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APRESENTAÇÃO
O presente trabalho de conclusão em Medicina da Familia e Comunidade/Saúde
Coletiva/Saúde Mental, encerra tanto uma rodada do internato quanto uma graduação em
medicina. A rodada compreende estágio na Clínica da Família Victor Valla, no Caps II
Magal (RJ) e no Consultório na Rua Cap 3.1 (RJ).
Aqui o autor buscará pensar a Medicina de Família e Comunidade(MFC) brasileira
como um campo privilegiado para se problematizar questoes candentes e atuais da
medicina e da sociedade como um todo.
Este trabalho é fruto do encontro, pelo autor, através da medicina, de realidades
conflitantes e urgentes. Tem por objetivo levantar argumentos e questionamentos
relevantes a respeito de questões candentes e pertinentes à medicina, à politica, à guerra
de classes, ao papel da universidade e do conhecimento científico, culminando na
reflexão sobre uma própria visão da medicina, da ciência e da sociedade, bem como os
limites das suas instituições ditas democráticas. Se propõe uma discussão atual sobre
problemas atuais, buscando trazer ao leitor um debate atualizado e de alto nível,
possibilitando ao leitor receber instrumental teórico de qualidade, e não meros
reducionismos e simplificações, que são, antes de tudo, uma ofensa à inteligência de toda
comunidade acadêmica e profissional, implicadas nas questões abordadas, além de toda
sociedade brasileira(que financia, sem saber, duvidosas pesquisas). Lança mão de
estudos de história, geografia e filosofia, é fruto de uma pesquisa motivada, de
experiências múltiplas de vida que se somam e se conflitam, e de uma trama de ideias e
deveris que são tão pessoais quanto coletivos. O trabalho é científico. E toda ciência é
datada, histórica, construída em rede. A análise será feita à luz das contribuições de
Foucault, que além de ter deixado uma herança valiosa de vasto estudo teórico com
diagnósticos cirurgicos do nosso tempo, deixa também os frutos de múltiplas reformas
psiquiátricas, no Brasil e no mundo, tendo a obra desse autor muito impactado a vida de
milhões de pessoas, sejam elas conscientes disso ou não. O diálogo será feito com
autores brasileiros.
Utilizando-se de vasto referencial teórico, baseado sobretudo no trabalho de
Foucault e de autores brasileiros, o desenvolvimento se dará através do cruzamento de
alguns conceitos-chaves: “territorio”, “medicina social”, “medicina liberal”, “medicina
baseada em evidencias”, entre visões e concepçoes diferentes para cada autor.
MÉTODO
“Loucura, sim, mas tem seu método!” HAMLET
AGRADECIMENTO
Faço desse trabalho um espaço de singelo agradecimento ao psicólogo Claudio
Francisco, a quem pude acompanhar no CAPs AD Raul Seixas seu compromisso em
levar um cuidado pautado por uma ciência verdadeiramente ética e responsável, ao
cidadão mais necessitado. São profissionais como Claudio, que não desistem em colocar
a VIDA frente às engrenagens institucionais rígidas, viventes e sobreviventes das
trincheiras pela saúde, na linha de frente da luta, sob plena desvalorização, que me fazem
acreditar no SUS e no tal “profissional da saúde”.
A “QUESTÃO” DO TERRITÓRIO
A implantação da ESF no contexto do APS rouxe um fato novo, refrescante: a
“utilização de conceitos e ferramentas inerentes à geografia no sentido de planejar a
territorialidade de políticas públicas, de equipamentos e ações”(PEREIRA, BARCELOS).
Para o geógrafo Rogério Haesbart, a concepção de território que prevalece é a de
Milton Santos, em que o uso do espaço define o território (HAESBART, 2011). Citando
Silva, Faria e Bartolozzi citam algumas das contribuições de Milton Santos à área da
saúde: “através da categoria espaço geográfico, a Epidemiologia pôde superar uma visão
não histórica do processo biológico e ao mesmo tempo entender os fatores econômicos,
sociais, políticos e culturais responsáveis pela produção das doenças endêmicas e
epidêmicas.”, onde “o conceito de espaço geográfico incorpora os determinantes naturais
e sociais numa visão de totalidade, que muitas vezes falta à análise epidemiológica”
(FARIA; BORTOLOZZI).
Os autores FARIA e BORTOLOZZI tratam logo de ligar a questão do territorio
diretamente à “questão de ética e da capitalização/mercadorização do setor saúde”.
Segundo eles, citando Milton Santos, “A geografia do acesso ou a geografia da exclu são
social pode revelar claramente a distância entre a teoria e a prática, processo que aponta
também para o distanciamento entre a universidade e a sociedade”. Para Pereira e
Barcelos, nas concepções de território utilizadas pela escola de Milton Santos e
defendidas por Haesbart, o conceito de território “está diretamente relacionado com
relações de poder”(PEREIRA, BARCELOS).
A abertura aos conceitos de geografia bem como a possibilidade de se investir
atenção e ação sobre eles pode ser vista na concepção dos movimentos da atenção
primária:
– MFC: Priorizar a prática médica centrada na pessoa, na relação médico-
paciente, com foco na família e orientada para comunidade (WONCA, 2002)
– MFC: Reconhecerá que também tem uma responsabilidade profissional para
com a comunidade (LEUWENHORST GROUP, 1977)
– APS: A saúde começa nas casas, nas escolas, nas fábricas (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 1981).
– Saúde Coletiva: investigar, compreender e interpretar os determinantes da
produção social das doenças e da organização social dos serviços de saúde
(NUNES)
É, portanto, “nesse sentido que a categoria território se mostra pertinente, tanto no
que tange ao alcance social dos bens produzidos pela sociedade moderna, quanto para a
investigação das realidades sociais mais deploráveis. Se de um lado o território - cenário
das relações sociais -, pode ser essencial para investigar a apropriação/dominação do
espaço e sua relação com a saúde, de outro, torna-se importante para o planejamento de
ações que permitam diminuir os impactos dessa apropriação na vida das pessoas”
(FARIA; BORTOLOZZI).
A minha tese é que para além de possibilitar um “planejamento territorial urbano
que pode tanto evitar a produção de doenças”(FARIA; BORTOLOZZI), a concepção de
trabalho em território pode abalar as próprias bases da Medicina Social.
É no diálogo das correlações de forças que o poder biopolítico se exerce, é nas
instituições burguesas que ele se ronava e se perpetua. A possibilidade de fazer emergir
as demandas de uma força oprimida, que no jogo de poderes seria fatalmente silenciada,
que está a possibilidade de inromper com a Medicina Social neoliberal, voltada nos seus
últimos fins para as demandas do mercado.
O campo de atuação em território é talvez o leito ideal onde a atividade profissional
médica(a clínica) pode exercer-se política e éticamente de forma plena, campo de
problematização das bases fundantes da medicina social, ou seja, as correlações de
forças presentes na estrutura da sociedade e que se impoe aos espaços, transformando-
os em territorios.
No entanto, segundo Pereira, no “caso do PSF, percebe-se a preocupação em
operacionalizar o conceito de território, sem, no entanto, uma discussão sobre os seus
múltiplos sentidos. Esta lacuna pode ser constatada pela pequena participação de
geógrafos em todos os níveis desse programa.”(PEREIRA, BARCELOS). Concluem que
“a delimitação de áreas e microáreas de atuação, essencial para a implantação e
avaliação do programa é, em geral, realizada com base apenas no quantitativo de
população, sem considerar a dinâmica social e política, inerente aos territórios.”
(PEREIRA, BARCELOS).
À nivel de comparação e reflexão, enquanto os planejadores da ESF limitaram-se a
se atentar a dados demograficos, reduziram o territorio a seu aspecto jurídio-politico, os
medicos burgueses presentes ao nascimento da clinica, na difusão da Medicina Social
liberal, utilizaram-se de “cuidadosos sumários sobre a região, as habitações, as pessoas,
as paixões dominantes, o vestuário, a constituição atmosférica, as produções do solo, o
tempo de sua maturidade perfeita e de sua colheita, assim como a educação física e
moral dos habitantes da região” (FOUCAULT, 1980).
Os resultados do autor confirmam minha hipótese de que a MFC brasileira pouco
está se estruturando no sentido de enfrentar as verdadeiras bases da desigualdades e
injustiças brasileiras. Como exemplo vou explorar dois casos ocorridos muito próximos e
durante a experiência vivida pelo autor enquanto aluno estagiário da Clínica da Família
Victor Valla, no ano de 2019, responsável pelo território da comunidade de Manguinhos
(RJ). Gerida por ambas instituições de maior prestígio acadêmico no Rio de Janeiro,
Fiocruz e UFRJ, a clínica é considerada amplamente modelo a ser seguido.
Os dados são do Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Só
em novembro desse ano, foram registrados pelo menos 9 disparos na comunidade de
Manguinhos, ao menos 2 mortes.
Irei reunir aqui a reação oficial dada pelas Instuições referidas, em defesa da
população, da comunidade e dos serviços de saúde nele presentes, em especial a Clínica
da Família Victor Valla e o Caps II Magal, ambos atravessados em suas concepções pelo
conceito de território: Não há nenhuma.
A Fiocruz, instituição lider em pesquisa em Saúde Publica e Medicina Social,
orgulhosa de ocupar prestigio na história e na esquerda, de tradição marxista gramsciana,
não proferiu quaisquer palavras sobre o assunto. Não me refiro à atividades individuais de
seus pesquisadores, pois, ainda que fossem fartas denúncias nesse sentido, não
significaria o essencial: o discurso dominante das instituições burguesas que exercem o
poder biopolítico.
Infelizmente, a vida de pessoas pobres e negras é, também para nossas
instituições de ensino e pesquisa mais prestigiadas, algo de pouco valor. E quem a
valoriza, é o mercado. A explicação mais científica para isso é traduzida pelo sociólogo
Jessé Souza. Para Jessé, a burguesia brasileira jamais colocou em evidencia o principal
problema formador da nossa sociedade, a escravidão. Por causa de tal, ainda hoje os
pobres e negros são tidos como menos importantes em relação aos brancos e,
majoritarimante, mais ricos. A Fiocruz, assim como as instituições de ensino superior do
Brasil, herdaram essa idiologia e estrutura social burguesa, pois jamais se
problematizaram como tal.
Apenas para somar alguns números e motivos, até o mês de outubro foram
registradas 1.546 mortes por políciais, o maior numero de uma série histórica desde 1998.
O segundo exemplo é o caso da Agente Comunitária de Saúde Rosilaine, também
profissional da CF Victor Valla. Em julho de 2019, um juiz chocou o Brasil ao dar uma
decisão, na briga judicial pela guarda do filho da Acs, a favor do Pai, resultando na perda
da guarda pela Rosilaine. Os motivos arguidos pelo juiz seriam que “nos dias que correm,
é mais seguro residir fora do município do Rio de Janeiro”. O caso, apesar de ser um
imensurável absurdo, não é fato isolado, e reprenta mais um caso de exercício da
biopolítica burguesa, no caso, através da justiça fascista.
Em uma das manifestações, em Manguinhos, no meio do caminho entre a
comunidade, a CF Victor Valla e a Fiocruz(RJ), em que o autor esteve presente, foi
possível contar em algumas 3 dezenas o total de participantes, e alguns 5 a 10 presentes
das referidas instituições. Esse fato se soma às inesgotáveis evidências do que significa,
de fato, dizer que uma instituição é burguesa e liberal, na medida em que promove o
controle de uma determinada classe, e utiliza de um sistema de valoração onde a verdade
é determinada pelo mercado.
Para Vera Marques, pesquisadora da ENSP, “essa sentença me parece marcada
pela crença na superioridade de uma classe social sobre outra, assim como é também
sexista”.
É através da dimensão de relações e disposições desveladas pelo território, que
todas essas problematizações, aqui levadas ao limite em dois exemplos, passam a fazer
sentido dentro da própria concepção de saúde. É através do território que podemos,
mesmo que não tenhamos força de imediato para fazer abalar, transitar e operar no nível
fundamental da estratégia biopolítica.
Para finalizar, continuo com Pereira “desta forma, novamente são consideradas as
características e as territorialidades locais que possam ser impulsionadoras ou não do
PSF. Essas territorialidades locais são consideradas na prática do programa?” (PEREIRA)
Em "a mudança de moradores de um domicílio causa ruídos no sistema de
informação e dificulta o acompanhamento da população.” (PEREIRA), mesmo o autor
parece reduzir o conceito do território à sua dimensão operaionail, admnistrativa e de
gestão. Mortificam-se, assim, todas as urgencias e demandas reais de cada território
(como o enfrentamento das desigualdades e das injustiças sociais).
É tempo, na verdade é para ontem, de aqueles que estejam comprometidos com
um trabalho ético e responsável ofereçam apenas aquilo que a população precisa, de
maneira irrestrita. Não há mais como pensar a Clinica Victor Valla sem considerar o seu
entorno, as caracteristicas dessa comunidade, os problemas que sofre com a violencia e
o abondono do Estado. É preciso que os profissionais envolvidos na gestão, na
admnistração, nos técnicos, é preciso que outras instituições da sociedade que apoiam de
alguma maneira a saúde, como as escolas, as universdades, a mídia, as entidades, os
sindicatos, é preciso que todos apenas permitam pensar uma Clinica Victor Valla em
função da realidade do seu território. É preciso que a população, acima de tudo, não
permita alternativa outra.
A área da Medicina onde as dimensões político e social mais se impõe como
fundadores básicos, não só do objeto estudado por essa ciência, como da própria ciência
enquanto instituição formada por sujeitos, é evidentemente a Psiquiatria e a Saúde
Mental.
Um campo especifico dentro da saude mental pode ser destacado: o relacionado a
saúde dos usuários de álcool e outras drogas. A mudança do paradigma Abstencionista
para o da Redução de Danos impactou tanto na assistência aos usuários(acolhendo uma
gama de usuários até então excluidos do modelo Abstencionista), quanto no próprio
processo saúde-doença, possibilitando novas formas de experimentar a vida e formas de
viver, além de continuamente transformar o próprio SABER médico e científico.
Os problemas oriundos dessa transformação ocorrido no final do sec. xx dentro dos
processos de Reformas, são descritos, dentro dos próprios autores da Reforma, como
originados na hesitosa implementação do projeto Reformista. Tendo ele sido, na prática,
jamais implementado de forma sustentável, culminando na atual completa indecisão sobre
a sobrevivencia de politicas em Redução De Danos. O saldo da Reforma, sendo assim,
não teria atingido um valor satisfatório. Ademais, os resultados e frutos colhidos das
políticas de Redução de Danos são amplamente conhecidos e sustentados mundo afora.
Uma gama de exemplos extremamente práticos e consolidados sobre as
vantagens de se perseguir esse caminho onde realidades impostas por diferentes
territórios, conjunturas e saber locais, são incorporadas ao saber técnico, estão dentro da
Saúde Mental, mais especificamente dentro das propostas reformistas. Cito Hotel da
Loucura, idealizado por Vitor Pordeus, no Engenho de Dentro (RJ); a Tenda Paulo Freire,
idealizada pela Vera Dantas, no Ceará; dentre outros.
A MEDICINA LIBERAL
É fato que os autores da área da saúde no geral tendem a uma instrumentalização
de conceitos assimilados de outroas áreas. Já foram abordados dois exemplos, o
conceitos de “medicina social” e “território”. Apresento aqui o último: a medicina liberal.
Segundo Rômulo Maciel Filho e Célia Regina Pierantoni em “O médico e o
mercado de trabalho em saúde no Brasil”, os “baixos salarios aliados à
desregulamentação tem gerado uma tendência que à primeira vista poderia ser
confundida como um retorno à medicina liberal, revelada pela proliferação de consultórios
médicos conveniados com os sdeguros-saúde, mas que na realidade significa a tentativa
de recompor a renda perdida, e que se dá quase sempre associada à inserção em um ou
vários empregos, em geral públicos”(MACIEL FILHO; PIERANTONI).
Já segundo Genival Veloso de França, membro da Junta Diretiva da Sociedade
Ibero-americana de Direito Médico, o “ideal seria, na concepção de alguns, o exercício de
uma medicina amplamente liberal”, e chama atenção para o fato que “atender em
consultório particular não faz deste exercício uma profissão liberal”, já que “submeter-se,
por exemplo, às regras rígidas dos convênios, mesmo em consultório, não faz de nossa
profissão uma atividade estritamente liberal”(FRANÇA).
Aqui é possível notar com clareza a redução do sentido da palavra liberal à
profissional autônomo, sem qualquer consideração político-social-econômica. Quando,
segundo Foucault, no processo de formação da Medicina Social no sec XVIII, a Medicina
liberal burguesa que emergia dos novos Estados modernos, na segunda fase do
Capitalismo (capitalismo industrial), é marcada primordialmente por uma estatização total
do exercicio da profissão: “Vê−se, por conseguinte, que não se passou de uma medicina
individual a uma medicina pouco a pouco e cada vez mais estatizada, socializada. O que
se encontra antes da grande medicina clínica, do século XIX, é uma medicina estatizada
ao máximo. Os outros modelos de medicina social, dos séculos XVIII e XIX, são
atenuações desse modelo profundamente estatal e administrativo já apresentado na
Alemanha.”(FOUCAULT, 1980).
O termo liberal remete, aos médicos em geral, a uma “liberdade privada irrestrita”.
A liberdade presente nos fundamentos da lógica do liberalismo tem entretanto relação
com a liberdade de uma população e de indivíduos prontos a serem socializados como
força de trabalho no capitalismo.
O liberalismo, conforme nos sugere Foucault, “deve ser entendido então como um
tipo de racionalidade política que se opõe à ideia do liberalismo como doutrina, isto é,
como um sistema de ideias em que a liberdade seria o centro, ou como um ideal político,
ou, ainda, como uma forma de ideologia definida enquanto pensamento dominante: o
liberalismo deve ser visto, ao contrário, como o exercício máximo de um tipo de
racionalidade” (BONNAFOUS-BOUCHER appud DANNER).
Que racionalidade política? No regime de verdade liberal, quem dita a verdade é o
mercado. Segundo Foucault, na “solução liberal”, o mercado é o que importa. Trata-se de
uma uma arte de governar (razão de Estado) que se transforma, pela economia política,
em governo da população, cujo pano de fundo é o liberalismo e cujo regime de verdade é
o mercado.”(ARAÚJO).
Concluo que, como demonstrado, a estratégia biopolítica da medicina permanece a
da medicina social liberal. Cito, como evidência de como ela na verdade já se atualizou no
regime neoliberal, a Medicina Baseada em Evidências(MBE)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quero desejar, antes do fim,
pra mim e os meus amigos,
muito amor e tudo mais;
que fiquem sempre jovens
e tenham as mãos limpas
e aprendam o delírio com coisas reais.
(Antes do fim, BELCHIOR)
Tendo em vista os limites teórico e práticos da MFC, aqui destrinchados, bem como
da medicina social como um todo, e de todas tecnologias biopolíticas, faz-se urgente uma
virada epistemológica carreada, antes de tudo, por um debate aprofundado e de
qualidade sobre os temas mais relevantes à sociedade brasileira.
É preciso lançar-se no dificultoso movimento da busca por unir teoria e prática,
ação e contexto, história e presente. A atitude básica é a de respeito a inteligência geral,
através da empatia (colocar-se no lugar do outro), e a de refutar tudo aquilo que nos
empobrece e nos simplifica, enquanto sujeitos holísticos e totais.
Num artigo da Lancet ("The weight of evidence"), Sergio Enrill traz uma espécie de
crônica/relato de caso: “primeiro paciente é um jovem hipertenso, que ele trata de acordo
com a boa MBE com beta-bloqueadores e diuréticos e que ameaça abandonar o
tratamento por causa da diminuição da libido e da impotência. O que fazer com este ou
com o próximo paciente que tem uma doença cujo tratamento é definido por três bem
feitos ensaios clínicos, mas que ele descobre que sua idade, sexo e raça o excluem do
estudo?” Então Enrill termina termina a crônica com um paciente que, de acordo com a
MBE, já deveria estar morta há algum tempo.
Aqui é pertinente questionar: Quais as vantagens e desvantagens de tratar uma
Hipertensão apenas como sendo uma entidade única universal, recusando-se por
completo a explorar as diferentes possibilidades que surgem quando consideramos o
território e as diferentes circunstâncias para pensarmos o binomio saúde/doença? E se
fosse possível, a despeito de qualquer avanço tecnológico que se imponha, pensar a
saúde não como ausência de doenças, mas como um viver “prazeroso, desimpedido”?. É
como se a Medicina, mantendo-se científica, sofresse uma virada holistica, no sentido que
não abondonaria seu carater científico, mas passaria a incluir outras éticas na sua
formação epistemológica. Seria esse um processo legítimo de transição de paradigmas
do modelo biomédico para o modelo bio-psico-social? Pode uma sociedade oferecer para
si outra coisa que não uma medicina de controle dos corpos, voltados para a produção, e
não para a um viver simples, de tudo desinteressado..?
BIBLIOGRAFIA