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Análise Psicológica (2010), 3 (XXVIII): 451-464

Sentimento de comunidade, qualidade


e satisfação de vida

SUSANA ELVAS (*)


MARIA JOÃO VARGAS MONIZ (**)

INTRODUÇÃO No nosso estudo procurámos perceber a


relação existente entre o sentimento de pertença
Com este artigo aprofundamos aspectos gerais, e a satisfação e qualidade de vida, num grupo de
relacionados com as questões do sentimento de jovens, de dois bairros residenciais da cidade de
comunidade e os seus principais contributos, Lisboa. Em termos práticos, foi realizada uma
nomeadamente a qualidade e satisfação de vida, investigação de carácter exploratório, com 15
associados a contextos comunitários de vizinhança, participantes do Bairro do Armador e 15 do
como um bairro residencial. Frequentemente é Bairro de Alfama, dos 7 aos 15 anos de idade,
possível observar comunidades cada vez mais todos eles, destinatários de projectos locais de
coesas e organizadas para a resolução dos seus intervenção comunitária. Os resultados do estudo
próprios problemas. Esta mobilização dos corroboram a importância de um forte senti-
cidadãos, nos processos de decisão a favor da mento de pertença e de identidade em relação ao
comunidade, contribui significativamente para o bairro de residência para a satisfação e qualidade
aumento do sentimento de comunidade. Assim, de vida dos jovens. Deste modo, consideramos
quanto maior a integração e satisfação perante que o sentimento de comunidade contribui
uma comunidade, maiores serão os benefícios
positivamente para a promoção de programas
individuais e comunitários. A nível individual, um
comunitários essenciais ao desenvolvimento de
maior sentimento de comunidade traduz-se em
comunidades sustentáveis e saudáveis.
níveis mais elevados de bem-estar, qualidade e
satisfação de vida; sentido de justiça e capital
social; menor solidão e isolamento. A nível Do envolvimento comunitário ao sentimento
comunitário, identifica-se uma maior colaboração de comunidade e à satisfação de vida
e força comunitária, mobilização e participação
em torno da mudança social. Segundo Ornelas “recentemente é possível
observar em Portugal que as comunidades estão
(*) Licenciada em Desenvolvimento Comunitário e cada vez mais a organizar-se para resolver os
Saúde Mental pelo ISPA-IU; Mestre em Psicologia seus próprios problemas, são disso exemplo, as
Comunitária pelo ISPA-IU. E-mail: elvas.susana@ mobilizações a que temos assistido em áreas
gmail.com.
como: o ambiente, a segurança ou a vontade
(**) ISPA-IU, Rua Jardim do Tabaco, 34, 1149-041
Lisboa / Associação para o Estudo e Integração expressa de influenciar o planeamento dos seus
Psicossocial. próprios bairros” (Ornelas, 1998, p. 5).

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Esta mobilização e envolvimento em torno Para McMillan e Chavis, o sentimento de
dos problemas comunitários numa localidade comunidade baseia-se em quatro elementos
específica contribuem, significativamente para o essenciais que definem as qualidades específicas
aumento do sentimento de comunidade e do conceito. Estes elementos são: fazer parte de;
identidade lugar. Falar em sentimento de influência; integração e satisfação das necessi-
comunidade está “relacionado com o facto de se dades e partilha de ligações emocionais, que são
pertencer a um grupo ou comunidade, no qual as definidos como sendo “o sentimento que os
pessoas se consideram elas próprias como membros têm de pertença, o sentimento que os
similares, agindo de forma interdependente para membros importam para um outro membro e
a satisfação das suas necessidades” (Prezza & para o grupo, e a convicção de que as necessi-
Constantini, 1998, p. 181). dades dos membros serão alcançadas através de
A esta mobilização e envolvimento dos um compromisso de união” (McMillan &
cidadãos nos processos de decisão a favor da Chavis, 1986, p. 9).
comunidade denominamos por participação Segundo Gusfield (1975), as comunidades das
comunitária. A participação comunitária não se sociedades modernas desenvolvem-se positiva-
resume apenas a um suporte ou ajuda entre mente pelos interesses e pelos territórios
membros de um determinado grupo, envolve partilhados. Se existir um elevado sentimento de
também o seu contributo efectivo nas decisões comunidade é mais provável que as pessoas se
com impacto na mudança social. Este tipo de mobilizem, no sentido de participarem nas
participação pode acontecer através de formas soluções dos seus próprios problemas. O
muito diversificadas e incidir em áreas como a sentimento de comunidade promove para um
qualidade de vida nos bairros, as questões ambi- maior sentimento de identificação e uma maior
entais, as questões de segurança e a prevenção autoconfiança, facilita as relações sociais, combate
da violência interpessoal (Dalton, Elias, & a solidão e o anonimato (Prezza & Constantini,
Wandersman, 2001). 1998). contribuindo para o aumento da qualidade
de vida e bem-estar individual.
Comunidade e sentimento de comunidade
Sentimento de comunidade, qualidade e
A maior parte das pessoas compreende satisfação de vida
intuitivamente o significado de sentimento de
comunidade. No entanto, esta é uma ideia As investigações realizadas mostram que um
complexa, composta por vários elementos e, forte sentimento de comunidade reflecte um
longe de ser um conceito ultrapassado, o senti- maior sentimento de protecção e segurança nos
mento psicológico de comunidade ou simples- bairros ou grupos, através de uma maior adesão
mente sentimento de comunidade, é um conceito a actos eleitorais, uma maior preocupação nas
sócio-psicológico que dá ênfase à experiência da questões ambientais, mais colaboração e inter-
comunidade, ou seja, percepciona e compreende ajuda e mais voluntariado (Cantillon, Davidson,
atitudes e sentimentos de uma comunidade, bem & Schweitzer, 2003; Chavis & Wandersman,
como, o relacionamento e interacções entre 1990; Davidson & Cotter, 1989; Zani,
pessoas desse mesmo contexto. Cicognani, & Albanesi, 2001, citados por Pretty,
Sarason (o pai do sentimento de comunidade), Conroy, Dugay, Fowler, & Williams, 1996, p.
em 1974, descreveu o sentimento psicológico de 368). A academia também deu a conhecer, que
comunidade como, “o sentimento de que fazemos um forte sentimento de comunidade está
parte de uma rede de relacionamento de suporte associado a um baixo índice de doenças mentais,
mútuo, sempre disponível e da qual podemos suicídios, abusos sexuais de crianças, diminuição
depender” (Sarason, 1974, p. 1). O sentimento de da criminalidade, melhor qualidade ambiental
comunidade transcende o individualismo e nos bairros e fortalecimento das pessoas
mantém-se na interdependência do relaciona- (Chipuer & Pretty, 1999; Glynn, 1981; Pretty,
mento com os outros e nas expectativas que temos Andrews, & Collett, 1994; Prezza & Constantini,
deles” (Pretty, Andrewes, & Collet, 1994, p. 347). 1998; Roach & O’Brien, 1982, citados por

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Pretty, Conroy, Dugay, Fowler, & Williams, São poucos os estudos que averiguam a relação
1996, p. 368). existente entre o sentimento de comunidade e a
Segundo Amaro (2007), o sentimento de qualidade e satisfação de vida percebida de forma
comunidade ajuda as organizações e instituições subjectiva. Contudo, Pretty, Andrews, e Collet
a identificar as necessidades e a estabelecer (1994) realizaram uma investigação com um
prioridades nas comunidades; avaliar a saúde grupo de adolescentes, demonstrando que a
global das comunidades; valorizar os bairros ausência do sentimento de comunidade num
individualmente e a cidade como um todo; bairro leva à solidão e ao isolamento, quando
desenhar e avaliar intervenções sociais, retirada a influência da comunidade gerada pela
económicas e de promoção da saúde; planear escola e pela vizinhança (Prezza & Constantini,
novas comunidades e fortalecer as existentes. O 1998).
sentimento de comunidade está no centro de Os estudos de Prezza e Constantini (1998)
todos os esforços para fortalecer e construir indicaram que o sentimento de comunidade era
uma comunidade, nascendo de um propósito maior numa pequena localidade comparativa-
colectivo que valoriza a diversidade cultural, mente com uma grande cidade, onde o sentimento
bem como a singularidade (Sarason, 1974). de pertença era sentido de forma menos intensa,
O relatório Europeu da Fundação para verificando-se assim que o sentimento de comuni-
Melhorar a Vida e as Condições de Trabalho de dade está relacionado com a qualidade das
2006 contribui para a compreensão, entre outros relações sociais e com a percepção do suporte
aspectos, de como a satisfação de vida e o social recebido (Prezza & Constantini, 1998).
sentimento de pertença e identificação são Deste modo, quanto maior o suporte social
recebido, maior é a qualidade das relações sociais,
conceitos e realidades que se interligam e que são
a auto-estima, a satisfação de vida e, consequen-
imprescindíveis para um entendimento de um
temente, maior é o sentimento de comunidade.
bem-estar subjectivo inerente à satisfação e
Mais tarde, Prezza, Amici, Roberti, e
qualidade de vida. O bem-estar subjectivo engloba
Tedeschi (2001) desenvolveram estudos onde é
três dimensões importantes: a satisfação global de
possível verificar a relação entre o sentimento de
vida; a felicidade e o sentimento de pertença.
comunidade quer com as relações de vizinhança,
O modelo geralmente aceite do subjectivo
quer com a satisfação de vida, bem como a
bem-estar refere que a sua conceptualização diz relação existente entre a ausência do sentimento
respeito a uma componente afectiva (isto é, de comunidade e a solidão e o isolamento.
emoções positivas e negativas) e a uma Contudo, as ligações encontradas entre o senti-
componente cognitiva com a satisfação de vida mento de comunidade e a satisfação de vida são
(Diener, Emmons, Larsen, & Griffin, 1985). A mais evidentes em pequenos contextos
satisfação de vida é directamente influenciada territoriais e comunitários. Em contextos de
pelas suas componentes e largamente definida maiores dimensões, esta relação não se confirma.
por referências específicas e dominantes da vida, Ao contrário das expectativas dos autores, em
como a família, os amigos, o próprio, os contextos territoriais e comunitários de maiores
vizinhos, o trabalho, a escola e o ambiente dimensões, o sentimento de comunidade está
envolvente (Diener et al., 1985). mais relacionado com as relações de vizinhança
O modelo multidimensional de satisfação de do que com a satisfação de vida e inversamente
vida não se foca apenas numa avaliação global com o isolamento e a solidão. No entanto, os
ou geral da satisfação de vida, mas na derivação autores defendem que na medida em que as
de perfis de satisfação de vida, julgados em relações sociais de vizinhança contribuem para
domínios chave da vida. Por exemplo, Huebner um maior sentimento de comunidade e para
(2004) propôs uma hierarquia no modelo de prevenir a solidão e o isolamento, podem
satisfação vida com cinco domínios específicos, promover, desta forma, a satisfação de vida
tais como: escola, família, amigos, próprio e (Prezza, Amici, Roberti, & Tesdeschi, 2001).
ambiente envolvente, que incluem um factor Deste modo, em contextos de maiores dimen-
geral da satisfação de vida. sões, o sentimento de comunidade pode ser

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controlado por outras e varáveis, como o suporte avaliar o nível de percepção de satisfação de vida
social e as redes de suporte social (Prezza, nas crianças e jovens através de cinco domínios
Amici, Roberti, & Tesdeschi, 2001). importantes da vida das crianças e jovens: família;
Outros estudos, desenvolvidas por vários amigos; próprio; escola e ambiente envolvente
autores, demonstram que o sentimento de (subescalas de análise). A conceptualização desta
comunidade pode revelar-se de várias formas, escala providencia uma análise multidimensional
seja através da participação comunitária activa das crianças e jovens no que diz respeito à
(Davidson & Cotter, 1991), seja através do bem- satisfação de vida, contribuindo para intervenções
estar e da qualidade de vida subjectivos específicas que promovam o bem-estar positivo
(Davidson & Cotter, 1991; Pretty, Andrewes, & dos participantes. Este instrumento é constituído
Collett, 1994; Pretty, Conroy, Dugay, Fowler, & por 40 itens ou afirmações referentes à percepção
Williams, 1996; Prezza & Constantini, 1998). global de satisfação de vida. As quarenta
Contudo, qualquer um destes estudos suporta a afirmações encontram-se aleatoriamente
possibilidade, de considerar que o sentimento de distribuídas pelos cinco domínios já referidos da
comunidade funciona como um indicador percepção de satisfação de vida.
subjectivo de qualidade de vida. A outra escala que compõem o nosso
No nosso estudo foi pertinente averiguar a instrumento de investigação é o Índice de
relação existente entre a percepção do Sentimento de Comunidade (SCI), desenvolvido
sentimento de comunidade numa determinada por McMillan e Chavis (1986). Esta escala tem
comunidade de residência e o nível percebido de como objectivo a medição e avaliação do
satisfação global de vida em crianças e jovens, sentimento de comunidade através dos seguintes
nos mais diversos domínios, tais como: amigos; elementos: fazer parte de; influência; integração
família; vizinhos; próprio e escola. e satisfação das necessidades; e partilha de
ligações emocionais. A escala é composta por 12
itens ou afirmações, referentes ao sentimento de
METODOLOGIA comunidade de um bairro de residência ou de um
grupo comunitário. As doze afirmações
Foi seleccionada para o estudo uma amos- encontram-se subdivididas em quatro subescalas
tragem por conveniência com 30 participantes que integram os quatros elementos integrantes
dos 7 aos 15 anos de idade, sendo 16 pertencentes do sentimento de comunidade.
ao sexo feminino e 14 ao sexo masculino. Do total O resultado final foi um instrumento de
da amostra, 15 dos participantes residem no Bairro avaliação com 52 itens, as primeiras 40 questões
do Armador e participam no Projecto de Inclusão sobre a satisfação e qualidade de vida e as
Social de Crianças e Jovens do Armador últimas 12 sobre o sentimento de comunidade
(PISCJA), do Bairro do Armador. Os outros 15 percepcionado pelos nossos participantes, que
participantes residem no Bairro de Alfama e responderam de acordo com uma escala de likert
integram o Projecto Recrear, Olhar, Descobrir e com cinco opções de resposta fechada. Refe-
Acolher (RODA), da Associação de Tempos rimos, ainda, que o instrumento de investigação
Livres de Alfama (ATLA). sofreu algumas alterações após a realização de
Os Bairros do Armador e de Alfama, situados um pré-teste num grupo de crianças de N=5 dos
nas freguesias de Marvila e de Santo Estêvão 7 aos 12 anos de idade. Com este pré-teste foi
respectivamente, estão ambos localizados na possível verificar que nas questões com a mesma
cidade de Lisboa, o primeiro na zona central de cor, de acordo com as categorias em análise, os
Lisboa, em Chelas e o segundo, no sudeste da participantes tendiam a responder de forma
capital. igual, copiando o resultado da questão anterior
O instrumento adoptado para a recolha de da mesma cor. Deste modo, o instrumento
dados resultou de uma compilação de duas adoptado para a investigação foi administrado
escalas. Uma, tendo por base a Escala nos tons neutros de preto e branco e também
Multidimensional de Satisfação de Vida das sofreu algumas correcções ao nível do
Crianças (MSLSS) (Huebner, 2004), que permite vocabulário, tornando-se num texto de fácil

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compreensão para o escalão etário dos participantes, acreditando firmemente nos
participantes, crianças e adolescentes, dos 7 aos benefícios de uma investigação participativa e
15 anos de idade. Optámos também pela colaborativa, sem barreiras institucionais entre a
substituição da escala de likert tradicional, com facilitadora e os colaboradores do estudo. A
opções entre o 1 (não concordo totalmente) e o 5 investigação e a metodologia utilizada, para além
(concordo totalmente), por smiles totalmente de permitir o conhecimento teórico nesta área com
fechados, fechados, sem expressão, abertos e esta população, transmitiu às crianças e jovens
totalmente abertos, com a possibilidade para envolvidos a adequação possível entre a
pintar a opção desejada. pedagogia e o lúdico e a importância de abordar
O modo de administração do questionário foi aspectos relevantes para os próprios. A grande
variável, consoante a idade do participante e, maioria dos nossos participantes nunca tinha
consequentemente, a sua capacidade para ler e participado num estudo ou investigação, onde
compreender cada questão, e responder o mais fossem eles os agentes primordiais e centrais de
perto da realidade vivenciada, através do uma investigação colaborativa e onde lhes fosse
preenchimento individualizado do mesmo, com permitido expressar livremente as opiniões e
ou sem ajuda da facilitadora. Assim, quando o vontades, sem pressões e julgamentos. Para os
participante sabia ler e escrever, a forma resultados encontrados também foi importante, a
utilizada foi o auto-preenchimento do empatia da investigadora com os participantes, na
questionário fechado, sem a intervenção da medida em que o instrumento era demasiado
investigadora, embora pudesse recorrer à sua longo, o que dificultava a concentração até ao fim.
ajuda caso necessitasse de algum tipo de
esclarecimentos. Este tipo de procedimento
implicava que a aplicação do questionário fosse RESULTADOS
operacionalizada num grupo pequeno, com os
participantes ligeiramente afastados entre si. Por Expõe-se, em seguida, uma síntese dos
outro lado, caso a criança ou jovem não soubesse resultados. Começamos por apresentar a análise
ler, escrever e/ou entender as questões, a forma descritiva dos dados demográficos dos partici-
de inquirir era a entrevista semi-directiva, onde a pantes por bairro, para ter em consideração as
facilitadora lia as questões ao participante e este características da amostra em estudo. Seguida-
pintava a opção para a resposta desejada. Para mente, apresentamos a análise inferencial da
este tipo de procedimento a aplicação do principal questão de investigação.
questionário foi realizada individualmente. Como já foi referido, 15 dos participantes da
Nesta fase de recolha e levantamento de nossa amostra pertencem ao Bairro do Armador
dados, os técnicos responsáveis pelos projectos e outros 15 ao Bairro de Alfama, perfazendo um
PISCJA e RODA facilitaram o processo, total de 30 crianças e jovens, dos 7 aos 15 anos
aplicando eles próprios os questionários às de idade. No que diz respeito ao género dos 30
crianças e jovens com quem estão diariamente. participantes, as frequências estão mais ou
Nestes casos, a recolha e levantamento de menos equilibradas, sendo que 53.3% (16)
informação correspondem a uma metodologia pertencem ao sexo feminino e os restantes 46.7%
não-directiva. A administração do instrumento, (14) pertencem ao sexo masculino. No Bairro do
no caso das crianças e jovens do Bairro do Armador (N=15) a maioria dos participantes,
Armador, foi realizada numa sala da Biblioteca cerca de 73.3% (11) pertencem ao sexo feminino
Sophia de Mello de Breyner Andersen e, no caso e os outros 26.7% (4) são do sexo masculino. No
das crianças e jovens do Bairro de Alfama, foi Bairro de Alfama cerca de 66.7% (10) são do
realizada nas instalações da Associação de sexo masculino e os restantes 33.3% (5)
Tempos Livres de Alfama. pertencem ao sexo feminino.
Relativamente ao modo de administração do Relativamente ao escalão etário dos 30
nosso instrumento de estudo, foi evidente ao participantes, a grande maioria, cerca de 40%
longo de toda a investigação, a existência de uma (12), situa-se entre os 10 e aos 12 anos de idade,
boa relação pessoal entre a investigadora e os cerca de 36.7% (11) representam os participantes

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entre os 7 e os 9 anos, sendo que os restantes cerca de 73% andam no 1º ciclo e os outros
23.3% (7) representam o escalão etário dos mais restantes 27% no 2º ciclo.
velhos, dos 13 aos 15 anos de idade. No Bairro do A constituição do agregado familiar dos 30
Armador a maioria das idades dos participantes, participantes é variável. A grande maioria das
cerca de 46.7% (7), situa-se entre os 10 e os 12 crianças e jovens, 33.3% (10), residem com os
anos de idade. No Bairro de Alfama, a maioria das pais e irmãos, 23.3% (7) estão inseridos em
idades dos participantes, 60% (9), situa-se no famílias monoparentais, residindo apenas com a
escalão etário dos mais novos, entre os 7 e os 9 mãe e irmãos, e cerca de 16.7% (5) residem
anos de idade (ver Gráfico 1). apenas com os pais, sendo filhos únicos. Em
Em relação ao nível de escolaridade dos relação ao Bairro do Armador, cerca de 26.7%
participantes dos dois bairros, cerca de 56.7% (17) (4) residem só com os pais, outros 26.7% (4)
das crianças frequentam o 1º ciclo, 36.7% (11) dos residem em famílias monoparentais, só com a
jovens estão matriculados no 2º ciclo e só apenas mãe e irmãos. No que diz respeito ao Bairro de
6.7% (2) frequentam o 3º ciclo. No Bairro do Alfama, a maioria dos participantes, 53.3% (8),
Armador, por ser uma amostra composta por residem com os pais e os irmãos, cerca de 20%
participantes mais velhos, 47% dos participantes (3) residem apenas com a mãe e os irmãos. Os
frequentam o 2º ciclo, 40% o 1º ciclo e os restante restantes participantes, em ambos os bairros,
13% o 3º ciclo. No Bairro de Alfama, por ser uma residem com os pais, irmãos e avós ou só com os
amostra mais jovem, a maioria dos participantes, pais ou só com os avós (ver Gráfico 2).

GRÁFICO 1
Dados demográficos relativos ao escalão etário da amostra

GRÁFICO 2
Dados demográficos relativamente ao agregado familiar da amostra

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Feita a caracterização da nossa amostra, categoria, o Bairro do Armador apresenta
iremos proceder à análise descritiva das homogeneidade nas respostas para a maioria
categorias que compõem a escala de satisfação das questões. A grande maioria dos participantes
de vida (família; amigos; próprio; escola e responderam entre as opções mais cotadas que,
ambiente envolvente) e das categorias da escala neste caso, são representadas pelas opções
de sentimento de comunidade (fazer parte de; “concordo” e “concordo muito”. Ainda nesta
influência; integração e satisfação das categoria, existem perguntas com alguns
necessidades e partilha de ligações emocionais), outliers, ou seja, que respondem à pergunta não
em separado por categorias e por bairro, de acordo com o padrão de resposta verificado
identificando desta forma características (ver Gráfico 3). No Bairro de Alfama esta
importantes para o nosso estudo.
categoria apresenta uma grande satisfação ao
Importa referir que designaremos por B1 o
nível dos amigos, pois os participantes
Bairro do Armador e por B2 o Bairro de Alfama.
respondem sempre positivamente às afirmações.
Relativamente às questões que compõem o
questionário, algumas assumem uma conotação Relativamente à qualidade do tempo que passam
positiva e outras uma compreensão negativa com os seus amigos, as opiniões divergem entre
para a vida do sujeito, as quais designaremos por o “concordo” e o “discordo”, o que demonstra
questões positivas e negativas. uma grande percepção da realidade do contexto
A categoria Amigos é composta pelas que vivem com os seus amigos. Mas no que se
questões “os meus amigos são simpáticos refere à diversão com os amigos e à quantidade
comigo”, “os meus amigos são bons”, “os meus dos amigos, quase todos os participantes
amigos ajudam-me quando preciso”, “os meus concordam totalmente que se divertem muito
amigos tratam-me bem” e os “meus amigos com os seus amigos e que têm bastantes amigos
significam muito para mim”. Em relação a esta (ver Gráfico 4).

GRÁFICO 3
Categoria Amigos do Bairro do Armador

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GRÁFICO 4
Categoria Amigos, do Bairro de Alfama

A categoria Família, no Bairro do Armador, é inquiridos concordam totalmente com as afir-


a que apresenta mais homogeneidade de mações apresentadas. Importa ainda referir que
respostas para todas as questões, ou seja, para para a questão “a minha família é a melhor de
todas as perguntas relativas à família a grande todas” os sujeitos na sua maioria concordam
maioria dos participantes respondeu entre as favoravelmente com a afirmação, excepto o
opções “concordo” e “concordo muito”. Para os sujeito número 12 que discorda totalmente.
jovens dos 10 aos 15 anos de idade, que A categoria Escola, no Bairro do Armador,
representam a grande maioria dos participantes não apresenta grandes irregularidades nas res-
neste bairro, esta homogeneidade de resposta postas apresentadas. Os participantes concordam
parece-nos uma realidade positiva, numa fase em e concordam muito que a escola é interessante,
que os jovens querem conquistar a sua que aprendem muito na escola e que, inclusiva-
independência em relação às suas próprias mente, gostam das actividades escolares, algo
famílias. Em relação ao Bairro de Alfama, a bastante positivo de verificar em crianças/jovens
categoria Família também apresenta um grande dos 10 aos 15 anos de idade. No Bairro de
nível de satisfação por parte deste grupo, o que Alfama, na categoria Escola, verificamos que as
seria de esperar num grupo maioritariamente questões elaboradas numa perspectiva positiva,
constituído por crianças até aos 9 anos de idade, como “eu aprendo muito na escola”, “eu olho à
onde se verifica ainda uma grande ligação volta quando vou para a escola”, “eu gosto de
emocional à família. Assim, nas questões “eu estar na escola”, “a escola é interessante” e “eu
gosto de passar tempo com os meus pais”, “eu gosto das actividades escolares”, apresentam
gosto de estar em casa com a minha família”, “os como tendência de resposta uma grande
meus pais tratam-me bem” e “os meus pais eu satisfação ao nível da escola. No que diz respeito
fazemos coisas divertidas em conjunto” todos os às questões formuladas numa perspectiva

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negativa, analisaremos em separado. Assim, para vizinhos”, onde os participantes concordam
as questões “eu sinto-me mal na escola” e totalmente com a afirmação. Para as questões
“existem muitas coisas na escola que eu não “existem muitas coisas interessantes para fazer
gosto” as respostas divergem entre o “concordo” onde eu moro”, “neste bairro existem pessoas
e o “discordo”, ou seja, nem todos os partici- importantes” e “a casa da minha família é
pantes entrevistados se sentem bem na escola e agradável” os resultados são idênticos, estando
nem todos gostam das coisas que existem na os sujeitos tendencialmente satisfeitos nestes
escola. Finalmente, para a última questão itens. Para terminar, na questão que avalia no
formulada na negativa (“eu desejo não ir à geral o gostar de viver no bairro, quase todas as
escola”), a grande maioria dos participantes crianças e jovens que compõem a amostra
discordam, o que quer dizer que quase todos os concordam totalmente que gostam de viver no
participantes desejam frequentar a escola, o que bairro em questão.
seria de esperar, uma vez que é na escola que as A categoria Próprio, para o Bairro do
crianças e jovens têm os seus amigos para Armador, é a única categoria formada apenas por
conviverem, mesmo que não gostem da compo- questões na positiva e com uma conotação
nente pedagógica da escola, gostam do lado favorável, sendo a que apresenta mais homoge-
mais lúdico e relacional da escola. neidade nas respostas. No Bairro de Alfama,
No Bairro do Armador, a categoria Ambiente nesta categoria verificamos que praticamente
Envolvente, surge com uma grande percentagem todos os sujeitos concordam com as afirmações a
de participantes que concordam e concordam este nível, o que nos leva a concluir uma elevada
muito, quando questionados se gostam de viver satisfação na componente que diz respeito ao
no bairro, tanto pelas coisas interessantes que foro íntimo e próprio de cada participante.
podem fazer como também pelas pessoas Em relação à categoria fazer parte de, da
importantes que lá residem. Relativamente, as escala de Sentimento de Comunidade, o Bairro
questões de reforço, ou seja, que questionam o do Armador não evidencia grandes oscilações de
mesmo, mas de forma diferente, estas deveriam resposta para a primeira e segunda pergunta que
apresentar semelhante tipologia gráfica. No compõem a categoria. Relativamente à questão
entanto, nas questões “eu gosto da minha “são poucos os meus vizinhos que me conhecem”
vizinhança” e “eu gosto dos meus vizinhos” as os participantes dividem-se entre a opção
respostas não apresentam grande concordância “concordo” e “discordo”. Nesta categoria, no
como podemos verificar, o que nos leva a Bairro de Alfama, os participantes consideram
concluir que os participantes tiveram alguma que conhecem a maioria das pessoas que vivem
dificuldade em compreender, por exemplo, o no bairro mas, por outro lado, afirmam que são
significado de vizinhança, o que foi demonstrado poucos os vizinhos que os conhecem a eles. Na
verbalmente por alguns dos sujeitos. Outro questão “eu sinto-me em casa neste bairro”
aspecto interessante de registar é o facto da quase todos os sujeitos afirmam que concordam
maioria dos participantes afirmarem que gostam totalmente.
da sua vizinhança, mas também gostariam de No Bairro do Armador, na categoria de
morar noutro lugar, o que nos leva a concluir influência, os participantes não consideram-se
que, apesar das relações entre vizinhos serem grandes agentes com influência no bairro, nunca
boas, gostariam de habitar noutro espaço físico. demonstrando uma concordância total nas
No entanto, a grande maioria dos sujeitos na questões elaboradas para avaliar o grau de
questão “a casa da minha família é agradável” influência. Desta forma, analisa-se que a grande
respondem que concordam com a afirmação, maioria dos sujeitos “discordam” e “discordam
registando-se apenas alguns outliers que totalmente” em relação ao poder e influência que
discordam totalmente. Analisando esta mesma os participantes sentem sobre a realidade do
categoria, Ambiente Envolvente, no Bairro de bairro. Já em relação ao Bairro de Alfama, nesta
Alfama, verificamos que existe muita concor- componente de influência sobre o bairro as
dância em questões similares, como “eu gosto da opiniões dividem-se, com metade dos partici-
minha vizinhança” e “eu gosto dos meus pantes a concordar totalmente com as afirmações

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e a outra metade a discordar. A última afirmação A última categoria em análise da escala
que refere “eu preocupo-me com o que os meus Sentimento de Comunidade diz respeito à
vizinhos pensam acerca das minhas atitudes”, partilha de ligações emocionais. No Bairro do
constatamos que as opiniões divergem entre o Armador verificamos concordância em duas das
“concordo totalmente” ao “discordo totalmente”, questões que caracterizam a categoria e que se
o que seria de esperar neste grupo etário tão cruzam no seu significado. Assim, em relação
novo, onde as crianças e os jovens que ainda não aos items “é muito importante viver neste
se preocupam com o que os outros pensam bairro” e “espero viver neste bairro por muito
acerca do que fazem. tempo” os sujeitos, na sua maioria, afirmam
Para a categoria integração e satisfação das que “concordam” e “concordam totalmente”
necessidades, no Bairro do Armador, verifica- com as afirmações. Contudo, apesar de sentirem
mos uma divergência significativa nas questões uma ligação emocional muito forte em relação
apresentadas. A grande maioria dos participantes ao bairro, todos os sujeitos do grupo afirmam
para a questão “eu penso que o meu bairro é um que, por vezes, as pessoas no bairro não se dão
bom sítio para viver” afirmam que “concordam” umas com as outras, ou seja, ocasionalmente têm
e “concordam muito”, no entanto para a pergunta algumas divergências entre si, mas que isso não
“as pessoas neste bairro não têm as mesmas impede a forte ligação emocional por parte das
atitudes” grande parte dos sujeitos referem que crianças e jovens entrevistados no que diz
respeito ao bairro onde vivem. No Bairro de
“concordam” e “concordam totalmente” com a
Alfama, nesta categoria, registamos que a grande
afirmação. Relativamente, “aos meus vizinhos e
maioria dos participantes concorda com as
eu queremos as mesmas coisas do bairro” os
afirmações, o que demonstra uma forte ligação
inquiridos dividem-se entre o “concordo” e o
emocional ao bairro. Em relação à afirmação “as
“discordo”. Para esta mesma categoria no Bairro
pessoas neste bairro, às vezes não se dão umas
de Alfama, temos grande parte dos sujeitos que
com as outras” as opções dividem-se, ou seja,
concordam que “o bairro é um bom sítio para metade dos participantes considera que as
viver” o que demonstra uma grande satisfação e pessoas do bairro por vezes não se relacionam
integração no bairro de residência. Para a bem umas com as outras e outros sujeitos
questão “os meus vizinhos e eu queremos as pensam que não, todos os residentes no bairro se
mesmas coisas do bairro”, também temos que a relacionam bem.
grande maioria dos participantes a concordarem Para terminar a nossa apresentação dos resul-
com a afirmação. Para finalizar e em relação ao tados e respondendo à nossa questão principal de
item“as pessoas neste bairro não têm as mesmas investigação, onde pretendíamos verificar a rela-
atitudes” verificamos também que as respostas ção positiva e direccional entre o sentimento de
divergem entre a opção “concordo” e a opção comunidade e a satisfação de vida, comprovámos,
“discordo”, o que demonstra que nem todos os através do coeficiente de correlação de Pearson,
sujeitos consideram que as pessoas no bairro que o nível de correlação entre as duas variáveis
tenham as mesmas atitudes. em estudo é relativamente forte (ver Quadro 1).

QUADRO 1
Coeficiente correlação Pearson para as variáveis Satisfação de Vida e Sentimento de Comunidade
Total Satisfação de Vida Total Sentimento de Comunidade
Total Satisfação de Vida Pearson Correlation 1 ,605(**)
Sig. (1-tailed) ,000
N 27 27
Total Sentimento de Comunidade Pearson Correlation ,605(**) 1
Sig. (1-tailed) ,000
N 27 30
Nota. ** Correlação significativa em 0.01 (1-valor absoluto).

460
Este coeficiente de correlação permite avaliar qualidade do intercâmbio pessoal (relaciona-
a magnitude ou direcção da associação existente mento interpessoal) em prol de contextos
entre duas variáveis em estudo, quando estas saudáveis e sustentáveis a níveis pessoais e
assumem um nível de mensuração pelo menos comunitários (Davidson & Cotter, 1991).
ordinal. Isto significa que um aumento de Contudo, a relação existente entre o sentimento
magnitude, de uma das variáveis está directa- de comunidade e a satisfação e qualidade de vida
mente associado a um aumento linear da outra é pouco explorada teoricamente e poucos
variável, ou seja, o aumento significativo da estudos publicados existem nesta área. Com este
variável independente sentimento de comuni- estudo pretendemos dar resposta à questão
dade pressupõe também um aumento do nível da principal de investigação, relacionada com a
variável dependente satisfação de vida. existência de uma ligação forte e direccional
Visto o quadro em cima, verificamos que o entre o sentimento de comunidade e a satisfação
nível de correlação entre as duas variáveis em e qualidade de vida.
estudo, é relativamente forte, uma vez que, é No grupo de jovens participantes, residentes
superior ao valor zero e ligeiramente superior a de dois bairros da cidade de Lisboa (Armador e
0.5. Isto significa que um aumento de magnitude Alfama), foi possível encontrar uma correlação
de uma das variáveis tem associado um aumento significativa entre o sentimento de comunidade e
linear da outra variável, ou seja, o aumento a satisfação e qualidade de vida, garantindo,
significativo da variável sentimento de comuni- desta forma, a consistência interna da expe-
dade pressupõe também um aumento do nível da riência do terreno e da teoria da academia.
variável satisfação de vida, o vice-versa também Quanto maior for a intensidade dos elementos
é válido. que identificam e definem as qualidades
Também verificamos que existem diferenças específicas do sentimento de comunidade,
como: fazer parte de, influência, integração e
relevantes entre estas variáveis nos dois grupos.
satisfação das necessidades e partilha de
Ou seja, no bairro considerado mais histórico,
ligações emocionais em relação a uma
antigo e típico de Lisboa, como o Bairro de
comunidade de residência, maior serão os
Alfama, onde estão presentes ligações mais
benefícios quer a nível individual, quer a nível
fortes de vizinhança e ligações de identificação
comunitário. Para os indivíduos, o benefício
com a comunidade de residência, existe um
resultante do sentimento de comunidade
maior grau de sentimento de pertença e de
providencia índices subjectivos de qualidade e
identidade com o bairro e, consequentemente,
satisfação de vida, como podemos verificar com
visto ser proporcional, um maior nível de o nosso grupo de participantes. O facto de as
satisfação e qualidade de vida. No Bairro do pessoas apresentarem maior sentimento
Armador, um bairro de realojamento social comunidade para com um grupo e/ou um bairro,
relativamente recente, ainda se encontram em reflecte-se num maior sentimento de pertença,
fase de construção e intensificação as relações num maior sentimento de controlo e influência
socais de vizinhança e a identificação ao lugar de sobre o grupo, possibilitando, deste modo, uma
residência. satisfação real das necessidades tendo em conta
as capacidades do grupo e a história em comum,
possibilitando também uma ligação emocional e
um investimento face ao grupo (Davidson &
REFLEXÕES E CONCLUSÕES
Cotter, 1991).
A investigação realizada nesta área tem
Para a presente investigação, optámos por evidenciado que quanto maior for a intensidade
escolher como objecto de análise o sentimento do sentimento de comunidade, maior serão os
de comunidade, um dos valores da Psicologia benefícios a nível individual e a nível comuni-
Comunitária, porque este conceito tem assumido tário. A nível individual, um maior sentimento
um papel central no campo da Psicologia de comunidade reflecte-se no aumento do bem-
Comunitária, nos últimos anos. Este refere-se à estar individual (Dalton & Elias, 2001), da

461
qualidade e satisfação de vida individual (Dalton bem-estar dos seus membros no decurso dos
& Elias, 2001), do sentido de justiça social processos de mudança (Ornelas, 1998).
(Dalton & Elias, 2001), da saúde mental “O Sentimento de comunidade e de pertença
(Davidson & Cotter, 1991), do capital social em relação a uma vizinhança, a preocupação
(Tennent, Farrell, & Tayler, 2005), num maior demonstrada pelos outros e o acreditar que
sentimento de identificação e de autoconfiança alguém se preocupa com o(a) próprio(a) são
(Prezza & Constantini, 1998), maiores níveis de atitudes cruciais que podem apoiar ou desen-
participação comunitária (Dalton & Elias, 2001) corajar a participação” (Ornelas, 2002, p. 11). Se
e menor sentimento de solidão (Prezza, Amici, o nosso objectivo for a compreensão do
Roberti, & Tesdeschi, 2001). A nível colectivo, envolvimento cívico e da participação comuni-
os resultados da investigação apontam para que tária, as associações de vizinhança devem ser
a relação entre o sentimento de comunidade e vistas como foco ideal para a intervenção, pois
uma: maior colaboração e força comunitária oferecem aos cidadãos a oportunidade de
(Dalton & Elias, 2001); maior mobilização da discutir os problemas da comunidade com os
comunidade para as soluções dos seus vizinhos.
problemas comuns (Prezza & Constantini, 1998) Cada vez mais verificamos uma maior orga-
e maior construção do sentido de comunidade. nização e mobilização das comunidades em
A melhoria da qualidade e satisfação de vida tornos dos seus próprios problemas e necessi-
percepcionada através do sentimento de pertença dades, com base nas suas potencialidades e
a uma comunidade é directamente influenciada, recursos: Este envolvimento e participação dos
por componentes específicas e dominantes da cidadãos, numa localidade específica e nos
vida, como a família, os amigos, a escola, o processos de decisão a favor da comunidade,
próprio, os vizinhos e o bairro. No Bairro de contribui significativamente para o aumento do
Alfama, onde verificamos um maior sentimento sentimento de pertença e identidade de comuni-
de pertença ao bairro, também constatamos um dade e promove um maior índice de satisfação e
maior nível de qualidade e satisfação de vida, qualidade de vida dos indivíduos.
comparativamente com o Bairro do Armador, o Como o objectivo da presente investigação foi
que demonstra a importância do ambiente a análise do sentimento de comunidade em
envolvente na vida das pessoas. crianças e jovens de dois bairros residenciais
Para os indivíduos, numa primeira instância, e diferentes e a relação encontrada entre a satisfação
para a comunidade, os níveis de qualidade e e qualidade de vida, optámos por entrevistar os
satisfação de vida funcionam como experiências nossos participantes sobre aspectos como o
e recursos positivos para proteger a saúde bairro (ambiente envolvente) e os vizinhos para
biopsicossocial. A participação activa na comu- aferir o nível percepcionado de sentimento de
nidade, o envolvimento efectivo em organi- comunidade e os aspectos relacionados com o
zações políticas e a mobilização comunitária próprio, a família, a escola e os amigos, para
em torno dos problemas sociais, afastam por investigar o índice de satisfação e qualidade de
completo níveis baixos de satisfação de vida, os vida percepcionada. No nosso estudo concluímos
quais estão mais relacionados com situações de que as crianças e jovens com maiores índices de
depressão, rejeição pessoal, solidão, comporta- qualidade e satisfação de vida são as mesmas
mentos agressivos, consumo de álcool e abuso que apresentam maior envolvimento cívico no
de substâncias químicas. bairro de residência e, consequentemente, maior
Os fenómenos resultantes do envolvimento sentimento de comunidade.
cívico e da participação comunitária na comu- Desta forma e de um modo geral, os resultados
nidade de residência, para além de permitirem obtidos demonstram uma relação significativa
um real entendimento da noção de comunidade, existente entre as duas variáveis em estudo, ou
resultam num excelente mecanismo para a seja, o sentimento de comunidade e a satisfação
resolução dos problemas comunitários, para a de vida. Assim, o aumento da magnitude do
emergência do sentimento de pertença e para o sentimento de pertença e de identificação a uma
desenvolvimento de um maior nível de coesão e comunidade está associado a um aumento linear

462
do nível de satisfação e qualidade de vida Diener, E., Emmons, R., Larsen, R., & Griffin, S.
individual, como podemos verificar mais signifi- (1985). The satisfaction with life scale. Journal of
Personality Assessment, 49(1), 71-75.
cativamente com o grupo de crianças e jovens
residentes do Bairro de Alfama. Gusfield, J. R. (1975). The community: A critical
Para finalizar, gostaríamos ainda de incluir response. New York: Harper Colophon.
algumas pistas e indicações para futuras e novas Huebner, E. S. (2004). Research on assessment of life
investigações. Seria interessante utilizar o satisfaction of children and adolescents. Social
mesmo instrumento de investigação em outros Indicators Research, 66, 3-33.
estudos teóricos, uma vez que o instrumento que McMillan, D. W. (1996). Sense of community. Journal
avalia a satisfação de vida é bastante rico, no of Community Psychology, 24(4), 315-325.
que diz respeito à análise e comparação entre as McMillan, D., & Chavis, D. (1986). Sense of
diversas categorias. Futuramente, poder-se-ia community: A definition and theory. American
também realizar um estudo de triangulação com Journal of Community Psychology, 14(1), 6-23.
outros actores chaves para estes participantes, Ornelas, J. (1998). II Congresso Europeu de Psicologia
como pais, vizinhos, amigos e/ou professores e Comunitária: Sessão de abertura. Comunicação
fazer um estudo etnográfico para análise e apresentada no II Congresso Europeu de Psicologia
cruzamento de dados destes mesmos parti- Comunitária (pp. 3-7). Instituto Superior de
Psicologia Aplicada: Lisboa.
cipantes nos seus contextos reais de integração e
intervenção. Por outro lado, o alargamento desta Ornelas, J. (2002). Participação, empowerment e
investigação aos adultos permitiria verificar se liderança comunitária. Comunicação apresentada
na III Conferência Desenvolvimento Comunitário e
existem diferenças significativas comparativa- Saúde Mental (pp. 5-13). Instituto Superior de
mente com os jovens. À semelhança da inves- Psicologia Aplicada: Lisboa.
tigação realizada por Prezza, Amici, Roberti e
Pretty, G., Andrewes, L., & Collet, C. (1994). Exploring
Tesdeschi, em 2001, em três diferentes regiões,
adolescents’ sense of community and its
seria também interessante aplicar este estudo em relationship to loneliness. Journal of Community
comunidades de diferentes dimensões e carac- Psychology, 22(4), 346-358.
terísticas, para analisar as possíveis diferenças
Pretty, G., Conroy, C., Dugay, J., Fowler, K., &
entre o ambiente urbano e o rural. Williams, D. (1996). Sense of community and its
relevance to adolescents of all ages. Journal of
Community Psychology, 24(4), 365-379.
Prezza, M., & Constantini, S. (1998). Sense of
REFERÊNCIAS
community and live satisfaction: Investigation in
three different territorial contexts. Journal of
Amaro, J. P. (2007). Sentimento psicológico de Community & Applied Social Psychology, 8, 181-
comunidade: Uma revisão. Análise Psicológica, 194.
XXV(1), 25-33. Prezza, M., Amici, M., Roberti, T., & Tedeschi, G.
Dalton, J., & Elias, M. (2001).What is community (2001). Sense of community referred to the whole
psychology. Community psychology linking town: Its relations with loneliness, life satisfaction
and area of residence. Journal of Community
individual and communities (pp. 3-25). Wadwarth:
Psychology, 29(1), 29-52.
Thomson Learning.
Sarason, S. (1974). The perception and conception of a
Dalton, J., Elias, M., & Wandersaman (2001). community. The psychological sense of
Understanding sense of community. Community community: Prospects for a community psychology
psychology linking individual and communities (pp. 130-160). San Francisco: Jossey-Bass.
(pp. 186-217). Wadwarth: Thomson Learning.
Tennent, L., Farrell, A., & Tayler, C. (2005). Social
Davidson, W. B., & Cotter, P. R. (1991). The capital and sense of community: What do they
relationship between sense of community and mean for young children’s success at school? (pp.
subjective well being: A first look. Journal of 1-13). Queensland University of Techonology,
Community Psychology, 19(3), 246-253. Brisbone Australia.

463
RESUMO ABSTRACT

O sentimento de comunidade percebido numa The perceived sense of community in a specific


localidade específica, como num bairro residencial, location, as in a residential neighbourhood, provides
providencia vários benefícios, quer a nível individual, several benefits, both individual and community level.
quer a nível comunitário. A nível individual, quanto At the individual level, the greater the sense of
maior for o sentimento de comunidade, maior será a community, greater participation in the community,
participação nos processos da comunidade, maior será the higher capital and social support received by the
o capital e suporte social percebido através das neighbourly relations and greater satisfaction and
relações em vizinhança e maior será a satisfação e quality of life. At community level, the higher for the
qualidade de vida. A nível comunitário, quanto maior sense of identity and belonging, the greater community
for o sentimento de identidade e de pertença, maior empowerment, promoting healthy and sustainable
será a capacitação comunitária, promovendo
communities.
comunidades saudáveis e sustentáveis.
In our study, the participants were children and
Em termos práticos, foi realizada uma investigação
adolescents, 15 from Armador Neighbourhood and 15
com 15 participantes no Bairro do Armador e 15 no
Bairro de Alfama, dos 7 aos 15 anos de idade, destina- from Alfama Neighbourhood, with ages ranging from
tários de projectos intervenção comunitária nos respec- 7 to 15 that were making part in local projects of
tivos bairros. communitarian intervention.
Com este estudo aferimos a relação encontrada e a With this study, we evaluate this relation and the
importância de um forte sentimento de pertença e de importance of a strong sense of belonging, identity
identidade lugar, para a satisfação e qualidade de vida, with the place, to life satisfaction and quality of life,
como sendo uma estratégia eficaz para a promoção do considering it as a efficacious strategy to promote
desenvolvimento comunitário. Community Development.
Palavras chave: Comunidade, Desenvolvimento Key words: Community, Community development,
comunitário, Satisfação e qualidade de vida, Senti- Life satisfaction and quality of life, Sense of
mento de comunidade. community.

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