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Olhares socioantropológicos sobre os adoecidos crônicos

Article  in  Ciência & Saúde Coletiva · December 2008


DOI: 10.1590/S1413-81232008000900036

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3 authors, including:

Marcelo Castellanos Nelson Barros


Universidade Federal da Bahia University of Campinas
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dinâmicos e criativos de auto-regulação, na lógi- zar e quais as alianças preferenciais deverá fazer
ca própria do mercado, Consuelo encerra seu tra- para exercer uma ação instituinte sobre esse cam-
balho com novas interrogações que o atual “esta- po? Obter respostas, mesmo que parciais, para
do de arte” dos estudos sobre o setor suplemen- tais interrogações torna-se uma tarefa central de
tar ainda não permite responder com toda a cla- futuros estudos, na perspectiva de subsidiarem
reza: que marco regulatório deverá ser instituído uma ação reguladora estatal que contribua para
pelo Estado para penetrar e intervir na formata- a qualificação da assistência prestada aos qua-
ção do mercado de saúde suplementar? Que bre- renta milhões de brasileiros que se utilizam dos
chas a política regulatória estatal precisará utili- planos de saúde.

Canesqui AM. Olhares socioantropológicos so- tivos. Desse modo, destina-se tanto àqueles que
bre os adoecidos crônicos. São Paulo: Hucitec/ iniciam seus estudos sobre o tema quanto aos
Fapesp; 2007. 149 p. pesquisadores que já desenvolvem pesquisas so-
bre doenças crônicas na perspectiva das ciências
Marcelo Eduardo Pfeiffer Castellanos humanas e sociais.
Laboratório de Práticas Alternativas, Os autores partem do princípio de que a cro-
Complementares e Integrativas em Saúde, nicidade é um conceito biomédico utilizado para
Departamento de Medicina Preventiva e Social, designar problemas de saúde incuráveis (ou de
Faculdade de Ciências Médicas, Unicamp longa duração), responsável por impor limites
orgânicos (para o indivíduo doente) e técnicos
Nelson Filice de Barros (para os profissionais da saúde). Recuperando a
Laboratório de Práticas Alternativas, clássica distinção entre disease (doença biomedi-
Complementares e Integrativas em Saúde, camente definida) e illness (experiência de adoeci-
Departamento de Medicina Preventiva e Social, mento), procuram explorar a experiência de ado-
Faculdade de Ciências Médicas, Unicamp ecimento como uma construção social em rela-
ção à e para além da perspectiva tradicionalmen-
Júlia Casulari Motta te sustentada pelos profissionais de saúde.
Laboratório de Práticas Alternativas, Canesqui assina o primeiro capitulo, no qual
Complementares e Integrativas em Saúde, apresenta um panorama dos principais quadros
Departamento de Medicina Preventiva e Social, teóricos a partir dos quais as ciências sociais abor-
Faculdade de Ciências Médicas, Unicamp daram as doenças crônicas, com especial ênfase
aos estudos norte-americanos e ingleses. O texto
Trata-se de um pequeno e consistente livro, que resultou de uma revisão bibliográfica de estudos
introduz o leitor a problemas, conceitos e análises sobre doenças crônicas, publicados no período
das ciências sociais sobre as doenças crônicas. de 1980 a 2005, em sete revistas de grande rele-
Organizado por Ana Maria Canesqui, esse livro é vância internacional na área das ciências sociais
composto por cinco capítulos, resultantes de três em saúde. A autora conclui que as ciências so-
revisões bibliográficas e duas pesquisas empíri- ciais, desde a década de 1950, tomam as doenças
cas, que apresentam, de forma clara e sucinta, a crônicas como objeto de pesquisa, com vasto pre-
longa tradição de estudos sociológicos e antro- domínio dos estudos sociológicos (especialmen-
pológicos sobre as doenças crônicas, assim como te dos norte-americanos, seguidos dos ingleses e,
dois bons exemplos de análises de dados qualita- em número muito menor, dos franceses). Nesses
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Resenhas Book Reviews

estudos, realizou-se uma abordagem qualitativa mando-se da categoria “nervoso”, já vastamente


das doenças crônicas a partir de diferentes qua- estudada pelas ciências sociais em saúde.
dros teórico-metodológicos, interessados na ex- O capítulo quatro, assinado por Nair Yoshi-
periência de adoecimento crônico. no, enfrenta um paradoxo bastante atual no cam-
Ao avaliar o tipo de enfoque dado pelos estu- po da alimentação: a coexistência do vertiginoso
dos, Canesqui conclui que os norte-americanos, aumento da prevalência populacional de sobre-
após um predomínio inicial do quadro funciona- peso e de obesidade em todas as faixas etárias e de
lista, adotaram um enfoque “internalista” sobre renda, por um lado, e da valorização do corpo
essa experiência. A partir desse enfoque, as con- magro, por outro. A autora recupera a discussão
cepções do doente são tomadas como resultado clássica nas ciências sociais a respeito dos proces-
de idiossincrasias pessoais e de subculturas pre- sos socializadores para compreender diferentes
sentes em seus grupos de convívio. Em contra- dimensões do paradoxo; além disso, ela nos lem-
partida, os estudos franceses têm um maior inte- bra que o corpo é a realidade primeira de todos
resse pelas concepções “eruditas” (discurso cientí- nós, a partir da qual nos relacionamos conosco e
fico) sobre as doenças, analisadas a partir das com o mundo, sendo produzido simbolicamente
estruturas e determinações externas aos sujeitos, nas práticas sociais. Lembra, ainda, que vivemos
perfazendo assim um enfoque “externalista” so- em uma sociedade extremamente consumista, que
bre a experiência de adoecimento. Os estudos in- valoriza o excesso e o descartável (fast food), ao
gleses seriam responsáveis pela articulação entre mesmo tempo em que busca controlar os efeitos
esses dois enfoques. Nessa esteira, a análise da corporais dessa valorização por meio da medica-
narrativa tem suscitado grande interesse entre os lização do corpo (remédios emagrecedores, die-
estudiosos das doenças crônicas, especialmente tas, cirurgias, etc.). Por fim, nesse cenário, a auto-
por meio do novo fôlego que a fenomenologia e a ra aponta alguns limites das intervenções sobre a
hermenêutica tomaram em estudos recentes rea- obesidade, advogando que não se trata de um
lizados na área da saúde. problema individual, devendo ser considerados
O segundo capítulo, escrito por Reni Barsa- contextos socioculturais mais amplos.
glini, investiga a construção da experiência com O capítulo cinco, assinado por Edemilson
diabetes, a partir de entrevistas realizadas com Campos, apresenta uma análise sobre o “mode-
uma paciente de meia idade, negra e com oito lo terapêutico” dos Alcoólicos Anônimos (AA),
anos de diagnóstico. Especial atenção é dada à atuante na construção da identidade de seus in-
visão da paciente sobre o diagnóstico, à etiologia tegrantes (“doentes alcoólicos em recuperação”)
e aos cuidados necessários ao controle da doença. e no processo de superação de seu problema de
A autora parte do princípio de que essa visão apro- saúde. O autor analisa o funcionamento desse
pria-se de elementos disponíveis no contexto so- modelo a partir de um olhar “de dentro” de suas
ciocultural, dimensionando-os de modo específi- práticas, buscando compreender como seus in-
co em sua trajetória pessoal (biografia). Mostra- tegrantes se reconhecem como pertencentes ao
se claramente como a perspectiva biomédica so- grupo, ao mesmo tempo em que assimilam seus
bre o diabetes é ressignificada nas concepções que valores. Seu texto resulta de uma longa incursão
essa paciente possui a respeito de sua doença e de no campo de pesquisa, utilizando-se tanto de ob-
seu corpo. servação direta quanto de entrevistas com inte-
O capítulo três, também assinado por Canes- grantes de um grupo específico de AA, sediado
qui, sintetiza as principais questões e conceitos em São Paulo.
presentes nos estudos socioantropológicos de O autor considera que o conceito de “depen-
uma seleção de estudos brasileiros e estrangeiros dência orgânica” atua no AA como uma idéia re-
sobre hipertensão arterial, em que se coloca em guladora responsável por retirar a culpa indivi-
perspectiva o olhar do adoecido. A autora chama dual pelo alcoolismo, ao mesmo tempo em que
a atenção, por um lado, para a pequena produ- procura responsabilizá-lo pela sua contenção e
ção nacional existente sobre o assunto, especial- superação. Para isso, os AA lançam mão de pro-
mente na vertente antropológica, e, por outro, cessos rituais (encontros), da construção de uma
para a grande diversidade metodológica dos es- linguagem da doença (nosografia) e do estabele-
tudos nacionais. As investigações mostram que, cimento de um código de conduta (inclusive, ins-
designada popularmente como “pressão alta”, a tituído documentalmente em uma espécie de es-
hipertensão é considerada como um problema tatuto interno). Conclui o autor que a eficácia
de saúde que se origina e se expressa em conflitos, terapêutica desse modelo assenta-se na palavra
preocupações e dificuldades cotidianas, aproxi- como fonte constitutiva de uma memória coleti-
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va, (re)atualizada a cada novo relato de experiên- ricamente consistentes sobre as significações da
cia dentro do grupo. condição crônica e da complexidade do real.
Os autores nos fazem lembrar que as enfer- Por fim, a leitura desse livro deixa ver como os
midades crônicas implicam um trabalho “que cada estudos socioantropológicos sobre as doenças
um de nós realiza sobre nós mesmos”, em relação crônicas perpassam questões e dilemas clássicos
aos aspectos pragmáticos, emocionais, filosófi- enfrentados pelas ciências sociais, tais como: ação
cos e (porque não?) espirituais do adoecimento. e determinação, sujeito e estrutura, ciência e senso
Segundo Canesqui, “trata-se de dar atenção aos comum, dentre outros, sobretudo porque, como
aspectos privados, à vida cotidiana, às rupturas assinala Canesqui, abordar a dimensão sociocul-
das rotinas, ao gerenciamento da doença e à pró- tural das enfermidades de longa duração significa
pria vida dos adoecidos, cujos cuidados não se olhar para o sujeito (con)vivendo com uma condi-
restringem aos serviços de saúde e ao contato com ção que o acompanha a todos os lugares e cuja for-
os profissionais”. ma de entendê-la, explicá-la, representá-la e lidar
Vale ressaltar que os estudos das doenças crô- com ela decorre de um constante movimento em
nicas, segundo Gerhardt1, lançaram as bases da que interpretação e ação se realimentam recipro-
abordagem qualitativa nas ciências sociais, a par- camente, balizadas pelo contexto sociocultural ime-
tir da segunda metade do século XX. Ressalta-se, diato e mais amplo no qual se inserem.
também, que para dentro do campo da saúde
(formulando análises aprofundadas sobre a ex-
periência de adoecimento como um fenômeno Referência
sociocultural), ou para “fora” desse campo espe-
cífico, em direção às bases teórico-metodológicas 1. Gerhardt U. Qualitative research on chronic illness:
das ciências sociais, a investigação dos problemas the issue and the story. Social Science and Medicine
1990; 30(11):1140-1159.
crônicos de saúde tem desenvolvido análises teo-

Gabe J, Bury M, Elston M, editors. Key Con- na compreensão das questões específicas do pro-
cepts in Medical Sociology. London: Sage; 2004. cesso saúde-doença-cuidado, e a perspectiva te-
256 p. órica, com o fim de prover entendimento às di-
mensões de larga escala da saúde. Também afir-
Nelson Filice de Barros mam a intenção do livro de ajudar diferentes
Laboratório de Pesquisa Qualitativa em Saúde, agentes, como estudantes e profissionais, a cons-
Departamento de Medicina Preventiva e Social, truir o entendimento das questões sociológicas
Faculdade de Ciências Médicas, Unicamp do campo da saúde. Por fim, os autores rendem
suas homenagens à professora Margot Jefferys,
Key Concepts in Medical Sociology: quem criou, ensinou e administrou, no fim dos
um livro para estar sempre à mão anos de 1960, o mestrado em Sociologia Médica,
do Bedford College, mais tarde transformado
Publicado em 2004, como parte da série de “con- em Royal Holloway, responsável pela formação
ceitos-chave”, pela editora Sage, este livro com de importantes professores e pesquisadores das
256 páginas, distribuídas em uma introdução e questões sociais no campo da saúde.
cinco partes, foi organizado por Jonathan Gabe, As partes que compõem o livro são constitu-
Mike Bury e Mary Ann Elston, que fazem parte ídas por conceitos e tópicos relevantes à sociolo-
do grupo do Department of Health & Social Care, gia da saúde e apresentados na forma de peque-
Royal Holloway, University of London. nos ensaios que cobrem a origem, o desenvolvi-
Na Introdução, os autores declaram sua in- mento e a aplicação do conceito no campo da
tenção de contribuir para as tradições da socio- saúde. A primeira parte é chamada “Social Pat-
logia na e da medicina; ou seja, respectivamente, terning of Health” e traz onze conceitos de ordem
desenvolver a perspectiva aplicada, para auxiliar mais geral e quase todos transportados de ou-

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