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Resumo
Este estudo avaliou a percepção de famílias atendidas pelo Serviço Ação Rua, responsável pela abordagem e
acompanhamento a crianças e adolescentes em situação de rua na cidade de Porto Alegre, no período de 2007 a
2009. Foram realizados grupos focais com 11 mães e avós de famílias com filhos em situação de rua. As discussões
foram transcritas e analisadas qualitativamente. Os resultados e discussão enfocaram os seguintes temas:
expectativas quanto ao serviço, percepções quanto às intervenções, e dificuldades do serviço em relação à
abordagem e acompanhamento das situações de rua. A teoria bioecológica do desenvolvimento humano e a
perspectiva teórica do apoio social sustentam as análises, nas quais se destacaram os processos proximais entre os
trabalhadores sociais e as famílias e o apoio social percebido como informal. O estudo contribui para avaliação das
estratégias utilizadas em serviços socioassistenciais para enfrentamento das situações de rua.
Palavras-chave: Avaliação, Programas Sociais, Situação de Rua, Apoio Social.
Abstract
This study evaluated the perception of families assisted by Ação Rua, a service responsible for monitoring and
approaching street children and adolescents in the city of Porto Alegre, from 2007 to 2009. Focus groups were
conducted with 11 mothers and grandmothers of families with street children. The discussions were transcribed and
analyzed qualitatively. The results and discussions focused on the following themes: expectations regarding the
service, perceptions on the intervention and difficulties encountered in the services. The bioecological theory of
human development and the theoretical perspective of social support sustain the analysis, which highlighted
proximal processes between social workers and families, as well as the informality in social support perceived. The
study contributes to the evaluation of strategies used in socio assistance services to cope with street situations.
Keywords: Evaluation, Family, Social Programs, Street Situation, Social Support.
social na qual está inserida. Assim, ações e com o construto-chave denominado processo
programas têm a finalidade de fortalecer a função proximal (Bronfenbrenner, 2005). Trata-se do
protetora das famílias, promover seu acesso a processo que atua ao longo do tempo e que se
direitos, fortalecer os vínculos familiares e caracteriza pelas formas particulares de interação
comunitários e contribuir na melhoria de sua das pessoas com seus ambientes imediatos,
qualidade de vida (Ministério do Desenvolvimento especialmente no nível dos microssistemas.
Social e Combate à Fome - MDS, 2004). Envolve a reciprocidade de influências entre os
A família, independentemente do formato que participantes da interação e podem promover tanto
assuma, é mediadora das relações entre o sujeito e competências quanto disfunções.
a coletividade. É um espaço contraditório, por Estudos indicam que o apoio social pode se
vezes de proteção, por vezes de risco (De Antoni, constituir em fator de proteção para famílias em
Barone, & Koller, 2007; Granpal/UFRGS, 2004). situação de vulnerabilidade (Cecconello, 2003; De
Colocada como instância primordial da sociedade, Antoni et al., 2007). O apoio social é um
a família se conforma como espaço privado por constructo complexo, com múltiplos componentes
excelência, que deve responder pela proteção social (Sarason, Sarason, & Pierce, 1990), sendo que, em
de seus membros (Mioto, 2008). Entretanto, geral, existem três tipos de apoio que aparecem em
muitas famílias estão submetidas a contextos de todas as classificações: apoio emocional
desigualdades sociais, sem garantia de emprego, e (conceituado como disponibilidade de conversar e
vulneráveis na garantia da sobrevivência de seus dividir problemas, estabelecendo uma relação de
membros. Essas famílias desenvolvem, confiança), instrumental (associado à ajuda e à
alternativamente, diversas estratégias para a assistência em tarefas) e informacional (relacionado
manutenção de sua sobrevivência (Mioto, 2008), à disponibilidade de orientação e informação a
algumas das quais expõem crianças e adolescentes respeito dos recursos da comunidade) (Pierce et al.,
a riscos e favorecem a saída e fixação no espaço da 1996; Wills, Blechman, & McNamara, 1996).
rua. Segundo Gracia Fuster (1998), as fontes de apoio
As famílias encontram diferentes modos de social formais (serviços e políticas públicas) e
reação e cuidado de seus filhos diante de situações informais (apoio familiar e comunitário) coexistem,
de violência e risco presentes em suas mas com escassa articulação, cada qual contando
comunidades e em seus cotidianos de vida. com diversas limitações e potenciais. Uma
Algumas se apresentam mais vulneráveis aos integração dialética destes dois sistemas pode gerar
efeitos negativos da comunidade, o que parece uma rede assistencial mais ampla e efetiva. Para
estar relacionado, entre outros fatores, à falta de tanto, um dos aspectos relevantes é analisar o
uma rede social de apoio e a maior presença de funcionamento das fontes formais de apoio social,
fatores de risco (Cecconello, 2003; Yunes, 2003). É estruturadas em serviços e programas
constatado na literatura que muitas destas famílias socioassistenciais.
não têm conseguido cumprir de forma eficaz e Dentro dos contextos das famílias de baixa
dedicada as suas funções parentais, devido à alta renda, a rede formal de apoio, constituída por
demanda para a própria sobrevivência, serviços de saúde, assistência social e educação,
prejudicando o cuidado dos filhos (Cecconello, pode cumprir um importante papel, suprindo
2003). Esta condição enfrentada por crianças, lacunas da rede informal e comunitária, e
adolescentes e famílias em situação de risco foi auxiliando as famílias a desenvolverem novas
descrita por Alves et al. (1999) como miséria competências e relações de apoio. Contudo, no
econômica e afetiva. Famílias que vivenciam discurso cotidiano dos trabalhadores sociais, como
eventos de vida estressantes, como desemprego, assistentes sociais, psicólogos e educadores, entre
doenças crônicas ou divórcio, podem apresentar outros, o foco recai nas graves dificuldades
disfunção nos processos proximais entre pais e apresentadas pelas famílias em lidar com suas
filhos, repercutindo em baixa responsividade crianças e adolescentes, mais do que nas
parental às necessidades infantis (Bronfenbrenner competências familiares (Yunes, 2003, 2010). Nem
& Evans, 2000). A teoria bioecológica trabalha sempre são devidamente reconhecidas as
bisnetos, estando a família extensa sempre rua dessas famílias tinham idades entre zero e
próxima. O número de crianças por unidade cinco anos, quando acompanhando a mãe na
familiar variou de três a 12, e as atividades de catação e/ou mendicância, e entre 11 e 15 anos,
trabalho e/ou mendicância acompanhadas pelos quando sozinhos em situação de rua.
filhos eram frequentes. Os filhos em situação de
Tabela 1
Dados Sociodemográficos das Famílias Participantes
Participante Idade Escolaridade Trabalho Estado civil Nº filhos
1 - Mãe 39 4 Serviços gerais Companheira 6
2 - Mãe 35 1 Lavanderia Viúva 6
3 - Mãe 27 5 Dona de casa Companheira 5
4 - Mãe 27 1 Dona de casa Companheira 3
5 - Mãe 39 3 Serviços gerais, reciclagem Viúva 12
6 - Mãe 46 4 Dona de casa Divorciada 8
7 - Avó 62 1 Doméstica Casada 5
8 - Avó 47 1 Dona de casa. Foi educadora Divorciada 6
social
9 - Mãe 42 4 Dona de casa Solteira 11
10 - Mãe 31 6 Aux. cozinha, serviços gerais Companheira 6
11 - Mãe 34 - Dona de casa Companheira 9
às necessidades emocionais da própria mãe foram Não são aquelas pessoa metida a não me toque, eles
reconhecidos como fatores que contribuíram para sentam no chão. O educador não pode chega e dizer assim
a mudança, e foram geradores de confiança nos "ai ela tá fedendo!(...) não tem como (Participante 8).
trabalhadores, percebidos como pessoas que não a Outro aspecto relevante do apoio social que
abandonam ou desistem da família, como pode ser pode ser observado nas falas das participantes
observado na fala desta mãe: relaciona-se ao afeto percebido através de
... eles me ajudaram bastante, tiveram bastante paciência expressões físicas e concretas: “abraços”
comigo também... [Mediadora – Paciência por quê?] (Participantes 8 e 9), “olhar nos olhos”
Ah, porque eu era meio teimosa, meio birrenta. Eles (Participante 11), “abanar” (Participante 2)
vinham lá, conversavam com o M. [filho], comigo, iam (reconhecimento), demonstrando que “gostam da
lá... Eles tiveram muita paciência comigo (Participante gente” (Participante 9 e 11). Gestos concretos
2). como esses parecem reforçar a relação e o vínculo,
As participantes destacaram a capacidade de assim como demonstrações de preocupação e
"conversar” (Participante 2 e 5), ser comunicativo interesse nas questões da família, o que é percebido
e “apoiador” (Participante 11), reconhecendo os através de gestos como “telefonar” (Participantes
pequenos resultados e aquisições da família. Isso 5, 9 e 10), “ir na casa” (Participantes 1, 2, 3 e 8), e
parece levar as famílias a perceberem os que “não pense só em ganhar dinheiro”
trabalhadores sociais como “pessoas humanas e (Participantes 5 e 8), indicando foco na família
compreensivas” (Participante 11), e que, de fato, mais do que em seu lugar de trabalhador, como
têm condições de “conhecer e entender a situação exemplificado pelas seguintes falas:
da família. Dá mais vontade da gente conversar” As pessoas gostam de alguém na área deles, que olhe nos
(Participante 10). teus olhos e diga: “Ah, fulana, que tá acontecendo?” Que
Outro elemento que possibilitou o apoio eu acho que o que todas nós precisamos é de alguém que
emocional foi o desenvolvimento de uma apóie a gente. Pessoas humanas (Participante 11).
perspectiva de proximidade com os trabalhadores.
Elas são umas pessoa que se preocupam, não é a assistente
Eles foram referidos como estabelecendo relação
social que atende e não levanta da cadeira pra ver se tu já
“como amigo” (Participante 2), o que imprime um
fez uma casa. Quem procura é elas, elas que telefonam pra
caráter de familiaridade e semelhança com as mim, elas que falam as coisa pras crianças...
relações estabelecidas no âmbito de sua (Participante 10).
comunidade. O educador passa a ser visto pelas observação
famílias como alguém próximo, não é um estranho
ou alheio à vida e ao cotidiano das vilas, “não tem Apoio instrumental
medo de entrar nos beco ou nas vila” Foram categorizadas como apoio instrumental
(Participantes 1 e 3). Para as participantes, os falas das participantes que se referiam à ajuda
trabalhadores não se importam com a sujeira da direta ou serviços que foram prestados pelo Ação
casa ou da criança, “não se importa com o cheiro Rua. As famílias descreveram o trabalhador social
das pessoas” (Participante 8), é “pessoa simples” como aquele que “arranja lugar para a gente ir”
(Participantes 5 e 10), que “não se importa de (programa social) (Participante 2 e 9), “ensina a ir
conversar com pobre” (Participante 5), não agem em lugares” (Participante 11), “arruma ocupação
como se fossem superiores. As seguintes falas para o filho” (Participante 1 e 10). Assim, a partir
exemplificam esses aspectos: das falas das participantes, observou-se que elas
esperam que o trabalhador tenha conhecimento e
Boa vontade deles de tá nos beco, porque é isso que eles capacidade de acompanhar a família nos diversos
fazem, né... (...) Tando no trabalho deles eles vão. Seja
espaços necessários à sua cidadania e proteção,
meio dia, seja de manhã, eles vão. (...) É uma grande
assim como capacidade de mediar conflitos junto
coisa, porque não é todo mundo que vai lá não
(Participante 5). aos demais serviços da rede.
Dentre as ações descritas pelas famílias como
apoio instrumental estão: abordagem na rua/levar
em casa, presença da equipe na escola,
acompanhamento, visita domiciliar semanal, inserir comunicacional, expressão de afetos e limites, que
em programa/atividade para os filhos, mediação de podem ser utilizados como alternativa ao uso de
conflitos com serviços da rede e ser fonte de violência física na relação com os filhos. Também
informações sobre direitos e cidadania. A fala da procuram promover competências na relação com
participante exemplifica o apoio instrumental a rede socioassistencial. Evoluem, portanto, no
percebido: enfrentamento das vulnerabilidades, utilizando as
A gente às vezes tá em lugares que nem espera que elas condições e forças disponíveis na família e na rede
trabalhem, lá tá elas pra cima e pra baixo, atrás de social informal e formal existentes na comunidade.
criança, de curso, não sei o que, a mãe não levou no dia de A avaliação subjetiva quanto ao apoio recebido
faze matrícula, não é qualquer um que faz não por parte dos usuários é elemento destacado na
(Participante 10). literatura como relevante componente do apoio
social (Gracia Fuster, 1998; López-Cabanas &
Eles me ajudaram, caminhavam comigo, vamo lá na Chacón, 2003; Pierce et al., 1996). As famílias deste
delegacia, vamo da queixa aqui... então eles caminham
estudo caracterizaram o apoio emocional recebido
junto (Participante 11).
do Serviço como de certa proximidade, semelhante
As participantes destacam esse foco simultâneo à relação com um amigo. Esse aspecto permite
na escuta e acolhimento às questões tanto da questionar a linha que separa o apoio formal
criança quanto da família (apoio emocional), (prestado pelos serviços sociais) do apoio informal
quando na constituição de ações percebidas como (relacionado às relações pessoais e comunitárias).
de apoio e cuidado em ações concretas (apoio O apoio oferecido é formal, no sentido de que o
instrumental). Essa relação positiva percebida pelas Serviço executa etapas metodológicas previstas,
famílias será brevemente analisada pela perspectiva operando a partir de um sistema de categorias
da teoria bioecológica do desenvolvimento explícitas. Entretanto, parece que para as famílias
humano (Bronfenbrenner & Morris, 1998) e da este apoio precisa ser sentido como informal,
perspectiva teórica do apoio social (Gracia Fuster, próximo, pois esse é o apoio reconhecido e
1998). valorizado. São manifestações informais de afeto,
As interações proporcionadas na intervenção apresentadas pelos trabalhadores, que possibilitam
do Ação Rua com as famílias parecem justamente às famílias perceber a ação do projeto. O apoio
caracterizar processos proximais facilitadores do formal precisa ser sentido como informal,
desenvolvimento de competências junto às tornando possível, a partir do vínculo
famílias. Essas interações são descritas pelas trabalhador/usuário, compreender a efetividade do
famílias como constantes, envolvendo diálogo, Serviço. Conforme Gracia Fuster (1998), trata-se
reciprocidade e afetividade. São destacados da aproximação de culturas diferentes: regras
também o fato de serem mantidas em um período formais e procedimentos de rotina versus
estável de tempo e realizarem-se nos contextos de privacidade de regras implícitas e a atividade
vida da própria família (a casa, a rua, a escola, a espontânea.
comunidade). Essas interações tornam-se A revisão realizada por Gracia Fuster (1998) já
progressivamente mais complexas e passam a apontava análises teóricas que problematizavam a
mediar tanto as interações intrafamiliares (entre os importância dos grupos informais e seu papel
adultos cuidadores e as crianças), como também complementar aos sistemas de apoio formais. A
extrafamiliares (entre os adultos cuidadores e a questão não é se os sistemas formais de apoio
rede de atendimento, especialmente serviços de podem substituir as redes informais, mas como
saúde e sociofamiliar, assim como entre a podem atuar de forma mais articulada, estimular
criança/adolescente e sua rede de atendimento, tais redes e, principalmente, aprender com seus
como serviço socioeducativo e escola). As padrões de interação de modo a tornarem-se mais
interações proximais desenvolvidas pelo Ação Rua efetivas.
procuram promover competências relacionais, tais Esse parece ser um aprendizado exercitado pelo
como exercício de novas possibilidades de práticas Serviço Ação Rua. Na visão das participantes, os
educativas, ampliação da capacidade trabalhadores do Ação Rua, diferentemente de
outras experiências das famílias com serviços formal aquela na qual a composição se relaciona à
socioassistenciais, parecem incorporar em sua posição e aos papéis desempenhados por seus
prática a dimensão de reciprocidade em oposição à membros na sociedade, incluindo profissionais de
dimensão de autoridade, que caracteriza os saúde, entre outros; e rede social informal foi
sistemas formais (Gracia Fuster, 1998). Também a aquela que envolveu membros com relações na
demonstração concreta de afeto por parte dos dimensão pessoal e afetiva, entre eles família,
trabalhadores e a aceitação da realidade de vida das amigos, vizinhos, entre outros. No entanto,
famílias são elementos pertinentes de análise. também foi observado que o reconhecimento das
Diferentes falas das participantes destacaram famílias quanto à presença de diferentes
momentos de expressão física de afeto: o abraço, o profissionais de saúde por meio da participação
toque, o “pegar na mão”, o sentar junto, mesmo destes na equipe multiprofissional, favoreceu o
que na sujeira. O apoio emocional irá auxiliar, estabelecimento de relações mais confiáveis entre
especialmente as mães, a reconhecer suas emoções profissional-usuário, gerando interações favoráveis
e padrões relacionais estabelecidos com os filhos entre os membros da rede social de apoio às
que se encontram em situação de rua, com famílias.
feedbacks relacionados aos potenciais de sua Estas características reforçam a possibilidade de
identidade e desempenho parental (ajudando-as no compreender os processos que ocorrem nestas
aprendizado do exercício da maternagem, por interações como processos proximais
exemplo). Parece estar em questão um elemento de (Bronfenbrenner, 2005), tendo em vista que se
humanização, um momento de aproximação mais observa a presença de afeto, reciprocidade e
efetiva do trabalhador, uma interação que é equilíbrio de poder. Esse equilíbrio de poder
percebida como verdadeira, ainda que seja uma refere-se à posição de respeito pelos
tarefa profissional. São elementos como esses que conhecimentos e perspectivas da família no
tornam possível o vínculo, e é somente a partir do andamento das intervenções, ao não impor o
vínculo que a intervenção passa a existir de fato. A ponto de vista do Serviço, sem, todavia
análise assinala que é justamente o caráter informal desconsiderar que a diferença de classe social
percebido que cria condições para o vínculo, torna compõe esse cenário. A reciprocidade, neste
acessível e qualifica os serviços de apoio ofertados contexto, precisa ser diferenciada daquela existente
pelos programas sociais. entre pessoas que disponibilizam apoio social e
Ao analisar o apoio social construído na relação compartilham o mesmo contexto de vida, são
com as famílias, não ficam excluídas as diferenças vizinhas, por exemplo. Trata-se de um nível de
sociais entre trabalhadores e famílias, que, em sua reciprocidade que tende para a relação pessoal de
maioria, são de classes sociais e moram em bairros ajuda, mas que se mantém também como relação
diferentes do público que atendem. Percebido profissional de ajuda. Tais relações proximais
subjetivamente pelas famílias como informal, o ocorrem com regularidade, num período de tempo,
apoio social é formal para os trabalhadores, não no contexto de inserção e se tornam
em sua expressão, mas em sua essência, afinal, é progressivamente mais complexas
instrumento de trabalho, uma tecnologia relacional. (Bronfenbrenner, 2005). Elas favorecem o
Portanto, no contexto deste estudo, o apoio social desenvolvimento na medida em que são percebidas
oferecido pelo Ação Rua pode ser interpretado pelas famílias como promotoras de competências.
como formal/informal. Essa expressão destaca a Neste sentido, Tudge (2008) destaca que um
contradição que constitui a relação interpessoal dos aspectos dos processos proximais que precisa
estabelecida no contexto das profissões de ajuda, ser considerado refere-se à forma como os papéis observação
especialmente aquelas que envolvem a abordagem sociais são negociados entre parceiros nos
social e intervenções comunitárias. No estudo de processos proximais, e o significado que as
Alexandre, Labronici, Maftum e Mazza (2012), que atividades e interações têm para os envolvidos.
avaliou a rede social de apoio às famílias, também Assim, os papéis sociais em jogo podem ser de
emergiram dois tipos de rede - formal e informal, educador, de amigo, de representante do Estado,
sendo que os autores entenderam por rede social de repressor do trabalho infantil, conforme as
priorizando tais fontes, e não confiando Família ou PETI) e tal inserção repercute na
plenamente na palavra da mãe. vulnerabilidade foco da intervenção. Em outros
O segundo problema referente à qualidade do casos o tempo de atuação da equipe se estende,
atendimento foi relacionado à exposição da família com sistematicidade semanal; em certos períodos,
que é atendida pelo programa, uma vez que as com presença quase cotidiana. As mães nem
intervenções em geral ocorrem na comunidade e sempre sabiam dizer por que a equipe não visitava
na rua, onde é difícil garantir privacidade e sigilo. mais, não associavam necessariamente com o
De acordo com as participantes, os vizinhos resultado de, por exemplo, os filhos não estarem
acabam sabendo do que se trata o mais na rua, ou com uma modificação na
acompanhamento, levando a família a sentir metodologia, envolvendo um acompanhamento
vergonha, como no exemplo a seguir: mais à distância. Pelas falas das mães, pode-se
Eu só tive um problema né, eles (os vizinhos) tavam observar que as mesmas não têm clareza quanto a
tudo na frente, e ali em casa é sempre assim, tá sempre um limite do trabalho do Ação Rua ou um
cheio mesmo, aí chega alguém estranho (a equipe do encerramento do acompanhamento. A passagem
Ação Rua), fiquei meio assim, que eu tava com vergonha, para outro programa também parece ser sentida
né. (...) Meu guri fico meio avermelhado, que ele tava como certo abandono, falta de preocupação da
fazendo umas coisa que era errado, (os vizinhos) até equipe e não pertencimento:
pararam de conversa pra escuta o que eles (a equipe do
Ação Rua) tavam falando (Participante 5). Não sei, só sei que na minha casa elas não vão mais. Elas
foram muito já na minha casa.(...) acho que me deixaram
No entanto, a relação entre a equipe e o público com a D. (técnica de outro programa da assistência
alvo também parece passar por momentos de social), comigo elas não se preocupam mais (Participante
retratação. As mães referiram situações em que a 2).
equipe se desculpou ao perceber o Por outro lado, pode ser sentida como forma
constrangimento da família e procurou evitar falar de controle e ação invasiva:
questões mais pessoais fora da casa, sendo que
Até a minha guria de quatorze anos pergunto assim (...):
questões de confiança foram retomadas no
“por que que eles continuam vindo aqui se a gente não vai
processo de trabalho.
mais lá? [na rua]” Aí eu digo “olha, por causa de que
Sobre a efetividade do trabalho desenvolvido, eles tão acompanhando (Participante 1).
as mães trouxeram ao debate referências a
comentários da população de que “o Serviço não Dentre as dificuldades reconhecidas pelas
faz nada”. No entanto, elas não assumiram famílias na atuação do Ação Rua, cabe destacar a
diretamente esta opinião negativa sobre a falta de clareza quanto às etapas do
efetividade do programa, tendo remetido-a a acompanhamento, especialmente quanto à etapa de
comentários de outras pessoas de suas finalização. Por um lado essa questão relaciona-se
comunidades: ao fato do vínculo ser reconhecido como informal,
portanto submetido aos tempos, distanciamentos e
Eu vejo muito as pessoas falarem que o (nome do
proximidades das relações informais. Por outro
Serviço) não faz nada: 'isso é desperdício de verba
lado, não saber ao certo quando termina a
pública', era o que eu ouvia na região. Mas como eu sou
educadora, eu sei que primeiro tem a abordagem, a agente intervenção parece provocar, em algumas famílias,
não vai aborda e resolve (Participante 8). algum desconforto ou por sentirem-se
abandonadas quando o acompanhamento
Por fim, em termos da metodologia do serviço, distancia-se, ou por não compreenderem porque o
as participantes problematizaram a questão do acompanhamento se mantém, mesmo os filhos
tempo/duração do acompanhamento realizado não estando mais diretamente em situação de rua.
pelo Ação Rua e a perspectiva de sua finalização. As demais vulnerabilidades vividas por essas
Para algumas famílias o tempo de atuação direta da famílias, que possivelmente contribuíram para a
equipe é percebido como curto, como, por experiência de rua dos filhos, motivam a
exemplo, quando é possível ser inserido em um continuidade do acompanhamento. Entretanto,
programa de transferência de renda (como Bolsa essas vulnerabilidades podem não ser consideradas
um problema pelas famílias, ou elas podem não profissionais podem e devem desenvolver
desejar maior intervenção. estratégias de ligação entre os membros da rede
Cabe registrar que não foram mencionados social de apoio disponível às famílias, visando à
pelas famílias elementos relevantes relacionados à promoção do desenvolvimento, além de encorajá-
reinserção dos jovens na comunidade. Esse é um las a serem agentes ativos e buscarem
eixo previsto no projeto do Serviço Ação Rua, que coletivamente recursos e serviços da comunidade
favoreceria as redes de apoio informais, e que propiciem melhorias na qualidade de vida.
alimentaria as relações da criança/adolescente e Destaca-se a relevância de realizar processos de
sua família em sua comunidade. Entretanto, as avaliação dos serviços públicos oferecidos. Assim
famílias referem a inserção em serviços como se constata que a modalidade de interação
socioassistenciais, ou seja, rede de apoio formal, percebida como informal permite desenvolver
mas não comentam sobre sua participação mais interações mais potentes, os processos de avaliação
efetiva em espaços da comunidade ou outros devem constituir metodologias mais informais, que
grupos de apoio informais. Uma hipótese é que irão possibilitar a expressão subjetiva das
esse objetivo do serviço não tenha sido de fato percepções dos usuários quanto aos serviços. Os
atingido. Por outro lado, esta etapa metodológica grupos focais com objetivo de avaliação de
pode ter sido trabalhada, mas não percebida serviços e programas mostram-se um dispositivo
enquanto tal pelas famílias participantes. interessante, pois proporcionam troca de opiniões
e avaliação utilizando linguagem e contexto dos
Considerações Finais próprios usuários. Realizar momentos de avaliação
Os dados deste estudo apontaram a em grupos já existentes, quando há uma interação
predominância de uma percepção positiva das grupal já estabelecida entre os participantes pode
famílias em relação ao Serviço e podem contribuir potencializar o encontro. Em estudos futuros seria
no processo de avaliação das estratégias utilizadas relevante considerar as opiniões de outros
em serviços socioassistenciais, assim como no seu membros da família, para além das cuidadoras
aperfeiçoamento. Entre as modificações percebidas principais, criando condições alternativas para sua
pelas famílias a partir da intervenção do Serviço motivação e participação. Há necessidade de
Ação Rua, estão: a inserção dos filhos ou da construir diversos ângulos de aproximação à
própria família em programas ou serviços (escola, realidade complexa destas famílias.
serviço de apoio socioeducativo em turno oposto à Por fim, cabe destacar a importância de que
escola, Bolsa Família); modificações nas interações projetos sociais direcionados a crianças e
familiares (maior diálogo dentro da família, em adolescentes em situação de rua considerem cada
especial entre as mães e os filhos); modificações vez mais as interações familiares. É relevante
nos estilos educativos adotados (mais conversa e sublinhar que o fortalecimento dos adultos da
menos violência física). Ainda assim, há referência família, no seu papel de cuidadores/parental
de que alguns de seus filhos seguem em situação de apresenta repercussões diretas junto aos filhos que
rua. se encontram em situação de rua, mas tem também
A etapa de avaliação do serviço Ação Rua um papel preventivo no agravamento de situações
realizada com as famílias destaca a necessidade de vividas com os filhos que ainda permanecem em
revitalização e transformação dos sistemas de casa. Portanto, a ênfase na matricialidade familiar
apoio dos serviços públicos, de modo a torná-los repercute em promoção de qualidade de vida junto
mais participativos, acolhedores e atrativos para o a essas famílias e comunidades.
usuário, o que pode ser proporcionado a partir do
aprendizado dos padrões de interação informais. O Referências
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