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“MORO NO IBURA”
“MORO NO IBURA”
RESUMO
estigma, nesse espaço urbano e complexo, com as dimensões do poder simbólico que
elemento que reforça esse mesmo estigma. O trabalho parte da idéia de que os
Esse traço negativo marca os indivíduos à medida que os mesmos se apresentam nos
círculos sociais e são identificados pelo seu estigma, originado no seu endereço. A
por jornais locais, destacando o Ibura como o bairro mais violento do Recife; e a
estigma que gera tensões nas interações e expõe as relações de poder na formação de
grupos envolvidos.
4
ABSTRACT
This work deals with how different forms of stigma can be seen in the social
It relates stigma in this complex, urban setting, to the dimensions of symbolic power
that reinforce the separation between social classes. The relations between media and
poverty are seen as fundamental in forming a depreciative image of the district. The
distance between researchers and the population researched is identified as one of the
elements which reinforces stigma. The work begins with the idea that Ibura residents
are perceived by residents of other districts using negative parameters, especially those
diacritical mark for individual residents when they present themselves to others in
varying social contexts, and are identified in relation to the stigma which originates in
their address. The many elements involved in the history and composition of the
districts the result of a complex and tense negotiation, which includes the numbers on
violence announced and repeated by the media, the association between violence and
poverty, the perspectives taken by local newspapers, as well as the distance between
professional academics and Ibura residents, all expose the power relations which
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO: ..................................................................................................... 01
- O INÍCIO ....................................................................................... 04
- OBJETIVOS E ORGANIZAÇÃO................................................. 08
INTRODUÇÃO
1988) que faz com que o bairro seja percebido a partir de uma característica principal,
traduzida pela violência urbana. Nesse espaço físico urbano e complexo, destacamos as
estabelecidas entre mídia e pobreza como fundamentais para formação de uma imagem
de outros bairros, como sendo parte “intrínseca” de uma “violência” que ameaça a
todos. Quando alguém (um amigo, por exemplo) menciona o nome de um determinado
um perfil simplificando que expresse (ou se aproxime) da idéia daquele bairro; numa
única frase definimos o bairro a partir de sua principal característica. Foi assim que,
desde que fixei residência no Recife (1999), a noção que eu tinha do bairro do Ibura,
remetia a situações de violência, perigo, risco, pobreza, etc. Essa idéia “negativa”
estigma, são atores que vivenciam uma representação diante dos interlocutores
questão. Nesse sentido, podemos afirmar que essa negociação da realidade estudada,
O primeiro aspecto, que trata das relações de poder, está vinculado a uma idéia
bairro do Ibura é colocado como sendo um desses lugares onde populações de baixa
renda, favelados e desabrigados constituíram seus grupos num espaço social complexo.
As relações de poder reiteram o “lugar dos pobres” e atribuem a este espaço um traço
“negativo”, nesse sentido as relações entre classes sociais fazem com que os indivíduos
diminuída e em desvantagem.
Em outro ponto relevante, trato das relações entre mídia e pobreza que figuram
realizada pela Secretaria de Defesa Social no ano de 20041, (em que o Ibura foi
considerado como sendo o bairro mais violento da cidade do Recife) funcionam como
combustíveis para uma abordagem preconceituosa que provoca alarde e temor. Nesse
pesquisados; essas barreiras demonstram sua força nos gestos, olhares, rituais da
dominação, nos hábitos de comer, falar, andar e vestir (ZALUAR, 1985); elas separam
imagem que fazemos do espaço onde estamos; estar no Ibura é ocupar um lugar
perigoso que provoca momentos de tensões, onde os horários, ruas e grupos de pessoas
são observados com muita cautela e receio; nessa relação estabelecida com o
1
“Mapa da Violência em Pernambuco” – Anunciado pela SDS (Secretaria de Defesa Social) em
01/07/2004.
9
O Início
cidade do Recife). Antes de iniciar meu curso de graduação, trabalhei durante três anos
integração no cotidiano dos moradores daquele bairro. Como trabalhava com crianças
jovens daquela comunidade, o que mais me impressionava era que esses jovens mortos
10
eram pais, irmãos, vizinhos e conhecidos daqueles meninos e meninas que eu dava
aulas de canto, ou seja, sentia a morte bem perto da pele. Era difícil, para mim, ouvir
notícias tão trágicas e tão próximas e ao mesmo tempo saber que o canto entoado por
nós naquela sala apertada deveria ser alento e alívio para uma vida tão dura, marcada
desenvolver uma “pesquisa institucional”, pensei então, em falar do tema à luz do que
uma comunidade do Ibura de Baixo como local da pesquisa. Iniciei essas atividades
geração, ou seja, quatro grupos eram formados (mulheres jovens, homens jovens,
de três horas em média, cada uma) que tratavam de temas como: saúde reprodutiva,
liderança, violência, etc. A vivência nos grupos foram momentos importantes para
desses grupos de discussão (que abordaram temas importantes como: “O meu bairro e
2
Escola Estadual Apolônio Sales.
11
pelo FAGES na Escola Apolônio Sales (após o período dos grupos de discussão) que
pesquisa geral do núcleo FAGES (sexualidade, geração, saúde reprodutiva, etc.), tomei
esse caminho por estar mais à vontade para transitar em temas que tenho maior
afinidade e preferência. Por esse motivo, tenho como material principal (além do
bem como as informações colhidas por ocasião do período de convivência que tivemos
Os Amigos / Informantes
autônoma e específica. Dois jovens (Aldo e Anderson4) foram fundamentais para que
inúmeras conversas construídas com eles nortearam meu campo. Com Aldo tive um
3
O projeto “palavras” foi realizado pelo núcleo Família, Gênero e Sexualidade ao longo desses anos de
pesquisa e consistiu em uma análise minuciosa das falas colhidas nos grupos de discussão realizados
com as populações estudadas (reassentados de Itaparica, Índios Pankararu e Moradores do Ibura). Parte
desse material (selecionado e interpretado por pesquisadores, com auxilio dos bolsistas) foi usado na
publicação de um livro que privilegia aspectos relevantes da saúde reprodutiva.
4
Os nomes são reais, à pedido dos informantes.
12
Aldo tem 21 anos e é o filho mais novo de uma família pequena, tem somente
(Pombos) e veio atraída pelas ocupações de terras no Ibura. Aldo já concluiu o ensino
médio, atualmente não tem trabalho fixo, mas ajuda o irmão fazendo algumas entregas
situada em sua própria casa. A vida de Aldo, até os oito anos, foi construída entre
Recife e São Paulo, marcada de muitas idas e vindas. Seus pais se conheceram no
Ibura e com pouco tempo de casados decidiram construir suas vidas na cidade de São
Paulo, nesse período nasceu o irmão mais velho de Aldo. Seus pais pensavam em
voltar para o Recife e por isso iam enviando dinheiro para que seus familiares
pudessem comprar um terreno e construir uma casa. Voltaram depois de alguns anos,
decidindo alugar a casa (já construída) e morar na residência da avó materna, nesse
período Aldo nasceu. Depois de dois anos, os pais de Aldo resolveram voltar
novamente para São Paulo com toda a família, motivados pela promessa de empregos.
Após dois anos na capital paulista, a mãe de Aldo resolve voltar para o Recife com os
dois filhos, o pai fica. Quando Aldo completou 6 anos de idade, a mãe resolve voltar,
mais uma vez, para São Paulo e finalmente quando Aldo completa 8 anos, toda a
família volte em definitivo para cidade do Recife, desta vez como conseqüência de
5
Anderson se afastou durante um período, pois estava se organizando para casar.
13
Anderson tem a mesma idade de Aldo (21 anos), há cerca de quatro anos está
casado, mas não tem filhos; exerce atividade de “oficineiro” no projeto do governo
federal “Escola Aberta”. Anderson tem quatro irmãos, sendo um homem e três
mulheres; um filho dos mesmos pais, uma filha por parte apenas do pai, e mais duas
filhas de criação. Anderson não tem muitas lembranças sobre as origens de sua família,
Ibura sofriam algum tipo de preconceito, Aldo explicou que as dimensões do bairro
permitem a existência de muitas favelas e “bocas de fumo”, isso faz com que as outras
pessoas generalizem o bairro, acreditando que “tudo” oferece risco para quem visita as
seja, algumas pessoas olham os moradores com preconceito e outras não, a crítica vem
a partir de cada um; contudo ele diz que “sofre” com o fato de que muitos moradores
do Ibura “não se comportam” em outros bairros e isso faz com que haja generalizações
na forma de perceber o bairro. Quando indagados sobre qual “o sonho que eles têm
para a própria vida”; Anderson espera que “nunca mude”, se tiver que ter riqueza, que
tenha, mas que não mude, pois prefere o pão de cada dia na dificuldade do que tornar-
se uma pessoa diferente do que é, diz acreditar no amor e na alegria como coisas que
levam a um conhecimento mais profundo. Aldo diz que seu sonho é “ter um bom
desempenho na vida” para que o dinheiro seja uma possibilidade de viver melhor.
Objetivos e Organização
envolvidos nas relações sociais quando um indivíduo diz: “Moro no Ibura”. O que está
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por trás dessa afirmação? Como os jovens desse bairro (Ibura – Recife – Pernambuco)
merece características uniformes para que seja estabelecida uma diferenciação notória
e convincente aos olhos de quem faz a distinção. Essa maneira encontrada para
existir no individuo e este passa a ser, em nosso caso, apenas o morador de um bairro
individuo à medida que o mesmo se apresenta nos círculos sociais e é identificado pelo
“a”). Todos esses aspectos são apresentados como elementos que ajudaram na
do bairro tomando como base SCOTT (1996 “a”) em “Saúde e Pobreza no Recife”,
pelos moradores e como o lugar onde se mora influencia na distância entre classes
sociais.
15
primeiro capítulo; uso VELHO (1996), LONGHI (2008), ZALUAR (1985, 1996) e
Os meios de comunicação não são percebidos aqui como únicos agentes na formação
de uma imagem estigmatizada, mas antes como parte que influencia marcadamente a
“violência”; para confirmar essa imagem criada uso matérias de jornais locais.
conseqüências dessa interação. Na segunda parte desse capítulo trato das relações de
poder que envolve os atores, uso BOURDIEU (2005) com os conceitos de “Poder
enfrentamento do seu estigma. Uso SCOTT, James (2002) para falar sobre as artes de
resistência.
denominação “morador do Ibura” e que faz com que os moradores daquele espaço
CAPÍTULO 1:
O BAIRRO DO IBURA
acredita-se que o nome dado ao engenho tenha sido conseqüência das inúmeras fontes
existentes na localidade. Ainda hoje existe na “vila dos milagres”, à margem da BR-
101 sul, uma bica de água potável (bica dos milagres), em área sob controle do 4°
Batalhão de Comunicação do Exército, jorrando água vinte e quatro horas por dia há
décadas, que fortalecem a crença popular de que as águas teriam poderes de cura6.
simbólicas, nele as águas medicinais fortalecem a crença em uma terra fértil, voltada
para o bem estar de seus moradores, sagrada pelo seu caráter milagroso, capaz de
amparar e proteger as pessoas doentes que dela necessitam. Noções bem diferentes do
os valores de pertencimento.
6
Informações obtidas no site www.pernambucodeaz.com.br (Pernambuco de A/Z) e enriquecidas com
um comentário do Prof.Scott que conta a história de um avião que caiu com religiosos a bordo, e que
isso levou a abençoar a água, tornando-a mais milagrosa.
17
uma expansão urbana e que juntou migrantes do interior com moradores da cidade,
esses últimos relocalizados para ficarem distantes das áreas do centro outrora sujeitas a
Nesse contexto, essas diversas formas de ocupações e lutas por moradia deram origem
tanto problemática, já que o bairro Ibura se trata de diversos espaços com informações
sociais não é realizada dentro de uma linearidade, pelo contrário, são geradas “a partir
existe uma gama de informações específicas adquiridas com o próprio percurso dos
grupos, que não são levadas em conta no momento que se denomina; a ausência dessas
que ela é resultado de uma negociação tensa e complexa que envolve diferentes formas
de dominação. Esse mesmo Ibura, já com a presença de outros grupos sociais, foi
interações sociais.
7
A grande cheia que houve em 1966 é considerada como responsável por uma demanda significativa de
pessoas removidas para o Ibura. Essas informações foram pesquisadas nas publicações das associações
de moradores de duas comunidades do Ibura de Cima (UR-10 e Três Carneiros – Etapas 1989, 1991,
1993) por SCOTT (1996 “a”).
18
moderna. No inicio dos anos 60, os conjuntos habitacionais foram sendo construídos
1985:66), após 1964 é criado o BNH (Banco Nacional de Habitação) que passa a
“aquisição da casa própria”. O caráter político dessas iniciativas deve ser trazido aqui
como forte exemplo de relações de poder, já que os interesses em jogo abragiam lucros
num período crítico do regime militar (ZALUAR, 1985). Outro ponto importante é a
1940 a 1950, “76% do aumento populacional decenal do Recife foi decorrente do fluxo
migratório para cidade” (SCOTT, 1996 “b”:10), as condições eram precárias e metade
19
Guararapes, o que dificulta uma delimitação mais precisa. O bairro é divido em duas
partes: Ibura de Cima (mais a oeste) e Ibura de Baixo (mais a leste); essa divisão se dá
pelo fato de existir uma diferença de relevo marcada por uma barreira muito íngreme
que separa as comunidades do Ibura de Baixo das chamadas “UR’s” (que estão
muitas vezes o final de uma com o começo da outra, pois todas guardam muitas
semelhanças. Já o Ibura de baixo é uma área menor, mais imprensada, que inclui
Rodovia BR 101, obra realizada nos anos setenta, que traça uma linha geográfica
8
As UR’s, localizadas no Ibura de Cima, recebem uma numeração que vai de 01 a 06 e continua de 10 a
11 (Ex: UR-01, UR-05, UR-10, etc.).
20
entre as outras comunidades – Pantanal, Asa Branca, Vila dos Milagres, Alto
dos Milagres, 27 de Novembro, Minha Deusa, Betel, Vila das Aeromoças, etc.
Ainda há eventuais outras iniciativas governamentais e particulares de
programas habitacionais de menor porte que a da COHAB.
(SCOTT, 1996 “a”:20)
ano de 2000, o bairro possui 112.815 habitantes, com uma área de 1.488,87 hectares e
28.532 domicílios. São vinte e uma comunidades que enfrentam dificuldades como:
pobreza, significa definir o espaço físico e social a partir de uma denominação que
guarda algumas ciladas, por isso devemos ficar atentos. A categoria “pobre” oferece
riscos para o uso acadêmico, já que depende de classificações tênues como renda,
essa categoria para expressar o discurso dominante que tenta justificar os insucessos do
política e econômica” (ZALUAR, 1985: 35), nele está um entrave que impede uma
ação organizada e coletiva. Encontrar um espaço para abrigá-lo faz parte de uma
estratégia de poder que encara as distâncias sociais como importantes para uma
manobra de controle de massas, as periferias passam a ser espaços dos pobres, que são
espaço geográfico. Os bairros são divisões de classes que avisam a um olhar desatento
onde começa e onde termina cada lugar. Em grandes cidades como Recife, o
Periferias e bairros nobres constroem seus símbolos e tentam dar sentido ao cotidiano,
a grande diferença entre os dois lugares é que os detentores do poder aquisitivo têm ao
seu alcance os meios possíveis e necessários para dar sentido às suas expectativas e
Mesmo diante dessa profunda desigualdade social, VELHO (1996) nos chama
atenção de que não é apenas ela a responsável pelo crescimento dos índices de
mesma lógica de raciocínio, ela é gerada a partir das diferenças e mediada por um
9
Voltarei a esse assunto no capítulo posterior.
22
éticos, nesse contexto, distancia mais ainda essas classes sociais e destrói as
na busca de soluções para uma vida cotidiana marcada pela desigualdade. Uma
dessa distância entre classes, bem como importantes na desestruturação desse sistema
que aviva o drama da fragilidade humana. São necessários mecanismos que venham a
10
Irei privilegiar algumas matérias de 02 dos principais jornais impressos da cidade do Recife (Jornal do
Commercio e Diário de Pernambuco).
23
devemos encontrar para que a segurança “pública” aja na proteção desse grupo.
2008:11). A negatividade está presente nesses discursos que definem “os pobres”
negatividade”, reforçando a idéia equivocada de que “a única via para atingir estes
seja nas relações construídas nos espaços de origem, seja em contextos que extrapolam
amizades, de lazer, etc.” Essa busca pelo reconhecimento é pautada pela positividade e
contrapõe, por sua vez, uma negatividade que está relacionada aqui com o estigma. É
11
Comunidade do “bode”; localizada no “Pina”, bairro da zona sul do Recife.
24
dominantes.
seus espaços sociais. Nosso olhar desconfiado tem a força de transformar um sujeito,
dependendo da cor ou roupa que usa, num suspeito em potencial que nos escolheu
como alvo de sua ira. Esse olhar é traçado pelo “não-reconhecimento” e com isso
contribuímos para que esses atores se tornem “invisíveis” (SOARES, 2004), sendo
empurrados para uma falta de perspectiva que pode agravar a situação social. Essa
obter, a partir de sua conduta e aparência, indicações que lhes permitam utilizar a
experiência anterior que tenham tido com indivíduos aproximadamente parecidos com
este que está diante deles ou, o que é mais importante, aplicar-lhe estereótipos não
O bairro do Ibura, ao longo dos anos, ganhou visibilidade como sendo o bairro
homicídios. Essa imagem repercute nas relações sociais dos moradores com o
ambiente externo e faz com que o bairro, com seus inúmeros problemas sociais, fique
o próprio jornal, era “dissecar os muitos fatores que fizeram do estado o campeão de
homicídios do país”; nisso, “uma equipe de dez repórteres e quatro fotógrafos foi para
as ruas, durante dez dias, acompanhar de perto uma matança que tem na periferia o seu
alvo principal” 12. Nessa série de reportagens, o Ibura ganha destaque nas matérias do
dia 29 de maio; nelas, o bairro aparece como sendo o mais violento do grande Recife
Jornal “esteve lá”, foi às ruas “apurar a verdade” que as “autoridades” não mostram,
encontra no Ibura sua “ferida mais profunda”. Sobre os meios de comunicação nos diz
Rondelli:
12
Jornal do Commercio – 23/05/2004.
13
Levantamento feito pelo Jornal do Commercio.
26
homicídios no estado (em 2003, a capital teve 1.120 assassinatos); o Ibura foi
14
considerado o bairro com maior número de mortes (97) . O título da reportagem no
uma população que busca soluções para uma insegurança “provada” pelos dados.
Outra matéria no mesmo jornal, diz: “Ibura lidera ranking de homicídios”, logo abaixo
14
Informações baseadas nos números da Polícia Civil e do Instituto Médico Legal, em 2003.
15
Esses números divergem dos dados trazidos anteriormente (112.815 habitantes) pelo fato de que
existe uma confusão entre os números de habitantes da COHAB e os números que abragem “todo” o
bairro do Ibura; assim sendo, esses números apresentados pela matéria se referem, equivocadamente,
apenas aos moradores da COHAB.
27
influências dos estudos realizados entre os anos de 1993 e 2002 que resultaram nos
Justiça), o que deu as instituições políticas e sociais, dados para identificar os lugares
“mais violentos” do Brasil. Tais estudos funcionam como alerta aos governos federais,
alarmante da vulnerabilidade social; mas ao mesmo tempo pode ser também uma
atenção também para as relações estabelecidas entre academia e mídia, isso porque a
para caracterização dos sujeitos, partindo das informações reforçadas nos noticiários e
28
mídia estabelece “sentidos sobre o real”. Sobre isso nos fala RONDELLI:
questionando a validade deles, mas chamo a atenção para o fato de que as estatísticas
estão disponíveis para que os meios de comunicação façam usos diversos e dêem
tomar providências, já que se trata de uma verdade “nua e crua” que precisa ser
enfrentada com “firmeza”. O Ibura figura como sendo o bairro mais violento da cidade
todo esse cenário social, dizer “Moro no Ibura” não é tão simples; é apresentar-se para
diversos grupos sociais com uma identidade atrelada à violência, já desgastada pelas
Goffman, “quando o individuo tem uma imagem pública, ela parece estar constituída a
partir de uma pequena seleção de fatos sobre ele que podem ser verdadeiras e que se
CAPÍTULO 2:
2.1. O estigma
atributos lançados aos moradores do bairro são considerados como sendo comuns e
possui um traço que o impossibilita de ser recebido nas relações sociais cotidianas
externas, esse traço destrói a possibilidade de atenção para outros atributos seus.
Construímos uma teoria do estigma, uma ideologia para explicar a sua inferioridade e
dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade
Tornamos invisível a pessoa que está distante de nossa classe social, e “uma das
formas mais eficientes de tornar alguém invisível é projetar sobre ele ou ela um
30
identidade que nós temos” (GOFFMAN, 2005:16), mas quando essa crença se depara
com as limitações impostas pelo seu estigma, seus sentimentos passam a fazer parte de
uma confusão subjetiva que impulsiona suas atitudes. No final de tudo, a atitude dos
estigmatizado desenvolve o sentimento de que é rejeitado pelos outros, ele acredita que
os outros “não o aceitam e não estão dispostos a manter com ele um contato em “bases
torna “suscetível ao que os outros vêem como seu defeito, levando-o inevitavelmente,
mesmo que em alguns poucos momentos, a concordar que, na verdade, ele ficou
abaixo do que realmente deveria ser”. A vergonha se torna uma possibilidade central,
que surge quando o individuo percebe que um de seus próprios atributos é impuro e
Outro ponto que deve ser tratado aqui com destaque é como essa interação
pesquisados e como a distância entre esses dois universos acaba sendo um elemento de
estigma. Como o meu contato no Ibura foi como estudante de uma “Universidade
Federal” (instituição que representa importante status), me coloco nesse contexto como
fazendo parte do grupo dos “normais”. Nos grupos de discussão que fazíamos
(geralmente aos sábados à tarde numa escola pública da comunidade - Ibura de Baixo),
estigmatizado experimenta a incerteza sobre em qual categoria ele vai ser colocado e,
31
Assim, surge no estigmatizado a sensação de não saber aquilo que os outros estão
inteiramente a um dos tipos de pessoas que nos são naturalmente acessíveis em tal
situação, quer isso signifique tratá-lo como se ele fosse alguém melhor do que
achamos que seja, ou alguém pior do que achamos que ele provavelmente é”
(GOFFMAN, 2005:27).
passar por grupos de pessoas e lugares desconhecidos, etc. Estar no Ibura nunca foi
estar à vontade, tranqüilo, antes e depois dos grupos de discussão eram momentos de
tensão que só terminavam com nossa chegada em casa. Acredito que evitávamos estar
muitas vezes no Ibura, penso também que existiam tensões nos próprios moradores,
que nesses encontros estavam expondo seus medos e receios de serem identificados em
imaginário que fazemos sobre os lugares populares, bem como nas tensões que
32
distantes de seus convívios). ZALUAR (1985) nos fala de seu medo em “A máquina e
Rio de Janeiro”. O medo que ela sentiu não é “o medo que qualquer ser humano sente
diante do desconhecido, mas um medo construído pela leitura diária dos jornais que
tóxicos, etc.” (ZALUAR, 1985:10). Apesar de sabermos , assim como Zaluar, que a
entre as classes sociais impede uma aproximação mais solidária e envolvente. O outro
(tão diferente de mim), partilha de outros sentidos, ele nos interessa, principalmente,
O poder simbólico está nas entrelinhas das ações, “é necessário saber descobri-
lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado”
(BOURDIEU, 2005:07). Como entendemos que esse poder constrói uma realidade
poder simbólico tem poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer
nos discursos reclamações sobre discriminações sofridas por pessoas de outros lugares.
Para SCOTT (2003), “o discurso da violência lembra as relações de poder que colocam
(SCOTT, 2003:20). Outro ponto, segundo SCOTT, é que essas reclamações não são
imagem positiva da comunidade. Os alvos da oposição destes jovens são diversos, mas
de poder que impedem o seu reconhecimento como figuras de valor significativo nos
estabelecendo uma interação no seu círculo social e entre os demais grupos, nesse caso
existe uma resposta dos moradores quanto a esse poder de ordem “simbólica” que
impõe um dado e confirma uma imagem estereotipada como sendo uma verdade
atores por vezes reforçam a distinção entre classes sociais e por vezes elaboram seus
que destaca seus interesses particulares como sendo de caráter universal, nesse sentido
é estabelecida uma ordem que determinam uma concepção de vida. De acordo com
rótulo de “valor humano inferior” a outro grupo é uma das armas usadas pelos grupos
superiores nas disputas de poder, como meio de manter sua superioridade social. Nessa
situação, o estigma social imposto pelo grupo mais poderoso ao menos poderoso
lo” (ELIAS & SCOTSON, 2000:24). Na maioria das vezes, os grupos mais poderosos,
“vêem-se como pessoas ‘melhores’, dotadas de uma espécie de carisma grupal, de uma
virtude específica que é compartilhada por todos os seus membros e que falta aos
outros. Mais ainda, em todos esses casos, os indivíduos ‘superiores’ podem fazer com
uma inferioridade e por isso reflete uma relação de poder construído na desigualdade,
já que esse “traço negativo” impede uma relação baseada na reciprocidade. Essa
CAPÍTULO 3:
3.1.Representações e Interpretações
importante que levemos em conta as representações que estão em jogo nas interações
sociais entre pesquisadores e entrevistados, mas não acreditamos que isso seja
meio externo. É claro que as interações escondem inúmeras intenções que não
aparecem facilmente, mas essas intenções, ao meu ver, não comprometem a idéia
sociais.
(2002), nos ajuda a identificar as maneiras usadas pelas classes desprovidas de poder
para enfrentar a luta entre classes. No Ibura percebemos também que existe uma
com “armas comuns”. Sendo assim, ações como a dissimulação, a submissão falsa, a
36
ignorância fingida, as fofocas, etc. estão diluídas nas interações sociais travadas pelos
representa uma atitude coletiva (mesmo que a partir de ações individuais não-
coordenadas) que visa chamar atenção para uma “resistência simbólica, como uma
lugares e contorna as linhas divisórias entre classes, sendo assim, percebemos uma
lançado aos bairros “pobres”. O Ibura se destaca nesse contexto pelos índices de
“É como aquele negócio que a gente teve né, porque aonde eu chego, vou pra
paulista na casa da minha tia e perguntam: “tu mora aonde”?” – “No ibura” -
37
“Vixe Maria, Meu Deus do céu tu mora ali, é?” - “moro” - vê logo assim como
um lugar discriminado. Diz que o Ibura em geral, não o de baixo ou o de cima,
mas que o Ibura é um lugar que tem mais morte, mais tráfico, é o lugar que tem
mais é maconheiro, viciado , é o lugar que tem mais tudo, mais morte e disse que
saiu no jornal, no repórter que disse que o ibura é o lugar que morre mais
número de pessoas, que morre mais, é muito discriminado o ibura, pra qualquer
lugar e dizer que mora no Ibura comentam logo.”
Mulher Jovem
Paulista representa outros lugares “aonde o morador chega”; a surpresa com que as
pessoas reagem quando alguém diz que mora no Ibura provoca no morador um
não há divisões mínimas entre “Ibura de baixo e Ibura de cima”, não é possível atentar
para a diversidade que significa o bairro, tudo é um único lugar que tem na violência
sua característica mais relevante. Os meios de comunicação são citados pela jovem
que disse que o ibura é o lugar que morre mais número de pessoas”.
Vender uma casa do Ibura parece ser um grande desafio, nesse sentido, as
interações com os moradores de outros bairros são marcadas pela negatividade que o
informações estigmatizantes, a escolha de uma casa para comprar (nesse exemplo), por
pior que sejam as condições financeiras, não deve ser no bairro do Ibura.
38
“Era para ter toda a assistência, mas não tem, só tem assistência mesmo Boa
Viagem, quando acontece alguma coisa a polícia já cai em cima, já quer... Mas
se acontecer um mal feito no Ibura, meu Deus do céu...”
Homem Adulto
Ibura, a distância entre os lugares não é geográfica (são quase vizinhos), mas
“Eu não sei não, tá ligado! Que quando um cara escuta você falar que é do
Ibura, o cara pensa logo que você é bandido lá”.
Homem Jovem
Quem mais morre e, também, quem mais mata, principalmente com armas de
fogo, são homens jovens (faixa etária entre 18 e 24 anos) moradores de bairros de
baixa renda (WAISELFISZ, 1998 e LONGHI, 2008). O jovem que cita essa frase está
violência. O jovem é identificado nesse exemplo, nos lugares onde transita, como
“Aí teve uma vez que um amigo falou assim: “oh ela mora no Ibura, esconde a
carteira, aí” - E eu, poxa!!”
Mulher Jovem
“Eu Namorei um menino que morava no Ipsep, aí eu sempre dizia pra ele ir lá
(no Ibura) e ele dizia que amanhã eu vou, amanhã eu vou... Só eu ia pra lá, até
que chegou o dia em que eu perguntei: “porque tu não vai”?” – “porque não
gosto do Ibura” - Aí eu: “tá bom, vá lá..” E acabei o namoro.
Mulher Jovem
O receio que as pessoas têm do Ibura está presente também em bairros vizinhos
com que o jovem assumisse que não gostava do Ibura, trouxeram limitações impostas
de que é rejeitado pelos outros, ele acredita que os outros “não o aceitam e não estão
“O Ibura é discriminado não só pela violência, mas por causa da pobreza, diz
que é gente afavelada, que não tem estudo, tem várias coisas”.
Mulher Jovem
Nessa frase acima, a mulher jovem relaciona violência com pobreza, o que
(BORDIEU, 2005) que significa uma ordem estabelecida onde os estigmas são
idéia única.
40
correr risco de vida, é ser vizinho da violência. Essas imagens geram um esvaziamento
em seus discursos, lutam contra esses estereótipos e defendem o Ibura como um bom
descriminação. Esse valor é usado como arma para seu auto-reconhecimento, indo de
encontro aos olhares que discriminam. Para assumir seu espaço de moradia é preciso
enfrentar com coragem a pergunta “onde você mora”, isso deve ser feito com
dignidade, sem esconder e maquiar esta situação, antes de tudo é preciso dizer pra si
mesmo: “o lugar que eu moro chama-se Ibura”. Dizendo pro outro, é uma forma de
planos futuros. Sendo assim, alguns moradores percebem o bairro com sentimento
afetivo, mas ao mesmo tempo estão incomodados com as situações precárias e, assim,
alimentam a vontade de sair do seu lugar. Acreditamos que a falta de estruturas básicas
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“Eu gosto também, não tenho o que falar não, eu gosto muito lá do Ibura. Eu
queria mudar de lá, né! Mudar de lá pro... certamente o bairro que eu queria
mudar era pro Ipsep, eu gosto muito daquele bairro do Ipsep. Acho muito bonito,
gosto, gosto muito. No meu modo de ver é bom de mais morar no Ibura. Falta
mudar algumas coisas, né!”
Homem Jovem
“Eu gosto do Ibura no sentido das pessoas que moram lá, que eu conheço, mas
do bairro em si, as... partes físicas, são ruas, saneamento, etc. Aí eu não me
agrado. Isso ai eu fico muito desanimado. Por ter nascido ali morado esse tempo
todo mas... não cresceu. O bairro não calçaram ruas, não tem ruas, as ruas são
só um pedaço, as partes tudo faltando ali e uma série de defeitos que tem lá
nesse bairro que eu moro. Então isso que me anima: tanto tempo que moro lá e
não vejo ele desenvolver. São vinte e cinco anos e eu acho que devia muita
coisa”.
Homem Jovem
moradia e como maneira de fugir de uma limitação que o individuo acredita ter. Para
dizendo que mora em outros bairros, encontra-se o caminho para não se apresentar
como parte de uma violência que ameaça uma relação de “igualdade”. Para esses, a
abaixo:
“Por isso que eu vim revelar um dia desses porque me perguntaram, porque
antes dizia: “tu mora no Ibura, vixe Maria do céu, logo naquela emboscada”. Aí
pronto sabe do que mais não vou revelar que moro no Ibura mais não, eu moro
no Ipsep - “em quê”?” – “em apartamento”. (risos) Já tô cansada.”
Mulher Jovem
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“Meu ex-marido acertou 13 pontos na Tele-sena, que na época era 13, não era
25, mais 25 pontos e menos pontos 13. Ele foi em Sílvio Santos receber o
dinheiro dele, o cheque, aí o pessoal pode pensar “ela deve estar cheia de
dinheiro.” Ele não deu 10 centavos a mim e aos filhos, aí Sílvio Santos
perguntou a ele, e a gente tudinho assistindo TV, aí perguntou a ele: “Você mora
onde”?” - ele disse: “Em Boa Viagem”. Eu pensando que agora que Ibura ia
ficar famoso, “eu moro em Boa Viagem.”, mas é muito safado!”
Mulher Adulta
outros lugares para fazer algum curso profissionalizante, ou para freqüentar a escola,
ou ainda, realizar algum tipo de trabalho ou lazer, eles entram em contato com outras
confirmar qual a opinião acerca do bairro. Há uma imagem homogênea que coloca o
morador do Ibura como sendo aquele indivíduo que mora em meio a fogo cruzado e
interlocutores para colocar o preconceito numa posição cômica sem implicações sérias.
Dessa forma, eles confirmam a imagem negativa e contribuem para que essas situações
(SCOTT, James, 2002), que servem, entre outras coisas, como auto-ajuda individual e
outro, usando também brincadeiras semelhantes para lutar contra sua “inferioridade”.
“Já senti. Até em Piedade mesmo, quando os outros começam a falar, não sei
quê, o Ibura, tal... Embora ser assim, brincando, mas também tem gente que fala:
Eu nunca vou no Ibura. Aí fala pra pessoa: Você já foi no Ibura? Já. E aí como é
lá? Eu digo, sim, mas qual é a diferença, só que lá mata de tiro e aqui mata de
água? É porque lá (Piedade) enche, sabe. (risos). Mas os outros olham assim,
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sabem que mora no Ibura ou então numa favela, é mesmo que ser a rocinha, os
outros acham assim”.
Homem Jovem
“Eu vim num carro de Carpina pelo carnaval, saí de lá tarde e não tinha mais
carro, pra voltar”. Meu tio fez: “vamos falar com um táxi pra levar a gente” –
“Dá pra levar a gente no Ibura”? –“Oche, vou nada, vou sair agorinha”. Aí o
cara chutou. Chegou outro: “rapaz, não dá não, que eu acabei agora, tô
largando já”...
Homem Jovem
representa uma resposta, uma denuncia de que o tratamento diferenciado quebra laços
“É, quando uma vez eu tava fazendo um curso, aí quando o professor perguntou
a mim assim: “Tarciana onde você mora”?” Aí eu disse: “eu moro no Ibura”, aí
todo mundo fez assim, se abaixou e fez: “pei,pei,pei”. Aí eu chega fiquei
assustada, né, aí eu: “porque isso, fizeram isso?” Aí eu chega fiquei... Aí o
professor: “não, porque você disse que morava no Ibura, e aqui não tem nenhum
aluno que mora no ibura”. Aí eu fiquei toda sem graça quando fizeram isso, aí eu
fiquei assim, depois não fui mais só por causa disso, eu ia pro curso e não fui
mais”.
Mulher Jovem
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(SCOTT, James, 2002) que representam estratégias, como um “alicerce obstinado sob
muitos casos há indivíduos que tentam escapar desse estigma negando o preconceito e
“O Ibura há muito tempo que tem essa fama de mal, de violência, de droga...
Porque violência tem em todo canto. Porque se a gente for olhar isso aí por que
acontece no Ibura... Isso acontece em Olinda, isso acontece em todo canto
também. Pra mim não é só o Ibura que é assim. O Recife é assim. Tudo que tem
de mal, de drogas, de violência, que tem no Ibura, tem nos outros bairros
também. Pode até ser um pouco melhor assim... É menos, mas tem”.
Homem Jovem
“A violência lá é grande, você diz assim é violento, é, em todo canto tem disso,
pode ser o lugar mais calmo que aí é que é mesmo. Eu mesmo tô fazendo um
curso de computação lá na Imbiribeira e é um setor que você sai de lá 10 da
noite, fica angustiado porque nas ruas de lá não tem uma alma viva, então, a
gente corre para a parada de ônibus, mas hoje em dia você é assaltado dentro
do ônibus. Sua vida hoje em dia não está valendo mais nada, não está valendo
10 centavos. É uma violência muito grande, mas isso é em todo canto”.
Mulher adulta
“Eu vou dar um exemplo, eu trabalhei 18 anos em São Paulo, desde o Setúbal ao
Pina e a gente vê, Boa Viagem mesmo, é um bairro classe A, mais é um bairro
violento, só que não aparece. É por exemplo em Boa Viagem hoje diz que o
bandido mata, o cara mata um, com meia hora depois o carro recolhe. Se mata
um no Ibura, morto ali o dia todinho no Ibura”.
Homem Adulto
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intermédio do trabalho, mas nem sempre encontram as portas abertas quando saem em
individuo e de fugir de um estereótipo. Existe uma busca constante por alternativas que
levem a conquista de uma atividade profissional, essa busca compulsiva por empregos,
representa não apenas uma forma de contornar as péssimas condições de vida, mas vão
“E o povo ver o Ibura com outros olhares, realmente. Eu acho que quando botar
o currículo lá fora, em outros lugares, mora no Ibura, já passa a olhar bem
diferente, acho que já pensa logo que é um drogado ou que tem costume de
roubar. Pra gente fica muito difícil, por eu não ter conhecimento na carteira,
nunca ter assinado a carteira e por ter o endereço do Ibura”.
Mulher Jovem
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
bairro formam sendo, aos poucos, substituídas pela negatividade trazida com o
redirecionamento do espaço urbano. O lugar dos pobres foi estabelecido como maneira
pelo pauperismo dos indivíduos, de outro lado. O Ibura, como conseqüência de uma
pensamento que reduz um grupo a uma única idéia, interferindo assim nos mecanismos
sociais de “equalização do poder”. Por outro lado, esses mesmos indivíduos buscam
nas interações sociais e também através dos meios de comunicação. Estamos expostos
a muitas interações capazes de nos comunicar como são os bairros de uma determinada
meios de comunicação não podem ser vistos isoladamente como algozes das
voltarmos os olhos para si e nos olharmos com mais autocrítica e menos ilusão. O
outro quase sempre, passa a ser culpado pelo que supomos estar “errado”, nós
erros e limitações, capazes de julgar e colocar o outro num espaço inferior ao nosso em
nome de uma vaidade velada. Na maioria das vezes somos incapazes de contestar, de
fazem do estigma uma ferida viva no corpo humano e social. Todos nós, que
compomos diversas classes e situações, acabamos por dar espaços para o carrasco que
nos habita e enviamos de volta todas essas informações para o convívio social; nesse
sentido somos co-autores do que nos é apresentado e fazemos parte do mesmo tecido
Os papéis sociais que representamos são inúmeros e não são poucas as vezes
que nos perdemos em meio a eles; esses papéis nos confundem em relação ao que
devemos ser no ambiente social. Assim como representamos diversos papéis, é injusto
atribuirmos aos moradores do Ibura um papel único que os remeta a uma existência
negativa, acredito que isso os reduziria a um aspecto limitado que figura como sendo
bem mais ampla do que o que nossa imaginação pode acusar, os moradores do Ibura
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são bem mais do que uma denominação limitada. Me propus a mostrar nessas linhas
que as idéias fabricadas num contexto social podem representar um grave erro no
interações entre diversas classes. O morador do Ibura não deve ser percebido apenas
por óticas reducionistas, ele é um infinito de elementos que fogem do nosso controle.
Cabe a nós, no exercício desse papel de acadêmico, tentar desvendar alguns aspectos
fecharmos um ciclo individual e egoísta. Não quero dizer com isso, que não exista
delas. Quando telefonava para Aldo (um de meus interlocutores) e sua mãe atendia, eu
definia lugares e eu gostava do lugar que ocupava, mesmo às vezes ficando pouco à
vontade diante dos “meninos do Ibura”. Nessa relação, percebia certo “desnível”, meu
que deveria se fazer presente no cotidiano dos moradores do Ibura de baixo; eu e ele
dividindo uma mesma calçada, ele sujo de barro porque estava ajudando a construir
uma casa em cima da sua, e eu polido de idéias, no dilema entre fomentar o modelo
acadêmico e me esforçar para “parecer” alguém próximo. Sentia em Aldo uma grande
conhecimentos adquiridos num curso oferecido pelo SESI, sobre DST’s, e desejava
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e também buscar uma inserção no mercado de trabalho; ele me indagava se isso não
era possível junto a universidade, eu não soube dizer. Lembro também de Silvânia,
perguntava o que nós da universidade poderíamos fazer para que outros jovens não
Passamos pelo Ibura também com pressa, assim como os carros que deslizam
relatórios necessários a uma avaliação. Não somos moradores do Ibura e esse espaço
será importante, na maioria das vezes, quando temos trabalhos para apresentar em
financeiro, dentro de prazos estabelecidos. Em todas essas situações, a vida nos oferece
vivenciadas sejam repletas de extrema dureza. Que o Ibura seja esse lugar onde a
moradores do Ibura acreditem que, apesar de tudo, podem matar a própria sede e dar
BIBLIOGRAFIA
SCOTT, Russel Parry - Organizador – (1996 “a”). Saúde e Pobreza no Recife – Poder
Gênero e Representações de Doenças no Bairro do Ibura. Recife/PE: Ed.
Universitária.
VELHO, Gilberto & SOUZA, Marcos Alvito Pereira de; Fundação Getulio Vargas
(1988). Cidadania e violência. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ e Ed. da Fundação Getulio
Vargas.
ZALUAR, Alba & ALVITO, Marcos (1998). Um século de favela. 4a ed. Rio de
Janeiro, Editora Fundação Getulio Vargas.