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Por isso, a filosofia incomoda, pois ela questiona o modo de ser das pessoas, das sociedades, do
mundo. Discute as práticas política, científica, técnica, ética, econômica, cultural e artística. Não
há área onde ela não se meta, não indague, não perturbe. E, nesse sentido, a filosofia pode ser
perigosa ou subversiva, pois pode virar a ordem estabelecida de cabeça para baixo.
Quando surgiu entre os gregos, no século 6 a.C., a filosofia englobava tanto a indagação
filosófica propriamente dita, quanto aquilo que hoje é chamado de conhecimento científico. O
filósofo refletia e teorizava sobre todos os assuntos, procurando responder não só ao porquê das
coisas, mas, também, ao como, ou seja, ao modo pelo qual elas acontecem ou “funcionam”.
Euclides, Tales e Pitágoras, por exemplo, foram filósofos que também se dedicaram ao estudo
da geometria. Aristóteles, por sua vez, investigou problemas físicos e astronômicos, na medida
em que esses problemas também interessavam à cultura e à sociedade de sua época.
O saber científico
Integração e totalidade
Por outro lado, a filosofia trata dessa mesma realidade, só que – em vez de separá-la em
conhecimentos particulares e estanques – considera-a no interior da totalidade de fenômenos, ou
seja, procura enxergar a realidade a partir de uma visão de conjunto. Qualquer que seja o
problema, a reflexão filosófica considera cada um de seus aspectos, relacionando-o ao contexto
dentro do qual ele se insere e restabelecendo a integridade do universo humano.
Sob o ponto de vista filosófico, por exemplo, é impossível considerar os problemas econômicos
do Brasil somente a partir de princípios de economia. É necessário relacioná-la com os
interesses das diversas classes sociais, os interesses políticos, os interesses nacionais, etc.
Um país economicamente instável é um país política e socialmente instável. Já para a ciência
econômica, estrito senso, isso não vem ao caso. Seu foco é verificar como a inflação ou a
recessão funciona para poder controlá-la, independentemente dos reflexos que esse controle
tenha para a sociedade. (Evidentemente, estamos falando das coisas teoricamente, e portanto
podemos isolá-las. Na prática, nem sempre é assim que isso ocorre. O alemão Karl Marx fez da
economia um elemento essencial de sua doutrina filosófica).
Por isso, sem desmerecer o conhecimento especializado das várias ciências, a reflexão filosófica
é sempre – mais do que necessária – obrigatória. Cabe ao filósofo refletir sobre o que é ciência,
o que é método científico, qual a sua validade e seus limites.
A ciência é realmente um conhecimento objetivo? O que é a objetividade e até que ponto um
sujeito histórico – o cientista – pode ser objetivo, isto é, isento de interesses pessoais? Cabe ao
filósofo, também, refletir sobre a condição humana atual: o que é o homem? O que é liberdade?
O que é trabalho? Quais as relações entre homem e trabalho? É possível existir uma outra ordem
social?
A própria escola é alvo de reflexão filosófica. A educação pressupõe uma visão do homem
como um ser incompleto, que pode ser aprimorado, educado, ao contrário dos animais, que não
precisam ser educados, pois orientam-se pelos instintos. Só os educamos, ou domesticamos,
para acomodá-los às nossas necessidades humanas.
O caso dos homens é diferente, sem dúvida, mas, para que o ser humano é educado? Para o
exercício da liberdade e da responsabilidade ou só para se inserir na ordem estabelecida? Em
outras palavras, a educação ocorre para cada homem saber pensar por si próprio ou para aceitar
as regras que outros pensaram para ele?
A filosofia quer encontrar o significado mais profundo dos fenômenos. Não basta saber como
funcionam, mas o que significam na ordem geral do mundo humano. A filosofia emite juízos de
valor ao julgar cada fato, cada ação em relação ao todo. A filosofia vai além daquilo que é, para
propor como poderia ser. E, portanto, indispensável para a vida de todos nós, que desejamos ser
seres humanos completos, cidadãos livres e responsáveis por nossas escolhas.
O trabalho do filósofo é refletir sobre a realidade, qualquer que seja ela, descobrindo seus
significados mais profundos. Porém, como se faz isso?
Em primeiro lugar, é preciso estabelecer o que é reflexão. Refletir é pensar, considerar
cuidadosamente o que já foi pensado. Como um espelho que reflete a nossa imagem, a reflexão
do filósofo também deixa ver, revela, mostra, traduz os valores envolvidos nas coisas, nos
acontecimentos e nas ações humanas.
Para chegar a isso, segundo o filósofo e educador Demerval Saviani, a reflexão filosófica deve
possuir as seguintes características:
Radicalidade – ou seja, chegar até a raiz dos acontecimentos, isto é, aos seus fundamentos; à
sua origem, não só cronológica, mas no sentido de chegar aos valores originais que
possibilitaram o fato. A reflexão filosófica, portanto, é uma reflexão em profundidade.
Rigor – isto é, seguir um método adequado ao objeto em estudo, com todo o rigor, colocando
em questão as respostas mais superficiais, comuns à sabedoria popular e a algumas
generalizações científicas apressadas.
Contextualidade – como já se disse antes, a filosofia não considera os problemas isoladamente,
mas dentro de um conjunto de fatos, fatores e valores que estão relacionados entre si. A reflexão
filosófica contextualiza os problemas tanto verticalmente, dentro do desenvolvimento histórico,
quanto horizontalmente, relacionando-os a outros aspectos da situação da época.
Assim, embora os sistemas filosóficos possam chegar a conclusões diversas, dependendo das
premissas de partida e da situação histórica dos próprios pensadores, o processo do filosofar
será sempre marcado por essas características, resultando em uma reflexão rigorosa, radical e de
conjunto.
Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação é escritor, jornalista e diretor da
Página 3 Pedagogia & Comunicação.