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Parte I

Violência no contexto familiar


1
Rede de apoio social e representação
mental das relações de apego de crianças
vítimas de violência doméstica
Lísia Ramos Mayer e Silvia H. Koller

O presente capítulo tem por objetivo apre­ dentro do seu ciclo vital, busca compreendê-lo
s­ entar a rede de apoio social e a re­presentação como um todo, não só do ponto de vista bio-
mental das relações de apego co­mo importan- lógico, mas, também, suas relações com os
tes aspectos a serem con­si­derados no desen- contextos ambientais (Bronfenbrenner, 1979/
volvimento de crianças vítimas de violência 1996). Tais contextos, nos quais a pessoa está
do­méstica. Com ênfase na Abordagem Ecoló- se desenvolvendo, são indicativos de quais
gica do Desenvolvimento Humano, postulada interações podem influenciar sua vida e de
por Bronfenbrenner no final da década de 1970 quais fatores podem colocá-la em risco ou
(Bronfenbrenner, 1979/1996), as duas variá- favorecer seu desenvolvimento. No caso de
veis – redes de apoio e representação mental situações de violência doméstica, busca es-
da relação de apego – são discutidas. O estudo clarecimentos para os comportamentos e
e a identificação da rede de apoio social de mo­tivações que envolvem esses eventos. Pa­
crianças, principalmente diante de situações ra tal, leva em conta que a pessoa em desen-
de risco, podem acrescentar novos conheci- volvimento deve ser entendida de modo di-
mentos e subsidiar ações que visem desenvol- nâmico no curso do seu ciclo vital, intera-
ver meios para minimizar ou atenuar riscos. gindo com seu meio, ao mesmo tempo em
Uma rede de apoio social e afetiva bem-estrutu- que é por ele influenciada.
rada e funcional permite que a criança desen- Dentre os fatores de risco para o de-
volva melhores condições para seu de­sen­ senvolvimento, a violência doméstica tem
volvimen­to. O apego, por sua vez, é a base para se mostrado frequente na sociedade atual.
o reconhecimento e o estabelecimen­to de rela- Agressões verbais, abuso emocional, abusos
ções estáveis e recíprocas, que são fundamen- físicos e sexuais, negligência e abandono re-
tais para a formação de uma rede de apoio. sultam, muitas vezes, na morte de uma crian-
A Abordagem Ecológica do Desenvolvi- ça e na impunidade do adulto agressor. Fo-
mento Humano (Bronfenbrenner, 1979/1996, ram criados nos últimos anos no Brasil vá-
Bronfenbrenner e Evans, 2000; Bronfenbren- rios mecanismos para a proteção de crian-
ner e Morris, 1998), ao estudar o ser humano ças, como a Comissão de Direitos Humanos
22 Luísa F. Habigzang, Silvia H. Koller & cols.

e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Bra- de é constituída, basicamente, por relacio-


sil, 1990), porém a violência continua ocor- namentos recíprocos e estáveis, que geram
rendo. Algumas crianças que sofrem maus- satisfação mútua dos envolvidos, tanto para
-tratos permanecem em seus lares, outras quem busca o apoio quanto para quem o
são afastadas de suas famílias e instituciona- oferece, influenciando as características in-
lizadas em casas de passagem. Há muita dis- dividuais e os contatos sociais. Para Garme-
cussão sobre qual dessas escolhas é a mais zy e Masten (1994), a rede de apoio social e
adequada para o bem-estar da criança e o afetivo é constituída por pessoas pertencen-
que seria protetivo para seu desenvolvimen- tes àqueles ambientes ou microssistemas em
to. Contudo, o afastamento da criança ainda que a criança/indivíduo transita, ou seja, a
é recorrente e modifica o curso esperado do família, a escola, o clube, a comunidade, a
desenvolvimento da vítima, em vez de afas- igreja, etc. A estrutura da rede de apoio, que
tar os agressores. Por trás disso, se identifica consiste no tamanho e na constituição da-
a herança da culpabilização da vítima pela quela rede na qual a criança está vinculada
violência, especialmente nos casos de abuso é uma das dimensões importantes de análise
sexual. Situações estressoras como a violên- e identificação para avaliação de risco e pro-
cia sofrida e a retirada da criança de seu lar, teção. A funcionalidade dessa rede é outro
podem representar fatores de risco para o aspecto relevante, pois aponta para a forma
seu desenvolvimento. como a rede é percebida e como efetivamen-
Por outro lado, no curso do desenvolvi- te atua no cotidiano do desenvolvimento hu­
mento dos seres humanos, sempre podem mano. A funcionalidade envolve o grau de sa-
ser identificados fatores de proteção diante tisfação ou insatisfação com os relacionamen-
de eventos estressores, situações de risco e tos, a percepção e a identificação das relações
vulnerabilidade. Segundo Zimmerman e mais próximas ou distantes com os membros
Arunkumar (1994), fatores de proteção são da rede. Esses aspectos se tornam ainda mais
recursos e características pessoais que agem importantes nos estudos com crianças vítimas
como moderadores de efeitos ou impactos de violência, uma vez que esse evento de risco
negativos no desenvolvimento. Pessoas, ain- se dá dentro do primeiro sistema de relação da
da que sujeitas a situações que tendem a in- criança – microssistema familiar.
fluenciar negativamente o curso do seu de- As características individuais são aquelas
senvolvimento, quando na presença de fato- que as pessoas trazem consigo geneticamen-
res de proteção, apresentam bons resultados te, somadas às aprendizagens e experiên-
em termos de comportamentos adaptativos. cias, que resultam das relações com o meio
O sucesso dessa adaptação, ou seja, para em que vivem (Pierce et al., 1996). A rela-
que a resposta que o indivíduo dá às situa- ção de apego inicial e todas aquelas que se
ções estressantes seja eficaz, deve haver a constituem ao longo da vida, a competência
influência de três aspectos fundamentais: a social, o lócus de controle, a atribuição de
rede de apoio social, as características indi- causas aos eventos da vida, a autoeficácia, a
viduais e o apoio e coesão familiar (Garme- confiança, a autonomia, a iniciativa, a reso-
zy e Masten, 1994). lução de problemas são exemplos, entre tan-
A rede de apoio social corresponde à tos outros, de características individuais.
opor­tunidade de aprofundamento dos rela- Essas características podem proteger as pes-
cionamentos para melhorar o padrão de adap­ soas ao longo do ciclo vital ou potencializar
tação ao desenvolvimento (Rutter, 1987; Ty- a sua vulnerabilidade.
ler, 1984). Origina-se daquelas relações so- O apoio e a coesão familiar, segundo Pierce
ciais e pessoais ou vínculos afetivos seletivos e colaboradores (1996), consistem no esta-
construídos no transcorrer da vida. Essa re­ belecimento de pelo menos uma relação que
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seja afetiva e significativa na vida da crian- Abordagem Ecológica do


ça. Essa relação está baseada na maneira Desenvolvimento Humano
como se dá o apoio entre os membros de
uma família. Certamente o apoio e a coesão A Abordagem Ecológica do Desenvolvi-
familiar saudável podem ser resultantes do mento Humano (Bronfenbrenner, 1979/
estabelecimento de uma relação de apego 1996) prioriza quatro componentes específi-
inicial segura, que se desenvolveu e consoli- cos: o tempo, a pessoa, o processo e o con-
dou ao longo do ciclo vital. Boas relações de texto, bem como suas dinâmicas e as rela-
apego podem gerar relações familiares sau- ções interativas existentes. O tempo é com-
davelmente coesas e de apoio mútuo, em preendido pelo momento histórico em que a
grupos que buscam, também, de forma pro- pessoa está vivendo (guerras, momentos po-
tetiva encontrar relações de apoio social e líticos) e pelos eventos de vida (faixa etária,
afetivo extrafamiliares. Esse conceito foi constelação familiar, etapa sociocognitiva,
ampliado em seu âmbito contextual por Mo- situação de vitimização), tendo influência
rais e Koller (2004), que passam a chamá-lo sobre o desenvolvimento da pessoa. A pes-
de coesão ecológica e não apenas familiar. A soa é percebida como a união de todas as
coesão (proximidade, intimidade) descreve características biológicas (físicas e genéti-
a organização do sistema social ou da estru- cas), psicológicas e sociais, que viabilizam
tura familiar, relativa à ligação ou ao vínculo determinados comportamentos e respostas
emocional que os membros de um contexto em contato com o meio. O processo consiste
ecológico têm uns em relação aos outros e a na transformação das interações da pessoa
autonomia individual que a pessoa experi- com seu ambiente. Aspectos capturados pela
menta no seu sistema de desenvolvimento. pessoa em sua interação com os contextos
O grau da coesão familiar pode ser verifica- de desenvolvimento nos quais transita são
do pela presença de variáveis, como: vínculo apreendidos ou internalizados. Para que seja
emocional, independência, fronteiras, coali- efetiva, no entanto, a interação deve ocorrer
zões, tempo, espaço, tomada de decisão, re- em uma base regular, através de períodos
lações de amizade, interesses e recreação estendidos de tempo. O contexto consiste
(Olson, 1986; Olson, Sprenkle e Russel, 1979; em um sistema de quatro níveis denomina-
Wood, 1985). No entanto, alguns estudos dos: microssistema, mesossistema, exossis-
apontam que a coesão familiar pode ser um tema e macrossistema. Microssistema é o
aspecto de risco em casos de violência do- am­biente imediato frequentado pela pessoa,
méstica. Famílias com história de violência no qual estabelece relações face a face, ca-
doméstica podem ser coesas em torno do se- racterizadas por sua manutenção no tempo
gredo, o que faz desse aspecto uma condi- e por padrões de atividades que influenciam
ção negativa do ambiente familiar (De Antoni, diretamente o desenvolvimento de habilida-
Teodoro e Koller, 2009). des emocionais e sociais (como p. ex., a fa-
Devido ao interesse em estudar formas mília). Quando a pessoa interage com ou-
de moderar o impacto do risco (neste caso, tros ambientes, além do microssistema ime-
violência doméstica) no desenvolvimento diato, o conjunto e as relações entre eles
de crianças, e diante da hipótese de que a formam o mesossistema (p. ex., a escola, a
redução do risco ocorre frente à  promoção igreja, o clube). O exossistema é o conjunto
de fatores de proteção, este capítulo discu- de contextos nos quais a pessoa não estabe-
te a estrutura e a funcionalidade da rede de lece relações face a face, mas mesmo assim
apoio social e a representação mental das sofre a influência direta em seu desenvolvi-
relações de apego na vida de crianças viti- mento, como, por exemplo, a direção da es-
mizadas.   cola ou o local de trabalho de um pai de fa-
24 Luísa F. Habigzang, Silvia H. Koller & cols.

mília. O macrossistema é o conjunto de as- soa ao seu contexto, que se expressa diante
pectos relativos ao sistema de crenças, cultu- de situações de risco ao desenvolvimento.
ra, valores, religião e ideologias do grupo Por outro lado, consequências negativas para
social no qual a pessoa se insere que perpas- o desenvolvimento da pessoa caracterizam o
sa todos os demais sistemas mencionados e, que se chama vulnerabilidade, ou seja, ca-
também, influencia o desenvolvimento da racterística pessoal expressa principalmente
pessoa. Bronfenbrenner (1979/1996) afir- por meio de respostas mal-adaptadas aos
mou que quanto mais ambientes a pessoa eventos da vida (Zimmerman e Arunkumar,
frequentar e mais interações surgirem, mais 1994). Relacionados a isso, alguns fatores de
rica será sua rede de apoio. Para que essas risco têm sido apontados pela literatura,
relações tenham realmente um impacto pro- como mais frequentes e comprovadamente
tetivo sobre o desenvolvimento, é necessário influentes para o aumento da vulnerabilida-
que as pessoas desenvolvam afeto, reciproci- de. São eles: o empobrecimento, a violência
dade e equilíbrio de poder. doméstica e na comunidade, o tamanho da
A Abordagem Ecológica do Desenvolvi- família, a ausência paterna, a rigidez das
mento Humano pode servir como uma “mol- práticas educativas e a doença mental dos
dura e lente” teórico-metodológica para es- pais, entre outros (Seifer et al., 1992). Esses
tudos com populações em situação de vulne- aspectos configuram, em parte, a miséria
rabilidade, como a violência familiar. Os da- econômica e/ou afetiva que uma pessoa
dos podem ser coletados levando em conta o pode enfrentar como fator de risco para o
método de inserção ecológica (Cecconello, seu desenvolvimento. Cada um deles, em se-
2003; Cecconello e Koller, 2003), que consis- parado ou em conjunto, provoca uma amea-
te na operacionalização do modelo teórico ça constante que desencadeia ou gera priva-
para pesquisas sobre o desenvolvimento-no- ção e desvantagem física, emocional, afetiva
contexto. A inserção ecológica envolve o acom- e social (Luthar e Zigler, 1991; Seifer et al.,
panhamento de crianças em seus ambientes 1992; Zimmerman e Arunkumar, 1994). No
naturais (famílias, escolas e comunidades) e entanto, os fatores protetivos presentes ate-
inclui observações, conversas informais, en- nuam o risco, tais como: as características, o
trevistas e a aplicação de instrumentos. O estilo de comportamentos e crenças da pró-
tempo pode ser investigado levando em con- pria pessoa, o temperamento fácil ou adap-
ta a idade e outras questões relacionadas tável, a competência social, a percepção de
com a história de violência sofrida. A opera- controle eficaz e realística, a utilização de
cionalização do modelo, através da inserção estratégias de coping adaptativas, entre ou-
ecológica no ambiente natural proporciona tros. Assim como as relações eficientes e efi-
validade ecológica aos dados. cazes de apoio familiar, social e afetivo, ba-
Estudos utilizando a Abordagem ecológi- seadas em uma rede estável com interações
ca têm revelado que algumas pessoas, mes- recíprocas, saudavelmente coesas em nível
mo se desenvolvendo em contextos e situa- ecológico e com nítido equilíbrio de poder
ções adversas para sua saúde física e mental, (Bronfenbrenner, 1979/1996; Rutter, 1987;
apresentam condições saudáveis, sem sinto- Zimmerman e Arunkumar, 1994). O conjun-
mas psicopatológicos (De Antoni, Teodoro e to desses fatores de proteção, diante de situa-
Köller, 2009; Morais e Koller, 2004). Essas ções de estresse, serve como recursos que
pessoas têm respostas adaptativas diante de auxiliam a pessoa a interagir com os eventos
situações de estresse e de risco vividas em de vida e alcançar bons resultados, evitando
seu cotidiano. Esse processo foi chamado de consequências negativas ou enfrentando-as
resiliência, por Rutter, em 1987. Trata-se de como se fossem desafios a serem superados
um processo relacionado às respostas da pes­ (Garmezy e Masten, 1994).
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Nesse sentido, tomando a violência do- entanto, nem sempre essa violência está tão
méstica como um fator de risco presente na distante da realidade e sendo assistida so-
vida das crianças, podem ser investigados os mente na televisão. Formas violentas e agres-
fatores de proteção relativos à rede de apoio sivas de interação são utilizadas em ambien-
social e à representação mental das relações tes familiares, às vezes, como parte da práti-
de apego, que podem promover resiliência ca disciplinar, para controlar crianças ou
em crianças vítimas ou não de violência do- puni-las por comportamentos não aprovados
méstica. A estrutura e a funcionalidade de por seus pretensos cuidadores. Estudos sobre
redes de apoio social dessas crianças e suas violência doméstica revelam que o padrão
nuances, bem como a representação mental violento vivido em casa é levado pela vida
das relações de apego, podem mostrar dis- afora, refletindo-se no modo como as crian-
tintas formas de lidar com situações de es- ças lidam com eventos estressantes do seu
tresse. Para tal, é importante, compreender dia a dia e interagem socialmente (Caminha,
os aspectos relacionados aos eventos de vio- 1999; Oliveira e Flores, 1999).
lência doméstica aos quais essas crianças es- Não há concordância universal para defi-
tão expostas. nir violência e/ou abuso contra a criança,
A violência sofrida ou testemunhada por sendo usados vários termos, tanto no âmbito
crianças é um fenômeno complexo, resultan- nacional como no internacional, tais como,
te de uma combinação de fatores individuais castigo, disciplina, maus-tratos, agressão ou
e sociais, que ocorre na maioria dos países vitimização (Habigzang et al., 1999). Todos
do mundo e em todos os grupos socioeconô- estes termos, no entanto, referem-se ao que
micos, culturais, étnicos e religiosos (Pires, Koller (1999) definiu como violência, ou
1999). A presença de violência doméstica e seja, um fator de risco para todas as pessoas,
comunitária tem sido comparada com cenas relacionado a ações que tendem a cessar, im-
similares às das zonas de guerra (Garbarino pedir ou retardar o desenvolvimento pleno
et al., 1992).  Crianças e mulheres estão sen- dos seres humanos. São ações caracterizadas
do vitimizadas e espancadas em seus lares e por violação dos direitos humanos, abusos
as ações de violência estão banalizadas no nas relações de poder (hierarquia, subordi-
dia a dia da sociedade atual (Dlugokinski e nação e desigualdade), relações discrimina-
Allen, 1997). A mídia traz à tona, em deta- tórias (gênero, etnia) e de exclusão (pobre-
lhes, fatos que as pessoas, algumas vezes, za, marginalidade, orientação sexual).
não vivenciam em seu cotidiano, ou seja, a Pires (1999) e Koller (1999) apontam as-
exposição às drogas, ações de gangues, uso pectos que são comuns em casos de violência
de armas, conflitos entre grupos étnicos e re- doméstica. Por parte dos pais aparece alta
ligiosos, baseados em preconceitos e fanatis- incidência de repetição da história de abuso
mo, exploração infantil e juvenil, atividades sofrida na infância por parte do abusador,
terroristas e, ainda, desastres naturais. To- isolamento social, gravidez na adolescência,
dos esses fatos geram, ao mesmo tempo, promiscuidade dos pais com vários parceiros
medo e habituação com a violência. Repeti- convivendo sob o mesmo teto, apego insegu-
damente, as crianças testemunham em pri- ro ou ansioso entre pai/mãe/filho, falta de
meira mão, a violência através da mídia, pre- acompanhamento pré-natal, capacidade li-
judicando qualquer possibilidade de ter uma mitada em lidar com situações de estresse
visão de mundo seguro e previsível. Como (perda fácil do autocontrole), uso de drogas
resultado, as crianças vivenciam sentimen- e alcoolismo, baixa escolaridade, desempre-
tos de pânico e ansiedade, têm pesadelos e go, doenças psiquiátricas, transtornos emo-
dificuldades de concentração ou apresentam cionais e de personalidade. Os fatores mais
fobia social (Dlugokinski e Allen, 1997). No frequentes, que expõem a criança ao risco de
26 Luísa F. Habigzang, Silvia H. Koller & cols.

violência são: ter menos de três anos, ou danosa para a criança também do ponto de
seja, ser ainda inábil para se defender, ter vista emocional. Essa forma de disciplina
sido separado da mãe ao nascer, por doença, mostra uma confusão entre o amor e a dor, o
prematuridade ou malformações congênitas, ódio e a submissão, entre outros sentimentos
ter sido adotado com falta de vínculo nos (Farinatti et al., 1993; Pires, 1999).
primeiros anos de vida e não ter sido plane- Abuso sexual é  definido como qualquer
jada (Farinatti, Biazus e Leite, 1993; Garba- interação, contato ou envolvimento da crian-
rino et al., 1992; Koller, 1999; Pires, 1999). ça ou adolescente em atividades sexuais, que
A violência ou abuso se refere não só  à ela não compreenda ou com o qual não con-
ação, mas também à omissão de parte do adul- sinta, violando assim as regras sociais e legais.
to cuidador, que resulte em prejuízo ao desen- Esses envolvimentos podem ser por assédio,
volvimento físico, emocional, intelectual e so- toques físicos, voyeurismo, estupro, incesto e
cial da criança, bem como na insuficiência ou exploração sexual infantil (Habigzang et al.,
distorção da interação dos pais (ou cuidado- 2009). Os indicadores de vitimização sexual
res) com seus filhos (Koller, 1999). Ações e/ou podem variar desde alterações de comporta-
omissões têm se constituído em várias formas mentos até a presença de lesão genital grave,
de violência expressa contra a criança no am- passando por distúrbios do sono, dor abdomi-
biente doméstico, tais como, abuso físico, abu- nal, enurese, baixo desempenho escolar, de-
so sexual, abuso emo­cional e negligência. pressão, comportamento sexualizado, choro
 O abuso físico tem sido apontado como fácil, medo e comportamento suicida. As me-
a forma de violência mais comum e fácil de ninas são as vítimas mais frequentes, e a
diagnosticar, pois está geralmente associada maioria é abusada por pessoas que transitam
a alguma forma de punição ou disciplina (Pi- em contextos nos quais ela também participa.
res, 1999). Frequentemente, a marca do ins- Pais, padrastos, avós, tutores ou parentes pró-
trumento utilizado na agressão (cintos, five- ximos têm sido apontados como os principais
las, cordas, correntes, dedos e dentes) é en- abusadores denunciados às autoridades com-
contrada no corpo violado. Essas marcas petentes (Habigzang et al., 2009).
tendem a ser repetitivas e aumentam a cada O abuso emocional está presente em to-
investida (Farinatti, Biazus e Leite, 1993). das as demais formas de violência, embora
Lesões de queimaduras de segundo e tercei- possa ocorrer isoladamente e variar desde a
ro grau, principalmente por imersão, são co- desatenção ostensiva até a rejeição total. É
muns e acometem zonas, tais como, períneo, difícil ser documentado e diagnosticado,
nádegas, mãos e pés. Queimaduras de cigar- porque não deixa qualquer sinal visível (Fa-
ro podem ocorrer acidentalmente, mas po- rinatti et al., 1993; Pires, 1999). Essa forma
dem levantar suspeitas quando são múlti- de abuso é potencialmente nociva para a
plas. Com menos frequência, talvez pela lo- criança, levando a consequências severas
calização, são encontradas erosões no lábio como depressão, suicídio, baixa autoestima,
superior, no palato e no freio lingual, em retraimento, entre outras. Garbarino e cola-
crianças com mais de um ano, por tentativa boradores (1992) descreveram algumas for-
forçada de alimentação. Fraturas são fre- mas de abuso emocional como rejeição, de-
quentes, podendo ser únicas, múltiplas, anti- gradação, exploração, isolamento, terroris-
gas ou recentes. São comuns em costelas em mo, indisponibilidade emocional e corrup-
crianças menores de 2 anos. Traumatismos ção, que leva a criança a modelos de condu-
abdominais e cranianos são causas de mor- tas não aceitáveis pela sociedade.
talidade frequente em crianças submetidas à A negligência é  outra forma de maus-
violência (Farinatti, Biazus e Leite, 1993; Pi- -tratos, comumente associada a falhas ou
res, 1999). A punição física é extremamente omissões dos potenciais cuidadores na assis-
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tência e no provimento das necessidades bá- beram cuidado inadequado enquanto crian-
sicas da criança, tais como, saúde, alimenta- ças podem não ter um modelo adequado
ção, respeito, afeto e educação (Pires, 1999). para se tornarem pais. McClelland (1973)
O abandono pode gerar evasão escolar, pela afirmou que o abuso pode ser compreendido
falta de vigilância e de supervisão. O descui- como um processo no qual as diferenças ini-
do pode deixar as crianças mais expostas a ciais entre pais e filhos são ampliadas o tem-
acidentes e intoxicações frequentes. Crian- po todo. Assincronias entre criança e cuida-
ças negligenciadas apresentam higiene pre- dor, problemas que exigem controle, forma
cária, roupas sujas e, comumente, têm assa- de disciplina e interações aversivas podem
duras e problemas de pele. Algumas vezes, a estar presentes e serem multiplicadas até se
pobreza extrema pode ser confundida com a tornarem reconhecidas como desviantes e
negligência, mas são questões completamen- perigosas ao desenvolvimento. Esse processo
te distintas e devem ser diferenciadas. está associado ao estresse e à falta de apoio
As consequências de todos os tipos de vio- social da família (Egelend, Jacobvitz e Srou-
lência podem ser imediatas ou tardias. As ime- fe, 1988; McClelland, 1973). Na perspectiva
diatas são o estresse pós-traumático e os dis- de pais e crianças se tornarem uma família,
túrbios emocionais. As tardias são o risco de o abuso revela um sistema com defeito em
drogadição, exploração sexual, problemas de sua função (Bolger, Thomas e Eckenrode,
aprendizagem, promiscuidade, queixas somá- 1997). O padrão de maus-tratos é baseado
ticas, distúrbios na sexualidade, depressão e em tipos particulares de relações entre a día-
dificuldades de relacionamento (Pires, 1999). de, vítima e perpetrador e os outros que po-
O nascimento de uma criança deveria ser dem estar envolvidos. Para modificar esse
sempre considerado um evento social que padrão é necessário compreender quais fato-
sela a criação de uma família. No entanto, res ameaçam a relação familiar e o desenvol-
existem algumas circunstâncias específicas vimento da relação de apego pais/criança.
que tornam a relação pais e filhos mais vul- Só assim será possível implementar uma in-
neráveis à probabilidade de ocorrência de tervenção efetiva para prevenir maus-tratos.
maus-tratos, como, por exemplo, situação Visando à prevenção de repetição do qua-
econômica muito precária, histórias e carac- dro de violência doméstica, bem como as con-
terísticas pessoais da família, história de sequências da mesma, faz-se necessário o reco-
abuso ou negligência na infância dos pais, nhecimento de fatores que possam ajudar a
entre outros (Bolger, Thomas e Eckenrode, pessoa em desenvolvimento a romper ou mini-
1997). A complexidade dos fatores que in- mizar os fatores de risco. A promoção de resili-
fluenciam o desenvolvimento da relação pais ência com uma visão integrada de pessoa-am-
e criança, como expressos pelo apego segu- biente pode ser uma forma de prevenção. A
ro, no qual a criança demonstra angústia identificação de pessoas e ambientes mais sig-
quando é separada da mãe, mas se sente re- nificativos da rede de apoio pode subsidiar tra-
confortada logo que ela retorna. Mães que balhos de base, estimulando segurança, con-
têm um bom apoio social e emocional de fiança, autoestima, entre outros, aproveitando
suas redes são mais sensíveis aos cuidados o vínculo positivo, tanto da comunidade como
de seus bebês. Bolger e colaboradores (1997) da família com as crianças vitimizadas.  
salientam que os comportamentos maternos,
as características das crianças e as relações
fora da díade pais/criança podem ajudar a Rede de Apoio Social
determinar a qualidade do cuidado à crian-       
ça. Contudo, a história dos pais pode dificul- O ser humano, desde seu nascimento,
tar o cuidado com as crianças. Pais que rece- ne­cessita de cuidados especiais para sobrevi-
28 Luísa F. Habigzang, Silvia H. Koller & cols.

ver. O bebê precisa ser limpo, alimentado e, melhorar o funcionamento pessoal e prote-
principalmente, tratado com especial carinho ger o indivíduo de efeitos negativos causa-
e compreensão por aqueles que cuidarão dele dos por adversidades e estresse. O efeito
ao longo de sua vida. Nesse primeiro ambien- protetivo que o apoio social oferece está re-
te, já se caracteriza a necessidade que todas lacionado ao desenvolvimento da capacida-
as pessoas têm de apoio social no decorrer do de da pessoa para enfrentar essas adversida-
ciclo vital. Tanto o bebê precisa de apoio, des, promovendo características de resiliên-
como a mãe e o pai da criança. Com a ocor- cia e desenvolvimento adaptativo da perso-
rência dos eventos de vida, tanto positivos nalidade (Brito e Koller, 1999; Garmezy e
como negativos, previsíveis ou imprevisíveis Masten, 1994; Rutter, 1987).
ao desenvolvimento humano, é percebido O apoio social é concebido a partir de três
com mais clareza a necessidade de interação conceitos: apoio social percebido, relações
da pessoa com seu ambiente social. significativas de apoio social e presença real
O apoio social é entendido como um pro- de redes de apoio social (Pierce et al., 1996).
cesso interativo da pessoa com seu ambiente Entretanto, para compreender o apoio social,
social, evoluindo ao longo da vida e sendo esses conceitos não devem ser vistos isolada-
moldado por reciprocidade e bidirecionalida- mente, mas dinamicamente. O apoio social
de. Brito e Koller (1999, p. 117) definiram percebido tem sido utilizado para definir a es-
rede de apoio social como “o conjunto de siste- tima, o cuidado e/ou o interesse entre as pes-
mas e de pessoas significativas que compõem soas.  Reflete a crença da pessoa sobre a natu-
os elos de relacionamento recebidos e percebi- reza das suas relações sociais e o apoio perce-
dos do indivíduo”. Dentro da perspectiva da bido através das atitudes daqueles que com-
Abordagem Ecológica do Desenvolvimento põem a sua rede de relações. Pessoas que têm
Humano, o mundo social é composto por siste- relativamente bem-formadas a percepção, as
mas ou contextos [micro (família), meso (cre- expectativas e as atribuições sobre as relações
che, escola, trabalho), exo (direção da escola de apoio com pessoas específicas, apresentam
ou creche, lares dos professores, trabalho dos uma boa avaliação sobre os recursos e as pes-
pais) e macrossistemas (nível socioeconômico, soas disponíveis em suas vidas. Essas relações
religião, valores, crenças)] que a criança fre- podem capacitar pessoas na prevenção de
quenta e interage enquanto pessoa em desen- eventos estressantes, como, por exemplo,
volvimento (Bronfenbrenner, 1979/1996). buscar um conselho ou orientação, ajuda fi-
A primeira relação de apoio social evolui nanceira, informação relevante para resolu-
das relações de apego iniciais da criança e da ção de um problema, terapia, tratamento,
capacidade e disposição dos pais em prover minimizando o risco da ocorrência do evento.
suas necessidades. Essa experiência é a pri- Ao mesmo tempo em que a rede de apoio so-
meira base de esperança e segurança em ou- cial é composta por relações próximas e signi-
tras pessoas para satisfazer necessidades e ficativas, estas são dinâmicas e constantes, ou
desejos. O mundo social da criança começa a seja, há um movimento de entrada e saída de
se expandir para incluir outros membros não pessoas na estrutura da rede. Da mesma for-
familiares, geralmente, da creche e da esco- ma, a pessoa vivencia novas avaliações para
la. Começa a se formar aqui a rede de apoio recompor a rede. Sarason, Shearing, Pierce e
social, baseada também, nas qualidades pes- Sarason (1987) verificaram que pessoas com
soais da criança de responsividade e tempe- alto índice de apoio percebido foram mais
ramento (Newcomb, 1990). atentas na avaliação das características indi-
A rede de apoio social é dinâmica e cons- viduais de seus pares do que outras pessoas.
truída em todas as fases da vida (Newcomb, Elas, também, atribuíram a si mesmas mais
1990). Um alto nível de apoio social pode qualidades positivas do que negativas, além
Violência contra crianças e adolescentes 29

de se relacionarem positivamente com seus no intuito de interromper esse processo.


pais, amigos e pares. Esses achados contri- Muitas vezes a ajuda é encontrada dentro da
buem para capacitar pessoas a desenvolver própria família. A possibilidade de encontrar
estratégias de coping (formas de lidar com essa ajuda está na rede de apoio social, bem
eventos estressantes) mais realistas e efetivas, como em todos os ambientes e sistemas fre-
sendo mais eficazes no confronto com desa- quentados pela criança, principalmente a
fios, mesmo em uma situação de estresse escola, amigos e vizinhos, estando assim, a
(Pierce et al., 1996; Sarason et al., 1987). A serviço da promoção de resiliência (Koller,
rede de apoio social promove bem-estar por 1999). A relação inicial de apego tem sido
meio da autoestima e vínculos afetivos. Por descrita como a base para o reconhecimento
outro lado, a ausência de uma rede de apoio e o estabelecimento de relações estáveis e
pode produzir sentimentos de solidão e falta recíprocas, que são os pilares para a forma-
de sentido na vida. Apoio social pode, ainda, ção de uma rede de apoio.  
oferecer condições para subsidiar estratégias
de coping em situações muito estressantes,
promovendo a manipulação da situação e o Representação Mental
apoio emocional, favorecendo a resiliência das Relações de Apego
(Samuelsson, Thernlund e Ringström, 1996).
A rede de apoio social pode ser descrita A relação de apego permeia os temas da
em termos estruturais e funcionais. A estrutu- violência e de rede de apoio social. Na violên-
ra se refere à existência de membros no siste- cia, ao se detectar a falta ou a carência de cui-
ma de relações, podendo ser medida por seu dado com a criança, está aparente, implicita-
tamanho e composição. A função se direciona mente, a presença da falta de confiança, da
às características e qualidades das relações insegurança e do vínculo mal constituído entre
existentes na rede, e pode ser medida de vá- o cuidador e a criança. Aparece desde a falta
rias formas, entre elas pela satisfação com sua de acompanhamento pré-natal até a mãe e/ou
rede de apoio social e pela qualidade dos vín- pai que não conseguiram atender a criança em
culos afetivos presentes na rede, bem como a suas necessidades, seja por características dela
integração desses dois aspectos (Samuelsson, ou pela história de vida dos pais.
Thernlund e Ringström 1996). A relação de apego consiste em um vín-
Para a criança, a primeira e a mais impor- culo afetivo e recíproco, no qual aqueles que
tante rede de apoio é a família. Boyce (1985) cuidam, proporcionam a satisfação das ne-
propõe que a família oferece um sentido de cessidades de quem é  cuidado, pelo provi-
estabilidade com os elementos centrais na mento de conforto, carinho e proteção. A
experiência da vida. Entretanto, nos casos de sensibilidade dos pais para responder às ne-
violência doméstica, não é possível esperar cessidades da criança e a qualidade da inte-
que a família ofereça esses elementos de for- ração entre ambos contribuem para o desen-
ma positiva, pois é dentro desse ambiente volvimento de um senso de confiança e se-
que está centralizado o maior fator de risco. gurança, que servirá como base para o co-
Contudo, Bronfenbrenner (1979/1996) des- nhecimento e exploração do ambiente pela
tacou que sempre há algo saudável em uma criança (Ainsworth e Bell, 1970; Blehar, Li-
pessoa ou no contexto em que está inserida berman e Ainsworth, 1977; Bowlby, 1989;
que pode ser resgatado e retomado em seu Cecconello, 1999).
desenvolvimento. Mesmo na situação crítica A experiência de apego advinda das inte-
constituída pelo quadro da violência domés- rações da criança com seus cuidadores possi-
tica, crianças resilientes encontram meios e bilita a construção de modelos de trabalhos
força para buscar ajuda e o apoio necessário, internos, como a internalização de estrutu-
30 Luísa F. Habigzang, Silvia H. Koller & cols.

ras cognitivas, que servirão como base para seguro, baseadas na confiança (Mayer, 2003).
novos relacionamentos (Ainsworth, 1989). A investigação da representação mental das
O modelo que a criança constrói de si mes- relações de apego se torna importante, uma
ma reflete a imagem que os pais têm dela e a vez que a relação de apego está relacionada
noção de quão aceitável ou inaceitável ela se diretamente com todas as variáveis de coe-
percebe aos olhos dos pais. O modelo das fi- são e o apoio familiar.
guras de apego se refere à ideia que a crian- Finalmente, uma rede de apoio social e
ça faz de quem são seus pais (suas figuras de afetiva ampla, que permita a circulação em
apego) e como respondem às suas necessida- vários contextos, bem como a interação das
des (Cecconello, 1999). pessoas de outros microssistemas de modo
Ptacek (1996) apontou que, entre fatores adaptado e com equilíbrio nas relações de
determinantes da percepção de apoio social, poder pode proporcionar um desenvolvi-
a relação de apego com o cuidador primário mento mais saudável para crianças vítimas
pode ser o componente mais crítico do de- de violência doméstica. A representação men­
senvolvimento. O apoio social percebido em tal das relações de apego é outra variável im-
adultos é, portanto, a manifestação do mo- portante a ser considerada.
delo de trabalho interno baseado na relação Programas de prevenção e intervenção
de apego (Sarason et al., 1987). As relações para populações em situação de risco devem
primárias são hipoteticamente relacionadas ser realizados permanentemente, com fre-
ao sentimento de ser aceito e cuidado por quência e periodicidade, atendendo aos re-
toda a vida. Pessoas que têm uma relação de quisitos de prevenir e acompanhar os casos
apego positiva tendem a crer que outras pes- de violência doméstica. Devem ser dirigidos
soas são confiáveis para ajudá-las, como a um público alvo que inclua as crianças e os
também elas podem oferecer ajuda quando adolescentes vítimas de violência e os pais
for preciso. O modelo de trabalho, uma vez (perpetradores do abuso), ou seja, a família
internalizado, estará relativamente resisten- como um todo. Idealmente, poderiam ocor-
te a modificações (Ptacek, 1996). Baseado rer dentro das escolas, já que estas têm sido
nesse pressuposto, é que se realizam estudos identificadas como um microssistema reco-
sobre a representação mental das relações nhecido como protetivo, preferencialmente
de apego (conforme descrito por Bretherton, envolvendo os profissionais desse contexto.
Ridgeway e Cassidy, 1990; Cassidy, 1988; Em nível preventivo podem ser realizados
Fury, Carlson e Sroufe, 1997). Esses autores grupos de gestantes, proporcionando o de-
avaliaram a relação de apego baseados na senvolvimento das relações de apego desde
comunicação da criança sobre a relação, pois o pré-natal. Em nível de intervenção, ou seja,
postularam que as experiências precoces de nos casos de violência doméstica já ocorri-
apego foram internalizadas e transformadas dos, o trabalho deve ser desenvolvido aten-
em representações mentais da relação de dendo às próprias crianças vítimas, propor-
apego. Em um estudo realizado com meni- cionando a ampliação da rede de apoio so-
nas vítimas de violência doméstica foi verifi- cial e afetivo, bem como a melhoria da auto-
cado que a representação mental das rela- estima e do bem-estar. Também devem ser
ções de apego é, em sua maioria, do tipo in- atendidos os pais, por meio de grupos de
seguro. Por outro lado, meninas não vítimas apoio nos quais seriam discutidas questões
de violência doméstica, vivendo no mesmo sociais e histórias de vida, buscando desen-
ambiente comunitário violento que meninas volver o senso de produtividade, mais valia e
vítimas, apresentaram uma rede de apoio so- bem-estar. A compreensão de suas histórias
cial e afetiva mais ampla e a representação de conduta violenta deve ser desenvolvida,
mental das relações de apego eram do tipo além da busca de ampliação da rede de apoio
Violência contra crianças e adolescentes 31

social e afetiva. Quanto aos irmãos abusado- tureza e cultura em ação (pp.115-129). São Paulo:
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