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Ano I
Número 2
Julho de 2017
ISSN 2526-4702
2
Conselho Editorial
Cláudia Turra Magni (UFPEL); Cornelia Eckert (UFRGS); Gabriel D. Noel (Argentina -
UNSAM); João Martinho Braga de Mendonça (UFPB); Jussara Freire (UFF); Lisabete
Coradini (UFRN); Luís Roberto Cardoso de Oliveira (UNB); Luiz Antonio Machado da
Silva (UERJ); Luiz Gustavo P. S. Correia (UFS); Maria Cláudia Pereira Coelho (UERJ);
Maria Cristina Rocha Barreto (UERN); Pedro Lisdero (Argentina - CONICET); Roberta
Bivar Carneiro Campos (UFPE); Rogério de Souza Medeiros (UFPB); Simone Magalhães
Brito (UFPB).
EDITORES
Raoni Borges Barbosa (UFPB/GREM)
Mauro Guilherme Pinheiro Koury (UFPB/GREM)
Expediente
http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/
Sociabilidades Urbanas ISSN 2526-4702
Editores: Raoni Borges Barbosa e Mauro Guilherme Pinheiro Koury
Endereço / Address:
Sociabilidades Urbanas - Revista de Antropologia e Sociologia
[Aos cuidados de Raoni Borges Barbosa]
GREM - Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções
Departamento de Ciências Sociais/CCHLA/UFPB CCHLA / UFPB – Bloco V – Campus I
– Cidade Universitária CEP 58 051-970 · João Pessoa · PB · Brasil
Ou, preferencialmente, através do e-mail: sociabilidadesurbanas@cchla.ufpb.br
Or, preferentially, by e-mail: sociabilidadesurbanas@cchla.ufpb.br
ISSN 2526-4702
BC-UFPB
CDU 301
CDU 572
EDITORES
Raoni Borges Barbosa (UFPB/GREM)
Mauro Guilherme Pinheiro Koury (UFPB/GREM)
Toda correspondência referente à publicação de artigos deverá ser enviada para o e-mail da
Sociabilidades Urbanas - Revista de Antropologia e Sociologia:
sociabilidadesurbanas@cchla.ufpb.br.
3. Citações com mais de três linhas, no interior do texto, devem se encontrar em separado,
sem aspas, com recuo de 1 cm à direita, fonte Times New Roman 11, normal, espaçamento
entre linhas duplo; e espaçamento de 6x6.
4. O arquivo deverá ser enviado por correio eletrônico para o e-mail
sociabilidadesurbanas@cchla.ufpb.br.
Referências
1. As referências bibliográficas deverão constituir uma lista única no final do artigo, em
ordem alfabética.
2. Deverão obedecer aos seguintes modelos:
a) Tratando-se de livro:
sobrenome do autor (em letra maiúscula), seguido do nome;
título da obra (em itálico):
subtítulo, (também em itálico);
nº da edição (apenas a partir da 2ª edição);
local de publicação, seguido de dois pontos (:);
nome da editora;
data de publicação.
Quadros e Mapas
1. Quadros, mapas, tabelas, etc. deverão ser enviados em arquivos separados, com
indicações claras, ao longo no texto, dos locais onde devem ser inseridos.
2. As fotografias deverão vir também em arquivos separados e no formato jpg ou
jpeg com resolução de, pelo menos, 100 dpi.
SUMÁRIO
ARTIGOS ....................................................................................................................................... 13
Sob os olhos da vizinhança: uma etnografia das formas de controle e administração das tensões em
um bairro popular ............................................................................................................................ 15
Mauro Guilherme Pinheiro Koury; Raoni Borges Barbosa
A história Natural do Jornal (nos EUA) .......................................................................................... 33
Robert Ezra Park; Tradução de Mauro Guilherme Pinheiro Koury e Raoni Borges Barbosa
Patrimônio cultural, turismo e desenvolvimento local: Estudo de caso da Cidade Velha, ilha de
Santiago, Cabo Verde...................................................................................................................... 45
José Rogério Lopes; Ângelo Moreira Pereira
O crescimento da cidade: Uma introdução a um projeto de pesquisa ............................................ 61
Ernest W Burgess; Tradução de Raoni Borges Barbosa
Disposições morais, regras de interação e categorias de acusações: Uma etnografia urbana das
condutas públicas de homens com práticas homoeróticas .............................................................. 71
Tarsila Chiara Albino da Silva Santana
Emoções e sociabilidades urbanas. Uma análise compreensiva e histórica do GREM Grupo de
Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções sobre a cidade de João Pessoa, PB ............ 85
Williane Juvêncio Pontes
Identidades, conflicto y basura. Hacia un mapeo de los ritmos de la acción colectiva en la ciudad
de Córdoba.................................................................................................................................... 107
Pedro Lisdero; Ignacio Pellón
“Yo sí, pero mis hijos no”: un análisis entre la soportabilidad y el amor filial en mujeres
recuperadoras de residuos (Argentina) ......................................................................................... 125
Gabriela Vergara
A cidade na perspectiva durkhemiana: Notas sobre a modernidade e morfologia social ............. 137
Jesus Marmanillo
Os limites da integração urbana: a força física como um recurso legítimo de manutenção da
ordem em um bairro periférico da cidade de Campos dos Goytacazes – RJ ................................. 151
Renan Lubanco Assis
“Violência urbana” e experiências públicas de familiares de vítimas “no interior” do estado do
Rio de Janeiro ............................................................................................................................... 165
Jussara Freire;Diogo da Cruz Ferreira;Viviany Férras da Motta dos Santos Soares;Tayná Santos
RESENHAS ................................................................................................................................... 187
Do Social ao Público: Uma etnografia do Espaço Público e dos Problemas Públicos a partir de
uma Sociologia Pragmatista ......................................................................................................... 189
Raoni Borges Barbosa
Etnografias urbanas sobre pertença e medos na cidade: Uma resenha ........................................ 197
Williane Juvêncio Ponte
SOBRE OS AUTORES .................................................................................................................. 201
ARTIGOS
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro & BARBOSA, Raoni Borges. Sob os olhos da vizinhança: uma
etnografia das formas de controle e administração das tensões em um bairro popular. Sociabilidades
Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia, v.1, n.2, p. 15-32, julho de 2017. ISSN 2526-4702.
Artigo
http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/
Abstract: We discuss here ways of controlling and managing tensions in daily living among
residents of a popular neighborhood of João Pessoa-PB. One has by reference an invasion
occurred in years 1990 in one of its streets. There, residents lived with shacks that soon became
masonry. This has led to dissent between established and new residents, with positions towards
the integration and expulsion by force of these new ones. There was a consensus that the
invasion had a negative impact on Varjão / Rangel's esteem and on the city's image of the
neighborhood, perceived as "a bandit place". The analysis is based on interviews and life
stories mainly of the residents of the invaded street. Most of them lived in the neighborhood for
over forty years. Everyone knew each other and interacted intensely with each other, and there
was friendship and collective solidarity expressed in joint efforts to build homes and
improvements in the street and in the neighborhood. From 1970 the neighborhood grew and
improvised enclaves appeared. In this context of tense situations and normative
disorganization, we seek to reflect on forms of social control and daily stress management.
Keywords: control and management of tensions, popular neighborhood, Varjão/Rangel, city of
João Pessoa
1
Primeira versão apresentada durante a 39ª Reunião Anual da ANPOCS, Caxambu, 26-30 de outubro de
2015.
2
A noção de bairro popular remete tanto a uma categoria sociológica quanto a uma categoria nativa.
Enquanto categoria da sociologia e da antropologia urbana, bairro popular implica em uma territorialidade
urbana regulada pela administração estatal, a unidade mínima de urbanização dentro de uma cidade ou
município, mas também em um lugar onde se estabelecem redes de interdependência e códigos de pertença e
de moralidades historicamente situados. O termo bairro popular é utilizado para designar os bairros de
moradia de classe média baixa ou pobre de uma cidade, no caso, a cidade de João Pessoa. O bairro popular é
geralmente um local de infraestrutura precária e de renda variável entre menos de hum a dois salários
mínimos. Também são conhecidos pelo termo periferia, independente de sua localização como área
geográfica no interior da cidade. Enquanto categoria nativa, bairro popular expressa um mapa mental, moral
e emocional, uma cultura emotiva, que os moradores do local constroem cumulativamente nos processos
cotidianos de interação entre familiares, amigos, vizinhos e compadres. A noção êmica de bairro popular,
assim, aponta para uma fachada coletiva que é oportuna e convenientemente acionada enquanto discurso de
desculpas de si e acusações do outro em relação aos estigmas e classificações morais que a cidade associa,
enquanto instância moral, ao bairro popular. Nesse sentido, cada morador de um bairro popular carrega
consigo as marcas de seu local de pertença, percebidas na cidade, ainda que imaginariamente, como um
habitus e como uma imagem deteriorada do self (Koury & Barbosa 2016).
3
O bairro em 2010 contava com 4701 domicílios e uma população estimada de 16.900 habitantes, em sua
grande maioria, quase 80%, com renda de até um salário mínimo (IBGE 2010).
moradores (Elias 2000). Invasões que ocupam áreas desabitadas de terrenos públicos 4 ou
invadem a reserva florestal, conhecida como Mata do Buraquinho, que compõe uma das
fronteiras do bairro.
Nas ruas objeto desta etnografia, houve uma ocupação, ―súbita‖, no dizer dos
moradores já estabelecidos, no final dos anos de 1990. A ocupação se deu em uma área
pública ociosa de propriedade da prefeitura da cidade, com demanda para a construção de
um parque, ou mesmo de escola, posto de saúde ou outra benfeitoria para o bairro. A partir
de então os moradores passaram a conviver com um grande número barracos armados por
sem tetos, muitos deles já iniciando construções de alvenaria.
Esta ocupação, ou invasão, - como os mais antigos costumam denominar, -
modificou a rotina dos moradores das ruas trabalhadas, e as discussões sobre esses novos
habitantes provocaram dissenso entre eles5. É bom lembrar que muitos destes moradores
estão unidos por códigos de aliança variados, sendo, portanto, amigos, compadres ou
parentes de outros mais antigos da rua ou do bairro. Os quais chegaram através de
indicações de redes homofílicas que norteiam desde o início a ocupação do bairro.
Por essas razões, têm os seus projetos individuais e coletivos fortemente
influenciados por mecanismos de dádiva, gratidão e reputação que repercutem de imediato
nas cadeias de interdependência (Elias 1994) que cruzam o bairro. Muitos acreditavam,
assim, que os novos moradores advindos desta ocupação dos anos de 1990 e aqui tratados,
possuem o direito de permanecer no local e que deveria haver um esforço dos mais antigos
para os integrarem ao bairro e a rua.
A maior parte dos moradores, porém, achavam que a ocupação ou a invasão, como
preferem afirmar, provocou um grande contratempo na vida cotidiana local. A convivência
forçada com esses novos habitantes só criava, segundo suas narrativas, situações de
desordem e provocava a reprodução de uma imagem de bairro problema junto à cidade e
os bairros vizinhos.
Alegavam que, ―se a prefeitura não toma uma atitude para resolver esse problema
de invasão em um terreno da união, então a rua e o bairro deveriam tomar para si a tarefa
de removê-los da comunidade‖6. Apesar da divergência entre os moradores mais antigos
sobre a permanência ou não dos novos moradores que ocuparam o terreno baldio, todos os
moradores das ruas próximas e adjacentes à invasão, contudo, são unânimes na afirmação
4
A ocupação aqui trabalhada se instalou em uma área próxima a uma encosta de morro, que forma uma
imensa fenda e faz parte da zona inundável do leito do Rio Jaguaribe. Área considerada como de fragilidade
ambiental. Atualmente, a área se encontra densamente povoada, inclusive em suas encostas.
5
Ocupação e Invasão são dois termos trabalhados neste artigo, nos sentidos êmicos empregados pelos
moradores do bairro Varjão/Rangel. De acordo com a posição de justificação ou de acusação no debate entre
os moradores ao retratarem a situação da presença de barracas surgidas da ―noite para o dia‖, objeto de
reflexão deste paper, o termo ocupação refere-se à posse de uma área ou terreno baldio por famílias sem
moradia, ou conhecidas como sem-tetos, já o termo invasão tem o sentido de imputar a ilegalidade do ato de
ocupação, de invadir um espaço público destinado a outros fins comunitários, no caso, a construção de uma
escola ou de um parque, no bairro. O que, segundo a acusação, interfere na dinâmica local e prejudica os que
lá residem de várias formas, desde em relação à estética e embelezamento local, ou a utilização do espaço por
equipamentos de melhoria do lugar, até, por fim, na expressão do sentido econômico de desvalorização dos
imóveis, investimentos e do próprio lugar ou bairro em que habitam. Por outro lado, em alguns momentos, as
narrativas e falas dos moradores utilizam os dois termos de forma indiferenciada: ocupação e invasão às
vezes aparecem como sinônimos de um mesmo ato que deu origem a um conflito e a um grande
desentendimento entre os habitantes locais.
6
Entrevista com uma das lideranças locais que se mobilizou a favor da permanência dos novos ocupantes
locais. Os termos comunidade e comunitários, neste trabalho, são utilizados em suas construções êmicas para
denominar uma forma de associação estreita e íntima de um grupo interligado e integrado de pessoas que se
encontra ligado uns aos outros por laços intensamente pessoalizados de parentesco e amizade e a códigos
morais e formas de solidariedade comuns, e os seus membros.
de que o bairro sofreu uma baixa estima e a imagem dos demais bairros da cidade em
relação ao Varjão/Rangel foi afetada por esta ocupação, e pelas inúmeras invasões sofridas
nos últimos quarenta anos pelo bairro.
Não só o crescimento acelerado e a forma improvisada com que o bairro do Varjão
foi sendo constituído contribuíram para esta baixa na estima e na depreciação do bairro
frente à cidade como um todo, mas, principalmente, a imagem da violência e da desordem
deles advindos. As estatísticas informam o bairro com um dos mais perigosos de João
Pessoa e ―um reduto de bandidos‖ que ameaça moralmente e fisicamente a cidade, como
informam cotidianamente os mapas da violência, produzidos pelas secretarias estaduais e
pela polícia e divulgadas pela imprensa local.
Esta imagem da violência também faz parte do discurso de muitos moradores mais
antigos e já estabelecidos no bairro e, aqui, com ênfase nas ruas aqui trabalhadas, que
afirmam lutar ―por uma imagem de um bairro ordeiro e de gente de bem‖: luta esta que
parte inclusive por uma mudança do nome oficial Varjão, para um outro, Rangel. Este,
sim, representante de um novo bairro, ordeiro, disciplinado, não violento, que diluiria e
substituiria, por fim, a imagem de degradação e violência instituídas na cidade de João
Pessoa pelo Varjão (Koury 2014; Barbosa 2015).
É sobre essa tensão entre iguais, em que se classificam mutuamente como
estabelecidos e invasores, na configuração de um ordenamento moral e sobre a
modificação na reputação do bairro perante a cidade e os bairros vizinhos, a influência
desta reputação na visão de si e do outro entre os moradores do bairro, as disputas morais
resultantes e o sistema de desculpas e acusações daí propiciado, que este artigo versará.
Tem como objeto central as micropolíticas e as conformações cotidianas do controle social
nas situações armadas e ocasionadas pela tensão resultante da chegada de novos e
inoportunos moradores que ajudam a processar uma imagem de degradação ao já mal-
afamado Varjão. Situações estas caracterizadas através da imputação do contágio para os
novos bairros, de classes médias, e pela presença de bolsões de miséria oriundas das
ocupações de sem tetos que armam suas barracas e teimam em não sair do local.
Dissenso e fragmentação dos códigos de aliança
Este artigo busca refletir os dissensos, as formas de arregimentação de forças pa-ra
o disciplinamento moral do bairro, e a fragmentação de laços de compadrio e parentesco
que unem e ao mesmo tempo pulverizam as relações. O que ocasiona tensões permanentes
de ódio e amor entre si, e a um processo de acusação e segmentação de um lugar de dois
nomes entre uma quase esquizofrênica repartição de um bairro que se pensa e se quer
civilizado, o Rangel, e um bairro que se diz e se acusa de marginal, o Varjão7.
7
A noção êmica civilizado aparece na fala ressentida dos moradores do bairro do Varjão/Rangel como
acusação ao outro próximo que reforça a imagem do bairro como fachada deteriorada (Goffman 2012; Koury
& Barbosa 2016), como local de pertença caracterizado pelo seu baixo padrão moral, sujeira e perigo. O
bairro do Rangel, que se quer civilizado, integrado moral e economicamente na cidade de João Pessoa,
aparece, nesse sentido, como categoria de acusação do outro, o bairro do Varjão, que é classificado
moralmente como marginal, como territorialidade, cultura emotiva e fachada coletiva de moradores
classificados como problemáticos. Varjão e Rangel, nesse sentido, aparecem para o morador não como
configurações e argumentos morais sobrepostos, mas autoexcludentes, conformando, assim, um cenário tenso
e de acentuada desorganização normativa, em que o civilizado e o marginal estão em constante disputa no
cotidiano de todos os moradores. A cidade de João Pessoa parece desconhecer esta diferenciação e iguala
moralmente esses lugares simbólicos, o que sugere uma dinâmica de ressentimento entre bairro, cidade e seus
moradores. Deste modo, a sobreposição ou mesmo a hibridização das identidades coletivas dos moradores do
bairro, ora Varjão ora Rangel, e ainda Varjão/Rangel, parece apontar para uma suspensão da vida cotidiana
em um espaço e em tempo sociais caracterizados pela liminaridade das relações entre os moradores do bairro:
―estou aqui só de passagem‖; ―sonho em sair do bairro‖; ―não tenho amigos no bairro‖; ―não vivo em porta
Desde os anos de 1970 o Varjão vai se configurando como bairro e vem sofrendo
pressões que o conduzem para uma redefinição espacial e moralizadora. Redefinições estas
que conduzem e transformam as comunidades locais, até então dispersas no interior da
grande várzea à margem sul do rio Jaguaribe, para novos reordenamentos internos e mais
condizentes com a reestruturação da cidade de João Pessoa com a sua expansão e criação
de novos bairros na zona sul da cidade.
Constrangidas pela criação de conjuntos habitacionais que logo a seguir vão se
configurando e se assentando no formato de bairros de classe média, como o do Cristo
Redentor, as comunidades até então dispersas e espalhadas pela grande várzea do rio
Jaguaribe, na sua margem sul, fronteiriças e com penetração na reserva de mata atlântica
ali situada, começam a se agregar em um novo formato, forçado, é bom frisar, de um
bairro. São montadas ruas, as comunidades passam por reordenamento urbanístico que
transpassam as suas fronteiras, aproximando-as e às vezes embaralhando os seus limites
físico e simbólico. O que amplia os conflitos entre grupos comunitários nem sempre
próximos e com grandes disputas nas formas organizativas, morais e de princípios e
códigos de honra (Goffman 2010).
A grande várzea ao sul do Rio Jaguaribe, é importante salientar aqui, foi ocupada
por levas populacionais vindas do interior do estado da Paraíba ou de estados vizinhos,
desde os anos de 1920, quando se dão as primeiras notícias de sua ocupação. Grupos de
trinta a cinquenta famílias, amigas ou com laços de parentesco vinham e invadiam a área,
faziam uma clareira na reserva de mata atlântica, construíam pequenas casas de taipa em
um traçado peculiar a cada comunidade, com uma pequena capela, locais de lazer, bares, e
construção de espaços para troca e venda de seus produtos, artesanatos de utensílios
domésticos, produtos de caça trazidos da mata, de pescaria nas águas do Jaguaribe, ou de,
posteriormente, produtos dos roçados e de criação de animais domésticos, como galinha,
porcos, entre outros, segundo depoimento de Vó Mera, uma moradora antiga e personagem
símbolo de identidade cultural do bairro, contido na monografia de Cunha (2006).
Cada comunidade tinha uma organização quase que autossuficiente, e dependia
muito pouco da cidade, que também as ignorava, a não ser nas diversas disputas de honra e
nas disputas territoriais entre as comunidades. Contendas nas quais a força policial se fazia
presente para a contenção dos envolvidos, e que tornava a área da margem sul do rio
Jaguaribe em um lugar malvisto pela cidade, que a enxergava como um ambiente habitado
por ―um bando de arruaceiros‖, segundo os ditames da imprensa local, quando noticiavam
ações policiais nos arredores da cidade de João Pessoa.
Embora em disputas constantes, as diversas comunidades da margem sul do
Jaguaribe, também mantinham diferentes trocas entre si, não só se matavam, mas também
trocavam mercadorias, em escambo ou moeda, como também casavam entre si, estreitando
laços entre elas. Muito embora tais casamentos acontecessem após longas disputas e
acusações morais e de reparação à honra comunitária às investidas amorosas dos jovens
que ousavam desconhecer as fronteiras morais e comportamentais que regiam cada
comunidade.
Vencidas as pândegas de honra, geralmente após conflitos com muita acusação e, às
vezes, mortes, alianças eram construídas gerando novas possibilidades organizativas e de
respeito entre as comunidades envolvidas. Deste modo, os elos internos a cada comunidade
eram expandidos em códigos de aliança variados, sendo, portanto, amigos, compadres e
parentes. Os elos e alianças tecidos em redes de interdependência nas comunidades agora
entrelaçadas não eram de todo harmônicos, mas prenhes de estranhamentos e acusações
advindas da administração de conflitos localizados, nos quais as origens dos comunitários
de ninguém‖; ―o Varjão é mais lá para baixo‖; ―Varjão era naquele tempo‖, afirmam os moradores em suas
narrativas.
envolvidos eram usadas como ofensas morais por parte dos outros envolvidos, e vice-
versa.
Isso se apresentava, principalmente, no contínuo fluxo e através de constantes levas
de novos membros, em cada comunidade instalada, por meio de redes homofílicas, -
parentes, conhecidos, conhecidos de parentes e de outros conhecidos, - que largavam o seu
lugar de origem à procura de um novo lugar no qual pudessem constituir novos projetos e
garantias de sobrevivência pessoal e familiar. No geral, porém, um reordenamento moral e
territorial era satisfeito e regimes de paz pelas alianças montadas permitiam certo controle
social local pelos próprios comunitários e comunidades em aliança.
Nos anos de 1970, os processos de urbanização e reordenamento da cidade (Maia
2000; Lavieri & Lavieri 1999) desorganizam as comunidades presentes no Varjão: na
grande várzea do rio, bem como para além da várzea, destruindo pequenos sítios e vacarias
que abasteciam a cidade de verduras, legumes e leite, para a construção de grandes
conjuntos habitacionais, onde novos bairros foram se erguendo8. Os agrupamentos
removidos de comunidades destruídas pela intervenção expansionista da cidade se
deslocam para o norte e leste, onde buscam se assentar na faixa ainda não explorada da
várzea e junto às novas fronteiras da mata atlântica.
Aglomeram-se nos espaços desocupados deste estreito território gerando
desconforto e tensão com relação aos comunitários lá residentes, já em frágeis alianças
entre si. Nascem deste modo os atuais contornos do bairro do Varjão, agora constrangido
entre a reserva de mata atlântica, também conhecida como mata do buraquinho, ao leste,
com o bairro de Cristo Redentor a Oeste, com o Bairro de Água Fria ao sul, e ao norte, o
Rio Jaguaribe, que na sua margem norte abriga os bairros de Jaguaribe e Cruz das Armas
(Mapa 1).
8
Cristo Redentor, Geisel, na várzea do Rio Jaguaribe, Bancários, Mangabeira, Valentina de Figueiredo,
adentrando a zona sul da cidade de João Pessoa, entre outros.
A idéia de bairro vai sendo tensamente instaurada na grande várzea ao sul do rio
Jaguaribe, e constrangida no lugar. A imposição de uma lógica de bairro, enquanto
estruturante do espaço habitado, vai se sobrepondo à idéia vivida e experimentada de
comunidades, motivada pela pressão causada pela expansão da cidade modificando a
paisagem local da zona oeste e sul de João Pessoa. O lugar, assim, vai se tornando um local
cada vez mais urbanizado, e sob o controle da cidade: que investe no espaço urbano
conquistado em termos de disciplinamento das ruas, de legalização das áreas habitacionais
(Macedo 2009), e da construção de vias de acesso para deslocamento da população.
Deslocamento da população, - assentada nos diversos conjuntos habitacionais que deram
origem a distintos bairros -, para o centro da cidade e para os bairros onde se concentravam
uma população de classes média e média alta local.
Entre os anos de 1970 até o ano de 1990 as comunidades do agora bairro do Varjão
foram se conformando com a idéia de bairro, sem perder ao todo a pessoalidade in-tensa
que conformou as levas populacionais que ali chegaram desde as primeiras notícias de
ocupação que se tem da várzea do rio Jaguaribe. Os novos traçados de rua, as vias de
acesso que o cortam no sentido de entrada e saída do bairro para outros locais, o trânsito
intenso que obrigam uma grande população a passar diariamente, pelo menos duas vezes
para ida ou volta do centro ou de outros bairros, caminham para um processo de integração
do Varjão no roteiro urbano e nas preocupações de controle social e de segurança da
administração da cidade.
Nesse período a população local se organiza em levantes reivindicatórios: lutam por
infraestrutura e equipamentos urbanos de lazer, escolar, de saúde, de espaços religiosos e
outros para o bairro (Barbosa 2001). Começa a haver, também, uma busca de integração
dos moradores na rede de empregos oferecidos pela cidade de João Pessoa, e uma
ampliação da luta por emprego, contra a carestia, e outras formas de organização
conjuntamente com outros moradores de bairros e áreas periféricas da cidade.
Nesse período, ainda, são fundadas no bairro associações de moradores e um
Conselho Comunitário dos Moradores (Silva 1984), e há uma integração das suas lutas e
reivindicações com os demais bairros populares da cidade. Este período conforma e dá um
novo sentido ao pertencimento local ao bairro e à cidade em geral. Os moradores trafegam
assim de uma forma mais ou menos autossuficiente de gestão comunitária, para uma forma
nova de integração ao espaço urbano e das lutas mais gerais da cidade.
Neste ínterim, vão se adequando novas formas de inserção, com investimentos
progressivos em um comércio local, supermercados, padarias, feiras livres que vão se
alocando em um mercado público que as abriga, no novo reordenamento do bairro, em
redes escolares e de saúde, em esgotamento sanitário e calçamento de ruas e iluminação
pública. Do mesmo modo que antigos moradores investem em melhoria de suas moradias,
uma diferenciação começa a se estabelecer entre os que conseguiram melhorar de posição
e os que ainda residem em locais de invasão9 (Elias 2000).
A ingerência da cidade também modifica hábitos e costumes locais entre os antigos
comunitários. É bem verdade que uma rede homofílica ainda continua a atuar, atraindo
parentes, amigos e compadres e os que são próximos a eles, que são abrigados em puxados
nos terrenos próximos às residências, mas também são recebidos em pequenos becos
construídos entre muros de duas residências, onde são erguidos quartos para aluguel.
Esses becos e os quartos neles construídos destinam-se a novos moradores que
chegam por conta própria e têm também a função de complementação da renda familiar
dos proprietários, que os alugam aos novos habitantes. Assim, entre duas casas são
9
O pagamento do IPTU – Imposto sobre o Patrimônio Territorial Urbano, ganha, ainda hoje, uma conotação
de status local, entre os que pagam impostos, ou seja, os que ascenderam para uma moradia legalizada, e os
que não pagam, isto é, os que ainda vivem em áreas de invasão (Koury 2014, 2014a).
construídas uma pequena vila de casas de um único cômodo, onde convive uma família
inteira por unidade e várias famílias. Esses aglomerados de casa são chamados local-mente
de becos.
Assim, a lógica de acolhimento com a qual recebiam os recém-vindos, - e a partir
da qual os mecanismos de dádiva, gratidão e reputação que repercutem de imediato nas
cadeias de interdependência que cruzam as comunidades, em um regime de proteção,
honra e troca de favores -, agora se mescla também com outra lógica: a da submissão do
recém-chegado à lógica monetária, como uma sobrerrenda para a família ou famílias dos
terrenos onde os becos foram construídos. A lógica da honra convive com a lógica do
direito (Berger 2015), a lógica da solidariedade convive com a lógica mercantil.
Os moradores dos becos, assim, possuem uma autonomia relativa em relação ao
proprietário que os abrigou, mas, ao mesmo tempo, se sentem presos em processos de
gratidão e dádiva com os proprietários dos quartos, onde se abrigam. Os quartos são
cedidos como uma dádiva e se espera gratidão daqueles a quem foram permitidos neles
morar. A cessão, como é chamada no bairro, implica em uma contribuição, o aluguel, que
é encarado como uma contradádiva que obriga os moradores novos a favores e gratidão aos
proprietários dos imóveis.
Nos anos de 1990, quando aconteceu a ocupação aqui trabalhada 10, e denominada
pelos moradores mais antigos de invasão, houve uma segunda fragmentação dos códigos
de proteção e honra que norteavam e davam sentido à organização comunitária local. Com
a reorganização das comunidades em bairro e sua assimilação como bairro pelos
moradores, - e a luta por sua integração à cidade e a ampliação da luta por direitos civis, -
os laços comunitários enfraqueceram e se fragmentaram. Tornaram-se mais fluidos, mas,
mesmo assim, a intensa pessoalidade ainda resiste, e que pode ser vista e registrada pela
troca de favores e pela copresença, às vezes opressiva (Prado 1998), dos outros na vida de
cada um.
O processo de fragmentação dos laços e a persistência de uma intensa pessoalidade
convivem, assim, de forma ambivalente e tensa no local. Ao mesmo tempo em que a lógica
individualista inicia um discurso sobre os outros do bairro, a vergonha cotidiana de se
colocar como morador local se manifesta, e ela se dá a cada interação nova, seja dentro ou
fora do bairro. Isso acontece a todo o momento, onde e quando um morador tenha que
explicar a alguém o porquê reside no Varjão, ou se possui amigos no bairro, ou sobre o que
de melhor ou pior o bairro oferece, por exemplo.
São momentos em que a vergonha de ser morador de um bairro considerado
violento, pobre, sujo, pelos moradores de outros bairros, ou pela imprensa local ou nos
mapas de violência policiais cala fundo no morador e nos quais ele tende a ser discreto ou
direto na sua atitude perante o outro, seu interlocutor. Deste modo, a ambiguidade e a
ambivalência ganham espaço.
De forma simultânea, em um mesmo discurso de não tenho amigos no bairro e aqui
nada presta, aparece outro discurso; outro discurso que informa que é no Varjão/Rangel
que reside a maioria dos familiares, de que o lugar é aprazível, fresco, arborizado, de que o
bairro é próximo do centro da cidade, de que é bem servido de ônibus, e, sobretudo, de que
o lugar é um lugar onde obteve apoio sempre que precisou. Do mesmo modo como é um
lugar onde ele, o morador informante, deu apoio aos que necessitavam e que os procurou
ou que ficou sabendo da necessidade e que podia ajudar.
O bairro do Varjão/Rangel, assim, convivia nos anos de 1990, como convive ainda
hoje, com um processo de transição nas formas comportamentais e na etiqueta interacional.
Processo de transição este, às vezes, angustiante, entre regimes de pessoalidade, regidos
10
Como continua a acontecer atualmente de forma mais acelerada.
11
Como sempre ocorreu, desde os anos de 1920 quando a grande várzea do Rio Jaguaribe é ocupada por
famílias e comunidades inteiras em ondas migratórias. Processo, inclusive, que ainda ocorre até hoje, com a
ocupação ilegal do que resta da reserva florestal local, conhecida como Mata do Buraquinho, onde funciona
um dos limites do Jardim Botânico da cidade de João Pessoa.
12
Neste trabalho se optou por não revelar os nomes das ruas, e usar as ruas próximas com letras. Apenas o
nome da rua principal onde se deu a ocupação se deu um nome fictício para melhor composição do cenário.
O mesmo acontecendo com o nome das pessoas entrevistadas e citadas no texto.
13
Embora possa também ser construída em um processo mais lento.
14
Às 10 horas da manhã a casa ficou pequena, segundo relato no diário de campo, para todos os que queriam
participar da reunião, sendo obrigados a procurar outro local nas redondezas que coubesse a todos. O pátio da
escola próxima foi o local encontrado e ocupado para a reunião que teve início uma hora depois da hora
marcada. Na reunião, um dos organizadores tomou a iniciativa da abertura da sessão relatando os fatos que
abalaram o cotidiano da sua rua e de outras da redondeza, com a ocupação do terreno próximo à barreira, - e
cuja depressão margeia o rio Jaguaribe, - por várias famílias. Nesta reunião tiveram voz, além dos
organizadores, vários outros moradores locais, comerciantes, e pastores evangélicos de igrejas adjacentes ao
local ocupado.
15
Ainda hoje, casas de confecção e venda de bolos, bem como de salões de beleza, junto a templos das mais
diversas religiões fazem parte da paisagem do bairro. É comum encontrar em uma mesma rua pelo menos
duas ou três casas de bolo ou salões de beleza, assim como templos.
causa deles, nem o negócio compensa o esforço prá continuar aqui. Sei não...
acho que tô ficando meia desesperançada...‖.
Destarte, a idéia de dano material e de dano moral configurou todo o processo de
arregimentação dos moradores antigos para expulsão dos novos moradores do lugar. De
acordo com Aurélio Buarque de Holanda (1988) o termo dano, tem o significado de mal ou
de ofensa e prejuízo moral ou material.
Nesse diapasão, a diferenciação entre nós e eles, - nominados de esse povo, de
gente que emporcalha o ambiente, - conforma o ordenamento moral que enquadra a
invasão como um prejuízo aos esforços de melhoria do bairro e como um insulto e uma
agressão moral aos moradores já estabelecidos. As queixas, assim, parecem se amoldarem
como insultos moral. Para Cardoso de Oliveira (2005, p. 2), o conceito de insulto moral
aviva ―duas características principais do fenômeno: (1) trata-se de uma agressão objetiva a
direitos que não pode ser adequadamente traduzida em evidências materiais; e, (2) sempre
implica uma desvalorização ou negação da identidade do outro‖.
É sobre esse conceito de agressão moral causados pela invasão que se articulou as
disputas morais entre os moradores. O que propiciou e deu início a um sistema de
desculpas e acusações expondo preconceitos e vulnerabilidades (Goffman 2012a) de
ambos os lados. O que ampliou os dissensos, e as formas de arregimentação de forças para
o disciplinamento moral do bairro. Sente-se, a partir dessa ocupação, um sentimento de
falência do sentido de comunidade que até então perfazia o imaginário dos moradores
locais, desde a década de 1920. Sentimento este que foi se perdendo quando o conceito de
bairro começou a se erigir sobre a noção de comunidade.
É bem verdade, de acordo com vários entrevistados, que dentre os moradores já
estabelecidos, alguns poucos ainda ousaram provocar o sentimento de comunidade e de
esforço solidário para com os novos moradores. Mas, ―só uns poucos se atreveram a agir e
falar em seu nome [dos novos ocupantes]‖.
Segundo um entrevistado16,
―[...] muitos que ali estavam [na ocupação] eram pessoas como nós éramos e
muito de nós já foram pobres, expulsos do seu lugar e sem ter onde ficar. [...]. A
gente devia pensar nisso e, se não ajudar, pelo menos deixar eles ficarem e se
arranjar por lá, como a gente mesmo já fez antes e antes...‖.
Segundo uma entrevistada17,
―teve gente mesmo que chegou a vaiar a gente que falava a favor da permanência
dos novos moradores; e outros ainda gritavam ‗leva eles prá casa‘. E aí a gente e
outros tantos deixamos de falar com eles e tomamos partido dos novos
moradores. Em uma das reuniões, que eu ainda tava presente, depois de muita
confusão, empurra-empurra e palavrões, alguém pediu calma, um e outro
também, mas não teve mais jeito, e a reunião terminou sem haver entendimento
de parte alguma. Foi marcada outra reunião mas só foram os revoltados. A gente
achou melhor deixar prá lá e cuidar de nossas vidas e ajudar os que necessitavam
ajudam, como sempre foi por aqui [...]. Nos outros dias, de fato, alguns dos
moradores levaram algumas famílias da ocupação para as suas casas. Eu mesma
levei duas mães com os filhos, que descobri que eram meus parentes distantes, e
outros tantos levaram parentes ou pessoas que vieram pra aqui recomendados por
parentes ou amigos do interior‖.
Mais tarde permitiram que os acolhidos [como costumam nominar] construíssem
um quartinho ou um puxado por trás da casa deles e lá e de lá reconstruíssem suas vidas.
16
Funileiro e morador antigo de uma das ruas atingidas pela ocupação, e que ficou também ao lado dos novos
moradores.
17
Moradora do lugar desde os anos de 1980, e que esteve desde o início a favor de deixarem os novos
ocupantes em paz e viverem a vida deles, ―como a gente viveu e organizou a nossa‖.
Mas essa atitude foi tomada por poucos, uma grande parte ficou na ocupação e por lá
começaram a remontar e se misturar no bairro.
Passados um pouco mais de vinte anos é possível ver, hoje, a ocupação já
consolidada. A ocupação se deu acima da rua com traçado horizontal, atingindo todas as
ruas transversais que a cortam. Como se pode ver, pela imagem acima, as ruas foram
ordenadas, dando uma continuidade às demais, e prosseguindo até a depressão (na parte
verde no canto superior da fotografia).
As casas ainda aparentam ser mais pobres do que as da área dos então
estabelecidos. Desde então, é importante frisar, novas ocupações aconteceram, com uma
profusão de casas desordenadas descendo encosta abaixo, em situações de risco.
Ainda hoje, vários moradores do bairro que viveram a tensão da ocupação dos anos
de 1990 não se falam, motivados pelas tensões permanentes vividas de ódio e amor
geradas nesse processo de disputas morais ocasionados pela ocupação. Ainda se acusam e
empurram para os que fizeram parte da invasão como ainda costumam falar, a degeneração
e a fraqueza moral do bairro. Ou se defendem, acusando os acusadores de tentarem viver
uma vida que não possuem, e perder o sentido do melhor que o bairro possui: o espírito de
comunidade e de solidariedade, e de que todos se ajudam quando precisam.
Mas todos são unânimes em afirmar o estigma da cidade sobre os moradores e
sobre o bairro do Rangel, e em sua maioria afirmam que se puderem sairiam do bairro,
mas, em outras circunstâncias, também afirmam que o Rangel é o lugar melhor de se viver:
tranquilo, calmo, bom comércio, boa gente, que costumam se ajudar uns aos outros, e onde
possuem parentes e amigos próximos. Como também, que o problema do bairro é o pessoal
do Varjão, os desocupados, engraçadinhos, desordeiros, violentos, que a cidade costuma
confundir com os do Rangel.
Enfim, modificado e se modificando, o Varjão/Rangel continua um bairro de dois
nomes. Um lugar com disputas morais pungentes, com desculpas e acusações sobre o
processo de morar no bairro, e com uma cultura emotiva tensa e ambivalente. O que perfaz
um ambiente com uma montagem moral complexa e sempre em disputa, recheada de amor
e ódio ao bairro e ao outro habitante, bem como pelo processo de humilhação pelo estigma
com que a cidade trata os moradores e o lugar.
Referências
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trabalhadoras de Mandacaru. (Dissertação). João Pessoa, PPGE/UFPB.
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Edições do GREM.
BERGER, Peter, 2015, ―Sobre a obsolescência do conceito de honra‖ [seguido de] ―Duas
notas de rodapé sobre a obsolescência da honra‖. RBSE – Revista Brasileira de Sociologia
da Emoção, 14 (41): 7-20.
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socio-logía de la acción. Buenos Aires, Amorrortu.
BOURDIEU, Pierre, 2007, A distinção. Crítica social do julgamento. São Paulo, EdUSP /
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Violência Sem Agressão Moral?)‖. Série Antropologia, n. 37, Brasília, DAN-UnB.
SIMMEL, Georg, 2014, ―A tríade‖, em Maria Claudia Coelho (Org.). Estudos sobre
interação: textos escolhidos. Rio de Janeiro, EdFGV, 45-64.
WERNECK, Alexandre, 2013, A desculpa: as circunstâncias e a moral das relações
sociais. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
PARK, Robert E. A História Natural do Jornal. Tradução de Mauro Guilherme Pinheiro Koury & Raoni
Borges Barbosa. Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia, v.1, n.2, p. 33-44,
julho de 2017. ISSN 2526-4702.
Tradução
http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/
Resumo: Neste breve e sarcástico ensaio, Park provoca o leitor com a apresentação do
que denomina história natural do Jornal, passando em vista as cartas de notícias da
aldeia e da pequena cidade; os boletins dos debates e discursos parlamentares; a
imprensa de opinião dos partidos políticos; a imprensa independe como grande
empresa; e a imprensa amarela para o grande público de massa. Park enfatiza o jornal
como fenômeno dinâmico e transintencional, produto e produtor do urbanismo e da
vida urbana. O jornal aparece como instância de controle social, de entretenimento,
como arena político, e como empreendedor moral, ora informando, ora romanceando a
complexidade da vida na metrópole. Palavras-chave: Robert E. Park, jornal, história
da empresa jornalística nos EUA, imprensa amarela, empreendedor moral
Abstract: In this brief and sarcastic rehearsal, Park provokes the reader with a
presentation of what he calls the natural history of the Journal: the news-letters from
the village and the small town; the Bulletins of parliamentary debates and speeches;
the party press; the independent press as a big company; and the yellow press for the
mass public. Park emphasizes the newspaper as a dynamic and transintentional
phenomenon, at once it is a product and a producer of the urbanism and of the urban
life. The newspaper is presented as an instance of social control, of entertainment, as a
political arena, and as also a moral entrepreneur, that sometimes is informing or
romanticizing the social life complexity in the metropolis. Keywords: Robert E. Park,
newspaper, history of the US newspaper business, yellow press, moral entrepreneur
O tipo de jornal que existe atualmente é aquele que sobreviveu sob as condições da
vida moderna. As pessoas que podem ser consideradas como os pioneiros do jornal
moderno – James Gordon Bennett, Charles A. Dana, Joseph Pulitzer e William Randolph
Hearst – são aquelas que descobriram o tipo de papel que homens e mulheres leriam e
teriam coragem de publicar.
A história natural da imprensa é a história desta espécie sobrevivente. Trata-se de
uma consideração das condições sob as quais o jornal atual tem se desenvolvido e tomado
forma.
O jornal não é meramente imprenso. Mas circulado e lido. De outra feita não pode
ser considerado jornal. A luta pela sobrevivência, no caso do jornal, tem sido uma luta pela
circulação. O jornal que não é lido cessa em ser uma influência na comunidade. O poder da
imprensa pode ser grosseiramente mensurado pelo número de pessoas que a lêem.
O crescimento das grandes cidades tem incrementado enormemente a dimensão da
leitura pública. O exercício de ler, que foi antigamente um luxo nas zonas rurais, tem-se
tornado uma necessidade na cidade. No ambiente urbano a literaridade é quase tão
necessária quanto a capacidade de falar. Esta é uma das razões para que haja tantos jornais
em línguas estrangeiras.
Mark Villchur, editor do jornal Russkoye Slovo, New York City, questionou seus
leitores sobre quantos deles leu jornais na sua velha pátria. Ele chegou aos seguintes dados:
de 312 correspondentes, apenas 16 tinham regularmente lido jornais na Rússia; 10 outros
costumavam ler, de vez em quando, jornais no Volast, o centro administrativo do vilarejo,
e 12 eram assinantes ou leitores de revistas mensais. Na América, contudo, todos eles
tornaram-se assinantes ou leitores de jornais russos.
Este fato é de interesse porque o imigrante tem tido, primeira e ultimamente, uma
profunda influência sobre o caráter dos nossos jornais nativos. Como trazer os imigrantes e
seus descendentes para o círculo dos leitores de jornais tem sido um dos problemas do
jornalismo moderno.
O imigrante que tem, talvez, adquirido o hábito de ler um jornal em língua
estrangeira vê-se eventualmente atraído para os jornais americanos nativos. Estes são para
ele uma janela para o mundo exterior mais amplo, para além do estreito círculo da
comunidade de imigrantes em que ele é compelido a viver. Os jornais têm descoberto que
mesmo pessoas que podem eventualmente ler não mais que as manchetes da imprensa
diária comprarão a edição de domingo para assim poder apreciar as figuras que ilustram e
comentam as notícias.
Tem-se dito que o mais bem sucedido dos periódicos Hearst, o New York Evening
Journal, ganha um novo corpo de assinantes a cada seis anos. Aparentemente este jornal
recruta seus leitores principalmente dos círculos de imigrantes. Estes jornais graduaram-se
nos periódicos do Sr. Hearst a partir da imprensa em língua estrangeira, e quando o
sensacionalismo destes periódicos começou a saturar o interesse dos leitores, os mesmos,
então, adquiriram um gosto próprio de alguns dos jornais mais sóbrios. De qualquer
maneira, o Sr. Hearst tem sido um grande americanizador.
Em seus esforços em tornar o jornal mais palatável para o consumo dos leitores
menos instruídos, e em encontrar no material jornalístico diário aquilo que excitasse as
inteligências mais broncas, os editores em feito uma importante descoberta. Eles
descobriram que a diferença entre o erudito e o inculto, tida então como profunda, é em
grande medida uma diferença no uso de vocabulários. Em síntese, se a imprensa pode
fazer-se inteligível para o homem comum, a mesma terá ainda menos dificuldades em fazer
entender pelo intelectual. O caráter dos jornais atuais tem sido profundamente influenciado
por esse fato.
Os primeiros jornais
O que constitui um jornal? Muitas respostas têm sido dadas. Diz-se que é a tribuna
do povo; que é o quarto poder; que é o Paladino das liberdades civis, e etc.
Por outro lado, este mesmo jornal tem sido caracterizado como o grande sofista. O
que os professores populares fizeram por Atenas no período de Sócrates e Platão, a
imprensa tem feito em tempos modernos pelo homem comum.
O jornal moderno tem sido acusado de ser uma empresa comercial. ―Sim‖, afirmam
os senhores dos jornais, ―e o produto que o jornal vende é a notícia‖. Esta é a verdade da
loja. (O editor é o filósofo tornado comerciante). No exercício de tornar a noticia sobre
nossa vida comum acessível para todo indivíduo, para isto ao menos mais que o preço de
uma chamada de telefone temos que receber em troca, torna-se urgente que – mesmo que
na complexa vida do que Graham Wallas denominou de a ―Grande Sociedade‖ – algum
tipo de democracia funcional seja alcançada e mantida.
A noção do gerente de propaganda é, contudo, algo diferente. Para ele o jornal
constitui um medium para a criação de valores de publicidade. O negócio do editor se
resume em providenciar o envelope que abarca o espaço em que o publicitário vende seu
produto. Eventualmente o jornal pode ser concebido como um tipo de carreira comum,
como a linha férrea ou os correios.
O jornal, de acordo com o autor de Brass Check18, é um crime. O brass check é um
símbolo de prostituição. ―O brass check é encontrado em seu envelope pago toda semana –
você que escreve e imprime e distribuiu nossos jornais e revistas. O brass check é o preço
da sua vergonha – você que pega o corpo justo da verdade e o vende na praça do mercado,
que trai as esperanças virginais da humanidade no detestável bordel dos grandes negócios‖.
Este é o conceito de um moralista e de um socialista – Upton Sinclair.
Evidentemente o jornal é uma instituição ainda não completamente entendida. O
que é, ou parece ser, para qualquer um de nós de qualquer era, é determinado pelos nossos
diferentes pontos de vista. Com efeito, não sabemos muito sobre o jornal. Trata-se de
fenômeno ainda não estudado.
Uma das razões pelas quais sabemos tão pouco sobre o jornal é que, da forma que
este atualmente existe, trata-se de uma manifestação bastante recente. Além disso, no curso
de sua história relativamente breve, o jornal tem atravessado sérias marcantes de
transfigurações. A imprensa hoje é, contudo, tudo o que já foi e ainda algo mais. Para
entendê-la devemos observá-la em sua perspectiva histórica.
Os primeiros jornais eram escritos à mão ou feitos de letras impressas; eram
chamados de cartas de notícias. No século dezessete, cavalheiros dos países de língua
inglesa costumavam empregar correspondentes para lhes escrever uma vez por semana
desde Londres as fofocas da corte e da cidade.
O primeiro jornal na América, ao menos o primeiro jornal que sobreviveu às suas
primeiras questões, foi o Boston News-Letter. Este jornal era impresso pelo chefe dos
correios local. A central de correios tinha sido sempre um fórum público, onde todas as
preocupações e assuntos da nação e da comunidade eram discutidos. Era de esperar que lá,
um lugar situado nas proximidades das fontes de inteligência, se é que se pode falar de tal
lugar, emergisse uma experiência comunicativa que redundasse em jornal. Por um longo
tempo a posição de chefe dos correios e a vocação de editor foram consideradas como
inseparáveis.
18
De acordo com a Wikipédia, The Brass Check, publicado em 1919, por Upton Sinclar, expunha de forma
critica e sarcástica a idade do ouro (muckraking) do jornalismo americano. Sinclair alcançou grande
audiência e fama com seu estilo provocativo e com seus ataques ao jornalismo como empresa comercial e e
ao jornalismo do tipo imprensa marrom (yellow press). (Nota do Tradutor).
continuar a nos narrar a nós mesmos. Devemos de alguma forma aprender a conhecer
nossa comunidade e suas narrativas e preocupações da mesma maneira íntima em que nós
os conhecíamos nas aldeias interioranas do país. O jornal deve continuar a ser o diário
impresso da comunidade doméstica. Casamentos e divórcios, crimes e processos políticos,
devem continuar a compor o corpo principal das nossas notícias. Notícias locais são a
matéria ordinária da qual a democracia é feita.
Mas isto tudo, de acordo com o Walter Lippmann, é justamente a dificuldade.
―Como a verdade social é organizada hoje‖, ele comenta, ―a imprensa não está constituída
para mobiliar de uma edição à outra a quantidade de conhecimento que a teoria
democrática da opinião pública demanda... Quando esperamos que a imprensa venha a
suprir tal corpo de verdade, nós empregamos um parâmetro equivocado de julgamento.
Nós entendemos de forma errada a natureza limitada das notícias, e a ilimitada
complexidade da sociedade; nós sobreestimamos nossa própria resistência, nosso espírito
público, e mais que tudo competência. Nós supomos um apetite para verdades não
interessantes que não é descoberto por nenhuma análise honesta do nossos próprios
gostos... Inconscientemente a teoria estabelece o leitor tomado isoladamente como
teoreticamente incompetente, e coloca sobre a imprensa o fardo da realização de o que
qualquer governo representativo, organização industrial, e diplomacia falharam em
realizar. Atuando sobre todos por trinta minutos em vinte e quatro horas, a imprensa é
questionada a criar uma força mística chamada ‗opinião pública‘ que assume as lacunas
nas instituições públicas20.
Evidentemente um jornal não pode fazer por uma comunidade de um milhão de
habitantes o que a aldeia espontaneamente fazia por si mesma através do medium da fofoca
e do contato pessoal. Ainda assim os esforços do jornal em adquirir estes resultados
impossíveis são um capítulo interessante na história dos processos políticos, assim como
na história da imprensa.
Os jornais de Opinião
Os primeiros jornais, os jornais de notícias, não eram jornais de opinião. Jornais
políticos começaram a substituir os jornais de notícias no início do século dezoito. As
notícias com as quais o público leitor mais se preocupava à época eram os boletins de
debates do Parlamento.
Mesmo antes da ascensão da imprensa partidária, certos indivíduos interessados e
curiosos organizaram o negócio de visitar a Galeria dos Estranhos durante as sessões da
Casa dos Comuns de maneira a poder registrar de memória, ou com ajuda de notas
produzidas sub-repticiamente, justificativas dos discursos e das discussões travadas durante
debates importantes. À época todas as deliberações do Parlamento eram secretas, e não foi
até cem anos atrás que o direito dos repórteres de atender às sessões da Casa dos Comuns e
de registrar seus procedimentos foi oficialmente reconhecido. Nesse ínterim os repórteres
eram compelidos a selecionar todas as variedades de subterfúgios e métodos indiretos de
forma a obter informação. É a partir dessas informações, coletada desta forma, que muito
da nossa presente história dos processos políticos ingleses está embasada.
Um dos mais distintos destes repórteres parlamentares foi Samuel Johnson. Uma
tarde, em 1770, assim é narrado o evento, Johnson, com um número de outras
celebridades, estava jantando em Londres. A conversa, então, transformou-se em oratória
parlamentar. Alguém falou de um famoso discurso proferido na Casa dos Comuns pelo
experiente Pitt, em 1741. Alguém mais, entre os aplausos da companhia, citou uma
passagem deste discurso como uma ilustração de um orador que tinha ultrapassado em
sentimento e beleza de linguagem os melhores esforços dos oradores da Antiguidade.
20
Walter Lippmann, Public Opinion, pp. 361-362.
Johnson, então, que até o momento não participara da discussão, tomou da palavra. ―Eu
escrevi aquele discurso‖, ele afirmou, ―em um sótão na Rua Exeter‖.
Os convidados estavam espantados. A questão lhe foi endereçada, ―Como poderia
este discurso ter sido escrito pelo senhor?‖
―Senhor‖, disse Johnson, ―Eu o escrevi na Rua Exeter. Eu nunca estive na galeria
da Casa dos Comuns senão uma única vez. Cave tinha interesse com os porteiros; ele e as
pessoas empregadas abaixo dele foram admitidas; eles trouxeram os temas da discussão, os
nomes dos oradores, o lado que cada um deles assumiu, e a ordem em que eles se
levantaram, juntamente com as notas dos vários argumentos aduzidos no curso do debate.
A totalidade dos fatos me foi comunicada, e eu compus os discursos na forma que eles
agora dispõem nos ‗Debates Parlamentares‘, e os discursos daquele período estão todos
impressos pela Revista de Cave‖21.
Alguém se comprometeu a elogiar a imparcialidade de Johnson, afirmando que
em seus boletins ele parecia ter gerido a razão e a eloqüência com uma única para ambos
os partidos políticos. ―Isto não é de todo verdade‖, foi a réplica de Johnson. ―Eu salvei
algumas aparências toleravelmente bem; mas eu tomei o cuidado de os cães dos Whigs 22
não terem tomado a melhor‖.
Este discurso de William Pitt, preparado por Johnson na rua Exeter, por longo
tempo manteve um lugar nos livros escolares e nas coleções de oratória. Este é o famoso
discurso em que Pitt respondeu à acusação de ter cometido o ―crime atroz de ser um
homem jovem‖.
Talvez Pitt tenha pensado que pronunciou aquele discurso. De qualquer forma não
há evidência de que ele o repudiou. Devo ainda acrescentar que Pitt, se ele foi mesmo o
pioneiro, não foi o último estadista em dívida para com os repórteres por sua reputação
com orador.
O fato significativo sobre este incidente é que ele ilustra a maneira como, sob a
influência dos repórteres parlamentares, algo como uma transformação constitucional foi
efetuada na natureza do governo parlamentarista. Tão logo os oradores parlamentares
descobriram que eles estavam adereçando não apenas aos seus colegas, mas, indiretamente,
através do medium da imprensa, ao povo da Inglaterra, o caráter total dos procedimentos
parlamentares foi transformado. Através dos jornais todo o país tornou-se capaz de
participar nas discussões em que questões relevantes eram abordadas e enquadradas e a
legislação era promulgada.
Entretanto, os jornais mesmo, sob a influência das muitas discussões que eles
próprios instigavam, tornaram-se órgãos partidários. Então a imprensa de opinião cessou
de ser uma mera crônica da fofoca pequena e veio a ser o que nós conhecemos como um
―jornal de opinião‖. O editor, entretanto, não mais um mero fofoqueiro e um humilde
registrador de eventos, deu por si como a boca de um partido político, desempenhando um
papel nos processos políticos.
Durante a longa batalha pela liberdade de pensamento e de discursar no século
dezessete, o descontentamento popular encontrou expressão literária no panfleto e no
cartaz. O mais notável desses panfleteiros foi John Milton, e o mais famoso desses
panfletos foi o Areopagitica: Uma Defesa da Liberdade da Imprensa Não Licenciada,
publicada em 1646; que foi reconhecida por Henry Morley como ―a mais nobre peça da
prosa inglesa‖.
21
Michael MacDonagh, The Reporters‘ Gallery, pp 139-140.
22
De acordo com a Wikipédia, o Partido Whig foi uma agremiação partidária bastante ativa durante a metade
do Século dezenove nos EUA, logrando contar com quatro presidentes em seus quadros. Formado nos anos
de 1830, os Whigs se situavam na tradição do Partido Federalista, desempenhando, ao lado do Partido
Democrático, um papel central no Segundo Sistema Partidário dos EUA, entre os anos de 1840 e 1860.
23
George Henry Payne, History of Journalism in the United States, p. 120.
justamente o reverso do método de Mr. Hearst; o seu jornal tem menos tópicos do que os
demais jornais.
Os velhos jornalistas estão inclinados a apresentarem um desprezo pelas notícias.
Notícias, agora, são para eles simples materiais sobre os quais se baseiam um editorial. Se
Deus permitir que coisas aconteçam que não estejam de acordo com suas concepções de
coisas enxutas, eles simplesmente as cortam. Eles se recusam a assumir a responsabilidade
de deixar os seus leitores lerem sobre coisas que eles sabiam que não deveriam ter
acontecido.
Manton Marble - que foi editor do New York World antes de Joseph Pulitzer
assumir e amarelar o jornal, - costumava dizer que não havia 18 mil habitantes na cidade
de Nova Iorque para quem um bem conduzido jornal pudesse se dirigir. Se a circulação do
jornal excedia aquela cifra, então ele pensava ocorrer algo de errado com o jornal. Antes
Mr. Pulitzer tocar o jornal para frente, a circulação tinha, com efeito, afundado para a cifra
de 10 mil leitores. O antigo New York World preservou o tipo do antigo jornal conservador
marrom da década de oitenta do século dezenove. À época, nas cidades maiores, os jornais
políticos independentes começaram a aceitar este tipo de jornal.
Muito antes do crescimento do que mais tarde foi chamado de imprensa
independente, apareceram em Nova Iorque dois jornais que foram precursores dos jornais
atuais. Em 1883, Benjamin Day, com poucos associados, iniciou um jornal através de
―mecânica e de massas em geral‖. O preço deste jornal era um centavo, porém os editores
tinham a expectativa de transformá-lo em um jornal de ampla circulação e de propaganda,
que manteria o baixo custo do mesmo. No mesmo período, os outros jornais de Nova
Iorque eram vendidos por seis centavos.
Foi, entretanto, o empreendimento de James Gordon Bennett, o fundador do New
York Herald, que organizou o andamento de uma nova forma de jornalismo. De fato, como
Will Irwin disse na maneira adequada que tem sido a escrita dos jornais americanos,
―James Gordon Bennett inventou as notícias como as conhecemos‖. Bennett, semelhante a
alguns outros, contribuiu muito para o jornalismo moderno, e foi um homem sem ilusão, e
por várias razões, talvez, um rude e cínico. ―Eu renuncio a todos os chamados princípios‖,
disse ele no seu anúncio do novo empreendimento. Porém, por princípios ele tinha em
mente, talvez, os editoriais políticos. Sua saudação foi no mesmo período uma despedida.
Ao anunciar os propósitos do novo jornalismo, Bennett deu adeus aos objetivos e às
aspirações dos antigos. Daí em diante os editores foram se tornando novos coletores de
notícias e os jornais apostaram o seu futuro sobre a habilidade da coleta, impressão e
circulação de notícias.
O que são notícias? Isto tem tido muitas respostas. Eu penso que foi Charles A.
Dana que afirmou, ―Notícias são qualquer coisa que o povo pode falar‖. Esta definição
sugere de qualquer modo os objetivos do novo jornalismo. O seu propósito foi imprimir
qualquer coisa que o povo poderia fazer, falar e pensar, para muitos outros que não pensam
até que eles comecem a falar. O pensamento significa, depois de tudo, uma espécie de
conversação interna.
A última versão desta mesma definição é que: ―Notícias são qualquer coisa que
faça o leitor dizer, ‗Gee Whiz!‘ 24‖ Esta é a definição de Arthur McEwen, um dos homens
que ajudou construir os jornais Hearst25. Esta foi também a mesma definição do último e
melhor sucedido tipo de jornal, a imprensa amarela. Nem todos os jornais bem sucedidos
foram, certamente, amarelos. O New York Times, por exemplo, não o é. Porém, o New
York Times não adota ainda um tipo comum de imprensa.
24
‗Gee Whiz‘! É uma expressão americana de surpresa ou entusiasmo [Nota do tradutor].
25
Hearst destacou-se como grande nome da imprensa marrom nos EUA.
A imprensa Amarela26
Parece que há, como Walter Lippmann observou, dois tipos de leitores. ―Aqueles
que acham o seu próprio modo de vida interessante‖ e ―aqueles que encontram seus
próprios duelos de vida, e desejam viver a mais emocionante existência‖. Há,
correspondentemente, dois tipos de jornais: periódicos editados sobre o princípio de que os
leitores estão principalmente interessados em ler sobre eles mesmos; e periódicos que
editam sob o princípio de que os seus leitores procuram algum escape para a dura rotina de
suas vidas, e estão interessados em qualquer coisa que ofereça a eles aquilo que os
psicanalistas chamam de ―uma fuga da realidade‖.
O jornal provincial, com seu registro de casamentos, funerais, apresentação de
reuniões, jantares de ostras, e tudo o que o pequeno padrão de uma pequena cidade
comporta, representa o primeiro tipo de jornal. A imprensa metropolitana, com a sua
persistente procura de episódios sombrios da vida da cidade para o romântico e pitoresco, e
seu dramático balanço do vício e do crime, e seu incansável interesse no movimento de
personagens de uma mais ou menos mítica classe alta, representa o segundo tipo de jornal.
No último quartel do século dezenove, mais ou menos por volta de 1880, alguns
jornais, sempre nas grandes cidades, foram conduzidos com base na teoria de que as
melhores notícias que um periódico poderia publicar seriam as notícias de morte ou as de
anúncio de casamento.
À época, os jornais não tinham ainda avançado sobre os cortiços, e muita gente que
deu suporte a um jornal vivia em casas, e não em pequenos apartamentos. O telefone não
havia ainda se tornado bem comum de uso popular; os automóveis eram bens distantes e
ainda cercados pelo ineditismo; a cidade era um mosaico de pequenas vizinhanças,
semelhantes à nossa comunidade de língua estrangeira dos dias presentes, nas quais o
morador da cidade mantinha algo do provincianismo das pequenas cidades.
Grandes transformações, contudo, ocorreram. A imprensa independente já
começara a colocar contra a parede alguns dos antigos jornais. Havia mais jornais que
público leitor ou que publicitários a oferecer suporte financeiro. Nesse período e sob essas
circunstancias os homens de jornal descobriram que a circulação poderia ser bastante
aumentada ao se fazer literatura das notícias. Charles A. Dana já tinha feito isso no Sun,
mas havia ainda uma grande parte da população para quem a escrita inteligente de jovem
Mr. Dana era caviar.
A imprensa amarela cresceu em um esforço de capturar para os jornais um público
cuja única literatura disponível era a estória de familiar do periódico ou a novela barata. O
problema era o de escrever as notícias de tal modo que esta fosse apelativa às paixões
humanas fundamentais. A fórmula foi: amor e romance para as mulheres; esporte e política
para os homens.
O efeito da aplicação desta fórmula foi o enorme crescimento da circulação dos
jornais, não apenas nas grandes cidades, mas sobre todo o país. Estas mudanças foram
elaboradas sobre a liderança de dois homens, Joseph Pullitzer e William Randolph Hearst.
Pullitzer descobriu, enquanto era diretor do St Louis Post Dispatch, que a forma de
lutar pelas causas populares não era advogar por elas na página editorial, mas anunciando-
as – escrevendo-as – nas novas colunas do jornal. Foi Pulitzer quem inventou o
26
Nos Estados Unidos, segundo a Wikipédia, ―a expressão yellow press surgiu por causa do personagem
de histórias em quadrinhos The Yellow Kid, criado por Richard Felton Outcault e um dos focos da disputa
entre os jornais New York World e New York Journal American. Como as duas publicações se destacavam
também pela competição levada às últimas consequências, os críticos começaram a se referir a ambas como
imprensa amarela”.
27
A idade de ouro do jornalismo nos Estados Unidos é associada ao termo muckraking. Este termo conjuga as
palavras turfa (muck) e ancinho (rake). É um termo pejorativo de onde a caneta se torna o ancinho que
revolve a turfa, - isto é, material de origem vegetal, parcialmente decomposto, encontrado em camadas,
geralmente em regiões pantanosas e também sob montanhas, - que se acumula na base da escala social por
causa dos males da alta sociedade.
28
Termo pejorativo indicando jornais com finalidade de entreter, e de matérias dirigidas aos corações.
Após estes métodos terem sido colocados em prática pelos jornais de domingo, eles
foram introduzidos na imprensa diária. O triunfo final do jornalismo amarelo foi o Heart-
to-Heart Editorials de Brisbane, - uma coluna moralizante e de trivialidades, com meia
página de diagramas e ilustrações como reforço ao texto. Lugar comum em que a máxima
de Herbert Spencer de que a arte da escrita é a economia de atenção, foi completamente
realizada.
Walter Lippmann, em seu recente estudo sobre a opinião pública, chama a atenção
para o fato de que nenhum sociólogo escreveu um livro sobre o processo de seleção
notícias. Pareceu para ele bastante estranho que uma instituição como a imprensa, sobre a
qual esperamos muito e que tem dado tão pouco do que se espera dela, não tenha sido
ainda objeto de um estudo desinteressado.
É verdade que nós não temos estudado os jornais como os biólogos têm estudado,
por exemplo, os insetos das batatas. Porém, o mesmo pode ser dito de cada instituição
política, e o jornal é uma instituição política tanto quanto Tammany Hall ou a câmara de
vereadores são instituições políticas. Nós temos resmungado sobre as nossas instituições
políticas, e algumas vezes nós temos procurado por certos dispositivos mágicos legislativos
para exercitar e expelir os demônios que eles possuem. De forma geral, nós temos nos
inclinado a considerá-los como sagrados e a tratar qualquer crítica fundamental sobre os
jornais como uma espécie de blasfêmia. Se as coisas caminhavam erradamente, não as
instituições, mas as pessoas eleitas para conduzi-las, e uma natureza humana incorrigível,
eram apontadas como as falhas em questão.
Qual, então, seria o remédio para a condição real dos jornais? Não há remédio.
Humanamente falando, os jornais presentes são aquilo que eles são. Se os jornais têm
melhorado, pode ser por causa da educação da população e da organização de uma
informação política e da inteligência. Como Mr. Lippmann bem disse, ―a quantidade
atualmente registrada de fenômenos sociais é pequena, os instrumentos de análise são crus,
e os conceitos frequentemente vagos e pouco críticos‖. Nós temos melhorado nossos
registros e esta tem sido uma tarefa séria. Porém, antes de tudo, nós aprendemos a olhar
objetivamente para a vida política e social e cessado de pensar sobre tudo em termos
morais! No caso, nós temos menos notícias, mas melhores jornais.
A razão real pela as justificativas ordinárias que os jornais comuns oferecem dos
incidentes da vida cotidiana são tão sensacionais, é porque nós conhecemos tão pouco da
vida humana que nós não somos suficientemente hábeis para interpretar os eventos da vida
quando os lemos. É seguro dizer que quando alguma coisa nos choca, nós não a
compreendemos.
LOPES, José Rogério & PEREIRA, Ângelo Moreira. Patrimônio cultural, turismo e desenvolvimento
local: Estudo de caso da Cidade Velha, ilha de Santiago, Cabo Verde. Sociabilidades Urbanas – Revista
de Antropologia e Sociologia, v.1, n.2, p. 45-60, julho de 2017. ISSN 2526-4702.
Artigo
http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/
Cultural heritage, tourism and local development: Case study of the Cidade Velha, Santiago Island,
Cape Verde
Abstract: The article aims to discuss the impact of tourism on the development of Cape Verde,
Africa, focusing the study on the enhancement of the cultural heritage of the Cidade Velha
(Old City), a World Heritage Site. The government of the country has invested in promoting
tourism in order to attract foreign investment and the development of its population. This
investment follows the trends of contemporary tourism frame, organized the uniqueness and
differentiation of places. In this perspective, it describes and analyzes the agencies operated in
the development of tourism infrastructure in the Cidade Velha, seeking to recognize its impact
on the lives of residents. The investigation involves document analysis and ethnographic raids,
in which were carried out semi-structured interviews with community actors. The findings
show a gap in local development project purposes, generated by the tension between the tourist
assemblages and the precarious living conditions of the population. Keywords: Cidade Velha,
cultural heritage, tourism, development
Cabo Verde é uma República insular localizada na costa ocidental africana, cerca
de 500 km do Senegal, formada por dez ilhas, sendo somente nove delas habitadas30. As
ilhas encontram-se divididas em dois grupos: o de Barlavento (a Norte), composto pelas
ilhas de Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, S. Nicolau, Boavista e Sal; e as ilhas do
Sotavento (a Sul), com Santiago, Fogo, Brava e Maio, além dos ilhéus não habitados.
29
Os autores agradecem à CAPES o financiamento da bolsa de Mobilidade Internacional que possibilitou a
pesquisa cujos dados parciais são aqui analisados.
30
―O arquipélago ocupa uma superfície de 4033 km², tendo sido encontrado no século XV‖ (PIRES, 2007, p.
23). Das dez ilhas que compõem o arquipélago, somente as ilhas do Sal, da Boa Vista e de Maio são planas.
As demais têm uma topografia de montanhas acentuadas, com formações de escarpas rochosas ou vulcânicas
que podem chegar a 2800 m., como na ilha do Fogo, com vários vales entre elas.
32
A noção de agenciamento segue a concepção esboçada por Yúdice (2006): trata-se de identificar atores que
agenciamrecursos identitários recuperados de uma ―reserva disponível‖ nas trajetórias comuns de suas
formações culturais, em diálogo com modelos culturais (estatais ou de mercado) predominantes na sociedade
globalizada.Esse predomínio se expressa na configuração de um campo de forças performativas a
condicionara ação dos atores que, por vezes, imprimem uma dinâmica de operar agenciamentos nos
intervalosdaqueles modelos.
33
Essa afirmação refere-se aos impactos das recentes expansões urbanas na paisagem da cidade, uma vez que
a Cidade Velha passou por planos de ordenamento urbano, em seu desenvolvimento, como mostrou Pires
(2007). Esses planos se estruturaram, desde a passagem do século XV para o XVI, no programa de
reordenamento e modernização da cidade de Lisboa, com o progressivo abandono do estilo manuelino e a
aplicação de princípios urbanísticos racionais que encontram suporte nos elementos espaciais e tipológicos.
Seguindo esses princípios racionais, segundo Pires (2007, p. 47): ―Os efeitos de ordem, ritmo e medida são
alcançados através do alinhamento de fachadas, repetição de vãos contínuos e outros elementos construtivos.
Nota-se a passagem do tipo de pensamento bidimensional para o tridimensional em que é acentuada a
proporcionalidade entre a frente, a profundidade do lote e a altura do objeto‖. Ainda segundo o autor, esses
princípios racionais produzirm normas e posturas urbanísticas que os portugueses utilizaram nos ―territórios
do Atlântico ao Índico, onde, evidentemente, na prática, esses princípios serão objeto de adaptações para
cada caso gerando, assim, a originalidade e a flexibilidade, características do modo português de fazer
cidades‖ (Idem).
Figura 2: Rua de Banana, com edificações de sua fundação (Arquivo dos autores, 2015).
Figura 3: vista da praia de Cidade Velha, com ruínas ao fundo (Arquivo dos autores, 2015).
património cultural e de uma rede de lugares de memória, tendo como centro a Cidade
Velha‖ (CURADORIA DA CIDADE VELHA, 2014, p. 20). Assim, a Cidade torna-se o
núcleo de um conjunto de outros lugares atrativos do país, conectados por ligações
históricas e objetivando alavancar o turismo cultural.
Ocorre que, nesse processo para elevação da Cidade Velha à categoria de
patrimônio histórico da humanidade, segundo Santo (2008), vários foram os olhares e
políticas em torno da construção das infra-estruturas turísticas e a sua divulgação pelo
mundo, tornando-aum produto mercantilizado, onde os fins patrimoniais, turísticos e
identitários se tornaram alvos de sucessivas apropriações, consoante interesses específicos
que, ao fim e ao cabo, valorizam esse patrimônio espectacularizando-o, em busca de
resultados econômicos. Essa concepção é reproduzida, parcialmente, no estudo que a
Curadoria da Cidade Velha promoveu, sobre os impactos do turismo na cidade, entre os
anos de 2009 e 2013. O estudo promoveu uma ampla consulta entre moradores do sítio
histórico da cidade, moradores da Zona Tampão, operadores locais de turismo e
representantes institucionais, que avaliam positivamente o potencial da Cidade Velha para
a promoção do turismo, destacando ―a valorrização e preservação do património cultural‖,
―a melhoria da imagem do destino Cidade Velha‖, ―a melhoria das infraestruturas de
suporte turístico‖ e ―a melhoria da acessibilidade‖ (CURADORIA DA CIDADE VELHA,
p. 60, 64, 67. 69). Por outro lado, o mesmo estudo destacou, entre os consultados, que esse
potencial ―não aumentou as oportunidades de emprego para os jovens‖, ―não tem atraído
mais investimentos ao local‖, ―não melhorou a qualidade de vida e a auto-estima da
população‖, ―não aumentou a renda das famílias‖ e ―não incentivou o empreendedorismo
cultural‖ (CURADORIA DA CIDADE VELHA, p.60, 64, 67. 69).
O desnível dos resultados apresentados pelo estudo dos impactos do turismo na
cidade é interpretado, no documento, por um descompasso entre a realidade
socioeconômica dos moradores da cidade e o incremento dos investimentos nas
infraestruturas turísticas. Segundo o estudo,
30% do total dos residentes tem menos de 15 anos, contrariando a regra
nos centros e sítios históricos onde a população é majoritariamente idosa.
[...] o nível de escolaridade ainda é muito baixo [...] Os agregados
familiares são numerosos [...] O município da Ribeira Grande encontra-se
ente os mais pobres do país. Cidade Velha não foge a regra do município,
embora próximo da capital do país [...] Asatividades do sector primário
como: pesca, agricultura, silvicultura e pastorícia são o principal meio de
subsistência das famílias [...] o nível de rendimento é muito baixo
(CURADORIA DA CIDADE VELHA, 2014, p. 21-22).
Frente a esta realidade e considerando os investimentos nas infraestruturas
turísticas, o estudo conclui:
[...] o turismo não fomenta o desenvolvimento local, quando o destino
apresenta inúmeras debilidades socioeconómicas, como é o caso da
Cidade Velha. {...] esta enfrenta inúmeras fragilidades, nomeadamente a
nível urbanístico e saneamento, que condicionam o nível de vida dos
residentes, interferindo de certo modo, na apreciação que fazem do sector
igualmente no contributo deste no processo de desenvolvimento
(CURADORIA DA CIDADE VELHA, 2014, p. 71).
Assim, o documento sugere que as condições precárias da população local inibem o
desenvolvimento de capacidades e habilidades dos moradores para sua inserção no novo
modelo de desenvolvimento implantado pelo avanço dos investimentos turísticos. Ocorre
que outros fatores descritos no estudo foram desconsiderados nessa avaliação dos impactos
do turismo na Cidade. Sobretudo, queremos ressaltar aqui dois deles, que são interligados:
36
Quando comparados esses dados aos nacionais, vê-se que o fluxo turístico na Cidade Velha segue uma
tendência. Assim, utilizando dados de 2010 do Instituto Nacional de Estatística-INE de Cabo Verde, sobre o
fluxo de turistas no país,Cardoso (2012a, p. 15) afirma que ―O principal mercado emissor continua a ser o
Reino Unidoresponsável por 26,1%dosturistas, seguido da Alemanha, Portugal e Itáliacom 15,8%, 12,8% e
11,9% dasdormidas, respetivamente‖.
37
Durante os meses de março e abril de 2015, os autores realizaram três incursões etnográficas na Cidade
Velha, para observar a dinâmica da vida cotidiana da população e suas interações com turistas, e 10
entrevistas com moradores das ruas centrais da Zona Protegida. As entrevistas foram realizadas em Crioulo e
traduzidas ao português. Esses dados compuseram um projeto de investigaçãoem parceria com pesquisadores
da UniCV - Universidade de Cabo Verde, no quadro do Edital CAPES/AULP de Mobilidade Internacional-
2013.
Considerações finais
O turismo, como se tem debatido atualmente, exige por um lado conjuntos de
condições em vários níveis para o bem-estar e acolhimento dos turistas, e por outro, tem
suscitado perenes inquietações e debates em torno da sua sustentabilidade e do
envolvimento das comunidades no seu desenvolvimento e na valorização das
potencialidades locais. Nesse sentido, considera-se que
[...] a efetiva participação das comunidades locais no processo de
planejamento e gestão da atividade turística parece, portanto, essencial,
pois a população local é conhecedora e vivencia a sua realidade imediata,
sendo capaz de identificar problemas e necessidades, avaliar alternativas,
desenvolver estratégias para proteção e/ou valorização do patrimônio
natural e cultural e buscar soluções para os problemas identificados,
sugerindo caminhos que levem à melhoria da qualidade de vida, ao
fortalecimento da cultura local e ao bem-estar social (IRVING et al,
2005, p. 51).
No caso da Cidade Velha, buscamos evidenciar que a singularidade ali construída é
orientada para o turismo internacional e que essa orientação inclui a comunidade local na
paisagem, mas não nos processos que a singularizam.Os fatores que consideramos aqui
buscam evidenciar que a produção das singularidades e diferenciações dos lugares, operada
pelos agenciamentos turísticos, podem reificar as autenticidades patrimoniais, descolando-
as das identidades a que se referem, resultando que a comunidade acaba se percebendo
como um ―nativo mudo‖ (MENDONÇA; IRVING, 2004).
Nesse sentido, as questões expostas nasentrevistascom os moradores locais podem
ser consideradas como percepções ressentidas (HERZFELD, 2008) 38, ou como
―confirmação social dessa identidade colectiva, que exige não só o reconhecimento da sua
existência mas a demonstração real do respeito por ele‖ (APPIAH, 1998, p. 169).
Frente aos fluxos internacionais de turistas, as demandas dos moradores da Cidade
Velha acentuam a importância do diálogo intercultural:―Nós não ganhamos com turismo e
os turistas ficaram mais pataqueiros (isolados), eles ficaram com medo e não querem ficar
connosco‖ (Jovem, 25 anos, desempregado, morador da Zona Protegida).
Trata-se de compreender, então, que o crescimento do turismo deve assentar-se em
bases dialógicas com as comunidades locais, para que elas também cresçam, uma vez que
―o diálogo molda a identidade que eu desenvolvo enquanto cresço‖ (APPIAH, 1998, p.
170). Sem isso, as singularidades e diferenciações dos lugares produzidas pelos
agenciamentos turísticos tendem a reproduzir essencialismos que servem, cada vez mais, à
mercantilização da diversidade cultural.
Referências
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reprodução social. In: TAYLOR, C. Multiculturalismo; examinando a política de
reconhecimento. Lisboa: Instituto Piaget, 1998, p. 165-179.
38
Percepções ressentidas, ou reconhecimento próprio magoado, é uma expressão que descreve a
representação da intimidade entre população e Estado, como simulacros de relações sociais. Segundo
Herzfeld (2008, p. 23), o distanciamento das relações cara a cara representa-se, no Estado, ―como relações
sociais de catálogo‖, como nostalgia da tradição, da comunidade, e como apartação das ―comunidades
marginais‖, com suas ―linguagens locais de moralidade, costume e solidariedade de parentesco‖. A
sociabilidade real é substituída pela imagem de sociabilidade, ampliada pela transmutação de sentimentos
privados em atos públicos.
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Ernest W Burgess
Tradução de Raoni Borges Barbosa
Resumo: Este artigo busca apresentar a perspectiva teórica e metodológica aplicada pelo
Departamento de Sociologia da Escola de Chicago em seus estudos sobre o crescimento da
cidade. Entende e descreve os processos de expansão urbana em termos de extensão, sucessão
e concentração da malha urbana e de suas atividades, de modo a poder determinar como a
expansão urbana perturba o metabolismo social urbano em situações em que os processos de
desorganização excedem os de organização do social. O artigo discute e diferencia
conceitualmente as noções de movimento na cidade e de mobilidade urbana, definindo a
mobilidade como a medida de expansão e de metabolismo no urbano, suscetível à formulação
quantitativa precisa e passível de ser considerada quase que literalmente como o pulso da
comunidade. Em síntese, a perspectiva teórico-metodológica apresentada e discutida introduz
os projetos de pesquisa em andamento no departamento de Sociologia da Escola de Chicago.
Palavras-chave: Escola de Chicago, crescimento da cidade, mobilidade urbana, expansão
urbana
Abstract: This article seeks to present the theoretical and methodological perspective applied
by the Department of Sociology of the School of Chicago in its studies on the growth of the
city. It understands and describes the processes of urban expansion in terms of extension,
success and concentration of the urban network and its activities, so as to be able to determine
how an urban expansion disturbs the urban social metabolism in situations in which the
processes of disorganization exceed those of social organization. The article discusses
conceptually the differences between the notions of movement in the city and of urban
mobility, defining mobility as a measure of expansion and metabolism in the urban, which is
susceptible to precise quantitative formulation and that can also be considered almost literally
as the pulse of the community. In summary, the theoretical-methodological perspective
presented and discussed introduces the ongoing research projects in the Department of
Sociology of the Chicago School. Keywords: Chicago school, city growth, urban mobility,
urban sprawl
39
Texto originalmente publicado como Capítulo II, The growht of the city: An introduction to a research
project, do livro The City, organizado por Robert Ezra Park e Ernest Burgess, e publicado pela primeira vez
em 1925 pela University of Chicago Press, em Chicago.
40
Citado do: "British Conurbations in 1921‖, Sociological Review, XIV (April, 1922), III-IV.
Este gráfico representa uma construção ideal das tendências de qualquer cidade ou
metrópole para expandir-se radialmente a partir de seu distrito de negócios central - no
mapa "The Loop" (I). Em torno do centro da cidade normalmente situa-se uma área em
transição, em processo de invasão por casas de negócios e de fabricação de luz (II). Uma
terceira área (III) é habitada pelos trabalhadores das indústrias que escaparam da área de
deterioração (II), mas que priorizam a acessibilidade ao local de trabalho. Para além desta
zona é a "área residencial" (IV) de edifícios de apartamentos de classe alta ou de distritos
"restritos"exclusivos de habitação unifamiliar. Ainda mais longe, ultrapassando os limites
da cidade, encontra-se a zona de moradores passageiros - áreas suburbanas, ou cidades
satélites, - a uma distância de um passeio de trinta a sessenta minutos do distrito
empresarial central.
Este gráfico evidencia claramente o fato principal da expansão urbana, ou seja, a
tendência de cada zona interna de estender sua área mediante a invasão da próxima zona
externa que lhe abarca. Este aspecto da expansão pode ser chamado de sucessão, um
processo estudado detalhadamente pela ecologia vegetal. Quando este gráfico foi aplicado
à cidade de Chicago, então todas as quatro zonas supracitadas se encontravam em sua
história inicial incluída na circunferência da zona interna, o atual distrito empresarial. Os
limites atuais da área de deterioração não eram, há muitos anos, aqueles da zona agora
habitada por assalariados independentes, e dentro das memórias de milhares de habitantes
de Chicago esta zona abrigava ainda as residências das "melhores famílias". Ao gráfico em
tela dificilmente precisa ser adicionado o fato de que nem Chicago nem qualquer outra
cidade se encaixa perfeitamente neste esquema ideal. Maiores complicações à
representação gráfica do urbano em processo de tranformação são introduzidas pela
dificuldade de situar o lago da cidade, o Rio Chicago, as linhas férreas, as fábricas
históricas na localização do parque industrial, o grau relativo da resistência das
comunidades à invasão, etc.
41
Ver o trabalho de: E. H. Shideler, The Retail Business Organization as an Index of Community
Organization (in preparation).
para medir os distúrbios do metabolismo causados por qualquer aumento excessivo, como
aqueles que seguiram o grande afluxo de negros do sul em cidades do norte desde a guerra.
De modo semelhante, todas as cidades mostram desvios na composição por idade e sexo de
uma população padrão como, por exemplo, a da Suécia, cuja população não foi afetada nos
últimos anos por qualquer grande emigração ou imigração. Também aqui variações
acentuadas, como qualquer grande excesso do número de machos em relação à proporção
de fêmeas, e vice-versa, ou na proporção de crianças, ou de homens ou mulheres adultos,
são sintomáticos de anormalidades no metabolismo social.
Normalmente, os processos de desorganização e de organização podem ser
analisados como em uma relação reciprocamente direcionada e como uma cooperação em
um equilíbrio dinâmico da ordem social para um fim vaga ou definitivamente considerado
progressista. Na medida em que a desorganização aponta para a reorganização e para um
ajuste mais eficiente, a desorganização deve ser concebida não como patológica, mas como
normal. A desorganização, como processo preliminar à reorganização de atitudes e
conduta, quase invariavelmente configura o grupo de recém-chegados à cidade, e o
descarte do repertório cultural habitual, e muitas vezes do que lhe foi o código de
moralidade, não raramente é acompanhado de acentuado conflito mental e senso de perda
pessoal. Mais frequentemente, talvez, esta transformação que se dá no indivíduo ocorra
mais cedo ou mais tarde na forma de um sentimento de emancipação e de um impulso para
novas metas.
Na expansão da cidade ocorre um processo de distribuição que desloca, classifica e
re-aloca indivíduos e grupos por residência e ocupação. A diferenciação social resultante
da formação cosmopolita da cidade americana em áreas é segue tipicamente um mesmo
padrão, com apenas algumas pequenas modificações interessantes. Dentro do distrito
central de negócios ou em uma rua contígua situa-se o "tronco principal" de "Hobohemia",
o Rialto mais acabado do ator social migrante e sem teto do Middle West 42. Na zona de
deterioração que circunda a seção central de negócios, encontram-se sempre as chamadas
"favelas" e "terras ruins", com suas regiões submersas em pobreza, degradação e doenças e
seus respectivos submundo do crime e do vício. Dentro de uma área em deterioração estão
os distritos das casas de alojamento, o purgatório das "almas perdidas". Perto dali se
encontra o Quartier Latin, onde os espíritos criativos e rebeldes se refugiam. As favelas
também estão superpovoadas ao ponto de transbordarem de colónias de imigrantes - o
Gueto, a Pequena Sicília, Greektown, Chinatown - combinando fascinantes heranças
culturais do velho mundo com suas formas de adaptações americanas. Afastando-se daqui
está o Cinturão Negro, com sua vida livre e desordenada. A área de deterioração, embora
essencialmente um lugar de decadência, de taxas populacionais estacionárias ou
declinantes, é também um lugar de regeneração, como atestam a presença da missão, do
assentamento, da colônia de artistas, dos centros radicais - todos estes obcecados com a
visão de um mundo novo e melhor.
42
Para um estudo des área cultural da cidade, ver: Nels Anderson, The Hobo, Chicago, 1923·
43
Ver: WEBER, Max. The Growth of Cities, p. 442.
44
Adaptaddo de: W. B. Monro, Municipal Government and Administration, II, 377.
45
Ver: ―Report on the Chicago Subway and Traction Commission‖, p.80; e o ―Report on a Physical Plan or a
Unified Transportation System‖, p.391.
46
Dados compilados pela indústria automobilística.
47
Estatísticas da Divisão de Serviços Postais, Correios da Cidade de Chicago.
48
Determinado pelo: Census Estimates For Intercensual Years.
números de Chicago aumentaram de 12.3 para 2 1.6 telefones por 100 habitantes. Mas o
aumento do uso do telefone é provavelmente mais significativo do que o aumento no
número de telefones. O número de telefonemas em Chicago aumentou de 606.131.928, em
1914, para 944.010.586, em 192249, um aumento de 55.7 por cento, enquanto a população
aumentou apenas 13.4 por cento.
Os valores fundiários, na medida em que refletem o movimento na cidade,
proporcionam um dos índices mais sensíveis de mobilidade. Os mais altos valores de terra
em Chicago estão no ponto de maior mobilidade na cidade, na esquina das ruas State e
Madison, no Loop. Uma contagem de tráfego mostrou que durante o período do rush
31.000 pessoas por hora, ou 210.000 homens e mulheres em dezesseis horas e meia, passou
pelao esquina sudoeste. Por mais de dez anos os valores de terra no Loop foram
estacionários, mas ao mesmo tempo duplicaram, quadruplicaram e até mesmo
sextuplicaram nas áreas estratégicas dos "loops de satélite"50: um índice preciso das
transformações ocorridas. As investigações até o momento parecem indicar que as
variações nos valores das terras, especialmente quando correlacionadas com as diferenças
de aluguéis, oferecem talvez o melhor indicador de mobilidade e, portanto, de todas as
transformações que ocorrem na expansão e no crescimento da cidade.
Em linhas gerais, tentei apresentar a perspectiva teórica e os métodos de
investigação que o departamento de sociologia emprega em seus estudos sobre o
crescimento da cidade, ou seja, descrever a expansão urbana em termos de extensão,
sucessão e concentração; determinar como a expansão perturba o metabolismo quando a
desorganização excede a organização; e, finalmente, definir a mobilidade como medida de
expansão e de metabolismo, suscetível à formulação quantitativa precisa, para que possa
ser considerada quase literalmente como o pulso da comunidade. Em síntese, estas
afirmações introduzem qualquer um dos cinco ou seis projetos de pesquisa em andamento
no departamento de Sociologia da Escola de Chicago51. O projeto, no entanto, no qual
estou diretamente envolvido, se organiza como tentativa de aplicar esses métodos de
investigação a uma seção transversal da cidade - colocar esta área, por assim dizer, sob o
microscópio, e assim estudar mais detalhadamente e com maior controle e precisão os
processos que foram descritos de forma mais geral. Para este propósito, a comunidade
judaica de West Side foi selecionada. Esta comunidade inclui o chamado "Gueto", ou área
de primeiro assentamento, e Lawndale, o chamado "Deutschland", ou área de segundo
assentamento. Esta área tem certas vantagens óbvias para o estudo dos processos de
expansão, de metabolismo e de mobilidade, pois ilustra a tendência de expansão radial do
centro de negócios da cidade. E compõe atualmente um grupo cultural relativamente
homogêneo. Lawndale constitui em si uma área em fluxo, com a maré de migrantes ainda
fluindo dentro do gueto e uma saída constante para regiões mais desejáveis da zona
residencial. Nesta área faz-se também possível estudar como o resultado esperado da alta
taxa de mobilidade em desorganização social e pessoal é contrabalançada, em grande parte,
pela organização comunitária eficiente da comunidade judaica.
49
Retirado de Estatísticas preparadas por R. Johnson, supervisor de trânsito, Illinois Bell Telephone
Company.
50
Durante os anos de 1912-23,o valor fundiário aumentou em Bridgeport de $600 para $1,250; no distrito
Division-Ashland-Milwaukee, de $2,000 para $4,500; no "Back of the Yards," de $1,000 para $3,000; em
Englewood, de $2,$00 para $8,000; em Wilson Avenue, de $1,000 para $6,000; mas o valor fundiário
decresceu no Loop de $20,000 para $16,$00.
51
Ver os seguintes estudos: Nels Anderson, The Slum: An Area of Deterioration in the Growth of the City;
Ernest R. Mowrer, Family Disorganization in Chicago; Walter C. Reckless, The Natural History of Vice
Areas in Chicago; E. H. Shideler, TM Retail Business Organization as an Index of Business Organization; F.
M. Thrasher, One Thousand Boys' Gangs in Chicago: a Study of Their Organization and Habitat; H. W.
Zorbaugh, The Lower North Side: a Study in Community Organization.
SANTANA, Tarsila Chiara Albino da Silva. Disposições morais, regras de interação e categorias de
acusações: Uma etnografia urbana das condutas públicas de homens com práticas homoeróticas.
Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia, v.1, n.2, p. 71-84, julho de 2017. ISSN
2526-4702.
Artigo
http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/
Abstract: In this article, on the one hand, I intend to analyze the regulation of interactional
behavior when men with homoerotic practices enter into the immediate presence of each other
as a component of public order. On the other hand, I intend to analyze the process by which
these social actors react to the behavior considered inappropriate by another social actor with
homoerotic practices. At the confluence between these two objectives, the present analysis
seeks to map the ritual components in social interaction, which is constituted by the possibility
of conflict and triggering categories of accusations that are negotiated by different social actors
in interaction in the constitution and maintenance of their networks of relations. To do so, I try
to describe the set of moral norms that regulate the way in which men with homoerotic
conducts perform acts that are approved and acts that are not considered appropriate in GLS
bars and nightclubs and open bar parties in the city of Recife, Pernambuco, While an important
aspect of the social code of a face-to-face or immediate interaction. It is a permanent game of
similarity and dissimilarity, organized from moral disputes, excuses and accusations in which
the feeling of belonging to a sexual identity seems to signal to the process of individualization
and differentiation that make up the Ethos, world views and the symbolic boundaries of a
network of sociability. Keywords: male homoeroticism, urban sociabilities, interaction rules,
public conduct
52
Agradeço à Jainara Oliveira a leitura crítica e atenciosa deste artigo. Agradeço ainda aos/às pareceristas
anônimos/as a valiosa leitura.
53
Trata-se de uma sigla criada nos anos 90 para nomear ―Gays, Lésbicas e Simpatizantes‖, originalmente
cunhada como um objetivo mercadológico, e, portanto, rotineiramente usada para definir espaços, produtos,
serviços e locais destinados ao público homossexual.
54
A pesquisa de mestrado em antropologia social foi realizada sob a orientação da Profa. Dra. Lisabete
Coradini e com financiamento da CAPES. Agradeço à Lisabeti Coradini a valiosa orientação e à CAPES a
bolsa outorgada, ver (SANTANA, 2017).
55
Para Goffman (2012, p. 38) os papéis rituais do ―eu‖ possuem uma definição dupla: ―o eu como uma
imagem montada a partir das implicações expressas do fluxo total dos eventos numa ocasião; o eu como um
tipo de jogador num jogo ritual [...] quando os dois papéis do eu são separados, podemos utilizar o código
ritual implícito na preservação da fachada para aprender como os dois papéis estão relacionados‖.
Quando os atores sociais estabelecem uma interação face a face estes precisam
preservar a ―linha56‖ e a ―fachada57‖ da interação, ou seja, devem saber manter o controle
expressivo entre a forma como se apresentam aos outros e a forma como estes outros os
percebem. Para tanto, os atores sociais precisam escolher o tipo de preservação da fachada
apropriada ao mesmo tempo em que necessitam cooperar para a manutenção da ordem
ritual. Quando um ator entra na presença imediata de outro e apresenta a si mesmo, em um
contato particular, este precisa gerir e regular a impressão que os outros formam a seu
respeito. A interação social, nesse sentido, pressupõe regras para o desempenho de papéis.
Regras estas que orientam e organizam o fluxo da comunicação (GOFFMAN, 2013).
Deste modo, durante o período em que o ator está na presença imediata dos outros,
os papéis desempenhados terão sempre um caráter provisório, os quais influenciam a
definição da situação. A definição projetada da situação, por sua vez, possui um caráter
moral, uma vez que o ator procura elaborar técnicas para controlar a impressão que os
outros recebem da situação, para, assim, projetar um padrão de ação. O comportamento em
lugares públicos (GOFFMAN, 2010), por sua vez, também exige a regulação de atos
comunicativos, expressivos e linguísticos, principalmente, como um componente da ordem
pública. Nesse sentido, são as normas morais que regulam o comportamento de um ator na
presença imediata dos outros.
Sendo assim, o comportamento comunicativo em uma interação face a face pode se
dar de dois modos, a saber, a interação desfocada e a interação focada. A primeira ocorre
na medida em que os atores estão reciprocamente conscientes da presença uns dos outros,
mas não existe um fluxo de comunicação, e, a segunda acontece quando os atoresestão
conscientes da presença uns dos outros e dirigem a atenção para um mesmo foco de
comunicação, de modo a cooperarem mutuamente para a manutenção da ordem ritual. Na
interação, em situação de copresença, o ator social se constitui como um jogador marcado
por uma ordem moral. Assim, este ator concebe uma apresentação de si mesmo para o
outro e busca negociá-la na interação (GOFFMAN, 2013). Estas análises de Goffman
sobre a ordem da interação possibilitam, nesse sentido, entender os modos pelos quais os
atores sociais administram as tensões e mantém o equilíbrio em circunstâncias de
copresença.
As análises mencionadas de Goffman também contribuem para pensar a relação
entre estigma e comportamento desviante (OLIVEIRA, 2016), uma vez que são as
expectativas normativas estabelecidas pela sociedade, para categorizar as pessoas e atribui-
las uma identidade social, que define uma situação de normalidade, de desvio e de
estigmatização (GOFFMAN, 2012a). O estigma para Goffman possui um caráter
relacional, pois não se trata de uma ―essência‖ do caráter do ator social, mas, sim, de
relações de poder. A cisão simbólica entre o ―normal‖ e o ―estigmatizado‖ são, portanto,
perspectivas normativas que se produzem em circunstâncias de copresença nas quais a
ordem social atua na projeção da situação. Os desvios e os comportamentos desviantes
também são percebidos sob esta ótica de análise, uma vez que estes também são definidos
por um conjunto de normas sociais e de atributos impostos como normalidade.
Para Becker (2008), nesse sentido, em sua análise sobre a rotulação do
comportamento, a noção de desvio possui um significado ambíguo: o desvio se constitui
56
Para Goffman (2012, p. 13) a linha ―é um padrão de atos verbais e não verbais com o qual ela [a pessoa]
expressa sua opinião sobre a situação, e através disto sua avaliação sobre os participantes, especialmente ela
própria‖.
57
Para Goffman (2012, p. 14) a fachada é ―o valor social positivo que uma pessoa efetivamente reivindica
para si mesma através da linha que os outros pressupõem que ela assumiu durante um contato particular. [...]
é a imagem do eu delineada em termos de atributos sociais aprovados‖. Nesse sentido, a fachada pessoal e a
fachada dos outros são produtos de uma mesma ordem social.
pela circunstância em que regras são prescritas e violadas, na mesma medida em que
também implica processos pelos quais os atores sociais violam e fixam regras.Nesse
sentido, o autor dirige sua análise, particularmente, para o entendimento de como as regras
são operacionalizadas de modo efetivo, ou seja, como as regras são mantidas eficazmente a
partir de repetidas tentativas de imposição. Deste ponto de vista, ele sugere que o desvio é
uma criação da própria sociedade, na medida em que a coletividade imputa suas regras, por
sua vez, aqueles que se desviam das regras impostas pela coletividade são acusados de
desviantes. Ou seja, o comportamento desviante não constitui uma ―essência‖ do ator
social, mas, sim, uma rotulação realizada por aqueles que tentam impor suas regras.
Os processos pelos quais os atores sociais são rotulados de desviantes, por terem
violado a aplicação por outros de regras, assim também possibilita entender as reações
destes atores a esse julgamento moral. A forma como cada ator social reage a esta
rotulação, no entendo, depende de cada contexto. Não se trata de uma relação homogênea,
pois as regras são aplicadas de forma desigualentre as pessoas, o que, portanto, envolve
diferenças de poder. A rotulação de um comportamento como desviante depende, deste
modo, ao mesmo tempode quem comete e de quem tenta aplicar a regra: ao tentar impor as
regras a atores sociais particulares, na mesma medida, a coletividade produz o desvio. Este,
assim, é o produto de um processo envolto pelas reações dos atores sociais a rotulação do
comportamento.
Nesse sentido, como analisa Becker, as regras de condutas impostas por uma
coletividade não são partilhadas por todos os atores sociais. Assim, as regras que são
consideradas apropriadas por uma maioria podem não ser apropriadas por outra. Ou seja,
nem sempre as regras operantes efetivas contam com a concordância de todos, o que
demonstra a variação na forma como os atores sociais reagem às regras impostas. Assim
como em Goffman, as análises de Becker apontam para as perspectivas individuais e
coletivas que envolvem a rotulação de um comportamento como desviante. O processo de
imposição de regras a outros e a sua operação efetiva, nesse sentido, se constitui por
relações de poder. Neste processo, aqueles atores que criam as regras e tentam impô-las a
outros são definidos como ―empreendedores morais‖ e aqueles que violam as regras
prescritas são acusados de ―desviantes‖. Portanto, trata-se de um processo relacional e
ambíguo no qual as diferenças de posições são diferenças de poder.
Na esteira das análises de Becker e Goffman, Velho (2002, 2008) assinala que o
estudo do comportamento desviante contribui para entender a relação entre indivíduo e
sociedade. Na sua análise (VELHO, 1985, 1997), a noção de sistemas de acusações
possibilita perceber como a delimitação de fronteiras é negociada pelos diferentes atores.
Fronteiras estas que são delimitadas por meio de processos contraditórios e complexos.
Destes processos, por sua vez, emergem o conflito e a divergência. Para Velho, o desviante
pode ser definido como aquele que realiza uma leitura divergente da relevância da
imposição de uma regra a outro. Portanto, ele permanece dentro da cultura na qual a regra
foi imposta. A ambiguidade do termo desviante também aparece na sua análise, pois, para
o autor, um mesmo ator social ora pode ser uma pessoa ―desviante‖, ora pode ser
considerado uma pessoa ―normal‖. Assim, esta ou aquela situação seria definida pelo
caráter desigual e contraditório do sistema sociocultural.
Deste modo, Velho ressalta que, o desvio é uma construção social. Assim, não
existem comportamentos desviantes dados naturalmente, mas, sim, a partir de uma relação
de acusações entre aqueles que tentam impor as regras e aqueles que tentam violá-las. Ou
seja, trata-se de um confronto entre aqueles que são acusados e aqueles que acusam. Estas
diferenças nas relações de poder entre atores sociais envolvem, assim, um problema
político intimamente vinculado a uma dinâmica de construção de identidade. Este aspecto
político das ações intencionadas dos atores sociais, também, pode ser analisado a partir da
A Boate Metrópole fica localizada na rua das ninfas, 125, no centro da cidade de
Recife. Próximo a boate é possível encontrar prédios residenciais, além de outros
estabelecimentos voltado ao público LGBT. A boate conta com seis ambientes, a saber:
pista New York, pista Brasil, Recife night, Escape, AuAu e camarote ostentação. Por ser
considerado um espaço bem localizado, com uma estrutura diversificada e moderna, a
A Boate Meu Kaso Bar (MKB) fica localizada na rua corredor do Bpo 6, Soledade,
em Recife. Próximo a Boate MKB é possível encontrar saunas, cinemas direcionados ao
público homossexual masculino e cabarés, o que leva a essa região se tornar conhecida
como ―mancha do sexo‖. A MKB é um espaço estigmatizado por muitos, principalmente,
por aqueles que frequentam as boates Metrópole e San Sebastian. Por ser frequentado por
um público mais popular, esse espaço é moralmente desvalorizado por ser um ―local que
cheira a sexo‖, ―cheio de garotos de programas‖ e um ―povo que se veste feio‖.
Era uma noite de sábado quando fui com Júlio, Marcos, Hélio e Diego
para a Boate MKB. No palco principal estava tendo as apresentações de
drags e gogo-boy. O dono da boate anunciava as apresentações das drags,
quando perguntou quem estava na boate pela primeira vez, Hélio gritou e
Era uma noite de sábado quando fui com Otávio e Iago para a festa
Parada Liberté. Os estilos musicais transitavam entre o house, tribal
house, eletro house. Nada de variações de brasilidades nem bagaceira. O
público presente era em sua maioria de homens, que aparentavam idade
superior aos 30 anos, com roupas muito semelhantes, calça jeans colada
ao corpo e camisa apertada que realçava os músculos. No decorrer da
festa alguns rapazes tiravam as camisas, outros dançavam com seus
parceiros, enquanto se abraçavam e se beijavam. Ser uma bicha pintosa
naquele contexto era vista como algo desprestigiado: “Olha parece uma
Jade dançando [comentava Iago, mostrando um rapaz que ―rebolava
loucamente‖, enquanto dançava] (Diário de campo, Recife, setembro de
2016).
Cena 4 – Boate San Sebastian
A Boate San Sebastian foi inaugurada em outubro de 2014, localizada na rua dez de
julho, na zona sul da cidade de Recife. A boate conta com duas pistas: pista principal,
localizada na parte interna e a pista open air. Trata-se de uma filial da boate de Salvador,
Bahia, assim frequentemente tem como atrações cantores baianos, que junto com os
deejays completa a lineup da noite. Por ter a entrada mais cara e ser em Boa Viagem, esta
boate é tida por alguns como a boate mais elitizada da cidade. Atualmente a boate está
fechada, sua última festa foi dia 02 de janeiro de 2016.
Era uma noite de sábado quando fui com Alex e Paulo para a Boate San
Sebastian. Chamava minha atenção a grande presença de homens que
eram rapidamente classificados como ―barbie‖ pelos meus interlocutores.
A boate investia nas apresentações de gogo-boys e deejays que seguiam o
mesmo padrão dos homens que ali estavam. Homens musculosos, em sua
grande maioria brancos e que usavam roupas de marcas. Os estilos
musicais transitavam entre as diversas vertentes da house music.
Chamava a atenção dos rapazes um rapaz que estava segurando uma
58
A categoria ―barbie‖ é tida como o estereótipo do gay voltado ao mercado GLS.Geralmente são homens
brancos, depilados, tatuados, com o corpo musculoso (fruto de longas horas de academia), que usam roupas
de marcas famosas que modelam o corpo e que frequentam as boates mais caras da cidade, sendo geralmente
de classe média e alta.
59
Para meus interlocutores, o ―cafuçu‖ geralmente é associado a homens de camadas populares:“é aquele
negro/moreno que tem aquele jeitão de homem e possui um corpo naturalmente esculpido pela rotina de
trabalho árduo”.
60
Os ―ursinhos‖ são homens que se assemelham a figura do lenhador, de aparência forte (não
necessariamente musculosos, alguns são ―fofinhos‖) e barbudos. Costumam gostar de usar roupa xadrez. No
meu campo, no Santo Bar, tive contato com uma nova categoria, a do ―ursinho moderninho‖:“ali é cheio de
ursinhos moderninhos, barbudos, bem vestidos e usando aqueles óculos de gente intelectual”.
61
―Pintosas‖ geralmente são aqueles homens com traços mais delicados e associados a feminilidade:“homens
que desmunhecam, ou veste roupa de mulher, tem até umas que vão de salto e usam maquiagem na balada”.
como pares conceituais dicotômicos, mas sim como relações duais e simbólicas. Fez-se
possível entender, deste modo, como homens com práticas homoeróticas administram o
processo de interação social e o aspecto simbólico da ação social. Ressaltei,
principalmente, a ação recíproca dos atores sociais sem, no entanto, perder de vista os
sistemas de classificações identitárias que orientam a interação entre estes atores, como
efeito de processos culturais mais amplos.
Referências
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PONTES, Williane Juvêncio. Emoções e sociabilidades urbanas: Uma análise compreensiva e histórica
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ISSN 2526-4702.
Artigo
http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/
Emotions and urban sociabilities: A comprehensive and historical analysis of the GREM Research
Group on Anthropology and Sociology of Emotions about the city of João Pessoa, PB
Abstract: This article immerses in the institutional memory of the GREM Group of research in
Anthropology and Sociology of Emotions to present and discuss an analytical balance of its
academic production on the city of João Pessoa, Paraíba, understood as a scientific mosaic
about the studied urban and urbanism. It emphasizes, within a production of more than three
decades, the research project Medos Corriqueiros, from which it seeks to understand the
process of transformation of the urban sociabilities of the city from the perspective of the
Anthropology of Emotions and the tensions between individual, society and culture.
Keywords: institutional memory, GREM Research Group on Anthropology and Sociology of
Emotions, city of João Pessoa, Medos Corriqueiros Project, emotions
62
A partir de agora denominado de Medos Corriqueiros ou MC. Neste balanço objetiva-se traçar um esboço
da trajetória teórico-metodológica da pesquisa maior através do seu subprojeto. Busca-se discutir a trajetória
e os resultados obtidos no decorrer desses 03 anos de atuação da pesquisa ligado ao Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq-UFPB, dos anos de 2014 a 2017, que redundou na defesa de
uma monografia de término do curso de Ciências Sociais da UFPB em 2017.
63
As fases analíticas da pesquisa são configuradas por ano, conformando 05 vigências de desenvolvimento
científico organizadas dos anos de 2012-2013, de 2013-2014, de 2014-2015, de 2015-2016 e de 2016-2017.
Esta pesquisa terá mais uma fase teórico-metodológica que apreenderá a vigência de 2017-2018, em processo
de julgamento na seleção de bolsas PIBICs/CNPq pela Pró-Reitoria de Pós-graduação - PRPG.
64
Desde o seu início esta pesquisa já contou com a participação de 09 alunos, bolsistas ou voluntariados.
65
São eles: o subprojeto Análise compreensiva e histórica do GREM - Grupo de Pesquisa em Antropologia e
Sociologia do CCHLA – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPB, Campus I, sobre a cidade de
João Pessoa-PB, tendo como eixo analítico a produção da pesquisa Medos Corriqueiros, da linha de
pesquisa, Emoções e Sociabilidade Urbana; o subprojeto Análise compreensiva da produção docente e
discente da Graduação e do Programa de Pós-Graduação em Geografia do CCEN – Centro de Ciências
Exatas e da Natureza da UFPB Campus I, sobre a cidade de João Pessoa,-PB, entre 1992-2016; e o
subprojeto Análise compreensiva da produção docente e discente da Graduação e do PPGAU – Programa
de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do CT – Centro de Tecnologia da UFPB Campus I, sobre a
cidade de João Pessoa-PB, entre 1992-2016.
educacionais para o ensino superior (SILVA, 2009). Atuando no campo da memória, este
subprojeto sistematiza e disponibiliza um acúmulo de conhecimento sobre a cidade de João
Pessoa a partir da perspectiva dos medos corriqueiros, onde a cidade apreendida sob
diversos aspectos e ângulos peculiares que comportam histórias específicas em cada lugar,
sejam os bairros, as ruas e os parques.
As literaturas trabalhadas trazem uma reflexão sobre a discussão de memória e
cidade, pois aborda a memória institucional da universidade, aqui, particular, a do GREM,
através das produções que enfocam a cidade de João Pessoa como universo de pesquisa. É
nessa reflexão sobre memória, história e cidade que Sandra Pesavento (2008) desenvolve
seu trabalho, mediante uma análise dos lugares que são pontos de ancoragem de
significados e lembranças, criando um imaginário social. A cidade e a centralidade urbana
se colocam como o espaço para a inserção e compreensão dos lugares de memória e de
história.
A cidade e a centralidade urbana também foram discutidas por Dayse Martins
(2013), que toma a cidade de João Pessoa como universo de pesquisa. Martins analisa a
formação de novas centralidades na cidade, onde as compreende enquanto uma mistura de
questões econômicas, políticas e sociais norteadas por um sistema de ocupações
diferenciadas entre os segmentos da população da capital paraibana, onde as classes média-
alta e alta se fixam no setor litorâneo da cidade, que forma uma nova centralidade. Este
processo de constituição de novas centralidades é estabelecido mediante a expansão urbana
pela qual a cidade passa, levando, com isso, o deslocamento do comércio e de certos
serviços básicos do centro histórico para outras localidades (MARTINS, 2013).
O centro da cidade parece entrar em um processo de decadência após o
descobrimento da orla marítima como lugar de moradia, comércio e lazer, tornando-se uma
nova centralidade. No entanto, este lugar de centralidade urbana não consegue substituir
completamente o centro da cidade devido a sua significação histórica para os habitantes e
para a cidade em si (MARTINS, 2013). A cidade, assim, também é um elemento central de
análise, logo que há uma pretensão de compreendê-la através da produção, a fim de
desvendar os mapas simbólicos lançados sobre ela. Neste caminho, são utilizados para
reflexão os trabalhos sobre a questão do urbano (ANTUNES, 2014), tais como: a vida
mental na metrópole (SIMMEL, 1967), teorias sobre o urbanismo (WIRTH, 1967) e a
organização industrial e a ordem moral da cidade (PARK, 1967), disponibilizando um
campo de pensamento acerca da relação com o urbano contemporâneo, com o uso da
cidade (DIÓGENES, 2016) e as tensões que envolvem o indivíduo e a sociedade.
Nesta discussão sobre a cidade também foi trabalhado um conjunto de artigos que
analisam os estudos urbanos na Antropologia. Trabalhos estes, como o de Gilberto Velho
(1980), que objetivaram abrir caminho para a realização de estudos urbanos, na própria
cidade. Bem como aqueles que articulam reflexões e buscam construir caminhos para uma
antropologia da cidade, com a compreensão do fenômeno urbano, que possui relação com
princípios mais abrangentes (FRÚGOLI JR, 2005). Na pretensão de construir essa lógica
mais ampla, de uma antropologia da cidade, também se posiciona o autor José Magnani
(2002), que explora como a etnografia auxilia na compreensão do fenômeno urbano, com
ênfase na dinâmica cultural e nas formas de sociabilidade nas grandes cidades
contemporânea. As literaturas, assim, apresentam-se importantes quanto à temática
trabalhada, abordando a cidade e suas configurações como totalidade e diversidade que
apresentam relações tensas, mas também de acomodação e invenção.
Michel de Certeau (1998) também discute a cidade, tendo em vista o ato de
caminhar e a questão do lugar e do espaço. O ato de caminhar é visto como um ato de
enunciação que faz do lugar um espaço e se relaciona com a cidade através dos seus
movimentos. Em diálogo com este historiador, se faz interessante, entre outros, a discussão
como algo novo que pode levantar novas questões em relação ao exercício reflexivo de
analisar e compreender o projeto de pesquisa MC. Esta análise permite entender como os
diálogos se estabelecem no interior da pesquisa MC e do GREM, e como se constituem as
particularidades da produção e dos subprojetos, e, qual e como o sentido de cidade é
construído nesta trajetória.
Este balanço T-M da literatura, por fim, buscou traçar conexões analíticas que são
importantes para a compreensão e o desenvolvimento da pesquisa Balanço Comparativo e
do seu subprojeto. Esse exercício de diálogo teórico-metodológico salienta uma questão
importante levantada por esta pesquisa: o fazer científico é coletivo, e sua efetividade e
eficácia se dão através do constante diálogo com outros pesquisadores, seja a partir de
temáticas, de teorias ou metodologias aproximadas. Uma pesquisa é única por seu caminho
analítico, no entanto, ela compõe uma rede de pensamento na academia.
A literatura T-M é fundamental para o desenvolvimento de uma pesquisa, o que
transpassa a necessidade de que os estudos tenham visibilidade e acessibilidade para todos,
seja da academia ou da comunidade em geral. Aspecto que ressalta a importância da
realização de uma pesquisa como a Balanço Comparativo, que busca inserir a produção da
UFPB I em uma política de visibilidade, fomentando a discussão acadêmica no fazer
científico.
Trajetória Metodológica
A trajetória metodológica deste subprojeto se apoia em 03 fases teórico-
metodológicas que está organizada de acordo com a lógica anual do Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação Científica – PBIC/CNPq-UFPB, com início no ano de 2014 e
conclusão no ano de 2017. Este balanço é realizado com base nestas 03 fases de
desenvolvimento do subprojeto, que contemplam as vigências 2014-2015, 2015-2016 e
2016-2017. A discussão está sistematizada a partir de cada vigência, de modo a indicar o
caminho metodológico, os instrumentos utilizados e os resultados obtidos no
desenvolvimento das atividades de pesquisa.
A trajetória metodológica da pesquisa Balanço Comparativo e deste subprojeto se
configura através de estágios de pesquisa que condensam os objetivos de cada vigência,
mapeando a complexificação e o afunilamento do subprojeto. Neste sentido, os objetivos
de cada fase se organizam da seguinte maneira:
1. Vigência 14-15: Análise compreensiva e histórica de dois grupos de pesquisa
antigos e ainda em atuação no Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes –
CCHLA da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Campus I, entre 1992-2012.
2. Vigência 15-16: Análise compreensiva e histórica do GREM – Grupo de Pesquisa
em Antropologia e Sociologia das Emoções do CCHLA da UFPB, Campus I, sobre a
cidade de João Pessoa-PB, entre 1992-2012 [acrescido o ano de 2016].
3. Vigência 16-17: Análise compreensiva e histórica do GREM do CCHLA da
UFPB, Campus I, sobre a cidade de João Pessoa-PB, tendo como eixo analítico a
produção da pesquisa Medos Corriqueiros, da linha de pesquisa, Emoções e
Sociabilidade Urbana, entre 1992-2016.
A vigência 14-15 marca a minha entrada como bolsista de iniciação científica na
pesquisa Balanço Comparativo, bem como e o início do subprojeto e suas preocupações
analíticas66. Neste período as primeiras atividades realizadas foram de mapeamento do CV
66
A criação deste subprojeto é resultado do afunilamento teórico-metodológico da pesquisa, que inicia suas
atividades no ano de 2012.
Lattes de Koury, sendo um trabalho experimental, feito em conjunto com outra bolsista,
para o desenvolvimento das demais atividades do subprojeto.
Nesta fase a proposta era analisar o GREM e o GREI – Grupo Interdisciplinar de
Estudos em Imagem, dois grupos de pesquisas antigos e ainda em atuação no CCHLA. No
entanto, devido a grande quantidade de produção acadêmica do GREM, este foi escolhido
para análise compreensiva e histórica da produção e da sua trajetória.
As principais atividades desenvolvidas nesta vigência foram de levantamento e de
mapeamento da produção acadêmica, das linhas de pesquisa, dos pesquisadores e dos
alunos ligados ao GREM. A princípio foi realizado o levantamento dos membros que
compõe o grupo, tendo como base o Diretório de Grupos de Pesquisa – DGP e o CV
Lattes, ambos os instrumentos disponíveis na Plataforma Lattes.
Com a obtenção dos dados foi possível construir sistematizações analíticas para
auxiliar o desenrolar dos objetivos da pesquisa. Os pesquisadores, por exemplo, foram
divididos em 02 categorizações: os pesquisadores internos, com um total de 04, e os
pesquisadores externos, com um total de 13. Os pesquisadores externos foram classificados
em outras 02 categorias: aqueles que integram outros Departamentos da UFPB I, com 02
membros, e aqueles que pertencem a outras Instituições de Ensino Superior, com 11
membros. Neste sentido os pesquisadores internos são aqueles que integram o
Departamento de Ciências Sociais e o Programa de Pós-Graduação em Antropologia da
UFPB I, enquanto que os pesquisadores externos são aqueles que integram outros
Departamentos da universidade ou outras instituições.
Outra sistematização foi as fases de desenvolvimento do GREM em sua trajetória
acadêmica. O grupo aponta para 02 fases teórico-metodológicas: a primeira data de sua
formação, no ano de 1994, até o ano de 2009. Durante esse período o grupo possuía um
único pesquisador, concentrando a produção acadêmica sobre Koury e seus orientandos. A
segunda fase tem início no ano de 2010, quando há uma abertura do grupo para novos
pesquisadores e estudantes, ampliando as perspectivas analíticas, os diálogos e o
desenvolvimento de trabalhos coletivos. O desenvolvimento e a sistematização dessas
atividades permitiram a construção de uma pequena história sobre o GREM e sua
organização interna. De modo a apresentar um panorama geral da sua trajetória acadêmica
e contribuição na área da Antropologia e Sociologia das Emoções. Esta vigência 14-15
marca o afunilamento analítico do subprojeto em direção à análise compreensiva da cidade
de João Pessoa a partir do grupo de pesquisa.
A vigência 15-16 se debruça na separação da produção acadêmica sobre a cidade de
João Pessoa e na busca destes arquivos em formato PDF ou impresso para a composição
do banco de dados sobre a cidade, e, assim, para a preservação da memória institucional.
Aqui, o principal obstáculo foi encontrar a produção de Monografias e Dissertações na
Biblioteca Central e nos sites de pós-graduação da UFPB. Além da dificuldade de achar os
artigos em periódicos publicados a mais de 10 anos. Nesta segunda fase teórico-
metodológica do subprojeto o foco foi a produção sobre a cidade, mapeando-a de acordo
com as linhas de pesquisa, os projetos e os pesquisadores do GREM. Devido à
concentração da produção sobre a cidade de João Pessoa se concentrar nos pesquisadores
internos, estes foram escolhidos para análise da produção.
Com essa separação da produção através do seu universo sistemático de pesquisa
optou-se ampliar o recorte temporal do subprojeto e da pesquisa Balanço Comparativo,
compreendendo na análise o ano de 1992 até 2016. Este elemento resultou na realização de
um segundo mapeamento que se debruçou na produção sobre a cidade de João Pessoa. A
partir deste mapeamento foi escolhida para análise a linha de pesquisa ESU, tendo em vista
o seu grande fluxo de produção sobre a cidade, em comparação as outras linhas do grupo.
Dentro da linha ESU, foram selecionados 03 projetos de pesquisa: Fotografia, cidade e a
67
Os subprojetos do Projeto MC são os seguintes: O vínculo ritual: um estudo sobre sociabilidade e modos
de vida entre jovens no urbano brasileiro contemporâneo; Parque Solon de Lucena: espaço público,
potencial de urbanidade e desenvolvimento da cidade; Bairro do Roger: história, memória e estigma; Sujeira
e imaginário urbano; Confiança e vergonha: uma análise do cotidiano da moralidade; Sociabilidade e
conflito nos processo de interação cotidiana sob intensa pessoalidade; e Observatório sobre medos.
68
O GREM publica a RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, editada por Koury, e por Koury e
Barbosa a partir do volume 16. Conta com um conselho editorial de vinte e um pesquisadores, sendo
dezesseis nacionais e cinco internacionais. A RBSE pode ser acessada no endereço eletrônico:
http://www.cchla.ufpb.br/rbse/. Como elemento de continuidade, o GREM fundou recentemente uma nova
revista, Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia. É uma revista que tem o objetivo de
ser um espaço de discussão e reflexão sobre o urbano contemporâneo, trazendo análises sobre cidade,
urbanismos e urbanidades. Sociabilidades Urbanas foi fundada no ano de 2017 e teve sua primeira publicação
no mês de março. Pode ser acessada no endereço eletrônico:
http://www.cchla.ufpb.br/grem/sociabilidadesurbanas/. O GREM também publica a Coleção Cadernos do
GREM, com 10 números editados.
69
Este projeto tem uma ampla produção acadêmica, entre elas encontram-se os livros Medos Corriqueiros e
Sociabilidade (KOURY, 2005), O Vínculo Ritual: Um estudo sobre sociabilidade entre jovens no urbano
brasileiro contemporâneo, (KOURY, 2006) e De que João Pessoa tem medo? Uma abordagem em
Antropologia das Emoções, (KOURY, 2008). Esses livros analisam e discutem os resultados obtidos no
desenvolvimento da pesquisa, publicizando os trabalhos desenvolvidos no âmbito do GREM. A pesquisa
também produz artigos em periódicos, capítulos de livros, artigos e resumos em anais de congressos, entre
outros. Estes trabalhos apresentam-se como mecanismos que viabilizam as análises e reflexões desenvolvidas
no grupo e que permitem pensar e discutir os conceitos e as categorias trabalhadas, possibilitando aprimorá-
las e refiná-las. Além disso, a publicação desses trabalhos incorpora a política de visibilidade e acessibilidade
que se desenvolve no interior do grupo, abrindo caminho para o diálogo com outros pesquisadores,
contribuindo para a discussão acerca do tema na academia e para a eficiência e efetividade do fazer
científico. É importante salientar que a produção acadêmica do projeto Medos Corriqueiros selecionada para
análise nesta monografia se divide, ainda, em Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) e Dissertações de
Mestrado. Entre os TCCs se encontram: Medo na cidade: Uma experiência no Proto do Capim (VILAR,
2001), Tambiá – medo, cultura e sociabilidade: Um estudo sobre o bairro de Tambiá, João Pessoa-PB
(SILVA, 2003), Uma Análise do Bairro de Cruz das Armas Sob a Ótica do Medo (SOUZA, 2003), Tambaú:
Pertença e fragmentação sob uma ótica do medo (SOUSA, 2004), Sob a ótica do medo: Um estudo de caso
no bairro dos Estados, João Pessoa-PB (SILVA, 2004), Convívio e interação social: os códigos de afeição e
de estranhamento, os medos corriqueiros e a sociabilidade em uma rua (CAVALCANTE FILHO, 2005),
Sociabilidade, pertença e medos corriqueiros: Estudo de uma rua no bairro de Valentina de Figueiredo,
João Pessoa – Paraíba (ALMEIDA, 2005), João Pessoa à noite: Um estudo sobre vida noturna e
sociabilidade, 1920 a 1980 (SOUZA, 2005), Memória social e sentimento de pertença: Um estudo sobre o
Parque Solon de Lucena, João Pessoa – PB (SILVA, 2006) e Sociabilidade, Medo e Estigma no contexto
urbano contemporâneo: o bairro do Roger na cidade de João Pessoa – PB (CAMPOS, 2008). Enquanto que
as Dissertações de Mestrado em análise são compostas pelos seguintes trabalhos: Imagens da Cidade: A ideia
de progresso nas fotografias da cidade da Parahyba (1870-1930) (BARRETO, 1996), Fotografia na
Paraíba: Um inventário dos fotógrafos através do retrato (1850-1950) (LIRA, 1997), Se essa cidade fosse
minha... A experiência urbana na perspectiva dos produtores culturais de João Pessoa (HONORATO, 1999)
e Medos Corriqueiros e Vergonha Cotidiana: uma análise compreensiva do bairro do Varjão/Rangel, João
Pessoa, PB (BARBOSA, 2015).
resultados de pesquisa, que deu corpo a um TCC, defendido no dia 31 de maio de 2017. A
pesquisa maior que este subprojeto integra objetiva realizar um balanço comparativo da
produção acadêmica Universidade Federal da Paraíba, Campus I, sobre a cidade de João
Pessoa, abordando os anos de 1992 a 2016. Pretende compreender como a cidade é
apreendida pelos pesquisadores da instituição, desvendando os mapas simbólicos
construídos sobre e através dela. Com o intuito de desenvolver uma análise de como as
diferentes áreas acadêmicas da universidade revisita a cidade, cruzando como esses
diversos olhares se interligam, se cruzam e se diferenciam, apreendendo as redes de
significados criadas pela instituição sobre a cidade.
Este subprojeto desenvolveu uma análise compreensiva e histórica do GREM,
sobre a cidade de João Pessoa, a partir da linha de pesquisa Emoções e Sociabilidade
Urbana, com ênfase para o projeto guarda-chuva Medos Corriqueiros. O balanço
compreensivo da produção do grupo disponibiliza uma análise da cidade, de modo a
descortinar as suas mudanças no decorrer dos anos e a construção de mapas simbólicos
sobre ela, desvendando a cultura emotiva da cidade. Objetivou-se realizar uma avaliação
crítica da produção do GREM com enfoque analítico nos medos corriqueiros, a fim de
desvendar os caminhos teóricos e metodológicos traçados pelo projeto MC no seu
desenvolvimento, com o intuito de compreender as mudanças analíticas, conceitual e de
método pela qual o projeto passou no decorrer dos anos, descortinando a que recortes a
cidade de João Pessoa foi submetida e como ela é apreendida pelo grupo.
A produção acadêmica deste projeto de pesquisa discute o papel dos medos, dos
medos corriqueiros, da pertença, da violência, da semelhança e dessemelhança, da
amizade, da vergonha, da fronteira, da fofoca, do segredo, da confiança, da confiabilidade,
da lealdade, da traição, do conflito social, da individualidade, da impessoalidade, entre
outros. Este leque conceitual da pesquisa possibilita uma ampla visão da cidade, bem como
a compreensão das formas de sociabilidade que nela se desenvolvem, tendo como pando de
fundo as representações sociais sobre a cidade de João Pessoa e os medos corriqueiros do
homem urbano contemporâneo local, constituindo um mosaico científico (BECKER, 1993)
sobre a cidade a partir da perspectiva dos medos corriqueiros. O acúmulo de conhecimento
que o projeto guarda-chuva possui sobre a cidade de João Pessoa indica as singularidade e
conexões da cidade através de seus bairros, das ruas, dos parques e dos circuitos de lazer.
Constitui a cultura emotiva da cidade, é o que acaba por constituir o mosaico científico
beckeriano. No mosaico científico (BECKER, 1993) tem-se a produção de estudos que se
conectam e dialogam, permitindo múltiplas comparações, com a possibilidade de integrar
um projeto mais amplo, seja uma teoria, uma temática ou uma pesquisa, como é o caso do
projeto MC, aqui em análise.
Este subprojeto mergulhou na memória institucional (AYELLO et al, 2008) do
GREM como forma de elaborar uma análise compreensiva sobre a totalidade do projeto
MC, e, assim, desenvolver uma avaliação crítica da produção acadêmica do projeto e do
GREM como forma de analisar o processo de surgimento, desenvolvimento e
complexificação teórico-metodológico do projeto de pesquisa MC. A memória
institucional do grupo foi acessada através do levantamento, mapeamento, leitura e
fichamento da produção, em que se corporifica a sua trajetória acadêmica. Esta análise da
memória do GREM foi feita com ênfase no projeto MC, que possibilitou desvendar a
trajetória conceitual e teórico-metodológica do grupo a partir da perspectiva do projeto.
Analisar a produção acadêmica do projeto MC é se inserir na memória institucional do
GREM e compreender a sua dinâmica e trajetória acadêmica, bem como a maneira como o
grupo apreende e recorta a cidade de João Pessoa nos seus estudos. Este grupo de pesquisa
desenvolve seus trabalhos sobre a relação entre emoções, cultura e sociedade, e se debruça
na análise da lógica do cotidiano, da cidade e das emoções. De modo a entender as formas
WIRTH, Louis. O urbanismo como modo de vida. In: Otávio Guilherme Velho (Org.). O
Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
LISDERO, Pedro & PELLÓN, Ignacio. Identidades, conflicto y basura. Hacian um mapeo de los rtimos
de la accíon colectiva en la ciudad de Córdoba. Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e
Sociologia, v.1, n.2, p. 107-124, julho de 2017. ISSN 2526-4702.
Artigo
http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/
Identities, conflicts and rubbish. A reflection on the mapping of the rhythms of collective action in
the city of Córdoba, Argentina
Pedro Lisdero
Ignacio Pellón
“(...) a favela é o quarto de despejo da cidade, porque lá jogam homens e lixo, que
naquele espaço se confundem, coisas imprestáveis que a cidade deixa de lado”.
(Carolina María de Jesús, Quarto de despejo, 1960)
Resumen: El presente trabajo se interesa en los cirujas en tanto sujetos habitan y ―sobreviven‖
en/desde los bordes de las sociedades latinoamericanas. Trabajadores que abocados a recuperar
lo desechado para resolver la reproducción biológica-social diaria aparecen ubicados siempre
frente ante al ―abismo social‖. A partir de fuentes secundarias disponibles, el escrito se orienta
a mapear los ritmos de las acciones colectivas protagonizadas por cirujas en la ciudad de
Córdoba, en un período que abarca más de cuatro décadas. Para ello, se propone realizar
algunas aclaraciones de carácter teórico-metodológicas en función de fundamentar una mirada
acerca del conflicto social, de la utilización de fuentes secundarias, y de la posibilidad de
establecer ciertos ritmos de la acción colectiva como herramienta analítica. Luego se presenta
una periodización posible de la acción colectiva ponderando lo que se observa, lo que pasa y el
sentido que los actores le imprimen a la acción. Para finalizar, se reflexiona en torno a una
posible agenda de investigación que busque sintetizas algunas de las lecturas que se
desprenden de la periodización presentada. Palabras clave: Acción colectiva – Conflicto
social – Basura – Identidad
Abstract: The present work is interested in the cirujas as subjects inhabit and "survive" in /
from the edges of Latin American societies. Workers who are trying to recover what is
discarded to solve the daily biological-social reproduction are always located in front of the
"social abyss". From available secondary sources, the paper is oriented to map the rhythms of
collective actions carried out by cirujas in the city of Córdoba, in a period that covers more
than four decades. To this end, it makes some theoretical and methodological clarifications in
order to base a glance on social conflict, the use of secondary sources, and the possibility of
establishing certain rhythms of collective action as an analytical tool. Then it presents a
possible periodization of collective action by weighing what is observed, what happens and the
meaning that the actors print to action. Finally, we reflect on a possible research agenda that
seeks to synthesize some of the readings that emerge from the periodization presented.
Keywords: collective action, social conflict, rubbish, identity
Desde la literatura a los textos académicos, la figura del ―ciruja‖ ha convocado una
mirada que excede ―al personaje‖, evocando lo que él mismo encarna de la sociedad en que
se inscribe. Ya el famoso tango ―El ciruja‖ de 1926, con música de Ernesto de la Cruz y
letra de Alfredo Marino, comenzaba a pintar un sujeto situado en el contexto de los
―arrabales‖ porteños de principio de siglo XX, donde una de sus características
significativas era la de estar siempre dispuesto en los bordes: de la ley, del trabajo, etc…
Salvando las abismales distancias, la cita de Carolina María de Jesus, de su también
famosa obra ―Quatro de despejo‖, publicada en Brasil en 1960, también describe un
contexto de límites, esto es, un paisaje alejado de los beneficios prometidos por la
modernidad, donde los protagonistas – como la propia basura – son ―dejados de lado‖.
Pareciera entonces, que el ciruja que capta nuestra atención como sociedad, aún
desde hace tiempo, encarna en su propia existencia una serie de interrogantes que devuelve
la mirada acerca de los bordes, de los límites que conectan los procesos de estructuración
con las realidades cotidianas que viven los sujetos que transitan el ―filo‖ de la re-
producción. Quienes habitan el arrabal porteño, tanto como las favelas de Sao Paulo de la
década del 60, encarnan los límites de la vida en sociedad, de las formas moralmente
adecuadas de ser-estar, de las maneras productivas de existir para el trabajo y el consumo.
Adviene entonces la idea de que interrogándolos podríamos tener una respuesta acerca de
por qué se configuran tiempos-espacios sociales habitados por hombres que se confunden
con ―cosas desechables‖ (basura). Y al mismo tiempo, que dicha pregunta nos abre la
puerta a un juego de tensiones a partir de las cuales se hace posible interpretar procesos
sociales cuyos alcances exceden estas realidades particulares.
Sin embargo, incluso más allá de las continuidades relatadas, debemos aceptar las
abismales distancias entre ambas imágenes presentadas (arrabales y favelas). Si los sujetos
portan en su propia identidad de carne y hueso las complejas tensiones que con-forman un
equilibrio inestable entre continuidad y ruptura (esto es lo que nos indica la propia idea de
borde/límite), deberemos reconocer también que las particularidades de cada ―aquí y
ahora‖ otorgan igualmente una dinámica específica en la configuración de los aludidos
procesos. El trabajo que aquí presentamos retoma en parte esta dialéctica proponiéndonos
mapear, a partir de una serie de fuentes secundarias, los ritmos de la acción colectiva
protagonizada por los cirujas en la ciudad de córdoba. La conceptualización en tanto
acción colectiva, como expondremos más adelante, tiene que ver con una opción teórica
(MELUCCI, 1994; SCRIBANO, 2004) que se propone realizar una hermenéutica del
conflicto social, partiendo de experiencias colectivas para interpretar algunos rasgos
significativos de los procesos de producción y re-producción de lo social (GIDDENS,
2003). Esta propuesta general es deudora de una serie de investigaciones que fundamentan
e ilustran esta forma de comprender a las sociedades a partir del conflicto como
epifenómeno (SCRIBANO, 2004; LISDERO, 2007; 2019), y particularmente de algunos
desarrollos específicos en torno a las acciones colectivas de los cirujas en la ciudad de
Córdoba (VERGARA, 2010; LISDERO y VERGARA, 2010, 2015).En este sentido, el
trabajo que aquí se presenta se inscribe en la continuidad de las pesquisas aludidas, y busca
de manera general complejizar un mapeo sobre el cual se viene trabajando desde hace
años.
Así, para sintetizar un recorrido inicial que nos permita presentar de manera general
aquello sobre lo que queremos profundizar en este artículo, podríamos mencionar que las
primeras experiencias colectivas de cirujas en la ciudad de Córdoba datan de la década del
setenta. Posteriormente, y recuperando algunas redes de relaciones de este caso pionero,
las organizaciones del sector re-aparecen en la década del noventa, caracterizando la
actividad con la basura como una práctica vinculada a una estrategia laboral familiar,
orientada a la reproducción social de dicha unidad doméstica (Se.A.P., 1996;
BERMÚDEZ, 2006). El contexto de la misma, estaba signado por procesos de ruptura de
la relación salarial, informalización, desregulación, flexibilización y precarización del
70
En Argentina, la cifra de 629 mutuales y cooperativas creadas durante la década de 1970, asciende a 1.147
durante 1980, llegando a 2.121 para el último período del siglo XX (FAJN, 2002).
71
En el presente trabajo utilizaremos indistintamente los términos ciruja, carrero y cartonero. Aunque las tres
nominaciones hacen referencia a sujetos que viven de la recuperación de residuos priorizaremos la utilización
de cirujas por entenderse como la auto-denominación predominante que refiere al ―viejo oficio‖ de recuperar,
en calles y basurales, objetos con algún valor de uso o de cambio. Por su parte, los cartoneros se especializan
en recolectar residuos derivados de la industria papelera; mientras que los carreros, generalmente, combinan
actividades de cirujeo, cartoneo y traslado de basuras -entre otras- en carros traccionados por equinos
Para lo que nos importa en este trabajo, este punto de partida nos ayuda a
fundamentar la posibilidad de realizar un ejercicio concreto de re-construcción de los
―ritmos‖ de la acción colectiva protagonizadas por los cirujas en la ciudad Córdoba, a
partir de la tensión de las voces de ―agentes‖ e ―investigadores‖ inscriptas en una serie de
soportes que devienen datos secundarios: informes de pesquisas previas sobre los casos
cordobeses, entrevistas realizadas en el marco de los aludidos trabajos, y notas de los
medios de comunicación donde se publican las ―voces‖ de los actores involucrados en los
conflictos estudiados. En función de este posicionamiento podríamos preguntarnos
entonces: a. ¿por qué nos interesaría escrudiñar el sentido de la acción colectiva de los
cirujas?; b. ¿cómo es posible reconstruir los sentidos de la acción desde estas fuentes
(secundarias)?; y c. ¿qué vamos a ―mirar‖ y en qué sentido nos interesa mapear los ritmos
de las mismas?Para comenzar a responder estos interrogantes, aunque de manera
introductoria y parcial, nos valdremos de los desarrollos realizados en el marco de una
serie de equipos de investigación donde se inscriben y de las cuales resultan deudoras las
reflexiones que se expresan a continuación72.
a. En primer lugar, desde la mirada que aquí se presenta, sostenemos que los fenómenos
colectivos, entendidos como el ―(…) resultado de múltiples procesos que favorecen o
impiden la formación y el mantenimiento de las estructuras cognoscitivas y los sistemas de
relaciones necesarios para la acción‖ (MELUCCI, 1994, p.155), no pueden concebirse
como una unidad empírica, como una ―realidad dada‖, sino que debe indagarse cómo se
configuran los diferentes componentes en lo que se nos aparece como una ―supuesta
unidad‖. En la acción colectiva conviven múltiples orientaciones, que involucran a
diversos niveles de la sociedad y a diferentes periodos históricos, de manera que es
necesario mantener abierto interrogantes acerca de: ―(…) si existen dimensiones de las
nuevas formas de acción que debemos atribuir a un contexto sistémico distinto (…)‖
(MELUCCI, 1994, p.125). En esta dirección, consideramos a las acciones colectivas como
"profetas" que comunican sobre los cambios y las transformaciones que se están
produciendo en los procesos por medio de los cuales se produce y re-reproduce la
sociedad.Volviendo al caso de la acción colectiva protagonizada por cirujas, en otros
lugares hemos analizado acerca de las redes conflictuales y los mecanismos de obturación
y emergencia de las acciones colectivas (LISDERO y VERGARA, 2010), como así
también en lo referido a las protestas y vivencias ante la implementación de nuevas
políticas de gestión de la basura en la provincia de Córdoba (LISDERO y VERGARA,
2015).
b. El sentido puesto en juego por los sujetos (tanto los cirujas, como los investigadores
que se han ocupado de indagar las experiencias colectivas) constituye entonces un lugar
―sensible‖ desde donde acceder – como testimonios – a los procesos sociales que nos
interesan: las acciones colectivas. Tal como hemos observado, en tanto la disputa por el
sentido de la misma deviene una dimensión del propio objeto (conflicto), explicitar
nuestros puntos de partida respecto de cómo ordenaremos la tríada conformada por las
voces-de-los-cirujas, las teorías-sobre-la-acción-colectiva-de-los-cirujas, y nuestras-propia-
72
De modo abreviado, hacemos referencia a investigaciones realizadas por el grupo de estudios sociales
Serafín Trigueros de Godoy (centrado en el conflicto por la basura en la ciudad cordobesa de San Francisco y
dirigido por Adrián Scribano) (AIMAR, GIANNONE, LISDERO, 2007); el proyecto de investigación
―Cuerpos, sensaciones y conflicto social. Acciones colectivas y Prácticas expropiatorias (Córdoba post-crisis
2001)‖ (VERGARA y GIANNONE, 2009), también dirigido por Scribano; las producciones de Gabriela
Vergara (2009, 2010, 2014) vinculadas a la acción colectiva y el trabajo en mujeres recuperadoras de
residuos; las pesquisas realizadas por Pedro Lisdero (2009, 2013) referidas al conflicto social y la acción
colectiva en casos de procesos de sindicalización en contextos de precarización laboral (empresas
recuperadas y call centers); entre muchos otros que han aportado en la construcción de este ―acervo
colectivo‖.
mirada, deviene una tarea imprescindible para comprender el cómo trabajar estas fuentes
secundarias. Desde la perspectiva que abordaremos aquí, definiremos a los datos a partir
del registro de una observación realizada (por el mismo u otro investigador) en contextos
de producción diferentes, a los cuales se los pretende inscribir en una oportunidad
determinada. Consecuentemente, el ―análisis secundario de datos cualitativos‖ se
comprende como ―el procedimiento mediante el cual un investigador utiliza información
registrada por otros, reconstruyendo su descripción y sistematización desde una estrategia
de indagación diferente a la original‖ (SCRIBANO y DE SENA, 2009, p.105)73. En este
sentido, las investigaciones, entrevistas y las notas periodísticas que seleccionamos aquí
hacen parte de un corpus analítico que trasluce el juego de tensionalidades que se fueron
configurando entre las experiencias y los discursos construidos sobre las mismas. En su
conjunto, y haciendo explícitas las condiciones en las que se los consideran, estos datos
secundarios habilitan una vía posible para cumplimentar el objetivo propuesto: resultan los
ritmos de la acción colectiva protagonizada por cirujas en la ciudad de Córdoba.
c. Finalmente, debemos aclarar el lugar que ocupa el conflicto social en nuestra
comprensión de la acción colectiva de los cirujas. Así, definimos conflicto social como la
disputa de dos o más actores por la apropiación de un bien que se estime valioso; y
entendemos que en nuestras sociedades operan en formas de ―redes de conflictos‖, que no
son más que prácticas históricamente construidas que implican la concatenación de una
serie de conflictos-prácticas anteriores conectadas entre sí (SCRIBANO, 2003). Los
distintos momentos de la acción, suponen entonces instancias de latencia, donde están
operando conflictos que forman parte de una compleja urdimbre y que operan como ―las
condiciones de la acción‖: una red de conflictos da posibilidades de visibilidad social a
otra.A su vez, la acción colectiva tiene además como condición la existencia de un marco
de referencia común a los integrantes del colectivo o identidad colectiva, que les permita
elaborar expectativas, evaluar las posibilidades y límites, y a su vez ser reconocido en sus
demandas de subjetividad dentro del colectivo. Esta definición interactiva está siempre en
construcción, de manera tal que los individuos implicados en la acción, se definen a sí
mismos y a su entorno (otros actores, recursos, oportunidades y límites) de acuerdo con
procesos que implican interacción, negociación y la oposición de orientaciones (conflicto).
Es precisamente en este punto donde resulta necesario, para poder comprender la
complejidad implícita en las más diversas formas en que se manifiestan estos conflictos,
distinguir la conflictividad de la acción de su estructuración témporo-espacial. Es necesario
entonces plantear una estrategia para registrar los ―ritmos‖ con que se reconfiguran
continuamente la relación entre estos espacios. Esto permite captar la complejidad de la
acción colectiva, evitando el sesgo de concentrarse en los momentos de visibilidad de la
misma, e identificando lo que ocurre, lo que es observado, y la significación que esto
implica (SCRIBANO, 2003). En este sentido, distinguimos distintos momentos de la
acción colectiva de los cirujas, los cuales expresan relaciones entre: las expresiones del
conflicto, los distintos episodios que asumen las redes conflictuales y las manifestaciones
de la acción colectiva. En la primera instancia (expresiones) se produce la disputa por los
intereses y las valoraciones en juego, reorientando la red conflictual. Estos
reposicionamientos a niveles estructurales poseen un carácter ―orientador‖ para las
73
Tal como observan Scribano y De Sena, las investigaciones con datos secundarios suelen ser subestimadas
(a pesar de su relevancia, incluso para los clásicos de la sociología) o relegadas al campo de las
investigaciones de tipo cuantitativas (2009, p.102). Sin embargo, las investigaciones cualitativas más actuales
comienzan a interesarse sobre las ventajas de la utilización de estas fuentes. Entre ellas, se pueden destacar la
reducción de los efectos que la presencia del investigador pudiese ocasionar en la obtención de los datos, la
economía de tiempos y recursos de la investigación, y principalmente, la posibilidad de formular diferentes
preguntas relacionadas a los objetivos actuales de la investigación.
prácticas que se observan durante los episodios, los cuales son acciones públicas que
expresan el estado del conflicto. Aquí se ponen en evidencia las redes conflictuales en
tanto posiciones antagónicas de los actores, como así también su constitución y visibilidad
identitaria. Por último, las manifestaciones son acciones colectivas que los actores
muestran como mensaje de visibilidad, lo que observamos como la forma, y como tal, son
resultantes del espacio público constituido entre expresiones y episodios. Durante las
manifestaciones se re-produce la identidad del colectivo, disputando el sentido de la
acción. (SCRIBANO, 2003)
Resumiendo, preguntarnos por los ―ritmos‖ de la acción colectiva de los cirujas
implica para nosotros hacer críticas algunas miradas extendidas en el campo de estudios
sobre estos sujetos, que se ―enfocan‖ en el período que va desde 2001 en adelante,
vinculando particularmente las experiencias surgidas con la noción de ―crisis‖ o
―resistencia‖. En su lugar, aquí nos interesa abrir la reflexión en torno a un período más
extenso, dejando abierto el debate referido a la posibilidad de establecer tiempos y espacios
en función de las emergencias sugeridas por la propia lógica identitária asociada a la
acción colectiva. En este sentido, la pretensión de establecer una periodización en función
de los ritmos aludidos tiene que ver, para nosotros, con la posibilidad de indagar las
tensiones entre continuidad y cambio social que involucran los fenómenos sociales
indagados, es decir, proponer una hermenéutica de la conflictividad social abierta al
componente ―profético‖ (MELUCCI, 1994) que componen estos actores. La posibilidad de
disponer de un corpus de datos secundarios brinda una oportunidad significativa para la
tarea aludida.
Hacia una periodización de las “cooperativas” de cirujas: episodios del conflicto
En este apartado conceptualizaremos una periodización posible de la acción
colectiva de los cirujas en la ciudad de Córdoba teniendo en cuenta las discusiones y
puntos de partida desarrollados en el apartado anterior. Establecemos para ello un periodo
general que abarca desde las primeras experiencias conocidas en la década del setenta,
hasta la complejidad de la acción en la actualidad (2016). Pero antes de avanzar, debemos
aclarar que la reconstrucción que presentamos no resulta exhaustiva respecto de la
totalidad de las experiencias instanciadas en la ciudad de Córdoba, ni se pretende tampoco
exponer de manera ampliada todas las dimensiones que implicaría realizar una
caracterización profunda de cada colectivo y sus acciones. En su lugar, hemos escogido
como estrategia de presentación, acotar el análisis en busca de sintetizar algunas de las
condiciones conflictuales vinculadas al surgimiento de las cooperativas de cirujas, en tanto
instancias que condensan las inversiones identitarias, y posicionamiento público de actores
colectivos dinámicos. Precisamente ante la dificultad vinculada a la complejidad que
asumen las ―emergencias‖ relevadas en los datos secundarios74, nos interesa poder
74
Las fuentes secundarias consultadas para la elaboración de este apartado son las siguientes: una cartilla
producida por integrantes del Servicio a la Acción Popular (Se.A.P) hacia fines de los años 80, en donde
junto a ex trabajadores de ―El Huanquero‖ se busca recuperar y reconstruir la experiencia de esta cooperativa
que funcionó entre 1971 y 1983 (Se.A.P., s/d); una investigación realizada por el Equipo de Cirujeo del
Se.A.P. durante el primer lustro de 1990, que persigue alcanzar un mayor conocimiento del sujeto ciruja
desde la identidad y la cultura (Se.A.P, 1996); un informe orientado a identificar las organizaciones de
recuperadores de residuos en la ciudad de Córdoba post-crisis 2001, realizado por integrantes del Programa
de Estudios sobre Acción colectiva y Conflicto social (VERGARA y GIANNONE, 2009); entrevistas en
profundidad a informantes clave; artículos digitales de diarios locales y nacionales; documentos producidos
por organismos estatales, entre otros. Los criterios analíticos de las mismas se desprender de lo expuesto en
el apartado anterior, es decir, se buscó en cada documento indagar acerca de la configuración de las
valoraciones sobre los bienes, definición de los agentes y de los colectivos en disputa, descripción de las
experiencias colectivas significativas enfatizando las nominaciones, relación con las políticas públicas, entre
otras condiciones significativas de la acción colectiva. Debe anotarse que las fuentes consultadas no
establecer los ―ritmos‖ de la acción como una primera instancia analítica del proceso, y
para lo cual reconstruimos y presentamos ciertas experiencias paradigmáticas 75 de cada
episodio.
Primer episodio: las experiencias pioneras (1971-2000)
En la ciudad de Córdoba, la primera experiencia cooperativa de cirujas inició en la
década del 70. Cuando dos Asistentes Sociales llegan a Villa Inés para abocarse a la
organización de una comisión vecinal, en ese recorrido, se reconoce que “la mayoría de
los vecinos de Villa Inés vivía, como hoy, del cirujeo” (Se.A.P., s/d: 5). De allí surge la
idea de conformar una cooperativa de trabajo: “El Huanquero”76. En 1971, la Cooperativa
“Huanqueros”, conformada por cirujas y técnicos77, firma un convenio con la
Municipalidad de Córdoba a diez años para la explotación de la basura. Para ello, se
consiguió prestado un campo perteneciente a otra empresa y ubicado en el camino a Villa
Posse, aunque al poco tiempo el proyecto se mudó a otro campo situado en el camino a Los
Molinos (zona suroeste de la capital).
Cada mañana, un colectivo transportaba a los cooperativistas de cinco villas hasta
el predio en donde trabajaban recuperando materiales reciclables entre los desperdicios
descargados por los camiones municipales. El dueño del campo, por su parte, se
usufructuaba a partir del aprovechamiento de la basura en la cría de porcinos78. Si bien el
trabajo era “pesado”, riesgoso y el margen de ganancia era bajo, las cantidades
recuperadas permitían que cada uno “ganara bien” y la cooperativa anduviese “a todo
trapo” (Se.A.P., s/d). A partir del golpe de Estado de 1976, la situación de Huanqueros
empeoró drásticamente: la “gente de afuera”79se fue ausentando, dejando un vacío en el
Consejo de Administración – “…al final, el consejo era una sola familia, no había control
de nada!” (Se.A.P., s/d, p.17). También comenzaron a discontinuarse los “subsidios y
ayudas” provenientes del Ministerio de Asuntos Sociales, y la municipalidad no renovó el
convenio: “Trabajamos hasta el último día del convenio. Después entró ASEO80 y ya no
resultaron uniformes respecto de la información contenida, sino que por el contrario, la diversidad evidenció
algunas ausencias significativas. Sin embargo, en su conjunto, los documentos de investigación, tanto como
las notas periodísticas (y las voces de los actores contenidos en ambos soportes), resultan instrumentos
valiosos para ir re-tramando ―pistas‖ (Scribano, 2013) acerca de los ritmos más extensiones de la acción
colectiva de los cirujas.
75
Aquí lo paradigmático no se vincula a la noción de ―tipo de ideal‖ weberiano, ni es un caso
―representativo‖, sino que se trata de experiencias donde se expresan las tendencias – siempre dinámicas –
que caracterizan la singularidad del período destacado; y cuya ponderación debe realizarse en la
tensionalidad que presenta con los casos seleccionados para los otros episodios presentados.
76
Entre las explicaciones posibles acerca del surgimiento de Huanqueros se distinguen dos componentes: por
un lado, la zona de Villa Inés y la vecina villa San José, en las inmediaciones del río Suquía en el sector este
de la ciudad, fue el espacio para la instalación de curtiembres, frigoríficos y lavaderos de trapos, actividades
que se relacionan con la presencia de cirujas desde tiempos remotos. Por otro lado, otros sostienen que “la
idea salió del Movimiento Villero – organización que agrupaba a la mayoría de las villas de la ciudad en la
década del 70.- y el Ingeniero Peretti fue el que la tiró” (Se.A.P.; s/d, p.5).
77
“Los que llegaban de afuera eran gente allegada a tender la mano a la gente villera, para que la villa
progrese...” (Se.A.P. s/d,p.14). “Si cuando había que elegir [para la conformación del Consejo de
Administración] eran siempre los mismos. Eran siempre ellos, Jatib, Rodríguez, era gente de afuera. Ellos
no trabajan en el campo con nosotros…” (ídem).
78
“El campo estaba dividido en dos sectores; un día tiraban la basura de un lado y los chanchos comían de
ahí, y del otro lado nosotros cirujeabamos lo que habían limpiado los chanchos” (Se.A.P, s/d,p.9).
79
“Los abogados, médicos y A[sistentes]. Sociales que trabajan en el Huanquero se empezaron a ir. Así, los
cirujas tuvieron que tomar tareas que nunca habían hecho” (Se.A.P., s/d: 17).
80
Hacia fines del año 1981, el servicio de higiene urbana de la ciudad de Córdoba es licitado en favor de la
firma Aseo (WasteManagment International y Sociedad Macri), beneficiándose con dicha licitación hasta el
año 1984. En el año 1982, Aseo también resulta adjudicataria de la licitación para la construcción del primer
relleno sanitario de Córdoba, en jurisdicción de la vecina localidad de Bouwer (municipio de unos 2.000
habitantes, colindante al sur de la capital provincial) (Pellón, 2016).
81
“… básicamente, ese año [1989] que la explosión de las copas de leche, los comedores, las compras
comunitarias, porque… por „la hiper‟” (Entrevista Exploratoria, 17/11/2016)
82
Organización constituida por profesionales cordobeses durante el primer lustro de 1980, cuya principal
fuente de financiamiento provenía de agencias de cooperación internacional que apoyaban iniciativas
orientadas a la recuperación del tejido social post-dictadura (EE, 17/11/2017; Se.A.P., 1996).
83
“Cuando empezó la dictadura, la militar, empezamos a organizarnos. Las mujeres, a veces con algunos
chicos más grandes. Empezamos, porque nos quitaron los carros y empezamos a trabajar con catres. Así
sobrevivimos. Y cuando vino la democracia… Ahí hicimos una juntada de carros, para que no nos los quiten.
Mire usted: primero los militares nos dejaron sin ningún carro. Después, cuando llega la democracia,
nosotros ya habíamos comprado carros porque estábamos movilizados. Pero empezaron a corrernos y a
quitarnos los carros. Entonces nos juntamos todos‖ (Entrevista a Chinina, Presidenta de Coop. ―Los
Carreros‖, en VERGARA y GIANNONE, 2009, p.21).
84
“…son cirujas históricos. O sea, no son los, los recicladores de los 90, no son... personas que comenzaron
a ponerle palabra a su oficio cuando ya estaba instalado el tema del medioambiente, del reciclado. No
existían en esa época el tema del reciclado, y la discusión sobre el medioambiente. Eso vino del 93 en
adelante” (EE, 17/11/2016). Cabe destacarse, que la entrevistada, complejiza la distinción entre cirujas
―tradicionales‖ y ―nuevos‖ cartoneros (distinción utilizada, por ejemplo, en BERMÚDEZ, 2006).
85
En 1993 la firma del Pacto Federal Ambiental significa la instrumentación del ―Programa 21‖, aprobado
por en la Conferencia de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente y Desarrollo (Río de Janeiro, 1992),
entre otras acciones, coloca las problemáticas ambientales dentro de las agendas políticas nacional y
provincial (Aimar, Giannone y Lisdero, 2007). Posteriormente, Rubén Martí (Unión Cívica Radical)
implementa políticas municipales inspiradas en el ―modelo de Curitiba‖, de allí su mote de ―Intendente
Verde‖. En este sentido, uno de los programas más ―emblemáticos‖ fue el Basura Inorgánica da Comida
(“BIDA”) vigente entre 1996-1997, orientado a entregar bolsones de verduras a los sectores más
empobrecidos a cambio de bolsones de cartón, plásticos y otros reciclables (ver La Voz del Interior,
7/5/2011, ―Los que paran la olla con el reciclado de basura‖. Versión digital. Disponible en:
http://www.lavoz.com.ar/ciudadanos/cordoba-ciudad/que-paran-olla-con-reciclado-basura Fecha de consulta
10/04/2017).
86
En 1992, se constituye en Córdoba la Unión de Organizaciones de Base por los Derechos Sociales
(UOBDS), espacio que nucleó a más de 100 organizaciones. En función del reconocimiento social de esta
organización los gobiernos provincial y municipal establecen con la UOBDS una ―Mesa de Concertación de
Políticas Sociales‖ que funcionó entre 1995-1997. La Voz del Interior (7/11/2001) ―Cooperativa teme perder
reciclado de basura.‖ Versión digital. Disponible en:
http://archivo.lavoz.com.ar/NotaAnterior.asp?nota_id=65610&high=car Fecha de consulta: 10/04/2017.
87
La Voz del Interior (8/4/1998) ―Rebelión de cirujas. Compás de espera para una protesta de los carreros‖,
por Rubén Curto. Versión digital. Disponible en: http://archivo.lavoz.com.ar/intervoz/98/04/08/ig_n3.html
Fecha de consulta: 10/04/2017.
actividad como un “trabajo informal”88. Ese mismo año, se celebra en Córdoba (en la
localidad de Saldán) un Congreso Nacional de Cirujas, organizado por el Banco Mundial y
la Fundación Conciencia. De lo trascendido, puede destacarse que participaron
representantes de ―Los Carreros‖ y de ―Villa Inés‖, y resulta relevante la nominación de
recuperadores urbanos de basura para referir a los sujetos ocupados en la actividad. En el
marco de este espacio, se ―recomienda‖ adoptar una forma gremial como alternativa a ―los
expulsados‖ de la economía formal, así como también la “necesidad de nuclearse como
arma de supervivencia” para conseguir mejores ingresos. Se destaca asimismo las
―ventajas‖ de aprovechar otras actividades derivadas de la ―recuperación‖, dado que “los
cordobeses son especialistas en el transporte de ramas y escombros” (Página 12:
1/9/2011)89.
La ―cercana‖ relación de los cirujas de Córdoba con las ramas y los escombros, al
menos en ese momento en particular, está vinculada a la re-negociaciones en desarrollo
entre la Municipalidad de Córdoba y dos empresas de Grupo Roggio (actor empresario
local, con mucha presencia en la obra y servicios públicos). Ante la aguda crisis
económica, el gobierno local decide reducir el gasto público, por lo cual Cliba
(concesionaria del servicio público de higiene urbana) y Taym (concesionaria del servicio
de mantenimiento de espacios verdes) reducen significativamente la calidad, frecuencia y
áreas de cobertura (LVI: 4/11/2001) 90. En ese marco, municipio propone instalar 18
―escombreras‖ dentro del ejido urbano para la descarga de basura por parte de las empresas
de alquiler de contenedores y cirujas. Se re-configura, entonces, la relación del Estado con
los cirujas, como una suerte de ―aliados estratégicos‖ ante el recorte de servicios. No
obstante, ―esto no significa que los carreros puedan circular libremente por la ciudad.
Como hasta ahora, tendrán prohibido transitar por avenidas e ingresar a la zona de
exclusión [microcentro].‖(LVI: 4/11/2001: palabras de Heriberto Martínez, funcionario
municipal a cargo de la iniciativa)91.
A mediados del año 2002, siendo el cirujeo una de las postales urbanas de la crisis
que atravesaba el país, se manifiestan una serie de conflictos referidos al uso legítimo del
espacio urbano (VERGARA y GIANNONE, 2009). Por medio del Decreto N° 111/02, el
gobierno municipal establece que “los trabajadores del cartón” deberán dejar sus carros y
caballos en los márgenes del río Suquía (rio que atraviesa la ciudad de Córdoba, y cuyos
puentes flanquean el acceso al centro) y podrán ingresar al centro con carros manuales,
traccionados por ellos mismos (BERMÚDEZ, 2006). Entre las restricciones a la actividad
de los cirujas, en general, el municipio enfoca sus esfuerzos en restringir el ingreso de
estos sujetos al área central de la ciudad, definida abiertamente como ―zona de exclusión‖:
Queremos equiparar las condiciones en que trabajan los carreros. No
puede concebirse que algunos usen camionetas y caballos para transportar
el cartón recogido, mientras que otros deban valerse por sí mismos. (LVI:
88
La Nación (1/7/2001) ―El cirujeo se convierte en trabajo informal.‖ Versión digital. Disponible en:
http://www.lanacion.com.ar/316594-el-cirujeo-se-convierte-en-trabajo-informal Fecha de consulta:
10/04/2017.
89
Página 12 (1/9/2001) ―Unidos por la basura. Crónica de un congreso nacional de cirujas que organizó el
Banco Mundial‖, por Dandan, A. Versión Digital. Disponible en: http://www.pagina12.com.ar/2001/01-
09/01-09-23/PAG29.HTML Fecha de consulta: 10/4/2017
90
La Voz del Interior (4/11/2001) ―La crisis obligará a reciclar la basura.‖ Versión digital. Disponible en;
http://archivo.lavoz.com.ar/NotaAnterior.asp?nota_id=64934&high=car Fecha de consulta: 10/4/2017
91
―Habrá escombreras en 18 puntos de la ciudad‖. Publicado: 4/11/2001. Disponible en:
http://archivo.lavoz.com.ar/NotaAnterior.asp?nota_id=64937&high=car Fecha de consulta: 10/4/2017
95
La Voz del Interior (20/8/2009) ―Fuerte polémica por el reciclado de residuos secos en la base Mitre‖.
Versión digital. Disponible en: http://archivo.lavoz.com.ar/nota.asp?nota_id=543831 Fecha de consulta.
10/04/2017. El Faro se encontraba estrechamente vinculada a la entonces concejala Mónica Cid, habiendo
ocupado ésta la presidencia de la fundación.
96
La Voz del Interior (2/9/2009) ―Carreros intervendrán en basurales a cielo abierto‖ Versión digital.
Disponible en: http://archivo.lavoz.com.ar/nota.asp?nota_id=555992 Fecha de consulta: 10/04/2017.
97
La Voz del Interior (5/10/2010) ―Nuevo reclamo de los carreros frente al municipio‖. Versión digital.
Disponible en: http://www.lavoz.com.ar/noticias/politica/nuevo-reclamo-de-los-carrerosFecha de consulta:
10/04/2017.
98
Actualmente, el Encuentro de Organizaciones integra la Confederación de Trabajadores de la Economía
Popular (CTEP) y ―La Esperanza‖, de la Federación Argentina de Cartoneros y Recicladores (FACyR-
CTEP). Debe mencionarse a principios del año 2017, la mencionada federación incorporó el término
―carreros‖ en su denominación, luego de la palabra ―cartoneros‖ (FACCyR).
99
La Voz del Interior (1/7/2011) ―La protesta de carreros terminó con tres detenidos‖. Versión digital.
Disponible en: http://www.lavoz.com.ar/ciudadanos/protesta-carreros-termino-con-tres-detenidos Fecha de
consulta: 10/4/2017.
100
Municipalidad de Córdoba (2012) ―Contenidos críticos propuestos para la confección del pliego‖. Servicio
Público de Higiene Urbana. Octubre de 2012. Córdoba. En dicho documento se exhiben dos opciones
respecto a los ―recuperadores urbanos‖: “Se llaman al SPHU”.
101
Adhieren al RECOOP, de manera provisoria, 11 cooperativas: ―Cartoneros Organizados‖, ―Solidar‖, ―La
Esperanza‖, ―Los Carreros‖, ―Cor-Cor‖, Riveras del Suquía, ―Carreros Unidos‖, ―Crecer‖, ―Sumando
Hogares y Espacios Urbanos‖, ―Nuestro Futuro‖ y ―Jóvenes Emprendedores‖.
102
Día a día (22/5/2014) ―Le quieren poner el cascabel a las carretas‖. Versión digital. Disponible en:
http://www.diaadia.com.ar/cordoba/le-quieren-poner-cascabel-carretas Fecha de consulta: 10/4/2017.
103
El proyecto ―Cuerpo de Servidores Urbanos Comunitarios‖ es implementado por Daniel Giacomino,
mediante el Decreto N° 856 del 15 de marzo de 2007, estando destinado a cooperativas de trabajo de
―naranjitas‖ (cuida coches). El 18 de junio de 2014, Ramón Mestre (h), mediante el Decreto N° 1.786, amplía
el programa dejándolo abierto a cualquier tipo de cooperativa que sea necesaria para realizar toda actividad
de incumbencia municipal.
104
La Voz del Interior (2/4/2015) "Baldíos: limpieza y multas a dueños‖. Versión digital. Disponible en:
http://www.lavoz.com.ar/cordoba-ciudad/baldios-limpieza-y-multas-duenos Fecha de consulta: 10/4/2017.
Pero nos interesa aquí poder dar un paso más en el análisis de la periodización
construida, dejando abierto unos interrogantes que conecten a las lógicas emergentes de la
acción colectiva de cirujas con una agenda de discusión posible. En esta dirección, el
sentido de la conflictividad asociada a las experiencias relevadas y presentadas de manera
agrupada en tres episodios, implica enfocarse en las dimensiones de la interacción
VERGARA, Gabriela. ―Yo sí, pero mis hijos no‖: un análisis entre la soportabilidad y el amor filial en
mujeres recuperadoras de residuos (Argentina). Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e
Sociologia, v.1, n.2, p. 125-135, julho de 2017. ISSN 2526-4702.
Artigo
http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/
“Yo sí, pero mis hijos no”: un análisis entre la soportabilidad y el amor
filial en mujeres recuperadoras de residuos (Argentina)105
“Eu, sim, mas meus filhos, não”: uma análise entre a suportabilidade e o amor filial em mulheres
recicladoras de residuos (Argentina)
"I, yes, but my children, no": an analysis between support and filial love in women waste recyclers
(Argentina)
Gabriela Vergara
Resumo: Este artigo discute as práticas de aprovisionamento de bens de consumo e de
alimentos, assim como as percepções de trabalho em relação à própria ocupação presente e ao
futuro das crianças e de mulheres catadoras de lixo, em três cidades argentinas. Os
pressupostos teóricos de uma sociologia dos corpos e emoções são usados para articular os
conceitos de cidades, corpos e sociabilidades. Para fazer isso, em um primeiro momento,
pressupostos teóricos, ligando cidades, o capitalismo e a segregação, são retomados. Ele
descreve brevemente o fenômeno dos recuperadores. Em segundo lugar, o conceito de ―tramas
corporales‖ é apresentado, e sua relação com a sensibilidade, sociabilidade e experiências para
entender as práticas e percepções. Em terceiro lugar, práticas de aprovisionamento de bens de
consumo e alimentos juntamente com as percepções de trabalho em relação à própria ocupação
presente e ao futuro das crianças são analisados, en entrevistas a mulheres catadoras de lixo, na
três cidades argentinas. Finalmente, o artigo sugere que as práticas e percepções no contexto de
―sensibilidades descartáveis‖ e ―sociabilidades individualistas‖ presentes tensões entre
―soportabilidad‖ e práticas intersticiais, que têm laços fora da lógica da mercadoria. Palavras-
chave: sociabilidade, trabalho, percepções, lixo
105
Una versión preliminar de este artículo fue presentada en la Jornada de Estudio ―Circulaciones incómodas:
perspectivas comparadas sobre la producción de jerarquías, fronteras y regulaciones sociales en torno al
reciclado y reuso de materia descartada‖, que se realizó el 19 de Mayo de 2016, en la Universidad Nacional
de Quilmes.
Abstract: This article analyzes practices of provision of goods and food along with
perceptions of the work regarding the present occupation, and of the children in the future of
urban garbage recyclers women, from three Argentine cities. The Theoretical assumptions of a
Sociology of bodies and emotions are used to articúlate the concepts of cities, bodies and
sociabilities. To this end, Theoretical assumptions, which link cities, capitalism and
segregation, are taken up in the first place. It describes briefly the phenomenon of recuperators.
Secondly, it presents the concept of ―tramas corporales‖, and in its relation with the
sensibilities, sociabilities and experientialities to understand the practices and perceptions.
Third, we analyze practices of provision, feeding practices and perceptions of work in the folds
of the present and future of the children, in interviews with urban garbage recyclers women
from three cities in the interior of Argentina. Finally, it is posed that practices and perceptions
in the context of "sensibilidad de los desechables" and "individualistic sociabilities" present
tensions between social bearability and interstitial practices, which maintain ties outside the
logic of the commodity. Keywords: sociabilities, work, perceptions, waste
Las calles son las arterias de las ciudades106. Son parte del sistema circulatorio de
un espacio artificial cuya carne es de hormigón y acero (BAUMAN, 1999). Eran el lugar
de paso, en las urbes de la industrialización sustitutiva, por donde los obreros iban y venían
en bicicletas, desde sus casas a las fábricas y viceversa. Las calles terminaban allí donde la
propiedad privada de los medios de producción establecía límites tajantes entre el adentro
y el afuera con carteles de ‗prohibida la entrada‘. La desarticulación de aquel modo de
producción y la relativización del modelo de varón proveedor se combinaron con cambios
en el mercado de trabajo, el aumento del desempleo, subempleo y el cuentapropismo
(NEFFA, 2003) por lo cual las calles se transformaron en escenarios de proliferación de
ocupaciones diversas, pero unidas por un rasgo común: la precariedad y la informalidad.
Una de estas ocupaciones es la recuperación de residuos la cual se puede realizar en otro
espacio vinculado de manera opuesta a la ciudad: los sitios de disposición final (rellenos
sanitarios, basurales a cielo abierto).
Las transformaciones urbanas y laborales afectan las formas de interacción, los
(des)encuentros en co-presencia, pero también las vivencias particulares de los agentes –de
aquellos que van al centro de la ciudad a comprar ropa a una tienda de marca, o de quienes
buscan en la misma tienda pilas de cartones para su reciclaje-, y las formas de sentir, ver y
oler el mundo. En este contexto es que indagamos ciertas prácticas y percepciones del
trabajo de mujeres recuperadoras de residuos sólidos urbanos, de tres ciudades argentinas.
En cuanto a prácticas nos referimos a la provisión de bienes de uso y a la alimentación, que
habitualmente solemos asociar al trabajo de reproducción que predominantemente realizan
mujeres en los espacios domésticos. En cuanto a percepciones del trabajo nos ubicamos en
aquellos esquemas de clasificación y apreciación que operan entre la ocupación propia
presente y la ocupación de los hijos futura.
En este artículo nos proponemosproblematizar dichas prácticas y percepciones de
mujeres recuperadoras desde la configuración de las sociabilidades actuales.
Para ello, en un primer momento se retoma la mirada sobre ciudades, capitalismo y
segregación y se describe brevemente el fenómeno de los recuperadores.En segundo
término, se presenta la trama conceptual entre sensibilidades, sociabilidades y
vivencialidades desde una sociología de los cuerpos/emociones. En tercer lugar, se
106
El presente artículo se inscribe en el marco del plan de trabajo aprobado por CONICET, ―Sensibilidades en
tensión: Trabajos, acciones colectivas y mujeres. Un análisis desde la estructuración social en San Francisco
y Villa María (2002-2016)‖.
por ejemplo, permiten sostener un nivel de correspondencia entre las energías biológicas y
las energías o capacidades sociales de acción.
Las posibles tensiones entre lo social, subjetivo y orgánico se articulan con las
sociabilidades, las vivencialidades y las sensibilidades. Estas últimas se definen a partirde
la relación entre percepciones, emociones y sensaciones que seconstruyen socialmente
desde y para las políticas de los sentidos, con las tramas y prácticas del sentir, del querer.
Las vivencialidades son vectores de la experiencia de un agente en particular en el
marco de ciertas sociabilidades. Estas por su parte, dan cuenta de los modos de interacción
que los agentes viven y con-viven en inscripciones institucionales tales como las formas de
familias, de enseñanza-aprendizaje, las formas de justicia o las reglas de aceptación,
(SCRIBANO, 2013). En un sentido simmeliano, las sociabilidades resultan del encuentro
de culturas subjetivas, las cuales a través (y a partir) de intercambios creativos conforman
un ‗nosotros‘ que objetiva y da significados a una sociabilidad particular, situada, la
cultura objetiva (KOURY, 2016).
Las tres categorías traman un plexo heterogéneo y diverso y, atravesando las tramas
corporales, pueden generar tensiones. Una forma que pueden adquirir son los
desencuentros entre lo que Simmel denominó cultura subjetiva y objetiva. Otra forma es a
partir de los mecanismos de soportabilidad social que pueden ser sostenidos por
determinadas sociabilidades y políticas de los cuerpos/emociones.
Prácticas y percepciones de madres proveedoras
Ser proveedora, en el caso de las mujeres recuperadoras no es solo desarrollar un
trabajo productivo en el mercado de trabajo, sino que también abarca la obtención en las
calles o en los lugares de disposición final (basurales, rellenos sanitarios) objetos y
alimentos para el uso o consumo dentro del hogar. En el continuo que enlaza hogares y
calles, la obtención de alimentos y objetos de uso les permite resolver las necesidades del
hogar y compensar los exiguos precios de los materiales reciclables con lo que podríamos
llamar ―ganancias extras‖. En este sentido, las prácticas y percepciones se articulan en una
autogratificación que compensa el trabajo y pueden contribuir a la conformación de una
sensibilidad de los desechables (VERGARA, 2014), es decir, un complejo de emociones y
percepciones que reflejan una particular manera de vivir y sentir el mundo estando natural
y desapercibidamente a disposición de los objetos, viviendo de lo que otros tiran.
Ahora bien, la noción de trabajo puede implicar lo realizado para la satisfacción de
las necesidades; trabajo que puede ser reducido por el desarrollo de las fuerzas productivas
o tecnología. Esta noción excluye la satisfacción de otro tipo de necesidades tales como
libertad, felicidad, cultura. Si en lugar de pensar en un obrero industrial asalariado blanco,
se considera a una mujer, se asume que su trabajo tiene dos facetas: es una carga pero a la
vez fuente de felicidad, autorrealización. Los hijos pueden darle problemas pero su trabajo
nunca es alienado o muerto, aun cuando fuera abandonada por ellos, ese dolor es más
humano que la fría indiferencia que un obrero tiene frente a sus productos o mercancías,
tanto las que produce como las que consume (MIES, 1994). Desde esta consideración
teórica del trabajo como fuente potencial de felicidad nos preguntamos si es posible
identificar en las prácticas de las mujeres recuperadoras -junto con la soportabilidad social,
fantasmas y fantasías sociales-, algún tipo de práctica intersticial que se desconecta de la
lógica mercantil.
En otro lugar (VERGARA, 2015) hemos analizado percepciones del trabajo
vinculadas a la provisión del hogar que poseen las mujeres recuperadoras, tensionando de
algún modo el modelo clásico que asignaba dicha tarea al varón. En el siguiente apartado
retomamos prácticas de provisión, de alimentación y percepciones del trabajo en los
pliegues del presente propio y futuro de los hijos.
temporal que expresan laforma en que las percepciones se forman, consolidan o modifican
en el tiempo. Es larelación pasado-presente-futuro que atraviesa los modos en que
distinguimos y apreciamosel mundo, sus objetos, sus fenómenos, sus imprevistos, sus
desajustes. A su vez, losesquemas de distinción-valoración se convierten con el paso del
tiempo, en nuevos orenovados esquemas anticipatorios. Unos y otros se complementan,
articulan, y desplazanpudiendo al mismo tiempo reforzar, afianzar o contradecir otras
percepciones o, algúncomponente de las mismas. Repasemos algunos fragmentos de
entrevistas que dan cuenta de percepciones del trabajo que las mujeres realizan en presente
y las tensiones que emergen cuando clasifican esta ocupación en relación a sus hijos:
C.H.: yo el sacrificio lo estoy haciendo para ellos que después mañana o
pasado me van a decir `oh mamá tenías razón, me hinchó tanto ¿eh? para
que estudiara ..gracias a ella estoy .. o sea trabajando en este lugar o estoy
haciendo ..´ ¿eh? es todo para ellos no es para mí, (C.,2008, San
Francisco)
C: … yo quiero, no que ellos... el día de mañana que se casen, que tengan
su familia sean felices / E.: y donde te gustaría a vos que ellos trabajen?
... si ellos tuvieran posibilidad de trabajar en lo mismo que vos ... / C.: no,
no, nosé, no porque no se vayan a animar … pero uno viste que apunta a
que ellos tenga algo un poco mejor que vos en la vida, me entendes? que
al ser el trabajo, aparte que puedan entrar mejor remunerados (C, 2013,
Rafaela)
O. : y bueno... no me gustaría que mis hijos terminen allá pero yo estoy
bien con lo que hago, no se si será la costumbre o que... (…) E: y por qué
me decis vos esto de que no de que te gustarían que ellos hagan otra cosa,
digamos que puedan... que es lo que a vos te gustaría para ellos ? / O: y
algo mejor, porque que se yo, el plan están estudiando... yo siempre
quisieran que no terminen allá como yo, (…) por ahí les digo yo termine
allá [en el relleno] porque no sé, no me quedaba otra cosa… (O, 2013,
Rafaela)
E.: y con tus hijos ¿cómo es esta cuestión de la basura? a vos te
gustariaque … que alguno si tuviera posibilidad de hacer lo mismo que
vos opreferis que trabajen en otros lugares? cómo es eso ? / S.: no, no me
gustaría / E: no ? / S.: no porque es muy sacrificado el trabajo allá (…) no
porque es muy sacrificado el trabajo, yo lo hago a mí me gusta, pero a
ellos no (S, 2013, Rafaela)
Las tramas corporales configuran percepciones particulares de la propia biografía
que trama con las emociones un estado de resignación y acostumbramiento. Es un pasado y
un presente desde donde conviven de manera contradictoria el deseo de futuro para los
hijos y las formas de clasificar y apreciar la ocupación actual, en las calles, en el relleno
sanitario. Así, el trabajo presente se asienta en un conjunto de esquemas que por momentos
parecen opuestos. Es el orgullo por el trabajo y el desagrado por las condiciones, por el
esfuerzo, por la remuneración. Pero además esta contradicción se rearticula y complejiza
cuando entran en juego esquemas de clasificación y apreciación entre los buenos/malos
trabajos para los hijos (que tengan vacaciones pagas, que tengan buena remuneración, que
tengan cobertura médica). Parámetros de la sociedad salarial casi inexistentes para ellas, y
seguramente para sus hijos también.
Las tramas corporales entonces se ven atravesadas por las sociabilidades del trabajo
asalariado por un lado, de la maternidad indelegable por otro. Las sensibilidades de los
desechables actualizan emociones que conviven tensionalmente entre el orgullo y la
vergüenza, entre la alegría y la resignación. Las vivencialidades ponen de manifiesto en el
Jesus Marmanillo
Resumo: O presente artigo visa apresentar a perspectiva durkheimiana tanto no âmbito
temporal da modernidade e suas implicações sociais no ambiente urbano, quanto por meio do
método da morfologia social que pode ser pensado para diferentes contextos. Para tanto, partiu-
se dos clássicos ―As regras do método Sociológico‖ e ―Divisão social do trabalho social‖,
assim como de alguns estudos de Maurice Halbwachs, Paul Henry Chombart de Lauwe e
Marcel Mauss para demonstrar como a perspectiva durkheimiana pode ser utilizada e pensada
para os estudos de agrupamentos sociais nas cidades, e em outros espaços. Considerou-se
também um conjunto de autores como Giddens (2002, 1991), Aron (1999), Breton (2015),
Emirbayer (1996), Rodrigues (1984), Sell (2010), Collins (2009) por serem especializados nos
temas da modernidade e da Sociologia clássica. Entre outras coisas, verificou-se que tal
perspectiva teórica compreende a sociedade urbana e outros tipos de sociedade enquanto
organismos complexos nos quais a compreensão da morfologia e fisiologia não podem ser
apartados das características dos grupos e dos locais onde se instalam. Palavras-chave:
Durkheim, solidariedade orgânica, modernidade, morfologia social
Abstract: The present article aims to present the Durkheimian perspective both in the temporal
scope of modernity and its social implications in the urban environment, as well as through the
method of social morphology that can be thought for different contexts. In order to do so, we
start with the classics "The rules of the Sociological method" and "Social division of social
work", as well as some studies by Maurice Halbwachs, Paul Henry Chombart de Lauwe and
Marcel Mauss to demonstrate how the Durkheimian perspective can be used And designed for
studies of social groupings in cities, and in other spaces. It was also considered a set of authors
such as Giddens (2002, 1991), Aron (1999), Breton (2015), Emirbayer (1996), Rodrigues
(1984), Sell Modernity and classical sociology. Among other things, it has been found that
such a theoretical perspective comprises urban society and other types of society as complex
organisms in which the understanding of morphology and physiology can not be separated
from the characteristics of the groups and the places where they are installed. Keywords:
Durkheim, organic solidarity, modernity, social morphology
107
http://flashmag.tn/photos/mode/joaillerie/tendance-joaillerie-2017-ile-de-la-cite-paris-1900-eugene-atget-
mimbeau-tumblr-co/ acessado em 13 de janeiro de 2017.
Entre várias coisas, o contexto nacional daquele período foi marcado pela Guerra
Franco-prussiana, entre 1870 e 1871, que, ao que tudo indica, motivou-se em torno dos
territórios da Alsácia e da Lorena, ricos em carvão e minério de ferro. Uma consequência
disso foi a Comuna de Paris, pois não concordando com os pactos firmados depois desse
conflito, a classe operária francesa tomou o poder e desenvolveu um governo proletário
com características socialistas, que durou de 18 de março a 28 maio de 1871 até ser
reprimida violentamente por Louis Adolphe Thiers.Sobre esse período na França, sabe-se
que,
[a]pesar dos traumas e efeitos sociais que assinalaram [...], o final do
século XIX e começo do século XX correspondem a uma certa sensação
de euforia, de progresso e de esperança no futuro. Se bem que os êxitos
econômicos não fossem de tal ordem que pudessem fazer esquecer a
sucessão de crises (1900-01, 1907, 1912-13) e os problemas colocados
pela concentração, registrava-se uma série de inovações tecnológicas que
provocavam repercussões imediatas no campo econômico. É a era do aço
e da eletricidade que se inaugura, junto com o início do aproveitamento
do petróleo como fonte de energia – ao lado da eletricidade que se
notabiliza por ser uma energia limpa, em contraste com a negritude do
carvão, cuja era declinava, e que ao lado da telegrafia, marcam o início
do que se convencionou chamar de segunda revolução industrial, qual
seja a do motor de combustão interna e do dínamo. (RODRIGUES,
2001p. 9).
Embora não se fale explicitamente das cidades, o contexto histórico e biográfico de
Durkheim aponta um conjunto de aspectos que fazem referência aos processos urbanos, a
começar pela ―concentração‖ populacional (Imagem 1) e migração para as capitais–
exemplificada pela própria trajetória do autor. Todas as ―inovações‖ nos campos da
comunicação e da tecnologia, assim como na exploração do carvão e do petróleo, podem
ser compreendidas como elementos fundamentais e necessários para a consolidação de
uma sociedade industrial e também urbana.
Têm-se, assim, por um lado, o contexto de emergência de novas classes, atreladas a
novas formas de trabalho, à situação de desemprego, ao pauperismo e à migração para as
cidades. Por outro lado, houve a resistência frente ao Modelo Taylorista (1912) de
exploração do trabalho, resultando na criação da Conféderátion Générale du Travail
(CGT) (ROGRIGUES, 2001). Nessas entrelinhas, entende-se que as cidades eram
associadas diretamente a esse modelo de desenvolvimento econômico, com todas as
implicações sociais e políticas que ele significava.
Pode-se ter uma ideia do urbano e da sociedade industrial vivida por Émile
Durkheim, por meio das obras de Émile Zola e Victor Hugo que trazem descrições do
contexto social das ruas parisienses, da indústria de carvão e do conjunto habitacional
operário DeuxCent-quarante, apresentando diálogos e conflitos entre percepções da antiga
ordem e do pauperismo que marcou o século XIX na França. A Paris moderna também
pode ser percebida na poesia de Baudelaire e no urbanismo do Barão de Haussmann e nas
fotografias de Charles Marville108, que cuidadosamente documentou o programa de
modernização desenvolvido por George Eugéne Haussmann (BERMAN. 1849;
BENJAMIN, 2009).
108
http://www.slate.com/blogs/behold/2014/02/26/photos_document_paris_modernization_in_the_exhibition
_charles_marville_photographer.html Acessado em 16 de fevereiro de 2017.
sua profissão; cada corporação de ofício é como uma cidade que tem sua
vida própria. (DURKHEIM, 1999, p. 172)
O ponto chave da citação é a capacidade de concentração, de centralização e,
consequentemente, de aumento da densidade, tomando como referência uma ―aspiração‖
histórica de industrialização e de divisão do trabalho determinada espacialmente entre
cidade e campo. Além disso, ressalta o desenvolvimento da divisão no interior da própria
cidade, destacando a importância de considerarmos as composições sociais que constituem
o espaço urbano. Tal abordagem morfológica possibilita demonstrar que Durkheim (1999)
fornece um conjunto conceitual focado em diferentes níveis de análise, pois, se por um
lado, ele considera que as diferentes cidades acabam se especializando de acordo com suas
características específicas (cidade universitária, comercial etc.), mantendo relação entre si;
por outro lado,
[e]m certos pontos ou certas regiões, concentram-se as grandes indústrias:
construção de máquinas, fiações, manufaturas de tecidos, curtumes, altos
fornos, indústria açucareira, que trabalham para todo o país. Aí se
estabeleceram escolas especiais, aí a população operária se instala, aí a
construção das máquinas se concentra, enquanto as comunicações e a
organização do crédito se acomodam às circunstâncias particulares.
(DURKHEIM, 1999, p. 173).
Nesse sentido, tanto a caracterização mais geral das cidades, quanto a dos tipos de
população, serviços e atividades que se concentram em certos ―pontos ou regiões‖ são
classificações que devem ser tomadas não apenas como dados prontos resultantes de um
devir histórico, pois se trata de um método de classificação pautado na análise das
características sociais dos habitantes e no delineamento espacial dos agrupamentos por eles
formados.
Cidades na perspectiva da morfologia social
Para Collins (2009), um importante método explicativo proposto por Durkheim é o
da morfologia social, focado nas relações estruturais entre as pessoas. Para compreender a
noção de morfologia social durkheimiana é necessário remeter-se ao capítulo ―Regras
relativas à constituição dos tipos sociais‖, presente no livro ―As regras do método
sociológico‖. Nesse capítulo, o autor explica que as sociedades são constituídas por partes
que se juntam umas com as outras, cujo resultado varia de acordo com a natureza do
número de elementos que as compõem e da forma como se combinam. Considerando que
tais aspectos se manifestam diretamente nos fatos gerais da vida social, Émile Durkheim
explica que a tarefa da morfologia social é buscar, justamente, a construção de tipos sociais
a partir de tais critérios, tomando por base a construção de classificações orientadas pelas
características essenciais, cruciais e decisivas das amostras selecionadas.
Nesse sentido, é possível pensar não só que a composição de uma grande cidade
pode ser formada por um conjunto de bairros cujos aspectos espaciais fazem referência às
características essenciais de seus habitantes, mas também que cada bairro está inserido no
sistema urbano de acordo com uma lógica de divisão do trabalho social. A cidade, assim, é
uma imagem direta da sociedade e da maneira como ela se materializa nas paisagens
urbanas.
Essa abordagem da Sociologia francesa do início do século XX teve continuidade
por meio de alguns discípulos de Émile Durkheim que se dedicaram à análise das
morfologias das cidades. Segundo Sáez (2002), dois importantes nomes dessa continuidade
foram Maurice Halbwachs e Paul Henry Chomart de Lauwe. O primeiro realizou pesquisas
sobre preços de terrenos urbanos, distribuição dos problemas de extensão e ordenação
110
Embora não se trate de uma sociedade que possa se enquadrada como moderna e urbana, nos interessa
ressalta o método da morfologia social para os estudos de agrupamentos. Nos estudos de Antropologia
urbana, autores como Foote Whyte, José Guilherme Cantor Magnani e outros tem ressaltado a importância de
contextualizar os estudos clássicos de antropologia nas pesquisas urbanas. Exercício que possibilita refletir
sobre as questões da alteridade (mínima), dos métodos e abordagens sobre grupos urbanos.
Conclusão
Sendo filho de seu próprio tempo, Émile Durkheim não só interpretou uma série de
mudanças sociais utilizadas para caracterizar a modernidade europeia, mas também foi um
entusiasta e otimista desse processo e suas implicações nas novas formas de organização
social. Tendo vivido em contextos urbanos franceses e alemães, pode-se dizer que a
―matéria-prima‖ das observações dele partem da sua própria trajetória de vida que, entre
outras coisas, foi marcada por um processo de mudanças que parece ter sido interpretado
pelo autor por meio das duas formas de sociedades e solidariedades.
A cidade moderna, em Durkheim, é a expressão da solidariedade orgânica e é
resultante de um processo temporal linear, explicado por meio de variáveis relacionadas ao
volume e à densidade das populações, e das implicações dessas em termos de organização
e morfologia social em diferentes períodos. Observou-se que tais estudos foram
desenvolvidos pelos discípulos desse teórico clássico e aplicados a investigações de
morfologia social dos campos da História, Sociologia urbana e Antropologia,
demonstrando, assim, uma série de possibilidades de aplicações e diálogos dentro do
conjunto conceitual durkheimiano.
Embora a perspectiva dessa Sociologia moderna receba críticas por conta de um
viés linear de História ou do seu modelo binário de comparação, é importante destacar que
é possível obter outras possibilidades de abordagens de vertente microssociológica,
ancoradas nas especificidades dos grupos analisados, como foi o caso de Marcel Mauss e a
pesquisa da morfologia social na sociedade esquimó. Nota-se, assim, que seria um erro
considerar toda a perspectiva apenas como uma fonte de conhecimento histórico de um
determinado momento da Sociologia.
Assim, ainda que a contemporaneidade do método da morfologia social seja algo
facilmente visível nos estudos dos autores norte-americanos como Robert Park, Ernest
Burgess, Louis Wirth e outros, é importante destacar que o viés durkheimiano possibilita
perceber as cidades não apenas no que elas possuem em comum devido aos processos de
mudanças ocasionados nas cidades modernas, mas também no que possuem de específico e
associado a outras formas de relação com a natureza. Trata-se, assim, de um rico
referencial teórico que não pode ser deslocado das regras relativas à observação dos fatos
sociais e das diferentes possibilidades desenvolvidas pelos seguidores desse importante
estudioso clássico.
Pensando em termos epistêmicos, não se trata de contextualizar a experiência
histórica de Émile Durkheim para outros contextos, mas exercitar a capacidade de pensar
diferentes espaços e tempos de acordo com as condições históricas e sociais que lhes dão
sustentação e trabalhar criticamente o conjunto conceitual legado dessa tradição
sociológica. Enfim, escapando de quaisquer rótulos e críticas infundadas, o presente estudo
demonstrou que a cidade na perspectiva durkheimiana se funda, antes de tudo, na
complexidade da formação desse ―organismo‖ que, além de possuir uma morfologia e uma
fisiologia internas, também não pode ser analisado sem que se considerem as condições
externas (espaços e tempos) nas quais se desenvolve.
Referências
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG; Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2009.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura na modernidade. São
Paulo: CIA das Letras, 1987.
SÁEZ Horacio Capel. La morfología de las ciudades. Tomo I: Sociedad, cultura y paisaje
urbano. Editorial: Ediciones del Serbal, p. 544-656, 2002.
SELL, Carlos Eduardo. Sociologia Clássica – Marx, Durkheim e Weber. Petrópolis:
Editora Vozes, 2010.
SOBOUL, Albert. A Revolução Francesa. São Paulo: DIFEL, 1979.
ZOLA, Émile. O germinal. São Paulo: Martins Claret, 2009.
ASSIS, Renan Lubanco. Os limites da integração urbana: a força física como um recurso legítimo de
manutenção da ordem em um bairro periférico da cidade de Campos dos Goytacazes. Sociabilidades
Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia, v.1, n.2, p. 151-163, julho de 2017. ISSN 2526-4702.
Artigo
http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/
Resumo: Este artigo se propõe pensar nos efeitos dos limites da integração na rotina dos
moradores dos bairros de expansão urbana. Para tal empreendimento o trabalho contou com
um trabalho etnográfico em um bairro da cidade de Campos dos Goytacazes – RJ. Para refletir
sobre o tema proposto o artigo mobilizará dois importantes referenciais teóricos que tem em
comum uma longa trajetória de pesquisas em bairros periféricos de regiões metropolitanas. Os
referidos autores são Lúcio Kowarick e Luiz Antônio Machado da Silva. Ambos partem de um
mesmo referencial empírico para pensar nas condições de vidas que os moradores de áreas
periféricas da cidade estão submetidos, seja pela marginalidade produzida pelo sistema
produtivo incapaz de empregá-los, no caso do primeiro autor, seja pela marginalidade
produzida por uma integração débil para o segundo. Após a discussão teórica entraremos em
uma discussão empírica para pensarmos no modo como os moradores de um bairro de
expansão urbana da cidade de Campos dos Goytacazes legitimam o uso da força na resolução
ou evitação de conflitos. Palavras-chave: violência urbana, valentia, retaliação letal,
sociabilidade violenta
Abstract: This article intends to think about the effects of the limits of integration in the
routine of the residents of the neighborhoods of urban expansion. For this project the work had
an ethnographic work in a neighborhood of the city of Campos dos Goytacazes - RJ. To reflect
on the proposed theme the article will mobilize two important theoretical references that have
in common a long trajectory of research in peripheral neighborhoods of metropolitan regions.
These authors are Lúcio Kowarick and Luiz Antônio Machado da Silva. Both start from the
same empirical reference to think of the living conditions that the inhabitants of peripheral
areas of the city are subjected to, either by the marginality produced by the productive system
incapable of employing them, in the case of the first author, or by the marginality produced by
integration Weak for the second. After the theoretical discussion we will enter into an
empirical discussion to think about how the residents of a neighborhood of urban expansion of
the city of Campos dos Goytacazes legitimize the use of force in the resolution or avoidance of
conflicts. Keywords: urban violence, bravery, lethal retaliation, violent sociability
111
A primeira versão deste artigo fora apresentada Grupo de Trabalho: Segregação social, políticas públicas e
direitos humanos, coordenado por Pedro Bodê e Marcos Cezar Alvarez, no XVII Congresso Brasileiro de
Sociologia.
112
Doutor em Sociologia Política Pela Universidade Estadual do Norte-Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf).
Era noite, por volta das dezenove horas, o ônibus que embarquei, Jockey sentido
Santa Rosa, estava repleto de passageiros. Muitas pessoas estavam de pé, inclusive eu. Ao
meu lado duas senhoras de meia idade, ambas de cor negra, vestindo saias de algodão,
blusas de Oxford e uma delas usava um lenço na cabeça. Ambas usavam sandálias sem
salto e possuíam cada uma, uma sacola plástica, mas não aparentavam ser de compras, e
sim artigos pessoais. Estavam como quem volta do trabalho.
Assim como as duas senhoras, havia muitas e muitos no coletivo, mas estas me
chamaram atenção não pela descrição que fiz no primeiro parágrafo, mas pela conversa
que estavam tendo. Eu estava ao lado atento, como quem estava de plantão aguardando um
―evento‖ para colocar em meu caderno de campo. Elas estavam conversado como todos os
outros passageiros. No coletivo os passageiros conversavam em tom alto e faziam
brincadeiras como se todos fossem íntimos, que era um fato, pois aquela situação, que era
apenas uma parte do meu trabalho etnográfico, para aqueles passageiros, integrava as suas
vidas cotidianas.
Os assuntos são diversos e sem nenhuma discrição, o que tornava o meu trabalho de
observação mais simples. Não era necessário um olhar tão atento, ou uma aproximação
muito grande para poder ouvir uma conversa. Estar próximo te garantia não somente um
bom áudio, mas ainda, a participação, pois estar próximo é estar quase que sujeitar-se a um
bate papo, mesmo que não possua nenhum conhecimento prévio das pessoas que compõe o
lugar. Eu entrava no coletivo em direção ao meu campo para a realização de entrevistas e
me via envolvido em conversas com pessoas que nunca havia tido contato. Confesso que
demorei duas idas a campo para tomar consciência de que meu trabalho já se iniciava no
coletivo.
Retomando as duas senhoras, estas estavam em uma conversa com um tom de
angústia. Ambas estavam ao meu lado. Uma delas se queixava do seu neto ter sido atacado
por um cachorro, e ao se dirigir ao ―dono‖ do cachorro para falar sobre o ocorrido, recebeu
a seguinte resposta: ―da próxima vez, vai engolir ele inteiro‖. A reclamante se sentiu
ofendida pelo tom de voz do ―dono‖ do cachorro, que não se mostrou consternado com a
situação.
Após a resposta do proprietário do cachorro, ela se sentiu ―injuriada‖ e resolveu
prestar uma queixa na delegacia de polícia. Relatou que ao fazê-la, o agente responsável
por coletar seu depoimento agiu com ar jocoso, o que a levou a sentir-se ainda mais
inconformada com a situação. Ela relatava o caso para a sua companheira com um tom de
voz inconformado. Afirmou haver saído humilhada, pois não pôde ―contar nem com a
polícia‖. Ela intercalava frases de conforto; ―deus está vendo‖ com de injúria; ―não
podemos contar nem com a polícia‖.
Com toda a situação já vivenciada por ela, que apenas era a relatora do caso no
momento em que eu estava escutando, havia ainda a sua família, que segundo ela, estava
―inconformada‖. Após toda a família se sentir mobilizada pela situação não resolvida, ela
relatou que ―Leonardo113‖, no caso, seu sobrinho, havia ido à casa dela para saber o que
estava acontecendo. Ela afirmou ter ficado ―preocupada com o que ele ia fazer‖ e preferiu
não contá-lo a situação. Neste caso, o recurso de resolução do conflito adotado por
Leonardo seria a ―violência letal‖, conteúdo de uma sociabilidade cuja força física
coordena a ação (Machado da Silva, 2008).
Esta apresentação foi uma mera ilustração do que será tratado neste trabalho, cuja
―violência letal‖ é acionada como um dispositivo de controle da violência. A frase inicial
deste parágrafo é uma aparente contradição, pois a violência como recurso para conter a
violência não faz muito sentido se o mundo que temos a mão se resume a ―violência‖ e
113
O nome adotado aqui não é o mesmo mencionado por ela, e sim, fictício.
―não violência‖. A violência, como destacou Machado da Silva (2004; 2008), não é um
conceito, e sim, um objeto. Neste caso, assim como todo objeto, ela deve ser situada e
interpretada nos seus ―próprios termos‖.
O presente artigo será dividido em três momentos; no primeiro, estabelecerei um
breve diálogo com duas abordagens teóricas acerca da vida urbana a partir dos anos 1960,
sobretudo, no que diz respeito aos imigrantes, moradores de bairros de áreas de expansão
da cidade e dos territórios de ―favelas‖ e ―bairros de expansão urbana‖. Intentarei fazer
uma análise das diferentes demandas de temas de pesquisa em diferentes momentos da
cidade. Esta reflexão será fundamental para uma reflexão dos limites da capacidade de
integração114 dos novos moradores de uma cidade na vida urbana.
O segundo momento do texto irá contemplar a expansão urbana da cidade de
Campos dos Goytacazes e como esta expansão possibilitou aos migrantes uma ação
bandeirantista rumo às áreas outrora denominadas rurais ou mesmo suburbanas da cidade,
neste caso, bairros de expansão urbana. A experiência de afastamento da área central
possibilitou aos novos habitantes do lugar a coordenação de ações em um ambiente cuja
utilização da força era um recurso legítimo de evitação e/ou resolução de conflitos.
Por fim, intentarei fazer uma reflexão acerca dos contornos situacionais do controle
da ―violência‖ no bairro via ―violência letal‖, prática que afeta, sobretudo, atores que
recorrem ao uso da força como modo de resolver os seus conflitos. Atores que ―matam‖, e
ao mesmo tempo, ―morrem‖, uma vez tornarem-se passíveis de serem mortos sem que as
causas possam ser objeto de uma investigação, potencializando assim, a frequente
resolução de conflitos no interior do bairro, onde a violência letal é um recurso disponível a
mão.
Limites da integração urbana
Interessa-me aqui uma reflexão sobre como a violência se tornou passível de uma
série de reflexões situadas, cuja categorização da mesma é atrelada a outra categoria social.
Podemos começar exemplificar a noção de violência urbana que trago aqui. Este conceito
fora elaborado por diversas mãos que se propuseram estudar situações denominadas
violentas, sobretudo, na cidade. Dentre as principais referências, gostaria de limitar a meu
recorte teórico no Rio de Janeiro e em São Paulo, cujos principais referenciais mobilizados
por aqui, serão respectivamente, Machado da Silva e Lúcio Kowarick, pois ambos
possuem em comum uma atuação de longa data em pesquisas que contemplam ―camadas
populares urbanas‖.
Com relação a ausência dos demais autores que abordam a violência urbana no
Brasil, venho de antemão pedir desculpas ao leitor por não situá-los aqui. Esta falta se dá
não somente por um recorte regional, mas ainda, pelas limitações do autor em obter um
quadro mais geral de discussão. Quem sabe em um empreendimento futuro, com uma
equipe, possa conseguir abordar os principais referenciais sobre violência urbana no Brasil.
Intentarei refletir neste tópico acerca os quadros de referências mobilizados pelos
autores mencionados no primeiro parágrafo, porém não deixarei de adentrar em
referenciais que dizem respeito ao tema proposto neste trabalho, sobretudo, que abordem
questões que dizem respeito ao meu campo específico, no caso, a debilidade da integração
dos migrantes do interior na vida urbana de Campos dos Goytacazes.
Venho de antemão abrir um parênteses para esclarecer que a noção de integração
empregada aqui não diz respeito a uma falta de acesso total a vida urbana, pois seria
ignorância da parte do autor pressupor que os moradores de favelas e bairros de expansão
114
Quando me refiro a este conceito parto de uma gama de debates iniciados pela sociologia urbana da Escola
de Chicago, que se debruçou sobre estudos que tocavam a integração de imigrantes na sociedade norte-
americana.
não são integrados à vida urbana. Há uma integração, porém, com diferentes limitações.
Estas tornam débil o acesso das camadas populares à vida urbana. No entanto, estas atuam
e criam mecanismos que coordenam a atuação.
No tocante ao pesquisador Luiz Antônio Machado da Silva, toda a apresentação
que eu fizer será dispensável diante da ―sociografia da sociologia urbana brasileira‖
realizada por Freire e Rocha (2010). As autoras fazem uma surpreendente reflexão da
relação de pesquisa de Luiz Antônio Machado da Silva na cidade, o que lhe confere um
título de sociólogo especializado em estudos sobre ―camadas populares urbanas‖ (Machado
da Silva, 2016).
A construção das autoras sobre a sociologia de Luiz Antônio Machado da Silva,
que eu me arriscarei a classificar como sociologia machadiana, fornece um quadro de
referência basilar não somente para pensar em uma sociologia urbana brasileira115, mas os
diferentes momentos enfrentados pelas camadas populares urbanas; as que vivenciam
diretamente os efeitos da periferização das cidades.
Machado da Silva, em um primeiro momento, se debruçou em pesquisas que
tocavam na relação das camadas populares com mercado de trabalho. Neste caso, o
―mercado formal‖ e o ―mercado não formalizado‖ (1971, p. 13); o primeiro, amparado pela
―lei da estabilidade‖; o segundo, carente de um reconhecimento jurídico. A sua sociologia
se deparou com um momento sensível para as cidades brasileiras. Este momento estava
intimamente relacionado às incertezas dos migrantes que estavam adentrando na região
metropolitana do Rio de Janeiro. O principal quadro de referência que mobilizou a
pesquisa de Machado da Silva de então foi o limite da integração urbana (apesar deste não
assumir tal posição), a saber; a limitada capacidade de oferta de recursos para os novos
―citadinos‖, que se viam amontoados nas áreas afastadas ou irregulares da cidade, e em
situações de ―clandestinidade‖ laboral possibilitada pela ausência de uma fiscalização de
pequenas empresas que funcionavam, geralmente, em áreas de ―favela‖ ou ―bairros de
expansão urbana‖ (op. cit. p. 22). Neste caso, os limites da integração da cidade diz
respeito a inserção no mercado de trabalho.
Não é o meu objetivo fazer aqui uma resenha do autor, mas situá-lo nos pautas de
pesquisas colocadas pelas diferentes experiências vivenciadas por outras cidades não
metropolitanas. Campos dos Goytacazes, apesar de ser uma cidade média de interior,
experimentou o fenômeno migratório campo-cidade desde os anos de 1940. Este fato se
deu por esta ser uma cidade que possuía maior potencial de absorção da mão de obra entre
as cidades vizinhas.
Retomando a discussão principal deste tópico, em 1967 Machado da Silva publicou
o artigo intitulado ―A vida política da favela‖, e pelo que me parece, naquele momento o
autor estava diante das principais categorias analíticas: ―trabalho‖, ―emprego‖,
―marginalidade‖, ―participação política‖, entre outras mais, relacionadas aos quadros de
referências de então. Após os anos 1980, os estudos sobre as camadas populares urbanas
estavam sendo delineados por outras demandas definidas pela realidade estudada:
movimentos sociais e violência urbana que atingem o cerne a integração limitada na vida
urbana.
No primeiro momento da pesquisa do Machado da Silva (1971, 2010) a integração
urbana relacionava-se às políticas de emprego; apontando como estas não alcançavam
grande parte dos moradores das ―áreas de favela‖ e ―bairros da expansão urbana‖. As
citadas localidades continuam sendo referenciais de pesquisa, porém, não somente
relacionadas ao emprego, mas ainda, a ―violência urbana‖. Com a nova temática ―violência
115
É importante ressaltar que Machado (1971, p. 7) reconhece as limitações do ―poder generalizador do
modelo‖ apresentado em seu trabalho, pois esta se deu em um contexto metropolitano. Portanto, alguns
cuidados devem ser observados, pois o próprio autor adverte a peculiaridade de seu referencial empírico.
urbana‖ Machado da Silva (1994 e 1995) dá início a uma nova fase, porém, continua a
contemplar o mesmo problema, que é a débil integração dos moradores das áreas de
expansão urbana. Nesta nova fase é que ele irá elaborar o conceito de ―sociabilidade
violenta‖, uma sociabilidade ―contígua à ordem política convencional‖ (Machado da Silva,
2002, p. 233).
A noção de ―sociabilidade violenta‖ elaborada por Machado da Silva contempla a
ação social coordenada por meio da utilização da força como um recurso final na resolução
de conflitos. A ―sociabilidade violenta‖ é um conceito que afirma uma ausência de uma
regulamentação estatal-jurídica nas favelas cariocas, objeto analítico do referido autor. Na
ausência da ―ordem convencional‖ é que surgem novos atores reconhecidos como
legítimos na coordenação dos conflitos locais, porém, o principal recurso utilizado para
obtenção de interesses é a força, que pode levar inclusive, a retaliação letal e por fim, a
morte (Machado da Silva, 2008, p. 41-44).
Quando trato da ―ausência da ordem convencional‖, termo utilizado pelo próprio
Machado da Silva (2002), não me refiro aos estereótipos construídos sobre a ausência de
Estado e a ―presença‖ de um ―poder paralelo‖ decorrente da ausência deste. O Estado se
faz presente, como afirma Machado e Leite (2008, p. 50). A questão posta por Machado
em sua noção de ―sociabilidade violenta‖ se centra em uma coordenação de ações daqueles
que convivem diretamente com estes grupos, no caso, os moradores das áreas
desfavorecidas (Machado da Silva, p. 77-78) da cidade, seja em ―favelas‖, seja em bairros
mais afastados da área central, localizados principalmente nas áreas de expansão da cidade.
Em outro quadro de referências de pesquisas sobre a cidade, neste caso, a
metrópole paulista, emerge o Lúcio Kowarick, cujo referencial de pesquisa é o mesmo de
Luiz Antônio Machado da Silva; o trabalho, sobretudo, nas periferias da cidade. Esta
proposta não intenta levantar uma reflexão crítica sobre ao modo como os pesquisadores
trabalham, e muito menos, realizar comparações entre os conceitos que os mesmos
cunharam no decorrer de suas pesquisas, mas os quadros de referências mobilizados para o
desenvolvimento das pesquisas urbanas com os seguintes recortes analíticos: trabalho;
moradia; movimentos sociais; e violência urbana.
Em 1975, em seu artigo ―Capitalismo e marginalidade na América Latina‖, Lúcio
Kowarick aponta a marginalidade como inerente à acumulação de capital do ―sistema
capitalista‖. Ele estabelece uma relação entre migração campo-cidade e marginalidade.
Ele, no citado trabalho, faz menção à intensidade da migração na América Latina como um
todo, comparando o processo da América Latina com a Europa, onde a migração ocorrera
de modo menos intenso do que a realidade latino-americana.
Quando o autor se refere à Europa apresenta a Grã-Bretanha descrita por Erick
Hobbsbawn, onde o sistema produtivo empregou os ―socialmente marginalizados‖.
Kowarick (1975, p. 82) menciona o trabalho de Hobsbawn não interessado em
compreender se o ―grau de pauperização‖ dos europeus eram maiores ou menores do que o
da América Latina. Seu principal interesse foi destacar a absorção da mão de obra dos
trabalhadores urbanos e, consequentemente, a ampliação do trabalho assalariado.
Em 1979, Kowarick cunhou o conceito de ―Espoliação urbana‖. Em 1975,
Kowarick já havia publicado um trabalho com Brandt intitulado ―Crescimento e pobreza‖,
deslocando as suas orientações de uma perspectiva mais geral do ―sistema capitalista‖ para
questões urbanas, no caso, as ―contradições urbanas‖, uma vez ser a cidade o lugar do
desenvolvimento da indústria moderna. Telles (2010, p. 58) faz uma excelente
apresentação dos momentos cruciais da pesquisa do Kowarick, cujas temáticas centrais
desse momento pairavam sobre ―moradia popular‖, no caso das ―autoconstruções‖,
―trabalho‖, relações entre o ―arcaico‖ e o ―moderno‖, entre outros referenciais que eu
relaciono aos limites da integração dos migrantes na cidade, que na perspectiva
116
Blanc e Assis. (no prelo)
“Para viver aqui naquela época tinha que ser valente”: o uso da força como um
possível recurso de resolução e/ou evitação de conflitos.
O trecho citado no título desta seção foi retirado do trecho de uma entrevista
realizada no bairro de Custodópolis, localizado ao norte do município de Campos dos
Goytacazes – RJ. O bairro está situado no terceiro subdistrito da cidade, em Guarus. Em
outro trabalho (2013) tratei das categorias morais de desqualificação do citado subdistrito,
e consequentemente, do bairro. O bairro até o início do século XX não era reconhecido
como um bairro de moradia, mas sim, uma propriedade rural. O bairro fora criado
oficialmente nos anos 1930, quando o proprietário da terra repartiu os terrenos em
pequenos lotes e loteou, criando assim uma espécie de autofinanciamento (Assis, 2016).
Porém, nos anos 1920, um grupo formado por ex-escravos e migrantes da zona rural
chegaram à localidade e instalaram casas feitas de bambu, cipó, barro e palha, o que
acabou designando a região como ―Cidade de Palha‖ (Juncá, 2008; Azeredo, 2012).
A partir de então a localidade passou a se chamar ―Cidade de Palha‖. Após a
análise das entrevistas realizadas, sobretudo com os moradores mais antigos do bairro, e
analisando sistematicamente a estrutura do mesmo, pode-se perceber que a sede da
fazenda, atualmente, Praça José Dias Nogueira, foi onde a formação do bairro começou.
Observando os mapas do lugar, as primeiras ruas e ouvindo meus interlocutores, que de
forma análoga, relatam histórias do bairro, pude concluir que o bairro surgiu da sede
fazenda, não de modo progressivo acompanhando o crescimento da área urbana. O limite
da área urbana e o bairro era separado por grandes propriedades rurais, portanto, uma área
que possuía uma difícil comunicação com o núcleo urbano da sede do município.
O bairro assim como muitas outras áreas de expansão da área urbana recebeu
diversos movimentos migratórios da área rural do município. Todas as famílias que moram
no local possuem um ponto de gravitação: a roça, neste caso, o interior rural. Todos os
interlocutores que tornaram possível este artigo possuem ―parentes na roça‖. As
experiências na cidade são contadas por diferentes faixas etárias. O título desta seção fora
extraído de um trecho da entrevista de uma das filhas do antigo capataz da ―fazenda de
Custódio‖. Ela, nascida de parteira em uma ―casinha velha‖, onde morava com seus pais,
brincava nos canaviais, onde seus irmãos se ―escondiam com medo de apanhar‖ do pai,
que em algumas situações, ―os colocava no tronco‖, onde ―apanhavam até sangrar‖. Nos
anos 1980, ela vivenciou a morte de um dos irmãos, morto pelo ―crime violento‖, e
também vivenciou a ―retaliação letal‖ do seu outro irmão, que ―acertou‖ no responsável
pela morte irmão.
O sogro de Ângela, de acordo com o seu relato, foi nomeado ―subdelegado de
polícia‖ por ―ser valente‖. A valentia era uma competência para viver no bairro, que
segundo a sua classificação; era ―bravo‖. Em relatos de outros moradores do bairro, o seu
sogro é classificado como ―covarde‖, pois ―matava na facãozada117‖.
A família de Ângela possui um histórico no bairro que lhe confere uma ―reputação‖
de pertencer a uma ―família antiga‖. Pertencer a uma ―família antiga‖ lhe confere um
acúmulo de experiências, dentre estas, podemos destacar aqui a capacidade de ser um
―portador‖ em potencial da ―sociabilidade violenta‖, dada a mesma ter sido um recurso
possível na resolução ou evitação de conflitos.
O reconhecimento da violência como um dispositivo de resolução de conflitos era
uma prática legítima no discurso de Ângela por ela viver em uma localidade até antão,
classificada como suburbana oficialmente, que neste caso, não dizia respeito apenas a falta
117
O facão era um instrumento muito utilizado no corte da cana, uma vez ser área de canavial. Por ser um
instrumento cortante, era muito utilizado na prática do ―crime violento‖.
corrente sobre a violência urbana. Esta, a partir da trajetória de Ângela, assim como de sua
família no bairro, passa a ser compreendida por mim como um objeto contíguo a uma série
de práticas, e não falo de uma ausência estatal, como é corrente em abordagens que
insistem na existência de um ―poder paralelo‖. A violência urbana é tecida em um
cotidiano que está na cidade, mas não é um citadino. Há ainda autores que mobilizam a
noção de ―subcidadania‖ para explicação da violência. Na verdade, a cidadania, assim
como a ausência do Estado tem sido explicações convincentes, mas não coerentes.
Pensar na ―violência urbana‖ é entender a situação na qual ela está inserida, e se é
que ela e considerada ilegal pelos que a praticam. A violência, sobretudo praticadas por
atores classificados como perigosos, já ganhou uma série de categorizações, que vão desde
uma realidade ontológica a comportamentos desviantes. A situação presente neste artigo
situa a retaliação letal como uma atitude normativa de um determinado grupo não
integrado efetivamente na cidade, portanto, convivendo em seus limites. Neste caso a
retaliação letal é uma consequência de falta de coragem ou violação dos estatutos do
quadro.
“Quem mata morre”: o “portador” e “atingido” pela “sociabilidade violenta”.
Eu sempre me impressionei com a adequação dos bordões em diferentes situações
nas quais ele é utilizado. Sempre são simples, mas trazem consigo uma série de
referenciais amplamente compreendidos pelos atores que vivenciam o quadro no qual o
bordão é utilizado. O bordão tem uma série de finalidades explicativas. Um conceito
define tudo que quereremos dizer em poucas palavras, ou apenas uma, o que torna o
trabalho descritivo reduzido.
No caso do bordão e o do conceito, vejo semelhanças interessantes entre ambos.
Assim como os conceitos, os bordões situam o utilizador de tal ferramenta em um lugar no
mundo, seja das ideias, seja social. Utilizar a palavra ―estrutura‖, por exemplo, pode te
colocar em um lugar no mundo das ideias, sobretudo, sociológicas e antropológicas.
Utilizar o bordão ―quem mata morre‖, coloca o ator que o proferiu em um quadro no qual o
causador da morte de outrem é passível de ser morto, neste caso, sujeito às regras do crime
(Misse, 2010). Neste caso, aquele que mata é passível de ser morto.
Era seis de janeiro do ano de 2015, havia acabado de realizar uma entrevista e após
o término da entrevista fui a uma lanchonete no Parque Nova Campos, bairro vizinho ao
que estava realizando a entrevista. Estava eu, a proprietária da lanchonete, seu irmão e
mais um morador do bairro, sentados e conversando assuntos triviais.
Após, aproximadamente, meia hora de conversa, chega um primo do esposo da
proprietária da lanchonete (que eu chamarei de Fred), juntamente com o cunhado da
mesma. O Primo de seu esposo parecia apreensivo. Ele havia acabado de presenciar uma
tentativa de homicídio de um jovem de mais ou menos quatorze anos, segundo sua
estimativa. Ele relatou que, ao ver o jovem caído no chão, foi chamar o vizinho para que
este prestasse socorro, uma vez não possuir carro para ele mesmo fazê-lo. Disse perplexo,
que ao falar com o seu vizinho, este o interrompeu para dizer que iria pagar os picolés que
estava devendo a ele. Isso o deixou mais perplexo, pois enquanto ele se via correndo contra
o tempo, o vizinho estava preocupado em pagar uns picolés que comprou com ele.
Finalmente o vizinho prestou o socorro, mas segundo Fred, o jovem morreu a caminho do
hospital.
Após ele relatar o evento, as pessoas que estavam ali não aparentavam estarem
surpresas com a situação. O único que aparentou comoção foi Fred. Nem o seu
acompanhante estava interessado no assunto. O Irmão da proprietária da lanchonete
começou a lhe fazer perguntas sobre o jovem, e ele disse que morava nas ―casinhas‖ 118 e
era ―bicho também‖, ―já estava matando‖. Com o desenrolar da conversa ele soltou o já
citado bordão: ―quem mata morre‖.
A partir da apresentação da situação na qual o jovem foi morto e a baixa
repercussão da morte entre os moradores do bairro em que eu estava, que fica apenas a
duas quadras do local do crime, pode-se concluir que há uma legitimidade de uma
sociabilidade violenta quando o que lança mão dessa prática também é afetado por ela.
―Quem mata‖ é passível de ser ―morto‖, pois parte-se do pressuposto que a sua morte será
resultado de um ―acerto de contas‖, não uma atitude ―violenta‖. A partir desta expressão
podemos adentrar em uma reflexão sobre os diferentes atores sociais presentes em um
bairro que sofrem processos de periferização continuamente.
A periferização é tomada por mim como um efeito da integração urbana débil dos
bairros de expansão. Neste processo, os seus moradores, o que inclui o jovem morto,
sofrem com um processo de diferenciação em relação aos outros citadinos, sobretudo,
aqueles que moram em bairros onde estão as ―famílias tradicionais‖. Nestes últimos, a
situação relatada por Fred seria contemplada com um debate institucionalizado, via meios
de comunicação e poder público. A morte não seria um ―acerto de contas‖, mas um
―problema‖ de segurança pública, quiçá, público.
O fator explicativo de tal situação pode ser contemplado com noção de um ―regime
de desumanização‖ (Freire, 2010), que neste caso, torna o morador do bairro periférico um
desumano. Este fato não é nenhuma novidade, pois movimentos sociais e sociólogos estão
cada vez mais empenhados em trazer à tona situações nas quais os territórios de favelas e
bairros populares são menos atendidos por órgãos do poder público.
Uma palavra que considero relevante para pensar o quadro apresentado neste tópico
é a palavra ―violação‖. Esta está relacionada à desobediência de algum acordo, o que torna
aquele que viola passível de punição. Na situação do jovem tratado neste tópico, ele foi
punido com a violação dos seus direitos como um integrante da humanidade, porém, não
percebido do mesmo modo por aqueles que presenciaram Fred estarrecido com a situação.
Retomando a discussão inicial deste tópico, o uso do bordão para explicar o fato
ocorrido evidencia uma sociabilidade cuja violência é um recurso disponível para a
resolução dos conflitos, o que torna o jovem não um ―morador‖ inocente, mas em um
―bandido‖, portador e afetado em potencial pela ordem violenta. O Bordão de Fred
poderia ter sido: ―quem mata vai para a cadeia‖, mas o seu enquadramento cognitivo
correspondeu à situação em curso em um bairro que sofre um processo constante de
periferização.
Considerações Finais
Retomando algumas discussões feitas no presente artigo, porém, não esgotando as
possibilidades, gostaria de finalmente fazer uma síntese. Em primeiro lugar, é importante
uma reflexão sobre a cidade pensando em suas diferentes temporalidades, não extraindo o
objeto de um projeto teórico mais amplo. As discussões sobre a ―violência urbana‖ devem
ser pensadas como uma questão relacionada à incapacidade de integração plena do projeto
cidade, uma vez esta não ter sido capaz de tornar todos os seus moradores citadinos. Em
segundo lugar, é necessária uma inserção empírica profunda no objeto denominado
violência, pois o campo teórico poderá fazer com que a capacidade de reflexão empírica
fique comprometida com as generalizações que acabam construindo oposições e não
contiguidade entre as práticas sociais aparentemente contraditórias se observadas em sua
118
Conjunto habitacional Morar Feliz, situado no bairro Novo Eldorado, entre os bairros Nova Campos,
Bandeirantes e Santa Rosa, Eldorado e Jardim Ceasa.
superfície. Por fim, buscarei uma breve reflexão sobre os ―portadores‖ e ―afetados‖ pela
ordem violenta vivenciada nos bairros de expansão.
No tocante a integração urbana, mobilizei no primeiro parágrafo duas discussões
que estavam localizadas em quadros de referências comuns; a incapacidade da cidade em
tornar todos os seus moradores citadinos, no caso, possuidores de todos os recursos
disponíveis na cidade. É importante remarcarmos aqui os diferentes problemas envolvendo
a vida na cidade, que entre os anos 1960 e 1970, estavam ancorados em discussões
relacionadas ao mercado de trabalho que não foi capaz de formalizar todos os
trabalhadores urbanos. Já entre os anos de 1980 e 1990, o quadro foi o surgimento de
movimentos sociais com pautas de reivindicações de melhores condições de trabalho e
moradia. Ainda dos anos de 1990, até o presente momento, vigora intensamente uma
discussão que toca na violência urbana cujo conteúdo se resume ao crime violento
praticado, sobretudo, dentro dos bairros periféricos e favelas.
No tocante ao uso da força como um recurso possível para a resolução ou evitação
de conflitos, é basilar um entendimento de situações específicas, nas quais os novos
trabalhadores urbanos se colocavam ao acessarem a cidade em bairros completamente
desurbanizados. Nestas áreas é importante pensar a retaliação letal como um recurso.
Nestas situações as competências de ―sobrevivência‖ são rígidas, diferentemente da cidade
instituída com leis formais que não conseguem regular efetivamente as áreas periferizadas,
o que faz com que haja um cuidado para não violar as regras tecidas situacionalmente. A
ordem é garantida com uma ação potencialmente violenta.
Se estabelecermos uma comparação entre as diferentes temporalidades do bairro de
Custodópolis, assim como os outros bairros vizinhos apresentados aqui, um fator que
perpassa os citados bairros é a ―ordem violência‖. Desconstruindo algumas abordagens
correntes que resumem a violência na periferia ou nas ―favelas‖ ao tráfico de drogas, a
temporalidade do bairro analisada até aqui demonstrou que a utilização da força como
resolução de conflitos é um recurso que independe da do tráfico de drogas, uma vez ser
anterior a este.
As reflexões trazidas mostram contiguidade de práticas com as do morador comum
que não é portador da sociabilidade violenta. Contiguidade com a comunidade que legitima
a violação de quem é violento, ou mesmo, permanecendo em silêncio diante das situações
de injustiça que permitem com que grupos vivam em uma ordem violenta e instituída como
se não fosse uma violação contra a humanidade dos demais moradores do bairro, uma vez
que estes não se sentem afetados diretamente.
Todo empreendimento levantado até aqui é para demonstrar o objeto de ―violência‖
no mundo da vida, onde este é mobilizado de acordo com interesses específicos de
determinados grupos, sejam estes ―valentes‖, antigos capatazes de fazenda, ―bandidos‖,
que utilizam a violência como um ―recado‖ para moralizar o lugar, ou mesmo como
―retaliação‖ entre ―facções‖ rivais, que substituíram o termo ―valentia‖ pelo termo
―disposição‖, que indica quem está disposto ou não a ser portador da sociabilidade
violenta.
Referências
ASSIS, R. L. Você mora em Custodópolis? Nem parece...: Entre as expectativas e a
realidade de se morar em um lugar estigmatizado. Paper apresentado na X Reunión de
Antropologia Del Mercosur. Córdoba, Argentina. Julho, 2013.
ASSIS, R. L. Regiões morais urbanas: a cidade como um complexo de classificações
morais. Paper apresentado no XI Congresso Argentino de Antropologia Social (XI
CAAS), Grupo de trabalho: GT51-Moralidades en las ciudades de la periferia. Rosário,
Argentina. Julho, 2014.
TELLES, Vera da Silva. A cidade nas fronteiras do legal e ilegal. Belo Horizonte:
Argvmentvm, 2010.
FREIRE, Jussara; FERREIRA, Diogo da Cruz; SOARES, Viviany F. M. S.; SANTOS, Tayná.
―Violência urbana‖ e experiências públicas de familiares de vítimas ―no interior‖ do estado do Rio de
Janeiro. Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia, v.1, n.2, p. 165-185, julho de
2017. ISSN 2526-4702.
Artigo
http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/
Jussara Freire
Diogo da Cruz Ferreira
Viviany Férras da Motta dos Santos Soares
Tayná Santos
Resumo: Este artigo apresenta considerações exploratórias de uma pesquisa em andamento
que tem como objeto as experiências públicas de familiares de vítimas de homicídios
relacionados com os modos de problematizar ―a violência urbana‖ em Campos dos Goytacazes
(cidade do estado do Rio de Janeiro). O objetivo do presente artigo é, de um lado, apresentar
como se configura uma linguagem da ―violência urbana‖ em uma cidade média qualificada
como ―interiorana‖. Por outro lado, apresentaremos as primeiras considerações sobre
experiências de familiares após a perda de seus filhos assassinados por narcotraficantes e os
recursos que mobilizam para lidar com este luto, em um contexto urbano marcado pela
inexistência de movimentos sociais, coletivos ou outras instituições que poderiam ouvir e/ou
ancorar denúncias de mortes de vítimas de conflitos entre narcotraficantes por familiares. Desta
forma, procuramos compreender como se articulam a linguagem da ―violência urbana‖ em um
contexto extra-metropolitano com ―os processos de investigação‖ no sentido de Dewey (2003)
e nos inspirando dos modos segundo os quais Quéré e Terzi (2015), Stavo-Debauge e Trom
(2004), Breviglieri (2008) e Menezes (2014), retomaram esta proposta da filosofia pragmatista
conduzidos por familiares que são atualmente nossos interlocutores. Palavras-chave: processo
de investigação, política habitacional, violência urbana, luto, familiares de vítimas.
Abstract: This article presents the exploratory considerations of an ongoing research that has
as object the public experiences of relatives of victims of homicides related to the ways of
problematizing "urban violence" in Campos dos Goytacazes (city of the state of Rio de
Janeiro). The aim of this article is, on the one hand, to present how a language of "urban
violence" in an average city qualified as "interiorana" is configured. On the other hand, we will
present the first considerations about family experiences after the loss of their children
murdered by drug traffickers and the resources they mobilize to deal with this mourning, in an
urban context marked by the absence of social movements, collectives or other institutions that
could hear and/or anchoring allegations of deaths of victims of drug-trafficker conflicts by
relatives. In this way, we seek to understand how the language of "urban violence" is
articulated in an extra-metropolitan context with "research processes" in the sense of Dewey
(2003) and inspiring us in the ways in which Quéré and Terzi (2015), Stavo-Debauge and
Trom (2004), Breviglieri (2008) and Menezes (2014), have taken up this proposal of the
pragmatist philosophy led by family members who are currently our interlocutors. Keywords:
investigation process, housing policy, urban violence, mourning, family of victims
119
Sobre a categoria ―violência urbana‖, aludimos a uma linguagem que expressa uma categoria nativa do
que se entende por violência e às decorrentes justificativas que emergem no debate público no que tange ao
uso da força desmedida. Assim como a ―metáfora da guerra‖ de (LEITE, 2012), ―A gramática da ―violência
urbana‖ altera profundamente os termos dos conflitos sociais, com os atores passando a discutir, no plano
ordinário (e não em sua dimensão institucional) das relações interpessoais, quem (pessoa e/ou grupo) não se
qualifica como portador de direitos. (MACHADO DA SILVA, 2015, p. 10).
120
Evidentemente, isso não significa que não existe violência policial em Campos, mas, neste momento da
pesquisa, ainda não muito poucos elementos para concluir sobre as formas como ela se apresenta na cidade.
No entanto, como a pesquisa trata de problematização da ―violência‖ do ponto de vista dos atores que
participam da elaboração do debate público, a falta de visibilidade da violência policial torna-se um primeiro
elemento da pesquisa a ser desenvolvido posteriormente.
estas se articulam com uma linguagem da ―violência urbana‖ de uma cidade média, caso
particular do possível, neste caso, Campos dos Goytacazes.
O problema desta pesquisa se articula com aquele que os quatros autores exploram
ou exploraram em trabalhos anteriores: Jussara Freire, integrante do Coletivo de Estudos
sobre Violência e Sociabilidade (CEVIS), participou da pesquisa ―Vida sob cerco‖
coordenado por Luiz Antonio Machado da Silva (Machado da Silva, 2008) e neste quadro
havia analisado, com a equipe deste grupo de pesquisa, os engajamentos, recursos e
competências políticas de ―líderes comunitários‖ de favelas do Rio de Janeiro e de mães de
vítimas de violência policial para acessar o espaço público. Viviany Soares, por sua vez, no
quadro de sua participação em duas pesquisas do grupo Cidades, espaços públicos e
periferias, coordenado por Jussara Freire, ainda enquanto aluna de graduação participou de
duas pesquisas abordando, em um caso, a reconfiguração da sociabilidade urbana após
grandes empreendimentos em Campos (em particular, o Porto do Açu) e, em outro, os
modos segundos os quais moradores desta cidade problematizavam a ―violência‖ 121. Tayná
Santos analisou, de 2015 a 2016, interações entre funcionários públicos e ―usuários‖ em
situação de atendimentos em unidades de saúde, de Campos focalizando o problema da
pesquisa nas tensões e conflitos que emergem e nos modos de administrá-los122.
Atualmente, Tayná Santos é bolsista de iniciação científica em novo projeto de pesquisa,
coordenado por Jussara Freire, cuja proposta é descrever e interpretar a trama do
―problema violência urbana‖ em Campos dos Goytacazes 123. Diogo Ferreira da Cruz, por
fim, após ter etnografado as configurações da sociabilidade em um conjunto habitacional
de uma pequena cidade de Minas Gerais, que se alteraram ao longo do tempo diante do
aumento das ameaças e uso da força por narcotraficantes, estuda atualmente as formas de
habitar de moradores de um dos conjuntos do programa Morar Feliz em Campos dos
Goytacazes no quadro de sua tese de doutorado em andamento124. Nesta atual pesquisa,
propomos dar continuar a estas experiências e dar desdobramentos aos resultados de nossas
pesquisas anteriores, mas focalizando-nos doravante nas implicações da modalidade de
reconhecimento da ―sociabilidade violenta‖125 (Machado da Silva, 2010) em uma cidade
121
Freire Jussara e Santos, Viviany (2012). Os grandes empreendimentos da expansão universitária a na
região norte-fluminense: reconfiguração da sociabilidade e novos problemas públicos. 2012 (projeto
coordenado por Jussara Freire e financiado como bolsa de Iniciação Científica da Fundação Carlos Chagas
Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro- FAPERJ): Santos, Viviany, Construindo a
Sensação de Insegurança em Campos dos Goytacazes: o ponto de vista dos moradores. Trabalho de
conclusão do curso de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense Proteção social e Política
Habitacional em Campos dos Goytacazes. O Programa Morar Feliz sob uma perspectiva interdisciplinar.
122
Freire, Jussara e Santos, Tayná (2016) ―Vulnerabilidades da experiência citadina e acesso aos espaços
públicos urbanos em cidades do norte-fluminense‖ (projeto coordenado por Jussara Freire e financiado como
bolsa de Iniciação Científica PIBIC/PROPPI/UFF – 2015/2016).
123
Freire Jussara e Santos, Tayná (2017). Tramas da ―violência política‖ em Campos dos Goytacazes: grupos
de extermínios, narcotraficantes e milícias (projeto coordenado por Jussara Freire e financiado como bolsa de
Iniciação Científica PIBIC/PROPPI/UFF – 2016/2017).
124
A pesquisa do autor é financiada pela Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro (FAPERJ).
FERREIRA, Diogo da Cruz. Das consequências do programa minha casa minha vida na sociabilidade de um
condomínio em uma cidade média de Minas Gerais. 2015. 101 f. Dissertação (Mestrado em Políticas Sociais)
– Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Centro de Ciências do Homem (UENF),
Campos dos Goytacazes, 2015.
FERREIRA, Diogo da Cruz. Habitar um conjunto habitacional popular em Campos dos Goytacazes/RJ: a
experiência do programa ―Morar Feliz‖ do Novo Jockey. 2016. Projeto (Doutorado em Políticas Sociais),
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Centro de Ciências do Homem (UENF), Campos
dos Goytacazes, 2016.
125
Sobre a noção de sociabilidade urbana e sua articulação com a linguagem da violência urbana, remeto-me
às contribuições de Machado da Silva (2010). Segundo este autor: (...)a partir do reconhecimento de uma
―sociabilidade violenta‖, a linguagem dos direitos deixou de articular de maneira unívoca o conflito social (e
―do interior‖ no que tange às formas de experimentar e vocalizar, por familiares, perdas de
―seres queridos‖ (DIAZ, 2014). Procuramos ainda compreender como os relatos destes
atores se entremeiam com a elaboração de uma linguagem da ―violência urbana‖
elaborada, neste caso, em uma cidade média extra metropolitana.
Desde o ano de 2016, os autores e outras recém integrantes do grupo Cidades,
espaços públicos e periferias – CEP28, coordenado por Jussara Freire (em particular
Carolina Mello, Pâmela Martins e Thayná Araújo, alunas do curso de graduação em
ciências sociais da UFF/Campos, que estão também recentemente compondo a equipe de
pesquisa) se distribuíram diferentes eixos da atual pesquisa que se fundamenta na
articulação de três técnicas de pesquisa:
- uma análise documental levantando, sistematizando e analisando: a produção
científica referente aos temas da pesquisa; dados socioeconômicos da população residente
em Campos; - dados do Instituto de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro e do
Mapa da violência (2016); - matérias jornalísticas (em jornais locais, Folha da Manhã, o
jornal Terceira Via, o Diário e o Campos 24 horas e, eventualmente na imprensa escrita e
televisiva nacional) de 2008 a 2017, período que encobre as diferentes etapas de execução
do programa Morar Feliz em Campos e do programa das UPPs na cidade do Rio de
Janeiro. Com estas informações, procuramos organizar as matérias por temáticas segundo
os assuntos relacionados com a criminalidade violenta, a ―violência urbana‖, o programa
Morar Feliz e as intervenções policiais na cidade e reconstituir a trama discursiva do
problema insegurança no debate público.
- Uma observação em situação (e de situações): Iniciamos uma observação in situ
(CEFAÏ, 2010), isto é, de situações da vida cotidiana nas quais familiares problematizam e
buscam lidar com as perdas de seus filhos. Nesta observação que se encontra ainda em fase
inicial, procurando acompanhar as rotinas destes atores em suas casas, nos seus
deslocamentos pela cidade, nas suas atividades profissionais e nas suas relações de
vizinhança. Diante de algumas informações que surgiram neste primeiro momento da
pesquisa de campo (com recorrência nas conversas com nossos atuais interlocutores),
embora não tenhamos ainda iniciado esta etapa da observação, destacamos que planejamos
acompanhar familiares nas igrejas católicas e evangélicas freqüentadas por algumas dentre
eles (mães, pais e irmãos). Com esta observação, nosso objetivo é de compreender os
processos de investigações dos familiares que não implicam uma exclusiva relação de face
a face com o pesquisador, bem como descrever o ambiente do bairro, as formas de habitar
nos conjuntos, suas relações de vizinhança e as rotinas destes familiares.
- conversas e relatos de vida: partindo da técnica de relato de vida (Hannerz, 1989 e
Thomas e Znaniecki, 2004 [1918-1920]), propusemos retomar as trajetórias singulares de
familiares que aceitaram tecer trocas com os pesquisadores (mães em particular, mas
alguns irmãos de vítimas também receberam algumas das autoras) para buscar apreender as
possíveis correlações entre as situações de perda, os diferentes laços de parentescos, os
engajamentos dos familiares ao longo de seus trabalhos de luto, as temporalidades do luto
avaliadas pouco após o assassinato ou a posteriori, os recursos encontrados ao longo do
tempo para lidar com estas perdas, ou ainda, a trajetória dos sofrimentos vivenciados pelos
familiares em curto, médio e longo prazo. O relato de vida é, neste caso, entremeado com a
observação in situ e certamente, em momento mais avançado da pesquisa de campo, ambos
os medos a ele associados), passando a competir com a linguagem da violência urbana, que tematiza os
sentimentos difusos de insegurança que pesam sobre as expectativas de prosseguimento pacífico das rotinas
diárias e geram a mentalidade de ―segurança apesar dos outros‖, no lugar da ―segurança com os outros‖, para
usar as conhecidas expressões de Bauman (2001, 2000) na sua interpretação do ―inimigo próximo‖.
(MACHADO DA SILVA, 2010, p. 288).
se confundirão (são atualmente separados pelo fato de que nossa entrada, ainda recente, se
deparou com a dificuldade de conhecer, em Campos, familiares que geralmente preferem
não publicizar suas experiências). No entanto, em função da natureza das experiências (no
limite do dizível) que são problematizadas pelos familiares, evitamos rigorosamente
apresentar estas situações como uma ―entrevista‖, preferindo propor outra técnica
metodológica, a da ―conversa‖ entre familiares e pesquisadoras, em um movimento de
busca de maior simetria entre conversadores (mesmo que a plena simetria seja
evidentemente inatingível pelo fato de que alguns dos conversadores serem qualificados,
pelos nossos interlocutores de acadêmicos). Em resumo, os relatos de vida são aqui
apresentados como situações de conversas para auxiliar o analista na compreensão da
experiência das perdas dos familiares. Sendo conversas, as trocas não são orientadas por
exigências de eixos ou ―roteiros de entrevistas‖, mas pelo pressuposto do que é possível
compartilhar estes tipos de experiências sem forçar a orientação do relato do locutor pelo
analista na direção das exigências de sua pesquisa, o que também flexibiliza a fala e a
escuta dos participantes destas situações. Se uma entrevista é geralmente um momento fixo
na temporalidade da vida de uma pessoa (mesmo que seja possível o analista procurar o
entrevistado para elucidar pontos no relato levantado mas que costuma ser de todo modo
pontual e referenciado a um momento anterior tido, pelo analista como chave), a conversa
é um jogo lúdico de sociação, retomando Simmel (no caso desta pesquisa, evidentemente,
o lúdico da conversa e o trágico da experiência dos familiares se confundem
inexoravelmente), uma forma interacional que permite diminuir imperativos normativos
em relação àquela que seria apresentada como uma ―entrevista sociológica‖ por todos os
participantes da situação. A conversa torna-se ainda uma forma ética que nos parece
reduzir níveis de exigências metodológicas em relação ―à entrevista‖ para poder falar
(sobre) e ouvir sofrimentos e dores a partir dos quais se tematizam assuntos
particularmente sensíveis como a morte de um filho ou de um irmão (os familiares com os
quais conversamos até então são mães, irmãos ou irmãs), mais ainda aquela que decorre
dos contextos que analisamos: uma terrível interrupção de cursos de vida e de trajetórias
familiares que é sistematicamente problematizada pelos nossos interlocutores. A conversa
ainda acolhe o ―desabafo‖ da dor sem que seja previsto ou priorizado, a priori, seus
sentidos pelo analista. Na conversa, assuntos, fluxos discursivos e emocionais em aberto
emergem constantemente e, no caso em análise, vêm nos oferecendo ferramentas
compreensivas a partir das quais podemos acompanhar como familiares, em Campos,
exploram e investigam o evento crítico (ARAÚJO, 2007; 2015) que segue a perda de um
―ser querido‖ (DIAZ, 2016).
Habitação, criminalidade violenta e “violência urbana”: consequências do debate
público em Campos dos Goytacazes para familiares de vítimas.
Alguns moradores da cidade do Rio de Janeiro costumam apresentar fortes
emoções (ódio e desprezo, em particular) quando é pronunciado, por lá, o nome de
Campos dos Goytacazes: a cidade pode ser qualificada, por muitos deles, como lugar do
―atraso‖, ―dos Garotinhos‖, do ―fim do mundo‖, ―do deserto‖, etc.
Paralelamente, Campos é o mais extenso município do estado do Rio de Janeiro
(4.032 km²), divido administrativamente em vinte distritos, e tem a mais numerosa
população do interior, estimada em 487.186 habitantes (IBGE, 2016). Os royalties
representam a principal fonte de arrecadação e recursos municipais126. No entanto, estas
fontes diminuíram significativamente após a queda do preço do petróleo e da diminuição
do volume de negócios da Petrobras a partir de 2015. Além das drásticas mudanças
municipais geradas pela ―crise do petróleo‖, que justificavam segundo seus
126
Ver: CRUZ, TERRA, (2015).
127
O programa Morar Feliz foi criado em 2009. O projeto inicial pretendia entregar a moradores da cidade,
até 2012, 5.426 casas populares em 10 bairros tidos como ―periféricos‖ (Penha; Jockey; Tapera; Parque
Prazeres; Santa Rosa; Eldorado; Travessão; Lagoa das Pedras e Aldeia), e, até 2016, a meta seria de criar
mais 4.574 até 2016. Foram assim construindo 18 conjuntos habitacionais, mas a meta da segunda etapa não
foi atingida; em ambas as fases, a prefeitura contratou a construtora Odebrecht Serviços de Engenharia e
Construção Hoje, cerca de 32 000 pessoas residem nas 6.500 casas destes conjuntos (OSEC) (FREITAS,
RIBEIRO, 2013).
128
Estou ainda levantando os dados de segurança pública e em fase de sistematização. Estes resultados serão
apresentados na dissertação.
129
Guarus é um distrito da Cidade de Campos que compreende toda a área que se localiza na margem
esquerda do Rio Paraíba do Sul aglomerando vários bairros.
―do outro lado‖ por muitos moradores da cidade)130; favelas não necessariamente ali
localizadas, mais próximas do centro (como a Favela da Baleeira, Margem da Linha da
Tapera e Tira-Gosto); bairros da ―Baixada Campista‖131 da planície e/ou conjuntos
habitacionais ―Morar Feliz‖ (que podem ter proximidade com estes dois outros
residenciais). É ainda nítida a criminalização destes moradores na opinião pública, ou
ainda, a encenação de uma maior ―agressividade‖ nestes territórios. Por exemplo, em uma
matéria de 2016 do jornal Terceira Via, intitulada ―Confira o mapa da violência em
Campos‖, o comandante do oitavo batalhão o entrevistado Marco Aurélio Pires Louzada
afirma:
―Os bandidos de Guarus são mais agressivos entre si. Na área da
Delegacia do Centro existe mais uma coordenação dos criminosos. Eles
agem de maneira mais ordenada porque têm os freios inibitórios. Aqui,
eles podem sair pela rua atirando. Os moradores vêem, conhecem quem
atirou e conhecem quem morreu, mas não falam nada porque têm medo.
Aqui, eles são mais agressivos entre si e com a população também‖.
(TERCEIRA VIA, 19/12/2016)
A ordem moral (PARK, 1973) de Campos é frequentemente apresentada pelos seus
moradores sob o ângulo dos ―dois lados‖ do Rio Paraíba que atravessa a cidade. O ―outro
lado‖, o da margem esquerda do Rio Paraíba, corresponde ao início do distrito de Guarus,
ampla área moral que era exclusivamente associada à ―violência urbana‖ e ao ―mundo do
crime‖ por muitos moradores da cidade antes da execução do programa Morar Feliz. Tal
programa tornou estas fronteiras espaciais e morais mais complexas pelo fato de que seus
conjuntos habitacionais se localizam em diferentes áreas da cidade, geralmente distantes do
centro, mas em pontos opostos que não correspondiam necessariamente à lógica ―dois
lados‘ do rio Paraíba do Sul.
Em suma, se os modos segundo os quais moradores de Campos problematizam os
―dois lados‖ do Rio Paraíba apresentam uma dimensão da configuração da segregação
urbana em Campos, não podemos negligenciar as novas territorialidades geradas pelo
programa Morar Feliz (AZEVEDO, TIMÓTEO, ARRUDA, 2013) por elas alterarem
significativamente a morfologia desta cidade. Além disso, o programa Morar Feliz em
Campos teve uma forte incidência na redefinição das áreas morais tidas como violentas e
nas novas formas de definir as favelas e estes ―novos territórios‖ como ―problemas da
cidade‖. Os sentidos conferidos às favelas partiam das representações sobre territórios em
geral correspondentes aos ―aglomerados subnormais‖, retomando os termos do IBGE.
Paulatinamente, estes sentidos vêm se entremeando com as representações sobre os
conjuntos habitacionais criados no quadro do programa Morar Feliz. Desta forma, se o
censo do IBGE (IBGE, 2010; SIQUEIRA, 2016) aponta para a existência de 27 favelas em
Campos, ―as casinhas de Rosinha‖, apelido comum para se referir a estes 18 conjuntos
habitacionais, são outras áreas residenciais que aumentaram recentemente o número de
―territórios da pobreza‖.
Após a mudança dos moradores (em muitos casos, removidos de favelas e/ou
―áreas de risco‖ da cidade) em diferentes momentos do interstício 2009-2015, nestes
conjuntos, novos boatos se espalham aos poucos pela cidade; crimes ocorreriam
privilegiadamente nestas áreas (assaltos, estupros de mulheres, assassinatos, comércio de
drogas, expulsão de moradores, desovas etc.). Houveram ainda casos de expulsão de
130
Sobre as representações campistas do distrito de Guarus e as avaliações morais relacionadas com o
habitar neste ―outro lado‖ do Rio, ver Assis (2016).
131
Zona geográfica, de planície, do município de Campos que abrange cinco distritos (aqueles localizados
entre o distrito sede e a orla): Goytacazes, São Sebastião, Tocos, Santo Amaro, Mussurepe.
moradores por traficantes por vezes noticiados na imprensa local 132. A circulação destes
boatos vem também aumentando fortemente a sensação de insegurança dos moradores da
cidade e reconfigura, desde 2009, o problema ―violência‖ em Campos, como Barros (2012)
apontava no ano em que defendeu sua monografia. Na nossa pesquisa de campo, iniciada
no final do ano de 2016, osatuais interlocutores que acompanham de perto os conflitos
existentes em um ou vários conjuntos habitacionais edificados no quadro do programa
Morar Feliz - comprometemo-nos em não identificá-los, por óbvias exigências éticas -, foi
frequentemente questionado (por eles) os modos de ―selecionar‖ os beneficiários das casas
do conjunto sem nenhuma consideração sobre as consequências de reunir moradores nestes
em áreas residenciais anteriores ―controladas‖ pelas até então duas ―facções de tráfico‖ da
cidade (em junho de 2017, momento em que escrevemos este artigo, houve uma indicação
por jornais locais de que tais facções se ―uniram‖ e alguns moradores, interlocutores
nossos, identificaram uma redução imediata de conflitos urbanos relacionados com a
criminalidade violenta da cidade).
Pode-se ainda observar um novo movimento moral no que tange à tematização da
―violência urbana‖ em Campos após a execução do projeto de Unidades de Polícia
Pacificadoras (UPPs) na cidade do Rio de Janeiro, iniciada em 2009, ano que correspondia
também ao início do Programa Morar Feliz. De 2011 a 2012, em sua etnografia dos cafés
comunitários e do conselho comunitário de segurança pública, Barros (op. cit.) observou
progressivas alterações nos modos de problematizar ―a violência‖ em Campos e, em
particular, um movimento que tendia a responsabilizar as UPPs pelo aumento da violência
em Campos. Nesta direção, estas formas de qualificar as UPPs como grande responsável
do aumento da criminalidade em Campos ressignificava também ―a violência urbana‖ a
partir de ―uma expansão do mundo do crime‖ (FELTRAN, 2011). Articulando as
diferentes matérias já levantadas com o trabalho de Barros (op. cit.) e de Barros e Freire
(2012), uma avaliação coletiva passa a marcar o debate público: ele, ―o mundo do crime‖
da cidade do Rio, teria assim chegado ao ―interior‖ e estava ―ocupando‖ os conjuntos
habitacionais do programa Morar Feliz. Pode-se destacar que outro importante aspecto da
―ocupação do tráfico‖ nos conjuntos era problematizado a partir da copresença de ―facções
opostas‖ em alguns dos conjuntos do Morar Feliz.
Em sua análise sobre a circulação juvenil de moradores de periferias de Campos,
Siqueira (2016) propôs um mapeamento dos territórios da cidade ―controlados‖ por
facções de narcotraficantes. A autora identifica uma fronteira simbólica entre dois outros
lados da cidade, desta vez dividida (também geograficamente) pelo Canal Rio Macaé (mais
conhecido na cidade como ―Beira Valão‖). Os territórios nos quais drogas são
comercializadas de um lado da ―Beira Valão‖ seriam ―controlados‖ pela facção Amigos
Dos Amigos (ADA) e, do outro, pelo Terceiro Comando Puro (TCP). Segundo a autora,
essa rivalidade iniciou-se nos anos 1990, período de importantes conflitos entre ―gerentes‖
do tráfico de drogas das duas principais favelas da cidade: a favela Baleeira (―controlada‖
pela ADA) e a (Tira Gosto, pelo TCP). Semelhantemente às análises de Farias (In:
Machado da Silva, 2008), a autora observa também fortes restrições de circulação dos
jovens moradores destas favelas na cidade quando estes temem frequentar um dos dois
lados da ―Beira Valão‖ e justificam seus medos pela presença de facções opostas.
132
Pode-se apreender a repercussão do caso da expulsão de uma família do conjunto habitacional do bairro
Eldorado, que ocorreu no dia 22 de setembro de 2012, notadamente em matérias dos sites de informações da
cidade de Campos dos Goytacazes: A matéria do site Ururau (particularmente consultado na cidade) ―Família
é expulsa da própria casa por traficantes no Eldorado‖ (24/09/2012) In
http://www.ururau.com.br/cidades21762 ou aquela do jornal Terceira Via: ―Família é expulsa de casa por
traficantes em Campos ― (24/09/2016) In: http://177.184.3.226/noticias/campos-dos-
goytacazes/5586/familia-e-expulsa-de-casa-por-traficantes-em-campos-
133
Cf. Cruz, 2003.
134
Sobre a noção de sociabilidade urbana e sua articulação com a linguagem da violência urbana, remeto-me
às contribuições de Machado da Silva (2010). Segundo este autor: (...)a partir do reconhecimento de uma
―sociabilidade violenta‖, a linguagem dos direitos deixou de articular de maneira unívoca o conflito social (e
os medos a ele associados), passando a competir com a linguagem da violência urbana, que tematiza os
sentimentos difusos de insegurança que pesam sobre as expectativas de prosseguimento pacífico das rotinas
diárias e geram a mentalidade de ―segurança apesar dos outros‖, no lugar da ―segurança com os outros‖, para
usar as conhecidas expressões de Bauman (2001, 2000) na sua interpretação do ―inimigo próximo‖.
(MACHADO DA SILVA, 2010, p. 288).
135
Sobre a Sociologia dos problemas públicos, Cf., dentre outros, Cefaï e Joseph, 2002 e Cefaï, 2013.
136
Para uma apresentação da obra de Guslfied e suas articulações com problemas públicos em contexto
brasileiro, cf Freire, 2016.
visibilidade137. Desta forma, o que une os autores supracitados, é que esta sociologia ―da
experiência pública‖ toma como cerne modalidades de organização social em conjunto, o
que implica problematizar a ordem pública a partir do esforço de descrever modalidades de
coordenações do ponto de vista dos atores e de suas ―accountabilidade‖. No caso desta
pesquisa, como a copresença corporal é permeada por um pano de fundo de forças que
representam rotineiramente uma ameaça à vida, a plasticidade do que se define por
―público‖ nos parece representar uma condição da execução do projeto. Com efeito, nas
primeiras conversas exploratórias que realizamos, os relatos apontam para uma recusa dos
familiares com os quais conversamos de orientar suas ações, após as mortes dos filhos e/ou
irmãos, na direção de denúncia pública ou de participar da arena de publicização ―dos
familiares de vítimas‖. Em quase todos os casos das conversas desta atual pesquisa, mães
e/ou irmãos problematizaram os modos de lidar com suas perdas a partir de novos ou da
intensificação de investimentos (para aqueles que já participavam de igrejas pentecostais)
em comunidades pentecostais. Por este motivo, se seguirmos uma definição do ―público‖
elaborada a partir de eixos analíticos cívicos ou institucionais, ou de um plano sociológico
e normativamente definido, perderíamos a possibilidade de compreender como estes
engajamentos podem traduzir outras modalidades de engajamentos públicos do ponto de
vista de familiares, os quais, por sua vez, não se voltam para planos institucionais, de
denúncia pública ou de outras formas de ação coletiva ―tradicional‖ no sentido sociológico
convencional do termo (como seria o caso, por exemplo, de atores integrarem a arena de
publicização ou movimentos sociais contra os públicos mais fortes que problematizam ―a
violência urbana‖ e articulam tal assunto como combate aos ―bandidos‖).
Paralelamente na literatura pragmatista, a questão da incapacidade dos atores tende
a ser eventualmente associada à ideia de um encolhimento (repli) de si que pode
eventualmente se traduzir na busca de um fechamento comunitário (mas que talvez, na
nossa leitura, não exclua a dimensão eminentemente pública dos engajamentos
encolhidos). Por exemplo, Quéré e Terzi procuram demonstrar que dadas situações
indeterminadas e os modos de se deparar com problemas se convertem em rotina ―a
coletividade tende e se instalar em uma postura defensiva de encolhimento de modo que os
problemas que emergem, longe de desestabilizá-la, como vimos, a conforta mais ainda nos
seus preconceitos os mais enraizados e nos seus hábitos mais rotineiros‖ (op. cit., p. 8)
Neste sentido, ainda que estes autores propõem criticar a ideia que marca o
pragmatismo americano – filosófico e sociológico -, a questão da incapacidade do agir
parece convertida em uma modalidade de encolhimento do (s) ator (e) s – não sendo neste
caso um problema de inação, mas de momento em que o refúgio voltado para si parece
tornar-se uma outra capacidade mínima, diante da incapacidade de agir. Nestes termos,
como hipótese que procuramos explorar nas atuais e próximas etapas da nossa pesquisa e
em relação ao objeto e problema que propomos aqui, se o encolhimento não seria uma
versão interpretativa de crítica ao modelo de competência dos atores. Parece-nos também
que tal pressuposto declina também o convite de problematizar a emergência de públicos
religiosos, porém centrais em contexto brasileiro marcado por uma fluidez entre
engajamentos religiosos e engajamentos cívicos. Neste sentido, a ―justiça divina‖, quando
a voz não pode ser compartilhada com homens, pode apontar para sentidos bastante
impensados sobre outras formas de elaboração de públicos.
137
Se as definições do público deveriam partir do conjunto da obra Goffmaniana, observa-se que Goffman
define explicita e insistentemente o público como copresença corporal em Goffman (2011 [1967]). O autor
chama, no livro Ritual de a atenção para a centralidade de focalizar o olhar sociológico nos corpos em
copresença, pois esta é a característica a partir da qual é possível ler o problema da visibilidade recíproca e os
decorrentes ajustamentos dos atores às situações, problema que também atravessa o conjunto de sua obra.
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RESENHAS
BARBOSA, Raoni Borges. Do Social ao Público: Uma etnografia do Espaço Público e dos Públicos a
partir de uma Sociologia Pragmatista. Sociabilidades Urbanas: Revista de Antropologia e Sociologia,
v1, n2, p. 189-195, julho de 2017. ISSN 2526-4702.
RESENHA
http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/
From the Social to the Public: ethnography of Public and Public Problems from a Pragmatist
Sociology
redes acadêmicas e de interlocuções entre Brasil e França, possibilitadas, entre outros, pelo
Programa Capes–Cofecub de análise de conflitos e instituições democráticas em uma
perspectiva comparada, em que Freire desenvolveu estudos de graduação e mestrado sobre
os usos sociais das praias de Ipanema e Copacabana e obre a participação popular nas
políticas urbanas na cidade do Rio de Janeiro.
Ainda sobre as suas redes de interlocuções e intercâmbios acadêmicos, Freire cita o
seu engajamento no LEMETRO – Laboratório de Etnografias Metropolitanas e no
CEVIS – Coletivo de Estudos sobre Violência e Sociabilidade, bem como o seu
doutoramento em sociologia na IUPERJ sob a orientação de Machado da Silva. Este
conjunto de experiências em etnografia urbana e em estudos das gramáticas da violência
política e da violência urbana no Rio de Janeiro é integrado por Freire com base nas noções
de Joseph e de Cefaï de público e de espaço público. Para Cefaï, na leitura de Freire, o
público é entendido como processo de publicização e como agenciamento de práticas de
associação, de cooperação e de comunicação, que pode ou não vir a institucionalizar-se;
enquanto que para Joseph, ainda nessa leitura pragmatista de Freire, o espaço público é
definido não normativamente como um mundo sensível, onde ocorrem processos de
―publicização citadina‖.
Nas palavras de Freire, a proposta sociológica de Joseph e, por extensão, de Cefaï,
pode ser sintetizada como segue:
De Habermas a Goffman, atravessado por Park, Mead e Tarde, dentre
outros, o espaço público tal como problematizado por Joseph se refere
tanto aos ajuntamentos/agrupamentos e relações de face a face, aos
pontos de contatos entre multidões, aos modos de acessá-lo, ao espaço de
debate (incluindo o desentendimento), a mobilidade e a circulação, aos
transtornos e embaraços, à atenção e ―cognição distribuída‖, à circulação
e os agentes (humanos e máquinas) que podem facilitar seu acesso ou
dificultá-lo, aos selves e outros generalizados. (FREIRE, 2016, p. 51).
Nesse sentido, a autora classifica a sua pesquisa como uma etnografia dos públicos,
e também como uma microssociologia próxima aos princípios teórico-metodológicos do
interacionismo simbólico. Pesquisa, portanto, pautada na observação e na descrição densa
das formas sociais de circulação de agentes humanos e não-humanos e dos processos de
comunicação ordinária dos mesmos, assim como da produção de lugares, com suas
respectivas cargas morais e emocionais, por e para estes agentes.
A proposta de etnografia dos públicos possibilita, assim, a crítica do horizonte
político da vida cotidiana a partir das verdades dos atores sociais que a produzem 138. Este
objetivo, enfaticamente expresso na pesquisa de Freire, se apresenta de forma acentuada
nos vinte e um relatos de vida que a autora produziu com personagens dos diversos
coletivos das arenas públicas da sociabilidade militante etnografada.
Estes relatos de vida, - ao permitirem o acesso ao vocabulário de motivos (MILLS,
1940)139 destes agentes em exercício de definição coletiva de problemas sociais, - também
significaram o estudo diacrônico das tramas de construção dos problemas sociais em
problemas públicos, dos motivos individuais em motivos coletivos, do sentimento de
138
Freire define a sua filiação metodológica com uma bricolagem de princípios e procedimentos pragmatistas,
como o Situacionismo Metodológico (JOSEPH) e sua Etnografia das Situações, a Descrição Densa
(GEERTZ), a Observação Participante (FOOTE WHYTE), a Observação Flutuante (PÉTONNET) e a
Etnografia dos Públicos (CEFAÏ, 2013). Boltanski e Boltanski e Thévenot, com suas análises das
competências de atores sociais em ações cotidianas; Garfinkel, com sua noção de ator competente; Ricoeur,
com sua Antropologia das capacidades humanas; o Pragmatismo americano de James, Dewey, Peirce, Mead;
o interacionismo e o interacionismo-simbólico da Escola de Chicago, representados por Becker, Goffman,
Gusfield, Kitsuse e Spector, compõem ainda influências marcantes na filiação metodológica de Freire.
139
Ver a tradução do artigo de Mills (1940) na RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção.
certa forma lhe empurrou para a vida social de pesquisador em tempo integral, munido de
diário de campo e em constante produção de bancos de imagens, de gravações de áudio e
vídeo e de acompanhamento das lideranças dos coletivos de sociabilidade militante.
Este exercício frenético de pesquisar e de acessar o sentido íntimo da sociabilidade
militante etnografada significou o afastamento de redes de sociabilidade não ligadas à
pesquisa, assim como uma sinergia poderosa na construção recíproca de afetos.
Constrangimentos e embaraços na interface entre vida privada e vida pública de
pesquisador, com isso, foram inevitáveis, ainda mais em um campo de pesquisa marcado
por múltiplos interesses e por arenas públicas fragmentadas.
O papel do pesquisador, nesse sentido, foi instrumentalizado pelos atores sociais
que se buscava observar e analisar. Nas palavras de Freire:
[...] a aceitabilidade da presença do etnógrafo, a atenção que lhe é dada e
a sua inserção em sociabilidades de seu campo podem ser também
interpretadas como uma das competências dos atores. [...] Minha
presença podia ser lida ora como meio de denunciar ―o que acontece na
Baixada‖ no debate público, ora como meio de contribuir para a
organização e divulgação da memória e causas do MAB, ora como autora
de um estudo que poderia permitir facilitar a denúncia coletiva dos
problemas da cidade ou ―assessorar o movimento‖.
[...] Esse papel certamente se relacionava com a possibilidade de
contribuir par a publicização dessas vozes no debate público, no espaço
acadêmico [...]. (FREIRE, 2016, p.70-71).
Freire organizou a presente obra em um capítulo introdutório, um capítulo teórico,
dois capítulos de descrição densa e um breve capítulo de considerações finais. As
ferramentas teóricas da autora são apresentadas no capítulo II – Problemas públicos,
pragmatismo e a guinada “pragmática” em sociologia: o recorte analítico da pesquisa,
em que discorre sobre a sua leitura de escolas e tradições sociológicas e antropológicas, e
da filosofia social, que convergem em levar a sério as competências dos atores ordinários e
de descrever e interpretar as situações do ponto de vista dos actantes, ou seja, como estes
definem a situação, como mobilizam sentidos de justiça e modos de justificar.
Neste capítulo, Freire precisa os conceitos de situação, de dispositivo, de problemas
sociais, de ação pública, de arenas públicas, de ordem pública e de problemas públicos
como operações morais e cognitivas publicizadas e vocalizadas de atores sociais
competentes. As sociologias da ação (sociologia das operações críticas, sociologia dos
problemas públicos, sociologia pragmatista) e a descrição densa, argumenta Freire,
permitem ao observador analisar a mobilização de competências e capacidades de atores
sociais críticos e reflexivos para a construção de arenas públicas, onde problemas sociais
são vocalizados e tornam-se problemas públicos.
Freire, em sua leitura de Gusfield sobre a distinção do conceito de social do
conceito de público, enfatiza que o problema definido situacionalmente percorre uma
carreira de dramatização pública com base em uma narrativa de mudança e transformação
do social. O problema público implica em uma dramatização dos fatos tidos como
problemáticos para a justificação da seleção e da prioridade no espaço público e para a
opinião pública.
Nas palavras de Freire:
Os protagonistas das arenas públicas são ―dramatizadores‖ e avaliadores
do assunto considerado problemático por eles em cada sequencia da
elaboração do problema público. Um problema público apresenta
qualidades dramáticas, cerimoniais e ritualísticas que constituem o foco
da observação dos problemas públicos de Gusfield.
Os discursos sobre a baixada, com efeito, enfatizam categorias morais degradadas, como
cidade-dormitório, lugar violento e lugar brega e cafona.
No capítulo IV – Arenas públicas e mobilizações coletivas em Nova Iguaçu, Freire
faz a descrição de algumas arenas públicas da Baixada Fluminense a partir de seus
personagens e de seus modos de problematização das situações corriqueiras. Apresenta,
então, os vinte e relatos de vida e o diário de campo de diversas reuniões de coletivas
frequentados, conectando-os com as arenas públicas e os públicos ali constituídos.
Nas considerações finais, em que Freire traz ao leitor uma experiência de revisita ao
campo de pesquisa, passados quase dez anos, a autora constou de um movimento de
eclipse ou ocultação de algumas arenas públicas presentes na primeira fase da pesquisa,
entre os anos de 2003 e de 2005, e a emergência de outras. Em síntese, Freire lança a
hipótese de que uma sociabilidade militante fortemente politizada e que disputava o Estado
foi substituída por uma sociabilidade militante mais ligada à ―causa da Cultura‖.
Muito embora persista, na Baixada Fluminense e em Nova Iguaçu, o problema da
vulnerabilidade da experiência política, - própria de uma sociabilidade urbana
estigmatizada, - e o mapa moral da Baixada Fluminense, para fora, seja, ainda, de pobreza,
crime e violência, a sociabilidade militante parece ter abandonado a estratégia de contrapor
esse discurso estigmatizante com o discurso da riqueza e diversidade cultural da Baixada.
Na nova fase da pesquisa, conclui Freire, despontam públicos e arenas públicas estético-
artístico-culturais, como o hip hop os saraus periféricos, que buscam denunciar a violência
urbana e a violência política que enfraquecem a Baixada a partir do argumento da Baixada
como lugar estético, assumindo, contudo, que o problema da Baixada se cruza com o
problema da favela, a ser resolvido pelas Unidades de Polícia Pacificadora.
PONTES, Williane Juvêncio. Etnografias urbanas sobre presença e medos na cidade: Uma resenha.
Sociabilidades Urbanas: Revista de Antropologia e Sociologia, v1, n2, p. 197-199, julho de 2017. ISSN
2526-4702.
RESENHA
http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/
olhado como estranho e sob suspeita. É nesta perspectiva que o autor discute a questão da
pertença, das redes de solidariedade em processo de fragmentação e dos medos sociais
cotidianos. Nos dois capítulos o autor realiza uma análise sobre solidariedade, pertença,
medos corriqueiros e intensa pessoalidade em dois bairros populares da cidade de João
Pessoa: o Varadouro e o Varjão/Rangel. Ambos estigmatizados no imaginário da cidade
como bairros violentos e perigosos. O discurso de justificativa para salvaguardar a face dos
moradores e do bairro paira sobre o outro, o estranho, que traz os temores para dentro do
bairro.
No bairro do Varadouro Koury analisa as maneiras de superação do medo do outro
e as estratégias de solidariedade. Apesar dos moradores indicarem o bairro como um lugar
bom de viver, o discurso também é envolto de um saudosismo em relação ao passado do
bairro, hoje em decadência, gerando um sentimento de perda. Este processo de decadência
denunciado pelos moradores é, ao mesmo tempo, o elemento que possibilita a permanência
destes no bairro. Tendo em visto que é uma área marginalidade, mas de grande valor na
cidade, onde uma revitalização do lugar promoveria uma retirada destes moradores. No
bairro do Varjão/Rangel, considerado um dos 10 bairros mais violentos da cidade, o autor
discute as configurações de justificativas e acusações no bairro através da sua dupla
nomenclatura: Varjão (oficial) – que está associado a violência, sendo o ambiente do outro,
aqueles considerados engraçadinhos e marginais – e Rangel (oficioso) – adotado pelos
moradores na busca de se livrar do estigma da cidade, sendo um lugar tranquilo, familiar e
de trabalhares. É analisada, assim, a tentativa de salvar a face do bairro e dos seus
moradores, o que faz com que estes moradores construam estigmas de lugares e indivíduos
dentro do bairro.
A violência urbana se apresenta como a tônica dos discursos na e sobre a cidade,
principalmente pela mídia local, que contribui na construção do imaginário social do medo
e do sentimento de descriminação e exclusão social nos moradores dos bairros
estigmatizados por esse imaginário da cidade. Processa-se uma vivência cotidiana no ato
de amor e de desamor à cidade, fomentando o sentimento ambivalente da pertença. Koury
compreende que ―pertencer é uma noção vivida pela tensão entre o ontem e o hoje, entre o
eu e o outro, entre a solidariedade e o medo e entre o si situar e ver e hierarquizar os outros
e ser por eles situados‖ (p. 150). O autor apresenta a cidade de João Pessoa em processo
contínuo de modernização e crescimento urbano, que mescla elementos tradicionais e
modernos nas suas formas de sociabilidade. Aspectos que causam uma transformação nos
hábitos e costumes da cidade, que passa, aos poucos, de um lugar de reconhecimento para
um lugar de estranhamento e evitação do outro. A cidade é analisada enquanto polifonia,
como espaço imaginado e do imaginário, compreendida a partir do seu aspecto relacional.
A análise de Koury aponta para as várias visões que existem sobre a cidade, onde
esses olhares são definidos a partir do lugar de fala, da experiência e da realidade social de
cada indivíduo. Neste sentido a cidade de João Pessoa é constituída por um conjunto
diverso de habitantes que vivem a cidade de diferentes maneiras, seja de forma semelhante,
distinta ou até antagônica. Esta resenha discutiu o livro Etnografias Urbanas sobre
Pertença e Medos na Cidade conforme uma elaboração possível do mosaico científico que
este estudo permite construir sobre a cidade, na ótica da pertença e dos medos/medos
corriqueiros, a partir da relação entre emoções, cultura e sociedade. Este livro se apresenta
como um importante instrumento para o estudo e a compreensão da cidade de João Pessoa,
sendo uma leitura significativa para dialogar e construir problemáticas de pesquisa, bem
como para inserção no campo da Antropologia das Emoções e da Antropologia Urbana.
SOBRE OS AUTORES
Ângelo Moreira Pereira
Graduado em Ciências Sociais, UNICV - Universidade Pública de Cabo Verde. E-Mail:
angelo.pereiracj@gmail.com.
Diogo da Cruz Ferreira
Doutorando em Políticas Sociais do PPGPS/UENF. Membro do Grupo de Pesquisa
Cidades, Espaços Públicos e Periferias (CEP28). E-Mail: cruzdiogo@yahoo.com.br.
Ernest W. Burgess
Nascido em 1886 e falecido em 1966, Burgess destacou-se como um dos clássicos da
terceira geração Escola de Chicago. Seus estudos em Sociologia e Antropologia Urbana
destacam uma preocupação com os mundos sociais da Metrópole Chicago em processo de
urbanização e de modernização.
Gabriela Vergara
Doutora em Ciências Sociais. Pesquisadora Adjunta do CONICET na Universidad
Nacional de Villa María, Córdoba, Argentina (CONICET-UNVM). Pesquisadora do CIES
(Centro de Investigaciones y Estudios Sociológicos) e do GESSYCO (Grupo de Estudios
Sociales sobre Subjetividades y Conflicto) da Universidad Nacional de Villa María
(Córdoba, Argentina), e Docente da UCES (Universidad de Ciencias Empresariales y
Sociales), Sede Rafaela (província de Santa Fe, Argentina). E-Mail:
gabivergaramattar@gmail.com.
Ignacio Pellón
Mestrando em Trabalho Social com ênfase em Intervenção Social (FCS-UNC), Diplomado
Superior em Desenvolvimento Local, Territorial e Economia Social (FLACSO, Argentina)
e Licenciado en Comércio Internacional (Universidad Siglo 21). Integrante do Programa
de Estudos sobre Ação Coletiva e Conflicto Social (CIECS - CONICET y UNC).
Pesquisador do Centro de Investigaciones y Estudios Sociológicos (CIES) e membro da
equipe editorial de Onteaiken. E-Mail: pellonignacio@gmail.com.
Jesus Marmanillo
Doutor em Sociologia pelo PPGS da Universidade Federal da Paraíba. Professor na
Universidade Federal do Maranhão. E-Mail: jesusmarmanillo@hotmail.com.
José Rogério Lopes
Doutor em Ciências Sociais (PUC-SP), Professor dos PPGs em Ciências Sociais Unisinos,
RS, e em Desenvolvimento Regional da UFT, TO. Bolsista em Produtividade em Pesquisa
CNPq. E-Mail: jrlopes@unisinos.br.
Jussara Freire
Professora do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense.
Professora permanente do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional,
Ambiente e Políticas Públicas – PPGDAP /UFF. Professora colaboradora do Programa de
Pós Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte-Fluminense Darcy
Ribeiro (PPGPS/UENF). Membro do Coletivo de Estudos sobre violência e sociabilidade