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CONTEMPORANEIDADE E
PRÁTICAS PSICOLÓGICAS
NO CONTEXTO
BRASILEIRO
Carla Fernanda de Lima,
Cyntia Mendes de Oliveira
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima
Flávia Marcelly de Sousa Mendes da Silva
Organizadoras
IDENTIDADE,
CONTEMPORANEIDADE E
PRÁTICAS PSICOLÓGICAS
NO CONTEXTO
BRASILEIRO
2018
Reitor
Prof. Dr. José Arimatéia Dantas Lopes
Vice-Reitora
Profª. Drª. Nadir do Nascimento Nogueira
Superintendente de Comunicação
Profª. Drª. Jacqueline Lima Dourado
© Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes da Silva
1ª edição: 2018
Revisão
Francisco Antonio Machado Araujo
Editoração
Francisco Antonio Machado Araujo
Diagramação
Wellington Silva
Capa
Mediação Acadêmica
Editor
Ricardo Alaggio Ribeiro
E-Book.
ISBN: 978-85-509-0399-6
CDD: 150.724
Bibliotecária Responsável:
Nayla Kedma de Carvalho Santos CRB 3ª Região/1188
COMITÊ CIENTÍFICO
PARTE 1
PSICOLOGIA CLÍNICA
O CONCEITO DE MÃE SUFICIENTEMENTE BOA DE WINNICOTT E OS
DESDOBRAMENTOS DE SUA FALHA NA SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS.........................32
Luana Ferreira Pinheiro Mantovan
Síntia de Fátima Ascêncio
Eloisa Sorero Jacomini
HOMEM, SEM TRABALHO E SEM RENDA: ESTUDO DE CASO CLÍNICO SOB O ENFOQUE
JUNGUIANO........................................................................................................................81
Ísis Fabiana De Souza Oliveira
Liliana Liviano Wahba
ADOECIMENTO DOCENTE...............................................................................................363
Rebeca Castro Santiago
Luís Sávio Veras Lima
Pedro Ivo Rocha Menezes
Rita Carla Matos Maciel
PARTE 2
PSICOLOGIA SOCIAL
TEMAS TRANSVERSAIS
A PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE A VIOLÊNCIA ENTRE UNIVERSITÁRIOS E NA
UNIVERSIDADE: UMA REVISÃO DE LITERATURA............................................................709
Fillipe Rodrigues Santos Pereira
Nathalia Souza Oliveira
Polyanna Bittencourt Correia
VIDAS NA RUA: A CONCEPÇÃO DE CASA PARA OS USUÁRIOS DO CENTRO POP .......... 760
Hilana Sousa Ferreira
Sandra Alves Cavalcante
Francisco Jairo Linhares
Anne Graça de Sousa Andrade
POLÍTICAS PÚBLICAS
PRODUÇÃO DE CUIDADO EM SAÚDE MENTAL SOB A ÓTICA DE PROFISSIONAIS DA
ATENÇÃO BÁSICA............................................................................................................. 811
Francisca Maira Silva de Sousa
A
presente obra é fruto de pesquisas empíricas e bibliográficas que correspondem
aos trabalhos apresentados no I Congresso de Psicologia Brasileira, realizado
entre os dias 26 e 29 de abril de 2018, na cidade de Parnaíba, Piauí. O referido
evento reuniu pesquisadores, docentes, profissionais, estudantes e a comunidade em geral,
interessados em dialogar acerca da temática central do congresso, que corresponde a “Identidade,
contemporaneidade e práticas psicológicas no contexto brasileiro”.
Partindo de um olhar interdisciplinar, o I Congresso de Psicologia Brasileira teve como
principal objetivo promover uma reflexão acerca das práticas em Psicologia a partir do encontro
potencial com os limites e as possibilidades que caracterizam o contexto brasileiro, tendo em
vista a aplicação dos saberes no campo prático. Nesta direção, buscou-se conhecer e valorizar
o trabalho e investigação de profissionais e pesquisadores, das mais diferentes áreas, acerca dos
desafios encontrados no exercício do pensar a prática psicológica de forma interdisciplinar na
atualidade.
O livro IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS NO
CONTEXTO BRASILEIRO, que em sua essência aborda temáticas sob uma perspectiva psicológica,
possui caráter interdisciplinar, com o intuito de promover um amplo diálogo de saberes e práticas
que versem sobre a educação, o trabalho, saúde, meio ambiente, economia, questões sociais e
políticas contemporâneas. Assim, a presente obra está organizada em três partes, que, por sua vez,
agrupam capítulos em torno dos eixos temáticos que estruturam as atividades que constituíram
o evento realizado.
Dessa maneira, acreditamos que a organização do livro a partir dos eixos temáticos
abordados no I CPBr garante uma ampla discussão à medida que possibilita uma maior aproximação
entre textos que abordam construtos semelhantes ou que se complementam, facilitando a busca
de conteúdo e, portanto, incentivando, promovendo e apoiando a pesquisa.
Considerando a relevância do evento para a construção de uma psicologia genuinamente
brasileira, acreditamos que a presente obra representa um importante elemento de apoio ao
processo de construção de práticas psicológicas e de pesquisa cada vez mais contextualizadas
com as necessidades de nosso país.
Dessa maneira, com muita satisfação, disponibilizamos por meio deste livro os trabalhos
completos apresentados durante o evento para que a comunidade tenha acesso aos conhecimentos
compartilhados, e espera-se servir de subsídio para todos, tanto na vida acadêmica e profissional
quanto ao exercer seu papel de cidadão na sociedade como um todo.
Aproveitem a oportunidade e boa leitura.
Comissão Organizadora!
EIXOS TEMÁTICOS:
• PSICOLOGIA CLÍNICA
• PSICOLOGIA DA SAÚDE, ÉTICA E BIOÉTICA E
PSICOLOGIA HOSPITALAR
• PSICOLOGIA DO TRABALHO E PSICOLOGIA
ORGANIZACIONAL
EIXO TEMÁTICO
PSICOLOGIA CLÍNICA
O CONCEITO DE MÃE SUFICIENTEMENTE BOA DE
WINNICOTT E OS DESDOBRAMENTOS DE SUA FALHA
NA SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS
Luana Ferreira Pinheiro Mantovan
Síntia de Fátima Ascêncio
Eloisa Sorero Jacomini
Introdução
A
relação da mãe com o bebê, nos primeiros meses de vida, é de suma importância
para garantir sua sobrevivência, sendo essa interação, também a base para a
constituição psíquica do bebê.
A demanda do bebê neste momento vai além de cuidados de higiene pessoal e alimentação,
espera – se que a mãe consiga transmitir ao recém-nascido, afetividade, permitindo através do colo
e da amamentação, a diminuição das ansiedades persecutórias do bebê, a fim de que este se sinta
seguro e vá desenvolvendo nesta relação elementos sadios para construção de sua personalidade.
(Winnicott, 2001)
Winnicott foi o fundador da psicanálise de crianças na Grã-Bretanha, antes da chegada
a Londres de Melanie Klein. No centro do intenso conflito entre Anna Freud (que tinha uma
concepção “pedagógica” da psicanálise de crianças) e Melanie Klein (cuja prática clínica era
centrada nos jogos e na observação das psicoses primitivas, segundo ela presentes em todas as
crianças), Winnicott foi afirmando sua independência. (Chinalli, 2017)
Chinalli (2017) afirma que embora admirasse Melanie Klein, com quem se submeteu a
uma supervisão, entre 1935 e 1941, recusou-se a cumprir suas exigências. Assim, quando ela quis
obrigá-lo a analisar seu filho Erich, para ela mesma supervisionar o tratamento, ele aceitou ser o
analista do garoto, mas sem nenhum tipo de supervisão. Contudo, foi no grupo kleiniano que ele
e sua esposa se agregaram, sendo fortemente influenciados por Klein.
Segundo Klein (1981), a ansiedade persecutória é a fantasia de o ódio e a agressividade
direcionados ao seio mau, (a mãe ou ambiente que frustra), na posição esquizoparanóide
do desenvolvimento infantil kleiniano. Relacionada ao medo do bebe de sofrer ataques ou
perseguições. A posição esquizoparanóide é a fase mais primitiva do desenvolvimento infantil,
onde o bebê expressa dois sentimentos básicos: amor e ódio.
Levando em consideração que todo ser possui um potencial vital que o impulsiona ao
desenvolvimento, como algo essencial do ser, observa-se que essa primeira relação possibilita o
amadurecimento emocional do bebê, uma vez que envolve a mãe e o meio ambiente constante e
facilitador (Winnicott,1960/1983).
Como meio facilitador, Winnicott compreende o ambiente que oferece estímulos necessários
para a construção de um self independente. Uma vez que o ambiente não cumpriu seu papel
criança fica vulnerável a recursos mínimos de desenvolvimento. (Valler, 1990).
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O meio não se refere a condições financeiras, apesar dessa, permitir melhores condições
e mais possibilidades. O termo meio facilitador está relacionado a um contexto contingente
que oferece a criança os recursos perceptivos necessários para que ela vá criando a sua própria
identidade, assim como se desvinculando e mudando sua percepção sobre os objetos relacionais
(Winnicott, 1999).
Sabe – se que atualmente a demanda de crianças que chegam aos serviços de saúde
apresentando distúrbios de condutas e que sugerem falhas no desenvolvimento psicossocial
vem aumentando consideravelmente, assim como outros distúrbios advindos da fragilidade da
constituição e sustentação psíquica, carecendo não só de novos olhares acerca deste problema,
mas também de pensarmos em prevenção. (Cambuí, Neme & Abraão, 2016).
O objetivo deste artigo é através da revisão bibliográfica checar se à mãe suficientemente boa
é capaz de proporcionar o desenvolvimento saudável da personalidade do indivíduo na infância.
A fim de identificar métodos de prevenção em saúde mental de crianças e consequentemente em
adultos.
Método
Resultados
Discussão
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Podendo acarretar como consequência o congelamento do processo de amadurecimento
pessoal, ou interrupções do estabelecimento do self, através de experiências traumáticas,
ocasionando rupturas na personalidade do indivíduo. (Winnicott, 1983).
Na tentativa do self em reestabelecer a homeostase, conforme Jacques (2001) surge uma
organização defensiva cujo objetivo é proteger o verdadeiro eu.
Dentro deste contexto a homeostase é uma forma que o ego imaturo e incapaz de lidar com
a realidade tem, com a função de evitar invasões, assim permitindo a continuidade do ser, mas
para isto, utilizando fortes defesas. (Jacques, 2001).
Segundo Vilete, este seria o caminho para estabelecimento de patologias primitivas, como
o falso self, os quadros esquizoides, as psicoses e as personalidades borderlines. (Vilete, 2002).
Se o ambiente fornece cuidados satisfatórios e se mostra capaz de reconhecer, aceitar e
integrar essa manifestação do bebê, a fonte de agressividade que, no inicio do desenvolvimento
está ligada a motilidade e parte do apetite, torna-se integrada à personalidade total do indivíduo
e será elemento central em sua capacidade de relacionar-se com outros, de defender seu território,
de brincar e trabalhar. (Winnicott, 1958b).
Se não for integrada, a agressividade terá que ser escondida (timidez, autocontrole),
personalidade esquizoide. Ou cindida, ou ainda poderá redundar em comportamento antissocial,
violência ou compulsão à destruição (Dias, 2000).
Winnicott (1986/1971) vai além, segundo ele, comportamentos antissociais derivam da
perda de uma experiência boa com um objeto, por tempo maior que a criança pudesse recordá-la,
assim gerando uma quebra na continuidade da experiência. Tal processo ocorreria no momento
do enraizamento libidinal e agressivo do ID, tendo como resultado os comportamentos de furto
e agressividade.
No furto há a busca libidinal pela experiência perdida, já no comportamento destrutivo
a busca é por um ambiente estável e confiável que seja capaz de conter a tensão originada da
impulsividade, permitindo maior liberdade de movimentos da criança (Winnicott, 1999).
Londero e De Souza (2015) corroboram com ideia da importância do ambiente estável e
facilitador para a prevenção de quadros antissociais.
Foi possível observar com a pesquisa, que há uma íntima relação entre os cuidados na
primeira infância e o desenvolvimento psicológico em crianças e adultos.
Podemos dizer que um cuidado é suficientemente bom quando ele proporciona a integração:
conseguir se localizar no tempo e espaço, a personalização: percepção de si mesmo e a realização:
inicio das relações objetais saudáveis com meio. (Dias, 2003).
Sendo assim, a saúde mental do indivíduo adulto tem suas bases originadas na primeira
infância pela mãe, através do fornecimento de elementos para que os processos complexos mais
essenciais ao “eu” do bebê completem-se (Winnicott, 1948).
A pesquisa foi capaz de evidenciar que as origens de patologias como as psicoses, o falso
self, os quadros esquizoides, as personalidades borderlines e os comportamentos antissociais,
estão nas primeiras relações do bebê com sua mãe e o ambiente que o cerca.
Acreditamos que a prevenção é o melhor caminho para a constituição de crianças e adultos
saudáveis, desta forma, investir em políticas que levem em consideração a importância desse
primeiro cuidado, seria um caminho rumo à promoção de saúde mental na comunidade.
Referências
Cambui, H., Neme, C., M., B. & Abrãao, J., L., F. (2016). A constituição subjetiva e saúde mental:
contribuições winnicottianas. Ágora, Rio de Janeiro, 19, 131-145, Apr. 2.
Chinalli, Miriam. (2017) Donald Winnicott e a interação entre o bebê e seu meio ambiente. Doi:
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
do desenvolvimento emocional. Trade. M. B. Cipolla. Porto Alegre: Artmed. (1959-64). “Classificação:
existe uma contribuição psicanalítica a classificação psiquiátrica. ”, 114-127.
Winnicott, Donald, Woods. (1983). O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria
do desenvolvimento emocional. Trad.M.B.Cipolla. Porto Alegre: Artmed.
Winnicott, Donald, Woods. (1986/1971). Tudo começa em casa / D. W. Winnicott; tradução
Paulo Sandler. – 4º Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Winnicott, Donald, Woods. (1990). O ambiente e os processos de maturação. Porto alegre: Artes
Médicas.WINNICOTT, Donald Woods. A criança e o seu mundo. 6.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2017.
Publicado originalmente em 1957, 1964.
Winnicott, Donald, Woods. (1999). A tendência anti-social. Em Privação de delinquência. (A. Cabral,
Trad. (pp.1935-147). São Paulo: Martins Fontes (Originalmente publicado em 1948).
Winnicott, Donald, Woods. (2000). Da pediatria à Psicanálise: Obras escolhidas. Trad.D. Bogomoletz.
Rio de janeiro: Imago.
Winnicott, Donald, Woods. (2001). A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins
Fontes.
Introdução
D
e acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) os fenômenos
psicopatológicos não são perturbações mentais que apenas variam na escala da
normalidade; para que seja classificada como perturbação é necessário que essa
anormalidade seja recorrente ou contínua, trazendo prejuízos para o indivíduo e para os que com
ele convivem.
A OMS (2002) menciona que tanto a identificação quanto o diagnóstico de uma perturbação
mental são feitos da mesma forma de uma doença física: realização de anamnese, testes e exames
clínicos. Também relata que a normatização de sinais e sintomas, o desenvolvimento de entrevistas
estruturadas e a criação de parâmetros internacionais para o diagnóstico no qual é possível
fazer perguntas padronizadas e obter respostas codificadas proporcionou a realização segura
do psicodiagnóstico. Desse modo, a OMS (2002) alega que é possível identificar um transtorno
psicológico da mesma maneira que se pode identificar alguma doença física comum.
Para tal, são utilizados principalmente dois manuais de critérios diagnósticos: o DSM –
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – desenvolvido pela APA (American Psychological
Association) e o CID – Classificação Internacional de Doenças – elaborado pela OMS (APA, 2014). O DSM
. . . se propõe a servir como um guia prático, funcional e flexível para organizar informações que
podem auxiliar o diagnóstico preciso e o tratamento de transtornos mentais. Trata-se de uma
ferramenta para clínicos, um recurso essencial para a formação de estudantes e profissionais e
uma referência para pesquisadores da área. (APA, 2014, p. 42).
Durante 60 anos, o DSM passou por várias edições e agora está em sua quinta versão,
sua classificação é compatível com o CID; de modo que ambos possuem a mesma designação
diagnóstica e codificação alfanumérica (APA, 2014).
Contudo, há controvérsias quanto a eficácia de um diagnóstico feito a partir da categorização
de critérios estatísticos. Tanto Werneck (2012) quanto Caponi (2014) criticam o diagnóstico
baseado no DSM alegando que este preocupa-se mais com o quadro sindrômico do transtorno
do que com a sua etiologia, dessa forma ao se caracterizar como estatístico e ateórico, o DSM
passou a “... definir as patologias psiquiátricas por referência a agrupamentos de sintomas, o
que acarretou a desconsideração das narrativas dos pacientes, das histórias de vida, das causas
sociais e psicológicas específicas que podem ter provocado determinado sofrimento psíquico ou
determinado comportamento” (Caponi, 2014, p. 744).
Pardo e Álvarez (2007), ao fazerem uma crítica ao crescente surgimento de novos transtornos
psicológicos, revelam que houve um aumento maior que 200% de categorias diagnósticas desde o
lançamento do DSM-I em 1952 para o DSM-IV TR em 2000.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Diante disso fica a questão: como poderia ser feito um diagnóstico em psicopatologia que
não atendesse somente aos padrões dos manuais estatísticos? Destarte, esse trabalho intenciona
evidenciar a contribuição do médico psiquiatra e filósofo da existência Karl Jaspers (1883-1969)
para a psiquiatria e psicopatologia, no qual há mais de um século atrás introduziu o método
fenomenológico para direcionamento da atenção do médico à história de vida e aos relatos
autobiográficos do paciente para que assim fosse construído um diagnóstico seguro.
Desse modo, a partir da leitura de textos que compõem a obra de Karl Jaspers bem como de
outras pessoas que têm estudos voltados para o filósofo e para psicopatologia fenomenológica,
apresentaremos o modo de Jaspers compreender a existência humana, apontaremos a sua crítica
ao objetivismo científico presente na psicopatologia e o método que ele utilizava para elaboração
do diagnóstico.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método Fenomenológico em Psicopatologia
Jaspers considera a ciência diferente da filosofia e aponta que o equívoco de Husserl é
não demarcar limites entre ambas. Se o interesse primordial de Husserl foi tentar estabelecer a
fenomenologia como uma filosofia rigorosa que fundamente todas as ciências, para Jaspers a
fenomenologia é uma ciência empírica cujo método é útil para descrever rigorosamente as vivências
subjetivas dos pacientes. Apesar das duas concepções serem diferentes, elas possuem em comum
o esforço em realizar a epoché (suspensão temporária dos pré-julgamentos) e atentar apenas para
o fenômeno que aparece (Figueroa, 2000; 2008; Ivanovic-Zuvic, 2000). Carvalho (2013) ressalta
que Karl Jaspers:
Emprega o método fenomenológico para descrever os fatos psicológicos, trata-se de
procedimento concreto para tratar a totalidade da existência e seu significado último. O valor do
método se revela na objetividade que propicia no estudo da consciência, convertendo-a em objeto
que pode ser experimentado pelo terapeuta. Porém isto não é tudo, ao tomar ciência do objeto da
consciência do outro, o terapeuta passa a entender o mundo dele, perceber como ele se articula
psicologicamente (Carvalho, 2013, p. 11).
No método fenomenológico, Jaspers aproxima-se mais da psicologia descritiva apresentada
no primeiro Husserl1, assim, o médico não se detém à intuição das essências, por considerar a
necessidade de seu método ser empírico. A descrição fenomenológica
Con rigor describe de acuerdo a categorias sistemáticas y comparaciones contrastantes y,
aunque se restringe a fenómenos aislados os únicos, puede abarcar totalidades como la conciencia
psicológica. Pero hay que ser cuidadoso. La descripción rigurosa es altamente compleja: diferencia,
delimita, confronta, pone en relación, señala, comprueba, fija en términos exactos, unívocos y
puntuales sus hallazgos (Figueroa, 2008, p. 226).
O que deve ser descrito são as vivências psíquicas do paciente, desse modo, é importante
atentar em como esse paciente vivencia, expressa e se coloca diante do que ele relata. Assim
sendo, o profissional deve adotar uma atitude fenomenológica, ou seja, pôr temporariamente
em suspensão toda teoria, por mais que ela pareça justificável no momento, além de se abster de
formular hipóteses e interpretações. Dirigir-se aos dados da consciência, abdicando-se de explicar
o que pode aparecer (Jaspers, 1960/1989).
Em um primeiro momento isso pode parecer um prejuízo para o investigador, porém é
através desse constante esforço que é possível alcançar a pureza da descrição preconizada pela
fenomenologia (Ivanovic-Zuvic, 2000).
Para Stubbe (1985), o principal mérito de Jaspers foi colocar o método fenomenológico
como alternativa em um contexto no qual a psicologia objetiva era dominante e assim,
desenvolver uma psicopatologia calcada em três princípios fundamentais: 1. Não se pode obter
um conhecimento total do homem; 2. Existem fenômenos concernentes à alma humana que
não podem ser apreensíveis pelo método experimental e; 3. Há diferença entre compreensão da
vivência e explicação causal.
1 A obra de Edmund Husserl (1859-1938) é dividida em Primeiro e em Segundo Husserl, o Primeiro Husserl refere-se
ao momento inicial do desenvolvimento da Fenomenologia em que este filósofo tinha como principal preocupação
superar o Psicologismo, para isso, desenvolveu uma psicologia descritiva que tem como objetivo descrever de
forma pura a realidade concreta do sujeito. O Segundo Husserl se dá a partir de 1936 com a publicação de “A crise
da humanidade europeia e a filosofia”, nesse momento Husserl retirou a tentativa de superação do Psicologismo
de sua teoria, asseverou a importância da redução eidética e transcendental e lançou o conceito de mundo-da-
vida, conceito este que serviu de fundamento para as filosofias da existência do início do século XX (Porta, 2012).
É evidente que o método jasperiano é complexo porque exige do profissional uma atenção
mais rigorosa dispensada à pessoa que está diante dele, uma não-padronização de pacientes,
considerar cada um como sujeito único no mundo. Dessa maneira, é difícil pensar na similaridade
entre diagnosticar um transtorno psicológico (uma psicose ou depressão) e uma doença física
como, por exemplo, o diabetes.
A fenomenologia, introduzida em psicopatologia através de Jaspers, é uma atitude e um
método de rigor para captação da essência dos fenômenos, entende-se por fenômeno aquilo
que se mostra à consciência. Assim, através da fala, que é uma das manifestações do corpo do
existente, o profissional tem a possibilidade de captar o que estrutura o modo de ser-no-mundo
desse paciente.
A psicopatologia de Karl Jaspers não condiz com o diagnóstico baseado em manuais
estatísticos justamente porque segundo ele, o sintoma e a sua categorização não são os mais
importantes, pois para Jaspers seria mais relevante dirigir-se para a relação do homem com
e no mundo, como ele compartilha o seu modo de viver com o outro e como ele lida com as
circunstâncias da vida. Logo vemos com este psiquiatra e filósofo a possibilidade de resgatar uma
nova maneira de olhar o paciente.
Com o método de investigação proposto por Jaspers é possível que haja menos diagnósticos
de “perturbações mentais”. Atualmente, qualquer pessoa que tenha acesso ao DSM-V poderá
encaixar-se em algum tipo de transtorno, devido ao excesso de categorizações diagnósticas
presentes nesse manual. Dessa maneira, pessoas que possivelmente tenham de fato algum tipo de
transtorno psicológico podem ficar sem a atenção necessária por parte da rede de atendimento
voltada à saúde mental por causa do grande número de atendimento a pessoas que possuem um
diagnóstico que deve ser questionado.
Para isso a filosofia de Jaspers é importante porque nos faz perceber que a angústia diante
das limitações é constituinte da existência humana, pois possibilita ao homem dar um significado
à sua vida. Dessa maneira, o fato de tudo ser caracterizado como transtorno pode na verdade ser
o abafamento dessa angústia em favor de uma busca idealista de normalidade e felicidade, com o
objetivo de não querer lidar e nem se responsabilizar com os fracassos que são próprios da existência.
À vista disso, deve-se levar em conta que o modo de ser-no-mundo de uma pessoa não
precisa necessariamente ser igual ao dos demais e isso não implica algum tipo de adoecimento.
Assim, a partir da compreensão de existência humana segundo Jaspers, as situações que permeiam
a vida do existente não lhe retiram a sua liberdade, logo o profissional poderá ser um facilitador
no sentido de mostrar ao paciente novas possibilidades de existir no mundo para que assim,
ele exerça da sua liberdade para efetuar escolhas que tenham significado para sua vida, mesmo
diante das limitações que lhe são impostas.
Referências
Carvalho, J. M. (n.d.). Karl Jaspers, um olhar fenomenológico sobre a criação artística. Recuperado de:
http://sites.unifra.br/Portals/1/ARTIGOS/ARTIGOS/Karl%20Jaspers,%20um%20olhar%20
fenomenol%C2%A2gico%20sobre%20a%20cria%E2%80%A1%C3%86o%20art%C2%A1st.pdf.
42 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Carvalho, J. M. (2006). Filosofia e psicologia: o pensamento fenomenológico-existencial de Karl Jaspers.
Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
Carvalho, J. M. (2013). Percurso fenomenológico. Revista Estudos Filosóficos, 10, 1-15. Recuperado
de http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/art1-rev10(1).pdf.
Figueroa, G. (2000). La Psicopatología general de K. Jaspers en la actualidad: fenomenología,
comprensión y los fundamentos del conocimiento psiquiátrico. Revista chilena de neuro-psiquiatría, 38,
167-186. Recuperado de https://dx.doi.org/10.4067/S0717-92272000000300005.
Jaspers, K (1965). Introdução ao pensamento filosófico (4a. ed.; L. Hegenberg & O. S. Mota, Trads.).
São Paulo: Cultrix.
Jaspers, K. (1989). Ciência e verdade (A. Abranches, Trad). O que nos faz pensar, 1. 104-117.
Recuperado de http://www.oquenosfazpensar.com/adm/uploads/artigo/traducao_carl_jaspers_
ciencia_e_verdade/n1carl.pdf. (Trabalho original publicado em 1960).
Jaspers, K. (1998). O médico na era da técnica (J. T. Proença, Trad.). Lisboa: Edições 70. (Trabalho
original publicado em 1986).
Melo, F. A. (2012). Para uma filosofia da transcendência em Karl Jaspers. Revista Estudos Filosóficos,
8, 51-60. Recuperado de www.ufsj.edu.br/portal2.../File/revistaestudosfilosoficos/art4_rev8.pdf.
Organização Mundial da Saúde (2002). Relatório mundial da saúde. Saúde mental: nova concepção, nova
esperança. Recuperado de www.who.int/whr/2001/en/whr01_djmessage_po.pdf.
Pardo, H. G. & Alvaréz, M. P (2007). La invención de trastornos mentales. Madrid: Alianza Editorial.
Stubbe, H. (1985). Karl Jaspers como psicólogo. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 37, 106-118.
Recuperado de http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/abp/article/view/19343/18085.
A
identificação de plataformas de dados que sediam informações de grupos
de pesquisa e de pesquisadores brasileiros contribui na ampliação da rede de
pesquisadores e divulgação de pesquisas sobre a adolescência/juventude. Este
trabalho vincula-se à linha de pesquisa “Psicologia e processos psicossociais” do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, mais especificamente junto
às pesquisas desenvolvidas no Grupo de Pesquisa/CNPq “Epistemologia e a Ciência Psicológica”.
Busca-se desenvolver metodologias de pesquisa críticas sobre a produção de conhecimento
científico em Psicologia. Para isso, são construídas metodologias que viabilizem retomar a
produção de conhecimento científico e tomá-lo como fonte de pesquisa (Oliveira & Bastos, 2014;
Trancoso & Oliveira, 2016).
Nesse sentido, realiza estudos das relações históricas que dão suporte a produção de
conhecimento. Assim, revisitar os grupos de pesquisa científica, como se estabeleceram, quem são
seus pesquisadores e quais são seus estudos, podem contribuir para investigações acerca da Psicologia
Brasileira. Pretende-se assim auxiliar no fortalecimento de ações integradas para o desenvolvimento
de pesquisas interinstitucionais no ambiente brasileiro e investigações integradas entre as ações da
rede de pesquisadores sobre a adolescência/juventude em diferentes universidades.
Corrobora-se que a adolescência se constitui como uma fase do desenvolvimento humano
e tem um longo percurso de construção como categoria de análise. Buscaram-se fundamentos
biológicos, com o objetivo de encontrar critérios generalizáveis que determinasse essas mudanças
percebidas nos indivíduos. Esse aspecto universal foi marcado pela puberdade, que seria o fenômeno
biológico pelo qual todos os seres humanos passariam no percurso entre a infância e a chegada a
vida adulta. No entanto, contrária a essa concepção universalizante, o trabalho de Mead (1984),
antropóloga norte-americana, foi um marco na desconstrução da adolescência como uma categoria
universal. A partir de seus estudos, Mead (1984) concluiu que a puberdade pode se caracterizar
como um fenômeno universal, contudo a adolescência não, sendo essa marcada por tensões de
caráter psíquico que vão além de mudanças fisiológicas (Carneiro, Ribeiro & Ippolito, 2015).
Nesse sentido, o intuito desse trabalho é apresentar uma descrição dos grupos e pesquisadores
que se dedicam ao estudo de adolescência, por meio da Plataforma - Diretório de Grupos de
Pesquisa do CNPq.
44 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método
Utilizou-se como instrumento para coleta de dados o Diretório dos Grupos de Pesquisa no
Brasil (DGP), uma plataforma online que reúne informações sobre os recursos humanos dos grupos
de pesquisa de brasileiros. Tais grupos estão localizados em universidades, instituições de ensino
superior com cursos de pós-graduação strictu sensu, institutos de pesquisa científica e institutos
tecnológicos (Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil [DGP], 2017). Na sistematização da
busca foram estabelecidas as seguintes etapas: etapa de exploratória, etapa de consulta, etapa de
armazenamento e tratamento de dados, conforme coordenadas metodológicas desenvolvidas em
estudos de metassíntese (Oliveira & Bastos, 2014).
A etapa exploratória refere-se à escolha da plataforma online que será utilizada na pesquisa
e na exploração dos recursos que esta disponibiliza. Nessa etapa, foi escolhido o DGP, devido à
possibilidade que o mesmo oferece de reunir os grupos de pesquisa de todo o Brasil. Na etapa de
consulta, as buscas foram realizadas no mês de maio e junho de 2017. Utilizaram-se os seguintes
descritores: Adolescência, Adolescências, Adolescente, Adolescentes, Jovem, Jovens, Juventude,
Juventudes. A busca pelos grupos se deu por meio de pares de descritores e realizado o processo
de cruzamento para excluir duplicações de resultados. Filtros utilizados: “Grupo”, “Nome do
grupo”, grupos certificados e não-atualizados, “Ciências Humanas” e “Psicologia”.
Assim, ao final da etapa de consulta, foram obtidos 26 grupos para realizar a análise e
o descritor “Adolescência” mostrou maior predominância e está presente em 14 dos grupos
identificados, como se pode observar, de forma sistematizada, na Tabela 1:
Tabela 1
Etapa de Consulta
Descritores Quantidade de grupos
Adolescência 14
Adolescentes 6
Juventude 4
Jovens 2
Adolescente 1
Adolescências/Juventudes/Jovem 0
Exclusão de duplicações -1
Total de grupos 26
Nota. Fonte: Autores, 2017.
Pode-se perceber que entre os anos de 2011 e 2014 houve maior número de grupos formados,
ver Figura 1. Sobre o ano de formação, em 2013 foram formados 4 grupos; em 2011, 2012 e 2014
foram formados 3 grupos em cada ano; em 2006, 2007, 2009 e 2016 foram formados 2 grupos
em cada ano; em 1992, 1997, 1998 e 2017 foi formado 1 grupo em cada ano.
Em relação aos grupos identificados, por meio dos descritores, podemos afirmar a existência
de 14 grupos “Adolescência, Adolescências”. Sobre a situação do grupo, 10 grupos são certificados,
2 são certificados e não atualizados a mais de 12 meses, 1 grupo está em preenchimento e 1 grupo
foi excluído. Sobre a localização geográfica das instituições com esse descritor, Rio de Janeiro e
Rio Grande do Sul apresentam 3 grupos cada estado. Paraná e Tocantins apresentam 2 grupos
cada um. Paraíba, Mato Grosso do Sul, Pará, Bahia apresentam um grupo cada. As instituições
são públicas, com exceção de uma, a qual é privada e de caráter confessional.
O primeiro grupo com o descritor “adolescência” foi criado em 1992, denominado “Infância,
adolescência, família e sociedade”, na Universidade Federal do Paraná. O qual ainda permanece
ativo e a situação do grupo é “certificado”. O grupo mais recente foi criado em 2017, denominado
“VIA-Redes (Violência, Infância, Adolescência e Redes de proteção e de atendimento) ”, na
Faculdade Meridional.
Com os descritores “Adolescente, Adolescentes” foram obtidos 7 grupos. O grupo com o
descritor “Adolescente”, denominado “Psicologia da saúde e desenvolvimento da criança e do
adolescente”, foi formado em 2014 na Pontifícia Universidade Católica de Campinas e apresenta
o status “certificado”. Entre os grupos com o descritor “Adolescentes”, o primeiro foi fundado em
2002, na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, denominado “Desenvolvimento
sociomoral de crianças e adolescentes” e apresenta o status “em preenchimento”. O grupo mais
recente foi criado em 2016 na Universidade de São Paulo, denominado “Automutilação em Pré
Adolescentes e Adolescentes - Estudo e Intervenção” e apresenta o status “certificado”.
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Sobre o ano de formação, com os descritores “Adolescente, Adolescentes”, no ano de 2014
foram criados 2 grupos. Sobre a situação do grupo, 4 grupos são certificados, 1 é certificado e
não atualizado a mais de 12 meses, 1 grupo está em preenchimento e 1 grupo foi excluído. No
que se refere à localização geográfica das instituições, Rio de Janeiro e São Paulo apresentam 3
grupos cada estado. Rio Grande do Sul possui um grupo. Sobre o tipo de instituição, apenas uma
instituição é privada.
A busca com os descritores “Jovem, Jovens” apresentou 2 grupos que apresentam a mesma
líder e são da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Não houve resultados com o descritor
“Jovem”. O primeiro grupo foi formado em 2013, intitulado “Circulando e traçando laços e
parcerias: atendimento para jovens autistas e psicóticos - do circuito pulsional ao laço social” e o
segundo em 2014, “Circulando entre invenções: um novo dispositivo clínico com jovens autistas e
psicóticos”. Os dois grupos apresentam o status “certificado”.
Os descritores “Juventude, Juventudes” apresentaram 4 grupos. Todos os grupos apresentam
apenas o descritor “Juventude”. O primeiro grupo foi criado em 2006, na Universidade Federal do
Mato Grosso, denominado “Infância, Juventude e Cultura Contemporânea - GEIJC” e apresenta
o status “certificado”. O grupo mais recente foi criado em 2016, na Universidade de São Paulo,
“Pesquisa em Psicanálise e Interdisciplinaridade para a Infância e Juventude” e apresenta o
status “certificado - não-atualizado há mais de 12 meses”. Sobre o ano de formação, não houve
predominância quanto ao ano em que os grupos foram criados. Referente à situação dos grupos,
3 grupos são certificados e 1 grupo apresenta o status “certificado - não-atualizado há mais de 12
meses”. Sobre a localização geográfica, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará e São Paulo apresentam
um grupo cada. Sobre o tipo de instituição, apenas uma é privada.
A Figura 2 apresenta a distribuição percentual dos grupos de pesquisa por Estados brasileiros.
Sobre a situação do grupo, prevalece o status “certificado” com 69,2% (18 grupos). Sobre
os demais status, “certificado - não-atualizado há mais de 12 meses” com 15,4% (4 grupos); “em
preenchimento” com 7,7% (2 grupos) e “excluído” com 7,7% (2 grupos).
Em relação aos descritores, “Adolescência” apresentou 53,8% (14 grupos) dos resultados.
“Adolescentes” apresentou 23,1% (6 grupos), “Adolescente” com 3,8% (1 grupo); Jovens com 7,7%
(2 grupos) e Juventude com 11,5% (3 grupos).
Os 14 grupos obtidos para “Adolescência, Adolescências” foram: Infância, Adolescência,
Família e Sociedade; Núcleo de Pesquisa em Construção de Valores, Identidade e Violência na
Adolescência; Núcleo de Pesquisa para a Infância e Adolescência Contemporâneas - NIPIAC; Núcleo
de Pesquisa e Estudos sobre o Desenvolvimento da Infância e Adolescência; VIGODSKAIA - Grupo
de Estudos e Pesquisas da Adolescência na Perspectiva Histórico-Cultural; Grupo de Estudos e
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Pesquisa sobre a Infância e Adolescência; NEPEIA - Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em
Infância e Adolescência; Pesquisa Clínica e Inovação na Abordagem da Adolescência; Grupo de
Estudos e Pesquisa em Adolescência, juventude e fatores de vulnerabilidades e proteção; Núcleo
de Investigações Neuropsicológicas da Infância e Adolescência (NEURÔNIA); Núcleo de Pesquisas
e Estudos da Adolescência Contemporânea (NUPEAC); Estudos sobre Infância e Adolescência;
Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Infância e Adolescência (LEPIA); VIA-Redes (Violência,
Infância, Adolescência e Redes de proteção e de atendimento).
Os 7 grupos obtidos para “Adolescente, Adolescentes” foram: Desenvolvimento sociomoral
de crianças e adolescentes; A clínica contemporânea com crianças e adolescentes; Políticas
públicas e direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil; LEVICA - Laboratório de
estudos sobre violência contra crianças e adolescentes; Psicologia da Saúde e Desenvolvimento da
Criança e do Adolescente; Sistema de proteção a crianças e adolescentes: Pesquisas e aplicações;
Automutilação em Pré Adolescentes e Adolescentes - Estudo e Intervenção.
Os 2 grupos obtidos para “Jovem, Jovens” foram: Circulando e traçando laços e parcerias:
atendimento para jovens autistas e psicóticos - do circuito pulsional ao laço social; circulando
entre invenções: um novo dispositivo clínico com jovens autistas e psicóticos.
Por fim, os 3 grupos obtidos para “Juventude, Juventudes” foram: Infância, Juventude e
Cultura Contemporânea - GEIJC; Família e juventude: relações intergeracionais e de gênero;
Grupo de Estudos e Pesquisa em Adolescência, juventude e fatores de vulnerabilidades e proteção;
Pesquisa em Psicanálise e Interdisciplinaridade para a Infância e Juventude.
Considerando que houve a predominância dos descritores “Adolescência, Adolescências”
e “Adolescente, Adolescentes” percebe-se que, ao abordar sobre o tema da adolescência, esses
descritores são considerados mais significativos para caracterizar os grupos. Desse modo,
foi considerado pertinente fazer um recorte para apresentar as características dos grupos que
trabalham com esses descritores, conforme a Figura 4:
A Figura 4 mostra a distribuição dos grupos por Estado, referente aos descritores
“Adolescência” e “Adolescente, Adolescentes”. Referente à criação dos grupos com esses
descritores, a Figura 5 mostra a série histórica de formação dos grupos.
Figura 4. Distribuição dos grupos de pesquisa com os descritores “adolescência, adolescente, adolescentes”
por estados brasileiros.
Fonte: Autores, 2017.
Considerações finais
Referências
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investigação e intervenção de processos psicossociais. Revista de Psicologia da UFC, 8, 99-108.
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direitos. Interthesis, 12, 176-191.
Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil. (2017). O que é. Recuperado em 07 de junho, 2017 de
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no contexto da pós-graduação brasileira. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 17, 239-254.
Trancoso, A. E. R., & Oliveira, A. A. S. (2016). Aspectos do conceito de juventude nas Ciências
Humanas e Sociais: análises de teses, dissertações e artigos produzidos de 2007 a 2011. Pesquisas e
Práticas psicossociais, 11, 278-294.
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UMA ANÁLISE SOBRE O SOFRIMENTO PSÍQUICO E
SEUS MODOS DE REPRESENTAÇÃO E EXPRESSÃO NA
CONTEMPORANEIDADE
Ana Paula Aragão Lopes
Jurema Barros Dantas
Evelyn Cristina de Sousa Penas
Adryssa Bringel Dutra
Lucas dos Santos Barbosa
Roberta Nunes da Silva
Introdução
O
presente estudo voltado para a análise acerca dos diferentes modos de
apresentação e representação do sofrimento psíquico na contemporaneidade
contou, em suas duas fases, com o apoio do PIBIC/ FUNCAP E UFC, na pesquisa
que foi realizada na Clínica Escola da Universidade Federal do Ceará (UFC). Em seu primeiro
ano (2015/2016) a pesquisa levantou por meio de análises quantitavas e qualitativas 294
triagens no período de 2010 a 2015, evidenciando um grande banco de dados sobre as maiores
demandas clínicas nos últimos cinco anos, perfil do usuário da clínica-escola e possíveis casos
clínicos com diagnósticos anteriores. Em sua segunda e última fase (2016/2017), este projeto
realizou as análises qualitativas do banco de dados da pesquisa, relativo ao discurso expresso
nas triagens por parte dos usuários em relação aos significados que os mesmos conferem ao seu
sofrimento psíquico bem como incluiu em sua análise e discussão de resultados o ano de 2016
com mais 52 instrumentos. Totalizando nesse período de seis anos uma análise quantitativa e
qualitativa de 346 triagens. A presente pesquisa teve como objetivo compreender os diferentes
modos de desvelamento do sofrimento psíquico e suas enunciações no contexto da prática
clínica contemporânea. Para tanto, a pesquisa preocupou-se em tematizar o fenômeno
sofrimento psíquico e suas reverberações no contexto contemporâneo; conhecer o significado
que os usuários da Clínica-Escola atribuem ao fenômeno do sofrimento psíquico; identificar
concepções e experiências dos usuários da Clínica-Escola acerca do sofrimento psíquico e, por
fim, problematizar as questões que atravessam a experiência do sofrimento psíquico a partir de
uma discussão fenomenológica hermenêutica.
Assim, a discussão que se pretendeu aqui diz respeito a análise dos modos de desvelamento
do sofrimento psíquico e suas implicações para práxis psicológica, tomando como base
analisadora uma fenomenologia dos discursos deste sofrimento na forma de patologização do
viver cotidiano. Privilegiamos em nossa pesquisa a investigação fenomenológica por acreditarmos
que a mesma se propõe a identificar estruturas significativas, a partir da vivência cotidiana. Esta
vivência cotidiana foi investigada através do discurso expresso dos usuários do Serviço da Clínica
Escola da Universidade Federal do Ceará. Em particular, buscamos perceber quais impactos
Metodologia
Resultados
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Discussão
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indivíduos, atrelando-se a ideia vendida de felicidade a desejos produzidos socialmente. Desejos,
por vezes, inalcançáveis e que mudam com uma frequência extremamente veloz, regidos por uma
indústria muito eficaz: a midiática. Deste modo, surge nas pessoas uma eterna insatisfação, pois
as constantes promessas sempre renovadas de que o bem-estar só existirá na aquisição de bens
materiais ou na obtenção de certos padrões de beleza acaba por instaurar um sentimento de
eterna incompletude. Nessa busca pelo bem-estar, por ser aceito, pelo reconhecimento e pela
perfeição tem-se um quadro no qual as pessoas acabam sofrendo por procurarem algo que está
além da sua própria condição: o controle de todas as situações da vida.
Esta atitude acaba por predispor as pessoas ao estresse acentuado, abrindo espaço para
o aparecimento das diversas categorias diagnósticas dos chamados transtornos de ansiedade.
Ansiedade está sendo cada vez mais associada a uma condição patológica, com fobias e transtornos
de diversas ordens. É inegável que a sociedade atual, com suas exigências, vive uma rotina de
extrema angústia, abrindo espaço para que qualquer pessoa fique sujeita a paralisar de medo ou
a ter crises de ansiedades generalizadas. Temos, segundo Dantas (2011), a configuração de uma
sociedade calcada em modelos fluidos de controle da subjetividade, em prazeres descartáveis, em
relações passageiras e obsoletas. Falamos, então, de uma sociedade fluida que se caracteriza pela
descentralização, pela indivisibilidade e pela onipresença e que implica em um modo de controle
do tempo, do corpo e da vida. Vida que, por seu caráter trágico, comporta a angústia. Esta, por
sua vez, deve ser encoberta a fim de não se tornar um impedimento para as chamadas realizações
pessoais. Tem-se que o mundo atual globalizado contribui para essa situação na medida em
que coloca o homem em estado cronificado de ansiedade, diante da situação de constante
insegurança, seja no que se refere aos relacionamentos interpessoais e ao âmbito profissional, seja
pelos inúmeros casos de violência, guerras e assaltos que assolam a população e que podem vir a
desencadear uma ansiedade patológica. A cronificação desse estado ansioso gera uma ansiedade
que progressivamente se torna patológica.
A ansiedade não se configura como um mal em si ou como algo patológico, pelo contrário,
ela está diretamente ligada à própria condição humana, como um estado de alerta que protege
o organismo e que é necessário para tomada de alguma ação frente às ameaças. Percebe-se
que, geralmente, a ansiedade vem como um processo e um sintoma de busca por algo que não
aconteceu ou de uma situação desconfortável, nas quais as pessoas, de alguma forma, não se
sentem preparadas para enfrentá-la, mas sentem a eterna necessidade de tê-la sob controle, para
que todas as situações da vida aconteçam da forma que a sociedade exige. Assim, tem-se que a
própria dinâmica da contemporaneidade que exige um raciocínio rápido, uma intensa busca por
soluções práticas para os nossos problemas, que estimula a competitividade e o consumismo
desenfreado, exigindo pessoas produtivas no nível profissional, com o hábito de assumir uma
carga excessiva de responsabilidades e afazeres, exigentes consigo mesmos, não aceitando erros
ou imprevistos e com tendência a se preocupar excessivamente com problemas cotidianos, já
preenche por si só, um requisito suficiente para o surgimento de ansiedade.
Podemos perceber, ao examinar a sociedade atual e todas as sequelas advindas da
hipermodernidade, que os indivíduos de hoje se tornam membros de uma sociedade adoecida e
que o modo de vida e a forma de lidar com os problemas podem gerar novas formas de sofrimento
contemporâneo. A hipermodernidade acaba por influenciar diretamente a vida das pessoas e isso
pode ser percebida nas diversas queixas de sensações de ansiedade, mal-estar, inquietude, diante
das intensas, extensas e incertas mudanças que a sociedade provoca. Esses “transtornos”, apesar
de não surgirem na contemporaneidade, são desdobramentos da situação patológica que a vida
moderna tem, em alguma medida, ajudado a criar, o que justifica o número crescente e frequente
de pessoas em busca de tratamento nos consultórios dos especialistas.
Assim, tem-se que assistimos ao espetáculo de uma sociedade que está ansiosa por medo
da vida como ela é e se apresenta: incerta, imprevisível e incontrolável. A ansiedade, então, nasce
como manifestação ôntica de uma angústia que é ontológica e que marca a nossa condição
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quantidade de atividades executadas em detrimento da qualidade das mesmas. As pessoas sentem-
se culpadas por realizar algo que gostariam a muito tempo de fazer ao invés de repetir a cansativa
e estressante rotina diária, mesmo que essa seja a única alternativa que possibilite continuar
seguindo em frente. O sofrimento existencial não mais é compreendido como dimensão que
necessariamente atravessa e tem o potencial de revigorar o viver. Os mínimos pesares, as agonias
provocadas pela vida em sociedade e pela incerteza frente ao futuro não são mais tematizadas,
pois isso requer tempo. Narcotiza-se a cotidianidade sob doses gradativamente maiores e de
modo cada vez mais precoce como uma tentativa de adequação à lógica de que se deve estar
sempre em condição de apresentar sua melhor performance e não se preocupar com aquilo com
que realmente nos mobiliza, aflige ou limita.
Considerações Finais
Podemos então concluir que, a construção da ideia de sofrimento, ao longo do tempo, sofreu
um processo de transformação, influenciada pelas construções históricas e sociais, seguindo o
pensamento de cada época. O termo sofrimento adquiriu, ao longo da história, diversas formas
de representação e manifestação. Desde a antiguidade até a contemporaneidade sempre se
buscou maneiras de explicar os padecimentos do homem e, consequentemente, de dar conta
dos atravessamentos da vida. Dessa forma, a temática do sofrimento psíquico foi desdobrada
neste trabalho como um elemento central ao pensar a condição humana. Para tanto, fez-se
necessário perceber as diferentes representações que o tema adquiriu, bem como a incansável
busca das diversas práticas terapêuticas que foram desenvolvidas na tentativa de dar conta das
inúmeras formas de expressão desses sofrimentos. Busca-se, a partir das reflexões, uma prática
clínica comprometida com a elaboração de novos sentidos, compreendendo que o sofrimento
pode ser uma via de singularização da existência e pode abrir possibilidades existenciais ainda
não percebidas ou vivenciadas. Uma prática clínica que esteja comprometida em adotar uma
nova postura diante daquele que sofre. Uma prática clínica que, em alguma medida, concorde
com o poema Ilusões da Vida de Francisco Otaviano quando ele diz que “quem passou pela vida
em branca nuvem e em plácido repouso, adormeceu. Quem não sentiu o frio da desgraça. Quem
passou pela vida e não sofreu, foi espectro de homem - não foi homem, só passou pela vida - não
viveu”.
Referências
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Minayo, M.C.S. (2010). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. Rio de Janeiro: Hucitec
Pinto, F. N. S; Novaes. J. V. (2014) Jogar, amar e consumir: considerações sobre as relações objetais
na contemporaneidade. Polêmica, 13, 3.
Roehe, M. V.; Dutra, E (2017). Compreendendo narrativas sobre suicídio com base na analítica
existencial de Martin Heidegger. Rev. abordagem gestalt, 23, 32-41.
Schlosser, A., Rosa, G. F. C., More, C. L. O. O. (2014). Revisão: comportamento suicida ao longo
do ciclo vital. Temas psicol. 22, 133-145.
Silva, K. F. A., Alves, M. A., Couto, D. P. (2016). Suicídio: uma escolha existencial frente ao
desespero humano. Pretextos, 1, n. 2.
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O CORPO E A CONSTRUÇÃO DA AUTOIMAGEM NA
CONTEMPORANEIDADE
Jurema Barros Dantas
Evelyn Cristina de Sousa Penas
Introdução
A
presente pesquisa se insere no contexto do Laboratório de Estudos em Psicoterapia,
Fenomenologia e Sociedade (LAPFES), criado no âmbito do Departamento de
Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e vinculado ao Diretório de
pesquisa do CNPq Estudos em Psicoterapia, Fenomenologia e Sociedade. Tendo como preocupação
central as discussões atuais acerca do próprio conceito de saúde, o presente trabalho pretende
colocar em análise as chamadas patologias da imagem corporal e sua intrínseca relação com o culto
ao corpo, considerando que tal estudo como uma possibilidade de promoção de saúde e prevenção
aos transtornos alimentares. Podemos considerar que uma das bases desta pesquisa reside em como
a valorização do corpo vem se tornando o imperativo do viver contemporâneo. O culto ao corpo e,
sobretudo, à aparência se mostra como característica de nossa época e encontra-se assentada na
busca diária por um corpo perfeito capaz de superar qualquer problema e corresponder qualquer
expectativa. Visto pelos meios de comunicação como algo que pode ser manipulado ou modificado,
o corpo vem se tornando polo dos mais profundos desejos e um grande objeto de investimento.
Discutir a relação que estamos construindo com o nosso corpo na atualidade e, sobretudo, como
estamos construindo nossa autoimagem foi a preocupação central desta pesquisa.
Podemos considerar que a imagem corporal engloba todas as formas pelas quais uma pessoa
experiência e conceitua seu próprio corpo assim como, podemos considerar, que no culto ao corpo
trata-se da aparência e da saúde como elemento central da identidade e polo das preocupações
do sujeito contemporâneo, a partir da construção dos valores ocidentais hipermodernos. Na
sociedade contemporânea, o corpo tem se configurado cada vez mais como um dos principais
espaços simbólicos na construção dos modos de subjetividade de nossa época. Vários autores
têm apontado a dimensão que o corpo passou a ocupar em nossa sociedade. Colocar o corpo em
cena não é, necessariamente, algo novo. Esta temática vem aparecendo em inúmeras publicações,
em diferentes áreas do conhecimento, nos últimos anos. São variados os panoramas do corpo na
história. Ao longo dos anos fomos tecendo diferentes formas de pensar corpo bem como fomos
construindo diferentes formas de nos relacionar com ele. Isto porque as questões que envolvem o
corpo são susceptíveis a qualquer influência social, cultural, política e científica. Pensar o corpo
mergulhado num contexto histórico implica um reconhecimento do mesmo para além de uma
demarcação biológica pautada em um funcionamento orgânico. Um corpo que não pode ser
aprisionado ou compreendido apenas pela delimitação da epiderme e sua rica fisiologia.
Sabemos que, outrora, a nossa sociedade influenciada pela medicina dos humores
acreditava que os mesmos constituíam os corpos vivos e toda natureza. Sabemos também que
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corpo se configura quase como um detalhe biológico tecnicamente controlável. Um horizonte de
controle que nos oferece a ideia de uma possível mudança corporal de forma rápida e sem dor.
Oferece-nos a ideia de que precisamos de próteses químicas, mecânicas e medicamentosas para
prosseguir em nosso viver cotidiano.
Ainda que estes cuidados despendidos ao corpo não seja algo novo, foi segundo Sant’Anna
(2001), a partir dos meados do século XX que a atenção e a dedicação ao corpo se tornaram um
direito e um dever incontestáveis, misturando-se aos preceitos de higiene e às novas necessidades
de conforto. O século XX parece ter sido marcado pela valorização da aparência e cuidar do
corpo desde então passou a ser uma necessidade. Uma necessidade alimentada diariamente com
o surgimento sofisticado dos produtos light, das mais modernas intervenções cirúrgicas ou as
gloriosas e diversificadas atividades físicas. Podemos ainda mencionar a microbiologia, a robótica,
a farmacologia e a genética como férteis promessas de um corpo perfeito.
Além dos cuidados com o corpo em nome da saúde, o que se busca hoje com esse culto
exacerbado é, no limite, o ajuste ao modelo de juventude e felicidade permanente que encanta
a sociedade contemporânea. Somos afetados pela difusão de informações de que podemos e
devemos encontrar as mais recentes soluções para todos os males do corpo, vendidas facilmente
nas drogarias ou parceladas em infinitas prestações de uma cirurgia estética. Os discursos sobre a
saúde e a estética parecem indissociáveis e convergem para o mesmo imperativo: o cuidado com
o corpo. Tal cuidado vem se tornando demasiado, quase uma obrigação diária, gerando por vezes
sentimento de culpa naqueles que não podem realizá-lo. Em nosso dia-a-dia surgem obrigações
com o corpo quase religiosas, rituais que devem ser seguidos a todo custo em prol de um melhor
resultado. Os cuidados com o corpo e a intensificação das sensações corporais se mostram
como questões centrais da vida cotidiana. Os manuais de autoajuda, as revistas especializadas, a
publicidade em geral, levam os indivíduos a acreditarem que toda e qualquer imperfeição ou defeito
é fruto de negligência pessoal e falta de cuidado de si. Com bastante disciplina e força de vontade,
seguindo os conselhos dos experts, qualquer um pode atingir uma aparência próxima ou similar
ao padrão de beleza vigente. Assistimos constantemente a busca obstinada pelas formas retilíneas
e esbeltas. Diante dos apelos dos meios de comunicação, que muitas vezes afirmam ser fácil obter
formas belas e torneadas, o corpo se fragiliza afinal, silicones, esteróides, medicamentos, cirurgia
a laser, botox e alimentos transgênicos são apenas alguns dos muitos elementos que proporcionam
ao indivíduo opções eficazes na conquista desse corpo esteticamente perfeito.
Bauman (2007) propõe que devemos conceber o corpo como potencialidade elaborada
pela cultura e desenvolvida nas relações sociais. Torna-se válido reconhecer que, na maior parte
das vezes, estabelecemos com nosso corpo uma relação estética subordinada a padrões de beleza
e saúde, evidencia o que o corpo se mostra como fenômeno social e cultural ou, como nos diz Le
Breton (2006), como motivo simbólico, objeto de representações e imaginários. O mesmo autor
sugere que as ações que tecem a trama da vida cotidiana, das mais fúteis ou menos concretas
até aquelas que ocorrem na cena pública, envolvem a mediação da corporeidade. O corpo é, por
assim dizer, um vetor semântico pelo qual a evidência da relação com o mundo é construída. O
corpo constitui o âmago da relação do homem com o mundo. Do corpo nascem e se propagam
as significações que fundamentam a existência individual e coletiva.
Em nosso horizonte histórico percebemos um ideal que vende a saúde e a beleza como
conjunto de curvas perfeitas, pela sedosa, cabelos lisos e, sobretudo, a magreza. O corpo como
mensageiro da saúde e da beleza torna-se um imperativo tão poderoso que conduz à ideia de
obrigação. Ser feliz e pleno na atualidade corresponde a conquista de medidas perfeitas, bem
como a pele e o cabelo mais reluzente. O corpo ganhou uma posição de valor supremo, seu bem-
estar parece ser um grande objetivo de qualquer busca existencial na atualidade. Entendemos
que os cuidados com o corpo são importantes e essenciais não apenas no que se refere à saúde,
Metodologia
A pesquisa contou contar com uma amostra, de caráter voluntário, formada por,
aproximadamente, 100 usuários da Clínica-Escola de Psicologia, com idades iguais ou superiores
a 18 anos de ambos os sexos. A coleta de dados da pesquisa que, se configura como quantitativa,
foi realizada por meio da aplicação de um instrumento único constituído de três partes. A primeira
parte reúne informações sobre os dados sócio demográficos das participantes. A segunda parte,
que se caracteriza como um eixo de análise quantitativa, se traduz na aplicação da Escala de Medida
da Imagem Corporal que foi desenvolvida para o diagnóstico do distúrbio da Imagem Corporal
baseado com o propósito de abranger de forma proporcional os três componentes da Imagem
Corporal (a realidade corporal, o ideal corporal e a apresentação corporal). Os 23 itens da
escala estão dispostos em escala tipo Likert com cinco pontos variando de “sempre” a “nunca”.
A terceira parte, que se caracteriza como outro eixo de análise quantitativa, consiste na aplicação
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
da versão brasileira do Body Shape Questionnaire (BSQ), elaborado originalmente por Cooper et al
em 1987, com 34 itens designados para mensurar a satisfação e as preocupações com a forma
do corpo. Numa escala de Likert, a avaliado aponta com que frequência, nas quatro últimas
semanas, vivenciou os eventos propostos pelas alternativas. A soma das pontuações de cada item
será o escore final da escala.
A aplicação desses instrumentos foi realizada na Clínica-Escola da UFC (Universidade Federal
do Ceará) nos anos de 2016 e 2017. No período que antecede a coleta de, aproximadamente,
60 dias foram realizadas divulgações diversificadas sobre a proposta e a realização da pesquisa
no espaço da Clínica-Escola para ciência de seus usuários com vistas a atender o critério de
participação voluntária. Todo grupo de pesquisa, envolvendo quatro estudantes de graduação
devidamente treinadas, ficaram responsáveis por essa atividade de coleta, oferecendo todas as
instruções gerais e suprindo caso de dúvidas sobre alguma forma de resposta. Após a coleta
dos dados, foram excluídos da amostra, na parte quantitativa, aqueles questionários em que os
respondentes deixarem mais de 10% dos itens de uma das medidas sem resposta, responderem de
forma diferente ou utilizando escala distinta das propostas pelos questionários.
A parte quantitativa da pesquisa (Escala de Medida da Imagem Corporal e Body Shape
Questionnaire (BSQ)), foi tratada estatisticamente por meio do software IBM SPSS Statistics, um
dos programas de análise mais usados nas ciências sociais. O SPSS é um software apropriado
para análises estatísticas sobre matrizes de dados. Seu uso permite gerar relatórios tabulados,
normalmente utilizados na realização de análises descritivas e inferências a respeito de correlações
entre variáveis.
Resultados
Discussão
Apesar de não ter sido evidenciado distorções significativas da imagem corporal entre os
participantes da pesquisa, os dados evidenciam que há, sempre presente, uma certa insatisfação
no modo como me percebo e, sobretudo, no modo em que me apresento ao outro. Neste
contexto onde o corpo se torna polo de preocupação e investimento nos parece que a questão da
autoimagem e sua intrínseca relação com o culto ao corpo se mostra como um tema fundamental
de discussão para o campo da Psicologia. Passaram-se os anos e a inserção das tecnologias no
nosso dia-a-dia fez com que a estética e a construção do corpo mudassem consideravelmente. A
relação com nosso corpo parece estar sendo radicalmente modificada pelo fácil acesso a diversos
Considerações Finais
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
dos holofotes. O corpo e a construção da autoimagem encontram-se numa genuína dialética com
o social, sendo objetos de investimento coletivo, suportes de ações e significações, motivos de
alegria e desilusões pelas práticas e discursos que suscitam.
Nosso convite à reflexão se refere ao fato de creditarmos quase cegamente nossas alegrias,
nosso bem-estar e, acima de tudo, nossa felicidade, aos produtos de beleza, aos ácidos, aos
procedimentos estéticos e porque não dizer, aos medicamentos de todo gênero. Enquadrar-se em
padrões externos é uma escolha a ser feita, e como em toda escolha, há uma responsabilidade
implicada. O culto ao corpo é uma obrigação na atualidade, será que nossa correspondência a
esses padrões quase universais também é?
Referências
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com transtornos do comportamento alimentar. 2000. 250p. Dissertação (Mestrado em Saúde
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Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.
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Novaes, J. V. (2006). O intolerável peso da feiúra: sobre as mulheres e seus corpos. Rio de Janeiro:
Garamond.
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São Paulo: Estação Liberdade.
Severiano, M. F. V.; Rego, M. O.; Montefusco, E. V. R. (2010). O corpo idealizado de consumo:
paradoxos da hipermodernidade. Revista Mal-Estar e Subjetividade. 10, 137-165.
Introdução
O
presente artigo buscou relatar experiência clínica no estágio supervisionado no
Serviço Escola de Psicologia da Faculdade UNINASSAU Parnaíba, descrevendo a
importância da interconexão entre teoria, prática e desenvolvimento pessoal na
formação do psicoterapeuta iniciante com ênfase na Abordagem Centrada na Pessoa, buscando
realizar uma articulação entre teoria e vivência.
Carl Rogers (1902-1987), psicólogo americano, desenvolveu uma proposta teórica em torno
da premissa de que existe em cada indivíduo um movimento natural para o crescimento, o qual ele
chamou de tendência atualizante. Assim, na relação terapêutica, é preciso que terapeuta e cliente
construam uma relação pautada em condições que facilitem a direção positiva deste processo.
Neste sentido, o terapeuta torna-se a pessoa facilitadora na relação ao ter três atitudes essenciais
para com o cliente: compreensão empática, consideração positiva incondicional e autenticidade.
De acordo com Moreira (2013), inicialmente originando-se da experiência clínica de Rogers sob
o título de Terapia não-diretiva, posteriormente passou a intitular-se Abordagem Centrada na
Pessoa, principalmente pela razão da expansão de sua teoria para vários campos das relações
humanas.
Fundamentamos, assim, a prática conforme os critérios da Abordagem Centrada na
Pessoa (ACP), a partir da qual realizamos um estudo bibliográfico detendo-nos aos conceitos
de Carl Rogers sobre a tendência atualizante, o desenvolvimento pleno da pessoa e as condições
facilitadoras deste desenvolvimento no sujeito, a partir da relação terapêutica estabelecida. Carl
Rogers é, então, o autor citado neste trabalho como referência.
A partir dessas reflexões, considera-se que o estudo é de relevância no âmbito acadêmico do
curso de Psicologia, posto que a questão do autoconhecimento é percebida como essencial para
o psicoterapeuta em formação, pois algumas situações vivenciadas na prática podem mobilizar
diversos sentimentos no mesmo, o que envolve a sua subjetividade. Trinca (1991, p. 53) nos diz
que “a partir do estado interno reorientamos nossa relação com a realidade visível”. Acreditando
que o psicólogo é o seu próprio instrumento de trabalho e que apreendemos o mundo a partir de
nosso próprio referencial interno, a ideia deste trabalho nasceu.
Método
Por tratar-se de um relato de experiência, o presente artigo revela dimensões que envolvem
uma perspectiva fenomenológica e existencial da pesquisa. Dessa forma, a Fenomenologia-
66 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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existencial complementa o referencial deste trabalho na tentativa de destacar a importância da
análise do fenômeno subjetivo na consciência, possibilitando um olhar que traz maior valor à
Psicologia.
Através das ideias de Husserl, Masini (1989) sugere que não existe um método, mas uma
postura fenomenológica, uma atitude de abertura do ser humano para compreender o que
se mostra sem pré-conceitos, buscando remontar àquilo que está firmado como critério de
certeza. Partindo de uma curiosidade sobre a prática, vivenciando-a e tomando consciência do
vivido, buscou-se neste artigo apresentar a experiência como fenômeno a partir de sua análise
e descrição. Foi prioridade, neste sentido, a descrição do fenômeno em sua redução eidética.
Forghieri (2004) destaca que, no campo da Psicologia, o conhecimento é reflexão e também
vivência, é um conhecimento que busca descobrir a significação, ao passo que o psicólogo está
em contato afetivo com sua própria vivência e de seus semelhantes.
Para o desenvolvimento da pesquisa foram utilizados como bases teóricas livros e artigos
consultados em bases científicas como Scielo, Google Acadêmico, LILACS e Pepsic, principalmente,
utilizando-se como critérios de inclusão aqueles que contivessem as palavras chaves: Formação do
Psicoterapeuta e Abordagem Centrada na Pessoa. Buscou-se utilizar publicações mais recentes,
mas não houve uma delimitação de tempo neste sentido, visto que em alguns momentos julgamos
necessário consultar algumas obras originais de determinados autores.
A Abordagem Centrada na Pessoa – ACP foi desenvolvida por Carl Ranson Rogers por volta
dos anos 40 e tem como premissa a crença de que os indivíduos possuem dentro de si recursos
capazes de proporcionar-lhes autonomia suficiente para modificar autoconceitos e atitudes.
Segundo Flôr (2016), os organismos possuem uma tendência natural a atingir um grau de harmonia
e complexidade, processo que ocorre de maneira ativa interna e externamente de acordo com
seu desenvolvimento junto ao meio em que vive. Rogers (2009) conceitua esta tendência como
tendência atualizante, inata e presente em cada organismo vivo, tendo o terapeuta o papel de
atuar como um facilitador do processo de desenvolvimento do cliente.
Para Rogers (2009), as atitudes e os sentimentos do terapeuta, bem como a maneira como
os mesmos são comunicados ao cliente, são mais importantes que a sua orientação teórica e
técnica. Assim, segundo Rogers (2012), para que o crescimento humano possa acontecer, existem
três atitudes que devem estar presentes no terapeuta de maneira a facilitar esse processo. Tais
atitudes propiciam no cliente um movimento positivo e construtivo de suas potencialidades.
Consideradas os pilares da Abordagem Centrada na Pessoa, são elas: congruência, consideração
positiva incondicional e compreensão empática.
Ao tratar da congruência, Rogers (2009) diz que quando as relações estabelecidas pelo
terapeuta com o cliente são autênticas, quando ele é ele mesmo, sem máscaras nem fachadas, a
transformação pessoal é facilitada. Bacellar (2016) acrescenta que quanto mais o psicoterapeuta
for ele mesmo na relação, maior a probabilidade de que o cliente cresça e mude. Isto implica que,
além de estar sendo ele mesmo de maneira livre e profunda, está consciente de si mesmo com a
sua experiência real. Ser congruente é, então, poder ouvir-se, perceber-se e permitir-se fluir naquele
momento, estar conectado com sua experiência presente.
A consideração positiva incondicional está relacionada à atitude de aceitar o outro da
maneira que for, sem quaisquer julgamentos. Segundo Rogers (2009), quando o terapeuta pode
vivenciar uma atitude acolhedora, calorosa, positiva e de aceitação para com o seu cliente e com o
que está emergindo no momento, isso facilita a mudança. Quando a pessoa percebe que alguém
aceita e acolhe tudo aquilo que muitas vezes é rejeitado por ela, sente-se capaz de organizar-se e
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terapêutica a partir da promoção de atitudes facilitadoras por parte do terapeuta. Ao considerar
positiva e incondicionalmente o cliente, ser empático e autêntico na relação, o grau de consideração
do indivíduo por si se eleva e uma mudança no processo terapêutico pode acontecer.
Segundo Moreira (2013), a partir da construção teórica de tais atitudes facilitadoras, Rogers
aponta para o abandono da relevância do diagnóstico, pondo em destaque a capacidade de
desenvolvimento intrínseca ao ser humano. Neste sentido, Tassinari (2003) aponta que a reunião
destas três dimensões implica numa abertura do psicoterapeuta para considerar o outro no ponto
em que ele se encontra, da maneira como ele se vê, sem opinião valorativa. Isso requer maturidade
psicológica do terapeuta, bem como uma sensibilidade apurada para considerar visões de mundo
diferentes da sua. Essa maior abertura para o outro possibilita que o mesmo se refira diretamente
à sua experienciação, a incondicionalidade para com ele (com tudo o que ele traz) o confirma
como digno de compreensão no seu momento presente.
A terceira fase, Experiencial (1957-1970), é marcada pelo foco do processo terapêutico na
experiência, não somente na do cliente, mas também na do psicoterapeuta. Conforme Bacellar
(2016), Rogers reconhece que a mudança construtiva da personalidade depende muito mais das
atitudes do terapeuta do que uma atitude de clarificar os sentimentos do cliente ou refleti-las. Aqui
se está diante de um momento onde se reconhece que a busca pela autenticidade é imprescindível
à formação do terapeuta, uma busca que acontece a partir do contato do terapeuta com a sua
própria experiência e com o que se passa dentro de si. A obra de referência desse período é Tornar-
se Pessoa publicada em 1961, que Rogers (2009) nos diz que os sentimentos que o terapeuta
está vivenciando naquele momento são acessíveis a ele e, dessa maneira, são acessíveis à sua
consciência, podendo então ser vivenciados e comunicados ao cliente, se for o caso. A partir
desta afirmação observa-se a ampliação da perspectiva de Rogers acerca da relação terapêutica,
passando do foco no cliente para o foco na relação intersubjetiva, assumindo um sentido enquanto
encontro existencial.
É neste momento que a psicologia humanista de Carl Rogers se aproxima das abordagens
de tradição fenomenológica. Segundo Moreira (2013), quanto mais Rogers se aproxima da sua
experiência, da experiência do cliente e da experiência que emana a partir do encontro existencial
entre ambos, mais se aproxima de uma atitude fenomenológica, distanciando-se da atitude
centrada no cliente. Assim, Rogers amplia seu olhar para além da pessoa, libertando-a nesta
relação terapêutica e transcendendo a ideia de centralidade que até então mantinha esta pessoa
“presa”. É como se, ao manter a pessoa no centro do processo terapêutico, este se paralisasse.
No entanto, esta não foi uma ideia assumida por Rogers, foi fruto de investigações posteriores de
estudiosos acerca de seu trabalho.
Por último, a fase Coletiva ou Inter-Humana (1970-1987) se destaca pelo interesse de Rogers
(2012), em seus últimos anos de vida, em questões mais amplas voltadas às atividades de grupos e
à relação humana coletiva. O livro Um jeito de ser publicado em 1983 é considerado como a obra de
referência desse período. É nesta fase que Rogers assume a denominação de Abordagem Centrada
na Pessoa. Na referida obra, Rogers (2012) diz que sorri ao pensar em tantas denominações que
deu a esse tema no decorrer de sua carreira: aconselhamento não-diretivo, terapia centrada no
cliente, ensino centrado no aluno, liderança centrada no grupo. Percebendo o crescimento dos
campos de aplicação em número e variedade ele conclui que a denominação de Abordagem
Centrada na Pessoa parece ser a mais adequada.
No livro Quando fala o Coração (Rogers, Santos & Bowen, 1987), os autores falam das
condições facilitadoras do crescimento e inclui, ainda, uma quarta característica, sobre a qual diz
que só recentemente sua visão ampliou-se e que se trata de uma nova área que não pode ainda ser
estudada empiricamente. Rogers, Santos e Bowen (1987) explicam esta característica como algo
transcendente que acontecia quando estavam a facilitar grupos ou como terapeutas. Quando
Resultados e Discussão
Pretendemos nesta seção escrever de maneira mais leve e pessoal, de forma a relatar a
experiência interconectada à teoria e à prática apresentadas neste trabalho. Assim, acreditamos
que podemos descrever de maneira mais autêntica a experiência vivida.
Enquanto aluna estagiária, posso dizer que o estágio supervisionado no Serviço Escola de
Psicologia me proporcionou entrar em contato com muitas dúvidas, angústias, expectativas,
inseguranças e, ao mesmo tempo, com um sentimento de desafio na busca de conhecimento e
experiência. Na prática, passei a sentir que algumas vezes a teoria não é suficiente para dar conta
de certas demandas. Segundo Sapienza (2015), o encontro terapêutico é um momento raro, onde
a pessoa abre sua existência com muita confiança, e ela o faz não para que seja vista dentro
de alguma teoria, mas para ser compreendida. Assim, a formação acadêmica não é suficiente
para o enfrentamento de todas as questões que permeiam a prática clínica, mas é, com certeza
para mim, o início do caminho que escolho para seguir neste constante processo de tornar-me
psicoterapeuta centrada na pessoa. Como, então, acreditamos que o crescimento pessoal, aliado
à teoria e à prática, pode contribuir no meu processo de formação neste sentido?
Posso dizer que essa resposta me surgiu na experiência de estar junto com os clientes que
atendi. Posso dizer ainda que não foi rápido, nem fácil, mas hoje, ao escrever este relato, sinto-
me inteiramente feliz por isso. Minha experiência enquanto ludoterapeuta centrada na criança
proporcionou-me lições inesquecíveis sobre autenticidade. Outra pessoa que atendi, ao vivenciar
questões muito parecidas com as minhas, mobilizou em mim a prática do exercício da empatia.
Ao experienciar uma relação terapêutica com uma pessoa de meia-idade, pude entender a
importância da consideração positiva incondicional ao outro juntamente com sua bagagem de
experiência de vida, valores e crenças.
A psicoterapia centrada na pessoa é, em sua essência, uma troca de experiências vivenciais
entre terapeuta e cliente. Nesse sentido, segundo Bacellar (2016), a relação terapêutica estabelecida
permite que ambos sejam tocados afetivamente pela experiência de estarem juntos e, a partir
disso construírem uma compreensão da vivência capaz de gerar mudanças em suas atitudes.
Ao fundamentar minha prática à luz da Abordagem Centrada na Pessoa, pude então sentir e
confirmar o processo de mudança acontecer no cliente a partir das condições facilitadas por mim
no decorrer da construção de nossa relação. O desenvolvimento destas atitudes terapêuticas foi
possível através da interconexão entre a teoria e a prática orientada pela supervisão.
Diante das atitudes facilitadoras vividas na supervisão, com o grupo, passei a me sentir
mais segura e capaz de enfrentar os obstáculos que surgiam na prática clínica e passei também
a compreender verdadeiramente a teoria, a sentir meus conhecimentos apropriando-me daquilo
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que acredito. Para Carrenho (2010), a supervisão é um lugar onde se discute como se dá na
prática alguns aspectos da teoria e é também o lugar onde o grau de aceitação e confiança que
o psicoterapeuta tem em si mesmo se revela. Assim, é fundamental que o jeito de ser de cada
supervisionando seja respeitado, isso implica que o relacionamento entre ele e seu supervisor seja
uma relação profunda de sinceridade e transparência. Contemplando esta perspectiva, posso dizer
que fui supervisionada de forma autêntica, empática e incondicional com muito profissionalismo
e implicação em meu processo. Senti-me realmente importante e este sentimento me incentivou a
acreditar na minha intuição e no meu próprio jeito de ser psicoterapeuta.
Além do suporte teórico e da supervisão, dediquei-me à psicoterapia pessoal, processo que
iniciei antes mesmo dos estágios e que considero muito importante na minha experiência em
psicoterapia, pois me permitiu vivenciar muitos aspectos do processo terapêutico, colocando-me
no lugar do cliente. Além disso, durante minha aprendizagem, lá foi o lugar para onde levei diversas
angústias que não cabiam no momento da supervisão e precisavam ser vistas e sentidas por mim
de maneira mais profunda, construindo em mim um profundo processo de autoconhecimento.
Rogers (2009) defende que, à medida que o psicoterapeuta é capaz de assumir a complexidade
dos seus sentimentos, ouvindo e aceitando o que se passa dentro de si mesmo, estará num
processo de constante crescimento. Dessa maneira, a prática da terapia é um exercício que exige
do psicoterapeuta um permanente desenvolvimento pessoal.
Nos primeiros atendimentos, experimentei um sentimento de impotência diante da bagagem
teórica que carregava sem saber ao certo como utilizá-la na prática. Percebi que precisava deixá-la
um pouco de lado, exatamente ao meu lado, e permitir que minha sensibilidade se manifestasse.
Diversas vezes, experimentando essa angústia de sentir-me impotente, sentia-me sufocada com o
silêncio do cliente, imaginava se deveria dizer algo ou fazer alguma coisa que desse movimento à
sessão. Precisei, então, compreender minha relação com o meu silêncio para compreender o do
cliente. Segundo Carrenho (2010), muitas vezes, preenchemos nossos vazios com uma infinidade
de barulhos para evitar o contato com aquilo que nos assusta dentro de nós mesmos. Então, se
faz necessário que o psicoterapeuta mergulhe em si e se reconcilie com tudo que constitui a sua
história para que possa “ouvir” o silêncio do cliente. Aos poucos, minha angústia calou-se e passei
a utilizar o silêncio terapeuticamente; compreendi que algumas pessoas demoram certo tempo
para revelarem-se e precisam ser facilitadas, outras se revelam espontaneamente; compreendi
ainda que cada pessoa possui um movimento e que este é único e particular.
No decurso dos atendimentos, fui percebendo que não existe um modelo ideal de
psicoterapia para que esta seja eficaz, percebi que a mesma é um processo dinâmico, fluido e
contínuo. A cada atendimento, senti que precisava me dedicar a construir uma relação com cada
cliente. Na terapia, segundo Amatuzzi (2016), conhecer o cliente é interagir com ele de maneira
significativa, vivenciando a relação que se estabelece com ele e, na medida em que esta avança,
novos significados passam a existir a partir deste contato. Percebi que o auxílio que podia oferecer
a cada um era o de estar ao seu lado facilitando seu encontro com sua própria experiência e,
embora isso pareça fácil de ser dito, muitas inquietações geraram-se em mim até chegar a essa
percepção. Antes de disponibilizar-me ao outro como um meio de ajuda, entendi que precisava
me permitir entrar em contato com minha própria experiência. Aprendi que estar com o outro
é, antes de tudo, estar em par comigo. Não é importante apenas compreender o outro, mas ter
a capacidade de expressar-se de forma verdadeira nessa relação. De acordo com Pinto (2010),
é importante que o psicoterapeuta leve em consideração os sentimentos que perpassam em si
no momento do encontro, pois de alguma forma isso o ajudará na construção da relação com
o outro. Dessa maneira, compreendemos que o tipo de auxílio que poderia oferecer aos meus
clientes iria depender do quão conectada comigo eu estivesse.
Assim, ao me questionar sobre de que maneira poderei proporcionar ajuda e cuidado ao
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eficazmente de forma isolada, estão interconectadas de maneira que o desenvolvimento de uma
implica no florescimento da outra. Pinto (2010) menciona que, quando se fala dos princípios da
Abordagem Centrada na Pessoa, fala-se de princípios que se complementam. Não são técnicas,
mas sentimentos, vivenciados de forma visceral pelo psicoterapeuta. Nesta perspectiva, a direção
construtiva da relação terapêutica só é possível quando essas três atitudes são promovidas pelo
psicoterapeuta ao cliente de forma inteira.
Na prática clínica orientada pela ACP, pudemos verificar que as atitudes facilitadoras
propostas por Rogers propiciam o desenvolvimento do cliente numa direção construtiva, quando
facilitado. Verificamos ainda que, ao serem promovidas pelo psicoterapeuta, estas atitudes
perpassam sua subjetividade e se reconectam à teoria, tornando sua formação profissional
intimamente ligada ao seu desenvolvimento pessoal.
Referências
Ames, M. A., & Houston, D. A. (1990). Legal, social, and biological definitions of
pedophilia. Archivesol sexual behavior, 19, 333-342. https://doi.org/10.1007/BF01541928
Bacellar, A. (2016). A evolução da Psicoterapia Centrada na Pessoa: uma teoria de base experiencial.
In A. Bacellar. A psicologia humanista na prática: reflexões sobre a abordagem centrada na pessoa (2a ed, Vol.
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perguntas mais frequentes. São Paulo: Carrenho Editoria.
Forghieri, Y. C. (2004). Psicologia fenomenológica: fundamentos, métodos e pesquisa. São Paulo: Pioneira
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Sapienza, B. T. (2015). Conversa sobre terapia (2a ed.). São Paulo: Escuta.
74 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE O
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
Daniele de Carvalho Almirante
Hemily Gabriely Bastos da Silva Quental
Larisse Ellen Linhares Martins
Lizandra de Sousa Paixão
Macicleia Lima de Siqueira
Carla Fernanda de Lima
Introdução
N
as últimas décadas o transtorno do espectro autista vem trazendo discussões
pertinentes no campo da psicologia e da educação. O Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais- DSM-5 de forma bem explícita, descreve o
autismo como um déficit delimitado nessa tríade: sociabilidade, cognição e linguagem. Segundo o
DSM-5, o TEA por um período de tempo passou por algumas denominações, como por exemplo,
autismo infantil precoce, transtorno de Asperger, autismo atípico, dentre outros. Algumas das
variáveis significativas do autismo estão relacionadas às características de estereotipias, repetições
de ações, prejuízos relevantes na comunicação e interação entre os pares.
O conhecimento da concepção humana é um pressuposto fundamental para a possível
compreensão da origem do transtorno do espectro autista. É necessário dessa maneira, colocar
em discussão a influência do desenvolvimento do homem desde sua tenra infância para a tentativa
de desvendamento da etiologia desse transtorno. Conforme corroboram Souza et al. (p.25, 2004)
“a compreensão dos transtornos do desenvolvimento infantil dar-se-á mediante o conhecimento
do desenvolvimento infantil considerado normal”.
Segundo Souza et al. (2004), o desenvolvimento infantil é identificado por fases fundamentais
da vida do homem. Inicia-se com o estágio pré-natal, esse compreendido por meio da concepção
do feto até o nascimento do bebê. Nesse período, conforme indicam os autores, trata-se da fase
da primeira infância, do qual o indivíduo é dependente do seio maternal, o seu crescimento e
desenvolvimento sofrem influências dos meios externos.
Na segunda infância, faixa etária de 3 (três) aos 6 (seis) anos de idade, a criança tem
tendência a ser egocêntrica, característica própria dessa fase de seu desenvolvimento, a família
ainda continua sendo seu ciclo mais importante. A terceira infância, dos 6 (seis) aos 12(doze) anos
de idade, é marcada pelo desenvolvimento mais pleno da linguagem. As crianças nesse período,
com maior influência, encontram nos pares, laços de amizades e afetos pertinentes (Souza et al.,
2004).
Partindo dessas características próprias do desenvolvimento infantil, evidentemente este
desenvolvimento pode sofrer alterações em cada criança, principalmente quando se coloca
em discussão as variações culturais, regionais, ambientais e históricas de cada indivíduo nas
Desenvolvimento
História e etiologia do Autismo
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podendo ser mais leve, mais severo em determinado sujeito, causando prejuízo ou não na fala, na
sociabilidade ou mesmo no desenvolvimento cognitivo. É de fato necessário todo um cuidado da
parte do profissional ao que se refere ao diagnóstico do autismo.
Como frisa o DSM-5, o transtorno do espectro autista varia de indivíduo para indivíduo, por
isso o termo espectro, pois a evolução e desenvolvimento do autismo variam em cada sociedade,
em cada ambiente, em cada cultura. É também diferenciado em cada pessoa conforme o período
da descoberta da doença, ou seja, a idade cronológica do diagnóstico do autismo influencia
muito no desenvolvimento da criança. Segundo o DSM-5, os sintomas do autismo ocorrem com
faixa etária dos 12 aos 24 meses de vida do bebê.
Como mostram Pinto e et al. (2016) quando mais cedo a descoberta da sintomatologia do
autismo, mais precoce ocorrerá o diagnóstico da criança autista e com isso a criança terá uma
melhor oportunidade de se desenvolver e se adaptar no mundo em que vive.
O estudo do contexto familiar diante de uma doença como o autismo é primordial para a
compreensão da vida da criança e da família. Segundo Sprovieri e Assumpção Jr (2001, p. 231) “o
autismo leva o contexto familiar a viver rupturas por interromper suas atividades sociais normais,
transformando o clima emocional no qual vive”. Os pais quando descobrem que terão um filho,
é notória a alegria, a satisfação da ideia de um mais novo membro da família, junto com esses
sentimentos, vem também a ideia de um filho perfeito, lindo, e com saúde. Mas quando a família
percebe que sua criança é “diferente” das outras, os pais passam a enfrentar sentimentos aversivos,
como citam Sprovieri e Assumpção Jr (2001), o ressentimento, a culpa, o medo, o desafio, a
rejeição para com o filho.
A rotina da família é permeada por situações conflituosas e de aceitação. Esta falta de
aceitação não está relacionada somente dentro do contexto familiar, mas também na sociedade,
principalmente no âmbito escolar. Como se sabe o padrão social estabelece as regras, seleciona os
“melhores”, descartam aqueles que fogem dos requisitos sociais. Diante disso os pais enfrentam
não somente a barreira de ter um filho com deficiência, bem mais grave do que isso é o sentimento
de exclusão que os pais junto com os filhos enfrentam diariamente.
Conforme apontam os estudos, os pais são as primeiras pessoas a detectar algum tipo de
desvio, déficit, dificuldade ou limitações do seu filho. Zanon, Backes e Bosa (2014) frisam que
essa característica está baseada justamente porque a família convive diariamente com a criança, e
devido esse convívio diário é possível à percepção de algum distúrbio no filho.
É preciso salientar que a família é eminentemente a base primordial no auxílio às necessidades
básicas do filho, estas relacionadas não somente as físicas, mas também emocionais. Com efeito,
após a descoberta de uma doença crônica, como por exemplo, o autismo, toda a família passa
por um processo de adaptação, muitas das vezes, esse processo não acontece, acarretando dessa
forma uma crise familiar.
Sprovieri e Assumpção Jr (2001) citam:
Assim, o sistema familiar vive em permanente crise, sem perspectivas de mudança em função
das dificuldades de desenvolvimento de um de seus elementos que apresenta um quadro
de doença crônica e incapacitante. Tais alterações requerem mudanças no desempenho de
papéis e de regras, mudanças organizacionais e adaptativas relacionadas com alterações na
composição familiar (p.234).
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Compreende-se que a notícia de um diagnóstico para a família, a depender da doença, é
algo devastador e diante deste aspecto é necessário que a forma e o ambiente onde seja
transmitida essa informação devem ser envolvidos por intensa aproximação e interação entre
o médico, demais profissionais de saúde, paciente e familiar, tornando-os menos distantes.
Conclusão
Com base nas discussões desta pesquisa, foi possível verificar que as produções científicas
sobre o transtorno do espectro autista são bem pertinentes. A principal temática observada
em todos os periódicos analisados esteve relacionada às caraterísticas predominantemente
identificadas em uma criança autista, categorizada nessa tríade: socialização, o intelecto e a
linguagem.
Conforme descreve o DSM-5 essas características são bem peculiares no sujeito autista,
porém, o autismo pode ser manifestado de outras maneiras. Como descreve Klin (2006) ele pode
se apresentar em graus diferentes em cada criança, podendo ser mais leve ou severo, tendo prejuízo
ou não na fala, nos relacionamentos sociais ou no desenvolvimento cognitivo.
Na pesquisa foi observado que alguns autores atribuem o autismo como um transtorno que
pode ser encarado de maneira positiva, principalmente quando ocorre o diagnóstico precoce no
indivíduo. É essencial que as famílias fiquem atentas para o desenvolvimento e comportamento
dos seus filhos. Pois como mostrado, os pais são os primeiros a identificar algum comportamento
inadequado na criança.
O trabalho do psicólogo e da equipe multidisciplinar são outras variantes importantes
para ajudar no desenvolvimento pleno das pessoas autistas e também para o apoio as famílias.
Conforme visto, o psicólogo precisa ter muito cuidado no momento da revelação do diagnóstico
do paciente. É preciso que ele busque maneiras adequadas de comunicação, como por exemplo,
explicar com cautela o problema do filho, mostrar estratégias que eles podem fazer para auxiliar
no desenvolvimento da criança.
Referências
Klin, Ami. (2006). Autismo e síndrome de Asperger: uma visão geral. Rev Bras Psiquiatr, 28, 53-61.
Maciel, M.M., & FILHO, A.P.G. (2009). Autismo: uma abordagem tamanho família. In: DÍAZ, F.,
et al., Orgs. Educação inclusiva, deficiência e contexto social: questões contemporâneas (pp. 224-
235). Salvador: EDUFBA.
Pinto, R. N. M., Torquato, I. M. B., Collet, N., Reichert, A. P. S., Neto, V. L. S. & Saraiva, A. M.
(2016). Rev Gaúcha Enferm, 37, 1-9.
Souza, J. C., Fraga, L. L., Oliveira, Buchara, M. R., M. S., Straliotto, N. C., Rosário, S. P. & Rezende,
T. M. (2004). Atuação do Psicólogo Frente aos Transtornos Globais do Desenvolvimento Infantil.
PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 24, 24-31.
Sprovieri, M. H. S. & Assumpção Jr, F. B. (2001). Dinâmica familiar de crianças autistas. Arq
Neuropsiquiatr, 59, 230-237.
Zanon, R. B., Backes, B. & Bosa, C. A. (2014). Psicologia: Teoria e Pesquisa, 30, 25-33.
80 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
HOMEM, SEM TRABALHO E SEM RENDA: ESTUDO DE
CASO CLÍNICO SOB O ENFOQUE JUNGUIANO
Ísis Fabiana De Souza Oliveira
Liliana Liviano Wahba
Introdução
O
presente estudo teve como foco o homem financeiramente dependente que não
realiza nenhuma atividade de trabalho remunerado. Na proposta, a escolha pelo
gênero masculino se deu em decorrência da observação, na prática clínica e no
entorno social, de que o homem, mais do que a mulher, sofre pressões sociais para atingir a
independência financeira depois de adulto. Tais expectativas são veiculadas, preponderantemente,
pelo discurso daquele que é o provedor financeiro desse indivíduo, o que suscitou o interesse
em entender melhor qual a percepção daquele que se encontra na posição de dependência
financeira sobre a sua própria situação. Ou seja, quais as representações que o trabalho assume
na psicodinâmica do homem contemporâneo que não trabalha e não tem renda.
Considera-se esse um tema de extrema relevância na atualidade, por provocar novas demandas
clínicas e suscitar uma série de dúvidas, críticas e reflexões, constituindo um estudo merecedor de
atenção, uma vez que há uma escassez de material de pesquisa no Brasil específico sobre esse assunto.
Nessa perspectiva, a pesquisa teve por objetivo geral compreender os significados que o homem que
não trabalha e não tem renda própria atribui a si mesmo e à sua situação. Como objetivos específicos,
pretendeu-se esclarecer os significados do homem que não trabalha e não tem renda própria a respeito
das expectativas sociais referentes ao trabalho e ainda elucidar quais as motivações e fatores de
investimento e/ou desinvestimento para trabalhar do homem que não trabalha.
Método
Procedimentos de intervenção
Procedimentos de avaliação
Após a leitura livre da entrevista transcrita, o estudo prosseguiu de acordo com a proposta
de análise temática sugerida por Ezzy (2002) de iniciar o trabalho destacando temas e unidades de
significados por discurso e, posteriormente, realizar uma interpretação geral. A análise temática é
apresentada pelo autor como uma leitura da história como um todo, visando não à interpretação
dos fatos, mas dos significados que dão sentido às experiências apresentadas na narrativa. O
autor descreve como uma das etapas desse tipo de análise a identificação de segmentos narrativos,
aqui denominados de temas gerais, que devem emergir espontaneamente da leitura, ou seja, sem
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uma determinação conceitual preexistente. Houve, também, na presente pesquisa, a identificação
de temas gerais derivados de análise dedutiva de conteúdo, a qual envolve conceitos da teoria
utilizada, de forma que os temas gerais foram decupados em um método misto a partir da
narrativa espontânea do participante e de pressupostos teóricos de conteúdo. Em outras palavras,
os temas gerais foram dedutivamente levantados a partir dos pressupostos da pesquisa e também
derivados indutivamente da narrativa. Os temas gerais e subtemas da narrativa foram articulados
com os pressupostos teóricos da Psicologia Analítica e discutidos levando-se em conta objetivos
propostos.
Foram extraídos da narrativa os seguintes temas gerais e subtemas com suas respectivas
descrições:
a) como a sociedade o vê: consideram-se, nesse agrupamento, opiniões que o participante
julga vigentes na sociedade a respeito da situação do homem que não trabalha e não tem
renda. Subtema de destaque: “julgamento da família e da cultura”;
b) cobrança interna e externa: considera-se, nesse agrupamento, a noção de pressão para
buscar trabalho exercida interna ou externamente. Subtemas: “escolha de carreira e cobrança
da sociedade”; “mensuração e avaliação de qualidades”; “precisa estar empregado”;
c) atitude diante do trabalho: consideram-se, nesse agrupamento, as atitudes, entendidas
como uma disposição da psique para agir ou reagir de determinada forma. Subtema: “falta
de recompensa”;
d) expectativa de futuro: consideram-se, nesse agrupamento, as perspectivas vislumbradas
para a mudança da situação atual de estar sem trabalho e sem renda. Subtema: “empenho
na busca de trabalho”.
Resultados
No discurso de Rodrigo, a cobrança está presente como uma pressão externa, atribuída
à sociedade e ao sistema capitalista. Refere que a sociedade “cobra” do indivíduo, desde muito
jovem, a escolha da carreira, o sistema “cobra” que se tenha renda para adquirir coisas, e a família
e a cultura como um todo “cobram” que se trabalhe, a fim de que a personalidade e qualidades
individuais possam ser mensuradas e avaliadas.
Com relação a como a sociedade o vê, Rodrigo percebe um julgamento crítico da família e das
pessoas em geral, endossado pela cultura, por não trabalhar e depender financeiramente da esposa.
Entende como uma visão machista “a priori” da esposa o incômodo dela pela situação de ser a única
provedora do lar, mas pontua que ela “já evoluiu” nesse pensamento ao perceber que os dois atuam
em parceria, um ajudando ao outro. Afirma não se abater com o preconceito sofrido e também não
compartilhar dessa visão, não percebendo a si mesmo como merecedor de críticas.
No que se refere à atitude diante do trabalho, aponta em seu relato já ter enfrentado
dificuldades com seus empregadores ao longo da sua jornada profissional, por isso reforça que
hoje busca realizar um trabalho em que faça “as coisas sozinho”, “por conta”, sem depender
de um chefe. Afirma gostar de trabalhar, mas a falta de recompensa percebida no trabalho o
teria levado a sentir-se desestimulado. Diz que, atualmente, procura adotar uma postura mais
afirmativa, ampliando o conceito de recompensa pelo trabalho para além do financeiro e
contratual. Contudo, ainda não parece ter adotado essa postura, e há indícios de uma atitude
defensiva, como será observado mais adiante.
Quanto ao tema expectativa de futuro, Rodrigo afirma que exerce, no momento, as
atividades necessárias para iniciar o seu novo empreendimento, salientando, conforme será visto
na análise da sua narrativa, entender o empenho na busca de um trabalho como um modo de
trabalhar, apesar de estar sem renda.
A unidade de significado que pode se depreender da análise temática é: “a dificuldade de
receber recompensa pelo trabalho”.
Discussão
2 Na mitologia greco-romana, Cronos-Saturno substituiu o pai Urano, que não permitia que Gaia desse à luz seus
filhos, tornando-se um opressor de igual magnitude ao engolir os filhos por lhes temer o potencial (Hollis, 2008).
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ele de Pai Tempo, cuja polaridade é o puer aeternus, o Jovem Eterno, de forma que o aspecto frio
e castrador de Cronos se iguala ao aspecto rígido do senex que reprime a vitalidade da psique.
Nesse sentido, Rodrigo parece ter se aproximado da faceta enrijecida do senex na sua relação com
o trabalho, adotando uma postura defensiva diante desse e se distanciando da característica do
puer que acrescenta fluidez, prazer e inspiração para o novo.
Hollis (2008) considera que as imagens e expectativas que a família e a cultura depositam
sobre os homens lhes causam feridas e mágoas, que ele denomina como “sombra Saturnina”. Tal
sombra tanto pode desorientar o fluxo da energia vital e promover a raiva, quanto pode impulsionar
o indivíduo para o crescimento e a mudança, o que não ocorreu com Rodrigo. Ele parece ter se
mantido cristalizado no ressentimento em relação ao que lhe foi imposto pela família e pela cultura
na sua experiência com o trabalho. Santarém (2008) também aponta o mundo do trabalho como
um espaço para a expressão da natureza arquetípica das relações, afirmando que Cronos, em seu
aspecto tirânico, pode ser representado pelo chefe opressor e abusivo que tolhe a criatividade do
empregado. Rodrigo relata o incômodo sofrido durante toda a sua jornada profissional com a
posição de dependência de um empregador, denotando conflitos nessa relação, o que pode ser
considerado como uma projeção do seu complexo negativo na figura dos chefes, que tolhiam a
sua recompensa apesar dos seus esforços. Essa projeção parece ser também direcionada para o
sistema capitalista, que ele aparentemente culpa por sua dificuldade de crescimento profissional.
De acordo com Jung (1924/1999), o sacrifício como padrão arquetípico faz parte de todos
os processos de transição ao longo da trajetória de vida. Entretanto, quando não é aceito, pode
ser prejudicial para a psique. Nas palavras do autor:
O sacrifício não desejado é catastrófico. O daimon nos faz cair e nos transforma em traidores
de nossos ideais e de nossas melhores convicções, até de nós mesmos, tal como pensávamos
conhecer-nos. A situação é outra se o sacrifício é feito voluntariamente. Neste caso ele não
significa queda, “inversão de todos os valores”, mas transformação e preservação (Jung
1924/1999, par. 553).
Conclusão
Referências
Ezzy, D. (2002). Coding data and interpreting text: Methods of analysis. Australia: Routledge.
Hillman, J. (1989). Entre vistas: Conversas com Laura Pozzo sobre psicoterapia, biografia, amor, alma, sonhos,
trabalho, imaginação e o estado da cultura. São Paulo: Summus.
Hillman, J. (2008). O livro do Puer: Ensaios sobre o arquétipo do Puer Aeternus. São Paulo: Paulus.
Hollis, J. (1997). Sob a sombra de Saturno: A ferida e a cura nos homens. São Paulo: Paulus.
Santarém, R. (2008). Nas relações de trabalho. In: Maria Ribeiro Monteiro (org.). Puer-senex:
Dinâmicas relacionais. Petrópolis: Vozes.
Tinoco, R. (2004). Histórias de vida: um método qualitativo da investigação. Psicologia: O portal dos
psicólogos, Portugal. Recuperado de http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0349.pdf.
86 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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NISE DA SILVEIRA MÉTODO E PRÁTICA
Guilherme Augusto Souza Prado
Introdução
O
presente trabalho visa explorar a perspectiva desenvolvida por Nise da Silveira
no campo do cuidado em saúde mental. Embora não seja novidade em termos
cronológicos, entendemos que sua é inovadora e sem dúvida alguma muito potente
nos desdobramentos com que pode ser desenvolvida no âmbito da psicologia brasileira.
Com efeito, para nos acercarmos a um tema tão complexo e repleto de uma variedade imensa
de abordagens como o campo do cuidado em saúde mental, o nome de Nise é incontornável e
por isto, o presente trabalho busca explorar o aspecto inovador de sua abordagem, seu método
e sua prática. Psiquiatra rebelde, nos termos de Ferreira Gullar (1996), ela atua na interface entre
política, sociedade e arte para enfrentar com pioneirismo um problema científico tão difícil quanto
desafiador: investigar como alguns esquizofrênicos – incluindo-se alguns tidos como crônicos –
exprimem suas vivências por meio de formas e imagens harmoniosas e, eventualmente, com valor
artístico. Porém, até o encontro com artistas como Almir Malvignier e Palatinik e críticos como
Pedrosa e Leon Degard e o subsequente reconhecimento do alto valor artístico das obras dos
clientes do Setor de Terapia Ocupacional do Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro, onde
Nise desenvolve seu trabalho inicialmente, ela busca interlocução e apoio na psiquiatria.
Entretanto, mesmo os livros da psiquiatria hegemônica da época – década de 1940 – que
se interessam e se prestam a discutir a produção expressiva de pessoas em sofrimento psíquico,
em sua maior parte se negam veementemente a reconhecer o valor artístico das obras, pinturas
e desenhos dos pacientes considerados doentes mentais, e insistem em procurar nessas pinturas
somente reflexos de sintomas e de ruína psíquica como relatado em Imagens do inconsciente (Silveira,
2015). Tal olhar depreciativo constitui o cânone da psiquiatria manicomial quando opera
tratamentos agressivos contra o paciente, como a lobotomia, o cardiazol, choque insulínico e a
eletroconvulsoterapia, aos quais Nise da Silveira (1992) opunha resistência, sendo considerada
anacrônica, ultrapassada, covarde – tudo o que na realidade de sua coragem e rebeldia, ela não
era.
Portanto, é na contraface destas práticas psiquiátricas cujo fundamento está na submissão,
na coerção e na deterioração do interno do manicômio à autoridade médica – conforme
ilustrado por Michel Foucault (2012) – que a psiquiatra rebelde vai buscar uma nova abordagem.
Tendenciosamente, reforçando suas teorias, os psiquiatras ressaltam na produção plástica dos
esquizofrênicos a ausência de formas orgânicas e figura humana, associando o predomínio
da abstração, da estilização, do geometrismo a processos de desumanização, esfriamento,
desligamento e dissolução do real (Silveira, 2015).
Uma vez que se supõe de antemão as características de embotamento afetivo e ruína da
inteligência aos internos do manicômio, eles são desvalidos de sua humanidade e da realidade
Método
Ao enaltecer o aspecto humano das pessoas consideradas doentes mentais, Nise vai
encontrar apoio e suporte para uma outra abordagem acerca do problema do sofrimento
psíquico, sua expressão e cuidado não em seus pares médicos, mas com o reconhecimento do
valor artístico da produção dos clientes do Ateliê de Terapia Ocupacional. Pois a apreciação e a
análise da produção pictórica dos doentes mentais exigem um entendimento mais profundo que
o da psiquiatria de base coercitiva de então, compreensão que ela encontra na interlocução com
a psicologia analítica de C. G. Jung.
A partir da proposta de compreensão do sofrimento e do transtorno psíquico como
resultado do conflito elementar entre os conteúdos arcaicos do inconsciente e a consciência que
estrutura o ego (Jung, 2008) é que nos dispomos a expor um método intrínseco à prática de
cuidado e tratamento que fundamentam a abordagem inovadora que extraímos dos escritos de
Nise da Silveira (1992). Em Imagens do inconsciente, Silveira (2015) pondera que em 1915, durante
a guerra, o célebre pintor Paul Klee afirma que é característico que um mundo em paz seja capaz
de gerar arte realista. Num período conflituoso, contudo, se abandona o mundo real em favor de
outro, que possa permanecer intacto; argumento chave na história da arte. De Worringer (1955)
a Chipp (1996) e a Pedrosa (1949), uma série de críticos e historiadores da arte apontam que os
movimentos modernistas que vêm a legitimar a abstração, o geometrismo, o espontaneísmo –
de modo a valorizar a expressividade outrora considerada expressão simples ou primitiva – são
agitados pela onda de conflitos que assolam a Europa entre o final do século XIX e início do XX,
quando eclodem os movimentos de vanguarda. Entretanto, não é este tipo de conflito que Nise da
Silveira (2015) aponta na encruzilhada entre a produção pictórica e o estado da mente e da alma
dos frequentadores do Ateliê de Terapia Ocupacional.
Para Nise da Silveira (2015), trata-se sobretudo de um conflito psíquico, conflito entre
forças inconscientes e a consciência que estrutura o ego, forças de uma instância desconhecida,
arcaica e profunda que atacam o ego, seus recursos de mediação, percepção e sentido, de modo
a comprometer seus mecanismos de defesa e ação. Tais formações inconscientes, dotadas de
alta carga energética, são capazes de gerar efeitos de desintegração ocasionando a invasão e a
concomitância de realidades distintas, como ela encontra na descrição da esquizofrenia segundo
a psicologia analítica junguiana.
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O tumulto causado pela desintegração do ego e a subsequente derrocada de suas funções
que ocorre quando o psiquismo se vê incapaz de suportar as tensões de alguma situação existencial,
de lidar com relacionamentos frustrantes, com o impacto de emoções violentas ou com o trabalho
surdo dos afetos intensos. Nestes casos em que a libido é introvertida e reativa o inconsciente em
suas dimensões mais profundas e arcaicas, “o ego, partido em pedaços, não tem forças para fazer
face à realidade externa nem tampouco consegue controlar a maré montante do inconsciente”
(Silveira, 2015, p. 178). Neste aspecto, Nise enfatiza que embora a psicologia junguiana dê maior
relevo aos fenômenos intrapsíquicos, ela não despreza as situações interpessoais capazes de gerar
grande comoção emocional e mobilizar as profundezas de nosso psiquismo, fazendo com que a
ativação dos conteúdos do inconsciente coletivo busque saídas para os impasses e adversidades
vivenciadas pelo indivíduo, mesmo que atue de forma arcaica e tumultuada.
De maneira sucinta, Silveira (2015) fundamenta seu método contiguamente ao junguiano, que
retoma a definição de Bleuler para a esquizofrenia, caracterizada como cisão das funções psíquicas,
uma cisão interna refletida na produção plástica dos esquizofrênicos com a ruptura e fragmentação
das formas. Esta ruptura é devida à própria distinção e ao tipo de relação compensatória que a
psicologia junguiana presume entre consciência e inconsciente. Esquematicamente, observamos
que os conteúdos e tendências de ambas as instâncias raramente coincidem e, ao passo que o
inconsciente compensa aquilo que a consciência e o ego não conseguem lidar, compensando seus
limites e incapacidades, há uma possível inversão nestes termos, na qual a consciência tende a
compensar aquilo que fica mal-resolvido no limiar do inconsciente com ela.
De fato, Jung (1984, p. 132) descreve uma relação de complementaridade entre ambas as
instâncias em quatro pontos, primeiramente assinalando que “os conteúdos do inconsciente
possuem um valor liminar”. Isto significa que os conteúdos inconscientes assumem um valor de
passagem entre duas instâncias, atuando nos limites entre o que é perceptível, o que é sensível (na
relação consigo e com o mundo) e o que acontece.
Segundo ponto, se o inconsciente assume este papel de passagem e trânsito, a consciência
exerce a função de inibição e censura sobre todo material considerado incompatível de acordo
com as funções dirigidas do ego e da consciência na mediação entre o mundo interno e o exterior.
Consequentemente, o material incompatível mergulha no inconsciente e assim chegamos ao
terceiro ponto. Nele se entende a consciência como um processo momentâneo de adaptação
que conjuga a realidade presente (interna e exteriormente) com o inconsciente, que condensa
não apenas o material esquecido e reprimido pela censura do passado individual, como os
traços funcionais arquetípicos que são herdados e constituem a estrutura filogenética do espírito
humano. Tais formações arquetípicas são consideradas inatas em nossa espécie – ou pelo menos
em nossa cultura – desde a decantação das vivências de nossos antepassados.
Por último, considerando as funções de passagem, mediação e armazenamento do
inconsciente, observa-se que ele contém todas as combinações da fantasia que não encontraram
circunstâncias disparadoras ou favoráveis para ultrapassarem a intensidade liminar desde a qual
os conteúdos inconscientes se traspõem para a consciência.
Destarte, se Jung (2008) considera o inconsciente – em seu individual e coletivo – um
fenômeno natural caracterizado pela produção de símbolos relevantes, podemos compreendê-lo
como polo armazenador que contém virtualmente toda extensão do que é vivível na vida de uma
pessoa. Porém, desde a perspectiva do inconsciente coletivo, ele não se restringe ao que fora vivido
em sua história pessoal, alcançando as vivências que uma pessoa possa vir a ter ou experimentar
virtualmente por meio dos arquétipos, capazes de atualizar na existência de um indivíduo os temas
arcaicos e profundos deste estrato profundo de caráter universal que repousa na imaginação dos
homens (Jung, 1984).
Atuando de maneira condensada desde o que se apresenta como conteúdo dos mitos e
religiões, as formações deste inconsciente coletivo são vivenciadas como algo monstruoso que,
devido à alta carga de afeto e energia, acaba tendo efeitos desintegrativos sobre o indivíduo em
sofrimento psíquico. Partindo de tal concepção para o transtorno psíquico, como decorrente
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De fato, Nise da Silveira (1992, p.63) percebe nos freqüentadores do ateliê de pintura, “a
existência de uma pulsão configuradora de imagens sobrevivendo mesmo quando a personalidade
estava desagregada”, uma tendência humana à atividade de simbolização, pois o caráter patológico
de cada condição existencial não advém da simples presença destas representações arquetípicas,
mas da dissociação do ego e da pulverização da consciência que os torna incapazes de operar e
controlar o inconsciente, mediando as relações entre ambas as instâncias e o mundo exterior. A
psicopatologia não indica apenas o reflexo destas imagens, antes, ela é signo do comportamento
autônomo desses conteúdos em relação à estruturação básica da psique, contra a qual eles atuam
com a violência que dispõem da alta intensidade energética que os constitui e dispara.
Porém, devido à afetividade intensa e disruptiva que os arquétipos e dramas contêm, nem
sempre eles se manifestam de maneira serena e articulada. Todo arquétipo tem suas manifestações
clara e sombria, seu aspecto positivo e negativo. Constatação que faz com que Silveira (2015)
aponte que a mobilização emotiva destas representações na situação pré-psicóticas, pode
gerar vivências terrificantes ou compensações, de acordo com o caráter manifesto da imagem
arquetípica emergente. O caráter compensatório de tal mobilização sinaliza a articulação sadia
entre os conteúdos inconscientes emergentes e a consciência que media as ações do ego. Assim,
por vezes, frente ao alto grau de crispação da consciência, expressar o que se passa no cerne do
conflito psíquico que caracteriza os inumeráveis estados do ser se torna possível apenas às mãos
que, mesmo na confusão desintegradora do ego, são ainda capazes de fantasia.
Resultados
Discussão
Por fim, entendemos que o movimento que conduz à expressão abstrata corresponde a
uma atitude de introversão, na qual o indivíduo projeta sua difícil relação consigo – dada no
embate entre os conteúdos inconscientes invasores e o ego – no objeto exterior. Movimento que
exprime uma tentativa de autorregulação sob o aspecto de tendência ao lúdico, onde as formas
adquirem vida própria, transformando-se multiplamente. Por um lado, a tendência da psique à
autorregulação é expressa pela função criadora de símbolos, que mobiliza uma energia psíquica
primitiva para dispor de uma consciência que Jung (2008) considera mais avançada ou esclarecida,
expressa numa mente arcaica comum a todo homem. Por outro, a fim de fundamentar seu
argumento, Nise recorre à tese de Worringer (1955), segundo a qual o sentimento estético se move
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entre os polos da necessidade de empatia e de abstração, cada qual mobilizada de acordo com
distintas relações entre a pessoa e o cosmos. Destarte, a empatia surge como pressuposto básico
da experiência estética e articula o mundo orgânico com uma atitude de extroversão projetando
os bons sentimentos que tem consigo no objeto. Já a tendência à abstração é mobilizada quando
o cosmos e os fenômenos do mundo externo infundem medo provocando confusão e inquietação
interior. Ambas, empatia e abstração, funcionam por projeção e são necessárias para a apreciação
e a criação estéticas. Do cerne deste jogo – que não raro adquire os tons de um redemoinho
perturbador – entre o indivíduo e o mundo exterior é que a arte ganha corpo. Pois ela retira as
coisas de suas manifestações vitais instáveis para coloca-las sob leis permanentes, do tipo que
regem o mundo inorgânico, num movimento que nos permite compreender como a estilização e
a abstração sejam buscadas como ponto de refúgio e tranquilidade.
Deste modo, podemos observar a torção paradigmática, ressaltada por Silveira (2015) na
primeira metade da obra Imagens do inconsciente, que aproxima a loucura da arte, tida como a mais
alta atividade humana como uma pista que marca sua abordagem: ao enaltecer o aspecto humano
do sofrimento psíquico em correlação com a produção pictórica de pessoas consideradas doentes
mentais, o aspecto médico do problema toca o artístico através da terapêutica. No bojo desta
torção, as expressões inorgânicas abstratas, geometrizadas e estilizadas que foram consideradas
signos da inferioridade, do caráter mórbido, intratável e animalesco das pessoas consideradas
doentes mentais são positivadas e ressignificadas no contexto da vanguarda das artes plásticas
no século XX.
Ora, se a psiquiatra rebelde não encontrava interlocução com seus colegas médicos, na
teoria e na terapêutica psiquiátrica em voga primeira metade do século passado – à medida em
que estes se restringem a técnicas que decaem facilmente ao patamar da coerção e da punição –,
vemos que antes de tudo é o meio artístico que acolhe o aspecto único e singularmente valioso da
pintura dos esquizofrênicos.
Na época, curador do Museu de Arte de São Paulo, o crítico belga Leon Degard, ressalta o
valor estético das obras dos artistas do Engenho de Dentro, ao passo que Mário Pedrosa (1949)
destaca sua modernidade na contravenção das convenções acadêmicas, da visão naturalista
e fotográfica receitadas nas escolas (Arantes, 1991). Assim sendo, aquelas expressões outrora
associadas por psiquiatras ao embotamento afetivo e à incapacidade intelectual passa a ocupar
um lugar reconhecidamente de valor naquilo que Silveira (2015) talvez considere a mais elevada
manifestação humana: a arte.
Alçar a arte como a mais alta atividade humana fundamenta o argumento de Nise da Silveira
(1992) que enaltece a dignidade do trabalho. Mesmo quando se depara com a dura questão
sobre as dificuldades e a efetividade do tratamento com esquizofrênicos e sobre a imutabilidade
da condição humana, e especialmente daquela cronificada em doença mental, ela diz que o
tratamento parte sobretudo de se aceitar e promover a dignidade do trabalho. Pois o trabalho não
é algo (necessariamente) servil, mas uma atividade capaz de exprimir a alma da pessoa. Torção
que faz passar de uma visão coercitiva, desumanizadora e de submissão à autoridade médica a
uma verdadeira reforma no modo de compreender e de pautar a política de assistência e cuidado
em saúde mental.
À medida que a expressão pictórica – por vezes abstrata e estilizada – dos clientes do Ateliê
de Terapia Ocupacional manifesta simbolicamente os temas profundos e arcaicos que surgem
do conflito entre as instâncias psíquicas, o método junguiano auxilia Nise a fundamentar sua
abordagem e sua prática numa visão que torna política, sociedade e arte indissociáveis na visão
de Ferreira Gullar (1996). Destarte, o método, a abordagem e a prática da psiquiatra rebelde
confluem para transformar a política de assistência manicomial contiguamente à mentalidade de
parcela da população e dos profissionais acerca da natureza, do funcionamento e do tratamento
Conclusão
Por fim, podemos conferir que os aspectos de intrusão e desintegração que caracterizam o
que é considerado patologia, transtorno e sofrimento psíquico são um contraponto à concepção
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de psiquismo como um sistema vivo que podemos extrair dos livros de Nise da Silveira (1992,
2015). Sistema cujo dinamismo próprio tende à autorregulação e se orienta para a saúde e a
autocura e desemboca num método de leitura que vai do psíquico ao artístico extrapolando o
que se poderia identificar coma uma psicopatologia para alcançar os mecanismos de constituição
psíquica e a própria vontade de formar o mundo, num ponto em que coincidem os laços entre
a psicologia profunda, a lógica da criatividade e a base profunda universal da psique (Frayze-
Pereira, 1995).
Partindo da comunicação e do acesso – mediante linguagem simbólica não-verbal – à
vivência da pessoa em sofrimento psíquico, Nise busca realizar os contornos da experiência,
auxiliando-os na luta por uma existência menos sofrida. Os contornos, dados desde a dinâmica
dos conflitos expressos nos símbolos (imagens carregadas de afeto), devem auxiliar a restabelecer
o ego e as relações de mediação e socialização dependentes dele ao passo em que favorecem
o desenvolvimento das “sementes criativas inerentes” (Silveira, 2015, p. 110), enaltecendo o
potencial de simbolização e produção de vida.
Logo, a reabilitação psicossocial colocada em marcha no tratamento depreende uma prática
inovadora efetivada mediante duas condições: a tendência do psiquismo à instauração de meios
de autorregulação e autocura impulsionadas, por sua vez pela mediação do cuidado através do
que Nise chama de afeto catalizador.
No que concerne ao ímpeto de autorregulação e saúde próprio da psique, o acompanhamento
dos ateliês de pintura e modelagem proporcionou a Nise uma maior compreensão do dinamismo
psíquico presente na esquizofrenia, assim como da tendência humana ao simbolismo. Tendência
que ela encontra especialmente na produção espontânea das mandalas, que indica, por usa vez
uma disposição inconsciente a compensar o caos interior e na busca de um ponto central na
psique como tentativa de reconstruir a personalidade dividida. Ao mesmo tempo em que esta
tendência apresenta uma face que visa de restabelecimento de uma ordem, pulsa nela ainda um
propósito criador, que leva a dar forma e expressão a algo de novo e único que ainda não existe.
Por fim, a prática de cuidado pautada por Nise da Silveira (2015) depreende que se faça
do ateliê um ambiente de acolhedor com clima de liberdade e sem coação, no qual, por meio
de diversas atividades, os sintomas pudessem encontrar oportunidade para sua expressão. Para
construir este espaço significativo, desencadeador de aproximações e disparadores do processo de
criação ela investe na formação de monitores. Sua presença constante no ateliê não visa interferir
nos trabalhos dos clientes, mas ofertar um afeto catalisador capaz de estimular a criatividade e
restaurar os meios de comunicação com o mundo ao redor. A eficácia do tratamento depende da
presença de um ponto de apoio com o qual o paciente pode fazer trocas de investimento afetivo.
Assim, a presença dos monitores visa dar continência às experiências, para não apressar as coisas,
acolhendo dores, silêncios, ritmos, e, ao mesmo tempo, estimulando a expressão e processos de
criação, que se desenvolvem apenas mediante o suporte do afeto. Neste ponto em que o suporte
afetivo funciona como um disparador do processo de cura é que se tocam o método analítico,
a abordagem humana e a prática radical e acolhedora de Nise da Silveira. Ponto no qual se
diminui a importância da função diagnóstica – base da ideia de arte patológica e dos tratamentos
desumanos coercitivos – em prol da experimentação, da invenção, da criatividade, do afeto e do
cuidado através dos quais o tratamento se volta para compreensão da vivência e construção de
passagens para a autonomia dos usuários dos sistemas de saúde mental.
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96 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EFEITO PLACEBO, EFEITO NOCEBO E PSICOTERAPIA
Davi De Sousa Araujo
Andréia De Medeiros Cunha
Amanda Maria Galeno Brito
Dandara Savina Fernandes do Carmo
Cíntia Pereira de Araujo
Khalina Assunção Bezerra
Introdução
P
ercebe-se na atualidade que a sociedade está cada vez mais condicionada ao uso
excessivo de medicamentos e diagnósticos, simplificando ou justificando tudo a
psicopatologias. Ainda percebe-se também a recorrência de processos de adoecimento
e cura ligados à relação mente-corpo, conferindo ao indivíduo potencialidades sobre suas próprias
condições de saúde. Nesse contexto, a psicoterapia atua como estratégia de enfrentamento e
melhoria da qualidade de vida.
A palavra Placebo é originada do latim e significa “agradar”, podendo ser considerado algo
que não possui valor medicinal ou atividade farmacológica (Furnham, 2015). Para Epstein (2010),
tal termologia é o nome dado para caracterizar o poder da mente no processo de auto cura do
corpo sem um notório intermédio físico. Conforme Furnham (2015), o uso do Placebo associado
ao cenário médico ortodoxo resultou no alívio de sintomas de variadas doenças como a asma, o
câncer, o mal de Parkinson, a esquizofrenia, a epilepsia, dentre outras.
Balestieri (2009) ainda contribui ao relatar que o efeito Placebo não está restrito apenas aos
medicamentos inertes, mas também nas cirurgias brancas ou sham (intervenção cirúrgica falsa),
em recursos terapêuticos psicológicos e demais tipos de tratamento que resultam na cura, como
a fé colocada em seres supremos, Jesus Cristo, Buda, santos, curandeiros e até mesmo em si
próprio. Quando utilizado em um simulacro cirúrgico, por exemplo, o efeito Placebo age de forma
específica e dependendo das indicações fornecidas ao paciente, pode gerar efeitos opostos que
levam ao agravo dos sintomas, ou melhor, ao efeito Nocebo que consiste na manifestação de
emoções negativas.
O efeito Nocebo tem um forte componente psicológico no desenvolvimento de patologias
físicas, assim como acontece com as doenças psicossomáticas, que são conceituadas como
qualquer desordem somática originada de um determinismo psicológico que está presente na
gênese da doença. O princípio atual da psicossomática envolve a unidade básica do organismo
do indivíduo e a hierarquia progressiva das funções e organização (Capitão & Carvalho, 2006).
De acordo com Yoshida (1998), no contexto histórico da psicoterapia foram encontradas
evidências de que as psicoterapias são: efetivas, mais eficientes do que a falta de terapia, o
resultado benéfico persiste por um extenso tempo e independente da teoria usada, sua aplicação
é eficiente na realização de mudanças. Dessa forma, acredita-se que por meio da utilização da
psicoterapia é possível diminuir os efeitos do Nocebo.
Método
Este trabalho consiste em uma pesquisa de revisão sistemática de literatura, que segundo Gil
(2010), se caracteriza por suprimir dúvidas a partir de pesquisas em documentos (artigos, jornais,
periódicos, revistas, teses, dissertações), implicando no esclarecimento das pressuposições teóricas
que fundamentam a pesquisa e nas contribuições proporcionadas por estudos já realizados com
uma discussão crítica.
Para Silva e Menezes (2005) as contribuições da revisão de literatura são no sentido de obter
informações sobre a situação atual do tema ou problema pesquisado; conhecer as publicações
existentes sobre o assunto e os aspectos que já foram abordados; e verificar as opiniões equivalentes
e discrepantes, além dos aspectos relacionados ao tema ou ao problema de pesquisa.
98 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Realizou-se esta pesquisa com base em 05 artigos científicos pesquisados nos seguintes
bancos de dados: SCIELO (Scientific Eletronic Library Online), Pepsic e SOBRAPE (Sociedade
Brasileira de Periodontologia), dos últimos 05 anos, nas línguas portuguesa e espanhola. Os
descritores utilizados foram: Placebo, Nocebo, psicoterapia e psicossomática; com o propósito
de delimitar o tema e focar nos processos pré-estipulados.
O objetivo deste trabalho trata-se de um criterioso levantamento e discussões em torno da
problemática atual relacionada ao tema, na busca do melhor entendimento sobre o processo de
auto cura através do poder da mente conhecido como Placebo por intermédio da psicoterapia.
Além disso, busca-se estudar e analisar o entendimento sobre as doenças psicossomáticas
como sendo efeitos colaterais do Placebo, ou mais especificamente o Nocebo. Como critério de
inclusão utilizou-se o ano de publicação e os descritores mencionados referentes ao tema. Os
critérios de exclusão foram baseados nos textos que tratavam do assunto a partir de outro prisma,
diferente da modalidade artigo científico. De acordo com a resolução de nº 510/2016, que trata
da necessidade de submissão de estudos ao Comitê de Ética em Pesquisa (Conselho Nacional de
Saúde [CNS], 2016), as revisões de literatura não demandam esse procedimento.
Resultados
Para a obtenção dos dados, inicialmente foram selecionados trabalhos que se relacionavam
amplamente à temática escolhida. Em seguida, foram excluídas as publicações classificadas
como comentários, resenhas, dissertações e teses, mantendo somente publicações em revistas e
artigos científicos publicados, por contemplarem especificamente, os descritores selecionados.
Observou-se a temática do estudo, de acordo com cada título e conjunto de palavras-chave para
a escolha das publicações, com o intuito de confirmar se concentravam as perguntas norteadoras
desta investigação e se atendiam aos critérios de inclusão e exclusão pré-estabelecidos. Ao
todo foi selecionado um total de 05 artigos científicos publicados nos últimos 05 anos, ligados
a temática da pesquisa. Finalmente os artigos escolhidos foram organizados por data de
publicação e apresentados segundo os objetivos deste trabalho, tratando desde Placebo, Nocebo,
psicossomática e psicoterapia.
Tabela 1
Classificação do acervo selecionados de acordo com título, autores, revista, ano, resumo
Discussão
Conforme o que foi observado na tabela 1, um dos artigos examinados foi o “Priming,
mindfulness e efeito Placebo. Associação com a saúde, exercício e atividade física não programada.
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Uma revisão sistemática da literatura” dos autores Teixeira e Palmeira (2013), no qual visaram
responder um dos questionamentos desse artigo: Seria possível através da mente humana
desenvolver uma doença e da mesma forma amenizar ou até mesmo curar o que antes era
considerado patológico pelo próprio homem? De acordo com os autores há argumentos de que o
efeito Placebo é o efeito psicológico ou psicofisiológico gerado pelo Placebo.
Outra teoria citada no mesmo estudo envolve três aspectos explicativos referentes ao efeito
placebo: as endorfinas, as catecolaminas, o cortisol, e a Psicoimunoneurologia, sendo que todos
esses estão relacionados com as modificações de sintomas corporais, conhecidos também pelo
envolvimento íntimo das condições emocionais e cognitivas do sujeito. Os mesmos autores ainda
relatam que o efeito Placebo não está limitado apenas aos tratamentos físicos ou farmacológicos,
podendo abranger qualquer exemplo de terapia associada à conversa, como a psicoterapia e
a psicanalise. Dessa forma, o primeiro artigo em partes vai ao encontro da primeira hipótese:
existem reações do organismo em relação à manifestação dos efeitos Placebo e Nocebo.
Além disso, o primeiro artigo ao relatar que o efeito Placebo pode ser uma psicoterapia,
acaba validando a segunda hipótese: As psicoterapias são modalidades de tratamento que
utilizam Placebos como estratégia de intervenção para a cura de diversas doenças. Nesse contexto,
compreende-se que a psicoterapia em si poderia ser o Placebo pelo qual o cliente cria expectativas,
podendo causar benefícios tanto quanto a fé nas pílulas inertes.
O segundo artigo cujo título é “Percepções e práticas sobre psicossomática em profissionais
de saúde de Cacoal e Nova Brasilândia/RO” dos autores Assis et al. (2013), explana sobre a
interação entre mente/psíquico e corpo envolvendo a psicossomática que possivelmente resulta
em doenças derivadas do mal funcionamento da interação citada. Conforme os autores, a
psicossomática envolve a influência da mente/psiquismo sobre o corpo, ou melhor, elementos
de origem psíquica como as emoções, o estresse e aspectos emocionais mal administrados que
refletem no corpo orgânico, contribuindo para sintomas que os exames não conseguem detectar.
Dessa forma, ocorre a junção corpo e mente (psique e soma), onde a mente seria encarregada das
atribuições cognitivas e/ou emocionais e o corpo, a organização física. O organismo em meio a
isso se contrapõe constantemente entre a emergência e a afluência de alterações e a necessidade
de desengatilhá-las, utilizando alguns meios como a via orgânica. Tendo em vista o que foi exposto
no segundo artigo citado, é possível compreender que o mesmo também valida a primeira hipótese
do presente artigo ao relatar que existem reações do organismo em relação à manifestação do
efeito Nocebo.
O terceiro artigo selecionado foi o “Efeito Nocebo e consentimento informado
contextualizado: reflexões sobre aplicação em oftalmologia” do autor Almeida (2014). O texto
enfatiza a conscientização do paciente sobre possíveis efeitos adversos no organismo causado
pelos fármacos utilizados nos tratamentos. Dependendo da forma que é dialogado sobre isso,
pode originar desconforto causando o efeito Nocebo. Por consequência disso, a relação entre
o médico e paciente é de extrema importância. Tendo em vista que o profissional deve estar
devidamente preparado para abordar as informações sem deixar de lado os princípios éticos. O
autor discorre que os efeitos adversos ligados ao Nocebo não abrangem sintomas muito sérios,
pois são os mesmos encontrados em indivíduos considerados saudáveis que não fazem o uso de
medicamentos. Esses sintomas não sérios seriam a náusea, a fadiga, a insônia, entre outros.
O artigo do autor Almeida (2014) também contribui para a compreensão da primeira
hipótese ao abordar sobre as manifestações do Nocebo no organismo. Nesse contexto percebe-se
que efeitos colaterais do organismo podem ser manifestados através do contato do profissional
para com o paciente. Como elencando por Teixeira e Palmeira (2013), a psicoterapia como efeito
Placebo é algo benéfico para a saúde. Dessa forma, deduzisse que a psicoterapia como espaço
de psicoeducação contribui para a diminuição de tais efeitos colaterais, ou melhor, do efeito
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Considerações Finais
Com este trabalho foi possível vislumbrar que a mente humana possui habilidades de
desenvolver doenças físicas somatizando processos psicológicos negativos ao utilizar terapias
inertes, a exemplo do que ocorre com o efeito Nocebo. Por outro lado, essa mesma habilidade, se
revela através da capacidade mental de amenizar ou até mesmo curar agravos na saúde por meio
do efeito Placebo, que por sua vez, apresenta implicações positivas em relação às Psicoterapias.
Os estudos demonstraram que existem reações do organismo em relação à manifestação
dos efeitos Placebo e Nocebo, corroborando a primeira hipótese levantada nesse estudo. Além
disso, evidenciou-se que as psicoterapias são modalidades de tratamentos que utilizam Placebos
como estratégia de intervenção para a cura de diversas doenças, tal como se esperava na segunda
hipótese dessa pesquisa. Também foi possível verificar nessa revisão sistemática de bibliográfia
que as doenças psicossomáticas são, de fato, manifestações de efeitos colaterais do Placebo, ou
seja, o efeito Nocebo, conforme predizia a terceira hipótese desse trabalho.
Baseado nisso, compreendemos a atuação do efeito Placebo nas psicoterapias e a influência do
efeito Nocebo no desenvolvimento de doenças psicossomáticas. Entendemos as implicações éticas acerca
dos estudos envolvendo Placebo e Nocebo e acreditamos que novas pesquisas devem ser desenvolvidas
para a maior elucidação das controvérsias que ainda possam existir relacionadas a este tema.
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104 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
TERAPIA POR CONTINGÊNCIAS DE REFORÇAMENTO
(TCR) NO TRATAMENTO DO COMPORTAMENTO
AUTOLESIVO
Ernandes Barbosa Gomes
Kairon Pereira de Araújo Sousa
Emerson Diógenes de Medeiros
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Jefferson Machado Nobrega
Introdução
A
autolesão se constitui em um problema com uma diversidade de consequências
e implicações psicológicas, sociais, legais e éticas (Emelianchik-Key, Byrd & La
Guardia, 2016), podendo trazer sérios riscos à integridade física do indivíduo e
grandes prejuízos para seu desenvolvimento e qualidade de vida (Garcia & Oliveira, 2016).
O debate acerca do tema tem aumentado nos últimos anos, sobretudo pela maior
atenção dada pela mídia para o comportamento (Giusti, 2013). A autolesão é definida como
um comportamento intencional de agressão contra o próprio corpo, sem intensão consciente de
suicídio, provocando sangramento, contusão e dor, utilizado como uma maneira disfuncional para
lidar com as dificuldades interpessoais, sentimentos e pensamentos negativos, como depressão,
ansiedade, tensão, raiva, autocritica, etc. Não se trata de um comportamento aceito socialmente,
como por exemplo, o piercing corporal, a tatuagem ou atos de um ritual religioso ou cultural,
excluindo essas categorias na caracterização do comportamento. As formas mais recorrentes de
autolesão envolvem cortes superficiais na pele, queimaduras e batidas contra o próprio corpo
(DSM-V), sendo produzidos geralmente nos braços, pernas, abdômen e outras áreas expostas
(Giusti, 2013).
Estudos apontam que esse comportamento é prevalente na adolescência, começando entre
os 13 e 14 anos de idade (Briere & Gil, 1998), sendo mais frequente entre o sexo feminino (Giusti,
2013). De acordo com Silva (2015), os indivíduos que se autolesionam relatam um estado de
raiva, ansiedade e perda de controle, anteriores ao comportamento, normalmente provocados
por sensações de abandono, rejeição, culpa ou como forma de fuga de pensamentos recorrentes.
Após se autoesionarem, os sujeitos relatam sensação de bem-estar e alivio, seguidos por sensações
de culpa e vergonha.
Pessoas que apresentam esse comportamento, costumam mencionar um evento como
sendo a causa da autolesão, e não entram em contato com as reais consequências mantenedoras
do comportamento autolesivo (Silva, 2015). Nesse sentido, a Terapia por Contingências de
Reforçamento (TCR) tem muito a contribuir para a compreensão desse comportamento-alvo,
permitindo identificar e alterar contingências reforçadoras que o mantém.
106 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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é necessário estudar a relação entre o organismo e o ambiente, no qual este se insere. Isso significa
descortinar as aparências envolvidas em diagnósticos ou classificações, que estereotipam o
sujeito, escondendo às raízes motivadoras do comportamento rotulado. Cada indivíduo é único, e
qualquer tentativa de comparação representa um obstáculo a uma intervenção satisfatória. Nessa
abordagem, portanto, o aspecto idiossincrático do sujeito deve ser considerado como ponto de
partida do tratamento (Sousa, 2017).
O método adotado pela AC para estudar às relações funcionais entre os comportamentos
ou comportamento e ambiente, é conhecido como Análise Funcional. A análise funcional
busca os determinantes de um comportamento. Em outras palavras, analisar funcionalmente o
comportamento significa encontrar sua funcionalidade (Sousa, 2017). Desta maneira, AC deve
ser funcional, e não topográfica (Moreira & Medeiros, 2007).
Ao realizar a análise de contingências, o terapeuta identifica o que acontece antes (situação)
e depois (consequências) do comportamento (resposta), permitindo-lhe verificar as contingencias
reforçadoras que mantém determinado comportamento.
Explicitados esses pressupostos, o caso clínico desta pesquisa teve como objetivo aplicar
as técnicas e orientações da Terapia por Contingências de Reforçamento – TCR em problemas
comportamentais autolesivo de uma adolescente. O presente relato mostra a maneira como
foram identificadas as contingências de reforçamento que vêm modelando e mantendo os
comportamentos da queixa e como a mãe foi orientada para alterar tais contingências. A orientação
teve o objetivo de levá-los a enfraquecer os comportamentos indesejados, sem o uso de punição,
por meio da instalação e manutenção de classes de comportamentos, incompatíveis ou não,
com as classes de tais comportamentos indesejados, aumentando a frequência de consequências
sociais como atenção, elogio, afago etc. contingentes a comportamentos desejados.
Método
Neste trabalho, optou-se por um delineamento experimental de sujeito único, uma vez
que organismos individuais interagem de maneira singular no ambiente, de modo que, há uma
probabilidade bastante reduzida de dois indivíduos se comportarem da mesma maneira (Sampaio
et al., 2008). Assim, neste modelo de delineamento, um mesmo sujeito é submetido a todas as
condições do experimento e as observações são realizadas de forma contínua no decorrer de todo
o processo.
Participantes
Instrumentos
108 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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da situação-problema, esclarecimento da situação-problema, análise do desenvolvimento,
análise do autocontrole, análise dos relacionamentos sociais, análise do ambiente sócio-físico-
cultural.
Ressalta-se que os instrumentos anteriormente citados são adaptações feitas para uso
particular do terapeuta participante desta pesquisa e são usados para fins de coleta de informações.
Portanto, não foram submetidos a nenhuma pesquisa que comprovem sua validade e precisão e
por isso não estão disponíveis para uso generalizado.
Procedimento
Análise de dados
Resultados
Discussão
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ao identificar a(s) VI que mantém a ocorrência da VD, o terapeuta comportamental substitui a
VI por outra de modo que esta última seja incompatível com a que mantém o comportamento
problema (Moreira & Medeiros, 2007).
Apesar de obter resultados que corroboram os achados de casos semelhantes a este
(Briere & Gil, 1998; Silva, 2015), a TCR não deve ser apontada como uma técnica indicada
indiscriminadamente para quaisquer situações de mesma natureza, sem que antes se considere
a singularidade de cada indivíduo (Sousa, 2017). Deve-se observar também que, dependendo da
gravidade do problema, a exemplo de cortes em regiões que possam atingir uma veia ou artéria,
provocando risco iminente de morte, torna-se fundamental o acompanhamento por profissionais
de áreas que ofereçam outros tratamentos alternativos (por ex. psiquiátricos) que tenham efeitos
imediatos, além do proposto pela TCR, a fim de garantir a integridade física do cliente.
Outro ponto importante reside sobre o desafio da clínica, em o profissional transformar sua
práxis em pesquisas que aprofundem os estudos sobre o fazer psicológico no setting terapêutico,
para que, desta forma, se possa ampliar os conhecimentos psicológicos, transformando-os em
novas tecnologias a serem utilizadas nos espaços psicoterápicos.
Embora o objetivo principal deste trabalho tenha sido verificar a eficácia da TCR no
tratamento do comportamento autolesivo, é possível refletir sobre como os profissionais da
clínica, independente de sua linha teórica, estão imersos na prática e que em sua maioria se
limitam a isso. De modo geral, o espaço clínico é muitas vezes o lugar final da pesquisa básica,
permitindo o surgimento de tecnologias que são aplicadas nas psicoterapias.
Diante do exposto, instiga-se aos psicólogos clínicos que suscitem, a partir de suas
experiências clínica, pesquisas que visem ao aperfeiçoamento das técnicas existentes, permitindo
o aprofundamento das teorias que as fundamentam.
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view/197/163
Introdução
A
teoria Histórico-Cultural emerge durante o início do século XX, num contexto
de busca para superar a crise vivida pela Psicologia, evidenciada pelos conflitos
dos diversos métodos desta ciência, uma vez que havia lutas entre tendências
materialistas, mecanicistas e idealistas, com seus diversos objetos de estudo. De tal modo, Vigotski
(1934/2007) para superar tal crise, a própria condição teórica da Psicologia na época e em meio
a um contexto da Revolução Soviética, conjectura a criação de uma Psicologia geral, social e
dialética, redefinindo o objeto de estudo para a compreensão do ser humano em sua totalidade
(Zanella, Reis, Titton, Urnau & Dassoler, 2007).
Vigotski (1934/2007) desenvolve, a partir disso, seu método considerado dialético, e que
baseado na teoria Marxista, adere ao materialismo histórico e dialético para fundamentar sua
teoria e prática e concebe um novo olhar ao humano, este como um ser dinâmico, à medida que
possui uma construção histórica, social e cultural, sendo constituído através das relações com o
outro, com a sociedade e consigo mesmo, internalizando tais experiências. Assim, compreende
que a realidade de cada sujeito não acontece de forma unidimensional, mas que a construção
desse conhecimento acontece através de mediações subjetivas e experiências mundanas. Desta
forma, “Vygotski buscou superar as bases da Psicologia que naturalizava o comportamento
humano e que tinha sua gênese nas ciências biológicas, nos fenômenos da hereditariedade ou na
constituição física” (Carvalho, Araújo, Ximenes & Pascual, 2010, p.21).
Apoiado na evolução de estudos a respeito da constituição psíquica, Vigotski (1934/2004)
passa a incorporar as relações sociais no desenvolvimento de capacidades especificamente humanas,
que são as funções psicológicas superiores, tais como memória, abstração, sendo o pensamento e a
linguagem uma das mais importantes, pois é por meio da relação entre elas que identificamos ações
conscientes. É através disto que se dá também o processo de aprendizagem, tomando a linguagem
como principal mediadora, em que a relação do homem com o mundo ocorre por meio de outros
mediadores, que são os instrumentos e signos (Lima & Carvalho, 2013, p.156)
A Psicologia Histórico-Cultural possui suporte para a atuação da Psicologia em múltiplos
espaços, inclusive no contexto clínico, uma vez que considera a realidade em seu cunho múltiplo,
percebendo o conjunto de elementos sociais que rodeiam o ser humano, como signos e significados
que por vezes ainda não estão claramente identificados por ele e que pode causar sofrimento, mas
podem vir à tona num espaço mediado como a clínica (Carvalho et al., 2010).
Sendo assim, o objetivo deste trabalho é apresentar um breve estudo da Psicologia Histórico-
Cultural focando na sua possibilidade de aplicação na prática clínica, para isso, utilizaremos
114 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
o método que acompanha tal atuação, assim como a relevância teórica e epistemológica
Vigotskiana, principalmente quando se fala em subjetividade, mediação, sentidos, significados,
atividade principal e zona de desenvolvimento proximal, dentre outros conceitos trabalhados
junto ao contexto clínico. Para além disso, cabe na clínica também a necessidade de se deter no
método e nas técnicas que envolvem as potencialidades a serem desenvolvidas o sujeito (Oliveira
& Alves, 2015).
Considerando que as condições de atuação do espaço clínico na abordagem Histórico-
Cultural ainda estão em construção, reconhecemos que deve-se manter uma dimensão de cuidado
frente a sua contemporaneidade. Justificamos nossos estudos na condição de investigação e na
produção de estudos acerca das contribuições teóricas metodológicas de intervenção na pratica
clínica, a fim de gerar possibilidades dentro desse espaço para ser possível desenvolver olhares
mais direcionados a essa prática com maior segurança e embasamento teórico.
Método
A metodologia utilizada é de caráter qualitativa, pois atua com elementos objetivos e subjetivos
do sujeito em sua relação com o mundo, os quais não são possíveis de serem quantificados
(Kauark; Manhães & Medeiros, 2010). Diante da proposta da Psicologia Histórico-Cultural em
sua atuação clínica, essa característica metodológica nos serve à medida que compreendemos o
sujeito em sua constituição individual vinculada a relação histórica e social deste.
Com base nos objetivos, a pesquisa é classificada como explicativa, ao passo que buscamos
identificar e explicar fatores que influenciam na ocorrência de certos fenômenos, (Gil, 2002) que
nessa situação é o processo terapêutico fundamentado na teoria Histórico-Cultural.
Dessa forma, fizemos um levantamento bibliográfico, de início na Plataforma Capes,
utilizando os seguintes descritores: psicologia, (histórico-cultural ou sócio-histórica), (psicoterapia
ou clínica), delimitando a data da publicação de 2002 a 2017, notamos que mesmo especificando
a área clínica da abordagem, os resultados que se apresentaram eram em sua maioria do campo
educacional, visto que Vigotski é bastante reconhecido em seus estudos sobre desenvolvimento.
Contudo, ainda encontramos poucos artigos relevantes que foram essenciais para nossa pesquisa.
Por conta da escassez de produção a respeito da temática, buscamos também artigos no Google
Acadêmico.
Os artigos que alcançaram nossos critérios foram os que mais tratavam de uma questão
prática metodológica da atuação clínica, como Oliveira e Alves (2015), Lima e Carvalho (2013),
Zanella et al. (2007), Aires, (2006), Dias (2005), além de obras renomadas de Vigotski e alguns
artigos que nos deram base para compreender os conceitos básicos da teoria.
Os pressupostos teóricos da pesquisa são baseados em algumas obras de Vigotski, de edições
atuais dos anos de 2002, 2004, 2007 e 2009, que nos deram alicerce para refletir e fundamentar
a prática proposta. Assim, a teoria Histórico-Cultural serviu como instrumento de análise, e nos
orientou para definir os conceitos a serem pesquisados. Como categorias prévias, estabelecemos
sentido, significado e mediação, por perceber que a compreensão delas é essencial para a atuação
clínica. No decorrer das leituras, delimitamos também pensamento, linguagem e internalização,
visto a relevância destes conceitos para o desenvolvimento da consciência, o que é um dos objetos
da psicoterapia.
Resultados
A maior mudança na capacidade das crianças para usar a linguagem como um instrumento
para a solução de problemas acontece um pouco mais tarde no seu desenvolvimento, no
momento em que a fala socializada (que foi previamente utilizada para dirigir-se a um
adulto) é internalizada. Ao invés de apelar para o adulto, as crianças passam a apelar a si
mesmas; a linguagem passa, assim, a adquirir uma função intrapessoal além do seu uso
interpessoal (p. 16).
116 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
o real, o qual é constituído por tudo aquilo que o sujeito já consegue efetivar sem a ajuda de outro,
e o proximal, onde são instauradas as funções que necessitamos de outro para efetivar, pois ainda
estão em vias de amadurecer. Por isso, Dias (2005) apresenta a ideia do psicoterapeuta como
mediador, podendo possibilitar ao cliente uma reorganização do pensamento, construindo novos
conhecimentos.
Na organização dos processos internos, o pensamento e a linguagem possuem caminhos
que se cruzam, não desde os primórdios, como é pensado por muitos, mas mantêm uma relação
mútua a partir do momento em que essas funções constituem atividades tipicamente humanas,
fundamentando a consciência (Vigotski, 1934/2007). O autor apresenta a ideia de significado,
análogo a generalização ou conceito, para determinar uma unidade da palavra com o pensamento,
de modo que o pensamento se materializa no discurso, na palavra. Dessa forma, ele traz o fato
de que o significado da palavra possui a possibilidade de se desenvolver conforme a modificação
dos signos sociais e culturais.
Ainda trazendo a relação entre pensamento e linguagem, o autor fala sobre o predomínio do
sentido da palavra, mostrando este como fluido, dinâmico, em que depende principalmente da
interpretação de mundo de cada sujeito. Por isso, considera o sentido da palavra como “a soma
de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência” (p.465), possuindo várias
zonas de estabilidade, sendo o significado apenas uma delas.
Na área da psicologia diante dos estudos do pensamento e da linguagem é preciso
compreender que são de suma importância os aspectos das relações inter-funcionais. Partindo
desta compreensão, chegaremos nas questões mais específicas, em que para Vigotski as atividades
cognitivas do sujeito são consideradas fundamentais, ocorrendo de forma interligada com sua
condição sócio histórica, desenvolvidas a partir de produtos que se desenvolvem nas relações
estabelecidas em seu meio. Tais habilidades cognitivas que o sujeito estabelece e suas diversas
formas são estruturadas através do pensamento, estas que eram pensadas como condições
congênitas, são de fato resultados de atividades de relação e pratica de hábitos sociais vivenciadas
por cada sujeito ao longo da vida (Vygotsky, 1934/2002). O autor complementa quando diz que
“o significado das palavras só é um fenômeno de pensamento na medida em que é encarnado pela
fala e só é um fenômeno linguístico na medida que se encontra ligado com o pensamento e por
este iluminado” (p.277).
De determinada forma, o mesmo afirma que compreende-se que cada palavra é direcionada
a um significado geral, em forma de conceito. No que diz respeito ao pensamento, entendemos
como a extensão de um significado como um fenômeno de pensar.
Diante de estudos, o que Vigostski buscava compreender era que esses significados que o
sujeito tomava das palavras tinham suas formações dinâmicas e não imóveis, que com o passar
do tempo desenvolveria e alternaria esses sentidos e a formação do pensamento. “Percebe-se que
o significado é entendido como os sistemas de relações que se formou objetivamente no processo
histórico e que está encerrado na palavra (Zuin, 2011, p.29)
Vigotski (1995/2011) como citado em Zuin (2011) entende que a palavra configura uma
unidade viva do som, no qual é significado que dá sua forma final, assim se formando as principais
Os significados levam uma vida dual, porque são produzidos pela sociedade, possuindo
sua própria história no desenvolvimento da linguagem e no desenvolvimento das formas
da consciência social; nele, ressalta, se expressa o movimento da ciência humana e de seus
recursos cognoscitivos, assim como as noções ideológicas da sociedade. Nesta sua existência
objetiva se subordinam as leis histórico sociais e, por sua vez, a lógica interna de seu próprio
desenvolvimento; por outro lado, os significados se individualizam e se subjetivizam, sem,
contudo, perder a objetividade (p.31).
Dessa forma, o mesmo articula que as condições psicológicas são generalizações da ação
de pensar do sujeito, no entanto, o significado se faz complementar da palavra, que refere-se a
construção da linguagem.
O sentido parte de como o significado subjetivo de cada palavra se apresenta isolada deste
conjunto de sistemas objetivos, em sua complexidade, por estarem ligados em relação direta com
as vivencias do sujeito.
Discussão
118 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
potenciais, encarando as dificuldades como crises, estas que possuem um potencial visto como
transformador. Diante disso, os autores discorrem categorias de análise, tais como: analisar o
processo e não o produto; análise genotípica e não fenotípica; contraposição das tarefas descritivas
e explicativas de análise.
A relação do ser humano com o mundo é essencialmente mediada, ao falarmos em
psicoterapia, sabemos que o vínculo entre terapeuta e cliente também acontece dessa maneira,
de modo que o primeiro passa a ser um mediador dos processos mentais do outro, intervindo
no movimento de internalização, a qual consiste na passagem de significados interpsicológicos
(sociais/relacionais) para intrapsicológicos (pessoais), e assim o sujeito passa a ressignificar e
criar novos sentidos e significados (Lima & Carvalho, 2013) (Aires, 2006).
Para auxiliá-lo nessa finalidade, a psicoterapia se apresenta em seu processo dialógico, em
razão da utilização da linguagem como signo mediador (Lima & Carvalho, 2013). Ao passo que os
clientes se expressam através da linguagem, o terapeuta irá percebendo os sentidos e significados
internalizados no sujeito. É interessante salientar que a linguagem não está somente na fala, mas
aparece também através de jogos e brincadeiras por exemplo, como são usados geralmente em
crianças.
Diante disso, com o propósito de auxílio na prática clínica, Aires (2006) traz algumas
técnicas e estratégias essenciais:
As Técnicas Específicas são: Repetição, com a intenção de produzir uma maior verbalização da
parte do paciente, Marcação, com o objetivo de “apoiar” o diálogo, mas sem o interromper;
Focagem, para aumentar a ansiedade, promovendo maior atividade; Generalização, para
reduzir a ansiedade; Eco Emocional, ou seja, dar nome às emoções do paciente; e Re-
expressão, ou seja, descrever eventos de uma forma racional e objetiva (p. 6).
Essas técnicas deixam claro a relação não só dialógica do sujeito, mas também dialética,
sabendo que através da linguagem o sujeito revela suas questões e que abrange a maioria dos
conteúdos possíveis, visto que o terapeuta busca entender a história do fenômeno, a origem
explicativa da situação e a simulação de momentos.
A partir de Zanella et al (2007) consideramos que com o surgimento da demanda, o
terapeuta utiliza do método como princípios guiadores, ou seja, passa a analisar a história de um
determinado fenômeno, contando também com suas dinâmicas de transformações. Nisso, ele
também busca, com base no método, a origem de tal fenômeno, para visualizá-lo em sua essência
e não no que aparenta ser, e por fim analisa de forma dinâmica-causal, recriando situações
práticas.
Por fim, avaliamos que a ressignificação pode ser um dos principais objetivos na terapia,
pois o terapeuta como facilidador dos processos, acolhe o sujeito em suas demandas, a fim de
mediá-lo na criação de novos sentidos sobre fenômenos que por vezes não se mostraram essenciais
para ele, mas que foram importantes em seu progresso terapêutico.
Considerações finais
Referências
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ESTUDO DE CASO EM LUDOTERAPIA:
O BRINCAR E A SIMBOLIZAÇÃO
Sofia Maira Moura Do Monte
Vânia da Silva Boíba
Lorena Roberta Oliveira Gonçalves
Introdução
M
elaine Klein (1955), deu início a técnica psicanalítica através do brincar no
sentting analitico, onde segundo a autora a criança expressa por meio do brincar
conteúdos inconscientes, suas ansiedades, fantasias e sentimentos, um dos
trabalhos do analista seria de interpretar para a criança os conteúdos presentes em seu jogo,
a autora citada encorajava as crianças a brincarem livremente durante a sessão, posto que a
criança apresenta maior dificuldade em expressar-se verbalmente. Assim a abordagem através do
corresponde ao princípio fundamental da psicanalise, a associação livre.
A ludoterapia ou psicanalise de criança teria como objetivo segundo a autora, compreender
e interpretar as fantasias, sentimentos, experiências e ansiedades apresentadas pela criança através
do brincar, ou se essas atividades encontram-se inibidas, descobrir as causas de tal inibição.
Donald W. Winnicot também trouxe grandes contribuições para o entendimento do
desenvolvimento da criança, bem como para a ludoterapia, dentre estas contribuições o autor
ressalta a importância de um ambiente acolhedor e restaurador para a criança, este acrescenta
que o brincar seria um meio de acesso ao inconsciente. O brincar integra aspectos dissociados,
ajudando a discriminar mundo interno de externo, repara objetos danificados e modula a angústia
regar que a criança possa carregar em seu íntimo (Winnicot, 1975).
O presente trabalho trata-se de um estudo de caso, onde será apresentado a vivencia
psicoterápica de uma criança no processo de ludoterapia em uma clínica escola, que foi
encaminhada a psicoterapia por apresentar inicialmente dificuldades na sua adaptação à sua
nova moradia, um abrigo institucional para crianças.
Método
Resultados e Discussões
122 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
No segundo desenho, ela faz um coração, pinta de preto, com uma cruz vermelha dentro e
fala sobre os pecados. Desenha os amigos do abrigo e fala um pouco de cada um, sobre o coração
e a cruz T.M. relata tratar-se dos pecados do ser humano. A criança apresenta em seus desenhos
e em sua fala grande sofrimento diante da situação a qual está passando, além disso sentimento
de culpa, e responsabilidade de proteger e juntar novamente a família. A terapeuta intervém aí
no sentido de trabalhar esses sentimentos apresentados pela criança, afim de propiciar a está a
expressão elaboração de seu sofrimento.
T.M., ainda na primeira sessão quando lhe é perguntada qual seu maior sonho, ela fala do
desejo de voltar para casa: Meu maior sonho é voltar a morar com minha família na minha casa.
O segundo é que todas as crianças do abrigo voltem para suas famílias e que as que não tem pai
e nem mãe consigam ser adotadas por outra família.
Na segunda sessão, T.M. manipula os brinquedos, senta no chão e começa a brincar de
casinha, criando histórias e calculando o tempo, entre um momento e outro fala “tic, tac, tic,
tac”, o que simboliza a passagem do tempo, o tempo esta passando e ela não sai do abrigo.
Repete o som do relógio várias vezes durante a sessão, tic tac tic tac. ”. Melanie Klein aponta como
é essencial haver uma interpretação analítica sobre o que a análise produz no paciente, assim
como os desejos mais profundos que são construídos, os colocando em associações ou jogos que
decorrem em imediato.
Na sessão seguinte, a cliente chega a sessão como se estivesse planejado o momento e sugere
a brincadeira da forca, onde tem que adivinhar o nome, logo depois pega dois livros e começa a
ler. O primeiro livro foi A bela e a fera, a terapeuta entra no lúdico e faz uma pontuação acerca da
história, ao que T.M. fica em silencio e depois fala: “as pessoas falam que não existe felizes para
sempre”. A terapeuta devolve “E para você o que é ser feliz para sempre? ” Ela responde “ É viver
junto ate bater as botas, não se separar”.
O segundo livro lido por T.M. na sessão foi Pingo d’água, ela se identifica com o personagem
do livro “a gota de agua” que assim como a gota que foi puxada para cima, ela foi arrancada
da sua casa a força. E diz: “Eu queria continuar na minha casa, fui tirada de lá pelo conselho
tutelar”. A paciente apresenta neste relato a angústia de ter sido levada para morar em outro
ambiente que não o familiar, em sua fala culpabiliza o serviço público pela problemática, nesse
sentido a terapeuta pontuou, possibilitando a reflexão acerca do que ocorre de fato. T.M. fala:
“mas acho que o que aconteceu foi bom e ruim, bom porque eu conheci pessoas boas, e estou segura no abrigo
e ruim porque estou longe de casa”. Desde a primeira sessão a paciente trás os significantes “bom”,
“ruim” e “pecado”, articulando-os em sua história de vida. Quando questionada sobre qual a moral
da história do livro que ela acabou de ler, ela diz “respeitar os outros como como você quer ser
tratada”, reforçando a o fato de ter sido levada de casa sem a sua vontade, ao mesmo tempo a
presença de um sentimento de ambivalência.
Na sessão seguinte T.M passou a chegar à terapia demonstrando interesse apenas em
brincar/ jogar, nestes momentos ela criava mecanismos de fuga para as intervenções da terapeuta,
evitando o contato com sua demanda, reprimindo qualquer intervenção relacionada a sua família,
aos seus sentimentos e vivências em sua casa ou no abrigo.
Durante a sessão que se sucede, após a terapeuta reforçar o contrato terapêutico e pontuar
T. M sobre ela estar fugindo de falar sobre sua vida, a cliente imediatamente começou a brincar
com os animais, criando uma história, onde trazia sobre sua ida com o irmão para o abrigo, sendo
tomados de forma abrupta pelo “conselho tutelar” (relatos trazidos durante o brincar), sobre o
uso abusivo de drogas pela mãe, e a tomada de sua irmã da guarda da madrinha recentemente,
ao que a terapeuta entra no jogo trabalhando com a criança o que ela trouxe na sessão. Melanie
Klein postulou que a criança ao brincar, vence realidades dolorosas e projeta no exterior seus
impulsos instintivos (Verceze; Sei, 2014). Pode-se perceber este aspecto teórico presente no
Conclusão
Desta forma, ficou evidente neste período de atendimento ludoterápico, que a cliente
apresentou sentimentos de tristeza e angústia, além de culpar e responsabilizar-se pelo afastamento
de seus pais e sua casa. Apesar de T. M ter relatado em algumas sessões que consegue ver como
necessário este afastamento de sua casa para que sua mãe se trate, pode-se perceber essa postura
como sendo manifestação da construção de um falso self, isso se evidencia pela constância de
fantasias elaboradas pela cliente sobre a sua volta para a sua casa, ao mesmo tempo em que faz o
semblante de que estar no abrigo é bom para si ou nas tentativas de agradar a terapeuta, tudo isso
se contrapõe ao sentimento de raiva intensa expresso por T.M na terapia, tanto para com abrigo
quanto por agentes sócio jurídicos.
Com a finalização da disciplina de ludoterapia, fez-se o encerramento dos atendimentos sob
supervisão da professora da disciplina correspondente, sendo indicada a realização de entrevista
devolutiva dos atendimentos realizados até então. Tendo sido realizada esta entrevista, com a
psicóloga do abrigo, foi indicado a continuidade do acompanhamento psicoterápico para com
T.M.
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124 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PSICODIAGNÓSTICO CLÍNICO COM CRIANÇA:
ESTUDO DE CASO
Lorena Roberta Oliveira Gonçalves
Sofia Maira Moura do Monte
Ana Caroline Cunha de Sá
Introdução
D
e acordo com Cunha (2007), o psicodiagnóstico é uma avaliação psicológica que
tem intuito de identificar sintomas que permitam a compreensão da situação em
que o sujeito se encontra, buscando fatores que o ajudem a lidar com conflitos
vivenciados. Para realização de tal, é necessário um plano de avaliação com o objetivo de
especificar e programar a aplicação dos instrumentos adequados para cada caso, em busca
de respostas para as hipóteses iniciais. O psicodiagnóstico clínico é considerado uma prática
delimitada, seu objetivo é descrever e compreender mais profundamente a personalidade do
paciente ou da família, abrangendo os aspectos presentes (diagnóstico) e futuros (prognóstico)
dessa personalidade (Ocampo, Arzeno, & Piccolo, 2009).
Em relação ao psicodiagnóstico com crianças, a autora Ocampo et al (2009), relata que
a devolução deve ser dada aos pais e à criança que passou pelo psicodiagnóstico. É necessário
que o paciente se sinta parte do processo de avaliação para colaborar com o psicólogo e ficar
menos ansioso. Para os pais do paciente a entrevista devolutiva é importante, porque a consulta
foi solicitada, provavelmente, por eles e é preciso ajudá-los a fazer a reintegração atualizada da
imagem do filho. A autora Cunha (2007), acrescenta que nas entrevistas devolutivas o psicólogo
deve ser capaz de observar problemas sérios que podem precisar de um encaminhamento e ter
sensibilidade para o manejo da situação.
O psicodiagnóstico interventivo é conceituado como um processo de investigação em que,
simultaneamente, são realizadas intervenções as quais podem trazer melhorias e bem-estar ao
paciente, desde as consultas iniciais. O uso deste tipo de psicodiagnóstico vem ocorrendo desde a
década de 90. Em certos atendimentos foram verificadas mudanças nos pacientes após iniciarem
o processo de psicodiagnóstico, sem haver a intenção de interferência. Tais acontecimentos
levaram profissionais a questionar se o fato paciente-terapeuta já poderia provocar situações que
facilitariam a reorganização mental do analisando (Greinert, Milani, & Tomael 2014).
Winnicott (1984), citado por Greinert et al (2014), foi o precursor dessa forma de avaliação,
denominada por ele de Consultas Terapêuticas. Para o autor, nas consultas terapêuticas, a relação
entre terapeuta e paciente, deve afirmar um clima de confiança para suprir a expectativa do
indivíduo que está em psicodiagnóstico. Desse modo, se estabelece uma identificação recíproca,
entre terapeuta e paciente, semelhante à relação mãe/bebê. Winnicott ainda afirma ser plenamente
possível fazer “um pequeno tratamento” nas entrevistas iniciais e é nesse momento que surgem
informações que só poderiam aparecer meses ou anos mais tarde durante a psicoterapia.
A importância da entrevista lúdica, de acordo com Cunha (2007), se dá pelo fato desta ser
uma técnica de avaliação clínica muito rica, que permite compreender a natureza do pensamento
Método
N*, 4 anos, sexo feminino, natural de Teresina-PI, é estudante do ensino fundamental menor
de uma escola pública desta capital. Apresenta como queixa principal, ansiedade pela separação
dos pais, demonstrando sentimentos de abandono, que acarretou na criança comportamento
questionador a respeito do assunto. Além disso, a mãe relata que a criança assume uma posição
de independência nas suas atividades do cotidiano.
No primeiro momento foi realizada a Entrevista Inicial e Anamnese com a mãe de N*, com
o objetivo de colher informações mais aprofundadas sobre a vida da criança. Posteriormente foi
realizada a Técnica do Rabisco, que consiste no uso de desenhos e estórias em que a criança projeta
seus conflitos e suas necessidades, bem como seu desenvolvimento intelectual, aspectos positivos
da sua personalidade e motricidade. Nas duas sessões seguintes foram realizados os processos
de Entrevista Lúdica e aplicação do teste psicológico R2 que avalia o fator geral da inteligência,
o seu material é composto por 30 pranchas com figuras coloridas a serem apresentadas uma de
cada vez à criança, estas figuras ou itens estão organizados em ordem crescente de dificuldade,
sendo compostos por figuras geométricas e objetos comuns da experiência das crianças. Cada
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
um deles mostra uma figura com uma parte faltando e a examinanda deve identificar, entre as
alternativas disponíveis, na prancha aquela que a completa, de acordo com o tipo de raciocínio
envolvido (Rosa, Pires, Alves, & Esteves, 2013), como forma de averiguar a maneira de brincar,
o manuseio e as expressões utilizadas pela examinanda, através das observações da estagiária e
do teste psicológico visando analisar a inteligência geral da criança. Por fim, ocorreu a Entrevista
Devolutiva, tanto com a mãe quanto com a criança, como forma de informar às interessadas
sobre os resultados obtidos durante o psicodiagnóstico.
Resultados
N* é filha única, mora com a mãe, a avó e um tio. Os pais se separaram quando a criança
tinha seis meses de idade. A mãe relatou que a filha tem postura questionadora, hiperativa e
autônoma, e que a criança demonstra medo de abandono. Inicialmente, através da utilização
da técnica do rabisco e entrevista lúdica, percebeu-se que a criança demonstra sociabilidade,
desenvoltura nos contatos sociais, postura questionadora, ajuste às regras sociais, criatividade,
flexibilidade, organização. Apresentou ainda comportamentos esporádicos de agressividade,
traços de ansiedade e necessidade de autoafirmação.
Durante os encontros para o desenvolvimento do psicodiagnóstico, foi constatado que N*
apresentou perfis de desenvolvimento escolar e psicomotor acima da média-superior para sua
faixa etária, comprovado pelo teste de inteligência R2. Diante disso, pôde-se perceber que tais
resultados também são reforçados pelo fato da criança conviver apenas com adultos, um exemplo
disso é o vocabulário que a criança utilizava durante as sessões de entrevista lúdica.
Discussão
Após a realização de seis sessões de psicodiagnóstico, foi constatado que a criança apresenta
padrões usuais de normalidade, demonstra recursos egóicos dentro dos padrões usuais e alto
desenvolvimento psíquico para sua faixa etária. A realização do psicodiagnóstico na criança resultou
em uma sugestão de psicoterapia para a mãe, com o objetivo de fortalecê-la psiquicamente para que
esta possa compreender as questões de sua filha e ajudá-la em seu desenvolvimento psíquico. Ao
realizar a psicoterapia, a mãe estará mais preparada para entender as manifestações de ansiedade e
agressividade da filha, sendo assim, a criança fortalecerá sua autoimagem.
Referências
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Introdução
P
assar por uma perda significativa, provavelmente, nos faz conhecer os sentimentos
despertados ao lidar com essa experiência, não há ninguém que ao se deparar com
perdas não possa ter experienciado sentimentos diversos. Portanto, o processo de
luto como se sabe, inclui uma variedade de sentimentos, pensamentos e reações.
O fato de cada indivíduo experimentar perdas de maneiras diferentes e, de mães que ao
passarem pela perda de um filho na fase da infância logo após o nascimento ou por causas
repentinas, excluindo, a morte por suicídios e por câncer, poderem perder o sentido de viver e
iniciarem um processo de ideações suicidas advindas de uma observação feita na experiência
clínica profissional com as mesmas intensificou e reverenciou a pesquisa feita.
A concepção que se tem sobre a morte de um filho na fase da infância (0 a 12 anos) e a
atitude que as mães têm diante dela, dando importância a perda de sentido de vida e ideações
suicidas, instigou a pesquisa que será realizada. Acreditou-se que este estudo pode servir para a
compreensão e investigação do luto, os difíceis caminhos que acompanham a perda resultante da
morte de um filho nessa fase da vida, assim como, auxiliar o trabalho de profissionais e acadêmicos
diante da necessidade de compreender sobre esse tipo de reações identificadas nas mães do qual
tratamos no decorrer dessa pesquisa.
Quando falamos sobre o processo de luto, é compreensível que seja vista a descrença na
resolutividade do mesmo, e, normalmente, ao passarmos por uma situação de perda os valores
da vida sejam reavaliados, é sobre a intensidade da reavaliação chegar a total perda de sentido
de viver e ideias sobre a própria morte das mães que perdem os seus filhos, ainda, crianças nas
condições citadas acima que iremos analisar.
A morte de um filho, como percebido na pratica clinica profissional quando avaliamos sobre
a temática do luto é um dos acontecimentos mais dolorosos da vida de alguém. O sofrimento
vivido pelas mães é sim, independente da idade de seu filho morto, dilacerante. Porém, ao entrar
em contato com mães nessa prática, que vivenciaram a perda de seus filhos na fase da infância (0 a
12 anos) e trouxeram com evidencia a perda de sentido de vida e ideações suicidas percebeu-se um
processo de luto, ainda, mais complexo e importante de ser estudado de forma mais específica.
A perda de um filho pode levar ao desequilíbrio emocional e desenvolvimento de transtornos
psicológicos, mas a morte de um filho na infância, mais que qualquer morte parece ser considerada
uma perda que modifica a vitalidade da identidade pessoal das mães, como se a morte dessa
criança ganhasse outra significância por todo o investimento de cunho afetivo, familiar e social,
pelos poucos dias ou anos que viveu, nos dando a sensação de que essa desorbita a vida das
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mesma, desestabilizando a sua idealização de felicidade e de realização humana por todo o
planejamento desde o concebimento desse filho no qual eram depositados a maioria de suas
energias que agora, entram em ruptura e desgaste.
Mesmo que consigamos perceber as fases do luto, as manifestações dolorosas que alertam
sobre a perda e sentido da vida e ideações suicidas chamam a atenção para o desenvolvimento de
pesquisa na área, podendo, inclusive, dar possibilidade de compreendermos sobre em qual dessas
fases do luto isso pode ser percebido.
Diante de tudo que foi descrito acima, mostra-se como relevante e importante o estudo que
foi realizado, pois, abordou de forma mais especifica a relação que o luto pela perda de um filho
na fase da infância tem com a perda de sentido de vida dessas mães e manifestações de ideações
suicidas, colaborado, diretamente, para compreensão dessas vivencias e as possibilidades de
reação, ainda, mais delicadas relacionadas a elas.
A justificativa para realização desta pesquisa decorreu, então, de contribuir com a compreensão
da vivencia dolorosa dessas mães e suas reações diante dessas perdas, ainda, incompreendidas nesse
contexto, teoricamente, colaborando, portanto, como referência da relação que o luto pelo tipo
de perda descrito nessa discussão introdutória pode ter com a perda de sentido de vida e ideações
suicidas, estando esses relacionados à valorização da vida e prevenção do suicídio, que são assuntos
tão debatidos e estudados na contemporaneidade no Brasil e em nosso Estado, abordando, deste
modo, sobre a temática proposta, além de, relatar sobre histórias reais, através, de vivencia no
cotidiano clinico com mães que manifestaram essas reações.
Diante da justificativa acima descrita, pode-se prever que o impacto que terá a abordagem
da pesquisa que foi realizada, será grande, já que a mesma trata de um tema que sensibiliza,
que parece estar distante de nossa realidade, porém, está cada vez mais presente e precisa, por
consequência, ser discutido, além de contribuir para o referencial teórico acerca da temática,
que poderá ser observada de forma mais presente na nossa sociedade, dando a possibilidade
de compreendermos que a perda de sentido de vida e a manifestação das ideias suicidas estão,
também, diretamente, relacionadas ao processo de luto vivenciados no contexto aqui descrito, o
que, igualmente, manifesta uma alteração clara na subjetividade dessas mães.
Tendo em vista a referida discussão introdutória, situa-se que o estudo em pauta apresentou
a seguinte problemática: Qual a relação do luto pela perda de um filho na fase da infância (0 a 12
anos) com a perda de sentido de vida e manifestação de ideações suicidas?
Método
Para desenvolvimento desta proposta a opção foi por uma pesquisa qualitativa de
modalidade de estudo de caso com formato metodológico da história de vida dos sujeitos da
pesquisa após passarem pela experiência da perda de seus filhos que estavam na fase da infância.
Acrescentando-se que as histórias de vida tem sido, segundo Ferreira, Fischer e Peres (2009, p.71)
“uma alternativa metodológica adequada quando se intenta articular a dimensão individual, ou
seja, a vida experienciada por determinada pessoa, aos fenômenos sociais mais amplos”.
Entende-se que o trabalho centrado no estudo de caso instaura-se como um campo fértil
de estudo, na medida em que parte da subjetividade do sujeito remetendo-nos a refletir sobre
a vivência evidenciada e efeito que ela promove na estruturação de estudos concretos, dando a
possibilidade de identificarmos as experiências, os momentos subjetivos e em comum a outros
sujeitos avaliados para melhor compreensão do estudo que se faz com mesmo.
Tendo em vista o alcance dos objetivos e a compreensão do objeto de estudo, os interlocutores
da pesquisa foram 02 ex-pacientes que passaram por atendimento psicológico clinico profissional.
Desse modo, o cenário da pesquisa foi uma sala de atendimento psicológico em um centro
de prevenção do Suicídio em Teresina, a ONG Centro Débora Mesquita, identificando em toda a
experiência profissional vivenciada com os sujeitos da pesquisa a possibilidade de realizar o estudo
Nesse sentido temos como objetivo geral a análise da relação do luto pela perda de um
filho na fase da infância (0 a 12 anos) com a perda de sentido de vida e ideações suicidas e como
objetivos específicos, a identificação dos aspectos da perda desses filhos na vida das mães e o
entendimento de em qual momento se inicia a perda de sentido e as ideações suicidas no luto.
Resultados
A Maternidade
Somente a mãe pode sustentar e compreender o sistema de expressão de seu filho. Para ela,
constitui a conexão com a vida e a aplicação sucessiva de seus vínculos e de sua capacidade
afetiva sobre o mundo externo real. Entende-se que o vínculo da mãe com o filho é
determinado por uma gama de fatores, que pressupõe o recrudescimento das relações
primitivas da mulher com sua genitora (Freitas, 2000, p. 48).
Brazelton (1992, p. 17) afirma que: “O bebê dará à mãe a certeza de que seus ideais e
esperanças não realizados serão finalmente satisfeitos”. Nesse sentindo, se afirmarmos, que ao
nascer um filho nasce uma mãe, o que podemos dizer ou compreender quando uma mãe perde
seu filho? Quando nos outros tipos de perdas, a nomenclatura de como nomeamos o enlutado
muda, por exemplo, de casado para viúvo, ou de filho para órfão, mas a mãe, essa não adquire um
novo lugar. Ela continua a ser mãe, agora, porém, de um filho morto. É sobre essa continuidade
dolorosa que pesquisamos e as consequências possíveis que pretendeu-se confirmar.
Vemos o quão significante e vinculosa é a maternidade, isso fica esclarecido em poucas
palavras acima descritas por algumas literaturas, o que de evidente se espera da relação que uma
mãe tem com seu filho, desde a espera do mesmo, até a plenitude de contemplar o ciclo da vida,
130 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
a sensação de sentido que ele trará para a vida dessa mãe. Porém, algo é de difícil compreensão,
esse filho já nasceu, já viveu e já morreu, é diante dessa realidade que veremos a perspectiva da
maternidade, afinal, mesmo que o filho tenha morrido uma mãe não deixou de ser mãe.
Luto
Segundo Freitas (2000, p.47) “A perda de uma pessoa com a qual se mantém vínculos
afetivos, como um filho, é uma experiência dolorosa que fere, machuca e expõe o ser humano à
própria impotência”.
Na sociedade ocidental, a morte é encarada como um “corte” na vida e não como uma
etapa dela. A morte de uma criança evidencia este fato, quando se afirma que ela tem “tudo
pela frente”, que ainda tem muitos projetos a realizar, e muito tempo de vida. Diante da
morte de uma criança, lamenta-se por tudo que ela poderia ter vivido, realizado e construído
(Bronberg, 2000, p. 45).
Quando se perde um filho, perdem-se muitas perspectivas de futuro, pois é neles que
se depositam sonhos e projetos. Um filho não é apenas uma extensão ou continuidade
biológica de seus pais, mas também psicológica por ter sido investido de cuidado, atenção e
carinho. A morte é vivenciada como “perda de um pedaço” de si. Quando a vida de um filho
é interrompida, os pais são violentamente atingidos (Walsh & Mcgoldrick, 1998, p. 63).
Para Jaramillo (2006, p.198) Luto “é o trabalho pessoal, individual para se reacomodar a
uma vida diferente após a perda de alguém ou algo muito valorizado, de reaprender o mundo,
irreversivelmente transformado sem ele/a”.
As fases do luto são, segundo Kubler-Ross (1998, p.83) a negação, a raiva, a barganha, a
depressão e a aceitação. Estas fases são analisadas a partir de fatos concretos, onde podemos
observar o sentido da vida a partir das próprias perdas.
É importante que as mães possam conversar, dividir com alguém os sentimentos que podem
surgir, como a raiva, tristeza, o desânimo, a saudade. É importante também que as mães
se permitam vivenciar todos esses sentimentos e saibam que o processo de luto leva algum
tempo para ser elaborado. É muito difícil conviver com isso sozinha, a companhia de pessoas
próximas efetivamente é muito importante, para a reestruturação (Freitas, 2000, p. 49).
Como auxilio mnemônico dos pacientes com perda de sentido de vida e com ideação suicida
ou, ainda, em crise suicida é sugerido a regra dos Ds, que incluem estados afetivos associados
como, por exemplo, desamparo, desespero e a dor psíquica... Ideação suicida envolve nuances:
desde pensamentos passageiros de que a vida não vale á pena ser vivida até preocupações
intensas sobre querer viver ou morrer... A interpretação de achados sobre ideação suicida é
cercada por incertezas, principalmente devido aos vieses na conceituação do fenômeno, á
forma e ao conteúdo das perguntas que são feitas ao paciente, e á diversidade cultural dos
grupos populacionais incluídos nos estudos. Em uma mesma população, pequenas sutilezas
nas palavras ou na forma de perguntar costumam fazer a diferença (Botega, 2015, pp. 53-
54).
Diante das colocações breves de achados da literatura acerca da perda de sentido de vida,
ainda, pouco estudada, e a conceituação da ideação suicida podemos observar que, ambas são
de difícil compreensão, como vimos anteriormente, as próprias perguntas ou a forma como são
feitas delimitam a forma como são compreendidas, inclusive, numa mesma população, o que
nos leva a compreender que, por exemplo, as mães que perderam seus filhos, algumas podem
ter vivenciado esses dois processos citados acima durante o luto, mas não tiveram como ou não
conseguiram relatar sobre os mesmos.
Diante de tudo acima descrito e da experiência clínica vivenciada em serviço de Psicologia,
a hipótese confirmada é que, existe sim uma relação entre o luto pela perda de um filho na fase
da infância e a perda de sentido de vida e ideações suicidas em uma das etapas desse luto, assim
como se excluiu a possibilidade de, somente, esses advirem de transtorno psicológico, iniciando,
portanto, esses processos logo após a perda desse filho dada por causas inesperadas e surpresas.
Essa certeza se deu ainda mais, pelo fato das duas pacientes não terem nenhum transtorno
associado a esse sofrimento emocional tanto após hipótese diagnóstica psicológica, como após
avaliação psiquiátrica.
Identificamos que a questão da perda de sentido de vida tem uma relação com a perda de
seus filhos, diante dos casos atendidos vimos que essa perda inicia durante a fase da negação de
luto, pois, essas mães afirmaram em suas falas:
“Eu não acredito que perdi minha filha, a minha vida não tem mais sentido sem ela, por isso,
eu prefiro morrer. ”
“É mentira que eu perdi meu bebê doutora, eu vou me matar, não suporto essa dor”.
Discussão
Não temos dúvida que a relação aqui estudada é muitas vezes não identificada, e, ainda,
não temos nenhum estudo na própria graduação que fale de luto de forma tão esclarecida, tão
pouco, de forma especifica.
Podemos compreender que as sensações sentidas ou estados afetivos das mães que perdem
o seu filho, se pararmos para relacionar que já existe a sensação de desamparo, a dor, o medo e a
culpa ligados ao desespero, temos diante de nós uma possibilidade muito grande de encontrarmos
como consequências a perda de sentido de viver e as ideações suicidas.
O Suicídio é um fenômeno complexo e multidimensional, com a presença de diversos
elementos. Uma série de fatores estão associados com o risco de suicídio, incluindo a doença
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mental, o uso de drogas e álcool, bem como fatores sócioeconômicos. Circunstâncias externas,
tais como eventos traumáticos de perda, separação, luto, falência financeira, podem desencadear
o suicídio, porém não parece ser uma causa independente, significam uma crise individual de
difícil elaboração. Nesse sentido as ideações suicidas e perda de sentido de vida também estão
ligadas a esses elementos.
Precisamos compreender e entender estudando muito mais sobre a temática do suicídio e
muito mais quais tipos de eventos podem ter relação com a mesma, como uma forma de, inclusive,
podermos prevenir ainda mais. O luto é um processo doloroso e como diversos teóricos citados
acima ele pode ter diversas reações e consequências, e essa é sim uma delas, como já identificado
nesses dois casos atendidos.
No Brasil, os dados epidemiológicos indicam um importante avanço para mapear a
gravidade do problema, através de inúmeras pesquisas que indicam as populações com maior risco
suicida, avaliadas segundo gênero, idade, sexo, presença de transtornos mentais, características
psicopatológicas e modalidades dos atos suicidas, inclusive com alguns desses aspectos também
já estudados e confirmados em outra pesquisa realizada por essa mesma autora no mesmo local
de estudo utilizado para esse trabalho.
A produção de conhecimento e a discussão a respeito do tema, ainda, são escassas e,
infelizmente, apesar de algumas mudanças, a sociedade, em geral, apresenta grande resistência em
trazer o assunto à tona. Os profissionais de saúde no geral têm pouca informação, por isso, esse
artigo é de extrema importância não só para acrescentar acervo bibliográfico, mas também para
compartilhar informações e acrescentar uma possibilidade de elementos, diretamente ligados, ao
surgimento dessa demanda de sofrimento emocional.
Referências
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Ferreira, O. V., Fischer, B. T. D. & Peres, L. M. V. (2009). Memórias docentes: abordagens teórico-
metodológicas e experiências de investigação. Brasília: Liber Livro.
Kubler-Ross, E. (1998) Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para
ensinar a médicos, enfermeiros, religiosos e aos seus próprios parentes. São Paulo: Martins Fontes.
Walsh, F. & Mcgoldrick, M. (1998). Morte na família: sobrevivendo às perdas (C. O. Dornelles, Trans.).
Porto Alegre: Artmed.
Introdução
D
e acordo com Wachowicz (1998), a universidade deve ser uma instituição que
vise formar o indivíduo a partir de uma educação geral, onde esse saber deve
ser uma ferramenta para levar as pessoas a terem relações maduras e saudáveis.
Entretanto, o ambiente universitário muitas vezes desencadeia uma série de fatores que podem
afetar de modo negativo nas relações intersociais dos discentes, pois, o período de ingresso
como estudantes em instituições de ensino superior exigem muito dos universitários, seja em suas
habilidades interpessoais ou acadêmicas (Bolsoni-Silva & Guerra, 2014). Na maioria das vezes, a
entrada no mundo acadêmico é paralela a fase que o jovem ainda está passando por uma série
de transformações maturacionais, fisiológicas, neurológicas e psicológicas (Santos, 2014). Nesse
contexto os jovens vivenciam um período de crise, submetidos a uma grande carga de estresse,
cobranças sociais, pessoais e familiares, junto à falta de apoio e subsídio financeiro inadequados,
podendo assim, atuar no desencadeamento de transtornos mentais, entre eles a depressão
(Nogueira & Neufeld, 2014).
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-DMS-V (2014):
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distúrbios psiquiátricos, ficando atrás apenas da esquizofrenia (Oliveira, 2013). A Organização
Mundial da Saúde (OMS) acredita que em 2030, a depressão será a doença mais comum do
mundo, à frente de patologias cardíacas e do câncer. Os transtornos depressivos serão os processos
de adoecimento que mais gerarão gastos econômicos e sociais para o estado, devido às despesas
com tratamento para a população e às perdas por afastamento do trabalho (Oliveira, 2013).
O transtorno depressivo acomete indivíduos independentemente de classe, de credo, de
raça, grau de escolaridade e faixa etária. Uma em cada dez pessoas tem um episódio de depressão
pelo menos uma vez na vida, podendo ter como causa desencadeante: situação infeliz, estresse
constante ou, em alguns casos, doença grave (Oliveira, 2013). Nos indivíduos acometidos pela
depressão há uma alteração da percepção em relação a si mesmo, há uma deformidade das
circunstâncias da vida real, que não é suprimida por evidências objetivas. O pensamento da pessoa
deprimida marcha na maioria das vezes para a auto-depreciação (Oliveira, 2013).
A entrada no mundo universitário e o consequente início das exigências profissionais
são reconhecidamente geradores de estresse, podendo afetar a saúde e a qualidade de vida
dos estudantes. Nessa fase da vida, a competição, a carga horária, as atividades curriculares e
extracurriculares, além das responsabilidades inerentes à profissão, interferem no equilíbrio
emocional dos jovens. Percebe-se assim, uma forte relação entre universidade e a depressão
(Pereira, Capanema, Silva, Garcia & Petroiano, 2015).
Tendo em vista o tema exposto, o presente artigo aborda algumas questões como, por
exemplo: Quais os principais fatores que influenciam a depressão entre universitários?
No intuito de compreender essa relação partiu-se de hipóteses como: a concorrência entre
os acadêmicos para alcançar as melhores notas pode desencadear estados depressivos; pressão
familiar e pessoal são fatores que interferem na saúde mental dos universitários; exigências
financeiras e sociais que o ambiente universitário impõe também influenciam na perda/
manutenção da saúde mental dos acadêmicos;
Nos últimos anos, estudantes dos mais diversos cursos têm apresentado casos de depressão,
mostrando assim a importância de se fazer levantamento e análises dessas ocorrências, para que
se possam conhecer as causas e assim promover ações estratégicas que amenizem a freqüência
desses problemas na vida dos universitários, pois os mesmos trazem sofrimento e prejuízo para a
vida acadêmica, social e pessoal do indivíduo (Cambricoli & Toledo, 2017).
As pesquisas apontam o estresse como importante fator implicado no desencadeamento de
sintomas depressivos, assim vários estudos têm sido realizado nos últimos anos, a fim de verificar
a existência de sintomas depressivos desencadeados pela sobrecarga acadêmica cotidiana destes
estudantes. Em 2004, por exemplo, pesquisaram-se sintomas depressivos entre estudantes de
Medicina da Universidade Federal de Uberlândia em Minas Gerais, assim como no segundo
semestre de 2009 foi pesquisada a prevalência de sintomas semelhantes em acadêmicos de
Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ambas no Brasil (Oliveira, 2013).
Estima-se que de 15 a 25% dos universitários desenvolvam algum transtorno mental na formação
sendo a depressão um dos mais prevalentes (Cremasco & Baptista, 2017).
Em vista disso, o estudo sobre a depressão entre universitários visa contribuir para um
melhor entendimento das variáveis existentes no mundo acadêmico, que acabam por culminar
no aparecimento de transtornos mentais entre a população de alunos do ensino superior. Além
de proporcionar reflexões acerca de ações que auxiliem os estudantes a ter a manutenção de sua
saúde mental.
Nas páginas seguintes, será apresentado, o percurso metodológico, isto é, o delineamento
da pesquisa, descritores, coletas de dados, ou seja, os caminhos percorridos para a elaboração
do presente trabalho. Além disso, serão apresentados os resultados e discussões acerca do tema
proposto e por fim as considerações finais.
Resultados
Para a análise dos dados, foram encontrados 10 artigos a base de dados LILACS e 4 artigos
no PEPSIC a partir dos critérios de inclusão e exclusão, produzindo uma amostra final de 5 artigos.
Após as leituras optou-se em organizar as informações dos artigos selecionados, conforme mostra
a tabela 1 a seguir:
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Tabela 1
Classificação dos artigos selecionados de acordo com o título, autor, revista/ano e resumo.
Título Autor Revista/Ano Resumo
Discussão
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Outro artigo analisado foi “Prevalência de depressão entre estudantes universitários”,
dos autores Cavestro e Rocha (2006). Para os autores, existem fatores que poderão influenciar
a prevalência de depressão entre os estudantes, mas isso depende do nível em que o aluno se
encontra, pois, os fatores tais como volume de informações que o aluno passa a receber, um
novo modelo de estudo e a carga horária exigida pela faculdade, se encontram no início da vida
acadêmica. Já no final de sua formação prevalece os fatores como a insegurança em relação a
sua própria competência e ao mercado de trabalho, acarretando estresse e prejudicando a saúde
mental dos estudantes e conseqüentemente o aparecimento de sintomas depressivos. Dessa
forma, o posicionamento dos autores vai ao encontro da segunda hipótese, para qual a pressão
pessoal influencia no desenvolvimento de um quadro depressivo.
O artigo, que tem como título “Saudade de casa: Indicativos de depressão, ansiedade,
qualidade de vida e adaptação de estudantes universitários” dos autores Vizzotto, e Martins (2017),
vêm avaliar a qualidade de vida de estudantes universitários nas esferas familiares, profissionais,
práticas sociais e sua saúde física. Os autores demonstram características da vida acadêmica que
pode vir acarretada de mudanças como as cobranças profissionais e sociais, a saída de casa,
o desligamento da família, a adaptação às novas atividades curriculares, cobranças financeiras
(como consequência da saída de casa) e até mesmo mudanças no modo de viver antes adotado
pelos mesmos. Essas alterações estão sendo por eles associadas ao estresse e outros sintomas
emocionais. Sendo assim confirma a hipótese de que as exigências financeiras e sociais que o
ambiente universitário impõe são, também, fatores ligados ao desenvolvimento da depressão
entre universitários.
De acordo com a tabela 1, outro artigo analisado foi o “O impacto das habilidades sociais
para adaptação em estudantes universitários” das autoras Bolsoni-Silva e Loureiro (2016). Para
elas, as habilidades sociais são exigidas tanto para resolver problemas e desenvolver estratégias
de enfretamento na universidade quanto para lidar com as exigências sociais. Portanto, baixas
habilidades sociais relacionadas a eventos negativos são condições que favorecem a depressão
entre os universitários, pois esse déficit dificulta o estudante a lidar com interações sociais
aversivas. Confirmando assim, parte da terceira hipótese: exigências financeiras e sociais que o
ambiente universitário impõe.
Diante das análises dos artigos selecionados e a literatura pesquisada para o desenvolvimento
desse estudo, as hipóteses previamente levantadas puderam ser analisadas e percebeu-se
coesão entre o questionamento em senso-comum e o que a literatura apresenta. Porém,é válido
ressaltar que, a pressão familiar relacionada à segunda hipótese não se mostrou relevante para
o desenvolvimento do transtorno depressivo entre os universitários, pois não foram encontrados
dados suficientes para confirmá-la.
Após todas as análises feitas alguns questionamentos são pertinentes, pois os dados
encontrados são de grande interesse para a comunidade cientifica, afinal o ambiente universitário
é um formador de novos profissionais, mostra dados alarmantes em relação à saúde mental dos
indivíduos nele inseridos. Desta forma, surgiram as seguintes problematizações: as Instituições
de Ensino Superior estão atentas a saúde mental de seus discentes? Que medidas de prevenção e
posvenção seriam possíveis serem adotadas dentro do mundo acadêmico?
Considerações Finais
O contexto universitário tem sido cada vez mais identificado como um percussor de
sofrimento psíquico. Em decorrência disso, a depressão é um transtorno que poderá surgir na vida
desses indivíduos, em virtude de múltiplas variáveis que vem desde seu ingresso até a sua formação.
Diante disso ressalta-se que a adaptação ao novo mundo, concorrência acadêmica, exigências
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PSICOLOGIA DA SAÚDE
A IMPORTÂNCIA DA PSICOLOGIA E OS BENEFÍCIOS
DA EQUOTERAPIA EM RELAÇÃO AO TRANSTORNO DO
ESPECTRO AUTISTA
Ana Carolina Martins Monteiro Silva
Introdução
O
Transtorno do Espectro Autista (TEA) ocorre antes dos três anos de idade e pode
ser apercebido por meio de diversas características que sucedem na maioria dos
casos, ainda nos primeiros anos de vida, como exemplo a falta de correspondência
a estímulos como carinho pela mãe. Siegel (2008, p. 21) resume que “o autismo é uma perturbação
do desenvolvimento que afeta múltiplos aspectos da forma de como uma criança vê o mundo e
aprende a partir de suas próprias experiências. ”
O diagnóstico se dá com o paciente sendo observado em diversas situações por um psicólogo.
Após diagnosticado, é aconselhável que a família busque os tratamentos mais apropriados para
a melhor qualidade de vida, que estimule seu convívio social e também motive seus aspectos
motores e sensoriais. Uma das práticas indicadas seria a equoterapia, que preenche todos os
requisitos necessários.
De acordo com o site da Associação Nacional de Equoterapia ANDE-Brasil (http://
equoterapia.org.br, recuperado em: 18 de dezembro de 2017), o conceito de equoterapia se dá por
ser uma atividade que se utiliza do cavalo buscando de forma interdisciplinar o desenvolvimento
biopsicossocial do indivíduo com deficiências e/ou necessidades especiais. A equoterapia necessita
da participação do corpo inteiro beneficiando assim o desenvolvimento da força muscular,
relaxamento, conscientização do próprio corpo e aperfeiçoamento da coordenação motora e
do equilíbrio. Dessa forma, com a orientação certa, esse tipo de terapia com cavalos ajuda no
desenvolvimento da criança com autismo.
Na equoterapia, as sessões podem ser em grupo, no entanto, é importante que o planejamento
e o acompanhamento sejam individualizados para o maior benefício do praticamente e eficácia no
progresso, que deve ser feita por meio de registros periódicos e sistemáticos de todas as atividades
desenvolvidas pelos praticantes (ANDE-Brasil).
Para a melhoramento do praticamente, assim chamado alguém que faz equoterapia, é
necessário o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar, composta por fisioterapeutas,
psicólogos e demais profissionais tanto da saúde como da educação, para que tudo de relevância
seja supervisionado e avaliado.
Método
Este trabalho fundamentou-se em revisão bibliográfica, que é realizado com base de materiais
prontos, tais como livros, artigos, relatórios de estágios, teses e demais, todos eles contribuindo
para a recolha de dados acerca de um determinado assunto (Marconi & Lakatos, 2003).
Marconi e Lakatos também relatam que (2003, p. 255), “pesquisa alguma parte hoje
da estaca zero. [...] alguém ou um grupo, em algum lugar, já deve ter feito pesquisas iguais ou
semelhantes, ou mesmo complementares de certos aspectos da pesquisa pretendida. ”
Visto isso, esse trabalho de revisão bibliográfica teve como fonte de base de dados plataformas
online como o Google Acadêmico, Scielo e Revistas Cientificas, usando como palavras-chave:
autismo; hippotherapy; psychology; equoterapia; autismo e psicologia. Foram selecionados textos em
inglês e português que se relacionavam ao assunto, excluindo aqueles que falavam apenas dos
benefícios físicos e relacionados a qualquer outro tipo de deficiência. Por fim, foram selecionados
10 artigos científicos, e também foram usados livros que remetiam ao assunto para a base teórica.
Resultados
O autismo teve seus primeiros estudos iniciados através dos pesquisadores austríacos
Kanner e Asperger na primeira metade do século XX. Kanner começou fazendo pesquisas com
diversas crianças, observando o comportamento e características típicas que são mostradas em
crianças autistas, denominando por fim “distúrbios autisticos do contato afetivo”. Já quanto a
Asperger, o seu estudo era mais abrangente e orgânico, além de ter alcançado um maior número
de crianças do que foi observado incialmente por Kanner, foi visto também uma prevalência do
sexo masculino nas pesquisas de Asperger (Klin, 2006).
O pediatra também é responsável pela categorização da Síndrome de Asperger, uma condição
psiquiátrica do espectro autista que foi nomeada em sua homenagem.
Até hoje, não existe fundamento que explique de fato os reais motivos do autismo, no
entanto, é possível associar o autismo com diversos fatores internos e externos, tais como idade
144 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
parental avançada ou baixo peso ao nascer (Souza & Silva, 2015). Também é possível ver que a
genética serve de fator relevante, já que segundo Souza e Silva (2015, p. 07) “existem estimativas
de herdabilidade para o transtorno, variando de 37% até mais ou menos 90%, com base nas taxas
de concordância entre gêmeos. ”
O diagnóstico do autismo é uma das etapas mais importantes e necessária já que, sendo
diagnosticado no início da vida, é viável procurar meios para aumentar a qualidade de vida da
pessoa. O diagnóstico é dado após observações da criança e uma análise de seu comportamento, é
visto “um déficit no seu desenvolvimento motor e cognitivo, devido esta dificuldade em desenvolver
o esquema corporal e a noção de espaço temporal (Cruz & Pottker, 2017, p. 150).
Dessa forma, com o diagnóstico precoce, é cabível trabalhar em métodos para o
desenvolvimento da psicomotricidade da criança e futuramente adulto, visto que, o autismo não
tem cura, apenas tratamento para o benefício social e físico do autista.
Diversos tratamentos são disponíveis para crianças com autismo, cada um deles focando
de forma especifica ou geral na melhoria de aspectos fundamentais como fonética, linguagem,
controle físico e mental e demais. A equoterapia é uma forma de tratamento e não apenas contribui
na coordenação motora e aspectos corporais, mas também no desenvolvimento psicomotor (Cruz
& Pottker, 2017).
Para Cirillo (1998, p. 32) “A equoterapia é um tratamento de reeducação e reabilitação
motora e mental, através da prática de atividades equestres, e técnicas de equitação”.
A história da equoterapia começou nos anos 50, com a dinamarquesa Madame Lis Hartel,
cadeirante por conta de paralisia infantil, fez reabilitação com a equitação e junto a seu cavalo
conseguiu diversas medalhas olímpicas. A partir dos anos 60 a visão de usar cavalos para propósitos
terapêuticos atravessou grande parte da Europa e América do Norte (Gabriels et al., 2012).
No Brasil, a equoterapia teve seu marco inicial com a criação da Associação Nacional de
Equoterapia (ANDE) que tem sua sede em Brasília. Foi reconhecida pelo Conselho Federal de
Medicina em 1997 e atualmente o uso da equoterapia é encontrado em diversas cidades. O cavalo
é uma grande ajuda principalmente com crianças por ser um animal forte e dócil que se deixa
manusear, atraindo o afeto dos pacientes menores. (Zam & Trentini, 2016).
De acordo com Cruz e Pottker (2017, p. 154), “a utilização de animais em terapias trazem
benefícios, psíquicos e físicos, tanto para a pessoa quanto para o animal, não classificando a
equoterapia como apenas um lazer. ”
Também sobre os benefícios da terapia com cavalos em relação a crianças com TEA, é
apontado que:
A equoterapia visa organizar as funções cognitivas mais complexas, como atenção, memória
e linguagem, por meio nível sensorial estimulado pelo movimento do cavalo, pelo contato
com o animal, sua linguagem não verbal e docilidade, a fim de estabelecer com quem monta
uma relação afetiva na qual as possibilidades de desenvolvimento pessoal crescem. (p. 83)
146 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
animal por meio da equoterapia é importante pois colabora com pesquisas com finalidade de
uma melhor qualidade de vida para pessoas com TEA. (Gabriels et al., 2012)
Outra pesquisa quantitativa também aponta como benefícios que crianças após um
período de 12 semanas de tratamento manifestaram melhor atividade sensorial, motivação
social e a diminuição de comportamentos sedentários. (Bass, Duchowny & Lladre, 2009). Os
autores concluíram que “os resultados forneceram evidencias preliminares que atividades equinas
assistidas podem ser uma opção viável para tratamento dessas crianças (Bass et al., 2009, p.
1.277)
Discussão
É possível ver que se tem bastante proveito da terapia com cavalos, pois o animal propõe a
criança autista a capacidade de vocalizar comandos que serão obedecidos, ajuda a aprimorar o
equilíbrio, colabora na amenização de ansiedades e demais. (Freire, 1999)
Com o tratamento, o praticante tem maior chance de aprimorar seus estímulos, também
criando afeição com o cavalo, o que consequentemente beneficia o desenvolvimento social. É
necessário que o praticante sinta-se confortável e seguro durante a prática de terapia com
cavalos, para que não tenha nenhum conflito delongando os resultados. Outro aspecto que deve
ser ressaltado é a importância de projetos inclusivos para crianças de baixa renda, visto que, a
equoterapia é beneficial, no entanto não é alcançável a certas camadas sociais.
A presença do psicólogo é imprescindível no acompanhamento do praticante visto que
o dever do psicólogo é auxiliar o praticante, buscando trabalhar possíveis conflitos, traumas e
demais adversidades que possam comprometer a recuperação e melhora do paciente. O psicólogo
também tem o dever de conhecer os demais integrantes da equipe interdisciplinar, a família da
criança ou jovem e o cavalo, assim trabalhando em conjunto com a finalidade de dominar e
conhecer os métodos que serão usados durante as sessões em prol do benefício do praticante.
(Souza & Silva, 2015)
Ao finalizar o trabalho, pode ser visto que existe uma pequena gama de material relacionada
a equoterapia e em especial em relação a psicologia, salientando assim, a importância de mais
pesquisas qualitativas e quantitativas para o melhor conhecimento do assunto e material para
aperfeiçoamento de métodos de tratamento. A equoterapia se mostrou como um tratamento
efetivo na melhoria da qualidade de vida de crianças e adultos com autismo, trazendo benefícios
físicos e sociais, melhorando aspectos como autonomia e a coordenação motora.
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148 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
TRANSTORNO DE ANSIEDADE EM ESTUDANTES
UNIVERSITÁRIOS: UMA REVISÃO DE 2008 A 2016
Karoline Andrade Pereira
Adauto de Vasconcelos Montenegro
Adriana Benvinda Barbosa Rodrigues
Valéria Assunção Lima
Introdução
A
tualmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2016), o Brasil
encontra-se em primeiro lugar em relação aos transtornos de ansiedade, 9,3% dos
brasileiros têm algum transtorno de ansiedade, e encontra-se em quinto lugar em
relação à depressão, que afeta 5,8% da população.
No que concerne ao campo de estudos acerca da temática, o Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais V (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM V), ao tratar
da ansiedade e de suas manifestações, aponta e descreve os transtornos de ansiedade como
“transtornos que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações
comportamentais relacionadas.” (APA, p.189). De acordo com o manual, o medo e a ansiedade
são sentimentos naturais, sendo os dois necessários à sobrevivência humana, pois preparam o
organismo para momentos decisivos e auxiliam na adaptação ao ambiente.
A literatura tem caracterizado a ansiedade como um estado de humor orientado para o
futuro associado à possibilidade de ocorrência de um acontecimento negativo, ou seja, ao
sentimento eminente de perigo, medo e de situações e reações desagradáveis para a pessoa
(Batista & Oliveira, 2005; Brandtner & Bardagi, 2009; Vianna, Campos, & Landeira-Fernandez,
2009; Pinto, Martins, Pinheiro, & Oliveira, 2015). Segundo Lipp (2000), a resposta do estresse
produz alterações cognitivas, comportamentais e fisiológicas e depende da forma como o
indivíduo percebe o estressor e sua capacidade de lidar com o mesmo. Portanto, entende-se que a
pessoa com ansiedade tende a temer situações em que ela está posta em risco, desconsiderando,
por vezes, sua capacidade de enfrentamento.
Por partirem de um sentimento natural do ser humano, os transtornos de ansiedade possuem
diferentes manifestações e podem aparecer em diversos estágios do desenvolvimento como o
transtorno de ansiedade de separação, por exemplo, que pode aparecer em crianças, jovens e
adultos. Os transtornos de ansiedade apresentam grande comorbidade entre si, entretanto, como
o próprio Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais V pontua, eles podem ser
diferenciados a partir de uma análise detalhada da situação que os manifestam.
O contexto universitário tem se tornado um espaço onde é verificada a existência de
demandas psicossociais cada vez mais complexas (Pereira, 2012) a exemplo da prevalência de
transtornos mentais em estudantes de graduação. Entre os transtornos mentais, a literatura
especializada recente (Medeiros & Bittencourt, 2017; Lantyer, Varanda, Souza, Padovani, & Viana,
2016; Carvalho, Bertolini, Milani, & Martins, 2015; Padovani et al., 2014; Alves, 2014) indica
prevalência significativa de transtornos de ansiedade e de depressão em estudantes universitários.
150 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método
Resultados
Inicialmente, a busca resultou em 131 artigos científicos que discutem a temática. Após
algumas fases de triagem realizadas, 13 trabalhos foram selecionados por cumprirem os critérios
estabelecidos. Os trabalhos foram analisados e ordenados quanto ao ano e delineamento e
perfil da pesquisa (Tabela 1) e Distribuição quanto à área do periódico (Tabela 2). O período de
publicação foi o de 2008 a 2016, considerando o tipo de trabalho, autores e área da publicação.
Os estudos selecionados foram organizados quanto ao ano, delineamento da pesquisa,
periódicos científicos utilizados na divulgação e, por fim, realizou-se uma análise qualitativa dos
resultados encontrados constituindo este trabalho como um elemento de consulta para pesquisas
futuras, além de embasar a prática profissional e o desenvolvimento de programas e intervenções.
No que se diz respeito aos temas abordados, dentre os 13 trabalhos analisados, 4 tratam
da ansiedade aliada à depressão, 3 abordam o tema da ansiedade em graduandos do curso de
Enfermagem, 2 abordam a Qualidade de vida, 1 trabalho é de caráter bibliométrico, 1 aborda o
tema com residentes de Medicina, 1 aborda a temática com estudantes de Biomedicina e 1 trabalho
compara os níveis de ansiedade entre concluintes e ingressantes nos cursos de graduação. Após
esse primeiro momento de identificação dos trabalhos, os mesmos foram agrupados a partir de
seus temas a fim de compor categorias a serem analisadas. As categorias resultantes, em ordem
decrescente em quantidade de documentos, foram: Ansiedade e depressão (4), Enfermagem (3),
Qualidade de vida (2), Medicina-biomedicina (2), Bibliométrico (1) e Ingressantes e concluintes
(1).
Tabela 1
Distribuição quanto ao delineamento de pesquisa e ao ano de publicação
Perfil da pesquisa 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Quantitativa 1 2 _ 1 1 1 1 2 2
Qualitativa _ _ _ _ _ _ _ _ _
Quali-quantitativa _ _ 1 _ _ _ _ _ 1
Discussão e Conclusão
152 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
problemas emocionais na realização de tarefas cotidianas sejam acadêmicas ou não - esse quesito
é preocupante por apresentarem-se em estudantes do sexo feminino (representam a maioria nos
cursos de psicologia do país) que se preparam para lidar em suas vidas profissionais com a saúde
mental de outros indivíduos.
Os períodos finais dos cursos de graduação apresentam-se como os mais ansiogênico para
os estudantes (Carvalho, Bertolini, Milani, & Martins, 2015). Deste modo, é possível imaginar que
esse período de transição (saída da universidade para adentrar o mercado de trabalho) seja visto
como uma situação ameaçadora. E ainda, esses índices se apresentam de forma mais significativa
quantitativamente entre mulheres do que entre homens, segundo Carvalho et al. (2015). Desta
forma, pode-se entender que, jovens universitárias têm maior probabilidade a desenvolver
transtornos de ansiedade durante a vida acadêmica.
Pode-se afirmar que, atualmente, os jovens estão tão suscetíveis a situações de risco de
ansiedade quanto os adultos, considerando o número crescente em universidades e faculdades
nos últimos anos. Neste sentido, consideramos pertinente estudar e fazer um levantamento das
publicações científicas que têm como discussão investigar sobre a ansiedade nos estudantes do
ensino superior, tornando-se essencial considerar todo o envolvimento cultural, étnico e social da
pessoa, para se obter uma avaliação mais fidedigna de seus mecanismos de adaptação.
Durante a graduação, algumas situações acadêmicas são consideradas estressoras para um
percentual dos jovens universitários, como: apresentação oral de trabalhos, dias anteriores a provas,
atividades clínicas práticas (em caso de alunos da área das ciências biológicas) (Claudino & Cordeiro,
2004). Por outro lado, fatores de preocupação a longo e médio prazo em exercer uma profissão após
a finalização do curso, realização profissional, objetivos profissionais e financeiros em curto prazo
após o término do curso e desemprego são alguns exemplos de possíveis estressores que podem se
apresentar em maior escala ao período final do curso. (Cruz et al., n.d; Cassepp & Silva, 2015).
Assim, percebe-se a importância de serviços de orientação ao aluno, que algumas universidades
oferecem, mas de caráter assistemático (Bardagi & Hutz, 2005). Estes serviços são criados com
o propósito de auxiliar os alunos tanto em questões acadêmicas, vocacionais ou pessoais,
mas pressupõem, em sua maioria, que o aluno identifique algum tipo de sofrimento e procure
atendimento. Nesse sentido, observamos que o serviço deva se dar como uma medida preventiva.
Ademais, é preciso considerar algumas limitações do estudo, como o número de publicações
catalogadas e a pouca representatividade quantitativa entre os anos de publicação. Desta forma,
os resultados devem ser vistos com cautela, uma vez que este levantamento não pode se dar como
findado e tampouco, generalista. Faz-se necessário também que o número de pesquisas sobre a
temática cresça, para que se possa abranger um maior número de alunos, bem como seus cursos,
faixa etária, regiões geográficas das universidades, dentre outros aspectos. São fundamentais
também os estudos longitudinais, em que os alunos possam ser acompanhados ao longo da
graduação, com avaliações periódicas de saúde emocional.
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Introdução
N
as últimas décadas, pesquisas realizadas têm demonstrado que o comportamento,
o estilo de vida e a qualidade de vida dos indivíduos podem ter um impacto
significativo sobre sua saúde e doença, física e mental. Especialmente, cresce uma
preocupação com as questões relacionadas à qualidade de vida (QV), em consonância com o
conceito amplo de saúde (Almeida & Malagris, 2012).
Não existe um conceito único e definitivo sobre qualidade de vida, contudo, é possível
identificar como aspecto em comum nas diversas definições, a percepção dos sujeitos sobre o
meio em que estão inseridos. Apreensão que depende das condições históricas, ambientais e
socioculturais de determinado grupo, sendo, portanto, relativa e variável a contextos e recortes
situacionais específicos (Pereira, Teixeira, & Santos, 2013).
A exemplo, Gonçalves e Vilarta (2004) definem qualidade de vida pela maneira como as
pessoas compreendem e vivenciam seu cotidiano, envolvendo aspectos de saúde, educação,
transporte, moradia, trabalho e participação nas decisões que lhes dizem respeito. Gonçalves
(2004) delimita a qualidade de vida à percepção subjetiva do processo de produção, circulação
e consumo de bens e riquezas. Para Nahas (2001), qualidade de vida é a condição humana
resultante de um conjunto de parâmetros individuais e socioambientais, modificáveis ou não, que
caracterizam as condições em que vive o ser humano. E, como definição mais adotada, e utilizada
no presente artigo, a da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1995) assume a qualidade de
vida como a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de
valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.
A forma como o conceito é abordado e mensurado é determinada conforme o interesse
científico e político de cada área de investigação. Às vezes é tratado como sinônimo de saúde,
felicidade, satisfação pessoal ou condições e estilo de vida, embora esses sejam apenas alguns
aspectos a serem considerados no conceito mais abrangente de qualidade de vida. Como
consequência, seus indicadores são amplos e variados, abordando a satisfação do sujeito sob
diversos aspectos da sua vida, como disposição física e mental, renda, espiritualidade, segurança,
vínculos sociais e, sendo por ora uma temática de difícil compreensão devido à sua complexidade
(Pereira et al., 2013). Diante disso, avaliar a qualidade de vida através de indicadores pré-
estabelecidos não é uma tarefa tão fácil, visto que se torna imprescindível não apenas compreender
como este sujeito percebe sua existência, mas também depreender que percepções podem suscita-
lo a uma conclusão positiva ou negativa sobre seu modo de vida.
156 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A partir da interação entre esses indicadores, compreende-se que a qualidade de vida
abrange uma compreensão multidimensional, em que é ressaltada a necessidade de inserir no seu
entendimento os aspectos físicos, as interações sociais, o comportamento afetivo e emocional e a
saúde mental. Fatores que podem influenciar, e serem influenciados, pelo desejo de deixar de viver,
de morrer, ou de dar fim a própria vida, uma vez que esses definem-se a partir de como o indivíduo
percebe sua posição na vida (Brasil & Conceição, 2016; Gonzáles & Lopes, 2015; Ferrari, Silva, &
Petroski, 2012; Lira, Avelar, & Bueno, 2015; Minayo, Hartz, & Buss, 2000; Sutter & King, 2012).
Sobre esse aspecto, a literatura evidencia que a qualidade de vida pode provocar mudanças
nas capacidades de enfrentamento de situações de estresse e tem sido associada com vários
comportamentos de risco, incluindo uso de álcool e outras drogas e comportamentos violentos
e agressivos. Além disso os indivíduos podem responder com declínio da satisfação com a vida,
apresentando ideação suicida e tentativa de suicídio (Abuabara, Abuabara, & Tonchuk, 2017;
Hasan, 2017; Oliveira, Santos, & Furegato, 2017). Qualidade de vida e suicídio são, portanto,
dois temas tratados isoladamente na literatura, mas que caminham paralelamente, ou mesmo
interlaçados, pois, como afimam Berzins e Watanabe (2012), falar de suicido é também falar da
vida e da qualidade de vida.
Há, portanto, urgência de estudos mais expressivos sobre o assunto, para compreender
a relação entre (qualidade de) vida e morte. Isso porque o suicídio é um tema imperativo na
sociedade, que assume um número expressivo de 800 mil mortes por ano no mundo (Gondim et
al., 2017; Teismann et al., 2018). Os dados confirmam que a cada 40 segundos, uma pessoa tira
a sua própria vida, ocorrendo nesse mesmo período de tempo 20 tentativas frustradas. Ou seja,
além dos casos de suicídio efetivados e registrados, ainda existem as tentativas, que são de 10 a 20
vezes mais frequentes (Botega, 2014; Nunes, Pinto, Lopes, Enes, & Botti, 2016).
Configura-se, portanto, um grave problema de saúde pública a nível mundial, sinalizando a
urgência de se desenvolver estratégias precisas de prevenção e controle do fenômeno, desenvolvendo
ações de cuidado efetivo à pacientes que já realizaram tentativas ou que demonstrem algum tipo
de ideação suicida (Fukumitsu & Kovács, 2016; Minayo, Meneguel, & Cavalcante, 2012).
Diante da necessidade de aprofundar a discussão sobre vida e morte, a presente pesquisa
objetiva verificar em que medida o nível de qualidade de vida se relaciona com a ideação suicida.
Assim, pode-se compreender os fatores subjetivos que podem levar um sujeito a considerar o
suicídio como uma possibilidade. É importante, portanto, a pertinência de estudos que abordem
a questão da qualidade de vida como uma ferramenta válida de conhecimento em prol de prevenir
o suicídio, compreendendo os subsídios que norteiem essa tomada de decisão.
Método
Resultados
São apresentados nesta seção os resultados encontrados na pontuação dos dois primeiros
itens da escala de QV e dos domínios anteriormente descritos: Domínio físico, Domínio psicológico,
Relações sociais e o Meio ambiente. Em seguida serão apresentados os resultados na pontuação
total de risco de suicídio e das suas sub-escalas anteriormente descritas: subescala 1 - Intenção;
subescala 2 – vida; subescala 3 – história. Por fim, serão apresentadas as correlações das variáveis
apresentadas.
Na análise dos Índices de Qualidade de Vida, verificou-se que a autopercepção da QV (item
1) dos participantes obteve média 3,50 (DP = 0,91), variando entre 1 e 5; e a satisfação com
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a saúde (item 2) obteve média 3,16 (DP = 1,05), variando entre 1 e 5. Evidencia-se, portanto,
que a amostra investigada possui uma “boa” avaliação sobre sua qualidade de vida e saúde. O
Domínio Físico apresentou média 62,12 (DP = 17,85), variando entre 00 e 100. Compreende-se,
portanto, que os participantes da amostra estão “satisfeitos” com sua condição física. O Domínio
Psicológico apresentou média 52,53 (DP = 19,47), variando entre 0 e 100, classificado como
“satisfeitos”. O Domínio Relações Sociais apresentou média 54,29 (DP = 19,91), variando entre 0
e 100, classificado como “satisfeitos”. O Domínio Meio Ambiente apresentou média 51,74 (DP =
16,80), variando entre 0 e 100, classificado como “satisfeitos”.
Na análise dos Índices de Risco de Suicídio verificou-se que a pontuação de Risco de suicídio
total apresentou uma média de 9,66 (DP = 4,30), com pontuação que varia entre 00 e 31,00.
Observou-se que 6.161 (51,90%) da amostra pesquisada apresentara pontuação abaixo da média
e 4.488 (37,80%) apresentaram-se acima da média. O fator 1 “Intenção”, apresentou média de
1,43 (DP = 2,23), com pontuação variando entre 00 e 12. Observou-se que 7.022 (59,20%) da
amostra pesquisada está abaixo da média e 3.539 (29,80%) foram verificados acima desta média,
possuindo maior intenção de cometer suicídio. No fator 2 “Vida” a média apresentada foi 6,33
(DP = 1,60), com pontuação variando entre 00 e 15. Constatou-se que 2.722 (30,80%) sujeitos
estão abaixo da média e 4.667 (39,80%) apresentam-se acima. No fator 3 “História” a pontuação
0,83 (DP = 1,36), com pontuação variando entre 00 e 6. Observou-se que 7.533 (63,50%) sujeitos
apresentam-se na média ou abaixo da média e 4.330 (36,50%) encontram-se acima.
Na análise da relação entre Qualidade de Vida e Risco de Suicídio verificou-se, através do
coeficiente de correlação de Spearman verificou-se correlação negativa, fraca e significativa entre
Risco de Suicídio Total e a Questão 1 (auto percepção da qualidade de vida) (ρ = -,239**; p<0,01),
assim como entre o índice de Risco de Suicídio Total e a Questão 2 (auto percepção da saúde?),
onde obteve-se uma correlação também negativa, fraca e significativa (ρ =-,211**; p<0,01).
Compreende-se, então, que quanto maior o índice de risco de suicídio, menores serão os índices
de autopercepção acerca da qualidade de vida e de satisfação com a saúde.
No que se refere as demais correlações realizadas, averiguou-se correlação negativa, moderada
e significativa entre Risco de Suicídio Total e Domínio Físico, (ρ = -,357**; p<0,01); correlação
negativa, moderada e significativa entre Risco de Suicídio Total e Domínio Psicológico (ρ = -,446**;
p<0,01); correlação negativa, fraca e significativa entre Risco de Suicídio Total e Domínio Relações
Sociais (ρ = 0,270**; p<0,01); bem como correlação negativa, fraca e significativa entre Risco de
Suicídio Total e Domínio Meio Ambiental (ρ = -,256**; p<0,01). Tais resultados apontam que
quanto maior o índice de resiliência, menores serão os índices de qualidade de vida supracitados.
As correlações entre o fator “Intenção” e Questão 1 (ρ = -,283**; p<0,01), o fator “Intenção”
e Questão 2 (ρ = -,224**; p<0,01) e o fator “Intenção” e Domínio Meio Ambiente (ρ = -, 270**;
p<0,01) foram negativas, fracas e significativas, Já as correlações entre o fator “Intenção” com
o Domínio Físico (ρ = -,362**; p<0,01), com Domínio Psicológico (ρ = -, 495**; p<0,01) e com o
Domínio Relacionamento Social (ρ = -, 310**; p<0,01) foram negativas, moderadas e significativas.
Tais correlações apontam que quanto maiores são os índices de intenção de suicídio, pior a
percepção da qualidade de vida e saúde, considerando os fatores físicos, psicológico, social e
meio ambiente.
Diante disso, o monitoramento dos índices ruins de qualidade de vida de um determinado
grupo ou população pode identificar precocemente a ideação ou o comportamento suicida
(Barros, 2013). Assim, a utilização de relatos de satisfação com a vida em programas de prevenção
ao suicídio pode ser promissora.
As correlações do fator “Vida” com a questão 1 (ρ = -, 126**; p<0,01), com a questão 2 (ρ =
-, 114**; p<0,01), com o fator Domínio Físico (ρ = -, 210**; p<0,01), com o Domínio Psicológico (ρ
= -, 258**; p<0,01), com o Domínio Relações Sociais (ρ = -, 133**; p<0,01) e com o Domínio Meio
Discussão
A autopercepção da qualidade de vida e a satisfação dos sujeitos frente aos domínios físicos,
psicológicos, social e meio ambiente é um dado relevante que deve ser amplamente considerado.
Em relação ao domínio físico, acompanha-se uma crescente preocupação e propagação de
hábitos mais saudáveis e valorização do corpo em prol da saúde física, sendo possível observar
a proeminência de estímulos acerca da prática de atividades e exercícios físicos, amplamente
incentivada por diversos meios e programas mundiais de promoção da saúde, dando destaque
também a aspectos nutricionais, sono, lazer, e maior mobilidade em prol de uma vida mais ativa
e saudável. Embora uma média da população satisfeita referente ao domínio físico, ainda se
comtempla altos índices de inatividade física e sedentarismo no Brasil, expandindo o número
de problemas de saúde em detrimento da não aderência e acesso à hábitos mais saudáveis,
demonstrando um vasto desafio para as políticas públicas de saúde (Lovato, Loch, Gonzáles, &
Lopes, 2015).
No que se refere ao domínio psicológico a preocupação também se estende a pressão exercida
sobre a aparência e imagem corporal, surgindo muitas vezes problemas com a autoestima quando
o padrão idealizado não é alcançado, como ansiedade e depressão. Quando não há excessos, em
geral, as pessoas possuem sentimentos positivos quando cuidam mais de si mesmas e da sua saúde
física e mental. No aspecto social, facilita-se as práticas em grupo, sob a possibilidade de se fazer
novos amigos, recebendo apoio e por diversas vezes maior incentivo familiar. Observa-se frente à
satisfação com o meio ambiente o crescimento da valorização de um novo estilo de vida, havendo
maior propagação de novas práticas de saúde ambiental em razão da conscientização de crianças,
adolescentes e adultos dentro e fora dos espaços escolares, acerca do não desperdício dos recursos
e da não degradação ambiental. Apesar dos avanços, é fato que em termos nacionais, ainda se
tem elementos bastante limitados à população, como segurança, saúde, transporte, violência e
etc, sendo fatores de alta influência sobre a qualidade de vida (Barboza, Brasil & Conceição, 2016;
Ferrari et al., 2012; Lovato et al.2015).
Quanto aos Índices de risco suicídio, verifica-se de acordo com a amostra um número
preocupante de pessoas que possuem intenção de pôr fim à vida, demonstrando no Fator “Vida”
semelhantemente uma visão negativa sobre esta, com resultados amplamente similares, sendo
um fator de alerta a fim da promoção do cuidado. A literatura aponta que a cada 100 indivíduos,
pelo menos 17 pensam em pôr fim a sua própria vida. Destes últimos, 5 chegam a arquitetar sua
morte, 3 tentam de fato suicidar-se, e apenas 1 dá entrada em alguma unidade de saúde no país.
Esses dados ratifica a necessidade de contemplar políticas públicas em prol de ações preventivas
e de cuidado à indivíduos que possuam algum tipo de ideação, com tentativas já realizadas ou
não, a fim de oferecer uma ajuda adequada e efetiva em favor da preservação à vida (Minayo et
al., 2012; Ministério da Saúde [MS], 2006).
No que diz respeito ao fator “História”, verifica-se que 36,50 % possuem histórico de suicídio
na vida, sendo um índice relativamente alto e que merece atenção. Como se sabe o suicídio possui
um impacto extremamente negativo frente aos sobreviventes, podendo produzir sequelas bastante
160 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
significativas. Conforme a Organização mundial de Saúde (OMS) cada suicídio afeta em média
5 ou 6 pessoas do grupo familiar, podendo gerar sérias consequências emocionais, sociais e
econômicas, entre problemas de ordem física e mental, como depressão, ansiedade, abuso de
medicamentos, álcool e outras drogas. Portanto, torna-se relevante o reconhecimento precoce
de sinais de risco, em benefício de um encaminhamento e intervenção terapêutica adequada aos
sobreviventes tanto no contexto comunitário como dentro dos diversos serviços de saúde (Nunes
et al., 2016).
Dessa forma, as correlações entre qualidade de vida e risco de suicídio foram claras em
apontar que quanto maiores são os índices de intenção de suicídio, pior a percepção da qualidade
de vida e saúde, considerando os fatores físicos, psicológico, social e meio ambiente. Do mesmo
modo, verificou-se que que quanto maiores são os índices de histórico de ideação suicida na vida,
menores serão os índices também de qualidade de vida e mais prejudicial é ao sujeito atingindo de
alguma maneira por esse fenômeno.
Conclusão
A partir do presente estudo observou-se que apesar de uma média geral da população perceber
sua qualidade de vida a partir de uma perspectiva positiva, ainda se tem um número relevante de
participantes que possuem intenção em dar um fim a sua própria vida, avaliando a vida de um
modo geral sob uma perspectiva negativa. Esse dado é preocupante visto que as pessoas têm
considerado a morte como uma alternativa possível para resolução de seus problemas, gerando
inúmeras consequências negativas para o meio social e familiar, bem como para a sociedade de
um modo geral.
Os dados coletados demonstram uma sólida relação entre qualidade de vida e risco de
suicídio, indicando que a carga cultural do sujeito, suas percepções, esperanças e julgamentos
sobre a própria vida possuem o poder de determinar seu nível de satisfação, solidificando sua
compreensão sobre a qualidade de vida que dispõe, podendo consolidar ou não o comportamento
suicida. Verificou-se assim que quanto menor a percepção sobre qualidade de vida e saúde, bem
como de seus domínios, maior o risco de suicídio, demonstrando a urgência de se disseminar
políticas públicas e práticas de prevenção e promoção saúde como estratégia a fim de guarnecer
melhores condições de vida, evitando a expansão de mortes por suicídio.
Por fim, defende-se, pois, que é substancial que haja uma maior promoção a saúde mental
em prol de melhores índices de qualidade de vida e atenuação dos riscos de suicídio, como meio
de promover debates concretos sobre esse tema, favorecendo maior conhecimento no meio
social, acadêmico e profissional, viabilizando atitudes preventivas e práticas de cuidado contra
preconceitos e estigmas relacionado a pessoas que tentam se matar. Ressalta-se, portanto,
a importância da realização de mais pesquisas qualitativas e longitudinais, a fim de se obter
profundidade na compreensão das convicções dos diferentes sujeitos acerca da relação entre
qualidade de vida e suicídio.
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Introdução
A
medicalização foi discutida por Foucault (1963), em sua obra O Nascimento da
Clínica, como um processo que teve início na modernidade e que se apresenta na
contemporaneidade de forma crescente e problematizada na vida do homem.
Trata-se, portanto, do processo histórico e sociocultural em que as políticas médicas passaram a
fazer parte da intimidade das pessoas, abordando assuntos como sexualidade, educação, crime,
morte etc., criando uma cultura medicalocêntrica. Dessa forma, o público passou a recorrer ao
saber médico para lidar com questões cotidianas.
O processo de medicalização implica numa produção cultural e em uma estrutura social em
que se evidencia o lugar que o saber-poder médico vem ocupando na vida em sociedade. Um saber
que extrapola a ação sobre o biológico e se envereda pelas demais dimensões humanas, tornando-
se mecanismo de controle ideológico, exercendo o controle dos corpos por meio da tecnologia
disciplinar (Foucault, 1984). Tal saber se configura, ainda, enquanto modalidade de assujeitamento,
originada de um discurso médico e implica na produção de processos de subjetivação.
Na contemporaneidade, percebe-se que a forma como os sujeitos administram o uso de
medicamentos é reflexo de um período histórico, a pós-modernidade, em que uma certa “crise
de identidade”3 ganha forma com a crescente globalização e a desterritorialização característica
desse momento singular. Como afirma Rolnik (1997a), isso faz com que a relação do sujeito com
sua dor seja mediada pelo uso de drogas4 que sustentam uma ilusão de identidade, produzindo
novos contornos para a subjetividade contemporânea.
Tal forma de objetivação do ser humano resulta muitas vezes em processos de adoecimento
e/ou medicalização da vida, visto que, como afirma Foucault (1963), problemas de múltiplas
ordens como sociais, políticos, culturais, subjetivos, etc. são somatizados e, portanto, tratados
no domínio da racionalidade médica. Assim, o saber-poder médico passa a mediar as relações
interpessoais, determinando aos sujeitos um lugar de “doente”, que precisa corrigir suas
3 As concepções de sujeito e identidade estão passando por uma série de mudanças estruturais no decorrer da
história, desde a modernidade à modernidade tardia, ocorrendo o que se configurou uma chamada “crise de
identidade”, que abrange questões extensas e profundas, modificando toda uma dinâmica social e ontológica dos
indivíduos incluídos n atual modelo social globalizado e avançado tecnologicamente (Hall, 2006).
4 Rolnik (1997a) não se refere somente às drogas propriamente ditas, mas a uma variedade de drogas oferecidas pela
mídia que, por sua vez, sustentam ilusões de identidade, tais como as figuras glamourizadas; a droga concedida
pela literatura de auto-ajuda; e as drogas proporcionadas pelas tecnologias diet/light que prometem um corpo top
model, flexível a diferentes identidades disponíveis no mercado.
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“distorções”, o que confere à Medicina o papel de produzir normalização na sociedade (Branco,
2015).
Para compreender o processo de medicalização na atualidade, trabalhamos com a fala de
psiquiatras que atuam numa cidade do interior do Piauí sobre esse assunto, sendo que no contexto
da referida cidade existem instituições públicas e privadas que oferecem atendimento psiquiátrico.
Nesse sentido, esta pesquisa tem como objetivo geral compreender a concepção dos médicos
psiquiatras de uma cidade do interior do Piauí sobre as implicações do processo de medicalização
na vida dos sujeitos contemporâneos. Temos, ainda, como objetivos específicos: investigar as
percepções dos psiquiatras acerca do lugar do saber médico na vida do sujeito contemporâneo;
analisar os discursos produzidos pela Psiquiatria acerca da medicalização, e discutir os processos
de subjetivação produzidos no âmbito do discurso psiquiátrico e das práticas de medicalização.
A medicalização da sociedade é evidenciada também pela crescente e exacerbada
comercialização e consumo de medicamentos psicoestimuantes nos últimos anos5, como
consta na “Nota técnica: o consumo de psicofármacos no Brasil, dados do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Produtos Controlados ANVISA (2007-2014)” publicada em junho de 2015 pelo
Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. Segundo esse documento, o consumo
dos psicofármacos Ritalina®, Concerta® e Venvanse®, indicados para o tratamento de TDAH
(Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), tem aumentado a cada ano em todo o
mundo. No Brasil, em 2012, foram exportados 578 kg de metilfenidato e em 2013, 1820 kg, o que
corresponde ao crescimento de mais e 300% nesse período. Concomitante com o aumento da
quantidade de metilfenidato fabricado, tem-se o aumento do número de pacientes diagnosticados
com TDAH, assim como o aumento da faixa etária dos pacientes que recebem a prescrição de
medicamentos destinados ao tratamento desse transtorno (Harayama, Gomes, Barros, Galindo,
& Santos, 2015).
Os autores Harayama et al. (2015) afirmam que, no Brasil, a região sudeste é a que mais
utiliza Ritalina (São Paulo consome 20% do total de Ritalina vendida no país) e, nesse contexto,
no Nordeste vem aumentando gradativamente o uso deste psicofármaco. O Strattera® também
é utilizado no tratamento do TDAH, mas não contém dados disponíveis sobre sua quantidade
de consumo, visto que não é necessário talonário especial para sua aquisição. Já o Clonazepam,
benzodiazepínico usado principalmente como um antiepiléptico, prescrito para transtornos de
ansiedade e de humor, tem o Brasil como seu maior fabricante, sobretudo no ano de 2013 com a
fabricação de 3,2 toneladas deste medicamento e em 2010 com a venda de 1,5 milhões de caixas.
O Piauí é o 16º estado no ranking de mais vendas de Clonazepam entre janeiro (2008) e junho
(2014), com total de 126.361 (0,7%) vendas. Em primeiro lugar no ranking está o Estado de São
Paulo (3.574.464, 20,1%), em segundo lugar se encontra o Estado de Minas Gerais (2.821.008,
15,9%) e em terceiro está o Estado do Rio de Janeiro (2.624.452, 14,8%). Cabe destacar que o uso
abusivo e prolongado de benzodiazepínicos causa demência e Síndrome de Alzheimer (Harayama
et al., 2015).
O estudo tem relevância no meio acadêmico por se tratar de uma questão cotidiana, que
implica na estrutura social e nas subjetividades contemporâneas. A medicalização é um processo
que tem sido pesquisado, todavia pela preocupação do meio científico e profissional com as
transformações advindas desse modo de objetificação das pessoas. Paralelo a isso, há o crescimento
5 Conforme Illich (1975, p. 6), “A empresa médica ameaça a saúde, a colonização médica da vida aliena os meios
de tratamento, e o seu monopólio profissional impede que o conhecimento científico seja partilhado.”. Nesse
sentido, o autor elabora o termo iatrogênese que se refere à nova epidemia de doenças provocadas pela medicina,
criadora de diagnósticos que sustentam o consumo de medicamentos, assim como a saúde fornece especialistas
de diversas áreas da saúde para exercer cuidados sobre os processos patológicos dos indivíduos. Assim, o cuidado
à saúde é abordado inteiramente numa perspectiva médica, inclusive a subjetividade passa a ser abordada por via
medicamentosa como a maneira mais saudável de assistência à saúde psíquica (Illich, 1975).
Método
A pesquisa ocorreu numa cidade localizada no interior do Piauí e tem como base a fala
de psiquiatras de uma cidade do interior do Piauí, utilizando a entrevista semiestruturada e a
observação participante como instrumentos de coleta de dados.
O trajeto de pesquisa teve um delineamento com características próprias e que foi ao encontro
dos cenários percorridos enquanto espaço de mutação, possibilidade, criação e interações, num
cartografar de forças que configuram o próprio devir. Portanto, a pesquisa de campo foi realizada
nos locais de atuação dos psiquiatras. Assim, foram agendadas visitas para que houvesse um
primeiro contato com os profissionais e, em seguida, foi solicitado o agendamento de um horário
para a realização da entrevista.
Ao contextualizar o território em que ocorreu o estudo, tem-se que a cidade em questão
conta com os serviços de saúde oferecidos pelo Centro de Atenção Psicossocial II (CAPS II), Centro
de Atenção Psicossocial Álcool e Droga (CAPS AD) e Centro de Especialidades em Saúde (CES),
ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Esses serviços de Atenção Básica fazem parte da
RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) e possuem atendimento psiquiátrico disponível para toda a
população da localidade em que a pesquisa foi realizada.
Assim, o CAPS II da cidade foi fundado em 1997 e teve seus primeiros serviços realizados em
um anexo do hospital municipal, funcionando como um hospital-dia, oferecendo atendimento
a pacientes de ambos os sexos, de diversas idades e tipos de patologias psíquicas, por meio de
uma equipe multidisciplinar (Psiquiatra, Terapeuta Ocupacional, Assistente Social, Psicóloga e
Enfermeira), corpo técnico-administrativo de nível médio. Assim, a cidade contou com um serviço
diferenciado do regime de internação permanente oferecido pela Santa Casa de Misericórdia. Já
o CAPS AD possui uma área externa ampla e arborizada, um espaço para atividades em grupo,
quatro banheiros, dormitórios feminino e masculino, consultórios, sala de enfermagem, sala de
reunião, sala de administração, biblioteca, cozinha com despensa, entre outras instalações. No
momento atual, conta com 1.600 usuários cadastrados e faz atendimento diário a 30 usuários
em média. O CES (Centros de Especialidades em Saúde) foi criado com o objetivo de acabar
com as filas nas consultas especializadas. Assim, o serviço de Atenção Básica6 encaminha os
usuários para o CES, especialmente por meio da ação itinerante dos profissionais da saúde na
comunidade, e que hoje oferta atendimento de várias áreas da saúde (cardiologia, ortopedia,
urologia, psicologia, psiquiatria, neurologia, ginecologia, angiologia etc.)
Na cidade atuam seis psiquiatras, distribuídos em serviços de saúde mental de cunho público
e privado. As entrevistas foram realizadas com quatro profissionais que atuam nessas duas esferas
de cuidado à saúde mental (um dos participante trabalha apenas no serviço público, dois deles
atuam nos dois âmbitos de atendimento e um dos participantes realiza atendimento em serviço
privado), todos do sexo masculino que tem entre três a quarenta e seis anos de atuação na cidade.
As entrevistas foram realizadas com quatro psiquiatras que atuam no contexto da cidade e que
concordaram em participar do estudo assinando o termo de consentimento livre e esclarecido.
O número de entrevistados reduziu devido à dificuldade em conseguir um horário para agendar
visita. Houve também a dificuldade em encontrar alguns em seus locais de trabalho, visto que
trabalham em localidades vizinhas.
6 A Atenção Básica se caracteriza como a porta de entrada do SUS e desenvolve um conjunto de ações de Saúde no
plano coletivo e individual, inclusive atendendo a demandas em Saúde Mental, estruturando uma atenção integral
com políticas de promoção, proteção e prevenção da saúde (Brasil, 2013).
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A pesquisa tem natureza qualitativa, pois busca o estudo dos sujeitos envolvidos de forma
contextualizada e dinâmica, trabalhando com valores, crenças, hábitos, atitudes e opiniões do
público, como afirma Silva (2010), e aprofundando a complexidade do fenômeno estudado, tendo
em vista a singularidade dos processos, pois foca no conteúdo vivenciado pelo sujeito. Delineamos,
ainda, a pesquisa empírica, visto que ela solicita uma participação maior do investigador, ou
seja, que o mesmo debruce seu olhar para os acontecimentos do campo, investigando de forma
sistemática os fenômenos que nele emergem. Utilizamos a entrevista semi-estruturada ou semi-
aberta, baseada em um roteiro de questões que abordaram a problemática do estudo, mas
que deixa espaço para que o entrevistado fale livremente sobre o assunto. Essa modalidade de
entrevista proporciona um direcionamento na pesquisa e, ao mesmo tempo, permite que emerjam
conteúdos de vivências dos entrevistados. E optamos pela observação participante que ganhou
espaço durante as entrevistas e na vivência em sala de espera, pois nela o pesquisador é ator,
inserindo-se enquanto sujeito na realidade pesquisada. Portanto, o mesmo deverá estar atento
ao aspecto ético, às características singulares das relações sociais, aos costumes e tradições dos
sujeitos de pesquisa, assim como os sentimentos, tensões e conflitos do grupo estudado (Queiroz,
Vall, Souza, & Vieira, 2007).
Quanto aos princípios éticos em pesquisa científica na saúde, segundo a resolução CNS nº
510, de 07 de abril de 2016, as pesquisas envolvendo seres humanos devem considerar fundamentos
éticos e científicos apropriados. Portanto a mesma foi submetida ao CEP (Conselho de Ética em
Pesquisa) da Universidade Federal do Piauí, Campus Ministro Reis Velloso, e está sob a apreciação
ética do mesmo.
A apreciação dos resultados se deu por meio da análise de discurso que, conforme Pinto
(2002), consiste em um modelo de análise que contextualiza o discurso, sendo ele compreendido
como práticas sociais determinadas pelo contexto sócio-histórico e que possui implicações
político-ideológicas que se procura desvelar. Trata-se da interpretação de vestígios que permitem a
contextualização em três níveis, a saber, o contexto situacional imediato (refere-se ao aqui e agora
da situação vivenciada), o contexto institucional (revela a hierarquia e o modo de funcionamento
da instituição) e o contexto sociocultural mais amplo (mostra movimentos e discursos que
colaboram na produção ou inversão de um discurso dominante), que constituem o cerne do
evento comunicacional.
Resultados e Discussão
As entrevistas foram realizadas com quatro psiquiatras que atuam na cidade. Utilizamos
as falas dos mesmos, bem como os dados observados em campo para a construção de nossa
discussão. No corpo do texto os participantes serão identificados como P1, P2, P3 e P4,
correspondente a cada profissional entrevistado. Delineando o perfil profissional dos mesmos,
temos que P1 é graduado em medicina com especialização e residência em clínica médica e
terapia intensiva, atua há treze anos na profissão de psiquiatra. P2 é médico com especialização
em psiquiatria e em dependência química, possui mestrado e atua há dez anos na profissão de
psiquiatra (começou a trabalhar logo no ano de formação). P3 é médico com residência realizada
na mesma instituição de ensino em que se graduou e exerce a profissão de psiquiatra há 32 anos.
Já P4 é médico com especialidade em Psiquiatria e teve sua formação médica baseada numa
estrutura de ensino diferente da atual, pois conforme o mesmo “Na época a residência era uma
especialidade que fazia no sexto ano. Atuei no Hospital Escola de Psiquiatria. No terceiro ano
eu já dava plantão numa clínica de repouso, então priorizei a área da Psiquiatria.”. Este último
exerce a psiquiatria há 46 anos. Os motivos que levaram os participantes a escolherem sua área
de atuação foram bem particulares, destacando-se a necessidade de complementar a formação,
168 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
por alguma outra coisa. Isso faz com que emerja a questão do porquê haver diferencial entre os
atendimentos realizados em setores públicos e privados pelo mesmo profissional? Tal indagação
faz referência às questões políticas e econômicas, que atendem aos interesses individuais de um
grupo ou indivíduo, de forma a trocar a ética pela moral dentro do meio profissional. Para P4
o tratamento deve ser essencialmente medicamentoso e o lado subjetivo deve ser considerado,
pois o adoecer do paciente é gerado por conflitos. Nesse sentido, o tratamento medicamentoso é
estendido para qualquer demanda e realizado com prática psicoterápica.
Na opinião da maioria dos entrevistados, nem sempre a medicação se faz necessária, pois
existem casos específicos para que se estabeleça o uso da mesma, como abordado na fala de
P1 que considera a gravidade do processo psicopatológico (transtornos graves como psicose,
ideação suicida), P2 acrescenta a essas particularidades o risco de agressão do paciente a si e à
equipe (casos de psicose, em alguns casos moderados e havendo ideação suicida convicta) e P3
também considera parâmetros e detém o uso do medicamento à singularidade do caso. Já P4
enfatiza o uso de medicamentos como sendo sempre necessário no tratamento à saúde mental,
principalmente em caso de psicose, pois considera o ponto de vista psiquiátrico, patológico e de
conflito mental, diferenciando o trabalho do psiquiatra (imediato) e do psicólogo (que busca o
positivo e trata a longo prazo).
O uso contínuo de medicamentos produz implicações na vida das pessoas desde efeitos
deletérios físicos e psicológicos à estruturação de modos de ser sustentados pelo uso de tais
substâncias. Nesse sentido, quando os sujeitos de pesquisa foram questionados sobre a existência
de afetações decorrentes do uso prolongado de medicamentos, P1 e P2 se remeteram ao tipo
de medicamento e o tempo em que foram utilizados, pois em alguns tem comprometimento
cognitivo, implicações diretas e indiretas, psíquicas e corporais sérias, principalmente no uso de
benzodiazepínicos. Também ressaltaram que são poucas as doenças psiquiátricas que precisam
do uso do medicamento e que dever ser considerada a resiliência do sujeito, quando a pessoa usa
o medicamento no dia-a-dia para lidar com problemas cotidianos. P3 afirmou que na consulta
com o psiquiatra o medicamento pode ser alterado em dose, pode ser trocado e para acrescentar
medicamento depende do momento que a pessoa está vivenciando, não mencionando sobre os
efeitos colaterais. Na concepção de P4, não há implicações causadas pelo uso de fármacos a
longo prazo “porque existem patologias que são necessárias, como no caso do transtorno bipolar
com características fixas, psicose. Depressão e ansiedade, TOCs podem ser com pouco tempo
de uso.”. Há uma visão de necessidade de risco frente ao uso de psicotrópicos como sendo o
tratamentos psiquiátricos medicamentosos sempre a melhor escolha a se tomar.
O processo de medicalização percebido na atualidade pela maior disseminação ou prescrição
de medicamentos e a cultura da medicalização foram discutidos em entrevista, suscitando o
posicionamentos dos profissionais quanto suas práticas e bases teóricas que compõem seu fazer
médico. Nesse contexto, P1 afirmou que a problemática do uso indiscriminado de medicamentos
para lidar com a angústia se dá pelo acesso à informação sobre os medicamentos, alguns ditos
naturais, sem expor seus efeitos deletérios, abrangendo a questão para o uso de drogas ilícitas que
tem seu consumo tanto para lidar com exigências sociais como busca de experiências prazerosas,
destacando também a falta de escuta médica para com os pacientes e questões ideológicas
sobre o uso de medicamentos. Conforme Schütz e Ripoll (2013), a participação da mídia na
disseminação ou construção de uma cultura medicalizante. Assim, a cultura visual tem se destacado
na produção imagética, servindo de veículo para a expansão dos domínios cientifico, artístico e
tecnológico. Atualmente a mídia é o principal meio em que são transmitidas e compartilhadas
ideias, sentimentos, desejos e que eles atuam na produção de representações – importantes na
formação de modos de ser e agir, o que confere aos meios midiáticos um papel pedagógico, como
produtores de verdade (Schütz & Ripoll, 2013).
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Considerações Finais
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172 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O ACESSO À PORNOGRAFIA NA ADOLESCÊNCIA E
SUAS CONSEQUÊNCIAS NA PSIQUE
Layane Souza Silva
Francieli Cordeiro Pelissari
Tereza Cristina dos Santos Veras
Marcia Alves Gomes
Leia Miranda Pereira
Khalina Assunção Bezerra
Introdução
A
pornografia pode ser entendida como a representação de atividades sexuais, e
sempre existiu. Vários são os meios de acesso a esse tipo de material, que evoluiu
junto com a tecnologia. Na contemporaneidade, pode-se dizer que a internet é um
dos meios mais utilizados pelas pessoas para ter acesso a esse conteúdo específico, desde crianças
até idosos fazem uso desse meio de conexão com o mundo de maneira virtual (Deshpande, 2016).
O mundo virtual é o espaço onde diariamente crianças que estão entrando na puberdade e no
início da adolescência passam a maior parte do tempo, podendo tornar-se um problema na
medida em que, sem supervisão, podem ter acesso a conteúdos impróprios para a sua idade,
como o pornográfico, transportando-os para universos desconhecidos e novos, atrativos para
essa fase do desenvolvimento humano (Silva, 2017).
Levando em consideração que a adolescência é um período característico de transições no
desenvolvimento humano, que geralmente começa na puberdade, isto é, processo que resulta
na maturidade sexual do sujeito acompanhada pelas mudanças não só físicas, mas também
em competência cognitiva e social, autonomia, autoestima e intimidade (Papalia & Feldman,
2009). Estar on-line é o status atual destes na maioria do tempo, trazendo a naturalização de
comportamentos sexuais abusivos e degradantes, sendo a origem de adultos moldados pela
mimetização (ato de copiar hábitos), de materiais pornográficos além de danos psíquicos. Uma
vez que se torna rotineiro o acesso a imagens ou vídeos pornôs (Dias, 2016).
A premissa de que o acesso à pornografia na internet compulsivamente pode causar
alterações cerebrais relacionadas ao vício, se baseia na verificação de comportamentos que
reforçam repetidamente os circuitos de recompensa, motivação e memória que fazem parte da
doença do vício. Tendo em vista que não é a nudez e sim as novidades que fazem a ereção no
cérebro dos jovens disparar, sendo possível que se desenvolva consequentemente a dependência
associada ao consumo excessivo de material sensual ou de atos sexuais de maneira deturpada
(Wilson, 2014).
Esse tema traz questões a serem pensadas sobre as implicações na psique, consequentes do
consumo direto e indireto de pornografia. Segundo a teoria psicanalista, ao mostrar diretamente
as mais variadas formas de expressão da sexualidade, inclusive as perversas como as pulsões
orais, anais, sádicas, masoquistas entre outras, constantemente exibidas na pornografia, expõe
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Por penetrar em um ambiente pouco explorado atualmente, propondo ressaltar os impactos
comportamentais e psicológicos em indivíduos na fase da adolescência causados pelo livre
consumo de material do contexto pornográfico este artigo, contribui academicamente para
mais pesquisas e a superação de lacunas sobre possíveis transtornos desencadeados pelo mesmo
motivo.
Considerando o que foi proposto, o presente artigo está dividido da seguinte forma:
introdução, seguida por percurso metodológico, análises e discussões dos resultados, e as
considerações finais.
Metodologia
A princípio foi realizado um levantamento dos trabalhos indexados nas bases de dados
elegidas que comtemplavam, amplamente, a temática escolhida. Em seguida, foram excluídas as
publicações classificadas como comentários, resenhas, dissertações e teses, mantendo somente
artigos científicos publicados por contemplarem os descritores. Para a seleção das publicações
observou-se a temática do estudo, analisando minuciosamente cada título e conjunto de palavras-
Tabela 1- Classificação do acervo selecionado de acordo com título, autores, revista, ano de
publicação e resumo:
Título Autores Revista/Ano Resumo
Entre o obsceno -Larissa Scielo / 2016 O artigo tem como objetivo fazer uma comparação entre
e o científico: Costa os discursos da pornografia e da sexologia. Através de uma
Duarte pesquisa exploratória das construções de roteiros eróticos
Pornografia, e os procedimentos através dos quais o sexo é materializado
sexologia e a -Fabiola mediante instancias de produção. Por meio do levantamento
Rohden bibliográfico realizado, conclui-se que a manifestação de
materialidade
discurso pornográfico e sexológico se classificam como saberes
do sexo
sexuais que se associam em referências e formas de atuação,
levando os indivíduos em geral a pensarem a respeito da
preeminência de certas normas de gênero e de interpretações
contemporâneas quanto a produção da materialidade do
coito incorporado e performatizado.
Obscenidade -Luciene Revista Crítica O artigo usa de uma revisão bibliográfica, utilizando dados
refletida: Galvão Cultural de uma busca textual no banco de teses e dissertações da
noções e Viana (Portal de Capes e na Scielo, no período de julho a dezembro de 2012,
ressonâncias Periódicos e uma revisão dos estudos sobre à investigação pornográfica
pornográficas -Luciana Unisul) / no Brasil. Recorrendo a fatos históricos para distinguir como a
Vieira 2014 sexualidade e a pornografia eram vistas no decorrer do tempo,
como por exemplo, nas pinturas do Renascimento. O senso
comum e seus tabus impulsiona o vigor do mercado pornô.
Para uma abordagem feminista radical o pornô é uma forma
de violência institucionalizada contra as mulheres. É possível
concluir que é fundamental considerar uma perspectiva
histórica ao tratar das produções pornográficas, a fim de
refutar interpretações invariavelmente homogêneas, unívocas
e reducionistas.
Aspectos -Ivelise Scielo / 2013 O artigo trata-se de uma pesquisa qualitativa, sendo um
psicológicos do Fortim estudo documental, transversal e retrospectivo. A amostra é
uso patológico composta de 189 sujeitos, de ambos os sexos e com idade entre
de internet -Ceres Alves 18 e 58 anos que se declaram como “viciados em internet”, que
de Araujo enviaram 278 mensagens, O objetivo do artigo é compreender
a vivencia do uso patológico de internet a partir do autorrelato
dos participantes. Para a análise das verbalizações dos sujeitos
(por frequência de palavras) foi utilizado o programa estatístico
SPAD.t (versão 1.5) e posteriormente as mensagens foram
lidas em seu texto integral, com a finalidade de categoriza-las,
levando-se em conta seu contexto e significação. Conclui-se que
a estratégia utilizada pela internet é tão sedutora, que acaba
sendo se tornando a atividade mais importante e prazerosa do
dia do indivíduo. Independente da classificação diagnostica,
os sujeitos relatam muito sofrimento no uso excessivo, por isso
requerem ajuda, orientação, diagnóstico e tratamento.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Liberdade de Júlio César Scielo / 2013 Este artigo é uma parte modificada de uma tese de doutorado
expressão, C. B. Silva que, sob a perspectiva da teoria política normativa propõe-se a
pornografia e refletir sobre a importância instrumental de tal liberdade para
igualdade de a vida democrática. O objetivo dessa produção é tanto expor
gênero os termos da discussão quanto permitir um posicionamento
do leito em seu interior, já que trata-se um debate normativo.
Conclui-se após uma análise da fala feminista que a forma como
a pornografia é difundida ameaça a igualdade sociopolítica
entre homens e mulheres, dando mais espaço a discriminação
e a banalização da sexualidade feminina.
A dependência -Bruna G. Revista de O artigo consiste em um estudo de campo do tipo exploratório,
dos Gonçalves Ciências qualitativo, realizado com 10 adolescentes voluntários de uma
adolescentes ao Humanas / escola de Criciuma-SC. A coleta de dados foi feita através
mundo virtual -Denise 2012 de um entrevista semiestruturada, que buscava verificar a
Nuernberg atuação dos adolescentes no mundo virtual e como este
pode influenciar a vida social desses jovens. Visto que é na
adolescência que se constrói a identidade e a autonomia do
ser. Como os participantes são menores de idade, os pais
assinaram um termo de autorização conforme as regras éticas
exigem. Conclui-se portanto que a internet potencializa o
sentimento de poder juvenil e se continuarmos a percorrer esse
caminho, vários adolescentes necessitarão de psicoterapia.
Como demonstra a tabela, um dos artigos analisados foi “A dependência dos adolescentes
ao mundo virtual” dos autores Gonçalves e Nuernberg (2012), os quais defendem a ideia de a
adolescência como uma etapa importante do desenvolvimento humano. Como consequência, é
uma fase de intensas descobertas, e o imediatismo do mundo virtual torna-se um aliado poderoso.
Essa tecnologia que disponibiliza, além da conversa digital, o som e a imagem em tempo real
de outra pessoa com quem o usuário está interagindo, independentemente de sua localização
geográfica, é para os jovens uma diversão que substitui, muitas vezes, o contato físico, perdendo
a noção de limite entre o real e o virtual. A argumentação dos autores em relação a esse tema
vai ao encontra da primeira hipótese de nossa pesquisa, para qual a livre exposição e acesso
à pornografia através da mídia, redes sociais, bancas de revistas e locadoras, trazem ao jovem
inúmeras possibilidades de entretenimento.
Seguindo o mesmo sentido que a segunda e a terceira hipótese da pesquisa, que é o
comprometimento comportamental e cognitivo dos adolescentes ligado ao consumo de
pornografia e que a pornográfica mesmo sendo algo saudável pode viciar, o artigo “Aspectos
psicológicos do uso patológico da internet” produzido por Fortim e de Araújo (2013), defende
que com a popularização da internet novos comportamentos humanos surgiram e outros são
remodelados, sendo alguns destes comportamentos patológicos. Para Pizol (2015) o consumo
de material pornográfico pode afetar drasticamente os estilos de vida dos adolescentes,
especialmente em relação aos hábitos sexuais e pode desencadear influencias em suas atitudes e
comportamentos sexuais.
Os autores desse artigo utilizam uma metáfora para explicar o modo como a tecnologia é
um perigo para os usuários, comparando-a com uma sereia que canta para os marinheiros e os
atraem, estes incapazes de se conter são destruídos e comidos assim que chegam perto da sereia
(2105). A internet parece ser um oceano cheio de ricas aventuras, peixes e inigualáveis tesouros,
porém há a sereia que seduz e encanta, mas que pode destruir caso o indivíduo não consiga ter
o domínio de si mesmo. O canto da internet é arrebatador para alguns usuários, pois dispõe de
conteúdos que eles mesmos desconhecem, ou que passam a conhecer por conta de sua vivencia
online. Entregando-se ao canto irresistível da sereia, mesmo sabendo dos perigos.
O artigo “Obscenidade refletida: noções e ressonâncias pornográficas” das autoras Viana
e Vieira (2014) diverge da terceira hipótese já comentada anteriormente, devido mencionar que
os homens que utilizam a pornografia para obter prazer, discordam da ideia de que o pornô
seja sinônimo de banalização do sexo ou o seu consumo frequente, seja uma predição ao vício.
Discordando da fala desses homens, o artigo “Liberdade de expressão, pornografia e igualdade de
Considerações Finais
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A bibliografia não traz uma análise significativa sobre o tema, sendo importante a realização
de investigações e estudos voltados ao assunto abordado focando como necessário uma análise
aprofundada nos dias atuais.
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Introdução
N
o Brasil, o modelo de atenção à saúde durante grande parte do século XX
caracterizou-se por sua origem privada, sendo somente na década de 1980
com a criação da Constituição em 1988 e do SUS que este cenário passou a ser
modificado, assim, ganhando impulso a reorganização do sistema de saúde com seu apelo à
participação popular, à universalização e à descentralização dos serviços (Fausto, 2005).
Nesta perspectiva e também em decorrência das reivindicações de vários movimentos sociais
pró-democratização do país, ganham centralidade os investimentos no campo da saúde pública,
tendo em vista a instalação de um novo agir em saúde (Boing & Crepaldi, 2010). Entre as principais
modificações promovidas no setor de saúde pública no início da década de 1980, destaca-se
a crítica ao modelo de saúde mental até então adotado, o que abre espaço para o debate e
reivindicação da reforma psiquiátrica com seus serviços substitutivos ao modelo tradicional. A
partir deste momento, passou-se a enfatizar o atendimento ambulatorial e a formação de equipes
multiprofissionais de saúde, para tanto sendo necessários novos recursos humanos e dentre eles
o psicólogo (Ronzani & Rodrigues, 2006).
A participação do psicólogo na atenção básica de saúde começou a se delinear com a
implantação do Programa Saúde da Família (PSF) em 1993; no entanto, por ter sido excluído da
composição da equipe mínima, sua atuação não pôde se desenvolver em toda sua plenitude, fato
que gerou o questionamento destes profissionais e do próprio Conselho Federal de Psicologia
(CFP) (Cezar, Rodrigues & Arpini, 2015).
Esses questionamentos contribuíram para que no ano de 2008 o Ministério da Saúde (MS)
instituísse o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), dispositivo que possibilitou a inserção
e o reconhecimento oficial da psicologia como uma profissão legítima na atenção básica. Vale
lembrar que as equipes do NASF devem atuar em parceria com as da Estratégia Saúde da Família
(ESF), antigo PSF, promovendo dessa forma uma atuação interdisciplinar em ambos os programas
(Freire & Pichelli, 2010).
Sobre os objetivos da inserção do psicólogo na atenção básica de saúde, ressalta-se,
principalmente, a problematização das práticas tradicionais de atuação, de modo a oferecer
uma assistência à saúde básica mais resolutiva e humanizada, assim, distanciando-se de práticas
estritamente centralizadas em um modelo assistencialista e biológico que não tratam o usuário de
forma integrada (Gorayeb, Borges & Oliveira, 2012).
Face a isto, percebe-se que a atuação do psicólogo na atenção básica ocorre por meio da
materialização da equipe interdisciplinar, onde se torna possível integrar os conhecimentos de
180 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
diversas áreas do conhecimento a fim de compreender a complexidade dos aspectos relacionados
à sua saúde do usuário. Dentre os profissionais que trabalham em parceria com o psicólogo nos
programas da atenção básica de saúde se encontram os médicos participantes do Programa Mais
Médicos (PMM) (Miranda, Mendes, Silva & Santos, 2017).
O PMM surge em 2013 como uma estratégia para enfrentar a escassez de medidas
promotoras de mudanças amplas e integradas, principalmente em relação à formação dos
profissionais da saúde em geral e dos médicos em específico, que tinham sua formação até
então preponderantemente voltada para as especialidades clínicas (Campos & Pereira, 2016).
Este programa do governo federal e do MS tem o objetivo de atender uma maior quantidade de
usuários da atenção básica de saúde, como também aqueles que se encontram em regiões do país
com déficit em relação ao profissional médico, principalmente em instituições de saúde pública
mais afastadas dos grandes centros comerciais (Mendes, 2010).
De acordo com Oliveira et al. (2015) existem fatos que comprovam a necessidade da criação
do PMM no Brasil, por exemplo, a quantidade de médicos por habitantes no país que é em média,
1,8 médicos por mil habitantes, estando atrás de países vizinhos como Argentina que possui uma
média de 3,2 médicos por mil habitantes e Uruguai que possui em média 3,7 médicos por mil
habitantes.
Outro fator que mostra a necessidade de criação do PMM é que vinte e dois estados do
Brasil estão abaixo da média nacional, sendo a maioria situados nas regiões Norte e Nordeste.
Destaca-se de forma negativa nessa escala o estado do Maranhão que possui uma média de 0,58
médicos por mil habitantes e de forma positiva o estado do Rio de Janeiro que possui uma média
de 3,7 médicos por mil habitantes, estando assim acima da média nacional, o que demonstra a
discrepância existente na oferta de médicos entre as regiões Sudeste e Nordeste do país (Oliveira
et al., 2015).
Cabe salientar que podem participar do PMM, médicos formados em instituições
de ensino superior brasileiras ou com diploma revalidado no Brasil, sendo denominados
médicos participantes, como também os médicos formados em instituições de ensino superior
estrangeiras, estes considerados médicos intercambistas. Em ambas as situações, os médicos
serão supervisionados por um tutor médico que ficará incumbido de prover orientações acerca
das especificidades da área de atuação na qual o participante atuará como também por um
supervisor de campo (Oliveira et al., 2015).
Para que o médico estrangeiro possa participar do programa é necessário que possua
um diploma expedido por sua instituição de ensino superior estrangeira e seja habilitado para
o exercício da medicina no país onde foi formado, possuindo também conhecimentos sobre a
língua portuguesa, sobre o SUS e seus protocolos e diretrizes (Campos, & Pereira, 2016).
As regiões prioritárias para o SUS e os municípios que podem aderir ao PMM são os
municípios constituídos de áreas de difícil acesso e de difícil provimento de médicos ou que
possuam 20% de sua população em situação de maior vulnerabilidade e que estejam entre os cem
municípios com mais de oitenta mil habitantes, com os mais baixos níveis de receita pública “per
capita” (Campos & Pereira, 2016).
A partir disso, os municípios são divididos em dois grupos, os considerados municípios
elegíveis que se enquadram nos critérios já descritos, podendo participar do programa mediante
manifestação de interesse e celebração de termo de adesão e compromisso e os municípios
considerados participantes que tiverem aprovados o seu pedido de adesão ao programa (Lei n.
12.871, 2013).
Por ser um programa implantado recentemente no Brasil, existem poucas pesquisas de
caráter autônomo sobre o PMM, pois a maioria dos estudos é realizada pelo próprio MS a partir
de métodos quantitativos, onde o principal enfoque é a produção de indicadores estatísticos,
Método
Materiais
Procedimento
A busca de artigos foi realizada com os seguintes descritores: “Programa Mais Médicos” e
“Implantação do Programa Mais Médicos”, a fim de se obter o maior número possível de estudos
da temática. O levantamento de artigos ocorreu no mês janeiro de 2017.
Foram selecionados os artigos datados do período de 2013 a 2016 por se pretender realizar
um levantamento dos estudos mais recentes acerca do tema, utilizando para isso de pesquisas
realizadas após a criação do programa.
Após o levantamento das publicações, os resumos foram lidos e analisados segundo os critérios
de inclusão/exclusão estabelecidos. Como critérios de inclusão, destacam-se: artigos empíricos,
artigos publicados apenas em periódicos indexados nos três bancos de dados selecionados; trabalhos
publicados em português; e, ainda, que fossem publicados entre 2013 e 2016.
No que se refere aos critérios de exclusão, foram descartadas as publicações distantes
da temática da pesquisa ou que tratavam o PMM como temática secundária. Os resumos
condizentes com os critérios adotados foram selecionados, partindo-se daí para a busca dos
trabalhos completos.
Após a seleção dos artigos através dos critérios de inclusão e exclusão, a análise foi realizada
de acordo com três categorias previamente estabelecidas: local da pesquisa, método utilizado e
avaliação da implantação do Programa Mais Médicos e de sua articulação com a atuação do
psicólogo.
182 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Resultados
Ao se lançar mão dos descritores elencados, foram identificados 123 artigos científicos
indexados no período de 2013 a 2016 nos bancos de dados previamente estabelecidos. Destes,
apenas 41 artigos foram selecionados a partir dos critérios de inclusão/exclusão.
Com relação à primeira categoria analítica - local da pesquisa - Verificou-se que as regiões
que mais produzem estudos acerca do programa mais médicos são a Sudeste e a Centro-Oeste
com 39,02% e 26,82% de estudos, respectivamente. Logo em seguida aparecem as regiões Sul
e Nordeste com 14,63%, sendo a região Norte a que apresenta o menor percentual de estudos
realizados, apenas 4,87% (ver Tabela 1).
Tabela 1
No que concerne ao método utilizado pelos estudos, é possível identificar, conforme mostra
a Tabela 2, que a maioria, 53,65% do total, emprega abordagem quantitativa e que o restante,
47,4%, recorre a uma abordagem qualitativa.
Tabela 2
Por último, a categoria que se propõe a avaliar os impactos da implantação do PMM, bem
como sua articulação com a atuação do psicólogo refere que 80,5% dos estudos consideram a
implantação do programa de forma positiva e que apenas 19,50% das pesquisas avaliaram o
programa de maneira negativa (ver Tabela 3). Apesar dos estudos relatarem uma inexpressiva
articulação do trabalho dos médicos do PMM com a atuação dos psicólogos, apontam também
a importância do psicólogo na equipe interdisciplinar.
Tabela 3
184 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Assim, mesmo os estudos considerados “independentes”, ou seja, que não possuem
ligação de forma direta com o MS ou o governo federal, preferencialmente priorizam estudos
com metodologias quantitativas e estatísticas, possuindo como objetivo a avaliação dessa nova
política pública a partir de instrumentos mais objetivos como, por exemplo, escalas.
Em relação às pesquisas qualitativas é importante frisar que, apesar do relativo equilíbrio
aparentemente encontrado, ainda existe um déficit em relação a pesquisas com instrumentos
que possibilitem a análise de aspectos mais amplos e qualitativos na avaliação da implantação
dessa política pública nas diferentes regiões do Brasil, como por exemplo, o uso de entrevistas ou
pesquisa participante (Kemper, Mendonça & Sousa, 2016). Congruente a isto, verificou-se que
as análises realizadas nas pesquisas quali, não raramente, apresentam abordagem superficial,
onde os dados, ao invés de discutidos, são apenas descritos e sem a consideração de aspectos
relevantes do programa (Kemper et al., 2016).
Outro dado importante a ser ressaltado se refere a frequente avaliação e análise promovida
pelo MS juntamente do governo federal, visando verificar possíveis déficits em relação a aspectos
da implantação do programa em algumas regiões ou cidades específicas, bem como utilizar
os dados para a produção e atualização de cartilhas e manuais sobre as ações e resultados da
implantação do PMM nas diversas regiões do Brasil (Kemper et al., 2016).
Em relação aos aspectos positivos da implantação do programa mais médicos, Girardi et al.
(2016) ressaltam que a escassez de médicos na atenção básica de saúde no Brasil vem diminuindo
anualmente desde a criação e a consequente implantação do PMM, passando de 1.200 em 2013
para 558 no ano de 2015, representando assim uma redução de 53,5% no déficit de médicos.
Também se registra maior integração entre as universidades e o SUS, de forma que os acadêmicos
do curso de medicina das diferentes regiões do Brasil estão tendo contato direto com a realidade
do sistema de saúde brasileiro e suas especificidades, fato que não acontecia, principalmente nos
grandes centros urbanos, já que o foco nas especialidades médicas se sobrepunha à consideração
da atenção básica de saúde da população (Girardi et al., 2016).
Outro ponto positivo se refere ao planejamento que ocorre na distribuição dos médicos do
programa nas diferentes regiões do Brasil, priorizando cidades com maior índice de vulnerabilidade
social e menor oferta de médicos na atenção básica de saúde, visando promover assim o processo
de descentralização da saúde nas grandes metrópoles, contexto esse já bastante debatido pelos
gestores e pela população em geral (Girardi et al., 2016).
Apesar de elogiarem o processo de descentralização e o planejamento da distribuição de
médicos entre as regiões do país, Campos e Pereira (2016) afirmam a existência de uma grande
rotatividade dos profissionais do programa em algumas localidades, principalmente naquelas
mais afastadas dos grandes centros comerciais, sendo o atraso do pagamento das bolsas de
auxilio aos profissionais um dos principais fatores para a ocorrência deste fenômeno.
Mesmo considerando que o processo de implantação do programa necessita de diversos
ajustes, principalmente em relação à distribuição das vagas de residência, Campos e Pereira (2016)
enfatizam o grande crescimento da ESF no país após a implantação do PMM, demonstrando a
integração efetiva entre os dois programas no beneficiamento e atendimento aos usuários.
Por outro lado, o crescimento da ESF no país não tem ocorrido de forma igualitária, pois a
região Nordeste mesmo tendo recebido a maior quantidade de médicos do PMM, ainda possui
apenas 8,7% de participação da classe médica focada na atenção básica, enquanto que a região
Sudeste apresenta 18,7%. O que demonstra um cenário contraditório ao que propõe o MS quanto
à equidade na proporção de médicos na atenção primária nas cinco regiões do Brasil (Girardi et
al., 2016).
Considerações Finais
Conclui-se que a maioria dos estudos realizados sobre o PMM tem como locus a região
Sudeste do Brasil e, quase sempre, apresentam resultados positivos acerca da implantação do
programa. Além disso, os métodos adotados revelam uma abordagem predominantemente
quantitativa.
Apesar dos resultados positivos em relação à implantação do programa diversos aspectos
necessitam ser melhorados, principalmente aqueles relacionados à infraestrutura das unidades
básicas de saúde, como também o aumento na quantidade de pesquisas realizadas nas regiões
Norte e Nordeste. Por exemplo, no Piauí nenhuma pesquisa foi encontrada nos bancos de dados
usados durante a coleta.
Embora ainda inexpressiva nas produções acadêmicas, também cabe mencionar a
importância da atuação do psicólogo na atenção básica de saúde e de como esse profissional
pode atuar de forma interdisciplinar com os médicos participantes do PMM, através do trabalho
em conjunto realizado entre os NASFs e as ESFs.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Dentre as limitações do presente estudo, ressaltam-se a existência de poucas investigações
que abordem a articulação do trabalho do psicólogo com a atuação dos médicos participantes
do PMM e, ainda, o acesso apenas a publicações disponibilizadas gratuitamente.
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188 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
AS CRENÇAS CENTRAIS DE PACIENTES RELIGIOSOS
COM COMPORTAMENTO SUICIDA: PROTEÇÃO OU
FATOR DE RISCO
Layone Rachel Silva de Holanda
Fátima Emérito Barbosa
Introdução
S
egundo o relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde no ano de 2014,
o suicídio é considerado um grande problema de saúde pública que não é tratado
e prevenido de maneira eficaz. De acordo com o estudo, 804 mil pessoas cometem
suicídio todos os anos, taxa de 11,4 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes. O Brasil é
o oitavo país em número de suicídios. Em 2012, foram registradas 11.821 mortes, sendo 9.198
homens e 2.623 mulheres (taxa de 6,0 para cada grupo de 100 mil habitantes).
Para Assari, Lankarani, Moazen (2012), existe uma lista de variáveis que tentam explicar
o suicídio, porém o mesmo pode se enquadrar em categorias diferentes, tais como pobreza
individual, pobreza, falta de moradia, uso de substâncias, desempenho educacional insuficiente,
família e social, estado civil solteiro, desemprego são características, contudo o fator de risco
conhecido mais importante para o suicídio podem ser os transtornos psiquiátricos.
A doença mental não tratada está presente na maioria dos casos, principalmente na forma de
depressão e de transtorno bipolar. Apesar de o suicídio ser visto atualmente como um transtorno
psicossocial de causas múltiplas, em que fatores biológicos, psíquicos, sociais e culturais interagem
de forma complexa, aproximando ou afastando as pessoas do abismo psíquico, ainda há muito o
que pesquisar para assim poder realizar programas de prevenção eficazes. Há fatores que podem
proteger contra a tentação de abreviar a vida, como os vínculos afetivos bem cultivados, o bom
relacionamento com a família, ter filhos, ter uma crença espiritual, uma condição financeira
estável e realização profissional, por mais simples que seja a ocupação.
Acredita-se que a religiosidade tenha um efeito positivo sobre a saúde mental e o
comportamento, mesmo que direto ou indireto. Vemos que a religião tem um efeito indireto sobre
a saúde através do apoio social a partir de companheiros religiosos, que acredita-se reduzir o
stress. O envolvimento religioso aumenta satisfação com a vida. ( Assari, Lankarani , Moazen,
2012, pp. 358-364)
Importante destacar que, o reconhecimento dos fatores de risco e dos fatores protetores é
fundamental, pois com acesso a estas informações é possível ajudar o profissional de saúde a determinar
clinicamente o risco e, a partir desta determinação, estabelecer estratégias para reduzi-lo.
Segundo Kendler et al., (2003) a “religião” é definida em sete componentes e sugere
que dois deles (religiosidade social e gratidão) sejam relacionados com risco de vida tanto
para internalização e externalização de transtornos. Quatro componentes (religiosidade geral,
Deus envolvido, perdão e Deus como juiz) pareciam predizer um risco reduzido de desordens
Metodologia
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica de agosto a outubro de 2016, tendo-se como
fontes as bases de dados MEDLINE, Scielo, Pubmed, Google Acadêmico e de capítulos de livros
de referência sobre o tema, abrangendo os anos de 2001 até 2016. Na pesquisa foram utilizados
os seguintes descritores: Crenças Centrais. Suicídio. Religiosidade. Terapia Cognitivo Comportamental.
Comportamento Suicida. Fatores de Risco. Fatores de Proteção. Foram incluídos os estudos que fazem
menção à religiosidade e saúde mental, os quais envolvem a religiosidade e pacientes com
transtorno mental.
Resultados
Comportamento Suicida
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) as taxas de suicídio para o ano de
2020 e com base nas tendências atuais, aponta que cerca de 1,53 milhões de pessoas morrem de
suicídio por ano, e de 10 a 20 vezes mais as pessoas vão tentar o suicídio em todo o mundo. Isso
representa, em média, uma morte a cada 20 segundos e uma tentativa a cada 1 ou 2 segundos.
Nos últimos 45 anos, as taxas de suicídio aumentaram 60% em todo o mundo. O suicídio é
uma das três principais causas de morte entre as pessoas com idades entre 15-44 anos, em alguns
países, e a segunda causa no grupo de 10 a 24; e estes números não incluem tentativas de suicídio
que são até 20 vezes mais frequente do que casos de suicídio concluídas. O Brasil enontra-se em
oitavo lugar com os maiores registros absolutos de números de suicídios.
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comuns: a depressão, transtorno de humor bipolar, dependência de álcool e de outras
drogas psicoativas, esquizofrenia e certas características de personalidade. Observa-se que
a situação de risco é agravada quando mais de uma dessas condições se combinam, como
depressão e alcoolismo, ou a coexistência de depressão, ansiedade e agitação. (Bertolote &
Fleischmann, 2002, n.d.)
De acordo com Botega et. Al., 2009, em um estudo realizado no município de Campinas,
em 2003 foi possível perceber que, ao longo da vida, 17,1% das pessoas “pensaram seriamente em
por fim à vida”, 4,8% chegaram a elaborar um plano para tanto, e 2,8% efetivamente tentaram o
suicídio. De cada três pessoas que tentaram se suicidar, apenas uma foi, logo depois, atendida em
um pronto-socorro.
Com esses dados identificou-se que, apenas uma porção pequena de pacientes com
comportamento suicida chega a ser registrado num atendimento em um serviço de saúde. O
suicídio é um problema de saúde pública que pode ser prevenido, estudos apontam que 90%
dos suicídios consumados poderiam ser evitados, pois em sua maioria havia prevalência de um
transtorno mental associado.
Suicídio e Religiosidade
Para Koenig (2001), a definição para religião seria um sistema organizado de crenças, práticas,
rituais e símbolos projetados para facilitar a proximidade com o sagrado ou transcendente (Deus,
poder mais alto, ou ultimate verdade / realidade).
A religiosidade independente da afiliação religiosa aparece dentre outros como um fator
protetor para pacientes com comportamento suicida e por ser pouco estudado não apresenta
dados consistentes acerca de sua eficácia para impedimento do ato.
Segundo Gordon Allport (1967), a orientação religiosa se apresenta de duas formas,
como orientação extrínseca onde é possível perceber que àqueles que a possuem desejam usar a
religião para alcançar seus próprios fins, ou seja, a religião só existe para servir aos seus interesses
particulares, enquanto que a segunda forma, a orientação intrínseca, àqueles que a possuem
apresentam a religião como seu motivo de ser, complemento de maior importância e em harmonia
com as suas crenças pessoais.
Em um inquérito populacional entre brasileiros foi possível demonstrar que mais de 80%
atribuem uma importância à religião2. Indicando a religiosidade como um fator de proteção
independente se é externa ou interna para a saúde física e mental. Nas últimas duas décadas,
vários estudos foram realizados acerca das relações entre religiosidade e saúde mental.
Entretanto, há uma predominância de investigações provenientes de amostras norte-
americanas (preponderantemente protestante). No Brasil, o estudo da religiosidade como
fator influenciador da saúde mental é incipiente. (Carvalho, 2012, p. 210)
Bertolote e Fleischmann (2002), verificou em seus estudos que as taxas de suicídio de acordo
com a denominação religiosa prevalente trazem à esses países uma maior diferença entre países
do Islã e os países de qualquer outra religião prevalente. Nos países muçulmanos (por exemplo,
Kuwait), suicídio, onde é mais estritamente proibido, o total das taxas de suicídio é próxima de
zero (0,1 por 100.000 população). Em Hindu (ex. Índia) e Países cristãos (ex. Itália), o total das
taxas de suicídio é de cerca de 10 por 100.000 (Hindu: 9,6; Christian: 11,2). Em países budistas
(por exemplo, Japão), a taxa de suicídio total é nitidamente mais elevado em 17,9 por 100.000
habitantes.
192 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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que apresenta a religião como mais protetora contra o suicídio em países menos religiosos, bem
como em áreas menos religiosas de um único país. “Diante disso, não foi possível relacionar o
México por ser um país altamente religioso, como justificativa para suas baixas taxas de suicídio.
Contudo, esta afirmação parece contradizer outras pesquisas sugerindo que as comunidades
religiosamente homogêneas e áreas de força católica histórica são os que mais protegem contra o
suicído ( Hoffman, Steven, Marsiglia & Flavio, 2014).
Algumas explicações possíveis para este achado original são a recente análise da ideação suicida
em oposição a suicídios, medidos religiosidade interna de forma diferente de estudos anteriores, e
realizado junto de uma amostra internacional única da juventude mexicana. Outra explicação seria
uma recente linha de pesquisa com foco no processo de tomada de decisão, mostrando que as
decisões que as pessoas fazem nem sempre são um reflexo de suas crenças e valores onde, pode ser
que as crenças espirituais de um indivíduo nem sempre contribuam para o seu processo de tomada
de decisão. “Embora tenham a crença que não irão para o céu se cometerem suicídio, ir para o
céu pode não ser necessariamente importante o suficiente para serem levados em consideração ao
contemplar o suicídio ( Hoffman, Steven, Marsiglia & Flavio, 2014).
Discussão
Apesar disso, há estudos conclusos que apontam um aspecto da religiosidade como fator
protetivo da saúde mental, porém faz-se necessário mais estudos práticos que apontem de forma
mais discriminada como utilizar este aspecto da religiosidade de maneira protetiva para os
pacientes com comportamento suicida, para assim, promover estratégias de trabalho nos diversos
ambientes para auxiliar estes pacientes em sofrimento extremo
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Introdução
N
a cultura ocidental há uma pressão muito intensa para se conquistar um corpo
extremamente magro, sendo esse padronizado como “ideal” e constantemente
aparecendo na mídia como uma forma de cobrança. Quando há uma
preocupação extrema com a aparência física, o indivíduo pode ser levado a uma imagem
corporal negativa, referidos como distúrbios da imagem corporal, que são marcados por
prejuízos na vida social e profissional, paralelos a um sofrimento intenso (Tavares, Campana,
Tavares & Campana, 2010).
Como consequência dessa preocupação excessiva, podem surgir os transtornos alimentares
(TAs), sendo os mais comuns a anorexia nervosa - AN e a bulimia nervosa - BN (Vilela,
Lamounier, Dellaretti, Barros & Horta, 2004). Ambas são caracterizadas por padrões anormais
de comportamento alimentar e preocupação excessiva com o controle do peso e por percepções
alteradas sobre o próprio peso e corpo (Gonçalves, Moreira, Trindade & Fiates, 2013).
As mudanças biológicas, físicas, psíquicas, aliadas ao desenvolvimento da formação da
identidade e do senso de independência são atributos evidenciados na adolescência. Esses fatores
quando associados ao forte apelo sociocultural do culto à magreza, e encontrando ressonância
nos fatores psicológicos individuais e familiares, podem predispor o adolescente aos transtornos
alimentares (Dunker, Fernandes & Carreira, 2009).
Segundo Nunes, Olinto, Camey, Morgan e Jesus (2006), a adolescência é a faixa etária mais
vulnerável aos comportamentos direcionados à magreza e, consequentemente, aos transtornos
alimentares, tendo em vista que, por suas próprias características, é mais influenciada pelos
padrões estéticos corporais vigentes. Esses autores destacam que, na medida em que o corpo
idealizado não é facilmente alcançado, torna-se cada vez mais comum a presença da insatisfação
corporal, o que contribui para perpetuar os comportamentos alimentares sugestivos de transtornos
alimentares.
A ocorrência mais acentuada dos transtornos alimentares na adolescência encontra
explicação no fato de que nesta fase da vida acentua-se a formação da identidade pessoal, dos
valores sociais e do senso de independência social e emocional, cuja assunção ou dificuldade
em assumi-los pode levar, a transtornos de ordem alimentar. Sobressaem-se ainda a influência
dos fatores psicológicos individuais e familiares, aliada ao forte apelo sociocultural do culto à
196 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
magreza, que ocorre nesta fase da vida. Tais características constituem-se em fortes definidores
das escolhas da qualidade e quantidade dos alimentos podendo se manifestar negativamente nas
escolhas alimentares (Fonseca & Rena, 2008).
Em estudo de revisão de Gonçalves et al. (2013) dentre os fatores de risco para os TAs,
destacaram-se a mídia e os ambientes social e familiar. A influência da mídia e do ambiente social
foi associada, principalmente, ao culto à magreza. Já no âmbito familiar, o momento das refeições
mostrou-se fundamental na determinação do comportamento alimentar e no desenvolvimento de
seus transtornos.
Tendo em vista a relevância do tema e o crescimento de transtornos alimentares na
adolescência, este estudo teve por objetivo avaliar a prevalência de transtornos alimentares em
adolescentes brasileiros e os fatores associados.
Método
Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica. A busca pelos artigos foi realizada nas bases
de dados PubMed, SciELO e LILACS, combinando-se os termos ‘adolescentes’, ‘comportamento
alimentar’, ‘transtorno alimentar’, ‘bulimia’ e ‘anorexia’, nos idiomas português, inglês e espanhol.
Foram considerados os artigos publicados entre 2008 e 2018, sendo selecionados, após critérios
de inclusão e exclusão, 10 estudos no Brasil, de corte transversal, que analisaram a prevalência
de sintomatologia de transtornos alimentares através da aplicação de questionários específicos e
fatores associados.
Resultados
No estudo de Scherer, Martins, Pelegrini, Matheus e Petroski (2010) 75,8% das adolescentes
investigadas estavam insatisfeitas com a sua IC e a prevalência de sintomas de TA (EAT+) foi
elevada (26,6%). Os autores concluíram que a IC está associada a maturação sexual, uma vez
que a presença da menarca e sua ocorrência em idades precoces fazem com que as adolescentes
apresentem o desejo de reduzir o peso corporal. Além disso, o desejo de ter um corpo mais magro
pode gerar comportamentos inadequados em relação a alimentação, que podem evoluir para o
desenvolvimento de TAs.
Em estudo de Souza, Souza, Magna e Magna (2011), a população estudada mostrou
prevalência de 9,7% de EAT positivo (IC 95% de 8,4% a 11,0%), resultado este que foi influenciado
198 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
pelo sexo, como se sentia em relação ao peso, se já teve sintomas depressivos anteriormente e pelo
estado nutricional (IMC).
Vergílio e Gravena (2011) demonstraram a presença de sintomatologia anoréxica e distorção
da imagem corporal na população estudada, identificando ainda a existência significativa entre a
distorção da imagem corpórea diante dos sintomas anoréxicos e maior acometimento da mesma
entre o sexo feminino.
Laus, Souza, Moreira e Braga-Costa (2013) investigaram a relação entre insatisfação com
a imagem corporal, estado nutricional e atitudes alimentares em adolescentes de uma pequena
cidade do interior do Estado de São Paulo. Um total de 278 adolescentes (106 meninos e
172 meninas) entre 15 e 18 anos tiveram respondidas medidas de insatisfação com a imagem
corporal. Os autores observaram que meninas relataram maiores índices de insatisfação e
atitudes alimentares inadequadas quando comparadas aos meninos e, em ambos os sexos, os
comportamentos alimentares inadequados tendem a aumentar conforme aumenta a insatisfação
com a imagem.
Halpern et al. (2013) avaliaram sintomas de TAs em escolares do 6º ano de escolas
públicas municipais em uma cidade serrana do Rio Grande do Sul e verificaram que os meninos
apresentaram 45% menos chances (RP=0,55 — IC=0,43 -0,70) de estarem com sintomas de TAs
em relação às meninas. Os escolares insatisfeitos com a imagem corporal apresentaram 69% mais
chances (RP=1,69 — IC=1,28 -2,23) de estarem com sintomas de TAs em relação aos escolares
satisfeitos.
Os achados do estudo de Fortes, Cipriani, Paes, Coelho e Ferreira (2016) referentes a aplicação
do EAT-26 evidenciaram que 23,3% das adolescentes participantes da pesquisa demonstraram
comportamento alimentar de risco para os TAs. Além disso, os resultados apontaram que 33,9%
das adolescentes apresentaram algum nível de insatisfação corporal avaliado pelo BSQ. Os
autores evidenciaram associação entre os comportamentos alimentares de risco para os TAs e o
DTH (Distúrbio Total do Humor). Os resultados indicaram maiores chances de as adolescentes
com alto DTH utilizarem os comportamentos alimentares de risco para os TAs em comparação
as adolescentes com baixo DTH. Dessa maneira, as meninas com sentimentos elevados de raiva,
depressão, tensão e/ou fadiga usaram com maior frequência os comportamentos alimentares de
risco para os TAs.
Discussão
Considerações Finais
200 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
CÂNCER E IDOSOS: A REAÇÃO DA FAMÍLIA DIANTE DO
DIAGNÓSTICO DE NEOPLASIA
Laís de Meneses Carvalho Arilo
Andrea Thaís Xavier Rodríguez Hurtado
Introdução
O
câncer, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA) (2016), é o
desenvolvimento anormal e desenfreado de células dos tecidos e órgãos, de modo a
agressividade no crescimento dessas células contribui para a formação de tumores
– as neoplasias malignas – ou a formação de massas semelhantes ao tecido original – tumores
benignos. Essas células sofrem mutação genética, posto que ocorre uma alteração do material
genético, que é transmitida nas demais células e, assim, ativam os protooncogenes ao executar a
atividade celular errada transformando-os em oncogenes, estes encarregados pela malignidade.
Já o tipo de câncer depende do tipo de célula que originou o tumor: quando inicia nos tecidos
epiteliais (pele e mucosas) é chamado de carcinoma, enquanto esse surgimento acontece nos
tecidos conjuntivos (ossos, músculos e cartilagens) é sarcoma. (INCA, 2016).
A população idosa é constituída por pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, o
que representa não apenas uma conquista, mas também um desafio devido às demandas sociais
e econômicas para investir em saúde, segurança e participação social desse público (WHO,
2002). Considerando as transformações inerentes ao desenvolvimento do sujeito (o declínio das
capacidades funcionais, fisiológicas e mentais), ressalta-se o aparecimento de doenças crônicas
e/ou incapacitantes como, por exemplo, a hipertensão, diabetes e cânceres. Assim, a incidência
de câncer em idosos é definida pela vulnerabilidade do organismo à transformação celular e pelo
tempo de exposição aos agentes externos modificadores da estrutura genética das células (Papalia,
Olds, & Feldman, 2006; INCA, 2016).
Outra teoria é o aparecimento de neoplasia em idosos por causa do desenvolvimento
prolongado da carcinogênese e, por isso, pessoas que vivem mais estão mais propensas a ter
câncer. Portanto, estudos estimam que, em 2020, 70% das neoplasias diagnosticadas se apresente
em pacientes com idade igual ou superior a 65 anos (Assis, Melo, Melo, Kitnet, & Júnior, 2011).
Percebendo essas particulares, a oncologia e a geriatria convergem-se na oncogeriatria, um
enfoque abrangente e multidisciplinar dos pacientes com diagnóstico de câncer (Karnakis, 2011).
Entretanto, na prática, os pacientes idosos “mais jovens” com poucas ou nenhuma
comorbidade são encaminhados para o serviço de oncologia, enquanto aqueles fora de
possibilidade terapêutica de cura são destinados aos geriatras (Assis et al., 2011, p. 110). É
importante favorecer o entrelaçamento dessas abordagens no âmbito prático para elaborar
estratégias que abarquem toda a população idosa oncológica por meio de exames iniciais mais
específicos como as avaliações geriátricas e os estudos farmacológicos para o cuidado e otimização
do tratamento desses pacientes (Misset & Bauer, 2008).
Na pesquisa realizada por Soares, Santana e Muniz (2010), a neoplasia é um diagnóstico
204 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Desenvolvimento
A metodologia utilizada será a revisão narrativa da literatura, que é uma pesquisa mais
abrangente de cunho qualitativa, exploratória e bibliográfica; de forma que pretende fornecer
uma visão geral sobre determinada temática enfatizando aspectos que podem contribuir para
a construção do conhecimento. (Noronha & Ferreira, 2007). Sendo uma pesquisa qualitativa, é
definida em sua “relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável
entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números.”
(Kauark, Manhães, & Medeiros, 2010, p. 26). Com o intuito de permitir uma maior familiaridade
com o tema e construir novas significações, a pesquisa exploratória pretende aprimorar ideias ao
realizar um levantamento bibliográfico. (Gil, 2002).
Para selecionar o material a ser estudados, serão critérios de inclusão: as pesquisas que
abordassem o paciente idoso com câncer publicadas em inglês, português e espanhol, no período
de 2011 a 2016, em formato de artigos, teses e/ou dissertações. Como critérios de exclusão estão:
as pesquisas que abordam os aspectos genéticos e/ou hereditários, descrevem procedimentos
clínicos e/ou cirúrgicos em pacientes idosos com câncer, publicadas nos demais idiomas e com
acesso apenas aos resumos nas bases de dados. As bases de dados utilizadas serão PubMed, Scielo,
BVS e Pepsic.
A partir da pesquisa realizada nessas bases de dados, foram encontrados 62 artigos acerca
de pacientes idosos oncológicos e seu impacto na rotina familiar dos cuidadores, após a leitura
foram selecionados 38 artigos, que eram mais relevantes para a pesquisa de acordo com os
objetivos propostos.
Discussão
Ao destacar a família como fator de relevância, algumas temáticas prevaleceram como, por
exemplo, a comunicação intrafamiliar, a tomada de decisão acerca do tratamento e cuidados, o
impacto na vida dos cuida dores, o risco de morte iminente e o luto do paciente e da família. Logo,
o presente artigo evidencia os seguintes tópicos para melhor responder aos objetivos elaborados:
Comunicação do diagnóstico de câncer; Reorganização familiar e a tomada de decisão e A família
e luto, incluindo o luto antecipatório.
206 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Ao buscar uma nova organização familiar, os membros elegem um cuidador principal tendo
em vista suas características de liderança e organização, laços afetivos, mais disponibilidade
de tempo, menor impacto na rotina pessoal, maior poder aquisitivo e/ou ausência de outros
cuidadores. (Rodrigues & Ferreira, 2011). Para Parks et al. (2011), o processo de tomada de
decisão se concentra nesse cuidador, que vivencia uma série de conflitos e pressões sociais por
escolher o prolongamento da vida (e, muitas vezes, do sofrimento do paciente) ao atender o
desejo dos membros da família em detrimento das necessidades e limitações do paciente idoso.
Além disso, os autores destacam a necessidade de abordar antecipadamente tais possibilidades
no convívio familiar como uma alternativa na redução de conflitos e melhora no planejamento da
assistência ao paciente.
De acordo com os autores Barros, Andrade e Siqueira (2013), o cuidador assume um papel
fundamental ao responsabilizar-se por:
oferecer apoio social ao doente em três dimensões: informativo, instrumental e emocional. O apoio
informativo envolve o compartilhamento de informações técnicas sobre o processo do adoecimento.
O instrumental se refere às atividades cotidianas como preparar comida, limpar a casa e levar o
paciente para consulta. O suporte emocional, por fim, envolve a ajuda no enfrentamento do medo
e de outros sentimentos que emergem frente à situação desconhecida. (p. 99).
Logo, não apenas o cuidador principal, mas toda a família está suscetível a agravos na
própria saúde física e mental, pois há oscilações no sono, na alimentação, restrição no convívio
com seus pares e, ainda, as angustias, medos e preocupações inerentes ao próprio diagnóstico do
paciente idoso acometido de neoplasia.
A Família e o luto
Conclusão
Referências
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Introdução
E
ste artigo traz com foco discutir a educação permanente como um dos componentes
essenciais para o funcionamento dos serviços de saúde no país. Com base nisso
as pautas trabalhadas foram vivências no VER-SUS e serão usadas como meio de
discussão da realidade.
O VER-SUS possibilita o despertar de uma visão ampliada do conceito de saúde, abordando
temáticas sobre Educação Permanente em Saúde, quadrilátero da formação, aprendizagem
significativa, interdisciplinaridade, Redes de Atenção à Saúde, reforma política, discussão de
gêneros, movimentos sociais, questões que estão intrinsecamente relacionadas à saúde, e ao SUS.
Por meio desse dispositivo de vivências, práticas e teorias dentro do sistema de saúde e de
seus territórios de abrangência, percebeu-se que a educação permanente tem sido uma ferramenta
de educação disposta à saúde com objetivo de persistir em conteúdos, instrumentos e recursos
para a formação técnica e política, tudo prestado em dado tempo e lugar.
O objetivo da educação permanente está centrado nas possíveis mudanças das ações e dos
serviços de saúde, influência fortemente na construção de perfis profissionais e na introdução de
mecanismos novos para a prática de trabalho, além de levantar espaços e temas que discutem e
afetem a realidade.
Os pontos crucias discutidos neste trabalho foram percebidos com bastante ênfase no
campo através da vivencia proporcionada pelo Versus, como a própria ausência dessa educação
permanente nos campos conhecidos, que possivelmente seja consequência não só do descaso
das autoridades para com a área da saúde, mas também o comodismo de alguns profissionais, e
mesmo com o avanço de tecnologias voltadas a prática em saúde percebe-se a falta dos mesmos
no desenvolver das ações. Dessa forma levanta-se a compreensão sobre o que vem a ser a educação
permanente para logo em seguida discutir o tema.
Sarreta (2009) se refere à educação permanente como uma estratégia político-pedagógica
que visa a aprendizagem significativa do sujeito em seu campo prático. Dessa forma pretende-se
discorrer sobre a problemática enfrentada pela educação permanente até que a mesma se torne
uma ação frequente no dia a dia do profissional de saúde, tendo como base todas as experiências
vividas no VER-SUS.
De modo geral foi absorvido o máximo de experiência a respeito de cada ser encontrado
no período vivencial para que pela primeira vez pudesse assim estabelecer com mais clareza
tudo aquilo que tem sido aprendido no que diz respeito à saúde, pois a prática traz uma visão
diferenciada daquilo que a teoria nos dispõe e a experimentação do real desconstrói formulas e
modelos pré-concebidos.
212 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método
Resultados
No decorrer de toda vivência do VER-SUS inúmeras visitas foram realizadas e com elas
experiências foram adquiridas, juntamente a resultados que foram constatados sob análise
minuciosa dos ambientes e situações em prática. Fez-se necessário também a associação da
prática vivida pelo VER-SUS com as bases teóricas utilizadas.
214 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de educação em saúde. Podendo colaborar na construção de projetos, no desenvolver de práticas
pedagógicas, na implementação de políticas de educação em saúde e na conscientização de
profissionais sobre as capacitações.
Mas para melhor entendimento de como esses resultados podem colaborar com a
ressignificação do ambiente de saúde e a reconstrução dos saberes profissionais, a seguir será
discutida com bases teóricas e práticas os resultados encontrados, visando possíveis soluções dos
mesmos.
Discussão
Diante disso adentramos em uma discussão na qual se tornou bastante evidente durante
toda a vivência no VER-SUS. O processo de educação permanente tem como principal aliada
à disponibilidade dos próprios profissionais em mergulhar nessas novas práticas pedagógicas.
Tendo como principal objetivo ressaltar o peso que uma educação continuada tem na promoção
da saúde.
Sendo assim é necessário pensar em saúde sob a interpretação dada pela OMS que conceitua
como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções
e enfermidades. Dessa forma percebe-se que saúde é vista atualmente de modo coletivo e não
mais individual.
A partir disso podemos questionar então qual a relação que a mesma possui com a educação
permanente. Quando falamos de aplicação da educação permanente tanto em saúde quanto
em outras áreas vale ressaltar que se começou a pensar em educação permanente em saúde na
América Latina, para depois se aplicar no Brasil, que foi lançada como política nacional em 2003,
Desta forma concluímos que o ensino inserido no contexto da saúde assume como principal
o caráter político, tornando-se estratégia do SUS para a formação e o desenvolvimento de
trabalhadores para a saúde. Segundo a Resolução do Conselho Nacional de Saúde - CNS nº.
335, de 27 de novembro de 2003 foi aprovado a Política de Educação e Desenvolvimento para
o SUS: Caminhos para a Educação Permanente em Saúde e a estratégia de Polos de Educação
Permanente em Saúde como instâncias regionais e interinstitucionais de gestão da Educação
Permanente. (Celedônio, et. al., 2012).
Tendo estes como principais fatores de análise podemos desenvolver então como
possibilidades de uma maior abertura de espaço para a educação permanente a restruturação
desta política tornando sua aplicabilidade mais eficaz de modo que realmente aconteça na prática
e em um formato diferenciado. Devendo visar a melhor execução de tarefas que pensem no ser
humano como um ser biopsicossocial e oferecendo espaço e materiais de nível adequado ao que
estiver sendo estudado.
Outro ponto que poderia ser positivo para alteração desse quadro é uma maior
disponibilidade das instituições em permitir tempo para os funcionários poderem se especializar
melhor em suas áreas, além de oferecer reforço no ambiente propiciando uma melhor execução
de tarefas.
Outro ponto que pode ser alvo de mudanças significativas é quanto a gestão que em
muitos fatores negligência no processo e criação de proposta de mudança no sistema de saúde
principalmente com foco na educação, limitando os profissionais a permanecerem apenas com
suas formações superiores ou técnicas.
216 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
As políticas de saúde são fracas em executar projetos de educação permanente e pensando
dessa maneira levantaram-se discussões com base nas vivências oferecidas pelo VER-SUS que
proporcionaram melhor compreensão da realidade de saúde do país. E devido a relatos feitos
em campo pelos profissionais percebemos que a entrada e saída de gestores promovem poucas
mudanças no quadro situacional das instituições.
Ceccim e Ferla (2009, p. 165) completam este tópico fazendo a seguinte ressalva:
Para produzir mudanças de práticas de gestão e de atenção, é fundamental dialogar com
as práticas e concepções vigentes, problematizá-las – não em abstrato, mas no concreto do
trabalho de cada equipe – e construir novos pactos de convivência e práticas, que aproximem o
SUS da atenção integral à saúde. Não bastam novas informações, mesmo que preciosamente bem
comunicadas, senão para a mudança, transformação ou crescimento.
Espera-se que a partir dessas discussões os sujeitos que se movem dentro desse ambiente
de saúde ocasionem possíveis mudanças com o intuito de afetar o sistema atual e funcionários,
gestores, instituição, representantes políticos dentre outros.
De modo que somos atores protagonistas desse campo, não apenas como profissionais
atuantes, mas também como construtores de saberes e parte fundamental no controle social dos
sistemas de saúde tanto público quanto os particulares, promovendo cidadania atitudes mais
humanos no atendimento à população.
Conclusão
Com base em todo conteúdo disposto considera-se que a permanência no VER-SUS foi de
suma importância para se experenciar e conhecer a realidade em prática e levando a construção
de um trabalho onde a realidade de aproxima da teoria.
Constatou-se que para ocorrer de fato uma educação permanente em saúde precisamos
abandonar o sujeito que somos enraizados a um modelo tradicional e fechado de educação.
A produção de espaços de aperfeiçoamento do profissional e que leva em consideração a
subjetividade deste, contribui para a abertura de fronteiras, destruindo as grades levantadas na
educação e proporcionando novos formatos de comportamento ou de gestão do processo de
trabalho.
A intenção desse artigo foi de colocar cada integrante do sistema de saúde como ator principal
desse futuro cenário de mudanças que pode ser recriado no presente. Consequentemente somos
produtos e seremos produtores das mesmas. A proposta aqui não é apenas mudar o formato de
educação durante a graduação, mas sim aquela que perpassa a mesma, tonando-se realmente
permanente na vida do profissional.
O VER-SUS enquanto processo de ressignificação dos viventes aborda com dinamismo tudo
o que aqui foi discutido, aproximando os indivíduos ao dia a dia de profissionais que convivem
com todas as deficiências do sistema de saúde. A vivência proporcionou observação e diante disso
reflexão sobre os possíveis caminhos de crescimento e potencialidades, destacando-se como um
sistema que pode sim ser executado com excelência.
É de suma importância ressaltar também que a educação permanente em saúde pode ser um
instrumento interdisciplinar entre diversas áreas, e não apenas envolve profissionais com formação
em saúde, pois assuntos referentes a educação agregam valores não apenas profissionais, mas
também subjetivos a cada indivíduo. Em decorrência disso é essencial a continuidade deste estudo,
de modo que possibilitará o máximo de contribuições ao fenômeno da educação e ao campo da
saúde.
Por fim, este é um assunto relevante e que não tem como pretensão ser esgotado, pois
se espera que a este estudo seja acrescentado novas reflexões, ideias e discussões, para o
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
SOFRIMENTO PSÍQUICO E ESTRATÉGIAS DE
ENFRENTAMENTO NOS ESTAGIÁRIOS DA SAÚDE
Iara Sampaio Cerqueira
Daline Da Silva Azevedo
Ludgleydson Fernandes Araújo
Introdução
S
egundo o Conselho Nacional de Educação (CNE), foi consolidado, no Brasil, em
ligação com as Leis Orgânicas do Ensino Profissional no período de 1942 – 1946 o
conceito de estágio supervisionado (Brasil, 2003). Os estágios eram tidos como uma
etapa de preparação para ocupar postos de trabalho e uma forma de oportunidade aos alunos
na formação em vários setores de conhecerem no local aquilo que lhes era ensinado nas salas
de aulas. Em 1970, ocorreu à implantação da Lei Federal n° 5.692/71 (Bracht, 1971), a partir
disso os estágios curriculares supervisionados se tornaram importantes e obrigatórios para tornar
aptos os profissionais técnicos tanto dos setores primários e secundários da economia, como
para a área da saúde.
Anos após, o artigo 2° do decreto n° 87.497 – que regulamenta o estágio de estudante de
estabelecimentos de ensino superior- ocorreu à definição de estágio curricular como: atividades de
aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas pela participação em situações reais
de vida e trabalho em meio, que se realizam em comunidades em geral ou junta a pessoas jurídicas
de direito público ou privado (Decreto nº 87.497, 1982). A partir disso se tem uma ampliação do
entendimento da função e desígnio dos estágios profissionais. Não é apenas campo de ilustração
do que é aprendido em sala de aula, mas campo de aprendizagem que possui elementos próprios
e autonomia em relação ao ensino formal (Cury & Neto, 2015).
Segundo o COFEN (2013) o estágio deve está integrado ao Projeto Politico Pedagógico do
curso o PPP, e além de integrar o itinerário formativo do estudante, deve promover o aprendizado
das características da atividade profissional com o objetivo de promover o desenvolvimento dos
alunos para a vida cidadã e para o trabalho. O aluno, que adquiriu um conteúdo teórico específico,
utiliza este conhecimento para resolver os problemas da população atendida de forma prática,
desenvolvendo competências técnicas e humanizadas para o exercício da profissão, o mesmo,
recebe orientações e feedback, de um docente ou supervisor, acerca do seu desenvolvimento
profissional e educacional, que possuem o objetivo de atender adequadamente o aluno; ampliar
seu conhecimento teórico-prático e o formar um profissional crítico e reflexivo, capaz de atuar
dentro do cenário experienciado, apto às demandas sociais. (Queiroz, Verde Teixeira, Braga,
Almeida, Pessoa, Araújo Almeida & Mendes, 2013).
O estágio na área da saúde é comum, muito importante à formação do aluno reconhecido
tanto pelos acadêmicos quanto pelas instituições formadoras, mas também pode ser fonte
de sofrimentos e conflitos. Tudo isso porque, sentir-se responsável por vidas humanas gera
220 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
profissional, é o momento que ocorre o desenvolvimento de estratégias saudáveis para os
estressores que surgem diante das demandas típicas das profissões no campo da saúde. É
também o momento de desenvolver as competências interpessoais que são importantes para a
vida profissional que repercutem na sua qualidade de vida e da população que é alvo da sua
escolha profissional.
Considerando a importância desses pressupostos teóricos para se entender as vivências de
estagiários da saúde em hospitais, o objetivo deste estudo é conhecer o sofrimento psíquico e
estratégias de enfrentamento de estagiários da saúde através de revisão bibliográfica.
Método
Diante dos critérios de inclusão determinados, alguns artigos para a revisão foram
selecionados, fazendo uma busca nas bases de dados (Lilacs e Scielo) através dos descritores pré-
estabelecidos.
222 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de construção de conhecimento implicou, também, em articular ensino-aprendizagem com as
interações sociais estabelecidas nas respectivas unidades hospitalares, sendo assim, o processo de
formação, nesse tempo-espaço do estágio, aponta para um exercício de alteridade que proporciona
o aprimoramento do olhar e da compreensão da realidade vivida e partilhada socialmente.
Aqueles artigos que pretenderam discutir e refletir sobre as formas de atuação e estratégias
utilizadas durante a prática do estágio indicou que no cotidiano da formação profissional, a
promoção da integralidade no cuidar em saúde apresenta-se como um desafio, uma vez que
propicia, em determinado tempo e lugar, que grupos e indivíduos, práticas de saúde são espaços
privilegiados de construção de novas formas de convivência e de relações de respeito às múltiplas
singularidades presentes no contexto das instituições de saúde.
Assumir e ensinar essa postura nem sempre é uma tarefa fácil: há muitas resistências em
aceitar as diferenças e tendência em acreditar que os saberes importantes para o cuidado em
saúde são apenas os dos profissionais. O fato de os estágios serem realizados em hospitais da rede
pública é vantajoso, porque possibilita aos alunos um contato com a realidade dos serviços no
Brasil. Por outro lado, por não se tratarem de hospitais-escola, o modelo de gestão não permite
aos docentes fazer intervenções diretas no ambiente e no modo de organizar os serviços. Porém,
como se está comprometido com o modelo de humanização do cuidado, busca-se, nos diversos
contextos da assistência, humanizar as práticas e sensibilizar os outros profissionais para esses
modos de ação.
No estágio, ao mesmo tempo em que se programam as tecnologias e práticas humanizadas,
estabelece-se diálogo interdisciplinar com a equipe que atua no contexto institucional. Na
condição de profissionais, é preciso lutar e acreditar no potencial que se tem para transformar
modelos de cuidado em saúde massificada e despersonificada, em espaços edificantes que
valorizem, sobretudo, a pessoa acima de rotinas e protocolos, em respeito ao compromisso ético
profissional.
E por fim, as pesquisas que objetivaram analisar a percepção dos graduandos e a repercussão
do estágio no desenvolvimento ético e o processo de formação indicaram a possibilidade
de os estudantes expressarem fragilidades e potencialidades por meio de erros e acertos no
desenvolvimento das atividades diárias. O estágio curricular caracteriza-se por ser formativo, visto
que configura possibilidade de aprendizado tanto na presença dos supervisores quanto na ausência
destes. Ademais, favorece o incremento da autonomia diante da equipe, a responsabilidade
assistencial, enfim, o amadurecimento profissional com valorização da relevância de todo seu
processo de formação.
Discussão
O objetivo deste trabalho foi identificar possíveis sofrimentos psíquicos enfrentados por
estagiários da saúde, no geral, em âmbito hospitalar e suas estratégias de enfrentamento através
de revisão bibliográfica. A partir deste objetivo foi possível perceber a pouca produção sobre o
tema, o que gerou dificuldades na busca por bibliografia e assim a necessidade de maior produção
científica.
Nos artigos encontrados se faz presente a importância dos supervisores de estágio na
formação do aluno para maior absorção de aprendizado prático durante o estágio, não só no
sentido da técnica, mas também em como lidar psicologicamente com as dificuldades corriqueiras
dessa fase da vida acadêmica, assim estratégias de enfrentamento são construídas mutuamente de
forma singular, respeitando a história pessoal de vida e necessidades de cada aluno. Não menos
importante que as experiências positivas no contexto de estágio são as experiências negativas.
Elas apresentam-se como uma das demandas reais da vida profissional, desse modo o aluno pode
experimentar partes agradáveis e desagradáveis de sua futura profissão, por isso a necessidade de
estratégias de enfrentamento.
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O
homem enquanto sujeito, constitui-se por diversas esferas que atravessam a sua
vida de forma individual e coletiva, dessa forma, a sexualidade é uma dessas esferas
que contém um potencial importante na construção do sujeito.A presente pesquisa
aborda a sexualidade de pessoas que convivem com o HIV. Pode-se afirmar que o ser humano
nasce em um determinado sexo, macho ou fêmea, desenvolve no decorrer da sua vida um gênero
que se refere ao dado social, masculino ou feminino, que pode ser diferente do sexo de nascimento.
No entanto, esse conjunto é formado por uma tríade que se completa na sexualidade, ou seja, no
modo como o ser humano se relaciona erótico-sexualmente com os demais.
O homem se difere dos demais animais por não buscar o sexo apenas como forma de
reprodução. É possível perceber inúmeras práticas que visam exclusivamente a satisfação, a
realização de desejos e o rompimento com o padrão da prática sexual. O homem é um ser que
busca realização e isso se estende a sua sexualidade.
A sexualidade desenvolve-se no ser humano desde sua tenra idade, contudo, possui um período
marcante durante a vida do indivíduo, a adolescência, onde diversas questões, problemáticas,
curiosidades e novas experiências surgem, perpassando a vida do sujeito até o final. A prática
sexual difere de acordo com o gênero e com a cultura, sendo benéfica e contribuindo para uma
vida saudável quando realizada de forma segura, satisfatória e sem riscos à saúde ou surgimento
de agravos.
Quando vivenciada de forma saudável, a sexualidade contribui para a qualidade de vida do
ser humano, do contrário pode acarretar sofrimento e adoecimento. Atualmente, mesmo com
as diversas formas de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, a infecção pelo HIV,
por exemplo, mostra-se relevante no contexto da saúde pública tendo em vista a quantidade de
pessoas diagnosticadas com o vírus.
Supondo que o diagnóstico de infecção pelo HIV possa causar repercussões importantes na
vida do indivíduo, sobretudo no tocante à vivência da sexualidade, optou-se por desenvolver este
estudo no intuito de elucidar o seguinte questionamento: como a pessoa que convive com o HIV
vivencia sua sexualidade a partir do diagnóstico?
Nesse sentido, o estudo teve como objetivo analisar produções científicas que abordam o
modo como o sujeito que convive com o HIV vivencia sua sexualidade a partir do diagnóstico.
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que remetem para diferentes concepções acerca do fenômeno e com diversos graus de
abrangência.
Segundo Freud (2006) a sexualidade é um componente que se desenvolve desde o primeiro
momento de vida do homem e não apenas a partir da puberdade como era afirmado anteriormente.
Ele considera que há no ser humano uma energia sexual instintiva, denominada libido. Dessa
forma, sabe-se que a sexualidade acompanha a vida do ser humano do início até o fim.
A sexualidade estrutura-se de forma biopsicossocial, abrangendo no ser humano o
potencial biológico, físico, emocional, sentimental além de potenciais desenvolvidos, ampliados e
modificados durante todo o processo de socialização. Desde que o homem existe há a necessidade
de compreender essa dimensão do ser humano em qualquer das suas vivências, seja saudável,
patológica, normal ou desviante (PINHEIRO, 2004).
É crucial pensar em que ponto separa-se a vivência de uma sexualidade de forma saudável e
a partir de que ponto esta vivência pode ser fonte de adoecimento para o sujeito.
De acordo com Paiva, Aranha e Bastos (2008), a relação sexual é caracterizada como algo
que vai além do fator individual, não se baseia exclusivamente na troca livre e espontânea de
prazer, mas pode se dar em contextos onde a submissão, a coerção e até mesmo a violência são
dominantes. Dessa forma, a relação sexual torna-se subordinada de um elemento que foge dos
princípios do prazer, e neste contexto também apontamos questões ligadas à transmissão de
infecções sexualmente transmissíveis.
Nesse sentido, pensar a sexualidade nos remete a explorar um leque de contextos que
definem a vida do ser humano que vão além da prática sexual. É necessária a compreensão da
sua posição diante de uma sociedade ou cultura, se pertencente a qual classe social ou que grau
de conhecimento e educação possui, se este tem ou não acesso à direitos básicos que competem
a todo cidadão como dever das políticas públicas, e por fim, atitudes e valores que o constroem
como sujeito ativo e pertencente ao meio social.
Inserida nesse contexto, a epidemia do HIV representa um fenômeno de esfera global, com
um aspecto dinâmico e instável, com variadas formas de ocorrência nos diversos continentes,
cuja forma de ocorrência depende, dentre outros fatores, do comportamento humano individual
e coletivo (Lima, 2012).
Considerando a quantidade de pessoas infectadas pelo HIV e a repercussão que a infecção traz
nos campos biopsicossocial da vida desses sujeitos, fazem-se relevantes estudos que contribuam
para a compreensão do modo como esses se adaptam às mudanças causadas pelo vírus, além
de aspectos referentes à sociabilidade e aspectos inerentes ao sujeito como ser sexualmente ativo
dotado de desejos e necessidades que o definem para além do diagnóstico de soropositividade.
Diante do exposto desenvolveu-se o presente estudo com o objetivo de analisar produções
científicas que abordam o modo como o sujeito que convive com o HIV vivencia sua sexualidade
a partir do diagnóstico. De modo a alcançar esse objetivo, foram traçados os seguintes objetivos
específicos: caracterizar as produções científicas encontradas quanto aos aspectos teóricos e
metodológicos; e identificar o modo como o sujeito vivencia sua sexualidade a partir do diagnóstico
de HIV.
Metodologia
Este estudo caracteriza-se como uma revisão integrativa de literatura. De acordo com
Botelho, Cunha e Macedo (2011) consiste em um método específico, que resume o passado da
literatura empírica ou teórica, para fornecer uma compreensão mais abrangente de um fenômeno
particular. Esse método de pesquisa traça uma análise sobre o conhecimento construído em
pesquisas anteriores sobre um determinado tema e permite a geração de novos conhecimentos,
pautados nos resultados apresentados pelas pesquisas anteriormente publicadas.
Resultados
A presente sessão traz a caracterização teórica e metodológica dos estudos que compuseram
a revisão integrativa, bem como apresenta os principais resultados encontrados no que diz respeito
à sexualidade de pessoas que convivem com HIV após o diagnóstico. Para facilitar a compreensão
do leitor, achou-se oportuno organizar os dados em três quadros seguidos de suas respectivas
análises e fundamentação teórica.
Autor e
Código Principais resultados dos estudos
ano
01 Veras Nas participantes deste estudo aparece a perda da possibilidade de obter prazer através
(2007) do sexo, a perda da capacidade de cuidar dos filhos e de procriar, a perda da valorização
social quanto à promiscuidade, ou seja, questões ligadas ao feminino. O desafio da
maternidade também se apresenta com novos matizes quando a mulher tem o vírus HIV.
02 Paiva et al Os jovens participantes deste estudo que convivem com HIV demonstraram significativa
(2008) preocupação com o sigilo, descrevem fortes preocupações com a transmissão da infecção
ao parceiro sexual. Foi expressiva entre os entrevistados a vontade de construir família e
de ter filhos.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
03 Almeida et Apareceram no estudo questões como: se sentir mais feminina, mais mulher, mais fêmea,
al. (2010) depois do HIV que antes dele, soltando toda sua sexualidade. Para as participantes deste
estudo as relações entre homem e mulher (sexual), após a descoberta do vírus não foram
fáceis. Acontece haver, por vezes, sentimento de revolta, de desgosto, de nojo.
Outra questão difícil de lidar entre a sexualidade e o HIV/AIDS é a maternidade.
04 Oliveira; A condição sorológica tem causado receio quanto à possível rejeição do(a) parceiro(a),
Negra; motivando o jovem, conforme alguns relatos, a retardar a revelação, até que se sinta
Nogueira- em uma relação minimamente estável. Alguns entrevistados demonstraram desejo de
constituir família unindo-se a um(a) parceiro(a), realizando o desejo da maternidade/
Martins. paternidade, não considerando a condição sorológica como impeditivo para a
(2012) concretização desse objetivo. Outros, ainda, não tencionam ter filhos, influenciados pela
vivência e sofrimento causados pela portabilidade do HIV.
05 Okuno et Os idosos participantes deste estudo demonstraram atitude favorável à sexualidade
al. (2013) pós-diagnóstico através da prática sexual com uso de preservativo, disponibilidade
para relações afetivas e aquisição de conhecimentos inerente ao desenvolvimento da
sexualidade e às práticas de prevenção de DST.
06 Reis et al. Os resultados obtidos neste estudo permitem afirmar que a maioria dos jovens é
(2013) sexualmente ativa e teve a sua primeira relação sexual aos 16 anos ou mais tarde. A
maioria dos participantes, independente da orientação sexual, apresenta uma atitude
muito positiva em relação à sexualidade e uma atitude muito pouco discriminatória em
relação aos portadores do VIH/Sida. No que diz respeito aos conhecimentos e atitudes
face à contracepção; as atitudes sexuais; as competências relativas ao preservativo e aos
comportamentos de risco; questões sobre educação sexual foram evidenciadas. Para a
vivência da sexualidade ser positiva é crucial apostar na educação sexual como estratégia
da saúde sexual e reprodutiva.
07 Okuno et Idosos que convivem com HIV demonstram significativa preocupação com o sigilo,
al. (2015) fato que pode refletir o estigma e a discriminação, que geram impactos negativos e
constantes na qualidade de vida destas pessoas. A atividade sexual comprometida pode
ser explicada em parte pela dificuldade do uso cotidiano de preservativo com o parceiro,
medo da rejeição, de superinfecção, de que o vírus se fortaleça e de transmiti-lo, falta
de confiança no parceiro, diminuição do desejo sexual e não considerar o sexo como
uma parte importante da vida. Conhecer o diagnóstico da doença há mais tempo e a
forma de contágio por meio da qual contraiu a doença são aspectos fundamentais para
a manutenção dos escores elevados da qualidade de vida.
08 Galano et “Ser normal” e “ser diferente” foram questões centrais que permearam o discurso dos
al. (2015) participantes. Os jovens participantes deste estudo que convivem com HIV demonstraram
significativa preocupação com o sigilo, descrevem fortes preocupações com a transmissão
da infecção ao parceiro sexual. Há um consenso de que o exercício da sexualidade deve
ser feito com responsabilidade e cuidados redobrados.
09 Silva et al. Dentre as falas de homens e mulheres, poucas foram as referências aos elementos de
(2015) afetividade, tais como confiança, companheirismo e respeito vinculados à sexualidade.
Levantam questões de uma sexualidade e práticas sexuais alicerçadas em bases mais
conservadoras, ora levantam questões de prevenção e promoção da saúde, vinculados
a uma concepção de sexo e sexualidade que se sustenta em bases mais reflexivas. Foram
presentes relatos que demonstram a desinformação em relação ao sexo e sexualidade, uso
de preservativos, IST e HIV/AIDS, ou mesmo a precariedade das informações recebidas
ao longo da vida. O diagnóstico representou uma reformulação da vida sexual, com
diminuição do número de parceiras e intercursos e a adoção do preservativo nas relações
sexuais. Para seis dentre as sete mulheres entrevistadas, o diagnóstico de HIV representou
o fim da atividade sexual
Fonte: Elaborado pelo autor (2017)
Conforme o Quadro 1, foram selecionados nove artigos para a revisão integrativa. Apesar
dos estudos datarem a partir de 2007, houve aumento da quantidade de publicações sobre o tema
nos últimos cinco anos, visto que a maioria (7) foi publicada a partir de 2013.
Dos nove artigos, cinco focam na sexualidade em diferentes etapas do desenvolvimento
humano, sendo, jovens (Galano et al, 2015; Paiva et al, 2008), adulto jovem (Oliveira; Negra;
Nogueira-Martins, 2012) e idosos (Okuno et al, 2013; Silva et. Al, 2015); dois abordam a
sexualidade de mulheres portadoras de HIV (ALMEIDA et al, 2010; VERAS, 2007); e dois (REIS et
al, 2013; OKUNO et al, 2015) investigaram pessoas em geral.
Dos artigos selecionados, cinco pretendem compreender questões relacionadas a atitudes
sexuais e sexualidade dos participantes, enquanto os demais, além de compreender a sexualidade
Discussão
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No tocante às alterações na sexualidade identificadas nos estudos, pode-se ressaltar a
disfunção sexual, o padrão de sexualidade ineficaz e o risco de contaminação quando não se fazia
uso de preservativo.
São inúmeras as dificuldades que a infecção pode impor à vivência da sexualidade, indicou-
senos estudos a perda ou diminuição do desejo e da satisfação sexual, em sua maioria devido a
fatores como medo de rejeição, desinformação quanto ao sexo e sexualidade, medo de reinfecções,
constante lembrança da presença do vírus e dificuldades em manter o uso de preservativos (Okuno
et al, 2015; Veras, 2007; Silva et al, 2015; Oliveira, Negra, Nogueira-Martins, 2012).
Esses autores identificaram que a resistência por parte de alguns sujeitos quanto ao uso do
preservativo foi frequentemente associada com a falta de praticidade no modo de usar, o fato de
não ser um hábito/costume e a questão de gosto pessoal.
No que diz respeito às oscilações quanto à autopercepção, pode-se afirmar que são comuns
as repercussões do diagnóstico na autoestima e no autoconceito da pessoa portadora do HIV.
A autoestima é um aspecto essencial na criação e manutenção da saúde, esperança e
qualidade de vida. As pessoas vivendo com HIV/AIDS podem ter sua autoestima prejudicada
devido ao impacto social que a infecção pode causar na sua vida, associado ao estigma da doença,
potencialmente fatal; entretanto, a infecção também causa na vida do indivíduo limitações físicas
e sociais, como a perda de um projeto de vida, a necessidade de reestruturação de seus hábitos,
o enfrentamento de suas novas limitações nas relações em seu trabalho e nas relações familiares
(Reis, 2011).
Em contraponto, Almeida et al (2010) afirmam que a sexualidade das mulheres demonstrou-
se mais forte após o diagnóstico, levantando questões como o sentir-se mais feminina ou mais
mulher. Isto condiz com o que afirma Louro (2008) sobre as muitas formas de fazer-se mulher ou
homem.
Contudo, muitas vezes, o que se percebe é que o diagnóstico de HIV encontra-se intimamente
ligado a um conceito negativo sobre si e sobre suas relações, evidenciando uma baixa autoestima.
Estudos como os de Veras, (2007); Paiva et al, (2008); Almeida et al, (2010); Okuno et al, (2015)
e Galano et al (2015) evidenciaram sexualidade ineficaz, indisponibilidade ou impossibilidade de
constituir família e sofrimento pelo medo da rejeição, características que evidenciam o prejuízo na
autoestima do indivíduo soropositivo.
O autoconceito corresponde a um conjunto de representações descritivas, avaliativas e
autorreguladoras que se associam àquilo que cada indivíduo sente sobre si, tendo implicações na
forma como orienta a sua conduta. O autoconceito é, nesse sentido, um preditor significativo do
comportamento e da adaptação dos indivíduos em diferentes contextos (Carvalho, 2017).
Com relação à ressignificação de papéis e relacionamentos após o diagnóstico de HIV, foi
encontrado nos estudos o desejo de manter relações afetivas, constituir família, além de uma
considerável disposição para maternidade/paternidade, também evidenciando conflitos do papel
de pai/mãe.
Alguns estudos (Okuno et al, 2013; Reis et al, 2013; Almeida et al, 2010; Silva et al 2015)
evidenciaram que, após o diagnóstico, houve maior disponibilidade para relações afetivas, além
de uma reformulação na vida sexual e diminuição na quantidade de parceiros (as).
Para Matão e Rossi (2001), a possibilidade de formar laços é uma novidade aterrorizante
inicialmente. Posteriormente, há uma adequação natural conquistada pela experiência em conviver
e superar os obstáculos que vão surgindo ao percorrer a trajetória esboçada pela síndrome,
implicando na revelação do enigma, entregando seu segredo e simultaneamente abrindo-se para
a vida.
Em complemento, Reis (2011) ressalta que a possibilidade de manutenção de relacionamentos
afetivo-sexuais é considerada um aspecto fundamental para o bem-estar das pessoas com HIV,
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ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA RESIDÊNCIA
MULTIPROFISSIONAL: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
EM SAÚDE DA FAMÍLIA
Káren Maria Rodrigues Da Costa
Rebeca Barbosa Da Rocha
Maísa Ravenna Beleza Lino
Laurentino Gonçalo Ferreira Filho
Thawanna Rego Fernandes
Introdução
A
Residência Multiprofissional em Saúde (RMS) é uma modalidade de pós-graduação,
sob a forma de especialização. Esta é destinada aos profissionais da área da saúde
sendo caracterizada principalmente pelo ensino em serviço (Manzi et al., 2013).
O contexto da RMS preza pelos ensinamentos da consolidação dos princípios do SUS, diante
da construção das relações de trabalho de caráter interdisciplinar, trabalho em equipe, espaço
de educação permanente e reorientação das lógicas tecnoassistenciais (Silva et al., 2016). O
cotidiano das ações em saúde possibilita um aprendizado significativo. Desse modo, essa forma
de aprendizado é provocadora da criação de sentidos, onde o profissional passa a utilizar o seu
dia a dia como recurso norteador para a transformação das práticas (Domingos et al., 2015).
Pioneira no município de Parnaíba-PI o Programa de Residência Multiprofissional em
Saúde da Família (PRMSF) teve sua origem no ano de 2016, sendo resultado da parceria entre a
Universidade Federal do Piauí com a Prefeitura Municipal de Parnaíba/Secretaria Municipal de
Saúde, no qual ofertou na primeira etapa um total de doze vagas para profissionais das áreas de
enfermagem, farmácia, fisioterapia e psicologia. Um de seus principais objetivos é contemplar a
formação de um profissional de saúde crítico-reflexivo, capaz de atuar no processo saúde-doença
no nível individual e coletivo.
Deste modo, é desenvolvido por meio de equipes de residentes em Saúde da Família
inseridas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). O programa garante uma certificação em nível
de especialização, com duração de 24 meses, o que corresponde uma carga horária semanal de
60 horas totalizando ao final 5.760 horas de atividades teóricas e práticas em regime de tempo
integral. O PRMSF se constituiu como um espaço privilegiado de construção e de reflexão acerca
do trabalho em saúde no contexto da atenção Primária à Saúde.
O ingresso dos profissionais ocorre por meio das seguintes etapas; 1º etapa: prova escrita
objetiva de caráter eliminatório e classificatório com 40 (quarenta) questões, sendo 10 (dez)
questões sobre Saúde Pública e Legislação do SUS e 30 (trinta) questões sobre conhecimentos
específicos da área profissional escolhida, já a 2º etapa corresponde à avaliação curricular. Quando
inserido no programa, o profissional é subsidiado pelo treinamento em serviço mediante seu
preceptor de campo e pelo empreendimento teórico por meio do tutor, desenvolvendo trabalhos
de núcleo e campo, visando à atuação multidisciplinar.
Método
Resultados e Discussão
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tal processo. Entre estas: “Caixa de afecção”, “Tenda do conto”, “Círculo de cultura”, “Teatro do
oprimido”, entre outras ferramentas nas quais foram discutidas entre as equipes e vivenciadas de
acordo com cada realidade. Um roteiro de observação foi estabelecido para que os residentes
pudessem identificar aspectos gerais do território, localização, formas de acesso, aspectos físicos
e equipamentos sociais. Os atores envolvidos foram: um profissional residente de cada categoria
da RMS (Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia e Psicologia), pessoas da comunidade, profissionais
de saúde, professores e preceptores da RMS, contribuindo com a discussão e compreensão dos
sentidos existentes nas localidades.
Finalizada essa primeira etapa, a equipe de residentes em posse dos instrumentos e roteiros
participou de rodas de conversas, grupos, visitas domiciliares e outras atividades desenvolvidas
pelas UBS, além de “andanças” pelo território, o que permitiu utilizar-se de alguns instrumentos e
com isso obter os dados necessários ao preenchimento do roteiro de observação e ao planejamento
de estratégias para o território. Ao final de cada dia era feita uma discussão entre os profissionais
da equipe de residentes, no intuito de reunir seus registros por escrito e fotográficos que eram
representativos de suas experiências.
A terceira etapa da territorialização consistiu em discutir as experiências vivenciadas
no território tanto com a equipe de Professores, tutores e preceptores bem como a equipe de
profissionais de cada UBS, com o objetivo de propor ações com base no que foi observado.
O Psicólogo na APS
Muitas das práticas desenvolvidas pela equipe de RMSF se constituíam de ações de campo,
para Campos (2000) e Bourdieu (2003) campo consiste em espaços e lugares de troca de
“produtos” de cada ciência e de cada disciplina, com seus recursos e instrumentos teóricos e
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da autoestima, mudanças no estilo de vida e estimulo das lideranças comunitárias como co-
facilitadores das atividades, além do fortalecimento dos vínculos entre os participantes. Era
realizado todas as quintas-feiras, no horário das 7:30 h ás 8:30h em uma praça localizada em
frente a UBS, tinha como profissional de referência a fisioterapeuta residente. As atividades
desenvolvidas foram: verificação de sinais vitais, caminhada orientada, alongamentos, práticas
corporais, danças e orientações sobre temas diversos.
Nesta perspectiva o trabalho multiprofissional e interdisciplinar faz parte dos objetivos e
da organização do trabalho na Atenção Primária à Saúde. Em equipe compete o planejamento,
a realização e o acompanhamento/seguimento de muitas das ações neste cenário. O trabalho
em equipe, em rede e com a comunidade é, portanto, uma característica fundamental da APS
(Conselho Federal de Psicologia, 2010). À vista disso, muitas ações da equipe de residência em
saúde da família foram oriundas do planejamento em equipe e várias delas são realizadas pela
psicóloga residente e outros profissionais da equipe.
Ações de núcleo
A população atendida pela psicóloga residente e demais profissionais é definida e delimitada
pela política da Atenção Básica, sendo, portanto bastante diversificada, organizada de acordo
com programas, objetivos e pela territorialização. O público em geral se constitui por crianças,
adultos, idosos, familiares dos usuários, comunidade. Ressalta-se assim como ações de núcleo:
a escuta, acolhimento, a interconsulta e os atendimentos individuais breves como espaços de
cuidado, uma vez que possibilitam o alívio das queixas dos usuários, além da possibilidade de
criar espaços para o mesmo refletir sobre seu sofrimento, suas angustias e desta maneira se
reestruturar pessoalmente.
Quanto à operacionalização das ações de núcleo na UBS a psicóloga residente destina um dia
da semana com turno manhã e tarde para escutas e acolhimentos, sendo o turno da manhã para
UBS 02 e o turno da tarde para UBS 01. No entanto, caso exista demanda espontânea nos demais
dias da semana, a psicóloga faz o acolhimento inicial e agenda os acompanhamentos e possíveis
compartilhamentos de casos com os demais pontos da rede, incentivando a responsabilização
compartilhada dos casos como meio de combater a lógica do encaminhamento.
Além das ações individuais, destacam-se as consultas compartilhadas com os demais
profissionais da equipe, constituindo-se em espaços privilegiados para a ampliação do cuidado
integral do usuário, uma vez que se integram vários saberes.
Outras Práticas
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desafios e redirecionamentos. Psicologia, Ciência e Profissão, 26, 132-143.
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multiprofissional como espaço intercessor para a educação permanente em saúde. Revista texto
contexto Enfermagem, 25, 1.
Introdução
C
ada vez mais as contribuições publicadas em periódicos especializados na área da
saúde, dentre estas a psicologia, psiquiatria e outras áreas especificas, possibilitam-
nos perceber um dos contextos que personaliza os sujeitos na atual sociedade. O
contexto em si refere-se aos diagnósticos em cena e a utilização de psicofármacos.
Atualmente, este fenômeno “vem ganhando força e legitimidade social no trato com os
sintomas considerados antissociais ou indicativos de uma nova doença” (Cruz, 2010, p. 17).
Pode-se dizer que se tem uma nova ordem de organização sócio subjetiva?
De acordo com a American Psychological Association (APA), alguns diagnósticos recebem a
atenção das investigações em psicologia. Dentre os mais listados estão: Transtorno de ansiedade,
transtorno bipolar, depressão, transtorno de personalidade. Quais poderiam ser os efeitos
negativos desta expansão de diagnósticos?
Sabe-se que devido à expansão dos diagnósticos, uma excessiva quantidade de indivíduos
passou a tomar remédios, sejam estes antidepressivos, ansiolíticos ou até mesmo analgésicos.
Diante deste contexto, foi realizado este presente artigo com o objetivo de refletir sobre o
excesso de diagnósticos e consequentemente a utilização de psicofármacos na contemporaneidade.
O fenômeno de diagnósticos disparou em todo o mundo.
Considera-se a necessidade de um trabalho de conscientização crítica sobre o atual sistema
de diagnósticos e a influência da indústria farmacêutica para que não tenhamos uma sociedade
cada vez mais dependente de comprimidos. É que milhões de pessoas em todo o planeta sofrem
de algum tipo de transtorno mental, mas além do sofrimento provocado pelo diagnóstico, estas
pessoas sofrem com o descrédito e preconceito de um rótulo, de uma marca a partir do estigma
de serem diagnosticados como doente (Silva & Brandalise, 2008).
Método
Este artigo teórico trata-se de uma revisão narrativa. Ribeiro (2014) comenta que é uma
revisão qualitativa que fornece sínteses narrativas, compreensivas, de informação publicada
anteriormente.
Green, Johnson e Adams (2006, p. 676) referem que: “São estudos apropriados para descrever
e discutir o desenvolvimento de um determinado assunto, tanto do ponto de vista teórico como
do ponto de vista contextual”.
A presente revisão baseou-se na literatura publicada em livros, artigos científicos de revistas
impressas e digitais, como também alguns sites e trabalhos acadêmicos desenvolvidos com a
presente temática, numa perspectiva crítica (Rother, 2007).
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Resultados e Discussão
Dentre os autores principais que norteiam este artigo, destaca-se Allen Frances, a partir do
seu livro “Voltando ao normal: Como o excesso de diagnósticos e a medicalização da vida estão
acabando com a nossa sanidade e o que pode ser feito para retornarmos o controle”. O referido
autor apresenta informações importantes e disponibiliza possíveis soluções para os desafios da
contemporaneidade.
Diante do cenário dos diagnósticos, observa-se a predominância da avaliação médica
sobre o indivíduo. A objetividade do conhecimento foi o propósito da medicina desde os tempos
idos, sempre buscando um saber que explicasse o que acontecia com os indivíduos em suas mais
diversas formas de ser. As classificações nosológicas iniciaram no século XX. Pode-se dizer que a
partir daí começaram a surgir os quadros psiquiátricos (Esperanza, 2011).
A lógica classificatória e descritiva do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais teve início com sua primeira publicação, em 1952, pela Associação Americana de
Psiquiatria. Atualmente, está na sua quinta edição. Não faz parte deste estudo explicar as
mudanças ocorridas a cada edição. Mas, aqui, nesta articulação trabalha-se com a tentativa de
olhar as implicações contemporâneas desta crescente lista de diagnósticos.
Disse Esperanza (2011, p. 56) “a estatística classificatória dos DSMs considera o paciente
como um indivíduo cujo corpo se reduz ao biológico (...) também corresponde à tentativa
farmacêutica de psicofarmacologizar a própria vida, o que equivale a postular que cada ato da
vida de um sujeito é possível de ser medicado ou medicalizado”.
De acordo com Frances (2016), um em cada cinco adultos norte-americanos toma
pelo menos um fármaco para problemas psiquiátricos. O autor afirma que “11% de todos os
adultos tomaram antidepressivos em 2010, quase 4% das crianças fazem uso de estimulantes
e 4% dos adolescentes tomam antidepressivos, além de 25% dos residentes de asilos receberem
antipsicóticos” (p. 15).
Frances (2016) comenta que, no Canadá, entre 2005 e 2009, o uso de psicoestimulantes
subiu 36% e o de inibidores seletivos de receptação de serotonina 44%. Tais dados provocam
indagações acerca deste percentual em torno do consumo de medicamentos. Consequentemente,
“seis por cento da população norte-americana é dependente de fármacos prescritos” (p. 15).
Importante sublinhar que os diagnósticos causam impactos na vida daqueles que são
afetados. A imprecisão dos diagnósticos está causando uma overdose nacional de medicamentos
(Frances, 2016).
Importa afirmar que este estudo não discute a inviabilidade do uso do diagnóstico ou da
medicação. Para tanto, delineia-se nesta escrita uma reação aos chamados excessos. “As drogas
psiquiátricas são hoje a maior fonte de renda dos fabricantes. Em 2011, foram 18 bilhões de
dólares em antipsicóticos, 11 bilhões em antidepressivos. O gasto com antipsicóticos e o uso de
antidepressivos quase quadriplicou de 1988 a 2008” (Frances, 2016, p. 16).
Diante desses dados, reflete-se sobre o lugar da cena do diagnóstico versus psicofármacos na
sociedade. Ansiedade, depressão, bipolaridade e tantos outras classificações que recaem sobre os
indivíduos - o que afinal são essas classificações e como tratá-las? Seria a medicação a única via
de tratamento? Seria a mais eficaz?
Na opinião do psiquiatra e neurocientista Diogo Rizzato Lara, professor titular da Faculdade
de Biociências da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC – RS), em entrevista
à revista Psiquê (2016), de acordo com seus estudos e experiência, somente 10% das pessoas têm
personalidades realmente desenvolvidas. Na sua forma de fazer psiquiatria, em vez de buscar
diagnósticos baseados em sintomas, como depressão e bipolaridade, passou a investigar a
biografia dos pacientes.
Ao invés de aprender a lidar com as situações difíceis da vida, recorre aos calmantes
para silenciar as emoções negativas (...) tem gente demais tomando calmantes sem real
necessidade e há muitas pessoas que ficariam bem com os psicofármacos corretos, mas
não os tomam por diversas razões – estigma, negação, medo de criar dependência, preço...
(Lara, 2016, p. 13).
Nas considerações de Lara (2016), frequentemente, qualquer desconforto basta para alguns
médicos não psiquiatras prescreverem medicação. Nesta mesma direção, corrobora Frances (2016,
p. 16): “oitenta por cento das prescrições são dadas por clínicos gerais com pouco treinamento
em seu uso adequado, sob pressão intensa de vendedores ou de pacientes mal informados, depois
de apressadas consultas de sete minutos, sem exames sistemáticos”.
No âmbito deste estudo, faz-se importante posicionar que as autoras não são contra os
diagnósticos e tratamentos psicofarmacológicos. A crítica é dirigida aos excessos dos diagnósticos
e ao uso excessivo de medicamentos. A tentativa desta articulação é lançar um olhar reflexivo
e dizer que nem sempre os problemas ou algum tipo de sofrimento precisam ser classificados
como doenças. Que não se deve ignorar a capacidade auto curativa e que, nem sempre, tomar
um comprimido e buscar respostas para si a partir de um diagnóstico será o melhor caminho.
Interessante lembrar que na contemporaneidade vive-se sob pressão do mundo moderno, dito de
outra forma, de uma sociedade acelerada, e porque não dizer, estressante. Colher os efeitos deste
contexto, seria o ônus de ser diagnosticado e medicalizado?
Os interesses comerciais sequestraram a iniciativa médica, pondo o lucro acima dos
pacientes, “provocando um frenesi voraz de diagnósticos, testes e tratamentos” (Frances, 2016,
p. 20)
As doenças psiquiátricas mais comuns na população são a depressão e os transtornos de
ansiedade (Organização Mundial da Saúde, 2011, citado por Brisso, 2011). Aproximadamente
10% das mulheres e 6% dos homens vão ter um episódio depressivo ao longo da vida. Brisso
(2011), explica que hoje a depressão é o segundo maior problema de saúde pública no mundo,
de acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde. No entanto, é preciso diferenciar
sofrimentos emocionais comuns de um transtorno depressivo. Não é qualquer tristeza que é
depressão.
De acordo com Brisso (2011), dentre os transtornos ansiosos, destaca-se o transtorno de
pânico, com uma incidência de 3,5% na população; e o transtorno de ansiedade generalizada, com
3,4%. A Associação Brasileira de Transtorno Bipolar revela que cerca de seis milhões de pessoas
sofrem de transtorno bipolar no Brasil.
De uma maneira geral, observa-se na sociedade contemporânea uma busca acelerada por
explicações fisiológicas, biológicas, comportamentais que possam responder e explicar os diversos
tipos de sofrimento e mal-estar.
7 Não cabe neste estudo explicar os detalhes do tratamento usado pelo psiquiatra mentor do método. Ressalte-se
a importância do cuidado com o indivíduo.
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Na busca imediata pelo alívio dos sintomas, com efeito, a mídia é uma porta de entrada
para os indivíduos que buscam respostas rápidas que possam amenizar o seu mal-estar. E assim,
na procura de explicações em sites, reportagens, que justifiquem o que sentem, muitos chegam
aos consultórios médicos especificamente buscando uma validação a partir do que se pesquisou
num desses veículos midiáticos, sem preocupar-se em buscar um sentido para o seu sofrimento.
O consumo de medicamentos propõe uma rápida solução para os incômodos, e isto atrai as
pessoas, principalmente na atualidade, quando se exige que todos estejam sempre bem.
Sem dúvida, a propaganda e o marketing muito contribuem para o aumento das vendas.
Conforme artigo publicado no site indfarmufabc, intitulado “A propaganda e a influência no
consumo de medicamentos”:
Por muito tempo a venda e a propaganda de medicamentos era feita sem qualquer
regulamentação ou controle por parte do Estado. Para proteger a população, com o passar
do tempo foram criadas normas para a veiculação de publicidade acerca de medicamentos,
como por exemplo, a resolução RDC, nº 96, de 17 de dezembro de 2008, que dispõe sobre
a propaganda, publicidade, informação, cujo objetivo seja a divulgação ou promoção
comercial de medicamentos (2013).
Assim sendo, nota-se que ir ao médico e rapidamente sair com a receita em mãos é “condenar”
o indivíduo e seus problemas emocionais a uma explicação orgânica. Cabe esclarecer que os
psicofármacos, quando prescritos de forma criteriosa, tornam-se um aliado no tratamento, mas
entende-se que de forma alguma deve-se restringir o tratamento exclusivamente ao medicamento.
Considerações Finais
Referências
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5. 5th.ed. Washington: American Psychiatric Association, 2013.
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acabando com a nossa sanidade e o que pode ser feito para retomarmos o controle. Rio de Janeiro: Versal
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S0899-3467(07)60142-6.
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ANÁLISE CLÍNICO QUALITATIVA DA RELAÇÃO
ESPIRITUALIDADE E SAÚDE EM PARTICIPANTES DE UM
ESPAÇO ESPIRITUALISTA NO PIAUÍ
Laíza de Carvalho Paulino
Périsson Dantas do Nascimento
Introdução
E
ste trabalho corresponde a uma pesquisa realizada para obtenção do grau em
bacharel em psicologia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). O interesse pelo
tema nasceu de uma série de questionamentos sobre como as práticas psicológicas
têm levado em conta a dimensão espiritual enquanto constituinte da existência humana, já que o
conceito atual de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) traz a necessidade desse âmbito
ser considerado como parâmetro imprescindível para o desenvolvimento de uma compreensão
ampliada da qualidade de vida. Nesse sentido, algumas inquietações surgiram em torno da
produção científica limitada, no âmbito da Psicologia, acerca dessa temática, além da ausência
de discussões nesse sentido, ao longo da graduação.
Tais questionamentos foram reforçados pela participação na Liga Acadêmica de Saúde e
Espiritualidade (LIASE) da UESPI e a oportunidade de conhecer um espaço de prática e vivência
espiritualista na cidade de Teresina no qual houve a convivência com seus rituais e frequentadores,
coletando depoimentos diversos dos atores envolvidos. Os mesmos relataram que a partir
das vivências nesse local, aconteceram mudanças nas suas autopercepções, na qualidade de
vida, tiveram oportunidades de reavaliar as suas relações interpessoais, sentir experiências
transcendentais e contatar com uma realidade que, até então, não concebiam.
Tendo em vista todo esse cenário, despertou-se o interesse em compreender os sentidos (ou
significados) produzidos pelos participantes desse espaço espiritualista, no tocante à busca pela
espiritualidade, configurando-se este como o objetivo central desta pesquisa. E nessa perspectiva,
os objetivos específicos foram: caracterizar o processo de inserção da busca espiritual – nesse
espaço espiritualista sincrético - na história de vida dos sujeitos, identificar os fatores que
motivaram os participantes à permanência e à vinculação a esse espaço espiritualista sincrético,
no tocante à identidade; analisar as possíveis contribuições da experiência espiritual – em tal
espaço – na experiência cotidiana dos seus participantes.
Acerca do campo semântico que circunda o estudo, é necessário que sejam esclarecidos
os termos espiritualidade, religiosidade e religião. O primeiro deles é definido por Guimarães e
Avezum (2007, p.02) como uma inclinação do homem “a buscar significado para a vida por meio
de conceitos que transcendem o tangível: um sentido de conexão com algo maior que si próprio,
que pode ou não incluir uma participação religiosa formal”. Isto é, a espiritualidade não prescinde
necessariamente de uma vivência religiosa, ela tem a ver com uma busca de sentido da vida através
de uma sensação de conexão com elementos intangíveis.
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práticas médicas de cuidado foi desmerecida, devido sobretudo ao modelo biomédico. Porém, a
ela vem sendo re-atribuída uma relevância e tem havido, gradualmente e com certas resistências,
um movimento das ciências do campo da saúde de estudá-la e compreendê-la para que seja
incluída adequadamente em planejamentos terapêuticos.
Método
Resultados
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indivíduos tinham de retirar de si mesmos energias, pensamentos e sentimentos que consideravam
nocivos para sua saúde; e a forma como esse processo depurativo se manifestava, segundo os
relatos, era através de episódios de vômitos, de choro. Além disso, nota-se que foi também atribuída
à outra medicina utilizada pelo espaço espiritualista (o rapé) esse poder de auxiliar o indivíduo
nesse processo de purificação emocional. Sobre isso é interessante comentar que segundo MacRae
(1992, p. 56) “o tabaco é tido como um purificador do corpo e expulsa doenças (...) o domínio
do uso do tabaco, fumado, ingerido ou inalado pelas narinas é um aspecto da iniciação Xamânica
(...) está presente nas sessões de ayahuasca realizada pelos mestiços peruanos”.
Contudo nem todos os participantes do estudo relataram sensação de bem-estar e alívio
quando se referiram ao culto do Santo Daime. Dois deles descreveram sensações de desconforto,
tais como: perda do controle dos movimentos do corpo, perda da capacidade de contato com a
realidade, episódios eméticos desagradáveis. Um deles questionou se a utilização da substância
ayahuasca não poderia gerar algum prejuízo em termos de saúde mental para os usuários.
No tocante ao Xamanismo, apenas metade dos entrevistados relataram ter participado
desses rituais, os quais incluíam a ingestão de ayahuasca e de rapé. Nesses rituais, eram cantadas
músicas Xamânicas, tocados instrumentos como o maracá e evocadas forças da natureza. Os
relatos dos indivíduos foram marcados por uma forte sensação de conexão com elementos da
natureza, tais como animais, floresta.
A terceira categoria diz respeito às influências das experiências espirituais vividas no
cotidiano dos participantes. Todos os entrevistados relataram que após frequentarem esse
espaço espiritualista começaram a modificar certos padrões comportamentais, em virtude dos
ensinamentos espirituais que adquiriam no espaço, principalmente na forma de lidar com as
emoções, diminuição dos padrões de estresse e melhoria das relações com pessoas e contextos
significativos de suas vidas. Além disso, houve o relato de melhoria de condições psicológicas para
lidar com processos de adoecimento orgânico.
Na sequência, percebem-se também relatos de mudanças ligadas à concepção de
espiritualidade e como tais mudanças repercutiram na forma como os indivíduos se percebiam
e se comportavam. Vários depoimentos referem-se a mudanças de percepção de mundo para
uma concepção mais holística e energética, uma sensação de pertencimento a um contexto maior
planetário, o que levou a mudanças em padrões disfuncionais, como abandono do abuso de
substâncias, por exemplo.
Apesar de muitos depoimentos com significações positivas, três entrevistadas relataram
que vivenciaram situações de preconceito e/ou falta de apoio/compreensão, no meio familiar
ou social, em virtude de participarem desse espaço espiritualista, sobretudo em decorrência de
ser um local que desenvolve práticas umbandistas, ocasionando conflitos e dificuldades nos
relacionamentos com pessoas significativas devido à significação social negativa relacionada às
práticas afro-brasileiras.
A última categoria diz respeito à motivação para permanência no espaço. Esse tema adveio
do intuito de investigar os fatores que motivaram os participantes à permanecerem e se vincularem
a esse espaço espiritualista. Primeiramente, metade dos entrevistados revelou que além de se
identificarem com as atividades desenvolvidas no espaço, permaneciam frequentando a fim de
darem continuidade ao tratamento que haviam iniciado lá (seja por meio dos passes e banhos da
Umbanda, seja pelas experiências com o Santo Daime).
Percebeu-se que os sujeitos reconheceram as vivências nesse espaço como uma espécie de
suporte emocional para as situações que estavam vivenciando. Nesse sentido, permanecer lá
significaria continuar acessando essa fonte de apoio. Outro aspecto identificado por nós que está
associado à vinculação ao local se refere ao acolhimento que o espaço oferece aos frequentadores
e à rede de amizade e de apoio social que foi se constituindo.
Discussão
No que se refere à inserção dos participantes nesse espaço espiritualista, todo o contexto
remete ao que Montero (1985) afirmou em sua obra quando considerou que um dos motivos
mais comuns alegados pelas pessoas que buscam centros de prática umbandista é a vivência de
desordens psicossomáticas. Assim, os terreiros de Umbanda são vistos como um lugar capaz de
tratar aquela enfermidade, seja como uma forma de resolver os casos que a medicina tradicional
não foi suficiente, seja para complementar a atuação desta. Os pontos abordados na discussão
da primeira categoria de análise revelam duas questões: primeiro, o processo saúde-doença
fortemente associado à dimensão espiritual; segundo, a incapacidade do modelo biomédico,
para esses entrevistados, de atender a essa multidimensionalidade do adoecimento, justamente
por não reconhecer a influência do aspecto espiritual.
Em relação às primeiras experiências com as práticas umbandistas, notou-se que o ingresso
dos entrevistados se configurou como um contato com essa cosmovisão que, através de seus
termos, já se coloca como uma prática religiosa-terapêutica. Sobre isso, Montero (1985) aponta
que nas práticas umbandistas por exemplo, é comum os médiuns utilizarem roupas brancas (o
que lembra a figura do médico), e realizarem sessões que recebem o nome de “consultas”. A partir
disso, é possível perceber que, ao passo que os frequentadores chegam nesse lugar com uma
demanda para serem tratados, a própria cosmovisão umbandista os coloca também na condição
de demandantes, chamando-os de “pacientes”.
Nota-se com os relatos que os entrevistados valorizam a conversa que têm com as entidades
espirituais, manifestadas através dos médiuns, ou seja, o lugar de fala e escuta que é estabelecido
parece desempenhar um efeito terapêutico. O que os entrevistados chamam de passes e
desobsessões nada mais são, na cosmovisão umbandista, segundo nos aponta Montero (1985)
uma forma de atuação mágico-terapêutica de afastar espíritos malévolos que circundam as pessoas,
causando-lhes doenças. Contudo, é importante frisar a compreensão dessa cosmovisão de que
tais espíritos são atraídos pelos pensamentos e atitudes das pessoas, sendo assim, necessário o
indivíduo se autovigiar; ou seja, não basta apenas receber os passes ou a desobsessão, é preciso
que o frequentador se implique no seu processo de cura.
No que se refere aos fenômenos visuais em rituais de Santo Daime, Barbosa e Dalgalarrondo
(2003) relatam, em sua pesquisa abordando praticantes desse culto, que participantes narraram
experiências visuais extraordinárias, as quais incluíam luzes caleidoscópicas, figuras humanas
e de animais, seres sobrenaturais, entre outros. Esses autores argumentam que tais vivências
normalmente proporcionavam intenso prazer estético. O sentimento de paz, também descrito,
está associado a uma experiência visual ligada a elementos da natureza que proporciona uma
sensação de prazer e bem-estar. Os autores citados abordam o sentimento de numinosidade e
os insights que podem surgir nesse culto. O primeiro tem a ver com o fascínio ou terror de uma
pessoa a partir da sensação de estar diante de um ser ascendente e poderoso, já o segundo remete-
se a episódios de “compreensões repentinas sobre seus próprios comportamentos ou sobre sua
situação no mundo” (p. 186).
Sobre as experiências descritas como “limpezas” MacRae (1992) contribui numa reflexão a
respeito quando menciona que nas cerimônias com a ayahuasca é utilizada a expressão “la purga”,
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a qual apresenta um sentido de o indivíduo colocar para fora (por meio dos efeitos emético8
e catártico da bebida) enfermidades, estados emocionais depreciados, por exemplo. O autor
considera que a partir dos efeitos mencionados é gerada uma sensação de “limpeza”, bem-estar,
relaxamento nos indivíduos. Observa-se que os relatos que descrevem sensações de desconforto
se aproximam do que Silva (2004) denomina de “peia” ou “surra do Daime” que, segundo o
autor, correspondem a episódios de vômito, diarreia, sensação de tremor pelo corpo, mal-estar
ou outras vivências desagradáveis que ocorrem ao indivíduo, quando sob o efeito da ayahuasca
em contexto religioso. Sobre tais episódios, consideramos que eles também incluem o efeito
purgativo durante o ritual do Santo Daime, contudo compreendemos que se diferenciam de certo
modo das experiências de “limpeza” mencionadas anteriormente porque eles incluem um certo
teor de sofrimento durante a experiência.
A partir do exposto, afirma-se que as experiências no ritual do Santo Daime não se
restringem a sensações “agradáveis” ou “desagradáveis”, ou a sensações de “limpezas” ou “peia”,
mas dependem do sentido atribuído pelo indivíduo, ou seja, do que aqueles eventos representam
para ele. Segundo MacRae (1992) aponta, é importante serem considerados três fatores que
interatuam configurando a experiência com a ayahuasca, são eles: a atuação química da substância
no organismo do indivíduo; o set (tem a ver com características individuais dos sujeitos; tais como
personalidade, estado emocional no momento do uso da substância e expectativas em relação aos
efeitos) e o setting (corresponde ao entorno físico, social e cultural em que se dá a consagração da
bebida). Nesse sentido, considera-se que esses três aspectos podem ter atuado conjuntamente nas
experiências de cada um dos participantes e influenciado as percepções, sensações e os sentidos
produzidos por cada um.
Acerca das práticas Xamânicas segundo pontuou Capra (1982), o adoecimento era
compreendido em uma perspectiva holística no sentido de o homem ser visto como um ser
integrado a uma ordem cósmica ou um sistema ordenado; no caso adoecer significava desconectar-
se desse todo, dessa unidade. A partir disso, percebe-se que nesse espaço espiritualista havia uma
retomada desses princípios, tendo em vista que por meio das práticas Xamânicas desenvolvidas
e dos relatos dos participantes nota-se que é gerada uma sensação muito marcada de integração
com a natureza, de forma por exemplo, que os entrevistados relataram que sentiam como se
estivessem conectados a ela, ouvindo seus sons, vendo animais, considerando a importância de
preservá-la.
Além disso, a utilização da ayahuasca e do rapé representam também a busca pela cura
através da natureza, tendo em vista que a primeira é uma bebida provinda da fervura de uma
folha e um cipó e a segunda a junção de tabaco em pó com cinzas de outras ervas; isto é, o
homem que é integrado à natureza encontra nela sua fonte de restabelecimento. Isso demonstra
mais claramente o resgate de princípios Xamânicos por esse espaço espiritualista, tendo em vista
que as suas práticas terapêuticas se davam em rituais religiosos com a atuação de curandeiros e
conhecedores de ervas medicinais, conforme nos aponta Volich (2010).
Analisando o que os entrevistados trouxeram e a metanálise realizada por Melo, Sampaio,
Souza e Pinto (2015) é compreendemos que essas vivências espirituais os influenciaram
positivamente em termos de saúde e qualidade de vida, pois através dos relatos é possível perceber
que os ensinamentos espirituais absorvidos no espaço espiritualista auxiliaram os indivíduos a
ressignificarem comportamentos valorados negativamente (“eu era explosiva”, “eu era egoísta”,
não ter paciência) e a desenvolverem outros padrões que lhes auxiliariam no manejo de situações
adversas no dia-a-dia (“paciência”, “estou sendo mais tolerante”). Segundo esses mesmos autores,
a religiosidade e a espiritualidade estão relacionadas com a “construção de sentido e a ordenação
de vida dos indivíduos, influenciando a sua saúde de forma positiva” (p. 449).
Considerações finais
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Os participantes também revelaram a modificação de padrões comportamentais a partir
dos ensinamentos espirituais que adquiriam no espaço e isso os auxiliou no manejo de situações
adversas no cotidiano; também expressaram que a participação nesse local lhes oferecia um
suporte emocional, além de terem construído uma rede de apoio social. Deste modo, conclui-
se que com a presença nesse espaço espiritualista essas pessoas tiveram contempladas tanto
suas dimensões espirituais, quanto orgânicas, psíquicas, sociais e assim puderam receber um
cuidado de forma integral, e a partir disso ressignificar experiências a adotar outros padrões de
comportamento diante da vida.
Referências
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estados alterados de consciência e efeitos de curto prazo induzidos pela primeira experiência com
ayahuasca. Em: Jornal brasileiro de psiquiatria / Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal
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256 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
FALA GAROTO: GRUPO DE EXPRESSÃO PARA
ADOLESCENTES UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Bárbara Vanina Arantes
Josenaide Engracia Dos Santos
Ana Ariel Sousa Almeida
Halýne Portela de Sousa Carvalho
Kelly Cristina Vieira Silva
Introdução
A
reforma psiquiátrica foi um movimento social de forte intensidade dos quais
faziam parte, trabalhadores da saúde mental, usuários do serviço e seus familiares
que buscavam melhor assistência dos serviços de saúde mental e denunciavam a
precarização dos métodos de tratamento e de maus tratos nos hospitais psiquiátricos, o qual era
o único lugar para a prestação de serviços para os portadores de transtornos mentais (Ministério
da Saúde [MS], 2004).
A reforma psiquiátrica Brasileira teve a influência de Franco Basaglia, psiquiatra italiano que
considerava as internações em hospícios privavam os pacientes de exercer direitos humanos, bem
como intensificava a situação de exclusão social. Defendia que essas instituições não poderiam
ser consideradas como um lugar de cura, e sim um ambiente de marginalização dessas pessoas
(Viganò, 2006).
Os atendimentos no Brasil eram todos em hospitais psiquiátricos com características
asilares e agressivas com os pacientes de transtorno mental. Nise da Silveira, psiquiatra brasileira
repudiou as intervenções violentas e inovou com espaços mais humanizados. Ela acreditava na
terapia através da arte, como a pintura; o desenho e outras formas de expressão (Diaz, 2008), ato
que também de certa forma influenciou na reforma psiquiátrica.
Dessa forma, a reestruturação da reforma psiquiátrica foi dada início na década de 80,
durante a 8ª Conferência Nacional de Saúde no ano de 1986 e as Conferências Nacional de Saúde
Mental em 1987, 1992 e 2001. É no contexto da promulgação da lei 10.216 e da realização da III
Conferência Nacional de Saúde Mental, que a política de saúde mental do governo federal, alinhada
com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica, passa a consolidar-se, ganhando maior sustentação e
visibilidade (Ballarim, Carvalho, Cavalcanti & Galvão, 2007) e os Centros de Atenção psicossocial
(CAPS) passa ter valor estratégico para o processo de desinstitucionalização.
O CAPS é um serviço comunitário, para Onocko-Campos e Furtado (2006), é onde os
usuários deverão receber consultas médicas, atendimentos terapêuticos individuais e/ou grupais,
participar de ateliês abertos, de atividades lúdicas e recreativas promovidas pelos profissionais do
serviço. Além do acompanhamento clínico, o CAPS tem como objetivo também, a reinserção dos
usuários na comunidade, no trabalho e no lazer e também, promover o fortalecimento de laços
familiares desses usuários. (Ministério da Saúde [MS], 2004)
No que se refere as modalidades de tratamento para o transtorno mental, nas últimas
décadas houve um avanço considerável da abordagem psicossocial, que segundo Alves e Francisco
Método
Resultados
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
levantaram dois pontos. Primeiro, o sentimento de impotência que eles sentem diante seus filhos
quando eles estão nessa fase de instabilidade decorrente do seu quadro clínico. Segundo ponto,
os pais se sensibilizaram que as relações não podem ser autoritárias, percebendo que cada sujeito
tem o seu próprio tempo. Ao final do grupo, os pais falaram frases de incentivos para serem
mostradas aos adolescentes:
• Você é especial!
• Você é lindo!
• Você é o nosso futuro!
• Quero te abraçar e dizer que te amo!
• Não desista de você!
• Estamos aqui, não se sinta só!
• Não desista de pedir ajuda!
As mensagens foram passadas aos adolescentes que ficaram surpresos com tanta repercussão
e agradecidos pelo apoio e suporte dado a eles.
Discussão
A principal queixa apontada pelos adolescentes como causa foi o “amor não correspondido”,
“falta de comunicação”, conflitos familiares, aspecto que pode remeter a segundo Braga e Dalbosco
(2013) a fragilidade dos vínculos afetivos. Assim, as pesquisadoras destacam a importância da
família enquanto estabelecedora das primeiras relações de afeto e de rede social.
Como citado anteriormente, sobre os desafios que as famílias encontram em lidar com
esses adolescentes, Colvero, Ide e Rolim (2004) abordam as dificuldades que as famílias têm em
lidar com a diferença, no caso, com seus familiares que tem algum tipo de transtorno mental.
Eles trazem as seguintes demandas familiares: dificuldade para lidarem com as situações de crise
vividas; com a culpa; com o pessimismo; expectativa frustrada de cura e desconhecimento da
doença propriamente dita. Por este fato, os autores reforçam a necessidade de os familiares terem
algum espaço disponível a eles que ofereçam apoio e suporte. Um espaço em que essa família
possa dizer sobre o seu próprio sofrimento psíquico e o quanto este mobiliza sua vida; um espaço
que considere sua demanda, para além da objetividade manifesta em suas queixas, geralmente
centradas no sintoma do outro, do seu familiar portador de transtorno mental.
O grupo com os adolescentes pautado na psicoeducação foi uma intervenção que auxiliou
no tratamento das doenças mentais a partir das mudanças comportamentais, sociais e emocionais
cujo trabalho permite a prevenção na saúde. A psicoeducação é um processo educativo tanto para
o paciente, família e os profissionais que os atende. A finalidade é ensinar sobre o seu tratamento
para que possam ter consciência e preparo para lidar com as mudanças a partir de estratégias de
enfrentamento, fortalecimento da comunicação e da adaptação (Lemes & Neto, 2017).
O foco da intervenção foi trabalhar a auto expressão dos adolescentes com a família e
também fazer uso da escrita para se comunicar e se expressar e promover o conhecimento acerca
da depressão, favorecendo assim maior apoio e incentivo para aqueles que precisam. Com isso,
acreditamos que a comunicação entre essas famílias iria se fortalecer, olhando os adolescentes ser
particular e singular, e olhar o ser humano como alguém que se constrói e se transforma por sua
ação significativa, consciente, em um contexto social, histórico e cultural.
Almeida, A. C. M. C. H., Felipes, L., & Dal Pozzo, V. C. (2011). O impacto causado pela doença
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260 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
“ANAS” E “MIAS”: UM CAMINHO PARA O ALCANCE
DO CORPO MAGRO E LINDO?
Maria Daiane da Ponte
Juan Alex Pereira de Sousa
Rebeca Carvalho de Morais
Introdução
A
pressão cultural pela magreza e pelo corpo perfeito tem levado um número crescente
de pessoas a buscarem um enquadre nos padrões midiáticos expostos pela indústria
cultural. Na atual era da tecnologia da produção em massa, as pessoas (em especial
mulheres) nunca foram tão expostas a ideais estéticos quanto hoje. Alguns autores reforçam que
esse padrão de magreza, amplamente difundido na mídia (televisão, revistas, cinema) já penetrou
no inconscientemente nos valores, aprisionando as pessoas dentro de si mesmas na busca destes
padrões (Oliveira & Hutz, 2010).
Neste contexto, a internet surge como mais um espaço de disseminação destes ditos padrões
estéticos, no qual inúmeros sites e blogs incentivam o culto a um corpo imagético que, na maioria
dos casos, é biologicamente impossível de ser alcançado.
A ideia para o presente trabalho surgiu a partir da observação de sites conhecidos por seus
usuários como PROANA e PROMIA, onde Ana seria o apelido para Anorexia e Mia para Bulimia,
sites que são a favor (como pode ser compreendido pelo prefixo pro) da bulimia e anorexia. Neles,
os usuários trocam dicas sobre métodos e medicações para emagrecer, bem como apoiam-se para
alcançarem seu objetivo.
A bulimia é uma patologia conhecida desde a Grécia antiga sob o nome de cinorexia ou
fome de cachorro, caracteriza- se por uma grande ingestão de alimentos de maneira muito rápida
e intensa associada a uma sensação de perda de controle, sendo seguida de vômitos, chamados
de episódios bulímicos. (Severiano, Rêgo &, Montefusco 2010). Os indivíduos que sofrem com
esse distúrbio costumam recorrer a diversos métodos, tais como laxantes, diuréticos, remédios
que tenham um efeito de diminuição do apetite, mesmo não sendo esse o foco da medicação com
o intuito de provocar o vômito. Fernandes (2006), em seu livro Transtornos Alimentares, define
como:
Método
Resultados
Faço parte de uma comunidade em que Anas, Mias e qualquer pessoa que deseje emagrecer
desabafam sobre o seu cotidiano e dão forças umas às outras para que juntas alcancem seus objetivos [grifo
nosso]. Mudamos de endereço recentemente e estamos divulgando o espaço em busca de
crescimento. Link ao fim da postagem. Esperamos vocês lá! (Eva, 2016, “esperamos vocês!
”)
A partir de tais comentários, vemos que as Anas e Mias desabafam e se dão forças para,
através da manutenção da sua patologia alcancem o objetivo do emagrecimento. Verifica-se
constantemente, o compartilhamento de experiências para ajudar na dieta alimentar, conforme
pode ser ilustrado no seguinte depoimento:
Primeiramente: esperava mais. Sério, só perdi 1 kg gente! Só isso!!!! Mas pensando pelo
lado bom não o recuperei e agora tô com 54 kg, minha meta até mês que vem é 50, vai ser
difícil mas eu vou conseguir. Hoje fiz no food (sem comida), só bebi agua o dia inteiro e não
passei mal! Hahaha tô bem feliz por isso. Amanhã creio que vou fazer um lowfood (pouca
comida) só pra eu tomar meus remédios. (Odette, 2016, “resultado da dieta”)
262 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Neste sentido, o que pode ser percebido é que em conjunto ao arsenal midiático que divulga
cotidianamente imagens de perfeição, a indústria da moda, com suas modelos magérrimas,
contribui eficazmente para a implantação e legitimação do imperativo da magreza enquanto
sinônimo de beleza.
Inspirações são pessoas e artistas belos e que você admire e se espelha para chegar a seu
objetivo. Algumas celebridades como Mary Kate Olsen e Victória Beckham já tiveram anorexia, portanto
são grandes exemplos de beleza e determinação [grifo nosso], então não esqueçam de sempre ter
essa inspiração (Borboleta, 2016, “thinspo”).
Nota-se que com essa inspiração magra e uma quase idolatria a fotos de pessoas magras,
vem também uma visão deturpada do próprio corpo, ou seja, faz com que essas mulheres
(em sua maioria são mulheres, mas não cem por cento dos usuários) adotem hábitos que são
prejudiciais à saúde.
Assim, verifica-se que esta perfeição do corpo magro divulgado pela mídia é uma perfeição
utópica, pois sempre que as Anas e Mias chegam à meta que havia sido estipulada anteriormente,
uma nova meta com uma maior perca de peso é instaurada.
Olá anas e mias to mto feliz pq pesava 87 kg qse 90 e agr to com 77 tenho 1,50 e pretendo ter 55 [grifo
nosso] td q eu fiz foi comer 70 kcal por dia e dancei zumba por uma hora vai 15 kg em uma
semana. ...boa sorte pra vcs vamos lá por um corpo bonito bj. (Anônimo, 2016, “chego lá”)
Meninas, socorro preciso de ajuda urgente!!!! Estou desesperada nunca fui ana nem mia,
mas agora mais do que nunca preciso ser [grifo nosso], emagreci 11kg passei de 85 para 74 mas
meu marido exige de mim 65 tenho 1,70 e não consigo baixar dos 74 me ajudem por favor
(Anônimo,2016, ” help me!”).
Observar um depoimento deste e ver que a pessoa afirma que nunca foi Ana e Mia, mas que
mais do que nunca precisa ser, ou seja, que precisa desenvolver uma doença para poder emagrecer
parece-nos algo preocupante e pensamos na hipótese que esta preocupação exacerbada com a
busca pelo corpo perfeito possa ser uma possível causa para o desenvolvimento da anorexia e
bulimia, patologias alimentares relacionadas com uma disfunção de uma imagem corporal.
Discussão
264 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482010000100007&lng=p
t&tlng=pt.
Introdução
N
o Brasil, a assistência em saúde às pessoas em sofrimento psíquico foi, por muito
tempo, permeada pelo descaso, pela segregação e pela violência (Devera &
Costa-Rosa, 2007). Somente com o advento da Reforma Psiquiátrica Brasileira
– iniciativa voltada à transformação das práticas, dos saberes e dos valores que fundamentam
a Psiquiatria tradicional (Ministério da Saúde, 2005) – é que novas estratégias de cuidado
passaram a ser ofertadas a tal população no país. Influenciada diretamente pela Psiquiatria
Democrática Italiana e protagonizada pelo Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental,
a Reforma Psiquiátrica Brasileira ganhou corpo nos anos 1980 e levou, conforme Amarante
(2008), à implementação gradativa de serviços de saúde mental de base comunitária que, a
exemplo dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPSs), procuram substituir os manicômios e,
especialmente, a lógica manicomial.
Os CAPSs possuem um valor estratégico para a Reforma Psiquiátrica Brasileira e intentam
proporcionar, em seu território de abrangência, cuidado personalizado e promotor de vida às
pessoas em sofrimento psíquico, sempre pelos meios menos invasivos (Ministério da Saúde,
2004). Logo, têm como atribuição estimular a (re)inserção social e a (re)integração familiar dos
usuários e apoiá-los em suas iniciativas de busca da autonomia e da cidadania. Dessa maneira,
os CAPSs funcionam em regime aberto e devem fomentar não apenas a desospitalização, mas,
sobretudo, a desinstitucionalização, processo atrelado à defesa dos direitos civis e humanos dos
usuários. Afinal, a clínica antimanicomial envolve, para além da “terapêutica da doença mental”,
o redimensionamento do lugar social reservado à “loucura”, como bem observaram Lobosque
(1997) e Rauter (2000).
Para que possam fazer frente a um desafio de tal magnitude, os CAPSs contam com
equipes multidisciplinares responsáveis por diversos dispositivos de tratamento, dentre os quais
se destacam as oficinas terapêuticas. Em linhas gerais, as oficinas terapêuticas são atividades
realizadas em grupo – com a presença e orientação de um ou mais profissionais, monitores e/ou
estagiários – visando a promoção da (re)inserção social e da (re)integração familiar, a manifestação
de sentimentos, o desenvolvimento de habilidades e o exercício da cidadania (Ministério da
Saúde, 2004). Tendo em vista a diversidade de objetivos que é própria das oficinas terapêuticas,
Galletti (2004) ressalta que não há um único modo de conduzi-las. Ao contrário, tal dispositivo
de tratamento, ainda para a referida autora, admite infinitas possibilidades, desde que pautadas
pelo respeito à singularidade dos usuários.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Não obstante, as oficinas terapêuticas têm sido divididas em três modalidades principais.
As oficinas terapêuticas expressivas, em primeiro lugar, constituem espaços de expressão plástica,
corporal, verbal e musical, sendo mediadas pela pintura, pela dança, pelo teatro, pela poesia e pelo
canto, por exemplo. As oficinas terapêuticas geradoras de renda, em segundo lugar, têm como
finalidade o aprendizado de uma atividade específica, como culinária, marcenaria e cerâmica,
para viabilizar a criação de produtos para comercialização e obtenção de retorno financeiro. Já
as oficinas terapêuticas de alfabetização, em terceiro lugar, são destinadas aos usuários que não
foram letrados e procuram incentivar o exercício da leitura e da escrita (Ministério da Saúde,
2004). Cumpre assinalar que todos os CAPSs devem oferecer mais de uma modalidade de oficina
terapêutica e que tais dispositivos de tratamento em absoluto podem ser impostos, como advertem
Pádua e Morais (2010). Ocorre que, em última instância, caberá a cada usuário decidir de quais
oficinas terapêuticas participará no CAPS que frequenta.
Tendo em vista o que precede, as oficinas terapêuticas vêm sendo objeto de algumas pesquisas
nacionais, como aquelas de autoria de Rauter (2000), Cedraz e Dimenstein (2005) e Kinker e Imbrizi
(2015). Contudo, parece razoável propor que o tema não se encontra esgotado, até mesmo em
função de sua complexidade. Sendo assim, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa com o intuito
de compreender as concepções de profissionais que coordenavam oficinas terapêuticas em CAPSs
a respeito deste dispositivo de tratamento. O presente estudo se afigura como um recorte de tal
pesquisa e tem como objetivo, especificamente, explorar as concepções dos referidos profissionais
acerca do valor terapêutico das oficinas terapêuticas.
Método
Resultados
Relato 1: “A oficina terapêutica é um espaço terapêutico... então eu entendo que terapêutico é qualquer
atividade que você faça e que gere bem-estar, que te proporcione momentos prazerosos, reflexões, momentos
para pensar... que te provoque, né? Que promova o questionamento dos seus conceitos, preconceitos, sua
forma de estar no mundo, ou de lidar com o mundo e as coisas da vida, isso é terapêutico! Então eu vejo
esse espaço como muito rico. São momentos que ajudam o usuário a criar vínculos, a estabelecer vínculos,
trazer temas, desenvolver questões, possibilitar momentos de expressão... para que eles possam estar,
pensar, refletir e expressar!”. (Participante 3)
Relato 2: “Olha... definir a oficina é um papel assim, é... A oficina é um momento que você está próximo
do paciente, um momento muito importante para todos nós, profissionais, que ali você está observando o
paciente, você está trazendo para ele uma possibilidade de se expressar... porque nós temos um leque, por
exemplo, de muitas coisas que a gente oferece numa oficina, e todas elas têm ali o seu cunho terapêutico...
Todas elas têm”. (Participante 4)
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Um terceiro subgrupo de participantes demonstrou uma concepção mais crítica, como
aquela sintetizada por meio do Relato 3, o qual relativizou a questão da promoção do bem-
estar momentâneo veiculada por meio do Relato 1 e realçou que as oficinas terapêuticas podem
ser qualificadas como práticas terapêuticas ainda que produzam certo incômodo inicial por
desencadearem discussões e reflexões capazes de estimular, em um segundo momento, o exercício
da cidadania. E o Relato 4, em certo sentido, acompanhou o Relato 3, na medida em que sublinhou
a importância tanto de recuperar a condição de cidadãos dos usuários quanto de (re)inseri-los
socialmente por meio das oficinas terapêuticas. Entretanto, há que se ressaltar que a participante
responsável pelo Relato 4 não esclareceu exatamente como isso poderia ser feito.
Relato 3: “Olha... eu vou falar um pouco das minhas [oficinas terapêuticas]. Isso é uma coisa que,
inclusive, a gente questionou muito em reuniões de equipe. Qual é o sentido da oficina? É para gerar um
bem-estar? As minhas oficinas geralmente são voltadas para a questão da cidadania, e falar de cidadania
nem sempre é uma coisa confortável. Porque isso vai tocar nos nossos pontos, né? Teve uma vez, que, por
exemplo, eu fiz uma dinâmica para a gente poder falar sobre o aborto, porque é um assunto pesado, né? E
aí, no momento, eu percebi que muitas pessoas entraram em atrito com as suas crenças religiosas, morais
e tudo... E algumas pessoas saíram daqui muito pensativas, outras pessoas saíram bem tranquilas, apesar
da discussão calorosa. E aí isso gerou muita preocupação, né? Porque a minha oficina estava incomodando,
estava cutucando coisas, e aí como que a gente ia fazer para dar esse suporte? Porque são pessoas que já
estão em sofrimento, né? E aí a gente pensou em estratégias para acolher essa angústia que fica após a
oficina. Mas eu acho que até isso é terapêutico. Porque se a gente não desconstrói algumas coisas, como é
que a gente constrói outras, né? E aí eles começaram a perceber isso. E aí quando eu parei com a oficina,
eles pediram de volta. A gente pensa que o terapêutico é sempre algo que vai sair bem, né? E eu acho que
nem sempre vai sair bem. Acho que a gente precisa olhar, para cuidar do que ficou, mas a gente precisa
pensar juntos outras coisas. Acho que o terapêutico é benéfico, mas acho que nem sempre vai gerar aquele
bem-estar no momento, mas assim, é uma oficina de cidadania que eu acho que é terapêutica, por ajudar
a gente a conversar sobre qual é o meu papel diante da sociedade”. (Participante 6)
Relato 4: “[nas oficinas terapêuticas] a gente trabalha muito com a inserção social, o resgate da
cidadania, acho que precisa articular a saúde mental com outros aspectos. Tem muitas coisas que não vão
ser abarcadas só com a saúde”. (Participante 7)
Discussão
É interessante observar que, em um texto anterior à difusão das oficinas terapêuticas nos
CAPSs e até mesmo da conversão da Reforma Psiquiátrica Brasileira em legislação, Nascimento
(1990) já questionava o potencial terapêutico que, para muitos profissionais de saúde, seria
intrínseco às práticas baseadas em atividades que eram utilizadas como dispositivos – auxiliares,
à época – de tratamento em saúde mental. Para a autora, essa crença no potencial terapêutico
intrínseco se ancorava em uma ideia de causalidade linear, segundo a qual haveria uma atividade
especialmente indicada para o aprimoramento de cada função do usuário, seja ela física ou
psicológica. Este tipo de ideia não se revelou subjacente às concepções das participantes
do presente estudo, o que se afigura como um achado positivo. Em contrapartida, é possível
vislumbrar um certo resquício da mesma nas entrelinhas do Relato 1 e, principalmente, do Relato
2, o qual ensejou uma generalização questionável. Afinal, nem toda relação que se estabelece
entre profissional de saúde e usuário se revelará terapêutica.
Kinker e Imbrizi (2015) aprofundaram a linha de raciocínio defendida por Nascimento
1990) ao salientarem que, na atualidade, as atividades realizadas em oficinas terapêuticas muitas
Conclusão
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
dos resultados para outros contextos devem ser estabelecidas por meio de generalizações
naturalísticas, executadas pelos leitores. Logo, novas pesquisas são imprescindíveis. A propósito,
outros obstáculos que se apresentam veladamente para a efetivação da Reforma Psiquiátrica
Brasileira no contexto dos CAPSs poderão, eventualmente, ser demarcados a partir da realização
de novas pesquisas.
Referências
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272 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
OFICINAS TERAPÊUTICAS EM SAÚDE MENTAL:
PARA QUEM E PARA QUÊ? A PERSPECTIVA DE
COORDENADORES
Ana Luiza De Mendonça Oliveira
Rodrigo Sanches Peres
Introdução
N
as décadas de 1980 e 1990, a atenção em saúde mental no país passou por alguns
ajustes em função de alterações na legislação referente ao tema. Um desses
ajustes foi resultante da publicação da Portaria nº 189/1991, cujo objetivo foi a
diversificação de métodos e técnicas terapêuticas voltadas às pessoas que sofrem com transtornos
mentais (Ministério da Saúde, 1991). Este documento legal incluiu as oficinas terapêuticas entre
os procedimentos custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a serem realizados em serviços
de saúde mental. Dez anos depois, com a Lei nº 10.2016/2001, que buscou assegurar a proteção
e os direitos do público em questão (Brasil, 2001), a atenção em saúde mental foi reconfigurada
de modo mais abrangente, operacionalizando, como consequência, os princípios da Reforma
Psiquiátrica Brasileira.
Neste contexto, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPSs) se revestem de particular
importância, pois se afiguram como serviços abertos de saúde mental, substitutivos em relação
aos hospitais psiquiátricos. Mais precisamente, os CAPSs têm como finalidade oferecer cuidado
intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida (Ministério da Saúde, 2005). Para tanto,
os CAPSs desenvolvem variados dispositivos de tratamento, sendo que as oficinas terapêuticas se
sobressaem como um dos principais. Basicamente, as oficinas terapêuticas constituem, conforme
o entendimento vigente na atualidade, um conjunto diversificado de atividades realizadas em
grupo, com a presença e orientação de um ou mais profissionais, monitores e/ou estagiários,
visando a promoção da (re)inserção social e (re)integração familiar, a manifestação de sentimentos
e problemas, o desenvolvimento de habilidades e o estímulo ao exercício da cidadania (Ministério
da Saúde, 2004).
Todos os dispositivos de tratamento oferecidos nos CAPSs devem ser articulados entre a
equipe de saúde e os próprios usuários por meio da construção do Projeto Terapêutico Singular
(Ministério da Saúde, 2007). Oliveira (2008) salienta que, para construir um Projeto Terapêutico
Singular, compete ao profissional refletir sobre o que está sendo proposto para cada usuário,
a fim de que se possa ter clareza, por exemplo, acerca dos critérios de indicação, dos objetivos
e dos benefícios esperados no tocante a cada dispositivo de tratamento, até mesmo para que
possa avaliá-lo posteriormente. Trata-se, desse modo, de elaborar um plano e (re)pensá-lo
constantemente. Porém, no cotidiano da assistência em saúde mental, muitas vezes não é isso o
que ocorre, inclusive – ou talvez especialmente – em relação às oficinas terapêuticas.
Essa é uma das razões pelas quais as oficinas terapêuticas têm sido tematizadas em
Resultados
274 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Relato 1: “Critério para participar da oficina não tem. A oficina é oferecida, eles [os usuários] são
convidados a participar, a gente tenta envolvê-los, buscá-los de alguma forma para que eles fiquem à
vontade para participar da oficina. Este é o sistema” (Participante 2)
Relato 2: “Não [utilizo nenhum critério para definir os usuários que participarão das oficinas
terapêuticas que eu coordeno]. A gente deixa aberto para todos” (Participante 6)
Relato 3: “Qualquer usuário que tiver no CAPS, participa [das oficinas terapêuticas que eu
coordeno]” (Participante 12)
Relato 4: “Sim [eu utilizo um critério para definir os usuários que participarão das oficinas
terapêuticas que eu coordeno]. Há um critério que está muito ligado ao paciente querer. E também
ao diagnóstico, dependendo do caso, por exemplo, um transtorno de personalidade, onde o paciente atua
muito e falsifica sintomas quando está em um grupo. A gente evita que esse paciente fique em grupo e leva
só para o atendimento individual. Outros casos, a gente mantém em grupo” (Participante 1)
Relato 5: “Tem! Para mim, os F.20 são os melhores para participar de atividades de desenho e de pintura.
Eles não gostam de muita coisa pré-estabelecida. Para esse público, as oficinas desse tipo funcionam melhor.
Mas depende muito da pessoa também. Na hora que a gente faz a avaliação e percebe que é uma pessoa
muito agitada, a gente vai direcionando para essas oficinas mais manuais. Para outros que precisam de
um relaxamento, a gente coloca em outro tipo, na minha, de meditação, por exemplo” (Participante 10)
Relato 6: “O critério, quando a pessoa é inserida, quando ela é acolhida, e é feito o Projeto Terapêutico,
a pessoa que acolhe, ou a referência dessa pessoa, vai definir. Recentemente a gente conseguiu fazer uma
definição de qual oficina em cada dia, mais ou menos. Então a gente já sabe que na quarta à tarde, uma
psicóloga faz atividades corporais, na quinta de manhã, é a enfermagem que faz, então é educação em
saúde, alongamento também. Na segunda de manhã, é caminhada, então a gente se organizou assim, para
a pessoa poder escolher o que mais agrada” (Participante 11)
Relato 7: “Olha... ao meu ver, deveriam ter oficinas mais específicas, por exemplo, na segunda-feira, uma
oficina específica de... sei lá... vamos pensar aqui, uma oficina de jornal. Vamos pegar um texto, ler, vamos
ver o que entendemos e vamos escrever alguma coisa sobre ele. Na terça, uma oficina que visa algo, na
quarta, outra que vise outra coisa, na quinta e na sexta. Não existe isso aqui. Se você me perguntar o que
a minha colega faz, eu não sei. Já levei isso para a reunião, para a gente poder estabelecer isso, assim... o
tipo de oficina, porque, vai dar a possibilidade de o usuário que chega, optar por aquela oficina que ele se
identifica mais. Acho que não faz sentido ele participar de uma oficina terapêutica que às vezes não tem
muito a ver, que não traga benefícios” (Participante 5)
Relato 8: “Eu acho que principalmente [os benefícios das oficinas terapêuticas] é a questão
da interação entre eles [os usuários]. Porque é uma oportunidade de criar laços e fazer amizades”
(Participante 9)
Relato 9: “Olha... [os benefícios das oficinas terapêuticas] interação social, que é um grande
problema para pessoas com transtornos mentais [...] Conseguir elaborar coisas que a pessoa não costuma
tocar fora de um grupo, por exemplo. Perceber no outro aquilo que, ou melhor dizendo, perceber que outras
pessoas podem estar passando por aquilo que ele também está passando. Ouvir sugestões de pessoas que
passam pela mesma situação. Entrar em contato com realidades diferentes...” (Participante 8)
Relato 10: “Ah, eu acho que [os benefícios das oficinas terapêuticas] é a socialização, a percepção
de que ele consegue fazer uma atividade. Tem gente que nunca fez nenhuma atividade. Tem gente que tá
por conta de doença, então fica às vezes deitado o dia inteiro, aí começa a fazer uma atividade e volta para
a vida. Ocupa a cabeça. É um momento em que eles conversam entre eles, vão percebendo as habilidades
de cada um. Pede ajuda. Saem um pouco daquela coisa da doença o tempo inteiro. Podem conversar sobre
outras coisas” (Participante 1)
Relato 11: “Eu acho que [um dos benefícios das oficinas terapêuticas] é eles [os usuários]
saberem que vão lá [no CAPS], e além de serem ouvidos, eles vão ter uma ocupação do tempo. Uma
ocupação que vai significar alguma coisa. Porque se eles só viessem, sem nada, acho que o tempo vago ia
ficar muito grande. Então a oficina, eu acho que foi para isso mesmo” (Participante 10)
Discussão
O fato de a maioria das participantes ter mencionado que não adota nenhum critério
de indicação para definir se um usuário frequentará ou não as oficinas terapêuticas por elas
coordenadas pode ser considerado negativo, na medida em que se afigura como um indício
de que tais dispositivos de tratamento tendem a ser colocados em prática pelas mesmas sem a
devida reflexão. Como consequência, os usuários comumente seriam levados a assumir um papel
passivo em relação ao próprio tratamento, já que, na melhor das hipóteses, poderiam decidir se
frequentarão ou não as oficinas terapêuticas que lhes são sugeridas indiscriminadamente. Mas é
preciso sublinhar que as pesquisas de Cedraz e Dimenstein (2005) e Figueiró e Dimenstein (2010)
reportaram resultados semelhantes, em seus aspectos gerais.
Cedraz e Dimenstein (2005) demonstraram que muitos profissionais de saúde não
empreendem qualquer movimento mais consistente no sentido de problematizar as oficinas
terapêuticas que coordenam, pois se limitam a apresentar propostas das quais os usuários serão
“consumidores”. Figueiró e Dimenstein (2010) igualmente advertiram que, tipicamente, as oficinas
terapêuticas estão mais conectadas com os profissionais de saúde do que com os usuários, e por
essa razão os primeiros buscam “induzir” com insistência os segundos a frequentá-las. Logo, as
oficinas terapêuticas tendem a ser planejadas, executadas e até mesmo reformuladas sem que
276 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
os interesses dos usuários sejam de fato contemplados. É possível propor que a definição de
critérios de indicação, a serem adotados com flexibilidade e discutidos com os usuários, poderia
se afigurar como um dos caminhos possíveis para a reversão deste cenário.
Como mencionado, os Relatos 4 e 5 realçaram que, para algumas participantes, as vontades
e as necessidades dos usuários devem ser levadas em conta como critério de indicação, o que
poderia ser considerado positivo, se tomado isoladamente. Porém, estes mesmos relatos também
evidenciaram uma concepção de acordo com a qual o diagnóstico dos usuários igualmente
constituiria um critério de indicação. Tal fato, por seu turno, sinaliza um processo de reificação dos
usuários, do qual é emblemática a alusão, no Relato 5, ao código alfanumérico F.20 – estabelecido
para a esquizofrenia na Classificação Internacional de Doenças – para se referir aos usuários,
como se os mesmos equivalessem ao transtorno mental com o qual foram diagnosticados.
Já o Relato 6 está em consonância com as diretrizes do Ministério da Saúde (2004), segundo
as quais deve-se elaborar um Projeto Terapêutico Singular para todo usuário no início de seu
acompanhamento em qualquer CAPS. Para tanto, um profissional de saúde da equipe será
definido como terapeuta de referência e terá como responsabilidade construir, monitorar, avaliar e
redefinir, quando necessário, o Projeto Terapêutico Singular, juntamente com o respectivo usuário,
sendo que a participação de seus familiares também será relevante. Dessa forma, a cada usuário
poderá ser oferecido um tratamento que respeite suas particularidades e que – em contraste com
o processo de reificação já mencionado a propósito do Relato 5 – viabilize a personalização dos
atendimentos.
Oliveira (2008) reafirma as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde ao enfatizar
que o Projeto Terapêutico Singular precisa ser elaborado e executado, com metas claras, em
parceria por toda a equipe do serviço e com a participação ativa dos usuários e seus familiares.
E é justamente da ausência dessa colaboração entre os profissionais de saúde que se queixou a
participante responsável pelo Relato 6. Parece razoável cogitar que um trabalho mais integrado
possibilitaria à sua equipe de saúde tanto discutir critérios de indicação potencialmente úteis
na prática quanto implementar oficinas terapêuticas mais compatíveis com as demandas dos
usuários, contribuindo, assim, para o êxito do Projeto Terapêutico Singular.
Ressalte-se ainda que Mângia et al. (2006) especificaram como eixos norteadores do Projeto
Terapêutico Singular a ênfase no usuário em seu contexto e a preocupação com a continuidade de
sua vida na comunidade. Kinker e Imbrinzi (2015), seguindo essa linha de raciocínio, defenderam
que, para que as oficinas terapêuticas possam escapar das armadilhas do controle social, é
necessário que viabilizem uma imersão na sociedade. Ou seja, para além de estarem previstas em
um Projeto Terapêutico Singular, devem estar vinculadas a um plano de intervenção social mais
amplo, voltado à desinstitucionalização. Porém, nenhuma das participantes que fez menção ao
Projeto Terapêutico Singular citou preocupações semelhantes a estas, apontadas pelos referidos
autores.
O fato de terem sido frequentes, entre as participantes, as alusões aos ganhos oriundos da
socialização entre os usuários, como se vê nos Relatos 8, 9 e 10, seria esperado. Afinal, desde
a Portaria nº 189/1991, a socialização está estabelecida como um dos objetivos básicos das
oficinas terapêuticas. Porém, mais do que a mera convivência no âmbito dos CAPSs, as oficinas
terapêuticas, como advertem Rauter (2000) e Costa e Figueiredo (2004), devem promover a
superação do isolamento causado pela “loucura” por meio da consecução de um objetivo mais
amplo, que seria, justamente, a (re)inserção social dos usuários.
O Relato 9 apontou também o suporte mútuo entre os usuários como benefício possível, o
que pode ser considerado positivo, já que, conforme Figueiró e Dimenstein (2010), muitas vezes
as oficinas terapêuticas assumem uma dinâmica que, equivocadamente, inviabiliza tal processo.
Os Relatos 10 e 11, em contrapartida, citaram a ocupação “da cabeça” e “do tempo” dos usuários
Conclusão
Referências
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Introdução
O
planejamento de uma gravidez é um momento desejado na vida de todo casal, e
para mulher, que desde criança já lhe é instigada esse desejo da maternidade, torna-
se a ser ainda maior. A confirmação da gravidez é a concretização desse passo, e
a chegada do bebê é a realização de todo esse processo pelo qual os pais passam. Vendrusculo
(2014) cita que o projeto de vida do filho passa então a ser iniciado muito antes do seu nascimento,
e com isso a idealização da criança desejada. A fase gestacional da mulher é passada por várias
etapas onde cada uma destas vem acompanhada de sensações e emoções, principalmente, ao
que diz respeito a formação do bebê. Desse modo, segundo Alves (2012) descobrir que a criança
não condiz com aquilo que foi idealizado, gera profunda tristeza, medo do futuro, frustração e
até mesmo vergonha.
Ao tratar sobre a morte simbólica do filho idealizado ressalta-se uma especificidade nos
casos de mães com bebês que nascem com fissura labiopalatina, que é considerada uma das
malformações congênitas mais comuns em crianças. A fissura labiopalatina, de acordo com
Cymrot, Dantas, Teixeira, Filho e Oliveira (2010) acomete o terço médio da face, decorrente da
não fusão dos ossos maxilares, durante a sexta e a décima semana de vida intrauterina. Sendo
assim, se considerar a idealização de um filho a partir de suas características físicas, visto que
o que se espera é o nascimento de uma criança perfeita, ao se deparar com a diferença do bebê
em relação aquilo que foi desejado, os pais e, sobretudo, a mãe, passam pelo rompimento desse
ideal, o que gera uma sensação de perda e/ou morte simbólica, levando-os ao enfrentamento de
luto da criança idealizada. (Milbranth, Motta, Gabatz, & Freitas, 2017).
Considerar a morte simbólica torna impossível não trazer a questão sobre o luto materno,
o que de certa forma, este, carrega suas variantes, que vai desde a morte concreta do filho até a
morte simbólica, que é perda do filho idealizado. Para Alves (2012) a morte concreta é quando
o processo de perda é real, a mãe vivencia esse desenlace físico para sempre. Enquanto a morte
simbólica, ou morte em vida, é considerada rupturas que ocorrem durante a vida do ser humano.
Sob uma perspectiva existencial, o luto materno pode ser compreendido como sendo o fenômeno
que emerge do rompimento de uma relação única entre mãe e filho, descreve Michel (2017). Desse
modo, a morte simbólica significa a interrupção do sonho pela realidade. (Begossi, 2003).
Acerca da temática proposta, é importante trazer a questão familiar por ser ela o primeiro
vínculo social que a criança possuirá, pois a necessidade de falar sobre o papel da família dentro
dessa perspectiva do luto materno em mães com bebês fissurados torna-se algo prevalente, uma
vez que a descoberta de uma gestação, bem como o nascimento de uma criança com anomalia
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
craniofacial desintegrará o laço materno e parental em relação ao bebê, principalmente porque
defeitos congênitos, segundo Silva, Bordon e Duarte (2002) são extremamente mobilizadores
de sentimentos intensos, e do que se trata do corpo humano, o rosto é um elemento dos mais
importantes, e por este ser o ponto de contato entre os indivíduos, isso pode vir a ocasionar
rejeição e abandono dessa criança, além de também desencadear na mãe o sentimento de culpa,
por ser ela a responsável pelo processo gestacional e, portanto, é dela a responsabilidade do
desenvolvimento desse filho.
Tal consideração leva o fato de não se ter muitas informações sobre esse tipo de malformação
e do processo de reabilitação de crianças que nascem com essa condição, e como pontua Begossi
(2003) muitas mulheres ao se deparar com essa realidade podem vir a desencadear depressão
pós-parto, prostração e fracasso, originários de aspectos regressivos de identificação com o
bebê, solicitando assim, cuidado e atenção dos familiares, tanto para com ela quanto para o
bebê. Desse modo, a importância de um trabalho multiprofissional faz-se necessário, visto que o
acompanhamento médico, psicológico e nutricional, dentre outros profissionais que se fizerem
precisos durante o período gravídico da mulher e puerpério permite o processo de resiliência
maternal e reestabelecimento da estrutura relacional entre mãe e bebê.
Para Pinheiro (2004 citado por Santiago, Souza, Lacerda & Penteado, 2008) a resiliência
é caracterizada pela capacidade de voltar-se ao estado usual ou primeiro estado de saúde ou
espírito, após passar por alguma adversidade. Observa-se, que a etimologia do termo configura a
ideia do que se propõe analisar nesse estudo, já que a morte simbólica do filho idealizado provoca
nos pais, e principalmente na mãe uma ruptura afetiva pelo bebê. Desse modo, Santiago et al.
(2008) destaca que a resiliência é a capacidade que o indivíduo tem de reconstruir e refazer sua
identidade, superando assim choques, adversidades e conflitos dos quais enfrentou. Visto isso,
Flach (1991 citado por Santiago et al., 2008) considera resiliente aquele que tem habilidades para
reconhecer a dor e tolerá-la até o ponto de chegada onde resolverá seus conflitos de uma maneira
construtiva.
O presente trabalho, portanto, se inscreve numa perspectiva em elaborar acepções acerca
desse momento em que a mãe passa ao ser notificada sobre a condição do filho, mas no sentido
de trazer para esse campo de estudo o aspecto da resiliência como um processo gradativo e
construtivo na relação entre mãe e bebê, visto que não há estudos específicos voltados para a
temática em questão. Nesse sentido, o tema apresentado se coloca como uma ferramenta para os
profissionais e/ou pesquisadores da área da saúde e afins que buscam compreender esse processo
dentro dessa especificidade, que é o processo de ressignificação emocional de mães de bebês com
fissura labiopalatina.
Método
O estudo trata-se de uma revisão de literatura, onde o embasamento teórico se deu por meio
de artigos científicos e dissertações sobre o assunto. Foi realizada uma busca na base de dados do
Google acadêmico que direcionou para fontes como Scielo, BVS-psi, Lilacs que disponibilizaram
materiais em português e cujos descritores foram “luto materno”, “resiliência e luto materno”,
“morte simbólica e filho idealizado” e “fissura labiopalatina”. Com base nesses descritores os
levantamentos das pesquisas mostraram poucas referências em relação a temática em questão,
onde nenhum estudo apresentou especificamente sobre o tema abordado.
Desse modo, fez-se uma seleção do material encontrado por meio dos critérios de inclusão
e exclusão. Acerca destes, foram excluídos artigos que tratavam o luto materno a partir da
perspectiva da morte real do bebê e/ou filho, e sendo inclusos materiais que tomam o luto
materno a partir da perspectiva de morte simbólica, na qual foi dada ênfase a estudos que
Resultados
Com base no material levantado e nas pesquisas realizadas com a finalidade de encontrar
estudos que trabalhem sobre a morte simbólica direcionada para a especificidade de mães com
bebês fissurados, os materiais apresentaram insuficiência, o que quer dizer que o indicativo na
busca nas bases de dados aponta o estudo em questão como relevante, pois de acordo com as
pesquisas alguns trabalhavam a temática luto materno numa perspectiva da perda real do filho,
outras poucas o luto materno e a perda do filho idealizado, bem como a morte simbólica desse filho
idealizado voltado para circunstâncias onde a criança nascia com algum tipo de deficiência, como
por exemplo, paralisia cerebral e/ou síndrome de down. Deste modo, apropria-se do pensamento
de Silva, Rodrigues e Lauris (2017) de que a literatura não deixa a desejar sobre estudos que
falam do luto materno e a morte do filho idealizado, todavia não focalizam diretamente sobre a
perspectiva do luto em mães com crianças nascidas com fissura labiopalatina.
Sendo assim, com relação ao campo de estudo específico desse trabalho, considerando a
fissura labiopalatina como um tipo de anomalia congênita craniofacial que mesmo sendo uma
condição dada a predisposição genética e/ou mesmo ambiental, a reabilitação é possível e assim
podendo restabelecer à criança uma qualidade de vida normal, tanto no sentido funcional de
suas estruturas afetadas, como a sociabilidade da mesma. Diante disso, as pesquisas apontaram
apenas estudos que integram o campo da medicina e que atuam na área de tratamento orofacial,
e nenhuma relacionada diretamente a outras áreas, como psicologia, fonoaudiologia, nutrição, e
afins.
Nesse sentido, o trabalho que segue, mostrar-se como um estudo que servirá de base para
estudos futuros que buscam integrar a interdisciplinaridade das áreas envolvidas, levando em
consideração, principalmente, o campo emocional e afetivo de mães que tiveram bebês nascidos
com fissura labiopalatal, uma vez que durante o período gravídico e puerpério de uma mãe com
filho nessa condição, o processo de adaptação desta exige maiores cuidados e atenção por parte
da família e da equipe profissional que a acompanha, devido as circunstâncias desencadeadas,
a princípio, pela negação de ter um filho com fissura, e por conseguinte da vida futura dessa
criança, que torna ser um fator preocupante para as mães.
Desse modo, compreender o aspecto psicológico materno em relação a dinâmica relacional
entre mãe e bebê com fissura é importante para ajudá-la a aceitar esse filho, mas sobretudo se
aceitar enquanto mãe de uma criança que necessitará desse afeto e cuidado para assim permitir
tanto a criança quanto a mãe um desenvolvimento saudável e de confiança, que se estenderá ao
longo de suas vidas.
Discussão
O período gestacional da mulher compreende uma fase da vida em que envolve muitas
questões emocionais que vão desde a ansiedade pelo qual perpassa esse período gravídico, a
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
preocupação durante o desenvolvimento intrauterino da criança e as expectativas que despertam
o imaginário materno sobre os traços e características físicas do bebê. Canavarro (2001 citado por
Andrade, 2015) acrescenta que o projeto de gravidez permite a mulher experienciar várias fases
adaptativas, que se traduzem em ensaiar cognitivamente papeis e tarefas maternas, ligar-se afetivamente
à criança, iniciar o processo de reestruturação de relações, incorporar a existência do filho na sua
identidade e, simultaneamente, aprender a aceitá-lo como pessoa única e com vida própria.
Andrade (2015) pontua ainda que esse é o período cuja futura mãe fantasia e reflete sobre
o seu novo papel, é o momento também onde os pais constroem a imagem que querem da
criança, sendo, saudável, perfeito e bonito, ou seja, cria-se a figura idealizada do filho. Contudo,
Oliveira e Poletto (2012) trazem uma questão sobre os padrões de beleza e perfeição valorizados
pela sociedade. Em meio a isso a presença de um filho com deficiência pode alterar a rotina
e o estilo de vida dos pais, que muitas vezes ao lidar com essa situação ocasiona ruptura na
relação mãe-bebê, mãe-pai, mãe-bebê-pai, sendo que nesse momento é preciso definir os pais,
a quem se responsabilizará pelos cuidados da criança, e se assumirão ou se serão omissos deste
acontecimento. (Oliveira & Poleto, 2012).
Ao que se refere a fissura labiopalatina, esta consiste em um tipo de malformação que
acomete estruturas da face durante o início fetal e embrionário da criança, o qual clinicamente
compreende por uma ruptura do lábio, palato ou ambos. (Silva, Rodrigues & Lauris, 2017). Ainda
conforme os autores, vários são os problemas que podem afetar no desenvolvimento do bebê,
os quais, além de estéticos, também estão suscetíveis a dificuldades funcionais e psicossociais.
Desse modo, Sassi (2013) toma nota que a partir do momento em que o filho idealizado nasce
com algum tipo de malformação, assiste-se dolorosamente, a um rigoroso desafio para os pais,
assim como uma ameaça às suas crenças e expectativas sobre o bebê. O que dizer a respeito disso,
segundo Silva et al. (2017 citado por Gomes & Piccinini, 2010) é que muitos pais ao receberem a
notícia vivenciam imediatamente um choque emocional, propiciando a instalação de uma crise
com a qual lidarão de acordo com seus recursos emocionais e experiências prévias.
Com base nisso, pode-se dizer que é normal uma mãe ao receber o diagnóstico do filho com
algum tipo de deficiência ou malformação ter reações de negação, seguidas de medo, angústia
e frustração, por exemplo. Sobre esse momento, Macedo (2016) comenta acerca do diagnóstico
pré-natal de fissura labiopalatina, na qual por meio do exame de rotina, a ultrassonografia,
permite verificar o desenvolvimento do feto em seu processo de formação, e quando confirmada
a anomalia congênita do bebê, Gomes e Picinini (2007 citado por Macedo, 2016) defendem a
necessidade do acolhimento dos profissionais envolvidos, e especificamente, os responsáveis pelo
exame ultrassonográfico a estarem preparados a favorecer um ambiente de qualidade técnica e
emocional à gestante.
O sentimento de insegurança é evidenciado em maior grau pela mãe, já que dela parte a
responsabilidade dos cuidados necessários à saúde e a sobrevivência do bebê. (Silva et al. 2017
citado por Rocker et al. 2012). Esse fator desencadeia sintomas ansiosos devido o impacto causado
pela anatomia facial da criança, bem como a estrutura funcional oronasal, que de todo modo
exigem conhecimentos sobre os cuidados que se devem ter em relação a alimentação do bebê,
seguido do tratamento para reabilitação, e posteriormente sobre a sociabilidade dessa criança.
Desse modo, vários são os processos pelo qual essa mãe terá de passar, e por isso o amparo
familiar e acompanhamento profissional fazem-se necessário, uma vez que, como mencionado
pelos autores supracitados, os problemas de ordem emocional vivenciados por ela, são fatores
de risco na interação entre ela e o filho, podendo influenciar significativamente na maneira como
recebe e cuida dessa criança.
Conforme Barros (2006 citado por Andrade, 2015) após o diagnóstico um dos primeiros
trabalhos é fazer o luto do bebê idealizado, ou seja, a mãe irá significar essa perda simbólica para
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ter passado pelo processo de luto e subsequente processo de resiliência, com ajuda familiar e
profissional, possibilita reintegrar-se emocionalmente e conseguir gradativamente chegar-se ao
equilíbrio e a reorganização em que se atenuam a ansiedade e suas intensas reações emocionais,
visto que à medida que vai se construindo o entendimento da condição da criança com fissura, da
possibilidade de reabilitação, o vínculo maternal é restabelecido, e a tomada de consciência desse
processo constitui um passo significativo para a mãe que a partir desse momento ressignifica suas
expectativas em relação ao bebê, agora frente ao tratamento que se estende em longo prazo, bem
como a qualidade de vida futura do mesmo.
Referências
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286 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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DA COLONIZAÇÃO DO MUNDO DA VIDA ÀS DISPUTAS
DOS SIGNOS IDEOLÓGICOS: UMA ANÁLISE
INTERSUBJETIVA DO CUIDADO
Pedro Renan Santos De Oliveira
Camila Chaves Ferreira
Aluísio Ferreira de Lima
Introdução
G
rande atualizador da denominada Escola de Frankfurt, Jürgen Habermas é
reconhecido como o teórico que realizou uma virada epistemológica, um “giro
linguístico”, na tradição de pesquisas do vasto campo de investigações que compõem
a Teoria Crítica alemã. Em outra perspectiva teórica, mas com o mesmo campo da linguagem
como pano de fundo, Mikhail Bakhtin é conhecido por ter construído uma teoria que se propunha
a compreender os processos dialógicos presentes nas obras literárias russas. De imediato, esses
autores não estão ligados a um projeto comum, mas, na tese de doutorado desenvolvida pelo
primeiro autor deste artigo, há a hipótese de uma possível construção de pontes entre a proposta
reconstrutiva racional habermasiana, baseada nos processos de linguagem livres de coerção, e a
perspectiva bakhtiniana de compreensão da linguagem como expressão dos signos ideológicos.
A construção desta interlocução se deu pela aposta da compreensão dos processos de
linguagem, no que se refere ao cuidado em saúde, como um fenômeno constituído por disputas
sígnicas e, ao mesmo tempo, atravessado pela colonização do mundo da vida por meio da
sobreposição da racionalidade instrumental à racionalidade comunicativa dialógica.
Nesse sentido, este manuscrito, então, recorta um fragmento teórico da tese citada e se
debruça sobre a compreensão do cuidado como signo ideológico expressivo da colonização do
mundo da vida, para evidenciar as ferramentas das teorias citadas como, em uma só medida, crítica
dos processos de linguagem que impõem determinados formas de vida, mas também apontam
direções de superação, por meio do dialogismo e das intricadas relações sociais que produzem
os circuitos linguísticos de cuidado. O objetivo deste texto é, portanto, ensaiar uma análise do
cuidado sob uma ótica sociolinguística, de inspiração dialógica bakhtiniana, e reconstrutiva, de
inspiração crítica e pragmática habermasiana.
Desenvolvimento
Um pequeno passeio pela teoria crítica habermasiana para compreensão do cuidado como
operador de colonizações do mundo da vida
Na Teoria da Ação Comunicativa desenvolvida por Habermas (2012a, 2012b), dois conceitos
aparecem como essenciais, são eles: o “Mundo da Vida” e a “Lógica Sistêmica/Racionalidade
Entendemos racionalidade como uma disposição de sujeitos capazes de falar e agir. Ela se
exterioriza nos modos de comportamento para os quais, a cada caso, substituem boas razões.
Isso significa que as exteriorizações racionais são acessíveis a um julgamento objetivo – o que
vale para todas as exteriorizações simbólicas que estejam ligadas ao menos implicitamente
a pretensões de validade (ou a pretensões que mantenham uma relação interna com uma
pretensão de validade passível de crítica). Toda checagem explícita de pretensões de validade
controversas demanda uma forma ambiciosa e precisa de comunicação que cumpra os
pressupostos de argumentação (Habermas, 2012a, p. 56).
A argumentação, forma social de ação pela fala, para Habermas é fundamental para a
construção de uma esfera comunicativa, radicalizando, assim, a produção das normatividades
para as relações sociais e para os acordos mediados pela linguagem. Por outro lado, para Habermas
(2012a) – é fundamental o realce –, em um processo de comunicação, que tem por base os atos
de fala, existem três critérios de alcance universal pelos quais as pretensões de validade podem ser
confrontadas. Esse modelo teórico em que se ancoram as pretensões de validade é consonante
a sua divisão do mundo em três esferas: subjetiva, social (normativa) e objetiva. São elas, as
pretensões, conforme Habermas (2012a):
A primeira, a veracidade da afirmação, que diz respeito à validade argumentativa para com o
mundo objetivo, mundo das instituições e dos fatos sociais, entendido como a totalidade dos fatos
cuja existência pode ser verificada. O que se quer aqui é que o teor preposicional seja realmente
cumprido; A segunda é a correção normativa, que diz respeito à possibilidade de produção de
correções argumentativas nas normas em vigências no mundo social, mundo normativo das
regras, mundo da soma das relações sociais dos atores, entendido como a totalidade das relações
interpessoais que são legitimamente reguladas. O que se quer é que o contexto normativo seja
legítimo; E a terceira pretensão é a autenticidade e a sinceridade ou verdade, que diz respeito à
pretensão de validade do mundo subjetivo, mundo das experiências do falante, em que a prática
argumentativa anuncia e age em coerência com o estado subjetivo do locutor em relação aos seus
interlocutores. É querido que o que o falante expressa seja correspondente ao que ele pensa.
Nas proposições de Habermas, queremos dizer mais claramente, há uma dependência das
possibilidades de entendimento mútuo em relação ao universo acumulado de conhecimento
daquele grupo social de falantes que compõe o arsenal compreensivo. Ou, dizendo de outra forma:
aquilo que o falante quer dizer com seu pronunciamento, depende do conhecimento acumulado
e realiza-se sob o pano de fundo de um consenso cultural anterior, e aí está o Mundo da Vida,
categoria central para a produção das condições de possibilidades do agir comunicativo.
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Se a sociedade é, em conceito, um complexo estabilizado de grupos socialmente integrados,
e composto pelo Mundo da Vida e pelo Sistema, a modernização é marcada pela imposição de
um processo que Habermas denominou de colonização do mundo da vida. Essa colonização, por
sua vez, é orientada pelos sistemas e seus subsistemas econômicos e políticos, aqueles que são
orientados por fins expressos por meio do dinheiro e do poder (Habermas, 2012b). Por outro
lado, a sociedade não é um sistema autorregulado, cujas estruturas, quase de que de modo
autopoiético, equilibram-se através de padrões. Ao contrário, os usos das teorias das ações em
Habermas em relação à teoria do sistema diferem, tal como diferem a coordenação da ação pela
comunicação linguística (onde há mútuo entendimento) em relação à ação movida por dinheiro
e poder, que demandam cálculo, influência estratégica, ou que têm finalidade empírica, sem
necessidade de diálogo ou quaisquer esferas participativas coletivas.
Aos processos de reificação produzidos pelo sistema econômico e político, Habermas
(2012b) deu o nome de colonização do Mundo da Vida. A colonização é conceito que diagnostica a
era moderna e as relações sociais dela decorrentes, apontando seus efeitos dentro de um conjunto
de patologias sociais que atinge as sociedades capitalistas contemporâneas, em especial os países
centrais do capitalismo. O autor aponta que é efeito da colonização a imposição de formas de
vida ligadas ao consumismo e ao individualismo, assim como quando os estilos de vida passam a
ser entendimento em uma perspectiva utilitarista. Indica também que o acelerado esvaziamento
participativo dos sujeitos nas decisões políticas é reflexo do alto grau de burocratização do Estado
e do distanciamento da esfera do entendimento. É sim, reflexo da sobreposição dos interesses
particulares de grupos que administram o Estado e manipulam interesses dos grupos sociais.
A suposição do autor (Habermas 2012a, 2012b) é de que apenas a racionalidade comunicativa
se orienta por mediações linguísticas, de modo que a racionalidade cognitiva-instrumental se
opera por meios não linguísticos (dinheiro e poder). Crítico de Habermas, Luiz Moreira (2004)
aponta que a organização de falas livres de coerções tem sido mais idealizada que pensada de
forma empírica. Além disso, apontamos que em outra perspectiva teórica, notadamente com
influência da semiótica, é possível pensar as relações sistêmicas como linguísticas, ou melhor,
como sígnicas.
É sob a ótica dessa questão que apontamos como promissora a interface entre a discussão
da virada linguística, presente na teoria social de Habermas, e os estudos realizados por Bakhtin.
Para este e seu círculo intelectual, é possível pensar nas configurações psicossociológicas ou
histórico-culturais que produzem o arsenal sígnico e ideológico da linguagem e como se operam
os seus usos. Sobre isso, traçaremos, a seguir, alguns breves apontamentos.
A perspectiva dialógica presente em Bakhtin: do signo ideológico às disputas sígnicas nos circuitos
de linguagem
É, então, na relação entre linguagem e sociedade, produzida por signos ideológicos, que
se pode entender em que medida a linguagem determina a consciência e, por isso, a atividade
mental, e em que medida a ideologia determina a linguagem. Conforme aponta Beth Brait (2005),
o giro necessário, nessa perspectiva teórica, é o interesse pela natureza social dos fatos linguísticos,
que são apropriados, invariavelmente, pela cultura, embora de modos diferentes em grupos e
momentos históricos distintos.
A palavra, inclusive, por sua característica de ubiquidade social, tem papel relevante na
dinâmica dos signos ideológicos. A realidade comunicacional, se ideológica, é realidade semiótica
para Bakhtin, uma vez que é constituída por elementos comunicativos e simbólicos na linguagem,
e, portanto, ideológicos. No entrelaçado do aspecto semiótico e da realidade comunicacional a
palavra tem papel fundamental como se vê no trecho que segue:
A palavra é o fenômeno ideológico por excelência. A realidade toda da palavra é absorvida por sua
função de signo. A palavra não comporta nada que não esteja ligado a essa função, nada
que não tenha sido gerado por ela. A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social
(Bakhtin, 2011, p. 36, grifo nosso).
Bakhtin ainda complementa afirmando que a palavra opera, em nível de atividade mental,
como instrumento da consciência. Bakhtin aponta que é devido a esse papel excepcional, de
instrumento da consciência, que a palavra funciona como elemento essencial que acompanha
toda criação ideológica, seja ela qual for. A palavra, embora não suplante todo signo ideológico,
acompanha e comenta – mesmo que seja com fala interior nos sujeitos – todo ato ideológico, que
pode se manifestar em uma fotografia, música, ritual, ou mesmo no comportamento humano.
O que queremos destacar, dentre todas as possibilidades de conceitos a serem trabalhados,
é a ideia de que os conceitos de signo ideológico, palavra e enunciado concreto são as bases que
para compreender o campo da linguagem como sendo também um campo de disputa social,
cultural e ideológica, e não o lugar-horizonte donde é possível inferir um hipotético modo não
coercitivo de racionalizar comunicativamente. Ora, se a linguagem funciona diferentemente
para diferentes grupos, na medida em que diferentes materiais ideológicos, configurados
discursivamente, participam de um julgamento de uma dada situação, o signo e a situação social
estão indissoluvelmente ligados. Isso porque, como já apontado, todo signo é ideológico. Assim,
“os sistemas semióticos servem para exprimir a ideologia e são, portanto, modelados por ela”
(Bakhtin, 2014, p. 17).
Em Bakhtin, o dialogismo é compreendido como conceito que permite examinar a presença
de outros discursos no interior do discurso. Assim, podemos destacar pelo menos duas concepções
de dialogismo presentes em seus escritos: uma que está associada ao diálogo entre interlocutores,
e que, portanto, exige presença física e se concentra na diversidade de vozes, línguas e tipos
discursivos, e outra que se refere ao diálogo entre discursos. Conforme é dito:
O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é
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verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra
“diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de
pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja
(Bakhtin, 2014, p.127).
Já no que diz respeito à polifonia, traçamos uma distinção que reside em apontar que,
embora todo discurso seja composto por outros discursos, a heterogeneidade discursiva nem
sempre se estabelece de forma marcada. Um discurso pode se apresentar como homogêneo,
único, não deixando ser possível identificar em seu interior a presença de outras vozes. Nos escritos
bakhtinianos, dentro dessa distinção, polifonia pode ser então compreendida como o dialogismo
que se deixa ver, entrever, perceber.
Uma possível crítica a Habermas para construção de uma teoria social dos sistemas e o dialogismo
bakhtiniano como potencializador da reconstrução
Em Bakhtin, a linguagem sempre está sendo construída e recriada a cada momento pelos
falantes, pois é o produto social e histórico de um processo vivo, em constante mutação, que se
desenvolve na interação comunicativa. A linguagem, para Bakhtin, expressando em uma assertiva
negativa: não é um objeto pronto e finalizado e, principalmente, não existe por si mesma. O que
se evidencia é que a realidade é construída também por sistemas semióticos, nessa perspectiva
teórica, sistemas que rompem com o objetivismo abstrato e o subjetivismo individualista. E
enquanto tais, serviriam para exprimir a ideologia e são, dialeticamente, portanto, modelados
por ela (Bakhtin, 2014).
Apreender as realidades como semióticas e apontar que somente o horizonte das tradições
e o Mundo da Vida operam linguagens, é uma concepção incompatível com a teoria bakhtiniana.
Isso porque Bakhtin aponta a realidade global como uma produção semiótica, atravessada pelos
signos ideológicos e, ainda que os autores não dialoguem sobre isso, tal concepção, tem efeito
sobre a teoria social habermasiana, na medida em que, nela, os sistemas político e econômico
também não seriam parte de uma realidade linguística. Em outras palavras, os sistemas são meios
linguísticos porque se orientam por relações sígnicas, e produzem, inclusive, índice de valores,
conjunto de objetos e ideologias que são dadas como mais valorosas. Isso porque expressam
produtos ideológicos que são frutos das dinâmicas sociais e, ao mesmo tempo, reflexos e
refratárias das divisões sociais do trabalho, além de atravessar as relações inter-humanas. Uma
vez que os sistemas são produzidos pelos próprios homens, estão imersos nas relações que são
marcadamente humanas.
Seguindo esta analogia teórica, apontamos que, em alguns momentos, os sistemas operam
como uma linguagem (quase) monológica. Isso porque para Bakhtin é condição da linguagem
humana a dialogia, já que está na alteridade a possibilidade de definição do humano, e está na
interação com e pelo outro a condição da linguagem, e na produção sígnica se produz sentido
para si e para o outro, inseparavelmente. Assim, a situação efetivamente monológica seria apenas
teórica. Isso implica pensar que dialogia é condição de interatividade pela presença do outro; e o
oposto da dialogia é a retirada (e/ou não reconhecimento) do outro na condição de interação: os
sistemas parecem anular, na imposição da orientação aos fins, um modo de funcionar, acoplado
à racionalidade instrumental não um modo deslinguistificado de relação, mas monológico, sem
interação entre sujeitos.
Apontamos também, nos valendo do uso mesclado desses conceitos na obra de Bakhtin,
que os sistemas operam homofonicamente. Isto é, se a situação social é o horizonte de conflitos
de classes, e a produção sígnica obedece a essa disputa, as vozes que habitarão os interesses de
Como é possível observar, mais que palavra, signo é materialidade e subjetividade. Aí reside
o ponto fundamental da nossa consideração: esse signo, instância intersubjetiva, parece estar,
hoje, à disposição de um conjunto de outras práticas que nada têm a ver com o agir voltado
à promoção ou ao reparo da saúde do outro para, por meio de técnicas e ciências, ajudá-lo a
melhor viver, a menos sofrer.
Depois, o cuidado como prática de saúde tem estado intimamente ligado, sobretudo pela
expressão do desenvolvimento do saber biomédico, aos modos de controle de natalidade, de
ordenamento social, de higienização social, revestido de discursos humanizadores e preocupados
com as vidas das populações. Já apontamos, anteriormente que as práticas de saúde estão
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imbricadas, por meio de seu desenvolvimento tecnológico, ao modo de produção capitalista. E
destacamos: é possível perceber os efeitos das racionalidades sistêmicas na gestão e assistência à
saúde desde a divisão do trabalho (com alta especialização e atrelamento de valor monetário a
essa divisão), até mesmo nos modelos de atenção voltados para a doença e distantes dos sentidos
do adoecimento elaborados pelos sujeitos.
Um dos exemplos dos signos que compõem os espaços de saúde é a doença e o doente. A
doença se transformou, na leitura da racionalidade biomédica hegemônica – derivada técnico-
científica da razão instrumental assinalada por Habermas –, em categoria social que expressa
a necessidade de controle do doente. Temos, assim, que a doença como categoria sociológica
é o disparador sígnico que permite que o usuário do serviço seja reduzido à patologia, pois a
partir dela se universaliza um sujeito abstrato do qual a patologia possa ser deduzida e assim
generalizada: o doente vira sujeito universal e abstrato passível de intervenções de cuidado que
devem ser técnicas-instrumentais. Não é uma pessoa “usadora” do serviço, em sua singularidade,
que se encontra em situação de sofrimento: é a patologia que cria o doente que dá as condições
para a aparição da doença. Assim, produzimos práticas que visam cuidar de um sujeito universal
e abstrato, portanto significa-se o cuidado, na lógica hegemônica biomédica, como intervenção
deficitária de sentido singular.
As consequências do ponto acima são ainda mais visíveis ao pensar que as parametrizações
técnicas em saúde são, elas mesmas, contemporaneamente, os fins de uma “boa saúde”. Numa
outra leitura da crítica à razão instrumental, essa questão alerta para o fato de que taxas, índices
e parâmetros não são mais meios pelos quais se alcançam algo: mas os fins em si mesmo. O
“cuidado”, que em sua palavra parece indicar modos de fazer algo, vira ele mesmo o fim da ação
em saúde. O cuidado instrumentalizado, que poderia ser mediador de construção de modos de
viver a vida, passa a ser o signo pelo qual se representa formas de vida previamente parametrizadas
pelo saber biomédico. Cuidar parece a medida para prescrever como se deve ser, sentir, agir, pensar.
Conclusão
A música composta por Cazuza expressa, em poesia, uma das diversas possíveis sínteses de
significação das relações contemporâneas da saúde: se o cuidado, em algum momento histórico,
estava associado à construção de modos potenciais de vida, agora passa a ser controle de
determinados comportamentos que seriam sinônimos de risco. Esse apontamento nos dá indícios
de que a compreensão sígnica (intersubjetiva) do cuidado ajuda a elaborar críticas aos modos
práticos em que hoje se “administra” o sofrimento das condições de vida. A colagem ideológica
parece estar na disputa dos modelos de organização social em que cuidado e saúde, então, passam
a não mais pertencer à esfera individual, pessoal, íntima, mas ao ordenamento de formas de
vida. Nesse sentido, indicamos que o cuidado está em disputa não só em suas práticas enquanto
técnicas, mas nos processos ideológicos dos modelos de sociedade, e, especialmente por ter poder
de ubiquidade social, esse signo produz o atrelamento entre formas de vida e tecnificação do agir
em saúde.
Os sujeitos são homogeneizados quando são reduzidas suas vozes, como numa homofonia,
tal qual sugere a leitura bakhtiniana; e quando são retirados das técnicas, por meio da colonização
do Mundo da vida, como nos propõe a leitura habermasiana. Assim, apontamos que, enfim,
nessa dinâmica ideológica operada nas relações de linguagem, como ao exemplo do cuidado,
é produzido o conjunto semiótico que auxilia mais na homogeneização dos sujeitos que na
Referências
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Bakhtin, M. (2011). Estética da criação verbal. 6ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.
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Moreira, L. (Org.) (2004). Com Habermas, contra Habermas: direito, discurso e democracia. São Paulo:
Landy.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EIXO TEMÁTICO
ÉTICA E BIOÉTICA
O PSICÓLOGO E A UTILIZAÇÃO DE ANIMAIS COMO
COBAIAS PARA SEUS EXPERIMENTOS
Sarah Caroline Albuquerque Ferraz Santos
Introdução
É
tica, em um sentido geral, são os princípios que regem os comportamentos da
interação social; e a moral é a prática desses princípios. Há uma ética que rege as
relações matrimoniais, paternais, fraternais, etc. Esses princípios são construídos
socialmente por meio da cultura e estabelecidos através da lei. Os estudos científicos e o Estado
também exercem força sobre. De acordo com o Código de Ética do Profissional do Psicólogo, a
ética exerce um papel muito importante nas relações sociais, pois preza pela melhoria da conduta
das interações interpessoais.
Toda profissão se define a partir de um corpo de práticas que busca atender demandas
sociais, norteado por elevados padrões técnicos e pela existência de normas éticas que
garantam a adequada relação de cada profissional com seus pares e com a sociedade como
um todo (Conselho Federal de Psicologia, 2005, p.5).
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os métodos que serão utilizados. Essa escolha é pessoal, pois há a opção de qual procedimento
se apropriar.
Em pesquisas realizadas por cientistas do Reino Unido, Canadá e Estados Unidos para
revista Nature, estes relataram estudos sobre a composição genética dos ratos, declararam que
o rato possui composição genética e comportamentos muitos idênticos ao nosso, e muitos
sintomas humanos podem ser aplicados aos roedores, o que viabiliza, interessa e instiga pesquisas
com estes (Koop & Hood, 1994). De acordo com a Phychology Today (2017), “O estudo do
comportamento animal é uma pedra angular da psicologia experimental, nos possibilitando
compreender emoções humanas complexas” (p.1), sustentando a visão de que animais são
modelos de cognição e comportamento humano. Nesses experimentos, os animais são
submetidos a experiências de visão, audição, dor, fome, medo, estresse e agressividade para obter
um modelo de animal de depressão, ansiedade, estresse pós-traumático, autismo, alcoolismo,
etc. Através de condicionamentos comportamentais, esses modelos são preparados para realizar
a aplicabilidade aos seres humanos. A Psicologia Experimental do Comportamento é base da
Psicologia Comportamental, pois uma constitui a outra. Portanto, segundo Snowdon (1999), a
Psicologia Comportamental, originada por Watson, teve seus estudos a partir da pesquisa animal,
observando o comportamento de gaivotas. Jean Piaget também iniciou suas pesquisas estudando
caramujos, assim como os trabalhos de Darwin sobre as expressões emocionais dos animais,
de Harlow, com o estudo sobre o desenvolvimento social em macacos Rhesus, tendo influências
muito importantes sobre diversos estudos, pesquisas e psicólogos posteriormente.
Os valores pessoais são construídos ao longo da vida do ser humano. O homem, ao vir ao
mundo, já está imerso na cultura. Com isso, vem perdendo seu instinto e adquirindo valores,
crenças, ideologias, percepções e sua identidade, sendo assim pulsionado. O primeiro modelo de
identificação do homem ocorre no seu primeiro grupo social, que é a família ou cuidadores, onde
lhe é ensinado como se portar mediante certas situações, bem como tradições e cultura (Ciampa,
1984). Um ser tem grande influência para com o outro, pois o homem é formado a partir do seu
semelhante. Quando se escolhe uma carreira profissional, um carro ou até uma comida específica,
a pessoa está fazendo jus às suas convicções. Ao narrar sobre a prática profissional, também é
necessário abordar a influência dos valores pessoais daquele profissional no seu exercício diário,
partindo do pressuposto de que os valores pessoais deste o levou aquela. Este artigo tem o
objetivo de fazer um leve apanhado sobre a utilização do sistema de crenças subjetivo do ser no
seu ambiente profissional. Qual a relação desse indivíduo, antes de ter a identidade de psicólogo,
Metodologia
A metodologia utilizada neste trabalho será uma pesquisa de bibliográfica por meio de sites,
pesquisas, livros, artigos acadêmicos, reportagens com o objetivo de fornecer informações de
variadas fontes. Após a leitura, é possível a interpretação da informação passada, a fim de um
conhecimento biopsicossocial e histórico maior sobre a utilização de animais não-humanos em
experimentos na área da psicologia.
Resultados
A maneira como os animais não-humanos são tratados não está de todo em desconformidade
com a Lei. Direitos não são sinônimo de igualdade, pois, assim como o homem e a mulher são
biologicamente diferentes, não anula a necessidade dos direitos igualitários. Os animais não-
humanos também fazem parte da comunidade terrestre e obtêm a vida da mesma forma que
os seres humanos. A sociedade tem aumentado a atenção em relação ao bem-estar dos animais
na criação de pesquisas e exposições em relação a estes. Há diversas leis que protegem a fauna.
Todo ser vivo precisa de direitos respeitados por Lei em prol de sua sobrevivência. A ciência da
bioética tem a função de orientar os estudos que estão sendo realizados para um aprimoramento
dos estudos referentes a vida (Möller, 2007). O artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos
Humanos assim preconiza: “Todos são iguais perante a lei e, sem qualquer discriminação, têm
direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação
que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”. (Organização
Das Nações Unidas, 1948, p.3).
Nota-se, portanto, que a Declaração Universal dos Direitos dos Animais preza pela vida
destes, consistindo em artigos em que todos os animais têm o mesmo direito à vida e à proteção
do homem, que estes não devem ser maltratados e utilizados em experiências que lhe causem dor.
Atos que põem em risco a vida do animal são considerados crimes contra a vida. Esses direitos
dos animais são, inclusive, protegidos por lei, a exemplo da Lei nº 11.794 (2008), que, no art. 5º
declara, que compete ao Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA)
formular e zelar pelo cumprimento das normas relativas à utilização humanitária de animais com
objetivo de ensino e pesquisa científica.
No Brasil, existe uma lei especifica que disciplina o uso científico de animais, que é a lei 11.794
(2008), regulamentando o inciso VII, § 1º, do art. 225 da Constituição (1988) e estabelecendo
procedimentos para uso científico de animais, em que veda a utilização de práticas nocivas
contra a fauna e a da submissão de animais à crueldade. E a Lei nº 9.605 (1998) dispõe acerca
das sanções penais e administrativas para condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, entre
outras providências.
Além dessas, há outras leis que regulamentam o uso desses experimentos. Leis para proteção
animal vieram surgir no ano de 1934 com o Estado Novo, no Decreto 22.645, e a primeira entidade
protetora aos animais foi a União Internacional Protetora dos Animais (UIPA), criada no início do
século XX, pelo político Ignácio Wallace da Gama Cochrane. Em 1941, o Decreto-Lei 3.688 (1941)
(Lei das Contravenções Penais), em seu artigo 64, parágrafo único, proibiu, expressamente, a
realização de experimentos com animais. Entretanto, não era regulamentada, o que se deu após a
promulgação da Lei 6.638 (1979), que veio a estabelecer normas para a prática da vivissecção. O
art. 3º da nova lei regulamenta esses experimentos:
298 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Art. 3º – A vivissecção não será permitida:
I – sem o emprego de anestesia;
II – em centros de pesquisas e estudos não registrados em órgãos competentes;
III – sem a supervisão de técnico especializado;
IV – com animais que não tenham permanecido mais de 15 dias em biotérios legalmente
autorizados;
V – em estabelecimentos de ensino de primeiro e segundo graus e em quaisquer locais
freqüentados por menores de idade. (Organização das Nações Unidas, 1978, p.2).
A Lei 9.605 (1998) (lei de crimes ambientais) passou a considerar a vivissecção crime na
seguinte hipótese:
Art. 32 – Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos
ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena: detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo,
ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos;
§ 2º – a pena será aumentada de um sexto a um terço, se ocorre a morte do animal. (Dias,
2005, p.2).
Assim como a maioria dos seres humanos é especista por se dispor a causar dor aos animais
por motivos pelos quais não causaria dor similar a seres humanos, a maioria é especista,
também, por se dispor a matar um animal nas mesmas circunstâncias em que se negaria
matar um ser humano. (Singer, 2010, p.26).
Discussões
Referências
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movimento (pp. 58-75), São Paulo: Brasiliense.
Conselho Federal de Psicologia. (2005). Código de ética profissional do psicólogo. Brasília, DF: CFP.
Koop, B. F., & Hood, L. (1994). Striking sequence similarity over almost 100 kilobases of human
and mouse T–cell receptor DNA. Nature Genetics, 7, 48-53.
300 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
animais; revoga a Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras providências. Diário Oficial da
União, seção 1.
Lei n. 6.638, de 8 de maio de 1979. (1979, 10 de maio). Estabelece normas para a prática didático-
científica da vivissecção de animais e determina outras providências. Diário Oficial da União, seção
1.
Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. (1998, 13 de fevereiro). Dispõe sobre as sanções penais
e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, seção 1.
Levai, LF. (2011). O direito à escusa de consciência na experimentação animal ver rastrear. Recuperado
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Organização das Nações Unidas. (1978). Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Bruxelas.
Recuperado de http://www.apasfa.org/leis/declaracao.shtml.
Paixão, R. L. (2001). Experimentação animal: razões e emoções para uma ética. Tese de doutorado,
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.
Phychology Today. (2017). Animal behavior: the world of animals. Recuperado de https://www.
psychologytoday.com/basics/animal-behavior.
Introdução
C
ompreendendo o cotidiano laboral atual, percebemos que cada vez mais empresas
recorrem aos serviços de recrutamento e seleção, desta forma, a Psicologia está
sendo convocada a ocupar esse lugar tão melindroso. Nesse sentido, nosso objetivo
é apresentar pontualmente aspectos relacionados à temática de recrutamento e seleção e sua
correlação frente ao Código de Ética referente à atuação do profissional de psicologia.
A metodologia empregada consistiu na busca por artigos que tratavam da temática
de recrutamento e seleção e na procura por resoluções e normativas do Conselho Federal de
Psicologia (CFP) em que os temas fossem citados, possibilitando assim um referencial teórico que
permita alcançar o objetivo proposto com tal trabalho.
O processo de seleção inicia-se durante a Primeira Guerra Mundial, em 1920, onde os
Estados Unidos da América utilizavam testes para selecionar os oficiais para seu exército. A partir
de então começa a se popularizar a ideia do homem certo para o lugar certo (Silva, 2002).
É a partir da Revolução Industrial, que a noção de recrutamento e seleção se solidifica no
contexto laboral, é necessário que haja algo que selecione quem está apto ou não para determinada
vaga. O advento do Capitalismo prega que produzir em larga escala é necessário, assim é preciso
selecionar e separar quem tem habilidades e quem não tem, quem domina tal atividade e quem
não possui um bom rendimento.
Com a fragmentação do trabalho proposto pela lógica do capitalismo, o trabalho passa a
ser especializado e determinado pelas especificidades, pautado na distribuição dos segmentos
operacionais, convocando algo a atrair, classificar e selecionar mão de obra qualificada. Assim,
surge no século XX, os Recursos Humanos, que se configura como uma área nova que atende a
esses interesses, Alves (2005, s/p), em estudos publicados nos apresenta que
Seu primeiro nome foi Relações Industriais devido as relações, empregador versus empregado
e, de lá pra cá, foi sendo uma atividade mediadora entre as organizações e as pessoas com
o objetivo de reduzir os conflitos existentes entre os objetivos organizacionais e os objetivos
individuais, crescendo e agregando e si uma série de desafios e responsabilidades que antes
não se supunha existir.
302 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
pessoas que se interessam ou possuem experiência em determinada área. “Recrutamento é uma
atividade de divulgação, de chamada, de atenção, de incremento da entrada, portanto, uma
atividade positiva e convidativa. O objetivo básico do recrutamento é abastecer o processo seletivo
de sua matéria-prima básica: os candidatos” (Silva, 2002, p. 08).
Assim, podemos considerar a seleção com o processo que filtra todo o contingente que se
mobiliza com o recrutamento, é onde o mais apto é escolhido, onde é priorizado o que a empresa
espera de um futuro colaborador, é o espaço de se obter informações sobre o candidato, é o
momento de selecionar os melhores. Silva (2002, p. 08) define seleção como atividade de “...
escolha, de opção e decisão de filtragem da entrada, de classificação e, portanto, restritiva. O
objetivo da seleção é a de escolher, entre os candidatos recrutados aqueles que tenham maiores
probabilidades de ajustar-se ao cargo vago e desempenhá-lo bem.”
A importância deste trabalho, reside pontualmente em questionamentos referentes às
práticas do psicólogo direcionadas a serviços de recrutamento e seleção, assim, analisaremos
a posição do CFP, frente a postura do selecionador psicólogo, de acordo com documentos
postulados por tal órgão.
Desenvolvimento
304 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
inerentes a esse setor, tal como: recrutamento e seleção de funcionários, admissão e negociação
com os mesmos, no que s e refere a sua remuneração, cargo a ser exercido dentro do local de
trabalho. Sendo também o responsável pela definição de toda comunicação ao que se refere aos
funcionários da organização.
São os profissionais do RH os encarregados por gerenciar os planos de carreira, traçar perfis,
avaliam propostas salariais e os benefícios, a necessidade de contratação de novos contribuintes.
Sistematizando todo um esquema organizacional para a instituição empresarial. Esses profissionais
lidam direta ou indiretamente com as pessoas, empregados ou possíveis funcionários, sendo
importante assim terem mínimo de conhecimento em relação ao comportamento humano.
Tornando assim um ambiente propício para a atuação do psicólogo.
Em suas atividades na área de Recursos Humanos, frequentemente, o psicólogo deve
estar com a percepção e a escuta mais sensível, tendo sempre um olhar atento e diferenciado
dos demais, fazendo dessas habilidades, recursos para maior satisfação no desempenho de sua
atuação nessa área. O psicólogo que desempenha um trabalho com êxito, agrega sua sensibilidade
as demais competências impostas a profissionais da área de Recursos Humanos. Prevendo assim
necessidades e modificando seu trabalho, gerando resultados palpáveis para as organizações.
(Mion, 2007)
Há uma preconcepção que o psicólogo em Recursos Humanos trabalha apenas com
Recrutamento e Seleção. Isso normalmente acontece pelo fato do profissional ter pouca teoria
sobre como atuar nas organizações, sendo uma das áreas que é melhor remunerada e que mais
oferece estágios a estudantes e profissionais de psicologia. Outro fator agravante é a existência
de uma grande diferença entre o que se aprende e os desafios enfrentados dentro das empresas.
(Mion, 2007)
Ainda que existam outras atribuições ao psicólogo dentro dá área de Recursos Humanos,
a que prevalece está em recrutamento, treinamento e avaliação, não existindo transgressões nesse
encargo. Porém, o que deve preponderar é que o psicólogo não perca seu foco no que tange as
pessoas.
Para atuar na área de Recursos Humanos, recrutar e selecionar, não é obrigatório ser um
profissional da psicologia, porém, nossa profissão nos capacita e legítima esse direito. Entre as
atribuições e funções do psicólogo, o Decreto nº 53.464 de 1964 prevê no Art. 4º que o mesmo
deve utilizar métodos e técnicas psicológicas com o objetivo de: “a) diagnóstico psicológico; b)
orientação e seleção profissional; c) orientação psicopedagógica; d) solução de problemas de
ajustamento”.
Em relação a uma atuação ética no processo de recrutamento e seleção, primeiro, devemos
olhar para a categoria, seja psicólogo, administrador, assistente social ou pedagogo, sempre haverá
um código de ética diferente que regulamente a atuação de sua profissão. Logo, recorremos ao
Código de Ética do psicólogo, para fundamentarmos nossa discussão acerca de recrutamento e
seleção.
Ao indicar uma pessoa para empresa, o recrutador assume grande responsabilidade, fazendo-
se necessário que este processo ocorra de forma ética e transparente. As normas previstas no Art.
1º, alínea c, do Código de Ética do Psicólogo, indicam princípios básicos que devemos portar,
como: “Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas
à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente
fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional.” (CFP, 2005)
Neste sentindo ainda, independentemente do tipo de entrevista escolhido, dos testes ou
avaliações aplicadas, é de suma importância após o termino do processo seletivo, oferecer o
feedback aos candidatos. Este procedimento deve ocorrer em qualquer etapa do processo, como
prevê no Art. 1º, alínea g “Informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação de
serviços psicológicos, transmitindo somente o que for necessário para a tomada de decisões que
afetem o usuário ou beneficiário.” (CFP, 2005)
Outro aspecto relevante é que o psicólogo, precisa ser um profissional livre de preconceitos,
discriminações, rejeições e restrições, essencialmente enquanto atua em um processo de
recrutamento e seleção. O código de ética da profissão delimita o que é vedado ao psicólogo
no Art. 2º, na alínea a, ressalta que não se deve “praticar ou ser conivente com quaisquer atos
que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão”. É
essencial conduzir os processos de recrutamento e seleção, de forma neutra e imparcial.
Cabe ao psicólogo também, segundo o Art. 3º do código de ética: “ao ingressar, associar-se
ou permanecer em uma organização, considerará a missão, a filosofia, as políticas, as normas e as
práticas nela vigentes e sua compatibilidade com os princípios e regras deste Código”. O psicólogo
deve então, apreender da empresa a qual prestará serviços seu posicionamento no mercado, bem
como seus produtos, sua cultura, seus valores e princípios; sua missão, visão e objetivos e verificar
se isto está harmônico com o código que vigora sua profissão.
306 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Para nos portarmos de uma maneira ética, de acordo com o Manual de Psicologia
Organizacional (2007), é importante estar esclarecido que o exercício profissional do psicólogo
deverá pautar em condições teóricas, técnicas e éticas desejadas, e que o psicólogo deve buscar
permanentemente manter-se informado teórica e tecnicamente, por meio de leituras, cursos,
participação em eventos, contatos com profissionais da área, supervisão e outras fontes.
A resolução nº 013/2007 dispõe informações acerca do Psicólogo especialista em Psicologia
Organizacional e do Trabalho e enfatiza que este deverá desempenhar atividades relacionadas à
“... recrutamento, seleção, orientação e treinamento, análise de ocupações e profissiográficas e no
acompanhamento de avaliação de desempenho de pessoal, atuando em equipes multiprofissionais.
Utiliza métodos e técnicas da psicologia aplicada ao trabalho, como entrevistas, testes, provas,
dinâmicas de grupo, etc.” (CFP, 013/2007)
Não há resoluções especificas do Conselho Federal de Psicologia que condizem ao
funcionamento da autonomia e o exercício da profissão do psicólogo de recrutar e selecionar. A
resolução que dá a regulamentação dessas pratica é a de n.º 01/2002 que expõe sobre Avaliação
Psicológica.
O psicólogo que presta serviços de recrutamento e seleção precisa ter bem claro que as
atividades desenvolvidas, podem ser praticadas por profissionais oriundos de diversas áreas de
formação (Naguel, 2007). Torna-se necessário, ter o seu diferencial competitivo, colocando-se
em posição estratégica para ter acesso às informações relevantes da empresa no que se refere a
processos, propondo-se como um psicólogo investigador prático, e não como mero aplicador de
técnicas.
Psicologia e Administração
Nos últimos anos muitos psicólogos têm sofrido penalidades por trabalharem na atividade
de treinamento e seleção de pessoal por parte do Conselho Regional de Administração (CFA) que
autuou alguns psicólogos a se inscreverem no conselho regional por compreender que esta é a
uma condição indispensável para o exercício legal da profissão nesta área.
Os conselhos regionais de Administração em meados da década de 90 multaram psicólogos
alegando que estes exerciam atividades que são inerentes à profissão do administrador por isso, o
CFA através de resolução define a atuação de recursos humanos do psicólogo como exercício ilegal
da profissão. Em resposta o CFP por meio da resolução 008/1998 normatiza que o psicólogo que
exerce atribuições profissionais não está obrigado a se inscrever ou contribuir com o Conselho
Regional de Administração, e caso ocorra à autuação o CFP auxiliará com a orientação jurídica
necessária.
Por fim foi definido judicialmente que não há exclusividade da atividade de recrutamento e
seleção para os profissionais administradores, uma vez que a é Lei n° 4.119, 1962, em seu artigo
13, § 1ºconstitui.
Destarte, é importante salientar que ambos profissionais têm um papel importante para
o recrutamento e seleção, cada um contribui com os conhecimentos específicos de sua área,
portanto o trabalho de recrutamento e seleção deve ser multiprofissional com diferentes olhares
para o fenômeno. O psicólogo deve levar o diferencial da Psicologia buscando enxergar o sujeito
integralmente.
Conclusão
No decorrer do texto vimos que fora ampliado o espaço de atuação da psicologia conforme
as necessidades com o passar das décadas, demandas sociais e reconhecimento do profissional
da área. Compreende-se que em cada ambiente, havendo a presença do psicólogo, este colocará
a profissão em prática de acordo com o que lhe é exigido naquele âmbito, ou seja, é sabido sobre
a diferença de trabalho do psicólogo desde a clínica particular até o espaço escolar, por exemplo.
Portanto, a realidade da psicologia continuaria sendo distinta inclusive no campo do RH,
mais precisamente levando em consideração o recrutamento e seleção, como já foi ressaltado, o
local responsável pela contratação de novos trabalhadores.
Da forma que conhecemos o trabalho, a necessidade de exercer alguma função está e/ou
estará presente na vida da maioria dos indivíduos, devido o sistema no qual nos encontramos,
que nos direciona para a busca no mercado de trabalho, numa realidade onde há dificuldades
para sobreviver sem algum tipo de renda, seja ela conquistada de forma autônoma ou com
vínculo empregatício. Esse vínculo empregador-empregado, antes que seja concretizado haverá
um processo, processo este pelo qual muitos estão passíveis a se deparar, serem recrutados e
selecionados para uma determinada vaga.
O entendimento acerca de Recrutamento Seleção nos mostra o quanto é fundamental o
papel exercido por quem estará recrutando e selecionando pessoas para os cargos profissionais, é
notável a importância dessa função devido ao, cada vez mais, elevado número de candidatos para
determinada vaga, independente da função a ser preenchida no local de trabalho.
Os profissionais que vão desempenhar o papel de recrutador e selecionador, nas empresas,
por exemplo, terão que avaliar nos concorrentes à vaga critérios que condizem com aquilo que a
área de trabalho exige. O psicólogo, exercendo esse papel terá o aparato material utilizado apenas
pela psicologia, além de seu conhecimento enquanto psicólogo e também, a necessidade de seguir
possíveis ordens da empresa para com a futura contratação.
Cada indivíduo carrega suas particularidades quanto ao passado profissional e demais
referências curriculares, as distinções só aumentam dentro da grande concorrência, exigindo
competência no trabalho que será desempenhado ao selecionar os novos funcionários.
Quanto a produção científica na área do RH, Tonetto et al. (2008) nos diz que o número
de trabalhos que aprofundam de forma tradicional no tema de recrutamento e seleção tiveram
uma redução nas publicações. Isso revela que pontos importantes dentro da seleção de pessoas,
finalmente estão sendo valorização, principalmente quando se refere à promoção de qualidade.
Apoiado nas exigências de sua profissão, o psicólogo, enquanto recrutador e selecionador
deverá ser ético durante o delicado trabalho de selecionar o melhor candidato. Mas sabemos que
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
geralmente, não é apenas a ação do psicólogo, o currículo e as exigências apenas profissionais da
empresa que contribuem para a contratação, infelizmente há casos que fogem a ética. Casos estes
que nos trazem à tona que ainda há algum tipo de descriminação no ato das contratações, seja
pela cor da pele, sexo ou idade.
O campo do recrutamento e seleção é mais um onde os psicólogos podem atuar e contribuir
com seu conhecimento e ética nas melhores contratações possíveis. Tanto nesta área de exercício
da psicologia quanto as diversas outras, a problematização no que tange as descriminações,
ainda vigentes no cotidiano e assim também presentes da relação laboral, devem ser levadas para
o âmbito de trabalho, evitando que seleções sejam feitas sem o exercício da ética e do respeito.
Tonetto et al. (2008) nos trouxe apontamentos que reforçam a necessidade de mudança,
mudanças estas já notadas quanto aos artigos científicos ao retratarem temas, que em décadas
passadas pouco se discutia. Interessante seria fazer essa mudança ocorrer mais ainda dentro da
empresa, no ato do recrutamento e seleção.
Referências
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L4119.htm.
Decreto Lei Nº 53.464/1964. (1964) Regulamenta a Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, que
dispõe sobre a profissão de psicólogo. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para
Ferreira, A. B. H. (2001) Miniaurélio Século XXI Escolar: O minidicionário da língua portuguesa. 4ª ed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira.
Naguel, M e Denck, R. (2007). Série técnica: manual de psicologia organizacional. Curitiba: Conselho
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Tonetto, A. M.; Amazarray, M. R.; Koller, S. H. & Gomes, W. B. (2008). Psicologia organizacional
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310 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EIXO TEMÁTICO
PSICOLOGIA HOSPITALAR
ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS NA PSICO-ONCOLOGIA
Ana Mires Beserra
Maria Aurelina Machado de Oliveira
Welyton Paraíba da Silva Sousa
Karolyna Pessoa Teixeira Carlos
Introdução
O
câncer é responsável por mais de 12% entre todas as causas de morte em todo o
mundo. Ao todo, são cerca de 7 milhões de pessoas morrendo por ano, em razão
dessa enfermidade. No Brasil, devido à grande variabilidade de tipos de câncer e
com o crescente envelhecimento da população, identifica-se um grande aumento no aparecimento
desta enfermidade. Isso se dá pelo fato de agentes ambientais e mudanças nos hábitos serem
fatores predominantes em países em desenvolvimento (Ministério da Saúde, 2006).
Ao falar de câncer, a primeira palavra que surge à mente é a morte, pois a patologia causa
muita dor e sofrimento ao doente. Por conta disso, quando um paciente é diagnosticado com
a doença é necessário que haja uma reorganização familiar. Com isso, a família deve buscar
se adaptar às perdas que o paciente irá sofrer e à realização de cuidados brandos. Além disso,
deve estar preparada para lidar com os conflitos que irão surgir no próprio paciente, devido à
suspensão de alguns planos e nas mudanças que acontecerão, tanto no físico quanto em seus
aspectos cognitivos (Barsott, 2010).
O processo de hospitalização não deve ser visto somente como mera internação hospitalar,
mas também deve ser enxergado como um construto de fatores que implicam de diversas maneiras
na vida do indivíduo, a partir do momento em que descobre a doença. Nesse processo do adoecer,
o psicólogo deverá possuir um olhar humanizado e enxergar esse adoecimento com um todo,
buscando melhorar as condições de saúde (Scannavino, 2013).
No ambiente hospitalar, o psicólogo apresenta função real, na qual se dispõe inteiramente
em benefício da promoção da qualidade de vida do paciente e não se limita exclusivamente à
função de interpretar. Atua no diálogo, avigorando o trabalho estrutural e de adequação do
paciente e familiares no enfrentamento das crises. Nesse sentido, deve prestar suporte, precisa
se mostrar atento, compreensivo, auxiliar no tratamento, identificar os diferentes sentimentos,
dar esclarecimentos acerca da doença e trabalhar o fortalecimento dos vínculos. Trabalhar esses
aspectos é importante para o progresso do tratamento, já que se o paciente conseguir fortalecer
os vínculos e permitir a participação de seus familiares nesse período, favorecerá uma melhor
adaptação ao processo de adoecimento (Cantarelli, 2009).
Desse modo, a performance do psicólogo é entreposta por uma grande demanda de
solicitações, que vão desde preparar o paciente para cirurgias, acompanhando-o no processo
de pré e pós-operatório, até na realização de exames. E, principalmente, no enfrentamento do
desenvolvimento do quadro, estando atento aos problemas mentais que podem surgir, devido à
312 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
patologia. Tudo isso com o intuito de fazer o paciente ser visto como um ser vivo no procedimento
(Cantarelli, 2009).
O presente trabalho tem a finalidade de apresentar através dos resultados obtidos a
importância da Psicologia da Hospitalar e da psico-oncologia na vida dos enfermos. Tendo em
vista que é uma área em expansão, mas que já possui dados significativos de sua eficácia e a
importância para o paciente oncológico e para a equipe multiprofissional inserida no tratamento
do paciente. Ainda aborda aspectos sobre a adesão do paciente com câncer ao tratamento ser
de difícil adaptação e que inúmeros fatores podem influenciar o agravo da doença, ao levar em
consideração dados do Instituto Nacional do Câncer de 2016 que indicam um aumento em 31%
do número de mortes por câncer no Brasil de 2000 a 2015 (INCA, 2016).
O estudo fundamentou-se na seguinte questão de pesquisa: Quais as principais atuações do
psicólogo na área de oncologia? O objetivo geral foi descrever a atuação do psicólogo hospitalar
com foco no paciente com câncer. E como objetivos específicos buscou-se caracterizar o perfil
do profissional de psicologia; obter informações sobre o estabelecimento do rapport e vínculo com
o paciente; relatar a importância do psicólogo acerca do processo de diagnóstico e adesão do
paciente ao tratamento; demonstrar quais as principais técnicas e/ou estratégias de intervenção
utilizadas por profissionais de psicologia no acompanhamento de pessoas com câncer. A seguir
colocações sobre como a pesquisa foi realizada.
Método
Participantes
Procedimentos de coleta
A coleta dos dados foi realizada de forma facilitada para as entrevistadas, dependendo da
sua disponibilidade, o que possibilitou a participação seja em ambiente de trabalho como clínicas,
hospitais, residências; e em último caso, envio por meio eletrônico.
O instrumento utilizado foi um questionário estruturado elaborado pelos pesquisadores
continha dados sociodemográficos (idade, sexo, estado civil e jornada de trabalho) e sete
perguntas abertas relativas aos objetivos da pesquisa. Optou-se pelo questionário pelo fato de
fornecer disponibilidade ao entrevistando em discorrer sobre os dados solicitados. Frisa-se que
neste trabalho estão apresentados os dados de apenas quatro questões abertas.
Para encontrar as participantes foi necessário deslocar-se a instituições aonde havia
atendimento oncológico. Houve, também, o contato por meio eletrônico, quando necessário.
Procedimento
Acerca dos dados obtidos com os questionários aplicados, destaca-se que com os dados
sociodemográficos foram utilizadas frequências simples ou relativas. Já as respostas aos itens
abertos foram analisadas com o auxílio do software Iramuteq (Ratinaud, 2009).
Através do software Iramuteq, é possível realizar vários tipos de análises, mas na referida
pesquisa utilizou-se com os dados obtidos a análise de similitude. A análise de similitude visa
identificar as ocorrências dentre as palavras e seu resultado aponta a ligação entre as palavras.
Dessa forma, auxilia na identificação de um corpus textual, que corresponde à árvore de palavras
(Camargo & Justo, 2013). Tais dados estão apresentados no item adiante na forma de figuras.
Resultados e Discussão
Dados sociodemográficos
A partir desse tópico inicia-se a apresentação dos resultados referentes à atuação das
psicólogas, que corresponderam às respostas aos itens abertos do questionário que foram
organizados e analisados com o auxílio do software Iramuteq. Na Figura 1 está apresentada a
314 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
análise de similitude acerca das respostas das psicólogas sobre como estabelecem o rapport e
vínculo terapêutico com pacientes com câncer.
A partir da análise dos dados, observando o núcleo central da Figura 2, percebe-se que as
profissionais acreditam que seu papel é de fundamental importância no momento do diagnóstico,
de forma a ser visto como suporte na obtenção de redução do impacto causado pela doença e
ajuda a promover habilidades ao paciente no enfrentamento da mesma. Dessa forma, o trabalho
do profissional pautado na psico-oncologia no momento do diagnóstico serve como auxilio tanto
para o paciente quanto para a equipe envolvida. Este profissional deverá favorecer a troca de
informações, colaborar para que o paciente seja visto em sua totalidade e identificar as falhas na
comunicação acerca da doença do paciente.
Ao analisar a Figura 2, pôde-se perceber que a psico-oncologia tem sido vista pelas psicólogas
conforme as colocações de Costa Junior (2001) como indispensável para promover condições de
qualidade de vida ao paciente com câncer, diminuindo os eventos estressores relacionados ao
processo de adoecimento. Estão ainda de acordo com a afirmação do autor que o profissional
da oncologia independente de sua abordagem teórico-filosófica deve ultrapassar os limites da
psicoterapia e buscar trabalhar com o paciente onde quer que ele se encontre. Esse profissional
deve priorizar a mudança de comportamento relacionado à saúde do indivíduo e apresentar
ao paciente que situações de risco poderão estar disponíveis em diversos contextos e mostrar
habilidades para lidar com isso, essa atuação focada no paciente foi indicada pelas psicólogas na
Figura 2.
Os dados dispostos na Figura 3 destacam a importância do psicólogo na adesão ao
tratamento, indicando que a psicologia se faz necessária neste início do tratamento para o
paciente e familiares, possibilitando que estes falem sobre seus medos e angústias. O psicólogo é
visto como essencial tanto no momento da adesão como no enfrentamento da doença, já que este
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
possibilita a escuta para os envolvidos no adoecimento e reduz a ansiedade no momento presente.
Tais dados podem ser observados na Figura 3.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Portanto considera-se que o papel do psicólogo frente ao adoecimento de pessoas com
câncer é de grande importância, já que este auxilia no alívio da dor, no enfrentamento da doença,
no fortalecimento dos vínculos e favorece uma compreensão frente à doença. Dessa forma,
este profissional age diretamente no contato entre paciente, família e equipe, favorecendo uma
melhora na comunicação e na relação um com o outro. O profissional de psicologia, enquanto
integrante da equipe multidisciplinar, deve atuar sempre em busca de identificar a percepção do
paciente diante do momento em questão e favorecer para que ele acredite nas possibilidades e
meios de luta contra a doença.
Considerações Finais
Através dessa pesquisa, foi possível identificar a visão de psicólogas acerca da importância
do seu papel no ambiente hospitalar, na cidade de Teresina-PI. Diante dos resultados obtidos
acerca dessa atuação, as respostas podem ser consideradas semelhantes, já que estas tiveram
uma grande frequência de opiniões similares ao que se buscava identificar. Com isso, é relevante
destacar que o objetivo desta pesquisa foi alcançado e que em alguns momentos superaram as
expectativas diante dos relatos apresentados pelas profissionais, contribuindo para o desejo de
prosseguir com o desenvolvimento de pesquisas nessa área.
Diante dos dados obtidos, pode-se considerar que esta pesquisa é relevante para profissionais
de psicologia, áreas afins da saúde, familiares de pacientes com câncer e, também, para os próprios
pacientes. Após o estudo se faz oportuno relatar o quão é importante a ligação da psicologia com
a oncologia, tendo em vista que essa área favorece grandes avanços no tratamento e promove o
bem-estar para os adoecidos.
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320 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
LUTO ANTECIPATÓRIO EM FAMILIARES DE PACIENTES
ONCOLÓGICOS E PALIATIVOS: UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA
Maria Beatriz dos Santos Dias
Catarina Pessoa Cardoso
Thamyris Tabosa de Sousa
Introdução
C
aracterizado como um conjunto de mais de 100 doenças que tem em comum o
crescimento desordenado (maligno) de células que invadem os tecidos e órgãos,
o câncer é uma doença de tendência e evolução progressiva, e algumas vezes
incontrolável. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA) (2016, para. 3) suas causas são
variadas e inter-relacionadas, sendo resultado dos aspectos multifatoriais da sua etiologia, uma
vez que as particularidades hormonais, ambientais e genéticas de cada sujeito contribuem para o
surgimento dessa neoplasia.
De acordo com a estimativa do Instituto de Câncer no Brasil (2015), a incidência de câncer
será 326, 51 casos por 100 mil habitantes, o que representa mais de 400 mil novos casos em 2016;
enquanto no Piauí, estima-se 4.680 novos casos e a taxa de incidência será 53,60 na capital por
100 mil habitantes no mesmo ano.
O tratamento pode envolver cirurgia, radioterapia, quimioterapia e (ou) transplante de
medula óssea ou ainda estes em combinação, dependendo do tipo e estadiamento da doença.
Porém, os mesmos tendem a ser invasivos, com efeitos colaterais dolorosos e desconfortáveis,
gerando repercussões, tanto a nível individual como familiar. Assim, o suporte psicológico deve
ser incluído ao tratamento do paciente oncológico.
No Brasil os primeiros movimentos relacionados à Psico-Oncologia ocorreram em 1989,
em Curitiba, no Primeiro Encontro Brasileiro de Psico-Oncologia e, em seguida, no ano de 1992,
em Brasília na sua segunda edição. Os espaços tinham como principais objetivos a discussão e
debate acerca do tratamento de pessoas com câncer e o acesso aos conhecimentos teóricos que
servissem de base para a prática profissional do psicólogo. Em outros países, a Psico-Oncologia
está associada diretamente à medicina, conforme explica Gimenes (2003).
De acordo com o autor, a Psico-Oncologia pode ser definida como “Interface entre a psicologia
e a oncologia que utiliza conhecimento educacional, profissional e metodológico proveniente da
psicologia da saúde para aplicá-lo na assistência ao paciente, família e profissionais envolvidos,
na pesquisa e organização destes serviços”. (Gimenes, 2003, p. 43). O campo vem dar evidência
aos aspectos psicossociais envolvidos na dinâmica de vida do paciente oncológico, considerando
essencial a integração desses aspectos na assistência a esse público, quebrando o modelo médico
vigente até meados do século XX.
Ademais, as intervenções psicológicas no cuidado ao paciente oncológico envolvem níveis,
conforme explica Gimenes (2003), que vão desde a prevenção até a detecção, diagnóstico,
322 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
tornando-se fonte de pudor, passando a ser indecente, suja e, por conseguinte, tem início seu
processo de camuflagem” (Gorer, 1995 como citado em Veras, 2015, p. 67). Assim, a interdição
e a omissão acerca da morte além de reforçarem o tabu desta dificultam o enfrentamento e
elaboração do luto.
O luto pode ser entendido como:
Dessa forma, o luto perpassa todos os âmbitos da vida, desde perdas intrínsecas aos ciclos
de vida até as perdas reais de pessoas queridas, incluindo as circunstâncias em que a morte ainda
não é concreta, mas é uma possibilidade iminente, sendo definida essa experiência como Luto
Antecipatório.
Em seus estudos, Fonseca (2004, p. 94) faz um levantamento das definições encontradas na
literatura acerca do luto antecipatório, destacando a definição de Lidemann (1944) como “reação
de pesar genuína em pessoas que não estão enlutadas pela morte em si, mas pela experiência de
uma separação onde há ameaça de morte”. Para o autor, a principal função do Luto Antecipatório
é propiciar um desenvolvimento normal do luto, sendo que seus sintomas básicos são os mesmos
do luto normal.
Nesse sentido, ressalva-se a importância de um espaço para acolhimento e escutas das partes
envolvidas nesse processo, cabendo ao psicólogo esse lugar de exteriorização e reconhecimento
dessas emoções, sem críticas ou julgamentos, possibilitando modificações afetivas que influenciam
em decisões mais assertivas.
Assim, entendendo as reações subjetivas do enlutamento como indissociáveis da vida,
compartilhando da concepção de Veras (2015) a favor da não medicalização do morrer e da morte
na contemporaneidade, acredita-se na importância do Luto Antecipatório como ferramenta
importante e saudável no enfrentamento do luto após perda concreta.
Alguns estudos evidenciam o benefício do acompanhamento psicológico junto aos pacientes
oncológicos e seus familiares, porém, Borges et al. (2006) explica que há poucas pesquisas
referentes à análise das intervenções psicológicas no processo de morrer.
Assim, estudos nesse âmbito devem ser fomentadas com objetivo, não só de evidenciar
a importância do psicólogo nesse campo como também de propor o cuidado psicológico na
assistência a esse público, principalmente nos casos em que não existe perspectiva de cura e a
morte faz-se possibilidade constante. A abordagem paliativista deve se apropriar no âmbito do
cuidado de familiares, envolvendo o trabalho com o luto antecipatório (Bifulco & Caponero,
2016).
Método
Resultados e Discussão
324 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
sendo mais notória essa reação em familiares de pacientes jovens e com filhos pequenos. Em
contrapartida, percebeu-se que em casos de pacientes idosos a condição terminal era melhor
aceita, nesse primeiro momento. Nesse sentido, as reações iniciais mais obervadas nos familiares
diante da comunicação do avanço da doença eram a negação e a raiva que, em sua grande maioria,
evoluiam gradativamente para a aceitação.
Kubler-Ross (1981), médica psiquiatra, pioneira nos estudos sobre morte e processo de
morrer, explica os estágios de reação diante do processo inicial de uma perda, geralmente ante
a notícia de doenças que ameaçam a continuidade da vida. O primeiro estágio seria a negação,
onde o indivíduo reage negando a situação como uma forma de defesa psíquica; o segundo, a
raiva, o indivíduo reage com revolta, agressividade pois ainda não apresenta recursos psiquícos
adaptativos para lidar com a situação; o terceiro, a barganha, é a fase na negociação onde
o indivíduo faz promessas, junto a alguma entidade de sua crença, com o intuito de reverter
a situação; o quarto, a depressão, o indivíduo se apresenta com o humor mais deprimido, se
isolando do mundo com sentimento de incapacidade diante da situação; e o quinto, a aceitação,
o indivíduo aceita a realidade como ela é e inicia o processo de luto frente a perda.
Apesar de partir da concepção de que tais estágios emergem simultaneamente e não em
uma ordem sequencial, foi possível identificar que nos momentos iniciais à notícia de avanço
da doença oncológica fora de possibilidade de cura, as reações de negação e raiva eram mais
evidentes. Com o passar do tempo as reações de barganha e depressão emergiam, possibilitando
a aceitação da situação de morte eminente, além de favorecer reações de aceitação no momento
do óbito.
Verificou-se, que a partir da aceitação da proximidade da terminalidade do paciente os
familiares passaram a vivenciar o luto antecipatório. De acordo com Fonseca (2004, p. 95):
“Este tipo de luto oferece a oportunidade de uma prevenção primária de modo a evitar o luto
complicado no pós morte”. Assim, evidencia-se a importância do psicólogo nos serviços de
oncologia, tendo em vista a realidade frequente da morte anunciada, como um facilitador do
processo e da experiência do Luto Antecipatório podendo assim favorecer, como consequência,
o luto saudável.
Ainda, durante o período entre a negação e a aceitação, foi possível perceber que em sua
grande maioria os familiares utilizavam como estratégia de enfretamento a aproximação com a sua
espiritualidade e (ou) religiosidade como forma de alívio de sofrimento. De acordo com Cervelin
e Kruse (2014), a espiritualidade diz respeito a um sistema maior de filosofia, que pode ou não
incluir crenças religiosas específicas, e está relacionada às necessidades humanas universais. Por
outro lado, a religiosidade está diretamente associada a um grupo ou sistema de crenças que
envolve o sobrenatural, sagrado ou divino, associada a prática e rituais.
Nesse contexto, tais aspectos foram percebidos como positivo, a partir da escuta psicológica
a esses familiares, sendo possível perceber que nos momentos considerados como o ápice do
sofrimento ao lançarem mão de sua espiritualidade ou de suas crenças religiosas sentiam-se
confortados. “A espiritualidade e religiosidade vêm recebendo atenção na assitência à saúde pois
se constituem em importantes estrátegias de enfrentamento diante das situações que causam
impacto na vida das pessoas” (Cervelin & Kruse, 2015, p.2).
Outra particularidade considerada importante foi as reações emocionais identificadas
naqueles familiares que exerciam a função de cuidador do doente. Além do sofrimento psíquico
evidente, o estresse diante da rotina de cuidados e adaptações drásticas de rotina de vida, eram
experimentadas por estes. O afastamento das atividades de trabalho, afastamento do núcleo
familiar, a vivência da rotina hospitalar e a experiência de acompanhar de perto a piora na
evolução do paciente foram identificadas como as percebidas negativamente pelo cuidador. “O
cuidador familiar precisa de um olhar crítico, visando amenizar os prejuízos da sobrecarga de
atividades de cuidado que geralmente desempenha sozinho e que podem comprometer sua saúde
326 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Ademais, levando em consideração, os princípios propostos pela Organização Mundial
de Saúde (INCA, 2002) no que tange a atuação da equipe multiprofissional de Cuidados
Paliativos, dentre eles o de afirmar a vida e considerar a morte um processo normal e; oferecer
uma abordagem multiprofissional para focar nas necessidades dos pacientes e seus familiares
incluindo o acompanhamento no luto, acredita-se que a presente experiência prática tem sua
relevância no sentido de descrever a atuação do serviço de psicologia em um unidade de oncologia
e as especificidades evidenciadas nessa assistência.
Referências
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328 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A INSERÇÃO NA RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL
DE SAÚDE EM ALTA COMPLEXIDADE EM PSICOLOGIA
DO HU-UFPI: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Thamyris Tabosa de Sousa
Raul Ricardo Rios Lima
Catarina Pessoa Cardoso
Maria Beatriz dos Santos Dias
Introdução
O
declínio do governo militar e o reestabelecimento da democracia, suscitou
mudanças na saúde do Brasil. A população, os profissionais e estudantes da área
da saúde tiveram grande importância em manifestações contrárias ao sistema
de saúde da época, buscando novas formas de fazer saúde sob responsabilidade do Estado. O
movimento conhecido como Movimento de Reforma Sanitária (MRS) tinha como propósito
a construção de um sistema de saúde que utilizasse de políticas públicas, firmado na atenção
primária e favorecendo a qualidade de vida e de trabalho, com fortes influências da Conferência
de Alma-Ata (Silva, Silva & Cardoso, 2017; Ramos & Netto, 2017).
Os ideais do MRS tomaram grandes proporções, alcançando em 1986 a 8ª Conferência
Nacional de Saúde (CNS). A conferência reconheceu as propostas do movimento, entre as quais
estão a consideração da saúde de forma ampliada, a unificação do sistema de saúde, a garantia
aos direitos e a autonomia da população e a responsabilidade do Estado com a saúde pública.
Estes aspectos fomentaram na elaboração de uma seção dedicada à saúde na Constituição Federal
do Brasil de 1988, a qual trouxe diretrizes para a construção do novo sistema de saúde. A partir da
Constituição Federal, foi atribuída ao Estado a responsabilidade em oferecer o direito à saúde a
todos os brasileiros e não somente aos trabalhadores como anteriormente (Coronel, Bonamigo,
Azambuja & Silva, 2016; Pavão, 2016; Silva et al., 2017).
Além de garantir a saúde a todos, a Constituição atribuiu ao Estado o dever de regulamentar,
fiscalizar e controlar as ações e serviços de saúde, que devem compor um sistema único, regionalizado
e hierarquizado de acordo com as seguintes diretrizes: descentralização, integralidade e participação
da comunidade. Ao poder público é destinado ainda a responsabilidade do financiamento do
sistema único de saúde e outras atribuições (Constituição da República Federativa do Brasil,
1988/2015).
Dois anos após a Constituição Federal, são aprovadas as leis nº 8.080/90 e nº 8.142/90,
as conhecidas Leis Orgânicas da Saúde que deram origem ao Sistema Único de Saúde (SUS). A
lei 8080/90 assegura o dever do Estado com a saúde, conceituando o SUS como o conjunto de
ações e serviços de saúde oferecida por instituições públicas e/ou mantidas pelo Estado. Refere-
se também aos objetivos, atribuições, princípios e diretrizes do SUS, bem como sua organização,
direção, gestão, competências, financiamento, participação da assistência privada, planejamento,
330 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional.
Busca a integração do ensino, serviço e comunidade com o objetivo de oferecer uma inclusão
qualificada dos profissionais da saúde (especialmente os profissionais recém-saídos da graduação)
no mercado de trabalho, particularmente em áreas em que o SUS possui maior necessidade
(Resolução n. 2, 2012).
De acordo com Moraes, Castro e Souza (2012) a operacionalização da RMS objetiva
uma formação coletiva que aconteça no mesmo campo de atuação, respeitando, obviamente,
os conhecimentos específicos de cada área profissional. Ceccim e Ferla (2007) afirmam que a
formação em serviço favorece o aperfeiçoamento específico devido o trabalho em equipe e com
a comunidade acontecerem diretamente nos locais onde os fenômenos acontecem. A assistência
continuada em saúde permite a interlocução entre saberes e práticas, construindo novas formas
de atuação profissional com maior adequação às necessidades da população.
Dessa forma, a RMS se opõe à fragmentação das áreas da saúde, considerando o
adoecimento de uma forma biopsicossocial e não apenas biológico. Com isso, se consolida como
uma metodologia de formação de recursos humanos para o SUS com capacidade de reformular
as práticas tradicionais (Funk, Faustino-Silva, Malacarne, Rodrigues & Fernandez, 2010).
No programa da RMS faz-se necessária duas instituições: uma instituição de Ensino
Superior, que se responsabilizará pela formação e oferecimento do programa; e uma instituição
onde ocorrerão as atividades práticas da RMS, que compreenderá a maior dedicação do residente.
As metodologias recomendadas pelas diretrizes gerais dos programas de RMS consistem na
compreensão da clínica ampliada, com uma formação pedagógica e prática associada à atenção
integral, multi e interdisciplinar. Ademais, esse conhecimento prático-teórico deve estar interligado
para a construção conjunta de habilidades e competências, transformando não apenas a formação
em saúde como a atuação em serviço e a gestão (Cavallet, 2016; Resolução n. 2, 2012).
Considerando o caráter multiprofissional na busca da integralidade do cuidado pela RMS,
muitas áreas profissionais ganharam mais espaço e visibilidade na assistência à saúde. A Psicologia
é uma delas, que ganhou reconhecimento pela valorização de aspectos subjetivos e sociais
relacionados à saúde e doença, contribuindo através da equipe, na abordagem biopsicossocial.
Devido a inserção recente da psicologia na área da saúde, o início do programa de residência em
psicologia foi marcado pelo pioneirismo na área, mas também pela ausência de regulamentação,
reconhecimento e auxílios (Reis & Faro, 2016; Ferrari & Moreira, 2009).
O Conselho Federal de Psicologia regulamentou os programas de residência da área no
ano 2000 através da resolução nº 009/2000 que instituiu normas técnicas para a residência em
psicologia na área da saúde. A resolução 009/2000 foi alterada em 2007 pela resolução do CFP
nº 015/2007 que normatizou e credenciou os cursos de residência na área da saúde (Resolução n.
9, 2000; Resolução n. 15, 2007).
De acordo com a resolução 015/2007 do CFP, a Residência em Psicologia na área de saúde
é considerada uma pós graduação lato sensu para formação específica através do treinamento em
serviço que se adequa às necessidades de cada região. Como suportes básicos para a residência,
a resolução considera uma fundamentação teórica em conformidade com o campo de atuação
e princípios do SUS, a vivência prática, a orientação do supervisor e a pesquisa. Como objetivos,
aponta o aperfeiçoamento técnico aliado à dimensão social, o desenvolvimento de habilidades
para a assistência integral, a integração em equipes multiprofissionais, o uso adequado de recursos
às intervenções e o despertar crítico das atividades da residência (Resolução n. 15, 2007).
A normatização pela resolução do CFP ainda institui a organização didático-pedagógica
dos programas de residência em psicologia, bem como os critérios de credenciamento para as
instituições que oferecem o programa e a operacionalização desse processo que deve se renovar a
cada quatro anos (Resolução n. 15, 2007).
Método
332 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
do segundo ano), que se dividem entre os setores do hospital, com respectivos preceptores. O
programa baseia-se na psicologia hospitalar, com atendimentos relacionados à saúde e doença de
pacientes em situação de internação e seus familiares, com atuação em equipe multiprofissional.
Como a ênfase do programa á a alta complexidade, a inserção das residentes de psicologia parte
da média para a alta complexidade, iniciando nas clínicas médica/cirúrgica e posteriormente UTI
e Unacon.
O primeiro contato com a realidade do hospital é realizado em conjunto com o preceptor,
com a apresentação da equipe, apresentação do ambiente físico do hospital e dos instrumentos
utilizados pelos serviços. A princípio os preceptores realizam atendimentos e as residentes
acompanham-no para realizar a observação, em seguida as residentes são inseridas na prática
através da busca ativa, fazendo triagens e avaliações de pacientes para decidirem, após discussão
com o preceptor, quais casos possuem demandas com necessidade de acompanhamento
psicológico.
Passado o período de imersão, preceptores e residentes dividem entre si as enfermarias do
posto de internação no qual atendem. A passagem do ciclo é feita para outro posto de internação
e outro preceptor. No HU-UFPI o serviço de psicologia não possui padronização de condutas
de intervenção nos atendimentos psicológicos, dessa forma o embasamento teórico e uso de
instrumentais para o auxílio da prática é de livre escolha dos profissionais e residentes.
Quanto às avaliações, os preceptores escolhem as metodologias de avaliação durante o
ciclo, uma das formas de avaliação utilizada é o relatório de análise institucional, que se baseia
na caracterização de cada posto, sua equipe e sua dinâmica de trabalho. No término do ciclo
é realizada a avaliação final pelo preceptor sobre o desempenho da residente durante todo o
período do ciclo, essa avaliação pode ser realizada juntamente com o feedback do preceptor. Após
esse momento preceptores podem fazer recomendações uns aos outros a respeito da condução
das residentes no ciclo seguinte.
Ocasionalmente acontecem visitas especiais de crianças menores de 12 anos à familiares
internados. Nessas situações é realizada avaliação em equipe para a realização da visita,
considerando as normas do hospital que não permitem a presença de menores de 18 anos em
suas dependências. A avaliação psicológica com a criança considera o desejo da visita, relação
com o parente internado e comunicação de normas do hospital. A visita é feita na presença e sob
responsabilidade do psicólogo.
O atendimento ambulatorial baseia-se na psicologia clínica, no qual cada residente possui
um supervisor de atendimento para discussão e orientação na condução dos casos, de acordo
com abordagem teórica dos supervisores e residentes.
Os grupos de apoio e suporte são uma atividade da residência e acontecem semanalmente
em uma das unidades de internação do Hospital Universitário, com condução das residentes e
auxílio de supervisor. Os grupos acontecem aos sábados com pacientes e familiares e possuem
o objetivo de favorecer a elaboração da vivência do adoecimento, compartilhar sentimentos e
experiências da internação e minimizar os impactos negativos desta.
O programa de tratamento do tabagismo é composto por equipe multiprofissional da qual
faz parte o psicólogo e que as residentes podem participar na presença do preceptor, consiste na
avaliação inicial, condução de grupos e atendimentos individuais com o objetivo de cessar o uso
do cigarro e prevenir o câncer.
As atividades teóricas englobam os estudos individuais, discussão de artigos, discussão e
apresentação de casos clínicos das residentes, palestras, apresentação de produções das residentes,
discussões sobre a atuação da psicologia na construção de protocolos no hospital e outros. Todas
as semanas um turno é reservado para o momento teórico da residência, no qual todo o serviço
de psicologia se faz presente.
Resultados e Discussão
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profissionais do serviço de psicologia, a discussão das intervenções psicológicas, favorecendo a
reflexão sobre práxis e o compartilhamento dos diferentes olhares e experiências que influenciam
na adoção de condutas posteriores.
As visitas especiais promoveram o desenvolvimento de habilidades relacionadas à avaliação
com foco pré-estabelecido em crianças. A partir das dificuldades emergentes e carência de
materiais no serviço de psicologia notou-se a preeminência de elaborar instrumentos de suporte
para alicerçar essas avaliações. Partindo dessa necessidade foi produzida uma cartilha, pelas
residentes, com orientações sobre a visita no ambiente hospitalar. Foi possível ainda perceber a
importância das relações familiares para os pacientes internados e a influência desses encontros
afetivos na postura do paciente durante o processo de recuperação. Segundo Simonetti (2016) a
família reforça sentimentos de enfrentamento e as crianças, especialmente, são fonte de alívio e
consolo.
No espaço destinado às atividades teóricas da residência acontecem os estudos e discussões
com o objetivo de refletir sobre as práticas e intervenções. Isso possibilitou uma maior aproximação
com temáticas que estão sendo vivenciadas no hospital e favoreceu o conhecimento de outras
formas de fazer, repensar e aperfeiçoar a prática da Psicologia Hospitalar.
Muito embora o espaço seja especifico para discutir temas teóricos pertinentes a residência
e a formação das residentes, por vezes, ocorre a utilização desse tempo para abordar aspectos
referentes as problemáticas do setor. Levantando a reflexão sobre a necessidade de um momento
para o serviço de psicologia que seja desprendido do momento teórico da residência.
Apesar do estabelecimento desse momento teórico, constata-se a necessidade de um melhor
direcionamento teórico de temas em psicologia, uma vez que muitos aspectos vivenciados não são
aprofundados na graduação e merecem fundamentação teórico-prática para as intervenções. Este
direcionamento poderia ser feito através de aulas expositivas ou outras metodologias de ensino
mais diretas, mas com prévia organização como acontece com as disciplinas e grades curriculares
dos cursos de graduação, por exemplo. Ainda que essas aulas ocorressem apenas no primeiro
ano de residência seria de um ganho imensurável para todas as residentes, considerando que de
acordo com a Resolução n. 2 (2012), o objetivo dos programas das residências é oferecer uma
inclusão qualificada dos profissionais, especialmente aos recém-formados, ou seja, profissionais
sem grande repertório de experiências ou especialização na área.
Quanto aos grupos de apoio e suporte que acontecem no hospital, é observável que as
experiências de determinados pacientes encorajam e dão esperança a outros, além de ser um espaço
que permite o relacionamento interpessoal e expressão de emoções por vezes reprimidas durante
a internação. Com isso pode-se concluir que os grupos têm efeito terapêutico, com repercussões
posteriores trabalhadas através do atendimento psicológico individual nas enfermarias. Em acordo,
Oliveira et al. (2010) afirmam que grupos de apoio e suporte são estratégias terapêuticas para
situações de crise, buscando o apoio mútuo e elevando a autoestima e confiança dos integrantes.
Em vista ao exposto, a experiência da residência possibilitou o amadurecimento profissional
e nas relações de trabalho. Com a rotina emergiram diferentes situações que exigiram condutas
adequadas resultando no aprimoramento da atuação profissional das residentes, perceptível com
a maior segurança na condução dos atendimentos ciclo após ciclo. A preceptoria auxiliou nas
intervenções, favorecendo trocas mútuas entre preceptores e residentes. A relação com pacientes,
equipe e familiares permitiu a construção de vínculos, promovendo ganhos significativos pessoal
e profissionalmente.
A residência em Psicologia do HU-UFPI é bastante recente, tendo início em 2016 e com
formação de uma turma até o momento. Como todo início apresenta algumas limitações,
mas ao mesmo tempo abre os horizontes na construção do programa e do desenvolvimento
da especialidade. Para as residentes, há a necessidade de maior estrutura e planejamento,
Referências
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Introdução
O
câncer é uma doença caracterizada, principalmente, pela divisão celular sem
controle e com possibilidade de atingir várias estruturas do organismo, de modo
geral, tem comportamento agressivo e invasivo, determinando a formação de
tumores a partir desse crescimento celular desordenado. Segundo o INCA (2017), a doença pode
ser definida como:
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Um campo interdisciplinar da saúde que estuda a influência de fatores psicológicos sobre o
desenvolvimento, o tratamento e a reabilitação de pacientes com câncer. Entre os principais
objetivos da psico-oncologia está a identificação de variáveis psicossociais e contextos
ambientais em que a intervenção psicológica possa auxiliar o processo de enfrentamento
da doença, incluindo quaisquer situações potencialmente estressantes a que pacientes e
familiares são submetidos (Costa Júnior, 2001, p.37).
Em seu estudo, Carvalho (2002) explica que a presença do psicólogo é um dos critérios de
cadastramento dos centros de atendimento em Oncologia junto ao SUS, a partir da publicação
da Portaria nº 3.535 do Ministério da Saúde, publicada no Diário Oficial da União, em 1998.
O papel do psicólogo nos serviços de oncologia é indispensável para promover as condições de
qualidade de vida ao paciente oncológico, facilitando tanto o processo de enfretamento como a
aceitação da doença e início ao tratamento, através de técnicas especifícas da profissão durante
as suas intervenções, além de prestar auxílio aos familiares.
Entratanto, a prática do psicólogo na oncologia não fica limitada aos pacientes e familares,
cabe a ele também prestar apoio aos demais profissionais de saúde que compõe a equipe.
Estes lidam diariamente com o sofrimento dos pacientes diante dos tratamentos invasivos,
procedimentos agressivos, e que nem sempre levam à recuperação ou cura, podendo gerar
sentimentos de impotência. É comum ainda, os profissionais de saúde apresentarem um alto nível
de estresse relaciondado ao trabalho. (Carvalho, 2002).
Pesquisas apontam que dentre os profissionais, nos serviços de oncologia, os enfermeiros
são os mais suscetíveis ao estresse devido as próprias atribuiçoes do exercício profissional, porém
qualquer profissional pode desenvolver esse sintoma. Confome explica Araújo (2006) apud
Pinheiro (2012), o profissional de enfermagem, ao trabalhar com pacientes sem prognóstico
de cura, vivencia em seu cotidiano o processo de morrer, podendo desenvolver mecanismos
defensivos, como a negação, a fuga e a racionalização da morte, maneiras essas encontradas para
conviver com as perdas rotineiras.
Dessa maneira, os profissionais diante da exaustiva rotina de executar tarefas e de cuidar
dos pacientes, que nem sempre evoluem de forma satisfatória no tratamento, podem apresentar
sentimentos de impotência, avaliando suas intervenções como ineficazes diante do paciente
oncológico. Conforme Silvia (2008) os profissionais de saúde podem:
Perceber que o seu trabalho não está sendo reconhecido e se sentem agredidos por
sentimentos expressados pelos pacientes e familiares, sem ter como elaborá-los por falta de
tempo, não tendo com quem compartilhá-los. Seja qual for o motivo, esse fato pode levar a
uma sobrecarga afetiva, que às vezes se manifesta através de sintomas físicos, adoecimento,
resultando na Síndrome de ‘Burnout’, entendida como uma reação à tensão emocional
crônica de pessoas que cuidam cotidianamente de outros seres humanos (p.94)
Diante disso, os profissionais indagam se tal comunicação deve ser feita e como deve
ser feita, levando em consideração os impactos da notícia no estado emocional do paciente.
Situação muitas vezes desencadeadoras de ansiedade nos mesmos culminando em comunicações
atropeladas e sentimento de culpa. Assim, os profissionais de saúde necessitam de cuidados diante
da rotina de trabalho com pacientes em controle de cuidados constantes, devido as situações de
estresse contínuo e convivência com a dor prolongada e sofrimento.
Nesse contexto, a atuação do Serviço de Psicologia na Unidade de Assistência de Alta
Complexidade em Oncologia (UNACON) de um hospital universitário, engloba os atendimentos
individuais realizados no leito com pacientes internados e na sala de quimioterapia, além dos
atendimentos aos familiares e discussão dos casos com equipe multiprofissional.
A partir da prática psicológica neste ambiente foi possível identificar demandas dos
profissionais da assistência (principalmente enfermeiros e técnicos de enfermagem) em relação
ao manejo com pacientes oncológicos. Tais dificuldades, evidenciadas através dos relatos dos
profissionais, envolviam aspectos relacionados a: como abordar os pacientes que não tem
conhecimento do diagnóstico oncológico; como oferecer suporte qualificado a família no
período de internação do paciente; como agir diante das reações emocionais dos pacientes frente
ao diagnóstico oncológico; como se posicionar diante de óbitos; como administrar os próprios
sentimentos e emoções diante da rotina de trabalho exaustiva de cuidado aos pacientes, que
em sua grande maioria, tendem a evoluir com agravamento do estado geral de saúde (realidade
contrária a dos demais setores de internação do hospital).
Desta forma, o presente trabalho teve como objetivo trabalhar aspectos de comunicação
e manejo de sentimentos e emoções com profissionais da assistência do posto de internação e
ambulatório do setor de oncologia de um hospital universitário do Piauí a partir da perspectiva
de grupos de reflexão.
Método
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
importante para diluir tensões e ansiedades causadas na realização de tarefas em especial aquelas
ocasionadas pelo trabalho.
A escolha por essa modalidade grupal se deu pela necessidade de alinhar aspectos teóricos e
práticos à vivência em uma unidade de trabalho hospitalar que repercute em reações emocionais
significativas por parte dos profissionais da saúde. Dessa forma, optou-se pela utilização do
grupo de reflexão que, embora vise questões operacionais, quando bem sucedidos em suas ações,
é capaz de desencadear um efeito terapêutico naqueles que participam. (Coronel, 1997).
Nessa experiência foi utilizada a modalidade do grupo de reflexão como um formato de
grupo que também possibilita aos indivíduos reflexão acerca de si mesmos e responsabilização por
suas funções e papéis, gerando modificação de comportamentos e condutas. Essa reflexão pode
se dar por meio dos temas propostos e da observação e identificação com outros participantes.
Além disso, é possível também que o grupo possua caráter terapêutico, mesmo não sendo seu
principal objetivo
Após identificação das demandas, descritas anteriormente, vindas por parte dos profissionais
do posto de oncologia de um hospital universitário os encontros em grupo foram organizados
com objetivo de contemplar as solicitações dos mesmos.
Organizado, o projeto foi divulgado durante todo o mês de maio de 2017 por meio folders
e de um vídeo convite enviado através de um aplicativo de mensagens para todos os profissionais
que faziam parte do setor.
Definiu-se como público alvo os profissionais assistenciais e administrativos do posto de
oncologia, levando em consideração as especificidades da prática neste contexto. O grupo foi
coordenado e mediado pela psicóloga do serviço e pela psicóloga residente.
Os grupos foram divididos em cinco encontros, acontecendo uma vez por semana (as sextas
feiras pela manhã) durante todo o mês de junho de 2017, em uma sala do próprio hospital.
Foram abordadas as seguintes temáticas por encontro: 1) Entrando em contato/ perdas, luto e
cuidados paliativos; 2) Más notícias; 3) Identificação de limites pessoais; 4) Fé e espiritualidade;
5) Motivação para o trabalho. A seguir os dados estão apresentados e discutidos de acordo com
a organização por temática dos encontros.
Resultados e Discussão
O primeiro encontro foi destinado à apresentação dos integrantes do grupo, suas regras e
a ética diante dos temas e relatos que viriam a surgir a partir da formação do grupo. Em seguida,
foi iniciado uma roda de conversa, utilizando como instrumento fichas de papel que continham
situações comuns vivenciadas por pacientes oncológicos durante o processo de terminalidade,
para que cada integrante verbalizasse sobre os sentimentos e significações advindas a partir da
leitura das fichas. O momento foi finalizado com uma breve discussão sobre os cuidados paliativos
em oncologia e reflexões sobre a própria finitude.
De inicio, nesse primeiro encontro, observou-se a dificuldade dos profissionais em lidar
com a morte, tanto no ambiente de trabalho como na vida pessoal e isso foi evidenciado no
grupo como ponto de principal obstáculo no trabalho. Característica observada facilmente nos
profissionais de saúde de forma geral, formados para salvar vidas sem preparo emocional para
lidar com sentimentos que emergem diante dos pacientes com doença terminal, vivenciando com
frequência angústia, insegurança e impotência.
Em um estudo realizado por Moritz e Nassar (2004) com profissionais de enfermagem
discutiu-se o tema da morte e do morrer e em um dos discursos, uma técnica de enfermagem
relatou que trocava de plantão quando um paciente, sob seus cuidados, estava prestes a morrer.
Esse discurso evidencia a fuga e dificuldade de profissionais da saúde em lidar com o óbito dos
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do profissional de saúde com sua saúde mental com o foco na prevenção de doenças físicas e
psíquicas, como a Síndrome de Burnout. A mediação do encontro foi realizada por uma psicóloga
convidada, que introduziu a temática com breve explicação sobre estresse no trabalho, suas
consequências e a Síndrome de Burnout como uma das formas de adoecimento. Em seguida,
o grupo foi convidado para uma prática de yoga, com a intenção de promover um momento de
valorização da saúde mental sendo está uma das possíveis maneiras, dentre outras, de autocuidado
e valorização da saúde.
A doença grave, a dor, o sofrimento e a iminência da morte são constantes no setor de
oncologia. De acordo com Kovács (2010), o profissional de saúde, no contexto hospitalar, tende a
enfrentar essas situações de sofrimento e dor com sentimento de impotência, frustração e revolta
e isso pode gerar situações de estresse difíceis de serem solucionadas.
Kovács (2010) acredita que estratégias como psicoterapia, plantão psicológico, atividades
grupais que favoreçam a expressão de experiências do cotidiano, atividade físicas e de lazer são
modalidade de cuidado ao profissional que devem ser adotadas nos hospitais.
Durante o quarto encontro, foi observado um discurso unanime entre os participantes: a
necessidade da prática de atividade física e do cuidado em saúde mental, incluindo a psicoterapia,
e a falta de tempo para realização dos mesmos. Observou-se que o grupo de reflexão proporcionou
um momento de introspecção e funcionou como um impulso para o profissional buscar ações
que valorizem a sua própria saúde mental e minimizem o estresse ocasionado pelo ambiente de
trabalho.
Para finalizar o grupo e reflexão, no quinto e último encontro, foi apresentado o vídeo
motivacional “Fazer o melhor na condição que você tem” de Mário Sérgio Cortella com o objetivo
de valorizar as ações dos profissionais, que mesmo diante das dificuldades e limitações da sua
prática esforçam-se em seu exercício profissional. O momento foi finalizado com uma avaliação
geral do projeto, discussão, críticas, elogios e melhorias para os próximos grupos que possam vir
a ser formados.
Todas as temáticas dos encontros do grupo de reflexão se interligam e possuem como foco
a atenção integral ao profissional da saúde inserido no contexto da oncologia. Dessa forma, a
finalização desse grupo se deu por meio de um encontro motivacional que proporcionou o incentivo
à valorização daquele que mesmo diante de suas questões pessoais desenvolve seu trabalho com
responsabilidade e respeito ao paciente. Acredita-se que a saúde mental do trabalhador está
diretamente relacionada ao prazer que este sente ao desenvolver suas tarefas com competência
técnica e ao respeito e reconhecimento que recebe dos seus pares e superiores. Assim, ressalta-
se a importância da valorização do profissional, pois esse reconhecimento é que possibilita o
trabalhador a enfrentar e dar sentido ao sofrimento vivenciado no trabalho. (Mendes, 2007).
Considerações Finais
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Introdução
O
s serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em todos os níveis
de complexidade exigem aperfeiçoamento profissional e manejo de condutas,
considerando que são serviços direcionados para pessoas. Ainda que os procedimentos
sejam essencialmente técnicos é necessária uma abordagem humana, não priorizando apenas o
adoecimento, mas levando em conta as particularidades de cada sujeito. Essa é a premissa da
Política de Humanização do SUS (PNH) que busca a prática do cuidado e a humanização da
relação entre profissional e paciente, em uma visão integral, respeitando as subjetividades e limites
de cada um e buscando a melhoria do cuidado. Logo, uma forma de operacionaliza-la é através
do acolhimento, que é uma estratégia de intervenção e apoio à humanização referenciada na PNH
(Caderno Humaniza SUS, 2011; Santos, Fernandes & Oliveira, 2012).
Nesse sentido, é importante considerar que todos os procedimentos em saúde exercem
impactos nos pacientes. Por esse motivo a postura profissional, a abordagem durante investigação
de sintomas, diagnósticos, prognósticos e tratamentos, a preparação do ambiente para os
atendimentos, a responsabilidade e respeito com o paciente, são indispensáveis na saúde pública.
(Santos, Fernandes & Oliveira, 2012).
Fazendo um recorte em toda a abrangência dos serviços do SUS, podemos focar o cenário
cirúrgico como laboratório observacional das práticas e atuações em saúde, considerando o
acolhimento como uma intervenção necessária nesse contexto.
O procedimento cirúrgico, por ser altamente invasivo, favorece a ansiedade e remete
preocupações com intercorrências, pós-operatório e consequências do mesmo. A hospitalização
naturalmente causa alterações na rotina e estimula sentimentos de medo, angústia e tristeza. Esses
sentimentos são potencializados com a possibilidade de procedimentos mais invasivos, como as
cirurgias. Ademais o centro cirúrgico é a unidade menos conhecida nos hospitais, o que contribui
para fantasias e receios (Sousa, Duarte, Silva & Mendonça, 2015; Henriques & Cabana, 2013).
O contexto cirúrgico conta com inovações contínuas, caracterizando-se como uma área
extremamente tecnológica e tecnicista. Além disso, as inúmeras cirurgias realizadas diariamente
pelo SUS tornam esse processo mais objetivo. Como consequência direta desses aspectos tem-se
a dificuldade na humanização, pois a rotina e burocratização do contexto cirúrgico distanciam
profissionais e pacientes, dificultando o contato físico, o ouvir e o acolher, ações que exigem dos
profissionais disposições física e psicológica. Essa dinâmica influencia na percepção e na vivência
do paciente, que se sente vulnerável, temeroso e ansioso frente ao procedimento ao qual será
submetido. Frequentemente o paciente inicia um processo de fantasias marcado por ameaças
concretas e imaginárias que podem interferir no transoperatório (Gonçalves et al., 2016; Oliveira,
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Moraes & Marques, 2012; Sousa et al., 2015).
Independente da complexidade cirúrgica que o paciente irá se submeter, há a geração de
estresse, medo e tremor. É um momento em que surgem preocupações relacionadas à morte, à
relação/separação de familiares, ao medo de lesões durante a cirurgia, à dor no pós-cirúrgico, à
possibilidade de ficar incapacitado, à anestesia e suas complicações, à perda da independência,
do trabalho e do controle da própria vida. A reação do paciente é pessoal e subjetiva, logo as
crenças produzidas têm a ver com a sua visão de mundo (Oliveira, Moraes & Marques, 2012;
Sousa et al., 2015; Nascimento et al, 2015).
Diante disso o pré-operatório é considerado o período em que o paciente se sente mais
vulnerável e mais predisposto a desequilíbrios emocionais. É um período extremamente
angustiante e desgastante pelas expectativas geradas. Por isso é importante que no momento pré-
operatório haja espaço para sanar dúvidas, fantasias, inseguranças, medos, temores e ansiedade.
E ainda para realizar orientações acerca do procedimento, tentando transmitir tranquilidade e
segurança ao paciente. Pois, além de evitar que este se sinta inseguro, insatisfeito ou com medo,
as informações e os cuidados prestados antes da cirurgia são fundamentais na diminuição da
ansiedade do paciente (Gonçalves et al., 2016; Sousa et al., 2015).
Os próprios pacientes acreditam que, quando ocorre preparo com orientações a respeito da
cirurgia, há maior sentimento de confiança e segurança na equipe. A sensação de estar preparado
para a cirurgia está associada às orientações recebidas antes de entrar no centro cirúrgico, a
confiança em que tudo ocorrerá bem e a segurança transmitida pela equipe. Nesse sentido é
também responsabilidade da equipe tentar reduzir os sentimentos negativos dos pacientes antes
da cirurgia (Gonçalves et al., 2016; Sousa et al., 2015; Nascimento et al, 2015).
Contudo o que se constata é a carência de condutas de acolhimento pelas equipes. A ausência
de orientações a respeito do procedimento cirúrgico e do acolhimento pela equipe prejudica o
relacionamento entre equipe e paciente, deixando este último na permanência do estado de tensão
e ansiedade. A equipe deve ter o cuidado de não negligenciar a subjetividade dos pacientes, não os
tratando como “mais um procedimento ou mais um tratamento”, desvalorizando a identidade de
cada um (Gonçalves et al., 2016; Oliveira, Moraes & Marques, 2012; Santos, Fernandes & Oliveira,
2012).
É necessário que a equipe possua uma visão do usuário que ultrapasse o seu adoecimento,
considerando suas perspectivas física, social, psicológica e espiritual. Isso possibilitará um
acolhimento adequado e humanizado. O acolhimento e a humanização consistem na compreensão
do paciente e suas necessidades, evitando o tecnicismo. Acolher exige respeito, atenção e empatia
da equipe. Com base na política de Humanização do SUS o acolhimento merece destaque na
prática profissional, sobretudo a escuta qualificada que favorece a relação entre profissionais e
paciente (Caderno Humaniza SUS, 2011; Oliveira, Moraes & Marques, 2012; Santos, Fernandes &
Oliveira, 2012).
Apesar do desenvolvimento do SUS e dos avanços no âmbito cirúrgico, ainda são recorrentes
hiatos na gestão e operacionalização no SUS, principalmente no que se relaciona ao acesso e
acolhimento dos usuários nos diversos contextos da saúde (Santos, Fernandes & Oliveira, 2012).
Em relação ao período pré-cirúrgico, a ausência do acolhimento pode ocasionar
consequências negativas no paciente, especialmente quando este desenvolve fantasias sobre o
procedimento cirúrgico, como já foi mencionado anteriormente. Os pensamentos fantasiosos
podem influenciar no desenrolar do procedimento transoperatório e particularmente na
sua recuperação, tendo em vista que os aspectos emocionais repercutem em toda a condição
física do indivíduo, principalmente em seu sistema imunológico. As fantasias podem elevar o
nível de ansiedade e demais sentimentos, favorecendo a instauração de crises emocionais que
impossibilitem o desenvolvimento do processo. A ansiedade em determinados níveis, pode levar
348 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
funciona como deveria. E o que evidencia também que esse público, por possuírem menor nível
de esclarecimento, é o que mais necessita de informações a respeito do tratamento operatório
(Maluf, Richlin & Barreira, 2015).
Método
Resultados e Discussão
A intervenção psicológica nas unidades cirúrgicas é uma temática pouco explorada durante
os cursos de graduação de Psicologia, o que é perfeitamente compreensível pela extensão da
Psicologia Hospitalar como disciplina e especialidade e claro, pelo pouco período para o trabalho
de todos os temas importantes nessa área. Esse contexto fomentou a necessidade em um
aprofundamento específico para a atuação nessa clínica.
O ingresso na unidade clínica cirúrgica foi uma experiência com muitas peculiaridades,
associadas a diversas características do posto de internação e do público alvo do mesmo. Com
350 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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de procedimentos médicos. Ademais, Gonçalves et al. (2016) e Sousa et al. (2015) mencionam
que, devido à vulnerabilidade sentida pelos pacientes antes da cirurgia, somada ao desequilíbrio
e desgaste emocional, é imprescindível que nesse momento haja espaço para sanar dúvidas,
fantasias, inseguranças, medos, temores e ansiedade, além de realizar orientações acerca do
procedimento, tentando transmitir tranquilidade e segurança ao paciente. Pois, além de evitar
que este se sinta inseguro, insatisfeito ou com medo, as informações e os cuidados prestados
antes da cirurgia são fundamentais na diminuição da ansiedade do paciente.
Em atendimentos pré-operatórios foi observável que pacientes que possuíam experiências
cirúrgicas anteriores tinham menor nível de ansiedade, expectativas positivas e recursos de
enfrentamento mais evidentes. Porém, quando a experiência cirúrgica anterior foi negativa ou
traumatizante, verificou-se o contrário: maior ansiedade, pessimismo, desconfiança, medo e
inobservância de recursos de enfrentamento. Nesses quadros buscava-se estimular pensamentos
positivos, esperança e a confiança na equipe, sem omitir os riscos possíveis. O principal objetivo
era suscitar a reelaboração da experiência de forma positiva. Santos, Martins & Oliveira (2014)
ratificam que o acolhimento realizado pelo profissional de psicologia busca amenizar os impactos
emocionais negativos e auxiliar nas etapas cirúrgicas, acolhendo o paciente em suas particularidades,
considerando-o holisticamente e construindo uma relação empática e verdadeira, para que assim
consiga perceber suas dificuldades e medos relacionados à cirurgia, planejando ações voltadas
para estes objetivos e para a promoção de mudanças.
Logo, atuação na clínica cirúrgica constatou a necessidade do acolhimento pré-cirúrgico
refletido pelas demandas dos próprios pacientes. Tornou-se evidente que a avaliação psicológica
nesse período é um fator importante na preparação para a cirurgia. Lamentavelmente o acolhimento
pré-cirúrgico é desvalorizado na preparação do paciente e realizado apenas pelos profissionais
da psicologia, causando uma carência no paciente a respeito de aspectos emergentes antes da
cirurgia. No entanto, a realidade aqui constatada é coerente com o panorama da saúde pública
do país, em que se destaca a ausência de práticas importantes para o bom desenvolvimento do
processo operatório, como o acolhimento.
Destaca-se com isso a importância da valorização desses aspectos na preparação e
acolhimento do paciente pré-cirúrgico, bem como a relevância de que toda a equipe se atente para
essas dimensões. Da mesma forma que se ressalta a pertinência do psicólogo como integrante
da equipe pela sua maior sensibilidade e domínio das condições psicológicas, emocionais e
comportamentais, o que favorece as intervenções e o auxílio aos demais profissionais na condução
dessas variáveis durante o processo cirúrgico. O acolhimento possui maior efetividade quando
realizado em equipe multiprofissional e resulta na abordagem holística do paciente.
A experiência possibilitou aquisição de muitos conhecimentos pertinentes ao contexto
cirúrgico, tanto aspectos psicológicos e emocionais dos pacientes, como aspectos clínicos. A práxis
em clínicas com maior nível de especialidade evoca a necessidade desses conhecimentos e resultam
em um maior repertório de atuação em psicologia hospitalar, beneficiando aos profissionais que
alcançam maior assertividade nas condutas e aos pacientes que dispõem de atendimentos mais
efetivos. As limitações são fator motivador para o progresso da atuação psicológica nesse contexto
e delimitação do psicólogo na equipe profissional. Dessa forma, a construção desse caminho deve
ser reforçada e compartilhada para o alcance de maiores contribuições nesse âmbito.
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Brasil.
Introdução
O
presente texto constitui-se a partir de reflexões oriundas de uma experiência de
trabalho como psicólogo no espaço hospitalar. Entendemos que a atuação
do psicólogo nesse contexto é atravessada por diversas instituições tais como a
medicina, o paciente e a própria doença. Esses atravessamentos compõem um cenário do qual o
psicólogo faz parte, não deixando também de ser agente transformador. Desta forma, uma das
linhas de intervenção deste profissional se dá a partir de determinada concepção de clínica na
qual, através de sua escuta, acolhe o que o paciente tem a dizer sobre a sua doença, o processo de
hospitalização e o sofrimento surgido na esteira destes acontecimentos.
A dinâmica institucional produz incessantemente situações conflituosas que trazem à tona
o mal-estar oriundo de cristalizações existenciais provocadas pelo adoecimento e pelo próprio
processo de hospitalização. O recebimento de uma notícia difícil referente a um diagnóstico,
problemas de comunicação com a equipe e longas internações são alguns dos problemas que
surgem cotidianamente no hospital. A presença do psicólogo nas enfermarias é requisitada quando
algo escapa ao pragmatismo e aos domínios do saber médico, quando algo acontece fora do
tom pretendidamente hermético da instituição hospitalar. Pacientes chorando de dor, familiares
acompanhantes angustiados por causa da hospitalização de entes queridos, profissionais da
saúde adoecidos em virtude de condições adversas de trabalho, enfim, cenas que compõem uma
paisagem na qual o psicólogo é convocado a intervir com suas ferramentas de trabalho.
A confecção destas ferramentas se impõe como desafio neste ambiente dominado por
outros tipos de instrumentos como seringas, bisturis e máscaras. Diante de corpos costurados,
investigados e revirados, procuramos abrir outras fendas, pequenas brechas nas dimensões espaço-
temporais do rígido funcionamento da maquinaria hospitalar. Torna-se necessário numa paisagem
em que nos deparamos constantemente com algo da ordem do insuportável que atinge não só
o paciente, mas também a equipe cuidadora. A dor silenciosa dos pacientes que se encontram à
beira da morte, fora de uma possibilidade terapêutica, mas que permanecem hospitalizados, por
exemplo.
Buscamos abrir espaço para que algo de outra ordem possa passar, buscando promover
um encontro entre os corpos ali presentes na tecitura de uma prática de cuidado respeitosa e
acolhedora. Diante do adoecimento do corpo e do sofrimento que brota destas experiências até
então inéditas na vida de algumas pessoas, o ato de cuidar configura-se em abraçar o desconhecido
em si e no outro, acolher o estrangeirismo do acontecimento, criando morada para o inesperado.
Neste cenário, não são raras as vezes em que o silêncio aparece como elemento que
permeia as relações entre quem cuida e quem é cuidado. Pretendemos neste trabalho levantar
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
algumas considerações sobre as maneiras possíveis de cuidado junto àqueles que se encontram
em condições nas quais a linguagem já não assume lugar de destaque diante do outro. Buscamos,
portanto, evidenciar o registro da hospitalidade no ambiente hospitalar, onde o acolhimento daquele
que sofre em silêncio é condição para que se estabeleça práticas possíveis de cuidado, para que
algo possa se iniciar, se inaugurar em meio a uma situação-limite. Esta é a noção com a qual nos
brinda Derrida (2003) em seus estudos sobre a hospitalidade. O desafio levantado pelo autor de
abrir espaço e acolhida para o estrangeiro que não fala a sua língua, que não é adepto de seus
costumes, sem que lhe sejam impostos códigos previamente estabelecidos por aquele que acolhe,
nos aproxima de experiências vividas no hospital através do acompanhamento de pacientes que
se encontram num registro da vida até então desconhecido.
A construção desta tarefa carrega consigo o desafio de criar um éthos, uma atitude, nesta
caminhada junto àquele que adoece. No perfil dos pacientes internados encontram-se aqueles
inseridos no grupo da chamada atenção terciária, de alta complexidade, em que o paciente necessita
dos cuidados que só um hospital pode oferecer. Nestes casos, as internações podem ser mais
longas, uma vez que, por conta da gravidade do caso, o paciente necessita da infra-estrutura
do hospital. Ao longo do meu percurso como psicólogo não foram poucas as vezes em que me
vi diante de um paciente em estado grave, com poucos recursos para se comunicar e ao mesmo
tempo em intenso sofrimento. Na maioria dos casos, pacientes que se encontravam à beira da
morte, com poucas chances de recuperação.
Um paciente com metástase, enfrentando intensas dores, mostrando-se extremamente
incomodado com sua acompanhante que mostrava fotos antigas de família ao psicólogo.
Familiares relatando uma piora no estado emocional de outro paciente que também se encontrava
em estado grave após a visita de familiares que o instigavam com perguntas. Um paciente relatando
seu espanto ao surpreender-se irritado por ouvir conversas no corredor do hospital sobre seu time
de coração, sobre o qual sempre quis ter notícias. O acompanhamento destes momentos me
permitiu uma aproximação com determinado registro da vida em que as palavras pareciam exercer
um peso doloroso para aquelas pessoas que estavam existindo de uma outra maneira.
Esses encontros estão inseridos em um registro de tempo bastante peculiar, onde a
intensidade do que se vive é inversamente proporcional ao tempo que se tem ao lado das pessoas
que se encontram nessa situação, numa dimensão inegociável da vida. Entendemos que a
dificuldade que brota desses encontros traz consigo os limites e desafios de acompanhar alguém
que se encontra em tal momento da vida.
De que maneira podemos acompanhar aquele paciente que, por conta da gravidade de
uma doença que lhe toma o corpo já não consegue falar, encontrando-se fora de um domínio
onde a linguagem já não é soberana na transmissão do que se vive? Sobre quais registros da vida é
possível intervir em experiências limites em que o psicólogo é um agente de cuidado? Como cuidar
de alguém que se encontra numa zona intermediária da vida em uma instituição cujas práticas
tomam a vida em seu registro puramente biológico?
Deparamo-nos com inquietações provenientes de uma experiência de cuidado que
esbarrou em limites impostos por determinada concepção de clínica que privilegia o que é falado,
o que é dito sobre si, onde é esperada uma trama discursiva sustentada por uma suposta unidade
estrutural do sujeito ali presente. Mas como intervir diante de um corpo que fenece, de uma
subjetividade que parece se decompor em episódios extremos de dor e desesperança? A partir
de qual noção de sujeito podemos caminhar neste cenário que se delineia? Como acompanhar
o silêncio? Como o psicólogo pode estar presente no plano silencioso de existência do paciente
moribundo?
Eu penso que o silêncio é uma das coisas às quais, infelizmente, nossa sociedade renunciou.
Não temos a cultura do silêncio, também não temos a cultura do suicídio. Os japoneses, sim.
Ensinava-se aos jovens romanos e aos jovens gregos a adotar diversos modos de silêncio, em
função das pessoas com as quais eles se encontravam. O silêncio, à época, figurava um modo bem
particular de relação com os outros. O silêncio é, eu penso, algo que merece ser cultivado. Sou
favorável a que se desenvolva esse êthos do silêncio.” (Foucault, 2014, 192).
Seguimos então a pista deixada por Foucault (2014) na direção de pensarmos um ethos
do silêncio. De acordo com o autor, existem muitos silêncios, que são partes integrantes de
estratégias que apoiam e atravessam os discursos, sendo importante tentar identificar essas
diferentes maneiras de não dizer e de que forma são distribuídos os que podem e os que não
podem falar. O silêncio sobre o qual nos debruçamos brota de experiências marcadas pela dor e
pelo trágico. Pretendemos caminhar e nos debruçar sobre estas questões a partir de uma ética do
silêncio, que tem como pilar a ética do cuidado de si desenvolvida por Michel Foucault na última fase
de seu pensamento.
Em seu curso de 1982 no intitulado “A hermenêutica do sujeito”, o autor investiga de
que maneira ao longo da história o conhecimento de si sobrepôs-se às chamadas práticas de si: “(...)
é o cuidado de si, relativamente ao privilégio tão longamente concedido ao conhecimento de
si, que […] gostaria de fazer reemergir” (2014a, pp. 67-68). Nesta investigação o autor toma
como ponto de partida a distinção entre estas duas modalidades. O cuidado de si pressupõe que o
acesso à verdade é alcançado por atos ou práticas que transformariam o sujeito. O conhecimento
de si corresponderia ao pensamento do tipo representativo, segundo o qual o acesso à verdade é
privilégio do sujeito em razão de sua própria estrutura, enquanto ser cognoscente. No primeiro
caso encontramos como personagem o sujeito antigo, que se constitui em técnicas ou exercícios
de conversão a si, em que a sua verdade pode ser lida ou descrita. Já no segundo, evidencia-se
a tradição que caracteriza o sujeito moderno, portador de uma identidade já dada, onde está
alojada a sua verdade, a ser descoberta ou decifrada.
Ainda neste campo de discussão, somos guiados pela maneira como o autor contrapõe
duas questões que ilustram de maneira ainda mais precisa as diferenças acima demarcadas: de
um lado a questão “quem somos nós?”, traz à tona o sujeito do conhecimento de si, resguardado
em sua “verdade íntima” e “constituição profunda”; do outro lado o sujeito do cuidado de si, em
sua constituição ética esculpida por suas ações, que irá responder à questão “que devemos fazer de
nós mesmos?”. Identificamos nesta distinção que será trabalhada por Foucault ao longo do curso
uma importante pista, que nos leva na direção da prática do silêncio como técnica de si, como
ato de cuidado, na esteira deste resgate promovido pelo autor. Desta forma, entendemos que a
construção de uma ética do silêncio no espaço hospitalar colocará o agente de cuidado diante da
necessidade de um cuidado de si. É preciso cuidar de si para cuidar do outro.
A entrada da psicologia no hospital geral, instituição até então dominada pelo saber
médico, representou o início de uma tentativa de inserção de algo do registro psíquico, subjetivo
nas práticas de cuidado direcionadas ao paciente. Apostou-se em introduzir uma outra dimensão
de cuidado aos corpos apropriados por saberes e técnicas que negligenciavam o seu sofrimento
e história até então: “Nós não temos um corpo, nós somos um corpo” (Lowen apud Muylaert,
1995). Das experiências limites e gritantes dos pacientes nos hospitais psiquiátricos ao sofrimento
silencioso, desapercebido e em busca de acolhimento dos pacientes das enfermarias de um hospital
geral transitou o profissional de psicologia. Um percurso histórico das intervenções do psicólogo
nos estabelecimentos de saúde que se confunde com o caminho percorrido por quem escreve este
texto.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O início do meu percurso como psicólogo num hospital geral foi marcado por inquietações
que até hoje permeiam a minha prática. Vindo do campo da saúde mental, onde o trabalho
em rede tende a dissolver a rigidez das fronteiras entre as especialidades presentes na atenção
psicossocial, esbarrei-me com a forma de trabalho segmentada do funcionamento hospitalar. A
presença do psicólogo é requisitada através de um parecer elaborado por profissionais da equipe
médica ou da enfermagem, na maioria das vezes. Como dito na introdução, estes pedidos são
feitos diante de casos mais graves, que despertam na equipe uma preocupação em relação ao
aspecto subjetivo do paciente.
“Quem me chamou aqui?”. Não foram poucas as vezes em que me fiz esta pergunta diante
de pacientes que não apresentavam uma demanda para acompanhamento, pelos mais diversos
motivos, dentre eles por já contarem com um suporte de familiares ou por não se sentirem à
vontade de conversar com um psicólogo, recusando a oferta do atendimento. Aos poucos foi
possível notar que não eram raras as vezes em que os pedidos de atendimento eram feitos por
profissionais ou a pedido de familiares por causa do estado grave em que se encontravam os
pacientes por eles acompanhados. A partir de uma análise desta demanda foi possível identificar
o sentimento de angústia daqueles que pediam ajuda em nome do paciente, cujo sofrimento
silencioso acabava por afetar aqueles que o rodeavam.
Esse silêncio que de alguma maneira se presentificava em pedidos de atendimentos feitos
por outras pessoas, passou a me instigar cada vez mais, levando-me a uma maior aproximação
destes casos. A partir desta aproximação fui levado ao desafio de seguir as linhas que constituíam
esse silêncio. Em muitos casos é possível notar que o silêncio é resultado de práticas de
assujeitamento sobre o paciente na instituição hospitalar. Foucault (1995) nos convida a pensar as
relações de poder a partir dos focos de resistência que se estabelecem: nos hospitais psiquiátricos,
essa resistência aparecia muitas vezes em episódios de surtos que facilmente corriam o risco de
serem tomados como crises pontuais e descontextualizadas dos efeitos iatrogênicos produzidos
pela instituição asilar; já no hospital geral foi possível notar que esse mecanismo ocorre de uma
maneira silenciosa em que o paciente se cala e adoece diante da distância que ainda persiste na
relação com o médico. Enquanto uma relação de poder é entendida enquanto uma ação sobre
ações, eventuais ou atuais, a relação de violência agiria sobre o corpo: “(...) ela força, ela submete,
ela quebra, ela destrói; ela fecha todas as possibilidades; não tem, portanto, junto de si, outro
pólo senão aquele da passividade; e, se encontra uma resistência, a única escolha é tentar reduzi-
la”. A relação de poder se articularia a partir da possibilidade de que aquele sobre o qual a relação
se exerce, seja reconhecido enquanto sujeito de ação e, que através da relação estabelecida se
produza “todo um campo de respostas, reações, efeitos e invenções possíveis.” (p.243).
A presença do psicólogo no acompanhamento destes casos é de grande relevância, e
uma vez traçada essa primeira linha do silêncio, na qual o paciente é silenciado nesta dinâmica
institucional que evidencia o registro violento de determinadas intervenções, destacaremos a
segunda, da qual pretendemos nos aproximar. Sublinhamos que esta aproximação é instigada
por um impasse importante surgido no acompanhamento de pacientes graves que não tinham
o que dizer e encontravam-se em intenso sofrimento. Fui levado nesta direção a partir de uma
necessidade de justificar e sustentar a minha presença ao lado destes pacientes com quem
intuitivamente achava importante estar ao lado. Urge fazer retornar para nós o que de intolerável
se apresenta diante de uma existência silenciosa. Por que é tão difícil suportar?
Ao nos debruçarmos sobre os episódios em que se tornava mais difícil o acompanhamento,
identificamos que essa dificuldade emergia dos casos em que os pacientes estavam num estado
crítico, à beira da morte. À medida que o quadro clínico do paciente se agrava, a sua interação
verbal torna-se cada vez mais escassa, sendo possível identificar um processo de silenciamento
gradativo. Em meio a esse processo, as palavras passam a ganhar um peso que até então não
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
(Pelbart, 2013, p. 31). Tomemos esta questão para nos guiar na construção desta ética do silêncio
diante de corpos que não aguentam mais.
Passei a me deparar com uma dimensão da clínica pouco experimentada até então. Instalou-
se um desafio de ocupar esse território silencioso acreditando que algo da ordem do cuidado
também poderia estar presente nestes momentos. De que maneira estar ao lado de alguém que já
não consegue falar? Uma presença silenciosa exige uma atitude de despojamento de expectativas,
de melhoras ou de algum tipo de retorno daquele a quem nos disponibilizamos acompanhar
desta maneira tão singular. Reside neste ponto a grande dificuldade desta prática, que nos coloca
diante da necessidade de um reposicionamento clínico neste território pouco habitado.
Resultados e Discussão
Este questionamento torna-se condição de sustentação desta prática, uma vez que
facilmente corre-se o risco de passar direto por um paciente que não consegue falar. Torna-se,
portanto, uma escolha ética escrever sobre estes encontros forjados na solidão de quem os habita,
quando o profissional se abre à possibilidade de acompanhar alguém e não ter nenhum tipo
de retorno do que está fazendo. Assinalamos a dificuldade de ser o destinatário de quase nada
que nos chega, sendo esta a impressão que prevalece quando corremos o risco de tomarmos
o silêncio como ausência de elementos afetivos, em vez de entendê-lo como território povoado
de intensidades, encontro de corpos vibráteis, o que seria uma capacidade, pouco conhecida
e discutida, dos nossos órgãos dos sentidos que nos permite “apreender a alteridade em sua
condição de campo de forças vivas que nos afetam e se fazem presentes em nosso corpo sob a
forma de sensações” (Rolnik, 2007, p. 12).
Em seu estudo “A solidão dos moribundos”, Nobert Elias (2001) nos chama a atenção
para o fato das pessoas morrerem cada vez mais sozinhas, através de um processo de afastamento
em relação àqueles que os cercam e que até então lhe conferiam sentido e conforto. Esta solidão
será objeto de estudo do autor, que enxerga na dificuldade dos vivos se identificarem com quem
está morrendo um motivo importante para a solidão destes:
Aqui encontramos, sob forma extrema, um dos problemas mais gerais de nossa época –
nossa incapacidade de dar aos moribundos a ajuda e afeição de que mais que nunca precisam
quando se despedem dos outros homens, exatamente porque a morte do outro é uma lembrança
de nossa própria morte. A visão de uma pessoa moribunda abala as fantasias defensivas que as
pessoas constroem como muralha contra a ideia de sua própria morte.” (Elias, 2001, pp. 16-17).
Os apontamentos feitos pelo autor são de grande importância para a nossa investigação
ao passo que expõem a complexidade deste processo, em que se busca um sentido em meio a
esta experiência limite da morte. Esta problematização nos leva a indagação sobre o modo como
nos apresentamos diante dos que morrem. Acreditamos que uma maior aproximação passa a ser
possível quando apostamos em modos de vida nos quais a ideia de um sujeito universal, falante
e senhor de si é questionada. Sustentar a minha permanência silenciosa ao lado de um paciente
que sofre, passa necessariamente pela construção de um corpo outro, permeável a “vacúolos de
solidão” (Deleuze, 2008), que seja capaz de compor um plano de coexistência na intensidade
destes momentos.
A efemeridade destes momentos nos convida na direção de uma tentativa de se aproximar
do que é imperceptível e seguir as pistas deixadas no rastro de quem habita o trágico e vive na dor.
Ao longo de alguns anos de experiência no acompanhamento de pessoas que se encontram nesta
situação, persiste uma inquietação que brota de uma experiência breve e intensa destes encontros
não palavreados, onde se encontram nada mais do que dois corpos: um que está mergulhado
num silêncio moribundo e o outro que está ao seu lado, angustiado com as suas ferramentas de
trabalho que parecem não dar conta do silêncio que povoa estes momentos.
Entre a vida e a morte há um momento em que não é mais o de uma vida que brinca
com a morte. A vida do indivíduo deu lugar a uma vida impessoal, portanto singular, que resgata
um acontecimento puro, liberto dos acidentes da vida interior e exterior, ou seja, da subjetividade
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estrutura da subjetividade, não tanto um princípio, mas uma prática, que deve preocupar-se
em não recair numa ressubjetivação que seria ao mesmo tempo um assujeitamento – o grande
risco. Ser um sujeito, pois, apenas na medida de uma necessidade estratégica ou tática, princípio
útil em todos os domínios onde uma prática de si tangencia zona de não conhecimento ou de
dessubjetivação, onde um sujeito assiste ao seu colapso ou roça sua dessubjetivação. (Pelbart,
2013, pp.227-228).
Na esteira desta discussão, as contribuições de Deleuze na busca por um domínio do
impessoal, do acontecimento e das singularidades pré-individuais nos apontam a direção de
pensar um processo de dessubjetivação enquanto devir, linha de fuga (Deleuze e Guattari, 2012),
criando-se possibilidade de habitar essa zona intermediaria entre os diferentes registros da vida.
Partindo de uma atitude hospitaleira na direção de uma prática de cuidado em que se busca acolher
esse silêncio que nos é estrangeiro, apostamos na necessidade de sustentar uma presença neste
território transitório, neste espaço entre os registros da vida, acreditando que ali há uma vida. Para
tanto é preciso despojar-se, num constante exercício de cuidado de si, no desafio de criar um corpo
poroso aos lampejos de vida que ainda se presentificam na terminalidade.
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PSICOLOGIA DO TRABALHO
ADOECIMENTO DOCENTE
Rebeca Castro Santiago
Luís Sávio Veras Lima
Pedro Ivo Rocha Menezes
Rita Carla Matos Maciel
Introdução
C
arloto (2002), já conceituava o professor como aquele que se doava sacerdotalmente
aos alunos, sendo fiel aos princípios da instituição. Atualmente, profissional tão
desvalorizado na nossa sociedade – entretanto de suma importância por ser o
formador de novas profissões- vem sofrendo um desgaste cada vez maior, como já sugere (Cruz,
Lemos, Welter, Guiso, 2010) o profissional que antes era reconhecido e bem visto, agora luta
por esse reconhecimento na sociedade. Esse desgaste, ainda segundo (Cruz, Lemos, Welter,
Guiso, 2010) vem acontecendo por conta das constantes exigências e atualizações no mercado
de trabalho, acarretando em problemas físicos e mentais. A rotina estressante, carga horária
excessiva, falta de incentivo e baixa renumeração, entre esses e outros fatores contribuem para
esses desgastes.
Diversos são os problemas físicos e mentais que esses profissionais podem vir a enfrentar,
entre eles: depressão, problemas na fala, problemas na coluna, estresse, ansiedade e até mesmo
Síndrome de Burnout. Segundo Carlotto (2002), não podemos nos esquecer dos fatores
estressantes psicossociais no exercício dessa profissão.
Escolhemos abordar esse tema devido a nossa proximidade com a realidade comum dos
docentes, e com a identificação de possibilidades de atuação no futuro. Sendo também um tema
pouco estudado na atualidade, mas de relevância social muito importante.
Não podemos deixar de contextualizar o tema na realidade atual, tendo em vista a proposta
de lei da reforma trabalhista, que interfere ainda mais nos aspectos relacionados a profissão de
professor, é importante analisar as problemáticas que surgem a partir de tais aspectos, para que
se possa pensar em uma forma de lidar com o sofrimento que esses profissionais venham a ter, e
o que tem impacto também nas exigências do mercado de trabalho.
Tendo em vista, que a educação vem sofrendo várias transformações, e isso implica em
mais cobranças para os profissionais dessa área, e como o professor é indispensável, é exigido
dele que esteja em constantes atualizações de conhecimento e qualificações, para mostrar
sempre resultados positivos, uma exigência do capitalismo. Silva (2012), já nos alertava sobre o
capitalismo explorador usar maneiras disfarçadas de retirar o direito do trabalhador, utilizando a
alienação para desumaniza-lo.
As condições de trabalho ficam em segundo plano, e muitos profissionais não conseguem
cumprir com todas essas exigências. É importante ressaltar, que a desvalorização econômica e
pessoal, além de excessiva jornada de trabalho, tem um peso grande em como esses profissionais
se sentem em relação ao seu trabalho.
Desenvolvimento
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
pode-se afirmar, com base nos depoimentos obtidos, que o processo de abandono ocorreu,
principalmente para os professores em estudo, por meio do enfraquecimento ou relaxamento dos
vínculos existentes.
O trabalho do profissional da área da educação, especificamente, para que seja realizado
satisfatoriamente e para que cumpra seu papel equilibrador, requer o estabelecimento de
vínculos específicos com determinadas classes de objetos: instituições, pessoas, instrumentos e
organizações. Esses vínculos são de extrema importância pois se trata de um conjunto de relações
que o professor deve estabelecer para que se suceda um desempenho satisfatório de suas atividades
no magistério.
Desse modo, considerando-se tais perspectivas de como se fazer educação, pode-se constatar
que exercer a profissão de professor nos dias atuais é um ato de extrema valentia e dedicação,
tendo em vista que os profissionais responsáveis pela área educacional enfrentam uma série de
problemas e dificuldades durante o desempenho de suas práticas pedagógicas. Pode-se dizer que
nunca foi tão difícil ser professor como nos dias de hoje. A profissão docente, nas últimas décadas,
se depara com um processo de valorização/desvalorização, crítica e perda de identidade frente à
mudança contínua e rápida que dirige nossas propostas de vida e trabalho, a grande preocupação
do professor passa a ser a legitimidade da coisa ensinada.
Segundo Lacerda (2011), nos dias atuais a educação passa por profundas transformações,
tendo em vista as mudanças constantes que vêm ocorrendo no mundo. As novas tecnologias
evoluem num ritmo cada vez mais acelerado, e o mundo científico também avança constantemente,
com novas descobertas e estudos, apontando diferentes competências para atuar na sociedade
e no campo educacional. Diante disso, os novos desafios vêm instigando os profissionais da
educação a buscarem novo saberes, conhecimentos, metodologias e estratégias de ensino.
Em decorrência dessas diversas transformações vivenciadas pelo mundo atualmente, cada
vez mais se faz necessário que os educadores se reinventem com o intuito de ensinar e aprender.
Esse processo de reinvenção profissional é de suma importância pois adequa-se como diferencial
no processo de aprendizagem do aluno através de métodos lúdicos com o objetivo de atrair a
atenção de alunos cada vez mais imediatistas e adversos aos estudos e buscas de informações de
forma mais aprofundada.
Para dimensionar esse aspecto, faz-se necessário que sejam detectadas as novas exigências
enfrentadas pelos professores no mundo contemporâneo. As exigências de mudanças no contexto
escolar e social na atualidade requerem profissionais atualizados e competentes, que estejam
preparados para atuar com diferentes problemas.
O que fica flagrante diante de tais atestações, entretanto, é um dilema sobre a enorme
dificuldade de combinar os muitos fatores que dizem respeito à formação humana. Parece que
a sociedade cobra cada vez mais o bom desempenho profissional dos sujeitos envolvidos na
educação, no entanto, não se é oferecida a autonomia e disposição necessária para abarcar de
maneira satisfatória todas essas demandas. Ao refletir um pouco sobre a função do professor
na atualidade, deparamo-nos com um conjunto de diversos fatores que possibilitariam um bom
desempenho profissional, dentre eles pode-se citar: um bom relacionamento com pais e alunos,
melhores condições de trabalho, valorização financeira, pessoal e profissional, além de outras
condições mínimas necessárias que influenciariam e muito na manutenção da saúde do educador
e, consequentemente, em sua produtividade.
Metodologia
Para a elaboração desse paper de abordagem qualitativa foi utilizado à análise de conteúdo
que é um conjunto de técnicas que permitem analises das comunicações. (Bardin, 1977. p. 31).
A pesquisa contou com a participação de 10 professores da rede pública de ensino da cidade de
Parnaíba.
Realizou-se uma entrevista semiestruturada, que se configura como uma entrevista aberta,
onde o participante pode discorre sobre o tema em questão, a partir de sua própria visão.
366 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Eixo temático 1: Motivação da Escolha
Nesse item pode ser percebido que os maiores resultados foram negativos, pois apesar de
alguns profissionais sentirem-se satisfeitos com sua rotina de trabalho, a maioria acha cansativo
e acredita que interfere em outros afazeres da vida pessoal.
Eixo temático 3: Sentimento em relação ao Trabalho.
Nesse eixo houve uma prevalência de resultados positivos, pois apesar de alguns se sentirem
desvalorizados financeira e socialmente, a maioria está feliz e realizado com sua profissão.
Aqui os profissionais se mostraram divididos, pois enquanto uns estão satisfeitos outros
acreditam que seja cansativo. Prevalência de sentimentos positivos para quem cumpre uma carga
horária menor.
Nesse eixo tivemos uma prevalência de sentimentos negativos, pois a maioria dos profissionais
relata que o trabalho prejudica sim a sua saúde, relataram especialmente problemas com a voz, na
coluna e os estressores emocionais.
Conclusão
Bohoslavsky, R. Orientação vocacional: a estratégia clínica. São Paulo: Martins Fontes, 1977
Cruz, R. M., Welter, M., & Guisso, L. (2010). Saúde docente, condições e carga de trabalho.
Revista Electrónica de Investigación y Docencia (REID), Da Silva, F. G. (2017). Alienação e o processo de
sofrimento e adoecimento do professor: notas introdutórias. Revista Labor, 1, 49-64.
Gasparini, Sandra Maria; Barreto, Sandhi Maria; Assunção, Ada Ávila. Prevalência de
transtornos mentais comuns em professores da rede municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais,
Brasil. Cad. Saúde Pública [online]. Disponivel em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0102-311X2006001200017.> Acesso em: 20 ago.2017
Sacristan, J. G. Consciência e Ação Sobre a Prática como Liberação Profissional dos Professores.
In NÓVOA, António. Profissão Professor, Porto Editora, 2° Edição, 2008.
Zagury, T. O Professor Refém: para pais e professores entenderem por que fracassa a educação
no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2006.
368 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
DESEMPREGO E SAÚDE MENTAL À LUZ DO FILME O
CORTE
Lícia Calvet Araújo
Carla Jeanne da Silva Cruz
Maurício Antônio Leite Soares Júnior
Virlainne Moreno de Lemos
Carla Vaz dos Santos Ribeiro
Introdução
C
ientes da importância de proporcionar um ambiente de reflexão e debate acerca
de temas contemporâneos da sociedade, decidiu-se trazer um aprofundamento
teórico crítico de um mal que assombra inúmeros brasileiros, este é o desemprego,
temática que abarca o contexto da Psicologia Organizacional e do Trabalho. Na busca de
um maior entendimento da problemática, seu funcionamento e consequências, foi definida a
articulação do filme O Corte com o tema desemprego e seus agravos à saúde mental na sociedade
contemporânea como base para o estudo e desenvolvimento do presente trabalho. O filme em
questão trabalha o desespero de um desempregado e as consequências que pairam seu cotidiano,
o que engloba a concorrência no mundo corporativo, o próprio desemprego, o momento de crise
econômica e as consequências sociais e pessoais dessa problemática, tal como sua interferência
na saúde mental. Dessa forma, a trama apresenta de forma visual as diversas perdas, demandas
e vivências, ora levemente exageradas para manter um tom humorístico, viabilizando uma
suavização e integração do tema em sua profundidade, assim aproximando a imagem fílmica da
realidade de um desempregado. Dentre os diversos pontos de destaque, ressaltam-se não só as
modificações decorrentes da nova situação financeira, mas também a importância e impacto das
relações pessoais como apoio psicológico para superação desse contexto do mundo sem trabalho.
Sendo assim, torna-se necessária a reflexão desse contexto de trabalho vistos os desafios do atual
mercado e seus impactos na sociedade.
Desenvolvimento
Desde o início do cinema buscou-se uma reprodução cada vez mais fiel e completa
da realidade. A imagem fílmica suscita certamente um sentimento de realidade, através das
aparências, para o espectador. A percepção alcança, no nível sensorial, o que no domínio da razão
é conhecido como compreensão. O olhar de cada homem também antecipa, de modo modesto, a
admirada capacidade do artista de produzir padrões que interpretavam validamente a experiência
através da forma organizada (Arnheim, 1986, p.37). Portanto, o cinema possui, mesmo que por
uma ótica industrial, a notória capacidade instrumental para ser objeto de análise da psicologia.
O filme conta a trama de Bruno Davert que, após um processo de fusão ocorrido na empresa
370 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
laços afetivos, e passa a desenvolver relações e momentos de conflitos, que por muitas vezes acaba
levando a divórcios e problemas com os filhos, visto que o sujeito não consegue mais satisfazer o
consumismo antes promovido, e a sensação de impotência passa a se apresentar juntamente com
o isolamento transformando as relações e afastando as pessoas.
Retornando a fala de Bruno ‘‘Ser demitido acabou com minha tribo, nos tornamos inimigos’’,
presente no contexto da terapia, é possível notar que esse perdeu seus amigos, que antes eram
um time, sempre unidos e presentes e que, com a demissão, ele havia perdido sua vida social
que centralmente era na sua empresa. É importante refletir que a situação de desemprego pode
levar a prejuízos intensos para a saúde mental do trabalhador, visto que, como já explicitado, o
trabalho passa a ser algo muito significativo na vida dos seres humanos e no reconhecimento social
necessário ao sujeito (Pinheiro & Monteiro, 2007). O desemprego traz o afastamento dele do seu
meio social, das suas referências cotidianas, da sua rotina. Assim, ocorrem rupturas bruscas nos
relacionamentos construídos ao longo de sua vida, sendo essa construída durante a maior parte
de seus dias no trabalho. No filme pode ser percebido o quanto a condição de desemprego leva
Bruno a se isolar socialmente, não se vê mais amigos no seu cotidiano e seu convívio familiar é
completamente abalado.
A influência do desemprego e suas consequências no ambiente familiar e na autoconfiança
do desempregado se mostraram presentes. Bruno se sentia culpado pela nova situação financeira,
marcada por cortes, vivida pela família. Os dois anos e meio desempregado acabaram por prejudicar
a sua autoconfiança, como podemos perceber na fala de sua esposa: “-É o que você precisa,
confiança” e nas frases de Bruno carregadas de baixa autoestima: “Não sei mais sorrir”, “Não
sei fazer autopropaganda”, “Não adianta, há muitos caras qualificados com caras sexys a minha
frente”. Como afirma Vasconcelos e Oliveira (2004), as consequências sociais e psicológicas,
causadas pelo crescente nível de desemprego, podem vir a gerar diversas formas de transgressão
e delinquência. E, são justamente por meio de delitos que Bruno e o filho buscam solução para
retornarem ao padrão financeiro que tinham. Bruno assassina concorrentes para conseguir a vaga
de emprego, estratégia essa em que Bruno não tinha nenhuma experiência, como observável em
tremedeira nas mãos e em diversos momentos em que treinava tiros e, seu filho passa a roubar
softwares, infração essa que rendia recursos financeiros. Bruno até mesmo relata ao encontrar
tais produtos roubados no quarto do filho: “-Isso vale muito dinheiro!”.
É perceptível o papel social do trabalho presente em vários campos, mesmo que a questão
financeira seja primordial em todo filme. A construção pessoal e o significado que o trabalho
possui é muito presente. Na cena que Bruno e Marlene vão buscar o filho na delegacia havia
uma ficha de preenchimento e uma das principais questões era “Qual o seu emprego?”. Nesse
momento, o personagem põe desempregado e é perceptível a carga negativa que esse rótulo
traz, é como se toda sua história e seu trabalho profissional se resumissem a nada por estar
desempregado. Ainda segundo Pinheiro e Monteiro (2007) e Vasconcelos e Oliveira (2004), estar
produzindo traz inclusão social para o ser humano e revela o quanto a sociedade dá importância
para o consumismo decorrente da globalização que é alcançada dentro da estabilidade do salário
fixo.
A desestruturação da família destaca o desequilíbrio econômico devido à perda de poder
aquisitivo. Dessa maneira, torna-se possível apreender que a maneira dessa família lidar com o
mundo do consumo implica na suavização ou agravamento da saúde mental do desempregado.
Apesar da perda de status e da diminuição do poder aquisitivo –questões que abalam não só Bruno
que perdeu sua identidade relativa ao trabalho, mas também sua família que passa a possuir
apenas um carro e ter cortes em TV a cabo e internet- o apoio familiar se mostrou presente durante
toda jornada de Bruno na busca por emprego. Diversas cenas expressam o cuidado que seus filhos
e mulher tinham para com ele. A cada entrevista realizada os três recebiam-no à porta, ansiosos
Conclusão
372 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
consequentemente, em um grupo social, o qual contribui diretamente para o desenvolvimento da
identidade do sujeito, visto que esta se encontra vinculada, entre outros fatores, também ao ofício,
pois ter um emprego passa a ser visto como um dever tanto moral como social. O desempregado,
como demonstrado no desenvolvimento desse trabalho, passa a ser não mais reconhecido
socialmente, o que traz um grande sofrimento psicológico devido à exclusão e segregação
resultante desta condição, bem como a todas as consequências já mencionadas resultantes do
desemprego. Sendo assim, é importante salientar a necessidade da Psicologia dedicar-se cada vez
mais a esse vasto campo do mundo do trabalho e seus impactos à saúde psíquica dos indivíduos
componentes dessa área.
Referências
Arnheim, R. (1986). Arte & Percepção Visual: uma Psicologia da Visão Criadora (p.37). São Paulo:
Pioneira.
Leon, L. M., & Iguti, A. M. (2003). Saúde em tempos de desemprego. In L. A. M. Guimarães & S.
Grubits (Orgs.), Série Saúde Mental e Trabalho (pp. 196-210). São Paulo: Casa do Psicólogo.
Pinheiro, L. R. S., & Monteiro, J.K. (2007). Refletindo sobre desemprego e agravos sobre à saúde
mental. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 10, 35-45.
Rocha, L., Carvalho, M. & Barreto, M. (Orgs.) (1999). Impactos do desemprego na saúde de homens e
mulheres. São Paulo: UBM.
Vasconcelos, Z. B., & Oliveira, I. D. (Orgs.). (2004). Orientação vocacional: alguns aspectos teóricos,
técnicos e práticos. São Paulo: Vetor.
Introdução
O
ambiente hospitalar é um local onde os fatores de risco mais comuns são os
agentes biológicos, físicos e químicos, causadores de inúmeros acidentes e doenças
do trabalho. Portanto, a prestação de serviços no hospital caracteriza-se como
complexo, por conta dos fatores internos e ambientais presentes. Entretanto, ainda que sejam
escassas as análises sobre serviços de limpeza, podem-se citar as seguintes características: a
depreciação identitária, a presença majoritária de mulheres e a preponderância de fatores como
raça/ etnia, aparecem, em maior ou menor grau, em toda a literatura sobre o tema (Sousa, 2011).
A insalubridade do trabalho hospitalar, bem como a constante exposição a fatores de risco,
ambientais, entre outros, causam sofrimento ou doenças, geradas a partir da natureza particular
de tal trabalho e de sua respectiva organização (Salvagni, Quintana, & Monteiro, 2011).
Não obstante, apesar da importância das atividades desenvolvidas pelos servidores de
limpeza para o bem-estar dos profissionais e pacientes, o mesmo não é suficientemente valorizado.
O próprio trabalhador e a sociedade o estigmatizam e o desvalorizam (Ferreira, Procopiak, &
Cubas, 2011; Mathur et al., 2011; Zuberi & Ptashnick, 2011). O trabalho desses profissionais é
frequentemente desconhecido por seus usuários no ambiente hospitalar. Por mais que saibam que
o profissional de serviços gerais hospitalar integra o quadro de funcionários do hospital e, desse
modo, serem também ligados à área de saúde, desconhecem o momento que podem contar com
os mesmos ou por qual motivo procurá-los (Sena, 2013).
Diante deste cenário, esta pesquisa tem por finalidade aprofundar o trabalho em serviços de
limpeza hospitalar e a relação que essa atividade estabelece com a saúde desses (as) trabalhadores
(as). Para tanto, realizou-se uma revisão sistemática na literatura em busca de uma compreensão
mais específica da temática. O resultado obtido com a pesquisa de trabalhos científicos deverá
demonstrar em que situação o tema da relação saúde e trabalho dos profissionais dos serviços
gerais de limpeza hospitalar se encontra no âmbito da Psicologia.
374 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método
Para a realização dos propósitos deste estudo, a revisão sistemática da literatura foi realizada
a partir da análise de artigos nacionais disponíveis na base de dados eletrônicas SciELO Brasil 9–
Scientific Eletronic Library Online -, uma base de dados pública e plataforma de livre acesso a
toda comunidade acadêmica e onde estão indexadas as principais revistas brasileiras. O Portal de
Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)10, biblioteca
virtual que reúne e disponibiliza às instituições de ensino e pesquisa no Brasil um acervo de mais de
33 mil títulos com textos completos, 130 bases referenciais, dez bases dedicadas exclusivamente
a patentes, além de livros, enciclopédias e obras de referência, normas técnicas, estatísticas e
conteúdo audiovisual.
Para a organização e sistematização dos artigos foram utilizados inicialmente para a
pesquisa os descritores “trabalhadores de limpeza hospitalar” and “saúde mental”. Porém,
foram encontrados apenas dois artigos no SciELO, assim como também no portal de periódicos
da CAPES. Mediante a escassez de achados, foi realizada uma segunda pesquisa, com outros
descritores, “trabalhadores de limpeza hospitalar” and “saúde”, e dessa forma, foram encontrados
um total de 16 artigos, sendo 7 no ScIELO e 9 no portal de periódicos CAPES, como pode ser
observado na Figura 1. Destes, quatro artigos apareciam duplicados nas duas bases de dados
selecionadas, gerando um total de apenas 12 trabalhos com os temas indicados.
Resultados
No tocante aos resultados, quanto as áreas de publicação desses artigos, pôde-se observar
que a área de enfermagem teve o maior número das publicações. Houve publicação também
em um periódico da área da saúde (Saúde pública). Considerando apenas os artigos, com
exceção da dissertação de mestrado, foi possível identificar o quanto a Psicologia, em especial à
área de Psicologia Social do Trabalho, tem estado ausente nas discussões a respeito da relação
saúde-trabalho da categoria dos servidores de limpeza hospitalar. Tais constatações reforçam
a importância e a relevância do objeto de estudo da presente dissertação que busca analisar
a relação trabalho-saúde dos servidores de limpeza hospitalar. Na figura 2, pode-se observar a
distribuição dos artigos a partir dos periódicos nos quais foram publicados.
376 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
As mesmas encontram-se espaçadas até a última publicação em 2014, o que pode ser
verificado na Figura
3.
Figura 3.dos
Figura 3. Distribuição Distribuição dos
artigos a partir artigos
do ano a partir
de publicação do ano de publicação
NoNo
queque concerne
concerne as perspectivas
as perspectivas de produção
de produção de dados,de dados,
a figura a figura 4a distribuição
4 apresenta apresenta a
distribuição dos artigos de acordo com a escolha do pesquisador quanto
dos artigos de acordo com a escolha do pesquisador quanto aos instrumentos e técnicas deaos instrumentos
e técnicas dedos
interpretação interpretação dos dados.
dados. A maioria A maioria
optou pela optou
abordagem pela abordagem
quantitativa, quantitativa,
a qual proporciona ao a
qual proporciona
pesquisador uma maior aoabrangência
pesquisador uma maior
geográfica, abrangência
em função geográfica,
da padronização em funçãododa
e impessoalidade
padronização
instrumento e formulário
(e.g., impessoalidade do instrumento
e/ou questionário). (e.g.,naformulário
Entretanto, e/ou questionário).
pesquisa qualitativa, é imperioso
o contato entre pesquisador e entrevistado, tendo em vista que os resultados encontrados e
Entretanto, na pesquisa qualitativa, é imperioso o contato entre pesquisador
entrevistado,
possuem tendo
estreita emcom
relação vistaa condução
que os resultados encontrados
e os maneirismos possuem
nessa relação estreitaSabóia,
(Aquino, relação com
Melo,
a condução
Carvalho, e os maneirismos
& Ximenes, 2016). nessa relação (Aquino, Sabóia, Melo, Carvalho, & Ximenes,
2016).
Quanto às temáticas dos artigos, foi possível obter uma maior compreensão sobre a
relação trabalho-saúde dos servidores de limpeza hospitalar, bem como os seus impactos para os
Discussão
A partir da análise da literatura, foi possível identificar vários problemas de saúde aos
quais estão expostos os trabalhadores da categoria estudada. Desses profissionais são exigidas
cargas física, psíquica e mental elevadas, além dos riscos biológicos e químicos aos quais estão
submetidos. As insalubridades do trabalho hospitalar, bem como a constante exposição a fatores
de risco ambientais, entre outros, acabam por causar sofrimento e/ou doenças, gerados a partir
da natureza particular de tal trabalho e de sua respectiva organização (Salvagni, Quintana, &
Monteiro, 2011).
A revisão sistemática constitui um método que possibilita organizar as informações e
contribuir para responder às questões de pesquisa, além de, poder identificar e mapear áreas
com poucos estudos, evidenciando dessa forma a necessidade de novas pesquisas. Para tanto,
caracteriza-se por ser um método de pesquisa de caráter descritivo e exploratório (Petticrew &
Roberts, 2006).
Em razão disto, a atividade de higienização hospitalar requer que os trabalhadores exerçam
movimentos repetitivos, reproduzam posturas inadequadas e façam uso de uma força excessiva
no desempenho de suas funções. O Ministério da Saúde do Brasil (2001), aponta a existência
de diversos fatores de risco para a saúde do trabalhador de limpeza hospitalar, (e.g., diversas
substâncias, líquidas ou gasosas; agentes biológicos, como vírus, parasitas e bactérias que podem
ser caracterizados como fatores de risco para a atividade humana). Cumpre frisar que os aspectos
psicossociais possuem relação com a satisfação no trabalho e podem influenciar na saúde do
trabalhador, uma vez que incidem em várias questões relacionadas ao trabalho, como a utilização
de equipamentos; condições de iluminação; ventilação; conforto; além dos fatores mecânicos,
capazes de causar acidentes de trabalho, no que concerne às sinalizações; ordem; e limpeza no
ambiente de trabalho.
Assim, na análise das publicações, evidenciou-se a exposição a riscos e suas consequências na
saúde destes trabalhadores. Neste sentido, Martarello e Benatti (2009), realizaram uma pesquisa
com 86 trabalhadores de limpeza hospitalar a fim de identificar aspectos da qualidade de vida
e de sintomas osteomusculares nestes profissionais. Os resultados encontrados apresentaram
que metade dos trabalhadores referiu problemas osteomusculares na região dos ombros e 43 %
apresentaram dor na parte superior das costas, sendo que a região do pescoço e a parte inferior
das costas foram significativas (37%). Um resultado considerado alarmante no que concerne à
saúde destes trabalhadores em sua relação com as atividades por eles desenvolvidas. Quando
comparados à realidade do trabalho de uma equipe de enfermagem, a ocorrência de sintomas
osteomusculares acusou diferença significativa para os trabalhadores de higiene com relação aos
ombros, região superior das costas e pescoço, enquanto que a equipe de enfermagem relatou
sintomas nas regiões lombar e dorsal. A diferença entre os grupos de trabalho com ou sem a
presença de sintomas osteomusculares apontados nos instrumentos Questionário Nórdico
e obtidos pela aplicação do questionário genérico de avaliação da Qualidade de Vida relatou
uma diferença significativa nos domínios Capacidade Funcional, Dor, Estado Geral de Saúde,
Vitalidade e Saúde Mental. A partir desses resultados, os autores do estudo concluíram que quem
apresentou sintomas osteomusculares terá sua qualidade de vida provavelmente comprometida,
o que incide nos aspectos da qualidade de vida tanto laboral quanto extra laboral.
Além dos aspectos já mencionados, esta pesquisa também revelou outros acidentes sofridos
por estes trabalhadores, tais como corte, lesão por esforço repetitivo, perfuração, queda e torção
e ainda outras modalidades de problemas de saúde, tais como dermatite, dor muscular, estresse,
hipertensão, rinite e tendinite.
378 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Outra situação referente à saúde desses profissionais diz respeito aos riscos biológicos aos
quais estão expostos. Segundo a Organização Internacional do Trabalho – OIT, na atualidade, os
riscos biológicos que estão presentes nos hospitais são considerados como emergentes, sendo a
gestão de resíduos infecciosos um sério problema para os trabalhadores da saúde (OIT, 2010).
A autora Cristina Osti (2004), em sua dissertação de Mestrado, realizou um estudo com 113
funcionários de limpeza hospitalar no qual objetivou avaliar na população ativa desta categoria,
com esquema completo de vacinação contra o vírus da hepatite B, a presença de infecção natural
pelo VHB, anterior à vacinação, medida pelo anticorpo contra o AgHBc (anti-HBc) e sua relação
com as condições epidemiológicas gerais, de vida pessoal e profissional e de risco de infecção pelo
VHB e os níveis de anticorpo contra o AgHBs (anti-HBs).
Como resultados do estudo, houve presença de anti-HBc denotando infecção anterior
à vacinação encontrada em nove funcionários, sendo oito mulheres, e não foi apresentada
associação entre presença de anti-HBC e as seguintes variáveis: faixa etária, sexo, tempo de
exposição profissional (anos), presença de acidentes de trabalho, número de parceiros sexuais,
contato sexual de risco, transfusão sanguínea e tatuagem. Encontrou-se tendência a associação
entre o não uso de preservativo e a presença de infecção, pois os nove funcionários com anti-
HBs presentes referiram não utilizar proteção durante a relação sexual. Quanto à resposta à
vacinação, com a formação de anti-HBs, encontrou-se associação altamente significativa entre o
sexo feminino e produção de concentrações do anticorpo maiores que ou iguais a 100 mUI/ml.
Também foi encontrada tendência a associação de maiores títulos com ausência de tabagismo.
Osti (2004) ainda destaca que acidentes com perfurocortantes são mais recorrentes com os
trabalhadores da área de apoio hospitalar e do setor de limpeza e que poderiam ser implantadas
medidas preventivas quanto à adequação do descarte destes materiais, pois muitos são descartados
de maneira imprópria, no leito do paciente, na mesa da cabeceira, na bandeja de medicação,
no chão e no lixo comum. Também poderiam ser realizados treinamentos específicos para os
trabalhadores para que os mesmos pudessem estar mais preparados para a sua realidade de
trabalho. Estes dados são corroborados com o estudo de Meneguim, Morine e Ayres (2015), que
evidenciam a necessidade da implantação de programas eficazes na prevenção de acidentes com
materiais perfurocortantes e em relação aos diversos riscos aos quais estão expostos. As causas
do acidente não devem ser meramente apontadas para os trabalhadores do setor de limpeza, e
sim ao processo de trabalho vivenciado na organização. Ressalta-se a necessidade de valorizar os
fatores individuais e institucionais envolvidos no processo, para que sejam asseguradas práticas
hospitalares mais seguras.
Além das informações referentes à revisão sistemática, pode - se verificar que a hepatite B é
considerada atualmente uma das mais prevalentes infecções ocupacionais contraídas no ambiente
hospitalar (Alter, 1975; Focaccia, 1986; Hu, 1991). Ademais, os maiores riscos dos acidentes
perfurocortantes não se restringem as lesões, mas aos agentes biológicos veiculados pelo sangue e
secreções corporais, sobretudo, o HIV e HBV, que se encontram presentes nos objetos causadores,
além de sofrerem com o trauma psicológico durante o período em que esperam os resultados dos
exames sorológicos (Marziale & Rodrigues, 2002). Além do risco de contrair infecções, o acidente
pode vir a gerar sérias repercussões psicossociais no trabalhador, concernentes a mudanças nas
relações de trabalho, familiares e sociais, gerados pelas associações ao HIV e a Síndrome de
Imunodeficiência Adquirida (AIDS), além das reações psicossomáticas pós-profilaxia utilizada
pela exposição ocupacional e o impacto emocional sofridos pelos trabalhadores (Brandão Júnior,
2000).
Com o intuito de enriquecer a discussão sobre o assunto, convém ressaltar que a preocupação
com o manuseio diferenciado dos resíduos hospitalares surgiu a partir do momento em que o
paciente passou a assumir sua condição de consumidor e exigir uma melhoria no tratamento
380 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
problemas de saúde e o trabalho efetivamente desenvolvido, citando casos como: tendinite,
dermatite e problemas psiquiátricos decorrentes do trabalho, apontando aspectos relacionados
a saúde mental desses trabalhadores. Estas autoras encontram, ainda, que a dupla jornada de
trabalho é uma realidade para as mulheres, visto que, há a presença de alto grau de rotatividade
entre as trabalhadoras (es).
Outra questão abordada pela pesquisa mencionada anteriormente concerne à perspectiva
dos trabalhadores com relação a probabilidade de sua realidade de trabalho afetar sua saúde, pois,
relacionavam o risco a que estavam expostos no ambiente de trabalho aos produtos utilizados
para limpeza do piso e equipamentos, ao trabalho repetitivo e a possibilidade de desenvolverem
lesão por esforço repetitivo (LER), bem como a alta probabilidade de acidentes com instrumentos
perfurocortantes como já fora mencionado em diversas pesquisas já descritas, assim como os
fluídos biológicos como sangue, fezes, urina, vômito.
Ainda sobre as condições de trabalho destes profissionais, em pesquisa realizada em um
hospital universitário com os trabalhadores do serviço hospitalar de limpeza, os autores Beltrame
et al. (2014) procuraram mensurar o índice de capacidade para o trabalho que envolve aptidões
físicas, mentais e funcionais e buscaram identificar os fatores a ele associados. Contando com
uma amostra de 157 trabalhadores do serviço hospitalar, os resultados apontaram que 79,6% dos
trabalhadores foram classificados com boa/ótima capacidade para o trabalho. Já os diagnósticos
médicos mais prevalentes foram: os distúrbios mentais leves (31,9%) e os musculoesqueléticos
(15,9%). Não obstante, tal pesquisa indicou que os trabalhadores que não possuíam tempo para
o lazer apresentaram uma prevalência de 2,67 vezes mais elevada de ter sua capacidade para o
trabalho reduzida. Estes resultados são reflexos da organização na qual estes trabalhadores estão
inseridos, pois incide de forma direta nas condições físicas e mentais dos profissionais.
Ademais, em relação à capacidade para o trabalho dos profissionais de higiene e limpeza
hospitalar, em pesquisa realizada por Andrade e Monteiro (2007), estes autores buscaram estudar
o envelhecimento destes trabalhadores. A pesquisa, de abordagem quantitativa, também utilizou
o instrumento Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT) que fora mencionado na pesquisa
anterior.
Como resultado de uma amostra de 69 trabalhadores, 21,7% tinham ótima capacidade para
o trabalho; 31,9% boa; 31,9% moderada e 14,5% baixa. As doenças com diagnóstico médico mais
frequentes foram: as lesões por acidentes, musculoesqueléticas e cardiovasculares, que foram
apontados na maioria nas publicações levantadas. A predominância de causas físicas entre estes
trabalhadores é significativa.
Os autores já citados, ao analisar a capacidade para o trabalho, identificaram que, em
alguns casos, esta deveria ser restaurada ou melhorada, tendo em vista que a capacidade foi
avaliada neste estudo a partir da relação idade e número de doenças com diagnóstico médico.
Percebe-se o quão importante é para as organizações a temática do envelhecimento e trabalho,
uma vez que a realização de programas de prevenção de doenças, além de mudanças na própria
organização, propicia a promoção da saúde e de qualidade de vida para estes trabalhadores.
Considerações Finais
Um ponto evidente identificado nos dados das pesquisas apresentadas neste capítulo refere-
se aos acidentes com material perfurocortante. Percebe-se, dessa maneira, as consequências que a
atividade de trabalho dos servidores de limpeza hospitalar tem sobre a saúde desses profissionais.
A própria organização do trabalho revela a complexidade das tarefas que devem executar, em
contraste com a baixa qualificação, falta de conhecimento a respeito dos riscos a que estão
expostos, além da precarização do trabalho decorrente da terceirização a que são submetidos na
sua contratação.
Referências
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Introdução
O
conceito de trabalho vem sofrendo modificações ao longo do tempo, considerando
a relação entre o homem e o trabalho e as transformações sofridas nessa relação
imbricadas no âmbito social (Siqueira, Alencar, & Aquino, 2012). O trabalho
é considerado como uma parte da vida do indivíduo, da aquisição de habilidades, do ofício
aprendido de cada pessoa e contribui para a suscitação de conteúdos subjetivos, o que resulta no
auto-reconhecimento e no reconhecimento do outro – alteridade (Vieira, Barros, & Lima, 2007).
De acordo com Guimarães Júnior et al., (2016) o trabalho possibilitou o indivíduo descarregar
sua energia psíquica a fim de buscar um equilíbrio, mas se isso não ocorre, este se torna uma
ação fatigante. No atual modelo capitalista, é disponibilizado aos trabalhadores condições
precárias para a atuação que acabam gerando uma depreciação do bem-estar dos trabalhadores,
influenciando assim na sua saúde mental, já que neste contexto é priorizado o produto e a
produção e não o indivíduo que executa e sua saúde (Silva, Bernardo, & Souza, 2016).
O agente comunitário de saúde (ACS) atua como um mediador de conhecimento técnico e
de senso comum, entre a equipe de saúde e a comunidade, e ao mesmo tempo que ele também é
membro desta equipe exerce sua função para a comunidade (Maciazeki-Gomes, Sousa, Baggio, &
Wachs, 2016). As características dos ACS é que eles moram no local que trabalham isso é de grande
importância para o sistema público de saúde, pois possibilita o reconhecimento das peculiaridades
e anseios específicos da comunidade a qual pertence (Brito, Ferreira, & Santos, 2014).
Os ACS constituem-se em profissionais ativos para motivar a população e promover a
melhoria de sua capacidade quanto aos cuidados com a saúde (Baralhas & Pereira, 2013). Desse
modo, transformam-se em atores imprescindíveis para as ações que envolvem o desenvolvimento
psíquico, físico, econômico, político e social da população. Tal profissão foi regulamentada
em 10 de julho 2002, com a lei 10.507, estabelecendo que os ACS sejam responsáveis pelo
acompanhamento de 750 pessoas determinadas de acordo com a área de abrangência da Unidade
Básica de Saúde (UBS).
É fundamental para o bem-estar desses profissionais que os gestores proporcionem suporte
e reconhecimento das vivências práticas dos ACS, levando em consideração tanto a relação entre
384 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
os profissionais que compõem a equipe da UBS, quanto entre os ACS e a comunidade atendida
(Assunção & Filho, 2011). A falta de apoio e reconhecimento por parte dos superiores pode afetar
a saúde mental, gerando sofrimento psíquico decorrente do trabalho (Lopes et al., 2012).
O estresse presente em trabalhadores da área de saúde é um fenômeno muito discutido e
investigado atualmente, revelando que esses enfrentam altas cargas de pressões que culminam
em vários problemas de saúde devido ao elevado grau de estresse (Oliveira & Cunha, 2014). Nos
últimos anos, a temática de saúde mental relacionada ao trabalho se configura como um desafio
oculto num contexto de situações de trabalho pouco esclarecidas (Seligmann-Silva, 2011).
Em uma pesquisa recente (Silva, Bernardo, & Souza, 2016), os autores concluíram que muitos
aspectos estão envolvidos com a relação de saúde mental e trabalho, algumas delas podem ser
o ambiente físico, químico, as relações de trabalho as interpessoais, sistema social e os aspectos
que são característicos do indivíduo, desta forma é compreensível o cuidado com que se deve ter
ao analisar essa relação. Diante disso, este estudo teve como objetivo investigar a relação entre as
condições de trabalho e o impacto na saúde mental dos ACS da cidade de Parnaíba-PI.
Método
Participantes
Instrumentos
Resultados
A análise dos resultados se baseou a partir dos eixos temáticos: Processo de trabalho;
Condições de trabalho; Percepção acerca do trabalho e Implicações na saúde. A seguir são
apresentados cada eixo com a categorização, além de trechos de falas dos sujeitos entrevistados
que exemplificam as categorias obtidas.
Tabela 1
Processo de Trabalho
Categorias Subcategorias Frequência
Visitas domiciliares Levantamento de demandas para encaminhamento 57
Foco em Grupos prioritários 51
Orientação 49
Acompanhamento 42
Dar informação 35
Pesar crianças 28
Prevenção de doenças 25
Atividades educativas 21
Ações intersetoriais 2
Oito Visitas diárias 18
Cumprimento de metas
Cronograma 14
Entrega de produção 5
Reuniões 12
Participação em cursos 8
A seguir são mostrados fragmentos das falas dos depoentes que se referem ao processo de
trabalho destes.
“[...] nosso trabalho é visitas, 40 horas semanal, oito visitas ao dia e temos que pesar e
visitar todas as famílias, é todas as casas nós visitamos, temos que pesar crianças, é..acompanhar
os hipertensos, diabéticos, gestantes.” (Depoente 6, UBS- I).
“[...] nós temos metas né, nós realizamos uma visita por mês em cada residência e
priorizamos os grupos de diabéticos, os hipertensos, as gestantes, criança menor de dois anos,
idosos.” (Depoente 28, UBS-II).
Condições de trabalho
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 2
Condições de trabalho
Categorias Subcategorias Frequência
Inadequadas
Condições mínimas de
Disponibilização apenas dos materiais básicos 21
trabalho
Apoio mínimo de órgãos 2
Medicamento insuficiente 1
Condições climáticas Exposição ao sol durante as visitas 87
Exposição a chuva durante as visitas 9
Falta de estrutura física e
Recursos materiais insuficientes 57
socioassistencial
Falta de instalações físicas assistenciais 27
Falta de profissionais de saúde 11
Instrumento com defeito (aparelho quebrado) 1
Falta de transporte para visitas 1
Riscos Risco de contrair doenças 33
Insalubridade 10
Visitas em domicílios que funcionam como local de
5
tráfico de drogas
Ameaças e agressão por parte da comunidade 4
Animais ferozes 4
Cobrança da família 13
Adequadas
Melhorias nas condições de
Chegada de materiais 6
trabalho
Prédio reformado 4
Novos profissionais foram contratados 3
Acesso as famílias (criação de vínculo) 2
Flexibilidade de horários 20
Adiante seguem fragmentos de falas dos sujeitos que exemplificam as condições de trabalho
inadequadas:
“[...] não é um trabalho fácil por ser um trabalho que você está em área, em campo, então
tem alguns fatores, inclusive, climáticos (sol, as vezes chuvas) [...] se tiver um dia chuvoso, ver que
tá um dia menos chuvoso no período, [...]” (Depoente 34, UBS- VI).
“[...] as condições que ainda há um pouco ruim são as questões de materiais que a gente
não tem, é..mochila, roupa adequada certo, nós não temos uma identificação, apenas as camisas
de campanha, [...] ” (Depoente 28, UBS-II).
“[...] o nosso trabalho é muito de risco nesse sentido de contrair qualquer doença, uma
hepatite, uma hanseníase, uma tuberculose [...].” (Depoente 21, UBS-IV).
Apesar de a maioria apontar más condições de trabalho, há exemplos de condições
adequadas de trabalho.
“[...] é muito bom trabalhar aqui né, principalmente nesse posto que é o mais bonito, é o
mais novo e você se sente ainda melhor e a comunidade também tá gostando [...]” (Depoente 3,
UBS-I).
“[...] a gente teve uma melhora muito grande com o médico que veio do ministério né, que
atende, ele é um excelente médico[...]”. (Depoente 30, UBS- III).
Quanto à percepção acerca do trabalho os ACS em sua maioria apontaram mais aspectos
positivos, pelo fato de ajudar a comunidade com questões referente à saúde, conhecer mais a
realidade da comunidade com quem convivem; residir próximo ao local de trabalho, pois um
dos pré-requisitos para que seja ACS é morar a mais de dois anos na área que irá trabalhar. Por
esse fator, apontou-se também a questão de não precisar fazer uso de transporte para realizar as
visitas, pela proximidade de suas residências e com isso evitando gastos. Além disso, o trabalho
possibilita lidar com o público, aprender no desempenho das atividades e proporciona uma renda
e estabilidade financeira. Em contrapartida, alguns ACS, apontaram uma visão negativa sobre
o trabalho que desempenham, pois, o fato de residir próximo ao local de trabalho, acaba por
provocar uma jornada de trabalho de tempo integral, pois a comunidade procura o ACS em sua
residência a qualquer horário. Além disso, a profissão foi apontada como desvalorizada.
Tabela 3
Quanto aos aspectos positivos, exemplifica-se com fragmentos das falas a seguir:
“[...] é um ponto positivo no meu serviço é morar na mesma área e não preciso pegar
transporte pra ir pra área, já é uma despesa a menos.” (Depoente 5, UBS-I).
“eu gosto do trabalho que eu faço, que é bem gratificante quando a gente pode ajudar
assim as pessoas, quando a gente pode fazer alguma coisa pela família é...é muito importante.”
(Depoente 26, UBS-II).
“[...] eu acho que o agente de saúde ele deve sim, morar na sua área, porque você vai conhecer
realmente a realidade da sua área [...]( Depoente 12, UBS-I ).
Exemplo de fala sobre percepção negativa acerca do trabalho:
“O agente comunitário de saúde ele deixa de ter uma vida privada, é como se a vida dele
fosse pública 24 horas [...] é difícil. Eu pessoalmente sou contra.”(Depoente 9, UBS-I).
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Tabela 4
Implicações na saúde
Categorias Subcategorias Frequência
Físicas
Problema na coluna 6
Problema renal 4
Problema de pele 3
Cefaleia 3
Outros 3
Problema na visão 1
Psíquicas
Falta de suporte para atender as necessidades de saúde da
Frustração 44
comunidade
Tristeza Necessidades socioeconômicas das famílias 10
Não há sofrimento 9
Estresse 7
Morte de Pessoas da
4
comunidade
Sociais
Prazer Resolução de necessidades de saúde das famílias 44
Reconhecimento do trabalho pela comunidade 14
Respeito dado pelas famílias 9
O objetivo deste estudo foi investigar a relação entre as condições de trabalho e o impacto
na saúde mental dos ACS da cidade de Parnaíba-PI. Os resultados apontaram que a maioria
dos ACS apresentaram condições inadequadas de trabalho, além de sentimento de frustração e
tristeza, caracterizando implicação na saúde mental dos depoentes, porém, grande parte também
apontou aspectos positivos, sentimento de prazer, em relação à atividade que desenvolvem.
Com base nos resultados encontrados, observou-se que o processo de trabalho dos
profissionais ACS versa sobre a promoção de saúde e prevenção de doenças, ou seja, pautada
na produção do cuidado, corroborando dessa forma as afirmações de Franco e Merhy (2012). É
importante ressaltar que o processo de trabalho desses profissionais está diretamente relacionado
com as condições de trabalho que lhes é oferecido, pois os componentes dos processos de trabalho
de acordo com Farias, Werneck e Santos (2009), se desenvolvem mediante aos objetivos a serem
alcançados. Os objetivos do ACS, como citado nas respostas destes, se tratam do mapeamento
da área, executar atividades educativas, preencher os dados da população, pesar as crianças da
comunidade, dentre outros. Parte dos ACS entrevistados evidenciou dispor apenas de condições
mínimas de trabalho para executar a atividade profissional e esse é um dos fatores que acarretam
sofrimento no profissional (Monteiro & Previtali, 2011).
Considerando a descrição acerca do processo de trabalho e relacionando com as condições
de trabalho, de acordo com a maioria dos depoentes, verifica-se que há precariedade no
fornecimento e manutenção dos objetos e instrumentos para execução de suas atividades. Essa
precariedade vem se destacando como um fenômeno contemporâneo que atinge vários âmbitos,
inclusive o do trabalho. O avanço da precarização viabiliza a submissão dos trabalhadores
assalariados a péssimas condições de trabalho, devido ao próprio mecanismo de defesa do ser
humano, negando a existência de um trabalho que proporciona desgaste, a ponto de acostumar-
se com a condição imposta (Seligman-Silva, 2011).
Diante disso, constata-se pelas respostas dos ACS que devido a essas condições precárias de
trabalho há um reflexo na saúde física e mental desses trabalhadores, causando-lhes frustração
e tristeza, acarretando sofrimento. Um estudo (Simões, 2009) encontrou resultado semelhante,
com associação da sobrecarga de trabalho ACS e estresse. Além disso, cabe destacar as patologias
como cefaléias, câncer de pele e problemas na coluna em decorrência das condições de trabalho
inadequadas a que são submetidos. Nesse sentido, Seligman-Silva (2011), traz que as várias faces
da precarização do trabalho repercutem de várias formas na saúde do trabalhador.
Dejours e Jayet (2010), também ressaltam as várias formas que o indivíduo tem de expressar
diretamente esse sofrimento, como preocupação inerente a determinadas situações de trabalho
penosas ou que denotam perigo, que manifestam sentimento de dor, sofrimento. Essas questões
podem ser evidenciadas no discurso dos entrevistados, como por exemplo, lidar com situações de
famílias que se encontram em vulnerabilidade social e não ter como reverter essa situação, pois
muitas vezes há carência de materiais e profissionais de saúde para atender a população.
Para Dejours (2010), o sofrimento inicia a partir da impossibilidade do rearranjo da
organização de trabalho, quando há um bloqueio entre a relação desta com o trabalhador. Levando
para o contexto da organização de trabalho do ACS, este realiza um importante papel no cenário da
política pública de saúde no Brasil, em complexos contextos laborais que possuem peculiaridades
e multiplicidade de situações; o contexto onde está inserido muitas vezes produz limitações para
esse profissional, por não possuir o poder de interferência direta em uma determinada realidade
social, levando-o a vivenciar sentimento de impotência, que pode ser a causa de sofrimento no
trabalho (Lopes et al., 2012; Bachilli, Scavassa, & Spiri, 2008). Com base no que foi exposto, se
pode constatar nas falas dos entrevistados, que devido à falta de recursos humanos e materiais
não conseguem desempenhar seu papel profissional, pois se sentem impotentes, ou seja, sem
autonomia para dar conta dos desafios que surgem no território.
390 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Trazendo para o âmbito da saúde, no que se refere à precarização do trabalho nos serviços
de saúde pública, autores como Machado e Koster (2011), mostram em seus estudos que no
âmbito administrativo e jurídico, a gestão do trabalho enfrenta a problemática da precarização,
por causa do surgimento da flexibilidade de vínculos empregatícios licenciados pelo estado, com o
intuito de preencher o insumo de trabalhadores nas três esferas governamentais, principalmente,
na esfera municipal, em razão da implantação do modelo assistencial que propõe o Sistema Único
de Saúde. Isso é relacionado com o levantamento de alguns ACS quando falam que as condições
de trabalho poderiam ser melhores se a verba fosse mais bem administrada, pois os recursos
financeiros para a área da saúde existem, porém não é repassado de forma correta.
Esses profissionais da saúde vivenciam condições precárias de trabalho pela forma de
flexibilização dessas atividades profissionais, considerando que no final da década de 80
(surgimento do Programa do ACS) as condições de trabalho em saúde sofreram transformações
negativas no Brasil, influenciados pela política neoliberal e em função do aumento das demandas
em saúde de uma grande parcela da população desassistida, ao mesmo tempo em que o setor de
saúde se tornou alvo de uma rigorosa contenção de gastos (Ribeiro, Pires, & Blank, 2004).
As autoras Franco, Druck, & Seligman- Silva (2010), também corroboram o exposto
acima quando colocam que a precarização se configura como um processo social que causa
um desequilíbrio e origina uma incessante falta de segurança e estabilidade no trabalho,
proporcionando a fragmentação dos vínculos e favorecendo prejuízos de diversos tipos, por
exemplo, em relação a vida, a saúde, emprego, para os que dependem do trabalho.
Seligman-Silva (2011), afirma que há muitas pesquisas referentes à precarização do
trabalho no Brasil, e que esta surgiu bruscamente no âmbito econômico, avançando para as
empresas estatais e serviços públicos, transformando e causando prejuízos a excelência e aspectos
fundamentais para o desempenho consolidado submisso ao produtivismo, ou seja, uma lógica
embasada em mostrar resultados quantificáveis, proporcionando a cronificação baseada no rigor
do cumprimento de meta, sendo submetido a uma avaliação de regras. Em meio a esses critérios
não é levado em consideração às vicissitudes das diferentes realidades locais, das situações de
trabalho, insuficiência ou falta de qualidade dos recursos e das condições de trabalho que são
desconsideradas por alguns responsáveis, gestores.
Ademais, os profissionais entrevistados afirmaram sentir prazer no trabalho que desenvolvem,
isso ocorre quando conseguem atender às demandas da população, com isso algumas pesquisas
mostram que apesar das limitações encontradas no trabalho deste profissional, o mesmo também
sente prazer e satisfação na atividade que desempenha, como o reconhecimento desse trabalho
pelas famílias visitadas, a notoriedade da melhora da saúde das famílias que são assistidas,
reduzindo a mortalidade, além do fortalecimento do vínculo do trabalho em equipe (Oliveira,
Chaves, Nogueira, Sá, & Collet, 2010).
Outro ponto a ser destacado é o posicionamento dos ACS em relação ao trabalho que
desenvolvem, em que há um reconhecimento e satisfação pelo exercício da profissão. Alguns
levantaram aspectos negativos, como o incômodo de morar perto da área de trabalho. Em
contrapartida, a maioria relatou aspectos positivos, pois consideram que ajudam a comunidade a
minimizar seus problemas de saúde, por residirem próximo ao local de trabalho e não necessitarem
fazer uso de transporte para trabalhar.
Diante disso, esse processo de reconhecimento advém da competência de poder transformar
a realidade do trabalho, consequência de acordos frente à abundância de discordâncias e interesses
que se referem ao trabalho (Mendes, 2008). O poder que o trabalhador possui, assimilado com
a habilidade de negociar e de influenciar no coletivo de trabalho, formam um processo de ação
recíproca e interdependência mútua que é encontrada na essência da cooperação humana. Em
razão disso o trabalhador direciona sua ação com a finalidade de criar ou manter seu poder. E
são esses fatores que resultam no reconhecimento no trabalho, favorecendo a convergência do
sofrimento em prazer.
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Introdução
O
interesse pela temática proposta neste artigo surgiu a partir da experiência
profissional no Serviço de Psicologia do Instituto Federal do Maranhão ‒ IFMA.
Atualmente, existem no IFMA vinte e oito (28) profissionais distribuídos em vinte e
uma (21) cidades do Maranhão, sendo seis (06) profissionais lotados na capital e vinte e dois (22)
lotados nas demais cidades do interior.
Nesse contexto, utilizou-se a Ergonomia da Atividade como referencial epistemológico para
nortear nosso trabalho. Apesar de não ser um território de consenso entre os pesquisadores que
gravitam em torno dessa temática, neste trabalho a ênfase é dada à discussão entre o trabalho
prescrito e o trabalho real. Assim, o objetivo deste artigo é problematizar o modo como o
psicólogo dá sentido às experiências de sofrimento e prazer da sua atividade profissional no IFMA,
considerando as discrepâncias entre o trabalho prescrito e o real da atividade.
Utilizou-se a metodologia de Relato de Experiência − sob a perspectiva de compreensão
de trabalho da Ergonomia da Atividade − para apresentar e discutir o fazer dos profissionais de
psicologia que atuam na prática realizada no contexto do Instituto Federal do Maranhão.
394 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Esses profissionais, ao adentrarem o Serviço Público, podem entrar em contato com um
documento disponibilizado pelo Ministério da Educação (MEC) intitulado Plano de Carreira dos
cargos Técnicos Administrativos em Educação no qual constam: os requisitos de qualificação
para o ingresso no cargo; a descrição sumária do cargo; e a descrição de atividades típicas do
cargo, a saber:
Diante desse trabalho prescrito para a atuação do psicólogo na rede federal de ensino,
emergem inquietações que se expressam por meio de questionamentos no que concerne à atividade
prática diária do psicólogo do Instituto Federal do Maranhão, a saber: o profissional do IFMA
se identifica com as atribuições do cargo descrito pelo MEC? Quais as emoções mobilizadas na
sua prática diária? Quais os mecanismos defensivos? Quais as frustrações? Quais experiências são
consideradas relevantes ao longo da trajetória profissional?
O termo Ergonomia surgiu em 1857 e foi utilizado pelo polonês Wojciech Jastrzebowski. Ao
longo do tempo sua conceituação foi se modificando e recebendo contribuições de outras áreas
culminando com o surgimento da terminologia Ergonomia da Atividade. Assim, atualmente, é
vista como uma abordagem científica que analisa as contradições entre as relações estabelecidas
pelos indivíduos no seu contexto de trabalho, isto é, analisa o ser humano em atividade na tentativa
de compreender como se dá o trabalho real considerando todos os ajustes necessários para que
sejam superadas as impossibilidades e/ou contradições contidas no trabalho prescrito (Ferreira,
Almeida e Guimarães, 2013).
Para Ferreira (2000), o trabalho prescrito também pode ser chamado de previsto e está
circunscrito a um contexto particular de trabalho, representando os braços invisíveis da organização
que fixa as regras e dita tanto os objetivos qualitativos como os objetivos quantitativos da produção.
Neste objeto de estudo, o trabalho prescrito para o psicólogo do IFMA está operacionalizado nas
atividades descritas pelo documento apresentado acima.
Sobre o trabalho real, a definição, ainda pelo mesmo autor, representa uma categoria que
comporta a atividade do sujeito, seu modo de operar numa temporalidade dada, num lugar
específico onde ele coloca em jogo seu corpo, sua experiência, seu saber-fazer e sua atividade
numa tentativa de construir práticas visando regular suas relações com as condições objetivas do
trabalho. No caso do profissional de psicologia do IFMA, o trabalho real será problematizado a
partir do relato de experiência que se seguirá.
Ainda no bojo da discussão sobre a atividade do trabalho Ferreira et al (2013) a define como
o “espaço” existente entre o que é prescrito e o que é real. Do mesmo modo, Ferreira e Barros
(2003) afirmam que o trabalho é uma atividade mediadora e geradora de significações psíquicas
para os sujeitos e que as vivências psíquicas de prazer e sofrimento são tecidas no cotidiano através
da gestão do trabalho prescrito bem como da gestão das relações, da criação de novas práticas e
da interpretação dos efeitos do trabalho real.
396 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Assim, a primeira constatação entre a discrepância do trabalho prescrito e o trabalho
real para os profissionais da psicologia que trabalham em institutos federais inicia pela própria
incompreensão do órgão responsável pela contratação do profissional (o MEC) o qual utiliza um
código de vaga, que é disponibilizado pelo governo para a contratação no âmbito federal, e cuja
descrição de cargo é muito genérica, desconsiderando as especificidades da atuação da psicologia
na educação. Por isso, pretendo descrever as lacunas que surgem a partir dessa incongruência e
seus impactos na atividade do profissional.
Ao ler a descrição das atividades típicas do cargo, encontramos apenas um tópico (o terceiro)
em que a temática da educação é abordada, a saber: “diagnosticar e planejar programas no
âmbito da saúde, trabalho e segurança, educação e lazer; atuar na educação, realizando pesquisa,
diagnósticos e intervenção psicopedagógica em grupo ou individual”. Por isso, essa proposta
de trabalho prescrito não considera o fato de que tal descrição genérica, apesar de contemplar
as diversas áreas de atuação do psicólogo e ensejar a possibilidade do engajamento em vários
contextos de trabalho do âmbito federal, poderia ser elaborada de modo mais direcionado à
educação, pois na prática, quando esse documento é utilizado pelo MEC a finalidade é para ser
um instrumento de contratação de psicólogos para trabalhar como técnico-administrativo da
educação em âmbito federal, seja em institutos federais ou universidades federais.
Surge, então a primeira lacuna: o profissional lê as atribuições que o documento solicita que
ele cumpra e não consegue entender a proposta, pois nem o seu contexto de trabalho é contemplado
adequadamente, desde a descrição da estrutura física uma vez que ele está trabalhando numa
instituição educativa e o documento cita até mesmo que ele irá realizar alta hospitalar, bem como
procedimentos destinados à psicologia clínica individual ou trabalhar em funções destinadas à
psicologia organizacional e do trabalho.
No que diz respeito à descrição sumária do cargo, ressalta-se como os sujeitos para quem a
psicologia endereça suas atividades são vistos como pacientes, pois no documento está escrito que
o psicólogo deve “acompanhar o(s) paciente(s) durante o processo de tratamento ou cura”, o que
revela uma incompreensão por parte do órgão que solicita o trabalho do profissional sobre o tipo
de atividade que ele pode realmente oferecer dentro de uma escola, e ainda abre brechas para que
sejam solicitadas ao psicólogo intervenções incompatíveis com o seu contexto de trabalho.
Nesse sentido, Prediger (2010) apresenta sua experiência de psicóloga em um Instituto Federal
e explica que ao longo desse percurso histórico foram construídas novas possibilidades e práticas
direcionadas a todo o contexto institucional dos institutos federais envolvendo a aprendizagem
como um processo que implica além do ensinar, as relações dentro da escola, as relações com a
comunidade e as relações com a política educacional vigente.
A literatura já discute, de modo incipiente, as práticas do profissional de psicologia nos
institutos federais de educação e apresenta, de acordo com Marinho-Araújo (2009), que a
Psicologia vem ganhando espaço nesse contexto principalmente através de serviços que atendem
aos estudantes: acompanhando-os no processo de adaptação à rotina da Instituição e às novas
relações sociais efetivadas; realizando orientação profissional; atendendo demandas ligadas aos
processos de ensino e aprendizagem, entre outras atividades. Isto é, o foco está no desenvolvimento
de atividades de trabalho cujas práticas são compatíveis com a psicologia escolar e educacional.
Entretanto, o fazer do Psicólogo Escolar e Educacional na rede federal de ensino profissional
e tecnológico traz no seu bojo especificidades que incluem desde o modo de ingresso no campo
o qual se dá por meio de concurso público, passando pela dificuldade em encontrar literatura
científica para consulta, até a chegada ao campus de lotação, emergindo então as particularidades
comunitárias de cada cidade de destino e especificidades organizacionais que se processam nas
relações com os pares de trabalho em cada Campus.
Prediger (2010) retrata essa realidade ao relatar sua própria experiência de psicóloga em
uma pesquisa-intervenção que norteou sua dissertação de mestrado:
Além disso, tal descrição de cargo também interfere no modo como a gestão entende e cobra
do profissional o desenvolvimento da sua prática uma vez que pelo fato de o trabalho prescrito
não contemplar de uma maneira mais específica as atividades a serem desempenhadas pelo
profissional, o gestor cai no lugar comum de solicitar intervenções tradicionalmente associadas
ao estereótipo da psicologia clínica devido ao seu maior reconhecimento no contexto social.
Por consequência dessa incompreensão da complexidade da atividade do psicólogo, emergem
as vivências de sofrimento no trabalho. Apresenta-se, aqui, mais um incômodo: as intervenções
propostas pelo serviço de psicologia na instituição são compreendidas como menores por
valorizar a subjetividade em detrimento das maiores, aquelas que valorizam a objetividade. Assim,
quando a psicologia realiza atividades cujo objetivo seja a criação de espaços de vida a fim de
valorizar a importância dos efeitos produzidos pelos encontros na constituição da subjetividade,
há sempre mecanismos de boicote que se dão tanto de modo direto através da justificativa da
incompatibilidade de horários porque os alunos já estão com os dias de aula todos preenchidos,
como de modo desrespeitoso por meio da justificativa de que o professor tem autonomia em sala
e só libera esse aluno para a atividade se ele quiser.
Para Ferreira e Barros (2003), os modelos de gestão que desconsideram a diversidade
dos trabalhadores, acabam por enfatizar o controle do tempo e dos resultados favorecendo o
surgimento de experiências dolorosas de angústia, medo e insegurança relacionadas à organização
do trabalho
Nesse ponto percebe-se um movimento contínuo de tensionamento. Observa-se uma
convergência de forças: a escola enquanto instituição social, a escola enquanto organização
social de trabalho, as necessidades das famílias dos alunos, as demandas particulares dos alunos,
as dificuldades de se trabalhar em equipe, o contexto territorial deste trabalho e, atravessando
todas elas, o desejo, o cuidado de si, as limitações pessoais e a história de vida da profissional da
psicologia.
Assim, ao problematizar essa atividade do psicólogo, percebe-se uma necessidade de dar
sentido à minha prática através não apenas das atividades que eu consigo desempenhar e ser
reconhecida, mas principalmente das atividades que eu gostaria de realizar e não consigo. Com
esse mesmo olhar, Alves e Silva (2014) enfatizam o caráter furtivo da categoria atividade em sua
definição
Atividade é fuga e não estadia. Atividade é escolha, dúvida, afeto, conflito. Atividade é tudo
que foi pensado, dialogado consigo mesmo a respeito do realizado, e do não realizado.
Assim, o não realizado também faz parte da atividade, pois o que é ocultado influi com
todo seu peso na atividade realizada [...] é sempre algo além do que nos propomos na tarefa
prescrita. É mais que gestos realizados, passíveis de observação direta (p.64).
Assim, lembrando que o Serviço de Psicologia lida com uma média de mil e duzentos alunos
e com uma média de cem servidores (entre professores e técnicos administrativos), e que o cargo
398 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
da psicologia é, na maioria dos campi, ocupado por apenas uma psicóloga, pergunto: esse meu
relato não seria própria resposta das perguntas iniciais? Essa recusa em me identificar com a
atividade do referido cargo de psicóloga não seria uma estratégia de mediação individual?
Tais estratégias de mediação individual remetem ao custo humano do trabalho do psicólogo.
Para Ferreira, Almeida e Gumarães (2013) esse custo humano é representado por exigências que
podem ser físicas como: relacionadas ao esforço corporal e ao desgaste fisiológico e mecânico
exigidos pela atividade desempenhada; cognitivas que dizem respeito ao esforço cognitivo e
consequente desgaste mental, além da resolução de problemas e das aprendizagens necessárias
à execução das tarefas; ou ainda afetivas que tangem o dispêndio emocional, à afetividade e ao
estado de humor, demandados pela atividade do trabalho.
Ainda nessa discussão do atravessamento do custo humano na atividade do psicólogo,
onde se localiza o psicólogo entendido como sujeito? Martinez (2009), ao problematizar sobre
o compromisso do psicólogo escolar e educacional com a educação brasileira aborda que “a
ação do sujeito se dá sempre em um contexto que é percebido por ele não apenas pelas suas
características ‘reais’, mas pela construção que faz da situação, e dos sentidos subjetivos que
produz no curso da própria ação.”
Por esta razão, essa caracterização da categoria sujeito também está pautada na atividade
e criatividade do indivíduo, no seu poder de agência e na capacidade de superar os limites
institucionais criando novas possibilidades de atuação (Martinez, 2009).
Essa experiência de Martinez na prática da psicologia escolar e educacional instiga a
percepção do trabalho do psicólogo como um espaço também possível para a emergência de
vivências de prazer no fazer, apesar da predominância do sofrer no fazer. Ao abordar a capacidade
do psicólogo de se reinventar, lembra-se como todas as interdições na atividade de um psicólogo
na rede federal de ensino abrem oportunidades constantes para que o profissional se experiencie
em todos os outros lugares que não comportam o seu trabalho prescrito e faça movimentos de
busca por outros lugares que comportem o seu trabalho real.
Destaco, ao final, que também tenho vivências de prazer as quais estão manifestadas na
oportunidade de revigorar minhas energias no convívio com adolescentes, na possibilidade de me
sentir útil ao poder escutar alguém, na disponibilidade para dar uma orientação para um usuário
desse serviço público e, principalmente, na observação da minha atividade profissional como
propulsora de reflexões na minha vida e na vida de outras pessoas.
Considerações Finais
Este trabalho teve como principal norteador a seguinte questão: como o psicólogo do IFMA
lida com as discrepâncias entre o trabalho pescrito e o trabalho real na sua atividade profissional?
Ao final, percebo minha dificuldade em encontrar literatura na área, isto é, encontrar relatos
dos próprios psicólogos falando sobre suas experiências de prazer e sofrimento no trabalho.
Especialmente, quando se fala nessa atividade profissional desempenhada no contexto dos
institutos federais, o que nos leva a perceber como a falta de diversidade de experiências a serem
conhecidas e problematizadas faz com que meu relato de experiência seja apenas um ponto de
partida para a discussão da temática.
Portanto, é possível concluir que as discrepâncias entre as demandas do trabalho prescrito e as
possibilidades de trabalho real na atividade do psicólogo nos institutos federais é potencializadora
de vivências de sofrimento, assim como apresentado na literatura, mas também propulsora de
vivências de prazer ao instigar reflexões pessoais.
Por último, considero que a inferência de que todos os profissionais de psicologia relatam,
na sua prática profissional, mais vivências de angústia e sofrimento do que experiências de prazer
Referências
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400 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O SOFRIMENTO PSÍQUICO EXPERIENCIADO NO
ÂMBITO DO TRABALHO POR POLICIAIS: UMA
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Karulynna do Vale Fortes
Daline da Silva Azevedo
Iara Sampaio Cerqueira
Mariana Pereira da Silva
Carla Fernanda de Lima
Introdução
402 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
De outra forma, quando a organização do trabalho torna-se rígida, dificultando ou barrando
a expressão criativa e autonomia dos sujeitos, ou ainda, quando o reconhecimento não se
faz presente, emerge o chamado sofrimento patogênico (Dejours 1994 apud Spode & Merlo,
2006).
Outro aspecto que marca o trabalho do policial é a de impetuosidade. Nesse sentido, muito
mais do que a aplicação de conhecimento técnico, o trabalho implica mobilização subjetiva. A
impetuosidade pode ser uma produção subjetiva, a qual se compõe e encontra ressonância em
sua inserção no trabalho coletivo, onde envolve as esferas morais e éticas da sociedade assistida
por seus serviços. Isso vem fazer da figura do policial “boa ou ruim”, aos olhos do cidadão (Spode
& Merlo, 2006).
Outra questão que pode proporcionar a reflexão e autopercepção dos policiais sobre
seu próprio trabalho é que eles como servidores públicos estão protegidos por uma legislação
específica e no exercício da sua atividade de manutenção da segurança e da ordem pública se
diferenciam dos demais servidores por seu ambiente e situações diversificadas de trabalho e pela
exposição rotineira às situações de riscos à saúde e à vida, tais como rotina, horas extras, estresse,
insegurança, equipamentos inadequados, entre outras. A partir desse contexto é questionável a
percepção deles como profissionais em serviço e profissionais em folga, na postura de cidadãos
comuns que também precisam de segurança (Souza, Minayo, &, Pires, 2012).
Considerando a importância desses pressupostos teóricos para se entender as vivências
de policiais no exercício de sua profissão, o objetivo deste estudo é conhecer os causadores do
sofrimento psíquico no trabalho de policiais militares através de revisão bibliográfica.
Método
Fonte de dados
Resultados
Diante dos critérios de inclusão determinados, alguns artigos para a revisão foram
selecionados, fazendo uma busca nas bases de dados (Lilacs; Scielo) através dos descritores pré-
estabelecidos.
404 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
No que se referem às técnicas de dados de coletas utilizados, quatro dos artigos fizeram
uso de instrumentos quantitativos sendo eles O inventário de sintomas de estresse de Lipp – (ISSL) e Self-
Reported Questionnaire e o Check list de relações interpessoais – revisado (CLOIT-R) e três se utilizaram de
métodos qualitativos através de entrevistas, grupos focais, observação e um se utilizou apenas de
revisão bibliográfica.
No que diz respeito aos objetivos traçados pelos artigos foi identificado como objetivo
comum em todos os estudos o desejo de conhecer a relação entre as vivências profissionais e a
saúde mental, podendo ser divididos da seguinte forma: o artigo 1 visava apresentar e discutir
o estresse ocupacional em mulheres policiais; o 2 diagnosticar a ocorrência e a fase de estresse
em policiais militares; o 3 a investigar características da saúde mental do policial militar; o 4
verificar como as interações interpessoais se relacionam com o estresse; o 5 sumarizar a produção
científica sobre a qualidade de vida de policiais através de uma revisão sistemática de estudos
observacionais; o 6 conhecer os sentimentos e vivências coletivas do profissional policial militar
frente ao seu trabalho, analisando a relação entre prazer, sofrimento e realização; o 7 identificar
como a organização policial se estrutura e sobretudo relacioná-la com a saúde mental; e o 8
estudar a qualidade de vida e as condições de saúde e de trabalho dos policiais militares.
No que se referem aos resultados obtidos pelos artigos, o primeiro buscava apresentar
e discutir o estresse ocupacional vivenciado por mulheres(1) mostrou que as mulheres PM
relacionam o seu cotidiano de trabalho ao estresse vivido, percebendo a influência do mesmo
na saúde e identificando consequências negativas no relacionamento familiar. Em se tratando
de diagnosticar a ocorrência e a fase de estresse em policiais militares, a maioria das mulheres
estudadas encontrava-se em uma fase de estresse na qual ainda era possível lidar com tensões e
eliminar sintomas. Porém, se nenhuma intervenção fosse feita, as estratégias para lidar com os
eventos estressores poderiam se esgotar e as investigadas ficariam sujeitas a uma debilitação do
organismo.
Em diagnosticar a ocorrência e a fase de estresse em policiais militares(2) foi possível destacar
que alguns fatores influenciam o desenvolvimento de sofrimento psíquico entre policias, como
capacidade de reagir a situações extremas, satisfação com a vida e carga horária de trabalho.
Alguns policias afirmaram que certa carga de estresse é vista como positiva por ser capaz de
influenciar a qualidade do serviço, como em situações que precisam lidar com tarefas perigosas.
A qualidade de vida necessita de um alto grau de subjetividade, pois essa se relaciona com diversos
outros fatores, incluindo o trabalho, para alguns policias esse aspecto é um fator preponderante ao
sofrimento psíquico. Policias expostos a altas cargas de trabalho tendem a desenvolver problemas
de saúde que ao longo do tempo se cronificam, acarretando não só o sofrimento físico mas
também desenvolvimento o sofrimento psíquico.
Quanto a investigar características da saúde mental do policial militar(3), revelou-se que a
sobrecarga de trabalho representou a maior fonte de estresse nos policiais estudados, sendo que
os mesmos utilizam-se do manejo dos sintomas, autocontrole, apoio da família, lazer, práticas de
exercício, apoio na religião como sendo estratégias de esquiva.
Já no objetivo verificar como as interações interpessoais se relacionam com o estresse, os
resultados encontrados foram predominância de sintomas físicos assinalados no inventário em
relação aos sintomas psicológicos(4) as queixas mais frequentes foram sensações de desgaste
físico constante, cansaço constante, problemas com a memória, tensão muscular e insônia.
Entre os sintomas psicológicos, as queixas mais frequentes foram cansaço excessivo, pensamento
constante em um só assunto, irritabilidade excessiva, perda do senso de humor e angústia/
ansiedade diária.
Em relação ao objetivo sumarizar a produção científica sobre a qualidade de vida de policiais
através de uma revisão sistemática de estudos observacionais(5), a maioria dos estudos apontou
Discussão / conclusão
406 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
repressão, acirrado nos períodos de falta de democracia politica do Estado brasileiro. Após
o período do regime militar, de 1964 a 1985, a segurança pública vem se consolidando como
importante questão da construção democrática e objeto das ciências sociais (Maux; Ferreira &,
da Silva, 2008).
Um ponto relatado como fator estressante foram os problemas com a hierarquia, nas
dificuldades em aceitar ordens, vindas de profissionais considerados de pouca qualificação para o
cargo de patente mais alta, o que é atribuído à falta de autonomia agravado pela falta de espaços
institucionais para discutirem seus problemas, darem opiniões, desabafarem, compartilharem
experiências e sofrimentos (Bezerra; Minayo &, Constantino, 2012).
Uma das recomendações mais encontradas na revisão é que as organizações se proponham a
rever as suas práticas atuais e a necessidade de introdução de medidas de controle e manipulação de
estressores para proteger os profissionais. É necessário que se identifiquem os eventos estressores,
presentes do dia a dia dos policiais e que sejam implementados programas de atividades físicas,
assim como a realização de esportes e também a construção de espaços para a realização das
mesmas. E por fim, é necessário que sejam realizados mais estudos sobre o tema para o maior
conhecimento sobre o sofrimento psíquico no ambiente organizacional e assim seja permitida a
comparação entre o bem-estar e sofrimento psíquico de policiais militares nos diferentes contextos
brasileiros.
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408 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
IMPACTOS DO MUNDO DO TRABALHO: AS
IMPLICAÇÕES DO DESEMPREGO NA SAÚDE MENTAL
DE TRABALHADORES DESEMPREGADOS
Raira Torres Cordeiro
Carla Fernanda de Lima
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Luana Gabriella Martins Lima
Geice Maria Pereira dos Santos
Flávia Marcelly de Sousa Mendes da Silva
Introdução
O
trabalho é introduzido, a partir da concepção de Zanelli, Borges-Andrade e Bastos
(2014) como instância que configura ao indivíduo a percepção de condução
própria de sua vida, possibilitando que o mesmo alcance a sua sobrevivência e
realização. Diante disso, destaca-se o significado subjetivo do trabalho para o indivíduo, que
busca nessa atividade muito além do ganho monetário, mas sim, um estado de satisfação por
meio da atividade realizada e o significado social que constitui a mesma.
Contudo, apesar das divergências existentes em relação ao sentido e significado do trabalho
(muitas vezes tido como sinônimo de emprego) tornou-se pertinente pontuar neste estudo como
ele vem se estruturando na atual conjuntura social e econômica da sociedade e, ainda expor suas
diferenciações conceituais em relação ao emprego. Além do mais, ao se admitir as implicações
do trabalho no bem-estar da vida do sujeito, tornou-se necessário partir para reflexões acerca
de outros fenômenos derivados desse processo, tais como: o emprego e, consequentemente, o
desemprego, ambos frutos da racionalização do trabalho.
Desse modo, o estudo em questão fundamenta-se em refletir acerca das implicações do
desemprego a partir de perspectivas concretas, que partem de uma realidade experiencial comum
a diversos indivíduos: estar desempregado. No entanto, ao mesmo tempo vislumbrando as
singularidades que surgem diante dos efeitos objetivos e subjetivos que essa condição processa e
que são experimentados de forma particular em cada sujeito.
Porquanto, a concepção a ser considerada neste estudo não se deteve a pensar o sujeito
desempregado em uma lógica individualizante, mas em concebê-lo na perspectiva construtivista e
processual de saúde/doença, compreendendo que este fenômeno implica tanto na dinâmica quanto
na existência da vida de cada ser humano, em outras palavras, portanto, concebendo indivíduo
como sujeito ativo diante do seu processo de saúde/doença, logo, capaz de modificar e transformar
o meio em que vive, resgatando sua autonomia e poder de ação frente sua realidade (Wickert, 1999).
Em linhas gerais, a ideologia aderente ao modelo econômico atual realmente se manifesta
na culpa do sujeito desempregado, como até mesmo por seu adoecimento devido à situação
Método
Amostra
A pesquisa contou com uma amostra não probabilística (por convenciência), de 30 sujeitos
de uma cidade do interior do Piauí, especificamente Parnaíba, com média de idade de 37 anos
(DP = 3,5), em sua maioria solteiros (57%), do sexo masculino (56,7%), com ensino fundamental
incompleto (34%) e com filhos (67%). A maior parte dos participantes possui renda familiar de
um a três salários mínimos (57%), sendo que 37% autodeclaram - se responsáveis pela renda
familiar. Ademais, 54% dos participantes afirmaram que não recebem ou que já receberam seguro-
desemprego.
Instrumentos
Procedimento
410 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
o anonimato e confidencialidade de todas as respostas do participante e o comunica que as
informações obtidas poderão ser usadas, em seu conjunto, para fins acadêmicos e/ou científicos,
mantendo sempre o anonimato dos respondentes. Além disso, solicitou-se a autorização para
gravar a entrevista. Todos os procedimentos éticos para com pesquisas envolvendo seres humanos
foram cuidadosamente tomados, tendo em vista a Resolução 510/16 do Conselho Nacional de
Saúde, que estabelece as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas dessa ordem.
Os dados obtidos a partir da entrevista semiestruturada foram analisados por meio de uma
apreciação qualitativa baseada na análise de conteúdo proposta por Bardin (2011). Ademais,
realizou-se uma análise de frequência para os dados sociodemográficos.
Resultados e Discussão
A fim de alcançar o objeto proposto por este estudo foram suscitados questionamentos e
considerações que perpassam o fenômeno do desemprego e suas implicações na saúde mental de
trabalhadores desempregados. Desta forma, esta sessão está organizada de acordo com a análise
das entrevistas que resultou em quatro eixos temáticos. Para tanto segue a descrição dos eixos:
Tabela 1
Tabela 2
Isolamento social 39
Autocobrança e cobrança na
16
Questão Social procura de emprego/dinheiro
Falta de acolhimento por parte
3
da sociedade
O desemprego proporciona uma ruptura dos laços sociais essenciais, uma vez que, o indivíduo
percebe-se excluído socialmente, decorrente da perda do papel socializante, proporcionado
anteriormente pelo emprego. Tal situação pode vir a agravar ou promover quadros depressivos,
diminuição dos contatos sociais e, consequentemente, a perda da própria identidade do sujeito
atrelada a sua função na sociedade (Carochinho, 2009; Gomes, 2003; Pereira & Brito, 2006).
A frequente auto cobrança pela busca de emprego/dinheiro foi também um dos pontos
relatados pelos participantes, em sua maioria motivada pela pressão social exercida por amigos
e familiares. A falta de acolhimento por parte da sociedade a essas queixas e demandas, além
da dificuldade ao acesso de bens de consumo potencializa as situações de vulnerabilidade.
Ainda vislumbra-se outros aspectos que surgiram na fala dos sujeitos e que por sua vez estão
relacionados indiretamente tanto a questão social como à questão econômica. Sendo que essas
questões também implicam em adoecimento, todavia são de ordem mais individual. Na Tabela 3
estão situadas tais categorias.
Tabela 3
Todavia, cabe ressaltar que mesmo partindo de uma vivência subjetiva, estes aspectos
também aludem a uma realidade coletiva, a saber: falta da rotina de emprego, ou seja, a falta
dos hábitos, amigos e/ou ritual realizado, a exemplo do trajeto percorrido a chegada ao emprego.
412 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Eixo 2: Percepção dos sujeitos desempregados acerca da construção social do desemprego
No que concerne ao segundo eixo, este se refere a percepção dos sujeitos desempregados
sobre como se percebem e a forma como os mesmos acreditam que estão sendo percebidos pela
sociedade. Os resultados são apresentados na Tabela4 a seguir.
Tabela 4
Outro ponto relevante que emergiu da fala dos participantes foi sobre a desvalorização
social acerca do preconceito e a discriminação que o trabalhador desempregado sofre em seu
meio, o que por sua vez é ressaltado nos seus relatos acerca da sensação de fracasso pessoal e
marginalidade que lhes são atribuídos, como pode ser observado na seguinte fala: “Quando você
diz assim: ‘Eu tô desempregada!’ É como se você passasse atestado de incompetente. É muito
ruim!” (Participante 7).
Estudiosos a exemplo de Carochinho (2009) discute a respeito do sentimento de inutilidade
que o sujeito trabalhador experimenta quando desempregado. Essa conjuntura também se remete
a chamada ética do trabalho, no qual valores e virtudes só podem ser adquiridos por meio do
trabalho, que em um sentido moderno significa o emprego formal.
Em alusão a desvalorização social e supervalorização da formalidade, Pereira e Brito (2006)
concebem que os sujeitos desempregados reforçam sua condição como desvalorizada diante
de uma sociedade que baseia suas relações em trocas materiais. Sendo assim, o valor humano
passa a ser traduzido no poder de compra que o indivíduo possui ou pode vir a ter, ou seja,
estar desempregado é ter seu valor humano reduzido nas mesmas proporções que esse poder e
possibilidade de compra diminuem.
Entretanto, em contrapartida à desvalorização social surgiu a categoria de supervalorização
da formalidade, na qual o sujeitos entrevistados acreditam ou atribuem que seu reconhecimento
como cidadão na sociedade só é ou poderá ser (re)conquistado em detrimento do emprego formal:
“A gente é reconhecido pelo que tem [e] pelo que faz. Aquele que tem é reconhecido por aquilo
que ele adquiriu através do seu trabalho” (Participante 5). Os sujeitos entrevistados também
aludiram sobre a falta de credibilidade no mercado, já que o fato de não possuir uma renda
fixa (conquistada preferencialmente por meio de um emprego formal e/ou estável) é condição
fundamental para garantir o acesso aos bens de consumo, como também possibilita usufruir do
poder de compra, que na situação em questão torna-se complicada.
Tabela 5
414 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
muito. Aí, deu uma úlcera dentro de mim. Estourou uma úlcera dentro de mim” (Participante
17). Contudo alguns relatos chegaram a expor até mesmo consequências mais graves, como
uma úlcera estomacal, por exemplo, o que corrobora com os estudos de Estramiana (1992) e
Duarte (1998) no qual o desemprego torna o sujeito vulnerável a estas situações psicologicamente
desestabilizadoras.
A dimensão psíquica foi um ponto fundamental nessa análise, abrigando impactos que
muitas vezes são negligenciados ou passam desapercebidos nas falas dos entrevistados refletindo
aspectos psicológicos (e.g., nervosismo, estresse, ansiedade, angústia pela incerteza e inconstância
gerada pelo desemprego, assim como a sensação de mal-estar constante devido pressões e
cobranças de familiares ou até mesmo perante a sociedade) e que são negligenciados quando se
aborda a respeito de saúde ou promoção desta. O modo negativo de perceber o desemprego na
sociedade, sendo que esta percepção traz significativas repercussões no bem-estar psicológico dos
desempregados (Duarte, 1998).
De forma sucinta, alguns relatos trouxeram a questão referente a traços depressivos e outros
abalos psicológicos. Contudo, essa abordagem breve pelos sujeitos reflete o pouco conhecimento,
ou a subestimação de sintomas referentes à instabilidade da situação em se encontram, a depressão
é vista de forma generalista ou simplesmente como uma tristeza acompanhada de isolamento ou
como uma resposta “normal” ao desemprego (Terra, Carvalho, Azevedo, Venezian, & Machado,
2006).
Tabela 6
Considerações Finais
Apesar de a presente análise pretender ser ampla e considerar as relações diretas e indiretas
do indivíduo com o desemprego, sabe-se que todo estudo possui suas limitações em termos de
apreensão da realidade, uma vez que está se trata de um meio complexo e dinâmico, logo, uma
pesquisa que almeja encerrar um discurso sobre uma problemática social, corre o risco de ser
reducionista e determinista.
Ademais, reconstruir e renovar relatos e assumi-los diante das perspectivas existentes, no
intuito de somar a realidade também são considerações levantadas por esse estudo, em prol de
produzir práticas e atos políticos emancipadores diante das situações de vulnerabilidade. Além
disso, o mesmo se coloca a benefício de estudos vindouros e a servir com uma das diversas
formas de reflexão, que complementa, corrobora, contrapõe e inova em determinados termos de
compreensão da realidade e de um fenômeno.
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Introdução
A
organização do trabalho busca a representação da vontade do outro, ao implicar
a supressão do desejo e das expectativas afetivas no campo das relações sociais do
trabalho, e que são necessárias para resistir a longo prazo, as pressões, mas que,
entretanto, podem desencadear sofrimentos e doenças ocupacionais. Apesar disso, a organização
do trabalho, quando permite a flexibilidade, a negociação e adaptação de suas necessidades,
expectativas e desejos do modo operatório pode-se tornar mediadora da saúde do trabalhador
(Mendes, 1995).
Dejours (1992) define a organização do trabalho como a forma como as atividades são
divididas, o conteúdo da tarefa resultante, o sistema hierárquico e as relações socioprofissionais
estabelecidas, as modalidades de comando, as relações de poder e as questões que envolvem
responsabilidade. Dejours (1992) destaca ainda que a organização do trabalho exerce, sobre
o homem, uma ação específica, que impacta o aparelho psíquico. Quando há conflitos entre
a história individual do trabalhador, que engloba os sonhos e os desejos dos trabalhadores, e
uma organização que não busca este reconhecimento, ocorre, pois, um sofrimento de natureza
mental. Assim sendo, a psicodinâmica do trabalho busca desvendar as vivências intersubjetivas
dos trabalhadores com relação a organização do trabalho, e com isso, ter acesso as estratégias de
defesa que servem para ocultar a realidade do sofrimento e seu relacionamento dinâmico com o
trabalho (Dejours & Abdoucheli, 1994; Dejours, 2004).
A organização do trabalho estrutura-se sob duas bases: a divisão técnica do trabalho,
que está relacionada aos procedimentos, meios, competências, entre outros; e a divisão social e
hierárquica do trabalho que se trata das formas de comando, coordenação, autonomia (Molinier,
2013). Além disso, Mendes (1995) comenta que cada categoria profissional possui um modelo
pré-estabelecido de organização do trabalho que pode vir a conter elementos homogêneos ou
contraditórios, facilitadores ou não da saúde mental.
O trabalho necessita que o indivíduo supra o que é o e o que não é determinado pela
organização do trabalho. Para tanto, não é suficiente que o trabalhador siga somente às prescrições,
ele precisa interpretar, corrigir, adaptar e ás vezes criar, estando dessa forma constantemente
submetido a um processo de regulação interna. Neste quesito, a inteligência do trabalhador é
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
utilizada para suprir as lacunas da prescrição e transitar pela variabilidade da situação de trabalho
(Abrahão, 2000).
Molinier (2013) afirma que a organização do trabalho não é uma “entidade toda poderosa”
(p.86), o indivíduo não se molda as prescrições da atividade que exerce. Pois, como a ergonomia
francesa propõe, em 1970, sob a direção de Wisner: não se trata de adaptar o homem ao trabalho,
mas o trabalho ao homem” (p.86). Nesse cenário, a mobilização dos trabalhadores na tentativa
de regular e gerir variabilidades, referem-se a situações de trabalho marcados pelo dinamismo,
instabilidade e submetidas a imprevistos, o que é possível visualizar a distância entre o prescrito/
tarefa e o trabalho real/atividade (Guérin et al., 2001).
Assim sendo, fatores relacionados à organização do trabalho como o tempo e o ritmo em
que são realizados influenciam diretamente na determinação do sofrimento psíquico na atividade
laboral. As longas jornadas de trabalho, pequenas pausas para alimentação, ausência de horário
de descanso, ambiente de trabalho desconfortável, turnos alternados, pressão de supervisores e
chefia, jornada de trabalho que se inicia muito cedo são causas frequentes de quadros ansiosos,
fadiga, crônica e distúrbio de sono (Schwengber & Baschta, 2010).
No estudo em questão, será dado ênfase a categoria de profissionais dos serviços gerais
de limpeza hospitalar, de um Hospital Universitário de uma capital do Nordeste brasileiro, dois
elementos mostram-se de suma importância para a compreensão de como o trabalho pode
favorecer ou comprometer a saúde dos trabalhadores, sendo estes o processo de trabalho e o
trabalhador, que vende sua força de trabalho em troca de um salário. Através do processo de
trabalho, pode-se observar as variadas formas de consumo da força de trabalho, que podem
implicar em desgaste do trabalhador (Silva, 1999). A tarefa de limpeza nos hospitais foi
direcionada a um setor específico ou a uma empresa prestadora de serviços terceirizados na área
de limpeza e conservação. Para ocupar tal função, os trabalhadores deverão possuir pelo menos
o primeiro grau completo, pois deverão lidar com produtos químicos, diluídos, matéria orgânica,
instrumentos perfurocortantes, equipamentos de limpeza e outros, e de toda forma possuem um
contato com o paciente quando da limpeza dos leitos (Fernandes, 2000).
Tomando por base o que fora descrito anteriormente, neste estudo, buscamos caracterizar
a organização do trabalho dos profissionais dos serviços gerais de limpeza hospitalar, no que
diz respeito às atividades desenvolvidas, ao ritmo, à carga de trabalho, as pausas, os trabalhos
em turnos, bem como às normas prescritas e às relações socioprofissionais. Ademais, buscou-se
descrever as vivências de prazer e sofrimento e como estas tem repercutido no funcionamento
psíquico dos trabalhadores e as estratégias defensivas mobilizadas para lidar com o sofrimento
advindo da organização do trabalho.
Método
Delineamento
Amostra
Procedimento
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Resultados e Discussão
A pausa é só 1h mesmo, a hora do almoço, somente. Só para beber água assim, quando dá
vontade de beber água e pronto, mas no horário mesmo que tem o repouso assim, é hora de
almoço mesmo. A gente não senta não. Às vezes a gente quer tomar um café, um cafezinho
pelo menos de 15 minutos, mas não dá tempo. (Participante 19)
No que diz respeito à carga e ao ritmo de trabalho, ambos variam conforme o dia, o setor,
a quantidade e a demanda com relação a incidentes de limpeza dos pacientes (vômito, urina).
Ao serem perguntados sobre um dia típico de trabalho a maioria descreveu em sua rotina a
preocupação em chegar antes do horário de sua jornada de trabalho, pois, assim dedicam o seu
tempo a vestir os uniformes e a organizarem os carrinhos que utilizam para limpeza. Destaca-se,
portanto, uma preocupação em se anteciparem as demandas do trabalho real:
Desse modo, ao chegarem mais cedo ao seu ambiente de trabalho, estes profissionais
antecipam sua jornada, e ultrapassam o prescrito da atividade, já que os servidores de limpeza
têm a necessidade de chegar antes para se organizar e preparar as condições indispensáveis para
o seu trabalho.
Quando perguntados sobre o que fazem em seu tempo livre, muitos trabalhadores
mencionaram que ainda executam serviços em casa, o que aumenta o desgaste físico e emocional,
pois, relatam chegar em casa exaustos após um dia de trabalho intenso. O trabalho executado
pelos servidores de limpeza hospitalar já se caracteriza pelo desgaste físico, para a mulher, em
especial, adicione-se o cuidado com os filhos e as atividades domésticas. A “dupla” ou até mesmo
a “tripla” jornada de trabalho, pois, algumas ainda realizam faxinas para aumentar a renda
familiar: “Embora que eu não pare de trabalhar. Mas o trabalho de casa é menor, que eu não
estou só em casa. Sempre tem, na casa da minha mãe tem eu e minha mãe” (Participante 02). Este
cenário evidencia as condições de profissionais sem qualificação formal e submetidos à disciplina,
especialmente a mulher pelo acúmulo do trabalho doméstico em relação ao trabalho assalariado
(Chillida e Cocco, 2004). Ainda há o desgaste ocasionado na volta para casa, pois a maioria dos
participantes não possui veículos automotores próprios e precisam utilizar o transporte público.
Alguns chegam a pegar mais de dois ônibus para chegar em casa e por consequente o adiamento
de um possível descanso em casa: “para eu vir trabalhar em casa mesmo eu me levanto quatro
horas da manhã, pego o carro, chego em Santa Rita, pego o coletivo às cinco horas. E eu pego
outro ônibus da integração” (Participante 03).
De todo modo, ao serem questionados sobre um dia atípico de trabalho, os trabalhadores
relataram não terem tempo nem para descansar. O tempo de execução de uma determinada
limpeza variava significativamente, de acordo com alguns fatores (e.g., interferência dos pacientes
e usuários, diferenças de arquitetura e do arranjo físico, diferença no grau de sujidade), além de
variados tipos de intercorrências.
Dia movimentado não se tem, não se tem marcado. Pode ser hoje, pode ser no próximo
plantão e por diante. Muitas vezes eu chego, está aquela calma, algumas enfermarias com
pouca gente, desocupada. Mas de repente acontece. Eu limpo uma enfermaria e de repente
uma paciente suja. Vou voltar novamente para o local que ele sujou. Às vezes até o, muitas
vezes até o, a enfermaria completa, tem que fazer a nova higienização de novo, dependendo
da necessidade. É assim, calma, que aqui é hospital, é um entra e sai de pacientes. Uns tem
alta e outros chegam. Não tem hora para parar, e nem dia tranquilo não, sempre, sempre, a
gente nunca para. (Participante 20)
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parte da empresa com atividades “extras” ou “não prescritas” realizadas durante o horário de
trabalho, mesmo que por ordem da própria empresa (Ferreira & Barros, 2002).
Um outro fator relevante no que concerne a organização do trabalho diz respeito às
interferências sofridas pelos servidores (e.g., limpezas terminais, vômitos, partos, secreções,
“alagamentos”, pré-banhos de pacientes ou limpezas extras pedidas pelos outros funcionários
do hospital). Diante disso, exige-se do profissional que busque uma resolução para o problema
ou demandar da chefia que os problemas sejam solucionados. Há durante os dias da semana
uma variação das demandas, podendo uns dias serem mais movimentados que outros. Há ainda
as diversas altas dadas aos pacientes que exigem uma limpeza para que outro paciente possa ser
atendido. Com relação as limpezas terminais, por mais que sejam frequentes na rotina do hospital,
não são devidamente contabilizadas pela organização e divisão do trabalho, o que ocasiona
estresse e ansiedade aos trabalhadores. Quando ocorrem as limpezas terminais necessita-se de
um tempo maior, cerca de uma hora em média para a sua realização, não se pode prever quando
o leito será higienizado, pois, há a dependência da liberação do paciente à família ou algum
conhecido, outrora, quando se trata dos vômitos, requer outra quantidade de tempo, ou quando
há diversos partos durante o dia. Estes problemas não são considerados pela organização do
trabalho o que provoca uma sobrecarga para alguns trabalhadores, que nem sempre podem se
programar para a adequada divisão do seu tempo para realizá-las. Dessa forma, o trabalhador
deve-se manter sempre em prontidão para atender as demandas do seu setor:
Um dia movimentado aqui é, a gente faz, passar pano, e quando tem duas ou três desinfecções,
e sobrecarrega, como já teve dia que teve cinco desinfecções. E é um serviço bem demorado
porque a gente tem que começar do teto, parede, piso, higienização, a cama todinha. A
gente limpa o teto é com o rodinho, a gente tem o rodinho. Coloca o pano e, é, no rodo. A
gente fez uma desinfecção agora de manhã, o paciente veio. Com meia hora depois, se ele
faleceu, vai fazer a mesma coisa, tem que fazer a mesma desinfecção. Não importa se já fez
uma. O paciente chegou no leito, se ele faleceu, tem que a mesma desinfecção, a mesma
coisa. (Participante 07)
Assim, as vezes não é muito fácil limpar os leitos, porque as mães não dão espaço. A gente
quer fazer, assim, limpar um negócio, mas não sai. Tem dela que não levanta nem o pé para
você varrer. O filho dormindo, mas quer estar ali, não levanta nem o pé para você varrer.
Mas tem mães que compreende, sai, dá espaço para você fazer a limpeza. (Participante 05)
Quanto aos relacionamentos interpessoais, no que diz respeito a chefia, apareceram opiniões
dispares, pois, alguns avaliaram o seu superior como uma pessoa acessível, chamando a atenção
para falhas quando necessário: “Eu nunca dei trabalho a chefe. Olhe, eu acho que eu já tive aqui
uns cinco chefes, mas eles não têm o que dizer de mim, eu tenho certeza, porque eu nunca cheguei
com reclamação para eles e nunca também receberam reclamação minha” (Participante 23).
Apesar disso, em outros trechos do corpus, é possível ver as dificuldades existentes após a troca de
encarregados (chefia imediata) com as mudanças na empresa terceirizada. Em razão das diversas
trocas de encarregados na fiscalização dos servidores de limpeza hospitalar, a implantação de
muitas regras fica difícil.
As mudanças de regra geraram uma quebra nas relações de cooperação pré-existentes, o
que provocou a quebra de confiança e na coordenação no trabalho, confirmando o que Dejours
Considerações Finais
Referências
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Introdução
A
lcançar um trabalho que ofereça sentimento de pertença, valorização e espaço
para a construção da identidade é o desejo de muitas pessoas na atualidade. Para
obter algum trabalho as pessoas buscam um curso superior ou a qualificação
profissional por meio de programas oferecidos pelo Governo Federal. Dentre os programas
federais, destacamos o Programa Nacional do Acesso ao Ensino Técnico e Emprego/Brasil sem
Miséria - PRONATEC/BSM que foi lançado no ano 2011 com o objetivo de qualificar pessoas
entre 16 e 59 anos com renda per capita de R$ 160,00 (Brasil, 2014).
A qualificação profissional é uma forma do indivíduo se inserir no mercado de trabalho,
tanto para aqueles que buscam o primeiro emprego como aqueles que estão fora do mercado de
trabalho já há algum tempo. As pessoas que participam de cursos de qualificação profissional no
âmbito do PRONATEC/BSM encaixam-se na “inserção no trabalho”, como proposto por Gazo-
Figuera (1996) no qual ela está relacionada a uma qualificação menor e desempenho em um
cargo que não permite o desenvolvimento de uma carreira profissional dentro uma formação
universitária.
O PRONATEC/BSM é um programa que é compreendido, por Nascimento (2015),
como uma alternativa de reestruturação e organização do trabalho visando sustentar o sistema
capitalista na desigualdade e exploração da força de trabalho. Dessarte, o “trabalho” produzido
por este programa, não perde a característica de qualquer outro trabalho, no qual este é um
espaço da construção da identidade e local no qual o indivíduo vive tanto o prazer quanto
sofrimento (Dejours, 1992). Por conseguinte, considerando todas as características supracitadas
e que o “trabalho” produzido pelo programa atende principalmente o setor de serviços (foi a
grande massa de trabalho terceirizado no Brasil até 2016), este estudo teve como objetivo geral
analisar a percepção dos egressos dos cursos do PRONATEC/BSM quanto à inserção no mercado
trabalho e sua relação com a terceirização em um município da região norte do estado do Ceará.
426 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
do empregador, considera a terceirização como um instrumento relevante da gestão capaz de
gerar novos empregos para todos os pequenos e médios empresários com uma mão de obra
barata reduzindo assim os custo da produção. A segunda abordagem, analisa a terceirização
como uma forma dos empresários não terem mais obrigações trabalhistas legais fazendo com que
eles aumentem os ganhos e a competividade. Esta última abordagem identifica:
A partir do que foi dito acima, ao analisarmos o Guia de Cursos Formação Inicial e Continuada
(FIC) do PRONATEC (Brasil, 2013) observou-se que o programa oferece cursos voltados para o
setor de serviços e este é um dos mais atingidos pela terceirização no Brasil (Pochman, 2012).
Matos e Lima (2016) apontam que o Governo Federal criou o PRONATEC por ter identificado
que o mercado de trabalho estava oferecendo boas oportunidades de empregabilidade e melhores
salários para indivíduos qualificados. Posto isto, no Brasil, a ideia difundida era que não tinha
emprego quem não era qualificado. Segundo Pochmann (2011) o setor de serviços está entre as
áreas que mais predominam as ocupações informais, a baixa qualificação e baixos salários. Essa
situação ocorre devido à política econômica focar nas vantagens comparativas e no caso do Brasil
o setor de serviços está entre elas devido ao baixo custo da força de trabalho (Motta e Frigotto,
2017).
O PRONATEC se torna, portanto, um espaço de oportunidades tanto para empregador
quanto para empregados por atender uma necessidade do mercado. Pode-se observar que as
características do trabalho terceirizado corroboram com as características do trabalho no setor
de serviços. Este fato, só demonstra a força que o mercado possui e que o Estado acaba por
pactuar com o sistema favorecendo os empresários e desfavorecendo os trabalhadores. Dessa
forma, a educação profissional proposta por programas como o PRONATEC, nada mais é do
que uma “estratégia” governamental que encaminha trabalhadores para o setor de serviços e
consequentemente para a terceirização.
Método
A pesquisa qualitativa possui como objetivo explorar questões como: “o que, por que e
como, dessarte, ela tem como objetivo maior compreender os significados ao invés de preocupar-
se com as medidas (Keegan, 2009). Posto isto, a pesquisa social visa apropriar-se de dados sobre
o mundo social, sendo estes resultados e construídos nos processos de comunicação (Gaskell,
2017). Considerando ambos e buscando analisar a percepção dos egressos dos cursos do
PRONATEC/BSM quanto à inserção no mercado trabalho e sua relação com a terceirização, esta
pesquisa configura-se como um estudo qualitativo exploratório tendo em vista a possibilidade de
estudar fenômenos que envolvem seres humanos e suas relações sociais que são estabelecidas em
vários ambientes.
O foco deste estudo forma os egressos do curso de Agente de Limpeza e Conservação
do PRONATEC/BSM, de 25 a 35 anos, em uma cidade da região norte do Estado do Ceará. O
recrutamento dos participantes ocorreu por meio do demandante do curso supracitado entre
os anos de 2013 a 2015 a partir da contratação dos egressos por uma empresa terceirizada de
um hospital após a finalização do curso. Após o primeiro contato com os participantes, 10
colaboradores do sexo feminino se disponibilizaram a participar da pesquisa. A estas participantes
Resultados e Discussões
Caracterização sociodemográfica
No processo de análise dos dados, identificamos por meio da Análise de Conteúdo Temática
(Bardin, 2011) as categorias que seguem:
Tabela 1
De acordo com as entrevistas, ter participado do curso foi uma grande oportunidade
para serem inseridas no mercado de trabalho como podemos observar na descrição de uma das
participantes: “Ainda bem que teve esse curso, graças a Deus! Porque se não tivesse a gente tava era em casa
428 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
vivendo só de fazer chapéu de palha ou trabalhando nas casas dos outros o que é muito ruim! (Participante
1)”. Observa-se dentro deste contexto que a participante considera um grande feito divino a
existência do curso e somente com ele é que elas poderiam ter conseguido este emprego. O fato
das participantes serem pobres e com pouca escolaridade, as oportunidades no mercado de
trabalho são escassas no município, então, a partir de um curso de qualificação gratuito é que
elas poderiam ser inseridas no mercado de trabalho. Podemos compreender essa percepção a
partir do que Martin- Baró (1998) “paralização”, “submissão” e “adaptação” do homem diante
da sua realidade, sendo esta uma característica comum dos povos marginais (Sanchez, 2005).
A Participante 7 afirma que: “Ainda bem que esses cursos apareceram. Eu ficava trabalhando na casa
dos outro. A sra sabe como é né? É muita exigência e pouco dinheiro. Meu marido num gostava disso não. Agora
melhorou foi muito as coisa lá em casa”. Congruente com o que o PRONATEC/BSM propõe, que é dar
a oportunidade às famílias em vulnerabilidade social a qualificação profissional afim de serem
inseridas no mercado de trabalho o programa, a partir deste discurso atende às necessidades das
trabalhadoras.
De acordo com o programa, os cursos devem ser pactuados com realizando a priori um
mapa da situação do trabalho e emprego na cidade, para que os cursos sejam consoantes ao que
o mercado está necessitando (Brasil, 2013). Partindo desse objetivo, os cursos oferecidos pelo
PRONATEC/BSM são concernentes com a demanda do mercado. O curso de Agente de Limpeza
e Conservação, promovido pelo SENAC, era uma necessidade mercadológica tendo em vista a
abertura de um hospital na região. Dessarte, os encaminhamentos para o mercado de trabalho se
tornam focados em uma ação integrativa entre instituições privadas e públicas. Por esse motivo o
curso a qual as entrevistadas participaram teve como foco o treinamento em limpeza específica
em ambientes hospitalares, o que foi observado ao falarem termos técnicos ao serem perguntadas
pela rotina no seu local de trabalho.
O ambiente laboral é um espaço no qual o trabalhador leva a sua identidade que foi
construída por meio da sua experiência e esta é um conjunto das relações sociais e culturais que
foram adquiridas antes de adentrar a organização e irão impactar no desenvolvimento de suas
atividades. No serviço de limpeza, especificamente, as participantes compartilham uma história
de vida similar, porém elas se diferenciam pelas expectativas de vidas e visão de mundo (Barros,
2014). No que tange a estas duas últimas características seis participantes com idades variadas
revelaram o desejo de fazer um curso superior enquanto as outras quatro consideram-se satisfeitas
com a sua atual situação laboral pretendendo aposentar-se com este trabalho.
No que tange sobre as mudanças de vida observou-se que o trabalho trouxe consequências
positivas para as entrevistadas e suas famílias, como o acesso a bens materiais, a “sonhada” carteira
assinada, tendo em vista que anteriormente as mesmas viviam desempregadas ou trabalhando na
informalidade: “Olha aqui, eu mesma não tinha nada lá em casa. Meu sonho era ter carteira assinada... um micro-
ondas... e agora eu tenho. Eu recebo 13º salário... Essas coisas que eu não tinha trabalhando na casa dos outro.”
Podemos perceber que as entrevistadas se sentem satisfeitas no que diz respeito ao salário e
os benefícios garantidos pela CLT. As participantes não percebem a precarização do trabalho, estão
mais preocupadas com a lógica de “ter um trabalho”. Nesse sentido apesar da gratificação monetária
não ser a única forma de motivação e satisfação no trabalho, Descanio e Lunardelli (2007) afirmam
que o colaborador bem remunerado ou remunerado devidamente tende a mostrar vantagens para
a organização como o trabalho em grupo, além de reduzir a resistência a mudanças, sendo assim
a remuneração adequada é aquela necessária para as pessoas atenderem às suas necessidades
pessoais e aos padrões culturais, sociais e econômicos da sociedade em que vivem.
430 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
que possuem crachá como todos os outros funcionários do hospital. Ao falarem sobre essas
implicações foi percebido um tom de tristeza e revolta, porém, ao mesmo tempo se sentem gratas
por estarem empregadas.
Sobre a garantia empregatícia as entrevistadas afirmam que sentem muito medo de serem
demitidas, pois como não são consideradas colaboradoras efetivas do hospital, ou seja, não
passaram por seleção pública, seriam as primeiras a serem demitidas, no caso de diminuição da
equipe de trabalho. Segundo Falvo (2010) a terceirização gera no trabalhador incertezas acerca da
estabilidade laboral, tendo em vista que os vínculos não pertencem à empresa onde o trabalhador
desenvolve sua atividade. Assim, a autora considera o trabalhador terceirizado como precarizado,
sofrendo com a mobilidade contratual e não afiliando-se a alguma categoria profissional ou
sindicato.
Com os supervisores o relacionamento das entrevistadas é bom e há sempre cobrança, o
que para elas não faz diferença tendo em vista que elas acreditam que eles confiam no trabalho
delas. A Participante 3 explica: No meu setor, meu supervisor é muito bom. A gente tem as coisa lá pra fazer e
eu faço tudinho que ele manda. Não deixo para quem vem depois não. E isso já é uma coisa nossa. Nosso trabalho
é bom, as pessoa agradece... as enfermeira, os pessoal do meu setor me trata muito bem. Eu acho que eles gostam
de mim. (...) Os médicos raramente causam problemas, mais é as enfermeiras e técnicas de enfermagem. (...)
Quando tem as festinhas deles, eles não chamam a gente. Acerca do relacionamento com os profissionais
médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, como descrito acima, as entrevistadas relatam
algumas dificuldades maiores com os enfermeiros e principalmente com as técnicas de enfermagem
que muitas vezes as fazem se sentir humilhadas. No que tange, às comemorações de aniversários,
festividades dentro da empresa, elas relatam que cada setor faz sua própria comemoração e que
as agentes de limpeza e conservação não são incluídas, assim elas mesmas se reúnem para essas
atividades. Neste discurso pode-se inferir que elas não percebem que o processo de exclusão o
qual vivem, nada mais é do que um reflexo das relações de trabalho. A discriminação ocorre por
não fazerem parte do quadro de funcionários do hospital.
Considerações Finais
Referências
432 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O IMPACTO DO TRABALHO NA CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE DE TRABALHADORES EMPREGADOS E
DESEMPREGADOS
Lana Kelly Santos Baêta
Sara Moreno Costa
Larissa Fonseca Araújo
Luana Gabriella Martins Lima
Maria Victória Sousa Caldas
Carla Fernanda de Lima
Introdução
O
trabalho é um indicador basilar para a identidade, pois é por meio dele que o
indivíduo adquire a sua subsistência, se insere na sociedade, constitui seu perfil
individual, e a forma como é visto na sociedade. Sair deste trabalho ocasiona
sofrimento, especificamente porque ele de alguma forma proporciona o reconhecimento social
de estar em atividade (Moreira, 2012).
As possíveis variedades de identidades tornam o procedimento identitário sujeito ao tempo
e aos ambientes sociais em que as identidades atuam e são reconhecidas. Posto isto, a identidade é
um feito inacabado, inconstante, contraditório, conflitante, que se constitui mediante as relações
socioeconômicas e está vinculada a procedimentos de representação e submetida às linhas de
poder com as quais o sujeito está envolvido (Morin, 2007).
Constatam-se, como feito histórico e psicossocial, as identidades pessoais e grupais sempre
interligadas, podendo ser esta ligação harmoniosa ou não. No que se refere à identidade-trabalho,
a identidade grupal pode remeter ao conjunto dos trabalhadores, ou seja, uma identificação com
os demais trabalhadores, igualmente aos gerentes, com a identificação quanto aos interesses
organizacionais (Tolfo, Silva, & Luna 2009).
Analisando o ponto de vista relacional da identidade, pode se dizer que o âmbito
organizacional se configura como campo fértil para construção de identidades, pois as relações
e a interação indivíduo-organização permitem percepções e avaliações de si mesmo e do outro
(Miranda, Borges, & Moreira 2012). Dessa forma, com ampla literatura teórica disponível sobre
a influência do trabalho nas características pessoais do indivíduo, o presente trabalho tem por
objetivo buscar dados empíricos sobre a temática, buscando averiguar significados e centralidades
no âmbito do trabalho em pessoas da cidade de Parnaíba-PI.
Método
Amostra
Instrumentos
Para coleta de dados foi utilizada uma entrevista semiestruturada composta de perguntas
abertas que versam sobre as dimensões da importância do trabalho na construção da identidade
do indivíduo e um questionário sociodemográfico, contendo perguntas sobre sexo, renda e estado
civil.
Procedimento
Análise de dados
No que diz respeito à análise de dados, utilizou-se a Análise de Conteúdo proposta por
Bardin (2011), a fim de obter uma compreensão e explorar a comunicação e os discursos dos
sujeitos. Ainda segundo o mesmo autor, a Análise do Conteúdo (AC) é um conjunto de técnicas
de análise das comunicações, não se tratando de um instrumento, mas de um vasto campo de
elementos.
Resultados
434 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
que se refere às características pessoais dos desempregados a subcategoria com maior frequência
foi “determinado” e nos empregados foi “batalhador.” E em relação aos elementos extrínsecos
que influenciaram na construção da identidade dos entrevistados, as subcategorias com maior
frequência, em ambos, foi a “família” e a “educação dos pais”.
Tabela 1
Categorias Frequência
Aspectos intrínsecos
Características pessoais
Determinado (a) 15
Prestativo 11
Responsável 11
Amigável 11
Amoroso (a) 03
Companheiro 05
Tranquilo 05
Forte 06
Alegria 04
Aspectos extrínsecos
Família 37
Amizades 11
Educação 10
Dificuldades 05
Religião 04
Tabela 2
Quanto às percepções dos sujeitos acerca do trabalho em suas vidas, tanto os desempregados
quanto os empregados afirmaram que tinha grande relevância, pois essa atividade proporcionava a
sua subsistência, o sustento da família e a sobrevivência. Ressalta-se que o grupo de desempregados
levantou uma categoria que reforça a relação entre trabalho e dignidade, sentimento de utilidade,
autoestima enquanto que o grupo de empregados não trouxe essas questões, pois para eles o
trabalho era fonte de independência, visibilidade e possibilidade de adquirir bens; como pode ser
visualizado nas Tabelas 3 e 4.
Tabela 3
Tabela 4
Ausência de Trabalho
• Instabilidade 07
• Impossibilidade de adequação social 04
• Impossibilidade de sobrevivência 04
436 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
parte dos entrevistados apontou que o trabalho, dignifica, é fonte de prazer, lazer, bem-estar, traz
visibilidade, promove o sustento próprio e da família, promove sentimento de utilidade, que sem
o trabalho os indivíduos se sentem indignos e predispostos às mazelas da sociedade e apresentam
impossibilidade de adequação social.
Tabela 5
Tabela 6
Discussão
438 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
De acordo com Rohm (2013), o trabalhador é convencido de que o propósito dele no universo
se efetiva apenas pela realização de si no meio de luta de posições sociais e espaços laborais. É
nítido nas falas dos entrevistados quando trazem que o trabalho proporciona visibilidade, como
cita o autor é uma luta, é uma corrida que o sujeito faz para ser percebido de certa forma, pelo
que faz em sua atividade laboral.
Pesquisas apontam que a identidade masculina é fortemente fundamentada no papel
profissional, enquanto a identidade feminina ainda está mais voltada para papeis relacionados
à família (esposa, mãe, dona de casa). Deste modo o sujeito desempregado, do sexo masculino,
reage diferente dos indivíduos do sexo feminino, frente à perda do emprego, pois sendo sua função
profissional mais central na formação de sua identidade, este é mais influenciado e influencia
mais papeis que este desempenha.
Nesta linha de pensamento Kulik (2000), conceitua que devido à diferença de papeis na
construção da identidade, os indivíduos do sexo masculino quando estão desempregos se sentem
mais estigmatizados, se percebem como uma categoria inferior de cidadão, pois acreditam que
devam prover a família, e, por que não é visto com respeito, devido sua situação, do que uma
mulher desempregada. Nesse contexto, algumas entrevistadas trouxeram em seus discursos, que
na condição de desemprego, e quando suprimidas por seus respectivos conjugues, consideravam
isto normal, uma vez que estes as consideravam como responsável primordialmente pelo lar, cuidar
dos filhos e da casa sendo que o homem já exercia o papel de provedor. Porém, para aquelas que
se consideravam como mantedoras do lar, tal fato já afetava de certa forma, pois envolvia uma
questão de subsistência de sustento próprio e da família.
Quanto o trabalho como fonte de renda, e sentindo de ter posses trazidas pelos sujeitos
entrevistados, para Bridges (1995), a característica financeira de um emprego é tão evidente que
os sujeitos subestimam sua função psicológica: Os rendimentos são modulares e portáteis: podem
ser substituídos. Descobrir novas fontes de renda podem exigir tempo e esforço, mas, assim que
são encontradas, a tarefa se encerra. ‘Substituir as recompensas psicológicas que os empregos
proporcionam é muito mais difícil’ (Bridges,1995, p.132).
Para Nodari e Vieira, (2001) a família atua tanto como elemento social como econômico,
gerando bens no consumo de casa, e para o mercado, ao passo que, socializa os sujeitos em suas
atribuições sociais. Uma concepção integradora da família supõe-na como um grupo, a que todos
pertencem e dela fazem parte, considerando a sua especificidade e a sua unicidade. Ou seja, a sua
história, as suas normas, as suas funções e a sua natureza relacional fazem da relação à sua base
essencial, que se estabelece na pertença familiar dos seus membros (Scabini & Iafrate, 2003).
A educação é indispensável tanto para construir e estabilizar, como para transformar tradições,
colocando em evidencia a função da família e da escola, encarregados pela transmissão dos valores
culturais, considerando o aspecto formativo e socializador que possuem (Pitano & Nunes, 2012).
Tal concepção deste autor vai em direção ao que foi trazido nas falas dos entrevistados, quanto
à educação dos pais na construção identitária destes, deixada como herança e como papel da
família em suas respectivas trajetórias.
Com base na hierarquização das esferas e à medida que se analisou a importância do trabalho
na vida dos sujeitos no que se referem as demais esferas da vida, constatou-se que a esfera família
no discurso dos entrevistados ocupa o primeiro lugar de importância. A saúde em segundo lugar,
seguido do trabalho, por último lazer e religião sendo as esferas de menor expressividade nos
depoimentos. Entretanto apesar dos dois grupos apontarem a família à frente do trabalho, por
este ser algo que direciona os demais âmbitos da vida, de maneira inconsciente este vem a ser o
mais importante, pois através dele a família vem adquirir a saúde e o lazer que tanto os indivíduos
necessitam, e por ser este um elemento que proporciona a continuidade da espécie humana, ou
seja, a subsistência.
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Introdução
P
ara se manter, o capitalismo trouxe consigo uma exaltação da função do trabalho,
passando a ter importância significativa no modo como o sujeito se percebe, se define
e se avalia pessoalmente e socialmente. Bendassolli (2009), corrobora essa afirmação
definindo esta exaltação como centralidade do trabalho, que originou um novo sujeito, o sujeito
do trabalho cujo sentido à existência, à autorrealização e à transformação social dependem da
passagem pelo trabalho.
A propaganda do mundo do trabalho promove uma ideia de felicidade, satisfação
pessoal e material que nem sempre condiz com a realidade, já que o sujeito pode encontrar no
meio organizacional infelicidade, insatisfação e frustrações desencadeando o sofrimento nas
organizações (Rodrigues, Álvaro & Rondina, 2006). Borges e Yamamoto (2004), afirmam que para
Marx o trabalho se torna no capitalismo uma mercadoria alienante, exploratória, humilhante,
discriminante e de submissão.
Além disso, as pressões do mundo moderno contribuem para um estado de tensão prolongado
no sujeito e dentre essas pressões está o ambiente de trabalho uma vez que a necessidade de
qualificação constante exerce uma cobrança do profissional que pode acarretar em sentimentos
de impotência e desvalorização (Heloani & Capitão, 2003; Molina & Guimarães, 2007).
Zanelli e Silva (2008), destacam que pessoas que vivenciam o trabalho como sofrimento
tornam-se desgastadas emocionalmente e fisicamente o que acaba refletindo na vida pessoal,
social e na própria organização, prejudicando-a. Este desgaste favorece o aparecimento de
psicopatologias do trabalho como distúrbios de ansiedade, depressão, distúrbios do sono,
síndrome da fadiga, síndrome de burnout, distúrbios somatoformes, alcoolismo, entre outros
(França & Rodrigues, 2007; Ministério da Saúde, 2001).
O estresse ocupacional também se destaca como fonte de adoecimento do trabalhador, e
ocorre quando a pessoa percebe seu ambiente de trabalho como ameaçador às suas necessidades
de realização pessoal e profissional, à sua saúde física e mental, trazendo consigo consequências,
como: irritabilidade, dores musculares, alergias, doenças cardíacas, distúrbios hormonais, perda
de memória e concentração, isolamento, insegurança nas decisões, etc (Caiaffo, 2003; França &
Rodrigues, 2007).
442 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
No que diz respeito aos sujeitos da pesquisa, os agentes de segurança penitenciária (ASPs)
ou agentes penitenciários (APs) são profissionais do setor de segurança responsáveis pelo
confinamento, acompanhamento e vigilância dos detentos e, portanto, estão frequentemente
expostos a situações geradoras de estresse ou sofrimento, como: intimidações, agressões,
ameaças e rebeliões que acarretam riscos de morte (Fernandes et al., 2002; Reichert, Lopes, Loch
& Romanzini, 2007).
A violência que permeia o trabalho do AP gera medo e angústia fazendo com que este fique
permanentemente em um “estado de estresse” que influencia o desenvolvimento de quadros
somáticos e psicológicos (Vasconcelos, 2000). Além do caráter de periculosidade associado à
profissão, estudos relacionando trabalho, saúde e agentes penitenciários, como de Alves (2009),
Lourenço (2010), Rumin (2006), Vasconcelos (2000), Molina e Calvo (2009), Santos (2010), vem
mostrando a existência de aspectos e condições de trabalho patologizantes, como: condições
precárias de higiene, pressão no trabalho, infraestrutura precária, fadiga rotineira, poucos
reajustes salariais, jornada duplicada de trabalho, falta de reconhecimento profissional, descrença
na utilidade social do trabalho, ausência de treinamento para a função, falta de controle do
trabalho, entre outros.
Santos, Conceição e Bacelar (2011) evidenciaram em seu estudo, diversos agentes afastados
por inúmeros problemas de saúde, envolvidos pelo alcoolismo, uso de drogas e muitos visivelmente
com grande desvio mental e de conduta, tendo essas patologias 3 associação com as condições de
trabalho, sendo necessário um acompanhamento psicossocial.
Percebe-se, portanto, a influência clara do trabalho, suas condições e características na
saúde do ASP, assim, objetivou-se analisar as implicações do trabalho na saúde mental de agentes
de segurança penitenciária no município de Parnaíba-PI, buscando averiguar a percepção dos
profissionais acerca dos fatores de riscos na relação trabalho-saúde, bem como das consequências
desta relação; identificar o entendimento acerca de constructos como prazer, sofrimento e estresse
ocupacional; e investigar as estratégias de enfrentamento associadas ao sofrimento no trabalho.
Método
Delineamento
Participantes
Instrumentos
Procedimento
Análise de dados
Para a análise dos dados utilizou-se da análise de conteúdo temático com base em Minayo
(2006). Esse método deriva de uma adaptação da técnica da análise de conteúdo de Bardin (1997)
e aborda um referencial interpretativo mais profundo, buscando a compreensão dos significados
através de inferências que ultrapassam a descrição, ou seja, o conhecimento que está por trás das
palavras, diferindo-se, assim, da análise de conteúdo tradicional feita pela contagem de frequência
das falas e palavras como critério de objetividade e cientificidade (Deslandes, Gomes & Minayo,
2010; Gomes & Freire, 2005; Minayo, 2006).
As etapas utilizadas para a realização da análise das entrevistas consistiram, primeiramente,
na definição dos eixos temáticos norteadores escolhidos com base nas questões contidas na
entrevista semi-estruturada. Em seguida, de acordo com a frequência das respostas, trechos,
frases, fragmentos marcantes e representativos da fala dos entrevistados foram distribuídos entre
os temas para que se identificassem os núcleos de sentido e suas categorias, caso necessário.
Resultados
444 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 1
Tabela 2
Tabela 3
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Núcleo 2: Reflexos do trabalho na vida extra-muro Uma parcela significativa dos APs demonstrou ficar
hipervigilante, atenta, precavida para entrar em casa
ou andar nas ruas: “O portão da minha casa não fica
aberto” (AP5); “Nunca fico de costas para rua” (AP10),
denotando assim uma primeira categoria: “Hipervigilância”.
A segunda categoria, “Restrição do lazer”, aponta para o fato
de que a maioria dos APs evita certos lugares (como bares
e casas de show) ou ficam sempre alertas nesses ambientes,
selecionando tanto os lugares como as amizades.
Tabela 4
O intuito de mudar de ocupação esteve presente nos discursos de alguns APs, principalmente
os concursados e com nível superior completo, que relataram não ter optado pela profissão por
deseja-la. De acordo com Rumin (2006), a escolha profissional baseada no sustento, e não no
desejo, é uma situação ansiogênica dentro desta classe e pode acarretar desprazer, constituindo-
se em fonte de sofrimento no trabalho.
Contrapondo-se à pesquisa de Fernandes et al. (2002) e Vasconcelos (2000), a carência de
preparo para a função não foi uma realidade encontrada na população estudada, já que todos
os APs realizaram treinamento para o trabalho, porém a qualidade deste treinamento é que foi
questionada por muitos. Aqueles que trabalham há mais tempo na instituição relatam ter que
ensinar o serviço aos mais novos.
Algumas pesquisas apontam insatisfação salarial por parte dos APs, que precisam realizar
outras estratégias como um segundo emprego e jornada dupla para suprir o déficit salarial
(Vasconcelos, 2000; Santos, 2010; Rumim, 2006; Fernandes et al., 2002), porém neste estudo essa
realidade não foi significativa. A maioria dos profissionais acredita que a boa remuneração foi
um dos fatores que os levaram a busca desse emprego, em contrapartida, apontam que merecem
ganhar mais, devido aos perigos e prejuízos advindos do exercício da ocupação.
Seligmann-Silva (2011) destaca que, geralmente, os salários mais baixos são
atribuídos ao trabalho desqualificado do tipo que “qualquer um pode fazer”, assim, pode ocorrer
um conflito sobre a importância do seu trabalho e a sua utilidade enquanto trabalhador, à medida
que os APs não concursados sentem-se inferiores aos demais, como se não fossem merecedores ou
qualificados para a realização da atividade, o que reforça o sentimento de desmerecimento; reduz
a motivação, a perspectiva e o reconhecimento profissional; aumenta a monotonia, a alienação e
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
a estagnação profissional; e produz relacionamentos pautados na desigualdade.
Outra questão que surgiu foi a queixa recorrente dos APs sobre a falta de
reconhecimento social na profissão, também evidenciada na pesquisa de Lourenço
(2010) na qual esses trabalhadores relataram sofrer com o estigma do imaginário popular
acerca do carcereiro como um profissional corrupto, agressivo e insensível. Lopes (2002),
destaca que a história dessa profissão esta associada ao uso de torturas, agressões e
castigos o que reforça este imaginário. Os APs da presente pesquisa negaram que o trabalho os
transforme em sujeitos sem sentimentos e alegaram que a corrupção de agentes é mínima na
instituição.
No que diz respeito à saúde destes profissionais, os sintomas que mais se destacaram como
consequências do trabalho, na percepção dos agentes entrevistados, são: o estresse, fadiga/
desgaste mental e físico, dores de cabeça, alternância de humor, irritabilidade, insônia, ansiedade
e hipervigilância. Estes podem estar ligados à rotina e às condições de trabalho, à medida que,
segundo os entrevistados, eles permanecem, constantemente, em estado de alerta e são privados
do sono devido ao plantão de 24 horas. Estes sintomas podem se relacionar tanto ao estresse
ou ainda a distúrbios psiquiátricos, como a depressão e os transtornos de ansiedade, e trazem
prejuízos à relação do sujeito com o seu trabalho.
No que se refere às condições de trabalho, os fatores de riscos para a produção do estresse
e sofrimento giraram em torno da rotina, infraestrutura, clima e funcionamento organizacional
(falta de reconhecimento social e profissional; conflitos interpessoais; distanciamento da chefia;
falta de apoio da secretaria e do governo; falta de solidariedade e cooperação da equipe; falta
de perspectiva profissional etc). Constatou-se, portanto, que o ambiente oferece riscos à saúde
do trabalhador, à medida que não dispõe de equipamentos e estrutura física adequada para a
realização de um trabalho de qualidade, essas deficiências acabam por gerar insegurança e medo
no ambiente ocupacional.
Existem profissões que apresentam fatores potenciais e inerentes para o desenvolvimento dos
sintomas do estresse, como a exposição constante ao perigo, alerta, pressão/tensão, somados a
periculosidade e insalubridade do ambiente ocupacional (Molina & Calvo, 2009). Tomando como
base essa afirmação e a própria percepção do estresse obtida frente às entrevistas nas quais os APs
consideravam esse estado intrínseco à profissão, considera-se o agente penitenciário pertencente
à categoria de ocupações “estressantes”.
A questão é que as inóspitas condições de trabalho nas quais se encontram os agentes
intensificam o estado de estresse, à medida que exigem a permanência constante do trabalhador
na chamada fase de resistência (aquela na qual o agente estressor mantém a sua ação,
impossibilitando o relaxamento físico e mental do indivíduo), propiciando o desenvolvimento do
distresse ou “estresse ruim”, que paralisa o sujeito ou o leva a ter respostas inadequadas, como a
doença (Filgueira & Hippert, 2002; França & Rodrigues, 2007).
Silva (2011) corrobora esta colocação destacando que medo e ansiedade são essenciais
para a sobrevivência do homem, porém a manutenção deste estado é prejudicial à saúde, uma
vez que o excesso de hormônios do estresse (cortisol e adrenalina) acarreta aumento da pressão
arterial, doenças cardíacas, enxaquecas, alergias, úlceras, pânico, fobias, entre outras patologias.
A hipervigilância presente na realidade dos agentes pesquisados também foi
evidenciada na pesquisa de Vasconcelos (2000), visto que relaciona-se diretamente à
insegurança e o medo (de rebeliões, fugas, agressões, ameaças e morte) proporcionados
pelo próprio ambiente de trabalho e agravados pelas insatisfatórias condições de trabalho.
Além disto, esse estado se estende para a vida fora da instituição, principalmente, na tentativa de
garantir segurança à família e acarreta, segundo relatos, a diminuição do lazer e a limitação da
vida social do profissional.
450 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Referência
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Salvador, Brasil. Cad. Saúde Pública, 18(3), 807-816.
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Santos, M. M. (2010). Agente Penitenciário: Trabalho no Cárcere. Dissertação não publicada, Mestrado
em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, RN.
452 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EIXO TEMÁTICO
PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL
IMPACTOS PSICOLÓGICOS DO DESEMPREGO
NA VIDA DE JOVENS RECÉM-FORMADOS
Noádia Cavalcante de Lima
Maria Victoria Sousa Caldas
Luana Gabriella Martins Lima
Hélvia Moreira Mineiro Martins
Introdução
O
desemprego entre jovens é um fenômeno de nível mundial e sua taxa entre os
indivíduos de 15 a 24 anos representa cerca do dobro da taxa de desemprego total
da economia, sendo que os jovens levam mais tempo que as outras faixas etárias
para conseguir um trabalho, alcançando principalmente os que buscam seu primeiro emprego.
(Furtado, 2016).
A transição escola-trabalho é feita muitas vezes por meio de trabalhos informais, e aqueles
que conseguem um emprego formal enfrentam altas taxas de rotatividade, quadro que vem
ameaçando uma transição adequada para a vida adulta e o aumento da produtividade econômica
a longo prazo (Furtado, 2016).
O Brasil vem passando por um processo de transição demográfica, com uma queda no
crescimento da população, o que leva ao envelhecimento populacional. Isso tem se traduzido na
redução de jovens em idade de trabalho. Se somarmos a isso o fato do jovem brasileiro deixar
a escola mais cedo do que os jovens de outros países, a precariedade dos postos de trabalho, a
alta rotatividade e a baixa remuneração, vemos que o principal problema do jovem brasileiro é o
desemprego (Furtado, 2016).
Quando ainda assim esses jovens conseguem cursar o ensino superior, muitas vezes suas
expectativas de serem absorvidos no mercado de trabalho são frustradas ao depararem-se com
negativas constantes, a exigência de experiências prévias e de formações específicas. Com isso, suas
expectativas acabam diminuindo e estes passam a aceitar trabalhos que não condizem com sua
formação ou acabam se isolando e por fim, não alcançando as expectativas da família (Young, 2013).
Esta pesquisa buscou responder ao problema de pesquisa: Quais os impactos psicológicos
do desemprego na vida de jovens recém-formados?; a partir do qual foram elaboradas as
seguintes questões norteadoras: Como o desemprego afeta o aspecto psicológico de jovens que
concluíram recentemente uma graduação? Como o desemprego afeta a relação desses jovens
recém-formados com suas famílias? Quais as dificuldades que esses jovens têm encontrado para
se inserir no mercado de trabalho?
Foram delineados como objetivos: Compreender os impactos psicológicos do desemprego
na vida de jovens recém-formados, verificar como o desemprego afeta o aspecto psicológico
de jovens que concluíram recentemente uma graduação, entender como o desemprego afeta a
relação desses jovens recém-formados com suas famílias e classificar as dificuldades que esses
jovens têm encontrado para se inserir no mercado de trabalho.
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Pensou-se inicialmente em falar sobre a crise econômica, por sua relevância e recorrência nos
últimos anos. Ao tentar associá-la com a Psicologia, surgiu o interesse em pesquisar os impactos
do desemprego na vida de jovens recém-formados, as exigências por parte da família, do próprio
indivíduo e do mercado de trabalho.
Com essa pesquisa buscou-se contribuir direta ou indiretamente para as pessoas que se
encontram na mesma condição descrita e investigada, fornecendo subsídios que possibilitem o
autoconhecimento, numa concepção de promoção do bem-estar físico e psicológico.
Procurou-se, assim, resgatar as publicações sobre o tema, analisando e revisando o que a
literatura tem a dizer acerca do assunto, para possibilitar o acesso à informação, assim como sua
disseminação, além de contribuir cientificamente para a área da Psicologia.
Metodologia
Dentro desse quadro geral, o desemprego entre jovens recém-formados tem suscitados
discussões sobre o tema, assim como publicações. Dessa forma, pretendeu-se compreender
os impactos psicológicos do desemprego na vida de jovens recém-formados por meio de uma
pesquisa bibliográfica, que se caracteriza por ser realizada a partir da literatura disponível,
em livros, artigos, monografias, e etc. (Severino, 2017), de abordagem qualitativa descritiva,
pois visa a descrição do fenômeno estudado, classificando, explicando e interpretando os fatos
(Prodanov & Freitas, 2013).
Tendo como critérios de inclusão: publicações dos últimos 10 anos, encontradas utilizando-se
os descritores “impacto psicológico”, “desemprego” e “jovens” no Google Acadêmico. Possuindo
como critérios de exclusão: publicações abaixo do intervalo de tempo estabelecido e/ou que não
satisfaçam os objetivos aqui propostos.
Foram analisadas 8 publicações, entre artigos, uma monografia, um estudo técnico, uma
dissertação e etc, devido à escassa produção sobre o tema dentro dos critérios elaborados, mesmo
com o intervalo de tempo estendido.
Discussão
A entrada do jovem no mercado de trabalho vem cercada de questões como baixo nível de
escolaridade, exigência de experiência prévia, formações específicas, entre outras. Possuir ensino
superior não é mais garantia de inserção no mercado. Assim muitos acabam desanimados pelo
contexto em que se encontram, optando por trabalhos temporários ou não correspondentes com
suas formações, e quando a situação familiar permite, prolongam sua formação, permanecendo
como estudantes (Young, 2013).
Aqueles que mesmo assim conseguem se inserir no mercado de trabalho, muitas vezes
por meio de redes de contatos, quando são comparados com outras gerações, os membros da
geração Y, dos nascidos nos anos 80 e 90, têm sido vistos como pessoas individualistas, que não
se preocupam com a organização, que mudam constantemente de emprego, não possuem limites
claros entre a vida e o trabalho, esperam flexibilidade de horário e local, valorizam resultados a
curto prazo, e etc. Dessa forma, acabam sofrendo com a resistência e o preconceito por parte dos
contratantes (Anónimo, 2010).
Com relação a classe social, nas famílias de classe baixa, os jovens começam a trabalhar muito
cedo, estimulados pela necessidade de renda e desapontados com a má qualidade da educação
ofertada. Estes obtêm postos de trabalhos em situação precária e tem suas chances de ascensão
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
é valorizado aquele que produz e caso não produza sua locação desaparece, pois não tem mais
como pagar o aluguel social (Lima & Gomes, 2010).
Estar desempregado, causa consequências como o constrangimento de ter que depender
de seus familiares, frustração e a sensação de que investiu em vão em um curso superior, redução
da autoestima e sentir-se vulnerável tanto às cobranças da família quanto da sociedade. Para
tentar lidar com isso, os jovens acabam desenvolvendo estratégias defensivas, como pedir apoio
financeiro aos pais enquanto procuram emprego, exercer uma atividade remunerada em outra
área que não seja a que se formou, preparar-se para concursos públicos, entre outras (Lima &
Gomes, 2010).
O estudo de Pimentel (2007) buscou compreender como ocorre o processo de inserção
do psicólogo recém-formado. No estudo com 7 participantes, foi relatado que estes jovens
apresentaram certa incerteza quanto ao seu futuro no momento de transição entre faculdade e
mercado de trabalho, além disso:
Em um primeiro momento, logo após a saída da faculdade, os sujeitos viveram o luto pelo
final do vínculo com a universidade e com tudo que esta simboliza, além da insegurança
diante do novo papel que estavam por assumir, o de profissionais psicólogos. Depois,
ao defrontarem-se com a falta de oportunidades e as adversidades durante a busca pela
inserção, experimentaram sentimentos de depressão, ansiedade, baixa auto-estima,
angústia, desânimo, medo frente ao futuro, frustração, vergonha, culpa, incompetência
e inutilidade. Até mesmo a psicóloga que estava empregada quando foram realizadas as
entrevistas, durante o breve período em que esteve sem emprego, experimentou alguns
desses sentimentos (Pimentel, 2007, p. 67).
Assim, não estar empregado afeta o emocional e o psicológico do indivíduo, mesmo que
seja no breve período de transição entre etapas da vida, provocando questionamentos acerca da
sua própria competência profissional, sentindo-se culpados e angustiados por ainda dependerem
da família, responsáveis pela sua situação de desemprego, utilizando-se de estratégias defensivas
e focando o seu sucesso ou insucesso no plano individual, o que termina por causar um grande
sofrimento psíquico nos agentes sociais dessa odisseia (Pimentel, 2007).
No caso de jovens recém formados há também a expectativa da família sobre esse indivíduo,
pois a família realizou um investimento, depositou a esperança de que este poderia melhorar a
situação da mesma ou pelo menos ter mais chances do que seus familiares (Young, 2013). Ao
mesmo tempo que recebe apoio, estes jovens também são alvos de grande expectativa e ansiedade
para que consigam logo um trabalho, muitas vezes para aliviar as despesas de casa. Porém o
mercado nem sempre colabora, desvalorizando o profissional, dando poucas oportunidades,
exigindo diversas qualificações, entre outros pontos (Pimentel, 2007).
Uma pesquisa realizada com jovens desempregados pertencentes a famílias de classe média
e média alta, constatou-se que nesses casos ambos os pais sempre trabalharam, assumindo a
esfera doméstica apenas quando atingidos pelo desemprego por períodos breves, refletindo o
contexto social e econômico iniciado na década de 1980 (Young, 2013).
Com as mulheres inseridas no mercado de trabalho, os filhos destas passam a entrar na escola
mais cedo, participam de mais atividades extras, para atenderem a dinâmica familiar. A escolha
da carreira foi deixada para os filhos, contanto que essa escolha satisfizesse os pais e pudesse
manter o padrão de vida da família ou melhorá-lo, preocupando-se com a empregabilidade e o
futuro desses jovens (Young, 2013).
Considerações Finais
A partir dessa pesquisa, compreendeu-se que o trabalho é visto por esses jovens como
uma maneira de conseguir recursos financeiros e materiais, como oportunidade de se inserir
socialmente, de alcançar certo reconhecimento e de reconhecer-se como sujeito ativo de sua
própria história. Estar desempregado, causa consequências como o constrangimento de ter que
depender de seus familiares, frustração e a sensação de que investiu em vão em um curso superior,
redução da autoestima e sentir-se vulnerável tanto às cobranças da família quanto da sociedade.
Acaba também por não alcançar as expectativas da família, dependendo financeiramente desta.
Por fim, na esfera das políticas de emprego para os jovens encontram-se desafios como
a melhoria na qualidade da educação, a oferta de incentivos financeiros e condições para a
permanência na escola, assim como oportunidades de requalificação e reciclagem, cursos
profissionalizantes em parceria com empresas e outras medidas, seguindo a linha das experiências
europeias.
Referências
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Pimentel, R. G. (2007). “E agora, José?”: jovens psicólogos recém formados no processo de inserção no mercado
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Prodanov, C. C. & Freitas, E. C. (2a ed). (2013). Metodologia do Trabalho Científico: Métodos e Técnicas
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Severino, A. J. (2a ed.). (2017). Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez.
Young, T. S. (2013). Peguei o diploma, e agora?: desafios, dilemas e estratégias de inserção ocupacional de
jovens recém-graduados em Ciências Sociais. Brasília. (Dissertação de mestrado). Universidade de Brasília
Instituto de Ciências Sociais, Brasília, Brasil.
Introdução
F
rente aos desafios do mercado de trabalho, da busca por qualificação/experiência ao
sobressair-se dentre a concorrência, a participação em Empresa Júnior apresenta-se
como ponto de destaque. Sendo assim, o presente trabalho é um relato de experiência
sobre a participação de uma acadêmica de psicologia em Empresa Júnior, através da NovaMente-
Empresa Júnior de Psicologia da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), a qual é sediada
no CEU (Prédio de Empreendedorismo) da própria Instituição. Com o objetivo de demonstrar a
importância desse projeto de extensão na formação de futuros profissionais serão abordadas as
experiências vivenciadas enquanto graduanda de Psicologia e membro na referida empresa.
Nesse sentido, a NovaMente é uma associação civil, sem fins lucrativos e com finalidades
educacionais, constituída exclusivamente por alunos de graduação do referido curso com a
missão de contribuir para a formação e o crescimento profissional e humano dos seus membros
por meio da prestação de serviços dentro da área de Psicologia, tais como: recrutamento e seleção
de pessoal, capacitação e treinamento, elaboração e descrição de cargos e perfil funcional com
base em competências e levantamento de clima e diagnóstico organizacional. A esse respeito Luna
et al. (2014, p. 454) declara que “a criação e o desenvolvimento de empresas juniores (EJ’s) em
universidades brasileiras podem ser explicados, em grande parte, por sua relevância no que se refere
à possibilidadade de aquisição e aprimoramento de determinadas competências profissionais”.
Dessa forma, a partir do contato com o mercado de trabalho, o membro põe em prática
os estudos da sala de aula a partir da vivência da rotina de um psicólogo organizacional, da
preparação de materiais para dinâmica de grupo até correção de testes. Portanto, visto a relevância
do colocar-se em situação real de prática de psicólogo, este relato se torna fonte de contribuição
de saber prático com aporte teórico, posto que divulga a colaboração da Empresa Júnior com a
formação acadêmica e o desenvolvimento profissional.
Método
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
em sua graduação, tem como consequência a entrega de diversos profissionais capacitados ao
mercado. Desde entrada na NovaMente, em dezembro de 2016, uma nova trajetória teve início.
Durante pouco mais de um ano, através da Empresa Júnior (EJ), foram promovidos inúmeros
treinamentos e capacitações nos serviços do portfólio, tal como: Recrutamento e Seleção, teste
de Atenção Concentrada (AC) e Dinâmica de Grupo. Além disso, é proporcionada a participação
em eventos como congressos, simpósios e encontros direcionados a empresários juniores e/ou
profissionais da área de RH (foco da empresa), propiciando assim aprofundar os conhecimentos
sobre organizacional. Ademais, um aperfeiçoamento de prática profissional foi possível a partir da
participação em serviços para micro e pequenos empresários, auxiliando-os em diversos processos
organizacionais, como recrutamento e seleção de profissionais para essas empresas.
O sucesso da EJ reflete na consolidação profissional de seus membros, sendo projetos/
serviços e atividades planejados e executados os meios a partir dos quais uma EJ proporciona
o aprendizado na prática. O adentrar ao campo torna possível se confrontar com a realidade
do mercado de trabalho e desenvolver competências técnicas e comportamentais que serão
solicitadas na vida profissional. Relativo ao serviço predominantemente vendido, Recrutamento e
Seleção, foram oferecidos grupo de estudo e inúmeros treinamentos de cada etapa constituinte do
processo. Visto o nível empresarial dos clientes, o serviço Elaboração e descrição de cargos e perfil
funcional com base em competências pode, por vezes, ser adicionado. Dessa forma, é aprendido
desde elaboração de um perfil profissional condizente com as necessidades da empresa-cliente,
através do levantamento de funções e de competências exigidas, até a indicação de candidatos
mais adequados ao cargo. É notório salientar que a qualidade dos estudos é garantida pela
orientação de professores do Departamento do curso de Psicologia da UFMA ou ainda pelo auxílio
de profissionais da área. Ademais, visto a quantidade e qualidade de treinamentos nesse serviço
principal, a Empresa Júnior tornou-se referência e até mesmo passou a ministrar treinamentos
sobre esse serviço do portfólio, ministrados por mim e outros membros.
Para o processo de captação de funcionários para organização e seleção dentre os candidatos
a vaga, o estudo das competências é presente a cada etapa eliminatória. A primeira etapa,
destinada ao recrutamento externo, realizada assim por meio da divulgação das vagas disponíveis,
teve as fontes de recrutamento aprimoradas a cada serviço realizado. Com o amadurecimento/
capacitação dos membros, as fontes de recrutamento tornaram-se cada vez mais focais e os
currículos mais condizentes com a vaga. Malvezzi (1999, p. 29) afirma que “treinar consiste no
oferecimneto de oportunidades que propiciem ao indivíduo a reelaboração de seu projeto de vida
profissional e o significado da contribuição do desempenho para a realização deste projeto”. De
início, pela falta de capacitação e dificuldade do mercado de trabalho, eram recebidos currículos
de forma exagerada e, muitas vezes, divergentes da vaga ofertada, dificultando assim a triagem
dos currículos.
Ademais, há a escolha e adaptação de dinâmicas de grupo de acordo com as competências
exigidas e, os candidatos selecionados para entrevista, diante de seu desempenho na dinâmica,
podem ter roteiro de entrevista diferenciada para observação mais precisa de certas competências
do candidato. Ao fim, membros são ensinados a elaborar laudos dos candidatos relatando sobre
pontos fortes e a melhorar. Para mais, é significativo destacar que há treinamentos de aplicação
de teste específico para a vaga pretendida, caso necessária essa outra técnica de seleção. Segundo
Bastos (2003, p. 143), “o fato é que, com a expansão das medidas psicológicas para atender a
demandas práticas de ajuste e preparação da mão-de-obra, se consolida o campo da Psicotécnica
e, neste, o psicólogo passa a ter um papel de destaque”, motivo esse que ratifica o porquê de
capacitação em testes psicológicos.
Durante todo o processo de captação/seleção de candidatos, é interessante realçar a
grandiosidade do sentimento de responsabilidade, ansiedade, comprometimento e precaução ao
462 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
que atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se de
forma crítica e em consonância com os demais princípios deste Código” (Conselho Federal De
Psicologia, 2005, p. 7).
Nesse sentido, os serviços prestados além de demandar a teoria estudada em sala, necessita
de conhecimentos legais, tal como o foco no cumprimento do declarado em contrato, lição essa
aprendida em um dos processos seletivos em que o cliente cobrava mais do que o acordado/
possível de ser realizado pela EJ, desejando, ainda, ter acesso a dados de candidatos captados
para além do uso proposto, como por exemplo oferecer/fazer propaganda de seus serviços para
esses através do número de celular. Ademais, já houveram casos de clientes que não desejavam
pagar o salário mínimo e/ou objetivavam aumentar número máximo de horas trabalhadas, o
que é destoante das leis trabalhistas. Além disso, durante conversa com contratante, é possível
perceber preconceitos relativos a gênero, idade, estado civil, dentre outros quesitos. Sendo assim,
nota-se a relevância da Empresa Júnior no processo de amadurecimento da postura profissional
ética de futuros psicólogos, tal como pedir auxílio ao Conselho Regional/Federal de Psicologia e
recusar serviços que estão em desacordo com Código de Ética do Psicólogo.
Em suma, percebe-se o potencial da NovaMente em capacitar os membros a fim de torná-
los mais competitivos no mercado profissional através da realização de atividades que promovam
a Psicologia Organizacional e do Trabalho, utilizando, dessa forma, os conhecimentos adquiridos
em sala de aula na execução dos projetos. Como resultado, é oferecido um diferencial e constante
crescimento aos membros a partir da entrada na EJ. Além de possibilitar a atuação em Psicologia
Organizacional e do Trabalho, a empresa também proporciona a seus integrantes experiências
relativas à administração de uma empresa, trabalho em equipe, capacitação para criação e
implantação de projetos, dentre outros fatores que somam à vida do graduando e aprimoram seu
espírito empreendedor. Segundo Tosta et.al (2011) a EJ consiste em um espaço de aprendizagem
em que os acadêmicos colocarão em prática a teoria aprendida em sala, desenvolvendo suas
capacidades gerenciais e possibilitando uma melhora significativa, profissional e pessoal.
Azevedo e Botomé (2011, p. 183) trazem demanda atual do mundo organizacional ao relatar
que “as constantes e velozes mudanças que as organizações e sociedades sofreram [...] têm exigido
dos psicólogos organizacionais uma disposição estratégica, uma capacidade de gerenciamento de
pessoas, de facilitadores de mudanças [...]”. E, foi durante tempo como membro da NovaMente
que desenvolvi competências como liderança, organização e planejamento, comunicação,
proatividade, relacionamento interpessoal e flexibilidade, as quais permitiram o percurso de
trainee de Projetos para Diretora de Projetos e, atualmente, Vice-Presidente da EJ.
Em síntese, a Empresa Júnior possibilita aos graduandos de Psicologia a possibilidade de
pôr em prática os conhecimentos adquiridos durante o curso, o qual não oportuniza, de forma
empreendedora e gestora, a prática na área ainda durante a graduação, o que é possibilitado na
EJ, visto seu espaço de aprendizagem e ganho de experiêcia no meio acadêmico. Como mostra
Santos et al. (2013, p. 375) “gestão da EJ pelos próprios estudantes também é um diferencial em
relação ao estágio, que normalmente oferece possibilidades de atuação mais restrita, enquanto a
EJ permite maior flexibilidade, autonomia e favorece o comportamento empreendedor”.
Nesse ambiente há a possibilidade de aprimorar as atividades discutidas em sala de aula
além de oportunizar a interação com graduandos de outros períodos e mesmo com clientes,
enriquecendo assim os membros com as experiências oferecidas pela EJ, as quais terão grande
impacto no futuro profissional desses. O cerne da atuação da EJ consiste em trazer aos empresários
juniores participantes uma gama de experiências práticas, estabelecidas a partir da atuação laboral
e do relacionamento com os colegas e clientes (SANTOS et al., 2013, p. 374).
Dessa forma, a participação na Empresa Júnior torna-se uma oportunidade singular
para desenvolvimento pessoal e capacitação profissional, transformando-se, assim, numa das
Referências
Azevedo B. M., & Botomé S. P. (2001, jan/jun). Psicólogo Organizacional Aplicador de Técnicas e
Procedimentos ou Agente de Mudanças e de Intervenção nos Processos Decisórios Organizacionais?
Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, vol. 01.
Bastos, A. V. B. (2003). Psicologia organizacional e do trabalho: que respostas estamos dando aos
desafios contemporâneos da sociedade brasileira. In: O. H. Yamamoto, & V.V. Gouveia (Orgs.),
Construindo a psicologia brasileira: desafios da ciência e prática psicológica (pp. 139-166). São Paulo: Casa
do Psicólogo.
Botomé, S. P. (1979). A quem nós psicólogos servimos de fato? Psicologia, 5(1), 1-15.
Conselho Federal De Psicologia. (2005). Resolução CFP nº 010/2005. Código de Ética Profissional do
Psicólogo, XIII Plenário. Brasília, DF: CFP.
Luna, I. N., Bardagi, M. P., Gaikoski, M. M., & Melo, F. de S. (2014). Empresas juniores como
espaço de desenvolvimento de carreira na graduação: reflexões a partir de uma experiência de
estágio. Revista Psicologia: organizações e trabalho. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1984-66572014000400010.
Santos, M. G., Jesus, K. C. B., Silva, J. C. S., Silva, V. A., & Franco, A. P. (2013, set/dez). Como
aprendem os empresários juniores no Brasil: um estudo quantitativo sobre as modalidades de
aprendizagem organizacional. Revista Gestão e Planejamento, Salvador, v. 14, n. 3, p. 372-388.
Zanelli, J. C., Borges-Andrade, J. E., & Bastos, A. V. B. (2004). Psicologia, organizações e trabalho no
Brasil. Porto Alegre: Artmed.
464 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PARTE 2
EIXOS TEMÁTICOS:
• PSICOLOGIA SOCIAL
• PSICOLOGIA COMUNITÁRIA, PSICOLOGIA
POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS
• TEMAS TRANSVERSAIS
• POLÍTICAS PÚBLICAS
EIXO TEMÁTICO
PSICOLOGIA SOCIAL
INFÂNCIA NOS GRUPOS DE PESQUISA EM
PSICOLOGIA NO DIRETÓRIO DE GRUPOS DO CNPQ
Vanessa Cristiane Guimarães de Moraes
Luciano Domingues Bueno
Maria Laura Barros da Rocha
Suzy Kamylla de Oliveira Menezes
Adélia Augusta Souto de Oliveira
Introdução
A
presente pesquisa realizou o mapeamento dos grupos de pesquisa da infância
utilizando-se dos descritores infância, infâncias, infantil, infantis. O método
estabeleceu a síntese interpretativa dos dados considerados como um todo, tomando
como pressuposto teórico/metodológico a Psicologia sócio-histórica de Vigotski. Nesse sentido,
objetivou-se realizar o mapeamento dos grupos de pesquisa brasileiros através da plataforma
CNPq; sistematizou os dados dessa produção acadêmica; descreveu o panorama histórico-
geográfico dos grupos; elaborou índices estatísticos; Para tanto, desenvolveu-se a metassíntese.
Essa pesquisa vincula-se a linha de pesquisa “Psicologia e processos psicossociais” do Programa
de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, mais especificamente junto
às pesquisas desenvolvidas no Grupo de Pesquisa/CNPq “Epistemologia e a Ciência Psicológica”,
tem buscado construir metodologias de análise da produção de conhecimento científico (Oliveira
& Bastos, 2014; Trancoso & Oliveira, 2016). Em interface com o percurso metodológico, a infância
tem sido temática recorrente de estudos (Bueno et al, 2017; Oliveira et al, 2017).
A infância e seus conceitos vêm sendo modificados desde a criação das primeiras noções
sobre ela. Segundo Ariés (1986), na Idade Média, não havia distinção entre crianças e adultos
como conhecemos hoje. O que ocorria era uma curta fase em que a criança ainda era considerada
frágil fisicamente e logo após a superação desse momento, já era considerada apta para realizar
todas as atividades como um pequeno adulto. A maioria das atividades, até mesmo a escolar em
seus primórdios, era realizada de maneira conjunta com os adultos.
Essa promiscuidade das idades hoje nos surpreende, quando não nos escandaliza: no
entanto, os medievais eram tão pouco sensíveis a ela que nem a notavam, como acontece com as
coisas muito familiares. Mas como poderia alguém sentir a mistura das idades quando se era tão
indiferente à própria ideia de idade? (Ariés, 1986, p.168)
Com o passar dos séculos, o conceito de infância foi se formando e se modificando. A
entrada na escola teve um papel primordial, a distinção das classes escolares fez com que a
sociedade tivesse um olhar diferenciado para as especificidades das idades dos alunos, e a vivência
dessa fase começa a deixar de ser algo restrito ao convívio familiar. Pode-se dizer que a construção
do conceito de infância perpassa várias instâncias sendo privadas (família) e públicas (convívio
social em geral, escola).
A ideia de conceito de Vigotski (1999) está ligada a algo que está sempre em construção,
modificando-se juntamente ao contexto histórico e ainda, “reflete os processos criativos inerentes
Método
O Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (DGP), foi utilizado como instrumento de
busca para coleta de dados. Consiste em uma plataforma online que reúne informações sobre os
recursos humanos dos grupos de pesquisa brasileiros. Todo o processo passou por quatro etapas,
definidas como: etapa exploratória, etapa de consulta, refinamento, cruzamento de dados e
armazenamento. Procedimentos metodológicos desenvolvidos e utilizados anteriores (Oliveira &
Bastos, 2014; Bueno et al, 2017).
Na etapa exploratória, foi escolhido o referido repositório, uma vez que ele reúne
informações sobre os grupos de pesquisa de todo o Brasil, disponibilizadas em uma página de
busca parametrizada dos grupos, que é de fácil utilização e possui mecanismos de exportação dos
dados da busca realizada.
Na etapa de consulta, as buscas iniciaram no mês de abril de 2017. Foram utilizados no
termo de busca os seguintes descritores: Criança, Crianças, Infância, Infâncias, Infantil, Infantis.
A busca pelos grupos foi realizada com cada descritor de forma individual.
A consulta foi executada por “Grupo” e aplicada a busca no campo “Nome do grupo”,
“Nome da linha de pesquisa”, “Palavra-chave da linha de pesquisa” e “Repercussões do grupo”.
Em relação à situação do grupo, foram incluídos os grupos certificados e não-atualizados. Os
filtros utilizados para área do conhecimento foram: “Ciências Humanas”, no campo Grande área;
e “Psicologia”, no campo Área.
A etapa de armazenamento se fez necessária nesse momento, após a localização dos dados
desejados, foram criadas planilhas no Excel. Todos os dados dos grupos de pesquisa foram
tabulados e armazenados em planilhas do Excel contendo as categorias: Instituição criadora,
Nome do grupo, Líder, 2º Líder, Área predominante, Ano e Status dos grupos. A partir dessas
planilhas foi possível a construção de gráficos, recortes e quadros, contendo as análises mais
diversas, que eram sempre compartilhadas com os membros do nosso grupo durante as reuniões
da pesquisa e também compartilhados online, facilitando a troca de informações e dados.
Posteriormente, foi executado o processo de cruzamento e de refinamento para,
respectivamente, eliminar duplicações de dados e refinar a amostra para incluir apenas os grupos
que possuíam os descritores no título.
Resultados e Discussões
O descritor que inicialmente capturou mais grupos de pesquisa foi “criança”, com 133 grupos,
seguido de “crianças” (110 grupos), “infância” (91 grupos), “infantil” (62 grupos), “infantis” (3
grupos) e “infâncias” foi o menos expressivo com apenas 1 grupo. Desse modo, foram capturados,
inicialmente, 396 grupos de pesquisa. A amostra apresentou grupos de áreas diversas, apesar de o
campo da área ciências humanas e subárea psicologia terem sido marcados, por conta do campo
“repercussões do grupo” também ter sido selecionado, trazendo assim grupos relacionados mesmo
que indiretamente com o tema. Observar as repercussões dos descritores se tornou interessante
para conhecer o que se tem estudado e produzido sobre os temas da infância nos últimos anos.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A seguir, realizou-se uma nova etapa de refinamento, onde foi feito o recorte dos grupos
de pesquisa que continham os descritores citados anteriormente no título. Para realização
desse recorte, inicialmente, na etapa de armazenamento, construímos tabelas no programa do
Microsoft Office Excel contendo os dados dos grupos que consideramos mais importantes. Foram
eles: instituição criadora, nome, líder, 2º líder, área predominante, ano e status. Nessas tabelas
foram armazenados os dados da primeira busca com os descritores, selecionando a grande área
e as repercussões dos grupos. Verificamos então, a partir delas, os grupos que continham os
descritores em seus títulos. Os quantitativos diminuíram significativamente. “Infância” se mostrou
o descritor com maior número de grupos, finalizando com 16, número bem discrepante dos
outros descritores. Demonstrando assim, maior representatividade para as pesquisas relativas à
temática. Pormenorizando as análises, “infância” demonstrou um quantitativo de 45,7%, como
citado anteriormente, relativo a 16 grupos; “infantil” 22,9% correspondendo a 8 grupos; “crianças”
representa 20% e 7 grupos; “criança” teve a menor representatividade, de 11,4% com 4 grupos. Já
“infâncias” e “infantis” não evidenciaram potencial descritivo, terminando sem nenhum grupo.
Tabela 1
O primeiro grupo foi criado em 1988, na Universidade de São Paulo (USP), com o título
Centro de Investigação Sobre Desenvolvimento Humano e Educação Infantil, e seu status atual é
certificado - não atualizado há mais de 12 meses.
Em nossa amostragem, temos dois grupos mais recentes. Um deles também é da USP,
do ano de 2016, com o título Pesquisa em Psicanálise e Interdisciplinaridade para a Infância e
Juventude, também tem o status certificado e não atualizado há mais de 12 meses. O segundo
é da Universidade Federal Fluminense (UFF), tem como título Abuso sexual infantil: reflexões
contemporâneas, e seu status é certificado.
A USP apresenta o maior quantitativo em produção de grupos na temática da infância, com
4 deles.
A Tabela 2 demonstra os grupos criados com essa temática na Universidade de São Paulo:
Tabela 2
470 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Figura 2. Gráfico do quantitativo de grupos por ano
Em relação ao tipo de instituição, 79,2% delas são públicas podendo ser federais ou estaduais
e 20,8% privadas.
Quanto à produção dos grupos de acordo com a localidade, a região que mais produziu
grupos foi a Sudeste, com 16 grupos, o que corresponde a 47,1%. Já a que menos produziu, foi
a região Norte, com apenas 2 grupos, correspondente a 5,9%. As demais regiões produziram
quantitativos intermediários, correspondentes a: Nordeste e Sul com o mesmo quantitativo de
6 grupos e 17,6%; e Centro-Oeste com 4 grupos e 11,8%. O estado federativo que mais produziu
grupos de pesquisa foi São Paulo com 23,5% de produção, relativo a 8 grupos; Seguido do Rio de
Janeiro com 17,6% de produção, relativo a 6 grupos.
Considerações finais
O estudo permite concluir que: Infância expressou-se como o descritor com maior potencial
descritivo para as pesquisas nas temáticas da área. A maior produção de grupos relacionados à
infância se deu no ano de 2013, tendo a Universidade de São Paulo (USP) como a instituição que
mais produziu grupos de pesquisa sobre a infância entre 1988 e 2016. Neste contexto, a região
brasileira que mais produziu foi a Sudeste, tendo como estado mais produtivo São Paulo.
Verificou-se que 79,2% das instituições que sediam os Grupos de Pesquisa são públicas.
O que pode ser explicado por uma questão, muitas vezes, de incentivo à pesquisa no âmbito
das universidades públicas desde a graduação, assim como de financiamento governamental.
Observou-se que 48,6% desses grupos se encontram em situação com status certificado - não
atualizado há mais de 12 meses, o que nos leva a algumas inquietações que devem ser exploradas
em estudos posteriores.
Referências
Ariés, P. (1986). História social da criança e da família. (Dora Flaksman, Trad.) (2ª ed.) Rio de Janeiro,
Guanabara: pp. 166-194. Recuperado de: https://edufisescolar.files.wordpress.com/2011/03/
histc3b3ria-social-da-crianc3a7a-e-da-famc3adlia.pdf
472 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
www.repositorio.ufal.br/bitstream/riufal/2125/1/O%20Conceito%20de%20inf%C3%A2ncia%20
em%20artigos%20brasileiros%20de%20psicologia.pdf
Introdução
O
principal objetivo do Programa Saúde em Foco foi disseminar dentro da empresa
hábitos de vida saudável em termos de alimentação, atividade física regular, e
consequentemente qualidade de vida, visando diminuir os índices de sobrepeso,
obesidade, sedentarismo e outras doenças. Foi utilizada para isso a Influência Social que o grupo
proporciona.
Gouveia (2013) afirma que em sociedade, dependemos uns dos outros para a compreensão,
o sentimento e o alargamento do sentido da realidade, e que este fenômeno é denominado
Influência Social.
Um dos principais objetivos dos estudos sobre Influência Social é a observação do modo
como a convivência social pode influenciar na formação de valores, crenças, atitudes sociais e
opiniões pessoais, contribuindo para o estabelecimento das normas sociais. (Álvaro e Garrido,
2003, como citado em Gouveia, 2013 p.359,)
Cialdini (2012) fala que existem alguns princípios que influenciam o comportamento
humano. De acordo com o autor, esses princípios são classificados em: Princípio da Afinidade,
Princípio da da Autoridade, Princípio da Coerência e Compromisso, Princípio da Escassez,
Princípio da Prova Social e Princípio da Reciprocidade.
Sobre o Princípio da Afinidade, Cialdini (2012) afirma que somos mais propensos a sermos
influenciados pelas pessoas que gostamos. Isso porque a afinidade gera conforto e segurança,
influenciando no nosso comportamento mais facilmente. Em relação ao Princípio da Autoridade
Cialdini (2012) diz que quando existe uma figura de autoridade, a probabilidade de as pessoas
agirem de forma obediente é maior mesmo se essa autoridade for ilegítima. Esse pensamento é
corroborado ao observar os experimentos de Milgram (1963, como citado em Gouveia p.377)
que realizou estudos sobre obediência à autoridade e chegou à conclusão que uma proporção
substancial de pessoas faz o que lhe mandam desde que considerem que o comando foi emitido
por uma autoridade legítima.
O Princípio da Coerência e Compromisso diz que após fazermos uma escolha ou assumir uma
posição, forças pessoais e interpessoais nos forçam a nos comportarmos de forma consistente com
esta escolha ou posição, como Cialdini (2012) explica que uma dupla de psicólogos canadenses
(Knox e Inskster, 1968) descobriu que a maior parte das pessoas que apostam em cavalos fica
mais confiante na vitória depois que adquirem o bilhete de aposta. Ou seja, mesmo sem mudar
o cavalo, a pista ou o hipódromo, o fato é que as pessoas passam a acreditar mais depois de já
terem realizado a compra.
474 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Já o Princípio da Escassez está relacionado com a oferta e a procura, isto é, quanto mais rara
e incomum é algo, muito maior é o interesse das pessoas em geral naquele objeto, Cialdini (2012)
afirma que menos é melhor e perda é pior, e que isso gera grande influência no comportamento das
pessoas. Esse princípio é utilizado, por exemplo, em campanhas de vendas que anunciam últimas
unidades do produto e acabam por influenciar o comportamento de compra do consumidor.
Ao falar sobre o Princípio da Aprovação Social, o autor afirma que decidimos o que é
correto descobrindo o que as outras pessoas acham que é correto, e dessa forma imitamos o
comportamento do outro. E o Princípio da Reciprocidade é, segundo o autor, tão generalizado
que, após um estudo amplo, Alvin Gouldner (1960, como citado em Cialdini, 2012), em parceria
com outros sociólogos, relatou que todas as sociedades seguem essa regra. Culturalmente, as
pessoas são condicionadas a retribuir os favores que recebem. A partir deste princípio, nós sempre
nos sentimos obrigados a pagar – no futuro – por algo que recebemos em determinado momento
das nossas vidas.
Dessa forma, usou-se como base alguns desses princípios (Princípio da Autoridade, Princípio
da Coerência e Compromisso, Princípio da Escassez, Princípio da Aprovação Social, e o Princípio
da Reciprocidade) para desenvolver um trabalho de estímulo a hábitos saudáveis dentro e fora de
empresa estimulando a Qualidade de Vida dos Empregados.
Objetivo
Métodos
O Programa foi realizado na empresa SEBRAE PI, na cidade de Teresina- PI com um grupo de
empregados que se inscreveram para participar. Para a inscrição usamos o Princípio da Escassez,
visto que, as vagas para participar eram limitadas.
O programa, com duração de três meses, foi composto de quatro etapas: Avaliação
Nutricional; Inscrição; Interação no Grupo; Apuração da Pontuação, com entrega de prêmios
para os primeiros colocados.
Na etapa de Avaliação Nutricional realizada por um nutricionista, o objetivo foi estimar
o estado nutricional do individuo, detectando suas necessidades alimentares. Assim, tornou-
se possível intervir de maneira adequada na manutenção ou recuperação do estado de saúde
do participante. Na avaliação nutricional foram analisados o consumo alimentar e as medidas
antropométricas do participante. Para a avaliação do consumo alimentar utilizou-se o inquérito
alimentar, isto é, uma ficha que possuía dados sobre a alimentação do participante. Para a
avaliação antropométrica, foram necessários os seguintes dados: peso corporal, altura, percentual
de massa magra e de gordura, circunferência abdominal e pressão arterial do participante. Os
dados de massa magra e gorda foram obtidos por meio de uma balança de Bioimpedância.
Na etapa de Inscrição no Programa, a inscrição foi voluntária, e as regras para participar
foram as seguintes: Pagar a taxa de inscrição de participação do programa (esse valor foi convertido
na premiação para o primeiro e segundo colocado. O primeiro lugar recebeu 70% e o 2º lugar
recebeu 30% do valor arrecadado); Entregar o Atestado do profissional de Nutrição; e Assinar
o termo de comprometimento com as Regras do Programa. Nessa etapa, usou-se o Princípio da
Coerência e Comprometimento, visto que, ao pagar para participar, o empregado ficava mais
comprometido com a posição assumida, isto é de cumprir com as regras do programa, e passar a
ter hábitos de vida mais saudável.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 1. Indicadores Avaliados no Programa
INDICADOR FONTE INDICA O QUE AVALIAÇÃO PONTOS
A - Percentual de Avaliação O participante conseguiu queimar Se o participante 3
gordura corporal nutricional as gorduras corporais e diminuir os conseguiu diminuir o
riscos de doenças cardiovasculares; índice percentual de
gordura corporal,
B-Percentual de Avaliação O participante está realizando Se o participante 4
massa magra nutricional algum tipo de esforço físico para conseguiu aumentar
fortalecer e ganhar massa muscular o índice percentual
refletindo maior saúde de suas de massa magra
articulações prevenindo lesões de corporal,
ordem óssea, articular, muscular e
postural;
C- Combate ao Apresentação Comprometimento e investimento Se o participante 5
Sedentarismo do comprovante do participante para conseguir que está praticando
de pagamento mudança de hábitos de vida, alguma atividade física
da mensalidade além de ser ponto de partida regular
da atividade para melhorar todos os outros
física ou marcadores de saúde
recursos
de mídia
comprovando
que está
fazendo
atividade física
ao ar livre *
D-Peso Corporal1 Avaliação O colaborador perdeu ou ganhou % proporcional ao % de Peso
nutricional (de acordo com a necessidade) peso perdido. Este perdido
composição corporal ** percentual é revestido
em pontos. ***
30% Sim
Não
70%
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
41% Sim
59% Não
41% Sim
59% Não
41% Sim
Figura 2. Atividade Física Regular ao Final do Programa
59% Não
41% Sim
Figura 2. Atividade Física Regular ao Final do Programa
59% Não
Figura 5.CONTEMPORANEIDADE
IDENTIDADE, Circunferência Abdominal
E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 479
NO ONTEXTO BRASILEIRO
Discussão
Conclusão
Dessa forma, podemos concluir que o Programa mostrou resultados satisfatórios e que
outros ciclos devem ser realizados podendo incrementar a mensuração de outros indicadores tais
como nível de estresse, e nível de satisfação com a saúde social.
Os objetivos foram alcançados, visto que hábitos de vida saudável foram disseminados entre
os participantes do grupo. Assim como foi possível compreender que a Influência Social gera
impactos na mudança de comportamento das pessoas quando estas estão dentro de um grupo.
Atividades como essa realizada no ambiente de trabalho proporcionam ganhos diversos, além
de melhorar relacionamentos, ao trabalhar a Qualidade de Vida, aumentamos, consequentemente
a produtividade desses profissionais dentro da empresa. O ganho é, portanto, para todos os
envolvidos no processo.
Referências
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Sextante, 304 p.
Gouveia, R. C. de. (2013). Influência Social. Em: Camino, L., et al. (orgs.) – Psicologia Social: temas
e teorias. Brasília: Technopolitik.
Pais-Ribeiro, J. (2009). A importância da qualidade de vida para a psicologia da saúde. In: J.P.Cruz, S.N.
de Jesus, & C Nunes (Coords.). Bem-Estar e Qualidade de Vida (pp.31-49). Alcochete: Textiverso
WHO. (1948).Officials Records of the World Health Organization, no.2, p. 100. United Nations, World
Health Organization. Geneve, Interim Comissio
480 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ENTRE O AZUL E O ROSA: MARX COMO
POSSIBILIDADE NA PSICOLOGIA SOCIAL
José da Silva Oliveira Neto
Fábio Pinheiro Pacheco
Ruth Maria de Paula Gonçalves
Introdução
O
uve-se que meninos e meninas brincam de casinha. Dizem que sempre foi assim.
Ouve-se também que meninos são papais e meninas, mamães. Continuam dizendo
que sempre foi assim. A experiência confirma que meninos dirigem carrinhos de
brinquedo, trabalham fora de casa em seus jogos e brincadeiras, jogam futebol, ao passo que
meninas educam suas bonecas – os filhinhos e as filhinhas –, ganham uma cozinha de brinquedo
a qual podem comandar, são cautelosas, cuidadosas e amáveis professoras em suas brincadeiras
de escolinha (Castanho, 2013). Desde muito cedo as diferenças de gênero engendram a maneira
como os seres humanos vivenciam suas identidades e performam suas sexualidades, de maneira
que o imperativo do azul e do rosa se tornam elementos constitutivos da identidade dos sujeitos
envolvidos na trama social das diferenças de gênero e de sexualidade; constituindo-se, assim, em
elemento da subjetividade (Borrillo, 2015).
Logo cedo, conforme Castanho (2013), meninos são ensinados e, inclusive, aprendem que
nasceram para as meninas, e as meninas, por sua vez, são ensinadas e até aprendem que nasceram
para viverem felizes para sempre com e para os meninos. Dessa maneira, foram destinados uns
aos outros, e não há nada mais natural do nascer seja para o que for, seja para quem for, seja para
ser quem for. Continuam dizendo que sempre foi assim. Contudo, quando se realiza uma análise
histórica mais profunda sobre as formas de organização social, é perceptível que os padrões a partir
dos quais devemos nos comportar têm data e história muito bem demarcados, os quais remontam
à divisão sexual do trabalho, a qual, para Engels (2012), foi a primeira forma de divisão do trabalho.
Engels (2012) escreve que, nas organizações sociais anteriores ao estabelecimento do capital
e da propriedade privada, quando havia uma consciência coletiva e cooperativa entre os seres
humanos, não havia diferença entre as atividades desempenhadas por homens e mulheres, de
maneira que caça, coleta e cuidado dos filhos e das filhas eram compartilhadas entre os pares e, no
caso dessa última atividade, entre toda a comunidade, informação que é confirmada por Saffioti
(2013) em A mulher na sociedade de classes. A própria noção de união marital ou casamento, como
se queira chamar, era outra, pois os pares eram mais fluidos, não havendo noção de propriedade
vinculada aos parceiros sexual-afetivos. Foi com o estabelecimento da propriedade privada e da
divisão do trabalho que houve a necessidade de regulação da vida sexual da mulher, porquanto o
homem deveria garantir que quem receberia sua propriedade seria seus herdeiros legítimos.
Assim, para a manutenção da sociabilidade do capital, tornou-se necessários que os seres
humanos se mantivessem no locus estabelecido pelo status quo, a saber o de homem heterossexual
1 É necessário que sejam feitas algumas considerações sobre a terminologia homofobia. Conforme exposto
anteriormente, Borrillo (2015) define homofobia como aversão ou medo a sujeitos homossexuais, o que, por sua
vez, forja formas de discriminação e preconceito. Contudo, o autor expõe que a terminologia homofobia não dá
conta das violências dirigidas à população LGBTT*. Dessa forma, o autor sugere maior especificidade, de maneira
que se tem gayfobia, lesbofobia, bifobia, travestifobia, transfobia etc. Como o intuito do presente estudo não é
abarcar as especificidades de violência direcionadas à população LGBTT*, decidiu-se se operar com a categoria
homofobia, referindo-se somente a experiências gays e lésbicas. Quando a intenção for ser mais abrangente, a
terminologia LGBTT* será utilizada.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Entre tais fluxos e influxos, a Psicologia assume um papel de fundamental importância, o
de contribuir para que a marginalização e a estigmatização das pessoas entre o azul e o rosa, a
saber a população LGBTT2, seja enfraquecida; atuando, assim, no fortalecimento das consciência
historicamente empobrecidas, comprometendo-se com uma atuação emancipatória e social. De
acordo com Lane (1984), toda a Psicologia deve ser social. Todavia, não no sentido das áreas da
ciência psicológicas serem reduzidas ao campo da Psicologia Social, mas no sentido de assumir seu
compromissso frente à realidade e às demandas sociais características latino-americanas e, aqui
especificamente, do Brasil (Martín-Baró, 2003). A urgência da atuação com essas populações em
situação de vulnerabilidade social e violência é confirmada quando são considerados os dados
alarmantes expostos por Carroll e Mendos (2017) no relatório anual da Associação Internacional
de Gays e Lésbicas (ILGA): há 72 países que criminalizam relações sexuais entre pessoas adultas
do mesmo sexo, de maneira que 45 desses estados criminalizam tanto homens como mulheres
adultos que estabelecem relações sexuais com pessoas do mesmo sexo; considerando ainda que 8
desses estados aplicam pena de morte a pessoas que forem flagradas em ato sexual com alguém
do mesmo sexo. De maneira que, na América Latina, 10 são os países que criminalizam ou que
imputam alguma pena para experiências LGBTT*.
Logo, faz-se mister que meninos e meninas possam com os padrões morais toleráveis aos
quais cotidianamente é dito “sempre foi assim”, porquanto, no movimento dialético das relações
sociais e históricas, a superação é um processo fundamental para a sublimação das falsas verdades
(Castanho, 2013). A sexualidade, a afetividade e a identidade, portanto, são encaradas enquanto
passíveis de questionamento. Torna-se imperativo o posicionamento da Psicologia frente à
homofobia, que se torna elemento constituinte das subjetividades, reduzindo as possibilidades de
saúde, dignidade e liberdade de toda uma população (Borrillo, 2015). Este estudo objetiva, nesse
sentido, investigar de que maneira o marxismo se configura como uma nova possibilidade em
psicologia para construir reflexões e ações que corroborem para o trabalho com as pessoas entre
o azul e o rosa, uma vez que nada se tem a perder exceto os grilhões que amarram a experiência
humana (Marx & Engels, 2015).
Método
2 Alguns posicionamentos teóricos mais atuais, como nos estudos de Jesus (2015a, 2015b)) apontam para
a ampliação da sigla que representa a diversidade sexual e de gênero, de maneira que sua forma mais atual é
LGBTTQIA, de maneira que as letras “L”, “G” e “B” indicam, respectivamente, vivências lésbicas, gays e bissexuais;
as letras “T” e “T” representam as vivências transgênero, a população travesti e transexual; e, por fim, “Q”, “I” e
“A”, na seguinte ordem, indicam pessoas queer – que apresentam uma sexualidade fluida –, intersexuais, aquelas
pessoas que, ao nascerem, apresentam ambiguidade genital, e assexuais. Nesse sentido, será utilizada a sigla
LGBTT* indicando toda essa população.
[...] a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como
contrário, inferior ou anormal; por sua diferença irredutível, ele é posicionado a distância,
fora do universo comum dos humanos. Crime abominável, amor vergonhoso, gosto
depravado, costume infame, paixão ignominiosa, pecado contra a natureza, vício de Sodoma
– outras tantas designações que, durante vários séculos, serviram para qualificar o desejo e
as relações sexuais afetivas entre pessoas do mesmo sexo (Borrillo, 2015, p. 13, grifo nosso).
484 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
É dentro do materialismo histórico e da lógica dialética que vamos encontrar os pressupostos
epistemológicos para a reconstrução de um conhecimento que atenda a realidade social e
o cotidiano de cada indivíduo e que permita uma intervenção efetiva na rede de relações
sociais que define cada indivíduo-objeto da psicologia social (Lane, 1984, pp.15-16).
Considerações Finais
Sim, dizem que sempre foi assim. Contudo, na verdade, a homofobia é um fenômeno
eminentemente social e cultural, com raízes e origem fincadas bem demarcadas no movimento
dialético da história da sociedade de classes, o qual se constitui como um vigilante das normas
de gênero e de sexualidade, as quais mantém a classe dominante e o status quo (Borrillo, 2015;
Castanho, 2013). Dessa maneira, tendo-se naturalizado a homofobia – leia-se as determinações
de gênero e de sexualidade – meninos e meninas cresceram e se subjetivaram crendo que nasceram
um pros outros ou para ser quem haviam determinado que seria, todavia eles podem quebrar
a norma e performarem a sua vivência; construindo-se revolucionários simplesmente por serem
quem são, mexendo na ferida do capital. Embora, como afirma Louro (2014), o caminho para a
cura das feridas geradas pela homofobia seja longo, faz-se mister que se construam intervenções
que levem meninos e meninas – adultos ou não – à libertação das algemas sociais (Okita, 2015).
A ciência psicológica, cuja natureza deve ser social, deve estar comprometida com a reconstrução
das consciências históricas empobrecidas na dinâmica do capital.
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488 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EXPLICANDO O CONSUMO DE ÁLCOOL: EXPLORANDO
O PAPEL DAS ATITUDES E DOS TRAÇOS DE
PERSONALDIADE
Andressa Ramos Oliveira
Bruna Saraiva Candeira
Geovane de Sousa Oliveira Filho
Renan Pereira Monteiro
Carlos Eduardo Pimentel
Introdução
O
uso abusivo de álcool representa um grave problema de saúde pública, sendo uma
das principais causas de mortalidade prematura no Brasil, relacionando-se, por
exemplo, a doenças como cirrose e câncer hepático (Melo et al., 2017). Ademais,
o álcool possui um papel importante para o envolvimento em acidentes de trânsito (Caamaño-
Isorna, Moure-Rodriguez, Varela, & Cadaveira, 2016; Pelição et al., 2016), além de contribuir
para a perpetração de violência em relacionamentos íntimos (Caetano, Schafer, & Cunradi, 2001;
Leonard & Quigley, 2017). Nesta direção, observa-se que variados desfechos negativos se associam
ao consumo de álcool, apontando a necessidade de conhecer seus preditores.
Especificamente, diversos estudos têm sido desenvolvidos buscando os preditores e as
consequências do uso e abuso de álcool. Entre potenciais preditores, variáveis demográficas
como o sexo e a idade podem cumprir papel importante para explicar o padrão de consumo. A
propósito do anteriormente comentado, episódios de consumo pesado são mais frequentes entre
jovens (15 a 19 anos) e o consumo é maior entre homens (Organização Mundial da Saúde, 2014).
Variáveis de cunho psicológico, como os traços de personalidade, também podem auxiliar no
entendimento do uso e abuso de drogas.
No âmbito dos preditores psicológicos, uma série de estudos tem indicado que determinados
traços de personalidade podem representar fatores de risco para uso e abuso de álcool (Stautz
& Cooper, 2013). Concretamente, os estudos neste campo têm explorado o papel dos Cinco
Grandes Fatores de Personalidade, sendo reportado, em metanálise com 20 estudos (7.886
participantes), que maior consumo se relaciona com baixa conscienciosidade, baixa amabilidade
e alto neuroticismo (Malouff, Thorsteinsson, Rooke, & Schutte, 2007). Já em contexto brasileiro,
Natividade, Aguirre, Bizarro e Hutz (2012) verificaram que incrementos em extroversão contribuíram
para aumento nas chances de beber, ao passo que incrementos em conscienciosidade tiveram o
papel oposto.
Para além dos Cinco Grandes Fatores, traços como impulsividade e busca de sensações
também são importantes preditores do consumo de álcool (Magid, MacLean, & Colder, 2007).
Pessoas que pontuam alto em busca de sensações tendem a ter uma necessidade de procurar
experiências novas, complexas, intensas e variadas, além de estarem dispostas a correr riscos
Método
Participantes
Instrumentos
490 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Escala de Atitudes Frente ao Uso de Álcool (Gouveia, Pimentel, Leite, Albuquerque, & Costa,
2009). Instrumento que se baseia em escala de diferencial semântico, consistindo em saber a
avaliação global dos participantes acerca do efeito do álcool. Os quatro pares de adjetivos são:
positivo/negativo, agradável/desagradável, bom/ruim e desejável/indesejável. Os pares situam-se
nos extremos do diferencial semântico, sendo que as pontuações variam de +2 a -2, em que +2 e
+1 representam atitudes favoráveis, 0 representa o ponto neutro da escala e -1 e -2 representam
atitudes desfavoráveis.
Por fim, solicitou-se que os participantes estimassem com que frequência consomem álcool,
indicando em escala de cinco pontos (1 – Nunca; 5 – 4 ou mais vezes por semana).
Procedimento
Os dados foram coletados por meio de instrumentos do tipo lápis e papel, em contexto de sala
de aula. Para tanto, inicialmente solicitou-se a permissão dos docentes para que os questionários
fossem aplicados. Após a permissão, os instrumentos foram administrados em ambiente coletivo
de sala de aula, não obstante, as respostas aos questionários eram dadas individualmente. Antes
de iniciar a coleta, os pesquisadores destacaram a natureza voluntária da participação, indicando
que os colaboradores poderiam declinar de sua participação a qualquer momento sem que isso
acarretasse prejuízos. Ademais, destacou-se que nenhum voluntário seria identificado, sendo
os dados tratados em conjunto. Por fim, em linha com o disposto na Resolução 510/2016 do
CNS, que regulamenta pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, era necessário que os partícipes
formalizassem o seu consentimento assinando um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE).
Os dados foram analisados por meio dos programas PASW e AMOS, ambos na versão 21.
Com o primeiro foram calculadas estatísticas descritivas (e.g., medidas de tendência central e
dispersão), além de análise de correlação de Pearson (verificar o padrão de associações entre
as variáveis) e regressão hierárquica (conhecer o papel preditivo das variáveis). Com o segundo
verificaram-se os efeitos diretos e indiretos das atitudes e personalidade, respectivamente, sobre o
padrão de consumo de álcool.
Resultados
1
2 0,61**
3 0,10 0,18*
4 -0,06 -0,05 -0,22**
5 -0,09 -0,19* 0,06 0,29**
6 0,01 -0,03 0,14* -0,39** -0,10
7 0,10 0,00 0,17* 0,07 0,19* 0,12
8 0,06 0,21** 0,01 0,00 -0,09 -0,01 0,05
9 0,36** 0,35** 0,15* -0,06 -0,07 -0,06 0,26** 0,15*
1 2 3 4 5 6 7 8
Nota: *p < 0,05, **p < 0,001 (teste uni-caudal). Identificação das variáveis: 1 = Consumo de álcool, 2 = Atitudes
frente ao uso de álcool, 3 = Extroversão, 4 = Amabilidade, 5 = Conscienciosidade, 6 = Neuroticismo, 7 = Abertura, 8
= Impulsividade, 9 = Busca de sensações.
Conhecido o padrão de correlações entre as variáveis, o passo seguinte foi realizar uma análise
de regressão hierárquica. Para tanto, no primeiro passo entrou-se com as variáveis demográficas
sexo e idade, no segundo passo com os traços de personalidade (Big-5, impulsividade e busca de
sensações) e no terceiro passo com as atitudes frente ao consumo, tendo com variável critério a
frequência de consumo. O primeiro modelo de regressão (idade e sexo) predisse 6% na variabilidade
dos escores na frequência de consumo de álcool, sendo o sexo (codificado como homem = 1 e
mulher = 2) o único preditor (β = -0,23, p < 0,01). Após incluir os traços de personalidade no
segundo passo, verificou-se um aumento para 19% na variância explicada, sendo este incremento
de 13% estatisticamente significativo [F (7, 122) = 2,83, p < 0,01], tendo como preditores o sexo (β
= -0,19, p < 0,05) e a busca de sensações (β = 0,35, p < 0,01). Por fim, no terceiro e último passo,
a inclusão das atitudes aumentou a variância explicada para 44%, sendo esse incremento de 25%
estatisticamente significativo [F (1, 121) = 54,88, p < 0,01], tendo como preditores o sexo (β =
-0,17, p < 0,05) e as atitudes frente ao uso (β = 0,58, p < 0,01).
Tabela 2:
Regressão hierárquica
Preditores Consumo de álcool
Passo 1 Passo 2 Passo 3
Sexo -0,23** -0,19* -0,17
Idade 0,02 0,06 0,02
Extroversão 0,04 -0,06
Amabilidade 0,01 -0,02
Conscienciosidade -0,08 0,04
Neuroticismo 0,09 0,07
Abertura -0,04 0,04
Impulsividade 0,00 -0,05
492 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Busca de Sensações 0,35** 0,15†
Atitudes 0,58**
Nota: ** p < 0.01; *p < 0.05; p ≤ 0.07
†
Discussão
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496 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
SIGNOS E SIGNIFICADOS DO SOFRIMENTO MENTAL
NA ATENÇÃO PRIMÁRIA A SAÚDE
Josenaide Engracia dos Santos
Yasmim Bezerra Magalhães
Ana Ariel Sousa Almeida
Introdução
A
doença mental constitui, ainda hoje, um importante problema de saúde pública
no Brasil. Estudos epidemiológicos apresentam altas taxas de prevalência de
sofrimento mental na atenção primária à saúde (APS), de modo que o sofrimento
psíquico é uma condição recorrente no cotidiano da clínica médica neste contexto assitencial
(Mendes, 2012). As perturbações mentais estão presentes em todas as sociedades e criam uma
carga pessoal substancial para os indivíduos afetados e as suas famílias, e produzem dificuldades
econômicas e sociais que afetam a sociedade no seu todo (OMS, 2008).
A Reforma Sanitária e a Reforma Psiquiátrica são contemporâneas à luta pela mudança de
modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde do Brasil (OPAS, 2005). Engajados à Reforma
Psiquiatra estavam instituições, movimentos sociais e associações de pessoas com transtornos
mentais e familiares. Para Amarante (2009), a Reforma incide na desconstrução dos conceitos
fundantes da psiquiatria, tais como: doença mental; alienação; isolamento; terapêutica; cura;
saúde mental; normalidade; e anormalidade.
A APS se torna uma prática privilegiada nas intervenções em saúde mental por se tratar do
lócus onde o sofrimento psíquico acontece e precisa ser enfrentado. Para Viegas e Penna (2015)
estas experiências vão sinalizar os signos e significados diante de situações de aflições e sofrimento
na saúde mental. A conformação das queixas e convicções das pessoas estão profundamente
imersas em domínios culturais e contextos sociais, ou seja, a saúde da população é influenciada
pelo seu cotidiano e modo de vida.
Estudos da psiquiatria transcultural têm apontado para a necessidade de que a doença
seja compreendida dentro dos contextos sociais específicos em que ela é concebida, ou seja,
para Kleimann (1978) as pessoas tendem a expressar a situação de sofrimento mental muitas
vezes de formas consideradas aceitáveis para a própria cultura, bem como, a busca por recursos
terapêuticos dependerá do significado e expectativa da doença.
O significado atribuído às aflições não ocorre apenas como um simples ato individual, mas
a partir de processos interpretativos adquiridos na vida cotidiana e a concepção de uma dada
enfermidade está relacionada a contextos sociais e existenciais específicos. Assim consoante, Alves
(1993) discorre que “ Para uma compreensão adequada do sofrimento, deve-se levar em conta
tanto seus aspectos subjetivos, o que determina um mundo de diferenças interpretativas, como
seus aspectos intersubjetivos, o que a torna ‘objetiva’ para os outros”.
A partir das dimensões apresentadas em torno do sofrimento mental no contexro da atenção
primária à saúde esta pesquisa buscou compreender como usuários da APS representam e reagem
às condições de adoecimento mental. O estudo deu enfoque à reflexão em torno dos recursos
Método
Resultados e Discussão
A partir das narrativas foi organizado o material base que permitiu o agrupamento de
conteúdos referentes aos; significados, causas atribuídas ao sofrimento, e recursos terapêuticos
utilizados pelos usuários de saúde mental da APS. A representação dessas experiências se apresentou
em três dimensões: Significado do sofrimento mental; Atribuição de causas ao sofrimento mental;
Cuidando do sofrimento mental.
498 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Doença mental pra mim é uma pessoa que não tem nexo, ela não fala coisa com coisa, ela, a doença mental
pra mim assim... o doido mesmo, a pessoa que é louca mesmo ela não tem noção de nada, se ela chegar
aqui e ela quiser, ela faz cocô aqui na sua frente, tira a roupa fica nua.
É possível inferir que o significado do sofrimento mental contido no relato permeia o eterno
desconexo entre a realidade e a ilusão, descrita como uma ação em um desvio dissociativo do eu,
perante ele mesmo e à sociedade, sem conexão com o mundo real. A loucura foi associada ao
conceito de “desrazão”, caracteristicamente moral, por isso outra modalidade de razão – aquela
que não obedeceu e transgrediu, os seus limites (morais) perdendo-se totalmente, não sendo mais
senhora de si mesma Foucault (1987).
Como resposta a este adoecimento Rabelo e Alves (1999) apontam que a condição de
isolamento tende a estar associada, por um lado, à indisposição e falta de ânimo que remetem às
ideias de força e fraqueza, e por outro, à condição de se estar apático, uma vez que ameaça um
fluxo de reciprocidade. Trancar-se, deixar a casa em desleixo são comportamentos mencionados
para se descrever uma dinâmica de isolamento que nem sempre se considera digna de pena ou
atenção especial, como podemos ver no depoimento que segue.
Foi um sofrimento muito grande. Eu via tudo, ouvia, mas não tinha como me controlar... entendeu? (...)
Eu conseguia ver, ouvir. Eu via todo mundo, eu vi... eu via o pessoal que vinha aqui me ver, eu via... eu via
os médico, eu via o pessoal do Centro de atenção psicossocial, a Zenaide. (...) E assim, ao mesmo tempo...
ao mesmo tempo eu tinha um medo, eu tinha um medo como que vocês eram tudo falso (...) ‘você passou
da hora de comer, de dormir’ porque tudo tem uma hora, um tempo...o trabalhador tem tantas horas de
serviço, tantas horas de almoço, de descanso’ E eu não tinha nada disso.
Opera-se o não controle de seu próprio corpo com a perda da autonomia, controle dos
sentidos e da ordem dos pensamentos, o que incide na desapropriação de sua identidade,
desorientação temporal e perda da capacidade produtiva. A história da maioria dos doentes
mentais, como mostra Bennelli (2014), começa com ataques a disposições da vida face-a-face,
no lar, no trabalho e em seu desempenho de papeis. Neste contexto fala-se que a pessoa mesmo
diante de desemprego era ativa.
Normal ela não fica desempregada não, ela insiste ela vai à luta, quando ela está normal, ela vai a empresa
entrega currículo saí corre a atrás.
O sofrimento surge como “depressão” e remete a precariedade da vida, onde a vida é tomada
pela desesperança pela sensação de desprezo. O que se verifica não é da ordem de um conflito, mas
da pura insuficiência, de um esvaziamento e esgotamento que debilita e enfraquece. Leite (2012)
salienta como aspecto importante do processo de adoecimento a dificuldade de ajustamento que
produz sofrimento, sensação de abandono e medo do desconhecido:
Acho que a palavra melhor é desprezo, eu não sei se ele me desprezava, aí começou uma tristeza, aí eu
ficava triste. Mas quando você nasce você tem que passar por alguma coisa, eu acredito que você passe
mesmo! A gente se sente forte e tal, resolve tudo para todo mundo, mesmo eu assim... que eu fiquei assim,
eu nunca me joguei só porque eu estava muito mal, depois, assim, que eu estava doente mesmo, eu fiquei
debilitada demais e eu dizia: não sou doida! Foi uma dificuldade muito grande pra mim realmente aceitar
que estava com depressão.
Considero mais a esquizofrenia doença mental, porque não tem cura, já a depressão você controla, curável,
a depressão tem cura, assim você ameniza a doença se você se ajudar, e uma coisa assim, se você quer se
ajudar você toma o remédio pro resto da vida, mas tem uma cura, ameniza.
Ainda tenho aquela raiva, porque ele tirou muita coisa de mim, minha herança, eu fiquei com uma casa e
ele ficou com a outra. O sítio ele ficou, ele fez tudo pelo sitio e não pela casa, eu vou trabalhar agora pra
terminar a casa por fora, murar fazer coisa que ele não fez, porque ele sabia que ia separar então já tinha
esse plano bolado. A primeira vez depois da separação, que o vi, eu fiquei toda ansiosa, toda nervosa.
Essa percepção se relaciona, segundo Rabelo e Alves (1999), com a necessidade que a mesma
terá de fazer novos arranjos dentro da unidade familiar. A fraqueza que uma situação como esta
provoca é psíquica – uma vez que a mesma terá que lidar com a perda do marido que resulta na
sobrecarregada de desempenhar novos papeis e tarefas sozinha.
Quando eu mudei pra aqui, eu fiquei sem meus clientes, fiquei...e eu tinha muito medo, eu tinha muito
medo...porque eu me preocupava muito com meus filhos, que eu me separei do pai deles, e vim pra cá
pra Brasília, e assim, os meninos ainda pequeno, e eu tinha muito medo, eu tinha muito medo de faltar e
passar necessidade.
Outro contexto atribuído ao sofrimento é o de que o louco ora é um sujeito que afronta a
moral, ora um sujeito com defeitos no sistema nervoso, por vezes englobado em uma massa de
imorais e em outras individualizado num corpo doente. Coloca sempre em relação a natureza e
a cultura, a ciência e a moral, o indivíduo e a sociedade. A moral propicia o domínio da loucura
pela ciência. A ciência que domina a loucura não se sustenta sem a moral que a precede, mesmo
afirmando sua autonomia (Chaves, 2013).
A doença mental é como vejo lá na rodoviária... Ele pelado com órgão genital pra fora, tirou a roupa e é a
coisa mais natural, você vê esses olhos esbugalhados, falando coisa com coisa que não tem nada a ver né?E
um pouco agressivo.
500 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Eu fiquei assim, eu nunca me joguei! Só porque eu estava muito mal, depois, assim, que eu estava doente
mesmo eu fiquei debilitada demais e eu dizia não sou doida.
A doença como fraqueza inutiliza o corpo para a ação e passa a caracterizar além do estado
corporal uma situação social de desordem. O sofrimento mental é explicado como uma angustia
sem fim. A angústia, segundo Lacan (2005), é o único afeto que não engana, visto que é real e
experimentado no corpo. Winograd e Teixeira (2011) descrevem como sujeito deprimido aquele
mergulhado em uma angústia desmedida, materializada no corpo sob a forma de dor. Dói o
corpo, dói o peito, dói a alma, como sugere o relato:
Para que viver? Viver nesse sofrimento, nessa tristeza tomando remédio, sempre cuidei das pessoas agora
eu nessa situação, eu dizia assim: Senhor eu não preciso viver, me prepare e me leva que eu vou ficar muito
bem contigo.
É comum atribuírem esta dor à causa precipitante do seu sofrimento mental e de ato suicida,
quando afirmam que matar-se seria a única forma de livrar-se da dor.
A segunda internação, que tive dor de cabeça, que descobriu que eu estava com depressão, aí eu fui pra
minha mãe, me deu mais atenção, meus filhos... marido não! Marido só queria ver eu morta.
Uma vez detectado este sofrimento precisa ser tratado e, por vezes, vai requerer uso de
internação ou assitência ambulatorial imediata por falta de “controle” das desordens psíquicas
provocadas (Rabelo & Alves, 1999). A agudização de sintomas mais graves pode indicar a
internação para estabilização dos quadros, mas nem sempre se trata da única opção viável:
Eu não cheguei a ser internada, mas eu tomei... eu fui no Hospital psiquiátrico São Vicente, duas vezes que
eu fiquei assim, porque antes de eu ficar ruim mesmo, o Rodrigo me levava, mas não me internava.
Ainda há uma forte inclinação ao tratamento através da internação, o que reforça o modelo
manicomial. Contudo aparece registrada a utilização do dispositivo hospitalar como emergência,
uma vez que a situação de crise foi acolhida sem necessariamente utilizar-se da institucionalização.
Para Leão e Barros (2008) a segregação que o hospital psiquiátrico representa é uma das faces da
exclusão social, uma vez que o usuário não consegue exercer suas trocas sociais e permanece numa
situação de vida, muitas vezes sem significados ou transformações.
A terapia medicamentosa dos transtornos mentais pode ser definida como tentativas de
modificar ou corrigir comportamentos, humores ou pensamentos patológicos pela química
(Sadock & Sadock, 2016). É o médico que fornece os remédios destinados a curar ou manter
sob controle o paciente. Com o uso continuado de remédios o doente entra numa espécie de
cadeia circular; ele toma o remédio, os sintomas desaparecem temporariamente e ele “fica bom
Amitriptilina eu não sei se ele é psiquiátrico acho que é calmante, mas aí eu deixei por que se tomar dorme,
se não tomar não dorme, então eu não quis tomar aí não teve efeito nenhum pra mim.
“Então, o Citalopram e o Donaren”. Mas eu quero...eu queria entender por que? E o que é o Donaren”
Fluoxetina, Rivotril...[...] Tinha outro, mas não lembro o outro. Donaren quem passou foi essa médica
porque eu estava pra morrer na época. “Me libertar de tomar remédio, meu outro sonho também.
Eu me enterro no trabalho, minha vida e porque eu trabalho 24 por 24 h, ai eu trabalho, tive muita vontade
de fazer enfermagem mais o meu trabalho como eu não ganho o suficiente para pagar a faculdade. Entendeu?
então eu fico trabalhando e vou para a igreja quando eu posso, eu estou muito falha com Deus porque eu
tenho que ir para igreja e eu estou mais trabalhando e assim minha vida e só assim trabalho e casa.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
dificuldade de sustentar a autoimagem e suportar as próprias fragilidades perante as experiências
emocionais emergentes no contexto em que vivem.
As circunstâncias do modo de adoecer envolvem a ligação que se estabelece entre a pessoa e o
sofrimento, este último como experiência física e subjetiva, envolvida em uma rede de sentimentos
que orientam as pessoas em suas buscas pelos significados. Para Rodrigues e Caroso (1986)
quando se referem às causas de suas doenças as pessoas estão necessariamente interpretando
determinadas condições que ajudam a explicar porque tal doença aconteceu em dado momento.
As dinâmicas que envolvem o adoecimento mental presente em usuários da atenção primária,
pouco discutidas enquanto sofrimento, são permeadas pela perda do lugar social que dá sentido
a existência desses sujeitos. A comunicação desses sentimentos se dá por meio da noção de que
algo não está bem, algo está errado, e de um limite que sai do alcance deste indivíduo.
Ressalta-se que é questão central para nortear medidas de intervenção nesse contexto
estudos que façam uma aproximação com a singularidade desses sujeitos enquanto modo
próprio de perceber, descrever e significar sintomas e sensações. A partir da imersão nessa rede
de concepções é possível traçar um caminho de co-responsabilização com as equipes de saúde
enquanto estratégia de empoderamento e adesão às práticas terapêuticas dispostas.
Referências
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Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15
anos depois de Caracas. Brasília: OPAS.
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totais e disciplinares (des)educativas (pp. 23-62). São Paulo: Editora UNESP.
Chaves, L.L. (2013). Loucura e Experiência: seguindo loucos de rua e suas relevâncias. (Tese de Doutorado).
Programa de Pós Graduação em Antropologia Social, Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.
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models for the comparisson of medical system as cultural systems. Social Science & Medicine, 12(1),
85-93.
Mendes, E. V. (2012). O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da
consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde.
Pereira, A. B. (2013) “Mas é só você que vê?”: A percepção social da loucura e o processo de reconstrução do universo
simbólico do sujeito diagnosticado. ) (Monografia),Departamento de Sociologia, Universidade d e
Brasília. Brasília, DF, Brasil.
Sadock, J. B, Sadock V.A. (2016). Compêndio de psiquiatria: ciência do comportamento e psiquiatria clínica.
Artmed Editora.
Spink, M. J & Lima H. (2013). Rigor e visibilidade: a explicitação dos passos da interpretação.
Em: Spink, M. J (Org.). Práticas discursivas eprodução de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e
metodológicas (pp. 71- 99), Rio de Janeiro: Centro Edelstein de pesquisas sociais.
504 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PSICOLOGIA EM CONTEXTO: ACOLHIMENTO DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
SEXUAL
Rafaella Coelho Sá Veloso
Beatriz Cardoso Marques
Kelly Raissa Silva
Nathan da Silva Cunha
Samara Sales de Brito
Introdução
P
esquisas epidemiológicas sinalizam que um número significativo de crianças e
adolescentes tem sofrido algum tipo de violação de direitos e tais dados colocam
a questão como um grave problema de saúde pública, agravando-se mais com o
fator de subnotificação desta realidade. Necessitando do rompimento deste ciclo da violência
e reconstrução da rede que se organizou ao redor da criança ou adolescente que é vítima.
De tal maneira que ponto inicial para enfrentar a violência contra a infância e a adolescência
passa por romper os pactos de silêncio e a sua ressignificação, pois sabe-se que essa situação
traumática envolve a criança e sua família e os impactos vão desde alterações no desenvolvimento
biopsicossexual e social, no ambiente familiar aos círculos mais próximo (Morina et al, 2016;
Brasil, 2002; Silva, 2000).
A partir disso, surgiram questionamentos sobre o trabalho que está sendo oferecido às
crianças e adolescentes que passam por essa violação, a respeito da representação psicológica
dessa vivência. Refletindo sobre isso, este presente trabalho pretende abordar a repercussão e as
representações psicológicas na vida de crianças que sofreram violência e/ou abuso sexual, a partir
do olhar de meninas cujos direitos foram violados. Uma vez que norteou-se como objetivo geral
a intenção de investigar a representação psicológica em crianças e adolescentes que sofreram
violência sexual; e, mais especificamente: propiciar um espaço e momento para o acolhimento
de demandas das crianças de institucionalizadas que foram vítimas de algum tipo de violência;
colaborar com estratégias de enfrentamento e promover sua ressignificação; além de contribuir
para o fortalecimento emocional das vítimas, de forma a promover a ressignificação do dano
emocional cometido.
Nesta realidade, fez-se necessária o estudo e aprofundamento de alguns conceitos,
começando pelo entendimento de violência defendido por Chauí (1985) que não como violação
ou transgressão de normas, regras e leis, mais como uma relação de forças caracterizada num
polo pela dominação e no outro pela coisificação. Foucault (1976), por sua vez, afirma que a
violência caracteriza-se por uma relação de forças desiguais, configurando assim uma relação de
poder onde o mais forte subjuga, explora e domina o mais fraco. Já a violência sexual, a partir
do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.69/90), caracteriza-se por atos praticados
com finalidade sexual que, por serem lesivos ao corpo e a mente do sujeito violado (crianças
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
aos profissionais da saúde e educação, pois são os mais próximos, estarão em maior contato
com esses sujeitos, além de serem pessoas significativas que compõem os elos de relacionamento
existentes e percebidos pela criança, agregado o elemento afetivo, em função da importância do
afeto para a construção e a manutenção do apoio.
O Ministério da Saúde (2006) destaca outro aspecto relevante é o fato de que esta violação
acontece, em sua maioria, no ambiente familiar e nas redes de apoio que deveriam proteger e
garantir a provisão de afeto e cuidados necessários ao desenvolvimento saudável, dificultando a
não denúncia dos casos de abuso sexual.
Quando a rede está munida de recursos para ajudar essas crianças e adolescentes a passar
por esse sofrimento sem maiores danos, elas conseguem protege-las de maiores prejuízos à saúde.
Esse apoio social e afetivo está relacionado com a percepção que a pessoa tem de seu mundo
social, como se orienta nele, suas estratégias e competências para estabelecer esses vínculos e o
seu fortalecimento subjetivo. Habigzang et al (2006, p. 380) cita tais fatores de proteção:
Fatores de proteção [...] têm sido identificados, principalmente, no cuidado estável oferecido
pela família, que reforça a identificação com modelos e papéis; nas características pessoais,
como a habilidade para resolver problemas, a capacidade de cativar pessoas, competência
social, crenças de controle pessoal sobre os eventos de vida e senso de auto eficácia; e, na
possibilidade de contar com o apoio social e emocional de grupos externos à família, diante de
eventos estressores.
Pode-se citar ainda outros fatores de proteção: a retirada da vítima do contexto abusivo, a
conduta e esclarecimento que se dá à criança sobre o que ocorreu com ela e mais significativo ainda
é o bom e saudável relacionamento entre mãe e filhos além da proteção da rede de apoio social
Habigzang et al (2006). Desta forma, a rede contribui para esses sujeitos adquirir capacidades e
repertórios comportamentais para superar adversidades que é definida como resiliência, ou seja,
capaz de buscar alternativas eficazes que a auxiliarão a enfrentar de forma satisfatória os eventos
de vida negativos.
Em relação aos fatores de risco, estão associados às características ou aos eventos que
podem levar a resultados ineficazes, enfraquecendo a pessoa diante da situação de estresse, como
por exemplo, a falta de fiscalização quanto à medida de afastamento do agressor, a falta de
efetividade da rede de apoio, a negação da violência sexual pela família, o abuso de álcool e drogas,
a dependência financeira do agressor e outras formas de violência (abuso físico, psicológico e
negligência) associadas ao abuso sexual no contexto familiar e comunitário, o não envolvimento
das famílias das vítimas de abuso sexual nas intervenções judiciais, com isso os encaminhamentos
das instituições podem não serem cumpridos, as vítimas não receberem acompanhamento
adequado pelos profissionais atendentes, desenvolvimento de psicopatologias e/ou sintomas
psicopatológicos, comportamentos psicossomáticos (Habigzang et al 2006). Porém é importante
ressaltar também que os fatores de risco e proteção não são categorias fixas definidas a priori, mas
se constituem como tal dependendo do contexto histórico, social e subjetivo, do qual ocorrem.
Nesta realidade a relevância deste estudo se dá à necessidade de se propagar a discussão
acerca da temática, para contextualizar como um problema de saúde pública, compreensão do
abuso sexual infantil, em uma perspectiva sobre dinâmica familiar, incidência epidemiológica,
consequências do trauma para o desenvolvimento e intervenções sócias e clínicas.
Método
[...] um tipo de pesquisa com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação
com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e
participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo
ou participativo.
A cada encontro era escolhido uma temática, que iam sendo discutido a partir de algum
método como, dinâmicas de grupo, encenação, recorte e colagem, exercícios corporais, dentre
outros. O objetivo das intervenções eram investigar as representações psicológicas sobre violência
sofrida, bem como ampliar as habilidades sociais e emocionais das crianças e adolescentes
participantes.
Os grupos focais constituíram-se num importante recurso conforme possibilitaram a
discussão do tema junto aos sujeitos da pesquisa e, dessa forma, permitiram um conhecimento
de como o grupo compreende, vivencia e lida com tais situações. Segundo Jovchelovitch (2000),
os grupos possibilitam a expressão de vozes singulares que, ao discutirem sobre sua experiência e
debatê-la, permitem-nos compreender a realidade social e sua relação com a mesma.
Nelas, manteve-se uma “escuta ativa” e uma “atenção receptiva a todas as informações
prestadas”, intervindo com discretas pontuações, interrogações e comentários, em forma de
conversas que estimulavam a abordagem da temática proposta na pesquisa. Os facilitadores
mantiveram uma atitude aberta, flexível e disponível à comunicação, construindo um clima de
confiança e favorecendo que o entrevistado apresentasse suas ideias livremente, sem receios ou
constrangimentos. (Chizzotti, 1998)
Análise dos dados deu-se, de acordo com o método de análise de conteúdo proposto por
Bardin (1997). Os conteúdos foram divididos em quatro categorias: identidade, autoimagem,
percepção sobre família e percepção e expressão de sentimentos.
A pesquisa está de acordo com as exigências éticas, tendo sido aprovada pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Estadual do Piauí. A instituição participante da pesquisa assinou a
Declaração de Coparticipante e Infraestrutura, uma vez que concordaram com os objetivos da
pesquisa. Da mesma forma, os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Assentimento e
os responsáveis o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
508 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
família, autoimagem assim como também, percepção e expressão de sentimentos, todos seguindo
um cronograma de exercício e construção de habilidades a partir das demandas observadas nas
adolescentes no objetivo de contribuir no processo de elaboração e resiliência das mesmas diante
das marcas subjetivas do abuso.
Identidade
Autoimagem
Discussão
Por compreender o abuso sexual de crianças e adolescentes como uma grande violação
de direitos e um problema de grave saúde pública que pode acarretar consequências físicas e
principalmente psicológicas marcantes na subjetividade do indivíduo e, devido os questionamentos
iniciais sobre o trabalho que está sendo realizado por parte da psicologia de maneira geral a essa
demanda, as análises e resultados obtidos através das atividades realizadas no presente trabalho
podem trazer grandes benefícios uma vez que trazem informações sobre as percepções subjetivas
dessas vítimas associadas às informações da literatura sobre o tema e abre discussões sobre
possibilidades de atividades e intervenções que podem contribuir para o exercício de habilidades
de ressignificação e elaboração desses sentidos de maneira assertiva. A relevância do presente
estudo assim como do papel da psicologia dentro desses contextos está em compreender e trazer
à luz a perspectiva da vítima diante dessa condição como também buscar empoderar esse sujeito
diante de sua realidade, e de suas possibilidades de ressignificação, sendo assim um instrumento
de mudança social.
Diversos estudos demonstram que as consequências do abuso sexual infanto-juvenil estão
presentes em todos os aspectos da existência humana, deixando marcas físicas, psíquicas,
emocionais, afetivas, sociais, sexuais, entre outras, que poderão comprometer seriamente a vida
dessa vítima. (Chauí, 1985; Habigzang et al, 2006/2008; Abrapia, 1997; Cunha et al, 2008; Furniss,
1993; Gabel, 1997)
Furniss (1993) afirma que as consequências ou o grau de severidade dos efeitos do abuso
sexual variam de acordo com algumas condições ou predeterminações de cada indivíduo, dentre
eles: a idade da criança quando houve o início da violência; a duração e quantidade de vezes em que
ocorreu o abuso; o grau de violência utilizado no momento da situação; a diferença de idade entre
a pessoa que cometeu e a que sofreu o abuso; se existe algum tipo de vínculo entre o abusador e a
vítima; o acompanhamento de ameaças (violência psicológica) caso o abuso seja revelado.
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Portanto, compreender e avaliar a extensão das consequências do abuso sexual infanto-
juvenil não é um trabalho fácil. E como compreendemos que cada sujeito que passou por essa
situação de violência irá enfrentar essa situação de maneira diferente, cada um com seus recursos
intra e interpessoal próprios e singulares, nosso objetivo é discutir os aspectos mais comuns e
relevantes que nos chamou atenção nesse processo de acompanhamento desse grupo.
Um desses aspectos a serem discutidos foi a dificuldade por parte das meninas em
resgatar características positivas sobre si mesmas, uma característica que podemos associar as
consequências intrínsecas do abuso, como a distorção da autoimagem que ele acarreta, chamado
por Silva (2000) de alterações na identidade pessoal. Fuks (2006) alerta para subjetividade
fragilizada, associada a uma autoestima deficitária e uma autoimagem rebaixada. Acarretando em
dificuldades de estabelecer contato, confianças ou limites em suas relações futuras, por ter uma
percepção do Eu danificado, como não merecedor de elogios, afeto saudável, por não conseguir
se ver e reconhecer como um ser de potencial.
Através da mediação dos facilitadores compreendendo melhor através dos relatos da
história de vida das jovens, foi possível a elaboração da construção identitária resgatando as
características positivas de cada uma, favoreceu processos saudáveis de subjetivação, passando
a se reconhecer como um Ser de potencialidades, habilidades e qualidades que merecem serem
cultivadas, fortalecendo assim sua autoimagem, autoconfiança e autoestima.
Sabemos que o abuso sexual pode ser definido de acordo com o contexto de ocorrência.
O abuso sexual intrafamiliar ou incestuoso é aquele que ocorre no contexto familiar e é
perpetrado por pessoas afetivamente próximas da criança ou do adolescente, com ou sem
laços de consanguinidade, que desempenham um papel de cuidador ou responsável destes
(Habigzang, 2008). Com isso, corrobora para algumas participantes não se sentirem acolhidas
em suas residências, pôr o agressor está lá, ou nas imediações. Além também da família não
disponibilizar apoio às vítimas, negligencia-las. A violência então, gera um ambiente, no qual
predominam os sentimentos de medo e de desamparo. Sendo que a família deve ser a fonte de
apoio e segurança as crianças e adolescentes, bem como as pessoas que compõem os vínculos
sociais, que estão relacionadas à construção da identidade desses sujeitos, segundo Estatuto da
Criança e Adolescentes (Brasil, 2015).
Além disso, elas apresentaram em seus relatos, dificuldades no controle das emoções,
provocando atitudes impulsivas que traziam prejuízos pessoais e às suas relações externas, uma
adolescente chegando a relatar que “ter aprendido a esconder seus verdadeiros sentimentos de
forma que ninguém notasse quando a mesma estivesse triste”. Com isso, foram trazidas outras
atividades que instigaram este exercício tanto descrevendo e nomeando os sentimentos e emoções
que elas não tinham conhecimento, quanto trabalhando a explanação destes de forma lúdica
usando-se exemplos situacionais. No decorrer destas técnicas foi observado o progresso no
desenvolvimento das habilidades emocionais a partir de relatos pessoais que as participantes
traziam, em que conseguiram lidar com as emoções externas e pessoais de forma mais assertiva
frente a diversas situações, podendo-se exemplificar o relato de uma jovem que após o auxílio da
equipe conseguiu melhorar o relacionamento com um colega na escola que a rejeitada.
Os achados corroboram com a literatura, (Fucks, 2006; Furniss, 1993; Habigzang et al
2008; Silva, 2000) sobre alterações comportamentais e emocionais em vítimas de violência sexual
porém é reducionista trazer as questões com as habilidades sociais como sendo ligadas apenas à
violência. É necessário reconhecer o contexto de vulnerabilidade no qual as participantes estavam
imersas e a violência sexual como um dos pontos na rede. Além disso, a falta de um profissional
da psicologia na Instituição para reconhecer e trabalhar tais questões – com os profissionais da
equipe, inclusive – limitava o trabalho do grupo e a eficácia das intervenções do dispositivo, o que
reforça as dificuldades no desenvolvimento típico das crianças.
Referências
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para profissionais de saúde. Petrópolis: Autores & Associados.
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1990, e legislação correlata. – 13. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara.
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Cunha, E. P.; Silva, E. M.; Giovanetti. (2008). Enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil: expansão
do PAIR em Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG.
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Disponível em Acesso em: 18 de janeiro de 2018.
Furniss, T. (1993). Abuso Sexual da Criança: uma abordagem multidisciplinar. Porto Alegre: Artes Médicas.
Morina, N; Koerssen, R; Pollet, T. (2016). Interventions for children and adolescents with
posttraumatic stress disorder: A meta-analysis of comparative outcome studies. Clinical Psychology
Review. v. 47, p. 41-54.
Introdução
D
e acordo com Del Prette & Del Prette (2011) as habilidades sociais são descritas,
atualmente, como classes de comportamentos sociais que somente podem ser
classificadas como habilidades sociais na medida em que contribuem para a
competência social. Essa competência social, por sua vez, está relacionada a comportamentos
bem-sucedidos em ambiente social. Tal interação se dá entre duas dimensões de funcionalidade:
instrumental e ético-moral. A dimensão instrumental se refere a consequências imediatas e
individuais, assim como correlatos emocionais positivos que contribuem para aquisição e
manutenção das habilidades sociais. A dimensão ético-moral é referente às consequências
positivas de médio e longo prazo, inclui também o grupo e o outro indivíduo da interação social;
nessa dimensão, são consideradas, portanto, o equilíbrio nas trocas entre as pessoas da interação,
caracterizando consequência positiva para todos os sujeitos da relação.
Considerando o contexto escolar e sua relação como processo de desenvolvimento e inclusão
de repertório das habilidades sociais em crianças e adolescentes, o acréscimo de habilidades
sociais é presente como fator de proteção para o desenvolvimento humano saudável, servindo
de forma preventiva evitando transtornos do desenvolvimento e problemas do comportamento.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o desenvolvimento de habilidades de vida,
entre elas as habilidades de tomada de decisão, de controle da impulsividade, de pensamento
consequencial e de habilidades sociais como estratégias para auxiliar o adolescente a se proteger
em situações de risco à saúde (Gorayeb, Netto & Bugliani, 2003).
Tendo em vista o conceito de habilidade social e a sua importância nos mais diversos
contextos o projeto de extensão “Caminho de Volta” teve como objetivo desenvolver habilidades
sociais no ambiente escolar com crianças em situação de vulnerabilidade social. As atividades de
extensão foram desenvolvidas ao longo de um semestre concentrado em uma escola na zona leste
em um centro social que atende crianças em situação de pobreza e vulnerabilidade social.
Participar e interagir socialmente é característico do ser humano, inserido no ambiente
social ele constrói grande parte de seu comportamento que por sua vez deverá estar de acordo
com as exigências ao seu redor. Para o desenvolvimento saudável do indivíduo na interação com
o ambiente, devem ser promovidos meios, como a aprendizagem de habilidades sociais, para que
ele seja bem-sucedido em diversos contextos.
De acordo com Del Prette & Del Prette (2006) o campo teórico-prático das habilidades
sociais teve início na psicologia clínica e do trabalho, elas são aprendidas durante o ciclo de
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vida das pessoas e contempla as dimensões cultural (normas e valores compartilhados por uma
sociedade que dita que comportamentos devem ser tomados dependendo dos contextos), pessoal
(comportamentos das pessoas, seu pensamentos e sentimentos, fisiologia e características
demográficas) e situacional (contextos físicos onde as pessoas vivem, papéis sociais e padrões
valorizados e coibidos.).
Em decorrência da amplitude que envolve as relações interpessoais em variados contextos
sociais, o campo das habilidades sociais tornou-se complexo, formado por diferentes aportes
teóricos como o cognitivo e o comportamental, dialogando ainda com outros setores do
conhecimento como: educação, filosofia, antropologia e sociologia. (Leme et.al, 2016)
Não há consenso na literatura quanto a definição de habilidades sociais, entretanto é
reconhecida sua importância para o desenvolvimento. As habilidades sociais são expressas através
dos comportamentos imprescindíveis a uma relação interpessoal bem-sucedida de acordo com
cada cultura. (Leme et.al, 2016)
Del Prette e Del Prette (2005) remetem o termo Habilidades Sociais tanto a uma área de
produção/aplicação de conhecimento como a um conceito identificado por esses autores como
voltado para as diversas classes de comportamentos sociais do repertório de um indivíduo que lhe
possibilitam enfrentar de forma adequada as demandas de seu ambiente. A competência social
é um constructo que permite avaliar a funcionalidade do desempenho que ocorre nas interações
das pessoas, trata-se da capacidade de articular pensamentos, sentimentos e ações visando
alcançar objetivos pessoais e lidar com as demandas da situação e da cultura desencadeando
consequências positivas.
Lucca (2016) entende por habilidades sociais “o conjunto de comportamentos aprendidos
verbais e não verbais, que requerem iniciativa e respostas e que afetam a relação interpessoal” (p.
1). São os comportamentos desejáveis que satisfazem as necessidades dos indivíduos envolvidos
numa interação. Esses comportamentos incluem: verbalização, expressão facial, postura, contato
facial, gestos, aparência física, e outras.
A autora acima ainda afirma que as habilidades sociais podem ser consideradas de
grande importância para o desenvolvimento sócio – emocional, visto que a competência frente
a participação bem-sucedida em interações contribui com um bom auto estima e bom censo de
auto eficácia, o que facilita o convívio com dificuldades e eventos estressores.
Entre os principais contextos de desenvolvimento dessas habilidades estão: a família, a
escola e o grupo de amigos. A família como primeiro grupo social do indivíduo oferece modelos de
comportamento e conduta social através de práticas disciplinares, a escola estimula habilidades
envolvidas na vida em grupo (autonomia, capacidade crítica, cooperação) a partir da inserção
do contato da criança com outros adultos e crianças, por sua vez o grupo de amigos permite um
espaço social que possibilitam um autoconhecimento e treino de novas habilidades (Lucca, 2016).
Para Ramirez e Cruz (2009) a escola e a família são consideradas instituições privilegiadas
na formação do caráter humano, mas ambas enfrentam desafios. Famílias em situação de risco
enfrentam dificuldades para sobrevivência e a escola diante desses grupos vulneráveis deverá oferecer
sua proposta de ensino. Diante disso as crianças em situação de risco social sofrem dificuldades
para terem suas necessidades de desenvolvimento atendidas. Além de não encontrarem em suas
famílias os recursos que atendam essas necessidades, os currículos educacionais ignoram como
temáticas de ensino as habilidades tais como comunicar, negociar e resolver conflitos nas relações
interpessoais. Dessa forma consideram-se as crianças como em situação de risco psicossocial,
uma vez que as habilidades para o enfrentamento das várias situações no dia a dia na escola
exigem um repertorio de respostas que nem sempre estão presentes nesses grupos pela própria
condição de vulnerabilidade.
Ainda de acordo com os autores, quando as habilidades tais como autocontrole e
expressividade emocional, civilidade, empatia, assertividade, solução de problemas interpessoais
a) Fun FRIENDS (Meus amigos divertidos) para crianças de 4 a7 anos de idade; FRIENDS for life
(Amigos para a vida) para crianças de 8 a 11 anos de idade; My FRIENDS Youth (Meus amigos
jovens) para adolescentes de 12 a 15 anos de idade; e Adult Resilient (Adultos resilientes) para
jovens a partir de 16 anos de idade e adultos. (p.05)
Ainda de acordo com a CENSUPEG (2013) o método FRIENDS é o único do tipo voltado
para treino e desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais a ser reconhecido mundialmente
pela Organização Mundial de Saúde – OMS.
Método
Participantes
Participaram dez crianças, sendo quatro meninas e seis meninos entre 10 e 13 anos de idade,
matriculados em escola regular e que no contra turno frequentam o Centro Social, pois o mesmo
promove atividades de lazer, artes, socialização dentre outras. Tal centro social fica localizado
em uma periferia da zona leste de Teresina, onde até os meados de 2010 se encontrava a Vila do
Arame, muito perigosa no sentido de tráfico de drogas, homicídios e brigas entre gangs rivais.
Mesmo não mais existindo o nome “Vila do Arame”, esta localidade ainda é conhecida por abrigar
muitos criminosos, alguns com várias passagens pela polícia.
E, em muitas vezes, as crianças que são atendidas por este centro social, são oriundas de
famílias desta localidade e que tem em parentes próximos ou não algum envolvimento com o
crime.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Discussão
Resultados
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
não faltavam muito, todavia, a sala era mais indisciplinada, as crianças muitas vezes relutavam
em iniciar as atividades e quando pediam para sair da sala, como para ir ao banheiro, as vezes não
voltavam ao grupo.
Essa divergência entre os grupos deu-se pela empatia individual de cada grupo de crianças
com as estagiárias de seu grupo. Embora as crianças de um modo geral demonstrassem ser
bastante afetuosas, em algumas atividades, as crianças do grupo 2 não mostravam muito
comprometimento com as atividades desenvolvidas no grupo, haja vista que as estagiárias desse
grupo denotavam uma postura mais rígida e mais séria com as crianças, devido ao fato de que o
comportamento das crianças desse grupo era de difícil manejo, diferentemente das crianças do
grupo 1.
No grupo 1 as dificuldades encontradas eram, concentravam-se na resistência das crianças a
iniciarem as atividades, muitas vezes se dispersando e dificultando o controle geral do grupo, outras
vezes ficavam sentados em um canto da sala, mas que ao ver o que seria proposto na atividade
eles, na maioria das vezes, mudaram a postura e participaram da atividade voluntariamente.
Embora houvesse as dificuldades citadas acima, tanto no grupo 1 quanto no grupo 2 os
resultados esperados foram devidamente alcançados. As crianças conseguiam compreender o que
era proposto em cada atividade e melhoraram, com o decorrer dos encontros, nas relações entre
os colegas do grupo com base nas questões trabalhadas, como família, convivência, coragem, e
demonstraram ter se apropriado efetivamente do conteúdo aprendido. Passaram a identificar
melhor sentimentos e emoções e diferenciá-los uns dos outros. Vimos, também, um gradativo
desenvolvimento de autocontrole nas crianças, principalmente no grupo 2, que após algumas
intervenções teve a dificuldade de conter as crianças para iniciar a atividade diminuída. Observamos
também uma melhor inter-relação das crianças do mesmo grupo, todavia não observamos
mudanças significativas na inter-relação entre crianças de grupos diferentes, demonstrando que
as agentes controladoras da mudança no comportamento delas era o projeto e não havia se
generalizado para situações externas. Agregamos tal resultado ao pouco tempo de execução da
extensão e o intervalo de tempo entre os encontros.
É válido ressaltar, também, que no encontro de encerramento as crianças foram levadas a
um parque externo à escola, onde observamos um bom comportamento em geral nas crianças
e com o grupo, sendo um fator de afirmou o que propomos no início do projeto ao trabalhar
convivência social e a importância da mesma, e recebemos um feedback bastante positivo do
projeto dito pelas crianças.
A segunda parte dos resultados obtidos, como dito, serão os resultados que foram
encontrados nas crianças da Escola Municipal Murilo Braga. Nessa segunda parte o grupo era
composto de 11 crianças, 3 meninas e 8 meninos. Dessa vez as crianças não foram divididas, haja
vista que o número de estagiárias envolvidas no projeto diminuiu para 4 e que as crianças eram
mais jovens que as crianças da primeira escola e com outras peculiaridades específicas, ou seja,
algumas crianças nesse grupo não sabiam ler muito bem e outras não sabiam escrever. Logo, as
atividades realizadas com esse grupo tinham uma abordagem mais lúdica, como atividades com
figuras e com urso de pelúcia, do que atividades motoras mais habilidosas, como desenhar, ler,
escrever e etc.
Os resultados encontrados nesse grupo foram positivos. As crianças concluíam as atividades
em geral, embora houvesse algumas crianças pouco disciplinadas e que, às vezes, eram bastante
relutantes em realizar a atividade. O número inicial e final de crianças foi o mesmo.
Embora houvesse as dificuldades citadas acima, observamos resultados satisfatórios, as
crianças claramente melhoraram as relações entre os colegas do grupo, denotaram uma visão
correta de certo e errado, elas compreenderam bem o significado de ‘’ser corajoso’’ e souberam
reconhecer bem as emoções em geral. Observamos que quando uma temática mais intensa era
Referências
Del Prette, A. & Del Prette, Z. A. P. (2011). Habilidades sociais: intervenções efetivas em grupo.
São Paulo: Casa do Psicólogo.
Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. Treinamento de habilidades sociais com crianças: Como utilizar
o método vivencial. In: COSTA, C. E.; LUZIA, J. C.; SANT’ ANNA, H. H. N. (Orgs.). Primeiros
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Leme, Vanessa Barbosa Romera; Del Prette, Zilda Aparecida Pereira; Koller, Silvia Helena; Del
Prette, Almir. HABILIDADES SOCIAIS E O MODELO BIOECOLÓGICO DO DESENVOLVIMENTO
HUMANO: ANÁLISE E PERSPECTIVAS. Psicologia & Sociedade, [S.l.], v.28, n.1, p.181-193, 2016.
Lucca, Eliana de. Habilidade Social: uma questão de qualidade de vida. Disponível em: <http://
www.psicologia.pt/artigos/textos/A0224.pdf> Acesso em: 02 de setembro de 2016.
520 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PSICOLOGIA SOCIAL E OUTROS AGENTES: O CASO DA
OCUPAÇÃO TERRITORIAL NA CIDADE DE SANTARÉM-
PA, AMAZÔNIA, BRASIL
Thayllany Mattos dos Santos
Lívia Cristulinne Arrelias Costa
Introdução
E
ste estudo desenvolveu uma análise comparativa entre psicologia social com base na
saúde coletiva de populações menos favorecidas (política, social e economicamente),
através de uma discussão sobre direitos humanos, políticas públicas e cultura, tendo
como objeto analisar a militância e resistência de mulheres na ocupação de território urbano no
“Bairro” Vista Alegre do Juá, na região norte do Brasil na cidade de Santarém-Pará, que no decorrer
de seis anos se consolida através de um movimento de resistência independente conhecido como
Movimento dos Trabalhadores em Luta por Moradia (MTLM).
O Movimento dos Trabalhadores em Luta por Moradia já existe desde 2011 liderado por
mulheres que se denominam a resistência santarena, organizadas já fundaram a associação dos
moradores do “bairro” Vista Alegre do Juá, atingindo órgãos público como o poder municipal
para discutir as demandas apresentadas pela comunidade e, embora não se tenha previsão de
regularização fundiária com a organização popular e a utilização de mecanismos de acesso a
Celpa (empresa de energia elétrica santarena) já começou a instalação de energia elétrica para
a comunidade. Vale pontuar que o direito à moradia, está assegurado pela lei nº11.124 de 16 de
junho do ano de 2005.
Nesse contexto de luta é possível averiguar a formação de uma organização político-social
que se constrói dia após dia da relação estabelecida entre moradores, militantes e o corpo da
associação que articulados na luta pelo direito territorial fazem progredir medidas alternativas
e movimentam políticas públicas de direito ao acesso a moradia. Fazendo uso das palavras de
Ribeiro e Araújo (2016) na prática política e social prevalece o pensamento masculino podendo
ser evidenciado nas estruturas legislativas sociais e quando observadas na prática as políticas
afirmativas não tendenciam a melhorias significativas de fato, na consolidação de conquistas
dos direitos a igualdade entre homens e mulheres, sendo portanto um regime patriarcal o sistema
democrático liberal da qual estão inseridas as mulheres de grande parte do ocidente e é regido por
eles.
Nesse sentido diz as autoras (citadas acima) que as leis observam as mulheres de acordo como
os homens tratam as mulheres. Sendo necessário reagentes que subverta a lógica programada
por homens para a consolidação de suas estruturas modeladas para homens que excluem de
suas políticas a participação efetiva de mulheres e as limitam a serem identificadas dentro do
sistema capitalista como produtoras de mais valia extra para o capitalismo. Este comportamento
social presente no ocidente pode ter sua manifestação e repouso no Estado que reflete indivíduos
Método
Este artigo é resultado de uma pesquisa de campo realizada no decorrer dos meses de agosto,
setembro e outubro com as militantes, as moradoras e associadas do “Bairro” vista Alegre do Juá,
que teve como intenção estabelecer relação com os indivíduos envolvidos no conflito territorial,
descrevendo a organização política da comunidade através de um recorte de gênero feminino,
para isso, foram entrevistadas quatro mulheres atuantes no MTLM, associadas e moradoras da
ocupação, que no decorrer da descrição do diário de campo serão representadas pela seguintes
nomenclaturas: Entrevistada A, Entrevistada B, Entrevistada C.
No dia 11 de agosto de 2017, realizou-se a entrevista utilizada na construção desse artigo
com as lideranças/moradoras/associadas do Bairro Vista Alegre do Juá, sendo questionadas
as seguintes perguntas; 1) Qual a motivação para Ocupar e resistir? 2) quais as dificuldades
enfrentadas e superadas ao longo desse tempo? 3) quais as conquistas alcançadas até o presente
momento? 4) Quais os trabalhos precisam ser desenvolvidos nesse momento da trajetória de
ocupação? 5) psicologicamente falando como se consolida a ocupação a partir do emocional da
militância amplamente feminina? 6) Como se sente sendo uma liderança mulher frente a luta por
direito à moradia?
A proposta desse estudo apoia-se em métodos como trabalho de campo vivencial, diário
de campo, observação participante. Nas elaborações sistemáticas das informações recolhidas no
decorrer da experiência de campo, seguiu-se os seguintes critérios: Levantamentos bibliográficos;
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Tratamento e análise de documentos e relatórios gerados pela experiência de campo; Trabalho
de campo experimental criativo: observação investigadora, aplicação de questionários
semiestruturados para recolhimento de informações pertinentes a construção do estudo,
realização de entrevistas, participação nas reuniões da comunidade; Análise e sistematização de
dados obtidos; Produção de relatórios parciais e final, e de artigo científico sobre a pesquisa.
O trabalho realizado se desenvolveu em quatro etapas, a primeira etapa teve duração de
três meses, ocorreu nos meses de agosto, setembro e outubro referente a participação no campo
da ocupação territorial, sendo realizada entrevistas com as militantes do movimento, a segunda
etapa ocorreu no mesmo período da primeira etapa, a pesquisa bibliográfica e leituras paralelas
ao campo para possibilitar a ligação das informações obtidas com as produzidas; a terceira etapa
foi a construção desse artigo para apresentação a comunidade acadêmica interessada. O projeto
teve duração de cinco meses, efetivando o plano de trabalho para consolidação desse estudo.
Resultados
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urbanos e a casa própria. Este é um processo de exacerbação do materialismo que remete a
uma discussão contemporânea de quem ocupa os espaços e qual os motivos? Pois vive-se no
modelo aparentemente que produz subjetividade de natureza industrial regida por uma lógica
de funcionamento que é capitalista e tem escala internacional que não visa o bem-estar social
e muito menos a ocupação de pessoas em espaços, mas sim o lucro para o próprio capitalismo
explorando recursos espaços e pessoas.
A Entrevistada C, quando questionada a respeito de: 4) Quais os trabalhos precisam ser
desenvolvidos nesse momento da trajetória de ocupação? Respondeu: “O trabalho de agora muito
importante de ser feito são as elaborações dos nomes das ruas, precisamos numerar as casas e
plaquear as ruas só assim a energia elétrica regularizada poderá chegar até nós. É um passo muito
importante que iremos trabalhar muito para conquistarmos. Estamos mobilizando a população
moradora para ter noção de quem mora e onde moram para que as contas que energia venham
com o nome dos moradores nela. Antes corríamos risco de incêndio, nunca aconteceu, agora
podemos nos sentir mais seguros, mas precisamos trabalhar para garantir est benefício. Como
você disse isso afeta o nosso emocional a gente se sente desprezado socialmente e a população
nos trata com desprezo, mas aprendemos que não estamos fazendo isso por mal estamos lutando
por nossos direitos pois desejamos nos sentir melhor e com a graça de Deus conseguiremos”
Segundo Rodrigues e Almeida (2008) os movimentos sociais tratam-se de indivíduos que se
organizam na massa em busca de uma possível solução para uma problemática coletiva, sendo,
portanto, um fenômeno complexo da sociedade. Nos meados do século XIX em torno de 1840
este termo movimento social foi utilizado pela primeira vez por Lorenz Von Stein, que representava
o modelo semântico em busca de organização sistêmica da população menos favorecida, ou seja,
linhas imaginárias que unem vários indivíduos ativos em função do grupo a fim de solucionar
uma problemática comum, desta maneira, o termo movimentos sociais é uma definição resumida
do movimento operário francês e do socialismo emergente e da forma que foi interpretado nas
organizações de movimentos sociais no Brasil.
A partir do final dos anos 70 as ocupações foram retomadas no sul do país e estiveram
associadas à instalação de acampamentos com dezenas, centenas de famílias. As primeiras foram
organizadas por jovens filhos de pequenos produtores, com apoio da Comissão Pastoral da Terra
(CPT), vinculada à Igreja Católica. Foi este núcleo que criou, em 1984, o MST. Em meados da
década de 80 há registros de ocupações em vários estados brasileiros, graças a uma política de
expansão da organização. Em 1993, o Congresso Nacional estabeleceu que a improdutividade
das terras caracterizava o não cumprimento da função social da propriedade, caso previsto pela
Constituição de 1988 para proceder à desapropriação. As ocupações generalizaram-se em todo
o país. Durante o período, o Instituto Nacional da atuação do INCRA até então era modesto
nas políticas sociais a partir da Reforma Agrária (INCRA), começou a se desenvolver e assumir
o papel de desapropriar as terras ocupadas e as redistribui entre os que estavam nas ocupações,
tornando-os titulares de uma parcela de terra ocupadas.
A entrevistada A, quando questionada sobre 5) psicologicamente falando como se consolida
a ocupação a partir do emocional da militância amplamente feminina? “Nos organizamos a
partir da associação de bairro porque descobrimos que esta forma era mais rápida de se chegar
as autoridades competentes, foi a forma que encontramos de existir para poder público de
Santarém, onde os moradores pagam uma taxa de cinco reais e recebem um recebe que pagaram
a associação, para que as atividades realizadas no bairro possam ser dadas prosseguimento,
pois tudo que é feito aqui não é de graça e para sair dinheiro é necessário entrar é assim que
mantemos o carro de lixo que passa recolhendo, ou que trocamos fiações que quebram e outras
questões relacionadas a manutenção do bairro e resolução de problemas cotidianos que surgem,
ali no nosso mural é possível acompanhar o que entra e para onde vai, somos responsáveis pelo
Discussão
A ocupação territorial que faz parte de um conjunto de mobilização social são enfoques
clássicos da psicologia social que tenta compreender a insatisfação psíquica coletiva de indivíduos
que se agrupam com uma mesma intenção. Nesse estudo a intenção elevada é a de ocupar e
resistir pelo direito à moradia digna e justa. Fazendo comparações analíticas pode-se chegar à
seguinte colocação: indivíduos desprivilegiados socialmente tendem a emitir comportamentos
negativos como; ressentimentos, ira, descontentamento, insatisfação e revolta que no geral são
motivos de organização pela luta ao acesso aos meios negados por motivos diversos e estruturais.
Embora, possa ser compreendido fatores emocionais que envolvam estes agentes encontramos
na psicologia social limitações em compreender práticas das coletividades humanas, dada a sua
centralização no discurso do indivíduo em relação as suas relações sociais. De acordo com Jesus
(2012) os ritos sociais são formas de comunicação simbólica entre os indivíduos que interagem
e transmitem mensagem metafóricas sobre seus sentimentos, afetos e emoções. O que deve
ser pontuado na sociedade contemporânea são as pluralidades de sujeitos que participam da
construção do discurso coletivo.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Os movimentos sociais demonstram transformação em tempo real dos últimos 50 anos,
quando se apresenta em contexto alternativo de militantes mulheres, que apresentam formas
muito próprias de se relacionarem com ambiente e pessoas com sexualidades que não se permitem
limitar pela estrutura social machista, que promovem tomadas de decisões próprias e coletivas
que subvertem a lógica estabelecida de relacionamentos heterossexuais e atuação masculina
enquanto liderança, sendo não apenas um modelo econômico social que se consolida as margens
do poder municipal, mas, para além, uma experiência de luta de classe e gênero. Nesse contexto, é
possível identificar formas diferenciadas de convivência familiar e estruturas familiares, portanto,
evidencia a formação do núcleo diversificado dentro da ocupação como amostra da diversidade
de gênero e sexual da população que ocupa e resiste no bairro vista alegre do Juá.
Os Direitos Humanos hoje, internacionalizados para evitar o domínio reservado ao Estado
e o não cumprimento destes (Piovesan, 2008), são garantidos por força de norma legal- como os
tratados e convenções abraçados pelo Brasil- e devem ter sua aplicação prática a fim de alcançar
o ideal em comum entre todas as nações, vislumbrando a “liberdade básica”3 não contingenciada
para que assim seja possível a promoção de medidas que impulsionem o desenvolvimento social nos
âmbitos nacionais e internacionais. Já que em uma realidade global tecnológica graças a crescente
ascensão das empresas transnacionais, onde os bens e serviços geradores de capital ocasionaram
uma mudança tangente no atual contexto comercial, no usufruir, e consequentemente no que é
necessário para uma vida digna de acordo com os preceitos do princípio da dignidade humana
se tem a maximização das políticas implementadas pelas grandes empresas que se expandem e
consequentemente a minimização da atuação do Estado que teve de se submeter as atividades
que visam a produção de riquezas e de aumento no desenvolvimento tecnológico, assim os
investimentos voltados às políticas públicas se contraíram ao atendimento das necessidades
básicas que abarcam o interesse da coletividade, como a moradia que sempre se apresentou como
um ônus para classe trabalhadora (Ferreira, 2009).
Nacionalmente uma das tentativas de suprir a necessidade de moradia para personas
que se enquadram em um perfil socioeconômico de baixa renda veio conjuntamente a Caixa
Econômica Federal pela alcunha de “Minha Casa, Minha Vida”, criado em 2009, trabalhando
assim o direito de “habitar” com dignidade o território urbano. Mesmo assim o desenvolvimento
socioeconômico de grande contingente da população urbana de diversas cidades, incluindo nestas
Santarém, apresenta obstáculos como a impossibilidade de acesso a estes recursos ainda a muitas
pessoas que deste necessitam, faltando assim um diálogo objetivo de como constituir uma “vida
digna” frente a interpretação dos direitos humanos em conformidade com a realidade social e
o alcance que se tem das políticas públicas de cunho habitacional para grupos não abastados
economicamente como aqueles que estão em situação de ocupação.
Observou-se com a realização dessa pesquisa que a ocupação territorial do “Bairro” Vista
Alegre do Juá, localizada no Oeste do Pará na cidade de Santarém é uma amostra dos problemas
habitacionais a nível nacional da população brasileira, que sofre com a falta do acesso a moradia
digna e com qualidade que assegure seus direitos previstos por lei. A participação de mulheres
nos movimentos de luta de coletivos tem se tornado cada vez mais evidente na leitura de artigos
científicos e permite a análise de sua atuação que até pouco tempo eram invisíveis ou até mesmo
desconsiderados. A preocupação acadêmica em destacar as formas diversificadas de participação
política não institucionais de mulheres nos múltiplos espaços, nem sempre visíveis no campo
do debate, constitui um tipo de contribuição bastante significativa, sobretudo por se tratar de
3 “Liberdade básica” segundo doutrina vai além do âmbito privativo de se ter acesso à educação, água tratada,
energia elétrica, saneamento básico, serviços básicos em saúde, emprego remunerado e segurança tanto social
quanto econômica, mas sim abranger tudo o que é- em uma realidade contemporânea- essencial e necessário
para se obter uma liberdade enquanto desenvolvimento do social coletivo, nisso se inclui direitos a morar em uma
habitação digna entre outros.
Referências
Brasil. Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de
Interesse Social –SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social –FNHIS e institui
o Conselho Gestor do FNHIS. Publicada no DOU de 17.6.2005. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11124.htm>. Acesso em: 26 de outubro.
2017.
Ferreira, A. R. (2009). Programas de combate ao déficit habitacional brasileiro. UFRS, Rio Grande
do Sul, Porto Alegre.
Foucault, M. (2008). Segurança, Território, população. Editora Martins Fontes, Rio de Janeiro.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Jesus, J. G. (2012). Psicologia social e movimentos sociais: Uma revisão contextualizada. Psicologia
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Lane, S. T. M., (1996). Histórico e fundamentos da psicologia comunitária no Brasil. Vozes: Rio
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Ribeiro, H. C., Araújo, C. P. (2016). O Estado e a sociedade: Reflexões sobre gênero, status e
poder. Revista Vox, n° 3, V. 1, jan-jul, fadileste, ISSN: 2359-5183
Rodrigues, J. F., Almeida, V. A. A., (2008). Os movimentos sociais pela moradia e seus conflitos
frente à estrutura social vigente. In: XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro
Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” DOI
978-85-61681-00-5
Spivak, G. C. (2010). Pode o subalterno falar? Tradução de Sandra Regina Goulart Almeida;
Marcos Pereira Feitosa; André Pereira. Editora da UFMG: Belo Horizonte.
Introdução
A
identificação de plataformas de dados que sediam informações de grupos
de pesquisa e de pesquisadores brasileiros contribui na ampliação da rede de
pesquisadores e divulgação de pesquisas sobre a adolescência/juventude. Este
trabalho vincula-se à linha de pesquisa “Psicologia e processos psicossociais” do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, mais especificamente junto
às pesquisas desenvolvidas no Grupo de Pesquisa/CNPq “Epistemologia e a Ciência Psicológica”.
Busca-se desenvolver metodologias de pesquisa críticas sobre a produção de conhecimento
científico em Psicologia. Para isso, são construídas metodologias que viabilizem retomar a
produção de conhecimento científico e tomá-lo como fonte de pesquisa (Oliveira & Bastos, 2014;
Trancoso & Oliveira, 2016).
Nesse sentido, realiza estudos das relações históricas que dão suporte a produção de
conhecimento. Assim, revisitar os grupos de pesquisa científica, como se estabeleceram, quem
são seus pesquisadores e quais são seus estudos, podem contribuir para investigações acerca
da Psicologia Brasileira. Pretende-se assim auxiliar no fortalecimento de ações integradas
para o desenvolvimento de pesquisas interinstitucionais no ambiente brasileiro e investigações
integradas entre as ações da rede de pesquisadores sobre a adolescência/juventude em diferentes
universidades.
Corrobora-se que a adolescência se constitui como uma fase do desenvolvimento humano e tem
um longo percurso de construção como categoria de análise. Buscaram-se fundamentos biológicos,
com o objetivo de encontrar critérios generalizáveis que determinasse essas mudanças percebidas
nos indivíduos. Esse aspecto universal foi marcado pela puberdade, que seria o fenômeno biológico
pelo qual todos os seres humanos passariam no percurso entre a infância e a chegada a vida adulta.
No entanto, contrária a essa concepção universalizante, o trabalho de Mead (1984), antropóloga
norte-americana, foi um marco na desconstrução da adolescência como uma categoria universal.
A partir de seus estudos, Mead concluiu que a puberdade pode se caracterizar como um fenômeno
universal, contudo a adolescência não, sendo essa marcada por tensões de caráter psíquico que vão
além de mudanças fisiológicas (Carneiro, Ribeiro & Ippolito, 2015).
Nesse sentido, o intuito desse trabalho é apresentar uma descrição dos grupos e pesquisadores
530 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
que se dedicam ao estudo de adolescência, por meio da Plataforma - Diretório de Grupos de
Pesquisa do CNPq.
Método
Utilizou-se como instrumento para coleta de dados o Diretório dos Grupos de Pesquisa
no Brasil (DGP), uma plataforma online que reúne informações sobre os recursos humanos dos
grupos de pesquisa de brasileiros. Tais grupos estão localizados em universidades, instituições
de ensino superior com cursos de pós-graduação strictu sensu, institutos de pesquisa científica e
institutos tecnológicos (Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, 2017). Na sistematização da
busca foram estabelecidas as seguintes etapas: etapa de exploratória, etapa de consulta, etapa de
armazenamento e tratamento de dados, conforme coordenadas metodológicas desenvolvidas em
estudos de metassíntese (Oliveira & Bastos, 2014).
A etapa exploratória refere-se à escolha da plataforma online que será utilizada na pesquisa
e na exploração dos recursos que esta disponibiliza. Nessa etapa, foi escolhido o DGP, devido à
possibilidade que o mesmo oferece de reunir os grupos de pesquisa de todo o Brasil. Na etapa de
consulta, as buscas foram realizadas no mês de maio e junho de 2017. Utilizaram-se os seguintes
descritores: Adolescência, Adolescências, Adolescente, Adolescentes, Jovem, Jovens, Juventude,
Juventudes. A busca pelos grupos se deu por meio de pares de descritores e realizado o processo
de cruzamento para excluir duplicações de resultados. Filtros utilizados: “Grupo”, “Nome do
grupo”, grupos certificados e não-atualizados, “Ciências Humanas” e “Psicologia”.
Assim, ao final da etapa de consulta, foram obtidos 26 grupos para realizar a análise e
o descritor “Adolescência” mostrou maior predominância e está presente em 14 dos grupos
identificados, como se pode observar, de forma sistematizada, na Tabela 1.
Tabela 1:
Etapa de Consulta
Descritores Quantidade de grupos
Adolescência 14
Adolescentes 6
Juventude 4
Jovens 2
Adolescente 1
Adolescências/Juventudes/Jovem 0
Exclusão de duplicações -1
Total de grupos 26
Fonte: Autores, 2017.
Discussão e Resultados
Pode-se perceber que entre os anos de 2011 e 2014 houve maior número de grupos
formados, ver Figura 1. Em relação aos grupos identificados, por meio dos descritores, podemos
afirmar a existência de 14 grupos “Adolescência, Adolescências”. Sobre a situação do grupo, 10
grupos são certificados, 2 são certificados e não atualizados a mais de 12 meses, 1 grupo está em
preenchimento e 1 grupo foi excluído.
Sobre a localização geográfica das instituições, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul apresentam
3 grupos cada estado. Paraná e Tocantins apresentam 2 grupos cada um. Paraíba, Mato Grosso
do Sul, Pará, Bahia apresentam um grupo cada. As instituições são públicas, com exceção de
uma, a qual é privada e de caráter confessional.
O primeiro grupo com o descritor “adolescência” foi criado em 1992, denominado “Infância,
adolescência, família e sociedade”, na Universidade Federal do Paraná. O qual ainda permanece
ativo e a situação do grupo é “certificado”. O grupo mais recente foi criado em 2017, denominado
“VIA-Redes (Violência, Infância, Adolescência e Redes de proteção e de atendimento)”, na
Faculdade Meridional.
Com os descritores “Adolescente, Adolescentes” foram obtidos 7 grupos. O grupo com o
descritor “Adolescente”, denominado “Psicologia da saúde e desenvolvimento da criança e do
adolescente”, foi formado em 2014 na Pontifícia Universidade Católica de Campinas e apresenta
o status “certificado”. Entre os grupos com o descritor “Adolescentes”, o primeiro foi fundado em
2002, na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, denominado “Desenvolvimento
sociomoral de crianças e adolescentes” e apresenta o status “certificado”. O grupo mais recente foi
criado em 2016 na Universidade de São Paulo, denominado “Automutilação em Pré Adolescentes
e Adolescentes - Estudo e Intervenção” e apresenta o status “certificado”.
Sobre o ano de formação, com os descritores “Adolescente, Adolescentes”, no ano de 2014
foram criados 2 grupos. Sobre a situação do grupo, 4 grupos são certificados, 1 é certificado e
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não atualizado a mais de 12 meses, 1 grupo está em preenchimento e 1 grupo foi excluído. No
que se refere à localização geográfica das instituições, Rio de Janeiro e São Paulo apresentam 3
grupos cada estado. Rio Grande do Sul possui um grupo. Sobre o tipo de instituição, apenas uma
instituição é privada.
A busca com os descritores “Jovem, Jovens” apresentou 2 grupos que apresentam a mesma
líder e são da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Não houve resultados com o descritor
“Jovem”. O primeiro grupo foi formado em 2013, intitulado “Circulando e traçando laços e
parcerias: atendimento para jovens autistas e psicóticos - do circuito pulsional ao laço social” e o
segundo em 2014, “Circulando entre invenções: um novo dispositivo clínico com jovens autistas e
psicóticos”. Os dois grupos apresentam o status “certificado”.
Os descritores “Juventude, Juventudes” apresentaram 4 grupos. Todos os grupos apresentam
apenas o descritor “Juventude”. O primeiro grupo foi criado em 2006, na Universidade Federal do
Mato Grosso, denominado “Infância, Juventude e Cultura Contemporânea - GEIJC” e apresenta
o status “certificado”. O grupo mais recente foi criado em 2016, na Universidade de São Paulo,
“Pesquisa em Psicanálise e Interdisciplinaridade para a Infância e Juventude” e apresenta o
status “certificado - não-atualizado há mais de 12 meses”. Sobre o ano de formação, não houve
predominância quanto ao ano em que os grupos foram criados. Referente à situação dos grupos,
3 grupos são certificados e 1 grupo apresenta o status “certificado - não-atualizado há mais de 12
meses”. Sobre a localização geográfica, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará e São Paulo apresentam
um grupo cada. Sobre o tipo de instituição, apenas uma é privada.
A partir da análise de todos os 26 grupos, foi possível observar a predominância de instituições
do Sudeste, onde o Rio de Janeiro apresenta 8 grupos, São Paulo possui 4 grupos e Minas Gerais
apenas um. Desse modo, essa região representa 50% dos grupos analisados. Em segundo lugar
está a região Sul, com 6 grupos, equivalente a 23,1%. Paraná possui 2 grupos e Rio Grande do
Sul 4 grupos. A região Norte apresenta 3 grupos, equivalente a 11,5% da amostra. O Tocantins
apresenta 2 grupos e o Pará 1 grupo. As regiões Nordeste e Centro-Oeste apresentam 2 grupos
cada, o que equivale a 7,7% respectivamente. Na região Nordeste, Paraíba e Bahia apresentam
um grupo cada. Na região Centro-Oeste, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul apresentam um
grupo cada. A Figura 2 apresenta a distribuição percentual dos grupos de pesquisa por Estados
brasileiros.
Sobre a situação do grupo, prevalece o status “certificado” com 69,2% (18 grupos). Sobre
os demais status, “certificado - não-atualizado há mais de 12 meses” com 15,4% (4 grupos); “em
preenchimento” com 7,7% (2 grupos) e “excluído” com 7,7% (2 grupos). Sobre o ano de formação,
em 2013 foram formados 4 grupos; em 2011, 2012 e 2014 foram formadas 3 grupos em cada ano;
em 2006, 2007, 2009 e 2016 foram formados 2 grupos em cada ano; em 1992, 1997, 1998 e 2017
foram formados 1 grupo em cada ano.
Em relação aos descritores, “Adolescência” apresentou 53,8% (14 grupos) dos resultados.
“Adolescentes” apresentou 23,1% (6 grupos), “Adolescente” com 3,8% (1 grupo); Jovens com 7,7%
(2 grupos) e Juventude com 11,5% (3 grupos).
Os 14 grupos obtidos para “Adolescência, Adolescências” foram: Infância, Adolescência,
Família e Sociedade; Núcleo de Pesquisa em Construção de Valores, Identidade e Violência na
Adolescência; Núcleo de Pesquisa para a Infância e Adolescência Contemporâneas - NIPIAC; Núcleo
de Pesquisa e Estudos sobre o Desenvolvimento da Infância e Adolescência; VIGODSKAIA - Grupo
de Estudos e Pesquisas da Adolescência na Perspectiva Histórico-Cultural; Grupo de Estudos e
Pesquisa sobre a Infância e Adolescência; NEPEIA - Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em
Infância e Adolescência; Pesquisa Clínica e Inovação na Abordagem da Adolescência; Grupo de
534 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Estudos e Pesquisa em Adolescência, juventude e fatores de vulnerabilidades e proteção; Núcleo
de Investigações Neuropsicológicas da Infância e Adolescência (NEURÔNIA); Núcleo de Pesquisas
e Estudos da Adolescência Contemporânea (NUPEAC); Estudos sobre Infância e Adolescência;
Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Infância e Adolescência (LEPIA); VIA-Redes (Violência,
Infância, Adolescência e Redes de proteção e de atendimento).
Os 7 grupos obtidos para “Adolescente, Adolescentes” foram: Desenvolvimento sociomoral
de crianças e adolescentes; A clínica contemporânea com crianças e adolescentes; Políticas
públicas e direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil; LEVICA - Laboratório de
estudos sobre violência contra crianças e adolescentes; Psicologia da Saúde e Desenvolvimento da
Criança e do Adolescente; Sistema de proteção a crianças e adolescentes: Pesquisas e aplicações;
Automutilação em Pré Adolescentes e Adolescentes - Estudo e Intervenção.
Os 2 grupos obtidos para “Jovem, Jovens” foram: Circulando e traçando laços e parcerias:
atendimento para jovens autistas e psicóticos - do circuito pulsional ao laço social; Circulando
entre invenções : um novo dispositivo clínico com jovens autistas e psicóticos.
Por fim, os 3 grupos obtidos para “Juventude, Juventudes” foram: Infância, Juventude e
Cultura Contemporânea - GEIJC; Família e juventude: relações intergeracionais e de gênero;
Grupo de Estudos e Pesquisa em Adolescência, juventude e fatores de vulnerabilidades e proteção;
Pesquisa em Psicanálise e Interdisciplinaridade para a Infância e Juventude.
Considerando que houve a predominância dos descritores “Adolescência, Adolescências”
e “Adolescente, Adolescentes” percebe-se que, ao abordar sobre o tema da adolescência, esses
descritores são considerados mais significativos para caracterizar os grupos. Desse modo,
foi considerado pertinente fazer um recorte para apresentar as características dos grupos que
trabalham com esses descritores, conforme a Figura 4.
Figura 4.- Distribuição dos grupos de pesquisa com os descritores adolescência, adolescente,
adolescentes.
Fonte: Autores, 2017.
A Figura 4 mostra a distribuição dos grupos por Estado, referente aos descritores
“Adolescência” e “Adolescente, Adolescentes”. Referente à criação dos grupos com esses
descritores, a Figura 5 mostra a série histórica de formação dos grupos.
Considerações finais
Referências
Bueno, L. D., Santos Junior, P. S., Canuto, L. T., & Oliveira, A. A. S. (2017). Iconografia na
investigação e intervenção de processos psicossociais. Revista de Psicologia da UFC, 8, 99-108.
Carneiro, C., Ribeiro, L. M. A., & Ippolito, R. (2015). Adolescência, Modernidade e a cultura dos
direitos. Interthesis, 12(1), 176-191.
Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil. (2017). O que é. Recuperado em 07 de junho, 2017 de
http://lattes.cnpq.br/web/dgp/o-que-e/
Oliveira, A. A. S., & Bastos, J. A. (2014). Saúde mental e trabalho: descrição da produção acadêmica
no contexto da pós-graduação brasileira. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 17, 239-254.
Trancoso, A. E. R., & Oliveira, A. A. S. (2016). Aspectos do conceito de juventude nas Ciências
Humanas e Sociais: análises de teses, dissertações e artigos produzidos de 2007 a 2011. Pesquisas e
Práticas Psicossociais, 11, 278-294.
536 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
DA DIAGNÓSTICA AO DIAGNÓSTICO: A
ADMINISTRAÇÃO DOS AFETOS COMO
METADIAGNÓSTICO CRÍTICO AO CONTEMPORÂNEO
Emanuel Messias Aguiar de Castro
Aluísio Ferreira de Lima
Introdução
O
texto que segue é um recorte de uma pesquisa maior realizada para um trabalho
dissertativo que tinha como tema a administração dos afetos pelo capitalismo na
contemporaneidade. Tal texto recorta a seção do trabalho onde se apresenta a
articulação entre capitalismo, racionalidade e ideologia e a influências destas sobre a administração
dos afetos. Trata-se da proposição de que é preciso a reelaboração crítica dos diagnósticos que
temos hoje sobre o atual estado do capitalismo. Assim ao tentarmos elaborar um diagnóstico das
formas de vida no capitalismo contemporâneo chegamos a centralidade dos afetos como elemento
fundamental para a organização ideológica das atuais sociedades capitalistas. O que está proposto
aqui em um ultima instância não é uma metanarrativa dos afetos, mas a ideia de que estes, também,
são importantes elementos para a reconstrução da crítica contemporânea ao capitalismo.
Assim, do capitalismo industrial ao capitalismo tardio. Da racionalidade iluminista a
racionalidade cínica. Da ideologia do fetiche a ideologia da fantasia. Todas estas formas precisam
ser reconstruídas em sua temporalidade. É precisamente sobre isto que se trata uma diagnóstica,
termo que dá título ao texto. Ela é a reconstrução, histórica, de uma forma de vida hegemônica
em vigor durante uma dada temporalidade. Cada diagnóstico que compõe a diagnóstica é
sempre parcial. É sempre temporal. “O diagnóstico, seja ele formal ou informal, clínico ou
crítica, disciplinar ou discursivo, reconhece, nomeia e sanciona formas de vida entendidas como
perspectiva provisória e montagem hibrida entre exigências de linguagem, de desejo e de trabalho.”
(Dunker, 2015, p. 274).
Assim, a diagnóstica que nos interessa se apresenta como o conjunto de diagnósticos críticos
de uma época, mas não um diagnóstico qualquer, e sim o diagnóstico crítico das formas de vida.
Safatle (2008, p. 12) como sendo
A partir deste autor, é possível afirmar que este conceito trata de um sistema de ordenações
sociais partilhadas e impostas através de certa forma de racionalidade. Sua justificativa, portanto,
é minimamente coercitiva. Toda forma de vida é, assim, racional e dispõe de mecanismos lógicos
de justificação e aceitação daquelas que dela compartilham.
Desenvolvimento
538 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Na forma de vida a distinção entre zoé e bio perde densidade. A vida animal do homem, como
ser vivente, já é em si uma vida em coletividade. A fusão desses termos indica que a vida política
determina como o ser vivente deve porta-se. A vida política determina, portanto a regra da vida.
O ponto problemático de uma regra da vida é sua dimensão sintagmática. Segundo Agamben
(2014a), o léxico regra não deve ser compreendido sem um referente.
Não existe, assim, uma regra totalizante para a vida, mas um conjunto de regras que se
modificam de acordo com a dimensão sintagmática do referente. Uma forma de vida estaria,
assim, marcada por um conjunto de regras constitutivas que a define. Regras gramaticais, regras
políticas, regras jurídicas, entre outras. A forma de vida não deve ser separada destas regras.
Ela seria, então, uma matriz destas regras de se viver. Até aqui, por exemplo, adotamos desejo,
trabalho e linguagem como moduladores dessas regras.
A regra, contudo, segundo Agamben (2014a), não é lei, porém seu descumprimento
acarreta em penalização. Há nisso um elemento dialético das regras, pois ao mesmo tempo em
que ela penaliza, ela, também, convoca a sua não compreensão enquanto dimensão de lei. O
poder da regra é o da formação do espaço público, ou seja, da formação das comunidas políticas.
Mas, se não há, na forma de vida, distinção entre forma e vida, ser vivente e política, para Agamben
(2014a) regra e vida apresentam-se em um limiar de indeterminação.
A vida do homem, que não pode ser separada de sua forma, contém as regras para viver da
melhor forma. Sobre esse tema Agamben (2015c, p. 14) escreve que
Define uma vida – a vida humana – em que modos singulares, atos e processos de viver
nunca são simplesmente fatos, mas sempre primeiramente possibilidades de vida, sempre e
primeiramente potencia. Comportamentos e formas de viver humano nunca são prescritos
por uma vocação biológica específica nem atribuídos por uma necessidade qualquer,
mas por ordinário, repetidos e socialmente obrigatórios, conservam sempre o caráter
de uma possibilidade, isto é, colocam sempre em jogo o próprio viver. Por isso – isto é,
enquanto um ser de potencia, que pode fazer e não fazer, conseguir ou falhar, perder-se
ou encontrar-se - , o homem é o único ser em cujo viver esta sempre em jogo a felicidade,
cuja vida é irremediavelmente e dolorosamente destinada a felicidade. Porém, isso constitui
imediatamente a forma-de-vida como vida política.
4 O termo metadiagnóstico surge aqui para caracterizar que esta hipótese diagnóstica é subsidiária aos outros
diagnósticos de época. Ela não exclui, apenas acrescentar um adendo a eles.
540 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A tensão sobre tal questão aparece precisamente nesse consenso. É possível uma forma
de vida em que a experiência de indeterminação seja produtiva? Dunker (2015) apresenta-nos a
narrativa, estudada por Eduardo Viveiro de Castro5, dos povos amazônicos do Xingu. Para eles
não há determinação entre o inimigo e o amigo, por exemplo. Os rituais antropofágicos são os
mesmos para ambos. A lógica da regra da determinação, segundo Dunker (2015), está posta em
xeque. É possível uma forma de vida que seja indeterminada.
Queremos nos deter, porém, sobre outra forma de indeterminação. A da negação como ato
político fundamental. Aqui nos valeremos de Agamben (2015b) e sua análise sobre o conto de
Herman Melville “Bartleby, o escrevente: uma história de Wall Street”. Na história, o contista narra
à vida de Bartleby. Um escrevente contratado para um escritório de advocacia. Sua função era de
fazer cópias de documentos. Bartleby era, portanto, alguém que reproduzia mecanicamente o que
lhe era pedido. Assim descreve Melville (2015b, p. 67) o trabalho do escrivão
O trecho mostra a primeira vez que o trabalho do escriba é descrito. Silencioso, apagado e
mecânico. Bartleby é a representação máxima das experiências improdutivas de determinação. Ele
sabe o que fazer e o faz muito bem, porém de maneira mecânica. Bartleby parece ser incapaz de
tensionar aquilo que lhe é pedido. Nesse momento do conto ele é apenas um executor de ordens.
Devemos evocar rapidamente Adorno e Horkheimer (1985, p. 138) quando escrevem que
“Eis ai o triunfo da publicidade na indústria cultural, a mimese compulsiva dos consumidores,
pela qual se identificam as mercadorias culturais que eles, ao mesmo tempo, decifram muito
bem”. As experiências de determinação podem ser lidas, em nossa ótica, a partir de uma analogia
com a indústria cultural.
Nesta a unidade entre vida e regra se acentua a partir das determinações sobre como portar-
se. A mentalidade de ticket reaparece nessa correlação entre regra e vida. O ticket determina o
conjunto de regras que devem ser seguidas para que a forma de vida no capitalismo tardio se faça
presente. O indivíduo marcado pela égide do capitalismo tardio é como Bartleby. Um executor
preciso de tarefas, ávido pelo trabalho, mas incapaz de refletir sobre sua própria atividade.
Ao terceiro dia de trabalho Bartleby muda sua postura em relação a essa atitude mecânica
de execução das tarefas que lhe são pedidas.
Estava sentado exatamente assim quando o chamei, dizendo ligeiro o que queria que fizesse
– ajudar-me a conferir um documento curto. Imaginem minha surpresa, ou melhor, minha
consternação, quando, sem sair do seu isolamento, Bartleby, numa voz singularmente
calma, firme, respondeu: “Preferiria não”. (Mellvile, 2015, p.68)
A partir deste momento Bartleby passa a recusar qualquer ordem que lhe é dada repetindo
a expressão “preferiria não”. Bartleby apossasse, em um primeiro momento, do biombo onde
trabalhava e depois da sala de advocacia inteira forçando que o escritório mude-se de lugar. Pois,
sempre que convidado a retirar-se ele “prefereriria não” obedecer. O conto se encerra com a prisão
de Bartleby sob a acusação de vadiagem. Mesmo na prisão o escriba continua a “preferirir não”.
A negar qualquer determinação que lhe é imposta.
5 Para mais referências sobre o trabalho de Eduardo Viveiro de Castros vide Dunker (2015) “Mal-estar, Sofrimento
e Sintoma”. Em específico o capítulo quarto: “Diagnóstico da modernidade e o perspectivismo ameríndio”
A formula tão meticulosa repetida, destrói toda possibilidade de construir uma relação
entre poder e querer, entre potentia absoluta e potentia ordinata6.Ela é a fórmula da potência.
(Agamben, 2015b, p. 28).
Se uma potência de não ser pertence originalmente a toda potência, será verdadeiramente
potente só quem, no momento da passagem ao ato, não anular simplesmente sua potência
de não, nem deixá-la para trás em relação ao ato, mas a fizer passar integralmente no ato
como tal, isto é, poderá não-não passar ao ato. (Agamben, 2015a, p.253).
Conclusão
6 Os dois termos referem-se, segundo Agamben (2015b), a faculdade de Deus de fazer qualquer coisa, quando se
refere à potência absoluta, ou fazer apenas a sua vontade, referente a potência ordenada.
542 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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é apenas um complemento, um detalhe, uma contribuição que necessita de toda a argumentação
feita até aqui para existir.
A hipótese complementar é que a partir da administração dos afetos mantemos um limiar de
indissociabilidade entre vida e forma de vida a partir de experiências de determinação baseadas na
gestão dos afetos. Questionamos-nos, com isso, se a “obediência” a regra é puramente racional.
Nosso ponto é que não concebemos somente do ponto de vista da formalidade as formas de vida
hegemonicamente impostas.
Existe um arcabouço administrativo que organiza a vida afetiva dentro das sociedades
capitalistas contemporâneas. O bloqueio da produção de outras formas de vida ocorre, também,
pela afetação que as atuais formas proporcionam. Entramos aqui, novamente, no campo da
política. A gestão política da vida não é necessariamente técnica ou decisionista como pensa
Habermas (2014). Esta gestão é comprometida com um tipo de administração dos objetos para
os quais se destinam os afetos.
Esta proposição se confunde com um metadiagnóstico do contemporâneo. Para tal, é
necessário compreender o que estamos chamado aqui de contemporâneo. Nosso entendimento
coincide com a proposição de Agamben (2014b) quando aponta intempestividade do
contemporâneo.
A contemporaneidade é, assim, uma relação singular com o tempo, que adere a ele e, ao
mesmo tempo toma distância dele; mais precisamente, essa é a relação com o tempo que
adere a ele através de uma dissociação e de um anacronismo. (Agamben, 2014b, p. 22).
Devemos atentar aqui para a dimensão anacrônica de nossa ideia. Não há, precisamente,
um momento temporal. A temporalidade do contemporâneo deve ser compreendida nessa ideia
como extensa. O contemporâneo não é um fato, mas uma posição em relação ao tempo presente.
Sua atualidade, portanto, extrapola a datação métrica do tempo.
Não há de se afirmar que o contemporâneo inicia-se na data X ou Y. O passado pode-
nos ser contemporâneos na medida em que ele tornou-se anacrônico ao seu tempo presente.
É precisamente por esse motivo que o diagnóstico crítico da Escola de Frankfurt não pode ser
substituído pelo diagnostico crítico de Zizek, um contemporâneo, se levarmos em conta a datação
métrica do tempo.
O nosso metadiagnóstico do contemporâneo tem a pretensão de situar-se na descrição de
Agamben (2014b, p. 32) quando escreve que
Isso significa que o contemporâneo não é apenas aquele que, percebendo a escuridão do
presente, apreende a sua luz inalienável: é também aquele que, dividindo e interpelando
o tempo, é capaz de transformá-lo e de relaciona-lo com os outros tempos, de nele ler de
modo inédito a história, de cita-la segundo suas necessidades que não provém de maneira
nenhuma de seu arbítrio, mas de uma exigência a qual não pode responder. É como se
aquela luz invisível, que é a escuridão do presente, projetasse sua sombra sobre o passado, e
este, tocado por esse facho de sombra, adquirisse a capacidade de responder as trevas agora
(Agamben, 2014b, p. 32).
Por fim, este trabalho sugere alguns apontamentos sobre a importância de se pensar a obscura
participação dos afetos na constituição das formas de vida para além de suas adesões racionais.
É neste ponto que entendemos que nossa real contribuição para uma Psicologia Social Crítica
aparece. Para o estudo das formas de vida nas sociedades capitalistas, é a crítica da administração
dos afetos e suas consequências que, em nossa aposta, reordenaria as coordenadas da crítica ao
capitalismo contemporâneo.
Adorno, T. W., & Horkheimer, M. (1985) Dialética do Esclarecimento: Fragmentos filosóficos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar.
Agamben, G. (2010). Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Editora UFMG.
Agamben, G. (2015c). Meios sem fim: Notas sobre política. Belo Horizonte: Autêntica editora.
Habermas, J. (2014). Técnica e Ciência como ideologia. São Paulo: Editora Unesp.
Hegel, G.W. F. (1997). Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Martins fontes.
Honneth. A. (2007). Sofrimento de indeterminação: Uma reatualização da filosofia do direito de Hegel. São
Paulo: Editora Singular.
Marcuse, H. (2015) O homem unidimensional: Estudos da ideologia da sociedade industrial avançada. São
Paulo: Edipro.
Melville, H. (2015). Bartleby, o escrevente: Uma história de Wall Street. São Paulo: Boitempo.
Safatle, Vladimir. (2008). Cinismo e falência da crítica. São Paulo: Boitempo editorial.
Zizek, S. (2015). Problemas no paraíso: Do fim da história ao fim do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar.
544 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PSICOLOGIA SOCIAL E FEMINISMOS:
RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA COM MULHERES
DAS ILHAS DE BELÉM DO PARÁ
Amanda Gabriella Borges Magalhães
Débora Melo da Silva Brito
Maria Lúcia Chaves Lima
Introdução
A
psicologia social no Brasil tem como característica principal a pluralidade de
métodos, de objetos e de bases teóricas. Mais intensamente desde os anos 1970 vem
se modificando no sentido de acoplar o compromisso com a mudança social à ciência
psicológica, e fazê-la útil para o enfrentamento das mazelas sociais aqui existentes. Movimento este
que não começou no Brasil, mas que é atravessado por uma série de questionamentos próprios
do solo latino-americano que emergiram por volta desta época, em meio à crise da psicologia social,
e que culminaram na criação de novas formas de produzir saber neste campo, considerando a
subjetividade como indissociável de questões econômicas e políticas.
Vários aspectos da psicologia social mais ampla foram problematizados no período da crise,
tais como: a importação acrítica das teorias psicológicas oriundas dos Estados Unidos e Europa,
a lógica colonial presente na produção do conhecimento, a ênfase na perspectiva positivista e
quantitativista nos estudos realizados, a prevalência do chamado reducionismo psicológico, a
distância das teorizações da psicologia social standard dos fortes problemas que marcavam a
sociedade brasileira e a necessidade de constituir um campo científico que tomasse o contexto
brasileiro como ponto de partida para a produção do conhecimento (Santos et al, 2016). Como
consequência desse posicionamento, deu-se a construção de um corpo teórico, conceitual e
metodológico diferenciado pela psicologia social brasileira nas décadas de 70 e 80 do século
passado.
Foi essa psicologia social que, nesse período de reformulação, melhor acolheu os estudos
com perspectiva de gênero e feministas, férteis à época, devido sua abertura à interdisciplinaridade,
compromisso ético-político e preocupação com as questões sociais. Já na década de 1980,
podemos ver estudos nesta área relacionados ao feminismo, como é o caso da iniciativa de Karin
Ellen von Smigay e Lúcia Afonso (1989), na Universidade Federal de Minas Gerais, a partir de
intervenções com grupos de reflexão para mulheres sobre a condição feminina e promoção do
combate à violência de gênero. Este tipo de intervenção lembra os grupos de reflexão que se
popularizaram nos Estados Unidos na década de 1970 e cuja metodologia foi apropriada pelas
terapias feministas7 criadas também por volta da mesma época.
7 Essa designação não é consensual. Enquanto as terapêuticas tradicionais tinham como cerne da intervenção o
indivíduo (mulheres) enquanto lócus dos problemas, do ponto de vista das críticas feministas e das abordagens
construcionistas sociais, entende-se que uma terapia pode e deve ser qualificada de feminista sempre que tiver
Considerar uma psicologia como feminista atribui a este campo uma nova forma de atuar
que envolve, entre outras coisas, o compromisso declarado com a mudança social, a quebra com
o modelo tradicional de ciência9, uso da criatividade e pluralidade metodológica para o alcance
dos interesses feministas (como tomada de consciência, etc.) e a reflexividade sobre o papel de
subjacente à sua prática a à sua teorização os princípios feministas. (Neves & Nogueira, 2004). Cita-se como
exemplo os oito princípios descritos por Worell e Remer (2003) em “Feminist perspectives in therapy: Empowering
diverse women”.
8 O feminismo chamado de “segunda onda” surgiu após a Segunda Guerra Mundial, e deu prioridade às lutas pelo
direito do corpo, ao prazer, e contra o patriarcado. (Pedro, 2005)
9 Ligado aos preceitos de controle, replicabilidade do experimento, etc.
546 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
pesquisador em relação às questões de gênero10 (Neves & Nogueira, 2003). É importante ressaltar,
porém, que da mesma forma com que são múltiplas as concepções de feminismo, são diversas as
possibilidades de produção de uma psicologia feminista. Ela pode variar conforme os preceitos da
vertente feminista que se elege para compor com a psicologia uma atuação conjunta.
A nomenclatura “Psicologia Feminista” não é muito utilizada no Brasil, apesar de nosso
país se configurar como campo bastante fértil de intervenções sobre gênero e sexualidade. Santos
et al (2016) lançam a hipótese de que a abertura da psicologia social brasileira aos estudos com
enfoque feminista fez com que não fosse necessária a criação de um campo de saber diferenciado
para estes estudos. Nesta mesma pesquisa, na qual as autoras realizam uma revisão bibliográfica
usando uma das principais revistas de psicologia social no Brasil11, foram identificados 36 artigos
entre 1996 e 2010 sobre a temática de gênero, e se evidenciou um aumento em números absolutos
das publicações de trabalhos neste campo na revista em questão.
Narvaz e Koller (2006), porém, apontam que a produção feminista ainda permanece
majoritariamente circunscrita a poucas revistas científicas especializadas no tema, tais como
a Revista Estudos Feministas, da Universidade Federal de Santa Catarina, e a Cadernos Pagu, da
Universidade de Campinas. Nos demais periódicos indexados, há pouca produção relativa aos
estudos de gênero e, menos ainda, sobre estudos e metodologias feministas.
A marginalização destes estudos quanto aos meios de publicação, apontada pelas autoras
no trabalho supracitado, também se estende aos cursos de graduação, nos quais temáticas
como gênero e feminismos são comumente postas como anexos de outras disciplinas, apesar da
relevância e urgência desse tipo de reflexão na formação de profissionais de nível superior, em
especial de áreas como saúde, educação e ciências humanas, com as quais a psicologia efetua
grande diálogo e por vezes se confunde entre as fronteiras disciplinares.
Foi na pós-graduação que nossas inquietações pessoais se somaram ao corpo teórico proveniente
de leituras de autoras feministas e nos fizeram refletir sobre a intersecção da psicologia com o feminismo
no Brasil, e em especial no nosso próprio território: como poderia ganhar corpo uma intervenção em
psicologia feminista em solo amazônico? Diante deste e de outros tantos questionamentos, propusemo-
nos a realizar uma intervenção-experiência com mulheres muito próximas a nós que comumente não
têm acesso aos serviços psicológicos: as mulheres das ilhas de Belém.
Nosso território é composto por rios e muitas ilhas ao redor da capital. No caso da ilha
selecionada para esta intervenção, chamada Cotijuba, o acesso é feito por barcos que saem de
um porto da região metropolitana de Belém, cujo tempo de viagem é de aproximadamente uma
hora. De acordo com Cruz (1996), a Ilha de Cotijuba faz parte do arquipélago situado na baía de
Marajó e pertence à grande Belém, distando desta 33 km. Possui uma área de aproximadamente
107 km², limitando-se a Norte e Oeste com a baía do Marajó, a Leste com a baía de Santo Antônio
e a Sul com as Ilhas de Paquetá e Jutuba. A partir de informações levantadas em visitas ao local,
foi possível identificar a existência de uma Unidade Municipal de Saúde que não dispõe do serviço
de psicologia. Como a maior rede de dispositivos de saúde se concentra em Belém, raramente a
população das ilhas possui psicólogas/os para realizar um atendimento no local.
Selecionamos Cotijuba por dois motivos: (1) pela inserção de uma das autoras deste estudo
na ilha, a partir de sua pesquisa do mestrado, trabalhando especificamente com público feminino
da localidade; (2) pela existência de um movimento feminino de referência, chamado Movimento
de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB).
10 A noção de “gênero” surgiu com feministas anglo-saxãs (com o termo gender) passando a ser usado para enfatizar
o caráter social nas diferenças baseadas no sexo. Em outras palavras, emergiu diante do interesse de romper com
a noção do determinismo biológico e apontar a importância do cultural nos papéis e divisões sociais de homens
e mulheres (Scott, 1995).
11 Refere-se aqui à Revista Psicologia & Sociedade, fundada no ano de 1986 pela Associação Brasileira de Psicologia
Social (ABRAPSO) e que se tornou um importante veículo de publicações na psicologia social brasileira.
12 http://movimentodemulheres-mmib.blogspot.com.br/
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(b) provocar debate sobre o que é ser feminista e como isso interfere na relação consigo, entre
mulheres e também com os homens; (c) provocar reflexão sobre como este posicionamento
impacta nas relações domésticas, com marido e filhos; (d) instigar a pensar sobre o papel do
coletivo na vida dessas mulheres e quais possibilidades essa organização abre para o enfrentamento
das dificuldades cotidianas.
Desse modo, no mês de novembro de 2017, realizamos a intervenção com o MMIB, a fim de
promover uma experiência de troca a partir do campo teórico da psicologia no encontro com o
feminismo, no intento de contribuir com a luta dessas mulheres, mas também para nos mover a
pensar a psicologia feminista entre os rios e ilhas da Amazônia paraense.
Metodologia
Uma vez que esse foi nosso primeiro contato com as mulheres do coletivo, optamos por
organizar uma roda de conversa mesclada com uma oficina que pudesse promover entrosamento
das pesquisadoras com o grupo, descontração e servir como um disparador para nossa conversa.
Selecionamos uma oficina de rápida e fácil execução: a produção de bonecas Abayomi - cujo
nome significa “meu presente”, em Yorubá (Campos Gomes et al, 2017).
Vieira (s.a.) através de uma matéria jornalística, reporta as Abayomi ao período da
escravatura. Momento este em que parte da população africana foi sequestrada e trazida nos
chamados navios negreiros para ser escravizada nas Américas. Segundo essa versão, conta-se que
durante as viagens as crianças choravam assustadas e, diante disso, as mulheres, para acalentá-las
e distraí-las, rasgavam tiras de pano de suas roupas e faziam bonecas para as crianças brincarem.
Campos Gomes et al (2017), porém, remetem a criação da Abayomi aos anos 1980, período
marcado pela efervescência de movimentos sociais no Brasil, de redemocratização, debates em
torno de uma nova Constituição Federal e dos cem anos da Abolição da escravidão, ambos
culminando em 1988. No ano anterior, segundo as autoras, a Abayomi teria começado a tomar
forma a partir das mãos de Waldilena Serra Martins, mais conhecida como Lena Martins, artesã
que desenvolveu a técnica da boneca negra de pano, sem costura ou cola, no mesmo ano. Os
materiais utilizados eram retalhos, tidos como restos, descartes de fábricas e confecções. No
rosto das bonecas não há demarcação de olhos, nariz e boca para favorecer o reconhecimento da
identidade das múltiplas etnias africanas (Campos Gomes et al, 2017).
A boneca Abayomi se mostrou estratégica pela pluralidade de temas relevantes que
poderíamos extrair a partir de sua confecção: questões sobre os lugares ocupados pela mulher na
sociedade, a função de cuidadora da família etc. Outro aspecto fundamental levantado a partir da
boneca é a negritude, tanto a partir de um aspecto histórico, por recontar o trajeto das mulheres
africanas que vinham ser escravizadas no Brasil, quanto sobre a atualidade desse lugar da mulher
negra na sociedade.
Quanto à execução da roda de conversa, horário e dia foram previamente combinados
com a coordenação do MMIB. Foi disponibilizado o turno inteiro da manhã para a realização da
atividade. Todo material utilizado foi disponibilizado por nós e preparado previamente para agilizar
a produção da boneca. A expectativa era de que estivessem presentes entre 10 e 15 participantes,
contando com a coordenadora do movimento. Levamos material excedente com a intenção de
nos precaver no caso de aparecerem mais pessoas do que o previsto.
Antes da realização da oficina, apresentamo-nos para as participantes e compartilhamos
com elas os caminhos que nos levaram até Cotijuba e à escolha dessa oficina, incluindo o fato
de que estávamos ali não só como psicólogas, mas como feministas, e pensando uma possível
relação entre ambos. Dessa forma, procuramos ampliar a visão que as participantes tinham sobre
o fazer da psicologia, comumente relacionado à atuação clínica nos consultórios e desconectado
de problemáticas sociais e de gênero.
A intervenção foi feita na sede do Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém, que dispõe
de um espaço para a realização de oficinas. Nossa atividade foi encaixada no calendário do
movimento, que no ano de 2017 reservava as manhãs de terças e quintas-feiras para este tipo de
encontro. Nestes dias, o coletivo se reúne para participar de aulas de história, inglês, entre outras
atividades, promovidas por voluntários de algumas instituições de ensino superior que também
elegeram este movimento como espaço para suas intervenções.
A proposta da oficina foi muito bem recebida pelas/os participantes: ao todo, 10 mulheres
e 3 homens. Destas 10 mulheres, 8 tinham em média 40 anos e eram antigas no movimento,
enquanto que duas tinham em torno de 20 anos e entraram no MMIB recentemente. Os homens
eram também jovens, com faixa de idade entre 20 e 25 anos, e participaram assiduamente da
oficina e do debate. Desta forma, ficou claro para nós, pesquisadoras, que o Movimento de
Mulheres das Ilhas de Belém não é formado só por mulheres, mas sim idealizado e organizado por
elas desde sua fundação. A participação de homens na oficina foi sugerida pelas componentes do
Movimento por acreditarem que a discussão também fosse importante para eles.
Ao redor de uma grande mesa, após nossa apresentação, compartilhamos com eles a história
da boneca Abayomi, rememorando as questões da escravidão e da luta e resistência femininas, e
em seguida iniciamos sua produção, passo-a-passo. Muitas questões que havíamos pensado em
trazer durante a conversa surgiram espontaneamente ainda no decorrer da realização da oficina,
trazidas pelas próprias participantes.
Foram discutidas questões sobre o feminismo, machismos cotidianos, maternidade,
sexualidade, trabalho, violência doméstica e a respeito do movimento de mulheres. A identificação
com a negritude foi algo bastante forte no coletivo, inclusive algumas participantes relataram já
ter feito parte de movimentos de mulheres negras.
No decorrer da conversa sobre o papel de cuidadora atribuído socialmente à mulher,
também representado pela história corrente da Abayomi, chegamos até o assunto “feminismo”.
Quando foi perguntado se elas se consideravam feministas, as participantes disseram que ficam
receosas em se identificar como tal, principalmente pela forma com que as feministas são vistas.
Afirmaram que, na concepção geral, se dizer feminista é lido como se colocar “contra os homens”, ou
“ser lésbica”, etc. Algumas participantes disseram que no começo de sua trajetória com o MMIB, se
fossem perguntadas sobre essa questão, diriam imediatamente que “não!”, mas hoje em dia, após
o aprendizado e luta coletiva não só se consideravam feministas, como também consideravam o
Movimento dessa forma.
Dentro deste assunto, várias questões sobre machismo foram trazidas: relacionadas
à vivência cotidiana, às relações familiares, religião etc. Segundo elas, o machismo passa pelas
gerações na perpetuação de estereótipos de gênero: “imposição da sociedade que o homem é
machão, não chora, já a mulher deve cuidar dos filhos”. Também foi ressaltado que, para além
dos homens, as próprias mulheres reiteram atitudes machistas através da competição entre si
e do julgamento de quem vai de encontro aos estereótipos de gênero. Uma das participantes
relatou que é bastante criticada pelas mulheres da ilha pelo fato de ir ao bar, beber e dançar sem a
companhia do marido. Mulheres que participam de algumas igrejas também são muito mal vistas
quando bebem – postura com a qual as participantes não coadunam.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
No caso das relações conjugais, relatou-se que na Ilha há casos em que mulheres são
impedidas de trabalhar por conta do ciúme de seus maridos, assim como pela associação imediata
de alguns trabalhos, como o de garçonete nas praias, com a prostituição. Algumas participantes
disseram já ter tentado mudar suas relações com os cônjuges quanto a uma melhor distribuição
das tarefas domésticas para que nenhum dos dois se sinta sobrecarregado. A maioria das mulheres
presentes exercia atividades remuneradas, e, portanto, era corresponsável pela renda familiar.
Algumas, porém, já tinham tentado trabalhar com comércio e afirmaram serem muito duras às
críticas e descrença da comunidade quando uma mulher ousa iniciar algo deste tipo – sempre
dizem que irá dar errado.
Os homens, até então calados, foram instigados a participar da conversa para dizer o que
achavam sobre feminismo e machismo. Um deles relatou que cresceu ouvindo que as mulheres têm
que ficar em casa, sem trabalhar. Ele considera o feminismo interessante pela busca por direitos
iguais, tanto de trabalho quanto outros. Foi ressaltado que a cultura machista em que vivemos
também afeta os homens no sentido de exigir que eles se fixem no papel de “machos” provedores
e repitam uma série de comportamentos para não serem julgados como homossexuais.
Algumas mulheres relataram ter começado a perceber desde cedo a diferença entre os
papéis de gênero em situações cotidianas, como terem que lavar louças e fazer tarefas domésticas
enquanto o irmão brincava, ter que ficar na cozinha com as mulheres, limpando e cozinhando
para as reuniões de família, enquanto os homens conversavam na sala etc. Uma das participantes
compartilhou uma história de seu relacionamento sobre quando esteve se recuperando de uma
cirurgia e seu marido assumiu as tarefas domésticas: “Quando eu estava de resguardo, ele tinha
que fazer tudo, mas dava meio dia e ele ainda não tinha terminado. Então ele só soube como
era pesado o trabalho de casa quando começou a fazer”. Foi unânime considerar como injusto
esse tipo de relação com o trabalho doméstico e fora de casa, mas também foram ressaltadas as
dificuldades de mudar este tipo de relação, o que nunca se dá sem julgamentos externos.
Nos grupos de intervenção que o MMIB tem com idosos, percebe-se muito esse tipo de
postura machista, mas também foi compartilhada muita preocupação com o fato de até mesmo
meninas muito jovens, por volta dos 15 anos, terem esse tipo de atitude – o que traz à vista que não
é só coisa de “gente mais antiga”. Várias tentativas já foram feitas para aproximar a população
mais jovem de Cotijuba das atividades do Movimento. Por hora, o grupo de jovens é bastante
restrito: Quatro participantes, que estavam nesta atividade. Foram discutidas algumas ideias que
pudessem atrair a população jovem a participar: festas, oficinas, e a partir desta intervenção
foi lançada a ideia de realizar rodas de conversa com temas instigantes para a juventude, e que
pudessem tratar também de questões relacionadas a gênero e feminismo para provocar mudanças,
mesmo que sutis, nessa nova geração.
A respeito do coletivo, as participantes mais antigas lembraram que tiveram de enfrentar
muito preconceito para formar o Movimento, e se preocuparam sempre em evitar erros, uma
vez que o julgamento pelo erro ou fracasso, segundo elas, viria bastante forte pela condição de
Movimento de Mulheres. Foram instigadas reflexões sobre o que o movimento já provocou de
mudanças nas mulheres que o compõem e na comunidade. A mudança de ponto de vista sobre o
fato de ser mulher e seus impactos nas relações e na vida como um todo foram evidentes durante
a conversa de acordo com o relato de várias participantes.
Mas, como pesar, elas avaliam que pouco mudou na comunidade nesses 20 anos de existência
do MMIB. As mulheres do MMIB consideram o coletivo como a criação de um espaço de fuga
“do mundo lá fora”. Várias disseram aguardar ansiosamente o dia de participar com o grupo das
atividades propostas. E que dentro do coletivo, parece um outro mundo, um espaço para respirar
e recarregar as energias.
O feedback das participantes foi bastante positivo. Foi levantada a necessidade de realizarem
com mais frequência rodas de conversa sobre temas de relevância para o coletivo, como por
Considerações Finais
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Referências
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universitária – Desventuras de quem a viveu. Psicologia & Sociedade, 3(5), 103-113.
Introdução
A
pornografia faz parte da sociedade, e ainda sim, apesar dessa aparente liberdade
com que ela é tratada atualmente, ainda é um tabu falar ou escrever sobre o assunto,
principalmente no âmbito acadêmico.
A pornografia, de modo geral, possui o propósito de mobilizar a imaginação, instigando
ou não através dos materiais que ela produz (Campos, 2006). Sendo vista como um material
que transgrede o que é aceito pelos padrões culturais da sociedade, algo negativo (Benitez, 2009;
Nunes, 2014). Quando a pornografia ultrapassa esses limites, ela está contrariando os valores
criados pela sociedade dessa forma ela é colocada como um produto de baixa qualidade (Benitez,
2009; West, 2016).
Se bem aceito ou não pela sociedade, o que se prioriza é que este é um mundo cheio de
pessoas que se relacionam direta ou indiretamente e que precisam estar resguardadas, de uma
forma ou de outra. Ressalta-se então outro lado da pornografia, onde a mesma é responsável por
melhorar a qualidade da intimidade de um casal ou dos consumidores em geral que buscam evitar
o isolamento e alienação e aumentar o contato e o prazer (Guerra, Andrade & Dias, 2004).
O meio pornográfico propicia em algumas situações a desigualdade de gêneros, pois em
alguns âmbitos as mulheres, envolvidas direta ou indiretamente nesse meio, são expostas ao
título de submissas e a agressões (D’Abreu, 2013). No entanto, ele é o meio que proporciona que
a sexualidade e o sexo em si sejam trabalhados, permitindo que questões sobre o corpo sejam
debatidas e possa haver uma quebra de tabus enraizados na sociedade.
Entende-se o consumo como a aquisição de algo para satisfação de um desejo (Barbosa,
2010). A pornografia então surge como um produto desse consumo no qual o objetivo é induzir
as pessoas à excitação da sua libido através do que for possível, por outro lado ela é considerada a
responsável por colocar a mostra toda a vergonha e ângulos que não poderiam ser vistos e aceitos
pela sociedade (Campos, 2006; Nunes, 2014; Martinez, 2009, West, 2016).
O material pornográfico tem como intuito principal ser fonte de entretenimento adulto,
excitando, mexendo com a imaginação, com a fantasia e libido de seus consumidores (Campos,
2006; Fonseca, 2015; Guerra et al., 2004; Lopes, 2013; Neto & Ceccarelli, 2015), sendo o seu
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público maior o masculino e jovem (D’Abreu, 2013; Fonseca, 2015; Guerra et al., 2004; Martinez,
2009). A questão do público pode ter uma relação com o aspecto cultural, já que para os homens
a sociedade permite e aceita que eles sejam consumidores desse tipo de material. Os materiais
pornográficos estiveram quase que exclusivamente relacionados e voltados para o público
masculino, que é o seu consumidor mais assíduo, reforçando o papel de submissão da mulher e
prezando/focalizando especialmente o prazer masculino (Martinez, 2009).
A internet proporcionou o aumento do consumo possibilitou que feito de forma mais
sigilosa, por conta do fácil acesso e comodidade de ser visto em qualquer lugar e a qualquer
momento (Benazzi, Fernandes & Maia, 2016; Fonseca, 2015; Lopes, 2013; Martinez, 2009).
Por mais que exista esse consumo carregado de restrições, isso não detém o seu crescimento, a
demanda sempre aumenta proporcionalmente ao seu consumo (D’Abreu 2013; Martinez, 2009).
A religiosidade sempre foi considerada uma barreira, por estar correlacionada com a
moralidade, que é uma das justificativas dos ditos não consumidores criticarem quem consome
(Campos, 2006; Carvalho, 2015; Lopes, 2013; Martinez, 2009). Ainda existe um contraste nessa
forma de consumo, onde por um lado os consumidores quase não se assumem nessa posição, e
por outro a sociedade, principalmente a ocidental, que mesmo se dizendo permissiva em relação
a esse consumo, ainda impõe barreiras morais, religiosas e sociais frente ao consumo, reforçando,
portanto, esse consumo velado. Mesmo diante das barreiras morais, a produção desses materiais
continua a existir devido ao seu lado mercantil, pois a pornografia ainda é um “bom negócio”
(Campos, 2006; Martinez, 2009).
Bendassolli e Gondim (2014) ressaltam o trabalho como parte de um processo transformador
de pessoas, trazendo mudanças para elas e para os outros. Dessa forma, o trabalho é importante
no desenvolvimento da autonomia, da independência, das habilidades, possibilitando o
relacionamento com outras pessoas, aumentando o sentimento de vinculação, fortalecendo a
identidade do indivíduo e servindo como meio de se ter objetivos na vida (Morin, Tonelli & Pliopas,
2007; Morin, 2001).
Os trabalhadores da indústria pornográfica geralmente são considerados pessoas infratoras
da moral, libertinas, desviantes, corruptas, perversas, cujo trabalho não é aceito com normativo
(Benitez, 2009; Campos, 2006; Fonseca 2015). E por mais que os trabalhadores dessa área tenham
seus direitos trabalhistas e previdenciários garantidos e resguardos pela profissão, o trabalho
exercido não é considerado digno, pois a população, e até mesmo os próprios consumidores,
custam a reconhecer a profissão como um trabalho de valor (Garcia, 2015).
Geralmente os motivos pelos quais as pessoas ingressam nesse ramo da indústria pornográfica
são: pelo dinheiro, pela possibilidade de realização das fantasias sexuais, por conta da necessidade
(no caso de pessoas que já estavam na prostituição e com o convite para o pornô e a possibilidade
de um dinheiro maior foram parar nesse ramo provisoriamente) e pela abertura que esse mercado
dá ao indivíduo de transitar em outros meios da pornografia (Benitez, 2009).
Configura-se então que a proximidade com a pornografia se transforma em uma ameaça
social, devido à concepção de algo sujo ou baixo, notada como atividade transgressora que
precisa ter um controle-estímulo na sociedade capitalista (Benitez, 2009). Por mais que exista essa
concepção negativa ao redor da pornografia, não se pode negar o quanto ela faz parte da sociedade,
mesmo que não se admita isso. E enquanto isso ela é desconsiderada ou marginalizada, crescendo
enquanto mercado produtor, consumidor e empregador, aumentando assim a importância de
estudos sobre a pornografia e suas particularidades.
Diante do panorama exposto, o objetivo geral é compreender a percepção das pessoas
acerca do consumo de materiais pornográficos e dos trabalhadores da indústria pornográfica.
Mais especificamente traçar o perfil dos entrevistados, comparar o grupo dos entrevistados,
avaliar a compreensão dos entrevistados acerca do consumo, averiguar os motivos que levam ao
consumo de materiais pornográficos, investigar as barreiras que os consumidores enfrentam em
Instrumentos
Para a coleta dos dados sociais e demográficos dos participantes foi utilizado um questionário
contendo perguntas tais como: idade, sexo, estado civil, escolaridade, orientação sexual, renda
e grau de religiosidade que possibilitou a construção do perfil dos participantes. No final do
questionário continha 6 perguntas para identificar a qual grupo, de consumidores ou não, o
participante se enquadrava.
A entrevista semiestruturada foi utilizada com o objetivo de conhecer a percepção
da população, autodenominada consumidora ou não, acerca das questões relacionadas à
pornografia.
Procedimento
Para a análise do questionário sócio demográfico foi utilizado o programa R Studio (https://
www.rstudio.com/), que utiliza como base a estrutura do software R, para caracterização da
amostra. Para a análise da entrevista semiestruturada, utilizou-se o software IRAMUTEQ (Interface de
R pour analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaire) que permite diferentes processamentos
e análises estatísticas de textos produzidos.
Com relação à preparação do corpus para análise, as entrevistas foram transcritas e separada
em dois grupos, corpus dos consumidores e corpus dos não consumidores, e foi utilizada a técnica
de Classificação Hierárquica Descendente (CHD) para análise dos conteúdos textuais.
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Resultados
Corpus Consumidor
Classe 2 – Gênero e trabalho
Nesta classe encontra a observação dos consumidores quanto os homens e mulheres que
trabalham dentro do mercado pornográfico, mencionando questões como preconceito, diferenças
no trabalho.
“há uma diferença grande entre o homem e a mulher né, o homem que trabalha com a pornografia ele é
tido por muitos até como garanhão” (sujeito 27, 27 anos, feminina, solteira, com ensino superior
incompleto, médio religioso, que se autodenomina consumidora).
“os homens eles tem uma carga menor de preconceito até por conta da sociedade né, que é mais patriarcal,
tem todo aquele preconceito e aquela dominação em cima da mulher” (sujeito 11, 27 anos, masculino,
solteiro, com ensino superior incompleto, nada religioso, que se autodenomina consumidor).
“se você vende alguma coisa isso é considerado um trabalho e tem que ser respeitado como todos os trabalhos
que se tem” (sujeito 11, 27 anos, masculino, solteiro, com ensino superior incompleto, nada
religioso, que se autodenomina consumidor).
“se ela escolheu fazer isso da vida dela, então pra mim é um trabalho normal, qualquer outro trabalho
seria da mesma forma” (sujeito 7, 22 anos, feminino, solteira, com ensino superior incompleto,
médio religiosa, que se autodenomina consumidor).
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“eu acho super normal, apesar de que eu acho que a sociedade acha, tipo assim, tabu demais, eu na
minha opinião pornografia é super normal” (sujeito 37, 22 anos, masculino, solteiro, com ensino
superior incompleto, pouco religioso, que se autodenomina consumidor).
Mas existe o lado de que se reconhece que trabalhar com isso ainda é difícil.
“profissionais que trabalham com o corpo, a gente ainda têm aquela ideia de objetificação, por exemplo”
(sujeito 36, 23 anos, feminina, outro estado civil, com ensino superior incompleto, pouco
religioso, que se autodenomina consumidora).
“tinha aquela vergonha de comprar porque as outras pessoas iam ver, iam saber, mas hoje em dia com
o celular, com os vídeos, tu assiste sozinho” (sujeito 26, 22 anos, feminina, solteira, com ensino
superior incompleto, médio religioso, que se autodenomina consumidor).
A maior parte dos consumidores não encontra nenhuma dificuldade para consumir seus
materiais.
“você pode consumir pelo celular ou internet, de forma geral é bem mais simples, bem mais fácil, hoje
em dia eu não vejo tanta dificuldade em se achar” (sujeito 39, 21 anos, masculino, solteiro, com
ensino superior incompleto, médio religioso, que se autodenomina consumidor).
“contos, imagens, e vídeos, é eu acho que um prazer ou ver, no tipo que eu mais uso os contos pra ativar a
imaginação é algo mesmo assim, um prazer individual” (sujeito 49, 33 anos, feminino, solteiro, com
ensino superior completo, pouco religioso, que se autodenomina consumidora).
“é mais vídeo mesmo, de site mesmo, a necessidade, é a necessidade principalmente muitas vezes de
estimular” (sujeito 16, 25 anos, feminino, solteira, com ensino superior incompleto, pouca
religiosa, que se autodenomina consumidor).
“há um preconceito muito maior com as mulheres que trabalham nessa área entendeu, elas acabam
sendo vistas como vulgares, quaisquer” (sujeito 5, 22 anos, feminina, casada, com ensino superior
incompleto, médio religiosa, que se autodenomina não consumidora).
“a sociedade é machista, ele vê o homem, a imagem dele não fica tão arranhada” (sujeito 34, 35
anos, masculino, casado, com pós-graduação, médio religioso, que se autodenomina não
consumidor).
“o consumo está voltado só é muitas vezes na exploração de imagem da mulher” (sujeito 25, 18 anos,
feminina, solteira, com ensino superior incompleto, médio religiosa, que se autodenomina
não consumidora).
“eu acho que tudo é voltado para uma questão monetária, eu acho que é a questão financeira que bate mais
forte, por esse motivo existe esse tipo de mercado pra quem consome” (sujeito 44, 27 anos, masculino,
solteiro, com pós-graduação, muito religioso, que se autodenomina não consumidor).
“acho que a pessoa buscar conhecer, tem gente que nunca teve experiências sexuais né, com algum outro
parceiro, é curiosidade mesmo e vontade de fazer coisas novas” (sujeito 18, 24 anos, feminino, solteira,
com ensino superior incompleto, médio religiosa, que se autodenomina não consumidora).
“curiosidade é um dos pontos, é, fixação por aquilo também pode ser, não sei assim exatamente não, não
sei se é porque eu nunca consumi, não sei” (sujeito 13, 34 anos, feminina, casada, com ensino
superior completo, pouco religiosa, que se autodenomina não consumidora).
“não tenho nada contra quem consome pornografia porque eu também já cheguei a consumir muitas vezes,
já cheguei a frequentar muitos sites e tudo por curiosidade” (sujeito 35, 21 anos, masculino, solteiro,
com ensino superior incompleto, pouco religioso, que se autodenomina não consumidor).
“os tabus que existem em torno disso, a questão religiosa. Muita gente vê isso como algo errado,
inapropriado, e eu não vejo assim” (sujeito 17, 22 anos, feminina, solteira, com ensino superior
incompleto, médio religioso, que se autodenomina não consumidora).
“ela não é diferente da gente, é uma profissão como qualquer outra, a gente só tem que respeitar e aceitar
ela trabalhar, ela trabalha, é o trabalho dela ou dele, então assim só tem que aceitar viver a vida deles
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e deixar a pessoa viver como eles querem” (sujeito 12, 31 anos, masculino, casado, com ensino
superior completo, pouco religioso, que se autodenomina não consumidor).
“eu acho que não tem dificuldade nenhuma, até porque a internet veio justamente para abarcar o
conhecimento universalista em todos os aspectos, então com a, com o acesso fácil a internet fica muito fácil
ter acesso a esse tipo de mercado” (sujeito 44, 27 anos, masculino, solteiro, com pós-graduação,
muito religioso, que se autodenomina não consumidor).
Discussão
Os trabalhadores da área pornográfica por vezes são vistos como pessoas desviantes,
imorais, pervertidas ou que possuem algum desvio na personalidade por conta do trabalho que
desenvolvem. Apesar de terem todo o direito resguardado e garantido, até próprios consumidores
têm certa dificuldade de encarar o trabalho como algo normal (Benitez, 2009; Campos, 2006;
Fonseca 2015; Garcia, 2015). Contundo, diante disso, o trabalho dessas pessoas é considerado,
apesar de certa dificuldade como um “trabalho como qualquer outro”.
No grupo dos Consumidores, os trabalhadores são vistos como admiráveis, como pessoas
que estão ali por ser um trabalhado que resolveu seguir por conta de dinheiro ou de gostarem,
reconhecem o peso que é estar trabalhando nesse ramo, e que é um trabalho antes de tudo.
Os consumidores tratam com normalidade a questão da pornografia, apenas relatam que não
gostam quando tem algo a ver com a pornografia infantil. Já no grupo dos Não Consumidores, os
trabalhadores são vistos desde trabalhadores como qualquer outro, como também pessoas que
passam do limite, alguns recriminam e outros tentam a defesa desse tipo de trabalho. Existe uma
divergência nas respostas desses grupos em relação ao trabalho e aos trabalhadores.
Trabalhar com a pornografia envolve muitos estigmas, e, além disso, existe a situações de
desigualdade que esse meio propicia (Benitez, 2009; Campos, 2006; D’Abreu, 2013, Fonseca, 2015).
Tanto no grupo de Consumidores quanto no grupo de Não Consumidores, o que prevaleceu foi à
diferença quanto aos homens e mulheres que trabalham nesse meio, principalmente em relação
às mulheres que sofrerem mais devido a maior exposição, a sociedade, a elas serem retratadas de
maneira submissa. Isso corresponde ao que D’Abreu (2013) argumenta, que o meio pornográfico
proporciona essa desigualdade entre os sexos, fazendo com que as mulheres envolvidas de alguma
forma recebam o título de submissas e que sejam expostas a algum tipo de agressão. Porém,
houve uma parte do grupo de Não Consumidores que considerou que não haveria diferença entre
eles, que eles teriam a mesma carga social quanto ao seu trabalho.
Com relação ao consumo pornográfico, de acordo com Barbosa (2010) está relacionado
com a vontade de obter algo para satisfazer uma necessidade, fazendo ela parte da essência ou
não do sujeito. Tanto no grupo de Consumidores e de Não Consumidores, o que se percebe é que
o motivo do consumo é pelo simples fato de gostar, de sentir vontade, para que seja um momento
de prazer e satisfação consigo mesmo ou com o outro. E juntamente com isso uma parte dos Não
consumidores traz também que um dos motivos para o consumo seria o conhecimento, e que isso
seria normal.
Com a chegada da internet e com a propagação de outros tipos de materiais pornográficos,
utilizá-los se tornou mais fácil (Benazzi, Fernandes & Maia, 2016; Fonseca, 2015; Lopes, 2013;
Martinez, 2009). Em ambos os grupos citam-se vários tipos que existem no mercado, variando
Considerações Finais
Diante dos objetivos da pesquisa pode-se compreender a percepção das pessoas acerca do
consumo de materiais pornográficos e dos trabalhadores da indústria pornográfica. Traçou-se
o perfil dos entrevistados, foi avaliada a compreensão dos entrevistados acerca do consumo,
averiguaram-se os motivos que levam ao consumo desses materiais pornográficos pelos dois
grupos, puderam ser percebidas as barreiras que os consumidores disseram enfrentar em relação
ao consumo e o que os não consumidores percebiam como barreiras, e por fim averiguaram-se a
compreensão dos entrevistados sobre o trabalho das pessoas na indústria pornográfica.
Notou-se que, em geral, as respostas acerca do que foi perguntado foram semelhantes, se
distinguiam quando os entrevistados se diziam muito religiosos e não consumidores. As respostas
dos consumidores se aproximaram, levando a compreensão sobre a pornografia ser percebida na
sociedade como algo “comum” e presente na atualidade, apesar do tabu que ainda persiste em
torno disso.
Por fim, visto tudo o que foi discutido nessa pesquisa e em relação aos objetivos iniciais,
pode-se notar que ao se comparar os dois grupos, consumidores e não consumidores conseguiu-
se ter uma visão sobre a percepção dos mesmos em relação ao consumo e aos trabalhadores da
área.
Referências
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Introdução
A
tualmente, os valores humanos são considerados um dos principais aspectos do
desenvolvimento bem-sucedido das sociedades, que são transmitidos de uma
geração para a outra, sendo fundamentais para a sobrevivência e manutenção
destas (Inglehart, 1977). Dessa forma, entende-se que os mesmos se desenvolvem nos períodos
iniciais da vida, transformando-se, posteriormente, em características individuais relativamente
estáveis, consideradas importantes para explicação de construtos, tais como comportamentos,
atitudes e outros atributos psicológicos. Apesar de sua importância, o seu processo de elaboração
durante a infância ainda é pouco estudado (Cieciuch, Davidov, & Algesheimer, 2015).
Visando superar essa deficiência, alguns pesquisadores têm se dedicado a realizar estudos
com a tematica, principalmente referentes a em socialização em valores (Grusec & Davidof, 2010),
uma vez que a socialização enfatiza a ideia de aprendizagem, que envolve um processo continuo
(Medeiros, Soares, & Vione, 2016). Tais estudo têm englobado diferentes agentes, a exemplo da
família, onde as crianças estabelecem as primeiras trocas na constituição de suas crenças, práticas
e, consequentemente, os seus valores por intermédio da cultura, focando-se, principalmente, na
estrutura familiar (Knafo, 2003). Nessa direção, as pesquisas têm buscado analisar as prioridades
valorativas de crianças e adolescentes, a partir da compreensão dos relacionamentos familiares e
do processo de transmissão de valores entre pais e filhos.
Evidencia-se, desse modo, a necessidade e relevância de se estudar os valores humanos
nas fases do desenvolvimento, por reconhecer que esse construto exerce influência no
comportamento nos âmbitos individual e social (Meneses, 2017), principalmente nas fases
iniciais da vida, onde a literatura ainda é escassa, especialmente no que tange à elaboração e/
ou adaptação de instrumentos psicométricos (Soares, 2013). Isso se deve, em parte, ao fato
de os estudos desenvolvidos focalizarem a estrutura familiar para se considerar os valores
em crianças e adolescentes, empregando, de forma geral, medidas elaboradas para adultos,
avaliando valores dos pais (Moraes, Camino, Costa, Camino, & Cruz, 2007). Ademais,
ressalta-se a importância de testar as diferentes propostas das vertentes teóricas existentes
sobre os valores humanos, de modo a contribuir com uma melhor compreensão de tais teorias
também na infância.
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Nesse sentido, em observância a estas questões, acerca da construção teórica referente à
esse construto ao longo dos anos, especificamente em Psicologia, nota-se que essa temática teve
relevância a partir dos estudos de Rokeach, que propôs tornar esse construto independente de
outros os quais era sempre vinculado, (eg. Comportamentos, atitudes e crenças; Medeiros, 2011).
Fato que impulsionou o estudo, principalmente, por duas vertentes: a) Sociológica (cultural),
como os valores culturais de Hofstede (1980) e os políticos de Inglehart (1977); b) Psicológica
(individual), com os valores instrumentais e terminais de Rokeach (1973), os tipos motivacionais
de Schwartz (1992), além da Teoria Funcional dos Valores Humanos (TFVH) (Gouveia, 2003),
que tem se apresentado mais parcimoniosa e integradora que as anteriores, além de demonstrar
padrões satisfatórios de adequabilidade (Soares, 2013), e servirá de pano de fundo para a presente
pesquisa, sendo detalhada a seguir.
A TFVH apresenta cinco suposições teóricas: 1) natureza benévola humana, valores como
positivos; 2) São princípios-guia individuais, servindo como padrões gerais de orientação para
o comportamento das pessoas, não se restringindo demandas situacionais; 3) Possuem uma
base motivacional; 4) Os valores possuem caráter terminal; e 5) Os valores apresentam condição
perene, sendo os mesmos, modificando-se apenas as prioridades valorativas (Gouveia, 2016).
Dessa maneira, os valores se configuram enquanto critérios de orientação (princípios-guias)
individuais, pautadas nas necessidades humanas, que transcendem situações concretas e, assumem
magnitudes distintas. Assim, os valores são combinados com as experiências de socialização,
funcionando como lentes construídas socialmente, dando sentido ao mundo (Gouveia, 2003).
Segundo Gouveia (2016) a TFVH, concebe os valores por uma perspectiva inovadora, ao ser
a primeira a considerar diretamente as funções atribuídas aos valores. Especificamente, aborda
duas que são consensuais na literatura: a) Tipo de motivador (eixo horizontal), que expressam
cognitivamente as necessidades, por dois tipos: materialistas (vida como fonte de ameaças a
serem superadas) ou idealistas (vida como fonte de oportunidades); e b) Tipo de orientação, que
servem a metas, sociais (foco na comunidade), pessoais (foco intrapessoal) e centrais (propósito
geral de vida), estes últimos sendo congruentes e estruturantes dos demais valores, funcionando
como a espinha dorsal da teoria (Gouveia, 2003).
A interação dos valores ao longo dos eixos permite identificar seis subfunções que são
distribuídas de maneira equitativa nos critérios de orientação social (interativa e normativa), central
(suprapessoal e existência) e pessoal (experimentação e realização), esta estrutura pode ser verificada na
Figura 1.
Figura 1. Facetas, dimensões e subfunções dos valores básicos. Adaptada a partir de “Conhecendo os
valores na infância: Evidências psicométricas de uma medida”, de Gouveia, V. V., Milfont, T. L., Soares, A.
K. S., Andrade, P. R., e Leite, I. L., Psico, 42(1), 106-115. Copyright 2011 EDIPUCRS.
Hipótese de conteúdo
566 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Para além disso, tendo em conta que os valores se formam nos primeiros dez anos de vida
(Porfeli, 2007; Rokeach, 1973), alguns estudos têm sido desenvolvidos no âmbito do modelo
proposto por Gouveia e colaboradores (2003; 2016) utilizando amostras de infantes (Lauer-Leite,
2009). Entre eles, destaca-se o estudo de Gouveia et al., (2011), o qual objetivou reunir evidências
de adequação psicométrica do Questionário dos Valores Básicos, versão infantil (QVB-I), uma vez
que se observa a relevância na identificação dos valores nesta fase de desenvolvimento (Sousa,
Soares, Gouveia, & Lima, 2013), faz-se necessário contar com instrumentos com boas qualidades
métricas para a sua avaliação.
Assim, haja vista os aspectos elencados até aqui, aliado ao fato de que outros modelos
prévios de valores (Inglehart,1977; Schwartz, 1992) não se dedicarem à investigação acerca dos
valores infantis (Andrade, Camino, & Dias, 2008), a presente pesquisa objetiva aumentar o escopo
acerca dos parâmetros psicométricos do Questionário dos Valores Básicos - Infantis (Gouveia et
al., 2011; Soares, 2013; Sousa et al., 2013), ao reunir evidências de validade de construto e sua
precisão, além de testar a hipótese de conteúdo dos valores, segundo o modelo funcional dos
valores (Gouveia, 2003, 2016).
Método
Participantes
Instrumentos
Questionário de Valores Básicos - Infantil (QVB-I; Gouveia et al., 2011). Composto por 18 itens
(três itens para cada subfunção). Esta medida foi adaptada por Gouveia, Milfont, Soares, Andrade
e Lauer-Leite (2011), considerando aquela elaborada para adultos por Gouveia (2003). Os 18 iten
são distribuídos equitativamente entre as seis subfunções valorativas (experimentação, realização,
suprapessoal, existência, interetiva e normativa), descritas previamente. Assim, a criança
respondente, deve indicar o grau de importância que cada valor tem como principio que norteia
as suas vidas, de acordo com escala de cinco pontos, que são representados por smiles (rostos) de
bonecos e números, que variam de 1 (Nenhuma importância) a 5 (Máxima importância).
Além disso, aplicou-se um questionário de caracterização sóciodemográfica, composto pelas
seguintes perguntas: idade, sexo e grau de escolaridade.
Procedimentos
Inicialmente, realizou-se o contato com as direções das escolas (públicas e particulares), para
a obter da autorização para a realização da pesquisa. Por se tratar de um estudo com menores,
com a prévia autorização dos diretores obtida, posteriormente, buscou-se a autorização dos pais
e responsáveis, por meio do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para que estes
autorizassem a participação das crianças. Após prévia autorização dos pais, por meio da assinatura
do TCLE, bem como do Termo de Assentimento por parte da criança, designado para que as
crianças indicassem que aceitariam participar da pesquisa, procedeu-se a coleta de dados. Que foi
efetivada por pesquisadores previamente treinados, que permaneceram presentes durante todas
as coletas, para que pudessem esclarecer dúvidas e auxiliar os participantes durante a execução da
Contou-se com os pacotes estatísticos AMOS e SPSS (ambos na versão 21) para realizar
as análises estatísticas dos dados. Com o AMOS realizaram-se análises fatoriais confirmatórias
(AFCs), objetivando checar a validade de construto (Hipótese de Conteúdo dos valores). Com tais
indicadores de ajuste (Marôco, 2014):
(1) χ² (qui-quadrado). Testa a probabilidade de o modelo teórico se ajustar aos dados
empíricos; valendo-se da razão em relação aos graus de liberdade (χ²/g.l.), onde seus valores
devem ficar entre 2 e 3, admitindo-se até 5; (2) Goodness-of-Fit Index (GFI)
(3) Comparative Fit Index (CFI). São indicadores adicionais de ajuste do modelo, admitindo-se
valores idealmente próximos ou superiores a 0,90;
(4) Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA). Considera intervalo de confiança de
90% (IC90%), para este indicador, recomenda-se que os valores fiquem citados próximos ou
inferiores a 0,05; sendo 0,08, admitindo-se até 0,10.
Com SPSS 21 calculou-se estatísticas descritivas (frequência, médias, desvios padrões),
consistência interna (homogeneidade e Alfa de Cronbach). Ainda calculou-se a confiabilidade
composta (CC; Fornell & Larcker, 1981; Marôco, 2014). A confiabilidade composta, quando
comparada, por exemplo, com o alfa de Cronbach (α), tem a vantagem de não pressupor que
os itens sejam tau equivalentes, isto é, tenham iguais pesos fatoriais, nem que os erros de medida
sejam independentes. Portanto, é um indicador adicional de consistência interna dos fatores
(subfunção) avaliado.
Para comparar os modelos alternativos contou-se com os indicadores, a saber: ∆χ²,
CAIC (Consistent Akaike information Criterion) e ECVI (Expected Cross Validation Index). Diferença
estatisticamente significativa do ∆χ², penalizando o modelo com maior χ², e valores < de CAIC e
ECVI sugerem um modelo mais adequado.
Resultados
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Tabela 1.
Estatísticas descritivas, precisão do construto do QVB-I.
Subfunção M DP α rm.i CC
Experimentação 4,17 (4) 0,78 0,58 0,32 0,58
Realização 3,03 (6) 0,97 0,61 0,34 0,61
Existência 4,57 (1) 0,59 0,56 0,29 0,57
Suprapessoal 4,01 (5) 0,76 0,38 0,17 0,48
Interativa 4,50 (2) 0,62 0,53 0,27 0,54
Normativa 4,25 (3) 0,79 0,56 0,30 0,57
Nota: N= 201, M = média, DP = desvio padrão, α = Alfa de Cronbach, rm.i = Índice de homogeneidade, CC = Confiabilidade
Composta, VME = Variância Média Extraída. Os valores entre parênteses correspondem à ordem de importância das
subfunções.
Tabela 2.
Cargas fatoriais da estrutura hexafatorial com suas respectivas saturações.
SUBFUNÇÃO/ VALORES Lambdas (λ) Lambdas (λ)
Subfunção Experimentação ---- Subfunção Existência ----
Emoção 0,53 Estabilidade 0,66
Estimulação 0,63 Saúde 0,47
Prazer 0,53 Sobrevivência 0,53
Subfunção Realização ---- Subfunção Interativa ----
Êxito 0,52 Afetividade 0,59
Poder 0,61 Apoio Social 0,46
Prestígio 0,62 Convivência 0,54
Subfunção Suprapessoal ---- Subfunção Normativa ----
Arte 0,61 Obediência 0,57
Conhecimento 0,63 Religiosidade 0,48
Igualdade 0,19 Tradição 0,61
Tabela 3.
Indicadores de ajustes dos modelos alternativos.
RMSEA
Fat χ2 DF χ2/gl GFI CFI CAIC ECVI Δχ2 (df)
(IC90%)
0,07
6 234,22 120 1,95 0,88 083 555,68 1,74 ―
(0,06-0,08)
0,07
5 245,47 125 1,96 0,88 0,82 535,42 1,73 11,25 (5)
(0,06-0,08)
0,08
3 290,12 132 2,20 0,86 0,76 535,95 1,88 55,9 (12)*
(0,07-0,09)
0,09 112 , 6 6
2 346,88 134 2,59 0,82 0,68 580,10 2,14
(0,08-0,10) (14)*
0,09
119 , 2 7
1 353,49 135 2,62 0,82 0,67 (0,08 – 580,41 2,16 (15)*
0,10)
Nota: N = 201. Modelos hexafatorial (original), pentafatorial (subfunções suprapessoal e existência formando uma
única subfunção: valores centrais), trifatorial (valores pessoais, centrais e sociais), bifatorial (valores idealistas e
valores materialistas) e unifatorial (todos os 18 valores saturando em um único fator).
Como pode se observar nesta tabela 3, o modelo original hexafatorial, composto por
seis subfunções (fatores), e o a pentafatorial, apresentam os melhores índices de ajuste. Dessa
forma, os resultados sugerem que não seria absurdo considerar um fator gerado pela junção das
subfunções existência e suprapessoal. Portanto, parece plausível pensar que os 18 valores específicos
do QVB-I podem ser representados adequadamente por seis fatores, corroborando a hipótese de
conteúdo.
Discussão
570 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
sendo para o alfa de Cronbach considerado 0,50 (Pasquali, 2016) e para a CC valor mínimo de
0,70 (Marôco, 2014), este fato é justificado pela natureza do construto, que tende a ter pouca
variabilidade de respostas entre as pessoas de uma mesma localidade (Gouveia, 2016). Devido a
isto, buscou-se averiguar a homogeneidade (correlação inter-itens), que é um índice complementar
de confiabilidade, sendo este considerado adequado (0,20; Clark & Watson, 1995).
Quando considerada a hipótese de conteúdo, os resultados corroboram o que prediz a TFVH,
ou seja, que os valores podem ser representados por seis subfunções (seis fatores, cada um com
três valores específicos). Dessa forma, o modelo hexatorial, foi comparado com alternativos:
(1) unitorial, que constitui a questão da desejabilidade social, inerente aos valores (Schwartz,
Verkasalo, Antonovsky, & Sagiv, 1997); (2) bifatorial, composto pelos valores materialistas e
idealistas (Braitwite, Makkai, & Pittelkow, 1996); (3) trifatorial, formados por tipo de orientação,
que podem ser social, central, e pessoal (Rokeach, 1973; Schwartz, 1992) e (4) pentafatorial, onde
os valores das subfunções existência e suprapessoal são agrupados em um único fator, denominado
de central, fonte pela qual do qual os outros valores se estruturam e organizam (Maslow, 1954).
Tais resultados similares de adequação hexafatorial já foram relatados em pesquisas subjacentes
em território nacional e internacional (Gouveia, 2016).
Entretanto, apesar dos resultados promissores, entende-se que toda pesquisa cientifica
envolve limitações potenciais. Assim, menciona-se o viés amostral, que foi obtida em 4 escolas
(públicas e particulares) da cidade de Parnaíba, dando-se por conveniência, de forma não foi
probabilística, fato que impossibilita a generalização dos resultados, para além do limite amostral.
A utilização de um instrumento de autorelato também se configura como uma limitação, pois
permite que o respondente falseie as suas respostas, em função da desejabilidade, fato que é
potencializado pela presença do pesquisador.
Para além desses resultados e pensando na possibilidade de estudos futuros, sugere-se que
pesquisas como esta sejam replicadas em outras regiões brasileiras, abrangendo um número
maior de participantes, que tornem a amostra mais representativa. Seria igualmente interessante
considerar amostras com diferentes fases do desenvolvimento, por meio de estudos longitudinais,
visando averiguar a mudanças ocorridas nos valores em diferentes idades. Ademais, seria necessário
investigar a validade atemporal da medida, para verificar se a mesma produz resultados similares
ao longo do tempo. Finalmente, seria interessante relacionar QVB-I, com demais variáveis, para
além das já relacionadas, a exemplo do significado do dinheiro (Lauer-Leite, 2009), nos atos bullying
(Monteiro et al., 2017; Soares, 2013) e no comportamento de mentir em crianças (Meneses, 2017).
De maneira geral, os resultados encontrados, mostrando que o QVB-I se apresenta como
uma ferramenta com evidências psicométricas favoráveis, podendo ser útil para o aumento em
pesquisas interessadas nos valores das crianças, e como os mesmos se desenvolvem durante o
processo de socialização nas fases iniciais da vida. Além disso, o QVB-I pode ser utilizado para
subsidiar propostas de intervenções, principalmente em valores no contexto escalar, que funciona
como um agente importante na construção e internalização dos valores infantis.
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Introdução
O
presente texto é produto de uma pesquisa maior realizada para a construção de
uma dissertação de mestrado que tinha como tema a administração dos afetos
pelo capitalismo. O que se encontra aqui são os seguimentos iniciais do texto que
apresentam a proposta que guia toda a dissertação. Trata-se da proposição de uma Psicologia
Social Crítica a partir de uma “visão em paralaxe”. Conceito tomado de empréstimo do filósofo
esloveno Slavoj Zizek. Desta maneira, não apenas essa proposição, mas também o método que a
guia estão explicitados ao longo desse recorte.
A questão paralática nos é cara, pois vivemos, contemporaneamente, um modelo de
capitalismo que, como bem apresentado por Adorno e Horkheimer (1985), opera para além dos
aspectos econômicos da vida, ou seja, nos aspectos culturais. Desta maneira, o capitalismo dita,
através de determinadas formas de racionalidades, não apenas a dinâmica do mundo financeiro,
mas os modos de organização da vida social. Se controle sobre os sujeitos se estende por vários
aspectos da vida em sociedade.
Esse trabalho se lança no universo da teoria crítica que como, aponta Nobre (2003), se
orienta para a superação dessa colonização da vida social pelas formas de racionalidades e
ideologias produzidas pelo Capitalismo.
Para realização desse trabalho, buscamos auxílio no campo da Psicologia Social Crítica,
pois, como bem sugere Lima (2010), esta também é uma Teoria Crítica não no sentido restrito que
pode ser conferido ao termo quando tomado por sinônimo de Escola de Frankfurt, mas em seu
sentido geral: o de uma crítica das formas de dominação e exploração do homem pelo homem.
Uma Psicologia Social que se propõe Crítica, logo tem a função de
[...] desvelar aquilo que não se quer saber. De uma forma extremamente oposta a
Psicologia Social Tradicional (experimental/positiva), essa Psicologia Social Crítica pode
ser descrita como aquela que não reduz a leitura da sua “realidade” ao que existe. Sendo
que sua tarefa consiste, precisamente, em conceituar e avaliar as condições e alternativas
subjetivas e concretas frente ao que está empiricamente dado. Ela é crítica do que existe
como desigualdade de oportunidades e do que é produzido e reproduzido pelos regimes de
invisibilidade. Ela parte do pressuposto de que nossas vivências não esgotam as possibilidades
de existência e que, portanto, existem alternativas as alternativas atuais diante das condições
historicamente construídas de discriminação, de exploração, de segregação, de adaptação e
de poder. (Lima & Lara Junior, 2014, p. 9).
574 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A vastidão e complexidade dos temas abordados pela Psicologia Social Crítica permite-nos
adota-la como um potente instrumento crítico e analítico diante dos conceitos fundamentais que
guiam nossa proposta. Essa potência é decorrente, em grande parte, da labilidade que esta tem
em relação aos mais diversos campos do saber e da crítica social.
Sendo um saber de fácil diálogo (uma vez que seu objeto de estudo é, em grande medida, a
crítica da realidade imanente) a articulação com campos como a filosofia, a economia-política,
as ciências sociais, psicologia e psicanálise não é só possível, mas necessária para a composição
deste trabalho.
Essa articulação não é um mero paralelismo de ideias. É, na verdade, a busca por um
enfoque interdisciplinar onde o diálogo entre esses saberes sejam complementares onde essa
complementaridade é possível. Iniguez-Rueda (2003) sugere que esta á uma das características de
uma Psicologia Social criticamente orientada, pois ela mantém
13 A permeabilidade às ideias e abordagens de outras disciplinas da psicologia social e psicologia, como epistemologia
feminista e estudos lésbicos e gays, linguística e estudos do discurso, sociologia do conhecimento científico ou
estudos sociais ciência e tecnologia. Mantém, também, uma oposição radical às formas de pensamento de caráter
despótico e autoritário, mantendo uma crítica severa do individualismo, um compromisso com os processos de
mudança política e social, uma indefinição das fronteiras entre o teórico e metodológico e do natural e do social.
(Tradução nossa).
Desenvolvimento
Tomemos, pois o capitalismo como a tal ordem social impessoal cujos signos se inscrevem
e reinscrevem na ordem individual. Porém, essa inscrição não é imediata, mas mediada pelas
conformações que a ideologia assume nesse processo inscritivo. Mas, sendo o capitalismo uma
impessoalidade, ou seja, sendo este desprovido de uma espécie de valor, o que o sustenta enquanto
um sistema de influências?
Segundo Löwy (2014, p. 49), o capitalismo “de fato não tem necessidade de nenhuma ética,
pois, enquanto sistema rigorosa e implacavelmente impessoal, ele é radicalmente impermeável a
uma regulação moral: ele não é antiético, mas simplesmente anético (anethisch)”.
Não possuindo um valor em si, um terceiro elemento nessa trama é necessário. Não mais a
mediação entre o impessoal e o pessoal, mas uma interna a própria impessoalidade: falamos da
racionalidade que proporciona um valor moral do qual, por si, o capitalismo é desprovido.
Habermas (2014, p. 75), apoiando-se em Weber, nos fornece uma elucidativa noção de
racionalidade definindo-a como “forma de atividade econômica capitalista, do tráfego social
regido pelo direito privado burguês e da dominação burocrática.” Sendo a racionalidade uma
espécie de axioma lógico do funcionamento do sistema suas operações se efetuam através da
‘racionalização’ entendida como a
[...] ampliação dos âmbitos sociais, que ficam submetidas aos critérios da decisão racional.
Isso corresponde a industrialização do trabalho social tendo por consequência a penetração
dos critérios da ação instrumental penetram em outros âmbitos da vida (como a urbanização
dos modos de vida, a transformação técnica das formas de comunicação) (...) A progressiva
racionalização da sociedade encontra-se ligada a institucionalização do progresso científico
e técnico. Na medida em que a técnica e a ciência penetram os âmbitos institucionais da
sociedade e, dessa forma, transformam as próprias instituições, as antigas formas de
legitimação são decompostas (Habermas, 2014, p. 76).
Marcuse (2015) entende esse processo de racionalização da vida ou, como trataremos aqui,
racionalização das formas de vida14, a partir de uma dimensão ideológica, pois as justificativas
da gestão da vida são pragmaticamente instrumentalizadas para sustentar as “formas de vida”
hegemônicas. Isso significa dizer que o capitalismo propõe, segundo uma racionalidade especifica,
modelos como uma boa vida, uma vida racional, deve ser vivida.
14 O conceito de “Formas de vida” será melhor trabalhado ao longo do texto. Por hora façamos uso da seguinte
definição: “um conjunto socialmente partilhado de sistemas de ordenamento e justificação da conduta nos
campos do trabalho, do desejo e da linguagem. Tais sistemas não são simplesmente resultado de uma imposição
coercitiva, mas da aceitação advinda da crença de eles operarem a partir de padrões desejados de racionalidade.”
(Safatle, 2008, p.12)
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A nossa ideia de uma Psicologia Social Crítica em Paralaxe parte da seguinte proposição: a
racionalidade capitalista produz os signos de verdade da ordem impessoal que serão inscritos na
ordem individual mediados pelas formações ideológicas do Sistema. A questão que se apresenta
diante da eleição desse tema é como fazer essa análise crítica desses termos? Qual o método seria
mais adequado para esta análise? Algumas questões sobre a nossa proposta metodológica devem
tornar-se claras para que possamos prosseguir com nossa análise.
Em primeiro lugar concordamos com a tese de Adorno (2015, p. 71) de que
[...] não é suficiente a velha explicação de que os interessados controlam todos os meios
da opinião pública, pois as massas dificilmente seriam cativadas por falsas propagandas
toscas e capiciosas se nelas mesmas não houvesse algo que correspondesse às mensagens
de sacrifício e vida perigosa.
Tal afirmação, proferida em meados dos anos de 1950, é dirigida para a propaganda fascista,
entretanto nos serve de inspiração na medida em que questiona críticas que tomam o processo de
inscrição da ordem impessoal na dimensão subjetiva da vida um processo como absolutamente
passivo e alheio ao próprio indivíduo.
Uma “crítica paralática”, logo, não pode ater-se apenas à dimensão do macrocosmo do
social, mas adentrar, também, os meandros da atividade do indivíduo frente às dinâmicas sociais
que o cerca. Adotamos, então, uma certa construção sistemática que visa criticar e analisar o
entrelace dessas três categorias, pois entendemos ser este nó aquilo que situa-se no intertício, na
lacuna paraláctica entre o impessoal e o pessoal.
Para Safatle (2008), foi Adorno que primeiro teria percebido esta dinâmica de tal modo
que, diante dela, é necessário repensar nossa concepção de ideologia. Esta não é somente o
obscurecimento de processos econômicos pelo fetiche da mercadoria, mas a própria disposição
da cultura ao ordenar os processos da vida social. Essa dimensão externa com a qual temos de nos
relacionar é oriunda de processo de reificação não mais da mercadoria, mas da própria cultura
transformada em mercadoria. Adorno, então, nos fornecera
Essa nova teoria amarra as três categorias que motivam a produção desse texto e nos
impele a investigação da relação do individuo com as disposições destas formas hegemônicas de
conduta, pois, para Adorno (2015), o indivíduo (referido por ele como o “eu”) é dialético e tem
participação decisiva em certa eleição da forma hegemônica.
o Social, o campo das práticas sociais e das crenças socialmente alimentadas não esta apenas
em nível diferente da experiência individual, mas é algo com o que o individuo propriamente
dito tem de se relacionar, que o individuo propriamente dito tem de experimentar como uma
ordem minimamente “reificada”, externalizada.
Temos com isso uma ordem externa com a qual o individuo tem que se relacionar, porém
que, paradoxalmente, determina os termos dessa relação. Zizek (2010) percebe nessa situação
um impasse dialético onde o indivíduo que constitui a ordem do social é constituído por esta na
medida em que se relaciona com ela. O que está posto não é um fenômeno passivo entre os dois
termos em questão, mas a dialética do fenômeno da inscrição do social no indivíduo.
Zizek (2010) vê, nessa dialética, uma dimensão “performartiva” do laço social. Um conjunto
de imagens, regras e atitudes previamente estabelecidas com as quais temos que nos relacionar
para manter o mínimo de coesão na estrutura social vigente. A aposta de Zizek (2011) é de que a
Economia é uma espécie de ordenador dessa relação. Ideia essa sustentada por Aganbem (2011)
que aponta que as estruturas de poder no ocidente assumem uma forma econômica.
A Economia e a importância desta para a organização dos processos sociais dentro do
capitalismo através produção e gestão das “formas de vida”. Safatle (2008), atenta que devemos
entender a Economia não só como uma ciência monetária, mas como a administração das
vontades, das paixões, dos desejos e dos impulsos, em outras palavras, uma “economia da libido”.
Será através de uma análise da economia da libido que poderemos perceber a relação entre as
formas de vida e os afetos, pois ela une as três dimensões fundamentais aqui trabalhadas. As
racionalidades a partir das quais as formas de vida se erigem. As ideologias que difunde no meio
social estas formas e os afetos que enlaçam os sujeitos e formas de vida.
Para tal intento, é preciso construir uma diagnóstica das formas de vida do capitalismo. O
termo é tomado de empréstimo da “Clínica Clássica” e refere-se à atitude continua de averiguação
de uma hipótese na medida em que ela se “confirma ou se desmente, se especifica, se generaliza,
se atualiza ou se transforma a cada novo tempo (...)” (Dunker, 2011, p. 407).
A diagnóstica implica em uma atenção constante aos signos (sinais e sintomas) de uma
determinada racionalidade. É bem verdade que essa racionalidade, em uma leitura apresada do
termo, pode ser tomada como especificamente clínica. Dunker (2015), porém, sugere que Hegel
teria inaugurado a possibilidade de uma diagnóstica social “diagnóstico de época”. Este seria a ideia
de “atentar para a relação entre as formas de sofrimento e as formas de alienação da consciência
como método para apreender, no tempo e no objeto cultural, as contradições entre sociedade e
indivíduo.” (Dunker, 2015, p. 31)
Hegel (1997b) diagnosticou vários elementos afetivos comuns aos indivíduos modernos
como solidão, abatimento, vacuidade. Segundo Honneth (2003b) esses são elementos subjacentes
ao diagnóstico hegeliano de “sofrimento de indeterminação”. Na leitura deste último, Hegel
(1997b) teria identificado que a sociedade moderna tem uma noção de liberdade equivocada o
que culminaria nesse tipo de sofrimento uma vez que na transição entre as estruturas normativas
pré-modernas e modernas existe uma reorientação dos valores individuais.
Longe de querermos nos aprofundar na questão hegeliana, tomamos esta ideia como
exemplo de um diagnóstico que transcende a clínica tornando-se o diagnóstico de uma época.
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O que Honneth (2003b) aponta como sendo um diagnóstico da modernidade em Hegel é, em
alguma medida, parte de uma diagnóstica, pois esta é
Um discurso local acrescido de efeitos, alianças e injunções que ultrapassam esse campo
específico de autoridade, ação e influência. Assim sendo, o ato diagnóstico ocorre no
interior de um sistema de possibilidades predefinidas envolvendo um sistema de signos, uma
prática de autoridade e uma gramática das formas de sofrimento que são agrupadas em
uma unidade regular. A diagnóstica é a condição de possibilidades dos sistemas diagnósticos.
(Dunker, 2015, p.20).
Honneth (2003b), porém atenta para o fato de que os variados diagnósticos de época estão
sujeitos as variantes históricas não sendo eles confiáveis como elementos capazes de articular uma
leitura conjuntural sobre a estrutura da realidade. Para ele,
Já não passa mais um ano sem que surja uma nova fórmula mediante a qual os novos
traços característicos de nossa sociedade são levados a um único conceito: se primeiro foi a
tendência geral à “mudança de valores”, logo depois foi a “pós-modernidade”, em seguida
“a sociedade de risco” e, finalmente, a “sociedade da vivência” que deveriam ter entrado
no lugar da sociedade industrial, do capitalismo de massas ou da modernidade. (Honneth,
2003b, p. 77)
A crítica deste autor situa-se na busca do contemporâneo por uma espécie de significante
mestre (S1), no sentido que Lacan (1992) lhe confere, uma metanarrativa ou mesmo uma regra
geral capaz de articular o discurso de uma época. Porém, diferente de uma metanarrativa, a
diagnóstica parece esta intimamente ligada a uma determinação temporal. Seu efeito de verdade
parece depender de uma forma de racionalidade que a sustente. Ela não parece pretender-se a
dimensão de um “Inconsciente” ou de uma “Luta de Classes” em seus efeitos históricos, mas
confirmar temporalmente certo dado da realidade.
Desta maneira, ela é, aponta Dunker (2015, p.24), “como a reconstrução de uma forma de
vida.” A análise das condições de possibilidade de como determinadas formas de vida são julgadas
como dignas de serem vividas. E se pensarmos usando essa mesma lógica, mas aplicando-a as
formas de vida hegemônicas, ou seja, aquelas entendidas como racionais dentro do discurso
capitalista?
Conclusão
Parece mais fácil imaginar o “fim do mundo” que uma mudança muito mais modesta
no modo de produção, como se o capitalismo liberal fosse o “real” que de algum modo
sobreviverá, mesmo na eventualidade de uma catástrofe ecológica global... Assim, pode-se
afirmar categoricamente a existência da ideologia qua matriz geradora que regula a relação
entre o visível e o invisível, o imaginável e o inimaginável, bem como as mudanças nessa
relação. (Zizek, 1996, p.7)
É o fato de não conseguirmos supor outra realidade que não seja esta oferecida por essas
modalidades de racionalidade que indica a necessidade de revitalização das Teorias Críticas no
campo das ciências sociais, da filosofia social e da Psicologia Social.
Por fim, apostamos que uma possibilidade de revitalização desse processo crítica situa-se nas
pistas encontradas na pesquisa maior que originou esse texto. A Psicologia Social, enquanto uma
Teoria Crítica, em sua dimensão paralática, em nosso entendimento, aponta novos caminhos para
a revitalização do debate dialético entre o sujeito (ordem pessoal) e o social (ordem impessoal)
que configuram um dos temas centrais de uma Psicologia Social Crítica que se propõe como uma
Teoria Crítica.
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Introdução
O
processo identitário, comum a todos os indivíduos, premeia toda a vida em
sociedade, desde as relações cotidianos até o âmago da relações burocráticas e
tecnicistas próprias do contexto neoliberal, este, entretanto atravessa e influencia
as relações identitárias a ponto de criar processos que cristalizam a metamorfose desta dialética.
Deste modo, objetivo desse trabalho é analisar o contexto e a história de vida de Ivan
Ilitch - personagem principal da novela A morte de Ivan Ilitch, livro escrito em 1886 pelo conde Liev
Tolstói (1828 – 1910) - relacionando-a com os conceitos que estruturam a teoria da Identidade
e postulados da obra de Agnes Heller. A partir da análise poderemos identificar como se dá a
identidade do personagem e, consequentemente, os papéis que foram exercidos por ele de acordo
com o meio em que estava inserido, levando em consideração também os aspectos econômicos,
sociais e culturais.
Compreendemos o contexto do romance por meio das origens de Tolstói, pois esse reflete o
cenário em que decorre sua vida e obra. No final do século XIX, a atual Rússia, era um território
monarca, regido pelo imperador Czar. A grande maioria da população era camponeses que se
encontravam em situação precária. A industrialização começa a se desenvolver e a classe agrária
começa a passar por dificuldades.
Método
O método de análise utilizado foi uma pesquisa qualitativa de uma obra literária. Este
método de acordo com Miranda (2008), é um tipo de investigação indutivo e descritivo, ao passo
em que o investigador amplia conceitos, ideias e entendimentos a partir de resultados encontrados
nos dados.
Desta forma, a analise realizada nos viabilizará uma ampla visão que envolve uma
compreensão metodológica do conceito de Identidade e Vida Cotidiana, a relação constituída
entre literatura e referencial teórico estudado.
Resultados
Revisão de literatura
Contribuindo para o estudo dos fatores que permeiam a vida social dos indivíduos, Agnes
Heller (1989) adentra a vida cotidiana e suas relações no percurso sócio-histórico dos sujeitos,
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nos apresentando um panorama geral sobre a vida cotidiana. Paulino-Pereira (2014) também
comunga da ideia da vida cotidiana, enquanto modelada pelo Estado e pelo capitalismo sendo
fonte permanente de investigação, possuindo conteúdo ambíguo, abrangendo a vida das atividades
rotineiras, tornando-se mundo da alienação, espaço do banal cerceado da mediocridade dos
interesses particulares, entretanto, esse espaço pode, através de um processo de conscientização,
propiciar a resistência e transformação do indivíduo.
Essa reflexão pode propiciar ao sujeito a possibilidade de emancipação, por meio de seu
desejo de transformação e diante de um cenário que elicie a mesma. A vida cotidiana para Heller
(1989) pode ser entendida como o modo de funcionamento do homem, em todos seus aspectos,
colocando-se em evidencia suas particularidades e modos de ser.
A vida cotidiana evolui de acordo com uma dada historicidade e condições sociais (Heller
1989) e, segundo Lane (1989), ao considerar o humano dentro de suas características biológicas,
psíquicas e sociais, o indivíduo interage modificando e sendo modificado pelo meio em que está
inserido e ao tomar conhecimento das contradições dialéticas que o cercam, através da atividade
e consciência de classe, pode agir ativamente sobre aquilo que o determina, embora tendam a
reproduzir ideologias impostas pelas instituições dominantes, nesse sentido, cotidianamente o
homem desempenha e assume papéis sociais.
Sobre os papéis sociais, Heller (1989, p.87) afirma que estes são resultados de “... numerosos
fatores da vida cotidiana dados já antes da existência dessa função e que continuaram a existir
quando ela já se tiver esgotado”. A plena identificação com os papéis apresentados é precisamente
a forma direta de revelar-se a alienação, uma vez que consiste na mera repetição de papéis que
esperam de nós desde a tenra infância e que, em um indivíduo alienado, permeiam o seu vir-a-ser,
revelando assim, as imposições neoliberais e os processos identitários que estamos submetidos.
E é dentro deste contexto que segundo Paulino-Pereira (2014), muitos indivíduos são
impossibilitados de promover sua transformação, replicando papéis involuntariamente, atitude
essa que promove a não reflexão sobre os interesses do sistema reproduzindo assim a ideologia de
pensamento alienante. A essa reposição de papéis, Paulino-Pereira (2014, p. 50) define o conceito
de mesmice, sendo
... aquilo que, muitas vezes pode ser considerado como não metamorfose, na verdade apenas
é aparência de não movimento e não-transformação.... Quando não ocorre a transformação
como superação, o indivíduo vive sua metamorfose como mera reposição de sua identidade
e essa reposição, que é reprodução da mesmice, é sustentada para conservar uma condição
prévia, para preservar interesses em última análise, são interesses do capital.
O homem é o único animal a ser humanizável, processo esse que se dá por meio de sua
inserção ao mundo dos símbolos, levando ao desenvolvimento da linguagem, que nos diferencia
dos demais animais. De acordo com Ciampa (2011) a emancipação da identidade se dá a partir
da humanização, e através da linguagem, que constitui a primeira emancipação do homem.
No processo de humanização também se faz presente o conceito de socialização primária que
segundo Lane (1989), proporciona ao indivíduo valores internalizados de ética e moral, advindos
de sua família, que possui sua própria característica institucional e reproduz esse valores de
acordo com a posição social da mesma, através da visão de mundo dos pais ao longo de sua vida,
posteriormente, o indivíduo segue sua introdução na sociedade através da socialização secundária.
De acordo com Lane (1989, p.84) “A socialização secundária decorre da própria complexidade
existente nas relações de produção...” e é oriunda da instituições que levam o sujeito a internalizar
funções mais específicas, funções essas que influenciam os papéis sociais, ampliando e aplicando
sobre os sujeitos ideias pré-concebidas em relação a valores morais a serem internalizados
juntamente com valores ou atitudes institucionais dados como um padrão normativo, ao tomar
como verdade as representações ideológicas da sociedade.
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metamorfose regressiva, quando vai de encontro a uma re-posição do mesmo personagem social,
mas também apresentar movimentos de metamorfose progressiva quando pode se constitui
como uma superação de um personagem anterior. Entretanto nas relações sociais que cerceiam
a vida cotidiana, a visão subjetiva da natureza desses movimentos pode sofrer influências das
instituições e da sociedade, uma vez que suas atuações no cotidiano são inegáveis na constituição
da identidade.
Do mesmo modo que a identidade individual se constrói permanentemente, a identidade
coletiva, proveniente das relações grupais, também se constitui ao longo do tempo, em processo
de metamorfose, alternando momentos de estabilidade dado como uma reposição, como também
pode se transformar, em momentos dados como superação, assim como em casos excepcionais
se deteriorar, apresentando características de degradação. Movimentando-se neste universo por
meio da diferenciação e identificação de ideias.
A desumanização sofrida por indivíduos ingressos na vida cotidiana, representa a perda
da dignidade do homem e ocorre devido à cristalização causada pela coerção das políticas de
identidade, em que as instituições instauram padrões normativos, fazendo com que os indivíduos
vivam suas identidades dentro do que pregam tais instituições. Ciampa (2002), nos apresenta
o conceito de política de identidade como sendo uma orientação ao indivíduo, indicando os
parâmetros dados como adequados, para que o mesmo tenha um bom convívio, e se constitua
como um sujeito pragmático e heterogêneo. Tornando-se assim uma máquina de reprodução do
pensamento coletivo que alimenta a lógica vigente.
De acordo com Paulino-Pereira (2014), as instituições também influenciam, de forma
simbólica, os indivíduos na constituição de sua identidade política, que representa aquela que
proporciona ao indivíduo uma postura de sujeito privado, que também é aquele que intervem na
sociedade civil, se conscientizando e atuando nas políticas públicas em prol de melhoras reais para
a vida cotidiana em que está inserido. Elevando assim o sujeito a categoria de humano-genérico
consciente de si e provedor de mudanças sociais para os personagens à sua volta.
Compreendendo a relevância do caráter mutável e transformador da identidade, Ciampa
(2011, p.253) defende que, “... identidade, além de uma questão científica, é também uma
questão política.” a afirmação do conceito de identidade como motor de mudanças individuais
e coletivas em suas relações sociais e históricas, que se dão desde o dia em que o sujeito nasce
até seu último respirar, caracterizando uma existência marcada pela constante possiblidade de
metamorfose dialética.
Narrativa de Narrativa
Discussão
O romance é narrado por Piotr Ivánovitch, um dos colegas mais próximos do personagem.
Ivan Ilitch faleceu aos quarenta e cinco anos, estando desde a infância predisposto a seguir o
legado de seu pai na vida pública. Neste ponto podemos perceber como se deu a socialização primaria
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de Ivan, pois como afirma Lane (1989), consoante Gomes (1994) é o processo de humanização
do recém-nascido, que ocorre na relação com as pessoas que cuidam deste; o romance não dá
indícios da mãe de Ivan, apenas relata que ele foi um filho exemplar.
Ivan foi instruído para a carreira do direito, e sob influência de seu pai seguiu carreira na
esfera pública, buscava ascensão social e estabilidade financeira que foi conferido ao seu pai no
decorrer de sua trajetória como funcionário do governo. Ivan internalizou os conceitos e valores
que receberá do pai de modo que estes permearam o curso sua vida em meio ao típico cotidiano
de classe média alta, ele transita e se identifica nessa esfera.
Através do decorrer do romance podemos inferir que Ivan viveu na reposição dos papéis que
desempenhava, ou seja, reafirmava os papéis que lhe foram impostos diariamente. Vivenciando a
mesmice desta realidade. Ivan vivia a representação destes papéis, não realizava nenhuma reflexão
desta ação, apenas desempenhava os que a sociedade lhe impunha.
Um exemplo dessa repetição na execução dos papéis é quando ele se casa sem grandes
interesses afetivos, ele só desempenha o papel que a sociedade espera de um homem de sua classe.
Porque essa união entre nobres era o esperado dentro da classe na qual se encontrava inserido.
Ivan no decorrer de sua vida vive o processo de metamorfose como qualquer outro
indivíduo, pois como afirma Paulino-Pereira (2006 p.55) “... a identidade é sempre processo de
metamorfose”. No entanto, é possível observar que ele apenas vive a reposição dos papéis que
desempenha, pois ao longo de sua vida ele não se eleva, ou seja, apenas desempenha os papéis
que são impostos pela sociedade. Observa-se que ele somente realiza a reposição dos papéis, não
reproduz um papel com senso crítico da realidade.
Podemos observar que as relações identitárias de Ivan, eram voltadas ao seu interesse pessoal
e objetivo social. Sua identidade coletiva baseava-se no que era praticado e aceito socialmente
pela classe que almejava/participava.
Ainda quando estudante fizera coisas que lhe pareceram vis e na ocasião o fizeram sentir-
se enojado consigo, mas, mais tarde, percebendo que a mesma conduta era adotada por
pessoas do mais alto nível e elas não a consideravam errada, chegou a não exatamente
tê-las como certas, mas a simplesmente esquecê-las ou a não se incomodar ao lembrá-las.
(Tolstói, 2006, p.42)
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, podemos afirmar que Ivan comungava da política
de identidade, que a historicidade da época lhe impunha. Entendemos por política de identidade o
conceito discutido por Ciampa (2002), sendo um tipo de orientação imposta ao indivíduo, que
dita o que é esperado que este desempenhe na sociedade em que está inserido. Ivan não fazia uma
reflexão crítica sobre o que era lhe imposto, ele apenas desempenhava as ideias políticas que a
sociedade determinava, que uma figura como ele, exercesse. Um exemplo prático de tal postura
era sua relação com o trabalho, pois ele não exercia uma práxis, sua função laboral resumia-se em
uma relação empregatícia, não era exercida a função de trabalho tal qual compreendemos a partir
da Psicologia Histórico Cultual. O emprego se caracterizava apenas como um meio de conseguir o
status que almejava. Com base na estória de Ivan e no exposto a cima, podemos depreender que
o personagem não exerceu uma Identidade política, conforme Ciampa (2011) nos apresenta, como
sendo uma não aceitação do papel que a sociedade espera, mas sim como uma forma de viver
que tem como base a reflexão do indivíduo a respeito da cotidianidade e a política de identidade
que o rodeiam.
O cotidiano de Ivan em sua maior parte era pautado no vir-a-ser, pois ele é movido através
do sonho, do desejo de sempre conseguir um progresso além do já adquirido. Ele sempre almejava
um serviço que lhe traria mais ganhos financeiros, uma casa maior, ou seja, ele está sempre em
busca de um personagem possível.
Veio-lhe à cabeça a ideia de que aquela sua leve inclinação para lutar contra os valores das
classes altas, aqueles impulsos de rebeldia que mal se notavam e que ele havia tão bem
aplacado talvez fossem a única coisa verdadeira, e o resto todo, falso. E suas obrigações
profissionais e a retidão de sua vida e sua família e sua vida social tudo falso e sem sentido.
Tentou defender essas coisas a seus próprios olhos e subitamente deu-se conta da fragilidade
do que estava defendendo. Não havia o que defender. (Tolstói, 2006, p.41)
Entretanto ele não tomou consciência deste processo, como já dissemos acima, ele nega
essa reflexão do cotidiano em nome de uma pseudo aceitação social, assim, vive praticamente
toda sua vida na mesmice, repondo sempre os mesmos papéis.
Em seu leito de morte, Ivan, reflete sobre sua vida, notando-se portanto, uma suspensão
do seu cotidiano, passando a analisar como foi o percurso de sua vida até então, como foram
vivenciadas suas relações e ações. Ao termino da narrativa, podemos inferir que Ilitch viveu
sua estória de forma homogênea, ele centrou todas as suas forças em conseguir o status que a
sociedade, e ele mesmo, lhe impuseram. Ele não pôde viver outras possibilidades de papéis ou de
metamorfose pelo peso que a aceitação social desempenhava em seu contexto, e também porque
seu processo de suspensão se dá em seu leito de morte, há um trecho da estória, que, pode ser
considerada como uma elevação que ocorre em seus últimos dias de vida, quando ele pensa sobre
toda a situação que envolve sua morte, ele se eleva, e ressignificado ele compreende o sofrimento
singular da família.
Foi nesse exato momento que Ivan Ilitch caiu dentro do buraco e encontrou a luz e lhe foi
revelado que sua vida não fora o que deveria ter sido, mas que ainda era possível dar um
jeito. Perguntou-se o que era, afinal, a coisa certa e ficou quieto, escutando. “... Sim, sou um
sofrimento para eles”, pensou. “Eles lamentam um pouco, mas vai ser muito melhor para
eles quando eu morrer!” Quis dizer-lhes isso, mas não tinha forças para falar. “Além do mais,
para que falar? Resta-me agir”, pensou. Indicou com o olhar seu filho e disse para a mulher:
– Leve-o daqui... sinto muito por ele. Lamento por você também. – Tentou dizer “perdoe
me”, mas não conseguiu terminar e, fraco demais para tentar outra vez, acenou com a mão,
sabendo que quem estivesse interessado entenderia. (Tolstói, 2006, p.43)
588 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
No momento em que Ivan se dá conta do sofrimento de sua família, ele percebe que estão
compadecidos da situação que o acomete, este se eleva, entretanto não se emancipa, pois
suas condições já no leito de morte, não permitem que este intervenha de modo a modificar
significativamente o cotidiano que o cerca. Podemos fazer uma analogia e dizer que sua suspensão
surgiu com um último resquício de vida que pulsava em seu corpo, assim, que ocorre esse último
momento de vivacidade suas forças se esvaem e ele “Respirou profundamente, parou no meio de
um suspiro, esticou o corpo e morreu.” (Tolstói, 2006, p.44)
Considerações Finais
Frente ao exposto, este trabalho buscou realizar uma síntese da obra de Liev Tolstói, mais
especificamente sobre sua novela “A morte de Ivan Ilitch”, nosso objetivo foi realizar uma análise
identitária do personagem principal, analisando o seu meio, suas relações para com as pessoas
com quem convive e a forma como as mesmas interferem em sua identidade e como esta foi
constituída não apenas individualmente, mas também de forma coletiva.
Foi possível evidenciar a maleabilidade de Ivan frente às imposições sociais, como também
o quanto a elevação pode gerar angústia e sofrimento devido às reflexões que o indivíduo faz em
relação a vida cotidiana que o circunda. Ivan se vê frustrado ao final de sua vida por ter vivido
uma vida de aparências. Ao elevar-se Ilitch se sente incompleto, pois, percebe que já chegou ao
final da sua vida e não possui mais capacidade para emancipar-se e assim transformar o seu
cotidiano. Ivan morre confortado por poder perdoar a mulher e os filhos, em seu último momento
de consciência que paradoxalmente é o seu primeiro momento como indivíduo emancipado.
Assim, foi possível observar o quanto os autores utilizados foram perspicazes ao postularem
suas teorias, compreendendo o humano em sua singularidade, postulando aquilo que o humano
é, o que desempenha, e seu vir-a-ser.
O que foi apresentado neste trabalho caracterizou-se como um exercício de práxis, onde foi
analisado e correlacionado os conceitos que foram teorizados, desta forma essa atividade nos
propiciou a oportunidade de realizar a análise identitária de um indivíduo, contribuindo de forma
significativa para nosso crescimento acadêmico e profissional, enquanto uma nova experiência
que busca entender o sujeito e suas vivências coletivas, por meio de suas particularidades.
Referências
590 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
APONTAMENTOS PARA UMA NOVA LEITURA DA
ATUAL REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA
Cristofthe Jonath Fernandes
Pedro Renan Santos de Oliveira
Camila Chaves Ferreira
Aluísio Ferreira de Lima
Introdução
O
marco legal da Reforma Psiquiátrica brasileira, a Lei n. 10.216, conta com dezessete
anos desde sua homologação, no ano de 2001. Assim como outras cidades do
país, Fortaleza cria seus primeiros serviços de atenção à saúde mental com ênfase
em relações comunitárias, antes deste marco legal. O primeiro Centro de Atenção Psicossocial
de Fortaleza data do ano de 1998. Desde então, ocorre um aumento significativo dos serviços
substitutivos aos hospitais psiquiátricos na cidade. A redução do número de hospitais psiquiátricos,
o aumento da criação de serviços substitutivos, o aumento de contratação de profissionais nestes
serviços, a regulamentação do trabalho da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e o aumento
orçamentário para os serviços são dados verificados na cidade de Fortaleza, no período que
se estende de 2007 à 2016, conforme estudo realizado por Fernandes (2016), e que refletem o
cenário de âmbito nacional.
A atenção à saúde mental tornou-se tema de suma importância e emergente
internacionalmente, neste último ano de 2017, devido a Organização Mundial de Saúde (OMS)
apresentar que a depressão é a doença responsável pela maior perda de produtividade no mundo
(OMS, 2017), resultando na produção de campanhas de sensibilização internacional sobre o
adoecimento mental. O adoecimento mental passa ter neste momento uma visibilidade até então
não alcançada, situação que se distingue significativamente às décadas de 1960 a 1980, período
no qual se fazia necessária a sensibilização para uma nova forma de cuidado com as pessoas
em sofrimento mental. Atualmente o Brasil é signatário de diversos acordos internacionais que
indicam a importância da vinculação da saúde mental com a atenção básica, indicando o cuidado
em comunitário, caminhando no sentido de inserção do sujeito em sofrimento mental na vida
social, mitigando o estigma desse tipo de adoecimento.
Assim, a pauta da reforma psiquiátrica de transformação da assistência à saúde mental
tem sido efetivada, seja no âmbito micro político de Fortaleza, seja no âmbito macro político
dos acordos internacionais. Todavia, entre o vasto grupo de estudos que tomam como objeto a
reforma há um consenso: a reforma psiquiátrica não está consolidada.
O cenário atual, então, nos parece contraditório, visto que, chega-se a quase duas décadas
da homologação legal da reforma, com o avanço da oferta de serviços substitutivos, ocorre a
redução do número de hospitais psiquiátricos, concomitante a um momento de preocupação
internacional com a questão da saúde mental, e ainda assim, há o consenso da não consolidação
Desenvolvimento
O início da Reforma Psiquiátrica Brasileira é indicado por Amarante (1995), com a crise da
Divisão Nacional de Saúde Mental (Dinsam), órgão do Ministério da Saúde, em 1978, devido à
deflagração da greve de profissionais e estagiários. A partir desta greve se constitui o Movimento
dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), o qual terá como pautas de reivindicação: melhorias
de condições de trabalho, como regularização de contratos, redução de carga horária, aumento
salarial; crítica à cronificação do manicômio e o uso do eletrochoque; melhores condições de
assistência e humanização dos serviços (Amarante, 1995). A crítica ao modelo médico-assistencial
surge no movimento, ainda conforme Amarante (1995), quando este analisa documentos do
MTSM, constatando críticas ao modelo biológico priorizado pela Dinsam e inviabilidade de uso
de recursos modernos da medicina para tratar os doentes mentais. Parece-nos alinhado com as
reivindicações do MSTS, o clamor de De-Simoni, por mais humanidade no tratamento dado aos
loucos e por condições que permitam a execução das práticas avançadas da medicina, quando
ele diz:
[...] vós que tanto clamais cotidianamente contra a opressão, a tirania, e a barbaridade;
vós que tanto pugnais pela liberdade política do homem, e tanto temeis a sua perda, e o
ferrolho da masmorra, virai-vos um instante para outro lado, para o qual a nossa voz, a
da humanidade, e o vosso mesmo interesse vos chama. Vede esses infelizes, que tiveram o
infortúnio de perderem o juízo, e que gemem presos em um local, que, longe de lhes servir de
asilo salutar e protetor contra seus males, concorre, pela sua insuficiência, e pouco próprias
condições, a exasperar esses males, a torná-los incuráveis, a aumentar sua desgraça, e a
apressar o termo de seus dias. [...] estendei-lhes a vossa mão caridosa, e tirai-os do cárcere
onde gemem. Seus tiranos opressores são a sua enfermidade, a falta dos meios apropriados
a vencê-la. (De-Simoni, 2004, p. 159)
Não seria extravagante atribuir o trecho a um dos documentos utilizados por Paulo Amarante
ao analisar o MSTS, entretanto, trata-se de um trecho de artigo publicado originalmente em 1839.
Mesmo demandas trabalhistas, já se encontram nesse texto, quando ele apresenta a situação
592 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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de trabalho estafante dos dois únicos médicos da instituição, como a falta de formação, a
precariedade dos salários e o status sociais degradante dos enfermeiros responsáveis pelos loucos
(De-Simoni, 2004).
A proximidade entre as pautas do MTSM e a as críticas realizadas por De- Simoni, ainda no
século XIX, nos faz questionar sobre a especificidade da crise da Disam, para que seja tida como
marco inicial da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Poder-se-ia justificar a diferenciação através dos
objetivos buscados, visto que a De-Simoni argumenta pela construção de um manicômio ainda
não existente no Brasil, há época. Entretanto, a pauta de disponibilização de tratamento à saúde
mental na comunidade, distanciando-se do manicômio, não se trata de uma novidade do MTSM,
visto que já em 1954 era previsto serviços comunitários e desvinculação religiosa na atenção à
saúde mental, através da Lei n 2.312 (1954), conforme seu Art. 22:
preciso discordar de Amarante (1995a, p.91), o qual entende que uma reforma psiquiátrica
concreta somente inicia em fins da década de 1970. Fica cada vez mais explícito o fato de que a
história da saúde mental no Brasil é uma história de reformas iniciadas concretamente desde o
início do século XX e que, após 1960, seguiu por duas frentes: a do fortalecimento dos manicômios
privados e a do aumento da intervenção psiquiátrica na comunidade [...] (2010, p. 98)
ocorre uma epidemia de varíola que, em apenas dois meses, vitimou 27.378 retirantes nas
proximidades de Fortaleza. No ano seguinte, o número de óbitos foi de 24.849, tendo ficado
tragicamente famosa, como o “dia dos mil mortos”, a data de 10 de dezembro de 1878.
(Montesuma et al, 2006, p.11)
O abarracamento dos retirantes, em diversos locais aleatórios da cidade, como forma inicial
da contenção espacial desses, que até então ocupam as ruas, abrigando-se sob as arvores e praças,
de Fortaleza, surge como resposta à situação.
Esse processo de contenção espacial do retirante nos parece ocorrer de outras formas
institucionais, distintas ao abarracamento, quando tomarmos, ainda, no ano de 1877, o ato
de colocação da pedra fundamental da construção do Asilo de Alienados São Vicente de Paulo
(Bleicher, 2015, p. 147), o qual será aberto em 1886 como o primeiro manicômio de Fortaleza,
e do Ceará. A justificada apresentada para a construção do manicômio corrobora com nosso
entendimento, visto que o caráter de cuidado clínico, terapêutico, do estabelecimento não é
revindicado, mas antes, de forma explicita, o seu papel de contenção social, pois:
Para o vice-provedor interino da Santa Casa, Victoriano Augusto Borges, esta construção
seria urgente pela necessidade de recolher os loucos, já que ofendiam a moral e os bons
costumes e importunavam os transeuntes (Bleicher, 2015, p. 147)
594 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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do estado, então, decide pela construção de campos de concentração (Neves, 1995). Nesse
momento o Asilo não aparece mais como uma solução viável à problemática, visto que, desde o
início de seu funcionamento, ele é marcado por superlotação. (Bleicher; 2005) Entretanto, serão
construídos os campos de concentração compartilhando das mesmas justificativas de fundação
do Asilo, de instituição de contenção social, fato explicitado, quando foi motivo de orgulho do
Presidente do Estado, o não registro de atos de desrespeito ao pudor nos campos. (Neves, 1995)
Os campos tinham por objetivos:
Evitar o contato dos retirantes com a cidade, cercá-los num único local onde possam ser
fiscalizados, dirigir para esse local toda a assistência pública ou privada, gerenciar a mão-
de-obra disponíveis para as obras de utilidade do governo, organizar centralizadamente
a imigração para a Amazônia diretamente do campo; assim o aformoseamento
[embelezamento que passa Fortaleza] não sofre o impacto das “fisionomias marcadas pelo
rictus da miséria”, como vê R. Teófilo, nem da “promiscuidade e imundície aos olhos de
milhares de espectadores”. (Neves, 1995, p. 105)
Naqueles vãos, verdadeiros farrapos humanos, alguns com pulsos e tornozelos atados por
cintas de couro, inertes ou agitados, deitavam-se no piso, depois do tratamento com choque
elétrico.(...) Semelhante a autômatos ou zumbis (Duarte, 2009, p. s/n).
A caracterização dos sujeitos como zumbis, resultantes das práticas vigentes nesse espaço,
coincide com a forma de definição utilizada para os prisioneiros dos campos de concentração
nazista (Agambem, 2008).
Sobre o Hospital de Saúde Mental de Messejana, em estudo da sua gestão no período
de 1979/83, Sampaio (1988), no trecho intitulado como o fedor da morte e o fedor do asilo,
descreve o episódio, em que o corpo de uma paciente somente é sepultado após duas semanas
de morta, devido a suposto esquecimento do corpo em um pavilhão abandonado. Episódio, este,
que evidencia a banalização da morte dos sujeitos ali internados, ocorre a perda da dignidade
perante a morte, novamente, como se deu os campos de concentração nazista (Agambem, 2008).
Os anos que se seguem comporão o período da última reforma psiquiátrica, à qual,
conforme citação já realizada acima, Amarante atribui o início à crise da DISAM. Esta reforma
psiquiátrica tem como forte influência a psiquiatria democrática italiana, tendo Franco Basaglia
como principal referência. O fundamento teórico desta tendência se dá que o manicômio é o
criador do adoecimento mental, sendo necessário o fim dessa instituição. A reforma psiquiátrica
ao adotar esse referencial acaba por abrir mão de um posicionamento mais radical.
596 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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O saber psiquiátrico não é contestado, como aconteceria nas obras de autores da
antipsiquiatria como Goffman, Laing e Szasz, mas visto como possível de ser reformulado a
partir de uma psiquiatria democrática, menos radical em relação à teorias técno-psicológica,
tal como encontrada na obra de Franco-Basaglia. (Lima, 2010, p. 108)
Esse posicionamento reformista constitui-se antes como uma forma de controle do sistema
não pela imposição de determinada ordem, mas sim pela produção de possibilidades reduzidas
(Lima, 2010). Isto é, ao entendermos que a atual reforma psiquiátrica não é radical, não se trata
de afirma-la como uma imposição da ordem vigente, mas antes percebê-la como produzida pelo
sistema, como única, ou uma das poucas, soluções viáveis de ser realizada. A reforma psiquiátrica
vista como fruto da luta de movimentos sociais, por condições humanas no tratamento da loucura
e até mesmo por melhoras trabalhistas, serve-se como boa opção de fachada aos interesses do
sistema, seja para que não tenha ocorrência de embate por transformações sociais profundas, visto
que o movimento da reforma ter aberto mão da luta pelo enfrentamento da desigualdade social,
seja ainda, ao servir de argumento do avanço da atenção à saúde mental junto à comunidade
internacional.
Data de 14 de dezembro de 1999 a apresentação da petição do caso Damião Ximenes15
junto a Corte Interamericana de Direitos Humanas (CIDH) (2010), que resultará na primeira
condenação do Brasil nesta corte. Passaram apenas um ano e três meses, dessa data, para que
o projeto de lei, o qual estava há nove anos em tramitação, fosse aprovado, resultando a Lei
10.216/2001. A relação entre o caso Damião e a modificação nos serviços de atenção à saúde
mental, no Brasil, já é explicitada por Pontes (2015), ao se debruçar sobre o caso Damião Ximenes
e sua repercussão nos serviços de saúde mental, em sua dissertação. Dirá ela:
as iniciativas estatais dos últimos anos implementadas no campo da saúde mental brasileira
não são de reconhecimento democrático da saúde mental, nem politicamente voluntárias
como parecem. E, assim mostramos o porquê de todos os “avanços” da saúde mental
brasileira do Pós 4 de outubro de 1999 e justificamos o fato destes “avanços” serem enviados
em forma de Relatórios ao Tribunal da Corte IDH. (Pontes, 2015, p. 237)
[...] está em debate a forma de tratamento dispensada pelo Estado brasileiro às pessoas
portadoras de transtornos mentais, cabe destacar que o Estado demonstrou ter
implementado, nos últimos anos, uma política reconhecida internacionalmente, com ênfase
na não-internação e nos direitos humanos dos portadores de sofrimento psíquico. Essa medida
tomou por base décadas de atuação dos movimentos sociais, particularmente os de luta antimanicomiais,
sendo o retrato da democratização da saúde pública brasileira. (PIAFBCXL, 2006 como citado em
Pontes, 2015, p.109) [ grifo nosso]
15 O caso Damião Ximenes, corresponde à morte de Damião Ximenes Lopes, ocorrida no Hospício Guararapes,
localizado na cidade de Sobral, na data de 4 de outubro de 199, após três dias de internamento no estabelecimento,
vítima de “morte violenta causada por traumatismo crânio-encefálico” (Pontes, 2015, p.222).
Quer dizer, diante da insuficiência dos esforços de supervisão da Corte leva-se o caso à
Assembleia com o objetivo de gerar constrangimento ao Estado violador perante seus pares,
exercendo sobre ele pressão política, a fim de que cumpra integralmente a sentença. Nesse
contexto, a Assembleia pode emitir resolução (não vinculante) recomendando aos demais
Estados-Partes da OEA que imponham sanções econômicas ao Estado violador até que haja
o cumprimento da sentença. (Ceia, 2013, p. 148)
Conclusões
598 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Referências
Agambem, G. (2008). O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha. (S. J. Assmann, Trad). São
Paulo: Boitempo.
Amarante, P. (Coord.). (1995). Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. (7a ed.)
Rio de Janeiro: Fiocruz.
Bleicher, T. (2015). A política de saúde mental de Quixadá, Ceará (1993-2012): uma perspectiva histórica do
sistema local de saúde. (Tese de doutorado) Pós-graduação Saúde Coletiva, Universidade Estadual
do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil.
Corte Interamericana de Direitos Humanos. (2010). Caso Ximenes Lopes Vs Brasil. Ficha Técnica.
Recuperado de https://goo.gl/iUHrjy
Costa, J. F. (2006). História da psiquiatria no Brasil: um corte ideológico. (5a ed.) Rio de Janeiro:
Garamond.
Duarte, G. (2009). Pesadelo Inesquecível. In: Diário do Nordeste. s/n. Recuperado de https://
goo.gl/ZiSnXt.
Lei n 2.312, de 3 de Setembro de 1954. Normas Gerais sobre Defesa e Proteção da Saúde. Recuperado
de https://goo.gl/QrPY4a
Pontes, M. V. A. (2015) Damião Ximenes Lopes: a “condenação da saúde mental” brasileira na Corte
Interamericana de Direitos Humanos e a sua relação com os rumos da reforma psiquiátrica. (Dissertação de
mestrado). Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil.
Sampaio, J. J. C. (1988). Hospital psiquiátrico público no Brasil: a sobrevivência do asilo e outros destinos
possíveis. (Dissertação de mestrado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ,
Brasil.
600 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ECOS DA IDENTIDADE DE LUGAR DE JOVENS EM
SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL NO
MUNICÍPIO DE TIANGUÁ-CE
Francileuda Farrapo Portela
Patrícia Mendes Lemos
Introdução
A
nossa história é atravessada por um cenário social que está em movimento o
tempo todo. Neste movimento, sofremos transformações e consequentemente,
transformamos a realidade que nos circunda. A identidade, enquanto processo,
é construída com elementos biológicos, sociológicos, fisiológicos e, sobretudo, de como esses
elementos são significados para cada pessoa.
Essas transformações do e no ambiente físico e social são responsáveis pelas construções
subjetivas de nossa identidade e como tais, são fontes de reorganização para a comunidade, de
forma que nossa identidade pessoal corrobora numa identidade social, nos fazendo agentes de
papeis em grupos de diferentes representações como identidade feminina, identidade étnica,
identidade profissional, que vão configurando nosso lugar nos diferentes espaços.
Entender o quanto se precisa de um lugar, de um território, onde podemos nos sentir
pertencentes e apreciadores daquele lugar como parte integral do que somos, é fundamental para
a constituição de nossa identidade e de nossa história.
Na relação com o ambiente existem variáveis que dizem sobre este sujeito que precisa deste
lugar como meio de estabelecimento de relações culturais, sociais e políticas.
A Psicologia Ambiental busca discutir as inter-relações entre o indivíduo e seu entorno físico
e social, sempre levando em conta suas dimensões espaciais e temporais e que, portanto, como
campo científico, tem como seu objeto de estudo o espaço físico e social como construtor de
identidade e, dessa forma, apresenta alguns conceitos importantes para que possamos ter um
olhar especial sobre esse ambiente que é carregado de representações, atitudes, percepções que se
ligam diretamente na dinâmica construção do sujeito que ali vive.
Esta proposta de trabalho se torna relevante porque, enquanto transformadores sociais, os
jovens, conhecendo a construção de sua identidade, podem atuar de forma crítica, transformadora
e consciente em sua comunidade. Para tanto, é importante entender como se configuram as
relações no interior das diversas comunidades, uma vez que estes são os lugares que “escolhemos”
estar e representam o que somos, o modo como nos relacionamos uns com os outros. Portanto,
há que se compreender essa relação entre o território e o que ele comunica sobre as relações entre
as pessoas, sobre a imagem que elas têm de si mesma.
Neste trabalho elegemos como comunidade de análise o bairro Dom Timóteo, que fica em
um espaço relativamente afastado do centro da cidade de Tianguá-Ce, separado geograficamente
por um rio (rio Tianguá) e situado em cima de um morro. Este bairro é popularmente conhecido
Método
Esta pesquisa é qualitativa que, segundo Marconi e Lakatos (2007) são pesquisas que se
preocupam em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do
comportamento humano, além de permitirem análises mais detalhadas e profundas acerca da
investigação, como hábitos, atitudes, tendências de comportamento da população investigada.
Esta pesquisa também é de caráter descritivo e exploratório. Descritivo na medida em que pretende
“descrever as características de uma determinada população ou fenômeno” (Gil, 1989, p. 45), e
exploratório uma vez que objetiva proporcionar uma visão geral, aproximativa, de determinado
fato (id. ibid.).
Assumimos com princípio do método as inspirações da pesquisa etnográfica. Guiar-se por
um caminho delimitado pela orientação etnográfica é valorizar o campo com suas interações,
transformações e dinamismo e utilizar métodos que, segundo Herskovits (1963) seguem passos
específicos como: escutar conversas, visitar o ambiente em questão, assistir ritos, observar
comportamentos habituais, interrogar, e isso tudo numa visão de conjunto. Uma perspectiva
etnográfica traz consigo a ampla possibilidade de descrição que está implicada na relação direta
com “as qualidades de observação, de sensibilidade ao outro, do conhecimento sobre o contexto
estudado, da inteligência e da imaginação científica do etnógrafo” (Mattos, 2011, p 54). Esse
caráter amplamente descritivo é viabilizado por instrumentos de pesquisas bem específicos, tais
como observações participantes e entrevistas em profundidade.
602 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Como instrumentos de coletas de dados utilizamos observações participantes em lugares de
congregação social dos jovens do bairro, tais como: escola, praças, festas religiosas, dentre outras.
A observação participante se apresenta como possibilidade ao pesquisador de olhar, sentir, e
compreender a dinâmica dos processos sociais como se fosse um dos membros do grupo, uma
vez que este se comporta como sendo realmente um deles. Como nos diz Lessard-Hébert, Goyette
e Boutin (2008, p. 155), “na observação participante, é o próprio investigador o instrumento
principal de observação”.
Outro instrumento de coleta de dados utilizado por nós foi a entrevista semi-estruturada,
que é aquela em que “o pesquisador tem liberdade para desenvolver cada situação em qualquer
direção que considere adequada” (Marconi & Lakatos, 2007, p. 279), fazendo uso de tópicos
guias. Um momento fundamental na pesquisa porque possibilitou um contato real com a
dinâmica social e a pluralidade de ideias, foi a roda de conversa que, como técnica de coleta de
dados, prioriza discussões em torno de um tema específico, possibilitando uma aproximação das
práticas cotidianas.
A participação na roda de conversa se deu por meio de convite aos alunos da escola.
Apresentamos, na escola, por meio de uma palestra-contextualização, as propostas da pesquisa e
solicitaremos, dentre os presentes, 10 (dez) participantes que queiram, livremente, participar do
momento de roda.
As análises de dados se pautaram pelas posturas epistemológicas trazidas por Spink (1996) quando
nos fala sobre “práticas discursivas e produção de sentido”. Para a autora, a produção de sentido “é
essencialmente uma prática social, intrinsecamente dialógica e, portanto, discursiva (p. 183)”.
Tudo é processo. O sentido que se dá ao tempo, seja ele o tempo histórico ou tempo vivido (a
emergência do presente), é fruto das interações sociais construídas na dinâmica da historicidade
de cada sujeito. É aqui que entendemos os discursos como práticas e, compreendidos desta forma,
estão na roda da história de fazer/construir/produzir sentidos uma vez que as coisas não tem um
sentido ontológico em si mesmas mas estes são assumidos na complexa teia das relações.
Resultados
16 Empresa extinta num processo de fusão com outras duas empresas que deram origem Companhia Nacional
de Abatecimento – CONAB. Á época de sua existência, a CIBRAZEM, empresa pública ligada ao Ministério da
Agricultura, era responsável pelo armazenamento de grãos e insumos.
A forma como essas relações são vividas pelos jovens com quem tivemos contato, parece
ter um peso social bastante significativo. No primeiro encontro com os mesmos, quando
fomos explicar os objetivos da pesquisa e perguntá-los quem gostaria de participar, muitos não
demostraram interesse e quando perguntamos o motivo do desinteresse, algumas falas deram
o tom do envolvimento e dos afetos: “a maioria não se interessa pelo assunto, pelo bairro” (José, 14
Anos); “não querem participar pra não levar uma furada”17 (Cris, 15 Anos); “acham que pensar o bairro é
uma perca de tempo” (Luiz, 13 Anos). Os que decidiram participar demostraram ter aceitado por se
preocuparem com o bairro e ter um lugar para pensar sobre ele, por curiosidade, troca de ideias
e saber a opinião dos outros e dar suas próprias, num movimento de apropriação e engajamento
deste lugar que ao se tornar seu, assume tons de implicação.
De forma geral, os jovens demonstraram reconhecer este espaço e sentirem-se pertencentes
a ele. Para eles o bairro é “um lugar legal, bom de viver, apesar das influências de pessoas que querem levar a
gente para o mau caminho. As pessoas, os lugares, como a Igreja, a escola, fazem com que o bairro seja um lugar
legal” (Luiz, 13 Anos).
O primeiro tema da nossa roda de conversa foi sobre “o bairro e suas representações”. De
maneira geral, suas casas, a Igreja e a Escola foram apresentadas como representações do bairro
que os jovens relacionam como lugares de vivência e cuja importância reside no fato de estes,
atribuírem um certo poder de transformação à estes lugares. Vejamos um pouco da materialização
disso nos desenhos feitos como motivadores das rodas de conversa quando pedimos para eles se
expressarem sobre seu bairro.
17 Neste momento os alunos riem, numa espécie de confirmação da realidade que, de tão dolorosa, buscam suavizar
em risos (Diário de Campo,18 de maio de 2017).
604 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Discussão
Os desenhos e metáforas são recursos imagéticos reveladores dos afetos que, juntamente
com a linguagem escrita dos indivíduos pesquisados, nos dão um movimento de síntese do
sentimento. O desenho é a criação de uma situação de aquecimento para a expressão de
emoções e sentimentos e a escrita traduz a dimensão afetiva do desenho. As metáforas são
recursos de síntese, aglutinadores da relação entre significados qualidades e sentimentos
atribuídos aos desenhos (p. 137).
Mas os desenhos também apontam para as configurações representativas de referências de
si. Eles entendem que certos lugares tanto oferecem segurança e colaboram com seus projetos
de vida, como também contribuem para a construção do bairro que eles gostariam de morar.
Vejamos o que dizem os jovens:
A Igreja representa muito o bairro. Você sabe que hoje em dia o mundo tá vivendo uma
crise muito grande. Os jovens hoje não estão mais ligados ao que verdadeiramente a gente
quer que eles estejam ligados. Ou seja, eles não querem mais saber do futuro deles. Eles só
querem saber de brincar. E essa Igreja representa o bairro porque hoje em dia ela convida
muitos jovens a participar. Nós criamos muitos grupos de jovens. Porque a gente tá vendo
que muitas coisas no bairro... que... às vezes tem muita violência no bairro. E o que a gente
quer? A gente quer levar muitos jovens pra lá pra eles saberem como evitar isso. Ela tenta
tirar os jovens deste mundo para ele não se deixar influenciar pelo que o bairro tem a oferecer
(José, 14 Anos).
Emoção, linguagem e pensamento são mediações que levam à ação, portanto somos
as atividades que desenvolvemos, somos a consciência que reflete o mundo e somos a
afetividade que ama e odeia este mundo, e com esta bagagem nos identificamos e somos
identificados por aqueles que nos cercam (p. 62).
Entre afetações e resistências, estes jovens, e tantos outros deste bairro, constroem suas
identidades de lugar que, como nos afirma Ponte et. al. (2009), por meio de um processo de
apropriação e significação dos espaços e das vivências, numa construção de um autoconceito
que se originam das/nas experiências relacionais com o outro para a construção também do que
entendemos por Identidade de Lugar (Fernandes et al, 2005). Eles também estabelecem uma
relação com a cidade. Eles são moradores dela. Deslocam-se por ela, vivem e carregam o peso
dos olhares e a necessidade de sempre reafirmarem quem são por morarem onde moram. Ao
mesmo tempo em que se apropriam do lugar onde moram para si constituírem subjetivamente,
eles precisam se diferenciar ou explicar que não são como alguns moradores do bairro. O
processo de subjetividade destes jovens é afetado por um movimento de adjetivação referido por
eles: violentos; o bairro só faz coisa ruim (numa indissossiabilidade entre espaço e as pessoas),
ignorante em todos os sentidos, sem educação.
Neste sentido é que nos pomos a pensar no lugar que ocupa o outro. Para Duarte, Pinheiro
e Cohen (2012)
o lugar do Outro permite que conheçamos um pouco sobre o nosso próprio lugar. Permite
acolher o que nos é diferente e reconhecer a nós mesmos como integrantes de uma sociedade
urbana, representada pelas ambiências que desnudam nossas sensações. A alteridade permite
nos posicionarmos diante da nossa identidade com a cidade em que vivemos, decapitada de
seus marcos ou dilacerada por inúmeras intervenções (p. 7).
Foi possível perceber como o processo de apropriação, necessário para as configurações
identitárias, se tornam complexos e dolorosos, uma vez que implica um duplo movimento de
identificação e rejeição para com o lugar onde se está inserido. Pol (1996) afirma que “as
pessoas, individualmente ou de forma coletiva, necessitam identificar territórios como próprios,
para construir sua personalidade, estruturar suas cognições e suas relações sociais, e ao mesmo
tempo suprir suas necessidades de pertença e de identificação” (p. 50).
606 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Considerações Finais
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608 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
FOTOGRAFIA COMO MÉTODO E OBJETO NA PESQUISA
PSI: NARRATIVAS E MEMÓRIAS AUTOBIOGRÁFICAS A
PARTIR DE IMAGENS VIRTUAIS
Jéssica de Souza Carneiro
Idilva Maria Pires Germano
Introdução
A
s transformações culturais, econômicas, técnicas e políticas da modernidade
implicaram grandes mudanças não somente no processo de construir memória, mas
nos próprios conteúdos passíveis de serem “capturados” pela memória. A própria
concepção de tempo e, portanto, de memória e narrativa sofreram modificações profundas com
a adesão às novas tecnologias, sobretudo as do olhar. O aparato perceptivo do “homem urbano-
moderno” mudou significativamente com a massiva utilização dos recursos fotográficos, abrindo
portas a novas narrativas, novas competências de linguagem, mudanças na discursividade e nas
possibilidades estéticas de viver o mundo e recordar-se dele (Eckert & Rocha, 2001).
Muitos estudiosos têm se proposto a entender as novas dimensões do uso das imagens no
universo cibernético, assinalando problemas tais como as mudanças nas performances sociais
dos indivíduos no que tange ao uso da fotografia, e ressaltando novos mecanismos de interação
social, de autorrepresentação e de gerenciamento da imagem adotados pelos usuários dessas
plataformas virtuais (Hum, Chamberlin, Hambright, Portwood, Schat, & Bevan, 2011; Van House,
2009; Wilson, Gosling, & Graham, 2012).
As maneiras como os usuários da web começaram a utilizar a fotografia na rede imitavam
o uso que já era feito fora dela: registrar momentos especiais, datas comemorativas, rituais de
passagem e até mesmo autorretratos. Todavia, a partir da digitalização da imagem, reconfigurou-
se a forma de guardar fotos que alteraria dali em diante a forma como nos relacionamos com
imagens e com o mundo ao nosso entorno.
Com a evolução dos aparatos tecnológicos – não apenas as câmeras fotográficas, mas
computadores pessoais e posteriormente dispositivos móveis como smartphones e tablets –, a
própria fotografia passa a ser produzida com a intenção de ser compartilhada senão imediatamente,
num momento posterior muito breve. Esta nova forma de uso, ainda que pareça simples, modifica
os já estabelecidos papéis da fotografia enquanto instrumento de documentação, de registro e de
memória.
Com o hábito cada vez maior de compartilhar momentos vividos através de imagens – os sites
de redes sociais (SRS) (Recuero, 2009) e aplicativos móveis voltados para o compartilhamento
de fotos são bons exemplos disso –, a função de “arquivar a memória”, atribuída à fotografia
durante muito tempo, perde sua primazia quando pensamos em seus usos na internet, de uma
forma geral. Van Dijck (2007, 2008) nos deixa claro que a fotografia digital não erradicou a
função de guardar a memória da câmera fotográfica, tão presente em sua era analógica. Pelo
Método
Tabela 1
Resumo das etapas empíricas da pesquisa.
610 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Com vistas a entender como as fotografias digitais de cunho pessoal compartilhadas no
Facebook atuam na construção da memória autobiográfica, com efeitos sobre as atuais formas
de narração de si, foram selecionados informantes que atendam aos seguintes critérios: a)
ser usuário cadastrado no Facebook, b) ter entre 18-24 anos, c) ter pelo menos 3 fotografias
publicadas na rede. Os três critérios justificam-se respectivamente em razão de: 1) o Facebook ser
o mais importante site de rede social atualmente no país (Comscore, 2015); 2) a faixa etária de
18-24 anos ser a que mais despende tempo no Facebook, representando 54,4% do total, segundo
estatísticas do Emarketer (2015); 3) as fotografias serem o tipo de conteúdo mais veiculado na
rede social, com 68% de tudo o que é publicado.
O instrumento aplicado a estes sujeitos consistiu em um questionário semiestruturado
digital e compartilhado online, trazendo questões que abordam 1) hábitos e contextos da
produção fotográfica digital e 2) relações entre a fotografia digital e a memória autobiográfica,
no contexto dos SRSs. A análise qualitativa do material dividiu-se entre as respostas dadas no
questionário e suas fotografias. O questionário buscou selecionar os sujeitos que se encaixassem
no perfil delimitado, alcançando um total de 31 questionários respondidos – que representou o
número mínimo estipulado mais um –, número com o qual acreditamos ter garantido uma maior
diversidade de informantes nos sujeitos da pesquisa.
Visto que este estudo qualitativo não busca representatividade amostral,a escolha dos 31
respondentes (codificação e análise de imagens) justifica-se como recorte do corpus intencional
e por conveniência, dado o baixo número de pesquisadores disponíveis para contribuir com a
pesquisa, bem como as limitações de coleta e tratamento dos dados.
Com esta divisão em seções, procuramos respectivamente: 1) identificar os sujeitos que se
encaixam em nosso recorte do corpus empírico; 2) compreender em que medida os usuários se
utilizam das fotografias para construir versões sobre si e sobre sua trajetória, identificando como
a imagem pode contar sobre sua história ou parte dela a partir das memórias autobiográficas
geradas na plataforma digital; 3) identificar se as mudanças de materialidade das fotografias
(antes analógicas, e hoje digitais) interferem no modo como lidamos com as percepções de
passado e construção de memória dos usuários do Facebook, bem como se há uma preocupação
no armazenamento do registro para acesso posterior, além de tentarmos analisar como de fato os
respondentes lidam com os registros de memória e se existe uma preocupação no armazenamento
e no acesso futuro, visto que, se apagadas, essas fotografias jamais poderiam ser revistas.
O questionário foi estruturado e aplicado digitalmente através da ferramenta “formulários”
do Google Docs, posteriormente disponibilizado de forma pública através da publicação do link
nos canais de divulgação. Para tornar o formulário público e obter o número mínimo de 30
informantes, o instrumento foi aplicado estritamente pela internet e amplamente divulgado no
perfil pessoal da pesquisadora no Facebook, em grupos do Facebook que acolhem pesquisas
acadêmicas semelhantes, por e-mails dos contatos conhecidos de âmbito acadêmico e profissional
e por listas de discussões de e-mail.
Antes de responderem o questionário, os interessados concordaram com o termo de
consentimento livre esclarecido constante no próprio instrumento, através de um link que
direcionou o usuário ao documento referido. Apenas foram utilizados os questionários em que o
respondente deu o aceite neste procedimento. As respostas coletadas neste questionário foram
devidamente cruzadas e analisadas com o objetivo de entendermos algumas percepções desses
sujeitos acerca da produção de fotografia compartilhada no Facebook. O instrumento ficou
disponível por 6 semanas.
Procuramos analisar em que medida os jovens desta faixa etária específica (18 a 24 anos),
com um perfil muito semelhante (jovens com elevado grau de escolaridade e participantes ativos
dos SRS), usam a fotografia destinada prioritariamente ao compartilhamento e se eles fazem
o uso do “compartilhamento pelo compartilhamento”, em que as questões da manutenção
das lembranças ficam sempre em segundo plano, senão olvidadas; em outras palavras, se eles
partilham um conteúdo apenas por partilhar ou se este conteúdo (no caso, as fotografias) é
partilhado por tratar-se de uma lembrança importante. Tal fenômeno refletiria novas formas
de guardar lembranças e construir versões do passado, sobremodo distintas daquelas na era
analógica e até mesmo anterior à adesão significativa aos SRS.
No questionário, procuramos discutir: i) como as mudanças de materialidade das fotografias
(antes analógicas, e hoje digitais) interferem no modo como lidamos com as percepções de
passado e construção de memória dos usuários do Facebook; ii) se há uma preocupação no
armazenamento do registro para acesso posterior, além de tentarmos analisar como de fato os
respondentes lidam com os registros de memória e se existe uma preocupação no armazenamento
e no acesso futuro, visto que se apagadas, essas fotografias jamais poderiam ser revistas.
Dito isto, uma das questões do questionário (“Você tem o costume de revisitar as fotos
antigas que estão publicadas no seu Facebook?”) procurou investigar se, de alguma forma,
os participantes da pesquisa mantinham no Facebook o hábito cultivado na era analógica da
fotografia, em que as fotografias tinham como único destino os álbuns empoeirados das estantes
de casa. Ao perguntá-los acerca disso, nossa hipótese era de que esses jovens não mantinham mais
tal hábito, uma vez que seu objetivo principal ao publicar fotografias no Facebook era receber
feedback positivo dos amigos, deslocando um pouco a fotografia do lugar de perpetuação da
memória. Para nossa surpresa, 30 dos pesquisadores afirmaram ainda revisitar as fotografias
antigas em seu Facebook, enquanto apenas 1 pessoa negou o hábito.
Muito mais que entender se estes jovens reproduziriam o hábito analógico de revelar as
fotografias, e se eles(as) estavam preocupados ou não em perder todas as suas fotos já publicadas
no Facebook, interessava-nos saber o que aquelas fotografias representavam e a importância que
lhes era atribuída. Desta maneira, em outra questão perguntou-se na questão por quê eles(as)
as revelariam. A resposta do R23 sintetiza bem o que, de maneira geral, os sujeitos pesquisados
concordam:
É bem mais significativo ter a foto em papel, parece que fica mais real e me lembra quando era mais
nova, o desejo de colar no caderno, na geladeira, colocar num porta-retratos e como hj
tudo ficou muito descartável essas lembranças passam com os seus megabytes pra lixeira e são
esquecidas (Respondente 23, 2015; grifo nosso).
612 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Figura 1. Colagem com fotos agrupadas pelo tema carreira/profissão
Fonte: acervo próprio
Essa foto retrata um dos dias mais felizes da minha vida, a concretização de um sonho! O dia da tão
esperada por mim e meus familiares, minha formatura. Nesse dia estava muito feliz, pois
finalmente consegui, a partir desse dia podia dizer que era enfermeira (Respondente 7, 2015;
grifo nosso).
Tanto a carreira quanto o exercício da profissão estão entre os aspectos do curso de vida
individual bastante tematizados nas imagens compartilhadas no Facebook. Isto se deve ao fato
de a fotografia, enquanto recurso narrativo, ser capaz de captar de falar não apenas sobre como
nos vemos hoje, mas de que maneira queremos ser reconhecidos, além de revelar projeções sobre
quem somos e quem pretendemos ser (Ribeiro, 2009). Conforme aponta Roberts (2011), ao
sermos convocados a narrar nossas fotografias – ou seja, falar quais impressões de passado temos
a partir de uma ou várias imagens –, podemos assumir diferentes formas de falar sobre ela, sendo
não necessariamente de uma forma sempre sequencial, linear e cronológica. A cada vez que somos
chamados a reviver uma experiência passada através de uma foto, acessada pelo relato narrativo,
reconfiguramos nossas próprias noções de passado e de nós mesmos.
Interessou-nos falar, a partir dos resultados aqui elicitados, a forma com que os respondentes
correlacionavam as fotografias e as lembranças decorrentes e os fatores que os impulsionaram
a publicá-las, permitindo-nos analisar as principais temáticas abordadas na imagem em SRS
– levando em conta esse recorte de pesquisa –, e de que maneira narrativas autocentradas e
narrativas mestras se cruzam nessa composição autoral e coparticipativa.
A fotografia, ao mesmo tempo que inventiva e autoral, também repete e reproduz modelos
de vida que devam ser perpetuados, copiados, (re)fabricados, multiplicados e distribuídos
(Eckert & Rocha, 2001). Assim, os registros fotográficos a que temos acesso hoje e que atuam na
manutenção e construção da memória visam produzir formas de guardar o passado específicas,
que retratam um ethos social marcadamente contemporâneo. Não precisamos ir muito distante:
basta pensarmos que tipos de fotografias escolhemos guardar em um álbum de família ou
pendurar na parede, e quais fotografias elegemos para representar aquilo que acreditamos ser, ou
que valores prezamos.
Apostamos que a produção fotográfica contemporânea opera novos efeitos sobre a forma
como construímos nossas lembranças e nosso passado, portanto sobre quem somos, sobre como
narramos nossas biografias e como reivindicamos o reconhecimento do outro. Apontamos que
a forma de produzir, armazenar e socializar uma fotografia afeta diretamente as recordações que
são produzidas de um momento vivido. A produção fotográfica endereçada prioritariamente ao
compartilhamento reflete novas formas de guardar lembranças e construir versões do passado,
sobremodo distintas daquelas na era analógica e até mesmo anterior à adesão significativa aos SRS.
Procuramos verificar de que forma os sentimentos elencados pelos participantes do estudo
eram correlacionados às fotografias apresentadas. Pudemos perceber que determinadas situações
vividas pelos sujeitos – como exemplo, a vivência da carreira e/ou profissão – pareciam ser sentidas
e encaradas de formas semelhantes – geralmente, com muito orgulho e satisfação pelas conquistas
profissionais –, levando-nos a inferir que os sentimentos trazidos por eles ao falar sobre as imagens
têm relação não apenas com a forma pessoal com que encaram determinado momento da vida,
mas também com um modo culturalmente disseminado de enxergar e de sentir tal momento.
Os reflexos que estas novas práticas incidem sobre a memória autobiográfica mostram-se
exatamente na mudança de enquadramentos, de conteúdos e de estética destas imagens que
agora permeiam os ambientes digitais. Deste modo, entende-se que se podem ler as imagens
autorreferentes dispostas nos sites de redes sociais como artefatos que remetem às biografias
de quem as publicou, mas também como documentos importantes sobre formas dominantes de
pensar, sentir, dizer – e também recordar – em curso na atualidade.
No tocante a como as memórias autobiográficas ativadas pela fotografia digital constroem
narrativas de si, argumentamos que as fotos coletadas neste estudo negociavam modos de
falar sobre si inspirados não apenas na história de vida individual dos jovens pesquisados, mas
perpassados modos de ver(-se), ser e sentir predominantes e hegemônicos.
Ao analisarmos as imagens, fomos tomados pela desconfiança de que as maneiras como as
pessoas se apresentam e falam sobre si são também normatizada ou prescrita por alguns valores
que estão presentes o tempo inteiro em nossas sociabilidades, mas que sequer nos damos conta
de que os estamos reproduzindo. Tais prescrições são tão bem incorporadas que as assumimos
como sendo parte constituinte de quem somos.
As fotografias do Facebook, ao mesmo tempo em que falam de momentos e experiências
tidas como inesquecíveis pelos jovens pesquisados, remetem a outras narrativas que atravessam
as imagens e as histórias das pessoas sem que sequer percebamos. A memória, ainda que
autobiográfica e individual, é também história – sendo assim capaz de falar a respeito não só
de um indivíduo, mas de toda uma sociedade – porquanto acolhe narrativas mestras que são
negociadas pelos sujeitos em suas narrações autobiográficas.
Foi possível detectar que a instantaneidade não parece ser o aspecto mais presente nem o de
maior importância quando se trata de fotografias no Facebook. Vemos fotografias recheadas de
história e de sentimentos e que custaram aos usuários tempo para serem selecionadas, editadas
e compartilhadas a fim de contarem alguma parte de suas histórias, ainda que sem os detalhes,
nem a história anterior que as levaram a ser publicadas.
Porém, ainda assim as fotos que são produzidas com a prioridade e fins de serem em primeiro
lugar compartilhadas online fabricam uma lembrança de passado – embora mais efêmera e fugaz
614 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
– emoldurada pelos cenários, pelas contingências e prescrições socialmente sedimentadas. Ao
elaborar um enquadramento ao invés de outro, ao escolher compartilhar um momento através da
imagem ou não, estamos selecionando que versões das nossas histórias e experiências queremos
contar.
Mais do que uma ferramenta para alguém ser aceito e incluído em um círculo social
específico, a fotografia no âmbito dos sites de redes sociais opera como uma narrativa, porém mais
fragmentada, desruptiva, descontínua, em que cada versão de presente dialoga com incontáveis
versões de passado, dadas as suas similaridades “imagéticas” (Arantes, 2014).
Criam-se ambientes virtuais em que se é preciso falar de si para viver e viver para falar de si;
em outras palavras, esses espaços de interação online permitem que o sentido de viver experiências
esteja em poder falar sobre elas ou registrá-las. Logo, falar e registrar as experiências, seja através
do relato autobiográfico ou de artefatos de memória, é também falar sobre si. Neste espaço de
interações e constantes atualizações, os participantes destas comunidades virtuais demonstram
na vontade de ver e de ser visto uma maneira de comunicação com o mundo, de autoconhecimento
e autoconstrução.
Assim, o uso do Facebook, além de tornar públicas as fotos partilhadas em rede, apresenta-
se como uma forma de dar conta de um processo de autoformação e autocompreensão – uma vez
que as imagens também se ocupam destas práticas –, além de revelar o modo como as pessoas
percebem a si e reivindicam reconhecimento (Dubois, 2012; Delory-Momberger, 2006). Em outras
palavras, as fotos legitimam e reafirmam as lembranças que deliberadamente decidimos manter de
eventos ocorridos. Tanto as narrativas pessoais quanto as narrativas mestras interferem no relato
autobiográfico e, por consequência, nos artefatos de memória que perpetuamos e reproduzimos.
A metodologia proposta tentou dar conta tanto dos relatos escritos quanto da análise da
imagem, tentando perscrutar de que forma textos visuais e verbais fornecem juntos subsídios para
uma análise de cunho mais antropológico e social. Ao montar e desmontar as histórias construídas
por meio dos questionários e das fotos, examinamos de que forma a análise das autonarrativas
permitiam também uma análise de ordem social do momento contemporâneo.
Todavia, esta metodologia não pôde dar conta de analisar todos os fatores contingenciais
que possibilitaram a produção de tais imagens, tampouco de explorar com mais profundidade
a história de vida dos jovens participantes da pesquisa, impossibilitando uma possível costura
entre suas histórias, os relatos disponibilizados pelo questionário e as fotos escolhidas.
Além disso, o curto tempo disponível para a realização da pesquisa, bem como o baixo número de
pesquisadores, limitou os achados da pesquisa e o tratamento de seus dados, ao mesmo tempo
em que lança luz para que novas pesquisas nesse sentido sejam feitas.
Ademais, objetivou-se investigar como as novas formas de organizar as “lembranças” e
narrar-se a partir de fotografias, possibilitadas primordialmente pela colonização digital, criam
novos processos de subjetivação, de memória e de percepção de si. Em última instância, tentamos
deslindar em que pontos as imagens e seus relatos derivados reproduzem aspectos culturais,
ideológicos e políticos da sociedade em que estão inseridas – uma sociedade predominantemente
imagética – e como estes aspectos imbricam-se na constituição do sujeito. Ou seja, os atuais usos
e práticas da imagem podem revelar não apenas aspectos de uma trajetória pessoal dos sujeitos,
mas também narrativas mestras que enfatizam determinados valores em detrimento de outros
(Dubois, 2012; Samain, 2005).
Por fim, suspeitamos que o fazer fotográfico na contemporaneidade, ainda que autoral
e pessoal, é também produto de uma estrutura histórica e sociocultural anterior à nossa breve
existência. Esse trabalho surge como uma provocação e um incentivo a uma reflexão crítica de
nossa atuação nas plataformas digitais, a fim de questionarmos sempre as práticas mais cotidianas
e ordinárias com a percepção aguçada de que em todas e quaisquer relações – sejam elas entre
o eu e o outro, sejam uma relação consigo – existem sempre camadas invisíveis que aguardam ser
vistas, problematizadas e descontruídas com o olhar incomodado do pesquisador.
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616 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PESQUISADORES E GRUPOS DE PESQUISA SOBRE
INFÂNCIA NO DIRETÓRIO DE GRUPOS DO CNPq
Maria Sandra dos Santos
Introdução
A
linha de pesquisa em processos psicossociais reúne pesquisadores/as que se dedicam
ao estudo de processos psicossociais e culturais por meio de diversas abordagens
teóricas, metodológicas e da interdisciplinaridade. Sendo assim, desenvolvem
pesquisas relacionadas às temáticas da infância, juventude, família, gênero, política, modos de
subjetivação e intervenções em Psicologia.
Integro o grupo de pesquisa Epistemologia e Ciência Psicológica, da Universidade Federal de
Alagoas - UFAL. O grupo de pesquisa é liderado pela Profa. Dra. Adélia Augusta Souto de Oliveira
e Profa. Paula Orchiucci Miura junto aos integrantes do curso de graduação e pós-graduação em
Psicologia desta mesma universidade. Este se subdivide em duas linhas: Sofrimento Psíquico em
Grupos Vulneráveis e Sujeito e Realidade nas Teorias Psicológicas. Desse modo, contribuem na
construção do planejamento e execução desta pesquisa, visto que está respaldada nos mesmos
referenciais teórico-metodológicos, tomando como base a perspectiva da teoria sócio-histórica
de Vygotsky (1991).
Sabe-se que as pesquisas qualitativas possibilitam um mergulho complexo nas concepções
de sujeito, pensando e construindo saberes que estejam em acordo com os aspectos éticos
estabelecidos e incorporados. A pesquisa em processos psicossociais permite certa variação no
uso de métodos e abordagens, visto que parte de uma busca em conceber o sujeito e as questões
psíquicas e sociais que o circundam.
O processo descritivo dos fenômenos durante o percurso realizado de modo coletivo entre o
pesquisador e os participantes da pesquisa, trata-se da construção de discussões explicativas, que
direcionam diversos olhares de compreensão, reflexão e ressignificação aos fenômenos humanos
estudados. É de suma importância considerar os contextos psíquicos, sociais, culturais e históricos,
envolvidos neste processo para alcançar os objetivos elencados no início do desenvolvimento da
pesquisa qualitativa (Freitas, 2002).
A temática da infância é um campo de estudos da psicologia tanto quanto é de outras áreas,
e isso nos permite identificar diferentes posicionamentos teóricos e metodológicos na investigação
desse fenômeno. Como aponta Canuto (2017) em sua pesquisa sobre o conceito de infância em
artigos brasileiros de psicologia, onde se observa a partir de seus resultados que mesmo dentro de uma
única área de conhecimento, a psicologia, há uma grande diversidade de perspectivas acerca do
mesmo fenômeno. Seus resultados também apontaram que:
Método
618 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
grupos, obtida através do acesso à página oficial do CNPq (disponível nas referências). Assim,
se poderá identificar o histórico e características de cada grupo por meio das produções de seus
líderes, acessando seu lattes.
Interpretação → Este é o momento da pesquisa que possibilita a ampliação do conhecimento
acerca do objeto do estudo – o conceito de infância. A imersão ao conteúdo, alcançada por meio
de análise do material selecionado, permite a realização da fase de interpretação dos dados. É
nesta fase que é possível lançar um olhar, em perspectiva, para o que foi apreendido no encontro
entre as informações obtidas, e realizar a metassíntese. É nessa fase que o pesquisador estabelece
conexões, articulações e confrontos entre as informações, de modo a ultrapassar o conteúdo
particular de cada documento e alcançar um entendimento do que se encontra entre eles. Este
movimento gera uma ação interpretativa e proporciona a superação da síntese, o que viabiliza a
proposição de uma crítica interna à produção científica e a proposição de um novo conhecimento
gerado com base no que já se tem produzido (Canuto, 2017).
Resultados
No acesso à página inicial da plataforma foi possível identificar um link que encaminha os
usuários para a busca dos grupos de pesquisa. O primeiro acesso foi no dia 01 de abril de 2017.
Clicando em buscar grupos aparecerão, em seguida, as opções de filtros para a busca dos
grupos a serem pesquisados.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Nesta página será possível ao pesquisador escolher o termo de busca para sua pesquisa.
Os descritores escolhidos, como citados acima, infância, criança, crianças e infantil foram
utilizados como termos de busca por representarem o conceito, objeto de pesquisa, a ser analisado.
Por meio da busca dos termos e dos filtros utilizados, foram identificados 256 grupos de
pesquisa. Sendo que 75 com termo infância, 80 com termo criança, 55 com termo crianças e 46
com o termo infantil.
Dos 256 grupos identificados com os termos infância, criança, crianças e infantil, após a
aplicação de filtros, do cruzamento intra e entre os termos, de exclusão de repetições e presença
de descritor no título, obtivemos um quantitativo de 34 grupos.
Os quadros que apresentam descritivamente os grupos encontrados em cada descritor estão
no apêndice, onde se pode visualizar o quantitativo geral, incluindo os grupos repetidos e aqueles
que não têm o descritor no título.
Com a utilização do termo infância se obteve um resultado de15 grupos. Já com o termo
infantil 08, com crianças 07 e com o termo criança 04 grupos.
As instituições estão distribuídas nos grupos da seguinte maneira: Sudeste do país com 10
instituições, Sul e Centro-Oeste cada com 04 instituições, Nordeste com 03 instituições, e a região
Norte com 02 instituições. Sendo que a Universidade de São Paulo apareceu em quatro grupos, a
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
22) Maria Ignez Costa Moreira – PUC- Certificado pela Instituição
03
Goiás 1999
Certificado pela Instituição
23) Andrea Soutto Mayor - UFF 03
2016
Certificado pela instituição
24) Andrea Seixas Magalhães – PUC-Rio 02
1994
Não atualizado
25) Patrícia Junqueira Grandino - USP 02
2016
26) Maria Clotilde Therezinha Rossetti Certificado pela Instituição
02
Ferreira - USP 1988
Em preenchimento
27) Ana Cristina Serafim da Silva - UFT 01
2011
Certificado pela instituição
28) Jorgete Pereira Oliveira - UNEB 01
2010
Certificado pela instituição
29) Diana Dadoorian - UFRJ 01
2007
Certificado pela instituição
30) Angela Maria Dias Fernandes - UFPB (0)
2006
Excluído
31) Antonio Marcos Chaves - UFBA (0)
1998
Certificado pela Instituição
32) Cleide Vitor Mussini Batista - UEL (0)
2005
Certificado pela instituição
33) João Luiz Leitão Paravidini - UFU (0)
2007
TOTAL DE PUBLICAÇÕES 341
Quadro 1. Quantitativo de publicações dos líderes de cada grupo de pesquisa, por meio do acesso ao Lattes.
Fonte: Autora (2017)
Todos os líderes de grupo possuem doutorado ou pós-doutorado (sendo essa uma condição
para sua liderança), são 18 com pós-doutorado e 15 com doutorado. Observa-se que um mesmo
pesquisador está como líder, em dois grupos diferentes. Desse modo, temos 33 líderes em relação
ao quantitativo dos 34 grupos.
No quadro acima está apresentada a relação dos líderes pesquisadores, seguindo a ordem
dos pesquisadores com maior número de publicação.
Com o quadro acima podemos observar ainda, o status e o ano de criação de cada grupo,
ou seja, dos 34 grupos, um foi excluído, três estão desatualizados, três estão em preenchimento e
vinte e sete estão certificados pela instituição.
Quatro pesquisadores aparecem com zero em publicação, isso demonstra que, no período de
2013 a 2017, eles não produziram nenhum material que traziam no título, os descritores infância,
criança, crianças e infantil.
40
30
20
10
0
TARDIVO ENUMO
ANDRADE
SALGADO
VIEIRA
Gráfico 1. Pesquisadores com maior quantitativo de publicações
Gráfico 1. Pesquisadores com maior quantitativo de publicações
Fonte:Autora
Fonte: Autora (2017)
(2017)
No gráficoNo gráfico
acima temosacima
os cincotemos osgrupo
líderes de cinco líderes
com de grupo decom
maior quantidade maior quantida
publicações,
dentropublicações, dentro dos
dos critérios pré-definidos para critérios
essa análise.pré-definidos para essa
Todo tipo de publicação análise. Todo tip
foi considerada,
desde publicação
artigos a capítulos
foi deconsiderada,
livros, e entre outras publicações.
desde artigosNeste primeiro momento
a capítulos tambéme entre
de livros,
foram consideradas as publicações em outros idiomas, além do português.
publicações. Neste primeiro momento também foram consideradas as publicaçõ
Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo conta com o maior número de publicações na área,
com umoutros
total deidiomas,
39, seguidaalém do Regina
de Sônia português.
Fiorim Enumo com 37, Daniela Barros da Silva Freire
Leila Salomão de La
Andrade 35, Raquel Gonçalves Salgado 29 e Mauro PlataLuisCury
VieiraTardivo conta com o maior núme
com 23 publicações.
publicações na área, com um total de 39, seguida de Sônia Regina Fiorim Enum
Discussão
37, Daniela Barros da Silva Freire Andrade 35, Raquel Gonçalves Salgado 29 e M
Luis Vieira com 23 publicações.
Neste artigo pudemos perceber que foram apresentadas as primeiras fases da metassintese.
Ou seja, com a fase de exploração foi possível identificar as especificidades do banco de dados, o
Discussão
diretório de grupos do CNPq, onde foi contabilizado um quantitativo de 256 grupos de pesquisa.
Com o cruzamento e refinamento se pode observar que apenas 34 grupos apresentaram os
descritores no título,
Nesteo descritor que mais apareceu
artigo pudemos foi infância.
perceber que foram apresentadas as primeiras fa
Por meio da descrição identificamos que as regiões do país mais representadas foram
metassintese. Ou seja, com a fase de exploração foi possível identific
sudeste e sul, acredita-se que essa maior representatividade está relacionada ao fato de serem
regiõesespecificidades do banco
onde mais existem atualmente de dados,
programas o diretório
de pós-graduação de Consequentemente
no país. grupos do CNPq, on
contabilizado
as menos umnordeste
representadas são quantitativo
e norte. de 256 grupos de pesquisa. Com o cruzame
Foram descritos os grupos de pesquisa e os seus respectivos líderes. Na busca pelas
produções dos líderes constatamos certa discrepância no quantitativo de publicações entre eles,
ou seja, alguns apresentaram um quantitativo igual ou maior que vinte e outros uma ou nenhuma
produção nos últimos cinco anos.
Pode-se inferir a partir dos resultados encontrados, que existem muitos grupos dedicados
ao estudo da infância no Brasil, sendo que com o recorte do descritor no título esse número se
reduziu a 34 grupos.
Conclui-se que a análise qualitativa das publicações dos líderes é o que permitirá identificar
as conceituações e representações acerca da infância no Brasil. Visto que o que se produz e publica
nesses grupos repercute socialmente. Então, tais publicações são indicadores das repercussões na
sociedade brasileira sobre a infância e suas conceituações.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Referências
Introdução
A
sociedade atual tem se caracterizado por uma cultura que destaca o corpo como
forma de identidade. Nesse processo de transformação a mídia passou a prestar
contribuição na elaboração de uma “figura perfeita”, provocando com isso o
afastamento das pessoas do seu corpo real (Martins, Nunes & Noronha, 2008), afetando,
principalmente, as mulheres em qualquer etapa da vida. Na atualidade, o corpo tem pouca
naturalidade, pois é regulado pelos interesses da sociedade capitalista, manipulando e tornando
o corpo um objeto passível, atraído por imagens socialmente desejáveis, que visam especialmente
o consumo e o lucro; a mídia adentra nesse processo, ao transmitir e impor um modelo de
vida, fazendo uso de estratégias de marketing para criar desejos, anseios e angústias, instigando
as pessoas a seguirem os padrões sem questionamentos, levando a consumirem o que está no
mercado (JanjaBloc& De Holanda, 2007).
A mídia deve ser tratada enquanto uma manifestação cultural, que influencia
intencionalmente o comportamento, as atitudes e a corporeidade dos sujeitos contemporâneos,
sobretudo das mulheres (Nascimento, Próchno, & Silva, 2012). Segundo Flor (2017), as mídias
são as responsáveis por disseminar que para ser belo é necessário ter um corpo perfeito, sendo
o mesmo definido como magro, estimulando as pessoas a realizarem sacrifícios para alcançar
esse perfil. Mas até onde a busca pelo ideal deixou de ser saudável e passou a ser disseminado
como o padrão de corpo a ser seguido, acarretando a fragilização da autoestima e da segurança
das mulheres contemporâneas? Para Santos (2015), as mulheres se tornaram servas do sistema
consumidor que adoece e na maioria das vezes só conseguem perceber quando chegam ao seu
extremo e não há mais possibilidade de resistir à pressão ou criar estratégias para encarar as
situações impostas. Portanto, o corpo assume posição de objeto que necessita ser moldado
e adaptado aos padrões vigentes, determinados pela sociedade que contribui com a indústria
cultural (Lopes & Mendonça, 2016).
Maia (2011) reforça que há uma ilusão criada e alimentada pela mídia em união com a
indústria da beleza, ambas obtendo retornos lucrativos generosos através da disseminação de que
a felicidade é fruto do consumo, levando ao alto investimento em busca da aparência perfeita.
Assim, produtos estéticos são postos à venda, tendo como alvo principalmente o público feminino.
Dessa forma, alavancam o consumo de: dietas preparadas, que prometem resultados rápidos e
eficazes para alcançar o corpo de modelos; produtos de beleza para corpo, rosto e cabelo, os
quais são, constantemente, emparelhados a figuras públicas, consideradas belas e satisfatórias; e
o uso de intervenções plásticas como a solução para a conquista da perfeição, influenciando na
percepção quanto a imagem corporal dessas mulheres.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Schilder (1999) entende por imagem corporal como uma representação mental que cada
um produz a respeito do próprio corpo a partir da percepção envolvendo sentidos, ideias e
sentimentos. Almeida, Santos, Pasian e Loureiro (2005) colocam a insatisfação com a imagem
corporal como associada à discrepância entre a percepção e o desejo relativo a um tamanho e a
uma forma corporal, por consequência, há sérias implicações, principalmente psicológicas, na
vida de uma mulher que não possui o corpo que gostaria, ou que lhe fizeram acreditar que é o
ideal, aquelas que não alcançam tal padrão sofrem muito, podendo acarretar no desenvolvimento
de transtornos alimentares, baixa autoestima e depressão, entre outras psicopatologias (Alves,
Pinto, Alves, Mota &Leirós, 2009).
Este artigo trata principalmente da influência da mídia sobre o corpo das mulheres, não se
pretendendo aprofundar detalhadamente os temas, mas apontar como os meios de comunicação
de massa desenvolvem a insatisfação perante os padrões estéticos impostos pela desejabilidade
social. Podendo servir como uma forma de reflexão da implicação na vida dessas que têm seus
corpos usados para pregar um modelo de perfeição frente às câmeras e flashes. As mesmas, que
possuem como objetivo mover o capitalismo pelo consumo daquilo que se mostra e que são um
dos principais responsáveis pela baixa autoestima, frustração e desencadeamento de problemas
de saúde, inclusive distúrbios alimentares; pois a cultura do corpo, que não é o mesmo que a
cultura da saúde, como se quer aparecer, se trata de um sistema fechado onde se constroem
sintomas sociais de drogadição, violência e depressão, deixando claro o vazio da vida frente ao
espelho (Kehl, 2004).
Partindo disso, “tratar o tema boa forma e beleza é também falar em corpo; consequentemente,
falar em corpo remete a questões sociais” (Flor, 2017 p. 269), daí a importância de explanar a
interação mídia- corpo feminino, levando a questões de imposição e ideação de corpo como
implicação na insatisfação e distorção no modo como as mulheres se percebem. Assim, a mulher
em busca da beleza de seu corpo é conduzida a posição de oprimida pela mídia, que lhe impõe
novos meios para se relacionar com seu corpo (JanjaBloc& De Holanda, 2007). Este, por sua vez,
é cada vez mais vendido pelas as propagandas, pois ele está em alta. São vários os investimentos,
altas cotações e altas frustrações vinculadas ao ideal de perfeição da pós-modernidade, em que se
valoriza a magreza, a forma perfeita, podendo este ser considerado o marco de uma “época em
que se vive a anestesia dos ideais” (Fernandes, 2005).
Desenvolvimento
Desde o início do século XX, disparo publicitário pós-guerra entra como um dos grandes
responsáveis pela dispersão de hábitos relativos aos cuidados com o corpo e de higiene. No final
da década de 20, o cinema foi a fonte de influência sobre o corpo e a beleza da mulher, pois
construiu a subjetividade, a experiência social feminina e mediou a formação da autoimagem
(Ferreira, 2008; Santos, 2006). Na mesma década houve um forte crescimento no lançamento de
produtos voltados principalmente para a beleza da mulher, havendo um forte engrandecimento
na indústria de cosméticos e produção para o consumo pelo público feminino (Nascimento et al.,
2012).
Já os anos de 1960, marcados pela chamada revolução sexual, foram importantes para
as mulheres. Nessa década, foi conquistada efetivamente alguma igualdade de direitos, como
o voto, a inserção no mercado de trabalho, e os direitos em relação ao corpo e à sexualidade
(Ferreira, 2008; Nascimento et al., 2012). O alcance de emancipação e avanços significativos
na vida das mulheres, fez com que ocorresse uma valorização da beleza do corpo feminino e sua
autonomia financeira, entretanto, essa valorização foi tão reforçada que acabou resultando na
banalização do corpo, extremamente expostas nos meios de comunicações, com o intuito de
628 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Em conformidade com isso, é importante voltar-se para a compreensão do ponto de vista do
desenvolvimento da mulher, uma vez que a mesma possui, desde a adolescência, uma dificuldade
de fixar uma imagem de si. Essa fase na qual é marcada por grandes transformações, a exemplo de,
novos desafios e falta de apoio frente às mudanças, vivência conjuntamente uma forte influência
dos meios de comunicação, os quais propagam modelos de beleza e extrema valorização da
aparência, gerando em alguns adolescentes uma angústia por não se enquadrarem no padrão
ou devido aos esforços para se encaixar no mesmo. Esse período, torna-se mais complexo, pois a
autoimagem apresenta características mais negativas, fruto da preocupação com as mudanças e,
também, de um meio social que impõe padrões muito idealizados de beleza. O impacto na vida
das adolescentes pode resultar desde baixa autoestima e resistência em aceitar seu corpo, passando
pelo desenvolvimento de distúrbios alimentares e anorexia, sendo esta caracterizada pelo medo
anormal de engordar, podendo chegar à morte (Campagna& Souza, 2006; Vianna, 2005).
Na fase adulta, o estudo de Alvarenga, Philippi, Lourenço, Sato e Scagliusi (2010) desenvolvido
com um grupo de universitárias, proveniente de todas as regiões do Brasil, com idades variando
entre 20 e 30 anos, revelou que as mesmas apresentam uma elevada insatisfação corporal, levando-
as a cobiçarem um corpo com medidas menores, semelhante aquelas propagadas pelas mídias.
Em concordância, Bevilacqua (2010) em sua pesquisa constatou que as mulheres na idade adulta
com sobrepeso vivenciam um descontentamento com seu corpo, já aquelas as quais apresentam
uma silhueta menor exibem uma elevada autoestima..Isto posto, pode-se observar que na
adolescência e na idade adulta a forma corporal e o aumento de massa são os indicadores que
mais recebem influência sociocultural, principalmente no que diz respeito às mídias, propondo
um corpo magro, longilíneo que se traduz em um baixo índice de massa corporal nas mulheres e a
busca incansável por proporções e formas ditas adequadas (Damasceno et al., 2008).
Essa realidade não deixa de afetar também as idosas, segundo Tribess (2009) as mulheres
com idade média de 71,6 anos, também, realizam julgamento frente ao seu corpo, sendo o perfil
ideal apontada por alguns como esbelto, gerando descontentamento quando o corpo real se
distancia daquele almejado. A diferença da velhice para as outras fases, é que além do culto à
magreza, esse grupo tem como foco a busca pela juventude, pois se vive em uma cultura na qual
a aparência jovem é extremamente valorizada, tornando a juventude sinônimo de beleza (Russo,
2005). Tal entendimento, segundo Russo (2005), pode ser um dos principais motivos da grande
procura, na atualidade, pelas cirurgias de rejuvenescimento e no consumo de medicamentos para
emagrecer.
A insatisfação com a imagem corporal pode ter seu surgimento a partir da frequente
exposição às informações cotidianas e a insaciável ideação do corpo perfeito. Observa-se,
portanto, no atual contexto social, uma supervalorização dos corpos exibidos pela mídia, uma
imagem corporal difundida de forma estereotipada, cuja aquela pessoa que não se enquadra no
padrão socialmente imposto sente-se inferiorizada, deprimida e desprezada. O público feminino
sofre psicologicamente com a ideia do corpo perfeito e por não terem a imagem das atrizes de
novelas, o que prejudica a autoestima pelo descontentamento com seu corpo (Carvalho, Gomes,
& Ferreira, 2016; Silva & Lange, 2017).
Goldenberg (2011) coloca que a mulher ao designar para si um modelo físico, engloba
diversos sentidos, os quais estão intrinsecamente relacionados com julgamento popular. A
natureza social oferta uma estrutura para orientar as obesas, as gordinhas ao aperfeiçoamento
do corpo, visando torná-lo esculpido e sedutor. Para o autor, o que é importante para as mulheres
é ter os sentimentos de satisfação e adequação, frente realidade exigente e concorrente. Silva e
Lange (2017) vão ao encontro dessa ideia ao destacar que indivíduos do sexo feminino obesos
sofrem com a desaprovação ou distanciamento do outro, sendo estes os principais fatores para
a insatisfação corporal. Os mesmos autores ressaltam a importância que a mulher dá à imagem
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
em um tratamento desigual que dá privilégios a tipos físicos, causando, no desenvolvimento de
crianças e adolescentes, um grande obstáculo físico e mental (Vianna, 2005).
Swiatkowski (2016) afirma que apesar dessa falta de diversidade de imagens mostradas na
mídia, as pessoas ainda olham para essas imagens como uma forma de orientação na condução
de seus objetivos. Como visto a mídia apresenta um padrão corporal, e assim, as mulheres reais
não são representadas, o que pode gerar consequências na vida e na subjetividade delas em
todas as idades. Se houvesse essa representação, com os diversos tipos e formas de corpo sendo
mostrados, não focando apenas em corpos magros e jovens, ajudaria a iniciar uma melhora no
quadro de insatisfação corporal das mulheres. Isso demonstra ainda, a necessidade de haver um
olhar crítico para aquilo que é oferecido e a forma como este aparece, buscando a distinção entre
a promoção de saúde e a promoção da indústria da beleza, pois o corpo feminino ao que parece
foi capturado pelas garras do capitalismo de consumo, transformando-o em objeto com valor de
troca, custo, prazo de validade e regulamentações (Nascimento, 2012).
Conclusão
Este estudo teve como objetivo expor a influência que mídias possuem no desenvolvimento
da insatisfação corporal da mulher, revelando as implicações físicas e mentais que estas sofrem
ao longo da vida. O advento das tecnologias e indústria do consumo voltam-se para o corpo
feminino, tendo-o como um alvo para fins lucrativos na contemporaneidade. Para isso, imagens
de mulheres inalcançáveis são expostas, em seus corpos magros e jovens como modelos de estética,
trazendo sentimentos de frustração e culpa pelo formato de seus corpos, que em suas percepções
acabam por não se encaixar nos padrões impostos.
As redes sociais, que possui milhares de adeptos acompanhando a vida de famosos e
considerados “influenciadores digitais”, leva mulheres e meninas a buscarem não apenas o bem-
estar e a saúde, mas seguir fielmente os padrões de beleza acatando soluções, produtos e serviços
vendidos, e em alguns casos, adquirindo e compartilhando comportamentos de risco psíquico
e físico, como o desenvolvimento de distúrbios alimentares. Revelando assim, a necessidade de:
(1) adotar uma posição crítica ao que a mídia oferece e (2) cuidar para que haja a propagação
de novas ideias as quais se voltem para a disseminação do respeito às mulheres e a diversidade de
seus corpos. Por fim, acredita-se que o propósito do presente estudo tenha sido alcançado tendo
em vista a exposição de reflexões e discussões acerca do tema. Despertando, principalmente,
em profissionais da saúde a importância de se debater constantemente as consequências da
influência da mídia, tanto nos aspectos físicos como mentais das mulheres. Além disso, instigar
novas pesquisas voltadas para o tema e público em questão, ou seja, a forma como a mídia está
agindo sobre a vida dessas mulheres e as consequências geradas.
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direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito UFPR.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A ABORDAGEM DO PRECONCEITO RACIAL E
DE ESTEREÓTIPOS NO CINEMA NORTE-AMERICANO
Geice Maria Pereira dos Santos
Ely Jean Pereira Rocha
José Leandro da Cunha Machado
Introdução
O
objetivo deste artigo é mostrar as diferentes maneiras em que o preconceito foi
concebido na indústria cinematográfica norte-americana, em filmes de diferentes
décadas, a saber, décadas de 80, 90 e 2000, mas desta vez com um olhar crítico e
reflexivo. Este trabalho procura despertar nas pessoas um olhar mais atento com respeito ao que
elas assistem, para que percebam o sentido por trás de algumas cenas que aparentemente, parecem
inofensivas, mas que possuem um sentido danoso por trás, repleto de preconceitos e estereótipos.
Foi utilizado neste trabalhoo suporte teórico das Representações Sociais de Serge Moscovici, que por
sua vez, nos ajudam a entender como essas representações presentes no cinema atuam de diferentes
formas, e assim fornecem esclarecimentos necessários. Em diversos filmes, existem construções
imaginárias negativas da imagem de determinados grupos, que de certa forma, reforçam mais ainda
a disseminação de preconceitos, visto que, estes comportamentos são interpretados por uma parcela
do público como se fossem a representação exata da realidade, quando na verdade, não passam de
uma informação equivocada, deturpada, incompatível com a realidade.
Embora isso seja ruim, não se pode generalizar a todos os filmes, deduzindo que estes
semprepassam mensagens intolerantes. Há exceções. Existemfilmes que são muito positivos e
marcantes em nossas vidas por quemostram exemplos reais e marcantes de grandes personalidades
que mostraram superação, determinação, e até resiliência diante de situações extremamente
negativas. Pode-se comprovar isso diante de películas que abordam o preconceito racial, que
mostramcenas fortes de discriminação contra outrem, tentando reproduzir a realidade.Por outro
lado, há filmes que possuem uma visão mais apaziguadora, mostrando estereótipos raciais e
étnicos de um modo cômico ou de uma forma sútil. São olhares que os cineastas fazem a partir
daquilo que eles observam em determinados contextos e assim tentam reproduzir isso por meio
de imagens que possuem mensagens, discursos.
Do ponto de vista do antropólogo FrancoisLaplatine (2003, p. 139) é possível e imprescindível
distinguir um observador e quem está sendo observado, contudo, é “impensável dissociá-los”.
Lamentavelmente,isso dificultatanto as observações como as conclusões de alguém, devido ao
constante exercício da observação recíproca, uns pelos outros, isto é, na prática ao se observar
o comportamento de determinado grupo nunca é detalhado com a devida exatidão a forma que
eles ocorrem na íntegra, em sua plenitude.
Quando defini-se preconceito,raramente vem à mente imagens positivas e sim negativas
a respeito de algo, às vezes uma imagem que é concebida sem nenhuma fundamentação. O
Método
A metodologia empregada neste artigo consiste de uma revisão bibliográfica bem como
pela consulta de alguns filmes da indústria cinematográfica norte-americana. Este estudo utilizou
também uma pesquisa qualitativa, visando analisar diversos aspectos da realidade presentes
nestes filmes.
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dum gesto, ou duma reunião, em nosso mundo cotidiano”. Desse modo, as representações
sociais vão se imbuir nas relações que nós instituímos com os outros, seja naquilo que faz parte
do nosso dia-a-dia através da produção, ou no diálogo que nós temos com os outros.A partir do
momento que é criada, compartilhada e aceita, a impressão generalizada em relação a um grupo
social se dissemina, com características opostas ao que outrora era tido. Toma-se como exemplo,
a delimitação de comportamentos à uma determinada etnia.
Da mesma forma que o negro é discriminado, assim também acontece com os latino-
americanos. Por exemplo, alguns cineastas estadunidenses nos seus filmes atribuem determinados
comportamentos a latino-americanos, colocando-lhes à margem da lei da forma que estes são
retratados na maioria das vezes, seja como bandidos, assaltantes, traficantes de drogas, seja com
uma variação de papeis que pode ocorrer na interpretação de personagens honestos, em cargos
de prestadores de serviços básicos.
Para Norbert Elias (1993, p. 19) os conceitos usados pelos grupos que se firmam servirão
como uma forma de estigmatizar e vão variar de acordo com as circunstâncias, costumes, e
características de cada grupo, que por sua vez, só vai ter algum sentido dentro de um contexto, não
fora dele, “mas, apesar disso, ferem profundamente os outsiders, porque os grupos estabelecidos
costumam encontrar um aliado numa voz interior de seus inferiores sociais”.
É nessa visibilidade nada positiva que as representações sociais de negros e latinos são
reforçadas, já estão presentes no imaginário popular, e agora são reforçadas de uma forma
inexorável pelo cinema. Ao invés de colocar representações positivas dessas pessoas com boas
qualidades como pessoas trabalhadoras, honestas, fazem justamente o oposto, com raras
exceções, mas que de alguma forma, nessa compensação, às vezes cometem gafes.
Freire Filho (2004, p. 49) concorda que “Os meios de comunicação de massa são a grande
fonte de difusão e legitimação dos rótulos, colaborando decisivamente, deste modo, para a
disseminação de pânicos morais”. É dessa forma que o cinema poderá contribuir positivamente
ou negativamente com uma informação, pois a propagação do cinema é deveras maior.
Muitos fenômenos que são estudados são ou partes inerentes da ideologia ou substitutos
teóricos dela. Isso vale para conceitos, como hábitos, preconceitos, estereótipos, sistemas de
crenças, psicológica, etc. Quando ocorre a discriminação contra um grupo, não são expressados
apenas preconceitos sobre essa categoria, mas também uma aversão ou desprezo que eles estão
indissoluvelmente ligados.
Paulo Freire (1996, p. 31) argumenta que “mesmo qualquer discriminação por menor que
seja, é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça a força dos condicionamentos
a enfrentar. A boniteza de ser gente se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever
de brigar”.
Com relação ao estigma, este pode se referir as marcas que um indivíduo, grupo ou povo
carregam e como este valor pode ser acentuadamente negativo e até mesmo pejorativo. É difícil
imaginar a situaçãoembaraçosa que se passa na cabeça de um indivíduo que está sendo vítima de
algum preconceito, mesmo que este seja de forma sutil, indireta.
Definitivamente não deve ser nada fácil reconhecer que aquilo que está sendo mostrado,
estána verdade carregado de um valor negativo, pois está de alguma forma marginalizando algum
grupo, excluindo-o, tornando-o piegas, e assim está dificultando a perspectiva de ser tratado com
dignidade ou mesmo de oportunidades iguais. O que indubitavelmente dificulta são os meios de
comunicação de massa que perpetua àquela imagem ruim ao longo de várias gerações, fazendo
assim com que o indivíduo estigmatizado incorpore através de sua identidade um atributo que vai
corresponder a um valor social negativo. Sem dúvidas, um aspecto que é deveras importante nesse
processo é que o atributo negativo pode ser internalizado pelo indivíduo e pode ser um aspecto
importante de sua auto-imagem e por sinal, também de sua autoestima.
Consideramos que o grau de desenvolvimento cultural de uma pessoa expressa-se não só pelo
conhecimento por ela adquirido, mas também por sua capacidade de usar objetos em seu mundo
externo e, acima de tudo, usar racionalmente seus próprios processos psicológicos. A cultura e o
meio ambiente refazem uma pessoa não apenas por lhe oferecer determinado conhecimento, mas
pela transformação da própria estrutura de seus processos psicológicos, pelo desenvolvimento
nela de determinadas técnicas para usar suas próprias capacidades.
O primeiro filme que será abordado é o surpreendente e quase desconhecido filme “White
Dog, traduzido no Brasil como “Cão Branco”, do ano de 1982. Este filme, por sinal, chegou a ser
boicotado pela produtora Paramount de passar nos cinemas dos Estados Unidos na época, por
considerar a temática forte demais, por considerá-la racista. Contudo, na Europa, este filme pode
ser assistido e foi aclamado pela crítica pela incomensurável profundidade e complexidade, com a
qual o polêmico diretor Samuel Fuller trata essa questão do racismo.
Talvez seja o primeiro filme que trata do ódio racial ensinado e condicionado a um animal,
que neste caso é um cachorroda raça Pastor Alemão, de cor branca, treinado por donos racistas
para atacar e matar pessoas negras. É um filme baseado em uma história real.
Havia na África do Sul nos tempos de Apartheid, cães brancos treinados exclusivamente para
atacar negros. Nos EUA também existiram esses cães com esse tipo de treinamento. No filme, a
história é semelhante, porém nos EUA. Segundo a descrição do adestrador Keys, esses cães vêm
de uma linhagem de cachorros treinados há mais de 100 anos, na época,treinadospara perseguir
e capturar escravos negros e posteriormente, para perseguir prisioneiros negros. Embora os cães
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enxerguem em preto e em branco, os cães foram transformados em racistas por condicionamento
por que os donos racistaspagavam pessoas negras, alcoólatras ou viciadas em algo, que por sua
vez aceitavam fazer qualquer coisa pelo vício,para simplesmente bater em seus cães enquanto eles
eram filhotes, e essas surras metódicas dadas por negros plantavam nos cães a semente do medo,
e o medo se tornou ódio por pessoas negras, é claro que o ódio não era racial, e sim visual, já que
eles atacavam pessoas da cor negra, temendo que as pessoas negras lhes atacassem primeiro.
Na história do filme, a atriz Julie Salwyer atropela o cachorro e o leva para sua casa, e
posteriormente, adota-o. Inicialmente o cachorro parece ser um animal dócil, amigo e muito
protetor para Julie, mas para as outras pessoas ele se torna um animal muito bravo, porém
contra os negros, ele se mostra extremamente feroz.Ela percebe isso, e procura reeducá-lo com
um adestrador negro, Keys, que por sinal, também é um domador de animais selvagens, para que
ele se transforme em um animal dócil. Keys aceita o desafio de tirar o condicionamento, e de que
acima de tudo, não é eliminando o cão e sim o racismo, mas tudo isso é em vão. O cão continuou
com seu instinto feroz, matou um cidadão negro dentro de uma igreja, e feriu outras três pessoas
negras, sendo sacrificado na cena final do filme, pois não havia mais nenhum método adequado
para recuperá-lo, ele já havia se tornado um cão “racista” por condicionamento.
Neste filme pode-se observar que o preconceito pode ser construído pouco a pouco, e
depois de construído, fica difícil demolir sua estrutura, já que os seus alicerces ficaram plenamente
estabelecidos, no que diz respeito à mente de alguém, este pode se tornar algo quase indelével.
É evidente que o cachorro não tem culpa, pois foi condicionado a odiar pessoas pela aparência,
mas o que se vê é que ele se transformou em uma arma e também numa ponte entre a vítima
e o verdadeiro agressor, o seu dono racista. No entanto, assim como é no caso do cachorro
do filme, com os seres humanos poderá ocorrera mesma coisa, o comportamento racista pode
ser apreendido paulatinamente, e assim ações destrutivas poderão ocorrer contra outrem. O
que aconteceu foi a sistematização do ódio que se tornou irreversível. Isso corrobora a teoria de
Skinner do condicionamento. Alguns eventos tendem a ser reforçadoresde comportamento para
toda uma espécie. Existe o condicionamento, mantido por uma sequência de respostas.
Para Skinner (1982)
Outro filme que aborda o preconceito racial é o filme Tempo de Matar, do ano de 1996. Este
filme conta a história de Carl Lee Hailey, um homem que teve a sua filha brutalmente estuprada
por dois homens da cidade de Canton, estado do Mississipi. Como Carl Lee já conhecia a legislação
favorável aos brancos, ele previu a não punição dos dois homens, e decidiu fazer justiça com
as próprias mãos, matando os dois homens. O contexto histórico do filme mostra o sul norte-
americano, numa época onde os negros eram marginalizados e o racismo imperava nas relações
sociais. Grupos como a KluKluxKlan utilizavam, alguns preceitos do pensamento nazista como
a idéia da raça ariana e da superioridade dos brancos em relação aos negros e judeus em uma
espécie de guerra civil ou apartheid entre brancos e negros. A ousadia de Jake, o advogado branco
Este filme conta a história de um famoso escritor negro, Andrew Sterling. Este compra uma
casa em uma ilha que sempre teve moradores brancos. Antes de fazer a mudança definitiva para
a casa ele vai conhecer melhor a casa, seus vizinhos que não sabiam que os antigos moradores
haviam se mudado, observam pela janela que há um novo morador e percebem que ele é negro,
daí eles associam-no a um ladrão, logo, não decidem hesitar, e chamam a polícia imediatamente.
Quando os policiais chegam até a casa de Andrew Sterling, eles ficam a certa distância. Quando
Sterling sai da casa com a chave do carro, esta é confundida com uma arma, e os policiais disparam
contra Andrew. Ele sobrevive, e chama a polícia. Eles percebem que cometeram um gravíssimo
engano, pois não sabiam que Andrew Sterling era negro. Daí o chefe de polícia tentando remediar
o equívoco, tenta armar uma situação real de sequestro ao fazer um acordo para que o único
detento, Amos, um prisioneiro branco, vá até a casa de Sterling e arme esta situação, para que
aquilo se configure um crime de verdade. Não dá certo, porque Andrew Sterling e Amos se tornam
amigos, apesar da situação, e tudo dá errado para o chefe de polícia.
Assim, conclui-se que houve dentro da situação um equívoco proporcionado pelo
preconceito racial. Na prática, são muitos os casos em que os policiais americanos, munidos do
preconceito e de um estereótipo negativo a respeito de negros, não hesitam em atirar e matar os
“suspeitos” negros, legitimando a sua força contra eles e cometendo injustiças sem proporções.
Para o filósofo Bertrand Russel (2013,p. 32) “As ações dos homens são danosas quer pela
ignorância, quer pelos maus desejos”.
Este filme dramático “Homens de Honra” mostra a história real do primeiro homem negro
a se tornar mergulhador-chefe da Marinha americana. Assim como no filme Tempo de Matar,
aqui o racismo é evidente e escancarado. Nesta época, meados dos anos 50 e 60, a sociedade
estadunidense era extremamente racista, e aqui havia a discriminação racial inexorável, já que
oportunidades e serviços eram negados aos indivíduos negros. Entretanto, houve alguém que
conseguiu quebrar essas regras racistas: Carl Brashear.
Carl Brashearentrou para a história como o primeiro negro a se tornar mergulhador chefe
da Marinha dos E.U.A.Com muita perseverança e determinação, ele conseguiu este feito,que para
muitos naquela época era impossível, afinal de contas, ele enfrentou com honra toda a oposição
dos colegas, do chefe racista Billy Sundaye do alto escalão da Marinha que, por sinal, também era
altamente discriminatória.
Aqui neste filme, embora o preconceito fosse dominante naquela época, nem todos
compartilhavam desta imagem negativa a respeito de pessoas negras, o que fez com que Carl
vencesse apesar dos obstáculos na busca de seu sonho.
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Nada a Perder (1997)
Considerações Finais
Referências
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Principais Críticas Direcionadas ao Behaviorismo de Skinner – 1ª ed. Santo André. SP:ESETec
Editores Associados. ISBN- 85- 88303- 47-7
Foucault, M. (1987). Vigiar e punir: nascimento da prisão; Petrópolis: Vozes. ISBN 85.326.0508-7
Hobsbawm, E. J. (1995) Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991.São Paulo: Companhia
das Letras. ISBN 97-885.775.3079-3
Rocha, E. P.G. (1988) O que é Etnocentrismo; 5ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense. ISBN:
85-11-01124-2
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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA TUBERCULOSE: O
OLHAR DO CONSULTÓRIO NA RUA
Wildo Navegantes de Araújo
Josenaide Engracia dos Santos
Melina Mafra Toledo
Talita Mosquetta Maleski Almeida
Introdução
O
tema tuberculose possui várias facetas e contextos, que não se esgotam,
principalmente depois da implantação, em 2011, do consultório na rua pela Política
Nacional de Atenção Básica, com o objetivo de ampliar o acesso da população
de rua aos serviços de saúde (Brasil, 2012). A população em situação de rua é conceituada
como grupo populacional heterogêneo, constituído por pessoas que têm em comum a garantia
da sobrevivência por meio de atividades produtivas desenvolvidas nas ruas, vínculos familiares
fragilizados e a não referência de moradia regular (Brasil, 2012b), população que padece de vários
problemas de saúde, inclusive a tuberculose.
Apesar de curável a tuberculose é a maior causa de morte por doenças infecciosas em adultos
e a segunda causa mundial de mortalidade. Anualmente, são notificados cerca de seis milhões
de novos casos em todo o mundo, dos quais mais de um milhão vão a óbito (Brasil, 2014). No
Brasil, foram notificados 70 mil casos em 2012, com taxa de incidência de 36,1 casos por 100.000
habitantes, e mortalidade, de 3,4 óbitos por tuberculose por 100.000 habitantes. Em 2011, o que
coloca o país na 16ª posição entre os 22 países com a mais alta taxa de infectados de tuberculose
notificada (WHO, 2012; Brasil, 2014).
A tuberculose integra também o elenco das doenças negligenciadas, ou seja, das que
não mereceram investimento de parte dos programas de atenção e tratamento. É interessante
observar que as chamadas doenças negligenciadas coincidem com as que afetam principalmente
as populações negligenciadas, as que fazem parte das margens das cidades globais dos diversos
países: populações de rua, populações encarceradas, usuários de drogas, trabalhadores do
mercado sexual, ou seja, populações de difícil acesso a ações de saúde pública (Adorno, 2011).
Neste sentido, o tratamento dessa doença exigiu a formulação de políticas públicas de saúde
particulares para tal população, em convergência com as diretrizes de atenção básica e a lógica
da atenção psicossocial, garantindo-lhe o acesso dessa a outras possibilidades de atendimento no
Sistema Único de Saúde.
Os consultórios na rua, integram a rede de atenção psicossocial, para atender os diferentes
problemas e necessidades de saúde da população em situação de rua (Ferreira, 2005), atendimento
que segue diretrizes da Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua,
que preconiza estratégias que os profissionais que atuam junto a esse público tenham sensibilidade
em lidar com o contexto de exclusão, o preconceito e estigma (Brasil, 2009).
Os consultórios na rua, inclui a atenção a tuberculose como parte de estratégias do
Método
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Resultados
Ideia Central. Doença permeia o imaginário dos profissionais por crenças relacionadas ao
contágio e rodeadas por estigma, apesar do avanço científico no tratamento.
Discussão
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O discurso mostra a divergência que ocorre no cotidiano, ou seja, a contradição do
modelo de assistência à saúde para pessoa em situação de rua e do que realmente se estabelece
na prática com os profissionais do consultório de rua ao lidar com a tuberculose. A discussão
sobre a tuberculose, tem alardeado os profissionais as vezes de forma distorcida, quanto a sua
percepção. Ao mesmo tempo em que se reacende a discussão sobre a temática, são surpreendentes
a superficialidade e o tratamento preconceituosos que emergiram no Discurso do sujeito coletivo.
As evidências e significados encontrados neste estudo podem ser utilizadas como arcabouço
teórico e contribuir para o planejamento de ações das equipes dos consultório de rua, não somente
no que tange a atenção à tuberculose, mas de maneira a repensar as práticas e modelos utilizados
na atenção às pessoas em situação de rua.
Referências
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648 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A PRÁXIS COMO FORMA CRÍTICA NA
PSICOLOGIA SOCIAL
Vinícius Furlan
Emanuel Messias Aguiar Castro
Introdução
E
sta apresentação se trata de um trabalho de cunho teórico que visou recuperar o
modo como operam as noções de crítica e práxis na Psicologia Social criticamente
orientada.
Para tanto, como método para nossa reflexão, recorremos a pesquisa de caráter
bibliográfico (Gil, 1987), a qual, a partir de fontes secundárias já trabalhadas por outros autores,
recuperamos as discussões de autores alinhados a esta tradição da Psicologia Social, cotejando
os desdobramentos da noção de práxis em sua interface com a forma crítica nos fazeres e saberes
psicossociais, na medida em que a práxis conforma o conceito nodal que articula as proposições
e fundamentos da Psicologia Social Crítica.
Desenvolvimento
Desde sua emergência em meados dos anos 70, a Psicologia Social Crítica tem se tornado um
saber cada vez mais comum ao corpo epistêmico das Psicologias (Molón, 2002; Ozella &Sanchez,
2001).
Na construção desta perspectiva podemos identificar alguns sentidos que lhes dão os
significados de sua especificidade, a saber: a) um sentido epistemológico; b) um sentido
metodológico; c) um sentido ontológico; d) um sentido axiológico; e, e) um sentido ético-político.
Reconhecer seu sentido epistemológico significa entender que a Psicologia Social de
orientação crítica buscou, em seus primórdios, tomar como base epistêmica o pensamento
materialista-histórico e dialético, especialmente os estudos de Marx, bem como a autores ligados a
Psicologia Soviética, como Vygotsky, Luria e Leontiev, e outros neomarxistas, dos quais Habermas,
os Frankefuteanos, Heller, Pêcheux, Althusser, dentre outros. Embora, em seu panorama atual,
tenha recuperado autores alinhados a outros pensamentos filosóficos, como a filosofia da
diferença e os pós-críticos, bem como, nalguns casos, os estudos da psicanálise.
Em seu sentido metodológico, fazendo jus a sua episteme de base, recorre a práxis
enquanto método e possibilidade de transformação da realidade. Neste sentido, aponta Lane
(1994), significa reconhecer que o pesquisador é também produto histórico-social e intervém nas
relações sociais na interação com seu campo de pesquisa, para tanto, pesquisar sempre implica
intervenção. Assume, assim, a premissa de Marx nas Teses sobre Feuerbach de que por muito se
buscou compreender o mundo, agora é preciso transformá-lo.
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Isto implica, por sua vez, uma práxis que tenha como horizonte a emancipação social da
humanidade, a qual, para Marx (2010), tem como base a superação das condições materiais que
produzem alienação, e assim se efetive concretamente a liberdade humana,que exige, por sua vez,
a superação dos interesses sócio-político-culturais e econômicos da sociedade capitalista e ainda
mudanças na rede de relações sociais “apolíticas” – do mercado à família -, que podem se dar
por fragmentos emancipatórios pelos rompimentos e negação do status quo, e também podem
ser feitas fora da esfera dos direitos legais dos mecanismos democráticos, os quais, não podemos
esquecer, funcionam como parte dos aparatos estatais do Estado “burguês” que garantem a
manutenção das relações de produção capitalista.
Nesta esteira, podemos entender, acompanhando Nobre (2003), que essa perspectiva de
Psicologia Social comporta as duas dimensões que fundamentamas teorias críticas, a saber: um
conhecimento que se orienta à luz da emancipação e que expressa um comportamento crítico de
si mesmo.
Conforme demarca o autor, uma
(...) Teoria Crítica não se limita a descrever o funcionamento da sociedade, mas pretende
compreendê-lo à luz de uma emancipação ao mesmo tempo possível e bloqueada pela lógica
própria da organização social vigente. De sua perspectiva, é a orientação para a emancipação
da dominação o que permite compreender a sociedade em seu conjunto, compreensão que
é apenas parcial para aquele que se coloca como tarefa simplesmente “descrever” o que
existe – no dizer de Horkheimer, aquele que tem uma concepção tradicional de ciência. Dito
de outra maneira, sendo efetivamente possível uma sociedade de mulheres e homens livres e
iguais, a pretensão a uma mera “descrição” das relações sociais vigentes por parte do teórico
tradicional é duplamente parcial: porque exclui da “descrição” as possibilidades melhores
inscritas na realidade social e porque, com isso, acaba encobrindo-as (Nobre, 2003, p. 9,
grifos do autor).
Assim como,
Por essa razão, a orientação para a emancipação que caracteriza a atividade do teórico
crítico exige também que a teoria seja expressão de um comportamento crítico relativamente
ao conhecimento produzido e à própria realidade social que esse conhecimento pretende
apreender (Nobre, 2003, p. 9, grifos do autor).
Podemos perceber, portanto, a partir do que vimos discutindo, que o projeto utópico que
busca apontar os caminhos para a emancipação humana,bem como os sentidos e premissas
da crítica desta tradição de Psicologia Socialencontra seu principal valor num conceito nodal,
a práxis, na medida em que não apenas se restringe à especulação filosófica para compreensão
das contradições do aparato societário, mas parte da ideia de Marx de que é necessário um
compromisso ético-político com a transformação da realidade social.
A práxis, neste sentido, não é apenas uma prática ou ação humana, mas, conforme
Libâneo (1994), precisamente o movimento que eleva o homem de sua condição de produto
das circunstâncias à condição de consciência do homem que intervém na realidade produzindo
mudanças para superação das contradições sociais no sentido da humanização. Ela é entendida
como uma prática consciente voltada para a transformação do real, um tipo de prática que requer
ação social material, objetiva, transformadora, que corresponde a interesses sociais. Considerada
do ponto de vista histórico-social, não é apenas produção de uma realidade material, mas sim
criação e desenvolvimento contínuos (Vasquez, 1977).
Uma Psicologia que busca, portanto, elevar suas práticas ao nível da práxis, pretende, assim,
conforme Vasques (1977), elevar-nos a consciência de práxis enquanto uma atividade material do
homem que transforma o mundo natural e social para fazer dele um mundo humano.
Uma Psicologia que orienta suas ações buscando elevá-las ao nível da práxis humana,
portanto, aponta os aportes de um saber e um fazer que se norteia em direção a projetos utópicos
– utopiaentendida como aquilo que é o desejável e não o inalcançável.
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Essa maneira de fazer pesquisa serve como catalizador para possíveis superações das condições
sociais desumanizadoras. Pesquisas que apontem para a emancipação humana, entendida
como um tipo de auto-experiência que surge a partir do momento em que o autoentendimento
se entrecruza como o aumento de autonomia individual e social. Nesse sentido, “emancipação”
torna-se um conceito quase sinônimo de “revolução”. A própria Lane defende que é impossível
uma emancipação sem revolução (Lima, Ciampa & Almeida, 2009, p. 228).
Neste sentido, projetos de pesquisa e práticas psicológicas que buscam nortear seu modo
de produção de conhecimento como forma de práxis humana e pretendem apontar os caminhos
para as possibilidades de emancipação humana e as superações das contradições sociais
desumanizadoras, podemos considerar que são projetos que se orientam por pretensões utópicas
e emancipatórias.
Não obstante o caráter crítico desta tradição esteja intimamente ligado ao conceito de práxis,
o qual busca resguardar com veemência, Iñiguez-Rueda (2003)assinala que parte importante
da Psicologia Social Crítica permanece nas proposições que a originaram e que podem ainda se
denominar empiricistas. Isto faz com que a emergência e efervescência da crítica converta-se num
acontecimento pontual e datado, restrito a seu nicho cronológico.
Isto acompanha a análise deLima (2010) ao identificar que, nos últimos anos, parece estar
havendo um enfraquecimento das proposições teóricas de potencialcrítico na Psicologia Social,
sendo necessária sua renovação constante, portanto, sendo necessária constantemente a elevação
das práticas e pesquisas desta tradição ao nível da práxis e, por conseguinte, a dimensão do
conhecimento enquanto forma crítica.
Considerações finais
Na esteira que vimos discutindo, podemos observar que a Psicologia Social criticamente
orientada, em seus saberes e fazeres, suas premissas da crítica e sentidos fundantes, resguardam,
na dimensão da práxis, os fundamentos que alicerçam a tradição das teorias críticas: busca
apontar os caminhos para a emancipação humana e constitui-se a partir de um comportamento
crítico do próprio conhecimento.
Uma Psicologia Social de orientação crítica, neste sentido, tem a práxis humana enquanto
forma críticaque orienta seus fazeres e também como fundamento de seus saberes, na medida em
que busca intervir sobre a realidade sociala partir de projetos utópicos que pretendem transformar
a sociedade e possibilitar condições de vida mais justas e igualitárias.
Referências
Furlan, V., Holanda, R. B., & Castro, E. M. A. (2015). Reflexões sobre as metodologias em Psicologia
Social Crítica. Psicologia & Sociedade, 27(3), 712-716.
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In Lane, S. T. M., & Codo, W. (Orgs.). Psicologia social: o homem em movimento (13ª ed). São Paulo:
Brasiliense.
Libâneo, J. C. (1994). Psicologia Educacional: uma avaliação crítica. In Lane, S. T. M.;, &Codo, W.
(Orgs.). Psicologia social: o homem em movimento (13ª ed). São Paulo: Brasiliense.
Lima, A. F., Ciampa, A. C. & Almeida, J. A. A. (2009). Psicologia Social como Psicologia Política?
A Proposta de uma Psicologia Social Crítica de Sílvia Lane. Psicologia Política.9(18), 223-236.
Marx, K. (2010).Sobre a Questão Judaica. São Paulo: Boitempo. Originalmente publicado em 1843.
Nobre, M. (2003). Luta por reconhecimento: Axel Honneth e a Teoria Crítica. InHonneht, A. Luta
por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Ed. 34.
654 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
MODOS DE VIVER E HABITAR DE UMA COMUNIDADE
EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL NO
MUNICÍPIO DE SANTO ÂNGELO
Andrea Fricke Duarte
Paula Cristiele Steinhaus
Dieine Mércia de Oliveira
Jonathan Vieira Costa
Introdução
N
este artigo nos propomos a apresentar e a discutir experiências de uma pesquisa
que se encontra no final de seu segundo ano de trabalho junto a uma comunidade
em situação de vulnerabilidade social na cidade de Santo Ângelo, interior do
Rio Grande do Sul (RS). Trata-se de uma espécie de testemunho, a partir das narrativas de um
percurso de inserção e imersão em um campo marcado pelo signo do esquecimento, e onde tem se
produzido encontros potentes e suas luzes vagalumes, a partir do ensaio de práticas autogestivas
baseadas em Baremblitt (1998). A construção da narrativa segue uma dupla proposição: primeiro
a proposição de Didi-Huberman (2011) sobre as imagens: o regime da imagem e da imaginação é
um local de luta política, principalmente aquelas imagens que portam memórias e têm um poder
de transmitir algo de um tempo que se passou, e em segundo, a compreensão da escrita não como
descrição, mas como criação enredada com a transmissão da experiência a partir de Luis Antônio
Baptista (2017). Vamos também problematizar o conceito de vulnerabilidade social, assim como
a questão relacionada a territorialidade e a produção de subjetividade, entendendo o território
como agenciador de modos de vida. De maneira geral, os objetivos iniciais do projeto consistiam em
cartografar uma comunidade em situação de vulnerabilidade social em Santo Ângelo, seus modos
de viver e habitar, e agenciar o seu protagonismo social através dos dispositivos de autoanálise e
autogestão, a partir de suas principais demandas e potencialidades.
Método
A história dos homens, tanto do ponto de vista da teoria quanto da prática, é a da constituição
de problemas. É aí que eles fazem sua própria história, e a tomada de consciência dessa
atividade é como a conquista da liberdade. (Deleuze, 2008, p. 9).
Resultados e Discussões
Prelúdio
Quero conhecer essa cidade, mas não somente a cidade do cartão-postal – a Capital
das Missões – mas conhecer aqueles que não podem ser vistos ou que sofrem algum tipo de
656 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
invisibilidade ou restrições a uma circulação (como qualificar?) mais plena do que a cidade
oferece. Como se conhece uma cidade? As cidades acolhem a todos que nela habitam? Quem pode
ocupar determinado espaço? Quais espaços são oferecidos aos que aqui moram? Com algumas
interrogações na mão comecei a desenhar a paisagem social na medida em que adentrei nesse
novo território que foi o encontro entre pesquisador e comunidade, estudantes bolsistas, equipe
de uma Estratégia de Saúde da Família (ESF), Secretaria Municipal de Assistência Social Trabalho
e Cidadania (SMASTC) do munícipio e outros tantos encontros que ainda tem decorrido dessa
pesquisa próxima da fase de finalização.
Quando cheguei a esta cidade, longe, sete horas da capital, encontrei canteiros bem pintados
dividindo as ruas centrais em duas vias, e havia flores em alguns deles. O cuidado dessas ruas
confirmava o traço da herança alemã assim como os corpos esguios, muito altos, dos jovens que
cruzavam às vezes por mim na passagem. E em nada se pareciam com os bairros “esquecidos”
tal como nomeou a assistente social do município em 2016, quando comecei esta pesquisa. A
primeira tarefa assumida por uma “estrangeira” foi ter a rua tendo meus bolsistas como guias.
Professora e pesquisadora, me mudei para a cidade de Santo Ângelo em julho de 2015 depois de
morar 16 anos em Porto Alegre – capital do RS. Com um percurso anterior a essa pesquisa, todos os
bolsistas já haviam atuado nas áreas da assistência social, nos Centros de Referência de Assistência
Social (CRAS) da cidade, assim como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social
(CREAS), além de terem planejado e executado uma edição municipal do projeto Vivências e
Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS), por participarem do movimento
estudantil. Isto os fez adquirir uma boa experiência e/ou conhecimento do trabalho nas redes de
saúde e assistência social de Santo Ângelo, o que facilitou as trocas com os serviços do município
para a efetuação do projeto. Pegávamos o ônibus, na cidade do interior, onde todos, ou melhor,
quase todos, andam de carro. Misturávamo-nos a esse quase: estudantes, pessoas idosas, outras.
Caminhávamos por ruas desertas, o calor, e as casas de madeira que apareciam com maior
frequência assim que se saísse das vias principais. A parceria estabelecida entre pesquisadora e
bolsistas foi desde o começo fundamental, em decorrência da experiência anterior dos mesmos,
e ao começarmos a circular pelo território da cidade existia um mapa de afetos já delineado
nas primeiras andanças, escolhidas justamente por essas relações, até a escolha definitiva das
comunidades a serem pesquisadas.
A vulnerabilidade pode ser uma potência. A forma-frágil tem seu valor de testemunho e de
quase-coisa que se aventura no percurso. Há uma geografia do espaço, a cidade não recebe a
todos da mesma maneira. Assim como eu nunca tinha entrado no bairro Harmonia e no bairro
União, as moradoras destes respectivos bairros nunca haviam entrado na universidade, o mais
próximo que chegaram foi na calçada, na parada de ônibus: “já tinha vindo aqui, mas nunca tinha
cruzado a linha da calçada”. São linhas invisíveis que determinam lugares onde se pode, ou não,
entrar. São muitas dessas linhas invisíveis que fazem marcas também nos corpos. “O invisível da
cidade nascerá no seu corpo. Repita esta frase lida no livro azul, repita alto: ‘eles marchavam com
a aparência resignada dos que são condenados a esperar eternamente’” (Baptista & Silva, 2017, p.
53). Ao se deixarem tragar e violentar pela cidade do Rio de Janeiro, os autores anunciam lágrimas
que atravessam a pele, olhos que silenciam e vomitam n(uma) cidade desfocada, enrugada, que
fede e que não só é perigosa, mas te fará morrer. E a saída pelas ruas é narrada assim:
A cidade lateja como um tumor que poderá expurgar o que a infecta a qualquer momento.
Olhe pela última vez as constelações das estrelas que lhe dão segurança, o horizonte, a saída
Sair para as ruas da cidade e enfrentá-la requer ser atravessado no corpo por muitas marcas
invisíveis:
Esfregue os pés no asfalto, veja através deles as camadas de tempo da avenida . . . esfregue
com força estes pés pálidos no chão. Mais força, grude a pele dos seus dedos ao chão imundo
dessa cidade. Misture o sangue e os dejetos (Baptista & Silva, 2017, pp. 55-56).
Nos bairros esquecidos da cidade aonde eu quis caminhar, ouvir, ver e conversar, fui avisada
pela enfermeira-chefe da ESF: “em hipótese alguma deve andar aqui sozinha sem a agente de saúde”.
Num dos percursos visitamos uma jovem dona de casa de 18 anos, grávida de um jovem marido.
Ela narra a saída precoce da escola e depois, a tentativa de suicídio dias antes de um conhecido
que mora perto. Mais adiante encontramos o rapaz de dezessete anos e seu olhar perdido no vazio.
Uma avó excessivamente presente diante do seu silêncio. Ele viu o pai ser assassinado pelo tráfico
quando ainda era pequeno. Adolescente, após o término do namoro, tenta tirar a própria vida.
Naquele mesmo verão, neste mesmo bairro, outro pai de outros meninos foi morto pelo tráfico.
“Você está perdido. Aprenda a explorar os lugares como ratos. Andorinhas e ratos exploram
cidades de modos diversos. Ratos são atentos aos restos, às migalhas, aos dejetos esquecidos da
cidade” (Baptista & Silva, 2017, p. 56). Conhecemos essa comunidade por alguns fragmentos. Não
lembro de todos os detalhes, mas certas imagens, é impossível esquecê-las, impregnam os poros,
ferem os olhos. Uma casa acumula no pátio, pedaços de coisas, ferro-velho, cadeiras quebradas,
amontado de coisas jogadas fora. O dia está começando a ficar abafado. Vamos até a rua que
tem um braço do rio como limite. A primeira casa que visitamos é a de uma senhora que está com
tuberculose: Dona Márcia (aproveito para informar que todos os nomes foram alterados para
não identificar os participantes). Na frente da casa há duas sacolas imensas com garrafas pets e
plásticos diversos, em outra, grande quantidade de papelão, amarrado. Pergunto se vendem esse
material, a enfermeira Alva confirma – vendem por peso. No chão há barro, sujeira, um pedaço
de carne crua com centenas de moscas varejeiras; quando passamos ao lado, as moscas verdes
se agitam. Passamos o portão, o pátio é grande, chão de barro batido, nenhuma grama e alguns
cachorros que perambulam por ali. Dentro dele também há um amontoado de caixotes de madeira,
e por cima deles três cuias velhas, empoçando água. Sentamos no pátio, quem traz as cadeiras é
o marido. Dona Márcia vem sentar-se conosco, usa pantufas, veste roupas limpas, aparenta ser
velha, asseada, e quando diz a idade me surpreendo: 70 anos. Diabética. A enfermeira verifica sua
pressão, que está boa. Investiga o uso correto da medicação e o seguimento do tratamento para
tuberculose. Dona Márcia confirma e preocupa-se apenas com seus pés, diz que seus dedos até
os ossos gelam. Alva explica que é o sintoma da diabetes, e que é normal, que infelizmente, não
há nada a fazer. Pergunta sobre sua alimentação, e faz uma vistoria sobre água empoçada e foco
de dengue. Tem um caso confirmado no bairro, as orientações sobre os cuidados são bastante
reforçadas.
Outra casa, nela moram dois senhores. Um poço artesiano fechado por causa do foco de
dengue. Tem horta, cresce chuchu na cerca e na parreira. Não há encanamento e nem luz elétrica.
Estamos em janeiro de 2017, e não há saneamento básico em algumas partes do bairro esquecido
da cidade.
Há muitos medos: a violência, a violência, o tráfico. No relato de uma moradora, nem táxis
nem moto-táxis “descem a ponte” (que dá acesso ao bairro) antes de amanhecer, por medo da
violência. Isto dificulta, dentre outras coisas, a ida na Secretaria Municipal de Saúde (SMS) para
agendamento de consultas das especialidades, já que as fichas são distribuídas por ordem de
658 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
chegada e os interessados se posicionam na fila já durante a madrugada. Também são poucos
horários de ônibus para o Centro durante o dia. Esta situação demonstra a importância da
existência da unidade de saúde nesta região.
O caso de Rosa foi o que mais me marcou. Talvez tenha sido a força do seu relato. O que
quer que tenha se passado ali naquele encontro entre bolsista, pesquisadora, agente de saúde e
moradora, fez uma marca, embora invisível, profunda, e tocou de maneira abrupta, interrompendo
a tarde e a vida de quatro mulheres. Rosa tem 45 anos e é desconfiada, não quer se misturar às
mulheres que jogam vôlei no ginásio, tem medo de deixar uma má impressão, de não parecer uma
“mulher direita”, não se agrada da torcida masculina que acompanha os jogos. Está preocupada,
perdeu o emprego. Quando fomos apresentadas como psicólogas, logo veio uma declaração:
depressão. Rosa inicia timidamente um relato sobre o ex-companheiro, sobre seu filho preso,
sobre sua dificuldade de arranjar dinheiro que precisa para o aluguel e o restante de suas contas.
Rosa teve a casa invadida pela polícia de forma brutal, procuravam drogas. Conta ter sido muito
ofendida pelo policial ao revistarem a casa e encontrarem maconha escondida no quarto do filho
de então 16 anos. Rosa não sabia de nada, “nem conhecia droga”. Ficou presa durante três
meses, por tráfico até o filho assumir a autoria. “O padrasto pelo menos orientou o menino, para
isso ele fez certo”. Contou de ter que lavar roupas íntimas das outras presas, de passar limpando
para as outras, de ter que fazer o que lhe era mandado. Depois desse relato compreendi o receio
de Rosa em participar da “junção” em relação ao time feminino do bairro e o seu mundo ser
dividido entre “mulheres decentes/indecentes”.
O modo como a violência se infiltra e atesta o cotidiano dos bairros em questão tem
diferentes camadas e marca os corpos, delimitando territórios não só existenciais, mas modula
o espaço e o acesso a serviços. Depredações e vandalismo acontecem à noite nas repartições
públicas, tanto no ginásio construído na comunidade como no pátio e no prédio do posto de
saúde. Nas primeiras visitas, a torneira exterior da ESF havia sido quebrada, assim como o vidro
da porta. O rádio do carro da enfermeira que coordena o posto também já foi roubado no seu
horário de expediente de trabalho. Há pouco tempo, a cerca de arame que fazia o perímetro
do posto como muro também foi furtada. Como não há um espaço aberto de lazer, uma praça
mais próxima ao coração do bairro, é nesse espaço do pátio do posto de saúde, depois que ele
fecha, que os jovens se reúnem para festas – e como “motel” – comentou um dos membros da
equipe do posto. Há um alto índice de gravidez na adolescência, depressão. Nessas visitas houve
relatos de falta de vagas nas creches para que essas mães possam trabalhar, falta de atividades
para as crianças e principalmente a dificuldade de encontrar trabalho: “quando perguntam onde
moramos, se dizemos que é daqui do bairro não dão emprego”, “quem é daqui é tudo bandido,
tudo não presta. Tem que mentir endereço”.
O começo
O meio
660 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Foi nessa retomada que o trabalho manual assumiu protagonismo nas atividades
desenvolvidas e a ideia da horta ficou suspensa, inoperante. “Fuxicos”, aparadores de panela,
panos de prato, guardanapos, dentre outros artesanatos deram espaço para as mulheres
se colocarem e assumirem funções, umas ensinavam às outras até que a produção grupal foi
suficiente para uma exposição e comercialização na Semana Acadêmica do curso de psicologia
de nossa universidade, espaço nunca antes habitado por elas. Nessa oportunidade – e já antes
– o artesanato tornou-se uma fonte de renda complementar. Como a produção era coletiva,
elas organizaram um sistema de divisão de lucros, deixando uma porcentagem para reposição
de material do grupo. Esse movimento foi um dos ensaios para a dinâmica da autogestão, pois,
apesar da decisão ter sido coletiva, as integrantes necessitavam de uma constante “autorização”
para a tomada de decisões. Essa variabilidade entre protagonismo e dependência das integrantes
do grupo nos aproxima da noção de ensaio proposta por Wampole (2013, p. 6) ao declarar que
“O que podemos dizer sobre o ensaio é quase nada, e que isto é, no entanto, a força do ensaio: ele
o leva a encarar aquilo sobre o que não se pode ter certeza”. Esse sempre foi um grande desafio,
sustentar a incerteza daquele fazer, mas estar lá, afirmar às vezes, o que parecia ser quase nada,
criar um espaço de espera de acontecimentos, como a utopia proposta por Ernst Bloch (2008, p.
18), desenvolvida no gigantesco livro Princípio Esperança: uma aposta “no-que-ainda-não-veio-a-
ser”. E retomando Wampole (2013, p. 9) nesse convite a ensaiar, sabendo que a condição mesma
reside na exigência de conviver “confortável com a ambivalência”, assumindo então, que muitas
vezes “não se trata de descobrir ou conquistar alguma coisa, mas simplesmente experimentar”.
O possível agora
Dentro desta perspectiva de ensaio, o grupo foi se apropriando do que era inventar a si
mesmo e novas possibilidades surgiram. Num encontro mostrei vídeos de trabalhos artesanais
no YouTube e elas pediram que eu os gravasse num CD. Propus então uma ida até o laboratório
de informática da universidade para que elas mesmas pudessem acessá-los. Esse movimento
produziu a descoberta de um novo desejo: o acesso às tecnologias digitais, dando outro formato
aos encontros, que passaram a ser alternações entre o grupo na comunidade e ida ao laboratório
de informática.
Enxergamos uma potência nesses encontros onde muitas trocas se dão. Além de ensinar e
aprender novas técnicas manuais, os encontros são descontraídos e laços afetivos são construídos.
Instituímos naturalmente, sem ser enunciado, um lanche coletivo em todos os encontros. Chá,
bolos, sonhos, pastéis. Também, algumas mulheres passaram a se visitar em outros dias da
semana para dar continuidade aos trabalhos manuais. “Todo ato criativo implica produção de
um conteúdo, que rompe com um continente. Ou seja, toda obra criativa significa uma ruptura
com o estabelecido” (Favaretto, 2001, p. 153).
É importante salientar um aspecto que caracterizou o grupo desde o começo. Este é um grupo
que “gosta de crianças”, tem uma abertura para esse outro – sempre foi acompanhado de netos,
filhos, sobrinhos, aproximados. Algumas jovens mães traziam seus bebês, ali podiam contar com
quem os segurasse um pouco, até mesmo para uma partida rápida de futebol. Havia dias em que
tinham tantas crianças que queriam participar das atividades que chegou a faltar instrumentos de
trabalho (agulhas de tricô e costura, por exemplo). Percebendo o aumento no número de crianças
e assim que foi possível, abri um campo de estágio em práticas sociais, em que a estagiária passou
a fazer um grupo só com as crianças no turno inverso da escola. Este outro grupo tem tido grande
participação, não só das crianças, mas de pré-adolescentes e adolescentes já mães, uma grávida.
Nesse aspecto a pesquisa tem criado novos espaços: aberturas, novos territórios existenciais, e
o principal dispositivo tem sido a arte, as brincadeiras e uma experimentação com fotos. Sousa
662 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Considerações Finais
Referências
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Deleuze, G., & Guattari, F. (2010a). Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34.
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664 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ATITUDE ALTRUÍSTA: UMA EXPLICAÇÃO BASEADA NA
PERSONALIDADE E VALORES HUMANOS
Anne Caroline Gomes Moura
Emerson Diógenes de Medeiros
Kairon Pereira de Araújo Sousa
Jefferson Machado Nóbrega
Alexia Jade Machado Sousa
Introdução
A
lgumas questões ao longo de décadas têm inquietado tanto a população em geral
como os pesquisadores sociais acerca do altruísmo, interrogando-se acerca do
porquê e quando as pessoas praticam atos nobres de admirável autosacrifício, ao
passo que em outras ocasiões agem de maneira indiferente, ignorando os pedidos desesperados
de pessoas necessitadas. Para muitos estudiosos a resposta para tais questionamentos seria o
altruísmo como um tipo específico de ato pró-social considerado anômalo, raro ou extraordinário
(Batson & Powell, 2003).
O interesse pela temática não é novidade, pois há mais de cinquenta anos, Maslow (1954)
criticou a ênfase colocada na patologia, no que diz respeito à natureza humana, e declarou
que generosidade, benevolência e caridade não possuíam lugar nos livros de Psicologia Social.
Apontando que a Psicologia estava fixada nos aspectos negativos da interação social, ele
retoricamente indagou “onde estão os pesquisadores do altruísmo?” (Maslow, 1954, p.371).
A rápida ascensão da Psicologia Positiva aumentou o interesse pelas interações pró-sociais
(Seligman, Steen, Park & Peterson, 2005; Fernandes & Monteiro, 2017).
Conforme Batson (1998), comportamento pró-social é um termo geral que provém da
literatura nas ciências sociais, definido como oposto do comportamento antissocial. De maneira
abrangente, refere-se a todo e qualquer ato praticado com o objetivo de beneficiar outra pessoa
ou grupo de pessoas (Eisenberg, 1986), podendo ou não envolver possíveis benefícios para o
agente, e ser um ato indireto ou direto (Aronson, Wilson & Akert, 2002).
Já Turner (1948) concebe o altruísmo como uma atitude, ou uma consideração para com
o outro, uma devoção aos interesses dos outros. Outro autor interessado no tema em questão,
Leeds (1963), define altruísmo baseado em três critérios assumidos por Heider (1958), a saber:
(a) ato que possui um fim em si mesmo, (b) não é direcionado a um ganho ou lucro, (c) é emitido
voluntariamente, e (d) deve ser julgado pelos outros como se propondo a “fazer o bem”. Para
Chou (1996) o altruísmo se refere a uma atitude voluntária, em que o indivíduo é intencionalmente
motivado para beneficiar o outro, sem que tal comportamento seja guiado por expectativa de
recompensa externa, ou com o fim de evitar externamente produzir punições ou estímulos aversivos,
sendo este considerado moralmente como uma forma avançada de comportamento pró-social.
O presente estudo tem como objetivo fundamental compreender o comportamento
pró-social (especificamente a atitude altruísta) a partir da Teoria Funcionalista dos Valores
Método
Resultados
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Tabela 1.
Poder discriminativo dos itens da Escala de Altruísmo Auto-informado (EAA)
Figura 1. Representação gráfica dos valores próprios da Escala de Altruísmo Auto-informado (EAA)
Deste modo, uma nova PAF foi rodada, fixando a extração de um único fator. Nesta
oportunidade adotou-se como critério para exclusão do item que este apresentasse carga fatorial
abaixo de 0,30, caso do item 8. Os itens da Escala de Altruísmo Auto-informado apresentaram
eigenvalue (valor próprio) de 6,28 explicando 31,42% da variância total (Tabela 2).
Tabela 2.
Análise fatorial dos eixos principais da Escala de Altruísmo Auto-informado.
Cargas Correlação
Itens resumidos*
Fatoriais Item-Total
18. oferecido ajuda a deficiente ou idoso ao atravessar a rua 0,73 0,67
09. ajudado a carregar os pertences de um estranho 0,69 0,64
02. dado direções ou orientado a um estranho perdido 0,65 0,60
10. segurado um elevador e mantido a porta aberta 0,59 0,53
19. oferecido meu assento no ônibus para um desconhecido 0,59 0,50
11. deixado alguém passar à minha frente em uma fila 0,58 0,52
04. dado dinheiro para uma obra de caridade 0,56 0,53
06. doado bens ou roupas para uma obra de caridade 0,52 0,49
16. ajudado um colega de classe em uma atividade 0,52 0,48
17. tomado conta de animais ou crianças sem receber por isso 0,50 0,47
14. deixado um vizinho pegar emprestado algo de valor 0,50 0,48
13. mostrado ao balconista seu erro em cobrar-me menos 0,50 0,46
668 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
05. dado dinheiro para um estranho necessitado 0,50 0,47
03. sido prestativo para um estranho 0,49 0,45
15. comprado deliberadamente cartões de Natal de “caridade” 0,49 0,47
20. ajudado conhecido a mudar de casa 0,47 0,46
07. feito trabalho voluntário para uma obra de caridade 0,43 0,41
01. ajudado um conhecido a mudar de casa 0,38 0,35
12. dado carona no meu carro a um estranho 0,32 0,31
Número de itens 19
Eigenvalue 6,28
% de variância explicada
31,42
Alfa de Cronbach
0,87
Notas: * Itens ordenados de acordo com a magnitude de suas cargas fatoriais
A escala apresentou um alfa de Cronbach de 0,87, o que indica que se trata de uma medida
com consistência interna adequada. Ademais, a confiabilidade também foi avaliada em função da
correlação item-total. Nesta análise, 19 itens apresentaram correlações iguais ou superiores a 0,30.
Tabela 3.
Correlatos do altruísmo e das subfunções valorativas
Medidas 1 2 3 4 5 6
1. Altruísmo
2. Subfunção: Experimentação 0,33*
3. Subfunção: Realização 0,17* 0,37**
4. Subfunção: Existência 0,22** 0,36** 0,16
5. Subfunção: Suprapessoal 0,13 0,66 0,31** 0,43**
6. Subfunção: Interativa 0,27** 0,19** -0,06 0,50** 0,26**
7. Subfunção: Normativa 0,11 -0,04 0,05 0,32** 0,18 0,36**
Nota:*p < 0,05, ** p < 0,01 (teste unicaudal).
Tabela 4.
Correlatos do altruísmo e os cinco fatores da personalidade
Medidas 1 2 3 4 5
1. Altruísmo
2. Abertura à mudança 0,21**
3. Conscienciosidade 0,14* 0,32**
4. Extroversão 0,24** 0,38** 0,36**
5. Amabilidade 0,35** 0,17** 0,23** 0,31**
6. Neuroticismo -0,05 0,06 0,08 0,09 -0,04*
Nota:*p < 0,05, ** p < 0,01 (teste unicaudal).
670 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Discussão
Referências
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PSICOLOGIA COMUNITÁRIA
PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA E VALORIZAÇÃO
DO SER: UM RELATO DE ESTÁGIO NO GRUPO DE
PROMOÇÃO À VIDA (NASF)
Bruna Saraiva Candeira
Lídia Maria de Medeiros da Silva
Andresa Ramos Oliveira
Geovane de Sousa Oliveira Filho
Khalina Assunção Bezerra
Introdução
O
Município de Parnaíba, situado ao norte do Estado do Piauí, possui diversos casos
de suicídio, tendo uma das maiores taxas de suicídios consumados no estado. (Site
Oitomeia, postado em 24/08/2017) Diante disso, a equipe do NASF-IV criou o
Grupo de Promoção à Vida, o qual acontece no Hospital Colônia do Carpina (HCC) e é conduzido
pelo psicólogo e pela assistente social da equipe. O grupo trata de sofrimento e é voltado para a
prevenção do suicídio através da promoção à vida. É frequentado por homens e mulheres, onde
se tem desde adolescentes até idosos e no qual a principal atividade desenvolvida é o relaxamento
e o compartilhamento de vivências entre os participantes.
Dessa forma, o presente relato de estágio no Grupo de Promoção à Vida tem como objetivo
falar sobre as possibilidades de práticas psicológicas respaldadas nos pressupostos da psicologia
social comunitária que podem ser operacionalizadas em grupos no intento de promover e a saúde
mental – como no grupo em questão – e conhecer as estratégias psicológicas por trás das atividades
realizadas pelos profissionais de equipes NASF, em modelo de atividade coletiva.
Segundo Vilares e Corgozinho (2011), a psicologia social comunitária percebe o homem como
um ser composto pela ação sócio histórica, simultaneamente em que continua sua construção de
concepções a respeito de si mesmo, dos outros e do contexto social em que vive. Assim o grupo de
Promoção à Vida entende cada sofrimento como único e pertencente a essência de seu portador
como uma ação do contexto sócio histórico onde o sujeito foi inserido.
Campos (2007, p.10) diz que “a psicologia social comunitária procura desenvolver os
instrumentais de análise e intervenção relevantes para as novas problemáticas que se apresentam
aos psicólogos”. É o que se pode perceber atualmente em relação ao suicídio, um tema que vem
ganhando espaço para debate e intervenção. Nesse caso os psicólogos precisam intervir de forma a
promover a vida e possibilitar um enfrentamento das causas que desencadearam a ideação suicida
por meio de uma reflexão potencializada do sujeito sobre ele mesmo e seu contexto sócio histórico.
Campos (2007) também ressalta que os métodos e processos de conscientização são usados
na tentativa de trabalhar com grupos para que eles assumam progressivamente a autonomia de
sua própria história, conscientização de sua situação e sejam atuantes na busca de soluções para
os problemas enfrentados.
Os NASF fazem parte da atenção básica, mas não se constituem como serviços com unidades
físicas independentes ou especiais. Para exercer suas atividades, as equipes NASF devem
ocupar o espaço físico das unidades às quais estão vinculadas, ou ainda outros espaços
disponíveis no território, como o espaço das academias da saúde, escolas, parques, dentro
outros.
Dessa forma a equipe do NASF-IV realiza as suas atividades com o grupo de Promoção
à Vida, o qual funciona no espaço do Hospital Colônia do Carpina, onde dispõem de vários
ambientes para realizar suas atividades. Dependendo do que se pretende eles podem recorrer a
um pequeno auditório, à sombras das arvores ou a uma varanda coberta.
A perspectiva do NASF é que se trabalhe com grupos com base na clínica ampliada, ou
seja, cada profissional tem sua visão sobre o indivíduo e juntos eles terão uma visão holística na
tentativa de perceber todas as especificidades que o usuário do serviço possui. O Ministério da
Saúde (2009, p. 47) ressalta que “Diante da magnitude epidemiológica dos transtornos mentais,
considera-se fundamental a priorização dos profissionais de saúde mental e das ações de saúde
mental pelos NASF”. O grupo de Promoção à Vida é uma dessas ações voltadas para a prevenção
do suicídio através da abordagem de temáticas acerca do sofrimento psíquico que seus usuários
sentem, independente de sua etiologia.
A rotina dos encontros do grupo é dividida em três momentos. O primeiro momento é
voltado para conversa sobre temas como angústia, sofrimento e formas de enfrentamento. O
segundo momento consiste em um relaxamento e o terceiro momento em uma partilha sobre a
experiência do relaxamento ou como um local de expressão da subjetividade do sofrimento. Vê-se
surgir nesse momento, além do alívio do sofrimento, a valorização pessoal e o fortalecimento dos
vínculos.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Segundo Ceccarelli (2005), a valorização pessoal acontece quando a pessoa acredita que ela
enquanto sujeito do processo da vida passa a pertencer a esse grupo, assim surge a valorização
de cada ser humano e de seu aprendizado. Como no caso de uma das usuárias que relatou que
“os problemas são os nossos melhores professores”, demonstrando que ela tem consciência que
os problemas fizeram parte da sua vida e que moldaram a pessoa que ela é, valorizando sua
experiência vivenciada ao longo da vida.
Vale ressaltar também que, quanto aos modelos de terapia de grupo, as primeiras de que
se tem conhecimento, surgiram nos Estados Unidos no inicio do Século XX. Hoje, de acordo
com Bechelli e Santos (2004), são inúmeras as organizações que se formam espontaneamente,
com alguns milhões de membros em todo o mundo que compartilham questões psicológicas ou
condições médicas semelhantes, reunindo-se para trocar informações e receber apoio mútuo.
O Grupo de Promoção à Vida tem como objetivo promover o apoio mútuo entre os membros,
falando sobre seus modos de lidar com o sofrimento e participando das terapias de relaxamento.
A perspectiva adotada pelo psicólogo do grupo em questão para promover o relaxamento é a
do psicanalista alemão Wilhelm Reich, responsável pela conceituação da Psicoterapia Corporal,
ao qual designa que o trabalho direto sobre a musculatura do paciente vai se tornar parte da
estratégia analítica: o afrouxamento das tensões musculares é visto como um equivalente do
afrouxamento da censura e da eliminação do recalque. (Rego, 2003)
Método
Resultados
678 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Eles contaram com a ajuda do psicólogo e da professora orientadora do estágio para planejar
a atividade, por fim, chamando-a de “Mesa de Sentimentos”. Ela teve como objetivo abordar a
temática das memórias da história de vida dos participantes, os quais, de forma geral, aderiram
de forma positiva à participação na atividade, a qual se utilizava de objetos diversos colocados em
cima de uma mesa com o objetivo de despertar sentimentos e lembranças nos sujeitos acerca de
episódios (bons ou ruins) da história de vida de cada um. Nessa atividade eles foram convidados
a partilhar suas lembranças para os demais participantes do grupo, caso sentissem-se à vontade.
No sexto e último dia de estágio, a temática abordada pelo psicólogo no início do grupo foi
a questão das diversas formas de lidar com o sofrimento. Nesse dia de visita, após o momento da
atividade de relaxamento, foi feita uma atividade de intervenção de roda de conversa em que foi
conversado a respeito do efeito que a intervenção “Mesa de Sentimentos” teve em quem participou
da mesma. Os comentários dos participantes foram positivos em relação à atividade. Por fim,
os estagiários agradeceram ao grupo por haverem se disponibilizado a participar das atividades
propostas e por terem ajudado de forma tão ativa na construção do aprendizado dos estudantes.
Também agradeceram ao psicólogo do NASF por todo o apoio e aprendizado compartilhado
através das visitas.
No tocante às duas atividades de intervenção organizadas pelos estudantes, foram
intervenções que objetivaram ir ao encontro das necessidades dos participantes e ao entendimento
do funcionamento do grupo. As intervenções escolhidas foram planejadas tendo em vista que se
percebeu no decorrer das visitas ao grupo que as memórias da história de vida têm um papel
central nos relatos dos participantes. Percebeu-se também que seria uma forma diferente de levar
os participantes a partilharem.
Assim, a intervenção intitulada “Mesa de Sentimentos” foi realizada utilizando-se de
uma mesa com objetos variados em cima (cuja finalidade dos mesmos era evocar lembranças
nos participantes acerca da história de vida) e de uma cadeira posta ao lado da mesa. Após
ser introduzido pelo psicólogo a temática sobre as memórias e lembranças, foi apresentada a
dinâmica e explicado aos participantes do grupo que aquele momento seria aberto para eles,
um de cada vez, sentarem-se na cadeira e contarem aos demais sobre a memória (boa ou ruim)
evocada por algum objeto. Os estagiários e os integrantes da equipe NASF presentes no dia (o
psicólogo e a assistente social) também participaram da partilha com seus relatos de memórias.
Uma vez que nesse dia não houve tempo para a partilha sobre a atividade, outra intervenção
foi programada para o encontro seguinte: uma “Roda de conversa sobre a mesa de sentimentos”.
Essa atividade foi feita na segunda-feira da semana posterior e, após a atividade de
relaxamento, os alunos deram início à Roda de Conversa falando sobre a intervenção que foi feita
e abrindo o espaço para a fala dos participantes a respeito de como foi vivenciar a partilha de
memórias.
Discussão
Referências
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Social Comunitária: possíveis articulações. Psicologia & Sociedade, 23.
Introdução
A
adolescência é caracterizada como uma das fases do desenvolvimento humano
onde ocorrem mudanças físicas, sociais, cognitivas e também psicológicas. Segundo
Davin (2009), nesta fase as modificações físicas, emocionais, sociais e sexuais
ocorrem de forma conjugada e que estas, não eram sentidas da mesma forma pelo adolescente
anteriormente (p. 2). Por conta disso, pode-se dizer que se trata de um período em que o sujeito
passa a ter questionamentos que antes não tinha a respeito de si próprio, do mundo, dos outros,
e também, a respeito de seu próprio futuro.
Vários relatos de experiência (Araújo, Morais, Sousa, Lima & Carvalho, 2010; Mendes, 2008;
Gomes, Tomasi, Ceretta, Birolo & Amboni, 2016) foram feitos mostrando a importância de haver
momentos que propiciem reflexão e emponderamento aos adolescentes a respeito do futuro.
Essas ocasiões podem ser proporcionadas por vários grupos diferentes, quer seja na comunidade
(Centros de Referência da Assistência Social - CRAS, Centros de Convivência, Associação dos
moradores do bairro) e também na escola.
O presente trabalho tratou-se, assim, de uma proposta para se trabalhar com um grupo
de adolescentes da zona norte de Teresina. O grupo é liderado por dois adultos que desenvolvem
atividades semanais com o enfoque na família, autossuficiência, bem-estar, dentre outros temas.
Suas reuniões acontecem num prédio que pertence à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos
Últimos Dias, sendo que o grupo é composto tanto por integrantes da igreja quanto por jovens
da comunidade.
Foi feita uma coleta de demandas, que aconteceu por meio de uma conversa com esses
líderes, onde eles declararam que em meio a diversos temas que poderiam ser trabalhados - como
a ética, política, relacionamento familiar, a importância dos estudos - havia uma necessidade
emergente de que estes adolescentes refletissem a respeito do futuro, para terem assim estratégias
suficientes afim de criar seu próprio projeto de vida.
Este projeto, intitulado “O Futuro em Construção”, teve como objetivo promover reflexões
a um grupo de adolescentes com respeito à adolescência e a construção de seu próprio futuro,
assim como ajudá-los a se enxergarem como ser ativos nesse processo e, a partir disso, propiciar
ferramentas para que eles criassem seu Projeto de Vida.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método
Resultados
Para o alcance dos objetivos propostos foram necessários três encontros que tiveram seus
eixos centrais os seguintes temas: O adolescer, Orientação profissional e Projetos de vida. Em cada
um dos encontros foram desenvolvidas atividades que promoveram reflexão e emponderamento
a despeito dos temas propostos, assim como o desejo de aplicar aquilo que foi aprendido, como,
por exemplo, construir um Projeto de vida. Essas atividades, a maneira como foram executadas e
seus resultados estão descritos na Tabela 1.
Os adolescentes participaram das atividades e não se opuseram a nenhuma das sugestões.
O tempo era aberto para todos aqueles que desejavam expressar suas impressões e compartilhar
experiências. O grupo costumou participar bastante, mostrando o quanto tinham proximidade.
Tabela 1:
Apresentação dos encontros
Encontro Atividade Procedimento Objetivo
Dinâmica de apresentação e Dinâmica de grupo Conhecimento do grupo
quebra-gelo
Nota. Apresentação das atividades com suas respectivas atividades, procedimento e resultados alcançados.
684 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
E foi esse o objetivo do segundo encontro: Levar reflexão e conhecimento a respeito de
outras profissões para que eles pudessem conhecê-las. Dantas, Nascimento, Monteiro, Oliveira
e Sobrinho (2014) relataram em sua pesquisa que um dos motivos para grande evasão dentro
das Instituições de Ensino Superior (IES) é o fato desses alunos não terem clareza a respeito
do “curso que escolhem, das possibilidades de atuação da área e da própria matriz curricular,
mais precisamente em relação às disciplinas iniciais do curso” (p 179), por isso há uma grande
necessidade de haverem momentos que proporcionem o conhecimento de áreas variadas.
Para trabalharmos essa questão solicitamos, no encontro anterior, que eles citassem
profissões que gostariam de conhecer e, no segundo encontro, foi preparada uma Feira das
Profissões que aconteceu em forma de roda de conversa. As profissões escolhidas foram: Designer
de modas, gastrônomo, fisioterapeuta, tecnólogo em radiologia, intérprete de libras, psicólogo,
advogado, pedagogo, enfermeiro, nutricionista, assistente social, engenheiro mecânico, policial e
representante de relações exteriores.
As pessoas que participaram foram profissionais da área, mas em sua maioria eram
estudantes dos últimos períodos da graduação. Essa estratégia foi utilizada propositalmente para
que os adolescentes pudessem se enxergar mais próximos dessa realidade de ter um curso superior e
trabalhar com que eles têm afinidade. Isso também propiciou a eles um senso de responsabilidade
e também de que era possível que alcançassem seus objetivos de ter uma formação, assim como
aqueles estudantes e profissionais.
O feedback foi extremamente positivo. Foi feita uma caixa para escrevessem no papel e
colocassem na caixa o que haviam achado da feira. Houve comentários tais como: “Eu gostei
bastante! Aprendi muito sobre outras profissões que eu nem imaginava que eram assim.”; “Muito bom esse
momento!”; “Me ajudou a conhecer mais sobre as profissões.”
No último encontro eles construíram seus projetos de vida. Inicialmente foi feita uma
atividade onde foram colocadas duas perguntas no quadro: “Onde estou agora?” e “Onde quero
chegar?”. Com base nesses questionamentos eles expressaram onde queriam chegar. A maioria
deles já estava sabendo o que desejavam com relação ao futuro e enfatizaram como a Feira os
ajudou muito a pensarem mais sobre isso. E ao responderem a pergunta sobre onde estavam agora
muitos falaram a respeito da importância da educação para o alcance de seus objetivos. Após este
momento, foram distribuídas folhas para que eles escrevessem um esboço de seus projetos de vida
e eles assim, o fizeram.
O encontro foi encerrado com o feedback deles a respeito dos encontros. Eles consideraram
os encontros como muito importantes e chegaram a desejar que outros amigos também pudessem
ter participado dos encontros. Consideraram os temas abordados importantes e de grande
utilidade para eles.
Considerações finais
Os objetivos do presente trabalho foram alcançados. Ele teve uma boa aceitação por parte
dos adolescentes pertencentes ao grupo. Percebeu-se que eles possuíam uma visão distorcida
a respeito da adolescência, mas que através das atividades trabalhadas alguns pontos foram
desmistificados.
A questão da perspectiva futura foi percebida por eles como importante. Os momentos
em que foi trabalhada essa temática foram considerados pelos jovens como mais interessantes.
Vale ressaltar que não foi objetivo do trabalho proporcionar uma definição a respeito do que eles
gostariam de ser no futuro, mas que focamos na reflexão a respeito de se ter um Projeto de Vida,
englobando não só a parte educativa, mas outras áreas, como familiar por exemplo. Percebemos
assim, como relatado por Mandelli, Soares e Lisboa (2011) que “é a partir do projeto de vida que
o ‘bicho-humano’ vai dando sentido a sua vida e orientando-a.” (p.54)
Referências
Araújo, J. P. L. de M., Morais, J. B. T. de, Sousa, L. de A., Lima, N. R. de S., & Carvalho, V. S. (2010).
Projeto despertar: intervenção via psicologia social comunitária com adolescentes de baixa renda
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686 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EIXO TEMÁTICO
PSICOLOGIA POLÍTICA
O CÁRCERE E A REFORMA PSIQUIÁTRICA:
HÁ UM SISTEMA PARA O LOUCO?
Ana Carolina de Lima Jorge Feitosa
Introdução
O
presente estudo advém de uma prática profissional entre a Saúde Mental,
propriamente dita, e a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP)
do Estado do Rio de Janeiro.
Com aproximadamente cinqüenta e duas Unidades Prisionais em todo Estado, sendo, duas,
consideradas Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, direcionadas para os loucos
considerados infratores. A SEAP, atualmente, encontra-se apinhada de Usuários da Saúde Mental
que, por um infortúnio, questões delirantes ou até mesmo por vulnerabilidade ou riscos sociais,
vão sobrestar dentro dos Cárceres, sem o cuidado preciso e o tratamento necessário.
Diante dessa infeliz realidade que nos apresenta como a Psicologia, junto com a política
da Reforma Psiquiátrica pode apostar em formas outras de intervenção dentro dessa Instituição
Total – o Cárcere? Como já dita por Goffman, caracterizada pelo
(...). Seu fechamento ou seu caráter total é simbolizado pela barreira à relação social com o
mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico
– por exemplo, portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, florestas ou
pântanos. (...).(Goffman, 2015, pg. 16).
Portanto, mediante do que fora colocado, o referido trabalho incide a partir do relato de
experiência e da prática do psicólogo dentro do Sistema Prisional do Estado do Rio de Janeiro
em seu defronte com o descuido com aqueles que, ao contrário de estarem em devido cuidado e
tratamento, estão sendo acoimados, campeados e enclausurados.
Método
Trabalhar com esse tema não é uma tarefa nada fácil, pois trata de propor um debate amplo
e digno entre dois campos que merecem toda a atenção e respeito de todos que se comprometeram
em prol daqueles que, ao mesmo tempo em que se encontram encarcerados, apresentam
particularidades referentes à Saúde Mental. Em razão de uma falta de políticas públicas alusivos
ao cuidado, estão sendo impelidos às prisões.
Sendo, então, psicóloga, de duas das Unidades Prisionais da SEAP, é possível escutar os
“gritos” da loucura dentro dos mármores e das grades. Quantos usuários da rede da Saúde Mental
estão tendo seus destinos dentro das cadeias públicas ao contrário dos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS)? Inúmeros! Devido a delitos advindos de seus delírios, por estarem a mercê
da falta de suas medicações ou por seus serviços de referência se sentirem incapazes de oferecer o
mínimo de cuidado, ou seja, por falta de investimento da política local.
688 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Fato, esse, que nos convoca a uma importante reflexão. Em 2001 fora sancionada a lei
conhecida como a “da Reforma Psiquiátrica”, a Lei 10.216 (2001), que, em seus termos, mais
precisamente em seu parágrafo único, coloca que “São direitos da pessoa portadora de transtorno
mental: I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;
(...)”. Sobre isso, ainda, como nos diz Delgado,
(...) a aprovação de uma lei federal, com o destaque que teve, por torna-se parte de
comemorações que se realizam em quase todas as grandes cidades do país, traz o processo
de reforma para um novo estágio de institucionalidade, colocando-o definitivamente na luz
do debate sobre a cidadania e as políticas públicas. (Delgado, 2001, pp. 283-284).
Resultado
A atenção psicossocial para funcionar ela precisa laborar como uma rede, rede esta que
precisa auxiliar o usuário em seu território, não somente em termos objetivos, mas como subjetivos,
inclusive. “(...) Isto é, formando uma série de pontos de encontro, de trajetórias de cooperação,
de simultaneidade de iniciativas e atores sociais envolvidos.” (Amarante, 2007, p. 86). E, se não
tivermos uma política pública voltada e investida para essa clínica, teremos a inocuidade de todo
investimento daqueles que trabalham em nome da Reforma Psiquiátrica. E, como escoamento,
usuários perdidos em própria loucura, desassistidos e dentro dos presídios, vigiados por serem
loucos e punidos por serem “perigosos”. Tal observação é colocada uma vez que, dentro da SEAP,
a lógica é classificatória e categórica. O louco é perigoso e o marginal criminoso.
Essa ligação direta entre a loucura e a periculosidade ainda é encontrada nos espaços da
SEAP. Sendo esse o sentido em que a psicologia pode contribuir para a desconstrução de tal
relação. Algo que a ética da Reforma Psiquiátrica vem contestando desde a sua constituição. Um
lugar outro à Loucura, pois “(...) na saúde mental e atenção psicossocial, o que se pretende é uma
rede de relações entre sujeitos, sujeitos que escutam e cuidam (...)”. (Amarante, 2007, p. 82). Algo
que, dentro do Sistema Prisional, fica inexeqüível.
Discussão
Sendo, portanto, uma psicóloga que trabalha na assistência imbuída pela Saúde Mental,
é possível descrever sobre as dificuldades em relação à psicose em sua forma mais aguda. O
sujeito, verdadeiramente, encontra-se despedaçado, fragmentado e comandado por vozes das
quais não consegue controlar. Estando desassistido é o período que o faz cometer algo que a
justiça denomina de delito, resultando em sua prisão e, não em seu encaminhamento para um
serviço da Rede de Atenção Psicossocial. “De fato, há uma responsabilidade social nossa para
com o paciente psicótico. No entanto, tendo em vista a condição subjetiva da psicose, é possível
observar como essa mesma responsabilidade encontra-se inerente ao trabalho clínico realizado
(...)” (Feitosa, 2017, p. 43). Trabalho esse crucial para o cuidado do sujeito, que, quando não
ofertado, ocorre o que é chamado de desassistência.
A partir do instante que deixamos de cuidar de um usuário que esteja em plena devastação
psicótica, algo lhe pode ocorrer. E, ao cometer algo ilícito, e encaminhado ao cárcere, ao contrário
de ter a clínica como aliada, terá como oponente o Sistema, que, como postula Foucault (2008, p.
117), procura localizar “(...) facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao corpo – ao
corpo que se manipula, se modela se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças
se multiplicam”. Ou seja, tem-se como desígnio a “docilidade dos corpos”.
Um cenário assolador para todos, sendo ainda pior para aquele que se encontra totalmente
submergido pelas invasões psicóticas.
Assim sendo, retomemos ao tema. Há um sistema para o louco dentro das prisões, se temos
uma política calcada pelas ideias da Reforma Psiquiátrica? Faz sentido um louco que pratica um
ato ilícito ser considerado perigoso, sendo sua ação ter sido a partir de uma voz imperativa? Seu
lugar não seria em uma instituição de cuidado?
Bom, esse é um dos desafios encontrados pelo psicólogo que trabalha, tanto no Sistema
Prisional, como na Assistência dentro da Saúde Mental. O psicótico carece da clínica, de quem o
escuta e trabalha com as suas questões delirantes, e, não de muros que “(...) não marcam apenas
a ruptura do ambiente social, mas também a ruptura do tempo e dos afetos que precisam ser
ressignificados em outro ritmo, cadência e uso.” (Constantino & Minayo, 2015, p. 93).
Nesse sentido, pensar em fazer uma política voltada para o campo da Saúde Mental
transcende paradigmas, ideias que consideram o Sistema como o lugar para a loucura. Concepção
errônea e equívoca que a Reforma Psiquiátrica, com sua ética, possui como norte desconstruir
para construir.
Referências
Amarante, P. (2007). Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
Constantino, P., & Minayo, M. C. (2015). Deserdados sociais: Condições de vida e saúde dos
presos do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
Damas, F. B., & Oliveira, W. F. (2016). Saúde e Atenção Psicossocial nas prisões. São Paulo:
Hucitec Editora.
690 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Foucault, M. (2008). Vigiar e punir. (35ª ed.). Petrópolis: Editora Vozes.
Lei Federal n. 10.216, de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm.
DIREITOS HUMANOS
OS INIMIGOS DO ESTADO: DA CONSTRUÇÃO DO
ESTIGMA A UMA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL
POR UMA PERSPECTIVA ABOLICIONISTA
José Lucas Soares de Araújo
Introdução
A
s relações contratuais de conduta entre os indivíduos e o estado na contemporaneidade
são calcadas em um conjunto de regras pautadas principalmente em discursos
fundamentados pelas ciências humanas, especificamente a criminologia e as
disciplinas “psi” que respaldaram o judiciário na construção de dispositivos de repressão. Neste
sentido, as ciências humanas surgem historicamente como ponto de apoio para novas técnicas de
gestão das massas humanas, controlando-as, fixando-as e produzindo indivíduos úteis, do ponto
de vista da produção, e dóceis, do ponto de vista político (Foucault, 1987).
Logo é impossível separar direito penal, política criminal e criminologia. O direito
penal embasa as decisões judiciais, conforme um programa concebido com base nos dados e
diagnósticos levantados pela criminologia e traçado pela política-criminal. Esse tipo de política
opera deslocando, agrupando, internando e/ou isolando indivíduos que possuem alguma ligação
determinada por condições específicas em instituições totais (cadeias, penitenciárias, campos de
prisioneiros de guerra, campos de concentração) organizadas para proteger a comunidade contra
perigos intencionais e para o bem-estar das pessoas, pois isolando-as não constitui um problema
imediato (Goffman, 1961). Contudo, este saber penal que se pretenda alienado à questão do
poder (política) e aos dados da realidade social será sempre um saber fantasioso ou mesmo uma
mentira que distancia o indivíduo de uma vida digna e justa.
Diante do que foi posto, é preciso interpelar se a liberdade e a igualdade perante a lei,
como confere a Declaração Universal de Direitos Humanos adotada pela Organização das
Nações Unidas em 1948, realmente é o objetivo das ações do estado e do aparelho jurídico, já
que estas entidades se propõem a resguardar tais garantias, além de empunhar a bandeira da
ressocialização. Será que o julgamento opera sem qualquer espécie de distinção, seja de raça, cor,
sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição como propõe tal declaração? O sistema vigente é o
mais adequado? É do interesse do estado erradicar o crime? Qual o papel da criminologia no
operacionismo do aparelho jurídico? É para responder tais questões que este trabalho surge com
objetivo de debater os discursos que construíram ao longo do tempo a imagem do criminoso no
Brasil e o papel do mesmo frente aos mecanismos de controle. Pretende-se também expor através
de uma ótica abolicionista um modelo de justiça mais coerente com a Declaração Universal de
Direitos Humanos.
O artigo atende aos procedimentos de uma pesquisa bibliográfica, a qual foi feita a partir
do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meio de livros. Qualquer
trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador
conhecer o que já se estudou sobre o assunto. Existem, porém pesquisas científicas que se baseiam
unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas com o objetivo
de recolher informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura
a resposta (Fonseca 2002).
Em relação aos seus objetivos, é caracterizada como pesquisa explicativa, pois este tipo de
pesquisa visa identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos
fenômenos (Gil, 2007). Já em relação à abordagem será qualitativa, pois a mesma trabalha na
busca de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, as quais correspondem a
um modo mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos, que por sua vez não podem
ser quantificados e reduzidos à operacionalização (Minayo, 2001).
Resultados
A relação entre os denominados saberes “psi” e o sistema penal é historicamente marcada
por uma trágica aliança reforçadora dos danos, das dores e dos enganos provocados pelas nocivas
ideias de punição, privação da liberdade, estigmatização e exclusão como suposta forma de
controle dos comportamentos negativos ou indesejáveis etiquetados como “crimes”. A dimensão
dessa aliança nitidamente aparece na simetria existente entre o manicômio e a prisão, instituições
totais de controle, que têm sua origem comum nos séculos XVIII e XIX. Segundo Rauter (2003), é
perceptível este elo construído a base da disputa de controle entre os juristas e os alienistas sobre
o corpo preso na criação do conceito de inimputabilidade, o “surgimento” da psicopatia e a ideia
de uma perversidade patológica inerente a determinados indivíduos que agrega aos aparelhos
jurídicos um híbrido de prisão e manicômio, o manicômio judiciário. Tais estruturas levantam em
seus discursos e fazeres a bandeira da cura, seja a cura do criminoso ou do louco.
Podemos conceber esses saberes não apenas como encobridores de relações de dominação,
como também podemos ver nos procedimentos de controle, vigilância e observação presentes
na prisão e mesmo fora dela, a rede formada pelos procedimentos policiais, pedagógicos e
assistenciais que a complementam, que são todos eles produtores de “conhecimentos” relativos
aos indivíduos sobre os quais se exercem (Rauter, 2003).É empunhado pelos discursos produzidos
por essas disciplinas que o direito, nascido liberal torna-se um recurso pedagógico e higiênico
do estado. Para refletirmos sobre tais discursos, diante da visível passividade do indivíduo às
preleções que constroem o criminoso, faz-se necessário perguntar: Quem é este? Ou melhor...
Quem são os que sofrem diretamente as sanções do estado através do aparelho jurídico?
Segundo Rauter (2003), a figura do criminoso anormal, cuja anormalidade era
“desconhecida” pelos antigos juristas, é a principal produção do discurso da criminologia. A
inadequação das antigas leis aos criminosos derivou de tal desajuste, visto que as penas não
produziam os efeitos necessários de defesa social. O criminoso não era tematizado pelo direito
liberal, a não ser como o agente de uma transgressão à lei. Todo cidadão devia ser considerado
responsável, já que parte contratante, a não ser que se tratasse de um louco, de um débil ou de
uma criança (Rauter, 2003).
O Brasil, em seu processo de medicalização da vida em sociedade, criou condições para
uma reflexão médica sobre as prisões, que vai acabar por estabelecer um parentesco, desde
então sempre afirmado, entre doença e crime como já vimos nos fatos supracitados a respeito
694 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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do manicômio judiciário. Além disso, ele vai possibilitar uma reorganização do espaço da prisão,
processo que vai se dar de forma lenta e incompleta, pois permanecerão existindo no Brasil,
em maioria absoluta, os depósitos de presos, estes espaços caóticos, cuja finalidade é apenas
a exclusão e o castigo, ao lado de outras instituições, onde já se opera a implantação de uma
tecnologia disciplinar. Na Europa, tais espaços irão servir de cenários de observação e estudo do
indivíduo preso para traçar o perfil do criminoso.
Aragão (1963) relata que o médico italiano Lombroso, em seus estudos irá tomar o criminoso
como um ser atávico suscitado de evolucionismo às avessas, onde o delito era o resultado de
características físicas que passavam pela cor do cabelo, formato do crânio, face e orelha,
predomínio da grande envergadura sobre a estatura até a resistência a dor. Para o mesmo autor o
criminoso típico seria uma cópia nas sociedades modernas do homem primitivo que aparece no
meio social civilizado pelo fenômeno do atavismo, com muitos de seus caracteres somáticos e os
mesmos instintos bárbaros, a mesma ferocidade, a mesma falta de sensibilidade moral (Aragão,
1963).
Logo a descrição do corpo do delinquente irá constituir a sua anormalidade incurável. Diante
disso não faria sentido em punir já que os delinquentes são irresponsáveis pelas práticas ilegais
que comentem. Como nenhum projeto institucional articula com a noção de atavismo, os juristas
brasileiros criticaram bastante as ideias de Lombroso, taxando-as de radicais. Contudo, mesmo
criticadas, tais ideias agregaram a noção de um mal, de uma doença que conduzia o delito, o qual
a pena seria ineficaz.
Outro italiano que irá conduzir o discurso criminológico brasileiro será Ferri que saciará
os novos interesses dos juristas brasileiros que estariam voltados para os vícios, hábitos e
comportamentos dos delinquentes conceituando-os como anormais morais. Segundo ele, os
criminosos são insensíveis, imprevidentes, covardes, preguiçosos, vaidosos e mentirosos, além de
manifestarem sua incapacidade para o amor fino e delicado, seu apetite sexual é exagerado e
tendem para práticas homoafetivas e a promiscuidade não conseguindo realizar um controle moral
(Rauter, 2003). Tal mal se manifesta, além das características físicas e passa por comportamentos
tidos como antissociais. Esboçam-se a partir dessa teoria a noção de periculosidade ou
temibilidade e os novos procedimentos de classificação dos criminosos. Podemos compreender
melhor a classificação dos sujeitos que a teoria de Ferri propõe claramente na seguinte assertiva:
Podemos dividir as camadas sociais em três categorias: a classe moralmente mais elevada,
que não comete delitos porque é honesta por sua constituição orgânica, pelo efeito do senso
moral., do hábito adquirido e hereditariamente transmitido... mantido pelas condições
favoráveis de existência social... Outra classe mais baixa é composta por indivíduos refratários
a todo sentimento de honestidade, porque privados de toda educação e impregnados... da
miséria material e moral... herdam de seus antepassados... uma organização anormal que
une a condição patológica e degenerativa a uma verdadeira volta atávica às raças selvagens...
é nesta classe que se recruta o maior número de delinqüentes natos. A terceira classe [é a dos
que] não nasceram para o delito, mas não são completamente honestos... (Aragão, 1963,
p.286-7)
Partindo dessa perspectiva o meio social terá grande influência na conduta do indivíduo
que será avaliada, tendo-se em conta seus precedentes, condições de existência e educação;
pelo seu grau de periculosidade ou comportamentos antissociais consideradas, neste momento,
transmissíveis hereditariamente. Evidencia-se a necessidade de tomar o crime como resultado
deste mal moral que impele o criminoso e de voltar a atenção para as formas singulares em que
esta condição se apresenta.
Es la acción punitiva ejercida sobre personas concretas, que tiene lugar cuando las agencias policiales
detectan a una persona, a la que se atribuye la realización de cierto acto criminalizado primariamente, la
investiga, en algunos casos la priva de su libertad ambulatoria, la somete a la agencia judicial, ésta legitima
lo actuado, admite un processo (o sea, el avance de una serie de actos secretos o públicos para establecer si
realmente ha realizado esa acción), se discute publicamente si la ha realizado y, en caso afirmativo, admite
la imposición de una pena de cierta magnitud que, cuando es privativa de la libertad ambulatoria de la
persona, es ejecutada por una agencia penitenciaria (prisionización)(Zaffaroni, 2011, p.7).
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o estereótipo do criminoso em potencial. A esse estereótipo do inimigo, construído nos meios
de comunicação e no imaginário popular, soma-se outro critério orientador da seletividade da
criminalização secundária, demandada das limitações das operações investigativas. Em geral,
esta escolha pelo mais simples significa direcionar os esforços investigativos ao que Zaffaroni
(2011) chama “obras ilícitas toscas”, ou seja, aos crimes praticados sem qualquer sofisticação,
bem como deixam bastantes provas da conduta criminosa e às pessoas sobre quem a incidência
do poder punitivo cause menos problemas, por sua situação de vulnerabilidade social.
Por serem pessoas desvalorizadas, é possível associar todas as acusações negativas que
existem na sociedade sob a forma de preconceito, que acaba por consertar uma imagem pública
do delinquente, com componentes classistas, racistas, etários, gênero e estéticos (Zaffaroni,
2011). Fabrica-se um estereótipo do inimigo do estado que é difundido maciçamente entre o
imaginário coletivo, etiquetando-os como delinquentes potenciais, e concomitante criando a
ideia de um sistema prisional povoado por criminosos extremamente perigosos, autores de delitos
graves e bárbaros (homicídios, estupros, etc.). Na realidade, à grande maioria dos apenados
foram atribuídas obras ilícitas toscas com fins lucrativos (crimes contra o patrimônio) ou crimes,
em sua essência, de duvidosa tipicidade material (como o tráfico de substâncias entorpecentes,
por exemplo). Assim, provoca-se uma difusão criminalizadora epidêmica que atinge somente
àqueles com baixa imunidade ante o poder punitivo, ou seja, os que se encontram em estado de
vulnerabilidade em relação às agências de criminalização secundária porque suas características
pessoais se enquadram nos estereótipos criminais (pobre, negro, feio, jovem, homem...). Tal
etiquetamento produz a assunção do papel social que lhes é atribuído, fazendo com que a
imagem difundida sobre si transforme-se em suas próprias autoimagens, nas quais mergulham,
comportando-se como é esperado, praticando crimes (Zaffaroni, 2011).
Vale ressaltar que a maioria dos presos sequer teve o seu caso julgado para que se demonstrasse
cometimento de delito, logo os presos não são aqueles que foram condenados pela prática
de delitos ou que cometeram delitos. Segundo Hulsman (2003), a grande maioria de eventos
criminalizáveis se localiza na diferença entre os crimes denunciados e os crimes judicializados, de
maneira que à grande maioria das pessoas que praticam delitos não corresponde, como resposta,
sequer uma ação penal, que se dirá efetivamente uma pena.
Em suma, a pena não é simplesmente uma consequência da conduta descrita como criminosa.
Os escolhidos pelo sistema penal para submissão ao enjaulamento não são os criminosos, visto
que alguns crimes são praticados com frequência e são culturalmente aceitos além de, na maioria
das vezes, não sofrerem nenhum tipo de represália por parte das agências, tais como: dirigir sob
efeito de álcool, baixar mídias na internet em violação aos direitos autorais, fotocopiar livros, etc.
Os encarceirados são os vulneráveis e são presos porque atendem ao estereótipo que lhes permite
ser rotulados como delinquentes e capturados pelo sistema penal que funciona baseado em uma
lógica higienista.
É questionável o fato do sistema judiciário insistir em uma política que legitima um
mecanismo de segregação e de estigmatização de sujeitos vulneráveis que propicia a prática de
delitos e não a recuperação do sujeito. Como constata Foucault (2013) desde 1820 já se pode
constatar a incapacidade de transformar os criminosos em gente honesta, pois a prisão serve
apenas para fabricar novos criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade. Porém,
segundo o mesmo autor, os mecanismos de poder tendem a utilizar estrategicamente aquilo que é
inconveniente. No caso da prisão a função de fabricar delinquentes é útil, pois justifica o controle
policial que essa não seria tolerada se não fosse o medo do delinquente (Foucault, 2013).
Posto assim, a conduta do estado frente às pessoas que são taxadas como criminosos só
pode ser redescrito como crueldade e o discurso jurídico-penal que o legitima também não pode
ser mais que a racionalização do trato cruel. É evidente que o modo como opera o sistema penal
Em primeiro lugar [...], a pena é uma condição de existência jurídica do crime – ainda que ao
crime, posteriormente, o direito reaja também ou apenas com uma medida de segurança.
Pode-se, portanto, afirmar com Mir Puig que a pena ‘não apenas’ é o conceito central de
nossa disciplina, mas também que sua presença é sempre o limite daquilo que a ela pertence.
Em segundo lugar, porque as medidas de segurança constituem juridicamente sanções com
caráter retributivo, e, portanto, com indiscutível matiz penal (p.48)
É visível diante o relatado a necessidade de rever o sistema em vigor, posto que sustenta uma
postura vingativa e retributiva. De acordo com Comparato (2003), a Declaração, que retoma os
ideais da Revolução Francesa, representou a manifestação histórica do reconhecimento em nível
universal dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens,
como ficou registrado em seu artigo 1. Segundo o mesmo autor a cristalização desses ideais em
direitos efetivos, como se disse com sabedoria na disposição introdutória da Declaração, se dará
progressivamente, no plano nacional e internacional, como fruto de um esforço sistemático de
educação em direitos humanos. Para conduzir esta educação é preciso apoderar-se de um ponto
de vista que não só englobe os laços sociais rompidos na elaboração de uma política criminal
como também os priorize.
O Abolicionismo Penal é uma perspectiva sociológica e política que analisa a justiça e os
sistemas penais como problemas sociais que, em lugar de reduzir os delitos e seus impactos,
os intensificam e se contrapõe ao caráter retributivo da pena. A partir desta perspectiva, o
encarceramento atua de modo a reforçar as construções ideológicas dominantes sobre o delito,
reproduzindo divisões sociais e tirando o foco dos delitos cometidos pelas camadas mais
favorecidas da sociedade. Além de promover a mais extrema crítica da legitimidade do sistema
penal, propõem a transformação radical do aparelho carcerário e sua substituição por estratégias
reflexivas e integradoras que lidem com as situações-problema que se costuma chamar crimes fora
da lógica do castigo, da vingança e da crueldade.
Para Hulsman (2012), este modelo conservador e sádico de justiça existe em quase todos nós,
assim como o “preconceito de gênero” e o “preconceito racial” existem em quase todos. Portanto
devemos, em primeiro lugar, a abolir a justiça criminal em nós mesmos: mudar percepções, atitudes
e comportamentos. Para o mesmo autor tal mudança causa uma mudança na linguagem e, por
outro lado, uma mudança na linguagem pode ser um veículo poderoso para causar mudanças em
percepções e atitudes frente aos eufemismos do penalismo. É preciso ver os outros seres humanos,
os enjaulados, os vulneráveis capturados pelo trato cruel punitivo, como “um de nós”, e não como
“eles”, e isso requer uma aproximação e descrição detalhada dessas pessoas e uma redescrição
cuidadosa de nós mesmos.
Podemos inferir que o abolicionismo é uma postura. E como tal deve ser adotado pelo
sistema vigente. A preocupação do sistema penal atual reside sempre na alocação de culpa e no
que fazer com o infrator, quase nunca se indagando sobre a vítima e o que pode ser feito para
minorar os danos por ela sofridos. O modelo de justiça restaurativa surge, então, como uma
perspectiva que pretende devolver à vítima o protagonismo, devolvendo-lhe a titularidade sobre o
conflito que sofreu.
Marshall (1999) define justiça restaurativa como um processo através do qual as partes
que se viram envolvidas em um delito, gozando da oportunidade de que se escute suas versões
sobre as consequências da situação-problema e tornando-se cientes do que se deve fazer para
restaurar a situação das vítimas, dos agressores e das comunidades, resolvem de forma coletiva
698 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
como enfrentar suas consequências imediatas e suas implicâncias futuras. O compromisso,
portanto, neste modelo, é mais o de restaurar laços sociais rompidos do que o de alocar culpa
e infligir sofrimento. Posto isso é preciso relatar que a restauração implica sobretudo em agir
de forma a recuperar contexto em situação de vulnerabilidade. Portanto a criação de políticas
para combater a miséria, para criar acessibilidade a uma educação de qualidade é de extrema
importante, contudo não fica a cargo do judiciário.
No Brasil as experiências com justiça restaurativa têm se focado, principalmente, à
“delinquência juvenil” ou aos delitos de menor potencial ofensivo, portanto é compreensível que
se pense que o modelo de justiça restaurativa não é capaz de dar cabo dos chamados “crimes
graves”. Porém, isto ocorre muito mais por uma ausência de espaço normativo para experiências de
justiça consensual em matéria penal no ordenamento jurídico brasileiro do que por incapacidade
do modelo da justiça restaurativa em lidar com crimes graves (Achutti, 2016).
Discussão
Referências
Achutti, D. (2016). Justiça restaurativa e abolicionismo penal: contribuições para um novo modelo de
administração de conflitos no Brasil. São Paulo: Saraiva.
Bastista, N. (1996). Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de janeiro: Revan.
Comparato, F. K. (2003). A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva.
Fonseca, H. da (2012). Travessia abolicionista: licenciosidades para uma leitura cronópia da obra
penas perdidas, de Louk Hulsman. Em: Bastita, N., Kosovski, E. (Org). Tributo a Louk Hulsman
(151-209). Rio de Janeiro: Revan.
Gil, A. C. (2007). Como elaborar projetos de pesquisa (4. Ed). São Paulo: Atlas.
Goffman, E. (1961). Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Editora Perspectiva S.A.
Hulsman, L. (1997). “Temas e conceitos numa abordagem abolicionista da justiça criminal”. Em:
Passetti, E. e Dias da Silva, R.B. Conversações abolicionistas: uma crítica do sistema penal e da sociedade
punitiva (189-213). São Paulo: PEPG - Ciências Sociais PUC-SP e IBCCrim.
Organização das Nações Unidas. (1948). Declaração Universal dos Direitos Humanos. Recuperado
de http://www.educacao.mppr.mp.br/arquivos/File/dwnld/educacao_basi-ca/educacao%20
infantil/legislacao/declaracao_universal_de_direitos_humanos.pdf
Zaffaroni, Eugenio Raúl, Alagia A, Slokar, A. W. (2011). Derecho Penal: parte general. Buenos Aires:
Ediar.
Zaffaroni, E. R. (2012). Estructura básica del derecho penal. Buenos Aires: Ediar.
700 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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EDUCAÇÃO SUPERIOR E DIREITOS HUMANOS NO
AGRESTE ALAGOANO: DA SALA DE AULA PARA OS
ESPAÇOS PÚBLICOS
Gisely Roberta Gomes Silva
Gabriel Melo Viana
José Marques Vasconcelos Filho
Introdução
O
direito é a arte do que é bom e do que é justo, afirmou Celso (Guardalini Junior,
2015). Essa definição que remonta aos tempos da Roma Antiga mostra-se
atemporal e sucinta a discussão sobre o que é justo e o que não é. O ensino do
Direito vem se tornando cada vez mais técnico e menos humanizado: em vez de haver foco em
disciplinas formadoras de profissionais críticos, o há em relação a disciplinas procedimentais.
Nesse sentido, buscou-se humanizar o ensino do Direito aproximando os alunos da prática em
Direitos Humanos, problematizando conceitos e desconstruindo preconceitos em prol da (re)
criação do Direito como sendo a arte do que é bom e do que é justo.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1948, traz em seu primeiro
artigo a afirmação de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
Extrai-se desse artigo um dos principais fundamentos do debate sobre os direitos humanos: a
igualdade entre os seres humanos não confunde-se homogeneidade, pois as pessoas não são, nem
nunca serão todas iguais e sim, diz respeito à plena igualdade de direitos e de oportunidades.
O conceito de igualdade está previsto na Constituição da República Federativa do Brasil
como um direito fundamental inquestionável. O seu preâmbulo prevê que um dos objetivos da
Constituição é instituir um estado democrático onde haja o direito à igualdade como uma das
bases de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Direitos Humanos (DH) são
direitos básicos de todos os seres humanos, a despeito da raça, cor, sexo, idioma, etnia, religião
ou qualquer outra característica, conquistados ao longo da história.
Em 2003, teve início no Brasil, o processo de elaboração do Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos (PNEDH), e, a partir disso, foi possível a execução do Plano enquanto política
pública, com seu texto final em 2006, sendo a Educação Superior um dos eixos de atuação do PNEDH.
“A conquista do Estado Democrático delineou, para as Instituições de Ensino Superior (IES), a urgência
em participar da construção de uma cultura de promoção, proteção, defesa e reparação dos direitos
humanos, por meio de ações interdisciplinares, com formas diferentes de relacionar as múltiplas áreas
do conhecimento humano com seus saberes e práticas” (Brasil, 2007, p.37).
A despeito disso, vivemos em tempos de crise na identidade dos Direitos Humanos no Brasil,
onde comumente são identificados como pertencente a um único grupo social, quando uma das
características dos Direitos Humanos é a universalidade. Tendo a identidade desconfigurada, os
Direitos Humanos sofrem ataques constantes de todos os lados, levando a uma onda de violações.
Método
A atividade foi desenvolvida ao fim do segundo semestre de 2017, como última avaliação
semestral e de caráter interdisciplinar, sob a orientação de três professores do curso de Direito da
Instituição. Participaram da atividade de extensão 63 alunos, do primeiro ao quarto semestre do
curso de Direito, divididos em quatro grupos, com as seguintes temáticas escolhidas pelos alunos:
1. Diversidade Sexual, 25 alunos; 2. Violência contra a mulher, 09 alunos e 3. Direitos das Pessoas
com deficiência, 23 alunos e 4. Racismo e Injúria contra negros e religiões de matrizes africanas,
06 alunos. Todos os alunos participantes cursaram a disciplina ‘Direitos Humanos’.
Os discentes foram acompanhados por meio de orientações semanais, durante as quais
puderam discutir textos acerca das temáticas supracitadas, para a partir disso, desenvolverem
os projetos. Foi pedido aos alunos que utilizassem a criatividade para elaboração, execução e
apresentação dos projetos. Uma das premissas da atividade foi garantir aplicabilidade prática
às discussões teóricas tratadas em sala de aula, permitindo que os alunos consolidassem o
aprendizado de forma empática às necessidades dos grupos socialmente vulneráveis.
A culminância se deu por meio da apresentação dos resultados das atividades, no dia 13 de
dezembro de 2017, em um espaço cedido pelo shopping center da cidade, durante todo o horário de
funcionamento do shopping. A escolha pelo shopping se deu por ser um local de constante tráfego
de pessoas e, regionalmente, ser um espaço de lazer.
Resultados e Discussão
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Figura 1. Concessão de entrevista para o principal telejornal do Estado.
Além das ações de divulgação, produziram um documentário sobre a história de vida de dois
transexuais arapiraquenses, no qual ambos puderam relatar suas experiências, lutas, preconceitos
sofridos e a luta pela conquista de seus sonhos. A culminância das atividades do grupo deu-se no
shopping center da cidade. Esses relatos serviram para alertar aos alunos sobre a não-aplicabilidade
dos direitos previstos pela vasta legislação em vigor no Brasil, levando-os a criticar o status quo
e o oferecimento de soluções simplistas por parte de lideranças políticas e sociais. Os alunos
passaram a entender, in loco, que o Direito difere-se demasiadamente entre o que está previsto
na teoria e o que é efetivado na prática. Sobre o desenvolvimento da temática, uma participante
relatou o seguinte:
Foi de muita importância, tanto por estar no início da minha vida acadêmica e, principalmente,
por ter me aproximado da comunidade LGBTI que foi o tema da minha equipe e juntos
termos criado o NEADS, onde reunidos entramos em discussão de como poderíamos
fazer com que a [avaliação] interdisciplinar não se resumisse somente em um único dia de
exposição, sempre tivemos o objetivo de chegar aos que não conhecem os seus direitos, aos
que conhecem e não sabem como ir a eles, então surgiu o projeto que (...) moldou minha
vida, a forma de ver e me relacionar com o assunto, pode-se dizer que a interdisciplinar
colocou um muro tanto em mim como também em meus colegas do projeto, um muro em
que nos afasta da forma preconceituosa e exclusiva que a sociedade trata os membros dessa
comunidade (N. A. G. S, comunicação pessoal, 24 de janeiro de 2018).
O segundo tema Violência contra a mulher foi desenvolvido por meio de pesquisa em campo
e apresentação de resultados. Os alunos elaboraram o projeto ‘Progressão da Mulher’, com o
objetivo de promover um espaço de orientação sobre a violação de direitos das mulheres, violência
doméstica e familiar, valorização da mulher e rede de apoio da cidade. Porém, para construção
do projeto, visitaram espaços de proteção à mulher, tal qual a Delegacia da Mulher, o Juizado de
combate à violência doméstica e familiar, onde assistiram a audiências e realizaram entrevistas e
constataram a burocracia do sistema legal em assegurar proteção às mulheres brasileiras.
Observaram que mulheres brancas, negras, pardas, pobres, ricas, cis, trans, etc., sofrem
violência diariamente e se sentem intimidadas pelo sistema judiciário pátrio, se sentindo
desamparadas. Nesse sentido, entenderam que a emancipação econômica, juntamente com a
conscientização das mulheres acerca de seus direitos, seria a solução mais viável, em curto prazo,
para proteger o gênero feminino da violência.
Os participantes também utilizaram uma das rádios locais para falar sobre a violação de
direitos da mulher e convidar a população para a culminância do projeto, no shopping. A divulgação
do projeto também foi realizada no semáforo de uma das principais vias da cidade. Uma das
participantes expressou o sentido do projeto e da experiência vivida: “Foi gratificante desenvolver
este projeto, pois ele me trouxe muito conhecimento e me levou à realidade dos fatos”. (A. L. S,
comunicação pessoal, 24 de janeiro de 2018).
704 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Figura 3. Divulgação do projeto na Rádio local
O grupo 3 trabalhou a temática Direitos das Pessoas com deficiência e desenvolveram atividade
de pesquisa teórica e visita in loco a um centro de atenção multiprofissional em saúde para pessoas
com deficiência e seus familiares. A Constituição brasileira assegura, em seu artigo 196, a saúde
como sendo um direito de todos e dever do Estado (Brasil, 1988). Esse direito deve ser assegurado
a todos os cidadãos, independentemente de suas condições financeiras, físicas, intelectuais,
orientação sexual, gênero ou cor, sendo a universalidade da prestação dos serviços de saúde
uma das diretrizes essenciais do Sistema Único de Saúde. Para tanto, embasaram o projeto na
Convenção sobre os Direitos das pessoas com deficiência e em artigos científicos que versam
sobre o tema. A figura 5 apresenta o momento da apresentação do grupo.
706 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Acerca dessa experiência, um dos participantes do grupo relatou:
Fizemos entrevistas, imagens e fotos dos locais, pessoas e dos eventos religiosos daquelas
comunidades (...) pudemos sentir muito daquilo, (...) o quão é grande, rica e de uma extrema
simplicidade os anseios e manifestações dos quilombos e praticantes das religiões de matrizes
africanas, pudemos conhecer a rica e interessante história, culinária, as danças, os orixás, os
cantos sempre exclusivos para cada entidade (...), para mim, o ganho de cultura e o aprendizado
me surpreendeu e, inclusive, vamos tratar desses temas no núcleo de estudos jurídicos, onde
eu e alguns amigos temos a ideia de dar suporte jurídico àquelas comunidades (...). Muito
gratificante essa experiência (E. P. S, comunicação pessoal, 26 de janeiro de 2018).
Considerações Finais
O espaço cedido pelo shopping, uma loja desativada, teve que permanecer tapumada. Isso
desestimulou a população geral em visitar o espaço, além do pouco interesse em questões desse
gênero. O fato de, por exemplo, o espaço ostentar uma bandeira do movimento LGBT pode ter
afastado eventuais visitantes, alguns por serem opositores ao movimento, outros por medo de
serem taxados como apoiadores, tendo em vista que desconheciam o espaço e poderiam temer
eventual associação ao movimento em uma região fortemente patriarcal e machista.
Não houve adesão ao projeto por parte dos professores e alunos de outros semestres ou
cursos. O evento não recebeu patrocínio de instituições públicas ou privadas, exceto o apoio
institucional do shopping center que abrigou a exposição. Há a necessidade de promover a educação
em Direitos Humanos focada na prática, evitando a formação de profissionais descompromissados
com o meio social e evitando, igualmente, a deterioração do ensino com base em um modelo
financeiro de educação.
Trabalhar a temática de Direitos Humanos com os alunos do ensino superior é um grande
desafio, já que muitos desvirtuam seu conceito e abrangência por preconceito e ignorância jurídica
e acadêmica. Superar essas barreiras não é fácil, mas é preciso. Essa experiência de saída da sala
de aula e a promoção da prática da disciplina foram enriquecedoras para os docentes envolvidos,
mas, principalmente para os discentes. Com a experiência vivida por estes alunos e alunas, muitos
desses preconceitos foram questionados e desconstruídos por meio do contato, debate e ida ao
campo para contato com a realidade de cada segmento.
A partir dessa experiência e para futuros trabalhos nessa temática, no contexto da educação
superior, outros espaços podem ser utilizados, como praças, mercados públicos, áreas de lazer
públicas, escolas de ensino fundamental e médio, de modo a potencializar o acesso da população
aos trabalhos produzidos pelos alunos e a possibilidade de divulgação sobre a importância,
aplicabilidade e efetividade dos Direitos Humanos na região.
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TEMAS TRANSVERSAIS
A PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE A VIOLÊNCIA ENTRE
UNIVERSITÁRIOS E NA UNIVERSIDADE:
UMA REVISÃO DE LITERATURA
Fillipe Rodrigues Santos Pereira
Nathalia Souza Oliveira
Polyanna Bittencourt Correia
Introdução
A
violência é um fenômeno que sempre esteve presente nas sociedades, no entanto
o seu constante crescimento atualmente é motivo de preocupação social, devido a
todas as implicações que causa, sendo atualmente a principal causa de mortes no
mundo de pessoas com idade entre 15 e 44 anos, segundo Relatório Mundial sobre Violência e
Saúde (OMS, 2002).
Nos últimos anos, as universidades brasileiras, locais que deveriam ser ambientes apenas
de conhecimento e de formação, foram cenários de diversas manifestações de violência como
assaltos, furtos, estupros e até mesmo homicídios, mas tratar-se-á aqui, especificamente, das
manifestações ocorridas entre os próprios universitários como trote, assédio moral, bullying,
discriminação de minorias, entre outras, que não são tão evidentes e, por isso, tão perigosas
quanto às primeiras.
Em relação ao referencial teórico, entendendo-se a complexidade do tema e sua relevância
nos estudos das Ciências Humanas e Sociais buscou-se uma interlocução com autores da
Sociologia, Filosofia e História além da perspectiva da Psicologia Social.
A violência pode gerar mudanças de comportamento que afetam a vida até mesmo das
pessoas que não foram vítimas de algum tipo de violência. Isto pode ser explicado pelo sentimento
de insegurança e pelo medo. “O sentimento de insegurança pode ser definido como um conjunto
de manifestações de inquietação, de perturbação ou de medo, quer individuais, quer colectivas,
cristalizadas sobre o crime” (Lourenço, 2010, p. 7). Esse sentimento pode ser percebido, por
exemplo, pelas ações cautelares das pessoas, que podem mudar de caminho, ou deixar de
frequentar um determinado local por considerá-lo perigoso.
Desse modo, vê-se cada vez mais a necessidade de ampliar o cenário de discussões sobre
esse tema, o que fez a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar, em 1996, durante sua
49º Assembleia Mundial, que a violência passa a se constituir enquanto um problema de saúde
pública crescente em todo o mundo, tornando-se objeto de pesquisa em diferentes campos do
conhecimento (OMS, 2002).
Essa característica pode explicar o crescimento da atenção que este tema teve por parte de
pesquisadores e estudiosos dado o suposto aumento no nível de criminalidade urbana que gera
um clima de insegurança reforçado pelos meios de comunicação (Miranda, 2015). Além disso,
a violência não é igualmente distribuída nas cidades, logo haverá diferenças entres as formas de
vivenciar o medo provocado por essa de acordo com cada grupo e classe de pessoas (Baierl, 2008).
Segundo Mir (2004 como citado emRodrigues, 2011), para o orçamento do país, a violência
custou, ao sistema de saúde nacional em 2004, de forma direta ou indireta, em torno de 10,8
bilhões de reais que foram destinados a atendimentos tanto no setor público como privado. Os
efeitos da violência podem ser percebidos de forma mais ampla quando se entende as diversas
consequências de sua presença, quando perpassa os indivíduos modificando-os e remodelando
as formas de estabelecer suas relações com os outros e com o espaço social que também se
reconfigura de acordo com o estigma criado em torno dos atos de violência.
É comum que as pessoas já tenham passado ou presenciado alguma situação de violência.
Entre a comunidade acadêmica esse número se torna mais visível visto que estão constantemente
expostos a essa problemática social. Neste caso, o aumento desse fenômeno deixa os indivíduos
mais expostos às situações aversivas. Segundo Barros (2012) a violência é um dos motivos pelos
quais o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) passou a ser melhor diagnosticado pois os
critérios e sintomas apresentados para fazê-lo são a exposição a um evento traumático, revivênciae
esquiva de situações que lembrem o evento.
A definição do TEPT é um bom exemplo de como a saúde mental pode estar comprometida
e associada a fatores onde a violência se configura como aspecto relacional na convivência entre
pessoas.
Devido a importância do tema explicitado, o presente artigo busca investigar o que se vem
produzindo na academia sobre a violência e suas possíveis implicações nos discentes, buscando
compreender o que os discentes pensam sobre a violência, se se sentem partícipes desse processo
e ainda se intervenções estão sendo criadas para lidar com o problema.
Quando a violência e o medo dela resultante são vivenciados em uma Instituição de Ensino
Superior quais são os impactos que podem acarretar na vida dos estudantes? É nesse contexto
e com essa pergunta que buscamos entender como esse fenômeno complexo se relaciona aos
fatores que apontamos como objetivo da pesquisa.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método
Análise de Dados
Ao término da seleção dos trabalhos, foi feita uma leitura de todos os materiais para que se
produzisse uma classificação e categorização. Para isso, contou-se com a criação de uma tabela,
onde os principais dados foram expostos para facilitar a organização. Quais sejam: Título, Autores,
Palavras-Chave, Ano, Coleção de Dados, Revista e o Tipo (artigos, dissertações ou teses).
Depois dessa classificação prévia, foram adotados três critérios de investigação, são eles: (1)
artigos que abordam relatos de experiência e identificação com a violência pelos participantes, (2)
artigos que levantam percepções sobre como se configura a violência para os participantes e (3)
artigos que analisam e/ou propõem alguma intervenção ao fenômeno.
Resultados
O trabalho foi orientado por três diferentes categorias de análise, como dito acima, dividindo
assim os 20 trabalhos (19 artigos e 1 capítulo de livro): para a categoria Relatos de Experiência
foram encontrados 10, a categoria Percepções e Opiniões é composta de 6 artigos e 4 artigos
formam a categoria Análise/Intervenção.
A predominância das pesquisas sobre violência relacionada à universidade e universitários é
de abordagem quantitativa, correspondendo a 11 artigos, 7 artigos são de abordagem qualitativa,
e somente 2 são de abordagem quali-quantitativa ou mista. A grande maioria é de natureza básica,
com exceção de 1, e com objetivos de exploração e descrição.
Os instrumentos utilizados pelos autores dos artigos foram entrevistas, questionários
e testes psicológicos, destaca-se aqui os mais conhecidos dentre esses dois últimos:
LeymannInventoryofPsychological Terror (LIPT), Escalas de Crença sobre a Violência Sexual (ECVS),
Self-LabellingofPersonalityExperientialViolence, Social EnvironmentQuestionnaire, Sexual Experience Survey,
RevisedConflictsTacticsScales. Percebe-se que no Brasil ainda não há nenhum instrumento referência,
Tabela 1:
Participantes da amostra.
Amostra Número de artigos
Estudantes universitários indiscriminados 9
Estudantes de Medicina 6
Estudantes de Enfermagem 2
Estudantes de Farmácia 1
Estudantes de Pedagogia 1
Estudantes de Medicina, Enfermagem e Odontologia 1
Total 20
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Tabela 2
Tipos e formas de violência no contexto universitário.
Discussão
Para a OMS, em uma proposta apresentada no ano de 2002, o termo violência é entendido
como sendo
O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra
outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande
possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento
ou privação. (OMS, 2002, p. 5).
Porém essa definição deixa de fora diversos perspectivas, entre elas, ações não intencionais
que podem acontecer de acordo com o contexto ao qual os participantes estão inseridos, aspectos
que se casam bem aos tipos de violência sucedidos na universidade.
Outros autores apontam que a violência fora superficialmente abordada ao longo do seu
processo histórico, transformada em um certo “modismo” de desejabilidade social (a exemplo dos
trotes universitários) explorado diariamente pela cultura de massa como se esta fosse “um processo,
um surto cíclico, epidêmico, e não uma realidade endêmica que permeabiliza a concentração da
megalópole” (Goldberg, 1982, p. 137), tendo como consequência sua naturalização.
Não é possível compreender a violência se a reduzirmos à algumas de suas consequências
práticas: delinquência, desordem, crime, etc; mas ao analisá-la, buscar o entendimento do seu
“corpo” inteiro, isto é, das relações sociais, políticas, econômicas, culturais e não obstante,
psicológicas que incidem sobre os sujeitos. A naturalização dos casos de violência ocorridas dentro
da universidade e perpetrada pelos próprios universitários ajuda na ampliação de uma “ideologia
de insegurança” que instala a lógica do medo que vai se constituir como um aspecto da condição
de vida humana (Zizek, 2009). Isso se torna muito claro quando se acredita que o trote é uma
espécie de tradição ritualística e o bullyinge o assédio moral são brincadeiras necessárias para que
se faça a integração dos primeiranistas ao curso.
O campo teórico que a violência está inserida é amplo e carregado de significações que
variam de acordo com o contexto e os objetivos de cada estudo. Não existe um só conceito
para a violência e isto possibilita pensar sobre as diversas modalidades de sua ocorrência bem
como de acordo com o contexto histórico que esses mesmos conceitos vão sendo repensados,
Considerações finais
Referências
Almeida, J. S. P. (2014).A saúde mental global, a depressão, a ansiedade e os comportamentos de risco nos
estudantes do ensino superior: estudo de prevalência e correlação.Tese de doutorado, Universidade
Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal.
714 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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Introdução
N
este trabalho pretendemos avaliar tanto os benefícios quanto os desafios de utilizar
uma metodologia de intervenção em pesquisa-ação em psicologia baseada em
jogos de interpretação de papéis. Para isso, retornaremos aos dados construídos
em uma pesquisa realizada no primeiro semestre de 2017, em uma escola pública de ensino médio
da cidade de Sobral/CE, na qual utilizamos como intervenção o RPG.
Em pesquisas qualitativas em psicologia, intervenções têm um papel deveras importante na
construção dos dados. Com isso em mente, ao irmos a campo, formulamos uma intervenção que
se utilizaria de elementos lúdicos e do teatro, assim chegando a idéia de realizarmos um Role-Playing
Game (RPG). Recentemente, existe um movimento crescente de pesquisas com a utilização do
RPG como método de intervenção, principalmente em área relacionadas à educação (Rodrigues
e Costa, 2016).
O RPG é definido como um jogo de interpretação de papéis, onde os participantes se
mobilizam através de uma trama central e podem influenciar o fluxo da narrativa, fazendo com
que cada aventura seja um processo único. É possível iniciar no mesmo ponto mas tendo finais e
jornadas completamente diferentes. O RPG acaba, assim, fazendo uma intersecção entre o que é
teatro e o que é jogo.
Interpretar um papel é bem mais do que mudar o tom de voz e ficar repetindo frases de
efeito. Quando se joga RPG, você precisa se tornar outra pessoa. Fazer o que ela faria, agir
como ela agiria e, principalmente lembrar-se do que ela lembraria. DEL DEBBIO (2004, p.7)
É típico desses jogos, momentos em que os participantes se unem para resolver situações-
problema, fazendo escolhas que podem influenciar no final em que a aventura poderá ter, deixando
o que acontece no jogo como decorrência dos próprios jogadores e de suas escolhas durante a
trama. Famosos jogos de RPG incluem, mas não somente, Dungeons & Dragons (D&D), Tormenta
RPG e Vampiro: A máscara.
A trama da aventura é guiada por um “mestre”, um jogador narrador, que situa e guia os
outros jogadores dentro do universo proposto. O Mestre nesses jogos age como uma entidade à
parte dos “jogadores atores”. Além desses dois tipos de jogadores, existem os Non-Playable Character
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
- personagens não-jogáveis - (NPCs - sigla do inglês), que servem de ferramentas narrativas para o
Mestre encaminhar os personagens a pontos centrais da narrativa.
É o Jogador [Narrador] que ficará responsável pelas regras do jogo. É uma espécie de diretor
ou coordenador do jogo. Cabe a ele controlar os outros personagens que não são controlados
pelos jogadores [...] criar e executar as aventuras. Muito do sucesso ou fracasso de uma
Aventura depende dele. Durante uma partida, é o mestre quem irá propor um problema ou
um mistério que os Jogadores irão resolver. (grifo nosso) DEL DEBBIO (2004, p. 6)
Por se tratar de um jogo, condições de sucesso e falha são aplicadas às tentativas de ação
dos jogadores no mundo. Para determinar isso, contamos com as características do personagem
realizando a ação, e também um fator de sorte, no caso, a utilização de dados d seis lados (d6),
para a determinação sucesso/falha. Por questões de simplificação, definimos que a condição de
sucesso eram os lados pares do dado, e falha os ímpares. Essa simplificação se faz necessária,
devido ao nível introdutório dos participantes ao Role-Playing Game, facilitando os sistemas para
jogadores iniciantes.
Em nossa primeira intervenção utilizando o Role-Playing Game (RPG) tivemos como objetivo
construir formas de significação. Vigotski (1991) pensa relação entre os sentidos e significados
em diversos contextos de fala, em processos de transformação constante entre os sentidos e
significados que o sujeito dá a uma palavra. A palavra assumiria por excelência o papel mediador
entre as realidades intrasubjetiva e intersubjetiva, funcionando, portanto, como essencial no
processo humano de transformar a si e ao mundo. O RPG estaria inserido nesse contexto sendo
um meio lúdico de se experienciar uma narrativa.
A temática trabalhada durante as sessões do jogo foi centrada no preconceito racial
e relações étnico-raciais, e como os jovens significavam as situações que envolviam o tema,
trazendo suas próprias experiências e histórias de vida para dentro do mundo construído para
o jogo. A narrativa e o universo criados para essa intervenção foram inspirados na famosa série
de quadrinhos da Marvel Comics “X-men”, pela sua sintonia com os temas trabalhados dentro da
pesquisa. A narrativa foi ambientada num contexto atual, com inspiração em eventos históricos
que ocorreram no período de luta por direitos sociais pela população negra dos Estados Unidos
nas décadas de 1950 e 1960.
Método
Para fundamentarmos a utilização dessa intervenção em uma pesquisa com jovens estudantes
do ensino médio nos baseamos na metodologia de pesquisa-ação. Tripp (2005) define pesquisa-
ação tratando‐se de uma método de pesquisa em que há uma intervenção do pesquisador no
campo, essa ação fica em torno de uma determinada prática e uma investigação da mesma.
Baseamos nossa forma de pesquisa-ação em uma pesquisa participante, onde em conjunto com
os participantes, procuramos entender as significações dadas pelos mesmos sobre conteúdos
étnico-raciais. Com isso em mente, criamos um RPG, com seu próprio conjunto de regras, fica de
personagens próprio, todos sendo inspirados por outros jogos semelhantes, como o D&D.
A criação do jogo compreende a elaboração de alguns instrumentos como a ficha de
personagens, os NPCs, situações problema, todos elementos centrais dentro do RPG. Na ficha de
personagens, constava o nome do personagem, idade, curso que pretende-se passar no vestibular,
os status do personagem, características, e equipamentos. O nome do personagem utilizado deve
ser um nome fantasia, que pudesse situar o jogador dentro do universo proposto. Os status eram
divididos em cinco categorias, baseadas nos eixos teóricos do Exame Nacional do Ensino Médio
Resultados
720 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
As características colocadas pelos jogadores, eram reflexos do próprio participante da
pesquisa, como se os personagens fossem pseudônimos para participarem do jogo. Nossa análise
propõe que isso se deve aos participantes da pesquisa serem pessoas que não tiveram contato
anterior com jogos de natureza semelhante. Em relação às fotos que foram utilizadas para serem
representante do personagem, os participantes tiveram uma tendência de escolher aquele que
mais se assemelhava consigo mesmos.
A criação deste “universo” proposto pela narrativa permitiu que os participantes trouxessem
suas experiências e modos de agir de seu próprio contexto. Ao colocar-se dentro do mundo do
jogo, os participantes mantiveram muitos dos modos de agir, valores e sentimentos que teriam
em situações reais, e expressaram isso, mesmo sendo em um universo de fantasia. Esse tipo de
expressão está intimamente ligado com os processos de dramatização, o RPG sendo considerado
um deles, como aparece em Pinheiro (2008, p. 69): “Quando as atividades comunitárias são
reconstruídas na dramatização e os sentidos e significados que estão ali colocados são dialogados,
as regras implícitas e explícitas, não necessariamente compreendidas, podem ser debatidas”. No
terceiro dia, ao serem questionados sobre isso, um dos participantes disse: “No caso, eu não
estava seguindo as regras, eu estava fazendo exatamente o que eu faria.” (Diário de Campo,
Terceira Sessão do RPG).
Essa metodologia também permitiu aos participantes colocarem-se no lugar de uma outra
pessoa, na forma das experiências vividas ao longo da aventura pelos personagens, de forma
segura, lúdica e criativa, podendo ajudar a construir novas significações de natureza empática com
pessoas que passam por situações semelhantes no mundo real. No caso dessa pesquisa tentamos
tratar de temas relacionados ao preconceito racial, relações étnico-raciais, e maneiras de que um
sistema pode se estruturar de formas que prejudicam outras pessoas por razões racistas.
Apesar de todos os resultados positivos, devemos encarar essa utilização do RPG como
um modo de intervenção em psicologia que ainda está em fase de construção, sendo relatado e
analisado apenas o nosso primeiro momento de aplicação dessa intervenção. Tentamos analisar
também uma série de dificuldades que tivemos ao longo das sessões e que devem ser revistas antes
de aplicarmos novamente esta metodologia.
Uma das dificuldades que tivemos foi a de manter os participantes retornando após o
primeiro dia, sentimos que o espaço de tempo dividido em sessões, que aconteceram em dois dias,
impossibilitou que alguns participantes retornassem para a conclusão da aventura. Inicialmente, ao
procurarmos participantes dentro da escola, tivemos uma boa aceitação, preenchemos o número
de vagas bem rápido. Ainda assim, tivemos essa dificuldade. Compreendemos que tal dificuldade
é comum em pesquisas longas, mas não deve ser desconsiderada. Uma possível solução para este
problema, seria diminuir o número de sessões de dois dias para apenas um dia, condensando os
principais pontos da narrativa a esse espaço de tempo.
Contamos com o auxílio de um experiente Mestre de mesas de RPG, o que foi uma experiência
enriquecedora a nossa pesquisa. Entretanto, ao contar com o auxílio de uma pessoa externa ao
grupo de pesquisadores, essa pessoa deve estar a par do foco da pesquisa, os seus objetivos e as
hipóteses que quer-se testar ao longo da aventura, além de como isso deve aparecer nos contextos
da narrativa. Sem isso previamente estipulado, o trabalho de equilibrar os objetivos da pesquisa e
os da narrativa torna-se mais complicado.
Tivemos dificuldade também em saber como fazer um final que fosse satisfatório para os
participantes, tendo em vista que era um jogo, o final foi decidido através dos status dos jogadores,
ações feitas durante a aventura e uma última rolagem dos dados. Nem todos os jogadores
presentes obtiveram finais que foram felizes ou condizem com os objetivos da presente aventura.
Apenas um dos jogadores concluiu a aventura de uma maneira que condizia com os objetivos
do personagem, o que nos fez refletir, pesquisadores e participantes, sobre a desigualdade e a
Discussão
Este artigo visou discutir a utilização de um recurso lúdico, o RPG, como pesquisa em
psicologia. Foi realizada uma pesquisa a respeito das relações étnico-raciais de jovens na escola,
cujo objetivo era compreender as significações construídas por eles a respeito da temática. Para
tanto experimentamos criar um jogo de RPG que trouxesse à tona os conflitos e a segregação
de forma a interessar e engajar os jovens neste debate. O jogo envolveu a adaptação de ganchos
narrativos com base em eventos históricos de segregação e discriminação racial, bem como a
inspiração no ambiente fantástico dos X-men. Desta pesquisa, realizada numa escola de ensino
médio pública na cidade de Sobral-CE, contamos com a participação de cinco estudantes durante
três dias.
Como potencialidades na utilização do RPG como metodologia, encontramos que essa
metodologia facilitou a construção, em conjunto aos jogadores, de perspectivas e significações
sobre as temáticas que foram trabalhadas ao longo das sessões.
Como dificuldades na utilização desta metodologia encontramos as restrições relacionadas
ao tempo, à participação dos jogadores, e à dificuldade de criar um final que quebre a lógica de
sucesso/falha.
Como questões para novos estudos apontamos a possibilidade da diminuição do número
de sessões de três, para uma, onde concentraremos os principais pontos narrativos e de análise, e
a criação de um final aberto, onde a partir das problemáticas encontradas no universo narrativo
os jogadores teriam a liberdade de propor soluções e discutí-las.
Concluímos que por meio do RPG foi possível construir conhecimento sobre como os jovens
significam as relações étnico-raciais na escola. Momentos de discussão sobre essas temáticas nas
escolas podem se tornar fundamentais na compreensão e no estudo desses fenômenos sociais
e o seu impacto na vida das Juventudes, o Role-playing é mais uma ferramenta a ser utilizada no
enriquecimento destas discussões.
Referências
Pinheiro, F.P.H.A. (2008) A arte e a brincadeira e as suas interfaces com a dramatização em psicologia
comunitária: Um estudo de processos de mediação simbólica. 110p. Tese (Mestrado em Psicologia),
Biblioteca de Ciências Humanas - UFC, Fortaleza.
Rodrigues, J. M., Costa M. F. V. (2016) O roleplaying game (RPG) e o ensino da história africana
e afro-brasileira. Em Rocha, N. M. F. D.; Costa, M. A. C.; Costa, M. F. V. e Pinheiro, F. P. H.
A. (Org.), Na aldeia, na escola e no museu: Alinhavos entre infância e trabalho docente (pp. 230-253).
Fortaleza: Editora da Universidade Estadual do Ceará - EdUECE.
Tripp, D. (2005) Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, 31(3), 443-
466. Recuperado de: http://www.scielo.br/pdf/ep/v31n3/a09v31n3.
722 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO:
OPINIÕES DE PAIS E PROFESSORAS DE ESCOLAS
MUNICIPAIS
Alexsandra Pereira da Silva Rodrigues
Maria Aurelina Machado de Oliveira
Welyton Paraíba da Silva Sousa
Lorena Thiciane Silva
Introdução
O
termo Necessidades Educacionais Especiais (NEE) acabou por englobar sujeitos
com deficiência, mas que necessitam de atendimentos educacionais especiais
(AEE) durante seus processos escolares, proporcionando-lhes suporte pedagógico
qualificado, quando há dificuldades educacionais comprovadas. Assim são contempladas nesse
rol crianças com deficiência, que apresentam transtornos ou superdotação, que devem estar
matriculadas na rede regular de ensino, e no contra turno receber um suporte educacional na
sala multifuncional ou em salas de AEE, conforme dispõe o artigo 5º da Resolução CNE/CEB nº
4/2009 (Conselho Nacional de Educação, 2009).
Um dos recursos disponibilizados para atender as NEE é a sala multifuncional, na qual o
professor responsável deve ser especializado e capacitado. As salas de recursos multifuncionais
(SRMF) são ambientes na escola onde se realiza o AEE, por meio do desenvolvimento de
estratégias de aprendizagem, centradas em um novo fazer pedagógico que favoreça a construção
de conhecimento pelos alunos, subsidiando-os para que desenvolvam o currículo e participem da
vida escolar (Ministério da Educação, 2006).
Assim a inclusão de crianças com NEE por deficiência é atravessada pela problemática que
envolve o atendimento precário a essa faixa etária na educação infantil, sendo agravada pelo
desconhecimento desses profissionais - em sua maioria mulheres - em relação as peculiaridades
do desenvolvimento das crianças, às suas necessidades educacionais e as formas mais adequadas
de cuidado e estimulação (Oliveira & Padilha, 2011).
Considerando que a educação é um fator indispensável para se viver em sociedade, pode-se
dizer que o professor é uma peça imprescindível no processo de ensino aprendizagem, por isso
a qualidade do ensino é de grande importância, ele deve criar oportunidades e promoção da
educação no sentido de que as crianças especiais possam superar suas dificuldades. A criança
com NEE na escola regular encontrará obstáculos nas pequenas atividades cotidianas, assim cabe
ao professor, gestores e todos envolvidos no AEE encontrar estratégias que possibilitem da melhor
maneira, formas de adaptação e conhecimento.
De forma que os conhecimentos da Psicologia estão disponíveis para colaborar com a
melhor inclusão de crianças com NEE. Uma das áreas específicas da Psicologia é a Psicologia da
Educação, que tem como objeto de estudo o ser humano em desenvolvimento. A importância
Método
Pesquisa de natureza qualitativa, como esclarece Gil (1999), cujos participantes foram
12 pais e 10 professoras de alunos que estavam matriculados nas escolas selecionadas, e que
estivessem frequentando da 1ª a 5ª da Educação Básica do Ensino Regular.
O estudo foi realizado em duas escolas municipais do município de Floriano-PI, que tinham
crianças com NEE matriculadas e frequentando as referidas instituições. A escolha das instituições
foi feita considerando a quantidade mínima de quatro crianças matriculadas e cujo acesso fosse
conveniente aos pesquisadores.
A seleção dos participantes obedeceu alguns critérios. O primeiro foi ter idade igual ou
superior a 18 anos. O segundo critério foi: ser pai/mãe ou professor(a)de alguma criança que
recebia AEE nas escolas selecionadas. Foram excluídos pais eprofessores que não tinham crianças
com NEEnas referidas escolas.
Instrumentos de pesquisa
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Procedimentos de coleta
Para realização do estudo foi solicitada inicialmente a anuência das duas escolas municipais,
as quais foram atendidas. Em seguida o projeto foi submetido ao Comitê de Ética de Pesquisa
da Universidade Federal do Piauí, por meio da Plataforma Brasil, tendo obtido aprovação, sob
parecer nº. 1.783.373 e CAAE 72939717.9.0000.5214.
Somente após a aprovação, deu-se início à coleta de dados que ocorreu no período de
agosto a setembro de 2017. Inicialmente, o participante foi esclarecido sobre o estudo e seus
objetivos, e, em seguida, o seu consentimento foi estabelecido através da assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, onde mesmo ficou com uma via do Termo em sua posse
e a outra com o(a) pesquisador(a). Em seguida, o próprio sujeito respondeu aos itens do
questionário, tendo sido aplicado em uma sala reservada disponibilizada pela escola ou outro
local que o participante julgasse ser mais conveniente.
Procedimentos de análise
Resultados
Tabela 1:
Dados sociodemográficos dos pais e professoras pesquisados.
Variável Pais Professoras
Sexo 90% mulheres 100% mulheres
50% - 20-40 anos
Idade 83% 20-40anos
50% - 41-50 anos
50% casados 60% casadas
Estado civil
50% solteiros 40% solteiras
60% não informou
Escolaridade 75% não estudaram
40% 20 anos
Renda pessoal 58,3%- 1-2 salários mínimos 40%- 1-3 salários mínimos
Nº PAIS PROFESSORAS
O atendimento dar-se de maneira disforme, onde apenas é acei-
to o aluno por força de lei e cuidadores para estar ao lado da
criança, não é oferecido subsídios apropriados a cada necessi-
01 De forma satisfatória
dade, tudo é muito efêmero e vago. As atividades são feitas pelo
professor de turma e nem sempre contempla a real necessidade
do aluno.
02 É bom por causa da cuidadora. Existe, mas é pouco divulgado e comentado.
03 Não funciona Na minha escola não tem.
Funciona de forma superficial, o aluno frequenta a sala regular
04 Não tenho conhecimento e possui um cuidador acompanhando-o.
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Nº PAIS PROFESSORAS
Na escola falta recursos necessários para Não existe, o aluno é um aluno a parte onde alguns professores
desempenho de qualidade de trabalho fazem atividades desconexas para a real necessidade de suas
com relação ao meu filho. especialidades. Mas vejo também que o governo agrava
profundamente o problema quando imagina que o profissional
01 tem poderes mágicos. O profissional de educação não é
obrigado a entender e a saber de todas as doenças, causas e
como trabalha-las, isso cabe a saúde.
Discussão
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Em se tratando das condições concretas existentes no trabalho dos profissionais diante do
processo ensino aprendizagem, indicados no Quadro 2, os pais comentaram que apesar da quase
inexistência desses recursos os filhos têm se desenvolvido. Enquanto as professoras relataram que
não existe, ou não responderam.
Para Sánchez (2005), a proposta de inclusão tem como pressuposto o sucesso de cada
criança através da utilização de uma pedagogia centrada no aluno, para que se possam ultrapassar
as dificuldades apresentadas, mesmo àquelas que possuem desvantagens severas. Assim, a autora
assegura que os sistemas educacionais primeiramente devem garantir a ampliação da inclusão
social admitindo que crianças, jovens e adultos portadores de necessidades especiais não sejam
únicos, contribuindo assim em direção a uma sociedade inclusiva e quanto mais séria forem as
dificuldades, maiores serão os empenhos da escola para adaptar-se.
Neste contexto, entende-se que há que se levar a educação a todos os alunos, mesmo que
haja diferenças entre estes, potencializando e valorizando as particularidades de cada aluno.
É essencial que as ações indiquem para a inclusão das pessoas com NEE, com mecanismos e
projetos, garantindo as condições necessárias para uma educação de qualidade, respeitando
todos os direitos. É preciso fazer uma avaliação quando os portadores de deficiência são excluídos
da sociedade levando em consideração a importância de se debater este tema que ainda não foi
superado pela comunidade.
Considerações Finais
O AEE tem sido visto especialmente pelas professoras pesquisadas, como um atendimento
permeado de falhas e com recursos didáticos escassos. Uma das escolas pesquisadas não
possui sala de recursos multifuncionais, apesar de esta trazer a oportunidade de aquisição de
conhecimentos de forma lúdica e com materiais diferenciados. Destaca-se ainda a necessidade
de compreensão do(a) professor(a) da sala regular de que este não é um ambiente de reforço, ou
seja, de reprodução das matérias e atividades de sala de aula.
Em se tratando das condições concretas existentes no trabalho dos profissionais diante do
processo ensino aprendizagem entende-se que a educação deve ser ofertada a todos os alunos,
mesmo que haja diferenças, cujo foco são as potencialidades de cada aluno e buscar valorizar as
particularidades de cada aluno. Para que ocorra a evolução no processo de aprendizagem são
essenciais as práticas de educação inclusivas voltadas à participação daqueles que compõem uma
classe escolar e do compartilhar de cada um, em diferentes condições.
Referências
Conselho Nacional de Educação (2001). Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica,
Resolução do - CNE/CEB nº 2/2001. Recuperado de: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/
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Gatti, B. A. (2003). O que é Psicologia da Educação? Ou o que ela pode vir a ser como área de
conhecimento? Psicologia da Educação, 5, p. 73-90.
Gil, A. C. (2010). Métodos e técnicas de pesquisa social. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2010.
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2009). Estudo exploratório
sobre o professor brasileiro com base nos resultados do Censo Escolar da Educação Básica2007 /– Brasília:
Inep, 63p. Recuperado de: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/estudoprofessor.pdf
Maia, Mayara dos Santos (2015). Um diagnóstico sobre a educação inclusiva: organização escolar, concepções
de professores e desafios. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal da Paraíba, João
Pessoa, Brasil). Disponível em: http://www.ccen.ufpb.br/cccb/contents/monografias/2014.2/
um-diagnostico-sobre-a-educacao-inclusiva-organizacao-escolar-concepcoes-de-professores-e-
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Ministério da Educação (2006). Salas de Recursos Multifuncionais: espaço para atendimento educação
especializado. Brasília: Secretaria de Educação Especial, 13p. Recuperado de: http://www.oneesp.
ufscar.br/orientacoes_srm_2006.pdf
Resolução CNE/CEB nº. 4, de 2 de outubro de 2009. Dispõe sobre a instituição das Diretrizes
Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade
Educação Especial. Recuperado de: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf
Silva, F. H. O. B., & Cavalcante, L. I. C. (2015). Rotinas Familiares de Crianças com Necessidades
Especiais em Família Adotiva. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 31(2), 173-180.
730 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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HÁ DIÁLOGO ENTRE ARISTÓTELES, HUSSERL,
HEIDEGGER E ROGERS: UM BREVE PERCURSO DA
FENOMENOLOGIA
Carlos Vitor Esmeraldo Albuquerque Beserra
Khalina Assunção Bezerra
Introdução
É
de conhecimento que a fenomenologia tem como união etimológica as palavras:
fenômeno, mais, logos, e que varia em conceito de acordo com o autor que o apresenta.
Diferindo, assim, em ideias, desde estudo do fenômeno (aquilo que aparece e é
apreendido através dos órgãos do sentido), ao sentido do fenômeno, direção difusa, significado,
sensação e ordem expressiva dos fatos apercebidos, e dos atos que a partir daí derivam. É, assim,
que do armazenamento de significado, através dos órgãos do sentido, ou seja, com a fisicalidade,
sensação e corpo, que se agrega o logos ao fenômeno. Como etimologia husserliana, o mais disposto
nos livros é: “a palavra “fenomenologia” significa “o estudo dos fenômenos”, onde a noção de
fenômeno e a noção de experiência, de um modo geral, coincidem” (Cerbone, 2014, p. 13).
Em meio as pesquisas acadêmicas, a fenomenologia, cresce dia após dia e apesar de
inúmeros autores, que nela buscam ênfase, ainda há bastante criadores a explorar como é o
caso de alguns pouco conhecidos e apresentados as academias, como Martin Buber e Bachelard,
fenomenólogos insinuantes, aquele inaugurador da filosofia do diálogo, que traz em seus escritos
as nomenclaturas elucidativas do “Eu-Tu” e “Eu-isso”, consideradas esferas do modo de ser,
podendo, demonstrativamente, auxiliar no fazer terapêutico identificando as nuances experienciais
(Buber, 2005). E Bachelard, poeta e filósofo, responsável por uma reflexão significativa no
que diz respeito a sensibilidade e a importância da imaginação dentro do processo relacional,
propriamente íntimo de cada ser que experiencia a ação do acontecimento (Silva, 2013). No que
concerne ao presente estudo, irá se destacar alguns teóricos conhecidos, são eles por ordem de
aparição: Aristóteles, Husserl, Heidegger e Rogers, os três primeiros, especificamente do ramo
filosófico, mas contribuintes diretos da psicologia, e o último, agente criador de uma linha de
atuação da teoria humanista na psicologia.
Com a busca de alguns escritos desses autores, pôde-se organizar mais sistematicamente
o presente estudo, percebendo a importância do estudar fenomenologia, mais veementemente
ao se deparar com uma filosofia de vida complexa, humana e fonte de estimulação para o
autoconhecimento e construção de si, tendo diversos filósofos, que entenderam a psicologia
como uma fenomenologia existencial. Nesse segmento, amplia o entendimento Akira Goto (2008),
estudioso da área:
Metodologia
O presente trabalho é fruto de uma pesquisa que visa apresentar de forma sucinta,
registros sobre a vertente filosófica que marca o início da fenomenologia e alguns autores que
no desvelamento histórico, criaram e aproximaram a filosofia fenomenológica da psicologia,
ressaltando o primado de Carl Rogers como criador da abordagem centrada na pessoa, que
aderiu a fontes de estudos, proeminentemente, fenomenológicos (Fonseca, 1998).
Para o desenvolvimento desse objetivo, se utilizou uma metodologia de pesquisa de revisão
bibliográfica, de abordagem qualitativa, que para Gil (2008), serve como uma construção de saber
dividida entre a captação de outros saberes, a correlação entre eles e a estrutura crítica e reflexiva
que se retira desse processo. No caso em questão, foi intertextualizado a fenomenologia de alguns
livros base de Aristóteles (Metafísica, 1984), Husserl (Investigações lógicas, 1992), Heidegger (Ser
e tempo, 2005 e Cartas sobre o humanismo, 1967), Rogers (Tornar-se Pessoa, 2017), com as obras
de comentadores dos autores debatidos no texto, como, Iniciação à história da filosofia: Dos pré-
socráticos a Wittgenstein (2007), ajudando na exploração dos textos Aristotélicos. Para o auxílio a
compreensão de Husserl, Introdução à psicologia fenomenológica: A nova psicologia de Edmund
Husserl (2008). Em Heidegger, foi utilizado como recurso a obra: Heidegger: Urgente (2013). Em
Rogers, Rogers: Ética humanista e psicoterapia (2012), além de outras visões auxiliares de outros
releitores, que enriqueceram a pesquisa e ajudaram a elucidar o texto com mais propriedade.
Atinente a própria contribuição para o parâmetro psicológico, o estudo busca pronunciar
alguns autores da fenomenologia e tentar linearizá-los, ou seja, cada autor, mesmo que espaçado
a título de época, traz alguma referência que possa aproximar filosofia e psicologia, como
complementares e auxiliadores do entendimento de uma ontologia. Assim, o estudo, mesmo de
forma limitada, pretende demonstrar através de algumas conceituações, o início da fenomenologia
em Aristóteles, discorrer sobre Husserl, apresentar Heidegger e buscar o coeficiente desse método
fenomenológico em Rogers, buscando observar que a essência das ideias apresentadas possam ter
uma conexão não meramente tácita.
Resultados e Discussão
Em Aristóteles
732 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Tal método, era chamado de peripatético, e decretava o modo de Aristóteles filosofar, destituído
de fixidez e monotonia, buscando, incessantemente, através da mobilidade, abrir a possibilidade
para o novo, o experienciando sem prévios estabelecimentos teorizadores, assim: “Aristóteles
gostava de dar aulas e ministrar seus ensinamentos em caminhadas com os seus discípulos, donde
a origem do nome “escola peripatética” (de “peripatos”, o caminho)” (Marcondes, 2007, p. 69).
Portanto, o que pôde fazer Aristóteles contribuir e ser nomeado aqui como um dos
fundadores da fenomenologia, se não, o fundador? Além do que será apresentado mais à frente,
tem-se como fonte de legitimação, o filósofo e professor Franz Brentano (1938-1917), estudioso
de Aristóteles e professor de Freud e Husserl, este que criador da fenomenologia transcendental
é um dos personagens de nosso artigo. Brentano, além de revisitar a teoria de Aristóteles, foi
buscar no filósofo seu empreendimento de estudo, demonstrado que, por Aristóteles esclarecer
a ideia de Devir, a ideia de investigação de um objeto, de um ser, portanto de um fenômeno
de forma compromissada (é sabido que Aristóteles analisava espécie de peixes e anotava todas
as descobertas), impôs esclarecimentos à fenomenologia dita moderna, agregando conceitos de
tamanha importância a matéria do estudo, como a conceituação de Intencionalidade, que fora
desenvolta e apresentada por Brentano, como uma força tensional e de vontade, capaz de fazer
o indivíduo desenvolver a intuição, pressentir e expressar as sensações de um fenômeno psíquico
(Granzotto; Granzotto, 2007).
Mais especificamente, a intencionalidade aparece como uma flexão à tensão de criar e
possibilitar força de ação a existência (Boris, 2011). Aristóteles no livro I de sua obra Metafísica
(1984), apresenta o homem, entregue por natureza ao desejo de conhecer, tendo como maneira
efetiva desse objetivo, as sensações que causavam prazer e reconhecimento, quanto ao mundo
que era trajeto intencional de sua existência. (Aristóteles, 1984)
Tratando das contribuições de Aristóteles, mais uma importante à temática em tese, é o
apontamento aristotélico sobre o Devir, que pode ser entendido como tudo aquilo que é e pode
vir-a-ser, ou seja, a aleatoriedade, tanto da existência, como da identidade particular de cada ser
é devir, é movimentação que causa uma mudança inevitável naquele que vive e está inserido no
mundo, que por ser natural, também vive, pulsa e metamorfoseasse. Para explicar essa noção, o
filósofo utiliza de mais algumas concepções que abrangem a vivência humana, isto é, a essência
(bastante utilizada séculos depois pelos fenomenólogos modernos) e o acidente, ideias que irão
concatenar com outras, sobre o devir, ainda em explicação, sendo elas, ato e potência.
Bem, enquanto essência, Aristóteles diz que o ser é caracteristicamente uno, singular,
mais claramente, é o que é subjetivado pela capacidade idiossincrática de perceber através de
sentidos particulares e monistas (único em substância). “Acontece-lhe, desta maneira, admitir
[simultaneamente] como princípios o “uno” (que é simples e sem mistura) ... (Aristóteles, 1984,
p. 28). Mas para que ocorra essa definição da personalidade, é preciso passar pelos acidentes,
que transformam o ser, e vêm de forma casual e imprevisível, através do devir-viver, cuja noção de
existir é imprevisível e indecifrável (Marcondes, 2007).
Em apoio a todos esses fatores, enquanto seres do Devir, é apresentado a possibilidade de
uma essência que fortuitamente passa por vários acidentes, acompanhados por ato e potência, onde
o ato é o ser estabelecido em uma essência, onde há a noção do que se é, do que se tem, do que se
fez. E potência, designa a força do provável acontecimento, que dispõe instabilidade contingencial
(de mudança), portanto, um tempo de muda (troca de posicionamentos), emersão e atualização
de acidentes, que atestam a capacidade do ser humano, em renovar e regular a existência.
É mister observar, que o poético conceito de Aristóteles, muito parece com outras convicções
estipuladas ao longo das eras, semelhanças por exemplo, com a criação Rogeriana de Tendência
Atualizante, que é a capacidade inata do indivíduo a inclinar a existência para mudança e atualização,
não se acorrentando ao que ficou para trás e teve caráter dificultoso, e sim, compreendendo-o e
coagulando na memória, estando implicitamente predisposto a ser mais e mais, suscetibilizando
Ora, nós dizemos que o homem vem da criança como o já gerado do que está a ser gerado, ou
o já completo do que se está completando, pois sempre há um intermédio, como entre o ser e
o não ser, o devir, e o que se está gerando, entre o que é e o que não é (Aristóteles, 1984, p. 41)
Em Husserl
A partir de Husserl, a fenomenologia teve sua quebra de hiato, não considerando aqui a
fenomenologia dialética de Hegel, importante e necessária, porém que toma um caminho diferente
do proposto pelo trabalho, já que valoriza a dialética: tese, antítese e síntese e não a dialógica:
congruência e confluência de estados.
Hegel foi o filósofo mais famoso da Alemanha na primeira metade do século XIX. Sua ideia
central era de que todos os fenômenos, da consciência às instituições políticas, são aspectos
de um único espírito (“mente” ou “ideia”, para ele) que ao longo do tempo reintegra esses
aspectos a si mesmo. Esse processo de reintegração é que Hegel chama de “dialética (...)
(Buckingham, [et al]. 2011, p.180).
A evidência de uma peculiaridade nos estudos e criações de Husserl denota sua capacidade
de envolver filosofia, matemática e psicologia, equacionando em um estudo científico, analítico
e esmiuçado de um objeto, no caso o fenômeno. Para tanto, causando uma ação estimuladora
através do sentido absolvido inteiramente, criando uma psicologia eidética, ou seja, das ideias
apuradas essenciais em início, meio e fim (Goto, 2008).
Em dados teóricos, Husserl avançou os estudos em sua fenomenologia psicológica,
capacitando sua força de alcance a uma reflexão dita transcendental, valorizando a consciência de
algo, e em busca de enlaçar mentalmente esse algo, visto que procura saber, prender e destrinchar
o foco de absorção analítica. “Ao longo de sua carreira filosófica, Husserl está interessado em
entender a natureza e o status da lógica e da matemática e em explicar nosso entendimento
ou compreensão delas” (Cerbone, 2014, p. 29). É possível observar que Husserl teve prolífera
produção, criando diversos conceitos que ajudam a nivelar o conhecimento sobre o outro,
enquanto sujeito de pesquisa vivencial, provendo um instrumento de auxílio e preocupação com
o indivíduo/fenômeno e suas constantes mudanças comportamentais.
De início, há um atributo bastante falado e reconhecidamente Husserliano, chamado
redução fenomenológica, tal ponto, significa um “estar a par” da experiência, distanciando a
matéria reificada (objetificada) e anteriormente classificada, sobre o que é mostrado enquanto
aparência, permitindo a apresentação do fenômeno à prima facie (à primeira vista) para a psique.
Exemplificando, mais palpavelmente, para a psicologia, seria o psicoterapeuta, enquanto ser
imparcial, receber seu cliente não averiguando os rótulos trazidos, os estereótipos demonstrados,
os diagnósticos atrelados e os estigmas apresentados como fator norteador da relação, e sim,
promover um encontro desarraigado de nomenclaturas e impressões padronizadas, desenvolvendo
o trazido com originalidade e sem apego as taxações conceituais empregadas pelas adjetivações
sociais, que atravancam o contato terapêutico.
Husserl em Investigações lógicas, contextualiza a redução, a diferenciando da visada do
objeto e da visada perceptiva que vai além do demonstrado como fundamentado e partidário de
um conceito prenunciado. “Normalmente falamos do conhecimento e da classificação do objeto
da percepção, como se o ato exercesse sobre o objeto. Mas, como já dissemos, o que está na
própria vivência não é nenhum objeto, e sim uma percepção (...)” (Husserl, 1992, p.25).
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Pode-se dizer que, praticamente, Husserl criou a fenomenologia, que vai além de uma
autoanálise, justamente por inclinar a busca verdadeira ao outro/fenômeno, que está fora de
mim, constituindo assim, uma fonte de auxílio e empatia, representando um importante apoio
teórico para matérias de intersubjetividade e relação de contato. “Todavia, a redução das crenças e
opiniões fez com que Husserl estabelecesse outros recursos, sendo preciso reduzir todo o conjunto
de crenças, ideias, opiniões, que nos impede de ver como as coisas realmente são” (Goto, 2008,
p.75). É, assim, que Husserl tem em seu método, fonte de subjetividade na fenomenologia,
produzindo um saber que atribui visibilidade filosófica à psicologia.
É inevitável apresentar diante da redução, outro conceito que agrega ao campo de estudo
o caminho necessário para tomar por efetivo a redução. Portanto, acrescenta-se à redução
fenomenológica o pré-requisito de uma epoché e de uma redução eidética, que aparentemente são
similares, mas destoam enquanto atitude e trajeto da ação.
Dessa maneira, a epoché consiste em uma abstinência conceitual diante do fenômeno, ou
seja, diz respeito a imparcialidade na percepção pela qual participará o sujeito frente ao fenômeno
exposto. A título de psicologia, consistiria em não transferir os conteúdos do terapeuta ao cliente,
como um mecanismo projetivo e subversivo da relação empática. Tal modo de agir é facilitador
para a redução fenomenológica, visto que, a epoché configura uma espécie de colocação de
parênteses nos objetos demonstrados como vistos e enxergados ao fundo, promovendo um novo
olhar, um reaprender a ver as coisas como são e não como parecem ser, natural e impostas pelo
mundo cultural, tradicional, consuetudinário. Um provérbio elucidativo para esse ponto de vista
da redução seria: “não julgar o livro pela capa” (Goto, 2008).
Enquanto, a parentetização é uma atitude fenomenológica que disponibiliza o ser ao encontro
e não julga o ser encontrado, desenvolvendo um processo de entendimento e transformação de
alguma apreensão fenomênica, a terceira etapa, vai trazer para discussão o teor das reflexões e do
campo dos pensamentos, que se mostra muitas vezes superficial, destituindo a integralidade da
relação intrapessoal dos sentidos e da razão.
A redução eidética, ou redução das ideias, quando exemplificada em uma situação
psicoterapêutica, consistiria em um momento pelo qual haveria a contenção das ideias sobre
algo e alguém por parte do terapeuta, que não utilizaria algumas das fontes cotidianas, como as
imagens preestabelecidas, os chavões culturais, a sexualidade, e as representatividades sociais,
como um auxílio para compreensão da pessoa que figura o cliente, mas se voltaria ao ato da retirada
consciente das concepções prévias e dos modelos de comportamento humano, imbricados nos
pensamentos de quem naquela função, detém a posição psicoterapêutica. Todas essas atitudes
fenomenológicas, facilitam a expressão da história e o desvelamento biográfico do cliente.
Husserl na sua obra já citada, guarda um parágrafo de título “Argumentos a favor e contra
a concepção aristotélica”, nele apresenta ideias que corroboram e que também criticam as
meditações de Aristóteles. No caso da redução eidética, intercala o pensado por Aristóteles acerca
dos valores e das sensações das vivências, sobre o avaliado, no caso, o fenômeno, com os juízos de
valor que não são desferidos, em prol da disponibilidade intersubjetiva (Husserl, 1992).
As expressões que se ligam às vivências explícitas não podem relacionar-se a essas ao modo
de nomes, ou de modo análogo aos nomes: como se as vivências fossem primeiramente
representadas objetalmente e, em seguida subsumidas a conceitos, como se, por conseguinte,
sempre que interviesse uma palavra nova, uma subsunção ou uma predicação devesse ter
lugar (Husserl, 1992, p. 160)
Diante do exposto, o entendimento dos termos e suas incidências, são de suma importância
para a articulação da fenomenologia Husserliana com o fazer psicoterapêutico, facilitando assim,
a compreensão do valor de seus escritos.
Todavia, embora Heidegger tenha tido algumas celeumas pessoais, sua teoria tende a
contribuir com a filosofia e a psicologia de cunho humanista, demonstrando através de sua
ontologia, que o Dasein, célula máter de discussão sobre o homem e seu lançar-se no mundo, é
devidamente desprovido inicialmente de escolhas e preferências. Bem, Heidegger desenvolve por
longo tempo sua ideia sobre o Dasein, alterando-a no intervalo de Ser e Tempo (1927) a cartas sobre
o humanismo (1946), neste último ele reflete o Dasein, como um sentido ético, de ethos (casa), uma
morada do Ser, acomodando tanto o mundo do ser, como do ente, da ontologia e do ôntico, do
ator e do sujeito-objeto, do pré-reflexivo e reflexivo, o ser-no-mundo e o ser-o-aí. Declarando em
resumo, a existência como ação de viver e curar-se, “...o homem suporta o Da-sein, assumindo na
“Cura” o lugar (Da), como a clareira do Ser” (Heidegger, 1995, p. 46).
Acentua-se para aproveitamento de diálogo, palavras como cura, e clareira, ambas muito
utilizadas por Heidegger e repaginadas em Rogers, como uma cura que propõe a retirada de uma
excelência de algo que habitava em mim e era desconhecido, e clareira, como essa chama, que
é uma apropriação de um acontecimento, e portanto, é uma possibilidade disposta a surgir,
sintonizando o meio ao indivíduo.
Nesse sentido, Cerbone (2014) avalia que o Dasein é um modo de ser que cuida, que faz
uma espécie de curadoria, pois em termos de amostra de uma dor, o Dasein, que é o próprio
ser humano, não apenas tem a capacidade de ressecar, e cicatrizar esse conflito emocional, mas
também, ao passo de uma contemplação própria, o Dasein pode escolher suas capacidades de
sustentação interna e colocá-las para fora, como uma munição de enfrentamento e lida para com
as adversidades.
Assim, apresenta a angústia como um esvaziamento do homem, que o coloca em posição
de busca incessante de sentido, que quando irrompe, logo declina e desaparece, aniquilando e
migrando essa angústia para a inauguração de um novo sentido. Caracterizando o homem, como
736 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
essa recorrente mudança de caminhos, um devir, mesmo sem perceber, onde há elaboração e
composição de algo não formado, que se organiza quando finda, semelhante ao conceito de
Gestalt (uma ação que surge e tem fim), por isso, a assertiva inscrição do homem como um vir-a-
ser-na-morte (Heidegger, 2005).
Por esse viés, avalia Fonseca (1998), vide compreensão heideggeriana, que a própria existência
em sua constância natural é cura. Quando referente ao trabalho psicológico, a habilidade de
tomar consciência dos fatos que atingem a existência em aflição, e após a compreensão, conseguir
retirar esse sofrimento com um sentido dado, esgotando a passagem dessa dor emocional pelo
cliente, diz respeito a cura fenomenológica, já que habilitar-se para enfrentar a dor, não recuando
ou resistindo, é intrínseco a capacidade de curar. Todavia, Heidegger expande a psicologia
fenomenológica existencial a um nível mais resiliente, junto com Nietzsche e outros autores,
afirmam a existência mesmo em sua finitude, incerteza, angústia e mal-estar (Fonseca, 1998).
Seria injustiça pretender colocar mais conteúdo na pesquisa, já que, esse espaço não seria
suficiente para expor Heidegger em sua prolixa e árdua teoria. O trazido acima é apenas um
retalho provocativo, incitando ao possível interesse de quem apresentar-se instigado. Mormente,
Heidegger diz muito e contribui de forma excessiva para as teorias humanistas da psicologia,
sendo sua teoria, de alcance múltiplo, já que atinge campos da psicanálise, linguística e semiótica.
Em Rogers
Uma maneira breve de descrever a mudança que se efetuou em mim seria dizer que nos
primeiros anos de minha carreira profissional eu me fazia a pergunta: Como posso tratar ou
curar, ou mudar essa pessoa? Agora eu enunciaria a questão desta maneira: Como posso
proporcionar uma relação que essa pessoa possa utilizar para seu próprio crescimento
pessoal? (Rogers, 2017, p.36).
738 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
sobre o valor de suas determinações institucionais e técnicas” (1998, p. 32). É possível observar
um compartilhamento de similaridade com a epoché, visualizada no começo do trabalho, como
esse despojamento intermitente de rotulações que me distanciam de quem sou e promovem uma
relação ‘limpa’, intrassubjetiva e intersubjetiva. À vista disso, se conclui que alguns aparatos de
Rogers, têm ligação explícita com a fenomenologia, mesmo que não admitida, dando ensejo a
improvisação acerca do deixado por esse autor, elucidando sua importância e difusão por entre as
perspectivas que indagam sobre o humano.
Conclusão
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740 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
INTERLOCUÇÕES ENTRE PSICOLOGIA,
ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE:
UMA REVISÃO DE LITERATURA
Carlos Eduardo Soares Reis
Introdução
A
religiosidade e a espiritualidade mantém íntima relação (Henning&Moré, 2009). A
primeira trata-se do modo como a pessoa vive determinada religião e se constitui
como campo instituído, com práticas delimitadas, compartilhadas entre sujeitos e
direcionadas a um ser superior. Freitas (2014, p. 91) esclarece que “o termo religião fica reservado
para se referir ao corpo social organizado em sistemas de crenças, valores e ritos religiosos ao qual
uma pessoa, no cultivo de sua religiosidade, pode ou não aderir formalmente”.
Quanto a espiritualidade, o termo mantém conexão com a inclinação humana em buscar e
atribuir sentido para a vida em seu aspecto mais amplo levando-se em conta o caráter singular de
tal atribuição. Essa “capacidade de reflexão sobre si e sobre a experiência de sentido no mundo
da vida e ao que lhe circunda”, conforme Freitas (2014, p. 91), é muitas vezes tida como sinônimo
de religiosidade devido a primeira poder manifestar-se pela segunda, mesmo que o contrário não
ocorra (Henning&Moré, 2009).
Isso significa que pessoas espiritualizadas não precisam professar uma religião para assim
serem caracterizadas. Entretanto, a religiosidade é considerada uma forma de expressão da
espiritualidade. Para Holanda (2015) não existe religiosidade ou espiritualidade pura e encerrada
em si mesma. O que há é um ser humano que a expressa fazendo dessas dimensões parte integrante
da subjetividade e, com isso, um fenômeno no qual a psicologia deve se debruçar.
Entretanto, vale ressaltar, que um paradoxo se instala. Apesar do contexto brasileiro ser
permeado por uma variedade de religiões e expressões da espiritualidade e esse tema ser bastante
presente na vida das pessoas, percebe-se pouca inserção desse assunto no ambiente universitário
(Costa et al., 2008), incluindo a psicologia. Então, como uma ciência onde um dos seus focos é a
busca do conhecimento sobre os processos de subjetivação relega, em maior ou menor grau, essa
dimensão humana? Dessa forma, objetiva-se evidenciar como a psicologia tem se aproximado das
dimensões religiosas e espirituais de acordo com as pesquisas levantadas dos últimos 3 anos.
Método
Trata-se de uma revisão sistemática de literatura que fez o levantamento de artigos científicos
que mantinham a relação entre Psicologia e religiosidade e/ou espiritualidade. Para isso, procedeu-
se uma busca nas bases de dados Scielo, Pepsic e Lilacs com os seguintes descritores: Psicologia AND
Religiosidade; Psicologia AND espiritualidade. Com o intervalo temporal entre 2015 a 2017 e com
os critérios de inclusão (Textos completos, artigos científicos no idioma português brasileiro) e
Resultados
742 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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predominantes foram o suporte social, a religiosidade, o encontro de algum benefício diante
da perda, permanência de vínculo com o falecido por meio diálogos, incorporação de valores,
cuidados com a sepultura, etc. A religião encontrava-se no discursos de todas as entrevistadas
sugerindoque a religião é promotora de sentido e que este sentido auxilia no processo de aceitação
da perda (Franqueira, Magalhães, &Féres-Carneiro, 2015).
Em outro contexto, Costa, Dimenstein e Leite (2015) entrevistaram 55 mulheres assentadas
e detectaram prevalência de 43% (22 mulheres) de Transtorno Mentais Comum (TMC) entre elas.
O estudo demonstrou que dessas 22 mulheres, cerca de 32% não procuram serviços de saúde
ea estratégia de cuidado que mais se destacou foi a prática religiosa seguida de medicação,
45.4% e 22.7% respectivamente. A religiosidade funciona como uma rede de apoio mútuo e uma
forma de preenchimento do tempo por meio de colaborações a instituição religiosa, bem como
o desenvolvimento de uma ética de caráter protetivo a saúde mental. Por outro lado, as autoras
alertaram que o efeito da religiosidade pode gerar um desmembramento da comunidade tendo
em vista as distinções dos credos (evangélica, católica, etc.) e que em alguns casos a religiosidade
acarreta mais submissões entre as mulheres do que empoderamento.
Por seu turno e com um resultado divergente dos até aqui apresentados, Cano e Moré (2016)
demonstram que a religiosidade pouco se fez presente nas estratégias de enfrentamento de médicos
oncologistas. As autoras sugerem que esse achado está relacionado a próprias características da
ciência médica como a objetividade, controle e previsibilidade, situação contrária aos aspectos
mais abstratos das crenças religiosas. Apesar disso, o estudo aponta que a espiritualidade, que
não está ligada a nenhuma crença instituída, se fez presente em alguns profissionais, propondo
que eles creem em algo que transcendem suas capacidades intelectuais.
744 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
e Ribeiro (2017) - bem como consideravam a religião algo nocivo ao humano. Os entrevistados
viam com dificuldades a relação entre postura pessoal e a prática profissional, insinuando como
inconciliáveis religião e ciência. Percebe-se, mais uma vez, a necessidade dessa temática ser incluída
de forma mais especifica na matriz curricular de Psicologia.
Com relação ao sentido trazido pela religiosidade, Livramento e Rosa (2016) investigaram
os significados das experiências religiosas de 11 homens em meio prisional. O trabalho demonstra
que a conexão com alguma religião proporciona um sentido para a vida, uma mudança de hábito
e um planejamento para o futuro. A conexão com práticas religiosas favorece uma “suavização” do
cotidiano vivido pelos presos que se mostrou deletéria (mortificação do eu) devido as condições
de vida no presídio, ao rigoroso regimento interno e aos códigos informais de condutas.
Ainda a respeito da vivência religiosa, Delmonte e Farias (2017) levantam uma interessante
questão acerca do estado de possessão. Os autores abordam esse fenômeno em paralelo com
o diagnóstico do DSM-V sobre Transtorno Dissociativo de Identidade e argumentam que é
necessário um maior emprenho de psicólogos brasileiros para compreensão desse estado e um
olhar mais crítico para os critérios diagnósticos do presente manual. O estudo de caso apresentado
demonstra que uma pessoa com todos os critérios preenchidos para tal diagnóstico passou por
um enorme sofrimento psíquico e exclusão social, mas em um contexto de aceitação, no caso a
umbanda, a mesma pessoa conseguiu manejar e ter controle sobre seu estado, relativizando desse
modo o processo do diagnóstico.
Reis, Farias e Quintana (2017) buscaram compreender os sentidos construídos durante
a vivencia do câncer avançado. Demonstra-se que pacientes com câncer avançado vivenciam
uma ruptura existencial permeado por um vazio de sentido. A representação social a respeito
do câncer tem contornos de uma doença sem cura, o que gera um sentimento de impotência no
paciente além de todo processo invasivo no qual este tem que passar. O lado religioso, segundo o
resultados da pesquisa, se fortalece nesses momentos. Os pacientes atribuem uma explicação ao
que está acontecendo e chances de cura à um ser superior. O vazio do sentido é preenchido por
narrativas que transcendem as explicações de cunho técnico cientifico. “A religião, portanto, está
intimamente ligada à possibilidade de sair de uma posição de total impotência para uma posição
em que algum controle é possível ou percebido” (p. 113). Entretanto, os autores demonstram um
outro lado da vivência religiosa, considerando que esta pode servir como um “escape paradoxal”
onde funciona ao mesmo tempo como suporte e negação.
Discussão
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
espiritualestiveramassociados a qualidade de vida de pacientes com câncer(Miranda et al., 2015)o
que é consoante a pesquisa de Reiset al. (2017) onde a vivência de pacientes com câncer permitiu
uma maior abertura para o lado religioso. A espiritualidade também se mostrou com associação
positiva em relação a adesão ao tratamento de insuficiência cardíaca (Alvarez et al., 2016).
Já em pessoas que não acreditavam em Deus ou não professavam nenhuma crença dessa
natureza, a espiritualidade é vista como problemas psicológico por está inclinada a uma conexão
com o mundo de forma menos concreta (Sá & Aquino, 2017). Nota-se como a atribuição de
significados da religiosidade e/ou espiritualidade na existência está diretamente relacionado ao
público estudado, porém a grande parte dos achados aponta para uma presença benéfica das
mesmas na vida das pessoas até em situações de cárcere (Livramento & Rosa, 2016).
No que concerne a psicoterapia é mister salientar como os estudos de Campos e Ribeiro
(2017) e Henning-Geronasso e Moré (2015) alertam para a importância dessas instancias, pois
“tanto a religiosidade quanto a espiritualidade estão presentes na vida das pessoas, inclusive
emergindo como parte de sua constituição psicológica e, portanto, fazendo parte dos contextos
dos atendimentos clínicos da Psicologia” (p. 712). Nesse contexto é imprescindível um maior
debate e preparo dos psicólogos para lidar com essas demandas, principalmente no Brasil, um
país de diversidade religiosa muito rica.
Observa-se uma necessidade de colocar esse assunto de forma mais evidente na formação
do psicólogo para que ele possa desenvolver um maior manejo e respeito a essa parte integrante
da subjetividade. Pode-se constatar que tais fenômenos estão presentes em situações de luto,
enfermidades, psicopatologias como a depressão, em diferentes contextos como assentamentos e
presídios e na própria psicoterapia. Todos estudos, de uma forma direta ou indireta, apontaram
a influência positiva dessa dimensão. Isso serve de alerta e meio para flexibilizar crenças que
consideram as práticas religiosas ou espirituais como nocivas ou estritamente patológicas, tão
bem asseverado no trabalho de Delmonte e Farias (2017) sobre o estado de possessão.
Diante do exposto, espera-se que esses dados propiciem uma reflexão sobre as fronteiras
que “separam” a psicologia, seja em sua teoria ou prática, desses âmbitos que acompanham o
ser humano há séculos. Independente da variedade e singularidade de cada sujeito, crendo ou
não, cabe ao profissional, estudante e professor de psicologia, respeitar e semear uma abertura
sobre esse assunto tão presente na psicoterapia, na saúde pública, no meio penitenciário, em
hospitais, etc. Reconhece-se que o presente estudo possui limitações por não ter abrangido
literatura estrangeira ou por ter restringindo a busca nas bases de dados conforme explicitado no
método desse trabalho. Todavia, é explícito a natureza significativa e influente da vivência religiosa
e espiritual na subjetividade das pessoas. Isso as torna não só dignas de consideração, como
também arcabouço necessário no curso formativo e, quiçá, eterno, do serpsicólogo.
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Introdução
N
este trabalho teórico objetiva-se trazer um pouco dos acontecimentos políticos
franceses conhecidos como “Maio de 68”, para a partir daí, numa atitude
metodológica que chamamos de fazer coincidir gênese conceitual com gênese
sócio-histórica, trazer a emergência do Anti-Édipo como livro candente das grande recusas.
Segundo Guattari, em uma entrevista conjunta com Deleuze: “Maio de 68, foi um abalo para
Gilles e para mim, bem como para tantos outros: na época não nos conhecíamos, mas mesmo
assim este livro, atualmente, é uma continuação de 68.” (Deleuze, 1992, p. 25). Há nessa atitude
ético-político-metodológica a necessidade de situar que certos conceitos criados respondem a
problemas concretamente colocados. Essa relação entre problemática contextual e produção
conceitual tem sido feita em artigos e comentários do Anti-Édipo principalmente em relação à
psicanálise. Consideramos, no entanto, que o “Maio de 68” tão citado nas entrevistas e escritos
dos autores, permanece por vezes para o público em geral como um nome enigmático. O exercício
historiográfico que se segue liga-se a um projeto maior de apontar pistas que nos façam situar
melhor a prática clínico-política da esquizoanálise, aqui neste texto, articulada aos efeitos do
Maio, sua nova concepção de desejo, política e revolução.
Desenvolvimento
De 1940, com a invasão alemã, a janeiro 1947, a França não teve presidente oficial. Estava
dividida até 1944 entre territórios ocupados pelos nazistas, a França de Vichy liderada pelo
Marechal Petáin – colaborador dos alemães – e a França livre, sem território, mas constituída em
Londres pelos franceses no exílio, dentre eles, Charles De Gaulle, seu fomentador. Após o fim da
Guerra iniciou-se a Quarta República francesa (Judt, 2011). Nesse período, a França direcionou-
se à modernização a partir da injeção de capital advindo do Plano Marshall, atingindo índices
de crescimento superiores a média européia. Suas fábricas importavam o que havia de mais
moderno em técnicas de gestão a partir de uma Psicossociologia emergente preocupada também
com o funcionamento otimizado das fábricas (Rodrigues, 1994). De certo modo, havia uma
crítica aos rumos da organização científica do tempo nas fábricas (Taylorismo) que transformava
o trabalhador em homem bovino. No entanto, as técnicas introduzidas da Psicossociologia,
com intenções mais humanas, continuavam a não se preocupar com a política e as lutas dos
750 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
trabalhadores. No panorama internacional, o período de 1945 a 1968 simbolizou o declínio do
império colonial francês. Após a retirada das tropas alemãs, os governos sucessivos tentaram
agrupar colonos e colonizadores numa mesma bandeira de união e reconstrução francesa. Essa
colonização disfarçada em união nacional é recusada em primeiro lugar pela Indochina. Seguem-
se guerras sucessivas por independência: guerra da Indochina com derrota francesa em 1954;
a insurreição Malgache em 1947; a intervenção no canal de Suez em 1956 e, principalmente, a
Guerra da Argélia que se estendeu de 1954 a 1962. Os governos franceses se esforçaram para
combater os processos de independência de suas colônias com práticas de repressão, muito
parecidas com aquelas utilizadas pelos invasores durante a Segunda Guerra. A esquerda tradicional
nesse momento tem seu nome manchado e seu apoio popular abalado ao apoiar tais guerras
imperialistas, o que favoreceu o aparecimento de uma nova esquerda na década de 50 (Matos,
1989).
A Quinta República inicia com uma nova constituição entrando em vigor em 1958, tendo
como seu primeiro presidente Charles De Gaulle que governou de 1958 a 1969 (Judt, 2011; Moraes,
2002). A França sessentista, anterior a Maio de 68, era um país em franca expansão capitalista.
A economia e a sociedade estavam estáveis. As prateleiras recebiam uma enxurrada de produtos
(Rodrigues, 1994). Nas vésperas do maio, o The Economist publicou uma notícia elogiando os
dez anos de governo gaullista destacando as maravilhas do capitalismo francês comparando
o nível de vida dos franceses com o de seus vizinhos britânicos (Woods, 2008). Como então
explicar uma revolta em um país tão próspero? Por isso o Maio foi uma surpresa. Porque para
compreendermos esse movimento das grandes recusas temos de ir além das condições materiais:
não era simplesmente por mais pão. É certo que como em qualquer sociedade capitalista, a
França sessentista, apesar de todas as idolatrias, tinha as desigualdades perenes desse modo de
produção: por exemplo, no subúrbio parisiense no caminho de Nanterre localizava-se a favela de
Bindonvilles onde viviam cerca de dez mil trabalhadores norte-africanos (Rodrigues, 1994). Após
o final da Segunda Guerra, a França deixou de ser um país campesino e tornou-se extremamente
urbano e fabril. O aumento do número de trabalhadores somou-se ao aumento das universidades
e da massa estudantil. No entanto, este aumento no número de trabalhadores e as mudanças
ocorridas na economia não foram acompanhados de transformações nas condições de trabalho.
Na França, o panorama geral à época de 68 era de baixos salários aliados a uma jornada laboral
alta e leve taxa de desemprego. Além disso, as relações entre funcionários e dirigentes dentro das
fábricas reproduziam certo autoritarismo presente nas relações sociais (Ali, 2008). Do lado das
organizações trabalhistas, como sindicatos e confederações, tais entidades eram muito próximas
do Partido Comunista Francês (PCF) e da Confederação Geral do Trabalho (CGT), sendo ambas
influenciadas por tendências stalinistas em seu interior. De fato, o que se viu ali, naquele momento,
na França, foi o “transbordamento da esquerda tradicional, legalista e ordeira, com sua política
de moderação . . .” (Matos, 1989, p. 27).
De acordo com Mattos (1989), a sociedade francesa de 1968 era muito marcada por uma
oposição entre a modernização técnica e econômica, fruto em parte do plano Marshall, mas com
poucos avanços nas formas de ordenação social e cultural. Os modelos familiares e educacionais,
os costumes, as relações de trabalho são ainda pautados em arcaísmos. Sua função primeira
parece ser a de dar continuidade a um tipo de sociedade do pré-Guerra do que propriamente
preparar as pessoas para as mudança advindas do capitalismo do pós-Guerra. Em parte, tal
conservadorismo era expresso, por exemplo, nas posições sociais ocupadas pelas mulheres, pelos
homossexuais e pelos negros. As mulheres eram inferiorizadas em muitos sentidos, como por
exemplo, não podiam expressar suas opiniões e ideias sem a anuência de seus maridos, bem
como abrir conta nos bancos (Piacentini, 2008; Rodrigues, 1994). A homossexualidade era vista
como desvio da norma e considerado doença pelos médicos e pelos manuais de diagnóstico. A
Não sendo possível situar com precisão o que desencadeou os acontecimento do Maio,
podemos elencar alguns fatos importantes. Tendo início na Universidade de Nanterre, a revolta
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estudantil tem seu primeiro momento no dia 22 de Março de 1968. Os estudantes ocuparam o
prédio da administração da Universidade para protestar contra a prisão de um estudante que
participava do comitê Vietnã, que se manifestava contra a guerra naquele país. Antes disso já
haviam acontecido outras pequenas revoltas: contestação pública dos professores, interrupção
de aulas, invasão do dormitório feminino pelos homens para protestar contra a separação por
sexos e etc.
De Nanterre, o movimento caminha para a Sorbonne em conseqüência de um início de
incêndio na sede da União dos Estudantes Franceses (UNEF). Para protestar, os alunos de ambas
as universidades decidem se encontrar. Porém, um grupo de direita tenta impedir o encontro. O
reitor, temendo o confronto, chama a polícia que prende vários estudantes e ocupa a Universidade.
Tal fato foi decisivo para incendiar os discentes. Como se sabe, a Universidade tem a tradição de ser
um lugar protegido em relação à polícia. Ato contínuo, manifestações irrompem: universitários,
colegiais, transeuntes e policiais se enfrentam violentamente incendiando coisas, destruindo carros
e toda sorte de confronto físico ocorre (Matos, 1989). O Quartier Latin, palco destes primeiro
embates, se torna um espaço central tendo um papel importante nas manifestações ulteriores.
No dia primeiro de Maio de 68, a CGT organiza junto aos operários uma manifestação
pelo Dia do Trabalho. Durante a passeata, ocorrem encontros fortuitos entre os estudantes e os
trabalhadores, cujas centrais sindicais fazem de tudo para separá-los. Os estudantes protestam
contra a ocupação (e posterior fechamento) da Sorbonne e pela libertação daqueles que foram
presos (Matos, 1989). Como nada disso havia ocorrido, as manifestações se intensificam
e mais pessoas se juntam aos estudantes. No dia 10 de Maio, 30 mil estudantes saem às ruas
para protestar e se dirigem a três alvos: a prisão de Santé, o serviço de Radiodifusão-Televisão e o
Ministério da Justiça. Ao passar pela prisão, vários presos se solidarizam com os manifestantes
gritando liberdade. Durante o trajeto, milhares de franceses se juntam ao cortejo. A polícia
intervém e fecha alguns dos trajetos pelos quais os manifestantes queriam passar. Encurralados,
decidem ocupar o Quartier Latin sem provocar confrontos com a polícia. No local, começam a
arrancar as pedras e paralelepípedos do calçamento para construir barricadas (Ali, 2008). Faz-se
mister destacar que os moradores se solidarizaram com a ocupação do bairro. Muitos ajudaram a
construir as barricadas, outros forneceram comida, água e panos para serem usados caso a polícia
invadisse o local e se utilizasse de gás lacrimogêneo, alguns subiram nos telhados das casas para
vigiar certos pontos e relatar aos ocupantes a movimentação das ruas. Às duas horas da manhã
a polícia invade o local e o confronto tem início com o uso de bombas de gás. Os manifestantes,
a princípio, não reagiram e permaneceram na defensiva. Após algum tempo, resolveram contra-
atacar usando os paralelepípedos e o que tivessem à mão. Depois de quatro horas de embate e
muitos feridos a polícia evacua o bairro. Na França inteira protestos se fazem ouvir e o apoio aos
estudantes aumenta vertiginosamente. “No dia seguinte, o governo francês aceitou as principais
exigências dos estudantes.” (Ali, 2008, p. 291). Com o fortalecimento do movimento, no dia 13 de
Maio todas as faculdades são ocupadas pelos estudantes e seu funcionamento interrompido. Esta
data marcou uma mudança drástica no movimento e constituiu-se como um verdadeiro “golpe”
para De Gaulle (Matos, 1989).
Neste dia, os sindicatos demonstram seu apoio aos estudantes e junto a eles organizam uma
manifestação e decretam uma greve geral de 24 horas. Pela primeira vez desde então trabalhadores
e estudantes caminham lado a lado nas ruas. Tal acontecimento reuniu um milhão de pessoas em
Paris. A partir daí, nos dias seguintes, greves espontâneas começam a ocorrer em toda França:
fábricas e Universidades são ocupadas, circuitos de provisões são organizados... Operários e
estudantes se sentem unidos sob as mesmas bandeiras – ainda que a CGT e o PCF continuassem a
querer separá-los ou tentar direcionar o movimento de acordo com seus interesses (Matos, 1989).
No dia 20 de Maio de 68 a França estremece e o movimento atinge o seu apogeu: 10 milhões de
A situação geral para o desfecho de maio de 68 foi a de acordos que arrefeceram o potencial
revolucionário do movimento em prol de um espírito reformador. Após o 20 de maio, os sindicatos
lançaram um bote salva-vidas para De Gaulle. As direções sindicais e patronais se reuniram no dia
25 maio no Ministério dos Assuntos Sociais situado a rua Grenelle, nome como ficou conhecido
o acordo que tentaram implementar. George Pompidou, ministro de assuntos sociais, presidiu
a tentativa de negociação. Após o acordo de cúpula que girava principalmente entre aumento
salarial e diminuição da jornada de trabalho são enviados às fábricas pelo PCF comunicados
para cessação imediata da greve geral. Contudo, a essa altura, o movimento revolucionário que
não se resumia a uma questão trabalhista, era uma máquina autônoma. Houve uma rejeição
vigorosa do acordo de Grenelle nas fábricas. Nesse momento acontecia a interdição de Daniel
Cohn-Bendit para retornar a França, o que gerou manifestações, retomada dos movimentos e
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criações de comitês operário-estudantis. Nessa ocasião surgiram as frases: “Nós somos todos
judeus-alemães” e “As fronteiras que se danem”. Novamente no dia 29 ocorreram enfrentamentos
com a polícia no Quartier Latin e a Sorbonne é transformada em enfermaria (Matos, 1989, p. 76).
No dia 30 de maio De Gaulle consulta o General Massu em Baden Baden sobre a disposição das
forças armadas para uma intervenção militar. O uso do exército seria crítico e provavelmente
provocaria uma crise ainda maior. O conteúdo da conversa nunca foi divulgado, mas o The Times
enviou jornalistas à Alemanha para entrevistar os soldados que afirmaram que nunca atirariam
contra os manifestantes, pois eram em sua maioria filhos dos trabalhadores cumprindo serviço
militar obrigatório (Woods, 2008).
A direção dada foi o retorno ao acordo político. Ainda no dia 30, De Gaulle dissolve a
Assembléia Nacional e convoca eleições gerais para o final de junho. A esquerda se direciona para
um acordo: terminar a greve e restabelecer a ordem para desempenhar as tentativas de mudanças a
partir do jogo eleitoral. Os estudantes protestam: “eleição-traição” (Matos, 1989, p.77). Grenelle
é retomado tomando como ponto de pauta aquilo que seria consenso, deixando os assuntos
polêmicos para depois. Dos 3,46 francos a hora almejados, os trabalhadores ficaram com 3; a
aposentadoria por idade fica para discussão posterior; na diminuição da jornada de trabalho,
propõe-se que haja diminuição em 2h das jornadas superiores a 48 e em 1h das compreendidas
entre 45 e 48h (Matos, 1989). Do dia 30 de maio ao final de junho as fábricas foram sendo
desocupadas paulatinamente e os movimentos arrefecendo, culminando nas eleições de 23 e 30
com votação maciça dos gaullistas. Paris é entregue novamente aos turistas (Rodrigues, 1994).
Conclusão
Após os eventos de Maio, para os quais tanto Deleuze quanto Guattari estavam atentos de
modos distintos, eles se encontram pela primeira vez em 1969, apresentados por um psiquiatra
de La Borde. Guattari trabalhava nesta renomada clínica e estava envolvido em pesquisas com
psicanálise, grupos e instituições. Deleuze ensaiava composições com o freudismo e a perversão,
embora falando do campo da filosofia de onde perpetrava a construção de uma crítica à dialética
e ao negativo em favor de um empirismo transcendental e de uma filosofia da diferença. Guattari
era para Deleuze, o criador de ideias que eram como desenhos ou diagramas (Deleuze, 2016b).
O conceito de máquina, desenvolvido por Guattari, por exemplo, foi de suma importância no
primeiro capítulo do Anti-Édipo, indicando para ambos uma saída não-estruturalista. O livro
ficou pronto em 31 de dezembro de 1971 (Dosse, 2010).
Havia um entendimento hegemônico de que o Maio fracassara. As fábricas foram
desocupadas, os trabalhadores voltaram ao trabalho, os estudantes às aulas. O aumento salarial
não foi conseguido por completo e jornada de trabalho foi diminuída de forma incompleta. O
poder não foi tomado. Não foi instalado um governo operário. E pior, nas eleições convocadas há
um retrocesso imenso quando a direita conservadora gaullista tem uma votação maciça. O pós-
maio torna-se “tempos da reconstrução erudita do fracasso” (Rodrigues, 1994, p. 386), como se
pode ver nas palavras de certo autor: “A classe trabalhadora . . . não pode ser ligada ou desligada
como uma lâmpada. Quando se mobiliza para mudar a sociedade, deve permanecer até o final
ou fracassa” (Woods, 2008). Ou ainda: “Como qualquer outro exército, a classe trabalhadora
necessita de uma direção. E isso era o que estava ausente em maio de 1968” (Woods, 2008).
Um terceiro exemplo: “Esperamos com impaciência o futuro . . . Estamos tentando preparar a
vanguarda, assim da próxima vez triunfaremos” (Woods, 2008). Falas como essas denotam que a
esquerda do porvir, reivindicativa, centralista e teleológica teve o seu fracasso.
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período, alguns grupos anarquistas retomam a obra deste autor para questionar a sexualidade
dominante e o poder centralizador de certas instituições. Além de ser um dos poucos grupos que
defendem a ideia de uma autogestão por parte dos operários, de acordo com Matos (1989, p.
38), os anarquistas também “. . . são, em 68, os únicos militantes políticos a pregar uma liberdade
sexual total e divulgam a obra de Wilhelm Reich”. Coincidência ou não, fora este encontro com o
ex-psicanalista e ex-membro do partido comunista alemão que contribuiu para poder se pensar
o desejo em sua dimensão produtora, isto é, inseparável dos meios de produção social. Em
outras palavras, há uma coextensividade do campo social e do desejo na produção de sujeito e de
mundo. Ao mesmo tempo, eles introduzem o desejo no marxismo e a produção na psicanálise.
O capitalismo é um sistema que captura a produção desejante e a incita em certa direção. Logo,
a tarefa dos autores é, além de indicar a inseparabilidade entre desejo e produção, é também
fazer uma análise de como o desejo, criativo, produtivo, pode ser levado a desejar sua servidão e
a trabalhar em favor do capital. Em 68, a questão importante que tal mutação no campo social e
do desejo colocava era: como conjugar, na mesma luta, política, sexualidade e revolução?
Ali estava em jogo a criação de um novo modo de se fazer política ao incluir a dimensão
desejante. A articulação das lutas e reivindicações que se processavam no Maio de 68 favorecia
um debate onde as práticas clínicas e as práticas políticas emergissem juntas na proposição de
novas formas de subjetividade. Surgem assim as noções de Molar e Molecular no Anti-Édipo e
mais tarde, na esteira destas, as noções de macro e micropolítica. É importante destacar que
tanto o molar quanto o molecular, a macro e a micropolítica, são distintos, porém inseparáveis
(como faces opostas da mesma moeda). Um atua no outro, por modos de funcionamento que
lhes são próprios e modificam-se todo o tempo. Não se trata, portanto, de privilegiar um em
detrimento do outro, mas, sim, ver como cada um funciona, em cada momento e como podemos
nos aliar a um e outro em seu processo de produção social.
A dimensão macro ou molar é caracaterizada por um centro organizador, um eixo central,
que dá as diretrizes de como as coisas devem se comportar. Há todo um projeto, um programa,
composto de uma sequência ordenada de operações que visam a determinado fim. Na face
macropolítica não vemos singularidades, apenas unidades, não vemos multiplicidades, apenas
totalizações (Rolnik, 2011). Há recortes, segmentações por todos os lados, devendo os sujeitos se
encaixarem em um ou em outro, só podendo transitar entre aqueles que guardam alguma relação
de semelhança ou que possuam uma lógica causal linear entre si. A questão principal para entender
o funcionamento do regime molar é que ele cria figuras que parecem muito bem delimitadas,
ou seja, formas estáveis ou “formações estatísticas” (Deleuze & Guattari 2010), aparentemente
sem rachaduras ou porosidade. Sou isto e não aquilo. As formações molares distinguem seus
conjuntos, procedendo por identificações e excluindo as diferenças, constituindo assim unidades
homogêneas.
Já sua contraface, a micropolítica, pertencendo à dimensão molecular, funciona de outro
modo. Ela não lida com formas estáveis, mas, sim, com processos. O tempo não mais se mede
por sua segmentação cronológica, ele se relativiza. As multiplicidades não formam um todo,
elas são variáveis. Seus elementos estão sempre se remanejando, se recompondo, criando outras
conexões entre si, as interações que acontecem não são lineares, podendo se dar de forma
cruzada, transversal, paradoxal (Deleuze & Guattari, 2010). Sou isto e aquilo. Aqui não há mais
unidades, apenas intensidades, singularidades. Também não há mais centro organizador ou
ponto de origem, nada mais é, definitivamente, coisa alguma. Diferentes matérias de expressão
podem se combinar, numa espécie de bricolagem. O molecular só conhece fluxos, parcialidades,
ele desconhece a forma das pessoas individualizadas, inteiriças (Deleuze & Guattari, 2010). Já não
temos mais figuras bem delimitadas, mas, sim, aquilo de que elas são compostas: forças, fluxos,
peças e engrenagens, toda uma junção de elementos que se entrecruzam, de forma dispersa,
Referências
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Deleuze, G. (2016a). Maio de 68 não teve lugar. Em: Deleuze, G. Dois regimes de loucos: textos e
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Deleuze, G. (2016b). Carta a Uno. Em: Deleuze, G. Dois regimes de loucos: textos e entrevistas (pp.
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Deleuze, G., & Guattari, F. (2010). O Anti-Édipo. São Paulo: Editora 34;
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maio-de-68-frances.shtml;
758 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Rodrigues, H.B.C. (1994). As subjetividades em revolta; institucionalismo francês e novas análises
(Dissertação de mestrado). Instituto de Medicina Social, Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, RJ, Brasil;
Introdução
O
surgimento da população em situação de rua é um dos sintomas mais visíveis
da exclusão social do nosso país. Cresce cada vez mais o número de pessoas que
utilizam as ruas como moradia devido a vários fatorescomo: desemprego, doença
mental, pobreza extrema, rompimento de vínculos afetivos, conflitos familiares, uso de drogas,
entre outros. De acordo com a Política Nacional para Inclusão social da população em situação
de rua:
A população em situação de rua pode ser definida como um grupo populacional heterogêneo
que tem em comum a pobreza, vínculos familiares quebrados ou interrompidos, vivência de
um processo de desfiliação social pela ausência de trabalho assalariado e das proteções
derivadas ou dependentes dessa forma de trabalho, sem moradia convencional regular e
tendo a rua como o espaço de moradia e sustento.(Ministério do Desenvolvimento Social
[MDS], 2008, p. 09).
760 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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liberdade que parece longe de nossas expectativas, pois quando pensamos em liberdade a Rua
vai na contramão deste pensamento, onde se pode está a qualquer momento sujeito a violência,
chuva, fome, entre outros, mas esta liberdade é relatada, com outro sentido, no que tange em
não ter “algemas”, no seu sentido figurado, apontado como os pais, estes que representam a
figura das regras, dos limites, e quando se está na Rua, não há, de certa forma, este controle.
Andrade, Costa e Marquetti (2014,p.1254), corroboram com esta reflexão, onde apontam que
“as pessoas vão para as ruas por diversos fatores, mas todos apontam para uma fragilidade em
sua rede social, com seus suportes e cobranças. A rua pode não oferecer suporte, mas diminui as
cobranças e oferece maior liberdade, ainda que relativa”.
Aproximar-se do mundo desses indivíduos leva tempo. É preciso conquistar primeiro
a confiança deles. Com simplicidade e carinho aos poucos fomos tendo acesso ao mundo
desconhecido de quem tem a rua como moradia. Eles querem ser escutados. A construção da
autonomia começa em dar voz às pessoas em situação de rua. Escutar o que elas dizem nos fornecem
informações importantes para compreendermos seus desejos, sonhos e comportamentose assim
elaboração de políticas públicas realmente eficientes.
Depois de algumas visitas ao dispositivo decidimos fazer uma intervenção junto aos usuários
para conhecer melhor o que a maioria sentia ao ouvir falar da palavra “casa”. Ter uma casa como
residência nem sempre é o bastante na vida de uma pessoa, como também, o sentido de casa
parte da subjetividade de cada um, podendo ser a casa algo que está para além de um sentido
físico. Daí a importância de escutar a história de vida dessas pessoas, a fim de captar os vários
sentidos que a palavra casa tem para cada uma delas.
Nesse sentido,essapesquisa teve como objetivo compreender o sentido que a palavra
“casa” evoca no imaginário das pessoas em situação de rua. Deste modo, o sentido de “Casa”
transcende o espaço físico e evoca um estado de bem-estar bem mais amplo. Muitos se encontram
dilacerados pelo sentimento de angústia causada pela situação de desamparo, precisando elaborar
cotidianamente novos sentidos para suas vidas fragilizadas. Portanto, escutar a história de vida
dos usuários do Centro POP de Sobral, torna-se relevante, para a abertura de novos horizontes de
compreensão do que significa uma casa para quem foi levado a morar na rua e a chama de “casa”.
Método
Os sons preenchem cada minuto do dia e as pessoas vivem imersas num mundo de vibrações
sonoras, cujos apelos produzem nelas, efeitos diferenciados dos outros estímulos sensoriais.
Isso se deve ao fato de que a música “fala ao mesmo tempo ao horizonte da sociedade e ao
vértice subjetivo de cada um, sem se deixar reduzir às outras linguagens”. (Wisnick, 1989,
p.12).
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principal, Otávio das Chagas, era parecida com a deles, de estar sendo expulso da sua casa, esta
que era a moradia em algum lugar na rua, já nos afirmando que para eles a Rua, era significado
de “casa”.
Interessante analisar, que cada um atrelava um sentido para suas moradias na Rua,
carregando em suas falas todo um peso de histórias de vida, marcadas muitas vezes, pela rejeição,
a fuga, a busca pela liberdade, fazendo com que pensássemos sobre, pois é inquietante saber
que a rua é procurada para alcançar estas vontades, logo, podemos associar também, com a
pobreza, pois, talvez, se essas pessoas, tivessem condições, a busca pela liberdade, em sair da
casa da avó que prende, como relatado por uma usuária, o meio utilizado poderia ser a moradia
num apartamento, quem sabe. Falar de escolhas, para quem não tem condições financeiras, é
algo muito limitado, por isto não tratamos esta moradia na Rua, como uma “escolha”, mas algo
que foi recorrido de mais fácil alcance, e que a partir do momento que passaram a morar na rua
tiveram que elaborar um sentido para esta, sendo simbolizado a Rua, como a “casa’.
Por meio dos relatos, objetivamos que a casa, que eles se referem a moradia na rua, carrega
um sentido subjetivo, sendo esta casa, a família, com quem se apoiam diante as dificuldades
enfrentadas, e os sentimentos que esta proporciona, como o carinho, o amor, e até mesmo o
sossego, tendo uma esposa que esteja presente mesmo em meio a todo enfrentamento. Já, para
outros, simboliza a liberdade, em saber que não vai ter mais uma esposa que reclame da ingestão
de álcool, ou uma avó que priva de sair pela noite, a aventura de estar procurando sempre novos
lugares para ficar, e com isto conhecer novas regiões. Estas palavras foram relatadas pelos usuários
durante a construção da “Cartolina Expressiva”, e logo observamos que falar sobre “casa” para
estas pessoas é despir-se de a prioris e escutá-los, para assim compreender que “casa” é construção,
ressignificação e além de tudo é subjetiva, pois nenhuma das histórias relatadas eram as mesmas,
mas todas carregavam um sentido e tinham suas importâncias.
Considerações Finais
Referências
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potência, sofrimento e estratégias de vida entre moradores de rua na cidade de Santos, no litoral do
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Wisnik, J. M. (1989). O som e o Sentido: uma outra história das músicas. São Paulo: Companhia das
Letras.
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ESTUDO DE CASO EM UM ABRIGO DE IDOSOS SOB
O OLHAR DA ANÁLISE INSTITUCIONAL
Hilana Sousa Ferreira
Ana Karine Sousa Cavalcante
Maria de Nazaré Eufrásio Alves
Introdução
O
crescimento da população de idosos é um fenômeno mundial que ocorre num
nível sem precedentes. As projeções indicam que, em 2050, a população idosa será
de 1.900 milhões de pessoas (IBGE, 2010). Segundo os dados de envelhecimento
no Brasil fornecidos pelo Ministério dos Direitos Humanos, em 2050 pela primeira vez haverá
mais idosos do que crianças menores de 15 anos, alcançando dois bilhões de pessoas ou 22% da
população global (Ministério da Saúde [MS], 2009).
“É importante compreender que o envelhecimento da população tem ocorrido num período
de mudanças sociais aceleradas, cujas circunstâncias transformam, muitas vezes, a vida do idoso
em sofrimento e privação” (Whitaker, 2010, p. 184). Se, a pouco tempo atrás era comum se
exaltar o Brasil como um país de pessoas jovens, agora precisamos lançar um olhar mais atento
para o crescimento acelerado das pessoas idosas do nosso país. Whitaker (2010) revela ainda
que o estabelecimento dos direitos sociais dessa crescente categoria exige mudanças profundas
nas atitudes da população, face ao seu envelhecimento. Com o crescimento demográfico da
população idosa, surge a necessidade de se implementar políticas públicas e instrumentos legais
em vista de oferecer aos idosos os cuidados necessários.
O cuidado para com idosos, muitas vezes está atrelado às Instituições que se proponham a
oferecer esta atenção, como no caso dos abrigos, conhecidos também como, Instituições de longa
permanência para idosos (ILPI), no qual sua origem está ligada aos asilos, inicialmente dirigidos
à população carente que necessitava de abrigo, frutos da caridade cristã diante da ausência de
políticas públicas (Camarano &Kanso, 2010; Oliveira & Tavares, 2014).
A despeito de Instituição, Lourau (1993, p. 11) relata que “não é uma coisa observável,
mas uma dinâmica contraditória construindo-se na (e em) história, ou tempo”. O cenário atual,
portanto, torna crescente a demanda pelo cuidado com a saúde de idosos, sobretudo aqueles
que vivem em regime de abrigo provisório e/ou permanente e também os que estão em situação
de abandono e/ou com vínculos familiares frágeis ou desconhecidos (Oliveira &Rozendo, 2014).
O interesse em voltar-se para os conceitos da Análise Institucional deu-se pelo fato que
esta é uma maneira singular de entender o que são as relações instituídas, bem como a forma de
trabalhá-las ou agir sobre elas como psicólogo. Sua proposta busca estabelecer um método de
compreensão das relações que os indivíduos e os grupos mantêm com as instituições (Guirado,
1987;Lourau, 1993).
Levando em consideração o apontamento acima, buscou-se trazer a Análise Institucional
como lupa, para o estudo dentro de uma Instituição que cuida de pessoas idosas, propondo analisar
Método
Resultados e Discussão
Em meio aos estudos em sala de aula a despeito da Análise Institucional, debateu-se sobre os
conceitos dos autores que tiveram grande influência nesta área (René Lourau, Georges Lapassade,
Guilon Albuquerque e José Bleger), assim pode-se entrar no campo da análise, com um olhar
voltado ao tema.Foi analisada a instituição como um todo, quanto a sua organização, levando
em consideração desde os seus aspectos históricos, a inserção da psicologia na Instituição, e a
relação dos conceitos da Análise Institucional.
A referida instituição foi fundada na década de 50 no seio da Igreja Católica tendo como vista
a demanda e compromisso ético e político voltado por uma sociedade mais justa. Está situada
em uma casa cedida pela Diocese tendo ao lado uma Igreja Católica tradicional na cidade. Até o
momento, esta instituição se mantém com apoio de doações e trabalhos voluntários.
Foi analisado o Organograma, que tem na parte superior da pirâmide, a Diocese, seguidos
pela Direção, Coordenação, Secretaria, Assistente Social, Enfermeiros, Técnicos de enfermagem,
Cuidadores, Cozinheiras, Merendeiras e Agentes de limpeza, sendo alguns desses funcionários
contratados a partir de Seleção por RH de Instituição parceira, como é o caso da Santa Casa de
Misericórdia de Sobral, como também de Seleção por parte da própria Instituição. Sendo estas
766 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
seleções baseadas na análise de currículo, prova e entrevista, propondo observar o melhor perfil
para o trabalho com os idosos. Percebe-se, assim, que há um quadro bem amplo de funcionários,
e de acordo com a análise no local, como também, a fala da entrevistada, a Instituição busca
promover um melhor atendimento para os idosos, tendo eles, atividades diárias, já desenvolvidas
no início do ano para compor o calendário, como é o caso de visitas a alguns lugares na cidade,
a arterapia, confraternizações, de acordo com as datas comemorativas, com o intuito de não
deixá-los ociosos. Além do quadro de funcionários, o Abrigo conta com o apoio da Universidade
Federal do Ceará – UFC, que proporciona momentos de lazer, como o contato dos acadêmicos
de música.
Para Lourau (1993) as Instituições abrigam relações de poder, visto que as implicações
ideológicas e políticas estão sempre presentes. O apontamento do autor corrobora com a análise
feita a despeito da Diocese, sendo esta, a figura da relação de poder no abrigo. A perspectiva da
Igreja Católica está presente em todas as decisões e orientações do corpo diretivo desta instituição.
Observou-se que a instituição não conta em seu quadro funcional com um psicólogo, apenas
conta com o apoio de uma residente em saúde mental que visita a instituição duas vezes ao mês,
sem ter, portanto, um vínculo com o grupo. A residente que se encontra atualmente no Abrigo,
além de ter um contato breve com a Instituição, não se propõe a utilizar dos seus conhecimentos da
Terapia Cognitiva Comportamental- TCC, para com a equipe, limitando-se assim de desenvolver
um trabalho mais voltado ao público dos idosos, que carecem de uma atenção psicológica.
Percebeu-se na fala da profissional entrevistada, Assistente Social, uma posição de Instituinte,
pois a mesma se propõe a realizar atividades mais direcionadas às limitações dos usuários da
instituição e questiona atuações cristalizadas propostas por profissionais sem nenhuma análise
crítica do contexto (Lapassade, 1987). Já no que tange asrelações de poder, observa-se a Diocese,
estando no topo da pirâmide, administrando toda a Instituição numa posição mais distante,
sendo a direção, comandada por esta, mas estando num contato próximo com a realidade
enfrentada no abrigo.
Em decorrência da postura de Instituinte, análise feita para com a entrevistada, Assistente
Social, Lapassade (1989) vem afirmar que o Instituinte é algo ou alguém que questiona a própria
Instituição e promove mudanças. Se fazendo então, de extrema importância para a transformação
do ambiente.
Considerações Finais
Foi possível identificar que seria interessante um trabalho com o fortalecimento desses
idosos, no que diz respeito ao enfrentamento desta fase que é a velhice, atrelada ao abandono,
também, não menos importante, um trabalho com os cuidadores, que enfrentam diariamente o
sofrimento dessas pessoas.
Os idosos desta instituição passam por um sofrimento psíquico diante a rejeição, por vezes,
do seio familiar, bem como a ociosidade de estar naquele ambiente, limitados de uma maior
liberdade, e das próprias condições físicas e mentais que se apresentam nesta etapa da vida,
que é a velhice. Diante disso, constatou-se que é necessário a inserção de um profissional da
Psicologia, não apenas para acompanhamento do sofrimento psíquico, mas também para uma
atuação institucional como forma de proporcionar autonomia deste grupo no qual se percebe
um acolhimento da instituição voltado tão somente para o assistencialismo. Analisando os
conceitos de Bleger (1984, p. 56)“a psicologia deve estar para além dos consultórios, não se
dedicar apenas a terapia individual e promover saúde e bem estar”, reafirmando então, com este
posicionamento, a importância do Psicólogo nesses ambientes, onde o sofrimento está presente,
e carece da promoção de saúde e exercício da autonomia e liberdade de expressão.
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67(2).doi: 10.5935/0034-7167.20140032.
768 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PRINCESAS DISNEY: UMA ANÁLISE DA EVOLUÇÃO
SOBRE A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO
Lídia Maria de Medeiros da Silva
Introdução
A
The Walt Disney Company é uma companhia multinacional, pioneira na indústria
de animação dispondo de várias empresas subsidiárias como: Walt Disney Pictures,
Walt Disney Animation Studios, Pixar Animation Studios, Lucasfilm, Marvel
Entertainment, entre outras. Essa multinacional é responsável pelo lançamento de vários filmes
por ano, no entanto a empresa é reconhecida pelos filmes de princesas que produzem destinados
ao público infantil, mais que acabam agradando diversos públicos de todas as idades.
Santos e Barbosa (2016, p. 83) dizem que a Disney, como é mais conhecida, faz com que as
pessoas que assistem suas produções associem seu nome a magia, fantasia e sonho, no presente,
consideram a Disney um império, devido aos seus parques temáticos, desenhos animados, redes
de televisão, produção de cinema entre outras ramificações.
Através da franquia “Disney princesas” a empresa Disney lançou em 2017 a campanha
sou Princesa sou real. Buscando empoderar as meninas, através da identificação delas com as
personagens femininas dos contos de fadas, usando como base os atos heroicos que estas realizam
durante seus filmes, suas atitudes mediante os conflitos e o desfecho da historia que apresenta
sempre um final feliz.
No site oficial (http://disneyjunior.disney.com.br/princesas, recuperado em 12 de Dezembro,
2017) a campanha possui frases de efeito como: “Sou Princesa sou real” ou “Sonhe alto, sempre
tem uma princesa que mostra que é possível.” Foram criados vídeos que mostram meninas
brincando ou realizando esportes; praticando skate, arco e flecha, canoagem, escalada, dentre
outros. Observa-se que a campanha motiva as meninas a realizarem atividades nas quais pareçam
desafiadoras e grandiosas para elas.
O gosto da pessoa pelo personagem é fruto do processo de identificação que ocorre
quando a pessoa admira/deseja uma qualidade ou atitude que o personagem tem, ou quando o
personagem enfrenta situações que são semelhantes ao que ele (espectador) passa em de sua vida.
O primeiro filme lançado pela Disney sobre princesas foi: Branca de Neve e os Sete Anões
(1937), em seguida, Cinderela (1950) e A Bela Adormecida (1959). Os outros filmes pertencentes
à linha oficial “Disney princesas” são: A Pequena Sereia (1989), A Bela e a Fera (1991), Aladdin
(1992), Pocahontas (1995), Mulan (1998), A Princesa e o Sapo (2009), Enrolados (2010),
Valente (2012), Frozen (2013) e Moana: Um Mar de Aventuras (2016). Os enredos dos filmes são
geralmente releituras de historias consideradas clássicas ou inspiradas em contos já existentes.
A franquia conta atualmente com 14 princesas, onde cada uma se diferencia da outra,
algumas são dotadas de uma personalidade passiva enquanto outras são mais ativas. Dentro
desse mundo de princesas, elas foram divididas em três categorias; clássicas, rebeldes e
contemporâneas.
Desenvolvimento
770 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Ariel é uma sereia que deseja conhecer o mundo da superfície na busca pelo que almeja
desobedece a seu pai, e consegue pernas para ir até a superfície onde tem um romance com um
príncipe e posteriormente se casam. Bela é taxada em sua aldeia como esquisita, pois tem o habito
da leitura, sonha com um mundo diferente, com novas possibilidades para ela e não se interessa
pelo melhor partido da aldeia, Gaston. Bela se apaixona por um príncipe amaldiçoado que esta
em forma de um monstro, ela é a primeira princesa a salvar o seu príncipe, não com um beijo
como se vê nas outras produções mais através do sentimento que surge entre eles durante sua
convivência.
Jasmine representa os países Árabes, por lei ela deve se casar, mas não se agrada de nenhum
dos pretendentes apresentados por seu pai embora todos sejam bastante ricos, ela desobedece
ao pai e consegue fugir do palácio andando pelas ruas de Agrabah para conhecer seus súditos e
acaba se apaixonando por um jovem que pratica pequenos furtos, com quem tem seu final feliz.
Pocahontas é uma jovem índia norte-americana, corajosa e que discorda da ideia de se casar com
Kocoum para obter estabilidade, mesmo ele sendo um dos melhores guerreiros de sua tribo, sua
curiosidade a faz conhecer o inglês John Smith por quem se apaixona.
Mulan representa as mulheres chinesas, numa cultura onde as tradições devem ser seguidas
para honrar sua família, ela não realiza com destreza os afazeres que competem a uma “perfeita
esposa” sendo considerada uma desonra para sua família. Vendo seu pai doente e recebendo a
convocação para servir ao exercito imperial, ela decide se disfarçar de homem e entra no exercito
no lugar do pai (arriscando sua própria vida), para isso corta o longo cabelo e rouba a armadura
do pai, fugindo no meio da noite. Mulan faz o treinamento e luta em combate, suas atitudes
resultam no salvamento da China, e em um romance com o general Chang.
Essas princesas não esperam salvamento, Ariel toma o controle de sua vida, Bela e Pocahontas
salvam seus pares, Jasmine consegue flexibilidade na lei que determinava seu casamento podendo
ela escolher seu cônjuge, enquanto Mulan quebram as regras e finda salvando a China. “Desta
forma, as princesas rebeldes não mais sonham com o príncipe encantado e vivem à espera do amor
verdadeiro para serem felizes. Elas vivem as próprias vidas e, como parte da vida, se apaixonam e
vivem um grande amor”. (Lopes, 2015, p.45)
A categoria de princesas contemporâneas é constituída por: Tiana, Rapunzel, Mérida, Anna,
Elza e Moana. Elas são exemplos de mulheres nos dias atuais, mais independentes e no controle
de suas vidas, essa nova fase iniciou em 2009 e perdura ate o presente ano.
Tiana inicia essa fase, seu sonho é montar um restaurante e para isso trabalha em dois
turnos como garçonete, esse sonho acaba influenciando-a a ajudar o príncipe Naveen que esta
em forma de sapo por causa de um feitiço, a voltar a ser humano. Juntos vivem uma aventura
e descobrem o amor, sem conseguirem se transformar em humanos, Tiana faz uma escolha de
desistir de seu restaurante e casar-se com o Naveen, porém após o casamento ambos tornam-se
humanos novamente e Tiana realiza seu sonho de montar seu próprio negócio.
Rapunzel é sequestrada ainda bebê e criada em uma torre de forma isolada, tendo contato
apenas com sua sequestradora, ela conhece Flynn Rider, um ladrão que invade sua torre para fugir
da perseguição em decorrência de um furto que cometeu. Rapunzel sonha em ir a cidade ver as
luzes flutuantes e decide ir com Flynn Rider por quem se aproxima e apaixona-se. Nessa jornada
ela enfrenta muitas situações perigosas usando como defesa seu enorme cabelo e descobre que
ela é uma princesa.
Mérida não segue as regras da realeza, ela gosta de cavalgar, e devido ao seu gosto pouco
tradicional tem intensos conflitos com sua mãe que tenta fazer dela uma princesa perfeita. Em um
momento do filme três pretendentes disputam pelo direito de se cassarem com ela, ousada, ela
decide participar da competição e ganha, revelando toda sua destreza com arco e flecha.
Anna e Elza são irmãs e tem comportamentos opostos enquanto, Elza é a primogênita e a
próxima na linha de sucessão, devido aos seus poderes mágicos ela vive isolada em seu quarto, o
Considerações finais
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Observa-se que a primeira personagem dessa fase é negra, representando uma boa parte
da população, porém ela ainda possui os cabelos bem lisos, determinada ela luta para realizar
um sonho de ter o seu próprio negocio no ramo da culinária, para tanto, exerce uma função
remunerada, sendo a primeira princesa á trabalhar, mostrando-nos uma representação mais
atual do comportamento feminino. Em decorrência das situações que acontecem em sua vida, ela
encontra o amor romântico assim como Rapunzel segundo filme dessa fase, esta adaptação do
conto para o cinema trás uma personagem ingênua como as princesas clássicas, para alguns pode
ser considerada um retrocesso, porem a personagem é curiosa e ousa se arriscar para fora de sua
zona de conforto, se pensado o contexto de isolamento em que ela foi criada é natural que ela não
possua uma personalidade tão marcante como outras de sua fase.
Valente, no entanto mostra uma mulher de atitude, cuja não aceitação dos valores femininos
que lhes são impostos causam conflitos diretos com a mãe. O filme retrata até em determinado
momento uma cena onde Mérida é disputada pelos pretendentes, num entanto o filme retrata
o conflito direto de mãe e filha pela imposição de valores tradicionais, e foca no amor familiar
entre as personagens, sendo o primeiro filme no qual uma princesa acaba sem um envolvimento
romântico.
O filme Frozen trás um diferencial é o primeiro filme que possuem em seu enredo duas
princesas protagonistas, as personagens se diferenciam por possuírem comportamentos opostos,
Anna a filha caçula é romântica e encontra no filme dois personagens por quem se interessa
amorosamente, enquanto Elza a primogênita que foi coroada rainha, preocupa-se em controlar
seus poderes mágicos, a forma de amor expressa é a fraternal, apesar da relação conturbada
que as irmãs possuíam a preocupação que ambas tinham uma com a outra foi o que salvou
Anna de ser congelada por um incidente com os poderes de sua irmã, ficando o amor romântico
em segundo plano, sendo algumas vezes desdenhado pelas indagações e expressões de surpresa
quando Anna conta que conheceu um príncipe e que na mesma noite eles resolveram se casar.
Porem mais do que uma historia que fale de amor, Frozen relata a exclusão ao que é diferente,
Elza possuía habilidades magicas e por isso cresceu isolada e com medo de ferir alguem, no fim
ela assume o trono e todos do reino aprendem a conviver com a diferença que ela porta, enquanto
Anna parece decidir ter um relacionamento com Khristoff antes de decidir se casarem.
Moana quebrou regras, a historia trás uma personagem negra, de cabelos volumosos e
cacheados, determinada à futura líder de sua aldeia é escolhida pelo oceano para devolver o
coração da deusa Te Fite e restaurar o equilíbrio, já que o planeta parece passar por um desastre
ambiental devido a deusa ter o poder da criação. Moana não tem um relacionamento amoroso,
nem um pretendente é apresentado durante o filme e ela não sofre pressão para casar-se, é possível
notar que uma das questões que é retratada é o controle que o pai, chefe da tribo tenta exercer em
relação à filha no que diz respeito à sucessão e a vontade que a adolescente possui em navegar.
Tenaz ela navega sozinha em rumo ao desconhecido, e embarca em uma grande aventura pelo
oceano, na qual encontra um semideus com quem aprende a arte da navegação e juntos eles
completam a missão dada a Moana, no fim ela volta para sua ilha e decidem voltar a navegar
como seus antepassados, ensinando seu povo o que aprendeu com Maui o semideus.
Ao longo da história as mulheres têm sido representadas como frágeis e submissas, passivas
de acontecimentos, para que um filme seja tido como sucesso ele precisa alcançar um alto índice
de bilheteria, esse resultado só é possível se as pessoas se identificarem com os personagens que
lhes são apresentados, desse fato provem o início da Disney com princesas como: Branca de
Neve, Cinderela e Aurora. Princesas extremamente boas e submissas, que sonham com o príncipe
encantado e finalizam com o seu felizes para sempre.
A evolução dos padrões femininos é evidente e torna-se perceptível pelas modificações que as
animações estão apresentando-se. A franquia Disney princesas está mostrando isso, atualmente
774 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
vez que constata-se que cada princesa tem sua forma de agir e que a cada filme lançado pela
empresa a partir da fase rebelde sofreu modificações de forma a procurar trazer os personagens
para o mais próximo do público, diversificando os grupos e países aos quais as protagonistas
representam, as formas como agem, atitudes, pensamentos e adaptando-os a tramas mais atuais,
explorando outras formas de amor além do amor romântico e a modificação do final feliz no qual
a princesa termina com o príncipe encantado, para um final que elas não precisam encontrar o
amor romântico, e que podem acabar sozinhas seguindo suas vidas de acordo com o que desejam.
O que acaba sendo positivo para a sociedade, pois as meninas antes submissas e dentro
dos padrões ditados por uma sociedade onde as oprimia e tentava fazer com que seguissem uma
norma, atualmente assistem e inspiram-se em personagens que tomam iniciativas e não desistem
de seus objetivos apesar dos obstáculos que aparecem as mesma como empecilho, as princesas
mais modernas mostram que não deixaram de ser femininas por serem corajosas, independentes
e estarem sem par. Mostrando como o feminino pode ser reconhecido não só na princesa
maquiada, loira e a procura do seu grande amor mas também naquela princesa parda de cabelos
cacheados que luta para cumprir uma missão na qual foi designada e que acaba sozinha mas
realizada em seus objetivos, esses fatos acabam refletindoa realidade, na qual existem mulheres
que pensam e agem diferente mas nem por isso significa que alguma delas esteja agindo errado,
apenas transparece que atualmente as mulheres dispõem de um maior número de escolhas que
lhes permite decidir sobre sua vida.
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776 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ATENDIMENTO PSICOLÓGICO VIRTUAL:
UMA ANÁLISE FENOMENOLÓGICA
Anderson de Oliveira Brasil
Jean Marlos Pinheiro Borba
Introdução
A
s interfaces da psicologia e informática não se resumem a comunicação entre
pessoas. Dentre tantas formas de uso, a internet é utilizada em práticas psicológicas,
principalmente quanto ao atendimento clínico virtual, também denominado
como terapia virtual ou e-terapia18. E-terapia um termo genérico que abrange uma ampla gama
de terapias psicológicas e comportamentais entregue com a assistência de tecnologia digital,
muitas vezes é usado de forma intercambiável com terapia computadorizada ou terapia entre
computadores (Stasiak & Merry, 2013, p. 02).
Lee (2010) aponta que nos Estados Unidos há preocupação apropriada para o atendimento
psicológico virtual, que consiste na adequação do problema do cliente ao que poderá resolver.
Logo, para Lee (2010), demandas psicológicas que dificultem a precisão da avaliação ou que
não seja possível assegurar um retorno confiável para os clientes, talvez não se encaixem nessa
modalidade de atendimento psicológico. A autora argumenta ainda, que em particular, transtorno
alimentar ou psicose grave não seria bem dentro dessa modalidade devido à dificuldade em
garantir a segurança ou a precisão da avaliação sem pistas visuais e a proximidade física do cliente.
Em razão de o atendimento psicológico virtual ser um procedimento bastante utilizado na
sociedade americana, as associações responsáveis pelas diretrizes e código de condutas estão em
constante análise para garantir a seguridade da prestação de serviço. Contudo, há um déficit
na prestação de serviço, na qual muitos profissionais não seguem as diretrizes da Associação de
Aconselhamento Americano. (Shaw & Shaw, 2006 como citado por Lee, 2010, p. 04), mostram
que menos da metade dos sites de aconselhamentos nos Estados Unidos, seguiram as normas
éticas, o que pode proporcionar, segundo esses autores, sérios danos tanto ao terapeuta quanto
ao cliente, bem como contribuir para má reputação do modelo.
O primeiro contato que tivemos com o tema foram os trabalhos realizados pelo Núcleo
de Pesquisas de Psicologia em Informática (NPPI), da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), e também os trabalhos de Farah (2009); Nicolaci-da-Costa (2006); Nicolaci-
da-Costa & Leitão, (2000); & Siegmund e Lisboa (2015). Além do NPPI da PUC/SP, houve ainda
alguns eventos sobre o tema, como aponta o trabalho de Nicolaci-da-Costa e Leitão (2000), que
demonstram importantes fatos históricos do desenvolvimento dos computadores e da internet nos
Estados Unidos e no Brasil, alertando a importância de países europeus também. Trazem ainda,
alguns acontecimentos sobre o tema como no I Seminário de Psicologia e Informática em 1998,
organizado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP).
18 Nesta pesquisa iremos utilizar o termo: Atendimento psicológico virtual.
Nesta resolução o CFP deixa claro que os atendimentos devem ser informativos, focados
no tema e que não contrariem o Código de Ética do Psicólogo. Esses vinte encontros que trata o
inciso I, segundo Farah (2009), não se trata de psicoterapia online, ela por sua vez, continua sob
restrições, sendo permitida a sua realização virtual apenas em caráter de pesquisa. Com base
nessa ideia o atendimento psicológico virtual se difere da psicoterapia online, Fortim, Antônio
e Consetino (2007), declaram que esta trata de uma psicoterapia em um modelo presencial
transposto para a internet, porém, essa prática é proibida pela resolução acima citada, cabendo
somente em forma de pesquisa aprovada em comitê de ética e de acordo com a (Resolução n.
196, 96) do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Fortim et al (2007, p.167), informam que existem diversos modelos de atendimento psicológico
virtual “via lista de discussões ou fóruns, via sites ou homepages, chats e mais recentes orientações via
voz e web câmeras”. Outro fator importante para diferenciar o serviço de atendimento psicológico
virtual da psicoterapia online é o número limitado na troca de mensagens. Então, vemos pertinente
o posicionamento do CFP em normatizar o uso de comunicação à distância para os serviços de
psicologia de forma ética, técnica e cautelosa. A resolução aponta que é possível um serviço de
orientação psicológica desde que focado no tema e com o limite máximo de 20 encontros.
O objetivo geral deste trabalho é investigar como se configura atualmente o atendimento
psicológico no meio virtual com o uso de ferramentas de comunicação à distância. Para tanto,
alguns objetivos específicos foram traçados: apresentar trabalhos que fazem interfaces da Psicologia
e Informática; compreender riscos e benefícios desse tipo de trabalho psicológico; investigar em
alguns sites como isso está sendo apresentado; conhecer como a Psicologia Fenomenológica pode
atuar nessa área.
Método
778 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
bibliografias de trabalhos que fazem interface da Psicologia com informática e da fenomenologia;
(2) O procedimento de coleta de dados no site do Conselho Federal de Psicologia (CFP) (https://
cadastrosite.cfp.org.br/cadastro/-siteAprovado.cfm, recuperado em 26 de julho, de 2016)19, onde
constam todos os sites aprovados para exercer a atividade de atendimento psicológico virtual, com
seus respectivos endereços eletrônicos. Acessar cada endereço através da internet e buscar tais
informações: Conselho Regional de Psicologia (CRP) ao qual o responsável pelo site é vinculado;
serviços oferecidos; público alvo; tipos de ferramentas de comunicação à distância; formas de
pagamentos e valores. Assim, nesta etapa, os dados foram coletados diretamente nos sites, um
total de 163 com validação do ano de 2015 ao ano de 2017; e (3) Analisar esses dados levantados
na etapa (2), e correlacionar com as literaturas levantadas na etapa (1), em dois quesitos:
(3.1) inferir sobre os riscos e benefícios; (3.2) mostrar como o terapeuta pautado no modelo
fenomenológico pode trabalhar com tal fenômeno.
Resultados
Discussão
Para fazer as análises dos dados obtidos nas visitas aos sites com o referencial teórico, devemo-
nos a indagações em consonância com nossos objetivos específicos: riscos e benefícios; mostrar
como o terapeuta pautado no modelo fenomenológico pode trabalhar com tal fenômeno. Fortim
et al (2007), que elaboraram um estudo sobre este tipo de fenômeno, o trabalho dos autores faz
um levantamento do crescente número de emails recebidos pelo Núcleo de Pesquisa em Psicologia
e Informática da PUC-SP, com o levantamento de dados e evidências referentes aos motivos pelos
quais pessoas utilizam esse serviço. Considerando que ainda não estão claras as formas de lidar
com as demandas no atendimento psicológico virtual, além de serem escassos os trabalhos sobre
o tema.
Quanto ao levantamento de dados em relação aos atendimentos oferecidos pelo NPPI
entre os anos de 2003-2004, Fortim et al (2007), destacam as principais queixas ou exigências
apresentadas pelos usuários que usam o serviço de orientação por email, “Relatos de baixa
autoestima, descontentamento quanto à qualidade de vida, tristeza excessiva, insatisfação com a
própria vida e descrição de sintomas.” (Fortim et al, 2007. p. 170).
São citados ainda, problemas envolvendo luto, uso de drogas, conflitos familiares diversos,
reclamações de vícios ou usos abusivos da internet. O que condiz com os dados obtidos, pois vimos
que há um site específico para trabalho com luto, outro com orientação familiar.
É notória a diversidade das queixas e que não há como se traçar um perfil exclusivo que
conduziria as pessoas a buscarem o atendimento psicológico virtual. Assim, isso nos leva ao
segundo ponto de análise dos resultados com relação à fundamentação teórica, os riscos e
benefícios ao modelo, como citados nos resultados que podem facilitar tal busca, são de grande
quantitativo de sites em quase todos os Estados do Brasil, facilitando a localização geográfica,
facilidade de pagamento/cartão de crédito, serviços oferecidos sendo os mais variados.
Em conformidade com os dados levantados por Fortim et al (2007), outro trabalho de
Siegmund e Lisboa (2015), tratam a relação terapeuta/cliente, tendo como foco investigar a
percepção de profissionais sobre sua atuação em orientação psicológica online, e suas relações
estabelecidas com os clientes. Participaram da pesquisa quatro profissionais que tinham sites
regulamentados pelo CFP.
Os resultados nos permitiram verificar riscos e benefícios dessa prática, investigando como
se dá o vínculo entre terapeuta e cliente, partindo das dificuldades e facilidades apontadas pelos
participantes e os motivos pelos quais as pessoas buscam esse tipo de atendimento. Para participar
deste estudo os participantes deveriam atender de forma online síncrona. Quanto ao que conduz
as pessoas a buscarem este tipo de atendimento, segundo (Siegmund & Lisboa, 2015, p. 174),
trata-se dos “conteúdos relativos à orientação sexual e afetiva, conflitos familiares, conflitos
interpessoais, transtornos de humor e transtornos alimentares”, além de busca por orientação
profissional condizentes com nossos dados levantados.
O estudo de Siegmund e Lisboa (2015) registra como benefícios a questão do anonimato, ou
seja, um possível benefício dessa modalidade de atendimento psicológico que diminuiria a inibição
e aumentaria a espontaneidade e ausência de possíveis sentimentos preconceituosos. Outro ponto
780 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
positivo é a facilidade do serviço, o atendimento propicia facilidade espacial e temporal, atender
pessoas que estão viajando ou que não conhecem profissionais na sua região. Aqui trazemos para
análise os sites que tem como foco pessoas que estão vivendo no exterior, como apresentado nos
resultados. Sobre pontos de riscos, (Siegmund & Lisboa, 2015. p. 175), enfatizam a característica
inerente ao computador como mediador dessa relação, “o caráter impessoal/superficial que
algumas vezes o atendimento assume a dificuldade de expressar emoções, a impossibilidade de
avaliar o indivíduo deforma mais completa, por consequência da falta da interação corporal”.
Quanto o estabelecimento de vínculo no estudo de Siegmund e Lisboa (2015), as respostas
dos participantes foram variadas. Nessa questão, notamos por parte dos participantes falas
contraditórias, uns apontam que é semelhante à forma tradicional de orientação, que seria um
benefício, outros que o vínculo terapêutico é comprometido pela falta de interação corporal,
que seria um limite do modelo. Em contrapartida, os autores, sinalizam como possíveis riscos
e cuidados que dificultam a consolidação do vínculo, tais como a desconfiança dos serviços
oferecidos de forma online e o medo de possíveis hackers ou vírus poderem acessar informações
confidenciais.
Em relação à empatia, pode ser dificultado à transmissão de sentimentos e de disponibilidade.
Com isso os autores (Siegmund & Lisboa, 2015. p. 177), consideram “muito importante expressar
a empatia com uma linguagem e escrita precisa e objetiva, clara, concreta, a fim de fazer com que o
paciente entenda o que o profissional está querendo passar”. Observamos que os riscos e benefícios
se entrelaçam e é complicado pensá-los separadamente. Toda forma de acompanhamento
psicológico tem suas vantagens e desafios atrelados ao seu uso, e o atendimento psicológico
virtual não fica de fora.
Outro ponto que trazemos para análise dos dados é como a fenomenologia pode nos
ajudar a pensar tais discussões, como o terapeuta pautado no modelo fenomenológico pode
trabalhar com tal fenômeno. Percebemos muitas ambiguidades quanto aos riscos e benefícios. A
fenomenologia apresenta uma nova atitude ou postura que o terapeuta deve ter, embora se tenha
toda uma bagagem teórica de como proceder em um atendimento, seja tradicional ou virtual,
deve haver um afastamento, suspendendo os conceitos prévios sobre o fenômeno, a isso segundo
Guimarães (2003, p. 5), “O esforço da reflexão se dirige à colocação do mundo entre parênteses,
ou seja, suspendemos, provisoriamente, a nossa crença ingênua na vigência do mundo”.
Há de se pensar como a percepção de um fenômeno chega à consciência intencional livre de
pressupostos, no modelo de atendimento psicológico virtual. Entretanto, Ales Bello (2012, p.47),
aponta que a “pureza quer dizer captar a percepção e dizer o que ela é sempre, não somente num
caso específico, mas em todos os casos, dizer o que, em geral, a percepção é: dizer qual é o sentido
do ato perceptivo.” A pureza do fenômeno é o sentido que ele traz para a consciência livre de
pressupostos. O que concorda com o apontamento do próprio Husserl (2012):
Conclusão
Vemos que a difusão da internet trouxe uma nova forma de pensar a comunicação, e o mundo
a partir do computador e da internet alterando sobremaneira a intersubjetividade. Observamos
ainda, que a Psicologia através do CFP não ficou inerte frente a essa revolução, sabendo se
posicionar de forma adequada, obedecendo aos princípios técnicos e éticos – e porque não
cautelosos?–, que demandam uma nova área ou ramificação de uma ciência.
Os trabalhos teóricos ainda são escassos, não foi verificada a menção da atual resolução
(Resolução n. 11, 2012) nas bibliografias consultadas. Mais discussões podem avançar quanto
ao uso de sites e softwares, entretanto, muito ainda deve ser discutido quanto às questões técnicas
e éticas. Sobretudo, quanto à questão de possíveis usos irresponsáveis, além de se diferenciar o
modelo que aqui chamamos de atendimento psicológico virtual de psicoterapia online. Pois, a
psicoterapia online ainda é vetada pelo CFP e deve ser praticada somente em forma experimental
de pesquisa aprovada em comitê de ética, como vimos.
Outro ponto observado foi que nas bibliografias levantadas não foi verificado estudos que
abordam a questão das ferramentas usadas, nas quais foi visto nessa pesquisa que as principais são
o Skype e o e-mail. Este trabalho, reconhece que nenhuma ferramenta é mais ou menos apropriada,
ou que gere mais ou menos recursos ou ainda, que seja mais segura. Entretanto, o estudo de
uma ferramenta padronizada fomentada pelas instituições de supervisão da profissão, entre
elas o Conselho Federal de Psicologia, poderia dar mais respaldo técnico científico ao modelo
de atendimento psicológico virtual, pois, nesse campo nada é 100% seguro, por isso deve haver
782 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
sempre busca de melhores ferramentas para as demandas. Por ser uma área nova, questões de
riscos devem ser pensadas, assim como as potencialidades, como num entrelaçar em conjunto,
tanto do aporte teórico como de ferramentas utilizadas na comunicação à distância.
Por oportuno, observamos ainda, o quantitativo de sites fora do ar, isso sugere algumas
reflexões, por exemplo, a demanda custo-benefício, se na equipe há um técnico de informática
responsável pela manutenção e funcionamento? Outro ponto é a não informação do CRP ao qual
o responsável é vinculado, o que fere a norma da resolução em seu artigo 2º inciso I (Resolução
n. 11, 2012, p. 02), “Especificar o nome e o número do registro da(o) psicóloga(o) Responsável
Técnica(o) pelo atendimento oferecido, bem como de todos os psicólogos que forem prestar
serviço por meio do site”.
É possível uma atitude pautada na Psicologia Fenomenológica para atuar nesse campo, já
que este trabalho propôs apontar que embora haja um horizonte naturalizado das pessoas que
usam os meios de comunicação, o papel do terapeuta é se afastar desses conhecimentos e buscar
essência para uma consciência dotada de sentido. Além de possibilitar que a pessoa saia dessa
atitude natural e passe a uma atitude transcendente.
Por fim, vale destacar que o trabalho do psicólogo no meio virtual é uma realidade que merece
ser conhecida e investigada com elaboração de mais estudos, sobretudo empíricos e com os usuários
desse modelo de atendimento. Não foi de forma alguma proposta desse trabalho propor substituição
do modelo face-a-face pelo atendimento psicológico virtual, mas que este veio para auxiliar.
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784 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
MÉTODO CARTOGRÁFICO COM METEORANGO KID:
UM MAPA CINEMATOGRÁFICO E DOS PROCESSOS DE
SUBJETIVAÇÃO
Rafael Mendonça Dias
Introdução
“M
eteorango Kid, o herói intergalático” é um filme brasileiro de 1969 realizado em
Salvador, Bahia. Foi produzido no auge da censura e da repressão política
brasileira, logo após o AI-5. Esse filme do jovem diretor André Luiz Oliveira,
então com 21 anos, mapeia as experiências da juventude do desbunde que curtia adoidado e operava
uma política de resistência diante do terror de Estado vivido no país e do conservadorismo familiar
reinante. Depois de mais de quatro décadas da produção do seu primeiro longa-metragem,
queremos pesquisar as produções de subjetividades que atravessavam as estratégias de criação
estética do cinema marginal ou minoritário de André Luiz e as questões políticas que ele encarna.
As questões das drogas, da loucura e da contracultura serão ressaltados nesse mapa estético e
político. Vamos acompanhar os principais personagens de Meteorango Kid, os que participaram da
sua produção (Novos Baianos, Rogério Duarte, Waly Salomão) e os que foram citados naquela
obra cinematográfica (Caetano Veloso, Gilberto Gil). Nesta obra cinematográfica podemos ver as
peripécias de Lula “Bom Cabelo”20, um jovem da classe média baiana que sonha em fazer cinema.
O personagem mostra a angústia e o caráter destrutivo próprios do terrorismo de Estado vivido
na ditadura civil-militar brasileira pós-68. As “viagens” de Lula são apresentadas pelo realizador
com um estilo que vai da paródia à melancolia, sem fazer concessões para o “bom gosto” do
espectador. Atitude radical típica da estética underground que leva a obra até uma zona limite e
cobra do espectador uma postura radical diante do que é mostrado na tela. Essa experiência
estética, que está atravessada pela realidade política da época, mais do que o lema hippie de “paz e
amor” pode ser expressa pela fala do Bandido da Luz Vermelha, personagem de Rogério Sganzerla,
que diz: “Sozinho é ridículo, a gente não pode fazer nada. Meu negócio era o poder. Quando a
gente não pode fazer nada, a gente avacalha, avacalha e se esculhamba.”. Em Meteorango Kid no final
do filme uma voz em off diz: “[...] é só uma questão de desordem, e a gente não entende mais
nada.”. Ou então, como aparece numa cartela no fim do mesmo filme sobre o rosto de Lula:
“Procurado vivo ou morto” e logo após em sentido afirmativo: “Curti adoidado”.
Método
Resultados
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estratégias foram criadas para narrar a experiência da curtição e da institucionalização da loucura,
tendo o cinema de André Luiz de Oliveira e a estética marginal como intercessores. A partir dessas
questões vamos pensar sobre a linguagem audiovisual e a criação de ferramentas baseadas no
método cartográfico para discutir a entrevista, o dispositivo e uma política da narratividade.
Construiremos essas ferramentas estéticas e conceituais para ter acesso à experiência narrada
em Meteorango Kid. A loucura emerge como modo intenso de experimentar que não pode ser
codificado e interpretado por lógicas dominantes. A intensidade da loucura e das drogas
atravessa a experiência vivida por André Oliveira e por toda sua geração no contexto da censura e
cerceamento existencial operado pela ditadura civil-militar.
Na pesquisa de doutorado encontramos no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro nos
arquivos da polícia política um programa cultural da Alliance Française onde se pode ver a exibição
do filme Meteorango Kid ao lado de uma palestra de Michel Foucault em 1976.21 A polícia política
investigava naquele momento a atuação subversiva dos espaços culturais cariocas. O programa
que unia Meteorango e Michel Foucault chamou a atenção da repressão política. Nesse momento
de disseminação de novas práticas de controle e institucionalização, o filme Meteorango Kid
apresenta um mapa onde aparecem as propostas políticas, estéticas e éticas da juventude na
década de 60/70. A partir da pesquisa conseguimos com André Luiz ter acesso ao roteiro original
do filme, documentos da censura, matérias de jornal e material de divulgação do filme entre
1969-70 que reforçam os processos de subjetivação e resistência.
Assim, a curtição ou a experiência do desbunde irrompem como uma produção desejante da
juventude e possibilita traçar uma cartografia das vanguardas estéticas da década de 60/70 e dos
efeitos que elas produziram quase 50 anos depois. O cinema de André Luiz Oliveira (Meteorango Kid
e Louco por Cinema) e sua relação com a Tropicália empreende um vetor transdisciplinar na fronteira
entre estética, política, subjetividade e história.
Discussão
21 Encontramos no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro nos arquivos da polícia política um programa
cultural da Alliance de France onde se pode ver a exibição do filme Meteorango Kid ao lado de uma palestra de
Michel Foucault em 1976. A polícia política investigava naquele momento a atuação subversiva dos espaços
culturais cariocas. O programa chamou a atenção da repressão política.
22 Consideramos aqui o termo minorias no sentido proposto por Deleuze e Guattari ao analisar os novos movimentos
sociais que surgem na década de 1960/70 e a nova proposta de relacionar ação política e uma analítica do desejo.
Brasil. (2014). Comissão Nacional da Verdade. Relatório da Comissão Nacional da Verdade; v. 1. p.976–
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788 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
LIBERDADE RELIGIOSA X LIBERDADE SEXUAL:
TENSÕES ENTRE AS IGREJAS TRADICIONAIS E OS
LGBTS NO BRASIL
Silvanildo Pereira Noronha
Silvia Patrícia da Silva
João Pedro Sousa Lima
Ana Kelma Cunha Gallas
Introdução
A
complexa relação entre Estado, direitos sexuais e religião deixa entrever o emaranhado
de questões sociais, políticas e culturais relacionadas à discussão de direitos das
pessoas com sexualidades minoritárias, e que são comumente identificadas por
meio da sigla LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais). Ora beneficiados com políticas
específicas que lhes são favoráveis, ora vítimas de severa oposição por parte de segmentos do
Estado, os LGBTs são “são percebidos através das inter-relações de seus atores, pertencentes a
universos sociais e culturais que estão longe de serem homogêneos” (Birman, 2016).
Embora não seja um dos 72 países que criminalizam a divergência com a heterossexualidade,
e estar situado entre os países que garantem certa proteção e reconhecimento aos direitos dos
LGBTs, as estatísticas sobre violência contra essa população só crescem no Brasil. Há 38 anos
coletando estatísticas sobre este fenômeno no país, o Grupo Gay da Bahia (GGB)23 revelou um
aumento de 30% nos homicídios de LGBTs em 2017, em relação ao ano anterior, passando de 343
para 445. De acordo com o levantamento, o Brasil é um dos países que mais cometem crimes
motivados pela aversão ou intolerância às identidades divergentes da heterossexualidade. De
acordo com o relatório de mortes de LGBTs no Brasil, a violência é maior no Nordeste (123,36%),
tradicionalmente mais vinculado à lógica patriarcal, em detrimento das outras regiões brasileiras:
109,33%, na região Sudeste; 45,14%, no centro Oeste; 26,%, na região Norte, e, 22,7% na região
Sul. Nesse sentido, o relatório aponta que os homens são as maiores vítimas da LGBTfobia
(segundo o relatório, dos 326 assassinatos, 297 vitimas foram gays e transexuais), possivelmente,
uma reação ao deslocamento da posição do macho viril, para uma posição considerada inferior,
a da feminilidade passiva.
A investigação dos fatores que influenciam na escalada da violência LGBTfóbica é
fundamental para entender o complexo painel de condições históricas, sociais e culturais que
determinam a concessão e interdição de direitos, sobretudo, das chamadas minorias sexuais.
Um dos mecanismos evocados para a garantia de direitos iguais é a laicidade do Estado, e
23 O Grupo Gay da Bahia é a mais antiga associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais no Brasil.
Fundado em 1980, registrou-se como sociedade civil sem fins lucrativos em 1983, sendo declarado de utilidade
pública municipal em 1987. É membro da ILGA, LLEGO, e da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis
(ABGLT). Disponível em:<http://www.ggb.org.br/ggb.html>. Acesso em: 19. Ago.2017.
Resultados
Neste trabalho, a problematização desse dilema diz respeito às noções mais caras às
sociedades liberais - a busca da equidade de direitos entre todos, contemplando, neste rol, as
diversas identidades autoafirmadas (gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis), que,
condenadas do ponto de vista das religiões cristãs tradicionais, ainda se constituem em um
desafio para os direitos humanos e para o Estado laico. A própria Carta Magna (1988), ao tempo
em que defende os “valores supremos da sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, [...]
com a solução pacífica das controvérsias”, também se coloca “sob a proteção de Deus”(Brasil,
1998, p. 7).Assim, embora não se possa considerar um “Estado laico”, como um “Estado ateu”; a
sua função é garantir, sobretudo, a pluralidade de crenças e de manifestação das mesmas, já que
“a abordagem religiosa na política deve acontecer de maneira em que não haja espaço majoritário
a uma religião ou a um grupo religioso em relação a outros – e sem que as religiões interfiram no
que é competência estatal” (Franco apud Delcolli, 2017).
Assim, apesar de as tensões no campo social, nas últimas décadas, no Brasil, diversos
direitos negados às pessoas LGBTs foram concedidos pelo Estado, reforçando a sua posição de
neutralidade em relação ao campo da identidade sexual e de gênero, a exemplo do reconhecimento
da união estável entre pessoas do mesmo sexo; a adoção do nome social por pessoas transexuais;
ou, ainda, a possibilidade adotar ou formar famílias. Por outro lado, à medida que tais direitos
foram concedidos, observou-se o recrudescimento dos discursos de ódio e de exclusão destas
minorias, e a ampliação do quadro das violências LGBTfóbicas no país.
Ainda, tem se mostrado um fato comum às tantas sociedades de que se tem registro, da
antiguidade à contemporaneidade, independentemente de suas formas de organização,
a existência da categoria de sexo [biológico], geralmente dicotomizada entre homem e
mulher, fenômeno que, genericamente, se denominaria sexuação sociocultural. Em muitos
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casos, a princípio, o primeiro sendo entendido como possuidor de pênis, e a segunda sendo
entendida como possuidora de vagina. (Sartori, Mantovani, 2016, p.184)
Apoiando-se no argumento da “ordem natural”, a perspectiva essencialista estrutura as
questões sobre o corpo, sexo, gênero e desejo a partir do biológico: o corpo, tido como “natural”,
determina o gênero.A perspectiva essencialista também assegura a tensão permanente entre o
conceito de normalidade e anormalidade, construído a partir do modelo heterossexual, em que
“tudo que se encontra fora dos estereótipos acaba por ser rotulado de ‘anormal’, que não se
encaixa nos padrões, uma visão engessadora e excessivamente limitadora” (Dias, 2009).
Em um país que mantém forte vínculo com a moralidade cristã, as posições do ethos religioso
– fundamentalmente essencialista - repercutem diretamente no concreto da realidade social,
determinando, por exemplo, a validade de certos desejos e afetos, e estabelecendo condenações
aos que extrapolam o modelo da heterossexualidade, considerado o único natural e normal.
Na perspectiva essencialista, a ideação sobre a relação sexo-gênero se dá a partir de categorias
classificatórias binárias, que estabelecem entre si um jogo de oposições excludentes: macho/
fêmea, masculino/feminino, homem/mulher, que repercute, profundamente, na forma como as
sociedades humanas têm se organizado ao longo dos séculos.
Os conceitos sobre o que é considerado normal e anormal no campo da sexualidade e do
gênero implicam no concreto da realidade. Em 2015, por meio de uma discussão controversa
sobre o conceito de “família”, aprovou-se a proposta do Estatuto da Família (PL 6583/13), que
considerava “a entidade familiar formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por
meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
filhos”, conforme o texto defendido por políticos ligados à Bancada Evangélica, no Senado,
restringiu a organização familiar aos vínculos biológicos bastante estreitos, constituindo-se em
uma resposta às conquistas recentes dos LGBTs no campo dos direitos. Em 2011, por exemplo,
a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reconhecer a união estável de casais do mesmo
sexo, abriu precedentes para legitimar outros tipos de família, inclusive, a família formada por
LGBTs. Em decorrência dessa decisão do STF, e por Resolução do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), em 2013, proibiu-se que os cartórios se recusassem a celebrar casamentos civis entre
pessoas do mesmo sexo.
Discussão
Para Simões e Facchini (2009), as tensões giram em torno da compreensão do que seja o
natural, implicando, sobretudo, no (...) preceito segundo o qual a família só pode ser formada
pela união legal de indivíduos de sexos diferentes, assim como o que impõe como ideal para uma
criança viver numa família composta por um pai e uma mãe (Simões & Facchini, 2009, p. 11).
Assim, para autores como Duarte (2013), respostas hostis às demandas que visam a igualdade
de direitos entre grupos majoritários e minoritários indicariam uma “considerável defasagem das
condições ideológicas da população em relação ao projeto modernizante” (DUARTE, 2013, p.8).
Mas, para Gouveia e Camino (2009), a rejeição aos LGBTs não está ligada apenas a uma ameaça
objetiva dessas pessoas aos grupos mais conservadores:
Podemos dizer que os conflitos materiais, embora importantes fundamentos dos conflitos
identitários e simbólicos, não são suficientes para justificar a homofobia. Esta rejeição pode
estar relacionada à heterofobia – entendida como o medo de parecer diferente da maioria -
diante do questionamento subjetivo dos valores que sustentam e afirmam a identidade social
do sujeito, tais como virilidade e heterossexismo. (Gouveia, 2007; Doise, 1991; Ibáñez, 1991).
A não adesão a certos valores sociais pode colocar a categoria homossexual em uma posição
social dissidente perante o que se entende como masculinidade. Em muitos casos, a homofobia
pode ser interpretada como uma afirmação de virilidade que se manifesta através da rejeição
aos modos de ser vistos como impróprios para o gênero masculino, justificando a visão do
homoerotismo como um ato de subversão diante do que se entende como “ordem natural das
coisas”. Não é por acaso que a absoluta maioria dos casos de violência homofóbica tem como
alvo os homossexuais masculinos. (Gouveia & Camino, 2009, p.50).
792 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Isso só se tornou possível devido ao impacto dos seguidores dessas religiões no campo
político:
Conclusão
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794 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
LEI Nº 13.104: DISCUTINDO SOBRE O FEMINICÍDIO
NO TOCANTE DO MOVIMENTO FEMINISTA
Alessandra Leite
Alany Fortaleza de Sousa
Ramila Oliveira Ferreira
Ana Kelma Cunha Gallas
Introdução
A
organização mundial de saúde define violência como o uso da força física ou
de poder, o ato de ameaçar ou de praticar atos contra si ou contra os outros,
comunidade ou grupo, que resultem em sofrimento, morte, problemas psíquicos
e possíveis desenvolvimento prejudicado. Fon (2014) reforça que o conceito de violência engloba
uma ruptura de integridades da vítima: a física, psicológica, moral e sexual. Dado a generalidade
do conceito, é possível delinear os diferentes tipos de maus-tratos que podem ser caracterizados,
conforme Gadoni-Costa, Zucatti & Dell’aglio (2011, p.220), como: a) violência psicológica,
caracterizada por “humilhações, chantagem, ameaças, discriminação, crítica ao desempenho
sexual e privação de liberdade”; b) violência física, caracterizada pelo “dano ou a tentativa de
causá-lo, por meio da força física ou de uso de objeto (arma, instrumento) que provoque lesões
externas (hematomas, cortes, feridas) ou internas (hemorragia, fraturas)”; c) e a violência sexual,
que é caracterizada como um “ataque em que o agressor obriga a vítima a realizar práticas sexuais
por meio de força ou intimidação, sem seu consentimento”.
Na contemporaneidade, apesar dos significativos avanços para superação dos discursos
que naturalizam o lugar da mulher no campo social, percebe-se um aumento exponencial do
Feminicídio, crime em que a motivação é o gênero da vítima. Assim, como explicar que em 2015,
ano da promulgação da Lei 13.104/15, conhecida como a Lei do Feminicídio, 4.621 mulheres
foram assassinadas no Brasil? A violência de gênero se constitui um fenômeno complexo e difuso,
cuja compreensão deve ser submetida a revisões contínuas, à medida que os valores e as normas
sociais evoluem. Neste sentido, esta é uma investigação que produz uma revisão teórica acerca
do tema, utilizando a perspectiva analítica dos Estudos Feministas, em que se busca refletir
sobre os múltiplos aspectos relacionados à violência contra as mulheres, bem como, as respostas
institucionais desenvolvidas no Brasil, país que ocupa a 5º posição, em um ranking de 83 países,
em número de assassinatos de mulheres. Este estudo, portanto, lança um olhar sobre os diferentes
aspectos relacionados à violência contra a mulher, estabelecendo como recorte, a ocorrência do
Feminicídio no Brasil.
Método
Nesse artigo, por meio do método bibliográfico, discute-se um tipo especifico de violência
contra as mulheres, o feminicídio. Situada em um quadro amplo de violências em que o gênero
é fator decisivo, na maioria dos casos registrados no país, os agressores estão entre pessoas
Resultados
796 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
vieram consolidar o androcentrismo, supervalorizando o pensamento masculino.Levando em
consideração os contextos socioculturais vigentes em cada época, é possível observar que os
chamados papéis sexuais se relacionam ao um conjunto de crenças que atribuem características
distintas a cada sexo, definindo, também, os direitos, os ambientes, as obrigações e as condutas
condizentes a cada um. (Salzsman, 1992). Pesquisas desenvolvidas a partir dos anos de 1990
vêm demonstrando detalhadamente como as expectativas estereotipadas em relação aos papéis
sexuais causaram grande impacto sobre os indivíduos, definindo qual lugar lhe competia no
campo social:
Movimentos Feministas
Femicídio\Feminicídio
798 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
reafirma que qualquer dessas práticas terroristas que venham resultar em morte será femicídio,
se caracterizando como um padrão sistemático de violência, universal e estrutural, fundamentada
no poder patriarcal.
Oliveira, Costa & Sousa (2015) destacam algumas das tipologias do feminicídio que se
entende como: a) feminicídio íntimo: quando o agressor mantinha ou manteve com a vítima
relacionamento íntimo ou familiar, o que concentra o mais frequentes dos casos; b) o feminicídio
sexual, em que a morte é precedida de violência sexual ou um estupro seguido de morte; c)
feminicídio corporativo, que acontece em caso de vingança, como resultado do crime organizado;
d) feminicídio infantil, que contempla crianças e adolescentes do sexo feminino que sofrem maus-
tratos por familiares ou de seus cuidadores.
Dentre os tipos de feminicídios o que mais se destaca é o feminicídio intimo com o que mais
acontece com as mulheres, que tem um estreitamento com a violência conjugal, sendo praticado
por àquelas pessoas nas quais mantinham relações afetivas.
Oliveira, Costa & Sousa (2015)destacam que no Mapa da Violência de 2015 entre as mulheres
em situação de violência conjugal, tinham um percentual de 43,1 % sendo jovens, de 18 a 39 anos.
As idosas acimas de 60 anos tinham seus principais agressores os próprios filhos com estimativa
de 34,9%. Em relação à cor da pele a mortalidade está mais presente nas mulheres negras do que
as brancas, atingindo 43,1%, Garcia, Freitas, Silva &Höfelmann (2013) destacam que a taxa de
feminicídios no Brasil é elevada, contabilizando uma morte de mulher por meios violentos a cada
hora e meia. Em seus estudos destaca serem mulheres de todas as faixas etárias, etnias e níveis de
escolaridades variadas.
Carcedo & Sargot (2002) destacam que o feminicídio, como a forma mais letal desse tipo
de violência, caracteriza-se como uma expressão de poder, dominação e controle sobre a mulher.
Assim, o termo feminicídio, proposto por Marcela Lagarte, expressava o vínculo entre estas mortes
com o gênero da vítima. No Brasil, a proposta de acentuar a pena quando tipificada a violência de
feminicídio, reconhecia que a violência em relação à mulher era naturalizada culturalmente, e de
que nessa situação, as mulheres não eram objetos de proteção adequada (Campos, 2015).
A lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, que alterou o art. 121, do Código Penal (Decreto-
Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940), caracterizou o feminicídio como a circunstância
qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que
incluiu o feminicídio no rol dos crimes hediondos.O feminicídio considera, a priori, que o crime
contra a mulher não pode ser desvinculado das visões que, culturalmente, posicionavam a mulher
em situação de inferioridade ou de subalternidade em relação ao masculino. Assim, diante da
pouca influência da Lei nº 13.104/2015 na repressão ou diminuição dos índices de violência
contra a mulher, questiona-se se, de fato, a judicialização dos conflitos sociais é efetivamente
a solução. Nesse sentido, é necessário repensar, em todos os ângulos e dimensões, as posições
determinadas culturalmente para homens e mulheres, reexaminando “as formas pelas quais
as identidades generificadas são construídas e relacionar seus achados com toda uma série de
atividades, organizações e representações sociais historicamente especificas” (Scott, 1990).
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Introdução
O
Feminismo é uma palavra moderna. Apresenta-se como um neologismo, criado
no Século XX, para designar o movimento social, histórico, político e filosófico
epistemológico, que atua no sentido de, ao reconhecer as diferenças existentes entre
homens e mulheres, garantir a equidade de direitos entre os gêneros. Ao reivindicar que pessoas
diferentes sejam tratadas não como iguais, mas como equivalentes (Scott, 1986), o Feminismo se
tornou o parâmetro de várias transformações ocorridas no campo social nos últimos cem anos
da atividade humana.
Ao longo do século XX, teóricas feministas e ativistas vem discutindo sobre as diversas
assimetrias existentes entre os gêneros, e evidenciando, como discorre Beauvoir na década de
1940 e 1950, que a experiência masculina tem sido privilegiada ao longo da história, enquanto a
feminina foi negligenciada e desvalorizada. (Beauvoir, [1942], 1970). Mas, para Araújo (2002),
até mesmo no âmbito acadêmico, estudos do trabalho e dos trabalhadores realizados no Brasil
até a década de 1970 expressavam uma “visão homogênea da classe trabalhadora, que tornava
invisível o trabalho da mulher e as desigualdades de gênero no mercado de trabalho” (ARAÚJO,
2002, p. 131). Embora, nas últimas décadas, decorrente do aumento do nível de escolaridade da
população feminina e de sua crescente participação em ocupações técnicas remuneradas, ainda
permanecem, no campo social, o caráter excludente desta feminização do mercado de trabalho.
Essa exclusão se expressa, especialmente, pelo confinamento da mulher “em ocupações de menor
prestígio social, na alta instabilidade, nas reduzidas chances de mobilidade, na desigualdade de
oportunidades para homens e mulheres e nas assimetrias salariais” (ARAÚJO, 2002, p. 136) que
evidenciam a desvalorização das atividades qualificadas como femininas e nas dificuldades de
acesso aos postos considerados masculinos.
Entendendo o Feminismo enquanto projeto teórico-epistemológico e político, articulado
com a pesquisa acadêmica e o ativismo histórico, político e filosófico-epistemológico (Narvaz &
Koller, 2006), este trabalho tem como objetivo investigar quais temas são recorrentes nas revistas
“Marie Claire”, correlacionando demandas de assédio sexual no trabalho, voltada para o público
feminino.
802 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método
Neste trabalho, são discutidas publicações de uma revista que circula no Brasil, com
matérias e pautas voltadas para o público feminino: a revista “Marie Claire” (Editora Globo),
publicada desde 1993. O periódico se autodefine como uma publicação que valoriza a capacidade
intelectual das leitoras, intenção expressa no slogan: “Chique é ser inteligente”. O slogan deixa
claro o seu objetivo editorial, substituindo a superficialidade dos interesses meramente estéticos
pelo valor “inteligência”, preocupando-se com temas de interesse para uma mulher independente,
que “trabalha, se diverte, vota com consciência e expõe suas opiniões com vigor”, conforme deixa
apreender por meio de uma mensagem publicitária. Assim, neste trabalho, a partir dos eixos
Gênero e Imprensa, interroga-se como a Marie Claire, publicação voltada ao público feminino na
contemporaneidade, tem trabalhado, em suas matérias, as demandas feministas.
Esta investigação se caracteriza, sobretudo, como uma pesquisa documental que, conforme
Ferrari (1982) tem por finalidade reunir, classificar e organizar informações, contidas em
documentos, a respeito do objeto da pesquisa. Assim, recorre-se a fontes mais diversificadas e
dispersas, que ainda não possuem tratamento analítico, como tabelas, jornais, revistas, relatórios,
documentos oficiais, cartas, filmes, fotografias, pinturas, tapeçarias, relatórios de empresas,
vídeos de programas de televisão, etc., “conferindo-lhes nova importância como fonte de
pesquisa” (Matos e Lerche, 2001, p.40). O método de pesquisa escolhido para esta investigação
se justifica pelo que Yin define como uma “investigação empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o
fenômeno e o contexto não são claramente definidos...” (Yin, 2001, p. 32-33). As categorias
escolhidas para nortear a pesquisa na revista Marie Claire foram: Feminismo, Assédio Sexual no
Trabalho, Gênero, Machismo.
Utilizaram-se, nesta investigação, as edições da Marie Claire publicadas entre abril e agosto
de 2017, em sua versão online, considerando aqui o suporte papel como o critério de exclusão. A
revista foi selecionada para esta análise devido ao seu repertório não estar concentrado em matérias
sobre beleza e relacionamentos. A partir destas metodologias, pretende-se sistematizar dados que
evidenciem quais os principais temas discutidos pela revista Marie Claire, correlacionando com o
percurso histórico do Feminismo. Adotou-se como referencial teórico e metodológico as teorias
feministas, elegendo-se como categorias de análise os temas correlacionados: machismo e assédio
sexual no trabalho.
Resultados
804 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ou passaram por situações de machismo no trabalho. Relataram como exemplo as situações de
descriminação devido as questões de maternidade, por serem mais cobradas que os homens e
por “gracinhas” ditas por colegas (Minella, Borges & Karawejczyk, 2017). Decorrente do Sistema
Patriarcal, fundamentado na divisão sexual do trabalho e nas relações assimétricas entre homens
e mulheres, o machismo é uma visão de mundo em que a “liderança” é apenas masculina (Ribeiro
& Silva, 2015).
Entende-se por machismo a atitude de prepotência dos homens relativamente às mulheres.
Engels (2009) cita o desmoronamento do direito materno, como a grande derrota histórica
do sexo feminino em todo o mundo. Segundo ele, depois disso o homem além de substituir a
filiação masculina e garantir o direito hereditário paterno, apoderou-se também da direção da
casa e a mulher viu-se degradada, convertida em servidora, escrava da luxúria do homem e um
simples instrumento de reprodução. Outro fator citado pelo autor é a passagem do matrimonio
sindiásmico para a monogamia, segundo ele, para assegurar a fidelidade da mulher e a posse
da propriedade do pai pelo sucessor masculino mais velho. Nessa perspectiva, o machismo é a
manifestação de um sistema de dominação masculina, que se utiliza de matrizes de pensamento
essencialista, em que os papéis sexuais e de gênero são determinados biologicamente, sendo as
relações decorrentes, entre homens e mulheres, hierarquizadas.
Discussão
Conclusões
806 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
homens e mulheres no campo profissional, especialmente, as diferenças salariais, e especialmente,
a ocupação de vagas no mercado de trabalho pelas mulheres (Pedro, 2008). Em uma matéria
publicada em 22 de agosto de 2017, por exemplo, desenvolveu-se a seguinte matéria: “Emprego,
carreira e propósito: em qual fase profissional você está?”. Nesse sentido, observa-se que, para a
revista, está claro quem é o seu público e quais seus interesses. Nesse sentido, são evocadas muitas
demandas do chamado Feminismo da Terceira Onda, onde se reivindica “a diferença dentro da
diferença”. As preocupações recaem sobre a desconstrução da categoria “mulher” como um
sujeito coletivo unificado que partilha as mesmas opressões, os mesmos problemas e a mesma
história. Embora exista a noção de que existem mulheres negras, analfabetas e sem emprego, a
revista Marie Claire fez uma opção evidente pelas mulheres independentes e escolarizadas, o que
se reflete nos chamados “lugares de fala”. A revista que, pretende-se se colocar como inovadora e
partidária das demandas feministas, está recheada de conservadorismos nas entrelinhas (Barros,
2002). Nesse sentido, a publicação não se posiciona em relação ao feminismo, direcionando suas
preocupações com a vida pessoal e profissional de mulheres quase sempre brancas, heterossexuais
e que lidam com os dilemas da carreira e da vida pessoal. Nesse sentido, são comuns matérias que
tratam do corpo e seus contornos, da sexualidade heterossexual, do casamento e da maternidade
(Swain, 2001).
O recorte específico na Marie Claire se dá pelo fato dela apresentar, supostamente, uma
proposta arrojada que, à primeira vista, tenta subverter, o conceito padrão que impera na
maioria das publicações voltadas para o público feminino. Valendo-se do slogan “chique é
ser inteligente”, ela tenta sugerir que suas abordagens destoarão da configuração ideológica
dos demais produtos da imprensa do gênero (Barros, 2002, s.p.).
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POLÍTICAS PÚBLICAS
PRODUÇÃO DE CUIDADO EM SAÚDE MENTAL SOB A
ÓTICA DE PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO BÁSICA
Francisca Maira Silva de Sousa
Introdução
O
objetivo desta pesquisa é analisar os modos de produção de cuidado em saúde
mental a partir da compreensão dos profissionais da Atenção Básica. A efetivação
da Reforma Psiquiátrica ganha força com a Reforma Sanitária e a criação do
Sistema Único de Saúde (SUS), ao apresentar um novo modelo de assistência e conceito sobre
saúde. A Política Nacional de Saúde Mental vem consolidando a estratégia de cuidado na esfera
da Atenção Básica, uma vez que as práticas de saúde mental estão ficando cada vez mais próxima
do território (Brasil, 2013).
Desta forma, a Atenção Básica em Saúde (ABS), constitui-se como um campo estratégico
para a produção do cuidado em saúde mental. Pois, devido sua proximidade com a população,
chegam a este serviço, constantemente várias demandas referentes à saúde mental. Contudo,
apesar dos avanços nessa aérea, nem sempre a demanda de saúde mental encontra resolutividade.
Em um estudo realizado por Moliner e Lopes (2013) colocam que pela falta de uma escuta não
qualificada, os usuários retornam várias vezes para o atendimento, pois este não ocorre de uma
forma efetiva. Outros estudos como o de Oliveira et al (2016) colocam que a medicalização ainda
é o recurso terapêutico mais utilizado nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) como tratamento
das queixas emocionais. Este autor ressalta que para o atendimento à saúde mental ocorra na
Atenção Básica, é necessário que os profissionais sejam preparados para realizar um acolhimento
qualificado, pautada no respeito, na ética e no compromisso com as famílias pelas quais são
responsáveis, realizando assim um atendimento integral.
Sobre as transformações no campo da produção do cuidado, Merhy (1997) teoriza sobre
o processo de trabalho em saúde, coloca que este é dependente do trabalho vivo em ato, que só
acontece na dinâmica relacional, no momento do trabalho em si, com base no encontro entre
os sujeitos envolvidos. Para este autor, nos processos de trabalho assistenciais os profissionais
utilizam três tecnologias, tecnologias duras (que estão inscritas máquinas e instrumentos), as
tecnologias leve-duras (definidas pelo saber técnico) e leves (as tecnologias das relações) observada
no trabalho vivo em ato, ou seja, através do encontro entre duas pessoas que atuam uma sobre
a outra, onde ocorrem em momentos de falas, escutas e interpretações. Deste modo, para que o
serviço de saúde seja promotor de cuidado, é necessária a mudança do modelo assistencial que
tem por base os recursos instrumentais como exames e maquinário, e passe a incluir nas ações
promotoras de saúde processo de trabalho com acolhimento, escuta e vínculo com os usuários.
A Política de Saúde Mental do município de Quixadá-Ce vem se destacando no cenário
nacional, desde a criação do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), o terceiro do estado, que
trouxe contribuições no movimento brasileiro da luta antimanicomial, ao assegurar que o lugar
Método
Resultados
A fim de facilitar a leitura dos resultados, estes, serão apresentados com base na construção
das seguintes categorias de análises: produção de cuidado em saúde, produção de cuidado em
812 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
saúde mental, modos de produção de cuidado em saúde mental, desafios dos profissionais da
atenção básica na produção do cuidado em saúde mental.
814 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
coisas, mas se tivesse era muito importante (P 3).” Com este discurso podemos perceber como a saúde
mental, não é reconhecida como função da Atenção Básica por alguns profissionais. Outros
estudos também corroboram com estes dados, como o de Furtado, Campos e Gomes (2006),
onde os profissionais não reconhecem a atenção básica como uma forma de desenvolver cuidado
em saúde mental.
Pode-se notar que a produção de cuidado e a produção de cuidado em saúde mental são
percebidas pelos profissionais como processos de trabalho completamente diferentes, sendo até
difícil para os profissionais relatarem o que seria este cuidado, pois falam apenas nas dificuldades
em realizá-lo, sem citar o que seria.
816 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
só a dor de garganta, a dor de barriga. O desafio é implantar a escuta qualificada nas unidades básicas de saúde,
para escutar todos os usuários que chegam, com o local definido, fazer o acolhimento[...] (P4).”
Este relato cita o NASF, que vem para dar apoio à saúde da família, mas que em nenhum
dos relatos anteriores foi citado. O apoio Matricial em saúde mental e os NASF permitem o
fortalecimento das competências e habilidades dos profissionais da ESF, no entanto essas ações
não foram colocadas no campo estudado.
A conquista do cuidado de saúde mental vem de uma luta que busca superar o modelo
biomédico, para Arce, Sousa e Lima (2011) “Saúde Mental é o primeiro campo da medicina em
que se trabalha intensiva e obrigatoriamente com a interdisciplinaridade e a intersetorialidade
(p. 172)”, desta forma o trabalho em equipe multiprofissional deve ser a marca dos cuidados em
saúde mental, e para isso deve ser superado o modelo hospitalocentrico e hegemônico.
Discussão
A partir dos resultados apresentados, pode-se destacar a importância da produção de
cuidado em saúde mental na Atenção Básica, ressaltando-se a necessidade de uma mudança na
formação dos profissionais de saúde, assim como o fortalecimento da educação permanente
para estes profissionais.
Percebe-se, como a produção de cuidado em saúde e a produção de cuidado em saúde
mental, são colocadas como dois campos de práticas ainda diferentes, sendo difícil reconhecer as
ações de saúde mental desenvolvidas na Atenção Básica.
A experiência vivenciada neste município, e a literatura pesquisada mostram que o
matriciamento seria uma possibilidade de efetivar o fortalecimento e as ações de cuidado
em saúde mental no território. No entanto, diversos fatores como – formação profissional,
preconceitos existentes em torno da saúde mental, grande demanda e precarização dos serviços,
rede assistencial desarticulada – interferem na realização dessa estratégia.
O estudo mostrou ainda a necessidade de ampliar a discussão sobre a produção de cuidado
em saúde mental na Atenção Básica. Ficando clara, a necessidade de fortalecer as ações de
cuidados pautadas em tecnologias leves, onde o acolhimento, vínculo, escuta qualificada e a
relação entre profissional, usuário e gestão são fontes de produção de cuidado em saúde.
São necessários mais estudos nessa área, pois esta pesquisa teve como limitação ser realizada
apenas com profissionais que atuam em uma unidade de saúde, estudos sobre as novas práticas
de saúde mental na atenção básica são relevantes para ampliar os avanços existentes.
Referências
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818 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
GRUPO GIRASSOL: RELATO DE EXPERIÊNCIA EM
SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Káren Maria Rodrigues da Costa
Maísa Ravenna Beleza Lino
Rebeca Barbosa da Rocha
Laurentino Gonçalo Ferreira Filho
Thawanna Rego Fernandes
Introdução
A
tualmente o cenário da política de saúde mental no Brasil é resultado da grande
mobilização de usuários, familiares e trabalhadores da saúde que teve início na
década de 1980, cujo objetivo era a mudança da forma como eram tratadas as
pessoas que sofriam de algum problema psíquico dentro dos manicômios (Brasil, 2013), este
caracterizado pela ineficácia dos tratamentos e violação dos direitos humanos (Amarante &
Paula, 2008).
Diante deste quadro de mudanças que foram se processando neste campo, através de lutas
em prol da pessoa em sofrimento psíquico estruturou-se o atual modelo de atenção à saúde
mental, norteado pelos princípios da reforma psiquiátrica brasileira, possuindo como principal
orientação à expansão e qualificação do cuidado às pessoas com sofrimento psíquico nos serviços
de base comunitária, e ainda a reestruturação da assistência psiquiátrica hospitalar (Costa-Rosa,
2000).
Segundo Duarte e Galuschka (2017) a prática de saúde mental na atenção primária possibilita
uma organização mais adequada no atendimento, tratando as pessoas com problemas mentais
na sua própria realidade. Deste modo, diante das inúmeras ferramentas de apoio utilizadas
pelos profissionais da Estratégia Saúde da Família dirigidas as pessoas em sofrimento psíquico
objetivando a inserção e reinserção social e o seguimento do tratamento, evidenciam-se os grupos
terapêuticos de saúde mental.
Deste modo, o grupo em saúde mental opera como uma ferramenta de cuidado, sendo
um mecanismo usado por profissionais de saúde, visto que propicia o alivio de sentimentos
relacionados à solidão, isolamento social, proporcionando trocas de experiências e reflexão aos
usuários e, consequentemente, aos seus familiares (Oliveira & Caldana, 2016).
Por grupos terapêuticos, Zimerman e Osório (1997) afirmam que no campo da saúde
coletiva, os trabalhos de grupo, em sua maioria do tipo operativo, ofertam uma enorme aplicação,
e são muito úteis nas práticas de saúde. Entre algumas modalidades, podemos citar os campos
de: ensino-aprendizagem; institucionais; comunitários; terapêuticos.
Assim, no que diz respeito os diversos instrumentos de intervenção psicossocial na Atenção
Primária destaca-se neste estudo o grupo operativo de base terapêutica. Para Zimermam e Osório
(1997) os grupos terapêuticos têm como objetivo melhorar algumas patologias orgânicas dos
Método
Local do cuidado
820 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Instrumentos
Resultados
Descrevendo as Ações
Discussão
822 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
necessidade da criação e fortalecimento de espaços em educação permanente em saúde mental
nas unidades básicas de saúde, que viabilizem a troca de experiências entre os profissionais, o
fortalecimento do apoio matricial, a discussão de casos clínicos, construindo assim propostas
para além do tratamento com medicações psicotrópicas.
Referências
Amarante, P., & Paula, K. V. da S. de. (2008). A questão da saúde mental e atenção psicossocial:
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Médicas.
Introdução
E
ste artigo tem o intuito de realizar uma análise crítica da produção bibliográfica sobre
as perspectivas de atuação do psicólogo no contexto da Atenção Primária à Saúde
nos dez anos (2006-2016) que antecederam a realização da pesquisa (2017). Com
isto, procura-se visualizar como esta atuação tem se dado e que perspectivas do fazer psicológico
perpassam a inserção deste profissional nesta área.
A Psicologia é uma profissão ainda recente no Brasil, tendo sido reconhecida apenas em
1962, pela Lei Federal nº 4.119. O espaço de trabalho deste profissional no país incialmente
envolvia áreas de seleção e orientação profissional e psicopedagógica, diagnóstico e aplicação de
testes psicológicos, estudos de caso, perícia e psicoterapia. Com o tempo e as pressões impostas
pelo próprio mercado de trabalho, o Psicólogo passou a ampliar sua área de atuação (Dimenstein,
1998).
Dentre os novos campos que a Psicologia passou a adentrar, a assistência à saúde destacou-
se como um dos principais polos a receber esses profissionais, principalmente a partir das
mudanças iniciadas nos anos 1970. Com as transformações ocorridas no setor psiquiátrico no
período, a saúde mental passou a ser vista como um espaço propício à inserção do psicólogo,
principalmente através das equipes multiprofissionais que começaram a se formar (Dimenstein,
1998, Dimenstein & Macedo, 2012).
Mudando o foco hospitalocêntrico que existia até então, o profissional da Psicologia passou
a ser visto como alguém apto a contribuir com a promoção de saúde mental, a partir do momento
em que teria instrumental adequado para detectar situações de risco à saúde mental e preveni-
las. Esta atuação seria voltada para o benefício da comunidade (Dimenstein & Macedo, 2012).
Azevedo, Tatmatsu e Ribeiro (2011) ressaltam que diante da ampliação dos campos de atuação,
se exige tanto que o Psicólogo produza novos conhecimentos como que reflita acerca da prática,
de modo a não realizar intervenções descontextualizadas.
Esta observação é pertinente ao se falar da inserção desse profissional na saúde pública, pois
o encontro entre a Psicologia e o Sistema Único de Saúde (SUS) possui algumas peculiaridades.
Trabalhar no Sistema Único de Saúde é entrar em contato com realidades distintas das comumente
conhecidas pelos psicólogos, principalmente ao se lidar com os serviços de Atenção Primária à
Saúde. O contato com os usuários dos serviços, geralmente de baixa renda, ajuda os Psicólogos
824 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
a questionarem as ferramentas teóricas, técnicas e de trabalho, bem como sua atuação, em um
espaço que necessita de intervenções multidisciplinares (Dimenstein & Macedo, 2012).
A entrada do Psicólogo em instituições públicas de saúde fez com que estes profissionais
tivessem características comuns que “resumem-se num profissional que tende a não ter uma
perspectiva ampliada de saúde e a não pensar acerca da qualidade de vida da população como
uma das prioridades do processo saúde-doença” (Azevedo, Tatmatsu & Ribeiro, 2011, p. 243).
Desta forma, tais autores ressaltam que, ao se graduarem, os profissionais adentram o mercado
de trabalho da saúde com uma concepção ainda curativa e hospitalocêntrica, que se mostra
inadequada para a realidade do SUS.
Assim, este trabalho objetiva compreender como as produções dos últimos dez anos acerca da
atuação do Psicólogo na Atenção Primária à Saúde tem considerado a inserção do profissional neste
campo. Com isto, busca-se visualizar que perspectivas embasam o fazer Psicologia nas instituições
públicas de saúde no Brasil e como elas tem sido retratadas na produção científica da área.
Método
As pesquisas de revisão podem ser compreendidas como formas de investigação nas quais
os pesquisadores, com objetivo de se aprofundar teoricamente em determinada temática, buscam
tanto em fontes bibliográficas quanto em bases eletrônicas resultados de estudos realizados por
outros autores. Suas bifurcações mais conhecidas são as revisões narrativas e as sistemáticas. A
primeira tipologia é caracterizada pelo fato de os pesquisadores não explicitarem as fontes de
dados pesquisadas, a metodologia adotada e os critérios de elegibilidade para inclusão/exclusão
de estudos (Rother, 2007).
As revisões sistemáticas, por sua vez, podem ser compreendidas como uma forma de revisão
planejada para responder determinado problema de pesquisa, utilizando-se, para isso, de métodos
explícitos e sistemáticos para identificar, selecionar e avaliar criticamente as investigações (Rother,
2007). Nesse sentido, o presente estudo trata-se de uma revisão sistemática, que teve como
objetivo analisar criticamente a produção bibliográfica dos últimos dez anos sobre a atuação
do psicólogo no contexto da Atenção Primária à Saúde, procurando visualizar as perspectivas de
atuação dos referidos profissionais.
A busca foi efetivada no período de junho de 2017. Realizou-se uma busca direta nas bases de
dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em
Ciências da Saúde (LILACS) e Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PEPSIC). Como descritores
foram utilizados os seguintes termos: Psicologia, Atuação, e Atenção Primária à Saúde.
Para selecionar os artigos a compor a investigação foram elaborados uma série de critérios
de elegibilidade para inclusão/exclusão das pesquisas, a saber: veículo de divulgação (periódicos
indexados), período de publicação (2006-2016), idioma (português), modalidade da produção
(revisões, estudos empíricos, relatos de experiência e estudos de casos) e natureza da intervenção
(estudos que versassem especificamente sobre a atuação do psicólogo na Atenção Primária à
Saúde, sem considerar o trabalho dos outros profissionais).
Esta busca aconteceu do seguinte modo: dois pesquisadores, isoladamente, realizaram a
busca e leram detalhadamente os resumos das investigações, de modo a selecionar os estudos a
partir dos critérios de inclusão/exclusão previamente definidos. Num segundo momento, ambos
os pesquisadores confrontaram os dados coletados e, posteriormente, entraram em um consenso
de quais artigos permaneceriam e sairiam da presente investigação.
Em seguida, os artigos selecionados foram lidos em sua completude, primeiro em uma leitura
de reconhecimento, depois em um processo mais analítico, procurando investigar as perspectivas
de atuação dos psicólogos que atuam na Atenção Primária à Saúde.
826 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 1:
Caracterização dos artigos incluídos na revisão
Nepomuceno & Pesquisa de cunho Investigar as Perspectiva mais ampla que tratamento e
Brandão (2011) etnográfico (uso contribuições dos cura em saúde mental. Aponta tentativas de
de questionários e psicólogos nas ESF, mudança do modelo clínico tradicional.
diários e anotações sistematizar práticas
de campo, com desenvolvidas e
análise temática). discutir os desafios.
No que se refere aos métodos de trabalho dos artigos investigados, estes podem ser assim
descritos: Relato de Experiência (n = 3); Não Esclarece a Metodologia (n = 2); Pesquisa Bibliográfica
e Documental (n = 2); Estudo de Caso (Pesquisa Avaliativa) (n = 1); Estudo Teórico (n = 1); Estudo
Descritivo de Caráter Exploratório (n = 1); e Pesquisa Exploratória de cunho Etnográfico (n = 1).
Por fim, os principais resultados das pesquisas encontradas na busca atestam as seguintes
informações: duas investigações fazem a defesa de um modelo clássico de atuação do psicólogo no
contexto da Atenção Primária em Saúde, através de atividades que envolvem diagnóstico precoce
de sintomatologias, consultas e psicoterapias. Além disso, tais estudos, em alguma medida,
também fazem uso de atividades grupais e acompanhamentos de casos, como por exemplo, visitas
domiciliares, oficinas e grupos terapêuticos e educativos, contudo, em maior ou menor medida
fazendo referência a perspectiva de atuação do modelo da Clínica-Privada-Liberal.
O restante dos estudos (n = 9) apontam um posicionamento contrário à atuação do
psicólogo na Atenção Primária à Saúde se caracterizar por: tratamento individual, cura de sintomas,
especialismos, neutralidade afetiva e relações hierarquizadas entre usuários e profissionais.
Em vez disso, propõem um conjunto de ferramentas de trabalho que tal profissional pode se
utilizar nesse contexto de intervenção, tais como: diagnóstico local e situacional; apoio matricial;
estabelecimento de confiança e vínculo com as famílias e comunidades; visitas domiciliares;
atividades coletivas; atendimentos individuais e familiares; projeto terapêutico singular; estudos
de caso; acolhimento; gestão do cuidado; orientação psicossocial; acompanhamento terapêutico
e busca ativa em saúde mental.
Discussão
Ao observar a Figura 1 é possível perceber que diversos artigos foram encontrados, porém
com a adoção dos critérios de inclusão/exclusão muitos foram eliminados do corpo final de
análise. Observou-se uma preponderância de trabalhos que tratavam da temática estudada
828 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de forma transversal, não sendo o objeto principal de investigação a atuação do psicólogo na
Atenção Primária à Saúde.
Tal realidade pode ser explicada pelo fato de o trabalho no campo da Atenção Primária
à Saúde ser realizado principalmente de forma inter e transdisciplinar. Assim, apesar de muitos
artigos desenvolverem estudos sobre a atuação do psicólogo nesse contexto, muitos acabam
trazendo experiências que enfocam também outros profissionais, tais como nutricionistas ou
fisioterapeutas, conforme pode ser visto nos estudos de Vieira (2011), e Loch-Neckel e Crepaldi
(2009).
Outro elemento observado foi que muitos dos estudos selecionados concentram-se nos
anos de 2012 e 2013, não tendo sido encontradas pesquisas nos anos de 2006, 2007, 2010, 2014
e 2016. Desse modo, apesar da abordagem interdisciplinar de algumas pesquisas encontradas,
percebe-se ainda uma produção insipiente na literatura no que concerne à atuação do psicólogo
na Atenção Primária à Saúde. Apesar de um leve avanço no período de 2012/2013, nos últimos
anos houve uma queda nas publicações da temática em questão, o que sugere a necessidade de
retomar essas discussões.
Contudo, mesmo com uma carente produção bibliográfica sobre a temática, observa-se
que os artigos encontrados, em sua maioria problematizam a utilização de teorias e técnicas da
Psicologia Clínica Tradicional no contexto de instituições públicas de saúde, especificamente na
Atenção Primária à Saúde. Além de estabelecer essa crítica, os autores das pesquisas analisadas
também propõem novos modos de atuação mais adequados ao contexto em que estão inseridos,
tais como Diagnóstico Situacional, Estudo de Caso, Visita Domiciliar e Projeto Terapêutico Singular,
por exemplo (Azevedo & Kind, 2013; Couto, Schimith &Dallbello-Araújo, 2013; Dimenstein &
Macedo, 2012; Freire & Pichelli, 2013; Furtado & Carvalho, 2015; Gorayeb, Borges & Oliveira,
2012; Nepomuceno & Brandão, 2011; Silva & Cardoso, 2013; Souza & Santos, 2012).
Apesar dessas críticas estabelecidas e da mudança de perspectiva em relação à atuação do
psicólogo na Atenção Primária à Saúde, alguns estudos ainda citam práticas baseadas no modelo
clínico tradicional de Psicologia, o qual ainda está relacionado à realização de psicoterapia, por
exemplo. Contudo, tais práticas estão envolvidas em discussões mais amplas e adequadas ao contexto
em que atuam (Azevedo & Kind, 2013; Freire & Pichelli, 2013; Gorayeb, Borges & Oliveira, 2012).
Em relação às metodologias, a maioria dos trabalhos estudam essa temática a partir de
pesquisas de campo, sejam elas relatos de experiência, estudos empíricos ou exploratórios. Nesse
sentido, observou-se uma utilização de experiências práticas como elementos para se pensar a
constituição desse campo de estudo. Isto corrobora com as discussões trazidas por Azevedo,
Tatmatsu e Ribeiro (2011), os quais trazem que a ampliação dos campos gera novos conhecimentos
e reflexões dos profissionais sobre sua prática.
Desse modo, percebeu-se que apesar das constantes discussões acerca da atuação do
Psicólogo nos diferentes campos nos quais ele tem se inserido nas últimas décadas, este continua
sendo um tema atual e relevante para a formação e consolidação desta profissão. Foi possível
perceber através deste trabalho que o caminho percorrido até aqui permitiu uma mudança de
práticas deste profissional na área da saúde, em especial na Atenção Primária.
Um ponto nevrálgico destas discussões refere-se à concepção da Psicologia enquanto escuta
clínica tradicional, modelo que ainda está presente mesmo quando se pensa o fazer da profissão na
área da saúde de forma contextualizada com o território no qual se atua. Desta forma, evidencia-
se o caráter processual desta mudança de concepções e práticas, deixando claro que apesar do
trajeto já percorrido ainda há o que se avançar ao se falar na atuação da Psicologia fora de seus
campos clássicos.
Assim, a partir dos resultados obtidos, conclui-se a necessidade de mais pesquisas sobre
a atuação do Psicólogo na Atenção Primária à Saúde. O cuidado com as práticas já existentes
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Introdução
P
or meio do advento da Reforma Psiquiátrica e a criação de dispositivos substitutivos
aos manicômios é possível perceber um esforço ao resgate necessário, da fala, da vida
e dos direitos dos usuários que vivenciam algum tipo de sofrimento psíquico. Embora,
tenha-se avançado muito quanto a oferta de saúde, ainda é possível perceber o uso de práticas
de contenção física nos momentos de crise (Vasconcelos, 2008). O conceito de contenção física,
para Paes et al (2011, p. 240) este pode ser descrito como “procedimento utilizado na clínica
psiquiátrica em situações de emergência caracterizadas pela manifestação de comportamento
agressivo ou agitação psicomotora do paciente, quando esta não puder ser resolvida pela
abordagem verbal”.
Reforçando o conceito de contenção física, Silva et al (2013, p.190) afirma que “ao uso
de mecanismos mecânicos ou manuais para restringir a movimentação do paciente quando
este oferece riscos para si ou para terceiros. Trata-se de uma conduta excepcional que deve ser
cercada de todos os cuidados”. Este trabalho não tem a intenção de condenar a contenção física,
mas de pensar que outros tipos de contenção podem ser utilizados no cenário da crise em saúde
mental. As diretrizes assistenciais do Hospital Israelense Albert Einstein (2012) apresentam entre
os modelos de intervenção ao evento de agitação e/ou agressividade o uso de psicofármacos que
lhe confere a chamada tranquilização rápida e o uso de intervenção física chamado também de
restrição física, esta deve ser aplicada nos pacientes com transtornos mentais, a depender de sua
demanda clínica. Esta intervenção tem um caráter protetor que leva em consideração a equipe de
saúde e o paciente, pois há um direcionamento quanto à força, sendo aplicada de acordo com
situação e duração do menor tempo possível.
As diretrizes, visto que assumem que a restrição física apresenta certos riscos em seus
procedimentos, ressaltando que deve ser usada em último caso. Portanto, surgem questionamentos,
como por exemplo: se a contenção física é o recurso mais extremo. Porque, há tanto foco na
produção dos protocolos e rotinas ligados a essa abordagem? E praticamente nada produzido
acerca dos recursos que devem ser utilizados para se evitar os efeitos colaterais, desse tipo de
contenção? (Hospital Israelense Albert Einstein, 2012). Partindo de Foucault, novamente, Jardim
e Dimenstein (2007) afirmam que a psiquiatria buscou incessantemente algo que pudesse dizer
de onde vinha à loucura, a que órgão estava atrelada ou que genes causavam a mesma, porém as
tentativas pareciam ser em vão. Diante disso, a crise vem para validar o poder do psiquiatra, pois
a crise é a prova de que se precisava. Logo, o psiquiatra vira médico com poderes de proferir o que
832 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
foi confiado aos seus cuidados, para tratar de doença mental.
A crise passa a ser a explicação mais convincente dada com relação ao que seria a causa
da doença mental, esta explicação se encontra na Psiquiatria Preventiva. Sendo as crises as
causadoras do desequilíbrio do indivíduo e uma vez que o contrário desse estado seria o equilíbrio,
portanto, a crise se torna vilã e a principal causa desse adoecimento. Os meios que surgem diante
da necessidade de realinhar o sujeito àquilo que é normal, ou seja, aquilo que é esperado, diz
respeito ao uso de medicamentos, a contenção e/ou a retirada deste do meio em que está. Tal
encaminhamento deu margem para a criação dos serviços de urgência psiquiátrica, era preciso
agora longe dos murros do hospital psiquiátrico continuar contendo o indivíduo que manifesta a
crise (Jardim & Dimenstein, 2007).
É importante também ter clareza do vasto campo referente a essa experiência chamada de
crise, pois a mesma não é uma propriedade de pessoas com sofrimento psíquico, para Ferigato
et al (2007) a crise não pode ser vista como uma experiência individual e nem como algo que só
as pessoas que apresentam determinado sofrimento psíquico poderão passar, mas que esta pode
estar associada a contextos coletivos e que qualquer pessoa pode estar sujeita a enfrentar um
momento como esse. Ainda com relação à crise encontramos em Carvalho e Costa (2008, p. 154)
uma definição sobre a mesma que também interessa a esse trabalho, pois para os autores pode-
se dizer que a crise é um momento no qual o seu “aparecimento causa desequilíbrio psíquico, no
qual o sujeito se encontra desprovido das competências que o levam a uma reacomodação às
situações de conflito”.
Ferigato et al (2007) fazem reflexões interessantes sobre o manejo na crise. Estes autores
dizem que o profissional de saúde precisa dá suporte no momento da crise, suporte este que passa a
considerar aquele momento vivido pelo usuário assim como ele também o considera. Há também,
o lado afetivo sentido na experiência da crise e este não pode ser negado, para os autores citados
a cima é preciso que o outro que cuida dê valor a esse caráter afetivo, ou seja, os profissionais
de saúde envolvidos no momento da crise são também responsáveis pela reorganização dos
fragmentos do usuário. Para Silva (2009) que indica um eixo norteador, corroborando com este
estudo. Ele realizou seus estudos com famílias, numa proposta de dinamizar as mesmas, os eixos
apresentados tem relação às funções humanas, são eles: contenção afetiva, contenção síntese,
contenção limite e contenção confronto. Diante do empenho de trazer a discussão a importância
de se falar em expansão afetiva na saúde mental, faz-se uso do conceito apresentado por este autor.
Silva (2009, p.1) define contenção afetiva como “ação de oportunizar a construção de
ligação afetiva, assim como a aprendizagem de se envolver afetivamente às pessoas”, ou seja,
é possível fazer uma conexão com a sugestão central desse trabalho e dizer que o momento da
expansão afetiva se permite o estreitamento de laços entre as pessoas, bem como ao fortalecimento
dos mesmos mediante a situação que está posta, vislumbrando um resultado onde as pessoas que
participam desse processo possam se sentir bem. Partindo desse olhar tão humano para com
o sujeito que vivencia a crise é interessante perceber que além da contenção física citada como
intervenção a crise, outros métodos podem ser aplicados, dentre eles o que pode-se chamar de
expansão afetiva, que será proposta ao longo dos passos descritos na metodologia.
Portanto, procurou-se entender porque apesar de todos os avanços proporcionados pela
reforma psiquiátrica no campo da atenção a crise a contenção física ainda se apresenta como o
principal recurso de cuidado e que novos recursos técnicos e relacionais podemos construir juntos
aos pacientes em crise de forma a oferecer um atendimento mais humano e afetivo. Portanto, o
seguinte trabalho tem a pretensão de pensar que outras práticas de atenção a crise podem ser
ofertadas a esses sujeitos. Por conseguinte, serão apresentados, os conceitos de contenção física;
crise; e as primeiras pontuações a cerca de um acolhimento que preza pelo caráter afetivo durante
o tão delicado momento de crise.
A pesquisa realizada foi de cunho qualitativo, pois detém a aspectos da realidade que
não podem ser vistos e transcritos em números, não são quantificáveis, mas se voltam para a
compreensão das relações sociais. (Gerhardt & Silveira, 2009). Quando se fala em pesquisa
qualitativa se ressalta a interação que deve estar presente entre o pesquisador e os sujeitos que
estarão sendo pesquisados, detalhe que se mostrou muito relevante para o desenvolvimento
da pesquisa em questão (Minayo, 2007). Foi realizada pesquisa-ação, tendo em vista que esta
atendeu a proposta do trabalho. Na definição de Thiollent (1985, apud Gil, 2008, p. 30) este tipo
de pesquisa é do tipo social e tem base empírica, onde a realização desta se dá também por meio
da ação, além da resolução de um problema coletivo e todos aqueles que participam da pesquisa,
ou seja, participantes e pesquisadores se tonam cooperadores desta.
Os instrumentos da coleta foram utilizadas, foram entrevistas semiestruturadas, um grupo
focal e um pré-laboratório de práticas de expansão afetiva. Com relação às entrevistas estas tiveram
a criação de seu roteiro, logo após visitas aos serviços de saúde da cidade de Parnaíba- PI e
estabelecimento de vínculos com os profissionais e usuários destas instituições. Para o momento
das entrevistas foi possível perceber profissionais e usuários muito solícitos e interessados com a
temática do trabalho. A proposta inicial do grupo focal era realizar o processo apenas com os
profissionais de saúde e os usuários do serviço de saúde mental da RAPS de Parnaíba que tivessem
respondido as questões.
Após as primeiras entrevistas optou-se por incluir acadêmicos do curso de Psicologia de
períodos distintos, mas que tivessem percursos de formação relevantes dentro dos dispositivos da
RAPS, e que compartilhassem do interesse pelo tema, com o objetivo de trazer maior interação
na relação universidade-RAPS questão que emergiu na etapa de coleta das entrevistas. O grupo
focal, instrumento fico na coleta de informações (Gondim, 2003, p.151) contou com a presença
de três acadêmicos: A01, A02, A03; um usuário do serviço de saúde de Parnaíba: U001, e dois
profissionais também do serviço de saúde da cidade: P001, P002 e o orientador desta pesquisa:
O01. O grupo focal aconteceu na UFPI de Parnaíba, durou cerca de 2 horas e proporcionou
discussões extremamente pertinentes para os objetivos da pesquisa, o mesmo contou com duas
perguntas disparadoras que foram: O que o grupo compreendia por crise em saúde mental? Que cuidados
podem ser ofertados nesse período.
Após a realização do grupo focal os participantes foram convidados para participar do pré-
laboratório de práticas de expansão afetiva. Este teve início com o seguinte pedido: que os participantes
lembrassem de algum momento em que vivenciaram uma crise e que atitudes das outras pessoas
ajudaram e quais delas atrapalharam, também foi pedido que isto fosse registrado em um papel.
O passo seguinte consistia em que os papeis fossem trocados e logo após os participantes foram
convidados a dramatizar a crise do colega, um por vez dramatizava, ao passo que aos demais
colegas tinham a função de primeiro realçar as atitudes que dificultaram a crise e logo depois as
atitudes acolhedoras.
A pesquisa foi realizada com alguns profissionais e usuários da Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS) da cidade de Parnaíba- PI, cidade que segundo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE- (2014) contava com uma população estimada de 149.348 habitantes no ano
de 2014. Os serviços que participaram da pesquisa foram: CAPS II. CAPS AD e SAMU, num total
de 6 profissionais, suas falas serão aqui representadas pela abreviação; P1, P2, P3, P4, P5, P6. Os
usuários dos serviços em questão foram num total de 3 os que responderam a entrevista e serão
representados por; U1, U2, U3.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Resultados e Discussão
A sessão de resultados deste trabalho está estruturada em três categorias temáticas oriundas
das falas dos participantes das entrevistas, do grupo focal bem como das observações em campo.
A primeira categoria é definida como; Afinal o que estamos chamando de Crise? A segunda categoria
chamada; É preciso treinar para enfrentar a crise. A terceira categoria é denominada de; A integração
ensino/pesquisa/serviço como potente aliada na revisão das práticas de cuidado na crise. Em Afinal o que estamos
chamando de Crise? O que fica perceptível nas falas é o quanto a crise em saúde mental, apesar de
fazer parte da rotina dos serviços de atenção psicossocial é pouco discutida.
É perceptível a pouca produção de novas práticas de cuidado ofertadas nesses serviços.
Tal fato fica evidenciado no distanciamento das concepções de crise e cuidado compreendidas
por usuários e profissionais. Os autores Ferigato, Campos e Ballarin (2007, p.36) ratificam a
discussão em pauta ao dizer que “nem sempre a equipe e paciente estão de acordo em relação ao
conceito da crise, e muitas vezes a família pode também estar ou não de acordo com determinada
intervenção”.
“A gente acompanhava ela e não sabíamos identificar que ela passava por crise silenciosa
(P2). As vezes tem funcionário que não entende quando ele está numa crise, quando ele
está meio lá e cá e procura criticar aquele paciente por isso que as vezes que acontece muito
caso” (U1).
De acordo com as falas acima a crise muitas vezes é algo difícil de ser identificado, ou ainda
não encontra uma postura compreensiva por parte dos profissionais de saúde, em outra fala
encontra-se a seguinte afirmação “eu acho que essa identificação da crise ativa que tem a pré-crise e o pós-
crise, essa pré-crise a gente não tá sabendo lidar com ela” (P2). Para o Ministério da Saúde (2013) não se
trata de retirar um sintoma, mas acolher a situação dando suporte necessário, tendo em vista que
o cuidado precisa está presente na pré-crise, durante a instauração da mesma e bem como após
o surto quando este realmente se externa.
Durante o grupo focal a fala de um dos participantes chamou muito atenção e com certeza
esta encontra neste trabalho total apoio, foi dito; “a crise é um pedido de socorro” (A1), ela também
desnuda a verdade de que muitas vezes esse pedido de socorro é negligenciado, é calado, é
abafado. Outra fala de grupo focal também revela uma visão em concordância com o que está
apresentando, ou seja, de que a crise por vezes é negligenciada, um dos participantes diz: “só
preocupa quando incomoda, enquanto ela vivencia a crise, mas quando não incomoda nenhuma intervenção é
feita” (P02).
A crise em saúde mental também passa pelo estigma de se tratar de algo perigoso ou
que pode ocasionar alguma lesão física aquele que resolver entrar em cena para realizar uma
intervenção. Praticamente todos os manuais que falam sobre contenção física no momento da
crise ressaltam a importância de se proteger de possíveis lesões. Para Mantovani et al. (2010,
p.102) “a adequação do comportamento da equipe de profissionais no manejo da situação é
um aspecto fundamental para a prevenção de agressão física ou danos materiais”. O usuário de
saúde mental ainda é visto como alguém que está nas relações somente para obedecer, portanto
a presença da polícia é justificada pela necessidade de proteção para todos que estão no cenário
do atendimento também pode ser entendida como aquela que está ali para punir. E o cuidado vai
dando lugar ao medo que se transveste de opressão e punição.
“Quando é chamado o SAMU imediatamente a gente pede ajuda da polícia, porque algumas
vezes pode acontecer a necessidade de que haja uma contenção física desse paciente” (P4).
Eu não sei se eles me seguraram, mas eu não sou de agredir, quando eu estou com crise eu
sou de me separar das pessoas, eu tenho medo das pessoas me pegarem, de me bater eu
tenho medo das pessoas é me esconder, me trancar, não comer, não beber, meu negócio é
ficar sempre só, eu não me aproximo de ninguém. (U1)
Uma fala muito recorrente diz respeito ao curso de imersão na realidade dos serviços da
cidade São Paulo intitulado de “Percursos Formativos na RAPS- Intercâmbio entre experiências”,
onde um profissional de cada serviço da RAPS de Parnaíba passa um mês em São Paulo conhecendo
as práticas da RAPS naquele local. Durante as entrevistas os profissionais reconheceram a
importância deste no quesito formação em atenção à crise.
“Pra mim em especial desde que eu fui fazer o treinamento (em São Paulo) específico de
atenção à crise, eu modifiquei muito das minhas ações”. ( P2)
A educação permanente foi apontada nas falas como necessidade para reciclar as práticas
em saúde e ofertar assim práticas ainda melhores, um dos grandes aliados nesse processo pode
ser a parceria com a universidade, pois como campo de estudo e como espaço que também se
insere nos serviços através de estágios e de outros programas como o próprio Pet-Saúde, se torna
uma companheira importante neste processo. Abordaremos a seguir sobre esta parceria, sua
caminhada, ainda tímida, e seus possíveis férteis resultados.
A última categoria é; Integração ensino/pesquisa/serviço como potente aliada na revisão das práticas
de cuidado na crise, que nasce devido aos tensionamentos acerca da articulação entre serviço/
pesquisa/ensino, e está também tem o desejo de sinalizar que é possível, pensar que a rede de
836 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
atenção psicossocial trabalhe em parceria com a universidade e que a crise em saúde mental possa
ser palco também desse diálogo. Existe uma potencialidade inquestionável nas ações da equipe
quando está trabalha articulada, buscando sempre melhorar sua prática e ofertando ao usuário
um atendimento acolhedor e de qualidade. Para Merhy (1999) o cuidado deve ser dá de forma
integral e o mesmo deve passar pelo empenho dos profissionais de saúde, que implicados com seu
trabalho estarão mais próximos dos usuários e mais próximos de atender às suas necessidades.
“A gente ver o desejo de mudança, nos momentos de reunião a gente ver que a gente consegue
identificar o que está errado e consegue planejar uma mudança pra isso” (P2).
A mudança da equipe também passa pelo apoio e viabilização da gestão, ou seja, uma
equipe dedicada e comprometida com suas práticas de saúde tem um maior desempenho quando
é apoiada pela gestão, quando esta também se torna parceira no desenvolvimento do trabalho.
Assim, outras parcerias vão agregando mais ajuda ao trabalho das equipes, esse se dá também
pela presença da universidade, não apenas como aquela que vai colher informações se retirando
da cena logo mais as coletas, nem como aquela que presta ajuda esporádica por meio de seus
estagiários, mas como uma aliada na promoção de melhorias nos serviços.
“Nós somos só a engrenagem, precisa de uma gestão forte de uma gestão que nos possibilite
trabalhar” (P2).
O tocante ao laboratório de expansão afetiva é cabível dizer que este é uma ferramenta de teste,
que acabou sendo geradora de afetos marcados pelo desejo de ofertar cuidado de qualidade,
de ser com o outro em seu momento de tormenta, mas também da retomada do equilíbrio.
Acredita-se que a replicação dessa ferramenta dentro dos serviços pode ser catalizadora de
positivas transformações na relação profissional\usuário. Para Moscovici (1985) a Educação
de Laboratório se refere a um processo de ensino/ aprendizagem que encontra na vivência sua
referência, portanto este Laboratório é conhecido como “um conjunto metodológico que objetiva
o alcance de mudanças pessoais, a partir de aprendizagens baseadas em experiências diretas ou
vivências”. A educação de laboratório conta com dois objetivos: aprender a aprender e aprender
a dar ajuda; o primeiro diz de um processo de desprendimento de pré-conceitos. Além da busca
para a solução de problemas através de recursos que são criados com ajuda de sua experiência e
com experiência dos demais que estão participando;
Uma pauta bastante pertinente, diz respeito, a participação dos usuários em seu processo
de descobrir como enfrentar suas crises. Para Vasconcelos (2008, p. 60) o empoderamento pode
ser compreendido como “fortalecimento do poder, participação e organização dos usuários e
familiares no próprio âmbito da produção de cuidado em saúde mental, em serviços formais
e em dispositivos autônomos de cuidado e suporte”, portanto, o usuário também pode e deve
participar ativamente na elaboração de estratégias junto aos profissionais de saúde que o ajudem
no enfretamento de sua crise. Como é notório esta potente ferramenta pode ajudar no abandono
ao modelo onde o usuário ainda seria visto como o aquele tem que um problema de saúde mental
o que o desqualificaria a fazer parte do cenário da sociedade civil.
O laboratório de expansão afetiva fecha a categoria Integração ensino/pesquisa/serviço como potentes
aliados na discussão sobre crise, como exemplo de ação exitosa na busca de ferramentas que promovam
uma atenção a crise mais humanizada, onde de fato a contenção física não possa ser a única
estratégia disponível para os momentos de crises vividos pelos usuários, mas que a expansão afetiva
seja potência que gera vínculo e retorno ao equilíbrio. Se faz necessário em engajamento entre os
profissionais da saúde, o ensino ( Universidades), os familiares e os usuários de saúde mental,
afinal, o processo diz mais respeito, a estes que a qualquer outro.
Este trabalho buscou compreender as práticas de cuidado voltadas para fazer frente à
crise em saúde mental nos dispositivos da RAPS do município de Parnaíba. Inicialmente pensar
em outras estratégias de contenção além da física no momento da crise era uma das questões
centrais deste trabalho, no entanto a discussão sobre o que é a crise? Como percebê-la? E
que atores podem estar atuando neste cenário? Foram questões que também tomaram uma
amplitude significativa.
Não se pretendeu aqui fechar a questão do cuidado e atenção à crise em saúde mental, nem
eleger qualquer técnica reproduzível em escala nos serviços de maneira mecânica, mas evidenciar
cada vez mais a necessidade de repensar práticas sacramentadas por manuais e rotinas de serviço.
O que ficou claro é que praticamente todos os serviços com relação ao manejo da crise fazem
a intervenção pontual, ou seja, a administração do medicamento e o uso de contenção física
quando o quadro do usuário é de muita agitação e de desestabilização. O sujeito que participa
desse processo é visto como aquele que deve ser contido e por vezes não é protagonista de seu
próprio processo.
Este estudo tem o intuito de sugerir, formas que podem ser utilizadas e que também pode
ser visto como incentivador na busca de outras estratégias, que ajudem na garantia de uma oferta
de cuidados, no período da crise, para além dela. Garantir a pessoa em sofrimento psíquico
cuidado não deveria ser algo distante das práticas ofertadas pelos profissionais dos serviços, mas
sim, deve ser algo basilar na rotina daqueles que se propuseram a ser profissionais da saúde. Em
algum momento da história foi mais fácil deixar “o louco” a margem da sociedade, mas pode-se
considerar ao final deste estudo, que não é difícil está com estes e que na verdade é lamentável o
quanto os estigmas impostos pela sociedade se tornam máquinas engessadoras. Vale evidenciar
aqui o quanto é gratificante receber destes um olhar verdadeiro, uma palavra envolvida de carinho,
o quanto é gratificante fazer parte de suas histórias.
Referências
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2014.
Vasconcelos, E.M (Org.).(2008) Abordagens psicossociais II: reforma psiquiátrica e saúde mental
na ótica da cultura e das lutas populares. São Paulo: Hucitec,
Introdução
A
Atenção Básica (AB) caracteriza-se pelo conjunto de ações direcionadas para o
campo da saúde, com atividades voltadas para o âmbito individual e/ou coletivo
visando a promoção, proteção e prevenção de agravos à saúde, bem como
o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde.
Orientando-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado,
do vínculo e continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade
e da participação social (Brasil, 2012).
A AB busca desenvolver ações em saúde compartilhadas por uma equipe multiprofissional
que assume responsabilidade sanitária por uma determinada população adstrita num território,
devendo considerar a complexidade do processo saúde-doença (Brasil,2012), bem como os
riscos, vulnerabilidade e os possíveis atravessamentos epidemiológicos, socioculturais, religiosos,
psicológicos e econômicos existentes para o manejo, promoção e cuidado em saúde no território.
Compreendendo que os sujeitos e/ou famílias em um dado território possuem idiossincrasias e
modos plurais de ser, existir e experienciar seu processo de saúde-doença-cuidado, com o objetivo
de ofertar uma atenção integral à saúde e fortalecer a autonomia das pessoas nesse processo.
A Política Nacional da Atenção Básica consolida a Estratégia de Saúde da Família (ESF),
como forma de expandir, operacionalizar, reorganizar e consolidar a AB de acordo com os
princípios que regem o Sistema Único de Saúde. A ESF possibilita o acesso à saúde próximo da
realidade dos sujeitos e oferece um olhar multiprofissional e intersetorial sobre o processo saúde-
doença-cuidado para a construção de vínculos positivos e responsabilização profissional pela
continuidade do cuidado e proteção da saúde no território, além de atuar como contato preferencial
dos usuários com a Rede de Atenção à Saúde e ser a porta de entrada do SUS (Brasil,2012).
Considerando ainda que a ESF pode atuar como porta de entrada das problemáticas de saúde
mental que emergem no território, e dessa forma realizar ações voltadas para intervenções em
saúde mental a fim de “promover novas possibilidades de modificar e qualificar as condições e
modos de vida, orientando-se pela produção de vida e de saúde e não se restringindo à cura de
doenças”(Brasil,2013,p.23).
Ao reorientar os processos de trabalho, promoção e cuidado em saúde em todos os seus
aspectos (e.g., físico e psicossociais), demanda que ocorra mudanças também nos modos de
conceber e ofertar saúde no cotidiano dos serviços. Um exemplo pertinente à discussão é que o
paradigma biomédico centrado na doença e na figura do médico seja resignificado, de modo a
840 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
compreender os impactos e atravessamento de suas ações, e os determinantes e condicionantes
de saúde e adoecimento das coletividades.
Outra estratégia utilizada para promover mudanças, fortalecer e qualificar o profissional
de saúde para a atuação e implementação do SUS, foi a instituição dos Programas de Residência
Multiprofissional em Saúde, promulgada em 30 de junho de 2005, sob a Lei nº11.129. Esta se
volta para a edificação de um trabalho multiprofissional que visa contribuir para que ocorram
mudanças no modelo assistencial à saúde, na medida em que possibilite a construção de um
novo perfil de profissional de saúde, que atue na direção de construir outros caminhos, práticas
e tecnológicas de cuidado e acolhimento em saúde, implicando assim, numa performance mais
humanizada, preparado para responder com resolutividade às reais necessidades dos usuários e
coletivos no âmbito do SUS (Brasil,2011)
Carvalho, Garcia e Seidl (2006) discutem que os programas de RMS possibilitam uma
formação mais preparada para a atuação em saúde por estar alicerçada na interface “ensino-
trabalho-cidadania” em caráter multidisciplinar e intersetorial, se configurando, assim, como
espaço privilegiado e estratégico para a construção de mudanças nas práticas de saúde.
E pensando na relevância de formar profissionais em saúde por meio da educação no
serviço, o qual permite vivenciar a realidade e os desafios do trabalho no cotidiano da atuação
na ESF, algumas residências multiprofissionais foram criadas. Em 2016, por exemplo, foi criada
a Residência Multiprofissional em Saúde da Família (RMSF) da Universidade Federal do Piauí,
Campus Ministro Reis Velloso, a qual tem parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de
Parnaíba-PI. Atualmente, o programa conta 18 profissionais de diferentes áreas, sendo elas:
Enfermagem, Fisioterapia e Psicologia. A RMSF surge como forma de ofertar ao município um
espaço diferenciado e comprometido com a formação continuada de profissionais de saúde,
possibilitando a construção de uma implicação ética e política com a realidade do trabalho na
AB, contribuindo assim para a construção de uma práxis formativa mais atenuada às necessidades
e princípios do SUS.
A inserção dos profissionais residentes na AB ainda é algo novo no cenário de saúde do
município, que diferentemente da equipe multiprofissional composta pelos Núcleos de Apoio
à Saúde da Família (Nasfs) que surgem como forma de ampliar a abrangência e o escopo de
atuação na AB, bem como a resolutividade das problemáticas de saúde dentro do território e
co-responsabilização dos casos com a equipe da ESF, isto é, no trabalho de apoio matricial às
equipes (Brasil, 2013). A equipe de profissionais residentes se insere de forma mais próxima da
equipe e criam vínculos, afetos com a comunidade, além de atuarem como mais um ponto de
apoio e suporte de matriciamento das questões de saúde, doença e cuidado.
E com a presença do profissional psicólogo na composição da equipe de RMSF inserida de
dentro da equipe mínima da Unidade Básica de Saúde (UBS), possibilita que as problemáticas
de saúde mental ganhem espaço dentro do quadro de ações programáticas da UBS, buscando
o compartilhamento e co-responsabilização dos casos com os demais profissionais que compõe
a ESF. Reconhecendo o papel da UBS no cuidado as questões de saúde mental, como um
campo potente e fértil para a criação de tecnologias leves e de intervenções que viabilizem a
configuração/desconfiguração /reconfiguração de novos territórios existenciais individuais e/ou
coletivos. Deslocando assim, “o olhar da doença para o cuidado, para o alívio e a ressignificação
do sofrimento e para a potencialização de novos modos individuais e grupais de estar no mundo
aponta na direção de concepções positivas de saúde metal” (Brasil, 2013, p. 35).
A inserção desse profissional dentro da RMSF é relevante para a construção de outras
formas de refletir o cuidado das questões de saúde mental mais próximo dos sujeitos em situação
de sofrimento e de suas famílias, tendo em vista que as questões de saúde mental devem estar
para além do campo do SUS. Implicando, assim, para sua abertura aos demais segmentos da
Método
Resultados e Discussões
O território onde está localizada a UBS, está subdividido em nove micro áreas. Conta com
sete agentes comunitários de saúde, estando duas micros áreas descobertas. A comunidade
apresenta traços urbano e rural, isto é, em uma da micro áreas possuem ruas pavimentadas,
circulação de transporte público, saneamento básico. Enquanto que as demais micro áreas não
possuem tais características, o que dificulta o acesso da população as demais áreas da cidade.
E isso é tão significante que os moradores relatam nem pertenceram a cidade. Por falta de
saneamento básico, os moradores queimam ou enterram o lixo, e a maioria faz uso da água para
consumo direto do rio e riachos que atravessam o território. A fonte de renda é basicamente dos
aposentados, beneficiários do Programa Bolsa Família, agricultura familiar e da pesca artesanal.
Um número significante de moradores não são alfabetizados; algumas micro áreas são de
difícil acesso, ainda mais no período de chuvas o que acaba fragilizando ao acesso a UBS. A
comunidade coloca como espaço de produção de lazer os banhos de rio e riachos, as serestas
nos bares a noite e participação nos grupos da igreja; já os grupos que acontecem na UBS, em
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
geral, não têm muita adesão por parte da comunidade. O uso de plantas medicinais, bem como
a procura de benzedeiras e curandeiras para o cuidado à saúde é um pratica bem comum na
comunidade. Atribuem alguns processos de adoecimentos a questões de cunho espiritual, por isso
pontuaram a procura de outras formas de cuidado para além o uso de determinada medicação
e das idas a UBS. Estas são informações que foram sendo desenhadas sobre a comunidade
adstrita, através de rodas de conversas com a equipe da ESF após o período de territorialização da
comunidade, momento de levantamento dos dados epidemiológicos, socioculturais e econômicos
da comunidade, onde objetivávamos fazer o diagnóstico situacional das problemáticas de saúde.
Percebemos que os usuários na maioria das vezes procuram a UBS mais de forma curativa,
renovação de receitas controladas, quando não para atendimentos de urgência, o que nos leva a
pensar que desconhecem o papel preventivo e promocional de saúde que tem a ESF.
A maioria das queixas de adoecimento que chegavam diariamente ao posto de saúde estão
ligadas e/ou atravessadas por questões de saúde mental, como foi sinalizado pela equipe da UBS,
principalmente pelo médico e enfermeira. E os grupos voltados para atividades de promoção
e prevenção de agravos a saúde tem pouca adesão por parte da comunidade, principalmente,
quando são atividades voltadas para o campo da saúde mental.
E qual a necessidade de relatar as características do cenário onde a UBS está inserida?
Resolvemos sinalizar tais aspectos da comunidade tendo em vista que os modos de ser e existir
no território, aponta atravessamentos para o processo de saúde-doença-cuidado dos usuários,
e como estes irão significar o espaço da ESF. Ainda mais quando falamos de dimensões mais
simbólicas e subjetivas que por ventura atrevessem esse processo. E não podemos negar a
importância de uma análise social e epidemiológica do território para as formulações das ações
em saúde dentro das UBS.
Dentro do quadro de ações programáticas do posto de saúde, semanalmente, nas quartas
feiras, aconteciam os encontros do grupo de saúde mental com o apoio do Nasf e tinham na figura
da psicóloga da equipe o profissional de referência. Do período da inserção da RMSF na UBS em
2017, o grupo encontrava-se desarticulado deste outubro de 2016, por falta de profissional para
facilitar o grupo.
Durante a territorialização, realizada em parceria com os ACS, tentamos mobilizar a
comunidade para participarem das ações de promoção de saúde, incluindo aquelas voltadas para
a saúde mental que estavam sendo realizadas no posto. Os primeiros encontros aconteceram
mediados pela psicóloga do Nasf e psicóloga residente. Aos poucos alguns usuários que
faziam parte do grupo foram aparecendo nos encontros e novos participante, mobilizados na
territorialização, foram compondo o grupo.
O grupo funcionava como uma potente tecnologia de cuidado as questões de saúde mental
dentro da comunidade, na oferta de uma atenção integral e produção de autonomia, bem como
espaço na promoção de espaços e momentos que permitissem trocas de experiências, afetos e
“transformações subjetivas que não seriam alcançadas em um atendimento de tipo individualizado.
Isto se deve exatamente à pluralidade de seus integrantes, à diversidade de trocas de conhecimentos
e possíveis identificações que apenas um grupo torna possível” (Brasil,2013,p.121). O grupo
era aberto para a comunidade e tinha como finalidade a oferta de um espaço de trocas, escuta
empática e acolhimento diante do sofrimento e queixas, que na maioria das vezes, escapavam ao
atendimento médico e de enfermagem, no entanto, muitos dos casos que chegavam ao grupo
eram encaminhados por estes profissionais ou pelos os ACS.
O grupo era composto por adultos jovens, homens e mulheres, adolescentes e idosos, de
faixa etárias variadas. Discutíamos temáticas diversas, mas sempre sinalizadas pelas problemáticas
de saúde mental que chegavam até a UBS de modo que as reflexões e discussões suscitadas no
grupo fizesse sentido para o coletivo.
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tensionamentos e reflexões na construções de ações de intervenção interdisciplinares pensadas
em coletivo e realizadas por equipes multiprofissionais.
E a vivência na UBS através do trabalho como psicóloga residente tem sido fundamental
para pensar quais são as contribuições da Psicologia dentro das equipes multiprofissionais e
intersetoriais, no trabalho, na realidade da AB e de pensar qual é o compromisso ético e político
da profissão para com essa realidade.
(In)felizmente com o passar dos encontros o grupo foi se (des)articulando, os usuários
veteranos foram os primeiros a deixarem lacunas no grupo e com o passar dos encontros os
demais foram saindo. Alguns porque mudaram de cidade ou bairro, outros porque continuar
fazendo parte do grupo naquele momento já não fazia tanto sentido, como bem pontuaram
alguns. Enquanto que a maioria dos integrantes do grupo de saúde mental, já se percebendo
diferentes e mais autônomos no seu processo de cuidado e fortalecidos em sua potência de vida,
a nosso convite passaram a compor outros grupos existentes na UBS, a exemplo do grupo de
atividades físicas que acontece 3 vezes na semana.
Compreendemos o percurso que o grupo foi sendo desenhando no decorrer do ano de 2017,
na tentativa de reativar o grupo que estava sem atividades desde 2016, e como os contratempos
que foram surgindo nesse processo ainda mais como a saída da psicóloga do Nasf, no entanto,
aos poucos foi se desvelando outros espaços para o trabalho com as questões de saúde mental.
Com a chegada da residência na UBS, tentamos nos inserir de modos diferentes nas atividades
já existentes no quadro das ações programáticas, o que foi o caso da retomada do grupo de
saúde mental. A tentativa estava em retomar as discussões sobre a promoção da saúde mental na
comunidade fosse por meio do grupo já existente ou em outros espaços, pois o mais importante é
fazer com que as problemáticas de saúde mental existentes no território encontrassem na ESF sua
porta de entrada para a rede de saúde do município. E com o fim do grupo, pudemos tecer novas
reflexões sobre a promoção da saúde mental, bom como ressaltar a importância da integração
das ações e intervenções às problemáticas de saúde mental de modo transversal e mais integral
dentro dos demais grupos existentes na UBS. Assim, as reflexões e discussões de promoção e
cuidado em saúde mental acontecia da sala de espera aos grupos de gestante e atividade física,
passando ainda pelas interconsultas com os profissionais da equipe da UBS e Nasf, atendimentos
individuais e compartilhados na equipe da residência, bem como em ações intersetoriais, tendo
em vista as atividades do Programa Saúde na Escola também existentes na UBS.
A experiência de atuação como psicóloga residente dentro da ESF e diante desse cenário
que foi sendo discutido no decorrer desse artigo, podemos ressaltar a importância da RMSF para
a construção de novas tecnologias e compressões sobre o papel da Psicologia no trabalho na AB
para a implementação da política do SUS e para o fortalecimento da Política Nacional de Saúde
Mental dentro da Rede de Saúde do município.
Referências
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846 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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MODOS DE CUIDAR EM SAÚDE MENTAL: ENTRE
OS MODELOS HEGEMÔNICOS E A ABORDAGEM
PSICOSSOCIAL
Pedro Victor Modesto Batista
Introdução
O
campo da Saúde Mental está associado ao âmbito das políticas públicas de saúde
que, como tal, é rico e diversificado; tendo em vista que várias disciplinas e saberes
apropriam-se desse campo e se entrecruzam no seu estudo, como: semiologia,
epidemiologia, psicopatologia, psicologia, antropologia, psicanálise, história, ciência política,
filosofia, geografia, psiquiatria, neurologia, filologia e neurociências. Isso permite afirmar que
se encontra dificuldade em delimitar suas fronteiras e de se saber o seu princípio e o seu limiar,
não se pode fixá-lo em um estudo de uma disciplina específica, ou campo de conhecimento, nem
ter como problemática principal “o tratamento das doenças mentais” (Amarante, 2008, p. 16).
Deve-se ter por nota que não existem verdades únicas e definitivas referentes à saúde mental, mas
tem-se um campo que convoca à reflexão, complexidade e à transversalidade de saberes.
Em meio a essa complexidade – em sentido diferente ao de complicação - em que um só
conceito, sujeito ou coisa, pode portar em si uma gama diversa de significação e referências, ou
seja, com o sentido de circularidade que comporta no seu seio paradoxos e incertezas (Oliveira &
Fortunato, 2007), pretende-se aproximar com as discussões em torno da loucura e das formas de
cuidado disponíveis no Sistema Único de Saúde e norteados pela Reforma Psiquiátrica Brasileira,
visando percorrer novas impressões, retomar velhas compreensões e ampliar os discursos sobre
esse ser “estranho”, por muito tempo estigmatizado e o qual atualmente buscam humanizar.
A Reforma Psiquiátrica traz em seu bojo uma mudança de foco ao lidar com os loucos,
pois com o processo de extinção dos manicômios, novas práticas de cuidado são oferecidas/
propostas. Com os avanços do processo reformista, o saber psiquiátrico perdeu parte de sua
hegemonia. Os movimentos sociais, em meio às lutas pelos direitos humanos e as transformações
culturais, passaram a pressionar o Estado brasileiro para a implementação de dispositivos que
assistissem aos sujeitos em sofrimento psíquico sem isolá-los ou retirá-los dos lugares onde moram
e constroem suas vidas.
Estudar a saúde mental, a reforma psiquiátrica e a loucura, significa investigar um processo
em movimento, com diferentes atores: familiares, trabalhadores e as pessoas em sofrimento
psíquico nos múltiplos cenários em que tecem suas vidas: a cidade, as instituições de cuidado,
suas moradias e locais de trabalho. Por sua vez, almeja-se contribuir uma reflexão crescente;
pois “reconhecer os processos cotidianos de trabalho como áreas de tensão e interesses sociais
conflitantes encarnados” (Yasui & Costa-Rosa, 2008, p. 33) nos levará a pensar sobre os interesses/
desejos dos sujeitos em sofrimento e a importância da mudança de paradigma para a oferta do
cuidado em saúde mental.
A loucura teve em seu trato investimentos de condutas e orientações que puderam ser
percebidas no decorrer da história. Hipócrates por volta dos séculos VII e VI antes de Cristo dá a
primeira definição de loucura, quando considerava um desequilíbrio dos humores com excesso
de calor, frio e umidade o que causava esse mal. Séculos se passam e o homem medieval está
sobre o poder da igreja e do misticismo, pois é na Idade das Trevas que a figura do louco se
assemelha às culpas morais e sociais, quando não são expressões demoníacas tratadas com a
fogueira e o exorcismo. Ganha sentido de doença mental apenas no início do século XVIII no qual
são lançados aos asilos e distanciados do olhar da sociedade e estigmatizados. Philippe Pinel
(1745-1826) é o precursor de mudanças na conduta para com os loucos, retira-os do convívio dos
ladrões e flagelados de toda espécie e norteava o seu tratamento por meio da moral, observando
os aspectos saudáveis presente na mente do doente o que dá ao saber psiquiátrico soberania no
trato da loucura (Boarini, 2006; Couto &Alberti, 2008).
O saber psiquiátrico classificou e enclausurou a loucura, considerando-a como uma
desordem psíquica produzida no organismo. No final do século XIX, a loucura recebe por meio da
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‘interpretação’ psicanalítica, discurso freudiano, aspectos históricos e subjetivos particulares dos
sujeitos rompendo, assim, com o discurso biológico. Porém, a psicofarmacologia e a psicanálise,
apesar da mudança de postura, não a retira das amarras sejam químicas, teóricas ou do poder
da psiquiatria, pois uma conserva o poder médico produzindo verdades e a outra tenta adequar a
produção de verdade ao saber médico (Oliveira&Fortunato, 2007;Couto& Alberti, 2008; Foucault,
1979).
Dessa forma, a medicalização dos sofrimentos psíquicos torna-se o mais proeminente meio
de tratamento na atualidade, já que conquistou força com: a neurociência e as propostas de
diagnóstico do DSM (Manual de Diagnostico e Estatístico de Transtornos Mentais), o que gera a
perda do sentido subjetivo da experiência da loucura/sofrimento e legitima o saber psiquiátrico
como ciência:
Se a psiquiatria clássica, de forma geral, esteve às voltas com fenômenos psíquicos não
codificáveis em termos do funcionamento orgânico, guardando espaço à dimensão
enigmática da subjetividade, a psiquiatria contemporânea promove uma naturalização do
fenômeno humano e uma subordinação do sujeito à bioquímica cerebral, somente regulável
pelo uso dos remédios (Guarido, 2007, p. 154).
Consideramos que circular pela cidade, relacionar-se com outras pessoas, apropriar-se de
novos lugares que produzam sentido, realizar escolhas a partir de desejos mutantes, enfim,
afetar-se por novos processos de subjetivação são ações que potencializam os processos de
desinstitucionalização da loucura e, com eles, os objetivos da Reforma Psiquiátrica (Wachs
et al., 2010, p. 908).
Bezerra Jr. (2007) expõe os desafios para a construção do ideário reformista em várias
dimensões como: a assistencial, que deve ser criativa formulando novos modos de cuidado
referentes aos novos dispositivos promovendo serviços personalizados levando em conta os
aspectos culturais, sociais, econômicos do território; a clínica deve se ampliar para incorporar
múltiplas estratégias de intervenção de diferentes saberes; a avaliação dos serviços no que condiz a
atenção ao sofrimento psíquico tem que buscar formas de “estimar subjetivamente, e não apenas
medir objetivamente” (p. 245, grifo do autor); outro desafio é a formação dos profissionais, que
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na maioria das vezes não acompanham as questões políticas e ideológicas da Reforma. Para
combater esses desafios uma prática que estimule a auto-reflexão é a ferramenta inicial para
impedir a formação de “manicômios mentais”, que acabará por reproduzir modelos hegemônicos
e excludentes de lidar com a loucura.
Pinto e Ferreira (2010) apontam que é preciso estar atento para que as novas práticas
de cuidado estimuladas pela Reforma Psiquiátrica Brasileira não esteja reproduzindo controles
e tutelas provenientes das condutas manicomiais mantenedoras de uma sociedade de controle.
Assim sendo, a reabilitação psicossocial pautada em um discurso ‘técnico psicopatológico’, ou
como menciona Saraceno (1996), voltada para um entretenimento que mantem dentro da cultura
hospitalocêntrica e viabiliza uma exclusão para a inclusão, provoca, desse modo, o que denominam
exclausuração: um sentimento de estar só em meio a muitos, que contem simbolicamente o
louco, já que esse possui o seu corpo controlado nos espaços exteriores da cidade inviabilizando
a cidadania e deixando o louco a seus próprios cuidados (Pinto &Ferreira, 2010).
Precisamente a reabilitação psicossocial é uma nova estratégia de cuidar em saúde.
Segundo Merhy (2006) o cuidado em saúde é um acontecimento e não um ato, pois é na
relação entre um trabalhador de saúde e um usuário de um serviço que ocorrerá um processo
de intersecção partilhada em que uma mútua produção em ato micropolítico acarretará em
uma produção de um no outro, ou seja, uma mudança nas partes relacionais. Assim sendo, o
cuidado é um acontecimento permeado de múltiplas tecnologias: leves-duras (o saber arraigado
do profissional), duras (os materiais concretos) e outra proveniente da relação entre trabalhador-
usuário, a tecnologia leve, só possível no ato da relação. São essas tecnologias leves que darão
vazão para a produção do cuidado, pois é no encontro que o cuidado e as interdições acontecem.
Nas palavras do autor a produção do cuidado é uma:
certa modelagem tecnológica (de saúde) de realizar o encontro entre o usuário e seu mundo
de necessidades como expressão do “seu modo de andar na vida”, e as distintas formas
produtivas (tecnológicas) de capturar e tornar aquele mundo seu objeto de trabalho (Merhy,
2006, p. 75).
Porém, Merhy (2006) percebeu que nesses encontros de cuidado havia múltiplos fatores
acontecendo ao mesmo tempo e que não se excluíam possuindo, assim, acontecimentos
ocorrendo no momento das interdições, o que chamou de autopoiese que é “um acontecer no
outro acontecimento interdição” (p. 77), ou seja, é a produção de vida mesmo em situação de
interdição; é produção contínua dos sentidos para a existência; é um movimento em que o agir
vivo de um ser dispara a produção de vida no outro, esse é o sentido do cuidado: um movimento
que produz possibilidades de vida mesmo meio as interdições.
É no dia a dia que se produz a vida, os encontros e o cuidado. Produtores também de
subjetividade se forjam na alteridade entre os encontros maus e bons, aqueles que podem
mortificar ou potencializar a vida. A subjetividade é uma construção sócio-histórica; é modelada
no social e, portanto, está em constante mobilidade agarrando-se a sentidos, desejos, saberes
e poderes. Torna-se objeto; é comercializada como produto e capitalizada sendo tratada como
coisa. Essa mutabilidade é sua vantagem, pois, nada é natural mesmo a loucura. Buscar uma
compreensão ético-estética-politica para o problema da saúde mental é se colocar no lugar do
louco, é gerar vida e mobilidade, é se por a entender o que gera e interrompe a vida e como esses
movimentos coexistem, é estar sempre alerta aos modos de cuidar e de afetação que eles acarretam;
modificando as formas de viver e sentir essa vida na cotidianidade dos fatos e ações pautadas no
enfrentamento da dominação, infantilização e flagelo para assim ser criativo e gerar sempre e em
contínuo novas maneiras de fruir a vida. (Romagnoli et al., 2009; Machado & Lavrador, 2007).
Toma-se como perspectiva que o cuidado vai para além de uma ação, é uma forma de agir,
é uma atitude de zelo, atenção, ocupação, responsabilização, preocupação e envolvimento afetivo
com o outro. A palavra cuidado provém da palavra latina cura ou coera, que significa a atitude de
preocupação pela pessoa amada ou objeto de estima. Dessa maneira, vemos que é por meio
do cuidado que a vida humana toma passagem, que as pessoas se sentem amadas, afagadas,
acalentadas, ou seja, se sentem humanas (Boff, 2008a, 2008b).
As novas práticas de cuidar (tecnologias do cuidar, reabilitação psicossocial, atenção
psicossocial) oferecidas pelos serviços de saúde mental, como: visita domiciliar, oficinas
terapêuticas, atividades de lazer e esporte, projeto terapêutico individualizado, acompanhante
terapêutico (uso das áreas sócias da cidade como espaço de intervenção terapêutica) devem estar
articuladas às necessidades dos sujeitos e atentas ao seu cotidiano. Dessa forma, as práticas de
cuidado visam à manutenção do louco na vida social e que esses possam meio às “limitações” que
possuem exercer suas cidadanias e existências, romper com a cultura de que o lugar do louco é no
hospício (Tenório, 2002; Saraceno, 1996).
Logo, percebemos dois objetivos na Reforma Psiquiátrica: o de favorecer a cidadania às
pessoas em sofrimento psíquico e a mudança de atitude da sociedade frente à loucura. Entretanto,
por mais que seja consenso na comunidade cientifica e sociedade em geral que a terapêutica
asilar é ineficiente, ainda é visível que os modos de vida não aceitos pela maioria despertam:
tentações totalitárias, manicômios mentais e pensamentos fascistas em setores importantes da
sociedade como os cuidadores, gestores e civis recaindo em práticas de marginalização e castigo
mesmo sabendo de sua ineficácia (Desviat, 1999; Alverga & Dimenstein, 2006; Dimenstein,
2006). Assim, alguns autores (Golberg, 1996; Oliveira& Fortunato, 2007; Fassheber&Vidal, 2007)
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problematizam essas novas práticas de cuidado, principalmente, no que diz respeito à maneira
como esse paradigma é efetivado no cotidiano.
Nas práticas cotidianas de acordo com Merhy (2004; 2006) o cuidado é produzido, pois
é nos encontros entre o usuário e o profissional (encontros esses repletos de micropolíticas
geradoras de interdições e interseções), em que agrupamentos de sujeitos interagem com outros
agrupamentos, sejam por vontade de cuidar ou de ser cuidado. É no encontro autopoiético que
se sustenta a produção de vida, pois autopoiese é o movimento que produz vida (mesmo frente
às interdições). Ao ressaltar os encontros e o cuidar como um ato de cunho tutelador que pode
estar facilitando nos processos relacionais à produção de vida (ato de cuidar) ou de morte (ato
de interdição). A saúde passa a ser entendida como a capacidade que o encontro desenvolve em
gerar vida, autonomia e redes coletivas de representatividade (movimentos sociais).
Assim sendo, para entender se um dispositivo de saúde implica-se nos modos de cuidar
que mortificam ou produzem vida, é necessário estar imerso no seu cotidiano de forma atenta
para perceber que tipo de cuidado as ações e as formas de se relacionar com os usuários dos
serviços estão se comprometendo, quais são as intenções no ato de cuidar? Assim, o cuidar em
saúde é um responsabilizar-se sobre intervenções tuteladoras que gera autonomia ao ampliar as
possibilidades de vida. Dessa forma, quanto mais autonomia o trabalhador de saúde possuir e
essa for implicada na produção de cuidado facilitador da vida, mais autônomo e autopoiético
será a ação do usuário (Merhy, 2006).
Portanto, devemos ficar atentos para não reproduzirmos esses pensamentos e modos
fascistas, para não nos orientarmos por uma normalidade que aprisiona em uma classificação
patológica, pois produzir cuidado requer uma mudança paradigmática no lidar com as pessoas
em sofrimento psíquico, requer atos de cuidado que envolvam os coletivos de trabalhos e a
mobilização dos afetos. Nessa perspectiva, esses devem ser inventivos e buscar a processualidade
de suas ações; dar maior relevância ao sujeito, sua singularidade, sua história, seu contexto
cultural e o cotidiano de suas vidas. Devem, sobretudo, afetar-se com os acontecimentos, assumir
características sempre diversas, múltiplas e cambiantes da produção de subjetividade, que também
é produção de cuidado e vida, os profissionais devem buscar ser inventivos e inovadores nas suas
ações para que possam oferecer prazer e sentir satisfação com o que fazem (Martines, 2011).
Assim sendo, voltadas para um modo psicossocial de lidar com os usuários que, por sua
vez, promove espaços de intercâmbio entre profissionais e usuários, bem como, produz encontros
entre pessoas. Funciona como um lugar de interlocução e de acesso livre a população. Também
discrimina a queixa da demanda social, com ênfase na integralidade em saúde pautando-se em
ações territoriais, assim, possibilita um maior auxilio nas demandas complexas apresentadas por
cada indivíduo, o que favorece o controle social e autonomia dos grupos e indivíduos (Amarante,
2008; Costa-Rosa, 2000).
Nessa perspectiva, se clarifica o poder criativo, o trabalho vivo e autopoiético, que possibilita
a inventividade, a potência e a criação de possibilidades; que se sustenta por meio de uma relação
nos atos de promoção de saúde, na aproximação das pessoas, no escutar o que se diz, na liberdade
que todo trabalhador possui de gerir o seu trabalho e que pode por vezes ser tratado de forma
burocrática e cheia de normas, ou seja, pautado em relações duras ou, como também pode ser
feito, de forma singular, espontânea, que preze o encontro com o outro, focando suas ações em
possibilitar a alegria e não a tristeza, a vida ao invés do aprisionamento, o devir no lugar da fixidez,
assim sendo atuando via as relações leves (Merhy, 2006; 2004; Franco, 2010). Dessa forma,
um encontro que produz tristeza, reduz a potência vital do sujeito, ele se torna produtor
de morte nele mesmo, é o caso de situações em que o usuário “esquece” de tomar o
medicamento, não se cuida, não procura ajuda. O contrário, se o encontro produz alegria,
ele aumenta a potência vital, é o caso em que o usuário produz vida em si mesmo, fazendo
Considerações Finais
Referências
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ATUAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADA PARA
ADOLESCENTES E AS VISÕES INTERACIONISTA E
SÓCIO-HISTÓRICAS
Sara Moreno Costa
Larissa Fonseca Araújo
Introdução
U
ma importante ferramenta de auxilio a população são políticas públicas, e no
contexto atual de crise e redefinições de valores e objetivos, os indivíduos acabam
passando por problemas como a fome, violência, preconceito e tráfico onde o
Estado pode estar intervindo para melhorar a vida dessas pessoas. Entretanto, segundo Freitas
e Ramires (2010) na elaboração e execução das políticas dependem muito da visão dos gestores
para com os que recebem a assistência. Se a adolescência é vista como uma fase difícil, de rebeldia
e forem tidas como da natureza do homem ou se, pelo contrario for compreendido que a juventude
é uma construção social, as intervenções serão muito diferentes em seus métodos e objetivos.
Desta forma, o objetivo desse trabalho é compreender a visão naturalista e sócia histórica na
atuação das políticas pública referente ao adolescente.
Desenvolvimento
O ser humano começa sua interação com o mundo desde o nascimento, ou melhor, desde
a gestação onde o bebê acumula algumas informações, como por exemplo, sons e sabores. O
desenvolvimento humano é tema de diversas discursões ao decorrer da história sendo muitas vezes
estudado dando ênfase em um aspecto em detrimento de outros. A psicologia do desenvolvimento
tem como objetivo estudar as mudanças psicológicas que permeiam o cotidiano das pessoas ao
longo da sua vida desde a seu nascimento até a morte (Palacios, 2007).
A adolescência é caracterizada como um período entre a infância e a fase adulta, e segundo
Coutinho (2009) os adolescentes vivem essa fase como uma espera para entrar no mundo adulto,
nesse período o individuo não tem um lugar especifico na sociedade como um trabalho, família
entre outros, dessa forma o conceito que se cria na cultura ocidental é o adolescente como um
ser que cultiva a individualidade, a liberdade e autonomia. O crescimento tanto físico quanto
cognitivo das crianças levam os pais a perceberam que eles estão em um momento onde segundo
Calligars(2000), se assemelham aos adultos, pela maturação do corpo e pela necessidade de
alcançar felicidade ou satisfação dos prazeres, que deixam de ser em brinquedos e historias para
desejos sexuais e por dinheiro.
Há, portanto, duas concepções que permeia o estudo da adolescência, uma visa essa fase
como algo natural do desenvolvimento e dessa forma, contendo um caráter universal e abstrato.
Segundo Bock (2007), a visão naturalista ver o homem como formando por uma natureza
Conclusão
Sendo assim, as políticas direcionadas a adolescentes que contem uma perceptiva naturalista
deixa de contemplar uma ideia mais critica em relação à sociedade, voltando ao que defende Bock
(2007), esse olhar natural da adolescência tende a responsabilizar o próprio adolescente e seus
pais pelos problemas que permeiam a vida social dos jovens como a violência e o uso de drogas.
Portanto, a visão naturalista promove o encobrimento das determinações sociais, que impossibilita
a produção de uma política pública mais apropriado para inserção dos jovens na sociedade como
parceiros sociais com suas próprias virtudes e desejos (Bock, 2014). Já nas concepções sócio
históricas o individuo é visto dentro de uma serie de fatores que contribui para o estado que ele
se encontra, assim, esta visão tem muito a contribuir para a criação de políticas para atender esse
publico que além de passar por várias mudanças fisiológica, igualmente enfrentam problemas
sócias e especifica de cada momento histórico.
858 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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Paulo: Artmed
Freitas, O. A.; Ramires, J. C. L.(2010) . Jovens infratores e políticas públicas: reflexões acerca do Centro
Socioeducativo de Uberlândia. Observatorium, v. 2, p. 2-20,
.
Introdução
A
Experiência de um Sistema Único de Saúde no Brasil (SUS) acumula seus mais de
vinte e cinco anos com avanços históricos, consolidações marcantes e desafios
singulares a seu próprio processo de constituição. Passadas mais de duas décadas,
o SUS se apresenta como o maior sistema público de saúde do mundo, garantindo acesso a mais
de 145 milhões de usuários nos atendimentos básicos, de média e alta complexidade, para todos
e qualquer um.
Nem sempre foi assim. Antes do advento do SUS os cálculos sanitários costumavam dividir os
brasileiros em basicamente três tipos: os que possuíam recursos próprios para manter assistência
privada, os que acessavam o direito à assistência médico-previdenciária no momento em que
conseguiam um trabalho com carteira assinada, e uma terceira parcela (de maior contingente) que
não possuía nenhum tipo de cobertura assistencial, tendo de recorrer aos tradicionais boticários,
à filantropia ou à caridade das casas de saúde.
O sistema que hoje é responsável por uma cobertura de proporções continentais emerge
na carta constitucional de 1988 como cláusula pétrea e irrevogável. Resultado de um movimento
social que foi se aglutinando ao longo das décadas anteriores e chega na VIII Conferência Nacional
de Saúde (1986) com o nome de Reforma Sanitária. A luta, no entanto, estava apenas começando.
Após a promulgação da carta constitucional seria preciso tecer todo processo de transição.
Era necessário abrir passagem para dar condições de efetuação a um sistema de saúde ainda
inédito no país. Descentralizar o sistema das mãos do antigo Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social (INAMPS), dando poderes de gestão plena aos entes federativos
(estados, municípios e união), efetivar a participação popular no processo, equacionar as formas
de financiamento, construir leis infraconstitucionais para operacionalização do sistema.
A primeira grande missão era tirar do papel uma lei explicativa do SUS constitucional, para
que ele oficialmente pudesse começar a funcionar, pois ainda vivíamos com o preceito do
SUS, mas com as regras e práticas do SUDS. Foi a fórceps que conseguimos ter uma redação
comum construída a muitas mãos. Quem disser que escreveu a Lei 8080 está no mínimo
faltando com a verdade. Fomos vários os escritores: uns com idéias, outros com críticas
e outros escrevendo a síntese da idéias. Foi uma construção coletiva que culminou com o
projeto da lei 8080, que teve como eixo as propostas do Movimento Municipalista de Saúde
da década de 70, da Reforma Sanitária e das deliberações da VIII Conferência Nacional de
Saúde da década de 80. (Carvalho, 2011)
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Em espírito coletivo foram redigidas proposições para a lei 8080 (1988-1990). A famosa lei
orgânica da saúde tecia, artigo por artigo, as bases de sustentação do sistema. A aprovação do
texto legal caminharia os passos dos acordos e da sabatina político-partidária no congresso para,
num segundo momento, receber sanção presidencial.
O final dos anos 80 vem, no entanto, com uma forte demanda de expurgar os gastos da
máquina do Estado. Efeito de todo um período de retenção econômica. O início desta década
nasce com a ressaca econômica e financeira de um governo militar em ruínas. O milagre econômico
chegava ao fim escancarando seus efeitos: achatamento das políticas sociais e recessão financeira.
Em meio ao desgaste econômico, havia toda uma tensão instituinte para promover o
processo de democratização, remontar valores, princípios e diretrizes gerais do país em uma
Constituição Federal. Inflações altas e estoque de alimentos convivem lado a lado com bandeiras
de movimentos sociais, MST, índios no planalto, Diretas Já. Como equilibrar as contas públicas e
garantir os direitos sociais alinhavados e construídos durante este período?
As conversas sobre Estado mínimo começavam a cair como luva no final deste período.
Início do governo Collor. Enfim, desembarcara no Brasil as releituras do liberalismo clássico,
um neoliberalismo propagandeado durante os anos anteriores na imagem de um presidente
carismático (Ronald Reagan), uma dama de ferro (Margareth Thatcher) e difundido como modelo
econômico pelos organismos multilaterais (FMI, Banco Mundial).
Em terras sub-equatorianas, o Chile econômico de Pinochet (não mais o político) era o
grande exemplo de que a América Latina também podia dar certo. Estado mínimo, corte de
gastos públicos, contenção e achatamento das proteções sociais. A onda neoliberal se energizava
no cenário nacional brasileiro como solução para o caos econômico que atravessaria os anos 80
de ponta a ponta. Poderia o SUS caber neste pacote?
Sob a alegação de que era preciso dar um ipponna inflação e conter os gastos, a lei orgânica
da saúde recebe veto presidencial nos artigos referentes ao financiamento e participação popular.
Mesmo previsto em texto constitucional, estes pontos persistiam como tensão instituinte
entre o movimento de reforma sanitária e a onda que paralisara os projetos sociais alegando
enxugamento dos gastos da máquina de Estado. Dar ipponnainflação significaria golpear a saúde
e seu financiamento?
Uma oposição se montara, paralisando o andamento e aprovação da lei orgânica. Redatores
do projeto de lei (congressistas e sanitaristas) não aceitavam o veto determinado pelo presidente
Collor. Este, por sua vez, não cedia. Uma indefinição se arrastava pelas velhas gavetas burocráticas
da nova democracia.
Em tempos onde os textos constitucionais eram, por vezes, esquecidos em nome de golpes
de artes marciais, seria preciso ter uma “ousadia para cumprir e fazer cumprir a lei”. Este foi o
lema puxado pelo movimento da reforma sanitária para manter aquecida a força instituinte que
tornou possível o texto da saúde na cláusula constitucional. Era preciso inventar estratégias de
negociação, dialogar, ceder quando necessário.
Inicialmente sem tópicos de financiamento e de participação social, fora carimbada,
promulgada e publicada a primeira lei de operacionalização do novo sistema, a lei orgânica. Houve
todo um manejo político para convencer tanto o presidente quanto o movimento reformista que
os tópicos subtraídos poderiam ser legislados mais à frente. Meses depois, outro texto legaliza os
itens inicialmente subtraídos (Lei 8142/90).
O desafio, a partir de então, seria abrir frentes que incidissem sobre as forças de conservação
que persistiam na manutenção das velhas práticas. Era necessário abrir frestas em meio à robustez
do INAMPS. Não seria uma simples troca de letras, outro sistema de siglas. O instituto que
centralizara toda a política de assistência médico-hospitalar nos anos 80 e cuja extinção jáhavia
sido prevista, atravessara os primeiros anos da década de 90 com a força de imprimir o seu timbre
nas Normas Operacionais Básicas (NOBs) de saúde da época.
Desenvolvimento
É neste período que o sistema chega ao auge do seu contraponto: o acesso vai gradativamente
se ampliando ao passo que o financiamento mínimo, tradicionalmente garantido para a
manutenção do sistema, é retirado. O setor perde os 30 % de recursos repassados durante décadas
pela previdência social, no ano de 1994. A alegação era a de que não havia mais condições de
sustentar este repasse para a saúde.
Medidas e tributos provisórios vão determinando o montante de recursos para a saúde, sem
haver regulamentação de um mínimo que viabilizasse o funcionamento do setor. Em 1996 é criada
a CPMF como recurso emergencial, que é mais uma vez desviado para conter o caos da crise
econômica de 1997. As crises da Ásia (1997), da Rússia (1998) e a desvalorização do real (1999)
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não abriam brecha para discussão de financiamento da saúde, que esperaria a virada do século
para que se tomasse alguma decisão.
A baixa articulação dos sistemas de media e alta complexidade, em sua maioria prestadores de
serviço, com as demais redes de saúde
Herança dos acordos para aprovação do texto constitucional, a iniciativa privada faria parte
do SUS como uma rede suplementar. Onde o sistema público não tivesse capacidade técnica ou
infraestrutura para oferecer serviços de saúde, havia a opção de recorrer a prestadores privados
na modalidade de compra de serviços.
Desde o advento do SUS, cerca de 75 % dos serviços de média e alta complexidade são
realizados por unidades privadas (Oliveira, 2011). Uma consequência deste ofertamento do
cuidado na rede SUS é que há uma baixa articulação entre a prestação de serviços destas entidades
privadas e o restante da rede SUS. Há um comprometimento claro do Sistema, uma vez que sua
lógica é operar um funcionamento em rede (Mattos, 2009).
Muito do esforço do funcionamento em rede e da integração dos Serviços de saúde se
perdem neste nó. Questõesenfrentadaspela NOB 93, vão se perdendo por brechas. Frente a
necessária articulação com a iniciativaprivada, imposta pela diretriz neoliberal, justificada como
alternative financeira aos limites de gastos, a prestação de serviçosentrasemcompromisso com as
novas diretrizes e sequer com a lógica de funcionamento preconizada nas unidades hospitalares.
Da miríade de desafios que se abrem ao SUS neste período, encontramos seu ponto de
convergência na discussão de financiamento à saúde. As crises econômicas de 97 (Ásia), 98
(Rússia) e 99 (desvalorização do real), como referimos acima, não oferecem espaço para este tipo
de discussão.
Unidades de excelência em saúde passam por processos de sucateamento. O sistema
atingindo o cume de todo processo de fragilização, pouco consegue criar alternativas para
enfrentar os discursos privatizantes que ganhavam força à época. Era das grandes privatizações
realizadas em lotes fechados. Estava no auge o que alguns teóricos denominaram contra-reforma
do Estado neoliberal, na área da saúde. A reforma da reforma sanitária. (Campos, 2007)
O projeto sanitário do SUS entra nos anos dois mil como um consenso vazio: todos acham
necessário, mas pouco se consegue no que diz respeito a inventar arranjos metodológico-
conceituais que ampliem a capacidade de resposta aos desafios ora colocados.
A virada de século, no entanto, consegue virar também a ideia de crise. Outros significados
vão sendo engendrados, sobretudo após os acontecimentos que ficaram conhecidos como as
batalhas de Seattle.
Planejada para os momentos finais do século XX, a rodada do milênio (reunião capitaneada
pela Organização Mundial do Comércio) é surpreendida por uma multidão de pessoas que
começam a brotar pelas ruas de Seattle. Milhares de pessoas (ecologistas, humanistas, pacifistas,
sindicalistas, anarquistas e trabalhadores), aparentemente sem ter um comando central,
aglutinam-se numa força que surpreende os próprios manifestantes. De repente, as tartarugas
dos ambientalistas atravessam placas de protesto da federação sindical americana (AFL-CIO) e
todos se perguntam de onde vem tanta gente? Era a primeira grande manifestação organizada
com a ajuda da internet.
Os descontentamentos ante os altos índices de desemprego (inclusive nos países
desenvolvidos), os aumentos nos preços de bens consumíveis e os achatamentos das proteções
sociais (saúde, previdência, seguridade) começavam a fazer pressão num movimento claro de
recusa ao mote ‘neo-tradicional’ de contenção dos gastos sociais. Não era apenas um fenômeno
local. Frentes de resistência reverberavam-se em escala mundial.
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HumanizaSUS David Capistrano em 2004 (Mori & Oliveira, 2009) traziam a visibilidade necessária
para isto. Era por dentro que a PNH encontrava a força de contestação ante a sensação cristalizada
de esgotamento do projeto sanitário do SUS. Contestar o esgotamento do sistema pela força
instituinte no próprio sistema.
Entre acolhimento, vivência rural, gestão participativa e descentralizada, farmácia da
família e experiência do método Canguru a Humanização ia dando seus primeiros passos para
se afirmar como um conceito-experiência, refratando os lugares instituídos e programáticos que
lhe conferiam (tema da moda) e se posicionando na sustentação e incitação de movimentos de
experimentação nas práticas de saúde. Movimentos que traziam a força necessária para criação
de modos de gerir e cuidar mais comprometidos com o vívido da vida.
Primeiros passos na experimentação da Humanização como uma política que foi se
desenhando por meio de pistas. Um hodos-metá. Um caminhar que traça nos percursos suas metas,
vai disparando movimentos por meio de dispositivos (sempre provisórios) e traçando os percursos
através de diretrizes (pistas que indicam a direção para o que está em movimento). Não é uma
caminhada solta, abstrata ou perdida. É uma caminhada com outro rigor, que se abre à escuta
dos acontecimentos, que se afirma na potência de criação (no entre às possibilidades dadas).
É a partir de um duplo desafio (conceitual e metodológico) que a PNH vai se afirmando
como uma aposta política para efetuação dos princípios do SUS. Denominamos aqui este “jeito de
fazer” como uma arma metodológica para enfrentamento dos desafios que vínhamos pontuando.
Criação de modos de fazer que como apontam (Barros; Herckert; &Passos, 2009):
Conclusão
O SUS se estrutura em meio a esta história e segue nos dias atuais enfrentando os diversos
momentos e crises políticas, e hoje vive uma realidade ainda mais grave, com o recente congelamento
de gastos por 20 anos, aprovado no congresso, a PEC 241.
Apostamos que os enfrentamentos do SUS e embates, principalmente com governos
neoliberais, se fazem por se tratar de um projeto que excede o campo da saúde, propõe uma
alteração social importante quando emplaca com princípios de equidade, universalidade e
integralidade.
Certamente que as políticascomplementares, como a PNH, vêm a partir de diagnósticos e
apresentam-se como enfrentamento às dificuldades que estão par além do financiamento, trata-
se de enfrentar uma lógica hegemônica e alterar modos de vida e visões de mundo. Alterar o
paradigma da saúde.
A invenção de metodologias e criação de políticas para efetivar as propostas do SUS se
fazem fundamentais, mas sempre ressaltando que para um ideal de sociedade e modelo de
saúde integral, equânime e universal, não pensamos em um “chegarlá”. Estamos certos de que
esse percurso é o que nos vale, visto que o fim desse percurso será uma institucionalização de
práticas que imediatamente já precisarão ser revistas à luz processo que a fez, produzindo logo
um desmontar de feitos e um refazer. Sempre em movimento, pois é este que garante a força do
caminho.
Vivemos um momento delicado, de deliberados retrocessos nessa história, vide recentes
declarações do atual ministro da saúde, queapoiaplanos de saúde populares, tem se reunido com
empresários de planos de saúde, recentealteração na política nacional de atenção básica (PNAB),
que é a base consistente do SUS, sua maior aposta na descentralização e implementação de uma
lógica territorial. Mas seguimos acompanhando os movimentos e fazendo nossa luta, apoiados
ou não em leis, trazendo à memória que essa história se fez para aquém e além das leis e certos
de que perseguimos um constant movimentar-se na direção de que uma outra sociedade, outros
modos de vida são possíveis.
Referências
Barros, M., Heckert, A., Passos, E. (2009).Um Seminário dispositivo: A humanização do Sistema Único de
Saúde (SUS) em debate. In: Interface: Comunicação, Saúde e Educação. São Paulo, v.13. p 493-502.
Benevides, R., Passos, E. (2005). A Humanização como Dimensão Pública das Políticas de Saúde. Ciência
& Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.10, n. 3, p.561-571.
Campos, G. W. S. (2007). O SUS entre a tradição dos Sistemas Nacionais e o modo liberal-privado para
organizar o cuidado à saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, p. 1865-1874.
Massaro, A., Barros, F., Pessatti., M. (2004). Cartilha HumanizaSUS: Ambiência. Brasília: Ministério
da Saúde.
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Mori, E., Oliveira, V. (2009). OsColetivos da Política Nacional de Humanização (PNH). A cogestão em
ato. In: Interface: Comunicação, Saúde e Educação. São Paulo, v.13. p. 627-640. Fundação Uni/
UNESP.
Oliveira, G. (2011). Devir apoiador: uma cartografia da função apoio. Campinas: SP.
AVALIAÇÃO: MÉTODO E
MEDIDAS EM PSICOLOGIA,
BASES BIOLÓGICAS
DO COMPORTAMENTO
NEUROPSICOLOGIA
TEORIA FUNCIONALISTA DOS VALORES HUMANOS:
TESTANDO A HIPÓTESE DE CONTEÚDO EM UMA
AMOSTRA DE CRIANÇAS
Thaís Coutinho Souza
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Glysa de Oliveira Meneses
Ernandes Barbosa Gomes
Emerson Diógenes de Medeiros
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Introdução
A
tualmente, os valores humanos são considerados um dos principais aspectos do
desenvolvimento bem-sucedido das sociedades, que são transmitidos de uma
geração para a outra, sendo fundamentais para a sobrevivência e manutenção
destas (Inglehart, 1977). Dessa forma, entende-se que os mesmos se desenvolvem nos períodos
iniciais da vida, transformando-se, posteriormente, em características individuais relativamente
estáveis, consideradas importantes para explicação de construtos, tais como comportamentos,
atitudes e outros atributos psicológicos. Apesar de sua importância, o seu processo de elaboração
durante a infância ainda é pouco estudado (Cieciuch, Davidov, & Algesheimer, 2015).
Visando superar essa deficiência, alguns pesquisadores têm se dedicado a realizar estudos
com a tematica, principalmente referentes a em socialização em valores (Grusec & Davidof, 2010),
uma vez que a socialização enfatiza a ideia de aprendizagem, que envolve um processo continuo
(Medeiros, Soares, & Vione, 2016). Tais estudo têm englobado diferentes agentes, a exemplo da
família, onde as crianças estabelecem as primeiras trocas na constituição de suas crenças, práticas
e, consequentemente, os seus valores por intermédio da cultura, focando-se, principalmente, na
estrutura familiar (Knafo, 2003). Nessa direção, as pesquisas têm buscado analisar as prioridades
valorativas de crianças e adolescentes, a partir da compreensão dos relacionamentos familiares e
do processo de transmissão de valores entre pais e filhos.
Evidencia-se, desse modo, a necessidade e relevância de se estudar os valores humanos nas
fases do desenvolvimento, por reconhecer que esse construto exerce influência no comportamento
nos âmbitos individual e social (Meneses, 2017), principalmente nas fases iniciais da vida,
onde a literatura ainda é escassa, especialmente no que tange à elaboração e/ou adaptação
de instrumentos psicométricos (Soares, 2013). Isso se deve, em parte, ao fato de os estudos
desenvolvidos focalizarem a estrutura familiar para se considerar os valores em crianças e
adolescentes, empregando, de forma geral, medidas elaboradas para adultos, avaliando valores
dos pais (Moraes, Camino, Costa, Camino, & Cruz, 2007). Ademais, ressalta-se a importância
de testar as diferentes propostas das vertentes teóricas existentes sobre os valores humanos, de
modo a contribuir com uma melhor compreensão de tais teorias também na infância.
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Nesse sentido, em observância a estas questões, acerca da construção teórica referente à
esse construto ao longo dos anos, especificamente em Psicologia, nota-se que essa temática teve
relevância a partir dos estudos de Rokeach, que propôs tornar esse construto independente de
outros os quais era sempre vinculado, (eg. Comportamentos, atitudes e crenças; Medeiros, 2011).
Fato que impulsionou o estudo, principalmente, por duas vertentes: a) Sociológica (cultural),
como os valores culturais de Hofstede (1980) e os políticos de Inglehart (1977); b) Psicológica
(individual), com os valores instrumentais e terminais de Rokeach (1973), os tipos motivacionais
de Schwartz (1992), além da Teoria Funcional dos Valores Humanos (TFVH) (Gouveia, 2003),
que tem se apresentado mais parcimoniosa e integradora que as anteriores, além de demonstrar
padrões satisfatórios de adequabilidade (Soares, 2013), e servirá de pano de fundo para a presente
pesquisa, sendo detalhada a seguir.
A TFVH apresenta cinco suposições teóricas: 1) natureza benévola humana, valores como
positivos; 2) São princípios-guia individuais, servindo como padrões gerais de orientação para
o comportamento das pessoas, não se restringindo demandas situacionais; 3) Possuem uma
base motivacional; 4) Os valores possuem caráter terminal; e 5) Os valores apresentam condição
perene, sendo os mesmos, modificando-se apenas as prioridades valorativas (Gouveia, 2016).
Dessa maneira, os valores se configuram enquanto critérios de orientação (princípios-guias)
individuais, pautadas nas necessidades humanas, que transcendem situações concretas e, assumem
magnitudes distintas. Assim, os valores são combinados com as experiências de socialização,
funcionando como lentes construídas socialmente, dando sentido ao mundo (Gouveia, 2003).
Segundo Gouveia (2016) a TFVH, concebe os valores por uma perspectiva inovadora, ao ser
a primeira a considerar diretamente as funções atribuídas aos valores. Especificamente, aborda
duas que são consensuais na literatura: a) Tipo de motivador (eixo horizontal), que expressam
cognitivamente as necessidades, por dois tipos: materialistas (vida como fonte de ameaças a
serem superadas) ou idealistas (vida como fonte de oportunidades); e b) Tipo de orientação, que
servem a metas, sociais (foco na comunidade), pessoais (foco intrapessoal) e centrais (propósito
geral de vida), estes últimos sendo congruentes e estruturantes dos demais valores, funcionando
como a espinha dorsal da teoria (Gouveia, 2003).
A interação dos valores ao longo dos eixos permite identificar seis subfunções que são distribuídas de
maneira equitativa nos critérios de orientação social (interativa e normativa), central (suprapessoal e existência)
e pessoal (experimentação e realização), esta estrutura pode ser verificada na Figura 1.
Figura 1. Facetas, dimensões e subfunções dos valores básicos. Adaptada a partir de “Conhecendo os valores na
infância: Evidências psicométricas de uma medida”, de Gouveia, V. V., Milfont, T. L., Soares, A. K. S., Andrade, P.
R., e Leite, I. L., Psico, 42(1), 106-115. Copyright 2011 EDIPUCRS.
Hipótese de conteúdo
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Para além disso, tendo em conta que os valores se formam nos primeiros dez anos de vida
(Porfeli, 2007; Rokeach, 1973), alguns estudos têm sido desenvolvidos no âmbito do modelo
proposto por Gouveia e colaboradores (2003; 2016) utilizando amostras de infantes (Lauer-Leite,
2009). Entre eles, destaca-se o estudo de Gouveia et al., (2011), o qual objetivou reunir evidências
de adequação psicométrica do Questionário dos Valores Básicos, versão infantil (QVB-I), uma vez
que se observa a relevância na identificação dos valores nesta fase de desenvolvimento (Sousa,
Soares, Gouveia, & Lima, 2013), faz-se necessário contar com instrumentos com boas qualidades
métricas para a sua avaliação.
Assim, haja vista os aspectos elencados até aqui, aliado ao fato de que outros modelos
prévios de valores (Inglehart,1977; Schwartz, 1992) não se dedicarem à investigação acerca dos
valores infantis (Andrade, Camino, & Dias, 2008), a presente pesquisa objetiva aumentar o escopo
acerca dos parâmetros psicométricos do Questionário dos Valores Básicos - Infantis (Gouveia et
al., 2011; Soares, 2013; Sousa et al., 2013), ao reunir evidências de validade de construto e sua
precisão, além de testar a hipótese de conteúdo dos valores, segundo o modelo funcional dos
valores (Gouveia, 2003, 2016).
Método
Participantes
Instrumentos
Questionário de Valores Básicos - Infantil (QVB-I; Gouveia et al., 2011). Composto por 18 itens
(três itens para cada subfunção). Esta medida foi adaptada por Gouveia, Milfont, Soares, Andrade
e Lauer-Leite (2011), considerando aquela elaborada para adultos por Gouveia (2003). Os 18 iten
são distribuídos equitativamente entre as seis subfunções valorativas (experimentação, realização,
suprapessoal, existência, interetiva e normativa), descritas previamente. Assim, a criança
respondente, deve indicar o grau de importância que cada valor tem como principio que norteia
as suas vidas, de acordo com escala de cinco pontos, que são representados por smiles (rostos) de
bonecos e números, que variam de 1 (Nenhuma importância) a 5 (Máxima importância).
Além disso, aplicou-se um questionário de caracterização sóciodemográfica, composto pelas
seguintes perguntas: idade, sexo e grau de escolaridade.
Procedimentos
Inicialmente, realizou-se o contato com as direções das escolas (públicas e particulares), para
a obter da autorização para a realização da pesquisa. Por se tratar de um estudo com menores,
com a prévia autorização dos diretores obtida, posteriormente, buscou-se a autorização dos pais
e responsáveis, por meio do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para que estes
autorizassem a participação das crianças. Após prévia autorização dos pais, por meio da assinatura
do TCLE, bem como do Termo de Assentimento por parte da criança, designado para que as
crianças indicassem que aceitariam participar da pesquisa, procedeu-se a coleta de dados. Que foi
efetivada por pesquisadores previamente treinados, que permaneceram presentes durante todas
as coletas, para que pudessem esclarecer dúvidas e auxiliar os participantes durante a execução da
Contou-se com os pacotes estatísticos AMOS e SPSS (ambos na versão 21) para realizar
as análises estatísticas dos dados. Com o AMOS realizaram-se análises fatoriais confirmatórias
(AFCs), objetivando checar a validade de construto (Hipótese de Conteúdo dos valores). Com tais
indicadores de ajuste (Marôco, 2014):
(1) χ² (qui-quadrado). Testa a probabilidade de o modelo teórico se ajustar aos dados
empíricos; valendo-se da razão em relação aos graus de liberdade (χ²/g.l.), onde seus valores
devem ficar entre 2 e 3, admitindo-se até 5; (2) Goodness-of-Fit Index (GFI)
(3) Comparative Fit Index (CFI). São indicadores adicionais de ajuste do modelo, admitindo-se
valores idealmente próximos ou superiores a 0,90;
(4) Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA). Considera intervalo de confiança de
90% (IC90%), para este indicador, recomenda-se que os valores fiquem citados próximos ou
inferiores a 0,05; sendo 0,08, admitindo-se até 0,10.
Com SPSS 21 calculou-se estatísticas descritivas (frequência, médias, desvios padrões),
consistência interna (homogeneidade e Alfa de Cronbach). Ainda calculou-se a confiabilidade
composta (CC; Fornell & Larcker, 1981; Marôco, 2014). A confiabilidade composta, quando
comparada, por exemplo, com o alfa de Cronbach (α), tem a vantagem de não pressupor que
os itens sejam tau equivalentes, isto é, tenham iguais pesos fatoriais, nem que os erros de medida
sejam independentes. Portanto, é um indicador adicional de consistência interna dos fatores
(subfunção) avaliado.
Para comparar os modelos alternativos contou-se com os indicadores, a saber: ∆χ²,
CAIC (Consistent Akaike information Criterion) e ECVI (Expected Cross Validation Index). Diferença
estatisticamente significativa do ∆χ², penalizando o modelo com maior χ², e valores < de CAIC e
ECVI sugerem um modelo mais adequado.
Resultados
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Tabela 1.
Estatísticas descritivas, precisão do construto do QVB-I.
Subfunção M DP α rm.i CC
Experimentação 4,17 (4) 0,78 0,58 0,32 0,58
Realização 3,03 (6) 0,97 0,61 0,34 0,61
Existência 4,57 (1) 0,59 0,56 0,29 0,57
Suprapessoal 4,01 (5) 0,76 0,38 0,17 0,48
Interativa 4,50 (2) 0,62 0,53 0,27 0,54
Normativa 4,25 (3) 0,79 0,56 0,30 0,57
Nota: N= 201, M = média, DP = desvio padrão, α = Alfa de Cronbach, rm.i = Índice de homogeneidade, CC = Confiabilidade
Composta, VME = Variância Média Extraída. Os valores entre parênteses correspondem à ordem de importância das
subfunções.
Tabela 2.
Cargas fatoriais da estrutura hexafatorial com suas respectivas saturações.
SUBFUNÇÃO/ VALORES Lambdas (λ) Lambdas (λ)
Subfunção Experimentação ---- Subfunção Existência ----
Emoção 0,53 Estabilidade 0,66
Estimulação 0,63 Saúde 0,47
Prazer 0,53 Sobrevivência 0,53
Subfunção Realização ---- Subfunção Interativa ----
Êxito 0,52 Afetividade 0,59
Poder 0,61 Apoio Social 0,46
Prestígio 0,62 Convivência 0,54
Subfunção Suprapessoal ---- Subfunção Normativa ----
Arte 0,61 Obediência 0,57
Conhecimento 0,63 Religiosidade 0,48
Igualdade 0,19 Tradição 0,61
RMSEA
Fat χ2 DF χ2/gl GFI CFI CAIC ECVI Δχ2 (df)
(IC90%)
0,07
6 234,22 120 1,95 0,88 083 ( 0 , 0 6 - 555,68 1,74 ―
0,08)
0,07
11,25
5 245,47 125 1,96 0,88 0,82 ( 0 , 0 6 - 535,42 1,73
(5)
0,08)
0,08
5 5 , 9
3 290,12 132 2,20 0,86 0,76 ( 0 , 0 7 - 535,95 1,88
(12)*
0,09)
0,09
112 , 6 6
2 346,88 134 2,59 0,82 0,68 ( 0 , 0 8 - 580,10 2,14
(14)*
0,10)
0,09
119 , 2 7
1 353,49 135 2,62 0,82 0,67 (0,08 – 580,41 2,16
(15)*
0,10)
Nota: N = 201. Modelos hexafatorial (original), pentafatorial (subfunções suprapessoal e existência formando uma
única subfunção: valores centrais), trifatorial (valores pessoais, centrais e sociais), bifatorial (valores idealistas e
valores materialistas) e unifatorial (todos os 18 valores saturando em um único fator).
Como pode se observar nesta tabela 3, o modelo original hexafatorial, composto por
seis subfunções (fatores), e o a pentafatorial, apresentam os melhores índices de ajuste. Dessa
forma, os resultados sugerem que não seria absurdo considerar um fator gerado pela junção das
subfunções existência e suprapessoal. Portanto, parece plausível pensar que os 18 valores específicos
do QVB-I podem ser representados adequadamente por seis fatores, corroborando a hipótese de
conteúdo.
Discussão
876 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
isto, buscou-se averiguar a homogeneidade (correlação inter-itens), que é um índice complementar
de confiabilidade, sendo este considerado adequado (0,20; Clark & Watson, 1995).
Quando considerada a hipótese de conteúdo, os resultados corroboram o que prediz a TFVH,
ou seja, que os valores podem ser representados por seis subfunções (seis fatores, cada um com
três valores específicos). Dessa forma, o modelo hexatorial, foi comparado com alternativos:
(1) unitorial, que constitui a questão da desejabilidade social, inerente aos valores (Schwartz,
Verkasalo, Antonovsky, & Sagiv, 1997); (2) bifatorial, composto pelos valores materialistas e
idealistas (Braitwite, Makkai, & Pittelkow, 1996); (3) trifatorial, formados por tipo de orientação,
que podem ser social, central, e pessoal (Rokeach, 1973; Schwartz, 1992) e (4) pentafatorial, onde
os valores das subfunções existência e suprapessoal são agrupados em um único fator, denominado
de central, fonte pela qual do qual os outros valores se estruturam e organizam (Maslow, 1954).
Tais resultados similares de adequação hexafatorial já foram relatados em pesquisas subjacentes
em território nacional e internacional (Gouveia, 2016).
Entretanto, apesar dos resultados promissores, entende-se que toda pesquisa cientifica
envolve limitações potenciais. Assim, menciona-se o viés amostral, que foi obtida em 4 escolas
(públicas e particulares) da cidade de Parnaíba, dando-se por conveniência, de forma não foi
probabilística, fato que impossibilita a generalização dos resultados, para além do limite amostral.
A utilização de um instrumento de autorelato também se configura como uma limitação, pois
permite que o respondente falseie as suas respostas, em função da desejabilidade, fato que é
potencializado pela presença do pesquisador.
Para além desses resultados e pensando na possibilidade de estudos futuros, sugere-se que
pesquisas como esta sejam replicadas em outras regiões brasileiras, abrangendo um número
maior de participantes, que tornem a amostra mais representativa. Seria igualmente interessante
considerar amostras com diferentes fases do desenvolvimento, por meio de estudos longitudinais,
visando averiguar a mudanças ocorridas nos valores em diferentes idades. Ademais, seria necessário
investigar a validade atemporal da medida, para verificar se a mesma produz resultados similares
ao longo do tempo. Finalmente, seria interessante relacionar QVB-I, com demais variáveis, para
além das já relacionadas, a exemplo do significado do dinheiro (Lauer-Leite, 2009), nos atos bullying
(Monteiro et al., 2017; Soares, 2013) e no comportamento de mentir em crianças (Meneses, 2017).
De maneira geral, os resultados encontrados, mostrando que o QVB-I se apresenta como
uma ferramenta com evidências psicométricas favoráveis, podendo ser útil para o aumento em
pesquisas interessadas nos valores das crianças, e como os mesmos se desenvolvem durante o
processo de socialização nas fases iniciais da vida. Além disso, o QVB-I pode ser utilizado para
subsidiar propostas de intervenções, principalmente em valores no contexto escalar, que funciona
como um agente importante na construção e internalização dos valores infantis.
Referências
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Introdução
O
desenvolvimento infantil é um processo dinâmico, perpassado por inúmeras
transformações biopsicossociais que afetam a criança e os que convivem com ela. A
interação entre os diversos aspectos nos campos psicomotor, cognitivo, emocional
e social vão constituindo o, até então, lactante em um ser integral e em constante transformação
(Santos, Xavier, & Nunes, 2009). Ao longo desse processo, contudo, é possivel que haja alguns
percausos que demandem a investigação dos aspectos psicológicos decorrentes. Para investigar
esses fatores, o psicológo pode utilizar como recurso a Avaliação Psicológica, que configura-se
como uma prática privativa da área. Esta atividade constitui-se, conforme Primi (2010), na busca
sistemática de conhecimento sobre o funcionamento psíquico das pessoas, visando orientar ações
e decisões futuras. De acordo com Rigoni & Sá (2016), esta prática, caracterizada principalmente
por sua dinamicidade, permite a compreensão das potencialidades e dificuldades apresentadas
pelo avaliando. Mediante o uso de diferentes ferramentas, tais como as entrevistas, a hora do jogo
diagnóstica, as observações comportamentais e os testes psicológicos, o psicólogo pode conduzir
processos de Avaliação Psicológica com crianças.
Em relação aos instrumentos psicológicos, Reppold, Serafini, Ramires, & Gurgel (2017)
analisaram os 158 testes, disponíveis na lista do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos
(SATEPSI), que apresentavam parecer favorável. Como resultado, verificou-se que, do total de
testes, 18 eram direcionados exclusivamente ao público infantil, sendo 3 voltados à avaliação da
personalidade, a saber, Teste de Apercepção infantil - Figuras de Animais (CAT), Escala de Traços
de Personalidade para Crianças (ETPC) e Teste de Contos de Fadas (FTT). No que concerne aos
destinados a crianças e adolescentes, foram achados 8 instrumentos, destes apenas o Questionário
de Personalidade para Crianças e Adolescentes (EPQ-J) e The House-Tree-Person (HTP) avaliam a
personalidade. Além disso, as autoras encontraram 12 testes voltados a crianças, adolescentes e
adultos, sendo somente o Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister direcionado à personalidade.
Com isso, nota-se que há, no Brasil, uma insuficiência de instrumentos de Avaliação Psicológica
para a população infantil.
Outra problemática que vem sendo observada refere-se à carência de testes para a faixa-
etária dos zero aos seis anos, tenho em vista que a maior parte é direcionada a crianças com idade
mínima de seis anos (Reppold et al., 2017), deixando uma lacuna no período precedente. De acordo
com Pires (2017), o processo de Avaliação Psicológica com crianças é uma prática que vem sendo
bastante solicitada, sobretudo nos contextos clínico e educacional. O mapeamento das funções
cognitivas, a investigação de aspectos comportamentais, emocionais, neurodesenvolvimentais,
visuomotores, intelectuais e relacionais são comumente requisitados durante a avaliação
880 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
infantojuvenil (Pires, 2017). Isso evidencia a necessidade do aprimoramento dos instrumentos
psicológicos para essa fase do desenvolvimento, quer sejam escalas, questionários, inventários ou
métodos projetivos.
Dentre os diferentes métodos projetivos, tem-se o teste de Zulliger. Elaborado em 1942
por Hans Zulliger, baseado no Psicodiagnóstico de Rorschach, este instrumento de avaliação da
personalidade é composto por borrões de tinta simétricos, impressos em três cartões. Durante sua
aplicação, solicita-se ao examinando que verbalize com o que as manchas de tinta se parecem e,
em seguida, na fase de inquérito, o mesmo é convidado a dizer onde viu os perceptos verbalizados
e o que na mancha fez com que ele associasse essas respostas (Villemor-Amaral & Primi, 2009).
Este teste possibilita a investigação de aspectos cognitivos e psicodinâmicos dos examinandos,
desafiando-os a comportarem-se diante de estímulos ambíguos e não-estruturados, quais sejam
as manchas de tinta (Villemor-Amaral & Quirino, 2013). Uma das principais proficuidades do
Zulliger diz respeito à riqueza de informações geradas por ele. Segundo Villemor-Amaral & Primi
(2009), este instrumento permite a avaliação de uma série de aspectos do funcionamento psíquico,
demonstrados por meio das variáveis dos quadros de afeto, autopercepção, relacionamento e a
tríade cognitiva (mediação, ideação e processamento). Outra vantagem refere-se ao seu breve
tempo de aplicação, quando comparado a outros métodos que avaliam o mesmo construto, tais
como o Rorschach (Villemor-Amaral & Quirino, 2013).
Em 2009, Anna Elisa de Villemor-Amaral e Ricardo Primi publicaram o manual do Zulliger
pelo Sistema Compreensivo (ZSC), decorrente de uma série de estudos psicométricos conduzidos
por um grupo de pesquisadores da Universidade de São Francisco (Villemor-Amaral & Primi,
2009). É importante ressaltar que os dados normativos deste manual referem-se apenas à
população adulta. Em relação à infantil, tem-se atualmente poucos estudos no país que versem
sobre a validade de seu uso na prática profissional (Grazziotin & Scortegagna, 2016).
Embora ainda não tenham sido publicados no país dados normativos para o uso do ZSC
com crianças, pesquisas sobre o referido teste, envolvendo amostras infantojuvenis, datam desde
a década de 80. Xavier (1984) procurou dados normativos para o Zulliger, considerando as
localizações D e Dd, em uma amostra de 634 crianças paulistas, cuja faixa-etária variou entre
cinco e doze anos. Como resultado, notou-se um maior número de respostas D nos cartões II e III,
enquanto que no I houve menor frequência dessas respostas. Com base nos resultados desse estudo,
Xavier (1984) ressaltou a aplicabilidade do referido teste na população infantil. A mesma autora
aplicou o Zulliger e a Escala Especial das Matrizes Progressivas de Raven na supramencionada
amostra. Seu objetivo foi identificar possíveis implicações diagnósticas decorrentes da falta de
sistematização metodológica, recorrente naquele período, para a categorização das respostas Ban
no Zulliger. Foi observado um maior número de respostas Ban nas pranchas I e III (Xavier, 1985).
Como já mencionado, ainda há no Brasil uma carência de instrumentos psicológicos para
a população infantil (Reppold et al., 2017). No que tange ao teste de Zulliger, denota-se que o
desenvolvimento de estudos que versem sobre seu uso em amostras infantis ainda são limitados
(Carvalho, 2015). Diante deste cenário, o presente trabalho objetivou analisar a produção
científica brasileira que abordasse a aplicabilidade do teste de Zulliger com crianças, a fim de
verificar as evidências de validade de seu uso, demonstradas na literatura da área, e apontar
possíveis lacunas dos estudos, de modo a sugerir direcionamentos futuros. Denota-se que revisões
sistemáticas sobre o referido teste foram feitas por Carvalho (2015) e Grazziotin & Scortegagna
(2016). O diferencial deste trabalho refere-se ao foco no contexto da Avaliação Psicológica com
crianças, bem como à inclusão de outros materiais bibliográficos, a saber, dissertações, resumos
e trabalhos completos publicados em anais de congressos da área de Psicologia, não limitando-se
à artigos científicos.
Figura
Figura1 1
Fluxograma do percurso de busca e seleção dos estudos
Fluxograma do percurso de busca e seleção dos estudos
Em seguida, realizou-se
Em seguida, uma uma
realizou-se buscabusca
secundária nosnos
secundária anais dosdos
anais três
trêsúltimos
últimoscongressos da
Associação Brasileira
congressos de Rorschach
da Associação e outros
Brasileira de Métodos
Rorschach Projetivos (ASBRo),Projetivos
e outros Métodos do Instituto Brasileiro
de Avaliação Psicológica (IBAP) e da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), utilizando-se o
(ASBRo), do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) e da Sociedade
Brasileira
descritor de Psicologia
“Zulliger”. (SBP), utilizando-se
Como critério de inclusão, o descritor “Zulliger”.
buscaram-se Comoou
resumos critério de
trabalhos completos
inclusão, buscaram-se resumos ou trabalhos completos que discutissem sobre a
que discutissem sobre a aplicabilidade do Zulliger em crianças, apresentados em simpósios,
aplicabilidade do Zulliger em crianças, apresentados em simpósios, sessões
sessõescoordenadas,
coordenadas, comunicações
comunicações orais
orais ou em ou em Não
painéis. painéis.
foramNão foram
incluídos incluídos
trabalhos quetrabalhos que
apenas citassem o Zulliger ou que não debatessem sobre o público infantil, bem como resumos de
palestras, oficinas ou minicursos. No total, os anais da ASBRo apresentaram 20 resultados para
o referido teste, sendo quatro em 2012 (20%), três em 2014 (15%) e treze em 2016 (65%). Destes,
foram elegíveis um trabalho completo de 2014 e três resumos de 2016. Em relação ao IBAP, foram
achados 28 resumos, sendo doze em 2013 (43%), onze em 2015 (39%) e cinco em 2017 (18%).
Ao final, selecionaram-se três resumos de 2015 e dois de 2017. No que concerne à SBP, foram
882 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
encontrados quatro resumos nos anais de 2016 (100%). Não foi achado nenhum estudo sobre o
teste de Zulliger nos anais de 2015 e 2017.
Feito isso, os materiais foram sumarizados em uma planilha, considerando as categorias:
ano de publicação, anais (apenas para resumos e trabalhos completos), idioma, instituição
de origem do 1º autor, periódico (apenas para artigos), formato de apresentação (apenas
para trabalhos completos e resumos de anais), especificidades das amostras, estado, sistema
interpretativo e instrumentos utilizados. Subsequentemente, foram rodadas as análises
estatísticas descritivas dos dados obtidos.
Resultados
Após a leitura dos artigos e a compilação dos dados de análise, verificou-se que a produção
científica brasileira que versa sobre o uso do Zulliger com crianças apresenta um limitado número
de estudos. Esses estudos datam de 1984 a 2017. Como mostra a Figura 1, entre o o período
de 1984 a 2013 foram elaboradas apenas 4 pesquisas (16%), sendo observado um considerável
aumento nos anos de 2014 (n= 2; 9%), 2015 (n= 4; 18%) e, sobretudo, em 2016 (n= 11; 48%).
Em 2017, foram encontrados dois resumos de congressos (9%). Dentre os anais avaliados, os do
congresso do IBAP (n= 5; 38%) foi o que apresentou a maior quantidade de resumos, seguido
pelos da ASBRo (n= 4; 31%) e da SBP (n= 4; 31%). Em relação ao idioma de publicação, observou-
se que os artigos científicos foram escritos majoritariamente em Português (n= 5; 71%), sendo
29% publicados em Inglês.
Figura 2
Ano de publicação dos estudos sobre o uso do Zulliger com crianças
No que concerne às instituições de origem dos autores dos artigos, constatou-se uma
predominância da Universidade de São Francisco (USF; 57%). As demais instituições verificadas
nos artigos foram a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (14,3%), a Universidade de
Passo Fundo (14,3%) e o Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (14,3%). Em relação
aos anais de congressos, notou-se que a Universidade Estadual do Ceará (UECE) e a Pontifícia
Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás) têm adquirido destaque em estudos relativos à
validade do uso do Zulliger com crianças do nordeste e do centro-oeste. (Tabela 1).
Revisão de pesquisas brasileiras sobre o Teste de Grazziotin e Scortegagna UPF Aval. Psicológica Artigo
Zulliger publicadas em artigos (2016)
Validity Evidence of the Z-Test-SC for Use With Villemor-Amaral, Pavan, USF Paidéia Artigo
Children Tavella, Cardoso e Biasi
(2016)
Zulliger (CS) in Assessing the Relational Maturity of Villemor-Amaral e Vieira USF Paidéia Artigo
Children (2016)
Normatização do teste de Zulliger sc para crianças e Carvalho (2015) PUC Goiás Não se aplica Dissertação
adolescentes (mestrado)
Desempenho médio de crianças no Teste Zulliger: Carvalho, Lopes, Oliveira, PUC Goiás ASBRo (2014) Trabalho
Dados Preliminares Carvalho e Resende completo
(2014)
Dados normativos do ZSC com crianças dos estados Cardoso, Villemor Amaral, UECE ASBRo (2016) Resumo
de São Paulo e Minas Gerais Tavela & Biasi (2016)
Estudos de Validade e Normatização do Zulliger SC Resende & Carvalho PUC Goiás ASBRo (2016) Resumo
para crianças do Estado de Goiás (2016)
Evidência de validade do Zulliger –SC para uso com Cardoso (2016a) UECE ASBRo (2016) Resumo
crianças do Ceará
Comparação do desempenho no teste de Zulliger Oliveira Braga e Cardoso UECE IBAP (2015) Resumo
entre crianças cearenses do sexo masculino e (2015)
feminino
Diferenças entre os desempenhos de crianças Pereira Júnior, Carvalho, PUC Goiás IBAP (2015) Resumo
e adolescentes no teste de Zulliger sistema Resende, Lopes, Souza &
compreensivo Souza (2015)
Estudo comparativo por idade do teste de Zulliger em Gomes, Castro & Cardoso UECE IBAP (2015) Resumo
uma amostra do Ceará (2015)
Métodos de autoexpressão: correlações cognitivas Gomes, Cardoso & UECE IBAP (2017) Resumo
entre o teste de Pfister e Zulliger-SC de crianças Pacheco (2017)
cearenses
Teste de Zulliger e Pfister: correlação dos indicadores Moraes, Bessa, Oliveira & UECE IBAP (2017) Resumo
emocionais Cavalcante (2017)
A importância dos estudos psicométricos dos Cardoso & Oliveira (2016) UECE SBP (2016) Resumo
métodos projetivos para avaliação de crianças expandido
Correlações cognitivas entre o zulliger-sc e o teste de Gomes, Pacheco & UECE SBP (2016) Resumo
Pfister de crianças cearenses Cardoso (2016) expandido
Evidência de validade do Zulliger pelo sistema Cardoso (2016b) UECE SBP (2016) Resumo
compreensivo para uso com crianças em Fortaleza-ce expandido
Evidências de validade para o zulliger-sc com crianças Vieira & Gomes (2016) UECE SBP (2016) Resumo
Cearenses de 6 até 11 anos expandido
884 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Em relação às especificidades das amostras das pesquisas, notou-se que estas são bastante
similares, sendo compostas majoritariamente por estudantes do ensino fundamental, advindos de
escolas públicas e privadas (Tabela 2). A idade das crianças que participaram das pesquisas variou
entre quatro e quatorze anos. O tamanho amostral apresentou uma quantidade significativa
de sujeitos, variando entre 50 (Carvalho et al., 2014); 60 (Villemor-Amaral & Quirino, 2013);
70, destes 29 eram crianças de 4 a 11 anos (Rodrigues & Alchieri, 2009); 77 (Gomes, Castro
& Cardoso, 2015; Oliveira, Braga & Cardoso, 2015); 90 (Tavella & Villemor-Amaral, 2014); 103
(Villemor-Amaral, Pavan, Tavella, Cardoso, & Biasi, 2016); 115 (Villemor-Amaral & Vieira, 2016);
119 (Biasi & Villemor-Amaral, 2016); 173 (Cardoso, 2016a; Cardoso, 2016b; Cardoso & Oliveira,
2016; Gomes, Pacheco & Cardoso, 2016; Vieira & Gomes, 2016; Gomes, Cardoso & Pacheco,
2017; Moraes et al., 2017); 250 (Resende & Carvalho, 2016); 304 (Carvalho, 2015; Pereira Júnior
et al., 2015); 622 (Cardoso et al., 2016) e 634 participantes (Xavier, 1984; Xavier, 1985).
Uma das principais lacunas verificadas nas pesquisas refere-se ao fato dos estudos de
evidências de validade utilizarem amostras de crianças advindas exclusivamente dos estados de
São Paulo, Goiás e Ceará. Outro fato que merece destaque diz respeito às publicações em formato
de artigo serem majoritariamente compostas por amostras paulistas. Com exceção do estudo de
Rodrigues & Alchieri (2009), no qual a autora não mencionou o local em que a coleta de dados foi
feita, todos os demais estudos, publicados em artigos, foram realizados em São Paulo. Com isso,
denota-se que uma revisão de literatura restrita à análise de artigos científicos não identificaria
iniciativas que estão ocorrendo em demais estados, quais sejam, Ceará e Goiás. Das treze pesquisas
analisadas nos anais de eventos, oito advieram de amostras de crianças cearenses e quatro de
goianenses. A amostra utilizada na dissertação de Carvalho (2016) também foi composta por
crianças do estado de Goiás.
Tabela 2
Instrumentos utilizados e especificidades das amostras.
Frequência (n) %
Instrumentos Zulliger 5 22%
Zulliger e Questionários 1 4%
Zulliger e Raven 8 35%
Zulliger e Sociograma 1 4%
Zulliger e TCFI 1 4%
Zulliger e TPC 4 18%
Zulliger, TPC e Raven 1 4%
Não se aplica 2 9%
Faixa etária 4 a 26 anos 1 4%
5 a 12 anos 2 9%
6 a 11 anos 8 35%
6 e 12 anos 2 9%
6 a 12 anos 1 4%
6 a 14 anos 1 4%
7 a 12 anos 2 9%
7 a 14 anos 2 9%
9 a 14 anos 1 4%
11 e 12 anos 1 4%
Não se aplica 2 9%
Tipo de escola Pública 4 17%
Privada 2 9%
Pública e privada 14 61%
Não informado 1 4%
Não se aplica 2 9%
Fonte: Elaborado pelo autor.
A produção científica sobre o uso do Zulliger com crianças ainda é limitada, principalmente
no que se refere a publicações em formato de artigo. Dados similares foram encontrados por
Grazziotin & Scortegagna (2016). As autoras analisaram 15 artigos científicos nacionais,
publicados entre 2004 e 2014. Destes, apenas três eram relativos ao público infantil. Um dos
possíveis motivos apontados pelas autoras para essa limitada produção seria a inexistência de
parâmetros normativos do ZSC, durante aquele período, para a referida faixa-etária. Ressalta-se
ainda que a participação de crianças em pesquisas demanda a autorização de seus responsáveis
legais, o que geralmente dificulta sua realização, quando comparado a estudos com adultos
(Carvalho, 2015; Grazziotin & Scortegagna, 2016). Cumpre mencionar que o desenvolvimento de
estudos psicométricos, utilizando os métodos projetivos, envolve diversas situações dificultantes,
a saber, a complexidade dos sistemas de interpretação, a aplicação individual do instrumento e os
cuidados com o setting, demandando um longo período para compor amostras quantitativamente
representativas (Cardoso & Villemor-Amaral, 2017). Se estas práticas, por si só, comportam alguns
percalços durante a condução de pesquisas, esses esforços tornam-se ainda maiores quando
envolvem a participação de crianças e adolescentes.
Apesar disso, sabe-se que os métodos projetivos, semelhantes ao Zulliger, são excelentes
instrumentos para a avaliação psicológica de crianças. De acordo com Resende & Argimon (2010;
Apud Carvalho, 2015), a aplicação desses métodos é acessível ao público infantil, uma vez que a
resolução destes não exigem habilidades cognitivas de leitura e autorreflexão, por exemplo, que são
pouco desenvolvidas em crianças pequenas. Outra proficuidade refere-se à riqueza de informações
que podem ser geradas por esse instrumento, cuja aplicação é considerada breve, se comparada
a outros métodos projetivos, tais como o Rorschach (Villemor-Amaral & Primi, 2009; Villemor-
Amaral & Quirino, 2013). Considerando a reduzida quantidade de instrumentos psicológicos
886 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
disponíveis no país para o uso com crianças (Reppold, et al., 2017), faz-se necessária a elaboração
e normatização de novos instrumentos, assim como a análise das qualidades psicométricas
dos já existentes para essa população. Somado à escassez de instrumentos psicológicos, tem-
se aumentado, no contexto hodierno, a procura por processos de avaliação psicológica para
o público infantil, quer seja por questões cognitivas, comportamentais, neuropsicológicas ou
afetivas dos infantes. Além dessas demandas, são comumente requisitados nesses processos a
realização de diagnósticos diferenciais, a prevenção e identificação precoce de déficits, bem como
o auxílio no tratamento de transtornos do neurodesenvolvimento (Pires, 2017).
Como já mencionado, a condução de pesquisas com amostras de crianças envolvendo o
teste de Zulliger datam da década de 80 (de Xavier, 1984; Xavier, 1985). Por outro lado, estudos
com amostras de adolescentes existem deste os anos 60 (Carvalho, 2015). Verificou-se no presente
estudo que pesquisas sobre a referida temática vêm sendo desenvolvidas principalmente por um
grupo de pesquisadores, a maioria vinculados à Universidade de São Francisco. Conforme Primi
(2010), a USF foi a primeira instituição brasileira, sendo ainda hoje a única, cujo Programa de pós-
graduação concentra-se na área de Avaliação Psicológica e desenvolvimento de testes psicológicos.
Vale salientar que os autores do manual do ZSC são docentes dessa instituição (Villemor-Amaral
& Primi, 2009).
Constatou-se que as pesquisas desenvolvidas no país sobre a aplicabilidade do Zulliger
com crianças foram compostas por amostras bastante similares, formadas majoritariamente
por estudantes do ensino fundamental. É importante ressaltar que a formação de amostras
com participantes de ambos os sexos, advindos de escolas públicas e privadas, contribui para a
representação das especificidades dos diferentes grupos. Denota-se que o tamanho das amostras
dos estudos também foi significativo, variando entre 50 e 634 crianças. De maneira geral, os
estudos de evidência de validade apresentaram dados favoráveis ao uso do Zulliger com crianças.
Todos esses estudos se basearam em variáveis externas, que, conforme Cardoso & Villemor-Amaral
(2017), representa um tipo de procedimento comumente utilizado com os métodos projetivos,
quer seja por meio da análise de correlações entre construtos (convergentes ou divergentes) ou
pela predição de variáveis critério.
Em relação às lacunas das pesquisas, acredita-se que a principal diz respeito à concentração
das coletas de dados dos estudos, publicados em formato de artigo, em São Paulo. Conquanto,
verificaram-se iniciativas na condução de pesquisas nos estados de Goiás e Ceará, disponíveis, até
o presente momento, apenas em materiais adicionais, a saber, dissertações, resumos e trabalhos
completos publicados em anais de congressos. As revisões sistemáticas de Carvalho (2015) e
Grazziotin & Scortegagna (2016) não detectaram essas informações. Isso se deve ao fato das
autoras limitarem o estudo à análise de artigos, desconsiderando outros materiais bibliográficos
que compõem a produção científica da área.
De modo geral, acredita-se que o presente trabalho possibilitou uma compreensão mais
apurada sobre a produção científica nacional que aborda o uso do Zulliger com crianças No
que concerne às limitações dessa pesquisa, destaca-se o fato dos dados psicométricos dos
estudos avaliados não terem sido enfatizados, bem como a não inclusão de capítulos de livros
e produções internacionais. Com isso, sugere-se que em novas revisões sistemáticas a ênfase se
dirija às evidências descritas pela literatura internacional sobre o grau de legitimidade do Zulliger.
Acredita-se que a análise qualitativa desses estudos e a metánalise dos dados proporcionará um
significativo panorama sobre a validade do uso profissional desse intrumento nesse população.
Por fim, depreende-se que a ampliação das publicações sobre o Zulliger, observada no último
triênio, demonstra um avanço no investimento de estudos que verifiquem sua aplicabilidade em
infantes.
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D
ebates sobre a homossexualidade, assim como a luta pelos direitos humanos de
gays, lésbicas, travestis, transgêneros e bissexuais (GLTTB) são identificadas já no
início da década de 1980 (Baranoski, 2016). Tais debates e discussões decorrem,
sobretudo, da preocupação de saúde pública, mais especificamente, relacionadas à Síndrome
de Imunodeficiência Adquirida, AIDS, sendo os homossexuais classificados como grupo de risco
(Baranoski, 2016). O fato é que a mudança de concepção em torno da AIDS, isto é, não estar
vinculada a grupos de risco, mas sim a comportamentos de risco não surtiu efeitos positivos para
essa população, na medida em que os mesmos, em razão da maior visibilidade obtida no período,
tornaram-se, então, alvos de violência de grupos neonazistas que surgiram no Brasil em 1980
(Costa, 2007).
Apesar da população LGBT no Brasil, historicamente, enfrentar diversos obstáculos no
cotidiano (e.g., preconceito, violência, etc.), ocupando papéis secundários na sociedade (Futino,
& Martins, 2006), recentemente no cenário jurídico, pôde-se identificar alguns avanços. Um
importante exemplo dessa mudança no cenário brasileiro foi a decisão tomada pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) em 2011, que considerou a união homoafetiva como regime jurídico da
união estável. O STF, de igual modo, legitimou essa união como entidade familiar, o que garante
direitos formais aos casais homossexuais de todo o país no que tange, por exemplo, a herança e à
possibilidade de adoção (JusBrasil, 2015).
Nessa direção, uma vez que os casais homoafetivos se definem como famílias, estes passam
a exigir não somente o direito à cidadania, em termos individuais, mas também o direito à
constituição de famílias enquanto sujeitos sociais, responsabilizando-se, portanto, pela educação
e socialização de seus filhos, adotivos ou não (Mello, 2005). Porém, o exercício de tal direito
tem encontrado diversas barreiras. Concretamente, apesar de existir ampla evidência empírica
mostrando ausência de diferenças no desenvolvimento e na socialização de crianças educadas
por famílias homoparentais ou por famílias heterossexuais (Bailey, Dobrow, Wolfe, & Mikach
1995; Golombok & Tasker 1996; Picazio, 1998), a rejeição a esse tipo de adoção ainda é forte,
dificultando a adoção de crianças por famílias homoparentais (Zambrano, 2006).
Exemplo dessa oposição pode ser encontrado no estudo realizado por Figueiredo (2003)
sobre a adoção de crianças por homossexuais solteiros e por casais homossexuais, o qual mostrou
890 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
que menos da metade dos participantes (incluindo juízes e desembargadores; promotores e
procuradores de justiça; psicólogos e assistentes sociais; advogados; professores universitários
e donas de casa) são favoráveis à adoção em favor do homossexual solteiro e que apenas 36,8%
eram favoráveis à adoção por casal homossexual. Ainda, o estudo de Castro, Abramovay e Silva
(2004) em 14 capitais brasileiras, com estudantes do ensino médio e seus pais, mostrou que
25% dos participantes não gostariam de ter um homossexual como colega na mesma sala de
aula. Ademais, a homofobia constituiu a motivação de 250 casos de assassinatos em 2010, o que
colocou, na ocasião, o Brasil em primeiro lugar no ranking desse tipo de crime, ficando muito à
frente do México, com 35 assassinatos, e dos Estados Unidos com 25 (Grupo Gay da Bahia, 2011).
No ano de 2015, foram registrados 318 assassinatos, um crime de ódio a cada 27 horas, sendo as
travestis e transexuais as mas vitimizadas (Grupo Gay da Bahia, 2016). O ano de 2017, por sua vez,
registrou um total de 455 assassinatos, com um crime de ódio a cada 19 horas, constatando um
aumento de 30 % quando comparado o ano de 2016 (Grupo Gay da Bahia, 2017).
Ainda frente à questão da adoção de crianças por pares homoafetivos, há que se considerar
tanto aspectos históricos referentes aos impedimentos legais recentes, quanto fatores intrínsecos
como é o caso do preconceito contra os homossexuais que, muitas das vezes, fundamentam
atos de violência explícita contra os mesmos (Araújo, Oliveira, Sousa, & Castanha, 2007; Falcão,
2004), conforme já mencionado. Nesse sentido, tais questões apresentam impactos no que tange
à adoção dentro de tais arranjos familiares, de modo que é muito provável que, no imaginário das
pessoas, adotantes que não se encaixam dentro das normas sociais estabelecidas são indesejáveis
como pais (Falcão, 2004).
Dessa forma, tendo em vista o panorama acima exposto, conhecer as atitudes frente à adoção
por homossexuais constituiu tarefa importante, uma vez que a sociedade brasileira tem passado
por algumas mudanças no que se refere às minorias sexuais (Pereira, Torres, Falcão, & Pereira,
2013). Assim, neste momento, decidiu-se enfocar concretamente nas atitudes frente à adoção de
crianças por casais homossexuais, definindo as atitudes a partir da concepção de Eagly e Chaiken
(1998) que apresentam a que pode ser a mais convencional e contemporânea definição (Albarracín,
Johnson, & Zana, 2005), compreendendo uma atitude como uma tendência psicológica que é
expressa por meio da avaliação de uma entidade particular com algum grau de favorabilidade
ou desfavorabilidade, isto é, as atitudes são concebidas como propensão a responder de forma
favorável ou desfavorável a um objeto, evento ou situação. Assim, a operacionalização de tal
construto, consiste, portanto, em uma etapa preponderante para levar a cabo estudos sobre tal
temática no contexto brasileiro.
Tal panorama, motivou ter em conta a Escala de Atitudes Frente à Adoção Homossexual
(EAFAH) que foi inicialmente desenvolvida por Falcão (2004) composta por 30 itens que avaliam
atitudes positivas e negativas frente à adoção de crianças por casais homossexuais, sendo utilizada
recentemente por Pereira et al. (2013) como uma medida de oposição à adoção homossexual,
a partir do cômputo dos itens que mencionam as atitudes negativas frente a estes arranjos
familiares. Não obstante, nenhum outro estudo além do de Falcão (2004) fez menção a análise
dos parâmetros psicométricos da EAFAH, mesmo tendo decorrido mais dez anos desde a sua
elaboração e levando em conta as mudanças supracitadas ocorridas na sociedade brasileira em
relação a este fenômeno social.
Nesse sentido, o objetivo do presente estudo consistiu em reunir evidências de validade fatorial
e consistência interna da EAFAH no contexto brasileiro, além de propor uma versão reduzida
desta medida, disponibilizando a comunidade acadêmica uma versão atualizada, parcimoniosa e
integradora da referida medida para que possa ser empregada em estudos futuros que levem em
consideração tal temática.
Participantes
Participaram deste estudo 241 pessoas da população geral do Brasil. As idades dos
participantes variaram de 18 a 58 anos (M = 30,00; DP = 9,35), sendo em sua maioria do sexo
feminino (62,7%), heterossexuais (73,0%) e pós-graduados (56,8 %). Em relação ao nível de
religiosidade (variando de 1 = pouco religioso a 5 = muito religioso), a média dos participantes foi
de 3,24 (DP = 1,49), e a maioria se autodeclarou católica (41,5%).
Instrumentos
Procedimento
Análise de dados
Os dados foram analisados por meio do software R (R Development Core Team, 2012). Para
a realização da Análise Fatorial Confirmatória da EAFUH, utilizou-se o pacote Lavaan (Rosseel,
2012) considerando a estimação Robust Maximum Likelihood (MLR) que prevê correção para a não
normalidade dos dados (Satorra & Bentler, 2001).
Para fins de avaliação de ajuste do modelo confirmatório do presente instrumento, contou-se
com os seguintes critérios (Byrne, 2010; Hair, Black, Babin, & Anderson, 2014; Hooper, Coughlan,
& Mullen, 2008; Tabachnick, & Fidell, 2013): (a) razão Qui-quadrado por graus de liberdade
do modelo (χ²/gL), valores entre 2 e 3 são preconizados, aceitando-se até 5; (b) Goodness-of-Fit
892 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Index (GFI) e Adjusted Goodness-of-Fit Index (AGFI); tais indicadores apontam quanto de variância
é explicada pelo modelo, admitindo-se valores próximos a 0,90 ou superiores; (b) Comparative
Fit Index (CFI); um índice adicional de ajuste em que valores próximos a 0,90 ou superiores são
aceitos; e (d) RMSEA (Root-Mean-Square Error of Approximation), com intervalo de Confiança de 90%
(IC90%), que considera os residuais. Um valor próximo a zero aponta para o ajuste do modelo,
uma vez que os residuais se aproximam desse valor; preconiza-se que o RMSEA se situe entre 0,05
e 0,08, admitindo-se até 0,10. Ademais, com a finalidade de reunir evidências complementares de
consistência interna da medida, calculou-se, além do alfa de Cronbach, o índice de Confiabilidade
Composta (CC) da EAFAH, recomendando-se como valores aceitáveis aqueles iguais ou superiores
a 0,70 para ambos os indicadores (Škerlavaj, & Dimovski, 2009).
Resultados
Com a finalidade de reunir evidências psicométricas mais robustas para a solução fatorial
da EAFAH no contexto brasileiro, realizou-se uma AFC do referido instrumento buscando atestar
sua unidimensionalidade indicada pelas análises exploratórias relatadas a priori no estudo de
Falcão (2004).
No que tange aos resultados, ao investigar o ajuste do modelo confirmatório considerando
a estrutura unifatorial da EAFAH, composta por 30 itens, em seu estudo de origem, os seguintes
indicadores estatísticos foram observados: χ2 (405) = 1486,0, p < 0,001, χ2 /gl = 3,66, GFI = 0,98,
AGFI = 0,98, CFI = 0,84, RMSEA = 0,105 (IC90% = 0,100-0,111), em que todos os pesos fatoriais
(lambdas) foram estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05). Em síntese, os
resultados apontam para um ajuste relativamente satisfatório. Quanto aos índices de consistência
interna, os mesmos foram considerados altamente adequados (alfa de Cronbach = 0,97;
Confiabilidade composta = 0,97).
Em seguida, decidiu-se testar um modelo unifatorial alternativo para o presente instrumento,
mais especificamente uma versão reduzida composta por 15 itens, denominada de EAFAH-15. Para
tanto, como critério para exclusão de itens, utilizou-se o índice de modificação, desconsiderando
aqueles itens com termos de erros superiores a 20 (MI > 20,0), fato que pode indicar potencial
sobreposição de conteúdo. Dessa forma, os seguintes itens foram retirados: 1, 2, 4, 7, 9, 12, 13,
17, 18, 19, 20, 26, 27, 28, 29.
Concretamente, os resultados encontrados para a EAFAH-15 ratificam a pertinência e
ajuste estatístico do modelo: χ2 (90) = 253,08, p < 0,001, χ2 /gl = 2,81, GFI = 0,99, AGFI = 0,99,
CFI = 0,92, RMSEA = 0,058 (IC90% = 0,046-0,069), sendo que todos os pesos fatoriais (lambdas)
foram estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05). Na mesma direção do
instrumento composto por 30 itens, o modelo reduzido, apresentou índices de consistência
interna satisfatórios (alfa de Cronbach = 0,94; Confiabilidade composta = 0, 94). Finalmente,
quando comparados ambos os modelos, identificou-se uma diferença estatisticamente
significativa [Δχ2(315) = 824,5, p < 0,001], apontando a superioridade da versão reduzida do
instrumento. Na Tabela 1 são expostos os pesos fatorais da EAFAH em suas versões completas
e reduzida. Uma vez finalizada a etapa de apresentação dos resultados empíricos, a seguir, os
principais resultados são discutidos.
Fator I
Itens Descrição do conteúdo dos itens
λ* z**
Uma criança criada por gays terá problemas psíquicos no futuro pela falta da
1 0,87 27,6
figura materna.
As crianças adotadas por um casal homossexual masculino ou feminino) cer-
2 0,85 22,3
tamente irão apresentar personalidades desajustadas.
Se uma criança recebe amor e atenção, o fato de ser criada por homossexuais
3 -0,83 -19,9
não influenciará seu desenvolvimento.
Uma criança adotada por um casal homossexual aprenderá essa imagem de
4 0,84 20,9
família e se tornará homossexual no futuro.
É melhor que uma criança permaneça numa instituição aguardando um casal
5 heterossexual do que ser adotada por homossexuais***. 0,79 16,5
894 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Os estímulos oferecidos para uma criança se desenvolver num lar composto
24 -0,67 -12,2
por homossexuais são iguais de um lar formado por heterossexuais***.
Uma criança adotada por gays ou lésbicas poderá ser abusada sexualmente
25 0,54 8,06
por eles***.
Uma criança educada com os valores morais numa família homossexual será
26 -0,82 -22,5
um adulto normal.
Devido os homossexuais serem mais promíscuos, uma criança adotada por
27 0,82 27,2
gays ou lésbicas futuramente será promiscua.
Um jovem adotado por homossexuais ao chegar na adolescência irá ques-
28 tionar a opção sexual dos adotantes (gays ou lésbicas) e provavelmente se 0,72 14,0
tornará um delinquente.
Uma criança adotada por dois homens sofrerá mais traumas psicológicos do
29 0,65 12,3
que uma adotada por lésbicas.
Um casal de gays ou lésbicas bem adaptados tem mais condições de adotar
30 uma criança do que um casal formado por um homem e uma mulher desa- -0,61 -9,66
justados***.
Nota. *Pesos fatoriais, **Escores padronizados, *** Itens que compõem a versão reduzida EAFAH-15.
Discussão
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Introdução
D
urante muito tempo, a homossexualidade foi concebida enquanto pecado, sendo
inclusive já considerada doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Concretamente, este fato implicou em questões tal como o preconceito em relação
aos casais homoafetivos (Rios, 2001) e, consequentemente, em atos discriminatórios e/ou violentos
contra a população homossexual, de modo que as denúncias de agressões e discriminações
motivadas pela orientação sexual tornaram-se uma pauta central para o movimento homossexual
brasileiro (Ramos & Carrara, 2006). Mais recentemente, percebe-se o impacto dessas questões
em inúmeras esferas da vida dessa população, criando obstáculos em termos de direitos civis no
país, como por exemplo, voltados ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Quanto ao contingente populacional de casais homossexuais no Brasil, no censo demográfico
brasileiro no ano de 2010 foi apontado que existem mais de 60 mil casais homossexuais no Brasil
(IBGE, 2011), fato que revela uma crescente notificação no número de casais do mesmo sexo no
país, segundo o levantamento realizado. De acordo com Pereira, Torres, Falcão, & Pereira (2013),
tal informação contribui para traçar o retrato da população brasileira e assim fornecer bases para
o desenvolvimento de políticas públicas, além de que a simples inclusão dessa variável no censo
indica as mudanças profundas que vêm ocorrendo na sociedade brasileira frente à garantia dos
direitos civis das minorias sexuais. Outro fato relevante neste contexto, segundo esses mesmos
autores, foi a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 5 de maio de 2011, a qual
passou a considerar, por unanimidade de votos, a união estável entre pessoas do mesmo sexo no
Brasil.
Segundo Bunchaft (2012), as discussões em torno dos direitos das uniões homoafetivas
constitui um dos temas mais interessantes do direito civil-constitucional, considerando ainda, que
o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal não reconhece expressamente a união homoafetiva,
inexistindo norma específica. Ademais, ressalta-se que a Constituição Federal reconhece as uniões
heterossexuais como sociedades de afeto, não havendo nenhuma regulamentação legal frente às
uniões homossexuais (Bunchaft, 2012).
É importante mencionar que embora o STF tenha reconhecido juridicamente as uniões
homoafetivas, tal decisão tem sido alvo de críticas por parte da comunidade jurídica, observando-
898 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
se resistências na própria esfera judicial, baseadas no pressuposto de que tal órgão do poder
judiciário extrapolou os limites de suas funções e modificou o conteúdo da Constituição (Maués,
2015). É nessa direção que tal cenário tem motivado campanhas e até mesmo projetos de lei em
defesa da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, tomando como referências a
legislação existente em outros países em que o casamento homossexual é legalizado.
Tal conjuntura, por sua vez tem dividido opiniões e gerado polêmica tanto na comunidade
acadêmica quanto na sociedade em geral no que tange à extensão da garantia destes direitos
das minorias sexuais. Diante das informações levantadas, pode-se constatar que o casamento
civil entre pessoas do mesmo sexo, é um tema que suscita debates quanto a sua aplicação,
encontrando-se presente em diversos contextos e países e apresenta atualidade e relevância,
necessitando ser compreendido como um fenômeno social, cujas implicações decorrentes ainda
precisam ser melhor investigadas, justificando-se assim a realização de estudos.
Neste sentido, para abordar a união homossexual como objeto de estudo, é necessário
contar com um conceito mais flexível do que o de hábito, mais diretamente relacionado aos
objetos e situações sociais do que os traços da personalidade, mais específico do que os valores,
mais diretivo do que as crenças e mais abstratos do que os padrões de motivo (Rokeach, 1973).
Assim sendo, decidiu-se operacionalizar tal construto, conceituando-o como uma variável de
natureza atitudinal.
Não por acaso, o estudo das atitudes tem assegurado a hegemonia na Psicologia Social,
ao longo de sua história, além de ser o mais amplamente referenciado (Cooper, Kelly, & Weaver,
2002). Albarracín, Johnson e Zana (2005) argumentam que Eagly e Chaiken (1998) apresentam
a que pode ser a mais convencional e contemporânea definição; especificamente, uma atitude
é compreendida como uma tendência psicológica que é expressa por meio da avaliação de uma
entidade particular com algum grau de favorabilidade ou desfavorabilidade, isto é, as atitudes
são concebidas como propensão a responder de forma favorável ou desfavorável a um objeto,
evento ou situação. Seguindo a recomendação de Albarracín, Johnson e Zana (2005) de que a
mais contemporânea e parcimoniosa estrutura para atitudes é a que se fundamenta em avaliações
favoráveis ou desfavoráveis, influenciando, por conseguinte, as crenças, afetos e comportamentos
das pessoas, neste caso particular, as atitudes frente à união homossexual.
A mensuração das atitudes é bastante difundida entre os psicólogos sociais para medir
suas causas e impactos sobre cognições e comportamentos, tendo em vista que as atitudes
se constituem durante nosso processo de socialização, segundo Michener, Delamater e Myers
(2005). Devido às atitudes compreenderem um construto latente, a sua medida tem implicações
axiomáticas ou de representação e psicométricas, a forma mais comum de medir atitudes é por
meio do que se designou como escalas de atitudes que consistem na aferição das atitudes por meio
das avaliações que as pessoas fazem acerca de um determinado objeto, evento ou situação, que
no caso do presente estudo consiste no objeto atitudinal da união homossexual, especificamente
o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Nesta direção, uma escala de atitudes, desta natureza, foi desenvolvida por Falcão (2004)
com objetivo de mensurar as atitudes frente à união homossexual, a mesma foi intitulada de
Escala de Atitudes Frente à União Homossexual (EAFUH), reunindo evidências preliminares de
adequação psicométrica no contexto brasileiro. Recentemente, esta mesma medida, foi utilizada
por Pereira et al. (2013) para, dentre outros objetivos, investigar a oposição ao casamento entre
pessoas do mesmo sexo, por meio das atitudes negativas frente a este arranjo. No entanto, apesar
da utilização da mesma, não foi identificado nenhum estudo que levasse em consideração a
testagem dos parâmetros psicométricos da EAFUH, mesmo tendo se passado mais de dez anos
desde sua construção, carecendo assim de estudos que atestem a qualidade psicométrica desta
medida na atualidade, tendo em vista as mudanças supracitadas ocorridas no cenário brasileiro
Método
Participantes
Participaram deste estudo 241 pessoas da população geral do Brasil, sendo a maioria da
região Nordeste (68,9%), seguida das regiões Norte, Sudeste, Centro-Oeste e Sul (22%, 4,9%, 2,4%
e 1,8%, respectivamente). As idades dos participantes variaram de 18 a 58 anos (M = 30,00; DP =
9,35), sendo em sua maioria do sexo feminino (62,7%), heterossexuais (73,0%) e pós-graduados
(56,8 %). Em relação ao nível de religiosidade (variando de 1 = pouco religioso a 5 = muito
religioso), a média dos participantes foi de 3,24 (DP = 1,49), e a maioria se autodeclarou católica
(41,5%).
Instrumentos
Procedimento
900 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Análise de dados
Os dados foram analisados por meio do software R (R Development Core Team, 2012). Para
a realização da Análise Fatorial Confirmatória da EAFUH, utilizou-se o pacote Lavaan (Rosseel,
2012) considerando a estimação Robust Maximum Likelihood (MLR) que prevê correção para a não
normalidade dos dados (Satorra & Bentler, 2001).
Para fins de avaliação de ajuste do modelo confirmatório do presente instrumento, contou-se
com os seguintes critérios (Byrne, 2010; Hair, Black, Babin, & Anderson, 2014; Hooper, Coughlan,
& Mullen, 2008; Tabachnick, & Fidell, 2013): (a) razão Qui-quadrado por graus de liberdade
do modelo (χ²/gL), valores entre 2 e 3 são preconizados, aceitando-se até 5; (b) Goodness-of-Fit
Index (GFI) e Adjusted Goodness-of-Fit Index (AGFI); tais indicadores apontam quanto de variância
é explicada pelo modelo, admitindo-se valores próximos a 0,90 ou superiores; (b) Comparative
Fit Index (CFI); um índice adicional de ajuste em que valores próximos a 0,90 ou superiores são
aceitos; e (d) RMSEA (Root-Mean-Square Error of Approximation), com intervalo de Confiança de 90%
(IC90%), que considera os residuais. Um valor próximo a zero aponta para o ajuste do modelo,
uma vez que os residuais se aproximam desse valor; preconiza-se que o RMSEA se situe entre 0,05
e 0,08, admitindo-se até 0,10. Ademais, com a finalidade de reunir evidências complementares de
consistência interna da medida, calculou-se, além do alfa de Cronbach, o índice de Confiabilidade
Composta (CC) da EAFUH, recomendando-se como valores aceitáveis aqueles iguais ou superiores
a 0,70 para ambos os indicadores (Škerlavaj, & Dimovski, 2009).
Resultados
Com a finalidade de reunir evidências psicométricas mais robustas para a solução fatorial
da EAFUH no contexto brasileiro, realizou-se uma AFC do referido instrumento buscando atestar
sua unidimensionalidade indicada pelas análises exploratórias relatadas a priori no estudo de
Falcão (2004).
Em relação aos resultados, isto é, quanto à adequação da estrutura unifatorial, observaram-
se indicadores satisfatórios de ajuste para a EAFUH composta por 20 itens: χ2 (170) = 793,41, p
= <0,001, χ2 /gl = 4,66, GFI = 0,99, AGFI = 0,98, CFI = 0,85, RMSEA = 0,123 (IC90% = 0,115-
0,133). Adicionalmente, ressalta-se que todos os pesos fatoriais (lambdas) foram estatisticamente
diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05). Em síntese, os resultados apontam que em termos
de estrutura fatorial não são considerados plenamente satisfatórios. Por outro lado, quanto aos
índices de consistência interna, os mesmos foram considerados altamente adequados (alfa de
Cronbach = 0,96; Confiabilidade composta = 0,96).
Em seguida, decidiu-se testar um modelo unifatorial alternativo para o presente instrumento,
mais especificamente uma versão reduzida composta por 10 itens, denominada de EAFUH-10. Para
tanto, como critério para exclusão de itens, utilizou-se o índice de modificação, desconsiderando
aqueles itens com termos de erros superiores a 20 (MI > 20,0), fato que pode indicar potencial
sobreposição de conteúdo. Dessa forma, os seguintes itens foram retirados: 1, 2, 3, 8, 11, 12, 14,
22, 17 e 18.
Concretamente, os resultados encontrados para a EAFUH-10 ratificam a pertinência e
ajuste estatístico do modelo: χ2 (35) = 128,5, p < 0,001, χ2 /gl = 3,67, GFI = 0,99, AGFI = 0,99,
CFI = 0,95, RMSEA = 0,065 (IC90% = 0,049-0,082), sendo que todos os pesos fatoriais (lambdas)
foram estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05), variando de -0,37 (Item 20.
Deus aceitaria o casamento homossexual, pois alma não tem sexo) a 0,94 (Item 16. A pessoa tem o direito
de escolher o sexo do parceiro que deseja se casar.). Na mesma direção do instrumento composto
por 20 itens, o modelo reduzido, apresentou índices de consistência interna satisfatórios
902 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Discussão
Referências
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904 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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Introdução
A
religiosidade é uma das mais ricas experiências vivenciadas pelo ser humano
(Martins, 2009), presente na vida das pessoas desde o início dos tempos, como
constatado em registros históricos e arqueológicos, abrangendo crenças e valores
individuais, além de práticas sociais (Henning & Geronasso, 2009). Especificamente, no Brasil, a
religiosidade, constitui-se como uma dimensão da vida humana importante para o entendimento
de comportamentos e avaliação frente aos temas cotidianos, principalmente daqueles que
abarcam questões morais ou axiológicas (Aquino, Gouveia, Silva, & Aguiar, 2013).
As conceituações de religiosidade não são consensuais na literatura. Assim, visando aclarar
a definição do construto empregada nesse trabalho, parece salutar diferenciá-lo de outro
comumente utilizado como sinônimo: a religião (Camboim & Rique, 2010). Nesse sentido, Panzini,
Rocha, Bandeira e Fleck (2007) descrevem a religião como uma crença na existência de um poder
transcendental, criador e controlador do mundo, responsável pela natureza espiritual do ser
humano, que continua a existir mesmo após a morte do corpo. Enquanto que a religiosidade, é
a extensão da religião, referente ao nível de envolvimento do indivíduo com o grupo religioso, ao
qual ele integra.
Por outro lado, pesquisadores, como Dalgalarrondo (2008), compreendem a religiosidade
de forma mais ampla, não a reduzindo à prática ou frequência à uma instituição religiosa,
significando que ser religioso não implica em vínculo a uma religião específica (Antoniazzi, 2003).
Já a religião envolve os aspectos comportamentais, sociais e doutrinários compartilhados por um
grupo e praticados pelo indivíduo (Gobatto & Araujo, 2013). Apresentadas essas duas posições
em relação ao termo religiosidade, cabe ressaltar que, nesse trabalho, optou-se por considerar
a primeira definição, tendo em vista que esta engloba tanto os aspectos individuais quanto os
institucionais (Faria & Seidl, 2005), identificando o nível de envolvimento religioso e a influência
deste nos hábitos e relações que o indivíduo estabelece com o mundo (Stroppa & Moreira-Almeida,
2008).
906 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Embora a religiosidade esteja presente nas sociedades há séculos, modulando as emoções,
comportamentos, decisões e atitudes das pessoas, o emprego dessa variável nos estudos científicos
é relativamente recente. Conforme ressaltam Stroppa e Moreira-Almeida (2008), durante muito
tempo esse construto foi renegado como objeto de estudo pela ciência. Nessa perspectiva, nota-
se, no cenário atual, um aumento crescente do termo na literatura, ligado à diversas investigações
nas áreas de ciências sociais e médicas, que apontam a religiosidade como um fator de proteção
a comportamentos disfuncionais (Gomes, Andrade, Izbicki, Moreira-Almeida, & Oliveira, 2013).
Assim, como um mecanismo, que baliza a conduta humana, a religiosidade contribui para
diminuir tendências autodestrutivas, e esquiva de comportamentos prejudiciais à saúde, bem
como o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento aos dilemas da existência (Zerbetto et
al., 2017). Sobre essa questão, Koening (2012) ressalta que a religiosidade influencia a saúde de
três maneiras: (1) enquanto uma estratégia de enfrentamento religioso, (2) como um mecanismo
de suporte social e (3) como controle de comportamentos mediante às crenças religiosas.
Na literatura, são numerosos os estudos que apontam a relevância da religiosidade
como estratégia de enfretamento aos problemas de saúde, ou mesmo frente à morte. Em uma
pesquisa, envolvendo pacientes com câncer, cujo o objetivo era investigar o uso do enfrentamento
religioso destes em quimioterapia, Mesquita et al. (2013) constataram que a religiosidade é uma
importante estratégia de enfrentamento à doença, auxiliando no processo de tratamento. De
forma semelhante, Nepomuceno, Melo, Silva e Lucena (2014) verificaram que a religiosidade
influencia na qualidade de vida dos pacientes com insuficiência renal crônica.
No tocante à religiosidade como um recurso de apoio social, Geronasso e Coelho (2012)
destacam que o apoio dos grupos religiosos aos pacientes em situação de câncer contribui para
fortalecê-los frente a essa adversidade da vida. Ao oferecer suporte social, a religiosidade também
anima essas pessoas, atribuindo um sentimento de pertença, dando sentido à vida (Murakami &
Campos,2012) e prevenindo contra o vazio existencial e o desespero (Aquino et al., 2009).
Ademais, a religiosidade auxilia na mudança de comportamentos disfuncionais, sendo
um fator promissor de manutenção da saúde, prevenção e reabilitação (Oliveira et al., 2017),
a exemplo de alcoolistas, onde a presença da religiosidade pode influenciar positivamente no
tratamento dos usuários, contribuindo no processo de abstinência, dando as pessoas motivação
para cuidar da saúde, promovendo alteração de hábitos, rotinas e comportamentos. Dito isto,
entende-se que a religiosidade pode ser um fator positivo para a saúde (Camboim & Rique, 2010),
o que justifica tê-la em conta nas pesquisas (Aquino et al., 2013). Segundo Alves e Aquino (2017),
a religiosidade, na atualidade, também pode ser compreendida como uma atitude frente a um
objeto: a religião. Considerando essa relação, a seguir aborda-se o construto atitudes religiosas.
Atitudes religiosas
Método
Participantes
Instrumentos
Escala de Atitudes Religiosas (EAR-20). Com 20 itens distribuídos em quatro fatores (Aquino
et al., 2013): F1. Conhecimento (α= 0,85); F2. Comportamento (α= 0,82); F3. Sentimento (α=
0,65); F4. Corporeidade (α= 0,90). Os itens são respondidos, de acordo com uma escala de
cinco pontos, variando entre 1 (Nunca) e 5 (Sempre), além de um Questionário de caracterização
sóciodemográfica, composto pelas seguintes perguntas: idade, sexo, curso universitário, religião,
nível de religiosidade e renda familiar.
Procedimentos
908 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
explicando os objetivos da pesquisa, enfatizando que a mesma não traria bônus e nem ônus aos
respondentes, sendo de caráter voluntário, de modo que os participantes poderiam desistir em
qualquer etapa. Todos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), para
que fosse prosseguida a coleta de dados. Ressalta-se, que todos os procedimentos éticos para
pesquisas com seres humanos foram tomados, baseados nas Resoluções nº 466/12 e 510/2016
do Conselho Nacional de Saúde, sendo necessários 10 minutos, para que os questionários fossem
respondidos.
Análise de dados
Utilizou-se programa IBM SPSS, versão 21, sendo realizadas análises descritivas (tendência
central) e cálculo da consistência interna (Alfa de Cronbach) e homogeneidade. Com o AMOS,
versão 21, empregaram-se análises fatoriais confirmatórias, com o método de estimação Maximum
Likelihood, (ML), que foi utilizado para investigar a adequação do modelo teórico aos dados
empíricos, no âmbito da análise de equações estruturais (SEM – Structural Equation Modeling).
Tendo em conta os seguintes indicadores: (1) o χ² (qui-quadrado), comprova a probabilidade de
o modelo teórico se ajustar aos dados. Este, por ser sensível a tamanhos amostrais grandes (n >
200), deve ser interpretado com reserva, valendo-se de sua razão em relação aos graus de liberdade
(χ²/g.l.), e seus valores devem figurar entre 2 e 3 (ajustamento adequado), sendo aceitável até
5; (2) o Comparative Fit Index (CFI), este índice varia de 0 a valores mais próximos de 1, valores
superiores a 0,90 indicam um modelo ajustado; (3) Tucker-Lewis Index (TLI) varia de 0 a 1, e valores
acima de 0,90 indicam ajuste adequado; (4) a Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA),
com seu intervalo de confiança de 90% (IC90%), com valores iguais ou inferiores a 0,05; aceitam-
se valores de até 0,10 (Tabachnick & Fidell, 2013).
Para comparar os modelos alternativos, contou-se com indicadores, a saber: ∆χ²,
CAIC (Consistent Akaike information Criterion) e ECVI (Expected Cross Validation Index). Diferença
estatisticamente significativa do ∆χ², penalizando o modelo com maior χ², e valores < de CAIC e
ECVI, sugerem um modelo mais adequado (Marôco, 2014).
Por último, calculou-se a variância média extraída (VME), que fornece evidências
complementares de validade de construto, além da confiabilidade composta (CC) que é um
índice mais robusto de confiabilidade, quando comparado ao coeficiente alfa (Hair, Black, Babin,
Anderson, & Tatham, 2009). Assim, valores iguais ou superiores a 0,50 para a VME e 0,70 para a
CC, respectivamente, consideram-se adequados. A VME é considerada uma medida da validade
convergente do fator, servindo para explicar o conjunto de itens e, a CC, para dirimir dúvidas
quanto ao alfa de Cronbach, que é influenciado pelo número de itens (Fornell & Larcker, 1981;
Marôco, 2014).
Resultados
RMSEA
F χ2 Gl χ2/gl CFI TLI CAIC ECVI Δχ2 (Gl)
(IC90%)
4 707,82 164 4,32 0,90 0,89 0,09 1.030,68 1,96
(0,08-0,10) _
2 989,60 169 5,86 0,85 0,83 0,11 1.277,36 2,62 281,78 (5)*
(0,11-0,12)
1 1.275,27 170 7,50 0,80 0,78 0,13 1.556,01 3,32 567,45 (6)*
(0,12-0,13)
Nota: F= Modelos: 4. tetrafatorial, 2. bifatorial e 1. unifatorial. χ²/gl= razão qui-quadrado / graus de Liberdade;
CFI= Comparative Fit Index; TLI= Tucker-Lewis Index; RMSEA= Root-Mean-Square Error Aproximation, IC 90% = Intervalo de
Confiança de 90%; CAIC= Consistent Akaike Information Criterion; ECVI= Expected Cross-Validation Index; * p < 0,001.
Na Tabela 1, tendo em conta os indicadores de ajuste dos modelos testados, percebe-se que
o tetrafatorial é o mais adequado, ainda que o índice TLI tenha ficado abaixo do recomendado: χ²
(164) = 707,82, p < 0,001; χ²/gl= 4,32, CFI= 0,90, TLI= 0,89, RMSEA= 0,09 (IC90% = 0,08 – 0,10).
Fato que é reforçado por outros dois critérios (CAIC e EVIC), apresentando valores inferiores
aos demais. Além disso, foi observado que o modelo composto por quatro fatores apresenta
diferenças significativas, quando comparado com o bifatorial [Δχ2 (5) = 281,78, p < 0,001] e o
unifatorial [Δχ2 (6) = 567,45, p < 0,001], indicando que os modelos testados não são igualmente
representados. Assim, hierarquicamente, o modelo tetrafatorial é o mais ajustado.
Posteriormente, visando identificar um modelo mais adequado, foram observados os IMs
(Índices de Modificação) para as saturações (Lambdas, λ) e os erros de medida (Deltas, δ). No
caso, constatou-se que seria recomendável (IM =74,94) correlacionar os δ dos itens 8 (A religião/
religiosidade influência nas minhas decisões sobre o que eu devo fazer.) e 12 (Ajo de acordo
com a minha religião/ religiosidade prescreve como sendo correto.), que estão agrupados no
fator Comportamento religioso. Tais modificações resultaram em uma estrutura fatorial com
indicadores de ajuste que reuniram melhor os dados empíricos: χ² (163) = 624,99, p < 0,001, χ²/
gl= 3,83, CFI= 0,92, TLI= 0,90 RMSEA= 0,08 (IC90% = 0,08 - 0,09). Como é possível comprovar
na Figura 1, todas as saturações se encontram no intervalo comumente esperado (0-1), sendo
estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05). Apresentada na Figura 1.
910 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Estatísticas descritivas, Consistência Interna, Confiabilidade Composta e Homogeneidade e
Validade Convergente
Discussão
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914 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PROBLEMATIC INTERNET USE QUESTIONNAIRE SHORT
FORM: EVIDÊNCIAS DE VALIDADE DE CONSTRUTO NO
BRASIL
Thais Coutinho Souza
Alexia Jade Machado Sousa;
Paulo Gregório Nascimento da Silva;
Emerson Diógenes de Medeiros;
Talídyna Moreira de Oliveira
Introdução
A
distinção entre o mundo online e offline está separada por uma linha tênue que
vem sendo afinada cada vez mais. Com o crescimento exponencial das formas de
comunicação a internet, como ferramenta, recebeu lugar de destaque, posto que
sua flexibilidade e possibilidades variadas de acesso (e.g. computadores, tabletes, celulares),
contribuem para uma melhora na vida social e cotidiana (Puerta-Cortés & Carbonell, 2013).
Esta ferramenta acarreta inúmeros benefícios como fonte ilimitada de armamento e
recuperação de informação, contato imediato com outras instituições ou pessoas de qualquer
lugar do mundo, lazer, entre outros. Apesar de fornecer vantagens de uso, inúmeros estudos
elencam consequências do uso abusivo da Internet (Castillo et al., 2008; Demetrovics, Szeredi, &
Rózsa, 2008), sendo elas: negligência de aspectos da vida, diminuição do rendimento educacional
ou da produtividade do trabalho, declínio do tempo de sono, refeições com baixa nutrição, além
de ter efeito nas relações interpessoais e familiares. Assim, evidencia-se que na medida que a
Internet foi se tornando amplamente utilizada, os problemas associados ao seu uso excessivo
tornaram-se cada vez mais alarmantes (Koronczai et al., 2011).
Segundo Cheng e Li (2014), estima-se que o vício na internet esteja presente em cerca de 6%
da população global, como mostram os dados obtidos em mais de 89 mil pessoas de 31 países,
de diferentes regiões. Nessa direção, para as autoras, o vício em Internet pode ser considerado um
problema de controle de impulso marcado por uma incapacidade em inibir o uso da Internet, o que
pode afetar negativamente a vida das pessoas, incluindo sua saúde e relacionamentos interpessoais.
Devido a isto, a Psicologia passa a demonstrar interesse sobre o estudo dos comportamentos
relacionadas ao uso da Internet em 1996, na reunião anual da American Psychological Association
- APA. No entanto, os estudos que abrangem a temática ainda estão muito concentrados entre
os Estados Unidos e a China, que se destacam devido a seu constante e crescente número de
pesquisas a cada ano.
Ademais, sabe-se que muito pesquisadores referem-se a esse vício como o uso patológico
da Internet, o Pathological Internet Use (PIU; Puerta-Cortés & Carbonell, 2013). Entretanto, para
outros, a exemplo de Young (1998b), o vício na Internet é identificado pela deterioração do seu
controle, manifestando-se em sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos, ocasionando
916 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
desenvolveram o Problematic Internet Use Questionnaire (PIUQ), composto por 18 itens, distribuídos
em três fatores: (a) Obsessão: refere-se uma fixação psicológica, ou seja, pensamentos obsessivos
sobre a Internet e sintomas de abstinência mental, tias como preocupação, ansiedade e depressão,
devido a incapacidade de acessar a Internet; (b) Negligência: quando a começa a negligenciar as
necessidades básicas e atividades diárias, tais como comer e trabalhar; e (c) Descontrole: definida
como a incapacidade de diminuir a quantidade de tempo gasto na Internet ou a autopercepção
de excesso, ou seja, ocorre quando apresentam-se as dificuldades de controlar o uso da internet
(Kelley & Gruber, 2010; Koronczai et al., 2011).
Especificamente, observa-se que a PIUQ, composta por 18 itens, tem apresentado indícios
confiáveis para avaliar a extensão das consequências do uso problemático da Internet, destacando-
se dos demais instrumentos supracitados. Posteriormente foi desenvolvido o Problematic Internet
Use Questionnaire Short Form (PIUQ-SF, Koronczai et al., 2011) composto por 9 itens distribuídos
em três fatores teóricos, supracitados (obsessão, negligência e descontrole). Ambas versões (18
itens e 9 itens) tem se demonstrado validas e confiáveis, mesmo considerando diferentes métodos
de coleta de dados ou faixa etárias distintas, tais como adultos e adolescentes (Demetrovics et al.,
2008; Koronczai et al., 2011) e em diferentes culturas, a exemplo dos Estados Unidos (Kelley &
Gruber, 2010), Pérsia (Ranjbar, Thatcher, Greyling, Arab, & Nasri, 2014), Eslovênia (Macur, Király,
Maraz, Nagygyörgy, & Demetrovics, 2016) e China (Koronczai et al., 2017).
Nesse sentido, ressalta-se a importância da realização de estudos neste campo, tendo em
vista os impactos desse fenômeno, principalmente os referentes a medidas psicometricamente
adequadas, que possibilitem pesquisar a temática de forma sistemática. Dito isto, e considerando
a necessidade de contar com instrumentos breves e concisos, que ajudem no avanço de pesquisas
(Demetrovics et al., 2008; Koronczai et al., 2011). Desse modo, tendo em conta o que foi exposto
até o momento, na presenta pesquisa, será considerada a versão reduzida do PIUQ, por ser um
instrumento mais parcimonioso e que tem se demonstrado adequado psicometricamente em
outros contextos.
Assim, esse estudo tem como principal objetivo adaptar e validar para o contexto brasileiro
a Problematic Internet Use Questionnaire Short Form (PIUQ-SF; Koronczai et al., 2011), buscando
averiguar evidências psicométricas de validade e precisão da medida, para tanto serão comparados
dois possíveis modelos: (1) o trifatorial como sugerido originalmente e (2) e o unifatorial. Tal
empreendimento se faz necessário, tendo em vista a escassez de medidas sobre o uso problemático
da internet em cenário nacional.
Método
Participantes
Contou-se com 210 participantes de dez estados brasileiros, tendo o Piauí (59%), Maranhão
(21,9%), Ceará (11,4%) como os com maiores números de partícipes. As suas idades variando entre
18 e 48 anos (M = 23,28; DP = 4,78), em maioria mulheres (57,6%), solteiras (90,5%), católicas
(63,8%), com salários em média variando entre 954 e 2.862 reais e que relataram usar a internet,
em média 5 (DP = 3,83) horas por dia.
Instrumentos
Problematic Internet Use Questionnaire Short Form (PIUQ-SF). Composto por 9 itens, que
são distribuídos equitativamente em três fatores, que apresentam boas evidências de precisão
em amostra de adultos: Obsessão (α)= 0,84; Negligência (α)= 0,77 e Descontrole (α)= 0,77
Procedimentos
Análise de dados
Contou-se com o SPSS 21, realizando-se análises descritivas (tendência central) e cálculo
da consistência interna (Alfa de Cronbach) e homogeneidade. Com o AMOS 21, empregaram-
se análises fatoriais confirmatórias, considerando tais indicadores: (1) o χ² (qui-quadrado),
comprova a probabilidade de o modelo teórico se ajustar aos dados; considerando sua razão em
relação aos graus de liberdade (χ²/g.l.), seus valores devem ficar entre 2 e 3 (adequado), sendo
aceitável até 5; (2) o Comparative Fit Index (CFI) e 3) Tucker-Lewis Index (TLI), consideram-se valores
superiores a 0,90 (modelo ajustado); (4) a Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA), com
intervalo de confiança de 90% (IC90%), cujos valores devem ser ≤ a 0,05; admitindo-se até 0,10.
Para comparar os modelos alternativos contou-se com os indicadores: ∆χ², CAIC (Consistent
Akaike information Criterion) e ECVI (Expected Cross Validation Index). Diferença estatisticamente
significativa do ∆χ², penalizando o modelo com maior χ², e valores < de CAIC e ECVI sugerem um
modelo mais adequado. Ademais, foi avaliada a confiabilidade composta (CC), avaliada para
cada fator, é utilizado para superar a deficiência do alfa de Cronbach, que é influenciado pelo
número de itens (Tabachick & Fidell, 2013; Marôco, 2014).
Resultados
918 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
SF). Assim, buscou-se testar o modelo teórico composto por três fatores: Obsessão, Negligência e
Descontrole (Koronczai et al., 2011), confrontando com um modelo alternativo unifatorial, com
todos os itens da medida, saturando em um fator geral. Os resultados podem ser observados na
Tabela 1.
Tabela 1.
Comparação de três modelos da Problematic Internet Use Questionnaire Short Form.
RMSEA
F χ2 Gl χ2/gl TLI CFI CAIC ECVI Δχ2 (Gl)
(IC90%)
3 61,382 24 2,56 0,94 0,96 0,09 194,67 0,56
_
(0,08-0,11)
1 200,83 27 7,43 0,75 0,82 0,18 315,08 1,14 139,45 (3)*
(0,15-0,20)
Nota: F= Modelos: 3. Trifatorial (original) e 1. Unifatorial (alternativo). χ²/gl= razão qui-quadrado / graus de Liberdade;
CFI= Comparative Fit Index; TLI= Tucker-Lewis Index; RMSEA= Root-Mean-Square Error Aproximation, IC 90% = Intervalo de
Confiança de 90%; CAIC= Consistent Akaike Information Criterion; ECVI= Expected Cross-Validation Index; * p < 0,001.
Com base na tabela 1, observa-se que os resultados da SEM (Structural Equation Modeling)
demonstraram que o modelo unifatorial apresentou índices de ajuste bem abaixo do recomendado
[χ² (27) = 200,83, p < 0,001; χ²/gl= 7,43, CFI= 0,75, TLI= 0,82, RMSEA= 0,18 (IC90% = 0,15 – 0,20],
ou seja, inadequados, ao passo que o modelo original, composto por três fatores, apresentou
excelentes indicadores de ajuste, sendo adequados: [χ² (24) = 61,382, p < 0,001; χ²/gl= 2,56, CFI=
0,94, TLI= 0,96, RMSEA= 0,09 (IC90% = 0,08 – 0,11], fato corroborado pelos indicadores CAIC e
ECVI, que apresentaram valores menores no modelo trifatorial.
Além disso, ressalta-se que todas as saturações se encontram no intervalo comumente
esperado (0-1), sendo estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05). Em suma,
tendo em conta os valores apresentados na Figura 1, foram reunidas evidências de validade de
construto do PIUQ-FS, ou seja, os resultados encontrados dão suporte a estrutura trifatorial
composta por nove itens (três itens por fator). Como apresentado na Figura 1.
Tabela 2.
Estatísticas descritivas, índices de precisão e correlações entre os fatores.
FATORES M DP α rm.i CC CORRELAÇÕES (r)
1. Obsessão 2,19 0,91 0,83 0,63 0,83 ―
2. Negligência 2,45 0,92 0,78 0,54 0,78 0,59** ―
3. Descontrole 2,29 0,92 0,82 0,59 0,76 0,55** 0,83** ―
1 2 3
Nota: M = média; DP = desvio padrão; α = Alfa de Cronbach; rm.i = Índice de homogeneidade; CC = Confiabilidade
Composta; r = correlação de Pearson, ** p < 0,001.
Fator I. Obsessão, composto por três itens (Item 01, Com que frequência você sente-se tenso, irritado
ou estressado se você não usa a Internet por vários dias?; Item 02, Com que frequência acontece de você sentir-se
depressivo, mal-humorado ou nervoso quando você não está conectado à Internet e esses sentimentos param assim
que você volta a se conectar?; Item 03, Com que frequência você sente-se tenso, irritado ou estressado se você não
pode usar a Internet o quanto gostaria?), que apresentaram um valor médio de 2,74 (DP= 0,87) e cargas
fatoriais que variaram entre 0,77 (Itens 01 e 02) a 0,83 (Item 03). A consistência interna (alfa de
Cronbach, α), foi de 0,83, a confiabilidade composta (CC = 0,83) e a homogeneidade (correlação
média inter-itens, ri.i )= 0,63, variando de 0,61 (Itens 01 e 02) a 0,66 (Item 01 e 03).
Fator II. Negligência, agrupa três itens (Item 05, Com que frequência você passa horas conectado quando
você deveria dormir?; Item 08, Com que frequência as pessoas que fazem parte da sua vida reclamam sobre você
passar tempo demais conectado?; Item 09, Com que frequência você negligencia tarefas domésticas para passar
mais tempo conectado?), com média de 2,45 (DP= 0,92). Os pesos fatoriais foram de 0,68, (Item 08)
a 0,77 (Item 09). A confiabilidade (α) foi de 0,78, a CC= 0,78 e a homogeneidade (ri.i)= 0,54, que variou
de 0,50 (Item 05 e 09) a 0,60 (Item 08 e 09).
Fator III. Descontrole, com três itens (Item 04, Com que frequência você tenta ocultar a quantidade
de tempo gasto conectado?; Item 06, Com que frequência acontece de você desejar diminuir a quantidade de
tempo gasto conectado, mas você não consegue?; Item 07, Com que frequência você sente que deveria diminuir
a quantidade de tempo gasto conectado?), com valor médio de 2,29 (DP= 0,92). Os níveis de saturação
(cargas fatoriais) variaram entre 0,61 (Item 04) a 0,89 (Item 06). A confiabilidade (α) foi de 0,81,
a CC= 0,76 e a ri.i= 0,59, variando de 0,50 (Itens 04 e 06) a 0,75 (Item 06 e 07).
Discussão
920 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
excessivo da internet e c) Descontrole, referente a dificuldades ou falta de controle, ou seja, um
desejo descontrolado de usar a Internet (Demetrovics, 2008; Koroncza et al., 2011). O modelo
supracitado foi posto à prova, comparando-o a outro unifatorial, que apresentou indicadores
de ajuste inferiores (Marôco, 2014), corroborando a solução trifatorial como a mais adequada
teórico e empiricamente.
Quando considerados os índices de consistência interna, avaliados pelo coeficiente alfa de
Chonbach e pela confiabilidade composta, além da homogeneidade da medida, os resultados
mostraram-se promissores. Dito isto, ressalta-se que os indicadores de precisão (alfa e a CC)
ficaram acima dos pontos de corte admitidos, ou seja, ≥ 0,70 para ambos (Marôco, 2014). Além
disso, o índice de homogeneidade (correlação inter-itens) também apresentaram-se dentro dos
limites sugeridos (> 0,20; Clark & Watson, 1995).
Ademais, entendendo que todo estudo científico apresenta limitações, este estudo apresenta
algumas que são elencadas na sequência. Inicialmente, a amostra que foi por conveniência (não
probabilística) de usuários da Internet, não sendo possível considerá-la representativas dos usuários
da Internet. Nessa direção, entende-se que apesar do esforço de angariar participantes de todas
as cinco regiões brasileiras, abrangendo uma amostra mais heterogênea, a mesma apresentou
um número reduzido de participantes (N=210), não refletindo assim, os usuários de internet da
população brasileira, portanto impossibilitando generalizações. Outra limitação refere-se ao fato
de medida ser de auto relato, que permite que haja o falseamento das respostas por parte dos
respondentes, influenciada pela desejabilidade social ou o estado afetivo atual do participante no
momento da coleta.
A despeito de possibilidades, recomenda-se que essa pesquisa seja replicada considerando
amostras mais representativas, heterogêneas ou distribuídas equitativamente, como por exemplo,
entre sexo ou distintas regiões do Brasil, que possibilitariam reunir evidencias complementares
de validade da medida, tais como a comparação de grupos, por meio da invariância fatorial, ou
considerando as validades convergente e discriminante. Além disso, recomenda-se estudos com
amostras clínicas que visem estabelecer critérios diagnósticos, oriundas do Brasil, que abordem
adequadamente os domínios do uso problemático da Internet, sugerindo pontos de corte que
ajudem a distinguir corretamente o uso normal e o patológico da Internet, uma vez que esta
distinção se configura como uma das principais dificuldades dos pesquisadores e profissionais
(Koronczai et al, 2011). Ademais, pode-se considerar outras variáveis, que funcionem como
antecedentes ou consequentes desse fenômeno, a exemplo da personalidade o vício no WhatsApp
ou regulação emocional (Chan & Leung, 2016).
Em suma, os resultados encontrados são animadores, pois a PIUQ-FS demonstrou ser
uma medida adequada para o contexto brasileiro, constituindo-se como uma ferramenta
parcimoniosa, composta por nove itens, que preservou a estrutura teórica trifatorial subjacente.
Assim, a mesma pode ser útil para subsidiar estudos que avaliem o uso problemático da internet,
a exemplo em contextos clínicos ou em pesquisas que demandem um tempo hábil do pesquisador,
possibilitando que a mediada seja relacionada a outras variáveis para um melhor entendimento
da temática.
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Intoducão
K
oller e Paludo (2007), destacam que a Psicologia não deve restringir-se apenas aos
aspectos negativos e às psicopatologias, ao contrário, deve propor-se também a
otimizar áreas positivas dos seres humanos, aumentando as forças já existentes. A
Psicologia Positiva aponta para essa direção, lançando o olhar para o lado virtuoso, desenvolvendo
pesquisas empíricas nesse quesito e dando subsídios para que o homem encontre formas de
realização e aceitação (Seligman, 2004).
A Psicologia Positiva, uma das mais recentes abordagens na área, surgiu como tentativa de
ampliar o foco para além do patológico e teve início quando Seligman assumiu a presidência da
American Psychololycal Association (APA) em 1998 (Snyder, 2009). Desde então pesquisadores
em Psicologia Positiva vem promovendo discussão e pesquisas sobre as virtudes e forças pessoais,
observando que tais fatores servem para promoção de saúde mental, para tanto tem estudado
resiliência, florescimento, bem-estar subjetivo, satisfação com a vida, realização pessoal e felicidade
(Diener, Scollon, & Lucas, 2009).
Para Scorsolini-Comin (2011), o bem-estar subjetivo (BES) tem sido aceito como uma
alternativa para mensurar o constructo felicidade e inclui conceitos diversos que vão desde
modos momentâneos de humor, até julgamentos globais de satisfação de vida culminando em
uma avaliação geral do indivíduo sobre a própria vida. Zanon, Bastianello, Pacico e Hutz (2013),
categorizam o BES em duas dimensões: cognitiva e afetiva, sendo esta a própria vivencia da pessoa
de acordo com as suas emoções, tanto positivas quanto negativas, e aquela a forma como o
sujeito percebe e avalia sua satisfação com a vida.
Especificamente, a presente pesquisa foca no aspecto afetivo do bem-estar subjetivo, que
envolve os componentes emocionais, que podem ser divididos em afeto positivo e negativo. Os
afetos positivos e negativos refletem experiências básicas dos eventos cotidianos da vida das pessoas.
Assim, muitos pesquisadores afirmam que essas avaliações afetivas constituem como uma base
para julgamentos de BES (Kahneman, 1999). Tais avaliações afetivas podem ser entendidas como
emoções e estados de espírito. Embora hajam debates sobre a natureza e a relação entre estas
duas concepções (Morris, 1999), uma vez que as emoções são geralmente pensadas como reações
rápidas que estão vinculadas a eventos ou estímulos externos (Frijda, 1999). Enquanto estados
924 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de espirito, são considerados sentimentos afetivos mais difusos, que podem não estar ligados
a eventos específicos (Morris, 1999). Ao estudar os tipos de reações afetivas que os indivíduos
experimentam, os pesquisadores podem entender as maneiras que as pessoas usam para examinar
as condições e os eventos ocorridos em suas vidas (Diener et al., 2009).
Desde o estudo de Bradburn (1969), que observou que os afetos (positivos e negativos)
são relativamente independentes um do outro, a relação entre os dois componentes tem sido
controversa. Entretanto, atualmente, há extensa evidência mostrando que níveis proporcionais de
afeto negativo e positivo são independentes, mesmo quando diferentes instrumentos de medidas
são usados (Diener, & Emmons, 1985).
Devido a sua importância, é possível encontrar alguns instrumentos para a sua mensuração,
sendo dois amplamente utilizados, que são o Positive and Negative Affect Schedule (PANAS; Watson
& Clark 1988), composto por vinte itens que avaliam os afetos em duas dimensões, nomeadas de
negativos e positivos, com itens distribuídos equitativamente, onde as sentenças correspondiam
a adjetivos referente a estados afetivos e de humor. Posteriormente, Watson e Clark (1999),
desenvolveram a escala PANAS-X, uma versão expandida e aprimorada da anterior, com 60 itens,
que consistiam em adjetivos ou frases curtas relacionados a estados de humor (e.g. calmo, com
medo, orgulhoso, confiante).
Na tentativa de ampliar a avaliação de afetos e em consequência a avaliação da dimensão
emocional do bem-estar subjetivo, Zanon, Bastianello, Pacico e Hutz (2013) criaram a Escala
de Afetos, que, diferente da PANAS, é baseada em sentenças e não em adjetivos. Além disso, foi
pensada para a realidade brasileira e, portanto, evitou-se palavras que causem incompreensão ou
duplo sentido, como “arrojado” ou “excitado” presentes na PANAS.
Dessa forma, o objetivo geral deste estudo é validar a Escala de Afetos para o contexto
Piauiense, averiguando evidências de validade fatorial, precisão e poder discriminativo dos itens.
Método
Participantes
Instrumento
Utilizou-se a Escala de Afetos (EA) elaborada por Zanon, Bastinello, Pacico e Hutz (2013),
que contém 20 itens referentes a sentimentos e emoções, tanto passadas quanto presentes, de
aspectos positivos e negativos. As respostas deram-se por uma escala tipo Likert de 5 pontos, sendo
que quanto mais próximo de 5 mais o item descreve o sujeito e quanto mais próximo de um menos
o representa. O instrumento é de ordem bifatorial: 10 itens correspondendo ao fator positivo e os
demais ao fator negativo. Além disso, aplicou-se também o questionário sociodemográfico a fim
de caracterizar a amostra (sexo, idade, curso).
Procedimentos
Análise de dados
Os dados foram analisados por meio do pacote estatístico SPSS, em sua versão 21.
Realizaram-se as Estatísticas Descritivas (medidas de tendência central e dispersão). Foi empregada
uma Análise multivariada da variância (MANOVA), para verificar o poder discriminativo dos
itens, além do índice KMO e do Teste de Esfericidade de Bartlett, que foram realizados com o
objetivo de decidir acerca da adequabilidade de se empregar uma análise fatorial. Realizou-se o
método de fatoração dos eixos principais, objetivando verificar a validade fatoral da medida, em
seguida, foram calculados os índices de consistência interna, referentes a precisão da escala, que
foi avaliado pelo coeficiente alfa de Cronbach, além de considerar a homogeneidade, que se refere
as correlações médias inter itens do instrumento.
Resultados e discussão
Inicialmente, procurou-se conhecer o poder discriminativo dos itens, formando dois grupos,
partindo da mediana da pontuação total da Escala de Afetos Positivos e Negativos, considerando
a pontuação dos participantes com pontuação abaixo e acima da mediana formaram os grupos
critério inferior e superior, respectivamente. Por meio de uma MANOVA, pode-se verificar se seus
itens discriminam pessoas com pontuações próximas, a fim de decidir pela permanência destes
entre o conjunto que o compõe.
Tabela 1.
Poder discriminativo dos itens da Escala de Afetos.
Itens Grupos-Critério
Inferior (105) Superior (102) Constante
Positivos M DP M DP F P ɳ²p
02 2,54 0,84 3,76 0,71 125,264 0,001 0,379
03 2,72 0,91 3,78 0,70 87,554 0,001 0,299
06 3,27 0,90 4,26 0,78 72,172 0,001 0,260
08 3,79 0,88 4,55 0,59 52,320 0,001 0,203
09 3,00 1,01 4,31 0,67 120,462 0,001 0,370
13 3,10 0,96 4,20 0,66 92,387 0,001 0,311
14 3,70 0,96 4,38 0,63 35,824 0,001 0,149
15 3,18 0,95 4,38 0,63 94,796 0,001 0,316
17 3,02 0,95 4,00 0,80 64,612 0,001 0,240
926 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
18 3,32 0,93 4,37 0,63 90,548 0,001 0,306
Negativos M DP M DP F P ɳ²p
01 3,15 1,07 4,20 0,75 69,716 0,001 0,242
04 3,70 1,07 4,54 0,65 49,150 0,001 0,184
05 3,35 1,03 4,40 0,65 80,116 0,001 0,269
07 2,85 1.23 3.54 1,09 19,275 0,001 0,081
10 2,70 1,03 3,66 0,95 51,628 0,001 0,191
11 2,10 1,05 2,74 1,17 17,880 0,001 0,076
12 2,48 1,11 3,87 1,05 90,723 0,001 0,294
16 2,52 1,13 3,68 1,01 63,603 0,001 0,226
19 2,10 1,06 3,04 1,19 37,350 0,001 0,146
20 2,30 1,02 3,57 1,08 78,333 0,001 0,264
Inicialmente, foi realizada uma análise fatorial exploratória, tendo como finalidade
conhecer a estrutura fatorial da matriz de correlações entre os 20 itens da EF. Nesse sentido,
através das estatísticas do índice de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o Teste de Esfericidade de Bartlett,
buscou-se comprovar a fatorabilidade dos dados a realização da análise exploratória. O critério
de Kaiser trabalha com as correlações parciais das variáveis, considerando-se valores iguais ou
superiores 0,60 (Tabachinick & Fidell, 2013), enquanto que o teste de Bartlett verifica se a matriz
de covariância é uma é uma identidade. Para que a matriz seja passível de ser classificada em
fatores, essa hipótese deve ser rejeitada (Pasquali, 2003).
Por meio dos resultados é possível observar os seguintes valores: KMO = 0,84 e Teste de
Esfericidade de Bartlett (190) = 1449,310; p < 0,001. Inicialmente, realizou-se essa análise sem fixar o
número de fatores a serem extraídos e a rotação. Assim, foi possível identificar a possibilidade de
extração de oito componentes com valores próprios (eigenvalue) superior a 1 (Critério de Kaiser).
A representação gráfica dos valores próprios (Critério de Cattell) observou que era mais adequada
a retenção de dois fatores, como pode ser observado na Figura 1.
É possível observar na distribuição gráfica dos valores próprios (Critério de Cattell) na figura
1 acima, que dois fatores se discrepam dos demais, ficando evidenciado ao ser traçada uma linha
(pontilhada); pode-se perceber que os demais valores próprios quase não se diferem uns dos
outros, demonstrando assim, uma estrutura com dois fatores.
Posteriormente, realizou-se uma Análise Fatorial Exploratória, considerando o método de
Fatoração dos Eixos Principais (Principal Axis Factoring, PAF), assim, procedeu-se a AFE, adotando a
rotação oblimin e fixando o número de fatores em dois, como teorizado. Ademais, foi considerado
como critério de saturação as cargas fatoriais com valores mínimos iguais ou superiores a |0,30|.
Os resultados desta análise podem ser observados na Tabela 2.
Tabela 2.
Estrutura fatorial da Escala de Afetos Positivos e Negativos.
928 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
19. Nos últimos tempos ocorreram situações em que me senti humilhado. -0,35 0,33* 0,19
Nota: * Item retido no fator, valores iguais ou superiores a |0,30|; F1= Afetos Positivos; F2 = Afetos Negativos; carga
fatorial considerada satisfatória, isto é, > |0,30|; h² = comunalidade.
Dessa forma, como pode ser observado na Tabela 2, a medida ficou composta por dois
fatores, permitiu explicar conjuntamente 33,26%. da variância total. Ademais, como evidenciado
na tabela 1, dois itens apresentaram carga fatorial alta em mais de um fator (Caso dos itens 20 e
19, respectivamente). Entretanto, esses itens foram mantidos devido o tipo de rotação utilizada
(Oblimin), que admite que os itens possam saturar mais de um fator, devido a suposição que os
fatores sejam correlacionados entre si (Damásio, 2012), ressaltando-se que os itens supracitados
foram mantidos no fator indicado teoricamente. Assim, os fatores ficaram distribuídos da seguinte
maneira:
Fator I. Este fator ficou composto por dez itens (02, 03, 06, 08, 09, 13, 14, 15, 17 e 18) e
foi denominado de Afetos Positivos, apresentando um maior valor um valor próprio de 4,83, que
explicou 24,16% da variância total. Os itens apresentaram cargas fatoriais que variaram entre
0,41, (item 14, Me dá prazer experimentar coisas novas.) e 0,71, (item 06, Sinto orgulho de mim mesmo.). O
índice de consistência interna foi medido através do coeficiente alfa de Cronbach (α), que apresentou
um valor de 0,86, que é considerável aceitável. Além disso, visando assegurar mais evidências de
consistência interna, verificou-se o índice de homogeneidade (correlação média inter itens/ ri.i),
que apresentou uma média de 0,38, variando de 0,13 (Itens 06 e 14) a 0,57 (Itens 06 e 17).
Fator II. Este fator ficou composto por nove itens (01, 04, 05, 10, 11, 12, 16, 19 e 20), sendo
nomeado de Afetos Negativos. O item 07 (Me sinto culpado por coisas que fiz no passado.) não conseguiu
atingir a carga fatorial mínima estabelecida pela literatura, de 0,30, optando-se, por excluí-lo.
Assim, esse fator apresentou um valor próprio de 1,98 e sua variância explicada foi de 9,10%.,
com cargas fatoriais variando entre 0,33, (item 19, Nos últimos tempos ocorreram situações em que me
senti humilhado.) a 0,62, (item 16, Eu me irrito facilmente.). O índice de consistência interna, alfa de
Cronbach (α), obtido nesse fator foi de 0,76. Além disso, averiguou-se o índice de homogeneidade
(correlação média inter itens/ ri.i), apresentando uma média de 0,26 variando de -0,04 (Itens 05 e
11) a 0,56 (Itens 04 e 05).
A presente pesquisa objetivou validar para o contexto piauiense a Escala de Afetos Positivos
e Negativos, além de averiguar evidências de precisão da medida. Para tanto, foi considerada uma
amostra composta por estudantes universitários, residentes no interior do Piauí. Estima-se que o
principal propósito desta pesquisa tenha sido alcançado, pois a EF reuniu evidências favoráveis de
sua adequação em cenário piauiense, ficando composta por 19 itens, dos 20 do estudo original
(Zanon et al., 2013).
Entretanto, mesmo que tenha sido alcançado o objetivo proposto, ressalta-se que a presente
pesquisa não está isenta de limitações, que tais como a amostra, que foi por conveniência não
probabilística, de estudantes de apenas uma instituição de ensino superior. Tal fato impossibilita
que os resultados extrapolem a âmbito amostral, impedindo a generalização dos resultados. Dito
isto, entende-se que esta pesquisa não teve o objetivo de generalizações, mas verificar e apresentar
uma medida de afetos, com boas qualidades métricas para o contexto piauiense. Ademais, sem
deixar de reconhecer as limitações já mencionadas, parece pertinente discutir os principais achados
da pesquisa.
Nessa direção, a EA demonstrou ser adequada, fato que foi comprovado devido os
indícios favoráveis de validade fatorial, além de apresentar boa consistência interna (precisão)
da medida, pois os dois fatores alcançaram alfas satisfatórios, variando entre 0,76 e 0,86, que
são considerados índices aceitáveis, ou seja, > = 0,70 (Cohen, Swerdlik, & Sturman, 2014). Além
disso, considerando a limitação do alfa de Cronbach, que sofre influência do número de itens,
buscou-se evidências complementares de fidedignidade da EA, por meio da homogeneidade, que
é representada pela correlação média inter itens (rm.i), que foram aceitáveis nos dois fatores, ou
seja, com valores situados acima de 0,20 (Clark & Watson, 1995).
Na possibilidade de estudos futuros, recomenda-se que sejam realizadas mais investigações
com amostras maiores e diversificadas, visando corroborar os achados até o momento,
confirmando a estrutura encontrada pelos no estudo original (Zanon et al., 2013), além de
compará-la com a medida apresentada na presente pesquisa, composta por 19 itens. Para tanto,
recomenda-se que sejam utilizados de métodos estatísticos mais sofisticados, a exemplo da
análise confirmatória, podendo, inclusive, realizar a invariância multigrupos, visando angariar
evidências complementares de validade de construto, além da Teoria de Resposta ao Item (TRI),
que possibilitará propor uma medida mais parcimoniosa.
Seria igualmente interessante que através dessa medida fossem verificados outros tipos de
validade como a convergente e a discriminante, permitindo encontrar possíveis relações entre o
construto afetos e outras escalas, tais como satisfação com a vida, otimismo ou florescimento.
Recomenda-se também que em pesquisas posteriores sejam utilizadas análises que possibilitem
elaborar modelos explicativos que incluam os afetos.
Em resumo, mesmo com estes resultados positivos, recomenda-se que pesquisas
como essas continuem a ser realizadas na tentativa de contribuir com a literatura acerca da
temática, principalmente em âmbito nacional. Ademais, os resultados apresentados até o
momento, servem apenas como uma abordagem inicial das características psicométricas da
escala, necessitando de estudos posteriores, uma vez que se trata de um instrumento novo,
necessitando que seja apresentado um escopo maior de provas satisfatórias de sua adequação,
que justifiquem utilizá-la em pesquisas voltadas a construtos advindo da Psicologia Positiva
ou da Psicologia em geral.
930 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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Introdução
O
conceito de “estresse” é amplo e estudado por muitas vertentes, tornando-se parte
do senso comum. Está ligado a capacidade de adaptação e à mudança. Apesar da
existência de um consenso sobre o estresse, a sua definição é questionada, gerando
maiores discussões quando se estuda o tema (Filgueras & Hippert,1999; Faro & Pereira, 2013).
Diante das variadas disciplinas que estudaram a temática do estresse surgiram novas correntes,
dando origem a muitas outras concepções, por exemplo, as abordagens fisiológicas e bioquímicas
destacaram a importância da resposta orgânica; algo interno ao indivíduo. Nas abordagens
psicológicas e sociais enfatizaram os estímulos estressores com o foco nas situações externas
(Caldera, Pulido, & Martínez, 2007).
Hans Selye (1936) considerado pai do estresse, foi um dos precursores ao utilizar esse termo.
Após inúmeras pesquisas, voltado ao campo da fisiologia, usou o termo “stress”, designando
como uma resposta inespecífica do organismo aos estímulos internos ou externos, ou seja, alguma
situação estressante. O estresse é um estado manifestado por meio da Síndrome de Adaptação
Geral (SGA), apresentando três fases: alarme, resistência e exaustão, sendo encontrado em
qualquer uma das fases.
No Brasil, Lipp (2003) após estudar o modelo Trifásico de Selye, considera a existência de
uma quarta fase. A “fase de quase exaustão”, que ocorre entre a fase de resistência e exaustão.
A nova etapa proposta por Lipp, é caracterizada pelo surgimento de doenças, também pelo
enfraquecimento da pessoa, onde a mesma não consegue se adaptar ou resistir a um estressor.
Embora, os sintomas se manifestem, as pessoas ainda conseguem trabalhar, algo que não se pode
realizar na fase de exaustão. A autora cita o estresse como um estado de tensão que causa uma
ruptura no equilíbrio interno do organismo.
Na Psicologia, o estresse é considerado como estado de tensão emocional desagradável, sendo
acompanhado por irritabilidade, distúrbio de sono e do apetite, dificuldade na concentração e
aflição excessiva com o contexto (Paz, 2014). Na visão interacionista de Lazarus e Folkman (1984)
o estresse é definido diante da interação entre indivíduo e ambiente, onde o evento é dito como
estressante quando limita ou excede seus recursos, prejudicando seu modo de vida. Quando se
considera um acontecimento estressante, este depende da avaliação cognitiva do indivíduo, cada
enfrentamento ao estressor é único, pois cada indivíduo reage de forma diferente.
O estresse é uma reação intensa do organismo perante a qualquer tipo de acontecimento,
seja bom ou ruim. A Organização Mundial da Saúde (OMS) acredita que o estresse é o mal do
932 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
século XXI e principal causador de doenças crônicas (Silva & Brigante, 2013). Frequentemente, a
palavra estresse é usada para se referir a uma doença, sendo resultado da sociedade e do modo
de vida, em que as condições trazem impacto negativo a saúde. O estresse é um estado em que
o indivíduo sofre uma série de distúrbios diferentes, consequentemente, causados por uma má
adaptação ao ambiente. Contudo, esses transtornos podem ser controlados, no entanto, implica
em mudanças nos hábitos de vida (Ávila, 2014).
O estresse pode atingir qualquer indivíduo, visto que a sociedade por completo está
submissa ao excesso de condições estressantes, que ultrapassam a parte física e emocional de
resistir (Lipp & Malagris, 2001). Em determinadas situações da vida, as pressões biopsicossociais
são responsáveis por desequilíbrio na homeostase do corpo. Essas pressões desencadeadoras
do estresse podem ser vivenciadas em diversos momentos na vida pessoal, social e, não sendo
diferente na vida acadêmica (Monteiro, Freitas, & Ribeiro, 2007).
O estresse no ambiente universitário engloba variáveis inter-relacionadas: estressores
acadêmicos, experiência subjetiva, moderadores do estresse acadêmico, e por fim, os efeitos
do estresse acadêmico. A entrada na Universidade gera mudanças significativas ao aluno,
possibilitando o contato com estressores específicos, como medo, ansiedade, insegurança,
dúvidas acerca da profissão escolhida, maiores responsabilidades, além do distanciamento da
família. O estresse acadêmico afeta o estado emocional, a saúde física e as relações interpessoais
(Calais et al., 2007; Monzón, 2007).
Segundo Macias (2006) o estresse acadêmico é um processo sistêmico de origem adaptativa
e psicológica. O autor apresenta três momentos: 1) o aluno é submetido a uma série de exigências,
onde o próprio aluno considera estressante. 2) esses estressores causam um desequilíbrio sistêmico,
sendo manifestada em diversos sintomas. 3) o desequilíbrio no momento estressante impõe ao
aluno praticar ações de enfrentamento para manter equilíbrio sistêmico.
A realidade acadêmica demanda do aluno um maior esforço, onde este tem a necessidade
de controlar sua ansiedade. Além disso, cobra-se um alto desempenho, sendo importante uma
boa concentração. Considera-se que a incansável rotina de estudos seja um fator potencializador
para a manifestação do estresse (Mondardo & Pedon, 2012). Diversos estudos surgem para
compreender o estresse entre estudantes. Estima-se que a prevalência de distúrbios psiquiátricos
entre os estudantes é cerca de 15% a 25% (Lima, Soares, Prado, & Albuquerque, 2016).
As formas de moradia podem contribuir para o surgimento de sintomas estressantes. De
qualquer maneira, o aluno deve buscar formas de adaptação à nova rotina. Estudantes que vivem
em residências públicas; certamente são obrigados a conviver com diferentes indivíduos, a grande
maioria, moram distante dos pais e o nível socioeconômico é baixo. Por outro lado, os estudantes
com uma maior autonomia financeira; vivem em residências particulares, adequando-se as tarefas
domésticas. Geralmente, a falta de privacidade e o barulho atrapalham a rotina de estudos, além
disso, o aluno tende a administrar as despesas (Lameu, Salazar, & Souza, 2016).
A vida do acadêmico tende a ser mais estressante nos últimos períodos do curso, isto é,
nesse momento, as reações emocionais são diversas. Essa intensidade pode ser explicada por prazo
mais rigoroso de atividades, relatórios de estágio, seminários, além do Trabalho de Conclusão de
Curso, que deve ser defendido (Assis, Silva, Lopes, Silva, & Santini, 2013).
O estresse pode portar de efeitos positivos e negativos, sendo possível o enfraquecimento
ou não do organismo, esse fator depende da forma que o indivíduo dispõe de suas habilidades de
administra-lo, da intensidade, ou seja, algumas pessoas são mais vulneráveis ao estresse, devido
as características genéticas e ambientais (Junior, Cardoso, Domingues, Green, & Lima,2014).
Os efeitos do estresse comprometem a saúde, sendo geradores do desenvolvimento
de inúmeras doenças, além disso, causam prejuízos para a qualidade de vida e a eficiência do
indivíduo. Nesse sentido, é necessário aprender e prevenir o estresse, pois aquele que coloca
Método
Amostra
Instrumento
Foi utilizada a versão traduzida da Perceived Stress Scale (Escala de Estresse Percebido). Trata-
se de um instrumento que possui 14 itens na sua versão original e unidimensional.
Os 14 itens possuem opções que variam de 1 a 5 (1=Nunca, 2=Quase Nunca, 3= Às vezes,
4=Quase sempre e 5=Sempre). Os itens (4, 5, 6, 7, 9, 10 e 12) são de conotação positiva e devem
ser invertidos, sendo, 1=5, 2=4, 3=3, 4=2, 5=1. A outra metade dos itens são de origem negativa.
Existem versões reduzidas da escala PSS; versões da PSS-10 com dez itens; versões PSS-4 com
quatro itens.
Ressalta-se que a escala foi adaptada ao contexto brasileiro. Os itens foram traduzidos de
acordo com a equivalência semântica, analisou-se a equivalência cultural, verificando a coerência
dos termos utilizados em nosso país. Examinou-se a validade de conteúdo.
934 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Análise dos dados
Utilizou-se o programa estatístico IBM SPSS na versão 21 para analisar os dados. No programa
foram retiradas medidas de tendência central (medidas de tendência central e dispersão) das
variáveis sociodemográficas, objetivando caracterizar a amostra descrita. Foi rodado a Analisa
Multivariada da Variância (MANOVA) para analisar a discriminação dos itens. A fim de verificar a
estrutura fatorial da escala, foi realizada uma Análise Fatorial Exploratória. Por fim, na análise de
consistência interna da escala foi utilizado o coeficiente alfa de Cronbach.
Resultados
Para verificar a qualidade métrica dos itens, ou seja, se eles conseguem distinguir sujeitos
com pontuações próximas foi executado a somatória de dos itens da Perceived Stress Scale, logo
após, foi retirada a mediana para então dividir em grupos critérios superiores e inferiores. Por
último, foi utilizado a MANOVA para comparar os valores de cada item entre os dois grupos. Os
resultados são apresentados na Tabela 1.
Tabela 1.
Poder discriminativo dos itens
GRUPOS CRITÉRIOS
INFERIOR SUPERIOR CONTRASTE
Itens M DP M DP F p n²p
Executado todos os procedimentos, em vista, das dúvidas quanto aos fatores, sugere-se
seguir a teoria. Contudo, foi realizada uma nova Análise Fatorial Exploratória (AFE), com um
936 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
único fator. Logo, fixou a extração de um fator, apropriando o critério de saturação mínima e
superior a |0,30|. Os resultados são demonstrados na Tabela 2.
Tabela 2.
Estrutura Fatorial da Perceived Stress Scale
Cargas Fatoriais
Itens
F1 F2
1. No último mês com que frequência se sentiu aborrecida com algo que ocorreu 0,70* -0,19
inesperadamente?
2. No último mês com que frequência se sentiu que era incapaz de controlar as 0,66* -0,03
coisas que são importantes na sua vida?
3. No último mês com que frequência se sentiu nervoso ou estressado? 0,65* 0,10
6. No último mês com que frequência se sentiu confiante na sua capacidade para 0,62* 0,05
lidar com os seus problemas pessoais?
7. No último mês com que frequência sentiu que as coisas estavam a correr como 0,60* -0,26
queria?
8. No último mês com que frequência reparou que não conseguia fazer todas as 0,49* 0,51
coisas que tinha que fazer?
9. No último mês com que frequência se sentiu capaz de controlar as suas 0,47* 0,22
irritações?
10. No último mês com que frequência sentiu que as coisas estavam a correr pelo 0,46 0,08
melhor?
11. No último mês com que frequência se sentiu irritado com coisas que 0,02 0,93*
aconteceram e que estavam fora do seu controle?
13. No último mês com que frequência sentiu que as dificuldades se acumularam 0,11 0,78*
ao ponto de não ser capaz de as ultrapassar?
Número de itens 7 3
Valores próprios 7,92 1,79
Variância explicada 39,64% 8,95%
Alfa de Cronbach 0,83 0,79
Discussão
De acordo com Ribeiro e Marques (2009), o estresse é algo ambíguo e complexo. Por um
lado, o estresse tem sua origem na biologia, porém, mais tarde, se faz presente na psicologia e,
em diversas nuances. A ambiguidade se mostra, devido, o stress está relacionado aos conceitos
patológicos, como depressão e ansiedade.
No âmbito nacional, encontrou-se instrumentos de mensuração do estresse, no entanto,
de forma restrita. Paschoal e Tamayo (2004) criaram a Escala de Estresse no Trabalho (EET).
Ressalta-se que a PSS vem sendo validada por diversos países, como EUA, Espanha e Portugal.
No Brasil, os autores Luft, Sanches, Mazo e Andrade (2007) validaram a Perceived Stress Scale (PPS)
para idosos.
No artigo original de Cohen (1983) usa-se o método da Análise dos Componentes Principais
(ACP). Todavia, no presente artigo utilizamos a Análise Fatorial Exploratória com o método do eixo
Considerações Finais
De acordo com o presente artigo, o estudo revelou uma versão dos alunos universitários
da cidade de Parnaíba (PI) a respeito da problemática do estresse por eles vivenciado no âmbito
acadêmico. Verificou-se que isso implica de forma negativa no desenvolvimento das suas atividades
acadêmicas. Ademais, a qualidade da sua saúde mental é prejudicada, podendo deixá-los mais
ansiosos, irritados e deprimidos.
Diante do que foi apresentado, observa-se que o acúmulo de dificuldades e a facilidade
de se irritar devido à falta de controle mostra o quanto estão sobrecarregados, seja pela falta de
tempo por causa da distribuição da carga horária ou pelo excesso de atividades propostas pelos
professores, sem excluir os assuntos pessoais. Desse modo, verifica-se que o estresse exige esforços
tanto físicos como psicológicos, seja de forma positiva ou negativa, para lidar com as situações.
Portanto, ao expor os resultados deste estudo demonstra uma necessidade de ampliar
as possibilidades de uma melhoria na organização dos cursos de graduação, a fim de tornar o
ambiente acadêmico mais produtivo e menos desgastante. Ainda se espera que sejam utilizadas
estratégias para auxiliarem os estudantes, por exemplo, dando mais assistência e uma melhor
distribuição da carga horária. Assim visa tornar algo menos estressante.
Referências
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940 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ESCALA DE ESTIGMA SOBRE PEDÓFILOS: EVIDÊNCIA
DE VALIDADE FATORIAL E CONSISTÊNCIA INTERNA
NO BRASIL
Bruna Paulino de Araújo Falcão
Rildesia Silva Veloso Gouveia
Alessandro Teixeira Rezende
Camilla Vieira de Figueiredo
Maria Aparecida Trindade
Introdução
A
pedofilia pode ser definida como uma atração sexual por crianças que se encontram
na fase da pré-puberdade, sendo caracterizada por recorrentes pensamentos,
fantasias e comportamentos sexuais voltados para infantes (Azambuja, 2006;
Seto, 2012). Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V, 2014),
trata-se de um desvio sexual categorizado como parafilia, e que, para ser diagnosticado, solicita
o cumprimento de critérios específicos (tempo de duração das fantasias, sofrimento intenso,
dificuldades interpessoais etc.) que existem, tal como descreve o Manual, para serem aplicados
tanto a sujeitos que revelam abertamente essa parafilia quanto àqueles que negam qualquer forma
de atração sexual por crianças, apesar de haver evidências concretas do contrário (DSM-V, 2014).
Os indivíduos que sofrem desse transtorno podem reconhecer seu intenso interesse sexual
por crianças, afirmando que este é maior ou igual ao interesse por indivíduos maduros, ou ainda,
que é exclusivo a pré-púberes. Nesse caso, se essas pessoas afirmam que suas preferências são causa
de angústia e dificuldades psicossociais, podem ser diagnosticadas com transtorno pedofílico
(DSM-V, 2014), contudo, se demonstram não sentir culpa ou vergonha por essas razões, e seu
relato e história legal indicam que jamais colocaram em prática suas vontades, essas pessoas,
então, apresentam orientação sexual pedofílica, mas não transtorno pedofílico (DSM-V, 2014).
A prática do sexo pedofílico detém diferentes significados que se sustentam em razão de
variâncias culturais, sendo frequente que este tipo de ato ocorra em diversas partes do mundo,
principalmente em países do oriente (Dexheimer, 2009). Por outro lado, há pessoas, grupos e
sociedades que se posicionam fortemente contra a licitude desta prática, argumentando que
adultos que se envolvem em relações sexuais com meninos ou meninas pré-púberes devem ser
considerados perversos, independentemente do “consentimento” do menor (Islam, 2015).
Na literatura acerca desta temática é possível encontrar artigos (Bailey, 2015; Seto, 2012)
que se propõem a investigar se a pedofilia pode ser denominada como uma orientação sexual,
assim como a bissexualidade, ou se trata de uma forma extrema de perversão, fundamentando-se
como uma desordem psiquiátrica. Em vista disso, há um consenso razoável por definir pedofilia
como uma irregularidade psicológica, não inata, e passível de tratamento, como, por exemplo,
através da terapia cognitiva (Islam, 2015).
Método
Amostra
Instrumentos
942 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
uma desordem da qual este indivíduo não tem controle. Por último, o fator Desvio é escalado
como o grau em que o interesse sexual por crianças é percebido como uma doença. Esses três
componentes foram identificados como fatores fortemente representativos da rejeição social de
indivíduos com transtorno mental (Feldman & Crandall, 2007). Os itens deste instrumento devem
ser respondidos em escala tipo Likert, variando de 1 (Discordo totalmente) a 7 (Concordo totalmente).
Questionário Sociodemográfico. Visando a caracterização da amostra, foram incluídas questões
como idade, sexo, orientação sexual, estado civil, religião, classe social e curso.
Procedimentos
Análise de dados
Os dados foram analisados por meio do pacote estatístico SPSS, em sua versão 21, a fim
de realizar estatísticas descritivas (médias, desvios padrões, porcentagens), teste t de Student para
averiguar o poder discriminativo dos itens, além da análise de componentes principais para checar
a estrutura da medida e alfa de Cronbach para avaliar a consistência interna dos fatores.
Resultados
Haja vista que o critério de Kaiser tende a superestimar o número de fatores a serem extraídos
em uma matriz de dados e a dubiedade na interpretação do gráfico de sedimentação, procedeu-se
uma análise paralela (Horn, 1965) efetuando 1.000 simulações com as mesmas características do
banco de dados empírico (218 participantes e 16 itens). Comparando os valores próprios obtidos
na análise dos eixos principais com os valores da análise paralela, constatou-se que o quarto valor
próprio do banco empírico (1,17) foi inferior ao simulado na análise paralela (1,23), evidenciando
a existência de uma estrutura trifatorial.
Tendo em conta que a análise paralela é um critério mais robusto para definir o número
de fatores a ser extraído, foi executada uma nova análise de componentes principais, fixando a
extração de três componentes e utilizando a rotação varimax. Os fatores explicaram conjuntamente
46,95% da variância. Posteriormente foi verificada a matriz rotacionada das cargas fatoriais, onde
foi utilizada a carga mínima de |0,40| para que o item fosse atribuído a um fator. Todos os itens
obtiveram a saturação mínima.
Observou-se que, para a presente amostra, a distribuição dos itens nos fatores foi
correspondente àquela encontrada no estudo original. Com exceção apenas dos itens 04 (Não
existe uma relação forte entre pedofilia e abuso sexual infantil) e 16 (Pedofilia é uma disposição que você não
pode fazer nada a respeito), que não saturaram no fator previsto na literatura, todos os demais
situaram-se de modo similar aos achados de Imhoff (2015). Por essa razão, optou-se por excluir
os dois itens supracitados. Os resultados são apresentados na Tab. 1 situada a seguir:
944 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 1
Fatores
I II III
02. Pedofilia não requer tratamento*. 0,47
17. Pedófilos são pessoas normais com uma orientação sexual incomum*. 0,44
07. Alguém que é pedófilo, mas nunca abusou sexualmente de uma criança,
0,53
não é um doente mental*.
01. Pedofilia é algo que você mesmo escolhe para si. 0,71
12. Cedo ou tarde, a pedofilia sempre leva ao abuso sexual de crianças*. 0,77
Número de itens 6 4 4
Valor próprio 2,93 2,29 1,33
Variância explicada 20,97 16,42 9,55
Alfa de Cronbach 0,62 0,70 0,66
Nota: * Item retido no fator; Fator I = Desvio, Fator II = Intencionalidade, Fator III = Periculosidade
Nessa direção, o primeiro componente, denominado Desvio, inicialmente formado por oito
itens, passou a contar com seis itens. Este componente apresentou valor próprio igual a 2,93,
explicando 20,97% da variância total. Seu alfa de Cronbach mostrou-se razoável (α = 0,62).
O segundo componente, por sua vez, é chamado Intencionalidade. Tal componente foi
composto por quatro itens que apresentou valor próprio igual a 2,29 e foi capaz de explicar
16,42% da variância total. Seu índice de consistência interna foi igual a 0,70.
Finalmente, o terceiro componente, Periculosidade, apresentou valor próprio igual a 1,33 e
explicou 9,55% da variância total. Este componente engloba quatro itens e apresenta consistência
interna de valor igual a 0,66.
Discussão
946 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Considerações Finais
Apesar dos achados importantes, o estudo ora realizado não está livre de limitações. Por
exemplo, embora tenham sido consideradas pessoas da população geral e universitária, não se pode
presumir que sejam representativos deste universo. No entanto, o presente estudo não propõem
generalizar os resultados, mas comprovar os parâmetros da medida correspondente, sendo o
número de participantes suficientes para este propósito (Pasquali, 2003). Para investigações
futuras, caberá ampliar a amostra, bem como analisar de forma mais aprofundada a relação entre
as informações sociodemográficas e a estigmatização da pedofilia.
Do mesmo modo, é interessante que outras variáveis sejam incluídas em pesquisas posteriores,
de modo a diversificar e ampliar as possibilidades de correlações a serem encontradas. A este
propósito, poderá ser interessante conhecer os antecedentes das condutas, podendo os valores
humanos e os traços de personalidade assumirem um papel relevante nessa direção, considerando
que podem explicar comportamentos sociais, antissociais e delitivos (Gouveia, 2016; Santos, 2008,
Monteiro, 2017). Sugere-se também conhecer evidências de validade discriminante da medida
com relação à desejabilidade social, tal como realizado no estudo de Imhoff (2015), e, ainda,
confirmar os parâmetros psicométricos da escala a partir de Análise Fatorial Confirmatória. Em
qualquer caso, um primeiro passo já foi dado para contar com a versão brasileira de tal medida.
Referências
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948 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ESCALA DE ATITUDES FRENTE AO ASSISTENCIALISMO
SOCIAL (EAFAS): ELABORAÇÃO E EVIDÊNCIAS
PSICOMÉTRICAS PRELIMINARES
Bruna Paulino de Araújo Falcão
Valdiney Veloso Gouveia
Alessandro Teixeira Rezende
Nicole Almeida Ventura
Maria Aparecida Trindade
Introdução
D
esde o final da década de 1980, como resultado das exigências da Constituição
Federal de 1988, os espaços institucionais de participação tornaram-se elementos
marcantes do sistema político brasileiro. Eles se tornaram foco crescente do
interesse de diversos pesquisadores, num processo contínuo de consolidação dessa área de estudos
(Almeida, Cayres, & Tatagiba, 2015). O desenvolvimento e a implementação de programas sociais
no Brasil estão orientadas, em geral, para o combate à fome, à pobreza e à exclusão social. Desse
modo, estas categorias constituem uma realidade socioeconômica vigente no país, propiciada
pela desigualdade, sobretudo da distribuição de renda (Silva, 2010). Em sua análise acerca das
políticas públicas no Brasil, Camargo (2004) atesta que o mercado capitalista promove uma
distribuição de renda e graus de pobreza indesejáveis à sociedade, o que define, em teoria, os
programas sociais como compensadores dessa realidade. Desta forma, estes garantem a proteção
social de todos os cidadãos do país, considerando que, mediante eventualidades como doenças,
desemprego, acidentes no trabalho etc., os brasileiros encontrariam suporte para conseguir
manter o mínimo necessário à sobrevivência.
Todavia, as políticas assistencialistas no Brasil, estabelecidas a partir dos programas
sociais, atendem a uma sucessão de necessidades que não se limitam ao combate à pobreza e à
fome, amparando demandas que carecem de recursos também relacionados à educação, saúde,
infraestrutura, moradia, renda etc. Neste âmbito, destacam-se aquelas voltadas à fome e à miséria,
como o Fome Zero e o Brasil sem miséria, à moradia, a exemplo do Minha casa, minha vida, à melhoria
da renda, como o Bolsa Família, e à educação, tais como o Prouni e o Pronatec. Dessa forma, o
governo criou um número considerável de programas sociais, os quais serão evidenciados em
seguida.
O ano de 2003 representou um ponto de inflexão nas políticas sociais ao colocar a questão
do combate à pobreza e a fome no Brasil no centro da agenda governamental. O programa Fome
Zero (PFZ) tem o compromisso de alterar situações agudas de miséria e contribuir para a mudança
de paradigmas de segurança alimentar que impedem o crescimento do país. O Programa Bolsa
Família, por sua vez, é um programa federal de transferência direta de renda. Foi criado em 20
de outubro de 2003, através da Medida Provisória nº. 132, e regulamentado em 09 de janeiro de
950 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
(abrangência, valores monetários estipulados etc.) e ao padrão de proteção social que, segundo
as autoras, estaria se edificando a partir deles.
Tendo em vista o que foi anteriormente mencionado, é relevante averiguar as impressões e
atitudes da população a respeito das metas propostas pelos programas sociais brasileiros, bem
como acerca das mudanças possivelmente propiciadas pelo seu funcionamento. Assim, antes
de maiores considerações, busca-se conceituar as atitudes, uma vez que estas são a base dos
comportamentos humanos (Álvaro, & Garrido, 2007). À propósito, Ajzen e Fishbein (1980) as
descrevem como uma predisposição para responder de forma favorável ou desfavorável a um
objeto, pessoa, instituição ou acontecimento. Nesta mesma direção, Maio, Haddock, Manstead
e Spears (2010) indicam que elas se referem à avaliação geral de um dado objeto, a julgar por
informações cognitivas, afetivas e comportamentais. É importante ressaltar que o objeto de
análise das atitudes pode ser concreto ou abstrato, incluindo de pessoas a ideias, o que faz com
que estas sejam aplicadas no estudo de diversos fatores e construtos.
Nessa direção, a partir de buscas realizadas no “Google Acadêmico” (2017) e nas bases de
dados Index Psi, MEDLINE, PubMed, PsycINFO e SCOPUS com as palavras e/ou expressões-chave
“escala”, “atitudes”, “assistencialismo social”, “scale”, “attitude”, “social welfare” não foram identificadas
publicações relacionadas a pesquisa empírica de construção ou adaptação de alguma medida que
avaliasse as atitudes frente ao assistencialismo social.
Portanto, considerando a importância de avaliar as atitudes que os indivíduos apresentam
em relação ao assistencialismo social, entendendo que a maneira como as pessoas se posicionam
mediante a determinados programas sociais pode levar a uma aceitação ou rejeição dos mesmos,
bem como dos beneficiários assistidos por estas políticas de proteção social, justifica-se considerar
a elaboração de um instrumento específico para mensurá-las, conhecendo evidências empíricas
acerca de suas evidências de adequação psicométrica no contexto brasileiro.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 251 estudantes universitários residentes na cidade de João Pessoa.
As idades dos participantes variaram de 16 a 47 anos (M = 20,58; DP = 4,25), sendo em sua
maioria do sexo feminino (64%), solteiros (91,6%), e de classe média (52,4 %). Em relação ao nível
de religiosidade, a média dos participantes foi de 2,93 (DP = 1,19), e a maioria se autodeclarou
católica (53%).
Instrumentos
Análise de dados
Para a tabulação e as análises estatísticas dos dados, foi utilizado o programa PASW (versão
21). Realizaram-se análises estatísticas descritivas (frequências, medidas de tendência central e
dispersão), com a finalidade de comparar as pontuações dos participantes, além de análises de
correlação e regressão, com o objetivo de verificar como as variáveis se relacionam.
Resultados
952 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Figura 1. Gráfico de sedimentação.
Tendo em conta que a Análise Paralela é um critério mais robusto para definir o número
de fatores a ser extraído, foi executada uma nova análise dos eixos principais, fixando a extração
de quatro fatores e utilizando a rotação varimax. Os fatores explicaram conjuntamente 31,51%
da variância. Posteriormente foi verificada a matriz rotacionada das cargas fatoriais, onde foi
utilizada a carga mínima de |0,40| para que o item fosse atribuído a um fator. Dessa maneira, os
itens 08, 10, 13, 14, 16, 17, 19, 23, 25, 30, 31, 37, 38, 50, 56, 60, 61, 63 não obtiveram saturação
mínima em nenhum dos quatro fatores. Ademais, com o intuito de apresentar um instrumento
mais curto e parcimonioso, optou-se por escolher os seis melhores itens de cada dimensão. Os
resultados são apresentados na Tabela 1 a seguir:
Tabela 1
Fatores
PC
AG IO CP
26. A política de quotas é uma boa política. 0,77* 0,12 -0,14 -0,18
28. As metas propostas pela política de quotas são boas. 0,66* 0,08 0,19 -0,16
07. De maneira geral, os programas sociais beneficiam a sociedade. 0,58* 0,12 0,25 -0,05
45. O governo deveria oferecer merenda escolar gratuita. 0,01 0,69* 0,04 -0,04
44. O governo deveria dar mais apoio à educação. -0,06 0,65* 0,21 0,02
47. O governo deveria garantir empregos para todas as pessoas. 0,10 0,49* 0,07 0,19
42. O governo deveria patrocinar cuidados em relação à saúde. -0,02 0,36 0,61* 0,12
02. É mais difícil tirar notas boas quando estou competindo com
-0,13 0,09 -0,51* 0,19
indivíduos beneficiados por programas sociais.
12. A maioria das pessoas tem aquilo que merece na vida -0,14 -0,03 -0,25 0,41*
41. As instituições de caridade sociais apenas criam dependência. -0,39 -0,04 -0,30 0,41*
Número de itens 6 6 6 4
Nota. * Item retido no fator; PC = Promoção de cotas; AG = Ação governamental; IO = Igualdade de oportunidades;
CP = Contestação dos programas.
954 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O primeiro fator, denominado Promoção de Cotas, considerando a carga fatorial mínima,
englobou doze itens, porém, como citado anteriormente, optou-se por utilizar apenas os seis itens
que apresentaram maior carga fatorial (4, 5, 7, 26, 28, 53). Dessa maneira, este fator apresentou
valor próprio igual a 8,44, explicando 15,92% da variância total. Este apresentou consistência
interna adequada (α = 0,86).
Por sua vez, o segundo fator, chamado Ação Governamental, foi composto por dez itens e,
assim como foi pré-estabelecido, adotou-se apenas os seis itens com maiores cargas fatoriais (22,
43, 44, 45, 46, 47). Este segundo fator apresentou valor próprio igual a 3,69, explicando 6,7% da
variância total e apresentando um alfa de Cronbach com valor igual a 0,81.
Já o terceiro fator foi nomeado como Igualdade de Oportunidades e, inicialmente, era formado
por sete itens, ficando, então, os seis que apresentaram maiores cargas fatoriais, são eles: 2, 18,
39, 42, 51, 59. Este fator apresentou valor próprio igual 2,73, explicando 5,16% da variância total
e o alfa de Cronbach apresentou valor igual a 0,73.
Finalmente, o quarto fator foi nomeado Contestação de Programas, apresentando valor próprio
igual a 1,84, sendo capaz de explicar 3,48% da variância total. Especificamente os itens 58 e
64 foram excluídos, pois faziam com que o fator apresentasse uma baixa consistência interna.
Dessa maneira, o fator Contestação de Programas foi composto por quatro itens e apresentou
consistência interna de valor igual a 0,59.
Discussão
Considerações Finais
Referências
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Introdução
O
futebol, esporte herdado da cultura inglesa, chega ao Brasil em 1894, (Caldas,
1994), conquista o país e torna-se um dos principais elementos de identificação
nacional. O que antes era uma modalidade elitista, transforma-se em um fenômeno
de massa (Lourenço & Bravin, 2011), que se desvincula do amadorismo e se instaura em padrões
profissionais, transformando a indústria do entretenimento e o mercado brasileiro (Costa, Rocha
& Oliveira, 2008).
Nomeado como país do futebol, o Brasil não encara esta prática apenas em termos técnicos,
de jogadas e passes, mas obtém nessa modalidade esportiva um estilo de vida, um conceito de
cultura, que constituí identidades e dita hábitos e costumes de uma nação devota, que assiste,
consome, vibra, discute e se une pela paixão ao esporte (Souza, 2013).
O fenômeno que explica a devoção do brasileiro para com seu time é conhecido como
identificação grupal, construto que é compreendido por Tajfel (1972) como a noção que os
indivíduos possuem de seu pertencimento aos grupos sociais, que envolve a significância emocional
e o valor adquirido nessa pertença. A concepção de grupo nessa perspectiva transcende a ideia de
grupo como uma formatação de sujeitos interdependentes em interações reais (Bouas e Arrow,
1996) e adota uma concepção mais abrangente de grupo psicológico, que compreende um
conjunto de sujeitos que se sentem vinculados a uma categoria social (Tajfel, 1982).
Na teoria de identificação grupal, o pertencimento ao grupo per si não é suficiente, uma
vez que faz-se necessário a categorização de si e dos outros enquanto membros de uma instância
coletiva (Wachelke, 2012). Biscoli e Lima (2017) comentam que é afirmando sua identidade e
enfatizando o não pertencimento a outros grupos, que os indivíduos tornam-se cientes de sua
pertença grupal. A argumentação dos autores é observada no comportamento extremista de
torcedores altamente identificados que tendem a encarar sujeitos de outra torcida como inimigos
a serem combatidos. Esse comportamento muitas vezes extrapola a fronteira dos estádios e acaba
se instaurando no convício social (Bicoli & Lima, 2017).
Sendo a identificação grupal a medida da magnitude da conexão dos indivíduos com
seus grupos (Fisher & Wakefield, 1998), pode-se inferir que os sujeitos se envolvem com as
instâncias coletivas em níveis variados, assim, no caso da identificação com times de futebol,
teremos torcedores menos identificados, que possivelmente assistirão jogos esporadicamente
958 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
e apresentarão certa solidariedade quanto ao seu time, mas também iremos nos deparar com
torcedores com altos níveis de identificação, que serão assíduos em seu comprometimento com o
clube e provavelmente estarão incluídos em movimentos coletivos ou torcidas organizadas.
Algumas pesquisas apontaram relações existentes entre os níveis de envolvimento com o
time e o comportamento dos torcedores. Branscombe e Wann (1994) constataram que indivíduos
com alto nível de identificação utilizam o menosprezo como estratégia para aumentar a auto-
estima em situações de ameaça ao time, o que não é observado em indivíduos com níveis baixos.
Também observa-se que torcedores mais identificados frequenta mais jogos, consomem mais
produtos, são mais satisfeitos com seus time (Madrigal, 1995; Wann & Brasncome, 1993) e têm
maior adesão a serviços ofertados por seu clube (Pereira, Pessôa, Ferreira & Giovanni, 2014).
Fisher e Wakefild (1998) ao estudarem sobre identificação com times, se interessaram em
compreender a identificação de torcedores com times vitoriosos e pouco vitorioso. Em seu estudo,
os autores observaram que a variável desempenho do time não era eficaz em predizer a força da
conexão em times poucos vitoriosos, visto que o envolvimento com o esporte e a atração por
jogadores do time se mostraram mais importantes na identificação. Entretanto, nos torcedores
de times vitoriosos, o desempenho do time se mostrava um importante preditor, juntamente com
a variável envolvimento com o esporte.
Mesmo que o desempenho do time tenha influências distintas na identificação de torcedores
de times vitoriosos e fracassados, a derrotas em jogos, rebaixamentos e outras situações conflituosas
envolvendo o time parecem ocasionar emoções fortes e negativas ou até transtornos psicológicos
de alguma severidade aos torcedores (Banyard & Shevlin, 2001; Kerr, Wilson, Nakamura & Sudo
2005), principalmente naqueles extremamente identificados, que passam a enxergam o sucesso e
o fracasso do time como seu (Absten, 2011).
Essas emoções intensas vivenciadas por torcedores geralmente ocorrem em uma condição
denominada fanatismo, que é caracterizada por um elevado nível de identificação, que resulta em
dedicação excessiva ao time e ocasiona uma série de comportamentos não adaptativos à vida social
e cotidiana (Wachelke, Andrade, Tavares & Neves, 2008). Os denominados fanáticos possuem
investimento pessoal e emocional de longo prazo com os clubes, estão sempre comprometidos
com a torcida e geralmente oferecem apoio financeiro ao time (Giulianotti, 2012).
O elevado nível de identificação desses indivíduos tem favorecido as finanças dos clubes
brasileiros, dado que esse construto parece ter influência direta no comportamento de consumo
dos torcedores (Patrocínio, 2017). Capelo (2017) informa que no ano de 2016 os maiores clubes
país arrecadaram cerca 5 bilhões de reais, sendo 770 milhões desse montante arrecadados através
de bilheterias e programas de sócio-torcedor e 660 milhões adquiridos através de patrocínio de
marcas e venda de produtos.
Visto isso, pesquisas nas áreas de psicologia, administração e marketing têm se interessado
por tal fenômeno, e chegaram a constatar que além de consumirem mais e frequentarem mais jogos
(Wann & Brasncome, 1993), os torcedores mais identificados tendem a ter maior reconhecimento
dos patrocinadores do seu time e possuem atitudes de rejeição a marcas patrocinadoras de times
rivais (Patrocínio, 2017; Toledo & Andrade, 2017).
A identificação com times de futebol também tem se mostrado variável importante em
campos como as políticas públicas e a segurança nacional, uma vez que o fanatismo com times
está diretamente correlacionado com a agressividade e o Brasil possui estatísticas alarmantes de
violência entre torcedores (Coriolano & Conde, 2017). Sendo considerado um dos países com
maiores índices de homicídios entre torcidas, o Brasil e suas estatísticas de violência nos estádios
obtiveram repercussão mundial em episódios como o confronto entre torcidas na arena Joinville em
2013 (Moreira, 2013), o arremesso de vasos sanitários entre torcedores no Estádio Arruda em 2014
(Lins, 2014) e a invasão e vandalismo no Maracanã em 2017 (Burlá, Almeida & Castro, 2017).
Método
Participantes
O estudo contou com uma amostra não probabilística de 149 estudantes universitários
de uma Instituição de Ensino Superior (IES) pública da cidade de Parnaíba - PI. Estes possuíam
uma média de 22,86 anos (DP= 5,56), eram em sua maioria solteiros (85,9%), do sexo masculino
(57,0%) e de classe média (91,3%).
Instrumentos
Procedimentos
960 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
a confidencialidade das respostas e enfatizado o caráter voluntário da pesquisa, que dava
ao respondente o direito de desistir da mesma a qualquer momento sem ônus. As aplicações
aconteceram em ambiente de sala de aula, no entanto, os instrumentos foram respondidos de
forma individual. Estimou-se que aproximadamente dez minutos foram necessários para finalizar
a participação dos estudantes.
Análise de dados
Inicialmente, fez-se uso do programa estatístico IBM SPSS versão 20 para descrição da
amostra e para o cálculo da correlação média inter-itens dos instrumentos. Em seguida, foi
empregado o uso do programa R versão 3.1.3 para avaliação da confiabilidade das escalas e
para realização das Análises Fatoriais Confirmatórias (AFC), pelo pacote Lavaan (Rosseel, 2012).
Com a confirmação da estrutura fatorial dos dois modelos, pode-se seguir com avaliação dos
parâmetros discriminação e dificuldade da Teoria de Resposta ao Item – TRI através pacote ltm
(Ripouzolos, 2006).
Resultados
Λ a b1 b2 b3 b4 b5 b6 I(θ; -4/+4)
Identificação — — — — — — — — 68,92
Item 1 0,80 3,24 -0,61 -0,32 0,27 0,61 0,98 1,35 9,64
Item 2 0,87 4,77 -0,41 -0,13 0,53 0,74 1,09 1,38 17,02
Item 3 0,76 3,79 -0,43 -0,16 0,63 0,94 1,31 1,54 15,37
Item 4 0,78 2,51 -0,87 -0,35 0,10 0,35 0,61 0,86 6,03
Item 5 0,86 4,18 -0,58 -0,26 0,32 0,58 0,99 1,19 13,52
Item 6 0,56 1,50 0,03 0,46 0,80 1,19 1,52 1,70 2,74
Item 7 0,69 2,06 -0,36 0,22 0,68 1,04 1,33 1,46 4,59
Nota: λ = lambda; a = discriminação; b1-6 = dificuldade; I (θ; -4/+4) = Informação no intervalo de -4 a +4
Tabela 2.
EFTF- Lambdas, discriminação, dificuldade e informação dos itens e sub-escalas.
Λ a b1 b2 b3 b4 b5 b6 I(θ; -4/+4)
Fanatismo — — — — — — — — 60,03
Item 1 0,50 1,28 0,12 0,73 1,03 1,55 1,94 2,47 2,53
Item 2 0,72 2,25 -0,47 -0,19 0,04 0,48 0,74 1,00 4,71
Item 3 0,77 2,95 -0,06 0,49 0,87 1,28 1,72 1,91 8,34
Item 4 0,70 3,42 0,64 0,90 1,13 1,41 1,89 2,04 8,61
Item 5 0,57 1,59 -0,25 0,10 0,62 0,84 1,06 1,31 2,89
Item 6 0,63 2,02 0,28 0,70 0,96 1,16 1,49 1,61 3,79
Item 7 0,73 2,84 0,21 0,67 0,88 1,15 1,41 1,54 6,34
Item 8 0,68 3,42 0,79 0,92 1,08 1,42 1,75 1,96 7,83
Item 9 0,50 1,98 1,00 1,39 1,61 1,86 2,11 2,28 3,63
Item 10 0,65 1,92 0,00 0,51 0,92 1,20 1,55 1,67 3,94
Item 11 0,67 2,83 0,70 1,02 1,33 1,62 2,20 2,49 7,39
Nota: λ = lambda; a = discriminação; b1-6 = dificuldade; I (θ; -4/+4) = Informação no intervalo de -4 a +4
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A EFTF, entretanto, demostra-se útil na avaliação de indivíduos com níveis mais elevados de theta,
já que se expressa mais informativa nos intervalos de -0,5 e +3.
Quanto ao parâmetro de dificuldade (b¹-6), na EITT (M=1,35; DP=0,27) ; o item 4
(“Durante os campeonatos, com que frequência você acompanha o desempenho do seu time
por pelo menos um dos seguintes meios: a) nos estádios ou TV; b) Rádio; ou c) Noticiário de TV
ou jornais impressos?”) exigiu menor quantidade de theta para ser completamente endossado
(b-6= 0,88), já o item 7 (“Com que frequência você exibe o nome ou escudo de seu time em seu
local de trabalho, onde você mora ou em suas roupas e acessórios?”) exigiu maior quantidade
(b6= 1,70). Na EFTF (M=1,84; DP=0,47) o item 2 (“Você sente muita angústia durante jogos
difíceis envolvendo o seu time” ) foi considerado o mais fácil dos itens, uma vez que exigiu menor
quantidade do traço para haver total concordância dos respondentes (b-6=1,00) e o item 11 (“O
sucesso de seu time de futebol é uma das coisas mais importantes de sua vida.”) apresentou-se
como o mais difícil (b-6=2,49).
Discussão
964 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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Introdução
A
Psicologia ao longo de sua história teve como enfoque principal investigações acerca
de aspectos psicopatológicos e resoluções de problemas comportamentais em
detrimento dos aspectos positivos, e suas vantagens no melhoramento da vida dos
indivíduos (Park, Peterson, & Sun, 2013; Salanova, Llorens, Acosta, & Torrente, 2013; Seligman
& Csikszentmihalyi, 2001; Yunes, 2003). Dito isso, o que vem chamando a atenção da ciência é
a capacidade de algumas pessoas, apesar de várias fatalidades, conseguirem se desenvolver de
maneira saudável. Fala-se aqui sobre um construto que ganha cada vez mais destaque: a resiliência
(Taboada, Legal, & Machado, 2006).
O termo resiliência surgiu no contexto da física e da engenharia sendo conhecido pelos
estudos sobre a relação entre força aplicada e a deformação decorrida desta em um corpo, este
corpo em si é considerado “resiliente” quando não possui deformações duradouras (Barreira &
Nakamura, 2006).
Devido a essas características conceituais observadas na física, a terminologia “resiliência”
passou a ser utilizado no campo das ciências sociais e surgiu como substituição para o termo
invulnerabilidade, dado a pessoas que, segundo estudos realizados na passagem da década de
1970 para 1980, permaneciam saudáveis apesar de expostas a severas adversidades (Brandão,
Mahfoud, & Gianordoli-Nascimento, 2011). Grotberb (1995) define a resiliência consonante com
o autor anterior, ou seja, como a capacidade universal, que tanto pessoa ou grupo, possuem para
se recuperar dos danos acarretados por adversidades, e ainda assim saírem mais fortalecidas e
com uma nova perspectiva mesmo tendo sido lesadas.
No Brasil, os primeiros estudos sobre resiliência datam da segunda metade dos anos
noventa, abordando a exposição de menores a situações de risco e fatores de vulnerabilidade
psicossocial (Hutz, 1996a, 1996b; Hutz, Koller, & Bandeira, 1996), e ainda redes de apoio social
e afetivo de crianças em situação de rua (Hoppe, 1998). Estudos mais recentes englobam outras
características como espiritualidade, transtornos e categorias específicas de trabalhadores (Angst,
2017; Souza & Cerveny, 2006).
Em relação a sua definição no campo psicossocial, Garcia (2001) afirma existirem três
tipos de resiliência: a emocional, a acadêmica e a social. A primeira relacionando experiências
968 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
positivas que levam a sentimentos de autoestima, autoeficácia e autonomia, que possibilitam
um trato melhor com mudanças e adaptações, obtendo um repertório de abordagens para a
solução de problemas. O segundo tipo, engloba a escola como um lugar no qual habilidades para
resolver problemas podem ser adquiridas com a ajuda dos agentes educacionais. E, por fim, a
resiliência social que envolve fatores relacionados ao sentimento de pertencimento, supervisão de
pais e amigos, relacionamentos íntimos, ou seja, modelos sociais que excitem a aprendizagem de
resolução de problemas.
De forma mais operacional, esse construto é constituído por três componentes, sendo eles:
a) capacidade de enfrentamento; b) propensão a continuar desenvolvendo-se; e c) capacidade de
adquirir novas habilidades (Infante, 2005; Rutter, 1999 e 2012). Devido a isso, as habilidades de
resiliência atuam como um papel fundamental em muitos aspectos da vida cotidiana, enfrentar
situações de desemprego, violência, privação emocional e social, sofrer um acidente, são apenas
alguns exemplos. Pessoas que possuem capacidade de reagirem com uma maior resiliência, ao
atravessam esses momentos de adversidade na vida, têm mais chances de darem a volta por cima
e obterem habilidades de melhoramento e adaptação mais rapidamente (Angust, 2017; Yunes,
2003).
Por outro lado, politicamente falando, o aumento das exigências de medidas preventivas
e melhoramento da qualidade de vida e saúde mental dos indivíduos implica na necessidade
de mais estudos nesse campo, tanto buscando uma conceituação mais precisa quanto formas
de sua avaliação. Tais estudos podem contribuir com o mapeamento deste fenômeno, bem
como a criação de estratégias interventivas, pois, apesar de existirem distintas conceituações de
resiliência, as poucas medidas que foram desenvolvidas não a mensuram diretamente (Angust,
2017). Logo, embora exista consenso entre os estudiosos (Barreira & Nakamura, 2006; Yunes,
2003), a respeito da definição do termo, por ser um fenômeno que deve ser estudado em seus
múltiplos fatores e peculiaridades, torna-se difícil a criação de instrumentos para mensurar tal
construto. Por exemplo, os instrumentos: Escala de Resiliência (Wagnild & Young, 1993) e a Connor-
Davidson Resilience Scale (Connor & Davidson, 2003) avaliam os meios de proteção e enfrentamento
individuais, não buscando, em contrapartida, avaliar a resiliência em si como uma tendência a
superação, resistência, adaptação e capacidade de prosperar diante circunstâncias estressantes
ou traumáticas (Smith et al., 2008).
Portanto, pensando na importância desse construto para a vida humana, parece ser
importante e necessário poder contar com medidas que avaliem válida e confiavelmente a
resiliência. Um dos instrumentos disponíveis é o BRS (Brief Resilience Scale), que terá um maior
detalhamento a seguir.
A versão brasileira foi adaptada por Coelho, Hanel, Cavalcanti, Rezende e Gouveia (2016).
Para tanto, os autores aumentaram a variedade de amostras, que incluiu, além de estudantes
universitários, pacientes em reabilitação cardíaca e mulheres que sofriam de fibromialgia. Após
a realização de Analise Fatorial Exploratória, os autores decidiram que a melhor solução para
a versão brasileira apresentaria apenas cinco itens, perdendo, portanto, o item “Eu costumo
passar por momentos difíceis com poucos problemas”, por não saturar com a carga mínima
(0,30). Os autores justificaram indicando a possibilidade de o item não ter sido compreendido
adequadamente.
O instrumento em questão foi elaborado com o intuito de avaliar a resiliência diretamente,
buscando abranger todo o aspecto teórico característico do construto em questão. Além
de apresentar-se adequado psicometricamente para uma amostra brasileira. Neste sentido,
considerando uma amostra piauiense, este estudo teve como objetivo verificar a estrutura fatorial
da EAR, buscando reunir indícios de sua adequabilidade métrica.
Método
Participantes
Instrumentos
Procedimentos
970 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Análise de Dados
Os dados coletados foram analisados usando os seguintes softwares: pacote estatístico IBM
SPSS versão 21 para realizar o cálculo das estatísticas descritivas visando a caracterização dos
participantes (Wagner III, 2016) e o R (R Development Core Team, 2015) para a realização da
análise fatorial confirmatória e ainda as análise de confiabilidade (Alfa de Cronbach). Para a
execução da AFC foram utilizados os pacotes Laavan (Rosseel, 2012) e Psych (Raîche, Walls, Magis,
Riopel, & Blais, 2013). Assim, nessa etapa, a AFC permitiu testar a estrutura unidimensional
da escala em questão seguindo o método de estimação WLSM (Mínimos Quadrados Ponderados
Robustos). Esse procedimento da análise fatorial confirmatória permite testar a estrutura teorizada
diretamente, para tanto foram considerados os seguintes indicadores de ajuste: O χ²/g.l. - valores
entre 2 e 3 indicam um ajustamento adequado; o Goodness-of-Fit Index (GFI), cujos valores variam
de 0 a 1, com aqueles próximos a 0,90 indicando um ajustamento satisfatório do modelo teórico
na explicação da matriz de variância-covariância; Comparative Fit Index (CFI) que se trata de um
índice comparativo, adicional, de ajuste do modelo, que assim como o GFI valores mais próximos
de 1 indicam melhor ajuste, recomendando-se valores em torno de 0,90; A Root-Mean-Square Error
of Approximation (RMSEA), com seu intervalo de confiança de 90% (IC90%), é considerado um
indicador de “maldade” de ajuste, isto é, valores altos indicam um modelo não ajustado. Quanto
mais próximo de zero, melhor, admitindo-se valores de até 0,10 (ponto de corte de 0,08; Hair,
Black, Babin, & Anderson, 2015; Tabachnick & Fidell, 2015). Por fim, foi calculado o coeficiente
de confiabilidade composta (CC).
Resultados
Tabela 1.
Indicadores de ajuste do modelo da EAR
Indicadores de ajuste da
χ²/g.l CFI GFI RMSEA (IC 90%)
medida (EAR)
Nota: A tabela mostra os índices de ajuste e seus respectivos resultados para o modelo estudado. Esses índices são:
χ²/g.l: Quiquadrado/Graus de liberdade; CFI: Comparative Fit Index; GFI: Goodness Fit Index; RMSEA: Root Mean
Square Error Approximation com seu intervalo de confiança.
Tabela 2.
Indicadores de confiabilidade
972 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Discussão
Essencialmente, esse estudo teve como objetivo principal avaliar a estrutura unidimensional,
da Escala Abreviada de Resiliência, adaptada para o Brasil por Coelho et al. (2016). Para tanto,
efetuou-se uma CFA considerando a matriz de covariância como entrada e empregando o
estimador WLSM (Mínimos Quadrados Ponderados Robustos).
Confiavelmente, todos os critérios levados em conta para essa avaliação apontaram para
um resultado favorável á adequação da medida no contexto considerado. Os índices de ajuste
revelaram um bom ajuste da medida. Por exemplo, os indicadores GFI e o CFI, tidos como
indicadores de bondade de ajuste, se apresentaram acima do recomendado pela literatura (≥
0.95). Ao passo que o RMSEA, tido como um parâmetro de maldade de ajuste apresentou um
valor beirando a nulidade (ver tabela 1) (Hair et al., 2015; Tabachnick & Fidell, 2015).
Logo, esses resultados reforçam os a estrutura unidimensional proposta originalmente
e encontrada no Brasil. É importante mencionar o fato de o item três ter saturado com peso
fatorial de apenas 0,26 (ver figura 1). Por tratar-se de uma CFA, onde se testa a estrutura fatorial
diretamente considerando os pressupostos teóricos da medida, entende-se que esse detalhe não
penaliza de forma decisiva o ajuste geral do instrumento (Hair et al., 2015).
Já os indicadores de confiabilidade, por mais que tenham apresentado um coeficiente
relativamente baixo, quando comparados aos encontrados nos estudos de Smith et al. (2008) e
Coelho et al (2016), estes ainda são considerados satisfatórios (acima de 0,70) indicando que o
instrumento é uma alternativa com boa precisão para uso em pesquisas (Pasquali, 2003).
Diante do que foi dito, considera-se que os objetivos propostos nessa pesquisa tenham sido
alcançados, a saber, a obtenção de evidencias de que a Escala Abreviada de Resiliência pode ser
usada no contexto Piauiense com a mesma estrutura psicométrica da versão adaptada para o
Brasil.
Como qualquer empreendimento de investigação cientifica este não está isento de possíveis
pontos fracos, logo faz se necessário ressaltar as potenciais limitações que esse estudo apresenta.
Primeiramente, a amostra utilizada, por mais que tenha sido de tamanho adequado (de no mínimo
200 participantes), esta fora coletada por conveniência (não aleatória) e apenas com estudantes,
restringindo os resultados a amostra considerada não havendo a possibilidade de generalização
dos mesmos. Neste caso, parece ser interessante que, em pesquisas futuras, este seja aplicado em
amostras distintas e mais heterogêneas.
Condições precárias de trabalho, ou mesmo o desemprego; verificar se a resiliência se
comporta da mesma forma em adultos e crianças (Fernandes de Araújo & Bermúdez, 2015);
pacientes em contexto hospitalar, por exemplo, parecem ser campos pertinentes para a aplicação
da EAR. Outros estudos podem usar a EAR de forma aplicada para investigar cenários que
enfrentam precariedade social, no sentido de buscar dados que possam ser uteis para a tomada
de decisões no emprego de politicas de prevenção, de qualidade de vida e saúde mental.
É interessante que outros pesquisas busquem investigar, também, a relação de resiliência com
outros constructos, por exemplo, a gratidão, satisfação com a vida (Seligman, & Csikszentmihalyi,
2014), ou valores humanos (Gouveia, 2017), pois espera-se, de antemão, que a relação desses
construtos se perpassem significativamente e contribuam no entendimento de muitos fenômenos
sociais e psicológicos.
Por fim, entende-se que essa pesquisa tenha contribuído com o fornecimento de evidencias
que comprovem a estabilidade do uso da EAR em diferentes contextos.
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Introdução
A
cronobiologia pode ser definida como o estudo dos mecanismos relacionados as
alterações temporais do organismo em várias situações, seu estudo vem sendo
desenvolvido há cerca de 4000 anos com estudos em plantas e animais (Dunlap,
Loros, & Decoursey, 2009). Esta ciência estuda os processos fisiológicos e cognitivos que estão
diretamente relacionados com variáveis ambientais, como a ritmicidade da luz incidente no dia,
hora e meses do ano (Buzsáki, 2006).
A susceptibilidade dos mais diversos organismos a variações temporais diárias com um
período reativamente constante pode ter sido um importante fator para as alterações rítmicas dos
organismos. Além disso, estruturas relacionadas à percepção sensorial também podem ter passado
por esta adaptação, e se tornaram sincronizadas em ritmos biológicos que podem modular padrões
de organização entre o meio interno e externo (Dunlap, Loros, & Decoursey, 2009).
Os ritmos biológicos são aqueles que têm característica oscilatória por meio de um fenômeno
periódico, sendo dependente ou não das variações ambientais. Medições em um bioperíodo1
podem ser classificadas a partir de três teoremas: período, amplitude e fase. O período é definido
como o intervalo de tempo necessário para que ocorra um ciclo completo; a amplitude está
relacionada com os valores de máximos e mínimos dentro de um período; enquanto a fase é o
valor de qualquer ponto no período (Halberg, 1969).
Além da classificação supracitada, os ritmos biológicos também podem ser classificados de
acordo com a frequência em ritmos circadianos, infradianos e ultradianos. Os ritmos circadianos
compreendem as variações entre 20 a 24 horas com sincronização no período de um dia; os
ritmos infradianos se referem as oscilações em períodos maiores que 28 horas, enquanto os ritmos
ultradianos compreendem oscilações menores do que 20 horas (Besílio et al., 2012). Com relação
a ritmicidade circadiana em humanos (ciclo sono-vigília), alguns indivíduos possuem preferência
para iniciar ou terminar o sono, podendo ocasionar em uma preferência para realizar as atividades
diárias, que podem estar relacionadas aos níveis hormonais, de temperatura corporal e do
momento do padrão sonoro (Reppert & Weaver, 2001).
1 Período no qual ocorrem oscilações biológicas, tais como: variações diárias de temperatura, variação mensal
do ciclo menstrual ou ciclo de sono-vigília. Ou seja, quaisquer variações biológicas de forma periódica e bem
delimitadas. (CUGINI, 1993)
976 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
É discutido, portanto, as relações entre as preferências cronobiológicas (como ciclo de
sono/vigília e cronotipos) e a performance cognitiva. De maior interesse na neste trabalho, uma
das funções cognitivas que parece sofrer modulação das variações cronobiológicas é justamente a
aprendizagem (Onder et al., 2014; Russo et al., 2016), que está diretamente relacionada a atenção.
Diante do que foi exposto, pretende-se demonstrar que características como o ciclo sono/
vigília e o período do dia podem estar relacionadas com o modo de funcionamento cronobiológico
do organismo humano, onde por fim, estas características devem ser levadas em conta no estudo
dos processos atencionais. Deste modo, é esperado que o componente da função cognitiva
relacionada à atenção esteja também relacionada as variações diárias (ou circadianas). Sendo
assim, este trabalho tem como objetivo verificar se a resposta eletrofisiológica de amplitude e
latência varia ao longo do dia em função de uma tarefa de atenção.
Método
Desenho do Estudo
Local do Estudo
Participantes
Participaram deste estudo oito jovens adultos de ambos os sexos com idades entre 18 e 45
anos (M = 25,88; DP = 3,06). Os voluntários foram recrutados da população em geral e todos
participaram foram testados nas duas condições. A participação no estudo foi voluntária e
todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Estudos
desta natureza não oferecem nenhum risco à saúde física e mental dos voluntários e no máximo
pode causar efeitos de fadiga e cansaço devido a duração do experimento, desde montagem dos
eletrodos, até a apresentação dos estímulos.
Os critérios de exclusão da pesquisa foram os seguintes: 1) Ingestão de cafeína em excesso nos
três dias prévios à avaliação; 2) Uso de ansiolítico de forma crônica; 3) Indivíduos com distúrbios
graves do sono; 4) Doenças como diabetes, retinopatias, hipertensão, AIDS; 5) Indivíduos com
acuidade visual pobre (abaixo de 20/20); 6) Uso de álcool e drogas ilícitas de forma crônica; 7)
Presença de transtornos neuropsiquiátricos.
Eletrofisiologia
Neste estudo foi utilizado um sistema de EEG actiCHamp (Brain Products, Herrsching,
Alemanha) com 32 eletrodos ativos com um software para o registro das atividades eletrofisiológicas
a uma taxa de amostragem de 1000 Hz (BrainVision PyCorder). Os eletrodos foram conectados
a uma touca permeável a ar e tamanho ajustável a cabeça do participante (Easy-cap, Herrsching,
Na análise dos dados, foram aplicados os seguintes filtros e passos para pré-processamento
e processamento dos dados: 1) Referência Comum a todos os Eletrodos; 2) Filtros: foi aplicado o
filtro passa alta a 0,3 Hz, passa baixa a 30 Hz e filtro de nó em 60 Hz; 3) Inspeção de Artefatos: foi
aplicado de forma semiautomática e se baseia na marcação de segmentos que contenham artefatos,
tais como piscada, movimentos oculares laterais, compressão mandibular, artefatos cardíacos e
etc. 4) Análise dos Componentes Independentes; 5) Diminuição da taxa de amostragem de 1000
Hz para 250 Hz; 6) Marcação do estímulo (trigger): foi utilizado o eletrodo auxiliar (Fotosensor)
para marcar o momento em que os estímulos de interesse apareceram para os participantes.
Esta inspeção foi realizada de forma manual no próprio software; 7) Segmentação: os dados
foram segmentados de acordo com triggers. Desta forma, foram originados dois nós – palavra
correspondente e palavra não correspondente – que serão explicados na seção de estímulos; 8)
Média dos segmentos; 9) Identificação dos componentes de onda: foi selecionado o maior pico
de amplitude para os componentes de onda P3B (Figura 3) e extraídos os valores de amplitude e
latência dos mesmos.
978 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Estímulo
Procedimento Experimental
Resultados
A análise topográfica cortical nos mostra que o local responsável pela resposta de P3b é
restrita à região parietal do encéfalo, (Figura 3), sendo que estes locais são bem descritos como
local responsável por gerar o componente P3b (Kropotov, 2009; Santos-Mayo, San-Jose-Revuelta,
& Arribas, 2017)”title” : “Quantitative EEG Event-Related Potentials and Neurotherapy”, “type”
: “book” }, “uris” : [ “http://www.mendeley.com/documents/?uuid=bb9b6303-571a-455e-87e8-
eeb45a50cc3d” ] }, { “id” : “ITEM-2”, “itemData” : { “DOI” : “10.1109/TBME.2016.2558824”,
“ISSN” : “15582531”, “PMID” : “28113193”, “abstract” : “Objective: To design a Computer-aided
diagnosis (CAD.
Os resultados mostraram diferenças em todos os valores de amplitude do componente de
onda P3b para o estímulo do tipo real correspondente nos eletrodos Pz (Z = -2,38; p = 0,017),
P3 (Z = -2,52; p = 0,012), P7 (Z = -2,10; p = 0,036); P4 (Z = -2,52; p = 0,012) e P8 (Z = -2,380;
p = 0,017) através da análise comparativa entre os horários Matutino e Vespertino (Figura 4).
Este resultado sugere que a performance cognitiva relacionada a atenção e processamento
de informações tem um certo aumento quando avaliado próximo às 15:00, e portanto, sofre
modulação cronobiológica do tipo circadiano.
980 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Figura 4. Ilustração no domínio do tempo (Eixo x) pela amplitude (Eixo y) da resposta
para o estímulo do tipo real correspondente. Em preto a resposta no horário da manhã,
e em preto, pela tarde.
Discussão
A partir dos resultados observa-se que a atenção possui flutuações diárias. Temos indícios
suficientes para sugerir que a circuitaria neuronal responsável pelo processo de atenção seletiva
foi responsável por uma melhor resposta pela tarde em todos os participantes da pesquisa, de
modo que a amplitude do componente P3b foi superior, para todos os indivíduos da amostra, no
período da tarde. Apesar do número amostral ser considerado pequeno, estes resultados podem
ser importantes na discussão acerca da escolha do turno de estudo, uma vez que outros estudos
já observaram que outros aspectos da cognição superior também variam ao longo do dia e são
superiores no período da tarde.
Um aspecto que pode ser levado em consideração é o padrão de sonolência e a melhor resposta
de P3b no turno da tarde, uma vez que o ciclo de sono-vigília tem um papel preponderante na
recuperação do indivíduo e na manutenção da homeostase. O sono está diretamente relacionado
com todas as funções cognitivas (Sutter et al., 2012), de forma que quaisquer alterações no sono
ou na vigília podem desencadear efeitos cognitivos que dependendo da frequência podem ser
reversíveis ou irreversíveis. Porém, a influência de padrões de sonolência segue como sugestão
para estudos posteriores.
Partindo do pressuposto que as preferências circadianas, qualidade e padrões do sono
podem influenciar diretamente no desempenho escolar (Roeser, Schlarb, & Kübler, 2013; Onder
et al., 2014; Russo et al., 2016) e por conseguinte, na atenção seletiva (mensurada a partir do P3b
982 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
results. This model predicts that alterations in electrotonic coupling among LC cells may produce
the different modes of activity and corresponding differences in performance. This model also
indicates that the phasic mode of LC activity may promote focused or selective attention, whereas
the tonic mode may produce a state of high behavioral flexibility or scanning attentiveness. The
implications of these results for clinical disorders such as attention-deficit hyperactivity disorder,
stress disorders, and emotional and affective disorders are discussed. Copyright (C.
Figura 5. Esquema da modulação cortical a partir do Locus Cerúleo (em azul) durante
uma tarefa de atenção. Fonte: <https://news.usc.edu/91957/researchers-pinpoint-
brain-region-as-ground-zero-of-alzheimers-disease/> e adaptada de Kropotov (2009).
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984 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ASPECTOS E MODELOS DE LEITURA SOBRE O PRISMA
DE STANISLAS DEHAENE E VITOR CRUZ
Murilo Cezar de Souza Albuquerque
Mírian Carla Lima Carvalho
Carla Moita da Silva Minervino
Introdução
A
linguagem é necessária, pois pode ocupar o status de fator primário para
socialização, comunicação e, muito provavelmente, evolução do pensamento. Ela
pode ser considerada inata, pela existência de aparatos biológicos propícios a isso
(tanto que uma lesão no nosso cérebro pode afetar a compreensão, o falar e a leitura). E ainda,
pode ser considerada como construção social, pois as palavras são aprendidas, inicialmente e
primordialmente, na família e outras relações no meio social.
A linguagem, na condição de um dos componentes da cognição, é considerada um sistema
comunicativo, composto por um conjunto de regras que posteriormente poderá representar
ações, expressar sentimentos e necessidades. Outro aspecto da linguagem, refere-se a condição de
um componente cultural primordial a transmissão de ensinamentos (Papalia & Feldman, 2013).
Nessa perspectiva, um aspecto importante é a leitura, esta requer aprendizado formal e maturação
de aparatos biológicos.
Segundo Leffa (1996), definir o processo de leitura depende do grau de generalidade e do
enfoque dado (social, psicológico, fenomenológico, linguístico, etc.). A referida autora propõe
quatro definições (geral, duas específicas e uma conciliatória). Sendo a geral o acesso indireto,
formado pelo processo de representação do conjunto de elementos constituintes, interligados
com a percepção e os conhecimentos prévios do leitor a fim de produzir o resultado interpretativo.
As duas definições específicas, são tratadas como antagônicas, traçando direções do significado
do texto ao leitor e do leitor ao texto. Desta forma, ler seria atribuir ou extrair o significado do
texto. A definição integradora considera as duas definições específicas atuando alternadamente
durante o processo.
Para Roazzi, Minervino, & Melo (2014), duas abordagens sobre os processos subjacentes
de leitura e escrita têm, ao longo do tempo, influenciado concepções de como entender tais
processos. A primeira abordagem, tradicional ou simplificada, preconiza a leitura como ato de
transformar uma expressão escrita em oral. Tal relação, entre signos e sons, respeita determinadas
regras de associação e correspondência. A segunda abordagem, inovadora ou ampliada, considera
a leitura como o ato de busca e extração de significados. Tais processos, dão-se pela mediação
entre algumas expectativas do sujeito (de natureza variada) e o texto.
A leitura representa um ponto chave para a aprendizagem do indivíduo, na qual permite
que se desenvolva enquanto ser autônomo, pensante e crítico, e ainda lhe fornece meios para
se desenvolver profissionalmente. Embora esta possa ser compreendida por meio de diversas
Método
Foi feita uma revisão narrativa, que consta de uma revisão crítica em dois livros, sendo
um de origem portuguesa, intitulado “Uma Abordagem Cognitiva da Leitura”, escrito por Vitor
Cruz (Professor da Universidade Técnica de Lisboa), publicado em 2007, originado de sua tese
de doutorado “Uma abordagem cognitiva às dificuldades na leitura: avaliação e intervenção”,
publicada em 2005; e o outro de origem francesa, intitulado “Les neurones de la lecture”, escrito por
Stanislas Dehaene (Professor Collège de France e diretor da Unidade de Neuroimagem Cognitiva
do INSERM - Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale), publicado em 2007, traduzido
para o português brasileiro em 2012 por Leonor Scliar-Cabral, na tradução recebeu o título de
“Neurônios da Leitura: Como a Ciência Explica a Nossa Capacidade de Ler”.
Victor Cruz reflete em sua obra acerca dos aspectos cognitivos, internos ao indivíduo, desde os
aspectos iniciais da linguagem de forma biológica, seguido de modelos de estratégias de leitura, que
dão suporte a modelos de aprendizagem e ensino da mesma, e as dificuldades de aprendizagem da
leitura. Já Dehaene analisa o aprendizado da leitura em seu aspecto neuronal, (no âmbito dos circuitos
cerebrais e as estruturas neuroanatômicas envolvidos na leitura), apresentando uma compilação de
estudos sobre modelos de processamento da leitura e, mais especificamente, vai de encontro ao fato
de nosso cérebro aprender a ler de forma apropriado no que tange ao método fônico.
Foi feita a leitura integral das obras por meio de fichamento destacando os trechos
relacionados com o objetivo deste estudo. Posterior a este processo, iniciou-se um debate sobre
as obras e dissertou-se acerca os conteúdos que aqui são pertinentes.
Utilizou-se inicialmente de duas características principais como critério de análise: os
modelos de leitura e os processos de aprendizagem apresentadas nas obras. Posteriormente,
986 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
estabeleceu-se um debate entre os pesquisadores para a comparação e discussão dos resultados
aqui apresentados. E, não havendo concordância entre os pesquisadores, o terceiro pesquisador
foi solicitado para sanar as divergências.
Resultados
988 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O autor apresenta três métodos utilizados para o ensino da leitura: fônico, global e métodos
mistos. O fônico prioriza o ensino primeiro dos fonemas, ou seja, o ensino pelo som, iniciando-se
pelas letras, seguido por sílabas, palavras e frases. O Global prioriza a compreensão, iniciando a
partir das frases para as letras; por fim, o misto procura associar os dois modelos anteriores.
Cruz (2007), estrutura em quatro os modelos de como se aprende a ler:
1) Gough apresenta o modelo ascendentes, ou de baixo para cima, no qual começa com
o aprendizado das pequenas partes fonológicas, para se chegar às grandes estruturas
semânticas, sendo assim o contexto não influencia no processo, e o método de ensino
adequado seria o fônico;
2) Goodman apresenta o modelo descendentes, ou de cima para baixo, no qual a leitura
parte da compreensão geral para as menores unidades, sofrem influência do contexto, cujo
método de ensino indicado seria o global;
3) Elis e Young apresentam o modelo interativo, no qual faz a junção dos anteriores;
4) Rumelhart apresenta o modelo interativo compensatório, semelhante a este último, no
entanto, a escolha da estratégia é do leitor.
Discussão
Dehaene, S. (2012). Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de ler. Porto
Alegre: Penso.
Gazzaniga, M. S., Ivry, R. B., & Mangun, G. R. (2006). Neurociência cognitiva: a biologia da mente.
Porto Alegre: Artmed.
Fuentes, D. et al. [organizador] (2014). Neuropsicologia: teoria e prática. (2ª ed). Porto Alegre:
Artmed.
Kandel, E. [organizador] (2014). Princípios de neurociências (5ª ed). Porto Alegre: AMGH.
Papalia, D. E., & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento humano (12ª ed). Porto Alegre: Artmed.
Roazzi, A. Minervino, C. A. S. M., & Melo (2014). A aprendizagem da leitura e da escrita: princípios
teóricos, históricos, níveis conceituais e aspectos motivacionais do processo de aprendizagem do
código alfabético. In: A. Roazzi F. G. Paula & M. J. Santos (Org.). Leitura e Escrita: a sua aprendizagem
na teoria e na prática. Editora Juruá.
990 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA DAS FUNÇÕES
EXECUTIVAS NO TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA NO BRASIL
Heloanny Vilarinho Alencar
Letícia Maria Carvalho Mendes Costa
Maria Andréia Bezerra Marques
Introdução
D
e acordo com Malloy-Diniz, Fuentes, Mattos e Abreu (2010), a avaliação
neuropsicológica é um método de investigação das funções cognitivas e do
comportamento. Para isso, ela vale-se da aplicação de técnicas de entrevistas,
exames quantitativos e qualitativos das funções que compõem a cognição, não se constituindo
um método de investigação pronto, mas um processo em estruturação.
Dentre as funções cognitivas, há um conjunto de habilidades denominadas funções executivas,
que são essenciais para que o indivíduo obtenha sucesso ao realizar atividades cotidianas. Os
déficits nas funções planejamento, controle inibitório, tomada de decisões, flexibilidade cognitiva,
memória operacional, categorização e fluência, denomina-se síndrome disexecutiva (Malloy-
Diniz, De Paula, Sedó, Fuentes & Leite, 2014).
Para a avaliação das funções executivas, utiliza-se uma série de aplicação de testes e escalas
específicas que fornecem informações sobre cada processo cognitivo (Malloy-Diniz et al., 2014).
Carreiro et al. (2014), afirmam que dentre os instrumentos mais utilizados no Brasil para avaliação
das funções executivas, destacam-se os testes: Wisconsin, Trilhas, Stroop e Torre de Londres. No
que se refere aos instrumentos utilizados para avaliação da flexibilidade cognitiva, evidenciam-
se o Teste Trilhas e o Teste de Classificação de Cartas de Wisconsin. Com relação à avaliação
do controle inibitório, um dos mais importantes e escolhidos para utilização é o teste Stroop
e quanto à avaliação das habilidades de planejamento, o teste Torre de Londres é um dos mais
utilizados (Malloy-Diniz et al., 2014).
Segundo Malloy-Diniz et al. (2014), é possível observar déficits nas funções executivas
em diversos quadros de patologias neurológicas e psiquiátricas. Um destes é o Transtorno do
Espectro Autista (TEA), caracterizado pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM–5) pela presença de déficits na interação social e comportamentos repetitivos e
estereotipados, que acarretam grande prejuízo e sofrimento para a vida pessoal, acadêmica e
profissional do sujeito (APA, 2014).
As alterações encontradas nas funções executivas são consideradas o ponto de explicação
para grande parte das dificuldades encontradas em pessoas com TEA e explicam a presença da
grande maioria dos déficits neuropsicológicos apresentados. Isso porque a disfunção executiva
está relacionada aos comportamentos repetitivos, interesses restritos, desatenção e à dificuldade
na realização de atos que envolvam uma sequência de mudança, flexibilidade e planejamento
(Carreiro, Reppold, Córdova, Vieira & Mello, 2014).
992 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 1
Dados gerais dos documentos pesquisados
Nº Título Autor/es Ano Tipo de documento
01 Novas possibilidades na avaliação neurop- Fernanda T. Orsati, José Salomão 2008 Artigo científico
sicológica dos Transtornos Invasivos do Schwartzman, Décio Brunoni, Tatiana
Desenvolvimento: análise dos movimentos Mecca e Elizeu C. de Macedo
oculares.
02 Gêmeos monozigóticos com Síndrome de Waldir Toledo de Paiva Jr. 2010 Dissertação de Mestrado
Asperger: sociabilidade e cognição
03 Avaliação Neuropsicológica das funções Fernanda Rasch Czermainski 2012 Dissertação de Mestrado
executivas no Transtorno do Espectro do
Autismo.
04 Funções Executivas em Crianças e Ado- Fernanda Rasch Czermainski, Rudimar 2014 Artigo científico
lescentes com Transtorno do Espectro do dos Santos Riesgo, Luciano Santos Pin-
Autismo. to Guimarães, Jerusa Fumegalli de Salles
e Cleonice Alves Bosa
05 Intervenção Neuropsicológica para Flexi- Yanne Ribeiro Gonçalves 2014 Dissertação de Mestrado
bilidade Cognitiva em Adolescentes com
Transtornos do Espectro do Autismo.
É possível depreender que, embora haja pesquisas empíricas no Brasil que se dediquem à
avaliação neuropsicológica das funções executivas de pessoas com TEA, seu número é reduzido.
Esta constatação justifica a necessidade de pesquisadores brasileiros dedicarem maior atenção a
essa temática.
A tabela 2 apresenta os achados quanto a duas categorias: 1) Instrumentos utilizados; e 2)
Prejuízos nas funções executivas e dificuldades associadas. No que diz respeito à primeira, pode-
se observar que foi utilizado um total de 13 testes com o objetivo de avaliar as funções executivas
de indivíduos com TEA. Dentre eles, a Escala de Inteligência Wechsler para Crianças – WISC III
e o Teste de Trilhas foram os instrumentos mais utilizados nos estudos analisados, tendo ambos
aparecidos, respectivamente, cinco e quatro vezes na tabela. Em uma de suas quatro aparições,
está a versão do Teste de Trilhas para pré-escolares.
994 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Escala de Inteligência Wechsler para Flexibilidade cognitiva;
Samantha Santos de Crianças -WISC III; Dificuldade na compreensão verbal de
Albuquerque Maranhão Teste de Atenção por Cancelamento; regras ouvidas para execução de tarefas;
Matrizes Progressivas Déficits na atenção auditiva, seletiva e
Coloridas de Raven; sustentada;
Teste de Trilhas Coloridas; Dificuldades visuoespaciais e
Figuras Complexas de Rey; visuoconstrutivas; Controle Inibitório;
Subtestes Cubos e Arranjo de Figuras Planejamento.
– WISC III;
Subtestes Atenção Auditiva e Conjunto
de Repostas, Classificando Animais,
Fluência em desenhos,
Inibindo respostas, Teoria da Mente
-tarefa verbal e
Relógios da bateria - NEPSY-II.
Sabrina David de Oliveira Teste Cubos de Corsi; Teste de Atenção Atenção seletiva;
por Cancelamento; Teste de Trilhas Flexibilidade cognitiva;
para Pré-escolares; Teste Wisconsin de Memória de curto prazo;
Classificação de Cartas – WCST. Memória operacional visual.
Tarefas de MTS.
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Os outros instrumentos que mais se repetiram foram o Teste Figuras Complexas de Rey,
Teste de Atenção por Cancelamento e o Teste Stroop, cada qual tendo sido usado em três estudos.
Em seguida, foram identificados o Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil
-NEUPSILIN-INF, Matrizes Progressivas Coloridas de Raven e Teste Wisconsin de Classificação de
Cartas – WCST, todos com duas aparições.
Em menor frequência foram utilizados o Teste Cubos de Corsi, Teste de fluência de desenhos
e a bateria NEPSY-II, cada qual tendo aparecido em apenas um estudo. Ademais, além dos testes,
outros instrumentos também contribuíram para a avaliação das funções executivas, que foram as
Tarefas de MTS, a Tarefa de Sacada Preditiva (SP) e Tarefa de Anti-Sacada (AS), também presentes
em apenas um estudo.
Quanto à segunda categoria, que engloba os prejuízos em funções executivas de pessoas
com TEA e suas dificuldades associadas, a atenção apareceu com maior frequência (9), incluindo
seus subtipos atenção sustentada, seletiva, alternada, auditiva e concentrada. Em seguida, a
flexibilidade cognitiva, com déficits em seis estudos, e o controle inibitório, prejudicado em cinco
pesquisas.
Verificou-se, ademais, que a memória de trabalho, incluídos seus componentes visual e
visuoespacial, foi apontada como deficitária em três estudos com indivíduos com TEA. A mesma
frequência foi encontrada para o planejamento. Em dois estudos, por sua vez, foram identificadas
dificuldades relacionadas à fluência verbal. Por fim, dificuldades em funções cognitivas como
memória de curto prazo, velocidade de processamento e julgamento, assim como dificuldade
na compreensão verbal de regras ouvidas para execução de tarefas, dificuldades visuoespaciais
e visuoconstrutivas e na diferenciação de detalhes essenciais de não essenciais evidenciaram-se,
cada qual, em apenas um estudo.
Discussão
O uso de escalas e questionários, juntamente com a avaliação formal das funções executivas,
pode contribuir para um melhor entendimento da avaliação do funcionamento executivo no TEA
e colaborar para a formação de profissionais mais capacitados no atendimento a pessoas com
996 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
resolução de conflitos. Como apontado pela autora, pessoas com TEA apresentam mais prejuízos
nesta função, visto que dispõem de um repertório de comportamento restrito e rígido, o que
ocasiona no sujeito uma maior dificuldade frente a novas demandas, tendendo sempre a agir da
mesma forma e a ter pensamento rígido.
As dificuldades encontradas na flexibilidade cognitiva explicariam a presença dos padrões
restritos de interesses e atividades, assim como dificuldades em adaptar-se a novas situações, o
que implicaria no ajustamento da dinâmica familiar e escolar (Maranhão, 2014). Tal constatação
pode ser corroborada pela pesquisa de Gonçalves (2014), no que diz respeito ao desempenho
abaixo da média dos participantes no Teste Código da Escala de Inteligência Wechsler para
Crianças-WISC III, na Fluência de desenhos e na primeira fase do Stroop. A autora menciona ainda
que o baixo desempenho nos testes citados pode sugerir dificuldades nas funções de velocidade
de processamento.
Para a avaliação da flexibilidade cognitiva, os seguintes testes foram utilizados nos estudos
analisados: Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR), Teste Wisconsin de Classificação
de Cartas – WCST, Teste de Trilhas, Teste Stroop, Escala de Inteligência Wechsler para Crianças-
WISC III, Teste de Fluência de desenhos, segunda etapa do subteste Atenção Auditiva e Conjunto
de Respostas, terceira etapa do subteste Inibindo Respostas e o Teste Classificando Animais da
bateria NEPSY-II.
No entanto, dos testes citados, Gonçalves (2014) aponta que o Teste Stroop mostrou-se não
tão efetivo para a avaliação desta função, visto que alguns participantes da amostra de seu estudo
apresentaram dificuldade em relação à leitura, o que, segundo a autora, sugere que o índice de
escolaridade é um fator importante e deve ser levado em conta para a escolha deste instrumento.
A terceira função executiva encontrada com maior frequência deficitária nos estudos
analisados foi o controle inibitório, definido por Orsati et al. (2008) como a habilidade de inibir
respostas. Encontrou-se que, no Brasil, essa capacidade vem sendo avaliada através do Teste
Fluência de desenhos, segunda etapa do subteste Inibindo Respostas, segunda etapa do subteste
Atenção Auditiva e Conjunto de Respostas da bateria NEPSY-II, Teste Stroop, Tarefa Go/No Go
auditiva, Tarefas de Fluência Verbal, Parte B do Teste de Trilhas e Tarefa Anti-Sacada (AS).
Nos resultados da pesquisa de Maranhão (2014), foram observadas significativas
dificuldades de alguns participantes com TEA no funcionamento do controle inibitório, que
foram evidenciadas pelo baixo desempenho nos Subtestes Inibindo Respostas, Atenção Auditiva
e Conjunto de Respostas da bateria NEPSY-II. Czermainski et al. (2014) também encontraram
prejuízos na referida função em pessoas com esse transtorno, através do baixo desempenho
no Teste Stroop (escore de interferência cor-palavra), na tarefa do teste Go/No Go auditivo,
nas Tarefas de Fluência Verbal (inibição de todas as palavras do léxico que vêm à mente e não
completam o critério requerido pelo examinador), e na parte B do Teste de Trilhas.
A análise dos estudos aponta para déficits na memória operacional de indivíduos com TEA,
além de prejuízos nos seus componentes visual e visuoespacial. Essa função executiva armazena
temporariamente informações e permite a monitoração e o manejo desses dados, fornecendo
base para outros processos cognitivos (Malloy-Diniz et al., 2014). A avaliação da memória
operacional se deu através do uso dos seguintes testes: Figuras Complexas de Rey, Subtestes
Cubos e Arranjo de Figuras (WISC-III), Subteste Relógio e segunda etapa dos subtestes Atencão
Auditiva e Conjunto de Respostas da bateria NEPSY-II.
Ademais, Maranhão (2014) observou em sua pesquisa que o baixo desempenho de alguns
participantes no Subteste Relógios da bateria NEPSY-II sugere para a possibilidade de dificuldade
em atividades que demandam habilidades visuoespaciais. A autora menciona ainda que 4 das 6
crianças de sua amostra apontam para a presença de dificuldade nas habilidades avaliadas pelo
referido teste.
Considerações Finais
998 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A análise dos resultados permitiu a constatação de que todos os estudos conduzidos
com indivíduos que apresentam esse transtorno identificaram prejuízos em diferentes funções
executivas e dificuldades associadas: atenção seletiva, atenção sustentada, atenção auditiva,
atenção alternada, atenção concentrada, flexibilidade cognitiva, controle inibitório, memória
de trabalho, memória de trabalho visual, memória de trabalho visuoespacial, planejamento,
fluência verbal, memória de curto prazo, velocidade de processamento, julgamento, dificuldade
na compreensão verbal de regras ouvidas para execução de tarefas, dificuldades visuoespaciais,
visuoconstrutivas e diferenciação de detalhes essenciais de não essenciais.
No entanto, a falta de consenso sobre quais funções estariam prejudicadas não torna possível
a generalização dos resultados a fim de enunciar quais delas encontrar-se-iam relacionadas às
dificuldades apresentadas por pessoas com TEA. Desse modo, faz-se necessária a realização de
mais estudos que contribuam: para a elucidação da relação entre o TEA e os prejuízos das funções
executivas e o desenvolvimento de instrumentos validados para avaliação das funções executivas
de pessoas com o referido transtorno. Esses estudos contribuiriam com a construção de métodos
e técnicas de intervenções mais efetivas na reabilitação neuropsicológica das funções executivas
no TEA.
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1000 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EFEITOS DA INGESTÃO AGUDA DE ÁLCOOL NO
PROCESSO DE TOMADA
DE DECISÃO: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA
Jéssica Bruna Santana Silva
Eva Dias Cristino
Thiago Paiva
Ana Raquel de Oliveira
Lidyane Costa
Natanael Antonio dos Santos
Introdução
O
uso de bebidas alcoólicas é popular e constitui um problema relevante no cenário
mundial. Inclusive, sendo considerado um problema de saúde pública (Vieira,
Serafim, & Saffi, 2007) devido aos prejuízos físicos, sociais e econômicos associados
ao seu consumo. Tais prejuízos estão relacionados não somente ao uso crônico, mas também ao
consumo agudo de doses moderadas, em situações como comportamentos violentos e acidentes
automobilísticos (Andrade & Oliveira, 2009).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2014), ― uso moderado constitui
um termo impreciso relacionado a um padrão de ingestão de quantidades de álcool que, por si
só, não causam problemas à saúde, sendo utilizado como sinônimo de uso social, conforme os
costumes, as motivações e as formas socialmente aceitas. Investigações acerca do padrão de uso
de álcool têm se mostrado relevantes, visto que dependendo da forma, pode aumentar o risco
ao desenvolvimento de problemas de saúde. Fatores como a concentração alcoólica no sangue,
tipo de bebida, características individuais do consumidor, quantidade e velocidade no consumo,
e atitudes culturais influenciam quantitativa e qualitativamente a ação provocada pelo álcool no
organismo (Andrade & Oliveira, 2009).
O álcool funciona como um depressor do SNC (Xiao & Ye, 2008), podendo comprometer
habilidades cognitivas e perceptuais. Essa associação entre álcool e déficits cognitivos tem sido
relatada na literatura, particularmente em relação aos déficits no funcionamento executivo,
especificamente no processo de decisão (Lyvers, Mathieson e Edwards, 2015; Silva, Cristino,
Almeida, Medeiros, & Santos, 2017). A tomada de decisão é uma função complexa que envolve
a escolha entre duas ou mais alternativas concorrentes, exigindo análise dos riscos e benefícios
de cada opção e a avaliação de suas implicações a curto, médio e longo prazo, bem como suas
possibilidades e probabilidades, dedução de influência de suas escolhas em futuras ações (Malloy-
Diniz et al., 2010).
De acordo com Bechara et al. (2002), o padrão comportamental de indivíduos que fazem
uso de álcool assemelha-se ao comprometimento comportamental exibido por pacientes com
lesões no córtex pré-frontal ventromedial, caracterizando-se por decisões pobres em situações
Método
A pesquisa e a análise do material bibliográfico foram realizadas nas bases de dados eletrônicas
Web of Science, Pubmed e Scopus. Foram definidos como campos de busca: título, abstract e palavras-
chave. A coleta dos dados foi realizada em Novembro de 2017, utilizando de forma combinada na
sintaxe as seguintes palavras-chave: “alcohol” OR “drinking” AND “decision making” OR “choice”.
Tais palavras foram escolhidas por serem frequentemente empregadas em artigos clássicos que
avaliam a relação entre as variáveis consideradas nesta revisão e foram extraídas do Medical Subject
Headings (MeSH). Foram analisados abstracts de artigos publicados nos últimos 10 anos.
Além disso, foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão dos estudos: (a) artigo
empírico escrito em língua inglesa como modalidade de produção científica; (b) dados com
humanos; (c) uso de instrumentos ou tarefas comportamentais ou de avaliação neuropsicológica;
(d) responder à questão de pesquisa comparando/considerando o desempenho de indivíduos
após ingestão de álcool em tarefas que avaliem a tomada de decisão; e (e) estar disponível
em texto completo. E os critérios de exclusão adotados foram: (a) dados de populações com
diagnóstico clínico psiquiátrico, inclusive dados clínicos referentes a dependência do álcool;
(b) artigos sobre decisões médicas realizadas por profissionais da saúde quanto a diagnósticos
ou métodos de tratamento e (c) publicações que abordassem decisões empresariais, éticas, ou
morais, vocacionais e decisões tomadas em grupo.
Na terceira etapa, artigos potencialmente relevantes dentro desses critérios foram pré-
selecionados, com base no título, abstract e palavras-chave. Posteriormente, foi realizada uma
análise minuciosa, na íntegra, dos artigos pré-selecionados por duas pesquisadoras, de forma
independente, para definir o número final de estudos a serem revisados, que atenderam aos
critérios de inclusão e exclusão.
A tabulação foi realizada de acordo com autores e ano de publicação, objetivos, caracterização
dos participantes, instrumentos utilizados e principais resultados. Discrepâncias quanto ao
número final de estudos revisados foram resolvidas por consenso, não havendo consenso na
inclusão de dois estudos, sendo posteriormente excluídos pela análise de um terceiro avaliador.
Resultados
1002 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Descritores:
“alcohol” OR “drinking” AND “decision making” OR
“choice”.
Artigos duplicados
removidos
10 artigos
Tabela 1
Autor (ano) Objetivo Amostra Instrumentos Principais resultados
Johnson et al. Testar a hipótese de N = 207 Iowa Gambling Task Adolescentes que apresentam
(2008) que adolescentes adolescentes (IGT); consumo elevado da
que fazem uso de substância apresentaram
doses elevadas de Drinking behavior- comprometimentos na
álcool apresentam avalia hábitos tomada de decisão atribuída
sinais de de consumo de à hipersensibilidade a
comprometimento álcool. recompensa.
em tarefas de
tomada de decisão
afetiva.
Tarefa similar
ao IGT em seus
componentes
sensório-motores,
mas sem o
componente de
decisão.
Hopthrow et al. Investigar o N = 101 indivíduos, Dilema de O consumo moderado de
(2014) impacto do distribuídos entre o escolha (decisão álcool parece produzir uma
consumo de álcool GE (consumidores individual) e um propensão a assumir maiores
nas decisões de álcool) e GC (não dilema de escolha riscos na decisão de dirigir
de risco tanto consumidores). em grupo. embriagado, o que pode
individualmente ser atenuado quando essa
como em grupo decisão é tomada em grupo.
composto por
quatro a seis
pessoas.
1004 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Malone et al. Investigar a relação N = 96 adolescentes IGT; O consumo de álcool foi
(2014) entre o uso de gêmeos associado com desempenho
álcool e habilidade monozigóticos (50% Versão da prejudicado na tarefa de
de tomada de do sexo masculino). Substance Abuse tomada de decisão.
decisão. Module (SAM) do
Composite
International
Diagnostic inventory
(CIDI).
Worbe et al. Avaliou-se a GE:40 consumidores A versão adaptada Os achados sugerem uma
(2014) sensibilidade à de altas doses de da tarefa de diminuição na sensibilidade
recompensa e à álcool escolha entre um à antecipação de resultados
perda através da montante certo ou negativos de alto risco em
probabilidade de GC:70 voluntários uma aposta com consumidores de altas doses
risco sob efeito do saudáveis e que não baixa e moderada de álcool.
álcool. fazem uso de bebida probabilidade.
alcoólica.
Lyvers, Examinar a relação N = 49 participantes IGT Os resultados indicam efeitos
Mathieson, & entre os níveis de de ambos os sexos agudos do álcool nos sistemas
Edwards (2015) consumo de álcool que participaram de AUDIT cerebrais e as consequências
e o desempenho no condições entre 0, Escala de comportamentais de tais
IGT. 002% e 0,19% BAC. Impulsividade de efeitos na tomada de decisão.
BARRAT
DUDIT- avalia o
comportamento
de consumo de
drogas ilícitas.
Silva, Cristino, Investigar os N = 20 jovens Teste do Labirinto Os resultados sugerem que
Leandro, efeitos da ingestão adultos participaram Visual- avalia doses moderadas de álcool
Medeiros, & moderada de álcool de ambas as processos alteram os movimentos
Santos (2017) nos movimentos condições: Álcool cognitivos oculares durante a resolução
oculares, como (0,08%) e placebo envolvidos em do teste do labirinto, o que
indicativo do (0,00%), em ordem uma tomada de evidencia comprometimentos
processamento contrabalanceada. decisão visual. na tomada de decisão.
cognitivo
subjacente tarefa Eye tracker- avaliar
de tomada de os movimentos
decisão visual. oculares durante
o desempenho no
teste do Labirinto
visual.
AUDIT
Nota: alguns nomes de instrumentos foram mantidos originais conforme citado no artigo, em inglês. Os testes
ou tarefas mais genéricos e conhecidos no Brasil foram traduzidos.
Discussão
1006 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
em grupo, que neste estudo variou entre quatro a seis pessoas. O trabalho foi realizado com
delineamento misto 2 (álcool: consumo de álcool e não consumo) × 2 (decisão: individual e em
grupo), sendo a decisão uma medida repetida. Além disso, a variável dependente foi a preferência
de risco, mensurada por meio de dilemas de escolha que perguntavam aos participantes qual
o nível de risco de acidente no qual recomendariam a alguém dirigir sob efeito de álcool. Os
resultados indicaram que decisões feitas em grupos apresentaram nível de risco menor do que
as feitas individualmente. Já consumidores de álcool individualmente optaram por opções de
maior risco do que os não-consumidores, enquanto julgamentos de risco feitas em grupos de
consumidores foram menores.
Apesar da grande concordância entre os estudos em relação a questão norteadora deste
trabalho, a diversidade de métodos utilizados dificulta maiores comparações entre os resultados,
impossibilitando maiores conclusões dos efeitos do uso agudo de álcool na tomada de decisão.
Tal heterogeneidade entre os métodos diz respeito, por exemplo, quanto ao: a) uso ou não de
procedimento de randomização dos participantes entre as condições; b) critérios de inclusão/
exclusão no estudo (ex.: exclusão de condições neurológicas e psiquiátricas); c) controle ou
manipulação de variáveis, d) variedade de instrumentos de mensuração da tomada de decisão,
e) diversidade de tipos de bebida e teor alcoólicos, e f) diferentes delineamentos, experimentais,
correlacionais, com medidas repetidas e independentes.
Em suma, o panorama de pesquisas analisadas na presente revisão sistemática sugere que
a ingestão aguda de álcool pode alterar a capacidade de tomar decisões, e mostra-se relevante
por ser o álcool a substância mais consumida pelos jovens no Brasil, além de evidenciar o uso do
álcool como um fator para a adoção de outros comportamentos de risco à saúde, tais como beber
e dirigir, atividade sexual desprotegida, violência e suicídio (Brasil, Pedrosa, Camacho, Passos, &
Oliveira, 2011).
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1008 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
DESEMPENHO EM TAREFA DE MEMÓRIA DE TRABALHO
COM O USO DE PALAVRAS: ESTUDO PILOTO
Mírian Carla Lima Carvalho
Murilo Cézar de Souza Albuquerque
Carla Moita da Silva Minervino
Introdução
A
memória de curto prazo é de grande relevância para que o conteúdo perpassa a mente
do sujeito, especialmente a memória de trabalho a qual manipula as informações
ativamente, que é um fator primordial para que as informações permaneçam na
memória de longo prazo, isto é, o conteúdo armazenado no cérebro e consequente a informação
que permanece no sujeito, também designado aprendizado.
O modelo multicomponente de Baddeley (2012) tem como subdivisões a alça fonológica,
retendo as informações verbalmente apresentadas, o esboço visuoespacial, na qual retém imagens e
localização da mesma, executivo central, este gerencia as informações dos outros subcomponentes
e controla o foco atencional, além desses tem o Retentor episódico, na qual reúne conceitos não
relacionados e cria novas combinações. Nesta pesquisa, destaca-se a avaliação da memória de
trabalho fonológica.
A aprendizagem significativa é definida como a interação entre as ideias expressas
simbolicamente e com aquilo que o aprendiz já sabe (Moreira, 2012). Também, nossas memórias
são organizadas “em redes de associação”, ou seja, as palavras são guardadas de acordo com uma
associação de significados, de forma flexível, pois de fato podemos esquecer algumas informações
e aprender novas, numa espécie de dicionário mental denominado léxico mental, sendo esta
a maneira facilitadora de guardar informações no cérebro (Gazzaniga, Ivry, & Mangun, 2006;
Baddeley, 2011; Gazzaniga & Heatherton, 2005). Desta forma, cérebro apreende melhor o que
tem significado ou seja aquilo que se associa ao já conhecido (Cosenza & Guerra, 2011).
Compreende-se que nos processos de aprendizagem do sujeito, a informação passa por
uma integração da informação referente à associação de conceitos já formalizados em seus
processos anteriores com os novos a serem visto, é dessa maneira que se processa aprendizagem
com sentido/significado ao sujeito. E para este estudo, o conceito de significativo consiste em:
palavras frequentes ao sujeito, as quais fazem parte do seu contexto e já foram armazenadas no
léxico mental.
A aquisição de vocabulário possui grande influência no armazenamento fonológico
temporário, sendo crucial para a construção de representações estáveis de novas palavras. Quanto
maior o vocabulário, maior a capacidade de consolidar novas palavras na memória de longo-
prazo (Baddeley, Gathercole, & Papagno, 1998).
Shaywitz et al. (1995), aponta que há evidências para níveis cerebrais diferentes de organização
funcional voltados à linguagem entre homens e mulheres, o que pode indicar variação entre sexo
Método
1010 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
os instrumentos, além de possibilitar maior familiaridade para os pesquisadores com os
procedimentos e instrumentos adotados.
Este estudo contou com 65 participantes, cuja faixa etária variou entre nove e dezoito anos
na primeira fase, dos quais apenas 20 foram selecionados, para a segunda fase, por atenderem
o critério de inclusão (faixa etária) afim de atender aos objetivos propostos. No entanto, um
participante foi excluído por não estar presente no dia da segunda fase de aplicação.
Preparou-se três instrumentos, a saber, questionário sociodemográfico, questionário de
levantamento vocabular e tarefa de repetição de palavras. O primeiro instrumento, questionário
estruturado, subdivido em três seções (1- sociodemográfico, 2- treino do levantamento vocabular
e 3- levantamento vocabular). Na seção 1, sociodemográfico, para que haja uma descrição da
amostra, elaborou-se oito (08) questões relacionadas a dados de identificação dos participantes:
nome, sexo, idade, escolaridade, desempenho escolar, a relação com a disciplina e o professor que
a ministra. Na seção 2, treino do levantamento vocabular, objetivou familiarizar o participante
com o procedimento a ser realizado, aproveitando este momento para sanar possíveis dúvidas
e erros de compreensão. Na seção 3, levantamento vocabular, visou identificar vinte palavras
significativas ao participante, dentro do contexto da disciplina escolar português, para tal foi
solicitando que o participante escreva as 20 primeiras palavras, que lhe vierem à mente, referente
a disciplina.
Após esta etapa de levantamento vocabular, organizou-se um teste de memória de trabalho,
tarefa de repetição de palavras (TRP), construída com as palavras mais frequentes na seção 3 do
questionário estruturado (apenas dos 20 alunos com idades entre 11 e 12 anos) e com palavras
elencadas pelos pesquisadores, isto é, que não foram nomeadas pelos participantes, designadas
respectivamente de palavras significativas e não significativas. A TRP constitui-se da manutenção
e repetição das sequencias de palavras, imediatamente após proferidas pelos pesquisadores. As
sequencias de palavras foram estruturas em ordem crescente contendo de 1 a 8, sendo as primeiras
monossílabas e as últimas polissílabas.
Adotou-se como critério de inclusão, para as palavras consideradas como significativas, os
seguintes aspectos: aquelas com maior frequência no questionário de levantamento de palavras
e, sendo esta, maior que um (1); foram elencadas, atendendo o critério anterior (frequência),
conforme a classificação fonêmica (monossílabos, dissílabos, trissílabos e polissílabos) e
sem relação semântica ou contextual na mesma sequência de palavras, afim de evitar força
de associação entre as palavras - priming semântico – (conferir em: Salles, Jou & Stein, 2007).
Prevaleceu a palavra que apresentou maior frequência, no tocante ao gênero da profissão e
quando em plural ou singular. Utilizou-se como critério para elencar as palavras não significativas
que possuem a semelhança fonêmica e que possivelmente não façam parte do contexto vocabular
dos participantes.
Este estudo piloto, realizado em um centro de línguas estrangeiras, situado na cidade de João
Pessoa. Este espaço conta com uma diversidade de alunos oriundos majoritariamente de escolas
públicas, para estudos das línguas inglesa, espanhola, alemã, francesa e Libras (Língua Brasileira
de Sinais), no entanto, os instrumentos só foram aplicados em turmas de nível I (iniciantes) de
língua inglesa e espanhola.
No que se aos procedimentos de aplicação dos instrumentos: após o questionário
sociodemográfico, iniciou-se um treino com um número menor de palavras, no total de seis, e
logo em seguida a atividade de identificação das 20 palavras significativas. No treino e na atividade
foram cronometrados o tempo gasto, retirando a média pelo término do primeiro e do último.
A primeira fase consistiu na aplicação coletiva do questionário estruturado em cinco turmas
em momentos diferenciados, entre as quais duas de língua inglesa e três de língua espanhola, entre
os turnos manhã e tarde. Em todas as turmas aplicou-se de forma padronizada os instrumentos
Resultados
Totalizando onze participantes do sexo feminino e nove do sexo masculino, dos quais
oito com onze (11) anos e doze com doze (12) anos, sendo onze do 6° ano e nove do 7° ano,
provenientes, majoritariamente, de redes públicas da cidade de João Pessoa.
Na primeira fase foram encontradas um total de 48 palavras, as quais foram selecionadas
36, pelos motivos já descritos no método, e agrupadas em forma de sequência de até oito
palavras, para aplicação tarefa de repetição de palavras. As palavras encontradas foram quadro
monossílabas, doze dissílabas, 24 trissílabas e sete polissílabas.
No grupo meninos, no que tange as palavras frequentes, dois acertaram 5, quatro acertaram
4, e três acertaram sequências com 3 palavras. No grupo meninas, no que tange as palavras
frequentes, uma acertou 5, sete acertaram 4 e duas acertaram 3.No grupo de meninos, no que
tange as palavras não-frequentes, um acertou 5, quatro acertaram 04, três acertaram três e um
acertou 1. No grupo meninas, no que tange as palavras não-frequentes, uma acertou 5, seis
acertaram 4, três acertaram 3. Sendo que nenhum dos participantes acertou os itens sequenciais
que contém seis, sete ou oito palavras.
1012 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A partir dos testes de hipótese aplicados, foi verificado que há diferença estatisticamente
significativa no que tange ao maior número de acertos para palavras frequentes, quando comprado
com palavras não-frequentes. No entanto, verificou-se, também, que o desvio padrão mostrou-se
elevado, sendo maior para palavras não-frequentes, conforme ilustra as Figuras 1 e 2 e na Tabela 1.
Valor df p
Qui-quadrado de Pearson 14,302a 6 ,026
Razão de verossimilhança 12,095 6 ,060
Associação Linear por Linear 4,364 1 ,037
N de Casos Válidos 19
Nota.a.11células (91,7%) esperam contagem menor do que 5. A contagem mínima esperada é ,16.
Discussão
Esta pesquisa atendeu a proposta de um estudo piloto, verificar a precisão das diretrizes do
método e familiarizar os pesquisadores com o procedimento, para posterior aplicação em uma
amostra maior e com padronização mais sistematizada, assim evitando possíveis erros e falhas no
estudo procedente.
Atendeu, também, ao objeto geral de analisar a relação entre memória de trabalho e
palavras frequentes. Ao comparar os escores das palavras frequentes e com as palavras não-
frequentes, observou-se um número maior de acertos para as palavras frequentes, com uma
diferença significativa, apesar do número pequeno da amostra e da não validação da tarefa, o
que pode indicar que há relação entre memória de trabalho e palavras frequentes. A partir da
constatação de uma tendência maior de acertos para até quatro palavras numa sequência, não
havendo acertos para sequências de seis, sete ou oito palavras, sugere-se que há um possível
condicionamento para o quantitativo de dados processados pela memória de trabalho, o que já
foi evidenciado por Miller (1956).
O fato do grupo meninas ter um resultado levemente superior ao grupo meninos, também
pode ser verificado em Shaywitz et al. (1995), o qual apontou que há evidências para níveis cerebrais
diferentes de organização funcional voltados à linguagem entre homens e mulheres, o que pode
indicar variação entre sexo no processamento fonológico. Papalia e Feldman (2013) indicam que
apesar de haver diferenças morfológicas entre meninos e meninas, uma outra variável precisa ser
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FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA,
HISTÓRIA E EPISTEMOLOGIA DA
PSICOLOGIA
NOTAS SOBRE A PSICOLOGIA NO BRASIL NAS
DÉCADAS DE 1980 E 1990: OUTROS ESPAÇOS, OUTROS
FAZERES
Amanda Gabriella Borges Magalhães
Flávia Cristina Silveira Lemos
Introdução
E
studos sobre a história da psicologia no Brasil costumam dividi-la, para fins
didáticos, em seis períodos. De acordo com Antunes (2006), seriam eles: (1) o pré-
institucional, referente a ideias psicológicas produzidas em obras do período colonial;
(2) o institucional, em que se estudava psicologia dentro de outras áreas do conhecimento em
instituições do século XIX; (3) de autonomização (1890-1930), no qual a psicologia passa a ser
reconhecida como ciência independente; (4) de consolidação (1930-1962), onde acontece a
efetivação e desenvolvimento do ensino em psicologia, criação de associações profissionais, e
aumenta-se a produção de pesquisas e a realização de congressos na área; (5) de profissionalização,
considerado a partir do reconhecimento da psicologia enquanto profissão no ano de 1962, e que
se estende até meados de 1980; e (6) de ampliação dos campos de atuação do psicólogo e explicitação de seu
compromisso social, movimento que se inicia por volta da década de 1980, concomitante ao período
de redemocratização brasileiro, e que se estende até hoje.
Apesar de considerarmos que as práticas que definem as fases supracitadas não apareçam
e desapareçam automaticamente na delimitação temporal estabelecida, ou seja, que elas não
superam uma à outra num sentido evolucionista, utilizamos essa divisão didática como ponto
de partida para a escolha de um recorte que nos permitisse pesquisar a ampliação do espaço de
atuação do psicólogo e seu encontro com as questões sociais.
Nosso interesse neste estudo se volta, portanto, para o último destes períodos, mais
especificamente às décadas de 1980 e 1990, nas quais se ampliam os espaços de trabalho para
os psicólogos em campos alternativos à clínica privada com a inserção destes profissionais
nos estabelecimentos ligados às políticas sociais emergentes, em especial no âmbito da saúde
e da assistência social. Temos nesta época uma psicologia instada a se reinventar em tempos
de instabilidade financeira e redução do mercado de trabalho. Neste contexto, fez-se de suma
importância a luta das entidades profissionais para a ampliação de perspectivas de atuação
profissional, aumentando consideravelmente a empregabilidade de psicólogos como assalariados
em estabelecimentos das políticas públicas.
Considerando a importância deste momento da história da psicologia no Brasil para sua
atual conformação enquanto ciência e profissão, este trabalho teve por objetivo produzir uma
caracterização histórica inicial das décadas de 1980 e 1990, a partir do levantamento de produções
escritas da área da psicologia neste recorte, que possa servir de base para pesquisas que enfoquem
a psicologia durante o processo de redemocratização.
Desenvolvimento
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Apesar de apenas em 1962 a profissão e formação terem sido regulamentadas, o primeiro
curso superior autônomo de psicologia data de 1953, localizado na Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde também surgiu, mais tarde, o primeiro curso de mestrado em
Psicologia do Brasil, na área Clínica, em 1966. Também no ano de 1953, a Universidade de São
Paulo (USP) aprova a criação de seu curso superior em psicologia, que, porém, só começa a
funcionar a partir de 1958. Na década de 1970 surgem, nesta mesma universidade, os mestrados
em Psicologia Experimental e Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (1970), e
os primeiros cursos de doutorado, nas mesmas áreas citadas anteriormente (1974) (Lisboa &
Barbosa, 2009; Gomes, 2003).
No ano de 1975, os cursos de graduação em psicologia no Brasil já somavam 61, com
8.795 vagas disponíveis, enquanto nos Conselhos Regionais de Psicologia estavam inscritos 4.951
psicólogos, conforme a pesquisa de Santos (1977, como cita Gomes, 2003). Este crescimento
rápido da quantidade de cursos se deveu à Reforma Universitária5 ocorrida no ano de 1968, que
propiciou uma multiplicação rápida de faculdades privadas, e como efeito tornou a docência um
campo importante de atuação profissional para a psicologia. Ainda segundo o autor, as áreas de
especialidade que mais concentravam psicólogos neste período eram: Psicologia Clínica (30,16%),
Magistério em Psicologia (17,58%), Psicologia do Trabalho (17,16%), Psicologia Educacional
(12,34%) e Psicometria e Psicodiagnóstico (7,55%).
Dentre os periódicos que tratavam sobre assuntos da psicologia vigentes neste momento histórico,
temos: Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada; Boletim de Psicologia de São Paulo; Boletim da Sociedade de
Psicologia do Rio de Janeiro; Boletim da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul; Revista de Psicologia Normal e
Patológica; e Alter-jornal de Estudos Psicodinâmicos. Artigos destes periódicos foram estudados por Figueiredo
e Seminério (1973) em suas publicações no período de 1962 a 1971. Os autores encontraram 610
artigos, dos quais “30,8% tratavam de psicologia teórica e experimental; 43,4% de psicologia aplicada;
e 25,6% de psicologia instrumental (psicometria)” (Gomes, 2003), caracterizando assim a pesquisa
realizada até este momento como majoritariamente aplicada e instrumental.
Considerando que o primeiro estudo em larga escala sobre a atuação e formação profissional
do psicólogo feito pelo Conselho Federal de Psicologia data do fim da década de 1980, torna-se
complicado ter uma visão mais ampla sobre estas questões nas décadas de 1960 e 1970. Uma da
fontes de informação relevantes é o estudo de Sylvia Leser de Mello, realizado em 1975, sobre a
formação do psicólogo em São Paulo. Segundo a autora, neste estado:
A década de 1970 foi marcada pela criação dos Conselhos Federal6 e Estaduais7 de Psicologia,
assim como do primeiro Código de Ética da Profissão8 (Lisboa & Barbosa, 2009), e, também, por
um movimento forte de crítica ao modelo intimista e psicologizante assumido por esta área de
saber. Teceu-se críticas ao fato de as análises dos acontecimentos desviantes da norma produzidas
pela psicologia não considerarem sua dimensão social e histórica, produzindo, assim, estigmas
e culpabilização de determinados grupos sociais pelos problemas de inadequação à ordem
vigente, explicando, assim, a exclusão social a partir de termos psicológicos (Conselho Regional
de Psicologia de São Paulo, 2011).
5 Lei nº 5.540/68.
6 Lei 5766/1971. Neste momento, haviam 895 profissionais atuando no país (Soares, 2010).
7 Instaurados pela resolução nº 01/1974, divididos entre 7 regiões (idem).
8 Resolução nº 08/1975, aperfeiçoado pela Resolução nº 14/1976 (ibidem).
são criados os primeiros cursos de Psicologia Comunitária, voltados para a realidade social
local e engajados nos movimentos citadinos, trabalhando as questões de higiene (arte
de viver), saúde (numa perspectiva preventiva) e na melhoria da qualidade de vida. (...)
A Psicologia Comunitária nasce, portanto, como uma ramificação da Psicologia Social
interessada no conhecimento e na prática junto a uma particularidade específica. Surge, nos
cursos de Psicologia, como uma disciplina optativa e não consta da relação de disciplinas
propostas pelo Ministério da Educação (p. 45-46).
1020 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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faziam presentes como campos de pesquisa, como é o caso da Psicologia da Saúde, que começava,
já no ano de publicação do estudo, a ser citada por várias instituições. Outra informação
interessante que Matos (1992) traz em seu artigo diz respeito à mudança de modelo referente às
pesquisas realizadas na área Comunitária: “No princípio desta década estas tinham um caráter
quase político ou ideológico de conscientização social, pode-se dizer. Gradualmente a natureza
destas intervenções mudaram, assumindo um cunho clínico” (p. 155).
No ano de 1988 temos o primeiro levantamento do Conselho Federal de Psicologia realizado
a nível nacional sobre a formação e atuação profissional do psicólogo, publicado sob o título
“Quem é o psicólogo brasileiro?”, produzido a partir de questionários com uma amostra de
2448 profissionais. Conforme este documento, “o estoque de psicólogos graduados (segundo o
Ministério da Educação) atingiu 102.862 em 1985, tendo crescido exponencialmente, a partir dos
anos 70, com a conhecida proliferação de instituições particulares de ensino” (Bastos & Gomide,
1989, p. 6). Havia, porém, uma grande defasagem em relação ao número de formados e quantidade
de psicólogos que realizavam sua inscrição nos Conselhos Regionais - porcentagem que beirava os
50%, na época. Ou seja, pouco mais de 50.000 psicólogos formados tinham iniciado sua atuação
profissional nesta área após a graduação, devidamente associados aos Conselhos.
Neste período, quase 75% dos profissionais se concentravam na região Sudeste, sendo
aproximadamente 42% deles em São Paulo. Grande parte da categoria era formada por mulheres
(em torno de 80 a 90%), com atuação profissional bastante restrita às capitais dos estados (70%).
Segundo Bastos e Gomide (1989, p. 9):
A discussão sobre o local de trabalho dos psicólogos se fez bastante presente nas décadas de
1980 e 1990, impulsionada pela necessidade de democratizar o acesso aos serviços psicológicos.
A respeito disso, os autores afirmam, baseados no relatório do CFP, que:
Há, de fato, uma reduzida inserção do psicólogo nos serviços públicos – o poder público
(municipal, estadual e federal) mantém, apenas, cerca de 26% dos psicólogos que declararam
atuar profissionalmente (...) No Rio e em São Paulo, encontramos um índice ligeiramente
superior à média nacional de 10% de trabalhos em postos de saúde, ambulatórios e
hospitais, nestas mesmas regiões, entretanto, encontramos também os maiores índices de
trabalho em consultórios particulares. O trabalho em instituições de ensino público absorve
apenas 34,5% dos que atuam na área escolar (...) Embora a questão da democratização
seja bem mais complexa, não deixa de ser preocupante a constatação de que os serviços do
psicólogo chegam, preponderantemente, ainda hoje, a parcelas privilegiadas da população
(...) Romper o elitismo da profissão requer, certamente, medidas de amplo espectro que
passam pela formação de novos profissionais e pela luta por políticas públicas para a área
social que privilegiem o atendimento global dos indivíduos e suas múltiplas necessidades
(Bastos & Gomide, 1989, p. 10).
Em meio a este forte movimento de busca pela democratização do acesso aos serviços da
psicologia e de ampliação do campo de trabalho visando aumentar as vagas de emprego para
os graduados, as discussões acerca do currículo e dos novos espaços de atuação do psicólogo se
Continuo a achar que a Psicologia pode contribuir muito a nível institucional. Ela pode ser
cada vez mais exercida nas instituições públicas ou privadas (empresas, escolas, hospitais,
centros de saúde etc.) Essa é uma prática que não é muito evidente nos cursos. Os cursos
não estão preparando os psicólogos para esta prática mais ampla (p. 17).
Na década seguinte, o CFP publica dois importantes documentos que demarcam este
processo de ampliação das possibilidades de atuação profissional. São eles: “Psicólogo Brasileiro:
construção de novos espaços” (1992) e “Psicólogo brasileiro: práticas emergentes e desafios para
a formação” (1994) – ambos compostos por capítulos que tratavam da atuação do psicólogo nas
áreas tradicionais (clínica, organizacional, escolar/educacional) e emergentes (psicologia jurídica,
do esporte, social e comunitária), assim como da formação.
A possibilidade de inserção deste profissional em outros espaços de atuação começou a
despontar com maior ênfase após a Constituição Federal de 1988, a regulamentação do Sistema
Único de Saúde (SUS) e sanção da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) – apesar de a
assistência social ter se estabelecido como importante campo de emprego para os psicólogos
apenas nos anos 2000.
No que tange à saúde, antes das mudanças provocadas pela Constituição de 1988, a
presença do psicólogo se resumia aos hospitais psiquiátricos e serviços de saúde mental, com uma
atuação não sistematizada nem regulamentada (Yamamoto & Oliveira, 2010, p.16). Foi a partir
da proposta de uma reforma psiquiátrica que a presença destes profissionais no campo da saúde
se efetivou, porém, este processo não se deu sem tensões. A ampliação dos campos de trabalho
por vezes se confundiu com expansão da oferta de atendimento clínico privado a quem não tinha
possibilidade de pagar por ele.
A atuação no Sistema Único de Saúde, porém, tornou necessária a produção de novos saberes
capazes de contribuir com os princípios do SUS, incitando assim um processo de reinvenção de
práticas desindividualizantes dentro da psicologia que pudessem ser executadas em conjunto com
uma equipe transdisciplinar:
Já nos anos 2000, podemos ver frutos destas discussões e debates se refletirem na atuação do
psicólogo e na mudança dos currículos de formação. E neste movimento de constante produção
e crítica da psicologia, “Emergem temas como clínica ampliada, acompanhamento terapêutico,
apoio matricial, filosofia da diferença, humanização, entre outros” (Yamamoto & Oliveira, 2010,
p. 16), que subsidiam as práticas do psicólogo nesses novos espaços ocupados trazendo elementos
capazes de compor a psicologia segundo um outro modelo: não individualizante e naturalizante
de subjetividades, e com espaço para a atuação transdisciplinar com um olhar diferenciado sobre
o sujeito.
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Conclusões e Considerações Finais
Embora em muitas atividades se perceba uma afinidade entre clínica e a saúde, não se pode
minimizar o fato de que esse novo domínio envolve uma significativa ampliação do escopo
de atividades e contextos de inserção do psicólogo, nas unidades de saúde de diferentes
níveis de atenção, nos setores público e privado. A área organizacional cresce um pouco,
embora passe a ser a terceira área a absorver mais psicólogos. Há uma expressiva queda
no percentual de psicólogos atuando na área escolar/educacional. Aparecem, embora com
percentuais bem reduzidos, as áreas social e jurídica, o que indica a consolidação de novos
campos de atuação profissional, muito incipientes na primeira pesquisa. Verifica-se, ainda,
o crescimento da docência em função da expansão do sistema de ensino superior no país
com oferta de cursos de psicologia (Bastos, Gondim & Borges-Andrade, 2009, p. 262).
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Bastos, A., & Gomide, P. (1989). O psicólogo brasileiro: sua atuação e formação profissional. Psicologia: Ciência
e Profissão, 9(1), 6-15. doi: 10.1590/S1414-98931989000100003
Bastos, A., Gondim, S., & Borges-Andrade, J. (2010). O psicólogo brasileiro: sua atuação e
formação profissional. O que mudou nas últimas décadas?. Em Yamamoto, O., & Costa, A. L.
(Orgs.), Escritos sobre a profissão de psicólogo no Brasil (pp. 257-261). Natal, RN: EDUFRN. Disponível
em: < http://newpsi.bvs-psi.org.br/ebooks2010/pt/Acervo_files/Escritos-prof-psicologo-no_
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Bomfim, E. M. (1989). Notas sobre a psicologia social e comunitária no Brasil. Psicologia &
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Melo, S. L. (1989) Currículo: quais mudanças ocorreram desde 1962? Psicologia: Ciência e Profissão,
9(1), 16-18. doi: 10.1590/S1414-98931989000100004
Yamamoto, O., & Oliveira, I. (2010). Política Social e Psicologia: Uma Trajetória de 25 anos.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(esp), 9-24. doi: 10.1590/S0102-37722010000500002
1024 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EM BUSCA DA ESQUIZOANÁLISE:
CLÍNICA, TEORIA E FORMAÇÃO
André Rossi
Introdução
E
ste é um relato de pesquisa de doutorado ainda em curso, a ser finalizada em
julho de 2019. As indagações para a consecução desta pesquisa começam há pelo
menos uma década e meia a partir das experiências clínico-institucionais vividas
como acompanhante terapêutico, como estagiário do Serviço de Psicologia Aplicada-UFF em
clínica transdisciplinar, nove anos de supervisão autogestiva em grupo, experiência clínica em
consultório e ainda, atuação como supervisor clínico-institucional de grupos de psicólogos.
Durante esses anos, a esquizoanálise foi um tipo de fazer-saber que perpassou todas as minhas
práticas, nas quais, fazendo-as, seguia minha formação gradual e contínua. Nesse caminho, uma
questão seguia pululante, afetando a mim e aos meus colegas: “afinal, o que é esquizoanálise?”
Consequentemente, se há um trabalhador coextensivo a essa prática – um esquizoanalista – como
se dá sua formação?
O problema desta pesquisa se delineia melhor ao final da minha dissertação quando cheguei
ao conceito de transversalidade. O trabalho se constituiu no que chamei de “devir dos conceitos”:
da transferência e contratransferência em Freud, Ferenczi e algumas analista inglesas da década
de 50, passando pela transferência institucional e contratransferência institucional no movimento
da Psicoterapia Institucional, chegando à transversalidade de Guattari e à análise da implicação
de Lourau e Lapassade, no movimento que ficou conhecido como Análise Institucional. O devir
desses conceitos, da transferência à transversalidade, liga-se sobremaneira às criações conceituais
da juventude de Guattari. A transversalidade ficou como conceito charneira para mim, porque
finda um projeto e abre outro na atualidade. Compareceu no horizonte das minhas práticas
citadas, a necessidade de ir além e explorar o encontro entre Deleuze e Guattari, pois este se tornou
propositivo de uma esquizoanálise, a partir da publicação d’O Anti-Édipo. Faz-se necessário
entender suas contribuições, porque Deleuze e Guattari deixaram um legado que influencia muitos
trabalhadores da subjetividade que participam de práticas clínicas, institucionais, grupais, na
produção de políticas públicas, na construção de leis, no questionamento de campos de saberes
instituídos, entre outras ações no Brasil, Argentina e Uruguai.
Esta busca atual se desenvolve na continuidade da instigação daquele campo problemático
citado e foi preciso alguns anos fora da academia desde o mestrado e algum tempo de experiência
para escrever um projeto com a clareza e sinceridade dessa busca. Objetivo mais geral era apontar
pistas para a delimitação da esquizoanálise, mantendo ao mesmo tempo seu caráter indelimitável,
colhendo também experiências que alguns trabalhadores da subjetividade têm com esse saber.
Entendemos que quando se fala em “organizar” ou “sistematizar”, quando se pergunta pelo “ser”
de algo (o que é?), estamos entrando numa querela conceitual com os próprios autores. Contudo,
Método
Para mim é importante propor uma discussão metodológica não tão descritiva, uma vez que
o método cartográfico se configura, em uma de suas facetas, como uma pesquisa-intervenção, no
sentido de que, a ação não está separada do pensamento, está diretamente ligado à construção
do saber aqui implicado. Dessa forma, o método faz parte também da teoria e da prática dessa
pesquisa. Ele é esquizoanálise em ato.
Querendo me aproximar da prática desses trabalhadores da subjetividade (objetivos b e c) que
têm a esquizoanálise como um saber que lhes compõe, ao longo da pesquisa, delimitamos melhor
o campo, através de um corte, que é ao mesmo tempo geracional, institucional e circunstancial,
sobre um feixe problemático que afetou sobremaneira as práticas, a formação e os saberes psi
no Brasil da década de 70 e 80. A partir das orientações, definimos que as entrevistas seriam
feitas com os egressos – alunos e professores – do Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e
Instituições (IBRAPSI), criado em 1978 e findado por volta de meados da década de 90.
Dessa forma, foi construído um instrumento semiestruturado que pudesse balizar as
entrevistas, visando colher com esses egressos, a experiência do contato com esse saber. Qual era
sua formação prévia? Como havia chegado ao IBRAPSI? Qual foi a formação recebida? Houve
algo como uma esquizoanálise? Como suas práticas clínico-institucionais são hoje influenciadas?
As entrevistas estão sendo gravadas e tem sido construído um diário de campo. A construção do
instrumento, da entrevista e do diário estão guiadas por uma ética cartográfica em entrevista.
O número de entrevistados atualmente, em janeiro de 2017, está em dez pessoas, tendo ainda
duas entrevistas agendadas para fevereiro de 2017, quando talvez finde a incursão ao campo. O
critério usado é o da redundância, quando as temáticas nas respostas se tornarão repetitivas. Essa
avaliação será feita em grupo, a partir da orientação coletiva. Juntamente das entrevistas, outros
materiais surgiram, ofertados pelos entrevistados: o jornal interno do IBRAPSI (“Sigmund”),
importante para entendermos o que estava sendo veiculado em termos de saber e o tipo de
organização interna da instituição; os “cadernos do IBRAPSI”, um tipo de caderno manuscrito
das aulas gravadas, criado por uma aluna e alimentado por um coletivo transcritor. Ele contém de
uma forma panorâmica e específica a estrutura das aulas e seu conteúdo.
As entrevistas e a pesquisa bibliográfica estão permitindo um levantamento de como esse
saber se propagou na França, sua entrada na América Latina - principalmente na Argentina -
acompanhando hoje seus polos de discussão e suas pistas em relação à transmissão e formação
clínico-institucional.
A parte comumente chamada de revisão bibliográfica (objetivo a) está se dando com base
da espinha dorsal do projeto Capitalismo e Esquizofrenia em dois tomos: O Anti-Édipo, publicado
originalmente em 1972, é o volume 1 e o Mil Platôs publicado originalmente em 1980, é o volume
2. Prefiro chamar esse movimento de enfrentamento conceitual, já que o estilo do material é
de uma obra aberta e hiperconectiva, nos convocando a um enfrentamento das dificuldades
ao mesmo tempo em que uma revisão dela se faz iminentemente criativa. Há a possibilidade,
1026 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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em avaliação de um espraiamento para as obras de Guattari, a saber – Linhas de Fuga (1979),
Inconsciente Maquínico: ensaios de esquizoanálise (1979), Cartografia Esquizoanalíticas (1989)
e comentadores. Além disso, fiz em 2013 uma pesquisa com os unitermos “esquizoanálise” e
“filosofia da diferença” em três bases de dados brasileiras – scielo, google acadêmico e pepsic –
obtendo um total de quarenta e oito artigos. Excluindo as repetições e não pertinências, cheguei
ao total de vinte artigos a serem lidos. Esses também compõem os resultados parciais da pesquisa.
O que buscamos com a pesquisa de campo? Como alcançá-lo? Objetivos e metodologia
se entrelaçam e se querem concisos numa dinâmica de variação mútua. É do nosso interesse
pesquisar a experiência que alguns trabalhadores da subjetividade têm com o arcabouço teórico
da esquizoanálise em suas práticas clínico-institucionais. E, para entender o que propomos por
“experiência”, precisaremos nos explicar um pouco mais.
Em se tratando de acessar um plano da experiência, estaremos guiados por um ethos
cartográfico na entrevista e não necessariamente por um modelo de entrevista específico. Não
existe, dessa forma, entrevista cartográfica, mas manejo cartográfico da entrevista, presente não
apenas nela, mas em toda a pesquisa, iniciando pela construção do campo problemático, passando
ao manejo na colheita de dados, ao uso da linguagem, ao cuidado na transcrição, nas discussões
coletivas do material transcrito e na elaboração do relatório final (Tedesco, Sade & Caliman,
2013). No intuito de formar direcionamentos e uma ética para a entrevista, devemos apontar
algumas pistas e afirmações que nos guiem. São pontos-chave: a forma como se compreende a
realidade e a obtenção/criação de conhecimento; o entrevistador e o manejo; o entrevistado e a
experiência; o plano comum; e a linguagem.
Podemos agora evocar rapidamente três pistas para destacar as nuances do método
cartográfico aplicado à entrevista expondo também suas consequências na forma de entender
todo o processo de pesquisa: a) cartografar é acompanhar processos. Sendo assim, entende-se que
a realidade é feita de processos, constituída heterogeneticamente, de vetores, valências, processos
dinâmicos e não de objetos totais imutáveis (Pozzana de Barros & Kastrup, 2009.); b) cartografar
como método de pesquisa-intervenção (Passos & Benevides de Barros, 2009) Em certo campo das
pesquisas qualitativas, parece ponto de consenso que não se obtém objetos que estão no mundo,
mas se acessa e participa de processos dinâmicos. Devemos, contudo, ir além. A participação é
ela mesma uma intervenção. E, nesse intervir, é que se conhece. Isso nos leva ao terceiro item; c)
Dado que os processos consistem em forças, cujas condições de possibilidade e efeitos surgem no
plano coletivo, a experiência produzida coletivamente entre pesquisador e campo problemático é
o principal objetivo da entrevista (Kastrup & Passos, 2013). Dito isso, podemos afirmar: pesquisar
uma experiência, produzir uma experiência, pesquisar a experiência que se produz.
Aqui já estamos aptos a distinguir dois planos indissociáveis da experiência, a saber, a
experiência vivida e a experiência pré-refletida ou ontológica. O primeiro refere-se ao que, no
senso comum, chamamos da experiência de vida de cada um. São as reflexões do sujeito sobre
sua história. O segundo se refere à processualidade ou ao plano comum, ao coletivo de forças de
onde emergem os conteúdos representacionais das experiências de vida (Tedesco, Sade & Caliman,
2013). O manejo, a escuta, a atitude na entrevista cartográfica visa o acesso à experiência em suas
duas dimensões: experiência vivida e experiência pré-refletida, forma e força. O enunciado válido
não é formado somente por componentes linguísticos - léxico e sintaxe –, “mas principalmente por
extralinguísticos como variações de entonação, ritmo e de velocidade somados a componentes
como expressão facial e corporais” (Tedesco, Sade & Caliman, 2013, p. 302). A escuta, o olhar e
as falas do entrevistador devem estar atentos aos múltiplos fatores presentes na experiência do
dizer. A surpresa, o espanto, o desconcerto, o afeto que comparecem indicam a experiência e a
processualidade na entrevista. Se nos furtarmos às modulações citadas, extrairíamos o dito do
plano da experiência, dissociando novamente aquilo que apostamos indissociável, nos colocando
somente à escuta da informação.
Resultados e Discussão
“Afinal, o que é esquizoanálise?”. Esta não é uma pergunta simples, porque a esquizoanálise
não se pretende um constructo fechado e nem propriamente uma clínica. Não existem seus “textos
técnicos”. Não existe uma produção teórica que bordeie essa nuvem maquínica funcional. Pelas
pesquisas já feitas, não há essa produção no Brasil e nem na França. Da pesquisa nas bases de
dados brasileiras feita em 2013, citada na metodologia, obtive alguns resultados. Alguns artigos
eram focais em relacionar a esquizoanálise com prática especifica na educação, com trabalhos em
grupo, com a dança, com a literatura, artes plásticas ou em transmitir alguns conceitos de forma
competente. Outros textos eram vagos e pouco elucidativos. Também percebi uma ausência
de casos clínico-institucionais e de panorama histórico da constituição do saber. Permanece
então a ser explorada, a produção argentina e uruguaia, que utiliza muito mais o significante
“esquizoanálise” em suas publicações.
A esquizoanálise, de forma preliminar, podemos entendê-la como uma prática-teoria
que está assistematicamente difundida dentro de uma vasta obra e que nasce do encontro de
um filósofo, Gilles Deleuze, e de um psicanalista militante, Félix Guattari. Podemos situar sua
espinha dorsal dentro do projeto capitalismo e esquizofrenia (1972 e 1980), assim como suas
ramificações em obras guattarianas contemporâneas ao projeto e também posteriores (Guattari,
1988; 1989). A partir do livro inaugural, Deleuze e Guattari (2010) colhendo os frutos de Maio
de 68, lançam as ideias sobre uma clínica-política-estética que apelidam de Esquizoanálise. Por
não ser propriamente uma clínica, é reducionista, fechar o Anti-Édipo numa atitude antagonista
à Psicanálise e assim reduzir a proliferação de seus diálogos com a literatura, com a antropologia,
com a psiquiatria, com a filosofia, com a matemática, com a sociologia, com a física, entre outras
disciplinas, inclusive inomináveis.
De início, para que um constructo como a esquizoanálise, que se encontra dentro de
uma obra maior, faça sentido, temos que indicar com o que ela conversa. Devemos fugir de
uma demonstração conceitual estéril. Qual a necessidade da criação de novos conceitos? Com
o que ela rompe? Dessa forma, é adequada uma atitude político-epistemológica-metodológica
de inseparabilidade entre gênese conceitual e gênese sócio histórica. Não como denuncismo de
conceitos datados, mas como forma de análise da implicação das forças envolvidas na criação
de toda e qualquer prática-teoria. Sua análise das forças torna esses saberes vivos, prontos a se
conectarem com as práticas e problemas contemporâneos.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Percebendo a trajetória de Félix Guattari, entendemos que antes de seu encontro com Deleuze,
havia um pensamento próprio a partir do qual ele conduzia suas práticas clínico-institucionais.
Depois, na separação momentânea na década de 80, foi Guattari quem continuou a produzir
e levar a esquizoanálise como campo problemático para pensar as questões de sua época.
Obviamente um estudo dos trabalhos de Deleuze, os de cinema, por exemplo, poderão coletar neles
“ressonâncias esquizoanalítica”, mas de uma forma inespecífica para os objetivos aqui traçados.
Assim, na contracorrente da hegemônica “desguattarianização” da esquizoanálise, vemos através
desta pesquisa que, pelo contrário, é de suma importância tomar Guattari como fio condutor
para entendê-la. Então, tomando-o como fio, podemos nos perguntar: há uma esquizoanálise
pré-Deleuze (uma Análise Institucional guattariana) nos moldes de uma aproximação entre
Psicoterapia Institucional, Análise Institucional e lacanismo? Se concordarmos que sim, teremos
que levar adiante essa afirmação, pensando então, além de uma esquizoanálise pré-Deleuze,
também uma esquizoanálise deleuze-guattariana assentada no troco Anti-Édipo e Mil Platôs, e
ainda uma esquizoanálise pós-Deleuze, que aglutina a militância clínico-política de Guattari na
década de 80 e 90, conjugando todo o acumulado e mais sua ecosofia, sua aproximação com a
ciência, com Daniel Stern, com a Terapia Sistêmica e com os movimentos sociais pelo mundo,
incluindo o Brasil. Esse achado tornou a pesquisa atual mais complexa, porque comumente o
que se entende como “a” Esquizoanálise, seria então, uma parte dela. Isso tudo, sem tomar os
comentadores e toda a produção atual, o que nos leva, por conseguinte, a nos perguntarmos: o
que é a esquizoanálise hoje? Podemos falar de uma clínica esquizoanalítica hoje?
O enfrentamento conceitual na atualidade desta pesquisa recorta e se localiza no que
acabamos de enunciar como segundo momento da esquizoanálise, o que só pôde ser percebido
assim, através dos próprios resultados da pesquisa, relativos à história da construção desse saber.
Pretendemos trazer a discussão de forma resumida, disparando questionamentos e apontando
direções para onde a pesquisa tem nos levado.
No Anti-Édipo, ao modo de um programa político, a esquizoanálise está personificada nas
tarefas, que têm sua sustentação nos usos legítimos e ilegítimos das sínteses do inconsciente, que
estão sustentados no entendimento de um inconsciente maquínico que funciona segundo uma
perspectiva microfísica de três sínteses (conectiva, disjuntiva e conjuntiva) e a perspectiva tipológica
de três máquinas (paranoica, miraculante e celibatária). Demonstrando essa articulação de trás
pra frente, das tarefas (último capítulo) às máquinas desejantes (primeiro capítulo), passando
pelo uso legítimo e ilegítimo das sínteses (segundo capítulo) se tem a esquizoanálise no Anti-Édipo.
Não é nada simples, pois carece de uma demonstração que demora longamente, mas dito assim
como chave de leitura, instiga o leitor a perpetrar seus estudos com esse olhar esquizoanalítico,
sem se perder nas querelas do antagonismo. Esse passeio proposto cria uma ética, uma forma de
se conduzir na condução mais ampla do regime de forças que o livro nos traz, quando se pretende
ser um trabalhador da subjetividade, um interventor das instituições, um militante clínico-político.
No Mil Platôs, oito anos depois, ela reaparece como a operação de quatro componentes
circulares articulados, entendendo-os como operações pragmáticas da esquizoanálise. Uma
variação importante se faz, porque já na introdução os autores fazem uma autocrítica dizendo
que no Anti-Édipo ainda queriam fazer uma sistematização do inconsciente tal qual uma crítica
da razão pura kantiana que trabalha com a distinção das sínteses do tempo. Lembremos que no
Anti-Édipo os autores trabalham com três sínteses, três máquinas e três energias para explicar
seu inconsciente maquínico. Influências filosóficas deleuzianas às maquinas guattarianas? Talvez.
Dessa forma, desde o projeto conjunto sobre a obra de Kafka (Deleuze & Guattari, 1975) –
que está no meio do caminho entre Anti-Édipo e Mil Platôs - já havia aparecido uma teoria do
agenciamento, que de alguma forma transforma a subdivisão maquínica, em uma única operação,
o agenciamento como unidade mínima do real (Deleuze & Parnet, 1977). As máquinas, antes
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formulações dos autores, onde ela aparece de forma sistematicamente colocada. Contudo,
para os não iniciados nos estudos da linguística e da filosofia da linguagem, para um campo de
psicólogos e trabalhadores da subjetividade, é um platô muito árduo, que arrisco dizer, o menos
lido ou o mais deixado de lado nessa empreitada.
Nos platôs das três novelas (Deleuze & Guattari, 1996b) e da micropolítica (Deleuze &
Guattari, 1996c), os autores criam uma teoria geral da avaliação das linhas que constituem toda a
realidade (linhas duras, linhas flexíveis e linhas de fuga) e seus perigos (o medo, a clareza, o poder
e o grande desgosto). Há certa genialidade na avaliação das três novelas literárias, que podem ser
tomadas, cada uma delas, como um “caso” clínico-institucional, a partir da visada das três linhas.
Esses critérios imanentes de avaliação e seus perigos podem ser aplicados ao funcionamento de
um grupo, de uma instituição, de um livro ou de uma pessoa. Os perigos das linhas marcam
bem, para a idolatrada linha de fuga no nosso campo de saber, o paradoxo sempre trabalhoso
de manter a si no fio da navalha: morte e criação andam juntas na aposta da existência. Falando
nisso, o platô do “como construir pra si...” (Deleuze & Guattari, 1996a) traz justamente o que
poderíamos chamar de direção de trabalho na assunção de um sujeito, grupal ou individual. Se
há uma cura, uma alta, ou acesso uma existência ética, trata-se de construir pra si um corpo que
lida com sua organização mantendo-se poroso à abertura. É uma militância do fragmento, no
lugar de um recrudescimento da apologia da totalidade. Se conseguirmos fazer esse saber-prática
rizomático operar na circularidade dos quatro componentes conjuntamente da avaliação das três
linhas, criando pra si algo criativo e vivendo no coletivo de forma ética, estaremos operando uma
esquizoanálise na visada do Mil Platôs. Obviamente é uma passagem deveras veloz, mas a vertigem
também compõe a transmissão de um saber.
Mudando um pouco a perspectiva, a pesquisa de campo tem se revelado fonte de muitos
questionamentos importantes sobre a forma de difusão da produção teórica de Deleuze e
Guattari no Brasil, Argentina e Uruguai, além de trazer a experiência clínico-institucional desses
trabalhadores da subjetividade.
Como dito, houve a opção por entrevistar os egressos do Instituto Brasileiro de Psicanálise,
Grupos e Instituições. O IBRAPSI foi criado em 1978 por Gregório Baremblitt, Chaim Samuel
Katz e Luís Fernando de Mello Campos, fruto direto do I Congresso Brasileiro de Psicanálise
Grupos e Instituições, realizado no Hotel Copacabana Palace no mesmo ano. Esse evento foi um
grande acontecimento na sociedade carioca do final da década de 70, ainda sob ditadura civil-
militar, com a participação de Basaglia, Becker, Guattari, Castel, Goffman, Szaz, entre outros. As
entrevistas, que estão em andamento, mostram que Osvaldo Saidon e Eduardo Losicer, também
foram figuras importantes desde o início na idealização e construção da instituição e depois
participaram como professores, analistas e supervisores. Saidon, Losicer e Baremblitt se exilaram
no Brasil por conta do recrudescimento e perseguição da ditadura argentina que, já em 1976,
fez desaparecer mais de cem psiquiatras e psicólogos militantes argentinos. Isso nos remonta ao
grupo PLATAFORMA, um grupo de psicanalistas freudo-marxistas em ruptura com a Associação
Argentina de Psicanálise (APA) ligada à International Psychoanalytical Association (IPA) criada por Freud
em 1910. O descontentamento estava ligado ao elitismo da instituição, oferecendo formação clínica
exclusiva para médicos, com análise e supervisão muito caras, e com práticas desconectadas do
panorama político que a Argentina vivia desde o golpe militar em 1976. Dessa forma, o grupo em
ruptura criou sua própria formação a partir de 1973, recebendo profissionais da saúde de várias
áreas, conjugando tanto conteúdos freudianos e marxistas, quanto influências de um grupalismo
argentino extremamente profícuo como o de Bleger e Pichon-Rivière. Foi criada então a Escola
de Socioanálise. Os três entrevistados citados, relatam que seguiam eles mesmos em sua própria
formação pessoal de forma pulverizada, através grupos de estudos temáticos e com supervisores
e analistas escolhidos na gama disponível no mercado argentino. Todas essas atividades, sem a
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de assalto a psicanálise” proferido por Leão Cabernite, didata da Sociedade Psicanalítica do Rio
de Janeiro - SPRJ. O importante aqui para esse trabalho é do potencial formativo, o contato com
saberes díspares e a experiência clínica de abertura e experimentação. Em que pese os problemas
institucionais citados, o IBRAPSI teve uma vida muito profícua, sendo classificado como uma
instituição muito festiva, estando sempre próxima de pensadores como Guattari e Lourau,
podendo formar, ao longo dos seus anos, uma quantidade de trabalhadores da subjetividade
que seguiram, de forma aberta e crítica, o pensamento e a prática de outras formas de clínica
e intervenção social, compondo inclusive outras instituições. Destaco a criação do Centro de
Estudos Sociopsicanalíticos, do Núcleo de Psicanálise e Análise Institucional, e o pertencimento
de vários desses formados ao Grupo Tortura Nunca Mais.
Considerações Finais
O maior desafio atual é o do recorte. Trabalho atualmente com duas hipóteses. A primeira
é a das três esquizoanálises. Considerando esta hipótese, o trabalho de pesquisa torna-se muito
superior a de um tempo de doutorado. Assim, afirmando o caráter empírico da pesquisa, é preciso
indagar que conceitos o campo requer. Ou seja, na experiência de formação desses entrevistados, o
que esteve presente? Não era o IBRAPSI certamente uma instituição de formação esquizoanalítica
(nem o Mil Platôs havia sido publicado). É possível uma instituição esquizoanalítica? Osvaldo
Saidon comenta que Guattari na década de 80, estava pensativo, a partir das indagações dos
companheiros brasileiros e argentinos, se não deveria ceder à criação de uma instituição nos
moldes das instituições de psicanálise. Quando indagado qual foi a resposta de Guattari, Saidon
me disse que não o acompanhou na resolução dessa questão. De toda forma, nós aqui no cone
sul das Américas fizemos algo disso, o que podemos cartografar como duas posições atuais do
campo. Por um lado, houve o IBRAPSI e depois o Instituto Félix Guattari, quando Baremblitt
seguiu para Belo Horizonte dando formação, desde a década de 90 até a atualidade, já com a
alcunha de “esquizoanalítica”. Além dessa experiência, hoje existem outras instituição na Argentina
e no Uruguai que dão formação em esquizoanálise. Por outro lado, outros grupos se posicionam
politicamente de maneira que, toda ideia de escola é querer tornar institucional um pensamento-
prática que não se pode institucionalizar, com risco de torná-lo burocrático, inócuo e avesso à
crítica. De toda forma, quem faz escola e quem se posiciona contra, fala desde a perspectiva
de um trabalhador clínico-institucional formado nesse campo. Como? Isso nos leva a segunda
hipótese: toda formação em esquizoanálise tem que ser uma formação transinstitucional. Assim,
colocamos a questão fora de um antagonismo escola versus não escola e a situamos numa questão
agônica, fazendo seu modelo ser mais o do grupo sujeito de Guattari do que certamente aquilo
que ele tão jocosamente taxou de “as igrejinhas”. Imediatamente dois conceitos-práticas devem
ser observados: autogestão coletiva e a vocação do grupo sujeito para incluir sua própria morte.
Devemos esconjurar o nascimento do autoritarismo, da vontade de perpetuação infinita, mas não
da vontade de estarmos juntos compondo formações, transmissões, mesmo que parciais, finitas
e localizadas.
Do campo emana a necessidade do entendimento desses conceitos guattarianos de grupo
sujeito, grupo sujeitado, analisador e transversalidade. Essa primeira esquizoanálise exige também
entendermos um diálogo com Lacan em tono do significante social e da tentativa de alteração
em grupo dos dados de acolhida do superego. Os cadernos do IBRAPSI bem como o Anti-Édipo
exigem um estudo de Karl Marx. O segundo livro do Mil Platôs exige uma indagação e um estudo
coextensivos: Do signo saussereano ao significante, Lacan tentou dar conta de um imobilismo,
mas Guattari retorna ao signo para tentar dar conta do mesmo problema. Por quê? Sem um
estudo da semiótica, projeto exportado de um pensamento de Guattari (1988) aos dois platôs
Referências
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INVISIBILIDADE SOCIAL NO CAMPO DO TRABALHO:
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO EM
PSICOLOGIA
Ariana Campana Rodrigues Daltro de Paiva Oliveira Filho
Jéssyca Cristina Gomes Nunes
Jhulyane Cristine da Cunha Nunes
Kelyane Vieira de Lima
Introdução
C
ompreendemos a Psicologia como o estudo do comportamento em suas relações
sociais. Freud (1996) já versava que toda psicologia é uma psicologia social, pois
o ser humano só se constitui como tal na relação com outros seres humanos.
Concomitante a isso, somos impelidos por questões que relacionam a ciência psicológica com a
atualidade em que vivemos. Nossa proposta de estudo busca relacionar o ensino e a aprendizagem
científica intrínsecos à nossa realidade social.
Nesse terreno, durante o curso de graduação em Psicologia na Universidade Federal do
Piauí, campus Ministro Reis Velloso, no ano de 2014, produzimos uma rica experiência na disciplina
Estágio Básico III11, que transformou nossa concepção de sujeito psicológico pela vivência e estudo
da representação social de funcionários de higienização terceirizados12 encarregados pela limpeza
de nosso campus universitário. Esse trabalho científico consiste em um relato dessa experiência,
com reflexões sobre a relação que estes estabelecem com seu local de trabalho e como eles afetam
e são afetados por este ambiente, além da relação destes com o público que frequenta o campus.
Indagamo-nos sobre qual o lugar desses trabalhadores e, ao mesmo tempo, qual o possível papel
da Psicologia na análise e transformação do cotidiano de trabalho desses sujeitos. Esses encontros
foram realizados por estagiários do curso de Psicologia e pela docente responsável pela disciplina.
A insígnia histórica da representação social do trabalhador que ocupa cargos de higiene e
limpeza no país os situa em uma posição de pouco reconhecimento social. Seu valor na manutenção
e cuidado do espaço, seja público ou privado, é subestimado. Em nosso campo de atuação, além
dessa representatividade em termos de valorização, esses trabalhadores carregavam ainda outra
marca que os diferenciava da maioria dos trabalhadores que com eles se relacionavam: a da
terceirização. Num campus onde a grande maioria dos trabalhadores eram servidores públicos
federais, estatutários e, por isso mesmo, com cargos com mais estabilidade que o cargo dos
terceirizados, essa é uma diferença que não passa despercebida.
11 Disciplina do 6° período do curso de graduação em Psicologia da Universidade Federal do Piauí, campus Ministro
Reis Velloso, no município de Parnaíba. Essa disciplina foi ministrada entre os meses de março a agosto de 2014.
12 Esses trabalhadores serão chamados, ao longo do texto, também como “servidores da limpeza” (ou somente
“servidores”), tendo em vista que é dessa maneira que eles são conhecidos no ambiente do referido campus
universitário.
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A Psicologia Social, nesse sentido, resgata questões cotidianas que dão margem à formulação
do constructo invisibilidade social, emergindo do campo das representações sociais uma problemática
que corresponde à dimensão do reificado e instituído em uma sociedade culturalmente capitalista,
sendo esta baseada na estrutura hierárquica e que, no contexto mercadológico, constitui-se
pela sobreposição de uma profissão à outra, considerando, essencialmente, a escolaridade e a
qualificação para o trabalho.
A invisibilidade social configura-se, portanto, como um fator que pode acarretar sofrimento
psíquico ao sujeito, principalmente àqueles que ocupam cargos marcados por pouca valorização
social e financeira no sistema social vigente e que, muitas vezes, tem seus direitos feridos na
vivência do trabalho.
Em nosso campo de atuação, constatamos que o lugar social atribuído aos servidores, tanto
por eles serem responsáveis pelo setor da limpeza do campus, quanto por seu vínculo empregatício
terceirizado num espaço em que a maioria dos funcionários são estatutários, era um lugar de
representação social de pouquíssimo valor, o que gerava o fenômeno da invisibilidade social. Além
disso, eles eram significados como parte do ambiente de trabalho, sendo, portanto, percebidos
somente pela função que exerciam ali, havendo, assim, a desconsideração deles como sujeitos que
portavam outras marcas em outras esferas da vida.
A invisibilidade social é um fenômeno próprio de muitas sociedades, mas, em especial, tomou
força na sociedade capitalista, pois engloba humilhação social e reificação do sujeito. É um evento
decorrente de um longo processo histórico que rebaixa a percepção do outro diante de quem o
olha. Esse fenômeno está principalmente vinculado ao trabalho desqualificado, à alienação e ao
baixo salário. Representa, ainda, um tipo de violência que se configura no campo simbólico e
material, originada e estabelecida pelo antagonismo de classes e por motivações psicossociais.
Consiste, assim, na percepção de menor valor ou mesmo na não percepção de um ser humano
para com o outro (Costa, 2008).
Invisibilidade social, portanto, é direcionada para aqueles que vivem à margem da sociedade,
que sofrem indiferença e/ou preconceito. Esse fenômeno é consequência da crise de identidade
que permeia a contemporaneidade, identidade esta que se constitui na relação do eu com o outro.
Na sociedade atual, a massificação faz com que o diferente seja substituído pelo único; dessa
forma, o sujeito perde a condição de se afetar com e no mundo, automatizando suas relações e
dando espaço para o surgimento de simulacros (Celeguim & Roesler, 2009).
A temática da invisibilidade social está fortemente embasada nos preceitos defendidos por
Costa (2008), em obra acadêmica relacionada aos garis da Universidade de São Paulo e que nos
inspirou a refletir sobre o assunto. Ele aborda o conceito da invisibilidade social como uma “espécie
de desaparecimento psicossocial de um homem no meio de outros homens.” (Costa, 2008, p.1).
Partindo para a conceituação no âmbito do trabalho, Celeguim e Roesler (2009) apresentam o
conceito referindo-se à distorção da percepção humana relacionada à condição de divisão social
do trabalho, destacando a função exercida pelos “sujeito” e “não sujeito” propriamente ditos.
Método
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Após a escolha desse método, por avaliarmos ser o que mais condizia com a proposta da
pesquisa, partimos ao campo para realizar as atividades, que foram feitas em cinco visitas a
campo, de três horas cada uma, sendo que em três delas realizaram-se observações e, ao mesmo
tempo, interações com os participantes. A quarta visita foi destinada à intervenção e no último
encontro ocorreu a devolutiva.
As observações iniciais revelaram a existência de uma boa comunicação entre os servidores
do setor de limpeza, os seguranças e a administração. Observou-se a ausência de um espaço para
descanso bem estruturado para os servidores que almoçam no local de trabalho. Percebeu-se que
vários servidores, ao concluir suas tarefas, sentavam-se e conversavam em lugares em que não era
possível desfrutar com conforto dos espaços.
Na segunda visita, escutamos mais relatos. Alguns nos contaram que, no relacionamento com
professores e alunos, incomodava com o fato destes não agirem educadamente, cumprimentarem
com um “bom dia” e só lhe dirigirem a palavra quando precisavam de algum serviço.
Eles relataram ainda que gostam do trabalho, mas que, às vezes, este se torna pesado quando
há a necessidade de descarregar ou carregar algum caminhão de entrega, momento em que é
solicitada a participação de todos os servidores deste setor (realizando um mutirão). Disseram
também que estabelecem uma interação sem atritos entre os colegas de trabalho.
Outros relataram que eles mudam sua área de trabalho a cada seis meses e que alguns
sentem dificuldade de adaptação à nova dinâmica de trabalho, pois há dificuldade em aprender
toda a nova situação, como, por exemplo, fazer contato com os professores e saber qual a rotina
destes para poder abrir as salas para a realização das aulas (uma das funções que lhes é atribuída).
Alguns contaram que costumam conversar com professores e alunos do campus. No entanto,
outros relataram não conseguirem esse contato.
Mais um relato interessante foi o de que, às vezes, eles fazem um mutirão para realizarem
determinadas tarefas consideradas mais exaustivas, como limpar o muro, encerar as salas de aula
no recesso/férias, entre outras, o que denota solidariedade entre eles.
Em virtude de esses trabalhadores usarem uniformes que tem uma imagem vinculada a um
grupo de cidadãos que representa socialmente uma classe desprovida de direitos e tão somente
cumpridora de deveres, os servidores gerais podem vir a sofrer abusos no campo de atuação.
Costa (2008) corrobora com a discussão ao associar o fenômeno da invisibilidade social a valores
pessoais que estão vinculados à posição social, ao status e à aparência que, segundo ele, estão
ligados à atual sociedade consumista, enfatizando que o uso do uniforme é característica marcante
para marginalização social. Desse modo, o uniforme, que deveria ter uma função utilitária tão
somente de identificação de cargo de trabalho, acaba tornando a pessoa um ser invisível perante
os demais sujeitos (Celeguim & Roesler, 2009).
De acordo com Celeguim e Roesler (2009), os trabalhadores que exercem funções técnicas,
são olhados pela sociedade, em geral, de modo estigmatizado e com valoração negativa,
ressaltando que o símbolo que caracteriza essa realidade é o uso dos uniformes de trabalho e
relacionando esse aspecto com um trabalho sem qualificação satisfatória para fazer parte da
hierarquia social dominante.
Entre todos os elementos, e considerando a situação de terceirização do trabalho desses
servidores, evidenciaram-se queixas que pudemos elaborar como da ordem da invisibilidade social
no campus, o que nos possibilitou refletir sobre a necessidade de uma intervenção nesse sentido.
Diante da reflexão acerca das demandas apresentadas, elaboramos uma proposta de
intervenção13 que teve início com a preparação do ambiente. Colamos cartazes e expusemos uma
faixa, contendo as seguintes frases: “Dê um bom dia e ganhe um sorriso”, “Você conhece quem faz
13 É importante ressaltar que a proposta de intervenção foi previamente analisada com a gerência desses servidores
e com eles próprios. Após a aceitação da proposta, iniciamos o processo de intervenção.
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Resultados e discussão
Nessa experiência de estágio, constatamos que, nos relatos dos servidores, de modo
geral, percebe-se o que alguns deles pensam a respeito dos prós e contras de seus empregos. Em
relação à função exercida, eles não apresentaram queixa: estavam satisfeitos com a atividade que
executavam, com o salário e com a carga horária de serviço; no entanto, alguns relataram medo
de demissão. Esse é um aspecto relevante nessa modalidade de trabalho terceirizada: além dos
eventuais atrasos no pagamento do salário – o que, por si só, já apresenta desrespeito em relação
às leis trabalhistas brasileiras – o elemento da demissão é aspecto que fortemente caracteriza
esse vínculo empregatício, podendo gerar sofrimento psíquico nos trabalhadores. O temor de ser
demitido e ter sua vida desestabilizada por isso foi verificado em alguns relatos.
No que tange às condições subjetivas de trabalho que envolvem o modo como eles se
relacionam com o campus, houve queixas sobre como os outros frequentadores do ambiente
(professores, alunos e funcionários) os veem, pelo fato de eles serem servidores da limpeza.
Relataram não serem cumprimentados, falta de cordialidade e ordenações para que façam tarefas
que muitas vezes não são atribuições de suas funções. Além disso, também foi preponderante o
apontamento sobre as condições de trabalho, por não existir, por exemplo, um local específico onde
estes pudessem descansar no horário de almoço, ficando, portanto, sem condições de conforto
e acolhimento em seu espaço de trabalho. Avaliamos que há pouco ou nenhum movimento de
contestação sobre essas situações, dado o receio por parte dos servidores de terem seus contratos
de trabalho rompidos. Aqui, a fragilidade da situação de serem terceirizados se evidenciou.
Assim, percebemos que a problemática das relações permeia várias instâncias das vivências
destes trabalhadores. Há questões que envolvem a relação entre eles mesmos, a relação deles com
a chefia e a relação deles com os demais frequentadores de seu ambiente de trabalho como, por
exemplo, professores, alunos e funcionários técnicos.
Amaral (2011) retrata que a qualidade de vida é compreendida como o conjunto das
condições que o ambiente oferece como, por exemplo, aspectos socioeconômicos, educacionais,
psicossociais e de políticas que permitam ao ser humano viver dignamente. Assim, compreendemos
que o trabalho também está contido nessas condições, já que é fundamental na vida do ser
humano na atualidade. O trabalho, além de ocupar grande parte do tempo, do investimento de
energia e de desejo da pessoa, também é alicerce de constituição da sociedade atual. Desse modo,
é inviável pensar no sujeito descolado de seu ambiente de trabalho.
As vivências dos sujeitos no ambiente de trabalho repercutem saudavelmente ou não em seu
cotidiano, pois este sujeito se constitui em diversas esferas das quais faz parte (trabalho, social,
familiar, religiosa, entre outras). Embora não acreditemos que há uma compartimentalização tão
marcada como a que descrevemos, pois ele vive essas esferas em um só corpo - que é o seu próprio -,
inegavelmente ele frequenta ambientes diversos e as afetações que experimenta em um repercutem
em outro. Sendo assim, se houver demasiadas questões no trabalho, a qualidade da vida como
um todo pode se comprometer, ocasionando turbulências não apenas na vida profissional, mas,
também, em outras esferas, já que todas estão inter-relacionadas entre si.
No contexto social brasileiro, as funções de limpeza e de trabalhos manuais são subjugadas e
consideradas inferiores àquelas que precisam de formação técnica ou acadêmica, envolvendo um
maior grau de raciocínio crítico em seu fazer. Provavelmente essa caracterização se deva ao longo
período histórico de colonização do país, que foi sustentado, em grande parte, pelo trabalho
escravo. Desse modo, tem-se uma cultura que propicia que se tratem os trabalhadores da limpeza
com indiferença, desrespeito, assédio, fazendo emergir preconceitos sociais e invisibilidade social.
Isso tudo pode acarretar sofrimento e perda de qualidade de vida.
Somado a isso, as organizações, em sua estrutura, impõem condições de trabalho aos
seus profissionais a partir de um modelo gerencial predominante com valores próprios que
Considerações finais
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A atividade de intervenção desenvolvida teve grande êxito no tocante à discussão dos
temas da invisibilidade social e da precarização do trabalho, ao discorrer e enfatizar a rotina
e os sentimentos vivenciados por esses trabalhadores. Ela surpreendeu pelo fato de encontrar
pessoas disponíveis a discutir sobre essa temática e também por abordar honestamente discursos
pertinentes à nossa atualidade, tais como desigualdades sociais, preconceito e sofrimento no
trabalho.
Nesse sentido, com instrumentais da pesquisa qualitativa em Psicologia, compreendemos a
relação dos temas abordados e propusemos ações que geraram bem estar físico, psíquico e social
aos sujeitos em questão. O bem estar do trabalhador é fundamental para que este desempenhe
suas atividades e, consequentemente, estabeleça relações interpessoais que propiciem vínculos
saudáveis e qualidade de vida a todos os envolvidos.
Referências
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Introdução
O
verbo cuidar em português denota atenção, cautela, desvelo, zelo. Porém representa
mais que um momento de atenção. É na realidade uma atitude de preocupação,
ocupação, responsabilização e envolvimento afetivo com o ser cuidado (Remen,
1993; Boff, 1999; Waldow, 1998; Silva, Damasceno, Carvalho, & Souza, 2001). Segundo Araújo
e Leitão (2012) a Organização Mundial da Saúde considera o atendimento às necessidades dos
cuidadores um dos principais objetivos dos cuidados paliativos e determina que se disponibilize
um sistema de apoio para ajudar a família durante a doença do paciente e no processo do luto.
Compreende-se, assim que, a tarefa de acompanhar alguém que vivencia o adoecimento
gera sentimentos de desesperança, revolta, medo da possibilidade de perda além de alterar a
dinâmica familiar comprometendo a integridade psicológica, emocional e até mesmo biológica
do cuidador e consequentemente a qualidade do cuidado implementado. (Henrique, Barros, &
Morais, 2012). Além do que, a falta de preparo para lidar com o sofrimento humano, presente o
tempo todo na atividade do profissional de saúde pode enloquecê-lo. (Balint, 1984)
Segundo Araújo e Leitão (2012) o cuidador também poderá ser classificado de acordo com
o cuidado que irá prestar: Primário, se assumir as responsabilidades diretamente relacionadas
aos cuidados mínimos como higiene e alimentação; Secundário aquele que auxiliar em eventuais
necessidades do paciente, sendo caracterizado como não primordial para a recuperação do
paciente.
Diante disso, este trabalho visa apresentar um relato de experiência tendo como base a
educação interprofissional, com um grupo de graduandos de diversas áreas, cujo objetivo é a
realização de ações com acompanhantes de crianças em diferentes estágios de tratamento
quimioterápico de forma conjunta nos moldes de uma prática colaborativa, a fim de abordar o
cuidado ao cuidador na busca de um cuidado humanizado em saúde bem como tecer reflexões
acerca das emoções, vivências no grupo e aprendizagem compartilhada com o trabalho em equipe.
Ampliam-se, deste modo, que segundo Araújo e Leitão (2012) há significativos estudos
sobre o comportamento e as necessidades do cuidador no período de adoecimento do paciente
com câncer, desde o diagnóstico, passando pelo tratamento inicial, recidivas da doença,
“retratamento”, sucessivas internações, até o encaminhamento para os cuidados paliativos.
Essa etapa final, em geral, é árdua e penosa, motivada por esperança de cura, mas também com
1044 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
desilusões, sofrimentos e importante carga de trabalho dispensada ao paciente, vivências que
tendem a se intensificar com a evolução da doença.
Desta forma, a ação se sucedeu por meio de atividades como dinâmica para criação de
vínculo, roda de conversa e discussão informativa com o intuito de minimizar o sofrimento causado
pela doença. Realizada em um Departamento Oncologia Pediátrica na Ala de quimioterapia
infantil em um hospital da cidade de Teresina-PI. Além disso, o trabalho também objetivou trazer
a educação interprofissional como os desafios diários e reais sob a ampliação de experiência
ainda na graduação o que garante uma formação mais ampla.
Método
Resultados
1046 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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sofrimento do assistido, pois por meio do diálogo que se desenvolve, possibilita ao indivíduo ouvir
o que está proferindo, induzindo-o a uma autorreflexão.
A terceira operação é a abordagem de uma discussão sobre um tema recorrente na segunda
operação, que tem como objetivo (produto) o aconselhamento sobre um problema recorrente
e visa como resultado a resolução dos problemas apresentados. Segundo Trindade e Teixeira
(2000) o aconselhamento psicológico (counselling) é uma relação de ajuda que visa facilitar uma
adaptação mais satisfatória do sujeito à situação em que se encontra e optimizar os seus recursos
pessoais em termos de autoconhecimento, auto-ajuda e autonomia.
A abordagem da discussão sobre o tema recorrente que aparecer durante a atividade
tem como recurso a conversa, sendo o ator controlador o grupo e os pacientes. Quando nos
perguntamos qual problema deveria ser priorizado para o momento estratégico, chegamos à
resposta Depressão. Como causas, elencamos os fatores genéticos, a ansiedade e o estresse e
os nós críticos são a angústia, o isolamento social, a insônia, distanciamento do ciclo familiar e
apatia.
Além disso, analisamos a possibilidade de adesão dos atores que controlam os recursos,
sendo esta categorizada em: favorável (ceder seus recursos), indiferente (não ajuda, não atrapalha)
ou desfavorável (não libera seus recursos e atrapalha). A aplicação da dinâmica com o novelo
de lã foi classificada como favorável, assim como a intervenção com o dado das emoções e a
abordagem da discussão.
Desenhamos estratégias para construir a viabilidade da intervenção. A estratégia escolhida
para a dinâmica com novelo de lã foi desenvolver atividades que promovam a interação com o
grupo. Já a estratégia para a intervenção com o dado das emoções foi fazer uma roda de conversa
informal. E por último, a estratégia para a abordagem da discussão sobre o tema mais recorrente
foi depois de analisar as informações obtidas na última atividade, fazer uma breve discussão com
o ponto de vista do grupo.
Por fim, no planejamento tático-operacional, fizemos um desenho do plano operativo
com intuito de designar responsáveis por cada operação e fixar prazos. Acordamos que todos os
integrantes do grupo seriam os responsáveis pela a dinâmica com o novelo de lã, a intervenção com
o dado das emoções e a abordagem da discussão sobre um tema recorrente durante a atividade.
O prazo estabelecido para estas operações foi o próprio dia da ação.
Discussões
Partindo da ideia de que algumas pessoas do grupo não se conheciam a proposta da dinâmica
de grupo inicial ocorreu para um entrosamento maior entre os participantes seria a melhor forma
de iniciarmos as atividades. Segundo Silva (2008) em razão de possuir, em sua imensa maioria,
um caráter de natureza lúdica, a dinâmica de grupo tem o condão de promover uma reprodução
do mundo das relações, a realidade corpórea universal, vivida pelo indivíduo. Justamente por essa
similitude com a realidade experimentada pelo sujeito da dinâmica, a atividade constitui-se em
um poderoso agente de mudanças.
Nessa perspectiva, o embasamento da intervenção foi feito em duas teorias: a utilidade
das rodas de conversa e da abertura emocional no manejo dos pacientes e acompanhantes. Pois
os relatos emocionais dos participantes permitiram a percepção de sentimentos antes sufocados
pela situação em que se encontravam. A roda de conversa proposta em nossa ação representa
uma aposta na medida em que o ato educativo contextualizado demarca a imersão de sujeitos de
direitos engajados no ato de conhecer e transformar a realidade.
Outro aspecto pertinente foi à descrição de uma experiência que integra conhecimentos
teóricos e práticos na solidificação de uma aprendizagem científica adquirida nos componente
trabalho em equipe e colaboração ainda na formação. Segundo Segundo Peduzzi, Norman,
Germani, Silva, & Souza, (2013), a educação interprofisisonal é uma modalidade de formação
em saúde que promove o trabalho em equipe integrado e colaborativo entre profissionais de
diferentes áreas com foco nas necessidades de saúde de usuários e população, com a finalidade
melhorar as respostas dos serviços a essas necessidades e a qualidade da atenção à saúde.
Levando-se em consideração o objetivo proposto desta intervenção ampliam-se,
deste modo, a importância de implementar um cuidado humanizado ao cuidador de forma
considerar um trabalho interprofissional, pois esta desencadeia uma serie de processos que
também precisam ser observados pela equipe, para que a assistência a quem necessita seja
qualificada. A ação permitiu aprimorar o sentimento de empatia entre nós, futuros profissionais
de várias áreas da saúde, no que diz respeito ao tato e sensibilidade com as demandas de certos
pacientes e acompanhantes. Também foi importante para conhecermos o local, a estrutura e
funcionamento do setor de quimioterapia pediátrica, de modo a perceber as necessidades dos
participantes e familiares.
De acordo com Rezende et al. (2005) a prática interprofissional colaborativa se refere à
articulação entre equipes de diferentes serviços da rede de atenção, tendência da organização
do cuidado em saúde com novas práticas clínicas. Trata-se de uma característica das equipes
integradas, cujos atributos são: respeito mútuo e confiança, reconhecimento do papel profissional
das diferentes áreas, interdependência e complementaridade dos saberes e ações.
No âmbito profissional, a preocupação com ações de educação em saúde e a educação
interprofissional facilitam a interação com os pacientes e o estabelecimento de vínculos de
confiança visando a uma conduta mais humanizada e empática. Percebemos que ainda há muito
a se aprender quando se trata de lidar com o manejo das emoções de pessoas em situações de
cuidado, porém após a ação, nos sentimos mais preparados do que antes.
Durante a ação, foi perceptível o envolvimento emocional entre estudantes e acompanhantes
na troca de experiências, além do apoio recebido entre os cuidadores que passam pelas mesmas
circunstâncias. Concluímos que ações como essas são triviais a formação de profissionais aptos a,
mais do que tratar os males do corpo, tratar as demandas psíquicas para prevenção e promoção
de saúde na educação interprofissional.
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Introdução
U
ma das principais áreas de atuação dos psicólogos é a Psicologia Clínica, que esteve
historicamente associada ao exercício autônomo das atividades de psicoterapia,
psicodiagnóstico, a solução de problemas de ajustamento e na promoção do bem-
estar subjetivo e psicológico (Bastos, Gondim, & Peixoto, 2010). O estudo da Psicologia Clínica deve
ser associado à prática, pois é preciso ter contato com o paciente para aprender a ser um psicólogo
clínico. O ensino prático é o principal papel das clínicas-escola que, por lei, devem estar presente
nos cursos de graduação de Psicologia (Melo & Perfeito, 2004). Segundo a Lei 4.119 (Decreto Lei,
1964) que dispõe sobre os cursos de formação e regulamenta a profissão do psicólogo no Brasil, é
obrigatório que a instituição disponha de um Serviço Escola de Psicologia aberto à comunidade de
forma gratuita ou remunerada em conformidade ao nível de curso que oferecem.
Os Serviços Escolas de Psicologia (SEP) dispõem de uma série de serviços prestados à
comunidade pelos alunos dos cursos, é “onde o estudante, ou o profissional em formação, recebe
treinamento e orientação na forma de supervisões dos atendimentos clínicos, com o objetivo
de capacitá-lo para a prática e a reflexão do exercício profissional” (Capitão & Romaro, 2003,
p. 111). Os SEPs são importantes não só para a comunidade como mais um espaço de cuidado
e prestação de serviço psicológico, mas também como ambiente de formação qualificada de
profissionais e ampliação de estudos e pesquisas, contribuindo assim para o crescimento da
Psicologia. A clínica escola também tem o papel social de prestar serviços à comunidade (Zilli,
Santos, Yamaguchi, & Borges, 2017). Chammas e Herzberg (2009) trazem que por está ligado
ao contexto das universidades, aos eixos de desenvolvimento de pesquisa, na formação de
alunos e serviços de extensão à comunidade, os serviços-escolas de psicologia constituem-se em
laboratórios de excelência.
A operacionalização da clínica escola apresenta dois desafios, inicialmente promover a
capacitação do aluno nos aspectos conceitual, formal e ético, e concomitantemente atendimento
de forma mais eficaz possível satisfazer as demandas da comunidade que procura o serviço
(Capitão & Romaro, 2003). Os estudantes em formação precisam desenvolver competências como:
capacidade de utilizar conhecimentos teóricos e as habilidades adquiridas para o desempenho em
uma situação profissional de forma ética, cuidadosa e empática, desenvolver boa capacidade
de abstração, boa comunicação oral e escrita. É a oportunidade dos estudantes receberem
1050 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
treinamento e orientação na forma de supervisões dos atendimentos clínicos, objetivando sua
capacitação para prática e reflexão do exercício profissional.
Quando o sujeito se dirige a um SEP, seja com encaminhamento ou demanda espontânea,
na busca por um dos serviços ali prestados, inicialmente ele passa por um serviço comum, a
triagem. O objetivo da triagem psicológica é compreender a demanda apresentada pelo sujeito
que procurou o serviço de psicologia. A triagem é uma prática comum nas instituições públicas de
saúde em Psicologia e tem por objetivo realizar de modo mais detalhado a coleta de dados com
elaborações sobre a queixa, necessidade e interesses dos clientes.
Algumas pesquisas nacionais foram desenvolvidas com objetivos de caracterização do
processo de triagem nos serviços-escola de psicologia (por exemplo, Capitão & Romaro, 2003;
Albuquerque, Barroco, Facci, Leal, & Tuleski, 2005; & Benetti, & Cunha 2009; Campezatto, &
Nunes, 2007). Em uma revisão de literatura sobre as clínicas-escola de Psicologia, Amaral et al.
(2012) encontraram 45 trabalhos que descreviam experiências em clínicas-escola que tratavam de
diferentes temas, além da caracterização da clientela, representação social do psicólogo, práticas
em determinadas abordagens, tipos de serviços prestados e descrições sobre atendimentos.
Estudos sobre triagens em clínicas escolas de Psicologia apontam que estes serviços recebem
diferentes demandas e públicos, e consequentemente, o estagiário em processo de formação
se vê diante de muitas possibilidades de aprendizagem prática. Em estudo de Melo e Perfeito
(2006) foi possível perceber que as crianças que realizaram triagem apresentaram queixas de
cunho comportamental, afetivo-emocional, escolar, relacional, cognitivo e fisiológico-funcional-
somática. Já Casazola, Nascimento e Rodrigues (2015) em uma pesquisa de avaliação da triagem,
verificaram que as principais psicopatologias em pacientes do gênero feminino na faixa de 25 a 35
anos eram casos de depressão (40,14%), outros Transtornos de Ansiedade (11,97%) e Transtorno
Fóbico Ansioso (11,27%).
A experiência da triagem é fundamental para que os estudantes comecem a desenvolver
habilidades de escuta ativa, planejamento de atendimento, tenham um contato inicial com a
população e percebam como devem agir em atendimentos psicoterápicos futuros, por isso a
supervisão, desde a triagem, é fundamental. Segundo Barletta, Delabrida e Fonseca (2012, p.163.)
“a supervisão é um momento contratual, de relação formal e colaborativa entre supervisor e
supervisionando com o objetivo de desenvolvimento, ensino e aprendizagem da prática clínica
e que ocorre em um contexto organizacional específico”. Na supervisão é onde ocorre o
compartilhamento entre aluno e professor sobre os atendimentos clínicos ou de triagem, que pode
ser feita uma troca de vivência com o supervisor e com os demais estagiários, permitindo assim uma
reflexão conjunta quanto aos casos. Durante a supervisão, visa-se também o desenvolvimento de
habilidades e competências do estagiário para o desenvolvimento da postura terapêutica diante
do cliente, seja em psicoterapia ou na triagem (Sousa & Padovani, 2015).
O Serviço Escola de Psicologia (SEP), que é contexto do presente trabalho, funciona em
uma universidade federal no interior do Piauí e oferece serviços de atendimentos psicológicos à
comunidade da cidade e municípios vizinhos. Os atendimentos são realizados por estudantes a
partir do 8º até o 10º semestre, sob supervisão de um professor. No oitavo semestre os alunos, via
de regra, são responsáveis pela triagem e aos alunos do 9º e 10º períodos cabem os atendimentos
psicoterápicos. Existem atendimentos de psicoterapia individual do público infantil ao idoso e são
oferecidos serviços de Plantão Psicológico visando suprir a demanda de situações emergenciais.
O SEP ainda conta com dois psicólogos técnicos concursados que organizam os atendimentos
da clínica e são responsáveis por realizar psicoterapia com alunos dos semestres mais avançados
e funcionários da instituição. Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho foi fazer um
levantamento das características da população atendida na triagem do primeiro semestre de 2016
por um grupo de estagiárias do 8ª período da abordagem em Terapia Cognitivo Comportamental,
bem como analisar a importância da triagem para os alunos.
Neste SEP para que uma pessoa seja chamada para realização da triagem, ela deve,
incialmente, deixar seu nome e contato em uma lista de espera. No início de cada semestre letivo
são realizadas as triagens, que tem duração aproximada de 50 minutos e é quando são levantadas
as principais queixas. Quando a demanda de atendimento é para crianças a triagem é realizada
com a mãe, pai ou algum cuidador próximo à criança. Somente após a realização da triagem que
o cliente é chamado para iniciar a psicoterapia.
Para caracterização das triagens, foi utilizado o referencial metodológico da pesquisa
documental, fazendo uma que retrospectiva das triagens realizadas entre abril e junho de 2016, por
oito estagiárias. “Esse método baseia-se em materiais que não receberam ainda um tratamento
analítico ou que podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa” (Prodanov &
Freitas, 2013, p.55) e quantitativo-descritiva. Os dados levantados foram coletados através de
consulta dos roteiros de triagem feitos pelas estagiárias, além de registros de supervisão. Os dados
foram tabulados em planilha eletrônica e analisados através do programa estatístico SPSS versão
21, utilizando-se de procedimentos de estatística descritiva (frequência, média e porcentagem).
Foram consideradas as variáveis: gênero, idade e principais queixas.
Tabela 1.
Distribuição da população atendida em triagem por um grupo de supervisão na abordagem TCC.
Faixa Etária Masculino Feminino
Infantil 45,2% 11,4%
Adolescente 12,9% 3,8%
Juventude 22,6% 39,6%
Adulto 16,1% 37,7%
Idoso 3,2% 7,5%
Total 100% 100%
1052 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 2.
Distribuição de pacientes atendidos por idade.
Intervalo de Idades Porcentagem Intervalo de Idades Porcentagem
00-05 9,5% 36-40 7,1%
06-10 10,7% 41-45 2,4%
11-15 6,0% 46-50 2,4%
16-20 20,2% 51-55 2,4%
21-25 17,9% 56-60 2,4%
26-30 7,1% 61-65 3,6%
31-35 6,0% 66-70 2,4%
Tabela 3.
Distribuição de pacientes por tipos de queixas.
Queixa Masculino Feminino Infantil Adulto
Ansiedade 16,1% 39,3% 20% 48%
Depressão 6,5% 19,6% 0% 20%
Dificuldade escolar 16,1% 0% 25% 0%
Dificuldade de Relacionamento 22,6% 28,6% 10% 32%
Agressividade 16,1% 1,8% 25% 0%
Medo e fobia 3,2% 14,3% 25% 4%
1054 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
dos atendimentos ocorridos no SEP, reconhecer quais demandas psicológicas estão mais presentes
na vida das pessoas da cidade e, assim, refletir sobre a saúde mental da comunidade construindo
estratégias de intervenção e de prevenção para estas demandas.
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disponiveis/47/47133/tde-08032010-151628/pt-br.php.
1056 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
GÊNERO E PSICOLOGIA: QUAIS CAMINHOS
ESTAMOS TRILHANDO?
Carla Priscilla Castro Sousa
Yuri Pacheco Neiva
Vanessa da Silva Alves
Introdução
Desenvolvimento
Os estudos sobre gênero vêm se propagando a partir de diversos campos teóricos, assumindo
perspectivas e significados distintos. Por isso, constata-se a necessidade de compreender o conceito
de gênero neste estudo, bem como problematizar sua historicidade, para, então, entendermos as
repercussões no campo da Psicologia.
Embora já houvesse alguns trabalhos que utilizavam o termo gênero, foram nos estudos
feministas ingleses da década de 1970 que este passou a ser usado para evidenciar e discutir as
Para Butler (2003), o conceito de identidade perpassa pela instauração de uma definição
fixa e, consequentemente, pela exclusão de qualquer outra possibilidade que não esteja
referenciada pela norma. Dessa forma, a noção de identidade de gênero estaria ligada à uma
substância ou materialidade que são representadas por características internas e estáveis do
indivíduo. A autora questiona se a noção de identidade de gênero não funcionaria como uma
prática de heterossexualidade compulsória, visando formar, classificar e excluir aqueles que não
fazem parte do ideal normativo. Butler (2003), então, introduz o conceito de gêneros inteligíveis
para representar os indivíduos que possuem uma relação de linearidade entre sexo, gênero, desejo
e práticas sexuais.
O abandono de uma identidade universal, uma essência que une todas as mulheres e que se
volta sempre à noção biológica possibilita a luta pelos direitos das mulheres nas suas interseções
com outras categorias, sejam negras, brancas, indígenas, de classe econômica baixa, média ou
1058 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
alta, da classe operária ou acadêmica, etc. A concepção de identidade de gênero passa a ser
pensada a partir das relações de poder, atravessadas por discursos, práticas e normas, mas que
também carrega em si um caráter dinâmico, múltiplo e instável, que se relaciona com outras
variáveis tais como etnia, sexualidade, regionalidade, etc. É a partir desses marcadores que se
formam modos de subjetivação (Louro, 2014; Cardoso, 2005).
Ao descrever os dispositivos de poder utilizados no engendramento dos sujeitos, Louro (2014)
descreve o caráter positivo do poder, que fabrica corpos dóceis e induz comportamentos, para
apontar o gênero constituído por um regime de verdades que produz e é produzido por relações
de poder (Foucault, 2014; Butler, 2003). O gênero não se constitui como uma essência, mas se
materializa nos corpos a partir de suas normas reguladoras. Segundo Narvez (2009), essa rede atua
com suporte em mecanismos formados por discursos, leis, organizações que se complementam.
Assim, os dispositivos determinam práticas normativas que constituem os sujeitos, perpetuam
formas de dominação e fabricam saberes e verdades buscando sua legitimação.
Transforma-se o “bebê” antes mesmo de nascer em “ele” ou “ela”, na medida em que se torna
possível um enunciado performativo do tipo: “é uma menina”! A partir desta nomeação, a
menina é “feminizada” e, com isso, inserida nos domínios inteligíveis da linguagem e do
parentesco através da determinação de seu sexo. Entretanto, essa “feminização” da menina
não adquire uma significação estável e permanente. Ao contrário, essa interpelação terá que
ser reiterada através do tempo com o intuito de reforçar esse efeito naturalizante. (Arán;
Peixoto, 2007, p. 133).
De que que modo temos contribuído para a redução ou o fortalecimento das negligências
e discriminações no que se refere à categoria de gênero? Como a psicologia contribui
para reforçar ou quebrar estigmas e estereótipos de gênero? Como vem essencializando
as diferenças de gênero, criando universais sobre o “ser mulher” ou problematizando as
especificidades de cada sujeito? Como tem se posicionado no enfrentamento às violências
física, psicológica, simbólica e midiática exercida contra mulheres?
1060 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
De acordo com Harding (1986) e Nogueira (2001), podemos dividir o estudo do gênero na
psicologia em duas perspectivas: o modelo empiricista, composto pelas abordagens essencialista
e de socialização e o modelo pós-moderno, composto pela abordagem construcionista. As
ideias da abordagem essencialista perpassam pela existência de diferenças inatas entre os sexos,
considerando o gênero/sexo como uma propriedade estável que irá ser descrita a partir de
traços de personalidade ou processos cognitivos separados da influência do contexto ao qual
está inserido. A abordagem denominada de socialização era predominante na psicologia social
durante as décadas de 60 e 70, onde o gênero era entendido como um processo resultante de
forças sociais e culturais a partir de recursos como a modelagem e imitação. Neste modelo ainda
predomina a noção de masculinidade e feminilidade como traços estáveis de personalidade,
entretanto, estes são prescritos e aprendidos socialmente. Embora a teoria da socialização traga
avanços aos estudos de gênero, esta apresenta alguns dilemas, visto que ainda permanece em uma
noção dicotômica das diferenças entre os gêneros e as reafirma como entidades reais e internas
do ponto de vista psicológico.
Já a perspectiva pós-moderna tem a linguagem e as relações sociais como campos centrais
para a produção de conhecimento, tentando, a partir disso, superar a busca de uma verdade
universal. O gênero não é mais estabelecido a partir de diferenças biológicas ou estáveis, mas
como uma categoria ideológica, produzida pelas relações de poder (Nogueira, 2001).
O aparecimento de algo coerente que possa ser explicado como propriedade do indivíduo é
precisamente o efeito mais potente desse movimento ideológico, já que permite a atribuição
de uma importância simbólica (excessiva) à diferenciação sexual, o que por sua vez reforça
e mantém a ordem social vigente. (Nogueira, 2001, p. 11).
Considerações Finais
1062 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
e sua implicação em relações de gênero desiguais e naturalizadas entre sujeitos. A partir disso,
buscou-se refletir como a psicologia, enquanto pesquisa e prática, vem se posicionando diante
dessas temáticas.
Referências
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Butler. Cadernos Pagu, (28), 129-147. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332007000100007
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Harding, S. (1986). The science question in feminism. Ithaca, Londres: Cornell University Press.
Louro, G. L. (2014). Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista (16a ed.).
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03.
Stolke, V. (2004). La mujer es puro cuento: la cultura del género. Revista Estudos Feministas, 12(2),
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1064 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO À BRASILEIRA:
DESCOLONIZANDO A PSICOLOGIA
Gabriel de Figueiredo Maciel Vilella
Gabrielle Freitas Chaves
Introdução
A
leitora e ao leitor que repousam os olhos sobre estas palavras, preciso de antemão
esclarecer que esta escrita é atípica. Ela é composta de narrativas baseadas em
minhas vivências e descobertas pessoais, ou seja, escrevo de intimidades, deslizes
e surpresas. Proponho fazê-la assim para que você, leitor, possa se enveredar pelos mesmos
caminhos que percorri e que aqui culminaram, com o limite que se dá entre a experiência e a
comunicação e a distância do que eu posso pronunciar com o que você pode compreender. Minha
escrita também pode ser contestada, já que a posição que pleiteio é singular, por tanto parcial,
num entendimento que a realidade é fragmentada, múltipla de perspectivas. Fragmentada pelas
relações de poder e pelo outro e suas perspectivas.
Inicio no ano de 2016 o trabalho na Colônia Juliano Moreira no Serviço Residencial
Terapêutico, parte da estratégia do SUS na área da Saúde Mental do Estado do Rio de Janeiro. O
trabalho, em seu principio me toma muito tempo e saúde; em poucos meses já me sinto fadigado,
esgotado e depressivo. Fico confuso já que tenho amparo terapêutico e, ainda que de maneira
precária, o serviço oferta estratégias de sustentação do trabalho (reuniões de equipe, supervisão).
Paralelo a isso, sou apresentado por Gabrielle - minha esposa na época - a Joimar, um amigo
Zelador de Santo14. Conversamos e, depois de explicar a minha situação, ele me indica jogar os
búzios15, mas não antes de prescrever - com a firmeza de um médico veterano - banhos de ervas
para aliviar um pouco o mal-estar que sinto. Sinto um frio na barriga, eu estava entrando em
território desconhecido.
Os banhos de ervas seriam três diferentes tomados em uma sequência específica, o preparo
deveria ser em silêncio, as ervas deveriam ser quinadas- maceradas na mão - e dissolvidas em
água. O ato de banhar deveria ser do pescoço para baixo com uma caneca, e durante o processo
deveria eu pensar boas coisas. Assim foi feito e não senti nada. Achei que seria instantâneo como
alguns remédios alopáticos. Entretanto, com o passar dos dias fui me sentindo mais revigorado,
voltava menos cansado do trabalho e tinha mais disposição, não era uma cura milagrosa nem teve
seu efeito eterno, mas já me sentia melhor. Ainda assim decidi seguir sua indicação e procurar o
terreiro para jogar os búzios, havia em mim um sentimento de que algo importante seria me dito.
Chego ao terreiro Ilè Asé Iya Obi Ogunté, em que Mãe Zilá, uma senhora de 83 anos que é
conhecida por ter uma mão boa pra resolver problemas, prontamente nos recebe. Após muita
conversa sobre política e religião, ela dá o sinal para jogarmos os búzios. Em uma sala à parte,
14 Bàbálorìsà/ Íyálòrísá- Pai/Mãe que cuida dos Orisás. Sacerdote dos Orisás.
15 Oráculo popular nos terreiros.
Desenvolvimento
Nesse período de minha vida experimentava meus primeiros encontros com meus privilégios
enquanto homem branco, de classe média e heterossexual - vale ressaltar também do sudeste do
Brasil. A branquitude que me refiro aqui é entendida a partir do que Maria Aparecida Silva Bento
(2002) nos traz; enquanto “traços de identidade racial do branco brasileiro” que é forjada junto
ao processo de branqueamento de outras culturas e raças.
O que é branco em nossa cultura ocidental é produzido como modelo universal de
humanidade. Minha cor de pele, meus traços físicos, minha classe social, meu gênero, minha
localidade no Brasil, estão mais próximos desse modelo do que as pessoas negras, pardas,
indígenas, nortistas e nordestinos estão.
Tão próximos que fui capaz de ignorar durante muito tempo a possibilidade de vida em
uma estrutura comunitária (e não individualista), uma prática religiosa politeísta (totalmente
fora das bases cristãs) baseada na organização familiar não nuclear; capaz de não perceber a
ausência de autoras negras e autores negros em minha formação, ignorar a ausência de colegas e
amigas negras e negros em meus círculos sociais, nem reparar nisso, ter o luxo de não perceber as
diferenças raciais, ter o luxo de nem me questionar sobre isso.
A branquitude produz modelos éticos, estéticos e políticos, cegos, pautados em um
imaginário sobre o homem e a mulher negra e indígena, que por fim, justificam as desigualdades
raciais. Tais modelos derivam de uma construção histórica de violências que permitiram a
elaboração de um discurso hegemônico do homem branco sobre o não branco.
Nós, brancos cristãos, por exemplo, nos opusemos violentamente em toda história do
Brasil ao exercício das religiosidades negras, todavia, os colonizadores no escravagista de 1675,
quando lhes interessavam, faziam uso dessas religiosidades. Os Calundus19 não eram permitidos,
mas como brancos não dispunham de médicos para cura de seus males, recorriam às alternativas
negras (Cossard, 2014). Mesmo séculos depois, comigo não foi diferente: procurava eu cuidar de
meus males que a psicologia não parecia dar conta e em algum momento fui encaminhado ao
terreiro.
A pergunta ressoava em mim incessantemente, eu poderia estar nesse espaço? Entendi
que Íyálòrísá Zilá de Iemanjá, a mãe de santo da casa, poderia me ajudar. Ela, mulher de oitenta
16 É costumeiro o uso do termo Candomblé no singular, porém, como Mãe Zilá bem aponta, ela só pode dizer de sua
casa, do que acontece ali e do que ela faz. Não é possível estabelecer a unicidade desse termo, pois há candomblés,
são muitos e de muitas maneiras existindo em nações diferentes (Efon, Fon, Angola, Jeje, Ketu, Tambor de Mina,
Xambá, Candomblé de Caboclo, Ijexá e etc.) e formas de cultos diferentes. Não existe centralidade, um comando
ou padrão, a experiência é sempre local, porém há tradições, há o que se faz tradicionalmente em cada nação, em
cada casa.
17 Divindade.
18 Aquele que recebe o Orisá em seu corpo.
19 Espaços de cura, dos usos das ervas e de adivinhações.
1066 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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e quatro anos, negra é sábia e conhece essas questões. Afirmara para mim que “frente aos Orisás
todos eram iguais e que, seja preto ou branco, doutor ou peão de obra, todos devem trabalhar
igual”. Considerei, dessa maneira, minha permanência naquele espaço submetida à outra forma:
minha branquitude deveria ser repensada, deveria ser deslocada do lugar de poder e colocada em
pé de igualdade à negritude, assim como meu lugar nas relações de classe.
O terreiro reside em São Gonçalo, mais especificamente em uma pequena e pobre parte do
bairro de Tribobó. É atravessado por uma estrada; as ruas têm chão de terra batida e muito verde,
lugar com jeito de interior. A ida não é difícil, um ônibus do centro do Rio de Janeiro e alguns
minutos de caminhada são o suficiente para chegar lá: o espaço não tem nada de extravagante,
mas causa estranhamento a olhares cristãos; há estruturas de ferro sob jarros nos mais variados
formatos, há quartinhos em todo canto, entre outras coisas. As idas ao terreiro ocorrem geralmente
aos sábados, e noto que a casa é composta por poucas pessoas, não mais de quinze.
Frequentam mulheres e homens, de classes e raças variadas. Frequentam também a filha
– mãe pequena da casa - e netas da mãe de santo. O ambiente acolhedor, de pessoas risonhas e
próximas, faz desse espaço algo leve e agradável, uma espécie de família extensa, com as alegrias
e dificuldades que uma família tem.
Chego com vontade, questionando tudo, perguntando os porquês e não demora me
deparo com muitos segredos e poucas respostas. O contato com a espiritualidade, com o dia a
dia de trabalho na roça20, foi aos poucos dando contorno àquilo que incomodava; agora sabia o
que no trabalho em saúde mental fazia me sentir mal e como cuidar disso. Em verdade, já estava
cuidando e sentia esses efeitos.
No Candomblé as respostas vêm com o tempo, com as iniciações, e não só, com o dia-a-
dia de trabalho também. Passei naturalmente a dedicar todos os meus sábados, lá trabalho nas
mais diversas atividades, geralmente ligadas à manutenção como varrer, pintar, recolher lixo, lavar
banheiros. Não me compreendia mais em uma relação utilitarista com o espaço e pude ver um
novo universo desvelado cuidadosamente à custa de muito trabalho e esforço. O aprendizado ali
é oral e, ora ou outra, escuto algo sobre o culto, alguém diz de seu funcionamento e aos poucos
me foi possível montar uma rede de pequenos saberes.
Esse novo universo é construído por valores que partem de um lugar diferente dos quais
estou habituado, valores como: comunidade, troca, família, respeito, liberdade, etc, passaram
a ter outro sentido. Valores esses que me fizeram experimentar mudanças, reposicionamentos
subjetivos, viradas em minha maneira de relacionar com a vida. Penso nesse momento com bell
Hooks (2013) e Paulo Freire (1967), e entendo que esses valores são transgressores, libertadores
ao produzirem noções críticas que me põem em conflito com o branqueamento. Incomoda(va) a
mim e em mim o que coopera(va) para a manutenção de uma normatividade excludente. Estava
mais intensamente em contato com minha branquitude e seus efeitos.
Estar em contato com a minha branquitude é angustiante e também curativo. A
ancestralidade negra africana que é a matriz do Candomblé, e a prática em meu terreiro – imagino
que em outros terreiros aconteça o mesmo –, me direcionaram para um caminho potente, repleto
de vida. Em meu encanto, senti a necessidade de começar um diário o qual relatava o meu cotidiano
de idas à roça e notei aos poucos também, que enquanto psicólogo, não era possível ignorar o
bem que aquele espaço me fazia para além de sanar o problema que me levou até lá.
O passar do tempo no Asé fez crescer minha vontade acadêmica, de produzir algum material
a esse respeito, de tentar de alguma maneira cooperar com o Candomblé. Tinha em mente como
psicólogo a força de cuidado, de cuidar do ori, da cabeça, que aquele espaço e as pessoas nele
possuíam. Contudo não havia percebido que minha branquitude estava operando novamente: o
Candomblé resiste ao racismo e à colonização há séculos sem precisar de mim ou da universidade
20 Terreiro.
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Os encontros com essas autoras e autores me trouxeram a noção mais ampliada de quanto
sou fruto de uma graduação eurocentrada (ainda que seja voltada para as questões sociais e
aposte na filosofia da diferença), cuja epistemologia, a forma de produção de conhecimento,
é principalmente pautada em uma discursividade21 cientifica que produz regimes de poder que
privilegiam a população branca e elitista. Como a feminista branca Linda Alcoff (2016) afirma:
A epistemologia tem sido a teoria protocolar para o domínio da discursividade no ocidente, situada
numa posição de autoridade que lhe permite um julgamento bem além dos ciclos filosóficos.
A epistemologia presume o direito de julgar, por exemplo, o conhecimento reivindicado por
parteiras, as ontologias de povos originários, a prática médica de povos colonizados e até mesmo
relatos de experiência em primeira pessoa de todos os tipos. (p.131).
21 Como apontado por Djamila Ribeiro (2017) em seu livro; o uso que se faz das palavras “discurso” e “discursividade”
é a do sentido Foucaultiano, enquanto sistema que estrutura um determinado imaginário social.
Vocês sabiam que a civilização egípcia, uma das mais antigas e imponentes civilizações,
era composta por negros? Vocês sabiam que os negros do Egito construíram as Pirâmides
antes de Pitágoras formular o teorema? Sabiam que gregos iam muito ao Egito em busca
de conhecimento? Sabiam que as bibliotecas egípcias foram saqueadas pelos gregos após
a invasão e tomada do Egito? Sabiam que Aristóteles foi um desses saqueadores? Que
a filosofia que dizem ter nascido na Grécia, na verdade nasceu às margens do Rio Nilo?
Que Tales, Homero, Demócrito, Parmênides, Heráclito, Platão e Aristóteles copiaram as
construções filosóficas dos egípcios e difundiram como sendo suas? Sabiam que a base que
sustentou o pensamento e o progresso do ocidente foi construída pelo nosso povo? (James,
1954 como citado em Veiga, 2017).
22 Do Latim AUCTOR, “o que aumenta, fundador, mestre, líder”, literalmente “o que faz crescer”. O significado
de “aquele que emite ordens por escrito” é do século XIV. <Retirado de https://origemdapalavra.com.br/site/
palavras/autor/>
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autorizado, à forma como a presunção de credibilidade deve ser distribuída e à forma
como podemos ganhar alguma influência politicamente reflexiva sobre as delimitações da
ontologia. (Alcoff, 2016, p.131).
[...] não necessariamente tenhamos que ouvir e conhecer tudo que é dito, que não precisemos
“dominar” ou conquistar a narrativa como um todo, que possamos conhecer em fragmentos.
Proponho que possamos aprender não só com espaços de fala, mas também com espaços
de silêncio; que, no ato de ouvir pacientemente outra língua, possamos subverter a cultura
do frenesi e do consumo capitalistas que exigem que todos os desejos sejam satisfeitos
imediatamente; que possamos perturbar o imperialismo cultural segundo o qual só merece
ser ouvido aquele que fala inglês padrão. (p.232).
Conclusão
Nós, homens brancos heterossexuais, temos raros momentos que ocupamos espaços de
silêncio. Não aprendemos ainda a ouvir e a sermos postos em xeque. Nunca o precisamos. Ocupamos-
nos de vozes que falam para si mesmas e, falamos para nossos parceiros, também brancos,
assuntos que precisamos reafirmar. Quando falamos a não brancos, às mulheres, negros, LGBTQ,
costumeiramente é em tom imperativo, dando lições do que se deve ou não fazer, e as melhores
maneiras de se fazer. Entretanto no anseio de me pôr e pôr outros iguais em xeque produzo essa escrita.
O que a academia brasileira vem fazendo com os negros e negras que chegam ao ensino
superior é submetê-los a um silencioso processo de embranquecimento. Nossa formação
é majoritariamente branca, masculina e europeia. A formação acadêmica no Brasil tem
a cara do colonizador. O pensamento brasileiro ainda é extremamente colonial. E não
podemos esquecer que o que promoveu a diáspora africana e a escravidão foi o processo de
colonização perpetrado pelos brancos europeus. Um pensamento colonial é um pensamento
escravocrata. Uma escravidão quase invisível ou inconsciente que mantém a nós, negros,
apartados de nossas origens, das produções de conhecimento de nosso povo e submetidos
ao conhecimento ou, dito de outro modo, à epistemologia do colonizador branco. É urgente
enegrecermos nosso pensamento, enegrecermos a formação, decolonizarmos a academia.
Referências
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– Volume 31, Número 1. doi: 10.1590/S0102-69922016000100007
1072 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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carta-aberta-aos-negros-e-negras-que-lutam-pelo-fim-da-escravidao-pensamento/
Introdução
A
psicologia, historicamente no Brasil, caracterizou-se como uma profissão que
oferecia serviços de difícil acesso àqueles com pouco poder aquisitivo, atuando
primordialmente na clínica individual. Para Bock (2009) tínhamos “uma profissão
com pouca inserção social, baixo poder organizativo”. Entretanto, tal realidade vem gradativamente
se alterando, conforme podemos perceber em estudo realizado por Macedo & Dimenstein (2011),
no qual se pode compreender a progressiva expansão da atuação da psicologia, principalmente
para o campo do bem-estar social, por meio da atuação em inúmeros programas e serviços na
área de saúde e assistência social. Em outros termos, os psicólogos passaram a estar inseridos de
forma cada vez mais expressiva nas políticas públicas.
Os dados de estudos realizados acerca da atuação da psicologia apontam números
relevantes de profissionais atuando nas políticas públicas. Segundo dados publicados
em 2016 pela Comissão Nacional de Psicologia na Assistência Social (CONPAS) do
Conselho Federal de Psicologia (CFP) são 23.553 psicólogas e psicólogos no SUAS
(Conselho Federal de Psicologia [CFP]), 2016), muitos deles inseridos nos serviços de acolhimento
institucional, tema central deste artigo.
No Ceará, dados da pesquisa sobre Condições de Trabalho dos Psicólogos(as), realizada
pelo Centro de Referência em Psicologia e Políticas Públicas (Conselho Regional de Psicologia
11ª Região [CRP11], 2014-2016) da 11ª região do Conselho Regional de Psicologia apontam uma
prevalência de atuação de psicólogos nas políticas públicas de assistência social, somando 53%
do total amostral.
A inserção do profissional da psicologia no âmbito do Sistema Único de Assistência Social,
de forma obrigatória, é deliberação de 2011, tendo sido instituída por meio da Resolução 17/2011
do Conselho Nacional de Assistência Social (Resolução Nº 17 CNAS, 2011). Deste modo, a própria
consolidação da psicologia nas equipes de referência é recente, sendo a inclusão do debate sobre
tal política nos cursos de graduação ainda insipiente.
Em se tratando do acolhimento institucional pode-se circunscreve-lo, no que diz respeito
à Assistência Social, no âmbito dos serviços da Proteção Social Especial de Alta complexidade.
Portanto, compreende-se como um serviço que trabalha com sujeitos que tiveram seus direitos
violados, em sua maioria pela própria família, e cujos vínculos familiares estão fragilizados ou
rompidos. O acolhimento institucional está na interface com o sistema judiciário, já que é o juiz
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quem determina tal medida protetiva, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei n. 8.069, 1990).
Este trabalho tem como objeto central apresentar a prática de extensão como importante
elemento na formação de psicólogos comprometidos com os Direitos Humanos e promotores
de saúde nos espaços de acolhimento institucional para crianças e adolescentes. Para tanto,
parte-se das observações realizadas no espaço de um serviço de acolhimento no que tange à
alguns aspectos inerentes à realidade do acolhimento institucional em articulação com os limites
e possibilidades que a formação do psicólogo proporciona para a atuação neste campo.
A proposta de abordagem do tema é a apresentação das situações centrais percebidas acerca
da atuação do psicólogo na unidade em articulação com a reflexão acerca do papel da extensão
como um dos tripés da Universidade, juntamente com o ensino e a pesquisa, na formação do
psicólogo. Desta feita, a atuação do psicólogo está extremamente implicada com o relato, pois
foi a partir da forma de inserção da psicologia na unidade em contraste com o limite da atividade
da extensão que puderam ser compreendidas algumas carências formativas.
Método
... é um dos cinco programas desenvolvidos pelo Instituto Fazendo História desde 2005,
cujo objetivo é promover meios de expressão para que os acolhidos conheçam, lembrem e
reflitam sobre fatos e momentos importantes de sua vida e registrem sua história pessoal
(Instituto Fazendo história, s.n.). Os registros são realizados em um álbum individual e têm
como auxílio a mediação de leitura.
Tal ferramenta mostrou-se interessante uma vez que se ancora na contação de história,
atividade que funciona como um elemento propiciador da construção de narrativas autobiográficas.
Assim, a proposta inicial consistiu em trabalhar em pequenos grupos separados pelo critério
etário, tendo em vista que cada período do desenvolvimento apresenta características específicas.
Era realizado o planejamento da atividade, em relação a tempo de execução, materiais, objetivos
etc. Semanalmente também eram realizados estudos teóricos e atividades de supervisão que serão
propriamente apresentadas ao longo do trabalho.
Resultados e Discussão
Para decidir se a reintegração é a medida que melhor atende aos interesses da criança e
do adolescente deve-se levar em conta, dentre outros elementos: a necessidade e o desejo
da família, da criança e do adolescente pela continuidade da relação afetiva; a vinculação afetiva da
criança e do adolescente com a família de origem e o desejo pela retomada do convívio [grifo nosso];
se os encaminhamentos realizados foram viabilizados e qual tem sido a resposta da família
aos mesmos; as mudanças nos padrões violadores de relacionamento [grifo nosso]; as reações da
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criança ao afastamento e ao acolhimento no serviço; dentre outros. (Orientações Técnicas,
2008, pp.18-19).
Compreende-se desta forma que, sendo o psicólogo o profissional aquele que tem como
ponto central de atuação “o desafio de contribuir para os processos subjetivos de emancipação e
autonomia dos sujeitos em situação de violação de direitos” (CFP, 2012, p. 48), muito ele tem a
contribuir com os aspectos destacados acima para uma boa avaliação da possibilidade ou não de
retorno da criança ou adolescente à sua família de origem.
Em casos em que a carência de recursos materiais, ou pobreza, figura tanto como um dos
principais motivos para o acolhimento quanto como empecilho para o retorno à convivência
familiar, cabe ao psicólogo uma atuação mais crítica, a qual possa fazer frente aos ditames do
senso comum, onde, por vezes a família de origem é tida como o foco dos problemas das crianças
e adolescentes abrigados, e desta forma depreciada em detrimento da possível família substituta,
a qual, por vezes ganha contorno messiânico.
Outra situação diz respeito ao papel do psicólogo junto ao educador social. Tal categoria
profissional, no Brasil, não decorre de nenhum tipo atividade de formação obrigatória. Nas
Orientações Técnicas já mencionadas, cabe a tal profissional:
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Em resumo, ficou claro que não é possível prever com exatidão uma atividade sem conhecer
os participantes da mesma de forma vivencial. Mesmo que os subsídios teóricos sejam conhecidos,
somente a vivência no espaço de atuação respalda a ação. Com efeito, ao adentrar em um espaço
até então desconhecido, em constante transformação, depara-se com variáveis que não poderiam
ser pensadas a priori.
Estar advertido disto permite também lidar com o sentimento de impotência frente aos
rumos da intenção inicial. Frente a tal sentimento é possível tomar o caminho de nega-la ou
reconhece-la. Ao ser negada a impotência permeia toda a execução do trabalho, impossibilitando o
reconhecimento de pontos nodais e a confrontação dos mesmos. Ao ser reconhecido, o sentimento
de impotência pode ser oportunamente discutido nos momentos de supervisão/avaliação
permitindo a compreensão dos aspectos acima pontuados: limites e possibilidades da atuação em
extensão, a relação teorização, diagnóstico e planejamento da atividade, dinamicidade do serviço,
aspectos institucionais concorrentes. Em outros termos, o reconhecimento desta dimensão pode
ser entendido enquanto um elemento potencializador das intervenções.
O outro ponto de extrema relevância nessa discussão é que o espaço da extensão se torna o
espaço potencialmente articulador entre o que se aprende do ponto de vista conceitual e teórico
e como estes aparecem na prática profissional. Como já foi dito, um dos pontos centrais da
atividade de extensão realizada foi a discussão teórica em grupos de estudos. Nestes grupos foram
discutidas questões como a massificação, o controle e a supervalorização das normas coletivas
em detrimento das subjetividades, a não brevidade de excepcionalidade da medida, dentre outras
apontadas por autores como Altoé (1993, 2008), Goffman (2010), Rizzini e Rizzini (2004),
questões estas que puderam ser identificadas em sua expressão singular dentro da unidade.
Ficou evidente como a rotina da instituição se impunha sobre toda a vida das crianças,
fato constatado pela observação e pela entrevista com profissionais da unidade, bem como pela
fala dos próprios acolhidos, as quais se assemelham, em muito, com as discussões de Goffman
(2010), ao que se refere às instituições totais, uma vez que, as características principais das mesas
residem em que, os seu internos, tem todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local e
sob uma única autoridade; cada fase da atividade diária do participante é realizada na companhia
imediata de um grupo relativamente grande de pessoas, todas tratadas da mesma forma e que
todas as atividades diárias são rigorosamente estabelecidas em horários, pois uma atividade leva,
um tempo determinado. É preciso fazer a ressalva de que, embora nas instituições de acolhimento
as crianças façam atividades, tenham os passeios, ou vão à escola, sua vivência comunitária é
majoritariamente tutelada pelas normas do abrigo, os muros deixam de ser exclusivamente físicos
se convertendo em estruturas simbólicas.
Com efeito, embora nossa atuação tenha se desenvolvido por meio de uma parceria entre à
Universidade e a o órgão gestor responsável pela unidade, era percebido um constante movimento
de resistência a qualquer mudança que a presença da extensão pudesse causar, por parte dos
profissionais, o qual era visto em algumas sutilezas, como, por exemplo, quando o horário do
descanso ou do lanche coincidia com os da atividade de extensão. Assim, embora muitos arranjos
e acordos tenham sido feitos para viabilizar a atuação, eles deveriam ser constantemente reiterados
ao longo do período de atividades. Por vezes, crianças que estavam vinculadas a pretendentes para
adoção eram retiradas da atividade de forma abrupta, sem permitir nem mesmo o fechamento do
momento. Embora seja de reconhecimento inegável a importância do processo de vinculação para
a adoção, tal atitude era compreendida como uma supervalorização da norma em detrimento
da experiência específica. Ou seja, a preocupação era que houvesse visita, independente de que
outras atividades estivessem sendo realizadas pela criança no momento da mesma, tal qual uma
atividade burocrática.
Pode-se perceber também que mesma dinâmica de coletivização dos materiais era estendida
aos materiais utilizados pelo projeto de extensão, embora este tivesse sido especificamente destinado
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em contato com o fazer do psicólogo no serviço de acolhimento, abrangendo os aspectos da
intersetorialidade e interprofissionalidade do serviço. Da mesma forma, pode compreender os
aspectos sociais e jurídicos envolvidos na questão do acolhimento institucional, a organização e
execução de tal serviço no município de Fortaleza. Também foi possível se aproximar de aspectos
da relação entre subjetivação e formação da identidade nos contextos de institucionalização e das
estratégias que a instituição se utiliza para a execução de suas atividades cotidianas.
Desta forma pode-se destacar como principal ganho da extensão a formação de profissionais
cientes do papel da psicologia como profissão que tem como princípio básico do seu fazer o
compromisso ético-político com os direitos humanos e o trabalho em direção à superação das
desigualdades, violências e violações de direito em qualquer espaço. Foi importante perceber que o
psicólogo nesse serviço, deve estar alinhado a um modelo de superação da lógica segregacionistas
e, portanto, manicomial, visando o trabalho político e interinstitucional de extrapolar os muros
do abrigo, ou seja, ter como principal objetivo a manutenção do vínculo familiar e a convivência
familiar e comunitária, bem como a atuação que eleja a rede como elemento indispensável do
rompimento da lógica asilar e, desta forma, promovendo saúde mental e cidadania.
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1082 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR: PROFESSORES,
ALUNOS E A FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA
Antonio Dário Lopes Júnior
Emilie Fonteles Boesmans
Estefanni Mairla Alves
Mayara Luiza Freitas Silva
Introdução
O
presente estudo nasce de questionamentos, a muito feito pelos autores, acerca
da proliferação de Instituições de Ensino Superior (IES), bem como o aumento
de profissionais ingressantes no mercado da psicologia. O reflexo deste fato
pode ser visto enquanto o aumento do número de psicólogos cadastrados junto ao Conselho
Federal de Psicologia (CFP), no qual podemos constatar um quantitativo de 305.6011
profissionais.
Em artigo desenvolvido por Macedo e Dimenstein (2011), os autores abordam o crescimento
como decorrente de alguns fatores, com destaque para a ampliação do número de psicólogos
trabalhando no campo das políticas públicas destinadas ao bem-estar social, e o expressivo
número de cursos de psicologia em funcionamento nas diversas IES espalhadas pelo país.
Dito isto, o nosso objeto de análise consiste em discutir de que forma a lógica da expansão
da oferta de cursos de psicologia – no qual nos deparamos com a preponderância do setor privado
em detrimento do público, por meio da qual impera a lógica privatista do receituário neoliberal –
pode afetar no processo formativo do profissional da psicologia, uma vez que, a educação deixa
de ser um direito, passando a ser um produto a ser consumido.
O estudo em questão terá como metodologia o materialismo histórico-dialético, uma vez
que, sua premissa básica inclui o aspecto da historicidade, entendendo que os pressupostos que
embasam um método são produzidos historicamente, expressando as relações concretas presente
na vida material dos homens (Gonçalves, 2011).
Compreendemos assim, que não podemos analisar o fenômeno da Expansão do Ensino
Superior, partindo das ideias, mas remetê-lo a totalidade social, que é histórica. Uma vez que, para
Vygotski (2012, p. 67, grifo nosso, tradução livre) estudar algo historicamente, significa “aplicar
as categorias do desenvolvimento à investigação dos fenômenos. Estudar algo historicamente
significa estuda-lo em movimento. Esta é a exigência fundamental do método dialético”. Na
esteira das proposições de Marx e Engels (2007), sinalizamos que, somente o plano material pode
dizer como se é possível chegar ao objeto.
Com efeito, para efeitos deste artigo, utilizamos como técnica de pesquisa, os estudos
bibliográficos, uma vez que entendemos que por meio da literatura conseguiremos ter acesso a
certas nuances do real, onde poderemos compreender o fenômeno de desenvolvimento do Ensino
Superior Privado, bem como as suas transformações até chegar a seu estado atual.
Com relação ao dispositivo repressivo, vale mencionar o Decreto n. 4.464/64, que extinguiu
a União Nacional dos Estudantes (UNE); o Decreto n. 228/67, que limitou a existência de
organizações estudantis ao âmbito estrito de cada universidade; o Decreto n. 477/69, que impôs
severas punições aos estudantes, professores ou funcionários que desenvolvessem atividades
consideradas hostis ao regime militar, com a criação, no interior do MEC, de uma divisão de
segurança e informação para fiscalizar as atividades políticas de professores e estudantes nas
instituições (Martins, 2009, p. 18-19).
De acordo com o autor, ao contrário do que ocorrera no período populista, por meio do
qual vigorou uma discussão pública tendo por objetivo à construção de uma universidade crítica
de si mesma e da sociedade brasileira, a política educacional do regime autoritário seria confiada
a um pequeno grupo designado pelo poder central. Na esteira deste processo, a educação superior
deveria ter objetivos práticos e adaptar seus conteúdos às metas do desenvolvimento nacional
(Martins, 2009).
Destacamos que a realidade de uma ditadura civil militar não era circunscrita ao Brasil,
vários países latino-americanos passavam pelo mesmo. Fato este que justifica que, no ano de
1968 ocorressem diversas manifestações contrárias aos regimes. No Brasil, em reposta a elas, o
Governo Militar lança, no ano de 1969 um Grupo de Trabalho (GT) da Reforma Universitária,
afim de propor soluções para as questões estratégicas reais, as quais seriam demandadas pela
Universidade. A este respeito, Saviani (2013), acrescenta que o projeto da referida reforma,
deveria responder a demandas contraditórias, por um lado, a dos estudantes e professores que
reivindicavam a abolição das cátedras, e a autonomia universitária, bem como mais verbas para
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o desenvolvimento das pesquisas e aumento do raio de atuação das universidades, por outro, o
dos grupos ligados ao regime instalado, que visavam atrelar mais o ensino superior aos ditames do
mercado e um projeto político de modernização em consonância com as diretrizes do capitalismo
internacional. No entanto, os aspectos progressivos que poderiam ser vistos na referida reforma
foram abafados pelo regime militar.
Assim, em meio as discussões da reforma universitária, abriu-se uma brecha para o
florescimento das IES privadas. Nas palavras de Martins (2009, p. 21):
investimento em capital humano individual que habilita as pessoas para a competição pelos
empregos disponíveis. O acesso a diferentes graus de escolaridade amplia as condições de
Na esteira da discussão pode-se ressaltar que a LDB (1996) preconiza a educação como
direito público subjetivo e que deve ser ofertado de forma gratuita dos 4 aos 17 anos, pelos
diversos níveis de ensino, bem como devem ser ofertadas possibilidades de escolarização àqueles
que por qualquer motivo estão fora dessa faixa prevista como idade escolar. Entretanto, refere-se
a educação superior da seguinte forma: “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e
da criação artística, segundo a capacidade de cada um” (Título III). Desta forma, fica clara a visão
meritocrática, aludindo às capacidades individuais de acesso ao ensino superior.
Com isto, sinalizamos a paulatina entrada do ideário empresarial, como grande expoente
os Organismos Multilaterais, dentro do contexto e do ambiente deliberativo para as propostas
educacionais, para os quais, “o processo educativo deveria priorizar uma formação que prepare
o indivíduo para o mercado de trabalho, pois apenas assim é possível à educação reverter as
condições de desigualdade social existente nos países pobres” (Santos, D.; Mendes Segundo,
M. D.; Freitas, M. C. C.; & Lima, T. V. A. 2014, pp. 153-154), destacando o ensino por meio
das competências. Conforme Jimenez (2010) e Saviani (2013), podemos ver claramente que a
forma pela qual o Estado tenta promover esta preparação é mediante a paulatina submissão da
educação aos interesses empresariais.
Esse legado do regime militar consubstanciou-se na institucionalização da visão produtivista
de educação. Esta resistiu às críticas de que foi alvo nos anos de 1980 e mantém-se como
hegemônica, tendo orientado a elaboração da nova LDB, promulgada em 1996, e o Plano Nacional
de Educação, aprovado em 2001 (Saviani, 2008).
O quadro de recessão não se modifica muito nos anos de 1990. De acordo com estudo de
Mancebo (2004), neste hiato ocorria a ascensão das políticas neoliberais no país, tendo, como eixos
centrais, o ajuste fiscal e a implantação de um Estado mínimo, o qual, dentre os efeitos podemos
destacar: a desnacionalização da economia, por meio do progressivo processo de privatização,
a reforma do Estado, com a diminuição da participação do poder público em detrimento da
iniciativa privada; o trânsito da sociedade do emprego para a sociedade do trabalho, isto é, a
tendência ao desaparecimento dos direitos sociais do trabalho e a transferência de deveres e
responsabilidades do Estado e do direito social e subjetivo do cidadão para a sociedade civil (Silva
Júnior; Sguissardi, 2005).
Silva Júnior e Sguissardi (2005) apontam que durante o governo de Fernando Henrique Cardoso,
colocou-se em prática uma política ajustada aos ditames do capital financeiro internacional,
preocupando-se apenas tangencialmente com o fortalecimento do capital industrial (produtivo)
brasileiro, onde o correu uma redefinição do papel Estado, este, segundo Mancebo (2004), agora
entendido como um mero regulador dos bens e serviços oferecidos pela inciativa privada.
Assim, embora na década de 1990 não tenha ocorrido uma reforma universitária, oficial,
o discurso neoliberal cunhava uma, pautada na crítica à presença do Estado nas mais diversas
esferas da vida nacional, tendo reflexo nas políticas de austeridade fiscal, com diminuição de
recursos e progressivo desmantelamento dos bens públicos. Os quais refletiam, e ainda refletem
no Ensino Superior (Mancebo, 2004).
Nos anos do Governo Lula, vivenciamos um novo período de uma reforma universitária,
por meio da qual conseguimos uma série de investimentos das Instituições Federais de Ensino,
como também, acabamos por presenciar um aumento nos investimentos no setor privado,
principalmente por meio de Programas como: Programa Universidade Para Todos (Prouni) e o
Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), por meio deles, o Estado promoveria o acesso de
estudantes de baixa renda ao ensino superior privado. No entanto, tais programas acabam por
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figurar enquanto um agravamento do processo de privatização do ensino, uma vez que passa a
delegar responsabilidades, que antes seriam da esfera pública para a iniciativa privada.
Embora tenhamos traçado o panorama histórico do Ensino Superior Privado, nosso objetivo
não se converterá em uma ode à esfera pública em detrimento da privada, tendo em vista que,
se ocorre uma expansão deste setor se deve, em parte, a uma vacância do Estado, ou seja, estas
instituições também cumprem um papel social. Em segundo lugar, segundo a lógica do capital,
como dito, a educação deixa de ser um direito, convertendo-se em um produto a ser consumido,
em processo de produção massificada, avaliações cada vez mais quantitativas que qualitativas,
estando presentes nas duas esferas, pois em maior, ou menor medida, esta passa a se configurar
na estrutura que engendra as políticas de ensino.
Ao evocarmos na memória algo referente a instituições de ensino, logo nos vem à mente o
par professor/aluno, não podendo existir um sem o outro, e não havendo instituições de ensino
sem ambos.
No momento em que nos questionamos acerca da docência no Ensino Superior, esta passa
a ter características díspares, as diferenças entre cursos e instituições, uma vez que é sabido, e
corroborado pela literatura que, a grande maioria dos estudantes dos cursos de alta demanda
tem origem no ensino médio privado. Por outro lado, são altos os percentuais de estudantes
originários da escola pública em cursos de baixa relação candidato/vaga (Ristoff, 2014). Nas
instituições públicas, os cursos de psicologia figuram entre os primeiros, curso ainda elitista, tal
como a própria profissão se manteve durante décadas.
Com as políticas de acesso e o crescente mercado no qual o Ensino Superior se converteu,
chegam à psicologia uma miscelânea de alunos que antes não havia, as quais geram novas
dificuldades enquanto pensar na formação deste aspirante a psicólogo, uma vez que, cada vez
mais as cruezas da sociedade cada vez mais se tornam presentes no momento formativo.
Se considerarmos que no Brasil sempre existem dois sistemas dirigidos a dois grupos
diferentes, podemos depreender que o psicólogo em formação nas Universidades públicas, são
pessoas, em sua maioria provenientes das camadas mais abastadas, sendo um estudante que
tem ou teve pouco contato com a política pública de forma geral e busca, na psicologia, uma
possibilidade de atuação liberal. Nesse espaço da Universidade pública, entretanto, deveriam
ser pautadas as políticas públicas, e o desenvolvimento de uma formação socialmente engajada,
tendo em vista que, a atuação de seus profissionais deveria se voltar para a sociedade.
Em contrapartida, o psicólogo em formação nas faculdades particulares está submetido de
maneira mais visceral a uma lógica de mercado, que reproduz aquilo que é de interesse momentâneo,
ou seja, que é mercadoria a ser vendida. Por vezes, a preocupação maior destas instituições se
converte na retenção do aluno em detrimento dos aspectos curriculares ou qualidade do ensino.
Esse aluno, portanto, que, por vezes adentra ao Ensino Superior com certas dificuldades
provenientes de sua educação básica, encontra um modelo de formação que, se arvora em uma
dicotomia, entre aquilo que está previsto em suas diretrizes curriculares
e o que é realizado na prática cotidiana, onde não se prioriza a apresentação dos clássicos
em psicologia, mas sim daquilo que é vendável, ou versões mais resumidas. A este aluno, por vezes,
não chegam muitas discussões importantes, tanto para uma compreensão mais aprofundada
sobre o fazer do psicólogo, como também aspectos necessários para sua atuação enquanto um
agente nas políticas públicas, em especial na seara da assistência social, uma atuação que deveria
ser pautada, sobremaneira em uma perspectiva crítica das instituições e sociedade.
Se considerarmos a crescente quantidade de cursos de psicologia nas Faculdades
particulares, podemos supor que a grande maioria dos psicólogos em formação e formados há
poucos anos não está preparado para uma atuação em políticas públicas. Conforme dados do
e-Mec, no Ceará atualmente temos 26 cursos de psicologia, dos quais 10 iniciaram suas atividades
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assumir várias disciplinas em uma ou mais instituições, o que pode afetar na forma de execução
de seu trabalho.
Pensar tais questões se configura enquanto um dos deveres docentes, em uma das funções da
academia, no entanto vai de encontro aos interesses do mercado, ou de encontro a uma formação
que tenha em vista apenas a adequação dos alunos, com o seu status de empregabilidade. Em meio
a uma lógica que cada vez mais despe os professores de suas prerrogativas, cabe nós questionar
em meio a esta lógica imediatista, o que nós fazemos, ou o que podemos fazer para nadar contra
a corrente e, em meio a esta automatização de nosso fazer, tentar resgatar a humanidade e a
criticidade para a formação?
Conclusão
Por meio deste estudo, esperamos ter conseguido demostrar a maneira como a expansão
do Ensino Superior Público no Brasil, por vezes vai de encontro aos interesses da esfera pública,
com os progressivos insumos que são dados pelo Estado ao setor privado, o qual se estrutura
de uma forma histórica, onde embora o fenômeno se apresente de uma nova conformação sua
raiz imediata encontra-se na Reforma Universitária promovida pelo Regime Militar. Assim, ao
acompanhar o desenvolvimento histórico, sinalizamos ás políticas de austeridade dos anos de
1990, com o Governo de Fernando Henrique Cardoso com a redefinição do papel do Estado, mais
uma enfraquece o papel do Estado, este visto como um regulador, em detrimento da iniciativa
privada. Tal fato pouco se modifica no Governo Lula, tendo em vista que, embora seja inegável os
investimentos deste feito no fortalecimento da Universidade Pública, às políticas de financiamento
estudantil também acabam por encorpar o setor privado, onde a educação passa a ser vista como
um bem de mercado.
Esta discussão foi necessária para que pudéssemos discorrer sobre alguns dos aspectos
que o contato com a esfera privada nos suscitaram, a qual tentamos pensar sob a lógica dos
estudantes e professores. Ficando claro que, pelas políticas de acesso a gama o contingente que
adentra às IES é bem maior, gerando uma série de situações novas, as quais irão afetar a formação
do psicólogo e como as diretrizes do mercado acabam influenciando neste segmento.
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1090 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EIXO TEMÁTICO
PSICOLOGIA JURÍDICA
PSICOLOGIA DO ESPORTE
PSICOLOGIA AMBIENTAL
RETIFICAÇÃO SUBJETIVA DO AGRESSOR: RELATO DE
EXPERIÊNCIA DO GRUPO DE EXTENSÃO E PESQUISA
EM VIOLÊNCIA E GÊNERO
Rayane Barbosa da Silva
Hávila Raquel do Nascimento Gomes Brito
Hianka Hingridy Gomes Maia
Ernand Silva Rocha
Anna Paula Fagundes Bezerra
Introdução
A
violência contra a mulher é um fenômeno complexo e que pode ser definida,
segundo Pinafi (2012, p.1), como “toda e qualquer conduta baseada no gênero,
que cause ou passível de causar morte, dano ou sofrimento nos âmbitos: físico,
sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada”.
A diferença anatômica entre o corpo feminino e masculino, muitas vezes, é usada como
razão para a forma como é delimitado o papel da mulher na sociedade, principalmente no que
diz respeito à divisão de atividades e do trabalho (Bourdieu, 2002). Na visão patriarcal, a figura
masculina é eleita como detentora de poder, e a mulher como sendo submissa a este, recebendo
então, uma autorização, ou, tolerância por parte da sociedade a diversos tipos de violência.
Apesar de se destacar no meio familiar, a violência contra a mulher pode vir a ocorrer em
diferentes ambientes e situações, deixando marcas que não se delimitam ao corpo, mas que
repercutem em toda a vida da mulher (Lettiere, Nakano & Rodrigues, 2008). Tais padrões devem ser
rompidos com a conscientização dos atores sociais de seus papéis e da introdução do conceito de
igualdade de gêneros, como forma de evitar a perpetuação de condutas violentas e sexistas. Nesse
sentido, mudar a conduta de cada um dos envolvidos no cenário de violência doméstica é retificar
subjetivamente e criar novos padrões de comportamento que quebrem o círculo da violência.
Partindo dessa perspectiva, foi desenvolvido no Centro Universitário Católica de Quixadá,
no interior do Ceará, um grupo de retificação subjetiva de homens acusados de agressão à
mulher, a cargo do Serviço de Psicologia Aplicada (SPA), do curso de Psicologia da instituição.
Os participantes do programa foram encaminhados pelo aparato judicial para participar do
grupo, seguindo proposições previstas em lei. Quando deferida para eles as medidas protetivas de
urgência, a participação no grupo foi uma das medidas protetivas.
O grupo contou com o acompanhamento de profissionais da psicologia, sendo que foi
buscado atuar junto ao agressor, através de técnicas da psicologia, de modo a levá-lo a questionar
seu comportamento, sem julgamento de valor por parte dos integrantes do grupo ou dos
profissionais e estudantes da psicologia. Foi procurado ofertar um ambiente acolhedor, no qual o
machismo enquanto ideologia seja questionado e as práticas violentas, oriundas desta ideologia,
sejam repelidas.
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A aplicação de uma medida judicial deve, sobretudo, estabelecer um novo paradigma
de intervenção junto ao indivíduo infrator, com o objetivo de promover um espaço reflexivo/
responsabilizante, no qual o homem autor de violência doméstica possa ter a experiência de
refletir criticamente sobre suas práticas violentas no interior de suas relações. Os grupos reflexivos
viabilizam uma maior qualidade e efetividade na execução da determinação judicial, contribuindo
para uma cultura de paz e para a diminuição da violência, através da intervenção em fatores de
risco social e da promoção do sentido educativo da pena.
Portanto, é importante que informações de experiências como esta sejam compartilhadas,
pois assim irão colaborar com a replicação de grupos como este, contribuindo com a busca pelo
combate à violência contra a mulher, à igualdade de gênero e para mudanças de comportamentos
prejudiciais a toda a sociedade. Diante disso, este trabalho tem como objetivos relatar a experiência
de estagiários do curso de psicologia que participaram e facilitaram os encontros realizados com
os homens encaminhados para o grupo, descrevendo as intervenções que foram propostas em
cada um dos momentos e discutindo sobre as contribuições que o grupo teve na retificação
subjetiva dos sujeitos.
Na década de 50 a Organização das Nações Unidas formulou tratados que garantiam direitos
iguais entre homens e mulheres, afirmando que os direitos humanos devem valer igualitariamente
para ambos, sem quaisquer distinções. Apesar da garantia de tais direitos, a impunidade de crimes
cometidos contra a mulher ainda era bastante presente.
O conceito de feminismo, de acordo com Soares (1994), é entendido como a ação política
das mulheres, englobando teoria, prática e ética. Os movimentos feministas reúnem um conjunto
de discursos e práticas que dão prioridade à luta das mulheres para denunciar a desigualdade de
gênero (Descarries, 2002).
Segundo a Lei nº. 11.340/2006, intitulada Lei Maria da Penha, nas disposições preliminares,
em seu Art. 2°:
Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura,
nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência,
preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social ((Lei n.
11.340, 2006, pp. 11-12).
Antes da referida Lei entrar em vigor, o dispositivo legal utilizado para proteger a mulher
da violência doméstica era a Lei 9.099/95, Lei dos Juizados Especiais, que no âmbito penal foi
instituído o Juizado Especial Criminal (JECRIM), visando primeiramente à conciliação entre
acusado e vítima.
Com a implementação da Lei Maria da Penha, foram propostas e estabelecidas modificações
relacionadas ao enfrentamento da violência contra a mulher, com o intuito de possibilitar a
segurança e a proteção que a mulher deve ter.
Dias (2008, p. 21) enfatiza que até o advento da Lei Maria da Penha, “[...] a violência
doméstica não mereceu a devida atenção, nem da sociedade, nem do legislador, muito menos do
Poder Judiciário”, uma vez que, por serem situações correntes nas relações familiares em meio ao
espaço privado, ninguém interferia, o que fez com que a mulher sofresse resignada durante anos.
As medidas de urgência delineadas no art. 22 da lei 11.340/06 tem como objetivo inicial e de
imediato cessar a violência no convívio familiar. Dessa forma, o que se pretende de imediato é que
o agressor não tenha contato com a vítima, para que as agressões não prossigam.
As medidas protetivas de urgência ligadas à ofendida estão elencadas nos artigos 23 e 24 da
Lei nº 11.340/06:
Metodologia
Resultados
O primeiro encontro foi realizado pela psicóloga responsável pela mediação do grupo de
modo individual. Além da exposição do que se tratava o grupo e seus objetivos, por se referir a
um público encaminhado pela justiça de maneira compulsória. A meta nesse momento inicial era
trazer o indivíduo para um contato mais próximo, visto que estes foram encaminhados pela justiça
e não tiveram contato prévio com a equipe, este momento objetivou também a apresentação dos
critérios a serem seguidos para suas permanências no grupo, como, horários, faltas e frequência.
Os quatro primeiros encontros, que foram os primeiros contatos entre participantes,
profissionais e estagiários, buscou-se maneiras de estabelecer vínculos, criando inicialmente um
ambiente de escuta e acolhimento, livre de julgamentos e expondo o caráter sigiloso do grupo.
Ressaltou-se que por mais que a participação deles se devesse por um encaminhamento judicial,
aquele local era de prática de psicologia e não de direito/justiça. Considerando a relevância
da participação de todos para que o objetivo almejado se efetivasse, procurou-se construir um
espaço democrático de interação para que os sujeitos em questão se sentissem mais propensos à
comunicação grupal. Foi utilizado nos primeiros encontros o Objeto da Palavra, para facilitar o
1094 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
controle e participação de todos os membros, após se verificar a demasiada altivez e tentativa de
posse e controle da fala por parte de alguns membros. Essa característica favorecia a resistência
e a padronização dos discursos do grupo pelos mais ativos. Nesses mesmos encontros, focou-
se também em proporcionar esclarecimentos jurídicos, contando com a participação de uma
profissional do curso de Direito. Os participantes questionavam sua participação obrigatória,
sendo que diante da condição processual diversa, alguns não haviam sido julgados, outros nem
ouvidos pelo poder público. Com isso traziam muitos anseios e dúvidas acerca dos próprios casos,
alegavam inocência o tempo todo, o que poderia significar uma possível resistência à participação
no grupo. A presença de uma docente do curso de direito proporcionou um ambiente de escuta
necessário neste primeiro momento.
Os temas e metodologias a serem abordados eram pensados e planejados previamente pelos
mediadores do grupo, que discutiam temas e métodos de condução para o coletivo. Para facilitar
a emergência e melhor circulação dos conteúdos abordados, foi empregada a técnica Círculo
de Cultura de Paulo Freire, que consiste em um local de simultâneas trocas de experiências e
aprendizados, entre aprender e ensinar, onde não se traça um foco, mas elicia-se um movimento
onde todos estiveram sujeitos a trocas de argumentos e pontos de vistas da situação, para que cada
integrante pudesse compartilhar de suas realidades com os demais, estabelecendo uma relação
de igualdade e respeito entre todos os envolvidos no processo. Fez-se importante e necessária a
utilização desta técnica tendo em vista o caráter plural do grupo, com idades, profissões, nível de
escolaridade e costumes diversos.
No quinto encontro trabalhamos com a técnica Zona de Desenvolvimento Proximal de
Vigotsky. O intuito dessa prática foi estabelecer uma relação de trocas entre os participantes,
onde cada um, dentro da sua individualidade pudesse colaborar na construção de conhecimento
do coletivo dentro do tema levantado. Assim, através das trocas, o sujeito que não reconhecesse
seu ato como de caráter violento, pudesse se identificar na fala dos demais, gerando uma possível
reflexão. Nesta sessão pediu-se que eles elencassem situações cotidianas de sua comunidade/
bairro onde se pudesse verificar a ocorrência de violência de gênero. Após o relato a equipe
pontuava com algum questionamento para estimular o discurso de opinião, em seguida o caso
era aberto para debate em grupo, sempre moderado pela professora e estagiários.
No sexto encontro, após identificarmos que alguns tinham dificuldade ou resistência em
reconhecer o conceito de violência, trabalhamos com essa temática para estimular o pensamento
crítico do que vem a ser a violência na sociedade e na vida particular de cada um. Pedimos que cada
membro evocasse da memória e compartilhasse alguma situação em que o mesmo teria sido alvo
de algum tipo de violência. Em seguida os demais faziam comentários. Os facilitadores pontuavam,
ou questionavam quando percebiam ser pertinente ao desenvolvimento da questão. Falou-se sobre
os conceitos de violência física, moral e psicológica lançada as mulheres cotidianamente. Pediu-se
que os participantes trouxessem mais exemplos presentes em suas realidades, a fim de aproximá-
los da questão e enxergar que o agressor, o praticante de violência contra o sexo feminino está
gravemente inserido no modelo de sociedade atual. Constatou-se, através de questionamentos
feitos pelos moderadores o protagonismo masculino nas questões abordadas. Nessa mesma
ocasião versou-se sobre a construção social do corpo feminino, sua erotização, mercantilização e
simbolismos, sobre direitos, vestes e costumes. Sempre com o foco nas relações de gênero.
No sétimo encontro levamos três matérias de jornais, inclusive uma de um veículo local,
impressas e uma série de comentários reais, com altos teores machistas, retirados da internet
sobre as referidas notícias relacionadas com a violência contra a mulher. Expôs-se na parede as
manchetes e um a um os participantes iam escolhendo a notícia, comentando-a. e depois os
moderadores retiravam um comentário dos internautas e pediam que eles falassem sua opinião a
respeito. Os comentários escolhidos eram propositalmente muito agressivos, causando surpresa
Discussões
1096 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
uma “permissão” de puni-la caso fugissem as suas regras. Bourdieu (2002), afirma que a força
masculina é ratificada pela imposição de uma visão androcêntrica. E a ordem social cada vez
mais fortalece a dominação masculina, como por exemplo, na divisão social do trabalho, com
distribuição bastante estrita a cada um dos dois sexos.
Como nos apresenta Quinet (2000), a retificação subjetiva implica em promover
responsabilização por parte do próprio sujeito, quanto a sua participação em uma determinada
desordem pessoal ou social. Para este fim, foi empregada a técnica Círculo de Cultura de Paulo
Freire, tal técnica proporcionou o estabelecimento de vínculo entre os participantes, dando margem
a uma fala mais livre. Como nos afirma Freire (1987), dentro do “círculo de cultura” há processos
de encontros e reencontros entre os participantes, todos no mesmo mundo comum, promovendo
à comunicação, o diálogo, a criticidade. Assim, juntos recriam criticamente seu mundo, não mais
o aceitando passivamente, mas o transformando. Notou-se algumas vezes durante a realização
das atividades propostas a dificuldade de alguns participantes em reconhecer aspectos violentos
ou machistas em si mesmos, entretanto eles conseguiam visualizar nas imagens, notícias e frases
trazidas para as dinâmicas de grupos, como também na fala dos outros. Esse reconhecimento
favoreceu ao grupo a visualização do perfil do agressor, que como traço mais forte trouxe a
heterogeneidade de pessoas e personalidades. O impressionante cidadão comum. Longe dos perfis
midiáticos de transgressores incuráveis, ‘monstros’, diriam. Isso ensejou uma maior facilidade de
um vínculo empático e aceitação da situação por parte dos membros do grupo.
Partindo da ideia de Vigotsky de que o ser humano se desenvolve a partir de suas relações
de trocas sociais. A utilização da técnica Zona de Desenvolvimento Proximal proporcionou aos
integrantes do grupo uma postura crítica diante de seus próprios atos, causando uma identificação
de si no discurso dos outros participantes. Assim, cada um saindo do seu nível atual de
conhecimento e contribuindo para o desenvolvimento dos demais, gerando novos conhecimentos
acerca da temática abordada. Para Vigotsky as conquistas que garantem a humanização das
pessoas, partem das suas relações sociais, em que o sujeito participa ativamente (Zanella, 2004).
Utilizou-se também das técnicas do psicodrama para favorecer a eclosão de assuntos de difícil
contato para os participantes, como traz Almeida (1989, p. 1) “trata-se de proposta para trabalhar
as relações individuais e grupais, psicológicas, terapêuticas e existenciais, através dos elementos
revolucionários do chamado “teatro espontâneo” criado em 1921 por Jacob Levi Moreno. ” Dentro
dessa proposta foi aplicada a técnica da cadeira vazia para encenar o contato do agressor com
a vítima num contexto de pedido de perdão e revisão do acontecido, pois se verificou que essa
dificuldade encontrava no grupo vontade para ser enfrentada. Nessa técnica o participante torna-
se o protagonista e tem numa cadeira a figura complementar à sua dramatização. Algumas vezes
isso permite uma expressão mais espontânea de sentimentos ternos, ou agressivos dependendo da
configuração do grupo, ou das dificuldades que o paciente tenha de trabalhar com outra pessoa.
(Blatner 1988, p. 165). Logo após essa técnica era proposta a Inversão de Papeis, para estimular
que o participante possa ter contato com o ponto de vista da vítima. Segundo Blatner (1988, p.
172) a inversão de papeis sempre que convém que o protagonista tenha empatia com o ponto
de vista dos outros. No início dos encontros grupais muitos negavam veementemente culpa,
ou participação no ocorrido. O discurso da maioria era o de injustiçados. Com o decorrer dos
encontros ratificou-se a mudança de narrativa ao apresentarem grande aceitação e participação
nas técnicas psicodramáticas.
A experiência aqui relatada objetivou provocar estes sujeitos a refletirem criticamente sobre
o modelo de relação presenciada desde as suas origens e posteriormente reproduzida por eles, e a
partir disto questionarem, de forma mais consciente e respeitosa, a relação com as suas parceiras,
contribuindo para uma quebra dos paradigmas machistas e para uma sociedade mais justa e
igualitária. Partiu-se de um grupo resistente, com a sensação de injustiça presente no processo,
Referências
Blatner, A. (1988). Uma Visão Global Do Psicodrama Fundamentos Históricos, Teóricos E Práticos, por
Springer Publishing Company, Inc., Nova Iorque. Recuperado de: //goo.gl/5U1ovS
Bourdieu, P. (2002). A dominação masculina (2ª ed.). Rio de janeiro: Bertrand Brasil.
Dias, M. B. (2008). A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à
violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: RT.
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1098 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Quinet, A. (2000). As 4+1 condições de análise. (8ªed). Rio de Janeiro: Zahar.
Soares, V. (1994). Movimento de mulheres e feminismo: evolução e novas tendências. IN: Revista
Estudos feministas. Rio de Janeiro.
Introdução
O
abuso sexual infantil se configura como todo ato ou jogo sexual, relação hétero ou
homossexual, entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente, tendo por
finalidade estimular sexualmente esta criança ou adolescente ou utilizá-los para
obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa. Em diversas vezes o caso fica
impune, pois a vítima não se sente amparada em denunciar o abuso sofrido, por diversos fatores,
tais como sentimentos de culpa, vergonha, medo e em alguns casos os sentimentos ambivalentes
em relação ao agressor (Souza & Duarte, 2011).
Pensando nessa temática, o Judiciário do Rio Grande do Sul, Magistrado José Antônio
Daltoé Cezar em 2003 pensou em algo que pudesse amenizar a maneira como a escuta de
crianças poderia ser feita sem causar a revitimização nas mesmas, denominado “Depoimento
Especial”, onde este prioriza o depoimento de maneira mais apropriada as necessidades infantis
e supostamente condizentes com seu nível de desenvolvimento, tendo em vista que esse projeto
abrange todo o país.
O sistema de oitiva tradicionalmente utilizado pelo judiciário brasileiro é considerado
revitimizante uma vez que requer que a criança/adolescente que tenha sido vítima de um crime
de natureza sexual, tenha que relatar perante o magistrado, promotor e advogado a agressão que
vivenciou que provocaria um trauma suplementar à violência sofrida.
É inquestionável a importância de discutirmos tal assunto. Por esse ter se tornado mais
frequentes, no sentido de denuncias aos órgãos policiais, uma vez que infelizmente esse abuso a
crianças ocorre há décadas, suscitou o interesse pela autora da presente pesquisa em se fazer uma
revisão bibliográfica sobre como o âmbito judicial aborda, escuta e acolhe crianças que sofreram
violência sexual.
Por este depoimento ocorrer de diversos modos, por não ser levado em consideração o estado
psicológico, físico e emocional em que a vítima se encontra, a maior preocupação é relacionada à
coleta de dados para anexar ao processo judicial. Relacionado aos danos psicológicos da vítima, é
relevante a investigação de como a oitiva, esta se refere no âmbito do Direito refere-se à audição de
uma testemunha de um processo, neste caso como a oitiva destas crianças estão sendo realizadas?
A maneira invasiva e dolorosa de lembrar, os momentos em que esteve sobre o jugo do agressor.
Esses pontos e demais aspectos psicossociais em que essa criança está inserida precisa
ser analisado de uma maneira diferenciada. Esses questionamentos precisam ser repensados e
1100 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
reformulados possibilitando assim Depoimento Especial às crianças, além dos danos que já foram
causados pela violência sexual sofrida, caso não venha ocorrendo como o esperado. Lembrando
que o presente trabalho contempla o abuso sexual sem discriminação de gênero, sexo, raça,
cor ou classe social, uma vez que o abuso está sendo investigado como um evento traumático
independente desses critérios.
Dessa forma o trabalho buscou investigar como se dá o processo da escuta e acolhimento da
criança que sofreu abuso sexual. Como também conhecer a forma como esse tema foi abordado e
analisado em outros estudos; averiguar os avanços nesse campo da Psicologia Jurídica, em relação
à escuta e acolhimento a vítima de violência sexual; verificar a relação entre o psicólogo e a vítima
e ainda objetivou constatar as implicações éticas, no Depoimento Especial.
Método
Trata-se de uma revisão bibliográfica, não sendo necessária coleta de dados em campo,
pois a pesquisa foi realizada por meio do levantamento retrospectivo de artigos científicos e
livros publicados nos últimos cinco anos (2010 – 2015). A busca bibliográfica foi realizada em
estudos abrangendo bancos de dados como: Scielo, Portal da Capes, Google Acadêmico e livros
considerados relevantes neste âmbito de estudo.
Os artigos selecionados foram nacionais e publicados no idioma português no período
anteriormente mencionado e que se referiam ao depoimento especial e a violência sexual em
crianças.
Os descritores foram: depoimento especial, violência sexual em crianças. Os critérios de inclusão para
seleção dos artigos foram que os mesmos tivessem esses descritores no título ou resumo, que a
temática fosse depoimento especial e artigos publicados na íntegra e/ou resumos no período entre
2010 e 2015, em Português. Porém, as citações dentro destes artigos em anos anteriores que foram
consideradas relevantes pela autora da presente pesquisa também foram utilizadas como referência.
Os critérios de exclusão foram artigos em outros idiomas ou que se tratava de outra temática.
Como se trata de uma pesquisa bibliográfica, não houve necessidade de submissão do
presente estudo ao Comitê de Ética em Pesquisa.
Resultados
1102 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O abuso sexual infantil
Esse tipo de abuso é uns dos mais complicados de ser descoberto e revelado, é uma violência
que envolve laços afeitos com o agressor, onde a vítima se ver coagida e submissa ao desejo do outro.
A criança em determinado momento pode vim a pensar que esse ato é uma espécie de carinho
e de afeto demonstrado por esse adulto, que tem um vínculo afetivo, com esse pensamento a
criança tende a satisfazer esse desejo do outro acreditando que isso é uma relação de troca de
afetos entre ambos. Em outros casos em que já se inicia a pratica com agressões e força física para
a satisfação do adulto, restringindo a integridade física e psicológica da criança, esse ato brutal e
invasivo tende a desenvolver traumas que perpassam por toda a vida desse sujeito, ocasionando
possíveis dificuldades no estabelecimento de laços sociais e afeitos (Cordeiro, 2013).
A facilidade e a reincidência desse tipo de abuso se dar pelo fato de agressor e vítima estarem
em constante convívio, pois reside na mesma casa. Segundo um estudo da Associação Brasileira
Multiprofissional de Proteção a Infância e Adolescência (ABRAPIA) mostram que os maiores
agressores dentro do lar na maior parte dos casos são pais, padrastos, irmãos, tios, primos e avós,
a minoria dos casos ocorre por estanhos (Cordeiro, 2013).
Uma temática pouco abordada é o abuso sexual em meninos, devido os estereótipos,
que é algo mais frequente de acontecer com meninas. Os meninos passam pelo sentimento de
vergonha, culpa, ambiguidade em relação ao abusador, e questões que envolvasua masculinidade
e sexualidade. A sociedade tem a visão que com meninos esse tipo de violência não ocorre (Luz,
2013).
O processo de negação nesse contexto familiar pode ser algo bem presente, onde essa negação
é um mecanismo de defesa, que pode ter a finalidade de preservar a dinâmica ou núcleo familiar,
como uma forma de justificar tal violência. O progenitor pode declarar que a pratica sexual seria
uma forma de educar sexualmente o filho e a negação da mãe em reconhecer e processar os sinais
mais evidentes possíveis, talvez com a finalidade de preservar e manter seu casamento (Silveira
Filho, 2013).
O abuso sexual intrafamiliar pode desencadear a “síndrome de segredo”, o segredo de
família gera um agravamento, pois o agressor continua convivendo com a vítima o que pode vim
a tornar o abuso reincidente. A criança sofre chantagem emocional de ser culpado pelo término
do casamento dos pais, de destruir a família, da prisão do seu abusador, que a criança pode ser
expulsa da casa que mora e outras séries de ameaças, que o faz calar por medo que as chantagens
se concretizem, gerando o segredo entre ele e o abusador (Maes & Junior, 2014).
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e cognitivos. Os danos psicológicos podem desenvolver um estresse pós-traumático, ansiedade,
depressão, transtorno de conduta e abuso de substancias.
Esses danos à literatura os dividem em primários e secundários, onde os primários ou
imediatos refere-se os prejuízos causados durante o processo do abuso, na fase de sedução da
interação sexual abusiva e do segredo.
O secundário pode ocorrer em distintas esferas, através do estigma social, traumatização
secundaria no processo interdisciplinar, família-profissional, familiar e individual. Sendo esses
danos acentuados por uma intervenção, uma escuta ou acolhimento mal elaborado ou mal
conduzido nas redes de apoio ou por atuantes do judiciário (SILVEIRA, 2013).
Oliveira (2013) apresenta danos de curto e longo prazo, nos de curto prazo podem ser
psicológicos mascarados por sintomas físicos como, dores abominais crônicas, enurese, encropese,
infecção no trato urinário, corrimento vaginal, erupção nos genitais, dano anogenital, queixa
anal, dificuldade em sentarem-se, muitas idas ao banheiro, principalmente em vítimas masculinas
(fissuras, constipação) e em alguns casos a gravidez precoce.
O de longo prazo pode caracterizar na adolescência ou na fase adulta em distúrbios
psicológicos e psicossomáticos, frigidez, vaginismo, promiscuidade sexual, impotência, pedofilia,
pederastia, dificuldade sexual no casamento, incesto, prostituição, homossexualismo, uso de
drogas, delinquência juvenil, baixa estima, depressão, sintomas conversivos e Dissociativos,
automutilação e múltiplas tentativas suicidas.
Outras possíveis consequências na perspectiva psicológica é que em alguns transtornos
psíquicos podem não apresentar uma correlação direta com o abuso sexual, pois o psiquismo
pode adotar mecanismos de defesa para recalcar do consciente uma vivência que lhe é insuportável
(Oliveira, 2010).
Estudos analisam que as psicopatologias mais recorrentes nas vítimas correspondem
a Transtornos Dissociativos, Transtornos de Humor, Transtornos de Ansiedade, Transtornos
Alimentares, Depressão, Hiperatividade e Déficit de Atenção (TDAH), Transtorno de Estresse
Pós-Traumático (TEPT) e Transtorno de Abuso de Substâncias. Ressaltando que no Transtorno
de Estresse Pós-Traumático (TEPT), existe uma maior prevalência entre jovens vítimas de abuso,
estimando-se que 20% a 70% das vítimas que possam desenvolver esse transtorno (Gava, Silva,
Dell’Aglio, 2013).
O fato é que tal evento é traumático para a criança que sofre devida violência, a oitiva
infantil deve ser conduzida de acordo com os direitos da criança e do adolescente e que os demais
julgamentos e descriminações devem ser posta de lado, buscando somente acolher, compreender
e fazer o possível para potencializar nessa criança seus aspectos positivos, para que está venha a
ter seu desenvolvimento humano com menores danos possíveis, podendo superar esse episódio
que marcou sua infância.
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Apenas um profissional toma o depoimento da vítima, ou seja, um psicólogo ou assistente
social, integrantes da equipe interdisciplinar dos Juizados da Infância e Juventude. O juiz, o
promotor de justiça, o defensor e o acusado acompanham o depoimento pelo sistema de TV e
têm a possibilidade de enviar perguntas ao técnico, que, como interlocutor, as repassa à criança
ou adolescente, em linguagem adequada.
Um questionamento pertinente pelos os conselhos é o porquê de laudos e pericias feitos
por psicólogos ou assistentes sociais não seriam válida como porta voz das crianças, evitando
assim o protocolo de um julgamento. Isso não ocorre devido o magistrado não atribuir a esses
documentos o valor de uma audiência com a vítima, por compreender que a fala do depoente é
um fator primordial para a inquirição.
O psicólogo ou o assistente social que atue nesse projeto do Depoimento funciona como
uma espécie de mediador para juiz, pois este profissional realiza sua intervenção de acordo com
as perguntas e respostas que o magistrado deseja obter, impedindo assim a atuação psicológica,
propriamente dita.
Dessa forma, será que o sistema judiciário tem capacidade manter essa estratégia de
depoimento em todo o país, com os equipamentos e profissionais, ocorrendo passo a passo
como está descrito acima, respeitando a ética e os princípios de cada Ciência.
A metodologia de Depoimento Especial é polêmica e diverge de opinião entre diversos
saberes e profissionais, talvez essa discussão seja útil, no sentido de estimular novas estratégias
de enfrentamento em relação à violência sexual infantil, novas revisões no âmbito jurídico, no
fazer dos magistrados, buscando refazer essa metodologia de acordo com a interdisciplinaridade
acontecendo de forma igualitária, sem uma Ciência sobressair à outra.
A Psicologia tem muito a contribuir com Depoimento Especial, com suas avaliações
psicológicas, uma anamnese muito bem elaborada acerca de toda a dinâmica familiar e social
que a vítima está inserida, dentre outros recursos que auxiliam na elaboração e reconstrução da
fala, de maneira ética e sigilosa, buscando o que é melhor para os indivíduos que se encontra em
fragilidade pelo o abuso que vivenciaram.
A violência sexual é um trauma que o abusado irá conviver com ele diariamente e a maneira
que ele irá significar isso ao longo de sua vida, dependerá da rede de apoio que este teve no
momento de descoberta e da inquirição acerca da violência sexual.
Discussão
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Estudos comprovam que esta vítima terá sequelas para resto de sua vida, como se trata de
um abuso infantil, isso ressoará na sua adolescência, criar uma política de acompanhamento até
a fase adulta deste sujeito com uma equipe multidisciplinar, pode amenizar mais ainda os efeitos
traumáticos.
Embora se acredite que nenhuma estratégia irá de fato sanar esses efeitos, mas tudo que
se pensa na perspectiva de aprimorar a escuta, o acolhimento e os estigmas sociais, visando
minimizar os danos, só vêm a contribuir para essas crianças em desenvolvimentos, que de repente
se percebem em um “turbilhão” de informações, pois seus desenvolvimentos físicos e cognitivos
não estão preparados para uma violência dessa ordem. O seu corpo não está apto para receber
estimulações de cunho sexual e o seu cognitivo não tem a maturidade para elaborar o que está se
passando com ela, onde existe uma ambiguidade em relação a seu abusador, quando este é do seu
convívio familiar, já que este devia protegê-la de todas as mazelas que poderiam lhe acontecer, que
nesse contexto vem sendo o gerador desse mal estar.
Referências
Introdução
A
Psicologia Jurídica configura-se como a área em que os saberes psicológicos são
aplicados em questões relacionadas ao campo do Direito. É uma denominação
genérica para representar diversas esferas ligadas às práticas jurídicas como a
Psicologia Criminal, Psicologia Judiciária, Psicologia Prisional, entre outros. Trata-se de um dos
ramos da Psicologia que mais vem crescendo nos últimos anos no cenário nacional e internacional,
diante do aumento de demanda de intervenções jurídicas nas relações sociais, seja no âmbito civil
ou criminal (Leal, 2008).
Não é possível demarcar um marco inicial na história da Psicologia Jurídica, entretanto,
autores como Altoé (2003) e Leal (2008) ressaltam o seu surgimento no final do século XIX
atrelado ao que se denominou posteriormente de “psicologia criminal”, em que os profissionais
eram chamados para verificar e avaliar os processos mentais do sujeito envolvido em um processo
jurídico, principalmente pessoas que haviam cometido crimes sem motivo aparente. Este momento
ficou marcado pela utilização de métodos científicos e por um ideário positivista, que muitas
vezes fez com que os profissionais descartassem a influência do contexto social em que estavam
inseridos.
No Brasil, a partir da regulamentação da profissão em 1962, houve uma maior inserção de
psicólogos no contexto jurídico, de maneira lenta e gradual. Alguns estabelecimentos prisionais já
possuíam psicólogos na equipe, mas não havia nenhum reconhecimento legal do exercício profissional
na instituição, o que ocorreu apenas em 1984, a partir da promulgação da Lei de Execução Penal
(Lei 7.210, de 11 Julho de 1984) em que o psicólogo passa compor a equipe multidisciplinar de
penitenciárias oficialmente (Lago, Amarato, Teixeira, Rovinski & Bandeira, 2009).
Para Soares e Cardoso (2016), a interseção entre Psicologia e Direito é firmada de forma
definitiva com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de Julho de 1990) que
reivindica uma equipe interdisciplinar para atender essa população. Assim, há o reconhecimento
da necessidade de atuação do psicólogo para auxiliar serviços da Infância e Juventude, o que
contribui diretamente na consolidação da prática interdisciplinar da área. Inicialmente o papel do
psicólogo na área envolvia perícia psicológica em processos cíveis, crimes de violação de direitos
e adoção. Posteriormente, houve uma ampliação das responsabilidades dos profissionais da
área, que passaram a atuar também com aplicação de medidas de proteção e socioeducativas,
atividades interventivas e acompanhamentos (Lago et al., 2009). É importante ressaltar que estas
atividades podem ser variáveis em diferentes estados brasileiros.
O Conselho Federal de Psicologia (2010) entende que os psicólogos jurídicos são todos
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aqueles que atuam com os sistemas de justiça, mesmo que não estejam vinculados a tribunais
de justiça como, por exemplo, psicólogos clínicos que recebem solicitação judicial para emitir
pareceres também estão atuando com a Psicologia Jurídica. Inicialmente o psicólogo aparece
como a figura responsável por psicodiagnóstico como característica principal de seu trabalho
(Lago et al., 2009), este papel é ampliado de acordo com as novas demandas sociais e jurídicas
em expansão, juntamente com a necessidade de um trabalho cada vez mais interdisciplinar. Lago
et al. (2009) delimitam as seguintes áreas como os principais campos de atuação do psicólogo
jurídico: Direto Penal, Direito do Trabalho, Direito da Família, Direito da Criança e Adolescente,
além de outras questões cíveis.
Em seus primórdios, a Psicologia Jurídica possuía uma perspectiva teórica com forte influência
positivista, com visão dos fenômenos sociais pautados na ciência da natureza, categorizados
nos padrões de objetividade, neutralidade e universalismo. Acompanhando o desenvolvimento
da ciência psicológica, a Psicologia jurídica adota um caráter histórico e social dos fenômenos
psicológicos e da produção de subjetividades (Soares & Cardoso, 2016).
Para entendermos a estruturação da Psicologia Jurídica como disciplina fundamental nos
cursos de Direito, iremos apresentar inicialmente um panorama sobre a formação acadêmica em
Psicologia Jurídica nas universidades a partir de um estudo realizado por Jacinto, Suzuki, Carvalho
e Rosolem (2012).
Os autores pontuam que, embora a Psicologia Jurídica seja uma área que está em ascensão
dentro da Psicologia e que haja uma demanda cada vez maior de profissionais para este
campo, quando realizado um panorama dentro da Academia, a mesma ainda consiste muitas
vezes em uma disciplina eletiva e que, para sanar a procura dos alunos, são ofertados estágios
supervisionados e projetos de extensão (Jacinto et al., 2012). A pesquisa realizada por Jacinto
et al. (2012) buscou investigar as instituições de ensino superior públicas do Brasil que possuem
cursos de Psicologia e ofertam disciplinas de Psicologia Jurídica no ano de 2008 e caracterizar seus
programas curriculares. Os autores perceberam que de 33 universidades públicas que possuíam o
curso de Psicologia, somente 11 possuíam alguma disciplina de Psicologia Jurídica. Os principais
conteúdos programados referiam-se aos pressupostos teóricos, áreas de atuação e formas e
técnicas de atuação. A carga horária era, em média, de 65 horas horas, em que a maioria era dada
exclusivamente de forma teórica.
O curso de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão é um reflexo desse panorama,
em que até o ano 2014 não havia em sua estrutura curricular nenhuma disciplina referente ao
campo jurídico, seja ela obrigatória ou optativa. Todavia, diante da demanda dos alunos, esta
era ofertada em forma de estágio curricular na área. Em 2015 é implementado um novo projeto
pedagógico do curso em que consta a disciplina de Psicologia Jurídica com trinta horas/aula de
cunho obrigatório para os alunos do quinto período. Um dos questionamentos nesse campo
refere-se ao relacionamento entre operadores do Direito com profissionais de outras áreas, como
psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, etc.
Diante do exposto, percebe-se que as demandas sociais cada vez mais solicitam a presença
do profissional da Psicologia no campo jurídico e esta movimentação ainda está ocorrendo
de forma lenta nas grades curriculares dos cursos de graduação. Para além disso, busca-se
compreender a solicitação de professores dessa área para ministrar aulas no curso de Direito. A
partir disso, questiona-se como se configura a introdução da disciplina de Psicologia Jurídica nos
cursos de Direito? Quais são os objetivos desta na formação de operadores do Direito? Quais são
as limitações enfrentadas pela Psicologia no ensino para os alunos do campo jurídico?
Método
Resultados
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O bacharel em Direito deve ser formado para ser um profissional de alto nível, com
capacidade para refletir sobre problemas da sociedade brasileira, formular soluções jurídicas
e estudar os meios de assegurar, à sociedade, o acesso ao Direito e à Justiça, conforme
disposto na Resolução CNE/CES n° 09/2004. Mas, não é essa a realidade que se encontra
na maioria das IES. As faculdades de Direito continuam, em muitos casos, como redutos
de uma transmissão arcaica do saber jurídico, empreendida quase sempre por profissionais
bem sucedidos, mas indiferentes às demandas sociais. (Chaves, 2014, p. 10).
Por isso a necessidade de implatação do ensino da Psicologia Jurídica nos cursos de Direito
do país, visando promover os discursos interdisciplinares dos fenômenos jurídicos independente
do campo de atuação e a formação de profissionais críticos e que dominem os conteúdos jurídicos
sem negar as complexidades do contexto social ao qual está inserido. Para compreendermos esse
fenômeno, será abordado a experiência de estágio docente na disciplina de Psicologia Jurídica
ofertada ao primeiro período de Direito no semestre de 2017.2 na UFMA.
O mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Maranhão foi criado em 2012 e
tem integralizado em sua estrutura curricular a proposta de estágio docente visando desenvolver
habilidades e competências da prática de ensino, tornando-se facultativa somente para os
profissionais que comprovem prática docente em alguma instituição de ensino. De acordo com
Freire (2001), o estágio possibilita que os mestrandos tenham um primeiro contato com a prática
docente, sendo que esta envolve não só a transmissão de conhecimento, como também a avaliação
das propostas pedagógicas desenvolvidas. Deve ser composto também pela interação com os
alunos e professores, observações e participações durante as aulas, demonstrando domínio dos
conteúdos trabalhados e possibilitando o aprendizado dos alunos. Para Santos (2013), a inclusão
e obrigatoriedade deste componente curricular demonstra uma iniciativa para a resolução de
questões acadêmicas atuais, visto que mestres e doutores estariam sendo capacitados muito mais
para o desenvolvimento de pesquisas, do que para as exigências da prática de ensino em nível
superior.
Diante da importância da realização do estágio docente na formação de mestrandos e
doutorandos, e da experiência vivenciada pela pesquisadora, buscou-se compreender como
o ensino da psicologia jurídica se constitui na graduação do curso de direito da Universidade
Federal do Maranhão, bem como a atuação da estagiária e as contribuições para a formação de
professores de Psicologia Jurídica e alunos do Direito. A disciplina de Psicologia Jurídica é ofertada
ao primeiro período do curso de Direito, com carga horária de trinta (30) horas, visando contribuir
para a ampliação de questões vivenciadas nesta área e sua relação com o campo psicológico,
assim como compreender a problemática da subjetividade nas demandas jurídicas.
Assim como ocorre em outras disciplinas ofertadas pelo Departamento de Psicologia a
diferentes cursos, geralmente os professores alocados nesses componentes curriculares possuem
contratos provisórios para ministrar diversas disciplinas, não possuem formação específica no
campo e mudam constantemente de acordo com a disponibilidade dos docentes no semestre,
isso faz com que haja uma variabilidade nos conteúdos escolhidos para as disciplinas e em suas
propostas pedagógicas.
Durante a realização do estágio docente, a proposta da ementa foi dividida em três unidades.
A primeira unidade foi referente à introdução aos conceitos e campos da Psicologia Jurídica e a
apresentação das “principais” abordagens psicológicas (Análise do Comportamento, Psicanálise
e Humanismo). Na segunda unidade foi proposto o estudo dos processos mentais superiories, tais
como memória, percepção, atenção e emoção, para que os alunos identificassem a importância
do reconhecimentos destes processos nas demandas jurídicas. E, por fim, foram discutidos em
turma tópicos específicos e atuais da Psicologia Jurídica, entre eles, alienação parental, adoção,
Discussão
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realizou seu estágio docente na disciplina de Psicologia Jurídica no curso de Direito da Universidade
Federal do Maranhão, em que foi notório o aproveitamento da disciplina pelos alunos e possibilitou
discussões críticas.
Por fim, entende-se a proposição de disciplinas básicas na graduação do curso de Direito
como uma forma de possibilitar a ampliação dos olhares para as demandas legais e propor uma
atuação multidisciplinar.
Referências
Altoé, S. (2003). Atualidades da psicologia jurídica. Em: Bastos, R. L. (Org.). Psicologia, microrrupturas
e subjetividades. Rio de Janeiro: e-papers.
Chaves, I. (2014). Reflexão sobre psicologia no curso de direito no Brasil. FAEF revista científica
eletrônica (6a ed.). Garça, São Paulo. Recuperado de http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/
arquivos_destaque/IhGgp85ysSzzppR_2014-12-15-18-22-2.pdf
Conselho Federal de Psicologia. (2010). Referências técnicas para atuação do psicólogo em Varas de
Família. Brasília: CFP.
Jacinto, A. C.; Suzuki, M. A.; Carvalho, N. H. & Rosolem, R.. (2012). A formação acadêmica do
psicólogo jurídico no Brasil hoje: implicações para um novo paradigma. Em: Carvalho, M. C. N.
(Coord.). Sistemas de justiça e direitos humanos: relações interdisciplinares. Curitiba: Juruá.
Lago, V. M., Amato, P., Teixeira, P.A., Rovinski, S.L.R., & Bandeira, D. R. (2009). Um breve histórico
da psicologia jurídica no Brasil e seus campos de atuação. Estudos de psicologia (Campinas),26(4),
483-491.
Lei 7.210, de 11 Julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília, DF. Recuperado de http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm.
Lei 8.069, de 13 de Julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras
providências. Brasília, DF. Recuperado de https://portais.ufg.br/up/223/o/ECA.pdf.
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VIVÊNCIAS DE UM ESTÁGIO EM PSICOLOGIA
JURÍDICA SOB A PERSPECTIVA DO PARADIGMA
“VIDA APAC X VIDA PÓS APAC”
Anna Karoline Gomes Dourado
Allan Victor Leal Gomes
Regina Maria Roberta Silva
Pedro Wilson Ramos da Conceição
Introdução
O
sistema prisional brasileiro possui grandes falhas. Os presídios enfrentam
superlotação, pois culturalmente acredita-se que a solução para os crimes em geral
é a reclusão, a privação de liberdade, a qual favorece a revitalização de estigmas.
O foco desse sistema não vem a ser a recuperação do indivíduo para trazê-lo de volta a sociedade
da qual foi retirado, mas sim, por falta e falha das políticas públicas, isolá-lo, excluí-lo. A história
entre psicologia e sistema penal por muito tempo manteve esse paradigma, baseada na Lei de
Execução Penal 7.210/1984 – LEP.
O exame criminológico, extinguido pela Lei n. 10.792 (2003) que trouxe mudanças a LEP,
ainda é requerido pelos juízes das Varas de Execuções Criminais para saber se o apenado tem
possibilidades de progredir de regime ou ir para um mais brando; porém, devido à falta de
acompanhamento do indivíduo encarcerado e as condições nas quais ele se encontra, isolado,
em presídios superlotados em sua maioria, sem nenhuma ocupação ou atividades produtivas
intelectualmente, a conjuntura colabora para a não evolução dentro do sistema.
Toda a conjuntura problemática que engloba o sistema carcerário atual no Brasil segue um
modelo antigo e que, também seguido por outros países, vem se mostrando ineficaz. Os desafios
desse sistema anseiam por alternativas que sejam mais humanizadas, as quais possibilitem
reinserção e participação social, profissionalização, garantia de direitos e suporte as famílias que
são parte do processo de recuperação. Nessa perspectiva de mudança destaca-se o sistema APAC
(Associação de Proteção e Assistência aos Condenados).
Como uma das alternativas ao sistema convencional esta surge, em 1972, em São Paulo,
sob liderança do advogado e jornalista Mário Ottoboni. A APAC é uma entidade jurídica de
direito privado, sem fins lucrativos, seu objetivo é promover a justiça restaurativa, objetivando a
recuperação. Segue as regras mínimas da Organização das Nações Unidas (ONU) e recebe todas
as assistências preconizadas pela Lei de Execução Penal para o tratamento do preso, chamados de
recuperandos, que cuidam e zelam pela instituição. Pode-se também as definir como centros de
reintegração social, com a finalidade de humanizar as prisões. Seus resultados, em poucos anos,
chamam atenção, com um índice de reincidência inferior a 10% (indicadores da Fraternidade
Brasileira de Assistência aos Condenados – FBAC, Sede em Itaúna/MG) contrariando as estatísticas
à nível nacional, de 85% (Conselho Nacional de Justiça - CNJ), e mundial, de 70% (dados da
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Deste modo, o trabalho buscou contribuir de outras formas, especialmente no paradigma de
recuperação central do método, de modo que trabalhássemos as percepções e angústias que
perpassavam as vivências do grupo. Dentro das atividades buscou-se: Identificar as demandas
dos recuperandos do sistema fechado; Gerar discussões acerca das temáticas levantadas, de modo
a promover empoderamento e autoconhecimento; Instigar reflexão e criação de estratégias de
enfrentamento às dificuldades encontradas no processo de encarceramento e pós encarceramento.
Método
Trata-se de um estágio supervisionado em Psicologia Jurídica com carga horária de 30h, o qual
ocorreu na APAC em Timon – MA. Inicialmente foram realizadas duas visitas para reconhecimento
do campo de estágio e aproximação ao grupo de recuperandos do Regime Fechado. Após estas
visitas foi realizado um encontro para levantamento de demandas através de roda de conversa.
Baseado nestas vivências o Projeto de intervenção do estágio foi então planejado.
As demandas estavam voltadas tanto para a dualidade Sistema convencional X Sistema
APAC como Vida APAC X Vida pós APAC. Assim, estruturado em torno dessa temática principal,
as atividades do estágio foram organizadas desta maneira:
1º Meu presente X Meu futuro - Atividades: Desenho do presente x futuro, Apresentação dos
desenhos e Discussão. Realizou-se produção de desenhos representativos do presente e do
futuro. Em seguida, os desenhos foram fixados na parede com a distância considerada pelo
recuperando entre esses dois tempos. No próximo momento foi proposto uma Roda de
Conversa sobre o significado destas distâncias para eles.
2º Ansiedade e Vida moderna - Atividades: Roda de conversa, Sentimento com emojis e Discussão.
Primeiro promoveu-se roda de conversa sobre ansiedade, diferenciando patologia e senso
comum. Depois, através de emojis, os sentimentos e implicações em torno da ansiedade
foram discutidos, discutiu-se ainda estratégias de enfrentamento a este acometimento tão
presente na vida moderna.
3º Potencialidades - Atividades: Roda de conversa, Em busca de Potencialidades e Teatro improvisado.
Primeiro fez-se uma roda de conversa sobre o tema. Em seguida todos tiveram um momento
para elencar 5 potencialidades suas. Após isso, em subgrupos, cada indivíduo escolheu a
potencialidade que mais lhe representava e juntos montaram um esquete teatral de modo
a entrelaçar as potencialidades de cada um. As sensações e sentimentos envolvidos na
atividade foram discutidos ao seu término.
4º Motivação - Atividades: Sessão cinema e Discussão do filme. Exibiu-se o filme À procura da
Felicidade e depois fez-se uma discussão mediada deste. Pipoca e Refrigerante foram servidos
no objetivo de tornar o momento o mais próximo de uma sessão no cinema possível.
5º Fortalecimento de vínculos no grupo - Atividades: Dinâmica do nó e Como me sinto no grupo.
A dinâmica do nó consistiu em desatar as mãos entrelaçadas sem soltá-las até que o círculo
estivesse novamente organizado, esta atividade trabalha conflitos e resolução de problemas.
No segundo momento distribuímos fichas de papel e pedimos que todos escrevessem como
estavam se sentindo no grupo, depois redistribuímos as fichas e cada recuperando falou o
que havia sentido diante do sentimento do outro.
6º Encerramento e Feedback - Atividades: Distribuição de mensagens, Dinâmica da imitação
integrada, Feedback em fichas, Discussão e Cofee Break. Distribuiu-se mensagens com conteúdo
referente às discussões de encontros anteriores, estas foram lidas e comentadas. Em seguida,
a dinâmica da imitação integrada conseguiu animar a todos diante da atividade anterior
que tinha promovido um momento mais reflexivo, ela consistia em imitar o comando de
bater palmas em sincronia com o grupo. O encontro foi finalizado com o recolhimento de
feedback do estágio em fichas, cofee break e músicas tocadas pelos recuperandos.
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buscamos trabalhar a ideia de que não existe sistema perfeito e se fossemos discutir resultados,
dois haviam fugido, mas todos os demais ficaram e continuavam buscando a ressocialização. Os
recuperandos produziam peças artesanais lindíssimas, tocavam e compunham músicas e muitos
demonstravam uma sensibilidade que ninguém jamais esperaria dentro de um sistema prisional. A
sociedade precisa voltar os olhos para um sistema que de fato busca ressocializar indivíduos antes
de discutir questões como pena de morte por exemplo.
Discussão
A partir da LEP a profissão de psicólogo passou a existir oficialmente nos presídios. No seu
art. 7º , o psicólogo está presente como membro da comissão técnica de classificação, necessário
para a elaboração e planejamento adequado do programa individualizado da pena privativa de
liberdade ao condenado ou preso provisório; ainda assim, o acompanhamento penal ocorre
com muita dificuldade no atual sistema carcerário pois, devido à superlotação, as avaliações
psicológicas individualizadas se tornam inviáveis. Neste contexto, tendo em vista que a APAC
se constitui como um método diferenciado de ressocialização mais humanizado, o trabalho do
psicólogo nesta Instituição não se restringe ao acompanhamento penal individualizado que sequer
acontece eficazmente no sistema tradicional.
Primeiro que não ocorre superlotação no método, a Associação só recebe a quantidade que
realmente suporta, segundo que, diante da ressocialização o trabalho do Psicólogo se amplia,
passando de um atendimento individualizado por si só a um trabalho do grupo, uma vez que o
próprio trabalho do psicólogo constitui contato com a comunidade, bem como os estagiários.
A união tão discutida no decorrer do estágio está em consonância com a organização
do próprio método, uma vez que, o funcionamento da Associação depende do trabalho
desempenhado pelos recuperandos, além do fato de eles terem apenas uns aos outros lá dentro.
A união se constitui de fato como uma estratégia de convivência expressa inclusive no segundo
fundamento do método abordado por Ferreira e Ottoboni (2016), “O recuperando ajudando o
recuperando”.
Uma das principais devolutivas ao estágio foi a respeito do quanto o grupo se sentiu ouvido
e valorizado enquanto pessoas. Muitos vinham do sistema convencional onde suas vozes são
totalmente rejeitadas. Foucault em sua obra Vigiar e Punir (1987), fala do processo punitivo das
prisões e discute a penalização do próprio corpo com os castigos físicos até a punição da própria
alma, de modo que a avaliação do crime e consequente pena instituída a ele se tornam mais
importantes que a recuperação do próprio indivíduo. As vivências do método APAC, por sua vez,
têm modificado um pouco essa realidade diante dos preceitos de humanização da pena e nesse
contexto, a atuação dos psicólogos jurídicos também vem sendo construída.
O método aposta e trabalha em prol da recuperação dos indivíduos, de modo que estes
se implicam e também se responsabilizam por seu progresso e pelo dos colegas, uma vez que, na
APAC recuperando ajuda recuperando. Segundo Falcão e Cruz (2015, p.10), “APAC’s distinguem-
se do sistema prisional tradicional na medida em que nas Associações o preso, aqui chamado de
reeducando, é o protagonista de sua recuperação, ... obedecendo a rígida disciplina em que se prima
pelo respeito, pela ordem e pelo trabalho”. Outro aspecto a ser observado é o Mérito pelas conquistas
Referências
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ANÁLISE DO PAPEL DO ATLETA: RELAÇÃO ENTRE
PRÁTICAS ESPORTIVAS E MECANISMOS DE
IDENTIFICAÇÃO E PROJEÇÃO NA SOCIEDADE
Thatiane da Silva Carvalho
Helen Emanuele Pereira Sousa
O
esporte não representa apenas qualidade de vida, saúde e uma boa forma de viver
bem, ele tem uma representação social onde interfere no modo de como é visto pela
sociedade, e seus indivíduos. Um esporte não se limita só a práticas de exercícios
físicos e também não se limita a participar, ganhar, colecionar troféus e medalhas. Há um novo
sentido social dado ao esporte, diferente daquele dado nas olimpíadas, onde o objetivo era se
reconhecer, superar suas próprias adversidades, não ganhar dos outros e sim ganhar de si mesmo.
Após essa grande revolução social no sentido do esporte, que se transforma em um espetáculo e é
transmitido pela mídia para todos os torcedores, afeta na importância do esporte e o transforma
em mais um produto da grande indústria de entretenimento.
O esporte não é apenas um exercício ou trabalho, seu papel representa muito mais que isso
na saúde mental de um torcedor. Para este, o esportista é um herói, que luta suas batalhas, cada
campeonato, e como um herói que passa as adversidades, compete com os outros e transforma-
se em um campeão. Esse campeão do esporte tem uma vida social. Essa vida social se define
pelos comportamentos diante da sociedade, tais como a relação com as outras pessoas, saber
conviver com a sociedade e com responsabilidade, o que come, bebe e o que usa; enfim, esse herói
que é admirado por suas vitórias, influencia não só pelo seu desempenho no esporte que serve
de motivação, mas também seu corpo físico, lugares que frequentam e sua imagem difundida
pela mídia. Esta ajuda a construir essas identidades e vendê-las. As imagens dos esportistas
se transformam em conceitos absorvidos pela sociedade mudando os valores do esporte
constantemente.
Os impactos causados por essa comercialização do esporte na sociedade, as consequências
desses sentidos e valores divulgados pelos meios de comunicação; e os comportamentos resultantes
desses processos e mudanças no sentido do esporte e papel social do atleta foram tratados na
elaboração deste artigo, procurando demonstrar através de uma revisão sistemática, a relação do
papel social do atleta: o que ele representa, os mecanismos de projeção e identificação da sociedade
com o desportista e sua condição de “herói”. Trabalhar questões como: fanatismo, perfeccionismo do
atleta, influência nos valores. Isso tudo incentivado pela imagem construída do atleta no esporte, que
vai além da imagem no esporte, auxiliados pelo marketing, por exemplo, que acaba influenciando
a população usando sua admiração pelo esporte para ir além dele mesmo, além das quadras,
das bolas e agindo como uma forma de controle social. Aí está a importância de discutir tal
assunto, investigar como ocorre a elaboração do imaginário esportivo e os elementos utilizados
pela mídia para sua construção e assim, identificar as possíveis consequências comportamentais
que poderão vir a ser positivas ou negativas. Bracht (2005), menciona que:
Método
Trata-se de um estudo de revisão sistemática sobre a relação entre o papel social do atleta
e os mecanismos de projeção e identificação da população. O levantamento bibliográfico foi
realizado nas bases de dados MEDLINE e LILACS com as seguintes palavras-chave: atleta herói,
papel social do atleta, mecanismos de projeção no esporte, análise social do atleta, papel do
atleta, atleta e sociedade. Somente foram utilizados termos em português.
Para identificação e seleção de artigos, foram definidos como critérios de inclusão:
Referências que tiveram como objeto de estudo crianças, adolescentes ou adultos; referências
relacionadas ao tema, tendo como norteador do estudo a análise do papel social do atleta,
evidenciando os mecanismos de identificação e projeção com os desportistas em geral, sua
condição de “herói”, pela população brasileira; a influência da mídia e possíveis consequências
comportamentais. Artigos cuja população-alvo são atletas e a população brasileira, limitando-
se a trabalhos escritos na língua portuguesa, publicados no período de julho de 2001 a julho de
2016 em periódicos e bibliotecas virtuais. Artigos que não preenchiam os critérios de inclusão, tais
como diferissem do objetivo proposto ou que focalizassem apenas na descrição dos mecanismos
de identificação e projeção sem relacionar com o papel do atleta nem suas possíveis consequências
comportamentais foram excluídos.
Após a consulta às bases de dados e a aplicação das estratégias de busca, foram lidos todos
os títulos e resumos. Quando os resumos não eram objetivos para serem incluídos, considerando-
se os critérios de inclusão, lia-se o texto completo para determinar se estavam aptos ou não.
Resultados
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Dois artigos analisaram em específico a imagem do jogador de futebol, Ronaldo, difundida
pela mídia representando-o como mito, herói e correlacionando ao imaginário do torcedor, sua
identificação social. Abordaram a contribuição da mídia na elaboração da mitificação de Ronaldo
como ídolo do futebol. Um estudo buscou investigar a partir de duas mídias digitais, o outro a
partir de uma análise do discurso da Folha de S. Paulo na Copa do Brasil de 2009.
Três artigos buscaram descrever e analisar o fascínio das pessoas em relação aos fenômenos
esportivos e o que acontecem com elas diante das performances dos atletas. Dentre esses, um
estudo analisou a produções de dois autores, como Rodrigo Helal e Katia Rubio que abordam o
fenômeno do herói; um por meio de uma periodização do esporte com uma comparação entre
o esporte na Grécia Helênica e o esporte no momento atual, analisa as mudanças ocorridas no
fenômeno esportivo e a presença do mito do herói durante todo esse período para auxiliar a
identificar o significado do mito do herói. Outro artigo buscou descrever o heroísmo do atleta e
a identificação social a partir de três conceitos: Estética, presença e excelência do desempenho.
Oito estudos relacionaram o fenômeno esportivo e os mecanismos de identificação e projeção
na sociedade. Conforme Rubio (2001) há uma representação do mortal como um ser mítico, um
herói, a partir de seus grandes feitos e conquistas. Desse modo, o mortal possui características de
deuses, pela sua força e superação de obstáculos, por estarem sempre à frente de suas batalhas. Os
atletas de alto rendimento se assemelham a esses heróis do Olimpo, também pela correlação entre
os lugares de realização dos jogos atuais e as zonas de combate na Grécia Antiga. Rubio(2001)
aponta características fundamentais para criação do atleta como herói, tais como “a capacidade
de vencer e de satisfazer as necessidades do grupo, performances extraordinárias, aceitação social
e espírito de independência.” (p.100).
Com relação a influência midiática na transformação de atletas em heróis, cinco estudos
propuseram a analisar tal relação. Desses cinco; um artigo fez um levantamento histórico para
analisar a ação dos meios de comunicação na transformação dos atletas em heróis, mitos
correlacionando com os mecanismos de identificação e projeção no espectador e avalia também
por meio de uma pesquisa de campo com alunos de uma escolinha de futebol como a mídia
interfere na decisão de um jovem querer se tornar um jogador de futebol profissional; um investiga
como a Conmebol (Entidade organizadora) utiliza de estratégias sociodiscursivas em cinco notícias
para a adesão e aceitação das pessoas para a Copa América 2015, elucidando-as, fazendo uma
correlação entre a criação de imagens do atleta como mito e a identificação social; um fez uma
correlação sucinta entre a prática esportiva, a construção do mitos e heróis pela contribuição da
mídia e os mecanismos de identificação – projeção; um artigo constatou a influência da mídia e
a exploração do marketing esportivo na admiração das pessoas sobre os atletas, exaltando – os
a condição de herói; e um analisou o tratamento da mídia em relação ao paralimpismo, a sua
influência com a criação de estereótipos e emoções na construção do imaginário esportivo, ou
seja, relacionando com os mecanismos de identificação e projeção na sociedade.
Dos dez artigos analisados para elaboração deste estudo, cinco constataram o impacto que
a influência da mídia na construção de atletas como mitos e heróis relacionados aos mecanismos
de identificação e projeção tem na sociedade, explicitando temas como sentimento de eugenia
entre as pessoas, a busca do corpo ideal; distanciamento das classes populares ao acesso ao
conhecimento e mercadorização esportiva.
Discussão
A mídia precisa de fato, ser criativa para atrair a atenção de seus espectadores. Então além
de criar conteúdo, este conteúdo tem que ser atrativo e interessante para o público. O esporte tem
se tornado um dos grandes alvos da indústria midiática em busca de entretenimento. Tal efeito
Nas primeiras olimpíadas, o esporte tinha os mais simples dos objetivos, a superação
de si mesmo, desafiar-se e o fato de ganhar seria a mera consequência de seus esforços. Mas
atualmente, no sistema capitalista, o time apenas “serve” se ganhar todas as jogadas, tiver bons
patrocinadores e jogadores bem tratados pela mídia, não bastando somente seu desempenho no
esporte. Grandes impactos no esporte e maiores ainda nos torcedores, causados pela mídia, pois
cada um desses sentidos dados por ela transforma-se em informação e valores causando grandes
mudanças na sociedade.
E no meio dessa confusão de novos sentidos e significados, qual seria o real papel do esporte
e do atleta nessa sociedade? É importante pensar neste assunto quando o esporte não é um
movimento, exercício, mas está presente em vários âmbitos das nossas vidas, em camisas, copos,
toalhas que compramos, que nos faz chorar, sorrir e gritar, percebendo isso é importante estudar os
aspectos que este determinado assunto nos atinge e as consequências dessa influência no cotidiano.
A mídia produz uma imagem de atleta-herói que causa um processo de identificação e representação
nos esportistas. O atleta-herói, herói, aquele que luta e vence suas batalhas; o mocinho sempre
forte e admirado por todos; um ícone de motivação, bravura e vitória aplicada ao atleta; onde esses
aspectos do herói são vistos e observados, seu físico, sua imagem e suas atitudes são analisadas
e utilizadas como modelo pelas mais diferentes classe e idades. Cada peculiaridade do atleta é
analisada de uma forma diferente para a significação de um todo. E as mais diferentes classes e
idades são seduzidas por esse herói, ícone de sucesso, fama e vitória; pelos mais variados motivos.
Mulheres se inspiram nas suas heroínas campeãs ganhadoras de medalhas para suas lutas
diárias, as crianças identificam-se com os atletas admirados por todos e anseiam essa admiração,
assim como as identificações com os atletas paralímpicos, ícones da superação das dificuldades e
temos também o fator onde vários atletas “venceram na vida” através de uma boa participação no
esporte. No Brasil, o esporte é algo comum no cotidiano brasileiro. Compra-se camisas, copos,
toalhas e ingressos para prestigiar as vitórias, pois, a conquista do time é a conquista de cada
família, de todos. Essa representação é algo que nos traz orgulho. No esporte, que também é
um comércio, os patrocinadores ajudam aqueles que os torcedores admiram (time ou atleta) a
alcançar sucesso, conquista, um golpe de marketing onde a paixão do torcedor se assimila com os
patrocinadores que acabam assim expandindo a sua marca e atraindo mais consumidores.
Este são alguns exemplos de como o esporte e a mídia pode interferir na vida dos torcedores
em diferentes áreas. A mídia procura chamar atenção de seus alvos a partir da apresentação
de valores, cultura, identidade nacional, valorização do corpo, status e estes fatores que são
supervalorizados pela população. A cultura, por exemplo, influencia muito e a mídia também leva
em consideração a cultura ao então criar o conteúdo, este procura ter uma identidade em que
muitas pessoas se identifiquem. No Brasil, por exemplo, pode se correlacionar o “brasileiro nunca
desiste” com a garra ao jogar, assim a população se sente representada.
1126 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Nós escolhemos como modelos aqueles indivíduos que nos parecem mais bem-sucedidos
do que nós na gratificação das próprias necessidades. A criança se identifica com os pais
porque eles parecem ser onipotentes, pelo menos durante os anos da infância inicial. À
medida que as crianças crescem, encontram outras pessoas com as quais se identificar,
pessoas cujas realizações estão mais de acordo com seus atuais desejos. Cada período
tende a ter suas figuras de identificação características. Nem é preciso dizer que a maioria
dessas identificações ocorre inconscientemente e não, como pode parecer, com intenção
consciente. (Hall, Lindzey, & Campbell, 2000, p. 62)
Nas classes sociais, o esporte pode ser visto como além de identificação, um sonho, um
meio de mudar de vida para as classes mais baixas, de estabilizar-se, enriquecer, ganhar status e
ser reconhecido. Esse é o desejo de muitos, e aqueles que conseguem são levantados como heróis
pelo seu povo, por ter conquistado e mostrado a todos de onde ele veio e o que pode se tornar.
Servindo de inspiração para toda a sociedade, pois além do processo de identificação com o
herói, a sua projeção na sociedade; aquilo que é admirado é imitado.
Não só existem impactos positivos, mas também há os impactos negativos que essa projeção
pode causar. Os esportistas por serem considerados tanto como heróis, eles acabam forçando-se
a se comportar de tal maneira, como heróis; mas eles não são perfeitos e erram, esses erros por
sua vez causam uma projeção com consequências no atleta e na sociedade. Essa pressão de herói
sobrecarregam o atleta que não quer decepcionar os fãs, e não quer perder e isso o leva a buscar
certas saídas como doping. Tal atitude pode acabar com a carreira do esportista, sem mencionar
o impacto emocional sobre ele. Ao usar doping, ele assume que não poderia vencer com suas
próprias habilidades, mas tentou infligir a regras, deixou de ser um herói. Uma derrota já causa
uma comoção muito grande como foi visto nas quartas da copa do mundo, onde o brasil perdeu
para a Alemanha. O uso de doping pode levar além de tristeza e sentimento de raiva, revolta e
frustação.
Daqui a 10, 20, 50 anos, dirão aos brasileiros que a Seleção, lá atrás em 2014, perdeu uma
semifinal de Copa do Mundo para a Alemanha, em casa, por 7 a 1. Esse texto é para quem
era garotinho ou nem sequer havia nascido na época. Tomara que o encontrem na internet
(ou seja lá qual for a ferramenta que estarão usando no futuro) e tentem entender o que
nenhuma palavra pôde explicar aos que estiveram no Mineirão, em Belo Horizonte, ou aos
200 milhões que viram. (Lozetti, 2014, p.1)
Uma das maiores fontes de representação de superação são os atletas paralímpicos que são
pessoas que possuem algum tipo de deficiência. Eles possuem maiores dificuldades em desenvolver
atividades diárias, mas estão ali no esporte competindo, vencendo e ganhando medalhas. Ícone
de superação e inspiração para muitos que se identificam. Há ainda várias outras formas de
identificação como a busca pelo corpo ideal, a história de vida difícil de vários atletas e os sonhos.
São vários os meios que o público pode se identificar dependendo do material que a mídia oferece
e o impacto disso seria o surgimento do sentimento de eugenia, na valorização de apenas um
biótipo humano, do corpo perfeito para se parecerem com os atletas-heróis e um maior consumo
dos produtos esportivos.
Pode-se observar que dentre os artigos analisados, todos buscam apresentar a relação dos
mecanismos da mídia na construção dos “heróis esportivos” e a influência da mídia a partir de
estereótipos que despertam e representam as imagens do inconsciente das pessoas. A partir da
análise do estudo sobre o encerramento da carreira do jogador Ronaldo, foi verificado que a
condição de ídolo se dá pela relação e influência da mídia aos torcedores; com fatos, muitas
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Introdução
A
prática esportiva, competitiva ou não, envolve muitos aspectos a serem estudados,
entre eles as questões emocionais, relacionais e sociais. Sendo assim, falar de esporte
vai além da questão física, pois coloca em voga, também, os estados psíquicos dos
competidores e participantes, com seu caráter psicológico inerente ao ser humano. Vilarino et al
(2017) destacam que caráter psicológico pode fazer diferença quando se espera em esportistas
um rendimento adequado que não se concentrem somente nas habilidades físicas. A psicologia
tem como foco de investigação o esporte nos seus diferentes campos e busca compreender a inter-
relação do indivíduo com a atividade esportiva. Em uma perspectiva de investigação relacionada às
características, aos traços, processos, estados e qualidades psicológicas no esporte (como ansiedade,
estresse, liderança, etc.); e em outra perspectiva relacionada às características das modalidades
esportivas, incluindo seu modo de ensino, treinamento e exigências psicológicas, o que explicita a
interdependência da preparação psicológica e do treinamento esportivo (Falcão, 2008).
A Psicologia do Esporte (PE) desde o final do século XIX e início do século XX, desenvolvia-
se nos Estados Unidos e na União Soviética, culminando com a criação do primeiro laboratório
de PE em 1925 por Colleman Griffith nos Estados Unidos (Vieira, Vissoci, Oliveira & Vieira, 2010
& Hernandez, 2011). No Brasil a PE tem como marco inicial a atuação de João Carvalhaes no
futebol na década de 1950. A área ganhou mais força nos anos de 1990, sendo reconhecida pelo
CFP (Conselho Federal de Psicologia) como uma das especialidades da Psicologia por meio da
Resolução CFP nº 014/00 e está em franco desenvolvimento em nosso país com aumento na
produção científica. A Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (ABRAPESP) que atua,
desde 2006, discutindo e promovendo a PE no país (Vilarino et al., 2017, Vieira et al., 2010 &
Hernandez, 2011).
Conceitualmente a PE possui definições na literatura que se estendem como: É descrita
no CFP como uma prática que pode ofertar auxílio psicológico a atletas e comissão técnica,
procurando atingir sua saúde mental, rendimento e performance, não se restringindo a esportistas,
mas como adultos, crianças e portadores de necessidades especiais, integrando-os á pratica de
atividades físicas e amparando-se em ações diagnósticas e interventivas (Vilarino et al., 2017).
Busca analisar aspectos emocionais envolvidos na prática esportiva e entende a relação interativa
em como fatores psicológicos afetam o desempenho físico e em como a participação em esportes
1130 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
e exercícios afetam o desenvolvimento psicológico, saúde e bem-estar nos indivíduos (A. M. B.
Silva, Foch, Guimarães e Enumo, 2014).
Tendo em vista o aspecto referente ao equilíbrio das relações interpessoais no esporte,
Cheuczuk et al. (2016) diz que estudos realizados comprovam a eficácia da participação do
psicólogo no contexto esportivo quando observado que atletas expressaram maior rentabilidade
nas modalidades esportivas, a partir, do momento em que um cuidado por seus processos
psíquicos foi evidenciado. As demandas de cunho motivacional na psicologia do esporte ganham
destaque em processos de reabilitação de atletas com lesões provenientes, ou não, de práticas
esportivas, assim como o acompanhamento de atletas com deficiências físicas, como em desportos
paraolímpicos, os quais tem ganhado, cada vez mais, prestígio social (Costa e Silva et al., 2013).
Apesar do bojo de definições e conceitos, as pesquisas realizadas pela PE possuem marcas
de delimitações claras e densas, ao que Vilarino et al. (2017) falam que há carência quanto a
estudos de análises sócio-históricas e geopolíticas em Psicologia do Esporte no Brasil; há uma
prevalência de grupos de pesquisa voltadas a PE em regiões específicas, como Sudeste e Sul, em
detrimento de regiões como Nordeste e Norte. Quando se busca artigos da área, percebe-se
que as temáticas com maior número de produções são voltadas para a ansiedade, motivação e
estresse, sendo voleibol, futebol e basquete as modalidades mais comuns desses estudos (Vilarino
et al., 2017). Ainda são escassos os estudos com esportes que envolvam desportos paraolímpicos,
assim como as atividades de lazer e aventura, tal como instrumentos de testagem e avaliação
psicológica especificas para a PE.
Desse modo, os estudos em PE mostram-se em ascensão no Brasil, mas necessitam de
propagação nacional, com investimentos que se voltem para a educação e pesquisa, a vista que
os polos de cursos que possuem a PE no currículo concentram-se no Sul e Sudeste, assim como os
estudos realizados em grupos de pesquisa. Apesar de entraves é possível observar na região Norte
e Nordeste crescimento nestes aspectos, que no futuro pode ser visto com mais pesquisadores
nas instituições, como doutores, e apropriação da PE para as condições e demandas dessa região
segundo Vilarino et al. (2017). Esse movimento já se iniciou nos últimos anos, principalmente,
com a realização de eventos nas regiões Norte e Nordeste tais como o I Simpósio de Psicologia
e Sociologia do Esporte de Pernambuco em aconteceu em Recife (PE) em 2010; o II Simpósio
Pernambucano de Psicologia do Esporte em Recife (PE) em 2015, o I Encontro Norte-Nordeste
de Psicologia do Esporte que aconteceu em São Luís (MA) em 2016; o I Encontro Piauiense
de Psicologia do Esporte que aconteceu em Parnaíba (PI) em 2017, o I Encontro Cearense de
Psicologia do Esporte ocorrido em Fortaleza (CE) no ano de 2017 e a VI Semana de Psicologia da
UFMA (Universidade Federal do Amazonas) em 2017.
Diante do exposto o presente trabalho busca verificar as últimas produções nacionais de
Psicologia do Esporte no que concerne verificar os temas que ainda são considerados escasso,
tais como Psicologia do esporte em grupos específicos de atletas como com deficiência física ou
trauma lesional. A partir, da revisão descritiva e sistemática da literatura, encontrada em bancos
de dados da Psicologia, é exposto aplicações, limitações e relevância dessa área referente aos
temas emergentes e analisar como as publicações apresentam tais temáticas.
Método
Foi realizada uma revisão da literatura com base nas produções nacionais que tem como
tema a Psicologia do Esporte. A busca dos estudos foi realizada no mês de janeiro de 2018. Foram
pesquisadas as seguintes bases de dados para a identificação dos artigos a serem incluídos: BVSPsi
(Biblioteca Virtual da Saúde), Scielo (Scientific Electronic Library Online) e Periódicos Capes.
A busca de artigos teve como descritores: “psicologia do esporte”, “psicologia do esporte
e deficiência física”, “psicologia e lesão”, “psicologia e esporte”. A partir da leitura dos resumos,
N = 17 N = 19 N = 02
Foi verificado por meio da leitura dos artigos alguns temas comuns entre os 22
artigos
Foi selecionados
verificado por meio e foram descritos
da leitura três eixos
dos artigos para temas
alguns a apresentação
comuns entredos resultados
os 22 artigos
encontrados: a) psicologia do esporte e pessoas com deficiência física
selecionados e foram descritos três eixos para a apresentação dos resultados encontrados: e trauma a)
lesional;
psicologia b) psicologia
do esporte e pessoasdo esporte
com e saúde
deficiência mental
física dos lesional;
e trauma esportistas e c) psicologia
b) psicologia do e
do esporte
esporte e limitações para atuação do profissional PE.
saúde mental dos esportistas e c) psicologia do esporte e limitações para atuação do profissional
PE.
Discussão
Discussão
Psicologia
Psicologia do Esporte
do Esporte e Pessoas
e Pessoas comcomDeficiência
Deficiência Física
FísicaououTrauma
TraumaLesional
Lesional
Foram encontrados oito artigos que embasam a PE com pessoas com deficiência física
Foram encontrados oito artigos que embasam a PE com pessoas com
ou com trauma lesional, descritos na Tabela 1. Os artigos apontam que a construção relacional
deficiência física ou com trauma lesional, descritos na Tabela 1. Os artigos apontam
do psiquismo, do social e do cognitivo, influenciam diretamente no indivíduo por meio de sua
que a construção relacional do psiquismo, do social e do cognitivo, influenciam
imagemdiretamente
corporal, suas
no experiências,
indivíduo porinterações
meio dee qualidade
sua imagemde vida (Pereira,
corporal, Osborne,
suas Pereira, &
experiências,
Cabral,interações
2013). e qualidade de vida (Pereira, Osborne, Pereira, & Cabral, 2013).
Tabela 1
Artigos Encontrados Relacionando PE a Pessoas Com Deficiência Física ou com
Trauma Lesional
1132 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 1
Artigos Encontrados Relacionando PE a Pessoas Com Deficiência Física ou com Trauma Lesional
n Autores Artigos Revista Ano
A importância do desporto de alto rendimento
R. Pereira; R. Osborne; A. na inclusão social dos cegos: Um estudo
1 Motricidade 2013
Pereira; S.I. Cabral centrado no Instituto Benjamin Constant -
Brasil
Lenamar Fiorese Vieira;
João Ricardo Nickenig
Psicologia do esporte: uma área emergente da Psicologia em
2 Vissoci; Leonardo Pestillo 2010
psicologia Estudo
de Oliveira; José Luiz Lopes
Vieira
Anselmo de Athayde Costa
e Silva; Renato Francisco
Rodrigues Marques;
Luis Gustavo De Souza
Esporte adaptado: abordagem sobre os fatores Revista Brasileira de
Pena; Sheila Molchansky;
3 que influenciam a prática do esporte coletivo Educação Física e 2013
Mariane Borges; Luis
em cadeira de rodas Esporte
Felipe Castelli Correia de
Campos; Paulo Ferreira de
Araújo; João Paulo Borin;
José Irineu Gorla
S.S. Gomes; G.S. Leite; V.
4 Pedrinelli; R. Ferreira; R. Fluxo no para-atletismo Revista Motricidade 2012
Brandão
Victor Barroso Ribeiro;
Preditores psicológicos, reações e o processo
Sandra Regina Garijo de
5 de intervenção psicológica em atletas Ciências & Cognição 2013
Oliveira; Flavia Gonçalves
lesionados
da Silva
Juliana Cristina da Silva;
Maria Regina Ferreira
Brandão; Jaime Roberto
Implicações psicológicas das lesões em atletas Psicologia em
6 Bragança; Aline Iris Gil 2015
de judô paralímpico com deficiência visual Estudo
Parra Magnani; Luis Felipe
Tubagi Polito; Marcelo
Callegari Zanetti
Carlos Roberto de Oliveira
Nunes;
Revista Brasileira
Max Jaques; Processos e intervenções psicológicas em
7 de Psicologia do 2010
Fabiana Thaís de Almeida; atletas lesionados e em reabilitação
Esporte
Georgette Iara Ullmann
Heineck
Revista da Faculdade
Lesão e dor no atleta de alto rendimento: o de Ciências
8 Clarisse Medeiros 2016
desafio do trabalho da psicologia do esporte Humanas e da
Saúde
Nota: tabela criada pelos autores, a partir, dos artigos encontrados nos bancos de dados (BVSpsi, Scielo e
Períodicos Capes).
Por muitas vezes, tais aspectos são esquecidos e negligenciados quando relacionados às
pessoas portadoras de deficiência. Nesse meio o esporte torna-se um instrumento valioso na
introdução de tais construções, isso pelo fato, do mesmo abranger uma série de aspectos,
concepções, atitudes e atividades que atuam direta ou indiretamente na fomentação de percepções
e ações que podem gerar componentes diferenciais e transformadores, aliados a variados contextos
Dos artigos selecionados, quatro deles referem-se a saúde mental dos esportistas, que é
tratada na área de Psicologia do Esporte, os mesmos estão em destaque na Tabela 2, a seguir.
1134 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 2
Artigos Encontrados Relacionando PE a Saúde Mental
n Autores Artigos Revista Ano
Revista Brasileira
Interfaces entre dismorfia muscular e
1 Rodrigo Scialfa Falcão de Psicologia do 2008
psicologia esportiva
Esporte
Mauro Menegolli Ferreira
da Silva; Marina Belizário
de Paiva Vidual; Rafael Ansiedade e desempenho de jogadoras de
Revista da Educação
2 Afonso de Oliveira; Hélio voleibol em partidas realizadas dentro e fora 2014
Física / UEM
Mamoru Yoshida; João de casa
Paulo Borin; Paula Teixeira
Fernandes
L. Segato; R. Brandt; C.M.
Estresse psicológico de velejadores de alto nível
3 Liz; D.I.C. Vasconcellos; A. Motricidade 2010
esportivo em competição
Andrade
Paula Barreiros Debien;
Franco Noce; Jurema O estresse na arbitragem de ginástica rítmica: Revista da Educação
4 2014
Barreiros Prado Debien; uma revisão sistemática Física / UEM
Varley Teoldo da Costa
Nota: tabela criada pelos autores, a partir, dos artigos encontrados nos bancos de dados (BVSpsi, Scielo e
Períodicos Capes).
O último eixo temático inclui sete artigos analisados e volta-se para limitações que perpassam
o trabalho de psicólogos do esporte no Brasil, descritos na Tabela 3, a seguir.
Tabela 3
Artigos Encontrados Sobre Limitações ao Trabalho dos Psicólogos do Esporte no Brasil
n Autores Artigos Revista Ano
A prática da avaliação psicológica em contex-
Renata Parente Garcia; tos
1 Temas em Psicologia 2016
Juliane Callegaro Borsa
esportivos
Andressa Melina Becker
da Silva; Gisele Fernandes
Instrumentos Aplicados Em Estudos Brasileiros Estudos Interdiscipli-
2 de Lima Foch; Claudiane 2014
Em Psicologia Do Esporte nares em Psicologia
Aparecida Guimarães; Sô-
nia Regina Fiorin Enumo
José Augusto Evangelho João Carvalhaes, um psicólogo campeão do Estudos e Pesquisas
3 2011
Hernandez mundo de Futebol em Psicologia
Antonio Carlos Simões;
Paulo Felix Marcelino Con- Psicossociologia do esporte: Um jogo parado- Boletim de Psico-
4 2009
ceição; José Alberto Agui- xal de forças inconscientes logia
lar Cortez
Cristianne Almeida Car- Psicologia e esporte: um olhar fenomenológico Revista da Aborda-
5 2009
valho para um encontro marcado pela modernidade gem Gestáltica
José Augusto Evangelho
Validação da escala de liderança para o espor- Psicologia: Ciência e
6 Hernandez; Rogério da 2012
te: versão preferência dos atletas Profissão
Cunha Voser
Validação para a população brasileira da Es- Revista Brasileira de
Guilherme Moraes Balbim;
7 cala de Dominância Télica (TDS) no contexto Educação Física e 2015
Lenamar Fiorese Vieira
esportivo Esporte
Nota: tabela criada pelos autores, a partir, dos artigos encontrados nos bancos de dados (BVSpsi, Scielo e Períodicos
Capes).
1136 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
artigos de validação de instrumentos internacionais: Escala de Dominância Télica (TDS) (Balbim
& Vieira, 2015) e Escala de Liderança para o Esporte (ELE) (Hernandez, & Voser, 2012).
No entanto, há necessidade de desenvolvimento de instrumentos específicos para avaliar
especificidades de esportistas, levando em consideração o ambiente de atuação (piscina, quadra,
ar livre, pista), pois há um risco generalizado do uso de instrumentos da área clínica no esporte,
pois estes instrumentos não contemplam as especificidades do contexto esportivo ou mesmo de
características psicológicas importantes ao contexto diz A. M. B. Silva et al. (2014).
Contudo, a atuação do psicólogo do esporte para produção de uma avaliação psicológica,
ou psicodiagnóstico esportivo, tal como relata-se nos artigos, por meio do uso de práticas
consagradas como entrevistas, dinâmicas e observação, amparando-se em alicerces da atuação
e competência do psicólogo: entrevistas, aplicação de questionários, observação sistemática de
treinos e jogos, e com cautela a aplicação de testes psicológicos, tal para que o psicólogo do
esporte consiga conhecer os indivíduos com que trabalhe e faça uso da avaliação psicológica de
maneira humanitária e ética (Garcia & Borsa, 2016).
Por fim, denota-se na literatura também a dificuldade de inserção do trabalho do psicólogo
do esporte junto aos esportistas e técnicos, devido ao desconhecimento das práticas psicológicas,
preconceito e estereótipos como associação a patologias. Devendo o psicólogo do esporte
desmistificar tais pensamentos, além de assumir uma postura crítica e consciente ao utilizar o
arcabouço da Psicologia para prezar pela qualidade de vida em oposição a efeitos prejudiciais à
saúde mental como ansiedade, imediatismo de resultados, midiatização do sucesso e busca pela
perfeição estética que podem estar presentes junto aos esportes e seus integrantes (Simões et al.,
2009, & Carvalho, 2009).
Conclusão
A Psicologia do Esporte é uma subárea da Psicologia, mas ligada a um dos pilares históricos
da humanidade – o Esporte. O presente trabalho buscou levantar a partir de revisão de produções
nacionais, evidenciar que a PE se faz imprescindível junto ao campo desportivo, sendo uma área
emergente da Psicologia. Ficou evidente na revisão dos artigos que a área de Psicologia do Esporte
possui uma história que denota proximidade com a consolidação da Psicologia Brasileira, em
contramão ao cenário atual que carece, consequentemente, de maior repercussão dentro desta
área, tal como maiores investimentos em pesquisas e propagação nas regiões do país com mais
profissionais que possam influenciar em nossa realidade que é tão bem marcada pelo esporte.
Ressalta-se que seu enfoque principal concede na prevenção e promoção da saúde
psicológica de desportistas. Devido a isso, seu cerne está voltado para o trabalho aspectos tal
como a ansiedade, estresse, quando estes são fatores causadores da diminuição da qualidade
de desempenho dos mesmos, como são agravos para a saúde mental, de modo que se trabalha
permanentemente aspectos motivacionais.
Assim, nota-se- a tamanha relevância do esporte para a Psicologia, tanto em âmbitos
teóricos, como prático. A prática esportiva, de alto rendimento ou não, é fundamental para
o desenvolvimento pessoal, social e de qualidade de vida das pessoas. Para atletas lesionados,
a PE possui grande valia por trazer resultados no processo de reconhecimento de causas e
consequências, além de auxiliar diretamente na recuperação dos mesmos. No entanto, aponta-
se a necessidade de maior investimento em pesquisas relacionadas ao tema, implicando que é
necessário a exploração de novos horizontes.
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Introdução
I
ngressar na universidade tem um papel significativo na vida de muitos jovens, pois,
geralmente, tem uma conotação de sonho realizado e a esperança de um futuro melhor.
No entanto, esse momento também representa o marco de novas barreiras e desafios
aos estudantes, pois é uma época marcada por mudanças significativas na rotina dos discentes, e
novas responsabilidades são assumidas (Bardagi & Hutz, 2011).
As mudanças ocorridas aos discentes devido a transição para o nível superior costumam
provocar dificuldades a estes de adaptação. Dentre as mudanças que ocorrem comumente, pode-
se citar: sair de casa, maior distanciamento da família, assumir novos papéis e responsabilidades
(Brooks & Dubois, 1995). Na academia se fazem necessárias novas estratégias de aprendizagem,
com o intuito de uma maior absorção de conteúdo científico. Também há os desafios de
estabelecimentos de novos padrões de relacionamentos e ampliação das relações interpessoais
(Soares, Almeida, Diniz, & Guisande, 2006). Esse período pode gerar tanto expectativas positivas
quanto negativas nos indivíduos, impondo metas pessoais, interpessoais e acadêmicas, dentre
outras. E se tem observado que o perfil desses estudantes tem passado por mudanças, mais
recentemente é visto um perfil mais heterogêneo de acadêmicos, em termos de idade e classe
social. A expansão e à democratização de ensino superior no Brasil e as exigências sociais de uma
maior qualificação profissional podem ser apontadas como as responsáveis por esse fenômeno
(Sarriera, Paradiso, Schütz, & Howes, 2012).
Diante de tantas novas demandas, juntamente com outras já existentes, é comum o
sujeito se deparar com a falta de tempo. Somando-se a isso comportamentos e hábitos danosos
a saúde, como, alimentação inadequada, consumo de bebida alcoólica, tabagismo, e pequena ou
nenhuma frequência de atividade física. Tais práticas tendem a deixar a saúde desses indivíduos
vulnerável (Sousa, José & Barbosa, 2013). Souza, Lopes, Almeida e Sousa (2014) destacam que
devido ao aumento da demanda de atividades os discentes têm, consequentemente, menos
tempo para atividades de lazer, como é o caso da atividade física. Se considerarmos ainda as
intensas alterações biológicas, instabilidade psicossocial e falta de comportamento preventivo,
adolescentes universitários compõe um grupo significativamente vulnerável à riscos com relação
a sua saúde (Vieira, Priore, Ribeiro, Franceschini, & Almeida, 2002).
A prática de atividade física (AF) tem um papel importante na produção de bem-estar
ao sujeito. Inclusive, cada vez mais sua importância tem aumentado na sociedade atual. Uma
1140 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
explicação plausível para esse fenômeno são os benefícios advindos da exercitação do corpo,
valendo ressaltar que estes não se limitam a benefícios físicos/fisiológicos, mas também
possibilitam produção de bem-estar psicológico, oferecendo ao sujeito uma melhor qualidade de
vida (Pieron, 2017).
Nesse sentido, é válido destacar alguns dos diversos benefícios à saúde física/fisiológica
proporcionados pela prática de atividade física, como: aumento no fluxo sanguíneo cerebral,
mudanças nos neurotransmissores cerebrais (tais como norepinefrina, endorfinas, serotonina),
alterações estruturais do cérebro, entre outros. Já em relação aos benefícios na esfera psicológica,
pode-se citar: interações sociais positivas, oportunidades de diversão e lazer, melhoria no
autoconceito e na autoestima, diminuição nos níveis de ansiedade, dentre diversos outros
benefícios (Weinberg & Gould, 2017).
Todavia, apesar de tantos benefícios advindos da prática de atividade física, a literatura
aponta que a prevalência de sedentarismo ainda é alta na sociedade em geral, assim como no
meio acadêmico. A pouca frequência da prática de atividade física entre os discentes se intensifica
ainda mais à medida que estes vão avançando nos semestres de seus cursos. Por conseguinte,
o final do curso é um momento no qual a frequência de atividade física é reduzida, devido ao
aumento de atividades e a consequente diminuição de tempo (Sousa et al, 2013).
O presente artigo busca verificar se, dentro de uma população de graduandos em psicologia,
tem ocorrido os fenômenos citados pela literatura, tais como uma redução na prática de atividades
físicas à medida em que o curso de graduação avança. Dentro de um questionário com perguntas
sociodemográficas e questões que relacionam a pratica dessas atividades antes e depois do ingresso
na graduação, verificamos ainda quais são as modalidades mais praticadas pelos estudantes e se
participam atualmente do quadro esportivo da instituição de ensino em questão. O software
IBM SPSS (em sua versão 21) foi utilizado a fim de calcular estatísticas descritivas e de frequência
para caracterização da amostra. Realizamos também análises de correlação para verificação do
padrão de associação entre variáveis.
Método
Participantes
O estudo foi realizado com uma amostra de 116 estudantes de psicologia de uma instituição
federal do Piauí. Estes possuíam idade média de 22,96 anos (DP=6,56), sendo 69,8% do sexo
feminino. No que tange ao semestre dos respondentes, a amostra contou com sujeitos do primeiro
ao décimo período do curso. De todos os participantes, apenas 29,3% alegaram receber auxílio de
bolsas assistenciais estudantis.
Instrumento
O questionário utilizado foi constituído por perguntas sociodemográficos (e.g., idade, sexo,
semestre) e questões sobre a prática de atividade física antes e depois do ingresso na universidade.
Os estudantes também foram questionados sobre quais eram as modalidades que praticavam e se
constituíam o quadro de atletas universitários da instituição.
Procedimentos
O software IBM SPSS (em sua versão 21) foi utilizado para calcular as estatísticas descritivas
e de frequência a fim de caracterização da amostra. Fazendo uso do mesmo software foram
realizadas análises de correlações (r de Pearson) para verificação do padrão de associação entre
as seguintes variáveis: (a) prática de atividade física antes do ingresso na universidade, (b) prática
de atividade física durante a vida universitária, (c) frequência de atividade física, (d) composição
do quadro de atletas universitários da instituição, e (e) semestre do curso.
Resultados
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Figura 2. Prática de atividade física durante a vida universitária
Além da prática, buscou-se mensurar a regularidade com que estes estudantes se exercitavam
semanalmente. As análises apontaram para uma prática média de 3 vezes semanais com uma
amplitude de 0 a 7 dias de exercícios (DP= 1,92). Os respondentes também foram solicitados a
identificar quais modalidades realizavam. As modalidades esportivas estão detalhadas no Gráfico
da figura 3.
Por fim, realizou-se uma análise de correlações (r de Person) com as variáveis de interesse,
que estão expostas na Tabela 1. Como observa-se pelas correlações estatisticamente significativas,
a prática de atividade física anterior ao ingresso na graduação mostra-se um preditor considerável
para tal prática durante a vida universitária (r= 0,25; p< 0,01), tendo também relações significativas
com a variável que corresponde a inclusão do participante como atleta universitário(r= 0,25;
p< 0,01). Outro dado relevante diz respeito a correlação negativa que existe entre as variáveis
frequência de atividade física e semestre cursado pelos entrevistados (r= -0,21; p< 0,05).
Discussão
O principal intuito deste trabalho é colaborar com a temática da prática de atividade física
em universitários. Importa destacar que esse tema tem ganhado gradativamente importância
nos últimos anos, tendo em vista a valorização do corpo, da saúde e os benefícios de bem-estar
psicológico advindos da exercitação do corpo. A partir dos resultados desta pesquisa foi possível
constatar achados importantes que corroboram com a literatura.
Nesse sentido, um importante achado foi o decréscimo na frequência da prática de
atividade física dos discente após serem inseridos na universidade. Esse dado é preocupante,
tendo em vista que devido esse público ser composto por maioria de jovens, esperava-se uma vida
mais ativa quanto a prática de AF (Weinberg & Gould, 2017). Preocupa também o fato de que
apesar do público acadêmico ser dotado de conhecimentos e informações pertinentes quanto ao
cuidado da saúde e prevenção, a prática de AF ter tido uma acentuada queda em sua frequência
na amostra explicitada.
Esse resultado encontrado na pesquisa vai ao encontro daquilo que a literatura aponta, de
que muitos indivíduos após adentrarem a universidade diminuem ou deixam de praticar atividade
física (Sousa et al., 2013). Tal fato acontece, na maioria das vezes, devido as diversas atividades
acadêmicas que os discentes devem dar conta, bem como também, em consequência às mudanças
e transformações que naturalmente acontecem por esses indivíduos viverem uma nova fase em
suas vidas, e precisarem se adaptar a ela (Souza, Lopes, Almeida, Sousa, & Filho, 2014).
Quanto a frequência da prática de AF, os participantes que assumiram ter o hábito de
se exercitar apresentaram uma média de três atividades físicas semanais. É válido destacar que
essa frequência poderia ser maior, se não fosse as diversas atividades que esses discentes são
exigidos a dar conta, bem como devido a inflexibilidade de horário causada por tantos afazeres
acadêmicos e de ordem pessoal. Apesar de nem sempre esses discentes conseguirem alcançar a
média semanal de atividade física moderada, recomendada pela Organização Mundial de Saúde,
de 150 minutos, importa destacar que eles conseguem ter uma frequência que lhes possibilitam
ter um corpo saudável e um maior bem-estar.
No que tange às modalidades mais praticadas pelos alunos de psicologia, evidenciou-
se a preponderância da musculação, seguida pela caminhada, dança, atividades variadas e
atividades esportivas como, vôlei, natação e futebol. Em relação à musculação, é natural ela ter
sido apontada como o exercício mais praticado, tendo em vista que essa prática tem ganhado
importância gradativa, fato esse comprovado por academias cada vez mais cheias, sobretudo
do público jovem (Tahara, Schwartz, & Silva, 2003). A caminhada é outra atividade física muito
1144 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
praticada na contemporaneidade, e se torna uma via prática e útil diante da correria do dia-dia,
possibilitando, inclusive, os praticantes socializarem enquanto fazem a caminhada.
Adentrando a análise das correlações, o fator que representa a prática de AF antes do
ingresso na graduação apresentou correlação positiva com o fator referente a esta prática durante
a vida acadêmica, ou seja, a prática de atividade física quanto hábito aumenta a probabilidade
de que a frequência de exercícios físicos se mantenha presente mesmo diante das transformações
e mudanças na vida. Por conseguinte, se os indivíduos têm uma rotina de prática de atividade
física na adolescência, é provável que essa prática continue na vida adulta (Farias, Lopes, Mota,
& Hallal, 2012). No entanto, como evidenciado através da análise de frequência, 18,2% dos
entrevistados relataram abandonar a prática de AF após ingressarem na vida acadêmica, o que
pode ser explicado pela sobrecarga de atividades da universidade, reduzindo assim o tempo que
poderia ser dedicado para atividades de lazer, e a prática de atividades físicas (Souza et al., 2014).
O abandono da prática de AF, de acordo com a relação negativa existente entre os fatores
semestre cursado e a frequência de AF, parece ser potencializado com a proximidade ao fim do
curso. Os resultados desta análise corroboram com os achados na literatura que pontuam o fim
do curso como um momento estressante, que culmina em uma diminuição do tempo livre dos
graduandos devido à sobrecarga de atividades e uma não uniformidade dos horários disponíveis
para atividades somo, Estágio Profissional, Trabalho de Conclusão de Curso, Projetos de Extensão
e Pesquisa, horários de aula, e etc. (Sousa et al., 2013).
Por fim, a análise de correlações também apontou para uma correlação estatisticamente
significativa entre o fator da prática de atividade física antes da vida acadêmica e o fator que diz
respeito a participação do respondente no quadro de atletas universitários. A relação apresentada
por estes fatores salienta a maior probabilidade que um sujeito que pratica atividades esportivas
antes de ingressar na academia tem de vir a ser um atleta universitário. Esse achado se justifica pelo
fato de a universidade incentivar as práticas esportivas, e possibilitar que os discentes participem
ativamente nos jogos universitários internos, e em competições com outras universidades. Nesse
sentido, naturalmente leva vantagem aqueles que têm uma maior afinidade e mais tempo com as
práticas de atividades esportivas.
Considerações Finais
O estudo aqui explanado, embora relevante, não está isento de falhas e limitações, uma delas
diz respeito ao tipo de amostra utilizada, que foi probabilística, inviabilizando uma participação
aleatória e mais heterogênea de sujeitos, uma vez que se contou com uma amostra restrita de
poucos estudantes de psicologia, de uma única universidade brasileira. Com isso, sugere-se que
pesquisas futuras contem com amostras maiores e mais representativas, tendo estudantes de
diferentes universidades públicas e privadas do país, com a finalidade de obter amostras mais
diversificadas e consequentemente resultados mais robustos para que possam agregar mais
contribuições nessa temática discorrida.
Por fim, conclui-se que os objetivos do estudo foram alcançados, uma vez que, pode-se,
com auxílio dos dados coletados e analisados, explanar a prática de atividade física em estudantes
de psicologia de uma instituição federal. Apesar da amostra não ter sido tão grande, os resultados
encontrados na pesquisa corroboram com o que a literatura aponta em relação a prática de
atividade física entre os discentes universitários. Além disso, cabe ressaltar que os resultados
descritos, além de apresentar estatísticas relevantes para o meio acadêmico, podem vir a contribuir
para projetos e políticas de promoção à saúde dentro das universidades brasileiras.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
UMA COMPREENSÃO HISTÓRICO-CULTURAL DA
HOMOFOBIA NA ESCOLA A PARTIR DA PSICOLOGIA
AMBIENTAL
José da Silva Olveira Neto
Fábio Pinheiro Pacheco
Zulmira Áurea Cruz Bomfim
Introdução
A
Psicologia Ambiental nasce na década de 1970 nos Estados Unidos. Um pouco
mais tarde, na década de 1980, encontra lugar na França, no contexto do período
posterior à II Guerra Mundial, com a expectativa de responder ao processo de
reconstrução das cidades. Com a implementação de programas habitacionais, cientistas do
comportamento juntamente com arquitetos e urbanistas perceberam que o ambiente deveria ir
além de princípios de construção e estética, considerando “[...]também outros fatores como as
necessidades psicológicas e comportamentais dos ocupantes” (Melo, 1991, p. 85), de maneira
que fosse possível compreender a forma como o ser humano responderia ao ambiente em que ele
se encontrasse.
A Psicologia Ambiental define-se, assim, como a aplicação em psicologia que se dedica ao
estudo da pessoa em seu contexto, destacando as interrelações e as relações entre a pessoa e
o meio físico e social como especificidades de seu objeto (Moser, 1998). Ressalta-se, ainda, a
existência de vertentes teórico-metodológicas, principais, a saber: as teorias situacionistas e as
interacionistas, que se apresentam dentro de uma proposta linear e unidirecional, e as teorias
transacionistas, as quais, por sua vez, enfocam a reciprocidade das interrelações pessoa-ambiente,
e é dentro dessa proposta, corroborando com Bonfim (2010), que este estudo se posiciona.
Segundo Moser (1998), as dimensões sociais e culturais se fazem presentes na construção
dos ambientes, evidenciando o movimento dialético presente na percepção da pessoa sobre
o ambiente e a impressão que este causa àquele. Concebe-se, assim, que existe um processo
específico de cada pessoa na sua relação com o ambiente. Dessa forma, “estamos estudamos
uma reciprocidade entre pessoa e ambiente” (Moser, 1998, p. 121). Contudo, vale que se note
que há uma diferença substancial entre a proposta da Psicologia Ambiental e outras áreas como
o Urbanismo e a Geografia humana. Enquanto a Psicologia Ambiental busca o entendimento
do contexto ambiental em que o comportamento ocorre, as outras áreas se situam na busca por
resposta causalistas de como o comportamento humano responde mecanicamente ao ambiente
(Melo, 1991). Nesse sentido, o fazer da Psicologia Ambiental se volta para a realização de um
discurso sobre a pessoa no ambiente, sempre em interrelação com o seu contexto ambiental
(Moser, 1998).
Bonfim (2010, p.76) concebe a Psicologia Ambiental “como área interdisciplinar, estuda
a interação das pessoas com seu entorno sociofísico, considerando o meio urbano, os recursos
naturais e o comportamento”. A autora destaca que, atualmente, uma nova perspectiva em
Método
23 A perspectiva psicossocial em Psicologia Ambiental se encontra representada pelas teorias transacionistas (ou
transacionalista), as quais estudam a relação pessoa ambiente pelas lentes subjetivas das pessoas que constituem
essa relação, ou seja, esta vertente, dá uma especial atenção à construção do significado relacionado ao ambiente
(Bonfim, 2013). Destacam-se, nesse sentido, os estudos e as pesquisas realizadas no Laboratório de Pesquisa em
Psicologia Ambiental (LOCUS) na Universidade Federal do Ceará (UFC).
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Resultados e Discussão
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
construir ferramentas que captem como estudantes homossexuais se sentem em suas escolas e a
operacionalização de ações interventivas e preventivas a partir desse diagnóstico, nessa ordem de
urgência, devem se tornar norte das atividades da Psicologia Ambiental nas escolas, favorecendo
a metamorfose da identidade individual e identidade de lugar numa perspectiva libertadora e
igualitária.
Compreende-se, então, que uma das frentes de luta contra a homofobia na escola ocorre
por meio da participação dos alunos (homoafetivos ou não) na transformação dos espaços
escolares de segregação e preconceitos em lugares de afetos potencializadores, com sentimentos
de pertencimento e agradabilidade. A análise dos encontros afetivos e o desenvolvimento de
atividades com base na participação e apropriação na escola rompem com a alienação em relação
ao reconhecimento do outro, proporcionando a compreensão histórica e processual da construção
dos comportamentos homofóbicos fossializados. Destarte, aponta-se para o incentivo de práticas
que promovam o acesso igualitário ao ambiente, minando a segregação (Silva & Santos, 2015),
para que a relação do sujeito com o ambiente amplie suas possibilidades de vida, identidade e
cidadania.
Considerações Finais
A Psicologia Ambiental não escapa do chamado imperativo para ser social, isto é, comprometida
com a realidade dos povos latino-americanos e com seus processos de vulnerabilização social, dentre
eles a homofobia. Nesse sentido, a instituição escolar também responde, em responsabilidade,
ao movimento dialético da história das diferenças, de maneira que também produz e reproduz
homofobia, enquanto comportamentos alienantes historicamente construídos e transmitidos.
Nesse sentido, convém que práticas promovam o encontro e a integração na escola, a fim de que os
afetos potencializadores dos sujeitos homossexuais na escola os conduzam à ação sobre o ambiente,
transformando tais sujeitos em partícipes na construção de uma escola não como um espaço de
exclusão, mas um lugar de vivência afetivamente caloroso e emancipador.
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AMBIENTE E AFETIVIDADE SEGUNDO JOVENS DA
COMUNIDADE PEDRA DO SAL
Marluce Eduardo Da Silva
Dayanne Batista Sampaio
Andressa Lília Sousa Dos Santos
Hérica Maria Saraiva Melo
Introdução
A
relação homem-ambiente sempre foi objeto de estudo das ciências. No entanto,
são ainda recentes as discussões em Psicologia, sendo a Psicologia Ambiental (PA) a
disciplina responsável por aprofundar o estudo dessa relação. Assumindo também
esse desafio, este estudo considera que o homem busca em suas relações com o ambiente algum
sentido que explique sua existência.
O homem se constitui como sendo histórico-cultural, tendo no ambiente, elementos que
lhe compõem e transformam suas histórias ao longo do tempo. Da mesma maneira, o ambiente
se modifica com as transformações ocorridas com o ser humano (Alencar, 2010). Nesse sentido,
pode-se assumir a perspectiva de um homem-ambiental, uma vez que em PA não se estuda o
indivíduo per se ou o ambiente per se, mas a inter-relação constante (Moser, 1998).
A partir disso, transpõe-se a objetificação do homem ou do ambiente e adentra-se no estudo dos
afetos que permeiam, compõem e transformam a relação dos sujeitos com o espaço, o que resgata
o aprofundamento deste enquanto lugar. Essa discussão vem sendo desenvolvida, por exemplo, por
meio do conceito de identidade de lugar, que é constituída por atitudes, valores, crenças e significados
atribuídos na relação que o sujeito estabelece com os espaços (Arcaro & Gonçalves, 2012).
Em outras palavras, para que as pessoas se impliquem significativamente na existência com o
lugar, elas precisam sentir que este é uma extensão de sua identidade, desenvolvendo sentimentos
de pertencimento e identificação. Isso porque os afetos podem ser entendidos como uma forma
de conhecimento, orientação e ética na relação com o lugar (Bomfim, 2015).
Espinosa (1983) explica que quando o sujeito cria uma relação de afeto agradável com a
comunidade, por exemplo, fica mais fácil o seu envolvimento com atividades que favoreçam sua
relação com a mesma e o crescimento saudável dela. Desenvolve-se, a partir de então, uma relação
de cuidado que é enfatizada por Boff (1999, p. 33) como “uma atitude de ocupação, preocupação,
de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro”. Assim, para que o sujeito esteja
envolvido com esse processo de cuidado é necessário que ele se sinta pertencente ao ambiente,
tendo afetos que possibilitem essa atitude. O ambiente como “Outro” é merecedor de uma ética,
que pode ser vislumbrada e compreendida a partir da afetividade como uma componente decisiva
na ética ambiental enquanto possibilitadora de cuidado (Bomfim, 2015).
Diante do exposto, estende-se essa preocupação ética à comunidade Pedra do Sal,
localizada na cidade de Parnaíba-Piauí-Brasil, tendo como tema central a relação pessoa-afetos-
Método
Esta pesquisa contou com a participação de 11 (onze) jovens pertencentes ao grupo de jovens
da comunidade Pedra do Sal, com faixa etária de 15 a 21 anos de idade, que aceitaram participar
da pesquisa. Este grupo foi criado em 2012 e atende aos critérios e objetivos desta pesquisa, já
que atua na comunidade desenvolvendo ações religiosas em contexto local. Para a realização
da pesquisa, foram utilizados todos os critérios éticos necessários, inclusive, sua apreciação ao
Comitê de Ética da Universidade Federal do Piauí-UFPI.
O percurso metodológico escolhido ocorreu da seguinte forma: 1) adaptação do
instrumento gerador de mapas afetivos proposto por Bomfim (2003); 2) realização de uma trilha
ecológica (Silva, Netto, Azevedo, Scarton, & Hillig, 2012) definida pelos participantes conforme a
elaboração de um mapa coletivo; e, 3) uma roda de conversa para compartilhamento e discussão
das experiências com o lugar (Gatti, 2012). A escolha destas duas últimas técnicas prevê o
reconhecimento da necessidade de elaboração da pesquisa pelos participantes, como forma de
contribuir mais concretamente com os mesmos por meio da pesquisa. No que tange à análise
dos dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo temática proposta por Minayo (2010). O
Quadro 1 apresenta o perfil dos participantes desta pesquisa.
Quadro 1
Perfil dos participantes da pesquisa
1154 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
P8 19 anos Ensino Médio In- Estudante 19 anos 4 anos
completo
Masculino
P9 20 anos Ensino Médio Com- Bailarina 15 anos 5 anos
pleto
Feminino
P10 21 anos Ensino Fundamental Surfista 21 anos 7 meses
Incompleto
Masculino
P11 21 anos Ensino Fundamental Estudante 21 anos 5 anos
Completo
Feminino
Fonte: Pesquisa de campo (2017).
Resultados
Ao iniciar este eixo de diálogos entre teoria e prática, pesquisadores e participantes, iniciou-
se um movimento fluido de retorno à experiência da pesquisa. Primeiramente, a aplicação dos
mapas afetivos, realizada individualmente (somente a etapa qualitativa), permitiu o acesso
primeiro às visões imediatas dos jovens sobre a comunidade. Aqui foi possível entender que a
paisagem é elemento essencial na representação do lugar. Do ponto de vista geográfico, paisagem
“é uma categoria de análise espacial relacionada à dinâmica do tempo. Ela representa um conjunto
que é compreendido pela combinação de elementos físicos, biológicos e sociais, que interagem
e evoluem de forma indissociável” (Bier & Verdum, 2014, p. 52). No entanto, como explicam os
autores, ela pode ser entendida e trabalhada sob diversas concepções, a depender da proposta e
da metodologia escolhida.
A paisagem da Pedra do Sal, explanada em um conjunto de elementos da natureza,
expressa a característica marcante da comunidade: a pedra, o farol, o mar e o sol – elementos
sempre presentes na descrição local. É por meio dessa representação que também se faz
conhecer a comunidade sob o ponto de vista turístico. Os desenhos são, dessa forma, recursos
reveladores de afetos, pois criam uma situação de aquecimento para a expressão das emoções e
sentimentos (Bomfim, 2003).
Após a realização do desenho, os participantes tiveram a possibilidade de discorrer sobre o
significado, os sentimentos, as qualidades atribuídas ao lugar e as metáforas associadas a ele. Na
análise dos mapas afetivos, identificaram-se os sentimentos e as qualidades atribuídos ao lugar a
partir de algumas categorias definidas por Bomfim (2003), ao construir o instrumento gerador
dos mapas afetivos, a saber: agradabilidade, pertinência, contraste e insegurança. O Quadro 2
demonstra como tais elementos surgiram a partir da imagem representada nos desenhos e sua
significação apontada pelos participantes deste estudo. No tópico seguinte, apresenta-se o
diálogo entre os resultados e as proposições teóricas.
Quadro 2
Sentimentos e qualidades atribuídos à comunidade Pedra do Sal
SENTIMENTOS ATRIBUÍDOS
IMAGENS QUALIDADES ATRIBUÍDAS TOTAL DE METÁFORAS
AO LUGAR
Beleza, Lazer, Diversão, Ri- Bem-estar, Paz, Prazer, Orgulho Incomparável (6)
Agradabilidade
queza
Tranquilidade, União, Simpli- Amor, Alegria, Orgulho, Respeito Comunidade unida (1)
Pertinência
cidade
Discussão
1156 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Percebe-se, então, que a identidade de lugar constrói-se com uma complexidade de ideias,
sentimentos e valores, o que implica existir dimensões e características do entorno físico que são
incorporadas pelo sujeito via interação com o ambiente (Gonçalves, 2007). Nesse sentido, a praia
ou o mar acrescentam à composição “pedra-farol-mar-sol” outros significados que a fazem se
sobressair como elemento mais importante para todos: “É um ponto turístico da nossa cidade [...] um
lugar prazeroso, lugar tranquilo” (P9). “Tem o sustento de muita gente, muita gente vive da pesca, do mar” (P8).
Tais aspectos levam a entender um ambiente que atende necessidades básicas de subsistência,
sociabilidade e lazer.
O mapa coletivo permitiu identificar lugares não representados nos mapas individuais.
Nesse momento ficaram explícitas as perspectivas de reconhecimento coletivo dos espaços. No
ponto de referência inicial e basilar do mapa está a igreja: “um ambiente de paz, né, uma casa pra gente,
onde a gente se encontra” (P9). “É o nosso preferencial” (P8), “nossa segunda casa” (P7) (Trilha Ecológica).
Em conjunto, apresenta-se a praça localizada em frente à igreja.
Na sequência de localização, outro lugar que foi possível perceber como sendo um ambiente
de união, alegria, festividades e lazer foi a quadra, apontada pelos jovens como sendo um lugar de
encontros e atividades prazerosas para eles: “nosso segundo lugar, jogando bola, fazer amizades também”
(P10). No entanto, aqui foi apresentada uma imagem de contraste, pois ao mesmo tempo em
que a quadra representa um lugar agradável, a falta de estrutura desperta um sentimento de
inconformação, tristeza e abandono. Esses sentimentos despotencializam os indivíduos e os
enfraquecem na sua condição de buscar o encontro com o espaço. No entanto, embora as
polaridades de sentimentos (contrastes) diminuam as ações e a composição da estima (Bomfim,
2003), os jovens mantêm-se partilhando os afetivos positivos com o lugar e fazendo uso do espaço
de maneira integrada.
Nesse sentido, retoma-se a importância de entender a vinculação dos jovens com a
comunidade. Pôde-se perceber a predominância dos afetos positivos e o reconhecimento da
comunidade como lugar do qual não pretendem sair e com o qual pretendem contribuir de maneira
mais ativa, especialmente, em relação às transformações locais. A esse respeito, identificou-se
uma imagem de insegurança associada às transformações locais. As mudanças ocorridas na
comunidade, segundo os jovens, são compreensíveis à medida que ocorrem o crescimento do
número de famílias e o desenvolvimento turístico. No entanto, esses dois elementos acarretam
algumas fragilidades sociais, econômicas e ambientais.
É possível citar que o crescimento rápido e incontrolado do fluxo turístico provoca não só
mudanças estruturais, mas produz efeitos na cultura e no estilo de vida (Carvalho, 2015). A presença
de novos moradores juntamente com a nova configuração de uso do espaço por empresas que
desejam fortalecer o turismo local, ou explorar os potenciais recursos da comunidade (recursos
naturais), trazem junto uma imagem de insegurança, devido às incertezas sobre os impactos que
isso causará. Também o empreendimento do Parque Eólico tem sido uma das maiores incertezas
para esses jovens da comunidade Pedra do Sal. Segundo Santos et al. (2006), a implantação
dessas usinas pode trazer desvantagens como a restrição de ambientes, devido à estrutura dos
cataventos demandarem um grande espaço de terra, os ruídos das hélices e o deslocamento de
finalidades de uso do espaço, o que também ocorreu na Pedra do Sal.
Deve-se reconhecer que, embora sendo um ambiente propício ao turismo, sua importância
não se reduz à visão utilitarista do lazer, mas conta com a formação de uma história, com
pessoas e modos de vida peculiares, com elementos ambientais físicos e simbólicos que ganham
essencialidade na relação afetiva com o lugar. São essas mesmas pessoas que se sentem afetadas por
tudo o que afeta a comunidade em todos os seus elementos, que encontram formas de resistência
à destruição de seus laços comunitários e ambientais. E é isto que aumenta a capacidade de
Considerações Finais
A experiência de campo viabilizou a proposta objetivada por esta pesquisa. À medida que os
participantes puderam expressar seus afetos imediatos, por meio dos mapas afetivos, trouxeram
suas identificações, sentimentos e significados associados ao espaço, sendo possível acessá-los
em sua atribuição como lugar.
Ao mesmo tempo, o mapa coletivo possibilitou uma vivência compartilhada em que se
reconheceu a experiência coletiva do espaço, com seus afetos positivos e negativos. Enquanto
grupo, foi possível refletirem sobre toda uma história de pertencimento social e afetivo, mediada
pelo elemento da religiosidade, fortemente presente no modo de vida comunitário.
A trilha ecológica e a roda de conversa puderam contribuir não somente como instrumentos
de coleta de dados, mas alcançaram sua proposta interventiva, no sentido de uma experiência
de reflexão-ação, em que o reencontro com os sentidos e a partilha das sensações-percepções
promovem uma obtenção de insigths e uma provocação do ser na sua relação com o mundo.
Referências
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1158 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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294X2006000200003
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Tuan, Y.-F. (1983). Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel.
Introdução
A
interação do sujeito com seus diferentes espaços é algo que vem despertando
o interesse de vários pesquisadores, pois tentar compreender como se dá a
relação homem-ambiente é tarefa complexa. Um dos fatores que reafirmam essa
complexidade se refere ao fato de que cada sujeito pode vivenciar e significar o meio em que vive
de maneira singular, considerando, obviamente, seu contexto individual e social. Em vista disso, a
Psicologia Ambiental (PA) surgiu a fim de reconhecer o quão dinâmica é essa inter-relação.
Enquanto área da Psicologia, a PA estuda os aspectos físicos e sociais do ambiente e como esses
influenciam o comportamento humano, bem como, esses alteram o ambiente. Sua preocupação
inicial era estudar os ambientes construídos, os espaços físicos, as questões de urbanidade.
Atualmente, vêm se ocupando do comportamento pró-ambiental, das demandas sociais, das
mudanças climáticas, do apego ao lugar e das interações com o ambiente, incluindo a conservação
do meio ambiente e a sustentabilidade (Tassara & Rabinovich, 2003; Carvalho, 2016).
Para Günther e Rozestraten (2005), a PA possui seis características básicas para a sua
definição: 1) é uma abordagem holística ou gestaltista, pois o efeito do ambiente sobre os
organismos não é percebido fora de um contexto ou totalidade e nem analisado a partir de um
único ponto da relação pessoa-ambiente; 2) estuda a inter-relação dos fenômenos, ou seja, a
relação recíproca entre comportamento e ambiente; 3) se fundamenta em múltiplas disciplinas
sendo uma área interdisciplinar, utilizando vários saberes como arquitetura, biologia, paisagismo,
dentre outras; 4) é multimetodológica, tendo em vista a interdisciplinaridade e amplitude dos
seus objetos de estudo; 5) a maioria dos pesquisadores são treinados em Psicologia Social, já que
herdam pressupostos e teorias desse campo e, 6) é uma área que se ocupa de problemas práticos
e intenta solucionar questões provenientes de situações do ‘mundo real’, o que faz suas pesquisas,
em sua maioria, desenvolverem uma pesquisa-ação. Em síntese, as seis características da psicologia
ambiental são: gestaltista (holística), ecológica, social, interdisciplinar, multimetodológica e de
pesquisa-ação.
Moser (1998, 2005) define a PA como o estudo da pessoa em todo seu contexto, tomando
como tema central as inter-relações entre pessoa e ambiente e não somente as relações, buscando,
portanto, compreender a pessoa em sua totalidade com o meio em que vive, tentando avaliar a
ocorrência de influência e percepção entre o sujeito e seu ambiente e, ao mesmo tempo, como a
influência ocorre sobre ambos.
1160 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Assim, em vez de estudar a preocupação ambiental, talvez devamos trabalhar com
comprometimento ambiental, como fazem os psicólogos organizacionais e de outras áreas.
Na verdade, estamos interessados no comprometimento das pessoas com o ambiente à sua
volta, e não com a preocupação que elas têm com o ambiente. A Psicologia vive dizendo
que, para se ter qualidade de vida, deve-se reduzir o estresse, evitar preocupação. Devemos,
portanto, estudar e incentivar o comprometimento, e não a preocupação (Pinheiro, 2005,
p. 110, grifo do autor).
Método
Esta pesquisa é de natureza qualitativa e se baseia na proposta de Minayo (2010) para ter
um enfoque nos significados, crenças, valores e atitudes que correspondem a um espaço mais
profundo das relações e de seus processos. Tendo em vista o seu enfoque interacional e de imersão
em campo, foram utilizados como instrumentos o diário de campo, a observação direta, bem
como a entrevista semiestruturada e as entrevistas narrativas para possibilitar ao participante que
ele falasse da sua história na/com a comunidade Pedra do Sal.
A pesquisa contou com a participação de sete moradores mais antigos da comunidade, que
tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a todas as orientações
definidas pela Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O estudo foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI) segundo o
parecer nº 1.607.544.
Resultados
A partir da imersão em campo, foi possível conhecer a Associação Comunitária que, além
de porta de entrada, passou a nortear os próximos passos na comunidade. Dessa forma, também
foi possível apreciar a história local, suas características, seus registros, sua gente. E a Pedra do
Sal foi se apresentando para além do cenário de pesquisa e da paisagem comumente lembrada:
o farol, a pedra, o mar e o sol.
Efetuando-se as leituras e a esquematização do material, apresenta-se o seguinte eixo de
análise segundo as informações obtidas na pesquisa e as proposições teóricas.
Meus avós e meus pais já nascero aqui mermo, eles foram campeão da pedra do Sal, os antigos. Até que a
avó, sogra e mãe dele aí que era antiga como minha mãe e meu pai, eles contam que a família deles foram os
fundadores, sabe. Aí depois apareceu a família Silva que se apossou da Pedra do Sal. (ES/Participante 6)
Comecei a trabalhar com 8 anos de idade porque meu pai era deficiente visual e um certo tempo foi
piorando e o que ele teve de me ensinar foi o trabalho, o trabalho na pesca. [...] desde muito cedo ele
começou a me ensinar a pescar e mestrar a embarcação. E nesse continuamento de vida eu aprendi a
trabalhar, pescar, e sempre fui respeitado pelos outros amigos como um bom pescador, um dos melhores
pescador na região. (EN/Participante 3).
1162 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Acompanhando ele, pra onde ele ia, pra pescaria dele, ia pra praia pescar de tarrafa, aí naquela vida que
ele seguiu, eu também segui. Não tinha alternativa mesmo. Pesquei até me aposentar, até uns 60 anos.
Com uns 10 anos de idade eu num ia pro mar ainda não, mas na praia eu já pescava, com uma tarrafinha.
Mas aí dos 10 pros 12 anos eu já entrei no mar, no grosso, junto com ele, anoitecia pelo mar e a vida foi essa
até quando completei os 60 anos e me aposentei, porque apareceu essa oportunidade de aposentadoria
que antes não tinha, aí ajudou muito. Aí quando me aposentei me afastei e nunca mais pesquei. Mas às
vezes tenho saudade porque fico me lembrando, a gente lutar com peixe é tão bom (EN/Participante 1).
Discussão
1164 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
fiscais a empreendedores locais, à infraestrutura e promovendo cursos de capacitação (Cruz,
2011). Mas essa relação entre empreendedores e comunidade vai além da dimensão econômica,
ingressa em uma dimensão subjetiva, envolvendo todo o conhecimento conquistado em uma
relação do homem com seu ambiente de origem. É claro o receio de que essas transformações
venham a romper com a singularidade da Pedra do Sal.
Diante de tantas inovações e incertezas que envolvem a pedra, o mar e o sol e suas narrativas
sociais, econômicas e ambientais, verifica-se que esses moradores/pescadores se encontram em
um processo de afetação de sua identidade de lugar, porque sofrem transformações que afetam
diretamente sua história e da comunidade.
Com base no exposto, percebe-se a importância do encontro com os sujeitos para uma
melhor aproximação com o seu olhar e os significados que eles atribuem à própria vida e ao
lugar onde vivem. A respeito disso, as transformações espaciais da comunidade se entrelaçam
com as histórias de vida dos seus moradores. Isso confirma o fato de que a identidade de lugar
é atravessada diretamente pela identidade pessoal. Esta, por sua vez, indica possibilidades de
aprofundamento do espaço como lugar.
Considerações Finais
Por meio dos dados obtidos na experiência de campo e, privilegiando o que os participantes
trouxeram de sua relação com o lugar, foi possível compreender que os aspectos identitários
retratam as singularidades da relação pessoa-ambiente. Para esses “homens com olhos de mar”,
o vigor de uma longa história de conexão com o seu ambiente expressa por um elemento central
(o mar) reforça a importância da relação humano-ambiental defendida pela PA.
Cabe aqui potencializar a necessidade de mais pesquisas que complementem essa
abordagem sobre identidade de lugar na comunidade Pedra do Sal, para que a comunidade possa
ser revisitada em cada intimidade e narrativa, possibilitando o encontro com novos atores que
direta ou indiretamente escrevem os inúmeros capítulos da história da Pedra do Sal/PI.
Referências
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qual o destino dessas comunidades tradicionais?. Revista de Gestão Costeira Integrada / Journal of
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Arcaro. R, & Gonçalves. T. M. (2012). Identidade de lugar: um estudo sobre um grupo de moradores
atingidos por barragens no município de Timbé do Sul. Santa Catarina. RA´E GA, Curitiba, 1(25):
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Minayo, M. C. S. (2010). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29 Ed. Petrópolis: Vozes.
Pinheiro, J. Q. (2005). O lugar e o papel da Psicologia Ambiental no estudo das questões humano-
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Silva, M. C. A. M., Ávila, V. F., & Maciel, J. C. (2010) Religiosidade e sentimento de pertença:
considerações acerca da festa em homenagem a São João Batista e da missa afro na comunidade
remanescente de quilombo “São João Batista” – Campo Grande/MS. Revista Brasileira de História
das Religiões - ANPUH, 3 (8): 45-64.
1166 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O USO DE HABILIDADES SOCIAIS COM
TRABALHADORES RURAIS BENEFICIADORES DA
CASTANHA DE CAJU NO INTERIOR DE SERGIPE
Paula Helen Santiago Soares
Zenith Nara Costa Delabrida
Joelma Santos Araújo
Wilverson Santos Correia
Flávia de Ávila
Victor Fernando Alves Carvalho
Introdução
A
s mulheres do campo têm garantido o seu lugar de cidadã na vida e no mundo,
mas esse lugar é muito dificultado nos contextos de machismo, na ausência do
estado e suas políticas públicas para esse público. Segundo Cruz e Chelotti (2005)
a condição da mulher no meio rural ainda é vista de modo que só perpassa quatro meios: o lar, a
parte agrícola, a reprodução e a educação dos filhos. Essa visão é perceptível quando há discussões
sobre gênero, pois a discussão é antidemocrática e machista porque para as mulheres, na sua
educação, elas foram ensinadas para servi os homens, uma condição de submissão e nem sempre
é fácil romper com essa postura que elas foram ensinadas. Mulheres que, em muitas condições,
não encontram uma forma de ter uma postura crítica em determinadas ações e situações dentro
dos contextos em que convivem, aceitando uma condição de submissão e tornando-se assim
submissas.
No contexto do estado e das políticas públicas, algumas já foram feitas como, por exemplo,
Programa Nacional de Documentação da Mulher Trabalhadora Rural fornecendo documentos
que muitas não tinham, e programas gerais que também tiveram impacto, como o Fome Zero e o
Bolsa Família. Um número maior políticas que envolviam o plano previdenciário, como o Estatuto
do Produtor Rural e o Pro Rural - Plano de Assistência ao Trabalhador Rural, que encontrava uma
grande barreira pois muitas mulheres não se intitulavam como produtoras rurais e sim como dona
de casa e que no contexto rural só fazia ajudar o marido, percebe-se assim a desigualdade instalada.
Mas que para se diminua essa desigualdade é necessário que haja um ambiente democrático,
em que a cidadania de todos seja respeitada e que não haja essa condição de submissão. O
estado tem que tornar presente com a criação de novas políticas públicas, pois as existentes não
foram suficientes para erradicar a desigualdade e exclusão social de gênero, contribuindo para a
efetivação da cidadania da mulher do campo que ainda é violada (Costa & Nunes, 2014).
Situação esta que não se encontra muito diferente do contexto do Povoado Carrilho,
localizado a 6 km da cidade de Itabaiana, localizado na região agreste de Sergipe. O povoado e
outros circunvizinhos, como o Dendenzeiro, Taboca e Lagoa do Forno são conhecidos como “Rota
da Castanha” pois são responsáveis pelo beneficiamento da castanha mas o Carrilho com um
Método
1168 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Preparação da equipe para a realização do trabalho com a comunidade
Por ser um projeto interdisciplinar, planos foram desenvolvidos para que abrangesse cada área
do conhecimento, formando assim quatros planos de trabalho. Na tabela pode ser visualizado o
nome do trabalho, a área do integrante, ou seja, qual curso o integrante cursa e a definição dos
planos. O plano da psicologia se desdobrava em três mas isso será mostrado na parte do treinamento
de habilidades sociais. O projeto era articulado entre os planos mostrados na tabela 01.
Tabela 01
Planos de trabalho do projeto de extensão
Nome do Plano Área do integrante Definição
Cartografia Social História Utilizar a cartografia social para identificar as
potencialidade e fragilidades do povoado visando
o empoderamento local e a definição das politicas
publicas prioritárias.
História Oral: Tradução e Comunicação Social Conhecer as tradições orais prevalecentes nos
Cidadania povoados sobre o beneficiamento da castanha,
bem como tais como tais costumes regulam a vida
laboral e social dos
povoados.
Instituições Jurídico-Políticas e Direito Conhecer, por meio da própria comunidade, por
Cidadania meio de oficinas participativas, seu entendimento
sobre cidadania e exercício de direitos.
Treinamento de Habilidades Psicologia Capacitação de Habilidades Sociais para que
Sociais a comunidade se torne mais assertiva nas suas
interações.
Durante o ano de 2017, o projeto se desenvolveu com reuniões semanais discutindo aspectos
teóricos e práticos. As principais atividades teóricas se referiram à apresentação sistemática do
projeto de extensão; exposição do diagnóstico da área de estudo; Revisão de literatura e debate
grupal sobre as bases teóricas do Desenvolvimento local, Teoria da Paz e Psicologia Ambiental e
Habilidades Sociais, além de discussão sobre os planos de ação interdisciplinares; e, planejamento
de atividades de campo bem como estratégias de intervenção e comunicação com a comunidade.
E as atividades práticas foram as visitas realizadas para entrar em contato com os moradores do
povoado, o estabelecimento e fortalecimento de vínculos, além da divulgação, implementação e
realização das atividades. Foram realizadas visitas a dispositivos como o CRAS e CREAS da cidade
de Itabaiana-SE que é onde o povoado está localizado. As atividades foram dividas em duas
etapas: a aproximação com a comunidade e a implementação das atividades. A aproximação foi
inserida no planejamento para atrair a atenção dos moradores.
Na primeira etapa: houve o conhecimento da comunidade pelo fato de alguns integrantes
do grupo de extensão nunca terem visitado o povoado, então foi realizada a primeira visita na qual
os novos integrantes puderam conhecer o povoado, além do encontro com alguns moradores,
o fortalecimento de alguns vínculos já estabelecidos, a descoberta de um novo espaço para a
realização de trabalho do grupo, que seria a associação. Ocorreram visitas ao posto de saúde,
tendo contato com a médica do mesmo e a escola com a interação com as crianças. Uma
segunda visita foi realizada para a divulgação do “Cine Carrilho” houve a seleção de dois filmes,
que seguindo o plano de trabalho propunha a exposição de filmes como forma de trabalhar as
habilidades sociais. Os filmes selecionados foram “O fabuloso destino de Amélie Polain” e “Os 33”
pois nos dois filmes mostravam que os personagens desenvolvem habilidades sociais , assim foram
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Além desse planejamento, também foi utilizado outra ferramenta que faz parte da mesma
Metodologia Canvas para Negócios, o mapa de empatia, fazer o mapa possibilita se colocar no
lugar do cliente, no caso do projeto, no lugar dos moradores do Carrilho. Esse mapa é constituído
por algumas perguntas (O que ele vê? O que ele pensa? O que ele ouve? O que ele fala? O que
ele faz? Quais são as dores dele? Quais as necessidades e desejos?) que foram respondidas por
toda a equipe do projeto, sempre saindo do singular para o plural, colocando como sujeitos os
moradores do Carrilho. Foi assim que o grupo partiu para a segunda fase.
Na segunda fase, sempre pensando na sua interdisciplinaridade, o grupo formado pelo
pessoal do plano de psicologia, de direito, da história e da comunicação social, além de mestrandos,
permitiu que se montasse uma estratégia que fossem visitadas todas as casas do povoado,
e assim foi montado um calendário de atividades contemplando todos os planos do grupo e
todos os grupos da comunidade. Diante disso confeccionamos os cartazes e na visita fixamos em
lugares estratégicos para que a comunidade ficasse ciente das atividades que seriam realizadas
lá. O primeiro plano foi o de Cartografia Social, e atividade realizada era visitar as casas e foi
aplicada parte do plano e eles preenchiam um questionário com informações como a quantidade
de integrantes da família e quem são, além de idade, sexo, escolaridade e função de trabalho de
quem tivesse respondido. Seguinte a isso era deixado com a família um panfleto com todas as
atividades que seriam realizadas lá durante os meses de agosto e setembro. Além dessa estratégia
de comunicação, o grupo contou com a colaboração e parceria de líderes da comunidades desde
o início do projeto, pessoas estas que lidam com grande grupos da comunidade, exemplo como
a diretoria da escola, a dona da mercearia, a secretária da unidade básica de saúde, a presidente
da cooperativa, e responsável pela associação de moradores, em todas as nossas visitas íamos
ao encontro delas nos seus postos de trabalho para saber como estava a comunidade, perguntar
sobre quais melhores dias e horários para as nossas atividades, quais festividades ou reuniões
ocorreriam na comunidade. E essas pessoas foram fundamentais para a disseminação do projeto
e para captação de participantes, pois elas mantiveram a comunidade informada sobre o que se
estava propondo e ia ser realizado.
Com o plano da psicologia, foi proposto um treinamento de habilidades sociais, aos grupos
homens, mulheres e jovens. Na tabela 02 se encontram mais informações sobre os planos
Tabela 02
Plano Objetivos
Treino de habilidades sociais Promover a capacitação dos homens que aceitarem participar focando na
para homens habilidade de assertividade, empatia e autocontrole.
Treino de habilidades sociais O jovem assertivo tem a capacidade de gerir sua vida, sua decisões, sabendo
para jovens negociar com seus pais e outros membros do seu convívio social.
Treino de habilidades sociais Trabalhar a assertividade, devido a índice de passividade que existente no
para mulheres convívio social relatado pelas moradoras.
Inicialmente se pensou em dez encontros, mas por questões logísticas, não se conseguiria
realizar os dez encontros. Foram reduzidos para seis, caso houvesse uma grande adesão da
comunidade. Diante disso, pensou-se em unir os planos em rodas de conversa envolvendo dois
planos e assim o plano de psicologia que trabalhava as habilidades sociais com as mulheres
se uniu com o plano de direito, atraindo assim a comunidade pois as questões que o plano de
direito abordou foi questões de grande interesse para o público como por exemplo: bolsa família,
aposentadoria rural.
Resultados
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Fase 2: A divulgação do projeto em eventos de comunicação ambiental e estudos para paz,
além de reportagens, difundindo o que executado e adquirido mais parcerias para o projeto.
Além disso, ainda há pouco se observar de forma concreta, pois sabe-se que trabalhar com a
promoção de desenvolvimento local, exige paciência pois os resultados surgem a longo prazo. As
mulheres que estavam presentes no dia do grupo foram solícitas ao falarem das realidades que
vivem, ao verem nos exemplos realizados que o que era representado na dramatização fazia parte
da vivência delas e das outras mulheres do povoado, elas pontuaram que por meio dos exemplos
dados puderam compreender melhor o que se tratava do comportamento assertivo, agressivo
e passivo. Relataram que em a depender com quem elas estejam falando variam de agressivas
a passivas, algumas desconheciam a assertividade. Ao fim do encontro elas agradeceram e
solicitaram que voltássemos para novos encontros com o objetivo de aprenderem mais sobre as
habilidades sociais e levarem para o seu cotidiano.
De modo geral, o grupo ofereceu ferramentas para a comunidade, mesmo que de forma
rápida e com todas as limitações. A comunidade do Carrilho foi munida de informações que
nem sempre são possíveis de acesso, fazendo com que os moradores sejam mais integrados e
promovendo assim o seu desenvolvimento local.
Discussão
Conclui-se que durante esse ano de trabalho houve um conhecimento melhor da comunidade
pelo fato de ser um projeto de extensão, o grupo estava mais presente na comunidade, conseguindo
articular as visitas e as atividades com os horários da comunidade, a realização das atividades
permitiu que fosse observado a importância da continuidade do trabalho de habilidades sociais
com as mulheres. O ano foi marcado por pontos negativos que pode ser exposto como a falta de
compromisso da reitoria de extensão para com o projeto pois o que foi demandado no início do
projeto não foi feito o repasse dos recursos, e de limitações que com um apoio da universidade
poderia ser suprido que eram as visitas realizadas ao povoado do qual os recursos como gasolina
e carro foi arcado e disponibilizado pelas professoras responsáveis do projeto. Outra limitações
que podem ser citadas: a comunidade pensar que as nossas idas lá se tratavam de “mais uma
pesquisa” no povoado. Lá são feitas muitas pesquisas, até por instituições internacionais. Mas
a cada visita nossa apresentação era feita como um projeto de extensão e a explicação do que
se trata um projeto de extensão. Outra limitação foi a incompatibilidade de horário, e isso foi
perguntado às pessoas que tem mais influências no povoado e assim nos foi informado qual
melhor dia e horário para serem feitas as atividades.
Seguindo como estava nos objetivos com o treino de Habilidades Sociais não só as mulheres
se tornariam mais assertivas e conseguiriam suas opiniões, seus pontos de vistas, ter um melhor
relacionamento consigo mesma e com as pessoas que se comunicam, como a comunidade
poderia dialogar melhor entre si e com os outros, contribuindo assim para o seu desenvolvimento
local. Pessoas habilidosas socialmente que agem assertivamente são mais cooperativas e mais
produtivas a longo prazo. Esperando-se que a comunidade se torne menos explorada, mais unida,
e compreensiva sobre o que estão fazendo que é em prol do seu desenvolvimento.
Referências
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ASSIMETRIAS, AMBIVALÊNCIAS E PATRIARCADO:
REVISANDO O COTIDIANO DA MULHER INSERIDA EM
CONTEXTO RURAL
Rafaela Pinheiro Pereira
Ana Amábile Gabrielle Rodrigues Leite
Elaine Soares de Freitas Leitão
Introdução
A
s relações estabelecidas no espaço rural têm sido tratadas na literatura sob duas
perspectivas dicotômicas, quais sejam, a visão do meio rural que existe como
antônimo do meio urbano, que é bucólico, atrasado, sem tecnologia e isento de
desenvolvimento, e a interpretação desse espaço como detentor de vivências, de produção, nutrido
de subjetividades e experiências que perpassam pelos mais variados aspectos do “ser” humano e
suas construções socioculturais (Martins, 2010).
As complexas relações existentes entre indivíduo e sociedade, seus valores e crenças, e como
esses últimos estão atrelados aos sistemas culturais, se constroem a partir dos diferentes contextos
presentes em cada uma das relações intergrupais (Bonomo, Trindade & Coutinho, 2008). Dessa
forma, parece apropriado tratar o meio rural, de fato, como um detentor de vivências, sob uma
óptica mais ampla que leva em consideração todas as produções advindas desse espaço, assim
como todos os indivíduos pertencentes a ele.
Portanto, ao se falar em campo, propõe-se a utilização do termo “ruralidades”, que sugere
uma não homogeneização do campo e a valorização do processo de instauração da vida nestes
espaços (Gomes & Nogueira, 2016; Karam, 2004). Muito embora essa concepção pareça ser
levada em consideração apenas no viés acadêmico-científico, no sentido de que esse espaço rural
corriqueiramente é visto e tratado por uma perspectiva meramente funcional (Karam, 2004), ou
seja, como um complemento para a vida existente na cidade, onde o campo é provedor de grãos,
produtor de laticínios, e está disponível quando se pretende desfrutar de seus lazeres, mas não
realmente como um ambiente único e complexo.
Adota-se aqui o conceito da Psicologia Ambiental para “ambiente”, como um espaço que
compreende o meio físico concreto em que se vive, sendo ele natural ou construído, achando-se
indissociável das condições sociais, econômicas, políticas, culturais e psicológicas daquele contexto
específico (Cavalcante & Elali ,2017). E é nessa perspectiva que considera as multiplicidades do
ambiente do campo que se baseiam os estudos sobre a mulher que se encontra em contexto rural.
A temática sobre pesquisas envolvendo mulheres e questões de gênero alcançaram certa
notoriedade nos últimos anos (Cordeiro & Scott, 2007). Sendo grande parte dessa notoriedade
atribuída ao papel que a mulher vem conquistando, e a forma como vem demarcando seu espaço
na sociedade moderna contemporânea (Ramos, 2014). Desta forma, emerge a necessidade de
discussões para que essa temática seja problematizada nas mais diversas áreas em que “o ser
Método
Resultados e Discussão
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Identificou-se a correspondência de alguns conceitos que se repetiram nos artigos, a
saber: saúde, violência, matrimônio, machismo, desvalorização do trabalho, submissão, movimentos sociais e
empoderamento. Portanto, a discussão deste trabalho respalda-se nesses conceitos e a tentativa de
explorá-los.
No viés de atenção à saúde da mulher assentada, Ebling, Falkemback, Gomes, Silva &
Oliveira Silva (2014) realizaram um estudo em que objetivou-se compreender as concepções de
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mulheres assentadas em relação à educação em saúde, com foco na saúde da mulher, procurando
apreender questões de gênero.
Os resultados encontrados apontam o descontentamento existente, por parte das mulheres
do assentamento (participantes da pesquisa), com as formas tradicionais de abordagem de
educação em saúde, bem como o desejo dessas pela existência de ações em saúde que contemplem
a diversidade que rodeia o mundo da mulher assentada. Elas anseiam receber informações sobre
diversos contextos, e que esses se estendam para além da dimensão reprodutiva. É notório, de
acordo com os dados da pesquisa, a vontade e ansiedade dessas mulheres em serem ouvidas,
já que elas acabavam por considerar os momentos individuais como um espaço oportuno de
educação em saúde e formação política (Ebling, Falkemback, Gomes, Silva & Oliveira Silva, 2014).
Em processos de formação como esse, é possível que se note uma significativa alteração
na autoestima dessas mulheres, como a proporcionada pelo grupo operativo de intervenção
instalado por Vasquez (2009) em uma comunidade no estado de São Paulo.
A análise da intervenção indicou um aumento da autoestima e da autonomia dessas mulheres,
bem como da capacidade de lutarem por seus direitos. Sendo possível notar um aumento da
solidariedade entre as participantes e as mulheres de fora do grupo (as do grupo passaram a dar
um suporte social as outras em casos de violência doméstica,) do interesse em orientações de
cuidados com a saúde, e em outros direitos da mulher.
Esses grupos operativos acabam por possibilitar uma reflexão sobre o papel da mulher no
assentamento. O grupo em questão, por exemplo, serviu como espaço de emergência e elaboração
de temas como a relação com os homens, o papel feminino no meio rural, a sexualidade, a violência
doméstica e sexual, o sexismo e o surgimento da problematização do cotidiano em comum, em
especial do papel que era tido como natural para as mulheres (Vasquez, 2009).
Constatações como essas remetem à importância do reconhecimento de si própria como
atuante em seu espaço e detentora de autoconceito. As mulheres do campo, mesmo que exerçam
atividades não agrícolas como principais fontes de renda (por exemplo, como consultoras de
vendas de catálogos cosméticos), se autodeclaravam como trabalhadoras rurais, impulsionadas
por dispositivos como o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e movimentos
de trabalhadores rurais (Costa, Dimenstein & Leite, 2014). E tal prática contribui nesse processo
de reconhecimento próprio enquanto mulheres campesinas, abrindo portas para gestão de seus
próprios ganhos, fomentando uma maior autonomia e um possível empoderamento.
Corroboram com esse preceito, Adão, Stropasolas e Hotzel (2011), quando citam em seu
trabalho o exemplo do Movimento das Mulheres Camponesas, que é percebido pelas mulheres
rurais como impulsionador da sua participação nos espaços públicos e a valorização de suas
atividades cotidianas, no que o cultivo de sementes, por exemplo, passa a transcender o simples
manuseio e perpassa por questões como a soberania alimentar.
Assim, o envolvimento em ações de movimentação social é de valiosa importância no que
diz respeito à conquista de autonomia. E, a trajetória de vida das mulheres que atuam nesses
movimentos perpassa por transformações sociais que alteraram a forma como se comportavam
na esfera familiar e comunitária (Adão, Stropasolas & Hotzel, 2011). Essas mulheres antes se
sentiam reprimidas e submissas ao marido, e marginalizadas nas esferas públicas, até então um
espaço tipicamente masculino. Com o passar do tempo, as inquietações que permeiam a questão
de gênero permitiram a construção de um ideário relacionado à valorização do papel da mulher
agricultora com foco na produção, com viés agroecológico.
Dessa maneira, o saber social produzido na práxis da luta social tem empoderado a mulher
camponesa, promovendo sua politização e sua organização. E, muito embora essas mulheres
ingressem na luta como mães, esposas ou filhas, ocupando papeis secundários, dentro de
um movimento social camponês que também reflete em sua organização a lógica da cultura
Considerações finais
Referências
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AFETIVIDADE COM O ESPAÇO E ÉTICA AMBIENTAL:
ALCANCES DO RECONHECIMENTO DA NATUREZA
COMO NOSSO LAR
Sara Leite Fernandes
Introdução
V
ivemos diante da existência de uma natureza a qual constantemente fazemos uso
de seus recursos e, por esta e outras razões, ela pode até mesmo ser considerada
decisiva para a nossa existência, mas não é inesgotável. Segundo Worster (1991),
as últimas décadas definiram a história do movimento ambientalista, ativo na defesa do meio
ambiente, em decorrência da fortificação de discussões sobre a situação do planeta, este marcado
por constantes alterações no fluxo natural dos ecossistemas provocadas por fenômenos naturais
ou pela própria ação humana. Acompanhando essas discussões surgem também ações populares
e acordos políticos em todos os níveis de organização governamental, que discutem problemas
ambientais e elaboram planos de ação de cunho resolutivo, como a realização da Primeira
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano pela ONU em Estocolmo, Suécia,
no ano de 1972, por exemplo.
Worster (1991) chama a atenção para a década de 70, aonde surgem as primeiras denúncias
da crise global motivada pela forma como o ser humano afeta o ambiente natural. Tudo isso
abriu espaço para promover reflexões sobre o uso consciente dos recursos naturais, a forma
como muitas sociedades fazem o retorno de materiais em forma de lixo para o meio ambiente,
provocando poluição e alteração de ecossistemas, ou até mesmo devido conflitos políticos que
tornam territórios inóspitos devido à falta de nutrientes ou à poluição química, por exemplo.
Entretanto, cotidianamente, a atitude das pessoas ainda parece dar sinais de ignorância em
relação a esses impactos, tornando-se um verdadeiro desafio encontrar soluções que sensibilizem
e ocasionem mudanças em todas as dimensões, visto que a questão ambiental “é uma questão
de alta complexidade na qual os aspectos econômicos, políticos, sociais, biológicos e culturais
se integram a ponto de não ser mais possível isolá-los” (Oliveira Filho, 2013, p. 17). Não é como
se faltasse educação ambiental, noções da influência do homem no ambiente e suas devidas
responsabilidades, como saber o destino correto que deve-se dar ao lixo para que não acabe caindo
na rede de esgoto da cidade, por exemplo, até mesmo se lembrar que, no Brasil, em decorrência
da lei 9.765/99 (Brasil, 1999), tornou-se obrigatório a Educação Ambiental em todos os níveis do
ensino formal das escolas brasileiras. Muito embora, reconhecendo esse mérito onde dispositivos
escolares se transformam em espaço e ferramenta de debate, juntamente de propagandas na
mídias, não é garantia que a educação ambiental vire uma prática para cada pessoa, podendo
trazer à tona a insuficiência dessas medidas que costumam ser utilizadas.
Tal modo de vida antropocêntrico, onde homens e mulheres se encontram como figuras
centrais e se utilizam de elementos da natureza, acaba por se legitimar como um bloqueio para
Desenvolvimento
Os territórios pelos quais o ser humano se aventura desde a sua existência, como a casa para
morar, a escola, o local de trabalho, provocam sentimentos de pertencimento e territorialidade à
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medida que a pessoa se identifica com tal espaço, o transforma e sente ter o domínio sobre esse
lugar, processo chamado de apropriação (Cavalcante & Elias, 2011). “Pela apropriação, o sujeito
sente que de alguma forma está ligado ao lugar, e que este lhe pertence, mesmo que dele não
tenha a posse legal” (Mourão & Cavalcante, 2006, p. 145).
Dependendo da forma como a interação pessoa-ambiente se desenvolve, em questões de
tempo gasto dentro do ambiente ou pelo o que este vem a representar, o lugar pode acabar sendo
ocupado por muitos elementos dotados de carga afetiva, que é, inclusive, um componente de
grande importância nos estudos de mapas afetivos, cujo tem por finalidade traçar os vínculos
afetivos existentes em um indivíduo que são despertados pelo espaço que se pretende estudar
(Bomfim, 2003). A partir dessa interação com o ambiente as pessoas podem identificar qual
espaço ela compreende como o seu lar, principalmente derivado de um bom conhecimento sobre
si e o que se deseja ter para lhe representar dentro desse espaço doméstico.
Se questionar sobre que tipo de pessoa se é no mundo é um exercício que nos faz dar conta
da identidade e manifestá-la em aspectos físicos e afetivos no lar para estar em uma relação de
bem-estar, considerando variáveis de idade e histórico de vida, por exemplo, pois “a partir de
práticas ambientais somos capazes de criar e sustentar um senso coerente de nós mesmos e revelar
aos outros nosso eu” (Mourão & Cavalcante, 2011). Como já comentado, na construção de uma
casa é levado muito em consideração as expectativas e intenções que o indivíduo idealiza como
moradia ideal, afim de realizar as suas necessidades e assim poder viver de forma harmoniosa. A
sensação de controle sobre o lugar de moradia passa também a ideia de vinculação afetiva com o
ambiente e responsabilidade pelo o que acontece dentro dele. É nesse contexto que Maíra Fellippe
(2010, p. 300) se refere à casa como nosso “microcosmo particular, modelo reduzido de nosso
Universo”.
O sujeito associa a sua casa como seu território particular e espaço privado pois cada
objeto parece ser carregado de algum sentimento que reforça a apropriação desse lugar, se
fazendo diferente para o morador e para o visitante. De tal forma, há uma motivação a partir da
apropriação do espaço que leva a pessoa a investir determinados cuidados e preservação afim de
manter a identidade, quem a pessoa é naquele lugar (Elali & Medeiros, 2011).
O habitar, então, se constitui além do cenário de dominação e controle de um lugar, sendo
até de identificação e preservação do espaço, busca de segurança, etc (Mourão & Cavalcante,
2011). Modifica-se qualquer território em prol do conforto próprio, já que não há como negar
um fluxo de desenvolvimento e progresso em busca do bem-estar, principalmente influenciado
pelos princípios antropocêntricos. Mas o que se tem feito é necessário e sob a consciência de que
podemos estar colocando a natureza em desequilíbrio?
Assim como ocorre com o espaço privado da casa, também acontece com o espaço público
e, por consequência, a natureza. No espaço identificado como lar, as pessoas demonstram
preocupação em manter os significados que foram construídos nestes espaços, pois falam muito
de suas identidades. Na identificação com o espaço público, sendo de posse coletiva e uso
compartilhado, há uma “tendência do indivíduo a sentir-se pertencente a grupos sociais como
parte de uma afiliação necessária para o desenvolvimento de um sentimento de segurança e não
discrepância de uma coletividade” (Mourão & Bomfim, 2011, p. 217). A relação com um ambiente
aberto não dispõe da privacidade identificada em um ambiente fechado, o que culmina em uma
maior responsabilidade às pessoas que circulam nesses ambientes abertos em decorrência da
possibilidade de julgamento e preocupação com o bem-estar coletivo, por exemplo.
Existem várias possibilidades de relação com a natureza pois cada pessoa se identificará e
irá interagir de uma forma particular, pois, mesmo que não seja possível controlar e tomar posse
desse espaço, não há obstáculos para que não haja apropriação, como já comentado. Pode-se
inferir, portanto, que todos os indivíduos estão ligados ao espaço público, ao meio ambiente
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É indiscutível o fato de que habitamos o meio ambiente. O processo de reconhecimento e
conscientização da natureza parte de um local indiferenciado para a pessoa para um lugar aonde
é desenvolvida uma relação singular de apego e valorização (Mourão & Cavalcante, 2011). Pegar
essas características de identidade, pertencimento e cuidado que há do morador para com o seu
lar e estendê-las para o meio ambiente é uma sugestão que tem por finalidade provocar os seres
humanos para a implicação e responsabilidade com os desastres que acontecem do lado de fora
da casa em que se mora, por reconhecer a dependência em relação aos recursos da natureza e o
potencial de transformação e participação social os quais o ser humano está apto.
É uma possibilidade, em decorrência do caráter multifatorial as questões ambientais estão
ligadas, questionar até aonde estão as margens que reconhecem um espaço como lar. É bom saber
que existe uma casa esperando por nós no final de um dia cansativo, aonde é possível descansar,
se sentir seguro e cuidar de si. Soa como se o não se importar com as alterações provocadas nos
territórios é o mesmo que não dar importância aos impactos ambientais e que também significa
não se importar em como a sua casa está organizada, o que entra na sua casa e como afeta também
aqueles que moram com você. Não é muito diferente pensar isso olhando para o meio ambiente lá
fora, em todo o redor, independente se a natureza já se está dominada pela vida social humana ou se
ainda se define como área de preservação, pois os problemas não acontecem isoladamente em vista
das cadeias que conectam toda a existência de vida orgânica e inorgânica na Terra.
Conclusão
Referências
Bomfim, Z. Á. C. (2003). Cidade e afetividade: estima e construção dos mapas afetivos de Barcelona
e São Paulo. Tese de Doutorado, Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
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1188 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EIXO TEMÁTICO
PSICOLOGIA DA
APRENDIZAGEM E COGNIÇÃO
PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO
PSICOLOGIA ESCOLAR E
EDUCACIONAL
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NO ENSINO
FUNDAMENTAL I NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE
PICOS-PI
Thuanny Mikaella Conceição Silva
Milena Valdinéia Da Silva Leal
Juliana De Sousa Fialho
Gilka Mary Alves De Sousa
Introdução
A
aprendizagem humana é um processamento complexo de informações, sendo que
os processos centrais são modificações e combinações que ocorrem nas estruturas
cognitivas. No Brasil, cerca de 40% da população que frequentam as primeiras séries
escolares tem algum tipo de dificuldade acadêmica (CIASCA, 2003). É importante compreender
estas dificuldades de maneira a diminuir o impacto na vida do indivíduo. Ao longo da literatura
escrita sobre os distúrbios de aprendizagem e, especificamente, sobre as deficiências, mostram que
crianças que recebem tratamento apropriado, desde cedo, apresentam uma menor dificuldade
ao aprender a ler, a calcular, superam o problema e passam a se assemelhar àquelas que nunca
tiveram qualquer dificuldade de aprendizado (CIASCA, 2003).
Diante disso, a escolha por esse tema se justifica em virtude de que as crianças e adolescentes
com dificuldades de aprendizagem, comumente, estão lutando em uma ou mais áreas básicas
que evitam o processamento adequado de informações. Geralmente, as crianças que apresentam
dificuldades específicas no início da escolarização, embora não tenham nenhum problema
neuropsiquiátrico, normalmente são aquelas que precisarão de maior atenção. E esses alunos
estão sendo acompanhados por profissionais adequados para a superação e/ou melhoria dessas
dificuldades.
Desse modo, terão de desenvolver as habilidades de apreensão daquilo que é ensinado.
Portanto, precisa ser investigada e compreendida particularmente em suas dificuldades. As
dificuldades de aprendizagem foram e são identificadas por diferentes critérios, que implicam em
distintas definições do que realmente poderia ser considerado como dificuldades de aprendizagem
(CIASCA, 2003).
Diante disso, o papel do psicopedagogo consiste em diagnosticar através de um processo
investigativo, as causas que podem estar impedindo o curso regular da aprendizagem institucional,
a circulação do conhecimento, o papel das lideranças e dos liderados, bem como os motivos que
podem levar ao insucesso organizacional. Uma vez que o mesmo, faz sua intervenção a partir
da história da organização e de suas características atuais. Nesta perspectiva, a contribuição
da Psicopedagogia é empenhar-se em levar a instituição à vivência que permita aos personagens
(funcionários) desse cotidiano dar-se conta da importância do seu trabalho para a manutenção
da saúde e sobrevivência organizacional, atuando diretamente nas relações de aprendizagem.
1190 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Considerando-se as diversas causas que podem interferir no processo ensino aprendizagem,
investigar o ambiente no qual a criança/adolescente vive e a metodologia abordada nas escolas
é importante antes de se traçar o enfoque terapêutico, uma vez que o aluno pode não apresentar o
distúrbio de aprendizagem, mas apenas não se adaptar ou não conseguir aprender com determinada
metodologia utilizada pelo professor, como também a carência de estímulos dentro de casa.
Por isso, devem ser questionados inúmeros fatores, bem como, quais as dificuldades de
aprendizagem apresentadas pelos alunos do Ensino Fundamental I, como esses estudantes
podem superar as dificuldades de aprendizagem se existe uma forma de essas dificuldades serem
resolvidas? Existe um trabalho psicopedagógico com os mesmos, como acontece esse trabalho?
Sabe-se que estas questões podem ter uma resposta difícil, pois muitos fatores contribuem
para essas dificuldades de aprendizagem. Haja vista os estudantes dessa escola provêm de famílias
de baixa renda, desestruturada, os pais em sua maioria são analfabetos e não acompanham as
atividades escolares dos filhos. Dessa maneira, este trabalho tem por finalidade conhecer as
dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos estudantes da 3º e 4º ano do Ensino Fundamental
da referida escola, procurando saber quais as principais dificuldades encontradas pelos alunos na
aprendizagem dos conteúdos?
O estudo do tema tem como base uma pesquisa bibliográfica e uma pesquisa de campo
para elucidação da hipótese e alcance dos objetivos pretendidos. Uma vez que foi realizada uma
observação na cidade de Picos-PI, tida como sendo o local de escolas que mais apresentam crianças
e adolescentes com distúrbios de aprendizagem. Por isso, foram realizadas entrevistas com dez
professores e um psicopedagogo que trabalham na Secretaria Municipal da Educação. As entrevistas
ocorreram através de registro escrito em forma de questionários aplicados aos sujeitos da pesquisa.
Com isso, espera-se que as informações apresentadas neste trabalho sirvam para que os
professores possam oferecer novas maneiras de avaliar essas deficiências e de localizar a fonte dos
problemas individuais de aprendizagem, sabendo trabalhar de forma adequada com as crianças e
adolescentes que as apresentem.
Método
Resultados e Discussão
No que se refere à dificuldades para aprender, percebe-se que a grande maioria dos
professores entrevistados se deparam com essa situação, acarretando com isso na reprovação
dos alunos que apresentam tal dificuldade.
Conforme Dorneles (1990 p. 251)
1192 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Os dados acima revelam que, em relação às áreas em que as dificuldades de aprendizagem
estão mais relacionadas, destacam-se as áreas: cognitiva 30%, afetiva 30%, social 305, ficando a
área física em menor ocorrência, apenas 10%.
Segundo Smolka (1998), os aspectos cognitivos estão ligados basicamente ao desenvolvimento
e funcionamento das estruturas cognoscitivas em seus diferentes domínios. Inclui-se nessa grande
área aspectos ligados à memória, atenção, antecipação.
Sendo assim, o fracasso escolar está ligado ao aluno enquanto aprendente, isto é,
especificamente às condições internas de aprendizagem.
Com relação à área afetiva, o autor ressalta a ligação entre o desenvolvimento afetivo, e sua
relação com a construção do conhecimento e a expressão deste através da produção escolar.
O não aprender pode, por exemplo, expressar uma dificuldade na relação da criança com a
sua família, será o sintoma de que algo vai mal nessa dinâmica.
Quanto à área social, Smolka (1998) afirma que no diagnóstico de deficiência em relação à
leitura e escrita de um aluno não se pode desconsiderar as relações significativas existentes entre
a produção escolar e as reais oportunidades que a sociedade possibilita aos representantes das
diversas classes sociais.
Em relação à área física, constata-se que os professores entrevistados não consideram como
a área que esteja mais relacionada com as dificuldades de aprendizagem, pelo fato de que em suas
classes não havia crianças portadoras de necessidades especiais ou com déficit físico ou orgânico,
mas reconhecem a importância do corpo na aprendizagem da leitura e da escrita na escola.
Conforme Martins (2001) é com o corpo que se fala, se escreve, se tece, se dança, resumindo,
é com o corpo que se aprende.
As condições do mesmo sejam constitucionais, herdadas ou adquiridas, favorecem ou
atrasam os processos cognitivos e, em especial, os da aprendizagem.
No quadro acima, verifica-se que a maioria dos professores entrevistados considera a ausência da
família como um fator que contribui para as dificuldades de aprendizagens durante as séries estudadas
no ensino fundamental. Sabe-se que a influência familiar é decisiva na aprendizagem dos alunos.
Posto que os filhos de pais extremamente ausentes vivenciem sentimentos de desvalorização
e carência afetiva, gerando desconfiança, insegurança, improdutividade e desinteresse, sérios
obstáculos à aprendizagem escolar.
A influência da mídia aparece como o segundo fator que contribui para as dificuldades de
aprendizagem, pois conforme Luckesi (1991) a televisão passa a ser um instrumento cada vez mais
poderoso no processo de socialização.
Um dos aspectos negativos dessa influência é a tendência à passividade e à dependência das
crianças, prejudicando o desenvolvimento pleno de suas capacidades cognitivas e sócio afetivas.
Desta maneira os professores entrevistados consideram que a condição social dos alunos
como um fator que influencia nas dificuldades de aprendizagem, pois consideram que os alunos
que os pais não têm hábito de leitura, não têm livros, revistas, jornais, como os que mais dificuldade
apresentam em relação à leitura.
1194 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
a professora poderá motivá-la para a aquisição de novas aprendizagens. Assim, segundo os
professores, tem criança que tem mais facilidade, é mais inteligente, é mais rápida. As crianças
que tem dificuldade têm que ter uma avaliação mais branda, porque ela está fazendo um esforço
muito grande pra chegar até ali.
Entretanto, observa-se que, para que haja um avanço na aprendizagem, também é necessário
que a criança possa perceber que pode “errar” na construção de seu conhecimento e que nem
sempre o caminho por ela escolhido é o mais adequado.
De acordo com entrevista realizada com a psicopedagoga que atua na rede municipal de
ensino, o trabalho do psicopedagogo acontece no âmbito clínico e institucional.
No município de Sussuapara “atendemos nestas duas instancias, fazendo visitas às escolas
e participando dos planejamentos mensais realizados assim um trabalho institucional”. E na
Secretaria municipal da Educação “desenvolvemos um trabalho clínico, atendendo os casos de
dificuldades de aprendizagem de maneira personalizada” (fala da psicopedagoga).
Isso está de acordo com o que diz Weiss (2003) a psicopedagogia no campo clínico
emprega como recurso principal a realização de entrevistas operativas dedicadas a expressão e a
progressiva resolução da problemática individual e/ou grupal daqueles que a consultam.
Sabe-se que o trabalho do psicopedagogo também é preventivo, segundo a mesma, procura
orientar professores e gestores de como estes podem atuar e minimizar as chances de fazerem
aparecer às dificuldades. Desde a construção do Projeto Político Pedagógico às metodologias
usadas em sala de aula também são dadas as colaborações das mesmas.
Ao diagnosticar algum caso de dificuldade de aprendizagem, segundo a psicopedagoga,
procuram entrar em contato com a família deste aprendente para conhecer a realidade a qual se
encontram inseridos e para fazer os futuros atendimentos. Nesta fase, o apoio da família é muito
importante, pois é a família principal referencia e fonte de segurança para a criança.
Na sede na SME (Secretaria Municipal de Educação) possui uma sala bem equipada com
materiais didáticos e paradidáticos como jogos, brinquedos, livros, revistas a fim de poder
desenvolver um trabalho de qualidade (depoimento da psicopedagoga entrevistada).
No que concerne à família, segundo a psicopedagoga, todos os alunos que estão em
tratamento têm desestrutura familiar, e sabe-se que esses são apontados como aspectos
agravantes para a maturidade e estrutura de uma criança, como por exemplo, o alcoolismo, as
ausências prolongadas, as enfermidades e a separação dos pais. Tudo isso afeta a aprendizagem.
Em relação aos irmãos, são ressaltadas as relações de competitividade e rivalidade. Os maus
hábitos (permitidos ou negligenciados pelos pais), como assistir televisão demasiadamente e falta
de descanso também contribuem, a falta de limites. Existem fatores socioeconômicos, descritos
pelos alunos dos quais os pais participam, sem poderem facilmente modificá-los. Entre eles
encontram-se as más condições de moradia, a falta de espaço, de luz, de higiene, assim como da
alimentação mínima necessária para o crescimento e desenvolvimento infantil adequado.
No que se refere à escola, conforme a psicopedagoga, as dificuldades de aprendizagem
podem ser decorrentes de déficits cognitivos que prejudicam a aquisição de conhecimentos como
também, na maioria delas, são apenas resultantes de problemas educacionais ou ambientais que
não estão relacionados a um comprometimento cognitivo.
Portanto, é fundamental a importância das intervenções nas dificuldades de aprendizagem
e a participação familiar como mediadora ativa do processo de aprendizagem dos alunos. Dessa
forma, os psicopedagogos, os pedagogos devem ter conhecimentos que os permitam diagnosticar
problemas presentes no processo de ensino-aprendizagem, para que pela análise de sua prática
possam modificá-la em busca de mudanças na realidade escolar e social dos alunos.
Entretanto, a psicopedagoga declarou que infelizmente algumas pessoas ainda conseguiram
perceber a importância da continuidade do acompanhamento psicopedagógico, uma vez que
Considerações Finais
Diante das informações expostas e discutidas ao longo do trabalho, foi possível verificar
que os educadores devem estar preparados para a ação na realidade atual, da qual faz parte as
dificuldades de aprendizagem, e os cursos de formação de profissionais da educação precisam
proporcionar um entendimento desta realidade. Neste sentido, o Ensino Fundamental faz parte
do campo de atuação do pedagogo e deve haver uma preocupação específica com a construção
do conhecimento nesta faixa etária.
Uma vez que conforme os dados observados, em relação às áreas em que as dificuldades
de aprendizagem estão mais relacionadas, destacam-se as áreas: cognitiva, afetiva, social, e a
hiperatividade. E essas dificuldades podem ser decorrentes de déficits cognitivos que prejudicam a
aquisição de conhecimentos como também, na maioria delas, são apenas resultantes de problemas
educacionais ou ambientais que não estão relacionados a um comprometimento cognitivo.
Mas, o não-aprender pode, por exemplo, expressar uma dificuldade na relação da criança
com a sua família, será o sintoma de que algo vai mal nessa dinâmica.
Posto que conforme entrevista com os professores e a psicopedagoga, a maioria dos
pais das crianças que fazem acompanhamento psicopedagógico são extremamente ausentes,
vivenciam sentimentos de desvalorização e carência afetiva, gerando desconfiança, insegurança,
improdutividade e desinteresse, sérios obstáculos à aprendizagem escolar.
Por isso, é fundamental a importância das intervenções nas dificuldades de aprendizagem
e a participação familiar como mediadora ativa do processo de aprendizagem dos alunos. Sendo
assim, é preciso que pais junto à escola procurem ajudar no acompanhamento dessas crianças,
nas tarefas diárias, enfim, no processo de ensino-aprendizagem, pois só com a participação e
interação entre família e escola, a escola poderá melhorar a qualidade, o seu trabalho.
Dessa forma, os pedagogos e psicopedagogos, diretores devem ter conhecimentos que os
permitam diagnosticar problemas presentes no processo de ensino/aprendizagem, para que pela
análise de sua prática possam modificá-la em busca de mudanças na realidade escolar.
Posto as dificuldades de aprendizagem se constituam num desafio ao educador, conforme
foi visto com os professores pesquisados. Sabe-se que um trabalho diferenciado em turmas
heterogêneas é complexo, no entanto, é um trabalho possível. Superar as dificuldades de
aprendizagem é garantir a esses sujeitos que apresentam a possibilidade de enfrentar a realidade
de modo digno e consciente.
1196 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
É importante colocar que essas crianças/adolescentes só querem dos pais e dos professores
requer carinho, atenção, compreensão e amor. Que estes lhe encorajem com atitudes positivas
como: incentivo, elogios, invenção, recompensas, estabelecimento de normas, repetição dessas
sempre que possível, o máximo de vez, permitir-lhe brincar, brilhar, divertir-se.
Portanto, cabe ao profissional da educação, comprometido com a transformação social,
utilizar-se da cultura socialmente disponível e historicamente construída em suas aulas, de maneira
a criar espaços para a reflexão crítica da realidade. Cabe a ele lutar para que a sua mediação
contribua com a formação de sujeitos ativos e transformadores, cientes da possibilidade de
emancipação.
O que ficou mais evidente no trabalho com as dificuldades de aprendizagem apresentadas
pelos alunos da rede municipal de ensino é que vem sendo tomadas as medidas adequadas,
ou seja, as crianças são atendidas e fazem acompanhamento por psicopedagogos, assim são
incentivados, motivados a continuar os estudos, bem como buscando solucionar as dificuldades
na aprendizagem. Apesar de que existem casos, em que o tratamento é interrompido por falta de
interesse da família, da escola.
Espera-se que este trabalho tenha cumprido seu objetivo, que é possibilitar uma reflexão
a respeito do tema, e sensibilizar as pessoas para a problemática das crianças que apresentam
dificuldades de aprendizagem.
Referências
LUCKESI, C. et al. Fazer universidade: uma proposta metodológica 7ª ed. São Paulo: Cortez,
1991.
NUNES, T. Dificuldades na aprendizagem da leitura: teoria e prática. 6. Ed. São Paulo: Cortez,
2007.
1198 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O ADOLESCENTE E SEUS PARES: DORES E
DELÍCIAS DO AMBIENTE ESCOLAR
Estefanni Mairla Alves
Antonio Dario Lopes Junior
Mayara Luiza Freitas Silva
Emilie Fonteles Boesmans
Introdução
S
ocialmente, a população adolescente no Brasil, de acordo com o último Censo compõe
uma parcela significativa do povo brasileiro. Os mais de 21 milhões de adolescentes
representam para o País um quadro singular de energias e possibilidades, havendo uma
oportunidade única: nunca houve e não haverá no futuro tamanho contingente de adolescentes
(Unicef, 2011).
A adolescência é uma das mais ricas fases do desenvolvimento humano; repleta de
possibilidades de aprendizagem, de experimentações e inovações. Etapa que necessita ser vivida
de forma plena, saudável e estimulante. Para isso, precisa ser protegida e assegurada pelo Estado,
através do cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente; pela família, assegurando a
provisão ambiental e afetiva para a continuidade de um espaço potencial de desenvolvimento
desse adolescente e pela escola, principal instituição de educação formal de crianças e jovens.
Esta fase da vida é marcada por transformações que constituirão o sujeito no mundo adulto,
atravessada pela maturação física; marco de que o sujeito está pronto para pôr em prática suas
funções sexuais e reproduzir-se. Contudo, além disso, ao longo desse processo, o adolescente
tem a tarefa de se constituir como sujeito no mundo em que vive: construindo sua identidade
e descobrindo seu papel na comunidade na qual está inserido. Para isso, o jovem questionará
aos pais e a sociedade na busca de descobrir o que querem dele, qual lugar ele ocupa, o que é
necessário que ele faça para ser considerado adulto.
Ao longo do processo de constituição de sujeito, no qual o adolescente está imerso, pode-
se destacar como uma das características importantes a formação de grupos de iguais. Espaço
no qual adolescente busca no outro um entendimento mútuo e empreende identificações. Tudo
isso pressupõe dificuldades, dúvidas, conquistas e realizações do outro. Uma vez que ambos
sabem pelo que estão passando, pois estão vivendo o mesmo processo, ao mesmo tempo. Então,
com isso, a Psicologia tem a possibilidade de trabalhar modos de partilha de vivências entre
adolescentes e como, ao mesmo tempo em que se identificam com o outro, formam opiniões,
conceitos e identidades diferentes entre si.
A escola é o espaço no qual os adolescentes cada vez mais, passam a maior parte de seu
tempo, e o espaço no qual depois da família é o lócus de principal socialização destes. Então, na
escola tem-se a oportunidade de observar a constituição e as formas de vivências nesses grupos,
incluindo: suas aproximações e afastamentos, momentos de discórdia e companheirismo, os
Método
Esta pesquisa teve a duração de três anos e passou por quatro etapas de coleta de dados
divida em: aplicação dos questionários; dois blocos de oficinas e aplicação de um questionário final.
Foi necessário o empreendimento de todos esses passos para que se pudesse aprofundar
na realidade, que é múltipla e dinâmica, da qual os adolescentes pesquisados faziam parte.
Isto permitindo conhecê-la a partir das diferentes vivências e pontos dos de vista dos sujeitos
implicados na pesquisa (Goetz & Lecompte, 1988). Também, o desenho da pesquisa e a atuação
do pesquisador, foram sendo permanentemente construídos (Tesch, 1990) devido às necessidades
demandadas por esse campo de atuação múltiplo e francamente mutável. Foram necessários
abertura de novas discussões, criação de novas estratégias e elaboração de outras possibilidades
de atuação.
É importante ressaltar que embora o desenho geral da pesquisa seja de natureza qualitativa,
utilizaram-se alguns procedimentos quantitativos, para que a partir deles fosse possível acessar
a realidade de forma mais aprofundada e mergulhar em seus múltiplos aspectos. Assim, rompe-
se, também, com a dicotomia: qualitativo X quantitativo, que muitas vezes têm permeado as
investigações científicas.
A amostra definida, por seleção baseada em critérios, tomou como sujeitos integrantes da
pesquisa, os alunos do primeiro ano do ensino médio da escola, na época em que a pesquisa foi
iniciada, uma vez que esta teve a duração de três anos. Foi desenvolvido um acompanhamento
dessa turma ao longo de todo o Ensino Médio.
O instrumento utilizado, inicialmente, para a coleta dos dados foi o questionário, no qual
foram coletadas informações de ordem socioeconômica, fatores de vulnerabilidade, elementos
estressores, configurações familiares, fatores de resiliência e aspectos da dinâmica de sociabilidade.
Este instrumento continha questões abertas e fechadas, que permitiram um tratamento de
natureza quali-quanti. Elaborado pelas professoras orientadoras do laboratório em parceria
com os bolsistas de graduação.O questionário, continha, além dos dados pessoais, 78 questões
divididas em três macro categorias: 1. eu - minha escola; 2. eu – minha família – meu bairro e 3. eu
– comigo. Para análise das informações obtidas, usou-se programa informático Microsoft Excel.
Após as análises que permitiu um diagnóstico da instituição e do contexto de vida dos discentes,
elaborou-se as atividades seguintes da pesquisa. Em uma etapa seguinte, a fim de dar espaço para
1200 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
a expressão dos adolescentes, desenvolveu-se uma pesquisa-intervenção, método que considera
fundamental a produção de conhecimentos a partir do tratamento teórico e prático da realidade
social. Além de caracterizar-se como estratégia de constituição de sujeitos capazes e de história
própria (Demo, 2004).
Em tais momentos de intervenção focou-se o olhar nos sujeitos e em suas singularidades
vivendo em grupo. Buscou-se perceber situações e elementos estressores, causadores de angústia,
ansiedade e sofrimento psíquico, bem como aqueles que podem ser mediadores na superação
da doença e na potencialização da saúde. Fatores que fortalecem a autoestima, autonomia, o
sentimento de identidade, a resistência às pressões externas, a capacidade de lidar com conflitos e
frustrações, a escuta de si e do outro etc. Isto nos possibilitou propor ações formativas interventivas
visando à melhoria na qualidade das interações no contexto escolar, o conhecimento e consciência
de si por parte de alunos e a promoção de saúde mental.
Resultados
Discussão
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
No tocante à família considera-se que esta tende a oferecer ao adolescente uma combinação
de apoio afetivo, comunicação e favorecimento da autonomia. A supervisão da família, nessa
etapa do desenvolvimento, é tão relevante quanto na infância. Contudo, é importante que os
pais saibam dosar e mesclar essa vigilância e confiança, sendo capazes de ser flexíveis frente às
mudanças rápidas ocorridas nos processos de pensamento e significação do que lhes ocorre.
Podendo ainda, proporcionar aos adolescentes gradativamente a capacidade de tomarem suas
próprias decisões e assumir novas responsabilidades (Oliva, 2004). Nessa perspectiva pôde-se
escutar o relato de alguns pais dos alunos os quais faziam parte da pesquisa, explicitando que
tentam pôr em prática essas indicações. Por exemplo, o depoimento de uma mãe que dizia: “eu
confio na minha filha, se ela sai de casa dizendo que vai estudar na casa da colega eu acredito. Mas
antes eu quero saber quem é essa colega, onde mora, essas coisas, pra segurança dela mesmo” ou
outra na qual dividiu com o filho a decisão da troca de escola
Eu e ele decidimos juntos que ele viria estudar aqui, eu mostrei pra ele as opções e expliquei
as qualidades daqui e ele achou interessante a possibilidade de fazer o ensino médio com o
técnico, sendo que ele mesmo disse que assim teria mais chances de conseguir um emprego e
logo começar a ganhar o dinheirinho dele. Então, fomos nós dois que decidimos, ele também
participou. (M.L.Silva, comunicação pessoal, 25 de abril de 2017)
1204 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
instituição como “uma segunda casa, uma segunda família”, enquanto outros a representavam
como: “prisão e tirania”. Mas se faz importante que a escola, para desempenhar seu papel
com eficiência, seja percebida pelo jovem como um espaço que lhe possa acolher e que ofereça
oportunidades de se desenvolver, mas também que lhes apresente os limites necessários para a
convivência em sociedade (Dayrell, 1996). Mas ainda que em geral, seja sentida com um espaço
no qual ele possa sentir-se bem. Na instituição esse sentimento de bem estar no ambiente escolar
foi percebido, uma vez que a maioria absoluta dos alunos relata sentir-se assim nesse local.
Destaca-se então que nas respostas do questionário as relações com os colegas apareceram
como fator estressor na escola. A maioria absoluta afirmou que a principal causa de mal estar
na escola está relacionado com a convivência com os colegas, por conta de discórdias e sensação
de falsidade nas relações que são estabelecidas. Quando indagados em relação ao que pode ser
feito para que se modifique essa situação, um terço das respostas apontou que era necessário o
estabelecimento de uma melhor relação com os colegas; o que marca que o desconforto dentro das
relações com os pares é explicitado frequentemente como elemento negativo no cenário escolar.
Na convivência com o outro, o sujeito é colocado diante do impasse: o outro não se submete
às suas vontades e com isso mobiliza sentimentos que se alternam; quando o outro faz o que ele
quer, o ama; quando o outro o frustra, incomoda ou decepciona – sente raiva. (Santos, Xavier
& Nunes, 2008). Essa tensão é expressa dessa na relação que os jovens estabelecem com os seus
colegas, cuja centralidade é expressa pelos próprios alunos, por exemplo, quando escolhe os
amigos como principais confidentes. Com isso o cotidiano escolar mostra-se como um complexo
espaço de interações, com a construção de identidades e estilos, visíveis na formação dos mais
diferentes grupos.
Os jovens admitem a existência de muitos atritos entre si, mas afirmam que vieram aprendendo
a conviver com as diferenças, estreitando as relações. A amizade, junto com os interesses comuns,
faz do grupo uma referência importante para cada um deles; nas expressões que encontramos
os adolescentes enfatizam as relações de confiança existentes expresso em falas como “uma das
minhas qualidades é sinceridade e é isso que eu espero das pessoas que convivem comigo. Escolho
meus amigos levando isso muito em consideração” (M.P. Teixeira, comunicação pessoal 23 de
maio de 2017). Isso destaca a que nessas relações os adolescentes buscam poder contar uns com os
outros, trocando ideias sobre a vida pessoal e afetiva de forma direta e honesta, construindo uma
identidade coletiva, mas também individual. Para esses adolescentes o estabelecimento de boas
relações, envolvendo respeito e diálogo é apresentado como o principal fator colaborador para o
estabelecimento de qualidade de vida e promoção de saúde mental na escola. Pois eles, diversas
vezes, enfatizaram a necessidade e a importância dessas duas características no estabelecimento
das relações com os demais colegas e amigos.
Conclusão
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Introdução
D
urante o desenvolvimento infantil a relação mãe-bebê é fundamental para
realização das primeiras fases do crescimento, mas a figura do pai aparece para
fundamentar uma importante mudança. “Mas haverá um momento, no decorrer
do amadurecimento, em que essa integração também necessitará e dependerá, em grande
parte, da participação paterna, sobretudo em fases mais amadurecidas, como nos estágios
do consentimento e no edípico, quando a identidade unitária torna–se uma conquista mais
consistente, e o pai, como terceira pessoa, passa a fazer sentido na vida da criança.” (Rosa,
Claudia Dias,2010).
É no desenvolvimento infantil que reside as principais causas de doenças psíquicas, é nas
primeiras fases, principalmente no complexo de Édipo, que a criança formará sua identidade, assim
os pais têm a função de realiza-la da melhor forma possível. Isto por que um Édipo mal resolvido
pode se desenvolver para uma neurose, a neurose é um sofrimento psíquico, provocada pelos
sentimentos contrários existentes neste período, como amor, ódio, medo e desejos incestuosos.
Sendo assim é importante questionar-se sobre o papel do pai realizado de forma correta
para que a criança possa passar saudavelmente pelas fases do desenvolvimento sexual infantil,
se for concretizada de forma apropriada a tendência é que a criança se torne um adulto com
comportamento adequando para a convivência social. Portanto, para a construção da
personalidade da criança a função paterna, essa exercida pelo pai biológico ou não, é de
fundamental importância. É na relação com o pai, que o menino adquire valores que o ajudaram
a viver em sociedade.
Esse artigo tem como objetivo compreender a importância da função paterna durante
o complexo de Édipo para o desenvolvimento infantil, para tanto analisou-se o um dos casos
clínicos mais famosos de Freud: o Homem dos Ratos.
Método
O presente artigo traz a relação entre as questões de complexo de édipo e a função paterna
para a formação da personalidade. Para a compreensão desse assunto foi utilizado o método de
pesquisa bibliográfico. O material utilizado nesta pesquisa bibliográfica é composto por textos
pré-selecionados das obras freudianas, principalmente da análise do caso Homem dos Ratos
escrita em 1909, enriquecida com escritos contemporâneos de artigos científicos pesquisados,
de 2013 a 2015 na base de dados PEPSIC, buscando aliar os conceitos trazidos pelos autores de
referência citados ao contexto atual.
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Desenvolvimento
A família é uma das instâncias que mais influencia o indivíduo durante seu desenvolvimento,
principalmente na fase inicial, desde o nascimento até a adolescência. Essa influencia é movida por
descobertas tanto de si próprio quanto do mundo ao seu redor. Durante os primeiros anos de vida
a criança é exposta a situações que serviram para moldar a sua personalidade e, por conseguinte
o adulto que virá a ser. Segundo Laplanche e Pontales (1992), o complexo de Édipo funciona
como parâmetro para a estruturação da personalidade e na orientação do desejo humano, ele é
o principal aspecto observado para saber a causa de uma psicopatologia.
Segundo os estudos de Freud, fundador da psicanálise, o complexo de Édipo é uma fase
universal, ou seja, que todos passam na sua infância na qual há uma relação de amor e ódio de
conhecimento e reconhecimento. É quando a criança tem três ou cinco anos que os pais começam
a se afastar e neste momento ele percebe que entre a mãe e o pai há uma relação diferente, desse
modo ele tenta reaver a intimidade que antes tinha com mãe, assim ele ver o pai como inimigo e
quer tomar o lugar deste. Nesse interim a criança, se for menino, sente que o pai é o que afasta
a mãe dele, assim criando um sentimento de repulsa em relação ao pai por querer a mãe. “O
complexo de Édipo ocorre quando a criança está atravessando a fase fálica, ou seja, quando
descobre que ao atingir três anos de idade passa a ser alvo de varias proibições que para ele eram
desconhecidas.” (Martins, 2002).
As proibições derivam da fase genital no qual o local que propicia o prazer é o seu próprio
órgão genital. “O menino revela seu interesse por seus órgãos genitais com o comportamento de
manipulação do mesmo. Logo, descobre que os adultos reprovam tal comportamento à medida
que inferem a ele uma punição – a castração.” (Martins, 2013). A partir da ameaça de castração
é que o completo de Édipo é dissolvido, com os desejos pela mãe reprimidos ao inconsciente e a
identificação com o pai começa a ser o principal foco da criança.
No período entre os desejos incestuoso do menino pela mãe, o pai tem a função de colocar
limites, reconhecendo e aceitando as diferenças, realizando a passagem do prazer para o desprazer
habituando à criança a realidade regida por normas tanto da família quanto da sociedade me
geral. São estas ações que originam as frustrações que estimulam as funções do ego e formam a
capacidade de pensar (Nasio, 2007).
Tendo em vista os conceitos que envolvem a definição de complexo de Édipo, pode-se ter
uma compreensão mais abrangente da importância da função paterna no caso do homem dos
ratos, uma analise clinica feita por Freud sobre neurose obsessiva. No caso, Freud recebe um
cliente que se queixa de ideias obsessivas das quais fora intensificada por um episodio que ele
ouviu sobre tal tortura com ratos. Durante a associação livre com o rapaz, constatou-se que a sua
infância foi marcada por uma intensa atividade sexual, ocasionando em ideias reprimidas desde
cedo, as quais deram origem a pensamentos obsessivos sobre seu pai. Para o paciente o pai no
período da consulta, estava vivo, entretanto tinha morrido há 9 anos.
Foi na época de criança que começou a manifestar algumas ideias obsessivas, que tiveram
origem nos sentimentos reprimidos pelo pai na primeira infância, que geraram um sentimento
intenso de amor contrastando com a raiva. Segundo Freud ( 1909/1977)
Foi por meio desses desejos reprimidos no inconsciente que o paciente desenvolveu sua doença,
que Freud analisou ter ligação direta com os acontecimentos durante o complexo de Édipo.
A função do pai no Homem dos Ratos durante a infância foi de um repressor que era visto
com temor pelo filho. Era duramente reprendido pelas suas práticas, um acontecimento que Freud
determinou como o início da neurose, foi que quando criança tinha desejos de ver as mulheres
nuas, e pensava que se imaginasse sobre isso seu pai morreria. Criou-se assim uma relação de
causa e efeito o que fez o desejo sexual ser reprimido. Dessa forma, havia um sentimento de raiva
que nutria a vontade de que o pai morresse, mesmo que o paciente afirmasse que amava seu pai e
nunca quis que nada de mal acontecesse com ele. “foi precisamente a intensidade de seu amor que
não permitiu que seu ódio - embora dar este nome fosse caricaturar o sentimento - permanecesse
consciente.”(Freud, 1909/1977,p.105)
Outras participações do pai na infância do paciente foram às censuras sobre as
masturbações que o filho fazia.
Conclusão
1210 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Referências
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Introdução
V
ivemos na era digital, onde há uma grande influência do célere desenvolvimento
dos meios de comunicação no âmbito social. O uso de dispositivos tecnológicos
– que visam à troca de informações com mais agilidade – tornou-se algo quase
indispensável no mundo e muito atrativo principalmente para os adolescentes. Estefenon e
Eisenstein (2011) também citam que esse mundo virtual é visto pelos adolescentes como mais
interessante, pois está repleto de aventuras e oportunidades. O ciberespaço proporciona uma
gama extensa de conteúdos, onde se é possível selecionar o site ideal, um canal específico ou
uma rede social de preferência que se encaixe no que se quer transmitir e para quem no tempo
escolhido. O anonimato, a fácil utilização e as diferentes atividades realizadas nesse ambiente
virtual, junto com impulsividade e a vontade de conhecer tudo dos adolescentes, pode acarretar a
sensação de que se pode fazer tudo ignorando os limites do mundo real, levando-os a se exporem
de maneira excessiva e ficarem vulneráveis a riscos (Gonçalves & Nuernberg, 2012).
Não se pode negar que a internet proporciona uma série de benefícios para o usuário.
Mas, ao mesmo tempo em que a internet contribui de maneira positiva, ela também oferece
riscos. Dentre os riscos que os adolescentes podem ser expostos estão o cyberbullying, a perda
de privacidade, a pedofilia e material pornográfico (Estefenon & Eisenstein, 2011). Além disso,
Gonçalves e Nuernberg (2012) citam o distanciamento do convívio social real, as várias horas
conectadas que podem ser sinais de dependência, e a exposição excessiva da intimidade. Com isso,
a violência que antes se continha ao espaço físico, passou a se manifestar também virtualmente
por meio de agressões morais. É no contexto dessa transição da infância para a adolescência,
que manifestações de violência repercutem de maneira negativa no desenvolvimento saudável de
crianças e adolescentes.
O bullying e cyberbullying são fenômenos presentes principalmente durante essa fase e pode ser
considerado um problema social que atinge várias culturas pelo mundo. Vale ressaltar que bullying
pode ocorrer em diversos âmbitos sociais e em diferentes faixas etárias, sendo mais frequente
em escolas, tantos públicas como privadas, e entre crianças e adolescentes (Maldonado, 2011).
Segundo Rodeghiero (2012), o bullying não pode ser visto como um fenômeno restrito ao ambiente
escolar, como até então era relacionado. Este pode aparecer em várias relações interpessoais, como
em relacionamentos românticos, familiares ou profissionais que apresentem um comportamento
agressivo, repetitivo, proposital e com intenção de magoar, intimidar e ferir o outro.
O cyberbullying apresenta-se como uma forma de agressão praticada no ambiente virtual,
sendo um ato de agressão moral intencional que visa prejudicar e denegrir a imagem pública
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de alguém, através de insultos e difamação, causando consequências de cunho psicológico,
tais como afetar a autoestima da pessoa e em alguns casos incitar ao suicídio. A prática do
cyberbullying pode se dar por meio do uso de telefones celulares, internet, e-mails ou quaisquer
outros meios de comunicação, onde a vítima recebe mensagens de assédio, conteúdos
difamatórios, comentários ofensivos em redes sociais ou quando tem conteúdos de cunho
pessoal, como imagens e vídeos comprometedores, divulgados sem permissão (Maldonado,
2011). Valle (2011) destaca:
Apesar de o cyberbullying ser uma forma de manifestação do bullying na rede virtual, esses
fenômenos apresentam características peculiares que os diferem, tornando o primeiro, por vezes,
mais danoso. As principais diferenças encontram-se no conceito de repetição do ato, onde um
só ato já é suficiente; rapidez na transmissão das informações e a amplitude da audiência; o
caráter de permanência da informação no ambiente virtual; o anonimato do agressor; o caráter
atemporal e sem lugar específico para se manifestar.
De acordo com Wendt e Lisboa (2013), pesquisar sobre o cyberbullying e a relação da
influência do universo online sobre os aspectos subjetivos e emocionais das novas gerações de
crianças e adolescentes, se torna relevante, pois tal fenômeno representa um desafio cotidiano
não apenas para os profissionais da Educação e Saúde, como também para os responsáveis pela
criação de políticas públicas. De tal maneira, fica evidente a relevância de mais estudos sobre a
complexidade do processo de cyber agressão em diferentes culturas, com o intuito de aprofundar
o conhecimento sobre os impactos precisos e as formas de enfrentá-lo.
Método
Resultados
1214 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
diferença nos fatores que influenciam a autoestima para cada sexo. As meninas têm a autoestima
fortemente influenciada pelos relacionamentos e integração social, já nos meninos é influenciada
pelos seus feitos pessoais. A mesma pesquisa revelou que nos meninos os níveis mais baixos de
autoestima estão relacionados ao papel de vítima, e que dentro dos grupos dos papeis do bullying,
o de vítima-agressor apresenta os índices mais baixos.
A depressão aparece como uma psicopatologia associada ao cyberbullying. De acordo com
estudo citado anteriormente, realizado por Wendt (2012) na região Sul do Brasil, com uma amostra
de 367 adolescentes, verificou-se que vítima-agressores de cyberbullying demostram maiores índices
de sintomas depressivos. Eles ainda trazem que a depressão pode potencializar o envolvimento
com episódios de cyberbullying, seja como meio de retaliação ou pelo fato de passarem mais tempo
na frente do computador – em decorrência da psicopatologia, o que leva ao isolamento – assim
ficando mais propícias às agressões online. No estudo, averiguou-se que a depressão aumenta
2,70 vezes a chance de envolvimento com o fenômeno. Bottino, Santos, Martins e Regina (2015)
relatam que os sentimentos de desemparo, insegurança e impotência para se defenderem dos
ataques do cyberbullying contribuem para o aumento da sensação de medo e sofrimento emocional,
colaborando para o aparecimento de sintomas depressivos.
Adolescentes vítimas do cyberbullying podem estar mais propensos a tentativas de suicídio do
que aqueles que não estão envolvidos com a agressão virtual (Wendt & Lisboa, 2013). Tanto as
vítimas como os agressores apresentam duas vezes mais chances de realizar tentativas de suicídio
do que os adolescentes que não estão envolvidos com cyber vitimização (Bottino, Santos, Martins
& Regina, 2015). Vale (2011) pontua que o cyberbullying não é o causador direto da ideação ou do
suicido, mas que este fenômeno junto a outros fatores pode contribuir para esses acontecimentos.
A depressão pode aparecer como mediador nessa situação.
Bottino et al. (2015) discorrem que adolescentes envolvidos com o fenômeno podem
apresentar estados psicológicos negativos, levando-os a fazer uso de substâncias químicas para
lidar com sentimentos. Assim, o abuso de substâncias aparece associado ao fenômeno da cyber
agressão, podendo encorajar adolescentes com ideação suicida, inibir e exacerbar humores
negativos, além de contribuir para atos autodestruitivos ou de automutilação.
Vítimas de cyber vitimização podem apresentar quadros de estresse pós-traumático, como
coloca Maldonado (2011):
As vítimas de cyberbullying costumam passar por um grande estresse emocional, que pode
resultar em diversos sintomas psicossomáticos, tais como perda e ganho de peso, enxaqueca, dor
abdominal, insônia, sudorese, distúrbios do sono, apatia, perda de apetite etc. O desempenho
na escola também é afetado, prejudicando o rendimento e contribuindo para a evasão (Rondina,
Moura & Carvalho, 2016).
Rondina, Moura e Carvalho (2016) enfatizam que grande parte do impacto psicológico
da cyber agressão recai para aqueles que assumem o papel de vítimas-agressor, e esse fato traz
impactos ao fato de que aproximadamente 25% das vítimas não procuram ajuda especializada.
Wendt e Lisboa (2013) relacionam a não procura por ajuda ao fato dos adolescentes terem
medo de serem privados de certos privilégios, como o uso dos celulares ou a restrição ao acesso
a internet. Os autores destacam que as crianças e adolescentes que recebem supervisão dos
pais enquanto navegam na internet ou que recebem orientações sobre o uso das tecnologias,
Discussão
Diante do mundo globalizado ao qual vivemos, a cada dia surgem novas tecnologias de
comunicação e informação que transformam a maneira com que os indivíduos interagem
socialmente. As tecnologias estão demasiadamente presentes na vida das pessoas e passam a
influenciar diretamente nos relacionamentos interpessoais, na construção da identidade dos
indivíduos, nas formas de aprendizagem, em novos comportamentos, no desenvolvimento como
um todo e, por conseguinte, nas violências deferidas aos pares, como o cyberbullying.
Podemos observar a partir dos estudos encontrados que o cyberbullying pode ter um impacto
considerável na autoestima dos adolescentes. A autoestima pode ser considerada como a percepção
positiva que o indivíduo tem de si mesmo a partir das atitudes que ele tem consigo e na crença
de suas capacidades e habilidades. Ela é constituída no decorrer da vida, sendo influenciada pela
maneira como os outros enxergam um ao outro. Ter autoestima num grau positivo é fundamental
para o desenvolvimento saudável dos adolescentes, estando ela relacionada à saúde metal e ao
bem estar psicológico. Ela também está diretamente relacionada à aprovação e status social.
Adolescentes que apresentam uma boa autoestima são mais persistentes, fazem mais progressos
diante das dificuldades e estabelecem relações sociais com mais facilidade. Já os que apresentam
carência de autoestima têm dificuldades no desenvolvimento de habilidades sociais e estão mais
propensos a apresentarem sintomas de depressão e ideação suicida (Bandeira & Hutz, 2010).
Constatou-se que meninas vitimas-agressoras apresentam índices menores de autoestima, e que
os meninos apresentam a autoestima inferior no papel de vítima (Bandeira & Hutz, 2010).
A depressão aparece associada à agressão online, sendo ela uma consequência advinda
ou uma predisposição do envolvimento com esta. As vítimas e vítimas-agressoras têm maiores
chances de apresentarem sintomas depressivos do que os sujeitos não envolvidos no cyberbullying.
A depressão pode aumentar em 2,70 vezes a chance de envolvimento com cyber agressão (Wendt
e Lisboa, 2014). Bottino et al. (2015) mencionam que os adolescentes deprimidos são mais
propensos a perceberem uma situação como ameaçadora devido às alterações cognitivas e do
humor depressivo, que em conjunto com a ausência de pistas sociais nas interações online, alteram
sua percepção e resultam em interpretações negativas.
Outro fenômeno que parece estar relacionado com as agressões do bullying e cyberbullying é
o comportamento suicida. O comportamento suicida pode ser divido em três conceitos: ideação
suicida, tentativa de suicídio e o suicídio consumado. A ideação suicida caracteriza-se por ideias,
pensamentos e planos acerca da morte do próprio sujeito. A tentativa de suicídio seria o ato com
o intuito de por fim à vida; e o suicídio consumado é quando o ato colocado em ação resulta na
morte do sujeito. As pessoas que recorrem a essa ação se encontram em situação de sofrimento
intenso e angústia insuportável, onde não conseguem enxergar estratégias para amenizar seu
sofrimento, e assim veem no suicídio uma forma de libertação desesperada para a situação de dor
intolerável ao qual estão (De Faria, 2015). A investigação constatou que os adolescentes, tanto
vítimas como agressores apresentam duas vezes mais chances de realizar tentativas de suicídio do
que os adolescentes que não estão envolvidos com o cyber vitimização (Bottino et al., 2015).
Adolescentes envolvidos com o fenômeno do cyberbullying têm maiores chances de fazerem uso
de substâncias psicoativas, terem comportamentos autodestrutivos (Id.) e apresentarem sintomas de
estresse pós-traumático (Maldonado, 2011). As vítimas podem desenvolver sintomas psicossomáticos
e apresentarem um menor desempenho escolar (Rondina, Moura & Carvalho, 2016).
Os resultados obtidos permitem constatar que o fenômeno da vitimização online pode
acarretar em prejuízos sérios a níveis biopsicossociais que podem se prolongar durante anos no
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
desenvolvimento dos envolvidos, tendo um impacto significativamente negativo nas crenças e
no comportamento dos jovens. Conclui-se que as pessoas reagem de maneiras diferentes aos
ataques, tanto do bullying como do cyberbullying, e que isso se deve às suas interpretações pessoais
e características próprias, podendo assim adotar medidas drásticas para dar fim a uma situação
de sofrimento ou encontrar estratégias de enfrentamento e fortalecimento de suas habilidades.
Desta forma, a revisão aqui presente não tem o intuito de encerrar a investigação sobre o
assunto, haja vista a finalidade de produzir uma discussão e chamar atenção para a complexidade
do fenômeno do cyberbullying hodiernamente. Vale salientar a escassez de estudos sobre a temática
disponíveis em literatura na América Latina, mais especificamente no Brasil, o que aponta a
relevância de mais investigações sobre a agressão virtual nos diferentes contextos culturais,
buscando compreender os aspectos que o envolvem em sua totalidade, para que assim sejam
desenvolvidas medidas mais efetivas de proteção e prevenção, como também um conhecimento
mais específico das repercussões desse processo.
Diante disso, as repercussões do cyberbullying representam desafios cotidianos que são
impostos a toda a sociedade, o que salienta a importância que pais, educadores, instituições de
ensino, profissionais da saúde e responsáveis pelas políticas públicas estejam conscientes sobre
os benefícios e os riscos do uso das tecnologias pelos jovens, assim sendo, serão mais capazes
de desenvolver medidas e propostas de intervenção eficazes. Destaca-se a significância de
conscientizar os jovens sobre o uso abusivo das mídias sociais, ajudá-los a desenvolver estratégias
de autoproteção que visam prevenir o envolvimento com cyberbullying e esclarecer as consequências
dos seus atos, tanto na realidade quanto no âmbito virtual.
É valido destacar que a violência entre pares não se restringe somente ao espaço virtual,
assim, é importante pensar em intervenções juntos as crianças e jovens que busquem discutir a
violência de modo geral, como rodas de conversas, debates e palestras dentro do âmbito escolar
que se propusessem a discutir a temática. O treinamento das habilidades sociais dos jovens que
promovam o relacionamento entre pares, ajustamento e asserção mostra-se importante para o
desenvolvimento saudável e trás consequências positivas nas relações interpessoais. Diante disso,
grupos e oficinas que busquem treinar as habilidades sociais dos jovens poderiam ser úteis para
prevenir futuros comportamentos disfuncionais como os do cyberbullying. Um exemplo poderia ser
oficinas de habilidades que abordassem as diferenças entre as pessoas propondo-se a melhorar
a aceitação do diferente e oficinas que estimulem o trabalho em grupo, assim melhorando o
relacionamento entre os pares tanto no ambiente virtual como no real.
Com efeito, mostra-se eficaz medidas a nível comunitário que busquem a criação de espaços
de discussão sobre a problemática. Em suma, cabe à sociedade buscar de maneira sistemática
mudanças em relação às atitudes em torno da aceitação das diferenças e do respeito ao próximo,
para que dessa forma evitem comportamentos de violência como o cyberbullying.
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1218 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
QUESTÃO SOCIAL, PROCESSOS SOCIAIS, CUIDADO
E NEGLIGÊNCIA PARENTAL INFANTIL
Hivana Raelcia Rosa da Fonseca
Introdução
O
objetivo desse artigo é discutir a negligência parental infantil na atualidade,
relacionando esse fenômeno às expressões da questão social e aos processos sociais
e culturais que atravessam as famílias na atualidade. Trata-se de um ensaio teórico
fundamentado na literatura sobre questão social, parentalidade e negligência.
A família é o lugar potencialmente mais protetivo, entretanto nem sempre o cuidado ofertado
é adequado ao desenvolvimento de seus membros. Em muitas circunstâncias esse cenário que
deveria ser de proteção, acaba sendo perpassado por diversos tipos de violência, especialmente
contra aqueles que são vulneráveis, como é o caso das crianças e adolescentes.
Um dos tipos de violência que pode atravessar o contexto familiar é chamada de negligência
parental que refere-se a eventos isolados ou padrões de comportamentos negligentes no âmbito
da parentalidade, ou seja, no cuidado exercido pelos progenitores, pais ou cuidadores em relação
a seus filhos (Pasian, 2015).
O cuidado parental repousa em elementos socioculturais. Nesse sentido, Harkness et al.
(2007) salientam que inicialmente se tem uma cultura com modelos implícitos para o exercício
da parentalidade, ou seja, diversos elementos considerados adequados e melhores para cuidar de
uma criança. É nesse contexto e a partir desses modelos que vão surgir as crenças específicas dos
pais que filtram e elegem aquilo que faz sentido diretamente em sua família. Essas crenças sobre
desenvolvimento, sobre práticas, consequências e etc, são mediadas por fatores intervenientes,
tais como as características dos pais, das crianças e aspectos culturais. A partir disso surgem
as práticas propriamente ditas, tanto no que se refere a estruturação do ambiente, interações e
organização das atividades diárias. O resultado, por fim, incide diretamente no desenvolvimento
das crianças e adolescentes, bem como em todo o funcionamento familiar.
O contexto oferecido pela família para as crianças e adolescentes será fundamental para seu
desenvolvimento saudável. Do mesmo modo, quando um cuidado adequado não é disponibilizado
às crianças e adolescentes, isso pode ter consequências negativas a seu desenvolvimento. A atenção
que a literatura tem dado a parentalidade ocorre em virtude justamente do quão importante e
impactante é o modo de cuidar e socializar que se estabelece na família.
Muitas vezes, a família não consegue proporcionar às crianças um contexto adequado ao
seu desenvolvimento. As crianças e adolescentes são as maiores vítimas da violência intrafamiliar,
sendo a negligência a mais notificada. É um tipo de violência que pode ter consequências diversas
para o desenvolvimento de crianças e adolescentes (Pasian, 2015).
Outro aspecto comumente associado à negligência parental refere-se ao contexto das
famílias identificadas como negligente. De modo geral, tem uma vida marcada por inúmeras
Desenvolvimento
A Questão Social pode ser definida como “expressão das desigualdades sociais oriundas do
modo de produção capitalista” (Santos, 2012, p. 17). Ainda que autores como Castel (1998) e
Rosanvallon (1995) defendam que essa questão social tenha sido superada e atualmente existe
uma nova questão social, entende-se que as expressões das desigualdades tem se transformado,
amplificado, mas não foram, em nenhuma medida, superadas. Corroborando essa ideia, Pastorini
(2010) salienta que existem várias expressões e versões da questão social e, apesar de terem sido
dadas diversas respostas a ela, os elementos básicos que a definem se mantem na atualidade.
Dentre as várias expressões da questão social, a pobreza atravessa a vida de muitas famílias.
O pauperismo aliado a outras expressões, tais como não inserção ou inserção precarizada por
parte dos responsáveis familiares no mercado de trabalho, além de elementos fragilizados nas
próprias Políticas Sociais, que deveriam favorecer o enfrentamento da questão social.
De modo geral, é grande o número de famílias que tem que enfrentar as expressões da
questão social em seu cotidiano e, nesse contexto, ainda produzir um cuidado que responda
suficientemente às demandas desenvolvimentais das crianças e adolescentes.
A pobreza afeta a organização e dinâmica familiar e, consequentemente, impacta sobre
o desenvolvimento das crianças e adolescentes. Sem dúvidas, o cuidado parental acaba sendo
impactado pelo estresse oriundo de todo esse contexto. Conforme explicita Koller, De Antoni e
Carpena (2012), a pobreza é um fator que pode afetar a capacidade de cuidado das famílias.
A própria noção de cuidado pode ser construída com base em elementos culturais específicos
e não atendam adequadamente aquilo que efetivamente as crianças precisam. É importante ainda
salientar que a construção da parentalidade é feita caucada em diversos elementos culturais,
familiares e individuais.
Apesar de não estar relacionada à pobreza, as situações de violência contra as crianças são
geralmente notificadas em famílias pobres. Por um lado pode-se pensar que essa fragilização
dos recursos protetivos advindos das expressões da questão social pode resultar em situações de
violação de direitos. Por outro lado, historicamente as famílias pobres são rotuladas de incapazes
e desqualificadas em suas funções protetivas.
Destarte, discutir o cuidado familiar e a negligência parental em famílias pobres requer
o cuidado contínuo com a compreensão do que seja uma violação de direitos cometida pelas
famílias daquelas violações que atravessam toda a família, inclusive as crianças e adolescentes.
Já há bastante tempo que autores como Volic e Baptista (2005) salientam a necessidade de
mais estudos acerca da negligência. A avaliação das situações de negligência pode ser perpassada
por subjetivismo que rotulam e violam os direitos e os vínculos familiares. Nesse sentido, as autoras
ratificam a importância de uma contextualização daquilo que está sendo nomeado de negligência
a fim de que sejam destacados os elementos reais que denotam as práticas negligentes.
A negligência inclui, segundo a Organização Mundial de Saúde, eventos isolados ou um
padrão de cuidado estável no tempo, por parte dos pais ou outros membros da família, que
deixam de prover o desenvolvimento e bem estar para criança, quando teriam recursos e
condições de fazê-lo. Esse aspecto pode ser observado em uma ou mais áreas: saúde, educação,
desenvolvimento emocional, nutrição, abrigo e condições seguras (World Health Organization –
WHO & International Society For Prevention Of Child Abuse And Neglect - ISPCAN, 2006).
1220 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Corroborando esse conceito, Paisan (2015, p.667) define que
A luta pela sobrevivência percorre o seu dia-a-dia, e sobrevivência não apenas no que se
refere às condições materiais, mas também afetivas. Estão fora dos processos organizativos
de sua comunidade, e mesmo não pertencem a nenhuma comunidade na medida em que
muitos não conseguem enraizar-se na cidade.
Conclusão
Referências
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evidence. Geneve: Who Press, 2006.
Introdução
A
questão social se expressa de muitas formas no cotidiano das famílias. A pobreza, a
desigualdade, a fraca inserção no mercado de trabalho, entre outras expressões da
questão social afetam diretamente as famílias, sua organização e a dinâmica que
se estabelece.
Nesse contexto, é inevitável que as expressões da questão social afetem também o
desenvolvimento das funções parentais e implique diretamente no cuidado com as crianças e
adolescentes. A parentalidade, portanto, é afetada por todo o contexto, história de vida e inserção
social e cultural da família.
O objetivo desse trabalho é refletir acerca das expressões da questão social no cuidado
com crianças. Busca-se, através desse trabalho, contribuir com as reflexões acerca das expressões
da questão social e das consequências que tem em vários níveis de vida do sujeito, inclusive no
desenvolvimento das crianças e adolescentes.
Trata-se de um ensaio teórico fundamentado na literatura acerca da questão social, bem
como em referências acerca do desenvolvimento em contexto de vulnerabilidade. Inicialmente
serão feitas algumas discussões acerca da categoria questão social, a seguir será discutida como
se organiza a parentalidade no contexto da pobreza e desigualdade e feito alguns apontamentos
sobre resiliência e suporte social. Por fim, são tecidas algumas considerações acerca de toda essa
demanda e do enfrentamento necessário das expressões da questão social na atualidade.
As discussões sobre a questão social são extensas. Quanto a sua origem, os autores de modo
geral concordam que ela se constituiu a partir das desigualdades do modo de produção do sistema
capitalista (Behring & Boschetti, 2011; Pastorini, 2010; Santos, 2012).
Atualmente há um debate sobre a pertinência da questão social, como tradicionalmente é
entendida, ou se existe uma “nova questão social”. Autores como Rosanvallon (1998) e Castel
(1998) consideram que a questão social se transformou e que hoje existiria uma nova questão
social, uma vez que o ponto essencial de definição da questão social já foi superado pelo Estado
Providência.
Castel (1998) salienta que o problema atual seriam os supranumerários, uma vez que eles
não podem se inserir no mercado de trabalho, sendo assim inúteis para o mundo. Na percepção
desse autor, a questão social teria se transformado, não estando mais relacionada à exploração
do sistema capitalista, mas a exclusão de parte da população nesse sistema.
1224 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Para Rosanvallon (1998), a expressão questão social faz referência às desigualdades oriundas
da sociedade industrial e que a ‘nova’ questão social diferencia-se por já não se referir às mesmas
categorias de exploração do homem, mas advém especialmente da inadaptação dos modos de
gestão social dessas desigualdades.
Outro debate contemporâneo refere-se à existência de uma “questão social” ou de “questões
sociais”. Entende-se que a questão social é uma só: as desigualdades do sistema capitalista.
Entretanto, existem inúmeras expressões da questão social. Essas variadas expressões se alteram
ao longo do tempo, mas os traços essenciais remetem a uma única e mesma questão social.
Para fins desse trabalho, entende-se que a questão social permanece vinculada aos processos
de exploração subjacentes ao sistema capitalista. Além disso, entende-se que existe uma questão
social, ainda que se expresse de inúmeras formas. Corroboram-se as discussões de autores como
Pastorini (2010) que ratifica que “não se trata de uma ‘nova questão social’, uma vez que [...] os
traços essenciais da ‘questão social’ que tem sua origem no século XIX, estão vigentes” (p. 115).
Portanto, estando a questão social atrelada ao modo de produção capitalista e este continuando
vigente, não se pode dizer que se tenha uma “nova questão social” (Santos, 2012). Também autoras
como Behring e Boschetti (2011) salientam que ao longo do tempo as expressões da questão
social se transformaram, assim como as formas de enfrentamento, mas o cerne de desigualdade
é o mesmo.
Sendo assim, compartilha-se o conceito de questão social de Pastorini (2010, p. 141),
que a define como “um conjunto de problemas que dizem respeito à forma como os homens
se organizam para produzir e reproduzir num contexto histórico determinado, que tem suas
expressões na esfera da reprodução social”. No mesmo sentido, Santos (2012)
Behring e Boschetti (2011) ressaltam que a questão social implica nas condições de vida, de
cultura e produção de riquezas, ou seja, no processo de produção e reprodução da vida cotidiana.
Sendo assim, expressões da questão social como pobreza e desigualdade atravessa cotidianamente
a vida das pessoas e afetam suas condições e modos de existência.
A pobreza e o empobrecimento são expressões da questão social. Esses elementos não são
definidores, mas constituem-se como marcadores importantes no desenvolvimento e na vida das
pessoas. É importante então entender mais diretamente como as expressões da questão social
podem marcar a vida familiar e o desenvolvimento das crianças.
A organização familiar tem mudado ao longo dos tempos. Essas mudanças ocorreram e
ocorrem de modo articulado a todas às mudanças que perpassam a sociedade, tanto do ponto
de vista social, cultural e econômico (Petrini, 2005; Zola, 2015).
O modo de produção econômica afeta a própria organização familiar. Um exemplo
largamente citado é da mulher que, antes sendo responsável por exercer (sozinha) os cuidados
parentais às crianças, adentra ao mercado de trabalho. Sem dúvidas, esse movimento reverbera
também na dinâmica familiar, especialmente porque se, por um lado, a mulher passa a
compartilhar a responsabilidade da subsistência com o homem, por outro ainda tende a ser a
única responsabilizada pelos cuidados com as crianças e afazeres domésticos.
Além disso, outras mudanças que ocorrem nas famílias, como a redução do número de
filhos e também o processo de nuclearização, através do qual as famílias tenderam a se distanciar
da família extensa, como avós e tios, também impacta na dinâmica das famílias. É importante
salientar que não há uma negatividade inerente nesses acontecimentos, mas sim nos precários
ajustes para o exercício da parentalidade, especialmente no que tange ao suporte social para o
cuidado com as crianças.
1226 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O contexto é estudado em quatro níveis distintos: microssistema, mesossistema, exossistema
e macrossistema. O microssistema é o contexto imediato das interações e onde ocorrem os
processos proximais, como por exemplo, a família. Cada pessoa interage ao longo da vida em vários
microssistemas: escola, trabalho, etc. O conjunto desses microssistemas e a interação que eles
estabelecem é o que é chamado de mesossistema. O exossistema por sua vez compreende aqueles
ambientes que, mesmo que a pessoa não esteja inserida, tem influência sobre seu desenvolvimento.
Um exemplo de mesossistema para o desenvolvimento de uma criança é o trabalho dos pais ou
o conselho tutelar. Por mim, o macrossistema compreende o conjunto das ideologias, crenças,
políticas e demais elementos que em um nível mais amplo também influencia as pessoas.
Outro elemento considerado importante para compreensão do desenvolvimento é o
elemento tempo. Sendo assim, não é suficiente olhar para a família sem levar em conta sua história
de vida e a passagem do tempo.
Nessa perspectiva pode-se entender que a pessoa em desenvolvimento vai estabelecendo
relações e sendo influenciada por múltiplos fatores. Há uma dinamicidade importante, mas que
precisa de atenção uma vez que diversos elementos influenciam o processo de desenvolvimento e
podem impactar de forma positiva ou negativa.
Enfrentar cotidianamente as expressões da questão social e ainda assim exercer um cuidado
saudável é muito desafiador. Vivenciar as iniquidades sociais, em si, já é um elemento produtor de
sofrimento. Associado aos cuidados demandados pelas crianças e no contexto social e cultural que
mais julga que suporta, tudo isso pode promover nas famílias uma situação de estresse nas relações,
no cuidado e promover o agravamento das situações de vulnerabilidade e mesmo expor a situações
de violência. Ratifica-se que a pobreza e as situações de vulnerabilidade não estão relacionadas a
situações de negligência, mas são elementos que podem fragilizar os recursos de cuidado.
Apesar das situações menos favoráveis de desenvolvimento frente às diversas expressões da
questão social, é possível pensar em estratégias de enfrentamento e prevenção. Nada é definidor
quando se trata de vidas ou de desenvolvimento.
Aspectos de resiliência individual e familiar podem favorecer o enfrentamento de situações
adversas e tem se mostrado bem importantes entre famílias mais pobres e vulneráveis (Koller et al.,
2012). Sendo assim, pode-se pensar recursos que, ao mesmo tempo que enfrentam as expressões
da questão social também promovam processos de resiliência.
Cabe ainda esclarecer que a resiliência não é um processo simples, nem tampouco pode ser
tomada no mesmo sentido que a resiliência na Física, que entende a resiliência como uma propriedade
através da qual um corpo pode voltar a sua forma original depois de submetido a forte pressão e
deformação. Quando se trata de resiliência psicológica, é importante entender que se refere a um
processo, através do qual os indivíduos, em contexto de adversidades significativas, consigam buscar
recursos psicológicos, sociais, culturais e materiais que sustentem seu bem estar (Koller et al, 2012).
Destarte, não é possível individualizar o sofrimento e os impactos das expressões da questão
social na família e no desenvolvimento das crianças. Sendo assim, pensar no enfrentamento das
expressões da questão social tem que ser a partir de ações que tentem atender às demandas de
forma coletiva e social, de forma particularizada, mas sem individualizações.
Zola (2015) salienta que histórica e naturalmente a família é espaço de proteção social para
os indivíduos. A autora discute a importância das Políticas Sociais no apoio e proteção às famílias.
Cuidando-se das famílias, pode-se favorecer para que cuidem mais adequadamente e protejam
seus membros, especialmente os mais frágeis e dependentes, como é o caso das crianças.
As Políticas Sociais são possíveis respostas às expressões da questão social, entretanto
sua fragmentação e fragilização dificultam o enfrentamento efetivo das expressões da questão
social (Behring & Boschetti, 2011). No contexto atual, de iminentes contrarreformas e ameaça
de direitos, torna-se ainda mais fundamental refletir acerca do significado e importância de uma
proteção social que assegure o desenvolvimento e uma vida com dignidade às crianças e suas
famílias.
Considerações Finais
É necessário refletir acerca do impacto que se tem das expressões da questão social nas
famílias e também no desenvolvimento das crianças. Discutir a categoria “questão social” não
deve apenas ser feita da perspectiva social, mas também desenvolvimentista.
Pensar estratégias de enfrentamento que efetivamente favoreçam a organização e a dinâmica
familiar é essencial também na perspectiva de defesa dos direitos das crianças e adolescentes.
Ações que buscam enfrentar às diversas expressões da questão social podem produzir um
desenvolvimento mais saudável.
O cuidado com as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade não pode se
furtar de tais reflexões e de ações concretas de enfrentamento das desigualdades sociais que se
refletem em um acúmulo de desvantagens no desenvolvimento.Buscou-se, através desse trabalho,
contribuir com as reflexões acerca das expressões da questão social na família, na parentalidade
e no desenvolvimento das crianças. Espera-se que novas reflexões sejam tecidas e que favoreçam
não apenas o desenvolvimento de trabalhos, teóricos ou de pesquisa, mas especialmente fortaleça
a necessidade urgente de enfrentamento das iniquidades produzidas pelo sistema capitalista e
que, em contexto de contrarreformas, podem agravar ainda mais as possibilidades de vida e
desenvolvimento das pessoas.
Referências
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Introdução
A
Psicologia Educacional e Escolar é uma área de atuação e especialidade da Psicologia
que se ocupa das conexões entre Educação e Psicologia. Se compreendermos a
Psicologia como saber que se compromete a estudar, intervir e desdobra-se sobre
o comportamento ou a subjetividade dos seres humanos e a tudo que ela pode alcançar. E a
Educação como prática social que orienta e transmite conhecimentos, hábitos, valores, crenças,
condutas e ofícios. Dessa maneira, podemos perceber que ambas as áreas se relacionam com o
ser humano e sua subjetividade, com as formas como se articulam em uma dada comunidade ou
sociedade, como ela pode facilitar o processo de desenvolvimento humano e suas habilidades e
potencialidades que envolvam o processo de ensino-aprendizagem. Assim, pensar de forma crítica
os muitos fios e laços de conexão que possam surgir dessa complexa e interdisciplinar articulação
entre os saberes psicológicos e a educação é uma das propostas desse estudo (Bock, Furtado &
Teixeira, 2001; Brandão, 2007).
Assim sendo, estamos de encontro com um campo complexo em um mundo complexo, pois a
globalização, as constantes mudanças no mundo das informações, a mídia e as novas tecnologias,
as transformações socioculturais, políticas, econômicas, as situações de vulnerabilidade e violência,
a desigualdade social, as carências de recursos estruturais nas escolas e a desvalorização do
trabalho docente influenciam na prática do educador e exigem que pensemos de forma complexa,
contextualizada e crítica possíveis soluções para esses desafios.
Para enfrentar esses desafios, precisamos mudar o nosso modo de ensinar e de produzir
conhecimento, pois deve-se compreender que a educação é mais do que a transmissão de
conhecimento, é a capacidade de pensar ou elaborar pensamentos de forma livre e que favoreça
uma vida digna e autônoma. Como afirma Edgard Morin (2009, p. 11):
ensino é transmitir não mero saber, mas uma cultura que permita compreender nossa
condição e nos ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto
e livre [e que] a educação pode ajudar a nos tornarmos melhores, se não mais felizes, e nos
ensinar a assumir a parte prosaica e viver a parte poética de nossas vidas.
1230 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A partir desse questionamento desenvolveremos uma explanação sobre a atuação do
psicólogo educacional escolar e o seu fazer de forma crítica e apresentaremos como a sua
contribuição pode ser potencializada ao utilizar-se da compreensão integral do ser humano,
abordando a dimensão da espiritualidade como um fator relevante a ser utilizado na sua atuação.
Metodologia
De acordo com Traina e Traina Jr. (2009) a pesquisa bibliográfica é norteada, principalmente,
pelo objetivo do que se quer pesquisar. Atualmente é facilitada devido à grande quantidade de
informações disponíveis na internet em plataformas de pesquisa que possuem ferramentas que
oferecem o refinamento da pesquisa partindo de pesquisas por abrangência, busca avulsa por
artigos e conteúdos disponíveis na web e por profundidade, na qual se selecionam as palavras-
chave, os assuntos e temas que se relacionam com os objetivos da pesquisa.
Dessa maneira, buscou-se material de referência em periódicos online (SciELO, BVS Saúde,
Pepsic, dentre outras), livros, revistas e artigos que pudessem embasar as discussões selecionando,
principalmente, aqueles que em suas palavras chave e conteúdo tratavam sobre: psicologia
educacional e espiritualidade, educação e espiritualidade, psicologia educacional escolar e dada a
relevância de obras de referência para a temática em questão.
Todo mundo espera que a escola cumpra o seu papel que é o de fornecer instrução,
qualificação e diplomas a todos. Na verdade, a escola produz muito mais fracasso do que
sucessos, trata uns melhor do que outros e convence os que fracassam de que fracassam
porque são inferiores. Ela só educa e instrui uma minoria. A grande maioria é excluída e
marginalizada (p. 23).
Assim, ao se assumir uma perspectiva crítica em psicologia educacional devemos concordar com
Martin-Baró (2009) ao afirmar que a própria psicologia deve se emancipar, se libertar de modelos
hegemônicos e fora de contextualização e psicologizantes que favorecem o processo de dominação
e opressão, pois desviam o foco para uma visão individualista e subjetiva dos problemas sociais. A
psicologia deve desfazer-se do mimetismo cientifico, reprodução de modelos descontextualizados,
desenvolver uma epistemologia adequada, já que se baseando em modelos positivistas, individualistas,
hedonistas e a-historicos ela se distancia da realidade e fica a serviço da dominação.
Dessa forma, a produção do fracasso escolar se apresenta de forma mais contundente nos
ambientes educacionais quando não se compreende as multiderterminações sociais e a formação
social dos seres humanos em sua diversidade e diferença. A psicologia educacional deve partir
dessa concepção de pluralidade para oferecer seus serviços para desconstrução dos preconceitos,
promover a autonomia e a emancipação dos seres humanos, assim como, compreender os
aspectos culturais e simbólicos que perpassam os ambientes educacionais, construir juntamente
com os demais membros da comunidade uma conscientização das desigualdades e potencializar
a autonomia e o senso crítico.
Partindo desse entendimento que a Psicologia Educacional, para se fazer atuante contra
o processo de exclusão e opressão, deve ser pensada de forma crítica, respeitar a pluralidade e
diversidade sócio-histórica da formação humana e promover o desenvolvimento humano e sua
emancipação não poderá excluir de sua compreensão a dimensão da espiritualidade.
Assim, compreender a formação social, histórica, cultural e simbólica é papel do psicólogo
educacional, para poder intervir e pensar de forma contextualizada a realidade que atravessará
e formará os campos de força de sua atuação. De acordo com Machado (2008), apoiada nas
leituras de Foucault e Deleuze, esclarece-se nos que os jogos de forças, os campos coletivos e a
produção de subjetividade são essa pluralidade de forças que se entrecruzam e são construídas
e reconfiguradas nos movimentos coletivos e plurais do social. A normatização, controle,
disciplinamento precisam ser problematizadas e enfrentadas pelo psicólogo em sua atuação para
apontar as singularidades, tencionar resistências, oferecer fugas e rupturas ao instituído na escola;
promovendo a crise e o ato de mudança do que deve ser movimento ao invés de estagnação.
São campos de tensão, justamente, a definição no campo da educação o que vêm a ser
essa espiritualidade na educação. Para Morais (2012), espiritualidade é diferente de religião;
pois religião está associada a crenças, dogmas e instituição enquanto que espiritualidade seria a
experiência religiosa que sobrevive na medida em que se afasta do que está instituído por doutrinas.
Para esse autor, a discussão sobre estado laico e democracia é um dos pontos nodais que se
apresentam nesses conceitos, já que é sabido que desde o processo de colonização a educação é
vinculada a instituições religiosas.
Conforme Ferreira (2004), religião é a crença na existência de uma força ou forças
sobrenaturais, considerada(s) como criadora(s) do Universo e que, como tal, deve(m) ser adoradas
1232 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
e obedecidas. A manifestação de tal crença por meio de doutrina e ritual próprios envolve,
em geral, preceitos éticos. Assim, é notório o caráter normatizador e moral que as instituições
religiosas impõem aos indivíduos, que tem um sentido diferente do que vem a ser a religiosidade
ou espiritualidade.
Segundo Geertz (2008) a religiosidade é:
(1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e
duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de
uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade
que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas. (p. 67 )
Dessa maneira, colaborar para o reconhecimento de si, das suas histórias, das suas crenças e
da pluralidade cultural e social que possuímos no cotidiano escolar só contribuirá para desenvolver,
nesse ambiente, relações humanas de respeito, compreensão a diversidade religiosa e de crenças.
Pode, também, servir para aproximar os jovens de temas como o futuro, comportamentos éticos,
corresponsabilidade para com a vida e o ambiente, enfrentar a violência, promover uma cultura
de paz, alimentar a esperança e a autonomia.
Considerações Finais
Referências
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Introdução
D
esde muito cedo na sua criação, a Psicologia interseccionou a Educação, o que deu
origem a discussões e debates sobre como esta influenciou aquela, quais as bases
epistemológicas de ambas, de que forma elas se complementam ou se diferenciam.
Surge então, neste meio, a noção de uma Psicologia Educacional, e, posteriormente, seu par que
diz respeito à área de atuação: a Psicologia Escolar. É cabível dizer que o surgimento destas áreas
não finalizou o debate, mas possibilitou a chegada a um consenso por parte dos estudiosos da
área (Coll, Marchesi & Palácios, 2004).
Defende-se que esta Psicologia Educacional e Escolar (doravante PEE) funcione como uma
disciplina-ponte, que liga Educação e Psicologia, e não como uma área de produção de saber que
esteja dissociada delas, embora, com isso, não deixe de produzir seus saberes específicos. Acerca
dela também, é interessante destacar dois conteúdos, isto é, objetos de estudos, que vão servir de
base para ela, a saber: 1) os processos de mudança acontecidos nos indivíduos como resultado de
sua inserção em situações e atividades educacionais, e 2) fatores, variáveis e dimensões adjacentes
que influenciam e contribuem com tais processos de mudança (Coll, Marchesi & Palácios, 2004).
No Brasil, a partir das décadas de 1920, começou-se uma movimentação, dentro das
universidades, da Psicologia, em nível de disciplina, para outras áreas, como Pedagogia, o que
possibilitou uma aproximação com esta área, e com as temáticas educacionais (Pereira & Pereira
Neto, 2003). Devido a uma aproximação destes saberes com áreas de avaliação e testagem
psicológica, além de uma ligação com a área clínica, já nas décadas de 1950 a 1960, surge uma
certa tendência dentro da PEE de uma atuação voltada para a resolução “problemas” no âmbito
escolar e uma tendência diagnosticadora dos “problemas” de ensino-aprendizagem que surgiam
na escola (Guzzo, 2010).
Contudo, da década de 1980 em diante, foi possível pensar a PEE de forma crítica, não
por boa vontade, mas pela necessidade de desenvolver novos paradigmas, mais coerentes com
a realidade brasileira, e pelos esforços de estudiosas da situação da Educação no Brasil. Dentre
estas é possível destacar os trabalhos de Martinez (2010) e Guzzo (2008, 2010), principalmente.
A primeira faz o mapeamento – que embora de caráter eminentemente didático, é possível
de ser observado na prática – das práticas e dos modelos interventivos das(os) psicólogas(os)
educacionais e escolares (PEE), no sentido de compreender de que forma atuam os profissionais
já formados na área, para que se pudesse intervir a partir de então. Segundo Martinez (2010) há
dois tipos de práticas: as tradicionais e as emergentes. O primeiro conjunto diz respeito a práticas
1236 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
em alguma medida excludentes, individualizantes, que favorecem o conservadorismo, assimetrias
e hierarquizações na distribuição do poder no ambiente institucional escolar. No outro conjunto,
por sua vez, dá-se importância à interdependência entre processos educacionais e psicológicos, e
busca-se a associações que englobem todo o ambiente institucional.
A perspectiva de Guzzo (2008, 2010), por seu turno, é mais voltada para questões de
formação do profissional, principalmente no que diz respeito ao período em que se passa pelo
ambiente universitário. Esta autora critica frequentemente a estrutura curricular dos cursos de
formação de psicólogo, denunciando a pouca abertura para experiências práticas no âmbito
escolar, o que, somada à inexistência de um modelo de atuação específico em PEE, dificulta um
encaixe harmonioso do par teoria-prática nas diversas realidades de atuação profissional.
O olhar sobre uma Escola, por sua vez, amplia-se quando, além de atentar-se aos aspectos
de ensino-aprendizagem, compreende os processos que acompanham o sujeito durante o seu
desenvolvimento. Este fenômeno tem relação direta com a forma que as relações são construídas
e apresentadas no ambiente escolar, assim, influenciando o comportamento dos envolvidos
(Rodrigues & Melchiori, 2014).
A Psicologia do Desenvolvimento que dá ênfase aos aspectos gerais e globais e aos contextos
históricos e culturais, os efeitos e reações (Papalia, Olds & Feldman, 2006), tem ligação direta
com o campo das instituições educacionais no momento de consideração do sujeito atuante nesse
campo e a qualidade de como ele responde a esse meio, suas atitudes, valores, conhecimentos,
dentro das áreas emocional-afetiva, cognitiva e social. É dentro dessa perspectiva que se faz
possível traçar um plano de desenvolvimento saudável para que a Psicologia Escolar faça uso e
contribua com o compromisso potencializador e promotor de bem-estar aos quais a escola está
relacionada (Pfromn Neto, 2001; Oliveira & Marinho-Araújo, 2009).
A heterogeneidade do perfil de aluno adolescente é um contexto que ajuda a entender a
noção de formação de grupos como fundamental. A teoria de Elkind dá ênfase ao desenvolvimento
do self a partir do outro (Papalia, Olds, Feldman, 2006), dentro de uma perspectiva social, e
assim, entende-se que é o momento que o adolescente traça os seus semelhantes e aqueles com
quem não se identifica. Essa situação envolve o surgimento de relacionamentos insatisfatórios e
que podem prejudicar o ritmo das atividades da escola.
Outra marca do cotidiano é a construção da relação professor-aluno que muitas vezes
chega a ser assunto de comentários pelo aparecimento da violência por queixas de indisciplina.
Mas, diferente do que se espera, segundo Boarini (2013) e Aquino (1998), a indisciplina não se
apresenta apenas como uma resposta dos alunos contra as regras institucionais que a escola
coloca, mas também um sintoma do autoritarismo que os docentes apresentam durante a
tentativa de manutenção da ordem e estabelecimento dos limites da liberdade. Entretanto, a
produção da postura de privilegiar a posição que ocupa em relação ao aluno e a forma como o
professor entende o fenômeno do autoritarismo não permite abrir espaço para diálogo entre ele
e aluno. Dessa forma,
Além disso, no ambiente escolar, fala-se com receio sobre assuntos concernentes à temática
da sexualidade, no entanto, à medida que a escola tenta controlar ou ocultar o acesso que os
alunos têm sobre assuntos de sexualidade cria-se sujeitos cheios de dúvidas e alienações sobre
o assunto que procuram discutir isso fora da sala de aula, utilizando-se de materiais midiáticos
inadequados e alheios aos processos psíquicos ligados à acontecimentos que marcam a puberdade
e da influência do meio sociocultural sobre a própria concepção de gênero, como os papéis de
Método
Sujeitos
O estágio foi realizado em uma escola pública da rede de ensino estadual da cidade de
Parnaíba, Piauí. Esta contem turmas do 6º ao 9º anos do Ensino Fundamental e duas turmas de
EJA – Educação de Jovens e Adultos – no turno da tarde, o que totalizava cerca de 120 alunos neste
turno. Os alunos tinham, em média, entre 12 e 17 anos, nas turmas de Ensino Fundamental, o que
caracteriza um público majoritário de adolescentes e pré-adolescentes – os alunos da EJA tinham
uma idade mais variável, contando com adultos jovens nas salas.
Instrumentos
Procedimentos
Foram realizadas oito visitas, com duração média de uma hora e meia, durante o turno
da tarde, à Unidade Escolar Epaminondas Castelo Branco no decorrer dos meses de setembro
a novembro, na cidade de Parnaíba no estado do Piauí. A partir destas, foi possível perceber
aspectos físicos do local, bem como o envolvimento entre gestão, professores e alunos. A Unidade
Escolar faz parte do sistema de ensino público estadual do Piauí, sendo financiada por este, e
conta com auxílios financeiros como PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), que é
de origem federal, sendo um auxílio relativo à alimentação e PACTUE.
Inicialmente foram realizadas atividades de observação sistemática e participante. Para tanto,
necessitou-se de duas visitas que se direcionaram a conversas com a gestão, especificamente, a
coordenadora e a diretora, que tiveram duração média de quarenta minutos, e foram realizadas em
dias diferentes. As conversas foram devidamente registradas em diários de campo, e posteriormente
foram analisadas e discutidas em sala, no momento da supervisão, juntamente com a orientadora.
1238 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Nestes mesmos dias em que houve a conversa com a gestão, aconteceram, respectivamente, uma
palestra sobre suicídio e a culminância de um evento organizado pela professora de artes, o que
aconteceu nestes locais também foi anotado e discutido em sala posteriormente.
Por fim, para que maiores informações acerca da dinâmica de eventos e participação dos
alunos nas atividades da escola fossem captadas, procedeu-se à conversa com duas professoras,
uma de artes e outra de geografia, em dias diferentes, com duração media de trinta minutos, a
qual se deu em forma de uma entrevista semiestruturada, que continha perguntas centrais (seis),
que guiariam a conversa, mas também dando possibilidade das entrevistadas explanarem sobre o
assunto livremente.
As quatro visitas restantes disseram respeito à organização de uma atividade em parceria
com a escola com um todo, que contou com a adesão dos alunos de todas as turmas do turno da
tarde, todos os professores deste turno, que cederam suas aulas, a gestão, ao autorizar e viabilizar
a parceria, disponibilizando local e material. Sendo necessário destacar também que a atividade
foi organizada de forma colaborativa por todos os estagiários.
Resultados e Discussão
A partir da análise dos dados recolhidos em conversas com a diretora da escola, sua
coordenadora pedagógica, e duas professoras, uma de artes e outra de geografia, além da
observação do comportamento dos alunos em seu recreio e em atividades extraclasses, neste
caso, uma palestra e a culminância de uma atividade realizada em sala pela professora de artes,
foi possível captar duas categorias principais, as quais influenciavam as relações, principalmente
dos alunos entre si, a saber, a necessidade de se falar mais abertamente sobre sexualidade; e dos
alunos com professores e gestão que estava relacionada à noção de indisciplina vigente entre os
professores e a gestão.
É importante destacar também que, embora não tenha sido considerada uma categoria
principal, as expectativas por parte tanto das professoras como das gestoras sobre os estagiários
estavam bastante relacionadas à resolução de problemas e a uma visão diagnosticadora, o que
é bastante coerente com o que Guzzo (2010) e Matinez (2008) haviam explicitado em relação às
expectativas que geralmente se têm em relação à Psicologia Escolar, e que, segundo estas autoras,
deve ser transformado.
Relativamente à noção de indisciplina, é visível que tanto as gestoras como professoras,
com base no que consideravam o melhor para o estabelecimento de uma relação e de um espaço
que fosse favorável ao ensino e à aprendizagem, tomavam o termo disciplina, principalmente por
ordem ou respeito, dentro e fora de sala de aula. Em alguns momentos em que eram realizadas
atividades extraclasses, tais professoras e gestoras solicitavam aos alunos que fizessem silêncio e
prestassem atenção no que era exposto, o que é normal, tendo-se em mente que elas visavam uma
melhor captação da mensagem por parte deles.
No entanto, tal atitude “disciplinadora” que beirava o autoritarismo, gerava efeitos adversos nos
alunos, que às vezes não atendiam ao seu chamado e resistiam a ele ou atendiam momentaneamente
e voltavam a se comportar de uma maneira “indisciplinada”. Tal atitude “indisciplinada”, contudo,
como apontam Boarini (2013) e Aquino (1998), poderia ser vista, por outro lado, como uma
expressão da insatisfação dos alunos em relação ao que estava sendo exposto, ou à forma de
exposição, e denota também a ausência de espaços de fala para eles dentro da instituição, o que foi
reforçado a partir, por exemplo, do fato de que ao término de apresentações culturais os espaços
para discussão do que foi apresentado eram mínimos ou inexistentes.
Durante o tempo de observação, nenhuma atividade realizada pelos professores fez menção
a um questionamento mais aprofundado sobre questões de corpo e sexualidade, malgrado todos
Intervenção: O plano
Tendo-se em vista as categorias citadas acima, esta dupla ficou responsável por intervir
de maneira a compreender e transformar as situações em que se percebia tanto a questão do
autoritarismo/indisciplina, trabalhando-se no caminho oposto, isto é, na criação de espaços de
fala e expressão em detrimento de espaços disciplinadores, quanto à necessidade de diálogo acerca
da sexualidade. Devido a uma questão logística e de coerência com a proposta de colaboração e
cooperação entre as duplas de estágio, esta dupla se dividiu e cada membro se aliou a outras duas
duplas na execução das tarefas, a saber: 1) a execução, com os alunos, de um jogo de perguntas
e respostas (quiz) relativas a conteúdos aprendidos em sala, para que estes expusessem seus
conhecimentos, e de uma atividade de soletração, e 2) a elaboração de uma canção que dissesse
respeito ao papel da mulher, isto é, a forma de representação social da mulher entre os alunos.
Toda a intervenção se deu em três momentos. Dois diziam respeito a momentos de
preparação e treinamento, a partir de oficinas que aconteciam em horários nos quais os alunos
estavam em sala de aula, sendo a aula cedida pelo respectivo professor para a preparação dos
alunos. Estas aulas eram cedidas semanalmente, logo houve duas semanas de preparação. O
último momento foi o de culminância, um espaço em que as atividades construídas de forma
colaborativa pelos alunos, estagiários, professores, gestão e funcionários, cada um colaborando
de uma forma diferente – desde os professores que cederam suas aulas, os funcionários cedendo
materiais e ajudando na organização, até os estagiários que guiaram e construíram juntamente
com os alunos todas as atividades –, um espaço, por excelência, de fechamento de um grande
ciclo que havia começado em setembro, com o estágio e se corporificado nas duas semanas de
preparação, acontecidas em novembro, após um mês e meio de observação.
1240 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Intervenção: A preparação
Intervenção: Culminância
O momento da culminância, com a exposição dos produtos finais das atividades, deu-se
no pátio, para toda a comunidade escolar, tendo participado professores, gestores, funcionários,
alunos, estagiários e mesmo familiares, os quais ainda não tinham mostrado muita presença no
local e nas atividades, mas foram prestigiar o momento. Este momento foi facilitado apenas pelos
estagiários, que abriram e o encerraram, tendo total autonomia para a condução das atividades
– o que é um avanço em relação à noção disciplinadora citada mais cedo, visto que a equipe de
estágio foi deixada bastante à vontade.
Em alguns momentos, houve espaços para que acontecessem falas curtas sobre o que
acabara de ser exposto, como foi o caso de uma peça de teatro que retratou o bullying e ao final
os estagiários que facilitaram a oficina de teatro buscaram refletir sobre o que havia sido exposto.
De modo geral, os alunos se comportaram muito bem, foram atenciosos – mais do que se
havia observado até então em outras atividades –, talvez por estarem envolvidos nas atividades
e assim terem dado maior valor tanto ao que suas equipes iriam apresentar como a observar
o que as outras iriam expor, em respeito a seu esforço. Este fato em especial chamou bastante
atenção, pois foi incrível a “melhora” no comportamento dos alunos, que em outros momentos
se apresentavam inquietos ou distantes e desta vez estavam concentrados em sua maioria, além de
terem feito uma autorregulção do comportamento, isto é, eles próprios pediam a seus pares para
que silenciassem caso fosse necessário. Dando voz, autonomia e incentivando a responsabilidade
deles, foi visível a melhora em relação à “indisciplina”.
Sobre a atividade de quiz e soletrando, a qual foi primeira atividade a ser realizada, fazendo
uma comparação entre as vezes que o trio de estagiárias responsáveis por essa atividade visitou as
1242 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
salas convidando os alunos, pode-se dizer que houve uma evolução na forma como os alunos se
sentiam mais a vontade para partir do quiz ou soletrando, principalmente lembrando da resistência
percebida nas primeiras vezes. É interessante pontuar isto quando tempos uma situação onde os
professores costumam mais ditar do que orientar esses alunos, os impedindo de poder sentir a
independência em relação a eles, o que acabava por provocar situações de resistência dos alunos
para com as ordens dos professores.
Com isso também se pode notar a menor necessidade da participação apenas se todo o
grupo de amigos participasse, e esses acabaram socializando bem com todo o grupo, sendo a
boa relação de grupo e noções de coletividade e cooperação percebidas com o passar dos dias de
atividade. Nesse contexto também foi notado uma maior inclusão de pessoas que apareciam mais
afastadas em outros momentos no início do estágio. Os alunos, inclusive, tinham uma relação
muito boa com as estagiárias, tanto no momento dos jogos quanto no momento de organização
do pátio, onde muitos se ofereciam para guardar materiais como cadeiras e caixa de som. Ao
final, foram entregues lembrancinhas as participantes daquele dia, porque foi percebido que
algumas pessoas sempre se fizeram presentes nas atividades, como forma de agradecer à todos
pela participação pois quiz e soletrando, por envolver um conhecimento mais teórico, não se fazia
muito interessante para alguns e pela despedida.
Por fim, em relação à canção elaborada, esta foi executada pelos alunos do 6º ano que
tiveram interesse de ensaiá-la. Ela foi a atração final, após aproximadamente uma hora e vinte
minutos de apresentações, e mesmo assim os alunos que não pertenciam à turma que compôs
a canção tentaram acompanhar sua execução cantando ou mesmo gesticulando. Em relação a
esta questão, à da abertura do debate acerca da sexualidade, pelo fato de envolver determinantes
diversos e ser mais complexa, não é sensato fazer prognósticos acerca de melhoras no nível de
consciência dos alunos em relação ao papel da mulher e ao corpo feminino, no entanto, pela
adesão dos alunos que compuseram a música e dos outros, que participaram do momento de
apresentação para a comunidade escolar, é possível constatar que com estas atitudes, deu-se
início a um processo importante, que necessita ser continuado por outras pessoas, para que
futuramente apresente bons resultados.
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1244 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: ESTUDO
COMPARATIVO EM ESCOLAS PÚBLICAS E PRIVADAS
DA CIDADE DE SALVADOR-BAHIA
Amélia Santana Da Silva
Cláudia Regina De Oliveira Vaz Torres
Introdução
E
ste trabalho aborda a medicalização da educação, com o objetivo de traçar um
comparativo entre escolas de nível fundamental públicas e particulares no Bairro do
Rio Vermelho, da cidade de Salvador - Bahia, sobre o uso de medicações psiquiátricas
e seus respectivos diagnósticos. Trata-se de uma pesquisa de iniciação científica, desenvolvida na
graduação em Psicologia, onde utilizou-se a abordagem qualitativa de natureza exploratória.
Segundo Collares e Moysés (1994, p.25), o “termo medicalização refere-se ao processo
de transformar questões não médicas, eminentemente de origem social e política, em questões
médicas, isto é, tentar encontrar no campo médico as causas e soluções para problemas dessa
natureza”.
Na atualidade, comportamentos desconcentrados, desatentos, indisciplinados, agitados ou
impulsivos de crianças, são rapidamente transformados em patologias, diagnósticos e receituários
sucessivamente. A lógica medicalizadora no âmbito escolar tornou-se a ferramenta mais utilizada
para aquietar e conter as crianças, em que manifestações humanas perdem espaço para uma
categoria disciplinada e obediente.
A escola como instituição designada socialmente para construção da infância como projeto
político e social, foi instituída na Modernidade como agência formal das ações educativas (Áries,
1978). Na contemporaneidade a escola é espaço de socialização e acesso à cultura letrada, aos
valores que fundamentam a ordem social. Nos saberes, discursos, rotinas, interações e linguagem,
o sujeito pedagógico é construído.
Assim, a escola passa a ser corresponsável pela educação e, também, pelo processo
medicalizador, onde identifica questões comportamentais muitas vezes antes da família e passa
a interpretar como exclusivamente biologizante, atrelando-se às queixas e encaminhando para
profissionais da área de saúde avaliar, diagnosticar e recomendar possíveis tratamentos.
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, lei n. 9.394/96), tornaram-
se possíveis, numerosas iniciativas sistemáticas de organização escolar nessa modalidade, com
proposições diferenciadas, em várias redes de ensino, tanto municipais quanto estaduais.
Atualmente, a política educacional prioriza a educação para todos, incluindo alunos que há
pouco tempo, eram afastados do sistema escolar, por terem deficiências físicas ou cognitivas,
e hoje existe um grande número de alunos que ao longo do tempo apresentaram dificuldades
de aprendizagem e que eram rotulados em geral, como alunos difíceis, doentes e/ou estavam
fadados ao fracasso escolar, podem enfim frequentar as escolas.
A escola reproduz a manifestação do controle exercido pela sociedade. Agrava a exclusão por
intermédio da competitividade que “seleciona naturalmente” os seres humanos e os responsabiliza
pelos seus fracassos escolares, não levando em conta as causas histórico-sociais. Não revê suas
práticas pedagógicas, não muda; espera que os indivíduos se adaptem a ela.
Com base em modelo clínico e destacado no trabalho a seguir, o contexto social, cultural
e histórico, passa a ser desconsiderado como fator essencial da formação do indivíduo, onde o
processo de medicalização acaba naturalizando a história de vida de cada um. Manifestações
expressas, comportamentos aprendidos, aspectos recriados ou de nascença que não se ajustam
aos padrões de normalidade, são interpretados como desviantes e denominados como possíveis
transtornos de aprendizagem e logo em seguida rotulando o indivíduo como “doente” ou “pessoa
com necessidade especial”.
De acordo com Machado (2000), as ideias de falta, anormalidade, doença e carência,
dominam a formulação das queixas a respeito de inúmeras crianças que são encaminhadas
pelas escolas para avaliações psicológicas e clínicas. Essas ideias ganharam vida própria, pois
muitas vezes deparamo-nos com cenas do dia a dia escolar nas quais ouvimos que as crianças
têm distúrbio e/ou transtorno de aprendizagem, desnutrição, família muito pobre, como se essas
ideias não tivessem sido produzidas historicamente.
Com relação aos diagnósticos, comumente encontramos crianças e adolescentes que
são compreendidos como pessoas que apresentam transtornos de aprendizagem. O Transtorno
de Aprendizagem é definido como uma categoria de problemas que engloba alguns transtornos
nos quais as modalidades habituais de aprendizado estão alteradas desde as primeiras
etapas do desenvolvimento. O Transtorno de Aprendizagem se caracteriza pelo desempenho
substancialmente abaixo do esperado para a idade, escolarização e nível de inteligência nas áreas
de leitura, expressão escrita e matemática.
A criança com Transtornos na Aprendizagem apresenta como manifestação mais evidente
1246 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
o baixo desempenho escolar, sendo que essas dificuldades podem ser transitórias (dificuldade de
aprendizagem) ou permanentes (distúrbio de aprendizagem ou dislexia) e ocorrer em quaisquer
momentos no processo de ensino-aprendizagem, correspondendo a déficits funcionais superiores,
como alterações cognitivas, de linguagem, raciocínio lógico-matemático, percepção, atenção e
afetividade.
Já o Distúrbio de Aprendizagem é definido como uma desordem neurobiológica do
processamento cognitivo e da linguagem, causada por um funcionamento cerebral atípico. Como
consequência dessa disfunção cerebral, a forma como indivíduos com distúrbio de aprendizagem
processa e adquire informações é diferente do funcionamento típico de crianças e adultos sem
dificuldades.
O Distúrbio de Aprendizagem está presente academicamente nas áreas que envolvem
decodificação ou identificação de palavras, compreensão de leitura, cálculos, reações matemáticas,
atividades de soletrar e/ou expressão escrita, assim como funcionamento atípico na área da
linguagem/fala.
Desta forma, os transtornos de aprendizagem, como a dislexia e o distúrbio de aprendizagem,
não devem ser considerados sinônimos de dificuldade de aprendizagem, pois a dificuldade é um
termo mais global e abrangente e suas causas são relacionadas com: o sujeito que aprende, os
conteúdos pedagógicos, o professor, os métodos de ensino e o ambiente físico e social da escola,
enquanto os transtornos de aprendizagem se referem a um grupo de dificuldades, mais difíceis
de serem identificadas, mais específicas e pontuais, caracterizadas pela presença de disfunção
neurológica, responsável pelo insucesso na escrita, na leitura e no cálculo matemático.
A escola passa então a cometer equívocos como: fragmentação do conhecimento,
padronização do conhecimento, padronização das pessoas, consideração da aprendizagem
apenas em sua dimensão reprodutiva, sem assumir a possibilidade de sua produção, e evitam
considerar a aprendizagem como função do sujeito, em sua configuração subjetiva e produtora
de sentidos subjetivos.
Este trabalho será pautado nesses aspectos, e principalmente sobre a responsabilidade que
é perpassada para as crianças, por não conseguirem acompanhar os conteúdos escolares ou se
encaixarem no que é dito como “normal”, eximindo assim os pais, professores e a sociedade de
problemas de natureza pedagógica, emocional, ambiental, entre outros. A civilidade do aluno
que se adapta ao meio que está inserido, através de formas disciplinares na escola, passa a ser o
que Foucault (2002) chama de “copos dóceis”. Utilizamos como base teórica, Foucault (2002),
Machado (2000), Collares e Moyses (1994), entre outros para compreender conceitos que
alicerçam os estudos.
Para Foucault (2002), corpos utilizáveis são corpos dóceis, que podem ser submetidos,
transformados e aperfeiçoados. Esses se prendem no interior de poderes que lhe impõem
limitações, proibições ou obrigações. O disciplinamento tem ligação direta com o poder, que
submete e subjuga o outro que é frágil e docilizado.
Dessa maneira, o poder atua por meio de dispositivos de controle, dos corpos e da vida,
onde se apresentam nos discursos da área médica, espaços escolares, contexto familiar, os
anseios e desconforto dos problemas relacionados à hiperatividade, dislexia ou distúrbios de
Método
Este estudo iniciou com uma pesquisa bibliográfica, ou seja, um estudo de fontes secundárias
sobre o tema medicalização da educação, com o objetivo de identificar e comparar os índices de
crianças medicadas e medicalizadas em escolas públicas e privadas do Bairro do rio Vermelho na
cidade de Salvador – Bahia. Em relação ao método de estudo o presente trabalho é uma pesquisa
exploratória. São inúmeros os estudos que podem ser classificados sob o título desde trabalho
e uma de suas características mais significativas está na utilização de técnicas padronizadas de
coleta de dados, tais como o questionário e a observação sistemática.
Para coletar os dados sobre o público-alvo (professores, diretores e coordenadores) do
estudo e descrever os aspectos que envolvem tal público, foi executada uma pesquisa com a técnica
de coleta de dados e o uso de questionários padronizados e sistemáticos. Outras ferramentas
para a obtenção de informações foram a observação, entrevistas com os pais e visitas frequentes
às instituições, ou seja, uma pesquisa exploratória nas escolas.
A análise dos dados foi configurada como predominantemente qualitativa, pois foram
analisados os contextos que influenciam na opinião dos profissionais das escolas e dos pais. Os
dados quantitativos ampliaram as possibilidades de análise. Após análise e avaliação dos dados
coletados com base nas observações participantes, entrevistas e questionário, foi elaborado um
relatório com dados necessários para melhorias na organização do trabalho pedagógico dos
contextos escolares pesquisados. Fez-se com os participantes da pesquisa a escolha da melhor
alternativa e que fosse a mais confiável, ressaltando a confidencialidade das informações
prestadas, antes, durante e pós coleta.
Resultados
1248 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
violentos da cidade de Salvador e por isso, reflete o sentimento de insegurança e vulnerabilidade
no discurso dos entrevistados.
Cabe ressaltar que através da pesquisa e da identificação das demandas para atendimentos
psicológicos, foi feito o encaminhamento de duas listas de alunos para acompanhamento no
Núcleo de Estudos e Práticas Psicológicas da UNIFACS, mediante acordo de parceria para inserção
de outras atividades além da psicoterapia. Houve a realização de duas palestras na referida escola,
sobre sustentabilidade e sexualidade na adolescência, com aceitação e efetiva participação dos
pais e alunos.
Discussão
Considerações Finais
A pesquisa apontou que as observações no cotidiano escolar são instrumentos necessários para
o entendimento e compreensão do despreparo existente no âmbito em questão, e da necessidade
de um suporte no que diz respeito ao processo inclusivo e eficiente. Diante das entrevistas
realizadas com todos os envolvidos, foi percebido que a escola não consegue lidar sozinha com
questões biologizantes ou de cunho patológico, mas vale ressaltar que a participação da família e
o amparo de profissionais da psicologia e da pedagogia são de extrema importância, tanto para
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Introdução
A
través da prática na disciplina de Psicologia Escolar II, realizou-se o levantamento
de demandas e promoção de um projeto interventivo acerca do papel do psicólogo
escolar, com o enfoque na demanda mais urgente. Desta forma, constatou-se, por
meio da análise institucional, que a demanda principal seria a violência presente em determinadas
turmas da escola. Assim, correlacionou-se o tema violência ao de cultura de paz, culminando em
um projeto executado por alunos do 6º período do curso de Psicologia da Universidade Estadual
do Piauí.
Desse modo, este projeto teve como objetivo geral realizar atividades lúdicas que
levassem os alunos do 6º ano do ensino fundamental de uma escola pública da rede municipal
de Teresina-PI, a refletirem sobre seu futuro diante do contexto de violência, crime e
marginalização em que estão inseridos. Como objetivo específico, visou-se uma reflexão sobre
o papel da escola como agente transformador da realidade através de estratégias promovidas
pela cultura de paz.
Soma-se a isto, a acepção da temática cultura de paz definida como um conjunto de valores,
atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados no respeito pleno à vida e na promoção
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, propiciando o fomento da paz entre as pessoas,
os grupos e as nações (Declaração sobre uma Cultura de Paz, ONU, 1999, artigos 1 e 2).
O presente projeto foi realizado de acordo com as demandas observadas, bem como os
relatos dos professores diante não só do comportamento dos alunos dentro da sala de aula,
mas também fora da escola, estando grande parte deles envolvidos em situações de violência e
criminalidade. É responsabilidade de a escola formar cidadãos conscientes de suas escolhas e
desafios presentes e futuros e, portanto, desse modo, pensou-se em atividades ligadas à cultura
de paz, com o intuito de conscientizar os jovens quanto a boas ações, atitudes e pensamentos
que envolvam conceitos como solidariedade, segurança e, acima de tudo, respeito. Parte daí a
importância deste projeto para os alunos e também para a escola como um todo. Levando os
alunos a pensar e a construir um futuro mais pacífico e consciente de suas ações e escolhas.
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Método
Trata-se de um estudo descritivo, tipo relato de experiência elaborado a partir das experiências
da disciplina Psicologia Escolar II, realizado pelos acadêmicos de Psicologia da Universidade
Estadual do Piauí (UESPI). O projeto teve como público alvo 25 alunos do 6º ano do ensino
fundamental de uma escola pública da cidade de Teresina. Onde foram realizadas dinâmicas que
abordaram o tema proposto, cultura de paz, a fim de atender as demandas emergenciais. O
projeto foi realizado em dois encontros com 1 hora e 30 minutos de duração cada, e em dias
diferentes da mesma semana.
Resultados
Discussão
Cabe traçarmos um paralelo entre a diferença que muitas das vezes é feita acerca do
significado contextual da paz com o significado prático. Conforme afirma Milani (2000), ser
um cidadão de paz transcende a visão de não ser um indivíduo violento, visto que fazer o bem
assume um caráter mais amplo que não fazer o mal. Segundo o autor, a prática da paz implica o
envolvimento de cada cidadão, família, organização e comunidade na vivência e construção de
relações baseadas no respeito, na unidade na diversidade e na empatia. O vínculo existente nas
relações sujeito-ambiente torna a construção e a vivência da paz a sua mais efetiva e eficaz forma
de promoção e difusão (Dusi, 2005).
Percebeu-se no decorrer da intervenção a relevância de se fazer o contrato no início de cada
dia e explicar o objetivo da atividade e concluir esta com a sintetização da temática apresentada.
No que diz respeito às atividades que obtivemos resultados na questão de atenção do aluno e
obtenção de reflexão destes como, por exemplo, a dinâmica de conscientização Heróis do
Quebra-Cabeça que necessitou do trabalho em grupo e cada estudante de psicologia indagava
perguntas para as crianças de como associar aqueles super-heróis com algo de seu cotidiano, além
da pontuação dos aspectos positivos das relações interpessoais dentro de sala de aula. Como
também a construção da Árvore da Paz na conclusão desta ação para assimilação do que foi
absorvido de cada aluno dentro da temática como forma de feedback do trabalho realizado.
Em contrapartida temos que elencar pontos que precisam ser revistos, de modo que algumas
atividades necessitariam prender mais a atenção deste aluno como, por exemplo, na dinâmica
de Conscientização: Like e Deslike poderiam ser somados a dinâmica mais recursos áudio visuais.
Além disso, o papel do psicólogo escolar nesse sentido se torna fundamental, sendo este
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organizado de forma estruturada. Assim é imprescindível a observação e a análise do espaço a ser
trabalhado, sistematizando um mapeamento institucional para um levantamento de demandas e
escolhendo a demanda emergencial que deve ser focalizada de acordo com cada necessidade para
elaboração de intervenções e execuções desta.
Visto que, no contexto escolar, a atuação do psicólogo escolar envolve intervenções voltadas
ao desenvolvimento de competências individuais e coletivas, a capacitação para a prática dos
diferentes atores de forma reflexiva, intencional e planejada, articulada aos conhecimentos,
habilidades e saberes, tende a promover a construção da competência nas inúmeras zonas
indeterminadas da prática (Plantamura, 2002) que clamam por ações pontuais, promotoras de
soluções pacíficas.
A Psicologia Escolar apresenta-se, desta forma, como uma área de atuação promotora da
Cultura de Paz no contexto educativo, por meio de construções, em níveis micro e macro, de ações
direcionadas ao respeito pleno à vida, aos Direitos Humanos, à dignidade e ao desenvolvimento
(Dusi, 2005).
Desta forma, os principais resultados obtidos se relacionam à troca de experiências das quais
não se limitavam entre alunos e interventores, pois através do lúdico se concretizou o processo de
ensino aprendizagem abrangendo à cultura de paz. Além do despertar para a reflexão sobre quais
comportamentos são necessários para que se possa promover a paz, dentro e fora da escola.
Efetivou-se também a cooperação, o trabalho em equipe, criação de vínculos e a conscientização
sobre a necessidade do outro em nossas vidas.
Referências
Dusi, M. L. H. M., Araújo, C. M. M., & Neves, M. M. B. J. (2005). Cultura da paz e psicologia escolar
no contexto da instituição educativa. Psicologia Escolar e Educacional, 9(1), 37-46. http://pepsic.
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Notas Introdutórias
O
trabalho se constitui numa reflexão sobre o fracasso escolar, fenômeno polêmico e
amplamente debatido nos meios acadêmicos e midiáticos. É importante considerar
já de início que fracasso escolar é uma temática trabalhada de forma aprofundada
por Maria Helena Souza Patto em seu livro “A produção do fracasso escolar: histórias de submissão
e rebeldia”, dando maior visibilidade a uma vertente crítica em Psicologia Escolar e Educacional.
Tal vertente busca transformar o imediato em mediato e, por isso, nega as aparências
ideológicas, apreende a totalidade do concreto em suas múltiplas determinações e compreende
a sociedade como um movimento de “vir-a-ser” (Meira, 2003). Então, fornece-nos uma
compreensão do fracasso na escolarização inserindo-o numa conjuntura educacional onde há
múltiplas determinações que o produz. Não reduz a explicação do Fracasso Escolar a uma causa
individual.
Esse fenômeno corresponde à falha da educação pública em concretizar a sua função (Patto,
2015), que, segundo Saviani (1995, p. 21), corresponde ao
Depreende-se que o trabalho educativo atinge seu objetivo quando o indivíduo apreende
aspectos culturais imprescindíveis à sua formação como ser humano, necessários à sua
humanização (Duarte, 1998). Ampliando essa discussão, Davidov (1988), psicólogo e pesquisador
russo, afirma que a escolarização gera desenvolvimento psicológico, pois é possível que a criança
assimile modos de pensar típicos da cultura letrada, científica, escolarizada.
Contudo, a escola, ao longo da história e na atualidade, não tem possibilitado o acesso de
todos ao bem cultural, gerando, por isso, impeditivos para o processo de humanização, de tornar-
se sujeito, de desenvolvimento das funções psicológicas superiores das pessoas. Desse modo,
elas ficam sujeitas a um processo histórico de marginalização, o que constitui uma das mazelas
educacionais. Esse quadro é o cenário do qual surgem as queixas escolares, o que contribui com
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as possíveis dificuldades identificadas pelos educadores no que se refere ao rendimento escolar
ou ao comportamento dos alunos. Todos os fatores apresentados interferem negativamente
no processo ensino-aprendizagem, corroborando para a produção do fracasso escolar (Facci,
Leonardo, & Ribeiro, 2014).
Aspectos Metodológicos
A abordagem desse fenômeno se dará por meio dos aportes da Psicologia Histórico-
Cultural, a qual se propõe a estudar os fenômenos humanos e sociais tendo em vista a sua gênese
e historicidade para compreendê-los em suas complexidades (Vigotski, 2001a).
Essa abordagem de compreensão do psiquismo humano, intimamente relacionado
com o contexto histórico-cultural, toma como base metodológica o materialismo histórico e
dialético (Zanella et al., 2007). Os princípios metodológicos da Psicologia Histórico-Cultural são
congruentes com os aportes do materialismo histórico e dialético, visto que
A noção de movimento é uma categoria do método dialético e se constitui num dos pilares
da compreensão da Psicologia Histórico-Cultural sobre os fenômenos humanos e sociais. Assim,
“Estudar algo historicamente significa estudá-lo em movimento” (Vigotski, 2001a, p. 67-68).
Considera-se também o estudo dos fenômenos em sua concreticidade, ou seja, “o ponto de
partida da investigação na psicologia histórico-cultural é considerado por Vigotski como sendo os
fatos” (Bernardes, 2010, p. 308). Esses fatos compõem a realidade objetiva a qual se transforma
ao longo da própria história da produção humana e é identificada pelo materialismo histórico
dialético como a realidade concreta.
Além dessas considerações, é importante expor três traços fundamentais do método de
investigação da Psicologia Histórico-Cultural, os quais foram utilizados para construir o presente
trabalho. São eles: 1) análise de processos em substituição à análise de objetos; 2) explicação
do fenômeno em substituição à descrição do mesmo; 3) investigação do “comportamento
fossilizado” (Vigotski, 1989).
A análise de processos em substituição à análise de objetos refere-se à busca por entender o
desenvolvimento dos fenômenos, os quais não são estáticos nem dados, mas produzidos ao longo
do tempo. Baliza-se na compreensão de que os fenômenos humanos e sociais são dinâmicos e
precisam ser estudados não num recorte, mas nessa dinamicidade.
A explicação dos fenômenos em substituição de sua descrição remete à busca pela essência
dos fenômenos além da aparência. Contudo, Vigotski não exclui as manifestações externas do
fenômeno, mas subordina-as à descoberta de sua origem real, ou seja, à sua essência.
A investigação do comportamento fossilizado refere-se à busca pelo estudo daquelas
condutas instituídas no comportamento do homem como ser universal que, mediadas pelas
condições da vida em sociedade, constituem a sua individualidade. No entanto, é importante ir
além dos processos automatizados e mecanizados.
A pesquisa, então, visou investigar alguns elementos que pusessem em cheque visões
arraigadas e estanques sobre o fracasso escolar, desvelando situações da realidade concreta a
partir de uma breve análise histórica da constituição do Fracasso Escolar, índices educacionais –
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ABC (Anuário Brasileiro da Educação Básica, 2016). Os dados mostram considerável discrepância
entre a média do país e a média regional, havendo uma defasagem da região Nordeste em relação
ao restante do país, segundo os critérios da referida avaliação.
Em se tratando do município de Fortaleza, capital do estado do Ceará, de acordo com o
último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principal indicador da qualidade
da educação básica no Brasil, o valor do Ideb do município é de 4,6 em uma escala que vai de 0
a 10, sendo, portanto considerado baixo. Além disso, 13,2% das escolas desse município estão
em situação de alerta, 64,9% estão em situação de atenção totalizando 80,1% de escolas que
apresentam desempenho bem abaixo do esperado para as escolas de Fortaleza. Os índices são
mais preocupantes em municípios do interior do estado. Viégas (2017) expressa que um número
significativo de alunos com queixa escolar tem sido encaminhado para outros serviços públicos.
Portanto, no século XXI ainda não é possível ver esse quadro histórico sobre a educação
revertido, visto que “à maior parte das crianças e adolescentes do país se oferece muito menos do
que o direito faculta as pessoas” (Freitas & Biccas, 2009, p. 345).
O fracasso escolar, desse modo, tem como pano de fundo, na atualidade, a globalização
neoliberal “que se materializa pela desestruturação e submissão das economias dos países pobres
às determinações das grandes corporações internacionais” (Ribeiro, 2000, p. 29). Além disso,
ainda é presente a lógica de que a educação é o remédio para o combate ao subdesenvolvimento,
deturpando, assim, o propósito da escola. Vê-se, então, que o ideal burguês ainda continua
presente no planejamento e organização da educação e se constitui numa das bases para a
produção do fracasso escolar.
Com o que foi discutido e em concordância com Senicato e Ometto (2014), o contexto
complexo com base no qual procura-se analisar o fracasso escolar exige que essa discussão seja
ampla e não simplificada, categorizada ou materializada de forma simples. Ou seja, a discussão
em torno do fracasso escolar sempre demandará profunda e densa análise concentrada na
materialidade e na concretude dos símbolos em que as relações são caracterizadas, ou seja, a
realidade e as experiências enfrentadas pelos alunos. É importante que se vá além de uma visão
reducionista.
Por isso, é importante salientar que, partindo de uma análise concreta da materialidade a
qual vive a escola pública, vemos ações que podem colaborar com o distanciamento da escola
de sua função, apresentada neste trabalho. Por exemplo, o Projeto de Lei 867/2015, o projeto
Escola sem Partido, o qual vai na contramão de uma prática pedagógica livre e democrática
(Viégas & Goldstein, 2017). O projeto gera impedimentos, sobretudo, de que discussões políticas
sejam engendradas em sala de aula, amordaçando os professores em sua prática, pois “impede
a construção dos valores necessários a uma convivência democrática e o combate de toda forma
de valores preconceituosos” (Penna, 2016). Impede também que temáticas importantes sejam
trabalhadas em sala de aula, as quais podem contribuir para o desenvolvimento dos alunos.
Outra peça da conjuntura política-educacional também tem seguido a linha mercadológica
neoliberal de transformar a educação num campo onde são produzidos os frutos do desenvolvimento
do país: a Medida Provisória 746/16, da qual resultou a Lei 13.415/17. Ela também gera fortes
impedimentos à execução da função da escola, pois se acredita que ela
aproxima a última etapa da educação básica a uma visão mercantil da escola pública e
contraria seu caráter público, inclusivo e universal. Ela sustenta que a prioridade da reforma
é a melhoria do desempenho dos estudantes nos testes padronizados que compõem
a política de avaliação em larga escala; que a finalidade do ensino médio é de preparar
os jovens para ingresso no mercado do trabalho, seja para conter a pressão por acesso
à educação superior, seja para atender a demandas do setor produtivo; que a oferta e a
Angelucci et al. (2004) expõe que a maioria das pesquisas produzem um campo de
conhecimento que não caminha por meio da superação de concepções examinadas em suas raízes
epistemológicas e ético-políticas, mas de acréscimos estanques, que não fazem o conhecimento
avançar. Por outro lado, algumas pesquisas ressoam como um desvelar do caráter ideológico de
concepções do fracasso escolar, que retiram a escola e as práticas que nela se dão de seu contexto
econômico e político, e põem em questão o caráter neutro ou desinteressado da ciência.
Para melhor compreender as dificuldades presentes no processo de escolarização é
imprescindível que se abandone uma visão reducionista que culpabiliza, ora os alunos, que
possuem desordens orgânicas ou psíquicas; ora o professor, o qual não é investido de competência
suficiente para oportunizar um aprendizado eficaz; ora a família, que não se insere no processo
de aprendizagem do aluno; ora o entorno social e cultural, o qual apresenta impedimentos para
o pleno desenvolvimento da criança.
Vigotski (2001a) traz importantes contribuições para essa mudança de visão, pois postula
que para entender um determinado aspecto do desenvolvimento, deve interessar saber qual a sua
origem e desenvolvimento numa explicação histórica do fenômeno. A partir desse posicionamento
teórico, o desenvolvimento infantil
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143). Por isso justifica-se o equivoco na visão de que a explicação do fracasso está na criança ou
no meio individualmente, superando-o para a compreensão de que a explicação está na complexa
relação entre esses âmbitos.
A partir disso, todo o sistema educacional deve ser mobilizado não para solucionar um
problema da criança, da escola ou da sociedade, mas para intervir na relação da criança com a
escola e com a sociedade, a partir do processo de escolarização. Isso traz aportes para atuações
bem diferentes das tantas desenvolvidas ao longo da história do trabalho da Psicologia Escolar
e Educacional, como utilização de testes para mensurar habilidades individuais, transposição da
psicoterapia para o âmbito institucional e, a mais nova forma de atuação: intervenção favorecendo
as habilidades socioemocionais dos alunos.
Sem dúvidas, contemplar aspectos emocionais é essencial para o processo de ensino e
aprendizagem. Considerar só o aspecto cognitivo não é suficiente, pois o ser humano deve ser
compreendido em sua totalidade, pois não é possível a construção de um pensamento sem os
afetos (Vigotski, 2014). Ao longo de muito tempo a educação brasileira, marcada pela pedagogia
tradicional, deixou de lado os aspectos emocionais no processo de ensino e aprendizagem. Apesar
de ainda existirem práticas que põem sua centralidade nos aspectos cognitivos, veem-se tentativas
satisfatórias desse modelo.
De fato, é importante que as crianças aprendam a relacionar-se consigo mesmo e com os
outros, estabelecendo metas, autocontrole emocional e resiliência (Ambiel, Pereira & Moreira,
2015), que sejam flexíveis e motivados (Lee, 2013). Contudo, a busca por desenvolver essas
competências na educação básica pública brasileira atende a uma agenda neoliberal, visto
que é “evidente o imperativo de que sejam inventados indivíduos, desde a infância, com mais
habilidades e flexibilidade para mudanças, de forma que possam se tornar adultos produtivos,
participantes do jogo do consumo e empreendedores de si mesmos” (Carvalho & Silva, 2017,
p. 181). O trabalho educativo necessita ir além da criação de subjetividades produtivas ou
economicamente favoráveis.
Um elemento, trabalhada por Vigotski, importante para a compreensão e superação do
Fracasso Escolar é a relação que o indivíduo estabelece com o meio. Considerá-la é imprescindível
para a compreensão do processo de produção do fracasso escolar e para que uma atuação
profissional seja eficaz, pois toda a dinâmica psíquica (interna) da criança que passa por problemas
na escolarização corresponde a impedimentos estruturais, econômicos, sociais, políticos, como
os apresentados no subtópico anterior. Depreende-se isso a partir da ideia vigotskiana de que “As
relações entre as funções psíquicas superiores (as quais chamamos de dinâmica psíquica) foram
anteriormente relações reais entre os homens. Relaciono-me comigo mesmo como as pessoas se
relacionam comigo” (Vigotski, 2001a, p. 147). Se o contexto não favorecer um posicionamento
crítico e humano, o sujeito não vai desenvolvê-lo.
Destarte, se desde cedo a criança que possui particularidades no processo de escolarização, as
quais remontam a uma dificuldade, for denominada de incapaz, muito provavelmente se relacionará
consigo mesma como uma pessoa que não vai conseguir, o que representa um impedimento muito
maior ao desenvolvimento do que aquela trazida inicialmente por ela. É o que Vigotski denomina
de deficiência secundária (Vigotski, 2001b). Desse modo, a conjuntura neoliberal gera mais
impedimentos para a prendizagem do que a suposta deficiência ou limitação do aluno.
Considerações Finais
Com base nos dados que foram discutidos, vê-se que as dificuldades envolvendo o processo
de escolarização continuam presentes na realidade educacional. Torna preocupante, além desse
fato, a postura que se toma para enfrenta-lo: cada vez mais pautada na lógica burguesa do capital,
Referências
1262 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Introdução
O
desenvolvimento infantil, segundo Vygotsky (1998), é fundamentado na interação
com o meio, então pode-se afirmar que o desenvolvimento humano acontece pela
aquisição/ aprendizagem do que socialmente é construído. Nessa construção
de conhecimento de mundo a criança, na primeira infância, possui como auxiliar o brinquedo.
Segundo o mesmo autor, é pelo brincar que a criança passa a conhecer o mundo que a cerca.
Nesse processo, ela descobre, aprende, se desenvolve e, essa maturação, não ocorre apenas
na escola, mas nos ambientes em que este ser em formação está inserido: na casa, rua, parquinho,
quintal e tantos outros lugares. Brincar, portanto, é tida como uma atividade social, de natureza
cultural. O ato de brincar é o primeiro contato com a realidade, já que por meio da brincadeira se
reproduz o ambiente inserido da criança.
Corroborando com este pensamento Elkonin (1998) diz que o brincar é uma atividade
social, humano que supõe contextos sociais e culturais. Então, o brinquedo ou os jogos acabam
por reconstruir as relações sociais do real. Segundo o mesmo autor, o ato de brincar deveria ser
sempre orientado por um adulto, visto que ele estimula e motiva a criança. Brincar ainda é uma
importante forma de comunicação e é por meio deste ato que a criança transparece sua visão de
mundo, fantasias e imaginação. É brincando que ocorre o processo de aprendizagem da criança,
pois há a facilitação da construção da reflexão, autonomia e criatividade.
O brincar infantil seria então de suma importância para que haja o desenvolvimento integral
do ser humano de forma física, social, cultural, afetiva, emocional e cognitivo. Brincar, portanto,
perpassa a esfera do lazer, ela é a parte constituinte de uma aprendizagem prazerosa. Para
Oliveira (2000), o brincar não significa apenas recrear, mas sim desenvolver-se integralmente.
Caracterizando-se como uma das formas mais complexas que a criança tem de comunicar-se
consigo mesma e com o mundo, ou seja, o desenvolvimento acontece através de trocas recíprocas
que se estabelecem durante toda sua vida.
Ainda segundo Oliveira, é pelo brincar que a criança pode desenvolver capacidades
importantes como a atenção, a memória, a imitação, a imaginação, ainda propiciando à criança
o desenvolvimento de áreas da personalidade como afetividade, motricidade, inteligência,
sociabilidade e criatividade. Quanto ao termo “brincar”, o dicionário Ferreira (2003) aponta que é
o ato de “divertir-se, recrear-se, entreter-se, distrair-se, folgar”, também pode ser “entreter-se com
jogos infantis”, ou seja, brincar é algo muito presente nas nossas vidas, ou pelo menos deveria ser.
1264 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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A importância do lúdico (jogos, brincadeiras e brinquedos) para a criança
É por meio do brincar que a criança apreende as regras socais: aprende a respeitar regras,
consegue ampliar relacionamentos e passa a respeitar a si ao outro. É por meio do lúdico que a
criança passa a expressar-se, ouvir, respeitar, emitir opiniões confirmatórias ou contrárias, exercer
liderança, entre outras coisas. É pelo lúdico que se pode vivenciar a aprendizagem como um
processo social.
É por meio do lúdico que o contato educacional se torna efetivo, visto que é pela ludicidade
que se estimula o aumento do conhecimento, oralidade, pensamento e até mesmo o sentido.
Elucida-se que o educacional tem caráter de ensinamentos, não escolar. O brincar vem sendo
objeto de interesse de diversos autores, pois o jogo, o brinquedo e a brincadeira atuam diretamente
no processo de desenvolvimento infantil.
Quanto ao jogo especificamente, Antunes (2003) afirma que ele significa divertimento,
brincadeira, passatempo, pois em nossa cultura o termo jogo é confundido com competição.
Ainda o autor relata que os jogos infantis pode até incluir uma ou outra competição, mas visando
sempre a estimular o crescimento e aprendizagem com relação interpessoal, entre duas ou mais
pessoas realizada através de determinadas regras, ainda que jogo seja uma brincadeira que envolve
regra.
Jogar é assim um excelente recurso para facilitar a aprendizagem, neste sentido, Carvalho
(1992 p. 28) afirma que: “[…] o ensino absorvido de maneira lúdica, passa a adquirir um aspecto
significativo e afetivo no curso do desenvolvimento da inteligência da criança, já que ela se modifica
de ato puramente transmissor a ato transformador em ludicidade, denotando-se, portanto em
jogo”.
Oliveira (2000) aponta o ato lúdico do brincar, como sendo um processo de humanização, no
qual a criança aprende a conciliar a brincadeira de forma efetiva, criando vínculos mais duradouros.
Assim, as crianças desenvolvem sua capacidade de raciocinar, de julgar, de argumentar, de como
chegar a um consenso, reconhecendo o quanto isto é importante para dar início à atividade em
si, portanto, pode-se afirmar que o brincar passa a ser um pilar importante no desenvolvimento
da criança e estes são elementos elaborados que proporcionarão experiências, possibilitando a
conquista e a formação da sua identidade. Percebe-se então que os brinquedos e brincadeiras são
fontes intermináveis de interação por meio da ludicidade e afeto.
Método
1. Cabo de força
Formação: Os alunos ficam separados em duas equipes, cada uma em uma extremidade da
corda.
Execução: os dois grupos tentam puxar a corda para o seu lado, porém os que colocarem
mais força serão retidos de ambos os lados.
Recurso: Corda
2. Acerte o alvo
Formação: Os alunos ficam distribuídos em equipes,
Execução: O primeiro de cada fila tem em suas mãos um bambolê e na frente de cada equipe
em um espaço limitada é colocado um representante da equipe. Ao sinal do monitor o 1º
aluno de cada equipe tenta acertar o bambolê no alvo (o representante). Ao acertar esse
deve se dirigir até o final da fila e entregar o bambolê ao próximo. Finaliza quando o aluno
que era o alvo voltar para a posição inicial.
Recurso: 4 Bambolês
3. Corrida do saco
Formação: Duas equipes enfileiradas
Execução: As crianças iram disputar corrida, mas elas estarão dentro de um saco.
Recurso: Sacos grandes.
6. Jogo psicodramático
Duas pessoas posicionam-se uma frente à outra. Em seguida um dos participantes lê um
roteiro, que lhe é entregue, para o outro participante e depois é feita a inversão dos papeis.
Na continuidade é feita uma conversa sobre como foi dizer e ouvir o roteiro e sobre as
afetações gerais de cada um dos participantes. O roteiro é construído de acordo com as
queixas ou observações feitas e deve ser sempre elaborado a partir do tema que está em
evidencia no grupo que se acompanha. Este jogo sugere que os participantes sejam afetados
por sentimentos de alteridade. Percebendo sua fala e que emoções e o que ela evoca no
outro e experimentando o efeito dessa fala quando direcionada para si. Após essa atividade,
como forma de promoção da integração, foi proposto aos participantes que estes fizessem
uma produção artística coletiva. Uma pintura em tela e em um painel para exposição final.
1266 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Roteiro:
(falas ditas com raiva e rispidez)
• Você não sabe brincar;
• Você só me atrapalha;
• Você é muito chato;
• Você tem que sair da brincadeira;
• Eu não quero brincar com você;
• Você é muito burro.
Recursos: Tecido branco, tela para pintura, tintas, pinceis e impressão de roteiro.
O psicodrama é uma técnica psicoterápica desenvolvida pelo psiquiatra romeno Jacob
Levy Moreno com a finalidade de propiciar uma ação dramática no indivíduo. Acredita-se que é
através da dramatização que o indivíduo entrará em contato consigo mesmo, com suas estruturas
e inter-relações. Assim, entende-se que é um processo que pode auxiliar no resgate às diversas
possibilidades de criatividades e ação no sujeito. Segundo Moreno (2003), a espontaneidade e
a criatividade são recursos inatos, fundamentais para o desenvolvimento saudável do homem. O
autor explica que a espontaneidade habilita o indivíduo a superar situações como se carregasse
o organismo, estimulando e excitando seus órgãos para modificar suas estruturas, a fim de que
possam enfrentar suas novas responsabilidades.
8. Corre cutia
Todos se sentam em circulo e um dos participantes anda em volta do circulo e deixa um
objeto (chinelo) atrás de uma pessoa escolhida. Os que estão sentados devem ficar atentos
para perceber se o objeto foi posto atrás de quem. A pessoa pela qual o objeto foi deixado
atrás deve levantar e perseguir o que pôs o objeto. Tentando pega-lo antes que este se sente
no local do que levantou. O que for pego antes de sentar deve sair da brincadeira e assim
até restar o mínimo de pessoas. Enquanto a brincadeira acontece é cantado uma cantiga
descrita abaixo. Nesta atividade não foi necessário o uso de recursos materiais.
Cantiga:
Corre, corre la cutia
Tá de noite, tá de dia
O teu pai matou uma gia
Pra comer no outro dia.
9. Esquizo-dança
Pediu-se que as crianças fizessem uma roda e que um participante fosse ao centro da roda e
executasse uma dança/ movimento que preferisse e os demais imitassem ao som de música.
Discussão
Conclusão
Referências
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Psicológicos Superiores. Trad. José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche.
6ª ed. São Paulo: Martins Fontes.
Introdução
O
presente estudo tem a Educação Inclusiva como tema central, tendo em vista as
numerosas mudanças que tal proposta educacional vem provocando nos mais
diversos contextos da sociedade contemporânea. Além disso, acredita-se que
a Educação Inclusiva é um processo que amplia a participação de todos os estudantes nos
estabelecimentos de ensino regular, buscando constantemente atender e perceber as necessidades
educacionais específicas de todos os educandos num sistema de escolar, com o intuito de promover
a aprendizagem e o desenvolvimento de habilidades e capacidades dos mesmos.
Com isso, torna-se importante analisar como se dá a prática do profissional de psicologia
no processo de inclusão do aluno com Necessidades Educacionais Especiais (NEEs), para que se
possa perceber sua efetividade e, assim, propor possíveis mudanças. Portanto, devido à escassez
de material produzido de acordo com a realidade da cidade de Teresina (PI) e estudos relacionados
com o tema, a pesquisa tem grande relevância, auxiliando na prática do psicólogo e na elaboração
de políticas que favoreçam a inclusão do aluno com NEE.
Para tal, se faz necessário à compreensão do processo histórico da educação, desde a
prevalência de práticas segregadoras até a atualidade, onde a inclusão deve fazer parte do
sistema educacional. Analisando-se o período histórico da educação especial no Brasil, em
muito acompanhou todo o cenário mundial, o qual ao longo da história é possível notar que
se evidenciam teorias e práticas sociais de discriminação, promovendo infinitas situações de
exclusão. Essa época, de acordo com Vieira (2007), foi caracterizada pela ignorância e rejeição do
indivíduo deficiente: a família, a escola e a sociedade em geral condenavam esse público de uma
forma extremamente preconceituosa, de modo a excluí-los do estado social.
É a partir do século XX que, gradativamente, iniciam-se os movimentos sociais de tirar esses
indivíduos do privado para o público, pensando em uma sociedade inclusiva, além de iniciar
os questionamentos sobre as práticas de ensino-aprendizagem. As práticas educacionais eram
de cunho segregadoras, sendo caracterizadas por uma pedagogia de exclusão, onde apenas os
indivíduos que se apresentavam dentro dos padrões de normalidade poderiam ter acesso. E,
aqueles considerados incapazes eram destinados a ambientes específicos como escolas especiais,
manicômios ou até mesmo internados em hospitais.
Com a necessidade de haver modificações na sociedade, de segundo Anache (2005), os
movimentos referentes a inclusão influenciaram a percepção político-social no final do século XX.
O objetivo desse movimentos eram de sensibilizar a sociedade da necessidade de aceitar e respeitar
1270 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
os indivíduos, independente de terem alguma deficiência. Com toda sua repercussão o movimento
estendeu-se para à escola, já que a mesma se caracteriza por ser um ambiente fundamental para
o desenvolvimento de crianças e adolescentes devido as interações que acorrem entre diferentes
tipos de sujeitos, proporcionando o ensino-aprendizagem e solidificando o processo educativo.
Nessa vertente, surgem políticas publicas educacionais com o intuito de assegurar o direito
da pessoa com deficiência à educação, sendo papel das escolas acolhê-las, independente das suas
condições físicas, intelectuais, sensoriais, sociais e emocionais, proporcionando um ambiente de
estimulação para seu desenvolvimento e aprendizagem, provocando uma educação igualitária
e justa para todos, de acordo com a especificidade educacional que cada sujeito apresenta. Os
movimentos que englobam políticas educacionais mais efetivas passam a ser mais constantes
gerando reflexões acerca da práxis pedagógica e assim, cobrando mudanças.
Legalmente, em 1984 com a Conferência de Salamanca, na Espanha, legitimou-se assegurando
a toda pessoa (crianças, jovens, adultos) com NEEs, a educação dentro de escolas regulares de
ensino, por acreditar que a pessoa com algum tipo de limitação possui características, interesses,
habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas, devendo por isso serem respeitadas
e acolhidas por todos em suas dificuldades. De acordo com o documento, “as escolas se devem
ajustar a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas ou
outras” (Brasil, 1994, p.1).
Diante disso, o sistema educacional vê-se obrigado a ajustar-se às novas normas tendo que
buscar recursos, seja na formação dos profissionais ou na aquisição de tecnologias para passar a
acolher esses alunos que até então não tinham contato com a educação regular formal. Favorecendo,
assim, não apenas alunos que apresentem limitações físicas ou cognitivas, como também aqueles
em situação social ou cultural, vulneráveis e ainda, aqueles que apresentem altas habilidades,
sejam acadêmicas, artísticas ou esportivas. Sendo, na atualidade, papel da escola proporcionar um
ambiente de desenvolvimento de aprendizagem e potencial de todos os seus alunos.
Conforme relata Carneiro (2011), a construção da escola inclusiva implica na elaboração de
novos espaços, profissionais preparados e recursos pedagógicos objetivando o desenvolvimento
pleno também dos alunos com necessidades educacionais. A autora ainda aponta que a escola
inclusiva deve construir uma história de interação com esse aluno, percebendo-o como um
organismo capaz de aprender, mudando com isso o foco da responsabilidade da aprendizagem
que antes se colocava para o aluno e agora a escola e todo corpo pedagógico também começa a
ser chamada para esse processo. Assim sendo, o sucesso ou o fracasso não fica restrito ao aluno
ele é compartilhado com a escola, cabendo a ela, proporcionar aprendizagem para todos, de
acordo com as diferentes maneiras de aquisição do conhecimento que cada sujeito tem.
A inclusão escolar, segundo defende Matos e Mendes (2013), deve considerar a capacidade
de aprendizagem desses alunos, seu singular processo de desenvolvimento e a possibilidade de
oferecer, a esses sujeitos, diferentes modos de compensação e instrumentos adaptativos que
venham a contribuir com a superação de suas dificuldades. Seguindo esse raciocínio, o ser humano
é interativo e dinâmico, e seus processos de desenvolvimento e aquisição de conhecimento, ponto
que toca a dinâmica que é a aprendizagem, vão se encontrar instrinsecamente relacionado. Dessa
maneira, cabe à escola ser um ambiente pluralista e propício ao desenvolvimento de seus alunos
sem qualquer distinção.
Gaoi (2004) define o termo “especial” como uma associação de fatores que não somente o
aluno, tais como: material pedagógico; barreiras físicas e atitudinais; alternativas de flexibilidade
de comunicação, currículo e metodologia, capacitação profissional constante. Contemplando
que, necessidades educacionais especiais se torna uma nomenclatura ampla que abrange a todos
os sujeitos, situações e espaços que tangenciam a vida da pessoa com deficiência. Sendo, assim, o
aluno com NEEs aquele que se caracterizada pela necessidade de alguns desses suportes citados.
Método
1272 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Para registro das informações obtidas, utilizou-se gravador e posteriormente as informações
foram transcritas e arquivadas. A análise foi realizada a partir da análise de conteúdo realizando
associações dos resultados com o que a literatura aponta. Em termos éticos, a pesquisa foi
aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres humanos da Universidade Estadual
do Piauí em 14/10/2015, com parecer de aprovação CAAE de número 45810215.7.0000.5209.
Resultados e Discussão
1274 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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intervenções, dando informações e continuando o trabalho que é feito na escola em casa”; “Outra
estratégia a ser utilizada vai ser na adaptação curricular, principalmente nos momentos de provas
ou algum exercício. Alguns alunos precisam de um tempo maior para fazer as tarefas e provas, ou
então que elas sejam fracionadas, ou de um ambiente mais tranquilo e reservado”.
No que tange os aspectos familiares, Portela e Almeida (2009) explicam que a escola e a
família devem se encontrar em ligação constante, principalmente quando se trata de alunos com
NEEs. Tendo esse vínculo direcionado para as necessidades específicas de cada individuo, de acordo
com a sua realidade econômica e social, proporcionando um entendimento global. Devendo abrir
as portas para ela ocupar seu lugar participativo e auxiliando-a em uma relação igualitária, pois
só assim as propostas educacionais para as pessoas com NEEs poderão se concretizar.
Dessa forma, os psicólogos entrevistados utilizam como principal canal de intervenção
com a família a informação compartilhada, instrumento necessário para lidar com o aluno com
NEEs, e norteador de sugestões de como esse trabalho pode ser estendido para todo o contexto
domiciliar, uma vez que o processo de aprendizagem é continuado e deve ser estendido para
além dos muros da escola, devendo ser partilhado com a família. Ainda, 50% dos participantes
relataram a necessidade de se realizar essa adaptação curricular de acordo com as demandas de
cada aluno. Alterações que podem ser desde uma mudança na forma de avaliação, às adaptações
físicas como no ambiente ou em instrumentos (lápis, carteiras, quadro, entre outras).
Com o intuito de perceber como se dá a prática do psicólogo no processo de inclusão
perguntou-se quais os instrumentos facilitadores e quais barreiras identificam que beneficiam ou
atrapalham sua atuação. As profissionais pontuaram como facilitadores o diálogo entre escola
e família, o conhecimento, a informação e a aceitação: “Acredito que seja mesmo a aceitação
e o conhecimento, tanto por parte da família como por parte da equipe da escola. A partir do
momento que eu reconheço que determinado aluno apresenta alguma dificuldade eu tenho
condições de buscar recursos e me apropriar daquelas especificidades e traçar meios de favorecer
o desenvolvimento desse aluno na escola”; “Outra estratégia seria a possibilidade de acesso a
diversos recursos; recursos que eu falo não só materiais, mas também os recursos humanos,
capacitação. Que pudessem ocorrer mais capacitações, que as pessoas pudessem estar preparadas
para receberem essa demanda”.
Quanto às barreiras e dificuldades pontuaram a falta de conhecimento, não aceitação e
a falta de diálogo com as famílias: “As barreiras vão ser exatamente o contrário, essa falta de
disposição das pessoas de estarem estudando, de estarem se informando, o comprometimento
da família no processo”; “Eu acho que a resistência não só por parte da família, mas a resistência
por parte de alguns educadores que se negam a mudar sua maneira de lidar com esses alunos”.
A respeito do discurso dos profissionais, Mendonça (2015) afirma que para que a educação
inclusiva de fato ocorra é imprescindível que os professores e demais profissionais da escola se
empenhem em se capacitarem, já que segundo o autor, existem professores sem o devido preparo
para atuar com alunos na educação inclusiva. Sendo essencial o investimento na formação inicial
e continuada no quesito educação inclusiva. Corroborando com o que foi mencionado pelos
profissionais.
Percebe-se, de acordo com a fala dos entrevistados, que existe uma preocupação real quando
se fala em capacitação dos profissionais que lidam diretamente com a educação inclusiva. Será
somente através da apropriação adequada de como intervir com esses alunos, que possuem
demandas e características únicas, que os educadores poderão adequar de acordo com a sua
realidade e nortear a sua prática, para que seja concretizada com êxito. Nesse sentido, estratégias
devem ser utilizadas a fim de melhorar a relação da equipe escolar proporcionando momentos de
reflexão e discussão de suas práticas e, quando necessário, promover ações do tipo capacitações,
workshops e treinamento para um exercício profissional consciente.
Considerações Finais
1276 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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os profissionais é possível inferir que os mesmos apresentam conhecimento teórico e parecem
associa-los com a prática para traçar estratégias de intervenções. Porém, como o estudo limitou-
se a uma entrevista não se pode ter acesso a como realmente se dá a prática de inclusão e se ocorre
de maneira efetiva, sendo este uma limitação do estudo. Além, do contexto de realidade que se
limitou ao da instituição privada.
Diante disso, acredita-se que a educação inclusiva na cidade de Teresina, de acordo com
a amostra do estudo, apresenta certo avanço, considerando que nesses espaços as discussões
sobre a temática são presentes evidenciando, assim, a necessidade e relevância do exercício do
profissional de psicologia na educação. E, ainda, chamando atenção para elaboração de políticas
públicas que integrem o psicólogo aos demais profissionais em instituições públicas, visto à
inexistência de legislação que assegure tais a obrigatoriedade do profissional nestes locais.
Por fim, considera-se que, ao compreender como se dá a atuação do psicólogo escolar
no processo de inclusão do aluno com NEEs, ela irá, pois, possibilitar discussões profundas,
contribuindo assim, com o avanço da Psicologia Escolar quando se fala de inclusão. Sendo assim,
a pesquisa atingiu os objetivos propostos se configurando como um material de interesse aos
psicólogos escolares, possibilitando reflexões e discussões sobre o tema, favorecendo dessa forma,
novas pesquisas, envolvendo a inclusão sob novas perspectivas.
Referências
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com necessidades educativas especiais. Educação Inclusiva, deficiência e contexto social: questões
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1278 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA ASSISTÊNCIA
ESTUDANTIL: POSSIBILIDADES E DESAFIOS NA
UNIVERSIDADE FEDERAL
DO MARANHÃO (UFMA)
Adauto de Vasconcelos Montenegro
Geysa Carvalho Cantanhede Marques
Karoline Andrade Pereira
Valéria Assunção Lima
Introdução
A
vida estudantil no âmbito universitário é permeada por aspectos potencialmente
motivadores, como a escolha de uma profissão, o exercício de independência e
autonomia e a convivência com colegas e professores oriundos, muitas vezes, de
diferentes contextos socioeconômicos e culturais. Diversos estudos (Alves, 2014; Bolsoni-Silva,
2014; Fernande, 2009; Morais & Mascarenhas, 2010; Pereira & Lourenço, 2012) evidenciam que
os primeiros anos na universidade podem estar relacionados à ocorrência de transtornos mentais
e de novos desafios de caráter social, identitário e afetivo.
Com base na contextualização prévia, o objetivo deste estudo é traçar um panorama da
atuação do psicólogo no campo da Assistência Estudantil, especificamente, no contexto da Pró-
Reitoria de Assistência Estudantil (Proaes), da Universidade Federal do Maranhão. Os objetivos
específicos são: realizar um levantamento das demandas recebidas pelo profissional de Psicologia,
relatar as ações desenvolvidas e apresentar uma proposta de perfil de atuação.
Método
1280 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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mental e vida universitária. Outra delas consistiu em um minicurso voltado aos docentes com a
temática “estratégias frente à ansiedade e depressão na universidade”. Tais ações alinham-se à
busca da promoção de atividades que considerem a qualidade de vida universitária (Lantyer et al.,
2016).
O terceiro eixo de ações, o de aperfeiçoamento da equipe, consiste na busca constante por
estudos clássicos e recentes acerca da saúde mental de estudantes universitários e da participação
em congressos nas áreas de Psicologia, Medicina e Educação. Esta iniciativa, por parte da equipe
e com o apoio da gestão, permite o intercâmbio de conhecimentos e práticas com profissionais
e pesquisadores, bem como permite a capacitação e aperfeiçoamento da equipe executora do
Serviço de Psicologia.
Discussão
Considerações finais
Referências
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1282 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
CARACTERIZAÇÃO DO REPERTÓRIO DE HABILIDADES
SOCIAS DE ESTUDANTES DE GRADUAÇÃO EM
PSICOLOGIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
Fransnadine de Maiara Costa Gomes
Livia Gomes Viana-Meireles
Talídyna Moreira de Oliveira
Daniele Ildegardes Brito Tatmatsu
Introdução
O
estudo das Habilidades Sociais (HS) diz respeito ao repertório comportamental
global dos indivíduos, visto que abrange comportamentos sociais verbais e não
verbais, como ressalta Del Prette e Del Prette (2002). Atualmente, as definições de
habilidades sociais não são consensuais, pois, conforme Del Prette e Del Prette (2010) há uma
constante atualização para uma definição do campo teórico-prático das habilidades sociais. No
entanto, uma possibilidade é defini-la como um conjunto de comportamentos emitidos por um
indivíduo em um contexto interpessoal que expressa sentimentos, atitudes, desejos, opiniões de
maneira adaptativa ao contexto que ocorrem em função da resolução de problemas imediatos e
auxilia na minimização de problemas futuros (Caballo, 2003). Considerando-se essa definição,
justifica-se a importância das Habilidades Sociais para um melhor convívio social e saúde mental
dos sujeitos. Além disso, ter um repertório comportamental amplo auxilia na qualidade de vida,
visto que tal repertório irá refletir como o sujeito lida com seu meio social e consigo mesmo.
Para Del Prette e Del Prette (2001a), as habilidades de comunicação, de resolução de
problemas, de cooperação e habilidades empáticas são comportamentos sociais aprendidos
e essenciais a uma boa convivência e interação social de qualidade. Independente da idade da
pessoa, sempre se aprende em novos contextos. É a experiência de cada um que irá facilitar ou
dificultar o seu convívio social. Toda a vida de uma pessoa envolve processos de aprendizagem
que servirão para atualizar constantemente a aquisição de novos repertórios essenciais para a
convivência em sociedade.
As situações educacionais, desde a entrada da criança na escola até a inserção no ensino
superior exigem inúmeras habilidades e diferentes desempenhos sociais. O contexto acadêmico é
um lugar onde há um conjunto de interações sociais de diferentes tipos, tais como: dar opiniões,
responder as perguntas, expressar dificuldades, entre outras (Del Prette & Del Prette, 2001a). A
aquisição das habilidades sociais acontece medida em que surgem demandas e os estudantes
tentam adaptar-se às mesmas. A entrada na universidade caracteriza-se como um momento em
que há crescente exigência para aquisição de novas habilidades sociais. Estudos voltados para
a compreensão desse contexto são relevantes, considerando as mudanças e os desafios que o
circundam e que, indubitavelmente, demandam comportamentos socialmente habilidosos. Ao
iniciar a faculdade há uma mudança significativa na rotina e com isso muitos desafios. Del Prette
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método
Amostra
Instrumentos
Foi utilizado para coleta dos dados o Inventário de Habilidade Social (IHS) por Del Prette e Del
Prette (2001b). O IHS foi desenvolvido para aferir o repertório de habilidades sociais usualmente
requeridas em situações interpessoais do cotidiano. O instrumento contém 38 itens, cada um
apresentando uma ação ou sentimento diante a uma situação social. Os participantes da pesquisa
tiveram que responder a frequência com que agia ou se sentia conforme o que estava exposto em
casa item. As respostas foram preenchidas numa folha com cinco opções A (nunca ou raramente),
B (com pouca frequência), C (com regular frequência), D (muito frequentemente), E (sempre ou
quase sempre). Em relação aos dos itens o IHS oferece um escore total e escores agrupados em 5
fatores: F1) Enfrentamento e autoafirmação com risco, que diz respeito a afirmação e defesa de direitos
e de autoestima com risco potencial de reação indesejável por parte do interlocutor, este fator
avalia, principalmente, a assertividade; F2) Autoafirmação na expressão de sentimento positivo, este fator
reúne afirmações que dizem respeito a demandas interpessoais de expressão de afeto positivo e de
afirmação da autoestima, com risco mínimo de reação indesejável; F3) Conversação e desenvoltura
social, envolve situações sociais neutras com risco indesejável, demandando “traquejo social”;
F4) Auto-exposição a desconhecidos e situações novas que envolve situações de abordagem de pessoas
desconhecidas; e F5) Autocontrole da agressividade reúne afirmações que demandam controle da
raiva e da agressividade.
Além do IHS, os estudantes responderam ao Questionário sóciodemográfico que continha
pergunta sobre sexo, local de nascimento, idade, nível socioeconômico e escolaridade dos pais
período que estava cursando. Além dos dois instrumentos, os participantes também assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Procedimentos
A coleta de dados foi realizada com estudantes dos períodos iniciais e concludentes maiores
de 18 anos que aceitaram participar da pesquisa com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE). Ao entregar o questionário os aplicadores compartilhavam o objetivo da pesquisa,
Resultados
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Tabela 1. Médias e percentis indicadores das habilidades sociais, por fator, dos
respondentes do sexo feminino e masculino.
No que se refere aos resultados obtidos, com a variável semestre e os fatores do IHS por
meio da Correlação de Pearson, não apresentou uma correlação significativa, ou seja, não houve
influência do período cursado e o repertório dos alunos na amostra dessa pesquisa.
Discussão
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de suas reponsabilidades nesse processo (Carneiro & Texeira, 2011). Espera-se que o ambiente
acadêmico amplie o repertório social dos sujeitos, todavia, os resultados obtidos demonstram
que os ensinos teóricos e práticos da graduação em Psicologia da UFPI não contribuem de forma
sistemática para o desenvolvimento de respostas sociais, o que não se trata apenas de uma
característica local, mas de um reflexo do cenário nacional nos cursos de saúde.
Conclusão
Referências
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1290 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL NO CEARÁ:
RELATO DE EXPERIÊNCIA NA REDE ESTADUAL DE
ENSINO
Estefanni Mairla Alves
Mayara Luiza Freitas Silva
Emilie Fonteles Boesmans
Antonio Dario Lopes Junior
Introdução
O
presente escrito tem como objetivo partilhar as experiências de psicólogos na área
de Psicologia Escolar e Educacional atuando na Rede Pública Estadual de Ensino
do Ceará. A motivação para tal partilha se dá pelo fato de ser uma experiência de
atuação que está se constituindo, uma vez que a proposta de trabalho colocada pela Secretaria
de Educação do Estado do Ceará (SEDUC) apresenta diferenças frente ao que os profissionais já
tinham vivenciado na mesma atuação, mas em contexto privado.
Para embasar a discussão proposta inicia-se justificando a escolha pelo termo escolar e
educacional, não se fixando apenas em ou outro. Propõe-se, portanto, a princípio, um détour pela
história da Psicologia Escolar e Educacional, a qual se enraíza com a história da própria Psicologia
como Ciência e Profissão no Brasil.
Autores como Barbosa (2012) e Antunes (2003, 2011) afirmam que a prática da Psicologia
Escolar e Educacional é fundante da própria Psicologia no Brasil. A prática e pesquisa de
profissionais como Manoel Bonfim24 e Helena Antipoff25 se situam na área desde o início do século
XX, ou seja, muito antes do reconhecimento de profissionalização da Psicologia, ocorrido apenas
em 27 de Agosto de 1962 através da Lei n° 4.119. Barbosa (2012) traçando uma historiografia
da Psicologia Escolar e Educacional no Brasil aborda o uso de recursos psicológicos na educação
desde o período jesuítico, passando pelo Pedagogium, Escola Nova até chegar ao período de crise e
reorganização da Psicologia Escolar e Educacional a partir dos anos 1980.
A princípio a Psicologia foi compreendida como saberes constituídos que eram
compartilhados, elaborados e utilizados em diversas áreas de conhecimento. Antunes (2011)
aponta a origem da Psicologia brasileira a partir dos conhecimentos médicos e educacionais. As
primeiras publicações científicas que abordavam temáticas do campo psicológico se deram ainda
no Século XIX, nos cursos de Direito e Medicina (Pfromm Netto, 1979), as quais os conhecimentos
24 Coordenador do Laboratório de Psicologia Experimental, criado em 1906 com a função inicial de ser museu
pedagógico dispondo de uma exposição permanente de materiais educacionais. Também tinha como função
promover cursos, conferências e intercâmbio com laboratórios similares estrangeiros.
25 Nos anos de 1950 organizou o Laboratório de Psicologia da Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Belo
Horizonte que promovia cursos que difundiam conhecimentos psicológicos trazendo profissionais estrangeiros,
como: Leon Walther e Theodore Simon.
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campo da Educação, buscando demonstrar a necessidade de que o psicólogo que atuasse no
campo educativo deveria buscar uma visão holística do aluno, da escola e da comunidade escolar,
sair do foco individual. Isso faz com que se mude o conceito de escola, educação, psicologia e
de uma atuação unificada destas três. Portanto a década de 1990 surge como um momento de
crítica à própria Psicologia, esta lançando um olhar sobre seu fazer e tornando-se cada vez mais
crítica, buscando traçar novas perspectivas de atuação, afastando-se de um ideal classificatório,
normativo e disciplinatório apresentado até então, buscando finalizar com a ideia de uma
Psicologia que servia ao ajustamento do sujeito aluno.
Desde então, os profissionais atuantes na área buscam o estabelecimento de uma prática que
não seja focada apenas em problemas de aprendizagem, em patologização de comportamentos
considerados desviantes e em promoção de adequações à norma dos sujeitos integrantes do
ambiente escolar. Tal fazer demanda não somente prática e exercício profissional da Psicologia na
escola, mas também da constante pesquisa e construção de conhecimento no âmbito educacional.
Portanto a opção pela denominação do termo Psicologia Escolar e Educacional justifica-se por
não compreender a Psicologia Escolar como um mero campo de atuação prática e o da Psicologia
Educacional como o de realização de pesquisa. A necessidade da construção de uma atuação
crítica exigiu o exercício das duas: prática e pesquisa, para a consolidação de uma Psicologia
Escolar e Educacional condizente com as demandas atuais.
Com isso, passa-se à inserção dos psicólogos na área de Psicologia Escolar e Educacional
na SEDUC. O edital de chamada se deu no final de 2016, com a seleção pública no início de 2017
e o início da atuação dos profissionais aprovados em junho do mesmo ano. A demanda para a
contratação se deu após a greve dos professores da rede estadual de ensino básico, a qual uma
das pautas era a presença de Psicólogos no corpo profissional das escolas, devido às grandes
dificuldades que estes vêm enfrentando na sua atuação diária. Destarte, professores e gestores
viam que a qualidade do trabalho por eles desempenhado poderia ser melhorada mediante a
intervenção de Psicólogos Escolares e Educacionais na realidade das instituições de ensino públicas
do Ceará. Marcando, pois, a abertura do campo de atuação da Psicologia Escolar e Educacional
no estado, até então restrito a atuação em instituições privadas.
Metodologia
28 O Projeto Professor Diretor de Turma (PPDT) originou-se, no Ceará, após o contato com a experiência de escolas
portuguesas durante o XVIII Encontro da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE)
– Seção Ceará em 2007. Inicialmente, abrangeu escolas piloto nos municípios de Eusébio, Madalena e Canindé,
gradativamente expandindo-se para várias escolas nas demais regionais de educação do estado. O projeto
funciona com um professor responsabilizando-se por uma atenção mais próxima a determinada turma de alunos.
Apresenta-se como uma tecnologia educacional voltada para humanização e desmassificação das relações no
ambiente escolar, procurando viabilizar a permanência e sucesso escolar dos alunos. (Secretaria de Educação do
Estado do Ceará [SEDUC], 2011)
29 Núcelo de Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTPPS) funciona como um elemento integrador curricular.
Objetiva o desenvolvimento de competências socioemocionais através da pesquisa, da interdisciplinaridade e do
protagonismo estudantil. Possui um total de 160 horas/aula distribuidas ao longo do período letivo, conduzidas
por um professor da escola no formato de oficinas. Os professores atuantes do projeto foram formados e
acompanhados pelo Instituto Aliança, bem como utilizam material de apoio estruturado para realização das
atividades no formato de Planos de Aula e Caderno do Aluno elaborados pelo Instituto Aliança. Ao longo dos
três anos de Ensino Médio, o tema geral dos projetos de pesquisa desenvolvidos pelos alunos e orientados pelos
professores muda: no primeiro ano é escola e família, no segundo ano é a comunidade e no terceiro ano é o
mundo do trabalho. Promovem com tais projetos interdisciplinariedade entre o NTPPS e as demais disciplinas.
(SEDUC, n.d.)
30 Competência diz respeito a uma capacidade de “[…] mobilizar, articular e colocar em prática conhecimentos,
valores, atitudes e habilidades, na inter-relação de seus aspectos cognitivos e sociemocionais.” e competência
socioemocional diz respeito a elementos para “[…] aprender a se relacionar com os outros e consigo mesmo,
compreender e gerir emoções, estabelecer e atingir objetivos, tomar decisões autônomas e responsáveis e enfrentar
situações adversas de maneira criativa e construtiva.” (Instituto Ayrton Senna [IAS] & Secretaria de Educação do
Estado do Rio de Janeiro [SEEDUC], 2016, p.22)
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iniciativas com potencial de trabalhar competências socioemocionais, o interesse e disponibilidade
da direção; o tipo de escola, se integral ou parcial; o tipo de desempenho (Alto desempenho ou
escola prioritária); e o tamanho da escola, focando nas de médio e grande porte. Somando-se todas
as escolas acompanhadas pelos trinta psicólogos, teve-se um total de 240 escolas acompanhadas.
Tendo em vista a diversidade de cenários e especificidades de cada regional, nem todas
possuíam escolas contemplando integralmente os pré-requisitos. Por exemplo: havia regional
onde só existia uma escola de alto desempenho, uma de desempenho prioritário (baixo) e as
demais eram de desempenho mediano. Diante disso, fez-se uma adaptação dos critérios de
escolha, pactuando as exceções junto às lideranças regionais e tentando incluir as escolas que
mais se encaixavam nas especificações orientadas pela SEDUC e IAS.
O Eixo II englobou dois pontos, a participação nas formações ofertadas aos psicólogos
pela SEDUC; e a realização de formações inicial e continuadas com os Professores Diretores de
Turma (PDT’s), incluindo atuar como replicadores da metodologia dos Diálogos Socioemocionais
e apoiar as escolas em demandas que emergirem com os alunos.
A equipe do IAS, ao longo das formações, apresentou continuamente conceitos de
competências socioemocionais, e trouxe para os psicólogos as ações e instrumentais que deveriam
ser desenvolvidas. Durante as formações, em alguns momentos, os psicólogos foram convidados
a contribuir na adaptação de instrumentais pré-elaborados pelo IAS a serem utilizados para a
realidade do Ceará.
No Eixo III, objetivou-se compartilhar com gestores da Rede Pública Estadual de Ensino
do Ceará, informações obtidas pelos psicólogos, provenientes de seu cotidiano de trabalho nas
escolas, o que poderia ser fortalecido, o que precisaria de mais atenção, se haveria possibilidade
de integração de programas.
Resultados e Discussão
A inserção nas Credes, bem como as visitas às escolas contou com uma expectativa pela
atuação clínica do psicólogo, para Viana (2016) ainda há pouca compreensão sobre o papel da
Psicologia Escolar e Educacional por parte da comunidade escolar, o que é um desafio ainda
apontado pelos profissionais da área. Nos momentos de partilha entre as(os) Psicólogas(os),
foi comum o relato de que as escolas e as CREDE’s esperavam que os profissionais fizessem
atendimentos clínicos com os alunos percebidos por elas com algum sofrimento psíquico, e mesmo
de professores e funcionários. Desta maneira, um dos primeiros desafios, foi o de conscientizar a
comunidade escolar de que atuação do psicólogo escolar/educacional era diferente da atuação
do psicólogo clínico, presente no imaginário popular. A Psicologia Clínica se estabelece como uma
importante área de atuação da Psicologia e com um lugar presente no imaginário popular. Porém,
frente às demandas do contexto escolar, o modelo clínico mostra-se insuficiente no oferecimento
de respostas efetivas, reforçando muitas vezes a culpabilização do sujeito pelo seu fracasso
escolar ou inadaptação ao que a escola espera dele. Ainda para Viana (2016), a atuação em
Psicologia Escolar deve ser baseada em uma visão sistêmica e levar para as escolas novos modelos
de intervenção pautados em uma reflexão crítica.
Tendo em vista os diferentes cenários de prática onde as psicólogas e psicólogos inseriram-
se, e seus processos formativos, os profissionais teceram diversas estratégias de atuação. Dentre
elas, recortou-se nesse artigo, as ações realizadas na CREDE de uma das autoras, que teve foco
principal na formação de professores através de oficinas.
Durante as visitas as escolas, foram levantadas temáticas as quais os professores sentiram
dificuldades no trabalho com os alunos. Destacaram-se inicialmente a temática de prevenção
ao suicídio e a temática relacionada a questões de gênero e respeito à diversidade. A primeira
foi trabalhada em algumas escolas no segundo semestre de 2017 e a segunda será trabalhada no
primeiro semestre de 2018.
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Santos, D., & Primi, R. (2014). Desenvolvimento socioemocional e aprendizado escolar: Uma proposta de
mensuração para apoiar políticas públicas. São Paulo: Instituto Ayrton Senna.
Introdução
O
processo de ensino-aprendizagem ocorre a partir da relação de diversas variáveis
como: a relação que se estabelece entre professor e aluno e as metodologias que
serão aplicadas. As metodologias de ensino-aprendizagem auxiliam nos obstáculos
a serem superados pelos estudantes, direcionando os alunos a ocuparem o lugar de sujeitos na
construção do conhecimento enquanto o professor ocupa a posição de facilitador e orientador
desse processo (Melo & Sant’anna, 2013).
Existem diversas abordagens pedagógicas de ensino, como metodologias tradicionais e as
metodologias que tem foco no sujeito que aprende. Nas tradicionais geralmente há um sujeito
que sabe algum conhecimento específico e ensina a outro sujeito, o qual não tem o conhecimento
prévio desse novo conceito específico. O problema com essa abordagem é de que há a tendência
em o possuidor do conhecimento se considerar o único responsável pelo processo de ensino-
aprendizagem assim, o uso da Metodologia Ativa enfrenta o ensino tradicional, caracterizado
por retenção de informação, disciplinas fragmentadas e avaliações que exigem memorização,
podendo levar os estudantes à passividade e aquisição de uma visão estreita e instrumental do
aprendizado, promovendo carências de constante atualização deixando de lado as potencialidades
do sujeito aprendiz, assim como suas crenças e valores (Melo & Sant’anna, 2013). Como coloca
Berbel (2011, p.25), “as informações em si teriam, quando apenas retidas ou memorizadas, um
componente de reprodução, de manutenção do já existente, colocando os aprendizes na condição
de expectadores do mundo”.
A partir desta nova dinâmica da Metodologia Ativa, surgiram questionamentos acerca do
modelo tradicional de ensino, pois aquele sistema pautado apenas no professor transmitir as
informações e os alunos as decorarem ficou defasado e desmotivador. Agora, é importante e
também necessário que os alunos “aprendam fazendo”, tornando-se capazes de construir novos
conhecimentos a partir da sua relação com o mundo, dos elementos e das informações (Medeiros
& Shimiguel, 2012).
Berbel (2011) coloca que é função da escola facilitar e permitir que o desenvolvimento
de habilidades humanas ocorra e é o professor o sujeito que deve mediar esse processo, tanto
promovendo autonomia nos alunos quanto mantendo atitudes de manutenção e controle de
comportamentos.
O sujeito aprendiz, quando colocado nesse papel de mero receptor de dados e se vendo
obrigado a realizar tarefas apenas por fatores externos se vê desmotivado, o que atrapalha o
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processo de ensino aprendizagem. (Berbel, 2011). Gomes et al (2010, p. 392) contribui para essa
discussão colocando que há “a necessidade de ultrapassar a postura de mera transmissão de
informações, na qual os estudantes assumem o papel de receptáculos passivos, preocupados
apenas em memorizar conteúdos e recuperá-los quando solicitado”. Nesse sentido, o professor
deve ouvir seus alunos, acolher seus pensamentos, sentimentos e ações, quando se manifestam,
bem como apoiar o seu progresso e sua aptidão para autorregular-se (Gomes et al, 2010). Dentro
dessa perspectiva, Berbel (2011) traz a importância do uso de metodologias ativas no processo de
ensino aprendizagem, pois possibilitam o despertar da curiosidade dos alunos, seu engajamento
e apropriação do processo e a escuta de suas colocações diante disso em relação ao seu processo
de inserção no mundo.
Ao falar de metodologias ativas, Moran (2015, p. 18) coloca que “quanto mais aprendamos
próximos da vida, melhor. As metodologias ativas são pontos de partida para avançar para
processos mais avançados de reflexão, de integração cognitiva, de generalização, de reelaboração
de novas práticas”. Dessa forma, pode-se perceber as metodologias ativas como de grande
potencial para os processos educacionais e sua caminhada como uso de tecnologias pode ser
mais engrandecedora ainda.
Barbosa et al. (2016) colocam que incentivar a criação e uso de tecnologias para a
disseminação de informações que contribuam para a aprendizagem de temas relacionados a
saúde da mulher no pós-parto e posterior aumento da qualidade de vida é importante. Por mais
que o autor traga a discussão para o contexto de saúde, é possível observar que essa relação se
dá muito bem no contexto educativo, pois se pretende passar conhecimento de algo aos sujeitos
de forma que o processo de aprendizagem seja mais rico e completo e isso possa gerar algo de
positivo na vida do sujeito.
Paim, Nietsche e Lima (2014, p. 583) contribuem para essa discussão colocando que “as
tecnologias vêm sendo planejadas e implementadas levando em consideração a necessidade de
traduzir o conhecimento técnico-científico em ferramentas, processos e materiais criados ou
utilizados para difundir tal conhecimento e, assim, melhorar a qualidade da assistência”.
Figueiredo, Rodrigues-Neto e Leite (2010, p. 338) colocam que, dessa forma, as práticas
educativas devem permitir aos sujeitos “a oportunidade de conhecer e reconhecer a obtenção de
destreza para a tomada de decisões” , tendo em vista, assim, o melhoramento da qualidade de
vida. A entrada das tecnologias cabe muito bem nessa prática de cuidado, pois algumas dessas
tecnologias quando inseridas quanto materiais educativos podem ser elementos de facilitação e
suporte que complementem o processo de ensino-aprendizagem (Schall & Modena, 2005). Nesse
sentido, Barbosa, Dias, Pinheiro, Pinheiro, Vieira (2010, p.341) coloca que o uso de tecnologias
“facilita o desenrolar do processo, prende a atenção do público-alvo e permite o concurso de
todos os envolvidos na atividade educativa”.
Dentro dessa perspectiva, é importante a valorização de uma relação dialógica saudável, que
permita o compartilhar de informações, pois é essa relação que facilita a aquisição de conhecimentos
e práticas reflexivas diante do processo, assim como um consequente aprimoramento de práticas
e comportamentos mais saudáveis que contribuam para uma boa qualidade de vida (Beserra,
Torres & Barroso, 2008). Barbosa et al. (2010) coloca muito bem essa relação ao dizer que
“os encontros para aplicação do jogo devem partir dos pressupostos que as atividades
educativas serão significativas se houver uma elaboração compartilhada do conhecimento,
uma interação ativa de todos os participantes e a colaboração mútua na elucidação de
dúvidas e na redução no nível de déficit de conhecimento” (p. 340).
Nesse sentido, existem os mais variados tipos de tecnologias que podem ser usadas enquanto
metodologias de educação. Teixeira, Medeiros e Nascimento (2014) colocam que as tecnologias
se organizam em dois tipos: dependentes e independentes. A primeira diz respeito às tecnologias
Método
Participante:
Uma turma de 13 alunos do Ensino Fundamental I com faixa etária entre seis e sete anos de
uma escola particular do município de Fortaleza.
Desenvolvimento da atividade
1) Bingo:
Adaptação: o bingo, não foi de números, foi composto por palavras que faziam parte do
vocabulário das crianças e dentro dos limites de leitura apresentados por elas, como exemplo
das palavras que constavam nas cartelas pode-se citar cachorro, dentista, escova e estrela.
Cada cartela continha nove palavras e o objetivo era que todas as crianças participassem, sem
o intuito de ter ganhador ou perdedor, mas a exemplificação da importância de participar.
Para marcação das cartelas, foi utilizado tampas de garrafa PET.
2) Jogo da memória:
Adaptação: De acordo com realidade escolar, foram selecionadas imagens gratuitas obtidas
da internet. As gravuras utilizadas foram de atividades realizadas por crianças da faixa etária
trabalhada, considerando a rotina escolar, higiene infantil, boas maneiras, tais como crianças
brincando no parquinho, escovando os dentes, indo para a escola, acordando, lanchando,
dormindo, etc. Foram criados 28 pares de figuras para que as crianças encontrassem os
iguais.
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3) Jogo dos sentimentos:
Adaptação: Corresponde a seis rostinhos de crianças, como placas, com expressões faciais
diferentes, como alegria, tristeza, raiva e vergonha. Nelas, as crianças teriam que identificar
qual sentimento estava sendo expresso e quando ela o sentia.
4) História Coletiva:
Adaptação: Uma história que tem um ponto de partida dito pelo facilitador e cada criança
contribui de sua forma, importando que a história tenha começo meio e fim e que todos
estejam atentos para dar continuidade a história que está sendo criada por eles.
5) Jogo da audição:
Adaptação: Todas as crianças ficam vendadas e atentas aos ruídos emitidos pelos
facilitadores, no caso, foram utilizados sons que fizessem parte da sala de aula e outros
que fossem de fácil reconhecimento, como bater a porta, bater palmas, estalar os dedos,
assobios, abrir e fechar o livro, chacoalhar uma caixa de brinquedos com peças, chacoalhar
o balde com tampas de garrafa PET. Para os alunos ficarem vendados, foi utilizado TNT,
feito faixas ajustáveis às crianças.
6) Leitura de História:
Adaptação: A leitura de história foi feita por duas facilitadoras com um livro infantil com
tema de relevância para a idade, no caso, foi lida a historinha: “E pele tem cor?”, a qual
retrata as indagações de uma criança a respeito da cor da pele.
Local: A aplicação ocorreu em sala de aula da turma participante era comporta por 13
crianças, com uma sala bem estruturada, vários jogos educativos e bem decorada.
Resultados
Os alunos participaram calorosamente da experiência e ansiaram por qual novo jogo seria
feito no próximo encontro. O jogo de menor repercussão foi da leitura da história infantil, uma
vez que foi o que eles menos participaram. O jogo com mais participação foi o jogo da memória,
em que todos participaram.
O primeiro jogo que foi aplicado foi o jogo dos sentimentos, no qual havia quatro
rostinhos, alegria, tristeza, raiva e vergonha, os quais as crianças teriam de identificar por meio
das expressões faciais qual sentimento estava sendo representado. Em seguida, cada criança
teria que falar alguma situação que a deixasse com o mesmo sentimento do rostinho mostrado.
Inicialmente, as crianças pareceram interessadas com a novidade, já que os rostinhos estavam em
uma caixa bem decorada, mas ao iniciar e explicar o que seria pedido, foram perdendo o interesse
gradativamente. No rostinho da alegria, todos participaram, assim como no rostinho da tristeza,
porém, nos outros dois, as crianças estavam mais dispersas, o que impossibilitou a continuidade.
Portanto, foi combinado que na sexta-feira seguinte teriam outros jogos.
Na intervenção seguinte, foram apresentados os outros jogos e foi explicado que o cubo seria
lançado por um estudante e aquele seria o jogo do dia. Por o cubo ser um grande atrativo para
os alunos, ficou acordado que a escolha para a sexta-feira seguinte e todas as outras seria feita
mediante o comportamento dos alunos, sendo escolhido aquele que mais colaborasse durante as
aulas no decorrer da semana.
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Por fim, a última intervenção realizada foi a leitura do livro, a qual foi realizada por duas
facilitadoras com um livro infantil com tema de relevância para a idade. No caso, foi lida a
historinha: “E pele tem cor?”, a qual retrata as indagações de uma criança a respeito da cor da
pele. Foi explicado inicialmente que por ter apenas mais um jogo, não haveria necessidade do cubo
ser lançado, já que seria a leitura de histórias. Foi feita a leitura e no final foi perguntado o que
entenderam da história, o que aprenderam e se gostaram. As respostas foram que aprenderam
que a pele tem várias cores e não apenas uma, que vários lápis de cor podem ser cor de pele.
Discussão
De acordo com Melo e Sant’anna (2013) existem metodologia que desafiam os alunos
e os induzam a superar os degraus para avançar na sua aprendizagem, tento em vista esses
pontos, os jogos foram desafios elaborados para que as crianças participassem ativamente de
cada jogo, expondo suas ideias, contribuições, superando limites e exercitando aprendizados.
As potencialidades desse aluno que aprende, colocando-o como transformador crítico desse
processo e tirando-o de um processo de repetição e memorização, como reprodutor de saberes já
bem estabelecidos (Berbel, 2011), e isso se dá muito bem com um aprimoramento dos materiais e
metodologias utilizadas por aquele que ensina, sendo importante então o uso das tecnologias no
processo de ensino-aprendizagem.
Ao longo do jogo observou-se que o poder de escolha e autonomia nesse processo, assim
como a estimulação da criatividade e a participação ativa no processo. Teixeira et al. (2014) define
dois tipos de tecnologias: as dependentes, as quais dependem de recursos elétricos para serem
aplicadas e as independentes, as quais não necessitam de recursos elétricos e o jogo aplicado foco
deste trabalho se constitui como uma tecnologia independente. Como coloca Berbel (2011), a
escola tem a função de contribuir para o desenvolvimento das habilidades humanas e o professor
responsável por mediar esse processo. Foi isso que se pretendeu com a aplicação dos jogos,
que eles pudessem favorecer mudanças de comportamento dos alunos em sala de aula através
da aquisição de novos conhecimentos e a possibilidade de refletirem em cima disso através da
aplicação de uma tecnologia.
Em continuidade, Berbel (2011) coloca que o aluno se vê desmotivado quando é obrigado
a realizar atividades por motivações externas e Gomes et al. (2010) contribui afirmando que há
a necessidade de ultrapassar esse modelo e isso é possível minimamente quando o professor
se permite ouvir seus alunos e captar e desenvolver suas potencialidades dentro do processo
de ensino-aprendizagem. Foi isso que se pretendeu com a aplicação dos jogos, garantir que os
alunos se colocassem no processo através de conteúdos importantes para sua inserção no mundo
enquanto sujeitos pensantes, como apoia Berbel (2011) ao discorrer sobre metodologias ativas,
as quais permitem aos sujeitos se colocar diante de uma problemática e refletir em cima dela,
através de reflexões, conexões, generalizações e reelaborações de novas soluções (Moran, 2015) e
o uso de tecnologias nesse processo pode ser de grande valia. A inserção do cubo e de suas facetas,
possibilitou a autonomia dos alunos diante do que seria trabalhado, uma vez que as atividades
foram explanadas, mas não impostas, possibilitando um sorteio no qual o próprio aluno seria a
personagem principal do momento lúdico.
Barbosa et al. (2016) contribui para essa discussão ao colocar que é importante o
desenvolvimento de tecnologias que possam dar suporte a disseminação de conhecimento e que
isso gere uma aprendizagem mais rica e positiva na vida dos alunos, como foi pretendido pelas
mediadoras do jogo aplicado. Paim et al. (2014) corrobora essa ideia afirmando que o uso de
tecnologias é importante por difundir o conhecimento científico através de ferramentas que
facilitem e promovam qualidade no processo de ensino-aprendizagem.
Considerações finais
O presente relato buscou descrever a experiência de uma intervenção em sala de aula com
crianças entre seis e sete anos. Objetivando o aprendizado e mudança de comportamento em
alguns aspectos, principalmente, atenção em sala de aula e competição. A experiência foi positiva,
uma vez que, os alunos participaram de forma ativa, dinâmica e interessada no decorrer dos jogos
e intervenções realizados. Mesmo com o resultado positivo, é importante reconhecer que o estudo
possui limitações, reconhecendo que poderia ter se estendido por mais algumas intervenções
e necessitando de um retorno para ver como a turma encontra-se atualmente após meses da
intervenção realizada.
Além disso, é importante ressaltar a relevância de novos estudos, artigos e registros sobre o
que é feito na escola e sala de aula, a fim de ajudar os colegas de trabalho com novas metodologias
ativas, em que o aluno esteja no centro e autônomo diante do que será trabalhado. Em acréscimo,
como ponto positivo, ainda será melhorada as relações interpessoais em sala de aula, uma vez que
o lúdico além de proporcionar aprendizado possibilita a integração dos alunos entre si e dos alunos
com os profissionais que estão à frente como responsáveis por seu aprendizado, socialização e
aspectos emocionais.
Referências
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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Alegre: Moriá.
Introdução
S
egundo Cunha (2009, p.20) “o termo autismo origina-se do grego altós que significa
desse mesmo. Foi “empregado pela primeira vez pelo médico psiquiatra suíço E.
Bleuler, em 1911, que buscava descrever a fuga da realidade e o retraimento interior dos
pacientes acometidos de esquizofrenia”. Ainda de acordo com Cunha (2009, p.20) “o autismo
compreende a observação de um conjunto de comportamentos agrupados em uma tríade
principal: comprometimentos na comunicação, dificuldades na interação social e atividades
restrito-repetitivas”
Conforme a Associação Americana de Psiquiatria, no Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais-DSM-5 (2014) o autismo infantil é um distúrbio neurológico que para
uma criança ser enquadrada como autista é necessário que apresente algumas características
próprias do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Conforme Pinto (2016, p.40) “a criança
com autismo infantil possui seus primeiros sinais antes dos 3 anos, apresentando dificuldades
na comunicação verbal e não verbal e também na interação com outras pessoas no meio em
que vive”.
Cerca de 698 mil estudantes especiais, no ano de 2014, estavam matriculados em classes
comuns e o percentual sobe para 93% em escolas públicas de todo o Brasil (Ministério da
Educação, 2014).
Segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(Brasil, 2016) “traduz em seus objetivos e suas diretrizes a garantia do acesso á escolarização
na sala de aula comum do ensino regular e a oferta do atendimento educacional especializado
complementar aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento”
Ainda sob a perspectiva de inclusão educacional, Brooks, Floyd, Robins e Chan (2015),
retrata que a participação das crianças em atividades sociais está positivamente relacionada ao
ajuste social das mesmas. Os autores ressaltam a importância de atividades para crianças no
intuito de desenvolver algumas habilidades que são afetadas pelo autismo.
Os professores têm a necessidade de orientação, devido a sua falta de conhecimento, pois
isso impede que o aluno seja visto como um todo, ou seja, a criança é somente vista com suas
limitações (Silva, 2009).
1306 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Conforme cita Lima (2016), a inclusão escolar é uma das políticas que foram inseridas na lei
recentemente, para que todas as crianças tenham o direito de ser alfabetizada, independentemente
de ser uma criança especial, de baixa renda ou de alta renda. Ainda de acordo com o autor, é
revelado a importância da inclusão escolar de crianças autistas para que se possa interagir com
outras crianças da mesma idade. Além disso, percebe-se que a convivência do ambiente em que
esta possa estar inserida, irá desenvolver melhor suas habilidades.
Para que as crianças com TEA tenha um ótimo desenvolvimento dentro da escola, é preciso
que a família esteja presente em todo o processo para que se possa estabelecer uma relação
mutua, ou seja, uma relação de ajuda das 2 partes interessadas: a família e a escola (Cruz, 2015).
O psicólogo tem um papel fundamental no contexto escolar principalmente quando se está
relacionado a inclusão de uma criança autista dentro da escola. Cabe ao psicólogo preparar a
equipe educacional da instituição, estabelecer diálogo sobre o significado do autismo, ajudar no
acolhimento da família dessas crianças (Salomão & Ramos, 2016).
Sabendo da importância de assegurar o direito de aprender e de ir à escola para crianças
com TEA como forma de garantir e estimular o seu desenvolvimento, esta pesquisa tem como
objetivo aprimorar os conhecimentos acerca da inclusão educacional de crianças autistas.
Método
Resultados
Para análise dos artigos, optou-se por seguir um fluxograma de seleção das publicações.
De acordo com as expressões de pesquisa “Autism” (autismo) AND “Mainstreaming” (inclusão
educacional) obteve-se 156 publicações ao todo e, a partir daí, após remoção das duplicadas,
análise dos critérios de inclusão e leitura do título, abstract ou texto completo obteve-se 11 artigos
selecionados para análise (Figura 1).
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Majoko (2016) Quantitativo A rejeição social, a falta de comunicação interfere de forma significativa
na inclusão de crianças com transtorno do espectro autista em classes
comuns.
Zablotsky, Brad- Quantitativo As crianças em salas de aula de inclusão completa foram mais propen-
shaw, Anderson & sas a serem vitimadas do que aquelas que passaram a maior parte do
Law (2014) tempo em contextos de educação especial.
Pimentel & Fernan- Quantitativo Os professores estão despreparados para ensinar alunos com DEA, ne-
des (2014) cessitando de melhores instruções e mais apoio de outros profissionais,
podendo, assim, proporcionar educação de melhor qualidade para es-
sas crianças.
Chang, Shih & Ka- Quantitativo As crianças com amigos eram mais propensas do que crianças sem ami-
sari (2016) gos a se envolverem em conjunto com seus pares durante o jogo livre, e
eles usavam habilidades de atenção articular mais altas. Os professores
usaram poucas estratégias facilitadoras de amizade e mais frequente-
mente usaram estratégias de gerenciamento comportamental dentro
das salas de aula.
Togashi & Walter Qualitativa A comunicação é um dos fatores fundamentais para que a inclusão es-
(2016) colar de um aluno com TEA ocorra de forma mais efetiva.
Salomão, Ramos, Quantitativo As concepções de pais e professores é fundamental para promover a in-
Aquino & Lemos clusão escolar de crianças autistas, que ocorre através da participação
(2016) efetiva das duas partes.
Lima & Laplane Qualitativo As crianças inseridas nas escolas, não concluem os estudos por evasão,
(2016) devido a falta de preparo da escola.
Discussão
De acordo com a avaliação dos estudos supracitados, obteve-se uma categoria principal de
análise das publicações.
1310 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de aula, além dos professores desenvolverem atividades para habilidade mais apuradas de alguns
alunos. O autor cita ainda a importância dos professores do Zimbábue em se preocuparem com
a educação que será oferecida a essas crianças.
Os professores acreditam que a escola lhe dá apoio suficiente para que esses educadores
que possuem algum aluno com TEA, desenvolva seu trabalho de forma clara. Apesar do apoio
da escola, ainda se faz necessário o uso diferenciado de brincadeiras que possa entreter essas
crianças, além da falta de compreensão por parte dos outros funcionários na escola, em que isso
faz a inclusão escolar ser mais difícil (Pimentel & Fernandes, 2014).
Considerações Finais
Referências
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1312 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O TEA E AS DIFICULDADES DE ADAPTAÇÃO AO
SISTEMA REGULAR DE ENSINO: UM ESTUDO DE CASO
Evelyne Ellene Alves De Carvalho
Introdução
D
e acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), estima-se que o autismo
afeta uma em cada 160 crianças no mundo. Esta condição, nomeada de Transtorno
do Espectro Autista (TEA), tem início na infância e permanece pela adolescência e
vida adulta. Muito se tem ouvido falar sobre o tema em diferentes mídias existentes, possivelmente
pelos exaustivos estudos que vem sendo feitos ao longo do tempo e pela constatação de que o
indivíduo autista quando bem assistido em suas peculiaridades, pode ter seu desenvolvimento
preservado, bem como suas necessidades de adaptação sanadas.
O autismo não é uma condição que possa ser detectada no nascimento, pois bebês com este
transtorno não apresentam características óbvias, nem se pode detectar o problema com exames
laboratoriais. Os sintomas afetam aspectos motores, cognitivos, sociais e de linguagem. Tal fator
é importante de ser considerado, já que o diagnóstico deve ser feito a partir de uma avaliação
multiprofissional e da observação comportamental.
Esta pesquisa buscou analisar o processo de inclusão de alunos portadores de Transtornos
do Espectro do Autismo (TEA) ao ensino regular de ensino, na cidade de Floriano, estado do
Piauí, utilizando como norteador um estudo de caso exploratório e descritivo, aqui apresentado
enquanto instrumento de investigação e modalidade de pesquisa que pode ser aplicada em
diversas áreas do conhecimento. O enfoque mais significativo são as dificuldades de adaptação
deste indivíduo, a partir da análise do seu discurso e da representação da realidade que o cerca.
Apesar do respaldo legal e do que já se caminhou no sentido da inclusão de pessoas com
deficiências, muito ainda precisa ser feito, pois é visível certa inabilidade das escolas regulares em
lidarem com essa realidade, que se constitui ao mesmo tempo como assustadora e desafiante. Ou
seja, não é só a obrigação legal de matricular em turmas condizentes com a idade, nem adaptar
a escola para receber essas crianças, mas se faz necessária uma mudança de posturas e atitudes.
A escolha do tema se justifica a partir da observação do processo que se desenha no que
tange a Educação Inclusiva, onde campanhas são feitas, leis são promulgadas, mas na prática
se percebe um grande abismo, evidenciado principalmente pelo discurso dos pais de autistas,
guerreiros incansáveis na luta pela inclusão de crianças, sutilmente colocadas à margem, mas que
se bem assistidas podem ter um nível de desenvolvimento satisfatório, porém que acabam sendo
excluídas e/ou se auto excluindo por não se sentirem adaptadas ao sistema que as deveria acolher
e incluir.
A pesquisa apresentou como objetivo geral analisar o processo de inclusão de alunos
portadores de Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) ao ensino regular na cidade de Floriano,
estado do Piauí. Delimitou como objetivos específicos caracterizar os Transtornos do Espectro do
Método
Resultados
O paciente de iniciais N.S.S. é branco, nascido aos vinte e um dias do mês de julho de 1994,
natural do município do Floriano-PI, filho do meio de uma prole de 3, sendo suas irmãs mais
jovem e mais velha do sexo feminino. Reside com os pais em uma casa confortável no centro
1314 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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da cidade. É atualmente acompanhado por equipe multiprofissional composta por psiquiatra,
psicólogo e terapeuta ocupacional. Iniciou o acompanhamento psicoterápico no dia 15 de agosto
de 2008 e permanece até os dias atuais.
Histórico Clínico: de acordo com os genitores N.S.S. não apresentou nenhum traço que o
descaracterizasse como uma criança em pleno desenvolvimento típico até os cinco anos de idade.
Apesar de ser um pouco tímido, sempre fora muito inteligente e aprendia as coisas com muita
facilidade. Referem que a partir dos 5 anos começaram a observar comportamentos diferentes de
outras crianças da mesma idade, mas foram orientados pelo pediatra da criança que seria cedo
para qualquer diagnóstico, pois a criança estaria se desenvolvendo satisfatoriamente.
N.S.S. começou a apresentar dificuldade em fazer amigos nas séries iniciais e se isolava do
grupo. A família começou a perceber que ele se comunicava já muito cedo como um adulto, com
termos rebuscados e formais demais para sua idade. Começou a ficar arredio com pessoas que
não fizessem parte da sua zona de conforto, no caso representada especialmente pela família.
Seus interesses começaram a serem restritos a assuntos específicos, cansando a família com os
mesmos interesses, as repetições e a inflexibilidade para mudar de assunto. Por levar tudo “ao
pé da letra” apresentava dificuldade para entender a maneira informal de algumas pessoas se
comunicarem e de manter contato visual com quem conversava.
Começou a apresentar comportamento de recusa de interação social. Genitores relataram
ansiedade que o fazia “andar de um lado para o outro”, movimentos repetidos e estereotipados,
fixação por atividades e objetos específicos. Pais referem que N.S.S sempre foi estudioso,
responsável e metódico.
“A vida escolar é especial e todos têm o direito de vivenciar essa experiência. Afinal, é na
instituição de ensino que se aprende a conviver em grupo, a se socializar, trabalhar em
equipe, conviver com as diferenças: são os primeiros passos rumo à vida adulta.” (Silva et
al., 2012, p. 107).
“Uma das maiores falhas na educação é tentar encaixar todos os educandos em um mesmo
modelo educacional. Nosso sistema conteudista transforma a escola em um meio de exclusão
para todo e qualquer educando, uma vez que o educando tem que adaptar-se ao sistema.
Mesmo o método construtivista não consegue atender a 100% da demanda escolar, pois
alguns educandos não se adaptam, optando pelo método tradicional. É nossa personalidade
que nos dá esta identidade única e que nos possibilita fazer escolhas ou adaptar-se a certos
ambientes. Então, como encaixar todos os métodos em um único sistema, uma vez que não
somos todos iguais? Este é um dos grandes desafios que a inclusão enfrenta.” (Brito & Sales,
2014, p. 17).
Passou um período sem frequentar aulas e depois de um tempo por necessidades próprias
tentou voltar par outra escola, mas novamente foi frustrado e abandonou mais uma vez o sistema
regular. Ingressou no EJA (Educação de Jovens e Adultos) e depois de muito desgaste emocional e
de alguns acordos feitos entre os pais e os professores concluiu o ensino médio. Fez teste seletivo
para uma faculdade particular semipresencial onde cursou Administração de Empresas à distância,
modalidade que o entristece por não poder fazer amizades, mas o agrada por não ser cobrado por
seu comportamento “estranho”, “diferente”.
Remete ao período escolar regular, especialmente o ensino fundamental, como os piores
anos de sua vida; Guarda mágoa e sentimentos controversos em relação a professores, colegas
de classe e a direção da escola. Ainda chora com frequência ao lembrar que precisou deixar a
escola por não aguentar mais. Fala repetidamente que apesar de ter sido humilhado não consegue
esquecer os colegas da escola. Hoje, com um bom nível de entendimento sobre sua síndrome,
acredita que os colegas e professores não souberam lhe compreender nem dar-lhe o apoio que
necessitava.
Este é um ponto cego de N.S.S., que sempre aborda os assuntos relativos à sua vida escolar
uma carga emocional negativa, sendo seu maior ponto estressor.
1316 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Discussão
Com N.S.S., além da observação, coleta de informações gerais para o estudo de caso, foi
fomentado um diálogo aberto e produtivo onde ele revelou seus medos, frustrações e opiniões a
respeito da própria síndrome.
N.S.S. reside com os pais e seu transtorno do espectro autista enquadra-se em uma modalidade
anteriormente conhecida como Síndrome de Asperger. Foi escolhido para o estudo de caso devido
ao fato de suas características apresentam desenvolvimento fluente da linguagem verbal.
Para ele o autismo não é uma doença, mas sim uma condição na qual o ser humano se
encontra que apresenta suas dificuldades, mas que pode ser contornado. Seu diagnóstico chegou
tardiamente, por volta dos quatorze anos, engrossando as estatísticas de que muitas vezes mesmo
tendo acesso a saúde o autista demora para ser diagnosticado, já que N.S.S. apresenta boa
condição financeira e sempre tenha tido acesso a saúde.
Quando o diagnóstico foi fechado já havia sido acompanhado por pediatra, psicólogo
e psiquiatra. Relatou que não se sente bem informado sobre o tema e alegou falta de tempo
ou mesmo que não procure obter informações como deveria. Atualmente é acompanhado por
psicólogo, psiquiatra e terapeuta ocupacional, o que consome boa parte do seu tempo, já que sua
única ocupação é com o curso de Administração de Empresas, em regime semipresencial que faz
em uma faculdade particular.
Atualmente com a maior divulgação do autismo o diagnóstico tem sido apresentado cada
vez mais cedo, sendo a detecção precoce um grande aliado para controle e remissão de sintomas.
De acordo com Brasil, (2013), o diagnóstico do TEA permanece essencialmente clínico e é feito
a partir de observações da criança e entrevistas com pais e/ou cuidadores, o que torna o uso de
escalas e instrumentos de triagem e avaliação padronizados uma necessidade.
Em relação ao preconceito ou discriminação por ser autista aponta que: “me sentia sozinho,
excluído, não via necessidade de me comportar com amigos para ser aceito e não conseguia me
comportar com eles. Nunca era escolhido para o time de futebol da escola e embora não gostasse
de jogar, nunca ser escolhido para nenhum time me deixava extremamente triste.” (fala de N.S.S.).
Toda a sua vida escolar até o ano de 2010 foi feita em escola particular regular. Sentia-se
deslocado e muito cobrado dentro do sistema, começou a ter ataques de fúria e de choro até pedir
à mãe que o retirasse da escola, pois, segundo ele “não aguentava mais sofrer”. Considera que teve
uma adaptação tumultuada por que acha que os professores não estavam preparados para lidar
com sua problemática e cobravam excessivamente dele.
Considera que a escola em que estudava não estava preparada para lidar com sua
problemática: “ninguém é um competidor que memoriza tudo”. Relatou que já teve problemas
com professores por não compreenderem nem se interessarem por sua problemática: “às vezes
falava e ninguém me escutava, não adiantava argumentar, me sentia muito incompreendido.”.
“Estudos baseados em evidências mostram que crianças com TEA, na grande maioria dos
casos, não aprendem pelos métodos de ensino tradicionais. Estudos anteriores, quando
ainda não era discutida com tanta veemência a prática escolar inclusiva, já alertavam que
crianças diagnosticadas com TEA não conseguiam manter a atenção, responder a instruções
complexas nem manter e focar a atenção em diferentes tipos de estímulos simultâneos (por
exemplo, visual e auditivo), e que, desse modo, precisavam de estratégias específicas e
diferenciadas de intervenção de ensino.” (Khoury, 2014, p. 26).
Para melhorar a inclusão considera necessário mais informação, uma reforma na legislação
para atender de fato as necessidades dos autistas, capacitando profissionais e melhorando
“Todavia, os problemas da educação não podem ser resolvidos tão somente equipando e
atualizando as salas de aula, atendendo as demandas da pós-modernidade, mas deve-se
propor uma nova perspectiva de atuação docente para podermos enfrentar o descompasso
que há entre o modelo pedagógico emergente e o modelo hegemônico que se institucionalizou
na escola através dos anos.” (Cunha, 2009, p. 117).
Não conhece a legislação que defende os direitos dos autistas e acredita que muitos
progressos podem ser visualizados, embora ainda tenha muito a ser feito. As vezes chora com
saudades do grupo de amigos estabelecido desde as séries iniciais e que se constituía como única
fonte de contato social fora a família, mas mesmo assim garante não ter visto outra alternativa a
não ser abandonar a escola.
Não acha que os professores estejam preparados para receber alunos com deficiências, mas
mesmo assim se sente em partes satisfeito com o nível de educação que vem recebendo ao longo
dos anos. Acredita na importância de leis mais rígidas como forma de proteção e defesa dos
direitos dos estudantes com TEA.
O professor às vezes se sente frustrado com as limitações do aluno autista, mais um fator
primordial é que este compreenda o transtorno para melhor lidar com ele. Segundo Cunha (2011),
ao receber um aluno autista o educador deve desde o inicio transmitir-lhe segurança, para que ele
sinta que está conquistando um novo ambiente e se sinta bem recebido. O ambiente escolar deve
fornecer estímulos afetivos, sensoriais e cognitivos, pois “Ainda que o espectro autístico demande
cuidados por toda a vida, o derrotismo é o maior obstáculo para a aprendizagem...” (p. 53). A
concepção de educação deve priorizar como foco a pessoa e não a patologia que este apresenta,
seja ela qual for.
Quando se fala em incluir o aluno ao sistema regular, deve ser dada uma atenção especial a
formação de professores, pois o discurso de não estarem preparados não é somente dos pais, já
que os próprios professores de acordo com Lima (2002) se sentem inseguros e ansiosos diante da
possibilidade de receber uma criança com necessidades especiais na sala de aula.
De acordo com Bueno (2003), a formação de docentes para lidar com crianças que
apresentem necessidades especiais deve abarcar dois tipos de formação profissional, quais sejam:
1º- Professores do ensino regular que conte com o conhecimento mínimo exigido, diante da
possibilidade de lidarem com alunos com “necessidades educativas especiais”; 2º- Professores
especialistas nas variadas “necessidades educativas especiais” que possam atender diretamente os
discentes com tais necessidades e/ou para auxiliar o professor do ensino regular em sala de aula.
Acredita que suas maiores dificuldades estão atreladas a falta de conhecimento. Tanto ele
próprio como a escola deveriam conhecer melhor para poder ajudar. Pontua que os pais sempre
lhe deram o apoio necessário, mas que chega um ponto em que não sabem mais o que fazer ou o
que responder a ele, diante de suas angústias.
É responsabilidade do professor promover uma adaptação do conteúdo e a utilização de
metodologias que funcionem efetivamente para aquele aluno autista, estreitando um canal de
comunicação que respeite as singularidades dos espectros autistas e favorecendo a interação deste
com seus pares, para que se sintam confortáveis em seu mundo singular, em perfeita harmonia
com o mundo que o cerca.
Expressa a situação do autismo no Brasil com a palavra ESPERANÇA: “Tenho esperança
que um dia as pessoas possam ter igualdade, ser vistas sem preconceito, que elas possam ter seus
direitos garantidos. Tenho a esperança que um dia os autistas possam ser felizes.” (N.S.S.).
1318 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
É um rapaz reservado, com interesses restritos, dificuldades de interação social comprometida
e um nível de sofrimento emocional significativo por não conseguir se adaptar ao mundo que o
cerca, muitas vezes padecendo de grande sofrimento psíquico por se sentir excluído. Se o sistema
regular de ensino onde passou boa parte de sua vida escolar o tivesse acolhido da maneira
adequada e se o diagnóstico tivesse chegado precocemente, é provável que NSS estivesse em um
nível de satisfação cognitiva, social e afetivo capazes de promover uma melhor adaptação deste ao
todo que tantas vezes lhe parece frio, distante e excludente.
O movimento pela educação inclusiva ocorre no contexto dos direitos humanos, ou seja, na
defesa das condições necessárias para que as pessoas possam viver com dignidade, são inalienáveis
e independem de qualquer característica pessoal ou social. É também um direito legal, já que a
Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 208, Inciso III, postula que o Estado deve garantir
o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiências, preferencialmente na
rede regular de ensino, o que é endossado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse
sentido também, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, em seu capítulo V,
diz que a oferta da educação especial deve ter início na educação infantil devendo ser oferecida
preferencialmente em escolas regulares.
Tomando por base o estudo de caso utilizado neste trabalho, partindo do pressuposto de
que a família do caso em questão é de classe média alta e como o estudante, apesar de sua
condição financeira e de todo o apoio multiprofissional (psiquiatra, neurologista, psicólogo,
professores de reforço, terapeuta ocupacional) acabou sendo excluído do sistema regular de
ensino, como, portanto, acontece esse processo com os vários indivíduos autistas que não tem se
quer seus diagnósticos definidos por falta de acompanhamento e que passam suas vidas sendo
vistos apenas como “estranhos”, “esquisitos”, relegados à exclusão por não terem direito a um
atendimento digno e a condições de se desenvolverem segundo suas necessidades? Esses tantos
que abandonam a escola porque são integrados, mas não incluídos?
É muito importante que a escola não receba o aluno e o integre apenas porque esta é uma
garantia legal, mas que realmente esse indivíduo possa ser incluído, e um passo necessário para
que isso aconteça é a informação sobre o tipo de deficiência para que esta possa ser abordada da
maneira mais efetiva e realmente possa propiciar o desenvolvimento do estudante dentro de suas
limitações.
Não é possível esse processo de inclusão se a escola aceita o aluno, mas utiliza parâmetros
inflexíveis e impessoais de avaliação pedagógica. Não podemos aceitar que a escola faça de
conta que inclui e que pais ou responsáveis se sintam com a consciência tranquila porque suas
crianças estão frequentando classes regulares de ensino, como preconiza a lei, pois muitas vezes
esta experiência por não ser orientada corretamente é mais danosa do que produtiva, levando o
indivíduo ao invés de desenvolver habilidades a se tornar mais frustrado e recluso à sua deficiência.
De acordo com Berenice Piana, criadora da Lei do Autismo (12.764) e mãe de autista: “A
solução para o autismo tem que ser para todos ou não é a solução possível”. A pesquisa demonstra
que infelizmente a solução não tem sido para todos, já que o que se percebe é que muitos autistas
continuam sendo diagnosticados tardiamente, excluídos do sistema regular que os de deveria
acolher e incluir. A inclusão é um processo viável, porem encontra entraves de várias ordens, que
vão desde o despreparo dos profissionais que se angustiam por não se sentirem preparados para
lidar com alunos deficientes, até o sistema que exclui a diferença de forma velada, alimentando
o preconceito e a desigualdade que se avoluma através das diferentes formas de exclusão social.
O autista necessita ser atendido em suas particularidades para que alcance seu desenvolvimento
pleno.
Como pontua Mantoan (2001), mudar a escola é enfrentar uma tarefa que exige trabalhos
em muitas frentes. Faz-se necessária uma ação urgente, que coloque a aprendizagem como eixo das
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Introdução
As instituições escolares fabricam os sujeitos que a frequentam, ou seja, elas são produzidas
por eles e pelas representações de gênero que nelas circulam. Assim, nestas instituições pode
haver a produção de diferenças e desigualdades destes indivíduos, e também a informação,
do que cada um/a pode ou não fazer e do lugar que meninos e meninas devam ocupar.
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dotados de supostos papéis ou lugares que o homem ou a mulher devem ocupar por questões de
gênero?
Segundo argumenta Oaklander (1978, p. 347):
Nas suas brincadeiras com as outras crianças é novamente a fantasia que lhe ensinará os
papéis sociais que, posteriormente, irá desempenhar. As conversas com as bonecas, as
tarefas que desempenha na atividade de dona de casa, na de médico, professor, cientista etc.
Proporcionarão vivências que serão úteis na formação de atitudes, no respeito às normas, e
na aquisição do conceito de justiça.
Entretanto, torna-se necessário assinalar o conceito de gênero, haja vista ser a partir dele que
podemos (des)construir o feminino e o masculino. Nesse sentido, de acordo com Scott (1995),
gênero é um elemento constituído a partir das relações sociais fundadas sobre as diferenças
identificadas entre o sexo, que fornece uma via de compreensão em relação às formas de interação
humana.
Nessa perspectiva, Amorim (1997, p. 121) apud Unger, (1979), definem gênero como a
soma das características psicossociais consideradas apropriadas para cada grupo sexual, sendo a
identidade de gênero o conjunto destas expectativas, internalizado pelo indivíduo em resposta aos
estímulos biológicos e sociais
Metodologia
A pesquisa foi realizada no modelo qualitativo, sendo caracterizado por sua flexibilidade,
compreensão, descrição e geração de hipóteses sobre uma determinada questão para um indivíduo
ou grupo social. Sendo o entrevistador coadjuvante e imparcial. Segundo Gaskell (2002, p. 68)
“a finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário,
explorar o espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão’’.
Utilizou-se, como ferramenta de coleta de dados, o método de observação não participante,
que segundo Richardson (1999):
Para Martins Filho (2011, p. 101) “A observação participante possibilitará o acesso dos
adultos ao que as crianças pensam, fazem, sabem, falam e a como vivem, esmiuçando suas
peculiaridades e as particularidades desse grupo geracional”.
A pesquisa foi realizada em um colégio de ensino infantil, no qual é oferecido ensino regular e
integral. Sua missão pedagógica se dá pelo desenvolvimento intelectual, afetivo e motor; formação
da consciência social e aprendizagem significativa.
As observações foram desenvolvidas durante as aulas numa turma do Infantil IV, com um
grupo de 16 crianças e faixa etária de 4 anos por um período de 5 meses.
O artigo foi feito em forma de estudo de caso, visto que de acordo com Yin, (2001, p. 32)
“um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto da vida real, especialmente quando os
limites entre os fenômenos e o contexto não estão claramente definidos”.
As anotações manuais feitas durante as observações foram transcritas com permissão do
colégio. Todos os dados obtidos serão utilizados apenas no campo acadêmico, mantendo em
sigilo os nomes e os locais de trabalho dos profissionais por motivos éticos.
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Resultados
Discussões
A maneira como uma criança brinca ou desenha reflete sua forma de pensar e sentir, nos
mostrando, quando temos olhos para ver, como está se organizando frente à realidade,
construindo sua história devida, conseguindo interagir com as pessoas e situações de modo
original, significativo e prazeroso, ou não. A ação da criança ou de qualquer pessoa reflete
enfim sua estruturação mental, o nível de seu desenvolvimento cognitivo e afetivo-emocional.
Ainda no mesmo contexto, na aula de culinária que acontecia uma vez por semana, observou-
se que, de forma recorrente, os meninos não prestavam muita atenção na receita que a professora
estava ensinando. Ao ser chamado atenção, um menino respondeu que “meninos não cozinham”
e riu da situação.
Como pontua Louro (1997, p. 33), “a lógica dicotômica [...] supõe que a relação masculino-
feminino constitui entre um pólo dominante e outro dominado - e essa seria a única e permanente
forma de relação entre os dois elementos”. Assim, desde a infância, a sociedade vigente contribui
para a formação das diferenças de papéis e funções do que é ser homem e ser mulher, beneficiando
mais um do que o outro.
Entretanto, nas aulas de inglês, a professora trazia músicas, nas quais as crianças tinham
que fazer as coreografias. Percebeu-se que, independente da dança, as crianças as faziam sem
nenhuma imposição.
Por fim, “estereótipos de gênero são generalizações preconcebidas sobre o comportamento
masculino e feminino” (Papalia e Feldman, 2013 p. 289). Dada essa afirmação, identificamos um
exemplo que trata do referido conceito. Observou-se que havia três meninos brincando de luta e
uma menina que também queria entrar na brincadeira, mas foi chamada atenção pela professora,
porque de acordo com a mesma, essa brincadeira poderia machucá-la pelo fato de ser menina.
Todavia, na realidade, a brincadeira poderia machucar qualquer indivíduo independente do sexo.
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De forma complementar, podemos evidenciar o que fora conceituado como Teoria Social
Cognitiva de Albert Bandura, (Papalia e Feldman, 2013 p. 294):
Assim sendo, os meninos tendem a ser mais acentuadamente socializados por gênero no que
diz a respeito às brincadeiras do que as meninas. Com relação a isso, percebeu-se que quando um
menino escolheu a prancha de cabelo de plástico rosa para brincar, logo foi repreendido por sua
amiguinha que queria o mesmo brinquedo, justificando para a professora que aquele brinquedo
era de menina. A professora pediu que ele a entregasse o brinquedo para e que fosse brincar com
os carrinhos.
Nesse contexto, podemos afirmar de acordo com os autores que “As meninas têm mais
liberdade que os meninos para escolherem roupas, jogos e colegas” (Papalia e Feldman, 2013 apud
Miedzian, 199, p. 295). Isto pode ser comprovado mediante observação realizada no intervalo
designado para a recreação. Na ocasião, algumas meninas brincavam de bola, de carrinho e não
eram repreendidas. Já os meninos, se brincassem com algum brinquedo considerado de meninas,
eram repreendidos pelos demais.
Ou seja, mesmo na segunda infância, o grupo de colegas é uma influência importante na
tipificação de gênero. Aos 3 anos, as crianças geralmente brincam em grupos segregados por sexo que
reforçam o comportamento tipificado por gênero e a influência do grupo igual aumenta com a idade.
Conclusão
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Introdução
O
propósito deste artigo é o de explicitar, sob mediação do Materialismo Histórico
Dialético, sistematizado por Marx (1983) e Engels (1979) e, a partir da Psicologia
Sócio-histórica, formulada por Vygotsky e Luria (1996) e Leontiev (1978), elementos
que sirvam à discussão crítica sobre a constituição da identidade docente, considerando-a como
processo intrínseco às vivências que se efetivam no exercício profissional. Para tanto, destaca-se a
educação como um processo histórico que, ao se efetivar, implica os seres humanos em constante
e recíprocas relações, formando uma rede, pela efetivação da qual, cotidianamente, constituem e
transformam a sociedade em que vivem.
A identidade é reiterada como categoria do psiquismo, como uma formação vinculada à
maneira como os eventos histórico-sociais são vivenciados. Nesse processo, conforme Vigotski
(2009), são constituídos significados e sentidos que, articulados, mediarão a produção de
significações sobre os mais diversos objetos, processos ou situações.
Este artigo justifica-se pelo reconhecimento da centralidade do papel do professor, na educação
escolar e, por isso, da importância de se entender como se constitui o modo de sentir, pensar e agir
dos docentes, considerando-o como eixo fundamental do estudo sobre as significações produzidas
sobre a prática docente e sua relação com a constituição da identidade docente.
No contexto educacional, partindo do pressuposto de que as instituições escolares são
constituídas como espaços, nos quais a atividade educativa vai para além da objetivação da
socialização do conhecimento científico e que as relações sócio-afetivas, em seu interior, também
são determinantes para a formação e transformação pessoal e coletiva, destaca-se a problemática
desse estudo, que reflete a realidade vivenciada por professores, impelindo as pesquisadoras
à investigação sobre significações produzidas sobre a prática docente e sua relação com a
constituição da identidade docente, considerando, tal como Ciampa (2005), essa constituição
como metamorfose.
A seguir apresenta-se o método, os resultados, discutindo-os, mediante os objetivos propostos
pela pesquisa, em articulação teórica com os seguintes autores: Vigotski (2009), Ciampa (2005),
Martins (2015), Furtado e Svartman (2011), Lane (2002), Carvalho (2011), Alfredo (2013) e,
Ferreira (2010).
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Identidade docente: reflexões mediadas pelo Método Histórico Dialético e pela Psicologia Sócio-
Histórica
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desempenham em sociedade. O referido autor utiliza o termo de personagem para identificar os
papéis que um indivíduo assume, na tentativa de perceber esse indivíduo em relações, determinado
por elas e, não mais isolado, vivendo ativamente em sociedade.
A identidade, como resultado de múltiplas determinações, possui simultaneamente uma
dimensão individual, constituída reciprocamente pela singularidade sócio-afetiva, objetivada em
ideias e concepções e, pela dimensão coletiva, relacionada a determinados modos de sentir, pensar
e agir em sociedade, que são desenvolvidos nas relações e desempenhados em cada grupo ao
qual se pertence, como familiar, profissional, escolar, religioso, etc. Ferreira (2011), ao se referir
à identidade, reitera que a determinação do ser humano acontece na realidade em que ele está
inserido e onde estabelece as relações que o constituem.
Em que se considere que a educação é um processo constitutivo do ser humano, que acontece
em um contexto histórico e social e que as relações educacionais são determinadas por indivíduos,
que tem suas identidades constituídas por múltiplas determinações, ao longo da história de cada
um e, da história da sociedade humana, afirmamos o docente como figura central no processo
de constituição humana.
A identidade de um indivíduo, em sua unidade, pode ser entendida como um processo
histórico-social, constituído por múltiplas determinações, que encampam tradições e, também,
no fluxo histórico, as contradições moventes da sociedade.
A identidade docente, no contexto sócio histórico da educação, é constituída pelas relações
efetivadas nos processos de formação e de objetivação da prática docente, a partir da qual se dá,
reciprocamente, a produção de significações sobre o seu modo de sentir, pensar e agir. Trata-se,
por conseguinte, de uma realidade objetiva produzida por meio de processos, que são formados
pelas relações constituídas social e historicamente, determinando os indivíduos, favorecendo
o surgimento de novas necessidades, a formação de novos grupos, produzindo múltiplas
determinações, que transformam a realidade objetiva e que constituem novos modos de sentir,
pensar e agir.
A possível identificação, no contexto educacional, de múltiplas relações em constante
movimento é condição para que se discuta a metamorfose da identidade docente. A atividade
profissional dos professores, inserida nessa relação dialética com a educação, desencadeia
mudanças na maneira como eles se veem, sentem, pensam e agem mediante a profissão, tornando
relevante a produção de análises que expliquem essas modificações.
O professor como produtor de conhecimentos, de crenças, valores e expectativas é um ser
que, em seus processos constitutivos, vai produzindo significações, que articulam significados
e sentidos em relação ao aprender e ao ensinar. Processo que, historicamente, teve início, na
infância, enquanto desempenhava seu papel de aluno.
Alfredo (2013, p. 116), ao analisar a pedagogia de Makarenko31, defende a constituição
histórica de relações, que reafirmam a proposição “do desenvolvimento da individualidade como
processo histórico-social, consolidado por meio da efetivação de dois processos fundamentais, a
apropriação e objetivação das formas e conteúdos, historicamente acumulados nas objetivações
que resultam das atividades humanas”. A autora esclarece que esses processos, de apropriação
e, de objetivação, se efetivam desde o nascimento, num processo geral de educação, que não
é institucionalizado, mas se sofistica e ganha o sentido estrito da educação escolar, quando o
indivíduo ingressa na instituição escolar.
Martins (2015) evidencia que no meio educacional tem se estabelecido um mal-estar
docente, representado pelo que poderia ser denominado de crise da identidade do professor,
31 Anton Semionovitch Makarenko (1888-1939) educador e escritor Ucraniano. Obteve grande sucesso na educação
em colônias de trabalho de jovens, em condição de alta vulnerabilidade social devido às particulares circunstâncias
pós-revolucionárias. Publicou Pedagogitscheskaja Poema (Poema Pedagógico - O Caminho para a Vida).
Em discussão, a análise das significações sobre a prática docente e sua relação com a constituição
da identidade docente
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importância enfatizada na fala dos entrevistados, pela carga emocional que apresentam ou pelas
ambivalências que manifestam, sempre verificando a relação com o objetivo da pesquisa.
Os conteúdos temáticos resultantes do movimento de aglutinação dos pré-indicadores
foram os seguintes: Escolha profissional; A família como determinante na escolha profissional;
A questão socioeconômica determinando a escolha profissional; Prática docente: a professora
jornalista; Prática docente: o jornalismo na sala de aula; Prática docente: contribuições para
a constituição da identidade; Concepção de si; A relação professor-aluno e a constituição da
identidade: “a gente começa a mudar!”; Relação professor-aluno; Prática docente e a relação
professor-aluno; Prática docente: conhecendo a realidade escolar; Prática docente: a professora
e o planejamento das atividades; Prática docente: concepção de aluno e o planejamento das
atividades; Prática docente: a professora e sua metodologia; Prática docente: “experiência em
sala de aula”; Prática docente: os anos iniciais e a oposição teoria e prática; Prática docente: anos
iniciais; Prática docente: o conhecimento tácito; A contradição entre os sentimentos e expectativas
sobre a realização profissional e os determinantes históricos sociais; Formação inicial; Formação
contínua: a validade do conhecimento.
O movimento de aglutinação dos conteúdos temáticos resultou na constituição dos
indicadores que serão apresentados nos próximos parágrafos, como constituintes dos núcleos de
significação.
A relação prática docente e a metamorfose da identidade: “Será que eu quero mesmo ser
professora? Será que é isso que eu queria?” - 1º) Escolha profissional: os múltiplos determinantes
da escolha pela docência;2º) O jornalismo e a docência; 3º) Metamorfose da identidade docente;
4º) “Eu sou diferente! Eu tenho humildade!”; 5º) O afeto e a motivação na relação pedagógica;
6º) A prática docente muda a maneira como o professor vê a sociedade; 7º) Prática docente:
“Você tem que o que?”; 8º) Prática docente: anos iniciais e a relação teoria e prática; 9º) A escolha
profissional e seus múltiplos determinantes: a docência como negação da carreira de jornalista.
A importância do professor é exatamente para quê? - 1º) Formação docente: a validade do
conhecimento; 2º) Formação docente: a constituição da necessidade formativa; 3º) Mudança
histórica no papel do professor na sala de aula; 4º) Concepção de professor.
A relação pedagógica mediada pela desvalorização do professor e pela relação família-escola
- 1º) A questão salarial e a histórica desvalorização do professor
2º) A relação dos recursos financeiros com a qualidade da prática docente; 3º) A escola e a
família: “Cadê a família?”; 4º) A relação família e o processo ensino-aprendizagem; 5º) A relação
pedagógica na prática docente.
No decorrer da pesquisa, que dá base a este artigo, inferiu-se que as contradições, presentes
no processo de escolha profissional pela docência, movimentam o desenvolvimento da prática
docente, podendo revelar modos de pensar, sentir e agir, constituídos a partir da não escolha por
outra profissão.
Essas contradições, que se revelaram no processo de escolha profissional, dão indícios de
que a escolha pela docência pode se concretizar mediada pela necessidade iminente de entrada no
mercado de trabalho. A investigação evidenciou que as determinações histórico-sociais no processo
de escolha profissional podem impossibilitar a escolha por uma profissão específica, movimentando
o indivíduo a buscar, prioritariamente, a satisfação de suas necessidades básicas, deste modo,
submetendo-o a seguir carreiras que, supostamente, possam prover retorno financeiro rápido.
Particularidades da história de vida da professora partícipe da pesquisa se revelaram como
mediações determinantes do processo de escolha profissional, relacionando-o com a constituição
da identidade, no processo formativo. Tais mediações possibilitaram o desenvolvimento de sua
prática docente ora mediado pela afirmação da profissão docente, ora mediado pela escolha não
realizada de outra profissão.
Considerações Finais
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33 Tradução nossa.
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Introdução
O
sistema educacional brasileiro tem enfrentado sérias dificuldades nos últimos
anos e uma delas é justamente a forma de se fazer educação, de se transmitir
conhecimento e estabelecer um diálogo justo e crítico com seus atores – alunos,
professores, gestores, famílias. Considerando a atual realidade histórica permeada por mudanças,
que se instauram do nível tecnológico até a esfera social, não se tem como negar ou adiar a
necessidade do estabelecimento de novas práticas e metodologias no sistema de ensino (Santos
& Primi, 2014).
Tendo como impulsionador esse desafio, pontua-se como alternativa um ensino que seja
alicerçado a partir de quatro elementos base, a saber: Aprender a Conhecer, Aprender a Fazer,
Aprender a Ser e Aprender a Conviver. Esses pilares trazem como ideia o pressuposto de que tanto
professores e quanto alunos não podem ter suas práticas tão enrijecidas, uma vez que o papel do
docente não é apenas transmitir conhecimentos, e os discentes não são meros receptores, visto
que suas ações estão entrelaçadas (Delors et al., 1999).
Partindo de um cenário de transformações e refletindo sobre questões como o baixo
desempenho cognitivo dos alunos, bem como os diversos processos – sociais, culturais,
psicológicos – existentes em sala de aula, a Prefeitura Municipal de Quixadá, na região do
Sertão Central do estado do Ceará, juntamente com a Comissão Quixadaense de Psicologia
Educacional, idealizou o projeto “Serviço de Psicologia Educacional: uma perspectiva de
intervenção para o desenvolvimento das competências socioemocionais nas escolas de Quixadá
(CE)”, que tem como objetivo implantar o serviço de psicologia no município de Quixadá,
com ênfase no desenvolvimento das competências e habilidades socioemocionais no contexto
educacional. Salienta-se que suas ações tiveram início no mês de setembro de 2017. Para
tanto, tais ações são divididas em três etapas: o “cuidado consigo” (trabalho com gestores
e professores); o “cuidado com o outro” (o que envolve professores e alunos); e o “cuidado
com a comunidade” (o que inclui toda a comunidade escolar). Isto posto, este trabalho tem
como objetivo relatar uma experiência piloto da primeira fase desse projeto em três escolas do
Ensino Infantil e duas escolas do Ensino Fundamental I da rede pública de ensino do município
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de Quixadá – CE, descrevendo as intervenções realizadas pelas estagiárias nas instituições e
discutindo sobre as contribuições do projeto para a comunidade escolar.
A entrada da psicologia na educação foi historicamente marcada pela categorização e
classificação de crianças que não se adequavam a um padrão estabelecido pela sociedade. Apesar
dessas primeiras intervenções deixarem marcas que perduram até os dias atuais, foi a partir da
década de 80 que houve uma reflexão sobre o papel do psicólogo escolar; as crianças que eram
taxadas com “problemas de aprendizagem” passaram a ser compreendidas de forma mais ampla,
sendo levados em consideração fenômenos históricos, sociais, políticos e econômicos (Lima,
2005).
Com essas mudanças, o olhar do psicólogo passa a ser voltado para a comunidade escolar
como um todo. O foco, portanto, não é mais intervir de forma individualizante, mas passa a
ser mais abrangente, levando em conta aspectos que vão além do cognitivo, como é o caso das
competências e habilidades socioemocionais. Para considerar o desenvolvimento do aluno em
suas diferentes dimensões, é importante que o psicólogo proporcione espaços de reflexões, nos
quais todos que fazem parte da comunidade escolar participem, dos funcionários aos pais dos
estudantes, e, por fim, a sociedade de um modo geral (Barbosa & Souza, 2012; Lima, 2005).
Sinaliza-se ainda que a psicologia escolar realiza suas intervenções a partir de um modelo
de ação interdisciplinar, ou seja, o diálogo com outros campos de saberes, como a educação e a
história, por exemplo, é crucial para o entendimento do contexto educacional e desenvolvimento
de estratégias que possam contemplar as necessidades existentes, visualizando o sujeito em todas
as suas dimensões. Sendo assim, a psicologia, com todo o seu arcabouço de conhecimentos e
práticas fundamentadas, precisa dialogar com outros saberes para enriquecer suas práticas (Dias,
Patias & Abaid, 2014).
Portanto, vemos que o desenvolvimento do aluno é influenciado por múltiplos fatores,
os quais devem ser levados em consideração no processo de ensino-aprendizagem. Para que a
psicologia venha colaborar com esse processo, é necessário a ir além da visão clínico-terapêutica.
Isso só será possível na própria prática do psicólogo dentro da escola, através do trabalho
interdisciplinar, com o propósito de desenvolver intervenções que contribuam para uma prática
pedagógica contextualizada, transformadora e que compreenda o aluno de forma integral, levando
em conta suas competências cognitivas e também socioemocionais (Antunes, 2008; Santos &
Primi, 2014).
Atualmente os sujeitos estão inseridos em uma sociedade marcada pelo desenvolvimento
tecnológico, por novas necessidades e pela coexistência de diferentes formas de pensamento.
No entanto, por vezes, ainda encontramos pessoas que defendem posições que podem ser
consideradas retrógradas. No contexto educacional, por exemplo, se percebe que o modelo de
ensino e de interação entre seus atores está direcionado às demandas pertencentes ao passado.
Porém, o ser humano em toda a sua complexidade e integralidade, necessita ser compreendido
e atendido em suas diversas dimensões, como a social e a emocional, que vão além da cognitiva
(Santrock, 2009).
Uma alternativa, portanto, é a de realizar um trabalho que tenha como enfoque as
competências socioemocionais, habilidades que o sujeito pode desenvolver, mas que também
pode aprender ou ensinar. Estas caracterizam-se como:
Processos através dos quais as crianças e os adultos adquirem e aplicam de forma eficaz os
conhecimentos, atitudes, e competências necessárias para compreender e gerir emoções,
estabelecer e atingir objetivos positivos, sentir e mostrar empatia pelos outros, estabelecer
e manter relações positivas, e tomar decisões responsáveis. (Casel, 2012, como citado em
Coelho et. al, 2016, p. 62).
Metodologia
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Municipal de Educação do município de Quixadá para um momento de supervisão com
a psicóloga que coordena o projeto no município e com os professores que conduzem os
momentos de estudo.
Resultados
O projeto Serviço de Psicologia Educacional é composto por três etapas. A primeira tem
como público-alvo gestores e professores, com ênfase socioemocional no cuidado consigo,
partindo do pressuposto que, para cuidar do outro, nesse caso o aluno, tanto a gestão como os
docentes da escola precisam aprender a cuidar de si e estar bem. É esta é a fase do projeto descrita
neste relato de experiência.
O Serviço de Psicologia está presente em todas as sete escolas do Distrito Educacional do
Campo Velho do município de Quixadá. No entanto, aqui consta o relato de vivências em cinco
instituições.
No primeiro contato com as escolas, o papel das estagiárias não era bem compreendido,
pois os professores e funcionários tinham a ideia de que seria um trabalho clínico, no qual seriam
oferecidos atendimentos individuais. Para mudar essa visão, foi necessário, no decorrer do primeiro
mês, a realização de momentos de conversa e a elaboração de folhetos informativos, com o intuito
de esclarecer melhor como se daria a prática da Psicologia Escolar naquele contexto.
Após o período de observação e esclarecimentos nas escolas de Educação Infantil, buscou-se
realizar atividades de valorização do professor, através da entrega de cartões com homenagens aos
professores e gestores. Durante o mês de novembro, foram feitos momentos de escutas coletivas
com os professores das escolas de Educação Infantil. No primeiro momento, foi realizado uma
roda de conversa, na qual o ponto norteador era saber “quais os pontos positivos e negativos de
ser professor”, com a intenção de trabalhar o autoconhecimento e a competência socioemocional
denominada “abertura a nova experiências”. Foi levado eles a refletirem como ser professor os
afeta e de que forma eles poderiam ser criativos para mudar os pontos negativos nas situações
que foram relatadas. Nessa ocasião, foi ofertada a oportunidade para que todos se expressassem
e fossem escutados.
No segundo momento de escuta, foi iniciado com a fala de como as marcas da infância
influenciam na nossa formação e em quem nós somos. Foi pedido para que eles refletissem
sobre como as atitudes de pessoas importantes como pais, familiares e professores afetar, tanto
positivamente como negativamente. A partir dessa introdução, foi requisitado que eles relatassem
momentos positivos e negativos que viveram na escola. Esse momento teve como objetivo levar
os professores a pensar em como suas atitudes influenciam na formação de seus alunos, a partir
da percepção de que eles também já foram alunos e, portanto, já foram afetados pela atitude de
outros professores. Para finalizar, foi entregue marcadores de livro com uma frase baseado no
pensamento de Paulo Freire (1996) sobre a eternização do educador em cada educando e a partir
disso foi questionado como eles gostariam de ser eternizados.
Com base nessa relação, na qual as atitudes dos professores afetam diretamente os
alunos, foi percebido que, os professores vinham se sentindo desvalorizados e desestimulados.
Esse sentimento foi atribuído ao fato de estar sendo bastante ressaltado, na escola, que este
mês era dedicado às crianças, e pouco enfatizado que também era dedicado aos professores. Foi
possível observar que fato estava aumentando o estresse dos professores e acabava por afetar as
crianças. Para tentar reverter um pouco essa situação, foi aproveitado os mesmos momentos que
estavam sendo utilizados para falar do projeto sobre o dia das crianças para instigar as crianças
a lembrarem que naquele mês também seria comemorado o “dia das tias”. A cada semana foi
pedido a três crianças diferentes que dissesse para todos o porquê gostava do professor. Foram
Discussão
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frequente, principalmente em escolas públicas, há uma visão de que o psicólogo escolar é um
profissional que irá ajustar os “alunos problemas”. Tal visão é um resquício do tempo em que
o papel do psicólogo escolar era o de categorizar alunos com diferentes dificuldades e tentar
adequá-los a um padrão (Oliveira & Araújo, 2009). Antecipando-se a essa concepção por parte da
comunidade escolar, um dos objetivos do projeto é desmistificar as práticas ligadas ao trabalho
do psicólogo na escola, pretensão esta que consideramos exitosa.
Nos momentos de observação e de escuta foi possível notar que boa parte dos professores
encontra-se em sofrimento, cansados e que acabam externando isso nas crianças, por meio de
gritos. Esse sofrimento prejudica a saúde do professor e o processo de aprendizagem do aluno.
Desse modo, este é um fenômeno atual que se coloca como preocupante em nossa sociedade:
o mal-estar docente, termo geral que engloba problemas específicos, como: esgotamento
emocional, estresse da profissão ou depressão. Esse sofrimento vivenciado pelos educadores pode
ser colocado em duas estruturas: a primeira, com fatores que incidem diretamente nas ações do
professor em sala de aula (sobrecarga de trabalho, falta de materiais); e a segunda, com fatores
que afetam o desempenho da sua função indiretamente, mas que quando acumulados podem
intensificar a angústia já existente (problemas pessoais, por exemplo) (Pereira, 2016).
Gouvêia (2016) destaca uma série de fatores que podem colaborar para o adoecimento
de professores. Dentre eles, pode-se citar o acúmulo de atividades; desmotivação em relação
ao trabalho, devido às frustrações advindas do mesmo; relações interpessoais conflituosas com
colegas de profissão; bem como ter que trabalhar em um espaço inadequado ao desenvolvimento
do seu cargo. Diante disso, foi constatado que um dos papéis do psicólogo dentro da escola é o de,
através da escuta do professor, “possibilitar a circulação de necessidades, exigências, incertezas,
expectativas, angústias, possibilidades, limitações, entre outras” (Oliveira & Araújo, 2009).
Nos momentos em que foram realizadas as escutas, tanto coletivas como individuais,
procurava-se questionar os professores de que forma eles poderiam agir diante das situações
problemáticas que eles relatavam. Através desses questionamentos, ao apontarem a relação entre
a família e a escola como marcadas por um distanciamento, os próprios professores trouxeram
diversas ideias de projetos que poderiam fortalecer esses laços. Ao incentivar a busca de soluções e
a autonomia dos professores, tivemos a oportunidade de trabalhar a competência socioemocional
denominada “abertura a novas experiências”. Eles se dispuseram a imaginar, de forma criativa,
maneiras de resolver o problema na relação família-escola (Santos & Primi, 2014).
É importante destacar também o que fala Wallon (1971) sobre o contágio das emoções. Ele
diz que os seres humanos afetam uns aos outros por meio da emoção. Por exemplo, quando um
bebê chora, contagia as pessoas que estão a sua volta e estas podem se sentir angustiadas. Da
mesma forma acontece em sala de aula: se um professor está angustiado, e se sente desvalorizado
e desestimulado, acaba se estressando; assim, ele pode fazer com que o seu estresse contagie os
alunos e estes também fiquem estressados.
Ademais, é satisfatório saber que as escolas, além de acolherem as ações do projeto, também
são impactadas por essas atividades. Nesse cenário, destaca-se a importância da inserção da
psicologia no ambiente educacional, funcionando como uma rede de apoio e intervenção que visa
sempre facilitar as relações e enriquecer o meio onde está inserida. Toda a sensibilidade empregada
nas ações desenvolvidas tem o objetivo de mediar e se fazer notar os aspectos subjetivos envolvidos
no processo de ensino-aprendizagem.
A clientela das instituições está imersa em um contexto social bastante conturbado e
fragilizado, o que gera várias demandas para a escola, que, muitas vezes, não pode supri-las. No
entanto, mesmo diante de situações como essas, haverá sempre muitos alunos bons, talentosos,
inteligentes, visionários, dóceis, amigos, que precisam não apenas de conhecimento cognitivo,
mas de carinho, atenção e de uma oportunidade para falarem do seu dia-a-dia, dos seus gostos,
Referências
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questão. Maringá. Psicologia Escolar e Educacional, 16(1), 163-171.
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o desenvolvimento de competências socioemocionais em idade escolar: uma revisão crítica dos
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possibilidades na atuação do psicólogo: algumas reflexões. São Paulo. Associação Brasileira de
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desenvolvimento: um olhar da psicologia escolar. In: Viana, M. N.; Francischini, R. (Orgs). Psicologia
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mensuração para apoiar políticas públicas. Instituto Ayrton Senna. São Paulo.
Wallon, H. (1971). As origens do caráter da criança. (6a ed.) São Paulo: Difusão Européia do Livro.
1344 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO EDUCACIONAL EM
INSTITUIÇÃO DE ENSINO NÃO-FORMAL: UM RELATO
DE EXPERIÊNCIA
Danielle Gomes Batista
Luciana Martins Quixadá
Alana Braga Alencar
Introdução
A
Psicologia Educacional é uma sub-área de conhecimento da Psicologia e tem por
objetivo a produção de saberes referentes aos fenômenos psicológicos inseridos
no processo educativo (Antunes, 2008). A grande problemática que envolve
a Psicologia Educacional é uma questão conceitual, pois muitos teóricos a conceituam como
Psicologia Escolar, ou seja, dizem que as duas são iguais, não havendo diferenças teóricas e
metodológicas entre as duas. Por outro lado, entende-se que, enquanto a Psicologia Educacional
se constitui como uma sub-área de conhecimento, a Psicologia Escolar se constitui como campo
de atuação, no qual serão realizadas intervenções focadas nos fenômenos psicológicos dentro da
escola fundamentando-se nos saberes produzidos pela Psicologia Educacional (Antunes, 2008).
Diante dessa confusão conceitual, a maioria dos artigos e trabalhos científicos focam a
Psicologia Educacional dentro da prática do psicólogo dentro da escola, educação formal, mas
esquecem de dar conta dos processos educativos referentes à educação não-formal. Nesse sentido,
faz-se importante delimitar que atuações pode um psicólogo educacional estar realizando dentro
de uma instituição não-formal de educação. De acordo com Bianconi & Caruso (2005, p.20),
“. . . os espaços fora do ambiente escolar, mais comumente conhecidos como não-formais, são
percebidos como recursos pedagógicos complementares às carências da escola”. Mas, qual
a diferença entre elas, educação formal, não-formal e informal, muitas vezes confundidas ou
apresentadas como sendo a mesma coisa? De acordo com os mesmos autores:
A educação formal pode ser resumida como aquela que está presente no ensino escolar
institucionalizado, cronologicamente gradual e hierarquicamente estruturado, e a informal
como aquela na qual qualquer pessoa adquire e acumula conhecimentos, através de
experiência diária em casa, no trabalho e no lazer. A educação não-formal, porém, define-se
como qualquer tentativa educacional organizada e sistemática que, normalmente, se realiza
fora dos quadros do sistema formal de ensino. (Bianconi & Caruso, 2005, p. 20)
Para se concretizar os objetivos da educação não-formal é preciso dar ouvidos aos
indivíduos ali inseridos. Tuleski (2005) afirma que desvalorizar o discurso da criança é o mesmo
que desvalorizar a sua capacidade cognoscente. O psicólogo nos espaços de educação não-
formal pode proporcionar escutas antes restritas ou não autorizadas. Assim, proporcionando às
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que memorize bem a história antes de contá-la, que vivencie a história e passe as emoções dos
personagens e que o ouvinte, ou seja, a criança, possa ser ouvida nesse processo, que se abra um
espaço onde ela possa expressar sentimentos e pensamentos acerca da história contada; além
disso, alguns materiais se fazem necessários, como fantoches, desenhos, massa de modelar, etc.
(Neves, 2008). Matos & Sorsy (2009 apud Raulino, 2011) sintetizam essa ideia ao colocar que a
arte de contar histórias e a habilidade do contador envolve a expressão corporal, improvisação,
interpretação e a interação com seu público. É importante nesse processo dar atenção para a
escolha dos livros, os quais devem se adequar a idade das crianças e às necessidades que elas
possam apresentar diante da leitura.
Nesse sentido, é importante remeter-se à importância do lúdico durante a contação.
Conforme Winnicott (1995 apud Pinto & Tavares, 2010, p. 230-231), “o lúdico é considerado
prazeroso, devido à sua capacidade de absorver o indivíduo de forma intensa e total, criando
um clima de entusiasmo”. Pinto & Tavares (2010, p. 231) continuam colocando que é por meio
do lúdico que “a criança canaliza suas energias, vence suas dificuldades, modifica sua realidade,
propicia condições de liberação da fantasia e a transforma em uma grande fonte de prazer”.
Ainda segundo os autores, o lúdico deve estar presente não somente no ato de brincar, ler ou
jogar, mas na forma de se relacionar com a criança.
Método
A educação formal pode ser resumida como aquela que está presente no ensino escolar
institucionalizado, cronologicamente gradual e hierarquicamente estruturado, e a informal
como aquela na qual qualquer pessoa adquire e acumula conhecimentos, através de
experiência diária em casa, no trabalho e no lazer. A educação não-formal, porém, define-se
como qualquer tentativa educacional organizada e sistemática que, normalmente, se realiza
fora dos quadros do sistema formal de ensino. (Bianconi & Caruso, 2005, p. 20)
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há a prática de ouvir os alunos, torna-se difícil vê-los como seres totais o que, consequentemente,
limita as possibilidades de reflexão acerca de novas propostas para o ensino” (p. 133). Nesse
sentido, é importante dar ouvidos à criança e, além disso, é importante passar a vê-la como
agente de transformação do processo educativo.
Ainda sobre a mediação de leitura, as crianças ficavam sentadas cada uma em uma cadeira,
que juntas formavam um círculo e algumas delas interrompiam com comentários sobre o livro,
sobre a história, alguns conversavam entre si e outros perguntavam constantemente se a história
estava acabando, ao que a mediadora os reprimia pedindo atenção à história, que naquele
momento de leitura não era momento para falar e interromper. A mediadora, enquanto lia, a
cada página mostrava o que continha ali, os desenhos e as falas, para as crianças. A leitura é uma
modalidade extremamente importante para o desenvolvimento da criança. Segundo Vieira (2007
apud Neves, 2008), o pensamento infantil se desenvolve através da leitura, pois é com ela que a
criança passa a resolver conflitos internos e conflitos cotidianos de outras maneiras que antes não
conhecia. Além disso, a leitura permite à criança o desenvolvimento da imaginação. Como coloca
Abramovich (1997, p. 17 apud Neves, 2008):
“Ler histórias para as crianças, sempre, sempre... É suscitar o imaginário, é ter a curiosidade
respondida em relação a tantas perguntas, e encontrar muitas ideias para solucionar
questões - como os personagens fizeram... - é estimular para desenhar, para musicar, para
teatralizar, para brincar... Afinal, tudo pode nascer de um texto”. (p. 5)
Neder et al. (2009) afirma que para ser um bom contador de histórias não é necessário que
a pessoa tenha habilidades específicas ou que tenha um dom, basta que o contador de histórias
coloque ali seu coração na hora da leitura e possa contagiar o público. No entanto, algumas
recomendações são feitas: é importante que a história a ser contada seja bem memorizada, a
fim de torná-la espontânea e envolvente; é importante procurar vivenciar a história, ou seja,
envolver-se com ela, sentir e passar as emoções dos personagens; é importante dar destaque aos
momentos de êxtase da história, dando tonalidades de voz para cada personagem, cada ação,
cada sentimento e emoção ali presentes; é importante oferecer espaço aos ouvintes que querem
participar da história e interferir nela, a fim de estimular a criatividade e a imaginação da criança,
algo que não ocorre no DS. Como afirma Neves (2008, p. 10), “Para ser um contador de história
basta gostar de interagir com um mundo de possibilidades”. Matos & Sorsy (2009, p. 8-9 apud
Raulino, 2011, p. 36) sintetizam essa ideia ao colocar que:
Rauliano (2011, p. 33) afirma que “Desde o surgimento do livro na Idade Média, a maioria
dos narradores não se preocupou mais em memorizar um conto, que seus ancestrais passaram
de pai para filhos. Simplesmente baseiam-se na leitura de um conto, aproveitando-se das
ilustrações”. Ao se memorizar um texto, tornar a leitura espontânea, a interpretação dos papéis
daquela história, dos personagens e de suas falas torna-se mais fácil e mais envolvente. Dar
vida ao personagem e à história é dar vida à imaginação da criança. Assim, seria muito mais
interessante fomentar com as educadoras responsáveis pelo DS a necessidade e importância
de se ler com a alma, com entusiasmo. Nesse sentido, a motivação e atenção das crianças
Por meio do lúdico, a criança canaliza suas energias, vence suas dificuldades, modifica sua
realidade, propicia condições de liberação da fantasia e a transforma em uma grande fonte
de prazer. E isso não está apenas no ato de brincar, está no ato de ler, no apropriar-se da
literatura como forma natural de descobrimento e compreensão do mundo, proporciona o
desenvolvimento da linguagem, do pensamento e da concentração.
Nesse sentido, percebe-se o quanto o lúdico caminha de mãos dadas com o processo
educacional nessa relação que se constrói com a criança. Como coloca Pinto & Tavares (2010, p.
232), “Uma postura lúdica não é necessariamente aquela que ensina conteúdos com jogos, mas
na qual estejam presentes as características do lúdico, ou seja, no modo de ensinar do professor,
na seleção de conteúdos e no papel do aluno”. Assim, o educador deve o tempo todo tentar se
colocar no mesmo nível da criança. Relações de poder hierárquicas somente impedem que uma
boa relação de aprendizagem seja construída.
Considerando o brincar enquanto parte do lúdico, pode-se pensar em uma situação que
ocorreu no DS, na qual a estagiária de Psicologia, após a hora do lanche, brincou de cavalinho e
de cobra com as crianças. Nessa situação, as crianças se envolveram muito mais com a atividade
do que quando estão em sala com as estagiárias de Pedagogia, pois naquele momento elas se
sentiram livres para brincar a sua maneira e aprendendo uma com as outras, sem limitações e
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imposições. As crianças são sujeitos que estão o tempo todo em relação com o próprio corpo,
descobrindo-o e desenvolvendo-o. Privá-los disso é privá-los de entrarem em contato consigo
mesmos.
Mas, como pode o psicólogo educacional intervir nesse espaço? Antes é preciso diferenciar
Psicologia Educacional de Psicologia Escolar. Por mais que alguns autores as vejam como face
comum da mesma moeda, como algo que fala da mesma coisa e só muda a nomenclatura, pode
ficar confuso entender o que um psicólogo educacional faz em uma instituição não-formal, já que
a Psicologia Escolar, percebida como idêntica à Psicologia Educacional, se desenrola na escola,
instituição formal. Antunes (2008, p. 470) coloca que:
... a psicologia da educação pode ser entendida como subárea de conhecimento, que tem
como vocação a produção de saberes relativos ao fenômeno psicológico constituinte do
processo educativo. A Psicologia Escolar, diferentemente, define-se pelo âmbito profissional
e refere-se a um campo de ação determinado, isto é, o processo de escolarização, tendo
por objeto a escola e as relações que aí se estabelecem; fundamenta sua atuação nos
conhecimentos produzidos pela psicologia da educação, por outras sub-áreas da psicologia
e por outras áreas de conhecimento.
Feita essa diferenciação, pode-se buscar responder à pergunta feita no parágrafo anterior.
Antes de mais nada, o psicólogo educacional deve sempre procurar deixar claro que o sujeito
alvo do processo de aprendizagem, aqui no caso a criança, é multideterminado. A criança se
relaciona com a família, com a comunidade, com a escola, com as outras crianças e aqui no caso
com a instituição. Nesse sentido, cada criança possui uma forma de se relacionar com o mundo
e, por conseguinte, com os processos educativos dos quais faz parte. O psicólogo educacional
precisa formar nos educadores e na gestão institucional a ideia de que cada criança possui um
grau de desenvolvimento próprio e que cabe ao educador, ao identificar essas diferenças, pensar
em estratégias que facilitem o processo de aprendizagem de todos. No entanto, o educador
ou pedagogo, não anda sozinho nesse processo, mas em parceria com o psicólogo, que deve
proporcionar ao educador o conhecimento e compreensão dos fenômenos psicológicos dentro do
processo educativo do sujeito.
Nesse sentido, é importante que o psicólogo educacional possa formar uma equipe com
todos os envolvidos no processo educativo, a fim de facilitar a compreensão dos fenômenos
psicológicos individuais de cada criança e como eles afetam a forma como cada uma se relacionará
com o processo educativo. O psicólogo educacional, nessa perspectiva, deve ter bem claro
que um de seus papeis dentro de uma instituição é o de capacitação de educadores acerca do
desenvolvimento humano. Maluf & Cruces (2008, p. 94) comprovam isso, mesmo que falando do
ambiente escolar, ao afirmar que:
Para tanto, é preciso que o psicólogo educacional tenha uma base teórico-metodológica
que em base bem o seu trabalho. Assim, é imprescindível ao psicólogo o conhecimento acerca
de teorias do desenvolvimento, de aprendizagem, sobre dinâmica familiar, sobre os processos
Agora é tempo de mostrar como pode a Psicologia Educacional estar a serviço do bem-estar
da comunidade escolar, do desenvolvimento psicológico de todos os envolvidos no processo
educacional, da aprendizagem significativa que produzirá no aluno as condições individuais
e sociais necessárias para o pleno exercício da cidadania.
Conclusão
Em vista do que foi explicitado, pode-se concluir afirmando que a Psicologia Educacional
apresenta papel importante dentro de instituições de ensino, sejam elas formais ou não. O psicólogo
educacional deve sempre deixar claro sua função dentro da instituição e a importância dela para
potencializar os processos educativos, principalmente para os sujeitos alvos desse processo.
É importante que os profissionais responsáveis por esse processo possam estar sempre se
reciclando e se colocando diante dos desafios e possibilidades que o espaço educacional lhes
propõe. Não é fácil lidar com tantas demandas e desafios, mas é importante reconhecê-los como
importantes, devendo o psicólogo educacional caminhar com a instituição nessa jornada de
reconhecimento de suas potencialidades e capacidades, assim como de suas falhas e dificuldades.
Diante disso, conclui-se que a experiência foi de extrema valia para a estagiária, pois
possibilitou a inserção em um campo tão esquecido nas discussões na graduação e possibilitou
a construção crítica e reflexiva em cima da prática do psicólogo, diante de tantas expectativas
e demandas que são impostas a ele nesse contexto educacional. Assim, essa experiência foi
importante por possibilitar na estagiária a construção de processos pessoais, éticos e acadêmicos
mais amplos e críticos.
Referencial teórico
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Introdução
A
morte é um processo que não se resume à finitude biológica, pois revela as
representações socioculturais construídas com o passar da história (Santos &
Hormanez, 2013; Simões, 2014; Souza et al., 2017). O processo de morte relacionado
ao homem compreende uma pluralidade nas suas perspectivas que inclui o biológico, o social, o
psicológico, o filosófico e o antropológico (Machado, Lima, Silva, Monteiro & Rocha, 2016). A
compreensão sobre a morte hoje, demanda, portanto, uma perspectiva global e histórica que
busque abranger algumas premissas desse universo mutável.
De modo geral, na Idade Média, a morte era vista com naturalidade, compreendida como
uma morte domada. Existia a possibilidade de planejar e realizar o ritual que envolve a despedida,
em companhia da valorização do significado da identidade e subjetividade do morto. A morte
era pública, por consequência, os cuidados e os rituais eram coletivos. Dessa forma, a família não
isolava o doente que estava na condição de proximidade à morte e reconhecia os sentimentos
e sofrimento que o permeavam (Almeida & Falcão, 2013; Aquino, Vasconcelos, & Braga, 2014,
Kovacs; Vaiciunas & Alves, 2014; Machado et al., 2016; Santos & Hormanez, 2013).
Outrossim, as representações sociais em relação a morte mudaram no séc. XX e a denotaram
como um processo de negação, no qual, evitavam essa conjectura através da forma de recusa e
por ser indesejável, compreendida como morte interdita. Nesse momento, a visão de naturalidade
se perde, assim os rituais fúnebres já não eram mais públicos e foram transferidos do ambiente
familiar e pessoal para o hospitalar. Somado à revolução tecnológica, que permitiu avanços na área
da saúde relacionada à prevenção e à reabilitação de doenças, a morte passa a ser combatida, na
busca do prolongamento da vida, mesmo que com medidas invasivas que promovem sofrimento
dos pacientes e familiares, remetendo a finitude ao fracasso da ciência. Desse modo, a morte não
é mais assistida, se tornou um evento privado, se resumindo ao leito hospitalar impossibilitando
as despedidas, havendo um controle sob os sentimentos que envolvem o processo (Kovacs et al.,
2014; Machado et al., 2016; Santos & Hormanez, 2013).
Hoje, paralelamente, com a realidade do cenário urbano, se manifesta ainda a morte
escancarada que faz alusão à invasão da morte privada no que concerne à violência urbana. Desse
modo, essas mortes violentas retratam como características a exposição e vulnerabilidade das
vítimas, além de invocar sentimentos de falta de controle e imprevisibilidade sobre a questão
(Kovacs et al., 2014).
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Essa variedade de concepções sobre a morte em diferentes (ou nas mesmas) culturas
e espaços temporais, de acordo com Aquino et al. (2014), podem ser compreendidas em oito
dimensões: 1) a dimensão dor e solidão, que se fundamenta na morte associada à negatividade; 2)
a dimensão vida, que se refere à morte um aspecto positivo, como continuidade e não um fim; 3)
a dimensão indiferença, que se refere ao desinteresse do indivíduo diante da morte; 4) a dimensão
desconhecida, que alude a morte como um elemento incerto, desconhecido e misterioso; 5) a
dimensão abandono, que direciona a morte ao abandono de entes queridos e culpabilização; 6) a
dimensão coragem, onde a morte elucida e promove a expressão das virtudes e o último teste da
vida; 7) a dimensão fracasso, a partir da qual a morte impossibilita a execução da competência
individual da pessoa; e, por último, 8) a dimensão fim natural, que remete à morte como um
elemento que faz parte do ciclo natural da vida.
Além dessas dimensões da morte, verifica-se também as diferentes reações de aceitação da
morte, caracterizadas por três dimensões: 1) a aceitação neutra, que contempla a morte como
um fim irremediável; 2) a aceitação religiosa, que reconhece a morte como uma transição para
uma vida melhor; e 3) a aceitação de escape, que pontua a morte como uma possibilidade de
cessar o sofrimento da vida (Aquino et al., 2014; Simões, 2014; Souza et al., 2017).
Para além das dimensões supracitadas, Kubler – Ross (2008) descreve cinco estágios de
luto sendo eles: a negação e o isolamento, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. A
negação aparece como a não aceitação da atual situação, quando se nega diretamente a morte,
ou faz discursos de aceitação da morte com comportamentos de evitação e negação. A raiva
ocorre quando em meio a crise do luto, gerando o rompimento, o choque de duas ideias (a vida
é desejável e a morte é inevitável), junto com uma forte carga emocional. A barganha, terceiro
estágio apresentado, é compreendida como uma forma de negociação, fantasiando formas
de reverter ou fugir da morte, geralmente por meio de promessas. A depressão aparece como
quarto estágio, onde se deixa de fantasiar realidades paralelas, se voltando ao presente com uma
profunda sensação de vazio. Por fim, com a diminuição da dor, ocorre o estágio de aceitação da
morte, quando ocorre a reorganização das próprias ideias.
Interessante destacar que as dimensões de compreensão sobre a morte, de aceitação da morte
e estágios de luto sobre a morte são condicionadas a alguns determinantes individuais (além dos
culturais e sociais), como a relação/proximidade que a pessoa tem com o morto e a fase da vida em
que ocorreu a morte (infância, adolescência, fase adulta ou velhice). Ou seja, a morte de alguém
próximo é mais dolorosa que de alguém distante. Igualmente, a morte na infância e adolescência
traz um maior sofrimento, visto que essas fases estão relacionadas à ideia de projetos e/ou planos
ainda a serem conquistados, evidenciando a morte como algo imprevisível. Por outro lado, esse
pensamento é diferente na velhice, manifestado como algo previsível e esperado (Santos, 2014).
Conforme o modo em que a morte ocorre em decorrência de mortes repentinas, inesperadas
ou mortes violentas, apresenta-se como um dos fatores de risco para o luto complicado, por
exemplo. Desta forma, reflete-se a necessidade de abordar sobre o luto advindo de um suicídio,
um ato que acompanha a humanidade desde o início dos tempos e declarado como um problema
de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em que vem aumentando a cada
ano atingindo especialmente os jovens. Neste cenário, o suicídio é algo inesperado e ainda
estigmatizado. A família nesse contexto, por muitas vezes, esconde a forma da morte por medo de
julgamentos. Assim, a partir deste isolamento, o luto advindo do suicídio poderá desencadear um
luto complicado/patológico (Santos, 2014).
O luto complicado ou patológico pode advir de algumas condições, como por exemplo,
o luto adiado em que as pessoas não vivenciam o luto, negando a perda, de forma que vivem
como se nada tivesse ocorrido; o luto suspenso, comum em casos de pessoas desaparecidas na
medida em que há sempre uma esperança que a pessoa retorne; luto não autorizado, no qual a
Método
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Utilizou-se um questionário sociodemográfico para caracterizar a amostra por gênero,
idade, escolaridade, região do país onde reside, religião e vivência de morte de alguém próximo.
Foi usada ainda a escala de “Perfil de Atitudes Perante a Morte” – Death Attitude Profile Revised
- DAP-R (Wong, Reker e Guesser, 1994). É constituído por 32 itens, com respostas do tipo Likert
de 1 a 7 (“discordo muitíssimo” à “concordo muitíssimo”), distribuídos em cinco dimensões: 1)
Medo da Morte (itens 1, 2, 7, 18, 20, 21 e 32), 2) Evitamento da Morte (itens 3,10, 12, 19 e 26), 3)
Aceitação Neutra (itens 6, 14, 17, 24 e 30), 4) Aceitação Religiosa (itens 4, 8, 13, 15, 16, 22, 25, 27,
28 e 31) e 5) Aceitação de Escape (itens 5, 9, 11, 23 e 29), com alfa de Cronbach entre 0,65 e 0,97.
Considerando-se os aspectos éticos referentes a pesquisas envolvendo seres humanos,
o presente estudo foi submetido à Comissão de Ética em Pesquisa, aprovado com parecer Nº
1.310.495 de 05/09/2015. O instrumento foi disponibilizado na internet, por meio de uma página
específica e de domínio privado, divulgado por meio de redes sociais on-line e respeitados os
aspectos éticos exigidos pela Resolução nº466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
As análises de dados foram realizadas com auxílio do pacote estatístico SPSS (Statistical
Package for Social Science) for Windows versão 22, dividida em quatro etapas. Primeiro foi traçado o
perfil da amostra, por meio de estatística descritiva. Em seguida, foi realizada a análise descritiva
das dimensões do instrumento verificando a média da pontuação de cada fator e realizando
a interpretação da pontuação a partir da comparação com os resultados indicados pelos
autores Wong et al. (1994) e Andrade (2007), respectivamente com uma população geral e com
profissionais de saúde - “Medo da morte” (3.03 e 4,32), “Evitamento da morte” (2.91 e 4,08),
“Aceitação neutra” (5.57 e 5,41), “Aceitação religiosa” (4.95 e 3,78) e “Aceitação de escape”
(4.45 e 3,37). Por fim, foram realizadas comparações das pontuações das dimensões em função
dos dados sociodemográficos: sexo, idade, escolaridade, curso e religião.
Resultados
Discussão
A literatura mostra que algumas pessoas possuem medo da morte e, em determinado nível,
apresentam inclusive evitamento da morte. Ou seja, evitam todo e qualquer pensamento ou
contato com o tema da morte, a tornando um tema interdito, como um mecanismo de defesa
psicológico para evitar que o conteúdo chegue à consciência, que se configura como negação da
morte (Kubler - Ross, 2008; Machado et al., 2016; Souza et al., 2017).
Tais resultados mostraram que os participantes da presente pesquisa apresentaram mais
medo de morrer que a população em geral, porém menos medo de morrer que os profissionais
de saúde. O medo da morte pode ser reforçado por diversos motivos e de modos distintos, em
diferentes fases da vida e consoante o grau de exposição à morte. Tal quadro remete a concepção
da morte do indivíduo como uma construção pelas experiências socioculturais, no qual se
transforma, com novos fenômenos, em significado pessoal da vida e morte (Kovacs et al., 2014;
Machado et al., 2016; Santos & Hormanez, 2013).
Ademais, observa-se que os participantes apresentaram alto índice de evitamento da morte
(maior que a população em geral), porém inferior ao de profissionais de saúde. Com base nos
resultados, nota-se que os participantes da pesquisa se utilizam do evitamento da morte, que se
configura como um modo de lidar com o conteúdo da finitude. Assim, relevamos que o sentido
dado ao processo de morrer, mesmo sofrendo influências socioculturais como já foi supracitado,
é pessoal. Conforme Kovacs et al. (2014), Machado et al. (2016) e Santos & Hormanez (2013)
a negação da morte acontece pela recusa, desnaturalização e medo. Com isso, fazendo uma
correlação, o evitamento dos participantes foi maior que os resultados dos profissionais de saúde,
porque há a possibilidade daqueles não terem tanto contato com a temática quanto os estes.
Na avaliação dos índices de aceitação da morte, os resultados da aceitação neutra
caracterizam, em geral, que há uma aceitação de que a morte faz parte da vida. Ou seja, a
concepção da morte na aceitação neutra descreve como um evento irremediável, inerente,
constituinte e natural à vida (Aquino et al., 2014; Simões, 2014; Souza et al., 2017). Sendo assim,
os participantes concebem a morte como um acontecimento natural do fim da vida.
1358 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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A aceitação da morte evidencia a crença de felicidade para uma vida depois da morte
(Aquino et al., 2014; Simões, 2014; Souza et al., 2017) e destaca que essa crença se associa
espiritualidade e religiosidade do indivíduo em questão (Wong et al., 1994). Como a população
pesquisada possui ensino superior incompleto ou completo, ainda que sejam de diferentes áreas
do conhecimento, sugere-se que a variabilidade da espiritualidade (mesmo que na maioria sem
religiosidade) dos participantes da presente pesquisa pode ter contribuído para os índices de
aceitação religiosa inferior ao da população, porém mais presente que em profissionais de saúde.
Ou seja, na pesquisa, 64,70% dos participantes não têm vínculo religioso, corroborando que a
média apresentada é inferior à população geral e está diretamente relacionada com a crença da
espiritualidade.
Na aceitação de escape com menor pontuação que os demais índices, os resultados aludem
que, em geral, os participantes não percebem a vida como sinônimo de sofrimento ou dor, logo
que esse tipo de aceitação demonstra uma alternativa para dissipá-los e ainda, considerada como
a atitude positiva frente à morte, fundamentada na vida ser sentida como má (Wong et al., 1994).
A partir das análises entre os dados do sexo e fatores “Medo da morte”, “Aceitação religiosa”
e “Aceitação de escape” observa-se que as mulheres possuem maior medo da morte, e utilizam a
aceitação religiosa (baseada na crença em uma continuidade feliz da vida, para além da morte)
e aceitação de escape (baseada numa atitude positiva face à morte, devido ao fato da vida ser
sentida como má) para lidar com tal fato.
Desse modo, nota-se que as mulheres possuem atitudes frente à morte com perspectiva
negativa como o medo e evitamento da morte, porém ao mesmo tempo, apresentam atitudes
frente à morte com perspectiva positiva no que concerne à aceitação religiosa e aceitação de
escape. Isso significa que não aceitam como um acontecimento natural da vida e se utilizam de
outras maneiras para enfrentar o medo diante da morte como a religiosidade (Aquino et al.,
2014).
Também, a correlação entre pessoas que já vivenciaram (ou não) a morte nos fatores “Medo
da morte” e “Aceitação religiosa” demonstrou que as pessoas que nunca vivenciaram a morte
possuem mais medo dela e os que já vivenciaram a morte possuem uma maior aceitação a partir
da crença religiosa que os demais. Taverna & Souza (2014) relatam que pessoas que experienciaram
a morte mostram uma maior reflexão e, subsequentemente, um conhecimento sobre a temática.
Aquino et al. (2014) falam que a religiosidade é um aspecto que possibilita o entendimento
do processo de finitude, além de minimizar o medo e o sofrimento. Assim, entende-se que os
participantes que se dispõem das experiências anteriores de morte e religiosidade enfrentam
melhor o processo de finitude.
Conclusão
Diante do que foi exposto, neste estudo foi proposto investigar a atitude da população
brasileira sobre a morte. Nota-se que a pesquisa expressa resultados importantes sobre o
conteúdo morte, em que os participantes apresentaram uma média maior do medo de morrer que
a população em geral, porém uma média menor que os profissionais de saúde. Ainda, demonstra
um alto índice de evitamento da morte comparado à população em geral.
Os resultados da aceitação neutra se mostraram elevadas, porém inferiores na aceitação
religiosa e aceitação de escape comparando com as médias da população em geral. Por outro
lado, as médias mais elevadas medo da morte foram apresentadas pelos participantes do sexo
feminino, que se utilizam da aceitação religiosa e aceitação de escape para lidar com tal fato.
Ainda, os participantes que nunca vivenciaram a morte apresentam uma média maior de medo,
logo, os participantes que já vivenciaram a morte possuem uma média menor e assim, uma maior
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Introdução
O
conceito de resiliência é complexo, mas pode ser definido como a capacidade de
uma pessoa ou grupo passar por uma situação adversa, conseguir superá-la, por
meio de adaptação ou controle, e sair dela fortalecido (Grotberg, 1995; Juliano
& Yunes, 2014; Roque, 2013; Rozemberg, Avanci, Schenker, & Pires, 2014). Trata-se de uma
característica dinâmica, que relaciona reciprocamente os recursos individuais, a história de vida e
o ambiente no processo de adaptação e recomeço diante das adversidades. Ou seja, a experiência
da resiliência pode variar no decorrer da trajetória de vida do sujeito, ponderando que cada fase
do desenvolvimento humano apresenta suas características e particularidades. Desta forma,
a resiliência não é um escudo protetor permanente, mas sim algo pontual, de modo que cada
acontecimento despertará diferentes reações de resiliência. Por isso, fala-se em estar resiliente, e
não em ser resiliente (Miguel, 2012).
Em decorrência disso, em diferentes momentos os indivíduos podem se apresentar
vulneráveis à uma determinada situação e resilientes à outra, dependendo de como ele interage
com o ambiente, ressaltando-se os fatores de risco e de proteção existentes. Nesse contexto,
a resiliência é perpassada por um dinamismo que admite na construção do seu conceito três
diferentes níveis os quais podem ser avaliados: o suporte social, as habilidades individuais e a
força interna (Conzatti & Mosmann, 2015).
A partir da interação entre esses fatores, em que é considerado o modo de vida dos sujeitos,
questiona-se sobre o impacto da classificação de uma qualidade de vida na capacidade de
uma pessoa tornar-se mais ou menos resiliente, uma vez que essa define-se a partir de como
o indivíduo percebe sua posição na vida, contextualizado com a cultura e com seu sistema de
valores, assim como em relação aos seus objetivos, expectativas e padrões (Miguel, 2012; Sutter
& King, 2012). Ademais, a qualidade de vida abrange uma compreensão multidimensional, em
que é ressaltada a necessidade de inserir no seu entendimento os aspectos físicos, as interações
sociais, o comportamento afetivo e emocional, e a saúde mental, fatores que variam a partir da
capacidade atual de resiliência (Lira, Avelar & Bueno, 2015; Roque, 2013). São, portanto, dois
construtos tratados na literatura isoladamente, mas que caminham paralelamente, ou mesmo
interlaçados.
A qualidade de vida não exige um padrão, já que é um conceito variável para cada pessoa,
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e que se apropria da corresponsabilidade pela sua reabilitação física, social, psíquica e espiritual.
Percepção semelhante pode ser feita quanto à resiliência, em que não se apresenta como uma
característica do indivíduo, mas se remonta à capacidade de encontrar um modo de enfrentar
as situações adversas, mobilizando recursos individuais e de sua rede social, que podem, mesmo
minimamente, perpassarem por aspectos da sua qualidade de vida (Haack, Vasconcellos, Pinheiro,
& Prati, 2012; Miguel, 2012; Roque 2013).
Ao tratar da relação da díade resiliência e qualidade de vida em jovens e adolescentes, é
necessário contemplar que esse grupo, assim como os adultos, apresenta necessidades de
preservação da saúde, que podem variar de acordo com a interação entre os âmbitos biológico,
psicológico e social, e que são impactados positiva e negativamente pelo ambiente onde estão
inseridos. A exemplo, eles podem vivenciar situação de pobreza, perdas de pessoas importantes,
rede de apoio social e afetiva fragilizada, ou rupturas na estrutura familiar, que podem comprometer
seu desenvolvimento biopsicossocial saudável (Baraldi et al., 2015; Campos, Borges, Lucas, Vargas
& Ferreira, 2014).
Além disso, a literatura evidencia que as realidades próprias dessa faixa etária destacam
que os cuidados voltados à saúde precisam ser mais eficientes, abrangentes e criativos, uma vez
que a privação de possibilidades e expectativas positivas para enfrentar problemas e desafios
podem indicar um agravante na garantia de qualidade de vida, prejudicando o fortalecimento
dos processos de resiliência (Libório, Castro, Ferro, & Souza, 2015).
Uma pesquisa acerca da promoção da resiliência em adolescentes de 12 a 15 anos do Vale
do Paranhana, no Rio Grande do Sul (RS), apontam que o desenvolvimento biopsicossocial
relevante está associado a fatores resilientes, porém foi percebido que características pessoais
podem inviabilizar ou proporcionar o acesso a programas de prevenção à vulnerabilidade social
(Haack et al., 2012). Com foco sobre os jovens, uma pesquisa realizada em Brasília com estudantes
de 18 a 25 anos mostrou que esse grupo pode apresentar fragilidades físicas e emocionais,
caracterizadas por sentimentos negativos e de insatisfação relacionada ao sono, energia para dia-
a-dia e oportunidade de lazer (Baraldi et al., 2015).
Perante a existência de indícios na literatura de que a qualidade de vida pode impactar
na capacidade do indivíduo de desenvolver uma maior ou menor resiliência à determinada
circunstância, a presente pesquisa objetiva verificar em que medida a capacidade de resiliência
se relaciona com o nível de qualidade de vida em jovens e adolescentes da população brasileira.
Pretende-se, desta forma, contribuir para uma melhor compreensão no desenvolvimento saudável
dessa população.
Método
Tipo de estudo
Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratória, gerado a partir de um levantamento via
internet em todo o Brasil.
Amostra de participantes
Contou-se com uma amostra não probabilística por conveniência composta por 5.884 jovens
brasileiros - adolescentes (14-17 anos) e jovens adultos (18-24 anos). A maioria dos participantes
é mulher (f = 3.941; 67%), solteira (f = 4.941; 84%), branca (f = 2.459; 41,80%), católica (f = 1.764;
30%), com ensino superior incompleto (f = 3.151; 53,60%), e não trabalha (f = 2.825; 48 (ver
Tabela 1).
Instrumento
Para a mensuração da qualidade de vida, foi utilizada a versão abreviada, em português,
do WHOQOL-bref (Fleck et al., 2000), que possui 26 itens, com escala de resposta Likert que
varia de 1 a 5. As duas primeiras questões são referentes à autopercepção da qualidade de vida
(WHOQOL-1) e à satisfação com a saúde (WHOQOL-2). Os 24 itens restantes apresentam-se
distribuídos em quatro domínios: físico (7 itens), psicológico (6 itens), relações sociais (3 itens) e
meio ambiente (8 itens).
Para avaliar a resiliência, foi utilizada a versão brasileira (Pesce et al., 2005) da Escala
de Resiliência desenvolvida por Wagnild e Young (1993), que é considerado um dos poucos
instrumentos usados para medir níveis de adaptação psicossocial positiva perante eventos
importantes da vida. A escala dispõe de 25 itens descritos de forma positiva com resposta
tipo Likert que varia de 1 a 7, em que os escores oscilam de 25 a 175 pontos, com valores altos
indicando elevada resiliência. É composta por três fatores:
• Fator 1 - Resolução de ações e valores (14 itens). Indicam resoluções de ações (levar
os planos até o fim; lidar com problemas de alguma forma; aceitar os fatos sem muita
preocupação; ser disciplinado; fazer as coisas um dia de cada vez; ser uma pessoa com quem
se pode contar em uma emergência; geralmente encarar uma situação de diversas maneiras;
normalmente encontrar uma saída quando está em uma situação difícil; ter energia suficiente
para fazer o que deve ser feito) e valores (sentir orgulho de ter realizado metas em sua vida;
ser amigo de si mesmo; frequentemente encontro motivos para rir; perceber sentido em
sua vida e levar em conta o apoio dos valores que dão sentido à vida, como a amizade, a
realização pessoal, a satisfação e o significado da vida;
• Fator 2 - Independência e determinação (06 itens). Transmitem manutenção de interesse
pelas coisas, poder estar por sua própria conta, sentir-se bem ainda que haja pessoas que
não gostam dele e ser determinado;
• Fator 3 - Autoconfiança e capacidade de adaptação às situações (05 itens). Transmitem
capacidades como ser capaz de depender de si mais do que de qualquer outra pessoa, sentir
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que pode lidar com várias situações ao mesmo tempo, pode enfrentar tempos difíceis porque
já experimentou dificuldades antes, crer em si mesmo a ponto de sentir-se apto a atravessar
tempos difíceis, não insistir em situações sobre as quais não pode fazer nada.
Procedimentos
A pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza,
sob parecer Nº 1.356.319, tendo por base os aspectos éticos relativos às pesquisas envolvendo
seres humanos. Posteriormente, o instrumento foi disponibilizado na internet juntamente com o
Termo de Consentimento Livre Esclarecido – TCLE, através de uma página específica e de domínio
privado. Houve a divulgação mediante a publicação em redes sociais, reportagens televisionadas,
revistas e portais digitais de grupos de interesse e de interesse em geral. Vale ressaltar que foram
respeitados os aspectos éticos exigidos pela Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados
São apresentados nesta seção os resultados encontrados na pontuação dos dois primeiros
itens da escala de qualidade de vida e dos domínios anteriormente descritos: Domínio físico,
Domínio psicológico, Relações sociais e o Meio ambiente. Em seguida serão apresentados os
resultados na pontuação total de resiliência e nos fatores anteriormente descritos: Fator 1 -
Resolução de ações e valores; Fator 2 - Independência e determinação e Fator 3 - Autoconfiança
e capacidade de adaptação às situações. Por fim, serão apresentadas as comparações dos
participantes entre esses dois índices.
Índices de Resiliência
A pontuação de Resiliência Total dos jovens apresentou uma média de 119,20 (DP = 23,46).
Observou-se que 2.783 (47,30%) jovens apresentaram pontuação abaixo da média e 3.101
(52,70%) apresentaram-se acima da média.
O Fator 1 - Resolução de ações e valores – apresentou uma média de 67,78 (DP = 14,63).
Observou-se que 2.661 (45,20%) jovens foram apontados abaixo da média e 3.223 (54,80%)
foram verificados acima desta.
O Fator 2 – Independência e determinação, a média apresentada foi 25,57 (DP = 5,88).
Constatou-se que 2.820 (47,90%) sujeitos estão abaixo da média e 3.064 (52,10%) apresentam-se
acima.
O Fator 3 - Autoconfiança e capacidade de adaptação às situações, obteve pontuação 24,03
(DP = 5,49). Observou-se que 2.962 (50,30%) sujeitos apresentam-se abaixo da média e 2.922
(49,70%), encontram-se acima da média.
RT= Resiliência Total; Q1= Questão 1; Q2= Questão 2; D.F= Domínio Físico; D.P= Domínio
Psicológico; D.R.S= Domínio Relações Sociais; D.M.A= Domínio Meio Ambiental.
Em relação às demais correlações realizadas, averiguou-se correlação positiva, moderada
e significativa entre Resiliência Total e Domínio Físico, (r = 0,528; p < 0,01), correlação positiva,
moderada e significativa entre Resiliência Total e Domínio Psicológico (r = 0,685; p < 0,01),
correlação positiva, moderada e significativa entre Resiliência Total e Domínio Relações Sociais
(r = 0,438; p < 0,01), assim como correlação positiva, moderada e significativa entre Resiliência
Total e Domínio Meio Ambiental (r = 0,332; p < 0,01). Tais resultados apontam que quanto maior
o índice de resiliência, maiores serão os índices de qualidade de vida supracitados (Tabela 2).
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Discussão
Nos Índices de Qualidade de Vida apontam uma boa avaliação sobre sua qualidade de vida e
satisfação com a saúde dos jovens brasileiros. Assim, a qualidade de vida descreve a compreensão
de um sujeito diante do seu papel na vida, seu próprio espaço pessoal e coletivo, juntamente com
fatores associados ao planejamento de vida e que contribuem nesse processo. (Miguel, 2012; Sutter
& King, 2012). Sendo assim, constata-se que os jovens brasileiros apresentam um posicionamento
positivo a frente de seu lugar e atuação sobre sua própria qualidade de vida e saúde.
Outrossim, a qualidade de vida sinaliza a importância de considerar, de maneira integral,
os diversos aspectos existentes na composição de vida do indivíduo, sendo físicos, sociais,
comportamentais, emocionais e psicológicos. Tais fatores podem influenciar no processo de
composição da QV (Lira, Avelar, & Bueno, 2015; Roque, 2013).
Compreende-se que os jovens brasileiros participantes da amostra demonstram uma postura
de satisfação perante a todos os domínios, que evidenciam conteúdos como dor e desconforto,
atividades da vida cotidiana, sentimentos positivos, espiritualidade/religião/crenças pessoais,
relações pessoais, suporte (apoio) social, segurança física e proteção e ambiente no lar, dentre
outros. Assim resultando diretamente na satisfação da sua qualidade de vida, ratificado pelos
estudos de Libório et al. (2015).
Contudo, vale ressaltar que apesar da maioria ser identificado como satisfeito nos domínios
psicológicos, das relações sociais e do meio ambiente, percebe-se uma significativa aproximação
desses valores ao que se considera “insatisfeito”. Nesse sentido, ainda relacionando aos estudos
de Libório et al. (2015) pondera-se que a promoção de espaços públicos saudáveis, que podem
fomentar a construção de vínculos e relações sociais, aliado ao desenvolvimento de cuidados
que refletem no bem-estar psíquico dos sujeitos, são fundamentais para a obtenção de uma boa
qualidade de vida, uma vez que na realidade brasileira muitos jovens não possuem acesso à essa
forma de convívio dentro da comunidade a qual pertence.
Índices de Resiliência
Conclusão
Neste estudo, foi proposto verificar em que medida a capacidade de resiliência se relaciona
com o nível de qualidade de vida em jovens e adolescentes da população brasileira. Partindo-se
do pressuposto que a resiliência é um conceito complexo, mas que pode ser definido como a
capacidade de uma pessoa ou grupo passar por uma situação adversa, conseguir superá-la, por
meio de adaptação ou controle, e sair dela fortalecido, foi possível verificar, a partir da Escala de
Resiliência desenvolvida por Wagnild e Young (1993), em que âmbito determinada característica
do sujeito está relacionada à sua maior ou menor tendência a ser resiliente, baseado nos fatores
de resiliência total e fatores 1, 2 e 3.
1368 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Além disso, para constatar o nível de satisfação com a qualidade de vida, foi possível utilizar-
se da escala WHOQOL-bref (Fleck et al., 2000) para concluir que a amostra referida se apresenta
satisfeita com a autopercepção da qualidade de vida (WHOQOL-1) e com a satisfação com a
saúde (WHOQOL-2). Ademais, os sujeitos da amostra também se percebem satisfeitos quanto aos
domínios psicológicos, das relações sociais, físicos e do meio ambiente que abrangem o conceito
de qualidade de vida. Contudo, tais valores se mostraram próximos aos níveis de insatisfação
considerando a maioria da população estudada.
Constatou-se que a maioria da amostra se apresenta acima da média em relação à análise
da Resiliência Total, assim como mostra-se acima da média nos fatores 1 e 2 de resiliência. Apesar
disso, quando verificado o fator 3, jovens e adolescentes manifestam-se abaixo da média, refletido
o mesmo fato ocorrido na análise da qualidade de vida. Ou seja, apesar da maioria ser identificada
como acima da média, há uma parcela significativa de sujeitos que se encontram abaixo dela.
Também se destaca que os resultados da amostra apontaram para quanto maior o índice
de resiliência total, maiores serão os índices de autopercepção acerca da qualidade de vida e de
satisfação com a saúde. Assim como, quanto maior o índice de resiliência, maiores serão os índices
de qualidade de vida dos referidos domínios. Esse resultado corrobora com os outros índices que
remontam para a influência da qualidade de vida sobre a resiliência e vice-versa.
Pode-se ponderar como aspecto limitante deste estudo o fato de ter sido pontual, não
sendo permitido fazer uma pesquisa a longo prazo, de forma longitudinal. Não obstante, por se
considerar que o nível de resiliência pode alterar ao longo do tempo, devido a fatores individuais
e ambientais, assim como a percepção sob a qualidade de vida e de saúde, é recomendado que
novos estudos sejam avaliados, bem como novas pesquisas apontem para outras correlações,
com o propósito de investigar possíveis mudanças e resultados referente à população brasileira de
jovens e adolescentes.
Portanto, os resultados deste estudo poderão contribuir para uma melhor compreensão
acerca da influência da resiliência sobre a qualidade vida em jovens e adolescentes, a fim de
fomentar novas estratégias de assistência no trabalho em saúde, assim como proporcionar ao
ensino e à pesquisa a possibilidade de construção de novas concepções sobre o tema e uma maior
consolidação acerca da importância em se tornar resiliente a partir de uma boa percepção sobre
a qualidade de vida.
Referências
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1370 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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RELATÓRIO DE ESTÁGIO BÁSICO I: DELEGACIA DE
ATENDIMENTO ESPECIALIZADO A MULHER
Lucas Pereira dos Santos
Andreia de Medeiros Cunha
Lorrayne Fernandes Galdino de Souza
Igor Eduardo de Lima Bezerra
Maria Wanessa Barbosa dos Santos
Introdução
O
estágio diz respeito ao ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no
ambiente de trabalho, visando à preparação para o trabalho produtivo de
graduandos que frequentem o ensino regular, o qual objetiva o aprendizado de
competências próprias da atividade profissional e a contextualização curricular, buscando
o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho (Ministério da Justiça,
2008). Nesse contexto, tem-se a proposta de estágios básicos, que segundo o Regulamento de
Estágios Curriculares do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Piauí – UFPI, Campus
Ministro Reis Veloso – CMRV (Ministério da Educação, 2010) consiste em uma das etapas de
formação básica, cujo objetivo central é integrar, através de planos de ação e intervenções numa
dada realidade social, conhecimentos e habilidades básicas desenvolvidas na dinâmica curricular
do Curso de Psicologia.
O estágio básico ocorre em três semestres letivos: 2º, 4º e 6º, respectivamente estágios
básicos I, II e III. Sua operacionalização comporta: componente orientação (em sala de aula, com
1 hora semanal) e componente prática (no local, com 3 horas semanais) totalizando 60 horas ao
final de um semestre letivo. Este relatório foi elaborado por alunos que se encontram no segundo
período do curso de Psicologia da UFPI– CMRV, portanto no estágio básico I, sendo proposta
uma aproximação com o campo de conhecimento e atuação profissional da psicologia, utilizando
recursos metodológicos como a observação sistemática, conversas informais com profissionais e
diários de campo (Ministério da Educação, 2010).
Escolheu-se, para a realização desse estágio básico I, a Delegacia Especializada em
Atendimento à Mulher (DEAM) na cidade de Parnaíba, Piauí. Esta instituição faz parte do
complexo de Delegacias Evaldo Dias de Farias que foi fundado em Agosto de 2015, tendo como
órgão mantenedor a Secretaria Estadual de Segurança do Governo do Estado do Piauí, atendendo
toda a planície litorânea (composta por 14 municípios no entorno da cidade de Parnaíba). Tal
local foi selecionado tendo em vista a grande demanda organizacional que a instituição apresenta,
além das situações de vulnerabilidade das vítimas que requerem o serviço.
Segundo a Portaria No.008-GDG/NA 2017, esta Delegacia é responsável pela apuração das
infrações penais envolvendo: (a) violência contra mulher baseada em gênero; (b) crimes em que
crianças e adolescente forem vítimas; (c) crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente;
(d) crimes de feminicídio (Secretaria Estadual de Segurança do Piauí, 2017).
Método
Contou-se com uma amostra de 07 (sete) funcionários, sendo 01 (um) Delegado Regional, 01
(uma) Escrivã de Polícia (Chefe de cartório), 03 (três) Agentes de Polícia Civil (duas do sexo feminino
e um do sexo masculino), 01 (uma) Técnica de Apoio Policial, 01 (uma) Assistente de Serviços II; e 02
(duas) Estagiárias. Eventualmente contava-se com um número variável de depoentes (testemunhas,
vítimas e agressores), acompanhantes de depoentes, funcionários de outras delegacias (agentes,
delegados, etc.), advogados, vendedores ambulantes, entre outras pessoas.
O instrumento pelo qual se realizou essa pesquisa foi a observação sistemática. Segundo Gil
(2009), esse tipo de observação é frequentemente utilizado em pesquisas que têm como objetivo
a descrição precisa dos fenômenos e para isso elabora-se previamente um plano de observação.
Nesse plano são definidas categorias que orientam a coleta, análise e interpretação dos dados
(atos, atividade, significados, participação, relacionamentos, situações).
O estágio foi realizado através de cinco visitas técnicas, nas seguintes datas: 19/09/17;
26/09/17; 03/10/17; 10/10/17; 17/10/17. O horário de início era às 09:00h e o término às 12:00h.
Os estagiários se distribuíram entre os espaços físicos da Delegacia (recepção, cartório, gabinete
do Delegado), revezando entre duas duplas e observações individuais.
Resultados e Discussão
Humanização no Ambiente de Trabalho
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jurídico e psicológico nas DEAM’s. Além disso a ocorrência de reuniões entre os serviços seria
bastante necessária levando em consideração o pensamento de Maslow (2000), segundo o qual,
o relacionamento interpessoal (necessidade social), conforme o fator higiênico, segundo a teoria
herzbergiana – deve se pautar pelo diálogo, sem o qual a relação entre os indivíduos resvala para
conflitos vários.
Estrutura Física
No que tange a estrutura física, nota-se que a DEAM de Parnaíba, encontra-se em um local
improvisado onde antes funcionava uma escola, sendo as salas de tamanho reduzido, espaço
limitado e com distribuição inadequada, estando em desacordo com várias recomendações
da Norma Técnica de Padronização das DEAM’s. Chama atenção a ausência de ambientes
que separem agressor e vítima na sala de espera. Para solucionar esta questão algumas vezes
são marcados depoimentos de agressores e vítimas em datas diferentes. No entanto, em dias
de audiência, muitas vezes, ambos permanecem lado a lado, ocorrendo situações de ameaças e
discussões veladas, de agressores em relação às vítimas, que foram presenciadas durante o estágio.
A DEAM de Parnaíba conta com uma área de espera externa, sem conforto, sem painel de
informações, sem sistema de senhas, sem funcionário para dar esclarecimentos. Conta também
com uma brinquedoteca, o que revela especial atenção em relação ao público infantil, sendo
um ponto positivo encontrado na precária estrutura física. O Cartório é pequeno e conta com
6 mesas e cadeiras onde se acomodam 2 Estagiárias, 1 Assistente de Serviços, 2 Agentes de
Polícia e, às vezes, 1 Escrivã. A Técnica de Apoio Policial, que supostamente seria responsável pela
brinquedoteca e por organizar a demanda, não tem um espaço físico definido no Cartório, assim
como um dos Agentes de Polícia.
Apesar do espaço reduzido, observa-se uma razoável organização e limpeza do ambiente.
A iluminação e temperatura também parecem adequados. Por outro lado, os móveis são antigos
e pouco confortáveis. Dejours (1994) afirma que as condições de trabalho prejudicam a saúde
do corpo do trabalhador, enquanto a organização do trabalho atua no nível do funcionamento
psíquico. Nesse sentido, na DEAM de Parnaíba é notório observar que as condições de trabalho
podem acabar desencadeando fatores negativos em relação à saúde física dos trabalhadores.
Entretanto, o que mais chama atenção se refere à organização do trabalho no sentido de: acúmulo
de pessoas, o barulho e a sobrecarga de demandas, podendo ocasionar estresse nos funcionários
e nos usuários.
Desvio de Função
Carga Horária
Em relação à carga horária, nota-se um déficit bastante grande, pois na DEAM de Parnaíba,
a Delegada e os Policiais trabalham em uma carga horária de 40 horas semanais, os Funcionários
Administrativos trabalham 30 horas semanais e os Estagiários 20 horas semanais. Contudo,
devido à grande demanda de denúncias, esta é insuficiente.
A exemplo, casos ocorridos no sábado e no domingo só são atendidos na segunda-feira,
unindo-se às demandas deste dia, acumulando e desencadeando estresse nos funcionários
e usuários do serviço. Entretanto, segundo a Norma Técnica de Padronização da DEAM, o
atendimento qualificado deve ser ofertado de forma ininterrupta, nas 24 horas diárias, inclusive
aos sábados, domingos e feriados, em especial nas unidades que são únicas no município, como
é o caso da DEAM parnaibana.
Plano de Atuação
Objetivo Geral: Assegurar o contato dos acadêmicos com situações e contextos da Delegacia
Especializada de Atendimento à Mulher de Parnaíba, permitindo que o acesso a conhecimentos
práticos e habilidades capacitem os estudantes a desenvolverem atividades baseadas em condutas
éticas e profissionais de acordo com Psicologia Organizacional e do Trabalho.
Objetivos Específicos: propor atividades e ações voltadas para a melhoria do processo de
humanização no ambiente de trabalho; sugerir práticas direcionadas a melhores condições na
estrutura física do local em que funciona a organização; implementar medidas de aprimoramento
da postura profissional no exercício da atividade laboral; incentivar mudanças e propor alternativas
para os desvios de funções que ocorrem frequentemente entre os cargos desempenhados na
organização; levantar a possibilidade de estender o horário de funcionamento da DEAM.
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Cronograma de Atividades Propostas para a Organização
Tabela 01
Cronograma de atividades
Atividades NOV DEZ JAN
Reuniões semanais sobre a Norma Técnica X X
Palestra sobre ética, postura profissional e POT X
Rodas de conversa sobre competências X X X
Reuniões com serviços de apoio X X X
Criação de painel informativo X
Preparação de inventário X X
Encaminhamento de inventário às instâncias competentes. X
Considerações Finais
Referências
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formação, 2.
Zanelli, J. C., & SILVA, N. (2008). Interação humana e gestão: a construção psicossocial das
organizações de trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Introdução
N
a última década, os avanços tecnológicos ocasionaram em mudanças consideráveis
na dinâmica de comunicação, gerando um novo espaço para a ciber-socialização
utilizado tanto por adultos quanto por adolescentes em suas relações sociais.
Esta nova modalidade de comunicação virtual se dá através de telefones celulares, aplicativos de
mensagens instantâneas (e.g., WhatsApp, entre outros) e redes sociais (como Facebook, Instagram,
Twitter ou Badoo). Estes avanços levaram ao surgimento de fenômenos novos, a exemplo o sexting
e, consequentemente, o interesse científico nessas novas realidades aumentou (Rodríguez-Castro,
Alonso-Ruido, Fernández, Fernández, & Fernández, 2017).
O termo sexting foi criado no século XXI nos Estado Unidos, deriva do inglês e resulta da
união de duas palavras sex (sexo) e texting (envio de mensagens), é definido como a troca de
mensagens de textos, fotos ou vídeos sexualmente sugestivos e/ou provocantes por intermédio de
smartphone, internet ou redes sociais (Chalfen, 2009). Esse conceito faz menção a uma prática
sociocultural, que se constitui no compartilhamento pela internet de fotos, vídeos e mensagens
escritas com teor erótico/sensual/sexual, por intermédio de algumas tecnologias digitais (e.g.,
smartphones, celulares, e-mails, sites de redes sociais, webcams, entre outras), com pessoas
próximas e conhecidos/as (como namorados/as, “ficantes”, “paqueras”, amigos/as) ou para
desconhecidos/as (Chalfen, 2009).
O sexting tem sido divido em categorias, de acordo com o assunto descrito nas imagens
que inclui o “sexting primário” que é o compartilhamento dos próprios sexts, enquanto “sexting
secundário” é o compartilhamento de sexts que retratam alguém; e conforme os objetivos por trás
dos comportamentos de sexting, que inclui o “sexting experimental” que é o compartilhamento sem
intenção de prejudicar alguém e o “sexting agravado” implica na intenção de prejudicar alguém
(Calvert, 2013; Wolak, Finkelhor, & Mitchell, 2012).
Nesse sentido, podem ser consideradas expressões de sexting agravado (Bianchi, Morelli,
Baiocco & Chirumbolo, 2016) o “compartilhamento de sexts não permitidos” referindo-se ao
compartilhamento e encaminhamento de sexts retratando outra pessoa sem sua permissão
(Morelli, Bianchi, Baiocco, Pezzuti, & Chirumbolo, 2016) e o “sexting indesejável, mas consensual” que
acontece quando alguém envia um sext em resposta a pressão do parceiro, fenômeno relatado
por cerca de 50% dos jovens adultos (Tobin & Drouin, 2013). Ambos são sexting não permitido e
indesejado, mas consensuais, expressando comportamento agressivo, que podem ocorrer entre
parceiros de namoro ou ex-parceiros (Morelli, Bianchi, Baiocco, Pezzuti e Chirumbolo, 2016).
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O sexting está se tornando algo corriqueiro (Walrave et al., 2015), que além de estar se
tornando algo comum, há evidência de estar associado danos e riscos psicológicos, físicos e
sociais (Henderson & Morgan, 2011; Houck et al., 2014).
De acordo Delevi e Weisskirch (2013) certos traços de personalidade podem aumentar a
probabilidade de praticar o sexting. Conforme Rebollo e Harris (2006) a palavra personalidade
refere-se a padrões de atitudes e comportamentos que são característicos de um determinado
indivíduo, de forma que os traços de personalidade se diferem de uma pessoa para outra, sendo
relativamente constantes e estáveis em cada pessoa.
O modelo dos Cinco Grandes Fatores da Personalidade ganhou espaço nos estudos sobre
a personalidade, principalmente por apresentar uma base empírica sólida, emergindo com
diferentes medidas e métodos de extração dos fatores (Monteiro, 2014) e também por ser um
dos modelos mais empregados para descrever a estrutura da personalidade dentro da teoria dos
traços, principalmente da personalidade adulta do ponto de vista psicométrico, considerado uma
teoria explicativa e preditiva da personalidade humana e de suas relações com a conduta (Garcia,
2006).
Os cinco fatores de personalidade são representados originalmente pelas iniciais OCEAN
(Openness to experience, Conscientiousness, Extraversion, Agreeableness e Neuroticism), ainda que traduções
sejam verificadas um pouco diferentes na literatura, no presente estudo a seguinte classificação é
adotada (Binet-Martínez & John, 1998):
Método
Trata-se de uma revisão sistemática da literatura dos artigos científicos sobre a personalidade
como preditor do sexting. Para garantir a qualidade a presente revisão foi realizada de acordo com
as diretrizes sugeridas por Koller, Couto e Hohendorff (2014).
Deste modo, elaborou-se o seguinte plano de trabalho: 1) delimitação da questão a ser
pesquisada; 2) escolha das fontes de dados; 3) eleição das palavras-chaves para busca; 4) busca
e armazenamento dos resultados; 5) seleção de artigos pelo resumo, de acordo com o critério de
inclusão e exclusão; 6) extração dos dados dos artigos selecionados; 7) avaliação dos artigos e 8)
síntese e interpretação dos dados.
A pesquisa foi realizada em quatorze bases de dados: ERIC, Gale, JSTOR, PSyINFO, PubMed/
MedLine, SAGE, Science Direct, SCOPUS, Web of Science, BVS, LILACS, PePSI, SciELO e Periódico
CAPES. Os descritores em inglês e português foram: 1) Sexting AND Personalidade 2) Sexting
AND Personality 3) Sexting; Personality 4) Sexting; Personalidade.
Os critérios de inclusão empregados foram: artigos científicos publicados entre o ano de
2013 até 05 de Julho de 2017, nos idiomas Inglês e Português, cujos objetivos e resultados se
referissem a personalidade, especificamente os traços da personalidade como preditores do
sexting. Os critérios de exclusão se referiram a pesquisas que não correlacionasse as variáveis, teses
e dissertações.
Resultados
A busca nas bases de dados resultou no total de 368 artigos, nas seguintes bases de dados:
SciELO (n = 0), Pepsic (n = 0), BVC (n = 2), Lilacs (n = 0), Scopus (n = 0), Science Direct (n = 106),
Sage (n = 0), Pubmed (n = 08), PsycINFO (n = 0), JSTOR (n = 21), Gale (n = 0), ERIC (n = 0),
Periódicos CAPES (n = 231).
A partir dos critérios de inclusão e exclusão foram encontrados 368 artigos, sendo que três
corresponderam aos critérios de inclusão, dois localizados no Periódicos Capes e um no PubMed.
A seleção inicial destes artigos ocorreu através de seus títulos e resumos, sendo excluídos, neste
processo artigos que não apresentaram estudos correlacionando os traços da personalidade e
sexting. Foram analisados uma amostra total de três artigos, destes dois foram encontrados no
Periódico capes e um no PubMed, como pode ser visto na Figura 1.
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Figura 1. Fluxograma do levantamento em bases de dados
368 artigos
Busca realizada nas bases de dados
363 artigos
Excluídos conforme os critérios de exclusão
3 artigos
Analisados e incluidos
Observou-se nos artigos analisados, que um foi publicado no ano de 2013 nos Estados
Unidos Figura 1. Fluxograma
e os demais artigosdo
nolevantamento
ano de 2017emnabases de dados
Espanha e Nigéria, e que estes são de cunho
quantitativo, como apresentado na Tabela 1.
Observou-se nos artigos analisados, que um foi publicado no ano de 2013
Tabela 1. Caracterização dos estudos
nos Estados Unidos e os demais artigos no ano de 2017 na Espanha e Nigéria, e que
estes são de cunho quantitativo, como apresentado na Tabela 1.
Id Título do Estudo Ano País Delineamento
Personality factors as predictors 2013 Estados Quantitativo
1.
of sexting Unidos
Id Título
Sexting do Estudo
among Spanish 2017Ano País
Espanha Delineamento Quantitativo
2. adolescents:
Prevalence and personality profiles
1. Personality factors as predictors 2013 Estados Quantitativo
of sexting
Sexting: Prevalence, Predictors, 2017 Unidos
Nigéria Quantitativo
and Associated Sexual Risk
3. Behaviors
2. Sexting among
among Spanish 2017 Espanha Quantitativo
Postsecondary School Young
adolescents:
People in Ibadan, Nigeria
Prevalence and personality profiles
Discussão
A partir dos resultados encontrados, foi observado que a quantidade de estudos realizados
relacionando os traços da personalidade como preditor do sexting é ainda é pouco expressiva.
Um artigo foi publicado no ano de 2013 e após três anos, até Julho de 2017 foram publicados
2 artigos, publicados em diferentes países, a saber Estados Unidos, Espanha e Nigéria, observou-
se ainda que os estudos sobre personalidade e sexting são de cunho quantitativo.
Conclusão
Este estudo teve como objetivo revisar a literatura cientifica sobre a personalidade como
preditor do sexting. De um modo geral, este estudo possibilitou uma observação do panorama das
últimas pesquisas sobre personalidade relacionado com o sexting. Observou-se que a produção
científica em que há correlação entre sexting e personalidade ainda é escassa.
Uma sugestão para futuros estudos seria a realização de uma análise de estudos somente
sobre o sexting, para que houvesse uma visão geral e mais abrangente sobre o a temática no geral
e observar os estudos em contexto nacional como internacional.
Referências
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Introdução
O
marco legal da Reforma Psiquiátrica brasileira, a Lei n. 10.216, conta com dezessete
anos desde sua homologação, no ano de 2001. Assim como outras cidades do
país, Fortaleza cria seus primeiros serviços de atenção à saúde mental com ênfase
em relações comunitárias, antes deste marco legal. O primeiro Centro de Atenção Psicossocial
de Fortaleza data do ano de 1998. Desde então, ocorre um aumento significativo dos serviços
substitutivos aos hospitais psiquiátricos na cidade. A redução do número de hospitais psiquiátricos,
o aumento da criação de serviços substitutivos, o aumento de contratação de profissionais nestes
serviços, a regulamentação do trabalho da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e o aumento
orçamentário para os serviços são dados verificados na cidade de Fortaleza, no período que
se estende de 2007 à 2016, conforme estudo realizado por Fernandes (2016), e que refletem o
cenário de âmbito nacional.
A atenção à saúde mental tornou-se tema de suma importância e emergente
internacionalmente, neste último ano de 2017, devido a Organização Mundial de Saúde (OMS)
apresentar que a depressão é a doença responsável pela maior perda de produtividade no mundo
(OMS, 2017), resultando na produção de campanhas de sensibilização internacional sobre o
adoecimento mental. O adoecimento mental passa ter neste momento uma visibilidade até então
não alcançada, situação que se distingue significativamente às décadas de 1960 a 1980, período
no qual se fazia necessária a sensibilização para uma nova forma de cuidado com as pessoas
em sofrimento mental. Atualmente o Brasil é signatário de diversos acordos internacionais que
indicam a importância da vinculação da saúde mental com a atenção básica, indicando o cuidado
em comunitário, caminhando no sentido de inserção do sujeito em sofrimento mental na vida
social, mitigando o estigma desse tipo de adoecimento.
Assim, a pauta da reforma psiquiátrica de transformação da assistência à saúde mental
tem sido efetivada, seja no âmbito micro político de Fortaleza, seja no âmbito macro político
dos acordos internacionais. Todavia, entre o vasto grupo de estudos que tomam como objeto a
reforma há um consenso: a reforma psiquiátrica não está consolidada.
O cenário atual, então, nos parece contraditório, visto que, chega-se a quase duas décadas
da homologação legal da reforma, com o avanço da oferta de serviços substitutivos, ocorre a
redução do número de hospitais psiquiátricos, concomitante a um momento de preocupação
internacional com a questão da saúde mental, e ainda assim, há o consenso da não consolidação
da reforma psiquiátrica. Há uma incongruência, pois o que atualmente foi alcançado pela
1384 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
reforma, mesmo que represente o que antigamente se ansiava, atualmente não é fator de conforto
e justificativa de comemoração, visto o consenso de não consolidação da reforma. Entendemos
que esta incongruência nos convoca a decidirmo-nos por um de dois caminhos: o primeiro,
similar ao processo psicológico de fuga, nega qualquer problemática e toma o alcançado como
uma parte da conquista, entendendo que para total consolidação da reforma, seria necessária
apenas ajustes e melhoras, como formação adequada dos profissionais e melhorias na gestão
dos serviços; ou o segundo, que vivencia o sofrimento e assume a problemática, percebendo o
alcançado como resultado preponderante do interesse econômico vigente, e a necessidade de se
construir outras formas de assistência à saúde mental.
Fazemos a escolha pelo segundo caminho, de acolhimento da problemática, entendendo
que os resultados alcançados pela reforma são oriundos preponderantemente de interesses
econômico, sendo que essa decisão trata-se de uma leitura específica da assistência à saúde
mental. O objetivo deste trabalho será, portanto, apresentar essa leitura da história da assistência
psiquiátrica em Fortaleza, relacionando-a com a história nacional, à luz da teoria crítica. Assim,
se evidenciará os resultados alcançados até aqui pela reforma psiquiátrica, como mais uma etapa
da influência econômica na estruturação da assistência psiquiátrica no país.
Desenvolvimento
O início da Reforma Psiquiátrica Brasileira é indicado por Amarante (1995), com a crise da
Divisão Nacional de Saúde Mental (Dinsam), órgão do Ministério da Saúde, em 1978, devido à
deflagração da greve de profissionais e estagiários. A partir desta greve se constitui o Movimento
dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), o qual terá como pautas de reivindicação: melhorias
de condições de trabalho, como regularização de contratos, redução de carga horária, aumento
salarial; crítica à cronificação do manicômio e o uso do eletrochoque; melhores condições de
assistência e humanização dos serviços (Amarante, 1995). A crítica ao modelo médico-assistencial
surge no movimento, ainda conforme Amarante (1995), quando este analisa documentos do
MTSM, constatando críticas ao modelo biológico priorizado pela Dinsam e inviabilidade de uso
de recursos modernos da medicina para tratar os doentes mentais. Parece-nos alinhado com as
reivindicações do MSTS, o clamor de De-Simoni, por mais humanidade no tratamento dado aos
loucos e por condições que permitam a execução das práticas avançadas da medicina, quando
ele diz:
[...] vós que tanto clamais cotidianamente contra a opressão, a tirania, e a barbaridade;
vós que tanto pugnais pela liberdade política do homem, e tanto temeis a sua perda, e o
ferrolho da masmorra, virai-vos um instante para outro lado, para o qual a nossa voz, a
da humanidade, e o vosso mesmo interesse vos chama. Vede esses infelizes, que tiveram o
infortúnio de perderem o juízo, e que gemem presos em um local, que, longe de lhes servir de
asilo salutar e protetor contra seus males, concorre, pela sua insuficiência, e pouco próprias
condições, a exasperar esses males, a torná-los incuráveis, a aumentar sua desgraça, e a
apressar o termo de seus dias. [...] estendei-lhes a vossa mão caridosa, e tirai-os do cárcere
onde gemem. Seus tiranos opressores são a sua enfermidade, a falta dos meios apropriados
a vencê-la. (De-Simoni, 2004, p. 159)
Não seria extravagante atribuir o trecho a um dos documentos utilizados por Paulo Amarante
ao analisar o MSTS, entretanto, trata-se de um trecho de artigo publicado originalmente em 1839.
Mesmo demandas trabalhistas, já se encontram nesse texto, quando ele apresenta a situação
de trabalho estafante dos dois únicos médicos da instituição, como a falta de formação, a
preciso discordar de Amarante (1995a, p.91), o qual entende que uma reforma psiquiátrica
concreta somente inicia em fins da década de 1970. Fica cada vez mais explícito o fato de
que a história da saúde mental no Brasil é uma história de reformas iniciadas concretamente
desde o início do século XX e que, após 1960, seguiu por duas frentes: a do fortalecimento
dos manicômios privados e a do aumento da intervenção psiquiátrica na comunidade [...]
(2010, p. 98)
1386 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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objetivo de atender soldados, justificando sua vinculação aos Fortes. (Montesuma et al., 2006)
Fortaleza esperará mais de um século, desde sua fundação em 1726, para receber o seu primeiro
hospital, a Santa Casa de Misericórdia, inaugurada em 1861, resultante de ações governamentais
pontuais, não planejadas, no combate às epidemias de alta letalidade, do período, como “varíola,
1824/5; febre amarela, 1851/3; cólera, 1862; e varíola, 1877/8” (Montesuma et al., 2006, p.10).
A imigração da seca, que ocorre desde os tempos de fins de ocupação do território cearense,
apresenta-se como fator importante para o entendimento dessa dinâmica existente, entre
o desinteresse econômico, a ocorrência de epidemias e a construção de serviços de saúde, ela
especificará a história da atenção à saúde mental de Fortaleza. A seca de 1877/9 é marco divisório
nesse processo. Cem mil (100.000) é o número de retirantes, em 1877, que chegam à Fortaleza,
que tem, então, uma população de 27 mil habitantes (Neves, 1995, p.102). As condições sociais
que se estabelecem são dramáticas e alarmantes. Conforme Neves, “Epidemias, crimes, desacato à
recatada moral das famílias provincianas, tragédias indescritíveis se desenvolvem à vista de todos:
assassinatos, suicídios, saques, loucura, antropofagia! A ordem do mundo parecia ter perdido
seus referenciais.” (1995, p. 94)
A mortalidade atinge números extremos:
ocorre uma epidemia de varíola que, em apenas dois meses, vitimou 27.378 retirantes nas
proximidades de Fortaleza. No ano seguinte, o número de óbitos foi de 24.849, tendo ficado
tragicamente famosa, como o “dia dos mil mortos”, a data de 10 de dezembro de 1878.
(Montesuma et al, 2006, p.11)
O abarracamento dos retirantes, em diversos locais aleatórios da cidade, como forma inicial
da contenção espacial desses, que até então ocupam as ruas, abrigando-se sob as arvores e praças,
de Fortaleza, surge como resposta à situação.
Esse processo de contenção espacial do retirante nos parece ocorrer de outras formas
institucionais, distintas ao abarracamento, quando tomarmos, ainda, no ano de 1877, o ato
de colocação da pedra fundamental da construção do Asilo de Alienados São Vicente de Paulo
(Bleicher, 2015, p. 147), o qual será aberto em 1886 como o primeiro manicômio de Fortaleza,
e do Ceará. A justificada apresentada para a construção do manicômio corrobora com nosso
entendimento, visto que o caráter de cuidado clínico, terapêutico, do estabelecimento não é
revindicado, mas antes, de forma explicita, o seu papel de contenção social, pois:
Para o vice-provedor interino da Santa Casa, Victoriano Augusto Borges, esta construção
seria urgente pela necessidade de recolher os loucos, já que ofendiam a moral e os bons
costumes e importunavam os transeuntes (Bleicher, 2015, p. 147)
Evitar o contato dos retirantes com a cidade, cercá-los num único local onde possam ser
fiscalizados, dirigir para esse local toda a assistência pública ou privada, gerenciar a mão-
de-obra disponíveis para as obras de utilidade do governo, organizar centralizadamente
a imigração para a Amazônia diretamente do campo; assim o aformoseamento
[embelezamento que passa Fortaleza] não sofre o impacto das “fisionomias marcadas pelo
rictus da miséria”, como vê R. Teófilo, nem da “promiscuidade e imundície aos olhos de
milhares de espectadores”. (Neves, 1995, p. 105)
1388 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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de base fascista, justificando-se pela eugenia (Costa, 2006). A evolução e o desenvolvimento
dessa psiquiatria fascista nos parecem muito bem alinhada à perspectiva de instalação de campos
de concentração no Ceará, que somente deixarão de existir, no período de construção de mais
hospitais psiquiátricos e o início da atividade privada nesse setor.
Data de 1935 o primeiro hospital psiquiátrico privado de Fortaleza e do Norte-Nordeste, a
Casa de Saúde São Gerardo (Bleicher, 2015). A ampliação de hospitais psiquiátricos em Fortaleza
seguirá até 1969.
Em 1948 é fundada a Casa de Saúde Antônio de Pádua. O Hospital Colônia de Psicopatas
é fundado em 1963, que depois passará a ser denominado do Hospital de Saúde Mental de
Messejana (Sampaio, 1988). Em 1967 é inaugurada a clínica Dr. Suliano e o Instituto de Psiquiatria
do Ceará-IPC. No ano de emissão do Ato Institucional nº 5, que torna a ditadura militar do Brasil
explícita, em 1968, são fundadas a Casa de Repouso Nosso Lar-CRNL e a “unidade prisional
Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes–IPGSG, existente até os dias atuais, sem nunca
ter passado por nenhuma reforma ou adaptação de sua estrutura” (Diário, 2011 como citado
em Bleicher, 2015, p. 166). O último hospital psiquiátrico construído em Fortaleza é inaugurado
em 1969, o Hospital Mira y Lopez – HML, consolidando o complexo manicomial da cidade de
Fortaleza, que dispõe de nove hospitais psiquiátricos.
A proximidade da constituição de serviço de atenção à saúde mental, em Fortaleza, com
a experiência dos campos de concentração e com a consolidação da psiquiatria, em caráter
eugênico fascista, descrito acima, acabará por influenciar a história da atenção à saúde mental
da cidade, perpetuando-se nesses novos manicômios construídos. Tal ponderação se afirma ao
considerarmos os diversos relatos que denunciam as condições de horror no tratamento dado
aos sujeitos nesses espaços. Remeteremo-nos diretamente aqui apenas a dois de forma literal, ao
Asilo de Alienados e ao Hospital de Saúde Mental de Messejana, este o último manicômio público
construído em Fortaleza e aquele por ser o primeiro serviço específico de atenção à saúde mental
no Ceará. Sobre o Asilo de Alienados o texto de Geraldo Duarte, contribui para termos uma visão
do horror vigente nos anos 60, nesse espaço:
Naqueles vãos, verdadeiros farrapos humanos, alguns com pulsos e tornozelos atados por
cintas de couro, inertes ou agitados, deitavam-se no piso, depois do tratamento com choque
elétrico.(...) Semelhante a autômatos ou zumbis (Duarte, 2009, p. s/n).
A caracterização dos sujeitos como zumbis, resultantes das práticas vigentes nesse espaço,
coincide com a forma de definição utilizada para os prisioneiros dos campos de concentração
nazista (Agambem, 2008).
Sobre o Hospital de Saúde Mental de Messejana, em estudo da sua gestão no período
de 1979/83, Sampaio (1988), no trecho intitulado como o fedor da morte e o fedor do asilo,
descreve o episódio, em que o corpo de uma paciente somente é sepultado após duas semanas
de morta, devido a suposto esquecimento do corpo em um pavilhão abandonado. Episódio, este,
que evidencia a banalização da morte dos sujeitos ali internados, ocorre a perda da dignidade
perante a morte, novamente, como se deu os campos de concentração nazista (Agambem, 2008).
Os anos que se seguem comporão o período da última reforma psiquiátrica, à qual,
conforme citação já realizada acima, Amarante atribui o início à crise da DISAM. Esta reforma
psiquiátrica tem como forte influência a psiquiatria democrática italiana, tendo Franco Basaglia
como principal referência. O fundamento teórico desta tendência se dá que o manicômio é o
criador do adoecimento mental, sendo necessário o fim dessa instituição. A reforma psiquiátrica
ao adotar esse referencial acaba por abrir mão de um posicionamento mais radical.
Esse posicionamento reformista constitui-se antes como uma forma de controle do sistema
não pela imposição de determinada ordem, mas sim pela produção de possibilidades reduzidas
(Lima, 2010). Isto é, ao entendermos que a atual reforma psiquiátrica não é radical, não se trata
de afirma-la como uma imposição da ordem vigente, mas antes percebê-la como produzida pelo
sistema, como única, ou uma das poucas, soluções viáveis de ser realizada. A reforma psiquiátrica
vista como fruto da luta de movimentos sociais, por condições humanas no tratamento da loucura
e até mesmo por melhoras trabalhistas, serve-se como boa opção de fachada aos interesses do
sistema, seja para que não tenha ocorrência de embate por transformações sociais profundas, visto
que o movimento da reforma ter aberto mão da luta pelo enfrentamento da desigualdade social,
seja ainda, ao servir de argumento do avanço da atenção à saúde mental junto à comunidade
internacional.
Data de 14 de dezembro de 1999 a apresentação da petição do caso Damião Ximenes1
junto a Corte Interamericana de Direitos Humanas (CIDH) (2010), que resultará na primeira
condenação do Brasil nesta corte. Passaram apenas um ano e três meses, dessa data, para que
o projeto de lei, o qual estava há nove anos em tramitação, fosse aprovado, resultando a Lei
10.216/2001. A relação entre o caso Damião e a modificação nos serviços de atenção à saúde
mental, no Brasil, já é explicitada por Pontes (2015), ao se debruçar sobre o caso Damião Ximenes
e sua repercussão nos serviços de saúde mental, em sua dissertação. Dirá ela:
as iniciativas estatais dos últimos anos implementadas no campo da saúde mental brasileira
não são de reconhecimento democrático da saúde mental, nem politicamente voluntárias
como parecem. E, assim mostramos o porquê de todos os “avanços” da saúde mental
brasileira do Pós 4 de outubro de 1999 e justificamos o fato destes “avanços” serem enviados
em forma de Relatórios ao Tribunal da Corte IDH. (Pontes, 2015, p. 237)
[...] está em debate a forma de tratamento dispensada pelo Estado brasileiro às pessoas
portadoras de transtornos mentais, cabe destacar que o Estado demonstrou ter
implementado, nos últimos anos, uma política reconhecida internacionalmente, com ênfase
na não-internação e nos direitos humanos dos portadores de sofrimento psíquico. Essa medida
tomou por base décadas de atuação dos movimentos sociais, particularmente os de luta antimanicomiais,
sendo o retrato da democratização da saúde pública brasileira. (PIAFBCXL, 2006 como citado em
Pontes, 2015, p.109) [ grifo nosso]
O caso Damião Ximenes, corresponde à morte de Damião Ximenes Lopes, ocorrida no Hospício Guararapes,
1
localizado na cidade de Sobral, na data de 4 de outubro de 199, após três dias de internamento no estabelecimento,
vítima de “morte violenta causada por traumatismo crânio-encefálico” (Pontes, 2015, p.222).
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social, servindo este como avalista do estado brasileiro, será ele usado como ferramenta
por este.
A relação do caso Damião e do avanço da atual reforma psiquiátrica, confirmando-a como
resultante de uma conveniência do sistema, por fim se fecha, ao tomarmos os interesses nas
repercussões do julgamento do Brasil na Corte IDH. Sobre isso o trabalho de Ceia (2013), que
analisa os casos de condenação do Brasil na referida corte, pode nos ajudar. A autora apresentará
que após condenado pela Corte, o Brasil fica obrigado a cumprir um conjunto de ações, as quais
serão fiscalizadas periodicamente, através de uma supervisão. Caso não sejam cumprida as ações:
Quer dizer, diante da insuficiência dos esforços de supervisão da Corte leva-se o caso à
Assembleia com o objetivo de gerar constrangimento ao Estado violador perante seus pares,
exercendo sobre ele pressão política, a fim de que cumpra integralmente a sentença. Nesse
contexto, a Assembleia pode emitir resolução (não vinculante) recomendando aos demais
Estados-Partes da OEA que imponham sanções econômicas ao Estado violador até que haja
o cumprimento da sentença. (Ceia, 2013, p. 148)
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Introdução
O
termo “valores” é utilizado cotidianamente e, segundo Tamayo e Porto (2009),
é estudado desde os tempos mais remotos. Entretanto foi apenas em 1970 que
pesquisas sobre Valores Humanos ganharam importância e despertaram interesse
de autores de diferentes áreas, como antropologia, filosofia e Psicologia (Ros, 2006).
Segundo Ros (2006), Rockeach é o primeiro autor a discutir a centralidade dos valores para a
Psicologia Social. Assim, Rockeach proporciona uma discussão acerca da legitimidade dos valores
como construto, influenciando diretamente nas concepções atuais (Campos & Porto, 2010),
permitindo avanços teóricos e metodológicos, principalmente em duas distintas perspectivas: a)
sociológica (cultural), com as orientações materialistas e pós-materialista de Inglehart (1977) e
os valores individualistas e coletivistas de Hofstede (1984); e b) psicológico (individual), com os
valores terminais e instrumentais de Rokeach (1973) e os tipos motivacionais de Schwartz (1992),
considerada a teoria com maior destaque, principalmente no meio acadêmico.
Não obstante, a temática dos valores humanos não está imune a críticas, principalmente no
que tange à fonte dos valores e a quantidade de valores existentes, que tendem variar de acordo
com o interesse ou necessidade do pesquisador (Gouveia, 2013). Assim, visando buscar respostas
às críticas e contribuir com o avanço científico na temática (Gouveia, Milfont, & Guerra, 2014),
Gouveia (1998, 2003) propõe um novo modelo de valores, genuinamente brasileiro, denominado
de Teoria Funcionalista dos Valores Humanos (TFVH).
Especificamente, a TFVH integra os modelos de Inglehart (1977) e Schwartz (1992), assumindo
cinco principais suposições teóricas: 1) a natureza benevolente ou positiva dos seres humanos;
2) valores como princípios-guia individuais que servem como padrões gerais de orientação
para os comportamentos, onde os valores culturais pautam-se em respostas individuais; 3) os
valores apresentam uma base motivacional; 4) consideram-se apenas os valores terminais e 5) os
valores não mudam, possuem Condição Perene e o que seria “conflito de valores” na realidade
caracterizaria uma mudança nas prioridades em decorrência das gerações (Soares, 2013).
São esses os pressupostos que permitiram a definição de valores como guias para seleção ou
avaliação de comportamentos e eventos, além de representarem cognitivamente as necessidades
humanas (Gouveia, 2013). Desse modo, a TFVH entende os valores, partindo da concepção do
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desejável, onde os mesmos são considerados categorias de orientação baseadas nas necessidades
humanas e nas pré-condições para satisfazê-las, sendo adotadas por atores sociais, variando em
termos de magnitude e/ou elementos que a define (Gouveia, 2016).
Para a TFVH existe um consenso com relação as funções dos valores humanos que seriam
duas, a saber: (1) Tipo orientação: padrões que guiam os comportamentos e ações humanas
(Inglehart, 1977; Schwartz, 1992) e inclui os valores pessoais, centrais e sociais; (2) Tipo de
motivador, que expressa cognitivamente às necessidades humanas (Maslow, 1954) e inclui valores
materialistas e idealistas.
Portanto, compreende a existência de duas dimensões funcionais dos valores, a primeira
(tipo de orientação) formada por 3 categorias valorativas e a segunda (tipo de motivador) formada
por duas. Desse cruzamento emerge um modelo 3 x 2 dos valores humanos básicos, gerando e
organizando espacialmente as seis subfunções valorativas, que são distribuídas entre três critérios
de orientação: social (interativa e normativa), central (suprapessoal e experimentação) e pessoal
(experimentação e realização); e dois tipos de motivadores: idealistas (interativa, suprapessoal
e experimentação) e materialista (normativo, existência e realização). Segundo Gouveia (2013),
subfunções valorativas são descritas da seguinte maneira:
Valores Pessoais: Enfatiza as metas pessoais, ganhos próprios e condições que favoreçam o
alcance de objetivos. As subfunções que o orientam são:
a) Experimentação. Representa as necessidades fisiológicas de satisfação, o princípio de prazer.
Compõem esta subfunção os seguintes valores: prazer, e sexualidade e emoção;
b) Realização. Tem como foco as realizações materiais. Tendo os seguintes valores
representantes: êxito, poder e prestígio.
Valores Centrais. São a base organizadora dos valores, sendo referência para os demais. É
a espinha dorsal dos valores sociais e pessoais (Gouveia et al., 2009), com as seguintes
subfunções:
c) Suprapessoal. Presente em pessoas que pensam de forma geral e ampla, importando-se
com ideias abstratas, e com menor ênfase em coisas materiais e concretas. É constituído dos
valores: conhecimento, beleza e maturidade.
d) Existência. Refere-se as necessidades cognitivas mais básicas de sobrevivência e as condições
necessárias para garanti-las, ao nível biológico ou psicológico. Composto pelos valores:
estabilidade, saúde e sobrevivência;
Valores Sociais. Enfatiza a convivência e integração aos grupos e aos atores sociais (Gouveia,
2003). Os critérios que os orientam são divididos nas subfunções:
e) Interativa. Ênfase em necessidades afetivas, como a pertença, amor e afiliação. Esses
valores são essenciais no estabelecimento e manutenção das relações, agrupando os valores:
afetividade, convivência e apoio social;
f) Normativa. Possui uma orientação social, focando-se em normas sociais e na preservação
cultural. Compondo os valores: tradição, obediência e religiosidade.
Ademais, sabe-se que esse modelo teórico tem sido consolidado empiricamente,
principalmente por meio do Questionário de Valores Básicos (QVB), no contexto brasileiro
(Gouveia et al., 2014; Medeiros et al., 2012) e em diversos países (Ardila, Gouveia, & Medeiros,
2012; Gouveia et al., 2010; Medeiros, 2011; Soares, 2015), demonstrando favoráveis evidências de
validade, precisão e poder preditivo. Sendo utilizado em diversos estudos com medidas correlatas
(ver-se Gouveia, 2013; 2016).
Método
Participantes
Participaram do estudo 152 pessoas de uma cidade litorânea do Piauí, especificamente, Luís
Correia. Os participantes apresentaram idades entre 18 e 78 (M = 27,3, DP = 9,49), a maioria eram
mulheres (54,6%), solteiras (60,5 %), com ensino médio completo (39,5%), declararam-se fazer
parte da classe social média (61,1%).
Instrumentos
Questionário de Valores Básicos (QVB): Trata-se de uma medida elaborada por Gouveia (2013),
composta por 18 itens (valores), respondidos em uma escala de 7 pontos, com os extremos
variando de 1 (Nenhuma Importância) a 7 (Extremamente Importante). Ao respondê-la a pessoa
estará indicando o grau de importância que cada valor específico tem como um princípio guia
para sua vida, além de um Questionário de caracterização sócio demográfica, composto por perguntas
como sexo, idade, escolaridade, etc.
Procedimentos
Os questionários foram aplicados em praças, residências, instituições privadas e públicas,
entretanto, todos os instrumentos foram respondidos individualmente. As instruções necessárias
foram informadas e ao menos um pesquisador esteve presente para dirimir as eventuais dúvidas,
eximindo-se de explicar os conteúdos. Aos participantes, foi informado que as respostas seriam
tratadas no conjunto, sendo garantida a confidencialidade e o anonimato das respostas. Além
disso, ressalta-se que a pesquisa respeitou todos os preceitos éticos para pesquisas com seres
humanos, obedecendo fielmente baseada nas Resoluções nº 466/12 e 510/2016 do Conselho
Nacional de Saúde. Ao concordar em participar da pesquisa, os participantes tiveram que assinar
um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram necessários em média de 10 a 20 minutos
para finalizar a participação.
Análise de dados
Os seguintes programas estatísticos foram usados para realizar as análises estatísticas dos
dados: AMOS e SPSS (ambos 21). Com o AMOS, realizou-se análises fatoriais confirmatórias
(AFCs), objetivando: (a) testar a hipótese de conteúdo, e (b) checar a validade de construto (Byrne,
2001; Joreskög & Sörbom, 1989). Considerou-se os seguintes indicadores de ajuste (Hu & Bentler,
1999; Tabachnick & Fidell, 2013):
(1) χ² (qui-quadrado). Testa a probabilidade de o modelo se ajustar aos dados; valendo-se
da razão em relação aos graus de liberdade (χ²/g.l.), que deve figurar entre 2 e 3, admitindo-
se até 5; (2) Goodness-of-Fit Index (GFI). É uma versão ponderada do AGFI, admitindo-se valores
próximos ou superiores a 0,90; (3) Comparative Fit Index (CFI). É um indicador adicional de ajuste,
admitindo-se valores próximos ou superiores a 0,90; (4) Root-Mean-Square Error of Approximation
(RMSEA). Considera intervalo de confiança de 90% (IC90%), referindo-se aos residuais entre o
modelo teórico estimado e os dados empíricos, recomendando-se valores próximos ou inferiores
a 0,05; sendo 0,08 comumente aceito, admitindo-se até 0,10.
1396 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Para comparar os modelos alternativos, contou-se com os indicadores, a saber: ∆χ²,
CAIC (Consistent Akaike information Criterion) e ECVI (Expected Cross Validation Index). Diferença
estatisticamente significativa do ∆χ², penalizando o modelo com maior χ², e valores < de CAIC e
ECVI, sugerem um modelo mais adequado.
O SPSS 21 calculou-se estatísticas descritivas (frequência, médias, desvios padrões),
consistência interna (homogeneidade e Alfa de Cronbach) das subfunções e o escalonamento
multidimensional confirmatório (MDS, com algoritmo Proxscal), testou a hipótese de estrutura.
Assim, anteriormente à criação da matriz de distâncias euclidianas, transformou-se os valores
em pontuações z. Posteriormente, a organização espacial dos valores foi definida de acordo
com a teoria, com as subfunções assumindo os seguintes parâmetros para tipo de orientação:
experimentação [1,0], realização [1,0], existência [0,0], suprapessoal [0,0], interativa [-1,0] e
normativa [-1,0];Para tipo de motivador, os parâmetros foram: experimentação [0,5], realização
[-0,5], existência [-1,0], suprapessoal [1,0], interativa [0,5] e normativa [-0,5]. Portanto, cada
valor foi forçado a ocupar uma posição específica no espaço, congruente com sua subfunção de
pertença, assumindo o nível ordinal de medida, permitindo break ties. O coeficiente Phi de Tucker
(ϕ) foi utilizado como medida de ajuste do modelo, aceitando-se valores de 0,90 ou superiores
(Van de Vijver & Leung, 1997).
Resultados
Inicialmente, foi comprovado o índice de consistência interna (α) médio de 0,43 (DP =
0,16), com alfas que variaram entre 0,56 (realização) e 0,30 (Interativa). Calcularam-se ainda as
correlações inter-itens para cada subfunção, as quais apresentaram valor médio de 0,20 (DP =
0,10).
Tabela 1.
Estatísticas descritivas, precisão do construto na cidade de Luís Correia.
Subfunção M DP α rm.i
Experimentação 4,55 (6) 1,05 0,45 0,22
Realização 4,90 (5) 1,02 0,56 0,32
Existência 6,12 (1) 0,80 0,46 0,22
Suprapessoal 5,63 (4) 0,74 0,33 0,15
Interativa 5,65 (3) 0,72 0,30 0,03
Normativa 5,81 (2) 0,82 0,47 0,28
Nota: M = média, DP = desvio padrão, α = Alfa de Cronbach, rm.i = Índice de homogeneidade.
Finalmente, por meio de uma MANOVA para medidas interdependentes, foi possível verificar
diferenças nas médias entre as subfunções [Lambda de Wilks = 0,28; F (5, 2.323) = 1.135,77, p <
0,001]. O teste de post hoc de Bonferroni mostrou diferenças entre todas as subfunções.
Hipótese de conteúdo
Para testar esta hipótese, procederam-se as análises fatoriais confirmatórias (AFC).
Inicialmente foi considerado o modelo hexafatorial, onde todas as saturações (lambda) foram
estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; t > 1,96, p < 0,05), apresentando valor médio de 0,42,
variando de 0,16 (Apoio social) a 0,74 (Êxito), com os seguintes indicadores de ajuste: χ2/ g.l. =
1,72, GFI = 0,87, CFI = 0,74, RMSEA (IC90%) = 0,07 (0,07-0,05), ECVI = 2,04 e CAIC = 514,38. A
Figura 1. Estrutura fatorial com suas respectivas saturações na cidade de Luís Correia.
Este modelo foi contrastado com os outros quatro modelos alternativos anteriormente
descritos, isto é, formado por diferentes estruturas fatoriais (um, dois, três e cinco fatores). Os
resultados são apresentados na Tabela 2.
Tabela 2.
1398 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Como pode-se observar na tabela 2, o modelo original, com seis subfunções (fatores), e
o alternativo, com cinco fatores, apresentam claramente os melhores índices de ajuste. Dessa
forma, os resultados sugerem que não seria absurdo considerar um fator gerado pela junção das
subfunções existência e suprapessoal. Portanto, parece plausível pensar que os 18 valores específicos
do QVB podem ser representados adequadamente por seis fatores, corroborando a hipótese de
conteúdo.
Hipótese de estrutura
Esta hipótese prediz que os valores centrais (suprapessoal e existência) situam-se entre os
valores sociais (normativo e interativa) e pessoais (experimentação e realização), por fazerem parte
de ambos, formando, assim, a espinha dorsal da teoria, constituindo, assim, a dimensão tipo de
orientação; sendo que os valores materialistas e humanitários compõem dois polos da dimensão
tipo de motivador. Para tanto, executou-se um escalonamento multidimensional confirmatório
(MDS com algoritmo Proxscal). Os resultados desta análise podem ser observados na Figura 2.
1400 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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1402 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS E AS NUANCES
PSICOLÓGICAS: UMA EXPERIÊNCIA EM GRUPO
Thayse Emanuelle Menezes dos Santos
Introdução
O
s transplantes de órgãos são práticas cirúrgicas capazes de salvar vidas e trazer
esperança para os pacientes acometidos por variadas doenças. A Psicologia da
Saúde precisa estar engajada na temática de doação de órgãos, pois nos deparamos
com questões sociais, clínicas e institucionais a respeito dos procedimentos que permeiam a
doação e o transplante (Bendassolli, 2001).
Vale destacar que o preparo psicológico do paciente para a realização do transplante é
necessário porque as reações são as mais diversas possíveis e depende da significação que o
receptor atribui ao órgão substituído, sua experiência de preparação para adaptar-se às novas
condições de vida, ao seu conhecimento real ou fantasioso do que esta ocorrendo, diante de tais
variáveis. Portanto, um paciente que apresenta sofrimento psíquico sobreposto ao sofrimento
físico, faz necessário entendê-lo na sua totalidade num contexto de mal-estar, de sequelas do
tratamento e hospitalização (Chiatonne, 2000).
Pratt organizou grupos de vinte a trinta pacientes tuberculosos que se reuniam uma ou duas
vezes por semana. Tratava seus pacientes como alunos, lendo para eles acerca da doença e do
método de cura e os apoiava quanto ao prognóstico. Eventualmente, havia a presença de pacientes
que melhoraram com o tratamento e os pacientes difíceis eram atendidos por uma enfermeira, em
sessões individuais. Logo, tem influência de Pratt na proposta de grupos homogêneos (que reúnem
pacientes com o mesmo sintoma) devido ao incentivo à presença de pacientes que obtiveram
sucesso com o tratamento como, por exemplo, os “Alcoólicos Anônimos” (Kaplan & Sadock,
1983).
Em 1910, Moreno descreveu o uso da psicoterapia de grupo. Criou, em Viena, o “Teatro
do Homem Espontâneo”, no qual veiculou o psicodrama e a representação de papéis utilizando
situações-problema para desenvolver a conscientização dos conflitos e propiciar sua resolução. O
psicoterapeuta (“diretor”) facilita ao paciente (“ator”, “protagonista” ou “sujeito”) a expressão
espontânea por meio da dramatização de experiências passadas ou atuais, de ansiedades e
expectativas futuras e mesmo de fantasias e sonhos, contando com a cooperação de outros
profissionais (“egos auxiliares”) ou dos membros do grupo (“plateia”). Ao final da representação,
ela é comentada com o grupo servindo de ajuda para o paciente e, também, para os demais
participantes da experiência vivida (Kaplan & Sadock, 1983).
Nesse contexto, a psicoterapia de grupo têm como base a interação e a comunicação. É um
modelo terapêutico que nasceu após a Segunda Guerra Mundial, por meio de Kurt Lewin (1978),
para o qual o fato de ouvir as pessoas falando de seus próprios problemas já era em si terapêutico.
Dessa concepção resultou uma das características atuais que é o “fator da universalidade”, isto
Método
1404 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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esteve de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (196/96) para estudos
envolvendo seres humanos. Todos os pacientes assinaram o Consentimento esclarecido.
Foi usado o Inventário de Ansiedade Beck (BAI): o BAI é um inventário autoaplicável,
composto de 21 itens, com alternativas de respostas variando entre “nada” e “gravemente”. A
pontuação total do inventário varia de 0 a 63. A classificação recomendada para a ansiedade é:
0 – 7 = ansiedade mínima; 8 – 15 = ansiedade leve; 16 – 25 = ansiedade moderada; e 26 – 63 =
ansiedade grave (Cunha, 2001).
Nas sessões 1 e 2, os pacientes receberam informações sobre os aspectos psicológicos
envolvendo o transplante e explicação da abordagem cognitivo- comportamental na terapia de
grupo, como por exemplo a reestruturação cognitiva e tarefas para casa.
Nas sessões seguintes, a terapeuta usou o Inventário de Ansiedade Beck (BAI) e trabalhou
com os pacientes a exposição às situações sociais temidas pelo grupo. Durante toda a exposição
houve a orientação sobre a reestruturação cognitiva. Os pacientes foram incentivados a corrigir
as distorções cognitivas que apareceram durante a terapia. Ao final de cada sessão, os pacientes
comentaram sobre as tarefas de casa realizadas durante a semana. Tais tarefas de casa consistiam
na exposição, na vida real, das situações que foram dessensibilizadas nas sessões de tratamento.
Resultados e Discussão
De acordo com o critério utilizado para considerar que o paciente respondeu favoravelmente
à terapia cognitivo-comportamental, 80% dos participantes do grupo de TCCG ao final de 12
semanas de acompanhamento psicoterápico foram considerados como “respondedores”, ou
seja, receberam os escores “melhorado” e “muito melhorado”.
Os pacientes relataram muitos medos sobre o procedimento falhar, mesmo sabendo
que poderia aumentar sua sobrevida. Sobre isso, Persch et al (2013) afirmam que as variáveis
psicossociais vinculadas ao transplante apresentam peso significativo para o receptor e familiar,
uma vez que os envolvidos experimentam receios, medos e preocupações acerca do procedimento
cirúrgico e o que o envolve.
No grupo, foi tão grande a disposição dos pacientes de interagirem entre si, cada um
expressando suas peculiaridades da evolução de seu transplante, da expectativa na lista de
espera, dentre outros, que a psicóloga, teve a estranha sensação de ser uma mera espectadora da
experiência que recém era instalada. Ao oferecer uma escuta empática para o grupo, foi possível
mostrar suas virtudes terapêuticas, ajudar cada um e entre eles se ajudarem. Um exemplo disso
foi o relato de um paciente transplantado há 10 anos, o qual trouxe esperança sobre o futuro dos
pacientes com transplantes recentes.
O fator terapêutico de Yalom e Vinagrodov (1991) da universalização surge em um primeiro
plano já que, nos grupos homogêneos por diagnóstico, todos têm experiências similares por
pelo menos quatro motivos: a) todos têm uma história para contar sobre o diagnóstico comum;
b) todos têm suas curiosidades estimuladas sobre as peculiaridades e os recursos criativos da
personalidade que cada um e todos utilizam para lidar com o tratamento e os desafios provocados
pela evolução da doença; c) o fator terapêutico da coesão surge espontaneamente no grupo como
se já estivesse esperando o grupo se reunir e; d) a livre discussão circulante ocorre nos grupos onde
a reabilitação anima a todos, passando esperança.
As transformações das relações emocionais que permeiam todo o procedimento de
transplante são causadas pela imprevisibilidade da dinâmica das relações existentes e dificilmente
podem ser diagnosticados por meio de protocolos clássicos. Em casos de transplante cadavérico,
sentimento de culpa no receptor muitas vezes se faz presente e alguns referem terem adquiridos
algumas características do doador por informação efetiva ou fantasias fabricadas. Em geral,
1406 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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Introdução
O
interesse inicial pelo tema Suicídio para a realização desta pesquisa surgiu a partir
de uma experiência na equipe de saúde mental no Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS), na cidade de Floriano-PI, no ano de 2013, período no qual as tentativas
de suicídio pelas pessoas atendidas no serviço faziam parte de um cotidiano que preocupava a
equipe como um todo, merecendo maiores aprofundamentos analíticos que favorecessem uma
atuação mais efetiva sobre o fenômeno.
Sentiu-se a necessidade de revisitar esta realidade, com o intuito de identificar alguma
mudança a partir da tentativa de intervenção no que se refere à redução dos índices de tentativas
de suicídio, após trabalho de conclusão que levantou o perfil sócio demográfico dos usuários
de procedimento assistidos no Centro de Atenção Psicossocial - CAPS II Adulto, que tentaram
suicídio.
Esta pesquisa constitui-se, portanto, como uma breve ampliação da discussão teórica a
respeito do tema, voltando a atenção para a perspectiva atual com relação ao suicídio, seus
índices, correlações entre ele e o transtorno mental, bem como as possibilidades de ampliação das
informações a respeito do tema. Pretende-se ainda trazer a discussão para o contexto educacional
nas instituições de ensino, uma vez que, em nossa prática profissional cotidiana como docentes,
psicólogas e enfermeiras, temos identificado constantemente situações de estudantes jovens, em
idade produtiva, com histórico de transtornos de humor. Dentre os mais comuns a depressão e
transtorno bipolar bem como transtornos mentais mais graves como episódios psicóticos, uso
de substancias entorpecentes, utilizados como forma de superar dificuldades emocionais, e por
fim alunos e alunas que em algum momento desenvolveram equivocadamente pensamentos e/ou
ideação suicida como forma de minimizar sofrimentos psíquicos intensos.
Desenvolvimento
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ou mesmo perceber o tema em discussão de um modo multidisciplinar na tentativa de chegar
até o público alvo que se deseja por meio de diversas possibilidades e intervenções continuadas
e pontuais. Acredita-se assim que as discussões propostas possam se caracterizar um caminho
através do qual seja possível compreender melhor e como resultado ajudar as pessoas com
sofrimento psíquico intenso.
“É principalmente a partir de Agostinho de Hipona (séc. V), também chamado por alguns de
Santo Agostinho, que a morte de si passa a ter uma conotação pecaminosa. Posteriormente,
1410 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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ser o suicídio admitir a morte no tempo certo e com liberdade e por fim em última análise cita Jean
Paul Sartre que compreende o suicídio como uma fuga ou um fracasso. Posições diversificadas
que deixam claro a natureza do julgamento do suicídio como positivo ou negativo e de extremos
opostos como entre Sêneca e Sartre.
A primeira teoria que tentou explicar as causas do suicídio foi a psiquiátrica a partir de Pinel
e Esquirol. Historicamente foi associada à loucura e como tal deveria ser abordada prevenindo
seus efeitos, por exemplo, a partir de um choque violento para corrigir os “defeitos mentais”.
[grifo nosso]. Em 1927, Esquirol sistematizou sua teoria a partir dos quatro tipos: escapista,
que caracteriza fuga de situações intoleráveis; agressivo que envolve subtipos como o crime, a
vingança, correio-negro e apelo e oblativo caracterizado pelo sacrifício lúdico pela necessidade de
se provar algo e o jogo (Corrêa & Barrero, 2002).
Segundo Holmes (2001, p 192) há três características próprias do estado em que se encontra
a maioria das pessoas sob risco de suicídio: “A ambivalência , o predomínio do desejo e a rigidez/
constricção” Respectivamente a ambivalência seria atitude interna característica das pessoas que
pensam em ou que tentam o suicídio. Quase sempre querem ao mesmo tempo alcançar a morte,
mas também viver. O predomínio do desejo de vida sobre o desejo de morte é o fator que possibilita
a prevenção do suicídio. Muitas pessoas em risco de suicídio estão com problemas em suas vidas e
ficam nesta luta interna entre os desejos de viver e de acabar com a dor psíquica. Se for dado apoio
emocional e o desejo de viver aumentar, o risco de suicídio diminuirá. A impulsividade que leva ao
suicídio pode ser transitória e durar alguns minutos ou horas. Normalmente, é desencadeado por
eventos negativos do dia-a-dia. Acalmando tal crise e ganhando tempo, o profissional da saúde
pode ajudar a diminuir o risco suicida. A rigidez/constrição vai caracterizar o estado cognitivo de
quem apresenta comportamento suicida é, geralmente, de constrição.
Entende-se que a consciência da pessoa passa a funcionar de forma dicotômica: tudo ou
nada. Os pensamentos, os sentimentos e as ações estão constritos, quer dizer, constantemente
pensam sobre suicídio como única solução e não são capazes de perceber outras maneiras de sair
do problema. Pensam de forma rígida e drástica: “O único caminho é a morte”; “Não há mais
nada o que fazer”; “A única coisa que poderia fazer era me matar”. Análoga a esta condição é a
“visão em túnel”, que representa o estreitamento das opções disponíveis de muitos indivíduos em
vias de se matar. Esses fatores associados ou em conjunto podem contribuir significativamente
para o aumento dos riscos de suicídio, principalmente em pessoas jovens, em idade produtiva
De acordo com o a cartilha do Conselho Federal de Medicina intitulada Suicídio: conhecer
para prevenir, lançada em 2014, o suicídio é definido como um ato deliberado executado pelo
próprio individuo, cuja intenção seja a morte, de forma consciente e intencional, mesmo que
ambivalente, usando meio que ele/ela acredita ser letal, fazendo parte ainda do que habitualmente
chamamos de comportamento suicida, os pensamentos, os planos e as tentativas de suicídio
Compreende-se a partir da conceituação acima que a sua própria definição é bastante
ampla e considera aspectos relacionados à subjetividade da pessoa que sofre. Ao considerar que o
suicídio é um ato deliberado e letal isso nos leva ao entendimento de que, a depender do nível de
sofrimento e comprometimento psíquico, a pessoa pode realizar tentativas as mais diversas. Para
uma pessoa sem a informação necessária, as tentativas não são consideradas de fato uma ideação
ou mesmo um comportamento suicida.
A exemplo disso, muitas pessoas ao tomarem conhecimento de que alguém tentou suicídio
através do uso de medicamentos, afirmam categoricamente não se tratar de uma tentativa porque
no seu entendimento quando alguém assim deseja, utiliza outros meios como arma de fogo,
enforcamento ou envenenamento. Essa compreensão dificulta o processo de entendimento sobre
o pensamento, a verbalização e mesmo a tentativa de suicídio como algo grave, independente da
forma que a pessoa escolheu para fazê-lo.
O suicídio como um problema de saúde pública no Brasil: intervenções possíveis entre saúde e
educação
1412 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Apesar dos esforços, assustadoramente observa-se que, de acordo com os dados do
Ministério da Saúde analisados no ano de 2017, permanece um aumento significativo nos casos
de suicídio no país, principalmente entre jovens de 15 a 29 anos de idade, mesmo diante da
implantação e implementação de programas e projetos que visam desconstruir os estereótipos e
preconceitos na discussão do tema e reduzir o número de mortes.
Essas constatações resultaram em um esforço mundial para tentar modificar esse panorama
desfavorável através do planejamento de políticas de saúde pública e ações específicas de combate/
prevenção ao suicídio.
Nesse sentido o Brasil tem estabelecido agenda estratégica de prevenção ao suicídio com
a finalidade de qualificar a assistência e a notificação dos casos. Uma das ações é o reforço à
prevenção através do Setembro Amarelo, da ampliação do Acordo de Cooperação Técnica com
os Centros de Valorização da Vida (CVV) em estados do país onde os números de tentativas de
suicídio aumentaram muito nos últimos anos, a exemplo do Piaui. A distribuição de materiais
direcionados aos profissionais da saúde, população e mídia além da discussão permanente de
grupos de trabalho em vigilância e de atenção à saúde e saúde indígena.
A fim de alcançar o objetivo assumido no plano de Ação e Prevenção de Saúde Mental, o
Brasil ainda desenvolve em sua agenda de ações, estratégias visando a melhoria na qualificação da
assistência em saúde mental a partir de eixos de discussão que envolvem a própria notificação das
tentativas de suicídio, o registro dos óbitos, além de estudos e pesquisas na área em discussão.
Outros eixos igualmente importantes que fazem parte dessa política são aqueles relacionados
com a prevenção ao suicídio propriamente dito. Nesse sentido o Ministério da Saúde promove
a articulação inter setorial visando o desenvolvimento de ações de promoção da saúde mental e
automaticamente a redução dos casos de suicídio.(Brasil, 2009)
Podemos pois afirmar que em tese que existem iniciativas que favorecem a ampliação das
discussões acerca da prevenção das tentativas de suicídio bem como ações mais especificas no
campo da terapêutica dos casos identificados intencionando a melhoria na qualidade da saúde
mental das pessoas que sofrem com os transtornos e no desenvolvimento de ações educativas
continuas que oriente a todos os profissionais no sentido do caminhar para a identificação de
potenciais e o suporte necessário a intervenções pontuais.
Olhando nessa direção percebemos que com o terceiro eixo de que trata o plano de ações do
Brasil, o processo de educação permanente em articulação com os serviços de saúde e de outras
políticas assistenciais, intenciona alcançar o maior número de pessoas com sofrimento psíquico
através de uma atuação mais segura e destituída de preconceitos dos mais diversos modos que
só imperam o processo de conscientização e de entendimento acerca dos fatores envolvidos nos
transtornos psicológicos. Acredita-se que desta forma, chegando aos profissionais imbuídos da
missão de cuidar seja possível igualmente chegar àqueles e aquelas que necessitam desse auxilio.
Observa-se, contudo que os investimentos vultuosos têm um foco predominantemente
voltados para as ações ligadas ao aspecto da saúde como principal possibilidade de alcance da
população que sofre. Isso nos leva ao entendimento que se faz necessário um maior investimento
coletivo de ações voltadas para ampliar as ações que visem a educação permanente dos serviços,
levando à interdisciplinaridade dos diversos saberes e assim alcançar outros espaços enquanto
possibilidade de atuação e de intervenção eficaz no combate ao crescente índice de suicídio que
nos deixa cotidianamente impactados com os números, que além de ser um dado estatístico
representa um contingente de pessoas que decidiram por algum motivo por um fim à própria vida.
Nesse sentido acredita-se que além das intervenções realizadas a partir da implementação
de ações de saúde individual ou coletiva, outros espaços como a escola precisam ser revisitados
em seu mais amplo sentido. No seu sentido conceitual onde a entendemos como uma estrutura
fixa, estável e fria, caracterizada por muros, paredes, salas de aula onde se ensina conteúdos
Considerações Finais
Os tabus que ainda cercam a temática do suicídio é algo ainda preocupante uma vez que
observamos cotidianamente expressões de uma linguagem plena de equívocos, pré-conceitos e
distorções que impedem um maior entendimento da sua importância. É comum nos diversos
contextos ouvir de pessoas, situadas em níveis de escolaridade igualmente diferenciados expressões
que trazem implícito e explicitamente a ideia de que quem quer matar não avisa e outras expressões
do gênero.
As concepções sociológicas e psicológicas sobre o suicídio versam sobre a busca de um
entendimento que situe homens e mulheres em uma perspectiva mais humanizada do fenômeno
1414 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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do suicídio, entendendo de igual forma que ele se trata de uma questão mais séria e complexa do
que as pessoas costumam tratar e que desse modo precisam ser rediscutidas nos mais diversos
espaços.
No que se refere ao sentido do fazer educacional enquanto medida de promoção da
vida parte-se do princípio de que além das intervenções realizadas a partir da implementação
de ações de saúde individual ou coletiva, espaços como a escola sejam revisitados em seu mais
amplo sentido, desde sua estrutura até sua funcionalidade e influencia na vida dos jovens que a
frequentam diariamente.
A intervenção pontual permeia ainda a tomada de atitudes ao perceber situações potenciais
e suicídio, indo além da prevenção. Percebendo o risco iminente de suicídio, as pessoas que são
parte do contexto educacional precisam da habilidade necessária para o manejo da situação a fim
de fornecer a ajuda pontual e a condução da situação junto à pessoa que sofre e também junto à
família momentaneamente vulnerável e carente de orientação e apoio. Comunicar a família, dar
a assistência necessária, a discrição que a situação pede, sem alarde e o acompanhamento das
intervenções, tratamentos até que a situação mude são meios que, uma vez bem utilizados podem
levar a eficácia e ajudar a reduzir os riscos das tentativas de suicídio entre os jovens.
Importa ainda maiores esforços no sentido da implementação das ações prevista pelos
programas e projetos que fazem parte da agenda nacional de compromissos e estratégias do
Ministério da Saúde no tocante à prevenção do suicídio e a redução dos casos e do número de
pessoas que morrem vitimados pela desesperança, pela falta de perspectiva e pelo sofrimento
mental impregnado em tudo isso.
Referências
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e Prevenção de Suicídio. – Brasília: CFM/ABP.
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psiquiatria – Psiquiatria Hoje. Associação Brasileira de Psiquiatria. Ano XXX, n. 3, p. 4-5.
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Brasil, Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial. Brasília.
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1416 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A RECIDIVA EM ONCOLOGIA PEDIÁTRICA A PARTIR
DA PERSPECTIVAS DOS PROFISSIONAIS
Sabrina Magalhães Martins da Silva
Bárbara Jéssyca Magalhães
Cynthia de Freitas Melo
Introdução
O
câncer se configura como um problema de saúde pública, principalmente em
países em desenvolvimento. Expresso em dados numéricos, é responsável por
12% das mortes no mundo, com mais de seis milhões de mortes a cada ano.
No Brasil, é a segunda maior causa de morte da população, com 190 mil casos por ano, 60%
desses diagnósticados em estágio avançado (Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes
da Silva, [INCAa], 2017a). Entre esses números, encontram-se os casos de câncer infantil (0,5%
a 3%), compreendido como toda neoplasia maligna que acomete indivíduos menores de 15
anos (INCA, 2017b). Ocupam a primeira causa de morte por doenças entre crianças (12%),
cuja sobrevida é de 64% (INCA, 2017c). Números que denotam a importância do diagnóstico
precoce, planejamento e avaliação de ações de prevenção e combate ao câncer (Robb & Hanson-
Abromeit, 2014).
Reforçado por esses números, o câncer infantil é um tema que é temido e distanciado
pela sociedade, e uma área que é difícil, e evitada, por muitos profissionais de saúde. Tem uma
representação social bastante negativa, sendo associado à impossibilidade de cura, morte e
sofrimento (Kohlsdorf & Costa Junior, 2012). Seu diagnóstico gera comoção, pela possibilidade de
morte e seu tratamento é temido, por ser um processo longo e doloroso, para todos os envolvidos
(pacientes, familiares e profissionais), apesar da evolução tecnológica das últimas décadas e do
bom prognóstico (Arruda-Colli, Lima, Perina, & Santos, 2016; Rech et al., 2013).
O Câncer gera uma total desestabilização da rotina da criança, visto que esta precisará
passar por longos períodos de hospitalização para o tratamento, ficando impossibilitada de
realizar atividades de cunho escolar, recreativo e social, sofrendo com procedimentos invasivos
e efeitos colaterais que afetarão a sua dieta, autoimagem e autoconceito. Paralelamente, entre
os aspectos psicológicos, ocorrem as queixas, medos, dúvidas e incertezas acerca da realidade
e do tratamento submetido (Arruda-Colli, Perina, & Santos, 2015; Studart-Pereira, Cordeiro, &
Queiroga, 2015).
Igualmente, causa impactos significativos sobre a dinâmica familiar, exigindo uma
reorganização total desta para lidar com a doença (Lanza & Valle, 2014). Isso ocorre, porque,
embora haja possibilidades de cura, há sempre um sentimento de insegurança sobre a probabilidade
de um regresso da doença durante e até o fim do tratamento, podendo gerar adoecimento na
família, fragilizando os relacionamentos, do casal de pais e dos filhos que ficam secundarizados
(Arruda-Colli et al., 2015).
Método
Foi realizada uma pesquisa exploratória, descritiva, de cunho qualitativo com o intuito de
aprofundar-se sobre esse tema pouco explorado na literatura. Para tanto, por critério de saturação,
participaram dez profissionais de saúde (5 psicólogas, 3 médicos e 2 enfermeiras) que atuam na
oncologia pediátrica. Para tanto, foram contatados indivíduos seguindo a técnica da bola de
neve. De acordo com Diehll e Tatim (2004), a partir dessa técnica um participante (escolhido de
forma intencional ou conforme a conveniência do pesquisador) indica outro participante para
constituir a amostra. Teve como critérios de inclusão: ser profissional atuante da na oncologia
pediátrica ou ter tido experiência mínima na área.
Foram utilizados dois roteiros de entrevista semiestruturado, contendo as seguintes
categorias: (1) atuação na oncologia pediátrica (2) comunicação de más notícias e compreensão
sobre a recidiva do câncer (3) a vida e a morte; (4) e a relação paciente-família-profissionais
diante do câncer e da possibilidade de morte e as intervenções utilizadas pelos profissionais de
saúde para uma melhor qualidade de vida.
De acordo com os aspectos éticos referentes a pesquisas envolvendo seres humanos, o
presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza
(UNIFOR), sob o parecer Nº 1.939.406. Posteriormente, foram iniciadas as entrevistas com os
participantes previamente conhecidos, e, a partir desses, foram contatados outros participantes,
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aplicando-se a técnica da bola de neve. Foi solicitado para que estes lessem e assinassem o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, cujo modelo foi elaborado de acordo com a resolução
nº 466/12, informando ao participante que se trata de um estudo científico e que todas as
informações serão mantidas em sigilo, bem como o anonimato de sua participação. As entrevistas
foram realizadas pessoalmente, de forma individual e com auxílio de gravador, em local escolhido
pelos participantes.
As análises dos dados ocorreram em cinco etapas, utilizando-se o programa Iramuteq
(Interface de R pour les Analyses Multimensionnelles de Textes et de Questionnaires). Foram realizadas
análises lexicográficas clássicas para verificação de estatística de quantidade de evocações e
formas. Obteve-se a Classificação Hierárquica Descendente (CHD), para o reconhecimento do
dendograma com as classes que surgiram, desconsiderando as palavras com x2 < 3,80 (p < 0,05).
A partir disso, foi realizada a Análise Fatorial por Correspondência (AFC), para a verificação das
diferenças nos discursos diante dos dados sociodemográficos, bem como a Análise de Similitude,
que a partir da teoria dos garfos, foi permitida a identificação das ocorrências entre as palavras
e sua conexidade. Emitiu-se a Nuvem de Palavras, a fim de agrupar as palavras e as organizar
graficamente em função da sua frequência.
Resultados
Trabalhar com criança sempre foi meu foco, então eu tinha certeza que meu público seria criança,
onde eu fosse. E aí na graduação eu fui me apaixonando pela saúde, especificamente pelo
hospital. E aí fiz minha residência em pediatria, fiz especialização também em psicopedagogia,
todas as áreas que eu poderia estar com criança eu fui, e fiz neuropsicologia também. Então
eu vim para o hospital, já fui contratada para vim para pediatria (Psicóloga 2).
Quando eu era aluno de medicina eu tinha muitas dúvidas. Eu cheguei a dizer a alguns
colegas que pediatria era uma coisa que eu nunca faria. Então, pediatria não foi exatamente
minha primeira escolha. Gostei muito de pediatria quando comecei a fazer internato, e eu
gostei de um jeito que resolvi que eu não queria fazer outra coisa, se não, pediatria. Aí eu
resolvi fazer residência em pediatria, entrei e durante a residência, eu entrei em contato com
pacientes da oncologia. Então, o aluno de medicina que dizia que jamais faria pediatria, se
apaixonou por pediatria (Médico 1).
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Classe 2 – A limitações e os desafios de se trabalhar na oncologia pediátrica
Foi constituída por 18,23 % (f = 74 ST) do corpus total analisado. Composta por palavras
e radicais no intervalo entre x2 = 4,76 (Respeitar) e x2 = 32,18 (Entender). Apresenta palavras
como “Entender” (x² > 32,18); “Limite” (x² > 31,96); “Conseguir” (x² > 29,03); “Trabalhar” (x² >
26,91); “Mãe” (x² > 20,37); “Morrer” (x² > 18,44), “Conhecer” (x² > 9,59) “Chorar” (x² > 9,59),
“Sofrimento” (x² > 5,4); e “Respeitar” (x² > 4,76). Predominaram as evocações de profissional da
área de enfermagem atuante há 8 anos (9 ST; x² = 6.36).
Na análise realizada, verificou-se que estão contemplados os discursos sobre como os
entrevistados compreendem suas limitações diante da criança na oncologia. Observou-se como
uma grande dificuldade lidar com o sofrimento dos pais perante o adoecimento dos filhos, bem
como a pressão que estes exercem sobre os profissionais, exigindo ações mais resolutivas para o
regresso da doença. Como exemplo tem-se:
A maior dificuldade para mim é lidar com o sofrimento da mãe, porque o que se sabe é que
temos que ser profissional, que não podemos se envolver, não podemos levar para casa. Mas
como não fazer isso? (...) Muitas nos culpam pela piora do filho, porque acham que não
estamos fazendo o trabalho direito, da melhor maneira possível, ou o suficiente. Acreditam
que a criança teve piora por consequência de algo que fizemos ou deixamos de fazer. Eu não
tomo isso pra mim, na verdade eu tento entender isso, pois ali tem sofrimento (Enfermeira,
2).
Ainda mediante a fala dos entrevistados, também foi percebida grande dificuldade em lidar
com a morte da criança, alegando necessidade de reconhecer os próprios limites emocionais
frente a essas situações. Alegam que se sentem propensos a desenvolver afeição, uma vez que a
criança oncológica é aquela que passa longos períodos de internação, criando o estreitamento da
relação profissional-paciente e profissional-família.
É constituída por 17,49% (f = 71 ST) do corpus total analisado. Composta por palavras e
radicais no intervalo entre x2 = 6,34 (Pequeno) e x2 = 23,89 (Espaço). Apresenta palavras como
“Espaço” (x² > 23,89); “Lidar” (x² > 23,89); “Desafio” (x² > 20,73); “Impactante” (x² > 19,06);
“Aprender” (x² > 18,92); “Vida” (x² > 15,41); “Gratidão” (x² > 14,26); “Sofrimento” (x² > 13,08);
“Questionar” (x² > 14,26) e “Pequeno” (x² > 6,34). Ponto de Partida 17,49% - 71 ST. Predominaram
as evocações de Psicóloga 2, atuante há 2 anos (21 ST; x² = 20.7) e Psicóloga 3, há 2 anos, mas
com experiência na área de 3 meses (17 ST; x² = 17.16).
Estes referem-se aos sentimentos mais vivenciados diante do adoecimento da criança,
que vão desde a impotência à gratidão, reconhecendo a importância de atuar num espaço tão
íntimo como o universo das crianças e dos pais. Reconhecem a necessidade de estar bem para
desempenhar um bom serviço, assim como a urgência de um espaço autêntico e acolhedor para
trabalhar suas questões. Esses elementos são mostrados em algumas falas:
Na análise desse tema, verificou-se que pessoas que se dedicam ao atendimento de crianças
oncológicas vivenciam sentimentos ambíguos e contraditórios na realização de suas atividades,
suscitando conflitos tanto psíquicos quanto físicos, podendo ocasionar intenso desgaste
emocional. A exemplo:
“Nesse trabalho há também tem o sentimento de alegria quando a criança obtém a cura.
Realmente é algo extremante gratificante” (Médico 2)
Foi constituída por 17,49 % (f = 71 ST) do corpus total analisado. Composta por palavras
e radicais no intervalo entre x2 = 5,98 (Paliativo) e x2 = 103,23 (Cura). Apresenta palavras como
“Cura” (x² > 103,23); “Tratamento” (x² > 45,3); “Recidiva” (x² > 41,46); “Possibilidade” (x² >
38,18); “Doença” (x² > 20,37); “Diminuir” (x² > 19,06); “Opção” (x² > 14,26); “Oferecer” (x² >
9,26) “Continuar” (x² > 7,76), “Tentar” (x² > 7,89) e “Paliativo” (x² > 5,98). Predominaram as
evocações de médico atuante há 16 anos (19 ST; x2 = 10.36), médico atuante há 10 anos (13 ST;
X2= 25.74) e Médica 3 atuante há 5 anos (14 ST; X2 = 5.15).
Mediante o estudo realizado essa classe discorre acerca do trabalho e as opiniões dos
profissionais frente a possibilidade de cura, o tratamento e utilização dos cuidados paliativos
quando se esgotam os recursos que possam viabilizar a evolução positiva do quadro clínico
da criança, bem como as respostas e sentimentos dos pais frente ao diagnóstico. Conforme os
discursos, evidencia-se a recidiva como a diminuição das chances de sobrevivência do paciente
pediátrico, e ainda que a cura em um determinado momento não seja mais possível, não se dissipa
a possibilidade de cuidado.
“De uma forma geral o número de doenças que nós temos com opção curativa para recidiva
é pequeno, é mais fácil realmente não se ter uma opção de cura. Agora a inexistência da
possibilidade de cura, não significa exatamente a inexistência de tratamento, você pode
tratar um paciente de forma paliativa para prolongar a sobrevida dele ou pode simplesmente
tratar para diminuir os sintomas” (Médico 1).
“A partir do momento que a criança não tem a possibilidade de cura, jamais ela vai deixar
de ter uma possibilidade de tratamento, porque aí entra os cuidados paliativos” (Médico 2).
Foi constituída por 13,79% (f = 56 ST) do corpus total analisado. Composta por palavras
e radicais no intervalo entre x2 = 4,89 (Família) e x2 = 45,02 (Médico). Apresenta palavras
como “Médico” (x² > 45,02); “Acompanhar” (x² > 32,06); “Momento” (x² > 27,77); “Notícia”
(x² > 25,25); “Receber” (x² > 18,41,37); “Apoio” (x² > 14,32); “Demanda” (x² > 14,32);
“Comunicação” (x² > 13,5) “Complicado” (x² > 9,09), “Cuidado” (x² > 9,0), “Intenso” (x² >
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
7,11) e “Família” (x² > 4,85). Predominaram as evocações da Psicóloga 2 atuante na área há
2 anos (18 ST; X2= 10.57).
Esta seção evoca os discursos dos profissionais sobre como compreendem a comunicação
da recidiva e como se dá o acompanhamento psicológico à criança adoecida e à família. Fica
evidente que a comunicação da recidiva é um processo difícil e doloroso, visto que é muito temida
pelos pais, que passam a observar todas as reações da criança. Nesse processo a equipe busca
acolher família e paciente e desenvolver uma comunicação inteligível e transparente sobre a real
situação, com propósito de oferecer um bom suporte.
Geralmente o diagnostico vem da equipe medica. Médico e o psicólogo vão juntos para dar
essa má noticia, eles falam e a gente dar o suporte, mas isso não ocorre sempre, não é regra.
Vejo muito questionamento entre a equipe e a família, que não quer um determinado tipo
de terapia, ou uma quimioterapia mais forte, porque sabe o que ela pode causar, então a
família e a equipe medica também tem muito esse medo em relação ao tratamento (Psicóloga
2).
“Se dá no consultório, a família já vem meio que sabendo, a gente abre o jogo mesmo e
já pedimos vários exames. Não utilizamos a palavra recidiva, para ficar mais claro para a
família, falamos que a doença voltou” (Médico 2).
Foi constituída por 18,97% (f = 77 ST) do corpus total analisado. Composta por palavras
e radicais no intervalo entre x2 = 3,97 (Perceber) e x2 = 58,49 (Pai). Apresenta palavras como
“Idade” (x² > 33,52); “Perguntar” (x² > 29,94); “Compreender” (x² > 16,42); “Nomear” (x² >
12,91); “Explicar” (x² > 12,27); “Escutar” (x² > 9,31); “Exame” (x² > 8,25); “Internar” (x² > 8,02)
“Medicação” (x² > 5,55), “Comunicar” (x² > 5,11) e “Perceber” (x² > 3,97). Predominaram as
evocações de Médica 3 atuante há 5 anos (25 ST; x² = 16.13) e Psicóloga 2 atuante há 2 anos (14
ST; x²= 3.89).
A Partir da análise realizada verificou-se que a criança em algum momento passa a
compreender o percurso e as especificidades de sua doença, mesmo sem entender a complexidade
e os riscos a que está submetida diariamente. Enfatiza-se a preocupação dos pais sobre o sofrimento
dos filhos caso venham a se aprofundar em detalhes, tentando a todo custo esconder o quadro
clínico como tentativa inicial de proteção, solicitando aos profissionais que não expliquem às
crianças a real situação.
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de uma linguagem mais simples possível, clara e objetiva, a fim de que a família possa reconhecer
suas possibilidades e limitações frente à nova situação e ao novo tratamento (Silva, Santos, &
Castro, 2016).
A partir dos discursos dos profissionais, pode-se perceber que a doença vai se apresentando
de forma muito clara para criança independentemente da idade, uma vez que a vivência do
câncer é uma experiência individual, mas que está inserida num contexto de sofrimento, choro,
desespero, desorganização, experimentação da dor por efeito das inúmeras intervenções sobre o
corpo, hospitalização, separação familiar, escolar e limitação da autonomia, entre outros fatores,
o que estimula a criança buscar entender minimamente o que se passa com ela. Mesmo sem
compreender a doença em sua complexidade, tem a capacidade de perceber que está acontecendo
algo de impreciso naquele momento. Os pais são os maiores comunicadores dos atributos da
doença, visto que geralmente são eles que transmitem aos filhos o significado que atribuem ao
câncer (Gomes, Lima, Rodrigues, Lima, & Collet, 2013).
Conclusão
Referências
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
FLÁVIA MARCELLY DE SOUSA MENDES DA SILVA
Possui Formação em Psicologia (2014) pela Universidade Federal do Piauí - UFPI e Mestrado em
Psicologia Social (2017) pelo Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba,
João Pessoa. Atualmente é Doutoranda em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba
- UFPB. É colaboradora do Núcleo de Pesquisa Bases Normativas do Comportamento Social -
BNCS.