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psicologia,
saúde e
sociedade
ORGANIZAÇÃO:
ANDRÉ FARO
ELDER CERQUEIRA-SANTOS
JOILSON PEREIRA DA SILVA
JULIAN TEJADA
pesquisas em
psicologia,
saúde e
sociedade
Bibliografia.
ISBN 978-65-88956-02-1
23-148217 CDD-150
Conselho editorial
Coordenação
Leopoldo Fulgencio
Eduardo Leal Cunha
ORGANIZADORES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 472
AUTORES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 473
Prefácio
Eduardo Leal Cunha
Universidade Federal de Sergipe
pessoas queridas, entre outros) (Lima, Silva, Vasconcelos, & Macena, 2019;
(WHO, 2019). Situações de emergência, a exemplo de desastres produzidos
por causas naturais (furacões, secas, enchentes, etc.) e tragédias associadas à
ações humanas (incêndios, guerras, violência urbana, acidentes automobilísti-
cos, aéreos, de trabalho, entre outros.) tendem a ser traumáticas, pois costumam
gerar sérias alterações na vida das pessoas, como danos materiais/econômicos,
físicos e psicológicos (Alves, Lacerda, & Legal, 2012). Essas situações caóticas
normalmente causam grande desorganização psicológica, sensação de risco
iminente, sentimentos negativos (raiva, desespero, etc.), distúrbios do sono,
hipervigilância, ansiedade e depressão (Vasconcelos & Cury, 2017).
Quando alguém querido morre de forma inesperada e/ou trágica (por
morte em acidentes automobilísticos, tiroteios ou repentina por motivo de
doenças como Infarto Agudo do Miocárdio), a perda, na maioria das vezes,
é intensamente dolorosa e sentida como uma separação brusca e violenta que
ocasiona sentimentos de ausência, vazio e saudade (Costa, Schenker, Njaine, &
Souza, 2017; Souza, 2017). Assim, familiares de sobreviventes de tragédias e
desastres também são considerados vítimas, uma vez que essas pessoas podem
ser grandemente afetadas e traumatizadas psicologicamente.
A violência sexual é um dos ET que ocorre com maior frequência. Diz res-
peito ao ato sexual consumado ou não, sem o consentimento de uma das partes
ou é qualquer conduta que force a pessoa a presenciar relação sexual, que induza a
comercializar sua sexualidade, que impeça a vítima de usar métodos contraceptivos
ou que obrigue ao matrimônio, gravidez, aborto e prostituição mediante qualquer
tipo de imposição, manipulação e controle (Decker et al., 2018). As principais ví-
timas desse tipo de violência são crianças e mulheres devido à dominação dos mais
velhos sobre os mais novos e das desigualdades nas relações de gênero existentes
na sociedade (Decker et al., 2018). Crianças e mulheres que sofreram violência
sexual tendem a enfrentar maiores problemas de saúde e a procurarem com maior
frequência atendimentos de saúde ao longo da vida (Organização Mundial da
Saúde [OMS], 2018).
Violência física é outro tipo de ET bastante comum. Trata-se da força física
empregada contra alguém que resulte ou tenha uma alta probabilidade de resul-
tar em danos à saúde, sobrevivência, desenvolvimento ou dignidade da pessoa.
Bater, morder, queimar, sacudir, sufocar, estrangular e outros comportamentos
violentos, são considerados violência física. Tal modalidade de violência pode
ser identificada através de sinais físicos como hematomas, fraturas, cicatrizes,
queimaduras, etc. (Mohamed & Naidoo, 2014). Além disso, a violência física
20 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
(2006) foram os responsáveis pela tradução da escala para o português e pela sua
adaptação e validação para o contexto brasileiro. O QUESI pode ser aplicado
em adolescentes com mais de 12 anos e em adultos e possui 28 itens que ser-
vem para mensurar diversas formas de abuso ocorridos na infância (emocional,
físico, sexual e negligência) (Grassi-Oliveira et al., 2006). Alguns anos depois
da publicação da versão brasileira do QUESI por Grassi-Oliveira et al. (2006),
Brodski, Zanon e Hutz (2010) analisaram as propriedades psicométricas des-
ta escala. Os autores verificam uma estrutura trifatorial para a escala (abuso
emocional, abuso sexual e abuso físico) e constataram que a versão proposta por
eles possui validade fatorial para cada um dos fatores e índices de consistência
interna satisfatórios. O instrumento contém 21 itens e a modalidade de resposta
é Likert de cinco pontos, na qual “1” significa que nunca ocorreu, “2” significa
que ocorreu poucas vezes, “3” significa que ocorreu às vezes, “4” significa que
ocorreu muitas vezes e “5” significa que ocorreu sempre (Brodski et al., 2010).
Por fim, há o Childhood Experiences of Care and Abuse (CECA) (Bifulco,
Brown, & Harris, 1994) que também tem a sua versão em português: Escala de
Cuidado (EC) (Carvalho et al., 2018). O CECA avalia experiências de cuidado
(negligência, antipatia, perda parental, abuso físico e sexual) desde a infância
até os 17 anos. A escala original contém 16 itens e é respondida duas vezes,
uma em relação à mãe e outra em relação ao pai. A versão em português possui
apenas 12 itens visto que alguns itens (7, 8, 11 e 15) não apresentaram qualida-
des psicométricas satisfatórias para se manterem na escala. Deste modo, a EC
exibiu qualidades psicométricas adequadas para ser utilizada em estudantes, na
população geral e em populações com psicopatologia depressiva.
Considerações finais
No presente capítulo foi conduzida uma revisão narrativa da literatura.
Buscou-se reunir e apresentar informações relevantes sobre ET, incluindo as-
pectos como: os tipos mais comuns; suas repercussões físicas, psicológicas e
sociais; seus impactos sobre a saúde mental; algumas variáveis de enfrentamento
e adaptação positiva utilizadas diante da exposição aos ET e as medidas mais
utilizadas para a sua avaliação.
Quanto aos tipos de ET, foi possível verificar que desastres ou tragédias,
acidentes, a perda inesperada e/ou trágica de pessoas queridas e violência inter-
pessoal (violência física, violência sexual, negligência e abuso psicológico) têm
sido evidenciados como os mais recorrentes. Por meio desta revisão, foi possí-
vel constatar também que a exposição aos ET pode diferir entre populações.
28 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
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34 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
Desenvolvimento e sexualidade
A vivência da sexualidade é um processo de interação entre desenvolvi-
mento humano e inserção no grupo social (Ramos & Cerqueira-Santos, 2020).
Os aspectos individuais e sociais interferem constantemente no desenvolvi-
mento sexual humano, mesmo os aspectos biológicos da sexualidade devem
ser analisados em conjunto com a dimensão social e cultural (Vandenbosch,
2018). Nessas dimensões, as noções de continuidade e inseparabilidade da tríade
sexo-gênero-desejo na sexualidade dos indivíduos são instauradas. Instalada nas
normas sexuais essa ideologia propõe um sistema normativo de estruturação da
sexualidade, baseado no binarismo e na heterossexualidade compulsória (Rich,
1980; 2008), que inserem indivíduos na socialização sexual.
Conforme revisado por Ramos e Cerqueira-Santos (2020), a socialização é
um processo longitudinal de aprendizado: as condutas, símbolos códigos, normas,
processos e diversos outros elementos que são compartilhados com os indivíduos
possibilitam sua inserção na sociedade (Shtarkshall, Santelli, & Hirsch, 2007).
Os estímulos ambientais contribuem mediando o desenvolvimento do indivíduo
(Vandenbosch, 2018). É através dessa jornada que o sujeito formula, por exem-
plo, seus roteiros sexuais. Portanto, a socialização sexual é, de modo geral, um
processo intrapsíquico, interpessoal e sociocultural (Gagnon & Simon, 1973),
afinal todos esses diferentes sistemas são partícipes dessa formulação.
Considerações finais
As discussões teóricas e empíricas seguem a endossar que é preciso olhar
para os fatores macroculturais, a fim de compreender como e quais representa-
ções sociais sobre o gênero são reforçadas ou apagadas nos diversos contextos
nos quais ocorre o processo de desenvolvimento ao longo do ciclo vital. É
fundamental também avaliar os efeitos de ambientes virtuais e a exposição a
diferentes referenciais aos quais as crianças e adolescentes têm acesso através
das plataformas de mídias digitais.
Cabe ressaltar que as diferenças e similaridades da expressão da estereoti-
pia de gênero entre crianças adotadas por casais homoparentais e heterossexuais
não devem ser avaliadas como positivas e negativas em si (Cerqueira-Santos
& Bourne, 2015). Uma estereotipia de gênero saliente em ambas as estruturas
familiares não informa um indicador de saúde, ajustamento e de sucesso parental
apenas por atender ao que espera a norma social de papéis de gênero. Na avalia-
ção das diferenças entre crianças de pais/mães heterossexuais e homossexuais,
verifica-se um maior bem-estar e melhor relação parental, bem como índices
mais positivos de ajustamento psicológico infantil em famílias chefiadas por
casais homossexuais (Golombok et al., 2014).
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Capítulo 2 – Elder Cerqueira-Santos e Isabelle Haaiara Andrade Barbosa 49
Bem-estar subjetivo
Aristóteles (1973), filósofo do período clássico da Grécia Antiga, defendeu
em “Ética a Nicômaco” que a felicidade se constituía como a finalidade última
das ações humanas. Dentro do campo da psicologia, até pouco tempo, se dava
pouca atenção para o estudo da felicidade, na medida em que se priorizava o
estudo da infelicidade e do sofrimento humano (Diener, 1984). Na atualida-
de, o construto do BES vem sendo bastante utilizado nas áreas de SM, QV
e gerontologia social, a partir de um movimento iniciado a partir da década
de setenta, quando cientistas sociais e comportamentais passaram a estudar e
trabalhar sobre a teoria (Giacomoni, 2004). Segundo Diener (1984), o termo
“felicidade” passou a ser indexado no Psychological Abstracts a partir de 1973,
enquanto que as publicações em grande volume acerca do BES surgiram a partir
de 1974, com a fundação do periódico Social Indicators Research.
O BES tem a sua origem na Psicologia Positiva, área que se dedica ao
estudo científico das emoções positivas, das forças e virtudes humanas, estando
relacionado a avaliação que cada pessoa faz sobre sua vida, a partir de aspec-
tos como SV, felicidade e frequência em que experimentam emoções positivas
e negativas (Albuquerque & Tróccoli, 2004; Seligman & Csikszentmihalyi,
2000). De acordo com Jesus (2006), a avaliação do bem-estar não se dá apenas
pela soma da quantidade de momentos de satisfação do sujeito, mas sobretudo,
a partir da orientação geral positiva do sujeito mediante os eventos da vida.
Esse constructo ganha força na medida em que a Psicologia Positiva as-
sume uma tendência de pesquisas que passam a enfocar temáticas atreladas a
Capítulo 3 – Francisco Vitor Soldá de Souza e Joilson Pereira da Silva 55
Neste movimento, ao longo dos anos, foram propostos dois modelos cau-
sais de BES, a saber: processos base-topo (bottom-up) e todo base (top-down). O
modelo base-topo (bottom-up) considera que o BES surge a partir do somatório
de situações que envolvem bem-estar e SV, a partir dos vários domínios da vida
(Jesus, 2006). Para Simões et al. (2000), esse modelo encara o BES a partir de
uma perspectiva cumulativa de experiências positivas (agradáveis), ao entender
que ao avaliar a sua satisfação global com a vida, o sujeito efetua um tipo de cál-
culo mental que engloba as satisfações particulares experimentadas em cada um
dos domínios (trabalho, família, lazer, entre outros). Com isso, o entendimento
de uma vida agradável seria constituído pelo acúmulo de momentos prazerosos.
Essa perspectiva está pautada na filosofia atomística e reducionista de Locke, que
postulava que a mente é uma tabula rasa (em branco) a ser moldada pelas experiên-
cias, ao passo que as sensações atuam como o reflexo objetivo do mundo externo
(Simões et al., 2000).
As teorias topo-base (top-down), segundo Jesus (2006), partem da perspec-
tiva de que as pessoas possuem uma predisposição para vivenciar de forma mais
positiva as suas experiências de vida. Para Diener (1984), existe uma inclinação
global para experienciar as coisas a partir de uma óptica positiva. Em outras
palavras, “a pessoa experimenta prazeres, porque é feliz, e não vice-versa” (p.
565). Essa perspectiva, segundo Simões et al. (2000), está pautada na filosofia
kantiana, que considera o sujeito não como um ser passivo, mas como um ser
ativo e organizador das suas experiências.
Para Freire (2001), na atualidade, o BES vem sendo descrito como a ava-
liação que o indivíduo faz da sua vida em aspectos gerais, ou, de seus domínios.
Essa avaliação parte de seus próprios padrões, valores e crenças, sendo um
componente importante da QV e do EBS. Para a estudiosa, esse constructo está
associado à capacidade do indivíduo para adaptar-se aos processos de perdas e
declínios atrelados ao processo de envelhecimento, a fim de recuperar-se dos
eventos estressores, dos possíveis impactos negativos causados pelas influências
biossociais e pela redução da capacidade de reserva biológica e comportamental.
Para Andrews e Crandall (1976), o BES é constituído a partir de três
dimensões, a saber: SV, AP e AN. Para os estudiosos, a dimensão SV refere-se
a um componente cognitivo, enquanto que as dimensões AP e AN englobam
os componentes afetivos. Para Freire (2001), o BES cognitivo refere-se às ava-
liações cognitivas, atrelada ao julgamento que o sujeito faz sobre a SV; e o BES
afetivo está relacionado às reações emocionais, que se referem às experiências
emocionais agradáveis e desagradáveis, que constituem um contexto psicológico
Capítulo 3 – Francisco Vitor Soldá de Souza e Joilson Pereira da Silva 57
de natureza afetiva, que contribuem para que o sujeito organize seus pensamen-
tos e emita suas ações.
O BES afetivo, a partir dos indicadores AP e AN, pode ser expressado
a partir da avaliação que o sujeito realiza acerca da frequência de emoções
positivas e negativas ao longo de sua experiência (Diener et al, 1999). Neste
sentido, a percepção de BES afetivo será mediada pela maior prevalência de
emoções positivas ou negativas. Para Diener (1984), o BES Cognitivo, através
do indicador SV, por sua vez, refere-se a uma avaliação crítica da própria vida,
a partir de aspectos racionais e intelectuais, podendo ser influenciada pela di-
mensão afetiva, mas não é em si mesma uma medida emocional. Desta forma,
a avaliação de SV global está relacionada a uma avaliação cognitiva positiva
acerca dos diferentes aspectos e domínios da vida, ou de contextos específicos
de sua vida (Diener et al, 1999).
Para Medeiros (2020), em termos de caracterização, o BES assume duas
perspectivas gerais, a saber: 1) abordagem hedônica, que entende o bem-estar a
partir da maximização dos AP e evitação da dor, a partir da consideração dos as-
pectos físicos e emocionais, com foco para as necessidades e desejos individuais;
e a 2) abordagem eudaimônica: centrada no significado/propósito de vida e a
autorrealização, a partir da consideração de aspectos como: autonomia, virtudes,
valores e construção de relações sociais sólidas, que desdobram em benefícios
a outras pessoas também. Ainda segundo o autor, pessoas que buscam o bem-
-estar a partir de uma abordagem hedônica acabam obtendo resultados mais
imediatos, porém, de curta duração, enquanto que os indivíduos que assumem
uma abordagem eudaimônica podem demorar a observar e sentir os benefícios,
porém, a durabilidade desses efeitos é prolongada.
A abordagem eudaimônica proposta por Ryff (1989), que buscou apresentar
uma estrutura básica para o bem-estar a partir do âmbito psicológico, compreende
seis dimensões essenciais, sendo: 1) autoaceitação, relacionada a uma atitude po-
sitiva em relação a si mesmo; 2) relações positivas com os outros, a partir de um
relacionamento afetuoso, confiável e caloroso com as outras pessoas; 3) autonomia,
atrelada a níveis de independência e regulação de comportamentos através de
referenciais próprios; 4) domínio sobre o ambiente, a partir da escolha ou criação
de ambientes adequados para as suas condições psíquicas; 5) propósito de vida,
vinculada ao senso de direção, intencionalidade e metas na vida e 6) crescimento
pessoal, a partir da abertura a novas possibilidades (Ryff & Singer, 2008).
Para Diener et al. (1997), o BES não deve ser concebido como sinônimo
de SM ou saúde psicológica, uma vez que o indivíduo pode se considerar feliz e
58 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
Bem-estar subjetivo
Satisfação de necessidades
Escola
básicas materiais
Satisfação com
domínios da vida
Lazer Não-violência
Self Família
Considerações finais
A literatura científica acerca do bem-estar de crianças tem reforçado o
modelo multidimensional do BES infantil, ao ratificar a multidimensionali-
dade do construto, composto por um componente afetivo e um componente
Capítulo 3 – Francisco Vitor Soldá de Souza e Joilson Pereira da Silva 69
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Capítulo 4
Meu filho está doente, e agora?
Parentalidade e adoecimento crônico infantil
Ariane de Brito
Katia Teruya
Descobri que meu filho tem uma doença sem cura, e agora?
A presença de um novo membro na família faz emergir nos pais, memó-
rias de sua própria infância, modelos parentais, ideias, medos e expectativa em
relação ao futuro dessa criança, pensamentos que passam a ser revistos diante
da informação sobre o diagnóstico de doença crônica da criança. Dos primei-
ros sintomas até o recebimento do diagnóstico, a família vivencia sentimentos
de angústia, tristeza, nervosismo, ansiedade e medo, assim como preocupação
quanto ao destino daquela criança (Silva et al., 2010). Mudanças de ordem
financeira, ocupacional, pessoal e relacional devem se dar em um curto espaço
de tempo, configurando-se em um duplo desafio para esses pais, que precisam
assimilar as informações relativas à doença ao mesmo tempo em que já devem
iniciar a implementação das modificações necessárias ao tratamento (Salvador
et al., 2015). Os caminhos que se seguirão a partir dessa experiência inicial vai
depender, muito em parte, das estratégias empregadas pelos membros da família
diante de adversidades (Mendonça Gondim et al., 2009; Hoekstra-Weebers,
2001; Salvador et al., 2015).
Umas das primeiras mudanças vivenciadas diz respeito a perdas finan-
ceiras, ocasionada pelo abandono parcial ou total do emprego de um dos pais,
geralmente a mãe, para que possa dedicar-se às novas necessidades da criança,
como realização de consultas e exames periódicos, assim como outros cuidados
pertinentes à saúde do seu filho ou filha (Nóbrega et al., 2012; Silva et al., 2010).
O afastamento do cuidador principal do ambiente familiar por longos períodos,
seja para acompanhar a criança a um atendimento clínico fora da cidade de
residência, seja devido à uma hospitalização, pode desencadear uma série de
repercussões intrafamiliares, tanto no cuidado parental às outras crianças como
na relação conjugal (Silva et al., 2010). Somam-se a esse cenário, os impactos
negativos na qualidade ou extensão dos momentos de lazer da família, que
também são sentidos, assim como falta de compreensão e apoio social, o que
pode contribuir de forma expressiva para o aumento da sobrecarga do cuidador
principal (Nóbrega et al., 2012; Silva et al., 2010).
78 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
Asma
De modo geral, sabe-se que a forma como os pais reagem ao diagnóstico
de doença crônica do filho é em grande parte decisiva para o enfrentamento pa-
rental futuro à doença (Stepney, Kane, & Bruzzese, 2011). Diversas estratégias
de enfrentamento podem ser ensinadas e conduzidas por diferentes profissionais
de saúde (enfermeiros, médicos, psicólogos, etc.) para motivar os pais/cuidadores
a melhor gerenciar a doença de seu filho logo no início do diagnóstico. Stepney
et al. (2011) utilizaram o modelo trifásico de enfrentamento para desenvolverem
uma proposta de intervenção para pais/cuidadores de crianças com asma recém-
-diagnosticadas. Segundo este modelo, os pais/cuidadores vivenciam três fases
de enfrentamento após o diagnóstico de doença crônica pediátrica, a saber: Fase
A: Crise Emocional, Fase B: Enfrentando a Realidade e Fase C: Recuperando
a Vida. Assim, o objetivo da intervenção é auxiliar esses pais/cuidadores a al-
cançarem e/ou permanecerem na Fase C. Estratégias como encorajar os pais/
cuidadores a expressarem seus sentimentos, a buscarem apoio emocional com
pessoas próximas ou com profissionais especializados em saúde mental, bem
como o ensino de habilidades parentais para manejo do tratamento da doença,
parecem auxiliar o alcance desse objetivo (Stepney et al., 2011).
Intervenções remotas também têm sido desenvolvidas e avaliadas quanto
a sua viabilidade e aceitabilidade nesse contexto. Para exemplificar, tem-se o
estudo conduzido por Foronda et al. (2021) que avaliou uma intervenção remota,
oferecida por enfermeiros, para pais/cuidadores de crianças recém-diagnostica-
das ou não com asma. Os autores compararam duas versões da intervenção: a
primeira constituída por uma sessão de educação virtual e a segunda composta
por uma sessão de educação virtual e uma visita de telessaúde; e avaliaram o
efeito preliminar das intervenções no nível de conhecimento dos pais/cuidadores
sobre asma, sono, ansiedade e sintomas depressivos (avaliados nos momentos
de pré e pós intervenção).
Na sessão de educação virtual foram trabalhados os seguintes aspectos
educacionais: Compreender como uma criança com asma respira; Identificar os
Capítulo 4 – Ariane de Brito e Katia Teruya 81
Diabetes tipo 1
Considerando que pais de crianças e adolescentes recém-diagnosticadas
com diabetes tipo 1 (DM1) geralmente experimentam níveis elevados de incer-
teza e sofrimento psicológico, Hoff et al. (2005) propuseram uma intervenção
para pais de crianças e adolescentes que tinham sido diagnosticados com DM1
nos últimos seis meses. Os autores trabalharam com o conceito de ‘incerteza da
doença’, que diz respeito à experiência cognitiva que os pais vivenciam em relação
ao significado incerto e imprevisível dos eventos associados à doença do filho
e aos seus resultados. Sendo assim, a intervenção teve como objetivo diminuir,
neste momento de maior risco, a incerteza e o sofrimento psicológico parental.
Tratou-se de um ensaio clínico randomizado, onde 59 pais (mãe: n = 34;
pai: n = 25) foram aleatoriamente distribuídos em dois grupos (Grupo Controle
e Grupo Intervenção). Todos os pais responderam a questionários de autorre-
lato sobre incerteza parental (Parent Perception of Uncertainty Scale – PPUS),
82 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
Câncer
O sofrimento psicológico parental também é prevalente após o diagnóstico
de câncer infantil, no entanto, as intervenções psicológicas logo após esse diag-
nóstico têm se mostrado um desafio e poucas foram realizadas com sucesso no
início da experiência do câncer (Fedele et al., 2013; Rosenberg et al., 2019). O
estresse, o ajuste de demandas de cuidado e o exigente tratamento acabam por
dificultar a participação dos pais/cuidadores nesse tipo de intervenção devido
ao tempo demandado, fazendo com que só após o agravamento do sofrimento
parental que a busca por ajuda profissional acontece (Rosenberg et al., 2019).
No entanto, o acesso precoce à intervenção faz necessário para apoiar o enfren-
tamento parental e familiar neste âmbito.
Visando promover a resiliência de pais/cuidadores de crianças com doen-
ças graves como o câncer, Yi-Frazie et al. (2017) adapataram a intervenção
PRISM (Promoting Resilience in Stress Management) para os pais (PRISM-P:
Promoting Resilience in Stress Management for Parents) com base nas teorias de
estresse e enfrentamento, resiliência e Psicologia Positiva. Essa intervenção foi
inicialmente projetada para adolescentes e adultos jovens com câncer e seus
resultados estiveram associados positivamente à maior resiliência relatada pelo
paciente, qualidade de vida, esperança, e menor sofrimento psicológico. Nos
pais/cuidadores, os resultados foram testados em um estudo piloto (Yi-Frazie
et al., 2017) e depois Rosenberg et al. (2019), por meio de um estudo randomi-
zado, testaram a eficácia da intervenção em dois diferentes formatos: individual
e em grupo, em comparação com os cuidados psicossociais usuais entre pais de
crianças recém-diagnosticadas com câncer.
Na proposta de formato individual, o PRISM-P foi constituído por quatro
sessões, a cada duas semanas, com 60 minutos de duração máxima, e condu-
zidas por um psicólogo com nível de Doutorado. Em cada uma das sessões foi
trabalhado um recurso diferente (1- gerenciamento do estresse; 2- habilidades
de definição de metas e acompanhamento do progresso; 3- reenquadramento
cognitivo, tal como habilidades para reconhecer conversas internas negativas e
reavaliar experiências de forma realista, senão otimista; 4- descoberta de bene-
fícios). As sessões, de acordo com a preferência dos pais/cuidadores, poderiam
ocorrer por telefone ou de forma presencial juntamente com as internações
Capítulo 4 – Ariane de Brito e Katia Teruya 85
Considerações finais
O cuidado à criança com uma doença crônica demanda uma série de inicia-
tivas de adaptações individuais e compartilhadas entre os integrantes da família,
gerando repercussões em diferentes esferas na dinâmica entre seus membros.
86 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
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Capítulo 5
Resiliência e seu impacto na saúde
e no desenvolvimento infantil
Laís Santos-Vitti
Karina da Silva Oliveira
Tatiana de Cassia Nakano
Letícia Lovato Dellazzana-Zanon
pressupõe-se que possam existir outros fatores que tornam as crianças mais
ou menos adaptadas às adversidades.
Neste sentido, é importante ponderar que existem diferenças importantes
entre os conceitos de resiliência e de invulnerabilidade. A noção de invulnerabi-
lidade traz consigo a ideia de que o indivíduo é “indestrutível” e que “não sofre”
efeitos do evento adverso experimentado (Oliveira, 2021). Por sua vez, o conceito
de resiliência apresenta-se mais complexo e ampliado, uma vez que entende que
há um efeito percebido e/ou experimentado pelo indivíduo e que este indivíduo
lança mão de recursos internos e externos para apresentar a adaptação positiva
após a experiência de um evento adverso (Masten, 2021; Rutter, 2012).
Com a adoção do termo resiliência, inúmeras propostas de definição foram
apresentadas ainda que nenhuma tenha sido assumida como consensual (Bran-
dão & Nascimento, 2019). Nota-se relativa concordância entre os pesquisadores
em afirmar que a resiliência seja um fenômeno também humano, uma vez que
é possível observar processos de adaptação positiva em outros seres vivos e em
outras áreas do conhecimento como, por exemplo, a física (Masten, 2021; Yu-
nes, 2003). Também, nota-se consenso sobre a resiliência ser uma habilidade
presente indistintamente entre os seres humanos (Masten, 2001, 2021), que se
desenvolve e pode se manifestar ao longo da vida (Infante, 2007; Masten, 2001;
Poletto, Wagner, & Koller, 2004).
Segundo Castillo, Castillo-López, López-Sánchez e Dias (2016), Luthar
et al. (2000) e Yunes (2011) a manifestação da resiliência ocorrerá sempre que
o indivíduo perceber e/ou experimentar um evento adverso. Também é possível
observar consenso entre os pesquisadores sobre os processos de enfrentamento,
que se darão em função dos recursos internos, tais como características de per-
sonalidade e fatores motivacionais (Castillo et al., 2016; Gloria & Steinheardt,
2016; Masten et al., 2021). Ademais, salienta-se a importância de recursos ex-
ternos, como acesso a bens e serviços essenciais, suporte familiar, boa qualidade
da interação entre pares, dentre outros (Masten, 2001; 2021; Prince-Embury,
2010; Yunes, 2003; 2011).
Frente à ausência de uma definição consensual e da presença de elemen-
tos comuns nas propostas de compreensão da resiliência, no início de 2005 foi
organizada, pela National Science Foundation, uma equipe de trabalho multi-
disciplinar para favorecer o alinhamento das definições de resiliência, a fim de
que fosse alcançada uma linguagem comum (Masten, 2021). Como resultado
destes esforços, em 2008 foi lançado um conjunto de artigos em um núme-
ro especial da revista Ecology and Society onde se propunha uma definição de
Capítulo 5 – Laís S.-Vitti, Karina S. Oliveira, Tatiana C. Nakano e Letícia L. D.-Zanon 93
Resiliência e infância
De modo geral, o desenvolvimento humano não é um processo linear
e tranquilo. Quando tomamos o período da infância, é possível notar que o
processo desenvolvimental comumente esperado é marcado por constantes de-
safios, e caracterizado pela aquisição de inúmeras habilidades físicas, cognitivas,
emocionais, dentre outras (Becker, Bandeira, Ghilardi, Hutz, & Piccini, 2013).
Tais desafios podem ser entendidos como eventos estressores e/ou adversos, re-
querendo adaptação positiva (Prince-Embury, 2010). Para além destas questões,
também existem fatores de risco que podem potencializar as vulnerabilidades
presentes nesta fase, como a negligência parental, abusos físicos e psicológicos,
agressividade, insegurança afetiva e tantas outras (Lima Junior & Melo, 2018).
Por esta razão, Masten (2001) afirma que o estudo dos processos desenvolvi-
mentais e dos processos resilientes são intrínsecos.
Como apresentado anteriormente, a definição de resiliência traz a noção
de um desfecho positivo diante de uma condição adversa ou estressora (Mas-
ten & Obradovi´c, 2008). Assim, considerando que a infância é um momento
crítico do desenvolvimento, faz-se necessário compreender os recursos que ca-
pacitam os indivíduos a lidarem com as condições de vulnerabilidade. Dentre
96 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
Diante destes achados, Masten et al. (2021), Melo et al. (2018) e Rutten
et al. (2013) refletem que quando tomados os ambientes nos quais as crianças
estão inseridas, o enriquecimento ambiental, isto é, o fortalecimento de vínculos
com pessoas de referência afetiva, a ampliação de relações interpessoais e o senso
de pertencimento, por exemplo, podem favorecer a adoção de comportamentos
resilientes. Pode-se concluir que os indivíduos nascem com recursos necessários
para o enfrentamento de situações adversas, porém a qualidade do ambiente
poderá favorecer, ou não, a resposta de adaptação positiva e de desfecho de saúde.
Ampliando a compreensão sobre a qualidade do ambiente, Masten (2021)
e Masten et al. (2021) elencam características do contextuais que favorecem o
desenvolvimento de respostas resilientes. Sendo essas características: o cuidado
acolhedor e sensível, presença de relacionamentos significativos, o suporte social,
as regras familiares e rotina adequada, presença de mentoria e de liderança comu-
nitária e acadêmica, os hábitos saudáveis, as tradições e as celebrações culturais.
Do ponto de vista das características individuais, as mesmas autoras ainda citam: o
senso de pertencimento, a autorregulação, a capacidade de resoluções de problemas
e de planejamento, a esperança, o otimismo, a motivação e o senso de propósito.
A partir destas questões, é importante ponderar que, ainda que a resiliência
seja relevante no período da infância, existem cuidados que devem ser consi-
derados ao afirmar a presença ou a ausência de características resilientes em
crianças, ou mesmo em quaisquer outros indivíduos (Masten, 2021; Masten et
al, 2021; Oliveira, 2021). Tais cuidados se justificam, por buscarem evitar o risco
de culpabilização da criança por não enfrentar a adversidade de maneira eficaz.
Ou ainda, de presumir que, se a criança apresentar características resilientes,
será, portanto, invulnerável às situações adversas (Prince-Embury, 2013). As-
sim, diante das reflexões sobre a definição do termo para psicologia e os achados
relacionados aos processos biológicos e ambientais, torna-se fundamental que a
resiliência seja considerada como resultado de complexas interações entre atri-
butos pessoais e circunstâncias ambientais, mediadas por mecanismos internos
(Masten et al., 2021; Melo et al., 2018; Rutten et al., 2013). No tópico a seguir
será apresentado o papel da resiliência como um fator protetivo na infância.
para o mundo além do eu (Damon, Menon, & Bronk, 2003). Ter projetos de vida
tem sido considerado como um fator de proteção que contribui para a resiliência
(Dellazzana-Zanon, Patias, Olveira, & Enumo, 2021; Masten & Reed 2002).
Isso ocorre porque se projetar no futuro e direcionar comportamentos rumo a
esses objetivos pode proteger o indivíduo de possíveis comportamentos de risco,
o que contribui para a resiliência (Damon, 2008). Não por acaso, os projetos de
vida têm sido considerados como uma bússola (Mcknight & Kashdan, 2009;
Kiang et al., 2020) ou um farol (Damon, 2008) que orientam as decisões e as
ações cotidianas.
Evidências indicam que ter projetos de vida claros pode trazer benefícios
que perpassam o ciclo vital, como desenvolvimento de uma vida mais saudável
e feliz (McKnight & Kashdan, 2009), envolvimento com a comunidade e a
sociedade (Johnson, Tirrell, Callina, & Weiner, 2018) e maior capacidade de
lidar com situações estressantes (Minehan, Newcomb, & Galaif, 2000). De
acordo com Mariano e Going (2011), ter projetos de vida funciona como um
suporte para enfrentar situações adversas típicas da adolescência e como fonte de
vitalidade, energia e abertura para novas ideias. Nesse sentido, não há dúvidas
de que a adolescência é uma fase crucial para o desenvolvimento de projetos de
vida e que adolescentes que conseguem desenvolver esses projetos passam por
essa fase de forma mais tranquila.
A maioria das pessoas desenvolve as habilidades cognitivas que permitem
o raciocínio hipotético-dedutivo e o pensamento abstrato necessários para a
construção de projetos de vida apenas na segunda década de vida (Damon, 2008;
Piaget, 1964). As crianças ainda não são capazes de se engajar no planejamento e
no raciocínio hipotético-dedutivo necessários para identificar e se comprometer
com projetos de vida, o que torna improvável que elas considerem seriamen-
te aspirações de longo alcance que sejam pessoalmente significativas (Bronk,
2014). Como os projetos de vida na infância são caracterizados pelo engajamento
proposital ao invés do comprometimento proposital, caso as crianças comecem a
conceber um projeto de vida, é provável que seja de uma maneira decididamente
concreta, focada e orientada para o presente (VanDyke & Elias 2007).
Entretanto, a infância não deve ser desconsidera no que se refere à com-
preensão do desenvolvimento de projetos de vida. Pesquisas sugerem que ati-
vidades relacionadas a projetos de vida geralmente começam durante a infân-
cia, tornam-se intencionais e significativas durante a adolescência e a adultez
emergente e evoluem ao longo da meia-idade e da idade adulta (Bronk, 2014).
Do ponto de vista da perspectiva de desenvolvimento ao longo da vida, um dos
102 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
pontos importantes sobre o que significa ter projetos de vida é que os precur-
sores desses projetos se manifestam na infância, talvez começando com a mera
compreensão de que se pode iniciar uma ação proposital com consequências
para o mundo (Hill & Burrow, 2020). Assim, considerando-se que projetos de
vida podem ser moldados pelo contexto social (Liang, White, Mousseau, Hasse,
Knight, Berado, & Lund, 2017), as experiências de socialização da criança que
ocorrem no microambiente do lar (e da escola) são muito importantes. Nesse
sentido, as experiências na infância podem preparar o terreno para o desenvol-
vimento subsequente de projetos de vida. Por exemplo, indivíduos que relatam
experiências mais positivas na infância são mais propensos a relatar projetos
de vida ao longo de seu desenvolvimento (Ishida & Okada 2006; Mariano &
Vaillant 2012).
Um estudo longitudinal do qual participaram 10 jovens com compromis-
sos intensos com vários projetos de vida concluiu que, embora esses jovens não
tenham se comprometido com propósitos anteriormente à adolescência, eles se
engajaram em atividades potencialmente propositais durante a infância (Bronk
2012). Foram conduzidas entrevistas em profundidade sobre suas aspirações três
vezes ao longo de um período de cinco anos, abrangendo o final da adolescência
e o início da idade adulta emergente (Bronk, 2012; Damon 2008). Os resultados
indicaram que os participantes se envolveram, primeiramente, em atividades, as
quais depois evoluíram para projetos de vida durante os anos iniciais do ensino
fundamental. Por exemplo, um jovem de vinte e poucos anos, comprometido
em compartilhar a música jazz com um público mais amplo, traçou as raízes
de seu compromisso com a escola primária, quando começou a tocar piano.
Assim como o músico, cada um dos participantes da amostra foi capaz de
traçar seu propósito para uma atividade que começou durante a infância. Isso
sugere que, pelo menos para alguns jovens, interesses propositais enraízam-se
relativamente cedo na vida. Os resultados desse estudo também sugerem que
as atividades e as oportunidades extracurriculares durante a infância podem
promover o desenvolvimento de projetos de vida (Bronk 2012). Se o músico
morasse em uma área onde não tivesse fácil acesso à instrução musical, é possível
que ele não teria desenvolvido esse projeto de vida.
Esse estudo longitudinal é importante, pois seus resultados indicam
que a infância pode desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento
posterior de projetos de vida, o que tem implicações importantes sobre como
pais, professores e adultos preocupados com o bem-estar dos jovens devem
tentar promover projetos de vida. Nesse sentido, os adultos com quem a criança
Capítulo 5 – Laís S.-Vitti, Karina S. Oliveira, Tatiana C. Nakano e Letícia L. D.-Zanon 103
Resiliência e criatividade
As compreensões atuais de resiliência e criatividade sugerem a existência
de relações entre os dois conceitos (Metzl & Morrell, 2008). Apesar de ainda
pouco estudada no Brasil, essa relação se mostra um foco potencial de interesse,
especialmente por parte da Psicologia Positiva. Isso porque ambos os construtos
são considerados recursos importantes para o desenvolvimento pleno do indi-
víduo (Pesce, Assis, Santos, & Oliveira, 2004; Wechsler, 2008) e remetem a
um olhar para os aspectos sadios e positivos, bem como suas potencialidades
na promoção de bem-estar e qualidade de vida.
Segundo Oliveira e Nakano (2011), diversos autores têm ressaltado a impor-
tância da criatividade como um recurso para o enfrentamento de riscos e desafios
da época em que vivemos. Nesse sentido, acredita-se que, em conjunto, os recursos
resilientes e as características criativas podem potencializar a possibilidade de
encontrar respostas mais eficazes e soluções mais adaptativas na presença de um
ambiente desfavorável, marcado pela adversidade (Oliveira & Nakano, 2014).
Assim, as pessoas poderiam fazer uso da criatividade como forma de superar
as dificuldades impostas pelo meio. Isso porque as circunstâncias adversas ape-
sar de, mais comumente e em um primeiro momento, provocarem desconforto
e sentimentos negativos, essas mesmas situações podem levar as pessoas a um
movimento de mudança, superação de experiências traumáticas, resolução de
conflitos e busca por soluções para os problemas vivenciados. Consequentemente,
em todas as situações em que a busca por soluções para experiências adversas se
faz necessária, a criatividade pode se mostrar um diferencial favorável.
Particularmente nas crianças, a criatividade é considerada uma caracterís-
tica que pode conduzir ao desenvolvimento da resiliência e apoiar a sua capa-
cidade de lidar com incertezas e estresse (Berger & Lahad, 2009), de modo a
promover estratégias de coping. Por outro lado, a ausência de oportunidades para
manifestação da criatividade pode minar o potencial humano e exacerbar doen-
ças (Lee & Lee, 2016), sendo comum que indivíduos que vivenciaram traumas
ou perdas evitem nutrir seu potencial criativo como um esforço para reduzir seu
estado de vulnerabilidade, já que a criatividade em si envolve a tomada de risco
e incerteza (Thomson & Jaque, 2019). Com isso, muitos indivíduos criativos
acabam deixando de realizar seu potencial.
É interessante perceber que diversas características pessoais se mostram
comuns tanto na descrição da pessoa resiliente quanto do indivíduo criati-
vo, podendo-se citar, como exemplos, a mente aberta às novas ideias, auto-
nomia, capacidade de adaptação, tolerância a ambiguidades, altos níveis de
Capítulo 5 – Laís S.-Vitti, Karina S. Oliveira, Tatiana C. Nakano e Letícia L. D.-Zanon 105
Considerações finais
A resiliência é um processo dinâmico e complexo o qual está associado a
maior capacidade de resolução de problemas de maneira positiva e a melhores des-
fechos em saúde e bem-estar psicológico. Fatores biológicos, a cultura e o ambiente/
contexto são pontos importantes que influenciam a resiliência tendo em vista que
interferem no processo de gerenciamento do estresse. Como estratégias de promo-
ção de saúde e adaptação positiva, destacam-se o desenvolvimento e fortalecimento
das habilidades socioemocionais, maior autonomia da criança, estímulo ao projeto
de vida, capacidade de resolução de problemas, criatividade, relações interpessoais
positivas etc. A relevância do estudo da resiliência na infância ancora-se, no fato
de essa fase ser um período crítico, no qual inicia-se uma série de mudanças bio-
lógicas, assim como o aprendizado e aquisição de habilidades físicas, cognitivas e
emocionais essenciais para a autonomia e saúde geral do indivíduo.
Conforme salientado, definir o construto resiliência aplicado à ciência e à
psicologia é um processo desafiador. Nosso intuito foi analisar o conceito de re-
siliência e as principais relações com a infância. Além disso, foram apresentadas
relações entre resiliência, projeto de vida e criatividade, de modo a exemplificar
a aplicabilidade desses construtos frente ao enfrentamento de adversidades.
Como limitações, destaca-se outras possíveis relações que poderiam ter sido
apresentadas no texto, como por exemplo: otimismo, inteligência emocional,
altas habilidades/superdotação, problemas de aprendizagem, entre outros. Por
conseguinte, sugerimos que novos estudos possam fornecer dados mais apro-
fundados sobre a temática, os diferentes contextos de promoção de resiliência,
construtos psicológicos associados e possibilidades de intervenção prática desse
construto na infância.
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Capítulo 6
Emoções e inteligência emocional em crianças disléxicas
Mara Dantas Pereira
Joilson Pereira da Silva
Dislexia na infância
A dislexia é um transtorno de aprendizagem com impacto na leitura, so-
frendo influência de fatores de ordem cognitiva, hereditária e ambiental no seu
desenvolvimento; que se caracteriza por dificuldades significativas e persistentes
na aprendizagem de habilidades acadêmicas de leitura, acometendo cerca de 5
a 17% de crianças em idade escolar no mundo (Peterson & Pennington, 2015;
World Health Organization [WHO], 2022). A sua incidência é maior em in-
divíduos do sexo masculino (Friedman & Miyake, 2017). No Brasil, estima-se
que aproximadamente 7,8 milhões de indivíduos apresentam diagnóstico de
dislexia (Instituto ABCD, 2020).
Diante desse panorama, em 30 de abril de 2021, acompanhamos, no país,
a implementação da Lei nº 14.254/21, que propõe a assistência integral ao
estudante disléxico, mediante de um programa de diagnóstico e tratamento
precoce da dislexia (Brasil, 2021). Tal lei também assegura que as escolas devem
capacitar os professores para identificação precoce dos sinais relacionados à
dislexia. Posto isto, recomendamos fortemente a necessidade da implementação
de programas ou cursos de formação continuada para os docentes da educação
básica acerca da dislexia.
Em relação aos sinais da dislexia na infância, destaca-se que eles se apresen-
tam no decorrer dos primeiros anos da escolarização formal e mantêm-se ao longo
da vida (Moojen, Bassôa, & Gonçalves, 2016; Peterson & Pennington, 2012).
De acordo com a quinta e última edição do Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais [DSM-5] (American Psychiatric Association [APA],
2014), os critérios centrais para o diagnóstico da dislexia na infância são: 1) leitura
de palavras de modo impreciso ou lento e com esforço (e.g., ler palavras isoladas
em voz alta, de maneira incorreta ou lenta e hesitante, comumente adivinha pa-
lavras e tem dificuldade de soletrá-las); e 2) dificuldade para entender o sentido
do que é lido (e.g., a criança pode ler o texto com precisão, mas não entende a
sequência, as associações, as inferências ou os sentidos mais profundos do que é
lido). Ademais, estes sinais devem ser apresentados durante pelo menos seis meses
116 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
(APA, 2014), bem como o curso e a expressão clínica da dislexia podem variar,
a depender das interações entre as determinações ambientais, da pluralidade e
da gravidade das dificuldades individuais de aprendizagem, das comorbidades,
dos sistemas de apoio e das intervenções disponíveis (Carceres & Covre, 2018).
O diagnóstico precoce da dislexia pode ser viabilizado por meio de uma
avaliação multidisciplinar que conta com o neurologista, neuropsicólogo, psi-
copedagogo e fonoaudiólogo (Garvin & Krishnan, 2022). Essa avaliação é de
grande importância para a identificação das causas das dificuldades apresentadas
pela criança, além de atuar como uma ferramenta que possibilita orientar o en-
caminhamento apropriado para o caso individualizado (Eikerling et al., 2022).
Adicionalmente, o diagnóstico da dislexia nos primeiros anos escolares fornece
uma melhor compreensão as crianças das suas próprias dificuldades vivenciadas
em sala de aula, bem como pode auxiliar os professores no desenvolvimento
de práticas pedagógicas que colaborem com o sucesso escolar dos seus alunos
disléxicos (Riddick, 2010).
Em contraste, Carawan, Nalavany e Jenkins (2015), em seu estudo, re-
portaram que crianças relatam não apreciar o rótulo de ser uma pessoa com
dislexia, de forma que resulta em isolamento delas dos seus professores e pa-
res nos espaços escolares. Geralmente, as habilidades acadêmicas das crianças
disléxicas ficam reduzidas apenas às características da sua condição. Assim, os
autores consideram que se lida com a dislexia de modo ineficiente na escola.
Para Rodrigues e Ciasca (2016), não é incomum, termos de um lado o profes-
sor frustrado e impotente por não saber lidar apropriadamente com a dislexia,
e de outro, a criança disléxica, que experiência o fracasso no decorrer do seu
desenvolvimento escolar.
Chama-se a atenção para o desconhecimento acerca da dislexia e a ideia
equivocada de que a intervenção para essa condição vem somente daqueles
que atuam na prática clínica [e.g., neuropsicólogo] (Snowling, 2013). A partir
dessas premissas, lembra-se que a dificuldade no aprendizado da leitura, em
diferentes graus, é a característica exibida em cerca de 80% das crianças disléxi-
cas em idade escolar (Peterson & Pennington, 2012). Assim como, percebe-se
que elas apresentam dificuldades com a fluência correta na leitura e problemas
para aquisição da competência de decodificação e soletração, resultantes de um
déficit fonológico da linguagem (Oliveira et al., 2012). Em adição, as crianças
disléxicas tendem a levar mais tempo na execução da prova de nomeação au-
tomática rápida, comparadas com seus pares que não apresentam alteração na
leitura (Santos & Capellini, 2020).
Capítulo 6 – Mara Dantas Pereira e Joilson Pereira da Silva 117
parâmetro sua faixa etária para entender suas próprias emoções e as dos outros,
sendo tais: expressar as emoções (primeiro e segundo ano de vida); competências
empáticas (a partir dos 3 meses de idade); perceber as emoções dos outros (entre
6 e 9 meses); autopercepção da emoção em si mesmo (por volta de 2 a 5 anos); e
habilidades de enfrentamento às adversidades e regulação emocional [por volta
de 2 a 10 anos] (Arándiga, 2007; Arándiga & Tortosa, 2004).
É no decorrer dos primeiros anos de vida que a criança aprenderá a expres-
sar suas próprias emoções, bem como identificá-las e respondê-las mediante da
regulação emocional (Singh, Singh, & Singh, 2015). Então, considera-se que
este aprendizado dependerá do desenvolvimento da IE, e faz-se necessário que
essa aprendizagem acorra durante a infância. Nesse sentido, a consciência que a
criança tem de si mesma está ligada à capacidade de sentir suas emoções, visto
que elas, como os adultos, experimentam muitas emoções em sua vida cotidiana
(Hosogi, Okada, Fujii, Noguchi, & Watanabe, 2012). Os autores salientam
que quando as crianças desenvolvem a IE passam a compreender melhor as
reações emocionais de outros indivíduos, assim como conseguem controlar suas
próprias emoções. Ademais, Santrock (2010) defende que os pais, professores e
pares podem desempenhar papéis importantes no desenvolvimento emocional
das crianças.
Nesse campo de proposições, sublinha-se a importância de elaborar pro-
gramas que desenvolvam competências de IE em contexto escolar, visto que estas
práticas podem auxiliar estas crianças na aquisição de habilidades essenciais para
um desenvolvimento emocional saudável (Doherty & Hughes, 2013). Nesse
contexto situam-se as práticas destinadas a apoiar na expressão emocional das
crianças e ajudá-las com habilidades na formação de relacionamentos sociais
(Lewis, Todd, & Xu, 2011). Sendo assim, consideramos que a IE desempenha
um papel fundamental na capacidade das crianças de reconhecer e avaliar as
demandas e conflitos que enfrentam ao interagir com outros indivíduos.
Cabe mencionar que os pais podem desempenhar um papel importante
em auxiliar as crianças no desenvolvimento da IE, mas também depende de
como eles dialogam com seus filhos acerca das emoções deles, os pais podem
ser descritos como adotando uma abordagem de treinamento emocional ou de
rejeição das emoções (Gottman Relationship Institute, 2009). Grusec e Davidov
(2010), por sua vez, comenta que a distinção entre essas abordagens é observada
no modo como os pais lidam com as emoções negativas da criança (e.g., raiva,
frustração e tristeza). Ainda, os autores complementam afirmando que os pais
treinadores monitoram as emoções de seus filhos e veem os estados negativos
122 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
Considerações finais
Concluímos que a habilidade de leitura é importante para o convívio
e desenvolvimento da criança no ambiente escolar, no entanto, aquela dislé-
xica que vivência dificuldade no processo de aprendizagem da leitura pode
manifestar reações emocionais negativas. Além disso, percebemos que o
124 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
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Capítulo 7
Análise psicossocial do autismo: reflexões
sobre o futuro da criança autista
Camila Cristina Vasconcelos Dias
João Victor Cabral da Silva
Silvana Carneiro Maciel
representação como um dos motivos pelos quais crianças, mesmo com o grau
leve de TEA, sejam alvos de preconceito.
No contexto nacional, estudo recente de Dias, Maciel, Silva e Menezes
(no prelo) acerca das representações sociais elaboradas por universitários indica-
ram uma representação do autismo tal como está contido na CID-10, Autismo
Infantil, materializando-se, mais uma vez, na imagem de uma criança doente
e isolada, revelando uma representação social hegemônica. De modo geral, é
possível afirmar que ainda há na sociedade a concepção de que o autismo é um
transtorno essencialmente infantil como já haviam constatado Bennet, Webster,
Goodall e Rowland (2018). Por conta disso, Henninger e Taylor (2013) ressal-
tam que o autismo na vida adulta precisa ser mais pesquisado, posto que a revisão
da literatura realizada por eles demonstrou evidências de que os sinais de TEA
não só estão presentes na vida adulta como podem, inclusive, ser agravados, o
que demanda maior apoio a essa população.
É interessante observar a ênfase na criança recuperando a classificação
nosográfica referente ao Autismo Infantil, contida na CID-10 (OMS, 1993),
como observou Dias et al. (no prelo). Esse manual é de uso compulsório pelo
Sistema Único de Saúde no Brasil e, portanto, ainda subsidia as práticas e as
informações difundidas sobre o autismo na sociedade. Contudo, destacamos,
mais uma vez, que o lançamento da CID-11, ao considerar a nomenclatura
Transtorno do Espectro Autista (TEA), tal como o DSM-5 (APA, 2014), pode
auxiliar nos processos de transformação de representação, haja vista o potencial
simbólico do discurso. Parece-nos que deixar de pronunciar “Autismo Infantil”
pode ser um avanço. Mas há muito o que fazer! De maneira alguma as mudanças
necessárias se resumem à alteração de uma nomenclatura diante da complexi-
dade das dinâmicas sociais excludentes e capacitistas.
Logo, chamamos atenção para a ideia de que considerar o autismo como
uma condição manifestada na infância sem enfatizar seu aspecto persistente
resulta em diversos desafios para a pessoa autista. Ou seja, ignorar sua mani-
festação ao longo da vida do indivíduo, refletindo no modo como é represen-
tado socialmente, produz efeitos no acesso ao suporte e acompanhamento no
decorrer do seu desenvolvimento, além de dificultar a identificação dos sinais
do autismo em pessoas adultas, produzindo diagnósticos equivocados (Guedes
& Tada, 2015).
Mesmo que, por um lado, avanços nos cuidados terapêuticos, nem sem-
pre são acessíveis a todos que precisam, de acordo com Volkmar, Reichow e
McPartland (2014) eles podem colaborar para que as crianças autistas cresçam
138 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
em uma perspectiva de longo prazo, mas cabe destacar que as crianças autistas
crescem e tornam-se adultos autistas, etapa do desenvolvimento relacionada a
novas adaptações e demandas sociais mais significativas. Dias (2021) observou
que o adulto autista carrega mais fortemente os estigmas da histórica associação
do autismo com a esquizofrenia, como protótipo da doença mental, e evidencia
a necessidade de pensar o tempo presente, atuando em representações e seus
elementos (crenças, estereótipos) que sustentam preconceitos e discriminação,
em prol da vida digna em sociedade para os adultos autistas e do futuro das
crianças autistas de hoje.
Considerações finais
O objetivo deste capítulo consistiu em refletir sobre o TEA tendo como
base uma perspectiva psicossocial, e para isso, trouxemos a Teoria das Repre-
sentações Sociais a fim de nos auxiliar na compreensão de como o autismo tem
sido assimilado pela sociedade. As representações destacadas nessas páginas
apontaram para o autismo como um transtorno ou condição essencialmente
da infância, pudemos, então, apresentar algumas razões, inalienáveis, para que
a criança, de fato, seja o “objeto” pelo qual a representação do autismo ganha
materialidade. Entretanto, o que nos impeliu à realização deste escrito foi a
necessidade de considerarmos o caráter persistente do autismo, uma vez que as
crianças autistas crescem e se tornam adultos autistas, e a estes têm se descon-
siderado os suportes especializados e políticas públicas de saúde, assistência,
educação, entre outras, e até a própria noção de autismo.
Não obstante, na era das tecnologias da informação e no tocante às repre-
sentações sociais, é impossível não refletir sobre o papel das mídias e dos conteú-
dos por elas disseminados, tendo em vista a funcionalidade das representações
enquanto orientadoras e justificadoras de atitudes e comportamentos. Embora
filmes, novelas, séries, desenhos animados e documentários retratem pessoas
autistas com mais frequência, nos dias de hoje, é válido atentar para a necessi-
dade de representar a variabilidade do autismo, nos seus graus e manifestações,
e sobretudo considerar a sua existência nas várias fases da vida.
Proporcionar visibilidade ao adulto autista, por exemplo, pode chamar
atenção para as necessidades que surgem nessa fase da vida, como as questões
relacionados ao mercado de trabalho, ao ensino superior, aos relacionamentos,
que remetem à importância da inclusão social e da garantia de direitos, cons-
truindo um lugar que promova independência e autonomia no futuro para a
criança autista. Além do mais, propagar autismos, no plural, pode auxiliar na
Capítulo 7 – Camila C. V. Dias, João Victor C. da Silva e Silvana C. Maciel 143
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146 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
Morfologia atípica
Estudos tem observado diminuições no volume estrutural do cérebro de
autistas e tem mostrado que há crescimento excessivo do cérebro de autistas
durante a infância e os primeiros anos de vida, acompanhado de declínio ace-
lerado no tamanho e talvez degeneração da adolescência para a fase adulta. Isso
levou à teoria das alterações anatômicas específicas da idade no autismo, que
podem estar relacionadas a mudanças específicas da idade na expressão gênica e
anormalidades moleculares, sinápticas e celulares, bem como de circuito cerebral
(Courchesne et al., 2011; Liu et al., 2017; Li et al., 2021).
Vários estudos estruturais de ressonância magnética no TEA indicaram
alterações na morfologia cerebral, especialmente na área e espessura da super-
fície cortical e volume da substância cinzenta (Hazlett et al., 2005; Schumann
et al., 2010; DeRamus; Kana, 2015; Liu et al., 2017; Van Rooij et al., 2018).
As meta-análises de estudos baseados em voxel no TEA conduzidas por De-
Ramus & Kana (2015) e Liu et al. (2017) forneceram evidências de aumento
cerebral relacionado à idade, particularmente o supercrescimento de massa
cinzenta no córtex pré-frontal (CPF). O CPF está envolvido em múltiplas
funções cognitivas e sociais, como cognição social, inibição (Ridderinkhof et
al., 2004; Aron et al., 2014), memória de trabalho (du Boisgueheneuc et al.,
2006), linguagem (Hirshorn et al., 2006), motivação e aprendizado baseado
em recompensas (Ridderinkhof et al., 2004). Assim, anormalidades estrutu-
rais no CPF podem estar associadas ao comprometimento social e prejuízos
de linguagem no TEA (Li et al., 2021).
Além disso, o dobramento cortical atípico tem sido indicado em autistas,
medido pelo índice de girificação local (IGI) (Kohli et al., 2019a; Kohli et al.,
2019b). A girificação, processo pelo qual o cérebro forma regiões sulcais e gira-
tórias, permite uma fiação compacta otimizada de fibras neuronais que promove
um processamento neural eficiente no cérebro (White et al., 2010). Tem sido
observado aumento da girificação localem autistas nas regiões parietal e temporal
esquerda e frontal e temporal direita em comparação com pessoas típicas (Figu-
ra 1), e diminuição bilateral no córtex insular e cingulado anterior, pós-central
esquerdo e nas regiões orbitofrontal e supramarginal (Figura 2) (Li et al., 2021).
150 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
2016), amígdala (van Rooij et al., 2018), e núcleo caudado (Foster et al., 2015;
Qiu et al., 2016). O lobo posterior do cerebelo (lóbulos VI e VII) é funcional-
mente acoplado ao CPF e ao ACC (Wang et al., 2014). Acredita-se que esteja
envolvido em funções cognitivo-afetivas que podem auxiliar o entendimento
do comportamento autista (D’Mello et al., 2015). Da mesma forma, dado o
importante papel da amígdala no processamento de emoções, a estrutura atípica
da amígdala pode estar subjacente aos prejuízos socioemocionais em autistas
(Barnea-Goraly et al., 2014) (Detalhes na figura 3).
1 Córtex pré-frontal
2 Corpo caloso
3 Núcleo caudado
4 Amígdala
5 Cerebelo
Conectividade atípica
Estudos tem mostrado conectividade atípica que tem caracteriza-
do o espectro do autismo, principalmente na rede de saliência (salience
network – SN), na rede de modo padrão (default mode network – DMN), na rede
de controle executivo (executive control network – ECN), e na rede de atenção
dorsal (dorsal attention network – DAN) (Uddin et al., 2013; Doyle-Thomas et al.,
2015; Plitt et al., 2015; Abbott et al., 2016; Elton et al., 2016; Coliga et al., 2019).
A rede de saliência (SN) está associada a detecção e alocação de atenção a
estímulos internos e externos e coordenação entre redes de larga escala, princi-
palmente a rede de modo padrão (DMN) e a rede de controle executivo (ECN)
para orientar comportamentos apropriados, e sua disfunção compromete estí-
mulos sociais típicos. A disfunção da rede de modo padrão tem justificado dis-
torções no processamento de autorreferência, com dificuldades importantes de
processamento cognitivo de relacionar informações de si em relação ao mundo
externo, com autofoco exacerbado direcionado para dentro (o eu) em detrimento
do mundo exterior, explicado pela hiperconectividade focal e hipoconectividade
de longo alcance (Uddin et al., 2013; Yerys et al., 2015).
A pesquisa de Yerys et al. (2015) mostra que existe um padrão característico
de conectividade atípica no autismo que é modulado pela função, e que autis-
tas apresentam padrões de conectividade inter-hemisférica diminuída de longo
alcance, dentro da rede(especialmente homotópica e dentro das redes padrão e
saliência (DMN e SN) e intra-hemisférica, com aumento da conectividade entre
as redes padrão e atencional (saliência,atenção, frontoparietal). Ou seja, a subco-
nectividade está relacionada à redução da atividade funcional córtico-cortical e à
redução da integridade da substância branca. E a desconexão de desenvolvimento
está relacionada ao aumento da conectividade do circuito local. Então, autistas
com função cognitiva muito baixa, quando comparados com aqueles com função
alta, apresentam conectividade predominantemente diminuída em todo o cérebro
(conexões dentro da rede e entre redes) (Yerys et al., 2015).
Postema e colaboradores (2019) determinaram assimetria cerebral em autistas
comparados com pessoas típicas, sugerindo lateralização alterada. A lateralização ce-
rebral é uma característica proeminente do cérebro na organização de certas funções
motoras e cognitivas, como a lateralidade e a linguagem, o que sugere especialização
hemisférica atípica em autistas. Curiosamente, muitas das regiões que mostram altera-
ções significativas na assimetria, incluindo as regiões frontal medial, cingulado anterior
e temporal inferior, se sobrepõem à rede de modo padrão (DMN), o que apoia ainda
mais o papel da lateralização funcional atípica do DMN no TEA (Li et al., 2021).
Capítulo 8 – Lavínia Teixeira-Machado 153
Insula anterior e
córtex cingulado
atenção
anterior dorsal reduzida
SN Detecção e alocação de atenção a estímulos
CPF medial, córtex sociais
a estímulos internos e externos
cingulado posterior, e coordenação entre redes
precuneus, junção de larga escala para orientar
hipoconectividade
global e temporo-parietal comportamentos apropriados
hiperconectividade Memória autobiográfica,
DMN
local pensamento instrospectivo
e teoria da mente
CPF dorsal lateral e
cortexparietal flexibilidade
Complexo da área ECN Tomada de decisão,
cognitiva
temporal média, prejudicada
memória de trabalho
sulco intraparietal e controle cognitivo
e campos oculares
prejuízos frontais
na mudança
Controle de atenção
DAN
de atenção
de cima para baixo
154 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
envia fibras para o NR e o tálamo(e daí para o córtex cerebral, áreas motoras,
pré-motoras e pré-frontais). As vias córtico-ponto-cerebelar e cerebelo-tálamo-
-cortical estão conectadas de modo recíproco com os hemisférios cerebelares,
estando associadas a áreas subjacentes a funções complexas, cognitivas e com-
portamentais, incluindo as afetivas ((Hazlett et al., 2005; , 1991; Schmahmann
e Caplan, 2006; Schmahmann et al., 2007).
passos ritmados e coreografados nas habilidades sociais tem sido o vínculo entre as
crianças.Mais recentemente, estudos de neuroimagem mostraram que participar
de atividades musicais envolve uma rede multimodal de regiões do cérebro asso-
ciadas à audição, movimento, emoção, prazer e memória (Geretsegger et al., 2014).
A conectividade cerebral intrínseca filtrada é uma marca registrada do
autismo. Tanto a superconectividade focal quanto a subconectividade entre
regiões foram relatadas, em particular, a subconectividade das redes fronto-
-temporal e cortico-subcortical (Yerys et al., 2015).O ajuste da conectividade
entre redes sensoriais pode ser considerado como alvo potencial de intervenção
pela dança, dadas suas associações entre regiões cerebrais espacialmente distri-
buídas, através da programação de aulas de dança e montagens coreográficas
que sejam estruturadas e aplicáveis (Teixeira-Machado et al., 2019; DeJesus
et al., 2020; Teixeira-Machado, 2021).
Embora existam vários estudos que demonstrem a relação da prática da
dança na plasticidade cerebral, apenas um número limitado relata a influência
dela na estrutura cerebral (Teixeira-Machado et al., 2019). Alguns estudos
mostraram aumento da formação hipocampal, como giro dentado, hipocampo
(Rehfeld et al., 2017), e nos giros pré-central e para-hipocampal (Müller et
al., 2017), no córtex cingulado, área motora suplementar esquerda, giro frontal
medial esquerdo, ínsula esquerda, região superior esquerda giro temporal e
giro pós-central esquerdo (Rehfeld et al., 2018). Além da substância cinzenta,
estudos mostraram mudanças morfológicas na integridade do fórnix, principal
saída de substância branca do hipocampo, responsável por conectar vários nós
do sistema límbico (Burzynska et al., 2017), nas áreas frontal e parietal e no
corpo caloso (Rehfeld et al., 2018) (Figura 5).
1 Córtex pré-frontal
2 Corpo caloso
3 Formação hipocampal
4 Núcleos da base
5 Amígdala
6 Cerebelo
158 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
que atuem diretamente nas barreiras sociais do autismo. Experiências que en-
volvem tocar, olhar e permitir a expressão podem contribuir para fomentar a
comunicação e o comportamento social na comunidade autista (Teixeira-Ma-
chado, 2015, 2021).
Considerações finais
Criatividade e criação artística são componentes inerentes da natureza
humana, e mais especificamente do comportamento humano. No final da dé-
cada de 90, a neuroestética propôs que a expressão artística é um produto da
função cerebral, com influências biológicas, sociais e ambientais (Zeki, 2001).
Parece que a prática regular de dança, mediante as montagens coreográficas
para apresentações públicas, possibilita a mentalização e a flexibilidade cognitiva
atípicas, observadas pela dificuldade em interpretar intenções corporais típicas
como contato visual, envolvimento social, resposta ao nome e expressões faciais
(Prat et al., 2017). Estudos salientam o engajamento da dança no funciona-
mento executivo e na coerência central, mediante a aprendizagem corporal no
planejamento e na interpretação de detalhes na comunicação e na reciprocidade
social (Ozonoff et al., 1991; Schweizer et al., 2017).
Alguns cuidados devem ser tomados na construção das aulas de dança
para crianças autistas. Destacamos alguns pontos fundamentais:
1) Cada criança autista é diferente, não existe um modelo ou uma carac-
terística que seja igual para todas.
2) Embora a criança autista tenha dificuldades com socialização e como
comunicar-se com outras pessoas, isto não implica dizer que ela não
quer se socializar ou se comunicar, ela talvez não saiba como.
3) Crianças autistas costumam ter preferências em realizar sequências sem-
pre numa mesma ordem, e a repetir diversas vezes. Quando determinada
atividade a deixa feliz, ela tem dificuldade em modificar a variação e tem
muita resistência nas alterações de músicas e sequências coreográficas.
4) A lgumas crianças têm hipersensibilidade a sons e texturas. Embora
cada criança seja diferente, é importante que o professor ou professora
de dança tenha ciência destas características relacionadas à sensibilidade
atípica.
5) A ação conjunta em cena deve ser preconizada no contexto estético da
performance em dança para priorizar a sintonia do grupo e o sentimento
de pertencimento numa sala de aula com crianças típicas e atípicas. A
segregação deve ser descartada.
160 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
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Capítulo 9
Orientações para estudantes, professores e
profissionais da saúde acerca da violência
sexual contra crianças e adolescentes
Linéia Polli
Daniel Henrique Schiefelbein da Silva
Jean Von Hohendorff
Exploração
sexual
o/a adolescente não consiga manter atenção em sala de aula. Como consequência,
dificuldades de aprendizagem e queda no rendimento escolar acabam aconte-
cendo, sinalizando que algo está acontecendo com a criança ou o/a adolescente.
Embora seja difícil definir o que seria adequado ou não, em termos desen-
volvimentais, para a sexualidade infantil, sabe-se que não é esperado que crianças
tenham conhecimento sobre práticas sexuais adultas. A sexualidade acompanha as
pessoas desde o nascimento. Ao longo da infância a criança descobre seus genitais
e passa a manipulá-los, o que gera prazer. Assim, algum comportamento mastur-
batório é espera e comum. No entanto, quando tal comportamento é exacerbado
e envolve simulações de práticas sexuais adultas é preciso atenção. Não é esperado
que a criança tenha tal conhecimento. É possível que ele esteja sendo vítima de
violência sexual ou tendo acesso a adultos mantendo relações sexuais ou conteúdo
impróprio para crianças. Em ambas situações é necessário intervir.
Superação
V I
Repressão
T I
M I
Narrativa
Z A
Silenciamento
Ç Ã
Episódios
O
Preparação
O dever de proteger
No Brasil, somente há pouco mais de 30 anos que as crianças e adoles-
centes passaram a ter seus direitos assegurados. Foi por meio da Lei 8.069, de
13 de julho de 1990, nomeada como Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), que houve a proteção e garantia integral dos direitos de crianças e
adolescentes (Brasil, 1990). O ECA, além de tratar dos direitos das crianças
nas mais variadas condições e contextos, também dispõe de diretrizes para
prevenção e intervenção em casos de violência ou qualquer outra condição
que infrinja seus direitos.
Capítulo 9 – Linéia Polli, Daniel H. S. da Silva e Jean Von Hohendorff 173
Checklist
Notificação de violência sexual contra crianças e adolescentes
Você suspeita de algum caso de violência sexual contra criança ou adolescente?
Acolhimento e orientação
Saber como notificar também é essencial para poder orientar. Se depa-
rar com uma suspeita ou com um relato de violência sexual pode gerar muito
espanto, angústia e comoção e, por vezes, quando não há o preparo necessário
para abordar essa situação, a criança pode ser colocada novamente em risco. O
despreparo profissional pode se dar principalmente diante do desconhecimento
acerca das leis e dos direitos de crianças e adolescentes, bem como a desinforma-
ção acerca do funcionamento dos órgãos e serviços da rede de proteção, também
havendo os aspectos pessoais dos profissionais, que envolvem suas crenças e
sentimentos voltados ao tema da violência sexual.
Há evidências científicas de que profissionais não capacitados para abordar
essas situações podem acabar revitimizando a criança ou adolescente (Aznar-
-Blefari, Schaefer, Pelisoli, & Habigzang, 2021). A revitimização pelo despre-
paro profissional ocorre de diferentes formas, dentre elas: fazendo perguntas
impróprias na tentativa de investigar para ter certeza se ocorreu, ou não, um
episódio de violência; tentando conversar com o/a suposto agressor/a, também
na tentativa de investigar (isso ocorre com maior frequência quando o/a possível
agressor/a é alguém próximo da criança); contando a suspeita para pessoas que
não irão assumir uma postura ética para com essa informação; e, tão grave quan-
to, ignorando e silenciando a suspeita ou possível revelação de violência sexual.
Quando uma criança ou adolescente faz uma revelação intencional ou
acidental, pode-se estimar que o/a adulto/a a quem essa revelação foi direcio-
nada é tido como alguém de confiança ou tem um convívio próximo da criança.
Quando essa revelação envolve uma possível ou provável violência sexual, com-
preende-se que já houve um esforço da vítima em mostrar, de alguma forma,
essa situação, principalmente diante de ameaças e insultos, característicos da
dinâmica de violência. Desse modo, é essencial que a abordagem e acolhimento
da criança ou adolescente sejam realizados de forma cuidadosa e ética, prezando
pela segurança.
Essa abordagem consiste em: (1) acreditar no relato da criança ou adoles-
cente e poder verbalizar isso, não adotando a postura de questionar a criança
sobre seu comportamento ou vestimenta, deixando claro que ela não tem culpa
do ocorrido, bem como agradecendo pela confiança que ela teve ao contar; (2)
não prometer sigilo, explicando para a criança ou o/a adolescente o que é a no-
tificação e o porquê ela é necessária. Para isso, frequentemente usa-se a analogia
dos conselheiros/as tutelares como super-heróis que visam proteger crianças
e adolescentes (Hohendorff & Patias, 2017). Deve-se também questionar a
176 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
criança se ela possui um/a adulto/a de confiança, que possa fornecer apoio e
suporte durante esse processo (Hohendorff & Habigzang, 2014) e, caso isso
não seja possível ou o/a adulto/a referenciado/a não apoie a notificação, o/a
profissional tem o dever de realiza-la (Brasil, 1990).
Também é necessário (3) não assumir uma postura de detetive, deixando a
criança livre para falar, sem questionar sobre detalhes do ocorrido (como, onde,
com quem), pois isso pode confundir o relato da criança (Hohendorff & Patias,
2017); e (4) ao finalizar a conversa, é importante verificar como a criança está
se sentindo, se ela está em condições para voltar às suas atividades cotidianas,
podendo, o/a adulto/a, encerrar a conversa com algum assunto ou atividade
neutra, que seja do interesse da criança (Hohendorff & Habigzang, 2014).
Em meio ao processo de escuta, acolhimento e notificação, algumas situa-
ções não previstas podem ocorrer. Mesmo que o/a adulto/a acredite nos sinais ou
no relato da criança e se comprometa em protegê-la, é necessário deixar claro que
uma notificação junto ao CT precisa ser realizada. Em muitos casos, familiares
podem sugerir apenas afastar a criança do/a suposto/a agressor/a, visando não
envolver os órgãos públicos. Porém, é necessário ter em vista que outras crianças
também podem estar em risco por conta do/a mesmo/a agressor/a e, além disso,
deixar claro que a única garantia de que a proteção da criança seja efetivamente
assegurada é a notificação.
Quando o agressor/a é alguém próximo da criança e do/a adulto/a de
confiança escolhido/a por ela, também é possível que haja a resistência em ver
o suposto/a agressor/a como capaz de cometer o ato de violência. Diante disso,
é comum que o/a responsável se sinta ameaçado/a e intimidado/a ao saber
da obrigatoriedade de notificação, o que pode fazer com que ele/a também
ameace e intimide o/a profissional. Para que esses aspectos não reflitam na
credibilidade do relato da criança e na relação do/a adulto/a de confiança com
ela, é necessário que o/a profissional adote uma postura compreensiva e de
acolhimento. Ouvir atentamente os receios do/a adulto/a poderá abrir espaço
para que o/a profissional explique sobre a dinâmica de ocorrência da violên-
cia sexual, bem como aborde a diferença entre notificação e denúncia. Nesse
sentido, também é importante que o/a profissional se coloque à disposição
para acompanhar o/a responsável no processo de notificação, se necessário.
E se, mesmo após o acolhimento, explicação sobre a dinâmica da violência
sexual, a diferenciação entre denúncia e notificação, visto que a última visa pro-
teger e não incriminar, o/a adulto se opor a fazer a notificação, o/a profissional
deverá notificar. Em alguns casos pode ocorrer de os familiares ameaçarem
Capítulo 9 – Linéia Polli, Daniel H. S. da Silva e Jean Von Hohendorff 177
processar o/a profissional, por exemplo. Porém, o/a profissional deve ter em
mente que está fazendo o que é estabelecido por lei, ou seja, que diante de
suspeita ou confirmação de violência sexual é seu dever notificar (Brasil, 1990).
Para que o processo de acolhimento, escuta e orientação ocorra de forma
ética e cuidadosa, além de o/a profissional precisar se responsabilizar em buscar
os conhecimentos necessários acerca de ocorrência e notificação da violência
sexual, também é importante que ele/a mantenha uma postura crítica e ques-
tionadora acerca de suas próprias crenças e pensamentos acerca da temática.
As crenças são tidas como as certezas do sujeito, que levam a formas de agir e
pensar diante de determinadas situações (Soares & Bejarano, 2008).
Recentemente, estudos sobre crenças voltadas a violência sexual contra
crianças e adolescentes têm ganhado espaço na produção científica brasileira
(Pereira et al., 2019) e, dentre as possíveis crenças avaliadas, são exemplos: “Só
se pode falar de abuso se a criança/adolescente resistir fisicamente”; “Se não hou-
ver penetração, então o abuso é pouco grave”; “A maioria das queixas de abuso
sexual são falsas”. Embora, mesmo crenças sólidas e cristalizadas possam ser
modificadas, crenças errôneas e distorcidas referentes a violência sexual contra
crianças e adolescentes normalmente conduzem a negação e minimização da
gravidade dos casos, influenciando diretamente na revitimização (Márquez-
-Flores et al., 2016). Nesse sentido, compreende-se que cidadãos, estudantes e,
principalmente, profissionais, necessitam de informações, estudo e capacitações
contínuas para abordar casos de suspeita ou confirmação de violência sexual.
A rede de proteção
A rede de proteção à criança e adolescente em situação de violência foi
instaurada como um instrumento que visa a garantia de direitos dessa população.
Ela é composta pela união de diferentes serviços, que funciona como uma “teia
Capítulo 9 – Linéia Polli, Daniel H. S. da Silva e Jean Von Hohendorff 179
buscaram divulgar mais amplamente o serviço Disque 100, canal para realizar
denúncias anônimas de violência (MMFDH, 2020).
A escola é um lugar onde crianças e adolescentes podem conseguir ajuda
diante de circunstâncias de violência (Elsen, Próspero, Sanches, Floriano, &
Sgrott, 2011). Com as escolas fechadas, os professores foram impossibilitados
de identificar situações de violência presencialmente (FIOCRUZ, 2020). Isso
contribuiu para que os casos de violência ficassem ocultos dentro do lar.
O baixo número de notificações das escolas contribuiu para a desinfor-
mação quanto aos níveis de violência em diferentes nações. Em alguns países,
passando o primeiro estágio da pandemia, em que foram feitos bloqueios de
mobilidade, os relatórios retornaram ao padrão pré-pandemia. No Brasil, as
taxas de notificação permaneceram baixas até o final de 2020. Isso pode indicar
dificuldades na gestão nos serviços públicos relacionados à proteção de crianças
e adolescentes (Katz et al., 2021).
Além do impacto na educação, a pandemia do coronavírus impactou os
serviços de saúde no que se refere ao tema da violência contra crianças e ado-
lescentes. Os hospitais, UBSs e outros serviços de saúde atuaram como linha
de frente no combate à pandemia e atendimento aos casos de Covid-19. Dessa
forma, durante meses, a atuação precisou ficar mais focada em casos de infecções
virais. Serviços de saúde, como os CAPSi, tiveram que reduzir o número de
atendimentos focados na saúde mental de crianças e adolescentes interromper
as grupoterapias, para impedir a disseminação do coronavírus (Brandão, Lima,
Mesquita, & Costa, 2020).
Mesmo diante da grave crise sanitária e social, as redes de proteção tiveram
que se manter ativas, e encontrar meios de manejar as situações, realizando suas
reuniões para a forma online. Além disso, foram adotados novos protocolos para
que os atendimentos fossem disponibilizados a quem precisasse, muitos desses
sendo realizados de forma virtual (Katz et al., 2021). Cada rede de proteção se
reorganizou e elaborou mudanças para que os serviços estivessem disponíveis, a
fim de garantir os direitos de crianças e adolescentes. Diretrizes nacionais apon-
tam como estratégia a disponibilização de canais digitais de acesso aos serviços
da rede de proteção, como telefone e aplicativos online, para que a proteção possa
chegar a quem mais precisa neste período de pandemia (FIOCRUZ, 2020).
Considerações finais
A violência sexual contra crianças e adolescentes é um fenômeno mul-
tifacetado e complexo. É considerado como um problema de saúde pública
184 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
Referências
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Capítulo 9 – Linéia Polli, Daniel H. S. da Silva e Jean Von Hohendorff 185
pela mãe para uma festinha, quando percebeu que a camisa estava comprida, então a
mãe disse: “não tem problema, filho! você pode usar a camisa por dentro da calça, vai
ficar mais arrumadinho”, o garoto logo repreendeu a mãe dizendo: “não vou usar assim,
mãe! Camisa por dentro da calça é coisa de boiola!” A mãe e as tias começaram a dar
risada. E quando questionado onde aprendeu isso ele respondeu que costuma ouvir seu
pai repetindo “o que é coisa de menino/homem e coisa de menina/mulher ou de bicha/
veado/boiola!!!”
Considerações finais
A Educação Sexual nos currículos escolares desde os anos iniciais do Ensi-
no Fundamental, demanda a incessante problematização de discursos relativos à
sexualidade, ao corpo e gênero, visando questionar modos de disciplinar corpos
e manter “certezas” em torno de sujeitos, saberes e práticas que permeiam os
processos educacionais. Nesse pensamento, não caberia inserir no currículo uma
analítica de “verdade universal”, mas compreendê-lo como um instrumento
aberto a reinventar saberes e práticas, incluir discursos silenciados, desconstruir
relações de poder-saber, recriando possibilidades para operar com incertezas e
questionamentos que marcam as dimensões de sexualidade, corpo e gênero.
Ao questionar sobre os limites e as possibilidades de ressignificar a Edu-
cação Sexual usualmente marcada por uma abordagem biológico-higienista,
argumento que esse campo transdisciplinar admite múltiplos sentidos “além
do biológico” e, (des)construções a partir de um exercício de problematização
de discursos essencialistas e “verdades universais”. Para tanto, esse exercício
analítico demanda capturar enunciados sobre Educação Sexual incorporados
nos distintos espaços educativos, sobretudo ao questionar: que discursos a escola,
mais especificamente o currículo de ciências nos anos iniciais, (re)produz acerca
das temáticas sexualidade, corpo e gênero? Tal questionamento se faz necessário
para que nós educadores/as possamos reconhecer, problematizar e desconstruir
preconceitos e oposições binárias que afetam as vivências de sujeitos, inclusive
crianças, com identidades/diferenças destoantes do padrão cisheteronormativo.
Nesse horizonte, parece mais produtivo investir em uma “Educação Se-
xual socialmente relevante” (Britzman, 2000), ao apostar em novas abordagens
que assumam os processos discursivos e culturais, reconhecendo as múltiplas
possibilidades e os limites de um campo heterogêneo marcado por relações de
poder-saber. Assim, as estratégias didático-metodológicas seriam constante-
mente ressignificadas para promover mudanças sociais significativas no campo
educacional desde os anos iniciais do Ensino Fundamental, que favoreçam o
questionamento de desigualdades e o acolhimento das identidades/diferenças.
Referências
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200 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
ambientes para que se entenda como se deu sua adaptação, sua evolução e qual
a dinâmica presente no seu processo de desenvolvimento ontogenético. A im-
plementação de padrões individuais no curso da ontogênese não se restringe às
experiências idiossincráticas, mas também são respostas adaptativas às pressões
do ambiente (Bjorklund & Pellegrini, 2000, 2002)1.
Adotar uma abordagem evolucionista para estudar o desenvolvimento
humano não significa defender o determinismo biológico. Na complexidade
do processo evolutivo, a cultura possui importância relevante visto que os pro-
cessos de aprendizagem do comportamento são produtos da interação entre
mecanismos psicológicos universais, selecionados no processo de evolução, e
circunstâncias ambientais únicas para cada indivíduo (Lordelo, 2010; Bateson,
2015; Polippo, Ferreira & Wagner, 2016).
Varrella, Santos, Ferreira e Bussab (2017) argumentam, apropriadamente,
que a cultura não é um elemento antinatural e alheio à biologia dos hominídeos.
Isso porque existem fortes indícios, segundo Bussab e Ribeiro (1998), que a
sobrevivência foi afetada pela cultura e, ao mesmo tempo, características favo-
ráveis à transmissão cultural foram selecionadas. Logo, é plausível supor que
as adaptações mentais dos seres humanos são fortemente associadas aos seus
contextos culturais (Varrella, Santos, Ferreira & Bussab, 2017).
Lordelo (2002) mostra que a palavra “contexto” é usada indiscrimina-
damente nas teorizações envolvendo o processo de desenvolvimento humano.
Contexto extrapola a noção de lugar e envolve múltiplas e diferentes condições
de vida em que as pessoas se inserem. Essa autora é enfática ao afirmar que o
contexto não se limita às definições de ambiente físico e de nível sócio econô-
mico. Para além das particularidades dos ambientes físicos e das facetas dos
sistemas sociais, é imperativo examinar as características de cada indivíduo que,
interagindo ativamente com esses fatores, constituem com eles uma dinâmica
de influência mútua.
Considerando o contexto um protagonista no processo de desenvolvimen-
to, não é possível concebê-lo dissociado das variáveis culturais que fazem as
crianças e os adolescentes serem indivíduos historicamente constituídos ainda
que marcados pela filogênese do Homo sapiens (Lordelo, 2002). Nesse sentido, é
1
quem queira se apropriar discussões mais detalhadas sobre a perspectiva evolucionista de inves-
A
tigação do comportamento e suas contribuições para a investigação do desenvolvimento humano,
sugere-se os trabalhos de Bjorklund e Blasi (2005), Bateson (2015), Geary e Berch (2016), Izar
(2018), Okumura (2018) e Rezende, Ripardo e Oliva, (2018).
Capítulo 11 – Fabricio de Souza 205
2
egundo Lévy (1999), o termo “ciberespaço” foi criado em 1984 por William Gibson em seu ro-
S
mance de ficção científica denominado Neuromante.
208 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
3
ssim como no trabalho de Nejm (2016), não serão usados aqui, para evitar anglicismos, as expres-
A
sões online e offline. O termo “nos ambientes digitais” será empregado para se referir à online, ao passo
que o termo “fora dos ambientes digitais” equivalerá ao offline.
Capítulo 11 – Fabricio de Souza 209
4
Nejm (2016) relata a dificuldade de tradução do termo publics que se refere tanto a um espaço público
quanto a uma potencial audiência. Por isso é possível que a tradução de Networked Publics possa ser
“espaço público em rede” ou “públicos em rede”, dependendo da dimensão a que se faça referência.
Capítulo 11 – Fabricio de Souza 211
político” onde as vozes dos sujeitos que nele interagem podem ser ouvidas e
levadas em consideração (Menezes, 2020).
O exercício de sugestões e suposições apresentado nos parágrafos ante-
riores faz pensar no quanto é preciso investigar e conhecer as peculiaridades
do ciberespaço e como este vem sendo criativamente apropriado para se tornar,
dentre outras coisas, um ambiente de ludicidade e de contato com os amigos e
os colegas. Obviamente não é a intenção supervalorizar as estruturas telemáticas
que dão suporte às redes interconectadas, mas, utilizando o raciocínio de Silva
(2015), compreender que as interações sociais tecnologicamente mediadas tam-
bém são constituídas por uma ampla relação que envolve o suporte telemático, as
características do ambiente digital, os sujeitos que “navegam” nessas ambiências
e a forma com que todos esses elementos se interconectam gerando um contexto
comportamental específico.
Considerações finais
Mais que verdades teóricas, pretendeu-se neste capítulo indicar a per-
tinência de uma “apropriação” das ambiências digitais para verificar se esses
espaços possuem as especificidades que os tornem elementos importantes do
contexto de desenvolvimento. Certamente, a expansão conceitual e a análise
de novos elementos ao suporte teórico atual dependem de investigações con-
sistentes envolvendo as propriedades e os efeitos dos ambientes digitais nas
interações de crianças e de adolescentes. Elaboração teórica e dados empíricos
serão indispensáveis para que se possa assumir, modificar ou refutar as suposi-
ções apresentadas neste capítulo.
Ainda que possa parecer clichê apontar a necessidade de pesquisas sobre
o tema na área de Psicologia do Desenvolvimento, esta é a ação que precisa ser
implementada já que ainda existem poucas publicações que abordem os aspec-
tos psicológicos das interações no ciberespaço. As pessoas mais interessadas
nesse debate poderão observar que muitas referências aqui utilizadas são de
pesquisadores das áreas de Comunicação Social e de Educação. É preciso que
a Psicologia tenha um corpo significativo de dados que permita a compreensão
adequada da mediação digital no fenômeno comportamental e dos impactos
dessa mediação no processo de desenvolvimento.
Tendo em vista a inserção da internet nas rotinas das crianças e dos adoles-
centes, e levando em conta o papel das brincadeiras na apropriação dos espaços
e no estabelecimento de interações sociais, é de grande importância investigar
a interação lúdica nos ambientes digitais para conhecer as maneiras pelas quais
216 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
Referências
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218 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
Estudos atuais têm sido enfáticos nos danos que o racismo pode acarretar
para as pessoas negras (Kilomba, 2019; Almeida, 2019). Almeida defende a tese
de que o racismo é sempre estrutural, se portando como um elemento organiza-
dor política e economicamente da sociedade, enquanto uma manifestação enrai-
zada da sociedade, muitas não vezes naturalizado (Almeida, 2019). O racismo
estrutura a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade
e violência nos modos contemporâneos de vida, seja nas relações intrapsíquicas,
entre pessoas, instituições ou estruturalmente na sociedade. Já Kilomba aponta
que o racismo é a construção da diferença devido à origem racial ou pertença
religiosa, em que o ponto de partida é a branquitude, com a qual todos os outros
são comparados numa perspectiva do estigma e da inferioridade. Para Kilomba
(2019) e Almeida (2019) é o poder que as pessoas brancas constituem, historica-
mente, para o seu grupo racial que autoriza o racismo a projetar uma sociedade
hierarquizada racialmente, o que envolve poder histórico, político, econômico
e social. Em última instância, “o racismo é a supremacia branca” (Kilomba, 2019,
p. 76, grifos da autora).
Em outra perspectiva, considerando que o racismo atua de modo coti-
diano e duradouro, ele gera estresse persistente é considerado como tóxico ao
desenvolvimento, pois tem uma duração prolongada e intensa, deixando a pessoa
negra, todo seu grupo racial, em um estado de alerta constante, sem algo que o
amenize (Shonkoff, Slopen & Williams, 2021). Mesmo quando a criança não
foi diretamente envolvida na situação de racismo, mas suas mães relataram terem
sido discriminadas, ele pode deixar marcas não apenas psicológicas, mas tam-
bém um aumento nos marcadores biológicos inflamatórios (cortisol e proteína
C-reativa), como mostrou o estudo de Condon et al., (2019) envolvidos em uma
série de doenças crônicas, demonstrando que embora a raça seja uma construção
social, o racismo gera prejuízos bastante palpáveis em todos os campos da vida
Capítulo 12 – Nicole de C. Barros, Patrícia S. Silva, Liziane G. da Silva e Giana B. Frizzo 223
de pessoas negras (Almeida, 2019; Moore, 2012; Kilomba, 2019, CFP, 2017).
Estudos brasileiros também têm mostrado diferenças no cuidado com crianças
negras na creche e na educação básica (Santiago, 2020; Cavalleiro, 2017; Nunes,
2017; Oliveira & Abramowicz, 2010; Silva, 2021), que recebem menos cuidados
afetivos que crianças brancas, além de diferenças no atendimento pré-natal e
assistência na saúde da mulher (Lima, Pimentel & Lyra, 2021), só para exem-
plificar como ele está em diversas esferas de nossa sociedade. Podemos falar
então em um possível adoecimento físico e emocional das crianças expostas ao
racismo, bem como das pessoas negras ao longo de todo o ciclo vital.
É inegável que para as crianças negras, a família tem um papel preponde-
rante na construção e execução de estratégias para lidar com os efeitos gerados
pelo racismo. Em famílias negras que compreendem os impactos profundos
do racismo, tais estratégias são passadas geracionalmente e compartilhadas no
comum de serem pessoas negras (Silva & Noguera, 2020; Silva, 2015; Sil-
va, 2021; Schucman, 2018; Schucman & Gonçalves, 2017; Hordge-Freeman,
2018). No entanto, em casos de famílias interraciais, um movimento diferente
precisa ocorrer, pois a maioria das pessoas brancas antes de se implicarem com
o enfrentamento do racismo, precisam perceber que também tem raça/cor e se
permitir serem atravessadas pela dor que o racismo gera em pessoas negras do
seu convívio e laços de afeto. Nesse sentido, famílias inter-raciais são definidas
como aquelas compostas por ao menos uma pessoa de raça/cor diferente do
que o restante do grupo, por exemplo, em que a mãe e/ou o pai são brancos e
a criança é negra, ou vice-versa. Cabe apontar que uma mesma família pode
ser percebida como inter-racial em um momento e em outro não, dependendo
dos significados que a raça assume em determinado contexto, muito embora,
os conflitos e violências sobre o ponto de vista racial não sejam tão abstratos e
possam causar sofrimento intenso aos membros negros do grupo familiar, prin-
cipalmente devido ao racismo cotidiano (Schucman, 2018; Hordge-Freeman,
2018). Pessoas negras em contato íntimo com a branquitude, compondo um
grupo familiar, por exemplo, podem sofrer de um contínuo e violento choque,
causando, dessa forma, uma separação da sua relação com a sociedade e desor-
ganização psíquica (Kilomba, 2019; David, 2018, CFP, 2017).
Quando se trata de uma criança negra em uma família com adultos cui-
dadores majoritariamente brancos, esse quadro de sofrimento psíquico pode se
agravar, pois, por um lado, a criança ainda não adquiriu um aparato simbólico
para lidar minimamente com esses choques violentos provocados pelo racismo
(e mesmo quando adquirido já é da ordem do traumático); por outro, a maioria
224 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
dos membros de uma família branca está imersa na branquitude, muitas vezes
cega para as questões raciais, sem, portanto, ter ciência da toxicidade de seu
próprio ambiente familiar à criança principalmente, deixando-a desprotegida.
Apesar da branquitude ser uma ideologia presente desde o período da
escravização, apenas recentemente foi reconhecida nos estudos como um meca-
nismo do racismo que reitera os privilégios de pessoas brancas em detrimento da
opressão de não brancos (principalmente pretos, pardos e indígenas quando se
considera a história do Brasil) pela discriminação racial. Os principais estudos
sobre a branquitude (Frankerberg 1999; Bento, 2002; Cardoso, 2011) apontam
que esse mecanismo ocorre por um apagamento da implicação do branco nas
relações raciais, acarretando, por um lado, no silêncio, na omissão e na suposta
neutralidade diante do racismo e, por outro lado, na prática discriminatória
sistemática com objetivo de manter e reproduzir situações de privilégios. Esse
evitamento do papel do branco na história da escravização traz vantagens con-
cretas e simbólicas a esse grupo, pois não o associa a um legado que evidencia
um lugar de privilégio tanto econômico, quanto cultural, desfrutado atualmente
(Schucman, 2014; Bento, 2002).
No discurso, a branquitude é definida como o poder de nomear e circular
na cultura. Pela supremacia branca, a qual associa a brancura a significados
muito positivos, como também, a todo momento dissemina essa associação pela
cultura; a hegemonia branca é definida como padrão de humanidade, onde olha
o outro com uma lente que não se olha a si mesmo, lente essa denominada raça.
Nessa visão, o branco não possui raça, pois é universal; os outros que precisam
ser categorizados em “raças” (negros, indígenas). O branco, dessa forma, possui
o poder de nomear o outro e, ao mesmo tempo, não é marcado por estereótipos
(Frankerberg, 1999).
Bento (2002) desenvolveu alguns dos principais conceitos sobre aspectos
psíquicos da branquitude, entre eles, o pacto narcísico, o qual se refere a um
pacto silencioso (pois como o branco é considerado como universal, não é ques-
tionado como fora do padrão) de apoio e fortalecimento dos considerados iguais
e de invisibilidade dos considerados diferentes. A invisibilização é estratégica,
pois invisibiliza principalmente a parte negra do negro, que seria a dimensão de
sua existência que marca a presença da opressão racial. Essa lembrança realça a
brancura que o branco tanto quer silenciar para que a noção de universalidade
do branco não seja posta em questão, como também para omitir a natureza
relacional intrínseca das relações raciais. A branquitude é um processo transge-
racional e pode atuar tanto de forma consciente quanto de forma inconsciente,
Capítulo 12 – Nicole de C. Barros, Patrícia S. Silva, Liziane G. da Silva e Giana B. Frizzo 225
quando, por exemplo pessoas brancas não conseguem explicar porque pensam
que um homem negro de terno é, necessariamente, um segurança em vez de
um executivo.
Além de serem invisibilizados, os considerados diferentes são excluídos
moralmente, sendo postos além das regras e valores morais. Há uma ausência de
compromisso moral e distanciamento afetivo, comprometendo a capacidade de
se aprender e de se ter uma identificação com um outro considerado diferente.
No entanto, o outro considerado diferente é bastante visibilizado negativamente
quando ascende, ou quando “invade” um espaço que na concepção do branco
não poderia ser ultrapassado (Bento, 1992).
Segundo Piza (1996), algumas características comportamentais cotidianas
da branquitude são: ser algo consciente apenas para os negros; há um silêncio
em torno da raça, não é um assunto a ser tratado; a raça é vista não apenas
como diferença, mas como hierarquia; as fronteiras entre negros e brancos
são sempre elaboradas e contraditórias; há, em qualquer classe, um contexto
e prática da supremacia branca; a integração entre negros e brancos é narrada
sempre como parcial, apesar da experiência de convívio; a discriminação não
é percebida, e os brancos se sentem desconfortáveis quando têm que abordar
assuntos raciais; a capacidade de apreender com o outro, como um igual ou
diferente, fica embotada.
As consequências da branquitude ultrapassam o racismo cotidiano e
atravessam a estrutura de práticas institucionalizadas na sociedade (racismo
estrutural). Nesse contexto, as instituições são apenas a materialização da estru-
tura social, a qual possui o racismo como um de seus componentes orgânicos,
visto como uma norma, e não como uma exceção. No racismo estrutural, um
grupo racial (branco) está sob controle do aparato institucional; no entanto, o
racismo estrutural não se limita apenas à representatividade, pois mesmo que
pessoas negras estejam inseridas em espaços de poder, as ações individuais são
orientadas pelas instituições e pela estrutura da sociedade para discriminar de
forma sistemática grupos racialmente identificados. Nesse sentido, por mais que
pessoas que cometam atos racistas sejam responsabilizadas juridicamente, as
instituições que não reconhecerem o problema das desigualdades raciais estarão
reproduzindo-as (Almeida, 2019).
Os dados sobre adoção no Brasil evidenciam como o racismo estrutural
atravessa todo o funcionamento de uma sociedade. Há um grande número de
famílias formadas inter-racialmente entre pais brancos e filhos pretos ou pardos
nos processos legais de adoção, apesar de haver uma preferência por crianças
226 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
com isso? Daí a gente até botou pardo, porque tem pardos que às vezes são tão clarinhos,
que, claro que nenhum vai ser igual a nós, um pardo. [...]. Ele é branco de olho bem
azul (se referindo ao companheiro). Então nenhum vai ser igual, mas pelo menos não
dá aquele contraste assim, de “ó, aquele lá”, sabe. [...]. A gente tem muito medo disso.
Né, da sociedade. E eu me pergunto também, mas será que o pardo também não vai
sofrer isso? Né, mas é que daí se tu botar só branco, aí sim que vai ficar muito mais
difícil (se referindo ao maior tempo para adoção caso o casal restringisse ainda mais as
características da criança) – Caso 3, (mulher branca).
em seu convívio íntimo; e um tempo de espera não tão longo para a adoção. Por
haver poucas crianças brancas nessa situação, e muitas pessoas interessadas em
adotá-las, restringir o perfil apenas para crianças brancas aumentaria indefini-
damente o tempo de espera, tempo esse que não está a favor dos pretendentes
- que geralmente possuem mais idade, visto que para a maioria das famílias
a motivação para adoção é devido a situações de infertilidade (Schwochow &
Frizzo, 2021; Rampage at al., 2016).
Schucman (2018) fala sobre o mecanismo de negação da alteridade para
possibilitar um relacionamento afetivo quando o racismo é enraizado. A pessoa
pode ser negra, mas o que importa é ela não ser chamada de negra, amenizar
a sua cor (ou até fantasiar sem cor) para poder amá-la (Kilomba, 2019; Hord-
ge-Freeman, 2018). Ser chamado de moreno ou de outras cores que visam
“amenizar” a cor negra, revela uma estrutura hierárquica entre negros de pele
clara e negros de pele escura. Quando uma pessoa parda é considerada não-
-negra, não é pela sua aproximação ao branco, mas pela possível amenização
de sua origem negra em comparação com pessoas com tons de pele mais escura
(Fanon, 1983). No processo de adoção, a possibilidade de poder excluir as pos-
síveis crianças reconhecidas como pretas e incluir apenas as reconhecidas como
pardas materializa em práticas institucionalizadas esse mecanismo subjetivo do
branqueamento pela amenização da cor.
A invisibilidade do negro seria um dos principais sintomas da branquitude,
pois esse mecanismo é um elemento importante para a identificação do branco
(Bento, 2002). Reconhecer a parte negra do negro que mais remete à opressão
racial, exporia a associação direta entre opressão racial e privilégios, ameaçan-
do a manutenção da branquitude (Mbembe, 2014; Shucman, 2018). Por isso,
evita-se a qualquer custo a aproximação entre brancos e negros, mesmo que o
discurso fique ambíguo e contraditório. Ao mesmo tempo que pessoas brancas
reconhecem o racismo, também o praticam diariamente pois não o identificam
como presentes em si mesmo e com característica estrutural. Desse modo, a
branquitude permite a construção de um discurso distorcido, pois não inclui o
enunciante desse discurso nem no ato, nem na solução.
Esse evitamento dos brancos em reconhecer o racismo como estrutural
resulta, portanto, na exclusão da possibilidade de haver vínculos familiares
com as pessoas marcadamente negras. Nessa situação, o adotante branco,
apesar de reconhecer a existência do racismo, exclui sua própria responsa-
bilidade e implicação nas relações raciais para dentro e além do seu seio
familiar. Logo, em um contexto em que parece ser inevitável construir um
230 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
vínculo familiar com crianças negras, sobretudo de pele escura, o preço que
essa criança precisaria pagar para fazer parte da família seria o de aceitar o
apagamento da sua raça/cor, “amenizando-a”, como pré-requisito para ter o
direito novamente à família, desejo latente da maioria das crianças e adoles-
centes inseridas no SNA.
Nesse sentido, no qual os adotantes brancos seriam as primeiras referências
de cuidado, ou seja, através dos quais a criança apreenderá seu modo de existir
no mundo, quais poderiam ser os impactos para uma criança considerada parda
em uma família que optou pela exclusão de crianças pretas, sendo ela reco-
nhecida como “não tão negra”? . Nesse contexto, é reencenada a violência do
abandono através do apagamento da raça/cor das crianças pretas e pardas, pois
negar a raça/cor da criança deixa implícito que, a qualquer tempo a criança será
desmascarada e percebida como um elemento estranho e excluído da família,
simbolicamente ou de modo prático, por não poder corresponder ao idealizado.
Dessa forma, as crianças negras vão compreendendo que é preciso rejeitar a sua
autoimagem, na tentativa de se afastar dos estereótipos negativos associados aos
negros. A partir disso, o corpo não é vivido como fonte de prazer, pelo contrário,
é estabelecida uma relação persecutória com as características que remetem à
raça/cor negra, prejudicando a construção de sua subjetividade (Silva, 2021;
David, 2018; Kilomba, 2019; CFP, 2017; Fanon, 1983), como vemos no artigo
de Santiago em que a uma criança negra pequena refere que a boneca negra não
precisa de ajuda para dormir, ou comer, porque ela não é “nenê”, ela é preta”
(Santiago, 2020, p. 10).
Apesar de haver esses fenômenos psíquicos que subjetivam a branquitude
(pacto narcísico, exclusão moral, distorções e ambiguidades no discurso), nem
sempre as pessoas brancas têm consciência desses processos. Aliás, quanto mais
inconscientes forem esses mecanismos, mais resguardada permanece a branqui-
tude. Nesse contexto, a principal justificativa manifesta para exclusão de crian-
ças marcadas como pretas ou pardas não é o pacto narcísico entre o grupo racial
branco, mas sim essa expurgação do racismo sendo praticado pela sociedade: o
medo ou o não saber lidar com situações racistas devido ao provável contraste
entre a cor de pele das mães e/ou pais e da criança. Não há um questionamento
de atitudes racistas no próprio seio familiar, mas uma projeção de que outros
serão racistas. Sim, o racismo existe e é importante reconhecê-lo como presente,
mas para que ele saia de uma posição cristalizada e estruturante em nossa socie-
dade, é preciso responsabilizar a própria branquitude pelo racismo, começando
pela racialização dos brancos.
Capítulo 12 – Nicole de C. Barros, Patrícia S. Silva, Liziane G. da Silva e Giana B. Frizzo 231
de ser branco; (6) “autonomia” embasada por uma internalização de uma nova
concepção do que é ser branco – processo continuamente em andamento sem
um ponto de chegada, estando aberto a novas informações e novas maneiras de
pensar sobre variáveis culturais e raciais.
O que faz com que alguns adotantes estejam mais sensibilizados em relação
às questões raciais e outros não? Uma maior sensibilidade pode ter sido desenca-
deada quando deparados a obrigatoriedade de escolher uma raça/cor da criança?
Essa sensibilidade pode ter sido instigada durante o período de espera da criança?
Essas perguntas vão guiar a discussão a seguir.
O convívio familiar afetivo de uma pessoa branca com uma pessoa negra
pode desencadear essa consciência, desde que a convivência não esteja em uma
relação hierarquizada. O sujeito branco ao sentir um duplo pertencimento, ora
privilegiado por ser branco, ora discriminado por estar ao lado de negros, pode
se deslocar de si para uma outra posição subjetiva, reconhecendo a alteridade
independente da sua condição (Schucman, 2018). Podemos perceber algumas
marcas sociais importantes dos adotantes brancos com uma maior conscienti-
zação dos aspectos da sua própria branquitude: casais que se reconheciam como
inter-raciais; ou que conviviam intimamente com familiares e amigos com raça/
cor não-branca; como também casais homoafetivos. A aproximação de uma per-
cepção da discriminação causada pelo preconceito racial e de orientação sexual
podem diminuir as barreiras da exclusão moral da branquitude.
Outro aspecto evidenciado nesse contexto de maior conscientização dos
processos da branquitude (mesmo que isso não seja explícito dessa forma) é o
quanto esses futuros adotantes brancos possuem uma expectativa de poderem
contar com grupos de apoio à adoção para poderem conscientizar e vivenciar
sentimentos e experiências relacionados à adoção, incluindo questões raciais,
a partir da troca com outros adotantes, como também com os auxiliares dos
grupos (Silva, et al., 2022). Nesse contexto, seria importante que ao menos
esses profissionais estivessem qualificados quanto ao letramento racial para
propiciar novos agenciamentos do sujeito pelo questionamento do regime de
verdade racista atual.
O desenvolvimento do letramento racial implica em uma queda de um
regime de verdade racista, e com isso, uma transformação do próprio entendi-
mento de si, já que as referências antes presentes e naturalizadas como verdades
cristalizadas e absolutas são agora postas em dúvida. Há um movimento de
desconstrução dessas “ditas verdades”, ao mesmo tempo que há um movimento
de novas construções das relações.
Capítulo 12 – Nicole de C. Barros, Patrícia S. Silva, Liziane G. da Silva e Giana B. Frizzo 233
Considerações finais
Ao pensar o racismo no contexto da adoção, há variados agravamentos: a
vítima da violência racial muitas vezes é uma criança, que deveria ser protegida;
não raras vezes, como também é a nova organização familiar que reproduz o
racismo no cotidiano, justamente as figuras que deveriam protegê-la. Vários
estudos demonstram que o impacto do racismo na infância acompanha as pes-
soas negras ao longo de suas vidas (Kilomba, 2019; David, 2018; Silva, 2021;
Shonkoff et al., 2021). Destaca-se que os efeitos da vivência cotidiana do racis-
mo, seja ele direto ou “sutil”, pode ter efeitos avassaladores tanto para a criança
quanto para a família durante o período de construção de novos vínculos na
família por adoção. Ainda que essa prática não seja intencional, considerando
que o grupo familiar pode, ainda, estar despreparado para lidar com as relações
étnico-raciais, é preciso que as pessoas adultas envolvidas na relação possam
234 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
5
alestra online: Desvelando o racismo: a importância de se discutir sobre adoção inter-racial com
P
os pretendentes a adoção – https://www.tjsp.jus.br/InfanciaJuventude/BoletimEletronico/Noticia?
codigoNoticia=74408&pagina=1
Capítulo 12 – Nicole de C. Barros, Patrícia S. Silva, Liziane G. da Silva e Giana B. Frizzo 235
sobre o letramento racial, por exemplo, parece ser um caminho promissor para
esse objetivo, bem como o diálogo mais estreito com famílias que já lidaram com
esses desafios, bem como com instituições do terceiro setor como o CEERT-SP
que tem visibilizado essa questão há mais tempo (Teixeira, 2016).
Famílias que não convivem com pessoas negras em lugares sociais diver-
sos, que nunca refletiram a respeito dos significados de ser branco ou negro
na sociedade brasileira, ou, ainda, que supõem que a raça/cor é indiferente em
nossa sociedade, muito possivelmente tem um caminho longo a percorrer para
preparar-se para lidar com a complexidade da criação de uma criança negra
saudável e que tenha orgulho de sua raça/cor. Nesse sentido, é preciso recorrer às
estratégias já existentes, e traçar novas, para que cada vez mais pessoas brancas se
eduquem para as relações étnico-raciais (Silva, 2015; Silva, 2021; Severo, 2021;
Schucman, 2018; Nunes, 2017). Esse movimento passa por participar de grupos
de apoio sobre adoção, conviver com outras famílias interraciais, conviver com
famílias negras em posições sociais não hierarquizadas, participar ativamente
de espaços de atuação antirracista, consumir materiais literários e audiovisuais
que visibilizem a presença de pessoas negras nos mais variados lugares. A par-
tir desse movimento, cada vez menos haverá espaço para o estranhamento da
diversidade étnico-racial dentro da família adotiva (e quiçá biológica) e esta-
remos efetivamente garantindo o direito de crianças negras, pretas e pardas, a
constituírem uma família que as ama pelo que elas são, e não pelo que (ou com
quem) se parecem ou deveriam ser.
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238 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
6
Alterada pela Emenda Constitucional no 53 (2006) e Emenda Constitucional no 59 (2009).
Capítulo 13 – Jaqueline Lima Fidalgo e Silva e Cláudia da Mota Darós Parente 241
7
Alterada pela Lei no 12.796 (2013).
242 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
orientar as práticas dentro das instituições na busca por uma escola garantidora
dos direitos das crianças. Alguns desses documentos estão sistematizados no
Quadro 1.
Documento
Em 2016, por meio da Lei no 13.257 (2016), foi aprovado o Marco Legal
da Primeira Infância, que, entre outras coisas, estabelece princípios e orienta-
ções para a formulação e a implementação de políticas públicas relacionadas à
primeira infância.
Por fim, em 2018, foi homologado documento que estabeleceu a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) para toda a educação básica no Brasil,
incluindo orientações para os processos formativos desenvolvidos no âmbito da
educação infantil (Brasil, 2018).
8
Mercosul (Mercado Comum do Sul) foi criado em 1991 pelo Tratado de Assunção com a finalidade de
O
facilitar a circulação de bens, serviços e capitais entre os seguintes países: Argentina, Brasil, Paraguai, Uru-
guai e Venezuela. Recuperado de https://www.mercosur.int/pt-br/quem-somos/em-poucas-palavras/.
246 Seção I – Saúde, Educação e Desenvolvimento Humano
Além disso, a articulação entre as políticas públicas deve ser parte inte-
grante de um projeto de formação integral da infância, “[...] de modo que elas
contemplem expectativas em torno de uma experiência educacional planejada e
realizada por um grupo de adultos reunidos em torno de um interesse comum:
oferecer melhor acolhida às crianças num mundo de grande complexidade”
(Barbosa, Richter & Delgado, 2015, p. 104).
As autoras tipificaram três modelos de oferta de educação em tempo inte-
gral nas escolas de educação infantil: o modelo da assistência, que desempenha
o papel de guarda da criança para a família que trabalha; o modelo da esco-
larização e recreação, que divide a proposta pedagógica em dois turnos, com
atividades desconectadas entre si; o modelo da escolarização, que conta com
profissionais formados em ambos os turnos, enfatiza a transmissão de conteúdos
e a necessidade de produção de trabalhos, numa lógica conteudista (Barbosa,
Richter & Delgado, 2015).
De acordo com Tiriba (2018, p. 98), o fato de as crianças permanecerem
nas instituições com jornada de tempo integral por longos períodos chama a
atenção para algumas reflexões no que se refere à rotina das instituições e à
infraestrutura dos prédios: a qualidade das experiências vividas pelas crianças
ao longo do dia; a possibilidade do contato estreito com a natureza; a escola
como lugar para as crianças fazerem o que gostam e o que desejam; os direitos
que estão sendo respeitados ou não.
Se a qualidade das aprendizagens é proporcional à qualidade das interações, então as
crianças aprenderão melhor quando estiverem mais felizes; e cabe às instituições de
educação infantil se empenharem na oferta de tempos e espaços que favoreçam a sensação
de realização, de plenitude, de inteireza de corpo e espírito.
Considerações finais
Independentemente do tipo jornada escolar, as crianças são a razão de ser
de todas as instituições de educação infantil. De forma mais abrangente, con-
cebemos que as diferentes infâncias que vivem na atualidade devem também ser
o centro das políticas públicas, a fim de que possamos oferecer uma formação
o mais integral possível.
As escolas de educação infantil, como espaços (embora não únicos) de
viver a infância, devem promover a educação integral às crianças que lá estão,
seja em jornada parcial ou integral. O tempo deve ser um fator que amplia as
potencialidades da educação infantil e não um mero coadjuvante no processo
educativo ou um vilão que cerceia as possibilidades de desenvolvimento e apren-
dizagem das crianças.
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Seção II
Psicologia
social e
sociedade
Apresentação
A segunda seção do livro apresenta um compilado de pesquisas na área da
psicologia social que discursam sobre tópicos atuais com metodologias de ponta
na área do estudo do preconceito, seja racial, de gênero ou social. No primeiro
desses estudos Ferreira, França e Jairo apresentam, desde a óptica dos profis-
sionais dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV, as
estratégias que esses profissionais desenvolvem para promover o fortalecimento
da identidade racial em crianças em situação de vulnerabilidade e destaca a
importância do trabalho desses profissionais por se tornarem referências moti-
vadoras no fortalecimento da identidade racial. No segundo estudo, seguindo
uma metodologia experimental/correlacional, Techio, Gouveia e Borges apre-
sentam dados que apoiam a ideia de que a cor da pele do alvo da violência
policial influencia no posicionamento diante desta e a reação emocional que no
observador provoca, mostrando que os estudantes universitários parecem estar
mais conscientes do preconceito racial e das lutas adotadas no âmbito acadêmico.
Já no terceiro estudo, Moreira-Primo, dos Santos e França apresentam uma
proposta metodológica para o estudo da identidade racial em crianças no ensino
fundamental, as quais, através da apresentação de uma história, expressam suas
experiências tanto do racismo direto quanto do racismo observado, o que deixa
de manifesto a necessidade de programas de combate ao racismo nas escolas
para o qual propõem uma série de intervenções que visam tanto a redução do
racismo quanto o fortalecimento da identidade étnico-racial de crianças negras.
No quarto estudo, Poderoso apresenta uma pesquisa na qual descreve os este-
reótipos que policiais militares têm na seletividade de suspeitos na abordagem
policial, e como os descritores associados ao grupo de suspeitos são os mesmos
usados na descrição dos grupos de negros/as e pobres, chamando a atenção para
o racismo associado à exclusão social. Esse estudo encerra a primeira parte da
segunda seção do livro, centrada no preconceito racial.
Os capítulo subsequentes, irão se centrar no estudo de outros tipos de
preconceito, começando com o estudo de Figueredo e Pereira no qual, seguindo
uma metodologia experimental, avaliam a relação entre gênero e preconceito
sexual, mostrando que homens heterossexuais manifestam mais preconceito
contra gays que contra lésbicas, e que sua percepção de distintividade seria a res-
ponsável pela maior expressão de preconceito contra gays, e quando essa distinti-
vidade é reduzida o preconceito dos homens heterossexuais contra gays aumenta.
No sexto estudo, o preconceito foi abordado nas manifestações encontradas nas
261
Identidade social
Quando alguém nos pergunta quem somos, uma variedade sem fim de
respostas é formulada em nossa mente. Essa variedade de respostas compõe um
discurso acerca da nossa identidade, que não pode ser expresso em sua integra-
lidade por abranger vários níveis. Um desses níveis é o pessoal, por exemplo, sou
alegre, inteligente, alta, etc. Um outro nível, o social, se refere a nós enquanto
participantes ativos de determinados grupos, por exemplo, sou educadora social,
membro da diretoria de um sindicato, mulher, etc. Decidir que resposta vamos
utilizar é uma tarefa complexa, mas percebemos que quando respondemos utili-
zando o nível social, damos uma resposta mais significativa por nos referirmos a
uma sobreposição percebida entre os grupos sociais com os quais nos identifica-
mos (Knifsend & Juvonen, 2014) dentro do contexto em que fomos questionados.
A identidade social diz respeito ao que o indivíduo apreende sobre si
mesmo e sobre a sua pertença a grupos sociais, juntamente com o significado
emocional e de valor associado a essa pertença (Tajfel, 1981). Significado e
valor são conotados positiva ou negativamente e não são algo individual, pois
o valor atribuído a um grupo depende do valor que a sociedade como um todo
atribui ao mesmo, interferindo no valor que a ele atribuímos individualmente
e, consequentemente, na emoção associada a ele, numa relação dialética.
266 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Método
Participantes
Este estudo seguiu as orientações para pesquisa com seres humanos, tendo
autorização (CAAE no 46858221.0.0000.5546) para a realização. E os dados fo-
ram coletados a partir de plataforma Google Forms. Participaram 89 profissionais
do SCFV, sendo que 79 eram mulheres (79,8%) e 18 homens (20,2%), com idades
variantes entre 20 e 63 anos (M = 37,3; DP = 8,6). No que diz respeito à cor/raça,
19 se autodeclararam brancos (21,3%), 52 se autodeclararam pardos (58,4%) e 18
se disseram pretos (20,2 %). Quanto à escolaridade, 16 possuem o ensino médio
ou pedagógico (18%), 12 cursavam o ensino superior incompleto (13,5%), 30 com
ensino superior completo (33,7%) e 31 são pós-graduados (34,8%).
Quanto a composição da categoria profissional, observou-se que 56 eram
educadores sociais (62,9%), 11 eram psicólogos(as) (12,4%) e 7 eram assistentes
sociais (7,9%). A experiência profissional aferida em tempo de atuação oscilou de
3 meses a 22 anos (M = 7,3; DP = 4,7). E quantos aos aspectos da remuneração
destes profissionais, 78 afirmaram ter rendimentos entre 1 e 3 salários-mínimos,
e apenas 11 afirmaram receber acima de 3 salários-mínimos (12,4%).
Procedimentos
Os participantes foram recrutados em ambiente virtual, por meio da técni-
ca “bola de neve”. A plataforma utilizada para a disponibilização do instrumento
foi o Google Forms. O convite para participação da pesquisa foi realizado via
e-mail, plataformas de mensagens instantâneas e redes sociais.
Foi estabelecido como critério de inclusão dos participantes que eles preci-
sariam ser profissionais que trabalhassem nos Centros de Referência da Assis-
tência Social (CRAS) com grupos de crianças em situação de vulnerabilidade
social – as quais foram centro da pesquisa. Participantes que não se encaixaram
no critério de inclusão tiveram seus dados não incluídos nesta pesquisa.
268 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Instrumentos
O instrumento utilizado foi um questionário semi-estruturado, autoaplicável
por meio virtual. Para avaliar a socialização racial dos(as) profissionais, utilizou-se
um conjunto de 6 itens de resposta aberta sobre a transmissão de informações a
respeito do valor, da cultura e importância do grupo racial, adaptados da escala de
socialização étnica de Hughes e Chen (1999) para os(as) profissionais do SCFV.
Desse modo, os itens foram dispostos conforme o Quadro 2.
Ordem Pergunta
Em sua opinião, profissionais do SCFV devem falar sobre diferenças
1
entre as pessoas com as crianças do SCFV?
2 Você percebe o racismo na sociedade brasileira? Por gentileza, exemplifique.
Você conversa com as crianças do SCFV sobre diferenças étnicas e raciais das
3
pessoas? Caso você converse, por favor, relate nas linhas abaixo um exemplo.
Você diz às crianças do SCFV que as pessoas devem ser bem tratadas
4
independentemente da cor de pele que possuam?
Você crê que seja papel de profissionais do SCFV explicar às crianças que todas as
5
pessoas têm direitos iguais, independentemente de serem brancas ou negras?
Em sua opinião, falar sobre as diferenças raciais entre as pessoas contribui para
6 produzir nas crianças do SCFV a percepção da igualdade de direitos entre as pessoas?
Justifique sua resposta, por favor.
Ordem Descrição
1 Noto que as crianças do SCFV sofrem racismo em seu dia a dia.
2 Incentivo as crianças do SCFV a valorizar as pessoas de todas as cores de pele.
Explico às crianças do SCFV que a cor da própria pele é uma importante característica
3
das pessoas.
4 Conto para as crianças do SCFV sobre a história e tradições do povo negro
Refiro para as crianças do SCFV que as pessoas negras devem ter orgulho de sua cor e
5
de suas características físicas como lábios, nariz e cabelos. .
Explico às crianças do SCFV que pessoas negras podem ter profissões como
6
professor, médico, advogado, engenheiro, etc.
Falo com as crianças do SCFV sobre as contribuições dos negros para a sociedade
7
brasileira.
Capítulo 14 – Josiene dos S. Ferreira, Dalila X. de França e Israel Jairo 269
Ordem Descrição
Na educação social é importante promover o desenvolvimento da percepção de
1
pertencimento a um grupo racial pelas crianças.
Falar sobre cor da pele é importante para desenvolver a percepção de si mesmo
2
enquanto pertencente a um grupo racial pelas crianças do SCFV.
Falar sobre cor da pele é importante para a superação de dificuldades na vida das
3
crianças do SCFV.
Apresentar fatos e/ou histórias protagonizadas por pessoas negras é importante para
4
produzir o sentimento de valor do grupo pelas crianças negras do SCFV.
Orientar as crianças para o desenvolvimento de sentimentos positivos para seu grupo
5
racial é um importante papel do(a) educador(a) social.
A educação social é importante também para promover o desenvolvimento da
6
valorização racial nas crianças.
Análises
Os dados qualitativos foram analisados pelo software IRAMUTEQ
(Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Question-
naires) e foram realizadas análise de classificação Hierarquica descente,
lexicometria e análise do discurso. Os dados quantitativos foram analisados
pelo software IBM SPSS Statistics 20, e realizadas análises descritivas, de
frequência e Análises de Variância (ANOVA) para avaliar as diferenças das
médias entre os grupos de cor/raça, sexo, idade, cargo exercido, escolaridade
e rendimentos.
As referidas análises tinham foram necessárias visando testas as hipóteses
deste trabalho. Como primeira hipótese (H1) estabeleceu-se que os profis-
sionais do SCFV relatarão conhecimento do racismo na sociedade brasileira.
Entretanto, hipotetizamos que (H2) os profissionais do SCFV não abordam o
racismo em sua prática profissional. Tal qual acontece na sociedade brasileira
sobre o silenciamento das desigualdades raciais. Como terceira hipótese (H3)
prevemos que os profissionais pardos e pretos do SCFV apresentarão maior
frequência na emissão de mensagens de fortalecimento da identidade do que
os brancos. E por fim, hipotetizamos (H4) que a cor de pele influenciará na
percepção de necessidade de transmissão de mensagens de fortalecimento da
identidade da criança, ou seja, os profissionais negros atribuirão maior impor-
tância a transmissão de mensagens de fortalecimento da identidade do que os
profissionais brancos.
Resultados e discussões
O presente estudo teve como objetivo investigar se a socialização executada
pelos profissionais Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos –
SCFV promovem o fortalecimento da identidade racial de crianças em situação
de vulnerabilidade social. Especificamente, investigou-se 1) os profissionais que
estão em contato com estas crianças têm consciência de uma realidade marcada
pelo racismo, ou estão a reafirmar o discurso da igualdade racial? Ou seja, se há
uma percepção do racismo na sociedade brasileira por parte dos profissionais do
SCFV e se há um posicionamento crítico desta realidade? 2) se no processo de
socialização tem sido dada ênfase as mensagens de fortalecimento a identidade
racial negra? 3) qual a frequência das transmissões de mensagens dos agentes
socializadores do SCFV? E 4) A identidade racial do profissional do SCFV
influencia na frequência das mensagens que promovam o fortalecimento da
identidade racial negra?
Capítulo 14 – Josiene dos S. Ferreira, Dalila X. de França e Israel Jairo 271
(...)” e o (ii): “(...) tenho amigas negras e tenho relato delas de atendimento em
lojas por exemplo se entrar alguém da cor branca será atendido primeiro (...)”.
Desse modo, os resultados indicam que a hipótese (H1) que predizia
que os profissionais do SCFV relatariam que de modo geral havia racismo na
sociedade brasileira foi confirmada, pois, os resultados obtidos nessa análise
expressam que os(as) profissionais entrevistados(as) convergem na ideia de que
o racismo é, de fato, um problema social, corroborando com o pensamento de
Bernardino (2002) que aborda o racismo enquanto uma espécie de estrutura
sistemática voltada para o impedimento de condições de oportunidades iguais.
Outra convergência dos resultados desse estudo diz respeito à menção reiterada
de assimetria de estatuto social e, por conseguinte, de relações de poder entre
brancos e negros. Essa reiteração ganha força quando resgatamos a concepção
do racismo enquanto estrutura ideológica de Wetherell e Potter (1992), a qual
gera práticas sociais que autenticam essas assimetrias de relações de poder e
estatuto social.
Desse modo, os resultados aqui relatados revelam uma percepção de como
o racismo estrutural se faz presente na sociedade brasileira de maneira natu-
ralizada. Em uma sociedade que tornou o reconhecimento do racismo mais
difícil, o sedimentando em seu cotidiano através de ideologias tais como a da
mestiçagem e a do mito da democracia racial (Lima, 2004), como é o caso do
Brasil, a obtenção de resultados que o percebem como fenômeno intrínseco
demonstra que a temática tem sido debatida ou pensada de algum modo por
esses(as) profissionais. Ao passo que estes resultados corroboram com os estu-
dos de Santos e Scopinho (2016) da existência de uma dificuldade imposta aos
negos para ascensão social por meio do cerceamento de oportunidades que são
negadas a eles neste país.
Outrossim, esses resultados ilustram, de acordo com a classe mais re-
presentativa (Classe 4), a ideia de racismo sendo contemplada enquanto um
problema estrutural da sociedade brasileira. Em uma sociedade que tornou
o reconhecimento do racismo mais difícil, o sedimentando em seu cotidiano
através de ideologias tais como a da mestiçagem e a do mito da democracia
racial (Lima, 2004), como é o caso do Brasil, a obtenção de resultados que o
percebem como fenômeno intrínseco demonstra que a temática tem sido deba-
tida ou pensada de algum modo por esses(as) profissionais.
Ao mesmo tempo, pode-se notar que a classe menos representativa (Classe
1) é a única entre as 5 classes analisadas que contempla a ideia de que o branco é
o grupo privilegiado pelo racismo. Esse resultado, ao passo em que surpreende
Capítulo 14 – Josiene dos S. Ferreira, Dalila X. de França e Israel Jairo 275
por refletir que uma parcela dos(as) profissionais participantes do estudo estão
conscientes de que o racismo visa a legitimação das desigualdades entre brancos
e negros através do estabelecimento de lugares e papéis fixos para esses grupos
humanos na sociedade (Cabecinhas, 2007), também se mostra um resultado
expectável, por conta da sua baixa representatividade. Apesar do privilégio
branco ser sistemático quando pensamos em acesso a recursos (Shucman, 2014),
tanto materiais, quanto simbólicos, pois boa parte dos atores sociais envolvidos
na inclusão racial não reconhecem que o privilégio branco está na base da es-
tratificação racial existente no Brasil (Cardoso, 2011).
Igualdade de direitos
dessas mensagens. Tal como pode ser visto no Gráfico 5, as palavras “conversa”,
“roda”, “vídeo”, “SCFV” e “música” são as mais representativas dessa Classe. E
nos discursos representativos da Classe 1, a exemplo (i): “(...) através de dinâmicas,
rodas de conversa, músicas e textos (...)” e (ii): “(...) eu e outros colegas também
educadores atuamos nesse sentido através de rodas de conversa, vídeos e palestras
(...)”, observa-se que os participantes utilizam ferramentas parecidas para a trans-
missão de mensagens para combater o racismo e fortalecer a identidade racial.
Por meio dos conteúdos discursivos da Classe 5 (UCEs = 18,8%), deno-
minada de “Todos(as) têm o direito de ser respeitados”, foram reveladas percep-
ções organizadas em torno da inconformação com o desrespeito que as pessoas
sofrem em virtude de diferenças de um modo geral (não apenas diferenças
raciais), podendo ser identificada uma inclinação das falas para uma tentativa
de mudança desse cenário social – do desrespeito às diferenças. O Gráfico 5
indica que as palavras mais representativas nessa Classe foram: dever, diferente,
direito e igual. E a partir dos discursos representativos da Classe 5, a exemplo:
(i): “(...) eu converso sobre o preconceito que as pessoas diferentes sofrem e que
não devia de ser assim (...)” e (ii): “(...) converso sim, por exemplo, que as pes-
soas têm os mesmos direitos mesmo se são de raças diferentes isso não deveria
mudar o tratamento e elas não podem aceitar se fizerem isso com elas (...)”. É
possível identificar a transmissão da inconformidade dos(as) participantes com
o desrespeito às diferenças, inclusive encorajando que outras pessoas também
não se resignem perante uma situação de falta de respeito.
A Classe 4 (UCEs = 22,9%), nomeada de “Cor da pele não deve ser razão
para preconceito”, foi uma das duas mais frequentes no Corpus e está organizada
a partir da percepção de que as diferenças raciais existem, são importantes para
a identidade do indivíduo e não deveria ser motivo para sofrimento. Essa Classe,
para além da Classe 5, parte do mesmo princípio – respeito à cor da pele – e,
no entanto, vai além dela por tender a um aprofundamento no que diz respeito
à reflexão acerca da falta de fundamentos para tratamentos desiguais baseados
na cor da pele. As palavras mais frequentes dessa classe, de acordo com o Grá-
fico 5, foram: pele, cor, falar, respeito, merecer, criança e importância. Sendo
os discursos representativos desta Classe 4 o (i): “(...) no próprio serviço temos
crianças com tons de pele variados (...) tento esclarecer a importância dessas
diferenciações e a singularidade que cada criança ou indivíduo traz (...)” e (ii):
“(...) conversava (...) a respeito das diferenças, principalmente a relacionada a
cor da pele que era o que mais eles traziam como incômodo e fazendo com que
fosse possível a autoaceitação e (...) o respeito aos direitos (...)”.
278 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
na satisfação com a cor da pele (F (2, 88) = 9.03; p > .001; F (2, 88) = 5.60; p >
.005, respectivamente).
No que concerne à importância da identidade, os resultados indicaram que
os (as) participantes autodeclarados(as) pretos(as) atribuem significativamente
mais importância à própria identidade (M = 3,5; DP = .62; Scheffe = .024), do
que os(as) pardos(as) (M = 2,54; DP = 1,41; Scheffe = .024) e do que os(as) bran-
cos(as) (M = 1,74; DP = 1,28; Scheffe > .001) atribuem. Já os(as) participantes
pardos(as) tendencialmente atribuem mais importância à própria identidade do
que os(as) participantes brancos(as) (Scheffe = .066). Com a relação à satisfação
com a identidade, observou-se que os(as) participantes pretos(as) e pardos(as)
declararam-se igualmente satisfeitos com suas identidades (Mpreta = 3,61; DPpreta
= .50; Mparda = 3,21; DPparda = .89; Scheffe = .192). Entretanto, apenas os(as) pre-
tos(as) declararam-se mais satisfeitos com a sua cor do que os(as) brancos(as)
(M = 2,74; DP = .73; Scheffe = .005). Os resultados demonstraram que brancos
e pardos não se diferenciaram Scheffe = .09.
seja uma forma de autoafirmação enquanto seres sociais. Estudos sobre identi-
dade apontam que a supervalorização da identidade e da autoimagem implicam
em um mecanismo de defesa (Goñi e Fernández, 2009), uma autoproteção da
própria imagem, além de funcionar em nossa amostra como um exemplo que
entendemos se encaixar no que Tajfel (1981) preconiza como uma forma de luta
para uma eventual mudança social.
De igual modo, percebemos ainda nesses dados que a satisfação com a cor
da pele foi superior para participantes pretos, comparativamente aos brancos,
tornando importante a retomada da informação de que nessa amostra houve
apenas a auto atribuição da cor da pele por parte dos(as) próprios(as) partici-
pantes, em virtude da coleta ter se dado exclusivamente de modo online, nos
levando a várias reflexões acerca dessa diferença.
Entre os questionamentos que surgiram acerca dessa diferenciação, está
a possibilidade desses resultados remeterem à realidade, representando uma
verdade, ou estarem apenas refletindo uma postura de autoafirmação por parte
desses(as) profissionais. Outra possibilidade que nos ocorreu é a de que eles
seriam apenas um achado diferente, concernente à amostra deste estudo em
particular, o que abre portas para futuros estudos confirmatórios.
Considerações finais
Objetivou investigar se a socialização executada pelos profissionais Servi-
ços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos - SCFV promovem o fortale-
cimento da identidade racial de crianças em situação de vulnerabilidade social.
De modo que foram avaliadas às mensagens a nível identitário transmitidas às
crianças que fazem uso do serviço do CRAS. E de modo geral, consideramos
essa pesquisa deveras profícua pelos resultados encontrados.
Consideramos que os objetivos desta pesquisa foram parcialmente atingi-
dos, pois de modo geral ela conseguiu delinear um esboço de como se processa
o trabalho socioeducativo e de socialização dos(as) profissionais do SCFV e da
importância dele para o desenvolvimento da identidade social, e especificamen-
te, referimo-nos a identidade racial de crianças em situação de vulnerabilidade
social participantes do serviço. E apesar do tamanho da amostra, a pesquisa
possibilitou acesso válido e fiel de uma visão geral de como os(as) profissionais
do SCFV lidam com a questão das desigualdades raciais, não negando o racismo
enquanto problema social que afeta negativamente o acesso a oportunidades
de crescimento social e reconhecendo o desequilíbrio das representações e das
posições de poder ocupadas em nossa sociedade.
288 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
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Capítulo 15
Relações raciais e preconceito: a importância
da identidade racial e das emoções
Elza Maria Techio
Raimundo Cândido de Gouveia
Bárbara Borges
Introdução
Práticas de discriminação racial são verificadas cotidianamente no Brasil,
embora tenha se consolidado na história do país, desde muito cedo, a ideologia
da democracia racial. Tal termo foi cunhado pelo antropólogo Artur Ramos, em
1903, e amplamente divulgado por Gilberto Freyre no seu clássico livro “Casa-
-grande & Senzala”, publicado em 1933. A ideia de uma democracia racial foi
questionada por um grupo de investigadores liderados pelo sociólogo Forestan
Fernandes e pelo movimento negro (Schwarcz, 2019). Para estes, o regime escra-
vocrata havia consolidado uma profunda desigualdade social, e, no Brasil, impe-
rava um tipo de preconceito reativo, um tipo de “preconceito contra o preconceito
ou o preconceito de ter preconceito” (Fernandes, 2007, p. 21), ou seja, haveria aqui
um racismo mascarado. O discurso de uma democracia racial dribla a percepção
das desigualdades e a luta por inclusão social e igualdade racial, garantindo o status
quo e a hierarquia racial dominantes. Pesquisas desenvolvidas no país (Camino, et
al., 2013; Camino et al, 2014; Turra & Venturi,1995) reforçam a ideia de que no
Brasil há uma negação de que somos racistas e preconceituosos. As desigualdades
raciais tendem a ser justificadas por outros fatores (Barros, Torres, & Pereira,
2017; Ferreira et al., 2017; Pereira, Torres, & Almeida, 2003), como a pobreza,
por exemplo, e não pela discriminação racial e racismo. Esta separação é difícil
de aceitar, uma vez que os preconceitos contra pretos e pobres andam juntos.
Vinculada à crença na democracia racial, há também a retórica idiossin-
crática da nação brasileira como sendo cordial, generosa, hospitaleira e pacífica.
Trata-se da visão compartilhada de um país harmônico e sem conflitos, sem
ódio racial, religioso e de gênero (Schwarcz, 2019; Holanda, 2012). Esta re-
tórica ainda está presente no imaginário de muitos brasileiros e estrangeiros, e
constitui parte importante da representação de quem somos, do nosso caráter
enquanto povo, constituindo o que poderíamos chamar de identidade nacional
(Lima & Santos, 2016).
Capítulo 15 – Elza M. Techio, Raimundo C. de Gouveia e Bárbara Borges 293
Objetivo
O presente estudo objetivou testar a hipótese de que a relação entre a
cor da pele de um jovem agredido por violência policial e o posicionamento
de estudantes universitários diante da ação violenta é mediada pelo grau de
identificação social e ativação das emoções.
Método
Trata-se de um estudo experimental correlacional, no qual se manipulou
a cor da pele do jovem (branca X preta) agredido pela polícia durante uma ação
policial.
Amostra
Participaram do estudo 375 estudantes de uma universidade pública no
estado da Bahia, das áreas das Ciências Humanas (55,6%); Exatas (26,7%) e
da Saúde (17,7%). Dentre os participantes, 55,8% (207) são do sexo feminino.
A idade dos participantes variou entre 17 e 60 anos, com média igual a 24,68
anos (dp=5,96). Em relação à cor da pele, 23,7% se auto identificaram como
pretos, 32,6% como brancos e 42,7% como pardos. Quanto ao posicionamento
300 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Instrumento
Foi utilizado um questionário impresso no qual era apresentado ao par-
ticipante uma vinheta contendo (notícia fictícia) o relato do uso da força física
por parte da polícia para deter um jovem que circulava nas redondezas e que
supostamente portava drogas. No cenário, a cor da pele do jovem era manipulada
experimentalmente. O relato informava que um jovem de 19 anos (branco ou
negro), após uma denúncia anônima, foi abordado pela polícia. Na mochila do
jovem havia 5g de cocaína e 42 reais em notas de diversos valores. De acordo
com os policiais envolvidos na abordagem, foi necessário o uso da força física
para detê-lo porque o suspeito resistiu. O jovem nega a versão dos policiais. O
suspeito foi encaminhado à delegacia e aberto inquérito policial. Os questioná-
rios foram aleatorizados e cada participante respondeu a apenas um dos cenários
no que se refere à cor da pele do jovem.
Após a leitura da vinheta, os participantes deveriam informar o quanto se
identificavam com o jovem descrito, tipo de emoções ativadas diante da notícia
e dados sociodemográficos. A identificação com o jovem foi mensurada a partir
do grau de afinidade com o jovem envolvido na ação policial mediante quatro
perguntas: a) quanto se identifica com o jovem descrito na notícia, b) quão
parecido; c) quão próximo; e quanto orgulho sente do jovem. As respostas aos
itens foram respondidas numa escala likert de cinco pontos (1- nada a 5 -muito).
Para mensurar o tipo de emoção ativada, utilizou-se uma lista de 15 emo-
ções, adaptadas da medida DES-Izard (Izard, 1977), mediante uma escala de
respostas Likert de cinco pontos (1-Nada intensa a 5- Muito intensa), em dois
contextos: o pessoal e o de substituição. No contexto pessoal, solicitava-se ao
Capítulo 15 – Elza M. Techio, Raimundo C. de Gouveia e Bárbara Borges 301
Resultados
9
Mb = Média de resposta quando o alvo era branco.
10
Mp = Média de resposta quando o alvo era preto.
302 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
0.565, p = 0.57; η2 0.06), e tampouco nas emoção positivas (Mb= 2.30 (1.04),
Mp = 2.48 (0.95); t(329) = -1.663, p < 0.097; η2-0.183) e negativas atribuídas
no contexto de substituição (outros) (Mb =2.65 (0.96), Mp =2.60 (0.87); t(328)=
0.525, p < 0.600; η2 0.058.
Com o objetivo de analisar o impacto da autoclassificação racial na per-
cepção da violência policial em função da cor da pele do alvo, realizamos uma
Análise de Variância (ANOVA) de dois fatores independentes. Partimos da
hipótese de que a cor da pele do jovem agredido influenciaria na concordância
com a violência policial, sendo mais aceita quando direcionada para o jovem
preto em comparação com o branco, em especial, quando os participantes se
autodeclaravam como brancos.
Conforme observado (ver Figura 8), os resultados indicam que a cor da
pele do jovem alvo da violência policial revelou diferenças estatísticas sig-
nificativas quanto à concordância com a ação violenta da polícia, porém na
direção oposta ao que esperávamos e a literatura vem apresentando (Álvaro et
al., 2015; Costa-Silva et al., 2018; Dukes & Gaither, 2017). No nosso estudo,
ocorreu uma maior aceitação da violência policial quando o jovem agredido
era branco (F(1)= 15,755; p = .001, η2 = 0,041), ao passo que a autoclassifica-
ção racial não impactou na percepção da violência policial (F(2) = 2,794, p =
,069, η2 = 0,015), tampouco observou-se um efeito de interação (F(2) 0.622;
p = .54, η2 = 0,003).
4.0
Cor do alvo
branco
3.5 preto
Concordância
3.0
2.5
2.0
Autoclassificação racial
Capítulo 15 – Elza M. Techio, Raimundo C. de Gouveia e Bárbara Borges 303
2.8
Cor do alvo
2.6 branco
2.4 preto
Identificação
2.2
2.0
1.8
1.6
1.4
1.2
Autoclassificação racial
Correlação
De modo geral, todas as correlações obtidas mostram-se estatisticamente
significativas. Revela-se, assim, uma relação direta entre o grau de identificação,
304 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
3.8
Cor do alvo
branco
3.6
Emoção negativa preto
3.4
3.2
3.0
2.8
Autoclassificação racial
possível observar que a identificação com o jovem descrito (b= -0,26, (95% BCa
CI [- 0,42, - 0,10]), t= -3,2130, p < 0,0014)) e a ativação de emoções pessoais
negativas apresentaram efeitos estatisticamente significativos com concordância
com a violência policial violenta (b= -0,5382, (95% BCa CI [- 0.66, - 0.42]), t
= -8,7454, p < 0,001).
O efeito total do modelo (cor da pele do jovem agredido influenciando
a concordância com a ação da polícia, na ausência de controle do mediador)
foi significativo com valor de b = -0,47, (95% BCa CI [- 0.74, - 0.21], t =
-3,4936, p < 0,0005, R 2= 0.035, (3,5% da variância)). Com a inclusão das va-
riáveis mediadoras no modelo, o efeito direto (c’) representado pela trajetória
entre a cor da pele do jovem agredido e a concordância com a ação policial
violenta controlando os mediadores (emoção pessoal negativa e identificação)
não foi significativo (b = -0,23, 95% BCa CI [- 0.46, - 0.002], t = -1,9465,
p < 0,52, R 2= 0.29, (29% da variabilidade). É importante notar que, quando
as emoções pessoais negativas e a identificação com o jovem agredido foram
adicionadas à equação, o efeito direto entre a cor da pele do jovem agredido e
a concordância com a ação violenta da polícia deixou de ser estatisticamente
significativo. Estes resultados indicam um efeito de mediação realizado pela
ativação das emoções pessoais negativas e identificação com o jovem descrito
na notícia. Isso indica que, quando as emoções negativas são ativadas diante
da ação policial contra um jovem preto, há uma menor concordância com a
violência policial.
Figura 11. Modelo do impacto da cor da pele do alvo como preditora da concordância
com a ação policial violenta mediado pelo nível de identificação e ativação de emoções
pessoais negativas. O intervalo de confiança Bias-Corrected an Accelerated (Bca)
foi estimado pela técnica de Bootstrapping (5.000 amostragem, parâmetros não
padronizados). ** p=001; *** p=0001
Identificação -,26
** **
,28
c= -,47***
Concordância
Cor da pele
VP
c’= -,23
,31
** ***
Emoções -,54
negativas
306 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Discussão
O presente estudo teve como objetivo testar a hipótese de que a cor da
pele do alvo da violência policial influencia no posicionamento diante desta.
Estudo que contribui para as reflexões sobre o preconceito racial e o racismo
mediante a tolerância à violência policial contra um jovem preto como prática
discriminatória. Tendo este objetivo em mente, em um primeiro momento,
mapeamos o grau de concordância com a ação violenta da polícia, a percepção
do tipo de emoção ativada no próprio indivíduo e nos outros e o grau de identi-
ficação com o jovem agredido em função da cor da pele do alvo da ação policial
em uma amostra de estudantes universitários. Cabe destacar que este foi um
estudo experimental, em que se apresentava uma suposta reportagem (vinheta),
na qual se manipulava a cor da pele do jovem (branco/preto) agredido durante
a suposta ação policial.
As primeiras análises revelaram uma moderada concordância ou legi-
timação da ação policial, em especial quando o jovem agredido pertencia à
categoria racializada branca. Ou seja, havia uma menor tolerância à violência
policial quando o jovem agredido era descrito como preto. Estes resultados são
surpreendentes e contrários com os que esperávamos, e ao que a literatura espe-
cializada aponta, uma vez que o preconceito racial e o racismo se expressam na
maior concordância e legitimidade da violência policial quando orientada contra
determinados grupos raciais e ou étnicos socialmente inferiorizados (Álvaro et
al., 2015; Bryant-Davis et al., 2017; Costa-Silva et al., 2018; Oliveira, 2013;
Ferreira, 2021). Porém, resultados semelhantes foram encontrados em outro
estudo, em uma amostra similar, sobre o preconceito racial, no qual os parti-
cipantes se posicionam criticamente quanto ao reconhecimento do preconceito
racial, expressando menos preconceito contra negros (Techio, Ferreira, Viana,
& Torres, 2019b).
Tais resultados levam-nos a refletir se o contexto social e cultural em que
estão inseridos estes universitários interfere no posicionamento de tolerância à
violência policial. No caso em questão, vale destacar que a amostra era de estu-
dantes de uma universidade pública, localizada em uma das cidades com maior
população negra do país, onde as discussões e enfrentamentos ao preconceito
e racismo fazem parte de diversas práticas e atividades da vida acadêmica e
universitária. Principalmente nos cursos universitários que compõem as áreas
de ciências humanas e sociais, nos quais está inserida a maior parte da amostra.
Acredita-se que estes posicionamentos críticos frente ao preconceito racial e ao
racismo podem decorrer da adoção da retórica do “politicamente correto” frente
Capítulo 15 – Elza M. Techio, Raimundo C. de Gouveia e Bárbara Borges 307
11
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm.
12
http://www.sepromi.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=21; http://www.repara-
cao.salvador.ba.gov.br/index.php/quem-somos/institucional; http://www.saude.salvador.ba.gov.br/
saude-da-populacao-negra/.
13
https://institutoodara.org.br/; https://mnu.org.br/; https://www.geledes.org.br/.
308 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Conclusão
O presente artigo buscou abordar o preconceito racial e o racismo mediante
a tolerância com a violência policial e o papel que desempenham os construtos
psicossociais de identificação e estados afetivos na percepção da violência. Cla-
ramente a identificação e a ativação de emoções pessoais negativas exerceram
um efeito importante no julgamento social e nas práticas cotidianas de expressão
do preconceito e racismo.
Assim, concluímos que o preconceito racial e o racismo são práticas pre-
sentes na vida dos universitários da amostra, que o preconceito racial é influen-
ciado por aspectos psicológicos tais como a identificação social e a afetividade,
e que a tolerância à violência policial é uma forma implícita de expressão do
preconceito e do racismo institucionalizado na sociedade, tendo em vista que
as ações policiais são direcionadas para uma parcela específica da população
(jovens, pretos e de periferia) e justificadas pelo discurso de que ações violentas
são necessárias no combate ao crime e na luta antidrogas. Isso revela um claro
apoio às práticas racistas, que, acopladas aos discursos de concordância com
estas práticas, reforçam e visibilizam a segregação racial, reforçando a ideia da
igualdade racial com o argumento do combate ao crime. Além disso, os estu-
dantes universitários participantes da pesquisa parecem estar mais conscientes
Capítulo 15 – Elza M. Techio, Raimundo C. de Gouveia e Bárbara Borges 311
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Capítulo 16
Ver e sentir: duplo sofrimento de crianças
negras com o racismo e possíveis soluções
Ueliton Santos Moreira-Primo
Joana dos Santos
Dalila Xavier de França
“Eu tinha u ma colega na escola que era mais escura do que eu, aí tinham umas meninas
que não gostavam de chegar perto dela porque ela era negra. Aquilo me deixava triste,
porque ela era da mesma cor que eu e as pessoas ficavam humilhando ela por isso.”
(Marta, 11 anos, negra).
O relato da epígrafe, feito por uma das crianças entrevistadas neste es-
tudo, chama a atenção para a persistência do racismo em nossa sociedade e
demonstra que esse fenômeno se apresenta na realidade das pessoas ainda na
infância, afetando os relacionamentos entre crianças de diferentes grupos raciais.
Em seu relato, Marta14 conta uma experiência de racismo que ela observou
acontecer contra outra criança negra, que era humilhada e excluída por outras
crianças apenas pelo fato de ser negra. Marta disse que aquela situação a deixava
triste, percebendo que a razão de sua colega de escola sofrer racismo se dá em
decorrência de uma característica que também é partilhada por ela: a cor da
pele negra, ainda que a cor de sua colega seja mais escura que a dela. O relato
de Marta chama a atenção para um fenômeno pouco investigado na literatura
da psicologia brasileira: a experiência observada do racismo e o impacto que
essa experiência pode gerar nas crianças que pertencem ao mesmo grupo racial
daquela que está sendo vítima direta do ato discriminatório.
O relato de Marta mostra que o racismo atua em duas frentes, a da vítima,
quando é percebido em uma situação em que a própria pessoa sofre a ação racista,
e a do observador, percebido quando uma pessoa vê outra sendo discriminada.
Tais situações são capazes de gerar um duplo sofrimento na criança negra,
sentido através do impacto ao ser vítima direta da discriminação, bem como ao
ver seus pares sendo vítimas. Estudiosos têm constatado que observar o racismo
14
Foram utilizados nomes fictícios para resguardar o direito das crianças ao sigilo.
318 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
base na cor da pele (Aboud, 1988; França & Monteiro, 2002) e aos 4 anos de
idade elas já podem expressar racismo, cuja a aprendizagem se dá por meio do
contexto social em que elas estão inseridas (França & Silva, 2021). As estra-
tégias utilizadas por pesquisadores para documentar esses episódios quando
eles são descritos pelas próprias crianças podem variar conforme a idade delas.
Nas crianças pequenas, com idades entre 5 e 6 anos, um dos instrumentos
mais utilizados como estímulo para a criança contar suas próprias vivências e
percepções com o racismo, é a contação de histórias (e.g., Bezerra, Santos, &
Fernandes, 2018; Moreira-Primo, 2020). Na realização deste estudo, criamos
uma história de discriminação racial a qual foi utilizada como estímulo para as
crianças contarem suas experiências com o racismo.
Na Psicologia Social, área que este estudo se desenvolve, o racismo é com-
preendido como um problema social que gera prejuízos não apenas para as suas
vítimas, mas também para a toda a sociedade. Uma preocupação recorrente dessa
área é a produção de conhecimento de estratégias que visem o enfrentamento ao
racismo e outras formas de preconceito (França, Santos, & Sousa, 2019). Neste
estudo, também temos o objetivo de apresentar estratégias de enfrentamento ao
racismo na infância, como possibilidades para solucionar esse problema social,
através de intervenções em escolas fundamentadas nelas.
Com base nessas considerações, este trabalho tem como objetivo geral
investigar as percepções de crianças sobre ocorrências de racismo e apresentar
um arcabouço teórico sobre possíveis soluções para a redução desse problema.
Para tal, dois estudos foram realizados, um empírico e um de revisão da li-
teratura. No estudo empírico, buscou-se examinar e descrever as percepções
de crianças sobre ocorrências de racismo, de forma direta (quando a própria
criança foi a vítima) e observada (quando a criança presencia outros sendo
vítima), verificando os conteúdos expressos nessas ocorrências, os locais onde
ocorreram e a cor da pele das vítimas e dos perpetradores. Já no estudo de
revisão, buscou-se apresentar uma revisão da literatura sobre possíveis estra-
tégias interventivas para o combate ao racismo na infância e, adicionalmente,
para o fortalecimento da identidade étnico-racial das crianças negras, de modo
que professores, pais, psicólogos e outros profissionais possam utilizar desse
conhecimento para trabalhar esses temas com as crianças e contribuir para
solucionar a problemática do racismo.
O trabalho a seguir está dividido em duas seções. A primeira com o estudo
empírico e a segunda com o estudo de revisão teórica. Iniciaremos apresentando
o estudo empírico sobre experiências de racismo em crianças, começando com
Capítulo 16 – Ueliton S. Moreira-Primo, Joana dos Santos e Dalila X. de França 321
Método
Participantes
Participaram na pesquisa 60 crianças, sendo a maioria do sexo feminino
35 (58,3%) e 25 (41,7%) do sexo masculino, com idades variando dos 6 aos
11 anos (M=8,68; DP =1,692). Com relação ao grupo racial, 37 (61,7%) foram
categorizadas como negras e 23 (38,3%) foram categorizadas como brancas. As
crianças estudam entre o 1o e o 6o ano do ensino fundamental, na rede pública
de ensino, e são residentes de uma cidade do interior do semiárido da Bahia,
no Nordeste do Brasil.
Instrumentos e procedimentos
Inicialmente a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Sergipe e registrada na Plataforma Brasil, sob o número
do parecer 3.303.632. Os procedimentos utilizados nesta pesquisa seguem as
normas estabelecidas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
Com a aprovação do Comitê de Ética, realizou-se os contatos e solicitou-se a
permissão da escola e dos pais para realização do estudo. Após o consentimen-
to dos pais e da escola, convidou-se as crianças a participar das entrevistas, a
quem era explicado que a participação era voluntária e que poderiam se recusar
a participar da pesquisa ou interromper a sua participação a qualquer momento
e que o sigilo das respostas era assegurado. As crianças foram entrevistadas em
suas próprias escolas, individualmente, em uma sala reservada para a pesquisa.
As entrevistas tiveram, em média, duração de 20 minutos, e foram gravadas em
áudio e, posteriormente, transcritas.
Antes que iniciasse a aplicação, o entrevistador julgava a cor da pele da
criança a partir de suas próprias impressões (heterocategorização). As crianças
também se autocategorizam. Este processo foi baseado no estudo de França
e Monteiro (2002). Fotografias de quatro crianças, duas brancas (masculino
e feminino) e duas negras (masculino e feminino), com aparência de 8 anos e
meio de idade, previamente testadas por França e Monteiro, foram utilizadas
para a autocategorização das crianças. Para entrevistados do sexo masculino,
322 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Para os meninos:
“Eu gostaria de te contar uma historinha... você gostaria de ouvir a história do menino
Pedrinho? Então vou te contar!
Para as meninas:
“Beatriz é uma criança que gosta muito de brincar. Beatriz vai para a escola. Beatriz
tem alguns amigos e amigas na escola. Em um certo dia, Beatriz estava brincando na
escola quando uma menina chamada Clara disse que não era pra ela brincar ali porque
ela era feia, tinha um cabelo feio e tinha uma cor feia. Beatriz não sabe por que a Clara
falou aquelas coisas com ela. Vamos ajudar a Beatriz a descobrir por que a Clara falou
essas coisas com ela?”
Para os meninos:
“Pedrinho é uma criança que gosta muito de brincar. Pedrinho vai para a escola. Pe-
drinho tem alguns amigos e amigas na escola. Em um certo dia, Pedrinho estava brin-
cando na escola quando um menino chamado Felipe disse que não era pra ele brincar
ali porque ele era feio, tinha um cabelo feio e tinha uma cor feia. Pedrinho não sabe por
que o Felipe falou aquelas coisas com ele. Vamos ajudar o Pedrinho a descobrir por que
o Felipe falou essas coisas com ele?”
Resultados
Quando perguntadas se já viram alguma pessoa conhecida passar por
uma situação igual ou parecida com a da história, 89,2% (ou 33 das 37) das
crianças negras relataram pelos menos uma ocorrência de racismo contra outra
pessoa, enquanto 60,9% (ou 14 das 23) das crianças brancas também relataram
ocorrência de racismo observado contra outra pessoa. Nenhuma criança branca,
quando se perguntou sobre já ter passado por uma situação igual ou parecida
relatou que experimentou racismo direto em seu dia a dia, enquanto 59,5% (ou
22 das 27) das crianças negras disseram já ter sido vítima de experiência direta
de racismo. Esses resultados podem ser visualizados no Gráfico 6.
Com estes achados, verifica-se que a ocorrência de situações de racismo
parece ser uma realidade comum no cotidiano das crianças. Dentre as 60 crian-
ças entrevistadas, 47 (78,3%) delas já viram uma outra pessoa ser discriminada
por causa da cor da pele. Nas crianças negras, observa-se que um número ainda
mais expressivo delas já viram outras pessoas sendo vítimas de racismo, bem
como elas relataram, também com bastante frequência, situações em que elas
Percepção do racismo
100%
89,2%
90%
80%
70%
59,5% 60,9%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
0%
Racismo direto Racismo observado
Brancos Negros
Capítulo 16 – Ueliton S. Moreira-Primo, Joana dos Santos e Dalila X. de França 325
já foram vítimas. Nas crianças brancas, verifica-se que elas veem outras pessoas
sofrer racismo, o que solidifica ainda mais que a presença do racismo no coti-
diano em que elas estão inseridas é uma realidade.
Os relatos de experiências diretas e observadas de racismo das crianças
foram analisados considerando-se a cor da pele de quem foi vítima e de quem
perpetrou, o lugar onde ocorreu e os principais conteúdos associados, os resul-
tados são descritos a seguir.
“Já vi os meninos brancos xingando outros meninos de preto e fumaça.” (João, 7 anos,
negro).
“Eu já vi um homem na rua que as pessoas ficavam colocando apelido e xingando ele,
porque ele é negro. Um dia eu vi ele dizendo que “um dia um pobre pode ficar rico,
um feio pode ficar bonito, menos um preto nunca pode ficar branco, por que nascemos
assim”. Ele falou isso para um menino branco que colocou apelido nele, ele tava dando
conselho ao menino, aí o menino falou assim: “eu não quero seus conselhos, ainda mais
de um preto que não sabe nem ler.” (Vitória, 11 anos, branca).
“Um dia teve um passeio, e a mãe de uma colega minha não quis que ela se sentasse com
a outra porque ela era morena. A mãe dela é branca e filha dela é bem branquinha e a
326 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
outra que a mãe não queria que se sentassem juntas era mais escura, morena. Mas a filha
não saiu de perto, ela disse a mãe dela que não sairia de perto porque a menina era amiga
dela. A mãe não queria, mas ela não se separou da outra.” (Marta, 11 anos, negra).
“Na quadra e na escola. Tem vez quando vou brincar lá na quadra, os meninos não me
deixam brincar, aí começam a me xingar de todo tipo de palavrão, de escuro, de preto.”
(Marcelo, 9 anos, negro)
“Eu vi uma vez na escola, eu vi um menino chorando, ele era negro, mas eu não disse
nada. Os meninos que deve ter batido nele. Depois os meninos estavam jogando bola e
não deixaram ele brincar.” (Francisco, 6 anos, branco)
“Um dia eu entrei na escola, aí eu me sentei na minha cadeira e tinha outra menina
bem de frente pra mim, ela me olhava e falava um monte de coisa pra mim, ela disse:
“ deixe essa Urubu sentar sozinha”. Eu me senti tão triste.” (Maria, 11 anos, negra)
“Eu tinha uma amiga, ela era morena e o cabelo dela não era cacheado, mas também não
era liso, aí tinha gente na escola que chamava ela de cabelo de bombril, outros chamavam
ela de nega preta, outros chamavam de cabelo de enxu. Um dia ela falou para a mãe dela
e a mãe dela foi até a escola e resolveu isso com o diretor. Mas continuaram perturbando
ela, e ela teve que mudar de colégio por causa do bullying que ela sofria, e o diretor nem
ligava quando alguém reclamava.” (Mariana, 11 anos, branca).
“Tem uma menina que, quando eu estudava com ela na escola, todo mundo chamava
ela de urubu. Eu ficava com raiva, zangada, mal.” (Cleide, 9 anos, negra).
“Tem um menino que conheço que ele tem a minha cor, quando ele toma banho e passa
pela areia o pé dele fica cheio de poeira, quando ele vinha da casa dele para a escola,
porque ele mora num lugar de areia, aí o pé dele fica sujo, aí os meninos ficavam dizendo
para ele que ele era preto e pobre que não tomava banho. Os meninos ficam chamando
ele de lodrento, que não toma banho. Um dia ele queria brincar com os meninos e os
meninos disseram que era pra ele sair, falaram “sai daqui seu bicho feio, lodrento”. E
queriam bater nele, aí eu cheguei e disse “vocês não vão bater nele não!”, aí não bateram.
Mas ficaram chamando ele de carvão... Eu ficava triste, e eu até falava: “porque vocês
ficam xingando ele, se ele nunca te fez nada? [...]” (Mikael, 10 anos, negro)
O racismo pode ser percebido através de sua expressão mais flagrante, mas
também através de atitudes sutis. Por exemplo,
“Eu vejo que algumas pessoas negras não são bem recebidas na casa das pessoas, acham
que são perigosas e que podem fazer mal.” (Pedro, 10 anos, negro).
Situações de racismo com agressão física foram relatadas por quatro crian-
ças negras (duas delas relataram ter apanhado de colegas da escola que disseram
que elas eram feias e pretas, e duas relataram que tiveram seus cabelos puxados
por outras crianças, por ele ser considerado ruim/duro), como podemos observar
nos seguintes relatos:
328 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
“Na escola, os meninos mais claros tacam o chinelo nos meninos e nas meninas negras
e dizem que a cor é feia. Eles já me bateram e já me xingaram de preta.” (Fernanda,
11 anos, negra).
“[...] tem gente que fica colocando apelido e me xingando de preta, fazendo bullying,
mas não pode. Na escola, uma menina branca disse que eu era preta e que eu era feia e
uns meninos já puxou o meu cabelo. Eles sempre puxavam o meu cabelo, um dia minha
mãe cortou bem baixinho porque eu pedi. Mas eles continuavam rindo e mexendo. E
quando fui pra escola, pra festa de encerramento, minha professora nem me reconheceu,
achou que eu era um homem. Ela disse que eu estava diferente, porque eu tinha cortado
o cabelo. E os meninos mangando, dizendo que eu era um homem. Foi um dia bem
ruim. Era a festinha da escola, eu senti que não era pra tá ali.” (Cleide, 9 anos, negra).
Discussão
Até onde sabemos, este estudo está entre os primeiros no Brasil a examinar
e descrever a percepção de crianças sobre experiências de racismo e comporta-
mentos discriminatórios em suas vidas cotidianas, de forma direta e observada.
Mais especificamente, verificou-se a ocorrência de racismo direto (quando a
própria criança foi a vítima) e racismo observado (quando a criança presencia
outros sendo vítima); os conteúdos expressos nas situações de racismo; os locais
onde ocorreram e a cor da pele das vítimas e dos perpetradores. Os resultados
deste estudo exploratório mostram que cerca de 60% das crianças negras entre-
vistadas disseram já ter sido vítima de experiência direta de racismo e quase 90%
das crianças negras relataram já ter presenciado pelo menos uma experiência de
racismo contra outra pessoa negra. Viu-se que crianças brancas também perce-
bem a ocorrência de racismo contra pessoas negras, sendo relatado por pouco
Capítulo 16 – Ueliton S. Moreira-Primo, Joana dos Santos e Dalila X. de França 329
de atividades, pois relações construídas nessa base, provavelmente não serão efi-
cazes na redução do preconceito (Pettigrew & Tropp, 2006; Binder et al., 2009).
Estudos que atendiam totalmente aos critérios de Allport (1954) para
contato ideal mostraram efeitos do contato mais fortes do que aqueles que não
atendiam (Aboud et al., 2012). Por outro lado, os membros minoritários podem
sofrer desvalorização e discriminação em situações de contato, especialmente
quando há desequilíbrio de poder entre membros majoritários e minoritários.
Quando todos são tratados igualmente na escola, o desequilíbrio de poder per-
cebido pode ser reduzido, resultando em discriminação percebida por membros
minoritários (Binder et al., 2009).
Uma das alternativas para a construção de intervenções com base na Teoria
do Contato é fazê-las através do uso da mídia. A mídia é uma forma particu-
larmente conveniente de proporcionar às crianças uma forma indireta ou vicária
de contato, especialmente a respeito de grupos com que as crianças têm pouca
ou nenhuma oportunidade de contato direto (no Brasil, seriam exemplos, os
grupos étnico-raciais: indígenas, quilombolas, ciganos, mas também o grupo
negro, principalmente se considerarmos as informações escassas, estereotipadas,
que as crianças recebem no modelo eurocêntrico de educação). A mídia pode
ter a forma de livros, revistas ou vídeos e pode ser mídia de massa ou mídia
pequena. Os estudos utilizando de mídia apresentaram crianças cenas e histórias
de contato intergrupal entre pares, por exemplo, histórias que narram pessoas
de diferentes etnias convivendo em relação de amizade e colaboração (Aboud
et al., 2012).
Um modelo de intervenção para redução do preconceito utilizando mídia
e baseado na teoria do contato foi o proposto por Hughes, Bigler e Levy (2007),
o estudo mostrou que crianças de grupos majoritários (brancas) realizaram uma
avaliação mais positiva dos membros do outgroup (negras) depois de ouvir falar
de figuras famosas e suas experiências com discriminação injustificada. Os
resultados mostraram que expor as crianças a formas evidentes de preconceito
provocou a raiva e despertou respostas antipreconceito.
Outro modelo de intervenção de contato mediado pela mídia foi opera-
cionalizado por Johnson e Aboud (2017) num experimento em que testaram
utilizar um livro ilustrado que retrata a amizade entre crianças de raças dife-
rentes para facilitar a redução do preconceito racial, os autores concluíram que
os livros de histórias de amigos de várias raças são uma maneira promissora de
expor as crianças a outros grupos raciais e fomentar atitudes de antipreconceito,
principalmente para crianças mais novas e o impacto aumenta ainda mais se as
Capítulo 16 – Ueliton S. Moreira-Primo, Joana dos Santos e Dalila X. de França 335
como o uso de sondagens das conclusões por elas alcançadas para afastar pos-
síveis incompreensões.
Complementar a esta medida, também se faz necessário testar a inter-
venção num pequeno grupo antes de realizar a intervenção definitiva; este é
o quarto critério, denominado de pesquisa formativa e piloto. Esse teste em
pequena escala, também serve para avaliar a aceitação/compreensão das crianças
dos materiais e atividades que serão realizadas.
O quinto critério compreende às medidas de eficácia ou avaliação da inter-
venção. É imprescindível avaliar os programas interventivos. Para implementar
programas de alta qualidade é fundamental realizar avaliações da qualidade
deles, a fim de saber se os objetivos da intervenção foram atingidos conforme
propostos. Por exemplo, se a estratégia interventiva é reduzir o preconceito, os
propositores do programa de intervenção podem realizar uma verificação do
preconceito antes e depois da intervenção, usando uma ou mais medidas a fim
de observar se houve mudanças oriundas da intervenção (Aboud et al., 2012).
Um último critério é a prevalência das intervenções, ou a continuidade.
Neste sentido, a indicação é a de que estudos longitudinais poderiam ajudar na
consolidação dos resultados das intervenções, além de que as variáveis seriam
melhores testadas em um modelo longitudinal que, em conjunto com modelo
experimental, facilitaria examinar quais variáveis precedem temporal e/ou cau-
salmente outras (Smith, 1999; Quintana, 2007).
Por fim, Cherry-Paul (2019), educadora norte americana, propôs cinco
importantes passos para iniciar um trabalho de intervenção no contexto escolar.
Segundo a autora, o primeiro passo consiste em criar um ambiente seguro, livre
de julgamento, para isso é necessário se cercar de outros educadores interessados
que discutam maneiras de superar os desafios. O segundo passo é ter objetivos
claros e bem delimitados com vistas ao que se espera alcançar. O terceiro passo
é planejar as ações, ou seja, tornar os objetivos concretos, a fim de aumentar
a eficiência e a responsabilidade das partes. O quarto passo é a identificação
de metas de curto e longo prazo que atenda às necessidades de cada escola. O
último passo é obter apoio dos pais, pois eles reforçam as iniciativas, sobretudo,
se eles se preocupam com o racismo. Essa proposta de Cherry-Paul (2019) é
importante quando se pretende um trabalho permanente na unidade escolar,
pois pode, no desenvolvimento do projeto, abarcar toda a comunidade escolar
e se estender para outras unidades. Outros autores como Hawkins e Catalano
(1992) e Unger (1991) referem que estratégias de invenção antirracismo geral-
mente incluem ou precisariam incluir um ou mais dos seguintes componentes:
342 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Considerações finais
O racismo é uma experiência difundida na vida dos cidadãos negros brasi-
leiros e já começa a ocorrer na infância. Apesar disso, são poucos os estudos que
examinaram as experiências de racismo que crianças brasileiras percebem em
suas vidas, bem como são escassos estudos publicados em que são apresentadas
intervenções para reduzir o racismo. Assim, este estudo cumpriu o seu objetivo
de contribuir na superação dessas lacunas, apresentando importantes dados
sobre a percepção das crianças a respeito do racismo direto e observado que elas
vivenciam em suas vidas, as principais formas de apresentação, suas vítimas e
perpetradores e os contextos em que as situações de racismo são vivenciadas. O
estudo também apresenta e discute teorias da Psicologia Social que são tradicio-
nalmente utilizadas, sobretudo em outros países, em intervenções para redução
do racismo e do preconceito, oferecendo uma importante contribuição para o
campo das pesquisas interventivas.
No estudo empírico, observou-se que o racismo é percebido pelas crianças
em uma alta frequência, e faz da maioria das crianças negras vítimas, assim
como a escola se configura como principal espaço de efetivação do racismo, uma
vez que foi no espaço escolar onde as crianças mais relataram ocorrências de
discriminação. Como possíveis soluções para esse problema, evidenciou-se que
as escolas têm o potencial de mudar essa realidade de racismo gradualmente,
incluindo o ensino sobre diversidade, diferença, cultura, raça e etnia. A criação
de programas de formação de professores que fomentem o conhecimento sobre
a diversidade racial, étnica e cultural da sociedade; e como inserir esses assuntos
no currículo escolar, pode habilitá-los a lidar com as tensões interraciais dentro
de suas próprias salas de aula de modo produtivo. No Brasil, os professores
Capítulo 16 – Ueliton S. Moreira-Primo, Joana dos Santos e Dalila X. de França 343
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348 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Introdução
No Brasil, são frequentes episódios nos quais policiais, por erros de ava-
liação, alvejam pessoas inocentes e desarmadas, confundindo-as com suspei-
tos/as armados. Foi isso que aconteceu quando, durante uma ronda policial, no
Rio de Janeiro, no dia 29 de outubro de 2015, um graduado da Polícia Militar
confundiu um macaco hidráulico com uma arma, atirando e levando a óbito
dois jovens. Ou ainda quando, também no Rio de Janeiro e no mesmo ano,
Alan de Souza Lima, de 15 anos, foi confundido com um bandido e recebeu
um tiro letal de policiais militares, enquanto conversava e gravava um vídeo
usando o telefone celular. No dia 07 de abril de 2019, o músico Evaldo Rosa
dos Santos, 46 anos, ia com a família para um chá de bebê quando teve seu
carro confundido por militares do exército com o de um bandido, 80 tiros
foram disparados, o músico morreu no local. Essas histórias, que podem se
juntar a várias outras, têm algo em comum: as vítimas eram negros/as, o que
aumentou sobre elas a suspeição, e todos/as ocorrem em situações de aborda-
gem policial, as quais envolvem julgamentos sociais e uso de heurísticas ou
atalhos mentais.
Não obstante haja forte correlação entre criminalidade e exclusão social,
existem distorções nos julgamentos sociais que amiúde definem sobre a vida ou
sobre a morte de alguém. São erros de avaliação ou julgamento que em situações
mais comuns da vida cotidiana não teriam consequências graves; mas que quan-
do ocorrem durante uma abordagem policial podem produzir consequências
irreversíveis. As abordagens policiais são um contexto privilegiado para análise
desses fenômenos. A psicologia social tem se dedicado a estudar os julgamentos
sociais e suas consequências cognitivas e sociais. Neste capítulo, analisamos
os estereótipos dos suspeitos e sua relação com os estereótipos dos negros, dos
pobres e dos brancos nas avaliações de policiais militares.
350 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Revisão de literatura
usando tatuagens, com cicatrizes pelo corpo, usando correntes de ouro, com
andar “meio gingado” denominado pelos policiais como “tombo” e percebido
como morador de favela ou de invasões. O presente estudo tem o objetivo de
analisar os estereótipos que os policiais possuem em relação aos/as suspeitos/
as a fim de entender em que medida esses estereótipos se relacionam aos dos
negros/as e pobres.
Método
Participantes
Participaram da pesquisa 150 (cento e cinquenta) policiais militares da
capital e interior de um Estado da região Nordeste, sendo 124 homens (82,7%)
e 26 mulheres (17,3%), selecionados/as de forma aleatória entre oficiais e praças
nas diversas Unidades da Corporação; sendo 47.8% das unidades de policia-
mento ostensivo e 52.2% lotados no serviço administrativo. Em relação ao
posto/graduação, 45 eram soldados (30,6%), 44 cabos (29,3%), 44 sargentos e
subtenentes (29,3%), 10 oficiais subalternos e intermediários (6,6%) e 4 oficiais
superiores (2,7%); o tempo em serviço na corporação variou de 1 a 32 anos
(M= 17.4 e DP = 7.8). Em relação à cor da pele dos participantes, os mesmos
se auto classificaram como brancos/as (9.3%), pardos/as (68%), pretos (21.3%)
e amarelos/as (1.4%). As idades variaram de 21 a 57 anos (M= 39.5; DP = 7.1);
sendo a maioria casados/as (67.3%).
Instrumentos e procedimentos
A coleta foi realizada em 2017 mediante aplicação individual de questio-
nários. O questionário utilizado possuía quatro modelos diferentes, em cada um
deles se perguntava sobre quatro categorias sociais: suspeitos, brancos, pretos e
pobres. O modelo que indagava sobre estereótipos dos suspeitos foi respondido
por 60 policiais militares, cada um dos outros três modelos foram respondi-
dos por 30 policiais. Utilizamos uma lista constando 35 características que a
literatura especializada (e.g., Revista Fórum de Segurança Pública e o Centro
de Estudos em Segurança Pública) considerada como possíveis descritores de
suspeitos. As respostas a cada item eram dadas mediante uma escala de 10
pontos para atribuição de frequência de exibição da característica pelos mem-
bros dos grupos-alvo, variando de 0% (ninguém do grupo possui esse traço) a
100% (todos do grupo possuem esse traço). Também perguntávamos a cada um
dos quatro grupos de participantes quais as primeiras palavras, sentimentos ou
354 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
imagens que lhes vinham à mente quando pensavam em: Suspeitos ou Pessoas
brancas ou Pessoas negras ou Pessoas pobres.
Resultados
O conteúdo dos estereótipos que os policiais possuem sobre os suspeitos
foi analisado através de uma lista de 35 características. Procedemos a uma Aná-
lise Fatorial (PAF), com rotação oblíqua, para encontrarmos as dimensões dos
estereótipos formados. Verificamos que a medida de adequação análise obteve
bom escore: Kaiser-Meyer-Olkin = .86. Na Tabela 3 (ao lado) podemos ver que
foram formadas sete dimensões dos estereótipos, todas elas com bons índices
de consistência interna.
O Fator 1, que explica mais de 30% da variância, refere um estereótipo que
integra um tipo de cabelo (rastafári) com o uso de adereços, andar sem camisa
e andar só. O Fator 2 traz um estereótipo focado na lógica da má aparência
integrada à baixa estatura. Já o Fator 3 associa elementos de estatura (alta e
mediana) com o tipo de cabelo (curto e crespo). O Fator 4, assim como o Fator
1, traz um estereótipo associado ao estilo comportamental, cultural e físico, in-
tegrando desde o lugar de moradia (periferia), até a forma de se vestir e o uso de
tatuagens. O Fator 5 apresenta a dimensão da “boa aparência”, contrapondo-se
a todos os fatores já referidos (os índices de saturação têm valência negativa), a
“boa aparência” aparece associada a tipos de cabelo (liso, comprido e tingido) e
a morar em bairro nobre. Cabe referir que cabelo tingido é um traço fronteiriço
nessa representação, pois também poderia ocupar o Fator 1 (.31), e se opõe aos
traços estereotípicos do Fator 3 (-.38). O Fator 6, é composto por traços que,
assim como os Fatores 1 e 4, referem um certo estilo de vestimenta. Finalmente,
o Fator 7 refere um estilo de vestimenta à semelhança do Fator 6, só que neste
caso integrando roupas de marca a camisas de manga comprida.
Na Tabela 4, podemos ver, a partir de um conjunto de Análises de Variân-
cia, em quais análises a variável independente foi o grupo-alvo da atribuição dos
traços estereotípicos e as variáveis dependentes os sete fatores descritos, que o
Fator 2, aquele que traz o estereótipo da “má aparência”, juntamente com a baixa
Capítulo 17 – Emília Silva Poderoso 355
Item F1 F2 F3 F4 F5 F6 F7
Uso de piercing .74 – .10 – -.21 – –
Uso de acessórios .56 -.10 -.17 .17 – -.18 -.12
Cabelo rastafári .45 – – – .16 -.44 .19
Uso de brinco .43 – – .11 -.29 -.20 –
Andar sem camisa .39 .20 – .10 – – -.21
Anda só .29 – .16 – – – -.15
Fisicamente feio – .78 – – -.18 – –
Má aparência – .62 – .17 .18 -.11 -.27
Baixa estatura – .53 .17 .11 -.33 -.20 .19
Cabelo curto – – .53 .13 -.12 – –
Alta estatura .22 -.16 .52 – -.30 -.11 -.20
Cabelo crespos – .33 .51 -.10 .15 -.19 –
Estatura mediana – .29 .40 – -.38 -.11 –
Anda acompanhado – .10 – .61 – – -.14
Cueca exposta – – -.22 .55 – -.33 .15
Uso de gíria .17 .26 – .55 .16 -.14 –
Uso de correntes .30 -.18 – .50 – – -.37
Anda de bermuda -.27 .16 .35 .50 – -.36 -.13
Mora na periferia .29 .16 .41 .48 .29 – .24
Usa tatuagem .11 .29 -.20 .45 – -.37 –
Cabelo liso – – – – -.86 .11 –
Cabelo comprido – .27 – -.14 -.74 – –
Mora em bairro nobre – -.11 -.19 – -.65 – -.27
Fisicamente bonito – -.18 .45 – -.53 – –
Boa aparência – -.36 .42 – -.46 – -.21
Cabelo tingido .31 – -.38 .27 -.34 – –
Cabelo raspado – – .13 – .10 -.71 –
Usa boné – .18 – .19 – -.67 –
Usa mochila .15 – -.10 – – -.55 -.18
Usa bolsa – – – – – -.46 -.34
Porta celular .25 .13 – – – – -.68
Usa calça comprida – – .27 – -.15 -.11 -.64
Usa óculos escuro – – .14 .24 -.23 – -.51
Usa traje de marca – -.26 – .40 -.31 – -.45
Usa camisa de manga comprida .14 -.24 -.11 – -.24 -.29 -.40
Valores próprios 12.8 5.3 2.8 1.5 1.4 1.1 1.0
Variância explicada 33% 15% 8% 4% 4% 3% 3%
Alfa de Cronbach .80 .75 .76 .86 .84 .80 .85
Fonte: Elaborado a partir do software SPSS (2017).
estatura, é mais atribuído a pobres que a brancos e negros, F (3, 138) = 3.07, p =
.030. Já o Fator 3, que associa estatura alta e mediana com cabelo crespo e curto,
foi mais atribuído aos negros que a brancos, suspeitos e pobres, F (3, 138) = 13.54,
p = .000. Os estereótipos presentes no Fator 5, da “boa aparência” e “morar em
356 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
bairro nobre”, foram mais atribuídos aos brancos que a suspeitos, pobres e negros,
F (3, 133) = 32.37, p = .000. O Fator 7, das roupas de marca e mais alinhadas
(camisa comprida), também foi percebido como mais típico dos brancos, seguido
de negros e suspeitos e menos típico dos pobres, F (3, 141) = 20.74, p = .000. Não
foram encontrados efeitos significativos dos grupos-alvo sobre o Fator 1, F (3,
141) <1, n.s., Fator 4 F (3, 138) = 2.02, p = .11 e fator 6, F (3, 142) = 1.14, p = .33.
Gráfico 7. Médias das características atribuídas a pelo menos 50% dos suspeitos
para os outros grupos-alvo de estereotipia (letras diferentes indicam diferenças
significativas – SNK, p < .05)
4,2ab
Usa correntes 3,1b
5,4a
5,1a
4,8ab Negros
Usa boné 5,2a
3,7b Pobres
5,3a
Brancos
3,7b Suspeitos
Cueca exposta 4,6ab
3,1b
5,3a
3,7b
Má aparência 4,6ab
3,6b
5,3a
3,7b
Usa tatuagem 5,3ab
4,1b
5,7a
7,1ac
Mora na periferia 7,8c
3,5b
5,8a
5,6
Anda acompanhado 5,9
6,2
6,2
4,6b
Uso de gírias 6,6a
4,3b
6,8a
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9
de sentidos), com frequência média de 2.02 vezes por palavra, sendo 398 o
total de palavras distintas. A análise dividiu-se em 52 Unidades de Contexto
Elementares (UCE). Esses segmentos são retidos na Classificação Hierárquica
Descendente (CHD), cuja função é estabelecer a divisão mais nítida possível
entre as classes, evitando a sobreposição de palavras (Camargo & Justo, 2013).
No corpus analisado, a CHD correspondeu a 35,6% do vocabulário empregado.
Foram formadas três classes sobre os estereótipos das categorias. As Classes
1 (29.4% do corpus) e 2 (31%) ancoraram-se na categoria “suspeitos”. Na
Classe 1, ele foi descrito pelo jeito: atitude, andar e olhar desconfiados. Essa
representação do suspeito foi mais comum dentre os policiais com pós-gra-
duação. Na Classe 2, o suspeito foi descrito mais pela aparência e trejeitos
comportamentais: tatuagem, gíria, roupa e aparência. Essa representação foi
mais forte dentre os policiais de cor branca. A terceira classe, mais frequente
na descrição da categoria social “pobres” e mais comum nas enunciações dos
policiais de nível superior, traz uma representação do sofrimento e da desi-
gualdade. Importante referir que essa representação dos pobres se associa
com as duas classes semânticas que representam os suspeitos; de forma que
permanece a visão de que a pobreza produz suspeição.
Tabela 5. Dendrograma dos corpus dos estereótipos das categorias sociais suspeitos,
negros, pobres e brancos
Figura 12. Análise de similitude dos itens enunciados na descrição das categorias sociais
suspeitos, negros, pobres e brancos
expressão
inadequado
nervosismo
abordagem mendigo
roupa
negro
ermo desconfiança
carência
volume local
comportamento
rio acesso
cintura marginalizar
periferia
linguajar
baixo
tatuagem igual
moto
escolaridade força
traje
arma emprego
perigo modo gíria luta
olhar
pobreza escravidão
alerta
vestimenta algema excluir
atitude sofrimento
atenção arrogante
risco mochila preconceituoso rua
crime aparência
educado educação
discriminação
nervoso andar econômico
saúde
assustado desigualdade
desconfiado crespo cabelo fome
moradia
jeito
louro
cor oportunidade
melhor social
liso
claro sociedade
preconceito
falta humano
olho
normal
humildade trabalhador
alegria
Discussão
Este trabalho teve como objetivo a análise dos estereótipos que os poli-
ciais possuem em relação aos suspeitos/as na sua relação com os estereótipos de
negros/as e pobres. Também nos interessou verificar se ocorria diferenciação
na descrição dos estereótipos do/a suspeito/a por policiais lotados em unidades
especializadas de combate ao crime e aqueles lotados no serviço administrativo,
ou se a cor da pele do/a policial interferia no resultado. Os resultados encon-
trados indicaram que, independentemente da lotação e da cor da pele, os/as
policiais apresentam um estereótipo que vincula suspeito/a-a-pobre e pobre-a-
-negro/a. Dos oito traços que são prototípicos dos suspeitos, seis são também
atribuídos aos/as pobres (uso de gírias, andar acompanhado, morar na periferia,
usar tatuagem, má aparência e usar boné) e quatro não diferem na atribuição aos
negros/as (anda acompanhado, mora na periferia, usa boné e usa correntes). Por
outro lado, sete dos oito traços não se diferenciam nas descrições de negros/as e
pobres, apenas “uso de gírias” diferiu na descrição desses grupos.
A análise feita a partir da integração dos oito traços prototípicos dos suspei-
tos indicou que os elementos centrais da estereotipia desse grupo são os mesmos
da descrição de negros/as e pobres. Ou seja, os suspeitos seriam diferentes dos
brancos e semelhantes a pobres e negros. Os resultados desse estudo corrobo-
ram outros que indicam uma associação entre cor da pele e status social (e.g.,
Harris, 1963) e entre cor, acesso à justiça e violência (Adorno, 1996; Barros,
2008; Gestoso, 2014; Sinhoretto, 2014).
362 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Considerações finais
Os impactos que os estereótipos podem ter na ação policial é um tema
que merece muito mais análises, com ferramentas mais amplas e sofisticadas
de coleta de dados e amostras mais representativas do que ocorre no país como
um todo. A contribuição que tentamos trazer apresenta algumas limitações
que merecem destaque: a amostra de policiais militares foi reduzida um único
estado do Brasil e, mesmo assim, não é representativa dele; de forma que esses
dados não são generalizáveis para outras regiões e mesmo para a polícia militar
do estado pesquisado. O instrumento utilizado não foi suficientemente indireto
para evitar respostas normativas, carregadas de desejabilidade social, isto fica
claro na associação de que apenas os/as brancos/as são associados/as a riqueza
e a vestir-se bem, contrastada com a indiferenciação do traço “má aparência” a
negros e brancos. Instrumentos menos obstrutivos podem ser usados em pes-
quisas posteriores a fim de termos um retrato mais fiel dos estereótipos que a
polícia tem sobre os negros.
Entretanto, consideramos que este estudo traz uma contribuição significa-
tiva para o entendimento de um tema que está se tornando ainda mais urgente no
Capítulo 17 – Emília Silva Poderoso 363
Brasil, sobretudo a partir dos acenos populares e jurídicos para uma ação menos
regrada da polícia no trato com os/as suspeitos/as em ações violentas. Apenas
com ações de promoção à igualdade, por um lado, e de estudo e combate aos
estereótipos e preconceito, por outro, poderemos combater o racismo sistêmico
que ceifa vidas negras inocentes, como aconteceu com Evaldo Rosa dos Santos
no Rio de Janeiro e como, infelizmente, ainda segue acontecendo no Brasil.
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364 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
atitudes das mulheres heterossexuais em relação a esses dois grupos ainda não
são conclusivas (ver Kite & Whitley, 1996).
Diferentes estudos já demonstraram que o preconceito sexual deve ser
ainda mais elevado entre os homens que se identificam mais fortemente com
seu grupo de gênero e baseiam seu autoconceito e autoestima na pertença ao
grupo heterossexual (por exemplo, Barron et al., 2008; Swann & Bosson, 2010).
Nesse sentido, variáveis como identidade masculina (Kilianski, 2003), crenças
nos papéis de gênero tradicionais (Kite & Whitley, 1996), machismo (Hirai et
al., 2014), sexismo (Bäckström & Björklund, 2007), orientação à dominância
social (MacInnis & Hodson, 2014), necessidade de fechamento cognitivo (Bur-
ke et al., 2017) e de dicotomização dos papéis sociais e sexuais (Bosson & Mi-
chniewicz, 2013) têm sido investigadas como preditoras do preconceito sexual
masculino. Recentemente, no entanto, analisamos um dos principais processos
pelos quais os homens heterossexuais discriminam mais os homossexuais do
que as mulheres heterossexuais.
Baseando-nos na teoria da identidade social (Tajfel & Turner, 1979),
propomos que os homens são mais homofóbicos porque a homosexualidade
masculina representa uma ameaça à distintividade heterossexual (ver Figuei-
redo & Pereira, 2021). De acordo com a teoria da identidade social, as pessoas
são motivadas para manter uma autoestima positiva e isto ocorre por meio da
avaliação que fazem de sua pertença grupal. Especificamente, comparam o seu
grupo com outros relevantes com o objetivo de se diferenciar positivamente
destes. Para garantir a obtenção de uma autoestima positiva, essa comparação
social precisa resultar em uma diferenciação positiva, demonstrando que, além
de serem diferentes, o grupo de pertença (endogrupo) “vence” o outro grupo
(exogrupo) em termos dos atributos considerados relevantes para o contexto
no qual a comparação é realizada. Quando isso acontece, a identidade social
do endogrupo é fortalecida. Assim, as pessoas são motivadas para favorecer
os seus próprios grupos e a desfavorecer outros grupos, especialmente quando
estes outros representam uma ameaça à sua identidade social positiva (Tajfel
& Turner, 1979).
Não obstante, quando a comparação social resulta em uma identidade
social negativa ou, ainda, quando os dois grupos são considerados muito si-
milares (isto é, quando a distintividade entre eles está ameaçada), os membros
do endogrupo lidam com essa ameaça de diferentes maneiras. Eles podem en-
fatizar características positivas do endogrupo ou reagir negativamente contra
o exogrupo, estando esta última via na base da formação do preconceito e da
Capítulo 18 – Camilla Vieira de Figueiredo e Cicero Roberto Pereira 369
homem”. Por essa razão, é comum que os rapazes recebam críticas mais severas
por parte de seus pais e pares quando julgam que não o estão cumprindo ade-
quadamente (Bosson & Michniewicz, 2013). É certo que tanto homens quanto
mulheres sofrem pressões para se conformar ao gênero masculino e feminino,
respectivamente. Contudo, os homens são constantemente pressionados a evitar
traços de feminilidade para afirmarem a sua identidade masculina heterossexual
e a sustentá-la cotidianamente por meio de comportamentos típicos do gênero
(Rivera & Dasgupta, 2018). Eles lutam para proteger e manter uma espécie de
gênero ideal e, por essa razão, evitam comportamentos contra estereotípicos
que possam contribuir para que percam, às vistas sociais, esse ideal de gênero
socialmente mais valorizado e mais “volátil” do que o das mulheres (Kiebel et
al., 2020).
Em vista disso, eles experimentam maior ansiedade do que as mulheres
face à violação dos papéis sexuais e tendem a considerar as violações de homens
gays particularmente notórias porque têm expectativas mais elevadas para a
fidelidade de outros homens a essas normas de gênero (Kite & Whitley, 1996).
Os homens, especialmente os heterossexuais, têm uma visão mais dicotomizada
do mundo e dos papéis sociais e sexuais, isto é, representam os grupos sociais
com base em categorias binárias percebidas como intransponíveis, tais como
homens vs. mulheres, gays vs. heterossexuais, certo vs. errado (ver Bosson &
Michniewicz, 2013). Além disso, eles experimentam maior incerteza do que as
mulheres quanto à estabilidade de seu estatuto de gênero. Por isso, sentem-se
particularmente ameaçados quando visualizam em outros homens atos este-
reotipadamente femininos, tais como arrumar-se com vaidade ou falar sobre
emoções (Bosson et al., 2005).
A dicotomização obedece a um raciocínio organizado por uma estrutura
bipolarizada: indivíduos com padrões de comportamento estereotipicamente
masculinizados situam-se em um polo e indivíduos com padrões de comporta-
mentos percebidos como estereotipicamente femininos situam-se no polo opos-
to. Em decorrência dessa forma de raciocínio, a percepção de traços femininos
em performances de outros homens provoca incômodo imediato, de maneira que
passa-se a considerar estes outros como menos homens ou como não-homens
(Foushee et al., 1979; Salvati et al., 2016). Quando esse universo dicotomizado
dos homens heterossexuais é ameaçado por semelhanças com os homens gays,
uma reação compensatória é provocada e se apresenta na forma de atitudes
negativas e comportamentos discriminatórios contra os gays. A violação do
papel de gênero feminino, por outro lado, tem pouco ou nenhum efeito sobre a
Capítulo 18 – Camilla Vieira de Figueiredo e Cicero Roberto Pereira 371
ansiedade das mulheres (Allen & Smith, 2011; Bosson & Vandello, 2011). Isso
está relacionado ao fato de as mulheres serem mais tolerantes às contravenções
dos papéis sexuais e também ao seu menor interesse em assegurar a tradição
desses papéis, uma vez que oferecem numerosos benefícios apenas aos homens,
ajudando-os a manter a sua posição de poder e dominância social (Hogg &
Turner, 1987; Lewin & Tragos, 1987).
O fenômeno da dicotomização de gênero tem um significado psicológico
importante em razão de que, quanto mais se dicotomiza traços masculinos e
femininos, mais distância psicológica se percebe entre aspectos da identidade
desses grupos (Talley & Bettencourt, 2008). O distanciamento psicológico é
considerado um mecanismo de diferenciação intergrupal que atua como con-
sequência da ameaça percebida à identidade grupal. Em outras palavras, é uma
reação frente a algo que afeta o autoconceito do indivíduo. A dicotomização
da identidade de gênero tem implicações à nível comportamental, pois, quan-
do ameaçada (pelos homens gays, por exemplo), aumenta-se a motivação dos
homens heterossexuais, mas não das mulheres, para restaurar seu estatuto de
gênero por meio de reações agressivas e arriscadas (ver Bosson et al., 2009;
Weaver et al., 2013).
Há ampla discussão e suporte empírico para a hipótese de que o preconcei-
to sexual dos homens heterossexuais, comparativamente ao das mulheres, está
relacionado com a maior ameaça à sua identidade heteronormativa. Os índices
mais expressivos de preconceito contra homens gays têm uma função identitária
de defesa psicológica para os homens heterossexuais (Herek & McLemore,
2013). Eles sentem maior necessidade de diferenciar o seu papel de gênero
para reafirmar a sua distintividade e manter positiva a sua identidade mascu-
lina heterossexual. Consequentemente, eles, mais do que as mulheres, sentem
maior necessidade de distintividade positiva no domínio da sexualidade quando
essa distintividade está sob ameaça. Recentemente, aprofundamos o estudo
desse fenômeno e realizamos a demonstração experimental de sua ocorrência
nos resultados de um programa de pesquisa (ver Figueiredo & Pereira, 2021).
A seguir, apresentaremos as suas principais conclusões.
dos homens em relação aos homens gays é mais acentuado do que o seu incô-
modo face às lésbicas e isso está associado à sua necessidade de distintividade
intergrupal positiva. Eles sentem mais necessidade de se diferenciar dos homens
gays do que de diferenciar mulheres heterossexuais de lésbicas.
A literatura sobre esse tema apoia as nossas constatações ao sugerir que os
homens heterossexuais depreciam os homossexuais porque os percebem como
não prototípicos da categoria supra-ordenada “homem” (e.g., Branscombe &
Wann, 1994; Branscombe et al., 1993; Schmitt & Branscombe, 2001). A ameaça
à prototipicalidade tem sido estudada no domínio da teoria da autocategorização
(Turner et al., 1987). O protótipo pode ser um estereótipo percebido como o
elemento estruturante da identidade do grupo (e.g., a masculinidade), o qual
é definido pelas visões compartilhadas dos membros do grupo sobre o grupo
como um todo (Jetten et al., 1997). Assim, quanto mais um indivíduo difere do
estereótipo definido como o mais prototípico do endogrupo (i.e., um homem
afeminado), mais esse indivíduo é percebido como desviante do endogrupo,
o que provoca efeitos reacionários, como, por exemplo, o efeito ovelha negra
(Pinto et al., 2010).
A ideia de que existem diferenças na prototipicalidade dos membros do
grupo e que os membros prototípicos serão mais influentes porque represen-
tam o que o grupo tem em comum motivou muitas pesquisas sobre atitudes
intergrupais (e.g., Hogg et al., 1990; Turner et al., 1989), mas a maioria delas
destacou apenas o nível intragrupal de análise das relações masculinas. Em nossa
perspectiva, os conflitos que envolvem o preconceito dos homens heterossexuais
face aos homossexuais têm origem na sua motivação para manter a distinção
heterossexual-homossexual, sendo essa motivação gerada ao longo da história
das relações de gênero. Assim, embora os homens heterossexuais possam ver
os homens gays como desviantes em relação aos atributos prototipicamente
masculinos, buscamos investigar melhor o papel da ameaça à distintividade no
nível intergrupal das relações hetero-homo no preconceito contra gays.
Apesar de terem fornecido dados que apoiaram as nossas ideias, os resulta-
dos do segundo estudo foram bastante limitados. Primeiro, por não contarmos
com uma amostra de mulheres heterossexuais, ficamos impedidos de conhecer a
percepção de distintividade das mulheres em relação às lésbicas e comparar o seu
posicionamento com a distintividade apresentada pelos homens em relação aos
gays. Além disso, alguns estudos já haviam demonstrado a percepção de seme-
lhanças e diferenças intergrupais como uma importante estratégia para realçar
a ameaça à distintividade intergrupal, um aspecto diretamente relacionado ao
Capítulo 18 – Camilla Vieira de Figueiredo e Cicero Roberto Pereira 377
Considerações finais
Com base nos pressupostos da teoria da identidade social (Tajfel & Turner,
1979), conduzimos um programa de pesquisa com o objetivo de obter evidências
empíricas sobre a hipótese da motivação para a distintividade heterossexual
como um dos mecanismos explicativos da maior expressão de preconceito sexual
por parte dos homens. Os elementos fundamentais da teoria, como os conceitos
de comparação social, identidade social e, principalmente, de distintividade
Capítulo 18 – Camilla Vieira de Figueiredo e Cicero Roberto Pereira 383
positiva, foram sistematizados por nós para dar conta de responder a essa im-
portante questão de pesquisa que tem sido objeto de investigação de pesqui-
sadores desde o início da década de 1980. Fornecemos contribuições para esse
campo de estudo ao demonstrarmos que os homens heterossexuais são mais
preconceituosos do que as mulheres heterossexuais, principalmente em relação
a homens gays, porque a homossexualidade ameaça fortemente a distintividade
heterossexual, sendo o preconceito sexual uma estratégia defensiva utilizada
pelos homens para restabelecer os seus ideais identitários.
Nossos resultados são consistentes com a literatura acerca do preconceito se-
xual, a qual define o preconceito como um mecanismo psicossociológico utilizado
para diferenciar, deslegitimar e discriminar categorias socialmente desvalorizadas
ou estigmatizadas (Herek, 2000, 2016; Herek & McLemore, 2013). O precon-
ceito dos homens vinha sendo explicado principalmente pela necessidade de man-
ter o modelo hegemônico de masculinidade e o padrão de heteronormatividade,
o que envolve uma série de privilégios sociais e sexuais sobre as mulheres e sobre
os grupos LGBT+. Nosso estudo alargou essas explicações, demonstrando que
o distanciamento psicológico e a diferenciação intergrupal em relação aos gays
são processos psicológicos resultantes de uma ameaça à distintividade masculina
heterossexual. Essa ameaça constitui-se, portanto, como uma das bases para a
expressão massiva de preconceito dos homens heterossexuais em comparação
com as mulheres heterossexuais, e da discriminação extensivamente direcionada
a homens gays, comparativamente às lésbicas.
Os trabalhos de Henry Tajfel sobre a natureza das relações de cooperação
e conflito intergrupal utilizam processos psicológicos individuais e intergru-
pais, de base cognitiva e motivacional, como categorização, comparação social
e autoestima, para explicar um processo social complexo como o da identidade
social (Camino & Torres, 2013). Enfatizamos, sobretudo, o nível intergrupal de
análise a fim de elucidar a natureza dos conflitos entre heterossexuais e homos-
sexuais, considerando a perspectiva do gênero e a necessidade de manutenção
de uma identidade endogrupal positiva. A identidade social tem a função de
diferenciar os grupos sociais e manter a hierarquização de alguns grupos perante
outros. Essa hierarquização obedece a alguns critérios e a orientação sexual é
um dos mais importantes para definir a supremacia e a subordinação de grupos
específicos (Herz & Johansson, 2015). Por essa razão, a heterossexualidade
ainda é amplamente associada à ideia difusa de existência de uma verdadeira
identidade masculina e contribui sobremaneira para a estigmatização de indi-
víduos homossexuais, principalmente homens.
384 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
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Capítulo 19
Adesão ao isolamento social na Covid-19:
efeitos das explicações da pandemia, posições
sociais e confiança nas instituições
Marcus Eugênio Oliveira Lima
Dalila Xavier de França
Cicero Roberto Pereira
Introdução
Ao longo do tempo, a humanidade tem enfrentado vários tipos de epi-
demias. Entre as mais conhecidas estão a peste de Atenas (430 a. C.); a peste
Antonina no mundo romano (165 d. C.); surtos de varíola, cólera, escorbuto,
febre amarela durante nos anos de 1854-1856, 1899 e 1918; a gripe espanhola
(1918-1919) e, já na atualidade, AIDS, ebola influenza A (H1N1), Zika vírus
e dengue (Cuero, 2020). Desde março de 2020, estamos vivendo em todo o
mundo a pandemia da Covid-19 causada pelo novo coronavírus – CoV-Sars-2.
O primeiro caso de infecção pelo novo coronavírus foi identificado em
dezembro de 2019, em Wuhan, Província de Hubei na China. No dia 30 de
janeiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o surto
de Covid-19 era uma emergência de saúde pública internacional, pois represen-
tava alto risco para países com sistemas de saúde vulneráveis (OMS, 2020a).
Em 11 de março de 2020, a Covid-19 foi declarada como uma pandemia (Schu-
chmann, Schnorrenberger, Chiquetti, Gaiki, Raimann, & Maeyama, 2020).
A Covid-19 pode ser considerada, ao lado das duas grandes guerras mundiais,
a maior calamidade mundial da era moderna.
Dados da Universidade Johns Hopkins, atualizados em 19 setembro de
2022 (as 16:21 h), contabilizaram 612.225.354 casos casos confirmados da Co-
vid-19 no mundo, com 6.527.061 mortes. A maior incidência de casos encon-
tra-se nos Estados Unidos (95. 684.167 de casos), India (44. 539.046 de casos),
França (35.138.509 de casos), e Brasil (34.568.833 de casos). O Brasil também
ocupava o quarto lugar na lista de mortes, com 685.203 óbitos15. Contudo, esses
dados crescem rapidamente, e mais ainda no Brasil que em outros 40 países. Foi
15
Recuperado de https://coronavirus.jhu.edu/map.html.
Capítulo 19 – Marcus E. O. Lima, Dalila X. de França e Cicero R. Pereira 393
o vírus foram moldadas por líderes de opinião que refletiam suas preferências
políticas. O autor observa que importantes plataformas conservadoras (e.g., Fox
News, nos EUA e Sky News, na Europa) argumentavam, no início da crise, que
o coronavírus era uma farsa da esquerda histérica e que não havia necessidade de
alarme. A consequência foi um maior alastramento da Covid-19. Ao contrário
do posicionamente de líderes mudiais que expressaram preocupação e respon-
sabilidade com a pandemia, no Brasil, o presidente da república se contrapôs
às recomendações da OMS de forma sistemática desde o início da pandemia,
promovendo pronunciamentos negacionistas e aglomerações públicas, pregando
o fim do isolamento. Contudo, em outros países, a retórica negacionista dos
líderes conservadores foi se alterando no ritmo da infecção:
A maioria dos líderes mostrou uma maior inclusão de todos os cidadãos na sua retórica
(embora houvesse exceções notáveis; por exemplo, no Brasil, na Índia e nos EUA).
Como afirmou o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, não há equipes azuis
ou equipes vermelhas. Não há mais empregados ou chefes. Existem apenas australianos
agora”. (Haslam, 2020, 36-37)
Método
Participantes
Colaboraram 543 cidadãos residentes em 17 Estados, a maioria de Sergipe
(53%); sendo a maior parte deles de sexo feminino (62,7%), com idades variando
entre 18 e 66 (M = 32,04; DP = 10,38). Em relação à religião, 69% afirmam possuir
alguma, com predomínio de católicos (41,4%), seguidos de evangélicos (10,1%),
espíritas (4,6%) e religiões de matriz africana (4,1%). A renda familiar variou de
0,1 a 60 salários mínimos (M= 4,47; DP = 5,79). A maioria dos participantes
possuía nível de escolaridade superior completo (54,2%), havendo 2,3% com nível
fundamental, 13,3% com nível médio e 30,2% com superior incompleto. Em
relação à autoclassificação da cor da pele, 48% se definiram como pardos, 31,4%
como brancos, 17,4% como pretos, 2,2% como amarelos e 1% como indígenas.
398 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Instrumento
O instrumento foi um questionário online elaborado no Survey Monkey e
foi composto por questões estruradas em três blocos. No primeiro, indagava-se
sobre as causas da pandemia da Covid-19, numa das questões, os participantes
deveriam escolher pelo menos três motivos de uma lista de 12, para não adesão
ao isolamento (e.g., “Por não acreditar na gravidade da doença”). Havia ainda
uma pergunta sobre o quanto os participantes concordam com as medidas de
isolamento (“As autoridades têm decretado algumas medidas de isolamento so-
cial. O quanto você concorda com essas medidas?”), respondida numa escala que
variava de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). No segundo bloco,
perguntava-se sobre o nível de risco de morte que algumas categorias ou grupos
sociais correm. A escala de respostas variava de 1 (morrerão menos de 3%), 2 (igual
a 3%), 3 (maior que 3%), 4 (maior que 10%) e 5 (maior que 20%). Finalmente,
no terceiro bloco, vinham as questões sobre confiança em instituições, meios de
comunicação e outras entidades. A escala adotada variava de 1 (desconfio total-
mente) a 5 (confio totalmente). Nesse bloco, também era avaliado o interesse pela
política (1 = nenhum e 5 = total) e a posição no espectro Esquerda-Direita. Ao
final do questionário, havia ainda um conjunto de questões sociodemográficas.
16
Retirado de https://www.sanarmed.com/linha-do-tempo-do-coronavirus-no-brasil.
Capítulo 19 – Marcus E. O. Lima, Dalila X. de França e Cicero R. Pereira 399
Resultados e discussão
Primeiramente, analisamos os motivos específicos que os participantes
consideram para explicar por que muitas pessoas não têm obedecido à solicitação
das autoridades para fazerem o isolamento social. Na Tabela 6, podemos ver
que os três principais motivos foram a subestimação da gravidade da doença,
citado 332 vezes, a falta de condições financeiras (242 vezes) e o fato de muitos
não poderem trabalhar de casa, com 218 referências. Para conhecermos as es-
timativas de impacto da pandemia sobre a vida dos brasileiros, perguntamos se
os participantes acreditavam que o número de mortes no Brasil seria inferior,
igual ou superior à média de mortes mundial (3%). Os resultados indicaram
que 10% acreditava que seria inferior, 30,3% afirmava que os óbitos atingiriam
a média de 3% dos infectados, 42,9% acreditava que seriam maiores que 3% e
16% afirmou que seriam muito maiores.
Motivo % (f)
Por não acreditar na gravidade da doença 61,1 (332)
Por falta de condições financeiras 44,6 (242)
Porque não podem trabalhar de casa 40,1 (218)
Por acreditar que as autoridades da saúde estão exagerando 34,1 (185)
Por não estar no grupo de risco 32,4 (176)
Por acreditar que as coisas "só acontecem quando Deus quer" 23,0 (125)
Por acreditar que tudo é uma invenção 21,0 (114)
Por não possuir boas condições de permanência em casa 18,6 (101)
Por não estar bem informada sobre os riscos 18,4 (100)
Por não se importar consigo mesma e com o próximo 18,2 (99)
Por acreditarem que estão imunes ao vírus 14,7 (80)
Por acreditar que é uma boa pessoa e que o mundo é justo para as boas pessoas 2,0 (11)
Outros (necessidade, acha que quarentena é férias, falta de conhecimento, fanatismo
9,6 (52)
político por adesão ao discurso do presidente, saem para espalhar o vírus, etc.)
400 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
< 0,001. Esse fator apresentou alta consistência interna (α = 0,82). O segundo
integrou a confiança nos meios de comunicação (Jornais, Rádios e TVs), junto
à confiança na Ciência, em oposição à confiança no Presidente da República,
na Igreja, nos Militares e no Governo Federal. Considerando os índices de
saturação mais elevados, decidimos compor esse fator pela soma da confiança
nos Jornais e na Ciência subtraída da confiança no Presidente da República. A
confiança média (M = 5,77; DP = 2,08) se encontra acima do ponto médio da
escala (i.e., 3,0)17, t ((522 = 30,44; p < 0,001. A consistência interna desse fator foi
moderada (α = 0,60). O terceiro fator integrou a confiança nos meios para ob-
tenção de informações (TVs, Rádios, Redes Sociais e WhatsApp). A confiança
média (M = 2,58; DP = 0,62) se encontra abaixo do ponto médio da escala (i.e.,
3,0), t ((526) = -15,49; p < 0,001. A consistência interna foi moderada (α = 0,71).
17
essa composição a escala poderia variar de -3 (mínima confiança na Ciência e nos Jornais subtraída
N
da máxima no Presidente) a 9 (máxima confiança na Ciência e nos Jornais subtraída da mínima
no Presidente).
Capítulo 19 – Marcus E. O. Lima, Dalila X. de França e Cicero R. Pereira 403
Religião, renda familiar e identidade religiosa não tiveram efeito. Apenas o sexo,
a idade, a escolaridade e a cor da pele foram significativas, esta última de forma
tendencial. São as mulheres, os mais jovens, os mais escolarizados e de pele mais
escura os que mais concordam com o isolamento. Lima et al. (2020) também
encontraram os mesmos resultados para sexo, idade e escolaridade.
18
A análise foi feita com todas as variáveis, na tabela mantivemos apenas aquelas cujo p esteve abaixo de 0,09.
Capítulo 19 – Marcus E. O. Lima, Dalila X. de França e Cicero R. Pereira 405
Considerações finais
O objetivo da presente pequisa foi analisar os impactos das explicações para a
pandemia que estamos vivendo e de variáveis sociodemográficas e políticas sobre a
406 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Referências
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19
Recuperado de https://coronavirus.jhu.edu/map.html.
408 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Introdução
A pandemia de Covid-19 caracteriza-se como uma crise de saúde pública
e um problema humanitário de grande proporção sem precedente na história
recente. Dados oficiais indicam que até outubro de 2021, aproximadamente,
4,8 milhões de pessoas no mundo perderam a vida por causa da doença, muitas
vezes agravada pela dificuldade de acesso a serviços da saúde (Organização Pan-
-Americana da Saúde [OPAS], 2021). No Brasil, no mesmo período, mais de 21
milhões de pessoas foram infectadas e desse total, aproximadamente, 600 mil
vieram a óbito (Organização Mundial de Saúde [OMS], 2021). Além das vidas
perdidas, a pandemia também acentuou uma crise mundial econômica e social,
com repercussões para o mundo do trabalho, que tem sido referida como uma
catástrofe humanitária (Organização Internacional do Trabalho [OIT], 2021).
Pesquisas sobre essa nova realidade reúnem evidências que corroboram os
efeitos negativos da pandemia da Covid-19 nas condições de vida da população
mundial. Entre esses efeitos, tem-se os riscos à saúde mental da população (para
mais detalhes ver Torales et al., 2020). A saúde mental refere-se a um processo
que expressa determinadas condições da vida humana e a capacidade da pessoa
de enfrentar desafios, conflitos e agressões que ocorrem na realidade na qual vive
(Borsoi, 2007). Essas perturbações, que podem ser de natureza psicológica e so-
cial, afetam o estado de bem-estar e a capacidade de enfrentamento do indivíduo
a situações de estresse, ao desenvolvimento do trabalho e à vida em comunidade,
em formas e níveis variados (Ministério da Saúde do Brasil, [MS] 2020). A saúde
mental é um construto que envolve diferentes dimensões e no caso da pandemia de
Covid-19 tem sido associada a fatores como: medo de ser infectado e vir a óbito,
perda de entes queridos, desemprego, crise econômica e política, novas dinâmicas
de trabalho, isolamento e distanciamento social, acúmulo e conflito de papéis, e
violência doméstica (Dimenstein et. al, 2020, Schmidt et al, 2020).
Capítulo 20 – Luciana M. Maia, Tiago J. S. de Lima e Luana E. C. de Souza 411
Método
Participantes
Participaram desta pesquisa 581 trabalhadores do setor privado, com idade
média de 30,4 anos (DP = 9,25), sendo a maioria do gênero feminino (66,8%),
de orientação heterossexual (77,2%), que se autodeclaram brancos (51,6%) e
se consideram de classe social baixa (54,9%). Para mais informações sobre a
amostra ver a Tabela 10. A amostra foi por conveniência (não probabilística),
composta por trabalhadores que aceitaram o convite para participar de forma
voluntária da pesquisa.
414 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Variável Categorias N %
Masculino 191 33,2
Gênero
Feminino 384 66,8
Heterossexual 441 77,2
Orientação sexual
Não-heterossexual 130 22,8
Branco 290 51,6
Raça/Cor
Não-Branco 262 45,1
Baixa 319 54,9
Classe econômica
Média/Alta 272 48,4
Instrumentos
Para a coleta dos dados foram usados três instrumentos:
Questionário de Saúde Geral (QSG-12; Goldberg & Williams, 1988) - composto
por 12 itens que avaliam a saúde mental em duas dimensões: ansiedade e depres-
são. Os 12 itens do QSG-12 avaliam o quanto a pessoa tem experimentado os
sintomas descritos. A pontuação varia entre 1 e 7, em que uma maior pontuação
indica maior nível de saúde mental. A consistência interna da escala se mostrou
adequada, com alfa de Cronbach igual a 0,89.
Escala de Satisfação no Domínio do Trabalho (WDSS; Gagne et al., 2016) -
composta por cinco itens que avaliam bem-estar no trabalho, em uma escala que
varia de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente), em que quanto maior
o escore, maior o nível de satisfação com o trabalho. A consistência interna da
escala se mostrou adequada, com alfa de Cronbach igual a 0,82.
Questionário sociodemográfico - composto por perguntas para caracterização da
amostra (gênero, idade, orientação sexual, raça/cor, renda e ocupação profissional).
Resultados
Para avaliar o efeito da pertença grupal (grupos minoritários vs grupos
majoritários) na saúde mental de trabalhadores durante a epidemia de Covid-19,
foi realizada uma ANOVA fatorial 2 x 2 x 2 x 2, que revelou o efeito principal
significativo da orientação sexual e da classe econômica. Os efeitos das variáveis
Partial Eta
F df p
Squared
Modelo corrigido 3,159 15 0,000 0,082
Intercepto 3367,076 1 0,000 0,863
Raça/Cor 0,421 1 0,517 0,001
Gênero 0,477 1 0,490 0,001
Orientação sexual 19,019 1 0,000 0,034
Classe econômica 10,635 1 0,001 0,020
Raça* Gênero 0,416 1 0,519 0,001
Raça* Orientação sexual 0,222 1 0,638 0,000
Raça* Classe econômica 0,157 1 0,693 0,000
Gênero* Orientação sexual 1,659 1 0,198 0,003
Gênero* Classe econômica 1,256 1 0,263 0,002
Orientação sexual* Classe econômica 3,026 1 0,082 0,006
Raça* Gênero* Orientação sexual 0,174 1 0,677 0,000
Raça* Gênero* Classe econômica 0,404 1 0,525 0,001
Raça* Orientação sexual* Classe econômica 1,501 1 0,221 0,003
Gênero* Orientação sexual* Classe econômica 0,142 1 0,706 0,000
Raça* Gênero* Orientação sexual* Classe econômica 0,211 1 0,646 0,000
Error – 533 – –
Total – 549 – –
Corrected Total – 548 – –
416 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
raça /cor e da variável gênero não foram significativos. Consonante com esses
achados, observou-se um efeito de interação marginalmente significativo entre
as variáveis orientação sexual e classe econômica (ver Tabela 11).
Considerando o efeito significativo da orientação sexual na saúde mental,
os resultados demonstraram nível de saúde mental significativamente superior
para trabalhadores heterossexuais (M = 4,55; EP = 0,07) em comparação ao nível
encontrado para não heterossexuais (M = 3,91; EP = 0,12), t (533) = 9,50, p < 0,001.
Em relação ao efeito da classe econômica no nível de saúde mental, os
resultados demonstraram nível de saúde mental significativamente superior
para trabalhadores de classes econômica média e alta (M = 4,47; EP = 0,11) em
comparação ao nível encontrado para trabalhadores de classe baixa (M = 4,00;
EP = 0,10), t (533) = 5,32, p < 0,001.
Em relação à variável satisfação com o trabalho, foi realizada uma ANOVA
fatorial 2 x 2 x 2 x 2, que revelou o efeito principal significativo da raça/cor da
pele, da orientação sexual e da classe econômica. O efeito da variável gênero
não foi significativo. Na mesma direção, observou-se um efeito de interação
marginalmente significativo entre as variáveis orientação sexual e classe eco-
nômica (ver Tabela 12).
Partial Eta
F df p
Squared
Modelo corrigido 2,867 15 0,000 0,096
Intercepto 1882,399 1 0,000 0,823
Raça/Cor 7,410 1 0,007 0,018
Gênero 0,361 1 0,548 0,001
Orientação sexual 7,765 1 0,006 0,019
Classe econômica 14,922 1 0,000 0,036
Raça* Gênero 0,035 1 0,851 0,000
Raça* Orientação sexual 0,062 1 0,804 0,000
Raça* Classe econômica 0,165 1 0,684 0,000
Gênero* Orientação sexual 1,138 1 0,287 0,003
Gênero* Classe econômica 2,528 1 0,113 0,006
Orientação sexual* Classe econômica 2,893 1 0,090 0,007
Raça* Gênero* Orientação sexual 0,347 1 0,556 0,001
Raça* Gênero* Classe econômica 0,733 1 0,392 0,002
Raça* Orientação sexual* Classe econômica 0,115 1 0,735 0,000
Gênero* Orientação sexual* Classe econômica 0,073 1 0,787 0,000
Raça* Gênero* Orientação sexual* Classe econômica 0,299 1 0,585 0,001
Error – 533 – –
Total – 549 – –
Corrected Total – 548 – –
Capítulo 20 – Luciana M. Maia, Tiago J. S. de Lima e Luana E. C. de Souza 417
Discussão
O presente estudo procurou avaliar o efeito da pertença grupal na saúde
mental e na satisfação de trabalhadores durante a pandemia de Covid-19. Em
geral, pode-se dizer que na amostra investigada a pertença grupal contribuiu
para um menor nível de saúde mental de trabalhadores que se reconhecem não
heterossexuais (homossexuais e bissexuais) e trabalhadores de classe econômica
baixa. Em relação à satisfação com o trabalho, além de não heterossexuais e de
classe baixa, a pertença grupal contribuiu para um menor nível para pessoas
brancas. Por outro lado, na amostra investigada, a saúde mental do trabalhador
não foi afetada pelo gênero e nem pela raça / cor da pele do trabalhador; no
caso da satisfação com o trabalho somente o gênero do trabalhador não afetou.
Em relação ao papel da orientação sexual e identidade de gênero na saúde
mental e na satisfação com o trabalho, vale destacar que em comparação com
heterossexuais e/ou cisgêneros, LGBTQIA+ são mais propensos a vivenciar de-
sigualdades sociais, como insegurança alimentar, falta de moradia, moradias ins-
táveis, desemprego e pobreza (Baams et al., 2019; Whittington et al., 2020). Esse
grupo também está desproporcionalmente sobrecarregado por problemas de saúde
mental (Russell & Fish, 2016), o que poderia aumentar ainda mais suas vulne-
rabilidades médicas e psicológicas durante uma crise pandêmica. Ademais, uma
das ocorrências mais salientes do estresse de minoria em pessoas LGBTQIA+ é
a rejeição familiar, potencialmente saliente em tempos de isolamento social em
que a residência familiar se torna o principal refúgio (Salerno et al., 2020).
418 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Considerações finais
Muito se tem discutido sobre a pandemia de Covid-19 atingir as pessoas
de uma forma semelhante, mas os resultados deste estudo deixam evidente que
essa premissa não se sustenta empiricamente, pelo menos quando se considera
população LGBTQIA+ e pessoas pobres. Tomando como referência a saúde
mental e a satisfação com o trabalho, os resultados encontrados indicam que
a orientação sexual e a renda determinam efeitos distintos para trabalhadores.
Esses efeitos favorecem vulnerabilidades sociais e representam aspectos impor-
tantes para a compreensão dos processos de exclusão social.
Embora os resultados desse estudo sejam preliminares e novas investigações
sejam necessárias para compreender a complexidade dos fatores que afetam a
vida de minorias em tempos de crise, especialmente quando se considera a saúde
mental e a satisfação de trabalhadores, alguns pontos merecem destaque quando
se consideram os aspectos levantados neste estudo. Inicialmente é importante
ratificar que o direito e as formas de acesso ao trabalho são importantes mar-
cadores de inclusão social e, nesse sentido, analisar como diferentes categorias
sociais experimentam as condições de trabalho é fundamental no enfrentamento
às diferentes desigualdades sociais que se expressam cotidianamente na realidade
de mulheres, pessoas LGBTQIA+, pessoas negras, entre outros grupos.
Outro aspecto que merece destaque é a necessidade de reconhecer que,
embora a crise causada pela pandemia seja uma realidade para todos, os recur-
sos disponíveis e utilizados para seu enfrentamento dependem das pertenças
sociais dos indivíduos. Assim, é imprescindível considerar as especificidades
do impacto da pandemia de Covid-19 para pessoas que pertencem a distintas
categorias sociais e analisar esses processos a partir das realidades que afetam
essas diferentes minorias. Aceitar essas considerações implica reconhecer que as
desigualdades entre as pessoas não são aleatórias (Jetten, 2020), mas ao contrário
estão relacionadas a dinâmicas intergrupais, que representam formas de poder e
status distintos, que naturalizam desvantagens sociais para alguns e privilégios
para outros (Tajfel & Turner, 1979).
Os resultados e discussões apresentadas neste capítulo evidenciam que
situações de crise intensificam vulnerabilidades experimentadas por grupos mi-
noritários e, desse modo, demandam que se reconheça a existência de problemas
estruturais e que se busque uma gestão política que, ao invés de acirrar conflitos
entre grupos, promova a equidade e justiça social. Considerando que o cenário
político não é animador, no sentido de se vislumbrar essa gestão, a ciência e a
pesquisa científica devem ser reconhecidas como instrumentos imprescindíveis
420 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Referências
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php/EspacoAcademico/article/view/54647
Capítulo 20 – Luciana M. Maia, Tiago J. S. de Lima e Luana E. C. de Souza 421
Introdução
Dados do Estudo Global sobre Homicídios publicado pelo Escritório
das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, 2019) demonstraram
que, juntos, Nigéria e Brasil representam cerca de 5% da população mundial e
são responsáveis por 28% dos homicídios globais. Em 2020, a taxa de mortes
violentas intencionais no Brasil foi de 23,6 por 100 milhões de habitantes teve
um crescimento de 4% em relação ao ano anterior, a letalidade policial corres-
pondeu em média a 12,8% dessas mortes (Anuário Brasileiro de Segurança
Pública, 2021). O Brasil ocupa o primeiro lugar do mundo em assassinatos por
forças policiais. A violência policial no Brasil atinge grupos sociais de forma
desigual, sendo mais letal contra jovens, homens, pobres e negros (IPEA, 2019),
caracterizando-se, muitas vezes, como crimes de ódio.
Os crimes de ódio são o último estágio em uma escala de hostilidade in-
tergrupal que começa com a “anti-locução” (Allport, 1954). Tais discursos se
tornaram um dos maiores problemas em países com democracias consolidadas e
economias estáveis (Mondal, Silva, & Benevenuto, 2017; ICERD, 2018). Estudos
demonstram que há uma forte relação da ascensão da extrema direita e discursos
de ódio nas redes sociais, na medida que há uma tendência desses grupos direcio-
narem sua comunicação para plataformas virtuais com menos restrições e normas
de convivência, dificultando o acesso e a possibilidade de construções de medidas
inibitórias para a expressão de violência direcionados a grupos minoritários (ver
Winter, et al., 2020). Apesar da extrema direita abarcar um leque cada vez mais
amplo de ideologias, alguns pontos em comum a todo o espectro nas redes são o
apelo a uma suposta identidade nacional, patriotismo, xenofobia e o conservado-
rismo, fenômenos crescentes observados na Europa (Ben-David & Matamoros-
-Fernandez, 2016; Caiani, Carlotti & Padoan, 2021; Vidgen, Yasseri & Margetts,
426 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
2021), nos Estados Unidos (Walther & McCoy, 2021; Siegel, et al, 2019), no Japão
(Yamaguchi, 2013) e no Brasil (Silva, Francisco, & Sampaio, 2021).
No Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento, o impacto
do ódio nas redes é ainda mais devastador, pois os discursos estão vinculados
a propostas políticas populistas-reacionárias que associam as minorias sociais
à criminalidade e ao caos social, legitimando ações policiais extremas, muitas
vezes de extermínio, como foi a operação policial mais letal da história do Rio
de Janeiro, ocorrida em 6 de maio de 2021 na comunidade do Jacarezinho na
qual 29 pessoas foram mortas, incluído um policial, ou da mais recente, na Vila
Cruzeiro, no dia 24 de maio de 2022, onde morreram 26 pessoas.
Este capítulo analisa o discurso de ódio nas redes sociais relacionado às
ações policiais. Escolhemos a plataforma do Twitter por sua estrutura dinâmica
permitir aos usuários compartilharem assuntos relacionados a interesses comuns
e atuais, disponibilizando um vasto volume de dados, sendo o Brasil a 4o maior
base de usuários do mundo20, além da rede ser uma das preferidas pelas forças
policiais (Crump, 2011; Vascon, 2018). Os dados foram coletados tendo foco
hashtags com conteúdo odioso e de apoio as práticas de violência da corpo-
ração policial, logo depois da chacina no Jacarezinho, Rio de Janeiro. Foram
investigados os conteúdos das postagens para detectar elementos de incentivo a
violência policial à luz de teorias sobre a naturalização e legitimação de práticas
discriminatórias de grupos sociais estigmatizados. As questões norteadoras do
estudo foram: Como o discurso de ódio está relacionado à legitimação da vio-
lência policial no Brasil? Quais os conteúdos mais presentes nesses discursos?
Quais são os fatores influenciadores na intensificação do discurso de ódio? Quais
fenômenos psicológicos podem estar envolvidos nesse processo de disseminação
do discurso de ódio relacionado a letalidade policial?
20
https://www.statista.com/statistics/242606/number-of-active-twitter-users-in-selected-countries/.
Capítulo 21 – Charles de Souza, Marcus Lima, Luiz Souza, Hendrik Macedo e Thiago Bispo 427
21
https://help.twitter.com/pt/rules-and-policies/hateful-conduct-policy (2022).
428 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
22
https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/politica-e-fe-entre-os-policiais-militares-civis-e-
-federais-do-brasil/.
430 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Método
Os procedimentos metodológicos envolveram uma articulação entre Mi-
neração de Dados e Análise do Conteúdo (AC). Previamente foram selecionadas
hashtags que continham conteúdo de explicito discurso de ódio e/ou endosso a
violência referente a operação policial no Jacarezinho, levando em consideração
associação direta da postagem ao evento e seu período de publicação (4 a 31
de maio/2021). Enquanto marcadores, as hashtags auxiliam na identificação
e organização das manifestações virtuais, pois além de agrupar os conteúdos,
facilitam a pesquisa de informações correlatas dentro das redes sociais (Costa-
-Moura, 2014). Desse modo, para a mineração dos dados foi utilizad o algoritmo
LinearSVC, do Scikit Learn como modelo de aprendizado de máquina, cujo
o treinamento foi feito a partir do conjunto de dados (dataset) hierárquico já
testado anteriormente para discurso de ódio (ver Fortuna et al., 2019). Foram
extraídos, além do conteúdo da postagem, informações como: a quantidade de
23
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/05/14/jacarezinho-saiba-quem-sao-onde-mor-
reram-e-o-que-dizem-familias-e-policia-sobre-os-27-mortos.ghtml.
432 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Resultados e discussões
Inicialmente, a partir da seleção prévia das hashtags, foram coletados 626
tweets que utilizam 20 tipos distintos de marcadores de grande circulação e
foram adotados como critérios de seleção, pois seu conteúdo carregam discurso
de ódio de modo inerente, tais como: #faxinadojacarezinho, #bandidobome-
bandidomorto, #Direitodosmanos, #PauNeles, #CPFCancelado, #25FoiPouco
e #facanacaveira. Também foram coletados tweets com associação direta com a
operação, coletados a partir das hashtags de menções as forças policias e que em
seu conteúdo continham expressões de ódio e/ou incentivo a violência.
Ao observarmos a evolução do uso dos marcadores que continham dis-
cursos de ódio durante o período de coleta de dados, é possível perceber que o
endosso a violência da operação policial no Jacarezinho se manteve circulando
na rede durante extenso período do mês de maio, tendo os dias de 9 a 17 de
maio de 2021 o intervalo de tempo com maior número de postagens. Houve
ainda uma tendência de aumento no final do mês por conta de debate sobre
investigações sobre a operação a pedido de instituições jurídicas24 (ver Gráfico 8).
Gráfico 8. Evolução das postagens com hashtags de ódio sobre a operação no Jacarezinho
180
160
Quantidade de postagens
140
120
100
80
60
40
20
24
https://www.conjur.com.br/2021-mai-20/mpf-outras-10-entidades-pedem-investigacao-indepen-
dente-chacina.
Capítulo 21 – Charles de Souza, Marcus Lima, Luiz Souza, Hendrik Macedo e Thiago Bispo 433
Figura 13. Nuvem de palavras com os termos mais utilizados a partir das hashtags
Correção: Morreu 1 pessoa os outros 24 eram bandidos eleitores do Psol, então não faram
falta #CPFCancelado
25
Vídeo: https://twitter.com/search?q=%23faxinadojacarezinho&src=typed_query.
Capítulo 21 – Charles de Souza, Marcus Lima, Luiz Souza, Hendrik Macedo e Thiago Bispo 437
Para a imprensa brasileira matar bebês no ventre da mãe pode, mas,eliminar 27 vaga-
bundos perigosos que aterrorizava a sociedade não pode! #midiapodre #Brasil #Faxi-
naDoJacarezinho #CPFCancelado
Extrema imprensa e Direitos Humanos estão bravos? Então foi ótimo. Vagabundo e
traficante bom é morto. #CPFCancelado
#FaxinaDoJacarezinho Parabéns aos policiais que arriscaram suas próprias vidas para
acabar com esses párias da sociedade!!
27 CPF cancelados com sucesso e direto para o inferno.. Lamentável apenas a morte
do policial herói, o resto foram tarde. #ParabenspoliciacivilRJ #FaxinaDoJacarezinho
Tinham que ter sido todos os 27 enterrados juntos, todos de cabeça para baixo...
#BandidoBomEBandidoMorto
Capítulo 21 – Charles de Souza, Marcus Lima, Luiz Souza, Hendrik Macedo e Thiago Bispo 443
Salvar aquele que no futuro poderá te matar, só mesmo sendo hipócrita e imbecil para
tomar essa decisão. Se tiver um cachorro e um bandido precisando de ajuda para não
morrer, é óbvio que salvarei o cachorro. #BandidoBomÉBandidoMorto
Alguém sabe dizer quando vai ter operação novamente? Quero comprar mais fogos!
Esse BOSTA chama BANDIDOS de vítimas! Pena que não foram 250! #CPFCancelado
Queremos mais!!#FaxinaDoJacarezinho
O desgraçado do cara entra para o tráfico e a mamãezinha dele chora dizendo que
o filhinho dela tinha apenas 25 aninhos... Viveu foi muito! #FaxinaDoJacarezinho
Conclusões
Este trabalho teve como objetivo analisar o discurso de ódio no Twitter
relacionado a ação policial no Jacarezinho ocorrida em maio de 2021, ten-
do como marcadores as hashtags contendo discursos de ódio e/ou de apoio
a violência policial. Os resultados demonstraram a utilização de pautas com
discursos odiosos que despertam atitudes hostis nas pessoas que interagem
com tais conteúdos, trazendo demonstrações de endosso a violência e exter-
mínio de grupos minoritários por questões de ideologia e identificação com
grupo. Foi ainda identificado um ideário conservador-reacionário e autoritária
articulado entre si, com o intuito de estimular e naturalizar um ambiente de
incivilidade, utilizando comportamentos característicos de grupo que ameaçam
as instituições democráticas, negando direitos humanos e chancelando imagens
Capítulo 21 – Charles de Souza, Marcus Lima, Luiz Souza, Hendrik Macedo e Thiago Bispo 445
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448 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Considerações finais
Estar endividado já é um fenômeno corriqueiro no cotidiano dos brasilei-
ros, elemento que amplia as possibilidades de consumo, bem como, é capaz de
afetar a qualidade de vida do sujeito caso haja dificuldades em realizar os pa-
gamentos. Uma das chaves para compreender e intervir nestes casos que trazem
prejuízos é investigar a amplitude do cenário, entendendo as particularidades
das decisões que os indivíduos tomam diariamente, os processos psicológicos e
sociais que perpassam as ações.
É importante salientar que a produção de estudos fornece subsídio e funda-
mentação para o desenvolvimento de políticas públicas com um viés interventivo.
Para alguns casos mais específicos de endividamento há uma limitação maior
de trabalhos, como por exemplo os casos de financiamento estudantil citados
na seção anterior, assim como, a leitura de componentes econômicos sob ótica
da Psicologia. Um caminho tímido, mas com contribuições significativas, que
deve cada vez mais ser incentivado.
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468 Seção II – Psicologia Social e Sociedade
Organizadores
André Faro. Docente da Graduação e do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Pós-Doutor em Saúde
Pública e Saúde Mental pela Johns Hopkins University (Bloomberg School of
Public Health) (2017-2018) e Doutor em Psicologia pela Universidade Federal
da Bahia (2008-2010). Pesquisador CNPq – Nível 2.
Autores
André Faro. Docente da Graduação e do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Pós-Doutor em Saúde
Pública e Saúde Mental pela Johns Hopkins University (Bloomberg School of
Public Health) (2017-2018) e Doutor em Psicologia pela Universidade Federal
da Bahia (2008-2010). Pesquisador CNPq – Nível 2.