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Tudo parece perfeito, exceto por um único objetivo: crescimento econômico, o ODS 8.
Aos olhos de Fabio Scarano, o professor de ecologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), ao menos até hoje, esse objetivo não tem demonstrado sinergia com
alguns dos demais – pelo contrário. Para Scarano, é justamente a busca pelo
crescimento econômico que tem comprometido o meio ambiente e gerado injustiças
sociais.
Essa formação trouxe ao engenheiro florestal, formado pela UnB, uma bagagem que
ampliou seu olhar sobre as instituições e, sobretudo, sobre o papel da ciência na
elaboração de políticas públicas e práticas do setor privado. Atualmente, Scarano é
coordenador da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos
(BPBES) e atua em diferentes frentes no campo da sustentabilidade.
Durante seu período na ONG Conservação International (CI), onde foi diretor executivo
para o Brasil (2009 – 2011) e vice-presidente sênior para as Américas (2011 – 2015),
Scarano participou do Sustainable Development Solutions Network no Brasil, grupo
que ajudou a elaboração e construção dos ODS. Atualmente interessa-se pelos ODS
como objeto científico, investigando trade-offs e sinergias entre eles.
Se você olhar bem o desenho dos ODS, há quatro de biosfera que estão na base da
pirâmide: vida na água, vida na terra, água e saneamento e ação climática. Acima
desses, encontramos oito sociais: educação, saúde, redução de pobreza, fome zero,
igualdade de gênero, cidades sustentáveis, energia limpa, paz e justiça social. Mais
acima, cabem outros quatro de economia: crescimento econômico e emprego digno,
infraestrutura, consumo e produção sustentáveis e redução das desigualdades. Por fim,
na última esfera, o objetivo de parcerias para a cooperação entre todas as partes. Forma-
se uma pirâmide de 17 ODS, como se fosse um bolo de noiva, e o que está na base, é a
biosfera.
Uma coisa oportuna dos ODS é que eles funcionam como uma utopia programada, uma
“blueprint” utopia. É uma utopia que tem um mapa de caminhos. E o mapa se resume a
esses 17 objetivos e suas 169 metas. Não há um caminho único para alcançar esses
objetivos. Entretanto, há um conjunto de metas e indicadores que, de certa maneira,
aponta o que deve ser feito.
O mundo já passou por outras utopias. O que seria diferente desta vez?
Ao longo do século XX houve várias utopias. Algumas não vingaram: a utopia do sonho
americano, a utopia do movimento hippie, a utopia do movimento marxista. Outras se
provaram distópicas. Para o bem ou para o mal, não foram alcançadas mas, ainda assim,
carregamos aprendizados e aspirações dessas diferentes tendências.
Não vejo essa multidimensão nos ODS. Mas, ainda assim, são um passo importante no
sentido de propor uma projeção de futuro comum e desejado.
Qual a explicação de muitos dos ODS provavelmente não serem atingidos até 2030 pela
maioria dos países, sobretudo os periféricos?
A meu ver, muitos não serão atingidos por serem contraditórios. Eu não creio que o
capitalismo e seu mais novo filhote, o desenvolvimento sustentável, possam conciliar
nos próximos 11 anos o crescimento econômico (ODS 8) com um bom estado de
conservação na Terra, na água, na mudança do clima. O paradigma teria que mudar
muito radicalmente em tempo curto. Um remendo no capitalismo não me parece que
causará essa ruptura necessária.
Eu diria que até hoje não temos evidências que seja conciliável. Eu acho que a visão do
desenvolvimento sustentável precisa dialogar com as visões do chamado pós-
desenvolvimento. Isso mesmo, mais um “pós”. Este engloba visões como a do
“decrescimento” (degrowth) e também algumas novas propostas que vêm da re-
emergência de princípios de povos ancestrais, especialmente do sul global.
É interessante notar que em muitos países, inclusive no Brasil nos últimos anos, a
pobreza reduziu, mas a desigualdade aumentou, assim como em outros países em
desenvolvimento. É uma evidência inequívoca de que temos um problema com o
modelo de desenvolvimento. E acho que os ODS, desenhados dentro do paradigma
capitalista, não propõem uma agenda para suplantar essa lógica. A longo prazo, talvez o
objetivo 17 – parceria entre todos os atores – poderia dar conta desse desafio. Mas só se
for parceria verdadeira, global, equilibrada, que co-produz ideias, objetivos e soluções, e
que admita como resultado do diálogo até uma mudança radical, de ruptura com o
sistema vigente. Não é a parceria no sentido de filantropia ou assistencialismo. Essa
grande parceria vai exigir amor a si mesmo, amor ao próximo e amor à natureza. E para
o clima e a degradação da natureza não sufocarem essa utopia em 2050, temos que
trabalhar rápido até 2030 no sentido de realizar todas essas mudanças.