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determinista da causalidade linear em que o depende das exigências dos papéis, dos estresses e
componente desencadeador da violência ou abuso dos apoios oriundos de outros ambientes. Assim, as
infantil seria o desvio (ou doença) de natureza avaliações dos pais de sua própria capacidade de
individual (modelo psicopatológico) e social. Em funcionar estão relacionadas a fatores externos como
contrapartida, o segundo modelo, descrito pelas flexibilidade dos horários de trabalho, presença de
autoras, seria o interativo que pretende “superar o amigos e parentes apoiadores, qualidade de serviço
simplismo do pressuposto unicausal, substituindo-o social, dentre outros (Bronfenbrenner, 1996/2002).
pelo da multicausalidade decorrente da interação de A perspectiva bioecológica, portanto, oferece
fatores macro (sistemas socio-econômico-político) e subsídios para uma compreensão sobre a pessoa em
micro (história de vida dos pais versus estrutura e desenvolvimento no contexto em que ela está inserida
funcionamento familiar)” (p. 43). Cecconello (2003) e se faz particularmente pertinente quando nos
ao realizar estudos qualitativos utilizando a Aborda- referimos às crianças em situação de risco pessoal e
gem Bioecológica do Desenvolvimento Humano, social. Diante da complexidade do fenômeno da
concluiu que a pobreza e a violência existentes na violência, esse deve ser compreendido ecolo-
comunidade tendem a potencializar os efeitos gicamente, através da perspectiva social, familiar e
negativos associados com fatores de risco internos à pessoal (Garbarino & Eckenrode, 1997). Os fatores
família, como a violência doméstica, o alcoolismo e a que contribuem para sua incidência são múltiplos,
depressão materna. incluindo desde o nível microssistêmico na esfera
Ao estudar violência doméstica, parte-se do pessoal e familiar até os fatores que operam o nível
pressuposto de que determinadas práticas parentais meso, exo, e macrossistêmico.
podem ser consideradas risco para a instalação de Cecconello e cols. (2003) descrevem as
abuso físico (Cecconello; De Antoni & Koller, 2003). práticas coercitivas e crenças nos valores autoritários
Sabe-se que a punição física é ainda muito justificada como fatores de risco para desencadear o abuso
no contexto familiar como uma prática educativa. As físico. Da mesma forma, o desemprego, a pobreza e
estratégias de socialização utilizadas pelos pais são a violência que operam no nível do macrossistema,
denominadas por alguns autores de práticas contribuem para que as famílias não tenham acesso
educativas parentais (Gomide, 2003), sendo a prática a recursos básicos como saúde, educação e trabalho,
autoritária a que oferece riscos para a instalação de o que limita as possibilidades de estabelecimento de
abuso físico ou psicológico. redes de apoio no mesossistema. Estes fatores podem
Assim, as condições oferecidas por determi- levar ao isolamento da família e, conseqüentemente,
nadas práticas parentais desfavorecem as relações ao abuso familiar (Cecconello e cols., 2003). Portanto,
afetivas, importantes para a ocorrência dos processos na perspectiva social, o risco de abuso físico está
desenvolvimentais, baseadas em reciprocidade, relacionado ao isolamento social e afetivo e a eventos
equilíbrio de poder e relação afetiva (Bronfenbrenner, de vida estressantes, além de ausência de uma rede
1996). Segundo Cecconello, De Antoni e Koller (2003), de apoio. A riqueza dos mesossistemas, o conjunto
as relações de poder dentro da família influenciam de microssistemas pela qual a criança transita,
amplamente os estilos parentais e as práticas educativas mensurada a partir da quantidade e qualidade das
utilizadas. A falta extrema de afeto ou a rejeição gera conexões, auxilia na criação de uma rede de apoio
conseqüências negativas para o desenvolvimento social. Neste caso, a criança transita de papéis por
(Cecconello, De Antoni & Koller, 2003). vários ambientes favorecendo seu desenvolvimento.
Ao se referir ao microssistema familiar e suas Segundo Garbarino e Eckenrode (1997), se existe
interconexões com outros sistemas no impacto para escassez de ambientes e falta de conexão entre eles,
o desenvolvimento infantil, Bronfenbrenner (1996) o mesossistema não se configurará como uma rede,
afirma que a possibilidade de os pais apresentarem produzindo um fator de risco. Para Koller (1999), os
um desempenho efetivo na educação dos seus filhos fatores de risco presentes no nível macrossistêmico
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são: aceitação cultural da violência, visão cultural de pequena, assumindo papel importante para o
posse da criança, ausência de comprometimento com desenvolvimento de aspectos sensório-motores, sócio-
os direitos da criança e da mulher e violência na mídia. emocionais e cognitivos, além de representar a
Ao partir para o nível microssistêmico, inserção da criança na cultura em que está inserida
observa-se em famílias que apresentam risco para a (Alves, 2007).
instalação de abuso físico um desequilíbrio de poder Os jogos simbólicos fazem com que a criança
justificado pela prática disciplinar, além de falta de conheça e expresse sua cultura, por meio de
reciprocidade/ afeto entre seus membros e, em alguns brincadeiras que retratam seu cotidiano, possuindo
casos, alto nível de conflito conjugal. A maternidade uma função socializadora. Neste tipo de ação lúdica,
solteira (famílias uniparentais), maternidade na ao se inserir nos jogos de faz-de-conta, a criança se
adolescência e ausência do pai também configuram utiliza de esquemas simbólicos, organizando as idéias
no nível microssistêmico condições favoráveis para e penetrando no mundo da cultura, no qual os
a ocorrência de abuso intrafamiliar, além de fatores acontecimentos/ações do brincante possuem
pessoais como personalidade hostil, doença mental significações (Vanícola, 2000).
ou transtorno de humor por parte dos abusadores A brincadeira, portanto, constitui um espaço
(Cecconello e cols., 2003). A experiência dos pais na de aprendizagem onde a criança age além do seu
sua família de origem também pode representar um comportamento cotidiano e faz com que experimente
risco para a adoção de práticas parentais coercitivas. diferentes papéis sociais generalizados a partir da
Pais que receberam educação severa e/ ou foram observação do mundo dos adultos. Além disso,
vítimas de maus tratos na infância apresentam maior ultrapassando o fato da atividade lúdica se constituir
risco de repetir a experiência com seus próprios filhos em um espaço de conhecimento sobre o mundo
(Belsky, 1980). É a chamada transmissão inter- externo, é no brincar que a criança pode conviver
geracional da violência. com os diferentes sentimentos que fazem parte de
Em consonância à teoria elucidada por sua realidade interior. Em relação aos primeiros seis
Bronfenbrenner, é importante a referência do núcleo anos de vida, Oliveira (2002) chama atenção para o
pessoa – características próprias e respostas frente fato de que o brincar do ser humano desta faixa etária
aos estímulos ambientais – neste caso, o contexto da tem uma significação especial, uma vez que é
violência intrafamiliar. Assim, acredita-se que o condição de todo o processo evolutivo neuropsi-
comportamento lúdico da criança, podendo ser cológico saudável e também por ser veículo da
subsidiado pelo recurso dos contos, reflete este núcleo. manifestação da forma como a criança está
Dentro deste universo, aborda-se a importância das organizando sua realidade e lidando com seus
narrativas orais no desenvolvimento infantil, uma vez conflitos. Além disso, o brincar introduz a criança de
que este foi o instrumental utilizado para a forma gradativa, prazerosa e eficiente no universo
compreensão e detecção da realidade e contexto em sócio-histórico-cultural e embasa o processo de
que as crianças se desenvolvem. Os dois estudos são ensino/aprendizagem favorecendo a construção da
articulados a partir do questionamento sobre o reflexão, da autonomia e criatividade (Oliveira, 2002).
potencial do recurso das narrativas orais para a Considerando ainda que no período pré-
expressão e elaboração da vulnerabilidade vivida, em operacional surgem atividades recreativas de faz-de-
termos de condições de desenvolvimento. conta, intensificando-se a recreação simbólica
principalmente entre quatro a seis anos, os contos
Atividades simbólicas e contos de fadas: nesta fase podem mostrar à criança, em uma
relevância para o desenvolvimento infantil linguagem acessível, questões humanas, que ela
A atividade lúdica, de forma geral, abrangendo vivencia, mas não tem condições de compreender.
desde a utilização de jogos, brincadeiras e brinquedos, Estas narrativas dão forma aos seus desejos e
é entendida como a principal manifestação da criança emprestam-se como um cenário de seus sonhos,
Alves, H.C. & Emmel, M.L.G.(2008). Perspectiva bioecológica e narrativas orais 8 9
aguçando sua imaginação e favorecendo seu processo revelou, de forma geral, a utilidade dos contos na
de simbolização, tão necessário à sua inserção em expressão dos sentimentos, uma vez que são
mundo civilizado e cultural (Radino, 2003). verbalizados pelas crianças por meio de comentários,
A utilização de técnicas de contação de através de projeções e identificações com os
histórias auxilia no desenvolvimento da capacidade personagens. Reconhece-se que o potencial
da imaginação, ou seja, na representação de imagens. metafórico do conto permite, com um distanciamento
(Fazio, 2000). O método de contação de histórias ainda seguro para que os sentimentos sejam ditos e
pode favorecer o desenvolvimento emocional da elaborados. Gutfreind (2003) também relatou o caso
criança uma vez que é possível negociar e renegociar de uma criança vitimizada que desenhou João e Maria
os significados por meio da mediação das técnicas recebendo sevícias físicas.
narrativas. Assim, o ato de contar histórias pode ser A utilização da atividade de contar histórias e
útil para elucidar a interpretação da criança sobre o faz-de-conta se evidencia pelas possibilidades de
um possível evento que seja perturbador para ela e representação simbólica contribuindo para o
também para dividir o significado que a criança desenvolvimento integral da criança nos aspectos
reserva para tais eventos. Para a autora, a capacidade sócio-emocionais e cognitivos, devendo ser explorada
da criança usar a representação ou a fantasia, como em pesquisas que se fundamentem teoricamente nas
habilidade de lidar com o mundo, pode ser encorajada contribuições para a clínica e ações territoriais junto
por terapias que envolvam o ato de contar histórias às crianças que sofrem riscos pessoais e sociais e
(Fazio, 2000). suas famílias.
Neste sentido, Castelo Branco (2001) investi- Este estudo teve por principal objetivo traçar
gou o que acontece com a inserção de livros de considerações a respeito do contexto em que a criança
histórias infantis na relação terapêutica da ludoterapia vítima de violência se desenvolve, a partir de uma
sob a Abordagem Centrada na Pessoa, discorrendo visão bioecológica sobre o desenvolvimento. A partir
sobre a viabilidade deste recurso na facilitação das destes dados, verifica-se se os conteúdos trazidos
sessões terapêuticas da criança. Concluiu que a pelas crianças em sessões de narração de histórias e
história infantil é um recurso facilitador do atividades simbólicas, refletem sua realidade de vida
estabelecimento do “rapport” na relação terapêutica e vivências pessoais nas ações lúdicas desenvolvidas.
e que através da relação terapeuta-história-criança
houve a identificação da criança com conteúdos da Método
história, o que facilitou a expressão de sentimentos Participantes
importantes e de conteúdos problemáticos.
Gutfreind (2003) realizou um estudo a partir Participaram deste grupo três crianças do sexo
de um ateliê de contos com crianças carentes feminino e seus cuidadores, com idades que variavam
afetivas, em situação de abrigo, separadas de seus entre cinco e sete anos. As três participantes foram
pais na França e constatou efeitos terapêuticos sobre encaminhadas através do Conselho Tutelar de
sua vida imaginária, a partir de registros em forma Francisco Morato. C1 (sete anos) sofreu violência
de relatórios e alguns instrumentos avaliativos como sexual de um tutor, sendo abrigada em decorrência
o CAT, Escala de Perfil Sócio-Afetivo e desenhos.1 da violência sofrida. C2 (cinco anos) e C3 (seis anos)
Na conclusão do estudo, Gutfreind (2003) demonstrou sofreram violência física da mãe, sendo que ambas
a comparação dos resultados dos testes psicológicos continuam sob a tutela materna. As crianças C1 e
aplicados antes e depois do ateliê de contos. O CAT
revelou, entre outros itens, melhora no nível dos 1
Gutfreind (2003) realizou as mesmas sessões com dois grupos:
discursos; presença de uma atividade de fantasia mais
um grupo controle e um grupo experimental. As crianças primei-
rica; mais verbalizações de afetos. A seqüência das ramente ouviam a história (tradicional ou contemporânea) para
sessões realizada no estudo de Gutfreind (2003) depois desenharem, brincarem com massinha e/ ou dramatizarem.
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É possível constatar através das entrevistas, pessoa não freqüenta como participante ativo) pode
outros fatores relacionados tanto ao microssistema desempenhar uma influência sobre seu desen-
familiar quanto ao exossistema, que contribuem volvimento (Bronfenbrenner, 1996/2002). Em sua
negativamente nas práticas parentais adotadas pelos teoria, este autor destaca três exossistemas que
pais. A mãe de C3 estava na ocasião separada do influenciam os processos familiares e conse-
segundo marido recentemente, relatando situações qüentemente, o desenvolvimento da criança: o
de stress em relação a este relacionamento. Na trabalho dos pais, a sua rede de apoio social e a
ocasião do espancamento denunciado, a genitora comunidade em que está inserida.
relata que naquele dia estava muito irritada porque Alguns fatores do exossistema influenciam
tinha discutido com seu ex-marido. Este fato parece negativamente o desenvolvimento de uma criança
denotar a questão da falta de apoio conjugal nas como pode ser percebido na família de C2. A restrita
relações entre os pais como um importante fator de rede de apoio social, a comunidade violenta e hostil e
risco para as práticas educativas inadequadas o trabalho como vendedora ambulante podem ser
perpetradas pelo principal cuidador. contemplados na análise intrafamiliar. Quanto ao
Bronfenbrenner (1996/2002) afirma que a trabalho materno, é possível observar três confi-
separação pode perturbar a relação entre pais e filhos, gurações: negligência (deixando-a sozinha em casa),
prejudicando a capacidade daqueles no desempenho exigência além das possibilidades físicas e biológicas
de funções socializadoras, com a competência devida, de uma criança de cinco anos (levando-a à pé para
junto a esses. Bronfenbrenner descreve três lugares possivelmente distantes por tempo pro-
condições básicas para avaliar os efeitos do divórcio longado), ou apoio inconstante por parte de uma
sobre o desenvolvimento das crianças: a relação vizinha que manifesta negação de cuidados frente
afetiva, a reciprocidade e o equilíbrio de poder. A aos problemas de comportamento de C1 . A família
situação de separação e divórcio gera um clima de C1 também manifesta que na ocasião do atentado
emocional negativo, sendo que a conseqüente violento ao pudor sofrido por sua filha, não tinha uma
diminuição no nível de reciprocidade na relação torna rede social de suporte confiável.
mais difícil o equilíbrio de poder, configurando a Por outro lado, nas configurações do contexto
situação de desobediência dos filhos. vivenciado por C3 encontramos uma situação
Evidencia-se que eventos de vida estressantes, diferente: após a denúncia ao Conselho Tutelar e o
como por exemplo, os desafios associados ao divórcio início do processo junto ao fórum, a mãe foi orientada
e ao recasamento, aumentam o stress parental, pelo conselho a receber tratamento psicológico
produzindo, ocasionalmente, depressão, ansiedade, vinculado à rede, além de voltar a trabalhar (na época
irritabilidade e, principalmente, uma interferência na da denúncia vivia exclusivamente da pensão dos
capacidade dos pais para o desempenho de suas filhos). O trabalho teve um reflexo positivo, segundo
funções parentais, ocasionando problemas de o relato da mãe:
comportamento nos filhos. Após o divórcio os pais
(...) uma hora resolvi trabalhar por
tendem a ser menos consistentes com relação às
conselho do Conselho Tutelar, para
práticas educativas: um pai ou uma mãe estressada
arranjar alguma coisa para fazer, para
podem ter dificuldade no atendimento às demandas
não ficar só ali junto deles... é bom
de uma criança carente (Hetherington & cols., 1998
trabalhar... a gente está um pouco distante
citado por Cecoccelo, 2003).
e quando está perto é só parte boa que a
Na Abordagem Bioecológica do Desen- gente vê, a gente não fica olhando
volvimento Humano de Urie Bronfenbrenner, aqueles defeitinhos, a baguncinha por
preconiza-se que o exossistema (ambientes que a toda casa o dia inteiro (...) (mãe de C3).
Alves, H.C. & Emmel, M.L.G.(2008). Perspectiva bioecológica e narrativas orais 9 3
Para a criança, o trabalho materno constitui o lado, nas práticas educativas da família de C1, que
exossistema e exerce influência significativa, mesmo sofreu atentado ao pudor por parte de um tutor.
que indireta, no seu desenvolvimento. Ao abordar este Fatores estressantes como a maternidade solteira e
aspecto, alguns autores apontam para o trabalho o divórcio foram revelados nas famílias de C2 e C3,
materno como fator de proteção para a incidência de como possíveis fatores que influenciam o relacion-
um estilo autoritário na educação dos filhos. Estudos amento entre mãe e filhos. Já o trabalho materno foi
afirmam que as mães empregadas são signi- citado na família de C1 e C2 como um fator de risco
ficativamente menos autoritárias, menos permissivas para a criança, configurando situação de negligência,
e mais autoritativas que mães desempregadas; que e mencionado, no entanto, como um fator de proteção
mães empregadas são significativamente menos pela mãe de C3, possibilitando um contato mais
deprimidas que as desempregadas; e que quanto positivo entre mãe e filhos.
maior a depressão, maior o autoritarismo e a A identificação de alguns aspectos das
permissividade (Bolsoni-Silva, 2003). Estes estudos condições de vida e desenvolvimento das partici-
corroboram com os dados desta pesquisa uma vez pantes ofereceu indícios de como cada criança que
que o trabalho é percebido, pela mãe de C2 como brinca se percebe no seu ambiente, demonstrando a
uma importante fonte de apoio social e bem-estar, visão que tem de si própria. Essa relação fica aparente
melhorando seu relacionamento com os filhos ao a partir dos conteúdos que foram despertados pelos
afastar-se do estresse do dia-a-dia. contos narrados durante as intervenções realizadas.
Eu acho que eles me dão mais carinho. Assim, o estudo do contexto de desenvolvimento a
Apesar de pouco tempo, é pouco tempo, partir das entrevistas, possibilitou compreender a
só de carinho. Aí eu chego em casa, daí criança durante a atividade lúdica. O conteúdo por
a C3 procura deixar os brinquedinhos ela narrado em forma de brincadeira ou nas conversas
assim arrumadinhos... porque a coisa após o conto, apresentou em alguns momentos, como
que eu mais brigo com ela é em relação será destacado a seguir, semelhanças com o enredo
a espalhamento de brinquedos...então da sua própria história.
ela já deixa tudo arrumadinho... ela tem
prazer de me mostrar. (mãe de C3). Impacto das narrativas orais nos conteúdos
expressos durante o faz-de-conta
A descrição desta cena familiar após a Entre as contribuições das narrativas da
intervenção do Conselho Tutelar e o início de uma tradição oral para a formação da criança, Bettelheim
nova rotina que se estabeleceu em função do trabalho (1980) enfatiza a importância dos contos de fada para
materno, revela um esforço, por parte da mãe e da o desenvolvimento emocional da criança. Os contos
criança, em reconstituir a relação familiar a partir de de fadas têm como função alimentar os recursos
negociações de comportamentos (arrumar brin- internos de que a criança necessita para lidar com
quedos), e, principalmente, baseando-se na emissão seus problemas interiores.
de afeto (carinho). Estes comportamentos (da mãe e O impacto das narrativas sobre os conteúdos
da criança) constituem-se em fatores favoráveis para verbalizados durante as sessões pôde ser observado
o desenvolvimento de C3, a partir da possibilidade de de diferentes formas em cada participante. As análises
uma nova configuração da vivência familiar. das sessões de contação de histórias mostraram como
A transmissão intergeracional foi constatada as participantes se expressaram a partir da narração
nas famílias de C2 e C3, não constando, por outro dos contos-de-fada durante as atividades simbólicas.
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C1 não apresentou no faz-de-conta cenas di- ou cinco meses), diminuindo sua gravidade. Segundo
retamente relacionadas à violência sexual. No entan- D´Affonseca e Williams (2003), variáveis descritas
to, após a narrativa de Bicho Peludo2, a participante por pesquisadores como amenizantes do impacto do
revelou desejo de ouvir a história várias vezes. Após abuso sexual infantil são avaliadas: um agressor ou
ouvir a história, C1 organizou os objetos utilizados pela múltiplo agressores, freqüência e duração do abuso,
pesquisadora para narrar o conto. Isto parece se re- o relacionamento com o agressor, a intensidade da
lacionar com uma necessidade de organizar os ele- violência empregada, o grau de apoio da família, entre
mentos e reestruturar sequencialmente a narrativa outros.
para que suas significações se tornem presentes. Após Por outro lado, Bettelheim (1980) afirma que
este movimento, C1 solicitou que a pesquisadora con- apesar dos objetos serem usados para incorporar
tasse novamente a história, principalmente a parte em vários aspectos complexos, inaceitáveis e contra-
que a princesa foge do castelo e é resgatada por uma ditórios da personalidade da criança, algumas pressões
carruagem real no meio da floresta. A significação inconscientes, justamente pelo nível de contradição,
desta parte do enredo é sugerida fortemente pela periculosidade e desaprovação social, não se prestam
expectativa já sinalizada anteriormente e também por a isso, não sendo possível serem colocados na própria
sua interrupção no momento exato em que a prince- brincadeira. Acredita-se que o aspecto vitimizado da
sa é encontrada. Ao chegar no trecho da história em personalidade da criança também contenha em si um
que a princesa foge e é encontrada pelos caçadores, alto nível de conflito e de sentimentos contraditórios
a participante repete as palavras da heroína (“Por com as quais muitas vezes ela não consegue lidar.
favor, não quero mal em mim”), ou seja, empresta Neste sentido, ouvir um conto e falar sobre ele pode,
sua voz para a protagonista, demonstrando as bases por si só, representar uma via de expressão importante
de identificação que constrói a partir do conto narra- para a criança.
do. Ao ser questionada pela pesquisadora de que mal
O tema de fuga é recorrente nas diferentes
falava, a participante respondeu : “Mal que acontecia
formas de expressão lúdica da participante C2. Na
com ela (...) ela sofria (...) porque ela era filha, mas o
sessão em que foi narrada a história da Bruxa Salomé,
pai dela fazia tudo com ela” (sessão 9). Azevedo e
C2 escolheu o castelinho de madeira e os tecidos
Guerra (1988) discutem a semelhança deste conto
utilizados em outra sessão. Começou a relatar,
com aspectos da vida de crianças que sofrem este
espontaneamente, um dos seus episódios de fuga.
tipo de violência: desde a reação de pavor da heroína
Relata que foi encontrada, levada para um abrigo e
diante da proposta criminosa que implica na erotização
resgatada pela mãe dias depois. O conteúdo narrado
das relações pai-filhas, até os sentimentos contradi-
por C2, relacionado à sua experiência de fuga tem
tórios que acompanham a proposta e a fuga do desti-
algumas semelhanças com o conto. No conto existe
no trágico por parte da princesa.
uma mãe que sai e deixa os filhos sozinhos em casa,
A brincadeira de faz-de-conta não representou como ocorre, ocasionalmente com ela e sua irmã.
a violência de abuso sexual sofrida por C1, Na situação relatada, C2 e a irmã fugiram e foram
contrariando alguns estudos (Mello, 1999) que parar em um abrigo em São Paulo, assim como as
revelam que a criança vítima de violência sexual crianças do conto que foram para outra casa, a casa
poderia apresentar um conjunto rígido de com- da bruxa. A participante e sua irmã foram resgatadas
portamentos de brincar, representando o trauma vivido
de modo repetido e inconsciente. A não-expressão
direta da violência pode ser compreendida, de um 2
Neste conto a rainha morre no início e diz ao rei que ele só
lado, se avaliarmos os seguintes fatores: primeiro que poderia voltar a casar-se com alguém mais bela do que ela. A
a violência se passou no ano anterior ao início da princesa cresce e supera a beleza da mãe, despertando os dese-
coleta de dados (aproximadamente 12 meses antes), jos libidinosos do rei que passa a desejar desposá-la. A moça
e a duração do abuso foi relativamente curta (quatro foge do palácio.
Alves, H.C. & Emmel, M.L.G.(2008). Perspectiva bioecológica e narrativas orais 9 5
pela mãe algum tempo depois, aspecto este que também ciamento através da sua linguagem metafórica, per-
se assemelha aos elementos presentes no conto, mitindo as identificações e até as representações
quando a mãe vai buscar os filhos na casa da bruxa. parentais, sem que haja ameaça direta destas fanta-
Além disso, o conteúdo verbalizado por C2 parece sias sobre o mundo da criança (Bettelheim, 1980;
intimamente relacionado com a forma como ela brinca: Gutfreind, 2003).
fechando e abrindo o castelinho, colocando e retirando Gutfreind (2003) acrescenta que, a partir dos
objetos de dentro dele. O conto narrado não precisa contos, as crianças retomam seu fio narrativo e
necessariamente ter relação com a vida concreta da relacional. “Isso porque os contos falam de tudo sem
criança (Bettelheim, 1980), sendo possível uma nada ameaçar e, por metáforas, podem trazer históri-
utilização simbólica por parte dela. Neste caso, porém, as terríveis, mas que, dentro do conto, deixam de ser
a evidência da relação entre conto e o relato de fuga, ameaçadoras.” (Gutfreind, 2003, p. 147). Para o au-
leva a considerar as possibilidades que o conto oferece tor, os contos populares funcionam como um reser-
para enquadrar, mesmo inconscientemente, as vatório de medos: o medo de ser abandonado, o de
experiências vivenciadas pela criança. estar só, o de morrer, o de matar, o de ser preterido a
Bettelheim (1980) afirma que os contos um irmão e, enfim, o medo maior, que é o de não ser
oferecem um sentido a situações em que as crianças amado. (Gutfreind, 2003). Todos os contos parece-
têm ou tiveram ocasião de viver, caracterizando assim ram trazer à tona medos reais que a criança C2 vive
o aspecto terapêutico. Em concordância com este no seu dia-a-dia, tendo sido expressos em suas brin-
autor, Gutfreind (2003) completa esta afirmação ao cadeiras recorrentes, cuja temática era ficar só, es-
dizer que este recurso auxilia a transformação do perando uma mãe que nunca chega em casa.
conteúdo inconsciente em fantasias representáveis. Outra forma de manifestar conteúdos relacio-
A participante C2, em todas as histórias, nados às vivências pessoais foi a utilização, por parte
demonstrava alívio e alegria sempre que a bruxa ou de C2, da mala de madeira. C2 criou uma expressão
madrasta da história morria. Expressar o desejo da lúdica que se repetiu nas sessões seguintes, em que
morte da madrasta punitiva e o seu júbilo quando isso se trancava dentro de uma mala e dizia que aquela
ocorre parece ter sido importante para esta era a sua casa e que estava sozinha, fazendo servi-
participante. Suas pulsões e seu conteúdo incons- ços domésticos enquanto aguardava a chegada de
ciente, como certos sentimentos nocivos, ganharam sua mãe. A repetição desta temática de esperar, den-
a vestimenta de um personagem e de um enredo, tro da mala, a mãe chegar parece se relacionar aos
possibilitando a representação consciente de alguns períodos em que C2 foi deixada sozinha em casa pela
conflitos. Em praticamente todas as histórias, C2 mãe quando essa não podia levá-la junto para o seu
verbaliza que a melhor parte da narrativa é a morte trabalho nos períodos em que não ia à escola. Duran-
da madrasta ou da bruxa, expressando alívio e euforia te o ano de 2005, ao ser deixada sozinha em casa, C2
quando isso ocorria durante a contação. fugiu com a irmã, e, algumas vezes sozinha, sendo
Ao discorrer sobre as bruxas e os personagens sempre encontrada pelo Conselho Tutelar ou pela
cruéis dos contos de fadas, Bettelheim (1980) afirma polícia, dentro do município ou mesmo fora3.
que a punição cruel de uma pessoa malvada nos Já a participante C3 quase não verbalizou em
contos de fadas oferece segurança à criança, ou seja, nenhuma das sessões. Ouviu as histórias atentamen-
“quanto maior a severidade com que se lida com os te, mas seu faz-de-conta em muitos momentos mos-
maus, tanto mais segura se sente a criança.”
(Bettelheim, 1980, p. 174).
3
No conto “Irmão e Irmã”, as crianças fogem de casa diante dos
A possibilidade de vivenciar o personagem
maus-tratos da madrasta-bruxa. Durante essa sessão, C2 refor-
Bruxa, jubilando-se com sua morte, se deve ao fato çou a utilização da mala como uma casa (e cama), e a necessidade
de o conto oferecer a possibilidade de um distan- de ser cuidada.
96 Paidéia, 2008, 18(39), 85-100
trou-se dependente de C1 para manifestar um con- ao mesmo tempo em que representou um fator de
teúdo mais fortemente ligado à atividade de repre- proteção para o desenvolvimento de uma das
sentação simbólica. Nas brincadeiras de casinha, tema participantes e do macrossistema (a cultura em que
que ficou mais intenso a partir da quinta sessão após as famílias se inserem e a crença na punição física
a história da Cinderela, C3 manteve-se sempre, in- como uma prática educativa eficaz).
variavelmente no papel de filha de C1. Nestes mo- De modo geral, ao considerar e constatar a
mentos representava uma filha obediente e passiva influência da cultura enquanto um fator muito
às ordens maternas, silenciosa, obedecendo pronta- determinante na instalação da violência, ressalta-se
mente seus mandos. Em muitos episódios de faz-de- a importância de ampla conscientização social sobre
conta, C3 estabeleceu com C1 cenas muito harmoni- violência intrafamiliar em campanhas publicitárias,
osas, dramatizando cenários familiares, como jantar, programas de orientações contínuas dentro de
almoço e café-da-manhã, trabalho e escola, na re- equipamentos das Unidades de Saúde da Família,
presentação uma situação calma do dia-a-dia. A per- hospitais, entre outros equipamentos sociais que
gunta que se fica é se suas ações lúdicas munidas de possibilitem uma mudança de valores e idéias que
uma boa representação parental, e antes de tudo, de estão, ainda hoje, relacionados às formas de se educar
ótimos comportamentos por parte de uma filha, reve- uma criança (Alves, 2007; Ferrari & Vecina citado
lam a representação do seu dia-a-dia ou sua necessi- por Santos & More, 2006). É possível ainda
dade de resgatar a figura da mãe, reconciliando-se intervenções através de programas preventivos em
com ela, numa convivência pacífica. É interessante escolas, igrejas e centros comunitários, já que
lembrar que na entrevista, a mãe revelou aspectos do constituem aparatos institucionais e físicos impor-
cotidiano que têm melhorado, na relação com os fi- tantes na constituição do mesossistema, sendo
lhos, diante as orientações do Conselho Tutelar e o coadjuvantes na promoção do desenvolvimento da
acompanhamento com psicólogo da rede. Assim, a criança. Por último, a criança que sofre violência não
criança que arruma os brinquedos para deixar a mãe pode deixar de ser contemplada diretamente, através
feliz quando chega atualmente do trabalho parece ser de acompanhamento em equipamentos sociais e de
a mesma que brinca de obedecer às ordens maternas saúde. Aliado a estes programas, o tratamento
durante as sessões lúdicas. psicoterápico dos pais, quando possível, deve ser
incentivado no tratamento de famílias que sofrem o
Considerações finais problema da violência, possibilitando que estes
Ao realizar uma análise a partir de um revejam suas infâncias. Para famílias que não têm
referencial teórico que possibilitasse uma visão mais acesso a este tipo de serviço, as intervenções do
abrangente do contexto de desenvolvimento na Programa de Saúde da Família com enfoque na
infância, este artigo buscou compreender um pouco prevenção da violência doméstica e acompa-
da realidade de uma amostra de crianças que sofreu nhamento das famílias passam a ser um importante
algum episódio de violência, estendendo para os aparato a ser contemplado por gestões públicas de
diversos núcleos que interferem e que podem estar saúde.
relacionados com as condições de vida de crianças Ao olhar para as entrevistas, tinha-se por
em situação de risco pessoal. objetivo compreender o contexto em que a criança
Ao longo do artigo foi possível observar se desenvolve, os fatores de risco e proteção
aspectos micro, meso, exo e macrossistêmicos que presentes neste crescimento, e, conseqüentemente,
podem atuar como fatores de risco ou proteção. compreender a criança que brinca, que se expressa,
Foram analisados fatores microssistêmicos que fala através da linguagem própria da infância: o
(transmissão intergeracional da violência), fatores do corpo lúdico e brincante. Para tanto elegeram-se os
mesossistema (como a relação com a vizinhança contos de fadas como ponto de partida das ações
hostil), do exossistema, em que o trabalho materno lúdicas, diante de estudos que apontam para o potencial
constituiu um fator de risco para duas participantes, destes contos de origem popular na representação
Alves, H.C. & Emmel, M.L.G.(2008). Perspectiva bioecológica e narrativas orais 9 7
simbólica de alguns aspectos da vida interior e a criança traduz os enredos fabulosos dos contos e
psíquica de crianças durante seu percurso de em que medida expressa sua realidade, aquela, mais
desenvolvimento. A violência é sugerida em vários profunda, moldada por suas experiências de vida. As
contos: de forma concreta e direta, ou sutil e respostas podem ser revisitadas a partir de várias
indiretamente. Ao realizar uma leitura de tais contos, leituras, mas estão contidas, invariavelmente na
buscando bases teóricas psicanalíticas e antro- expressão lúdica de cada criança.
pológicas, questionou-se o que eles poderiam, A experiência resultada nesta pesquisa parece
portanto, oferecer às crianças que sofreram algum ir ao encontro dos achados de Gutfreind (2003),
episódio de violência. quando ele afirma que o ateliê de contos oferece às
As participantes expressaram o impacto destas crianças a possibilidade de recontar, “re-ouvir”,
narrativas de diferentes formas durante a atividade reviver suas próprias histórias para, a partir disso,
simbólica. Foi possível observar durante o faz-de- construí-las, contá-las, expressá-las e sobretudo,
conta que algumas histórias propiciaram o surgimento elaborá-las. Também parece concordar com as
de conteúdos relacionados com a vida cotidiana, os afirmações de Bettelheim (1980) sobre a importância
conflitos e os riscos do desenvolvimento. Algumas dos contos na vida psíquica das crianças, destacando
expressões lúdicas se repetiram durante as sessões, o amadurecimento psíquico na oferta de fontes de
sendo alicerçadas pelos elementos contidos nos contos identificações por intermédio dos personagens e
narrados. Por exemplo, a ação de se trancar em uma enredos.
mala de madeira e dizer que está sozinha esperando Neste sentido, pôde-se perceber que a
pela mãe que demora e não chega, enquanto realiza narrativa durante as sessões operou como um eco,
tarefas domésticas (como as heroínas dos contos de produzindo ações que expressam uma realidade
fadas). interna e uma realidade externa (como a punição
O conteúdo verbalizado por uma das crianças física). É possível que o conto enquanto uma metáfora
sugere que as narrativas orais podem servir como tenha oferecido um distanciamento seguro que
um suporte reunindo em si um repertório de elementos possibilitou à criança chegar até seus conflitos sem
que despertam na criança conteúdos relacionados às que se sentisse ameaçada, o que sugere seu potencial
suas vivências pessoais. Estes elementos estruturam terapêutico.
o faz-de-conta e ações lúdicas, propiciando, O estudo desenvolvido nesta pesquisa buscou
ocasionalmente, a expressão da vivência da violência ressaltar, através do enfoque ecológico, a importância
sofrida. Desta forma, o faz-de-conta parece ter se do atendimento à criança em situação de vul-
estruturado em torno dos elementos oferecidos pelo nerabilidade social. Ressalta-se a necessidade de tais
conto, ao mesmo tempo em que condensou alguns intervenções serem conduzidas através de vários
aspectos da história de vida da criança. Esta conjunção aparatos sociais que possam oferecer uma rede de
de elementos expressos no discurso do faz-de-conta suporte social ampla na proteção à infância. A escola,
só foi possível diante da identificação direta da já citada como um importante componente para o
criança com a heroína do conto. estabelecimento desta rede é destacada como um
Portanto, esta pesquisa assinala a necessidade equipamento que deve oferecer possibilidades em
infantil de experimentar determinados elementos de arte-educação, incluindo novas experiências para os
um conto através da fabulação do faz-de-conta, alunos inseridos no sistema, como um programa de
expressando, ocasionalmente, sua realidade de vida. contação de histórias. Além disso, deve-se levar em
Neste ponto o estudo nos leva a refletir, sem concluir, consideração que a escola é um lugar onde a violência
sobre as possibilidades terapêuticas destas narrativas. aparece refletida nas relações interpessoais entre as
Quando a criança brinca nos é revelado onde o conto crianças e na relação da escola com a própria
as toca, o que povoa seu imaginário, o que as leva, comunidade. A oferta de um espaço fora da rotina
enfim a recriar estes elementos dramatizando histórias escolar e, ao mesmo tempo, inserido no cotidiano
e fabricando novas possibilidades. Questiona-se como institucional, seria, portanto uma alternativa
98 Paidéia, 2008, 18(39), 85-100
importante para que se abrissem possibilidades de Azevedo, M. A., & Guerra, V. N. de A. (1997).
simbolização. O contato com personagens e enredos Infância e violência doméstica: Fronteiras do
que falem diretamente a uma experiência pessoal a conhecimento. São Paulo: Cortez.
partir da linguagem metafórica, permite que cada
criança signifique a história e ressignifique suas Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Rio de
experiências, de acordo com suas necessidades. A Janeiro: Persona.
escuta de uma pessoa inserida nesta atividade com a Belsky, J. (1980). Child maltratment: An ecological
preocupação de oferecer às crianças a possibilidade
integration. American Psychologist, 35, 320-335.
de se expressarem, pode ser importante para o
andamento de um programa desta natureza em Belsky, J. (1984). The determinants of parenting: A
contextos como o escolar, contribuindo para a process model. Child Development, 55, 83-96.
resolução de problemas sociais refletidos neste
Bettelheim, B. (1980). A psicanálise dos contos de
microssitema (Alves, 2007).
fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Outra possibilidade que parece se abrir diante
dos resultados da pesquisa é a inserção do próprio Bolsoni-silva, A. T. (2003). Habilidades sociais
contexto familiar, microssistêmico, em atividades de educativas, variáveis contextuais e problemas
contação de histórias. Alguns programas sociais de comportamento: Comparando pais e mães
desenvolvidos em espaços alternativos que opor- de pré-escolares. Tese de Doutorado não-
tunizam o relacionamento entre pais e filhos publicada, Universidade de São Paulo, Ribeirão
(ocorrendo em diferentes situações, como eventos Preto.
em praças ou mesmo em ambulatórios de Unidades
Básicas de Saúde-UBS, hospitais e a própria Bronfenbrenner, U. (2002). A ecologia do desen-
residência) podem constituir oportunidades para volvimento humano: Experimentos naturais e
atividades de narrativas orais onde os próprios pais planejados. São Paulo: Artmed. (Original
ouvem histórias junto com os filhos ou no estímulo publicado em 1996)
aos pais para que contem histórias para suas crianças.
Este tipo de intervenção é importante ao consi- Castelo Branco, T. M. (2001). Histórias infantis na
derarmos a questão da transmissão intergeracional ludoterapia centrada na criança. Dissertação
da violência. Os pais violentos já foram violentados de Mestrado não-publicada, Pontifícia
e, neste sentido, a escuta de histórias e as Universidade Católica-PUC, Campinas, SP.
possibilidades de contato com os próprios filhos em Cecconello, A. M. (2003). Resiliência e vul-
atividades como esta, podem abrir novos caminhos
nerabilidade em famílias em situação de risco.
no desenvolvimento emocional de todos os envolvidos
Tese de Doutorado não-publicada, Universidade
na dinâmica familiar.
Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de
Referências Psicologia, Rio Grande do Sul.
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sob a ótica de pais e filhos envolvidos na
violência doméstica contra crianças e
adolescentes. Dissertação de Mestrado não-
Artigo recebido em 21/09/2007.
publicada, Programa de Pós-graduação,
Aceito para publicação em 23/04/2008.
Departamento de Enfermagem Materno Infantil
e Saúde Publica, Universidade de São Paulo,
Ribeirão Preto, SP.
O artigo apresenta parte dos dados da
Mello, A. C. M. P. C. (1999). O brincar de crianças dissertação de mestrado intitulada: “Utilização dos
vítimas de violência física doméstica. Tese de contos de fadas e atividades simbólicas na
doutorado não-publicada, Universidade de São compreensão de crianças vítimas de violência”,
Paulo, São Paulo. defendida pela primeira autora em março de 2007.
100 Paidéia, 2008, 18(39), 85-100