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Características do discurso filosófico

A filosofia não é um conjunto de conhecimentos prontos, um sistema acabado, fechado em si


mesmo. A filosofia é uma maneira de pensar e é também uma postura diante do mundo.
Antes de mais nada, ela é uma forma de observar a realidade que procura pensar os
acontecimentos além da sua aparência imediata. Ela pode se voltar para qualquer objeto: pode
pensar sobre a ciência, seus valores e seus métodos; pode pensar sobre a religião, a arte; o
próprio homem, em sua vida cotidiana.
Uma história em quadrinhos ou uma canção popular podem ser objeto da reflexão filosófica. Há
alguns anos, foi publicado no Brasil, um livro chamado “Os Simpsons e a Filosofia”, que
tratava das questões filosóficas implícitas no famoso desenho animado da TV.
Como o próprio Bart Simpson, a filosofia é um jogo irreverente que parte do que existe, critica,
coloca em dúvida, faz perguntas importunas, abre a porta das possibilidades, faz entrever outros
mundos e outros modos de compreender a vida.

Uma disciplina indisciplinada

Por isso, a filosofia incomoda, pois ela questiona o modo de ser das pessoas, das sociedades, do
mundo. Discute as práticas política, científica, técnica, ética, econômica, cultural e artística. Não
há área onde ela não se meta, não indague, não perturbe. E, nesse sentido, a filosofia pode ser
perigosa ou subversiva, pois pode virar a ordem estabelecida de cabeça para baixo.
Quando surgiu entre os gregos, no século 6 a.C., a filosofia englobava tanto a indagação
filosófica propriamente dita, quanto aquilo que hoje é chamado de conhecimento científico. O
filósofo refletia e teorizava sobre todos os assuntos, procurando responder não só ao porquê das
coisas, mas, também, ao como, ou seja, ao modo pelo qual elas acontecem ou “funcionam”.
Euclides, Tales e Pitágoras, por exemplo, foram filósofos que também se dedicaram ao estudo
da geometria. Aristóteles, por sua vez, investigou problemas físicos e astronômicos, na medida
em que esses problemas também interessavam à cultura e à sociedade de sua época.

O saber científico

Só a partir do século 17, com o aperfeiçoamento do método científico – baseado na observação,


na experimentação e matematização dos resultados -, a ciência tal qual a entendemos hoje
começou a se constituir, como uma forma específica de abordagem do real que se destacava ou
desprendia da filosofia propriamente dita.
Afastando-se da filosofia por se tornarem mais específicas, apareceram pouco a pouco as
ciências particulares, que investigam determinados aspectos da realidade: à física interessam os
movimentos dos corpos; à biologia, a natureza dos seres vivos; à química, as transformações das
substâncias; à astronomia, os corpos celestes; à psicologia, os mecanismos do funcionamento da
mente humana; à sociologia, a organização social, etc.
O conhecimento fragmenta-se entre as várias ciências, pois cada uma se ocupa somente de uma
parte do real. Estudam os fenômenos que pertencem à sua área específica e pretendem mostrar
como estes ocorrem e como se relacionam com outros fenômenos. A posse do conhecimento
sobre os fenômenos naturais e humanos gera a possibilidade de prevê-los e controlá-los.

Integração e totalidade

Por outro lado, a filosofia trata dessa mesma realidade, só que – em vez de separá-la em
conhecimentos particulares e estanques – considera-a no interior da totalidade de fenômenos, ou
seja, procura enxergar a realidade a partir de uma visão de conjunto. Qualquer que seja o
problema, a reflexão filosófica considera cada um de seus aspectos, relacionando-o ao contexto
dentro do qual ele se insere e restabelecendo a integridade do universo humano.
Sob o ponto de vista filosófico, por exemplo, é impossível considerar os problemas econômicos
do Brasil somente a partir de princípios de economia. É necessário relacioná-la com os
interesses das diversas classes sociais, os interesses políticos, os interesses nacionais, etc.
Um país economicamente instável é um país política e socialmente instável. Já para a ciência
econômica, estrito senso, isso não vem ao caso. Seu foco é verificar como a inflação ou a
recessão funciona para poder controlá-la, independentemente dos reflexos que esse controle
tenha para a sociedade. (Evidentemente, estamos falando das coisas teoricamente, e portanto
podemos isolá-las. Na prática, nem sempre é assim que isso ocorre. O alemão Karl Marx fez da
economia um elemento essencial de sua doutrina filosófica).

Por isso, sem desmerecer o conhecimento especializado das várias ciências, a reflexão filosófica
é sempre – mais do que necessária – obrigatória. Cabe ao filósofo refletir sobre o que é ciência,
o que é método científico, qual a sua validade e seus limites.
A ciência é realmente um conhecimento objetivo? O que é a objetividade e até que ponto um
sujeito histórico – o cientista – pode ser objetivo, isto é, isento de interesses pessoais? Cabe ao
filósofo, também, refletir sobre a condição humana atual: o que é o homem? O que é liberdade?
O que é trabalho? Quais as relações entre homem e trabalho? É possível existir uma outra ordem
social?
A própria escola é alvo de reflexão filosófica. A educação pressupõe uma visão do homem
como um ser incompleto, que pode ser aprimorado, educado, ao contrário dos animais, que não
precisam ser educados, pois orientam-se pelos instintos. Só os educamos, ou domesticamos,
para acomodá-los às nossas necessidades humanas.
O caso dos homens é diferente, sem dúvida, mas, para que o ser humano é educado? Para o
exercício da liberdade e da responsabilidade ou só para se inserir na ordem estabelecida? Em
outras palavras, a educação ocorre para cada homem saber pensar por si próprio ou para aceitar
as regras que outros pensaram para ele?
A filosofia quer encontrar o significado mais profundo dos fenômenos. Não basta saber como
funcionam, mas o que significam na ordem geral do mundo humano. A filosofia emite juízos de
valor ao julgar cada fato, cada ação em relação ao todo. A filosofia vai além daquilo que é, para
propor como poderia ser. E, portanto, indispensável para a vida de todos nós, que desejamos ser
seres humanos completos, cidadãos livres e responsáveis por nossas escolhas.

Características do pensamento filosófico

O trabalho do filósofo é refletir sobre a realidade, qualquer que seja ela, descobrindo seus
significados mais profundos. Porém, como se faz isso?
Em primeiro lugar, é preciso estabelecer o que é reflexão. Refletir é pensar, considerar
cuidadosamente o que já foi pensado. Como um espelho que reflete a nossa imagem, a reflexão
do filósofo também deixa ver, revela, mostra, traduz os valores envolvidos nas coisas, nos
acontecimentos e nas ações humanas.
Para chegar a isso, segundo o filósofo e educador Demerval Saviani, a reflexão filosófica deve
possuir as seguintes características:
Radicalidade – ou seja, chegar até a raiz dos acontecimentos, isto é, aos seus fundamentos; à
sua origem, não só cronológica, mas no sentido de chegar aos valores originais que
possibilitaram o fato. A reflexão filosófica, portanto, é uma reflexão em profundidade.
Rigor – isto é, seguir um método adequado ao objeto em estudo, com todo o rigor, colocando
em questão as respostas mais superficiais, comuns à sabedoria popular e a algumas
generalizações científicas apressadas.
Contextualidade – como já se disse antes, a filosofia não considera os problemas isoladamente,
mas dentro de um conjunto de fatos, fatores e valores que estão relacionados entre si. A reflexão
filosófica contextualiza os problemas tanto verticalmente, dentro do desenvolvimento histórico,
quanto horizontalmente, relacionando-os a outros aspectos da situação da época.
Assim, embora os sistemas filosóficos possam chegar a conclusões diversas, dependendo das
premissas de partida e da situação histórica dos próprios pensadores, o processo do filosofar
será sempre marcado por essas características, resultando em uma reflexão rigorosa, radical e de
conjunto.
Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação é escritor, jornalista e diretor da
Página 3 Pedagogia & Comunicação.

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