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________________Notas de Aula ERU-451 professor Marcelo Romarco – UFV-DER

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA


DEPARTAMENTO DE ECONOMIA RURAL
ERU-451 “EXTENSÃO RURAL”

“A história da agricultura é uma história de produção de novidade” (Van Der Ploeg, et al).

Pauline H. C. M. Cuenin1
Marcelo Leles Romarco de Oliveira2

T exto de debate 11: As inovações na perspectiva da agricultura familiar

Introdução

O objetivo dessa nota de aula é trazer alguns elementos sobre o termo Inovação e o que ele envolve no
esboço da agricultura familiar. Antes de discutir a noção de Inovação no âmbito da agricultura familiar,
vamos trazer brevemente alguns elementos para entender o que são os/as agricultores/as familiares.
Desta forma, podemos entender que agricultura familiar brasileira seria um termo genérico que abarca
uma série de grupos de produtores rurais (quilombolas, indígenas, camponeses, ribeirinhos, sitiantes,
agricultores, assentados, varzanteiros, pescadores entre outros). Portanto, agricultura familiar é uma
forma de produção em que predomina a integração entre gestão e trabalho, relações sociais e culturais.
Nesse tipo de agricultura são os/as agricultores/as familiares que dirigem o processo produtivo, dando
ênfase à diversificação e utilizando o trabalho familiar, eventualmente complementado pelo trabalho
assalariado. Em 2006 o governo federal promulgou a Lei nº. 11.326, de 24 de julho de 2006, que
estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e
Empreendimentos Familiares Rurais. Um dos principais objetivos desta lei é estabelecer os conceitos,
princípios e instrumentos destinados à formulação das políticas públicas direcionadas a esse público.

Assim, a lei procura definir diretrizes tendo como público prioritário dessas políticas: agricultores,
pescadores artesanais, aquiculturas, extrativistas, assentados rurais, indígenas e membros de
comunidades remanescentes de quilombos. Do ponto de vista da política de Ater definida na Lei de Ater
de 2010, a lei de Agricultura Familiar contempla as seguintes características básicas:

• A direção da unidade produtiva é exercida pela família;

• A área do estabelecimento não ultrapassa quatro módulos fiscais (mais adiante abordarei a
questão dos módulos);

1Agrônoma com especialização em agronomia e meio ambiente, mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal
de Viçosa.
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Doutor em Ciências Sociais com ênfase em Desenvolvimento e Sociedade e Agricultura (CPDA-UFRRJ). Professor do
Departamento de Economia Rural e do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de
Viçosa.

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• A mão de obra familiar é superior à contratada e a propriedade dos meios de produção é da


família;

Além dessas características determinadas pela Lei da Agricultura Familiar, é importante entender que o
agricultor familiar tem um modo peculiar de conduzir o seu estabelecimento, é preciso considerar
características, próprias, ou seja, relação histórica e social com o território onde vivem, mantendo
vínculos de ancestralidade e memória coletiva cujos conhecimentos e saberes são criados e recriados
ao longo do tempo. Além de possuírem uma rica diversidade em seus modos de vida, constituindo assim,
em importantes identidades socioculturais (LITTLE, 2006).

Um exemplo, da forma de manejo e produção utilizada em seus processos produtivos, em alguns grupos
classificados como agricultores/as (indígenas, quilombolas, sertanejos entre outras), é conhecida em
diversas regiões do Brasil como “roça de toco”. Nesse tipo de roça o primeiro trabalho consiste em cortar
a vegetação rasteira com facão e com machado, derrubar as árvores, depois deixar o mato e os tocos
secarem para serem queimados. Depois, planta-se nessa área preparada para o plantio entre tocos na
floresta: mandioca, banana, feijão, abóbora. Esse é um sistema agrícola tradicional que utiliza práticas
de manejo que possibilitam a manutenção da sustentabilidade dos recursos naturais existentes,
desmatando somente aquilo que é necessário para o sustento da família. Depois de alguns anos aquela
área é abandonada para que ela se recupere e descanse. Neste caso, as famílias procuram outra área
para iniciar todo o processo.

Outra informação importante sobre a agricultura familiar brasileira diz respeito aos dados do último
Censo Agropecuário brasileiro realizado no ano de 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). No referido documento, constatou-se que no país existia naquele período
aproximadamente 5,07 milhões de estabelecimentos rurais e que 77% destes pertenciam a categoria de
agricultura familiar definidas pela Lei nº. 11.326/2006. Esses agricultores e seus colaboradores, seriam
responsáveis pela produção de grande parte de alimentos consumidos no país tais como: mandioca
(69,6%), banana (48,5%) café (37,8%), alface (64,4%), pimentão (70,8%), feijão (23,1%), carne de aves
(45,5%), carne suína (51,4%), carne bovina (31%), dentre outros (LOPES, OLIVEIRA, 2021).

Sobre a agricultura familiar, é importante destacar seu protagonismo em termos globais, uma vez que a
Organizações da Nações Unidas (ONU), através da FAO, reconheceu sua importância no papel na
produção de alimentos e na segurança alimentar mundial, definindo, ainda, o ano de 2014 como o Ano
Internacional da Agricultura Familiar. Tal reconhecimento foi justificado como: “O objetivo desta proposta
é aumentar a visibilidade da agricultura familiar, focalizando a atenção mundial em seu importante papel
na erradicação da fome e pobreza, provisão de segurança alimentar e nutricional, melhora dos meios de
vida, gestão dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e para o desenvolvimento sustentável,
particularmente nas áreas rurais” (FAO/ONU, 2014a, p?).

Introdução ao debate sobre Inovação

Após essa breve abordagem do que seria a agricultura familiar e sua importância para a produção de
alimentos, traremos agora elementos para entender a que seria Inovação, que pode ser abordada

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através de diversas perspectivas. No entanto, essa nota focalizará nas duas abordagens que
acreditamos que seriam as principais.

Na abordagem clássica de Schumpeter, associa-se a ideia do empreendedorismo individual na qual a


Inovação é o resultado de um indivíduo, ao caráter linear da Inovação (da invenção à sua difusão) e a
teoria da destruição criadora na qual a criação de algo novo destrói as velhas regras. Em contraposição
a essa abordagem clássica, outras perspectivas alternativas foram criadas, buscando colocar em xeque
essa visão sobre inovação. Entre essas novas abordagens é possível citar em particular os trabalhos de
Michel Callon e Bruno Latour. O trabalho desses pesquisadores apontam para a teoria do ator-rede na
qual uma novidade técnica se desenvolve mediante a associação de atores humanos e não humanos
no seio de redes chamadas “sociotécnicas” (CAVALCANTI, 2016; SABOURIN, 2016).

Nessa perspectiva, a ação coletiva é o ponto central no desenvolvimento de uma Inovação na qual vários
tipos de conhecimentos, de tecnologias, saber-fazer, competências de diferentes atores são mobilizados
numa série de ensaios e experimentos. A interação entre os diferentes elementos físicos e os atores
sociais é essencial na dinâmica da Inovação (CAVALCANTI, 2016). Essa noção de interação será
importante para entender a Inovação agrícola no âmbito da Agricultura Familiar.

Portanto, quando fala-se em Inovação na agricultura, pensa-se geralmente no desenvolvimento e na


transferência de tecnologias para os/as agricultores/as. Essa associação é comumente feita por
corresponder ao modelo convencional de desenvolvimento da Inovação na agricultura “moderna” pela
geração de pacotes tecnológicos gerados a partir de uma prospecção científica e tecnológica feitas em
centros de pesquisa, universidades e demais estruturas oficias e com estratégias de transferência para
os/as agricultores/as por práticas extensionistas convencionais (COSTA, 2017; SMITH; BRAGDON,
2015).

Esse modelo se desenhou amplamente com a “modernização” agrícola que implementou-se sob o nome
da Revolução Verde no âmbito dos países em desenvolvimento cujos princípios são associados à
constituição de pacotes tecnológicos que reúnem inovações biológicas, químicas e mecânicas na busca
da maximização da produção dos sistemas agrícolas e, do lucro no curto prazo (GLIESSMAN, 2002).

Mas, será que a Inovação na agricultura só trataria dessas inovações tecnológicas desenvolvidas pela
ciência moderna para aumentar a produção e a lucratividade dos sistemas agrícolas? Os/as
agricultores/as familiares não seriam capazes de inovar deles mesmo? O que podemos entender por
Inovações no âmbito da Agricultura Familiar? Por quê e como os/as agricultores/as familiares inovam?
Qual é a importância dessas Inovações nos processos de desenvolvimento rural e de maneira mais geral
diante os desafios atuais no sistema agroalimentar global?

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Inovação e Agricultura Familiar: uma longa história

As Inovações da Agricultura Familiar3 têm sido, de forma geral não reconhecidas ou não valorizadas
(SMITH; BRAGDON, 2015). De fato, as experiências inovadoras conduzidas pelos/as agricultores/as
familiares, geralmente desenvolvidas à escala local, ficam muitas vezes , e desvalorizadas (MATTE;
NIEDERLE; SCHNEIDER, 2017).

No entanto, há milênios, os/as agricultores/as de base familiar realizam experiências, fazem adaptações
e inovam para melhorar seus sistemas de produção continuamente a partir de observações dos diversos
ecossistemas, de processos empíricos de tentativas, erro e acerta, e dos seus conhecimentos
tradicionais (ALTIERI; TOLEDO, 2010; COSTA, 2017; FAO, 2014, 2015).

Gerações de agricultores/as desenvolveram sistemas agrícolas complexos, diversificados e adaptados


às condições locais, que foram testados e aprimorados ao longo do tempo pelo acúmulo de experiências
e conhecimentos construídos com a interação com o ambiente (ALTIERI; TOLEDO, 2010). Essas
experiências de investigação, principalmente, biológicas e agronômicas estabeleceram as bases de
processos de uma agricultura sustentável como a integração animal-vegetal-florestal, o desenvolvimento
de variedades de sementes, métodos de manutenção e recuperação da qualidade do solo, métodos de
conservação da água, métodos naturais de superação de problemas fito e zoo sanitários entre outros
(COSTA, 2017; FAO, 2014b).

Como os/as agricultores/as familiares inovam?

Nesses processos de Inovação, a agro biodiversidade conservada pelos agricultores familiares torna-se
elemento essencial para promover novas práticas e inovar (NODARI; GUERRA, 2015; SMITH;
BRAGDON, 2015). Os conhecimentos locais, as percepções do ambiente, e a sabedoria constituem uma
série dinâmica de competências e saber-fazer usados pelos agricultores familiares para lidar com
problemas no dia-dia e então inovar.

Esses conhecimentos locais são trocados e, portanto, modificados através de redes sociais informais
(SMITH; BRAGDON, 2015). A interação entre agricultores/as através de redes informais é um outro
elemento muito importante nos processos de Inovações na Agricultura Familiar (MATTE; NIEDERLE;
SCHNEIDER, 2017). De fato, eles podem socializar e trocar sobre os riscos ou benefícios de certas
experimentações (SMITH; BRAGDON, 2015).

Essas redes podem também permitir a interação dos/as agricultores/as com outros atores, os/as
extensionistas rurais, pesquisadores/as, técnicos/as ou gestores públicos, para facilitar os processos de
Inovação. O encontro de diversos saberes e experiências dos diferentes atores e entidades permite
novos aprendizados (MATTE; NIEDERLE; SCHNEIDER, 2017). Essa relações sinérgicas entre

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Entendida nesse documento como forma de organização da produção agrícola incluindo estabelecimentos agrícolas caracterizados
por relações orgânicas entre a família e a unidade de produção (capital produtivo incluído no patrimônio familiar, lógica mercantilizada e
não-mercantilizada na repartição do trabalho, intervenção da família nas escolhas da finalidade dos produtos) (THIRION et al., 2013)

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diferentes atores e conhecimentos é, por exemplo, exercida com pesquisas colaborativas e participativas
entre universidades ou centro de pesquisa e agricultores/as (FAO, 2014; SMITH; BRAGDON, 2015).

Algumas considerações sobre Inovação no âmbito da Agricultura Familiar?

Assim, tratando da noção de Inovação no âmbito da Agricultura Familiar, enfatizamos a relação da


Inovação como um processo dinâmico que é construído a partir da interação e da ação coletiva entre
vários atores (entre agricultores através de redes informais mas também com outros atores de diversas
esferas), e não só como um produto realizado por um único indivíduo (FAO, 2014b; SMITH; BRAGDON,
2015). Como enfatiza a FAO (2014b, p.81): “Inovação não ocorre isoladamente”. As relações entre
atores, mas também com regras, normas e objetos (no caso pode ser com o ambiente biofísico da
propriedade agrícola, as ferramentas ou as infraestruturas) permitem processos de aprendizagem que
implica a transformação de conhecimentos e então a produção de Inovação.

Como observamos, uma das características dessa inovação é a junção de conhecimentos que tem por
objetivos a produção de novidades. Nesse sentido, Cuenin (2019) na citação a seguir a autora, explora
um diálogo com um agricultor que procura apresentar um pouco da sua experiência sobre essa questão.

Você viu aquela laranja grandona, não viu? Pois é, essa laranja é uma laranja, o nome
dela é Toranja e ela só é laranja para fazer doce. Como ela, ela, ninguém gosta de fazer
doce dela, foi um dia, a [sua filha] pegou e olhou as propriedades que tem, que ela tem.
E aí, ela pegou, nessas propriedades, que ela achou, ela achou nela, tudo, ela achou
tudo: fósforo, zinco, cobre, magnesiano, manganês, achou tudo. Então ela leu isso tudo
para mim, encontrou [...] tudo o que estou falando, [...] ela possuiu essa propriedade. Aí,
fiquei bem caladinho, aí vou usar esse trem aí, e esse trem está madurando e caindo no
chão ali, aí peguei, comecei jogar dentro do tambo, e joguei água lá dentro e começou
fermentar, e começou a fermentar, e eu falei, e aí eu comecei (Lavrador AG, 64 anos).
(CUENIN, 2019, p 93-94).

Portanto, essa abordagem da Inovação converge com a de Callon apud Cavalcanti (2016) (que enfatiza
o papel da interação como ponto central, entre diferentes atores sociais e elementos físicos através de
rede chamadas “sociotécnicas” (CAVALCANTI, 2016; SABOURIN, 2016). Sabourin (2016) da alguns
exemplos de redes de atores heterogêneos que estão associadas a temática do desenvolvimento rural
como as redes de agroecologia, as redes de certificação participativa etc.

É importante ressaltar que além das Inovações técnicas desenvolvidas pelos/as agricultores/as
familiares, existe também Inovações institucionais que corresponde a mudanças nas relações entre
atores, ou seja, entre agricultores/as ou entre agricultores/as e outros atores (SMITH; BRAGDON, 2015).
O Grupo de Estudos e Pesquisas Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (GEPAD-UFRGS; CLAEH, 2017) dá vários exemplos de experiências inovadoras
desse tipo no Sul do Brasil. O livro apresenta, por exemplo, experiências de agregação de valor e de
criação de novos mercados pela constituição de rede de atores (agricultores/as familiares,
extensionistas, prefeituras etc.), estratégias de diversificação de produções ligadas a ação cooperativa
de agricultores/as familiares, ou ainda, estratégias de aproximação entre consumidores e produtores

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para novas oportunidades de mercado, de valorização da produção e de geração de renda (GEPAD-


UFRGS; CLAEH, 2017).

Assim, observa-se que os/as agricultores/as podem inovar de diferentes maneiras, no que se refere aos
produtos agrícolas (ex. novas espécies, novas variedades), aos processos de produção (ex.: plantio
direito, cobertura morta), na organização e no manejo do estabelecimento agrícola (ex.: novos mercados,
agregação de valor) (FAO, 2014b). Esses exemplos enfatizam a capacidade dos atores sociais, aqui
os/as agricultores/as familiares, em construir respostas a diferentes condições.

Por quê os/as agricultores/as familiares inovam?

As formas de Inovações são a expressão da variedade de condições socioeconômicas, políticas ou


ambientais diante dos quais os/as agricultores/as familiares se confrontam (FAO, 2014b; SMITH;
BRAGDON, 2015). Por exemplo, para enfrentar os riscos ligados a inseguridade alimentar, estratégias
de diversificação podem estar criadas. Contra os riscos que se encontram na volatilidade dos mercados,
experiências de criação de mercados podem estar desenvolvidas. Em frente das mudanças climáticas
e da degradação ambiental, várias estratégias de adaptação às novas condições ambientais no sistema
de produção podem ser criadas. Oportunidades de acessar mercados podem incentivar os/as
agricultores/as a inovar também (FAO, 2014b; SMITH; BRAGDON, 2015). São diferentes riscos,
oportunidades e ainda fatores socioculturais que estimulam os/as agricultores/as familiares a inovar
(SMITH; BRAGDON, 2015). Procurando trazer uma síntese dessa discussão, observemos a Figura 01,
a seguir.

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Figura 01: Síntese do Processo de Inovação na Agricultura Familiar

Fonte: Elaborado por Prof. Marcelo Romarco -UFV, 2022

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As Inovações dos/as agricultores/as familiares e os desafios atuais dos sistemas alimentares


globais

Com isso, entende-se a importante contribuição das Inovações dos/as agricultores/as familiares para
enfrentar os desafios da atualidade. Em um contexto de crises globais de ordem alimentar, energética,
ambiental e econômica, essas experiências inovadoras oferecem novos aprendizagens e conhecimentos
para lidar com os problemas atuais (MATTE; NIEDERLE; SCHNEIDER, 2017). Em particular, as
Inovações na Agricultura Familiar são muito relevantes para a seguridade alimentar e a resiliência e a
sustentabilidade dos sistemas alimentares globais, tanto pela diversidade das multitudes de experiências
singulares propostas e tanto pela necessidade de diversidade para inovar, como um círculo virtuoso
(FAO, 2014b; SMITH; BRAGDON, 2015).

Mas, os/as agricultores/as ficam desiguais para inovar diante de alguns fatores tal como a disponibilidade
ou o acesso a certos recursos, infraestruturas e outras circunstâncias naturais pessoais. Além disso, a
capacidade individual de Inovação tendem ser alterada dentro de cadeias alimentares desiguais,
geralmente associados a sistemas muitos especializados (NATIONS UNIES, 2010; SMITH; BRAGDON,
2015).

Nessa perspectiva, a FAO (2014) quanto Smith e Bragdon (2015) enfatizam a importância de criar
políticas que estimulam a capacidade de inovar dos/as agricultores/as familiares, atendendo suas
necessidades e emponderando-lhes para contribuir para a segurança alimentar e a resiliência dos
sistemas alimentares globais. A FAO (2014b) salienta a necessidade de criar sistema de Inovação que
relaciona os diferentes atores (setor público, setor privado, sociedade civil, agricultores/as e suas
organizações) colocando os/as agricultores/as como protagonistas centrais para incentivar lhes a inovar.
Além disso, investimentos na educação e formação pode ajudar a desenvolver a capacidade de Inovação
individual dos/as agricultores/as (FAO, 2014b).

Considerações finais

Trazendo algumas considerações finais, podemos fazer uma ligação dos processos de Inovação na
Agricultura Familiar com uma das características da agricultura familiar camponesa enfatizada por Van
der Ploeg, (2009), que seria a luta pela autonomia. De fato, diante dos diversos contextos adversos que
ocorrem (ainda mais na atualidade com a volatilidade dos preços, a inseguridade alimentar e as
degradações ambientais), os agricultores/as familiares buscam a manter e desenvolver uma base de
recursos materiais e imateriais na relação com seu entorno, ou seja, uma base de recursos tanto naturais
como sociais (conhecimentos, redes, terra, cultivos, sementes etc.). Essa base de recursos favorece
diferentes formas de coprodução entre o ser humano e a natureza (VAN DER PLOEG, 2009). Os/as
agricultores/as tentam então, na luta da autonomia, melhorar esse processo de coprodução por
experiências inovadoras. Esses processos de Inovação sempre foram usados pela Agricultura Familiar
nas suas estratégias de reprodução social diante as adversas condições mudando.

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Um caminho para potencializar a inovação desse grupo, emergem nos princípios teóricos e
metodológicos da agroecologia (SEVILLA GUZMAN; MOLINA, 1996). Nessa perspectiva, um dos
princípios fundamentais é o reconhecimento e a valorização dos conhecimentos tradicionais (ALTIERI;
TOLEDO, 2010), que são essenciais nos processos de criatividades de soluções locais. Além disso,
como base epistemológica da agroecologia, ela contribui para a promoção da união dos conhecimentos
tradicionais locais com os conhecimentos científicos através, por exemplo, de metodologias
participativas para a co-construção de novos conhecimentos (ALTIERI; TOLEDO, 2010; CAPORAL,
2009; GLIESSMAN, 2002), e portanto, para criação de novas experiências.

Enfatizamos aqui o papel da agroecologia, entendida como ciência, movimento e prática (WEZEL et al.,
2009), por apresentar novidades técnicas, organizacionais e epistemológicas. A FAO (2015) assim como
outros autores Altieri e Toledo (2010) e Nodari e Guerra (2015) apontam as abordagens agroecológicas
como forma de potencializar a capacidade criadora dos/as agricultores/as, e de visibilizar tais novidades.
As Inovações da Agricultura Familiar sendo sementes da transição para sistemas agroalimentares mais
sustentáveis, a agroecologia foi, portanto, apontada pela FAO (2015) como opção para enfrentar os
desafios atuais em relação às crises alimentar, energética e ecológica dos sistemas agroalimentares.

Atividade a ser desenvolvida

Após a leitura da nota procure construir um texto, abordando qual o entendimento que vocês tiveram
sobre o papel da agricultura familiar no processo de inovação?

Referências

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