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Resumo
O Território da Serra do Brigadeiro, constituído por nove municípios do Estado de Minas Gerais, Brasil,
compreende um conjunto de formações rochosas acidentadas, sendo divisor de águas entre duas
importantes bacias: Rio Doce e Paraíba do Sul.
A região abriga o último remanescente de Mata Atlântica da Zona da Mata, onde se abrigam espécies da
fauna e da flora ameaçados de extinção, além de um grande contingente de agricultores/as familiares.
Devido a um intenso processo de degradação ambiental da região, na década de 70 foi proposta a criação
de uma unidade de conservação que abrangeria uma área de 32 mil hectares e desalojaria centenas de
famílias rurais.
Após um intenso processo de mobilização social, em 1986 foi criado o Parque Estadual da Serra do
Brigadeiro, com uma área de apenas 13200 ha, torno do qual encontram-se os municípios que compõem o
Território da Serra do Brigadeiro. O que significou vitória e desfio: promover o desenvolvimento regional
considerando aquela unidade e uma matriz de produção ambientalmente impactante.
Em 2003, atores sociais que atuavam na promoção de ações voltadas para o desenvolvimento sustentável
na região, formularam e obtiveram aprovação do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural
Sustentável a inclusão da Serra do Brigadeiro no Programa Nacional de Desenvolvimento de Territórios
Rurais - PRONAT, uma política pública criada pelo Governo Federal naquele ano. A aprovação estava
condicionada a critérios tais como concentração de agricultores/as familiares; existência de patrimônio
ambiental e cultural como eixo aglutinador do desenvolvimento e capital social e institucional
desenvolvido.
O processo de desenvolvimento territorial preconizado pelo PRONAT prevê a realização de várias ações
estratégicas conformando um ciclo de gestão em espiral que se aperfeiçoa e se qualifica. O Território da
Serra do Brigadeiro construiu de forma ascendente e participativa seu instrumento de gestão - o Plano
Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável, que funciona como organizador do processo de
articulação e implementação de ações com vistas à transformação do quadro sócio-econômico, produtivo,
cultural e ambiental da região, bem como realização dos objetivos expressos pelos atores sociais,
sobretudo as próprias comunidades rurais, durante o processo de planificação – visão de futuro. A gestão
fica a cargo do Colegiado de Desenvolvimento Territorial, plural, paritário, que congrega a diversidade de
atores sociais atuantes.
1
Engenheira Agrônoma, Secretária Executiva do Colegiado de Desenvolvimento Territorial da Serra do Brigadeiro
e Mestranda do Programa de Pós Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Viçosa.
2
Socióloga, Doutora em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade e Professora Adjunta do Departamento de
Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa.
Territórios Rurais: Uma abordagem para o desenvolvimento...
Processos de Construção Social e Implantação do Território da Serra do Brigadeiro – MG
1. Introdução
Na língua portuguesa o uso de reticências indica interrupção de um pensamento por ficar
subentendido o que não foi dito. Neste texto seu uso indica continuidade de algo. “Territórios Rurais:
Uma abordagem para o desenvolvimento...”, usa reticências por inúmeras possibilidades, entre elas, por
poder ser considerada uma proposta provisória, pretensiosa, ousada, desafiadora, ou melhor, em
construção...
Ao fazer uma decomposição da proposta explicita e/ou implícita na frase, identifica-se três
palavras-chave Desenvolvimento, Territórios e Espaço Rural. Destas, duas serão objeto de nossa reflexão.
E o que seria desenvolvimento num espaço rural delimitado enquanto um território? Ademais de
uma imagem sobre o que seria a pergunta, é como se alcançaria esta condição ou estagio (de
desenvolvimento)?
Este ensaio é uma tentativa de resgatar e explicitar os conceitos de território e de desenvolvimento
trabalhados por vários autores e instituições e, enfatizar a adoção recente da abordagem territorial como
estratégia para a promoção do desenvolvimento de espaços rurais brasileiros.
Tal estratégia foi materializada, enquanto política pública, em 2003, via Programa Nacional de
Desenvolvimento de Territórios Rurais da Secretaria de Desenvolvimento Territorial, criada na estrutura
do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Tratar-se-á em especial do processo de implantação do Território da Serra do Brigadeiro, localizado
na Zona da Mata Mineira, e pertencente ao conjunto de nove territórios criados em Minas Gerais.
Salienta-se o fato de que a sustentabilidade do desenvolvimento dessa região, por nós entendida
como Território da Serra do Brigadeiro é, todavia um conceito em construção. Atualmente estão em
disputa na região, dois projetos antagônicos de desenvolvimento, um de cunho economicista ligado aos
grandes eixos de exportação e superávit primário do governo federal e outro com um viés econômico e
forte conotação sócio-ambiental, construído pelos diferentes atores sociais da região.
O primeiro propõe a instalação de empresas mineradoras de bauxita em área com predominância de
agricultores/as familiares e no entorno de uma Unidade de Conservação da Mata Atlântica. O segundo
propõe a construção dialógica de um modelo de desenvolvimento sustentável e solidário com base
conservacionista, através do fortalecimento da agricultura de base familiar, da recuperação e conservação
ambiental, do turismo comunitário, da agroindústria familiar e do artesanato e por fim do resgate e
valorização da cultura, ou das várias nuances culturais da região: indígena, cabocla e afro descendente.
b. Uma noite o mundo dormiu e quando acordou se viu pobre... Com apenas uma frase
foram “criados” bilhões de pobres e subdesenvolvidos no mundo!
A partir da ótica da sociologia há uma série de textos e reflexões sobre o que seria
desenvolvimento, sua ausência (subdesenvolvimento) e as estratégias utilizadas mundialmente para sua
promoção.
Sem recorrer a todas, resgato apenas o dia em que bilhões de pessoas acordaram
“subdesenvolvidas”. Em 1949, no discurso inaugural como Presidente dos Estados Unidos, Hanry S.
Truman utiliza, pela 1ª vez, o termo “áreas subdesenvolvidas”. A partir desse dia os Estados Unidos
assumiram para si a tarefa de promover o desenvolvimento, entendido como progresso industrial, visando
melhorar o padrão de vida das populações dos países não desenvolvidos como forma de assegurar a paz.
Apesar de imensamente badalada, várias são as críticas e limites do conceito de desenvolvimento,
chegando a ser negado, como em Sachs (1993) Não obstante aos questionamentos, no senso comum, bem
como nas forças políticas e econômicas mundiais, não se encontra “ninguém contra o desenvolvimento”.
Quem seria capaz de desejar que uma criança, uma planta ou uma sociedade em seu conjunto não se
desenvolvesse, não melhorasse (Gomes, 2003)?
Segundo Gomes as idéias de desenvolvimento têm historicidade concreta e reveladora de seu caráter
de instrumento ideológico do capital, com influências no modelo de desenvolvimento que tem ocupado os
planos institucionais em nível internacional nos últimos 50 anos (Gomes, 2003).
Depois da 2ª Guerra Mundial havia uma situação de pobreza 3 extrema das colônias que se
independizavam e a necessidade de reconstrução dos países industrializados afetados pela guerra. Tal
contexto aliado às idéias de John, M. Keynes alterou a compreensão e as possibilidades de uma
intervenção na economia com vistas a elevar os níveis de desenvolvimento dos países.
A partir do discurso de Truman e da decisão dos Estados Unidos de se “responsabilizar” pelo
desenvolvimento dos “subdesenvolvidos” foram se aperfeiçoando noções teóricas e operativas, bem como
criadas instituições que respaldariam o modelo desenvolvimentista que se impunha contexto
internacional4.
Illich (2000) e Escobar (2000) dividem este processo em três fases de limites difusos que vão se
sucedendo à medida que os programas de desenvolvimento implementados pelas instituições
correspondentes vão fracassando: A 1ª começaria nos anos 50 com maior ênfase no crescimento
culminando em 1962 com a “operacionalização da pobreza” por parte da ONU quando escolhem o
3
Pobreza entendida como algo “além da privação de rendimentos. Seria a negação de escolhas e oportunidades para
viver uma vida aceitável.” (Relatório de Desenvolvimento Humano – 1997, publicado pelo PNUD)
4
Instituições como as do Sistema das Nações Unidas (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), as
saídas dos acordos de Bretton Woods (Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial) e outras instituições com
objetivos similares (Banco interamericano de Desenvolvimento, Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento, etc).
Produto Nacional Bruto como indicador para separar “países pobres” de “países ricos”. A 2ª nos anos 60
e 70, quando fracassa esta visão que associava crescimento com incorporação ao “clube dos países
desenvolvidos”. Em 1973 o Banco Mundial reconhece que o PNB não é o melhor indicador de
crescimento, pois exacerba as desigualdades na distribuição de renda. Que apenas crescimento econômico
não significava desenvolvimento, sendo necessário melhorar qualitativamente a produção para melhorar o
nível de vida das populações dos chamados “países subdesenvolvidos”. A 3ª fase, ocorrida nos anos 80,
os habitantes passaram a ser percebidos como variáveis endógenas para atingir o desenvolvimento ao lado
dos recursos naturais e de capital, principal aspecto desta etapa. A partir de então o desenvolvimento
econômico aparece ligado ao desenvolvimento social.
De acordo com Gomes (2003) o planejamento do desenvolvimento iniciado nos anos 50 em escala
nacional, reduzindo-se nos anos 60 e 70 à escala regional, centra-se nos anos 80 na escala local. É
também nos anos 80 que ocorre a inclusão das questões ambientais no planejamento do desenvolvimento,
agora adjetivado com o termo sustentabilidade, bem como a incorporação de mulheres (Escobar, 2000).
Nos anos 90 houve uma definição e aporte de recursos para incentivar o planejamento do
desenvolvimento local. O enfoque local (mais propositivo que explicativo, mais uma ferramenta para
promover o desenvolvimento na lógica do capital que um modelo de interpretação das relações
socioeconômicas e territoriais) “anula” o conflito capital x trabalho via participação e consenso de “todas
as forças sociais” (Gomes, 2003).
No Brasil desde antes dos anos 30 do século XX, existia um modelo econômico no campo
baseado na concentração fundiária e na exportação de produtos primários, os chamados ciclos
econômicos brasileiros. Desde então o país experimentou uma série de intervenções políticas que, dentre
outros objetivos, buscou alterar o panorama econômico urbano e rural. Entre eles estão os modelos agro-
exportador, a modernização conservadora da agricultura, amparada pelo pacote tecnológico da revolução
verde, e a expansão da fronteirara agrícola, incorporando ao sistema produtivo as regiões Centro-Oeste e
Norte, com fortes impactos sócio-econômicos e ambientais. Ressalta-se o modelo nacional-
desenvolvimentista de substituição das importações, que ganhou impulso com Juscelino Kubitschek e foi
implementado na década de 50.
b. Na Antropologia
Maurice Godelier apresenta uma visão materialista de território: “é uma porção da Natureza, e,
portanto, do espaço, sobre o qual uma determinada sociedade reivindica e garante, a todos ou parte de
seus membros direitos estáveis de acesso, de controle e de uso com respeito a totalidade ou parte dos
recursos que aí se encontram e que ela deseja e é capaz de explorar” ou “é a porção da natureza e do
espaço que uma sociedade reivindica como o lugar em que os seus membros encontrarão
permanentemente as condições materiais de sua existência”. Aqui se percebe duas dimensões no conceito
de território: material (apropriação e uso dos recursos, meios de existência) e simbólica (identidade,
pertencimento).
Para Paul Little “a territorialidade é o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar,
controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em
seu"território” ou homeland (cf Sack 1986:19). Casimir (1992) mostra como a territorialidade é uma força
latente em qualquer grupo, cuja manifestação explícita depende de contingências básicas. O fato de que
um território surge diretamente das condutas de territorialidade de um grupo social implica que qualquer
território é um produto histórico de processos sociais e políticos. Para analisar o território de qualquer
grupo, portanto, precisa-se de uma abordagem histórica que trata do contexto específico em que surgiu e
dos contextos em que foi defendido e/ou reafirmado”.. Os seres humanos diferentemente dos animais têm
diversos níveis de territorialidade: local, regional, estadual, nacional.
A definição dos territórios na sociedade é atravessada pelo poder, tal como fronteiras dos
Estados-nação, reservas indígenas, comunidades quilombolas e também camponesas. A primeira questão
da sustentabilidade camponesa é a apropriação territorial. A territorialização dos portugueses significou a
desterritorização dos indígenas, a difusão do uso do território para sustentar a sociedade urbana-industrial
moderna, desterritorializa comunidades camponesas, como por exemplo, os atingidos por barragens
(Mazetto, 2004).
Os conceitos de espacialização e de territorialização, necessariamente geográficos, estão sendo
utilizados ou apropriados pela maioria dos geógrafos que estudam os acontecimentos atuais no campo
brasileiro
O MDA opta por um recorte micro-regional e pela constituição de territórios por identidade.
6. Considerações Finais
A partir de então passou a implementar as fases previstas na proposta e atualmente o território
esta finalizando o primeiro ciclo de planejamento e gestão. A partir de alguns momentos de discussão e
diálogo sobre as bases conceituais e metodológicas do programa, os atores sociais envolvidos com o
processo em questão concluiu que sua identidade, enquanto território, tinha a seguintes elementos:
Eixos de Desenvolvimento
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