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________________Notas de Aula ERU-451 professor Marcelo Romarco – UFV-DER

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA


DEPARTAMENTO DE ECONOMIA RURAL
ERU-451 “EXTENSÃO RURAL”

Marcelo Leles Romarco de Oliveira1

“A história é absolutamente fundamental para um povo. Quem não sabe de onde vem, não sabe
para onde vai”.
Dom Bertrand de Orleans e Bragança

Texto Debate 03- Uma breve história da Ater no Brasil2

Ao resgatarmos a história da Extensão Rural percebemos que os primeiros trabalhos que teriam essa
conotação vinham sendo desenvolvidos a partir da metade do Século XIX, em países europeus,
principalmente, na Irlanda e no Reino Unido. Segundo Swanson e Rajalahti (2010), na ocasião o trabalho
oferecido era junto a produtores de batatas orientando esses/as agricultores/as a diversificarem suas
produções. Ainda segundo os autores, o termo extensão teria sido utilizado pela primeira vez para
descrever os programas de educação de adultos realizados pelas universidades de Oxford e Cambridge.
Isso porque as ações “estendiam” o trabalho feito dentro das instituições para as demais pessoas da
sociedade. Essas experiências foram exitosas para que a ideia da extensão se expandisse por diversos
países europeus e inclusive os Estados Unidos.

No caso norte americano, Silva (2009) aponta que a partir da metade do século XIX o EUA constrói um
aparato envolvendo órgãos governamentais, de pesquisa e difusão de conhecimento voltado para a
agricultura, além de infraestrutura como estradas, construção de vilas e melhorias para as famílias rurais.
Ainda segundo o autor, esse momento é marcado pela experimentação, neste caso fazendo-a se tornar
um espaço de investigação em que a ciência agrícola seria fundamental nesse processo. Nas palavras
do autor, “a experimentação produziria rapidamente outro tipo de conhecimento que auxiliaria na
resolução das desavenças entre os/as agricultores/as. A estes era aconselhado que cada um
operacionalizasse experimentações em sua própria fazenda” (SILVA, 2009, p?).

Portanto, a Extensão Rural norte americana inicia-se como um dos pilares da difusão de tecnologia e
mudanças culturais para agricultura e agricultores/as. Sendo responsável pela importância de que os
conhecimentos técnicos produzidos dentro da estrutura de pesquisa agrícola americana chegassem aos
agricultores/as. Esse contexto vai contribuir para surgir um serviço de cooperativas em extensão que
teve um papel importante na divulgação de conhecimento e produção de alimentos principalmente a
partir da Primeira Guerra Mundial (SILVA, 2009).

1
Doutor em Ciências Sociais com ênfase em Desenvolvimento e Sociedade e Agricultura (CPDA-UFRRJ). Professor do
Departamento de Economia Rural e do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de
Viçosa.
2
Nota de aula elaborada para a disciplina ERU-451. Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa-
UFV.

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No caso brasileiro no século XIX é possível observar algumas ações e técnicas agrícolas trazidas,
principalmente, por imigrantes europeus. Mas, as estações experimentais nos municípios de Santa Rita
do Passa Quatro e São José do Rio Pardo3, ambos localizados no estado de São Paulo e a Semana do
Fazendeiro em Viçosa-MG, vão trazer esse caráter mais extensionista. Já de forma institucionalizada o
serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural, inicia-se a partir da criação da Agência de Crédito e
Assistência Rural (Acar), criada no estado de Minas Gerais4 no final do ano de 1948. A função da agência
seria unir crédito supervisionado à extensão/assistência rural, junto aos produtores rurais da época.

Sobre esse crédito supervisionado, autores como Ribeiro (2000), vão apontar que isso significaria “um
tipo de crédito educacional que inclui ensinamentos sobre a administração da propriedade e do lar, além
do financiamento para a ajudar as famílias rurais a melhorar as condições de vida da empresa”. (Idem,
2000, p.111)

Segundo Silva (2009), a criação da Acar em MG consistia em projeto de nível estadual que foi sendo
ampliado a cada ano e contava com o apoio das prefeituras. Cabe destacar que a Escola Superior de
Agricultura e Veterinária (ESAV), atual Universidade Federal de Viçosa, foi um dos berços dessa
chegada.

Tais iniciativas contaram com apoio e financiamento da American International Association for Economic
and Social Development (AIA), uma agência norte americana fundada por Nelson Rockfeller
(responsável pela ampliação e manutenção dos interesses econômicos e políticos dos Estados Unidos
na América Latina). Essa agência tinha por objetivos realizar trabalhos “filantrópicos” na área de
agricultura, saneamento e alfabetização, procurando incorporar no território nacional a influência e
experiência norte americanas, sobretudo no que tange à implantação do pacote tecnológico na
agricultura. Além disso, está agência esteve envolvida no processo de expansão da agricultura
brasileira, principalmente no cerrado brasileiro. E, teve forte influência na Revolução Verde brasileira
(SILVA, 2009).

Sobre o papel da AIA, podemos apontar ainda na visão de Peixoto (2008), que após a experiência exitosa
em Minas Gerais, a agência passa a estimular o governo federal a criar uma agência de conotação
nacional e em 1956 Juscelino Kubitschek, Presidente da República à época, resolve criar a Associação
Brasileira de Crédito e Assistência Rural (Abcar), no dia 21 de junho de 1956, difundida pelo Brasil.

Nesse sentido, Silva (2009) descreve que a AIA teve um papel fundamental na criação dessas agências,
bem como na difusão dos programas de crédito supervisionado, assistência técnica e extensão rural não
só no Brasil, mas também, em quase toda América Latina. Ressalta-se que um dos objetivos desses
programas financiados ou estimulados pela AIA era expandir a influência norte americana nos países

3Segundo Ribeiro (2000), essas estações faziam parte de um programa iniciado nestes municípios em 1946, pela
Associação Internacional Americana (AIA).
4
Autores como Fonseca (1985), apontam que a escolha pelo estado de Minas Gerais, estava associada a uma elite
atuante e um governo (Milton Campos), que estavam ávidos por colocar Minas na fronteira da expansão do capitalismo
nacional. Além disso, o estado possuía diversas possibilidades de exploração dos recursos naturais.

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subdesenvolvidos, frente ao comunismo. Ou seja, uma das intenções basilares seria: “Transformar o
mundo a imagem e semelhança dos EUA, traduzida na ideologia da modernização, emergente com o
fim da Segunda Guerra Mundial” (Idem, 2009, p?).

Sobre a influência norte americana no Brasil e nos países da América Latina, Fonseca (1985), vai
destacar que no caso brasileiro, as práticas e ações dos extensionistas surgem no Brasil a partir dessas
raízes oriundas da América do Norte. No qual os/as agricultores/as daquele país buscaram através de
associações de agricultores/as se aproximar dos institutos e centros de pesquisas uma ferramenta
importante nesse momento foram as estações experimentais.

Segundo Fonseca (1985), a Extensão Rural, nessa perspectiva messiânica, teria o papel de levar o
conhecimento produzido nos centros de pesquisas através das estações experimentais, bem como
trazer as demandas dos/as agricultores/as para esses centros. Para a autora, o horizonte que se tinha
em mente era aquele que procuraria: “informar e persuadir os agricultores a adotarem melhores práticas
agrícolas para se conseguir um aumento significativo na produção de fibras e alimentos. E as pessoas
que sabem o que é melhor para os agricultores são os cientistas e técnicos’” (Idem, 1985, p. 41). Essa
percepção de que os técnicos estariam numa escala superior aos agricultores/as vai ser a tônica do
pontapé de ação dos trabalhos de Ater no Brasil.

Nesse sentido, Kummer (2007) destaca que o surgimento da Extensão Rural brasileira ocorre a partir de
demandas e realidades vindas de fora do Brasil, e não foram desenvolvidas ou apoiadas em elementos
que correspondessem à realidade do rural brasileiro, ou seja, “por meio dos programas de ajuda ao
desenvolvimento do Terceiro Mundo, dos quais as organizações públicas e privadas dos Estados Unidos
fizeram parte” (2007, p 13).

Assim, como observamos em parágrafos anteriores as formas de atuação dessas primeiras empresas
estavam pautadas na lógica norte-americana de que a atividade extensionista deveria, primordialmente,
tentar aumentar a produtividade dos campos e erradicar a miséria rural, continuando assim a ser um
programa de assistência à agricultura brasileira. Essa fase da Extensão Rural no Brasil é conhecida
como a fase do Humanismo Assistencialista. Cabe destacar, ainda que o governo brasileiro,
entretanto, via nesta assistência um de seus elementos de união entre capital e trabalho enquanto,
também afigura-se como instrumento da prática populista.

Masselli (1998) aponta que originalmente o papel da extensão rural no Brasil foi o de veicular, entre
os/as agricultores/as, a ideia de que a forma com que produziam e viviam era atrasada e responsável
pelos baixos rendimentos por eles obtidos e pela consequente dificuldade de viver do trabalho da terra.
A solução seria, portanto, substituí-la por técnicas modernas, utilizando o crédito para consumir produtos
industrializados e, com isso, produzir mais e desse modo, viver melhor. Por isso, era necessária que
fosse realizada assim uma intervenção para mudar a realidade do campo brasileiro.

Um símbolo desse período da extensão brasileira era um homem (Agrônomo ou técnico agrícola) ligado
às questões mais técnicas produtivas e uma mulher (economista doméstica) responsável pelas
mudanças nos hábitos das famílias. Esses profissionais tinham como objetivo difundir, persuadir e

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informar os/as agricultores/as a aceitaram novas técnicas, de cultivos, manejos ou até mesmo em
questões ligadas à organização familiar. Assim, a relação entre propriedade e lar estavam entrelaçadas.
Além disso, essas iniciativas tinham como pano de fundo o crédito supervisionado associado à
assistência técnica. Outro elemento marcante na época era a presença do inseparável jipe Wyllys. Na
figura 01, a seguir, observa-se a foto de um jipe exposto no museu da sede da Emater-MG na Av. Raja
Gabáglia, 1626, Gutierrez, Belo Horizonte.

Figura 01. Jeep Willys – 1950, Símbolo da Extensão Rural no período discutido

Fonte: Museu da EMATER-MG

Desta forma, esse serviço chega ao Brasil com o objetivo de modificar os hábitos - de conhecimento, de
habilidades e de atitudes dos/as agricultores/as objetivando melhores níveis socioeconômicos de
desenvolvimento sem, no entanto, torná-los dependentes do governo.

O problema, no entanto, é que a capacitação das famílias rurais envolvidas em tal processo ocorria
através do uso diretamente transposto (sem discussão interna, sem diálogo) de critérios técnico-
administrativos, como se tais famílias pudessem aprender facilmente teorias científico-técnicas de um
momento para outro. Ainda, sem levar em conta a diversidade da realidade agrária brasileira.

Em meados da década de 1960, o país passa por uma transformação na política e na agricultura
brasileira, acelerada pela chamada Revolução Verde5 que foi modelo de desenvolvimento do campo
através da indução da aquisição de máquinas, insumos químicos e biológicos, através de disponibilidade
de crédito com taxa de juros reais negativos, financiados pelo Estado brasileiro. Ou seja, foi uma
revolução que fundou-se numa racionalidade econômica dirigida pela maximização do lucro e do
excedente econômico no curto prazo, e pelo direito privado da terra, sobretudo, a concentração do poder
econômico e político. Essa fase ficou conhecida, junto aos serviços de Ater como: Difusionismo
Produtivista (que vai de 1964 a 1979), perspectiva heteronômica de difusão do conhecimento, ou seja,
Modelo Rogeriano de transferência de conhecimento.

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Convencionou em chamar de Revolução Verde esse processo que esteve associado a batuta norte americana em
contrapartida as revoluções vermelhas que estavam acontecendo em países comunistas como URSS, China, entre
outros. Em 1949 o presidente Norte Americano Truman em 1949 já sinalizava para a necessidade dessa transformação
global em combate a fome e etc. capitaneada por eles (EUA), e a agricultura foi um dos instrumentos utilizados para tal
proposição.

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Um dos mecanismos de suporte para esse sistema foi a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural
(SNCR), criada pelo recém governo militar, para que fosse a base de financiamento dessa
transformação. Uma crítica a esse modelo foi que privilegiou sobretudo, grandes proprietários de terra,
deixando à margem agricultores/as com menor poder aquisitivo. Nesse sentido, Delgado (1985), é
taxativo ao apontar que essas políticas de crédito tinham objetivos claros de valorização da terra, o que
acabou contribuindo para a manutenção da concentração fundiária, bem como privilegiar o
desenvolvimento capitalista no campo.

Na década de 1970 o governo militar extingue a Abcar e cria em 19746 a Empresa Brasileira de
Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater), cujo objetivo era intensificar a modernização
tecnológica da agricultura brasileira e coordenar o sistema em nível nacional. Ou seja, o papel da
Embrater seria de uma coordenação central das atividades de Ater junto às demais agências estaduais,
como no caso das Emater´s. Essa estratégia visava a difusão de um modelo de trabalho que influenciaria
todo país, dando o fio norteador necessário para a transformação da agricultura brasileira, nos moldes
do que a Revolução Verde difundiria.

Na década de 1980 o efeito da crise do capital mundial e a estagnação econômica brasileira e ao mesmo
tempo, a consolidação da modernização da agricultura vão contribuir para que os serviços de Ater
públicos inicie seu declínio, ou seja, percebe-se a redução de investimentos, diminuição de pessoal,
redução da oferta de crédito e ao mesmo tempo percebe-se a participação dos serviços de assitência,
assessoria ou consultoria sendo praticados por entidades privadas, cooperativas, sindicatos e
organizações não-governamentais. Pode se afirmar que a partir desse momento os serviços de Ater vão
entrar em uma outra dinâmica. Esse período da década de 1980 vai ficar conhecido como o período do
Humanismo Crítico. Ou seja, nesse período se acirra as críticas ao difusionismo pelo caráter excludente
do modelo, e pela percepção dos impactos ambientais causados pelo modelo de desenvolvimento
agrícola vigente.

A decada de 1990 inicia-se com o governo do Presidente Collor, com o discurso Neoliberal de enxugar
a máquina pública e de privatizações. Nesse período, o governo extingue uma série de instituições
públicas, dentre elas estavam o Instituto Brasileiro do Café (IBC), Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA),
(ambos extintos em 8 de maio de 1990), Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC), Embrater,
dentre outras instituições públicas.

Segundo Peixoto (2009), a extinção da Embrater e as mudanças que o país passava, contribuíram para
a redução significativa dos gastos públicos com Extensão Rural e desarticulou tais servicos, o que
certamente excluiu muitos/as agricultores/as do serviço, principalmente os chamados agricultores/as
familiares que em sua grande maioria não podem pagar pelos serviços. É a partir dessa década também,
que se observa o aumento da oferta dos serviços de Ater pela iniciativa privada, sobretudo serviços

6 Lembrando que entre 1972 e 73 o governo federal cria a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Que
também, vai ter um papel importante na transformação da agricultura brasileira. Lembrando que a Embrapa se
encarregaria da pesquisa e Embrater da Difusão do conhecimento gerado por essa e outras instituições de pesquisa
agropecuária no país.

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prestados por fornecedores e revendedores de insumos e equipamentos agrícola. O autor também,


destaca a ampliação e influência das companhias transnacionais no mercado de commodities e de
alimentos no mundo, o que certamente impacta nos serviços de Ater. Desta forma, podemos apontar
que a extinção da Embrater no governo Fernando Collor significou um grande retrocesso, nas ações de
Ater, principalmente aquelas que dependiam de investimentos públicos. Nesse período as Ematere´s
vão sofrer com a falta de investimentos, ocorrem o fechamento de escritórios, sucateamento de
equipamentos, desvalorização profissional e muitos escritórios vão sobreviver com ajuda de prefeituras.
Essa realidade vai impactar, principalmente, os/as agricultores/as familiares, que não teriam condições
de manter esses serviços. Esse foi um cenário que tomou conta de todo o país.

No governo do Presidente Fernando H. Cardoso, o cenário modifica um pouco, ou seja, neste período é
criado o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que vai ficar responsável pela política de Reforma
Agrária, abrindo um flanco de demanda para os serviços de Ater. Além disso, é nesse período que é
criado em meados da década (1996), o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf), ou seja, o estabelecimento de uma política de crédito voltado para Agricultura Familiar. Essa
nova realidade, assim, como o surgimento e ampliação dos assentamentos de reforma agrária, vão
propiciar novas fontes de financiamento, principalmente, para os serviços de Ater pública. Com a
extinção da Embrater, o surgimento do Pronaf e ampliação da participação de diversas entidades nos
serviços de Ater essa fase fica marcada Diversificação Participativa (1990-2003).

No início do Século XXI, com a chegada do Governo do Presidente Lula à presidência em 2003, é dada
à Extensão Rural outra conotação, ou seja, inicia-se juntamente com instituições da sociedade civil um
debate sobre a criação de uma política de Ater que estivesse voltada para os desafios deste século e
que fosse direcionada, principalmente, para os/as agricultores/as menos capitalizados, neste caso os
agricultores/as familiares. Também, é nessa fase que o debate sobre a agroecologia ganha corpo, tal
período que varia entre 2004 a 2009 ficou conhecido como a fase da Transição Agroecológica. Em
2010 é promulgada a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), tal política é
instrumentalizada na Lei de Ater, n. 12.188, de 11/01/2010. Com a promulgação da Lei de Ater o termo
Agroecologia é substituído por uma “agricultura de base ecológica”.

Entre os pontos principais da política estavam a prioridade de ação junto a agricultores familiares7, a
utilização de metodologias de intervenção que privilegiassem o diálogo e participação de agricultores/as
e técnicos/as, a utilização de mecanismo produtivos que privilegiem a relação de produção sustentável,
a incorporação de um debate agroecológico, dentre outros.

É nesse período também, que o Pronaf vai receber ampliação de recursos, sendo, ainda, criadas ou
modificadas um conjunto de políticas de apoio à agricultura familiar nas quais os serviços de Extensão

7 Em 2006 o governo federal promulgou a Lei 11.326, de 24 de julho de 2006, que estabelece as diretrizes para a
formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Um dos principais objetivos
desta lei é estabelecer os conceitos, princípios e instrumentos destinados à formulação das políticas públicas direcionadas
à Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais.

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Rural, vão incorporar, dentre estas políticas aquelas em que os extensionistas se tornam protagonistas,
trarei como exemplo, apenas dois programas, a saber:

Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): iniciou-se no Brasil em 1955, todavia, foi a partir
de 1988, com a promulgação da Constituição da República, naquele mesmo ano, que o direito à
alimentação, sem discriminação, foi assegurado aos alunos do ensino fundamental. Este programa,
também conhecido como merenda escolar, consiste na transferência de recursos financeiros do Governo
Federal para a aquisição de gêneros alimentícios destinados à merenda escolar.

A partir de junho de 2009, a Lei n. 11.947/2009, trouxe elementos importantes ao programa. De acordo
com o artigo 14 da aludida lei, 30 % (trinta por cento) dos recursos financeiros repassados pelo Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) devem ser utilizados na compra de gêneros
alimentícios inerentes à agricultura familiar e do empreendedor rural, dando prioridade, sobretudo aos
assentamentos da reforma agrária, às comunidades tradicionais indígenas e às comunidades
quilombolas.

Programa de Aquisição de Alimentos (PAA): Esse programa foi instituído em 2 de julho de 2003 e
regulamentado em agosto de 2006 pelo Decreto nº 5.873/06, sendo parte inerente de uma das ações
estruturais do programa Fome Zero. Tem por desígnio adquirir alimentos de Agricultores Familiares e
destiná-los a pessoas em situação de insegurança alimentar ou programas sociais locais. Para
Cerqueira, Rocha e Coelho (2006) o programa é de suma importância, pois tenta considerar a magnitude
da Agricultura Familiar no meio rural brasileiro e, especificamente, os principais problemas enfrentados
por tal segmento.

Neste período, é possível observar o aumento de investimento na Ater não só através das instituições
públicas, mas também, de investimentos públicos via chamadas públicas. Essas chamadas públicas
consistiam em financiamento públicos via editais, no qual tanto empresas públicas, privadas, ONG´s,
dentre outas, concorriam para buscar financiamentos para que fosse feito trabalhos de Ater nas
comunidades indicadas pelos editais.

Em 2013, já no governo da Presidente Dilma Rousseff, é criada a Agência Nacional de Assistência


Técnica e Extensão Rural (Anater), a criação dessa agência significou alguns embates entre os
idealizadores da Pnater que acreditavam que a agência seria um retrocesso em relação a tudo que vinha
sendo construído, inclusive no que dizia respeito aos agricultores/as familiares como prioridade das
ações de Ater.

Em 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff, o presidente Michel Temer, tem como um dos seus
primeiros atos extinguir o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) que congregava as ações
voltada para as políticas ligadas a agricultura familiar, afigurando-se como um duro golpe para o setor.
Na ocasião, as atribuições do MDA migraram para o Ministério do Desenvolvimento Social e,
posteriormente, foi criada a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário,
vinculada a Casa Civil, que passou a assumir as atribuições do extinto MDA.

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Já no governo do Presidente Bolsonaro (2019), a Ater, através do Decreto n. 10.253, de fevereiro de


2020, é transferida para Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo (SAF) junto ao
Departamento de Desenvolvimento Comunitário do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(Mapa). Além disso, é importante frisar que no atual governo, outro baque para o setor foi a extinção de
diversos Conselhos (mais de 30 conselhos) que previam a participação popular em orientações sobre
diversos temas. Na esteira das extinções, o governo extingue o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Rural Sustentável (CONDRAF), que tinha uma participação importante nos rumos das políticas de Ater.
Na Figura 02, a seguir, é apresentada uma linha do tempo dos quase 80 anos da história da Ater no
país, trazendo alguns elementos que ajudam a compreender as mudanças e direcionamento desse
serviço no Brasil.

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Figura 02. Linha do Tempo da Ater no Brasil: Marcos e/ou momentos importantes
MAPA cria o
Departamento
Comunitário para
Retira a Agroecologia Críticas do
cuidar da Ater-
Movimento
Crise da Ater Pública Agroecológico
Criação da
Influência da
Embrapa 1972/3
AIA – Família
Rockfeller

Desarticulação dos
Serviços de Ater

Desarticulação e
enfraquecimento das
políticas para AF

Fonte: Elaborado a partir de diversos documentos por Prof. Marcelo Romarco -UFV, 2022.

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Considerações Finais

Ao longo dessa breve nota e desses quase 80 anos e da institucionalização da Ater brasileira, percebe-
se que ela nasce sobre fortes influências do capital norte americano, suas bases, focavam um serviço
atrelado a experiência dos EUA que de longe é muito diferente da realidade brasileira. Ao longo do
século XX as políticas de transformação da agricultura no qual a Ater esteve associada, acabaram por
focar e privilegiar um público com condições materiais melhores, o que sem dúvida tem consequências
ainda hoje, quando olhamos para o campo brasileiro.

Ao final do século passado, o que se percebe é que os serviços de Ater para aquilo que ele foi proposto
(modificar as bases produtivas custe o que custar), foi exitoso e cumpriu muito bem esse papel. No
entanto, após essa tarefa cumprida, é possível perceber que estes serviços públicos tiveram seus dias
quase que contados, vide a extinção da Embrater.

Já no início deste século, os serviços foram reestruturados buscando alcançar outros objetivos e atender
outros públicos. Repensados em bases mais participativas, valorizando os saberes locais e dos/as
agricultores/as, ampliando a possibilidade desse público acessar a políticas públicas, entre outros. No
entanto, esse avanço visto naquele momento inicial dos primeiros anos do século XXI encontra-se em
xeque no início desta década, deixando a seguinte reflexão qual será o papel e o destino da Ater
brasileira?

Questão a ser desenvolvida:

A partir do discutido ao longo da presente nota de aula, vocês deverão fazer uma reflexão, tentando
discernir sobre como diante de um quadro político e socioeconômico tão adverso, vivenciado na
contemporaneidade (2022), qual seria o papel desempenhado pela Ater no Brasil. A sua reflexão deverá
se atentar aos seguintes questionamentos:

(a) Na sua opinião, quais seriam os principais obstáculos enfrentados pela Ater no sentido de tornar
efetivas as políticas públicas direcionadas à agricultura familiar, que segundo o Censo
Agropecuário de 2017, responde por 77% dos estabelecimentos agropecuários brasileiros
(IBGE, 2017)?
(b) Diante dos obstáculos apontados no item anterior, que medidas podem ser adotadas pelos/as
agentes de Extensão Rural a fim de amenizar as deficiências nas políticas públicas existentes e
melhor atender as demandas da categoria Agricultura Familiar?

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Referências

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