Brunswick, Rutgers University Press,
experiência estética] em um todo único" (p. 138). As apa- 1964, p. 323; Benedetto Croce, Aesthetic, Nova lorquc, Noonday Press, 1953, p. 95.
17. Dewey, Democracv and Education [Democracia e edl1cação], Nova lorque,
Macmillan Co., 1916, p. 159 (Middle Works, vol. 9, p. 143).
14. Experience and Nat ure, p. 390 (Later Warks, vol. 1, p. 292). • Referência ao poema "The Love Song of J. Alfred Prufrock", de T. S. Eliot,
15.ldcm. datado de 1915. (N. T.)
38 JOHN DEWEY ARTE COMO EXPERIÊNCIA 39

falar de expressão estética. São, ao contrário, uma "autoex- se liga apenas ao objeto da obra de arte, não à sua subs-
posição [...] apenas um jato expelido" (p. 149). As obras de tância - à "matéria para" a obra de arte, não à "matéria da"
arte não são as "explosões e irrupções de um bebê pertur- obra. A substância estética é constituída pela forma de um
bado" (p. 119). Em suma, a descarga afetiva é uma condição objeto expressivo, não pelo estado emocional do artista ou
necessária da expressão estética, mas está longe de ser uma do respondente.
condição suficiente. O tema ou conteúdo que o artista molda na substân-
O impulso que, como se costuma dizer, encontra ex- cia expressiva não é uma simples" ocasião evocatória" da
pressão na ação não é anterior ao ato que o expressa. É, an- emoção. Tais evocações são adventícias, idiossincráticas
tes' a primeira etapa do ato, a energia interna que se libera e subjetivas. Em contraste, o que se expressa é baseado
ao impulsionar e orientar a transformação de materiais ex- nas formas objetivas dadas à percepção compartilhada. Os
ternos, para fazer revelar-se uma forma. "A luta constan- psicólogos da Gestalt apresentam duas figuras abstratas:
te da arte, portanto", diz Dewey, "é converter materiais que uma repleta de angulações, a outra fluente em curvas si-
gaguejem ou emudeçam na experiência comum em veículos nuosas' e perguntam aos sujeitos da percepção qual delas
eloquentes" (p. 403). é "taquitosa" e qual é "maluma" (palavras sem nenhum
É no ato de expressão que o material se converte em um significado anterior). Raramente há alguma dúvida. Os
veículo. O ato de expressão, não sendo rotineiro nem capri- sons das palavras compartilham algo das qualidades ex-
choso, faz do material, mais do que uma simples instrumen- pressas nas figuras. "As qualidades sensoriais são os por-
talidade, um canal pelo qual a experiência flui, desimpedida tadores dos significados", diz Dewey, "não do modo como
e despreocupada. Por outro lado, a expressão também não os veículos transportam mercadorias, mas tal como a mãe
permite que o material se mantenha como uma obstrução carrega o bebê quando este faz parte de seu próprio orga-
inflexível, que capta e retém a atenção sem deixar a expe- nismo" (p. 233). Os materiais expressivos são prenhes de
riência prosseguir até a realização. significação.
À medida que avança, o ato expressivo reluz de emo-
ção. A emoção é esteticamente significativa "quando ade- Os significados apreendidos são extraídos de experiên-
re a um objeto formado por um ato expressivo" (p. 170). Na cias anteriores, inclusive do condicionamento cultural. A te-
arte, "o material objetivo transforma-se no conteúdo e no se de Dewey não é que os significados existem a priori, mas
material da emoção" (p. 159). "As qualidades ópticas não se que "se [fundem] com as qualidades diretamente apresen-
destacam por si, mas ficam com as qualidades afetivas agar- tadas pela obra de arte" (p. 204). Dewey é empirista, mas
radas à sua saia" (p. 129). A emoção anteriormente existente não associacionista. Não nos são dadas sensações que com-
40 JOHNDEWEY ARTE COMO EXPERIÊNCIA 41

binemos e interpretemos como percepções de coisas. Grosso vestem de um novo significado" (p. 147). É esse o trabalho
modo, o que é experimentado já faz sentido. As coisas per- da criatividade na arte, produzindo originalidade mesmo na
cebidas têm "significados acumulados"; na experiência es- estilização extrema; é essa a conquista da imaginação.
tética, tanto as qualidades sensoriais quanto os significados O imaginativo não deve ser confundido com o mera-
ideativos se intensificam e se aprofundam. mente imaginário. A imaginação é "uma absorção caloro-
Aí encontramos outro dualismo - o de Pia tão - que sa e íntima do alcance pleno de uma situação?". A distinção

Dewey desfaz em uma dualidade funcional e contextual. "A deweyana entre o imaginativo e o imaginário corresponde à
distinção entre a qualidade como sensorial e o sentido como feita por Coleridge (em sua Biographia Literaria) entre "ima-
ginação" e "fantasia". O imaginário é "arbitrário" e "ex-
ideativo não é primária, e sim secundária e metodológica.
cêntrico", ao passo que o imaginativo é "duradouramente
[...] é sempre intermediária e transitória. Sua função é levar,
familiar com respeito à natureza das coisas" (p. 465). A ima-
no final, a uma experiência perceptual em que essa distinção
é superada" (p. 449). A arte é uma questão de sentidos, é al- ginação, diz Dewey em outro texto, é

go a ser compreendido; seu conteúdo expressivo está inseri-


alimentada por uma matéria de vida que, sob a sua in-
do na matéria sensorial, é algo a ser percebido.
fluência, assume uma forma rejuvenescida, composta e
O significado, como Charles Peirce elaborou detida-
ampliada. [...] [O imaginário] permanece como um fim
mente, é uma mediação. Na arte, os significados são ime-
em si. Torna-se um entregar-se a fantasias que acarre-
diatamente dados não porque o conteúdo não seja mediado, tam o retraimento de todas as realidades, enquanto de-
mas porque ele é reflexivo, fazendo a atenção voltar-se pa- sejos impotentes na ação constroem um mundo que
ra a forma e a matéria que o expressam. Essa reflexividade é gera uma excitação temporária".
a expressão: "A expressividade do objeto é o relato e a cele-
bração da fusão completa entre aquilo por que passamos e Longe de proporcionar fantasias escapistas, a arte enriquece
o que nossa atividade de percepção atenta introduz no que a experiência do mundo real por dentro e por fora.
recebemos através dos sentidos" (p. 210). A mediação da Mas só o faz quando estamos dispostos e aptos a per-
"afirmação", que Dewey contrasta com a expressão, leva- mitir que o faça. Caso contrário, para nós não é arte. O ar-
-nos à experiência. A arte "faz algo diferente de conduzir a tista cria apenas um produto artístico; a obra de arte é o que
uma experiência. Constitui uma experiência" (p. 184). esse produto faz na experiência da pessoa, e esta depen-
E o faz transcendendo os significados acumulados e re- de tanto da pessoa quanto do produto. A criação da obra
velando novas possibilidades. "Coisas [...] que tenderiam a
18. Idem, p. 276 (Middle Works, vol. 9, p. 244).
ficar batidas por causa da rotina ou inertes por falta de uso 19. Dewey, HumQI1 Nature and Conduci, Nova lorque, Henry Holt and Co.,
transformam-se em coeficientes de novas aventuras e se re- 1922, p 164 (Middle Works, vol, 14, p. 113).
42 ARTE COMO EXPERlÊNClA 43
JOHN DEWEY

de arte define o campo do que Dewey às vezes chama de o preender a pessoa não deve confundir-se com compreen-
"artístico", distinto do "estético", que é o campo da respos- der o que a pessoa diz.
ta apreciativa», A confusão é gerada pela circunstância de, O respondente não pode simplesmente projetar na
no uso comum, "estético" ser também usado para significar obra de arte o que está em sua mente, assim como o artista
qualquer coisa relacionada com a arte, qualquer coisa reI a _ não pode criar simplesmente dizendo "Faça-se ... l". A visão
cio nada com a filosofia da arte ou qualquer coisa relaciona- artística tem um lócus objetivo para o artista e o responden-
da com obras de arte de alta qualidade. te; só aí é que a obra de arte tem um conteúdo determinan-
Dewey explica a arte basicamente do ponto de vista do te. Ler de forma equivocada o que é objetivamente dito é tão
artista, assim como outros esteticistas se identificam com o possível quanto afirmar erroneamente uma intenção. Tan-
respondente ou com o crítico. Em suas próprias palavras, to o artista quanto o respondente podem falhar, cada qual
sua filosofia da arte lida mais com o "artístico" do que com a seu modo.
o "estético". Apesar de atribuir ao respondente um papel Quando Milton fala no "talento singular que a morte
fundamental na produção da obra de arte, ele tem compa- cerra", lemos erroneamente o verso, se não compreendermos
rativamente pouco a dizer sobre o distanciamento psíqui- "talento" como a moeda da parábola bíblica; do mesmo mo-
co, a atitude estética e os princípios de interpretação da arte do, lemos erroneamente um verso de Shakespeare, se não
- temas que predominaram em vários de seus contemporâ- compreendermos que" a emaranhada teia dos cuidados" te-
neos. Dewey reconhece que "um novo poema é criado por cida pelo sono é um novelo de lã*. Múltiplos sentidos entram
cada um que o lê poeticamente" (p. 218). Decorre daí que, em ação, mas isso não significa que qualquer coisa sirva. As
para ler poesia de forma apreciativa, há que se ter algo de reações à arte são controladas por convenções estabelecidas,
poeta - o estético e o artístico convergem. A questão é exa- por exigências de coerência, pelas qualidades perceptivas e
tamente como. pelas limitações do tema e do material. O resultado é contex-
É provável que o autor de um poema seja mais poeta tual, mas pode ser objetivo em relação ao contexto.
do que o leitor. O contexto em que surge sua obra de arte O respondente ideal é bem informado e capaz de dis-
é mais próximo do contexto ideal, provavelmente, que o da cernimento. Ajudar as pessoas a se tornarem assim é tare-
maioria dos respondentes. Mas não define o contexto ideal. fa do crítico. "A função da crítica", diz Dewey, "é reeducar
A intenção do artista não é decisiva. O que importa é como a percepção das obras de arte; ela é um auxiliar no processo
sua intenção se realiza no produto artístico. A pessoa pode [...] de aprender a ver e a ouvir" (p. 548). A crítica deve ser
pretender dizer uma coisa e, na verdade, dizer outra. Com-

• Referências a um soneto de [ohn Milton, "On his blindness" [De sua ce-
20. Experience and Nature, p, 356 (Later Warks, vol. 1, p. 267). gueira], e ao Ato 2, cena 2, de Macbeth, de Shakespeare. (N. T.)
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44 JOHNDEWEY ARTE COMO EXPERIÊNClA

catalisadora, não judicativa. Caso contrário, em vez de facili- A essência da doutrina clássica é a imitação; nas pala-
tar a percepção, ela a bloqueia. "É o indivíduo que tem uma vras de Dewey. essa arte "refletia as emoções e ideias asso-
experiência ampliada e intensificada que deve fazer sua ava- ciadas às principais instituições da vida social" (p. 66). As
liação por si mesmo" (p. 548). obras de arte não apenas refletem essas emoções e ideias;
A crítica pode fazer avaliações sobre as maneiras de são também "auxiliares maravilhosos na criação [...] de uma
responder à arte em geral. Por exemplo, pode revelar as des- vida coletiva unificada" (p. 178). A arte torna "comum o que
vantagens da exigência de que uma obra de arte se asse- era isolado e singular"; "rompe as barreiras que separam
melhe a seu tema (a falácia fotográfica) e a banalidade da os seres humanos" (p. 427, 428). Em uma palavra, a arte é
exigência de que a obra combine com seu título. Pode tam- comunicação não como intenção prévia, mas como conse-
bém revelar o preconceito contraproducente do filistinismo quência eventual.
que insiste na conformidade com o conhecido e em fórmu- O problema de nosso conhecimento das outras men-
las de graciosidade. tes, tal como classicamente enunciado, é visto por Dewey
A arte "moderna" já estava bem estabelecida na épo- como um pseudoproblema, resultante da incapacidade de
ca de Dewey. Cézanne, a quem ele se referiu mais do que a conceber empiricamente a experiência. O verdadeiro pro-
qualquer outro pintor, nascera vinte anos antes dele; Ma- blema é como superar os obstáculos psicológicos, sociais e
tisse, de influência igualou maior na filosofia deweyana políticos que nos impedem de vir a conhecer e compreen-
da arte, era apenas dez anos mais novo. Em nossa época, der uns aos outros. Nesse aspecto, a arte tem um papel im-
o movimento moderno basicamente deu lugar às bordas portante a desempenhar. Proporciona "os únicos meios de
da antiarte e ao estilo urbano neonada. Dewey por certo comunicação completa e desobstruída entre os homens, os
condenaria a indiferença de grande parte da arte contem- únicos passíveis de ocorrer em um mundo cheio de abis-
porânea a interesses humanos significativos, a ruptura da mos e muralhas que restringem a comunhão da experiên-
continuidade entre a arte e a vida do dia a dia. Os meios de cia" (p. 213).
comunicação de massa exibem descaradamente a degra- Isso não quer dizer que a arte seja ou deva ser serva da
dação do bom gosto e contribuem com ela. A propaganda moral, da política ou da religião. Ela só serve ao doutrinal
e a obsolescência planejada poluem a paisagem visual, en- em seu objeto, não em sua substância, e por mensagens iso-
quanto a poluição sonora e a amplificação elétrica são li- láveis, não por conteúdos intrínsecos. A arte tem, sim, uma

teralmente ensurdecedoras. "Enquanto a arte for o salão função moral, no dizer de Dewey: "eliminar o preconceito,
de beleza da civilização", disse Dewey com presciência ca- retirar os antolhos que impedem os olhos de ver, rasgar os
racterística, "nem a arte nem a civilização estarão segu- véus decorrentes do hábito e do costume, aprimorar a ca-
ras" (p. 577). pacidade de perceber" (p. 548). A liberdade exercida pelo
46 JOHNDEWEY ARTE COMO EXPERlÊ CIA 47

artista em sua arte criativa tem sua contrapartida no ser do enquanto o coração se restringe ao sentimentalismo e à fan-
respondente, na experiência estética liberta do convencio- tasia. A filosofia social de Dewey é uma elaboração da tese
nalismo e do conformismo. de que "somos fracos nas questões ideais, hoje em dia, por-
"Toda arte", disse Dewey, "é um processo de tornar o que a inteligência se divorciou da aspiração">. Sua estética,
mundo um lugar diferente para se viver, e envolve uma fase como a platônica, concluiu que a forma da arte é a forma de
de protesto e de reação compensatória'». A escola moderna todos os valores. A arte nos diz que a vida pode ser bela.
que pinta latas de sopa e vasos sanitários tem uma intenção A dualidade do material e do ideal reflete-se na dis-
diferente da escola da geração anterior, que pintava latas de tinção entre valor instrumental e valor intrínseco. A ar-
lixo e monturos para fazer uma afirmação política. O ger- te resgata essa dualidade do dualismo, transcendendo a
me de verdade da estética pressuposta pela antiarte de ho- distinção. "As artes meramente úteis não são artes, mas
je é que" a concepção de que os objetos têm valores fixos e rotinas; e as artes meramente finais não são artes, mas di-
inalteráveis é exatamente o preconceito do qual a arte nos versões e distrações passivas.>" O pragmatismo vulgar tem
emancipa" (p. 199). A arte é, intrinsecamente, "um disposi- seu equivalente no este ta medíocre; ambos estão presos no
tivo de experimentação?». ensimesmamento da necessidade de ser "distraído" e na
O "experimental", porém, é às vezes invocado para dis- busca de "experiências".
farçar o fracasso estético, embora a essência da experimenta- A arte resolve não só o pseudoproblema de nosso co-
ção seja a disposição de reconhecer os resultados negativos. nhecimento das outras mentes, mas também, de maneira
O que escandaliza os filisteus não é necessariamente arte. ainda mais fundamental, o pseudoproblema da existência de
Quando a arte é bem-sucedida, ela se alia à filosofia na me- um mundo externo. Diz-nos algo do mundo, "apresenta o
diação entre "o passado teimoso e um futuro insistente", mundo em uma experiência nova" (p. 181). Faz a experiên-
ajudando "a dar à luz o mundo [...] ainda não nascido?». cia voltar-se para si mesma, a fim de aprofundar e intensifi-
A arte funciona desse modo por ser "a melhor prova car a qualidade vivenciada não para nos afastar da realidade,
da existência de uma união realizada, e portanto realizável, mas para nos ajudar a aceitar a vida "em toda a sua incerte-
entre o material e o ideal" (p. 97). Sem essa união, as coi- za, mistério, dúvida e semiconhecimento" (p. 108).
sas não têm valor e os valores não têm influência sobre a Nenhuma das distorções do pragmatismo vulgar é
realidade. A mente recorre a uma tecnologia desumanizada, maior do que a ideia de que a postura pragmática não tem o
que fazer com "algo tão inútil quanto a arte". Ao contrário,
21. Experience and Nature, p. 363 (Lnter Works, vol. 1. p. 272).
22. Idem, p. 392 (Later Works, vol. 1, p. 293). 24. Recol/slrt/ctio/! in Philosophy, p. 212 (Middle Works, vol. 12, p. 201).
23. Dewey, Problems Df Mel/, Nova lorquc, Philosophical Library, 1946, p. 20. 25. Experience and Nature, p. 361 (Later Works, vol, 1, p. 271).
48 JOHNDEWEY ARTE COMO EXPERlÊNClA 49

diz Dewey, a arte é "a culminação completa da natureza, e


a 'ciência' é, propriamente falando, a criada que conduz os We shall not cease from expIoration
eventos naturais a seu desfecho feliz">. A ciência e a tecno- And the end of all our expIoring
logia nela baseada compõem "uma arte central que auxi- Will be to arrive where we started
lia na geração e utilização de outras artes" (p. 94). A "ideia And know the pIace for the first time.*
da arte como ideia consciente" é enaltecida por Dewey co-
mo "a maior realização intelectual na história da humani-
dade" (p. 93).
Nas perspectivas do pragmatismo, a arte é, decidida-
mente, mais do que uma canção indolente para as horas de
ócio, "mais do que um frêmito de energia na estagnação dos
abatidos, ou do que uma calmaria nas tormentas dos afli-
tos" (p. 256). É uma iniciativa humana mais importante do
que a maioria. Dewey identificou como principal tarefa do
esforço humano" a luta para fazer a estabilidade do senti-
do prevalecer sobre a instabilidade dos acontecimentos'w,
Em parte alguma essa tarefa é executada com maior êxito
do que na arte:
De certo modo, a arte completa o esforço filosófico - ou
melhor, devolve a filosofia a seu ponto de partida. "Dizem
que a filosofia começa no assombro e termina na compreen-
são. A arte parte do que foi compreendido e termina no as-
sombro" (p. 466). Pela arte "somos levados para além de nós
mesmos, a fim de encontrarmos a nós mesmos" (p. 351).
Essa é a culminação de qualquer viagem de descoberta. A
última estrofe do poema "Four Quartets" [Quatro quarte-
tos], de T. S. Eliot, começa assim:
• Tradução livre: "Não desistiremos de explorar! E O fim de toda a nossa ex-
26. Idem, p. 358 (Later Works, vol. 1, p. 269). ploração! Será chegar aonde começamos! E pela primeira vez conhecer esse lu-
27. Ibid., p. 50 (Later Works, vol, 1, p. 49). gar" (N.1'.)

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