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RESUMO: Esse artigo, sob o suporte da teoria marxista, visa contribuir para a análise das
particularidades contemporâneas do modo de produção capitalista e das possibilidades de sua
superação. Para isso, reflete acerca da relação entre “pobreza e crise ecológica” e apresenta
elementos assertivos da hipótese de que países norteados por projetos societários divergentes
– Brasil e Cuba, capitalista e socialista, respectivamente – apresentam distintas programáticas
de gestão socioambiental em território latino-americano. Portanto, a questão geradora desse
artigo é analisar o processo de enfrentamento da pobreza e da crise ecológica em Brasil e
Cuba, considerando o paradigma da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
Para isso, utiliza o método comparado e a pesquisa bibliográfica e documental, apresentando
um conjunto de considerações em três momentos: a relação entre crise ecológica e pobreza na
contemporaneidade; o processo de construção da Agenda 2030 da ONU; desenvolvimento
sustentável na América Latina, similitudes e particularidades em Brasil e Cuba.
Palavras-chaves: capitalismo contemporâneo; crise ecológica; pobreza.
1 INTRODUÇÃO
Este projeto visa refletir acerca da relação entre pobreza e crise ecológica, a partir da teoria
social marxista, que apreende o conhecimento científico como elemento para entender a
realidade e, também, transformá-la com vista à emancipação humana (MARX, 1977).
Portanto, o empenho pela temática parte do entendimento de que o atual modo de produção
está fundado na lei geral de acumulação capitalista, em que há proporção direta entre
produção de riqueza e ampliação da pobreza (MARX, 1989); sendo a sobrevida do capital
centrada na superexploração da força de trabalho e degradação da natureza, principalmente
via extrativismo e produção de commodities, ocorrida nos países de desenvolvimento
dependente, como os latino-americanos (MARINI, 2011). Desse modo, busca-se analisar o
processo de enfrentamento da pobreza e da crise ecológica em Brasil e Cuba, considerando o
paradigma da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas2 (ONU).
Compreende-se que esse estudo apresenta notável relevância social, pois a Agenda 2030,
inscrita no documento “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável”, trata-se de “[...] um plano de ação para as pessoas, para o
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Docente efetiva do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto, no Brasil. Mestre em
Política Social e graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail:
rmmascarenhas.ufop@gmail.com
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A Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 1945, tem o objetivo de atuar em termos segurança
internacional, desenvolvimento econômico e direitos humanos, em que se consolida o conselho de segurança,
inicialmente, formado por cinco membros permanentes (Estados Unidos, Grã-Bretanha, União Soviética,
China e, posteriormente, França), dentre os cinquenta e um estados-membros fundadores. Atualmente o
conselho de segurança, além dos cinco membros permanentes, abarca 10 membros não permanentes, com o
total de estados membros de 192 países (GARCIA, 2011).
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planeta e para a prosperidade” (ONU, 2017, p.1); ou seja, “[...] é uma Agenda para a ação
global para os próximos quinze anos – é uma carta para as pessoas e o planeta no século XXI”
(ONU, 2017, p.16). Portanto, trata-se de uma estratégia hegemônica de desenvolvimento
sustentável, considerada “[...] aceita por todos os países e [logo] é aplicável a todos” (ONU,
2017). Isso, porque essa é construída no marco do encerramento dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM), que foram baseados pela Declaração do Milênio,
adotada pelos estados membros da ONU, em 2000 (ONU, 2017). Ela, portanto, pretende
basear-se no “legado dos ODM” e ir além, “[...] estabelecendo uma visão extremamente
ambiciosa e transformadora”, fundada na visão de “[...] um mundo livre da pobreza, fome,
doença e penúria, onde toda a vida pode prosperar” (ONU, 2017, p. 4). Sendo assim, e, em
especial, reconhece que “[...] a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões,
incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o
desenvolvimento sustentável” (ONU, 2017, p.1). Ou seja, o estudo da Agenda 2030 está
diretamente relacionado ao futuro do planeta, pois ela se insere no marco do
“desenvolvimento sustentável”, exposto enquanto uma alternativa conservadora para o
enfrentamento da degradação socioambiental do sistema capitalista (SILVA, 2010).
Acerca dessa estratégia, entendemos que “qualquer medida efetiva de conservação [...] deve
ser bem-vinda [...] Mas é importante não ver em tais formas um repúdio por parte do capital
de sua necessidade ecológica e socialmente devastadora de expansão, acumulação e lucro”
(WALLIS, 2009, p. 59-60). Isto é, esse artigo expressa a inquietação diante a catástrofe
ambiental decorrente da permanência do modo de produção capitalista (FOSTER, 2012) e,
em particular, da necessidade de contribuir para minimizar a cortina de fumaça sobre as
manobras desenvolvidas para mantê-lo de pé e, também, para explicitar alternativas possíveis.
Diante o exposto, trata-se de interesse social, principalmente à classe trabalhadora, entender
essa proposta de “cooperação global” (ONU, 2017) tanto no que tange o marco ideo-político
quanto o teórico-metodológico. Pois, a Agenda 2030, apesar de colocar-se enquanto um
consenso entre nações do mundo, está inserida em um contexto geopolítico de conflitos e será
construída em instâncias com disputas de interesses diversos, porque preconiza “[...] envolver
governos, bem como os parlamentos, o Sistema das Nações Unidas e outras instituições
internacionais, autoridades locais, povos indígenas, sociedade civil, os negócios e o setor
privado, a comunidade científica e acadêmica – e todas as pessoas” (ONU, 2017, p. 16).
Tendo em vista esses elementos, a reflexão aqui apresentada é dotada de destacável relevância
científica, pois, a Agenda 2030 – apesar de ser uma expressão do processo contínuo de
tentativas de produzir consensos conservadores do modo de produção capitalista – expõe um
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Chesnais e Serfati (2003, p. 45) declaram que “o atraso é aquele que nós (os autores deste texto) reconhecemos
a título pessoal, [...] Mas nos parece que, de uma forma geral, esse mesmo atraso também é o da mais ampla
maioria daqueles que se reclamam do marxismo”.
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desde os primeiros inscritos de Marx e Engel4 e se amplia diante a alteração ambiental gerada
pelo estágio monopolista do capital, como expõe Foster (2012).
Nesse campo, ademais, a reflexão aqui apresentada ainda possui o diferencial de abordar a
pobreza em território latino-americano, importante devido tanto a amplitude da pobreza e
quanto a internacionalização do seu combate, pois a analisar a parir da mediação da “questão
ambiental” e do “capitalismo dependente” e suas particularidades no capitalismo
contemporâneo (AZEVEDO; BURLANDY, 2010; LEITE, 2008; NETTO, 2001). Nessa
abordagem, corrobora-se o entendimento da pobreza como uma das expressões da “questão
social” (NETTO, 2001), retificando a redução da “questão social” à pobreza – conforme
adotado pelos organismos multilaterais (MAURIEL, 2008; SOARES, 2003; UGÁ, 2004).
Em ambos aspetos, essa discussão visa contribuir para o intercâmbio interinstitucional e
político, colaborando ao adensamento das produções marxistas sobre o tema e à organização
da classe trabalhora em suas lutas, visto que “el internacionalismo proletario es un deber, pero
también es una necesidad revolucionaria” (GUEVARRA, 2016, p. 8).
Diante o exposto, para construir essa reflexão, utiliza-se procedimentos metodológicos,
visando articular reflexão teórica com técnicas de pesquisa (CAMPENHOUDT; QUIVY,
2008). No que tange a reflexão teórica5, considerando a impossibilidade de neutralidade
científica (LOWY, 1994), ratificamos o vínculo com o marxismo. Portanto, no processo de
ideação do objeto articula-se três categorias nucleares do método histórico-dialético: i)
totalidade – estruturas que constituem historicamente a realidade em diferentes graus de
complexidade e estão articuladas entre si; ii) contradição - movimento entre e das totalidades
que compõem a realidade social; iii) mediação – articulação das totalidades, tornando a
realidade um bloco dinâmico e diferenciado (NETTO, 2011).
Acerca das técnicas para a coleta de dados6, utiliza-se a pesquisa bibliográfica7 afim de
abarcar autores marxista que contribuem de forma central para os temas: capitalismo
contemporâneo; questão ambiental; desenvolvimento sustentável; política social; questão
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“É reconhecido que o primeiro ensaio político-econômico de Marx, ‘Debates acerca da lei do furto da madeira’,
escrito em 1842 durante seu período como editor da Rheinische Zeitung – era focado em questões ecológicas”
(FOSTER, 2012, p. 88). Além disso, “[...] vale a pena notar que sua análise, ao lado de Engels, também toca
em questões críticas como o ‘esbanjamento’ de combustíveis fósseis e outros recursos naturais; desertificação,
desflorestamento; e mudanças climáticas regionais – já entendidas por cientistas da época de Marx como um
resultado, em parte, da degradação humana do meio-ambiente” (FOSTER, 2012, p. 91).
5
A reflexão teórica compreende “[...] o conhecimento do objeto – de sua estrutura e dinâmica – tal como ele é
em si mesmo, na sua existência real e efetiva [...]” (NETTO, 2011, p.20).
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É um conjunto de preceitos ou processos de que se serve uma ciência (LAKATOS; MARCONI, 2009).
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É “[...] um conjunto ordenado de procedimentos de busca por soluções, atento ao objeto de estudo” que deve
ser “[...] sempre realizada para fundamentar teoricamente o objeto de estudo, contribuindo com elementos que
subsidiem a análise futura dos dados obtidos” (LIMA; MIOTO, 2007, p. 44)
5
social; pobreza; formação histórico-social da América Latina, do Brasil e de Cuba; etc. Além
disso, faz-se uso da pesquisa documental8 de fontes públicas9 dos dois países, a partir da
observação dos seguintes documentos: i) ONU: Transformando Nosso Mundo: Agenda 2030
para o desenvolvimento Sustentável; ii) Brasil: Negociações da Agenda de Desenvolvimento
Pós-2015: Elementos Orientadores da Posição Brasileira; Decreto nº 8.892/16, que cria a
Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável; iii) Cuba: Ley n.81
del Medio Ambiente; Proyecto de Conceptualización del Modelo Económico y Social Cubano
de Desarrollo Socialista; e Proyecto Plan Nacional de Desarrollo y Económico y Social hasta
2030: Propuesta de Visión de la Nación, Ejes y Sectores Estratégicos.
Diante a essa coleta, serão apresentadas algumas análises a partir do método comparado10
(ZEMELMAN, 2003), visto que se propõe a estudar dois países, que apresentam
características similares – são submersos na relação de desenvolvimento dependente,
alcançaram redução da pobreza e desigualdade no marco do ODM da ONU – e diferentes –
ordenamento de sociedade capitalista, no Brasil, e socialista, em Cuba, com consequências
para o enfrentamento da pobreza e da crise ecológica.
Destarte, a partir do desenvolvimento desses procedimentos metodológicos, abordaremos a
seguir um conjunto de contribuições, sem a pretensão de esgotar a analise, que se estruturam
em três momentos: a relação entre crise ecológica e pobreza na contemporaneidade; o
processo de construção da Agenda 2030 da ONU; desenvolvimento sustentável na América
Latina, similitudes e particularidades em Brasil e Cuba.
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É um meio de apreender a realidade via dados documentais, logo, fonte primária (SAMARA; TUPY, 2007)
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As fontes públicas tem caráter oficial, isto é, são documentos que “eticamente estão abertos para análise por
pertencerem ao espaço público, por terem sido tornados públicos” (SPINK, 2004, p. 136).
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Zemelman (2003, p. 102) explicita que o método comparado, aplicado ao estudo da América Latina, não se
trata de pesquisar variáveis isoladamente, e sim analisá-las inseridas na totalidade concreta do território latino-
americano e caribenho, considerando as particularidades de cada país.
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Centralização de capitais é seu agrupamento e concentração o acúmulo através da reprodução (MARX, 1989).
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De acordo com Netto e Braz (2006), o capitalismo percorreu três fases: comercial, do século XVI até meados
do século XVIII, com centralidade do capital comercial; concorrencial, do final do século XVIII até o último
terço do século XIX, com centralidade do capital industrial; imperialista, do final do século XIX até a
contemporaneidade, com centralidade do capital financeiro. Os autores subdividem esta última fase em três
períodos: clássico, entre 1880 e 1940; “anos dourados”, entre o fim da segunda guerra mundial e o início dos
anos 1970; e capitalismo contemporâneo, de meados da década de 1970 ao tempo atual.
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O aumento da composição orgânica do capital diz respeito a redução do capital variável, força de trabalho, em
termos proporcionais, a o capital constante, meio de produção (MARX, 1989).
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A terceira revolução tecnológica, entre 1940 e 1970, é financiada pela alta rentabilidade do capital e fundada
na microeletrônica e na nanotecnologia (MANDEL, 1990).
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O neoliberalismo ratifica “que o bem-estar humano pode ser mais bem promovido liberando-se as liberdades e
capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos
direitos à propriedade privada, livres mercados e livre comércio” (HARVEY, 2011, p.12).
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A “[...] acumulação flexível, [...] se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de
trabalho, dos produtos e padrões de consumo. [...] (HARVEY, 2011, p. 140).
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A mundialização trata-se do duplo processo, em que “O primeiro pode ser caracterizado como a mais longa
fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às
políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e
democráticas, que foram aplicadas desde o início da década de 1980” (CHESNAIS, 1996, p. 34).
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Expressa na lei da queda tendencial da taxa de lucro (MANDEL, 1990).
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A capitalização refere-se ao processo no qual “a natureza adquire um estatuto de ‘fator de produção’ e se torna
um capital natural. [...] a existência desse capital repousa sobre a determinação de uma taxa de atualização [...]
Ela cria para os proprietários desse capital um novo campo de acumulação de riqueza que se alimenta da
destruição acelerada dos recursos naturais” (CHESNAIS; SERFATI, 2003, p. 57).
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Silva (2010) apresenta dois paradigmas progressista de interpretação da “questão ambiental”: i) ético da
modernidade - permeado por pluralidade teórica, cujas características comuns são: visão romântica da
natureza, crítica ao produtivismo, superação da “questão ambiental” via ética biocêntrica e inovação técnica,
etc.; ii) paradigma ambientalista - campo teórico marxista, concebe a “questão ambiental” como consequência
da ruptura metabólica entre ser humano e natureza, porém apresentam variações: tese da velocidade de
utilização, de reprodução do capital e dos limites físicos, na qual se ancora esse texto.
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“Entre aspas, posto que no nosso entendimento a problemática ambiental não se constitui num fenômeno
natural ou numa mera consequência do desenvolvimento das sociedades; trata-se de uma ‘questão’ em função
da natureza socialmente determinada da sua existência” (MOTA, SILVA, 2009, p. 47).
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Essa tese, consolidada como hegemônica desde a década de 1990 até os dias atuais, embasa a
concepção de “questão ambiental” como consequência do subdesenvolvimento, que deve ser
superado a partir do aparato técnico, impulsionado pela concessão de auxílio financeiro e
tecnológico dos países ricos aos pobres, de forma complementar aos esforços desses últimos.
Logo, a partir de uma visão tridimensional - eficiência econômica, justiça social e prudência
ecológica – conceitua-se: “o desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades
do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias
necessidades” (ONU, 1991, p. 46).
Entende-se, em contraponto, a essa conceituação que a sustentabilidade significa que há
relações interdependentes de cooperação entre os seres vivos para manutenção da vida e da
biodiversidade (BOOF, 2017). Isto é, como ratifica Foster (2002, p. 1991) “[...] ao invés de
fendas abertas desenvolvidas sob o capitalismo, que sejam necessários ciclos metabólicos
fechados entre a humanidade e a natureza”. Logo, nega-se essa perspectiva hegemônica, em
que o desenvolvimento, na verdade, diz respeito à defesa das condições de reprodução do
sistema capitalista; assim quando há certo ganho de sustentabilidade, se faz a partir do
aprisionamento à técnica, proporcionando que “[...] a sustentabilidade ambiental (ou a
existência de algumas iniciativas nesta direção) se faz em detrimento da sustentabilidade
social” (SILVA, 2010, p. 201).
Isso porque, o desenvolvimento sustentável figura como alternativa ao limite da natureza
(recursos como água, ar, solo, fauna, flora, etc.) à reprodução do capital, buscando novas
matérias primas e técnicas para superar a baixa produtividade do solo, as intempéries, a
incapacidade de absorver dejetos e poluentes, etc., decorrentes da insuficiente recomposição
da biosfera. Isso via o uso de “tecnologias limpas e de baixo desperdício” e o “combate à
pobreza”, que são insuficientes para cessar a baixa qualidade de vida das populações e
“exigem cada vez mais sacrifícios humanos em nome do progresso técnico” (SILVA, 2010, p.
235). Ou seja, concorda-se com Silva (2010, p. 186) quando afirma que, em particular, “[...]
“a sustentabilidade ambiental” vem sendo, progressivamente, subordinada aos imperativos do
mercado e atrelada à competitividade empresarial: mercantilização dos recursos naturais, a
gestão ambiental empresarial e a reciclagem dos resíduos sólidos”. Por outro lado, “[...] a
“sustentabilidade social” vem sendo tratada a partir do desenvolvimento de políticas
compensatórias – sobretudo através dos programas de transferência de renda” (SILVA, 2010,
p. 187). Portanto, “[...] a questão da pobreza, agora incorporada ao debate ambiental, é
progressivamente, remetida à esfera das políticas compensatórias, na proporção em que se
agravam os indicadores sociais em todos os quadrantes do planeta” (SILVA, 2010, p.165).
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O desastre social conforma o processo de empobrecimento e do aprofundamento das desigualdades sociais
oriundas do extermínio de inúmeros postos de trabalho, consequências da crise do capital na década de 1970,
potencializadas, principalmente, pelos programas de ajuste estrutural neoliberais (SOARES, 2003).
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Manifestações que eclodiram em Caracas (1989) após 200% de aumento no preço do pão; em Tunis (1984)
após o aumento dos preços dos alimentos; na Nigèria (1989), com fechamento de seis universidades, contra as
reformas de ajuste estrutural, etc. (CHOSSUDOVSKY, 1999).
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A expressão “ajuste estrutural”, do economista norte-americano John Williamson, cunhada no Consenso de
Washington, refere-se a um conjunto de “políticas recessivas de estabilização” (redução do gasto público;
reestruturação dos sistemas de previdência pública para obtenção de superávits fiscais primários) e de
“reformas estruturais” (liberalização financeira, abertura comercial, desregulação dos mercados e privatização
das empresas estatais), que foram infligidas pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial a
diversos governos nacionais. Esses programas padronizaram as economias e as políticas nacionais, o que
garantiu a dissolução das barreiras nacionais, políticas e econômicas que obstruíam a circulação de capitais,
imprescindível para a “restauração do capital” (SOARES, 2003).
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As funções são i) determinar, arbitrar e implementar regras para as relações comerciais, ii) atuar em ramos de
produção e serviços quando os custos são elevados para o capital privado e, por fim, iii) prover “medidas
paternalistas” a indivíduos impossibilitados de alcançar a liberdade via mercado (FRIEDMAN, 1985).
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O pensamento liberal define a liberdade como relação interdependente entre liberdade econômica, (recursos
para adquirir produtos no mercado visando o bem-estar individual), e liberdade política (ausência de coerção
possibilitando trocas voluntárias e, consequente, promoção do bem-estar coletivo (FRIEDMAN, 1985).
13
Bem-Estar Social, em que a política social (BEHRING; BOSCHETTI, 2006) passa a ser
norteada pela privatização, descentralização e focalização27 (BEHRING, 2011).
Tal interpretação é possível, por entender que a política social é constituída de múltiplas
causalidades – histórica, econômica, política e cultural – e de múltiplas funcionalidades –
favorecer o capital ou a classe trabalhadora, a depender da correlação de forças estabelecida
em cada situação concreta (BEHRING; BOSCHETTI, 2006). Isso é, a política social ira se
configurar de forma distinta nos diversos tempos históricos, logo, as mudanças em seu
delineamento não se trata de uma extinção dessa, e sim, da ressignificação dos direitos
sociais, cabendo a política social o papel de plataforma mínima (FERRAZ, 2014).
Assim, considerando essa conjuntura de aprofundamento da “questão social”, em particular da
generalização do empobrecimento – tem-se a construção da internacionalização do combate à
pobreza. Essa é definido por Mauriel (2009, p. 64) como o processo que “[...] expressa mais
um conjunto de iniciativas orquestradas internacionalmente pelas organizações econômicas
multilaterais do que um grupo de mecanismos pontuais de enfrentamento da questão social
concebidos separadamente em escala nacional” (MAURIEL, 2009, p. 64).
Esse processo se proclama, por exemplo, nos documentos do Banco Mundial: World
Development Reports dos anos de 1990 (A pobreza) e de 2000-2001 (Luta contra a pobreza).
Acerca disso, Uga (2008) contextualiza que anteriormente a esses documentos, até os anos
1980, o enfrentamento da pobreza, era problematizado a partir da “teoria da marginalidade”28,
quando então passa a ser norteado pelo discurso predominante do “combate à pobreza”29. O
que pode-se inferir como consequência da consolidação do conceito hegemônico de
“desenvolvimento sustentável”, fundado na tese do “duplo caminho”, em que a erradicação da
pobreza apresenta relação direta com a obtenção de sustentabilidade. O “combate a pobreza”,
portanto, é centrado nos territórios considerados subdesenvolvidos, como o latino-americano,
e passa a ser construído a partir da fundamentação teórica-metodológica norteada pela
tradição liberal, principalmente a partir das teorias de capital humano de Schultz (1973),
capital social de Coleman (2000) e desenvolvimento como liberdade de Sen (2000).
27
Isto é, políticas sociais focalizada nos mais pobres, com ênfase no microcrédito e no microempreendedorismo,
na valorização da assistência social e na privatização de serviços, em especial a saúde, a previdência social, a
educação e a habitação (MAURIEL, 2008; COLODETI; LEITE, 2012; UGÁ, 2008).
28
A teoria da marginalidade consiste na ideia de que determinado território estaria desajustado/subdesenvolvido
somente até alcançar seu desenvolvimento, em termos de urbanização e industrialização (UGÁ, 2008).
29
“Embora o discurso do ‘combate à pobreza’ seja voltado muitas vezes para o ‘mundo inteiro’, seus principais
receptores são os países periféricos” (UGÁ, 2008, p. 119).
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A “teoria do capital humano”, de Theodore Schultz (1973), elenca o ser humano como um
obstáculo ao desenvolvimento caso esse não possua capital humano30. Isto é, entende-se que
“[...] os trabalhadores se transformaram em capitalistas [...] pela aquisição de conhecimento e
de capacidades que possuem valor econômico” (SHULTZ, 1973, p. 35). Logo, propõe a
superação da pobreza se dá via investimento em capital humano, entendido como meio para
obtenção de renda e elemento determinante para promover boas condições de vida do
indivíduo, responsabilizado pelo seu próprio bem-estar.
Acerca do conceito de capital social31, James Coleman (2000) delimita que se trata de um
conjunto de recursos presentes nas relações sociais de que o indivíduo participa e que
possibilitam a ampliação de suas oportunidades – principalmente, a de auferir renda. O capital
social, portanto, é visto como meio para reduzir a vulnerabilidade, pois pode possibilitar a
mobilidade social do pobre (COLEMAN, 2000).
Amartya Sen (2000), por sua vez, considera o ser humano como agente responsável por sua
situação social e por seu bem-estar32. Afirmando que “responsabilidade requer liberdade”, o
autor elenca a liberdade como um conceito central, pois “[...] a expansão da liberdade é
considerada (1) o fim primordial33 e (2) o principal meio34 do desenvolvimento” (SEN, 2000,
p. 52). Isso porque, por meio dessa é que o indivíduo pode ampliar seus funcionamentos
através da aquisição de capacidades35.
Sendo definida pelos organismos multilaterais, a partir da colaboração desses teóricos, a
estratégia hegemônica de enfrentamento da pobreza está organizada em três eixos: a)
conceitos de pobreza e de pobre; b) entendimento das causas da pobreza; c) recomendações
de políticas para combate à pobreza. Nesse sentido, Ugá (2008) esclarece que são imperativos
os entendimentos de que a pobreza deve ser auferida pela definição de uma “linha de
30
Os investimentos considerados pelo autor estão dispostos em cinco categorias de maior importância: i) saúde e
serviços (dentre eles, habitação e alimentação), ii) treinamento realizado no local do emprego, iii) educação
formal, iv) estudo para adultos e v) migração em busca de oportunidade de emprego (SHULTZ, 1973).
31
São três tipos de capital social: unificador (fortes vínculos entre familiares, vizinhos, amigos e parceiros nos
negócios); conectivo (fracos vínculos entre indivíduos de diferentes étnias e profissões cujo poder econômico e
político é semelhante; vinculador (relações verticais entre pobres e indivíduos influentes (COLEMAN, 2000).
32
Para Sen (2000), o bem-estar consiste nas capacidades do indivíduo para acessar o estilo de vida valorizado.
33
O fim primordial do desenvolvimento é “[...] à importância da liberdade substantiva no enriquecimento da vida
humana” (SEN, 2000, p. 52), ou seja, “[...] ter condições de evitar privações como a fome, a subnutrição, a
morbidez evitável e a morte prematura, bem como as liberdades associadas a saber ler e fazer cálculos
aritméticos, ter participação política e liberdade de expressão etc.” (SEN, 2000, p. 52).
34
O principal meio do desenvolvimento é o papel instrumental da liberdade, que “[...] concerne ao modo como
diferentes tipos de direitos, oportunidades e intitulamentos [entitlements] contribuem para a expansão da
liberdade humana em geral” (SEN, 2000, p. 53-54).
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As capacidades humanas são entendidas a partir de três elementos: “1) sua relevância direta para o bem-estar
e a liberdade das pessoas; 2) seu papel indireto, influenciando a mudança social, e 3) seu papel indireto,
influenciando a produção econômica” (SEN, 2000, p. 335).
15
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O Banco mundial propõe a “mensuração da pobreza” – total de indivíduos que não alcançam uma renda
mínima, que “[...] varia entre US$ 275 e US$ 370 por pessoa por ano, ou seja, em torno de um dólar por dia
por pessoa” (UGÁ, 2008, p. 132) –; e o “hiato de pobreza” – mensura quanto os pobres estão abaixo da linha
da pobreza, calculando quanto de riqueza é necessário para que supere a linha de pobreza (UGÁ, 2008, p. 132).
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Assume-se a palavra crime para se contrapor as expressões de “acidente”, “tragédia”, “desastre”, por defender
que tais fatos possuem responsáveis e não apresentam caráter eventual, seja de atribuição da natureza ou, tão
pouco, aos erros humanos.
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As soft law são leis internacionais sem imperativo prático, ou seja, sem coerção jurídica objetiva, o que não
significa que não exerça influencia determinante na condução das ações que regimenta, inclusive por figurar
como critério para concessão de empréstimos e financiamentos dos organismos multilaterais, bem como
norteamentos das relações de cooperação internacional.
17
que se dá em 1972 com a concepção do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente39
(PNUMA, 2004).
A década de 1980 emerge em um contexto pós-crise do capital de 1970 e, consequente,
implementação e medidas de austeridade, além da crise do “socialismo real”. Nesse momento,
tem-se cerca de novecentos milhões de pessoas em situação de pobreza; constatação da
amplitude do buraco na camada de ozônio; extinção de inúmeras espécies; além dos crimes
ambientais40. Diante a essa conjuntura, é cada vez mais aceita a “interdependência entre o
meio ambiente e o desenvolvimento”. Logo temos o segundo marco41, a Estratégia de
Conservação Mundial, publicada em 1980, por PNUMA, União Internacional para a
Conservação da Natureza (UICN) e Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Essa reafirma a
Declaração de Cocoyoc42, de 1974, em que a degradação ambiental é vista como
consequência dos impactos destrutivos do uso exacerbado de recursos pelos ricos e da luta
pela sobrevivência dos pobres, indicando o enfrentamento a partir de esforços de longo prazo,
que considerem a integração entre meio ambiente e desenvolvimento (PNUMA, 2004). Além
disso, esse marco é sucedido pela adoção da World Charter for Nature (Carta Mundial da
Natureza) pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1982, que destaca a importância
central dos ecossistemas e de ações integradas entre países, com a participação de governos,
empresas e sociedade civil, para defesa do meio ambiente (PNUMA, 2004).
Posteriormente, temos o terceiro marco: a criação da Comissão Mundial sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), em 1983. Essa apresentou, em 1987, um relatório
após três anos de audiências em diversos países, ouvindo governos e a sociedade acerca do
meio ambiente e do desenvolvimento. Intitulado Our Common Future (Nosso Futuro Comum
ou Relatório Brundtland), o relatório apresenta o conceito de “desenvolvimento sustentável”,
baseado na tese do “duplo caminho”, que impera até os dias atuais (PNUMA, 2004).
39
Outros: 1971 - Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional especialmente como Habitat de
Aves Aquáticas; 1972 - Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural; 1973 -
Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção; e
1979 - Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias de Animais Silvestres (PNUMA, 2017).
40
Vazamento de gases letais da fábrica Union Carbide em Bhopal, na Índia, em 1986; explosão na usina nuclear
de Chernobyl, na Ucrânia, república da União Soviética, em 1986; derramamento de petróleo do navio Exxon
Valdez no Canal Príncipe William, no Alasca, 1989.
41
Outros marcos dessa década são: 1982 - Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar;1984 -
Conferência Mundial da Indústria sobre a Gestão do Meio Ambiente; 1985 - Convenção de Viena para a
Proteção da Camada de Ozônio; 1987 - Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de
Ozônio 1987 - Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE); 1989 - Convenção da Basiléia para Controle Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e
sua Eliminação; 1989 - Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (PNUMA, 2017).
42
A Declaração de Cocoyoc é fruto do Simpósio de Especialistas, organizado pelo PNUMA e pela Conferência
das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, no México (PNUMA, 2017)
18
A década de 1990, por sua vez, é marcada pela dissolução da URSS e Guerra do Golfo; crise
da maré negra, fuligem e dióxido de carbono devido ao derramamento de petróleo na Ásia
ocidental; terremotos na Turquia, enchentes na Venezuela e ciclones na Índia; aumento de
mortes por doenças infecciosas; cerca de 800 milhões de pessoas analfabetas e famélicas. Por
outro lado, apresenta um expressivo encerramento dos governos ditatoriais e relações de
colonização, que consolida o engajamento de diversos setores da sociedade, impulsionando a
busca pela qualificação do conceito de “desenvolvimento sustentável” (PNUMA, 2004).
Nesse contexto, temos a realização de grandes eventos e soft low, com destaque para o quarto
marco, em 1992: a Conferência das Nações Unidas para Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Cúpula da Terra ou Rio-92 ou Eco-92)43. Essa é a maior conferência44 desde 1970,
promovendo o “desenvolvimento sustentável” a pacto global via diversas normativas45.
Dentre essas, destaca-se a Agenda 21 Global Caring for the Earth: a Stratey for Sustainable
Living (Cuidando do Planeta Terra: uma estratégia para o futuro da vida) – uma programática
de ações mundiais afim de que “se integrem as preocupações relativas a meio ambiente e
desenvolvimento” (ONU, 1992, p.1). Essa possibilitou a materialização do “desenvolvimento
sustentável” como programática central46 na agenda de governos, no ramo empresarial e na
sociedade civil. Isso porque, se constitui como um plano de ação afim de que “se integrem as
preocupações relativas a meio ambiente e desenvolvimento” para “satisfazer às necessidades
básicas, elevar o nível da vida de todos, obter ecossistemas melhor protegidos e gerenciados e
construir um futuro mais próspero e seguro” (ONU, 1992, p.1).
A década de 2000, por sua vez, marca a consolidação da crise climática, com previsão do
aumento da temperatura média de 1,4° C a 5,8°C no século XXI, avanços e informações
acerca do mapeamento do genoma humano e dos organismos geneticamente modificados;
rapidez de mutações em micróbios e vírus e disseminação de doenças humanas associadas a
transmissão por animais; disputa por água e barragens que fragmentam rios e desloca milhões
43
Outros marcos: 1990 - Conferência Ministerial sobre o meio ambiente; 1992 - Conferência das Nações Unidas
para Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cúpula da Terra ou Rio-92 ou Eco-92); 1994 – Convenção das
Nações Unidas de Combate à Desertificação; 1997 - Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas
(Rio + 5). Além da criação de: 1991 - Fundo Mundial para o Meio Ambiente; 1995 - Conselho Empresarial
Mundial para o Desenvolvimento Sustentável; 1996 - International Organization for Standardization (ISO
14.000); 1996 - Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (PNUMA, 2017).
44
Na Rio-92 estiveram 176 governos, 100 chefes de Estado, 10 mil delegados, 1.400 ONG’s (PNUMA, 2017).
45
Dentre essas normatizas temos: Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; Agenda 21
Global; Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima; Convenção sobre Diversidade
Biológica; Comissão de Desenvolvimento Sustentável; Acordo para negociar uma convenção mundial sobre a
desertificação; e Declaração de Princípios para o Manejo Sustentável de Florestas (PNUMA, 2017).
46
Exemplos: criação da Comissão de Desenvolvimento Sustentável; realização da Rio+5; ratificação dos
princípios dos desenvolvimento sustentável na década de 1990; ampla participação da sociedade civil, com a
elaboração da Carta da Terra; e manifestações pelo mundo contra a degradação ambiental (PNUMA, 2017).
19
47
Tem-se a realização de: 2000- Pacto Global; 2000 - Cúpula do Milênio das Nações Unidas; 2000 - Protocolo
de Cartagena sobre Biossegurança; 2001 - Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes;
2002 - Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10) (PNUMA, 2017).
48
ODM: 1. Erradicar a pobreza extrema e a fome; 2. Alcançar a educação primária universal; 3. Promover a
igualdade de gênero e capacitar as mulheres; 4. Reduzir a mortalidade infantil; 5. Melhorar a saúde materna; 6.
Combater o VIH/SIDA, a malária e outras doenças; 7. Assegurar a sustentabilidade ambiental; e 8.
Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento (ONU, 2000).
20
49
ODS: 1. Erradicação da pobreza; 2. Fome Zero; 3. Boa saúde e bem-estar; 4. Educação de qualidade; 5.
Igualdade de gênero; 6. Água limpa e saneamento; 7. Energia acessível e limpa; 8. Emprego digno e
crescimento econômico; 9. Indústria, inovação e infraestrutura; 10. Redução da desigualdade; 11. Cidades e
comunidades sustentáveis; 12. Consumo e produção responsáveis; 13. Combate as alterações climáticas; 14.
Vida de baixo d’água; 15. Vida sobre a terra; 16. Paz, justiça e instituições fortes; 17. Parcerias (ONU, 2017).
21
seus planejamentos nacionais a fim de alcançar os ODS até 2030, sendo os países membros da
ONU, todos seus signatários, dentre eles Brasil e Cuba.
década de 1990, no bojo da crise do capital de 1970 e da dissolução da URSS em 1991, têm-
se a adoção de medidas neoliberais, dando início ao processo de contra-reforma (BEHRING,
2008), e do alinhamento à programática do “desenvolvimento sustentável” (SILVA, 2010) e
do “combate a pobreza” (MAURIEL, 2009) expressa, por exemplo, na formulação da Agenda
21 brasileira (SILVA, 2010); na adesão ao horizonte dos ODM (BRASIL, 2014); na
elaboração do Plano Brasil Sem Miséria, do Programa Fome Zero e do Programa Bolsa
Família, entre outros. Especificamente, em relação à Agenda 2030, a adesão do governo
brasileiro50 ocorre desde o início de sua discussão e se desdobra nos momentos seguintes,
como se pode observar, por exemplo, em três documentos.
O primeiro, trata-se do documento “Negociações da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015:
Elementos Orientadores da Posição Brasileira” (GTA-ODS, 2014). Este foi cunhado em 2014,
com o objetivo de “[...] orientar os negociadores brasileiros nas discussões do Grupo de
Trabalho Aberto sobre Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (GTA-ODS), constituído
no âmbito da Assembleia-Geral das Nações Unidas (GTA-ODS, 2014, p. 9). O documento se
funda a partir da contribuição do Grupo de Trabalho Interministerial sobre a Agenda Pós-
201551, da sociedade civil52, e de entidades municipais53. Neste, defende-se que “convém
preservar o caráter transversal da dimensão ambiental, bem como a referência equilibrada às
três dimensões que integram o conceito de desenvolvimento sustentável, tal como consagrado
na Declaração do Rio e nos Acordos Multilaterais Ambientais” (GTA-ODS, 2014, p. 9). Por
sua vez, a declaração mencionada trata-se do Relatório da Conferência das Nações Unidas
sobre Desenvolvimento Sustentável (RIO + 20), que assume o “[...] compromisso com o
desenvolvimento sustentável e com a promoção de um futuro econômico, social e
ambientalmente sustentável para o nosso planeta e para as atuais e futuras gerações” (ONU,
2012, p. 3) – conceituação que se ratifica no documento “Transformando Nosso Mundo: A
Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, que implementa a Agenda 2030.
Conseguinte, com a consolidação da Agenda 2030, o Governo Federal, por meio da Secretaria
de Governo, cria a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, via
o Decreto nº 8.892, de 27 de outubro de 2016. Essa comissão tem sua constituição, de forma
50
Além do âmbito governamental, têm-se alinhamentos da sociedade civil brasileira, como por exemplo, a
Estratégia ODS e o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030. Ambas se constituem com uma
organização representativa que reúne representantes da sociedade civil, do setor privado, dos governos locais, e
da academia e tem o propósito de debater e propor ações para concretizar os ODS no Brasil.
51
Esse grupo é formado por vinte e sete ministérios e órgãos de governo (BRASIL, 2014).
52
Via a participação nos eventos "Diálogos Sociais: Desenvolvimento Sustentável na Agenda Pós-2015 –
Construindo a Perspectiva do Brasil” e "Arena da Participação Social", ambos em 2014 (BRASIL, 2017).
53
Através das oficinas organizadas pela Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República e pelo
Ministério das Cidades (BRASIL, 2017).
24
de 97,3%, em que apenas 9,7% eram trabalhadores por conta própria; taxa de alfabetização de
100%; taxa de incidência de HIV na população de 15 a 24 anos de 0,09%; além de não
apresentar crianças menores de 5 anos em situação de desnutrição (CUBA, 2015).
Observado esses pontos, pode-se considerar que o modelo cubano, no que tange ao
desenvolvimento sustentável, passa a ter maior investimento54 a partir da Conferência das
Nações Unidas para Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, quando Fidel alerta que
“una importante especie biológica está en riesgo de desaparecer por la rápida y progresiva
liquidación de sus condiciones naturales de vida: el hombre” (CASTRO, 2017). Esse clamor
foi assimilado pelo mundo, e amplamente pelo povo cubano, que passa a construir sua
programática contra-hegemônica, que se expressa inicialmente em três documentos: i) Ley
n.81 del Medio Ambiente, de 1997; ii) Estrategia Ambiental Nacional 1997-2010; e iii)
Estratégia Nacional de Educacion Ambiental (EDITORIAL MONTEVERDIA, 2017).
A Ley n. 81, em vigor, define como objeto “establecer los principios que rigen la política
ambiental y las normas básicas para regular la gestión ambiental del Estado y las acciones de los
ciudadanos y la sociedad en general, a fin de proteger el medio ambiente y contribuir a alcanzar
los objetivos del desarrollo sostenible del país”. Essa define o desenvolvimento sustentável como
proceso de elevación sostenida y equitativa de la calidad de vida de las personas,
mediante el cual se procura el crecimiento económico y el mejoramiento social, en una
combinación armónica con la protección del medio ambiente, de modo que se
satisfacen las necesidades de las actuales generaciones, sin poner en riesgo la
satisfacción de las necesidades de las generaciones futuras (CUBA, 1997).
Acerca do segundo e terceiro marco, são inicialmente concebidos de forma separada, sendo
depois integrados pois “[...] su concepción como instrumentos independientes, durante mucho
tiempo ha propiciado una apreciación errónea de separar la educación ambiental del resto de
la gestión ambiental (EDITORIAL MONTEVERDIA, 2017, p. 55). Nesse sentido,
atualmente a educação ambiental trata-se de um dos projetos que compõe a Estrategia
Ambiental Nacional 2016-2020 (CUBA, 2016), que é a “expresión de la política ambiental
cubana, en la cual se plasman sus proyecciones y directrices principales” (CUBA, 1997).
Concernente com esse desenvolvimento histório, no 7º Congresso do Partido Comunista (PCC),
em 2016, foi aprovado dois documento centrais para o entendimento da estratégia cubana de
desenvolvimento sustentável. O primeiro compreende o “Proyecto de Conceptualización del
54
A preocupação cubana com meio ambiente inicia na década de 1970, por exemplo: 1976 - Inclusão na
Constitución de la República do Artículo 27. Modificación del mismo en 1992, para fortalecer la idea de la
integración del medio ambiente con el desarrollo económico y social sostenible; 1976 - Criação da Comisión
Nacional para la Protección del Medio Ambiente y Conservación de los Recursos Naturales; 1981 -
Promulgación de la Ley 33 de Protección del Medio Ambiente y del Uso Racional de los Recursos Naturales;
1993 - Aprobación del Programa Nacional de Medio Ambiente y Desarrollo, adecuación cubana de la Agenda
21; 1994 - Creación del Ministerio de Ciencia, Tecnología y Medio Ambiente (CITMA, 2017).
26
55
Esse documento “foi debatido sendo apoiado pela maioria dos cidadãos; reformulando-se a partir das
propostas realizadas por estes num processo democrático de ampla participação popular”; define que “o
sistema econômico que prevalecerá continuará se baseando na propriedade socialista de todo o povo sobre os
meios fundamentais de produção, onde deverá reger o princípio de distribuição socialista ¨ de cada qual
segundo sua capacidade a cada qual segundo seu trabalho”; sendo objetivo “garantir a continuidade e
irreversibilidade do Socialismo, o desenvolvimento econômico do país e a elevação do nível de vida da
população, conjugados com a necessária formação de valores éticos e políticos” (CUBA, 2011).
56
A planificação é “[...] la categoría rectora y definitoria del sistema de dirección de la economía, ampliando su
contenido y alcance con énfasis en la proyección estratégica, y garantizando una interrelación coerente entre
los diferentes horizontes de la planificación, es decir, el temporal y el territorial” (CUBA, 2017, p. 16)
27
Diante a isso, inferimos que o alinhamento de Cuba57 a Agenda 2030, portanto, se dá a partir
de uma programática ideo-política e teórica-metodológica referenciada na construção da
transição socialista para o comunismo. Por isso, logo, se constitui como uma estratégia revés
à hegemonia da programática do “desenvolvimento sustentável” preconizado pela ONU.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Agenda 2030, como visto, trata-se de uma construção da burguesia internacional que,
através dos organismos multilaterais, com destaque para a ONU, apresenta uma programática
hegemônica para o enfrentamento da pobreza e da crise ecológica.
Apesar disso, defende-se que a condição socioambiental de degradação advém da fenda
metabólica, ocasionada pelo modo de produção capitalista desde sua fundação no período
agrário. Desse modo, discorda-se do entendimento da tese de “duplo sentido” que norteia o
conceito conservador de “desenvolvimento sustentável”, pois não se trata de construir uma
sustentabilidade socioambiental baseada na inovação técnica e combate à pobreza, e sim,
superar o modo de produção capitalista, como forma de organização da produção e da vida.
Portanto, entende-se que a relação de dependência que estão imersos os países observados,
aprofunda a degradação ambiental e social, levando-os a serem signatários da Agenda 2030,
no entanto, a partir de seus projetos societários vigentes. Nesse sentido, é possível inferir,
diante os elementos apresentados, que países distintos, com projetos societários divergentes,
terão abordagem diversa, como Brasil e Cuba - sendo que, nesse último, a melhoria nos
índices sociais, diferentes do brasileiro, é produto de um projeto socialista que prioriza o
desenvolvimento humano, buscando restabelecer o equilíbrio entre ser humano e natureza.
Isso é, ratificamos a proposição de que há diferenças essenciais entre Brasil e Cuba, vistas que
exemplificam propostas diferentes para o futuro da América Latina, pois não se trata de
“conseguir um assento no conselho de segurança da ONU, ou ter recurso creditado no FMI,
como vem fazendo o Brasil” (MANCIO, MOREIRA, 2017, p. 20). Trata-se, sim, “de
modificar a inserção dos países latinos no mercado internacional, destruindo a dependência e
a vulnerabilidade externa, apontando para a soberania nacional dos países e regionalmente na
América Latina” (MANCIO, MOREIRA, 2017, p. 20), como aponta a proposta socialista
cubana, uma alternativa possível para a supressão da “fenda metabólica”.
57
Além dos documentos governamentais abordados, observa-se esse alinhamento nas publicações da ONE, do
Partido Comunista de Cuba e do Jornal Granma. Esse alinhamiento também se observa nas diretrizes e ações
no ámbito da sociedade civil, conforme publicações da Asociación Cubana de Naciones Unidas.
28
Entretanto, cabe destacar que a colaboração ao debate tecida nesse artigo não está findada,
pois pretende ser um ponto de partida para a problematização do processo de enfrentamento
da pobreza e da crise ecológica em Brasil e Cuba, considerando o paradigma da Agenda 2030
da ONU. Para tal, destacamos que é central aprofundar as reflexões aqui apresentadas, tanto
do ponto de vista teórico como de coleta de dados. Para isso, observamos ser importante
acrescentar à análise as publicações e relatórios da ONU, em particular da Comissão
Econômica para a América Latina (CEPAL), do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA), tendo visto que compõem a sistematização e difusão de informações acerca da
agenda. Por outro lado, para alcançar o movimento real das forças sociais em Brasil e Cuba
acerca da Agenda 2030, consideramos ser necessário ir além do formalismo institucional
desses relatórios oficiais. Por isso, elenca-se como vital observar o desenvolvimento da
agenda nos países, sendo utilizadas como fontes as publicações e relatórios dos governos e a
ampliação dessa análise a sociedade civil organizada, nacional e regionalmente, a fim de
observar suas concordâncias e negações das políticas governamentais, bem como a
apresentação de alternativas as programáticas dos organismos multilaterais.
Desse modo, ratifica-se que a proposição aqui defendida se destaca por acreditar que é
necessário conhecer e, principalmente, divulgar estratégias alternativas à hegemônica de
“desenvolvimento sustentável”, pois “[...] defender de verdad en nuestros dificiles días el
internacionalismo socialista, es decir, de agrupar sus fuerzas y ‘disparar em respuesta’ contra
los gobiernos e las clases dirigentes de sus ‘patrias’ respectivas” (LENIN, 1973, p. 211).
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