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DIFICULDADES DAS FAMÍLIAS

O processo histórico de desinstitucionalização desencadeado pelo


movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil resultou em transformações no
modelo de atenção em saúde mental não só para as pessoas que sofrem de
transtornos mentais, mas também para suas famílias. Assim, a família tornou-
se ao mesmo tempo ponto de apoio para o tratamento do familiar e também
alvo das intervenções dos serviços.

Na contemporaneidade, desde os anos 90, a família ressurge como


importante agente na proteção social, resgatada como parceira dos serviços
públicos e privados. É um momento de ênfase nas reformas neoliberais e na
ideia de que a proteção social é responsabilidade de todos. Não apenas
financiando, mas principalmente executando, com seus recursos humanos,
materiais e até financeiros ou com pequenos financiamentos pelo Estado. A
família assume centralidade em muitas políticas públicas e o direito à
convivência familiar e comunitária passa a ser lido como de reponsabilidade da
família na sua garantia.

O Estado, no neoliberalismo, reduz sua participação enquanto gestor


das políticas sociais, passando a responsabilizar a comunidade e a
família pelo enfrentamento das múltiplas problemáticas sociais da
realidade, a exemplo do desemprego, falta de moradia, dentre outros.
E, no caso específico da Política de Saúde Mental, as famílias além
de sua própria reprodução social, têm que lidar com a proteção de
seus membros com transtorno mental, o que, quase sempre, traz
implicações de sobrecarga financeira e também de cuidados no
âmbito privado destas famílias. (VIEIRA, 2009, p. 13)

Portanto, a ocorrência de uma doença grave e de longa duração, como


a doença mental, causa um grande impacto na família, impondo a ela situações
associadas aos sintomas da doença, com as quais nem sempre está preparada
para lidar, como descontrole emocional do familiar doente e crises de
agressividade e inquietude, que desestabilizam toda a estrutura familiar. Essa
realidade é potencializada quando se trata de uma criança ou adolescente,
exigindo do membro cuidador uma dedicação ainda maior.
No dizer de Campelo, Costa e Colvero (2014):

Quando o doente mental é uma criança ou um adolescente, a


necessidade de mais tempo disponível para o cuidado implica
mudanças severas no cotidiano das famílias, no seu modo de levar a
vida, na sua relação com o trabalho, na relação com os outros filhos,
na relação entre o próprio casal, no controle dos gastos e até mesmo
na rotina da vida diária. (CAMPELO, COSTA, COLVERO, 2014, p.
197)

Ainda, as autoras identificaram as principais dificuldades enfrentadas


por famílias que possuem criança e adolescente com transtorno mental, que
achamos interessante retomar:

Preocupação e ansiedade; Perda e luto; Perda de oportunidade


específica; Raiva e frustração em resposta a problemas de
comunicação com a equipe; Preocupação sobre o impacto da doença
em outras crianças da família; Isolamento da família; Dificuldade de
gerir o papel parental; Encargos econômicos; Dificuldade de
encontrar um lugar pra ficar durante a hospitalização da
criança/adolescente; Ter que se afastar do trabalho; Dificuldade de
acesso a cuidados; Estigma e culpa; Medo pela segurança da sua
criança e segurança dos outros; Dificuldade de satisfação das suas
próprias necessidades; Familiares cuidadores sentiram-se
responsabilizados, sobrecarregados e exaustos; Estresse emocional;
Perda de uma vida normal e parentalidade; Dificuldades associadas
aos serviços de saúde mental; Preocupações sobre como cuidar de
outras crianças da casa, assim como manter a disciplina e rotina da
casa; Dificuldades relacionadas a questões específicas do
desenvolvimento da criança e do adolescente; Falta de contato direto
com equipe de profissionais do CAPS; Comportamento alterado dos
familiares no âmbito social; Irmãos de crianças que apresentam
transtornos mentais apresentaram comportamentos problemáticos.
(CAMPELO, COSTA E COLVERO, 2014, p. 199)

O atendimento prestado pelo assistente social deve se pautar em


parâmetros técnicos e legais que respeitem o direito da criança e do
adolescente. Nesse sentido é de suma importância reforçar que as ações
contemplem o contexto social, histórico e cultural no qual as crianças e
adolescentes atendidos estão inseridos e a articulação com o sistema de
garantia de direitos para que realizem o atendimento e o acompanhamento
dessa população nos serviços de saúde.

Nesse sentido, as intervenções precisam estar alinhadas com o


Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ou seja, a perspectiva do trabalho
precisa estar em consonância com a doutrina da Proteção Integral que
compreende as crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direitos. De
acordo com o ECA “Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes
aspectos: (...) V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;”
(BRASIL, 1990).

Além disso, a faz-se necessário uma articulação completa e conectada


com todos os serviços da rede interna e externa de promoção, proteção e
defesa das crianças e adolescentes, especialmente as que se encontram em
situação de risco ou vulnerabilidade social. Por meio do acionamento das redes
de atendimento e proteção, ele deve buscar meios para que o indivíduo e sua
família superem as situações vivenciadas.

Portanto, além de conhecer e entender os direitos e garantias que são


assegurados às crianças e aos adolescentes com transtorno mental, tais
profissionais devem intervir no campo das relações sociais para concretizar a
efetivação e a consolidação desses direitos, trabalhando em conjunto com a
equipe na qual ele está inserido, com a família e com a sociedade.

A pessoa em sofrimento psíquico, assim como sua família, deve ser


contemplada enquanto sujeito de direitos, que pode e deve participar e opinar
sobre os serviços que lhe são prestados, exigindo respeito perante sua
condição. Todavia, essa reivindicação nem sempre é possível, pois a família
muitas vezes encontra-se tomada pelo desgaste decorrente do difícil cotidiano
que enfrenta, geralmente acompanhados pela falta de apoio, desinformação,
dificuldades financeiras, estando submetidas a todo o momento ao julgo da
sociedade.

Os serviços que são ofertados para crianças e adolescentes, no que


diz respeito às políticas de saúde mental tem a função social que deve
extrapolar o fazer técnico quanto ao tratamento, deve direcionar a ações mais
amplas de acolhida, escuta, emancipação e empoderamento, possibilitando
melhor e maior qualidade de vida, permitindo sua participação na sociedade
como seres inteiros, em sua totalidade.

Ainda, é necessário estar comprometido em construir um trabalho de


resgate e valorização a infância e adolescência. É importante fortalecer as
redes de cuidados, com uma atuação ética, comprometida e humanizada, pois
atores implicados e articulados entre si podem ajudar a desmontar a cultura
autoritária que fez parte da história das institucionalizações/internações.

Portanto, entende-se que, de forma semelhante aos desafios


enfrentados no atendimento aos usuários/pacientes adultos, o atendimento a
criança e adolescentes enfrenta dificuldades semelhantes. Além disso,
percebe-se que a intervenção precisa ser igualmente comprometida com a
identidade do Assistente Social e com os valores definidos no PEP,
especialmente aqueles referentes aos princípios.

Para tanto, o profissional deve estar direcionado na busca por


estratégias que ultrapassem a atuação institucional mediante os empecilhos do
cotidiano, de forma a conhecer a realidade enfrentada pelo usuário e familiares,
bem como os serviços que são possíveis de serem acessados. Afinal, a ação
deste profissional dentro da saúde mental com crianças e adolescentes se
concretiza em inúmeras ações expressas na superação da expressão da
questão social existente nesse âmbito.
_____. Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em 01/11/2020.

CAMPELO, Lany Leide de Castro Rocha; COSTA, Sarah Maria Esequiel and
COLVERO, Luciana de Almeida. Dificuldades das famílias no cuidado à
criança e ao adolescente com transtorno mental: uma revisão integrativa.
Rev. esc. enferm. USP online]. 2014, vol.48, n.spe, pp.192-198. ISSN 0080-
6234. Disponivel https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000600027. Aesso
em 20/11/2020.

VIEIRA, Galba Taciana Samento. A família e o Provimento de Cuidados à


Pessoa com Transtorno Mental no contexto da Desinstitucionalização. 2009.
108p. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Federal de
Pernambuco, pelo Programa de Pós Graduação em Serviço Social, Recife,
2009. Disponível em:
<https://www.bdtd.ufpe.br/bitstream/123456789/9407/1/arquivo330_1.pdf>
Acesso em: 18/11/2020.

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