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IDENTIDADE,

CONTEMPORANEIDADE E
PRÁTICAS PSICOLÓGICAS
NO CONTEXTO
BRASILEIRO
Carla Fernanda de Lima,
Cyntia Mendes de Oliveira
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima
Flávia Marcelly de Sousa Mendes da Silva
Organizadoras

IDENTIDADE,
CONTEMPORANEIDADE E
PRÁTICAS PSICOLÓGICAS
NO CONTEXTO
BRASILEIRO

2018
Reitor
Prof. Dr. José Arimatéia Dantas Lopes

Vice-Reitora
Profª. Drª. Nadir do Nascimento Nogueira

Superintendente de Comunicação
Profª. Drª. Jacqueline Lima Dourado

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS NO CONTEXTO BRASILEIRO

© Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes da Silva

1ª edição: 2018

Revisão
Francisco Antonio Machado Araujo

Editoração
Francisco Antonio Machado Araujo

Diagramação
Wellington Silva

Capa
Mediação Acadêmica

Editor
Ricardo Alaggio Ribeiro

EDUFPI – Conselho Editorial


Ricardo Alaggio Ribeiro (presidente)
Acácio Salvador Veras e Silva
Antonio Fonseca dos Santos Neto
Wilson Seraine da Silva Filho
Gustavo Fortes Said
Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
Viriato Campelo

Ficha Catalográfica elaborada de acordo com os padrões estabelecidos no


Código de Catalogação Anglo-Americano (AACR2)
19 módulos

I19 Identidade, contemporaneidade e práticas psicológicas no contexto 53 módulos

brasileiro / Carla Fernanda de Lima … [et al.], organização. –


Teresina: EDUFPI, 2018.

E-Book.

ISBN: 978-85-509-0399-6

1. Psicologia – Brasil. 2. Psicologia Clínica. 3. Neuropsicologia.


4. Psicologia Social. I. Lima, Carla Fernanda de. II. Título.

CDD: 150.724

Bibliotecária Responsável:
Nayla Kedma de Carvalho Santos CRB 3ª Região/1188
COMITÊ CIENTÍFICO

Márcio José de Araújo Costa - UFMA

João Carlos Alchieri - UFRN

Claudia Hofheinz Giacomoni - UFRGS

Maria da Penha de Lima Coutinho - UFPB

Aluísio Ferreira de Lima - UFC

Antonio Virgilio Bittencourt Bastos – UFBA


SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.................................................................................................................29

PARTE 1
PSICOLOGIA CLÍNICA
O CONCEITO DE MÃE SUFICIENTEMENTE BOA DE WINNICOTT E OS
DESDOBRAMENTOS DE SUA FALHA NA SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS.........................32
Luana Ferreira Pinheiro Mantovan
Síntia de Fátima Ascêncio
Eloisa Sorero Jacomini

A PSICOPATOLOGIA COMPREENSIVA DE KARL JASPERS COMO POSSIBILIDADE DE


PRODUÇÃO DO DIAGNÓSTICO EM PSICOLOGIA.............................................................38
Lidiane Verônica Collares da Silva
Jean Marlos Pinheiro Borba

A ADOLESCÊNCIA NOS GRUPOS DE PESQUISA EM PSICOLOGIA NO DIRETÓRIO DE


GRUPOS DE PESQUISA DO CNPQ......................................................................................44
Suzy Kamylla de Oliveira Menezes
Adélia Augusta Souto de Oliveira
Vanessa Guimarães de Morais
Luciano Domingues Bueno
Maria Laura Barros da Rocha

UMA ANÁLISE SOBRE O SOFRIMENTO PSÍQUICO E SEUS MODOS DE REPRESENTAÇÃO E


EXPRESSÃO NA CONTEMPORANEIDADE.......................................................................... 51
Ana Paula Aragão Lopes
Jurema Barros Dantas
Evelyn Cristina de Sousa Penas
Adryssa Bringel Dutra
Lucas dos Santos Barbosa
Roberta Nunes da Silva

O CORPO E A CONSTRUÇÃO DA AUTOIMAGEM NA CONTEMPORANEIDADE................59


Jurema Barros Dantas
Evelyn Cristina de Sousa Penas

TORNANDO-ME PSICOTERAPEUTA CENTRADA NA PESSOA: UM RELATO TEÓRICO-


VIVENCIAL...........................................................................................................................66
Simone Emanuelle de Oliveira Silva
Áurea Souza Aguiar Santos
UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA............ 75
Daniele de Carvalho Almirante
Hemily Gabriely Bastos da Silva Quental
Larisse Ellen Linhares Martins
Lizandra de Sousa Paixão
Macicleia Lima de Siqueira
Carla Fernanda de Lima

HOMEM, SEM TRABALHO E SEM RENDA: ESTUDO DE CASO CLÍNICO SOB O ENFOQUE
JUNGUIANO........................................................................................................................81
Ísis Fabiana De Souza Oliveira
Liliana Liviano Wahba

NISE DA SILVEIRA MÉTODO E PRÁTICA.............................................................................87


Guilherme Augusto Souza Prado

EFEITO PLACEBO, EFEITO NOCEBO E PSICOTERAPIA......................................................97


Davi de Sousa Araujo
Andréia de Medeiros Cunha
Amanda Maria Galeno Brito
Dandara Savina Fernandes do Carmo
Cíntia Pereira de Araujo
Khalina Assunção Bezerra

TERAPIA POR CONTINGÊNCIAS DE REFORÇAMENTO (TCR) NO TRATAMENTO DO


COMPORTAMENTO AUTOLESIVO................................................................................... 105
Ernandes Barbosa Gomes
Kairon Pereira de Araújo Sousa
Emerson Diógenes de Medeiros
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Jefferson Machado Nobrega

A PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL E SUA APLICAÇÃO NO CONTEXTO CLÍNICO............ 114


Samillya Tomás dos Santos
Eliana Silva Pinheiro
Janailson Monteiro Clarindo

ESTUDO DE CASO EM LUDOTERAPIA: O BRINCAR E A SIMBOLIZAÇÃO........................ 121


Sofia Maira Moura do Monte
Vânia da Silva Boíba
Lorena Roberta Oliveira Gonçalves

PSICODIAGNÓSTICO CLÍNICO COM CRIANÇA: ESTUDO DE CASO................................ 125


Lorena Roberta Oliveira Gonçalves
Sofia Maira Moura do Monte
Ana Caroline Cunha de Sá
A RELAÇÃO DO LUTO MATERNO PELA PERDA DE UM FILHO NA INFÂNCIA COM A
PERDA DE SENTIDO DE VIDA E IDEAÇÕES SUICIDAS: UM ESTUDO DE CASO............... 128
Laryssa Pinheiro Miranda Carvalho

DEPRESSÃO NO MUNDO ACADÊMICO: A ANÁLISE DE ELEMENTOS QUE


DESENCADEIAM OS TRANSTORNOS DEPRESSIVOS....................................................... 134
Karine Rocha Oliveira
Brena Carvalho Barros Araujo
Larisse Linhares Monteiro
Sarah Lowhanne Silva Rocha
Rebeka Alves Rios
Khalina Assunção Bezerra

PSICOLOGIA DA SAÚDE, ÉTICA E BIOÉTICA E PSICOLOGIA HOSPITALAR

A IMPORTÂNCIA DA PSICOLOGIA E OS BENEFÍCIOS DA EQUOTERAPIA EM RELAÇÃO AO


TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA.......................................................................... 143
Ana Carolina Martins Monteiro Silva

TRANSTORNO DE ANSIEDADE EM ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS: UMA REVISÃO DE


2008 A 2016....................................................................................................................... 149
Karoline Andrade Pereira
Adauto de Vasconcelos Montenegro
Adriana Benvinda Barbosa Rodrigues
Valéria Assunção Lima

ASSOCIAÇÃO ENTRE QUALIDADE DE VIDA E SUICÍDIO.................................................. 156


Sabrina Magalhães Martins da Silva
Icaro Moreira Costa
Ana Karine Sousa Cavalcante
Cynthia de Freitas Melo

MEDICALIZAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: UM OLHAR DE PSIQUIATRAS DE UMA


CIDADE DO INTERIOR DO PIAUÍ...................................................................................... 164
Jéssyca Cristina Gomes Nunes
Monalisa Pontes Xavier

O ACESSO À PORNOGRAFIA NA ADOLESCÊNCIA E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA PSIQUE....


.......................................................................................................................................... 173
Layane Souza Silva, Francieli Cordeiro Pelissari
Tereza Cristina dos Santos Veras
Marcia Alves Gomes
Leia Miranda Pereira
Khalina Assunção Bezerra

A IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA MAIS MÉDICOS NO BRASIL: UMA REVISÃO


SISTEMÁTICA.................................................................................................................... 180
Francisco Bruno Paz Soares
Ádilo Lages Vieira Passos
Patrícia Rocha Lustosa
AS CRENÇAS CENTRAIS DE PACIENTES RELIGIOSOS COM COMPORTAMENTO SUICIDA:
PROTEÇÃO OU FATOR DE RISCO..................................................................................... 189
Layone Rachel Silva de Holanda
Fátima Emérito Barbosa

TRANSTORNOS ALIMENTARES NA ADOLESCÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS: UM


ESTUDO DE REVISÃO....................................................................................................... 196
Vanessa da Silva Alves
Dalva Muniz Pereira
Cecília Teresa Muniz Pereira
Doralice Limeira da Silva
José Hermínio Rocha Magalhães Santos

CÂNCER E IDOSOS: A REAÇÃO DA FAMÍLIA DIANTE DO DIAGNÓSTICO DE NEOPLASIA....


..........................................................................................................................................203
Laís de Meneses Carvalho Arilo
Andrea Thaís Xavier Rodríguez Hurtado

EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE: CONSTRUINDO E VIVENCIANDO SABERES E


PRÁTICAS NO VER-SUS..................................................................................................... 212
Jéssica Sirlan Aragão Almeida
Joelson Almeida

SOFRIMENTO PSÍQUICO E ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO NOS ESTAGIÁRIOS DA


SAÚDE............................................................................................................................... 219
Iara Sampaio Cerqueira
Daline da Silva Azevedo
Ludgleydson Fernandes Araújo

A SEXUALIDADE DE PESSOAS QUE CONVIVEM COM HIV: VIVÊNCIAS A PARTIR DO


DIAGNÓSTICO..................................................................................................................226
Francisco Daniel Brito Mendes
Helder de Pádua Lima
Karine Lima Verde Pessoa

ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL: UM RELATO DE


EXPERIÊNCIA EM SAÚDE DA FAMÍLIA..............................................................................235
Káren Maria Rodrigues da Costa
Rebeca Barbosa da Rocha
Maísa Ravenna Beleza Lino
Laurentino Gonçalo Ferreira Filho
Thawanna Rego Fernandes

DIAGNÓSTICOS VERSUS PSICOFÁRMACOS: CENAS DO EXCESSO NA


CONTEMPORANEIDADE..................................................................................................242
Iane Pinto de Castro
Rute Flávia Meneses Mondim Pereira D’Amaral
ANÁLISE CLÍNICO QUALITATIVA DA RELAÇÃO ESPIRITUALIDADE E SAÚDE EM
PARTICIPANTES DE UM ESPAÇO ESPIRITUALISTA NO PIAUÍ........................................... 247
Laíza de Carvalho Paulino
Périsson Dantas do Nascimento

FALA GAROTO: GRUPO DE EXPRESSÃO PARA ADOLESCENTES. UM RELATO DE


EXPERIÊNCIA....................................................................................................................257
Bárbara Vanina Arantes
Josenaide Engracia dos Santos
Ana Ariel Sousa Almeida
Halýne Portela de Sousa Carvalho
Kelly Cristina Vieira Silva

“ANAS” E “MIAS”: UM CAMINHO PARA O ALCANCE DO CORPO MAGRO E LINDO?.......... 261


Maria Daiane da Ponte
Juan Alex Pereira de Sousa
Rebeca Carvalho de Morais

O VALOR TERAPÊUTICO DAS OFICINAS TERAPÊUTICAS: UM ESTUDO SOBRE AS


CONCEPÇÕES DE COORDENADORES.............................................................................266
Ana Luiza de Mendonça Oliveira
Rodrigo Sanches Peres

OFICINAS TERAPÊUTICAS EM SAÚDE MENTAL: PARA QUEM E PARA QUÊ? A


PERSPECTIVA DE COORDENADORES.............................................................................. 273
Ana Luiza de Mendonça Oliveira
Rodrigo Sanches Peres

A MORTE SIMBÓLICA DO FILHO IDEALIZADO E O PROCESSO DE RESILIÊNCIA EM MÃES


DE BEBÊS COM FISSURA LABIOPALATINA.......................................................................280
Marcilene Sousa Costa

DA COLONIZAÇÃO DO MUNDO DA VIDA ÀS DISPUTAS DOS SIGNOS IDEOLÓGICOS:


UMA ANÁLISE INTERSUBJETIVA DO CUIDADO...............................................................287
Pedro Renan Santos de Oliveira
Camila Chaves Ferreira
Aluísio Ferreira de Lima

O PSICÓLOGO E A UTILIZAÇÃO DE ANIMAIS COMO COBAIAS PARA SEUS


EXPERIMENTOS................................................................................................................296
Sarah Caroline Albuquerque Ferraz Santos

ASPECTOS ÉTICOS DO PROCESSO DE RECRUTAMENTO E SELEÇÃO EM PSICOLOGIA........


..........................................................................................................................................302
Tiago Gonçalves Corrêa
ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS NA PSICO-ONCOLOGIA....................................................... 312
Ana Mires Beserra
Maria Aurelina Machado de Oliveira
Welyton Paraíba da Silva Sousa
Karolyna Pessoa Teixeira Carlos

LUTO ANTECIPATÓRIO EM FAMILIARES DE PACIENTES ONCOLÓGICOS E PALIATIVOS:


UM RELATO DE EXPERIÊNCIA..........................................................................................321
Maria Beatriz dos Santos Dias
Catarina Pessoa Cardoso
Thamyris Tabosa de Sousa

A INSERÇÃO NA RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL DE SAÚDE EM ALTA COMPLEXIDADE


EM PSICOLOGIA DO HU-UFPI: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA........................................329
Thamyris Tabosa de Sousa
Raul Ricardo Rios Lima
Catarina Pessoa Cardoso
Maria Beatriz dos Santos Dias

GRUPO DE REFLEXÃO COM PROFISSIONAIS DO SERVIÇO DE ONCOLOGIA EM UM


HOSPITAL UNIVERSITÁRIO...............................................................................................338
Laís de Meneses Carvalho Arilo
Maria Beatriz dos Santos Dias
Juliana Burlamaqui Carvalho

ACOLHIMENTO PSICOLÓGICO PRÉ-CIRÚRGICO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA..........346


Thamyris Tabosa de Sousa

CUIDADO DE SI E TERMINALIDADE: POR UMA ÉTICA DO SILÊNCIO NO ESPAÇO


HOSPITALAR.....................................................................................................................354
Augusto De Bragança Alves Neto

PSICOLOGIA DO TRABALHO E PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL

ADOECIMENTO DOCENTE...............................................................................................363
Rebeca Castro Santiago
Luís Sávio Veras Lima
Pedro Ivo Rocha Menezes
Rita Carla Matos Maciel

DESEMPREGO E SAÚDE MENTAL À LUZ DO FILME O CORTE..........................................369


Lícia Calvet Araújo
Carla Jeanne da Silva Cruz
Maurício Antônio Leite Soares Júnior
Virlainne Moreno de Lemos
Carla Vaz dos Santos Ribeiro
RELAÇÃO TRABALHO/SAÚDE DOS PROFISSIONAIS DOS SERVIÇOS GERAIS DE LIMPEZA
HOSPITALAR: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA..................................................................... 374
Flávia Marcelly de Sousa Mendes da Silva
Anísio José da Silva Araújo
Maria Gabriela Costa Ribeiro
Olindina Fernandes da Silva Neta
Heloísa Bárbara Cunha Moizeis

AS IMPLICAÇÕES DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO NA SAÚDE MENTAL DE AGENTES


COMUNITÁRIOS DE SAÚDE..............................................................................................384
Laianny Maria Ribeiro Pires
Sara Moreno Costa
Cyntia Mendes de Oliveira
Igor Prado Vieira
Otávio Ramon Rodrigues de Sousa
Carla Fernanda de Lima

FAZERES DA PSICOLOGIA NO IFMA: DO TRABALHO PRESCRITO AO REAL


DA ATIVIDADE..................................................................................................................394
Vanessa da Silva Alves
Cristianne Almeida Carvalho
Carla Priscilla Castro Sousa

O SOFRIMENTO PSÍQUICO EXPERIENCIADO NO ÂMBITO DO TRABALHO POR


POLICIAIS: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.....................................................................401
Karulynna do Vale Fortes
Daline da Silva Azevedo
Iara Sampaio Cerqueira
Mariana Pereira da Silva
Carla Fernanda de Lima

IMPACTOS DO MUNDO DO TRABALHO: AS IMPLICAÇÕES DO DESEMPREGO NA SAÚDE


MENTAL DE TRABALHADORES DESEMPREGADOS.........................................................409
Raira Torres Cordeiro
Carla Fernanda de Lima
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Luana Gabriella Martins Lima
Geice Maria Pereira dos Santos
Flávia Marcelly de Sousa Mendes da Silva

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO: UMA ANÁLISE LABORAL DOS PROFISSIONAIS DOS


SERVIÇOS GERAIS DE LIMPEZA HOSPITALAR.................................................................. 418
Flávia Marcelly de Sousa Mendes da Silva
Anísio José da Silva Araújo
Thiago Medeiros Cavalcanti
Karen Guedes Oliveira
Lucas José Bacalhau Silva
EGRESSOS DO PRONATEC E SUA RELAÇÃO COM A TERCEIRIZAÇÃO DO TRABALHO.......426
Anne Graça de Sousa Andrade
Denise Alves de Neiva

O IMPACTO DO TRABALHO NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE TRABALHADORES


EMPREGADOS E DESEMPREGADOS................................................................................433
Lana Kelly Santos Baêta
Sara Moreno Costa
Larissa Fonseca Araújo
Luana Gabriella Martins Lima
Maria Victória Sousa Caldas
Carla Fernanda de Lima

AS IMPLICAÇÕES DO TRABALHO NA SAÚDE MENTAL DE AGENTES DE SEGURANÇA


PENITENCIÁRIA NO MUNICÍPIO DE PARNAÍBA-PI..........................................................442
Helen Emanuele Pereira Sousa
Marcela Carneiro Sancho
Larissa Fonseca Araújo
Gabriel Campelo Sotero
Antonio Nailton Pereira dos Santos
Carla Fernanda de Lima

IMPACTOS PSICOLÓGICOS DO DESEMPREGO NA VIDA DE JOVENS RECÉM-FORMADOS..


..........................................................................................................................................454
Noádia Cavalcante de Lima
Maria Victoria Sousa Caldas
Luana Gabriella Martins Lima
E Hélvia Moreira Mineiro Martins

ATUAÇÃO DE ACADÊMICA DE PSICOLOGIA EM EMPRESA JÚNIOR ...............................460


Lícia Calvet Araújo

PARTE 2

PSICOLOGIA SOCIAL

INFÂNCIA NOS GRUPOS DE PESQUISA EM PSICOLOGIA NO DIRETÓRIO DE GRUPOS DO


CNPQ................................................................................................................................467
Vanessa Cristiane Guimarães de Moraes
Luciano Domingues Bueno
Maria Laura Barros da Rocha
Suzy Kamylla de Oliveira Menezes
Adélia Augusta Souto de Oliveira

SAÚDE EM FOCO – ESTIMULANDO A QUALIDADE DE VIDA NO AMBIENTE DE


TRABALHO POR MEIO DA INFLUÊNCIA SOCIAL.............................................................. 474
Ludmara Moura Miranda
Juliane Maria da Cunha Monte
Adriana Soares
EXPLICANDO O CONSUMO DE ÁLCOOL: EXPLORANDO O PAPEL DAS ATITUDES E DOS
TRAÇOS DE PERSONALDIADE.........................................................................................489
Andressa Ramos Oliveira
Bruna Saraiva Candeira
Geovane de Sousa Oliveira Filho
Renan Pereira Monteiro
Carlos Eduardo Pimentel

ENTRE O AZUL E O ROSA: MARX COMO POSSIBILIDADE NA PSICOLOGIA SOCIAL............481


José da Silva Oliveira Neto
Fábio Pinheiro Pacheco
Ruth Maria de Paula Gonçalves

EXPLICANDO O CONSUMO DE ÁLCOOL: EXPLORANDO O PAPEL DAS ATITUDES E DOS


TRAÇOS DE PERSONALIDADE.........................................................................................489
Andressa Ramos Oliveira
Bruna Saraiva Candeira
Geovane de Sousa Oliveira Filho
Renan Pereira Monteiro
Carlos Eduardo Pimentel

SIGNOS E SIGNIFICADOS DO SOFRIMENTO MENTAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA A SAÚDE..


..........................................................................................................................................497
Josenaide Engracia dos Santos
Yasmim Bezerra Magalhães
Ana Ariel Sousa Almeida

PSICOLOGIA EM CONTEXTO: ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS


DE VIOLÊNCIA SEXUAL.....................................................................................................505
Rafaella Coelho Sá Veloso
Beatriz Cardoso Marques
Kelly Raissa Silva
Nathan da Silva Cunha
Samara Sales de Brito

CAMINHO DE VOLTA: PSICOLOGIA ESCOLAR FAVORECENDO O DESENVOLVIMENTO DE


HABILIDADES SÓCIO EMOCIONAIS................................................................................. 514
Rafaella Coelho Sá Veloso
Bruna Maria Barbosa da Silva França

PSICOLOGIA SOCIAL E OUTROS AGENTES: O CASO DA OCUPAÇÃO TERRITORIAL NA


CIDADE DE SANTARÉM-PA, AMAZÔNIA, BRASIL............................................................521
Thayllany Mattos dos Santos
Lívia Cristulinne Arrelias Costa

A ADOLESCÊNCIA NOS GRUPOS DE PESQUISA EM PSICOLOGIA NO DIRETÓRIO DE


GRUPOS DE PESQUISA DO CNPQ....................................................................................530
Suzy Kamylla de Oliveira Menezes
Adélia Augusta Souto de Oliveira
Vanessa Guimarães de Morais
Luciano Domingues Bueno
Maria Laura Barros da Rocha
DA DIAGNÓSTICA AO DIAGNÓSTICO: A ADMINISTRAÇÃO DOS AFETOS COMO
METADIAGNÓSTICO CRÍTICO AO CONTEMPORÂNEO..................................................537
Emanuel Messias Aguiar de Castro
Aluísio Ferreira de Lima

PSICOLOGIA SOCIAL E FEMINISMOS: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA COM MULHERES


DAS ILHAS DE BELÉM DO PARÁ........................................................................................545
Amanda Gabriella Borges Magalhães
Débora Melo da Silva Brito
Maria Lúcia Chaves Lima

PORNOGRAFIA: PERCEPÇÃO DA SOCIEDADE ACERCA DO MERCADO PORNOGRÁFICO


E DOS TRABALHADORES DA ÁREA..................................................................................554
Lana Beatriz Reis Lopes
Beatriz Costa Portela
Deuzyanne Zátia dos Santos Silva
Daniele de Carvalho Almirante
Priscilla Aparecida Gomes de Oliveira
Carla Fernanda de Lima

TEORIA FUNCIONALISTA DOS VALORES HUMANOS: TESTANDO A HIPÓTESE DE


CONTEÚDO EM UMA AMOSTRA DE CRIANÇAS..............................................................564
Thaís Coutinho Souza
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Glysa de Oliveira Meneses
Ernandes Barbosa Gomes
Emerson Diógenes de Medeiros
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros

A PARALAXE DA PSICOLOGIA SOCIAL CRÍTICA .............................................................. 574


Emanuel Messias Aguiar de Castro
Aluísio Ferreira de Lima

UM ESTUDO IDENTITÁRIO DO ROMANCE “A MORTE DE IVAN ILITCH” DE LIEV TOLSTÓI...


..........................................................................................................................................582
Tiago Gonçalves Corrêa

APONTAMENTOS PARA UMA NOVA LEITURA DA ATUAL REFORMA PSIQUIÁTRICA


BRASILEIRA.......................................................................................................................591
Cristofthe Jonath Fernandes
Pedro Renan Santos de Oliveira
Camila Chaves Ferreira
Aluísio Ferreira de Lima

ECOS DA IDENTIDADE DE LUGAR DE JOVENS EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE


SOCIAL NO MUNICÍPIO DE TIANGUÁ-CE.........................................................................601
Francileuda Farrapo Portela
Patrícia Mendes Lemos
FOTOGRAFIA COMO MÉTODO E OBJETO NA PESQUISA PSI: NARRATIVAS E MEMÓRIAS
AUTOBIOGRÁFICAS A PARTIR DE IMAGENS VIRTUAIS...................................................609
Jéssica de Souza Carneiro
Idilva Maria Pires Germano

PESQUISADORES E GRUPOS DE PESQUISA SOBRE INFÂNCIA NO DIRETÓRIO DE


GRUPOS DO CNPQ........................................................................................................... 617
Maria Sandra dos Santos

O CORPO IDEAL?  SOBRE A MÍDIA E SUA INFLUÊNCIA NA INSATISFAÇÃO CORPORAL


DAS MULHERES................................................................................................................626
Claudiana Pinheiro da Silva
Francisca Daniele Nogueira Albuquerque
Bruna de Jesus Lopes

A ABORDAGEM DO PRECONCEITO RACIAL E DE ESTEREÓTIPOS NO CINEMA NORTE-


AMERICANO.....................................................................................................................635
Geice Maria Pereira dos Santos
Ely Jean Pereira Rocha
José Leandro da Cunha Machado

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA TUBERCULOSE: O OLHAR DO CONSULTÓRIO NA RUA.....


..........................................................................................................................................643
Wildo Navegantes de Araújo
Josenaide Engracia dos Santos
Melina Mafra Toledo
Talita Mosquetta Maleski Almeida

A PRÁXIS COMO FORMA CRÍTICA NA PSICOLOGIA SOCIAL............................................649


Vinícius Furlan
Emanuel Messias Aguiar Castro

MODOS DE VIVER E HABITAR DE UMA COMUNIDADE EM SITUAÇÃO DE


VULNERABILIDADE SOCIAL NO MUNICÍPIO DE SANTO ÂNGELO..................................655
Andrea Fricke Duarte
Paula Cristiele Steinhaus
Dieine Mércia de Oliveira
Jonathan Vieira Costa

ATITUDE ALTRUÍSTA: UMA EXPLICAÇÃO BASEADA NA PERSONALIDADE E VALORES


HUMANOS........................................................................................................................665
Anne Caroline Gomes Moura
Emerson Diógenes de Medeiros
Kairon Pereira de Araújo Sousa
Jefferson Machado Nóbrega
Alexia Jade Machado Sousa
PSICOLOGIA COMUNITÁRIA, PSICOLOGIA POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS
PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA E VALORIZAÇÃO DO SER: UM RELATO DE ESTÁGIO
NO GRUPO DE PROMOÇÃO À VIDA (NASF).................................................................... 675
Bruna Saraiva Candeira
Lídia Maria de Medeiros da Silva
Andresa Ramos Oliveira
Geovane de Sousa Oliveira Filho
Khalina Assunção Bezerra

PROJETO “O FUTURO EM CONSTRUÇÃO”: TRABALHANDO PERSPECTIVAS FUTURAS


COM ADOLESCENTES.......................................................................................................682
Elivelton Cardoso Vieira
Jessyca Rodrigues Melo
Camila Siqueira Cronemberger Freitas

O CÁRCERE E A REFORMA PSIQUIÁTRICA: HÁ UM SISTEMA PARA O LOUCO?..............682


Ana Carolina de Lima Jorge Feitosa

OS INIMIGOS DO ESTADO: DA CONSTRUÇÃO DO ESTIGMA A UMA JUSTIÇA


RESTAURATIVA NO BRASIL POR UMA PERSPECTIVA ABOLICIONISTA...........................693
José Lucas Soares de Araújo

EDUCAÇÃO SUPERIOR E DIREITOS HUMANOS NO AGRESTE ALAGOANO: DA SALA DE


AULA PARA OS ESPAÇOS PÚBLICOS.................................................................................701
Gisely Roberta Gomes Silva
Gabriel Melo Viana
José Marques Vasconcelos Filho

TEMAS TRANSVERSAIS
A PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE A VIOLÊNCIA ENTRE UNIVERSITÁRIOS E NA
UNIVERSIDADE: UMA REVISÃO DE LITERATURA............................................................709
Fillipe Rodrigues Santos Pereira
Nathalia Souza Oliveira
Polyanna Bittencourt Correia

O USO DO ROLEPLAYING GAME COMO METODOLOGIA DE PESQUISA EM PSICOLOGIA:


POSSIBILIDADES E DESAFIOS........................................................................................... 718
Bruno Alves Frota
Luis Felipe Sousa Cid
Francisca Naira de Araújo Pereira
Nara Maria Forte Diogo Rocha

ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO: OPINIÕES DE PAIS E PROFESSORAS DE


ESCOLAS MUNICIPAIS......................................................................................................723
Alexsandra Pereira da Silva Rodrigues
Maria Aurelina Machado de Oliveira
Welyton Paraíba da Silva Sousa
Lorena Thiciane Silva
HÁ DIÁLOGO ENTRE ARISTÓTELES, HUSSERL, HEIDEGGER E ROGERS: UM BREVE
PERCURSO DA FENOMENOLOGIA................................................................................... 731
Carlos Vitor Esmeraldo Albuquerque Beserra
Khalina Assunção Bezerra

INTERLOCUÇÕES ENTRE PSICOLOGIA, ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE: UMA


REVISÃO DE LITERATURA................................................................................................. 741
Carlos Eduardo Soares Reis

“ESTE LIVRO, ATUALMENTE, É UMA CONTINUAÇÃO DE 68”: ANTI-ÉDIPO, UM LIVRO


QUE NÃO ACABOU!.......................................................................................................... 750
Tarso Ferrari Trindade
André Rossi

VIDAS NA RUA: A CONCEPÇÃO DE CASA PARA OS USUÁRIOS DO CENTRO POP .......... 760
Hilana Sousa Ferreira
Sandra Alves Cavalcante
Francisco Jairo Linhares
Anne Graça de Sousa Andrade

ESTUDO DE CASO EM UM ABRIGO DE IDOSOS SOB O OLHAR DA ANÁLISE


INSTITUCIONAL................................................................................................................ 765
Hilana Sousa Ferreira
Ana Karine Sousa Cavalcante
Maria de Nazaré Eufrásio Alves

PRINCESAS DISNEY: UMA ANÁLISE DA EVOLUÇÃO SOBRE A REPRESENTAÇÃO DO


FEMININO......................................................................................................................... 769
Lídia Maria de Medeiros da Silva

ATENDIMENTO PSICOLÓGICO VIRTUAL: UMA ANÁLISE FENOMENOLÓGICA.............. 777


Anderson de Oliveira Brasil
Jean Marlos Pinheiro Borba

MÉTODO CARTOGRÁFICO COM METEORANGO KID: UM MAPA CINEMATOGRÁFICO E


DOS PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO...............................................................................785
Rafael Mendonça Dias

LIBERDADE RELIGIOSA X LIBERDADE SEXUAL: TENSÕES ENTRE AS IGREJAS


TRADICIONAIS E OS LGBTS NO BRASIL...........................................................................789
Silvanildo Pereira Noronha
Silvia Patrícia da Silva
João Pedro Sousa Lima
Ana Kelma Cunha Gallas

LEI Nº 13.104: DISCUTINDO SOBRE O FEMINICÍDIO NO TOCANTE DO MOVIMENTO


FEMINISTA........................................................................................................................795
Alessandra Leite
Alany Fortaleza de Sousa
Ramila Oliveira Ferreira
Ana Kelma Cunha Gallas
MOVIMENTO FEMINISTA EM TRANSFORMAÇÃO: ASSÉDIO SEXUAL E MACHISMO NO
TRABALHO NA REVISTA MARIE CLAIRE...........................................................................802
Alessandra Leite
Alany Fortaleza de Sousa
Ramila Oliveira Ferreira
Ana Kelma Cunha Gallas

POLÍTICAS PÚBLICAS
PRODUÇÃO DE CUIDADO EM SAÚDE MENTAL SOB A ÓTICA DE PROFISSIONAIS DA
ATENÇÃO BÁSICA............................................................................................................. 811
Francisca Maira Silva de Sousa

GRUPO GIRASSOL: RELATO DE EXPERIÊNCIA EM SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO


PRIMÁRIA À SAÚDE.......................................................................................................... 819
Káren Maria Rodrigues da Costa
Maísa Ravenna Beleza Lino
Rebeca Barbosa da Rocha
Laurentino Gonçalo Ferreira Filho
Thawanna Rego Fernandes

PERSPECTIVAS DE ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UMA


REVISÃO SISTEMÁTICA.....................................................................................................824
Matheus Barbosa da Rocha
Thalita Pachêco Cornélio
Fauston Negreiros
Sandra Elisa de Assis Freire

EXPANSÃO AFETIVA: UMA ABORDAGEM EFICAZ NA CONTENÇÃO DE CRISES.............832


Ingryd Silva Costa
Flávia Sabrynne de Aguiar Freitas
Marlos ribeiro Araújo

(DES)ARTICULAÇÕES DE UM GRUPO DE SAÚDE MENTAL NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA


FAMÍLIA: DESAFIOS E POTENCIALIDADES.......................................................................840
Karlene Maria da Rocha Freitas
Bruna de Jesus Lopes

MODOS DE CUIDAR EM SAÚDE MENTAL: ENTRE OS MODELOS HEGEMÔNICOS E A


ABORDAGEM PSICOSSOCIAL...........................................................................................847
Pedro Victor Modesto Batista

ATUAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADA PARA ADOLESCENTES E AS VISÕES


INTERACIONISTA E SÓCIO-HISTÓRICAS .........................................................................857
Sara Moreno Costa
Larissa Fonseca Araújo

(SUS)TENTANDO UMA HISTÓRIA....................................................................................860


Wagner Sousa
Williana Nunes de Moraes Louzada
PARTE 3
AVALIAÇÃO: MÉTODO E MEDIDAS EM PSICOLOGIA, BASES
BIOLÓGICAS DO COMPORTAMENTO E NEUROPSICOLOGIA
TEORIA FUNCIONALISTA DOS VALORES HUMANOS: TESTANDO A HIPÓTESE DE
CONTEÚDO EM UMA AMOSTRA DE CRIANÇAS..............................................................870
Thaís Coutinho Souza
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Glysa de Oliveira Meneses
Ernandes Barbosa Gomes
Emerson Diógenes de Medeiros
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros

USO DO ZULLIGER COM CRIANÇAS: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA PRODUÇÃO


CIENTÍFICA NACIONAL.....................................................................................................880
Rute da Conceição Machado

ATITUDES FRENTE À ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS: TESTANDO UMA MEDIDA


REDUZIDA VIA ANÁLISE CONFIRMATÓRIA.....................................................................890
Gleidson Diego Lopes Loureto
Leogildo Alves Freires
Ana Karla Silva Soares
Maria Gabriela Costa Ribeiro
Bruna de Jesus Lopes

ATITUDES FRENTE À CONJUGALIDADE HOMOSSEXUAL: EVIDÊNCIAS PSICOMÉTRICAS


CONFIRMATÓRIAS DE UMA MEDIDA REDUZIDA............................................................898
Gleidson Diego Lopes Loureto
Leogildo Alves Freires
Olindina Fernandes da Silva Neta
Anderson Mesquita do Nascimento
Bruna de Jesus Lopes

ESCALA DE ATITUDES RELIGIOSAS (VERSÃO EXPANDIDA-20): VALIDADE DE


CONSTRUTO EM UMA AMOSTRA DE UNIVERSITÁRIOS.................................................906
Kairon Pereira de Araújo Sousa
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Emerson Diógenes de Medeiros
Thais Coutinho Souza
Larissa Nascimento dos Santos
Liene Martha Leal
Marcus Vinicius de Sousa da Silva

PROBLEMATIC INTERNET USE QUESTIONNAIRE SHORT FORM: EVIDÊNCIAS DE


VALIDADE DE CONSTRUTO NO BRASIL........................................................................... 915
Thais Coutinho Souza
Alexia Jade Machado Sousa
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Emerson Diógenes de Medeiros
Talídyna Moreira de Oliveira
ESCALA DE AFETOS NEGATIVOS E POSITIVOS: EVIDÊNCIAS DE VALIDADE E PRECISÃO
NO CONTEXTO PIAUIENSE..............................................................................................924
Larissa Fonseca Araújo
Emerson Diógenes de Medeiros
Gabriela Ellys de Araujo
Sebastiana Sarah Martins
Paulo Gregório Nascimento da Silva

ESTRESSE: UM ESTUDO REALIZADO COM ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS..................932


Maria Isabele Ferreira
Sara Moreno Costa
Ana Lúcia Trindade Martins

ESCALA DE ESTIGMA SOBRE PEDÓFILOS: EVIDÊNCIA DE VALIDADE FATORIAL E


CONSISTÊNCIA INTERNA NO BRASIL.............................................................................. 941
Bruna Paulino de Araújo Falcão
Rildesia Silva Veloso Gouveia
Alessandro Teixeira Rezende
Camilla Vieira de Figueiredo
Maria Aparecida Trindade

ESCALA DE ATITUDES FRENTE AO ASSISTENCIALISMO SOCIAL (EAFAS): ELABORAÇÃO E


EVIDÊNCIAS PSICOMÉTRICAS PRELIMINARES................................................................949
Bruna Paulino de Araújo Falcão
Valdiney Veloso Gouveia
Alessandro Teixeira Rezende
Nicole Almeida Ventura
Maria Aparecida Trindade

IDENTIFICAÇÃO COM TIMES DE FUTEBOL: A AVALIAÇÃO PSICOMÉTRICA DE DOIS


INSTRUMENTOS...............................................................................................................958
Talídyna Moreira de Oliveira
Emerson Diógenes de Medeiros
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Anne Caroline Gomes Moura
Jefferson Machado Nóbrega

VALIDADE FATORIAL CONFIRMATÓRIA E CONSISTÊNCIA INTERNA DA ESCALA


ABREVIADA DE RESILIÊNCIA (EAR).................................................................................968
Jefferson Machado Nobrega
Emerson Diógenes de Medeiros
Anne Caroline Gomes Moura
Alexia Jade Machado Sousa
Thais Coutinho Souza
Ernandes Barbosa Gomes
VARIAÇÃO DIÁRIA DOS PROCESSOS ATENCIONAIS: UM ESTUDO ELETROFISIOLÓGICO...
.......................................................................................................................................... 976
Lucas Galdino Bandeira dos Santos
Jéssica Bruna Santana Silva
Michael Jackson de Oliveira Andrade
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Eveline Silva Holanda Lima
Natanael Antonio dos Santos

ASPECTOS E MODELOS DE LEITURA SOBRE O PRISMA DE STANISLAS DEHAENE E VITOR


CRUZ.................................................................................................................................985
Murilo Cezar de Souza Albuquerque
Mírian Carla Lima Carvalho
Carla Moita da Silva Minervino

AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS NO TRANSTORNO DO


ESPECTRO AUTISTA NO BRASIL.......................................................................................991
Heloanny Vilarinho Alencar
Letícia Maria Carvalho Mendes Costa
Maria Andréia Bezerra Marques

EFEITOS DA INGESTÃO AGUDA DE ÁLCOOL NO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO:


UMA REVISÃO SISTEMÁTICA.......................................................................................... 1001
Jéssica Bruna Santana Silva
Eva Dias Cristino, Thiago Paiva
Ana Raquel de Oliveira
Lidyane Costa
Natanael Antonio dos Santos
DESEMPENHO EM TAREFA DE MEMÓRIA DE TRABALHO COM O USO DE PALAVRAS:
ESTUDO PILOTO............................................................................................................. 1009
Mírian Carla Lima Carvalho
Murilo Cézar de Souza Albuquerque
Carla Moita da Silva Minervino

FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA, HISTÓRIA E


EPISTEMOLOGIA DA PSICOLOGIA
NOTAS SOBRE A PSICOLOGIA NO BRASIL NAS DÉCADAS DE 1980 E 1990: OUTROS
ESPAÇOS, OUTROS FAZERES.......................................................................................... 1017
Amanda Gabriella Borges Magalhães
Flávia Cristina Silveira Lemos

EM BUSCA DA ESQUIZOANÁLISE: CLÍNICA, TEORIA E FORMAÇÃO............................. 1025


André Rossi

INVISIBILIDADE SOCIAL NO CAMPO DO TRABALHO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DE


ESTÁGIO EM PSICOLOGIA.............................................................................................. 1035
Ariana Campana Rodrigues
Daltro de Paiva Oliveira Filho
Jéssyca Cristina Gomes Nunes
Jhulyane Cristine da Cunha Nunes
Kelyane Vieira de Lima
EDUCAÇÃO EM SAÚDE, PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E EDUCAÇÃO
INTERPROFISSIONAL: RELATOS DE EXPERIÊNCIA NA GRADUAÇÃO...........................1044
Jessyca Rodrigues Melo
Leonardo Sales Lima
Alysson Fernando Oliveira da Cruz
Elivelton Cardoso Vieira

EXPERIÊNCIAS DE ESTÁGIO NO SERVIÇO ESCOLA DE PSICOLOGIA: UMA ANÁLISE DAS


TRIAGENS REALIZADAS.................................................................................................. 1050
Maria do Livramento Pereira dos Santos
Fransnadine de Maiara Costa Gomes
Raquel Ramos Barreto Gueidia
Livia Gomes Viana-Meireles

GÊNERO E PSICOLOGIA: QUAIS CAMINHOS ESTAMOS TRILHANDO?.......................... 1057


Carla Priscilla Castro Sousa
Yuri Pacheco Neiva
Vanessa da Silva Alves

PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO À BRASILEIRA: DESCOLONIZANDO A PSICOLOGIA.......


........................................................................................................................................ 1065
Gabriel de Figueiredo Maciel Vilella
Gabrielle Freitas Chaves
A EXTENSÃO COMO FERRAMENTA FORMATIVA PARA A ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA NAS
POLÍTICAS PÚBLICAS...................................................................................................... 1074
Emilie Fonteles Boesmans
Antonio Dário Lopes Júnior
Estéfanni Mairla Alves
Mayara Luiza Freitas Silva

A EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR: PROFESSORES, ALUNOS E A FORMAÇÃO EM


PSICOLOGIA.................................................................................................................... 1083
Antonio Dário Lopes Júnior
Emilie Fonteles Boesmans
Estefanni Mairla Alves
Mayara Luiza Freitas Silva

PSICOLOGIA JURÍDICA, PSICOLOGIA DO ESPORTE


E PSICOLOGIA AMBIENTAL

RETIFICAÇÃO SUBJETIVA DO AGRESSOR: RELATO DE EXPERIÊNCIA DO GRUPO DE


EXTENSÃO E PESQUISA EM VIOLÊNCIA E GÊNERO....................................................... 1092
Rayane Barbosa da Silva
Hávila Raquel do Nascimento Gomes Brito
Hianka Hingridy Gomes Maia
Ernand Silva Rocha
Anna Paula Fagundes Bezerra
A ESTRATÉGIA DO DEPOIMENTO ESPECIAL: A ESCUTA DA CRIANÇA VÍTIMA DE
VIOLÊNCIA SEXUAL........................................................................................................ 1100
Hortência Evelyne Santos
Larissa Nascimento dos Santos
Liene Martha Leal
Marcus Vinicius de Sousa da Silva

O ENSINO DA PSICOLOGIA JURÍDICA NO CURSO DE DIREITO: UM RELATO DE


EXPERIÊNCIA DO ESTÁGIO DOCENTE............................................................................1110
Carla Priscilla Castro Sousa

VIVÊNCIAS DE UM ESTÁGIO EM PSICOLOGIA JURÍDICA SOB A PERSPECTIVA DO


PARADIGMA “VIDA APAC X VIDA PÓS APAC”.................................................................1117
Anna Karoline Gomes Dourado
Allan Victor Leal Gomes
Regina Maria Roberta Silva
Pedro Wilson Ramos da Conceição

ANÁLISE DO PAPEL DO ATLETA: RELAÇÃO ENTRE PRÁTICAS ESPORTIVAS E


MECANISMOS DE IDENTIFICAÇÃO E PROJEÇÃO NA SOCIEDADE................................ 1123
Thatiane da Silva Carvalho
Helen Emanuele Pereira Sousa

PSICOLOGIA DO ESPORTE NO BRASIL: UMA REVISÃO DE LITERATURA...................... 1130


Mateus Egilson da Silva Alves
Marcelly de Oliveira Barros
Maria Gabriela do Nascimento Araújo
Pedro Vitor Cerqueira Paiva
Livia Gomes Viana Meireles

PRÁTICA DE ATIVIDADE FÍSICA EM UNIVERSITÁRIOS DE UMA INSTITUIÇÃO FEDERAL


DO PIAUÍ......................................................................................................................... 1140
Jeilson Barroso Silva
Talídyna Moreira De Oliveira
Willian Dos Santos Souza
Livia Gomes Viana-Meireles

UMA COMPREENSÃO HISTÓRICO-CULTURAL DA HOMOFOBIA NA ESCOLA A PARTIR DA


PSICOLOGIA AMBIENTAL............................................................................................... 1147
José da Silva Olveira Neto
Fábio Pinheiro Pacheco
Zulmira Áurea Cruz Bomfim

AMBIENTE E AFETIVIDADE SEGUNDO JOVENS DA COMUNIDADE PEDRA DO SAL..... 1153


Marluce Eduardo Da Silva
Dayanne Batista Sampaio
Andressa Lília Sousa dos Santos
Hérica Maria Saraiva Melo
COMUNIDADE PEDRA DO SAL: ASPECTOS IDENTITÁRIOS E RELAÇÃO PESSOA-
AMBIENTE....................................................................................................................... 1160
Maria Teresa Rodrigues De Oliveira
Dayanne Batista Sampaio
Andressa Lília Sousa Dos Santos
Pedro Victor Modesto Batista

O USO DE HABILIDADES SOCIAIS COM TRABALHADORES RURAIS BENEFICIADORES DA


CASTANHA DE CAJU NO INTERIOR DE SERGIPE........................................................... 1167
Paula Helen Santiago Soares
Zenith Nara Costa Delabrida
Joelma Santos Araújo
Wilverson Santos Correia
Flávia de Ávila
Victor Fernando Alves Carvalho

ASSIMETRIAS, AMBIVALÊNCIAS E PATRIARCADO: REVISANDO O COTIDIANO DA


MULHER INSERIDA EM CONTEXTO RURAL....................................................................1175
Rafaela Pinheiro Pereira
Ana Amábile Gabrielle Rodrigues Leite
Elaine Soares de Freitas Leitão

AFETIVIDADE COM O ESPAÇO E ÉTICA AMBIENTAL: ALCANCES DO RECONHECIMENTO


DA NATUREZA COMO NOSSO LAR................................................................................ 1183
Sara Leite Fernandes

PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E COGNIÇÃO, PSICOLOGIA DO


DESENVOLVIMENTO E PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NO ENSINO FUNDAMENTAL I NAS ESCOLAS
MUNICIPAIS DE PICOS-PI............................................................................................... 1190
Thuanny Mikaella Conceição Silva
Milena Valdinéia da Silva Leal
Juliana de Sousa Fialho
Gilka Mary Alves de Sousa

O ADOLESCENTE E SEUS PARES: DORES E DELÍCIAS DO AMBIENTE ESCOLAR........... 1199


Estefanni Mairla Alves
Antonio Dario Lopes Junior
Mayara Luiza Freitas Silva
Emilie Fonteles Boesmans

A FUNÇÃO PATERNA DURANTE O COMPLEXO DE ÉDIPO PARA O DESENVOLVIMENTO


INFANTIL NO CASO HOMEM DOS RATOS...................................................................... 1208
Sara Moreno Costa
Larissa Fonseca Araújo

IMPLICAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS NO ADOLESCENTE VÍTIMA DE


CYBERBULLYING............................................................................................................. 1212
Leilyssa Layane da Costa Penha
Milena Bezerra de Sousa Falcão
QUESTÃO SOCIAL, PROCESSOS SOCIAIS, CUIDADO E NEGLIGÊNCIA PARENTAL
INFANTIL......................................................................................................................... 1219
Hivana Raelcia Rosa da Fonseca

EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL NA PARENTALIDADE............................................ 1224


Hivana Raelcia Rosa da Fonseca

APROXIMAÇÕES ENTRE PSICOLOGIA EDUCACIONAL E ESPIRITUALIDADE................ 1230


Pedro Victor Modesto Batista

RELATO DE EXPERIÊNCIA NA REALIDADE ESCOLAR: UMA INTERVENÇÃO


COLABORATIVA.............................................................................................................. 1236
Marcos Antonio de Sousa Rodrigues Moura
Sara Leite Fernandes
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva

MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: ESTUDO COMPARATIVO EM ESCOLAS PÚBLICAS E


PRIVADAS DA CIDADE DE SALVADOR-BAHIA................................................................ 1245
Amélia Santana da Silva
Cláudia Regina de Oliveira Vaz Torres

RELATO DE EXPERIÊNCIA: CULTIVAR A PAZ, SEMEAR VALORES .................................. 1252


Jessyca Rodrigues Melo
Camila Siqueira Cronemberger Freitas
Alysson Fernando Oliveira da Cruz
Cecília Maria Almeida e Almendra Sousa
Elivelton Cardoso Vieira
Louanne Sousa Silva

ORIGEM, DESENVOLVIMENTO E ATUALIDADE DO FRACASSO ESCOLAR: UM OLHAR


HISTÓRICO-CULTURAL.................................................................................................. 1256
Artur Bruno Fonseca de Oliveira
Genira Fonseca de Oliveira

O ATO DO BRINCAR E A SOCIALIZAÇÃO ENTRE CRIANÇAS: UM RELATO DAS VIVÊNCIAS..


........................................................................................................................................ 1264
Antonio Nailton Pereira dos Santos
Deuzyanne Zátia dos Santos Silva
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Helen Emanuele Pereira de Sousa
Francisca Thays Silva Costa

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO PROCESSO DE INCLUSÃO DO ALUNO COM


NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS.................................................................. 1270
Maria Beatriz dos Santos Dias
Rafaella Coelho Sá Veloso

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL: POSSIBILIDADES E


DESAFIOS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO (UFMA).............................. 1279
Adauto de Vasconcelos Montenegro
Geysa Carvalho Cantanhede Marques
Karoline Andrade Pereira
Valéria Assunção Lima
CARACTERIZAÇÃO DO REPERTÓRIO DE HABILIDADES SOCIAIS DE ESTUDANTES DE
GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ...................... 1283
Fransnadine de Maiara Costa Gomes
Livia Gomes Viana-Meireles
Talídyna Moreira de Oliveira
Daniele Ildegardes Brito Tatmatsu

PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL NO CEARÁ: RELATO DE EXPERIÊNCIA NA REDE


ESTADUAL DE ENSINO................................................................................................... 1291
Estefanni Mairla Alves
Mayara Luiza Freitas Silva
Emilie Fonteles Boesmans
Antonio Dario Lopes Junior

TECNOLOGIAS EDUCATIVAS EM SALA DE AULA: APERFEIÇOANDO AS RELAÇÕES


INTERPESSOAIS.............................................................................................................. 1298
Raianny de Sousa Gondim
Inês Falcão Nogueira de Oliveira
Danielle Gomes Batista
Karla Julianne Negreiros de Matos

A INCLUSÃO EDUCACIONAL DE CRIANÇAS AUTISTAS: UMA REVISÃO DE LITERATURA.....


........................................................................................................................................ 1306
Luana Gabriella Martins Lima
Dhekson Marinho de Souza
Mariane Letícia de Sousa
Társila Emanuella Alves de Sousa
Noádia Cavalcante de Lima
Flávia Danielli Martins Lima

O TEA E AS DIFICULDADES DE ADAPTAÇÃO AO SISTEMA REGULAR DE ENSINO: UM


ESTUDO DE CASO........................................................................................................... 1313
Evelyne Ellene Alves de Carvalho

A RELAÇÃO ENTRE O BRINCAR E A REPRODUÇÃO DOS PAPÉIS DE GÊNERO: UM


ESTUDO DE CASO NA SEGUNDA INFÂNCIA.................................................................. 1322
Jessica Freire Sales Ponte

REFLEXÕES A PARTIR DE UMA PESQUISA SOBRE A RELAÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE


COM A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE..................................................... 1330
Luana Lima Fonseca Couto

A PSICOLOGIA EDUCACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DAS COMPETÊNCIAS


SOCIOEMOCIONAIS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA..................................................... 1338
Hávila Raquel do Nascimento Gomes Brito
Eliane Clares Barbosa
Ana Beatriz Almeida Sampaio
Cândida Maria Farias Câmara
Maria Elenilda do Nascimento
Carlos Eduardo de Sousa Lyra

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO EDUCACIONAL EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO NÃO-


FORMAL: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA........................................................................ 1345
Danielle Gomes Batista
Luciana Martins Quixadá
Alana Braga Alencar
ATITUDE DA POPULAÇÃO BRASILEIRA PERANTE A MORTE......................................... 1354
Camila Maria de Oliveira Ramos
Danielle Feitosa Araújo
Cynthia de Freitas Melo

RESILIÊNCIA E QUALIDADE DE VIDA: UM ESTUDO CORRELACIONAL EM JOVENS E


ADOLESCENTES.............................................................................................................. 1362
Camila Maria de Oliveira Ramos
Marina Braga Teófilo
Icaro Moreira Costa
Cynthia de Freitas Melo

RELATÓRIO DE ESTÁGIO BÁSICO I: DELEGACIA DE ATENDIMENTO ESPECIALIZADO A


MULHER.......................................................................................................................... 1371
Lucas Pereira dos Santos
Andreia de Medeiros Cunha
Lorrayne Fernandes Galdino de Souza
Igor Eduardo de Lima Bezerra
Maria Wanessa Barbosa dos Santos

PERSONALIDADE COMO PREDITOR DO SEXTING: REVISÃO SISTEMÁTICA................ 1378


Anne Caroline Gomes Moura
Emerson Diógenes de Medeiros
Sandra Elisa de Assis Freire
Fauston Negreiros

APONTAMENTOS PARA UMA NOVA LEITURA DA ATUAL REFORMA PSIQUIÁTRICA


BRASILEIRA..................................................................................................................... 1384
Cristofthe Jonath Fernandes
Pedro Renan Santos de Oliveira
Aluísio Ferreira de Lima

TEORIA FUNCIONALISTA DOS VALORES HUMANOS: EVIDÊNCIAS DE ADEQUAÇÃO EM


UMA CIDADE LITORÂNEA DO PIAUÍ.............................................................................. 1394
Kairon Pereira de Araújo Sousa;
Millena Vaz da Costa Valadares;
Paulo Gregório Nascimento da Silva;
Emerson Diógenes de Medeiros
Talídyna Moreira de Oliveira

TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS E AS NUANCES PSICOLÓGICAS: UMA EXPERIÊNCIA EM GRUPO....1403


Thayse Emanuelle Menezes dos Santos

EDUCAÇÃO E SAÚDE MENTAL: CAMINHOS PARA A PREVENÇÃO DO SUICÍDIO......... 1408


Flavia Regina Sousa Martins
Evelyne Ellene Alves de Carvalho
Michelangela Alves de Brito
Rosa Régia Sousa de Medeiros

A RECIDIVA EM ONCOLOGIA PEDIÁTRICA A PARTIR DA PERSPECTIVAS DOS


PROFISSIONAIS............................................................................................................... 1417
Sabrina Magalhães Martins da Silva
Bárbara Jéssyca Magalhães
Cynthia de Freitas Melo

SOBRE AS ORGANIZADORAS......................................................................................... 1428


APRESENTAÇÃO

A
presente obra é fruto de pesquisas empíricas e bibliográficas que correspondem
aos trabalhos apresentados no I Congresso de Psicologia Brasileira, realizado
entre os dias 26 e 29 de abril de 2018, na cidade de Parnaíba, Piauí. O referido
evento reuniu pesquisadores, docentes, profissionais, estudantes e a comunidade em geral,
interessados em dialogar acerca da temática central do congresso, que corresponde a “Identidade,
contemporaneidade e práticas psicológicas no contexto brasileiro”.
Partindo de um olhar interdisciplinar, o I Congresso de Psicologia Brasileira teve como
principal objetivo promover uma reflexão acerca das práticas em Psicologia a partir do encontro
potencial com os limites e as possibilidades que caracterizam o contexto brasileiro, tendo em
vista a aplicação dos saberes no campo prático. Nesta direção, buscou-se conhecer e valorizar
o trabalho e investigação de profissionais e pesquisadores, das mais diferentes áreas, acerca dos
desafios encontrados no exercício do pensar a prática psicológica de forma interdisciplinar na
atualidade.
O livro IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS NO
CONTEXTO BRASILEIRO, que em sua essência aborda temáticas sob uma perspectiva psicológica,
possui caráter interdisciplinar, com o intuito de promover um amplo diálogo de saberes e práticas
que versem sobre a educação, o trabalho, saúde, meio ambiente, economia, questões sociais e
políticas contemporâneas. Assim, a presente obra está organizada em três partes, que, por sua vez,
agrupam capítulos em torno dos eixos temáticos que estruturam as atividades que constituíram
o evento realizado.
Dessa maneira, acreditamos que a organização do livro a partir dos eixos temáticos
abordados no I CPBr garante uma ampla discussão à medida que possibilita uma maior aproximação
entre textos que abordam construtos semelhantes ou que se complementam, facilitando a busca
de conteúdo e, portanto, incentivando, promovendo e apoiando a pesquisa.
Considerando a relevância do evento para a construção de uma psicologia genuinamente
brasileira, acreditamos que a presente obra representa um importante elemento de apoio ao
processo de construção de práticas psicológicas e de pesquisa cada vez mais contextualizadas
com as necessidades de nosso país.
Dessa maneira, com muita satisfação, disponibilizamos por meio deste livro os trabalhos
completos apresentados durante o evento para que a comunidade tenha acesso aos conhecimentos
compartilhados, e espera-se servir de subsídio para todos, tanto na vida acadêmica e profissional
quanto ao exercer seu papel de cidadão na sociedade como um todo.
Aproveitem a oportunidade e boa leitura.

Comissão Organizadora!

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 29


NO ONTEXTO BRASILEIRO
PARTE 1

EIXOS TEMÁTICOS:
• PSICOLOGIA CLÍNICA
•  PSICOLOGIA DA SAÚDE, ÉTICA E BIOÉTICA E
PSICOLOGIA HOSPITALAR
• PSICOLOGIA DO TRABALHO E PSICOLOGIA
ORGANIZACIONAL
EIXO TEMÁTICO

PSICOLOGIA CLÍNICA
O CONCEITO DE MÃE SUFICIENTEMENTE BOA DE
WINNICOTT E OS DESDOBRAMENTOS DE SUA FALHA
NA SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS
Luana Ferreira Pinheiro Mantovan
Síntia de Fátima Ascêncio
Eloisa Sorero Jacomini

Introdução

A
relação da mãe com o bebê, nos primeiros meses de vida, é de suma importância
para garantir sua sobrevivência, sendo essa interação, também a base para a
constituição psíquica do bebê.
A demanda do bebê neste momento vai além de cuidados de higiene pessoal e alimentação,
espera – se que a mãe consiga transmitir ao recém-nascido, afetividade, permitindo através do colo
e da amamentação, a diminuição das ansiedades persecutórias do bebê, a fim de que este se sinta
seguro e vá desenvolvendo nesta relação elementos sadios para construção de sua personalidade.
(Winnicott, 2001)
Winnicott foi o fundador da psicanálise de crianças na Grã-Bretanha, antes da chegada
a Londres de Melanie Klein. No centro do intenso conflito entre Anna Freud (que tinha uma
concepção “pedagógica” da psicanálise de crianças) e Melanie Klein (cuja prática clínica era
centrada nos jogos e na observação das psicoses primitivas, segundo ela presentes em todas as
crianças), Winnicott foi afirmando sua independência. (Chinalli, 2017)
Chinalli (2017) afirma que embora admirasse Melanie Klein, com quem se submeteu a
uma supervisão, entre 1935 e 1941, recusou-se a cumprir suas exigências. Assim, quando ela quis
obrigá-lo a analisar seu filho Erich, para ela mesma supervisionar o tratamento, ele aceitou ser o
analista do garoto, mas sem nenhum tipo de supervisão. Contudo, foi no grupo kleiniano que ele
e sua esposa se agregaram, sendo fortemente influenciados por Klein.
Segundo Klein (1981), a ansiedade persecutória é a fantasia de o ódio e a agressividade
direcionados ao seio mau, (a mãe ou ambiente que frustra), na posição esquizoparanóide
do desenvolvimento infantil kleiniano. Relacionada ao medo do bebe de sofrer ataques ou
perseguições. A posição esquizoparanóide é a fase mais primitiva do desenvolvimento infantil,
onde o bebê expressa dois sentimentos básicos: amor e ódio.
Levando em consideração que todo ser possui um potencial vital que o impulsiona ao
desenvolvimento, como algo essencial do ser, observa-se que essa primeira relação possibilita o
amadurecimento emocional do bebê, uma vez que envolve a mãe e o meio ambiente constante e
facilitador (Winnicott,1960/1983).
Como meio facilitador, Winnicott compreende o ambiente que oferece estímulos necessários
para a construção de um self independente. Uma vez que o ambiente não cumpriu seu papel
criança fica vulnerável a recursos mínimos de desenvolvimento. (Valler, 1990).

32  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O meio não se refere a condições financeiras, apesar dessa, permitir melhores condições
e mais possibilidades. O termo meio facilitador está relacionado a um contexto contingente
que oferece a criança os recursos perceptivos necessários para que ela vá criando a sua própria
identidade, assim como se desvinculando e mudando sua percepção sobre os objetos relacionais
(Winnicott, 1999).
Sabe – se que atualmente a demanda de crianças que chegam aos serviços de saúde
apresentando distúrbios de condutas e que sugerem falhas no desenvolvimento psicossocial
vem aumentando consideravelmente, assim como outros distúrbios advindos da fragilidade da
constituição e sustentação psíquica, carecendo não só de novos olhares acerca deste problema,
mas também de pensarmos em prevenção. (Cambuí, Neme & Abraão, 2016).
O objetivo deste artigo é através da revisão bibliográfica checar se à mãe suficientemente boa
é capaz de proporcionar o desenvolvimento saudável da personalidade do indivíduo na infância.
A fim de identificar métodos de prevenção em saúde mental de crianças e consequentemente em
adultos.

Método

Propomos através da investigação bibliográfica da relação entre o bebê e seus cuidadores


iniciais, entender como essa relação se desenvolve.
Como base, foi utilizado o referencial teórico do conceito “Mãe suficientemente boa” da
teoria psicanalítica do médico pediatra e psicanalista inglês Donald W. Winnicott. (1896-1971).
Para tal, foi utilizada a revisão bibliográfica conceitual com base na literatura já existente.
Primeiramente a página eletrônica “Sciello”, na qual foram inseridas as palavras chaves “Winnicott”
e “psicanálise”, o que resultou em 112 artigos, dos quais somente 40 foram utilizados para a
pesquisa por serem pertinentes ao enfoque desejado. Além disso, foram, acrescidos na pesquisa
12 livros impressos publicados por Winnicott e uma tese de mestrado, os quais estarão registrados
na bibliografia deste artigo.

Resultados

Os resultados obtidos nesta pesquisa serão apresentados no tópico discussão, com o


objetivo de melhorar a sua compreensão.

Discussão

Ao falar de desenvolvimento infantil, estamos nos referindo a importantes fases do processo


de amadurecimento psicológico que a criança passa.
Na fase de dependência absoluta, temos como pontos centrais a preocupação materna
primária, e a amamentação. A preocupação materna primária que, segundo Winnicott, é um
estado muito específico de sensibilidade aumentada da mãe, que ocorre nas primeiras semanas
do bebê, onde este é sua preocupação praticamente exclusiva. Nessa interação, a mãe entende as
necessidades e compreende seu bebê, mesmo sem linguagem. (Gomes, 2006).
Ainda, segundo Gomes (2006) posteriormente, a fase de dependência relativa ocorre com o
início do desmame cujo objetivo é estimular na criança a capacidade de se livrar de coisas e estar
pronto para conhecer novas formas. A fase de independência relativa culmina com o complexo de
Édipo e o inicio da diferenciação entre fantasia e realidade.
No desenvolvimento infantil necessitamos respeitar e conhecer as fases que farão desse
processo o meio de individualização. Tal processo ocorre quando, a mãe possui maturidade

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 33


NO ONTEXTO BRASILEIRO
emocional suficiente para permitir que, de forma paulatina o bebe se veja como separado da mãe,
diferenciando o “eu do não-eu”. (Pitanguy, 2007)
A individualização é um processo que garante para a criança a constituição do seu self,
e nela existem etapas das quais é imprescindível vivenciar o afeto, pois a sua ausência seria um
possível fator comprometedor para a constituição de sua autoimagem, constituindo sentimentos
de angústia e desamparo (Jacques, 2001).
Para que seja possível o desenvolvimento de tais processos, a mãe e posteriormente os
outros cuidadores devem ser capazes de atender à três tarefas primordiais: o holding, o handing e
o object- presenting. (Winnicot, 2001).
Na noção de holding estaria envolvida a atitude de doação da mãe, ou cuidador principal, em
um primeiro momento estar disposta internamente a atender de forma instintiva as necessidades
fisiológicas e psicológicas do bebê, como procedimentos de cuidados, segurança e afeto que
proporciona a sensação de integração ao bebê. (Dias, 2003).
O handing seria a estimulação motora através da manipulação do bebê com movimentos
corporais como massagem, cócegas, colocar de bruços, o que permite o desenvolvimento sensorial
e psicossomático do bebê no espaço ou a sua personalização. (Winnicott, 2001).
Por fim, o object-presenting, seria apresentar o mundo aos poucos à criança por meio
de brincadeiras com objetos nomeando-os e nomeando as ações da criança, dando início à
capacidade do bebê de se relacionar com o mundo externo, proporcionando-lhe um ambiente
seguro e previsível possibilitando que o processo de realização ocorra. (Winnicott, 1990).
Outro fator imprescindível para o desenvolvimento saudável da criança é o meio ambiente,
segundo Winnicott (1990) a mãe é considerada o primeiro ambiente do bebê, a forma como ela se
comporta vai influenciar diretamente como a criança entenderá o mundo, a partir dessa primeira
percepção a criança vai expandindo sua percepção através da relação que vai desenvolvendo com
outras pessoas, geralmente o pai ou o cuidador e assim com outras figuras parentais que tem
papel fundamental e influente na constituição da personalidade da criança.
O ambiente facilitador tem o papel de maturação no desenvolvimento dos estágios iniciais
e depois ao longo da vida esse papel ainda tem grande influencia sobre como essa pessoa vai
se comportar. O ambiente faz a função de integrar o mundo e as pessoas e concretizar essa
construção, pois somente um ser humano conhece um bebe a ponto de leva-lo a amadurecer e a
adaptar-se de forma a conseguir interagir de forma saudável. (Coutinho, 1997).
Esse processo torna-se totalmente possível, pois o bebe acumula com muita desenvoltura
no decorrer do tempo, independência e assim começa a acumular conhecimentos e experiências
formando uma estrutura para confiar nos processos externos. Diferente da condição de
dependentes extremos que precisam do outro o tempo todo, para experimentar a relação seja
interna ou externamente, já que no inicio de suas vidas possuem uma dependência absoluta,
mas que na interação com ambiente estimulador avança fortemente em direção à independência.
(Winnicott, 2000).
Assim, o ambiente facilitador, proporcionará a condição favorável que levará o bebê a
evoluir no processo de maturação, assim realizando seu objetivo o de inferir na constituição da
personalidade do bebê promovendo desenvolvimento emocional e permitindo que ele adquira
meios de se relacionar com objetos há seu tempo, quando a mãe o apresentar o mundo através
de seu seio. (Valler, 1990).
Quando por algum motivo os processos descritos acima não ocorrem, de maneira
sistemática, a “deprivação” sofrida, faz com que o bebê perceba o ambiente como inconstante e
hostil (Gomes, 2006).
A deprivação ocorre quando o ambiente falha em oferecer certas características essenciais
da vida familiar (Winnicott, 1999).

34  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Podendo acarretar como consequência o congelamento do processo de amadurecimento
pessoal, ou interrupções do estabelecimento do self, através de experiências traumáticas,
ocasionando rupturas na personalidade do indivíduo. (Winnicott, 1983).
Na tentativa do self em reestabelecer a homeostase, conforme Jacques (2001) surge uma
organização defensiva cujo objetivo é proteger o verdadeiro eu.
Dentro deste contexto a homeostase é uma forma que o ego imaturo e incapaz de lidar com
a realidade tem, com a função de evitar invasões, assim permitindo a continuidade do ser, mas
para isto, utilizando fortes defesas. (Jacques, 2001).
Segundo Vilete, este seria o caminho para estabelecimento de patologias primitivas, como
o falso self, os quadros esquizoides, as psicoses e as personalidades borderlines. (Vilete, 2002).
Se o ambiente fornece cuidados satisfatórios e se mostra capaz de reconhecer, aceitar e
integrar essa manifestação do bebê, a fonte de agressividade que, no inicio do desenvolvimento
está ligada a motilidade e parte do apetite, torna-se integrada à personalidade total do indivíduo
e será elemento central em sua capacidade de relacionar-se com outros, de defender seu território,
de brincar e trabalhar. (Winnicott, 1958b).
Se não for integrada, a agressividade terá que ser escondida (timidez, autocontrole),
personalidade esquizoide. Ou cindida, ou ainda poderá redundar em comportamento antissocial,
violência ou compulsão à destruição (Dias, 2000).
Winnicott (1986/1971) vai além, segundo ele, comportamentos antissociais derivam da
perda de uma experiência boa com um objeto, por tempo maior que a criança pudesse recordá-la,
assim gerando uma quebra na continuidade da experiência. Tal processo ocorreria no momento
do enraizamento libidinal e agressivo do ID, tendo como resultado os comportamentos de furto
e agressividade.
No furto há a busca libidinal pela experiência perdida, já no comportamento destrutivo
a busca é por um ambiente estável e confiável que seja capaz de conter a tensão originada da
impulsividade, permitindo maior liberdade de movimentos da criança (Winnicott, 1999).
Londero e De Souza (2015) corroboram com ideia da importância do ambiente estável e
facilitador para a prevenção de quadros antissociais.
Foi possível observar com a pesquisa, que há uma íntima relação entre os cuidados na
primeira infância e o desenvolvimento psicológico em crianças e adultos.
Podemos dizer que um cuidado é suficientemente bom quando ele proporciona a integração:
conseguir se localizar no tempo e espaço, a personalização: percepção de si mesmo e a realização:
inicio das relações objetais saudáveis com meio. (Dias, 2003).
Sendo assim, a saúde mental do indivíduo adulto tem suas bases originadas na primeira
infância pela mãe, através do fornecimento de elementos para que os processos complexos mais
essenciais ao “eu” do bebê completem-se (Winnicott, 1948).
A pesquisa foi capaz de evidenciar que as origens de patologias como as psicoses, o falso
self, os quadros esquizoides, as personalidades borderlines e os comportamentos antissociais,
estão nas primeiras relações do bebê com sua mãe e o ambiente que o cerca.
Acreditamos que a prevenção é o melhor caminho para a constituição de crianças e adultos
saudáveis, desta forma, investir em políticas que levem em consideração a importância desse
primeiro cuidado, seria um caminho rumo à promoção de saúde mental na comunidade.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 37


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A PSICOPATOLOGIA COMPREENSIVA DE KARL
JASPERS COMO POSSIBILIDADE DE PRODUÇÃO DO
DIAGNÓSTICO EM PSICOLOGIA
Lidiane Verônica Collares da Silva
Jean Marlos Pinheiro Borba

Introdução

D
e acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) os fenômenos
psicopatológicos não são perturbações mentais que apenas variam na escala da
normalidade; para que seja classificada como perturbação é necessário que essa
anormalidade seja recorrente ou contínua, trazendo prejuízos para o indivíduo e para os que com
ele convivem.
A OMS (2002) menciona que tanto a identificação quanto o diagnóstico de uma perturbação
mental são feitos da mesma forma de uma doença física: realização de anamnese, testes e exames
clínicos. Também relata que a normatização de sinais e sintomas, o desenvolvimento de entrevistas
estruturadas e a criação de parâmetros internacionais para o diagnóstico no qual é possível
fazer perguntas padronizadas e obter respostas codificadas proporcionou a realização segura
do psicodiagnóstico. Desse modo, a OMS (2002) alega que é possível identificar um transtorno
psicológico da mesma maneira que se pode identificar alguma doença física comum.
Para tal, são utilizados principalmente dois manuais de critérios diagnósticos: o DSM –
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – desenvolvido pela APA (American Psychological
Association) e o CID – Classificação Internacional de Doenças – elaborado pela OMS (APA, 2014). O DSM
. . . se propõe a servir como um guia prático, funcional e flexível para organizar informações que
podem auxiliar o diagnóstico preciso e o tratamento de transtornos mentais. Trata-se de uma
ferramenta para clínicos, um recurso essencial para a formação de estudantes e profissionais e
uma referência para pesquisadores da área. (APA, 2014, p. 42).
Durante 60 anos, o DSM passou por várias edições e agora está em sua quinta versão,
sua classificação é compatível com o CID; de modo que ambos possuem a mesma designação
diagnóstica e codificação alfanumérica (APA, 2014).
Contudo, há controvérsias quanto a eficácia de um diagnóstico feito a partir da categorização
de critérios estatísticos. Tanto Werneck (2012) quanto Caponi (2014) criticam o diagnóstico
baseado no DSM alegando que este preocupa-se mais com o quadro sindrômico do transtorno
do que com a sua etiologia, dessa forma ao se caracterizar como estatístico e ateórico, o DSM
passou a “... definir as patologias psiquiátricas por referência a agrupamentos de sintomas, o
que acarretou a desconsideração das narrativas dos pacientes, das histórias de vida, das causas
sociais e psicológicas específicas que podem ter provocado determinado sofrimento psíquico ou
determinado comportamento” (Caponi, 2014, p. 744).
Pardo e Álvarez (2007), ao fazerem uma crítica ao crescente surgimento de novos transtornos
psicológicos, revelam que houve um aumento maior que 200% de categorias diagnósticas desde o
lançamento do DSM-I em 1952 para o DSM-IV TR em 2000.

38  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Diante disso fica a questão: como poderia ser feito um diagnóstico em psicopatologia que
não atendesse somente aos padrões dos manuais estatísticos? Destarte, esse trabalho intenciona
evidenciar a contribuição do médico psiquiatra e filósofo da existência Karl Jaspers (1883-1969)
para a psiquiatria e psicopatologia, no qual há mais de um século atrás introduziu o método
fenomenológico para direcionamento da atenção do médico à história de vida e aos relatos
autobiográficos do paciente para que assim fosse construído um diagnóstico seguro.
Desse modo, a partir da leitura de textos que compõem a obra de Karl Jaspers bem como de
outras pessoas que têm estudos voltados para o filósofo e para psicopatologia fenomenológica,
apresentaremos o modo de Jaspers compreender a existência humana, apontaremos a sua crítica
ao objetivismo científico presente na psicopatologia e o método que ele utilizava para elaboração
do diagnóstico.

A Filosofia de Jaspers para a Compreensão da Existência Humana



Karl Jaspers foi um médico psiquiatra e filósofo alemão, filho de um alto funcionário bancário
e de uma aldeã. Nasceu em 23 de fevereiro de 1883 em Oldenburg e faleceu na Basiléia em 1969,
aos 86 anos. Especializou-se em Psiquiatria, trabalhou de 1908 a 1915 na Clínica Psiquiátrica de
Heildeberg e também como professor de Psicologia na Faculdade de Letras da Universidade em
que se formou (Hersch, 1982).
Carvalho (2006) ressalta que Jaspers ainda estava ligado à classificação de patologias, devido
ao momento histórico-científico no qual estava inserido. Contudo a influência que ele recebeu da
Fenomenologia estava em considerar a individualidade do paciente, na qual cada pessoa possui
características muito próprias.
O intuito de Jaspers era, além de consolidar a psicopatologia como ciência autônoma,
advertir a importância da filosofia para a compreensão da dimensão existencial do homem, o
que, segundo ele, era impossível para a ciência abarcar a sua totalidade (Carvalho, n.d.).
Carvalho (n.d) relata que para Jaspers “. . . só quando o homem se abre ao outro pode sair
do seu mundo” (p. 2). Assim a existência do homem é um traçado único no qual ninguém pode
vivenciar por ele.
Melo (2012) coloca que Jaspers propõe duas formas de existência: Dasein e Existenz. A primeira
seria a existência empírica, presença objetiva do homem no mundo que pode ser apreendida
pela ciência. No entanto, esse existente enquanto Dasein pode colocar-se como existência
possível (Existenz) na medida em que dá um significado ao seu modo de se posicionar no mundo,
conhecido na filosofia Jasperiana como “salto” (Sprung). “Saltar o limite” significa transcender
para um horizonte livre de determinações onde o Existenz é um “poder-ser” que usa da liberdade
para efetuar suas próprias escolhas.
Existir no mundo é projetar-se para algo além de si, é dar-se conta da possibilidade de
ultrapassar a si próprio, nesse sentido a transcendência é um ato de escolha. Desse modo, cabe
ao profissional, diante do exercício de compreensão do mundo do outro, levar em consideração a
capacidade de liberdade pessoal do cliente que está fora da atuação terapêutica (Carvalho, 2013).
Já que para Jaspers o homem é abertura, não é completo e nem determinado, ele assevera
a impossibilidade de compreender o homem como um todo, podemos compreendê-lo através
de fatos particulares, esta é a razão de afirmar que a ciência objetiva nunca conseguirá obter um
conhecimento total do humano (Ivanovic-Zuvic, 2000).
A partir da concepção que Jaspers tem acerca do existir humano é que podemos compreender
as críticas que ele faz ao objetivismo científico operado na clínica psiquiátrica, nas quais
descreveremos no tópico seguinte.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 39


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Crítica ao objetivismo científico

Werneck (2009a; 2009b) destaca a importância de o diagnóstico clínico ser humanizador,


não se preocupando apenas com os dados estatísticos, já que seria um erro metodológico utilizar
somente o manual estatístico para tal procedimento, posto que não há possibilidade de aplicá-lo
para um eficaz diagnóstico singular. Dessa maneira, o profissional deve, antes de tudo, centrar-se
nas vivências do sujeito, ou seja, em como ele estabelece suas relações com e no mundo.
À vista disso, o autor referido concorda com Jaspers (1965) que afirma que em ciências
humanas não podemos nos conformar em conhecer a aparência das coisas, é importante,
sobretudo compreender qual o significado o homem dá à sua vivência através de suas ações,
pensamentos e crenças.
No entanto, o domínio americano sobre a Psiquiatria caracterizou esta ciência com a busca
de soluções rápidas e eficazes frente aos fatos psicopatológicos, atentando-se apenas para os
fenômenos objetivamente observáveis (Figueroa, 2000).
Jaspers (1960/1989) afirma que nada pode deter a ciência moderna porque ela se coloca
como incontestável ao comprovar os fatos através da experiência empírica. Desse modo, estamos
rodeados por algo que se denomina científico, mas não passa de superstição da ciência em razão
da crença de que seu método é capaz de apreender toda a realidade e que não há nenhuma outra
forma possível de aquisição de conhecimento que não seja o que ela estabelece como tal.
Karl Jaspers (1986/1998) ressaltou que graças ao objetivismo científico a medicina progrediu
bastante, foi possível realizar descobertas acerca da anatomia, fisiologia dos corpos bem como o
desenvolvimento de tratamentos terapêuticos que até então eram inimagináveis, porém a relação
médico-paciente perdeu espaço para a técnica, já que o diagnóstico passou a depender de recursos
tecnológicos e de análises químicas e estatísticas nas quais o paciente é submetido sem nem saber
ao certo o motivo.
A superstição da ciência tem se colocado no lugar do verdadeiro espírito científico e institui
um saber totalitário que se contrapõe à liberdade, a partir do momento que impõe técnicas e
métodos exclusivos para a busca de conhecimento. O fenômeno psíquico pode ser explicado e
compreendido ao mesmo tempo, haja vista que ele pode ser objeto de uma explicação causal, no
entanto fazendo-o dessa forma não se pode chegar à compreensão das conexões do fenômeno
(Jaspers, 1960/1989; Ivanovic-Zuvic, 2000).
E é aí que Jaspers (1986/1998) levanta as seguintes questões: “o que faz o médico onde a
ciência natural acaba? . . . Até que ponto o saber comunicado nos manuais e tratados tem a ver
com a prática?” (pp. 46-47). Assim surge a emergência de um conhecimento que vá além do que
a ciência natural pode oferecer; é necessário um saber que se volte para a compreensão do mundo
de sentidos.
Para Jaspers, embora a teoria seja de grande importância, ela não consegue encerrar a
totalidade humana, pois “o modo como o fenômeno aparece é mais importante que a maneira
como a teoria o apresenta. ” (Carvalho, 2006, p. 187).
Jaspers estabeleceu uma diferença entre explicação e compreensão dos fenômenos
psicopatológicos, para ele era importante ir até o mundo do outro e ver como ele o vivencia,
consciente de que nunca será possível fazer uma fiel apreensão já que não há como compreender
a totalidade da vivência de outra pessoa. No entanto, essa compreensão deve estar alicerçada em
firmes pontos metodológicos para que o profissional não caia no engano da interpretação, ou
seja, imaginar o que se passa com o outro (Carvalho, 2006).
A seguir, será exposto de que forma Karl Jaspers entendia o método fenomenológico para a
compreensão do fenômeno psicopatológico em sua atuação como médico psiquiatra.

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Método Fenomenológico em Psicopatologia

Jaspers considera a ciência diferente da filosofia e aponta que o equívoco de Husserl é
não demarcar limites entre ambas. Se o interesse primordial de Husserl foi tentar estabelecer a
fenomenologia como uma filosofia rigorosa que fundamente todas as ciências, para Jaspers a
fenomenologia é uma ciência empírica cujo método é útil para descrever rigorosamente as vivências
subjetivas dos pacientes. Apesar das duas concepções serem diferentes, elas possuem em comum
o esforço em realizar a epoché (suspensão temporária dos pré-julgamentos) e atentar apenas para
o fenômeno que aparece (Figueroa, 2000; 2008; Ivanovic-Zuvic, 2000). Carvalho (2013) ressalta
que Karl Jaspers:
Emprega o método fenomenológico para descrever os fatos psicológicos, trata-se de
procedimento concreto para tratar a totalidade da existência e seu significado último. O valor do
método se revela na objetividade que propicia no estudo da consciência, convertendo-a em objeto
que pode ser experimentado pelo terapeuta. Porém isto não é tudo, ao tomar ciência do objeto da
consciência do outro, o terapeuta passa a entender o mundo dele, perceber como ele se articula
psicologicamente (Carvalho, 2013, p. 11).
No método fenomenológico, Jaspers aproxima-se mais da psicologia descritiva apresentada
no primeiro Husserl1, assim, o médico não se detém à intuição das essências, por considerar a
necessidade de seu método ser empírico. A descrição fenomenológica
Con rigor describe de acuerdo a categorias sistemáticas y comparaciones contrastantes y,
aunque se restringe a fenómenos aislados os únicos, puede abarcar totalidades como la conciencia
psicológica. Pero hay que ser cuidadoso. La descripción rigurosa es altamente compleja: diferencia,
delimita, confronta, pone en relación, señala, comprueba, fija en términos exactos, unívocos y
puntuales sus hallazgos (Figueroa, 2008, p. 226).
O que deve ser descrito são as vivências psíquicas do paciente, desse modo, é importante
atentar em como esse paciente vivencia, expressa e se coloca diante do que ele relata. Assim
sendo, o profissional deve adotar uma atitude fenomenológica, ou seja, pôr temporariamente
em suspensão toda teoria, por mais que ela pareça justificável no momento, além de se abster de
formular hipóteses e interpretações. Dirigir-se aos dados da consciência, abdicando-se de explicar
o que pode aparecer (Jaspers, 1960/1989).
Em um primeiro momento isso pode parecer um prejuízo para o investigador, porém é
através desse constante esforço que é possível alcançar a pureza da descrição preconizada pela
fenomenologia (Ivanovic-Zuvic, 2000).
Para Stubbe (1985), o principal mérito de Jaspers foi colocar o método fenomenológico
como alternativa em um contexto no qual a psicologia objetiva era dominante e assim,
desenvolver uma psicopatologia calcada em três princípios fundamentais: 1. Não se pode obter
um conhecimento total do homem; 2. Existem fenômenos concernentes à alma humana que
não podem ser apreensíveis pelo método experimental e; 3. Há diferença entre compreensão da
vivência e explicação causal.

1 A obra de Edmund Husserl (1859-1938) é dividida em Primeiro e em Segundo Husserl, o Primeiro Husserl refere-se
ao momento inicial do desenvolvimento da Fenomenologia em que este filósofo tinha como principal preocupação
superar o Psicologismo, para isso, desenvolveu uma psicologia descritiva que tem como objetivo descrever de
forma pura a realidade concreta do sujeito. O Segundo Husserl se dá a partir de 1936 com a publicação de “A crise
da humanidade europeia e a filosofia”, nesse momento Husserl retirou a tentativa de superação do Psicologismo
de sua teoria, asseverou a importância da redução eidética e transcendental e lançou o conceito de mundo-da-
vida, conceito este que serviu de fundamento para as filosofias da existência do início do século XX (Porta, 2012).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 41


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Conclusão

É evidente que o método jasperiano é complexo porque exige do profissional uma atenção
mais rigorosa dispensada à pessoa que está diante dele, uma não-padronização de pacientes,
considerar cada um como sujeito único no mundo. Dessa maneira, é difícil pensar na similaridade
entre diagnosticar um transtorno psicológico (uma psicose ou depressão) e uma doença física
como, por exemplo, o diabetes.
A fenomenologia, introduzida em psicopatologia através de Jaspers, é uma atitude e um
método de rigor para captação da essência dos fenômenos, entende-se por fenômeno aquilo
que se mostra à consciência. Assim, através da fala, que é uma das manifestações do corpo do
existente, o profissional tem a possibilidade de captar o que estrutura o modo de ser-no-mundo
desse paciente.
A psicopatologia de Karl Jaspers não condiz com o diagnóstico baseado em manuais
estatísticos justamente porque segundo ele, o sintoma e a sua categorização não são os mais
importantes, pois para Jaspers seria mais relevante dirigir-se para a relação do homem com
e no mundo, como ele compartilha o seu modo de viver com o outro e como ele lida com as
circunstâncias da vida. Logo vemos com este psiquiatra e filósofo a possibilidade de resgatar uma
nova maneira de olhar o paciente.
Com o método de investigação proposto por Jaspers é possível que haja menos diagnósticos
de “perturbações mentais”. Atualmente, qualquer pessoa que tenha acesso ao DSM-V poderá
encaixar-se em algum tipo de transtorno, devido ao excesso de categorizações diagnósticas
presentes nesse manual. Dessa maneira, pessoas que possivelmente tenham de fato algum tipo de
transtorno psicológico podem ficar sem a atenção necessária por parte da rede de atendimento
voltada à saúde mental por causa do grande número de atendimento a pessoas que possuem um
diagnóstico que deve ser questionado.
Para isso a filosofia de Jaspers é importante porque nos faz perceber que a angústia diante
das limitações é constituinte da existência humana, pois possibilita ao homem dar um significado
à sua vida. Dessa maneira, o fato de tudo ser caracterizado como transtorno pode na verdade ser
o abafamento dessa angústia em favor de uma busca idealista de normalidade e felicidade, com o
objetivo de não querer lidar e nem se responsabilizar com os fracassos que são próprios da existência.
À vista disso, deve-se levar em conta que o modo de ser-no-mundo de uma pessoa não
precisa necessariamente ser igual ao dos demais e isso não implica algum tipo de adoecimento.
Assim, a partir da compreensão de existência humana segundo Jaspers, as situações que permeiam
a vida do existente não lhe retiram a sua liberdade, logo o profissional poderá ser um facilitador
no sentido de mostrar ao paciente novas possibilidades de existir no mundo para que assim,
ele exerça da sua liberdade para efetuar escolhas que tenham significado para sua vida, mesmo
diante das limitações que lhe são impostas.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 43


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A ADOLESCÊNCIA NOS GRUPOS DE PESQUISA
EM PSICOLOGIA NO DIRETÓRIO DE GRUPOS DE
PESQUISA DO CNPQ
 Suzy Kamylla de Oliveira Menezes
Adélia Augusta Souto de Oliveira
Vanessa Guimarães de Morais
Luciano Domingues Bueno
Maria Laura Barros da Rocha
Introdução

A
identificação de plataformas de dados que sediam informações de grupos
de pesquisa e de pesquisadores brasileiros contribui na ampliação da rede de
pesquisadores e divulgação de pesquisas sobre a adolescência/juventude. Este
trabalho vincula-se à linha de pesquisa “Psicologia e processos psicossociais” do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, mais especificamente junto
às pesquisas desenvolvidas no Grupo de Pesquisa/CNPq “Epistemologia e a Ciência Psicológica”.
Busca-se desenvolver metodologias de pesquisa críticas sobre a produção de conhecimento
científico em Psicologia. Para isso, são construídas metodologias que viabilizem retomar a
produção de conhecimento científico e tomá-lo como fonte de pesquisa (Oliveira & Bastos, 2014;
Trancoso & Oliveira, 2016).
Nesse sentido, realiza estudos das relações históricas que dão suporte a produção de
conhecimento. Assim, revisitar os grupos de pesquisa científica, como se estabeleceram, quem são
seus pesquisadores e quais são seus estudos, podem contribuir para investigações acerca da Psicologia
Brasileira. Pretende-se assim auxiliar no fortalecimento de ações integradas para o desenvolvimento
de pesquisas interinstitucionais no ambiente brasileiro e investigações integradas entre as ações da
rede de pesquisadores sobre a adolescência/juventude em diferentes universidades.
Corrobora-se que a adolescência se constitui como uma fase do desenvolvimento humano
e tem um longo percurso de construção como categoria de análise. Buscaram-se fundamentos
biológicos, com o objetivo de encontrar critérios generalizáveis que determinasse essas mudanças
percebidas nos indivíduos. Esse aspecto universal foi marcado pela puberdade, que seria o fenômeno
biológico pelo qual todos os seres humanos passariam no percurso entre a infância e a chegada a
vida adulta. No entanto, contrária a essa concepção universalizante, o trabalho de Mead (1984),
antropóloga norte-americana, foi um marco na desconstrução da adolescência como uma categoria
universal. A partir de seus estudos, Mead (1984) concluiu que a puberdade pode se caracterizar
como um fenômeno universal, contudo a adolescência não, sendo essa marcada por tensões de
caráter psíquico que vão além de mudanças fisiológicas (Carneiro, Ribeiro & Ippolito, 2015).
Nesse sentido, o intuito desse trabalho é apresentar uma descrição dos grupos e pesquisadores
que se dedicam ao estudo de adolescência, por meio da Plataforma - Diretório de Grupos de
Pesquisa do CNPq.

44  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método

Utilizou-se como instrumento para coleta de dados o Diretório dos Grupos de Pesquisa no
Brasil (DGP), uma plataforma online que reúne informações sobre os recursos humanos dos grupos
de pesquisa de brasileiros. Tais grupos estão localizados em universidades, instituições de ensino
superior com cursos de pós-graduação strictu sensu, institutos de pesquisa científica e institutos
tecnológicos (Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil [DGP], 2017). Na sistematização da
busca foram estabelecidas as seguintes etapas: etapa de exploratória, etapa de consulta, etapa de
armazenamento e tratamento de dados, conforme coordenadas metodológicas desenvolvidas em
estudos de metassíntese (Oliveira & Bastos, 2014).
A etapa exploratória refere-se à escolha da plataforma online que será utilizada na pesquisa
e na exploração dos recursos que esta disponibiliza. Nessa etapa, foi escolhido o DGP, devido à
possibilidade que o mesmo oferece de reunir os grupos de pesquisa de todo o Brasil. Na etapa de
consulta, as buscas foram realizadas no mês de maio e junho de 2017. Utilizaram-se os seguintes
descritores: Adolescência, Adolescências, Adolescente, Adolescentes, Jovem, Jovens, Juventude,
Juventudes. A busca pelos grupos se deu por meio de pares de descritores e realizado o processo
de cruzamento para excluir duplicações de resultados. Filtros utilizados: “Grupo”, “Nome do
grupo”, grupos certificados e não-atualizados, “Ciências Humanas” e “Psicologia”.
Assim, ao final da etapa de consulta, foram obtidos 26 grupos para realizar a análise e
o descritor “Adolescência” mostrou maior predominância e está presente em 14 dos grupos
identificados, como se pode observar, de forma sistematizada, na Tabela 1:

Tabela 1
Etapa de Consulta
Descritores Quantidade de grupos
Adolescência 14
Adolescentes 6
Juventude 4
Jovens 2
Adolescente 1
Adolescências/Juventudes/Jovem 0
Exclusão de duplicações -1
Total de grupos 26
Nota. Fonte: Autores, 2017.

Após a identificação dos grupos de pesquisa, foi realizada a etapa de armazenamento e


tratamento de dados. Foi criado um banco de dados com os dados dos grupos, onde os mesmos
foram organizados em planilhas para permitir a organização e visualização deles, bem como a
construção de gráficos. Os dados tabulados foram organizados em planilhas online do Excel e
compartilhados entre os membros da pesquisa para viabilizar o trabalho em grupo e tornar mais
fácil a troca de informações (Bueno, Santos Junior, Canuto & Oliveira, 2017).
Para construção da planilha foram considerados os dados: instituição; estado; tipo de
instituição; nome do grupo; descritor; ano de formação; líder; 2º líder; situação do grupo. Foram
construídos gráficos para obter um panorama institucional, geográfico e histórico desses grupos.
Os gráficos foram referentes à contagem de Estado; contagem de tipo da instituição; contagem
da situação do grupo; contagem de descritor; contagem do ano de formação e série histórica dos
grupos.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 45


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Discussão e Resultados

A série histórica de formação dos grupos de pesquisa se apresenta, conforme a Figura 1:

Figura 1. Série histórica de formação dos grupos de pesquisa.


Fonte: Autores, 2017.

Pode-se perceber que entre os anos de 2011 e 2014 houve maior número de grupos formados,
ver Figura 1. Sobre o ano de formação, em 2013 foram formados 4 grupos; em 2011, 2012 e 2014
foram formados 3 grupos em cada ano; em 2006, 2007, 2009 e 2016 foram formados 2 grupos
em cada ano; em 1992, 1997, 1998 e 2017 foi formado 1 grupo em cada ano.
Em relação aos grupos identificados, por meio dos descritores, podemos afirmar a existência
de 14 grupos “Adolescência, Adolescências”. Sobre a situação do grupo, 10 grupos são certificados,
2 são certificados e não atualizados a mais de 12 meses, 1 grupo está em preenchimento e 1 grupo
foi excluído. Sobre a localização geográfica das instituições com esse descritor, Rio de Janeiro e
Rio Grande do Sul apresentam 3 grupos cada estado. Paraná e Tocantins apresentam 2 grupos
cada um. Paraíba, Mato Grosso do Sul, Pará, Bahia apresentam um grupo cada. As instituições
são públicas, com exceção de uma, a qual é privada e de caráter confessional.
O primeiro grupo com o descritor “adolescência” foi criado em 1992, denominado “Infância,
adolescência, família e sociedade”, na Universidade Federal do Paraná. O qual ainda permanece
ativo e a situação do grupo é “certificado”. O grupo mais recente foi criado em 2017, denominado
“VIA-Redes (Violência, Infância, Adolescência e Redes de proteção e de atendimento) ”, na
Faculdade Meridional.
Com os descritores “Adolescente, Adolescentes” foram obtidos 7 grupos. O grupo com o
descritor “Adolescente”, denominado “Psicologia da saúde e desenvolvimento da criança e do
adolescente”, foi formado em 2014 na Pontifícia Universidade Católica de Campinas e apresenta
o status “certificado”. Entre os grupos com o descritor “Adolescentes”, o primeiro foi fundado em
2002, na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, denominado “Desenvolvimento
sociomoral de crianças e adolescentes” e apresenta o status “em preenchimento”. O grupo mais
recente foi criado em 2016 na Universidade de São Paulo, denominado “Automutilação em Pré
Adolescentes e Adolescentes - Estudo e Intervenção” e apresenta o status “certificado”.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Sobre o ano de formação, com os descritores “Adolescente, Adolescentes”, no ano de 2014
foram criados 2 grupos. Sobre a situação do grupo, 4 grupos são certificados, 1 é certificado e
não atualizado a mais de 12 meses, 1 grupo está em preenchimento e 1 grupo foi excluído. No
que se refere à localização geográfica das instituições, Rio de Janeiro e São Paulo apresentam 3
grupos cada estado. Rio Grande do Sul possui um grupo. Sobre o tipo de instituição, apenas uma
instituição é privada.
A busca com os descritores “Jovem, Jovens” apresentou 2 grupos que apresentam a mesma
líder e são da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Não houve resultados com o descritor
“Jovem”. O primeiro grupo foi formado em 2013, intitulado “Circulando e traçando laços e
parcerias: atendimento para jovens autistas e psicóticos - do circuito pulsional ao laço social” e o
segundo em 2014, “Circulando entre invenções: um novo dispositivo clínico com jovens autistas e
psicóticos”. Os dois grupos apresentam o status “certificado”.
Os descritores “Juventude, Juventudes” apresentaram 4 grupos. Todos os grupos apresentam
apenas o descritor “Juventude”. O primeiro grupo foi criado em 2006, na Universidade Federal do
Mato Grosso, denominado “Infância, Juventude e Cultura Contemporânea - GEIJC” e apresenta
o status “certificado”. O grupo mais recente foi criado em 2016, na Universidade de São Paulo,
“Pesquisa em Psicanálise e Interdisciplinaridade para a Infância e Juventude” e apresenta o
status “certificado - não-atualizado há mais de 12 meses”. Sobre o ano de formação, não houve
predominância quanto ao ano em que os grupos foram criados. Referente à situação dos grupos,
3 grupos são certificados e 1 grupo apresenta o status “certificado - não-atualizado há mais de 12
meses”. Sobre a localização geográfica, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará e São Paulo apresentam
um grupo cada. Sobre o tipo de instituição, apenas uma é privada.
A Figura 2 apresenta a distribuição percentual dos grupos de pesquisa por Estados brasileiros.

Figura 2. Distribuição dos grupos de pesquisa por estados brasileiros.


Fonte: Autores, 2017.

A partir da análise de todos os 26 grupos, foi possível observar a predominância de instituições


do Sudeste, onde o Rio de Janeiro apresenta 8 grupos, São Paulo possui 4 grupos e Minas Gerais
apenas um. Desse modo, essa região representa 50% dos grupos analisados. Em segundo lugar
está a região Sul, com 6 grupos, equivalente a 23,1%. Paraná possui 2 grupos e Rio Grande do
Sul 4 grupos. A região Norte apresenta 3 grupos, equivalente a 11,5% da amostra. O Tocantins
apresenta 2 grupos e o Pará 1 grupo. As regiões Nordeste e Centro-Oeste apresentam 2 grupos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 47


NO ONTEXTO BRASILEIRO
cada, o que equivale a 7,7% respectivamente. Na região Nordeste, Paraíba e Bahia apresentam um
grupo cada. Na região Centro-Oeste, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul apresentam um grupo
cada.
No referente ao tipo de instituição, 88,5% (23 universidades) são públicas e 11,5% (3
privadas). A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) apresentou predominância dentre
as instituições, apresentando 5 grupos. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
apresenta 3 grupos, Universidade Federal do Tocantins (UFT) apresenta 2 grupos e Universidade
de São Paulo (USP) apresenta 2 grupos.
As demais instituições apresentam 1 grupo cada: Universidade Federal do Paraná;
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; Universidade Federal da Paraíba;
Universidade Federal de Mato Grosso; Minas Gerais; Universidade Federal de Mato Grosso do Sul;
Universidade do Pontifícia Universidade Católica de Estado do Rio de Janeiro; Universidade Federal
do Pará; Universidade Federal da Bahia; Universidade Estadual do Centro-Oeste; Universidade
Federal Fluminense; Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; Pontifícia Universidade Católica
de Campinas; Faculdade Meridional, Minas Gerais; Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Podemos identificar o quantitativo de grupos na Figura 3:

Figura 3. Distribuição de grupos por instituição.


Fonte: Autores, 2017.

Sobre a situação do grupo, prevalece o status “certificado” com 69,2% (18 grupos). Sobre
os demais status, “certificado - não-atualizado há mais de 12 meses” com 15,4% (4 grupos); “em
preenchimento” com 7,7% (2 grupos) e “excluído” com 7,7% (2 grupos).
Em relação aos descritores, “Adolescência” apresentou 53,8% (14 grupos) dos resultados.
“Adolescentes” apresentou 23,1% (6 grupos), “Adolescente” com 3,8% (1 grupo); Jovens com 7,7%
(2 grupos) e Juventude com 11,5% (3 grupos).
Os 14 grupos obtidos para “Adolescência, Adolescências” foram: Infância, Adolescência,
Família e Sociedade; Núcleo de Pesquisa em Construção de Valores, Identidade e Violência na
Adolescência; Núcleo de Pesquisa para a Infância e Adolescência Contemporâneas - NIPIAC; Núcleo
de Pesquisa e Estudos sobre o Desenvolvimento da Infância e Adolescência; VIGODSKAIA - Grupo
de Estudos e Pesquisas da Adolescência na Perspectiva Histórico-Cultural; Grupo de Estudos e

48  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Pesquisa sobre a Infância e Adolescência; NEPEIA - Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em
Infância e Adolescência; Pesquisa Clínica e Inovação na Abordagem da Adolescência; Grupo de
Estudos e Pesquisa em Adolescência, juventude e fatores de vulnerabilidades e proteção; Núcleo
de Investigações Neuropsicológicas da Infância e Adolescência (NEURÔNIA); Núcleo de Pesquisas
e Estudos da Adolescência Contemporânea (NUPEAC); Estudos sobre Infância e Adolescência;
Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Infância e Adolescência (LEPIA); VIA-Redes (Violência,
Infância, Adolescência e Redes de proteção e de atendimento).
Os 7 grupos obtidos para “Adolescente, Adolescentes” foram: Desenvolvimento sociomoral
de crianças e adolescentes; A clínica contemporânea com crianças e adolescentes; Políticas
públicas e direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil; LEVICA - Laboratório de
estudos sobre violência contra crianças e adolescentes; Psicologia da Saúde e Desenvolvimento da
Criança e do Adolescente; Sistema de proteção a crianças e adolescentes: Pesquisas e aplicações;
Automutilação em Pré Adolescentes e Adolescentes - Estudo e Intervenção.
Os 2 grupos obtidos para “Jovem, Jovens” foram: Circulando e traçando laços e parcerias:
atendimento para jovens autistas e psicóticos - do circuito pulsional ao laço social; circulando
entre invenções: um novo dispositivo clínico com jovens autistas e psicóticos.
Por fim, os 3 grupos obtidos para “Juventude, Juventudes” foram: Infância, Juventude e
Cultura Contemporânea - GEIJC; Família e juventude: relações intergeracionais e de gênero;
Grupo de Estudos e Pesquisa em Adolescência, juventude e fatores de vulnerabilidades e proteção;
Pesquisa em Psicanálise e Interdisciplinaridade para a Infância e Juventude.
Considerando que houve a predominância dos descritores “Adolescência, Adolescências”
e “Adolescente, Adolescentes” percebe-se que, ao abordar sobre o tema da adolescência, esses
descritores são considerados mais significativos para caracterizar os grupos. Desse modo,
foi considerado pertinente fazer um recorte para apresentar as características dos grupos que
trabalham com esses descritores, conforme a Figura 4:
A Figura 4 mostra a distribuição dos grupos por Estado, referente aos descritores
“Adolescência” e “Adolescente, Adolescentes”. Referente à criação dos grupos com esses
descritores, a Figura 5 mostra a série histórica de formação dos grupos.

Figura 4. Distribuição dos grupos de pesquisa com os descritores “adolescência, adolescente, adolescentes”
por estados brasileiros.
Fonte: Autores, 2017.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 49


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Figura 5. Série histórica de formação dos grupos com os descritores adolescência, adolescente, adolescentes.
Fonte: Autores, 2017.

Considerações finais

Podemos concluir que na Plataforma de diretórios do Cnpq observou-se a prevalência de


grupos de pesquisa na região Sudeste, o que aponta maior movimento quanto a pesquisas sobre
adolescência em comparação a outras regiões do país. A série histórica permite notar que houve
maior número de criação de grupos a partir de 2006. Interessante destacar que os dispositivos
jurídicos de proteção à adolescência como o ECA tenha sido criado em 1990, percebe-se que a
criação de grupos de pesquisa voltados à adolescência não foi significativa durante essa década,
levando em conta os grupos declarados nessa base de pesquisa nacional.
Em relação aos descritores utilizados para nomeação dos grupos, nota-se que o mais
representativo é adolescência. A análise de aspectos relacionados aos pressupostos teóricos,
metodológicos e resultados de pesquisas está em andamento.

Referências

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Práticas psicossociais, 11, 278-294.

50  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
UMA ANÁLISE SOBRE O SOFRIMENTO PSÍQUICO E
SEUS MODOS DE REPRESENTAÇÃO E EXPRESSÃO NA
CONTEMPORANEIDADE
Ana Paula Aragão Lopes
Jurema Barros Dantas
Evelyn Cristina de Sousa Penas
Adryssa Bringel Dutra
Lucas dos Santos Barbosa
Roberta Nunes da Silva

Introdução

O
presente estudo voltado para a análise acerca dos diferentes modos de
apresentação e representação do sofrimento psíquico na contemporaneidade
contou, em suas duas fases, com o apoio do PIBIC/ FUNCAP E UFC, na pesquisa
que foi realizada na Clínica Escola da Universidade Federal do Ceará (UFC). Em seu primeiro
ano (2015/2016) a pesquisa levantou por meio de análises quantitavas e qualitativas 294
triagens no período de 2010 a 2015, evidenciando um grande banco de dados sobre as maiores
demandas clínicas nos últimos cinco anos, perfil do usuário da clínica-escola e possíveis casos
clínicos com diagnósticos anteriores. Em sua segunda e última fase (2016/2017), este projeto
realizou as análises qualitativas do banco de dados da pesquisa, relativo ao discurso expresso
nas triagens por parte dos usuários em relação aos significados que os mesmos conferem ao seu
sofrimento psíquico bem como incluiu em sua análise e discussão de resultados o ano de 2016
com mais 52 instrumentos. Totalizando nesse período de seis anos uma análise quantitativa e
qualitativa de 346 triagens. A presente pesquisa teve como objetivo compreender os diferentes
modos de desvelamento do sofrimento psíquico e suas enunciações no contexto da prática
clínica contemporânea. Para tanto, a pesquisa preocupou-se em tematizar o fenômeno
sofrimento psíquico e suas reverberações no contexto contemporâneo; conhecer o significado
que os usuários da Clínica-Escola atribuem ao fenômeno do sofrimento psíquico; identificar
concepções e experiências dos usuários da Clínica-Escola acerca do sofrimento psíquico e, por
fim, problematizar as questões que atravessam a experiência do sofrimento psíquico a partir de
uma discussão fenomenológica hermenêutica.
Assim, a discussão que se pretendeu aqui diz respeito a análise dos modos de desvelamento
do sofrimento psíquico e suas implicações para práxis psicológica, tomando como base
analisadora uma fenomenologia dos discursos deste sofrimento na forma de patologização do
viver cotidiano. Privilegiamos em nossa pesquisa a investigação fenomenológica por acreditarmos
que a mesma se propõe a identificar estruturas significativas, a partir da vivência cotidiana. Esta
vivência cotidiana foi investigada através do discurso expresso dos usuários do Serviço da Clínica
Escola da Universidade Federal do Ceará. Em particular, buscamos perceber quais impactos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 51


NO ONTEXTO BRASILEIRO
a transformação da sociedade acarreta nos processos de subjetivação e quais os modos de
sofrimentos diretamente influenciados por uma cultura contemporânea. Entendemos, desse
modo, que não é possível compreender as subjetividades contemporâneas desconectadas do
contexto sócio histórico no qual estão inseridas, considerando que a cultura contemporânea
acaba por gerar transformações importantes na forma de pensar, de sentir, de se relacionar e
de sofrer do sujeito contemporâneo. Nossa discussão encontra-se norteada pelo fato de que as
transformações históricas e sociais ocorridas ao longo do tempo vêm instaurando novas formas
de constituição das subjetividades. De tal modo que, se enunciou em nossa pesquisa, os desafios
das relações interpessoais, a insatisfação com a vida, a ansiedade e a depressão como os modos
de apresentação e representação do sofrimento psíquico contemporâneo.
Tais categorias de sentido corroboram com esse nosso horizonte histórico hipermoderno,
como bem nos lembra Lipovetsky e Charles (2004), onde as subjetividades vão se constituindo
frente ao excesso e à urgência. Trata-se de uma sociedade narcísica e imediatista pautada no
consumo desenfreado e na busca por várias formas de prazer. Percebe-se, assim, que o modo
pelo qual a sociedade se apresenta impacta diretamente nos modos de existir dos indivíduos, em
seus vínculos e encontros intersubjetivos. Parece se configurar um cenário social que, ao mesmo
tempo, apresenta suas condições de existência e suas soluções para aqueles que ficam à deriva
em tempos de tamanha aceleração e propagação de ideais. Mediante este panorama o presente
projeto elaborou, a partir de uma perspectiva fenomenológica, uma análise qualitativa sobre as
grandes inquietações da razão e da emoção na atualidade, na tentativa de descrever suas principais
formas de manifestação, bem como suas condições de possibilidade, suas contrariedades e seus
desdobramentos na esfera dos diferentes discursos e práticas sociais e “psi”, face aos modos de
desvelamento e expressão do sofrimento psíquico e às tonalidades afetivas atuais.

Metodologia

A proposta deste estudo fundamenta-se na Fenomenologia Hermenêutica como arcabouço


teórico-metodológico. Nesse enfoque, a relação sujeito e pesquisador é constituída num contexto
dialógico, no qual os dados são elaborados com suporte na intersubjetividade produzida pelos
agentes sociais no contexto da pesquisa, buscando atribuir sentido aos conteúdos que emergem,
interpretando-os, por meio do laço histórico-social que alicerça a realidade a ser investigada. O
manejo com as triagens, nesta fase qualitativa, foi ancorado na proposta de Minayo (2010) e
envolveu as seguintes etapas do método de análise qualitativa: Leitura individualizada de todas
as triagens, sem buscar, ainda, qualquer interpretação; leituras exaustivas de todas as triagens,
com o propósito de apreender as primeiras unidades de significação, de forma que não haverá
mais triagens individuais e sim o conjunto de categorias empíricas contidas nas unidades de
significação. As unidades de significação foram agrupadas na forma de dimensões da realidade e
estas em temas centrais.

Resultados

Considerando o total de 346 triagens, procuramos elucidar os modos de representação desses


sofrimentos psíquicos a partir da análise dos dados qualitativos retratados nos discursos expressos
dos usuários nas triagens, buscando a vivência singular de cada usuário e as reverberações desse
sofrimento em sua vida cotidiana. Assim, podemos considerar que, a partir de todas as etapas do
processo de análise fenomenológica dos dados das triagens, a pesquisa evidenciou como temas
centrais, ou melhor, como categorias gerais de sentido: os desafios das relações interpessoais, a
insatisfação com a vida, os diversos estados de ansiedade e o fenômeno da depressão.

52  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Discussão

Na categoria relações interpessoais estão presentes relações amorosas/conjugais,


relações familiares, dificuldade em relacionar-se, relações laborais, perda de/
poucos vínculos. Elas evidenciam o quão ampla é a abrangência e complexidade da demanda
psicológica na Clínica escola da Universidade Federal do Ceará (UFC), quanto as questões
referentes às relações interpessoais. De modo algum se propondo a esgotar tema de tamanha
amplitude, explanaremos teoricamente a seguir sobre essa categoria. Partindo da concepção da
importância do contexto sócio-histórico na análise da construção e desenvolvimento dos vínculos
relacionais, partimos do seguinte questionamento: que contexto possibilita que essa demanda
emerja e, em certa medida, a produz? 
Tempos contraditórios são esses nos quais variados são os meios para estarmos
próximos, todavia, jamais estivemos tão distantes e solitários. De acordo com Pinto e Novaes
(2014), a pós modernidade é marcada pela propagação de informações, de pessoas e
capital. Segundo Rodrigues (2010), evidencia-se, dessa maneira, uma lógica consumista nos
relacionamentos na qual o outro é uma mercadoria descartável ou que se pode trocar quando
não mais satisfaz. Isso corrobora para uma fragilização das relações que, destituídas de
profundidade e encontro verdadeiro, acabam por emanar nos sujeitos um vazio emocional por se
estar com o outro, mas permanecer sozinho. Nada mais esperado numa sociedade do espetáculo,
termo cunhado por Debord (1997) para referir-se a esse período no qual se supervaloriza
as aparências, o falso, em detrimento do verdadeiro. O produto desse espetáculo não deixa
de perpassar as relações interpessoais que, baseadas nas aparências e carência de diálogo,
tendem a perder seu potencial benéfico, pela escassez de sentido, e tornam-se campo eminente
de sofrimento psíquico como jamais visto. Com essa discussão, todavia, não queremos inferir
que as dificuldades nas relações interpessoais são próprias unicamente de nossos tempos. Os
relacionamentos são e sempre serão um campo de conflitos, como diria o relato de um usuário
numa das triagens utilizadas nessa pesquisa: “vida afetiva é um problema”. Dialogar  sobre esse
leque de  possibilidades  é perceber o quão contraditório ele pode ser.
Ao mesmo tempo em que há um constante incentivo por um relacionar-se,
quase que ininterrupto,  há outro lado, o que presa por um individualismo exacerbado. Há um
culto em torno do que é construído e conquistado sozinho. Ao se  pensar a produção de sofrimento
é notório  uma prática de não reconhecimento do outro. Considerando o que já foi falado sobre a
contemporaneidade e a categoria relações interpessoais, é fundamental a percepção do quanto
o contato com o outro é atravessado ora por reconhecimento ora por distanciamento. Pensar
o quanto relacionar-se com o outro faz parte do cotidiano, o quanto esse ato sofre mudanças
e transformações é de suma importância. De acordo com Tonin (2015), ao se falar sobre
esse sujeito relacional, dentro da perspetiva da fenomenologia heideggeriana, aborda-se um
sujeito lançado ao mundo, que possui um horizonte de significado e que ao interagir  com o
outro passar a ter contato com outros horizontes. Dessa forma, baseando-se em Tonin (2015),
podemos afirmar que grande parte das relações contemporâneas são vividas e guiadas por
uma individualidade impessoal onde o convívio em comunidade, muitas vezes, passa por um crivo
de distanciamento e tentativa de não sofrimento.  
Foram agrupadas dentro do tema central de sentido intitulado aqui de insatisfação com a
vida, questões diversas que, assumindo contornos diferentes nos discursos dos clientes triados
remetem a essa grande categoria. Tem-se como exemplo, questões relacionadas a insatisfação
com o trabalho, desânimo em realizar as tarefas cotidianas, desesperança, auto cobrança, falta
de sentido na vida, falta de perspectiva na vida, ideação e tentativa de suicídio. Tratam-se de
diversas formas do sofrimento apresentar-se, que podem ser enunciadas de forma extrema, como

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 53


NO ONTEXTO BRASILEIRO
no comportamento suicida. O comportamento suicida pode ser definido, segundo Schlosser,
Rosa e More (2014, p. 133), como sendo “o ato intencional de causar dano a si mesmo, sendo o
objetivo final dar cabo a própria vida, englobando ideias e desejos suicidas, condutas suicidas sem
resultado de morte e os suicídios consumados”.
O suicídio é um fenômeno multifatorial e de origem complexa, logo, não se pode determinar
uma única causa para tal. Não se pode associar este fenômeno a fatores individuais e não tão
somente a fatores socioculturais e econômicos. O Brasil figura entre os 10 países com maior
número absolutos de suicídio no mundo. Considerando o total de óbitos registrados no Brasil,
1% é provocado por meio de suicídios. Já entre pessoas com idades entre 15 e 29 anos de idade,
essa proporção atinge 4% do total de óbitos (Brasil, 2013 citado por Botega, 2014). Trata-se de
um problema que envolve questões de ordem econômica, religiosa e filosófica, o comportamento
suicida têm se tornado um problema de saúde pública no Brasil. A temática do suicídio ainda
é vista como tabu, com sentidos construídos ao longo da história que remetem a uma visão
de morte não digna em muitas culturas. Na cultura ocidental, evita-se cotidianamente falar
sobre a morte, seja qual for o contexto, e isso agrava-se quando se trata da morte decorrente
de um suicídio. Conforme afirma Dutra (2010), a patologização do suicídio, reforça estigmas e
preconceito contra quem o pratica e evita o mal-estar de considerar que o suicídio pode, sim, ser
pensado como uma alternativa viável para a vida e decorrer de uma decisão racional. A cultura
contemporânea é atravessada por elementos que contribuem para o sentimento de desespero e
angústia. Dissemina-se atualmente entre os jovens, a falácia da vida bem-sucedida e da felicidade
total aos vinte e poucos anos, quando, na verdade, isso é apenas uma ilusão que captura a maior
parte dos jovens hoje em dia. Cada vez mais cedo começam as cobranças, a exigência de ser
sempre bom em tudo, de desenvolver diversas habilidades nas quais você precisa dar tudo de si e
mais um pouco.
Pode-se afirmar que, na cultura contemporânea a constante insatisfação alimenta o
mercado consumidor, ávido por encontrar soluções pelas vias tecnológicas para todo mal-
estar. Um exemplo dessa constante insatisfação é a busca constante por alcançar determinados
padrões de beleza, que são difundidos pela mídia e reforçados nas práticas cotidianas. A batalha
pela imagem perfeita que precisa ser exposta nas selfies veiculadas nas redes sociais para ser
reconhecida, é facilmente passível de frustração, à medida que tal ideal não foi produzido para
ser alcançado pela maioria e está em constante transformação. Na contemporaneidade, os ideais
de sucesso cada vez mais restritos, atravessados pela lógica do consumo e do capital. Portanto,
faz-se necessário possuir poder econômico que permite consumir os produtos e signos em alta,
sempre associados a um ideal de felicidade. O sofrimento precisa, portanto, ser aplacado. Com
isso, torna-se cada vez menos aceitável viver sob o jugo do sofrer e, sem recursos aparentes para
a resolução dos próprios problemas, tirar a própria vida parece a maneira mais rápida e eficaz de
solução. Podemos considerar que, diante de tudo que se apresenta no cenário contemporâneo, o
sofrente perde lugar, há um esvaziamento de sentido na vida e frente ao desespero, o suicídio pode
surgir como possibilidade existencial mais proeminente. Silva, Alves e Couto (2016, p. 184-185)
colocam sobre isso que “diante do sofrimento e do desespero, a pessoa pode perceber a morte
como uma solução para a sua dor, um alívio para a sua existência, isto é, encontra no suicídio
uma alternativa para a vida”.
Um outro tema central advindo da análise qualitativa foi a ansiedade. Ao enfrentar os
dilemas de uma sociedade altamente competitiva e individualista que tem como meta a excelência
no desempenho individual, as pessoas estão tendo que lidar com uma cobrança interna que
atinge níveis cada vez mais inalcançáveis. Há um esforço extremo para se obter a felicidade que é
prometida nas mais diversas propagandas veiculadas na mídia. A felicidade na contemporaneidade
tornou-se um troféu para aqueles que são merecedores, virando sinônimo de bem-estar absoluto,
quase como uma recompensa para quem conseguiu ser produtivo, profissional e consumidor. As
pessoas querem ser felizes e isso se torna um propósito de vida. A sociedade exige cada vez mais dos

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indivíduos, atrelando-se a ideia vendida de felicidade a desejos produzidos socialmente. Desejos,
por vezes, inalcançáveis e que mudam com uma frequência extremamente veloz, regidos por uma
indústria muito eficaz: a midiática. Deste modo, surge nas pessoas uma eterna insatisfação, pois
as constantes promessas sempre renovadas de que o bem-estar só existirá na aquisição de bens
materiais ou na obtenção de certos padrões de beleza acaba por instaurar um sentimento de
eterna incompletude. Nessa busca pelo bem-estar, por ser aceito, pelo reconhecimento e pela
perfeição tem-se um quadro no qual as pessoas acabam sofrendo por procurarem algo que está
além da sua própria condição: o controle de todas as situações da vida.
Esta atitude acaba por predispor as pessoas ao estresse acentuado, abrindo espaço para
o aparecimento das diversas categorias diagnósticas dos chamados transtornos de ansiedade.
Ansiedade está sendo cada vez mais associada a uma condição patológica, com fobias e transtornos
de diversas ordens. É inegável que a sociedade atual, com suas exigências, vive uma rotina de
extrema angústia, abrindo espaço para que qualquer pessoa fique sujeita a paralisar de medo ou
a ter crises de ansiedades generalizadas. Temos, segundo Dantas (2011), a configuração de uma
sociedade calcada em modelos fluidos de controle da subjetividade, em prazeres descartáveis, em
relações passageiras e obsoletas. Falamos, então, de uma sociedade fluida que se caracteriza pela
descentralização, pela indivisibilidade e pela onipresença e que implica em um modo de controle
do tempo, do corpo e da vida. Vida que, por seu caráter trágico, comporta a angústia. Esta, por
sua vez, deve ser encoberta a fim de não se tornar um impedimento para as chamadas realizações
pessoais. Tem-se que o mundo atual globalizado contribui para essa situação na medida em
que coloca o homem em estado cronificado de ansiedade, diante da situação de constante
insegurança, seja no que se refere aos relacionamentos interpessoais e ao âmbito profissional, seja
pelos inúmeros casos de violência, guerras e assaltos que assolam a população e que podem vir a
desencadear uma ansiedade patológica. A cronificação desse estado ansioso gera uma ansiedade
que progressivamente se torna patológica.
A ansiedade não se configura como um mal em si ou como algo patológico, pelo contrário,
ela está diretamente ligada à própria condição humana, como um estado de alerta que protege
o organismo e que é necessário para tomada de alguma ação frente às ameaças. Percebe-se
que, geralmente, a ansiedade vem como um processo e um sintoma de busca por algo que não
aconteceu ou de uma situação desconfortável, nas quais as pessoas, de alguma forma, não se
sentem preparadas para enfrentá-la, mas sentem a eterna necessidade de tê-la sob controle, para
que todas as situações da vida aconteçam da forma que a sociedade exige. Assim, tem-se que a
própria dinâmica da contemporaneidade que exige um raciocínio rápido, uma intensa busca por
soluções práticas para os nossos problemas, que estimula a competitividade e o consumismo
desenfreado, exigindo pessoas produtivas no nível profissional, com o hábito de assumir uma
carga excessiva de responsabilidades e afazeres, exigentes consigo mesmos, não aceitando erros
ou imprevistos e com tendência a se preocupar excessivamente com problemas cotidianos, já
preenche por si só, um requisito suficiente para o surgimento de ansiedade.
Podemos perceber, ao examinar a sociedade atual e todas as sequelas advindas da
hipermodernidade, que os indivíduos de hoje se tornam membros de uma sociedade adoecida e
que o modo de vida e a forma de lidar com os problemas podem gerar novas formas de sofrimento
contemporâneo. A hipermodernidade acaba por influenciar diretamente a vida das pessoas e isso
pode ser percebida nas diversas queixas de sensações de ansiedade, mal-estar, inquietude, diante
das intensas, extensas e incertas mudanças que a sociedade provoca. Esses “transtornos”, apesar
de não surgirem na contemporaneidade, são desdobramentos da situação patológica que a vida
moderna tem, em alguma medida, ajudado a criar, o que justifica o número crescente e frequente
de pessoas em busca de tratamento nos consultórios dos especialistas.
Assim, tem-se que assistimos ao espetáculo de uma sociedade que está ansiosa por medo
da vida como ela é e se apresenta: incerta, imprevisível e incontrolável. A ansiedade, então, nasce
como manifestação ôntica de uma angústia que é ontológica e que marca a nossa condição

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 55


NO ONTEXTO BRASILEIRO
existencial de ser um aberto, em jogo no nosso devir temporal. O inesperado que a vida é escapa a
tentativa de controle da contemporaneidade. Em situações de não controle, de desconforto e de
sensação de despreparo surge a ansiedade como sintoma genuíno do modo de ser contemporâneo.
A ansiedade encobre a angústia e livra o homem do peso que é a existência tal como ela é: também
incerta, imprevisível e incontrolável. Porém, ainda que a contemporaneidade seja inerentemente
suscetível à crise, pode favorecer, por outro lado, a apropriação de novas possibilidades, colocando
o homem em contato não mais com os sintomas da ansiedade, mas com a própria angústia que
ao mesmo tempo que o indetermina, convoca-o para a ação, para um questionamento sobre a
existência, sobre seus hábitos e costumes, tornando-o mais próprio, podendo ser quem de fato se
é e não o que a sociedade elege como um ter-que-ser.
Pensar o fenômeno da depressão, elencado também como tema central nos resultados,
como algo restrito ou até mesmo como um produto da contemporaneidade seria no mínimo
ignorar a história. Contudo, pode-se conceber esse fato como algo que esteve presente em
toda a história da humanidade, mas que encontrou reverberações e formas de ser mais
evidentes na atualidade. Abordar essa temática, portanto, requer uma análise que contemple
tanto a dimensão da vivência dessa experiência para o próprio indivíduo como os diversos
atravessamentos econômicos, éticos, políticos e do campo da saúde que compõe os períodos
históricos e fazem com que haja modos diferentes de compreensão e promoção dessa
experiência humana.
Diante do dinamismo dos modos de ser e estar no mundo, que se sobrepõem uns aos outros,
numa alternância de sentimentos e condutas, nos é coerente afirmar que ser humano é, antes de
mais nada, diante da perspectiva fenomenológica do filósofo alemão Martin Heidegger, poder-ser.
Para além das dicotomias bem/mal, amar/odiar, tristeza/alegria, o ser humano se afirma sendo
mais que uma associação, ou seja, revela-se como um imbricamento dinâmico desses modos de
ser e estar, ultrapassando as ferramentas humanas que possam dar conta do que é da ordem
do vivido. Todavia, limitando o campo de investigação ao período no qual estamos inseridos,
cabe indagar o porquê esse poder-ser do ser humano está tão marcado por um empobrecimento
emocional. Por que ele se mostra tão fragilizado e impotente frente as circunstâncias da vida?
Por que, apesar das muitas oportunidades que são oferecidas para se alcançar a felicidade,
testemunha-se um aumento dos casos depressivos? Qual a influência do período histórico para
que isso venha a ocorrer?
Os valores contemporâneos se mostram como a maximização de alguns valores modernos
e, em certa medida, como o esgarçamento destes. Desde a Revolução Francesa, acontecimento
decisivo para compreender os dias atuais, o homem clama por uma maior liberdade de escolha
que possa coadunar em melhores condições de vida. Não se pode esquecer, no entanto, que
essa tal liberdade foi inicialmente buscada por um grupo específico daquele quadro social, a
burguesia, com uma proposta que atendesse aos seus interesses econômicos. Ainda hoje esse
grupo bastante restrito mantém sua ambição por uma crescente emancipação de suas fronteiras,
dando forma e ditando as regras da dinâmica econômica e, modificando, assim, o contexto
social. O modelo capitalista, com sua pretensão à universalização, já está incorporado à vida
cotidiana e pauta nosso modo de relacionamento com os objetos e com nossos próprios pares.
Sua abrangência perpassa a produção dos alimentos, a fabricação de roupas e as tendências da
moda, o acesso à tecnologia, que sempre está se refinando, o modo como ocorre o tratamento
das doenças, as comunicações humanas, cada vez mais virtualizadas, os modelos de vida que
devem ser adotados para que se tenha uma vida saudável. Tudo girando em torno da lógica do
controle, para que melhor se possa extrair capital nas circunstâncias as mais variadas e de modo
cada vez mais eficiente.
A sociedade contemporânea se adaptou a um ritmo de vida veloz demais. Valoriza-se a

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quantidade de atividades executadas em detrimento da qualidade das mesmas. As pessoas sentem-
se culpadas por realizar algo que gostariam a muito tempo de fazer ao invés de repetir a cansativa
e estressante rotina diária, mesmo que essa seja a única alternativa que possibilite continuar
seguindo em frente. O sofrimento existencial não mais é compreendido como dimensão que
necessariamente atravessa e tem o potencial de revigorar o viver. Os mínimos pesares, as agonias
provocadas pela vida em sociedade e pela incerteza frente ao futuro não são mais tematizadas,
pois isso requer tempo. Narcotiza-se a cotidianidade sob doses gradativamente maiores e de
modo cada vez mais precoce como uma tentativa de adequação à lógica de que se deve estar
sempre em condição de apresentar sua melhor performance e não se preocupar com aquilo com
que realmente nos mobiliza, aflige ou limita.

Considerações Finais

Podemos então concluir que, a construção da ideia de sofrimento, ao longo do tempo, sofreu
um processo de transformação, influenciada pelas construções históricas e sociais, seguindo o
pensamento de cada época. O termo sofrimento adquiriu, ao longo da história, diversas formas
de representação e manifestação. Desde a antiguidade até a contemporaneidade sempre se
buscou maneiras de explicar os padecimentos do homem e, consequentemente, de dar conta
dos atravessamentos da vida. Dessa forma, a temática do sofrimento psíquico foi desdobrada
neste trabalho como um elemento central ao pensar a condição humana. Para tanto, fez-se
necessário perceber as diferentes representações que o tema adquiriu, bem como a incansável
busca das diversas práticas terapêuticas que foram desenvolvidas na tentativa de dar conta das
inúmeras formas de expressão desses sofrimentos. Busca-se, a partir das reflexões, uma prática
clínica comprometida com a elaboração de novos sentidos, compreendendo que o sofrimento
pode ser uma via de singularização da existência e pode abrir possibilidades existenciais ainda
não percebidas ou vivenciadas. Uma prática clínica que esteja comprometida em adotar uma
nova postura diante daquele que sofre. Uma prática clínica que, em alguma medida, concorde
com o poema Ilusões da Vida de Francisco Otaviano quando ele diz que “quem passou pela vida
em branca nuvem e em plácido repouso, adormeceu. Quem não sentiu o frio da desgraça. Quem
passou pela vida e não sofreu, foi espectro de homem - não foi homem, só passou pela vida - não
viveu”.

Referências

Botega, N. J. (2014). Comportamento suicida: epidemiologia. Psicol. USP, São Paulo, 25, 231-236.

Dantas, J. B. (2011). Angústia e Existência na contemporaneidade. Rio de Janeiro: Editora Rubio.

Debord, G. (1997). A sociedade do espetáculo. São Paulo: Contraponto.

Dutra, E. (2010). Suicídio no Brasil: estratégias de prevenção e intervenções. In: HUTZ, C. (Org.).
Avanços em Psicologia Comunitária e intervenções psicossociais. São Paulo: Casa Do Psicólogo, 223-264.

Lipovetsky, G & Charles, S. (2004). Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla.

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na contemporaneidade. Polêmica, 13, 3.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 57


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enfoque da psicologia dialógica. 77. Monografia (Graduação em Psicologia) - Faculdade de Ciências
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Roehe, M. V.; Dutra, E (2017). Compreendendo narrativas sobre suicídio com base na analítica
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do ciclo vital. Temas psicol. 22, 133-145.

Silva, K. F. A., Alves, M. A., Couto, D. P. (2016). Suicídio: uma escolha existencial frente ao
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O CORPO E A CONSTRUÇÃO DA AUTOIMAGEM NA
CONTEMPORANEIDADE
Jurema Barros Dantas
Evelyn Cristina de Sousa Penas

Introdução

A
presente pesquisa se insere no contexto do Laboratório de Estudos em Psicoterapia,
Fenomenologia e Sociedade (LAPFES), criado no âmbito do Departamento de
Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e vinculado ao Diretório de
pesquisa do CNPq Estudos em Psicoterapia, Fenomenologia e Sociedade. Tendo como preocupação
central as discussões atuais acerca do próprio conceito de saúde, o presente trabalho pretende
colocar em análise as chamadas patologias da imagem corporal e sua intrínseca relação com o culto
ao corpo, considerando que tal estudo como uma possibilidade de promoção de saúde e prevenção
aos transtornos alimentares. Podemos considerar que uma das bases desta pesquisa reside em como
a valorização do corpo vem se tornando o imperativo do viver contemporâneo. O culto ao corpo e,
sobretudo, à aparência se mostra como característica de nossa época e encontra-se assentada na
busca diária por um corpo perfeito capaz de superar qualquer problema e corresponder qualquer
expectativa. Visto pelos meios de comunicação como algo que pode ser manipulado ou modificado,
o corpo vem se tornando polo dos mais profundos desejos e um grande objeto de investimento.
Discutir a relação que estamos construindo com o nosso corpo na atualidade e, sobretudo, como
estamos construindo nossa autoimagem foi a preocupação central desta pesquisa.
Podemos considerar que a imagem corporal engloba todas as formas pelas quais uma pessoa
experiência e conceitua seu próprio corpo assim como, podemos considerar, que no culto ao corpo
trata-se da aparência e da saúde como elemento central da identidade e polo das preocupações
do sujeito contemporâneo, a partir da construção dos valores ocidentais hipermodernos. Na
sociedade contemporânea, o corpo tem se configurado cada vez mais como um dos principais
espaços simbólicos na construção dos modos de subjetividade de nossa época. Vários autores
têm apontado a dimensão que o corpo passou a ocupar em nossa sociedade. Colocar o corpo em
cena não é, necessariamente, algo novo. Esta temática vem aparecendo em inúmeras publicações,
em diferentes áreas do conhecimento, nos últimos anos. São variados os panoramas do corpo na
história. Ao longo dos anos fomos tecendo diferentes formas de pensar corpo bem como fomos
construindo diferentes formas de nos relacionar com ele. Isto porque as questões que envolvem o
corpo são susceptíveis a qualquer influência social, cultural, política e científica. Pensar o corpo
mergulhado num contexto histórico implica um reconhecimento do mesmo para além de uma
demarcação biológica pautada em um funcionamento orgânico. Um corpo que não pode ser
aprisionado ou compreendido apenas pela delimitação da epiderme e sua rica fisiologia.
Sabemos que, outrora, a nossa sociedade influenciada pela medicina dos humores
acreditava que os mesmos constituíam os corpos vivos e toda natureza. Sabemos também que

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 59


NO ONTEXTO BRASILEIRO
houve um avanço fenomenal no campo médico com o ato da primeira dissecação corporal,
ainda no século XVI, onde nos permitimos ousar em descobrir possíveis causas das mazelas que
assolavam a população da época. Desde então o saber médico, pautado em ciência e tecnologia,
se revigora na tentativa de resolver os diversos problemas da humanidade. Neste cenário da busca
pelo entendimento e possível controle do corpo, percebemos que desde a renascença o mesmo
vem sendo progressivamente desvelado. O corpo, notoriamente, percorre a história da ciência e
da filosofia. Podemos perceber que seguindo este modo de compreensão, sobretudo, no início da
modernidade, o corpo foi facilmente associado a uma máquina. O corpo foi pensado como um
mecanismo elaborado por determinados princípios que alimentam as engrenagens desta máquina
promovendo o seu bom funcionamento.
Ao ser tornado uma máquina, ou melhor, um objeto, foi possível controlar, dividir,
reconstruir, estudar, manipular e prever o funcionamento do corpo. Com isto nos aproximamos
cada vez mais das supostas promessas do saber médico. Um saber que pretende decifrar esta
máquina da forma mais apropriada. Nosso apego às possíveis descobertas acerca do corpo se
fortificam diariamente. Parece-nos que cabe ao cenário contemporâneo, mais precisamente à
medicina, engrandecida de conhecimento e tecnologia, atender as nossas necessidades, anseios
e mais íntimos desejos. Descobrir o funcionamento e o provável domínio sobre os fenômenos do
corpo, sobretudo, da vida e da morte se revelam como ícones do viver moderno. Percebemos que
a objetividade no conhecimento é condição para a eficácia na ação, mas ação num sentido muito
específico, que é o de produção ou fabricação. Falamos de um corpo que pode ser modificado a
partir das intervenções da ciência presentificadas nas ações médicas.
Este cenário atual que engessa o corpo num processo de possível ajuste, reparo e adaptação
é o nosso interlocutor. Pensaremos o corpo historicamente construído conforme os sonhos e
receios de nossa época e cultura. Talvez em nossa época se desvele uma aparente ambição de
dominar o corpo e mantê-lo sob controle seja em busca da saúde, da beleza ou, até mesmo, da
juventude. Neste cenário de possível dominação e controle sobre o corpo, as biotecnologias se
tornam possíveis aliadas no que se refere à difusão e realização de uma enorme diversidade de
estratégias de intervenção no corpo. Incidindo sobre o corpo, este horizonte tecnológico nos
convida a uma reflexão sobre o culto ao corpo na atualidade ressaltando a intrínseca relação entre
corpo, tecnologia, saúde e beleza.
Existe um culto à aparência do corpo que se apresenta como um possível instrumento de
adequação a valores idealizados, ligados à estética, ao comportamento e aos estados de ânimo
e, por fim, como meio eficiente de nos conduzir a tão sonhada felicidade. Em outras palavras, o
culto ao corpo está sendo entendido neste projeto como um modo de relação dos indivíduos com
seus corpos baseada numa preocupação exacerbada em modelar e aproximar este corpo do ideal
de beleza estabelecido. Na sociedade contemporânea, o enquadramento nos padrões deste culto
ao corpo tem encorajado a procura por diversos procedimentos médicos como solução rápida
para algumas insatisfações. Além da supervalorização da juventude com um bem em si mesmo,
acrescentou-se a ideologia de um corpo não só jovem, mas também portador de medidas ideais.
Um corpo magro, belo e jovem virou um mandamento ligado à ideia de sucesso e felicidade de
nossa época. O suposto sacrifício exigido para modelar o corpo é compensado idealmente pela
crença de um sucesso futuro.
As globalizadas sociedades de consumo parecem atribuir aos indivíduos a responsabilidade
pelo cuidado e pela plasticidade de seu corpo. Todas as condições técnicas necessárias são
oferecidas para que possamos administrar nosso corpo com as opções disponíveis no mercado.
Com um pouco de esforço e trabalho físico, homens e mulheres são diariamente persuadidos a
alcançar a aparência desejada, mesmo que para isso sejam necessários exercícios intensos, cirurgias
plásticas e dietas radicais – como pregam os diversos meios de comunicação vigentes. E, assim, o

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corpo se configura quase como um detalhe biológico tecnicamente controlável. Um horizonte de
controle que nos oferece a ideia de uma possível mudança corporal de forma rápida e sem dor.
Oferece-nos a ideia de que precisamos de próteses químicas, mecânicas e medicamentosas para
prosseguir em nosso viver cotidiano.
Ainda que estes cuidados despendidos ao corpo não seja algo novo, foi segundo Sant’Anna
(2001), a partir dos meados do século XX que a atenção e a dedicação ao corpo se tornaram um
direito e um dever incontestáveis, misturando-se aos preceitos de higiene e às novas necessidades
de conforto. O século XX parece ter sido marcado pela valorização da aparência e cuidar do
corpo desde então passou a ser uma necessidade. Uma necessidade alimentada diariamente com
o surgimento sofisticado dos produtos light, das mais modernas intervenções cirúrgicas ou as
gloriosas e diversificadas atividades físicas. Podemos ainda mencionar a microbiologia, a robótica,
a farmacologia e a genética como férteis promessas de um corpo perfeito.
Além dos cuidados com o corpo em nome da saúde, o que se busca hoje com esse culto
exacerbado é, no limite, o ajuste ao modelo de juventude e felicidade permanente que encanta
a sociedade contemporânea. Somos afetados pela difusão de informações de que podemos e
devemos encontrar as mais recentes soluções para todos os males do corpo, vendidas facilmente
nas drogarias ou parceladas em infinitas prestações de uma cirurgia estética. Os discursos sobre a
saúde e a estética parecem indissociáveis e convergem para o mesmo imperativo: o cuidado com
o corpo. Tal cuidado vem se tornando demasiado, quase uma obrigação diária, gerando por vezes
sentimento de culpa naqueles que não podem realizá-lo. Em nosso dia-a-dia surgem obrigações
com o corpo quase religiosas, rituais que devem ser seguidos a todo custo em prol de um melhor
resultado. Os cuidados com o corpo e a intensificação das sensações corporais se mostram
como questões centrais da vida cotidiana. Os manuais de autoajuda, as revistas especializadas, a
publicidade em geral, levam os indivíduos a acreditarem que toda e qualquer imperfeição ou defeito
é fruto de negligência pessoal e falta de cuidado de si. Com bastante disciplina e força de vontade,
seguindo os conselhos dos experts, qualquer um pode atingir uma aparência próxima ou similar
ao padrão de beleza vigente. Assistimos constantemente a busca obstinada pelas formas retilíneas
e esbeltas. Diante dos apelos dos meios de comunicação, que muitas vezes afirmam ser fácil obter
formas belas e torneadas, o corpo se fragiliza afinal, silicones, esteróides, medicamentos, cirurgia
a laser, botox e alimentos transgênicos são apenas alguns dos muitos elementos que proporcionam
ao indivíduo opções eficazes na conquista desse corpo esteticamente perfeito.
Bauman (2007) propõe que devemos conceber o corpo como potencialidade elaborada
pela cultura e desenvolvida nas relações sociais. Torna-se válido reconhecer que, na maior parte
das vezes, estabelecemos com nosso corpo uma relação estética subordinada a padrões de beleza
e saúde, evidencia o que o corpo se mostra como fenômeno social e cultural ou, como nos diz Le
Breton (2006), como motivo simbólico, objeto de representações e imaginários. O mesmo autor
sugere que as ações que tecem a trama da vida cotidiana, das mais fúteis ou menos concretas
até aquelas que ocorrem na cena pública, envolvem a mediação da corporeidade. O corpo é, por
assim dizer, um vetor semântico pelo qual a evidência da relação com o mundo é construída. O
corpo constitui o âmago da relação do homem com o mundo. Do corpo nascem e se propagam
as significações que fundamentam a existência individual e coletiva.
Em nosso horizonte histórico percebemos um ideal que vende a saúde e a beleza como
conjunto de curvas perfeitas, pela sedosa, cabelos lisos e, sobretudo, a magreza. O corpo como
mensageiro da saúde e da beleza torna-se um imperativo tão poderoso que conduz à ideia de
obrigação. Ser feliz e pleno na atualidade corresponde a conquista de medidas perfeitas, bem
como a pele e o cabelo mais reluzente. O corpo ganhou uma posição de valor supremo, seu bem-
estar parece ser um grande objetivo de qualquer busca existencial na atualidade. Entendemos
que os cuidados com o corpo são importantes e essenciais não apenas no que se refere à saúde,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 61


NO ONTEXTO BRASILEIRO
mas também ao que se refere ao viver em sociedade. O problema reside na propagação de um
ideal inatingível, na culpabilização do indivíduo por não atingir este ideal, no fato de tornamos
as mudanças naturais do corpo, objetos estéticos da medicina, o fato de não entendermos ou
ouvirmos as verdadeiras necessidades corporais que temos. Sant’Anna (2001) nos lembra que
a questão não é a recusa dos necessários avanços da tecnologia, mas sim o reconhecimento do
corpo em sua condição de constante reinvenção e descoberta.
Na sociedade da imagem, na qual homem e objeto estabelecem uma relação análoga, a
diferenciação sucede por meio da exclusão entre os que têm os predicados de beleza e os que não
os possuem. Nesse sentido, o corpo se tornou um patrimônio que deve ser investido, esculpido
e aperfeiçoado. A negatividade, o distinto, a enfermidade e a morte não encontram lugar na
contemporaneidade, ao mesmo tempo em que não são mais aceitas a dor e a frustração como
parte da vivência humana, mas como ineficácia do sujeito. Nesse sentido, o discurso de que o belo
pode ser alcançado por todos dá ao sujeito a responsabilidade de buscá-lo e, em pouco tempo,
percebe-se o corpo como extensão da identidade do sujeito, em que a autoestima e a confiança
em si são depositadas nele. (Dantas, 2011; Novaes, 2006; Severiano; Rêgo; Montefusco, 2010).
De acordo com Andrade (2000), no contexto hipermoderno, que enaltece o corpo como
objeto de consumo, é emblemática a concepção de um envelope cultural cuja realidade se estabelece
a partir de uma perspectiva hedonista que se impõe ao mesmo tempo em que a insegurança se
infiltra e produz fragilidades. O vício da perfeição contracena, absurdamente, com o aumento
da incidência do excesso de peso em todos os estratos etários e dos transtornos alimentares. A
sociedade dos paradoxos procura neutralizar as heterodoxias, elegendo o corpo como critério
de identidade e palco de excentricidades. Nessa des (ordem), emergem as psicopatologias
alimentares como translações do mal-estar contemporâneo e que convocam aos profissionais de
saúde para uma ampliação do olhar, implicado, até mesmo, sobre as formas de representação da
autoimagem, que converge na produção de um cuidado integral e minimamente genuíno.
Vale ressaltar que, voltados para a preocupação com uma noção de saúde integral e
vocacionados para o atendimento multiprofissional como necessidades para as modalidades
clínicas contemporâneas, os resultados desta pesquisa viabilizaram junto à Pro Reitoria de
Extensão (PREX/UFC), a construção de um Projeto de Extensão intitulado Corpore que preconiza
atendimentos individuais ou em grupo, com profissionais da área da Psicologia e da Nutrição aos
usuários do Serviço de Psicologia da Clínica Escola da UFC, em caráter voluntário, com questões
envolvendo possíveis distorções da autoimagem bem como ações de prevenção aos transtornos
alimentares com o projeto Corpore nas escolas, envolvendo debates e rodas de conversa com o
público jovem do município de Fortaleza.

Metodologia

A pesquisa contou contar com uma amostra, de caráter voluntário, formada por,
aproximadamente, 100 usuários da Clínica-Escola de Psicologia, com idades iguais ou superiores
a 18 anos de ambos os sexos. A coleta de dados da pesquisa que, se configura como quantitativa,
foi realizada por meio da aplicação de um instrumento único constituído de três partes. A primeira
parte reúne informações sobre os dados sócio demográficos das participantes. A segunda parte,
que se caracteriza como um eixo de análise quantitativa, se traduz na aplicação da Escala de Medida
da Imagem Corporal que foi desenvolvida para o diagnóstico do distúrbio da Imagem Corporal
baseado com o propósito de abranger de forma proporcional os três componentes da Imagem
Corporal (a realidade corporal, o ideal corporal e a apresentação corporal). Os 23 itens da
escala estão dispostos em escala tipo Likert com cinco pontos variando de “sempre” a “nunca”.
A terceira parte, que se caracteriza como outro eixo de análise quantitativa, consiste na aplicação

62  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
da versão brasileira do Body Shape Questionnaire (BSQ), elaborado originalmente por Cooper et al
em 1987, com 34 itens designados para mensurar a satisfação e as preocupações com a forma
do corpo. Numa escala de Likert, a avaliado aponta com que frequência, nas quatro últimas
semanas, vivenciou os eventos propostos pelas alternativas. A soma das pontuações de cada item
será o escore final da escala.
A aplicação desses instrumentos foi realizada na Clínica-Escola da UFC (Universidade Federal
do Ceará) nos anos de 2016 e 2017. No período que antecede a coleta de, aproximadamente,
60 dias foram realizadas divulgações diversificadas sobre a proposta e a realização da pesquisa
no espaço da Clínica-Escola para ciência de seus usuários com vistas a atender o critério de
participação voluntária. Todo grupo de pesquisa, envolvendo quatro estudantes de graduação
devidamente treinadas, ficaram responsáveis por essa atividade de coleta, oferecendo todas as
instruções gerais e suprindo caso de dúvidas sobre alguma forma de resposta. Após a coleta
dos dados, foram excluídos da amostra, na parte quantitativa, aqueles questionários em que os
respondentes deixarem mais de 10% dos itens de uma das medidas sem resposta, responderem de
forma diferente ou utilizando escala distinta das propostas pelos questionários.
A parte quantitativa da pesquisa (Escala de Medida da Imagem Corporal e Body Shape
Questionnaire (BSQ)), foi tratada estatisticamente por meio do software IBM SPSS Statistics, um
dos programas de análise mais usados nas ciências sociais. O SPSS é um software apropriado
para análises estatísticas sobre matrizes de dados. Seu uso permite gerar relatórios tabulados,
normalmente utilizados na realização de análises descritivas e inferências a respeito de correlações
entre variáveis.

Resultados

A análise quantitativa da Escala de medida em imagem corporal apresentou os seguintes


dados: no fator um Realidade do Corpo, tivemos para a soma dos pontos de cada participante:
que se concentram aonde se encontra a média, isto é, entre 15 a 22 pontos com 72,67%. Nesse
caso não há indícios de alteração na Imagem Corporal e nem indícios de uma Imagem Corporal
favorável. No fator dois: Ideal Corporal, tivemos para a soma dos pontos de cada participante:
apesar de que quase metade dos participantes está concentrada aonde se encontra a média, isto é,
entre 15 a 22 pontos com 49,33%, a outa metade está dividida em alteração na Imagem Corporal
26,67% e Imagem Corporal favorável 22,00%. No fator três: Apresentação Corporal, tivemos para
a soma dos pontos de cada participante a indicação de que podemos perceber que há indícios de
alteração da Imagem Corporal, isto é, a soma de pontos está com uma frequência alta entre 5 a
10 pontos com 36,67%. No que se refere a análise da escala Body Shape Questionnaire – BSQ (A
forma do corpo) a maioria dos participantes apresentou o grau de nenhuma preocupação com a
Imagem Corporal nos últimos sete dias.

Discussão

Apesar de não ter sido evidenciado distorções significativas da imagem corporal entre os
participantes da pesquisa, os dados evidenciam que há, sempre presente, uma certa insatisfação
no modo como me percebo e, sobretudo, no modo em que me apresento ao outro. Neste
contexto onde o corpo se torna polo de preocupação e investimento nos parece que a questão da
autoimagem e sua intrínseca relação com o culto ao corpo se mostra como um tema fundamental
de discussão para o campo da Psicologia. Passaram-se os anos e a inserção das tecnologias no
nosso dia-a-dia fez com que a estética e a construção do corpo mudassem consideravelmente. A
relação com nosso corpo parece estar sendo radicalmente modificada pelo fácil acesso a diversos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 63


NO ONTEXTO BRASILEIRO
recursos ligados à boa forma, criando certa exaltação e supervalorização do corpo.
O indivíduo parece ser responsável por sua aparência física por meio das várias formas
de construções corporais hoje presentes no mercado – como as dietas, os exercícios físicos, os
variados tratamentos de beleza e as cirurgias plásticas. E, assim, o corpo atual, ou seja, aquele que
se encontra em consonância com os padrões de beleza contemporâneos que associam juventude,
beleza e saúde apresenta-se como um valor fundamental na sociedade ocidental. Estamos
assistindo a enunciação de um corpo espetacularizado. Estamos diante não mais da valorização
do corpo, mas sim da aparência corporal.
Os resultados da pesquisa nos lembram por que estamos tão preocupados com as curvas
e as formas de nosso corpo? Por que a cada dia aumenta o número de indivíduos que buscam
alternativas visando o emagrecimento? Por que furiosamente buscamos um elixir da juventude e da
beleza? Enfim, o que está tornando o corpo um lugar de destaque na sociedade contemporânea?
Na tentativa de compreender tal situação, de maneira preliminar, entenderemos o nosso contexto
sócio histórico atual como cenário que potencializa a crença no corpo ideal ainda que seja por
meio das mais diversas tecnologias ávidas em realizar todo e qualquer sonho. Os limites do corpo
são extrapolados, muitas vezes com o auxílio da tecnologia, no esforço imitativo de modelos
quase sempre irreais e inatingíveis, muitos criados e ajustados por diversas técnicas, por aparatos
medicamentosos ou procedimentos cirúrgicos. O corpo, na atualidade, parece assim se apresentar
como uma síntese de desejo, ciência e tecnologia, a serviço do chamado bem-estar. Isto porque a
tecnologia desenvolvida pela racionalidade científica e os valores e sentidos produzidos no mundo
social agora constroem corpo. A indústria do culto ao corpo orienta perfeitamente o que devemos
fazer para tornar o nosso corpo um modelo perfeito que obedece ao que se espera no mundo
social. Esta indústria possui todo um aparato tecnológico adequado a cada situação, corpo
ou bolso. Esta indústria opera a partir de uma lógica que transforma tudo em algo mensurável,
pragmático e utilitário a fim de buscar uma resposta para a insatisfação crescente com relação
ao corpo. O corpo contemporâneo precisa ser melhorado, ampliado, ajustado, modificado e, até
mesmo, criado. Precisa de próteses químicas e de procedimentos de toda ordem que o tornem
forte, belo e adequado ao cenário atual. O corpo parece, de acordo com os dados encontrados,
ser um molde que se adapta às significações sociais. Por vezes parece ser um rascunho que pode ser
refeito ou aperfeiçoado de acordo com o desejo e o bolso do indivíduo. Nosso corpo parece estar
se tornando um grande laboratório onde se redesenha a própria condição humana. Redesenha o
cuidado que devemos ter com o nosso corpo na tentativa de ampliar seus limites.

Considerações Finais

O corpo é o centro do cotidiano de cada pessoa, em suas aspirações de saúde perfeita,


juventude eterna e beleza ideal. Além disso, o corpo é palco de paradoxos e conflitos, pois o
mesmo corpo que busca sua singularidade é o que tenta negar a diferença e a alteridade. Busca-
se no corpo a felicidade plena. No entanto, ao mesmo tempo em que há essa busca incessante
para adquirir um corpo individualizado, o indivíduo acaba por se perder nas exigências do social.
Trata-se da busca por um ideal inatingível, já que as imagens veiculadas são tão perfeitas que
parecem não humanas; assim essa procura por esse ideal leva o sujeito à insatisfação, devido à
impossibilidade de se atingir tal padrão. Não atingir o modelo remete o indivíduo a um sentimento
de impotência frente ao próprio corpo. Pensar essas significações na atualidade e suas relações
com o corpo nos parece ser os pontos que dão concretude ao tema que estamos abordando.
A crise de significação e de valores que atravessa a atualidade, a procura tortuosa e incansável
por soluções imediatas e o modo como nos relacionamos com nossa finitude, parecem colocar
o corpo e a questão da autoimagem, num lugar privilegiado de contato com o mundo, sob a luz

64  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
dos holofotes. O corpo e a construção da autoimagem encontram-se numa genuína dialética com
o social, sendo objetos de investimento coletivo, suportes de ações e significações, motivos de
alegria e desilusões pelas práticas e discursos que suscitam.
Nosso convite à reflexão se refere ao fato de creditarmos quase cegamente nossas alegrias,
nosso bem-estar e, acima de tudo, nossa felicidade, aos produtos de beleza, aos ácidos, aos
procedimentos estéticos e porque não dizer, aos medicamentos de todo gênero. Enquadrar-se em
padrões externos é uma escolha a ser feita, e como em toda escolha, há uma responsabilidade
implicada. O culto ao corpo é uma obrigação na atualidade, será que nossa correspondência a
esses padrões quase universais também é?

Referências

Andrade, A. C. (2000). Para além dos sintomas: a trilogia do desamparo no vivido de mulheres
com transtornos do comportamento alimentar. 2000. 250p. Dissertação (Mestrado em Saúde
Pública) – Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina de Fortaleza,
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.
Bauman, Z. (2007). Vida Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Dantas, J. B. (2011). Um ensaio sobre o culto ao corpo na contemporaneidade. Estudos e Pesquisas


em Psicologia. 11, 898-912.
Le Breton, D. (2006). A Sociologia do Corpo. Petrópolis: Vozes.

Le Breton, D. (2003). Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Campinas: Editora Papirus.


Lipovetsky, G. (2004). Os tempos hipermodernos. São Paulo: Editora Barcarolla.

Novaes, A (Org). (2003). O homem-máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo: Companhia
Das Letras.
Novaes, J. V. (2006). O intolerável peso da feiúra: sobre as mulheres e seus corpos. Rio de Janeiro:
Garamond.
Sant´Anna, D. B. (2001). Corpos de Passagem: ensaios sobre a subjetividade Contemporânea.
São Paulo: Estação Liberdade.
Severiano, M. F. V.; Rego, M. O.; Montefusco, E. V. R. (2010). O corpo idealizado de consumo:
paradoxos da hipermodernidade. Revista Mal-Estar e Subjetividade. 10, 137-165.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 65


NO ONTEXTO BRASILEIRO
TORNANDO-ME PSICOTERAPEUTA CENTRADA NA
PESSOA: UM RELATO TEÓRICO-VIVENCIAL
Simone Emanuelle De Oliveira Silva
Aurea Souza Aguiar Santos

Introdução

O
presente artigo buscou relatar experiência clínica no estágio supervisionado no
Serviço Escola de Psicologia da Faculdade UNINASSAU Parnaíba, descrevendo a
importância da interconexão entre teoria, prática e desenvolvimento pessoal na
formação do psicoterapeuta iniciante com ênfase na Abordagem Centrada na Pessoa, buscando
realizar uma articulação entre teoria e vivência.
Carl Rogers (1902-1987), psicólogo americano, desenvolveu uma proposta teórica em torno
da premissa de que existe em cada indivíduo um movimento natural para o crescimento, o qual ele
chamou de tendência atualizante. Assim, na relação terapêutica, é preciso que terapeuta e cliente
construam uma relação pautada em condições que facilitem a direção positiva deste processo.
Neste sentido, o terapeuta torna-se a pessoa facilitadora na relação ao ter três atitudes essenciais
para com o cliente: compreensão empática, consideração positiva incondicional e autenticidade.
De acordo com Moreira (2013), inicialmente originando-se da experiência clínica de Rogers sob
o título de Terapia não-diretiva, posteriormente passou a intitular-se Abordagem Centrada na
Pessoa, principalmente pela razão da expansão de sua teoria para vários campos das relações
humanas.
Fundamentamos, assim, a prática conforme os critérios da Abordagem Centrada na
Pessoa (ACP), a partir da qual realizamos um estudo bibliográfico detendo-nos aos conceitos
de Carl Rogers sobre a tendência atualizante, o desenvolvimento pleno da pessoa e as condições
facilitadoras deste desenvolvimento no sujeito, a partir da relação terapêutica estabelecida. Carl
Rogers é, então, o autor citado neste trabalho como referência.
A partir dessas reflexões, considera-se que o estudo é de relevância no âmbito acadêmico do
curso de Psicologia, posto que a questão do autoconhecimento é percebida como essencial para
o psicoterapeuta em formação, pois algumas situações vivenciadas na prática podem mobilizar
diversos sentimentos no mesmo, o que envolve a sua subjetividade. Trinca (1991, p. 53) nos diz
que “a partir do estado interno reorientamos nossa relação com a realidade visível”. Acreditando
que o psicólogo é o seu próprio instrumento de trabalho e que apreendemos o mundo a partir de
nosso próprio referencial interno, a ideia deste trabalho nasceu.

Método

Por tratar-se de um relato de experiência, o presente artigo revela dimensões que envolvem
uma perspectiva fenomenológica e existencial da pesquisa. Dessa forma, a Fenomenologia-

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
existencial complementa o referencial deste trabalho na tentativa de destacar a importância da
análise do fenômeno subjetivo na consciência, possibilitando um olhar que traz maior valor à
Psicologia.
Através das ideias de Husserl, Masini (1989) sugere que não existe um método, mas uma
postura fenomenológica, uma atitude de abertura do ser humano para compreender o que
se mostra sem pré-conceitos, buscando remontar àquilo que está firmado como critério de
certeza. Partindo de uma curiosidade sobre a prática, vivenciando-a e tomando consciência do
vivido, buscou-se neste artigo apresentar a experiência como fenômeno a partir de sua análise
e descrição. Foi prioridade, neste sentido, a descrição do fenômeno em sua redução eidética.
Forghieri (2004) destaca que, no campo da Psicologia, o conhecimento é reflexão e também
vivência, é um conhecimento que busca descobrir a significação, ao passo que o psicólogo está
em contato afetivo com sua própria vivência e de seus semelhantes.
Para o desenvolvimento da pesquisa foram utilizados como bases teóricas livros e artigos
consultados em bases científicas como Scielo, Google Acadêmico, LILACS e Pepsic, principalmente,
utilizando-se como critérios de inclusão aqueles que contivessem as palavras chaves: Formação do
Psicoterapeuta e Abordagem Centrada na Pessoa. Buscou-se utilizar publicações mais recentes,
mas não houve uma delimitação de tempo neste sentido, visto que em alguns momentos julgamos
necessário consultar algumas obras originais de determinados autores.

Carl Rogers e a Abordagem Centrada na Pessoa

A Abordagem Centrada na Pessoa – ACP foi desenvolvida por Carl Ranson Rogers por volta
dos anos 40 e tem como premissa a crença de que os indivíduos possuem dentro de si recursos
capazes de proporcionar-lhes autonomia suficiente para modificar autoconceitos e atitudes.
Segundo Flôr (2016), os organismos possuem uma tendência natural a atingir um grau de harmonia
e complexidade, processo que ocorre de maneira ativa interna e externamente de acordo com
seu desenvolvimento junto ao meio em que vive. Rogers (2009) conceitua esta tendência como
tendência atualizante, inata e presente em cada organismo vivo, tendo o terapeuta o papel de
atuar como um facilitador do processo de desenvolvimento do cliente.
Para Rogers (2009), as atitudes e os sentimentos do terapeuta, bem como a maneira como
os mesmos são comunicados ao cliente, são mais importantes que a sua orientação teórica e
técnica. Assim, segundo Rogers (2012), para que o crescimento humano possa acontecer, existem
três atitudes que devem estar presentes no terapeuta de maneira a facilitar esse processo. Tais
atitudes propiciam no cliente um movimento positivo e construtivo de suas potencialidades.
Consideradas os pilares da Abordagem Centrada na Pessoa, são elas: congruência, consideração
positiva incondicional e compreensão empática.
Ao tratar da congruência, Rogers (2009) diz que quando as relações estabelecidas pelo
terapeuta com o cliente são autênticas, quando ele é ele mesmo, sem máscaras nem fachadas, a
transformação pessoal é facilitada. Bacellar (2016) acrescenta que quanto mais o psicoterapeuta
for ele mesmo na relação, maior a probabilidade de que o cliente cresça e mude. Isto implica que,
além de estar sendo ele mesmo de maneira livre e profunda, está consciente de si mesmo com a
sua experiência real. Ser congruente é, então, poder ouvir-se, perceber-se e permitir-se fluir naquele
momento, estar conectado com sua experiência presente.
A consideração positiva incondicional está relacionada à atitude de aceitar o outro da
maneira que for, sem quaisquer julgamentos. Segundo Rogers (2009), quando o terapeuta pode
vivenciar uma atitude acolhedora, calorosa, positiva e de aceitação para com o seu cliente e com o
que está emergindo no momento, isso facilita a mudança. Quando a pessoa percebe que alguém
aceita e acolhe tudo aquilo que muitas vezes é rejeitado por ela, sente-se capaz de organizar-se e

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 67


NO ONTEXTO BRASILEIRO
buscar alternativas frente às suas demandas. Cabe ressaltar que, conforme traz Palma (2009), a
consideração positiva incondicional refere-se à experiência interna do sujeito, respeito aos seus
sentimentos e desejos, não significando concordância ou aprovação de seus comportamentos.
A terceira condição relaciona-se à capacidade do psicoterapeuta de perceber o mundo do
cliente a partir do seu referencial, colocando-se verdadeiramente em seu lugar. De acordo com
Rogers (2009), quando o terapeuta vê com sensibilidade aquilo que o cliente está vivenciando,
quando pode apreender seus sentimentos tal como ele os sente e quando consegue comunicar
com êxito a sua compreensão, então pode-se dizer que o terapeuta está tendo para com seu
cliente uma atitude de compreensão empática. Não se trata de interpretar, mas sim de sentir o que
é trazido pela pessoa de maneira a perceber o seu meio. Implica em captar o seu mundo e, assim,
os significados que esse mundo tem para ela.
De acordo com Moreira (2013), seu pensamento foi evoluindo ao longo da sua vida, de
maneira que a própria denominação de sua proposta teórica sofreu algumas alterações e, ainda
que o próprio Rogers não a tenha feito, usaremos aqui a divisão de seu pensamento em fases,
ampliada por Moreira (2013), de forma a facilitar o entendimento de como se deu a evolução
de sua experiência. A autora considera quatro fases referentes à psicoterapia: Fase Não Diretiva
(1940-1950), Fase Reflexiva (1950-1957), Fase Experiencial (1957-1970) e Fase Coletiva ou Inter-
Humana (1970-1987).
A primeira fase, Não Diretiva (1940-1950), pode ser considerada como o momento do
nascimento de sua proposta em psicoterapia, onde Rogers compreende que precisava desenvolver
e aprofundar as suas ideias. Tomado desta compreensão, publica em 1942, o livro Psicoterapia
e Consulta Psicológica, considerada como a obra de referência neste período. Rogers (1997),
através de uma atitude interessada e receptiva, propõe que o psicólogo estimule a livre expressão
dos sentimentos do cliente em relação aos problemas levando o mesmo a sentir que aquela hora
é inteiramente sua e que ele pode usá-la da forma como quiser. Assim, nesta fase destaca-se
a permissividade dada ao cliente percebida através de uma postura do terapeuta, intervindo
o mínimo possível no processo do indivíduo, deixando para este último a condução de seu
movimento psicoterapêutico.
A segunda fase do pensamento de Rogers, Fase Reflexiva (1950-1957), tem como obra de
referência o livro Terapia Centrada no Cliente publicado em 1951, onde destaca-se a reflexão
de sentimentos, as atitudes do terapeuta centrado no cliente e onde a ideia de não-diretividade
é substituída pela de centramento no cliente. Rogers (1992, p. 549) traz a formulação de uma
teoria da personalidade que parte do pressuposto de que “todo indivíduo existe num mundo de
experiências em constante mutação, do qual ele é o centro”, enfatizando que apenas o indivíduo
pode tomar conhecimento de seu mundo de maneira completa e autêntica.
É nesta fase, então, que Rogers desenvolve a teoria das atitudes facilitadoras, mencionadas
anteriormente neste trabalho: congruência, empatia e consideração positiva incondicional.
Moreira (2013) explica que para Rogers, a criança é genuinamente autêntica, possuindo dois
sistemas inatos: de motivação (tendência atualizante) e de controle (avaliação organísmica).
Assim, suas experiências são constantemente avaliadas como positivas ou negativas para seu
organismo. Como resultado dessa diferenciação, o indivíduo vai tomando consciência de sua
maneira de existir e agir no mundo e, à medida que a noção do eu se exterioriza, desenvolve-se
nele a necessidade de consideração positiva. Como resultado da associação de suas experiências
satisfeitas ou frustradas, o indivíduo adquire a necessidade de consideração de si, passando a ser
sua pessoa significativa independente das avaliações dos outros. Contudo, essa consideração passa
a ser seletiva ao passo que a criança percebe quais sentimentos serão bem recebidos ou não pelas
pessoas significativas para ela. Isso provoca no indivíduo uma consideração de si condicionada, o
que gera uma desorganização psíquica ou alienação de si, que pode ser reestruturada na relação

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terapêutica a partir da promoção de atitudes facilitadoras por parte do terapeuta. Ao considerar
positiva e incondicionalmente o cliente, ser empático e autêntico na relação, o grau de consideração
do indivíduo por si se eleva e uma mudança no processo terapêutico pode acontecer.
Segundo Moreira (2013), a partir da construção teórica de tais atitudes facilitadoras, Rogers
aponta para o abandono da relevância do diagnóstico, pondo em destaque a capacidade de
desenvolvimento intrínseca ao ser humano. Neste sentido, Tassinari (2003) aponta que a reunião
destas três dimensões implica numa abertura do psicoterapeuta para considerar o outro no ponto
em que ele se encontra, da maneira como ele se vê, sem opinião valorativa. Isso requer maturidade
psicológica do terapeuta, bem como uma sensibilidade apurada para considerar visões de mundo
diferentes da sua. Essa maior abertura para o outro possibilita que o mesmo se refira diretamente
à sua experienciação, a incondicionalidade para com ele (com tudo o que ele traz) o confirma
como digno de compreensão no seu momento presente.
A terceira fase, Experiencial (1957-1970), é marcada pelo foco do processo terapêutico na
experiência, não somente na do cliente, mas também na do psicoterapeuta. Conforme Bacellar
(2016), Rogers reconhece que a mudança construtiva da personalidade depende muito mais das
atitudes do terapeuta do que uma atitude de clarificar os sentimentos do cliente ou refleti-las. Aqui
se está diante de um momento onde se reconhece que a busca pela autenticidade é imprescindível
à formação do terapeuta, uma busca que acontece a partir do contato do terapeuta com a sua
própria experiência e com o que se passa dentro de si. A obra de referência desse período é Tornar-
se Pessoa publicada em 1961, que Rogers (2009) nos diz que os sentimentos que o terapeuta
está vivenciando naquele momento são acessíveis a ele e, dessa maneira, são acessíveis à sua
consciência, podendo então ser vivenciados e comunicados ao cliente, se for o caso. A partir
desta afirmação observa-se a ampliação da perspectiva de Rogers acerca da relação terapêutica,
passando do foco no cliente para o foco na relação intersubjetiva, assumindo um sentido enquanto
encontro existencial.
É neste momento que a psicologia humanista de Carl Rogers se aproxima das abordagens
de tradição fenomenológica. Segundo Moreira (2013), quanto mais Rogers se aproxima da sua
experiência, da experiência do cliente e da experiência que emana a partir do encontro existencial
entre ambos, mais se aproxima de uma atitude fenomenológica, distanciando-se da atitude
centrada no cliente. Assim, Rogers amplia seu olhar para além da pessoa, libertando-a nesta
relação terapêutica e transcendendo a ideia de centralidade que até então mantinha esta pessoa
“presa”. É como se, ao manter a pessoa no centro do processo terapêutico, este se paralisasse.
No entanto, esta não foi uma ideia assumida por Rogers, foi fruto de investigações posteriores de
estudiosos acerca de seu trabalho.
Por último, a fase Coletiva ou Inter-Humana (1970-1987) se destaca pelo interesse de Rogers
(2012), em seus últimos anos de vida, em questões mais amplas voltadas às atividades de grupos e
à relação humana coletiva. O livro Um jeito de ser publicado em 1983 é considerado como a obra de
referência desse período. É nesta fase que Rogers assume a denominação de Abordagem Centrada
na Pessoa. Na referida obra, Rogers (2012) diz que sorri ao pensar em tantas denominações que
deu a esse tema no decorrer de sua carreira: aconselhamento não-diretivo, terapia centrada no
cliente, ensino centrado no aluno, liderança centrada no grupo. Percebendo o crescimento dos
campos de aplicação em número e variedade ele conclui que a denominação de Abordagem
Centrada na Pessoa parece ser a mais adequada.
No livro Quando fala o Coração (Rogers, Santos & Bowen, 1987), os autores falam das
condições facilitadoras do crescimento e inclui, ainda, uma quarta característica, sobre a qual diz
que só recentemente sua visão ampliou-se e que se trata de uma nova área que não pode ainda ser
estudada empiricamente. Rogers, Santos e Bowen (1987) explicam esta característica como algo
transcendente que acontecia quando estavam a facilitar grupos ou como terapeutas. Quando

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 69


NO ONTEXTO BRASILEIRO
estava próximo de seu centro, de seu eu intuitivo, entrava em contato com uma parte desconhecida
de si mesmo, como se o seu espírito interno tocasse e penetrasse o espírito interno dos outros.
A relação entre eles transcendia e tornava-se parte de algo maior, presentificando crescimentos
profundos, cura e energia. Rogers sentia como se simplesmente a sua presença inteiramente ali
fosse liberadora e de completa ajuda.
Pode-se considerar ainda uma quinta fase, Pós-Rogeriana ou Neorrogeriana, onde se observa
os desdobramentos da abordagem em diversas vertentes, cada uma delas partindo de fases
distintas do pensamento de Rogers. A fundamentação adotada por cada uma variará conforme o
seu desenvolvimento depois de Rogers e, segundo Moreira (2013), neste aspecto é que elas passam
a ser neorrogerianas, quando passam a assumir uma identidade própria. O que nos interessa
enfatizar aqui é que não é mais o seu pensamento cristalizado, mas sim, novas teorizações que
partem dele, é a sua teoria adequada a diferentes maneiras de ser e estar no mundo.

Resultados e Discussão

Pretendemos nesta seção escrever de maneira mais leve e pessoal, de forma a relatar a
experiência interconectada à teoria e à prática apresentadas neste trabalho. Assim, acreditamos
que podemos descrever de maneira mais autêntica a experiência vivida.
Enquanto aluna estagiária, posso dizer que o estágio supervisionado no Serviço Escola de
Psicologia me proporcionou entrar em contato com muitas dúvidas, angústias, expectativas,
inseguranças e, ao mesmo tempo, com um sentimento de desafio na busca de conhecimento e
experiência. Na prática, passei a sentir que algumas vezes a teoria não é suficiente para dar conta
de certas demandas. Segundo Sapienza (2015), o encontro terapêutico é um momento raro, onde
a pessoa abre sua existência com muita confiança, e ela o faz não para que seja vista dentro
de alguma teoria, mas para ser compreendida. Assim, a formação acadêmica não é suficiente
para o enfrentamento de todas as questões que permeiam a prática clínica, mas é, com certeza
para mim, o início do caminho que escolho para seguir neste constante processo de tornar-me
psicoterapeuta centrada na pessoa. Como, então, acreditamos que o crescimento pessoal, aliado
à teoria e à prática, pode contribuir no meu processo de formação neste sentido?
Posso dizer que essa resposta me surgiu na experiência de estar junto com os clientes que
atendi. Posso dizer ainda que não foi rápido, nem fácil, mas hoje, ao escrever este relato, sinto-
me inteiramente feliz por isso. Minha experiência enquanto ludoterapeuta centrada na criança
proporcionou-me lições inesquecíveis sobre autenticidade. Outra pessoa que atendi, ao vivenciar
questões muito parecidas com as minhas, mobilizou em mim a prática do exercício da empatia.
Ao experienciar uma relação terapêutica com uma pessoa de meia-idade, pude entender a
importância da consideração positiva incondicional ao outro juntamente com sua bagagem de
experiência de vida, valores e crenças.
A psicoterapia centrada na pessoa é, em sua essência, uma troca de experiências vivenciais
entre terapeuta e cliente. Nesse sentido, segundo Bacellar (2016), a relação terapêutica estabelecida
permite que ambos sejam tocados afetivamente pela experiência de estarem juntos e, a partir
disso construírem uma compreensão da vivência capaz de gerar mudanças em suas atitudes.
Ao fundamentar minha prática à luz da Abordagem Centrada na Pessoa, pude então sentir e
confirmar o processo de mudança acontecer no cliente a partir das condições facilitadas por mim
no decorrer da construção de nossa relação. O desenvolvimento destas atitudes terapêuticas foi
possível através da interconexão entre a teoria e a prática orientada pela supervisão.
Diante das atitudes facilitadoras vividas na supervisão, com o grupo, passei a me sentir
mais segura e capaz de enfrentar os obstáculos que surgiam na prática clínica e passei também
a compreender verdadeiramente a teoria, a sentir meus conhecimentos apropriando-me daquilo

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que acredito. Para Carrenho (2010), a supervisão é um lugar onde se discute como se dá na
prática alguns aspectos da teoria e é também o lugar onde o grau de aceitação e confiança que
o psicoterapeuta tem em si mesmo se revela. Assim, é fundamental que o jeito de ser de cada
supervisionando seja respeitado, isso implica que o relacionamento entre ele e seu supervisor seja
uma relação profunda de sinceridade e transparência. Contemplando esta perspectiva, posso dizer
que fui supervisionada de forma autêntica, empática e incondicional com muito profissionalismo
e implicação em meu processo. Senti-me realmente importante e este sentimento me incentivou a
acreditar na minha intuição e no meu próprio jeito de ser psicoterapeuta.
Além do suporte teórico e da supervisão, dediquei-me à psicoterapia pessoal, processo que
iniciei antes mesmo dos estágios e que considero muito importante na minha experiência em
psicoterapia, pois me permitiu vivenciar muitos aspectos do processo terapêutico, colocando-me
no lugar do cliente. Além disso, durante minha aprendizagem, lá foi o lugar para onde levei diversas
angústias que não cabiam no momento da supervisão e precisavam ser vistas e sentidas por mim
de maneira mais profunda, construindo em mim um profundo processo de autoconhecimento.
Rogers (2009) defende que, à medida que o psicoterapeuta é capaz de assumir a complexidade
dos seus sentimentos, ouvindo e aceitando o que se passa dentro de si mesmo, estará num
processo de constante crescimento. Dessa maneira, a prática da terapia é um exercício que exige
do psicoterapeuta um permanente desenvolvimento pessoal.
Nos primeiros atendimentos, experimentei um sentimento de impotência diante da bagagem
teórica que carregava sem saber ao certo como utilizá-la na prática. Percebi que precisava deixá-la
um pouco de lado, exatamente ao meu lado, e permitir que minha sensibilidade se manifestasse.
Diversas vezes, experimentando essa angústia de sentir-me impotente, sentia-me sufocada com o
silêncio do cliente, imaginava se deveria dizer algo ou fazer alguma coisa que desse movimento à
sessão. Precisei, então, compreender minha relação com o meu silêncio para compreender o do
cliente. Segundo Carrenho (2010), muitas vezes, preenchemos nossos vazios com uma infinidade
de barulhos para evitar o contato com aquilo que nos assusta dentro de nós mesmos. Então, se
faz necessário que o psicoterapeuta mergulhe em si e se reconcilie com tudo que constitui a sua
história para que possa “ouvir” o silêncio do cliente. Aos poucos, minha angústia calou-se e passei
a utilizar o silêncio terapeuticamente; compreendi que algumas pessoas demoram certo tempo
para revelarem-se e precisam ser facilitadas, outras se revelam espontaneamente; compreendi
ainda que cada pessoa possui um movimento e que este é único e particular.
No decurso dos atendimentos, fui percebendo que não existe um modelo ideal de
psicoterapia para que esta seja eficaz, percebi que a mesma é um processo dinâmico, fluido e
contínuo. A cada atendimento, senti que precisava me dedicar a construir uma relação com cada
cliente. Na terapia, segundo Amatuzzi (2016), conhecer o cliente é interagir com ele de maneira
significativa, vivenciando a relação que se estabelece com ele e, na medida em que esta avança,
novos significados passam a existir a partir deste contato. Percebi que o auxílio que podia oferecer
a cada um era o de estar ao seu lado facilitando seu encontro com sua própria experiência e,
embora isso pareça fácil de ser dito, muitas inquietações geraram-se em mim até chegar a essa
percepção. Antes de disponibilizar-me ao outro como um meio de ajuda, entendi que precisava
me permitir entrar em contato com minha própria experiência. Aprendi que estar com o outro
é, antes de tudo, estar em par comigo. Não é importante apenas compreender o outro, mas ter
a capacidade de expressar-se de forma verdadeira nessa relação. De acordo com Pinto (2010),
é importante que o psicoterapeuta leve em consideração os sentimentos que perpassam em si
no momento do encontro, pois de alguma forma isso o ajudará na construção da relação com
o outro. Dessa maneira, compreendemos que o tipo de auxílio que poderia oferecer aos meus
clientes iria depender do quão conectada comigo eu estivesse.
Assim, ao me questionar sobre de que maneira poderei proporcionar ajuda e cuidado ao

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 71


NO ONTEXTO BRASILEIRO
outro, a resposta que me surge é apenas: cuidando de mim! Ora, se o psicoterapeuta é em si
mesmo o seu próprio instrumento de trabalho, então nada mais coerente (ou congruente) do que
estar em conexão consigo para que possa trabalhar de forma digna e humana com as emoções do
outro. As relações terapêuticas que vivenciei com meus clientes no curso do estágio mobilizaram
em mim uma busca pelo sentido do que é o cuidado genuíno e o que sinto é que só posso
oferecer ao outro aquilo que possuo em mim. Constatei que o relacionamento terapêutico por
si só parecia provocar mudanças construtivas nos clientes e confirmei que esse relacionamento
deve ser caracterizado pelas atitudes facilitadoras propostas por Rogers (1992): autenticidade,
consideração positiva incondicional e consideração empática.
Compreender empaticamente alguém é uma experiência gratificante para mim e é também
uma atitude terapêutica que considero bastante difícil. Difícil porque sair de seu próprio centro de
referência muitas vezes gera incômodo. Durante meu processo de aprendizagem percebi que, em
boa parte das vezes, a tentativa de ouvir o outro é verdadeira, mas o ouvir verdadeiramente não.
Segundo Amatuzzi (1990), a palavra que é dirigida é a palavra verdadeira e, por isso, ela nos toca
e nos afeta de algum modo. O ouvir não é uma atitude reflexiva, ao contrário, nos coloca fora
de nós mesmos. É mais que observar, é estar em relação, tornando-se presente. Percebi que para
compreender o outro de maneira empática, precisamos ouvi-lo a partir de seu próprio referencial
e experienciar o incômodo inicial de sair do meu.
Dessa maneira, quanto mais tomamos consciência e experienciamos o que sentimos, mais
somos capazes de captar o sentimento do outro. Nesse percurso, captar o que o cliente realmente
sentia sem projetar meus próprios sentimentos e comunicar como estava compreendendo os seus
nem sempre foi possível, mas nos momentos em que compreendi empaticamente pude perceber o
ganho do cliente a partir dessa atitude promovida por mim.
Outra experiência significativa foi perceber que quanto mais autêntica eu me mostrava na
relação terapêutica com o cliente, mais se fortalecia o nosso vínculo. Para Amatuzzi (2016), a
autenticidade pode ser entendida como a apropriação do que está ocorrendo consigo, não é algo
que se mostra com clareza, é algo que se sente. É simples de ser entendido, embora não seja tão
simples estar plenamente em contato com sua própria experiência. Consideramos, assim, que a
autenticidade é mais do que ser o que se é, mas um processo constante de ser o que se está sendo
no momento presente, aceitar-se como uma pessoa em constante crescimento e aprendizado,
aproximar-se e apropriar-se do que quer que esteja se passando em si, ouvir-se. De acordo com
Amatuzzi (2001), há no ato de ouvir um paradoxo, pois ouvir a si mesmo é ouvir a pessoa que
se comunica. Se não me ouço no que o cliente fala, então não ainda não foi ouvido de forma
plena. Aos poucos, passei a ser cada vez mais congruente com meu cliente e a expressar meus
sentimentos em relação a ele. Percebi que minha atitude foi me fortalecendo, proporcionando-me
mais segurança na relação e nas intervenções terapêuticas.
A consideração positiva incondicional ao outro foi uma das primeiras características que
reconheci em mim nas relações com meus clientes. Parecia-me relativamente fácil me dispor a
aceitar o cliente sem julgamentos, pois esta é uma característica do meu próprio jeito de ser e estar
no mundo. Mas compreendi o real sentido dessa postura quando aprendi que precisava respeitar
minha própria experiência e acolher-me antes de tudo. Segundo Pinto (2010), aceitar o outro
incondicionalmente implica em enxergar essa pessoa como única, compreendendo que as verdades
são relativas e que as minhas verdades servem apenas para mim. Deste modo, a consideração
positiva incondicional parte da tentativa de resgatarmos em nós mesmos, psicoterapeutas, essa
capacidade perante nossa própria experiência. Sentir-me realmente respeitada e importante me
deu autoconfiança no meu potencial enquanto pessoa e profissional durante o estágio.
Descrevo como senti cada uma destas atitudes desenvolver-se em mim e ao mesmo tempo
percebo que, assim como a teoria, a prática e o desenvolvimento pessoal, elas não funcionam

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
eficazmente de forma isolada, estão interconectadas de maneira que o desenvolvimento de uma
implica no florescimento da outra. Pinto (2010) menciona que, quando se fala dos princípios da
Abordagem Centrada na Pessoa, fala-se de princípios que se complementam. Não são técnicas,
mas sentimentos, vivenciados de forma visceral pelo psicoterapeuta. Nesta perspectiva, a direção
construtiva da relação terapêutica só é possível quando essas três atitudes são promovidas pelo
psicoterapeuta ao cliente de forma inteira.
Na prática clínica orientada pela ACP, pudemos verificar que as atitudes facilitadoras
propostas por Rogers propiciam o desenvolvimento do cliente numa direção construtiva, quando
facilitado. Verificamos ainda que, ao serem promovidas pelo psicoterapeuta, estas atitudes
perpassam sua subjetividade e se reconectam à teoria, tornando sua formação profissional
intimamente ligada ao seu desenvolvimento pessoal.

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 73


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74  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE O
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
Daniele de Carvalho Almirante
Hemily Gabriely Bastos da Silva Quental
Larisse Ellen Linhares Martins
Lizandra de Sousa Paixão
Macicleia Lima de Siqueira
Carla Fernanda de Lima

Introdução

N
as últimas décadas o transtorno do espectro autista vem trazendo discussões
pertinentes no campo da psicologia e da educação. O Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais- DSM-5 de forma bem explícita, descreve o
autismo como um déficit delimitado nessa tríade: sociabilidade, cognição e linguagem. Segundo o
DSM-5, o TEA por um período de tempo passou por algumas denominações, como por exemplo,
autismo infantil precoce, transtorno de Asperger, autismo atípico, dentre outros. Algumas das
variáveis significativas do autismo estão relacionadas às características de estereotipias, repetições
de ações, prejuízos relevantes na comunicação e interação entre os pares.
O conhecimento da concepção humana é um pressuposto fundamental para a possível
compreensão da origem do transtorno do espectro autista. É necessário dessa maneira, colocar
em discussão a influência do desenvolvimento do homem desde sua tenra infância para a tentativa
de desvendamento da etiologia desse transtorno. Conforme corroboram Souza et al. (p.25, 2004)
“a compreensão dos transtornos do desenvolvimento infantil dar-se-á mediante o conhecimento
do desenvolvimento infantil considerado normal”.
Segundo Souza et al. (2004), o desenvolvimento infantil é identificado por fases fundamentais
da vida do homem. Inicia-se com o estágio pré-natal, esse compreendido por meio da concepção
do feto até o nascimento do bebê. Nesse período, conforme indicam os autores, trata-se da fase
da primeira infância, do qual o indivíduo é dependente do seio maternal, o seu crescimento e
desenvolvimento sofrem influências dos meios externos.
Na segunda infância, faixa etária de 3 (três) aos 6 (seis) anos de idade, a criança tem
tendência a ser egocêntrica, característica própria dessa fase de seu desenvolvimento, a família
ainda continua sendo seu ciclo mais importante. A terceira infância, dos 6 (seis) aos 12(doze) anos
de idade, é marcada pelo desenvolvimento mais pleno da linguagem. As crianças nesse período,
com maior influência, encontram nos pares, laços de amizades e afetos pertinentes (Souza et al.,
2004).
Partindo dessas características próprias do desenvolvimento infantil, evidentemente este
desenvolvimento pode sofrer alterações em cada criança, principalmente quando se coloca
em discussão as variações culturais, regionais, ambientais e históricas de cada indivíduo nas

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 75


NO ONTEXTO BRASILEIRO
sociedades. Porém espera-se, que essas etapas de desenvolvimento aconteçam na vida das pessoas.
É nesse contexto que a problemática do transtorno do espectro autista poderá ser identificada.
A ausência dessas características “normais” do desenvolvimento infantil acarreta em impactos e
preocupações relevantes no contexto social, escolar e principalmente familiar (Souza et al., 2014).
Nessa perspectiva, o presente trabalho tem como propósito principal elencar alguns dos
variados estudos científicos voltado nessa temática. Nessa pesquisa, buscou vislumbrar o papel
da família, a ajuda do psicólogo e do trabalho multidisciplinar, a relevância da inclusão social e
escolar. Identificar as discussões dos trabalhos científicos sobre como os pesquisadores tratam
e discutem a ideia da autonomia e independência de crianças e adultos autistas, são também
objetivos desse trabalho.

Desenvolvimento
História e etiologia do Autismo

Nesse momento será traçado um panorama histórico do transtorno do espectro autista.


Maciel e Filho (2009) citam que a definição da palavra autismo foi oriunda de características
voltadas à esquizofrenia. Essas descrições foram elaboradas por dois médicos da Áustria, Leo
Kanner e Hans Asperger, no ano de 1943. Tais características estariam relacionadas ao mesmo
tipo de comportamentos, como por exemplo, adultos e crianças que pareciam não perceber a
presença de outras pessoas em seu redor, movimentos estereotipados, tendência a rotinas (Maciel
& Filho, 2009).
Klin (2006) também cita Kanner como um dos importantes estudiosos preocupados com
esse transtorno. Segundo ele, Leo Kanner foi muito cauteloso ao englobar as características do
autismo, de maneira geral as definiu como prejuízo em relacionamentos sociais, comportamentos
até então diferentes dos que já vistos em crianças.
Nos anos de 1950 e 1960, Klin (2006) destaca a grande repercussão e confusão relacionada
à origem do autismo, foram elaboradas ideias e crenças que revolucionaram principalmente a
Europa e América Latina. Segundo algumas crenças, as etiologias do autismo estavam voltadas
a incapacidade e a falta de desejo de amor da mãe para com seu filho, crenças também sobre
as vacinas contra o sarampo e contra a rubéola. Nesse período, como salienta Klin, contribui
para a crescente epidemia de doenças, principalmente, no Reino Unido e nos Estados Unidos
da América, justamente porque os pais estavam receosos de vacinarem seus filhos por medo de
adquirirem o autismo.
Klin (2006) aponta também que os estudos voltados nessa temática cresceram bastante, e
que milhares de crianças de todo o mundo foram observadas. Os estudos mostraram que a cada
1000 nascimentos, o percentual são que mais de 4 dessas crianças nascem com o transtorno do
espectro autismo, prevalecendo, curiosamente crianças do sexo masculino.
Na construção dessa pesquisa foram realizadas leituras pertinentes para que dessa maneira
fosse possível compreender esse transtorno do desenvolvimento infantil. Conforme salientam
Pinto et al. (2016, p.2) “o autismo também conhecido como Transtorno do Espectro Autista (TEA)
é definido como uma síndrome comportamental que compromete o desenvolvimento motor e
psiconeurológico dificultando a cognição, a linguagem e a interação social da criança.” Segundo
Pinto e et al, a origem desse transtorno é desconhecida, podendo apenas citá-la como categorias
oriundas de múltiplos fatores: sociais, neurológicos e genéticos. Como apontam os autores o
autismo causa alguns prejuízos importantes no desenvolvimento do indivíduo, principalmente os
relacionados à socialização, a comunicação e o intelecto.
É necessário, porém, que os profissionais, cuidadores, familiares e professores compreendam
que o autismo, assim como mostra Klin (2006) manifesta-se de maneira diversa em cada pessoa,

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podendo ser mais leve, mais severo em determinado sujeito, causando prejuízo ou não na fala, na
sociabilidade ou mesmo no desenvolvimento cognitivo. É de fato necessário todo um cuidado da
parte do profissional ao que se refere ao diagnóstico do autismo.
Como frisa o DSM-5, o transtorno do espectro autista varia de indivíduo para indivíduo, por
isso o termo espectro, pois a evolução e desenvolvimento do autismo variam em cada sociedade,
em cada ambiente, em cada cultura. É também diferenciado em cada pessoa conforme o período
da descoberta da doença, ou seja, a idade cronológica do diagnóstico do autismo influencia
muito no desenvolvimento da criança. Segundo o DSM-5, os sintomas do autismo ocorrem com
faixa etária dos 12 aos 24 meses de vida do bebê.
Como mostram Pinto e et al. (2016) quando mais cedo a descoberta da sintomatologia do
autismo, mais precoce ocorrerá o diagnóstico da criança autista e com isso a criança terá uma
melhor oportunidade de se desenvolver e se adaptar no mundo em que vive.

O contexto familiar da pessoa autista

O estudo do contexto familiar diante de uma doença como o autismo é primordial para a
compreensão da vida da criança e da família. Segundo Sprovieri e Assumpção Jr (2001, p. 231) “o
autismo leva o contexto familiar a viver rupturas por interromper suas atividades sociais normais,
transformando o clima emocional no qual vive”. Os pais quando descobrem que terão um filho,
é notória a alegria, a satisfação da ideia de um mais novo membro da família, junto com esses
sentimentos, vem também a ideia de um filho perfeito, lindo, e com saúde. Mas quando a família
percebe que sua criança é “diferente” das outras, os pais passam a enfrentar sentimentos aversivos,
como citam Sprovieri e Assumpção Jr (2001), o ressentimento, a culpa, o medo, o desafio, a
rejeição para com o filho.
A rotina da família é permeada por situações conflituosas e de aceitação. Esta falta de
aceitação não está relacionada somente dentro do contexto familiar, mas também na sociedade,
principalmente no âmbito escolar. Como se sabe o padrão social estabelece as regras, seleciona os
“melhores”, descartam aqueles que fogem dos requisitos sociais. Diante disso os pais enfrentam
não somente a barreira de ter um filho com deficiência, bem mais grave do que isso é o sentimento
de exclusão que os pais junto com os filhos enfrentam diariamente.
Conforme apontam os estudos, os pais são as primeiras pessoas a detectar algum tipo de
desvio, déficit, dificuldade ou limitações do seu filho. Zanon, Backes e Bosa (2014) frisam que
essa característica está baseada justamente porque a família convive diariamente com a criança, e
devido esse convívio diário é possível à percepção de algum distúrbio no filho.
É preciso salientar que a família é eminentemente a base primordial no auxílio às necessidades
básicas do filho, estas relacionadas não somente as físicas, mas também emocionais. Com efeito,
após a descoberta de uma doença crônica, como por exemplo, o autismo, toda a família passa
por um processo de adaptação, muitas das vezes, esse processo não acontece, acarretando dessa
forma uma crise familiar.
Sprovieri e Assumpção Jr (2001) citam:

Assim, o sistema familiar vive em permanente crise, sem perspectivas de mudança em função
das dificuldades de desenvolvimento de um de seus elementos que apresenta um quadro
de doença crônica e incapacitante. Tais alterações requerem mudanças no desempenho de
papéis e de regras, mudanças organizacionais e adaptativas relacionadas com alterações na
composição familiar (p.234).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 77


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Os inúmeros desafios na vida da família e do indivíduo autista estão relacionados
principalmente à incapacidade dos pais na aceitação do filho, a inserção da criança na sociedade
tão excludente e celetista, a inclusão dessas pessoas nos programas educacionais, principalmente
na sala regular de ensino. É possível identificar a partir das leituras dos artigos que essa problemática
ganha maior proporção dentro do aparato familiar, pois o cuidado, a educação requer dos pais
uma maior atenção.
Outros desafios pertinentes na vida familiar de uma criança autista estão relacionados ao
processo de aceitação dos pais para com o filho, Pinto et al. (2016) frisam que este processo se
torna ainda mais doloroso porque os pais muitas das vezes desconhecem a doença, não sabendo
como tratar. A falta de atenção e orientação por parte do profissional que faz o diagnóstico são
também outros grandes desafios, bem como a maneira como esses profissionais apresentam o
resultado do problema da criança, que em grande parte é informado de maneira fria, objetiva e de
uma linguagem imprópria da cultura e do dia-a-dia da família (Pinto et al., 2016).
Apesar do transtorno do espectro autista ter como principais características o prejuízo
preponderante em relação à comunicação e interação social, assim como indica o DSM-5, é
necessário que os pais junto com uma equipe multidisciplinar busquem estratégias que possibilitem
desenvolver as aptidões e desenvolvimento pleno dos autistas.
Como salientam Pinto et al. (2016) por mais que o autismo não tenha cura, é comprovado
que com um diagnóstico precoce, as crianças autistas consigam se desenvolver gradativamente,
aprimorando e desenvolvendo suas habilidades motoras, sociais e de linguagem. É relevante
também frisar a participação ativa dos pais, principalmente na estimulação do desenvolvimento
dos filhos, abdicando-se dos olhares preconceituosos da sociedade e buscando de maneira
positiva a inserção desses sujeitos no meio social.
É importante elencar que a família precisa encontrar apoio emocional dentro da própria
família, da sociedade, bem como buscar a ajuda multidisciplinar (psicólogos, fonoaudiólogos,
pedagogos, assistente social). Os pais precisam adquirir por meio dessa equipe, aprendizagens,
habilidades e maneiras que auxiliem no desenvolvimento dos seus filhos autistas.

O psicólogo e a equipe multidisciplinar

O trabalho do psicólogo em frente a situações de crises, problemas emocionais e também


na revelação de um diagnóstico são ações desafiadoras. O desafio é ainda maior quando este
trabalho está relacionado ao público infantil. De maneira pertinente, os sentimentos e problemas
enfrentados pelas crianças causam em todos os sujeitos, uma reação bem peculiar, principalmente
na vida dos pais.
O papel do psicólogo e da equipe multidisciplinar em relação à problemática do transtorno
do espectro autista é primordial na vida familiar e dos sujeitos autistas. Segundo Souza et al. (2004)
o psicólogo faz parte eminente de todo o contexto de uma criança autista, é papel dele buscar
formações específicas e também ter condições necessárias para a realização de estudos sobre o
desenvolvimento humano para que dessa maneira consiga diagnosticar e detectar os problemas
da criança, também são deveres desse profissional ter uma maior atenção e sensibilidade para
com os relatos e observações apresentados pelos pais sobre seus filhos.
Durante esse estudo foi mostrado que a família é a primeira a perceber as diferenças ou
ausências de comportamento típicos dos filhos. Os pais são a base fundamental de todo o
processo de descoberta do diagnóstico da criança, e é a partir dessa variável que os profissionais
precisam manter uma boa relação e um bom comprometimento com a família, principalmente na
hora da revelação da doença. Como corroboram Pinto et al. (2016, p. 6)

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Compreende-se que a notícia de um diagnóstico para a família, a depender da doença, é
algo devastador e diante deste aspecto é necessário que a forma e o ambiente onde seja
transmitida essa informação devem ser envolvidos por intensa aproximação e interação entre
o médico, demais profissionais de saúde, paciente e familiar, tornando-os menos distantes.

É de suma importância que os profissionais auxiliem os pais nesse momento, principalmente


por meio de palavras acolhedoras e positivas. É necessário também que o psicólogo informe
estratégias que possibilitem o desenvolvimento pleno das crianças. O apoio do psicólogo
juntamente com a equipe multidisciplinar é primordial para a concretização do desenvolvimento
social, intelectual e comunicativo da pessoa autista.
Souza et. al (2004) consideram a ação do psicólogo como essencial, pois ele pode ajudar os
pais por meio do diálogo na compreensão e entendimento da doença do paciente. Esta atividade
dialogal além de auxiliar na explicação do problema do filho, possibilita também a reflexão da
importância da família na vida da criança.
O trabalho multidisciplinar entre psicólogos, professores e fonoaudiólogos, auxilia de
forma positiva no desencadeamento de práticas e estratégias que influenciam e estimulam o
desenvolvimento dos autistas. Como frisam Maciel e Filho (2009) o papel do professor e do
pediatra é imprescindível, pois eles também colaboram no diagnóstico precoce, subjacente
contribuirão na realização de estratégias educacionais, superando dessa maneira as dificuldades
enfrentadas pelas crianças e também contribuindo para as relações sociais entre os pares, tanto
dentro do ambiente escolar como fora da sala de aula.
Dessa maneira é possível identificar a tarefa relevante entre os profissionais da saúde e da
educação, em relação à família de filho autista, pois como mostram Souza et al. (2004) esta
intervenção proporciona para as crianças autistas e para seus pais uma experiência de vida feliz,
aonde os princípios de dignidade, respeito, tolerância e direito a viver se fazem presentes.

Conclusão

Com base nas discussões desta pesquisa, foi possível verificar que as produções científicas
sobre o transtorno do espectro autista são bem pertinentes. A principal temática observada
em todos os periódicos analisados esteve relacionada às caraterísticas predominantemente
identificadas em uma criança autista, categorizada nessa tríade: socialização, o intelecto e a
linguagem.
Conforme descreve o DSM-5 essas características são bem peculiares no sujeito autista,
porém, o autismo pode ser manifestado de outras maneiras. Como descreve Klin (2006) ele pode
se apresentar em graus diferentes em cada criança, podendo ser mais leve ou severo, tendo prejuízo
ou não na fala, nos relacionamentos sociais ou no desenvolvimento cognitivo.
Na pesquisa foi observado que alguns autores atribuem o autismo como um transtorno que
pode ser encarado de maneira positiva, principalmente quando ocorre o diagnóstico precoce no
indivíduo. É essencial que as famílias fiquem atentas para o desenvolvimento e comportamento
dos seus filhos. Pois como mostrado, os pais são os primeiros a identificar algum comportamento
inadequado na criança.
O trabalho do psicólogo e da equipe multidisciplinar são outras variantes importantes
para ajudar no desenvolvimento pleno das pessoas autistas e também para o apoio as famílias.
Conforme visto, o psicólogo precisa ter muito cuidado no momento da revelação do diagnóstico
do paciente. É preciso que ele busque maneiras adequadas de comunicação, como por exemplo,
explicar com cautela o problema do filho, mostrar estratégias que eles podem fazer para auxiliar
no desenvolvimento da criança.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 79


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Na análise dos periódicos foi notória a concepção dos autores ao que se refere à dependência
desses sujeitos junto à família. Nos estudos pouco se fala de pesquisas voltadas para o público
adulto que possuem o autismo. Em todas as leituras realizadas é verificável a discussão sobre
as crianças autistas, o seu comportamento, as típicas características encontradas, a maneira de
como trabalhar essas crianças, mas não citam em nenhum dos artigos o comportamento e a vida
de um adulto autista.
Uma das maiores problemáticas discutidas nos trabalhos analisados referiu-se a questão
social, a forma como esses indivíduos se comportam no mundo. A socialização é primordial
na vida do ser humano, na vida dos autistas as relações sociais requerem uma ajuda de todos,
família, escola e sociedade. Como relatado, o prejuízo na socialização das crianças autistas é um
dos principais desafios para a família, bem como a problematização da inclusão social dessas
pessoas.
Dessa maneira é necessário que pais, profissionais, as instituições de ensino e a própria
sociedade se atentem para o contexto que está sendo vivenciado atualmente. Pensar em ações
inclusivas para com a pessoa com deficiência é imprescindível para a disseminação e consolidação
de práticas de inclusão na sociedade.

Referências

American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM-


5. Porto Alegre: Artmed, 2014.

Klin, Ami. (2006). Autismo e síndrome de Asperger: uma visão geral. Rev Bras Psiquiatr, 28, 53-61.

Maciel, M.M., & FILHO, A.P.G. (2009). Autismo: uma abordagem tamanho família. In: DÍAZ, F.,
et al., Orgs. Educação inclusiva, deficiência e contexto social: questões contemporâneas (pp. 224-
235). Salvador: EDUFBA.

Pinto, R. N. M., Torquato, I. M. B., Collet, N., Reichert, A. P. S., Neto, V. L. S. & Saraiva, A. M.
(2016). Rev Gaúcha Enferm, 37, 1-9.

Souza, J. C., Fraga, L. L., Oliveira, Buchara, M. R., M. S., Straliotto, N. C., Rosário, S. P. & Rezende,
T. M. (2004). Atuação do Psicólogo Frente aos Transtornos Globais do Desenvolvimento Infantil.
PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 24, 24-31.

Sprovieri, M. H. S. & Assumpção Jr, F. B. (2001). Dinâmica familiar de crianças autistas. Arq
Neuropsiquiatr, 59, 230-237.

Zanon, R. B., Backes, B. & Bosa, C. A. (2014). Psicologia: Teoria e Pesquisa, 30, 25-33.

80  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
HOMEM, SEM TRABALHO E SEM RENDA: ESTUDO DE
CASO CLÍNICO SOB O ENFOQUE JUNGUIANO
Ísis Fabiana De Souza Oliveira
Liliana Liviano Wahba

Introdução

O
presente estudo teve como foco o homem financeiramente dependente que não
realiza nenhuma atividade de trabalho remunerado. Na proposta, a escolha pelo
gênero masculino se deu em decorrência da observação, na prática clínica e no
entorno social, de que o homem, mais do que a mulher, sofre pressões sociais para atingir a
independência financeira depois de adulto. Tais expectativas são veiculadas, preponderantemente,
pelo discurso daquele que é o provedor financeiro desse indivíduo, o que suscitou o interesse
em entender melhor qual a percepção daquele que se encontra na posição de dependência
financeira sobre a sua própria situação. Ou seja, quais as representações que o trabalho assume
na psicodinâmica do homem contemporâneo que não trabalha e não tem renda.
Considera-se esse um tema de extrema relevância na atualidade, por provocar novas demandas
clínicas e suscitar uma série de dúvidas, críticas e reflexões, constituindo um estudo merecedor de
atenção, uma vez que há uma escassez de material de pesquisa no Brasil específico sobre esse assunto.
Nessa perspectiva, a pesquisa teve por objetivo geral compreender os significados que o homem que
não trabalha e não tem renda própria atribui a si mesmo e à sua situação. Como objetivos específicos,
pretendeu-se esclarecer os significados do homem que não trabalha e não tem renda própria a respeito
das expectativas sociais referentes ao trabalho e ainda elucidar quais as motivações e fatores de
investimento e/ou desinvestimento para trabalhar do homem que não trabalha.

Método

Caracterização clínica do caso

O presente estudo se caracteriza como uma pesquisa qualitativa, direcionada para o


Estudo de Caso Clínico do participante Rodrigo de 34 anos que, sem trabalho remunerado há
cinco meses, conta com o suporte financeiro da esposa, que é profissional autônoma. O não
exercício de trabalho remunerado devido a doenças, limitação física e/ou psíquica ou invalidez
foi considerado critério de exclusão. O participante é casado, uma filha, técnico de informática,
desligou-se do vínculo empregatício a fim de investir em sua microempresa.

Procedimentos de intervenção

Antes da divulgação da pesquisa para seleção do participante, apresentou-se o Projeto ao


Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para avaliação de
sua conformidade com os critérios da Resolução no 466 de 12 de dezembro de 2012, do Conselho

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 81


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, com a Resolução CNS/MS 510/2016 e com o Regimento
dos Comitês de Ética em Pesquisa da PUC-SP. O Projeto foi aprovado e considerado em sua
relevância social e na concordância do seu método com os critérios de ética e respeito para com
o participante da pesquisa. O participante assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
– TCLE, que informava sobre a utilização do gravador na entrevista e demais procedimentos,
assim como sobre características de sigilo e anonimato do relato coletado, em caso ou não de
publicação da pesquisa realizada.
O instrumento utilizado foi a entrevista de História de Vida, que de acordo com Tinoco
(2004) se trata de um instrumento de investigação que pode ser empregado como Total, na qual
o indivíduo tece um relato generalizado sobre a sua vida, ou como Temático ou Parcelar, em que
o interesse está em extrair da narrativa características específicas da biografia do indivíduo. O
instrumento foi utilizado no presente estudo na forma Temática, especificando para o participante
o tema do trabalho como foco. O autor supracitado pontua que a História de Vida permite
a inclusão das chamadas “perguntas de corte”, que visam manter a narrativa do participante
direcionada ao objetivo da pesquisa.
A entrevista ocorreu por Skype em julho de 2016 com duração de 60 minutos, devido à
indisponibilidade de tempo para o encontro presencial alegada pelo participante. O agendamento
ocorreu por telefone e o TCLE foi enviado em duas cópias assinadas pela pesquisadora para o
e-mail do participante, que os imprimiu, assinou, digitalizou eletronicamente e os reenviou para
o e-mail da pesquisadora.
Na entrevista, mais uma vez foram apresentados os objetivos da pesquisa, explicitado o
procedimento de intervenção e esclarecido possíveis dúvidas. Após esse procedimento inicial,
utilizando o instrumento de História de Vida na forma Temática, a pesquisadora iniciou a etapa
seguinte com a consigna “Conte-me como foi a vivência do trabalho ao longo da sua vida”, seguida
de perguntas de corte que relacionassem a história de vida do participante aos objetivos da
pesquisa. Algumas perguntas de corte pré-definidas para a entrevista foram: “Como você se sente
hoje em relação a não trabalhar? ”, “Qual o valor que você acredita que o trabalho tem na sua
família e entre os seus amigos? ”, “Como você se sente com relação à sua situação de dependência
financeira? ”. As interferências da pesquisadora ocorreram apenas diante da necessidade de um
melhor delineamento da narrativa, visto que o propósito do instrumento era manter o relato do
participante o mais espontâneo possível.
As informações foram coletadas por meio de gravador de áudio. Ao final da entrevista,
explicou-se ao participante que o seu relato gravado seria ouvido exclusivamente pela pesquisadora,
solicitando dele a disponibilidade para um novo contato a fim de esclarecer eventuais dúvidas.
O entrevistado mostrou-se solícito, mas não foi necessário um segundo encontro. Foi proposto
o encaminhamento terapêutico caso o participante sentisse necessidade, mas não houve esse
pedido. Concluiu-se a entrevista com o agradecimento ao participante pelo auxílio voluntário na
pesquisa. A gravação da entrevista foi transcrita digitalmente pela pesquisadora.

Procedimentos de avaliação

Após a leitura livre da entrevista transcrita, o estudo prosseguiu de acordo com a proposta
de análise temática sugerida por Ezzy (2002) de iniciar o trabalho destacando temas e unidades de
significados por discurso e, posteriormente, realizar uma interpretação geral. A análise temática é
apresentada pelo autor como uma leitura da história como um todo, visando não à interpretação
dos fatos, mas dos significados que dão sentido às experiências apresentadas na narrativa. O
autor descreve como uma das etapas desse tipo de análise a identificação de segmentos narrativos,
aqui denominados de temas gerais, que devem emergir espontaneamente da leitura, ou seja, sem

82  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
uma determinação conceitual preexistente. Houve, também, na presente pesquisa, a identificação
de temas gerais derivados de análise dedutiva de conteúdo, a qual envolve conceitos da teoria
utilizada, de forma que os temas gerais foram decupados em um método misto a partir da
narrativa espontânea do participante e de pressupostos teóricos de conteúdo. Em outras palavras,
os temas gerais foram dedutivamente levantados a partir dos pressupostos da pesquisa e também
derivados indutivamente da narrativa. Os temas gerais e subtemas da narrativa foram articulados
com os pressupostos teóricos da Psicologia Analítica e discutidos levando-se em conta objetivos
propostos.
Foram extraídos da narrativa os seguintes temas gerais e subtemas com suas respectivas
descrições:
a) como a sociedade o vê: consideram-se, nesse agrupamento, opiniões que o participante
julga vigentes na sociedade a respeito da situação do homem que não trabalha e não tem
renda. Subtema de destaque: “julgamento da família e da cultura”;
b) cobrança interna e externa: considera-se, nesse agrupamento, a noção de pressão para
buscar trabalho exercida interna ou externamente. Subtemas: “escolha de carreira e cobrança
da sociedade”; “mensuração e avaliação de qualidades”; “precisa estar empregado”;
c) atitude diante do trabalho: consideram-se, nesse agrupamento, as atitudes, entendidas
como uma disposição da psique para agir ou reagir de determinada forma. Subtema: “falta
de recompensa”;
d) expectativa de futuro: consideram-se, nesse agrupamento, as perspectivas vislumbradas
para a mudança da situação atual de estar sem trabalho e sem renda. Subtema: “empenho
na busca de trabalho”.

Resultados

No discurso de Rodrigo, a cobrança está presente como uma pressão externa, atribuída
à sociedade e ao sistema capitalista. Refere que a sociedade “cobra” do indivíduo, desde muito
jovem, a escolha da carreira, o sistema “cobra” que se tenha renda para adquirir coisas, e a família
e a cultura como um todo “cobram” que se trabalhe, a fim de que a personalidade e qualidades
individuais possam ser mensuradas e avaliadas.
Com relação a como a sociedade o vê, Rodrigo percebe um julgamento crítico da família e das
pessoas em geral, endossado pela cultura, por não trabalhar e depender financeiramente da esposa.
Entende como uma visão machista “a priori” da esposa o incômodo dela pela situação de ser a única
provedora do lar, mas pontua que ela “já evoluiu” nesse pensamento ao perceber que os dois atuam
em parceria, um ajudando ao outro. Afirma não se abater com o preconceito sofrido e também não
compartilhar dessa visão, não percebendo a si mesmo como merecedor de críticas.
No que se refere à atitude diante do trabalho, aponta em seu relato já ter enfrentado
dificuldades com seus empregadores ao longo da sua jornada profissional, por isso reforça que
hoje busca realizar um trabalho em que faça “as coisas sozinho”, “por conta”, sem depender
de um chefe. Afirma gostar de trabalhar, mas a falta de recompensa percebida no trabalho o
teria levado a sentir-se desestimulado. Diz que, atualmente, procura adotar uma postura mais
afirmativa, ampliando o conceito de recompensa pelo trabalho para além do financeiro e
contratual. Contudo, ainda não parece ter adotado essa postura, e há indícios de uma atitude
defensiva, como será observado mais adiante.
Quanto ao tema expectativa de futuro, Rodrigo afirma que exerce, no momento, as
atividades necessárias para iniciar o seu novo empreendimento, salientando, conforme será visto
na análise da sua narrativa, entender o empenho na busca de um trabalho como um modo de
trabalhar, apesar de estar sem renda.
A unidade de significado que pode se depreender da análise temática é: “a dificuldade de
receber recompensa pelo trabalho”.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 83


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A narrativa de Rodrigo aponta que a vivência da carreira e do trabalho representa para ele
uma carga dolorosa,5pelo trabalho que exercem, mas não parece ter uma perspectiva mais realista
do que significa se sustentar e adquirir a plena autonomia financeira. Mostra-se empenhado em
montar um negócio para não depender de um chefe, mas se mantém dependente do salário da
esposa. Ou seja, ao buscar sair da situação, ainda se mantém na dependência.
O relato de Rodrigo pode ser entendido à luz da teoria junguiana dos complexos, atribuindo-
lhe o que se pode denominar de complexo de trabalho. Essa leitura justifica-se pela própria
definição de complexo, que envolve dificuldades e feridas que ficam cristalizadas e que, nesse
participante, podem ser relativas a uma possível frustração ligada à falta de recompensa e à carga
sofrida na adolescência, sem que tenha havido uma elaboração suficiente do desapontamento
pelo qual ele passou.

Discussão

Etimologicamente, conforme elucida Albornoz (2002), a palavra trabalho deriva do latim


tripiliare, tripalium, e traz a conotação de esforço e castigo, uma vez que, em sua origem, significa
tanto uma ferramenta para capinar o trigo como para torturar escravos. Barcellos (2012) amplia
o significado etimológico de esforço, castigo e cansaço das palavras relacionadas a trabalho
apresentado por Albornoz (2002), acrescentando que, com a Revolução Industrial, o trabalho se
tornou uma mercadoria em um mundo capitalista que requer produtividade constante. Ou seja,
o campo de sofrimento relacionado ao trabalho, para o autor, perduraria ainda hoje, reforçando
a cisão entre o trabalho e o lazer/prazer.
Mediante uma interpretação psicodinâmica da narrativa de Rodrigo, percebe-se a presença
de um complexo de trabalho correspondente à explanação de Barcellos (2012, p. 12), que utiliza
esse termo ao refletir que “o complexo do trabalho nos envolve sempre, pulsando muitas vezes com
fantasias possivelmente mais trabalhosas, mais complexas e mais inconscientes que as sexuais”.
Hillman (1989) afirma que a ênfase dada ao trabalho apenas como uma atividade econômica
não considera essa atividade como derivada de um fenômeno da psique, que, segundo ele, teria
proximidade ao instinto. Consequentemente, o autor pontua que a psicologia não deu a devida
relevância para o potencial de perturbação e patologização que a vivência do trabalho pode
produzir na psique. Barcellos (2012) afirma que se pode perceber o problema na “imaginação
do trabalho”, e que as fantasias relacionadas a ele fazem parte do imaginário humano, estando
presente nos mitos e contos, como, por exemplo, o da cigarra e a formiga, a foice e o martelo, os
“Doze trabalhos de Hércules”, o mito de Prometeu, os trabalhos de Psiquê e o mito de Hefesto, o
único deus que trabalha.
Em Rodrigo, pode-se identificar a existência de um complexo ligado ao trabalho, mediante
as fantasias arquetípicas de angústia, obrigação, tempo, recompensa, luta, e em razão da menor
presença de fantasias relacionadas a prazer, lazer, vitória, liberdade. A fantasia arquetípica
relacionada ao tempo aparece no relato de Rodrigo de forma supostamente ressentida, quando
ele afirma ter lhe faltado tempo para se dedicar aos estudos que favoreceriam a sua carreira.
Parece considerar o tempo como um algoz que exerce pressão para a produção e competitividade,
e não para as realizações pessoais. Amplificando simbolicamente o tempo como um inimigo que
alimenta o complexo de trabalho em Rodrigo, é possível relacioná-lo com aspectos da figura
mitológica de Cronos-Saturno2 descrita por Hillman (2008) como a do pai devorador que interdita
o desenvolvimento do novo e reprime a espontaneidade. O autor identifica Cronos-Saturno com
o senex, figura arquetípica característica do que é maduro, antigo, organizado, denominado por

2 Na mitologia greco-romana, Cronos-Saturno substituiu o pai Urano, que não permitia que Gaia desse à luz seus
filhos, tornando-se um opressor de igual magnitude ao engolir os filhos por lhes temer o potencial (Hollis, 2008).

84  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ele de Pai Tempo, cuja polaridade é o puer aeternus, o Jovem Eterno, de forma que o aspecto frio
e castrador de Cronos se iguala ao aspecto rígido do senex que reprime a vitalidade da psique.
Nesse sentido, Rodrigo parece ter se aproximado da faceta enrijecida do senex na sua relação com
o trabalho, adotando uma postura defensiva diante desse e se distanciando da característica do
puer que acrescenta fluidez, prazer e inspiração para o novo.
Hollis (2008) considera que as imagens e expectativas que a família e a cultura depositam
sobre os homens lhes causam feridas e mágoas, que ele denomina como “sombra Saturnina”. Tal
sombra tanto pode desorientar o fluxo da energia vital e promover a raiva, quanto pode impulsionar
o indivíduo para o crescimento e a mudança, o que não ocorreu com Rodrigo. Ele parece ter se
mantido cristalizado no ressentimento em relação ao que lhe foi imposto pela família e pela cultura
na sua experiência com o trabalho. Santarém (2008) também aponta o mundo do trabalho como
um espaço para a expressão da natureza arquetípica das relações, afirmando que Cronos, em seu
aspecto tirânico, pode ser representado pelo chefe opressor e abusivo que tolhe a criatividade do
empregado. Rodrigo relata o incômodo sofrido durante toda a sua jornada profissional com a
posição de dependência de um empregador, denotando conflitos nessa relação, o que pode ser
considerado como uma projeção do seu complexo negativo na figura dos chefes, que tolhiam a
sua recompensa apesar dos seus esforços. Essa projeção parece ser também direcionada para o
sistema capitalista, que ele aparentemente culpa por sua dificuldade de crescimento profissional.
De acordo com Jung (1924/1999), o sacrifício como padrão arquetípico faz parte de todos
os processos de transição ao longo da trajetória de vida. Entretanto, quando não é aceito, pode
ser prejudicial para a psique. Nas palavras do autor:

O sacrifício não desejado é catastrófico. O daimon nos faz cair e nos transforma em traidores
de nossos ideais e de nossas melhores convicções, até de nós mesmos, tal como pensávamos
conhecer-nos. A situação é outra se o sacrifício é feito voluntariamente. Neste caso ele não
significa queda, “inversão de todos os valores”, mas transformação e preservação (Jung
1924/1999, par. 553).

Considerando a análise da narrativa de Rodrigo, pode-se perceber que a imposição familiar


para que se iniciasse no mundo do trabalho foi para ele um sacrifício não desejado, não favorecendo
a transformação e o autoconhecimento, como ocorre quando o sacrifício constitui uma escolha
consciente em favor da mudança. Utilizando os preceitos de Barcellos (2012), a imaginação do
trabalho no participante assumiu a característica de obrigação que inconscientemente o limita. De
acordo com Hollis (2008), a posição de vítima perdura enquanto permanecer a inconsciência da
raiva e das mágoas que desorientam a energia vital. Para o autor, é necessária a conscientização do
homem de que nem a sua ferida nem a sua defesa contra o ferimento constituem a sua identidade,
mas é a sua jornada como um todo que o representa.

Conclusão

O tema do trabalho revelou-se em sua complexidade e relevância para a construção da


subjetividade, emergindo como um fator de significação fundamental na percepção do homem
a respeito de si mesmo em seu percurso de vida. A disposição do participante em contribuir para
a pesquisa favoreceu a aplicação do instrumento e o alcance dos objetivos propostos, uma vez
que foi possível compreender os significados que o homem estudado atribui a si mesmo e à sua
situação, incluindo o significado atribuído às expectativas sociais referentes ao trabalho. Estas
incluíram, por exemplo, o julgamento crítico por não trabalhar e ser dependente financeiro da
esposa e a cobrança existente de que o homem, nessa faixa etária de trinta anos, deve não apenas

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 85


NO ONTEXTO BRASILEIRO
estudar, mas estar empregado e independente financeiramente. A respeito do terceiro objetivo,
relacionado aos fatores de investimento e/ou desinvestimento no trabalho, a narrativa compôs
temas abrangendo distintas situações, emoções e motivações, possibilitando que fosse proposta
uma análise sob a teoria dos complexos da Psicologia Analítica. A riqueza de tal análise leva-
nos a recomendar que estudos futuros se dediquem a explorar, em profundidade, os aspectos
psicológicos relacionados ao não trabalhar, visto que as questões ora levantadas vão além das
circunstâncias socioeconômicas que permeiam a sociedade na qual o homem está inserido.
No processo de elaboração do método, cogitou-se como uma possível dificuldade a diferença
de gênero entre pesquisadora e participante, diferença essa que poderia gerar, no participante,
um sentimento de desconforto por ter de expor a sua situação, e inibir o relato livre proposto
pelo instrumento da História de Vida. No entanto, o participante apresentou sua narrativa de
forma espontânea e com foco no tema. Apesar dessa disponibilidade, cabe destacar a dificuldade
de inferir a psicodinâmica do participante a partir do método proposto, principalmente por se
dispor de um único encontro e um único instrumento. Os resultados da pesquisa, apesar de não
permitirem generalizações e de carecerem de investigação mais aprofundada, mostraram que a
análise de narrativa e da História de Vida é relevante para a compreensão da condição de não
trabalhar e do significado atribuído ao trabalho pelo participante.
Um ponto a realçar no âmbito da psicologia clínica é o processo de modulação subjetivada
que se entrelaça às condições ambientais, familiares e circunstanciais na história de cada um com
respeito ao trabalho. Percebe-se que aspirações, motivações e interesses são tanto impulsionadores
como podem adquirir caráter defensivo em razão de vivências conscientes e inconscientes. A noção
de complexo abordada pela Psicologia Analítica pode ser aplicada nesse campo, e a pesquisa
realizada deu indícios de sua pertinência. Confirma-se, portanto, a possibilidade de atuação do
psicólogo clínico no caso de pessoas que atravessam crises laborais, indecisões e dificuldades no
âmbito do trabalho, ainda que pouco conscientes ou atribuídas meramente a fatores externos.
Acompanhar processos e trajetórias, empregando os recursos de processamento simbólico
junguiano, pode ajudar a redefinir metas e a elaborar defesas não conscientes.

Referências

Albornoz, S. (2002). O que é trabalho. São Paulo: Brasiliense.

Barcellos, G. (2012). Psique e imagem: Estudos de psicologia arquetípica. Petrópolis: Vozes.

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Hillman, J. (1989). Entre vistas: Conversas com Laura Pozzo sobre psicoterapia, biografia, amor, alma, sonhos,
trabalho, imaginação e o estado da cultura. São Paulo: Summus.

Hillman, J. (2008). O livro do Puer: Ensaios sobre o arquétipo do Puer Aeternus. São Paulo: Paulus.

Hollis, J. (1997). Sob a sombra de Saturno: A ferida e a cura nos homens. São Paulo: Paulus.

Jung, C. G. (1999) Símbolos da transformação. 1924, OC, v. 5. Petrópolis: Vozes.

Santarém, R. (2008). Nas relações de trabalho. In: Maria Ribeiro Monteiro (org.). Puer-senex:
Dinâmicas relacionais. Petrópolis: Vozes.

Tinoco, R. (2004). Histórias de vida: um método qualitativo da investigação. Psicologia: O portal dos
psicólogos, Portugal. Recuperado de http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0349.pdf.

86  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
NISE DA SILVEIRA MÉTODO E PRÁTICA
Guilherme Augusto Souza Prado

Introdução

O
presente trabalho visa explorar a perspectiva desenvolvida por Nise da Silveira
no campo do cuidado em saúde mental. Embora não seja novidade em termos
cronológicos, entendemos que sua é inovadora e sem dúvida alguma muito potente
nos desdobramentos com que pode ser desenvolvida no âmbito da psicologia brasileira.
Com efeito, para nos acercarmos a um tema tão complexo e repleto de uma variedade imensa
de abordagens como o campo do cuidado em saúde mental, o nome de Nise é incontornável e
por isto, o presente trabalho busca explorar o aspecto inovador de sua abordagem, seu método
e sua prática. Psiquiatra rebelde, nos termos de Ferreira Gullar (1996), ela atua na interface entre
política, sociedade e arte para enfrentar com pioneirismo um problema científico tão difícil quanto
desafiador: investigar como alguns esquizofrênicos – incluindo-se alguns tidos como crônicos –
exprimem suas vivências por meio de formas e imagens harmoniosas e, eventualmente, com valor
artístico. Porém, até o encontro com artistas como Almir Malvignier e Palatinik e críticos como
Pedrosa e Leon Degard e o subsequente reconhecimento do alto valor artístico das obras dos
clientes do Setor de Terapia Ocupacional do Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro, onde
Nise desenvolve seu trabalho inicialmente, ela busca interlocução e apoio na psiquiatria.
Entretanto, mesmo os livros da psiquiatria hegemônica da época – década de 1940 – que
se interessam e se prestam a discutir a produção expressiva de pessoas em sofrimento psíquico,
em sua maior parte se negam veementemente a reconhecer o valor artístico das obras, pinturas
e desenhos dos pacientes considerados doentes mentais, e insistem em procurar nessas pinturas
somente reflexos de sintomas e de ruína psíquica como relatado em Imagens do inconsciente (Silveira,
2015). Tal olhar depreciativo constitui o cânone da psiquiatria manicomial quando opera
tratamentos agressivos contra o paciente, como a lobotomia, o cardiazol, choque insulínico e a
eletroconvulsoterapia, aos quais Nise da Silveira (1992) opunha resistência, sendo considerada
anacrônica, ultrapassada, covarde – tudo o que na realidade de sua coragem e rebeldia, ela não
era.
Portanto, é na contraface destas práticas psiquiátricas cujo fundamento está na submissão,
na coerção e na deterioração do interno do manicômio à autoridade médica – conforme
ilustrado por Michel Foucault (2012) – que a psiquiatra rebelde vai buscar uma nova abordagem.
Tendenciosamente, reforçando suas teorias, os psiquiatras ressaltam na produção plástica dos
esquizofrênicos a ausência de formas orgânicas e figura humana, associando o predomínio
da abstração, da estilização, do geometrismo a processos de desumanização, esfriamento,
desligamento e dissolução do real (Silveira, 2015).
Uma vez que se supõe de antemão as características de embotamento afetivo e ruína da
inteligência aos internos do manicômio, eles são desvalidos de sua humanidade e da realidade

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 87


NO ONTEXTO BRASILEIRO
de seus processos cognitivos e afetivos. Sob este fardo, a eles cabe tão somente a insígnia da
incivilidade e da brutalidade animalesca a ser higienizada, punida e coercitivamente colonizada
– processo do qual decorre a instituição e o nome de lugares como a Colônia Juliano Moreira
– nos procedimentos agressivos que caracterizam a terapêutica psiquiátrica em voga no Brasil
da primeira metade do século passado (Machado, Loureiro, Luz, & Muricy 1978). Com isto,
observamos que enquanto as expressões imagéticas dos internos do Hospital Psiquiátrico são
relegadas ao lugar menosprezado de arte psicótica ou psicopatológica, termos intrinsecamente
fundados em conceitos pré-formados da psiquiatria, esta designação serve, em contrapartida,
para legitimar a própria autoridade médica que, numa operação coercitiva, relaciona os traços do
sofrimento e da doença mental à expressão não-figurativa que aparecem em suas obras.
Perante este cenário aterrador no que condiz ao cuidado em saúde mental sob a lógica
manicomial de submissão é que Nise da Silveira (1992, 2015) faz questão de ressaltar o aspecto
humano dos fenômenos psíquicos considerados anormais, aproximando os processos de criação
artísticos dos processos psíquicos próprios aos inumeráveis estados do ser – palavras de Artaud
com as quais ela chama a loucura, a esquizofrenia, assim como o espectro da psicose e da neurose
tidas como passível de internamento.

Método

Ao enaltecer o aspecto humano das pessoas consideradas doentes mentais, Nise vai
encontrar apoio e suporte para uma outra abordagem acerca do problema do sofrimento
psíquico, sua expressão e cuidado não em seus pares médicos, mas com o reconhecimento do
valor artístico da produção dos clientes do Ateliê de Terapia Ocupacional. Pois a apreciação e a
análise da produção pictórica dos doentes mentais exigem um entendimento mais profundo que
o da psiquiatria de base coercitiva de então, compreensão que ela encontra na interlocução com
a psicologia analítica de C. G. Jung.
A partir da proposta de compreensão do sofrimento e do transtorno psíquico como
resultado do conflito elementar entre os conteúdos arcaicos do inconsciente e a consciência que
estrutura o ego (Jung, 2008) é que nos dispomos a expor um método intrínseco à prática de
cuidado e tratamento que fundamentam a abordagem inovadora que extraímos dos escritos de
Nise da Silveira (1992). Em Imagens do inconsciente, Silveira (2015) pondera que em 1915, durante
a guerra, o célebre pintor Paul Klee afirma que é característico que um mundo em paz seja capaz
de gerar arte realista. Num período conflituoso, contudo, se abandona o mundo real em favor de
outro, que possa permanecer intacto; argumento chave na história da arte. De Worringer (1955)
a Chipp (1996) e a Pedrosa (1949), uma série de críticos e historiadores da arte apontam que os
movimentos modernistas que vêm a legitimar a abstração, o geometrismo, o espontaneísmo –
de modo a valorizar a expressividade outrora considerada expressão simples ou primitiva – são
agitados pela onda de conflitos que assolam a Europa entre o final do século XIX e início do XX,
quando eclodem os movimentos de vanguarda. Entretanto, não é este tipo de conflito que Nise da
Silveira (2015) aponta na encruzilhada entre a produção pictórica e o estado da mente e da alma
dos frequentadores do Ateliê de Terapia Ocupacional.
Para Nise da Silveira (2015), trata-se sobretudo de um conflito psíquico, conflito entre
forças inconscientes e a consciência que estrutura o ego, forças de uma instância desconhecida,
arcaica e profunda que atacam o ego, seus recursos de mediação, percepção e sentido, de modo
a comprometer seus mecanismos de defesa e ação. Tais formações inconscientes, dotadas de
alta carga energética, são capazes de gerar efeitos de desintegração ocasionando a invasão e a
concomitância de realidades distintas, como ela encontra na descrição da esquizofrenia segundo
a psicologia analítica junguiana.

88  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O tumulto causado pela desintegração do ego e a subsequente derrocada de suas funções
que ocorre quando o psiquismo se vê incapaz de suportar as tensões de alguma situação existencial,
de lidar com relacionamentos frustrantes, com o impacto de emoções violentas ou com o trabalho
surdo dos afetos intensos. Nestes casos em que a libido é introvertida e reativa o inconsciente em
suas dimensões mais profundas e arcaicas, “o ego, partido em pedaços, não tem forças para fazer
face à realidade externa nem tampouco consegue controlar a maré montante do inconsciente”
(Silveira, 2015, p. 178). Neste aspecto, Nise enfatiza que embora a psicologia junguiana dê maior
relevo aos fenômenos intrapsíquicos, ela não despreza as situações interpessoais capazes de gerar
grande comoção emocional e mobilizar as profundezas de nosso psiquismo, fazendo com que a
ativação dos conteúdos do inconsciente coletivo busque saídas para os impasses e adversidades
vivenciadas pelo indivíduo, mesmo que atue de forma arcaica e tumultuada.
De maneira sucinta, Silveira (2015) fundamenta seu método contiguamente ao junguiano, que
retoma a definição de Bleuler para a esquizofrenia, caracterizada como cisão das funções psíquicas,
uma cisão interna refletida na produção plástica dos esquizofrênicos com a ruptura e fragmentação
das formas. Esta ruptura é devida à própria distinção e ao tipo de relação compensatória que a
psicologia junguiana presume entre consciência e inconsciente. Esquematicamente, observamos
que os conteúdos e tendências de ambas as instâncias raramente coincidem e, ao passo que o
inconsciente compensa aquilo que a consciência e o ego não conseguem lidar, compensando seus
limites e incapacidades, há uma possível inversão nestes termos, na qual a consciência tende a
compensar aquilo que fica mal-resolvido no limiar do inconsciente com ela.
De fato, Jung (1984, p. 132) descreve uma relação de complementaridade entre ambas as
instâncias em quatro pontos, primeiramente assinalando que “os conteúdos do inconsciente
possuem um valor liminar”. Isto significa que os conteúdos inconscientes assumem um valor de
passagem entre duas instâncias, atuando nos limites entre o que é perceptível, o que é sensível (na
relação consigo e com o mundo) e o que acontece.
Segundo ponto, se o inconsciente assume este papel de passagem e trânsito, a consciência
exerce a função de inibição e censura sobre todo material considerado incompatível de acordo
com as funções dirigidas do ego e da consciência na mediação entre o mundo interno e o exterior.
Consequentemente, o material incompatível mergulha no inconsciente e assim chegamos ao
terceiro ponto. Nele se entende a consciência como um processo momentâneo de adaptação
que conjuga a realidade presente (interna e exteriormente) com o inconsciente, que condensa
não apenas o material esquecido e reprimido pela censura do passado individual, como os
traços funcionais arquetípicos que são herdados e constituem a estrutura filogenética do espírito
humano. Tais formações arquetípicas são consideradas inatas em nossa espécie – ou pelo menos
em nossa cultura – desde a decantação das vivências de nossos antepassados.
Por último, considerando as funções de passagem, mediação e armazenamento do
inconsciente, observa-se que ele contém todas as combinações da fantasia que não encontraram
circunstâncias disparadoras ou favoráveis para ultrapassarem a intensidade liminar desde a qual
os conteúdos inconscientes se traspõem para a consciência.
Destarte, se Jung (2008) considera o inconsciente – em seu individual e coletivo – um
fenômeno natural caracterizado pela produção de símbolos relevantes, podemos compreendê-lo
como polo armazenador que contém virtualmente toda extensão do que é vivível na vida de uma
pessoa. Porém, desde a perspectiva do inconsciente coletivo, ele não se restringe ao que fora vivido
em sua história pessoal, alcançando as vivências que uma pessoa possa vir a ter ou experimentar
virtualmente por meio dos arquétipos, capazes de atualizar na existência de um indivíduo os temas
arcaicos e profundos deste estrato profundo de caráter universal que repousa na imaginação dos
homens (Jung, 1984).
Atuando de maneira condensada desde o que se apresenta como conteúdo dos mitos e
religiões, as formações deste inconsciente coletivo são vivenciadas como algo monstruoso que,
devido à alta carga de afeto e energia, acaba tendo efeitos desintegrativos sobre o indivíduo em
sofrimento psíquico. Partindo de tal concepção para o transtorno psíquico, como decorrente

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 89


NO ONTEXTO BRASILEIRO
da invasão de um agente exterior e estranho ao ego no cerne deste, é que Nise opera uma torção
fundamental, que permite a humanização dos internos do Hospital Psiquiátrico, assim como do
tratamento e do cuidado a eles dispensado.
Para Jung (1984), embora haja distinção entre aquela base inconsciente universal e o
inconsciente pessoal, formado por elementos originariamente conscientes censurados pelo
embate com os termos que estruturam o ego, ambas as dimensões – coletiva e individual – do
inconsciente são vivenciados como algo exterior, não pertencente a si mesmo. Logo, no bojo desta
defasagem, a compulsão, o delírio e os demais sintomas do adoecimento psíquico se manifestam
com a força de um impulso instintivo.
Para o austríaco, a relação complementar entre inconsciente e consciência define a função
transcendental, descrita sobre os quatro pontos acima citados, a partir dos quais entende-se que
o esquizofrênico se encontra inteiramente sob o influxo direto do inconsciente, o que favorece
um contato mais intensivo com os conteúdos arcaicos que constituem a base comum de nosso
psiquismo profundo, formada de conteúdos e experiências afetivas tão intensas quanto arcaicas.
Com efeito, a função transcendental é a instância que opera os estratos mais profundos da psique,
estratos que transcendem, ultrapassam e vão além da superfície do ego e da consciência pessoal
com a qual o indivíduo se identifica e se reconhece nas relações cotidianas ordinárias.
O inconsciente coletivo corresponde, portanto, a esta instância basal, comum à nossa
espécie. Ele é um tecido vivo de disposições inatas que invadem o psiquismo como blocos de
energia afetiva vivenciados como um caos de visões e vozes que possuem o indivíduo ao passo
em que se traduzem numa tendência à configuração de imagens e ações instintivas, calcadas
nos arquétipos que a compõem. Com isto, Silveira (2015) destaca que o tumulto de imagens
arquetípicas que emerge da rede estrutural básica da psique invade e inunda o psiquismo. Com o
mundo interno investido de libido, ele passa a se confundir com o mundo externo pois, uma vez
fragilizado, o ego paulatinamente se torna incapaz de exercer mediação, controle e síntese entre
as fronteiras psíquicas.
Em suma, podemos afirmar que o esquizofrênico vivencia de maneira mais direta a invasão
dos arquétipos do inconsciente coletivo, por isso Jung aconselha Nise da Silveira (2015) a estudar
mitologia como relatado em Imagens do inconsciente. Apoiando-se na psicologia junguiana, ela
reitera a ideia de que no contato com a loucura, nos vemos às voltas com os fundamentos de
nosso próprio ser, pois nela não nos deparamos com nada de novo e desconhecido, uma vez que
ali não se manifesta outra coisa que a própria matriz das questões nas quais toda nossa espécie
se vê engajada.
Com efeito, os arquétipos do inconsciente coletivo – que são matéria prima para os delírios
– têm valor positivo e expressam uma base sadia de nosso psiquismo que reage à confusão
caótica e desorientada. Atentando (sem preconceitos médicos) para as imagens e representações
arquetípicas que emergem das camadas mais profundas da psique em sua formação, pode-se
vislumbrar os fundamentos e o dinamismo próprio da psique, assim como a evidência de que
elas não são problemáticas por si mesmas, não são signos da patologia, mas do ímpeto à saúde
próprio à nossa psique. Isto porque uma vez assimilados e integrados, os arquétipos – que são
necessariamente blocos de imagem e emoção – permitem alargar nossos horizontes e nossa
consciência num processo que acaba por modificar a personalidade do indivíduo. Portanto,
Jung (2008) destaca a atividade natural de simbolização da psique – a que leva à abstração –
como tentativa de reconciliar os elementos opostos que se antagonizam e geram conflitos nela.
Porém, quando a numinosidade dos símbolos – seu valor afetivo dado na força da realidade viva e
dinâmica desde a qual eles realizam as sínteses psíquicas – é obstruída na atividade interpretativa
de assimilação dos arquétipos, o indivíduo cai no caos indiferenciado. Neste processo mórbido,
observa-se a substituição desordenada de imagens (simbólicas e arquetípicas) que acaba por
atacar e desestruturar o ego e a consciência.

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De fato, Nise da Silveira (1992, p.63) percebe nos freqüentadores do ateliê de pintura, “a
existência de uma pulsão configuradora de imagens sobrevivendo mesmo quando a personalidade
estava desagregada”, uma tendência humana à atividade de simbolização, pois o caráter patológico
de cada condição existencial não advém da simples presença destas representações arquetípicas,
mas da dissociação do ego e da pulverização da consciência que os torna incapazes de operar e
controlar o inconsciente, mediando as relações entre ambas as instâncias e o mundo exterior. A
psicopatologia não indica apenas o reflexo destas imagens, antes, ela é signo do comportamento
autônomo desses conteúdos em relação à estruturação básica da psique, contra a qual eles atuam
com a violência que dispõem da alta intensidade energética que os constitui e dispara.
Porém, devido à afetividade intensa e disruptiva que os arquétipos e dramas contêm, nem
sempre eles se manifestam de maneira serena e articulada. Todo arquétipo tem suas manifestações
clara e sombria, seu aspecto positivo e negativo. Constatação que faz com que Silveira (2015)
aponte que a mobilização emotiva destas representações na situação pré-psicóticas, pode
gerar vivências terrificantes ou compensações, de acordo com o caráter manifesto da imagem
arquetípica emergente. O caráter compensatório de tal mobilização sinaliza a articulação sadia
entre os conteúdos inconscientes emergentes e a consciência que media as ações do ego. Assim,
por vezes, frente ao alto grau de crispação da consciência, expressar o que se passa no cerne do
conflito psíquico que caracteriza os inumeráveis estados do ser se torna possível apenas às mãos
que, mesmo na confusão desintegradora do ego, são ainda capazes de fantasia.

Resultados

Uma vez que parte considerável da vivência de irrealidade atribuída à experiência


esquizofrênica é de difícil elaboração e comunicação verbal, tal vivência encontra expressão em
imagens e na produção pictórica que se vê permeada de símbolos. Diferentemente da palavra
escrita ou falada que operam a linguagem denotativa ou dos sinais, que resumem um caminho, os
símbolos correspondem a uma palavra ou imagem que implica algo além do significado manifesto
ou imediato. O símbolo aparece como um termo ou “imagem que pode nos ser familiar na vida
cotidiana, embora possua conotações especiais além de seu significado evidente e convencional”
(Jung, 2008, p. 18). Perante tal aspecto que não é precisamente apreensível, definido ou explicável
pela consciência – diferentemente dos sinais, que se explicam por si –, observamos que o símbolo
implica algo cujo significado pode nos escapar e sua natureza comporta uma significação vaga,
desconhecida ou oculta para nós. Portanto, pode-se conhecer o elemento que simboliza algo, mas
ignorar suas implicações simbólicas. À medida em que os símbolos indicam aquilo que escapa à
razão ordinária, aos instrumentos que nos servem de mediação no dia-a-dia, é que a religião, por
exemplo, se expressa preferencialmente em símbolos e metáforas, visando atuar na profundidade
da psique.
Apesar de tal caráter hermético, os símbolos são produzidos e processados de maneira
espontânea e inconsciente (isto é, de modo que independe de nossa vontade e desejo) em no
psiquismo. Constatação que serve de apoio para a afirmação junguiana de que a mente humana
extrapola a racionalidade consciente. Deste modo, nos casos graves, de muita comoção da vida
psíquica, as imagens expressam o que a linguagem falha, como o espaço estreito de vazio branco e
incomunicável com entorno que pinta Emygdio como relatado no livro Imagens do Inconsciente (Silveira,
2015). Em suas pinturas, a solidão e a tristeza são expressas no isolamento das grades e uma vez que
na experiência psicótica os espaços interno e externo se interpenetram, o amontoado promíscuo de
gente que aparece em uma das pinturas reproduzidas no livro reflete a desordem interna.
Ora, a irrealidade do delírio e das demais manifestações sofridas e patológicas do psiquismo
– em especial identificadas à esquizofrenia – é ocasião precisamente do enraizamento das coisas,

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NO ONTEXTO BRASILEIRO
da vertiginosa proximidade e invasão dos objetos investidos de energia psíquica, por sua vez
liberada pela ocasião de conflito entre as instâncias do inconsciente e da consciência. Ou seja, o
embate entre realidades surge como produto da intrusão de conteúdos inconscientes carregados
de energia psíquica afetiva acarretando num efeito de desintegração na consciência. Assim,
considerando o inquietante conflito entre os conteúdos inconscientes e a consciência que define
a esquizofrenia, Nise da Silveira (2015) aponta que a condição para a abstração na produção
pictórica dos clientes do ateliê de Terapia Ocupacional é a projeção – a priori inconsciente –
de uma forte carga emocional e libidinal investida nos objetos externos. Uma vez investidos de
carga afetiva, os objetos tornam-se inquietantes e autônomos, adquirindo agência sobre, com e a
despeito do ego individual, que se vê, portanto, cindido e fragmentado pelo entrave de realidades
concomitantes decorrente do conflito entre as instâncias psíquicas.
Em síntese, vemos que perante o conflito entre as instâncias psíquicas, há uma descarga
afetiva que é ao mesmo tempo inquietante – uma vez que opera uma discrepância entre realidades
distintas, paralela e simultaneamente vivenciadas– e potencialmente desintegradora, já que pode vir
a atacar o ego e suas funções elementares de ação e mediação. Embora tal conflito seja interior ao
psiquismo, o indivíduo só pode senti-lo como exterior a si mesmo e com isto projeta a inquietação
desintegrante nos objetos externos, sentindo-se por eles diretamente assediado. Entretanto, o
indivíduo não permanece inerte a tal investimento de energia psíquica nos objetos externos que
se voltam contra ele. Há uma série de processos que vão dos mais mórbidos (da catatonia e da
dissociação aguda ilustrada na indiferença do olhar que atravessa) aos mais criativos colocados
em marcha ali. Neste âmbito, Nise, junto a Jung (1984) e Franz (2008), consideram a produção
pictórica abstrata que decorre deste processo um movimento de refluxo, de introversão da libido
investida e aderida nos objetos. Um movimento que acaba despotencializando estes objetos,
tornando-os menos inquietantes.
Portanto, o tipo de inquietação que concerne aos inumeráveis estados do ser tem origem no
conflito entre os conteúdos psíquicos, podendo desembocar no sofrimento dado no entrave entre
realidades contraditórias vivenciadas de maneira simultânea e dolorosa pela pessoa acometida
pela dissociação com que Jung (2008) caracteriza a esquizofrenia. Dissociação que funciona
tornando os objetos monstruosos, ameaçadores, ao passo que desestabiliza e embaralha a
vontade e as funções psicológicas do ego (sensação, sentimento, pensamento e intuição) que
definem as personalidades introvertida e extrovertida na psicologia junguiana. Logo, o colapso
do ego varia em grau de acordo com a gravidade da desintegração da consciência que estrutura o
ego pelos conteúdos inconscientes. Como salientado por Nise da Silveira (2015), tal inquietação,
provinda do contato com o inconsciente coletivo – considerado a base profunda e universal de
nosso psiquismo, constituída de formas arcaicas de representação de motivos mitológicos – é
vivenciada de maneira mais imediata, vívida e atuante nos inumeráveis estados do ser.

Discussão

Por fim, entendemos que o movimento que conduz à expressão abstrata corresponde a
uma atitude de introversão, na qual o indivíduo projeta sua difícil relação consigo – dada no
embate entre os conteúdos inconscientes invasores e o ego – no objeto exterior. Movimento que
exprime uma tentativa de autorregulação sob o aspecto de tendência ao lúdico, onde as formas
adquirem vida própria, transformando-se multiplamente. Por um lado, a tendência da psique à
autorregulação é expressa pela função criadora de símbolos, que mobiliza uma energia psíquica
primitiva para dispor de uma consciência que Jung (2008) considera mais avançada ou esclarecida,
expressa numa mente arcaica comum a todo homem. Por outro, a fim de fundamentar seu
argumento, Nise recorre à tese de Worringer (1955), segundo a qual o sentimento estético se move

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entre os polos da necessidade de empatia e de abstração, cada qual mobilizada de acordo com
distintas relações entre a pessoa e o cosmos. Destarte, a empatia surge como pressuposto básico
da experiência estética e articula o mundo orgânico com uma atitude de extroversão projetando
os bons sentimentos que tem consigo no objeto. Já a tendência à abstração é mobilizada quando
o cosmos e os fenômenos do mundo externo infundem medo provocando confusão e inquietação
interior. Ambas, empatia e abstração, funcionam por projeção e são necessárias para a apreciação
e a criação estéticas. Do cerne deste jogo – que não raro adquire os tons de um redemoinho
perturbador – entre o indivíduo e o mundo exterior é que a arte ganha corpo. Pois ela retira as
coisas de suas manifestações vitais instáveis para coloca-las sob leis permanentes, do tipo que
regem o mundo inorgânico, num movimento que nos permite compreender como a estilização e
a abstração sejam buscadas como ponto de refúgio e tranquilidade.
Deste modo, podemos observar a torção paradigmática, ressaltada por Silveira (2015) na
primeira metade da obra Imagens do inconsciente, que aproxima a loucura da arte, tida como a mais
alta atividade humana como uma pista que marca sua abordagem: ao enaltecer o aspecto humano
do sofrimento psíquico em correlação com a produção pictórica de pessoas consideradas doentes
mentais, o aspecto médico do problema toca o artístico através da terapêutica. No bojo desta
torção, as expressões inorgânicas abstratas, geometrizadas e estilizadas que foram consideradas
signos da inferioridade, do caráter mórbido, intratável e animalesco das pessoas consideradas
doentes mentais são positivadas e ressignificadas no contexto da vanguarda das artes plásticas
no século XX.
Ora, se a psiquiatra rebelde não encontrava interlocução com seus colegas médicos, na
teoria e na terapêutica psiquiátrica em voga primeira metade do século passado – à medida em
que estes se restringem a técnicas que decaem facilmente ao patamar da coerção e da punição –,
vemos que antes de tudo é o meio artístico que acolhe o aspecto único e singularmente valioso da
pintura dos esquizofrênicos.
Na época, curador do Museu de Arte de São Paulo, o crítico belga Leon Degard, ressalta o
valor estético das obras dos artistas do Engenho de Dentro, ao passo que Mário Pedrosa (1949)
destaca sua modernidade na contravenção das convenções acadêmicas, da visão naturalista
e fotográfica receitadas nas escolas (Arantes, 1991). Assim sendo, aquelas expressões outrora
associadas por psiquiatras ao embotamento afetivo e à incapacidade intelectual passa a ocupar
um lugar reconhecidamente de valor naquilo que Silveira (2015) talvez considere a mais elevada
manifestação humana: a arte.
Alçar a arte como a mais alta atividade humana fundamenta o argumento de Nise da Silveira
(1992) que enaltece a dignidade do trabalho. Mesmo quando se depara com a dura questão
sobre as dificuldades e a efetividade do tratamento com esquizofrênicos e sobre a imutabilidade
da condição humana, e especialmente daquela cronificada em doença mental, ela diz que o
tratamento parte sobretudo de se aceitar e promover a dignidade do trabalho. Pois o trabalho não
é algo (necessariamente) servil, mas uma atividade capaz de exprimir a alma da pessoa. Torção
que faz passar de uma visão coercitiva, desumanizadora e de submissão à autoridade médica a
uma verdadeira reforma no modo de compreender e de pautar a política de assistência e cuidado
em saúde mental.
À medida que a expressão pictórica – por vezes abstrata e estilizada – dos clientes do Ateliê
de Terapia Ocupacional manifesta simbolicamente os temas profundos e arcaicos que surgem
do conflito entre as instâncias psíquicas, o método junguiano auxilia Nise a fundamentar sua
abordagem e sua prática numa visão que torna política, sociedade e arte indissociáveis na visão
de Ferreira Gullar (1996). Destarte, o método, a abordagem e a prática da psiquiatra rebelde
confluem para transformar a política de assistência manicomial contiguamente à mentalidade de
parcela da população e dos profissionais acerca da natureza, do funcionamento e do tratamento

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 93


NO ONTEXTO BRASILEIRO
do sofrimento e dos transtornos mentais desde a interlocução do trabalho desenvolvido no Setor
de Terapia Ocupacional do Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro com o mundo artístico.
Uma vez que a abstração deixa de ser considerada como manifestação de morbidade, do
caráter animalesco e desumano da doença para ser entendida como procedimento criativo, signo
da tendência à autorregulação e do ímpeto à saúde próprio ao psiquismo, pode-se depreender
uma reestruturação da organização e da política de assistência com a valorização das atividades
expressivas. Em tempo, a expressividade deixa de ser mero reflexo da condição deficitária ou
confirmação da ruína suposta no transtorno psíquico e passa a ser eixo central de um tratamento
humanizado, que leva em conta o contexto de produção, o apoio afetivo e o ambiente acolhedor
capazes de dar continência aos internos, acolher suas dores, silêncios, ritmos, ao mesmo tempo
em que estimula a expressão, como podemos conferir nos escritos de Silveira (1992, 2015).
Seguindo esta linha, ela nota que embora boa parte dos frequentadores do ateliê tivessem uma
vida aparentemente inativa de reduzida atividades nos pátios, corredores e demais instalações do
hospital, ali, ela se impressiona – em termos de quantidade e da qualidade do material produzido
– com a criatividade que pulsa na expressividade forte e pungente.
De fato, a criatividade opera na psique como catalisador das relações entre opostos,
aproximando-os de modo que elementos dispares e conflitantes próprios às sensações, às
emoções, à intuição e ao pensamento – as quatro funções estruturantes do ego – são levados a
se reconhecerem e a se associarem entre si, propiciando que mesmo os mais arraigados tumultos
internos adquiram forma expressiva, por vezes consideradas formas harmônicas, complexas e belas
(Silveira, 2015). Esta expressão harmoniosa emerge como problema científico desde onde Nise
pauta seu método: partir da produção de imagens, encontrando nesta atividade uma maneira de
se comunicar com o cliente, ao passo em que considera a vivência de sua realidade específica para
fazer a leitura do que está sendo pintado e modelado e deste modo adentrar no mundo interior
da pessoa. Com isto, Frayze-Pereira (1995, p.106) salienta que a leitura da obra é “trabalho, e não
deciframento, é instauração do sentido, e não mero desvendamento de um significado que se crê
já depositado em si mesmo na obra”, pois Nise se atenta aos processos de criação. Ao passo que
os psiquiatras viam somente as obras já feitas, os produtos decantados, signos da patologia, ela
visa acessar a dimensão processual, infinitiva do ato de pintar, da atividade de formalização de
conteúdos inconscientes na qual a obra é irredutível às condições atuais daquele que a produz e
ao conhecimento que dela se vem a ter.
Tendo em vista que o esquizofrênico mal consegue comunicar sua experiência ao outro
através dos meios habituais, a finalidade de seu método consiste em ajudá-lo a entender os
conteúdos arcaicos e primitivos que invadem a psique guiando-o numa elaboração – não raro
difícil e sofrida – desse material na qualidade de linguagem simbólica. Uma vez realocando os
conteúdos e temas arcaicos na esfera do simbólico, pode-se efetuar sua ressignificação da sua
vivência não como realidade concreta ou como invasão do real, tal qual eles experienciam,
mas como material de trabalho e expressão da alma. Portanto, se a expressão em imagens é
capaz de efetuar a significação da experiência, é através da expressividade que Silveira (2015)
propõe atividades capazes de estimular o fortalecimento do ego dos usuários e a subsequente e
progressiva ampliação do relacionamento com o meio social. Tendo estes dois objetivos básicos
como horizonte é que a psiquiatra rebelde encontra nas atividades expressivas um meio de abordar
e tratar o sujeito e o conflito psíquico por vezes inominável e incomunicável.

Conclusão

Por fim, podemos conferir que os aspectos de intrusão e desintegração que caracterizam o
que é considerado patologia, transtorno e sofrimento psíquico são um contraponto à concepção

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de psiquismo como um sistema vivo que podemos extrair dos livros de Nise da Silveira (1992,
2015). Sistema cujo dinamismo próprio tende à autorregulação e se orienta para a saúde e a
autocura e desemboca num método de leitura que vai do psíquico ao artístico extrapolando o
que se poderia identificar coma uma psicopatologia para alcançar os mecanismos de constituição
psíquica e a própria vontade de formar o mundo, num ponto em que coincidem os laços entre
a psicologia profunda, a lógica da criatividade e a base profunda universal da psique (Frayze-
Pereira, 1995).
Partindo da comunicação e do acesso – mediante linguagem simbólica não-verbal – à
vivência da pessoa em sofrimento psíquico, Nise busca realizar os contornos da experiência,
auxiliando-os na luta por uma existência menos sofrida. Os contornos, dados desde a dinâmica
dos conflitos expressos nos símbolos (imagens carregadas de afeto), devem auxiliar a restabelecer
o ego e as relações de mediação e socialização dependentes dele ao passo em que favorecem
o desenvolvimento das “sementes criativas inerentes” (Silveira, 2015, p. 110), enaltecendo o
potencial de simbolização e produção de vida.
Logo, a reabilitação psicossocial colocada em marcha no tratamento depreende uma prática
inovadora efetivada mediante duas condições: a tendência do psiquismo à instauração de meios
de autorregulação e autocura impulsionadas, por sua vez pela mediação do cuidado através do
que Nise chama de afeto catalizador.
No que concerne ao ímpeto de autorregulação e saúde próprio da psique, o acompanhamento
dos ateliês de pintura e modelagem proporcionou a Nise uma maior compreensão do dinamismo
psíquico presente na esquizofrenia, assim como da tendência humana ao simbolismo. Tendência
que ela encontra especialmente na produção espontânea das mandalas, que indica, por usa vez
uma disposição inconsciente a compensar o caos interior e na busca de um ponto central na
psique como tentativa de reconstruir a personalidade dividida. Ao mesmo tempo em que esta
tendência apresenta uma face que visa de restabelecimento de uma ordem, pulsa nela ainda um
propósito criador, que leva a dar forma e expressão a algo de novo e único que ainda não existe.
Por fim, a prática de cuidado pautada por Nise da Silveira (2015) depreende que se faça
do ateliê um ambiente de acolhedor com clima de liberdade e sem coação, no qual, por meio
de diversas atividades, os sintomas pudessem encontrar oportunidade para sua expressão. Para
construir este espaço significativo, desencadeador de aproximações e disparadores do processo de
criação ela investe na formação de monitores. Sua presença constante no ateliê não visa interferir
nos trabalhos dos clientes, mas ofertar um afeto catalisador capaz de estimular a criatividade e
restaurar os meios de comunicação com o mundo ao redor. A eficácia do tratamento depende da
presença de um ponto de apoio com o qual o paciente pode fazer trocas de investimento afetivo.
Assim, a presença dos monitores visa dar continência às experiências, para não apressar as coisas,
acolhendo dores, silêncios, ritmos, e, ao mesmo tempo, estimulando a expressão e processos de
criação, que se desenvolvem apenas mediante o suporte do afeto. Neste ponto em que o suporte
afetivo funciona como um disparador do processo de cura é que se tocam o método analítico,
a abordagem humana e a prática radical e acolhedora de Nise da Silveira. Ponto no qual se
diminui a importância da função diagnóstica – base da ideia de arte patológica e dos tratamentos
desumanos coercitivos – em prol da experimentação, da invenção, da criatividade, do afeto e do
cuidado através dos quais o tratamento se volta para compreensão da vivência e construção de
passagens para a autonomia dos usuários dos sistemas de saúde mental.

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NO ONTEXTO BRASILEIRO
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96  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EFEITO PLACEBO, EFEITO NOCEBO E PSICOTERAPIA
Davi De Sousa Araujo
Andréia De Medeiros Cunha
Amanda Maria Galeno Brito
Dandara Savina Fernandes do Carmo
Cíntia Pereira de Araujo
Khalina Assunção Bezerra

Introdução

P
ercebe-se na atualidade que a sociedade está cada vez mais condicionada ao uso
excessivo de medicamentos e diagnósticos, simplificando ou justificando tudo a
psicopatologias. Ainda percebe-se também a recorrência de processos de adoecimento
e cura ligados à relação mente-corpo, conferindo ao indivíduo potencialidades sobre suas próprias
condições de saúde. Nesse contexto, a psicoterapia atua como estratégia de enfrentamento e
melhoria da qualidade de vida.
A palavra Placebo é originada do latim e significa “agradar”, podendo ser considerado algo
que não possui valor medicinal ou atividade farmacológica (Furnham, 2015). Para Epstein (2010),
tal termologia é o nome dado para caracterizar o poder da mente no processo de auto cura do
corpo sem um notório intermédio físico. Conforme Furnham (2015), o uso do Placebo associado
ao cenário médico ortodoxo resultou no alívio de sintomas de variadas doenças como a asma, o
câncer, o mal de Parkinson, a esquizofrenia, a epilepsia, dentre outras.
Balestieri (2009) ainda contribui ao relatar que o efeito Placebo não está restrito apenas aos
medicamentos inertes, mas também nas cirurgias brancas ou sham (intervenção cirúrgica falsa),
em recursos terapêuticos psicológicos e demais tipos de tratamento que resultam na cura, como
a fé colocada em seres supremos, Jesus Cristo, Buda, santos, curandeiros e até mesmo em si
próprio. Quando utilizado em um simulacro cirúrgico, por exemplo, o efeito Placebo age de forma
específica e dependendo das indicações fornecidas ao paciente, pode gerar efeitos opostos que
levam ao agravo dos sintomas, ou melhor, ao efeito Nocebo que consiste na manifestação de
emoções negativas.
O efeito Nocebo tem um forte componente psicológico no desenvolvimento de patologias
físicas, assim como acontece com as doenças psicossomáticas, que são conceituadas como
qualquer desordem somática originada de um determinismo psicológico que está presente na
gênese da doença. O princípio atual da psicossomática envolve a unidade básica do organismo
do indivíduo e a hierarquia progressiva das funções e organização (Capitão & Carvalho, 2006).
De acordo com Yoshida (1998), no contexto histórico da psicoterapia foram encontradas
evidências de que as psicoterapias são: efetivas, mais eficientes do que a falta de terapia, o
resultado benéfico persiste por um extenso tempo e independente da teoria usada, sua aplicação
é eficiente na realização de mudanças. Dessa forma, acredita-se que por meio da utilização da
psicoterapia é possível diminuir os efeitos do Nocebo.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 97


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Certamente, em algum momento da vida, as pessoas, leigas ou profissionais da saúde, podem
questionar-se sobre a capacidade que a mente humana tem de desenvolver algo, relacionando tal
ato com o conceito de efeito Placebo e efeito Nocebo. Com base nesse questionamento, pensou-
se: Seria possível através da mente humana desenvolver uma doença e da mesma forma amenizar
ou até mesmo curar o que antes era considerado patológico pela própria mente humana?
A fim de analisar o questionamento supracitado, levantaram-se alguns posicionamentos
hipotéticos, como: (1) Existem reações do organismo em relação à manifestação dos efeitos Placebo
e Nocebo; (2) As psicoterapias são modalidades de tratamento que utilizam o efeito Placebo
como estratégia de intervenção terapêutica de diversas doenças; (3) As doenças psicossomáticas
são manifestações de efeitos colaterais do Placebo, que consistem no efeito Nocebo. Dessa forma,
o objetivo geral desse estudo é compreender o efeito Placebo nas psicoterapias e o efeito Nocebo
e sua influência no desenvolvimento de doenças psicossomáticas.
Justifica-se a importância desse estudo, tendo em vista a influência da colaboração e as
expectativas do paciente no que se refere ao tratamento, bem como a relação de confiança
terapeuta-paciente, fazendo-se necessário compreender os processos relacionados com a
interação mente-corpo. A atuação do psicólogo nesse contexto é contribuir para que o paciente
reconheça suas capacidades ativas de interferir mentalmente no processo de adoecimento ou
cura, ampliando suas perspectivas.
Para elucidar esses apontamentos, Cerchiari (2000) indica que as doenças ou transtornos
psicossomáticos são originados por causas psicológicas levando a danos físicos. Como forma de
comprovar o aumento de casos de pessoas com transtornos psicológicos, citar-se-á exemplos de
pesquisas acerca do transtorno de depressão que pode levar, em último caso, ao suicídio.
Conforme a Organização Mundial da saúde (OMS), entre os anos de 2005 e 2015, cerca
de 322 milhões de pessoas pelo mundo sofriam de depressão. Só no Brasil, esse problema afetou
cerca de 11,5 milhões de brasileiros, totalizando 5,8% da população (Nações Unidas no Brasil
[ONUBR], 2017).
Segundo estudos realizados por Barbosa, Macedo e Silveira (2011), a literatura relata que a
associação entre suicídio e transtornos mentais ultrapassa os 90%, e dentre eles, a depressão tem
maior destaque. Dessa forma, observa-se que os índices mundiais e brasileiros de transtornos mentais
e psicossomáticos têm impactos sociais alarmantes, levando inclusive ao extremo do suicídio. O
estudo científico do Placebo e seu uso através das psicoterapias, bem como sua influência sobre o
efeito Nocebo pode contribuir para o melhoramento desses índices, sendo de extrema importância
para compreender e agregar novos conhecimentos sobre a capacidade mental.
Tendo em vista o que foi exposto, o presente artigo apresentará posteriormente um método
de delineamento do estudo e segue com análise e as discussões dos dados, findando com as
considerações finais.

Método

Este trabalho consiste em uma pesquisa de revisão sistemática de literatura, que segundo Gil
(2010), se caracteriza por suprimir dúvidas a partir de pesquisas em documentos (artigos, jornais,
periódicos, revistas, teses, dissertações), implicando no esclarecimento das pressuposições teóricas
que fundamentam a pesquisa e nas contribuições proporcionadas por estudos já realizados com
uma discussão crítica.
Para Silva e Menezes (2005) as contribuições da revisão de literatura são no sentido de obter
informações sobre a situação atual do tema ou problema pesquisado; conhecer as publicações
existentes sobre o assunto e os aspectos que já foram abordados; e verificar as opiniões equivalentes
e discrepantes, além dos aspectos relacionados ao tema ou ao problema de pesquisa.

98  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Realizou-se esta pesquisa com base em 05 artigos científicos pesquisados nos seguintes
bancos de dados: SCIELO (Scientific Eletronic Library Online), Pepsic e SOBRAPE (Sociedade
Brasileira de Periodontologia), dos últimos 05 anos, nas línguas portuguesa e espanhola. Os
descritores utilizados foram: Placebo, Nocebo, psicoterapia e psicossomática; com o propósito
de delimitar o tema e focar nos processos pré-estipulados.
O objetivo deste trabalho trata-se de um criterioso levantamento e discussões em torno da
problemática atual relacionada ao tema, na busca do melhor entendimento sobre o processo de
auto cura através do poder da mente conhecido como Placebo por intermédio da psicoterapia.
Além disso, busca-se estudar e analisar o entendimento sobre as doenças psicossomáticas
como sendo efeitos colaterais do Placebo, ou mais especificamente o Nocebo. Como critério de
inclusão utilizou-se o ano de publicação e os descritores mencionados referentes ao tema. Os
critérios de exclusão foram baseados nos textos que tratavam do assunto a partir de outro prisma,
diferente da modalidade artigo científico. De acordo com a resolução de nº 510/2016, que trata
da necessidade de submissão de estudos ao Comitê de Ética em Pesquisa (Conselho Nacional de
Saúde [CNS], 2016), as revisões de literatura não demandam esse procedimento.

Resultados

Para a obtenção dos dados, inicialmente foram selecionados trabalhos que se relacionavam
amplamente à temática escolhida. Em seguida, foram excluídas as publicações classificadas
como comentários, resenhas, dissertações e teses, mantendo somente publicações em revistas e
artigos científicos publicados, por contemplarem especificamente, os descritores selecionados.
Observou-se a temática do estudo, de acordo com cada título e conjunto de palavras-chave para
a escolha das publicações, com o intuito de confirmar se concentravam as perguntas norteadoras
desta investigação e se atendiam aos critérios de inclusão e exclusão pré-estabelecidos. Ao
todo foi selecionado um total de 05 artigos científicos publicados nos últimos 05 anos, ligados
a temática da pesquisa. Finalmente os artigos escolhidos foram organizados por data de
publicação e apresentados segundo os objetivos deste trabalho, tratando desde Placebo, Nocebo,
psicossomática e psicoterapia.

Tabela 1
Classificação do acervo selecionados de acordo com título, autores, revista, ano, resumo

Título Autores Revista/Ano Resumo


Priming, Teixeira e Revista O objetivo do artigo foi realizar uma revisão sistemática
mindfulness e Palmeira Andaluza de da literatura, visando associar a saúde, a prática de
efeito Placebo. Medicina del exercício e atividade física com o priming, mindfulness e o
Associação Deporte/ efeito Placebo. Para isso, foram realizadas pesquisas na
com a saúde, 2013 Psycinfo e Pubmed que envolvessem a prática do exercício
exercício físico e e atividade física no geral, a influência de intervenções
atividade física ligadas ao primining, mindfulnesse por fim, investigações
não programada. envolvendo o efeito Placebo na saúde dos indivíduos. Para
Uma revisão chegar aos resultados, analisaram-se quatro estudos,
sistemática da pelos quais se observou que apesar das limitações, existem
literatura confirmações que os processos psicológicos como o
priming possivelmente influenciam em aspectos envolvendo
tarefas motoras, resultando em benefícios na estruturação
corporal e pressão arterial por intermédio do efeito
Placebo. Conclui-se que o efeito placebo juntamente com
os exercícios é um elemento essencial para a obtenção de
resultados benéficos na saúde, auxiliando na composição
corporal, pressão arterial e vantagens psicológicas. Além
disso, o priming e o mindulness possivelmente potencializam
o efeito Placebo.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 99


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Percepções e Assis, Aletheia/ O objetivo do artigo foi compreender as concepções e
práticas sobre Barbosa, 2013 práticas acerca da psicossomática em especialistas da
psicossomática Diniz, área da saúde das cidades de Cacoal e Nova Brasilândia/
em profissionais Santana, RO. A amostra contou com 08 profissionais da saúde,
de saúde de Moreira, uso da pesquisa qualitativa, coleta de dados através
Cacoal e Nova Oliveira e de entrevistas semiestruturadas envolvendo Análise
Brasilândia/RO Lima de Conteúdo (contendo as categorias: corpo-mente,
formação e conhecimento sobre psicossomática), prático
e recurso terapêutico em psicossomática. Os especialistas
reconheceram a ligação entre mente/psíquico e corpo,
conhecimento acerca da psicossomática, porém,
percebeu-se baixa relação profissional no aspecto
da interdisciplinaridade. Compreendeu-se que o
psicólogo contribui de modo estratégico no fenômeno
psicossomático.
Efeito Nocebo e Almeida Revista O objetivo do artigo foi refletir as maneiras pelas quais
consentimento Bioética/ são fornecidas as informações ao paciente sobre os efeitos
informado 2014 colaterais de fármacos na área da oftalmologia, propondo
contextualizado: o diálogo mais profundo para a melhor compreensão,
reflexões sobre tendo o intuito de aproximar o entendimento do paciente
aplicação em dos possíveis efeitos negativos. As análises foram feitas por
oftalmologia meio de levantamentos bibliográficos, observando alguns
aspectos como as questões éticas e a relação médico-
paciente. Concluiu-se que o modo que a informação
é transmitida para o paciente é a chave para melhor
compreensão dos efeitos adversos ou Nocebo, e em relação
ao médico, o mesmo não deve esconder conhecimentos e
sim os apresentar de maneira diversificada, mantendo a
ética, respeito e boa relação com o paciente.
Considerações Alencar e Revista O artigo se trata de uma revisão de literatura que teve por
atuais sobre o Cortelli Periodontia/ objetivo compreender sobre o efeito Placebo e seu uso
uso do efeito 2014 nos tratamentos envolvendo a medicina e odontologia,
Placebo: uma visando os benefícios para o paciente. Para sua elaboração
revisão de foram realizadas pesquisas nas bases de dados Bireme
literatura e Pubmed, usando as palavras-chaves: odontologia,
Placebo e efeito Placebo. Os artigos utilizados foram os
originais que abrangeram revisões, revisões sistemáticas,
ensaios clínicos e estudos prospectivos. Concluiu-se que
existe interesse na compreensão desse assunto, resultando
em um progresso cientifico em ensaios clínicos.
El cliente en Morejón Anales de O objetivo do artigo foi demonstrar por meio de evidências
psicoterapia: Psicología/ empíricas que a psicoterapia vai além do terapeuta e suas
contribuiciónal 2016 técnicas, envolvendo também a contribuição dos clientes.
resultado Foram analisadas pesquisas pelo quais relatam que os
terapéutico clientes são os próprios consequentes dos resultados dos
tratamentos. Para tal analise foi preciso apresentar dois
dados: a) os que demonstram que os indivíduos encaram
problemas sem auxilio: pesquisas envolvendo resiliência,
a recuperação espontânea, e o efeito Placebo; e b) os
que atestam que os usuários de psicoterapia são ativos
no decorrer do tratamento. Concluiu-se que os clientes
têm a capacidade de mudar e de agirem de modo ativo no
decorrer das terapias, e mesmo que não façam uso dessa
última característica, os mesmos as possuem.

Discussão

Conforme o que foi observado na tabela 1, um dos artigos examinados foi o “Priming,
mindfulness e efeito Placebo. Associação com a saúde, exercício e atividade física não programada.

100  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Uma revisão sistemática da literatura” dos autores Teixeira e Palmeira (2013), no qual visaram
responder um dos questionamentos desse artigo: Seria possível através da mente humana
desenvolver uma doença e da mesma forma amenizar ou até mesmo curar o que antes era
considerado patológico pelo próprio homem? De acordo com os autores há argumentos de que o
efeito Placebo é o efeito psicológico ou psicofisiológico gerado pelo Placebo.
Outra teoria citada no mesmo estudo envolve três aspectos explicativos referentes ao efeito
placebo: as endorfinas, as catecolaminas, o cortisol, e a Psicoimunoneurologia, sendo que todos
esses estão relacionados com as modificações de sintomas corporais, conhecidos também pelo
envolvimento íntimo das condições emocionais e cognitivas do sujeito. Os mesmos autores ainda
relatam que o efeito Placebo não está limitado apenas aos tratamentos físicos ou farmacológicos,
podendo abranger qualquer exemplo de terapia associada à conversa, como a psicoterapia e
a psicanalise. Dessa forma, o primeiro artigo em partes vai ao encontro da primeira hipótese:
existem reações do organismo em relação à manifestação dos efeitos Placebo e Nocebo.
Além disso, o primeiro artigo ao relatar que o efeito Placebo pode ser uma psicoterapia,
acaba validando a segunda hipótese: As psicoterapias são modalidades de tratamento que
utilizam Placebos como estratégia de intervenção para a cura de diversas doenças. Nesse contexto,
compreende-se que a psicoterapia em si poderia ser o Placebo pelo qual o cliente cria expectativas,
podendo causar benefícios tanto quanto a fé nas pílulas inertes.
O segundo artigo cujo título é “Percepções e práticas sobre psicossomática em profissionais
de saúde de Cacoal e Nova Brasilândia/RO” dos autores Assis et al. (2013), explana sobre a
interação entre mente/psíquico e corpo envolvendo a psicossomática que possivelmente resulta
em doenças derivadas do mal funcionamento da interação citada. Conforme os autores, a
psicossomática envolve a influência da mente/psiquismo sobre o corpo, ou melhor, elementos
de origem psíquica como as emoções, o estresse e aspectos emocionais mal administrados que
refletem no corpo orgânico, contribuindo para sintomas que os exames não conseguem detectar.
Dessa forma, ocorre a junção corpo e mente (psique e soma), onde a mente seria encarregada das
atribuições cognitivas e/ou emocionais e o corpo, a organização física. O organismo em meio a
isso se contrapõe constantemente entre a emergência e a afluência de alterações e a necessidade
de desengatilhá-las, utilizando alguns meios como a via orgânica. Tendo em vista o que foi exposto
no segundo artigo citado, é possível compreender que o mesmo também valida a primeira hipótese
do presente artigo ao relatar que existem reações do organismo em relação à manifestação do
efeito Nocebo.
O terceiro artigo selecionado foi o “Efeito Nocebo e consentimento informado
contextualizado: reflexões sobre aplicação em oftalmologia” do autor Almeida (2014). O texto
enfatiza a conscientização do paciente sobre possíveis efeitos adversos no organismo causado
pelos fármacos utilizados nos tratamentos. Dependendo da forma que é dialogado sobre isso,
pode originar desconforto causando o efeito Nocebo. Por consequência disso, a relação entre
o médico e paciente é de extrema importância. Tendo em vista que o profissional deve estar
devidamente preparado para abordar as informações sem deixar de lado os princípios éticos. O
autor discorre que os efeitos adversos ligados ao Nocebo não abrangem sintomas muito sérios,
pois são os mesmos encontrados em indivíduos considerados saudáveis que não fazem o uso de
medicamentos. Esses sintomas não sérios seriam a náusea, a fadiga, a insônia, entre outros.
O artigo do autor Almeida (2014) também contribui para a compreensão da primeira
hipótese ao abordar sobre as manifestações do Nocebo no organismo. Nesse contexto percebe-se
que efeitos colaterais do organismo podem ser manifestados através do contato do profissional
para com o paciente. Como elencando por Teixeira e Palmeira (2013), a psicoterapia como efeito
Placebo é algo benéfico para a saúde. Dessa forma, deduzisse que a psicoterapia como espaço
de psicoeducação contribui para a diminuição de tais efeitos colaterais, ou melhor, do efeito

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 101


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Nocebo causados pela própria influência negativa do paciente ou de sua relação prejudicada
com o profissional, mudando assim, o contexto da situação fazendo com que o indivíduo auxilie
positivamente no seu tratamento.
Dando continuidade às analises, o quarto artigo de titulação “Considerações atuais sobre o
uso do efeito Placebo: uma revisão de literatura” dos autores Alencar e Cortelli (2014), o Placebo
é considerado uma substância inerte, pelo fato de não envolver qualquer intermédio medicinal ou
terapêutico já confirmado, e apesar disso, age sobre o indivíduo manifestando reações positivas
(efeito Placebo) e/ou reações adversas, denominada efeito Nocebo que está inteiramente ligado
às expectativas negativas do indivíduo. Outro ponto relatado foi à importância das expectativas
do paciente para o melhor resultado do tratamento com Placebo e a relação médico-paciente.
Levando em consideração que o efeito Nocebo possui as mesmas características das doenças
psicossomáticas, o quarto artigo selecionado condiz com a terceira hipótese: As doenças
psicossomáticas são manifestações de efeitos colaterais do Placebo, que consistem no efeito
Nocebo.
Por fim o artigo “El cliente en psicoterapia: contribuiciónal resultado terapêutico” do autor Morejón
(2016), aborda que existem diversas teorias para explicar o sucesso da psicoterapia, umas
delas propõe que o benefício pode ser resultado de quatro variáveis, dentre elas encontra-se o
Placebo e as expectativas sobre ele. Outro relato abordado demonstra que tratamentos usando
Placebo resultam em mudanças psicológicas significativas comparadas com nenhum tratamento,
podendo confirmar isso com experimentos envolvendo antidepressivos. Foi possível compreender
que através da expectativa direcionada ao Placebo, é capaz de se chegar à cura. Tal circunstância
confirma a segunda hipótese ao indagar que em tratamentos ou experimentos psicoterapêuticos,
são utilizados Placebos para a melhor obtenção de resultados, validando também a teoria
abordada no primeiro artigo dos autores Teixeira e Palmeira (2013).
Tendo em vista os dados relatados na discussão, percebesse que existem semelhanças entre o
efeito Nocebo e a psicossomática, podendo embasar tal afirmação através dos estudos dos autores
apresentados. Como citado por Assis et al. (2013), as manifestações no corpo ou organismo
advêm do mal funcionamento da mente e tal fato é nomeado de psicossomática. Almeida (2014)
ao mencionar que em uma conversa, por exemplo, o paciente pode se impressionar ao ponto
de sentir náuseas, fadigas e até mesmo insônia, ou seja, reações orgânicas causadas pela má
interpretação advinda da mente, nomeando tal fato como efeito Nocebo. Apesar de ambos os
autores utilizarem termologias diferentes, compreendesse que a mente humana nesse contexto
possui a capacidade de auto adoecimento.
Em relação ao Placebo, como verificado no artigo de Marejón (2016), é possível a sua
utilização em tratamentos psicoterapêuticos, promovendo resultados benéficos para o paciente.
Além disso, o Placebo associado à prática de atividades físicas ocasiona melhores ganhos
psicológicos e físicos, como mencionado por Teixeira e Palmeira (2013), que ainda consideram
a psicoterapia e a psicanálise como o próprio efeito Placebo já que ambos proporcionam fins
benefícios por meio da expectativa do indivíduo. Dessa forma, apesar dos autores abordarem
a psicoterapia e o efeito Placebo em situações diferentes, percebesse que a ideia de ambos se
converge ao abordar os aspectos vantajosos dos mesmos.
Embora os artigos escolhidos tenham correspondido à busca de respostas aos questionamentos
que levaram à construção do presente trabalho, imprescindivelmente outras indagações foram
surgindo, como por exemplo: por que, mesmo com tantas publicações e evidências de estudos
envolvendo tais temas, é persistente a resistência ao uso de meios alternativos, restringindo os
tratamentos ao consumo abusivo de drogas farmacêuticas para a obtenção de ganhos que o
próprio homem se proporciona? Fica essa indagação como subsídio para pesquisas futuras.

102  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Considerações Finais

Com este trabalho foi possível vislumbrar que a mente humana possui habilidades de
desenvolver doenças físicas somatizando processos psicológicos negativos ao utilizar terapias
inertes, a exemplo do que ocorre com o efeito Nocebo. Por outro lado, essa mesma habilidade, se
revela através da capacidade mental de amenizar ou até mesmo curar agravos na saúde por meio
do efeito Placebo, que por sua vez, apresenta implicações positivas em relação às Psicoterapias.
Os estudos demonstraram que existem reações do organismo em relação à manifestação
dos efeitos Placebo e Nocebo, corroborando a primeira hipótese levantada nesse estudo. Além
disso, evidenciou-se que as psicoterapias são modalidades de tratamentos que utilizam Placebos
como estratégia de intervenção para a cura de diversas doenças, tal como se esperava na segunda
hipótese dessa pesquisa. Também foi possível verificar nessa revisão sistemática de bibliográfia
que as doenças psicossomáticas são, de fato, manifestações de efeitos colaterais do Placebo, ou
seja, o efeito Nocebo, conforme predizia a terceira hipótese desse trabalho.
Baseado nisso, compreendemos a atuação do efeito Placebo nas psicoterapias e a influência do
efeito Nocebo no desenvolvimento de doenças psicossomáticas. Entendemos as implicações éticas acerca
dos estudos envolvendo Placebo e Nocebo e acreditamos que novas pesquisas devem ser desenvolvidas
para a maior elucidação das controvérsias que ainda possam existir relacionadas a este tema.

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104  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
TERAPIA POR CONTINGÊNCIAS DE REFORÇAMENTO
(TCR) NO TRATAMENTO DO COMPORTAMENTO
AUTOLESIVO
Ernandes Barbosa Gomes
Kairon Pereira de Araújo Sousa
Emerson Diógenes de Medeiros
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Jefferson Machado Nobrega

Introdução

A
autolesão se constitui em um problema com uma diversidade de consequências
e implicações psicológicas, sociais, legais e éticas (Emelianchik-Key, Byrd & La
Guardia, 2016), podendo trazer sérios riscos à integridade física do indivíduo e
grandes prejuízos para seu desenvolvimento e qualidade de vida (Garcia & Oliveira, 2016).
O debate acerca do tema tem aumentado nos últimos anos, sobretudo pela maior
atenção dada pela mídia para o comportamento (Giusti, 2013). A autolesão é definida como
um comportamento intencional de agressão contra o próprio corpo, sem intensão consciente de
suicídio, provocando sangramento, contusão e dor, utilizado como uma maneira disfuncional para
lidar com as dificuldades interpessoais, sentimentos e pensamentos negativos, como depressão,
ansiedade, tensão, raiva, autocritica, etc. Não se trata de um comportamento aceito socialmente,
como por exemplo, o piercing corporal, a tatuagem ou atos de um ritual religioso ou cultural,
excluindo essas categorias na caracterização do comportamento. As formas mais recorrentes de
autolesão envolvem cortes superficiais na pele, queimaduras e batidas contra o próprio corpo
(DSM-V), sendo produzidos geralmente nos braços, pernas, abdômen e outras áreas expostas
(Giusti, 2013).
Estudos apontam que esse comportamento é prevalente na adolescência, começando entre
os 13 e 14 anos de idade (Briere & Gil, 1998), sendo mais frequente entre o sexo feminino (Giusti,
2013). De acordo com Silva (2015), os indivíduos que se autolesionam relatam um estado de
raiva, ansiedade e perda de controle, anteriores ao comportamento, normalmente provocados
por sensações de abandono, rejeição, culpa ou como forma de fuga de pensamentos recorrentes.
Após se autoesionarem, os sujeitos relatam sensação de bem-estar e alivio, seguidos por sensações
de culpa e vergonha.
Pessoas que apresentam esse comportamento, costumam mencionar um evento como
sendo a causa da autolesão, e não entram em contato com as reais consequências mantenedoras
do comportamento autolesivo (Silva, 2015). Nesse sentido, a Terapia por Contingências de
Reforçamento (TCR) tem muito a contribuir para a compreensão desse comportamento-alvo,
permitindo identificar e alterar contingências reforçadoras que o mantém.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 105


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A TCR, desenvolvida por Guilhardi (2004), é uma forma de intervenção terapêutica que tem
como base o modelo de seleção do comportamento pelas suas consequências, fundamentando-se
no Behaviorismo Radical e na Ciência do Comportamento (Marianno & Guilhardi, 2005). Deste
modo, visando situar o leitor acerca desses pressupostos da Análise do Comportamento (AC),
que servem como base para a TCR, nas linhas seguintes, discute-se, suscintamente, esse modelo
de psicologia.
A Análise do Comportamento foi desenvolvida, nos Estados Unidos, por Skinner. Influenciado
pelas ideias de Watson, Skinner buscou conferir à psicologia o caráter de cientificidade e
objetividade buscados por aquele. Todavia, o sistema de psicologia de Skinner se diferenciava
em muitos aspectos do de Watson, representando uma forma de renovação do behaviorismo
watsoniano, uma vez que este se preocupava em descrever o comportamento e não em explicá-lo
(Schultz & Schultz, 2009).
Dentre às distinções envolvendo esses dois pesquisadores, nota-se que Skinner,
contrariamente a Watson, investe o homem na posição de um ser ativo no mundo, ou seja,
enquanto para Watson, os homens reagiam, de modo mecânico, aos estímulos do meio, tendo
uma postura passiva (condicionamento respondente). Skinner menciona a ação do homem no
ambiente, pontuando que ele não apenas reage a algo produzido no meio, mas atua (opera)
sobre o ambiente, modificando-o e sendo modificado por suas consequências (condicionamento
operante) (Sousa, 2017).
Sendo assim, o comportamento passa a ser definido como a relação entre o organismo
(indivíduo) e o ambiente, já que para Skinner não é possível estudá-lo isolando-o do seu contexto
de ocorrência (Moreira & Medeiros, 2007). Desta maneira, a AC se desenvolve, aperfeiçoando
os métodos de estudo em relação as questões tradicionais da psicologia, abrindo novos campos
de pesquisa e aplicação em uso (Todorov & Hanna, 2010). O sistema de psicologia formulado
por Skinner ficou conhecido como “Behaviorismo Radical”, entretanto, nessa visão encontramos
algumas considerações importantes para traçarmos uma definição do que é a AC.
Partindo dessa ideia, presente em alguns livros de introdução à psicologia, que definem
o sistema Skinneriano como behaviorismo radical, cumpre destacarmos, inicialmente, que o
behaviorismo radical não se trata de uma abordagem da psicologia, mas, em contrapartida,
refere-se à filosofia da ciência do comportamento, isto é, o behaviorismo é a fundamentação
teórica e filosófica da ciência do comportamento (Skinner, 1982), representando, portanto, o
arcabouço teórico e filosófico que serve para embasar essa ciência. Como ressalta Sousa (2017),
um conhecimento científico, para existir, necessita de uma fundamentação filosófica. Deste
modo, o behaviorismo radical não é uma abordagem, mas uma filosofia da ciência que estuda o
comportamento.
À par dessas informações, podemos avançar mais um pouco em busca da compreensão a
respeito da AC. Sendo o behaviorismo à filosofia dessa ciência, podemos definir a AC (Sousa,
2015) como uma abordagem psicológica que busca compreender o ser humano a partir de sua
interação com seu ambiente - “condicionamento pavloviano, contingências de reforço e punição”
bem como “esquemas de reforçamento, o papel do contexto, entre outros tipos de interação-”
(Moreira & Medeiros, 2007, p. 213).
A AC, como uma abordagem terapêutica, pauta-se na busca dos determinantes de um
comportamento. Enquanto outras áreas, por exemplo, estabelecem critérios de classificação
em termos de patologias (rótulos), procurando diferenciar normalidade e anormalidade, a AC
procura identificar as relações funcionais entre o comportamento (dito problemático) e os eventos
ambientais que atuam na sua manutenção (Banaco, Kovac, Martone, Vermes, & Zamignani, 2012).
Para a AC, portanto, todo comportamento apresenta uma funcionalidade, sendo possível
modificá-lo. Nesse sentido, ao invés de focalizar os sintomas (típico dos manuais de classificação),

106  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
é necessário estudar a relação entre o organismo e o ambiente, no qual este se insere. Isso significa
descortinar as aparências envolvidas em diagnósticos ou classificações, que estereotipam o
sujeito, escondendo às raízes motivadoras do comportamento rotulado. Cada indivíduo é único, e
qualquer tentativa de comparação representa um obstáculo a uma intervenção satisfatória. Nessa
abordagem, portanto, o aspecto idiossincrático do sujeito deve ser considerado como ponto de
partida do tratamento (Sousa, 2017).
O método adotado pela AC para estudar às relações funcionais entre os comportamentos
ou comportamento e ambiente, é conhecido como Análise Funcional. A análise funcional
busca os determinantes de um comportamento. Em outras palavras, analisar funcionalmente o
comportamento significa encontrar sua funcionalidade (Sousa, 2017). Desta maneira, AC deve
ser funcional, e não topográfica (Moreira & Medeiros, 2007).
Ao realizar a análise de contingências, o terapeuta identifica o que acontece antes (situação)
e depois (consequências) do comportamento (resposta), permitindo-lhe verificar as contingencias
reforçadoras que mantém determinado comportamento.
Explicitados esses pressupostos, o caso clínico desta pesquisa teve como objetivo aplicar
as técnicas e orientações da Terapia por Contingências de Reforçamento – TCR em problemas
comportamentais autolesivo de uma adolescente. O presente relato mostra a maneira como
foram identificadas as contingências de reforçamento que vêm modelando e mantendo os
comportamentos da queixa e como a mãe foi orientada para alterar tais contingências. A orientação
teve o objetivo de levá-los a enfraquecer os comportamentos indesejados, sem o uso de punição,
por meio da instalação e manutenção de classes de comportamentos, incompatíveis ou não,
com as classes de tais comportamentos indesejados, aumentando a frequência de consequências
sociais como atenção, elogio, afago etc. contingentes a comportamentos desejados.

Método

Neste trabalho, optou-se por um delineamento experimental de sujeito único, uma vez
que organismos individuais interagem de maneira singular no ambiente, de modo que, há uma
probabilidade bastante reduzida de dois indivíduos se comportarem da mesma maneira (Sampaio
et al., 2008). Assim, neste modelo de delineamento, um mesmo sujeito é submetido a todas as
condições do experimento e as observações são realizadas de forma contínua no decorrer de todo
o processo.

Participantes

Terapeuta: Psicólogo educacional da rede municipal de ensino, especialista em educação


especial, com três anos de experiência em Análise do Comportamento no contexto escolar.
Cliente: Para preservar a sua identidade, serão usadas, na identificação, as iniciais de seu
nome (M. C. S) e, para melhor compreensão do caso, lhe será atribuído o nome fictício de Ana.
Ana é uma adolescente de 16 anos, estudante do 8º ano do ensino fundamental, turno da
tarde, em uma escola municipal de cidade localizada no estado do Maranhão. A estudante foi
encaminhada, para atendimento, pela gestora da escola. Segundo informações da direção escolar,
a adolescente efetuava, com lâminas de barbeador, cortes profundos no braço esquerdo e nas duas
pernas. Conforme à mãe e à avó, da jovem, o comportamento vinha ocorrendo desde os 8 anos de
idade, inicialmente, com pequenos arranhões feitos com lápis, canetas e cacos de telha, passando
à estiletes e, por último, lâminas de barbeador. As feridas ficavam bastante infeccionadas, o que
atraia a atenção de alunos e funcionários da escola. Geralmente, os membros da equipe gestora
da escola encarregavam-se de levá-la ao hospital, para que fosse realizada a limpeza e curativos
no ferimento.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 107


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Ainda de acordo com à mãe e à avó, a adolescente costumava urinar na rede durante o
sono, tendo o hábito de acordar tarde, próximo ao horário de ida à escola, esquecendo de tomar
banho. Relativo a isso, também salientaram que Ana apresentava descuido com a higiene das
peças íntimas, usando-as, por pelo menos, três dias seguidos. A avó ressaltou que adolescente
já tinha sido atendida por outros três psicólogos, sendo o último acompanhamento realizado
em paralelo com o tratamento psiquiátrico, com prescrição de medicamentos como Respidon
02mg, Amissulprida 50mg, Carbonato de Lítio 300mg e Topiramato 50mg. Apesar disso, o
comportamento autolesivo continuou; havendo posteriormente um abandono do tratamento.
Assim, em função da necessidade de acompanhamento face à manutenção do comportamento,
foi realizado a procura de atendimento psicológico.
Mãe da cliente. Para preservar a identidade da adolescente será escrito apenas as inicias de
sua mãe: M. L. A. C. Trata-se de uma mulher de 36 anos, com ensino fundamental incompleto,
doméstica, divorciada (desde que Ana tinha 8 anos), que reside com as duas filhas: Ana de 16
anos de idade e outra de 14 anos. Não tem relacionamentos amorosos por declarar que preferiu
dedicar-se às meninas. Segundo M. L. A. C, seu relacionamento com Ana não é bom, ocorrendo,
com frequência, discussões entre elas. Já chegou a agredir a filha com objetos, como cabo de
vassoura e corda. As brigas quase sempre são motivadas pelo desentendimento das irmãs, pois
teme que a mais velha cause danos a mais nova devido seu porte físico ser mais vantajoso.

Instrumentos

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TCLE. É o documento básico e fundamental do


protocolo e da pesquisa com ética, contendo de forma clara as informações mais importantes
dos procedimentos da pesquisa. Todos os itens incluindo título, justificativas, objetivos, riscos e
possíveis riscos e benefícios são descritos em linguagem clara, ou seja, que seja entendida pelos
eventuais participantes da pesquisa.
Questionário estruturado com questões abertas: Este instrumento é utilizado para entrevista onde
é feita um levantamento geral de informações a respeito do cliente. Trata-se de uma adaptação
feita pelo terapeuta participante desta pesquisa, a partir do modelo proposto por Rangé e Silvares
(2001). Nele, segue-se um roteiro contendo os seguintes tópicos: problema (s) apresentado (s),
situação atual de vida, desenvolvimento, experiências traumáticas, história médica, história
psiquiátrica e psicoterapêutica, status psicológico, rapport, metas do paciente para a terapia,
perguntas e preocupações do paciente e por último, formulação preliminar.
Cada tópico contém subtópicos que buscam coletar informações detalhadas da vida do
cliente para compreensão do problema psicológico. Por exemplo, no item Problema(s) apresentado(s)
são feitas questões referentes à natureza do problema: descrição do comportamento problemático
(aspectos comportamentais, cognitivos, afetivos, fisiológicos: quais aspectos, quando ocorrem,
onde, qual a frequência, com quem, etc.; variáveis contextuais e modeladoras: situacionais,
comportamentais, cognitivos, afetivos, fisiológicos, interpessoais); evitações (ativas e passivas);
fatores predisponentes; curso temporal e fatores precipitantes; compreensão do paciente sobre
o problema e tentativas anteriores de enfrentar o problema último tópico é apresentado ao
paciente um plano de tratamento, discussão e contrato. Todas as perguntas são feitas oralmente
e preenchidos pelo terapeuta (Rangé & Silvares, 2001).
Roteiro para o diagnóstico comportamental. Trata-se de uma adaptação feita pelo psicólogo do
caso clínico em estudo, a partir do texto produzido por Kanfer e Saslow (1976). Este instrumento
é utilizado para nortear a análise funcional feita pelo analista do comportamento no intuito
de abordar questões relevantes e indispensáveis para o tratamento adequado a fim de obter
resultados significativos para a vida do cliente. Nele, são abordadas questões para análise inicial

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
da situação-problema, esclarecimento da situação-problema, análise do desenvolvimento,
análise do autocontrole, análise dos relacionamentos sociais, análise do ambiente sócio-físico-
cultural.
Ressalta-se que os instrumentos anteriormente citados são adaptações feitas para uso
particular do terapeuta participante desta pesquisa e são usados para fins de coleta de informações.
Portanto, não foram submetidos a nenhuma pesquisa que comprovem sua validade e precisão e
por isso não estão disponíveis para uso generalizado.

Procedimento

O primeiro contato com a cliente ocorreu em virtude de um encaminhamento da diretora da


escola, relatando os problemas apresentados pela discente. A partir da autorização da mãe para
o atendimento especializado, e por se tratar de uma situação-problema com maior gravidade e de
ocorrência prolongada, há pelo menos oito anos, foi proposto à mãe de Ana a possibilidade de se
realizar uma pesquisa com a finalidade de se testar a aplicabilidade da Terapia por Contingências
de Reforçamento – TCR (Guilhardi, 2004) no tratamento do comportamento autolesivo, visto ser
um comportamento frequente no meio escolar, mesmo que em menor gravidade, ao contrário
do caso em questão. Assim, com interesse manifesto pela mãe, foi elaborado pelo pesquisador e
assinado pela responsável o termo de consentimento livre e esclarecido – TCLE. Os atendimentos
ocorreram na sala de atendimento psicopedagógico instalado na secretaria municipal de educação
do município em que a cliente reside.
Foram realizadas ao todo 16 sessões, uma vez por semana, divididas em cinco etapas:
1) levantamento das informações gerais; 2) organização das informações em princípios
comportamentais; 3) planejamento da intervenção; 4) implementação da intervenção e 5)
avaliação dos resultados (Leonardi, Borges, & Cassas, 2011).
As sessões de número 01 a 03 foram para levantamento das informações gerais, organização
das informações em princípios comportamentais e planejamento da intervenção.
Da sessão 04 a 14 fez-se a implementação da intervenção, neste caso, para testar a eficácia da
TCR no comportamento autolesivo. As sessões foram organizadas, utilizando-se o delineamento
ABAB em que A é a condição controle (Variável Dependente) e B é a condição experimental (Variável
Independente). Este delineamento busca demonstrar os efeitos da VI sobre a VD pela inserção de
uma condição B, depois uma retirada dessa condição e retorno à condição A e em seguida pela
reintrodução das condições B já apresentadas (Sampaio et al., 2008), ou seja, os resultados deste
tipo de delineamento podem sugerir que a VI foi de fato responsável pela modificação na VD se o
desempenho da VD se modificar quando a condição experimental for introduzida
Após a sessão 14, foi dado um intervalo de 20 dias até a sessão 15, e o mesmo intervalo até
a 16, para avaliação dos resultados com o intuito de se verificar a extinção do comportamento-
problema. Além disso, foi acrescido mais quatro sessões apenas com a mãe de Ana para o
monitoramento e avaliações sobre possíveis recaídas.

Análise de dados

A partir da análise funcional (Neno, 2003), constatou-se que a resposta comportamento


autolesivo era mantida como uma forma de obter reforçamento social positivo (Marcon, & Britto
2011), em que o ambiente familiar, bastante aversivo devido às discussões e brigas com a mãe,
servia como ocasião (estímulo discriminativo-SD) para a resposta de autolesionar-se (resposta-R),
reforçadas pela atenção (reforço positivo-S+) que recebia de outros familiares e pessoas da escola
onde estudava, em especial à diretora.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 109


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Para promover a mudança comportamental e verificar a eficácia da TCR, foi usado o
delineamento A1B1A2B2, onde A1 é a condição controle que corresponde a VD (comportamento
autolesivo) e B1 é a condição experimental que corresponde a VI (Contingência de reforçamento).
A2 é a retirada VI, ou seja, contingência de reforçamento voltando à condição controle VD e B2 é a
reapresentação da VI, contingência de reforçamento (Velasco, Garcia-Mijares, & Tomanari. 2010).

Resultados

Seguindo a estrutura acima mencionada, a fase A1 correspondeu ao levantamento das


informações gerais e análise funcional onde se observou os comportamentos-problema, sem que fosse
aplicada nenhuma intervenção planejada. A condição A1 foi aplicada nas quatro primeiras sessões.
Na primeira sessão, Ana compareceu com um corte feito por lâmina de barbeador no joelho
esquerdo, desferido horas antes do atendimento. Nas sessões 02 e 03 observou-se que a ferida
estava bem aberta e sem nenhum tratamento, o que motivou a diretora a levá-la ao hospital para
tratamento. Na quarta sessão, notou-se que havia outro ferimento, dessa vez, no braço esquerdo.
Segundo a diretora da escola, Ana fez questão de mostrar e dizer com tranquilidade que usou um
pedaço de vidro para fazer o corte.
Da sessão 05 a 08, foi inserida a fase B1, sendo apresentado o estímulo reforçador social
(atenção, preocupação e cuidado). Orientou-se à mãe, que evitasse discutir com Ana durante
situações em que ambas estivessem com os ânimos alterados, deixando para conversar, em
um momento mais tranquilo (SD). Também foi solicitado que, quando Ana não se ferisse
ou demonstrasse autocuidado em relação aos ferimentos anteriores (R), a mãe deveria dar
demonstrações de atenção, preocupação e cuidado (S+).
Conforme relatou de M.L.C.A, na primeira semana, houve resistência por parte da filha em
receber seus abraços, mas ocorreu uma melhora significativa em relação aos ferimentos, uma vez
que a adolescente conseguiu ficar a semana inteira sem se autolesionar. Entretanto, após uma
discussão e luta corporal com a irmã de 14 anos, a mãe interveio a favor da mais nova, agredindo
fisicamente Ana. No dia seguinte, a adolescente, utilizando uma lâmina de barbeador, fez um
corte, de aproximadamente oito centímetros, no braço esquerdo.
Por ter ocorrido de forma natural, e ficar clara a relação entre as variáveis dependente
(comportamento autolesivo) e a variável independente (reforço dado pela mãe), este acontecimento
foi uma importante demonstração da fase A2, assim, foi mantida por mais uma sessão sem que
fosse apresentada qualquer contingência de reforçamento. Verificou-se que os comportamentos-
problema manteve sua topografia estável.
A partir da oitava sessão foi inserida novamente a VI correspondente a fase B2 e, logo a
partir da nona sessão, o comportamento autolesivo passou a diminuir sua frequência, resultando
na completa extinção, na sessão 14. Deste modo, para a manutenção do resultado, optou-se
por acrescentar mais quatro sessões, além da sessão 16, realizadas com a mãe da cliente, para
avaliações e orientações.

Discussão

A TCR vem se mostrando uma forma de tratamento muito eficaz em diversos


comportamentos disfuncionais (Briere & Gil, 1998; Silva, 2015). Nesta terapia o papel do
analista de comportamento é identificar e demonstrar as relações funcionais contidas nas
contingências de reforçamento e não atribuir outras causas oriundas de fatores internos para
os comportamentos, tais como: motivação, sentimentos, doenças mentais entre outras, em que
não é possível encontrar as variáveis (VI) das quais o comportamento (VD) é função. Deste modo,

110  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ao identificar a(s) VI que mantém a ocorrência da VD, o terapeuta comportamental substitui a
VI por outra de modo que esta última seja incompatível com a que mantém o comportamento
problema (Moreira & Medeiros, 2007).
Apesar de obter resultados que corroboram os achados de casos semelhantes a este
(Briere & Gil, 1998; Silva, 2015), a TCR não deve ser apontada como uma técnica indicada
indiscriminadamente para quaisquer situações de mesma natureza, sem que antes se considere
a singularidade de cada indivíduo (Sousa, 2017). Deve-se observar também que, dependendo da
gravidade do problema, a exemplo de cortes em regiões que possam atingir uma veia ou artéria,
provocando risco iminente de morte, torna-se fundamental o acompanhamento por profissionais
de áreas que ofereçam outros tratamentos alternativos (por ex. psiquiátricos) que tenham efeitos
imediatos, além do proposto pela TCR, a fim de garantir a integridade física do cliente.
Outro ponto importante reside sobre o desafio da clínica, em o profissional transformar sua
práxis em pesquisas que aprofundem os estudos sobre o fazer psicológico no setting terapêutico,
para que, desta forma, se possa ampliar os conhecimentos psicológicos, transformando-os em
novas tecnologias a serem utilizadas nos espaços psicoterápicos.
Embora o objetivo principal deste trabalho tenha sido verificar a eficácia da TCR no
tratamento do comportamento autolesivo, é possível refletir sobre como os profissionais da
clínica, independente de sua linha teórica, estão imersos na prática e que em sua maioria se
limitam a isso. De modo geral, o espaço clínico é muitas vezes o lugar final da pesquisa básica,
permitindo o surgimento de tecnologias que são aplicadas nas psicoterapias.
Diante do exposto, instiga-se aos psicólogos clínicos que suscitem, a partir de suas
experiências clínica, pesquisas que visem ao aperfeiçoamento das técnicas existentes, permitindo
o aprofundamento das teorias que as fundamentam.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 113


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL E SUA
APLICAÇÃO NO CONTEXTO CLÍNICO
Samillya Tomás dos Santos
Eliana Silva Pinheiro
Janailson Monteiro Clarindo

Introdução

A
teoria Histórico-Cultural emerge durante o início do século XX, num contexto
de busca para superar a crise vivida pela Psicologia, evidenciada pelos conflitos
dos diversos métodos desta ciência, uma vez que havia lutas entre tendências
materialistas, mecanicistas e idealistas, com seus diversos objetos de estudo. De tal modo, Vigotski
(1934/2007) para superar tal crise, a própria condição teórica da Psicologia na época e em meio
a um contexto da Revolução Soviética, conjectura a criação de uma Psicologia geral, social e
dialética, redefinindo o objeto de estudo para a compreensão do ser humano em sua totalidade
(Zanella, Reis, Titton, Urnau & Dassoler, 2007).
Vigotski (1934/2007) desenvolve, a partir disso, seu método considerado dialético, e que
baseado na teoria Marxista, adere ao materialismo histórico e dialético para fundamentar sua
teoria e prática e concebe um novo olhar ao humano, este como um ser dinâmico, à medida que
possui uma construção histórica, social e cultural, sendo constituído através das relações com o
outro, com a sociedade e consigo mesmo, internalizando tais experiências. Assim, compreende
que a realidade de cada sujeito não acontece de forma unidimensional, mas que a construção
desse conhecimento acontece através de mediações subjetivas e experiências mundanas. Desta
forma, “Vygotski buscou superar as bases da Psicologia que naturalizava o comportamento
humano e que tinha sua gênese nas ciências biológicas, nos fenômenos da hereditariedade ou na
constituição física” (Carvalho, Araújo, Ximenes & Pascual, 2010, p.21).
Apoiado na evolução de estudos a respeito da constituição psíquica, Vigotski (1934/2004)
passa a incorporar as relações sociais no desenvolvimento de capacidades especificamente humanas,
que são as funções psicológicas superiores, tais como memória, abstração, sendo o pensamento e a
linguagem uma das mais importantes, pois é por meio da relação entre elas que identificamos ações
conscientes. É através disto que se dá também o processo de aprendizagem, tomando a linguagem
como principal mediadora, em que a relação do homem com o mundo ocorre por meio de outros
mediadores, que são os instrumentos e signos (Lima & Carvalho, 2013, p.156)
A Psicologia Histórico-Cultural possui suporte para a atuação da Psicologia em múltiplos
espaços, inclusive no contexto clínico, uma vez que considera a realidade em seu cunho múltiplo,
percebendo o conjunto de elementos sociais que rodeiam o ser humano, como signos e significados
que por vezes ainda não estão claramente identificados por ele e que pode causar sofrimento, mas
podem vir à tona num espaço mediado como a clínica (Carvalho et al., 2010).
Sendo assim, o objetivo deste trabalho é apresentar um breve estudo da Psicologia Histórico-
Cultural focando na sua possibilidade de aplicação na prática clínica, para isso, utilizaremos

114  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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o método que acompanha tal atuação, assim como a relevância teórica e epistemológica
Vigotskiana, principalmente quando se fala em subjetividade, mediação, sentidos, significados,
atividade principal e zona de desenvolvimento proximal, dentre outros conceitos trabalhados
junto ao contexto clínico. Para além disso, cabe na clínica também a necessidade de se deter no
método e nas técnicas que envolvem as potencialidades a serem desenvolvidas o sujeito (Oliveira
& Alves, 2015).
Considerando que as condições de atuação do espaço clínico na abordagem Histórico-
Cultural ainda estão em construção, reconhecemos que deve-se manter uma dimensão de cuidado
frente a sua contemporaneidade. Justificamos nossos estudos na condição de investigação e na
produção de estudos acerca das contribuições teóricas metodológicas de intervenção na pratica
clínica, a fim de gerar possibilidades dentro desse espaço para ser possível desenvolver olhares
mais direcionados a essa prática com maior segurança e embasamento teórico.

Método

A metodologia utilizada é de caráter qualitativa, pois atua com elementos objetivos e subjetivos
do sujeito em sua relação com o mundo, os quais não são possíveis de serem quantificados
(Kauark; Manhães & Medeiros, 2010). Diante da proposta da Psicologia Histórico-Cultural em
sua atuação clínica, essa característica metodológica nos serve à medida que compreendemos o
sujeito em sua constituição individual vinculada a relação histórica e social deste.
Com base nos objetivos, a pesquisa é classificada como explicativa, ao passo que buscamos
identificar e explicar fatores que influenciam na ocorrência de certos fenômenos, (Gil, 2002) que
nessa situação é o processo terapêutico fundamentado na teoria Histórico-Cultural.
Dessa forma, fizemos um levantamento bibliográfico, de início na Plataforma Capes,
utilizando os seguintes descritores: psicologia, (histórico-cultural ou sócio-histórica), (psicoterapia
ou clínica), delimitando a data da publicação de 2002 a 2017, notamos que mesmo especificando
a área clínica da abordagem, os resultados que se apresentaram eram em sua maioria do campo
educacional, visto que Vigotski é bastante reconhecido em seus estudos sobre desenvolvimento.
Contudo, ainda encontramos poucos artigos relevantes que foram essenciais para nossa pesquisa.
Por conta da escassez de produção a respeito da temática, buscamos também artigos no Google
Acadêmico.
Os artigos que alcançaram nossos critérios foram os que mais tratavam de uma questão
prática metodológica da atuação clínica, como Oliveira e Alves (2015), Lima e Carvalho (2013),
Zanella et al. (2007), Aires, (2006), Dias (2005), além de obras renomadas de Vigotski e alguns
artigos que nos deram base para compreender os conceitos básicos da teoria.
Os pressupostos teóricos da pesquisa são baseados em algumas obras de Vigotski, de edições
atuais dos anos de 2002, 2004, 2007 e 2009, que nos deram alicerce para refletir e fundamentar
a prática proposta. Assim, a teoria Histórico-Cultural serviu como instrumento de análise, e nos
orientou para definir os conceitos a serem pesquisados. Como categorias prévias, estabelecemos
sentido, significado e mediação, por perceber que a compreensão delas é essencial para a atuação
clínica. No decorrer das leituras, delimitamos também pensamento, linguagem e internalização,
visto a relevância destes conceitos para o desenvolvimento da consciência, o que é um dos objetos
da psicoterapia.

Resultados

A psicoterapia Histórico-Cultural é pouco conhecida no Brasil, visto que essa abordagem


possui mais reconhecimento sobretudo nas áreas do desenvolvimento, educacional e

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 115


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Neuropsicologia (Marangoni & Aires, 2006). Contudo, os autores assinalam que essa prática
clínica é uma nova alternativa no contexto em que vivemos. Oliveira e Alves (2015) apresentam
que uma das causas da falta de implantação da teoria histórico-cultural na atuação clínica é
o pouco conhecimento das obras de Vigotski que estavam em russo, e também o fato que as
traduções inglesas muitas vezes excluíam conceitos importantes do marxismo.
De acordo do Marangoni e Aires (2006), a psicoterapia Histórico-Cultural detém do
conhecimento do ser humano como ativo no mundo, a medida que ele é constructo e construtor
dele. Dessa forma, os autores elencam três objetivos fundamentais desse fazer:

Proporcionar condições teóricas e práticas para o psicólogo desenvolver raciocínio clínico


e posturas interventivas adequadas segundo a abordagem Sócio-Histórica; Compreender o
desenvolvimento do psiquismo humano segundo a concepção social/relacional do ser humano;
Desenvolver um pensamento crítico a respeito da concepção naturalista e estruturalista do
psiquismo humano citada anteriormente. (p.0)

Para se pensar na prática clínica embasada na Psicologia Histórico-Cultural, percebe-


se que há um novo olhar, em que a subjetividade é contemplada de acordo com a construção
social e histórica de cada sujeito (Dias, 2005). Dessa forma, compreendemos que o psiquismo
humano possui relação com a atividade social, a qual é mediada por instrumentos que auxiliam
na realização da atividade (Facci, 2004).
Vigotski (1934/2007) traz a compreensão sobre a fala egocêntrica das crianças, que é
concebida quando estas passam a incorporarem a linguagem verbal a favor delas, ou seja, utilizam-
na ao realizarem alguma atividade como o exemplo do autor, em que a criança antes de subir no
banco fala: subir no banco, tal comportamento demonstra a forma em que a criança organiza o
pensamento, para assim efetivar a ação. Para o autor:

A maior mudança na capacidade das crianças para usar a linguagem como um instrumento
para a solução de problemas acontece um pouco mais tarde no seu desenvolvimento, no
momento em que a fala socializada (que foi previamente utilizada para dirigir-se a um
adulto) é internalizada. Ao invés de apelar para o adulto, as crianças passam a apelar a si
mesmas; a linguagem passa, assim, a adquirir uma função intrapessoal além do seu uso
interpessoal (p. 16).

O mesmo segue dizendo que a transformação da atividade levando à internalização é


essencial para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Dessa forma, é percebido
que as mesmas, tais como atenção voluntária, memória, abstração, comportamento intencional,
são constituídas, além do cunho biológico, socialmente conforme a mediação de instrumentos
(banco para a criança) e principalmente dos signos (linguagem) (Facci, 2004).
Assim, os instrumentos e signos são muitas vezes confundidos à medida que os dois possuem
função mediadora, porém, o que os diferencia são as direções que levam nossos comportamentos.
Por um lado, os instrumentos orientam externamente, trazendo modificações nos objetos, os
signos por sua vez, são orientados internamente, ocasionando o controle do próprio indivíduo,
agindo como um instrumento da atividade psíquica (Vigotski, 1934/2007).
Com isso, Facci (2004, p. 77) compreende que “o aprendizado é considerado um aspecto
fundamental para que as funções psicológicas superiores aconteçam; dessa forma o ensino é fator
imprescindível para o desenvolvimento do psiquismo humano”. A partir disso, a autora aborda o
conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, instituído pela teoria Histórico-Cultural, como um
dos principais conceitos para entender a mediação, em que existem dois níveis de desenvolvimento,

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o real, o qual é constituído por tudo aquilo que o sujeito já consegue efetivar sem a ajuda de outro,
e o proximal, onde são instauradas as funções que necessitamos de outro para efetivar, pois ainda
estão em vias de amadurecer. Por isso, Dias (2005) apresenta a ideia do psicoterapeuta como
mediador, podendo possibilitar ao cliente uma reorganização do pensamento, construindo novos
conhecimentos.
Na organização dos processos internos, o pensamento e a linguagem possuem caminhos
que se cruzam, não desde os primórdios, como é pensado por muitos, mas mantêm uma relação
mútua a partir do momento em que essas funções constituem atividades tipicamente humanas,
fundamentando a consciência (Vigotski, 1934/2007). O autor apresenta a ideia de significado,
análogo a generalização ou conceito, para determinar uma unidade da palavra com o pensamento,
de modo que o pensamento se materializa no discurso, na palavra. Dessa forma, ele traz o fato
de que o significado da palavra possui a possibilidade de se desenvolver conforme a modificação
dos signos sociais e culturais.
Ainda trazendo a relação entre pensamento e linguagem, o autor fala sobre o predomínio do
sentido da palavra, mostrando este como fluido, dinâmico, em que depende principalmente da
interpretação de mundo de cada sujeito. Por isso, considera o sentido da palavra como “a soma
de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência” (p.465), possuindo várias
zonas de estabilidade, sendo o significado apenas uma delas.
Na área da psicologia diante dos estudos do pensamento e da linguagem é preciso
compreender que são de suma importância os aspectos das relações inter-funcionais. Partindo
desta compreensão, chegaremos nas questões mais específicas, em que para Vigotski as atividades
cognitivas do sujeito são consideradas fundamentais, ocorrendo de forma interligada com sua
condição sócio histórica, desenvolvidas a partir de produtos que se desenvolvem nas relações
estabelecidas em seu meio. Tais habilidades cognitivas que o sujeito estabelece e suas diversas
formas são estruturadas através do pensamento, estas que eram pensadas como condições
congênitas, são de fato resultados de atividades de relação e pratica de hábitos sociais vivenciadas
por cada sujeito ao longo da vida (Vygotsky, 1934/2002). O autor complementa quando diz que
“o significado das palavras só é um fenômeno de pensamento na medida em que é encarnado pela
fala e só é um fenômeno linguístico na medida que se encontra ligado com o pensamento e por
este iluminado” (p.277).
De determinada forma, o mesmo afirma que compreende-se que cada palavra é direcionada
a um significado geral, em forma de conceito. No que diz respeito ao pensamento, entendemos
como a extensão de um significado como um fenômeno de pensar.

A estrutura da linguagem não se limita a refletir como num espelho a estrutura do


pensamento; é por isso que não pode vestir o pensamento como palavras, como se de um
ornamento se tratasse. O pensamento sofre muitas alterações ao transformar-se em fala.
Não se limita a encontrar expressão na fala; encontra nela a sua realidade e a sua forma. Os
processos evolutivos da fonética e da semântica são essencialmente idênticos, precisamente
decido a seguirem sentidos inversos (Vigotski, 1934/2002, p.291).

Diante de estudos, o que Vigostski buscava compreender era que esses significados que o
sujeito tomava das palavras tinham suas formações dinâmicas e não imóveis, que com o passar
do tempo desenvolveria e alternaria esses sentidos e a formação do pensamento. “Percebe-se que
o significado é entendido como os sistemas de relações que se formou objetivamente no processo
histórico e que está encerrado na palavra (Zuin, 2011, p.29)
Vigotski (1995/2011) como citado em Zuin (2011) entende que a palavra configura uma
unidade viva do som, no qual é significado que dá sua forma final, assim se formando as principais

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 117


NO ONTEXTO BRASILEIRO
propriedades do pensamento linguístico. Acreditando que, conforme o autor, o significado
seja primordial na dialética de se compreender pensamento e linguagem, entendendo que “o
significado da palavra é antes de tudo uma generalização” (p. 21). Segundo Leontiev (1978/2011)
como citado em Zuin (2011):

Os significados levam uma vida dual, porque são produzidos pela sociedade, possuindo
sua própria história no desenvolvimento da linguagem e no desenvolvimento das formas
da consciência social; nele, ressalta, se expressa o movimento da ciência humana e de seus
recursos cognoscitivos, assim como as noções ideológicas da sociedade. Nesta sua existência
objetiva se subordinam as leis histórico sociais e, por sua vez, a lógica interna de seu próprio
desenvolvimento; por outro lado, os significados se individualizam e se subjetivizam, sem,
contudo, perder a objetividade (p.31).

Dessa forma, o mesmo articula que as condições psicológicas são generalizações da ação
de pensar do sujeito, no entanto, o significado se faz complementar da palavra, que refere-se a
construção da linguagem.
O sentido parte de como o significado subjetivo de cada palavra se apresenta isolada deste
conjunto de sistemas objetivos, em sua complexidade, por estarem ligados em relação direta com
as vivencias do sujeito.

Os sentidos designam algo completamente diferente de pessoa para pessoa em circunstâncias


diversas. Desta forma, uma mesma palavra possui um significado, formado objetivamente
ao longo da história e que, em forma potencial, conserva-se para todas as pessoas, refletindo
as coisas com diferente profundidade e amplitude. Porém, junto com o significado, cada
palavra tem um sentido que condiz ao contexto e às vivências afetivas do sujeito (Zuin, 2011,
p.31).

Ou seja, o sentido sendo uma unidade essencial da função existente na palavra, se


materializam nas relações concretas afetivas realizadas nas atividades do sujeito. Com isso,
trouxemos a conceituação de sentido e significado a fim de uma melhor compreensão acerca da
reorganização de pensamentos ocasionada no processo terapêutico. Esse fato nos faz perceber
mais ainda a complexidade de tal processo, contando que é a partir dos signos construídos ao
longo da história de vida do sujeito, que ele irá construir a noção de sentido sobre as diferentes
questões, produzindo pensamento que podem ou não serem modificados conforme a mediação
clínica.

Discussão

O conceitos da teoria Histórico-cultural vistos anteriormente são essencialmente colocados


como bases fortes ao se falar em atuação, tanto por compreender o ser humano de forma
abrangente, como por auxiliar o terapeuta em sua prática. Para tanto, nos auxilia no cumprimento
dos objetivos desde trabalho, sendo estes apresentar uma análise breve da teoria em questão,
junto a atuação clínica.
Em afirmação ao que foi proposto, tomamos o método proposto por Vigotski (1995/2007)
como citado em Zanella et al. (2007) como um dos principais suportes para aplicação teórica
dos princípios da Psicologia Histórico-cultural, o qual pode ser utilizado nas diversas áreas, não
somente na clínica, visto que sua prática ao mesmo tempo que se mostra bastante elementar, é
também complexa e ampla. Segundo Zanella et al. (2007), tal metodologia foca em especial nos

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potenciais, encarando as dificuldades como crises, estas que possuem um potencial visto como
transformador. Diante disso, os autores discorrem categorias de análise, tais como: analisar o
processo e não o produto; análise genotípica e não fenotípica; contraposição das tarefas descritivas
e explicativas de análise.
A relação do ser humano com o mundo é essencialmente mediada, ao falarmos em
psicoterapia, sabemos que o vínculo entre terapeuta e cliente também acontece dessa maneira,
de modo que o primeiro passa a ser um mediador dos processos mentais do outro, intervindo
no movimento de internalização, a qual consiste na passagem de significados interpsicológicos
(sociais/relacionais) para intrapsicológicos (pessoais), e assim o sujeito passa a ressignificar e
criar novos sentidos e significados (Lima & Carvalho, 2013) (Aires, 2006).
Para auxiliá-lo nessa finalidade, a psicoterapia se apresenta em seu processo dialógico, em
razão da utilização da linguagem como signo mediador (Lima & Carvalho, 2013). Ao passo que os
clientes se expressam através da linguagem, o terapeuta irá percebendo os sentidos e significados
internalizados no sujeito. É interessante salientar que a linguagem não está somente na fala, mas
aparece também através de jogos e brincadeiras por exemplo, como são usados geralmente em
crianças.
Diante disso, com o propósito de auxílio na prática clínica, Aires (2006) traz algumas
técnicas e estratégias essenciais:

As Técnicas Específicas são: Repetição, com a intenção de produzir uma maior verbalização da
parte do paciente, Marcação, com o objetivo de “apoiar” o diálogo, mas sem o interromper;
Focagem, para aumentar a ansiedade, promovendo maior atividade; Generalização, para
reduzir a ansiedade; Eco Emocional, ou seja, dar nome às emoções do paciente; e Re-
expressão, ou seja, descrever eventos de uma forma racional e objetiva (p. 6).

Essas técnicas deixam claro a relação não só dialógica do sujeito, mas também dialética,
sabendo que através da linguagem o sujeito revela suas questões e que abrange a maioria dos
conteúdos possíveis, visto que o terapeuta busca entender a história do fenômeno, a origem
explicativa da situação e a simulação de momentos.
A partir de Zanella et al (2007) consideramos que com o surgimento da demanda, o
terapeuta utiliza do método como princípios guiadores, ou seja, passa a analisar a história de um
determinado fenômeno, contando também com suas dinâmicas de transformações. Nisso, ele
também busca, com base no método, a origem de tal fenômeno, para visualizá-lo em sua essência
e não no que aparenta ser, e por fim analisa de forma dinâmica-causal, recriando situações
práticas.
Por fim, avaliamos que a ressignificação pode ser um dos principais objetivos na terapia,
pois o terapeuta como facilidador dos processos, acolhe o sujeito em suas demandas, a fim de
mediá-lo na criação de novos sentidos sobre fenômenos que por vezes não se mostraram essenciais
para ele, mas que foram importantes em seu progresso terapêutico.

Considerações finais

Em suma, apresentamos a prática clínica alicerçada na teoria Histórico-Cultural. Com


embasamento no materialismo histórico-dialético, compreendemos os processos psicológicos
superiores em sua origem das relações sociais, na qual o sujeito é produto e produtor do contexto
vivenciado (Lima & Carvalho, 2013). A partir dessa concepção, entendemos a subjetividade do
sujeito em tratamento em seu caráter histórico e social.
Desse modo, trouxemos uma gama de categorias conceituadas por Vigotski que abrange
conhecimentos necessários para se fazer uma atuação psicoterápica com seriedade e utilidade.
A importância dos conceitos de mediação, que nos proporcionou o entendimento da atuação

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 119


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ativa do terapeuta, para intervir de modo a produzir novos sentidos e significados no processo
terapêutico, através da utilização da apresentação de novos signos.
É importante ressaltar que a prática clínica em questão ainda está em desenvolvimento
e reconhecemos sua dimensão de cuidado frente a sua contemporaneidade, visto que existem
poucos estudos. Com isso, diante das possibilidades dentro desse espaço, de pesquisas e estudos
no campo acadêmico pode ser possível desenvolver olhares mais direcionados a essa prática,
como em estudos da práxis da terapia Histórico-Cultural, apresentando técnicas, estudos de caso
envolvendo a relação da teoria com a prática, dentre outros que possam trazer mais segurança e
embasamento teórico.

Referências

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Latina, México, 5, 0-0. fev.  
Carvalho, M. A. A. S.; Araújo, S. M. M.; Ximenes, V. M.; Pascual, J. G. (2010). A formação do conceito
de consciência em Vygotsky e suas contribuições à Psicologia. (Vol. 62) Arquivos Brasileiros de Psicologia,
3, 3-22
Dias, M. H. S. S. M. (2005). A psicologia Sócio-Histórica na Clínica: uma concepção atual em
psicoterapia. (Vol.9.1) Rev. da Sociedade de Psicologia do Triângulo Mineiro, SPTM, n. 1 Jan/Jun. 
Facci, M. G. D. (2004). A periodização do desenvolvimento psicológico individual na perspectiva de Leontiev,
Elkonin e Vigotski. Cad. Cedes, Campinas, 4, 64-81.
Gil, A. C. (2010). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo. Atlas. 4.ed
Kauark, F.S.; Manhães, F. C. & Souza, C. H. M. (2010). Metodologia da pesquisa: um guia prático.
Itabuna, BA, Via Litterarum, 01, 96.
Lima, P. M. & Carvalho, C. F. (2013). A Psicoterapia Socio-Histórica. Psicologia: Ciência e profissão,
Brasília, 33, 154-163.
Oliveira, R. B. & Alves P. (2015). As possibilidades de uma prática clínica na psicologia sócio-histórica. 24ª
Encontro Anual de iniciação cientifica; 4 Encontro Anual de iniciação Cientifica Junior.
Vigotski, L.S. (2007) A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores (7a
ed.) (Cipolla, J., Neto; Barreto, L. S. M. & Afeche, S. C. Trad) São Paulo: Martins Fontes. (Obra
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2.ed. São Paulo: Martins Fontes. (Obra original publicada em 1934)
Vygotsky, L.S. (2002) Pensamento e linguagem. Tradução de Ridendo Castigat Mores (Obra original
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Zanella, A. V.; Reis, A. C.; Titon, A. P.; Urnau, L. C. & Dassoler, T. R. (2007). Questões de método em textos
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ESTUDO DE CASO EM LUDOTERAPIA:
O BRINCAR E A SIMBOLIZAÇÃO
Sofia Maira Moura Do Monte
Vânia da Silva Boíba
Lorena Roberta Oliveira Gonçalves

Introdução

M
elaine Klein (1955), deu início a técnica psicanalítica através do brincar no
sentting analitico, onde segundo a autora a criança expressa por meio do brincar
conteúdos inconscientes, suas ansiedades, fantasias e sentimentos, um dos
trabalhos do analista seria de interpretar para a criança os conteúdos presentes em seu jogo,
a autora citada encorajava as crianças a brincarem livremente durante a sessão, posto que a
criança apresenta maior dificuldade em expressar-se verbalmente. Assim a abordagem através do
corresponde ao princípio fundamental da psicanalise, a associação livre.
A ludoterapia ou psicanalise de criança teria como objetivo segundo a autora, compreender
e interpretar as fantasias, sentimentos, experiências e ansiedades apresentadas pela criança através
do brincar, ou se essas atividades encontram-se inibidas, descobrir as causas de tal inibição.
Donald W. Winnicot também trouxe grandes contribuições para o entendimento do
desenvolvimento da criança, bem como para a ludoterapia, dentre estas contribuições o autor
ressalta a importância de um ambiente acolhedor e restaurador para a criança, este acrescenta
que o brincar seria um meio de acesso ao inconsciente. O brincar integra aspectos dissociados,
ajudando a discriminar mundo interno de externo, repara objetos danificados e modula a angústia
regar que a criança possa carregar em seu íntimo (Winnicot, 1975).
O presente trabalho trata-se de um estudo de caso, onde será apresentado a vivencia
psicoterápica de uma criança no processo de ludoterapia em uma clínica escola, que foi
encaminhada a psicoterapia por apresentar inicialmente dificuldades na sua adaptação à sua
nova moradia, um abrigo institucional para crianças.

Método

T. M. sexo feminino, com idade de 11 anos, atualmente cursando o 5º ano do ensino


fundamental em uma escola localizada na zona rural de Teresina. Têm um irmão, e uma irmã
gêmea. Morava com a mãe e o padrasto.
Foi realizada a procura pelo serviço de psicologia da clínica escola, após uma ordem
judicial e transferência da criança para um abrigo institucional, a demanda segundo dados do
encaminhamento relacionava-se com a dificuldade de T.M. em adaptar-se ao ambiente no qual
estava residindo.
Segundo dados da ordem judicial o ambiente familiar de T.M. foi considerado inapto para
a permanência das crianças no mesmo, pois os pais não apresentavam condições de cuidar das
crianças, tendo em vista, que os pais fazem uso abusivo de álcool e outras drogas.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 121


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Após decisão judicial a mãe foi deixar T.M. e seu irmão no abrigo, tendo sua irmã gêmea
no primeiro momento ficado na casa de uma madrinha, os pais poderiam recuperar a guarda
das crianças mediante início do tratamento. Após o período de seis meses da estadia de T.M. e
seu irmão na instituição foi realizada nova audiência judicial, onde foi decidido que as crianças
permaneceriam no abrigo e que a irmã gêmea de T.M. também iria morar lá, uma vez que, o pai
e a mãe continuavam na mesma situação, resistindo a procurar tratamento para a sua condição.
Através de entrevistas realizadas com a Psicóloga do abrigo foi possível aprofundar-se sobre
a história de vida da paciente. A mãe esporadicamente faz visitas aos filhos nos fins de semana e
quando não o faz a instituição liga para que ela possa falar com seus filhos.
Após nova entrevista com a psicóloga, foi informado que a mãe e o pai de T.M. decidiram
fazer o tratamento em uma unidade de atendimento, para tanto estes teriam que realizar alguns
exames, nos exames da mãe foi constatada uma condição medica, onde para residir na instituição
de tratamento para a dependência de abuso de substâncias, terá primeiro que tratar-se deste
outro quadro sintomático. Atrasando assim a saída das crianças do abrigo.
A psicóloga ainda relatou que a família vem sendo acompanhada pelo CRAS, pelo conselho
tutelar da região e também pela psicóloga e assistente social da instituição de abrigamento.
No entanto nota-se que os pais das crianças não apresentam mudanças quanto aos seus
comportamentos que favoreçam a retomada da guarda das crianças. Além disso as instancias
citadas a cima tentaram contatar algum outro familiar

Resultados e Discussões

Na primeira sessão inicialmente a terapeuta realizou um rappot com intuito de tranquilizar a


T.M., pois ela se mostrava ansiosa e com medo por estar em um local desconhecido. Souza (2008),
afirma existir em crianças que sofreram maus tratos ou foram abandonadas, um sentimento de
desconfiança, e ansiedade diante de situações desconhecidas.
Após o rapport foi perguntado a T.M. se ela sabia o que estava fazendo ali, ao que esta
respondeu não saber, então a terapeuta explicou-o e em seguida falou sobre as regras fundamentais
da ludoterapia, deixando T.M. livre para utilizar a sala conforme sua vontade.
Segundo Verceze e Sei (2014) a queixa direcionada à criança trazida pelos pais ou responsáveis,
muitas vezes é confusa. No caso de T. M, a busca por atendimento foi justificada por tratar-se
de tentativa da criação de recursos que contribuíssem para que T.M se adequasse ao abrigo, no
entanto no decorrer do atendimento, foi verificado que os reais conflitos da cliente giravam em
torno da não aceitação da situação de seus pais (mãe e padrasto), da fantasia de sua casa como
o lugar ideal e de que logo irá voltar a morar lá, embora as condições que levaram a família a ser
apartada, até então, não tenham sido adequadas às solicitações sócio jurídicas.
Segundo a Teoria do desenvolvimento emocional proposta por Winnicott, a relação
maternante mãe- bebê é essencial para o desenvolvimento e amadurecimento saudável do ser
humano. Diante disso, torna-se importante considerar o pensamento do teórico ao analisar as
sessões realizadas com T.M., uma vez que também, pode-se supor pelos relatos da dinâmica da
família que essa relação tenha sido prejudicada, solicitando assim que o terapeuta proporcione à
cliente as condições ambientais suficientes para o seu desenvolvimento.
A paciente na primeira sessão fez um desenho, e a terapeuta lhe pediu para falar sobre o
mesmo, ela começa a explicar “aqui é minha casa e aqui é o abrigo, existe dois caminhos, o vermelho é um
caminho que eu não posso ir e o azul é o que eu posso, mas vai depender da juíza e esse X aqui representa as
dificuldades para eu voltar a minha casa”. E sobre as pessoas desenhadas fala: “esses que estão dentro
da casa, é meu pai (padrasto), minha mãe, minha irmã e o meu irmão”. Ela se desenhou no
abrigo, frente aos caminhos”.

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No segundo desenho, ela faz um coração, pinta de preto, com uma cruz vermelha dentro e
fala sobre os pecados. Desenha os amigos do abrigo e fala um pouco de cada um, sobre o coração
e a cruz T.M. relata tratar-se dos pecados do ser humano. A criança apresenta em seus desenhos
e em sua fala grande sofrimento diante da situação a qual está passando, além disso sentimento
de culpa, e responsabilidade de proteger e juntar novamente a família. A terapeuta intervém aí
no sentido de trabalhar esses sentimentos apresentados pela criança, afim de propiciar a está a
expressão elaboração de seu sofrimento.
T.M., ainda na primeira sessão quando lhe é perguntada qual seu maior sonho, ela fala do
desejo de voltar para casa: Meu maior sonho é voltar a morar com minha família na minha casa.
O segundo é que todas as crianças do abrigo voltem para suas famílias e que as que não tem pai
e nem mãe consigam ser adotadas por outra família.
Na segunda sessão, T.M. manipula os brinquedos, senta no chão e começa a brincar de
casinha, criando histórias e calculando o tempo, entre um momento e outro fala “tic, tac, tic,
tac”, o que simboliza a passagem do tempo, o tempo esta passando e ela não sai do abrigo.
Repete o som do relógio várias vezes durante a sessão, tic tac tic tac. ”. Melanie Klein aponta como
é essencial haver uma interpretação analítica sobre o que a análise produz no paciente, assim
como os desejos mais profundos que são construídos, os colocando em associações ou jogos que
decorrem em imediato.
Na sessão seguinte, a cliente chega a sessão como se estivesse planejado o momento e sugere
a brincadeira da forca, onde tem que adivinhar o nome, logo depois pega dois livros e começa a
ler. O primeiro livro foi A bela e a fera, a terapeuta entra no lúdico e faz uma pontuação acerca da
história, ao que T.M. fica em silencio e depois fala: “as pessoas falam que não existe felizes para
sempre”. A terapeuta devolve “E para você o que é ser feliz para sempre? ” Ela responde “ É viver
junto ate bater as botas, não se separar”.
O segundo livro lido por T.M. na sessão foi Pingo d’água, ela se identifica com o personagem
do livro “a gota de agua” que assim como a gota que foi puxada para cima, ela foi arrancada
da sua casa a força. E diz: “Eu queria continuar na minha casa, fui tirada de lá pelo conselho
tutelar”. A paciente apresenta neste relato a angústia de ter sido levada para morar em outro
ambiente que não o familiar, em sua fala culpabiliza o serviço público pela problemática, nesse
sentido a terapeuta pontuou, possibilitando a reflexão acerca do que ocorre de fato. T.M. fala:
“mas acho que o que aconteceu foi bom e ruim, bom porque eu conheci pessoas boas, e estou segura no abrigo
e ruim porque estou longe de casa”. Desde a primeira sessão a paciente trás os significantes “bom”,
“ruim” e “pecado”, articulando-os em sua história de vida. Quando questionada sobre qual a moral
da história do livro que ela acabou de ler, ela diz “respeitar os outros como como você quer ser
tratada”, reforçando a o fato de ter sido levada de casa sem a sua vontade, ao mesmo tempo a
presença de um sentimento de ambivalência.
Na sessão seguinte T.M passou a chegar à terapia demonstrando interesse apenas em
brincar/ jogar, nestes momentos ela criava mecanismos de fuga para as intervenções da terapeuta,
evitando o contato com sua demanda, reprimindo qualquer intervenção relacionada a sua família,
aos seus sentimentos e vivências em sua casa ou no abrigo.
Durante a sessão que se sucede, após a terapeuta reforçar o contrato terapêutico e pontuar
T. M sobre ela estar fugindo de falar sobre sua vida, a cliente imediatamente começou a brincar
com os animais, criando uma história, onde trazia sobre sua ida com o irmão para o abrigo, sendo
tomados de forma abrupta pelo “conselho tutelar” (relatos trazidos durante o brincar), sobre o
uso abusivo de drogas pela mãe, e a tomada de sua irmã da guarda da madrinha recentemente,
ao que a terapeuta entra no jogo trabalhando com a criança o que ela trouxe na sessão. Melanie
Klein postulou que a criança ao brincar, vence realidades dolorosas e projeta no exterior seus
impulsos instintivos (Verceze; Sei, 2014). Pode-se perceber este aspecto teórico presente no

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 123


NO ONTEXTO BRASILEIRO
caso, ao se perceber que os mecanismos de fuga da demanda, manifestos pela cliente, somente
eram afastados pela terapeuta quando a cliente se permitia brincar ou jogar durante a sessão;
possibilitando assim o acesso a suas angústias e traumas de forma simbólica através do lúdico.

Conclusão

Desta forma, ficou evidente neste período de atendimento ludoterápico, que a cliente
apresentou sentimentos de tristeza e angústia, além de culpar e responsabilizar-se pelo afastamento
de seus pais e sua casa. Apesar de T. M ter relatado em algumas sessões que consegue ver como
necessário este afastamento de sua casa para que sua mãe se trate, pode-se perceber essa postura
como sendo manifestação da construção de um falso self, isso se evidencia pela constância de
fantasias elaboradas pela cliente sobre a sua volta para a sua casa, ao mesmo tempo em que faz o
semblante de que estar no abrigo é bom para si ou nas tentativas de agradar a terapeuta, tudo isso
se contrapõe ao sentimento de raiva intensa expresso por T.M na terapia, tanto para com abrigo
quanto por agentes sócio jurídicos.
Com a finalização da disciplina de ludoterapia, fez-se o encerramento dos atendimentos sob
supervisão da professora da disciplina correspondente, sendo indicada a realização de entrevista
devolutiva dos atendimentos realizados até então. Tendo sido realizada esta entrevista, com a
psicóloga do abrigo, foi indicado a continuidade do acompanhamento psicoterápico para com
T.M.

Referências

Klein, M. (1981). Psicanálise da criança. (3a ed.). São Paulo, SP: Mestre.

Verceze, F. A. & Sei, M. B. (2014, Maio) A Psicoterapia De Crianças Na Abordagem Winnicottiana:


Relato De Um Caso. Vivências. Revista Eletrônica de Extensão da URI, 10(18), 15-24. Recuperado
de https://www.researchgate.net/publication/317338659_A_psicoterapia_de_criancas_na_
abordagem_winnicottiana_relato_de_um_caso.

Winnicott, D.W. (1975). O brincar & a realidade. Rio de Janeiro, RJ: Imago.

124  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PSICODIAGNÓSTICO CLÍNICO COM CRIANÇA:
ESTUDO DE CASO
Lorena Roberta Oliveira Gonçalves
Sofia Maira Moura do Monte
Ana Caroline Cunha de Sá

Introdução

D
e acordo com Cunha (2007), o psicodiagnóstico é uma avaliação psicológica que
tem intuito de identificar sintomas que permitam a compreensão da situação em
que o sujeito se encontra, buscando fatores que o ajudem a lidar com conflitos
vivenciados. Para realização de tal, é necessário um plano de avaliação com o objetivo de
especificar e programar a aplicação dos instrumentos adequados para cada caso, em busca
de respostas para as hipóteses iniciais. O psicodiagnóstico clínico é considerado uma prática
delimitada, seu objetivo é descrever e compreender mais profundamente a personalidade do
paciente ou da família, abrangendo os aspectos presentes (diagnóstico) e futuros (prognóstico)
dessa personalidade (Ocampo, Arzeno, & Piccolo, 2009).
Em relação ao psicodiagnóstico com crianças, a autora Ocampo et al (2009), relata que
a devolução deve ser dada aos pais e à criança que passou pelo psicodiagnóstico. É necessário
que o paciente se sinta parte do processo de avaliação para colaborar com o psicólogo e ficar
menos ansioso. Para os pais do paciente a entrevista devolutiva é importante, porque a consulta
foi solicitada, provavelmente, por eles e é preciso ajudá-los a fazer a reintegração atualizada da
imagem do filho. A autora Cunha (2007), acrescenta que nas entrevistas devolutivas o psicólogo
deve ser capaz de observar problemas sérios que podem precisar de um encaminhamento e ter
sensibilidade para o manejo da situação.
O psicodiagnóstico interventivo é conceituado como um processo de investigação em que,
simultaneamente, são realizadas intervenções as quais podem trazer melhorias e bem-estar ao
paciente, desde as consultas iniciais. O uso deste tipo de psicodiagnóstico vem ocorrendo desde a
década de 90. Em certos atendimentos foram verificadas mudanças nos pacientes após iniciarem
o processo de psicodiagnóstico, sem haver a intenção de interferência. Tais acontecimentos
levaram profissionais a questionar se o fato paciente-terapeuta já poderia provocar situações que
facilitariam a reorganização mental do analisando (Greinert, Milani, & Tomael 2014).
Winnicott (1984), citado por Greinert et al (2014), foi o precursor dessa forma de avaliação,
denominada por ele de Consultas Terapêuticas. Para o autor, nas consultas terapêuticas, a relação
entre terapeuta e paciente, deve afirmar um clima de confiança para suprir a expectativa do
indivíduo que está em psicodiagnóstico. Desse modo, se estabelece uma identificação recíproca,
entre terapeuta e paciente, semelhante à relação mãe/bebê. Winnicott ainda afirma ser plenamente
possível fazer “um pequeno tratamento” nas entrevistas iniciais e é nesse momento que surgem
informações que só poderiam aparecer meses ou anos mais tarde durante a psicoterapia.
A importância da entrevista lúdica, de acordo com Cunha (2007), se dá pelo fato desta ser
uma técnica de avaliação clínica muito rica, que permite compreender a natureza do pensamento

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 125


NO ONTEXTO BRASILEIRO
infantil, fornecendo informações significativas do ponto de vista evolutivo, psicopatológico
e psicodinâmico, possibilitando formular conclusões diagnosticas, prognosticas e indicações
terapêuticas.
Já quanto a entrevista clínica, esta tem sua importância por ser um procedimento poderoso, e
pelas suas características, é o único capaz de adaptar-se à diversidade de situações clínicas relevantes,
e de fazer explicitar particularidades que escapam a outros procedimentos, principalmente aos
padronizados. A entrevista é a única técnica capaz de testar os limites de aparentes contradições
e de tornar explicitas características indicadas pelos instrumentos padronizados, dando a eles
validade clínica, por isso a necessidade de dar destaque a entrevista clinica no âmbito da avaliação
psicológica (Tavares, 2007).
A entrevista devolutiva tem por finalidade comunicar ao sujeito o resultado da avaliação. Em
muitos casos, essa atividade é integrada em uma mesma sessão, ao final da entrevista. Em outras
situações, principalmente quando as atividades de avaliação se estendem por mais de uma sessão,
é útil destacar a entrevista de devolução do restante do processo. Outro objetivo importante da
entrevista de devolução é permitir ao sujeito expressar seus pensamentos e sentimentos em relação
as conclusões e recomendações do avaliador, permitindo assim, avaliar a reação do sujeito a
elas, ou seja, mesmo na fase devolutiva a entrevista mantem seu aspecto avaliativo e tem-se a
oportunidade de verificar a atitude do sujeito em relação a avaliação e as recomendações, ao seu
desejo de segui-las ou recusá-las (Cunha, 2007).
Segundo Cunha (2007) o modelo de avaliação interventivo baseia-se numa perspectiva de
articulação entre avaliação e intervenção. À medida que é possível constatar os resultados da
avaliação, serão formuladas e aplicadas as estratégias de intervenção, este procedimento segue
até a conclusão do caso. O modelo de psicodiagnóstico interventivo se dá em três etapas, sendo
estas:
1° etapa: compreende a identificação daqueles aspectos que chamam mais a atenção no
desenvolvimento da criança, segundo observação direta do mesmo e dos dados fornecidos pelos
familiares. A partir dessas informações derivam-se as primeiras hipóteses, e dessas, as estratégias
de intervenção.
2° etapa: caracteriza-se pela exploração mais abrangente e organizada de dados avaliativos,
estabelece-se um maior envolvimento da criança e da família no processo, começam o reexame e
o aperfeiçoamento das hipóteses iniciais com as novas informações, bem como a avaliação das
primeiras.
3° etapa: é a conclusiva, é integrado os dados coletados e interpretados, também são
estabelecidos os passos de seguimento e de reavaliação se forem necessários.

Método

N*, 4 anos, sexo feminino, natural de Teresina-PI, é estudante do ensino fundamental menor
de uma escola pública desta capital. Apresenta como queixa principal, ansiedade pela separação
dos pais, demonstrando sentimentos de abandono, que acarretou na criança comportamento
questionador a respeito do assunto. Além disso, a mãe relata que a criança assume uma posição
de independência nas suas atividades do cotidiano.
No primeiro momento foi realizada a Entrevista Inicial e Anamnese com a mãe de N*, com
o objetivo de colher informações mais aprofundadas sobre a vida da criança. Posteriormente foi
realizada a Técnica do Rabisco, que consiste no uso de desenhos e estórias em que a criança projeta
seus conflitos e suas necessidades, bem como seu desenvolvimento intelectual, aspectos positivos
da sua personalidade e motricidade. Nas duas sessões seguintes foram realizados os processos
de Entrevista Lúdica e aplicação do teste psicológico R2 que avalia o fator geral da inteligência,
o seu material é composto por 30 pranchas com figuras coloridas a serem apresentadas uma de
cada vez à criança, estas figuras ou itens estão organizados em ordem crescente de dificuldade,
sendo compostos por figuras geométricas e objetos comuns da experiência das crianças. Cada

126  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
um deles mostra uma figura com uma parte faltando e a examinanda deve identificar, entre as
alternativas disponíveis, na prancha aquela que a completa, de acordo com o tipo de raciocínio
envolvido (Rosa, Pires, Alves, & Esteves, 2013), como forma de averiguar a maneira de brincar,
o manuseio e as expressões utilizadas pela examinanda, através das observações da estagiária e
do teste psicológico visando analisar a inteligência geral da criança. Por fim, ocorreu a Entrevista
Devolutiva, tanto com a mãe quanto com a criança, como forma de informar às interessadas
sobre os resultados obtidos durante o psicodiagnóstico.

Resultados

N* é filha única, mora com a mãe, a avó e um tio. Os pais se separaram quando a criança
tinha seis meses de idade. A mãe relatou que a filha tem postura questionadora, hiperativa e
autônoma, e que a criança demonstra medo de abandono. Inicialmente, através da utilização
da técnica do rabisco e entrevista lúdica, percebeu-se que a criança demonstra sociabilidade,
desenvoltura nos contatos sociais, postura questionadora, ajuste às regras sociais, criatividade,
flexibilidade, organização. Apresentou ainda comportamentos esporádicos de agressividade,
traços de ansiedade e necessidade de autoafirmação.
Durante os encontros para o desenvolvimento do psicodiagnóstico, foi constatado que N*
apresentou perfis de desenvolvimento escolar e psicomotor acima da média-superior para sua
faixa etária, comprovado pelo teste de inteligência R2. Diante disso, pôde-se perceber que tais
resultados também são reforçados pelo fato da criança conviver apenas com adultos, um exemplo
disso é o vocabulário que a criança utilizava durante as sessões de entrevista lúdica.

Discussão

Após a realização de seis sessões de psicodiagnóstico, foi constatado que a criança apresenta
padrões usuais de normalidade, demonstra recursos egóicos dentro dos padrões usuais e alto
desenvolvimento psíquico para sua faixa etária. A realização do psicodiagnóstico na criança resultou
em uma sugestão de psicoterapia para a mãe, com o objetivo de fortalecê-la psiquicamente para que
esta possa compreender as questões de sua filha e ajudá-la em seu desenvolvimento psíquico. Ao
realizar a psicoterapia, a mãe estará mais preparada para entender as manifestações de ansiedade e
agressividade da filha, sendo assim, a criança fortalecerá sua autoimagem.

Referências

Cunha, J. A. (2007). Psicodiagnóstico-V. (5a Ed). Porto Alegre, RS: Artmed.

Greinert, B. R. M., Milani, R. G., & Tomael, M. M. (2014). Psicodiagnóstico interventivo


psicanalítico. Estudos Interdisciplinares em Psicologia. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/
pdf/eip/v5n1/a06.pdf.

Ocampo, M. L. S., Arzeno, M. E. G., & Piccolo, E. G. (2009). O processo psicodiagnóstico e as técnicas
projetivas. São Paulo, SP: Martins Fontes.

Rosa, H. R., Pires, M. L. N., Alves, I. C. B., & Esteves, C. (2013). Estudo normativo do R-2: Teste não
verbal de inteligência para crianças. Bol. Acad. Paulista de Psicologia, 33, 373–387. Recuperado
de http://www.redalyc.org/pdf/946/94629531011.pdf

Tavares, M. (2007). A entrevista clínica. In Cunha, J. A. Psicodiagnóstico-V. (45-56). Porto Alegre,


RS: Artmed.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 127


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A RELAÇÃO DO LUTO MATERNO PELA PERDA DE UM
FILHO NA INFÂNCIA COM A PERDA DE SENTIDO DE
VIDA E IDEAÇÕES SUICIDAS: UM ESTUDO DE CASO
Laryssa Pinheiro Miranda Carvalho

Introdução

P
assar por uma perda significativa, provavelmente, nos faz conhecer os sentimentos
despertados ao lidar com essa experiência, não há ninguém que ao se deparar com
perdas não possa ter experienciado sentimentos diversos. Portanto, o processo de
luto como se sabe, inclui uma variedade de sentimentos, pensamentos e reações.
O fato de cada indivíduo experimentar perdas de maneiras diferentes e, de mães que ao
passarem pela perda de um filho na fase da infância logo após o nascimento ou por causas
repentinas, excluindo, a morte por suicídios e por câncer, poderem perder o sentido de viver e
iniciarem um processo de ideações suicidas advindas de uma observação feita na experiência
clínica profissional com as mesmas intensificou e reverenciou a pesquisa feita.
A concepção que se tem sobre a morte de um filho na fase da infância (0 a 12 anos) e a
atitude que as mães têm diante dela, dando importância a perda de sentido de vida e ideações
suicidas, instigou a pesquisa que será realizada. Acreditou-se que este estudo pode servir para a
compreensão e investigação do luto, os difíceis caminhos que acompanham a perda resultante da
morte de um filho nessa fase da vida, assim como, auxiliar o trabalho de profissionais e acadêmicos
diante da necessidade de compreender sobre esse tipo de reações identificadas nas mães do qual
tratamos no decorrer dessa pesquisa. 
Quando falamos sobre o processo de luto, é compreensível que seja vista a descrença na
resolutividade do mesmo, e, normalmente, ao passarmos por uma situação de perda os valores
da vida sejam reavaliados, é sobre a intensidade da reavaliação chegar a total perda de sentido
de viver e ideias sobre a própria morte das mães que perdem os seus filhos, ainda, crianças nas
condições citadas acima que iremos analisar.
A morte de um filho, como percebido na pratica clinica profissional quando avaliamos sobre
a temática do luto é um dos acontecimentos mais dolorosos da vida de alguém. O sofrimento
vivido pelas mães é sim, independente da idade de seu filho morto, dilacerante. Porém, ao entrar
em contato com mães nessa prática, que vivenciaram a perda de seus filhos na fase da infância (0 a
12 anos) e trouxeram com evidencia a perda de sentido de vida e ideações suicidas percebeu-se um
processo de luto, ainda, mais complexo e importante de ser estudado de forma mais específica.
A perda de um filho pode levar ao desequilíbrio emocional e desenvolvimento de transtornos
psicológicos, mas a morte de um filho na infância, mais que qualquer morte parece ser considerada
uma perda que modifica a vitalidade da identidade pessoal das mães, como se a morte dessa
criança ganhasse outra significância por todo o investimento de cunho afetivo, familiar e social,
pelos poucos dias ou anos que viveu, nos dando a sensação de que essa desorbita a vida das

128  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
mesma, desestabilizando a sua idealização de felicidade e de realização humana por todo o
planejamento desde o concebimento desse filho no qual eram depositados a maioria de suas
energias que agora, entram em ruptura e desgaste.
Mesmo que consigamos perceber as fases do luto, as manifestações dolorosas que alertam
sobre a perda e sentido da vida e ideações suicidas chamam a atenção para o desenvolvimento de
pesquisa na área, podendo, inclusive, dar possibilidade de compreendermos sobre em qual dessas
fases do luto isso pode ser percebido.
Diante de tudo que foi descrito acima, mostra-se como relevante e importante o estudo que
foi realizado, pois, abordou de forma mais especifica a relação que o luto pela perda de um filho
na fase da infância tem com a perda de sentido de vida dessas mães e manifestações de ideações
suicidas, colaborado, diretamente, para compreensão dessas vivencias e as possibilidades de
reação, ainda, mais delicadas relacionadas a elas.
A justificativa para realização desta pesquisa decorreu, então, de contribuir com a compreensão
da vivencia dolorosa dessas mães e suas reações diante dessas perdas, ainda, incompreendidas nesse
contexto, teoricamente, colaborando, portanto, como referência da relação que o luto pelo tipo
de perda descrito nessa discussão introdutória pode ter com a perda de sentido de vida e ideações
suicidas, estando esses relacionados à valorização da vida e prevenção do suicídio, que são assuntos
tão debatidos e estudados na contemporaneidade no Brasil e em nosso Estado, abordando, deste
modo, sobre a temática proposta, além de, relatar sobre histórias reais, através, de vivencia no
cotidiano clinico com mães que manifestaram essas reações.
Diante da justificativa acima descrita, pode-se prever que o impacto que terá a abordagem
da pesquisa que foi realizada, será grande, já que a mesma trata de um tema que sensibiliza,
que parece estar distante de nossa realidade, porém, está cada vez mais presente e precisa, por
consequência, ser discutido, além de contribuir para o referencial teórico acerca da temática,
que poderá ser observada de forma mais presente na nossa sociedade, dando a possibilidade
de compreendermos que a perda de sentido de vida e a manifestação das ideias suicidas estão,
também, diretamente, relacionadas ao processo de luto vivenciados no contexto aqui descrito, o
que, igualmente, manifesta uma alteração clara na subjetividade dessas mães.
Tendo em vista a referida discussão introdutória, situa-se que o estudo em pauta apresentou
a seguinte problemática: Qual a relação do luto pela perda de um filho na fase da infância (0 a 12
anos) com a perda de sentido de vida e manifestação de ideações suicidas?

Método

Para desenvolvimento desta proposta a opção foi por uma pesquisa qualitativa de
modalidade de estudo de caso com formato metodológico da história de vida dos sujeitos da
pesquisa após passarem pela experiência da perda de seus filhos que estavam na fase da infância.
Acrescentando-se que as histórias de vida tem sido, segundo Ferreira, Fischer e Peres (2009, p.71)
“uma alternativa metodológica adequada quando se intenta articular a dimensão individual, ou
seja, a vida experienciada por determinada pessoa, aos fenômenos sociais mais amplos”.
Entende-se que o trabalho centrado no estudo de caso instaura-se como um campo fértil
de estudo, na medida em que parte da subjetividade do sujeito remetendo-nos a refletir sobre
a vivência evidenciada e efeito que ela promove na estruturação de estudos concretos, dando a
possibilidade de identificarmos as experiências, os momentos subjetivos e em comum a outros
sujeitos avaliados para melhor compreensão do estudo que se faz com mesmo.
Tendo em vista o alcance dos objetivos e a compreensão do objeto de estudo, os interlocutores
da pesquisa foram 02 ex-pacientes que passaram por atendimento psicológico clinico profissional.
Desse modo, o cenário da pesquisa foi uma sala de atendimento psicológico em um centro
de prevenção do Suicídio em Teresina, a ONG Centro Débora Mesquita, identificando em toda a
experiência profissional vivenciada com os sujeitos da pesquisa a possibilidade de realizar o estudo

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 129


NO ONTEXTO BRASILEIRO
de caso mais específico desses casos que trouxeram no cotidiano do atendimento psicológico
clínico as relações que foram averiguadas.
Nesse sentido os dados foram analisados a partir do estudo de caso que trouxe de forma
mais sucinta a averiguação que foi realizada através desse método com os sujeitos estabelecendo
a relação na qual essa pesquisa teve a finalidade. Para proceder esta análise será empregada a
técnica da análise de conteúdo que assim é definida:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos,


sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos
ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/
recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (Bardin, 1977, p. 42).

Nesse sentido temos como objetivo geral a análise da relação do luto pela perda de um
filho na fase da infância (0 a 12 anos) com a perda de sentido de vida e ideações suicidas e como
objetivos específicos, a identificação dos aspectos da perda desses filhos na vida das mães e o
entendimento de em qual momento se inicia a perda de sentido e as ideações suicidas no luto.

Resultados

Os resultados que aqui serão apresentados tratarão de fontes bibliográficas ligadas ao


estudo de caso, sendo divididos em três tópicos importantes que foram baseadas nos casos
atendidos, a Maternidade, Luto, Perda de sentido de vida e ideações suicidas, tendo em vista que,
falaremos eticamente de dois casos em que uma mãe perdeu seu bebê logo após o nascimento
deste e a segunda quando o filho estava com oito anos.
Não temos dúvida que os casos atendidos têm uma relação muito comum e verdadeira com
a análise bibliográfica que estar sendo apresentada e que nos dar uma fonte segura de que ambas
trouxeram em ambiente terapêutico uma confirmação desses achados teóricos.

A Maternidade

A gravidez é um momento mágico na vida da mulher envolvendo-a em toda a sua totalidade,


alterando a sua imagem corporal, psicológica e social. Através de uma série de transformações
que exigem adaptações.

Somente a mãe pode sustentar e compreender o sistema de expressão de seu filho. Para ela,
constitui a conexão com a vida e a aplicação sucessiva de seus vínculos e de sua capacidade
afetiva sobre o mundo externo real. Entende-se que o vínculo da mãe com o filho é
determinado por uma gama de fatores, que pressupõe o recrudescimento das relações
primitivas da mulher com sua genitora (Freitas, 2000, p. 48).

Brazelton (1992, p. 17) afirma que: “O bebê dará à mãe a certeza de que seus ideais e
esperanças não realizados serão finalmente satisfeitos”. Nesse sentindo, se afirmarmos, que ao
nascer um filho nasce uma mãe, o que podemos dizer ou compreender quando uma mãe perde
seu filho? Quando nos outros tipos de perdas, a nomenclatura de como nomeamos o enlutado
muda, por exemplo, de casado para viúvo, ou de filho para órfão, mas a mãe, essa não adquire um
novo lugar. Ela continua a ser mãe, agora, porém, de um filho morto. É sobre essa continuidade
dolorosa que pesquisamos e as consequências possíveis que pretendeu-se confirmar.
Vemos o quão significante e vinculosa é a maternidade, isso fica esclarecido em poucas
palavras acima descritas por algumas literaturas, o que de evidente se espera da relação que uma
mãe tem com seu filho, desde a espera do mesmo, até a plenitude de contemplar o ciclo da vida,

130  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
a sensação de sentido que ele trará para a vida dessa mãe. Porém, algo é de difícil compreensão,
esse filho já nasceu, já viveu e já morreu, é diante dessa realidade que veremos a perspectiva da
maternidade, afinal, mesmo que o filho tenha morrido uma mãe não deixou de ser mãe.

Luto

Segundo Freitas (2000, p.47) “A perda de uma pessoa com a qual se mantém vínculos
afetivos, como um filho, é uma experiência dolorosa que fere, machuca e expõe o ser humano à
própria impotência”.

Na sociedade ocidental, a morte é encarada como um “corte” na vida e não como uma
etapa dela. A morte de uma criança evidencia este fato, quando se afirma que ela tem “tudo
pela frente”, que ainda tem muitos projetos a realizar, e muito tempo de vida. Diante da
morte de uma criança, lamenta-se por tudo que ela poderia ter vivido, realizado e construído
(Bronberg, 2000, p. 45).

Podemos afirmar, ainda, que:

Quando se perde um filho, perdem-se muitas perspectivas de futuro, pois é neles que
se depositam sonhos e projetos. Um filho não é apenas uma extensão ou continuidade
biológica de seus pais, mas também psicológica por ter sido investido de cuidado, atenção e
carinho. A morte é vivenciada como “perda de um pedaço” de si. Quando a vida de um filho
é interrompida, os pais são violentamente atingidos (Walsh & Mcgoldrick, 1998, p. 63).

Para Jaramillo (2006, p.198) Luto “é o trabalho pessoal, individual para se reacomodar a
uma vida diferente após a perda de alguém ou algo muito valorizado, de reaprender o mundo,
irreversivelmente transformado sem ele/a”.
As fases do luto são, segundo Kubler-Ross (1998, p.83) a negação, a raiva, a barganha, a
depressão e a aceitação. Estas fases são analisadas a partir de fatos concretos, onde podemos
observar o sentido da vida a partir das próprias perdas.

É importante que as mães possam conversar, dividir com alguém os sentimentos que podem
surgir, como a raiva, tristeza, o desânimo, a saudade. É importante também que as mães
se permitam vivenciar todos esses sentimentos e saibam que o processo de luto leva algum
tempo para ser elaborado. É muito difícil conviver com isso sozinha, a companhia de pessoas
próximas efetivamente é muito importante, para a reestruturação (Freitas, 2000, p. 49).

Perda de sentido de Vida e Ideações Suicidas

É necessário ressaltar que as questões do enlutamento, à medida que afetam o


comportamento da mãe, mudando o curso de seu ciclo vital com consequências negativas, como
a perda de sentido de vida e surgimento de ideações suicidas devem ser avaliadas com extremo
cuidado, para que possa ser delineada a intervenção necessária.

Enlutar-se é um processo de mudanças de esquemas, que todos experenciam em algum


momento. Um acontecimento estressante, com o luto, envolve uma perda: o medo e a dor
fazem com que a pessoa se sinta desamparada. Esse medo, o desamparo, a culpa e outros
sentimentos podem ocorrer como preocupação transitória, após a perda, durante o luto
(Freitas, 2000, p. 36).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 131


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Como vemos bem dito acima todos nós de alguma forma passaremos por um processo de
luto, e luto é perca, perca nos faz sentir emoções variadas, com essas mães não seria diferente e,
ainda, de forma especial pela perca de um filho ser algo considerado ao avesso.

Como auxilio mnemônico dos pacientes com perda de sentido de vida e com ideação suicida
ou, ainda, em crise suicida é sugerido a regra dos Ds, que incluem estados afetivos associados
como, por exemplo, desamparo, desespero e a dor psíquica... Ideação suicida envolve nuances:
desde pensamentos passageiros de que a vida não vale á pena ser vivida até preocupações
intensas sobre querer viver ou morrer... A interpretação de achados sobre ideação suicida é
cercada por incertezas, principalmente devido aos vieses na conceituação do fenômeno, á
forma e ao conteúdo das perguntas que são feitas ao paciente, e á diversidade cultural dos
grupos populacionais incluídos nos estudos. Em uma mesma população, pequenas sutilezas
nas palavras ou na forma de perguntar costumam fazer a diferença (Botega, 2015, pp. 53-
54).

Diante das colocações breves de achados da literatura acerca da perda de sentido de vida,
ainda, pouco estudada, e a conceituação da ideação suicida podemos observar que, ambas são
de difícil compreensão, como vimos anteriormente, as próprias perguntas ou a forma como são
feitas delimitam a forma como são compreendidas, inclusive, numa mesma população, o que
nos leva a compreender que, por exemplo, as mães que perderam seus filhos, algumas podem
ter vivenciado esses dois processos citados acima durante o luto, mas não tiveram como ou não
conseguiram relatar sobre os mesmos.
Diante de tudo acima descrito e da experiência clínica vivenciada em serviço de Psicologia,
a hipótese confirmada é que, existe sim uma relação entre o luto pela perda de um filho na fase
da infância e a perda de sentido de vida e ideações suicidas em uma das etapas desse luto, assim
como se excluiu a possibilidade de, somente, esses advirem de transtorno psicológico, iniciando,
portanto, esses processos logo após a perda desse filho dada por causas inesperadas e surpresas.
Essa certeza se deu ainda mais, pelo fato das duas pacientes não terem nenhum transtorno
associado a esse sofrimento emocional tanto após hipótese diagnóstica psicológica, como após
avaliação psiquiátrica.
Identificamos que a questão da perda de sentido de vida tem uma relação com a perda de
seus filhos, diante dos casos atendidos vimos que essa perda inicia durante a fase da negação de
luto, pois, essas mães afirmaram em suas falas:
“Eu não acredito que perdi minha filha, a minha vida não tem mais sentido sem ela, por isso,
eu prefiro morrer. ”
“É mentira que eu perdi meu bebê doutora, eu vou me matar, não suporto essa dor”.

Discussão

Não temos dúvida que a relação aqui estudada é muitas vezes não identificada, e, ainda,
não temos nenhum estudo na própria graduação que fale de luto de forma tão esclarecida, tão
pouco, de forma especifica.
Podemos compreender que as sensações sentidas ou estados afetivos das mães que perdem
o seu filho, se pararmos para relacionar que já existe a sensação de desamparo, a dor, o medo e a
culpa ligados ao desespero, temos diante de nós uma possibilidade muito grande de encontrarmos
como consequências a perda de sentido de viver e as ideações suicidas.
O Suicídio é um fenômeno complexo e multidimensional, com a presença de diversos
elementos. Uma série de fatores estão associados com o risco de suicídio, incluindo a doença

132  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
mental, o uso de drogas e álcool, bem como fatores sócioeconômicos. Circunstâncias externas,
tais como eventos traumáticos de perda, separação, luto, falência financeira, podem desencadear
o suicídio, porém não parece ser uma causa independente, significam uma crise individual de
difícil elaboração. Nesse sentido as ideações suicidas e perda de sentido de vida também estão
ligadas a esses elementos.
Precisamos compreender e entender estudando muito mais sobre a temática do suicídio e
muito mais quais tipos de eventos podem ter relação com a mesma, como uma forma de, inclusive,
podermos prevenir ainda mais. O luto é um processo doloroso e como diversos teóricos citados
acima ele pode ter diversas reações e consequências, e essa é sim uma delas, como já identificado
nesses dois casos atendidos.
No Brasil, os dados epidemiológicos indicam um importante avanço para mapear a
gravidade do problema, através de inúmeras pesquisas que indicam as populações com maior risco
suicida, avaliadas segundo gênero, idade, sexo, presença de transtornos mentais, características
psicopatológicas e modalidades dos atos suicidas, inclusive com alguns desses aspectos também
já estudados e confirmados em outra pesquisa realizada por essa mesma autora no mesmo local
de estudo utilizado para esse trabalho.
A produção de conhecimento e a discussão a respeito do tema, ainda, são escassas e,
infelizmente, apesar de algumas mudanças, a sociedade, em geral, apresenta grande resistência em
trazer o assunto à tona. Os profissionais de saúde no geral têm pouca informação, por isso, esse
artigo é de extrema importância não só para acrescentar acervo bibliográfico, mas também para
compartilhar informações e acrescentar uma possibilidade de elementos, diretamente ligados, ao
surgimento dessa demanda de sofrimento emocional.

Referências

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Botega, N. J. (2015) Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed.

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Porto Alegre: Artmed.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 133


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A DEPRESSÃO NO MUNDO ACADÊMICO: A ANÁLISE DE
ELEMENTOS QUE DESENCADEIAM OS TRANSTORNOS
DEPRESSIVOS
Karine Rocha Oliveira
 Brena Carvalho Barros Araujo
Larisse Linhares Monteiro
Sarah Lowhanne Silva Rocha
Rebeka Alves Rios
Khalina Assunção Bezerra

Introdução

D
e acordo com Wachowicz (1998), a universidade deve ser uma instituição que
vise formar o indivíduo a partir de uma educação geral, onde esse saber deve
ser uma ferramenta para levar as pessoas a terem relações maduras e saudáveis.
Entretanto, o ambiente universitário muitas vezes desencadeia uma série de fatores que podem
afetar de modo negativo nas relações intersociais dos discentes, pois, o período de ingresso
como estudantes em instituições de ensino superior exigem muito dos universitários, seja em suas
habilidades interpessoais ou acadêmicas (Bolsoni-Silva & Guerra, 2014). Na maioria das vezes, a
entrada no mundo acadêmico é paralela a fase que o jovem ainda está passando por uma série
de transformações maturacionais, fisiológicas, neurológicas e psicológicas (Santos, 2014). Nesse
contexto os jovens vivenciam um período de crise, submetidos a uma grande carga de estresse,
cobranças sociais, pessoais e familiares, junto à falta de apoio e subsídio financeiro inadequados,
podendo assim, atuar no desencadeamento de transtornos mentais, entre eles a depressão
(Nogueira & Neufeld, 2014).
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-DMS-V (2014):

Os transtornos depressivos incluem transtorno disruptivo da desregulação do humor,


transtorno depressivo maior (incluindo episódio depressivo maior), transtorno depressivo
persistente (distimia), transtorno disfórico pré-menstrual, transtorno depressivo induzido
por substância/medicamento, transtorno depressivo devido à outra condição médica, outro
transtorno depressivo especificado e transtorno depressivo não especificado. A característica
comum desses transtornos é a presença de humor triste, vazio ou irritável, acompanhado
de alterações somáticas e cognitivas que afetam significativamente a capacidade de
funcionamento do indivíduo. O que difere entre eles são os aspectos de duração, momento
ou etiologia presumida (p.155).

A depressão vem sendo o transtorno de humor mais comum no mundo contemporâneo.


Nos Estados Unidos, por exemplo, a depressão já representa a segunda causa de internações por

134  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
distúrbios psiquiátricos, ficando atrás apenas da esquizofrenia (Oliveira, 2013). A Organização
Mundial da Saúde (OMS) acredita que em 2030, a depressão será a doença mais comum do
mundo, à frente de patologias cardíacas e do câncer. Os transtornos depressivos serão os processos
de adoecimento que mais gerarão gastos econômicos e sociais para o estado, devido às despesas
com tratamento para a população e às perdas por afastamento do trabalho (Oliveira, 2013).
O transtorno depressivo acomete indivíduos independentemente de classe, de credo, de
raça, grau de escolaridade e faixa etária. Uma em cada dez pessoas tem um episódio de depressão
pelo menos uma vez na vida, podendo ter como causa desencadeante: situação infeliz, estresse
constante ou, em alguns casos, doença grave (Oliveira, 2013). Nos indivíduos acometidos pela
depressão há uma alteração da percepção em relação a si mesmo, há uma deformidade das
circunstâncias da vida real, que não é suprimida por evidências objetivas. O pensamento da pessoa
deprimida marcha na maioria das vezes para a auto-depreciação (Oliveira, 2013).
A entrada no mundo universitário e o consequente início das exigências profissionais
são reconhecidamente geradores de estresse, podendo afetar a saúde e a qualidade de vida
dos estudantes. Nessa fase da vida, a competição, a carga horária, as atividades curriculares e
extracurriculares, além das responsabilidades inerentes à profissão, interferem no equilíbrio
emocional dos jovens. Percebe-se assim, uma forte relação entre universidade e a depressão
(Pereira, Capanema, Silva, Garcia & Petroiano, 2015).
Tendo em vista o tema exposto, o presente artigo aborda algumas questões como, por
exemplo: Quais os principais fatores que influenciam a depressão entre universitários?
No intuito de compreender essa relação partiu-se de hipóteses como: a concorrência entre
os acadêmicos para alcançar as melhores notas pode desencadear estados depressivos; pressão
familiar e pessoal são fatores que interferem na saúde mental dos universitários; exigências
financeiras e sociais que o ambiente universitário impõe também influenciam na perda/
manutenção da saúde mental dos acadêmicos;
Nos últimos anos, estudantes dos mais diversos cursos têm apresentado casos de depressão,
mostrando assim a importância de se fazer levantamento e análises dessas ocorrências, para que
se possam conhecer as causas e assim promover ações estratégicas que amenizem a freqüência
desses problemas na vida dos universitários, pois os mesmos trazem sofrimento e prejuízo para a
vida acadêmica, social e pessoal do indivíduo (Cambricoli & Toledo, 2017).
As pesquisas apontam o estresse como importante fator implicado no desencadeamento de
sintomas depressivos, assim vários estudos têm sido realizado nos últimos anos, a fim de verificar
a existência de sintomas depressivos desencadeados pela sobrecarga acadêmica cotidiana destes
estudantes. Em 2004, por exemplo, pesquisaram-se sintomas depressivos entre estudantes de
Medicina da Universidade Federal de Uberlândia em Minas Gerais, assim como no segundo
semestre de 2009 foi pesquisada a prevalência de sintomas semelhantes em acadêmicos de
Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ambas no Brasil (Oliveira, 2013).
Estima-se que de 15 a 25% dos universitários desenvolvam algum transtorno mental na formação
sendo a depressão um dos mais prevalentes (Cremasco & Baptista, 2017).
Em vista disso, o estudo sobre a depressão entre universitários visa contribuir para um
melhor entendimento das variáveis existentes no mundo acadêmico, que acabam por culminar
no aparecimento de transtornos mentais entre a população de alunos do ensino superior. Além
de proporcionar reflexões acerca de ações que auxiliem os estudantes a ter a manutenção de sua
saúde mental.
Nas páginas seguintes, será apresentado, o percurso metodológico, isto é, o delineamento
da pesquisa, descritores, coletas de dados, ou seja, os caminhos percorridos para a elaboração
do presente trabalho. Além disso, serão apresentados os resultados e discussões acerca do tema
proposto e por fim as considerações finais.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 135


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Metodologia

O presente trabalho trata-se de uma pesquisa de revisão sistemática da literatura, sendo


assim, não necessária à coleta de dados em campo. O processo de coleta das informações iniciou-
se com a definição do tema do estudo: a depressão entre universitários. O levantamento de
bibliografia do tema abordado fora feito através de artigos, dissertações, e trabalhos de conclusão
de curso publicados, nos últimos anos.
A pesquisa bibliográfica se caracteriza por buscar resolver um problema ou adquirir
novos conhecimentos a partir do emprego exclusivo de informações provenientes de materiais
gráficos, sonoro ou informatizado (Prestes, 2012). Para fazer esse tipo de pesquisa, busca-se fazer
levantamentos dos temas e abordagens já trabalhadas por outros pesquisadores, compreendendo
os conceitos e explorando os aspectos já publicados, tornando assim importante levantar e
selecionar os conhecimentos já catalogados em bibliotecas, editoras, videotecas, na internet,
entre outros meios. Esse tipo de pesquisa é uma ferramenta de grande relevância, pois ela é capaz
de atender os objetivos tanto dos alunos em sua formação acadêmica, como de pesquisadores. A
mesma dá a possibilidade de construir trabalhos inéditos que objetivem rever, reanalisar, reavaliar,
conhecimentos já estudados e assim criar novos paradigmas de conhecimentos nas mais diversas
áreas do saber científico (Prestes, 2012).
Para a realização das etapas seguintes desse trabalho, foram selecionados somente artigos.
Para a seleção dos mesmos, a pesquisa foi feita a partir de artigos selecionados em plataformas
nacionais e internacionais como, Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PEPSIC), Literatura Latino
Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Para um melhor resultado a ser obtido,
foram selecionados artigos entre os anos de 2000 a 2017. Além disso, elencaram-se critérios de
inclusão e exclusão. Como critérios de inclusão utilizaram-se: artigos somente em português que
contemplavam o quadro depressivo entre os universitários de forma geral e que evidenciassem
os fatores que podem influenciar esse quadro. Como critérios de exclusão foram: artigos em
línguas estrangeiras que falavam sobre a depressão relacionada ao público universitário em
cursos específicos. Optou-se também pela utilização de vocabulário controlado (descritores), tais
como: depressão, universitários depressivos, depressão de estudantes, universitários depressivos
e ansiedade. Tudo isto, objetivando refinar a procura e detectar trabalhos publicados dentro dos
critérios estabelecidos, para assim obter resultados satisfatórios.
Por se tratar de um artigo de revisão de literatura, de acordo com a resolução de nº 510/2016
não houve necessidade de submissão do presente estudo ao Comitê de Ética em Pesquisa (Conselho
Nacional de Saúde, 2016).

Resultados

Para a análise dos dados, foram encontrados 10 artigos a base de dados LILACS e 4 artigos
no PEPSIC a partir dos critérios de inclusão e exclusão, produzindo uma amostra final de 5 artigos.
Após as leituras optou-se em organizar as informações dos artigos selecionados, conforme mostra
a tabela 1 a seguir:

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Tabela 1
Classificação dos artigos selecionados de acordo com o título, autor, revista/ano e resumo.
Título Autor Revista/Ano Resumo

O presente artigo tem como objetivo identificar e


comparar a prevalência de transtornos depressivos
e índices de suicídio entre estudantes de medicina,
fisioterapia e terapia ocupacional da faculdade de
Prevalência de ciências médicas de minas gerais (FCMMG).Este artigo
depressão entre Julio de Melo apresenta os resultados de uma pesquisa de campo,
estudantes Cavestro e Artigo Original/ com delineamento transversal,composta por 820
universitários Fabio Lopes 2006 alunos; mediante a comparação utilizou-se o teste qui-
Rocha quadrado (x²)e o teste de Fisher, onde tais resultados
concluiu-se a prevalência de transtornos depressivos
maior e ideações suicidas foram significativamente
maiores entre os estudantes de terapia ocupacional
quando em comparação com estudantes de medicina
e fisioterapia.

O objetivo do estudo científico é caracterizar quais


os fatores contribuintes para o desenvolvimento da
depressão entre universitários, levando-se em conta
a faixa etária, estado civil, sexo, nível socioeconômico
e histórico de doença mental na família. O método
utilizado foi um delineamento transversal. Como
instrumentos de pesquisa foram usados: questionário
de identificação, o questionário de saúde geral de
Adriana
Goldberg-QSG e a escala de depressão-EDEP. Contou-
Munhoz
Saúde geral e sintomas Saúde e se com a participação de 98 estudantes de diferentes
Carneiro,
depressivos em Sociedade/ cursos de uma universidade particular de Rondônia.
Makilim
universitários 2012 De acordo com os dados encontrados, o estado
Nunes
civil, faixa etária, nível socioeconômico e histórico de
Baptista
doença mental na família, apontados como fatores
contribuintes para a depressão não são em si um fator
desencadeante de doença mental, pois de acordo com
os dados não foram alcançados resultados suficientes
que mostrassem essa ligação entre depressão e as
variáveis citadas. Já a variável sexo foi um fator que
mostrou uma forte relação para o desenvolvimento de
transtornos depressivos.

O presente estudo buscou investigar os trabalhos


referentes à espiritualidade e/ou sintomatologia
depressiva em estudantes universitários brasileiros,
através de uma revisão sistemática da literatura entre
os anos de 2003 a 2013. Percebeu-se que cada vez
mais pesquisadores têm investigado a influencia da
Espiritualidade e espiritualidade na vida do indivíduo, principalmente
Revista de
sintomatologia Rodrigo no que se refere à saúde. Porém no Brasil, ainda é
Psicologia da
depressiva em Carvalho uma área de estudos restritos. Além disso, abordou a
UNESP 12 (2) /
estudantes Carlotto relação entre depressão e espiritualidade no contexto
2013
universitários brasileiros universitário. Elencando assim alguns fatores que
desencadeiam a depressão no contexto universitário
como: a competição imposta dentro da universidade,
o maior grau de dificuldade das avaliações, a falta de
momentos de lazer, a menor percepção de suporte
familiar, a escassez de tempo para a convivência com
amigos, entre outros.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 137


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Alguns autores acreditam que o déficit de habilidades
sociais é importante ser avaliado, pois pode resultar
em problemas de enfrentamento de desafios na
vida acadêmica, trazendo eventos negativos para
os universitários. Com o objetivo de analisar tal
indicativo o presente estudo trata-se de uma pesquisa
que busca comparar indicadores comportamentais de
habilidades sociais e as percepções de conseqüências
Alessandra
O impacto das nas interações entre universitários com e sem
Turini
habilidades sociais Psicologia: depressão. Foi utilizado como método, o delineamento
Bolsoni-Silva
para a depressão Teoria e transversal, tendo a participação de 128 estudantes de
e
em estudantes Pesquisa/2016 diferentes cursos de uma universidade pública, sendo
Sonia Regina
universitários divididos em dois grupos: 64 estudantes clínicos e
Loureiro
64 não clínicos. No estudo foram utilizados o QHC-
Universitários, IHS-Del-Prette e uma Entrevista Clínica
Estruturada para o DSM-IV como instrumento. De
maneira geral, o grupo clínico e não clínico obteve
resultados diferenciados em relação a freqüência e
qualidade das habilidades sociais, confirmando assim,
uma associação entre déficits de habilidades sociais e
depressão.
O presente artigo teve o intuito de avaliar a qualidade de
vida de estudantes universitários portugueses de duas
universidades distintas, conferido os estilos de vida,
assim como os métodos acadêmicos desses estudantes
Marília e avaliando a presença de sinais de stress, ansiedade e
Saudades de Casa: Martins depressão entre esses alunos. É um estudo descritivo e
Indicativos de depressão, Vizzotto, Revista com delineamento transversal, do qual participaram
ansiedade, qualidade Saul Neves Psicologia e 238 estudantes universitários portugueses, dos quais
de vida e adaptação de de Jesus e Saúde / 2017 145 são estudantes da Universidade de Algarve e 93
estudantes universitários Alda Calé universitários de Aveiro, sendo os mesmos de cursos
Martins distintos. O estudo revelou que entre os acadêmicos
pesquisados há uma boa qualidade de vida, mas que
as mulheres foram aquelas que alcançaram níveis mais
altos de qualidade de vida, embora seja muito pouca a
diferença entre os gêneros. 

Discussão

De acordo com a tabela 1, um dos artigos analisados foi o “Espiritualidade e Sintomatologia


depressiva em estudantes universitários brasileiros”, do autor Carlotto (2013), no qual a temática
abordada colabora para responder o questionamento desse estudo: quais os principais fatores que
influenciam a depressão entre universitários? Para o autor de acordo com o seu estudo, fatores
como a competição imposta dentro da universidade, o maior grau de dificuldade das avaliações,
a falta de momentos de lazer, a menor percepção de suporte familiar, a escassez de tempo para
a convivência com os amigos, entre outros fatores acabam por culminar no aparecimento de
transtorno depressivo entre esse público. Portanto a obra vai ao encontro de uma das hipóteses
aqui levantadas: a concorrência entre os acadêmicos para tirar as melhores notas é um fator de
estresse, que se encaixa na competição dentro do mundo acadêmico, como fator que influencia
a depressão.
O artigo que tem como título “Saúde geral e sintomas depressivos em universitários”, dos
autores Carneiro e Baptista (2012), condiz com a segunda hipótese levantada, isto é, a pressão
pessoal e familiar influência na saúde mental dos universitários. Os autores afirmam que um
dos fatores contribuintes para os transtornos depressivos é influenciado pela pressão pessoal, na
qual o indivíduo possui distúrbios psicossomáticos do sono, alto estresse psíquico, desconfiança
no próprio desempenho, comprometimentos físicos e fator genético, gerando desesperança,
identificação de sentimentos como tristeza, raiva e incapacidade.

138  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Outro artigo analisado foi “Prevalência de depressão entre estudantes universitários”,
dos autores Cavestro e Rocha (2006). Para os autores, existem fatores que poderão influenciar
a prevalência de depressão entre os estudantes, mas isso depende do nível em que o aluno se
encontra, pois, os fatores tais como volume de informações que o aluno passa a receber, um
novo modelo de estudo e a carga horária exigida pela faculdade, se encontram no início da vida
acadêmica. Já no final de sua formação prevalece os fatores como a insegurança em relação a
sua própria competência e ao mercado de trabalho, acarretando estresse e prejudicando a saúde
mental dos estudantes e conseqüentemente o aparecimento de sintomas depressivos. Dessa
forma, o posicionamento dos autores vai ao encontro da segunda hipótese, para qual a pressão
pessoal influencia no desenvolvimento de um quadro depressivo.
O artigo, que tem como título “Saudade de casa: Indicativos de depressão, ansiedade,
qualidade de vida e adaptação de estudantes universitários” dos autores Vizzotto, e Martins (2017),
vêm avaliar a qualidade de vida de estudantes universitários nas esferas familiares, profissionais,
práticas sociais e sua saúde física. Os autores demonstram características da vida acadêmica que
pode vir acarretada de mudanças como as cobranças profissionais e sociais, a saída de casa,
o desligamento da família, a adaptação às novas atividades curriculares, cobranças financeiras
(como consequência da saída de casa) e até mesmo mudanças no modo de viver antes adotado
pelos mesmos. Essas alterações estão sendo por eles associadas ao estresse e outros sintomas
emocionais. Sendo assim confirma a hipótese de que as exigências financeiras e sociais que o
ambiente universitário impõe são, também, fatores ligados ao desenvolvimento da depressão
entre universitários.
De acordo com a tabela 1, outro artigo analisado foi o “O impacto das habilidades sociais
para adaptação em estudantes universitários” das autoras Bolsoni-Silva e Loureiro (2016). Para
elas, as habilidades sociais são exigidas tanto para resolver problemas e desenvolver estratégias
de enfretamento na universidade quanto para lidar com as exigências sociais. Portanto, baixas
habilidades sociais relacionadas a eventos negativos são condições que favorecem a depressão
entre os universitários, pois esse déficit dificulta o estudante a lidar com interações sociais
aversivas. Confirmando assim, parte da terceira hipótese: exigências financeiras e sociais que o
ambiente universitário impõe.
Diante das análises dos artigos selecionados e a literatura pesquisada para o desenvolvimento
desse estudo, as hipóteses previamente levantadas puderam ser analisadas e percebeu-se
coesão entre o questionamento em senso-comum e o que a literatura apresenta. Porém,é válido
ressaltar que, a pressão familiar relacionada à segunda hipótese não se mostrou relevante para
o desenvolvimento do transtorno depressivo entre os universitários, pois não foram encontrados
dados suficientes para confirmá-la.
Após todas as análises feitas alguns questionamentos são pertinentes, pois os dados
encontrados são de grande interesse para a comunidade cientifica, afinal o ambiente universitário
é um formador de novos profissionais, mostra dados alarmantes em relação à saúde mental dos
indivíduos nele inseridos. Desta forma, surgiram as seguintes problematizações: as Instituições
de Ensino Superior estão atentas a saúde mental de seus discentes? Que medidas de prevenção e
posvenção seriam possíveis serem adotadas dentro do mundo acadêmico?

Considerações Finais

O contexto universitário tem sido cada vez mais identificado como um percussor de
sofrimento psíquico. Em decorrência disso, a depressão é um transtorno que poderá surgir na vida
desses indivíduos, em virtude de múltiplas variáveis que vem desde seu ingresso até a sua formação.
Diante disso ressalta-se que a adaptação ao novo mundo, concorrência acadêmica, exigências

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 139


NO ONTEXTO BRASILEIRO
acadêmicas, carga horária excessiva de estudos, pressão pessoal, exigências financeiras e sociais,
preocupações com o mercado de trabalho, são os fatores mais persistentes que influenciam a
depressão entre os universitários.
Observou-se que no Brasil são poucos os estudos voltados para a depressão entre
universitários de forma geral, tema este de muita relevância, pois se percebe um aumento no
número de pessoas com depressão tanto na nação brasileira, quanto fora do país. Segundo
dados da Organização Mundial da Saúde estimam que em 2015 cerca de 332 milhões de pessoas
sofriam com transtornos depressivos, das quais mais de 11,5 milhões eram brasileiros. Ainda
de acordo com a mesma houve forte alta no número global de vítimas afetadas pela depressão
frente ao último levantamento que trazia estimativas para o ano de 2005. Na depressão esse
número chegou a 18,4%, segundo o relatório divulgado pela OMS em fevereiro de 2017 (Baima &
Grandelle, 2017, pp.1-2). Nesse contexto percebeu-se que a universidade é uma das instituições
sociais que colabora para o aumento das doenças psíquicas. Em virtude disso, faz-se necessário
que seja revisto parâmetros do mundo acadêmico, pois ele é um formador de pessoas que vai além
de meros profissionais para o mercado de trabalho, respeitando assim os limites e a subjetividade
de cada indivíduo, tendo em vista que os mesmo têm uma vida além dos muros acadêmicos.
Pesquisas de caráter empírico são necessárias para melhor se perceber a dimensão
do problema existente relacionado ao adoecimento mental entre universitários. Sentiu-se a
necessidade de expandir na literatura científica estudos de análises sobre o tema, sendo assim,
é relevante investigar o assunto no contexto atual que vivenciamos. Portanto o aprofundamento
de estudos pode direcionar estratégias e tomadas de atitudes que possam ajudar e melhorar a
situação dos indivíduos no contexto universitário.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 141


NO ONTEXTO BRASILEIRO
EIXO TEMÁTICO

PSICOLOGIA DA SAÚDE
A IMPORTÂNCIA DA PSICOLOGIA E OS BENEFÍCIOS
DA EQUOTERAPIA EM RELAÇÃO AO TRANSTORNO DO
ESPECTRO AUTISTA
Ana Carolina Martins Monteiro Silva

Introdução

O
Transtorno do Espectro Autista (TEA) ocorre antes dos três anos de idade e pode
ser apercebido por meio de diversas características que sucedem na maioria dos
casos, ainda nos primeiros anos de vida, como exemplo a falta de correspondência
a estímulos como carinho pela mãe. Siegel (2008, p. 21) resume que “o autismo é uma perturbação
do desenvolvimento que afeta múltiplos aspectos da forma de como uma criança vê o mundo e
aprende a partir de suas próprias experiências. ”
O diagnóstico se dá com o paciente sendo observado em diversas situações por um psicólogo.
Após diagnosticado, é aconselhável que a família busque os tratamentos mais apropriados para
a melhor qualidade de vida, que estimule seu convívio social e também motive seus aspectos
motores e sensoriais. Uma das práticas indicadas seria a equoterapia, que preenche todos os
requisitos necessários.
De acordo com o site da Associação Nacional de Equoterapia ANDE-Brasil (http://
equoterapia.org.br, recuperado em: 18 de dezembro de 2017), o conceito de equoterapia se dá por
ser uma atividade que se utiliza do cavalo buscando de forma interdisciplinar o desenvolvimento
biopsicossocial do indivíduo com deficiências e/ou necessidades especiais. A equoterapia necessita
da participação do corpo inteiro beneficiando assim o desenvolvimento da força muscular,
relaxamento, conscientização do próprio corpo e aperfeiçoamento da coordenação motora e
do equilíbrio. Dessa forma, com a orientação certa, esse tipo de terapia com cavalos ajuda no
desenvolvimento da criança com autismo.
Na equoterapia, as sessões podem ser em grupo, no entanto, é importante que o planejamento
e o acompanhamento sejam individualizados para o maior benefício do praticamente e eficácia no
progresso, que deve ser feita por meio de registros periódicos e sistemáticos de todas as atividades
desenvolvidas pelos praticantes (ANDE-Brasil).
Para a melhoramento do praticamente, assim chamado alguém que faz equoterapia, é
necessário o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar, composta por fisioterapeutas,
psicólogos e demais profissionais tanto da saúde como da educação, para que tudo de relevância
seja supervisionado e avaliado.

O trabalho em equipe possibilita uma troca mais rica de informações e conhecimento


entre as áreas, podendo assim ser traçado um plano terapêutico em que o praticante seja
visto como um todo, um ser dotado de capacidades e com potencial a ser desenvolvido,
desabrochando para a vida num contexto maior, o social. (Rodrigues, 2006, p.177)

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 143


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Alguns dos efeitos terapêuticos alcançados pela equoterapia que poderiam ser citados seria
o melhoramento de relações: que leva em questão os aspectos de comunicação, autocontrole e
demais; o melhoramento da psicomotricidade: a mobilidade de articulações da coluna e bacia,
equilíbrio da postura da coluna e pôr fim a melhoria da socialização: que integra os indivíduos
com danos corporais e/ou cognitivos aos demais praticantes, com o cavalo que inclui as diversas
etapas de montaria e por fim com a equipe interdisciplinar (Silva & Aguiar, 2008).
Dessa forma, o objetivo desse trabalho é de analisar por meio de revisão bibliográfica a
prática da equoterapia em si e os efeitos em relação a pacientes com autismo, procurando dessa
forma discorrer sobre o TEA e como a terapia com cavalos é utilizada com crianças, procurando
por fim reforçar os benefícios que acontecem com o método e também salientar a importância do
psicólogo no contexto multidisciplinar da terapia.

Método

Este trabalho fundamentou-se em revisão bibliográfica, que é realizado com base de materiais
prontos, tais como livros, artigos, relatórios de estágios, teses e demais, todos eles contribuindo
para a recolha de dados acerca de um determinado assunto (Marconi & Lakatos, 2003).
Marconi e Lakatos também relatam que (2003, p. 255), “pesquisa alguma parte hoje
da estaca zero. [...] alguém ou um grupo, em algum lugar, já deve ter feito pesquisas iguais ou
semelhantes, ou mesmo complementares de certos aspectos da pesquisa pretendida. ”
Visto isso, esse trabalho de revisão bibliográfica teve como fonte de base de dados plataformas
online como o Google Acadêmico, Scielo e Revistas Cientificas, usando como palavras-chave:
autismo; hippotherapy; psychology; equoterapia; autismo e psicologia. Foram selecionados textos em
inglês e português que se relacionavam ao assunto, excluindo aqueles que falavam apenas dos
benefícios físicos e relacionados a qualquer outro tipo de deficiência. Por fim, foram selecionados
10 artigos científicos, e também foram usados livros que remetiam ao assunto para a base teórica.

Resultados

O autismo teve seus primeiros estudos iniciados através dos pesquisadores austríacos
Kanner e Asperger na primeira metade do século XX. Kanner começou fazendo pesquisas com
diversas crianças, observando o comportamento e características típicas que são mostradas em
crianças autistas, denominando por fim “distúrbios autisticos do contato afetivo”. Já quanto a
Asperger, o seu estudo era mais abrangente e orgânico, além de ter alcançado um maior número
de crianças do que foi observado incialmente por Kanner, foi visto também uma prevalência do
sexo masculino nas pesquisas de Asperger (Klin, 2006).
O pediatra também é responsável pela categorização da Síndrome de Asperger, uma condição
psiquiátrica do espectro autista que foi nomeada em sua homenagem.

As síndromes autísticas e a de Asperger são síndromes originadas de alterações precoces


e fundamentais no processo de socialização, levando a uma cascata de impactos no
desenvolvimento da atividade e adaptação, da comunicação e imaginação sociais, entre
outros comprometimentos. Muitas áreas do funcionamento cognitivo estão frequentemente
preservadas e, às vezes, os indivíduos com essas condições exibem habilidades surpreendentes
e até prodigiosas. (Klin, 2006, p. 10)

Até hoje, não existe fundamento que explique de fato os reais motivos do autismo, no
entanto, é possível associar o autismo com diversos fatores internos e externos, tais como idade

144  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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parental avançada ou baixo peso ao nascer (Souza & Silva, 2015). Também é possível ver que a
genética serve de fator relevante, já que segundo Souza e Silva (2015, p. 07) “existem estimativas
de herdabilidade para o transtorno, variando de 37% até mais ou menos 90%, com base nas taxas
de concordância entre gêmeos. ”
O diagnóstico do autismo é uma das etapas mais importantes e necessária já que, sendo
diagnosticado no início da vida, é viável procurar meios para aumentar a qualidade de vida da
pessoa. O diagnóstico é dado após observações da criança e uma análise de seu comportamento, é
visto “um déficit no seu desenvolvimento motor e cognitivo, devido esta dificuldade em desenvolver
o esquema corporal e a noção de espaço temporal (Cruz & Pottker, 2017, p. 150).
Dessa forma, com o diagnóstico precoce, é cabível trabalhar em métodos para o
desenvolvimento da psicomotricidade da criança e futuramente adulto, visto que, o autismo não
tem cura, apenas tratamento para o benefício social e físico do autista.
Diversos tratamentos são disponíveis para crianças com autismo, cada um deles focando
de forma especifica ou geral na melhoria de aspectos fundamentais como fonética, linguagem,
controle físico e mental e demais. A equoterapia é uma forma de tratamento e não apenas contribui
na coordenação motora e aspectos corporais, mas também no desenvolvimento psicomotor (Cruz
& Pottker, 2017).
Para Cirillo (1998, p. 32) “A equoterapia é um tratamento de reeducação e reabilitação
motora e mental, através da prática de atividades equestres, e técnicas de equitação”.
A história da equoterapia começou nos anos 50, com a dinamarquesa Madame Lis Hartel,
cadeirante por conta de paralisia infantil, fez reabilitação com a equitação e junto a seu cavalo
conseguiu diversas medalhas olímpicas. A partir dos anos 60 a visão de usar cavalos para propósitos
terapêuticos atravessou grande parte da Europa e América do Norte (Gabriels et al., 2012).
No Brasil, a equoterapia teve seu marco inicial com a criação da Associação Nacional de
Equoterapia (ANDE) que tem sua sede em Brasília. Foi reconhecida pelo Conselho Federal de
Medicina em 1997 e atualmente o uso da equoterapia é encontrado em diversas cidades. O cavalo
é uma grande ajuda principalmente com crianças por ser um animal forte e dócil que se deixa
manusear, atraindo o afeto dos pacientes menores. (Zam & Trentini, 2016).
De acordo com Cruz e Pottker (2017, p. 154), “a utilização de animais em terapias trazem
benefícios, psíquicos e físicos, tanto para a pessoa quanto para o animal, não classificando a
equoterapia como apenas um lazer. ”
Também sobre os benefícios da terapia com cavalos em relação a crianças com TEA, é
apontado que:

A Equoterapia traz benefícios para a criança autista, como: desenvolvimento de esquema


corporal, devido a interação do corpo com o meio, ajudando na postura e equilíbrio;
coordenação motora, utilizando os músculos maiores ou menores para controlar os
movimentos do corpo; Estruturação espacial, auxiliando a situar-se no meio que se vive e
a estabelecer relações e; orientação temporal, constituindo a organização de acordo com
a sua rotina, desenvolvendo a percepção do tempo de cada ação. (Cruz & Pottker, 2017, p.
154)

Já Zam e Trentini (2016) afirmam que:

A equoterapia visa organizar as funções cognitivas mais complexas, como atenção, memória
e linguagem, por meio nível sensorial estimulado pelo movimento do cavalo, pelo contato
com o animal, sua linguagem não verbal e docilidade, a fim de estabelecer com quem monta
uma relação afetiva na qual as possibilidades de desenvolvimento pessoal crescem. (p. 83)

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 145


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A equoterapia é indicada para pessoas que sofreram sequelas de lesões medulares, lesões
cerebrais, atraso maturativo e entre outros. Também é indicado para casos de ansiedade, como
por exemplo gagueira e o tratamento de distúrbios visuais, comportamentais e auditivos. Autismo
e psicoses infantis também são levados em consideração e são grande parte dos praticantes.
No entanto, a equoterapia não é apropriada para pacientes com lesões vertebrais graves,
cardiopatias agudas e mais outros problemas físicos. Além disso, se é recomendado que a idade
do praticante seja a partir dos 03 anos de idade (Freire, 1999).
O acompanhamento e planejamento das sessões de equoterapia são feitas de forma
individual, já que cada praticante tem propósitos diferentes de acordo com o que é mais indicado.
A equipe mínima para o trabalho da equoterapia deve conter profissionais da saúde, educação e
equitação.
A família também é dita como um fator importante para a contribuição do tratamento. Cruz
e Pottker (2017, p. 157) relatam que “além de uma equipe para o tratamento desta criança, são de
suma importância o acompanhamento e apoio da família, para que ele se desenvolva ainda mais. ”
Para Freire (1999, p. 50) “É de relevância que que a família contribua com o tratamento, para
melhor prognostico, e que os profissionais atuem de maneira interdisciplinar e transdisciplinar”.
Visto as circunstâncias, é ciente que o psicólogo é necessário para a execução da equoterapia,
já que ele procura priorizar os fatores emocionais do praticante, ou seja, sendo levado em
consideração aspectos como frustração, relação de espaço e consciência corporal. Por meio de
entrevistas e avaliações, é possível que se faça intervenção e com o resto da equipe, estabelecer
quais objetivos devem ser tratados durante a prática da equoterapia (Bueno & Monteiro, 2011).
Bueno e Monteiro (2011, p. 177) manifestam que “suas intervenções em geral buscam ter uma
visão global sobre os sujeitos e suas necessidades e potencialidades, o que reforça a importância
que este profissional desempenha na equoterapia. ”
Por fim, a respeito do desempenho do psicólogo à equoterapia:

O psicólogo realiza avaliações psicológicas com a família e com o praticante, quando


possível, para ter uma maior compreensão do mesmo. Além disso, auxilia na aproximação
do praticante com o animal, o que é crucial para o desenvolvimento do tratamento. O
psicólogo ajuda na montaria, que ocorre a partir do momento em que se estabelece um
vínculo afetivo entre o indivíduo e o cavalo, encontrando assim, confiança para montar.
Porém, quando há dificuldade em montar o animal, é realizado o processo de maternagem,
isto é, o terapeuta monta juntamente com o praticante, fornecendo maior segurança
(Gimenes & Andrade, 2004 p. 2).

Um estudo para se verificar os benefícios da equoterapia com crianças e adolescentes que


possuem o transtorno do espectro autista feito com 43 participantes com idades variadas de 06
a 16 anos mostrou evidencias de que, com um período de 10 semanas, a terapia com cavalos
beneficiou bastante os praticantes, especialmente no sentido de hiperatividade, irritação, noções
motoras e linguagem. (Gabriels et al., 2012)
Durante as sessões dessa pesquisa, as crianças e jovens com autismo foram encorajados
pelos instrutores a comandar verbalmente os cavalos, o que pode servir de exemplo como uma das
melhorias nas habilidades de linguagem. Gabriels et al. (2012, p. 586) relata que “uma resposta
imediata do cavalo (mesmo que sutil) para uma criança com TAA pode ser usada no tratamento
para ajudar a criança a entender melhor ou torna-se consciente do impacto do comportamento
sócio comunicacional dele ou dela. ”
Em suma, o estudo mostrou que os cavalos podem vir a organizar e/ou melhorar o sistema
sensorial de uma criança com autismo. Concluindo que estudar as interações entre homem-

146  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
animal por meio da equoterapia é importante pois colabora com pesquisas com finalidade de
uma melhor qualidade de vida para pessoas com TEA. (Gabriels et al., 2012)
Outra pesquisa quantitativa também aponta como benefícios que crianças após um
período de 12 semanas de tratamento manifestaram melhor atividade sensorial, motivação
social e a diminuição de comportamentos sedentários. (Bass, Duchowny & Lladre, 2009). Os
autores concluíram que “os resultados forneceram evidencias preliminares que atividades equinas
assistidas podem ser uma opção viável para tratamento dessas crianças (Bass et al., 2009, p.
1.277)

Discussão

É possível ver que se tem bastante proveito da terapia com cavalos, pois o animal propõe a
criança autista a capacidade de vocalizar comandos que serão obedecidos, ajuda a aprimorar o
equilíbrio, colabora na amenização de ansiedades e demais. (Freire, 1999)
Com o tratamento, o praticante tem maior chance de aprimorar seus estímulos, também
criando afeição com o cavalo, o que consequentemente beneficia o desenvolvimento social. É
necessário que o praticante sinta-se confortável e seguro durante a prática de terapia com
cavalos, para que não tenha nenhum conflito delongando os resultados. Outro aspecto que deve
ser ressaltado é a importância de projetos inclusivos para crianças de baixa renda, visto que, a
equoterapia é beneficial, no entanto não é alcançável a certas camadas sociais.
A presença do psicólogo é imprescindível no acompanhamento do praticante visto que
o dever do psicólogo é auxiliar o praticante, buscando trabalhar possíveis conflitos, traumas e
demais adversidades que possam comprometer a recuperação e melhora do paciente. O psicólogo
também tem o dever de conhecer os demais integrantes da equipe interdisciplinar, a família da
criança ou jovem e o cavalo, assim trabalhando em conjunto com a finalidade de dominar e
conhecer os métodos que serão usados durante as sessões em prol do benefício do praticante.
(Souza & Silva, 2015)
Ao finalizar o trabalho, pode ser visto que existe uma pequena gama de material relacionada
a equoterapia e em especial em relação a psicologia, salientando assim, a importância de mais
pesquisas qualitativas e quantitativas para o melhor conhecimento do assunto e material para
aperfeiçoamento de métodos de tratamento. A equoterapia se mostrou como um tratamento
efetivo na melhoria da qualidade de vida de crianças e adultos com autismo, trazendo benefícios
físicos e sociais, melhorando aspectos como autonomia e a coordenação motora.

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148  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
TRANSTORNO DE ANSIEDADE EM ESTUDANTES
UNIVERSITÁRIOS: UMA REVISÃO DE 2008 A 2016
Karoline Andrade Pereira
Adauto de Vasconcelos Montenegro
Adriana Benvinda Barbosa Rodrigues
Valéria Assunção Lima

Introdução

A
tualmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2016), o Brasil
encontra-se em primeiro lugar em relação aos transtornos de ansiedade, 9,3% dos
brasileiros têm algum transtorno de ansiedade, e encontra-se em quinto lugar em
relação à depressão, que afeta 5,8% da população.
No que concerne ao campo de estudos acerca da temática, o Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais V (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM V), ao tratar
da ansiedade e de suas manifestações, aponta e descreve os transtornos de ansiedade como
“transtornos que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações
comportamentais relacionadas.” (APA, p.189). De acordo com o manual, o medo e a ansiedade
são sentimentos naturais, sendo os dois necessários à sobrevivência humana, pois preparam o
organismo para momentos decisivos e auxiliam na adaptação ao ambiente.
A literatura tem caracterizado a ansiedade como um estado de humor orientado para o
futuro associado à possibilidade de ocorrência de um acontecimento negativo, ou seja, ao
sentimento eminente de perigo, medo e de situações e reações desagradáveis para a pessoa
(Batista & Oliveira, 2005; Brandtner & Bardagi, 2009; Vianna, Campos, & Landeira-Fernandez,
2009; Pinto, Martins, Pinheiro, & Oliveira, 2015). Segundo Lipp (2000), a resposta do estresse
produz alterações cognitivas, comportamentais e fisiológicas e depende da forma como o
indivíduo percebe o estressor e sua capacidade de lidar com o mesmo. Portanto, entende-se que a
pessoa com ansiedade tende a temer situações em que ela está posta em risco, desconsiderando,
por vezes, sua capacidade de enfrentamento.
Por partirem de um sentimento natural do ser humano, os transtornos de ansiedade possuem
diferentes manifestações e podem aparecer em diversos estágios do desenvolvimento como o
transtorno de ansiedade de separação, por exemplo, que pode aparecer em crianças, jovens e
adultos. Os transtornos de ansiedade apresentam grande comorbidade entre si, entretanto, como
o próprio Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais V pontua, eles podem ser
diferenciados a partir de uma análise detalhada da situação que os manifestam.
O contexto universitário tem se tornado um espaço onde é verificada a existência de
demandas psicossociais cada vez mais complexas (Pereira, 2012) a exemplo da prevalência de
transtornos mentais em estudantes de graduação. Entre os transtornos mentais, a literatura
especializada recente (Medeiros & Bittencourt, 2017; Lantyer, Varanda, Souza, Padovani, & Viana,
2016; Carvalho, Bertolini, Milani, & Martins, 2015; Padovani et al., 2014; Alves, 2014) indica
prevalência significativa de transtornos de ansiedade e de depressão em estudantes universitários.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 149


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Rocha e Sassi (2013) afirmam que têm sido verificadas maiores taxas de transtornos mentais
em amostras de estudantes universitários em comparação a outros indivíduos da mesma faixa
etária que não estão inseridos na universidade. Em consonância com tais dados, Fioretti, Rossoni,
Borges e Miranda (2010) afirmam que é significativo o número de indivíduos que apresentam o
primeiro episódio psiquiátrico durante o período de graduação.
Revisões de literatura no contexto acadêmico que descrevem estudos brasileiros e
internacionais apontam percentuais entre 15% a 29% de estudantes universitários apresentando
algum tipo de transtorno psiquiátrico durante sua vida acadêmica (Cavestro & Rocha, 2006).
Percebe-se, ainda, que a emergência de demandas psicossociais significativas no período da
graduação está relacionada também à fase de desenvolvimento em que se encontram a maioria
dos estudantes de graduação: a transição da adolescência para a vida adulta ou início da vida
adulta.
Segundo Almeida e Soares (2003) como citado em Brandtner e Bardagi (2009, p. 81), “Nessa
transição, os estudantes enfrentam desafios relacionais (estabelecimento de novos vínculos),
acadêmicos (adaptação a um modelo diferente de avaliação e aprendizagem), vocacionais
(estabelecimento de uma identidade de carreira), entre outros”. Neste sentido, as novas
competências sociais exigidas pela fase de desenvolvimento se misturam àquelas requeridas pelo
contexto acadêmico do ensino superior, como visão crítica, leitura e produção de textos científicos
e raciocínio lógico, ou seja, competências técnico-científicas, e por outro lado, competências
sociais, como o relacionamento com colegas e professores, autonomia, responsabilidade,
gerenciamento do tempo e planejamento do futuro acadêmico-profissional.
Outros fatores que se configuram como predisponentes ou intensificadores de demandas
de caráter psicossocial no período acadêmico são as seguintes: dificuldades socioeconômicas,
moradia longe do grupo familiar de referência; falta de motivação para a carreira escolhida;
conflitos com colegas e professores e o “desafio do currículo imposto” (Cruz, Pinto, Almeida, &
Aleluia, n.d).
A proximidade do período de avaliações, a frequente necessidade de apresentação de
trabalhos e as contundentes exigências acadêmicas extraclasse podem ser encaradas pelos
alunos como momentos decisivos que evocam sentimentos e comportamentos caracterizados
como ansiosos. Nesse período diversos artifícios encontrados e usados para amenizar a situação
podem comprometer a saúde mental e física dos alunos resultando em impactos negativos em
seus desempenhos acadêmicos e nas suas relações interpessoais. Portanto, apesar de serem
sentimentos que fazem parte da existência humana, quando a frequência e intensidade apresentam-
se em excesso sem motivo aparente caracterizam-se como transtornos e devem ser tratados por
profissionais. (Cruz et al., n.d; Cassepp & Silva, 2015).
Desta forma, o campo de estudo da saúde mental no ensino superior vem se destacando de
maneira significativa e exigindo a atenção de profissionais e pesquisadores de diversos campos,
como Educação, Saúde Mental, Psicologia e Medicina.
Ao se analisar o final da adolescência e início da fase adulta como um período marcado por
mudanças, físicas e sociais, no qual o indivíduo pode enfrentar questões relacionadas a amizades,
sexualidade, desafios de ordem vocacionais e acadêmicas, além de preocupações relacionadas
à vida financeira, fazem-se necessários questionamentos a respeito do que se tem produzido
cientificamente sobre a temática.
A partir desse cenário, o presente trabalho tem como objetivo principal realizar uma revisão
de literatura acerca de transtornos de ansiedade em universitários.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método

O atual estudo consiste em uma revisão sistemática da literatura, baseando-se nas


características seguintes: revisões sistemáticas são específicas, seleção com base em critérios,
estratégias de busca explícitas e avaliação criteriosa e reprodutível e síntese quantitativa.
O método empregado pode ser descrito por meio das seguintes etapas: a) busca no Portal
de Periódicos da CAPES (versão assinada); b) triagem dos manuscritos; c) análise quantitativa
dos manuscritos, com base em categorias previamente definidas. Os descritores utilizados
foram: ansiedade, universitários, universidade. Os critérios de inclusão foram: publicações de
2006 a 2018, considerando-se apenas artigos publicados em periódicos revisados por pares, que
se configurassem como pesquisa de campo, no mínimo, em uma de suas etapas de pesquisa e
que tivessem como temática principal ou correlata a investigação da ansiedade em estudantes
universitários.

Resultados

Inicialmente, a busca resultou em 131 artigos científicos que discutem a temática. Após
algumas fases de triagem realizadas, 13 trabalhos foram selecionados por cumprirem os critérios
estabelecidos. Os trabalhos foram analisados e ordenados quanto ao ano e delineamento e
perfil da pesquisa (Tabela 1) e Distribuição quanto à área do periódico (Tabela 2). O período de
publicação foi o de 2008 a 2016, considerando o tipo de trabalho, autores e área da publicação.
Os estudos selecionados foram organizados quanto ao ano, delineamento da pesquisa,
periódicos científicos utilizados na divulgação e, por fim, realizou-se uma análise qualitativa dos
resultados encontrados constituindo este trabalho como um elemento de consulta para pesquisas
futuras, além de embasar a prática profissional e o desenvolvimento de programas e intervenções.
No que se diz respeito aos temas abordados, dentre os 13 trabalhos analisados, 4 tratam
da ansiedade aliada à depressão, 3 abordam o tema da ansiedade em graduandos do curso de
Enfermagem, 2 abordam a Qualidade de vida, 1 trabalho é de caráter bibliométrico, 1 aborda o
tema com residentes de Medicina, 1 aborda a temática com estudantes de Biomedicina e 1 trabalho
compara os níveis de ansiedade entre concluintes e ingressantes nos cursos de graduação. Após
esse primeiro momento de identificação dos trabalhos, os mesmos foram agrupados a partir de
seus temas a fim de compor categorias a serem analisadas. As categorias resultantes, em ordem
decrescente em quantidade de documentos, foram: Ansiedade e depressão (4), Enfermagem (3),
Qualidade de vida (2), Medicina-biomedicina (2), Bibliométrico (1) e Ingressantes e concluintes
(1).

Tabela 1
Distribuição quanto ao delineamento de pesquisa e ao ano de publicação

Perfil da pesquisa 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Quantitativa 1 2 _ 1 1 1 1 2 2

Qualitativa _ _ _ _ _ _ _ _ _

Quali-quantitativa _ _ 1 _ _ _ _ _ 1

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 151


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Tabela 2

Distribuição quanto à área do periódico


Quantativo de artigos Área do Periódico
6 Psicologia
1 Saúde Mental
1 Saúde geral
1 Enfermagem
1 Educação
1 Educação Médica
2 Interdisciplinar

Discussão e Conclusão

Historicamente denominada “melancolia”, a depressão é um fenômeno retratado por


Hipócrates no século IV a.C (Moreira, Garcia & Sabino, 1997). Presente de diferentes formas
e nas mais diversas classes sociais e faixa etárias, atualmente, a depressão é a maior causa de
incapacidade no mundo (OMS, 2017). O referido transtorno é caracterizado por comportamentos
autodepreciativos, alterações no humor, perda do prazer em atividades anteriormente consideradas
importantes e prazerosas. Essas características são, não raramente, comuns em acadêmicos que
têm que lidar com as exigências da graduação e acabam sucumbindo frente a tantas tarefas e
pouco tempo para o cuidado de si mesmos.
A partir do acima exposto e corroborando tais evidências, a categoria com maior número
de periódicos foi a denominada ansiedade e depressão. Os trabalhos datam de 2009 a 2014 e
abordam questões que versam sobre a relação entre ansiedade e atividades acadêmicas.
Os achados dessa categoria também se destacam quanto aos universitários dos cursos de
ciências humanas, em especial do curso de Psicologia, pois são os que apresentam maiores índices
de ansiedade e depressão, de acordo com a busca realizada.
A distribuição quanto aos anos mostra- como era esperado tendo em vista o aumento do
número de pesquisadores e da preocupação em relação à saúde mental da população mundial-
um aumento de trabalhos publicados nos últimos quatro anos, em especial o ano de 2016 com três
trabalhos publicados, sendo dois deles relacionados aos estudantes da área da saúde: o estudo
de Claudino e Cordeiro (2016) versando sobre ansiedade e depressão em alunos de enfermagem
a fim de estudar os níveis apresentados nesses indivíduos, lançando mão de instrumentos como o
Inventário de Saúde Mental – Mental Health Inventory (MHI), o que levou-o a ratificar um dado
conhecido, qual seja, o de que tais psicopatologias se fazem presentes mais acentuadamente em
indivíduos do sexo feminino.
O estudo de Soratto, Cardozo e Gomes (2016) - que faz parte da categoria Biomedicina-
medicina - buscando analisar fatores associados à ansiedade e tendo sua amostra composta por
estudantes do curso de Biomedicina, os quais 65% apresentaram nível leve; 25% nível moderado e
10% nível intenso de ansiedade.
O terceiro trabalho, publicado em 2016, versa sobre a Qualidade de Vida dos universitários.
Sua amostra possui estudantes da área da saúde como Psicologia e Educação Física. Os resultados
do referido estudo corroboram os achados de Claudino e Correia (2016) - da categoria Enfermagem
- no que diz respeito aos níveis baixos apresentados pelos indivíduos do sexo masculino em relação
às psicopatologias. Quanto aos resultados envolvendo estudantes do curso de Psicologia, no que
diz respeito ao quesito AE da Qualidade de Vida- o domínio AE refere-se à influência negativa dos

152  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
problemas emocionais na realização de tarefas cotidianas sejam acadêmicas ou não - esse quesito
é preocupante por apresentarem-se em estudantes do sexo feminino (representam a maioria nos
cursos de psicologia do país) que se preparam para lidar em suas vidas profissionais com a saúde
mental de outros indivíduos.
Os períodos finais dos cursos de graduação apresentam-se como os mais ansiogênico para
os estudantes (Carvalho, Bertolini, Milani, & Martins, 2015). Deste modo, é possível imaginar que
esse período de transição (saída da universidade para adentrar o mercado de trabalho) seja visto
como uma situação ameaçadora. E ainda, esses índices se apresentam de forma mais significativa
quantitativamente entre mulheres do que entre homens, segundo Carvalho et al. (2015). Desta
forma, pode-se entender que, jovens universitárias têm maior probabilidade a desenvolver
transtornos de ansiedade durante a vida acadêmica.
Pode-se afirmar que, atualmente, os jovens estão tão suscetíveis a situações de risco de
ansiedade quanto os adultos, considerando o número crescente em universidades e faculdades
nos últimos anos. Neste sentido, consideramos pertinente estudar e fazer um levantamento das
publicações científicas que têm como discussão investigar sobre a ansiedade nos estudantes do
ensino superior, tornando-se essencial considerar todo o envolvimento cultural, étnico e social da
pessoa, para se obter uma avaliação mais fidedigna de seus mecanismos de adaptação.
Durante a graduação, algumas situações acadêmicas são consideradas estressoras para um
percentual dos jovens universitários, como: apresentação oral de trabalhos, dias anteriores a provas,
atividades clínicas práticas (em caso de alunos da área das ciências biológicas) (Claudino & Cordeiro,
2004). Por outro lado, fatores de preocupação a longo e médio prazo em exercer uma profissão após
a finalização do curso, realização profissional, objetivos profissionais e financeiros em curto prazo
após o término do curso e desemprego são alguns exemplos de possíveis estressores que podem se
apresentar em maior escala ao período final do curso. (Cruz et al., n.d; Cassepp & Silva, 2015).
Assim, percebe-se a importância de serviços de orientação ao aluno, que algumas universidades
oferecem, mas de caráter assistemático (Bardagi & Hutz, 2005). Estes serviços são criados com
o propósito de auxiliar os alunos tanto em questões acadêmicas, vocacionais ou pessoais,
mas pressupõem, em sua maioria, que o aluno identifique algum tipo de sofrimento e procure
atendimento. Nesse sentido, observamos que o serviço deva se dar como uma medida preventiva.
Ademais, é preciso considerar algumas limitações do estudo, como o número de publicações
catalogadas e a pouca representatividade quantitativa entre os anos de publicação. Desta forma,
os resultados devem ser vistos com cautela, uma vez que este levantamento não pode se dar como
findado e tampouco, generalista. Faz-se necessário também que o número de pesquisas sobre a
temática cresça, para que se possa abranger um maior número de alunos, bem como seus cursos,
faixa etária, regiões geográficas das universidades, dentre outros aspectos. São fundamentais
também os estudos longitudinais, em que os alunos possam ser acompanhados ao longo da
graduação, com avaliações periódicas de saúde emocional.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 155


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ASSOCIAÇÃO ENTRE QUALIDADE DE VIDA E SUICIDIO
Sabrina Magalhães Martins da Silva
Icaro Moreira Costa
Ana Karine Sousa Cavalcante
Cynthia de Freitas Melo

Introdução

N
as últimas décadas, pesquisas realizadas têm demonstrado que o comportamento,
o estilo de vida e a qualidade de vida dos indivíduos podem ter um impacto
significativo sobre sua saúde e doença, física e mental. Especialmente, cresce uma
preocupação com as questões relacionadas à qualidade de vida (QV), em consonância com o
conceito amplo de saúde (Almeida & Malagris, 2012).
Não existe um conceito único e definitivo sobre qualidade de vida, contudo, é possível
identificar como aspecto em comum nas diversas definições, a percepção dos sujeitos sobre o
meio em que estão inseridos. Apreensão que depende das condições históricas, ambientais e
socioculturais de determinado grupo, sendo, portanto, relativa e variável a contextos e recortes
situacionais específicos (Pereira, Teixeira, & Santos, 2013).
A exemplo, Gonçalves e Vilarta (2004) definem qualidade de vida pela maneira como as
pessoas compreendem e vivenciam seu cotidiano, envolvendo aspectos de saúde, educação,
transporte, moradia, trabalho e participação nas decisões que lhes dizem respeito. Gonçalves
(2004) delimita a qualidade de vida à percepção subjetiva do processo de produção, circulação
e consumo de bens e riquezas. Para Nahas (2001), qualidade de vida é a condição humana
resultante de um conjunto de parâmetros individuais e socioambientais, modificáveis ou não, que
caracterizam as condições em que vive o ser humano. E, como definição mais adotada, e utilizada
no presente artigo, a da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1995) assume a qualidade de
vida como a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de
valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.
A forma como o conceito é abordado e mensurado é determinada conforme o interesse
científico e político de cada área de investigação. Às vezes é tratado como sinônimo de saúde,
felicidade, satisfação pessoal ou condições e estilo de vida, embora esses sejam apenas alguns
aspectos a serem considerados no conceito mais abrangente de qualidade de vida. Como
consequência, seus indicadores são amplos e variados, abordando a satisfação do sujeito sob
diversos aspectos da sua vida, como disposição física e mental, renda, espiritualidade, segurança,
vínculos sociais e, sendo por ora uma temática de difícil compreensão devido à sua complexidade
(Pereira et al., 2013). Diante disso, avaliar a qualidade de vida através de indicadores pré-
estabelecidos não é uma tarefa tão fácil, visto que se torna imprescindível não apenas compreender
como este sujeito percebe sua existência, mas também depreender que percepções podem suscita-
lo a uma conclusão positiva ou negativa sobre seu modo de vida.

156  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A partir da interação entre esses indicadores, compreende-se que a qualidade de vida
abrange uma compreensão multidimensional, em que é ressaltada a necessidade de inserir no seu
entendimento os aspectos físicos, as interações sociais, o comportamento afetivo e emocional e a
saúde mental. Fatores que podem influenciar, e serem influenciados, pelo desejo de deixar de viver,
de morrer, ou de dar fim a própria vida, uma vez que esses definem-se a partir de como o indivíduo
percebe sua posição na vida (Brasil & Conceição, 2016; Gonzáles & Lopes, 2015; Ferrari, Silva, &
Petroski, 2012; Lira, Avelar, & Bueno, 2015; Minayo, Hartz, & Buss, 2000; Sutter & King, 2012).
Sobre esse aspecto, a literatura evidencia que a qualidade de vida pode provocar mudanças
nas capacidades de enfrentamento de situações de estresse e tem sido associada com vários
comportamentos de risco, incluindo uso de álcool e outras drogas e comportamentos violentos
e agressivos. Além disso os indivíduos podem responder com declínio da satisfação com a vida,
apresentando ideação suicida e tentativa de suicídio (Abuabara, Abuabara, & Tonchuk, 2017;
Hasan, 2017; Oliveira, Santos, & Furegato, 2017). Qualidade de vida e suicídio são, portanto,
dois temas tratados isoladamente na literatura, mas que caminham paralelamente, ou mesmo
interlaçados, pois, como afimam Berzins e Watanabe (2012), falar de suicido é também falar da
vida e da qualidade de vida.
Há, portanto, urgência de estudos mais expressivos sobre o assunto, para compreender
a relação entre (qualidade de) vida e morte. Isso porque o suicídio é um tema imperativo na
sociedade, que assume um número expressivo de 800 mil mortes por ano no mundo (Gondim et
al., 2017; Teismann et al., 2018). Os dados confirmam que a cada 40 segundos, uma pessoa tira
a sua própria vida, ocorrendo nesse mesmo período de tempo 20 tentativas frustradas. Ou seja,
além dos casos de suicídio efetivados e registrados, ainda existem as tentativas, que são de 10 a 20
vezes mais frequentes (Botega, 2014; Nunes, Pinto, Lopes, Enes, & Botti, 2016).
Configura-se, portanto, um grave problema de saúde pública a nível mundial, sinalizando a
urgência de se desenvolver estratégias precisas de prevenção e controle do fenômeno, desenvolvendo
ações de cuidado efetivo à pacientes que já realizaram tentativas ou que demonstrem algum tipo
de ideação suicida (Fukumitsu & Kovács, 2016; Minayo, Meneguel, & Cavalcante, 2012).
Diante da necessidade de aprofundar a discussão sobre vida e morte, a presente pesquisa
objetiva verificar em que medida o nível de qualidade de vida se relaciona com a ideação suicida.
Assim, pode-se compreender os fatores subjetivos que podem levar um sujeito a considerar o
suicídio como uma possibilidade. É importante, portanto, a pertinência de estudos que abordem
a questão da qualidade de vida como uma ferramenta válida de conhecimento em prol de prevenir
o suicídio, compreendendo os subsídios que norteiem essa tomada de decisão.

Método

Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratória, realizada por meio de levantamento


via internet em todo o Brasil. Contou-se com 11.863 participantes, brasileiros com quaisquer
características sociodemográficas. A maioria dos participantes é mulher (f = 8470; 71,40%),
solteira (f = 7595; 64%), branca (f = 5277; 44,50%), católica (f = 3796; 32%), com ensino superior
incompleto (f = 4556; 38,40%), não trabalha (f = 4383; 36,90%), com renda mensal abaixo de mil
reais (f = 4245; 35,80%).
Para verificar a qualidade de vida, foi aplicada a versão abreviada, em português, do
WHOQOL-bref. Possuindo 26 itens, o WHOQOL é respondido em escala de resposta Likert que
varia de 1 a 5. A questão 1 e 2 avaliam a autopercepção da qualidade de vida (aqui denominado
WHOQOL-1) e satisfação com a saúde (aqui denominado WHOQOL-2). Os 24 itens posteriores
representam cada uma das 24 facetas que compõem o instrumento original (WHOQOL-100),
agrupadas em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. Diferente

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 157


NO ONTEXTO BRASILEIRO
do WHOQOL-100, em que cada uma das 24 facetas é avaliada a partir de quatro questões, no
WHOQOL-bref cada faceta é avaliada por apenas uma questão: aquela que mais altamente se
correlaciona com o escore total, calculado pela média de todas as facetas.
Para mensurar os riscos de suicídio foi utilizada a escala Risk Assenment Suicide Scale (RASS).
Desenvolvida e validada por Fountoulakis et al. (2012), a RASS tem como objetivo apontar o
índice de risco de suicídio, podendo ser utilizada tanto em população geral, como em pacientes
psiquiátricos. É composta por 12 itens (sendo nove positivos e três negativos), com escala de
resposta Likert, variável entre “De modo algum/ Nunca” (0) à “Muitas vezes/ Muitíssimo” (3), a
serem respondidos baseados nos acontecimentos da última semana. Possui 3 fatores: intenção,
vida e história, podendo também averiguar-se um valor total de risco de suicídio. O fator “Intenção”
é composto pelos itens 5, 6, 7 e 8, faz referência a intenção do respondente em praticar suicídio.
O fator “Vida”, formado pelos itens 2, 3, 4, 9 e 10, mensuram a percepção sobre o viver. Por fim,
o fator “História”, composto pelos itens 11 e 12, busca verificar episódios suicídio durante a vida.
Considerando-se os aspectos éticos referentes a pesquisas envolvendo seres humanos, o
presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza,
sob parecer Nº 1.356.319. Em seguida o instrumento foi disponibilizado na internet juntamente
com o Termo de Consentimento Livre Esclarecido – TCLE, por meio de uma página específica e
de domínio privado. A divulgação ocorreu por meio de redes sociais, reportagens televisionadas,
revistas e portais digitais, on-line (facebook) em divulgação de grupos de interesse e de interesse
em geral. Destaca-se ainda que foram respeitados os aspectos éticos exigidos pela Resolução nº
466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
As análises de dados foram realizadas com auxílio do pacote estatístico SPSS (Statistical
Package for Social Science) for Windows versão 22, dividida em quatro etapas. Primeiro foi traçado
o perfil da amostra, por meio de estatística descritiva (frequência, porcentagem e medidas de
tendência central e dispersão). Na segunda etapa foi realizada a análise descritiva dos resultados
da escala de qualidade de vida. Para tanto, foram verificadas as pontuações dos itens 1 – Percepção
da qualidade de vida (resultado em média de 1 a 5) e 2 – Satisfação com a saúde (resultado em
média de 1 a 5) e de cada um dos quatro domínios (resultado em média em escala de 0 a 100).
Depois, esses foram interpretados em quartis: 0 a 24 - muito insatisfeito; 25 a 49 - insatisfeito; 50
a 74 - satisfeitos; e 75 a 100 - muito satisfeitos. Na terceira etapa, foi realizada a análise descritiva
dos resultados da escala de risco de suicídio. Para tanto, foram realizados os somatórios das
pontuações da escala total risco de suicídio (com valor que varia de 0 a 36) e de cada sub-escala
(com pontuações que variam entre 0-12 – sub-escala 1; 0-15 – fator 2 e 0-6 – sub-escala). Em
seguida, verificou-se a quantidade de sujeitos que ficam na média de pontuação (considerando
o desvio padrão) e os que ficaram abaixo da média ou acima da média. Por fim, na quarta etapa
das análises, foram realizadas análises correlações entre as subescalas e índice total da escala de
risco de suicídio (RASS) com os domínios da escala de QV.

Resultados

São apresentados nesta seção os resultados encontrados na pontuação dos dois primeiros
itens da escala de QV e dos domínios anteriormente descritos: Domínio físico, Domínio psicológico,
Relações sociais e o Meio ambiente. Em seguida serão apresentados os resultados na pontuação
total de risco de suicídio e das suas sub-escalas anteriormente descritas: subescala 1 - Intenção;
subescala 2 – vida; subescala 3 – história. Por fim, serão apresentadas as correlações das variáveis
apresentadas.
Na análise dos Índices de Qualidade de Vida, verificou-se que a autopercepção da QV (item
1) dos participantes obteve média 3,50 (DP = 0,91), variando entre 1 e 5; e a satisfação com

158  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
a saúde (item 2) obteve média 3,16 (DP = 1,05), variando entre 1 e 5. Evidencia-se, portanto,
que a amostra investigada possui uma “boa” avaliação sobre sua qualidade de vida e saúde. O
Domínio Físico apresentou média 62,12 (DP = 17,85), variando entre 00 e 100. Compreende-se,
portanto, que os participantes da amostra estão “satisfeitos” com sua condição física. O Domínio
Psicológico apresentou média 52,53 (DP = 19,47), variando entre 0 e 100, classificado como
“satisfeitos”. O Domínio Relações Sociais apresentou média 54,29 (DP = 19,91), variando entre 0
e 100, classificado como “satisfeitos”. O Domínio Meio Ambiente apresentou média 51,74 (DP =
16,80), variando entre 0 e 100, classificado como “satisfeitos”.
Na análise dos Índices de Risco de Suicídio verificou-se que a pontuação de Risco de suicídio
total apresentou uma média de 9,66 (DP = 4,30), com pontuação que varia entre 00 e 31,00.
Observou-se que 6.161 (51,90%) da amostra pesquisada apresentara pontuação abaixo da média
e 4.488 (37,80%) apresentaram-se acima da média. O fator 1 “Intenção”, apresentou média de
1,43 (DP = 2,23), com pontuação variando entre 00 e 12. Observou-se que 7.022 (59,20%) da
amostra pesquisada está abaixo da média e 3.539 (29,80%) foram verificados acima desta média,
possuindo maior intenção de cometer suicídio. No fator 2 “Vida” a média apresentada foi 6,33
(DP = 1,60), com pontuação variando entre 00 e 15. Constatou-se que 2.722 (30,80%) sujeitos
estão abaixo da média e 4.667 (39,80%) apresentam-se acima. No fator 3 “História” a pontuação
0,83 (DP = 1,36), com pontuação variando entre 00 e 6. Observou-se que 7.533 (63,50%) sujeitos
apresentam-se na média ou abaixo da média e 4.330 (36,50%) encontram-se acima.
Na análise da relação entre Qualidade de Vida e Risco de Suicídio verificou-se, através do
coeficiente de correlação de Spearman verificou-se correlação negativa, fraca e significativa entre
Risco de Suicídio Total e a Questão 1 (auto percepção da qualidade de vida) (ρ = -,239**; p<0,01),
assim como entre o índice de Risco de Suicídio Total e a Questão 2 (auto percepção da saúde?),
onde obteve-se uma correlação também negativa, fraca e significativa (ρ =-,211**; p<0,01).
Compreende-se, então, que quanto maior o índice de risco de suicídio, menores serão os índices
de autopercepção acerca da qualidade de vida e de satisfação com a saúde.
No que se refere as demais correlações realizadas, averiguou-se correlação negativa, moderada
e significativa entre Risco de Suicídio Total e Domínio Físico, (ρ = -,357**; p<0,01); correlação
negativa, moderada e significativa entre Risco de Suicídio Total e Domínio Psicológico (ρ = -,446**;
p<0,01); correlação negativa, fraca e significativa entre Risco de Suicídio Total e Domínio Relações
Sociais (ρ = 0,270**; p<0,01); bem como correlação negativa, fraca e significativa entre Risco de
Suicídio Total e Domínio Meio Ambiental (ρ = -,256**; p<0,01). Tais resultados apontam que
quanto maior o índice de resiliência, menores serão os índices de qualidade de vida supracitados.
As correlações entre o fator “Intenção” e Questão 1 (ρ = -,283**; p<0,01), o fator “Intenção”
e Questão 2 (ρ = -,224**; p<0,01) e o fator “Intenção” e Domínio Meio Ambiente (ρ = -, 270**;
p<0,01) foram negativas, fracas e significativas, Já as correlações entre o fator “Intenção” com
o Domínio Físico (ρ = -,362**; p<0,01), com Domínio Psicológico (ρ = -, 495**; p<0,01) e com o
Domínio Relacionamento Social (ρ = -, 310**; p<0,01) foram negativas, moderadas e significativas.
Tais correlações apontam que quanto maiores são os índices de intenção de suicídio, pior a
percepção da qualidade de vida e saúde, considerando os fatores físicos, psicológico, social e
meio ambiente.
Diante disso, o monitoramento dos índices ruins de qualidade de vida de um determinado
grupo ou população pode identificar precocemente a ideação ou o comportamento suicida
(Barros, 2013). Assim, a utilização de relatos de satisfação com a vida em programas de prevenção
ao suicídio pode ser promissora.
As correlações do fator “Vida” com a questão 1 (ρ = -, 126**; p<0,01), com a questão 2 (ρ =
-, 114**; p<0,01), com o fator Domínio Físico (ρ = -, 210**; p<0,01), com o Domínio Psicológico (ρ
= -, 258**; p<0,01), com o Domínio Relações Sociais (ρ = -, 133**; p<0,01) e com o Domínio Meio

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 159


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Ambiente foram negativas, fracas e significativas. Seguindo o mesmo padrão, as correlações do
fator “História” com a Questão 1 (ρ = -, 160**; p<0,01), com a Questão 2 (ρ = -, 149**; p<0,01),
com o Domínio físico (ρ = -, 259**; p<0,01), com o Domínio Psicológico (ρ = -, 258**; p<0,01),
com o Domínio Relações Sociais (ρ = -, 171**; p<0,01) e com o Domínio Meio Ambiente (ρ = -,
135**; p<0,01) também foram negativas, fracas e significativas. Tais correlações apontam que
quanto maiores são os índices de histórico de ideação suicida na vida, menores serão os índices de
qualidade de vida e mais prejudicial é ao sujeito atingindo de alguma maneira por esse fenômeno.

Discussão

A autopercepção da qualidade de vida e a satisfação dos sujeitos frente aos domínios físicos,
psicológicos, social e meio ambiente é um dado relevante que deve ser amplamente considerado.
Em relação ao domínio físico, acompanha-se uma crescente preocupação e propagação de
hábitos mais saudáveis e valorização do corpo em prol da saúde física, sendo possível observar
a proeminência de estímulos acerca da prática de atividades e exercícios físicos, amplamente
incentivada por diversos meios e programas mundiais de promoção da saúde, dando destaque
também a aspectos nutricionais, sono, lazer, e maior mobilidade em prol de uma vida mais ativa
e saudável. Embora uma média da população satisfeita referente ao domínio físico, ainda se
comtempla altos índices de inatividade física e sedentarismo no Brasil, expandindo o número
de problemas de saúde em detrimento da não aderência e acesso à hábitos mais saudáveis,
demonstrando um vasto desafio para as políticas públicas de saúde (Lovato, Loch, Gonzáles, &
Lopes, 2015).
No que se refere ao domínio psicológico a preocupação também se estende a pressão exercida
sobre a aparência e imagem corporal, surgindo muitas vezes problemas com a autoestima quando
o padrão idealizado não é alcançado, como ansiedade e depressão. Quando não há excessos, em
geral, as pessoas possuem sentimentos positivos quando cuidam mais de si mesmas e da sua saúde
física e mental. No aspecto social, facilita-se as práticas em grupo, sob a possibilidade de se fazer
novos amigos, recebendo apoio e por diversas vezes maior incentivo familiar. Observa-se frente à
satisfação com o meio ambiente o crescimento da valorização de um novo estilo de vida, havendo
maior propagação de novas práticas de saúde ambiental em razão da conscientização de crianças,
adolescentes e adultos dentro e fora dos espaços escolares, acerca do não desperdício dos recursos
e da não degradação ambiental. Apesar dos avanços, é fato que em termos nacionais, ainda se
tem elementos bastante limitados à população, como segurança, saúde, transporte, violência e
etc, sendo fatores de alta influência sobre a qualidade de vida (Barboza, Brasil & Conceição, 2016;
Ferrari et al., 2012; Lovato et al.2015).
Quanto aos Índices de risco suicídio, verifica-se de acordo com a amostra um número
preocupante de pessoas que possuem intenção de pôr fim à vida, demonstrando no Fator “Vida”
semelhantemente uma visão negativa sobre esta, com resultados amplamente similares, sendo
um fator de alerta a fim da promoção do cuidado. A literatura aponta que a cada 100 indivíduos,
pelo menos 17 pensam em pôr fim a sua própria vida. Destes últimos, 5 chegam a arquitetar sua
morte, 3 tentam de fato suicidar-se, e apenas 1 dá entrada em alguma unidade de saúde no país.
Esses dados ratifica a necessidade de contemplar políticas públicas em prol de ações preventivas
e de cuidado à indivíduos que possuam algum tipo de ideação, com tentativas já realizadas ou
não, a fim de oferecer uma ajuda adequada e efetiva em favor da preservação à vida (Minayo et
al., 2012; Ministério da Saúde [MS], 2006).
No que diz respeito ao fator “História”, verifica-se que 36,50 % possuem histórico de suicídio
na vida, sendo um índice relativamente alto e que merece atenção. Como se sabe o suicídio possui
um impacto extremamente negativo frente aos sobreviventes, podendo produzir sequelas bastante

160  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
significativas. Conforme a Organização mundial de Saúde (OMS) cada suicídio afeta em média
5 ou 6 pessoas do grupo familiar, podendo gerar sérias consequências emocionais, sociais e
econômicas, entre problemas de ordem física e mental, como depressão, ansiedade, abuso de
medicamentos, álcool e outras drogas. Portanto, torna-se relevante o reconhecimento precoce
de sinais de risco, em benefício de um encaminhamento e intervenção terapêutica adequada aos
sobreviventes tanto no contexto comunitário como dentro dos diversos serviços de saúde (Nunes
et al., 2016).
Dessa forma, as correlações entre qualidade de vida e risco de suicídio foram claras em
apontar que quanto maiores são os índices de intenção de suicídio, pior a percepção da qualidade
de vida e saúde, considerando os fatores físicos, psicológico, social e meio ambiente. Do mesmo
modo, verificou-se que que quanto maiores são os índices de histórico de ideação suicida na vida,
menores serão os índices também de qualidade de vida e mais prejudicial é ao sujeito atingindo de
alguma maneira por esse fenômeno.

Conclusão

A partir do presente estudo observou-se que apesar de uma média geral da população perceber
sua qualidade de vida a partir de uma perspectiva positiva, ainda se tem um número relevante de
participantes que possuem intenção em dar um fim a sua própria vida, avaliando a vida de um
modo geral sob uma perspectiva negativa. Esse dado é preocupante visto que as pessoas têm
considerado a morte como uma alternativa possível para resolução de seus problemas, gerando
inúmeras consequências negativas para o meio social e familiar, bem como para a sociedade de
um modo geral.
Os dados coletados demonstram uma sólida relação entre qualidade de vida e risco de
suicídio, indicando que a carga cultural do sujeito, suas percepções, esperanças e julgamentos
sobre a própria vida possuem o poder de determinar seu nível de satisfação, solidificando sua
compreensão sobre a qualidade de vida que dispõe, podendo consolidar ou não o comportamento
suicida. Verificou-se assim que quanto menor a percepção sobre qualidade de vida e saúde, bem
como de seus domínios, maior o risco de suicídio, demonstrando a urgência de se disseminar
políticas públicas e práticas de prevenção e promoção saúde como estratégia a fim de guarnecer
melhores condições de vida, evitando a expansão de mortes por suicídio.
Por fim, defende-se, pois, que é substancial que haja uma maior promoção a saúde mental
em prol de melhores índices de qualidade de vida e atenuação dos riscos de suicídio, como meio
de promover debates concretos sobre esse tema, favorecendo maior conhecimento no meio
social, acadêmico e profissional, viabilizando atitudes preventivas e práticas de cuidado contra
preconceitos e estigmas relacionado a pessoas que tentam se matar. Ressalta-se, portanto,
a importância da realização de mais pesquisas qualitativas e longitudinais, a fim de se obter
profundidade na compreensão das convicções dos diferentes sujeitos acerca da relação entre
qualidade de vida e suicídio.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 163


NO ONTEXTO BRASILEIRO
MEDICALIZAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE:
UM OLHAR DE PSIQUIATRAS DE UMA CIDADE DO
INTERIOR DO PIAUÍ
Jéssyca Cristina Gomes Nunes
Monalisa Pontes Xavier

Introdução

A
medicalização foi discutida por Foucault (1963), em sua obra O Nascimento da
Clínica, como um processo que teve início na modernidade e que se apresenta na
contemporaneidade de forma crescente e problematizada na vida do homem.
Trata-se, portanto, do processo histórico e sociocultural em que as políticas médicas passaram a
fazer parte da intimidade das pessoas, abordando assuntos como sexualidade, educação, crime,
morte etc., criando uma cultura medicalocêntrica. Dessa forma, o público passou a recorrer ao
saber médico para lidar com questões cotidianas.
O processo de medicalização implica numa produção cultural e em uma estrutura social em
que se evidencia o lugar que o saber-poder médico vem ocupando na vida em sociedade. Um saber
que extrapola a ação sobre o biológico e se envereda pelas demais dimensões humanas, tornando-
se mecanismo de controle ideológico, exercendo o controle dos corpos por meio da tecnologia
disciplinar (Foucault, 1984). Tal saber se configura, ainda, enquanto modalidade de assujeitamento,
originada de um discurso médico e implica na produção de processos de subjetivação.
Na contemporaneidade, percebe-se que a forma como os sujeitos administram o uso de
medicamentos é reflexo de um período histórico, a pós-modernidade, em que uma certa “crise
de identidade”3 ganha forma com a crescente globalização e a desterritorialização característica
desse momento singular. Como afirma Rolnik (1997a), isso faz com que a relação do sujeito com
sua dor seja mediada pelo uso de drogas4 que sustentam uma ilusão de identidade, produzindo
novos contornos para a subjetividade contemporânea.
Tal forma de objetivação do ser humano resulta muitas vezes em processos de adoecimento
e/ou medicalização da vida, visto que, como afirma Foucault (1963), problemas de múltiplas
ordens como sociais, políticos, culturais, subjetivos, etc. são somatizados e, portanto, tratados
no domínio da racionalidade médica. Assim, o saber-poder médico passa a mediar as relações
interpessoais, determinando aos sujeitos um lugar de “doente”, que precisa corrigir suas

3 As concepções de sujeito e identidade estão passando por uma série de mudanças estruturais no decorrer da
história, desde a modernidade à modernidade tardia, ocorrendo o que se configurou uma chamada “crise de
identidade”, que abrange questões extensas e profundas, modificando toda uma dinâmica social e ontológica dos
indivíduos incluídos n atual modelo social globalizado e avançado tecnologicamente (Hall, 2006).
4 Rolnik (1997a) não se refere somente às drogas propriamente ditas, mas a uma variedade de drogas oferecidas pela
mídia que, por sua vez, sustentam ilusões de identidade, tais como as figuras glamourizadas; a droga concedida
pela literatura de auto-ajuda; e as drogas proporcionadas pelas tecnologias diet/light que prometem um corpo top
model, flexível a diferentes identidades disponíveis no mercado.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
“distorções”, o que confere à Medicina o papel de produzir normalização na sociedade (Branco,
2015).
Para compreender o processo de medicalização na atualidade, trabalhamos com a fala de
psiquiatras que atuam numa cidade do interior do Piauí sobre esse assunto, sendo que no contexto
da referida cidade existem instituições públicas e privadas que oferecem atendimento psiquiátrico.
Nesse sentido, esta pesquisa tem como objetivo geral compreender a concepção dos médicos
psiquiatras de uma cidade do interior do Piauí sobre as implicações do processo de medicalização
na vida dos sujeitos contemporâneos. Temos, ainda, como objetivos específicos: investigar as
percepções dos psiquiatras acerca do lugar do saber médico na vida do sujeito contemporâneo;
analisar os discursos produzidos pela Psiquiatria acerca da medicalização, e discutir os processos
de subjetivação produzidos no âmbito do discurso psiquiátrico e das práticas de medicalização.
A medicalização da sociedade é evidenciada também pela crescente e exacerbada
comercialização e consumo de medicamentos psicoestimuantes nos últimos anos5, como
consta na “Nota técnica: o consumo de psicofármacos no Brasil, dados do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Produtos Controlados ANVISA (2007-2014)” publicada em junho de 2015 pelo
Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. Segundo esse documento, o consumo
dos psicofármacos Ritalina®, Concerta® e Venvanse®, indicados para o tratamento de TDAH
(Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), tem aumentado a cada ano em todo o
mundo. No Brasil, em 2012, foram exportados 578 kg de metilfenidato e em 2013, 1820 kg, o que
corresponde ao crescimento de mais e 300% nesse período. Concomitante com o aumento da
quantidade de metilfenidato fabricado, tem-se o aumento do número de pacientes diagnosticados
com TDAH, assim como o aumento da faixa etária dos pacientes que recebem a prescrição de
medicamentos destinados ao tratamento desse transtorno (Harayama, Gomes, Barros, Galindo,
& Santos, 2015).
Os autores Harayama et al. (2015) afirmam que, no Brasil, a região sudeste é a que mais
utiliza Ritalina (São Paulo consome 20% do total de Ritalina vendida no país) e, nesse contexto,
no Nordeste vem aumentando gradativamente o uso deste psicofármaco. O Strattera® também
é utilizado no tratamento do TDAH, mas não contém dados disponíveis sobre sua quantidade
de consumo, visto que não é necessário talonário especial para sua aquisição. Já o Clonazepam,
benzodiazepínico usado principalmente como um antiepiléptico, prescrito para transtornos de
ansiedade e de humor, tem o Brasil como seu maior fabricante, sobretudo no ano de 2013 com a
fabricação de 3,2 toneladas deste medicamento e em 2010 com a venda de 1,5 milhões de caixas.
O Piauí é o 16º estado no ranking de mais vendas de Clonazepam entre janeiro (2008) e junho
(2014), com total de 126.361 (0,7%) vendas. Em primeiro lugar no ranking está o Estado de São
Paulo (3.574.464, 20,1%), em segundo lugar se encontra o Estado de Minas Gerais (2.821.008,
15,9%) e em terceiro está o Estado do Rio de Janeiro (2.624.452, 14,8%). Cabe destacar que o uso
abusivo e prolongado de benzodiazepínicos causa demência e Síndrome de Alzheimer (Harayama
et al., 2015).
O estudo tem relevância no meio acadêmico por se tratar de uma questão cotidiana, que
implica na estrutura social e nas subjetividades contemporâneas. A medicalização é um processo
que tem sido pesquisado, todavia pela preocupação do meio científico e profissional com as
transformações advindas desse modo de objetificação das pessoas. Paralelo a isso, há o crescimento

5 Conforme Illich (1975, p. 6), “A empresa médica ameaça a saúde, a colonização médica da vida aliena os meios
de tratamento, e o seu monopólio profissional impede que o conhecimento científico seja partilhado.”. Nesse
sentido, o autor elabora o termo iatrogênese que se refere à nova epidemia de doenças provocadas pela medicina,
criadora de diagnósticos que sustentam o consumo de medicamentos, assim como a saúde fornece especialistas
de diversas áreas da saúde para exercer cuidados sobre os processos patológicos dos indivíduos. Assim, o cuidado
à saúde é abordado inteiramente numa perspectiva médica, inclusive a subjetividade passa a ser abordada por via
medicamentosa como a maneira mais saudável de assistência à saúde psíquica (Illich, 1975).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 165


NO ONTEXTO BRASILEIRO
desenfreado do consumo de substâncias que visam melhorar a performance e sanar o mal-estar
psíquico de seu público, assim como o aumento de psicodiagnósticos que, por sinal, já surgem
com sua devida terapêutica. Nesse aspecto, o estudo contribui também para o ambiente social na
conscientização da população acerca de tal fenômeno, de forma a pôr em prática uma Psicologia
que visa resgatar a singularidade dos sujeitos, desnaturalizando modos de assujeitamento.

Método

A pesquisa ocorreu numa cidade localizada no interior do Piauí e tem como base a fala
de psiquiatras de uma cidade do interior do Piauí, utilizando a entrevista semiestruturada e a
observação participante como instrumentos de coleta de dados.
O trajeto de pesquisa teve um delineamento com características próprias e que foi ao encontro
dos cenários percorridos enquanto espaço de mutação, possibilidade, criação e interações, num
cartografar de forças que configuram o próprio devir. Portanto, a pesquisa de campo foi realizada
nos locais de atuação dos psiquiatras. Assim, foram agendadas visitas para que houvesse um
primeiro contato com os profissionais e, em seguida, foi solicitado o agendamento de um horário
para a realização da entrevista.
Ao contextualizar o território em que ocorreu o estudo, tem-se que a cidade em questão
conta com os serviços de saúde oferecidos pelo Centro de Atenção Psicossocial II (CAPS II), Centro
de Atenção Psicossocial Álcool e Droga (CAPS AD) e Centro de Especialidades em Saúde (CES),
ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Esses serviços de Atenção Básica fazem parte da
RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) e possuem atendimento psiquiátrico disponível para toda a
população da localidade em que a pesquisa foi realizada.
Assim, o CAPS II da cidade foi fundado em 1997 e teve seus primeiros serviços realizados em
um anexo do hospital municipal, funcionando como um hospital-dia, oferecendo atendimento
a pacientes de ambos os sexos, de diversas idades e tipos de patologias psíquicas, por meio de
uma equipe multidisciplinar (Psiquiatra, Terapeuta Ocupacional, Assistente Social, Psicóloga e
Enfermeira), corpo técnico-administrativo de nível médio. Assim, a cidade contou com um serviço
diferenciado do regime de internação permanente oferecido pela Santa Casa de Misericórdia. Já
o CAPS AD possui uma área externa ampla e arborizada, um espaço para atividades em grupo,
quatro banheiros, dormitórios feminino e masculino, consultórios, sala de enfermagem, sala de
reunião, sala de administração, biblioteca, cozinha com despensa, entre outras instalações. No
momento atual, conta com 1.600 usuários cadastrados e faz atendimento diário a 30 usuários
em média. O CES (Centros de Especialidades em Saúde) foi criado com o objetivo de acabar
com as filas nas consultas especializadas. Assim, o serviço de Atenção Básica6 encaminha os
usuários para o CES, especialmente por meio da ação itinerante dos profissionais da saúde na
comunidade, e que hoje oferta atendimento de várias áreas da saúde (cardiologia, ortopedia,
urologia, psicologia, psiquiatria, neurologia, ginecologia, angiologia etc.)
Na cidade atuam seis psiquiatras, distribuídos em serviços de saúde mental de cunho público
e privado. As entrevistas foram realizadas com quatro profissionais que atuam nessas duas esferas
de cuidado à saúde mental (um dos participante trabalha apenas no serviço público, dois deles
atuam nos dois âmbitos de atendimento e um dos participantes realiza atendimento em serviço
privado), todos do sexo masculino que tem entre três a quarenta e seis anos de atuação na cidade.
As entrevistas foram realizadas com quatro psiquiatras que atuam no contexto da cidade e que
concordaram em participar do estudo assinando o termo de consentimento livre e esclarecido.
O número de entrevistados reduziu devido à dificuldade em conseguir um horário para agendar
visita. Houve também a dificuldade em encontrar alguns em seus locais de trabalho, visto que
trabalham em localidades vizinhas.
6 A Atenção Básica se caracteriza como a porta de entrada do SUS e desenvolve um conjunto de ações de Saúde no
plano coletivo e individual, inclusive atendendo a demandas em Saúde Mental, estruturando uma atenção integral
com políticas de promoção, proteção e prevenção da saúde (Brasil, 2013).

166  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A pesquisa tem natureza qualitativa, pois busca o estudo dos sujeitos envolvidos de forma
contextualizada e dinâmica, trabalhando com valores, crenças, hábitos, atitudes e opiniões do
público, como afirma Silva (2010), e aprofundando a complexidade do fenômeno estudado, tendo
em vista a singularidade dos processos, pois foca no conteúdo vivenciado pelo sujeito. Delineamos,
ainda, a pesquisa empírica, visto que ela solicita uma participação maior do investigador, ou
seja, que o mesmo debruce seu olhar para os acontecimentos do campo, investigando de forma
sistemática os fenômenos que nele emergem. Utilizamos a entrevista semi-estruturada ou semi-
aberta, baseada em um roteiro de questões que abordaram a problemática do estudo, mas
que deixa espaço para que o entrevistado fale livremente sobre o assunto. Essa modalidade de
entrevista proporciona um direcionamento na pesquisa e, ao mesmo tempo, permite que emerjam
conteúdos de vivências dos entrevistados. E optamos pela observação participante que ganhou
espaço durante as entrevistas e na vivência em sala de espera, pois nela o pesquisador é ator,
inserindo-se enquanto sujeito na realidade pesquisada. Portanto, o mesmo deverá estar atento
ao aspecto ético, às características singulares das relações sociais, aos costumes e tradições dos
sujeitos de pesquisa, assim como os sentimentos, tensões e conflitos do grupo estudado (Queiroz,
Vall, Souza, & Vieira, 2007).
Quanto aos princípios éticos em pesquisa científica na saúde, segundo a resolução CNS nº
510, de 07 de abril de 2016, as pesquisas envolvendo seres humanos devem considerar fundamentos
éticos e científicos apropriados. Portanto a mesma foi submetida ao CEP (Conselho de Ética em
Pesquisa) da Universidade Federal do Piauí, Campus Ministro Reis Velloso, e está sob a apreciação
ética do mesmo.
A apreciação dos resultados se deu por meio da análise de discurso que, conforme Pinto
(2002), consiste em um modelo de análise que contextualiza o discurso, sendo ele compreendido
como práticas sociais determinadas pelo contexto sócio-histórico e que possui implicações
político-ideológicas que se procura desvelar. Trata-se da interpretação de vestígios que permitem a
contextualização em três níveis, a saber, o contexto situacional imediato (refere-se ao aqui e agora
da situação vivenciada), o contexto institucional (revela a hierarquia e o modo de funcionamento
da instituição) e o contexto sociocultural mais amplo (mostra movimentos e discursos que
colaboram na produção ou inversão de um discurso dominante), que constituem o cerne do
evento comunicacional.

Resultados e Discussão

As entrevistas foram realizadas com quatro psiquiatras que atuam na cidade. Utilizamos
as falas dos mesmos, bem como os dados observados em campo para a construção de nossa
discussão. No corpo do texto os participantes serão identificados como P1, P2, P3 e P4,
correspondente a cada profissional entrevistado. Delineando o perfil profissional dos mesmos,
temos que P1 é graduado em medicina com especialização e residência em clínica médica e
terapia intensiva, atua há treze anos na profissão de psiquiatra. P2 é médico com especialização
em psiquiatria e em dependência química, possui mestrado e atua há dez anos na profissão de
psiquiatra (começou a trabalhar logo no ano de formação). P3 é médico com residência realizada
na mesma instituição de ensino em que se graduou e exerce a profissão de psiquiatra há 32 anos.
Já P4 é médico com especialidade em Psiquiatria e teve sua formação médica baseada numa
estrutura de ensino diferente da atual, pois conforme o mesmo “Na época a residência era uma
especialidade que fazia no sexto ano. Atuei no Hospital Escola de Psiquiatria. No terceiro ano
eu já dava plantão numa clínica de repouso, então priorizei a área da Psiquiatria.”. Este último
exerce a psiquiatria há 46 anos. Os motivos que levaram os participantes a escolherem sua área
de atuação foram bem particulares, destacando-se a necessidade de complementar a formação,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 167


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ter afinidade com a área, vivências durante a formação que suscitaram o interesse pela Psiquiatria
ou questões religiosas.
No tocante à formação médica na atualidade, Pinto e Cyrino (2014) assinalam que as
Instituições de Ensino Superior (IES) tem se preocupado com a expansão do ensino na Assistência
Primária à Saúde (APS) de forma a proporcionar ao corpo discente o contato com a comunidade
em que irão atuar já no início da formação, capacitando e dirigindo as habilidades clínicas dos
alunos para uma atuação alicerçada nos princípios do SUS. Nesse contexto, os currículos tem sido
estruturados de tal forma que os alunos possam vivenciar situações que os transmitam noções de
territorialização, promoção e prevenção de saúde, compreendendo o contexto da comunidade,
suas fragilidades e potencialidades.
O conceito de saúde mental que os profissionais se utilizam na prática psiquiátrica também
são distintos. P1 apontou que considera o conceito de saúde estabelecido pela OMS e vê a saúde
mental num contexto relacional, considerando sua capacidade de resiliência. Já P2 trouxe em
sua fala a problemática da crise da medicina que desconsidera a singularidade do sujeito numa
visão tecnicista, de “checklist” dos sintomas. Corroborando com a afirmação de Merhy (1998)
de que o tecnicismo na medicina suprime um aspecto importante na produção da saúde, que
consiste no acolhimento e vínculo para com o paciente, tem-se a sobreposição de tecnologias
duras (máquinas e procedimentos que auxiliam no diagnóstico de doenças) sobre as tecnologias
leves (a escuta, o cuidado e o acolhimento direcionados ao outro), que, por sua vez, trazem
benefícios no manejo à saúde das pessoas, por um lado, mas também tornam as ações médicas
mais autônomas, ocasionando na falta de reconhecimento de uma assistência multiprofissional
à saúde (Merhy, 1998).
Para P3 o estudo da saúde mental parte de aspectos genéticos e segue com a influência
do ambiente sociocultural, sexual e religioso como produtores de transtorno psíquico em
algum momento da vida, havendo também influência na formação do caráter do sujeito por
questão referentes ao trabalho, ao uso de drogas, a desestruturação familiar/social. Trouxe,
ainda, a discussão sobre a medicalização, destacando o aumento da prescrição como uma
questão econômica que a sociedade está vivenciando e que provoca adoecimento. Nesse sentido,
Ferrazza, Luzio, Rocha e Sanches (2010) afirmam que o aumento na prescrição de psicofármacos
é considerado a principal manifestação da medicalização, amparada por uma corrida frenética
tecnológica da indústria farmacêutica que, unida à medicina, sustenta um discurso biológico e
psicopatologizante da vida.
O conceito de saúde mental adotado por P4 é referente à “forma como a pessoa deve agir
frente aos conflitos adquiridos no meio ambiente, às frustrações, estresse.”. Portanto, focaliza no
sujeito e na solução dos seus problemas.
Quanto aos tipos de tratamentos psiquiátricos que são realizados na atualidade e seu
público-alvo, P1 relatou que em seu fazer médico não há a supremacia da medicalização sobre as
técnicas do cuidado, pois quando uma pessoa busca um tratamento é porque há um sofrimento
envolvido e em boa parte das vezes esse tratamento não é medicamentoso, demandando a escuta
psicológica. Na terapêutica de P2, faz-se necessário o uso de medicamentos combinado a práticas
terapêuticas que auxiliem na promoção da saúde mental do sujeito, visto que o tipo de tratamento
vai depender da necessidade do usuário, não se há remédio para o sofrimento da vida, mas às
vezes é preciso usá-lo para passar por alguma situação muito dolorosa, mas junto a práticas
psicoterapêuticas. P3 expõe uma perspectiva multidisciplinar de saúde mental ao afirmar que
transtornos mentais e\ou físicos podem gerar transtornos psíquicos e o tratamento envolve vários
profissionais, várias formas de terapia, sendo que em qualquer sofrimento psíquico, de maior
intensidade e frequência, a pessoa deve procurar ajuda de quem for. E prossegue expondo que em
rede pública sua terapêutica é medicamentosa, mas na rede privada tem a orientação para buscar

168  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
por alguma outra coisa. Isso faz com que emerja a questão do porquê haver diferencial entre os
atendimentos realizados em setores públicos e privados pelo mesmo profissional? Tal indagação
faz referência às questões políticas e econômicas, que atendem aos interesses individuais de um
grupo ou indivíduo, de forma a trocar a ética pela moral dentro do meio profissional. Para P4
o tratamento deve ser essencialmente medicamentoso e o lado subjetivo deve ser considerado,
pois o adoecer do paciente é gerado por conflitos. Nesse sentido, o tratamento medicamentoso é
estendido para qualquer demanda e realizado com prática psicoterápica.
Na opinião da maioria dos entrevistados, nem sempre a medicação se faz necessária, pois
existem casos específicos para que se estabeleça o uso da mesma, como abordado na fala de
P1 que considera a gravidade do processo psicopatológico (transtornos graves como psicose,
ideação suicida), P2 acrescenta a essas particularidades o risco de agressão do paciente a si e à
equipe (casos de psicose, em alguns casos moderados e havendo ideação suicida convicta) e P3
também considera parâmetros e detém o uso do medicamento à singularidade do caso. Já P4
enfatiza o uso de medicamentos como sendo sempre necessário no tratamento à saúde mental,
principalmente em caso de psicose, pois considera o ponto de vista psiquiátrico, patológico e de
conflito mental, diferenciando o trabalho do psiquiatra (imediato) e do psicólogo (que busca o
positivo e trata a longo prazo).
O uso contínuo de medicamentos produz implicações na vida das pessoas desde efeitos
deletérios físicos e psicológicos à estruturação de modos de ser sustentados pelo uso de tais
substâncias. Nesse sentido, quando os sujeitos de pesquisa foram questionados sobre a existência
de afetações decorrentes do uso prolongado de medicamentos, P1 e P2 se remeteram ao tipo
de medicamento e o tempo em que foram utilizados, pois em alguns tem comprometimento
cognitivo, implicações diretas e indiretas, psíquicas e corporais sérias, principalmente no uso de
benzodiazepínicos. Também ressaltaram que são poucas as doenças psiquiátricas que precisam
do uso do medicamento e que dever ser considerada a resiliência do sujeito, quando a pessoa usa
o medicamento no dia-a-dia para lidar com problemas cotidianos. P3 afirmou que na consulta
com o psiquiatra o medicamento pode ser alterado em dose, pode ser trocado e para acrescentar
medicamento depende do momento que a pessoa está vivenciando, não mencionando sobre os
efeitos colaterais. Na concepção de P4, não há implicações causadas pelo uso de fármacos a
longo prazo “porque existem patologias que são necessárias, como no caso do transtorno bipolar
com características fixas, psicose. Depressão e ansiedade, TOCs podem ser com pouco tempo
de uso.”. Há uma visão de necessidade de risco frente ao uso de psicotrópicos como sendo o
tratamentos psiquiátricos medicamentosos sempre a melhor escolha a se tomar.
O processo de medicalização percebido na atualidade pela maior disseminação ou prescrição
de medicamentos e a cultura da medicalização foram discutidos em entrevista, suscitando o
posicionamentos dos profissionais quanto suas práticas e bases teóricas que compõem seu fazer
médico. Nesse contexto, P1 afirmou que a problemática do uso indiscriminado de medicamentos
para lidar com a angústia se dá pelo acesso à informação sobre os medicamentos, alguns ditos
naturais, sem expor seus efeitos deletérios, abrangendo a questão para o uso de drogas ilícitas que
tem seu consumo tanto para lidar com exigências sociais como busca de experiências prazerosas,
destacando também a falta de escuta médica para com os pacientes e questões ideológicas
sobre o uso de medicamentos. Conforme Schütz e Ripoll (2013), a participação da mídia na
disseminação ou construção de uma cultura medicalizante. Assim, a cultura visual tem se destacado
na produção imagética, servindo de veículo para a expansão dos domínios cientifico, artístico e
tecnológico. Atualmente a mídia é o principal meio em que são transmitidas e compartilhadas
ideias, sentimentos, desejos e que eles atuam na produção de representações – importantes na
formação de modos de ser e agir, o que confere aos meios midiáticos um papel pedagógico, como
produtores de verdade (Schütz & Ripoll, 2013).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 169


NO ONTEXTO BRASILEIRO
P2 vê a medicalização como um processo estruturante de um fazer tecnicista, prezado pela
dinâmica capitalista, que ocasiona a prescrição exagerada de medicamentos. Nesse sentido, Dantas
(2015) põe em pauta a crítica da técnica e da ciência forjada por Heidegger para se chegar ao
lugar do medicamento em nossa sociedade, consagrado pelas mudanças científicas-tecnológicas
e o crescimento da indústria farmacêutica. Assim, essa dinâmica tem afetado os modos de ser e
viver em sociedade, os valores e crenças dos indivíduos. É nesse sentido que Dantas (2009) pensa
na medicalização como um discurso de “tecnificação” da vida, visto que aparece como discurso
mítico e mágico, capaz de proporcionar sucesso e felicidade para o sujeito contemporâneo.
Em outro aspecto, tem-se o conceito de toxicomania de identidade que Suely Rolnik (1997a)
designa como a busca incessante por um ideal identitário para findar o sofrimento psíquico, visto
que o hedonismo, o culto à estética e a superficialidade nas relações atuais distanciaram o homem
do trágico, do ético e da noção de finitude. Todavia o mercado disponibiliza múltiplos produtos
que prometem soluções instantâneas, o que tem feito com que o sujeito pós-moderno se apoie em
fórmulas mágicas e buque cada vez mais o aprimoramento de si (Rolnik, 1997a). Nesse contexto,
Rosa e Winograd (2011) abordam que na cultura do mal-estar, o corpo tem o lugar de objeto a
ser aperfeiçoado: primeiro enquanto uma identidade maquínica vinculada ao discurso médico
pela incidência de bio-saberes-poder, como discutido por Foucault; em seguida, naturalizando o
psiquismo em uma linguagem própria, o que figura a formação das identidades contemporâneas.
Na união entre a indústria farmacêutica e o profissional de medicina o que prevalece, na
maioria das vezes, é a questão do capital em detrimento da saúde do usuário, visto que a prescrição
de medicamentos de última geração proporciona aos médicos credibilidade e ganhos financeiros,
assim como oferece aos laboratórios um representante bastante empenhado (Ferrazza, Luzio,
Rocha, & Sanches, 2010).
Na concepção de P3, o médico tem o papel de prescrever medicamento e o paciente busca
este profissional pra passar remédios, expondo uma visão medicalizante em torno da instituição
médica. Já P4 afirmou que hoje há prescrição menor porque se trabalha muito na monoterapia.
Vale colocar aqui as impressões e observações adquiridas da vivência em campo, sobretudo na
entrevista com P4 em que foi possível coletar opiniões dos usuários e observar a dinâmica da
sala de espera. As conversas desses sempre continham receio e angústia ou porque ouviram que
o psiquiatra é louco e sempre passava muito remédio ou por medo de ser taxado como louco
naquele momento da vida. Na ocasião haviam vendedores representantes de laboratórios de
fármacos que entravam na sala de consulta do profissional para apresentar os medicamentos
disponíveis à venda. Assim, com um aparato medicamentoso no consultório, alguns usuários
saiam da sala do profissional com algumas caixas de remédio. Para P4 não existe uma cultura de
medicalização, não existe reforma psiquiátrica, mas mudança da terapêutica da psiquiatria, pois
hoje muitas pessoas que estão na cadeira de um hospital estão fora do hospital psiquiátrico e sem
internação ocupam lugares como “Cracolândia” ou a prisão.
Portanto o tipo de formação dos psiquiatras influencia na atuação dos mesmos, pois
apresentam uma visão mais voltada para os processos psicossociais, sem foco na doença, tem
suas práticas norteadas por concepções teóricas no âmbito da saúde coletiva, integrando o
seu fazer psiquiátrico. Já os profissionais que tiveram sua graduação baseada em uma visão de
Psiquiatria que não inclui as diretrizes do SUS, que o médico psiquiatra é o cerne do tratamento
à saúde mental concentram sua visão profissional na doença e na solução desta pelo consumo
de medicamentos. Diante disso, temos que as perspectivas de atenção psiquiátrica da cidade
em questão encontram-se diferenciadas em medicalizantes e não-medicalizantes, entretanto a
formação profissional desses, o trabalho num ambiente que opera no modelo psicossocial ou que
atua no modelo hospitalocêntrico não detém toda a participação quanto aos tipos de práticas
medicalizantes, visto que elas estão relacionadas com ideologias e questões pessoais.

170  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Considerações Finais

As questões referentes à subjetividade são estudadas por diversas óticas em resposta


às inquietações geradas na busca pela compreensão do homem, suas ações, pensamentos,
desejos, motivações, necessidades. Aqui, retratadas numa perspectiva crítica, buscamos levantar
pontos sobre a subjetividade, pertinentes para a compreensão do processo de medicalização na
contemporaneidade. Deste modo, o estudo evidencia a cultura somática e normalizadora que
encontra nas tecnologias da saúde meios de lidar com o mal-estar assolador e, considerando os
jogos de poder e controle dos corpos que permeiam tal tessitura que confere uma estrutura social
e processos de assujeitamento.
Na cidade onde o estudo foi desenvolvido foram encontrados perfis distintos de trabalho
psiquiátrico. Podemos observar nas entrevistas que a medicação não é algo que se faz necessário
em todos os casos de tratamento psiquiátrico, além disso, na atualidade a demanda para
esses profissionais não se esgota nos transtornos mentais, mas engloba questões educacionais,
relacionais, religiosas, socioculturais.
Os objetivos do estudo foram alcançados, visto que pudemos compreender o que os sujeitos
de pesquisa entendem sobre as implicações do processo de medicalização na contemporaneidade,
vislumbrando as concepções dos psiquiatras sobre a influência do saber médico na vida das
pessoas, os discursos produzidos sobre o processo de medicalização no âmbito da Psiquiatria e
como tem se manifestado.
Várias limitações se fizeram presentes na realização da pesquisa de campo, como a dificuldade
em encontrar os participantes nos seus locais de trabalho, por atuarem em outras localidades, e
a insistência em realizar a entrevista com os profissionais mesmo havendo várias horas de espera
para então conseguir realizar entrevista. Estimamos que no futuro outros estudos sobre o processo
de medicalização da vida sejam realizados, contribuindo para uma melhor atuação profissional
na área da saúde mental.

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172  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O ACESSO À PORNOGRAFIA NA ADOLESCÊNCIA E
SUAS CONSEQUÊNCIAS NA PSIQUE
Layane Souza Silva
Francieli Cordeiro Pelissari
Tereza Cristina dos Santos Veras
Marcia Alves Gomes
Leia Miranda Pereira
Khalina Assunção Bezerra

Introdução

A
pornografia pode ser entendida como a representação de atividades sexuais, e
sempre existiu. Vários são os meios de acesso a esse tipo de material, que evoluiu
junto com a tecnologia. Na contemporaneidade, pode-se dizer que a internet é um
dos meios mais utilizados pelas pessoas para ter acesso a esse conteúdo específico, desde crianças
até idosos fazem uso desse meio de conexão com o mundo de maneira virtual (Deshpande, 2016).
O mundo virtual é o espaço onde diariamente crianças que estão entrando na puberdade e no
início da adolescência passam a maior parte do tempo, podendo tornar-se um problema na
medida em que, sem supervisão, podem ter acesso a conteúdos impróprios para a sua idade,
como o pornográfico, transportando-os para universos desconhecidos e novos, atrativos para
essa fase do desenvolvimento humano (Silva, 2017).
Levando em consideração que a adolescência é um período característico de transições no
desenvolvimento humano, que geralmente começa na puberdade, isto é, processo que resulta
na maturidade sexual do sujeito acompanhada pelas mudanças não só físicas, mas também
em competência cognitiva e social, autonomia, autoestima e intimidade (Papalia & Feldman,
2009). Estar on-line é o status atual destes na maioria do tempo, trazendo a naturalização de
comportamentos sexuais abusivos e degradantes, sendo a origem de adultos moldados pela
mimetização (ato de copiar hábitos), de materiais pornográficos além de danos psíquicos. Uma
vez que se torna rotineiro o acesso a imagens ou vídeos pornôs (Dias, 2016).
A premissa de que o acesso à pornografia na internet compulsivamente pode causar
alterações cerebrais relacionadas ao vício, se baseia na verificação de comportamentos que
reforçam repetidamente os circuitos de recompensa, motivação e memória que fazem parte da
doença do vício. Tendo em vista que não é a nudez e sim as novidades que fazem a ereção no
cérebro dos jovens disparar, sendo possível que se desenvolva consequentemente a dependência
associada ao consumo excessivo de material sensual ou de atos sexuais de maneira deturpada
(Wilson, 2014).
Esse tema traz questões a serem pensadas sobre as implicações na psique, consequentes do
consumo direto e indireto de pornografia. Segundo a teoria psicanalista, ao mostrar diretamente
as mais variadas formas de expressão da sexualidade, inclusive as perversas como as pulsões
orais, anais, sádicas, masoquistas entre outras, constantemente exibidas na pornografia, expõe

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 173


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ao observador suas próprias fantasias recalcadas expostas pela acessibilidade que a indústria
pornográfica possibilitou como modo de diminuição da tensão através da descarga de emoções
sexuais (Neto & Ceccarelli, 2015).
Frente à vinculação desse material, não há como negligenciar a dúvida face às consequências
que a exposição à pornografia pode trazer aos adolescentes, e ao consumo desenfreado
com propagação gratuita de imagens e vídeos contendo sexo explícito de fácil acesso. Esses
apontamentos trazem questionamentos sobre os efeitos que esses materiais causam na psique do
adolescente, pois seus adeptos estão constantemente atraídos às novidades, versões de fantasias
cibernéticas da perfeição do mundo pornográfico (Dias & Medeiros, 2015). De acordo com os
dados apresentados chegamos então ao seguinte questionamento: O acesso à pornografia pode,
ou não, comprometer comportamentos e a psique dos indivíduos levando-os a um estado viciante?
Partindo dessa indagação, formulou-se três hipóteses a priori sobre o presente tema, a
saber: a livre exposição e acesso à pornografia através da mídia, redes sociais, bancas de revistas
e locadoras, trazem ao jovem inúmeras possibilidades de entretenimento. Segundo Papalia e
Feldman (2009), o adolescente sente-se atraído continuamente, por estar em uma fase de transição
e cheio de curiosidades, no entanto seu cérebro ainda não tem estruturas prontas e adequadas
para receber esse nível de estímulo sexual.
A Segunda hipótese refere-se à possibilidade de comprometimento comportamental e
psíquico dos adolescentes ligados ao consumo de pornografia, desencadeado por possíveis
fatores que podem influenciar desempenho similar à outras dependências. Segundo a teoria do
condicionamento em relação ao consumo pornográfico, o fato do sujeito se masturbar até chegar
ao orgasmo, enquanto vê determinado conteúdo pornográfico dá origem ao reforço da resposta
sexual em relação a esse conteúdo. Podendo levar a comportamentos desviantes, uma vez que
existe a necessidade de o indivíduo ver algo cada vez mais intenso (Pacheco, 2014).
A terceira e última, supõe que atividade sexual, mesmo sendo algo saudável pode desenvolver
dependência, exatamente pela maneira deturpada da prática sexual que a pornografia vende e
em relação à resposta que essa exposição desencadeia no sujeito. Uma vez que a pornografia
é diferente do sexo real, que inclui comportamentos como conexão emocional, interação com
uma pessoa real, feromônios, o tocar e cortejar, em contraste com o material pornográfico que
influencia os jovens a sentir prazer sozinhos diariamente, através da masturbação, buscando
sempre o diferente e inovações constantes (Wilson, 2014).

Para tal coloca- se os seguintes objetivos específicos:


• Discorrer sobre o conceito e a origem da pornografia, meios de acesso e seu papel na vida
de muitos jovens;
• Enfatizar as transformações na fase da adolescência, que tornam os jovens vulneráveis em
relação a um possível vicio e riscos relacionados à pornografia;
• Analisar os estudos, pesquisas e dados adquiridos em livros, revistas, jornais e internet,
sobre as possíveis modificações comportamentais e cognitivas consequentes do consumo
diário de pornografia durante a adolescência;
• Ressaltar através dos expostos a importância dos estudos acerca de possíveis problemas
causados pelo consumo de material pornográfico;
• E fazer um paralelo com alguns argumentos de Freud acerca da sexualidade.
Assim, considerando a importância da temática na busca da relação entre o consumo de
pornografia e sua influência aos comportamentos sexuais coercivos, agressivos e a possíveis interesses
parafílicos como o exibicionismo, frotteurismo, voyeurismo entre outros (Pacheco, 2014).
Este trabalho torna-se relevante socialmente, pois visa proporcionar a análise dos efeitos
no adolescente que acessa pornografia diariamente, uma vez que este ainda se encontra em
desenvolvimento.

174  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Por penetrar em um ambiente pouco explorado atualmente, propondo ressaltar os impactos
comportamentais e psicológicos em indivíduos na fase da adolescência causados pelo livre
consumo de material do contexto pornográfico este artigo, contribui academicamente para
mais pesquisas e a superação de lacunas sobre possíveis transtornos desencadeados pelo mesmo
motivo.
Considerando o que foi proposto, o presente artigo está dividido da seguinte forma:
introdução, seguida por percurso metodológico, análises e discussões dos resultados, e as
considerações finais.

Metodologia

O trabalho exposto refere-se a uma pesquisa de verificação sistematizada bibliograficamente,


não sendo necessária a realização de coleta de dados em campo para a obtenção de informações
a respeito do tema retratado, o alteamento do material para compreensão aprofundada do tema
foi feito por intermédio de um levantamento de artigos científicos, revistas e livros publicados nos
últimos anos e abrangem conteúdos relacionados ao tema proposto. Dispondo como critérios a
utilização de vocabulário ordenado (descritores), como: pornografia, adolescência, acesso, vício,
comportamento; com o desfecho de aprimorar a indagação e fazer uma verificação relevante dos
trabalhos publicados inclusos nos quesitos predispostos.
O referente trabalho é uma revisão sistemática de bibliografia, tendo como intermédio
tais procedimentos de pesquisa; tratamento qualitativo de cunho explicativo mecânico por meio
processual (Explicação por Processo), que explica como os fenômenos precedem de acordo com
os seus precursores, tendo como base o método indutivo que parte de uma forma particular da
observação dos fenômenos para atingir uma generalização sobre o objeto pesquisado (Breakwell &
Rose, 2010). A pesquisa foi feita por um delineamento sequencial que mostra uma particularidade
relevante ao tema proposto, trazendo assim uma sequência do estudo conforme os anos, os tipos
de dados obtidos foram de forma intersubjetivas onde demostra os padrões de comunicação
utilizados e também os societais por meio das hierarquias institucionais e sistemas ideológicos.
Com o propósito de alcançar uma compreensão sobre o acesso do adolescente a
pornografia e as consequências na psique desenvolvidas por essa exposição excessiva, buscou-
se trazer investigações atuais de acordo com a problemática estabelecida. Na análise de dados
da pesquisa foram utilizados 5 artigos científicos que passaram por averiguação e seleção
correlacionados ao tema e com data de publicação entre os anos de 2012 a 2016,tento como
fontes de dados o SCIELO (Scientific Eletronic Library Online), ISSNe (Revistas de Ciências
Humanas – RCH), e a Revista Crítica Cultural( Portal de Periódicos Unisul), para oa quais
utilizou-se como critérios de inclusão os artigos publicados acerca do tema, o ano que foram
publicados e também a presença de descritores no título da pesquisa, e como critério de
exclusão dificuldades em encontrar publicações que tratasse do tema de uma forma geral, visto
que muitas pesquisas conduziam-se para o lado contrário, abordando uma outra temática não
relacionada ao assunto proposto.

Análise Dos Dados

A princípio foi realizado um levantamento dos trabalhos indexados nas bases de dados
elegidas que comtemplavam, amplamente, a temática escolhida. Em seguida, foram excluídas as
publicações classificadas como comentários, resenhas, dissertações e teses, mantendo somente
artigos científicos publicados por contemplarem os descritores. Para a seleção das publicações
observou-se a temática do estudo, analisando minuciosamente cada título e conjunto de palavras-

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 175


NO ONTEXTO BRASILEIRO
chave, com o objetivo de confirmar se contemplavam as perguntas norteadoras desta investigação
e se atendiam aos critérios de inclusão e exclusão pré-estabelecidos.
Os estudos que foram publicados em duplicata, ou encontrados em mais de uma base de
dados, foram considerados apenas uma vez. Foi encontrado um total de 23 artigos relacionados
a temática da pesquisa, e depois de submetê-los ao crivo de critérios de inclusão e exclusão,
identificou-se 5 produções concernentes ao foco do estudo. Os artigos selecionados foram
organizados e apresentados na sequência dos objetivos dessa pesquisa, desde a relação entre
pornografia e sexologia na construção material do sexo até os aspectos psicológicos nocivos
desencadeados pelo uso em excesso da internet.

Tabela 1- Classificação do acervo selecionado de acordo com título, autores, revista, ano de
publicação e resumo:
Título Autores Revista/Ano Resumo
Entre o obsceno -Larissa Scielo / 2016 O artigo tem como objetivo fazer uma comparação entre
e o científico: Costa os discursos da pornografia e da sexologia. Através de uma
Duarte pesquisa exploratória das construções de roteiros eróticos
Pornografia, e os procedimentos através dos quais o sexo é materializado
sexologia e a -Fabiola mediante instancias de produção. Por meio do levantamento
Rohden bibliográfico realizado, conclui-se que a manifestação de
materialidade
discurso pornográfico e sexológico se classificam como saberes
do sexo
sexuais que se associam em referências e formas de atuação,
levando os indivíduos em geral a pensarem a respeito da
preeminência de certas normas de gênero e de interpretações
contemporâneas quanto a produção da materialidade do
coito incorporado e performatizado.
Obscenidade -Luciene Revista Crítica O artigo usa de uma revisão bibliográfica, utilizando dados
refletida: Galvão Cultural de uma busca textual no banco de teses e dissertações da
noções e Viana (Portal de Capes e na Scielo, no período de julho a dezembro de 2012,
ressonâncias Periódicos e uma revisão dos estudos sobre à investigação pornográfica
pornográficas -Luciana Unisul) / no Brasil. Recorrendo a fatos históricos para distinguir como a
Vieira 2014 sexualidade e a pornografia eram vistas no decorrer do tempo,
como por exemplo, nas pinturas do Renascimento. O senso
comum e seus tabus impulsiona o vigor do mercado pornô.
Para uma abordagem feminista radical o pornô é uma forma
de violência institucionalizada contra as mulheres. É possível
concluir que é fundamental considerar uma perspectiva
histórica ao tratar das produções pornográficas, a fim de
refutar interpretações invariavelmente homogêneas, unívocas
e reducionistas.
Aspectos -Ivelise Scielo / 2013 O artigo trata-se de uma pesquisa qualitativa, sendo um
psicológicos do Fortim estudo documental, transversal e retrospectivo. A amostra é
uso patológico composta de 189 sujeitos, de ambos os sexos e com idade entre
de internet -Ceres Alves 18 e 58 anos que se declaram como “viciados em internet”, que
de Araujo enviaram 278 mensagens, O objetivo do artigo é compreender
a vivencia do uso patológico de internet a partir do autorrelato
dos participantes. Para a análise das verbalizações dos sujeitos
(por frequência de palavras) foi utilizado o programa estatístico
SPAD.t (versão 1.5) e posteriormente as mensagens foram
lidas em seu texto integral, com a finalidade de categoriza-las,
levando-se em conta seu contexto e significação. Conclui-se que
a estratégia utilizada pela internet é tão sedutora, que acaba
sendo se tornando a atividade mais importante e prazerosa do
dia do indivíduo. Independente da classificação diagnostica,
os sujeitos relatam muito sofrimento no uso excessivo, por isso
requerem ajuda, orientação, diagnóstico e tratamento.

176  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Liberdade de Júlio César Scielo / 2013 Este artigo é uma parte modificada de uma tese de doutorado
expressão, C. B. Silva que, sob a perspectiva da teoria política normativa propõe-se a
pornografia e refletir sobre a importância instrumental de tal liberdade para
igualdade de a vida democrática. O objetivo dessa produção é tanto expor
gênero os termos da discussão quanto permitir um posicionamento
do leito em seu interior, já que trata-se um debate normativo.
Conclui-se após uma análise da fala feminista que a forma como
a pornografia é difundida ameaça a igualdade sociopolítica
entre homens e mulheres, dando mais espaço a discriminação
e a banalização da sexualidade feminina.
A dependência -Bruna G. Revista de O artigo consiste em um estudo de campo do tipo exploratório,
dos Gonçalves Ciências qualitativo, realizado com 10 adolescentes voluntários de uma
adolescentes ao Humanas / escola de Criciuma-SC. A coleta de dados foi feita através
mundo virtual -Denise 2012 de um entrevista semiestruturada, que buscava verificar a
Nuernberg atuação dos adolescentes no mundo virtual e como este
pode influenciar a vida social desses jovens. Visto que é na
adolescência que se constrói a identidade e a autonomia do
ser. Como os participantes são menores de idade, os pais
assinaram um termo de autorização conforme as regras éticas
exigem. Conclui-se portanto que a internet potencializa o
sentimento de poder juvenil e se continuarmos a percorrer esse
caminho, vários adolescentes necessitarão de psicoterapia.

Como demonstra a tabela, um dos artigos analisados foi “A dependência dos adolescentes
ao mundo virtual” dos autores Gonçalves e Nuernberg (2012), os quais defendem a ideia de a
adolescência como uma etapa importante do desenvolvimento humano. Como consequência, é
uma fase de intensas descobertas, e o imediatismo do mundo virtual torna-se um aliado poderoso.
Essa tecnologia que disponibiliza, além da conversa digital, o som e a imagem em tempo real
de outra pessoa com quem o usuário está interagindo, independentemente de sua localização
geográfica, é para os jovens uma diversão que substitui, muitas vezes, o contato físico, perdendo
a noção de limite entre o real e o virtual. A argumentação dos autores em relação a esse tema
vai ao encontra da primeira hipótese de nossa pesquisa, para qual a livre exposição e acesso
à pornografia através da mídia, redes sociais, bancas de revistas e locadoras, trazem ao jovem
inúmeras possibilidades de entretenimento.
Seguindo o mesmo sentido que a segunda e a terceira hipótese da pesquisa, que é o
comprometimento comportamental e cognitivo dos adolescentes ligado ao consumo de
pornografia e que a pornográfica mesmo sendo algo saudável pode viciar, o artigo “Aspectos
psicológicos do uso patológico da internet” produzido por Fortim e de Araújo (2013), defende
que com a popularização da internet novos comportamentos humanos surgiram e outros são
remodelados, sendo alguns destes comportamentos patológicos. Para Pizol (2015) o consumo
de material pornográfico pode afetar drasticamente os estilos de vida dos adolescentes,
especialmente em relação aos hábitos sexuais e pode desencadear influencias em suas atitudes e
comportamentos sexuais.
Os autores desse artigo utilizam uma metáfora para explicar o modo como a tecnologia é
um perigo para os usuários, comparando-a com uma sereia que canta para os marinheiros e os
atraem, estes incapazes de se conter são destruídos e comidos assim que chegam perto da sereia
(2105). A internet parece ser um oceano cheio de ricas aventuras, peixes e inigualáveis tesouros,
porém há a sereia que seduz e encanta, mas que pode destruir caso o indivíduo não consiga ter
o domínio de si mesmo. O canto da internet é arrebatador para alguns usuários, pois dispõe de
conteúdos que eles mesmos desconhecem, ou que passam a conhecer por conta de sua vivencia
online. Entregando-se ao canto irresistível da sereia, mesmo sabendo dos perigos.
O artigo “Obscenidade refletida: noções e ressonâncias pornográficas” das autoras Viana
e Vieira (2014) diverge da terceira hipótese já comentada anteriormente, devido mencionar que
os homens que utilizam a pornografia para obter prazer, discordam da ideia de que o pornô
seja sinônimo de banalização do sexo ou o seu consumo frequente, seja uma predição ao vício.
Discordando da fala desses homens, o artigo “Liberdade de expressão, pornografia e igualdade de

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 177


NO ONTEXTO BRASILEIRO
gênero” de Silva (2013) defende uma visão feminista que alega que a forma como a pornografia é
difundida ameaça à igualdade sociopolítica entre homens e mulheres, abrindo mais espaço para a
discriminação e banalização da sexualidade feminina. Já as mulheres citadas na pesquisa de Viana
e Vieira (2014) concordam com a visão feminista e acrescentam que a pornografia é prejudicial ao
desenvolvimento da sexualidade, por provocar isolamento e alienação.
O artigo “Entre o obsceno e o científico: pornografia, sexologia e a materialidade do
sexo” de Duarte e Rohden (2016) ajusta-se a primeira hipótese da pesquisa, pois discorre sobre
as vantagens e avanços que a tecnologia trouxe para nosso cotidiano, especialmente no caso
da presente pesquisa, referindo ao uso da internet para a pratica pornográfica, na qual para
as autores são a peça central dos roteiros sexuais do homem moderno. Com a popularização
da internet, gerenciar esses conteúdos tornou-se quase impossível, dessa forma, qualquer
indivíduo, de qualquer identidade e localização geográfica pode ter acesso a esse conteúdo
que, “teoricamente”, é proibido para menores de 18 anos. As autoras complementam a ideia
de Pacheco (2014) e Paul (2009) afirmando que a produção do discurso sexual é resultado de
uma “cultura de matéria”.

Considerações Finais

Levando em consideração os apontamentos abordados, o tema aqui proposto torna-se


relevante para uma nova percepção a respeito do fácil e desenfreado acesso de adolescentes à
pornografia, discorrendo sobre a vulnerabilidade desses aos perigos que a indústria pornográfica
oferece de forma rápida e gratuita por vários meios na atualidade, principalmente a internet, onde
os jovens passam maior parte do tempo, tendo inúmeras possibilidades de visualizar, e serem
educados sexualmente de maneira deturpada. Notou-se, através dos argumentos apresentados,
que a exposição rotineira ao conteúdo pornográfico pode desenvolver problemas físicos e mentais,
essas alterações físicas fazem parte de um longo e complexo processo de maturação que se inicia
antes do nascimento e suas consequências comportamentais e psíquicas podem chegar até a vida
adulta, uma vez que este acesso para o consumo se torna cada vez mais necessário, comparado a
um estado viciante em drogas licitas ou ilícitas.
As hipóteses previamente levantadas foram vislumbradas pelos aspectos estudados, sendo
a pornografia alvo de interesse entre jovens; a preocupação a respeito do comprometimento da
sua saúde mental e os estudos acerca da temática confirmam o possível estado viciante nesse
tipo de satisfação sexual. Consequentemente, pode comprometer os hábitos sexuais e inlfluenciar
atitudes e comportamentos sexuais agressivos e coersivos. Toda via, é importante salientar que
há posionamentos contrários, principalmente no campo da neurociencia, alguns pesquisadores
como; (Dra.Nicole Prause, neurocientista da UCLA), lançam dúvidas sobre a exixtência desse
possivel vicio relacionado ao consumo indiscriminado de material pornografico por adolescentes
e a sua definição como tal, desconsideram seus efeitos nocivos como consequência de acesso
constante à pornografia.
Percebeu-se que no cenário nacional existem poucas pesquisas referentes aos danos causados
pela pornografia na psique do adolescente, tendo ainda uma quantidade mínima de trabalhos
publicados relevantes ao tema. O levantamento utilizado para a investigação do trabalho de
pesquisa teve como fundamentos indagações em relação as propriedades de comportamentos do
adolescente em relação ao uso abusivo da internet para acessar matérias pornográficos, os riscos
aos quais estão expostos todos os dias, elementos que podem ser adquiridos influenciando novos
hábitos de comportamento como agressividade e satisfação sexual compulsória podendo chegar
a muitos outros sofrimentos psicológicos.
A sociedade vê a pornografia como atraente, no entanto devem ser tomadas medidas para
identificar claramente a pornografia como nociva associada a muitos riscos com seu consumo
deliberado. Dessa forma, torna-se pertinente que os pais tenham o conhecimento que a maioria
dos vícios pornográficos começam na infância média ou na adolescência, e na maioria das vezes
os pais não fazem ideia de tais malefícios ou os próprios jovens têm uma compreensão insuficiente
dos riscos envolvidos.

178  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A bibliografia não traz uma análise significativa sobre o tema, sendo importante a realização
de investigações e estudos voltados ao assunto abordado focando como necessário uma análise
aprofundada nos dias atuais.

Referências

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Dias, M. S. & Medeiros, L.S. (2015). Da moralidade à patologia: Como a pornografia virtual age no
cérebro humano? Disponível em: http://fiponline.edu.br/coopex/pdf/cliente=3-a952712a028753f8
ba7f2d63c77ea811.pdf

Duarte, L.C & Rohden, F. (2016). Entre o obsceno e o cientifico: Pornografia, sexologia e materialidade do sexo.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2016000300715&script=sci_
abstract&tlng=pt

Fortim, I. & Araujo, C.A. (2013). Aspectos patológicos do uso patológico de internet. Disponível em: http://
pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-711X2013000200007

Gonçalves, B.G. & Nuemberg, D. (2012). A dependencia dos adolescents ao mundo virtual. Disponível
em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/2178-4582.2012v46n1p165

Neto, A. R. & Ceccarelli, P. R. (2015) Internet e pornografia: notas psicanalíticas sobre os devaneios eróticos
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Papalia, D.E., Olds, S.W. & Feldman, R.D. (2009) Desenvolvimento Humano (10° Edição) São Paulo: AMGH

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http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Critica_Cultural/article/view/2987

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Ebook. Disponível em: http://www.amazon.com.br/YourBrainPornPornographyAddictionebook/
dp/B00N2AH8NW.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 179


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA MAIS MÉDICOS NO
BRASIL: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA
Francisco Bruno Paz Soares
Ádilo Lages Vieira Passos
Patrícia Rocha Lustosa

Introdução

N
o Brasil, o modelo de atenção à saúde durante grande parte do século XX
caracterizou-se por sua origem privada, sendo somente na década de 1980
com a criação da Constituição em 1988 e do SUS que este cenário passou a ser
modificado, assim, ganhando impulso a reorganização do sistema de saúde com seu apelo à
participação popular, à universalização e à descentralização dos serviços (Fausto, 2005).
Nesta perspectiva e também em decorrência das reivindicações de vários movimentos sociais
pró-democratização do país, ganham centralidade os investimentos no campo da saúde pública,
tendo em vista a instalação de um novo agir em saúde (Boing & Crepaldi, 2010). Entre as principais
modificações promovidas no setor de saúde pública no início da década de 1980, destaca-se
a crítica ao modelo de saúde mental até então adotado, o que abre espaço para o debate e
reivindicação da reforma psiquiátrica com seus serviços substitutivos ao modelo tradicional. A
partir deste momento, passou-se a enfatizar o atendimento ambulatorial e a formação de equipes
multiprofissionais de saúde, para tanto sendo necessários novos recursos humanos e dentre eles
o psicólogo (Ronzani & Rodrigues, 2006).
A participação do psicólogo na atenção básica de saúde começou a se delinear com a
implantação do Programa Saúde da Família (PSF) em 1993; no entanto, por ter sido excluído da
composição da equipe mínima, sua atuação não pôde se desenvolver em toda sua plenitude, fato
que gerou o questionamento destes profissionais e do próprio Conselho Federal de Psicologia
(CFP) (Cezar, Rodrigues & Arpini, 2015).
Esses questionamentos contribuíram para que no ano de 2008 o Ministério da Saúde (MS)
instituísse o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), dispositivo que possibilitou a inserção
e o reconhecimento oficial da psicologia como uma profissão legítima na atenção básica. Vale
lembrar que as equipes do NASF devem atuar em parceria com as da Estratégia Saúde da Família
(ESF), antigo PSF, promovendo dessa forma uma atuação interdisciplinar em ambos os programas
(Freire & Pichelli, 2010).
Sobre os objetivos da inserção do psicólogo na atenção básica de saúde, ressalta-se,
principalmente, a problematização das práticas tradicionais de atuação, de modo a oferecer
uma assistência à saúde básica mais resolutiva e humanizada, assim, distanciando-se de práticas
estritamente centralizadas em um modelo assistencialista e biológico que não tratam o usuário de
forma integrada (Gorayeb, Borges & Oliveira, 2012).
Face a isto, percebe-se que a atuação do psicólogo na atenção básica ocorre por meio da
materialização da equipe interdisciplinar, onde se torna possível integrar os conhecimentos de

180  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
diversas áreas do conhecimento a fim de compreender a complexidade dos aspectos relacionados
à sua saúde do usuário. Dentre os profissionais que trabalham em parceria com o psicólogo nos
programas da atenção básica de saúde se encontram os médicos participantes do Programa Mais
Médicos (PMM) (Miranda, Mendes, Silva & Santos, 2017).
O PMM surge em 2013 como uma estratégia para enfrentar a escassez de medidas
promotoras de mudanças amplas e integradas, principalmente em relação à formação dos
profissionais da saúde em geral e dos médicos em específico, que tinham sua formação até
então preponderantemente voltada para as especialidades clínicas (Campos & Pereira, 2016).
Este programa do governo federal e do MS tem o objetivo de atender uma maior quantidade de
usuários da atenção básica de saúde, como também aqueles que se encontram em regiões do país
com déficit em relação ao profissional médico, principalmente em instituições de saúde pública
mais afastadas dos grandes centros comerciais (Mendes, 2010).
De acordo com Oliveira et al. (2015) existem fatos que comprovam a necessidade da criação
do PMM no Brasil, por exemplo, a quantidade de médicos por habitantes no país que é em média,
1,8 médicos por mil habitantes, estando atrás de países vizinhos como Argentina que possui uma
média de 3,2 médicos por mil habitantes e Uruguai que possui em média 3,7 médicos por mil
habitantes.
Outro fator que mostra a necessidade de criação do PMM é que vinte e dois estados do
Brasil estão abaixo da média nacional, sendo a maioria situados nas regiões Norte e Nordeste.
Destaca-se de forma negativa nessa escala o estado do Maranhão que possui uma média de 0,58
médicos por mil habitantes e de forma positiva o estado do Rio de Janeiro que possui uma média
de 3,7 médicos por mil habitantes, estando assim acima da média nacional, o que demonstra a
discrepância existente na oferta de médicos entre as regiões Sudeste e Nordeste do país (Oliveira
et al., 2015).
Cabe salientar que podem participar do PMM, médicos formados em instituições
de ensino superior brasileiras ou com diploma revalidado no Brasil, sendo denominados
médicos participantes, como também os médicos formados em instituições de ensino superior
estrangeiras, estes considerados médicos intercambistas. Em ambas as situações, os médicos
serão supervisionados por um tutor médico que ficará incumbido de prover orientações acerca
das especificidades da área de atuação na qual o participante atuará como também por um
supervisor de campo (Oliveira et al., 2015).
Para que o médico estrangeiro possa participar do programa é necessário que possua
um diploma expedido por sua instituição de ensino superior estrangeira e seja habilitado para
o exercício da medicina no país onde foi formado, possuindo também conhecimentos sobre a
língua portuguesa, sobre o SUS e seus protocolos e diretrizes (Campos, & Pereira, 2016).
As regiões prioritárias para o SUS e os municípios que podem aderir ao PMM são os
municípios constituídos de áreas de difícil acesso e de difícil provimento de médicos ou que
possuam 20% de sua população em situação de maior vulnerabilidade e que estejam entre os cem
municípios com mais de oitenta mil habitantes, com os mais baixos níveis de receita pública “per
capita” (Campos & Pereira, 2016).
A partir disso, os municípios são divididos em dois grupos, os considerados municípios
elegíveis que se enquadram nos critérios já descritos, podendo participar do programa mediante
manifestação de interesse e celebração de termo de adesão e compromisso e os municípios
considerados participantes que tiverem aprovados o seu pedido de adesão ao programa (Lei n.
12.871, 2013).
Por ser um programa implantado recentemente no Brasil, existem poucas pesquisas de
caráter autônomo sobre o PMM, pois a maioria dos estudos é realizada pelo próprio MS a partir
de métodos quantitativos, onde o principal enfoque é a produção de indicadores estatísticos,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 181


NO ONTEXTO BRASILEIRO
assim, deixando em segundo plano aspectos qualitativos dos resultados do programa. Deste
modo, faz-se necessária a ampliação das pesquisas relacionadas ao PMM, principalmente aquelas
que abordam os dados de forma qualitativa (Mendes, 2010).
Partindo desses pressupostos surgiu a seguinte problemática de pesquisa: “Quais as
implicações do Programa Mais Médicos para a atenção básica de saúde no Brasil? Como objetivo
geral tem-se: ”analisar as consequências da utilização do Programa Mais Médicos na atenção
básica de saúde no Brasil”; e, ainda, como objetivos específicos: “identificar as regiões geográficas
do Brasil que mais pesquisam sobre o Programa Mais Médicos”, “investigar o método usado
na elaboração de estudos sobre o Programa Mais Médicos”, “verificar os aspectos positivos e/
ou negativos obtidos nos resultados das pesquisas acerca da implantação do Programa Mais
Médicos no Brasil”, e averiguar se existe uma articulação entre a atuação do psicólogo e a dos
médicos do Programa Mais Médicos.

Método
Materiais

Trata-se de uma revisão sistemática da literatura acerca das implicações da implantação do


Programa Mais Médicos nas diferentes regiões do Brasil.
Segundo Pereira (2010) as revisões sistemáticas de literatura possuem como principal
objetivo promover a sintetização das evidências externas entre os múltiplos estudos identificados
e analisados, sendo isso realizado através de critérios adequados e procedimentos explícitos e
transparentes de forma que o leitor possa identificar as características reais dos estudos revisados.
Além disso, a mesma seguiu uma ordem de etapas, que foram: seleção da questão temática,
estabelecimento dos critérios para a seleção da amostra e por fim a análise e interpretação dos
resultados em categorias.
Foram analisados artigos de investigação (empíricos) publicados em revistas científicas. A
busca de artigos foi realizada em cinco bases de dados: Lilacs, Scielo e Google Acadêmico.

Procedimento

A busca de artigos foi realizada com os seguintes descritores: “Programa Mais Médicos” e
“Implantação do Programa Mais Médicos”, a fim de se obter o maior número possível de estudos
da temática. O levantamento de artigos ocorreu no mês janeiro de 2017.
Foram selecionados os artigos datados do período de 2013 a 2016 por se pretender realizar
um levantamento dos estudos mais recentes acerca do tema, utilizando para isso de pesquisas
realizadas após a criação do programa.
Após o levantamento das publicações, os resumos foram lidos e analisados segundo os critérios
de inclusão/exclusão estabelecidos. Como critérios de inclusão, destacam-se: artigos empíricos,
artigos publicados apenas em periódicos indexados nos três bancos de dados selecionados; trabalhos
publicados em português; e, ainda, que fossem publicados entre 2013 e 2016.
No que se refere aos critérios de exclusão, foram descartadas as publicações distantes
da temática da pesquisa ou que tratavam o PMM como temática secundária. Os resumos
condizentes com os critérios adotados foram selecionados, partindo-se daí para a busca dos
trabalhos completos.
Após a seleção dos artigos através dos critérios de inclusão e exclusão, a análise foi realizada
de acordo com três categorias previamente estabelecidas: local da pesquisa, método utilizado e
avaliação da implantação do Programa Mais Médicos e de sua articulação com a atuação do
psicólogo.

182  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Resultados

Ao se lançar mão dos descritores elencados, foram identificados 123 artigos científicos
indexados no período de 2013 a 2016 nos bancos de dados previamente estabelecidos. Destes,
apenas 41 artigos foram selecionados a partir dos critérios de inclusão/exclusão.
Com relação à primeira categoria analítica - local da pesquisa - Verificou-se que as regiões
que mais produzem estudos acerca do programa mais médicos são a Sudeste e a Centro-Oeste
com 39,02% e 26,82% de estudos, respectivamente. Logo em seguida aparecem as regiões Sul
e Nordeste com 14,63%, sendo a região Norte a que apresenta o menor percentual de estudos
realizados, apenas 4,87% (ver Tabela 1).

Tabela 1

Localização geográfica dos estudos sobre o Programa Mais Médicos

Região Valor Bruto Valor Percentual


Centro-Oeste 11 26,82%
Nordeste 6 14,63%
Norte 2 4,87%
Sudeste 16 39,02%
Sul 6 14,63%

No que concerne ao método utilizado pelos estudos, é possível identificar, conforme mostra
a Tabela 2, que a maioria, 53,65% do total, emprega abordagem quantitativa e que o restante,
47,4%, recorre a uma abordagem qualitativa.

Tabela 2

Métodos utilizados pelas pesquisas encontradas


Método Valor Bruto Valor Percentual
Quantitativa 22 53,65%
Qualitativa 19 47,4%

Por último, a categoria que se propõe a avaliar os impactos da implantação do PMM, bem
como sua articulação com a atuação do psicólogo refere que 80,5% dos estudos consideram a
implantação do programa de forma positiva e que apenas 19,50% das pesquisas avaliaram o
programa de maneira negativa (ver Tabela 3). Apesar dos estudos relatarem uma inexpressiva
articulação do trabalho dos médicos do PMM com a atuação dos psicólogos, apontam também
a importância do psicólogo na equipe interdisciplinar.

Tabela 3

Avaliação da implantação do Programa Mais Médicos no Brasil


Avaliação da Implantação Valor Bruto Valor Percentual
Positiva 33 80,50%
Negativa 8 19,50%

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 183


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Discussão

Local dos estudos

A constatação de que a região Sudeste possui a maior quantidade de pesquisas em relação


ao PMM tem a ver com o fato de que essa região é a que apresenta o maior número de médicos
por habitantes no Brasil, cerca de 2,49/1000, bem como de estudos sobre a atenção básica à
saúde (Silva et al., 2016). Disso, pode-se inferir que esse interesse anteriormente demonstrado
pelo estudo em saúde coletiva na região Sudeste se manteve em relação ao PMM.
A segunda colocação quanto ao número de estudos ser ocupada pela região Centro-Oeste
significa um grande avanço em relação à discussão da saúde coletiva de sua população, pois
segundo Mota e Barros (2016) o Centro-Oeste apresentava alguns estados abaixo da média
nacional em relação ao número de médicos por habitantes, dentre os principais se encontrava o
estado do Mato Grosso que possuía um percentual de 1,7 médicos por mil habitantes.
Além disso, ressalta-se que houve uma dificuldade inicial na integração do programa
mais médicos com as universidades localizadas no Centro-Oeste, sendo isso um obstáculo para
a produção cientifica acadêmica em relação a esse tema. Superado esse impasse, o volume de
pesquisas encontradas acerca da temática na região demonstra a aceitação dos atores que
compõem a rede de saúde básica, bem como uma maior integração entre academia e o programa
(Mota & Barros, 2016).
A região Sul, apesar de possuir um elevado poder econômico se comparada a outras regiões
do país, apresenta inúmeras dificuldades e déficits no que diz respeito à atenção de saúde básica
da população, possuindo em alguns estados como o Rio Grande do Sul uma proporção de 1,10
médicos por mil habitantes (Miranda & Melo, 2016).
Este cenário reflete na baixa quantidade de pesquisas relacionadas à saúde coletiva dessa
região, devido, principalmente, à dificuldade de financiamento para a realização das mesmas.
Apesar desse resultado pouco expressivo quando se toma por base outras regiões com o mesmo
poder econômico que a região Sul, evidencia-se uma modificação da realidade sanitária anterior
à implantação do PMM (Miranda & Melo 2016).
A baixa produção de estudos observada nas regiões Norte e Nordeste se mostra incoerente
quando se verifica que estas regiões foram as que receberam o maior número de médicos do PMM
(Gonçalves et al., 2016). Este achado demonstra que essas regiões precisam ampliar a discussão
das temáticas relacionadas à saúde coletiva, bem como a integração do campo acadêmico com a
práxis dos programas de saúde básica, principalmente no que se refere ao PMM. É válido ressaltar
que nenhum estudo sobre essa temática foi realizado no Piauí, ainda que este estado tenha
recebido cerca de 7% dos médicos do programa destinados ao Nordeste.
As desigualdades observadas entre as regiões quanto ao número de estudos sobre o PMM vão
na contramão do que propõe o programa, ao apregoar o aumento do número de estudos sobre a
saúde coletiva nas diversas regiões do país de forma igualitária. Sendo assim, essa produção não
está acontecendo de forma ampla e integrada, mas principalmente nas regiões centrais (Lei n.
12.871, 2013).

Método dos estudos

Embora as pesquisas tendam a um equilíbrio quanto ao uso das abordagens quali e


quantitativa, alguns fatores podem estar relacionados ao maior número de pesquisas com método
quantitativo, entre eles, destaca-se o pouco tempo de implantação do programa, o que contribui
para que as pesquisas sejam feitas ou estejam vinculadas ao MS e ao governo federal que priorizam
análises objetivas, baseadas em dados estatísticos (Lei n. 12.871, 2013).

184  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Assim, mesmo os estudos considerados “independentes”, ou seja, que não possuem
ligação de forma direta com o MS ou o governo federal, preferencialmente priorizam estudos
com metodologias quantitativas e estatísticas, possuindo como objetivo a avaliação dessa nova
política pública a partir de instrumentos mais objetivos como, por exemplo, escalas.
Em relação às pesquisas qualitativas é importante frisar que, apesar do relativo equilíbrio
aparentemente encontrado, ainda existe um déficit em relação a pesquisas com instrumentos
que possibilitem a análise de aspectos mais amplos e qualitativos na avaliação da implantação
dessa política pública nas diferentes regiões do Brasil, como por exemplo, o uso de entrevistas ou
pesquisa participante (Kemper, Mendonça & Sousa, 2016). Congruente a isto, verificou-se que
as análises realizadas nas pesquisas quali, não raramente, apresentam abordagem superficial,
onde os dados, ao invés de discutidos, são apenas descritos e sem a consideração de aspectos
relevantes do programa (Kemper et al., 2016).
Outro dado importante a ser ressaltado se refere a frequente avaliação e análise promovida
pelo MS juntamente do governo federal, visando verificar possíveis déficits em relação a aspectos
da implantação do programa em algumas regiões ou cidades específicas, bem como utilizar
os dados para a produção e atualização de cartilhas e manuais sobre as ações e resultados da
implantação do PMM nas diversas regiões do Brasil (Kemper et al., 2016).

Avaliação da implantação do PMM e sua articulação com a atuação do psicólogo

Em relação aos aspectos positivos da implantação do programa mais médicos, Girardi et al.
(2016) ressaltam que a escassez de médicos na atenção básica de saúde no Brasil vem diminuindo
anualmente desde a criação e a consequente implantação do PMM, passando de 1.200 em 2013
para 558 no ano de 2015, representando assim uma redução de 53,5% no déficit de médicos.
Também se registra maior integração entre as universidades e o SUS, de forma que os acadêmicos
do curso de medicina das diferentes regiões do Brasil estão tendo contato direto com a realidade
do sistema de saúde brasileiro e suas especificidades, fato que não acontecia, principalmente nos
grandes centros urbanos, já que o foco nas especialidades médicas se sobrepunha à consideração
da atenção básica de saúde da população (Girardi et al., 2016).
Outro ponto positivo se refere ao planejamento que ocorre na distribuição dos médicos do
programa nas diferentes regiões do Brasil, priorizando cidades com maior índice de vulnerabilidade
social e menor oferta de médicos na atenção básica de saúde, visando promover assim o processo
de descentralização da saúde nas grandes metrópoles, contexto esse já bastante debatido pelos
gestores e pela população em geral (Girardi et al., 2016).
Apesar de elogiarem o processo de descentralização e o planejamento da distribuição de
médicos entre as regiões do país, Campos e Pereira (2016) afirmam a existência de uma grande
rotatividade dos profissionais do programa em algumas localidades, principalmente naquelas
mais afastadas dos grandes centros comerciais, sendo o atraso do pagamento das bolsas de
auxilio aos profissionais um dos principais fatores para a ocorrência deste fenômeno.
Mesmo considerando que o processo de implantação do programa necessita de diversos
ajustes, principalmente em relação à distribuição das vagas de residência, Campos e Pereira (2016)
enfatizam o grande crescimento da ESF no país após a implantação do PMM, demonstrando a
integração efetiva entre os dois programas no beneficiamento e atendimento aos usuários.
Por outro lado, o crescimento da ESF no país não tem ocorrido de forma igualitária, pois a
região Nordeste mesmo tendo recebido a maior quantidade de médicos do PMM, ainda possui
apenas 8,7% de participação da classe médica focada na atenção básica, enquanto que a região
Sudeste apresenta 18,7%. O que demonstra um cenário contraditório ao que propõe o MS quanto
à equidade na proporção de médicos na atenção primária nas cinco regiões do Brasil (Girardi et
al., 2016).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 185


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Embora a distribuição de médicos do PMM ainda não ocorra de forma adequada em
todas as regiões do país, esta proposta apresenta diversos aspectos positivos, principalmente em
relação à satisfação dos usuários do programa que, entre outros pontos, enfatizam a diminuição
do tempo de espera do agendamento de consultas para médicos participantes do PMM (Girardi
et al., 2016).
Ainda de acordo com os usuários, é possível perceber uma melhor avaliação do aspecto
físico durante as consultas com médicos participantes do PMM, como também um acolhimento
médico mais caloroso, demonstrando uma relação mais humanizada, onde a escuta da queixa do
paciente permite também sua implicação nesse processo, gerando o crescimento do cuidado em
saúde por parte do usuário (Campos & Pereira, 2016).
Outra faceta do PMM que tem contribuído para sua avaliação positiva por parte dos
usuários é o aumento no número de visitas domiciliares realizadas pelos médicos participantes
do programa, o que representa um passo importante na modificação do modelo tradicional de
saúde onde, ao paciente cabe ir até o consultório médico, ainda que, em muitos casos, esteja
impossibilitado em decorrência de alguma alteração na condição física (Girardi et al., 2016).
Llota, Galvão e Favareto (2016) ratificam que não somente grande parte dos usuários
do PMM demonstra satisfação com a atuação dos médicos participantes do programa, como
também os próprios gestores das instituições de saúde onde esses profissionais estão inseridos,
pois ressaltam que a integração com a equipe interdisciplinar contribui para a ampliação da
capacidade em realizar diagnóstico, o que confere maior agilidade no tratamento ao usuário.
Cabe salientar que entre os profissionais que compõem a equipe interdisciplinar
juntamente com os médicos na ESF e no NASF está o psicólogo. Segundo Miranda et al., 2017)
a interdisciplinaridade implantada é fundamental para o entendimento da saúde básica do
usuário e também para o crescimento profissional como equipe, sendo assim esta é mais uma das
vantagens do PMM.
Ao se discutir sobre a parceria entre os psicólogos e os médicos participantes do programa,
destaca-se que esta relação se dá por meio da promoção do atendimento integrado do usuário
de forma humanizada e holística, características presentes também nos pontos positivos da
implantação do programa durante a análise dos artigos (Miranda et al., 2017).
Sendo assim, a atuação do psicólogo e do médico se articulam através do olhar interdisciplinar,
fazendo com que o profissional da psicologia seja essencial tanto para se conseguir atingir os
objetivos do programa, dentre eles o atendimento mais empático e integrado do usuário, como
também para a própria adaptação e inserção dos médicos no SUS (Miranda et al., 2017).

Considerações Finais

Conclui-se que a maioria dos estudos realizados sobre o PMM tem como locus a região
Sudeste do Brasil e, quase sempre, apresentam resultados positivos acerca da implantação do
programa. Além disso, os métodos adotados revelam uma abordagem predominantemente
quantitativa.
Apesar dos resultados positivos em relação à implantação do programa diversos aspectos
necessitam ser melhorados, principalmente aqueles relacionados à infraestrutura das unidades
básicas de saúde, como também o aumento na quantidade de pesquisas realizadas nas regiões
Norte e Nordeste. Por exemplo, no Piauí nenhuma pesquisa foi encontrada nos bancos de dados
usados durante a coleta.
Embora ainda inexpressiva nas produções acadêmicas, também cabe mencionar a
importância da atuação do psicólogo na atenção básica de saúde e de como esse profissional
pode atuar de forma interdisciplinar com os médicos participantes do PMM, através do trabalho
em conjunto realizado entre os NASFs e as ESFs.

186  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Dentre as limitações do presente estudo, ressaltam-se a existência de poucas investigações
que abordem a articulação do trabalho do psicólogo com a atuação dos médicos participantes
do PMM e, ainda, o acesso apenas a publicações disponibilizadas gratuitamente.

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188  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
AS CRENÇAS CENTRAIS DE PACIENTES RELIGIOSOS
COM COMPORTAMENTO SUICIDA: PROTEÇÃO OU
FATOR DE RISCO
Layone Rachel Silva de Holanda
Fátima Emérito Barbosa

Introdução

S
egundo o relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde no ano de 2014,
o suicídio é considerado um grande problema de saúde pública que não é tratado
e prevenido de maneira eficaz. De acordo com o estudo, 804 mil pessoas cometem
suicídio todos os anos, taxa de 11,4 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes. O Brasil é
o oitavo país em número de suicídios. Em 2012, foram registradas 11.821 mortes, sendo 9.198
homens e 2.623 mulheres (taxa de 6,0 para cada grupo de 100 mil habitantes).
Para Assari, Lankarani, Moazen (2012), existe uma lista de variáveis que tentam explicar
o suicídio, porém o mesmo pode se enquadrar em categorias diferentes, tais como pobreza
individual, pobreza, falta de moradia, uso de substâncias, desempenho educacional insuficiente,
família e social, estado civil solteiro, desemprego são características, contudo o fator de risco
conhecido mais importante para o suicídio podem ser os transtornos psiquiátricos.
A doença mental não tratada está presente na maioria dos casos, principalmente na forma de
depressão e de transtorno bipolar. Apesar de o suicídio ser visto atualmente como um transtorno
psicossocial de causas múltiplas, em que fatores biológicos, psíquicos, sociais e culturais interagem
de forma complexa, aproximando ou afastando as pessoas do abismo psíquico, ainda há muito o
que pesquisar para assim poder realizar programas de prevenção eficazes. Há fatores que podem
proteger contra a tentação de abreviar a vida, como os vínculos afetivos bem cultivados, o bom
relacionamento com a família, ter filhos, ter uma crença espiritual, uma condição financeira
estável e realização profissional, por mais simples que seja a ocupação.
Acredita-se que a religiosidade tenha um efeito positivo sobre a saúde mental e o
comportamento, mesmo que direto ou indireto. Vemos que a religião tem um efeito indireto sobre
a saúde através do apoio social a partir de companheiros religiosos, que acredita-se reduzir o
stress. O envolvimento religioso aumenta satisfação com a vida. ( Assari, Lankarani , Moazen,
2012, pp. 358-364)
Importante destacar que, o reconhecimento dos fatores de risco e dos fatores protetores é
fundamental, pois com acesso a estas informações é possível ajudar o profissional de saúde a determinar
clinicamente o risco e, a partir desta determinação, estabelecer estratégias para reduzi-lo.
Segundo Kendler et al., (2003) a “religião” é definida em sete componentes e sugere
que dois deles (religiosidade social e gratidão) sejam relacionados com risco de vida tanto
para internalização e externalização de transtornos. Quatro componentes (religiosidade geral,
Deus envolvido, perdão e Deus como juiz) pareciam predizer um risco reduzido de desordens

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 189


NO ONTEXTO BRASILEIRO
externalizantes, mais especificamente. Uma (não-vingança) foi associada com internalização, mas
não com transtornos externalizantes.
“Alguns estudos que utilizaram a tomografia por emissão de pósitron fortalece a hipótese
de que há uma associação entre os níveis de religiosidade e menos impulsividade reforçando
que a prática religiosa estimula o sistema límbico, aumentando a atividade dos centros
autônomos do sistema nervoso, como o hipotálamo, a amígdala, e hipocampo com isso
há uma modificação na função cerebral, e uma redução de cortisol e interleucina pró-
inflamatória em níveis plasmáticos. Todavia, a prática religiosa promove aumento do
metabolismo córtex pré-frontal, influenciando o controle de impulso, tomada de decisões e
julgamentos morais.” ( Caribé, Rocha, Martins , Studart , Quarantini , Guerreiro & Scippa,
2015, pp. 551–554)

O envolvimento religioso e as crenças podem prevenir o suicídio. Para alguns pesquisadores


isto se deve a dissonância cognitiva e apoio social pela adesão às crenças religiosas. No entanto,
alguns resultados têm considerado a associação entre religião e suicídio (Assari, Lankarani ,
Moazen, 2012, pp. 358-364)
Para Caribé et. al (2015) por isso, uma maior religiosidade está potencialmente relacionada
a menos impulsividade. Porém há uma possibilidade de alteração por outros fatores, como doença
mental. Indivíduos saudáveis podem
​​ praticar mais facilmente sua religiosidade em seus aspectos
principais, como ir à igreja, meditar ou rezar e incorporar a religiosidade em suas vidas, sem as
deficiências cognitivas e psicossociais causadas por doença mental.

Metodologia

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica de agosto a outubro de 2016, tendo-se como
fontes as bases de dados MEDLINE, Scielo, Pubmed, Google Acadêmico e de capítulos de livros
de referência sobre o tema, abrangendo os anos de 2001 até 2016. Na pesquisa foram utilizados
os seguintes descritores: Crenças Centrais. Suicídio. Religiosidade. Terapia Cognitivo Comportamental.
Comportamento Suicida. Fatores de Risco. Fatores de Proteção. Foram incluídos os estudos que fazem
menção à religiosidade e saúde mental, os quais envolvem a religiosidade e pacientes com
transtorno mental.

Resultados

Comportamento Suicida

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) as taxas de suicídio para o ano de
2020 e com base nas tendências atuais, aponta que cerca de 1,53 milhões de pessoas morrem de
suicídio por ano, e de 10 a 20 vezes mais as pessoas vão tentar o suicídio em todo o mundo. Isso
representa, em média, uma morte a cada 20 segundos e uma tentativa a cada 1 ou 2 segundos.
Nos últimos 45 anos, as taxas de suicídio aumentaram 60% em todo o mundo. O suicídio é
uma das três principais causas de morte entre as pessoas com idades entre 15-44 anos, em alguns
países, e a segunda causa no grupo de 10 a 24; e estes números não incluem tentativas de suicídio
que são até 20 vezes mais frequente do que casos de suicídio concluídas. O Brasil enontra-se em
oitavo lugar com os maiores registros absolutos de números de suicídios.

Os fatores de risco identificados para o suicídio são, a tentativa anterior e a existência de


um trasntorno mental diagnosticável. Apresentam-se como os transtornos mentais mais

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
comuns: a depressão, transtorno de humor bipolar, dependência de álcool e de outras
drogas psicoativas, esquizofrenia e certas características de personalidade. Observa-se que
a situação de risco é agravada quando mais de uma dessas condições se combinam, como
depressão e alcoolismo, ou a coexistência de depressão, ansiedade e agitação. (Bertolote &
Fleischmann, 2002, n.d.)

De acordo com Botega et. Al., 2009, em um estudo realizado no município de Campinas,
em 2003 foi possível perceber que, ao longo da vida, 17,1% das pessoas “pensaram seriamente em
por fim à vida”, 4,8% chegaram a elaborar um plano para tanto, e 2,8% efetivamente tentaram o
suicídio. De cada três pes­soas que tentaram se suicidar, apenas uma foi, logo depois, atendida em
um pronto-socorro.
Com esses dados identificou-se que, apenas uma porção pequena de pacientes com
comportamento sui­cida chega a ser registrado num aten­dimento em um serviço de saúde. O
suicídio é um problema de saúde pública que pode ser prevenido, estudos apontam que 90%
dos suicídios consumados poderiam ser evitados, pois em sua maioria havia prevalência de um
transtorno mental associado.

Suicídio e Religiosidade

Para Koenig (2001), a definição para religião seria um sistema organizado de crenças, práticas,
rituais e símbolos projetados para facilitar a proximidade com o sagrado ou transcendente (Deus,
poder mais alto, ou ultimate verdade / realidade).
A religiosidade independente da afiliação religiosa aparece dentre outros como um fator
protetor para pacientes com comportamento suicida e por ser pouco estudado não apresenta
dados consistentes acerca de sua eficácia para impedimento do ato.
Segundo Gordon Allport (1967), a orientação religiosa se apresenta de duas formas,
como orientação extrínseca onde é possível perceber que àqueles que a possuem desejam usar a
religião para alcançar seus próprios fins, ou seja, a religião só existe para servir aos seus interesses
particulares, enquanto que a segunda forma, a orientação intrínseca, àqueles que a possuem
apresentam a religião como seu motivo de ser, complemento de maior importância e em harmonia
com as suas crenças pessoais.

Em um inquérito populacional entre brasileiros foi possível demonstrar que mais de 80%
atribuem uma importância à religião2. Indicando a religiosidade como um fator de proteção
independente se é externa ou interna para a saúde física e mental. Nas últimas duas décadas,
vários estudos foram realizados acerca das relações entre religiosidade e saúde mental.
Entretanto, há uma predominância de investigações provenientes de amostras norte-
americanas (preponderantemente protestante). No Brasil, o estudo da religiosidade como
fator influenciador da saúde mental é incipiente. (Carvalho, 2012, p. 210)

Bertolote e Fleischmann (2002), verificou em seus estudos que as taxas de suicídio de acordo
com a denominação religiosa prevalente trazem à esses países uma maior diferença entre países
do Islã e os países de qualquer outra religião prevalente. Nos países muçulmanos (por exemplo,
Kuwait), suicídio, onde é mais estritamente proibido, o total das taxas de suicídio é próxima de
zero (0,1 por 100.000 população). Em Hindu (ex. Índia) e Países cristãos (ex. Itália), o total das
taxas de suicídio é de cerca de 10 por 100.000 (Hindu: 9,6; Christian: 11,2). Em países budistas
(por exemplo, Japão), a taxa de suicídio total é nitidamente mais elevado em 17,9 por 100.000
habitantes.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 191


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Em 2002, Bertolote e Fleischmann disse que as taxas de suicídio são maiores em países
Ateístas (por exemplo, China) com o total de 25,6 e que incluiu nesta análise os países religiosos
proibidos por um longo período de tempo (por exemplo, Albânia). De acordo com a religião
predominante desses países em relação ao sexo e o suicídio, apresentam taxas mais elevadas entre
homens do que mulheres. Os homens possuem índice mais alto em relação às mulheres e isso
pode ser encontrado em países com população de ateu. Em países cristãos o resultado é 3,5
homens: 1 mulher, o menor é visto em países hindu, em 1.3 homens: 1 mulher. Certamente, estes
resultados não levam em consideração níveis pessoais de religiosidade, no entanto, eles podem
indicar a importância do contexto religioso, ou seja, a prevalência de uma religião em um país, em
relação às mortes por suicídio, como um importante fator cultural na determinação do suicídio.
Para Hoffman e Marsiglia (2014), a religião é mais protetora contra o suicídio em países
menos religiosos, bem como em áreas menos religiosas de um país.
Akbari, Haghdoost & Nakhaee (2015), apontam o papel da religião no suicídio como
protetora de tentativas de suicídio quando estão relacionadas à religiosidade intrínseca, pois a
mesma apresenta um papel na prática de bons comportamentos de saúde e uma melhor saúde
mental.
Um estudo desenvolvido na Turquia com 341 estudantes de graduação entre as idades de
18 e 26 anos, apresentou a religiosidade extrínseca como preditora de hostilidade, ansiedade
e depressão entre alunos. Além disso, o referido estudo mostrou que o papel da religiosidade
intrínseca sobre a saúde mental é mediada pelo apoio social. Um exemplo disso é o Irã, um país
religioso, pessoas que possuem níveis mais elevados de religiosidade podem receber apoio de
parentes e amigos. Tal como no nosso estudo, outros estudos descobriram que os distúrbios
psiquiátricos têm um papel imperativo e que confirmam a presença de transtornos psiquiátricos
nas tentativas de suicídio. Observa-se que 95% das pessoas que tentam suicídio sofrem de
depressão ou ansiedade. (Strawbridge, Shema, Cohen & Kaplan, 2001, pp. 68 – 74)
Segundo Dalgalarrondo (2007), há uma rica multiplicidade de temas abordados dos estudos
sobre religiosidade e saúde mental. A presença do religioso no modo de construir e vivenciar o
sofrimento mental tem sido observada por muitos pesquisadores. É possível observar a relação
entre religiosidade e saúde mental seja nos transtornos mentais mais comuns, como ansiedade e
depressão, assim como os quadros mais complexos, nas psicoses. Existe a busca por algum alívio
do sofrimento, alguma significação ao desespero que se instaura na vida de quem adoece, parece
ser algo marcadamente recorrente nesta experiência de busca, sobretudo para classes populares.
Alguns estudos trazem a religiosidade associada com um maior auto-controle e com traços
de personalidade, como afabilidade, consciência e empatia, além de apresentarem que famílias
religiosas tendem a ter crianças menos impulsivas com mais auto-controle. Quanto maior a
religiosidade durante a adolescência mais é possível moldar positivamente traços de personalidade
na vida adulta. Contudo, outros estudos sugerem que os traços de personalidade específicos
podem determinar se o indivíduo se torna mais ou menos religiosa. Independentemente disso, a
experiência religiosa pode reduzir a expressão de impulsividade, o que poderia, por si só, diminuir
a tendência suicida ( Caribé, Rocha, Martins , Studart , Quarantini , Guerreiro & Scippa, 2015).
Em 2014, Hoffman, Steven, Marsiglia e Flavio, disse que uma comunidade moral é onde há
desproporcionalmente um elevado número de pessoas religiosas, levando ao reforço das crenças e
práticas espirituais. Pela história sabe-se que a Igreja Católica manteve uma posição firme contra
o suicídio por muitos anos, supõe-se que, embora nem todos adere à doutrina da igreja, uma
construção cultural negativo de suicídio pode ser parte da razão de uma baixa taxa de suicídio no
México quando comparado a outros países em todo o mundo.
Alguns estudos comparam como as regiões de alta e baixa religiosidade influenciam
diferencialmente as taxas de suicídio. Dentre estes, temos o estudo internacional multicêntrico,

192  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
que apresenta a religião como mais protetora contra o suicídio em países menos religiosos, bem
como em áreas menos religiosas de um único país. “Diante disso, não foi possível relacionar o
México por ser um país altamente religioso, como justificativa para suas baixas taxas de suicídio.
Contudo, esta afirmação parece contradizer outras pesquisas sugerindo que as comunidades
religiosamente homogêneas e áreas de força católica histórica são os que mais protegem contra o
suicído ( Hoffman, Steven, Marsiglia & Flavio, 2014).
Algumas explicações possíveis para este achado original são a recente análise da ideação suicida
em oposição a suicídios, medidos religiosidade interna de forma diferente de estudos anteriores, e
realizado junto de uma amostra internacional única da juventude mexicana. Outra explicação seria
uma recente linha de pesquisa com foco no processo de tomada de decisão, mostrando que as
decisões que as pessoas fazem nem sempre são um reflexo de suas crenças e valores onde, pode ser
que as crenças espirituais de um indivíduo nem sempre contribuam para o seu processo de tomada
de decisão. “Embora tenham a crença que não irão para o céu se cometerem suicídio, ir para o
céu pode não ser necessariamente importante o suficiente para serem levados em consideração ao
contemplar o suicídio ( Hoffman, Steven, Marsiglia & Flavio, 2014).

Discussão

Vale ressaltar a complexa relação entre religiosidade, impulsividade, doença mental e


comportamento suicida a possibilidade de serem bidirecionais; ou seja, assim como doença
mental pode prejudicar o envolvimento religioso, a religiosidade através de vários mecanismos
pode, diminuir a expressão de doença mental e comportamentos impulsivos e dissuadir um de
suicídio (Caribé, Rocha, Martins , Studart , Quarantini , Guerreiro e Scippa, 2015).
Em alguns estudos apontam que a religiosidade interna é preditora e em outras é a externa,
como por exemplo o de Hoffman e Marsiglia trazendo o paradoxo entre países menos religiosos
que apresentam a religião como protetora, juntamente com a falta de clareza quanto às influências
de proteção da religiosidade interna e externa, é favorável ao que é apresentado nos estudos
internacionais, em países como o México são necessários para entender melhor a verdadeira
relação entre religião e suicídio. “O mais importante a ser ressaltado é que a religiosidade interna
não mostra qualquer influência protetora contra a ideação suicida, apesar de mostrar poder de
proteção positiva em outros estudos ( Hoffman, Steven, Marsiglia & Flavio, 2014).
Ao contrário dos crescentes níveis de religiosidade interna, os níveis mais elevados de
religiosidade externa parecem ser protetores contra a ideação suicida. Com o estudo de, Hoffman
e Marsiglia, observou-se a potencial influência protetora da religiosidade externa. Assim como o
aumento da freqüência à igreja (isto é, a religiosidade externa) predizem menores probabilidades
de pensar em se matar, também prevê menores probabilidades de pensar sobre a morte e encarar
a si mesmo como um fardo para os membros da família. Estes resultados dão suporte, mesmo que
pontual, da afirmação da teoria de rede que não é um aspecto pertencente à religião e também
para a ideia de que as populações religiosamente homogêneas possuem a possibilidade de criar
uma comunidade moral de proteção.
Conclui-se que os avanços nesse campo de pesquisa têm sofrido muitas críticas no meio
científico pela rigidez e validade de aferição da religiosidade. Para muitos críticos existe uma
extrapolação na conclusão de muitos estudos, quanto ao efeito protetor de um aspecto da
religiosidade, interpretando como indicativo de que a religiosidade é positiva como um todo.

Os estudos para mensurar a religiosidade em saúde é um desenvolvimento relativamente


recente e data de investigações pioneiras realizadas no pós-guerra. A religiosidade é um
construto multidimensional, há na atualidade mais de uma centena de instrumentos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 193


NO ONTEXTO BRASILEIRO
disponíveis para mensurar religiosidade. Porém, poucos instrumentos estão validados para
uso em amostras brasileiras. (Carvalho, 2012, p. 210)

Apesar disso, há estudos conclusos que apontam um aspecto da religiosidade como fator
protetivo da saúde mental, porém faz-se necessário mais estudos práticos que apontem de forma
mais discriminada como utilizar este aspecto da religiosidade de maneira protetiva para os
pacientes com comportamento suicida, para assim, promover estratégias de trabalho nos diversos
ambientes para auxiliar estes pacientes em sofrimento extremo

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 195


NO ONTEXTO BRASILEIRO
TRANSTORNOS ALIMENTARES NA ADOLESCÊNCIA E
FATORES ASSOCIADOS: UM ESTUDO DE REVISÃO
Vanessa da Silva Alves
Dalva Muniz Pereira
Cecília Teresa Muniz Pereira
Doralice Limeira da Silva
José Hermínio Rocha Magalhães Santos

Introdução

N
a cultura ocidental há uma pressão muito intensa para se conquistar um corpo
extremamente magro, sendo esse padronizado como “ideal” e constantemente
aparecendo na mídia como uma forma de cobrança. Quando há uma
preocupação extrema com a aparência física, o indivíduo pode ser levado a uma imagem
corporal negativa, referidos como distúrbios da imagem corporal, que são marcados por
prejuízos na vida social e profissional, paralelos a um sofrimento intenso (Tavares, Campana,
Tavares & Campana, 2010).
Como consequência dessa preocupação excessiva, podem surgir os transtornos alimentares
(TAs), sendo os mais comuns a anorexia nervosa - AN e a bulimia nervosa - BN (Vilela,
Lamounier, Dellaretti, Barros & Horta, 2004). Ambas são caracterizadas por padrões anormais
de comportamento alimentar e preocupação excessiva com o controle do peso e por percepções
alteradas sobre o próprio peso e corpo (Gonçalves, Moreira, Trindade & Fiates, 2013).
As mudanças biológicas, físicas, psíquicas, aliadas ao desenvolvimento da formação da
identidade e do senso de independência são atributos evidenciados na adolescência. Esses fatores
quando associados ao forte apelo sociocultural do culto à magreza, e encontrando ressonância
nos fatores psicológicos individuais e familiares, podem predispor o adolescente aos transtornos
alimentares (Dunker, Fernandes & Carreira, 2009).
Segundo Nunes, Olinto, Camey, Morgan e Jesus (2006), a adolescência é a faixa etária mais
vulnerável aos comportamentos direcionados à magreza e, consequentemente, aos transtornos
alimentares, tendo em vista que, por suas próprias características, é mais influenciada pelos
padrões estéticos corporais vigentes. Esses autores destacam que, na medida em que o corpo
idealizado não é facilmente alcançado, torna-se cada vez mais comum a presença da insatisfação
corporal, o que contribui para perpetuar os comportamentos alimentares sugestivos de transtornos
alimentares.
A ocorrência mais acentuada dos transtornos alimentares na adolescência encontra
explicação no fato de que nesta fase da vida acentua-se a formação da identidade pessoal, dos
valores sociais e do senso de independência social e emocional, cuja assunção ou dificuldade
em assumi-los pode levar, a transtornos de ordem alimentar. Sobressaem-se ainda a influência
dos fatores psicológicos individuais e familiares, aliada ao forte apelo sociocultural do culto à

196  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
magreza, que ocorre nesta fase da vida. Tais características constituem-se em fortes definidores
das escolhas da qualidade e quantidade dos alimentos podendo se manifestar negativamente nas
escolhas alimentares (Fonseca & Rena, 2008).
Em estudo de revisão de Gonçalves et al. (2013) dentre os fatores de risco para os TAs,
destacaram-se a mídia e os ambientes social e familiar. A influência da mídia e do ambiente social
foi associada, principalmente, ao culto à magreza. Já no âmbito familiar, o momento das refeições
mostrou-se fundamental na determinação do comportamento alimentar e no desenvolvimento de
seus transtornos.
Tendo em vista a relevância do tema e o crescimento de transtornos alimentares na
adolescência, este estudo teve por objetivo avaliar a prevalência de transtornos alimentares em
adolescentes brasileiros e os fatores associados.

Método

Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica. A busca pelos artigos foi realizada nas bases
de dados PubMed, SciELO e LILACS, combinando-se os termos ‘adolescentes’, ‘comportamento
alimentar’, ‘transtorno alimentar’, ‘bulimia’ e ‘anorexia’, nos idiomas português, inglês e espanhol.
Foram considerados os artigos publicados entre 2008 e 2018, sendo selecionados, após critérios
de inclusão e exclusão, 10 estudos no Brasil, de corte transversal, que analisaram a prevalência
de sintomatologia de transtornos alimentares através da aplicação de questionários específicos e
fatores associados.

Resultados

A relação de estudos analisados conforme amostra pesquisada, instrumento de coleta de


dados utilizado e resultados encontrados estão descritos na Tabela 1.
No estudo de Alves, Vasconcelos, Calvo e Neves (2008), a presença de sintomas de anorexia
nervosa (EAT+) mostrou-se associada à faixa etária de 10 a 13 anos; sobrepeso e obesidade;
insatisfação com a imagem corporal e rede pública de ensino. A insatisfação com a imagem
corporal (BSQ+) revelou ser o maior fator de risco para a manifestação dos sintomas de anorexia
nervosa (OR = 16,730; IC95%: 11,370-24,616), seguido da faixa etária de 10 a 13 anos de idade
(OR = 2,345; IC95%: 1,355-4,059) e da rede pública de ensino (OR = 1,799; IC95%: 1,203-2,690).
Silva, Cruz e Coelho (2008) verificaram de acordo com os testes EAT-26 e BITE, verificou-se
maior prevalência das adolescentes com faixa etária de 13 a 15 anos apresentarem risco para o
desenvolvimento dos distúrbios alimentares (anorexia e bulimia nervosa). Mesmo apresentando
um alto percentual de adolescentes com peso dentro dos padrões da normalidade, estas possuem
indicativos para o desenvolvimento de transtornos alimentares, com o consumo de energia
insuficiente para as adolescentes com sintomas de anorexia e bulimia nervosa.
Dunker et al. (2009) encontraram mais de 30% das adolescentes com escores superiores
a 20 no EAT-26, ou seja, com risco de desenvolver TAs, mas não observaram relação entre a
situação socioeconômica e a presença de comportamentos de transtornos alimentares em 183
adolescentes do sexo feminino de escolas públicas e particulares. Os resultados encontrados
demonstram que comportamentos de risco para TAs, como a preocupação com peso e restrição
alimentar, não têm associação com a situação socioeconômica, mas apresentam associação com
sobrepeso/obesidade e a maior frequência de uso de dietas.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 197


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Tabela 1

Relação de estudos de avaliação da presença de Transtornos Alimentares em adolescentes e


fatores associados. Brasil, 2018.
AUTOR AMOSTRA IC RESULTADOS
A presença de sintomas de TA
mostrou-se associada à faixa
1.148 adolescentes EAT-26 etária de 10-13 anos, sobrepeso
Alves et al. (2008) do sexo feminino (10-
BSQ-34 e obesidade, insatisfação com
19anos)
imagem corporal e rede pública
de ensino.
Adolescentes com faixa etária de
81 adolescentes do EAT-26 13-15 anos apresentaram maior
Silva et al. (2008) sexo feminino (13 – 18
BITE risco para o desenvolvimento de
anos)
TA.
183 adolescentes do EAT-26 Os comportamentos de risco
Dunker et al. (2009) sexo feminino (15- SATAQ-3 para TA não estiveram associados
19anos) Escala de Silhouetas ao nível sócio-econômico.
A presença de menarca e sua
325 adolescentes do EAT-26 ocorrência em idades mais
Scherer et al. (2010) sexo feminino (11-14 precoces fazem com que as
anos) Escala de Silhouetas adolescentes apresentem um
desejo maior de perder peso.
1.108 adolescentes do
Fatores como sexo, sentimento
sexo feminino e 968 do
em relação ao peso, histórico de
Souza et al. (2011) sexo masculine (media EAT-26
sintomas depressivos influenciam
de 15,92 anos ±1,56
no desenvolvimento de TA.
anos)
25 adolescentes do A presença de sintomatologia
Vergílio e Gravena sexo masculine e 33 do EAT-26 anoréxica é evidenciada nos
(2011) sexo feminino (14-18 BSQ adolescentes com distorção da
anos) imagem corporal.
106 adolescentes do A análise multivariada
sexo masculino e 172 demonstrou a influência do sexo
Laus et al. (2013) EAT-26
do sexo feminino (15- e sentimento em relação ao peso,
18 anos) sintomas depressivos e IMC.
624 adolescentes do Adolescentes insatisfeitos com
Halpern et al. sexo masculino e 606 EAT-26 a imagem corporal apresentam
(2013) do sexo feminino (11- Escala de Silhouetas mais chances de desenvolverem
14 anos) TA.
397 adolescentes do EAT-26 Os comportamentos de risco
Fortes et al. (2016) sexo feminino (12-17 BRUMS para TA estiveram relacionados
anos) BSQ ao estado de humor negativo.

Nota. IC = Instrumento de Coleta ; EAT-26 = Eating Attitudes Test ( Teste de Atitudes


Alimentares) ; SATAQ-3 = Escala das Atitudes Socioculturais Voltadas para Aparência ; BSQ-34
= Body Shape Questionnaire (Questionário de Imagem Corporal); BRUMS = Escala de Humor
Brumel; BITE = Teste de Investigação Bulímica de Edinburgh.

No estudo de Scherer, Martins, Pelegrini, Matheus e Petroski (2010) 75,8% das adolescentes
investigadas estavam insatisfeitas com a sua IC e a prevalência de sintomas de TA (EAT+) foi
elevada (26,6%). Os autores concluíram que a IC está associada a maturação sexual, uma vez
que a presença da menarca e sua ocorrência em idades precoces fazem com que as adolescentes
apresentem o desejo de reduzir o peso corporal. Além disso, o desejo de ter um corpo mais magro
pode gerar comportamentos inadequados em relação a alimentação, que podem evoluir para o
desenvolvimento de TAs.
Em estudo de Souza, Souza, Magna e Magna (2011), a população estudada mostrou
prevalência de 9,7% de EAT positivo (IC 95% de 8,4% a 11,0%), resultado este que foi influenciado

198  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
pelo sexo, como se sentia em relação ao peso, se já teve sintomas depressivos anteriormente e pelo
estado nutricional (IMC).
Vergílio e Gravena (2011) demonstraram a presença de sintomatologia anoréxica e distorção
da imagem corporal na população estudada, identificando ainda a existência significativa entre a
distorção da imagem corpórea diante dos sintomas anoréxicos e maior acometimento da mesma
entre o sexo feminino.
Laus, Souza, Moreira e Braga-Costa (2013) investigaram a relação entre insatisfação com
a imagem corporal, estado nutricional e atitudes alimentares em adolescentes de uma pequena
cidade do interior do Estado de São Paulo. Um total de 278 adolescentes (106 meninos e
172 meninas) entre 15 e 18 anos tiveram respondidas medidas de insatisfação com a imagem
corporal. Os autores observaram que meninas relataram maiores índices de insatisfação e
atitudes alimentares inadequadas quando comparadas aos meninos e, em ambos os sexos, os
comportamentos alimentares inadequados tendem a aumentar conforme aumenta a insatisfação
com a imagem.
Halpern et al. (2013) avaliaram sintomas de TAs em escolares do 6º ano de escolas
públicas municipais em uma cidade serrana do Rio Grande do Sul e verificaram que os meninos
apresentaram 45% menos chances (RP=0,55 — IC=0,43 -0,70) de estarem com sintomas de TAs
em relação às meninas. Os escolares insatisfeitos com a imagem corporal apresentaram 69% mais
chances (RP=1,69 — IC=1,28 -2,23) de estarem com sintomas de TAs em relação aos escolares
satisfeitos.
Os achados do estudo de Fortes, Cipriani, Paes, Coelho e Ferreira (2016) referentes a aplicação
do EAT-26 evidenciaram que 23,3% das adolescentes participantes da pesquisa demonstraram
comportamento alimentar de risco para os TAs. Além disso, os resultados apontaram que 33,9%
das adolescentes apresentaram algum nível de insatisfação corporal avaliado pelo BSQ. Os
autores evidenciaram associação entre os comportamentos alimentares de risco para os TAs e o
DTH (Distúrbio Total do Humor). Os resultados indicaram maiores chances de as adolescentes
com alto DTH utilizarem os comportamentos alimentares de risco para os TAs em comparação
as adolescentes com baixo DTH. Dessa maneira, as meninas com sentimentos elevados de raiva,
depressão, tensão e/ou fadiga usaram com maior frequência os comportamentos alimentares de
risco para os TAs.

Discussão

No que tange à avaliação dos transtornos alimentares, o uso de questionários de


autopreenchimento tem se mostrado excelentes parâmetros indicativos de transtornos
alimentares. A grande maioria dos instrumentos de rastreamento e diagnóstico de TAs em crianças
e adolescentes é adaptação de ferramentas para avaliação em adultos, validados originalmente na
língua inglesa.
O EAT-26 Teste de Atitudes Alimentares é um questionário validado, traduzido para o
português por Bighetti (2003), aplicado para avaliar as atitudes alimentares. O questionário avalia
os riscos de serem desenvolvidos comportamentos e atitudes típicos de pacientes com anorexia.
O instrumento é constituído por 26 questões e cada questão apresenta 6 opções de resposta,
conferindo-se pontos de 0 a 3, dependendo da escolha (sempre = 3 pontos, muitas vezes = 2
pontos, às vezes = 1 ponto, poucas vezes, quase nunca, e nunca = 0 ponto). A única questão que
apresenta pontos em ordem invertida é a 25, sendo que as respostas mais sintomáticas, como
sempre, muitas vezes e às vezes, não são dados pontos e para as alternativas poucas vezes, quase
nunca e nunca, são conferidos 1, 2 e 3 pontos. Considerou-se com sintomas de anorexia nervosa
as estudantes que apresentaram escore maior que 21 pontos (EAT+) (Bighetti, 2003).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 199


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O Teste de Investigação Bulímica de Edinburgh (BITE) permite identificar comedores
compulsivos constituindo-se de 33 questões dirigidas à sintomatologia bulímica, variando de 0
à 30 pontos. A resposta “sim” representa a presença de sintoma, valendo 1 ponto, enquanto
a resposta “não” significa a ausência (0). São considerados com sintomas de bulimia nervosa
adolescentes que apresentam escore maior ou igual a 20 pontos (Conti, Frutuoso & Gambardella,
2005).
A Escala das Atitudes Socioculturais Voltadas para Aparência (SATAQ-3) é utilizada
para avaliar o grau em que a midia pode influenciar o indivíduo em sua imagem corporal e nos
comportamentos de risco para TAs (Dunker et al., 2009).
Existem vários fatores que podem influenciar o desenvolvimento do comportamento
alimentar inadequado. Segundo Conti et al. (2005) a insatisfação corporal é o principal deles.
Nunes et al. (2006) ressaltam ainda que há uma relação direta entre comportamento alimentar,
satisfação com o corpo e percepção da imagem corporal, uma vez que a percepção do peso, seja
ela real ou deturpada, pode influenciar no comportamento alimentar.
A insatisfação corporal é representada pelo desejo do adolescente de que seu corpo
seja diferente da forma como o percebe, existindo uma avaliação negativa do próprio corpo. A
insatisfação corporal passa por uma valorização cultural que varia de acordo com sexo, índice de
massa corporal e nível econômico (Dumith et al., 2012).
Pode-se dizer que a insatisfação corporal está associada a maturação sexual, uma vez
que a presença da menarca e sua ocorrência em idades precoces fazem com que as adolescentes
apresentem o desejo de reduzir o peso corporal. Além disso, o desejo de ter um corpo mais magro
pode gerar comportamentos inadequados em relação a alimentação, que podem evoluir para o
desenvolvimento de TA (Scherer et al., 2010).
Os resultados alertam para a necessidade de investimentos em programas de educação
nutricional inseridos no ambiente escolar com objetivos de promover mudanças nos conceitos
de imagem corporal, conscientizar sobre os prejuízos que os comportamentos assumidos para
redução de peso podem desencadear a saúde, além de orientar para escolhas alimentares mais
saudáveis. Esses programas precisam ser dinâmicos e com uma abordagem diferenciada para cada
grupo atendido. A nosso ver, tanto os adolescentes como as crianças em idade escolar devem ser
inseridos no programa educativo, além dos pais, professores e demais profissionais envolvidos
com o ambiente escolar (Alves et al., 2008).

Considerações Finais

Podemos observar uma maior probabilidade de estudos de patologias alimentares no sexo


feminino. Vemos que cada vez mais, preocupação com a magreza, insatisfação com o corpo e
conhecimento e prática de comportamentos inadequados e disfuncionais visando a perda de peso.
O fato da nossa cultura supervalorizar o “corpo magro” desencadeia uma maior vulnerabilidade
nos adolescentes em relação aos comportamentos relacionados com a magreza. Os transtornos
alimentares são originados por uma multiplicidade de fatores que interagem entre si de modo
complexo: fatores epidemiológicos, socioculturais, mídia, ciclo social, dentre outros. Embora os
estudos transversais não permitam a identificação das relações de causa e efeito, o que é uma
limitação dos trabalhos apresentados já que não contemplam a temporalidade entre os eventos,
a preocupação com o corpo é a ligação central entre eles.

200  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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202  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
CÂNCER E IDOSOS: A REAÇÃO DA FAMÍLIA DIANTE DO
DIAGNÓSTICO DE NEOPLASIA
Laís de Meneses Carvalho Arilo
Andrea Thaís Xavier Rodríguez Hurtado

Introdução

O
câncer, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA) (2016), é o
desenvolvimento anormal e desenfreado de células dos tecidos e órgãos, de modo a
agressividade no crescimento dessas células contribui para a formação de tumores
– as neoplasias malignas – ou a formação de massas semelhantes ao tecido original – tumores
benignos. Essas células sofrem mutação genética, posto que ocorre uma alteração do material
genético, que é transmitida nas demais células e, assim, ativam os protooncogenes ao executar a
atividade celular errada transformando-os em oncogenes, estes encarregados pela malignidade.
Já o tipo de câncer depende do tipo de célula que originou o tumor: quando inicia nos tecidos
epiteliais (pele e mucosas) é chamado de carcinoma, enquanto esse surgimento acontece nos
tecidos conjuntivos (ossos, músculos e cartilagens) é sarcoma. (INCA, 2016).
A população idosa é constituída por pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, o
que representa não apenas uma conquista, mas também um desafio devido às demandas sociais
e econômicas para investir em saúde, segurança e participação social desse público (WHO,
2002). Considerando as transformações inerentes ao desenvolvimento do sujeito (o declínio das
capacidades funcionais, fisiológicas e mentais), ressalta-se o aparecimento de doenças crônicas
e/ou incapacitantes como, por exemplo, a hipertensão, diabetes e cânceres. Assim, a incidência
de câncer em idosos é definida pela vulnerabilidade do organismo à transformação celular e pelo
tempo de exposição aos agentes externos modificadores da estrutura genética das células (Papalia,
Olds, & Feldman, 2006; INCA, 2016).
Outra teoria é o aparecimento de neoplasia em idosos por causa do desenvolvimento
prolongado da carcinogênese e, por isso, pessoas que vivem mais estão mais propensas a ter
câncer. Portanto, estudos estimam que, em 2020, 70% das neoplasias diagnosticadas se apresente
em pacientes com idade igual ou superior a 65 anos (Assis, Melo, Melo, Kitnet, & Júnior, 2011).
Percebendo essas particulares, a oncologia e a geriatria convergem-se na oncogeriatria, um
enfoque abrangente e multidisciplinar dos pacientes com diagnóstico de câncer (Karnakis, 2011).
Entretanto, na prática, os pacientes idosos “mais jovens” com poucas ou nenhuma
comorbidade são encaminhados para o serviço de oncologia, enquanto aqueles fora de
possibilidade terapêutica de cura são destinados aos geriatras (Assis et al., 2011, p. 110). É
importante favorecer o entrelaçamento dessas abordagens no âmbito prático para elaborar
estratégias que abarquem toda a população idosa oncológica por meio de exames iniciais mais
específicos como as avaliações geriátricas e os estudos farmacológicos para o cuidado e otimização
do tratamento desses pacientes (Misset & Bauer, 2008).
Na pesquisa realizada por Soares, Santana e Muniz (2010), a neoplasia é um diagnóstico

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 203


NO ONTEXTO BRASILEIRO
aceitável para os pacientes gerontes em consequência da finitude reconhecida nessa etapa da
vida, mas também podem surgir sentimentos de resignação e medo dependendo das experiências
anteriores do sujeito acometido pela doença. Acrescenta-se que o crescimento na incidência
desse diagnóstico influencia no interesse em estudar as implicações da neoplasia nos fatores
psicossociais, na adaptação emocional, social e familiar do sujeito em processo de adoecimento.
(Carvalho, 2003).
Os pacientes idosos diagnosticados com câncer precisam de cuidados constantes, seja em
situação de tratamento quimioterápico ou cuidados paliativos, e o ambiente familiar é o local
ideal para fornecer tais cuidados e garantir a autonomia, a dignidade e a integralidade do sujeito
(Visentin, Labronici, & Lenardt, 2007). Considerando a associação entre câncer e morte, a família
ao receber o diagnóstico inicia um processo de elaboração da perda – seja a perda da dinâmica
familiar seja a perda da pessoa. Como forma de cuidado, a família “planeja” evitar o sofrimento
do paciente ao omitir o diagnóstico; porém, isso limita as possibilidades do paciente em elaborar
sua vivência. Além disso, a família necessita de orientações da equipe de saúde para fornecer uma
assistência adequada às dificuldades enfrentadas pelo enfermo ao mesmo tempo que precisa lidar
com os sentimentos de culpa, raiva, frustração, tristeza e impotência (Floriani & Schramm, 2006;
Caldas, 2003).
Diante dessas especificidades, a comunicação do diagnóstico de câncer é outro desafio
enfrentado pelos envolvidos nesse processo (a equipe, o paciente e a família), pois engloba
aspectos complexos tais como: a bioética, a autonomia do paciente e os cuidados dispensados pela
família (Silva & Zago, 2005; Visentin, Labronici, & Lenardt, 2007). Por fim, é notório que a família
enquanto sistema adoece junto com o paciente; logo, precisa de acompanhamento psicológico
também. Para Ribeiro (1994, citado por Campos, 2010), a família passa três etapas quando um
membro é afetado pela neoplasia: aguda – o choque emocional diante do diagnóstico; crônica –
vivenciada durante o tratamento, no qual o paciente está sob cuidados da equipe de saúde; e, por
último, a resolução – que pode ser a remissão da doença ou o óbito.
O psicólogo com ênfase em oncologia pretende minimizar os impactos vivenciados diante
do diagnóstico de neoplasia, em todas as esferas: fisicamente, mentalmente e emocionalmente;
pois tal diagnóstico aumenta o estresse e reduz a qualidade de vida ao atingir a autopercepção,
a sexualidade e a autoimagem. Todos esses aspectos favorecem o aparecimento de episódios
depressivos, ansiosos e/ou de estresse crônico. (Liberato & Macieira, 2008).
Nesse sentido, o presente trabalho pretende responder a seguinte problemática: Qual a
reação da família diante do diagnóstico de neoplasia em pacientes idosos? Para isso, é necessário:
(a) Analisar as produções científicas sobre os cuidados dispensados ao paciente idoso com câncer
considerando a reação da família; (b) Descrever os impactos do diagnóstico de neoplasia tanto
para o paciente quanto para sua família; (c) Enumerar as dificuldades vivenciadas pela família
diante do diagnóstico do paciente idoso com câncer; e, por fim, (d) Identificar os cuidados
dispensados pela família aos pacientes idosos com câncer.
Tendo em vista o aumento da população idosa com diagnóstico de câncer, é crucial
buscar estudos que permitam um maior entendimento da repercussão desse diagnóstico para
o paciente e a família, observando a dinâmica familiar e a organização dos cuidados diante da
nova realidade. É relevante destacar que o cuidado com paciente idoso já envolve demandas
sociofamiliares específicas, ao acrescentar o diagnóstico de uma doença crônica – neoplasia – a
carga psicoemocional pode colaborar para as situações de abandono e/ou excesso de cuidado.
Portanto, é imprescindível evidenciar quais são os elementos dificultadores e facilitadores no
cuidado dispensado ao paciente idoso diagnosticado com neoplasia para a família cuidadora.

204  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Desenvolvimento

A metodologia utilizada será a revisão narrativa da literatura, que é uma pesquisa mais
abrangente de cunho qualitativa, exploratória e bibliográfica; de forma que pretende fornecer
uma visão geral sobre determinada temática enfatizando aspectos que podem contribuir para
a construção do conhecimento. (Noronha & Ferreira, 2007). Sendo uma pesquisa qualitativa, é
definida em sua “relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável
entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números.”
(Kauark, Manhães, & Medeiros, 2010, p. 26). Com o intuito de permitir uma maior familiaridade
com o tema e construir novas significações, a pesquisa exploratória pretende aprimorar ideias ao
realizar um levantamento bibliográfico. (Gil, 2002).
Para selecionar o material a ser estudados, serão critérios de inclusão: as pesquisas que
abordassem o paciente idoso com câncer publicadas em inglês, português e espanhol, no período
de 2011 a 2016, em formato de artigos, teses e/ou dissertações. Como critérios de exclusão estão:
as pesquisas que abordam os aspectos genéticos e/ou hereditários, descrevem procedimentos
clínicos e/ou cirúrgicos em pacientes idosos com câncer, publicadas nos demais idiomas e com
acesso apenas aos resumos nas bases de dados. As bases de dados utilizadas serão PubMed, Scielo,
BVS e Pepsic.
A partir da pesquisa realizada nessas bases de dados, foram encontrados 62 artigos acerca
de pacientes idosos oncológicos e seu impacto na rotina familiar dos cuidadores, após a leitura
foram selecionados 38 artigos, que eram mais relevantes para a pesquisa de acordo com os
objetivos propostos.

Discussão

Ao destacar a família como fator de relevância, algumas temáticas prevaleceram como, por
exemplo, a comunicação intrafamiliar, a tomada de decisão acerca do tratamento e cuidados, o
impacto na vida dos cuida dores, o risco de morte iminente e o luto do paciente e da família. Logo,
o presente artigo evidencia os seguintes tópicos para melhor responder aos objetivos elaborados:
Comunicação do diagnóstico de câncer; Reorganização familiar e a tomada de decisão e A família
e luto, incluindo o luto antecipatório.

Comunicação do diagnóstico de câncer

A comunicação de notícias difíceis é um processo que antecede o diagnóstico, pois a


investigação (os sintomas, os exames clínicos e os procedimentos invasivos) juntamente com a
reação evasiva da equipe sugerem a gravidade do adoecimento. Na fase inicial, é comumente
utilizados termos científicos e ambíguos que atrapalham o entendimento do paciente acerca das
probabilidades de uma doença oncológica. Diante do estigma do câncer, é habitualmente adotado
um conluio de “não me pergunte, não responda” (p.3) para justificar essa falha na comunicação
entre o médico e o paciente ao longo da investigação e inúmeras consultas com especialistas.
(Schaepe, 2011).
Percebendo a subjetividade como fator imprescindível na comunicação diagnóstica, é
necessário avaliar a qualidade da informação a ser revelada (a localização do câncer, o estágio
da doença, o tratamento e o prognóstico) a fim de evitar transtornos físicos e emocionais ao
paciente e fortalecendo sua individualidade, seus recursos de enfrentamento e sua autonomia. Na
revisão integrativa de Jonas, Silva, Paula, Marques e Kusumota (2015), os resultados das pesquisas
encontradas mostraram que: os pacientes idosos gostariam de saber seu diagnóstico, pois receber

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 205


NO ONTEXTO BRASILEIRO
informações específica auxilia na redução da ansiedade, os homens são mais interessados em
conhecer o prognóstico da doença e acreditam que o médico é o melhor profissional para
comunicar o diagnóstico; contudo, observou-se que há uma baixa compreensão dos pacientes
após a comunicação do diagnóstico, o que pode estar relacionado com a falta de preparo dos
profissionais em revelar a má notícia.
Para a equipe de saúde, os conflitos éticos refletem as representações, o simbolismo e as
fantasias inerentes ao diagnóstico de câncer, dificultando o estabelecimento de uma relação
adequada entre o médico-paciente-família para a comunicação da má notícia. Concomitante à
ausência de manejo, o receio da piora do quadro clínico e emocional após o diagnóstico contribui
para o uso de “mentiras piedosas” ou “falsidade benevolente” a pedido da família. (Geovanini &
Braz, 2013, p. 458).
As divergências de opiniões a respeito da (ausência de) comunicação alteram a dinâmica
familiar pode resultar em conflitos intrafamiliares, posto que nem todos os membros da família
podem concordar com a decisão tomada seja em relação ao diagnóstico seja em relação
ao tratamento. (Siminoff, Dorflinger, Agyemang, Baker, & Wilson-Genderson, 2012). Essa
comunicação pode a presença do psicólogo, pois as reações emocionais resultam em alterações
significativas com sentimento de insegurança, impotência e ausência de expectativas com o futuro.
Entremeado de percepções negativas e fatalistas, o câncer remete à finitude da vida na presença
da dor e do desamparo, o que afeta não apenas o paciente, mas também a família e a equipe
médica. (Salgueiro & Dantas, 2015).
Após a comunicação do diagnóstico de neoplasia, de acordo com as autoras Visoná,
Prevedello e Souza (2012), a reação do paciente e da família é percebida nas seguintes etapas: (1)
Choque inicial, caracterizado pela negação como forma de defesa temporária; (2) Barganha, que
é a negociação com Deus, a espiritualidade ganha força nesse momento; (3) Depressão, onde há
a preparação diante da perda iminente; e, por fim, (4) Aceitação, referente à maior compreensão
do diagnóstico; mas, sobretudo, existe a esperança e o pensamento positivo.
Para Simão, Resende, Barcelos e Rates (2015), o impasse na comunicação ultrapassa o
princípio da autonomia, pois o desconhecimento do diagnóstico despersonifica o paciente idoso
oncológico. Portanto, a preocupação é revelar a verdade buscando o menor impacto possível ao
sujeito, considerando suas limitações e potencialidades.

Reorganização familiar e a tomada de decisão

Na confirmação do diagnóstico de câncer, a família precisa encontrar uma nova organização,


uma vez que é necessário conviver com uma rotina de tratamentos e internações hospitalares.
Frequentemente, há a antecipação da investigação e da confirmação do câncer para a família em
vez do paciente; aquela enfrentará a primeira tomada de decisão: contar ou não ao paciente idoso.
Nesse contexto, a ausência de estrutura familiar pode contribuir para a omissão do diagnóstico,
que ao ser percebido como uma “sentença de morte” devido aos simbolismos psicológicos,
culturais, emocionais e morais dificulta a manutenção da autonomia do paciente diante do câncer
e sua tomada de decisão acerca do tratamento, da própria vida e a morte. (Schaepe, 2011; Anjos
& Zago, 2014).
Tal comportamento é fortalecido pela percepção das alterações do sistema imunológico
frente aos estressores psicossociais e emocionais (ansiedade, depressão, raiva, frustração, medo,
entre outras); logo, a família receia um agravamento da saúde do paciente ao receber uma
notícia difícil como, por exemplo, a presença de uma doença oncológica. (Bucher-Maluschke,
Fialho, Pedroso, Coelho, & Ramalho, 2014). Entretanto, é relevante notar que o paciente ativo,
participando das decisões e consciente das repercussões da doença e tratamento colabora com a
terapêutica utilizada (Karkow et al., 2015).

206  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Ao buscar uma nova organização familiar, os membros elegem um cuidador principal tendo
em vista suas características de liderança e organização, laços afetivos, mais disponibilidade
de tempo, menor impacto na rotina pessoal, maior poder aquisitivo e/ou ausência de outros
cuidadores. (Rodrigues & Ferreira, 2011). Para Parks et al. (2011), o processo de tomada de
decisão se concentra nesse cuidador, que vivencia uma série de conflitos e pressões sociais por
escolher o prolongamento da vida (e, muitas vezes, do sofrimento do paciente) ao atender o
desejo dos membros da família em detrimento das necessidades e limitações do paciente idoso.
Além disso, os autores destacam a necessidade de abordar antecipadamente tais possibilidades
no convívio familiar como uma alternativa na redução de conflitos e melhora no planejamento da
assistência ao paciente.
De acordo com os autores Barros, Andrade e Siqueira (2013), o cuidador assume um papel
fundamental ao responsabilizar-se por:

oferecer apoio social ao doente em três dimensões: informativo, instrumental e emocional. O apoio
informativo envolve o compartilhamento de informações técnicas sobre o processo do adoecimento.
O instrumental se refere às atividades cotidianas como preparar comida, limpar a casa e levar o
paciente para consulta. O suporte emocional, por fim, envolve a ajuda no enfrentamento do medo
e de outros sentimentos que emergem frente à situação desconhecida. (p. 99).

Logo, não apenas o cuidador principal, mas toda a família está suscetível a agravos na
própria saúde física e mental, pois há oscilações no sono, na alimentação, restrição no convívio
com seus pares e, ainda, as angustias, medos e preocupações inerentes ao próprio diagnóstico do
paciente idoso acometido de neoplasia.

A Família e o luto

O diagnóstico de câncer está atrelado aos pensamentos de terminalidade da vida, mesmo


em situações com possibilidades curativas devido ao estigma do câncer como uma “doença
potencialmente fatal.” (Karkow et al., 2015, p. 741). Sendo assim, a comunicação do diagnóstico
é sucedida pelo processo de luto antecipatório – caracterizado pela ambivalência entre as fases de
aproximação e distanciamento -, vivenciado no curso da doença tanto pelo paciente quanto pelos
familiares diante das perdas físicas e psicológicas. Esse luto é uma resposta ao sofrimento pela
perda eminente e retoma as singularidades na emoção dos familiares, considerando a natureza
do relacionamento, o apoio social, acontecimentos interfamiliares, perdas anteriores e história
clínica. (Correia, 2014).
No outro lado, é possível observar que a esperança e a espiritualidade são fatores que
contribuem para uma melhoria na qualidade de vida diante do avanço da doença e a finitude.
Tal sentimento é uma via de mão dupla, pois ao mesmo tempo que mantém o paciente ativo e
colaborativo também impede uma maior preparação acerca das perdas de suas potencialidades
(Nascimento, Rodrigues, & Ferreira, 2011). Nessa perspectiva, os autores Guerrero, Zago, Sawada
e Pinto (2011) destaca que a espiritualidade reflete uma estratégia de enfrentamento ao focalizar
na redução do sofrimento e no bem-estar ideal, o que nem sempre está relacionado com as
expectativas de cura.
Capello, Velosa, Salotti e Guimarães (2012) evidencia a dificuldade na aceitação da ausência
de possibilidades curativas do familiar acometido por neoplasia, de forma que interfere na
transcendência do paciente em situação de terminalidade. Além disso, retoma os estágios do
luto descritos por Kübler-Ross: (a) negação e isolamento; (b) raiva; (c) barganha; (d) depressão;
e, (e) aceitação. Já Correia (2014) acredita que é imprescindível diferenciar o luto antecipatório
da antecipação da perda para a família, que é evidenciada nos comportamentos de negação,
frustração, ansiedade, ressentimento, culpa e desespero.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 207


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Após essas etapas, é possível perceber alguns movimentos positivos na dinâmica familiar,
tais como: aproximação e fortalecimento de laços familiares, harmonia e planejamento para o
cuidado do idoso. (Karkow et al., 2015). Conforme esperado, Seredynskyj, Rodrigues, Diniz e Fhon
(2014) expõe que a aproximação da finitude da vida incentiva não apenas o estreitamento na rede
de apoio social; mas, sobretudo, o fortalecimento da espiritualidade como parte da assistência
integral.

Conclusão

O diagnóstico de neoplasia é uma perturbação na estrutura familiar, tornando–se


imprescindível um acompanhamento psicológico mais pontual e intensivo, dado que a reação
da família frente ao câncer em pacientes idosos pode provocar mais sofrimento ao reduzir
sua autonomia, pois muitas vezes era o paciente quem costumava ser o detentor das decisões
familiares; logo, interfere nas relações interpessoais construídas entre os membros em decorrência
da necessidade de reorganização e da possibilidade de perda.
Além disso, as mudanças afetam também a saúde dos cuidadores, que precisam desenvolver
habilidades e permitir a convivência do idoso com a família e a sua comunidade como forma de
influenciar e ser influenciado culturalmente, indo além da condição de paciente. (Anjos & Zago,
2014). De acordo com a Organização Mundial de Saúde (2009) observa que a incidência de
câncer na população mundial duplicou nos últimos 30 anos, principalmente entre os sujeitos
com mais de 50 anos, posto que as alterações moleculares no idoso juntamente com fatores
ambientais facilitam o desenvolvimento de carcinogênese. Corroborando com esses dados,
Veras (2009) estima que a população idosa crescerá, aproximadamente, 700% em 50 anos e,
consequentemente, o número de pacientes portadores de neoplasia, que se caracteriza como uma
doença crônica degenerativa.
Portanto, é papel da psicologia auxiliar nessa nova realidade, proporcionando um ambiente
com maior autonomia e dignidade ao paciente e, assim, favorecendo melhorias na qualidade de
vida tanto do paciente quanto da família.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 211


NO ONTEXTO BRASILEIRO
EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE: CONSTRUINDO E
VIVENCIANDO SABERES E PRÁTICAS NO VER-SUS
Jéssica Sirlan Aragão Almeida
Joelson Almeida

Introdução

E
ste artigo traz com foco discutir a educação permanente como um dos componentes
essenciais para o funcionamento dos serviços de saúde no país. Com base nisso
as pautas trabalhadas foram vivências no VER-SUS e serão usadas como meio de
discussão da realidade.
O VER-SUS possibilita o despertar de uma visão ampliada do conceito de saúde, abordando
temáticas sobre Educação Permanente em Saúde, quadrilátero da formação, aprendizagem
significativa, interdisciplinaridade, Redes de Atenção à Saúde, reforma política, discussão de
gêneros, movimentos sociais, questões que estão intrinsecamente relacionadas à saúde, e ao SUS.
Por meio desse dispositivo de vivências, práticas e teorias dentro do sistema de saúde e de
seus territórios de abrangência, percebeu-se que a educação permanente tem sido uma ferramenta
de educação disposta à saúde com objetivo de persistir em conteúdos, instrumentos e recursos
para a formação técnica e política, tudo prestado em dado tempo e lugar.
O objetivo da educação permanente está centrado nas possíveis mudanças das ações e dos
serviços de saúde, influência fortemente na construção de perfis profissionais e na introdução de
mecanismos novos para a prática de trabalho, além de levantar espaços e temas que discutem e
afetem a realidade.
Os pontos crucias discutidos neste trabalho foram percebidos com bastante ênfase no
campo através da vivencia proporcionada pelo Versus, como a própria ausência dessa educação
permanente nos campos conhecidos, que possivelmente seja consequência não só do descaso
das autoridades para com a área da saúde, mas também o comodismo de alguns profissionais, e
mesmo com o avanço de tecnologias voltadas a prática em saúde percebe-se a falta dos mesmos
no desenvolver das ações. Dessa forma levanta-se a compreensão sobre o que vem a ser a educação
permanente para logo em seguida discutir o tema.
Sarreta (2009) se refere à educação permanente como uma estratégia político-pedagógica
que visa a aprendizagem significativa do sujeito em seu campo prático. Dessa forma pretende-se
discorrer sobre a problemática enfrentada pela educação permanente até que a mesma se torne
uma ação frequente no dia a dia do profissional de saúde, tendo como base todas as experiências
vividas no VER-SUS.
De modo geral foi absorvido o máximo de experiência a respeito de cada ser encontrado
no período vivencial para que pela primeira vez pudesse assim estabelecer com mais clareza
tudo aquilo que tem sido aprendido no que diz respeito à saúde, pois a prática traz uma visão
diferenciada daquilo que a teoria nos dispõe e a experimentação do real desconstrói formulas e
modelos pré-concebidos.

212  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método

O presente trabalho se caracteriza por uma pesquisa qualitativa através de um estudo de


caráter descritivo de acordo com a natureza dos dados encontrados nas pesquisas realizadas e nas
experiências vivenciadas no VER-SUS. Devido à complexidade do tema, percebeu-se a necessidade
de não limitar a pesquisa a dados estatísticos.
A delimitação do tema, que se deu através da proximidade dos autores com o conteúdo
proposto através da experiência significativa proporcionada pelo projeto, VER-SUS, de estágios e
vivências que se constituem como importantes dispositivos de aprendizagem por meio da imersão
dos viventes em novos espaços de trabalho das organizações e serviços de saúde.
A pesquisa bibliográfica teve como principal objetivo pesquisar assuntos inerentes à educação
permanente em saúde como principal instrumento de ressignificação do profissional e por meio
das experiências concebidas pelo VER-SUS alcançar subsídios para enriquecer a compreensão da
problemática referida.
Mediante isso Haguette (1999) descreve como o foco principal da pesquisa bibliográfica o
estudo do fenômeno de maneira a explorar cada aspecto que o constitui e com qual frequência se
dá a relação do fenômeno com os outros fatores discutidos na pesquisa.
O método utilizado visa rever também os fenômenos sociais que são relevantes ao tema. Por
ser uma pesquisa qualitativa incorpora questões subjetivas de cunho intencional e do significado
do fenômeno, por serem essenciais ao estudo do tema.
A exploração bibliográfica se construiu através da ressignificação do tema por meio
de conceitos atuais e amplos voltados ao estudo da educação permanente em saúde na atual
conjuntura social.
A partir disso foram escolhidas as fontes que tem como critério principal abordar o assunto
com base na experiência. Como diz Godoy (1995), valoriza-se o contato direto e prolongado
do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo estudada. Visando à compreensão
ampla do fenômeno que está sendo estudado, considera que todos os dados da realidade são
importantes e devem ser examinados. Com isso, percebe-se que o estudo é de caráter descritivo
e tem como objetivo entender o fenômeno saúde e sua relação com a educação dentro de sua
complexidade.
As informações utilizadas foram levantadas fazendo uso do acervo da biblioteca da
Universidade CEUMA e da Universidade Federal do Maranhão, além de fazer uso da base de
dados Scielo e Google Acadêmico para o acesso a artigos, Google Books para o acesso de obras.
Quanto à organização, após a coleta dos dados foram analisados os fatores que exploram
o tema deste trabalho e que promovem um levantamento das questões mais relevantes aparentes
na educação permanente trazendo sua relação com as vivências obtidas no VER-SUS, sempre se
pautando em posturas éticas e comprometedoras com o desenvolvimento da pesquisa.
Articulando teoria e prática, o tema configura-se como um mecanismo de dinamização,
atualização, aperfeiçoamento de métodos e práticas e de argumentação sobre a atual situação
da educação permanente em saúde. Primando sempre destacar os benefícios adquiridos pelas
vivências para estudantes e profissionais que participam do VER-SUS.

Resultados

No decorrer de toda vivência do VER-SUS inúmeras visitas foram realizadas e com elas
experiências foram adquiridas, juntamente a resultados que foram constatados sob análise
minuciosa dos ambientes e situações em prática. Fez-se necessário também a associação da
prática vivida pelo VER-SUS com as bases teóricas utilizadas.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 213


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Como primeiro aspecto resultante da vivência constatou-se a importância em se compreender
o conceito de educação permanente e que a mesma tem de determinante para a prática de cada
profissional, já que em muitas situações os próprios profissionais não têm o acesso a esse conceito
impedindo o profissional de atuar enquanto sujeito empoderado de direitos respectivos a sua
atuação.
Outro fator é a falta de interesse do próprio profissional, pois há uma falta de reconhecimento
do profissional, inclusive no que se trata de remuneração, fazendo com que o mesmo não busque
aperfeiçoamentos. E o excesso de trabalho causando exaustão e falta de tempo para dedicação
em novos estudos.
Segundo o Ministério da Saúde (2004), educação permanente em saúde é a transformação
das práticas profissionais e da própria organização do trabalho, estruturando a capacitação dos
profissionais de saúde com base na problematização do seu processo de trabalho, emergindo os
conteúdos dos problemas e necessidades de saúde das pessoas, da população.
Entretanto a atual situação da educação permanente em saúde não é consequência apenas
da falta de empoderamento e interesse do profissional, mas também se dá em consequência
da organização do sistema responsável pelos aperfeiçoamentos e como os mesmos devem ser
aplicados e principalmente trazendo uma aproximação mais direta com a prática e com a realidade
local do profissional.
Porém esse sistema não incorpora apenas as políticas referentes a educação em saúde, mas
também a diversas outras que funcionam de forma deficitária.
Durante as práticas propostas no VER-SUS constatou-se que essa realidade é provada
diariamente através das falas de profissionais, principalmente daqueles que sentem a ausência de
uma educação permanente dentro do ambiente de trabalho.
Com o preparo adequado é possibilitado aos mesmos à construção de uma prática em saúde
planejada de maneira que amenize os problemas diários encontrados no dia a dia do exercer da
profissão.
Outro resultado levantado refere-se ao ambiente de educação, onde deve ser construído
momentos de trocas e participação de todos os profissionais, projetando esse mesmo
funcionamento ao ambiente de trabalho, onde a relação entre todos os sujeitos é crucial para o
bom o andamento do trabalho em equipe.
A educação em saúde leva o profissional a ter contato com novos saberes tecnológicos
e mudando até mesmo a maneira como se aprende. Inclusive aprender a relacionar todos os
âmbitos da saúde, pois foi bastante perceptível durante as vivências é que clínica, gestão, atenção
básica, vigilância e todos os outros setores agem separadamente sem o entendimento que um
necessita do outro para o melhor funcionamento da rede.
Em uma vivência de oito dias percebeu-se com bastante ênfase a deficiência na educação
de profissionais que exercem suas respectivas profissões no SUS, tanto quanto do sistema de
educação do país, tendo apenas como diferença o diploma em mãos de cursos superiores e
técnicos. Entretanto após nos depararmos com vários discursos percebemos que uma das causas
é em decorrência do número de trabalhos produzidos que fazem referência a esse tema, que são
poucos mediante a emergência da situação.
Outra característica predominante na pesquisa é que a quase todos os referenciais
encontrados são de natureza empírica, pois recolhem dados a partir de fontes diretas que
conhecem ou vivenciaram tema. Apesar do uso de diferentes abordagens teórico-metodológicas
por parte dos autores encontrados, percebemos as semelhanças existentes entre a fala de vários
deles, quando descrevem as necessidades de capacitações na área da saúde, constatados nos
relatos colhidos no VER-SUS.
Tendo como último aspecto resultante da pesquisa, destacamos o papel de suma importância
da psicologia enquanto área também da saúde, mas que se faz presente mais em áreas referentes
a reabilitação, intervenção clínica-hospitalar e gestão, enquanto se mostra ausente nos processos

214  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de educação em saúde. Podendo colaborar na construção de projetos, no desenvolver de práticas
pedagógicas, na implementação de políticas de educação em saúde e na conscientização de
profissionais sobre as capacitações.
Mas para melhor entendimento de como esses resultados podem colaborar com a
ressignificação do ambiente de saúde e a reconstrução dos saberes profissionais, a seguir será
discutida com bases teóricas e práticas os resultados encontrados, visando possíveis soluções dos
mesmos.

Discussão

Durante o processo de imersão proporcionado pelo VER-SUS constatou-se com maior


proximidade ao campo pontos positivos e negativos no processo de construção, desenvolvimento
e aplicabilidade do atual sistema de saúde. As vivências ocorriam em lugares onde o sistema
deveria chegar e funcionar com eficiência, entretanto encontramos falhas e profissionais que não
sabiam como executar seus serviços direito e não recebiam instruções e preparo para o mesmo.
A partir disso considera-se que uma das possíveis causas de falha seria a escassez de práticas
educativas no campo da saúde, levando a priorização de outros fatores, considerados mais
necessários e considerando a educação permanente como uma possibilidade em segundo plano.
Enquanto primeiro aspecto a ser discutido, o conceito de educação permanente em saúde
segundo Ceccim e Ferla (2009, p. 162) “precisa ser entendido, ao mesmo tempo, como uma
prática de ensino-aprendizagem e como uma política de educação na saúde”.
Em decorrência disso destacamos que enquanto política de saúde a educação permanente
surgiu na década de 1980, por iniciativa da Organização Pan-Americana da Saúde e da Organização
Mundial da Saúde (OPAS/ OMS) para o desenvolvimento dos Recursos Humanos na Saúde.
(Celedônio, et. al., 2012).
Segundo Ceccim e Capozzolo (2004, apud Cardoso, 2012, p. 11) a educação vista como
elemento transformador dos sujeitos através da reflexão crítica de sua realidade e a intervenção
sobre ela pode ser considerada como:

Uma intervenção pedagógica para o processo educativo em serviço que possibilita


construir espaços coletivos para a reflexão e a avaliação do sentido dos atos produzidos
no cotidiano, pondo o cotidiano do trabalho em análise, tanto a incorporação a crítica
de tecnologias materiais, como a eficácia da clínica produzida, os padrões de escuta, as
relações estabelecidas com os usuários e entre os profissionais.

Diante disso adentramos em uma discussão na qual se tornou bastante evidente durante
toda a vivência no VER-SUS. O processo de educação permanente tem como principal aliada
à disponibilidade dos próprios profissionais em mergulhar nessas novas práticas pedagógicas.
Tendo como principal objetivo ressaltar o peso que uma educação continuada tem na promoção
da saúde.
Sendo assim é necessário pensar em saúde sob a interpretação dada pela OMS que conceitua
como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções
e enfermidades. Dessa forma percebe-se que saúde é vista atualmente de modo coletivo e não
mais individual.
A partir disso podemos questionar então qual a relação que a mesma possui com a educação
permanente. Quando falamos de aplicação da educação permanente tanto em saúde quanto
em outras áreas vale ressaltar que se começou a pensar em educação permanente em saúde na
América Latina, para depois se aplicar no Brasil, que foi lançada como política nacional em 2003,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 215


NO ONTEXTO BRASILEIRO
constituindo papel importante na concepção de um SUS democrático, equitativo e eficiente.
(2010, Medeiros, Pereira, Siqueira; Cecagno; Moraes, Apud Miccas E Batista, 2014)
A partir daí compreende-se e discute-se a proposta política da EPS como construção
compartilhada de conceitos que supera a cultura organizacional baseada na centralidade de
decisões. (Murofuse; Rizzoto; Muzzolon; Nicola, citado por Miccas & Batista, 2014).
Dessa forma, enquanto política percebe-se que a EPS pode ser considerada como uma
prática transformadora por meio de uma troca de saberes entre integrantes.
Pressupõe uma organização com rede de relações tecida por todos os participantes por
meio das ideias, necessidades e sentimentos presentes nas interações sociais, o que se reflete nas
percepções e vivências da realidade (Rodrigues; Imai; Ferreira, citado por Miccas & Batista, 2014).
Essa política estabelece que os processos educativos desses profissionais se deem de
modo descentralizado, ascendente e transdisciplinar. Partindo do pressuposto da aprendizagem
significativa, propõe que a transformação das práticas profissionais deva estar baseada na
reflexão crítica sobre o processo de trabalho desenvolvido pelas equipes na rede de serviços de
saúde. (Cardoso, 2012)
A educação permanente em saúde entra também como método de reorganização do Sistema
Único de Saúde (SUS), pois reaproxima o profissional com o público alvo e suas necessidades e
estreita as relações entre trabalho e educação. Em consonância a isso Ceccim e Ferla (2009, p.
163) dizem que:

O SUS e a saúde coletiva têm características profundamente brasileiras, são invenções do


Brasil, assim como a integralidade na condição de diretriz do cuidado à saúde e a participação
popular com papel de controle social sobre o sistema de saúde são marcadamente brasileiros.
Por decorrência dessas particularidades, as políticas de saúde e as diretrizes curriculares
nacionais para a formação dos profissionais da área buscam inovar na proposição de
articulações entre o ensino, o trabalho e a cidadania.

Desta forma concluímos que o ensino inserido no contexto da saúde assume como principal
o caráter político, tornando-se estratégia do SUS para a formação e o desenvolvimento de
trabalhadores para a saúde. Segundo a Resolução do Conselho Nacional de Saúde - CNS nº.
335, de 27 de novembro de 2003 foi aprovado a Política de Educação e Desenvolvimento para
o SUS: Caminhos para a Educação Permanente em Saúde e a estratégia de Polos de Educação
Permanente em Saúde como instâncias regionais e interinstitucionais de gestão da Educação
Permanente. (Celedônio, et. al., 2012).
Tendo estes como principais fatores de análise podemos desenvolver então como
possibilidades de uma maior abertura de espaço para a educação permanente a restruturação
desta política tornando sua aplicabilidade mais eficaz de modo que realmente aconteça na prática
e em um formato diferenciado. Devendo visar a melhor execução de tarefas que pensem no ser
humano como um ser biopsicossocial e oferecendo espaço e materiais de nível adequado ao que
estiver sendo estudado.
Outro ponto que poderia ser positivo para alteração desse quadro é uma maior
disponibilidade das instituições em permitir tempo para os funcionários poderem se especializar
melhor em suas áreas, além de oferecer reforço no ambiente propiciando uma melhor execução
de tarefas.
Outro ponto que pode ser alvo de mudanças significativas é quanto a gestão que em
muitos fatores negligência no processo e criação de proposta de mudança no sistema de saúde
principalmente com foco na educação, limitando os profissionais a permanecerem apenas com
suas formações superiores ou técnicas.

216  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
As políticas de saúde são fracas em executar projetos de educação permanente e pensando
dessa maneira levantaram-se discussões com base nas vivências oferecidas pelo VER-SUS que
proporcionaram melhor compreensão da realidade de saúde do país. E devido a relatos feitos
em campo pelos profissionais percebemos que a entrada e saída de gestores promovem poucas
mudanças no quadro situacional das instituições.
Ceccim e Ferla (2009, p. 165) completam este tópico fazendo a seguinte ressalva:
Para produzir mudanças de práticas de gestão e de atenção, é fundamental dialogar com
as práticas e concepções vigentes, problematizá-las – não em abstrato, mas no concreto do
trabalho de cada equipe – e construir novos pactos de convivência e práticas, que aproximem o
SUS da atenção integral à saúde. Não bastam novas informações, mesmo que preciosamente bem
comunicadas, senão para a mudança, transformação ou crescimento.
Espera-se que a partir dessas discussões os sujeitos que se movem dentro desse ambiente
de saúde ocasionem possíveis mudanças com o intuito de afetar o sistema atual e funcionários,
gestores, instituição, representantes políticos dentre outros.
De modo que somos atores protagonistas desse campo, não apenas como profissionais
atuantes, mas também como construtores de saberes e parte fundamental no controle social dos
sistemas de saúde tanto público quanto os particulares, promovendo cidadania atitudes mais
humanos no atendimento à população.

Conclusão

Com base em todo conteúdo disposto considera-se que a permanência no VER-SUS foi de
suma importância para se experenciar e conhecer a realidade em prática e levando a construção
de um trabalho onde a realidade de aproxima da teoria.
Constatou-se que para ocorrer de fato uma educação permanente em saúde precisamos
abandonar o sujeito que somos enraizados a um modelo tradicional e fechado de educação.
A produção de espaços de aperfeiçoamento do profissional e que leva em consideração a
subjetividade deste, contribui para a abertura de fronteiras, destruindo as grades levantadas na
educação e proporcionando novos formatos de comportamento ou de gestão do processo de
trabalho.
A intenção desse artigo foi de colocar cada integrante do sistema de saúde como ator principal
desse futuro cenário de mudanças que pode ser recriado no presente. Consequentemente somos
produtos e seremos produtores das mesmas. A proposta aqui não é apenas mudar o formato de
educação durante a graduação, mas sim aquela que perpassa a mesma, tonando-se realmente
permanente na vida do profissional.
O VER-SUS enquanto processo de ressignificação dos viventes aborda com dinamismo tudo
o que aqui foi discutido, aproximando os indivíduos ao dia a dia de profissionais que convivem
com todas as deficiências do sistema de saúde. A vivência proporcionou observação e diante disso
reflexão sobre os possíveis caminhos de crescimento e potencialidades, destacando-se como um
sistema que pode sim ser executado com excelência.
É de suma importância ressaltar também que a educação permanente em saúde pode ser um
instrumento interdisciplinar entre diversas áreas, e não apenas envolve profissionais com formação
em saúde, pois assuntos referentes a educação agregam valores não apenas profissionais, mas
também subjetivos a cada indivíduo. Em decorrência disso é essencial a continuidade deste estudo,
de modo que possibilitará o máximo de contribuições ao fenômeno da educação e ao campo da
saúde.
Por fim, este é um assunto relevante e que não tem como pretensão ser esgotado, pois
se espera que a este estudo seja acrescentado novas reflexões, ideias e discussões, para o

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 217


NO ONTEXTO BRASILEIRO
aprofundamento e desenvolvimento de novos métodos educativos com propósito de crescimento
profissional e aprimoramento dos serviços oferecidos pela saúde.

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218  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
SOFRIMENTO PSÍQUICO E ESTRATÉGIAS DE
ENFRENTAMENTO NOS ESTAGIÁRIOS DA SAÚDE
Iara Sampaio Cerqueira
Daline Da Silva Azevedo
Ludgleydson Fernandes Araújo

Introdução

S
egundo o Conselho Nacional de Educação (CNE), foi consolidado, no Brasil, em
ligação com as Leis Orgânicas do Ensino Profissional no período de 1942 – 1946 o
conceito de estágio supervisionado (Brasil, 2003). Os estágios eram tidos como uma
etapa de preparação para ocupar postos de trabalho e uma forma de oportunidade aos alunos
na formação em vários setores de conhecerem no local aquilo que lhes era ensinado nas salas
de aulas. Em 1970, ocorreu à implantação da Lei Federal n° 5.692/71 (Bracht, 1971), a partir
disso os estágios curriculares supervisionados se tornaram importantes e obrigatórios para tornar
aptos os profissionais técnicos tanto dos setores primários e secundários da economia, como
para a área da saúde.
Anos após, o artigo 2° do decreto n° 87.497 – que regulamenta o estágio de estudante de
estabelecimentos de ensino superior- ocorreu à definição de estágio curricular como: atividades de
aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas pela participação em situações reais
de vida e trabalho em meio, que se realizam em comunidades em geral ou junta a pessoas jurídicas
de direito público ou privado (Decreto nº 87.497, 1982). A partir disso se tem uma ampliação do
entendimento da função e desígnio dos estágios profissionais. Não é apenas campo de ilustração
do que é aprendido em sala de aula, mas campo de aprendizagem que possui elementos próprios
e autonomia em relação ao ensino formal (Cury & Neto, 2015).
Segundo o COFEN (2013) o estágio deve está integrado ao Projeto Politico Pedagógico do
curso o PPP, e além de integrar o itinerário formativo do estudante, deve promover o aprendizado
das características da atividade profissional com o objetivo de promover o desenvolvimento dos
alunos para a vida cidadã e para o trabalho. O aluno, que adquiriu um conteúdo teórico específico,
utiliza este conhecimento para resolver os problemas da população atendida de forma prática,
desenvolvendo competências técnicas e humanizadas para o exercício da profissão, o mesmo,
recebe orientações e feedback, de um docente ou supervisor, acerca do seu desenvolvimento
profissional e educacional, que possuem o objetivo de atender adequadamente o aluno; ampliar
seu conhecimento teórico-prático e o formar um profissional crítico e reflexivo, capaz de atuar
dentro do cenário experienciado, apto às demandas sociais. (Queiroz, Verde Teixeira, Braga,
Almeida, Pessoa, Araújo Almeida & Mendes, 2013).
O estágio na área da saúde é comum, muito importante à formação do aluno reconhecido
tanto pelos acadêmicos quanto pelas instituições formadoras, mas também pode ser fonte
de sofrimentos e conflitos. Tudo isso porque, sentir-se responsável por vidas humanas gera

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 219


NO ONTEXTO BRASILEIRO
sofrimento, pois se sente que a responsabilidade é maior, fora que os acadêmicos conhecem bem
as dificuldades enfrentadas no sistema de saúde, aumentando assim as situações estressantes do
dia a dia de trabalho (Gervásio, Kawaguchi, Casalechi, & Carvalho, 2012).
O estágio curricular que se configura como um novo campo de conhecimento acessado
através da prática dos conhecimentos teóricos, pode também vir acompanhado de sofrimentos
ainda não vividos, como a forma que o estagiário se inter-relaciona com o paciente, com a equipe
de estágio e com seu supervisor e sobre os procedimentos que deverá realizar. Tudo isso vem
acompanhado de uma imensa carga de temores, provocados pelo desconhecimento da instituição
e das pessoas que por ali transitam além do desconhecimento sobre quem e como vai realizar seus
atendimentos, enquanto realiza seu estágio nesse novo ambiente, o campo clínico (Rudnicki &
Carlotto, 2007; Kawakame & Miyadahira, 2005).
No âmbito hospitalar ocorre a promoção de qualidade da saúde ou o contrário dela
quando se refere aos estagiários, pois trás preocupações adicionais, o acadêmico deve contribuir
no atendimento à pacientes acamados que merecem cuidado, compreensão e respeito em alto
nível de empatia. Sendo assim, o hospital considerado um ambiente estressante para todos, seja
na condição de paciente ou equipe de trabalho (Queiroz et al. 2013).
As características de passividade e auto-agressão podem conduzir a uma qualidade de
vida mais empobrecida, o que dificulta o aproveitamento integral do aluno-estagiário, levando
consequentemente a um baixo desempenho. Simultaneamente, verifica-se a presença de intensos
sentimentos de dependência em relação aos professores-supervisores. Reações emocionais
como essas frente à iminência de sua prática profissional, até então desconhecida, traz à tona
relações entre aspectos psicológicos e as dimensões ideológicas e éticas da sua interação com
a futura profissão, local de exercício de sua prática, universidade e professor- supervisor se
fazendo necessária a busca constante por estratégias de enfrentamento ao sofrimento psíquico
do estagiário (Rudnicki & Carlotto, 2007).
Com relação às estratégias de enfrentamento, encontram-se as utilizações da formação
reativa; reações hipocondríacas e auto-agressão que são mais frequentes no início do estágio
(Martins, 1996: Rudnicki & Carlotto, 2007). Quando as estratégias de enfrentamentos são
insuficientes para lidar com as situações que chegam, ocorre o sofrimento (Spindola & Martins,
2007).
De acordo com Soares e Bueno (2006), as vivências durante o período da graduação
devem preparar o acadêmico não só com ênfase exclusiva no conhecimento técnico-científico,
mas na perspectiva do autoconhecimento, como ferramentas para o desenvolvimento pessoal-
profissional. A formação dos profissionais de saúde precisa também ir além das práticas atuais
e avançar no delineamento dos possíveis cenários sociais nos quais estarão inseridos os atuais
estudantes, identificando as diferentes necessidades de saúde da população. Assim se faz necessário
ampliar o foco da formação profissional no sentido do cuidado com a saúde do estagiário, futuro
profissional. É necessário também um esforço de superação da visão tradicional da saúde como
ausência de doença para uma visão que a considere como resultante das condições de vida da
sociedade, das famílias e dos indivíduos, ou seja, como produto social, aplicada ao contexto de
estágio (Gil, Turini, Cabrera, Kohatsu, & Orquiza, 2008).
É importante salientar que mesmo diante das dificuldades enfrentadas, pesquisas apontam
os efeitos positivos que as experiências dos estágios proporcionam para os estudantes a respeito do
autoconceito vocacional e da eficácia profissional, o que possibilita aos estudantes reconhecerem
seus interesses e quebrar paradigmas e algum tipo de preconceito presente no ambiente hospitalar
(Silva & Teixeira, 2013).
Na formação do aluno o estágio é mais que uma aprendizagem prática ou uma associação
da teoria e prática, se configura como algo a mais, é um momento de construção de identidade

220  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
profissional, é o momento que ocorre o desenvolvimento de estratégias saudáveis para os
estressores que surgem diante das demandas típicas das profissões no campo da saúde. É
também o momento de desenvolver as competências interpessoais que são importantes para a
vida profissional que repercutem na sua qualidade de vida e da população que é alvo da sua
escolha profissional.
Considerando a importância desses pressupostos teóricos para se entender as vivências de
estagiários da saúde em hospitais, o objetivo deste estudo é conhecer o sofrimento psíquico e
estratégias de enfrentamento de estagiários da saúde através de revisão bibliográfica.

Método

Com intuito de aprofundar o conhecimento acerca do sofrimento psíquico e estratégias


de enfrentamento de estagiários da saúde em hospitais, optou-se por uma revisão de literatura
do tipo integrativa, pois a mesma reúne achados de estudos que são desenvolvidos através de
diferentes metodologias (Baldini Soares, Komura Hoga, Peduzzi, Sangaleti, Yonekura, & Audebert
Delage Silva, 2014).
Os termos foram pesquisados, por meio das bases de dados eletrônicas (Lilacs; Scielo)
indexadas no Portal de Periódicos da CAPES, a partir dos descritores Hospital e estagiários e Estágio
curricular na saúde. Para selecionar e avaliar os artigos foi realizada uma leitura prévia dos resumos,
e a escolha de contemplá-los nos resultados dessa pesquisa se deu pelos seguintes critérios de
inclusão:

(a) Texto em formato de artigo que contenha resumo;


(b) Publicados de janeiro de 2008 a janeiro de 2018;
(c) Que estejam no idioma português;
(d) Que estejam disponíveis de modo completo e não apenas por seus resumos;
(e) Que sejam compatíveis com o objetivo do trabalho;
(f) Que estejam disponíveis para acesso;
(g) Que tenha sido realizado com estagiários da saúde ou fale sobre eles;
(h) Que tenha sido realizado em ou sobre o âmbito hospitalar.
.
Resultados

Diante dos critérios de inclusão determinados, alguns artigos para a revisão foram
selecionados, fazendo uma busca nas bases de dados (Lilacs e Scielo) através dos descritores pré-
estabelecidos.

a)  Hospital e estagiários;


Na base de dados Scielo utilizando o descritor Hospital e estagiários foram encontrados 10
artigos, porém 5 não se adequavam ao objetivo do trabalho, 2 estavam com mais de dez anos
publicados e 1 não estava em língua portuguesa. Sendo selecionados somente 2 para a discussão.
Na base de dados Lilacs utilizando o mesmo descritor, foram encontrados 43 artigos, porém
9 não se adequavam ao objetivo do trabalho, 1 estava em formato de tese, 3 não foram realizados
com estudantes da área da saúde, 2 não estavam disponíveis para acesso, 2 não contemplavam
o âmbito hospitalar e 20 estavam com mais de dez anos publicados,1 não estava em língua
portuguesa e 1 já havia sido encontrado na base de dados Scielo, entretanto não se atendia ao
objetivo do trabalho. Sendo selecionados somente 4 para a discussão.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 221


NO ONTEXTO BRASILEIRO
b)  Estágio curricular na saúde.
Na base de dados Scielo utilizando o descritor Estágio Curricular na Saúde foi encontrado 37
artigos, porém 7 não se adequavam ao objetivo do trabalho,4 não estavam em língua portuguesa,
16 não haviam sido realizados no âmbito hospitalar nem falavam sobre ele,6 já haviam sido
encontrados para análise.
Na base de dados Lilacs utilizando o mesmo descritor, foram encontrados 83 artigos, porém
8 não se adequavam ao objetivo do trabalho, 6 se dividiam em tese ou possuíam mais de 10 anos
de publicação, 3 não estavam em língua portuguesa, 1 não era artigo completo, 6 já haviam sido
encontrados e 53 não eram sobre o âmbito hospitalar.
Após a fase de seleção dos artigos por meio dos critérios de inclusão, 16 foram selecionados
para análise.
Diante da demanda encontrada percebe-se que este é um tema que vem sendo mais explorado
recentemente, com maior prevalência nos anos de 2013 e 2014. São publicações realizadas
principalmente no sul do País (n= 6), seguida da região nordeste (n=6) e por último sudeste (4).
No que se refere à natureza dos artigos, a maior parte se tratou de relatos de experiência
(n=12) houve também 2 artigos temáticos e apenas 2 estudos exploratório.
As pesquisas têm como tema principal o sofrimento psíquico e estratégias de enfrentamento
de estagiários da saúde em hospitais junto a seus supervisores. Nesse sentido os estudos trazem a
ideia dos teóricos sobre a importância dos estágios curriculares na formação acadêmica do aluno.
A relação entre teoria e prática se faz fundamental para além do aprendizado técnico, é necessária
para o manejo dos sentimentos positivos e negativos envolvidos no início de sua prática bem
como permite experienciar o compromisso ético de sua profissão.
Em relação ao método, os participantes das pesquisas elencadas foram todos estagiários da
saúde. Mais especificamente: 8 contemplam estudantes de Enfermagem, 4 de Psicologia, 1 de
Medicina, 1 de Fonoaudiologia, 1 abrange toda a área da saúde, 1 profissionais da saúde mental.
Sendo que 15 artigos se utilizaram desses sujeitos na coleta de dados e apenas 1 não necessitou
pois era pesquisa bibliográfica.
No que se refere às técnicas de coleta de dados utilizadas, a maioria (n=4), dos artigos fez uso
de análise de discurso, seguido de oficina terapêutica (n=1), análise de conteúdo (n=3), entrevista
semiestruturada (n=3), entrevista estruturada (n=1), oficina terapêutica (n=1), entrevista
psicológica diagnóstica (1) e revisão bibliográfica (1).
No que diz respeito aos objetivos traçados pelos artigos, a maioria (n=8) pretendeu relatar
experiências, desafios e apresentar resultados dos estágios. Dos que restaram, 4 pretenderam
discutir e refletir sobre as formas de atuação e estratégias utilizadas durante a prática do estágio, 3
objetivaram analisar a percepção dos graduandos e a repercussão do estágio no desenvolvimento
ético e o processo de formação, 1 buscou desenvolver e implantar um protocolo de desinfecção
de brinquedos por acadêmicos de enfermagem em hospitais.
No que se referem aos resultados obtidos pelos artigos, aqueles que pretenderam relatar
experiências, desafios e apresentar resultados dos estágios apontaram que a universidade através
do seu compromisso social com a política pública trabalha para a redução da distância entre
teoria e prática, tendo papel fundamental neste trabalho, a supervisão. Ela se apresenta como
estratégia educacional promotora de práxis, com o objetivo de aprimorar as atividades de sua
competência e rever conhecimentos anteriormente adquiridos no intuito de aproveitar o estágio
como momento crucial da formação acadêmica. Inicialmente, no período de inserção do aluno na
unidade de estágio são esperados: angústia, queixas, sofrimento. Mas à medida que os estagiários
começam a participar de maneira mais efetiva, das ações do cotidiano hospitalar e a estabelecer
vínculos com os profissionais e com os pacientes é esperado que essa situação de sofrimento
fosse amparada por estratégias de enfrentamentos pessoais e autônomas. Nesse caso, o processo

222  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de construção de conhecimento implicou, também, em articular ensino-aprendizagem com as
interações sociais estabelecidas nas respectivas unidades hospitalares, sendo assim, o processo de
formação, nesse tempo-espaço do estágio, aponta para um exercício de alteridade que proporciona
o aprimoramento do olhar e da compreensão da realidade vivida e partilhada socialmente.
Aqueles artigos que pretenderam discutir e refletir sobre as formas de atuação e estratégias
utilizadas durante a prática do estágio indicou que no cotidiano da formação profissional, a
promoção da integralidade no cuidar em saúde apresenta-se como um desafio, uma vez que
propicia, em determinado tempo e lugar, que grupos e indivíduos, práticas de saúde são espaços
privilegiados de construção de novas formas de convivência e de relações de respeito às múltiplas
singularidades presentes no contexto das instituições de saúde.
Assumir e ensinar essa postura nem sempre é uma tarefa fácil: há muitas resistências em
aceitar as diferenças e tendência em acreditar que os saberes importantes para o cuidado em
saúde são apenas os dos profissionais. O fato de os estágios serem realizados em hospitais da rede
pública é vantajoso, porque possibilita aos alunos um contato com a realidade dos serviços no
Brasil. Por outro lado, por não se tratarem de hospitais-escola, o modelo de gestão não permite
aos docentes fazer intervenções diretas no ambiente e no modo de organizar os serviços. Porém,
como se está comprometido com o modelo de humanização do cuidado, busca-se, nos diversos
contextos da assistência, humanizar as práticas e sensibilizar os outros profissionais para esses
modos de ação.
No estágio, ao mesmo tempo em que se programam as tecnologias e práticas humanizadas,
estabelece-se diálogo interdisciplinar com a equipe que atua no contexto institucional. Na
condição de profissionais, é preciso lutar e acreditar no potencial que se tem para transformar
modelos de cuidado em saúde massificada e despersonificada, em espaços edificantes que
valorizem, sobretudo, a pessoa acima de rotinas e protocolos, em respeito ao compromisso ético
profissional.
E por fim, as pesquisas que objetivaram analisar a percepção dos graduandos e a repercussão
do estágio no desenvolvimento ético e o processo de formação indicaram a possibilidade
de os estudantes expressarem fragilidades e potencialidades por meio de erros e acertos no
desenvolvimento das atividades diárias. O estágio curricular caracteriza-se por ser formativo, visto
que configura possibilidade de aprendizado tanto na presença dos supervisores quanto na ausência
destes. Ademais, favorece o incremento da autonomia diante da equipe, a responsabilidade
assistencial, enfim, o amadurecimento profissional com valorização da relevância de todo seu
processo de formação.

Discussão

O objetivo deste trabalho foi identificar possíveis sofrimentos psíquicos enfrentados por
estagiários da saúde, no geral, em âmbito hospitalar e suas estratégias de enfrentamento através
de revisão bibliográfica. A partir deste objetivo foi possível perceber a pouca produção sobre o
tema, o que gerou dificuldades na busca por bibliografia e assim a necessidade de maior produção
científica.
Nos artigos encontrados se faz presente a importância dos supervisores de estágio na
formação do aluno para maior absorção de aprendizado prático durante o estágio, não só no
sentido da técnica, mas também em como lidar psicologicamente com as dificuldades corriqueiras
dessa fase da vida acadêmica, assim estratégias de enfrentamento são construídas mutuamente de
forma singular, respeitando a história pessoal de vida e necessidades de cada aluno. Não menos
importante que as experiências positivas no contexto de estágio são as experiências negativas.
Elas apresentam-se como uma das demandas reais da vida profissional, desse modo o aluno pode
experimentar partes agradáveis e desagradáveis de sua futura profissão, por isso a necessidade de
estratégias de enfrentamento.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 223


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Se tratando dos estagiários em questão (da saúde) no âmbito hospitalar, aprendizados
primordiais se fazem necessários para a conclusão satisfatória da prática do estágio, como: a
humanização do trabalho realizado. Os serviços prestados à população em geral de acordo com
os princípios da saúde em nosso país devem ser de todo, organizado, para promover o bem-estar
do paciente. Mas a humanização não deve ser restringida a esse viés.
A humanização deve ser aplicada de forma interna ao serviço de saúde, ou seja, devem ser
aplicadas as equipes que trabalham em prol disso, incluindo os supervisores de estágio. O cuidado
humanizado deve abarcar os profissionais e estagiários a fim de produzir bem estar físico e mental
para equipes que trabalham em cargos de grande responsabilidade e com alta fonte de estressores,
assim o processo de humanização torna-se dinâmico, uma vez acontecendo dentro das equipes
de trabalho poderá acontecer também na oferta de saúde a quem procura os variados serviços
de saúde, considerando sempre o contexto de oferta e procura de saúde e seus atravessamentos.
Portanto, concluímos a partir dos resultados na qual corrobora com os objetivos desse
estudo, que os estágios curriculares supervisionados, podem ser também gatilhos para sofrimentos
psíquicos, pois se trata de um ambiente novo em que os estagiários irão se inserir, e também por
conta de muitas vezes a teoria se distanciar da prática, então aqui surge a necessidade de promover
estratégias dentro da formação acadêmica que aproximem mais a teoria e prática, por exemplo,
levando situações do cotidiano que são corriqueiras dentro de ambiente hospitalar, outra coisa
a se fazer é conhecer o ambiente ou a comunidade que o hospital está inserido, conhecendo
as demandas e o público do lugar que vão trabalhar se torna mais fácil lidar com as situações
desconhecidas. Para além do sofrimento psíquico, os resultados apontaram a importância da
presença de um supervisor de estágio que servem de base e suporte para os futuros profissionais,
além de proporcionarem uma espécie de segurança e auxilio diante das dificuldades encontradas.
Dentro das limitações desse estudo se encontram o escasso material exposto sobre estágios
no ambiente hospitalar, daí surge à necessidade de mais estudos a respeito dessa perspectiva
enfatizando o cuidado com o estagiário e as estratégias utilizadas para enfrentamentos das
demandas de trabalho, porém sempre respeitando as limitações de cada indivíduo.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 225


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A SEXUALIDADE DE PESSOAS QUE CONVIVEM COM
HIV: VIVÊNCIAS A PARTIR DO DIAGNÓSTICO
Francisco Daniel Brito Mendes
Helder de Pádua Lima;
Karine Lima Verde Pessoa
Introdução

O
homem enquanto sujeito, constitui-se por diversas esferas que atravessam a sua
vida de forma individual e coletiva, dessa forma, a sexualidade é uma dessas esferas
que contém um potencial importante na construção do sujeito.A presente pesquisa
aborda a sexualidade de pessoas que convivem com o HIV. Pode-se afirmar que o ser humano
nasce em um determinado sexo, macho ou fêmea, desenvolve no decorrer da sua vida um gênero
que se refere ao dado social, masculino ou feminino, que pode ser diferente do sexo de nascimento.
No entanto, esse conjunto é formado por uma tríade que se completa na sexualidade, ou seja, no
modo como o ser humano se relaciona erótico-sexualmente com os demais.
O homem se difere dos demais animais por não buscar o sexo apenas como forma de
reprodução. É possível perceber inúmeras práticas que visam exclusivamente a satisfação, a
realização de desejos e o rompimento com o padrão da prática sexual. O homem é um ser que
busca realização e isso se estende a sua sexualidade.
A sexualidade desenvolve-se no ser humano desde sua tenra idade, contudo, possui um período
marcante durante a vida do indivíduo, a adolescência, onde diversas questões, problemáticas,
curiosidades e novas experiências surgem, perpassando a vida do sujeito até o final. A prática
sexual difere de acordo com o gênero e com a cultura, sendo benéfica e contribuindo para uma
vida saudável quando realizada de forma segura, satisfatória e sem riscos à saúde ou surgimento
de agravos.
Quando vivenciada de forma saudável, a sexualidade contribui para a qualidade de vida do
ser humano, do contrário pode acarretar sofrimento e adoecimento. Atualmente, mesmo com
as diversas formas de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, a infecção pelo HIV,
por exemplo, mostra-se relevante no contexto da saúde pública tendo em vista a quantidade de
pessoas diagnosticadas com o vírus.
Supondo que o diagnóstico de infecção pelo HIV possa causar repercussões importantes na
vida do indivíduo, sobretudo no tocante à vivência da sexualidade, optou-se por desenvolver este
estudo no intuito de elucidar o seguinte questionamento: como a pessoa que convive com o HIV
vivencia sua sexualidade a partir do diagnóstico?
Nesse sentido, o estudo teve como objetivo analisar produções científicas que abordam o
modo como o sujeito que convive com o HIV vivencia sua sexualidade a partir do diagnóstico.

A sexualidade humana e a infecção por HIV

No presente tópico apresento uma aproximação teórica ao tema sexualidade


humana. Esta é uma tarefa complexa uma vez que existe uma multiplicidade de def inições

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
que remetem para diferentes concepções acerca do fenômeno e com diversos graus de
abrangência.
Segundo Freud (2006) a sexualidade é um componente que se desenvolve desde o primeiro
momento de vida do homem e não apenas a partir da puberdade como era afirmado anteriormente.
Ele considera que há no ser humano uma energia sexual instintiva, denominada libido. Dessa
forma, sabe-se que a sexualidade acompanha a vida do ser humano do início até o fim.
A sexualidade estrutura-se de forma biopsicossocial, abrangendo no ser humano o
potencial biológico, físico, emocional, sentimental além de potenciais desenvolvidos, ampliados e
modificados durante todo o processo de socialização. Desde que o homem existe há a necessidade
de compreender essa dimensão do ser humano em qualquer das suas vivências, seja saudável,
patológica, normal ou desviante (PINHEIRO, 2004).
É crucial pensar em que ponto separa-se a vivência de uma sexualidade de forma saudável e
a partir de que ponto esta vivência pode ser fonte de adoecimento para o sujeito.
De acordo com Paiva, Aranha e Bastos (2008), a relação sexual é caracterizada como algo
que vai além do fator individual, não se baseia exclusivamente na troca livre e espontânea de
prazer, mas pode se dar em contextos onde a submissão, a coerção e até mesmo a violência são
dominantes. Dessa forma, a relação sexual torna-se subordinada de um elemento que foge dos
princípios do prazer, e neste contexto também apontamos questões ligadas à transmissão de
infecções sexualmente transmissíveis.
Nesse sentido, pensar a sexualidade nos remete a explorar um leque de contextos que
definem a vida do ser humano que vão além da prática sexual. É necessária a compreensão da
sua posição diante de uma sociedade ou cultura, se pertencente a qual classe social ou que grau
de conhecimento e educação possui, se este tem ou não acesso à direitos básicos que competem
a todo cidadão como dever das políticas públicas, e por fim, atitudes e valores que o constroem
como sujeito ativo e pertencente ao meio social.
Inserida nesse contexto, a epidemia do HIV representa um fenômeno de esfera global, com
um aspecto dinâmico e instável, com variadas formas de ocorrência nos diversos continentes,
cuja forma de ocorrência depende, dentre outros fatores, do comportamento humano individual
e coletivo (Lima, 2012).
Considerando a quantidade de pessoas infectadas pelo HIV e a repercussão que a infecção traz
nos campos biopsicossocial da vida desses sujeitos, fazem-se relevantes estudos que contribuam
para a compreensão do modo como esses se adaptam às mudanças causadas pelo vírus, além
de aspectos referentes à sociabilidade e aspectos inerentes ao sujeito como ser sexualmente ativo
dotado de desejos e necessidades que o definem para além do diagnóstico de soropositividade.
Diante do exposto desenvolveu-se o presente estudo com o objetivo de analisar produções
científicas que abordam o modo como o sujeito que convive com o HIV vivencia sua sexualidade
a partir do diagnóstico. De modo a alcançar esse objetivo, foram traçados os seguintes objetivos
específicos: caracterizar as produções científicas encontradas quanto aos aspectos teóricos e
metodológicos; e identificar o modo como o sujeito vivencia sua sexualidade a partir do diagnóstico
de HIV.

Metodologia

Este estudo caracteriza-se como uma revisão integrativa de literatura. De acordo com
Botelho, Cunha e Macedo (2011) consiste em um método específico, que resume o passado da
literatura empírica ou teórica, para fornecer uma compreensão mais abrangente de um fenômeno
particular. Esse método de pesquisa traça uma análise sobre o conhecimento construído em
pesquisas anteriores sobre um determinado tema e permite a geração de novos conhecimentos,
pautados nos resultados apresentados pelas pesquisas anteriormente publicadas.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 227


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Nesta pesquisa foram utilizadas publicações periódicas que, segundo Gil (2010), são
editadas, em intervalos regulares ou irregulares, com a colaboração de vários autores tratando de
assuntos diversos, embora relacionados a um objetivo mais ou menos definido.
A busca do material se deu nas bases de dados Scientific Electronic Library (SciELO), Periódicos
Eletrônicos em Psicologia (Pepsic) e Index Psi Periódicos, por meio dos descritores “sexualidade”e
“HIV”.
Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: artigos originais; disponíveis gratuitamente
e na íntegra nas bases de dados eletrônicas mencionadas; publicados entre julho de 2007 e julho
de 2017em língua portuguesa; e que abordam o tema em estudo. Como critério de exclusão de
produções científicas foi considerado o não cumprimento de pelo menos um critério de inclusão,
artigos que apareceram repetidamente na busca nas bases de dados citadas anteriormente.
A busca das produções científicas ocorreu no período compreendido entre os meses de
agosto e setembro de 2017. Os resumos dos artigos encontrados a partir da busca feita nas bases
de dados foram lidos para identificação do cumprimento ou não dos critérios de inclusão. A busca
na base de dados no SciELO contemplou 67artigos, dos quais 9 foram utilizados após aplicação
dos critérios. A busca na base de dados Index Psi contemplou 9 artigos dos quais nenhum foi
utilizado, e a busca na base de dados Pepsic contemplou 13 artigos, dos quais nenhum foi utilizado.
Em seguida foi realizada a codificação dos artigos selecionados e a coleta de dados com
base em um formulário (Apêndice) contendo as seguintes informações: autoria, título do artigo,
objetivo do estudo, ano da publicação, tipo de estudo, ambiente, participantes, técnica de coleta
e principais resultados.
Os resultados foram organizados em quadros ilustrativos para melhor compreensão do
leitor e analisados de forma descritiva. Posteriormente, os dados foram interpretados de modo
a se estabelecer ligações entre os resultados obtidos com outros já publicados e que abordam a
temática. Por fim, foi elaborado o relatório final da pesquisa.

Resultados

A presente sessão traz a caracterização teórica e metodológica dos estudos que compuseram
a revisão integrativa, bem como apresenta os principais resultados encontrados no que diz respeito
à sexualidade de pessoas que convivem com HIV após o diagnóstico. Para facilitar a compreensão
do leitor, achou-se oportuno organizar os dados em três quadros seguidos de suas respectivas
análises e fundamentação teórica.

Quadro 1. Distribuição dos estudos utilizados na revisão de literatura de acordo com os


principais resultados identificados. Fortaleza – CE, 2017.

Autor e
Código Principais resultados dos estudos
ano
01 Veras Nas participantes deste estudo aparece a perda da possibilidade de obter prazer através
(2007) do sexo, a perda da capacidade de cuidar dos filhos e de procriar, a perda da valorização
social quanto à promiscuidade, ou seja, questões ligadas ao feminino. O desafio da
maternidade também se apresenta com novos matizes quando a mulher tem o vírus HIV.

02 Paiva et al Os jovens participantes deste estudo que convivem com HIV demonstraram significativa
(2008) preocupação com o sigilo, descrevem fortes preocupações com a transmissão da infecção
ao parceiro sexual. Foi expressiva entre os entrevistados a vontade de construir família e
de ter filhos.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
03 Almeida et Apareceram no estudo questões como: se sentir mais feminina, mais mulher, mais fêmea,
al. (2010) depois do HIV que antes dele, soltando toda sua sexualidade. Para as participantes deste
estudo as relações entre homem e mulher (sexual), após a descoberta do vírus não foram
fáceis. Acontece haver, por vezes, sentimento de revolta, de desgosto, de nojo.
Outra questão difícil de lidar entre a sexualidade e o HIV/AIDS é a maternidade.
04 Oliveira; A condição sorológica tem causado receio quanto à possível rejeição do(a) parceiro(a),
Negra; motivando o jovem, conforme alguns relatos, a retardar a revelação, até que se sinta
Nogueira- em uma relação minimamente estável. Alguns entrevistados demonstraram desejo de
constituir família unindo-se a um(a) parceiro(a), realizando o desejo da maternidade/
Martins. paternidade, não considerando a condição sorológica como impeditivo para a
(2012) concretização desse objetivo. Outros, ainda, não tencionam ter filhos, influenciados pela
vivência e sofrimento causados pela portabilidade do HIV.
05 Okuno et Os idosos participantes deste estudo demonstraram atitude favorável à sexualidade
al. (2013) pós-diagnóstico através da prática sexual com uso de preservativo, disponibilidade
para relações afetivas e aquisição de conhecimentos inerente ao desenvolvimento da
sexualidade e às práticas de prevenção de DST.
06 Reis et al. Os resultados obtidos neste estudo permitem afirmar que a maioria dos jovens é
(2013) sexualmente ativa e teve a sua primeira relação sexual aos 16 anos ou mais tarde. A
maioria dos participantes, independente da orientação sexual, apresenta uma atitude
muito positiva em relação à sexualidade e uma atitude muito pouco discriminatória em
relação aos portadores do VIH/Sida. No que diz respeito aos conhecimentos e atitudes
face à contracepção; as atitudes sexuais; as competências relativas ao preservativo e aos
comportamentos de risco; questões sobre educação sexual foram evidenciadas. Para a
vivência da sexualidade ser positiva é crucial apostar na educação sexual como estratégia
da saúde sexual e reprodutiva.
07 Okuno et Idosos que convivem com HIV demonstram significativa preocupação com o sigilo,
al. (2015) fato que pode refletir o estigma e a discriminação, que geram impactos negativos e
constantes na qualidade de vida destas pessoas. A atividade sexual comprometida pode
ser explicada em parte pela dificuldade do uso cotidiano de preservativo com o parceiro,
medo da rejeição, de superinfecção, de que o vírus se fortaleça e de transmiti-lo, falta
de confiança no parceiro, diminuição do desejo sexual e não considerar o sexo como
uma parte importante da vida. Conhecer o diagnóstico da doença há mais tempo e a
forma de contágio por meio da qual contraiu a doença são aspectos fundamentais para
a manutenção dos escores elevados da qualidade de vida.
08 Galano et “Ser normal” e “ser diferente” foram questões centrais que permearam o discurso dos
al. (2015) participantes. Os jovens participantes deste estudo que convivem com HIV demonstraram
significativa preocupação com o sigilo, descrevem fortes preocupações com a transmissão
da infecção ao parceiro sexual. Há um consenso de que o exercício da sexualidade deve
ser feito com responsabilidade e cuidados redobrados.
09 Silva et al. Dentre as falas de homens e mulheres, poucas foram as referências aos elementos de
(2015) afetividade, tais como confiança, companheirismo e respeito vinculados à sexualidade.
Levantam questões de uma sexualidade e práticas sexuais alicerçadas em bases mais
conservadoras, ora levantam questões de prevenção e promoção da saúde, vinculados
a uma concepção de sexo e sexualidade que se sustenta em bases mais reflexivas. Foram
presentes relatos que demonstram a desinformação em relação ao sexo e sexualidade, uso
de preservativos, IST e HIV/AIDS, ou mesmo a precariedade das informações recebidas
ao longo da vida. O diagnóstico representou uma reformulação da vida sexual, com
diminuição do número de parceiras e intercursos e a adoção do preservativo nas relações
sexuais. Para seis dentre as sete mulheres entrevistadas, o diagnóstico de HIV representou
o fim da atividade sexual
Fonte: Elaborado pelo autor (2017)

Conforme o Quadro 1, foram selecionados nove artigos para a revisão integrativa. Apesar
dos estudos datarem a partir de 2007, houve aumento da quantidade de publicações sobre o tema
nos últimos cinco anos, visto que a maioria (7) foi publicada a partir de 2013.
Dos nove artigos, cinco focam na sexualidade em diferentes etapas do desenvolvimento
humano, sendo, jovens (Galano et al, 2015; Paiva et al, 2008), adulto jovem (Oliveira; Negra;
Nogueira-Martins, 2012) e idosos (Okuno et al, 2013; Silva et. Al, 2015); dois abordam a
sexualidade de mulheres portadoras de HIV (ALMEIDA et al, 2010; VERAS, 2007); e dois (REIS et
al, 2013; OKUNO et al, 2015) investigaram pessoas em geral.
Dos artigos selecionados, cinco pretendem compreender questões relacionadas a atitudes
sexuais e sexualidade dos participantes, enquanto os demais, além de compreender a sexualidade

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 229


NO ONTEXTO BRASILEIRO
dos participantes, pretendem identificar o sofrimento psíquico, os impactos psicossociais do
diagnóstico, conhecer os projetos de vida e explorar os significados atribuídos ao viver com HIV.
Predominaram os estudos com abordagem qualitativa (Galano et al, 2015; Paiva et al, 2008;
Veras, 2007; Silva et Al, 2015; Almeida et Al, 2010; Oliveira; Negra; Nogueira-Martins, 2012),
tendo sido a maioria (sete) desenvolvida em serviços de saúde como ambulatórios, hospitais,
centro de acolhimento e testagem (Okuno et Al, 2013; Okuno et Al, 2015; Galano et Al, 2015;
Veras, 2007; Silva et Al, 2015; Almeida et Al, 2010; Oliveira; Negra; Nogueira-Martins, 2012). A
técnica de coleta por entrevista destacou-se como a mais utilizada nas pesquisas.
De acordo com o Quadro 1, pode-se afirmar que, após o diagnóstico de HIV, tornam-se
comuns: o aumento da disposição para o controle da saúde; as alterações na sexualidade; as
oscilações quanto à autopercepção; a ressignificação de papéis e relacionamentos; o medo de
rejeição e o sofrimento moral.
Com relação ao aumento da disposição para o controle da saúde, pode-se considerar
que houve destaque para o aumento na frequência do uso de preservativo e a disposição para a
aquisição de conhecimentos sobre sexo e sexualidade.
Estudos como os de Okuno et al (2013), Reis et al (2013), Galano et al (2015), Almeida et al
(2010) e Silva et al (2015) identificaram uma atitude favorável com relação à sexualidade após o
diagnóstico, com ênfase no uso do preservativo como forma de prevenção de doenças e cuidado
de si e do parceiro, evidenciando preocupações com a transmissão do HIV, além de aquisição de
conhecimentos.

Discussão

O processo de adaptação ao diagnóstico de HIV positivo é diferente para cada indivíduo.


Isso depende do apoio que essa pessoa venha a ter de sua rede social e familiar, implicando em
diferentes contextos de aceitação e convívio com sua nova condição. O diagnóstico pode alterar
hábitos e conceitos, sendo a maneira de lidar com os aspectos cotidianos da vida e a sexualidade
os mais significativos. Independente da reação inicial, a maioria dos portadores, com o passar
do tempo, retoma sua vida normalmente, mas ainda sofre com os obstáculos impostos pela
sociedade (Lôbo, 2012).
Em um estudo comparativo realizado por Melo et al (2015), pode-se notar que os
participantes possuíam conhecimento sobre a importância do uso do preservativo. Mais do que
isso, ficou claro que eles admitem que o sexo mais seguro é capaz de estabelecer uma relação de
responsabilidade não apenas com o parceiro, mas também consigo mesmo.
Dessa forma, observa-se que a convivência com o vírus potencializa o desencadear de processos
de ressignificação na vida dos sujeitos, constituindo um campo potente de reconsideração de suas
práticas e mudança de comportamento.
Nesse sentido, a atuação profissional dentro dos serviços de saúde deve voltar-se para a
construção de um campo que acolha o sujeito dentro de todas as suas demandas, sejam elas
biológicas ou psicológicas.
De acordo com Lôbo (2012), o enfrentamento desta situação implica em oferecer espaços
de prevenção de doenças e promoção da saúde das pessoas que vivem com o HIV, auxiliando-
as na adaptação à vida cotidiana com o vírus, através do compartilhamento de estratégias de
convivência que repercutam em práticas sexuais seguras para si e para o outro.
Sendo assim, é perceptível que, para a vivência de uma sexualidade saudável após o
diagnóstico, é crucial apostar na educação sexual como estratégia da saúde sexual e reprodutiva,
e fortalecer os vínculos afetivos objetivando o apoio emocional do sujeito para o enfrentamento
dos desafios impostos pela nova condição.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
No tocante às alterações na sexualidade identificadas nos estudos, pode-se ressaltar a
disfunção sexual, o padrão de sexualidade ineficaz e o risco de contaminação quando não se fazia
uso de preservativo.
São inúmeras as dificuldades que a infecção pode impor à vivência da sexualidade, indicou-
senos estudos a perda ou diminuição do desejo e da satisfação sexual, em sua maioria devido a
fatores como medo de rejeição, desinformação quanto ao sexo e sexualidade, medo de reinfecções,
constante lembrança da presença do vírus e dificuldades em manter o uso de preservativos (Okuno
et al, 2015; Veras, 2007; Silva et al, 2015; Oliveira, Negra, Nogueira-Martins, 2012).
Esses autores identificaram que a resistência por parte de alguns sujeitos quanto ao uso do
preservativo foi frequentemente associada com a falta de praticidade no modo de usar, o fato de
não ser um hábito/costume e a questão de gosto pessoal.
No que diz respeito às oscilações quanto à autopercepção, pode-se afirmar que são comuns
as repercussões do diagnóstico na autoestima e no autoconceito da pessoa portadora do HIV.
A autoestima é um aspecto essencial na criação e manutenção da saúde, esperança e
qualidade de vida. As pessoas vivendo com HIV/AIDS podem ter sua autoestima prejudicada
devido ao impacto social que a infecção pode causar na sua vida, associado ao estigma da doença,
potencialmente fatal; entretanto, a infecção também causa na vida do indivíduo limitações físicas
e sociais, como a perda de um projeto de vida, a necessidade de reestruturação de seus hábitos,
o enfrentamento de suas novas limitações nas relações em seu trabalho e nas relações familiares
(Reis, 2011).
Em contraponto, Almeida et al (2010) afirmam que a sexualidade das mulheres demonstrou-
se mais forte após o diagnóstico, levantando questões como o sentir-se mais feminina ou mais
mulher. Isto condiz com o que afirma Louro (2008) sobre as muitas formas de fazer-se mulher ou
homem.
Contudo, muitas vezes, o que se percebe é que o diagnóstico de HIV encontra-se intimamente
ligado a um conceito negativo sobre si e sobre suas relações, evidenciando uma baixa autoestima.
Estudos como os de Veras, (2007); Paiva et al, (2008); Almeida et al, (2010); Okuno et al, (2015)
e Galano et al (2015) evidenciaram sexualidade ineficaz, indisponibilidade ou impossibilidade de
constituir família e sofrimento pelo medo da rejeição, características que evidenciam o prejuízo na
autoestima do indivíduo soropositivo.
O autoconceito corresponde a um conjunto de representações descritivas, avaliativas e
autorreguladoras que se associam àquilo que cada indivíduo sente sobre si, tendo implicações na
forma como orienta a sua conduta. O autoconceito é, nesse sentido, um preditor significativo do
comportamento e da adaptação dos indivíduos em diferentes contextos (Carvalho, 2017).
Com relação à ressignificação de papéis e relacionamentos após o diagnóstico de HIV, foi
encontrado nos estudos o desejo de manter relações afetivas, constituir família, além de uma
considerável disposição para maternidade/paternidade, também evidenciando conflitos do papel
de pai/mãe.
Alguns estudos (Okuno et al, 2013; Reis et al, 2013; Almeida et al, 2010; Silva et al 2015)
evidenciaram que, após o diagnóstico, houve maior disponibilidade para relações afetivas, além
de uma reformulação na vida sexual e diminuição na quantidade de parceiros (as).
Para Matão e Rossi (2001), a possibilidade de formar laços é uma novidade aterrorizante
inicialmente. Posteriormente, há uma adequação natural conquistada pela experiência em conviver
e superar os obstáculos que vão surgindo ao percorrer a trajetória esboçada pela síndrome,
implicando na revelação do enigma, entregando seu segredo e simultaneamente abrindo-se para
a vida.
Em complemento, Reis (2011) ressalta que a possibilidade de manutenção de relacionamentos
afetivo-sexuais é considerada um aspecto fundamental para o bem-estar das pessoas com HIV,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 231


NO ONTEXTO BRASILEIRO
pois contribui para uma melhor qualidade de vida. O compartilhamento do diagnóstico com o
parceiro foi considerado como importante para o enfrentamento da doença, pela possibilidade
da expressão dos sentimentos, além da descoberta de novas experiências sexuais pela existência
de apoio afetivo.
Foi encontrada ainda uma expressiva necessidade de construção de família, reforçada pelo
desejo de vivenciar a maternidade/paternidade. Segundo Goldenberg (2003), mulheres desejam
filhos e homens anseiam pela família.
Para Gonçalves et al (2009), tendo em vista o grande avanço em tratamentos no Brasil, nos
últimos anos, a reprodução de casais na presença do HIV pode ser considerada como mais segura
que anteriormente, desde que respeitados alguns procedimentos. [...] ainda assim, a maternidade/
paternidade na presença do HIV parece envolver importantes sobrecargas emocionais e conflitos
psicossociais.
Em todo caso, diversas pesquisas com homens e mulheres portadores do HIV/AIDS atestam
que o desejo de se tornarem pais frequentemente não é afetado pelo seu status sorológico
(GonçalveS et al, 2009).
Por fim, constatou-se um frequente medo de rejeição e sofrimento moral, com o diagnóstico
de HIV, motivos que justificavam atitudes diversas relacionadas à sexualidade deficitária.
Alguns estudos como Okuno et al (2015); Galano et al (2015) e Paiva et al(2008), apontam que
o medo de rejeição, o sofrimento moral e o anseio pelo sigilo refletem o estigma e a discriminação
ao indivíduo portador de HIV.Para Melo et al (2015), é comum essas pessoas apresentarem como
estratégia de sobrevivência social o ocultamento da doença pois, desta forma, podem continuar a
vida como pessoas “normais”, sem ser abandonadas e discriminadas. Essa forma de enfrentamento
é presente em todos os âmbitos da vida, seja ele familiar, na social ou no trabalho.
Com a evolução do tratamento e a disponibilização da terapia anti-retroviral, cada vez
mais as pessoas com HIV podem manter-se saudáveis por muitos anos. Entretanto a existência
de equívocos na sociedade sobre HIV/AIDS e as formas de transmissão resultam em uma vida
cercada de estigmas, que quase sempre se torna extremamente estressante e difícil (botti, 2009).
Para Botti (2009), o sofrimento de uma forma geral, que envolve o medo, o preconceito, o
abandono, as diferenças entre gênero, a culpa e a exclusão ainda são constantes entre os portadores
de HIV/AIDS, por isso, é preciso encontrar estratégias para auxiliá-los e às suas famílias em seus
processos de enfrentamento, aceitação e naturalização da situação.
Com isto, foi possível identificar diversos fatores e comportamentos que se alteram na
sexualidade do indivíduo portador de HIV, essa percepção nos coloca em um ponto de reflexão
acerca da nossa atuação enquanto profissionais e seres humanos. O estudo evidencia que o
cuidado e atenção a sexualidade desses indivíduos deve ir além do biológico e elencar questões do
campo psicológico e social.

232  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 233


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234  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA RESIDÊNCIA
MULTIPROFISSIONAL: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
EM SAÚDE DA FAMÍLIA
Káren Maria Rodrigues Da Costa
Rebeca Barbosa Da Rocha
Maísa Ravenna Beleza Lino
Laurentino Gonçalo Ferreira Filho
Thawanna Rego Fernandes

Introdução

A
Residência Multiprofissional em Saúde (RMS) é uma modalidade de pós-graduação,
sob a forma de especialização. Esta é destinada aos profissionais da área da saúde
sendo caracterizada principalmente pelo ensino em serviço (Manzi et al., 2013).
O contexto da RMS preza pelos ensinamentos da consolidação dos princípios do SUS, diante
da construção das relações de trabalho de caráter interdisciplinar, trabalho em equipe, espaço
de educação permanente e reorientação das lógicas tecnoassistenciais (Silva et al., 2016). O
cotidiano das ações em saúde possibilita um aprendizado significativo. Desse modo, essa forma
de aprendizado é provocadora da criação de sentidos, onde o profissional passa a utilizar o seu
dia a dia como recurso norteador para a transformação das práticas (Domingos et al., 2015).
Pioneira no município de Parnaíba-PI o Programa de Residência Multiprofissional em
Saúde da Família (PRMSF) teve sua origem no ano de 2016, sendo resultado da parceria entre a
Universidade Federal do Piauí com a Prefeitura Municipal de Parnaíba/Secretaria Municipal de
Saúde, no qual ofertou na primeira etapa um total de doze vagas para profissionais das áreas de
enfermagem, farmácia, fisioterapia e psicologia. Um de seus principais objetivos é contemplar a
formação de um profissional de saúde crítico-reflexivo, capaz de atuar no processo saúde-doença
no nível individual e coletivo.
Deste modo, é desenvolvido por meio de equipes de residentes em Saúde da Família
inseridas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). O programa garante uma certificação em nível
de especialização, com duração de 24 meses, o que corresponde uma carga horária semanal de
60 horas totalizando ao final 5.760 horas de atividades teóricas e práticas em regime de tempo
integral. O PRMSF se constituiu como um espaço privilegiado de construção e de reflexão acerca
do trabalho em saúde no contexto da atenção Primária à Saúde.
O ingresso dos profissionais ocorre por meio das seguintes etapas; 1º etapa: prova escrita
objetiva de caráter eliminatório e classificatório com 40 (quarenta) questões, sendo 10 (dez)
questões sobre Saúde Pública e Legislação do SUS e 30 (trinta) questões sobre conhecimentos
específicos da área profissional escolhida, já a 2º etapa corresponde à avaliação curricular. Quando
inserido no programa, o profissional é subsidiado pelo treinamento em serviço mediante seu
preceptor de campo e pelo empreendimento teórico por meio do tutor, desenvolvendo trabalhos
de núcleo e campo, visando à atuação multidisciplinar.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 235


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Nesse cenário, o presente estudo tem por objetivo relatar a experiência vivenciada por uma
psicóloga e sua equipe em um Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família na
cidade de Parnaíba-PI.

Método

Para uma melhor compreensão da experiência vivenciada, considera-se fundamental situar


o leitor a respeito dos processos de organização da RMSF, nos diferentes territórios de sua
abrangência. Assim, em sua primeira turma os 12 (doze) residentes participantes foram divididos
em 03 campos de prática da área urbana do município de Parnaíba e distribuídos por 03 distritos
sanitários.
Os núcleos profissionais que compuseram esta Residência foram: Enfermagem, Fisioterapia,
Farmácia e Psicologia, divididas assim em 03 equipes. Cada equipe possuía um tutor, e as categorias
profissionais possuíam um preceptor. O campo de atuação no qual esta experiência é relatada se
deu em duas UBS.
Serão atribuídas as nomenclaturas Unidade 01(a equipe atuava como apoio) e a Unidade 02
(a equipe atuava como referência) como forma de preservar a identidade das Unidades Básicas de
Saúde em destaque neste estudo.
A Unidade 01 fica localizada no terceiro maior bairro de Parnaíba, com população estimada
de 10.177 habitantes. A população em sua maioria é constituída por pessoas na faixa etária de
15 a 64 anos (68, 4%), seguida da faixa etária de 0 a 14 anos (22, 5%) e com mais de 65 anos
(9,2 %). O índice de envelhecimento da população do bairro é de 40,7% (IBGE, 2010). Os dados
correspondem aos colhidos durante o processo de territorialização, no qual os moradores em sua
maioria são jovens. Na área que foi possível percorrer foi identificado uma população de classe
baixa, em sua maioria desempregados, assalariados, aposentados ou donos do próprio negócio
(bares, salão de beleza, quitandas). Por meio de relatos dos Agentes Comunitários de Saúde
(ACS), foi conhecida a realidade do uso de drogas no território, com alguns pontos conhecidos
como “bocas de fumo”.
Já a Unidade 02 possui uma população de aproximadamente 7.457 habitantes, composto
por 3.641 homens e 3.816 mulheres. A população em sua maioria é constituída por pessoas na
faixa etária de 0 a 14 anos (28%), seguida da faixa etária de 15 á 24 anos (21%). Observa-se nesta
área graves problemas de vulnerabilidades, tanto sociais como de saúde tais como: abuso de
drogas, precariedade em serviços de saneamento básico, alto índice de gravidez na adolescência,
abuso de medicações psicotrópicas, entre outros.
Tomou-se como apoio para este relato as observações realizadas e os dados registrados
no diário de campo. As atividades descritas aconteceram entre os meses de março de 2016 a
dezembro de 2017.

Resultados e Discussão

O processo de inserção da equipe de residentes na Atenção Primária à Saúde (APS)

A inserção da equipe de residentes nas UBS 01 e 02 se deu a partir do processo de


territorialização. Este foi sistematizado de forma que os residentes inicialmente fossem capacitados
com objetivo de reorientar a prática de modo que ultrapassassem a simples adscrição de área,
para isso os residentes participaram do primeiro módulo da RMS, denominado: “Territorialização
e Práticas integrativas”. O módulo foi facilitado por um professor doutor da RMS de forma teórica-
prática. Os encontros possibilitaram a apropriação de ferramentas já estabelecidas que facilitassem

236  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
tal processo. Entre estas: “Caixa de afecção”, “Tenda do conto”, “Círculo de cultura”, “Teatro do
oprimido”, entre outras ferramentas nas quais foram discutidas entre as equipes e vivenciadas de
acordo com cada realidade. Um roteiro de observação foi estabelecido para que os residentes
pudessem identificar aspectos gerais do território, localização, formas de acesso, aspectos físicos
e equipamentos sociais. Os atores envolvidos foram: um profissional residente de cada categoria
da RMS (Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia e Psicologia), pessoas da comunidade, profissionais
de saúde, professores e preceptores da RMS, contribuindo com a discussão e compreensão dos
sentidos existentes nas localidades.
Finalizada essa primeira etapa, a equipe de residentes em posse dos instrumentos e roteiros
participou de rodas de conversas, grupos, visitas domiciliares e outras atividades desenvolvidas
pelas UBS, além de “andanças” pelo território, o que permitiu utilizar-se de alguns instrumentos e
com isso obter os dados necessários ao preenchimento do roteiro de observação e ao planejamento
de estratégias para o território. Ao final de cada dia era feita uma discussão entre os profissionais
da equipe de residentes, no intuito de reunir seus registros por escrito e fotográficos que eram
representativos de suas experiências.
A terceira etapa da territorialização consistiu em discutir as experiências vivenciadas
no território tanto com a equipe de Professores, tutores e preceptores bem como a equipe de
profissionais de cada UBS, com o objetivo de propor ações com base no que foi observado.

O Psicólogo na APS

Historicamente a Psicologia como ciência e profissão tem favorecido um modelo de


atuação liberal-privatista direcionada a populações mais favorecidas, tendo como características
o atendimento individual, em clínicas e consultórios particulares, com o uso de técnicas e testes
psicológicos, que buscam identificar, avaliar, diagnosticar e tratar de desajustamentos sociais;
sejam estes sofrimentos psíquicos, dificuldades de aprendizagem, entre outros (Figueiredo,
2004). Contudo, desde a regulamentação da Profissão da Psicologia em 1962, através da Lei nº
4.119 a mesma vem aos poucos conquistando vários espaços de atuação e articulação junto aos
mais diversos setores da sociedade brasileira, especialmente junto aos movimentos sociais e à
sociedade civil organizada (Macedo e Dimenstein, 2011).
Autores como Dimenstein (1998) e Rozani, Rodrigues (2006) analisam a inserção do
psicólogo na APS, destacando as dificuldades vivenciadas por este profissional e problematizam
que a transposição do modelo clínico privatista neste contexto e a formação deficitária para o
trabalho na Saúde Pública são graves entraves que limitam sua atuação na área da saúde. Diante
disso, verifica-se a necessidade de superação destes obstáculos, o que tem fomentado a geração
de novos campos de saber buscando ampliar a inserção da Psicologia no âmbito da saúde.
Assim sendo, a análise da prática de trabalho da psicóloga residente na APS indica para uma
diversidade de ações e diferentes formas de intervenção, destacando-se apoio matricial, ações
de promoção e prevenção à saúde, atividades articuladas com as escolas, trabalho em conjunto
com outros profissionais, atividades de articulação da rede, trabalho com populações específicas,
trabalho com grupos, salas de espera, visitas domiciliares, matriciamentos, atendimento e
acompanhamento domiciliar, consultas compartilhadas, orientações, acolhimento, entre outros.

Ações de Campo: um olhar a partir do multiprofissional

Muitas das práticas desenvolvidas pela equipe de RMSF se constituíam de ações de campo,
para Campos (2000) e Bourdieu (2003) campo consiste em espaços e lugares de troca de
“produtos” de cada ciência e de cada disciplina, com seus recursos e instrumentos teóricos e

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 237


NO ONTEXTO BRASILEIRO
técnicos, nas diversas ações realizadas por seus “produtores” na prática profissional cotidiana.
Essa troca, esse compartilhamento de saberes se dá em meio a conflitos de interesses científicos e
políticos e a relações de poder entre os pares e entre os diferentes.
Uma das modalidades de ações de campo que se evidencia no contexto da APS são os grupos,
sendo, portanto, uma estratégia profícua na promoção da saúde, tendo em vista que possibilita
ampliação das ações de cuidado favorecendo desta forma a interação entre seus participantes. A
psicóloga residente atuava como apoiadora em alguns grupos, muitas das vezes estando à frente de
algumas intervenções. Na Unidade 02 eram desenvolvidos três grupos, no qual cada grupo possuía
um profissional de referência, são eles: Grupo de Gestantes, Grupo Girassol, Grupo Mais Saúde.
Grupo de Gestantes tinha como profissional de referência à enfermeira residente funcionava
uma vez ao mês, com data e dias marcados no cronograma mensal da UBS. Inicialmente havia
a realização de um convite as gestantes através dos ACS (Agentes Comunitários de Saúde) e
também durante as consultas de pré-natal dentro da Unidade, a fim de uma maior sensibilização
quanto à importância do grupo, as mesmas foram conduzidas por meio de uma abordagem
multiprofissional da Enfermagem, Psicologia, Fisioterapia e Farmácia, todas voltadas para os
temas relacionados ao período gestacional: dentre os temas abordados destacam-se: mudanças
emocionais durante a gestação, medos e ansiedade que ocorrem neste período, à importância
do aleitamento materno, cuidados com os recém-nascidos, direitos das gestantes, técnicas de
relaxamento, massagem Shantala, principais queixas das gestantes, entre outros.
De acordo com Dias, Silveira e Witt (2009) o trabalho de grupos em atenção primária é
uma possibilidade para as práticas assistenciais. Estes espaços favorecem o aperfeiçoamento de
todos os implicados, não somente no aspecto pessoal como também no profissional, mediante a
valorização dos vários saberes e da possibilidade de intervir criativamente no processo de saúde-
doença de cada pessoa.
Assim, diante dos temas inúmeras metodologias participativas foram utilizadas com o
propósito de fortalecer a teoria e prática de cada abordagem e torná-las co-participantes no
processo de cuidar atendendo ao binômio mãe e filho. O grupo resultou em uma repercussão
positiva entre as participantes, pois muitas das dúvidas existentes puderam ser esclarecidas, e estas
afirmaram estar mais tranquilas e seguras, quanto ao período gestacional, foi possível, portanto,
conhecer melhor as gestantes daqueles territórios, bem como seus anseios e perspectivas, pois
muitas vezes certas demandas não conseguem ser atendidas no momento da consulta de pré-
natal, seja pelo tempo ou até mesmo receio das gestantes diante dos profissionais.
À frente da excessiva demanda por atendimentos psicológicos na UBS e uso abusivo de
psicotrópicos por parte da comunidade, a psicóloga residente elaborou e construiu como estratégia
um grupo de apoio em Saúde Mental, este denominado Grupo Girassol: construindo o equilíbrio. O grupo
possuía como objetivo estimular uma atitude de protagonismo em relação ao processo de saúde
mental, por meio do acolhimento à expressão de questões psicológicas e sofrimentos cotidianos pelas
múltiplas linguagens artísticas. O grupo foi organizado por meio de encontros quinzenais, no turno
da manhã, das 8:30h às 10h, em espaços na UBS, tinha como profissional de referência a psicóloga
residente. Os participantes eram pessoas da comunidade que estavam em acompanhamento
psicológico na UBS. Dentre os temas trabalhados foram: alegria, pensamentos negativos, trabalho
em grupo, amizade, entre outros. Metodologias como dinâmicas de grupo, metáforas, técnicas de
relaxamento (massagem e relaxamento), arte terapia foram utilizadas nos encontros.
A proposta constituiu em um exercício continuado de atenção a saúde mental daqueles que
de algum modo estavam em sofrimento psíquico, pontual ou recorrente, seja por transtornos
psiquiátricos ou por conturbações da vida cotidiana.
Outra proposta desenvolvida na perspectiva de campo foi o grupo Mais Saúde, este teve
como objetivo o fortalecimento do vínculo da comunidade com o posto de saúde, aumento

238  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
da autoestima, mudanças no estilo de vida e estimulo das lideranças comunitárias como co-
facilitadores das atividades, além do fortalecimento dos vínculos entre os participantes. Era
realizado todas as quintas-feiras, no horário das 7:30 h ás 8:30h em uma praça localizada em
frente a UBS, tinha como profissional de referência a fisioterapeuta residente. As atividades
desenvolvidas foram: verificação de sinais vitais, caminhada orientada, alongamentos, práticas
corporais, danças e orientações sobre temas diversos.
Nesta perspectiva o trabalho multiprofissional e interdisciplinar faz parte dos objetivos e
da organização do trabalho na Atenção Primária à Saúde. Em equipe compete o planejamento,
a realização e o acompanhamento/seguimento de muitas das ações neste cenário. O trabalho
em equipe, em rede e com a comunidade é, portanto, uma característica fundamental da APS
(Conselho Federal de Psicologia, 2010). À vista disso, muitas ações da equipe de residência em
saúde da família foram oriundas do planejamento em equipe e várias delas são realizadas pela
psicóloga residente e outros profissionais da equipe.
Ações de núcleo
A população atendida pela psicóloga residente e demais profissionais é definida e delimitada
pela política da Atenção Básica, sendo, portanto bastante diversificada, organizada de acordo
com programas, objetivos e pela territorialização. O público em geral se constitui por crianças,
adultos, idosos, familiares dos usuários, comunidade. Ressalta-se assim como ações de núcleo:
a escuta, acolhimento, a interconsulta e os atendimentos individuais breves como espaços de
cuidado, uma vez que possibilitam o alívio das queixas dos usuários, além da possibilidade de
criar espaços para o mesmo refletir sobre seu sofrimento, suas angustias e desta maneira se
reestruturar pessoalmente.
Quanto à operacionalização das ações de núcleo na UBS a psicóloga residente destina um dia
da semana com turno manhã e tarde para escutas e acolhimentos, sendo o turno da manhã para
UBS 02 e o turno da tarde para UBS 01. No entanto, caso exista demanda espontânea nos demais
dias da semana, a psicóloga faz o acolhimento inicial e agenda os acompanhamentos e possíveis
compartilhamentos de casos com os demais pontos da rede, incentivando a responsabilização
compartilhada dos casos como meio de combater a lógica do encaminhamento.
Além das ações individuais, destacam-se as consultas compartilhadas com os demais
profissionais da equipe, constituindo-se em espaços privilegiados para a ampliação do cuidado
integral do usuário, uma vez que se integram vários saberes.

Outras Práticas

As visitas e atendimentos domiciliares foram espaços de conhecimento, ampliação de


olhares e principalmente de criação de vínculos entre a equipe de residência multiprofissional e
a comunidade, muitas das visitas e acompanhamentos domiciliares foram realizados diante das
dificuldades dos usuários se deslocarem ao posto de saúde, seja por dificuldades motoras e/
ou psicológicas. Assim, é através da visita domiciliar que proporciona ao profissional adentrar
o espaço da família e identificar suas demandas e potencialidades (Ministério da Saúde, 2005).
A partir do momento que retira-se do espaço do posto de saúde e desloca-se para as
micro áreas para conhecer as peculiaridades de cada núcleo familiar cria-se uma ponte entre a
comunidade e serviço de saúde. Passa a se conhecer as singularidades, visualiza-se o dia a dia, as
dificuldades, anseios, a cultura, os modos de viver, além de aspectos importantes da realidade e
dinâmica das relações familiares in loco.
Já no que se refere às salas de espera, para além de um local físico e delimitado na unidade
básica de saúde, estas se tornam um espaço que emergem muitas questões, quer sobre um tema
abordado pela profissional “Psi” residente, quer sobre pontos trazidos pelos usuários presentes.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 239


NO ONTEXTO BRASILEIRO
As salas de espera enriquecem o trabalho da Psicologia na medida em que a comunidade
dialoga sobre situações do cotidiano, que servem em direção a fornecer meios para possíveis
intervenções futuras. Cita-se aqui a experiência da Sala de Espera com os pais, o espaço teve
como objetivo proporcionar orientações e potencializar discussões sobre temas do cotidiano
relacionados aos aspetos familiares e da infância (desenvolvimento). Este espaço permitiu a
troca de saberes e experiências comuns, do saber popular e das práticas dos residentes no que
se refere ao tema abordado, não desvalorizando o saber da comunidade, mas sim construindo
junto maneiras de lidar com algumas dificuldades presentes no ambiente familiar. Entre os temas
abordados destacam-se: agressividade, birras e choros aos dois e três anos, ciúmes entre irmãos,
estimulação da fala.
Uma metodologia que se destaca na prática da psicóloga residente é o apoio matricial em
saúde mental, segundo Chiaverini (2011, p.13) trata-se de “um novo modo de produzir saúde em
que duas ou mais equipes, num processo de construção compartilhada, criam uma proposta
de intervenção pedagógico-terapêutica”. Desta forma, o apoio matricial na prática da psicóloga
residente é de grande relevância, pois permite a realização de intervenções coletivas, consultas
compartilhadas, discussões com equipe, favorecendo assim articulações intersetoriais. Alguns
temas como: saúde mental, prevenção ao suicídio e valorização da vida foram utilizados como
estratégias para o matriciamento da equipe em saúde da família.
Esta experiência proporcionou a autora um olhar e um produzir reflexivo através da realização
de ações de campo e de núcleo, como foco na comunidade e no cuidado integral dos mesmos.
No entanto, é importante enfatizar que vários são os desafios e entraves que dificultam a
atuação da psicóloga residente nos territórios, entre elas desatacam-se as articulações políticas
que necessitam serem realizadas com as equipes e gestores de todos os serviços, principalmente
os de saúde mental, o rompimento da lógica de referência e contra-referência, o cessar da lógica
de atendimentos clínicos psicológicos presentes no “imaginário” da comunidade e de alguns
profissionais de saúde.
Por fim, concluem-se que diversos são os modos de atuação do Psicólogo na Atenção
Primária à Saúde, modos estes que necessitam serem acompanhados de uma maior capacidade de
acolhimento e de resolutividade das necessidades de saúde, para isto é importante à reorganização
do processo de formação acadêmica, até certo tempo pautado em modelos que priorizam o
modelo individual e biomédico.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 241


NO ONTEXTO BRASILEIRO
DIAGNÓSTICOS VERSUS PSICOFÁRMACOS: CENAS
DO EXCESSO NA CONTEMPORANEIDADE
Iane Pinto de Castro
Rute Flávia Meneses Mondim Pereira D’Amaral

Introdução

C
ada vez mais as contribuições publicadas em periódicos especializados na área da
saúde, dentre estas a psicologia, psiquiatria e outras áreas especificas, possibilitam-
nos perceber um dos contextos que personaliza os sujeitos na atual sociedade. O
contexto em si refere-se aos diagnósticos em cena e a utilização de psicofármacos.
Atualmente, este fenômeno “vem ganhando força e legitimidade social no trato com os
sintomas considerados antissociais ou indicativos de uma nova doença” (Cruz, 2010, p. 17).
Pode-se dizer que se tem uma nova ordem de organização sócio subjetiva?
De acordo com a American Psychological Association (APA), alguns diagnósticos recebem a
atenção das investigações em psicologia. Dentre os mais listados estão: Transtorno de ansiedade,
transtorno bipolar, depressão, transtorno de personalidade. Quais poderiam ser os efeitos
negativos desta expansão de diagnósticos?
Sabe-se que devido à expansão dos diagnósticos, uma excessiva quantidade de indivíduos
passou a tomar remédios, sejam estes antidepressivos, ansiolíticos ou até mesmo analgésicos.
Diante deste contexto, foi realizado este presente artigo com o objetivo de refletir sobre o
excesso de diagnósticos e consequentemente a utilização de psicofármacos na contemporaneidade.
O fenômeno de diagnósticos disparou em todo o mundo.
Considera-se a necessidade de um trabalho de conscientização crítica sobre o atual sistema
de diagnósticos e a influência da indústria farmacêutica para que não tenhamos uma sociedade
cada vez mais dependente de comprimidos. É que milhões de pessoas em todo o planeta sofrem
de algum tipo de transtorno mental, mas além do sofrimento provocado pelo diagnóstico, estas
pessoas sofrem com o descrédito e preconceito de um rótulo, de uma marca a partir do estigma
de serem diagnosticados como doente (Silva & Brandalise, 2008).

Método

Este artigo teórico trata-se de uma revisão narrativa. Ribeiro (2014) comenta que é uma
revisão qualitativa que fornece sínteses narrativas, compreensivas, de informação publicada
anteriormente.
Green, Johnson e Adams (2006, p. 676) referem que: “São estudos apropriados para descrever
e discutir o desenvolvimento de um determinado assunto, tanto do ponto de vista teórico como
do ponto de vista contextual”.
A presente revisão baseou-se na literatura publicada em livros, artigos científicos de revistas
impressas e digitais, como também alguns sites e trabalhos acadêmicos desenvolvidos com a
presente temática, numa perspectiva crítica (Rother, 2007).

242  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Resultados e Discussão

Dentre os autores principais que norteiam este artigo, destaca-se Allen Frances, a partir do
seu livro “Voltando ao normal: Como o excesso de diagnósticos e a medicalização da vida estão
acabando com a nossa sanidade e o que pode ser feito para retornarmos o controle”. O referido
autor apresenta informações importantes e disponibiliza possíveis soluções para os desafios da
contemporaneidade.
Diante do cenário dos diagnósticos, observa-se a predominância da avaliação médica
sobre o indivíduo. A objetividade do conhecimento foi o propósito da medicina desde os tempos
idos, sempre buscando um saber que explicasse o que acontecia com os indivíduos em suas mais
diversas formas de ser. As classificações nosológicas iniciaram no século XX. Pode-se dizer que a
partir daí começaram a surgir os quadros psiquiátricos (Esperanza, 2011).
A lógica classificatória e descritiva do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais teve início com sua primeira publicação, em 1952, pela Associação Americana de
Psiquiatria. Atualmente, está na sua quinta edição. Não faz parte deste estudo explicar as
mudanças ocorridas a cada edição. Mas, aqui, nesta articulação trabalha-se com a tentativa de
olhar as implicações contemporâneas desta crescente lista de diagnósticos.
Disse Esperanza (2011, p. 56) “a estatística classificatória dos DSMs considera o paciente
como um indivíduo cujo corpo se reduz ao biológico (...) também corresponde à tentativa
farmacêutica de psicofarmacologizar a própria vida, o que equivale a postular que cada ato da
vida de um sujeito é possível de ser medicado ou medicalizado”.
De acordo com Frances (2016), um em cada cinco adultos norte-americanos toma
pelo menos um fármaco para problemas psiquiátricos. O autor afirma que “11% de todos os
adultos tomaram antidepressivos em 2010, quase 4% das crianças fazem uso de estimulantes
e 4% dos adolescentes tomam antidepressivos, além de 25% dos residentes de asilos receberem
antipsicóticos” (p. 15).
Frances (2016) comenta que, no Canadá, entre 2005 e 2009, o uso de psicoestimulantes
subiu 36% e o de inibidores seletivos de receptação de serotonina 44%. Tais dados provocam
indagações acerca deste percentual em torno do consumo de medicamentos. Consequentemente,
“seis por cento da população norte-americana é dependente de fármacos prescritos” (p. 15).
Importante sublinhar que os diagnósticos causam impactos na vida daqueles que são
afetados. A imprecisão dos diagnósticos está causando uma overdose nacional de medicamentos
(Frances, 2016).
Importa afirmar que este estudo não discute a inviabilidade do uso do diagnóstico ou da
medicação. Para tanto, delineia-se nesta escrita uma reação aos chamados excessos. “As drogas
psiquiátricas são hoje a maior fonte de renda dos fabricantes. Em 2011, foram 18 bilhões de
dólares em antipsicóticos, 11 bilhões em antidepressivos. O gasto com antipsicóticos e o uso de
antidepressivos quase quadriplicou de 1988 a 2008” (Frances, 2016, p. 16).
Diante desses dados, reflete-se sobre o lugar da cena do diagnóstico versus psicofármacos na
sociedade. Ansiedade, depressão, bipolaridade e tantos outras classificações que recaem sobre os
indivíduos - o que afinal são essas classificações e como tratá-las? Seria a medicação a única via
de tratamento? Seria a mais eficaz?
Na opinião do psiquiatra e neurocientista Diogo Rizzato Lara, professor titular da Faculdade
de Biociências da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC – RS), em entrevista
à revista Psiquê (2016), de acordo com seus estudos e experiência, somente 10% das pessoas têm
personalidades realmente desenvolvidas. Na sua forma de fazer psiquiatria, em vez de buscar
diagnósticos baseados em sintomas, como depressão e bipolaridade, passou a investigar a
biografia dos pacientes.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 243


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Lara (2016), ao longo de sete anos, desenvolveu uma escala, chamada AFECTS7, que, segundo
ele, consegue identificar bem as características fundamentais da personalidade. O resultado da
avaliação sinaliza os pontos fortes e fracos do indivíduo. O usuário é convidado a refletir sobre
as situações adversas da sua biografia e como isso pode ter afetado sua personalidade. “Quando
o indivíduo faz a sua autoavaliação, o resultado já aponta se há a necessidade de contar com o
acompanhamento por um psicólogo ou psiquiatra” (Lara, 2016, p. 10).
Uma das contribuições de Lara (2016) é ter percebido que, a longo prazo, quem usa
calmantes cronicamente evolui menos como ser humano. De acordo com Lara, o Brasil é o maior
consumidor mundial de calmantes do tipo tarja preta.

Ao invés de aprender a lidar com as situações difíceis da vida, recorre aos calmantes
para silenciar as emoções negativas (...) tem gente demais tomando calmantes sem real
necessidade e há muitas pessoas que ficariam bem com os psicofármacos corretos, mas
não os tomam por diversas razões – estigma, negação, medo de criar dependência, preço...
(Lara, 2016, p. 13).

Nas considerações de Lara (2016), frequentemente, qualquer desconforto basta para alguns
médicos não psiquiatras prescreverem medicação. Nesta mesma direção, corrobora Frances (2016,
p. 16): “oitenta por cento das prescrições são dadas por clínicos gerais com pouco treinamento
em seu uso adequado, sob pressão intensa de vendedores ou de pacientes mal informados, depois
de apressadas consultas de sete minutos, sem exames sistemáticos”.
No âmbito deste estudo, faz-se importante posicionar que as autoras não são contra os
diagnósticos e tratamentos psicofarmacológicos. A crítica é dirigida aos excessos dos diagnósticos
e ao uso excessivo de medicamentos. A tentativa desta articulação é lançar um olhar reflexivo
e dizer que nem sempre os problemas ou algum tipo de sofrimento precisam ser classificados
como doenças. Que não se deve ignorar a capacidade auto curativa e que, nem sempre, tomar
um comprimido e buscar respostas para si a partir de um diagnóstico será o melhor caminho.
Interessante lembrar que na contemporaneidade vive-se sob pressão do mundo moderno, dito de
outra forma, de uma sociedade acelerada, e porque não dizer, estressante. Colher os efeitos deste
contexto, seria o ônus de ser diagnosticado e medicalizado?
Os interesses comerciais sequestraram a iniciativa médica, pondo o lucro acima dos
pacientes, “provocando um frenesi voraz de diagnósticos, testes e tratamentos” (Frances, 2016,
p. 20)
As doenças psiquiátricas mais comuns na população são a depressão e os transtornos de
ansiedade (Organização Mundial da Saúde, 2011, citado por Brisso, 2011). Aproximadamente
10% das mulheres e 6% dos homens vão ter um episódio depressivo ao longo da vida. Brisso
(2011), explica que hoje a depressão é o segundo maior problema de saúde pública no mundo,
de acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde. No entanto, é preciso diferenciar
sofrimentos emocionais comuns de um transtorno depressivo. Não é qualquer tristeza que é
depressão.
De acordo com Brisso (2011), dentre os transtornos ansiosos, destaca-se o transtorno de
pânico, com uma incidência de 3,5% na população; e o transtorno de ansiedade generalizada, com
3,4%. A Associação Brasileira de Transtorno Bipolar revela que cerca de seis milhões de pessoas
sofrem de transtorno bipolar no Brasil.
De uma maneira geral, observa-se na sociedade contemporânea uma busca acelerada por
explicações fisiológicas, biológicas, comportamentais que possam responder e explicar os diversos
tipos de sofrimento e mal-estar.

7 Não cabe neste estudo explicar os detalhes do tratamento usado pelo psiquiatra mentor do método. Ressalte-se
a importância do cuidado com o indivíduo.

244  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Na busca imediata pelo alívio dos sintomas, com efeito, a mídia é uma porta de entrada
para os indivíduos que buscam respostas rápidas que possam amenizar o seu mal-estar. E assim,
na procura de explicações em sites, reportagens, que justifiquem o que sentem, muitos chegam
aos consultórios médicos especificamente buscando uma validação a partir do que se pesquisou
num desses veículos midiáticos, sem preocupar-se em buscar um sentido para o seu sofrimento.
O consumo de medicamentos propõe uma rápida solução para os incômodos, e isto atrai as
pessoas, principalmente na atualidade, quando se exige que todos estejam sempre bem.
Sem dúvida, a propaganda e o marketing muito contribuem para o aumento das vendas.
Conforme artigo publicado no site indfarmufabc, intitulado “A propaganda e a influência no
consumo de medicamentos”:

Por muito tempo a venda e a propaganda de medicamentos era feita sem qualquer
regulamentação ou controle por parte do Estado. Para proteger a população, com o passar
do tempo foram criadas normas para a veiculação de publicidade acerca de medicamentos,
como por exemplo, a resolução RDC, nº 96, de 17 de dezembro de 2008, que dispõe sobre
a propaganda, publicidade, informação, cujo objetivo seja a divulgação ou promoção
comercial de medicamentos (2013).

Assim sendo, nota-se que ir ao médico e rapidamente sair com a receita em mãos é “condenar”
o indivíduo e seus problemas emocionais a uma explicação orgânica. Cabe esclarecer que os
psicofármacos, quando prescritos de forma criteriosa, tornam-se um aliado no tratamento, mas
entende-se que de forma alguma deve-se restringir o tratamento exclusivamente ao medicamento.

Considerações Finais

Atualmente, as evidências dos interesses da indústria farmacêutica asseguram o lançamento


de medicamentos no mercado para consumo, da mesma forma que estão sendo asseguradas pela
medicina as diversas produções de diagnósticos. Alguns deles foram nomeados neste artigo, quais
sejam: Transtorno de ansiedade, transtorno bipolar, depressão, transtorno de personalidade.
Frise-se que um grande percentual da população se identifica com a descrição de sintomas
catalogados em descrições nosológicas.
Considera-se a relevância de um diagnóstico, quando criteriosamente o indivíduo é avaliado
e acompanhado pelos cuidados de profissionais, sejam eles psicólogos, psiquiatras, dentre outros.
Todavia, consideramos que explicar sentimentos, comportamentos, adoecimentos e mal-estar
especificamente pela via de um diagnóstico é reduzir o indivíduo a um objeto médico. No presente
estudo, desconsidera-se que tais explicações sejam puramente biológicas.
Existem consequências do excesso de diagnósticos e uso de psicofármacos na
contemporaneidade. Entre as possíveis reações adversas dessas consequências, pode-se constatar
a dificuldade em se encontrar a real causa do mal-estar e adoecimento, principalmente, quando
a justificativa é anunciada pelo diagnóstico, ou quando se entrega nas “mãos do remédio” a
completa solução.
Explicar e reduzir os indivíduos e suas experiências de vida através das explicações prontas dos
manuais de diagnósticos para determinados comportamentos é não oportunizar que aconteça uma
busca mais afinada historicamente sobre os bastidores de um contexto singular sobre a trajetória
do indivíduo e sua relação com sua doença ou mal-estar. Desse modo, percebe-se atualmente uma
grande adesão às referidas explicações, que muitas vezes podem impedir o indivíduo de construir
suas próprias respostas e significados particulares sobre si e seu adoecimento. Vale registrar que a
prescrição de psicofármacos é inclusive uma possibilidade de tratamento, contanto que não seja
de forma compulsória.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 245


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Por esse motivo, chama a atenção do olhar que se lança neste estudo sobre os excessos.
De acordo com esta articulação, a literatura pesquisada mostrou respostas do que as autoras se
propuseram a refletir.

Referências

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ANÁLISE CLÍNICO QUALITATIVA DA RELAÇÃO
ESPIRITUALIDADE E SAÚDE EM PARTICIPANTES DE UM
ESPAÇO ESPIRITUALISTA NO PIAUÍ
Laíza de Carvalho Paulino
Périsson Dantas do Nascimento

Introdução

E
ste trabalho corresponde a uma pesquisa realizada para obtenção do grau em
bacharel em psicologia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). O interesse pelo
tema nasceu de uma série de questionamentos sobre como as práticas psicológicas
têm levado em conta a dimensão espiritual enquanto constituinte da existência humana, já que o
conceito atual de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) traz a necessidade desse âmbito
ser considerado como parâmetro imprescindível para o desenvolvimento de uma compreensão
ampliada da qualidade de vida. Nesse sentido, algumas inquietações surgiram em torno da
produção científica limitada, no âmbito da Psicologia, acerca dessa temática, além da ausência
de discussões nesse sentido, ao longo da graduação.
Tais questionamentos foram reforçados pela participação na Liga Acadêmica de Saúde e
Espiritualidade (LIASE) da UESPI e a oportunidade de conhecer um espaço de prática e vivência
espiritualista na cidade de Teresina no qual houve a convivência com seus rituais e frequentadores,
coletando depoimentos diversos dos atores envolvidos. Os mesmos relataram que a partir
das vivências nesse local, aconteceram mudanças nas suas autopercepções, na qualidade de
vida, tiveram oportunidades de reavaliar as suas relações interpessoais, sentir experiências
transcendentais e contatar com uma realidade que, até então, não concebiam.
Tendo em vista todo esse cenário, despertou-se o interesse em compreender os sentidos (ou
significados) produzidos pelos participantes desse espaço espiritualista, no tocante à busca pela
espiritualidade, configurando-se este como o objetivo central desta pesquisa. E nessa perspectiva,
os objetivos específicos foram: caracterizar o processo de inserção da busca espiritual – nesse
espaço espiritualista sincrético - na história de vida dos sujeitos, identificar os fatores que
motivaram os participantes à permanência e à vinculação a esse espaço espiritualista sincrético,
no tocante à identidade; analisar as possíveis contribuições da experiência espiritual – em tal
espaço – na experiência cotidiana dos seus participantes.
Acerca do campo semântico que circunda o estudo, é necessário que sejam esclarecidos
os termos espiritualidade, religiosidade e religião. O primeiro deles é definido por Guimarães e
Avezum (2007, p.02) como uma inclinação do homem “a buscar significado para a vida por meio
de conceitos que transcendem o tangível: um sentido de conexão com algo maior que si próprio,
que pode ou não incluir uma participação religiosa formal”. Isto é, a espiritualidade não prescinde
necessariamente de uma vivência religiosa, ela tem a ver com uma busca de sentido da vida através
de uma sensação de conexão com elementos intangíveis.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 247


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Por outro lado, “religião” diz respeito a preceitos e aspectos institucionais de uma prática
religiosa e é delimitada a partir de determinadas crenças e ritos segundo apontam Oliveira e Junges
(2012). E a “religiosidade”, na compreensão de Pinto (2009), remete à experiência pessoal e única
da religião, isto é, aos aspectos subjetivos que envolvem a prática religiosa. Em seu texto o referido
autor mencionou a reflexão de Giovanetti (2004) na qual a religiosidade é compreendida como
uma forma da espiritualidade se expressar; mas não a única, já que existem pessoas agnósticas ou
ateístas que vivenciam suas buscas de sentido da vida e não necessitam de uma prática religiosa
para isso.
Tendo em vista essa discussão inicial, será apresentado um breve apanhado histórico sobre
como as concepções de saúde, doença e cura foram sendo modificadas ao longo do tempo e
consequentemente os métodos terapêuticos utilizados e a partir disso também é possível se ver
claramente relação entre saúde e espiritualidade. A literatura mostra que na Antiguidade, no
período pré-científico, o adoecimento era considerado uma manifestação de forças naturais, as
práticas terapêuticas se davam em rituais religiosos com a atuação de curandeiros e conhecedores
de ervas medicinais, de maneira que esses buscavam “neutralizar as forças malignas por meio de
magia e de sua capacidade de evocar poderes divinos”, conforme descreve Volich (2010, p. 22).
Nesse período de vigor das tradições milenares Xamânicas, segundo Capra (1982), toda
doença era compreendida como uma consequência da desarmonia do homem em relação a uma
ordem cósmica ou sistema ordenado no qual ele está integrado. Ou seja, o adoecimento estava
relacionado a todo o contexto em que o sujeito estava inserido, em uma perspectiva holística
de indissociabilidade entre homem, natureza e cultura. Com a evolução da cultura ocidental, as
práticas Xamânicas são gradativamente substituídas por procedimentos investigativos de ordem
mais individual e materialista.
Capra (1982, p.40) mostra que a partir dos séculos XVI e XVII, em decorrência de descobertas
na física e na astronomia, é que toda a visão desse universo “orgânico, vivo e espiritual foi substituída
pela noção do mundo como se ele fosse uma máquina, e a máquina do mundo converteu-se na
metáfora dominante da era moderna”. Aqui se destaca a formulação do paradigma cartesiano-
newtoniano o qual marcou profundamente os séculos XVIII e XIX e fundamentou a construção
do modelo biomédico de atenção à saúde. O pensamento cartesiano-newtoniano influenciou na
formulação de uma concepção mecanicista da vida, de modo que na ciência médica, por exemplo,
o corpo humano foi considerado uma máquina que deveria ter suas partes analisadas e a doença
seria um mau funcionamento dessas partes.
No século XX esse modelo de assistência à saúde passou a ser questionado, contudo sua
perspectiva reducionista se manteve; por exemplo, inúmeras subespecialidades médicas foram
criadas, inclusive com uma divisão clara entre dois campos que pouco dialogam: aquele que trata
do corpo e aquele que trata da mente, este ficando a cargo de psiquiatras e psicólogos. É relevante
pontuar que ao longo dos tempos os padrões de saúde e doença foram se modificando, logo a
necessidade do desenvolvimento de outras práticas de cuidado também. No século XXI, o modelo
biomédico não tem sido mais capaz de abarcar a necessidade humana de compreender o processo
saúde-doença, logo ele vem sendo problematizado e o que se observa é a tendência científica de
reconhecer a implicância conjunta de outros fatores no referido processo.
Um exemplo claro disso foi a ampliação que a Organização Mundial de Saúde fez, em 1946, ao
redefinir um conceito global de saúde, que inclui aspectos físicos, sociais e psíquicos; posteriormente,
em 1988, a mesma organização acrescentou a dimensão espiritual nesse conceito multidimensional.
Para Arrieira (2015, p. 14) a dimensão espiritual foi incluída “como parte da integralidade humana,
com vistas a atender as necessidades existenciais manifestadas pelo ser humano”.
Desta forma pode-se apreender que a relação entre saúde e dimensão espiritual do ser
humano não é algo novo, mas sim é uma relação que ao longo do desenvolvimento científico das

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práticas médicas de cuidado foi desmerecida, devido sobretudo ao modelo biomédico. Porém, a
ela vem sendo re-atribuída uma relevância e tem havido, gradualmente e com certas resistências,
um movimento das ciências do campo da saúde de estudá-la e compreendê-la para que seja
incluída adequadamente em planejamentos terapêuticos.

Método

Neste estudo foi aplicado o método clínico-qualitativo de pesquisa. A designação “clínico”,


conforme Turato (2000), implica um método que requer imprescindivelmente do pesquisador
a adoção de uma postura de acolhimento e consideração diante de angústias e ansiedades dos
participantes da pesquisa, ou seja, a preocupação é voltada para compreender como os sujeitos
apreendem, interpretam e atribuem sentidos ou significados àquilo que vivenciam.
Em termos de enquadre optou-se pela entrevista semidirigida a partir de um roteiro
com perguntas disparadoras com o objetivo de levantar sentidos e experiências no espaço
espiritualista. Além das entrevistas semidirigidas, foi aplicado um questionário de informações
sócio demográficas para uma melhor caracterização dos entrevistados. Investigaram-se questões
como: idade, sexo, escolaridade, naturalidade, estado civil, situação profissional, renda mensal,
entre outros.
O espaço a que se refere o estudo localiza-se na zona rural do município de Teresina (PI), e
se utiliza de maneira sincrética das seguintes influências: a) elementos e rituais típicos da religião
de matriz africana, intitulada “Umbanda Sagrada”; b) o consumo do chá da substância de caráter
cientificamente “enteógeno”, conhecida pelo nome de “ayahuasca” (mistura da folha “chacrona”
ou “rainha”, com o cipó “jagube”), ali consagrada nas cerimônias definidas como “Santo Daime”;
c) práticas de raiz indígena, definidas como “Xamanismo”. Todas essas vertentes têm como foco,
em suma, a cura (em nível espiritual e físico) das pessoas que para lá recorrem, assim chamadas
de “consulentes” ou, corriqueiramente, de “pacientes”.
A proposta da utilização dessas práticas é a promoção do equilíbrio espiritual dos consulentes
(pacientes) através da utilização de “manipulações energéticas” e do que ali se convencionou
chamar de “medicinas sagradas”, tais como a citada “ayahuasca”, além do “tabaco em pó”
(puro), do “rapé” (tabaco misturado com outras ervas naturais), da “jurema” (bebida produzida
a partir da raiz da árvore de mesmo nome), do “kambô” (resina retirada de uma rã oriunda da
Amazônia, utilizada como vacina) e da “sananga” (um sumo extraído das raízes de uma planta
amazônica, ali utilizado em forma de colírio).
A população que participou do estudo correspondeu a oito frequentadores desse espaço
espiritualista. O critério de inclusão utilizado foi de que tivessem frequentando o espaço há pelo
menos seis meses. Eles foram abordados individualmente no espaço espiritualista sob indicação
de um dos dirigentes. Do total, quatro entrevistas foram realizadas nas próprias residências dos
participantes; três, em um parque público do município e uma entrevista foi realizada em um
restaurante. Todas foram gravadas em aparelho eletrônico e posteriormente transcritas.
A análise do discurso foi utilizada como técnica de análise das entrevistas, pois, conforme
aponta Léfevre (2003), ela permite ao investigador apreender o que é expresso pelo sujeito,
proporcionando o acesso a dados da realidade, estes de caráter subjetivo, como crenças, ideias,
opiniões, sentimentos e comportamentos.

Resultados

Em termos de caracterização geral da população, sete participantes eram do sexo feminino e


um do sexo masculino. A faixa etária das mulheres variou entre 19 e 33 anos de idade e o homem

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 249


NO ONTEXTO BRASILEIRO
entrevistado tinha 52 anos. Do total, cinco já frequentavam o espaço há três anos; dois há dois
anos e apenas uma pessoa, há um ano. No tocante ao estado civil, duas das oito pessoas eram
divorciadas, quatro casadas e duas solteiras. Das quatro pessoas casadas, apenas duas afirmaram
que seus companheiros frequentavam o espaço espiritualista. Apenas metade dos entrevistados
têm filhos e estes também frequentam o espaço.
Todos os participantes da pesquisa eram piauienses, seis oriundos de Teresina (PI) e dois,
de municípios do interior do estado. Seis residiam em Teresina e os outros dois em uma cidade
vizinha. Dois dos entrevistados tinham ensino superior completo e trabalhavam como funcionários
públicos, outros dois tinham concluído o ensino médio, sendo que uma trabalha como secretária
e tinha formação em técnica de enfermagem e a outra desempenhava a função de gerente, em
uma loja. Três haviam cursado o ensino médio completo e trabalhavam como donas do lar, uma
delas também realizava trabalhos artesanais. E apenas a entrevistada mais jovem ainda estava
cursando o ensino médio.
Com esse panorama geral dos participantes, passaremos a abordar a análise dos discursos
construídos por meio das entrevistas, que resultou em quatro grandes categorias. A primeira delas
diz respeito ao processo de imersão no espaço espiritualista. Foi suscitado dos participantes que
resgatassem a memória da sua história de inserção nesse lugar. A partir disso, foi explorada toda a
contextualização que culminou na busca pelo espaço (o que despertou o interesse, como tomaram
conhecimento da sua existência, como chegaram lá, com quem, por quais motivos).
Primeiramente, todos os entrevistados relataram que adentraram lá para realizarem
atendimentos de Umbanda, posteriormente é que participaram das cerimônias de Santo
Daime e apenas três deles, de rituais Xamânicos. Sobre esse interesse pela prática umbandista,
eles relataram que souberam da existência do espaço por meio da indicação de pessoas, que já
estavam vinculadas ou que apenas conheciam as atividades desenvolvidas lá. Essa indicação se
deu em virtude dos participantes da pesquisa (a maioria deles) terem relatado para essas pessoas
situações de adoecimento, a nível individual ou familiar, e terem demonstrado que já haviam
buscado resolvê-las por outros meios (cuidados médicos, visita a outros espaços religiosos), mas
não haviam obtido o resultado que esperavam. Isso demonstrou que os sujeitos recorreram ao
espaço espiritualista em questão, como uma última medida/tentativa para solução/atenuação
dessas situações, compreendendo –o como um lugar que oferece, por meio de suas práticas, um
serviço terapêutico.
Conforme foi percebido, o processo de imersão dos entrevistados foi perpassado pelo
contato imediato com as práticas umbandistas, de modo que quando ingressaram no espaço
espiritualista realizaram a sessão de atendimento umbandista. Nesta, conversaram com a
mãe -de -santo que lhes receitou uma lista de banhos, receberam a desobsessão das entidades
espirituais dos caboclos e os passes dos pretos velhos e permaneceram frequentando as consultas
semanalmente a fim de continuarem esse tratamento.
A segunda categoria diz respeito às demais experiências espirituais e ritualísticas vividas pelos
participantes. Depois que entraram em contato com as práticas de Umbanda, os entrevistados
tomaram conhecimento das outras duas vertentes religiosas que compõem esse espaço
espiritualista: Santo Daime e Xamanismo. Todos os entrevistados relataram que participaram
ao menos uma vez das cerimônias de Santo Daime realizadas nesse espaço espiritualista e todos
eles relataram experiências visuais de contato com diversas sensações e imagens. Alguns dos
entrevistados relataram a sensação de paz e de harmonia e a sensação de estarem em contato
com uma essência divina. A partir disso, trazem depoimentos sobre o desencadear de um processo
de ressignificações de vários aspectos referentes às suas vidas pessoais.
Outro aspecto levantado referente ao ritual do Santo Daime foram experiências de “limpeza”
descritas pelos participantes, as quais foram mencionadas como uma possibilidade que os

250  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
indivíduos tinham de retirar de si mesmos energias, pensamentos e sentimentos que consideravam
nocivos para sua saúde; e a forma como esse processo depurativo se manifestava, segundo os
relatos, era através de episódios de vômitos, de choro. Além disso, nota-se que foi também atribuída
à outra medicina utilizada pelo espaço espiritualista (o rapé) esse poder de auxiliar o indivíduo
nesse processo de purificação emocional. Sobre isso é interessante comentar que segundo MacRae
(1992, p. 56) “o tabaco é tido como um purificador do corpo e expulsa doenças (...) o domínio
do uso do tabaco, fumado, ingerido ou inalado pelas narinas é um aspecto da iniciação Xamânica
(...) está presente nas sessões de ayahuasca realizada pelos mestiços peruanos”.
Contudo nem todos os participantes do estudo relataram sensação de bem-estar e alívio
quando se referiram ao culto do Santo Daime. Dois deles descreveram sensações de desconforto,
tais como: perda do controle dos movimentos do corpo, perda da capacidade de contato com a
realidade, episódios eméticos desagradáveis. Um deles questionou se a utilização da substância
ayahuasca não poderia gerar algum prejuízo em termos de saúde mental para os usuários.
No tocante ao Xamanismo, apenas metade dos entrevistados relataram ter participado
desses rituais, os quais incluíam a ingestão de ayahuasca e de rapé. Nesses rituais, eram cantadas
músicas Xamânicas, tocados instrumentos como o maracá e evocadas forças da natureza. Os
relatos dos indivíduos foram marcados por uma forte sensação de conexão com elementos da
natureza, tais como animais, floresta.
A terceira categoria diz respeito às influências das experiências espirituais vividas no
cotidiano dos participantes. Todos os entrevistados relataram que após frequentarem esse
espaço espiritualista começaram a modificar certos padrões comportamentais, em virtude dos
ensinamentos espirituais que adquiriam no espaço, principalmente na forma de lidar com as
emoções, diminuição dos padrões de estresse e melhoria das relações com pessoas e contextos
significativos de suas vidas. Além disso, houve o relato de melhoria de condições psicológicas para
lidar com processos de adoecimento orgânico.
Na sequência, percebem-se também relatos de mudanças ligadas à concepção de
espiritualidade e como tais mudanças repercutiram na forma como os indivíduos se percebiam
e se comportavam. Vários depoimentos referem-se a mudanças de percepção de mundo para
uma concepção mais holística e energética, uma sensação de pertencimento a um contexto maior
planetário, o que levou a mudanças em padrões disfuncionais, como abandono do abuso de
substâncias, por exemplo.
Apesar de muitos depoimentos com significações positivas, três entrevistadas relataram
que vivenciaram situações de preconceito e/ou falta de apoio/compreensão, no meio familiar
ou social, em virtude de participarem desse espaço espiritualista, sobretudo em decorrência de
ser um local que desenvolve práticas umbandistas, ocasionando conflitos e dificuldades nos
relacionamentos com pessoas significativas devido à significação social negativa relacionada às
práticas afro-brasileiras.
A última categoria diz respeito à motivação para permanência no espaço. Esse tema adveio
do intuito de investigar os fatores que motivaram os participantes à permanecerem e se vincularem
a esse espaço espiritualista. Primeiramente, metade dos entrevistados revelou que além de se
identificarem com as atividades desenvolvidas no espaço, permaneciam frequentando a fim de
darem continuidade ao tratamento que haviam iniciado lá (seja por meio dos passes e banhos da
Umbanda, seja pelas experiências com o Santo Daime).
Percebeu-se que os sujeitos reconheceram as vivências nesse espaço como uma espécie de
suporte emocional para as situações que estavam vivenciando. Nesse sentido, permanecer lá
significaria continuar acessando essa fonte de apoio. Outro aspecto identificado por nós que está
associado à vinculação ao local se refere ao acolhimento que o espaço oferece aos frequentadores
e à rede de amizade e de apoio social que foi se constituindo.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 251


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Sobre essas impressões extraídas a partir do contato com o espaço espiritualista, pode-
se considerar que a participação nesse lugar contribuiu para a constituição de um processo de
identidade dos sujeitos, tendo em vista que a identidade está intimamente ligada com a sensação
de pertencimento à comunidade formada pelo espaço.

Discussão

No que se refere à inserção dos participantes nesse espaço espiritualista, todo o contexto
remete ao que Montero (1985) afirmou em sua obra quando considerou que um dos motivos
mais comuns alegados pelas pessoas que buscam centros de prática umbandista é a vivência de
desordens psicossomáticas. Assim, os terreiros de Umbanda são vistos como um lugar capaz de
tratar aquela enfermidade, seja como uma forma de resolver os casos que a medicina tradicional
não foi suficiente, seja para complementar a atuação desta. Os pontos abordados na discussão
da primeira categoria de análise revelam duas questões: primeiro, o processo saúde-doença
fortemente associado à dimensão espiritual; segundo, a incapacidade do modelo biomédico,
para esses entrevistados, de atender a essa multidimensionalidade do adoecimento, justamente
por não reconhecer a influência do aspecto espiritual.
Em relação às primeiras experiências com as práticas umbandistas, notou-se que o ingresso
dos entrevistados se configurou como um contato com essa cosmovisão que, através de seus
termos, já se coloca como uma prática religiosa-terapêutica. Sobre isso, Montero (1985) aponta
que nas práticas umbandistas por exemplo, é comum os médiuns utilizarem roupas brancas (o
que lembra a figura do médico), e realizarem sessões que recebem o nome de “consultas”. A partir
disso, é possível perceber que, ao passo que os frequentadores chegam nesse lugar com uma
demanda para serem tratados, a própria cosmovisão umbandista os coloca também na condição
de demandantes, chamando-os de “pacientes”.
Nota-se com os relatos que os entrevistados valorizam a conversa que têm com as entidades
espirituais, manifestadas através dos médiuns, ou seja, o lugar de fala e escuta que é estabelecido
parece desempenhar um efeito terapêutico. O que os entrevistados chamam de passes e
desobsessões nada mais são, na cosmovisão umbandista, segundo nos aponta Montero (1985)
uma forma de atuação mágico-terapêutica de afastar espíritos malévolos que circundam as pessoas,
causando-lhes doenças. Contudo, é importante frisar a compreensão dessa cosmovisão de que
tais espíritos são atraídos pelos pensamentos e atitudes das pessoas, sendo assim, necessário o
indivíduo se autovigiar; ou seja, não basta apenas receber os passes ou a desobsessão, é preciso
que o frequentador se implique no seu processo de cura.
No que se refere aos fenômenos visuais em rituais de Santo Daime, Barbosa e Dalgalarrondo
(2003) relatam, em sua pesquisa abordando praticantes desse culto, que participantes narraram
experiências visuais extraordinárias, as quais incluíam luzes caleidoscópicas, figuras humanas
e de animais, seres sobrenaturais, entre outros. Esses autores argumentam que tais vivências
normalmente proporcionavam intenso prazer estético. O sentimento de paz, também descrito,
está associado a uma experiência visual ligada a elementos da natureza que proporciona uma
sensação de prazer e bem-estar. Os autores citados abordam o sentimento de numinosidade e
os insights que podem surgir nesse culto. O primeiro tem a ver com o fascínio ou terror de uma
pessoa a partir da sensação de estar diante de um ser ascendente e poderoso, já o segundo remete-
se a episódios de “compreensões repentinas sobre seus próprios comportamentos ou sobre sua
situação no mundo” (p. 186).
Sobre as experiências descritas como “limpezas” MacRae (1992) contribui numa reflexão a
respeito quando menciona que nas cerimônias com a ayahuasca é utilizada a expressão “la purga”,

252  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
a qual apresenta um sentido de o indivíduo colocar para fora (por meio dos efeitos emético8
e catártico da bebida) enfermidades, estados emocionais depreciados, por exemplo. O autor
considera que a partir dos efeitos mencionados é gerada uma sensação de “limpeza”, bem-estar,
relaxamento nos indivíduos. Observa-se que os relatos que descrevem sensações de desconforto
se aproximam do que Silva (2004) denomina de “peia” ou “surra do Daime” que, segundo o
autor, correspondem a episódios de vômito, diarreia, sensação de tremor pelo corpo, mal-estar
ou outras vivências desagradáveis que ocorrem ao indivíduo, quando sob o efeito da ayahuasca
em contexto religioso. Sobre tais episódios, consideramos que eles também incluem o efeito
purgativo durante o ritual do Santo Daime, contudo compreendemos que se diferenciam de certo
modo das experiências de “limpeza” mencionadas anteriormente porque eles incluem um certo
teor de sofrimento durante a experiência.
A partir do exposto, afirma-se que as experiências no ritual do Santo Daime não se
restringem a sensações “agradáveis” ou “desagradáveis”, ou a sensações de “limpezas” ou “peia”,
mas dependem do sentido atribuído pelo indivíduo, ou seja, do que aqueles eventos representam
para ele. Segundo MacRae (1992) aponta, é importante serem considerados três fatores que
interatuam configurando a experiência com a ayahuasca, são eles: a atuação química da substância
no organismo do indivíduo; o set (tem a ver com características individuais dos sujeitos; tais como
personalidade, estado emocional no momento do uso da substância e expectativas em relação aos
efeitos) e o setting (corresponde ao entorno físico, social e cultural em que se dá a consagração da
bebida). Nesse sentido, considera-se que esses três aspectos podem ter atuado conjuntamente nas
experiências de cada um dos participantes e influenciado as percepções, sensações e os sentidos
produzidos por cada um.
Acerca das práticas Xamânicas segundo pontuou Capra (1982), o adoecimento era
compreendido em uma perspectiva holística no sentido de o homem ser visto como um ser
integrado a uma ordem cósmica ou um sistema ordenado; no caso adoecer significava desconectar-
se desse todo, dessa unidade. A partir disso, percebe-se que nesse espaço espiritualista havia uma
retomada desses princípios, tendo em vista que por meio das práticas Xamânicas desenvolvidas
e dos relatos dos participantes nota-se que é gerada uma sensação muito marcada de integração
com a natureza, de forma por exemplo, que os entrevistados relataram que sentiam como se
estivessem conectados a ela, ouvindo seus sons, vendo animais, considerando a importância de
preservá-la.
Além disso, a utilização da ayahuasca e do rapé representam também a busca pela cura
através da natureza, tendo em vista que a primeira é uma bebida provinda da fervura de uma
folha e um cipó e a segunda a junção de tabaco em pó com cinzas de outras ervas; isto é, o
homem que é integrado à natureza encontra nela sua fonte de restabelecimento. Isso demonstra
mais claramente o resgate de princípios Xamânicos por esse espaço espiritualista, tendo em vista
que as suas práticas terapêuticas se davam em rituais religiosos com a atuação de curandeiros e
conhecedores de ervas medicinais, conforme nos aponta Volich (2010).
Analisando o que os entrevistados trouxeram e a metanálise realizada por Melo, Sampaio,
Souza e Pinto (2015) é compreendemos que essas vivências espirituais os influenciaram
positivamente em termos de saúde e qualidade de vida, pois através dos relatos é possível perceber
que os ensinamentos espirituais absorvidos no espaço espiritualista auxiliaram os indivíduos a
ressignificarem comportamentos valorados negativamente (“eu era explosiva”, “eu era egoísta”,
não ter paciência) e a desenvolverem outros padrões que lhes auxiliariam no manejo de situações
adversas no dia-a-dia (“paciência”, “estou sendo mais tolerante”). Segundo esses mesmos autores,
a religiosidade e a espiritualidade estão relacionadas com a “construção de sentido e a ordenação
de vida dos indivíduos, influenciando a sua saúde de forma positiva” (p. 449).

8 Um dos efeitos do chá em muitas pessoas é a provocação de vômitos.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 253


NO ONTEXTO BRASILEIRO
No tocante à vivência do preconceito social dos participantes em pertencer ao espaço,
Bauman (2005) ajuda a refletir sobre esse aspecto quando traz a noção de identidade, a qual
está intimamente atrelada com um senso de pertencimento. Para esse autor, os indivíduos estão
imersos em um mundo composto por uma série de valores, princípios, estilos de vida; e o senso
de identidade se forma quando, mesmo em meio a tantas possibilidades de escolha, o indivíduo
se vincula a uma delas no sentido de manter-se unido a um grupo ou comunidade que partilha
ideias semelhantes às dele. No caso dos participantes deste estudo, ao longo de todo o processo
de entrevistas, notou-se que eles se sentem pertencentes a esse espaço espiritualista, no sentido de
comungarem das práticas ali realizadas, inclusive das práticas umbandistas; contudo ficou claro
através desses relatos como é difícil poder assumir essa identidade.
Finalizando-se essa discussão depreende-se que existem elementos que interatuaram
contribuindo para a permanência desses entrevistados no local de nossa pesquisa, fatores esses
que vão desde: os indivíduos terem chegado lá com a demanda de que precisariam receber
um tratamento; o espaço tê-los acolhido e oferecido mediante seus recursos, tal tratamento;
as próprias vivências terem adquirido para esses sujeitos um sentido agregador e promotor de
mudanças comportamentais; eles terem percebido benefícios em termos orgânicos e emocionais;
ter sido criada uma rede de apoio social mediante o convívio com a comunidade do local, além da
identificação com as práticas em si mesmas.

Considerações finais

A partir deste estudo compreendeu-se que as ciências naturais, embasadas no paradigma


newtoniano- cartesiano e assim se utilizando do modelo biomédico de atenção à saúde,
negligenciaram por mais de dois séculos a dimensão espiritual como um dos fatores diretamente
ligados ao processo saúde-doença do ser humano.
Contudo devido a falibilidade desse modelo de saúde e ao reconhecimento de tal dimensão,
o meio científico tem se aberto gradativamente para pesquisar essa interface e tem descoberto que
a busca do ser humano por um sentido da vida a partir da sensação de conexão com um princípio
transcendente é afetada e afeta diretamente sua saúde; levando-se em conta que o conceito de
saúde inclui aspectos sociais, psíquicos, físicos e espirituais.
Os resultados desta pesquisa podem contribuir com a visibilidade desse paradigma
integrativo, pois averiguou-se que o processo de adoecimento foi um dos principais motivos
que levaram os indivíduos pesquisados a procurarem o espaço espiritualista sincrético do nosso
estudo.
Nesse sentido o processo de imersão nesse local foi marcado tanto pela procura dessas
pessoas por um auxílio espiritual que lhes ajudassem a compreender e solucionar estados de
adoecimento que até então não haviam sido resolvidos pela medicina técnico-científica ou por
outros espaços espirituais, quanto pela necessidade de complementarem um tratamento médico
que já estavam realizando. Isso revela que o componente espiritual estava intimamente ligado ao
discurso dos entrevistados e que é imprescindível a ciência considerá-lo para que compreenda o
indivíduo na sua integralidade.
Os resultados também mostraram que as práticas utilizadas nesse espaço espiritualista
se assemelhavam àquelas de curandeirismo das tradições Xamânicas, lançando-se mão
de elementos da natureza, tais como ervas medicinais, para promover uma reintegração
do equilíbrio dos indivíduos, o que normalmente chamamos de cura. Então, esse lugar se
configurou para esses indivíduos como um espaço que através de suas práticas cuidava da
dimensão espiritual e promovia também melhorias em termos somáticos e de bem-estar
emocional.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Os participantes também revelaram a modificação de padrões comportamentais a partir
dos ensinamentos espirituais que adquiriam no espaço e isso os auxiliou no manejo de situações
adversas no cotidiano; também expressaram que a participação nesse local lhes oferecia um
suporte emocional, além de terem construído uma rede de apoio social. Deste modo, conclui-
se que com a presença nesse espaço espiritualista essas pessoas tiveram contempladas tanto
suas dimensões espirituais, quanto orgânicas, psíquicas, sociais e assim puderam receber um
cuidado de forma integral, e a partir disso ressignificar experiências a adotar outros padrões de
comportamento diante da vida.

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256  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
FALA GAROTO: GRUPO DE EXPRESSÃO PARA
ADOLESCENTES UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Bárbara Vanina Arantes
Josenaide Engracia Dos Santos
Ana Ariel Sousa Almeida
Halýne Portela de Sousa Carvalho
Kelly Cristina Vieira Silva
Introdução

A
reforma psiquiátrica foi um movimento social de forte intensidade dos quais
faziam parte, trabalhadores da saúde mental, usuários do serviço e seus familiares
que buscavam melhor assistência dos serviços de saúde mental e denunciavam a
precarização dos métodos de tratamento e de maus tratos nos hospitais psiquiátricos, o qual era
o único lugar para a prestação de serviços para os portadores de transtornos mentais (Ministério
da Saúde [MS], 2004).
A reforma psiquiátrica Brasileira teve a influência de Franco Basaglia, psiquiatra italiano que
considerava as internações em hospícios privavam os pacientes de exercer direitos humanos, bem
como intensificava a situação de exclusão social. Defendia que essas instituições não poderiam
ser consideradas como um lugar de cura, e sim um ambiente de marginalização dessas pessoas
(Viganò, 2006).
Os atendimentos no Brasil eram todos em hospitais psiquiátricos com características
asilares e agressivas com os pacientes de transtorno mental. Nise da Silveira, psiquiatra brasileira
repudiou as intervenções violentas e inovou com espaços mais humanizados. Ela acreditava na
terapia através da arte, como a pintura; o desenho e outras formas de expressão (Diaz, 2008), ato
que também de certa forma influenciou na reforma psiquiátrica.
Dessa forma, a reestruturação da reforma psiquiátrica foi dada início na década de 80,
durante a 8ª Conferência Nacional de Saúde no ano de 1986 e as Conferências Nacional de Saúde
Mental em 1987, 1992 e 2001. É no contexto da promulgação da lei 10.216 e da realização da III
Conferência Nacional de Saúde Mental, que a política de saúde mental do governo federal, alinhada
com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica, passa a consolidar-se, ganhando maior sustentação e
visibilidade (Ballarim, Carvalho, Cavalcanti & Galvão, 2007) e os Centros de Atenção psicossocial
(CAPS) passa ter valor estratégico para o processo de desinstitucionalização.
O CAPS é um serviço comunitário, para Onocko-Campos e Furtado (2006), é onde os
usuários deverão receber consultas médicas, atendimentos terapêuticos individuais e/ou grupais,
participar de ateliês abertos, de atividades lúdicas e recreativas promovidas pelos profissionais do
serviço. Além do acompanhamento clínico, o CAPS tem como objetivo também, a reinserção dos
usuários na comunidade, no trabalho e no lazer e também, promover o fortalecimento de laços
familiares desses usuários. (Ministério da Saúde [MS], 2004)
No que se refere as modalidades de tratamento para o transtorno mental, nas últimas
décadas houve um avanço considerável da abordagem psicossocial, que segundo Alves e Francisco

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 257


NO ONTEXTO BRASILEIRO
(2009) se baseiam em campos teóricos diversificados que consideram o lado empírico, o histórico,
o cultural e o científico dos pacientes. Uma das ferramentas utilizada com atendimento no CAPS
foram os grupos de conversas. Elas procuram conhecer a realidade dos pacientes e familiares em
busca de possibilidades para uma escuta mais atenta, para estimular o fortalecimento de vínculos
e sociabilidade. Este trabalho busca relatar a experiência de grupo denominada Fala Garoto com
adolescentes e familiares em um CAPS.

Método

Este trabalho é baseado no relato de experiência vivenciado em um CAPS no Distrito Federal.


O grupo se chama Fala Garoto e acontecem todas as quartas-feiras com duração de 1 hora. O
objetivo do grupo é compartilhar experiências, pensamentos e debates sobre assuntos de interesse
dos adolescentes. O número de participantes dos adolescentes são 10, dividido em oito do sexo
feminino e dois do sexo masculino. E as famílias também participaram. A estratégia metodológica
consistiu em um primeiro momento identificar as demandas por meio dos prontuários; segundo
momento escuta das demandas a partir dos próprios adolescentes que consistiu em três etapas.
A primeira como sendo a introdução do assunto da depressão e seus respectivos sintomas,
comportamentos e sentimentos no grupo Fala Garoto, para em seguida passar para a segunda
etapa que foi o momento da confecção do material psicoeducativo dos adolescentes para a
família. A última etapa então foi de fato a exibição desses materiais para as famílias.

Resultados

As demandas identificadas nos prontuários foram: Abuso sexual; ansiedade; automutilação;


conflito familiar; depressão; ideação suicida; tendência suicida; irregularidade na escola; tentativa
de suicídio e uso de drogas. Os temas que remete ao comportamento suicida são divididos em três
categorias: ideação suicida (pensamentos, ideias, planejamento e desejo de se matar), tentativa
de suicídio e suicídio consumado. A ideação suicida é um importante preditor de risco para o
suicídio, sendo considerada o primeiro “passo” para sua efetivação (Werlang et al., 2005), e
posteriormente a tentativa e depois a consumação do ato. As demandas identificadas sinalizam
a importância do tema.
O segundo momento de escuta enfatiza a abordagem psicossocial Saraceno (1998) voltada
para os usuários da saúde mental, para fortalecê-los e criar instrumentos que potencializem o
sujeito para a produção de projetos de vida, no sentido da ressocialização. Durante as participações
no grupo, podem-se levantar demandas específicas, como: Dificuldade na comunicação e
expressão com sua família e de interação social. Salienta-se que os laços afetivos asseguram o
apoio psicológico e social entre os membros familiares, ajudando no enfrentamento do estresse
provocado por dificuldades do cotidiano (Oliveira & Bastos, 2000). E os padrões de relações
familiares relacionam-se intrinsecamente a uma rede de apoio que possa ser ativada, em momentos
críticos, fomentando o sentimento de pertença, a busca de soluções e atividades compartilhadas.
Na relação com os adolescentes identificou-se um conjunto de adolescentes heterogêneo,
com diversos níveis de comprometimento psíquico. Diante do cenário observado, foram
propostas atividades para estes, com a intencionalidade de trabalhar com maior foco os pontos
de compartilhamento. Então propôs-se a confecção de materiais informativo sobre depressão em
forma de pergunta. De quem é a culpa?
Após a confecção dos materiais pelos adolescentes, o material foi apresentado aos grupos
famílias que acontecem no serviço, onde os pais desses adolescentes participam. Os pais se
sentiram impactados com o resultado da atividade. Durante o andamento do grupo, os pais

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
levantaram dois pontos. Primeiro, o sentimento de impotência que eles sentem diante seus filhos
quando eles estão nessa fase de instabilidade decorrente do seu quadro clínico. Segundo ponto,
os pais se sensibilizaram que as relações não podem ser autoritárias, percebendo que cada sujeito
tem o seu próprio tempo. Ao final do grupo, os pais falaram frases de incentivos para serem
mostradas aos adolescentes:

• Você é especial!
• Você é lindo!
• Você é o nosso futuro!
• Quero te abraçar e dizer que te amo!
• Não desista de você!
• Estamos aqui, não se sinta só!
• Não desista de pedir ajuda!

As mensagens foram passadas aos adolescentes que ficaram surpresos com tanta repercussão
e agradecidos pelo apoio e suporte dado a eles.

Discussão

A principal queixa apontada pelos adolescentes como causa foi o “amor não correspondido”,
“falta de comunicação”, conflitos familiares, aspecto que pode remeter a segundo Braga e Dalbosco
(2013) a fragilidade dos vínculos afetivos. Assim, as pesquisadoras destacam a importância da
família enquanto estabelecedora das primeiras relações de afeto e de rede social.
Como citado anteriormente, sobre os desafios que as famílias encontram em lidar com
esses adolescentes, Colvero, Ide e Rolim (2004) abordam as dificuldades que as famílias têm em
lidar com a diferença, no caso, com seus familiares que tem algum tipo de transtorno mental.
Eles trazem as seguintes demandas familiares: dificuldade para lidarem com as situações de crise
vividas; com a culpa; com o pessimismo; expectativa frustrada de cura e desconhecimento da
doença propriamente dita. Por este fato, os autores reforçam a necessidade de os familiares terem
algum espaço disponível a eles que ofereçam apoio e suporte. Um espaço em que essa família
possa dizer sobre o seu próprio sofrimento psíquico e o quanto este mobiliza sua vida; um espaço
que considere sua demanda, para além da objetividade manifesta em suas queixas, geralmente
centradas no sintoma do outro, do seu familiar portador de transtorno mental.
O grupo com os adolescentes pautado na psicoeducação foi uma intervenção que auxiliou
no tratamento das doenças mentais a partir das mudanças comportamentais, sociais e emocionais
cujo trabalho permite a prevenção na saúde. A psicoeducação é um processo educativo tanto para
o paciente, família e os profissionais que os atende. A finalidade é ensinar sobre o seu tratamento
para que possam ter consciência e preparo para lidar com as mudanças a partir de estratégias de
enfrentamento, fortalecimento da comunicação e da adaptação (Lemes & Neto, 2017).
O foco da intervenção foi trabalhar a auto expressão dos adolescentes com a família e
também fazer uso da escrita para se comunicar e se expressar e promover o conhecimento acerca
da depressão, favorecendo assim maior apoio e incentivo para aqueles que precisam. Com isso,
acreditamos que a comunicação entre essas famílias iria se fortalecer, olhando os adolescentes ser
particular e singular, e olhar o ser humano como alguém que se constrói e se transforma por sua
ação significativa, consciente, em um contexto social, histórico e cultural.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 259


NO ONTEXTO BRASILEIRO
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Portaria n. 336, de 19 de fevereiro de 2002. Recuperado de: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/


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Portaria n. 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas
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Viganò, C. (2006). Basaglia com Lacan. Mental, 4(6).

Werlang, B.S.G.; Borges, V.R.; Fensterseifer, L. 2005. Fatores de risco ou proteção para a presença
de ideação suicida na adolescência. Revista Interamericana de Psicologia, 39, 259-266.

260  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
“ANAS” E “MIAS”: UM CAMINHO PARA O ALCANCE
DO CORPO MAGRO E LINDO?
Maria Daiane da Ponte
Juan Alex Pereira de Sousa
Rebeca Carvalho de Morais

Introdução

A
pressão cultural pela magreza e pelo corpo perfeito tem levado um número crescente
de pessoas a buscarem um enquadre nos padrões midiáticos expostos pela indústria
cultural. Na atual era da tecnologia da produção em massa, as pessoas (em especial
mulheres) nunca foram tão expostas a ideais estéticos quanto hoje. Alguns autores reforçam que
esse padrão de magreza, amplamente difundido na mídia (televisão, revistas, cinema) já penetrou
no inconscientemente nos valores, aprisionando as pessoas dentro de si mesmas na busca destes
padrões (Oliveira & Hutz, 2010).
Neste contexto, a internet surge como mais um espaço de disseminação destes ditos padrões
estéticos, no qual inúmeros sites e blogs incentivam o culto a um corpo imagético que, na maioria
dos casos, é biologicamente impossível de ser alcançado.
A ideia para o presente trabalho surgiu a partir da observação de sites conhecidos por seus
usuários como PROANA e PROMIA, onde Ana seria o apelido para Anorexia e Mia para Bulimia,
sites que são a favor (como pode ser compreendido pelo prefixo pro) da bulimia e anorexia. Neles,
os usuários trocam dicas sobre métodos e medicações para emagrecer, bem como apoiam-se para
alcançarem seu objetivo.
A bulimia é uma patologia conhecida desde a Grécia antiga sob o nome de cinorexia ou
fome de cachorro, caracteriza- se por uma grande ingestão de alimentos de maneira muito rápida
e intensa associada a uma sensação de perda de controle, sendo seguida de vômitos, chamados
de episódios bulímicos. (Severiano, Rêgo &, Montefusco 2010). Os indivíduos que sofrem com
esse distúrbio costumam recorrer a diversos métodos, tais como laxantes, diuréticos, remédios
que tenham um efeito de diminuição do apetite, mesmo não sendo esse o foco da medicação com
o intuito de provocar o vômito. Fernandes (2006), em seu livro Transtornos Alimentares, define
como:

…episódios repetidos de compulsões alimentares, acompanhados por comportamentos


compensatórios inadequados, tais como vômitos auto induzidos, mau uso de laxantes e
diuréticos, jejuns ou exercícios físicos excessivos sem que se evidencie uma perda de peso tão
significativa como ocorre na anorexia. (Fernandes, 2006, p. 39)

Quanto à anorexia, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V)


(2013), descreve-a como uma patologia leva o indivíduo a restrição da ingestão alimentar levando

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 261


NO ONTEXTO BRASILEIRO
a um significante baixo peso corporal no contexto de idade, sexo, trajetória de desenvolvimento
e saúde física. Constitui-se pelo “uso de métodos inadequados de controle, como os chamados
métodos purgativos; medo intenso de engordar; distorção da imagem corporal; distúrbios
endócrinos como a amenorreia” (Barbosa, 2017, p.5).
Deste modo, surgiu o interesse em acrescentar novas reflexões a estes fatores etiológicos,
tendo destaque o apelo midiático com o intuito de compreender de onde surge a compreensão de
que um corpo magro é lindo, buscando elucidar, em especial, de que forma a bulimia e a anorexia
deixam de ser percebidas enquanto patologias e passam a se constituir como um possível método
para alcançar este corpo magro e belo.

Método

O presente estudo trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, realizada em blogs e


sites PROANA e PROMIA nos meses de janeiro a agosto de 2016.Teve como objetivo analisar as
possíveis influências dos blogs pro ana e pro mia na manutenção dos transtornos bulímicos e
anoréxicos na contemporaneidade. Afim de alcançar o objetivo do estudo foi realizado um
levantamento dos blogs e sites utilizando como fonte o buscador Google usando os seguintes
descritores: ana, mia, pro ana, pro mia. Observou-se um número incontável de blogs e sites
com essa conotação. Como critério de seleção das páginas para a análise, utilizamos os blogs
atualizados com frequência no período da pesquisa e o número de comentários, em como sua
popularidade. Dessa forma, tomando por base tais critérios, foram selecionados três blogs para
análise, diariodeumaanorexicgirl,umabailarinacomana e anaemiaobcecada.

Resultados

Os blogs se constituem como um espaço de trocas de experiências, apoio e incentivo. O


ambiente virtual não é visto por seus usuários como local de manutenção de patologias, mas
como um estilo de vida a ser seguido. Os comentários mostram que esses meios de comunicação,
auxiliam e dão possibilidades para que a Ana e Mia sejam divulgadas e sirvam como um meio para
alcançar o tão sonhado padrão de beleza.

Faço parte de uma comunidade em que Anas, Mias e qualquer pessoa que deseje emagrecer
desabafam sobre o seu cotidiano e dão forças umas às outras para que juntas alcancem seus objetivos [grifo
nosso]. Mudamos de endereço recentemente e estamos divulgando o espaço em busca de
crescimento. Link ao fim da postagem. Esperamos vocês lá! (Eva, 2016, “esperamos vocês!
”)

A partir de tais comentários, vemos que as Anas e Mias desabafam e se dão forças para,
através da manutenção da sua patologia alcancem o objetivo do emagrecimento. Verifica-se
constantemente, o compartilhamento de experiências para ajudar na dieta alimentar, conforme
pode ser ilustrado no seguinte depoimento:

Primeiramente: esperava mais. Sério, só perdi 1 kg gente! Só isso!!!! Mas pensando pelo
lado bom não o recuperei e agora tô com 54 kg, minha meta até mês que vem é 50, vai ser
difícil mas eu vou conseguir. Hoje fiz no food (sem comida), só bebi agua o dia inteiro e não
passei mal! Hahaha tô bem feliz por isso. Amanhã creio que vou fazer um lowfood (pouca
comida) só pra eu tomar meus remédios. (Odette, 2016, “resultado da dieta”)

262  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Neste sentido, o que pode ser percebido é que em conjunto ao arsenal midiático que divulga
cotidianamente imagens de perfeição, a indústria da moda, com suas modelos magérrimas,
contribui eficazmente para a implantação e legitimação do imperativo da magreza enquanto
sinônimo de beleza.

Inspirações são pessoas e artistas belos e que você admire e se espelha para chegar a seu
objetivo. Algumas celebridades como Mary Kate Olsen e Victória Beckham já tiveram anorexia, portanto
são grandes exemplos de beleza e determinação [grifo nosso], então não esqueçam de sempre ter
essa inspiração (Borboleta, 2016, “thinspo”).

Nota-se que com essa inspiração magra e uma quase idolatria a fotos de pessoas magras,
vem também uma visão deturpada do próprio corpo, ou seja, faz com que essas mulheres
(em sua maioria são mulheres, mas não cem por cento dos usuários) adotem hábitos que são
prejudiciais à saúde.

Uma obesa! Mais do que você já é.


Você é tão fraca! Bolos, chocolates, pudim, leite condensado, balas, bolachas, doces e
mais doces, pães, massas, batatas fritas, milk shake, Você NÃO precisa disso! Olhe para as
modelos magérrimas [grifo nosso], você acha que caberia tudo isso dentro delas? Óbvio que
não (Anônimo,2016, ”thinspo”).

Assim, verifica-se que esta perfeição do corpo magro divulgado pela mídia é uma perfeição
utópica, pois sempre que as Anas e Mias chegam à meta que havia sido estipulada anteriormente,
uma nova meta com uma maior perca de peso é instaurada.

Olá anas e mias to mto feliz pq pesava 87 kg qse 90 e agr to com 77 tenho 1,50 e pretendo ter 55 [grifo
nosso] td q eu fiz foi comer 70 kcal por dia e dancei zumba por uma hora vai 15 kg em uma
semana. ...boa sorte pra vcs vamos lá por um corpo bonito bj. (Anônimo, 2016, “chego lá”)

Entretanto, verificamos também que a intensificação do apelo da mídia para a obtenção


de um corpo real a ser consumido enquanto modelo de saúde, beleza e bem-estar parece que ser
cada vez mais inacessível e o não cumprimento deste ideal de corpo revelam outro lado desse
dilema: a propagação de transtornos de imagem que, no fundo, parecem ser uma denúncia da
exclusão social, sentimentos de fracasso, perda da autoestima e, consequentemente, do sofrimento
psíquico que a não obtenção do corpo perfeito e magro pode ocasionar, conforme observamos
no depoimento a seguir:

Meninas, socorro preciso de ajuda urgente!!!! Estou desesperada nunca fui ana nem mia,
mas agora mais do que nunca preciso ser [grifo nosso], emagreci 11kg passei de 85 para 74 mas
meu marido exige de mim 65 tenho 1,70 e não consigo baixar dos 74 me ajudem por favor
(Anônimo,2016, ” help me!”).

Observar um depoimento deste e ver que a pessoa afirma que nunca foi Ana e Mia, mas que
mais do que nunca precisa ser, ou seja, que precisa desenvolver uma doença para poder emagrecer
parece-nos algo preocupante e pensamos na hipótese que esta preocupação exacerbada com a
busca pelo corpo perfeito possa ser uma possível causa para o desenvolvimento da anorexia e
bulimia, patologias alimentares relacionadas com uma disfunção de uma imagem corporal.

Discussão

Refletindo sobre este aspecto, verificamos que a contemporaneidade nos evidencia um


culto ao corpo onde, cada vez mais, este se torna o centro das nossas vivências. Isto pode ser

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 263


NO ONTEXTO BRASILEIRO
evidenciado na atual sociedade cada vez mais fitness que busca incessantemente um corpo perfeito
através de exercícios, dietas, medicações, etc. Não sendo incomum, inclusive, escutar, dentro da
cultura brasileira, comentários relacionados à busca de um corpo para o carnaval ou de um corpo
para o verão. Tal concepção parece estar apoiada no estilo de vida capitalista hipermoderno cada
vez mais centrado no eu que fomenta o corpo como um objeto de consumo. Para Baudrillard
(1970), inclusive, este seria o mais belo objeto de consumo.
Assim, verifica-se que o corpo é enquadrado, contemporaneamente, na lógica fetichista da
mercadoria à semelhança de qualquer outro objeto, de forma que esse pareamento entre a ideia
de beleza e corpo magro seja idealizada na mente de quem a consome (Bauman,2000).
No entanto, o que questionamos é se a disfunção desta imagem é uma questão meramente
individual ou se possui elementos culturais contemporâneos, relacionados ao consumo,
narcisismo e fetichismo, que podem ser uma possível influência para que cada vez mais mulheres
desenvolvam patologias alimentares a fim de alcançarem os corpos magros e lindos exibidos nas
grandes massas midiáticas e vendidos como um valor a ser internalizado e seguido.
Com a internalização destes conceitos ditos ideias o que vemos uma notória disseminação
Thinspiration um termo muito usado por usuários dos blogs pró-ana (bulimia) e pró-mia (anorexia).
O termo é a conjunção de duas palavras em inglês; thin = magro(a) e inspiration = inspiração,
que seria na tradução literal, inspiração magra, em que são mostradas algumas sequências de
fotos, em sua maioria são fotos de artistas, modelos e das próprias usuárias que utilizadas como
inspiração ou meta afim de reforçar ainda mais o objetivo de emagrecer.
Seguindo essa lógica, Jurandir Freire Costa, em seu livro O vestígio e a aura: corpo e
consumismo na moral do espetáculo, chama atenção para o fato de “o corpo ter se tornado um
referente privilegiado para a construção das identidades pessoais” (Costa, 2004, p.203) e que
este, portanto, seria a gestação, manutenção e reprodução de hábitos físicos e mentais. Assim o
corpo passou a ser um referente privilegiado na construção não só das identidades pessoais, como
também um constructo ligado à felicidade, beleza, autoestima, prosperidade e glamour.
É curioso observar como patologias graves como a bulimia e anorexia podem ser vistas como
uma forma de alcance de um padrão de beleza. Segundo Gorgati, Holcberg e Oliveira (2002), a
etiologia dos transtornos alimentares é constituída por um conjunto de fatores em interação, que
envolvem componentes biológicos, psicológicos, familiares e socioculturais. O estudo da etiologia
dos transtornos fez alternadas passagens de uma visão psicológica para uma visão biológica e
vice-versa, o que coincidiu, de forma geral, com os avanços da Psiquiatria, da Psicanálise e das
Ciências Biológicas e Sociais. Atualmente, já não é possível priorizar uma visão sobre a outra,
prevalecendo a compreensão de uma etiologia multifatorial.
Observa-se, a partir dos materiais coletados, uma referência a estes modelos midiáticos
pelos usuários dos sites PROANA e PROMIA. No entanto, salientamos que, ainda que as condições
acima citadas sejam verdadeiras, seria imprudente, decerto, atribuir o aumento do fenômeno da
bulimia e anorexia unicamente à ação da mídia e da sociedade de consumo; todavia, ao navegar
por estes sites tais reflexões surgiram e acreditamos que podemos tecer correlações pertinentes
entre as variáveis envolvidas.
Assim, acreditamos que faz-se importante a inserção da Psicologia no debate contemporâneo
acerca do corpo idealizado do consumo da modernidade liquida (Bauman, 2000), pois implicará
num questionar-se de como essas questões podem vir contribuir para um aumento dos transtornos
alimentares nesse cenário, tendo visão holística sobre a adversidade dos novos tempos, seus
paradoxos, contradições e implicações éticas e políticas decorrentes das novas formas de
estruturação das subjetividades contemporâneas.

264  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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nt140863060953560226726677146096
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t&tlng=pt.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 265


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O VALOR TERAPÊUTICO DAS OFICINAS
TERAPÊUTICAS: UM ESTUDO SOBRE AS CONCEPÇÕES
DE COORDENADORES
Ana Luiza De Mendonça Oliveira
Rodrigo Sanches Peres

Introdução

N
o Brasil, a assistência em saúde às pessoas em sofrimento psíquico foi, por muito
tempo, permeada pelo descaso, pela segregação e pela violência (Devera &
Costa-Rosa, 2007). Somente com o advento da Reforma Psiquiátrica Brasileira
– iniciativa voltada à transformação das práticas, dos saberes e dos valores que fundamentam
a Psiquiatria tradicional (Ministério da Saúde, 2005) – é que novas estratégias de cuidado
passaram a ser ofertadas a tal população no país. Influenciada diretamente pela Psiquiatria
Democrática Italiana e protagonizada pelo Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental,
a Reforma Psiquiátrica Brasileira ganhou corpo nos anos 1980 e levou, conforme Amarante
(2008), à implementação gradativa de serviços de saúde mental de base comunitária que, a
exemplo dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPSs), procuram substituir os manicômios e,
especialmente, a lógica manicomial.
Os CAPSs possuem um valor estratégico para a Reforma Psiquiátrica Brasileira e intentam
proporcionar, em seu território de abrangência, cuidado personalizado e promotor de vida às
pessoas em sofrimento psíquico, sempre pelos meios menos invasivos (Ministério da Saúde,
2004). Logo, têm como atribuição estimular a (re)inserção social e a (re)integração familiar dos
usuários e apoiá-los em suas iniciativas de busca da autonomia e da cidadania. Dessa maneira,
os CAPSs funcionam em regime aberto e devem fomentar não apenas a desospitalização, mas,
sobretudo, a desinstitucionalização, processo atrelado à defesa dos direitos civis e humanos dos
usuários. Afinal, a clínica antimanicomial envolve, para além da “terapêutica da doença mental”,
o redimensionamento do lugar social reservado à “loucura”, como bem observaram Lobosque
(1997) e Rauter (2000).
Para que possam fazer frente a um desafio de tal magnitude, os CAPSs contam com
equipes multidisciplinares responsáveis por diversos dispositivos de tratamento, dentre os quais
se destacam as oficinas terapêuticas. Em linhas gerais, as oficinas terapêuticas são atividades
realizadas em grupo – com a presença e orientação de um ou mais profissionais, monitores e/ou
estagiários – visando a promoção da (re)inserção social e da (re)integração familiar, a manifestação
de sentimentos, o desenvolvimento de habilidades e o exercício da cidadania (Ministério da
Saúde, 2004). Tendo em vista a diversidade de objetivos que é própria das oficinas terapêuticas,
Galletti (2004) ressalta que não há um único modo de conduzi-las. Ao contrário, tal dispositivo
de tratamento, ainda para a referida autora, admite infinitas possibilidades, desde que pautadas
pelo respeito à singularidade dos usuários.

266  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Não obstante, as oficinas terapêuticas têm sido divididas em três modalidades principais.
As oficinas terapêuticas expressivas, em primeiro lugar, constituem espaços de expressão plástica,
corporal, verbal e musical, sendo mediadas pela pintura, pela dança, pelo teatro, pela poesia e pelo
canto, por exemplo. As oficinas terapêuticas geradoras de renda, em segundo lugar, têm como
finalidade o aprendizado de uma atividade específica, como culinária, marcenaria e cerâmica,
para viabilizar a criação de produtos para comercialização e obtenção de retorno financeiro. Já
as oficinas terapêuticas de alfabetização, em terceiro lugar, são destinadas aos usuários que não
foram letrados e procuram incentivar o exercício da leitura e da escrita (Ministério da Saúde,
2004). Cumpre assinalar que todos os CAPSs devem oferecer mais de uma modalidade de oficina
terapêutica e que tais dispositivos de tratamento em absoluto podem ser impostos, como advertem
Pádua e Morais (2010). Ocorre que, em última instância, caberá a cada usuário decidir de quais
oficinas terapêuticas participará no CAPS que frequenta.
Tendo em vista o que precede, as oficinas terapêuticas vêm sendo objeto de algumas pesquisas
nacionais, como aquelas de autoria de Rauter (2000), Cedraz e Dimenstein (2005) e Kinker e Imbrizi
(2015). Contudo, parece razoável propor que o tema não se encontra esgotado, até mesmo em
função de sua complexidade. Sendo assim, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa com o intuito
de compreender as concepções de profissionais que coordenavam oficinas terapêuticas em CAPSs
a respeito deste dispositivo de tratamento. O presente estudo se afigura como um recorte de tal
pesquisa e tem como objetivo, especificamente, explorar as concepções dos referidos profissionais
acerca do valor terapêutico das oficinas terapêuticas.

Método

O presente estudo se alinha às especificidades do método clínico-qualitativo. De acordo


com Turato, tal método é destinado à descrição e à interpretação dos “significados dados aos
fenômenos e relacionados à vida do indivíduo, sejam de um paciente ou de qualquer outra pessoa
participante do setting dos cuidados com a saúde (equipe de profissionais, familiares, comunidade)”
(2003, p. 96). Assim, as pesquisas clínico-qualitativas se distinguem por certas características,
dentre as quais a valorização do local cotidiano de prestação de cuidados em saúde como o
ideal para a coleta de dados e o reconhecimento da importância da relação interpessoal que se
estabelece entre o pesquisador e os participantes.
Os participantes do presente estudo foram 12 profissionais de saúde que coordenavam
oficinas terapêuticas em dois CAPSs de uma cidade do interior do Estado de Minas Gerais. Todos
eles preencheram os dois critérios de inclusão estabelecidos, a saber: possuir, no mínimo, 18 anos
de idade, e, pelo menos, seis meses de experiência com a referida prática. Todos os participantes
eram do sexo feminino, possuíam idade entre 25 e 58 anos e tempo de experiência entre seis meses
e nove anos, e a maioria era graduada em Psicologia.
Os instrumentos utilizados na coleta de dados da pesquisa da qual o presente estudo deriva
foram uma entrevista semiestruturada e um diário de campo. Porém, no presente estudo, em
função do foco estabelecido, serão contemplados especificamente os dados obtidos mediante o
emprego da entrevista semiestruturada. Como esclarecem Nogueira-Martins e Bógus (2004), nesta
modalidade de entrevista o pesquisador se vale de um roteiro constituído por um determinado
conjunto de perguntas relativas a tópicos de interesse e, à medida em que recebe as respostas do
participante, pode proceder novas perguntas. Dessa forma, o participante desempenha um papel
ativo na definição do conteúdo da pesquisa. Justamente por essa razão, a utilização de entrevistas
semiestruturadas é frequente em pesquisas qualitativas e, nomeadamente, em pesquisas clínico-
qualitativas (Turato, 2005).
Os participantes foram recrutados, com as devidas autorizações institucionais, junto a
dois CAPSs selecionados aleatoriamente, sendo que o critério de saturação foi adotado para a

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 267


NO ONTEXTO BRASILEIRO
definição do número de participantes. Tal critério – bastante comum em pesquisas qualitativas –
preconiza a interrupção da captação de novos participantes quando da identificação, por parte
dos pesquisadores, de certa redundância nos resultados, conforme Fontanella, Ricas e Turato
(2008).
Todas as participantes foram entrevistadas individualmente, em local reservado nas
instalações dos CAPSs em que trabalhavam, em dias e horários definidos segundo a disponibilidade
das mesmas. As entrevistas foram gravadas em áudio, obviamente com a anuência prévia das
participantes, e conduzidas de acordo com as diretrizes éticas estabelecidas para pesquisas com
seres humanos no país. Ressalte-se que o presente estudo contou com a aprovação do Comitê de
Ética em Pesquisa da instituição de filiação dos autores.
O corpus do presente estudo foi constituído pela transcrição, literal e na íntegra, das
gravações em áudio das entrevistas. Este material foi submetido à análise de conteúdo, segundo
a proposta de Bardin (1977/2016). Sendo assim, os dados foram analisados em em função
de três procedimentos básicos: a) pré-análise, b) exploração do material e c) tratamento dos
resultados, inferências e interpretações. O primeiro procedimento envolve a realização de uma
leitura flutuante do corpus e a produção de unidades comparáveis. O segundo procedimento
consiste na administração das técnicas de análise sobre as unidades comparáveis decorrentes do
procedimento anterior, o que leva a reagrupamentos norteados por critérios específicos. Por fim,
são condensadas, com o terceiro procedimento, as informações fornecidas pela administração
das técnicas de análise, efetivando a transformação de dados brutos em resultados significativos,
inicialmente latentes.

Resultados

A análise de conteúdo subsidiou a organização de um conjunto de categorias e subcategorias.


Considerando-se o foco do presente estudo, serão abordados nesta oportunidade os resultados
relativos a uma subcategoria em particular. Tal subcategoria agrega os relatos representativos
de concepções referentes ao valor terapêutico das oficinas terapêuticas, sendo que não houve
consenso a este respeito entre as participantes. Para algumas delas, como se vê no Relato 1, as
oficinas terapêuticas podem ser enquadradas como práticas terapêuticas desde que preencham
certos requisitos, e, aparentemente, o principal deles seria a capacidade de promover o bem-estar
– ainda que apenas momentâneo – dos usuários. Já outras participantes deram a entender que
concebem toda oficina terapêutica como terapêutica de fato, independentemente da atividade
que venha a ser realizada, sobretudo porque, conforme o Relato 2, este dispositivo de tratamento
proporcionaria uma possibilidade de aproximação entre usuários e profissionais de saúde.

Relato 1: “A oficina terapêutica é um espaço terapêutico... então eu entendo que terapêutico é qualquer
atividade que você faça e que gere bem-estar, que te proporcione momentos prazerosos, reflexões, momentos
para pensar... que te provoque, né? Que promova o questionamento dos seus conceitos, preconceitos, sua
forma de estar no mundo, ou de lidar com o mundo e as coisas da vida, isso é terapêutico! Então eu vejo
esse espaço como muito rico. São momentos que ajudam o usuário a criar vínculos, a estabelecer vínculos,
trazer temas, desenvolver questões, possibilitar momentos de expressão... para que eles possam estar,
pensar, refletir e expressar!”. (Participante 3)

Relato 2: “Olha... definir a oficina é um papel assim, é... A oficina é um momento que você está próximo
do paciente, um momento muito importante para todos nós, profissionais, que ali você está observando o
paciente, você está trazendo para ele uma possibilidade de se expressar... porque nós temos um leque, por
exemplo, de muitas coisas que a gente oferece numa oficina, e todas elas têm ali o seu cunho terapêutico...
Todas elas têm”. (Participante 4)

268  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Um terceiro subgrupo de participantes demonstrou uma concepção mais crítica, como
aquela sintetizada por meio do Relato 3, o qual relativizou a questão da promoção do bem-
estar momentâneo veiculada por meio do Relato 1 e realçou que as oficinas terapêuticas podem
ser qualificadas como práticas terapêuticas ainda que produzam certo incômodo inicial por
desencadearem discussões e reflexões capazes de estimular, em um segundo momento, o exercício
da cidadania. E o Relato 4, em certo sentido, acompanhou o Relato 3, na medida em que sublinhou
a importância tanto de recuperar a condição de cidadãos dos usuários quanto de (re)inseri-los
socialmente por meio das oficinas terapêuticas. Entretanto, há que se ressaltar que a participante
responsável pelo Relato 4 não esclareceu exatamente como isso poderia ser feito.

Relato 3: “Olha... eu vou falar um pouco das minhas [oficinas terapêuticas]. Isso é uma coisa que,
inclusive, a gente questionou muito em reuniões de equipe. Qual é o sentido da oficina? É para gerar um
bem-estar? As minhas oficinas geralmente são voltadas para a questão da cidadania, e falar de cidadania
nem sempre é uma coisa confortável. Porque isso vai tocar nos nossos pontos, né? Teve uma vez, que, por
exemplo, eu fiz uma dinâmica para a gente poder falar sobre o aborto, porque é um assunto pesado, né? E
aí, no momento, eu percebi que muitas pessoas entraram em atrito com as suas crenças religiosas, morais
e tudo... E algumas pessoas saíram daqui muito pensativas, outras pessoas saíram bem tranquilas, apesar
da discussão calorosa. E aí isso gerou muita preocupação, né? Porque a minha oficina estava incomodando,
estava cutucando coisas, e aí como que a gente ia fazer para dar esse suporte? Porque são pessoas que já
estão em sofrimento, né? E aí a gente pensou em estratégias para acolher essa angústia que fica após a
oficina. Mas eu acho que até isso é terapêutico. Porque se a gente não desconstrói algumas coisas, como é
que a gente constrói outras, né? E aí eles começaram a perceber isso. E aí quando eu parei com a oficina,
eles pediram de volta. A gente pensa que o terapêutico é sempre algo que vai sair bem, né? E eu acho que
nem sempre vai sair bem. Acho que a gente precisa olhar, para cuidar do que ficou, mas a gente precisa
pensar juntos outras coisas. Acho que o terapêutico é benéfico, mas acho que nem sempre vai gerar aquele
bem-estar no momento, mas assim, é uma oficina de cidadania que eu acho que é terapêutica, por ajudar
a gente a conversar sobre qual é o meu papel diante da sociedade”. (Participante 6)

Relato 4: “[nas oficinas terapêuticas] a gente trabalha muito com a inserção social, o resgate da
cidadania, acho que precisa articular a saúde mental com outros aspectos. Tem muitas coisas que não vão
ser abarcadas só com a saúde”. (Participante 7)

Discussão

É interessante observar que, em um texto anterior à difusão das oficinas terapêuticas nos
CAPSs e até mesmo da conversão da Reforma Psiquiátrica Brasileira em legislação, Nascimento
(1990) já questionava o potencial terapêutico que, para muitos profissionais de saúde, seria
intrínseco às práticas baseadas em atividades que eram utilizadas como dispositivos – auxiliares,
à época – de tratamento em saúde mental. Para a autora, essa crença no potencial terapêutico
intrínseco se ancorava em uma ideia de causalidade linear, segundo a qual haveria uma atividade
especialmente indicada para o aprimoramento de cada função do usuário, seja ela física ou
psicológica. Este tipo de ideia não se revelou subjacente às concepções das participantes
do presente estudo, o que se afigura como um achado positivo. Em contrapartida, é possível
vislumbrar um certo resquício da mesma nas entrelinhas do Relato 1 e, principalmente, do Relato
2, o qual ensejou uma generalização questionável. Afinal, nem toda relação que se estabelece
entre profissional de saúde e usuário se revelará terapêutica.
Kinker e Imbrizi (2015) aprofundaram a linha de raciocínio defendida por Nascimento
1990) ao salientarem que, na atualidade, as atividades realizadas em oficinas terapêuticas muitas

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 269


NO ONTEXTO BRASILEIRO
vezes ainda são erroneamente consideradas terapêuticas apenas por seguirem certos padrões –
tecnológicos e relacionais – cientificamente reconhecidos. Os autores, assim, valorizam as respostas
que os profissionais de saúde apresentam para dar conta das necessidades de cada usuário em
particular, sempre em conexão com a maneira peculiar por meio da qual o mesmo vivencia a
experiência do sofrimento psíquico. O potencial terapêutico de uma oficina terapêutica, portanto,
será ou não efetivado se fomentar a construção de novos projetos de vida como desdobramento
de um processo a ser protagonizado pelo usuário. E tal premissa parece implícita aos Relatos 3 e
4, a julgar pela ênfase na questão da cidadania que os caracteriza.
Além disso, o Relato 4 ressaltou que o valor terapêutico das oficinas terapêuticas, ao menos
segundo a concepção de algumas participantes, estaria atrelado a seu desfecho em termos da
(re)inserção social dos usuários. Tal achado, inicialmente, poderia ser considerado totalmente
consistente com as proposições de Cedraz e Dimenstein (2005), para quem seria temerário
qualificar como terapêutica toda oficina terapêutica. Porém, as autoras defendem que, para fazer
jus a esta qualificação, uma oficina terapêutica não deve ser norteada apenas pela preocupação
em (re)inserir socialmente os usuários, mas, sim, em promover mudanças estruturais na sociedade
a fim de viabilizar a desinstitucionalização dos mesmos. Compartilhando deste ponto de vista,
Rauter (2000) enfatizou que as oficinas terapêuticas precisam abarcar questões políticas
concernentes à sociedade como um todo para que não venham a ensejar o exercício da “velha
Psiquiatria”. Logo, devem ser objeto de permanente reflexão.
É preciso sublinhar que a desinstitucionalização é um processo mais amplo do que a
desospitalização, sendo que parte do princípio de que as práticas “disciplinares” típicas dos
manicômios eventualmente podem assumir novas roupagens – mesmo em serviços de saúde
mental de base comunitária como os CAPSs – se a lógica manicomial não for abandonada
definitivamente (Figueiredo & Rodrigues, 2004). Compreendemos que a crença no referido
potencial terapêutico intrínseco às oficinas terapêuticas contribui para a automatização deste
dispositivo de tratamento. Como consequência, tende a minimizar significativamente os benefícios
que dele poderiam decorrer. Conclui-se, portanto, que compete aos profissionais que coordenam
oficinas terapêuticas problematizar constantemente o próprio trabalho, a fim de preservar o
devido alinhamento aos princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

Conclusão

Em suma, o presente estudo, como já mencionado, buscou explorar as concepções de


profissionais que coordenam oficinas terapêuticas em CAPSs a respeito do valor terapêutico deste
dispositivo de tratamento. Os resultados aqui reportados podem ser considerados preocupantes,
pois demarcam a existência, entre as participantes, de três concepções distintas. De acordo com
a primeira delas, as oficinas terapêuticas podem ser qualificadas como práticas terapêuticas se
contribuírem para o bem-estar momentâneo dos usuários. À luz da segunda concepção, as oficinas
terapêuticas são terapêuticas a priori. Por fim, a terceira concepção se sustenta na premissa de
que o incentivo ao exercício da cidadania por parte dos usuários é pré-requisito para que uma
oficina terapêutica possa ser considerada terapêutica de fato. Porém, esta terceira concepção,
obviamente mais compatível com a perspectiva da clínica antimanicomial, foi depreendida dos
relatos da minoria das participantes.
Parece razoável propor que o presente estudo contribui para o avanço do conhecimento
atualmente disponível sobre o assunto, pois lança luz sobre fenômenos – ainda pouco explorados
na literatura especializada – que podem atravessar a prática das oficinas terapêuticas e, no limite,
deturpá-las. Todavia, faz-se necessário salientar que, por seu caráter qualitativo, o presente estudo
não veicula resultados passíveis de generalizações estatísticas. As possibilidades de extrapolação

270  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
dos resultados para outros contextos devem ser estabelecidas por meio de generalizações
naturalísticas, executadas pelos leitores. Logo, novas pesquisas são imprescindíveis. A propósito,
outros obstáculos que se apresentam veladamente para a efetivação da Reforma Psiquiátrica
Brasileira no contexto dos CAPSs poderão, eventualmente, ser demarcados a partir da realização
de novas pesquisas.

Referências

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272  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
OFICINAS TERAPÊUTICAS EM SAÚDE MENTAL:
PARA QUEM E PARA QUÊ? A PERSPECTIVA DE
COORDENADORES
Ana Luiza De Mendonça Oliveira
Rodrigo Sanches Peres

Introdução

N
as décadas de 1980 e 1990, a atenção em saúde mental no país passou por alguns
ajustes em função de alterações na legislação referente ao tema. Um desses
ajustes foi resultante da publicação da Portaria nº 189/1991, cujo objetivo foi a
diversificação de métodos e técnicas terapêuticas voltadas às pessoas que sofrem com transtornos
mentais (Ministério da Saúde, 1991). Este documento legal incluiu as oficinas terapêuticas entre
os procedimentos custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a serem realizados em serviços
de saúde mental. Dez anos depois, com a Lei nº 10.2016/2001, que buscou assegurar a proteção
e os direitos do público em questão (Brasil, 2001), a atenção em saúde mental foi reconfigurada
de modo mais abrangente, operacionalizando, como consequência, os princípios da Reforma
Psiquiátrica Brasileira.
Neste contexto, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPSs) se revestem de particular
importância, pois se afiguram como serviços abertos de saúde mental, substitutivos em relação
aos hospitais psiquiátricos. Mais precisamente, os CAPSs têm como finalidade oferecer cuidado
intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida (Ministério da Saúde, 2005). Para tanto,
os CAPSs desenvolvem variados dispositivos de tratamento, sendo que as oficinas terapêuticas se
sobressaem como um dos principais. Basicamente, as oficinas terapêuticas constituem, conforme
o entendimento vigente na atualidade, um conjunto diversificado de atividades realizadas em
grupo, com a presença e orientação de um ou mais profissionais, monitores e/ou estagiários,
visando a promoção da (re)inserção social e (re)integração familiar, a manifestação de sentimentos
e problemas, o desenvolvimento de habilidades e o estímulo ao exercício da cidadania (Ministério
da Saúde, 2004).
Todos os dispositivos de tratamento oferecidos nos CAPSs devem ser articulados entre a
equipe de saúde e os próprios usuários por meio da construção do Projeto Terapêutico Singular
(Ministério da Saúde, 2007). Oliveira (2008) salienta que, para construir um Projeto Terapêutico
Singular, compete ao profissional refletir sobre o que está sendo proposto para cada usuário,
a fim de que se possa ter clareza, por exemplo, acerca dos critérios de indicação, dos objetivos
e dos benefícios esperados no tocante a cada dispositivo de tratamento, até mesmo para que
possa avaliá-lo posteriormente. Trata-se, desse modo, de elaborar um plano e (re)pensá-lo
constantemente. Porém, no cotidiano da assistência em saúde mental, muitas vezes não é isso o
que ocorre, inclusive – ou talvez especialmente – em relação às oficinas terapêuticas.
Essa é uma das razões pelas quais as oficinas terapêuticas têm sido tematizadas em

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 273


NO ONTEXTO BRASILEIRO
algumas pesquisas desenvolvidas recentemente no país, a exemplo daquelas de autoria de
Rauter (2000), Costa e Figueiredo (2004), Cedraz e Dimenstein (2005) e Figueiró e Dimenstein
(2010), dentre outras. A fim de contribuir com o conhecimento sobre o assunto atualmente
disponível, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa com o intuito de compreender as concepções
de profissionais que coordenavam oficinas terapêuticas em CAPSs a respeito deste dispositivo
de tratamento. O presente estudo se afigura como um recorte de tal pesquisa e tem como
objetivo, especificamente, explorar as concepções dos referidos profissionais acerca dos critérios
de indicação e dos benefícios das oficinas terapêuticas. Em outros termos, o presente estudo
explora, na perspectiva de coordenadores de oficinas terapêuticas, para quem e para que servem
tais dispositivos de tratamento.

Método

Os participantes do presente estudo foram 12 profissionais de saúde que coordenavam


oficinas terapêuticas em dois CAPSs – selecionados aleatoriamente – de uma cidade do interior
do Estado de Minas Gerais. Todos eles possuíam, pelo menos, seis meses de experiência com
a referida prática e eram do sexo feminino. A faixa etária variou dos 25 aos 58 anos e o tempo
de experiência de seis meses e nove anos. Vale destacar que 11 participantes eram psicólogas
e uma era assistente social. Ademais, ressalte-se que as mesmas constituíram uma amostra de
conveniência, sendo que o número de participantes foi definido mediante o emprego do critério
de saturação.
A coleta de dados foi realizada a partir da utilização de um roteiro de entrevista
semiestruturada. Conforme Bleger (1980), a entrevista é um instrumento essencial tanto para a
prática profissional quanto para a pesquisa científica em Psicologia. A entrevista semiestruturada,
nomeadamente, tem a vantagem de permitir que o campo da entrevista se configure em função do
entrevistado, pois concede ao pesquisador a opção de, em função das respostas obtidas, proceder
perguntas que não estavam inicialmente previstas em seu roteiro.
Com a devida aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de filiação dos
autores, as entrevistas foram realizadas individualmente nos CAPSs em que as participantes
trabalhavam, em local reservado. Tendo sido gravadas em áudio, as entrevistas foram transcritas,
literal e integralmente, e então submetidas à análise de conteúdo segundo a proposta de Bardin
(1977/2016). Nas palavras da autora, trata-se de um conjunto de técnicas voltadas à interpretação
de variadas formas de discurso a partir de um processo que oscila entre “... os dois polos do rigor
da objetividade e da fecundidade da subjetividade” (p. 15). Basicamente, buscou-se, por meio
da análise de conteúdo, a configuração progressiva de categorias à luz dos temas dos relatos das
participantes.

Resultados

As categorias configuradas reúnem um conjunto de elementos que possuem características


comuns entre si e, assim, proporcionam uma forma de condensação dos dados. Nesta oportunidade,
devido ao objetivo estabelecido para o presente estudo, serão abordados os resultados relativos
à categoria que agrega os relatos concernentes às concepções das participantes sobre os critérios
de indicação e sobre os benefícios das oficinas terapêuticas.
A maioria das participantes referiu que não observava qualquer critério de indicação
para definir se um usuário frequentará ou não as oficinas terapêuticas por elas coordenadas,
simplesmente porque, supostamente, não haveria nenhum critério a ser observado. Os Relatos 1,
2 e 3, em linhas gerais, são emblemáticos deste posicionamento.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Relato 1: “Critério para participar da oficina não tem. A oficina é oferecida, eles [os usuários] são
convidados a participar, a gente tenta envolvê-los, buscá-los de alguma forma para que eles fiquem à
vontade para participar da oficina. Este é o sistema” (Participante 2)

Relato 2: “Não [utilizo nenhum critério para definir os usuários que participarão das oficinas
terapêuticas que eu coordeno]. A gente deixa aberto para todos” (Participante 6)

Relato 3: “Qualquer usuário que tiver no CAPS, participa [das oficinas terapêuticas que eu
coordeno]” (Participante 12)

Outras participantes conceberam que o diagnóstico dos usuários constituiria um critério


de indicação importante, como se vê nos Relatos 4 e 5. Ambos os relatos também realçaram que
as vontades e as necessidades dos usuários devem ser levadas em conta. Mas, em contraste com
o que seria esperado, apenas uma participante salientou que os critérios de indicação de uma
determinada oficina terapêutica deveriam ser pautados no Projeto Terapêutico Singular do usuário,
como se pode observar no Relato 6. Tal participante asseverou que, para tanto, é necessário que
os profissionais de saúde do serviço tenham conhecimento acerca das oficinas terapêuticas em
andamento. Outra participante igualmente notou esta necessidade. Porém, conforme o Relato 7,
no serviço ao qual a mesma se encontrava vinculada, em sua própria perspectiva, as informações
não circulariam adequadamente devido a uma desintegração persistente do trabalho que se
mostra prejudicial aos usuários.

Relato 4: “Sim [eu utilizo um critério para definir os usuários que participarão das oficinas
terapêuticas que eu coordeno]. Há um critério que está muito ligado ao paciente querer. E também
ao diagnóstico, dependendo do caso, por exemplo, um transtorno de personalidade, onde o paciente atua
muito e falsifica sintomas quando está em um grupo. A gente evita que esse paciente fique em grupo e leva
só para o atendimento individual. Outros casos, a gente mantém em grupo” (Participante 1)

Relato 5: “Tem! Para mim, os F.20 são os melhores para participar de atividades de desenho e de pintura.
Eles não gostam de muita coisa pré-estabelecida. Para esse público, as oficinas desse tipo funcionam melhor.
Mas depende muito da pessoa também. Na hora que a gente faz a avaliação e percebe que é uma pessoa
muito agitada, a gente vai direcionando para essas oficinas mais manuais. Para outros que precisam de
um relaxamento, a gente coloca em outro tipo, na minha, de meditação, por exemplo” (Participante 10)

Relato 6: “O critério, quando a pessoa é inserida, quando ela é acolhida, e é feito o Projeto Terapêutico,
a pessoa que acolhe, ou a referência dessa pessoa, vai definir. Recentemente a gente conseguiu fazer uma
definição de qual oficina em cada dia, mais ou menos. Então a gente já sabe que na quarta à tarde, uma
psicóloga faz atividades corporais, na quinta de manhã, é a enfermagem que faz, então é educação em
saúde, alongamento também. Na segunda de manhã, é caminhada, então a gente se organizou assim, para
a pessoa poder escolher o que mais agrada” (Participante 11)

Relato 7: “Olha... ao meu ver, deveriam ter oficinas mais específicas, por exemplo, na segunda-feira, uma
oficina específica de... sei lá... vamos pensar aqui, uma oficina de jornal. Vamos pegar um texto, ler, vamos
ver o que entendemos e vamos escrever alguma coisa sobre ele. Na terça, uma oficina que visa algo, na
quarta, outra que vise outra coisa, na quinta e na sexta. Não existe isso aqui. Se você me perguntar o que
a minha colega faz, eu não sei. Já levei isso para a reunião, para a gente poder estabelecer isso, assim... o
tipo de oficina, porque, vai dar a possibilidade de o usuário que chega, optar por aquela oficina que ele se
identifica mais. Acho que não faz sentido ele participar de uma oficina terapêutica que às vezes não tem
muito a ver, que não traga benefícios” (Participante 5)

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 275


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Já os benefícios das oficinas terapêuticas, na concepção da maioria das participantes, se
refeririam à socialização entre os usuários, como se vê nos Relatos 8, 9 e 10. O Relato 9 também
contemplou, ainda que vagamente, a importância do suporte mútuo entre os usuários. Já o Relato
10 fez referência à “ocupação da cabeça” dos usuários como um dos benefícios das oficinas
terapêuticas. O Relato 11, de forma semelhante, aludiu à “ocupação do tempo”. Ou seja, os
relatos das participantes sobre os benefícios das oficinas terapêuticas se revelaram de caráter
predominantemente genérico, a exemplo dos relatos sobre os critérios de indicação.

Relato 8: “Eu acho que principalmente [os benefícios das oficinas terapêuticas] é a questão
da interação entre eles [os usuários]. Porque é uma oportunidade de criar laços e fazer amizades”
(Participante 9)

Relato 9: “Olha... [os benefícios das oficinas terapêuticas] interação social, que é um grande
problema para pessoas com transtornos mentais [...] Conseguir elaborar coisas que a pessoa não costuma
tocar fora de um grupo, por exemplo. Perceber no outro aquilo que, ou melhor dizendo, perceber que outras
pessoas podem estar passando por aquilo que ele também está passando. Ouvir sugestões de pessoas que
passam pela mesma situação. Entrar em contato com realidades diferentes...” (Participante 8)

Relato 10: “Ah, eu acho que [os benefícios das oficinas terapêuticas] é a socialização, a percepção
de que ele consegue fazer uma atividade. Tem gente que nunca fez nenhuma atividade. Tem gente que tá
por conta de doença, então fica às vezes deitado o dia inteiro, aí começa a fazer uma atividade e volta para
a vida. Ocupa a cabeça. É um momento em que eles conversam entre eles, vão percebendo as habilidades
de cada um. Pede ajuda. Saem um pouco daquela coisa da doença o tempo inteiro. Podem conversar sobre
outras coisas” (Participante 1)

Relato 11: “Eu acho que [um dos benefícios das oficinas terapêuticas] é eles [os usuários]
saberem que vão lá [no CAPS], e além de serem ouvidos, eles vão ter uma ocupação do tempo. Uma
ocupação que vai significar alguma coisa. Porque se eles só viessem, sem nada, acho que o tempo vago ia
ficar muito grande. Então a oficina, eu acho que foi para isso mesmo” (Participante 10)

Discussão

O fato de a maioria das participantes ter mencionado que não adota nenhum critério
de indicação para definir se um usuário frequentará ou não as oficinas terapêuticas por elas
coordenadas pode ser considerado negativo, na medida em que se afigura como um indício
de que tais dispositivos de tratamento tendem a ser colocados em prática pelas mesmas sem a
devida reflexão. Como consequência, os usuários comumente seriam levados a assumir um papel
passivo em relação ao próprio tratamento, já que, na melhor das hipóteses, poderiam decidir se
frequentarão ou não as oficinas terapêuticas que lhes são sugeridas indiscriminadamente. Mas é
preciso sublinhar que as pesquisas de Cedraz e Dimenstein (2005) e Figueiró e Dimenstein (2010)
reportaram resultados semelhantes, em seus aspectos gerais.
Cedraz e Dimenstein (2005) demonstraram que muitos profissionais de saúde não
empreendem qualquer movimento mais consistente no sentido de problematizar as oficinas
terapêuticas que coordenam, pois se limitam a apresentar propostas das quais os usuários serão
“consumidores”. Figueiró e Dimenstein (2010) igualmente advertiram que, tipicamente, as oficinas
terapêuticas estão mais conectadas com os profissionais de saúde do que com os usuários, e por
essa razão os primeiros buscam “induzir” com insistência os segundos a frequentá-las. Logo, as
oficinas terapêuticas tendem a ser planejadas, executadas e até mesmo reformuladas sem que

276  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
os interesses dos usuários sejam de fato contemplados. É possível propor que a definição de
critérios de indicação, a serem adotados com flexibilidade e discutidos com os usuários, poderia
se afigurar como um dos caminhos possíveis para a reversão deste cenário.
Como mencionado, os Relatos 4 e 5 realçaram que, para algumas participantes, as vontades
e as necessidades dos usuários devem ser levadas em conta como critério de indicação, o que
poderia ser considerado positivo, se tomado isoladamente. Porém, estes mesmos relatos também
evidenciaram uma concepção de acordo com a qual o diagnóstico dos usuários igualmente
constituiria um critério de indicação. Tal fato, por seu turno, sinaliza um processo de reificação dos
usuários, do qual é emblemática a alusão, no Relato 5, ao código alfanumérico F.20 – estabelecido
para a esquizofrenia na Classificação Internacional de Doenças – para se referir aos usuários,
como se os mesmos equivalessem ao transtorno mental com o qual foram diagnosticados.
Já o Relato 6 está em consonância com as diretrizes do Ministério da Saúde (2004), segundo
as quais deve-se elaborar um Projeto Terapêutico Singular para todo usuário no início de seu
acompanhamento em qualquer CAPS. Para tanto, um profissional de saúde da equipe será
definido como terapeuta de referência e terá como responsabilidade construir, monitorar, avaliar e
redefinir, quando necessário, o Projeto Terapêutico Singular, juntamente com o respectivo usuário,
sendo que a participação de seus familiares também será relevante. Dessa forma, a cada usuário
poderá ser oferecido um tratamento que respeite suas particularidades e que – em contraste com
o processo de reificação já mencionado a propósito do Relato 5 – viabilize a personalização dos
atendimentos.
Oliveira (2008) reafirma as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde ao enfatizar
que o Projeto Terapêutico Singular precisa ser elaborado e executado, com metas claras, em
parceria por toda a equipe do serviço e com a participação ativa dos usuários e seus familiares.
E é justamente da ausência dessa colaboração entre os profissionais de saúde que se queixou a
participante responsável pelo Relato 6. Parece razoável cogitar que um trabalho mais integrado
possibilitaria à sua equipe de saúde tanto discutir critérios de indicação potencialmente úteis
na prática quanto implementar oficinas terapêuticas mais compatíveis com as demandas dos
usuários, contribuindo, assim, para o êxito do Projeto Terapêutico Singular.
Ressalte-se ainda que Mângia et al. (2006) especificaram como eixos norteadores do Projeto
Terapêutico Singular a ênfase no usuário em seu contexto e a preocupação com a continuidade de
sua vida na comunidade. Kinker e Imbrinzi (2015), seguindo essa linha de raciocínio, defenderam
que, para que as oficinas terapêuticas possam escapar das armadilhas do controle social, é
necessário que viabilizem uma imersão na sociedade. Ou seja, para além de estarem previstas em
um Projeto Terapêutico Singular, devem estar vinculadas a um plano de intervenção social mais
amplo, voltado à desinstitucionalização. Porém, nenhuma das participantes que fez menção ao
Projeto Terapêutico Singular citou preocupações semelhantes a estas, apontadas pelos referidos
autores.
O fato de terem sido frequentes, entre as participantes, as alusões aos ganhos oriundos da
socialização entre os usuários, como se vê nos Relatos 8, 9 e 10, seria esperado. Afinal, desde
a Portaria nº 189/1991, a socialização está estabelecida como um dos objetivos básicos das
oficinas terapêuticas. Porém, mais do que a mera convivência no âmbito dos CAPSs, as oficinas
terapêuticas, como advertem Rauter (2000) e Costa e Figueiredo (2004), devem promover a
superação do isolamento causado pela “loucura” por meio da consecução de um objetivo mais
amplo, que seria, justamente, a (re)inserção social dos usuários.
O Relato 9 apontou também o suporte mútuo entre os usuários como benefício possível, o
que pode ser considerado positivo, já que, conforme Figueiró e Dimenstein (2010), muitas vezes
as oficinas terapêuticas assumem uma dinâmica que, equivocadamente, inviabiliza tal processo.
Os Relatos 10 e 11, em contrapartida, citaram a ocupação “da cabeça” e “do tempo” dos usuários

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 277


NO ONTEXTO BRASILEIRO
como um dos benefícios das oficinas terapêuticas. E ambos sugerem uma concepção tributária de
posicionamentos que não se harmonizam com os princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira,
na medida em que preconizam o combate ao ócio como se o mesmo fosse algo intrinsecamente
prejudicial aos usuários.
Ressalte-se que posicionamentos análogos também foram observados em outras pesquisas.
Cedraz e Dimenstein (2005), por exemplo, concluíram que as oficinas terapêuticas muitas vezes
são reduzidas a meros dispositivos de ocupação. E advertiram que os próprios usuários não
raro incentivam tal fenômeno, pois defendem que o tempo que passam nos CAPSs deveria ser
preenchido integralmente por atividades que não lhes permitam “ficar parados”. Ribeiro, Sala
e Oliveira (2008), Domingues e Paravidini (2009) e Alberti, Costa e Moreira (2011) igualmente
denunciaram o fato de que as oficinas terapêuticas comumente acabam servindo apenas ao
propósito de entreter ou distrair os usuários, funcionando como uma espécie de passatempo,
sendo que, no contexto da Reforma Psiquiátrica Brasileira, deveriam, na realidade, promover a
transformação social.

Conclusão

Diante do exposto, conclui-se que o presente estudo, ao explorar, na perspectiva de


coordenadores de oficinas terapêuticas, para quem e para que servem tais dispositivos de
tratamento, evidencia tanto aproximações quanto distanciamentos entre as concepções das
participantes e a lógica do cuidado psicossocial preconizada pela Reforma Psiquiátrica Brasileira.
Logo, o presente estudo reforça a necessidade de se fazer das oficinas terapêuticas objeto de
reflexão permanente, para que tais dispositivos de tratamento não venham a ser desfigurados.
Os resultados ora reportados igualmente evidenciam a necessidade de novas pesquisas sobre o
assunto, até mesmo para que se possa verificar se, em outros contextos, o cenário que se apresenta é
semelhante ou não. A propósito, novas pesquisas podem ser consideradas especialmente relevantes
a julgar pelas persistentes ameaças de retrocessos e de perda de direitos que, na contramão da
clínica antimanicomial, incentivam o resgate da “velha Psiquiatria”.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 279


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A MORTE SIMBÓLICA DO FILHO IDEALIZADO E O
PROCESSO DE RESILIÊNCIA EM MÃES DE BEBÊS COM
FISSURA LABIOPALATINA
Marcilene Sousa Costa

Introdução

O
planejamento de uma gravidez é um momento desejado na vida de todo casal, e
para mulher, que desde criança já lhe é instigada esse desejo da maternidade, torna-
se a ser ainda maior. A confirmação da gravidez é a concretização desse passo, e
a chegada do bebê é a realização de todo esse processo pelo qual os pais passam. Vendrusculo
(2014) cita que o projeto de vida do filho passa então a ser iniciado muito antes do seu nascimento,
e com isso a idealização da criança desejada. A fase gestacional da mulher é passada por várias
etapas onde cada uma destas vem acompanhada de sensações e emoções, principalmente, ao
que diz respeito a formação do bebê. Desse modo, segundo Alves (2012) descobrir que a criança
não condiz com aquilo que foi idealizado, gera profunda tristeza, medo do futuro, frustração e
até mesmo vergonha.
Ao tratar sobre a morte simbólica do filho idealizado ressalta-se uma especificidade nos
casos de mães com bebês que nascem com fissura labiopalatina, que é considerada uma das
malformações congênitas mais comuns em crianças. A fissura labiopalatina, de acordo com
Cymrot, Dantas, Teixeira, Filho e Oliveira (2010) acomete o terço médio da face, decorrente da
não fusão dos ossos maxilares, durante a sexta e a décima semana de vida intrauterina. Sendo
assim, se considerar a idealização de um filho a partir de suas características físicas, visto que
o que se espera é o nascimento de uma criança perfeita, ao se deparar com a diferença do bebê
em relação aquilo que foi desejado, os pais e, sobretudo, a mãe, passam pelo rompimento desse
ideal, o que gera uma sensação de perda e/ou morte simbólica, levando-os ao enfrentamento de
luto da criança idealizada. (Milbranth, Motta, Gabatz, & Freitas, 2017).
Considerar a morte simbólica torna impossível não trazer a questão sobre o luto materno,
o que de certa forma, este, carrega suas variantes, que vai desde a morte concreta do filho até a
morte simbólica, que é perda do filho idealizado. Para Alves (2012) a morte concreta é quando
o processo de perda é real, a mãe vivencia esse desenlace físico para sempre. Enquanto a morte
simbólica, ou morte em vida, é considerada rupturas que ocorrem durante a vida do ser humano.
Sob uma perspectiva existencial, o luto materno pode ser compreendido como sendo o fenômeno
que emerge do rompimento de uma relação única entre mãe e filho, descreve Michel (2017). Desse
modo, a morte simbólica significa a interrupção do sonho pela realidade. (Begossi, 2003).
Acerca da temática proposta, é importante trazer a questão familiar por ser ela o primeiro
vínculo social que a criança possuirá, pois a necessidade de falar sobre o papel da família dentro
dessa perspectiva do luto materno em mães com bebês fissurados torna-se algo prevalente, uma
vez que a descoberta de uma gestação, bem como o nascimento de uma criança com anomalia

280  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
craniofacial desintegrará o laço materno e parental em relação ao bebê, principalmente porque
defeitos congênitos, segundo Silva, Bordon e Duarte (2002) são extremamente mobilizadores
de sentimentos intensos, e do que se trata do corpo humano, o rosto é um elemento dos mais
importantes, e por este ser o ponto de contato entre os indivíduos, isso pode vir a ocasionar
rejeição e abandono dessa criança, além de também desencadear na mãe o sentimento de culpa,
por ser ela a responsável pelo processo gestacional e, portanto, é dela a responsabilidade do
desenvolvimento desse filho.
Tal consideração leva o fato de não se ter muitas informações sobre esse tipo de malformação
e do processo de reabilitação de crianças que nascem com essa condição, e como pontua Begossi
(2003) muitas mulheres ao se deparar com essa realidade podem vir a desencadear depressão
pós-parto, prostração e fracasso, originários de aspectos regressivos de identificação com o
bebê, solicitando assim, cuidado e atenção dos familiares, tanto para com ela quanto para o
bebê. Desse modo, a importância de um trabalho multiprofissional faz-se necessário, visto que o
acompanhamento médico, psicológico e nutricional, dentre outros profissionais que se fizerem
precisos durante o período gravídico da mulher e puerpério permite o processo de resiliência
maternal e reestabelecimento da estrutura relacional entre mãe e bebê.
Para Pinheiro (2004 citado por Santiago, Souza, Lacerda & Penteado, 2008) a resiliência
é caracterizada pela capacidade de voltar-se ao estado usual ou primeiro estado de saúde ou
espírito, após passar por alguma adversidade. Observa-se, que a etimologia do termo configura a
ideia do que se propõe analisar nesse estudo, já que a morte simbólica do filho idealizado provoca
nos pais, e principalmente na mãe uma ruptura afetiva pelo bebê. Desse modo, Santiago et al.
(2008) destaca que a resiliência é a capacidade que o indivíduo tem de reconstruir e refazer sua
identidade, superando assim choques, adversidades e conflitos dos quais enfrentou. Visto isso,
Flach (1991 citado por Santiago et al., 2008) considera resiliente aquele que tem habilidades para
reconhecer a dor e tolerá-la até o ponto de chegada onde resolverá seus conflitos de uma maneira
construtiva.
O presente trabalho, portanto, se inscreve numa perspectiva em elaborar acepções acerca
desse momento em que a mãe passa ao ser notificada sobre a condição do filho, mas no sentido
de trazer para esse campo de estudo o aspecto da resiliência como um processo gradativo e
construtivo na relação entre mãe e bebê, visto que não há estudos específicos voltados para a
temática em questão. Nesse sentido, o tema apresentado se coloca como uma ferramenta para os
profissionais e/ou pesquisadores da área da saúde e afins que buscam compreender esse processo
dentro dessa especificidade, que é o processo de ressignificação emocional de mães de bebês com
fissura labiopalatina.

Método

O estudo trata-se de uma revisão de literatura, onde o embasamento teórico se deu por meio
de artigos científicos e dissertações sobre o assunto. Foi realizada uma busca na base de dados do
Google acadêmico que direcionou para fontes como Scielo, BVS-psi, Lilacs que disponibilizaram
materiais em português e cujos descritores foram “luto materno”, “resiliência e luto materno”,
“morte simbólica e filho idealizado” e “fissura labiopalatina”. Com base nesses descritores os
levantamentos das pesquisas mostraram poucas referências em relação a temática em questão,
onde nenhum estudo apresentou especificamente sobre o tema abordado.
Desse modo, fez-se uma seleção do material encontrado por meio dos critérios de inclusão
e exclusão. Acerca destes, foram excluídos artigos que tratavam o luto materno a partir da
perspectiva da morte real do bebê e/ou filho, e sendo inclusos materiais que tomam o luto
materno a partir da perspectiva de morte simbólica, na qual foi dada ênfase a estudos que

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 281


NO ONTEXTO BRASILEIRO
tiveram como foco o luto pela perda do filho idealizado. Dentre os selecionados, apenas três dos
materiais traziam informações acerca da fissura labiopalatina e a relação com os pais, mas não
tratavam especificamente abordando o processo de resiliência. Outros foram encontrados apenas
sobre crianças nascidas com alguma deficiência, e não diretamente de crianças com fissura, mas
adentrava em algumas questões que dialogavam com a temática. Em relação ao aspecto da
resiliência, nada referenciava-se ao tema proposto, propriamente dito, mas delineava a resiliência
numa perspectiva etimológica, o que possibilitou considerar alguns materiais a fim de subsidiar
na discussão levantada.

Resultados

Com base no material levantado e nas pesquisas realizadas com a finalidade de encontrar
estudos que trabalhem sobre a morte simbólica direcionada para a especificidade de mães com
bebês fissurados, os materiais apresentaram insuficiência, o que quer dizer que o indicativo na
busca nas bases de dados aponta o estudo em questão como relevante, pois de acordo com as
pesquisas alguns trabalhavam a temática luto materno numa perspectiva da perda real do filho,
outras poucas o luto materno e a perda do filho idealizado, bem como a morte simbólica desse filho
idealizado voltado para circunstâncias onde a criança nascia com algum tipo de deficiência, como
por exemplo, paralisia cerebral e/ou síndrome de down. Deste modo, apropria-se do pensamento
de Silva, Rodrigues e Lauris (2017) de que a literatura não deixa a desejar sobre estudos que
falam do luto materno e a morte do filho idealizado, todavia não focalizam diretamente sobre a
perspectiva do luto em mães com crianças nascidas com fissura labiopalatina.
Sendo assim, com relação ao campo de estudo específico desse trabalho, considerando a
fissura labiopalatina como um tipo de anomalia congênita craniofacial que mesmo sendo uma
condição dada a predisposição genética e/ou mesmo ambiental, a reabilitação é possível e assim
podendo restabelecer à criança uma qualidade de vida normal, tanto no sentido funcional de
suas estruturas afetadas, como a sociabilidade da mesma. Diante disso, as pesquisas apontaram
apenas estudos que integram o campo da medicina e que atuam na área de tratamento orofacial,
e nenhuma relacionada diretamente a outras áreas, como psicologia, fonoaudiologia, nutrição, e
afins.
Nesse sentido, o trabalho que segue, mostrar-se como um estudo que servirá de base para
estudos futuros que buscam integrar a interdisciplinaridade das áreas envolvidas, levando em
consideração, principalmente, o campo emocional e afetivo de mães que tiveram bebês nascidos
com fissura labiopalatal, uma vez que durante o período gravídico e puerpério de uma mãe com
filho nessa condição, o processo de adaptação desta exige maiores cuidados e atenção por parte
da família e da equipe profissional que a acompanha, devido as circunstâncias desencadeadas,
a princípio, pela negação de ter um filho com fissura, e por conseguinte da vida futura dessa
criança, que torna ser um fator preocupante para as mães.
Desse modo, compreender o aspecto psicológico materno em relação a dinâmica relacional
entre mãe e bebê com fissura é importante para ajudá-la a aceitar esse filho, mas sobretudo se
aceitar enquanto mãe de uma criança que necessitará desse afeto e cuidado para assim permitir
tanto a criança quanto a mãe um desenvolvimento saudável e de confiança, que se estenderá ao
longo de suas vidas.

Discussão

O período gestacional da mulher compreende uma fase da vida em que envolve muitas
questões emocionais que vão desde a ansiedade pelo qual perpassa esse período gravídico, a

282  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
preocupação durante o desenvolvimento intrauterino da criança e as expectativas que despertam
o imaginário materno sobre os traços e características físicas do bebê. Canavarro (2001 citado por
Andrade, 2015) acrescenta que o projeto de gravidez permite a mulher experienciar várias fases
adaptativas, que se traduzem em ensaiar cognitivamente papeis e tarefas maternas, ligar-se afetivamente
à criança, iniciar o processo de reestruturação de relações, incorporar a existência do filho na sua
identidade e, simultaneamente, aprender a aceitá-lo como pessoa única e com vida própria.
Andrade (2015) pontua ainda que esse é o período cuja futura mãe fantasia e reflete sobre
o seu novo papel, é o momento também onde os pais constroem a imagem que querem da
criança, sendo, saudável, perfeito e bonito, ou seja, cria-se a figura idealizada do filho. Contudo,
Oliveira e Poletto (2012) trazem uma questão sobre os padrões de beleza e perfeição valorizados
pela sociedade. Em meio a isso a presença de um filho com deficiência pode alterar a rotina
e o estilo de vida dos pais, que muitas vezes ao lidar com essa situação ocasiona ruptura na
relação mãe-bebê, mãe-pai, mãe-bebê-pai, sendo que nesse momento é preciso definir os pais,
a quem se responsabilizará pelos cuidados da criança, e se assumirão ou se serão omissos deste
acontecimento. (Oliveira & Poleto, 2012).
Ao que se refere a fissura labiopalatina, esta consiste em um tipo de malformação que
acomete estruturas da face durante o início fetal e embrionário da criança, o qual clinicamente
compreende por uma ruptura do lábio, palato ou ambos. (Silva, Rodrigues & Lauris, 2017). Ainda
conforme os autores, vários são os problemas que podem afetar no desenvolvimento do bebê,
os quais, além de estéticos, também estão suscetíveis a dificuldades funcionais e psicossociais.
Desse modo, Sassi (2013) toma nota que a partir do momento em que o filho idealizado nasce
com algum tipo de malformação, assiste-se dolorosamente, a um rigoroso desafio para os pais,
assim como uma ameaça às suas crenças e expectativas sobre o bebê. O que dizer a respeito disso,
segundo Silva et al. (2017 citado por Gomes & Piccinini, 2010) é que muitos pais ao receberem a
notícia vivenciam imediatamente um choque emocional, propiciando a instalação de uma crise
com a qual lidarão de acordo com seus recursos emocionais e experiências prévias.
Com base nisso, pode-se dizer que é normal uma mãe ao receber o diagnóstico do filho com
algum tipo de deficiência ou malformação ter reações de negação, seguidas de medo, angústia
e frustração, por exemplo. Sobre esse momento, Macedo (2016) comenta acerca do diagnóstico
pré-natal de fissura labiopalatina, na qual por meio do exame de rotina, a ultrassonografia,
permite verificar o desenvolvimento do feto em seu processo de formação, e quando confirmada
a anomalia congênita do bebê, Gomes e Picinini (2007 citado por Macedo, 2016) defendem a
necessidade do acolhimento dos profissionais envolvidos, e especificamente, os responsáveis pelo
exame ultrassonográfico a estarem preparados a favorecer um ambiente de qualidade técnica e
emocional à gestante.
O sentimento de insegurança é evidenciado em maior grau pela mãe, já que dela parte a
responsabilidade dos cuidados necessários à saúde e a sobrevivência do bebê. (Silva et al. 2017
citado por Rocker et al. 2012). Esse fator desencadeia sintomas ansiosos devido o impacto causado
pela anatomia facial da criança, bem como a estrutura funcional oronasal, que de todo modo
exigem conhecimentos sobre os cuidados que se devem ter em relação a alimentação do bebê,
seguido do tratamento para reabilitação, e posteriormente sobre a sociabilidade dessa criança.
Desse modo, vários são os processos pelo qual essa mãe terá de passar, e por isso o amparo
familiar e acompanhamento profissional fazem-se necessário, uma vez que, como mencionado
pelos autores supracitados, os problemas de ordem emocional vivenciados por ela, são fatores
de risco na interação entre ela e o filho, podendo influenciar significativamente na maneira como
recebe e cuida dessa criança.
Conforme Barros (2006 citado por Andrade, 2015) após o diagnóstico um dos primeiros
trabalhos é fazer o luto do bebê idealizado, ou seja, a mãe irá significar essa perda simbólica para

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 283


NO ONTEXTO BRASILEIRO
assim poder ressignificar esse processo de aceitação e acolhimento do bebê real. Andrade (2015
citado por Soulé, 1985) enfatiza que esse momento deve-se trabalhar junto aos pais a reorganização
intrapsíquica, pois a confrontação do filho real com o imaginário pode provocar sentimentos de
estranheza, o que acaba por gerar um conjunto de alterações no equilíbrio biológico, psicológico
e social da mãe. (Canavarro, 2001 citado por Andrade, 2015).
Tendo em vista o objetivo desse trabalho, o mesmo visa trazer o enfoque da relisiência no luto
materno, a considerar a vertente da morte simbólica, no que diz respeito a compreender que esse
processo pelo qual mães que dão vida a crianças com algum tipo de necessidade específica é um
momento delicado e traumático, mas, sobretudo, é possível ressignificar o elo entre mãe e bebê,
reestabelecer o vínculo conjugal, e a comunhão familiar, principalmente, quando a descoberta de
uma malformação congênita é de maior intensidade para a mãe da criança, posto que é sobre ela
que recai as cobranças devido as causas que a levaram a conceber um bebê com malformação,
destaca Silva et al. (2017). Assim sendo, parafraseando Oliveira e Polleto (2015) a resiliência no
luto materno na perspectiva da fissura labiopalatal corresponde ao processo de elaborar a perda
dessa criança idealizada, bem como reassumir a posição progenitora sem culpa e ressentimentos.
É válido ressaltar ainda que esse processo acontece de forma variada de uma pessoa para
outra, segundo afirmam Timm, Mosquera e Stobäus (2008 citado por Santiago et al. 2008). Isso
diz respeito a casos de mães que demoram elaborar o luto simbólico, enquanto outras conseguem
lidar mais rapidamente com essa situação. De acordo com Macedo (2016 citado por Drotar
et al. 1975) em sua pesquisa identificou estágios na qual as mães passam durante o período
gravídico e se acentuam no puerpério, o qual correspondem ao choque, a descrença ou negação,
a tristeza, ansiedade, equilíbrio e por último a reorganização. O tempo de vivência de cada estágio
como já descrito, varia entre os envolvidos, e de certo modo faz-se menção a ideia de Gomes e
Piccinini (2010 citado por Silva et al. 2017) ao considerar as experiências prévias da mãe, onde lhe
possibilitará estar mais preparada a imergir na simbiose entre mãe e filho. Logo, é um processo
no qual devem ser levados em conta as qualidades do próprio indivíduo, o ambiente familiar e as
interações positivas entre esses dois elementos, como pontua Pinheiro (2004 citado por Santiago
et. al. 2008).
No que tange ao papel familiar, esse núcleo é de suma importância à mãe, ainda mais quando
se trata do primeiro filho, pois de acordo com Andrade (2015 citado por Debray, 1988) o choque
inicial se desenvolve na tomada de consciência da situação, onde poderá debilitar e desencadear
nos pais, e principalmente na mãe, atitudes de desespero e de revolta, frente ao trauma ocasionado
por esse tipo de conjuntura. Desse modo, ter o apoio da família, é o primeiro lócus que ajudará
a recriar e fortalecer esse vínculo com o bebê, seguido posteriormente do acompanhamento da
equipe multiprofissional, visto que a necessidade de uma criança nascida com fissura exige uma
demanda maior de orientações sobre os cuidados com a alimentação, a priori, e também sobre os
procedimentos cirúrgicos, bem como o acompanhamento durante todo tratamento do mesmo.
Assim sendo, o nascimento de uma criança com fissura labiopalatina passa a constituir um
desafio aos pais, e principalmente a mãe, já que os primeiros contatos com o bebê a mãe não
consegue se identificar com a criança que não estava construída no seu imaginário. Outro ponto
é a ideia de incapacidade em lidar com um filho fissurado, o qual exige-se um cuidado especial e
bem maiores do que o de uma criança normal. Por conseguinte, o sentimento de incompletude
e de não realização da maternidade, visto que vale reiterar os aspectos psicológicos apontados
por Silva, Bordon e Duarte (2002) cujos pais, se portam de maneira diferenciada em relação a
chegada de uma criança com malformação.
Sobre estes, segundo os autores já mencionados são tomados por padrão comuns de
rações, dentre os quais já citados anteriormente no decorrer dessa discussão, há também a
lamentação e a comiseração da própria sorte que se encontram presentes. Todavia, a mãe após

284  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ter passado pelo processo de luto e subsequente processo de resiliência, com ajuda familiar e
profissional, possibilita reintegrar-se emocionalmente e conseguir gradativamente chegar-se ao
equilíbrio e a reorganização em que se atenuam a ansiedade e suas intensas reações emocionais,
visto que à medida que vai se construindo o entendimento da condição da criança com fissura, da
possibilidade de reabilitação, o vínculo maternal é restabelecido, e a tomada de consciência desse
processo constitui um passo significativo para a mãe que a partir desse momento ressignifica suas
expectativas em relação ao bebê, agora frente ao tratamento que se estende em longo prazo, bem
como a qualidade de vida futura do mesmo.

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Vendrusculo, L. E. B. (2014). A descoberta da deficiência do filho: O luto e a elaboração dos pais.


Monografia. Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI.

286  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
DA COLONIZAÇÃO DO MUNDO DA VIDA ÀS DISPUTAS
DOS SIGNOS IDEOLÓGICOS: UMA ANÁLISE
INTERSUBJETIVA DO CUIDADO
Pedro Renan Santos De Oliveira
Camila Chaves Ferreira
Aluísio Ferreira de Lima

Introdução

G
rande atualizador da denominada Escola de Frankfurt, Jürgen Habermas é
reconhecido como o teórico que realizou uma virada epistemológica, um “giro
linguístico”, na tradição de pesquisas do vasto campo de investigações que compõem
a Teoria Crítica alemã. Em outra perspectiva teórica, mas com o mesmo campo da linguagem
como pano de fundo, Mikhail Bakhtin é conhecido por ter construído uma teoria que se propunha
a compreender os processos dialógicos presentes nas obras literárias russas. De imediato, esses
autores não estão ligados a um projeto comum, mas, na tese de doutorado desenvolvida pelo
primeiro autor deste artigo, há a hipótese de uma possível construção de pontes entre a proposta
reconstrutiva racional habermasiana, baseada nos processos de linguagem livres de coerção, e a
perspectiva bakhtiniana de compreensão da linguagem como expressão dos signos ideológicos.
A construção desta interlocução se deu pela aposta da compreensão dos processos de
linguagem, no que se refere ao cuidado em saúde, como um fenômeno constituído por disputas
sígnicas e, ao mesmo tempo, atravessado pela colonização do mundo da vida por meio da
sobreposição da racionalidade instrumental à racionalidade comunicativa dialógica.
Nesse sentido, este manuscrito, então, recorta um fragmento teórico da tese citada e se
debruça sobre a compreensão do cuidado como signo ideológico expressivo da colonização do
mundo da vida, para evidenciar as ferramentas das teorias citadas como, em uma só medida, crítica
dos processos de linguagem que impõem determinados formas de vida, mas também apontam
direções de superação, por meio do dialogismo e das intricadas relações sociais que produzem
os circuitos linguísticos de cuidado. O objetivo deste texto é, portanto, ensaiar uma análise do
cuidado sob uma ótica sociolinguística, de inspiração dialógica bakhtiniana, e reconstrutiva, de
inspiração crítica e pragmática habermasiana.

Desenvolvimento

Um pequeno passeio pela teoria crítica habermasiana para compreensão do cuidado como
operador de colonizações do mundo da vida

Na Teoria da Ação Comunicativa desenvolvida por Habermas (2012a, 2012b), dois conceitos
aparecem como essenciais, são eles: o “Mundo da Vida” e a “Lógica Sistêmica/Racionalidade

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 287


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Sistêmica”. O Mundo da Vida é compreendido como cenário das produções de validade discursiva
que se assentam numa esfera intersubjetiva mediada pela linguagem. Ao passo que a “Lógica
Sistêmica/Racionalidade Sistêmica” funciona como esferas regidas por mecanismos diretores
autorregulados, como por exemplo, o mercado e o poder administrativo. A partir desses conceitos,
Habermas produzirá o diagnóstico da modernidade, onde o mercado/dinheiro e o mundo político
dominam o mundo da vida, e, a partir disso, irá propor saídas, como a de um mundo da vida
habitado não pelos imperativos sistêmicos, mas pela razão comunicativa­.
Para definir a racionalidade comunicativa, Habermas faz uso de discussão que separa a
cognição instrumental daquela que produz racionalidade a partir das pretensões de validade. Se a
última tem a ver com a eficiência da ação e em seguida o uso estratégico do agir e falar, a primeira
nasce já do próprio ato argumentativo. Nas palavras de Habermas (2012a), a redefinição – e não
só conceitual, mas reconstrução enquanto método sociológico – da racionalidade em sua tese
passa pela seguinte expressão:

Entendemos racionalidade como uma disposição de sujeitos capazes de falar e agir. Ela se
exterioriza nos modos de comportamento para os quais, a cada caso, substituem boas razões.
Isso significa que as exteriorizações racionais são acessíveis a um julgamento objetivo – o que
vale para todas as exteriorizações simbólicas que estejam ligadas ao menos implicitamente
a pretensões de validade (ou a pretensões que mantenham uma relação interna com uma
pretensão de validade passível de crítica). Toda checagem explícita de pretensões de validade
controversas demanda uma forma ambiciosa e precisa de comunicação que cumpra os
pressupostos de argumentação (Habermas, 2012a, p. 56).

A argumentação, forma social de ação pela fala, para Habermas é fundamental para a
construção de uma esfera comunicativa, radicalizando, assim, a produção das normatividades
para as relações sociais e para os acordos mediados pela linguagem. Por outro lado, para Habermas
(2012a) – é fundamental o realce –, em um processo de comunicação, que tem por base os atos
de fala, existem três critérios de alcance universal pelos quais as pretensões de validade podem ser
confrontadas. Esse modelo teórico em que se ancoram as pretensões de validade é consonante
a sua divisão do mundo em três esferas: subjetiva, social (normativa) e objetiva. São elas, as
pretensões, conforme Habermas (2012a):
A primeira, a veracidade da afirmação, que diz respeito à validade argumentativa para com o
mundo objetivo, mundo das instituições e dos fatos sociais, entendido como a totalidade dos fatos
cuja existência pode ser verificada. O que se quer aqui é que o teor preposicional seja realmente
cumprido; A segunda é a correção normativa, que diz respeito à possibilidade de produção de
correções argumentativas nas normas em vigências no mundo social, mundo normativo das
regras, mundo da soma das relações sociais dos atores, entendido como a totalidade das relações
interpessoais que são legitimamente reguladas. O que se quer é que o contexto normativo seja
legítimo; E a terceira pretensão é a autenticidade e a sinceridade ou verdade, que diz respeito à
pretensão de validade do mundo subjetivo, mundo das experiências do falante, em que a prática
argumentativa anuncia e age em coerência com o estado subjetivo do locutor em relação aos seus
interlocutores. É querido que o que o falante expressa seja correspondente ao que ele pensa.
Nas proposições de Habermas, queremos dizer mais claramente, há uma dependência das
possibilidades de entendimento mútuo em relação ao universo acumulado de conhecimento
daquele grupo social de falantes que compõe o arsenal compreensivo. Ou, dizendo de outra forma:
aquilo que o falante quer dizer com seu pronunciamento, depende do conhecimento acumulado
e realiza-se sob o pano de fundo de um consenso cultural anterior, e aí está o Mundo da Vida,
categoria central para a produção das condições de possibilidades do agir comunicativo.

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Se a sociedade é, em conceito, um complexo estabilizado de grupos socialmente integrados,
e composto pelo Mundo da Vida e pelo Sistema, a modernização é marcada pela imposição de
um processo que Habermas denominou de colonização do mundo da vida. Essa colonização, por
sua vez, é orientada pelos sistemas e seus subsistemas econômicos e políticos, aqueles que são
orientados por fins expressos por meio do dinheiro e do poder (Habermas, 2012b). Por outro
lado, a sociedade não é um sistema autorregulado, cujas estruturas, quase de que de modo
autopoiético, equilibram-se através de padrões. Ao contrário, os usos das teorias das ações em
Habermas em relação à teoria do sistema diferem, tal como diferem a coordenação da ação pela
comunicação linguística (onde há mútuo entendimento) em relação à ação movida por dinheiro
e poder, que demandam cálculo, influência estratégica, ou que têm finalidade empírica, sem
necessidade de diálogo ou quaisquer esferas participativas coletivas.
Aos processos de reificação produzidos pelo sistema econômico e político, Habermas
(2012b) deu o nome de colonização do Mundo da Vida. A colonização é conceito que diagnostica a
era moderna e as relações sociais dela decorrentes, apontando seus efeitos dentro de um conjunto
de patologias sociais que atinge as sociedades capitalistas contemporâneas, em especial os países
centrais do capitalismo. O autor aponta que é efeito da colonização a imposição de formas de
vida ligadas ao consumismo e ao individualismo, assim como quando os estilos de vida passam a
ser entendimento em uma perspectiva utilitarista. Indica também que o acelerado esvaziamento
participativo dos sujeitos nas decisões políticas é reflexo do alto grau de burocratização do Estado
e do distanciamento da esfera do entendimento. É sim, reflexo da sobreposição dos interesses
particulares de grupos que administram o Estado e manipulam interesses dos grupos sociais.
A suposição do autor (Habermas 2012a, 2012b) é de que apenas a racionalidade comunicativa
se orienta por mediações linguísticas, de modo que a racionalidade cognitiva-instrumental se
opera por meios não linguísticos (dinheiro e poder). Crítico de Habermas, Luiz Moreira (2004)
aponta que a organização de falas livres de coerções tem sido mais idealizada que pensada de
forma empírica. Além disso, apontamos que em outra perspectiva teórica, notadamente com
influência da semiótica, é possível pensar as relações sistêmicas como linguísticas, ou melhor,
como sígnicas.
É sob a ótica dessa questão que apontamos como promissora a interface entre a discussão
da virada linguística, presente na teoria social de Habermas, e os estudos realizados por Bakhtin.
Para este e seu círculo intelectual, é possível pensar nas configurações psicossociológicas ou
histórico-culturais que produzem o arsenal sígnico e ideológico da linguagem e como se operam
os seus usos. Sobre isso, traçaremos, a seguir, alguns breves apontamentos.

A perspectiva dialógica presente em Bakhtin: do signo ideológico às disputas sígnicas nos circuitos
de linguagem

Compreender o que se denomina pensamento bakhtiniano significa situá-lo no tempo e


espaço, especialmente na Rússia stalinista, e associá-lo a seus interlocutores, o que depois se
denominou de Círculo de Bakhtin. A produção do Círculo, e especialmente de Bakhtin, inaugurou
uma preocupação com a linguagem, com um largo fundamento filosófico, e respondeu às questões
de seu tempo e que, mesmo hoje, quase um século depois, continuam atuais e relevantes. Para
esta sessão, pelo limite deste texto, dialogamos com a obra de Volochinov, atribuída a Bakhtin
(2014), “Marxismo e filosofia da linguagem” e Bakhtin (2011) em “Estética da Criação Verbal”.
A grande preocupação de Bakhtin ao criticar a linguística da virada do século XIX para
o XX, como sintetiza Maria Teresa de Assunção Freitas (2005), foi mostrar de modo fulcral a
relação entre linguagem e realidade, enraizando-a na existência histórica dos homens. Ao fazer
isso, e explicitamos com as operações conceituais e teóricas que fundamentam seu pensamento

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 289


NO ONTEXTO BRASILEIRO
na próxima sessão, Bakhtin reitera seu compromisso com a vida concreta, e não com uma forma
qualquer idealizada, conforme resume a autora:
A comunicação verbal [e não só verbal] para ele não pode ser compreendida fora de sua
ligação com a vida concreta. Assim, Bakhtin acrescenta ao aspecto meramente linguístico
o contextual, necessário para a presença da dialogicidade. O enunciado se produz num
contexto que é social, portanto é sempre um diálogo, uma relação entre pessoas (Freitas,
2005, p. 312).

É, então, na relação entre linguagem e sociedade, produzida por signos ideológicos, que
se pode entender em que medida a linguagem determina a consciência e, por isso, a atividade
mental, e em que medida a ideologia determina a linguagem. Conforme aponta Beth Brait (2005),
o giro necessário, nessa perspectiva teórica, é o interesse pela natureza social dos fatos linguísticos,
que são apropriados, invariavelmente, pela cultura, embora de modos diferentes em grupos e
momentos históricos distintos.
A palavra, inclusive, por sua característica de ubiquidade social, tem papel relevante na
dinâmica dos signos ideológicos. A realidade comunicacional, se ideológica, é realidade semiótica
para Bakhtin, uma vez que é constituída por elementos comunicativos e simbólicos na linguagem,
e, portanto, ideológicos. No entrelaçado do aspecto semiótico e da realidade comunicacional a
palavra tem papel fundamental como se vê no trecho que segue:

A palavra é o fenômeno ideológico por excelência. A realidade toda da palavra é absorvida por sua
função de signo. A palavra não comporta nada que não esteja ligado a essa função, nada
que não tenha sido gerado por ela. A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social
(Bakhtin, 2011, p. 36, grifo nosso).

Bakhtin ainda complementa afirmando que a palavra opera, em nível de atividade mental,
como instrumento da consciência. Bakhtin aponta que é devido a esse papel excepcional, de
instrumento da consciência, que a palavra funciona como elemento essencial que acompanha
toda criação ideológica, seja ela qual for. A palavra, embora não suplante todo signo ideológico,
acompanha e comenta – mesmo que seja com fala interior nos sujeitos – todo ato ideológico, que
pode se manifestar em uma fotografia, música, ritual, ou mesmo no comportamento humano.
O que queremos destacar, dentre todas as possibilidades de conceitos a serem trabalhados,
é a ideia de que os conceitos de signo ideológico, palavra e enunciado concreto são as bases que
para compreender o campo da linguagem como sendo também um campo de disputa social,
cultural e ideológica, e não o lugar-horizonte donde é possível inferir um hipotético modo não
coercitivo de racionalizar comunicativamente. Ora, se a linguagem funciona diferentemente
para diferentes grupos, na medida em que diferentes materiais ideológicos, configurados
discursivamente, participam de um julgamento de uma dada situação, o signo e a situação social
estão indissoluvelmente ligados. Isso porque, como já apontado, todo signo é ideológico. Assim,
“os sistemas semióticos servem para exprimir a ideologia e são, portanto, modelados por ela”
(Bakhtin, 2014, p. 17).
Em Bakhtin, o dialogismo é compreendido como conceito que permite examinar a presença
de outros discursos no interior do discurso. Assim, podemos destacar pelo menos duas concepções
de dialogismo presentes em seus escritos: uma que está associada ao diálogo entre interlocutores,
e que, portanto, exige presença física e se concentra na diversidade de vozes, línguas e tipos
discursivos, e outra que se refere ao diálogo entre discursos. Conforme é dito:

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é

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verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra
“diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de
pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja
(Bakhtin, 2014, p.127).

Já no que diz respeito à polifonia, traçamos uma distinção que reside em apontar que,
embora todo discurso seja composto por outros discursos, a heterogeneidade discursiva nem
sempre se estabelece de forma marcada. Um discurso pode se apresentar como homogêneo,
único, não deixando ser possível identificar em seu interior a presença de outras vozes. Nos escritos
bakhtinianos, dentro dessa distinção, polifonia pode ser então compreendida como o dialogismo
que se deixa ver, entrever, perceber.

Uma possível crítica a Habermas para construção de uma teoria social dos sistemas e o dialogismo
bakhtiniano como potencializador da reconstrução

Em Bakhtin, a linguagem sempre está sendo construída e recriada a cada momento pelos
falantes, pois é o produto social e histórico de um processo vivo, em constante mutação, que se
desenvolve na interação comunicativa. A linguagem, para Bakhtin, expressando em uma assertiva
negativa: não é um objeto pronto e finalizado e, principalmente, não existe por si mesma. O que
se evidencia é que a realidade é construída também por sistemas semióticos, nessa perspectiva
teórica, sistemas que rompem com o objetivismo abstrato e o subjetivismo individualista. E
enquanto tais, serviriam para exprimir a ideologia e são, dialeticamente, portanto, modelados
por ela (Bakhtin, 2014).
Apreender as realidades como semióticas e apontar que somente o horizonte das tradições
e o Mundo da Vida operam linguagens, é uma concepção incompatível com a teoria bakhtiniana.
Isso porque Bakhtin aponta a realidade global como uma produção semiótica, atravessada pelos
signos ideológicos e, ainda que os autores não dialoguem sobre isso, tal concepção, tem efeito
sobre a teoria social habermasiana, na medida em que, nela, os sistemas político e econômico
também não seriam parte de uma realidade linguística. Em outras palavras, os sistemas são meios
linguísticos porque se orientam por relações sígnicas, e produzem, inclusive, índice de valores,
conjunto de objetos e ideologias que são dadas como mais valorosas. Isso porque expressam
produtos ideológicos que são frutos das dinâmicas sociais e, ao mesmo tempo, reflexos e
refratárias das divisões sociais do trabalho, além de atravessar as relações inter-humanas. Uma
vez que os sistemas são produzidos pelos próprios homens, estão imersos nas relações que são
marcadamente humanas.
Seguindo esta analogia teórica, apontamos que, em alguns momentos, os sistemas operam
como uma linguagem (quase) monológica. Isso porque para Bakhtin é condição da linguagem
humana a dialogia, já que está na alteridade a possibilidade de definição do humano, e está na
interação com e pelo outro a condição da linguagem, e na produção sígnica se produz sentido
para si e para o outro, inseparavelmente. Assim, a situação efetivamente monológica seria apenas
teórica. Isso implica pensar que dialogia é condição de interatividade pela presença do outro; e o
oposto da dialogia é a retirada (e/ou não reconhecimento) do outro na condição de interação: os
sistemas parecem anular, na imposição da orientação aos fins, um modo de funcionar, acoplado
à racionalidade instrumental não um modo deslinguistificado de relação, mas monológico, sem
interação entre sujeitos.
Apontamos também, nos valendo do uso mesclado desses conceitos na obra de Bakhtin,
que os sistemas operam homofonicamente. Isto é, se a situação social é o horizonte de conflitos
de classes, e a produção sígnica obedece a essa disputa, as vozes que habitarão os interesses de

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 291


NO ONTEXTO BRASILEIRO
um conjunto ideológico de signos (palavras, gestos, comportamentos, entre outros) podem ser
portadores de uma voz hegemônica, ou representar um sujeito médio, nas palavras de Bakhtin
(2014). A essa voz sobreposta a outra conduzindo-as como uma só, em Bakhtin, se chama de
homofonia, ao que fazemos importação para a compreensão dos sistemas.
E falamos em “quase-homofonia” ou “quase-monologia” porque, em definição, a linguagem
é construtivamente interativa e dialógica. O emprego da polifonia é sobre um texto ou uma
condição de fala que se deixa perceber em muitas vozes. Ou seja, em conceito, não há uma retirada
da capacidade interativa (sobretudo já que sempre sígnica e ideológica), mas um movimento de
retirada das vozes numa dada situação social. E é essa a aposta que fazemos na relação com os
sistemas econômico e político. Portanto, se em Bakhtin não há um emprego desses conceitos em
uma teoria social, mas em uma teoria da linguagem que se origina em uma crítica a literatura,
indicamos que a linguagem exposta em sua natureza ideológica também opera outras produções
linguísticas, como nos signos orientados pelos valores do capital.
Está então expresso que o processo de construção ética discursiva em Habermas, é o processo
de argumentação que se baseia nas pretensões de validade. Entretanto, com a leitura bakhtiniana
que propomos aqui, apesar de admitir como correta a análise das patologias da modernidade
(colonização do mundo da vida), queremos evidenciar a insuficiência no apontamento sobre a
saída dos imperativos sistêmicos no campo da linguagem, a reconstrução de outra racionalidade,
a comunicativa. Queremos apontar que a razão comunicativa, se dialógica, precisa disputar as
produções dos signos ideológicos que se montam na linguagem expressa na razão instrumental:
isso quer dizer que as vozes, que são sobrepostas pelo funcionamento teleológico da técnica,
podem ser disputadas pelas vozes dos outros signos ideológicos que habitam as outras realidades
sociais dos segmentos periféricos do próprio sistema capitalista.
Se há signos que o sistema produz em determinado índice de valores, outros signos são
produzidos, e na relação dialógica cotidiana, os signos hegemônicos são oprimidos pelos
hegemônicos, ou, colonizados, na linguagem habermasiana. As vozes dos segmentos que operam
os subsistemas político (burocracia do estado) e econômico (as instâncias do controle das relações
monetárias) são monovocalizadas e produzem uma homofonia sistêmica. As outras vozes parecem
poder lutar com mais igualdade não por meio da disputa da produção da validação dos discursos,
por meio da democratização e participação nas instâncias do Estado, mas disputando os lugares
de produção de vozes, mediado pelas disputas dos signos ideológicos.
O que se trata, nesse horizonte ético de produção de validade, segundo os apontamentos da
construção da verdade em Bakhtin, é da criação das condições de possibilidades para a polifonia
nas relações dialógicas. E quando se trata das relações de poder, é a criação de espaços em que a
razão cognitivo-instrumental dê lugar ao baseado no ato-responsável (Bakhtin, 2010), portanto,
em que exista a técnica, mas não teleológica, e sim criadora.

Crítica ao signo ideológico do cuidado

Como é possível observar, mais que palavra, signo é materialidade e subjetividade. Aí reside
o ponto fundamental da nossa consideração: esse signo, instância intersubjetiva, parece estar,
hoje, à disposição de um conjunto de outras práticas que nada têm a ver com o agir voltado
à promoção ou ao reparo da saúde do outro para, por meio de técnicas e ciências, ajudá-lo a
melhor viver, a menos sofrer.
Depois, o cuidado como prática de saúde tem estado intimamente ligado, sobretudo pela
expressão do desenvolvimento do saber biomédico, aos modos de controle de natalidade, de
ordenamento social, de higienização social, revestido de discursos humanizadores e preocupados
com as vidas das populações. Já apontamos, anteriormente que as práticas de saúde estão

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imbricadas, por meio de seu desenvolvimento tecnológico, ao modo de produção capitalista. E
destacamos: é possível perceber os efeitos das racionalidades sistêmicas na gestão e assistência à
saúde desde a divisão do trabalho (com alta especialização e atrelamento de valor monetário a
essa divisão), até mesmo nos modelos de atenção voltados para a doença e distantes dos sentidos
do adoecimento elaborados pelos sujeitos.
Um dos exemplos dos signos que compõem os espaços de saúde é a doença e o doente. A
doença se transformou, na leitura da racionalidade biomédica hegemônica – derivada técnico-
científica da razão instrumental assinalada por Habermas –, em categoria social que expressa
a necessidade de controle do doente. Temos, assim, que a doença como categoria sociológica
é o disparador sígnico que permite que o usuário do serviço seja reduzido à patologia, pois a
partir dela se universaliza um sujeito abstrato do qual a patologia possa ser deduzida e assim
generalizada: o doente vira sujeito universal e abstrato passível de intervenções de cuidado que
devem ser técnicas-instrumentais. Não é uma pessoa “usadora” do serviço, em sua singularidade,
que se encontra em situação de sofrimento: é a patologia que cria o doente que dá as condições
para a aparição da doença. Assim, produzimos práticas que visam cuidar de um sujeito universal
e abstrato, portanto significa-se o cuidado, na lógica hegemônica biomédica, como intervenção
deficitária de sentido singular.
As consequências do ponto acima são ainda mais visíveis ao pensar que as parametrizações
técnicas em saúde são, elas mesmas, contemporaneamente, os fins de uma “boa saúde”. Numa
outra leitura da crítica à razão instrumental, essa questão alerta para o fato de que taxas, índices
e parâmetros não são mais meios pelos quais se alcançam algo: mas os fins em si mesmo. O
“cuidado”, que em sua palavra parece indicar modos de fazer algo, vira ele mesmo o fim da ação
em saúde. O cuidado instrumentalizado, que poderia ser mediador de construção de modos de
viver a vida, passa a ser o signo pelo qual se representa formas de vida previamente parametrizadas
pelo saber biomédico. Cuidar parece a medida para prescrever como se deve ser, sentir, agir, pensar.

Conclusão

“O meu prazer agora é risco de vida”: considerações sobre o monologismo técnico-instrumental


e as tentativas de polifonia no cuidado

A música composta por Cazuza expressa, em poesia, uma das diversas possíveis sínteses de
significação das relações contemporâneas da saúde: se o cuidado, em algum momento histórico,
estava associado à construção de modos potenciais de vida, agora passa a ser controle de
determinados comportamentos que seriam sinônimos de risco. Esse apontamento nos dá indícios
de que a compreensão sígnica (intersubjetiva) do cuidado ajuda a elaborar críticas aos modos
práticos em que hoje se “administra” o sofrimento das condições de vida. A colagem ideológica
parece estar na disputa dos modelos de organização social em que cuidado e saúde, então, passam
a não mais pertencer à esfera individual, pessoal, íntima, mas ao ordenamento de formas de
vida. Nesse sentido, indicamos que o cuidado está em disputa não só em suas práticas enquanto
técnicas, mas nos processos ideológicos dos modelos de sociedade, e, especialmente por ter poder
de ubiquidade social, esse signo produz o atrelamento entre formas de vida e tecnificação do agir
em saúde.
Os sujeitos são homogeneizados quando são reduzidas suas vozes, como numa homofonia,
tal qual sugere a leitura bakhtiniana; e quando são retirados das técnicas, por meio da colonização
do Mundo da vida, como nos propõe a leitura habermasiana. Assim, apontamos que, enfim,
nessa dinâmica ideológica operada nas relações de linguagem, como ao exemplo do cuidado,
é produzido o conjunto semiótico que auxilia mais na homogeneização dos sujeitos que na

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 293


NO ONTEXTO BRASILEIRO
produção de multivocalidades em saúde ou auxiliando na produção dialógica de outros modos
de agir e pensar a vida.
Por fim, importa-nos dizer que este trabalho não esgota, em nenhuma maneira, a análise
psicossocial ou sociolinguística do cuidado em saúde, mas oferece uma possível ferramenta para,
com uma teoria social de fundo e concepção de linguagem e de sujeito articuladas, resgatar a
capacidade de crítica e direcionamentos de reconstruções das práticas no campo da psicologia
social que se pretende disciplina construtora da saúde. Mais que isso, sugere um caminho
interdisciplinar e de quadro multiteórico para compreensão de um fenômeno tão complexo e
caro aos processos de intersubjetividade. A aposta crítica e denunciadora parece ganhar força se
permeada de implicação com a construção das polifonias da saúde para, enfim, se pensar e agir
na direção de um cuidado dialógico.

Referências

Bakhtin, M. (2010). Para uma filosofia do ato responsável. 2ª ed. São Carlos: Pedro & João Editores.

Bakhtin, M. (2011). Estética da criação verbal. 6ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.

Bakhtin, M. (2014). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 16ª Ed. São Paulo: Hucitec.

Brait, B. (2005). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. São Paulo: Editora da UNICAMP.

Freitas, M. T. A. (2005). Nos textos de Bakhtin e Vigotski: um encontro possível. In: Brait, B.
Bakhtin, dialogismo e construção do sentido (pp. 295-314). São Paulo: Editora da UNICAMP.

Habermas, J. (2012a). Teoria do agir comunicativo I: Racionalidade da Ação e a Racionalização Social. São
Paulo: WMF Martins Fontes.

Habermas, J. (2012b). Teoria do agir comunicativo II: Sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo:
WMF Martins Fontes.

Moreira, L. (Org.) (2004). Com Habermas, contra Habermas: direito, discurso e democracia. São Paulo:
Landy.

294  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EIXO TEMÁTICO

ÉTICA E BIOÉTICA
O PSICÓLOGO E A UTILIZAÇÃO DE ANIMAIS COMO
COBAIAS PARA SEUS EXPERIMENTOS
Sarah Caroline Albuquerque Ferraz Santos

Introdução

É
tica, em um sentido geral, são os princípios que regem os comportamentos da
interação social; e a moral é a prática desses princípios. Há uma ética que rege as
relações matrimoniais, paternais, fraternais, etc. Esses princípios são construídos
socialmente por meio da cultura e estabelecidos através da lei. Os estudos científicos e o Estado
também exercem força sobre. De acordo com o Código de Ética do Profissional do Psicólogo, a
ética exerce um papel muito importante nas relações sociais, pois preza pela melhoria da conduta
das interações interpessoais.

Toda profissão se define a partir de um corpo de práticas que busca atender demandas
sociais, norteado por elevados padrões técnicos e pela existência de normas éticas que
garantam a adequada relação de cada profissional com seus pares e com a sociedade como
um todo (Conselho Federal de Psicologia, 2005, p.5).

É necessário que esses princípios sejam obedecidos, pois o descumprimento sujeita o


profissional da psicologia a advertências, multas, censura pública, suspensão temporária do
exercício profissional e cassação do exercício profissional, como consta no artigo 21 do Código
de Ética Profissional do Psicólogo. O tema central deste texto legal é a conduta do psicólogo: um
ser subjetivo formado por variáveis biológica e ambiental, que está diante de uma nova realidade,
que é o exercício de sua profissão, onde este entra em contato com outro ser individual. Ao tratar
de relações interpessoais, é preciso ter cautela. Adentrando mais objetivamente nessa relação do
psicólogo com o meio, vale ressaltar a relação do homem-animal com o animal não humano.
O psicólogo da atualidade, ao se deparar com os testes em animais, em seu âmbito
profissional, é um reflexo do que já acontecia no passado. Já nos primórdios da Psicologia,
Thorndike abriu caminho para novas pesquisas com animais, servindo de modelo e influência
para o pai do Behaviorismo Radical, Skinner, na preparação de seus experimentos.

As bases da psicologia comportamental foram descobertas graças aos experimentos de Edward


Thorndike, um dos mais influentes pesquisadores do comportamento animal. Quando ainda
era estudante de graduação, Thorndike desenvolveu um conjunto de ‘caixas quebra-cabeça’
para observar como os animais aprendiam a fugir do confinamento (Lopes, 2012, p.1).

Na prática, na análise experimental do comportamento, é optativa a experimentação


animal. Na realização de um procedimento em uma pesquisa científica, é necessário escolher

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
os métodos que serão utilizados. Essa escolha é pessoal, pois há a opção de qual procedimento
se apropriar.

Em 1959, o zoologista William M.S. Russell e o microbiologista Rex L. Burch publicaram


um livro em que estabeleceram os três R’s das pesquisas em animais: replace
(substituir),  reduce (reduzir) e refine (refinar). Para eles, a substituição de animais em
experimentos científicos já avançou muito, podendo ser utilizado, no lugar de animais,
culturas de células, simuladores e modelos matemáticos. Ainda segundo Russell e Burch, os
experimentos devem ser mais bem planejados e as instalações adequadas, com pesquisadores
capacitados para fazerem pesquisas em animais. (Moraes, 2017, p.2).

Em pesquisas realizadas por cientistas do Reino Unido, Canadá e Estados Unidos para
revista Nature, estes relataram estudos sobre a composição genética dos ratos, declararam que
o rato possui composição genética e comportamentos muitos idênticos ao nosso, e muitos
sintomas humanos podem ser aplicados aos roedores, o que viabiliza, interessa e instiga pesquisas
com estes (Koop & Hood, 1994). De acordo com a Phychology Today (2017), “O estudo do
comportamento animal é uma pedra angular da psicologia experimental, nos possibilitando
compreender emoções humanas complexas” (p.1), sustentando a visão de que animais são
modelos de cognição e comportamento humano. Nesses experimentos, os animais são
submetidos a experiências de visão, audição, dor, fome, medo, estresse e agressividade para obter
um modelo de animal de depressão, ansiedade, estresse pós-traumático, autismo, alcoolismo,
etc. Através de condicionamentos comportamentais, esses modelos são preparados para realizar
a aplicabilidade aos seres humanos. A Psicologia Experimental do Comportamento é base da
Psicologia Comportamental, pois uma constitui a outra. Portanto, segundo Snowdon (1999), a
Psicologia Comportamental, originada por Watson, teve seus estudos a partir da pesquisa animal,
observando o comportamento de gaivotas. Jean Piaget também iniciou suas pesquisas estudando
caramujos, assim como os trabalhos de Darwin sobre as expressões emocionais dos animais,
de Harlow, com o estudo sobre o desenvolvimento social em macacos Rhesus, tendo influências
muito importantes sobre diversos estudos, pesquisas e psicólogos posteriormente.

O estudo do Comportamento Animal não é um importante campo científico apenas por


si próprio, mas também por ter feito importantes contribuições para outras disciplinas
com aplicações para o estudo do comportamento humano, para as neurociências, para o
manejo do meio ambiente e de recursos naturais, para o estudo do bem-estar animal e para
a educação de futuras gerações de cientistas. (Snowdon, 1999, p.366).

Os valores pessoais são construídos ao longo da vida do ser humano. O homem, ao vir ao
mundo, já está imerso na cultura. Com isso, vem perdendo seu instinto e adquirindo valores,
crenças, ideologias, percepções e sua identidade, sendo assim pulsionado. O primeiro modelo de
identificação do homem ocorre no seu primeiro grupo social, que é a família ou cuidadores, onde
lhe é ensinado como se portar mediante certas situações, bem como tradições e cultura (Ciampa,
1984). Um ser tem grande influência para com o outro, pois o homem é formado a partir do seu
semelhante. Quando se escolhe uma carreira profissional, um carro ou até uma comida específica,
a pessoa está fazendo jus às suas convicções. Ao narrar sobre a prática profissional, também é
necessário abordar a influência dos valores pessoais daquele profissional no seu exercício diário,
partindo do pressuposto de que os valores pessoais deste o levou aquela. Este artigo tem o
objetivo de fazer um leve apanhado sobre a utilização do sistema de crenças subjetivo do ser no
seu ambiente profissional. Qual a relação desse indivíduo, antes de ter a identidade de psicólogo,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 297


NO ONTEXTO BRASILEIRO
com o meio ambiente, com a fauna? O profissional que possui como valor a normalidade de
utilizar os animais não-humanos em experimentos, certamente, utilizará disto em suas práticas
profissionais. Nesse caso, é uma utilização de crenças implícita de uma sociedade que acredita
que seja natural a utilização destes nesse âmbito.

Metodologia

A metodologia utilizada neste trabalho será uma pesquisa de bibliográfica por meio de sites,
pesquisas, livros, artigos acadêmicos, reportagens com o objetivo de fornecer informações de
variadas fontes. Após a leitura, é possível a interpretação da informação passada, a fim de um
conhecimento biopsicossocial e histórico maior sobre a utilização de animais não-humanos em
experimentos na área da psicologia.

Resultados

A maneira como os animais não-humanos são tratados não está de todo em desconformidade
com a Lei. Direitos não são sinônimo de igualdade, pois, assim como o homem e a mulher são
biologicamente diferentes, não anula a necessidade dos direitos igualitários. Os animais não-
humanos também fazem parte da comunidade terrestre e obtêm a vida da mesma forma que
os seres humanos. A sociedade tem aumentado a atenção em relação ao bem-estar dos animais
na criação de pesquisas e exposições em relação a estes. Há diversas leis que protegem a fauna.
Todo ser vivo precisa de direitos respeitados por Lei em prol de sua sobrevivência. A ciência da
bioética tem a função de orientar os estudos que estão sendo realizados para um aprimoramento
dos estudos referentes a vida (Möller, 2007). O artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos
Humanos assim preconiza: “Todos são iguais perante a lei e, sem qualquer discriminação, têm
direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação
que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”. (Organização
Das Nações Unidas, 1948, p.3).
Nota-se, portanto, que a Declaração Universal dos Direitos dos Animais preza pela vida
destes, consistindo em artigos em que todos os animais têm o mesmo direito à vida e à proteção
do homem, que estes não devem ser maltratados e utilizados em experiências que lhe causem dor.
Atos que põem em risco a vida do animal são considerados crimes contra a vida. Esses direitos
dos animais são, inclusive, protegidos por lei, a exemplo da Lei nº 11.794 (2008), que, no art. 5º
declara, que compete ao Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA)
formular e zelar pelo cumprimento das normas relativas à utilização humanitária de animais com
objetivo de ensino e pesquisa científica.
No Brasil, existe uma lei especifica que disciplina o uso científico de animais, que é a lei 11.794
(2008), regulamentando o inciso VII, § 1º, do art. 225 da Constituição (1988) e estabelecendo
procedimentos para uso científico de animais, em que veda a utilização de práticas nocivas
contra a fauna e a da submissão de animais à crueldade. E a Lei nº 9.605 (1998) dispõe acerca
das sanções penais e administrativas para condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, entre
outras providências.
Além dessas, há outras leis que regulamentam o uso desses experimentos. Leis para proteção
animal vieram surgir no ano de 1934 com o Estado Novo, no Decreto 22.645, e a primeira entidade
protetora aos animais foi a União Internacional Protetora dos Animais (UIPA), criada no início do
século XX, pelo político Ignácio Wallace da Gama Cochrane. Em 1941, o Decreto-Lei 3.688 (1941)
(Lei das Contravenções Penais), em seu artigo 64, parágrafo único, proibiu, expressamente, a
realização de experimentos com animais. Entretanto, não era regulamentada, o que se deu após a
promulgação da Lei 6.638 (1979), que veio a estabelecer normas para a prática da vivissecção. O
art. 3º da nova lei regulamenta esses experimentos:

298  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Art. 3º – A vivissecção não será permitida:
I – sem o emprego de anestesia;
II – em centros de pesquisas e estudos não registrados em órgãos competentes;
III – sem a supervisão de técnico especializado;
IV – com animais que não tenham permanecido mais de 15 dias em biotérios legalmente
autorizados;
V – em estabelecimentos de ensino de primeiro e segundo graus e em quaisquer locais
freqüentados por menores de idade. (Organização das Nações Unidas, 1978, p.2).
A Lei 9.605 (1998) (lei de crimes ambientais) passou a considerar a vivissecção crime na
seguinte hipótese:
Art. 32 – Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos
ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena: detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo,
ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos;
§ 2º – a pena será aumentada de um sexto a um terço, se ocorre a morte do animal. (Dias,
2005, p.2).

Existem, ainda, leis que regulamentam os procedimentos no âmbito profissional. O


profissional da psicologia que faz utilização de testes em animais precisa passar pela regulamentação
e aprovação de tais procedimentos. E o que os levam a escolher tal procedimento em vez do outro
são seus valores pessoais. O especismo, portanto, é algo constituído socialmente e repassado
através da cultura.

Assim como a maioria dos seres humanos é especista por se dispor a causar dor aos animais
por motivos pelos quais não causaria dor similar a seres humanos, a maioria é especista,
também, por se dispor a matar um animal nas mesmas circunstâncias em que se negaria
matar um ser humano. (Singer, 2010, p.26).

Discussões

Desde o princípio, a psicologia utiliza experimentos com animais (Skinner, Thorndike,


Pavlov, Watson... – alguns nomes famosos na psicologia, sem eliminar o fato de que ainda existem
testes). E a base dos estudos comportamentais é a partir da exposição de animais a torturas,
longos períodos restritos de alimentação e água, choques elétricos e até a utilização de drogas
(heroína, cocaína, maconha, morfina, anfetaminas, barbitúricos, tranquilizantes, álcool e
tabaco) e bebidas alcoólicas em experimentos, mesmo havendo a consciência de que animais
não-humanos tem aversão natural a estes produtos químicos e, esta prática tem sido falha e
tendo recebido pouco investimento. O farmacologista Vincent Dole declarou, em 1986: “Cerca
de 60 anos de alcoolismo induzido em animais, não produziram conhecimentos fundamentais
sobre as causas do comportamento autodestrutivo do beber patológico.” (Medical Research
Modernization Committee, 2006, p.5-6). E qual seria a justificativa plausível para a utilização?
Segundo a Psychology Today (2017), o estudo do comportamento animal é uma pedra angular da
psicologia experimental, nos possibilitando compreender emoções humanas complexas.
Em prol da psicologia experimental, que tem como objeto de estudo o comportamento
observável, com fim de testar modelos e teorias sob diversas ações, acontecem os testes
em animais. Todavia, os estudiosos têm a opção de utilizar tais técnicas ou não. A Psicologia

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 299


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Experimental é constituída de diversas linhas de pesquisa, como: a da análise do comportamento
(i.e., behaviorismo), a etologia (estudo do comportamento animal) e a psicologia evolucionista.
Contudo, infelizmente, a maioria dos pesquisadores utilizam meios que ferem os interesses dos
animais (especismo) (Paixão, 2001).
No departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo, existem
renomados pesquisadores que realizam pesquisas na área da Etologia, por meio de metodologias
que não levam o animal a estresse, como por exemplo, de uma cachorra, Sofia, em que aprendeu,
por meio de experimentos, a se comunicar através de uma caixa com botões, onde ela clicava
nos botões dessa caixa que simbolizavam algum desejo e assim era transmitido o anseio. Há
também a exposição de testes de maneira computadorizada, como, por exemplo o Sniff (rato
computadorizado). Com o progresso da ciência, há a inovação dos modelos de testes, como a in
vitro e a 3D (Morales, 2008).
A ciência progride cada vez mais, contribuindo, consequentemente, para a progressão
dos termos. Pois, os “métodos substitutivos” e “métodos alternativos” são termos retrógrados,
sendo o melhor para se referir a métodos inovadores, o termo: “métodos modernos”. Há leis que
regem os experimentos com animais, como a Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que proíbe,
expressamente, a experimentação, ainda que para fins didáticos, quando existirem outros tipos
de métodos possíveis. Todavia, a utilização de animais como cobaias contribuiu no progresso de
muitas pesquisas (Levai, 2011).
Os animais humanos e não-humanos são utilizados como instrumentos por um objetivo de
avanço. Entretanto, ao sujeitar os seres aos testes, há um processo de inibição de necessidades
fisiológicas e submetem-se a diversos estímulos. Os animais, no contexto atual, não podem ser
vistos como meros objetos de direitos, mas sim, verdadeiros sujeitos de direito. Esse artigo trouxe
uma leve consideração biopsicossocial e histórica da utilização dos animais em ambientes de
pesquisa por profissionais da psicologia, no sentido de provocar reflexões acerca da utilização de
valores pessoais para a realização.

Referências

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movimento (pp. 58-75), São Paulo: Brasiliense.

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Dias, E. C. (2005). Experimentos com animais na legislação brasileira. Recuperado de http://noticias.


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Koop, B. F., & Hood, L. (1994). Striking sequence similarity over almost 100 kilobases of human
and mouse T–cell receptor DNA. Nature Genetics, 7, 48-53.

Lei n. 11.794, de 8 de outubro de 2008. (2008, 9 de outubro). Regulamenta o inciso VII do §


1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para o uso científico de

300  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
animais; revoga a Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras providências. Diário Oficial da
União, seção 1.

Lei n. 6.638, de 8 de maio de 1979. (1979, 10 de maio). Estabelece normas para a prática didático-
científica da vivissecção de animais e determina outras providências. Diário Oficial da União, seção
1.

Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. (1998, 13 de fevereiro). Dispõe sobre as sanções penais
e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, seção 1.

Levai, LF. (2011). O direito à escusa de consciência na experimentação animal ver rastrear. Recuperado
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Möller, L. L. (2007). Bioética e direitos humanos: delineando um biodireito mínimo universal.


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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 301


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ASPECTOS ÉTICOS DO PROCESSO DE
RECRUTAMENTO E SELEÇÃO EM PSICOLOGIA
Tiago Gonçalves Corrêa

Introdução

C
ompreendendo o cotidiano laboral atual, percebemos que cada vez mais empresas
recorrem aos serviços de recrutamento e seleção, desta forma, a Psicologia está
sendo convocada a ocupar esse lugar tão melindroso. Nesse sentido, nosso objetivo
é apresentar pontualmente aspectos relacionados à temática de recrutamento e seleção e sua
correlação frente ao Código de Ética referente à atuação do profissional de psicologia.
A metodologia empregada consistiu na busca por artigos que tratavam da temática
de recrutamento e seleção e na procura por resoluções e normativas do Conselho Federal de
Psicologia (CFP) em que os temas fossem citados, possibilitando assim um referencial teórico que
permita alcançar o objetivo proposto com tal trabalho.
O processo de seleção inicia-se durante a Primeira Guerra Mundial, em 1920, onde os
Estados Unidos da América utilizavam testes para selecionar os oficiais para seu exército. A partir
de então começa a se popularizar a ideia do homem certo para o lugar certo (Silva, 2002).
É a partir da Revolução Industrial, que a noção de recrutamento e seleção se solidifica no
contexto laboral, é necessário que haja algo que selecione quem está apto ou não para determinada
vaga. O advento do Capitalismo prega que produzir em larga escala é necessário, assim é preciso
selecionar e separar quem tem habilidades e quem não tem, quem domina tal atividade e quem
não possui um bom rendimento.
Com a fragmentação do trabalho proposto pela lógica do capitalismo, o trabalho passa a
ser especializado e determinado pelas especificidades, pautado na distribuição dos segmentos
operacionais, convocando algo a atrair, classificar e selecionar mão de obra qualificada. Assim,
surge no século XX, os Recursos Humanos, que se configura como uma área nova que atende a
esses interesses, Alves (2005, s/p), em estudos publicados nos apresenta que

Seu primeiro nome foi Relações Industriais devido as relações, empregador versus empregado
e, de lá pra cá, foi sendo uma atividade mediadora entre as organizações e as pessoas com
o objetivo de reduzir os conflitos existentes entre os objetivos organizacionais e os objetivos
individuais, crescendo e agregando e si uma série de desafios e responsabilidades que antes
não se supunha existir.

Considerando o amplo aspecto de conceitos e temáticas que essa área do conhecimento


abarca, nos deteremos aqui com foco em recrutamento e seleção, que são nossos principais
pontos de investigação.
Desta forma, podemos conceber recrutamento como a atividade de divulgação, que visa
atrair pessoas para o processo seletivo que virá em seguida, é o meio de apresentar e ‘capturar’

302  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
pessoas que se interessam ou possuem experiência em determinada área. “Recrutamento é uma
atividade de divulgação, de chamada, de atenção, de incremento da entrada, portanto, uma
atividade positiva e convidativa. O objetivo básico do recrutamento é abastecer o processo seletivo
de sua matéria-prima básica: os candidatos” (Silva, 2002, p. 08).
Assim, podemos considerar a seleção com o processo que filtra todo o contingente que se
mobiliza com o recrutamento, é onde o mais apto é escolhido, onde é priorizado o que a empresa
espera de um futuro colaborador, é o espaço de se obter informações sobre o candidato, é o
momento de selecionar os melhores. Silva (2002, p. 08) define seleção como atividade de “...
escolha, de opção e decisão de filtragem da entrada, de classificação e, portanto, restritiva. O
objetivo da seleção é a de escolher, entre os candidatos recrutados aqueles que tenham maiores
probabilidades de ajustar-se ao cargo vago e desempenhá-lo bem.”
A importância deste trabalho, reside pontualmente em questionamentos referentes às
práticas do psicólogo direcionadas a serviços de recrutamento e seleção, assim, analisaremos
a posição do CFP, frente a postura do selecionador psicólogo, de acordo com documentos
postulados por tal órgão.

Desenvolvimento

Breve Contexto Histórico da Psicologia do Trabalho

O campo de atuação da Psicologia ao longo do tempo foi se modificando, o antigo modo


clínico correspondente como único espaço foi sendo apenas mais um campo de atuação para esta
ciência. Atualmente as áreas da Psicologia estão cada vez mais amplas, sempre com o intuito de
pensar em formas de compreender o ser humano em suas várias dimensões, tanto individual como
coletiva, e como cada um integra a subjetividade humana.
Neste sentido, os fenômenos organizacionais são considerados como processos psicossociais,
que estruturam a vida dos indivíduos e o funcionamento das sociedades. De modo semelhante, o
trabalho é concebido enquanto elemento transformador não apenas da matéria, mas também da
vida psíquica, social, cultural, política e econômica (Tonetto, Amazarray, Koller & Gomes, 2008).
Desta forma, a subjetividade humana também estaria ligada ao trabalho, e diante disso, a
área da Psicologia do Trabalho, busca constituir os ramos da importância para a compreensão
do saber teórico, prático e, sobretudo profissional do psicólogo dentro das organizações atuando
neste cenário que via ou outra é alvo de grandes transformações conforme o mercado capital e
social.
A Psicologia do Trabalho pode ser designada como campo de compreensão e intervenção
sobre o trabalho e as organizações, visando analisar a interação das múltiplas dimensões que
caracterizam pessoas, grupos e organizações, com a finalidade de construir estratégias e
procedimentos que promovam, preservem e restabeleçam o bem-estar. (Tonetto, et al., 2008).
Antecedente a consolidação da Psicologia do Trabalho é indispensável termos o conhecimento
de fatos que levaram a psicologia para dentro do mundo das organizações trabalhistas. Na
trajetória histórica nos séculos XIX e XX, sobretudo no campo da filosofia, das ciências econômicas
e sociais, foram desenvolvidas teorias sobre o trabalho humano em cunho ontológico.
Esses saberes se desenvolveram por meio do surgimento da sociedade industrial e suas
transformações. Frente a isto, as relações sociais que se estabeleceram com os rápidos processos de
urbanização se constituíram para incorporar o contexto da industrialização. Dessa forma, dá se o
início às práticas da psicologia para trabalhar com conjunturas políticas e econômicas nesses aspectos.
De início o intuito era maximizar a produtividade e os lucros, sem contribuir para minimizar
problemas do ser humano no âmbito das fábricas, ou seja, a psicologia adentra o mundo do

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 303


NO ONTEXTO BRASILEIRO
trabalho para ajudar a promover resoluções de problemas de produção ligados a locais como:
indústrias, escolas, prisão, exército, tribunal etc.
Já no Brasil, essa “psicologia relacionada ao trabalho emerge especialmente em função dos
avanços técnico-industriais do início do século XX” (Leão, 2012, p.295). Com as transformações de
um país de economia agroexportadora para um país em industrialização precisava-se desenvolver
trabalhadores aptos para as indústrias nesse novo ordenamento social rumo ao progresso.
O percurso da Psicologia nas organizações no Brasil pode ser compreendido em três fases
distintas: Psicologia Industrial, Psicologia Organizacional e atualmente Psicologia do Trabalho. A
ideia de “distinta” corresponde as diferentes atividades de cada fase, essas modificações vieram a
se estabelecer de acordo com as necessidades encontradas frente as mudanças advindas com as
demandas do próprio mercado e das organizações.
A primeira fase, chamada Psicologia Industrial, tem início por volta da década de trinta, e as
atividades desenvolvidas pelo psicólogo neste período era apenas de realizar seleção e a inserção do
trabalhador na indústria. Neste período, as empresas estavam mais voltadas ao âmbito ferroviário.
Os testes psicológicos se solidificaram e estabeleceram-se enquanto materiais especializados para
uso dos profissionais, estes denominados como Psicotécnicos. Os testes eram as ferramentas, os
meios responsáveis para que o profissional aplicasse os conhecimentos da própria psicologia ao
trabalho (Souza, 2013).
Dentro do período industrial observa-se dois momentos: o primeiro enquanto individualista,
ou seja, estava influenciado pelo próprio capitalismo no qual buscava a concretização do setor
industrial e estabelecia a produção em massa, jornadas de trabalhos longas e desvalorização do
“fazer laboral” (Souza, 2013). E o segundo momento por meio de modificações sociopolíticas,
econômico e movimentos sindicais, amplia-se o estudo, incorporando as questões grupais
e organizacionais, pois entendia que o trabalho era um ambiente de relações dinâmicas entre
instituição e trabalhador.
A segunda fase titulada Psicologia Organizacional inicia em 1960 emergi perante as estruturas
organizacionais dos quais se tornaram importantes para o entendimento dos comportamentos
humanos dentro do trabalho. Neste momento é reportada a valorização do trabalhador e a
psicologia tem mais avanço e valor nas organizações. O sujeito enquanto empregado muda-se
deixando de ser meramente um objeto para a empresa e torna-se parte da mesma como um todo.
Mas o foco ainda se pautava na produtividade.
Terceira e atual fase designada como Psicologia do Trabalho tem como correspondência
a ação no estudo e a compreensão do trabalho humano em sua amplitude. O trabalho torna-
se fato psicossocial e não estaria restrito apenas as organizações. Para Souza (2013, p. 07),
“O psicólogo agora adota maior observação crítica acerca do campo organizacional, neste, há
um amortecimento das diferenças nas divisões do trabalho sofridas pela industrialização e do
empobrecimento das tarefas.”.
Para além disto a Psicologia do Trabalho, amplia sua observação enfatizando a inserção do
trabalhador ao mercado de trabalho, a atenção da qualidade de vida e saúde mental, condições
que possam vir a se desenvolver frente aos desempregos e subempregos, invalidez no trabalho
e demais questões que o empregado possa vir a se encontrar. Dessa forma, o psicólogo agora
abordando de forma mais sistêmica compreenderá o trabalhador enquanto sujeito e o contexto
do qual está inserido.

Recursos Humanos e Ação do Psicólogo

Os Recursos Humanos​ , conhecido por RH, é o departamento​dentro das empresas


responsável por diversas decisões tomadas por essas, para a realização de atividades exercidas,

304  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
inerentes a esse setor, tal como: recrutamento e seleção de funcionários, admissão e negociação
com os mesmos, no que s​ e refere a sua remuneração, cargo a ser exercido dentro do local de
trabalho. Sendo também o responsável pela definição de toda comunicação ao que se refere aos
funcionários da organização.
São os profissionais do RH os encarregados por gerenciar os planos de carreira, traçar perfis,
avaliam propostas salariais e os benefícios, a necessidade de contratação de novos contribuintes.
Sistematizando todo um esquema organizacional para a instituição empresarial. Esses profissionais
lidam direta ou indiretamente com as pessoas, empregados ou possíveis funcionários, sendo
importante assim terem mínimo de conhecimento em relação ao comportamento humano.
Tornando assim um ambiente propício para a atuação do psicólogo.
Em suas atividades na área de Recursos Humanos, frequentemente, o psicólogo deve
estar com a percepção e a escuta mais sensível, tendo sempre um olhar atento e diferenciado
dos demais, fazendo dessas habilidades, recursos para maior satisfação no desempenho de sua
atuação nessa área. O psicólogo que desempenha um trabalho com êxito, agrega sua sensibilidade
as demais competências impostas a profissionais da área de Recursos Humanos. Prevendo assim
necessidades e modificando seu trabalho, gerando resultados palpáveis para as organizações.
(Mion, 2007)
Há uma preconcepção que o psicólogo em Recursos Humanos trabalha apenas com
Recrutamento e Seleção. Isso normalmente acontece pelo fato do profissional ter pouca teoria
sobre como atuar nas organizações, sendo uma das áreas que é melhor remunerada e que mais
oferece estágios a estudantes e profissionais de psicologia. Outro fator agravante é a existência
de uma grande diferença entre o que se aprende e os desafios enfrentados dentro das empresas.
(Mion, 2007)
Ainda que existam outras atribuições ao psicólogo dentro dá área de Recursos Humanos,
a que prevalece está em recrutamento, treinamento e avaliação, não existindo transgressões nesse
encargo. Porém, o que deve preponderar é que o psicólogo não perca seu foco no que tange as
pessoas.

O Processo de Recrutamento e Seleção

O conceito de recrutamento e seleção de pessoas, segundo Coradini e Murini (2009), pode


ser entendido enquanto consistente de uma realização de um processo que visa acrescer talentos
às empresas. De modo geral, o recrutamento e seleção, enquanto conceitos a serem apreendidos
conjuntamente, compõem-se principalmente pela característica relativa ao perfil.
O perfil, na qualidade de característica essencial de recrutamento e seleção, é qualificado
enquanto método de identificação de um indivíduo que mais se adequaria à vaga oferecida em
determinada empresa; esse perfil seria também uma forma de adequação desse indivíduo aos
padrões exigidos pela empresa, de modo que o indivíduo perderia sua subjetividade ao sujeitar-se
às vontades da empresa que, por sua vez, visa, indispensavelmente, o lucro.
Segundo Ferreira (2001), o verbo recrutar, do qual deriva o termo recrutamento, significa
atrair, aliciar ou angariar, e o verbo selecionar, do qual deriva o termo seleção, significa fazer
seleção ou escolher. No que concerne ao âmbito trabalhista, os termos se adequam uma vez que os
ideais nesse campo de recrutamento e seleção são efetivamente o fato de se escolher determinado
indivíduo a partir de seu supramencionado perfil a fim de atraí-lo à determinada oportunidade
dentro de uma organização.
O recrutamento consiste na busca dos profissionais destinados à determinada vaga; a
seleção é um processo que se dá após o recrutamento e nesta ocorrem uma ampla gama de
processos tais como análise de currículos, entrevistas, testes psicológicos e/ou práticos, dinâmica

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 305


NO ONTEXTO BRASILEIRO
de grupos e a consulta de referências, e que podem não se realizarem em sua totalidade ou nessa
respectiva ordem.
No que tange à prática psicológica nesse âmbito, cabe ao profissional da área possuir
conhecimentos no que se refere à testagem psicológica e à produção de laudos técnicos, visto
que, a partir dos mesmos, esse indivíduo terá ou não sua contratação efetivada. A testagem
psicológica em si no que concerne à seleção de pessoas é um método que qualifica e restringe
excessivamente o sujeito, portanto, apesar de ser válido em uma seleção de pessoas, não pode
ser a única ferramenta utilizada no processo e nem com imprudência (Aguiar, 1981). E, portanto,
os mesmos, bem como todo o processo de seleção, devem ser realizados de maneira cautelosa já
que, consoante a situação, uma diversidade de questões de ordem ética poderiam ser implicadas.

Código de Ética e Resoluções do Conselho Federal de Psicologia

Para atuar na área de Recursos Humanos, recrutar e selecionar, não é obrigatório ser um
profissional da psicologia, porém, nossa profissão nos capacita e legítima esse direito. Entre as
atribuições e funções do psicólogo, o Decreto nº 53.464 de 1964 prevê no Art. 4º que o mesmo
deve utilizar métodos e técnicas psicológicas com o objetivo de: “a) diagnóstico psicológico; b)
orientação e seleção profissional; c) orientação psicopedagógica; d) solução de problemas de
ajustamento”.
Em relação a uma atuação ética no processo de recrutamento e seleção, primeiro, devemos
olhar para a categoria, seja psicólogo, administrador, assistente social ou pedagogo, sempre haverá
um código de ética diferente que regulamente a atuação de sua profissão. Logo, recorremos ao
Código de Ética do psicólogo, para fundamentarmos nossa discussão acerca de recrutamento e
seleção.
Ao indicar uma pessoa para empresa, o recrutador assume grande responsabilidade, fazendo-
se necessário que este processo ocorra de forma ética e transparente. As normas previstas no Art.
1º, alínea c, do Código de Ética do Psicólogo, indicam princípios básicos que devemos portar,
como: “Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas
à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente
fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional.” (CFP, 2005)
Neste sentindo ainda, independentemente do tipo de entrevista escolhido, dos testes ou
avaliações aplicadas, é de suma importância após o termino do processo seletivo, oferecer o
feedback aos candidatos. Este procedimento deve ocorrer em qualquer etapa do processo, como
prevê no Art. 1º, alínea g “Informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação de
serviços psicológicos, transmitindo somente o que for necessário para a tomada de decisões que
afetem o usuário ou beneficiário.” (CFP, 2005)
Outro aspecto relevante é que o psicólogo, precisa ser um profissional livre de preconceitos,
discriminações, rejeições e restrições, essencialmente enquanto atua em um processo de
recrutamento e seleção. O código de ética da profissão delimita o que é vedado ao psicólogo
no Art. 2º, na alínea a, ressalta que não se deve “praticar ou ser conivente com quaisquer atos
que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão”. É
essencial conduzir os processos de recrutamento e seleção, de forma neutra e imparcial.
Cabe ao psicólogo também, segundo o Art. 3º do código de ética: “ao ingressar, associar-se
ou permanecer em uma organização, considerará a missão, a filosofia, as políticas, as normas e as
práticas nela vigentes e sua compatibilidade com os princípios e regras deste Código”. O psicólogo
deve então, apreender da empresa a qual prestará serviços seu posicionamento no mercado, bem
como seus produtos, sua cultura, seus valores e princípios; sua missão, visão e objetivos e verificar
se isto está harmônico com o código que vigora sua profissão.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Para nos portarmos de uma maneira ética, de acordo com o Manual de Psicologia
Organizacional (2007), é importante estar esclarecido que o exercício profissional do psicólogo
deverá pautar em condições teóricas, técnicas e éticas desejadas, e que o psicólogo deve buscar
permanentemente manter-se informado teórica e tecnicamente, por meio de leituras, cursos,
participação em eventos, contatos com profissionais da área, supervisão e outras fontes.
A resolução nº 013/2007 dispõe informações acerca do Psicólogo especialista em Psicologia
Organizacional e do Trabalho e enfatiza que este deverá desempenhar atividades relacionadas à
“... recrutamento, seleção, orientação e treinamento, análise de ocupações e profissiográficas e no
acompanhamento de avaliação de desempenho de pessoal, atuando em equipes multiprofissionais.
Utiliza métodos e técnicas da psicologia aplicada ao trabalho, como entrevistas, testes, provas,
dinâmicas de grupo, etc.” (CFP, 013/2007)
Não há resoluções especificas do Conselho Federal de Psicologia que condizem ao
funcionamento da autonomia e o exercício da profissão do psicólogo de recrutar e selecionar. A
resolução que dá a regulamentação dessas pratica é a de n.º 01/2002 que expõe sobre Avaliação
Psicológica.
O psicólogo que presta serviços de recrutamento e seleção precisa ter bem claro que as
atividades desenvolvidas, podem ser praticadas por profissionais oriundos de diversas áreas de
formação (Naguel, 2007). Torna-se necessário, ter o seu diferencial competitivo, colocando-se
em posição estratégica para ter acesso às informações relevantes da empresa no que se refere a
processos, propondo-se como um psicólogo investigador prático, e não como mero aplicador de
técnicas.

Psicologia e Administração

Nos últimos anos muitos psicólogos têm sofrido penalidades por trabalharem na atividade
de treinamento e seleção de pessoal por parte do Conselho Regional de Administração (CFA) que
autuou alguns psicólogos a se inscreverem no conselho regional por compreender que esta é a
uma condição indispensável para o exercício legal da profissão nesta área.
Os conselhos regionais de Administração em meados da década de 90 multaram psicólogos
alegando que estes exerciam atividades que são inerentes à profissão do administrador por isso, o
CFA através de resolução define a atuação de recursos humanos do psicólogo como exercício ilegal
da profissão. Em resposta o CFP por meio da resolução 008/1998 normatiza que o psicólogo que
exerce atribuições profissionais não está obrigado a se inscrever ou contribuir com o Conselho
Regional de Administração, e caso ocorra à autuação o CFP auxiliará com a orientação jurídica
necessária.
Por fim foi definido judicialmente que não há exclusividade da atividade de recrutamento e
seleção para os profissionais administradores, uma vez que a é Lei n° 4.119, 1962, em seu artigo
13, § 1ºconstitui.

Constitui função privativa do Psicólogo e utilização de métodos e técnicas psicológicas com


os seguintes objetivos a) diagnóstico psicológico; b) orientação e seleção profissional; c)
orientação psicopedagógica; d) solução de problemas de ajustamento. § 2º É da competência
do Psicólogo a colaboração em assuntos psicológicos ligados a outras ciências. (Brasil, Lei
4.119, 1962, art. 13).

E a Lei 4.769 de 1965 em seu artigo 2º

A atividade profissional de Técnico de Administração será exercida, como profissão liberal


ou não, VETADO, mediante: a) pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 307


NO ONTEXTO BRASILEIRO
assessoria em geral, chefia intermediária, direção superior; b) pesquisas, estudos, análise,
interpretação, planejamento, implantação, coordenação e controle dos trabalhos nos
campos da administração VETADO, como administração e seleção de pessoal, organização
e métodos, orçamentos, administração de material, administração financeira, relações
públicas, administração mercadológica, administração de produção, relações industriais,
bem como outros campos em que esses se desdobrem ou aos quais sejam conexos. (Brasil,
Lei 4769, 1965, art. 2).

Destarte, é importante salientar que ambos profissionais têm um papel importante para
o recrutamento e seleção, cada um contribui com os conhecimentos específicos de sua área,
portanto o trabalho de recrutamento e seleção deve ser multiprofissional com diferentes olhares
para o fenômeno. O psicólogo deve levar o diferencial da Psicologia buscando enxergar o sujeito
integralmente.

Conclusão

No decorrer do texto vimos que fora ampliado o espaço de atuação da psicologia conforme
as necessidades com o passar das décadas, demandas sociais e reconhecimento do profissional
da área. Compreende-se que em cada ambiente, havendo a presença do psicólogo, este colocará
a profissão em prática de acordo com o que lhe é exigido naquele âmbito, ou seja, é sabido sobre
a diferença de trabalho do psicólogo desde a clínica particular até o espaço escolar, por exemplo.
Portanto, a realidade da psicologia continuaria sendo distinta inclusive no campo do RH,
mais precisamente levando em consideração o recrutamento e seleção, como já foi ressaltado, o
local responsável pela contratação de novos trabalhadores.
Da forma que conhecemos o trabalho, a necessidade de exercer alguma função está e/ou
estará presente na vida da maioria dos indivíduos, devido o sistema no qual nos encontramos,
que nos direciona para a busca no mercado de trabalho, numa realidade onde há dificuldades
para sobreviver sem algum tipo de renda, seja ela conquistada de forma autônoma ou com
vínculo empregatício. Esse vínculo empregador-empregado, antes que seja concretizado haverá
um processo, processo este pelo qual muitos estão passíveis a se deparar, serem recrutados e
selecionados para uma determinada vaga.
O entendimento acerca de Recrutamento Seleção nos mostra o quanto é fundamental o
papel exercido por quem estará recrutando e selecionando pessoas para os cargos profissionais, é
notável a importância dessa função devido ao, cada vez mais, elevado número de candidatos para
determinada vaga, independente da função a ser preenchida no local de trabalho.
Os profissionais que vão desempenhar o papel de recrutador e selecionador, nas empresas,
por exemplo, terão que avaliar nos concorrentes à vaga critérios que condizem com aquilo que a
área de trabalho exige. O psicólogo, exercendo esse papel terá o aparato material utilizado apenas
pela psicologia, além de seu conhecimento enquanto psicólogo e também, a necessidade de seguir
possíveis ordens da empresa para com a futura contratação.
Cada indivíduo carrega suas particularidades quanto ao passado profissional e demais
referências curriculares, as distinções só aumentam dentro da grande concorrência, exigindo
competência no trabalho que será desempenhado ao selecionar os novos funcionários.
Quanto a produção científica na área do RH, Tonetto et al. (2008) nos diz que o número
de trabalhos que aprofundam de forma tradicional no tema de recrutamento e seleção tiveram
uma redução nas publicações. Isso revela que pontos importantes dentro da seleção de pessoas,
finalmente estão sendo valorização, principalmente quando se refere à promoção de qualidade.
Apoiado nas exigências de sua profissão, o psicólogo, enquanto recrutador e selecionador
deverá ser ético durante o delicado trabalho de selecionar o melhor candidato. Mas sabemos que

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
geralmente, não é apenas a ação do psicólogo, o currículo e as exigências apenas profissionais da
empresa que contribuem para a contratação, infelizmente há casos que fogem a ética. Casos estes
que nos trazem à tona que ainda há algum tipo de descriminação no ato das contratações, seja
pela cor da pele, sexo ou idade.
O campo do recrutamento e seleção é mais um onde os psicólogos podem atuar e contribuir
com seu conhecimento e ética nas melhores contratações possíveis. Tanto nesta área de exercício
da psicologia quanto as diversas outras, a problematização no que tange as descriminações,
ainda vigentes no cotidiano e assim também presentes da relação laboral, devem ser levadas para
o âmbito de trabalho, evitando que seleções sejam feitas sem o exercício da ética e do respeito.
Tonetto et al. (2008) nos trouxe apontamentos que reforçam a necessidade de mudança,
mudanças estas já notadas quanto aos artigos científicos ao retratarem temas, que em décadas
passadas pouco se discutia. Interessante seria fazer essa mudança ocorrer mais ainda dentro da
empresa, no ato do recrutamento e seleção.

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310  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EIXO TEMÁTICO

PSICOLOGIA HOSPITALAR
ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS NA PSICO-ONCOLOGIA
Ana Mires Beserra
Maria Aurelina Machado de Oliveira
Welyton Paraíba da Silva Sousa
Karolyna Pessoa Teixeira Carlos

Introdução

O
câncer é responsável por mais de 12% entre todas as causas de morte em todo o
mundo. Ao todo, são cerca de 7 milhões de pessoas morrendo por ano, em razão
dessa enfermidade. No Brasil, devido à grande variabilidade de tipos de câncer e
com o crescente envelhecimento da população, identifica-se um grande aumento no aparecimento
desta enfermidade. Isso se dá pelo fato de agentes ambientais e mudanças nos hábitos serem
fatores predominantes em países em desenvolvimento (Ministério da Saúde, 2006).
Ao falar de câncer, a primeira palavra que surge à mente é a morte, pois a patologia causa
muita dor e sofrimento ao doente. Por conta disso, quando um paciente é diagnosticado com
a doença é necessário que haja uma reorganização familiar. Com isso, a família deve buscar
se adaptar às perdas que o paciente irá sofrer e à realização de cuidados brandos. Além disso,
deve estar preparada para lidar com os conflitos que irão surgir no próprio paciente, devido à
suspensão de alguns planos e nas mudanças que acontecerão, tanto no físico quanto em seus
aspectos cognitivos (Barsott, 2010).
O processo de hospitalização não deve ser visto somente como mera internação hospitalar,
mas também deve ser enxergado como um construto de fatores que implicam de diversas maneiras
na vida do indivíduo, a partir do momento em que descobre a doença. Nesse processo do adoecer,
o psicólogo deverá possuir um olhar humanizado e enxergar esse adoecimento com um todo,
buscando melhorar as condições de saúde (Scannavino, 2013).
No ambiente hospitalar, o psicólogo apresenta função real, na qual se dispõe inteiramente
em benefício da promoção da qualidade de vida do paciente e não se limita exclusivamente à
função de interpretar. Atua no diálogo, avigorando o trabalho estrutural e de adequação do
paciente e familiares no enfrentamento das crises. Nesse sentido, deve prestar suporte, precisa
se mostrar atento, compreensivo, auxiliar no tratamento, identificar os diferentes sentimentos,
dar esclarecimentos acerca da doença e trabalhar o fortalecimento dos vínculos. Trabalhar esses
aspectos é importante para o progresso do tratamento, já que se o paciente conseguir fortalecer
os vínculos e permitir a participação de seus familiares nesse período, favorecerá uma melhor
adaptação ao processo de adoecimento (Cantarelli, 2009).
Desse modo, a performance do psicólogo é entreposta por uma grande demanda de
solicitações, que vão desde preparar o paciente para cirurgias, acompanhando-o no processo
de pré e pós-operatório, até na realização de exames. E, principalmente, no enfrentamento do
desenvolvimento do quadro, estando atento aos problemas mentais que podem surgir, devido à

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
patologia. Tudo isso com o intuito de fazer o paciente ser visto como um ser vivo no procedimento
(Cantarelli, 2009).
O presente trabalho tem a finalidade de apresentar através dos resultados obtidos a
importância da Psicologia da Hospitalar e da psico-oncologia na vida dos enfermos. Tendo em
vista que é uma área em expansão, mas que já possui dados significativos de sua eficácia e a
importância para o paciente oncológico e para a equipe multiprofissional inserida no tratamento
do paciente. Ainda aborda aspectos sobre a adesão do paciente com câncer ao tratamento ser
de difícil adaptação e que inúmeros fatores podem influenciar o agravo da doença, ao levar em
consideração dados do Instituto Nacional do Câncer de 2016 que indicam um aumento em 31%
do número de mortes por câncer no Brasil de 2000 a 2015 (INCA, 2016).
O estudo fundamentou-se na seguinte questão de pesquisa: Quais as principais atuações do
psicólogo na área de oncologia? O objetivo geral foi descrever a atuação do psicólogo hospitalar
com foco no paciente com câncer. E como objetivos específicos buscou-se caracterizar o perfil
do profissional de psicologia; obter informações sobre o estabelecimento do rapport e vínculo com
o paciente; relatar a importância do psicólogo acerca do processo de diagnóstico e adesão do
paciente ao tratamento; demonstrar quais as principais técnicas e/ou estratégias de intervenção
utilizadas por profissionais de psicologia no acompanhamento de pessoas com câncer. A seguir
colocações sobre como a pesquisa foi realizada.

Método

Participantes

Pesquisa qualitativa, na qual participaram 10 psicólogas de Teresina (PI) com experiência na


área de oncologia, sendo os critérios de escolha baseados na área de atuação das profissionais. A
quantidade de participantes foi baseada na técnica de bola de neve, a qual Vinuto (2014) define
como uma análise que irá buscar um modelo de referência para iniciar a pesquisa e a partir deste
conseguir contatar outros sujeitos similares que possuam requisitos buscados na pesquisa.
Para realização da pesquisa, foram elencados alguns critérios para inclusão das
participantes, dentre os quais, frisa-se que as profissionais que participaram foram psicólogas
pelo fato da pesquisa estar buscando profissionais da área da psicologia, onde encontrou-se
apenas profissionais do sexo feminino atuantes na respectiva área de estudo; como critério de
comprovação, foi verificado se as mesmas possuíam registro no Conselho Regional de Psicologia,
já que para exercer a função há uma obrigatoriedade no cadastro junto ao CRP. Outro critério
exigido é que participassem da pesquisa apenas profissionais com experiência na área oncológica,
que estivessem trabalhando no período de realização da pesquisa.

Procedimentos de coleta

A coleta dos dados foi realizada de forma facilitada para as entrevistadas, dependendo da
sua disponibilidade, o que possibilitou a participação seja em ambiente de trabalho como clínicas,
hospitais, residências; e em último caso, envio por meio eletrônico.
O instrumento utilizado foi um questionário estruturado elaborado pelos pesquisadores
continha dados sociodemográficos (idade, sexo, estado civil e jornada de trabalho) e sete
perguntas abertas relativas aos objetivos da pesquisa. Optou-se pelo questionário pelo fato de
fornecer disponibilidade ao entrevistando em discorrer sobre os dados solicitados. Frisa-se que
neste trabalho estão apresentados os dados de apenas quatro questões abertas.
Para encontrar as participantes foi necessário deslocar-se a instituições aonde havia
atendimento oncológico. Houve, também, o contato por meio eletrônico, quando necessário.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 313


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Após contatar as profissionais, com aquelas que se dispuseram a participar marcou-se um dia e
horário para responder ao questionário de acordo com sua disponibilidade.
Na data de aplicação do questionário foram esclarecidos os objetivos da pesquisa e aspectos
éticos, onde envolvia explicar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), além de
solicitar a assinatura do mesmo em 2 vias, demonstrando o consentimento do participante, no
qual dirigiu-se uma via a participante e outra aos bancos da pesquisa.
Por fim, deixou-se a profissional livre para responder aos itens com calma e de acordo
com sua disponibilidade, de forma autoaplicável. Vale ressaltar que o procedimento de coleta
aconteceu nos meses de outubro e novembro de 2017.
O estudo seguiu os critérios éticos estabelecidos na resolução CNS 510/2016, no que consiste
a aspectos relativos à pesquisa anônima, frisa-se que não houve o cadastro na plataforma brasil
pelo fato de não ter um local específico de coleta, o que por sua vez, tornou inviável possuir o
termo de anuência disponibilizado pelo local, já que as psicólogas trabalhavam em diferentes
instituições e foram contatadas por indicações de outras profissionais (bola de neve). De forma
que o consentimento foi realizado mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE).

Procedimento

Acerca dos dados obtidos com os questionários aplicados, destaca-se que com os dados
sociodemográficos foram utilizadas frequências simples ou relativas. Já as respostas aos itens
abertos foram analisadas com o auxílio do software Iramuteq (Ratinaud, 2009).
Através do software Iramuteq, é possível realizar vários tipos de análises, mas na referida
pesquisa utilizou-se com os dados obtidos a análise de similitude. A análise de similitude visa
identificar as ocorrências dentre as palavras e seu resultado aponta a ligação entre as palavras.
Dessa forma, auxilia na identificação de um corpus textual, que corresponde à árvore de palavras
(Camargo & Justo, 2013). Tais dados estão apresentados no item adiante na forma de figuras.

Resultados e Discussão

Dados sociodemográficos

De acordo com os dados coletados todas as participantes foram profissionais de psicologia


do sexo feminino e a maioria era casada. Em relação à idade identificou-se predominância na
faixa etária de 26 a 41 anos. Identificou-se ainda, uma variação salarial, o que está ligado à sua
jornada de trabalho. A maioria das psicólogas possuíam uma jornada de trabalho de 40 horas
com uma renda mensal entre 3.000 e 6.000 reais.
Tais dados podem estar relacionados ao perfil de graduandos no curso de Psicologia, que
Figuerêdo e Cruz (2017) destacam como uma classe dominada por mulheres, pelo fato de estar
diretamente ligada a uma profissão de cuidados, onde se construiu culturalmente que profissões
com essa roupagem são tipicamente e exclusiva para mulheres, como também predominarem
jornadas de trabalho acima de 30 horas. Ainda sobre o perfil sociodemográfico das pesquisadas
é relevante destacar que na cidade de Teresina-PI, ainda são poucas as profissionais atuantes
nesta área, mas que a importância dela está passando a abrir espaço para novos profissionais
ingressarem neste setor.

Dados da atuação profissional

A partir desse tópico inicia-se a apresentação dos resultados referentes à atuação das
psicólogas, que corresponderam às respostas aos itens abertos do questionário que foram
organizados e analisados com o auxílio do software Iramuteq. Na Figura 1 está apresentada a

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
análise de similitude acerca das respostas das psicólogas sobre como estabelecem o rapport e
vínculo terapêutico com pacientes com câncer.

Figura 1. Análise de similitude - estabelecimento do rapport e vínculo terapêutico

De acordo com os dados apresentados na Figura 1, observou-se que o núcleo central


para o estabelecimento do rapport e vínculo devem ser realizados promovendo acolhimento, no
contato inicial com o paciente e que seja um processo com empatia, aguardando a demonstração
do paciente em apresentar sua demanda. Foi possível identificar ainda que nas respostas das
psicólogas, o foco é sempre o paciente, o que ele apresenta, de forma que as profissionais prezam
pelo acolhimento no contato inicial, buscando, dessa forma, criar um vínculo através da escuta
qualificada e da empatia, buscando amenizar as angústias frente a doença e ao tratamento.
Considerando os dados apresentados na Figura 1, os dados apresentados são ratificados
por colocações de Simonetti (2004, p. 21) sobre o foco da atuação em psicologia hospitalar visar
“curar sempre que possível, aliviar quase sempre, consolar sempre” (p. 21). Ainda deve ser levado
em consideração, no contato entre psicólogo e paciente, todos os aspectos que o envolvem, tais
como gestos, olhares e o silêncio. E, além disso, enxergar as resistências destes, quanto a sua
maneira de perceber, de interpretar a figura do psicólogo e da equipe, já que este se encontra
em um momento de fragilidade (Simonetti, 2004). Acerca da importância do profissional de
psicologia no momento de diagnosticar pessoas com câncer, os dados obtidos estão apresentados
na Figura 2.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 315


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Figura 2. Análise de similitude a importância do psicólogo no diagnóstico.

A partir da análise dos dados, observando o núcleo central da Figura 2, percebe-se que as
profissionais acreditam que seu papel é de fundamental importância no momento do diagnóstico,
de forma a ser visto como suporte na obtenção de redução do impacto causado pela doença e
ajuda a promover habilidades ao paciente no enfrentamento da mesma. Dessa forma, o trabalho
do profissional pautado na psico-oncologia no momento do diagnóstico serve como auxilio tanto
para o paciente quanto para a equipe envolvida. Este profissional deverá favorecer a troca de
informações, colaborar para que o paciente seja visto em sua totalidade e identificar as falhas na
comunicação acerca da doença do paciente.
Ao analisar a Figura 2, pôde-se perceber que a psico-oncologia tem sido vista pelas psicólogas
conforme as colocações de Costa Junior (2001) como indispensável para promover condições de
qualidade de vida ao paciente com câncer, diminuindo os eventos estressores relacionados ao
processo de adoecimento. Estão ainda de acordo com a afirmação do autor que o profissional
da oncologia independente de sua abordagem teórico-filosófica deve ultrapassar os limites da
psicoterapia e buscar trabalhar com o paciente onde quer que ele se encontre. Esse profissional
deve priorizar a mudança de comportamento relacionado à saúde do indivíduo e apresentar
ao paciente que situações de risco poderão estar disponíveis em diversos contextos e mostrar
habilidades para lidar com isso, essa atuação focada no paciente foi indicada pelas psicólogas na
Figura 2.
Os dados dispostos na Figura 3 destacam a importância do psicólogo na adesão ao
tratamento, indicando que a psicologia se faz necessária neste início do tratamento para o
paciente e familiares, possibilitando que estes falem sobre seus medos e angústias. O psicólogo é
visto como essencial tanto no momento da adesão como no enfrentamento da doença, já que este

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possibilita a escuta para os envolvidos no adoecimento e reduz a ansiedade no momento presente.
Tais dados podem ser observados na Figura 3.

Figura 3. Análise de similitude papel do psicólogo na adesão ao tratamento

Conforme apresenta a Figura 3, é de grande importância a presença do profissional de


psicologia na adesão ao tratamento, sendo o paciente o núcleo central da análise de similitude. O
psicólogo representa aspectos positivos na vida do paciente e é visto como apoio nesse momento
tão delicado, que é o tratamento de câncer.
Paralelo ao processo de adesão apresentado na Figura 3 é interessante destacar colocações
de Cardoso (2007) sobre a sensação de perda de controle do próprio corpo e a sensação de perda
de liberdade devem ser tratadas com cautela no momento da adesão do tratamento. O paciente
com dor, além de apresentar fisiopatologia específica, ainda é vulnerável a fatores ambientais, o
que pode causar ansiedade (Castro & Barroso, 2012).
Na psicologia, as técnicas são utilizadas de acordo com a abordagem que o profissional
segue. O objetivo de investigar esse aspecto na aplicação do questionário foi verificar como ocorre
o uso das técnicas independentemente da abordagem no contexto hospitalar e, especialmente, no
tratamento de pacientes oncológicos o que pode ser verificado na Figura 4.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 317


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Figura 4. Análise de similitude das principais técnicas

De acordo com a análise de similitude apresentada na Figura 4, o acolhimento é visto


também como uma técnica utilizada no atendimento ao paciente com câncer. Além disso, a
técnica de psicoeducação é considerada importante, já que esta possibilita educar os pacientes
quanto a seus sintomas e torná-los agentes de cuidados de si mesmo, sendo participantes ativos
no processo terapêutico. Uma segunda técnica apresentada nas respostas das profissionais em
questão foi a intervenção em grupos, no qual pode ser realizada com pacientes e também com os
familiares, buscando através da troca de experiências um ser suporte para o outro.
Diante da análise da Figura 4, considera-se que além do psicólogo ser fundamental na
adesão ao tratamento, este pode dispor do uso de técnicas no qual, Mosimman e Lustosa (2011)
citam que o psicólogo hospitalar vem para construir novos conceitos e formas de atendimento,
questionando os modelos tradicionais na psicologia. Diante disso, pode-se ter como auxilio o uso
da terapia cognitiva, buscando tornar o paciente e seus cuidadores conhecedores dos reflexos da
doença, o que é fundamental para alívio e controle da dor (Castro & Barroso, 2012).
Posterior ao uso dessas técnicas recomenda-se a prática de psicoterapia no qual também
foi citado pelas profissionais e pode ser observada na Figura 4. Considerando que a prática de
psicoterapia é necessária a todo indivíduo, já que esta tem o objetivo de mediar o sujeito na
construção de ferramentas que lhe possibilitem ver as situações de outra forma (Langaro, Pretto
& Cirelli, 2012).

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Portanto considera-se que o papel do psicólogo frente ao adoecimento de pessoas com
câncer é de grande importância, já que este auxilia no alívio da dor, no enfrentamento da doença,
no fortalecimento dos vínculos e favorece uma compreensão frente à doença. Dessa forma,
este profissional age diretamente no contato entre paciente, família e equipe, favorecendo uma
melhora na comunicação e na relação um com o outro. O profissional de psicologia, enquanto
integrante da equipe multidisciplinar, deve atuar sempre em busca de identificar a percepção do
paciente diante do momento em questão e favorecer para que ele acredite nas possibilidades e
meios de luta contra a doença.

Considerações Finais

Através dessa pesquisa, foi possível identificar a visão de psicólogas acerca da importância
do seu papel no ambiente hospitalar, na cidade de Teresina-PI. Diante dos resultados obtidos
acerca dessa atuação, as respostas podem ser consideradas semelhantes, já que estas tiveram
uma grande frequência de opiniões similares ao que se buscava identificar. Com isso, é relevante
destacar que o objetivo desta pesquisa foi alcançado e que em alguns momentos superaram as
expectativas diante dos relatos apresentados pelas profissionais, contribuindo para o desejo de
prosseguir com o desenvolvimento de pesquisas nessa área.
Diante dos dados obtidos, pode-se considerar que esta pesquisa é relevante para profissionais
de psicologia, áreas afins da saúde, familiares de pacientes com câncer e, também, para os próprios
pacientes. Após o estudo se faz oportuno relatar o quão é importante a ligação da psicologia com
a oncologia, tendo em vista que essa área favorece grandes avanços no tratamento e promove o
bem-estar para os adoecidos.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
LUTO ANTECIPATÓRIO EM FAMILIARES DE PACIENTES
ONCOLÓGICOS E PALIATIVOS: UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA
Maria Beatriz dos Santos Dias
Catarina Pessoa Cardoso
Thamyris Tabosa de Sousa

Introdução

C
aracterizado como um conjunto de mais de 100 doenças que tem em comum o
crescimento desordenado (maligno) de células que invadem os tecidos e órgãos,
o câncer é uma doença de tendência e evolução progressiva, e algumas vezes
incontrolável. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA) (2016, para. 3) suas causas são
variadas e inter-relacionadas, sendo resultado dos aspectos multifatoriais da sua etiologia, uma
vez que as particularidades hormonais, ambientais e genéticas de cada sujeito contribuem para o
surgimento dessa neoplasia.
De acordo com a estimativa do Instituto de Câncer no Brasil (2015), a incidência de câncer
será 326, 51 casos por 100 mil habitantes, o que representa mais de 400 mil novos casos em 2016;
enquanto no Piauí, estima-se 4.680 novos casos e a taxa de incidência será 53,60 na capital por
100 mil habitantes no mesmo ano.
O tratamento pode envolver cirurgia, radioterapia, quimioterapia e (ou) transplante de
medula óssea ou ainda estes em combinação, dependendo do tipo e estadiamento da doença.
Porém, os mesmos tendem a ser invasivos, com efeitos colaterais dolorosos e desconfortáveis,
gerando repercussões, tanto a nível individual como familiar. Assim, o suporte psicológico deve
ser incluído ao tratamento do paciente oncológico.
No Brasil os primeiros movimentos relacionados à Psico-Oncologia ocorreram em 1989,
em Curitiba, no Primeiro Encontro Brasileiro de Psico-Oncologia e, em seguida, no ano de 1992,
em Brasília na sua segunda edição. Os espaços tinham como principais objetivos a discussão e
debate acerca do tratamento de pessoas com câncer e o acesso aos conhecimentos teóricos que
servissem de base para a prática profissional do psicólogo. Em outros países, a Psico-Oncologia
está associada diretamente à medicina, conforme explica Gimenes (2003).
De acordo com o autor, a Psico-Oncologia pode ser definida como “Interface entre a psicologia
e a oncologia que utiliza conhecimento educacional, profissional e metodológico proveniente da
psicologia da saúde para aplicá-lo na assistência ao paciente, família e profissionais envolvidos,
na pesquisa e organização destes serviços”. (Gimenes, 2003, p. 43). O campo vem dar evidência
aos aspectos psicossociais envolvidos na dinâmica de vida do paciente oncológico, considerando
essencial a integração desses aspectos na assistência a esse público, quebrando o modelo médico
vigente até meados do século XX.
Ademais, as intervenções psicológicas no cuidado ao paciente oncológico envolvem níveis,
conforme explica Gimenes (2003), que vão desde a prevenção até a detecção, diagnóstico,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 321


NO ONTEXTO BRASILEIRO
reabilitação e tratamento contínuo, além da etapa referente à terminalidade e emoções diante da
eminência da morte. Além do mais, para Costa (2001), é objetivo do psicólogo a identificação
de variáveis psicossociais e contextos ambientais que favoreçam o processo de enfrentamento da
doença.
O diagnóstico de câncer é repleto de estigmas em virtude da associação com as dores e a
finitude da vida, o que resulta em grande sofrimento, angústia, desespero, medo e ansiedade
para o paciente e sua família, implicando perdas reais e subjetivas. Além disso, é esperado o
choque como primeira reação diante desse adoecimento, o que dificulta a percepção dos
demais sentimentos inerentes à nova realidade com a rotina médica, os tratamentos invasivos,
a possibilidade de cirurgia e a imprevisibilidade do desfecho (cura ou morte). “O atendimento
a pacientes portadores de câncer e seus familiares e equipes de saúde reverte-se de um caráter
específico que só vai aparecer no atendimento a esse tipo de doente” (Campos, 2010, p. 3).
A concepção de cuidado ao paciente fora de perspectiva de cura como conhecemos hoje, de
acordo com Santos (2011), surgiu na segunda metade do século XX. Conhecido como movimento
hospice moderno, iniciou-se com Cicely Saunders, a qual fundou o primeiro hospital voltado para
pacientes que não tinham perspectiva de cura para sua doença, o St. Christopher’s Hospice, na
Inglaterra. Cicely tornou-se a precursora da filosofia dos cuidados paliativos.
No Brasil o movimento teve início na década de 1980, com crescimento significativo a
partir do ano 2000. Em 1882, o Comitê de Câncer da Organização Mundial de Saúde (OMS)
define as primeiras políticas de cuidados paliativos criando em 1990 a primeira definição, que
foi revisada em 2002 e substituída pela atual. De acordo com a OMS (2002) cuidados paliativos
são a assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, com objetivo de proporcionar uma
melhor qualidade de vida ao paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida,
“através da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e
tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais” (OMS, 2002, para
1).
Tendo em vista essa realidade a portaria nº 3.535 de 2 de setembro de 1998, que estabelece
critérios para cadastramento de centros de atendimento em oncologia, torna obrigatória a
presença do psicólogo nos centros. Evidenciando a relevância do profissional junto a equipe e ao
cuidado do paciente oncológico, desde o diagnóstico até o tratamento ou nos casos em que a
doença não é mais passível de tratamento curativo.
A abordagem paliativa entra em cena diante daqueles casos em que a doença já apresenta
estágio avançado ou mesmo quando o tratamento com objetivo curativo já não demonstra mais
resultado. Pela primeira vez, uma abordagem inclui a espiritualidade entre as dimensões do ser
humano e chama a atenção para o apoio à família após a morte do paciente.
Dessa forma, a carga devastadora de sintomas físicos, emocionais e psicológicos vivenciados
por pacientes estende-se para a família diante da responsabilidade do cuidado ao doente, das
informações médicas complexas e administração de suas vidas. “Os cuidadores familiares de
pacientes com cuidados paliativos não só enfrentam as demandas associadas ao cuidado, como
também a dor e a perda associadas à morte iminente do parente” (Hudson, Remedios & Thomas,
2010, p. 2).
Os estudos sobre a morte surgem de forma mais sistemática a partir da década de 60, no
campo das ciências sociais. Segundo Menezes (2015), a morte teve duas configurações sociais
e simbólicas em momentos históricos diferentes. O primeiro diz respeito à “morte racional”,
descrita como menos oculta e mais presente, sendo encarada como outros aspectos assim como a
vida. Em contrapartida, o segundo momento denominado “morte moderna”, ganha força a partir
do século XX, passando a ser ocultada e privada, como consequência da consolidação social
do hospital e da figura do médico. “A morte toma o lugar da sexualidade como tabu ocidental,

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tornando-se fonte de pudor, passando a ser indecente, suja e, por conseguinte, tem início seu
processo de camuflagem” (Gorer, 1995 como citado em Veras, 2015, p. 67). Assim, a interdição
e a omissão acerca da morte além de reforçarem o tabu desta dificultam o enfrentamento e
elaboração do luto.
O luto pode ser entendido como:

Um processo multidimensional de reação a uma perda, seja simbólica ou concreta, validada


ou não pela sociedade a que o indivíduo pertence. A reorganização do enlutado acontece
por meio da oscilação entre o enfrentamento e o afastamento da dor da perda. Dificuldades
na alternância entre esses dois polos podem indicar complicações no processo de luto, pois
os dois recursos são importantes para sua elaboração (Veras, 2015, p. 123).

Dessa forma, o luto perpassa todos os âmbitos da vida, desde perdas intrínsecas aos ciclos
de vida até as perdas reais de pessoas queridas, incluindo as circunstâncias em que a morte ainda
não é concreta, mas é uma possibilidade iminente, sendo definida essa experiência como Luto
Antecipatório.
Em seus estudos, Fonseca (2004, p. 94) faz um levantamento das definições encontradas na
literatura acerca do luto antecipatório, destacando a definição de Lidemann (1944) como “reação
de pesar genuína em pessoas que não estão enlutadas pela morte em si, mas pela experiência de
uma separação onde há ameaça de morte”. Para o autor, a principal função do Luto Antecipatório
é propiciar um desenvolvimento normal do luto, sendo que seus sintomas básicos são os mesmos
do luto normal.
Nesse sentido, ressalva-se a importância de um espaço para acolhimento e escutas das partes
envolvidas nesse processo, cabendo ao psicólogo esse lugar de exteriorização e reconhecimento
dessas emoções, sem críticas ou julgamentos, possibilitando modificações afetivas que influenciam
em decisões mais assertivas.
Assim, entendendo as reações subjetivas do enlutamento como indissociáveis da vida,
compartilhando da concepção de Veras (2015) a favor da não medicalização do morrer e da morte
na contemporaneidade, acredita-se na importância do Luto Antecipatório como ferramenta
importante e saudável no enfrentamento do luto após perda concreta.
Alguns estudos evidenciam o benefício do acompanhamento psicológico junto aos pacientes
oncológicos e seus familiares, porém, Borges et al. (2006) explica que há poucas pesquisas
referentes à análise das intervenções psicológicas no processo de morrer.
Assim, estudos nesse âmbito devem ser fomentadas com objetivo, não só de evidenciar
a importância do psicólogo nesse campo como também de propor o cuidado psicológico na
assistência a esse público, principalmente nos casos em que não existe perspectiva de cura e a
morte faz-se possibilidade constante. A abordagem paliativista deve se apropriar no âmbito do
cuidado de familiares, envolvendo o trabalho com o luto antecipatório (Bifulco & Caponero,
2016).

Método

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa descritiva do tipo relato de experiência que


tem por objetivo relatar a experiência dos atendimentos psicológicos realizados por profissionais
do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde de Alta Complexidade, na área de
psicologia, do Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí (HU-PI).
O serviço de Oncologia do Hospital Universitário do Piauí é uma aquisição recente nessa
instituição e oferta tratamento, quimioterápico e hormonioterápico, para os seguintes tipos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 323


NO ONTEXTO BRASILEIRO
de cânceres com maior incidência no estado, são eles: colo uterino, próstata, pulmão, mama,
cólon retal, esôfago, estômago, intestino delgado, canal anal, vias biliares, pâncreas, ovário e
endométrio. Conta com uma equipe multiprofissional e interdisciplinar formada por médicos
oncologistas, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, farmacêuticos e técnicos
de enfermagem que prestam atendimento aos pacientes internados e aos pacientes com consulta
agendada via ambulatório.
Dentre as principais atividades realizadas pelos profissionais residentes de psicologia do
Programa no serviço de Oncologia, destacam-se: reuniões com a equipe multiprofissional para
discussão dos casos e auxilio na tomada de decisão e planejamento de condutas; atendimento
psicológico individual no leito com pacientes internados; atendimento de suporte com familiares e
acompanhantes; suporte na comunicação de notícias difíceis (diagnóstico oncológico, recidiva da
doenças, tipos de tratamento ou impossibilidade de tratamento curativo); mediação de grupos de
suporte e apoio com a equipe multiprofissional; atendimento frente a óbitos; encaminhamento
para a rede nos casos necessários.
Para esse estudo, o câncer em estado avançado e fora de possibilidades terapêuticas foi
selecionado considerando as significações emocionais e psicológicas do adoecimento oncológico,
não apenas pelo estigma da doença, envolta de dores, mas também pela possibilidade eminente
de morte. Assim, diante do sofrimento que emerge frente a este tipo de adoecimento, os
atendimentos psicológicos foram realizados junto ao paciente em seguimento paliativo e familiares
próximos, porém este relato realça a assistência prestada as famílias destes pacientes como forma
de proporcionar um atendimento integral. Foi possível identificar peculiaridades evidenciadas na
assistência prestada aos familiares dos pacientes paliativos, desde as repercussões psicológicas
e os mecanismos psíquicos de enfrentamento diante da eminência de morte, até a aceitação da
condição de terminalidade e experiência do luto antecipatório como estágio de preparação para
o luto após a morte real.

Resultados e Discussão

Com a avaliação médica, confirmação do avanço da doença e consequente impossibilidade


de tratamento curativo, a abordagem paliativa entra em cena nesta instituição. O médico
responsável pelo o caso, discute com o psicólogo a condição clínica do paciente e em seguida marca
uma reunião com o(s) familiar(es) próximo(s) e envolvido(s) no cuidado ao paciente. A reunião de
comunicação de notícias difíceis é realizada na presença do psicólogo que age inicialmente como
um mediador do diálogo entre o médico e a família com objetivo de estimular uma linguagem clara
e acessível aos ouvintes, possibilitando uma melhor compreensão das informações ali fornecidas.
Além disso, cabe ao psicólogo oferecer o suporte psicológico imediato, ao fim da comunicação,
considerando o impacto psíquico gerado diante da notícia.
Magalhães e Franco (2012) advertem da importância do suporte familiar desde o momento
do diagnóstico, destacando a necessidade para a comunicação aberta entre família, doente e
equipe médica, com o objetivo de facilitar o processo de adaptação à morte próxima. Segundo os
autores, a fase que precede a morte pode servir para a família como um período de preparação
e reorganização, como também pode ser vivenciada com dificuldade de aceitar a realidade da
morte presente. Assim, após o diagnóstico da doença avançada, as reações de choro e desespero
eram as mais frequentes. Conforme explica Bifulco e Camponeiro (2006, p. 94): “a ameaça
de morte pode, por si só, desencadear ou dar início a uma reação de enlutamento, mudanças
físicas, psicológicas e sociais, períodos alternados de estabilidade e crise, de incertezas quanto ao
funcionamento futuro decorrente do tratamento e seus efeitos”.
Na maioria dos casos foi possível identificar reações de dificuldade de aceitação da condição,

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
sendo mais notória essa reação em familiares de pacientes jovens e com filhos pequenos. Em
contrapartida, percebeu-se que em casos de pacientes idosos a condição terminal era melhor
aceita, nesse primeiro momento. Nesse sentido, as reações iniciais mais obervadas nos familiares
diante da comunicação do avanço da doença eram a negação e a raiva que, em sua grande maioria,
evoluiam gradativamente para a aceitação.
Kubler-Ross (1981), médica psiquiatra, pioneira nos estudos sobre morte e processo de
morrer, explica os estágios de reação diante do processo inicial de uma perda, geralmente ante
a notícia de doenças que ameaçam a continuidade da vida. O primeiro estágio seria a negação,
onde o indivíduo reage negando a situação como uma forma de defesa psíquica; o segundo, a
raiva, o indivíduo reage com revolta, agressividade pois ainda não apresenta recursos psiquícos
adaptativos para lidar com a situação; o terceiro, a barganha, é a fase na negociação onde
o indivíduo faz promessas, junto a alguma entidade de sua crença, com o intuito de reverter
a situação; o quarto, a depressão, o indivíduo se apresenta com o humor mais deprimido, se
isolando do mundo com sentimento de incapacidade diante da situação; e o quinto, a aceitação,
o indivíduo aceita a realidade como ela é e inicia o processo de luto frente a perda.
Apesar de partir da concepção de que tais estágios emergem simultaneamente e não em
uma ordem sequencial, foi possível identificar que nos momentos iniciais à notícia de avanço
da doença oncológica fora de possibilidade de cura, as reações de negação e raiva eram mais
evidentes. Com o passar do tempo as reações de barganha e depressão emergiam, possibilitando
a aceitação da situação de morte eminente, além de favorecer reações de aceitação no momento
do óbito.
Verificou-se, que a partir da aceitação da proximidade da terminalidade do paciente os
familiares passaram a vivenciar o luto antecipatório. De acordo com Fonseca (2004, p. 95):
“Este tipo de luto oferece a oportunidade de uma prevenção primária de modo a evitar o luto
complicado no pós morte”. Assim, evidencia-se a importância do psicólogo nos serviços de
oncologia, tendo em vista a realidade frequente da morte anunciada, como um facilitador do
processo e da experiência do Luto Antecipatório podendo assim favorecer, como consequência,
o luto saudável.
Ainda, durante o período entre a negação e a aceitação, foi possível perceber que em sua
grande maioria os familiares utilizavam como estratégia de enfretamento a aproximação com a sua
espiritualidade e (ou) religiosidade como forma de alívio de sofrimento. De acordo com Cervelin
e Kruse (2014), a espiritualidade diz respeito a um sistema maior de filosofia, que pode ou não
incluir crenças religiosas específicas, e está relacionada às necessidades humanas universais. Por
outro lado, a religiosidade está diretamente associada a um grupo ou sistema de crenças que
envolve o sobrenatural, sagrado ou divino, associada a prática e rituais.
Nesse contexto, tais aspectos foram percebidos como positivo, a partir da escuta psicológica
a esses familiares, sendo possível perceber que nos momentos considerados como o ápice do
sofrimento ao lançarem mão de sua espiritualidade ou de suas crenças religiosas sentiam-se
confortados. “A espiritualidade e religiosidade vêm recebendo atenção na assitência à saúde pois
se constituem em importantes estrátegias de enfrentamento diante das situações que causam
impacto na vida das pessoas” (Cervelin & Kruse, 2015, p.2).
Outra particularidade considerada importante foi as reações emocionais identificadas
naqueles familiares que exerciam a função de cuidador do doente. Além do sofrimento psíquico
evidente, o estresse diante da rotina de cuidados e adaptações drásticas de rotina de vida, eram
experimentadas por estes. O afastamento das atividades de trabalho, afastamento do núcleo
familiar, a vivência da rotina hospitalar e a experiência de acompanhar de perto a piora na
evolução do paciente foram identificadas como as percebidas negativamente pelo cuidador. “O
cuidador familiar precisa de um olhar crítico, visando amenizar os prejuízos da sobrecarga de
atividades de cuidado que geralmente desempenha sozinho e que podem comprometer sua saúde

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 325


NO ONTEXTO BRASILEIRO
física e mental” (Traub & Mengarda, 2016, p.10). Assim, o apoio psicológico prestado a esse tipo
de familiar, em especifico, na realidade do setor de oncologia ia além do suporte emocional,
orientações relacionadas a rodiziamento dos familiares e compartilhamento de tomada de
decisões eram introduzidas a fim de reduzir os impactos relacionados ao cuidado.
Por outro lado, os familiares com função de cuidadores demonstravam satisfação em poder
oferecer atenção e carinho ao seu ente no momento final de sua vida. Traub e Mengarda (2016)
descrevem que o fortalecimento de vínculos familiares a partir do adoecimento gera mudanças
benéficas tanto no paciente como familiar.
Ademais, percebeu-se que os familiares, entre o período de comunicação da doença paliativa
e o óbito, se organizavam no sentido de buscar a resolução de conflitos, peparar os rituais de
despedida buscando atender os desejos do doente, e proporcionar encontros de despedida. Os
psicólogos atuavam como mediadores desses momentos, auxiliando a comunicação entre paciente
e família no que tange a expressão de desejos e opiniões, priorizando o poder de decisão do paciente,
além de facilitar visitas de despedida com o quantitativo maior de familiares no contexto hospitalar.
Segundo Bifulco e Caponeiro (2016), mesmo com o quantitativo atendimento realizado em cuidados
paliativos, psicólogos podem proporcionar, espaço de escuta e acolhimento baseado na empatia,
permitindo o extravasamento de emoções, muitas vezes recolhidas por toda uma vida. Ao abrir
espaço para a exteriorização dessas emoções, sem críticas e julgamentos, facilitamos para o paciente
e a família o reconhecimento acerca de suas emoções e sentimentos possibilitando modificações
afetivas o que implica em decisões mais assertivas para a tomada de decisões.
Nesse entendimento, a filosofia dos cuidados paliativos passa a proporcionar um espaço
de acolhimento de práticas em que seja possível expressar sofrimento, desejos e emoções. “Desse
modo, evidencia-se o caráter diferenciado da modalidade de assistência, que se esforça para
oferecer um atendimento humanizado a pacientes que, outrora, em algum momento de sua vida,
foram informados que ‘não existia mais nada a fazer” (Barreto & Castro, 2015, p. 3).
Por fim, uma outra peculiaridade evidenciada nos atedimentos aos familiares eram as reações
no momento da morte. Mesmo diante de todo sofrimento a conformidade prevalecia, a raiva já
não se fazia mais presente, e mesmo com o choro palavras de agradecimento eram destinadas à
equipe de saúde multiprofissional. Assim, podemos inferir que o suporte prestado aos familiares
foi positivo no sentido que proporcionor uma melhor adaptação diante da situação da morte.
Um estudo americano realizado por Gelfman, Meier e Morrison (2008), com o intuito de avaliar
o impacto de um Programa de Cuidados Paliativos, buscou investigar a qualidade desse serviço
pela visão dos familiares de pacientes que participaram do programa, mas que já haviam morrido.
O estudo evidenciou que os Programas de Cuidados Paliativos melhoram o enfrentamento dos
familiares e que esses se sentem mais confiantes para relatar suas necessidades emocionais e
espirituais, demostrando satisfação com o programa a partir da integração das necessidades da
família ao cuidado com o paciente.
Deste modo, foi possível perceber que a vivência do Luto Antecipatório por familiares de
pacientes oncológicos em seguimento paliativo tem sua importância, mesmo diante de todo
sofrimento, mostrando-se positiva para a aceitação da morte além de influenciar diretamento no
processo de luto saudável, após a morte do paciente. Ao final de cada caso foi possível identificar,
através dos atendimentos psicológicos aos familiares, que o período entre a comunicação do
prognóstico reservado e o óbito do paciente, era vivênciado como uma “preparação” para a morte
possibilitado despedidas, encontros e elaboração da situação diante da proximidade da morte.
Assim, sugere-se que as estratégias de acompanhamento psicológico sejam delineadas
precocemente a fim de destinar um suporte psicológico adequado não só aos pacientes em
seguimento paliativo como também a seus familiares, implicando em uma assistência integral no
momento em que a cura da doença já não é mais possível.

326  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Ademais, levando em consideração, os princípios propostos pela Organização Mundial
de Saúde (INCA, 2002) no que tange a atuação da equipe multiprofissional de Cuidados
Paliativos, dentre eles o de afirmar a vida e considerar a morte um processo normal e; oferecer
uma abordagem multiprofissional para focar nas necessidades dos pacientes e seus familiares
incluindo o acompanhamento no luto, acredita-se que a presente experiência prática tem sua
relevância no sentido de descrever a atuação do serviço de psicologia em um unidade de oncologia
e as especificidades evidenciadas nessa assistência.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A INSERÇÃO NA RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL
DE SAÚDE EM ALTA COMPLEXIDADE EM PSICOLOGIA
DO HU-UFPI: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Thamyris Tabosa de Sousa
Raul Ricardo Rios Lima
Catarina Pessoa Cardoso
Maria Beatriz dos Santos Dias

Introdução

O
declínio do governo militar e o reestabelecimento da democracia, suscitou
mudanças na saúde do Brasil. A população, os profissionais e estudantes da área
da saúde tiveram grande importância em manifestações contrárias ao sistema
de saúde da época, buscando novas formas de fazer saúde sob responsabilidade do Estado. O
movimento conhecido como Movimento de Reforma Sanitária (MRS) tinha como propósito
a construção de um sistema de saúde que utilizasse de políticas públicas, firmado na atenção
primária e favorecendo a qualidade de vida e de trabalho, com fortes influências da Conferência
de Alma-Ata (Silva, Silva & Cardoso, 2017; Ramos & Netto, 2017).
Os ideais do MRS tomaram grandes proporções, alcançando em 1986 a 8ª Conferência
Nacional de Saúde (CNS). A conferência reconheceu as propostas do movimento, entre as quais
estão a consideração da saúde de forma ampliada, a unificação do sistema de saúde, a garantia
aos direitos e a autonomia da população e a responsabilidade do Estado com a saúde pública.
Estes aspectos fomentaram na elaboração de uma seção dedicada à saúde na Constituição Federal
do Brasil de 1988, a qual trouxe diretrizes para a construção do novo sistema de saúde. A partir da
Constituição Federal, foi atribuída ao Estado a responsabilidade em oferecer o direito à saúde a
todos os brasileiros e não somente aos trabalhadores como anteriormente (Coronel, Bonamigo,
Azambuja & Silva, 2016; Pavão, 2016; Silva et al., 2017).
Além de garantir a saúde a todos, a Constituição atribuiu ao Estado o dever de regulamentar,
fiscalizar e controlar as ações e serviços de saúde, que devem compor um sistema único, regionalizado
e hierarquizado de acordo com as seguintes diretrizes: descentralização, integralidade e participação
da comunidade. Ao poder público é destinado ainda a responsabilidade do financiamento do
sistema único de saúde e outras atribuições (Constituição da República Federativa do Brasil,
1988/2015).
Dois anos após a Constituição Federal, são aprovadas as leis nº 8.080/90 e nº 8.142/90,
as conhecidas Leis Orgânicas da Saúde que deram origem ao Sistema Único de Saúde (SUS). A
lei 8080/90 assegura o dever do Estado com a saúde, conceituando o SUS como o conjunto de
ações e serviços de saúde oferecida por instituições públicas e/ou mantidas pelo Estado. Refere-
se também aos objetivos, atribuições, princípios e diretrizes do SUS, bem como sua organização,
direção, gestão, competências, financiamento, participação da assistência privada, planejamento,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 329


NO ONTEXTO BRASILEIRO
recursos humanos e outros. A lei 8142/90 dispõe sobre a participação da comunidade no SUS e
a transferência de recursos financeiros entre as esferas do governo na área da saúde (Silva et al.,
2017; Lei n. 8.080, 1990; Lei n. 8.142, 1990).
O início da implementação do SUS encara vários obstáculos, dentre os quais surge a
preocupação com a formação dos profissionais da saúde, considerando a carência na formação
superior e a exigência de aperfeiçoamento e treinamento de condutas para o exercício no
serviço público oferecido pelo SUS. Esse aspecto já era previsto deste a Constituição Federal,
quando institui o dever do SUS em formar Recursos Humanos para a saúde. Contudo, esse
é um desafio a ser enfrentado (Silva et al., 2017; Constituição da República Federativa do
Brasil, 1988/2015).
No sentido de atender as demandas do sistema de saúde do Brasil tem-se desenvolvido
estratégias para a formação e capacitação desses profissionais para a atuação multiprofissional
e interdisciplinar através de políticas públicas de educação e saúde, viabilizadas pelo Ministério
da Saúde (MS) e pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Uma das estratégias promovidas
pelo MS e MEC para aproximação da formação e atuação na saúde pública, são os programas de
Residência Multiprofissionais em Saúde que estão estreitamente vinculadas aos ideais da Reforma
Sanitária e do SUS, e buscam despertar a criticidade das dinâmicas de trabalho na saúde pública
(Wottrich, Souza, Seelig, Vigueras & Ruschel, 2007; Cavallet, 2016).
A origem das Residências Multiprofissionais esta relacionada às Residências Médicas. A
princípio o termo residência refere-se ao início dos programas de residência médica em que, para
dedicar-se integralmente ao serviço, os médicos deveriam residir nos hospitais. Atualmente não
é necessário que se resida nas instituições de saúde, contudo o termo permanece em referência a
dedicação integral ao programa. No Brasil, a residência médica teve início em 1940 por influência
norte-americana, mas só em 1977 foi reconhecida como modalidade de pós-graduação em
serviço. A primeira profissão a copiar o modelo médico de pós-graduação por meio dos programas
de residência foi a enfermagem em 1960, seguindo os moldes da residência médica (Ferreira &
Olschowsky, 2010).
A primeira Residência Multiprofissional do Brasil surgiu na Escola de Saúde Pública do
Rio Grande do Sul (ESP/RS) entre os anos de 1976/77 incluindo medicina, enfermagem, serviço
social e medicina veterinária. O programa com ênfase na saúde comunitária fazia uso da atuação
em equipe multiprofissional, superando o modelo biomédico. Posteriormente a Residência
Multiprofissional em Saúde (RMS) foi reconhecida nacionalmente como forma de integrar as
profissões da saúde (Ferreira & Olschowsky, 2010).
A Residência em Área Profissional da Saúde foi instituída a partir da lei 11.129/2005 como
uma modalidade de pós-graduação latu sensu de responsabilidade da saúde e da educação, com
dedicação exclusiva e caracterizada pela formação em serviço dirigida às profissões da saúde,
salvo a medicina. Na mesma lei foi criada a Comissão Nacional de Residência Multiprofissional
em Saúde (CNRMS). Em 2012, a resolução nº 2 assegurou as diretrizes gerais para os Programas
de Residência Multiprofissional e em Área Profissional de Saúde, instituindo as orientações do
programa pelos princípios e diretrizes do SUS. As Residências Multiprofissionais funcionam como
cursos de especialização com carga horária semanal de 60 horas e duração mínima de dois anos
(Lei n. 11.129, 2005; Resolução n. 2, 2012).
Ao mesmo tempo em que rompe a exclusividade médica de formação por residências, a RMS
reconhece-as como modelo a ser seguido, apresentando-se como estratégia de formação que
busca a mudança dos parâmetros nas relações profissionais de saúde e almejando a integralidade
do cuidado (Dallegrave & Kruse, 2009).
As Residências Multiprofissionais na Área da Saúde compreendem as áreas de Biomedicina,
Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia,

330  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional.
Busca a integração do ensino, serviço e comunidade com o objetivo de oferecer uma inclusão
qualificada dos profissionais da saúde (especialmente os profissionais recém-saídos da graduação)
no mercado de trabalho, particularmente em áreas em que o SUS possui maior necessidade
(Resolução n. 2, 2012).
De acordo com Moraes, Castro e Souza (2012) a operacionalização da RMS objetiva
uma formação coletiva que aconteça no mesmo campo de atuação, respeitando, obviamente,
os conhecimentos específicos de cada área profissional. Ceccim e Ferla (2007) afirmam que a
formação em serviço favorece o aperfeiçoamento específico devido o trabalho em equipe e com
a comunidade acontecerem diretamente nos locais onde os fenômenos acontecem. A assistência
continuada em saúde permite a interlocução entre saberes e práticas, construindo novas formas
de atuação profissional com maior adequação às necessidades da população.
Dessa forma, a RMS se opõe à fragmentação das áreas da saúde, considerando o
adoecimento de uma forma biopsicossocial e não apenas biológico. Com isso, se consolida como
uma metodologia de formação de recursos humanos para o SUS com capacidade de reformular
as práticas tradicionais (Funk, Faustino-Silva, Malacarne, Rodrigues & Fernandez, 2010).
No programa da RMS faz-se necessária duas instituições: uma instituição de Ensino
Superior, que se responsabilizará pela formação e oferecimento do programa; e uma instituição
onde ocorrerão as atividades práticas da RMS, que compreenderá a maior dedicação do residente.
As metodologias recomendadas pelas diretrizes gerais dos programas de RMS consistem na
compreensão da clínica ampliada, com uma formação pedagógica e prática associada à atenção
integral, multi e interdisciplinar. Ademais, esse conhecimento prático-teórico deve estar interligado
para a construção conjunta de habilidades e competências, transformando não apenas a formação
em saúde como a atuação em serviço e a gestão (Cavallet, 2016; Resolução n. 2, 2012).
Considerando o caráter multiprofissional na busca da integralidade do cuidado pela RMS,
muitas áreas profissionais ganharam mais espaço e visibilidade na assistência à saúde. A Psicologia
é uma delas, que ganhou reconhecimento pela valorização de aspectos subjetivos e sociais
relacionados à saúde e doença, contribuindo através da equipe, na abordagem biopsicossocial.
Devido a inserção recente da psicologia na área da saúde, o início do programa de residência em
psicologia foi marcado pelo pioneirismo na área, mas também pela ausência de regulamentação,
reconhecimento e auxílios (Reis & Faro, 2016; Ferrari & Moreira, 2009).
O Conselho Federal de Psicologia regulamentou os programas de residência da área no
ano 2000 através da resolução nº 009/2000 que instituiu normas técnicas para a residência em
psicologia na área da saúde. A resolução 009/2000 foi alterada em 2007 pela resolução do CFP
nº 015/2007 que normatizou e credenciou os cursos de residência na área da saúde (Resolução n.
9, 2000; Resolução n. 15, 2007).
De acordo com a resolução 015/2007 do CFP, a Residência em Psicologia na área de saúde
é considerada uma pós graduação lato sensu para formação específica através do treinamento em
serviço que se adequa às necessidades de cada região. Como suportes básicos para a residência,
a resolução considera uma fundamentação teórica em conformidade com o campo de atuação
e princípios do SUS, a vivência prática, a orientação do supervisor e a pesquisa. Como objetivos,
aponta o aperfeiçoamento técnico aliado à dimensão social, o desenvolvimento de habilidades
para a assistência integral, a integração em equipes multiprofissionais, o uso adequado de recursos
às intervenções e o despertar crítico das atividades da residência (Resolução n. 15, 2007).
A normatização pela resolução do CFP ainda institui a organização didático-pedagógica
dos programas de residência em psicologia, bem como os critérios de credenciamento para as
instituições que oferecem o programa e a operacionalização desse processo que deve se renovar a
cada quatro anos (Resolução n. 15, 2007).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 331


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A regulamentação da residência em Psicologia na área da saúde pelo CFP reconheceu a
importância do programa e favoreceu multiplicações das experiências na área, contribuindo com
a popularização da mesma e com a necessidade de reconhecimento da atuação do psicólogo
pelos outros profissionais na área da saúde (Wottrich et al., 2007).
A residência em Psicologia na área da saúde é de extrema importância para o fortalecimento
da especialidade, principalmente pela recente inserção e desenvolvimento da psicologia na área da
saúde, proporcionando uma formação mais próxima à realidade sanitária do país (especialmente
da região) e oportunizando uma atuação adequada aos princípios do SUS, um dos grandes
desafios da psicologia (Böing & Crepaldi, 2010).
A atuação em psicologia da saúde exige uma qualificação específica e os programas
de residência nessa área se consolidam como uma oportunidade privilegiada de obter essa
qualificação, além de oferecer a inserção da psicologia na equipe multiprofissional, possibilitando
que a mesma firme seu espaço nesse meio. Considerando que a graduação ainda possui carência
curricular a respeito da psicologia da saúde e a atuação do psicólogo na saúde pública, os
programas de residência são possibilidades de uma formação diversificada e complementar, que
contribuem com a construção de uma postura e reconhecimento do psicólogo como profissional
da saúde e membro da equipe (Gorayeb, 2010; Böing & Crepaldi, 2010).
Considerando a importância dos programas de residência na área da saúde, especialmente
para a Psicologia, é fundamental que se compartilhem as práticas desses campos para disseminação
das mesmas e o fortalecimento da área. Com base nisso, o presente trabalho apresenta-se como
uma forma de difundir as práticas do Programa de Residência Multiprofissional na Área da Saúde
em Alta Complexidade ocorridas no Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí
(HU-UFPI). O programa de residência multiprofissional do HU-UFPI teve início no ano de 2014
com as áreas de enfermagem, farmácia e nutrição, acrescido mais tarde das áreas de psicologia e
fisioterapia. Esse estudo objetiva demonstrar, através do relato de experiência das atuais psicólogas
residentes, a inserção e a prática no recente programa de residência na área de psicologia do HU-
UFPI que teve inicio em 2016 e conta atualmente com quatro residentes.

Método

Este é um estudo qualitativo e descritivo que corresponde a um relato de experiência,


apresentando a vivência acadêmica ou profissional através de um recorte da realidade.
O Programa de Residência Multiprofissional na Área da Saúde em Alta Complexidade do
HU-UFPI compreende atualmente cinco áreas profissionais (enfermagem, nutrição, farmácia,
fisioterapia e psicologia), com carga horária total de 5.760 horas e 60 horas semanais, em regime
de dedicação exclusiva e com duração de dois anos. A inserção no programa acontece por meio de
processo seletivo composto por duas etapas: prova escrita objetiva e avaliação curricular.
A divisão da carga horária do programa é dividida em 80% de atividades práticas e 20%
teóricas. Na área de psicologia as práticas são compostas por atendimentos com pacientes,
familiares e equipe profissional nos setores de internação (clínica médica e cirúrgica), Unidade
de Terapia Intensiva (UTI) e Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon). Cada
unidade de internação compreende um ciclo para as residentes, com duração de quatro meses.
Os atendimentos acontecem por busca ativa ou encaminhamento da equipe multiprofissional.
Além disso, o programa compreende ainda atendimentos ambulatoriais, programas como o
tratamento do tabagismo e atendimentos em grupos de suporte e apoio com pacientes internados.
As atividades teóricas compreendem o estudo individual e discussões sobre casos atendidos,
intervenções e temáticas afins.
Conta com quatro residentes: duas R1 (residentes do primeiro ano) e duas R2 (residentes

332  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
do segundo ano), que se dividem entre os setores do hospital, com respectivos preceptores. O
programa baseia-se na psicologia hospitalar, com atendimentos relacionados à saúde e doença de
pacientes em situação de internação e seus familiares, com atuação em equipe multiprofissional.
Como a ênfase do programa á a alta complexidade, a inserção das residentes de psicologia parte
da média para a alta complexidade, iniciando nas clínicas médica/cirúrgica e posteriormente UTI
e Unacon.
O primeiro contato com a realidade do hospital é realizado em conjunto com o preceptor,
com a apresentação da equipe, apresentação do ambiente físico do hospital e dos instrumentos
utilizados pelos serviços. A princípio os preceptores realizam atendimentos e as residentes
acompanham-no para realizar a observação, em seguida as residentes são inseridas na prática
através da busca ativa, fazendo triagens e avaliações de pacientes para decidirem, após discussão
com o preceptor, quais casos possuem demandas com necessidade de acompanhamento
psicológico.
Passado o período de imersão, preceptores e residentes dividem entre si as enfermarias do
posto de internação no qual atendem. A passagem do ciclo é feita para outro posto de internação
e outro preceptor. No HU-UFPI o serviço de psicologia não possui padronização de condutas
de intervenção nos atendimentos psicológicos, dessa forma o embasamento teórico e uso de
instrumentais para o auxílio da prática é de livre escolha dos profissionais e residentes.
Quanto às avaliações, os preceptores escolhem as metodologias de avaliação durante o
ciclo, uma das formas de avaliação utilizada é o relatório de análise institucional, que se baseia
na caracterização de cada posto, sua equipe e sua dinâmica de trabalho. No término do ciclo
é realizada a avaliação final pelo preceptor sobre o desempenho da residente durante todo o
período do ciclo, essa avaliação pode ser realizada juntamente com o feedback do preceptor. Após
esse momento preceptores podem fazer recomendações uns aos outros a respeito da condução
das residentes no ciclo seguinte.
Ocasionalmente acontecem visitas especiais de crianças menores de 12 anos à familiares
internados. Nessas situações é realizada avaliação em equipe para a realização da visita,
considerando as normas do hospital que não permitem a presença de menores de 18 anos em
suas dependências. A avaliação psicológica com a criança considera o desejo da visita, relação
com o parente internado e comunicação de normas do hospital. A visita é feita na presença e sob
responsabilidade do psicólogo.
O atendimento ambulatorial baseia-se na psicologia clínica, no qual cada residente possui
um supervisor de atendimento para discussão e orientação na condução dos casos, de acordo
com abordagem teórica dos supervisores e residentes.
Os grupos de apoio e suporte são uma atividade da residência e acontecem semanalmente
em uma das unidades de internação do Hospital Universitário, com condução das residentes e
auxílio de supervisor. Os grupos acontecem aos sábados com pacientes e familiares e possuem
o objetivo de favorecer a elaboração da vivência do adoecimento, compartilhar sentimentos e
experiências da internação e minimizar os impactos negativos desta.
O programa de tratamento do tabagismo é composto por equipe multiprofissional da qual
faz parte o psicólogo e que as residentes podem participar na presença do preceptor, consiste na
avaliação inicial, condução de grupos e atendimentos individuais com o objetivo de cessar o uso
do cigarro e prevenir o câncer.
As atividades teóricas englobam os estudos individuais, discussão de artigos, discussão e
apresentação de casos clínicos das residentes, palestras, apresentação de produções das residentes,
discussões sobre a atuação da psicologia na construção de protocolos no hospital e outros. Todas
as semanas um turno é reservado para o momento teórico da residência, no qual todo o serviço
de psicologia se faz presente.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 333


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Ao fim do programa, o residente deve apresentar um Trabalho de Conclusão de Residência
para obtenção do título de especialista.

Resultados e Discussão

O programa da Residência contempla uma imersão gradual na rotina hospitalar, esta


estratégia possibilitou a aproximação progressiva com a realidade do hospital e com a equipe do
setor assistencial. Tal feito colaborou para a tomada de consciência e percepção dos desafios,
dificuldades e habilidades que seriam necessárias para a atuação. As experiências anteriores
à residência e as passagens de ciclo foram consolidando e amadurecendo a própria forma de
atuar, perceptível através da maior segurança nos atendimentos após cada ciclo. As residentes
possuem autonomia, de acordo as possibilidades e delimitações do programa de Residência, para
realização de avaliações psicológicas e atendimentos, todavia essas práticas são supervisionadas
pelo preceptor do ciclo como orienta a Resolução n. 2 (2012), que embasa a residência
multiprofissional em saúde.
A possibilidade de escolher os métodos de intervenção favoreceu a personalização na atuação
de cada residente, levando em conta seus aportes teóricos e vivências anteriores. Esse aspecto é
essencial para a construção da identidade profissional, considerando o processo de formação da
residência e o desenvolvimento do repertório de atuação profissional que é construído a partir da
absorção de experiências adquiridas com a prática. Nesse sentido, Reis e Faro (2016) mencionam
que a identidade profissional é o produto da interação entre aspectos pessoais e profissionais.
A atuação nos postos de internação consiste no atendimento individual, familiar e/ou em
conjunto paciente-familiar, atendimento grupal e interconsulta com a equipe. Ao fim do processo
de internação são realizados encaminhamentos nos casos necessários, para o acompanhamento
ambulatorial ou para outros serviços da rede de atenção à saúde. Os atendimentos individuais
ou em grupo com pacientes e familiares levam em conta o pressuposto por Simonetti (2016) que
define como objeto de trabalho do psicólogo a dor do paciente, a angústia dos familiares e da
equipe, tanto em abordagem individual como considerando a relação entre a tríade paciente-
família-equipe. A atuação direta das residentes com a tríade proporcionou vivências múltiplas,
com ganho para todas as partes envolvidas.
Quanto às demandas encontradas nos atendimentos, os postos de internação da clínica
médica e cirúrgica apresentaram grande semelhança. Os impactos do adoecimento, a adaptação
ao hospital, o distanciamento da vida laboral, a organização da dinâmica familiar de um paciente
internado, a adesão ao tratamento, o medo da cirurgia e das suas consequências, comunicações
difíceis e os reflexos emocionais do processo de adoecimento e internação, foram as demandas
mais frequentes. Na unidade de oncologia (Unacom) e UTI foram constatadas características mais
específicas, como a maior frequência de notícias difíceis, de situações de paliatividade e processos
de luto antecipatório, resultando em uma maior proximidade entre equipe e familiares. Todas
as demandas descritas acima estão diretamente relacionadas ao processo saúde-doença e ao
processo de internação, constituindo-se como objetos da psicologia hospitalar como mencionam
Cunha, Cremasco e Gradvohl (2016).
Em relação às avaliações que ocorreram durante os ciclos, destacou-se a construção dos
relatórios de análise institucional, que evidenciaram benefícios significativos, como o conhecimento
e aproximação com a equipe, a compreensão da dinâmica de funcionamento dos postos e de cada
área profissional, a melhor adequação das condutas/intervenções e maior domínio dos setores
pelas residentes, refletindo também em melhorias para a assistência do paciente hospitalizado.
Ao fim de cada ciclo são produzidos estudos de caso referentes ao ciclo concluído, onde
são demonstradas as intervenções e conduções dos casos pelas residentes, preservando o sigilo e
ética profissional. Os estudos de casos possibilitaram não apenas às residentes, mas a todos os

334  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
profissionais do serviço de psicologia, a discussão das intervenções psicológicas, favorecendo a
reflexão sobre práxis e o compartilhamento dos diferentes olhares e experiências que influenciam
na adoção de condutas posteriores.
As visitas especiais promoveram o desenvolvimento de habilidades relacionadas à avaliação
com foco pré-estabelecido em crianças. A partir das dificuldades emergentes e carência de
materiais no serviço de psicologia notou-se a preeminência de elaborar instrumentos de suporte
para alicerçar essas avaliações. Partindo dessa necessidade foi produzida uma cartilha, pelas
residentes, com orientações sobre a visita no ambiente hospitalar. Foi possível ainda perceber a
importância das relações familiares para os pacientes internados e a influência desses encontros
afetivos na postura do paciente durante o processo de recuperação. Segundo Simonetti (2016) a
família reforça sentimentos de enfrentamento e as crianças, especialmente, são fonte de alívio e
consolo.
No espaço destinado às atividades teóricas da residência acontecem os estudos e discussões
com o objetivo de refletir sobre as práticas e intervenções. Isso possibilitou uma maior aproximação
com temáticas que estão sendo vivenciadas no hospital e favoreceu o conhecimento de outras
formas de fazer, repensar e aperfeiçoar a prática da Psicologia Hospitalar.
Muito embora o espaço seja especifico para discutir temas teóricos pertinentes a residência
e a formação das residentes, por vezes, ocorre a utilização desse tempo para abordar aspectos
referentes as problemáticas do setor. Levantando a reflexão sobre a necessidade de um momento
para o serviço de psicologia que seja desprendido do momento teórico da residência.
Apesar do estabelecimento desse momento teórico, constata-se a necessidade de um melhor
direcionamento teórico de temas em psicologia, uma vez que muitos aspectos vivenciados não são
aprofundados na graduação e merecem fundamentação teórico-prática para as intervenções. Este
direcionamento poderia ser feito através de aulas expositivas ou outras metodologias de ensino
mais diretas, mas com prévia organização como acontece com as disciplinas e grades curriculares
dos cursos de graduação, por exemplo. Ainda que essas aulas ocorressem apenas no primeiro
ano de residência seria de um ganho imensurável para todas as residentes, considerando que de
acordo com a Resolução n. 2 (2012), o objetivo dos programas das residências é oferecer uma
inclusão qualificada dos profissionais, especialmente aos recém-formados, ou seja, profissionais
sem grande repertório de experiências ou especialização na área.
Quanto aos grupos de apoio e suporte que acontecem no hospital, é observável que as
experiências de determinados pacientes encorajam e dão esperança a outros, além de ser um espaço
que permite o relacionamento interpessoal e expressão de emoções por vezes reprimidas durante
a internação. Com isso pode-se concluir que os grupos têm efeito terapêutico, com repercussões
posteriores trabalhadas através do atendimento psicológico individual nas enfermarias. Em acordo,
Oliveira et al. (2010) afirmam que grupos de apoio e suporte são estratégias terapêuticas para
situações de crise, buscando o apoio mútuo e elevando a autoestima e confiança dos integrantes.
Em vista ao exposto, a experiência da residência possibilitou o amadurecimento profissional
e nas relações de trabalho. Com a rotina emergiram diferentes situações que exigiram condutas
adequadas resultando no aprimoramento da atuação profissional das residentes, perceptível com
a maior segurança na condução dos atendimentos ciclo após ciclo. A preceptoria auxiliou nas
intervenções, favorecendo trocas mútuas entre preceptores e residentes. A relação com pacientes,
equipe e familiares permitiu a construção de vínculos, promovendo ganhos significativos pessoal
e profissionalmente.
A residência em Psicologia do HU-UFPI é bastante recente, tendo início em 2016 e com
formação de uma turma até o momento. Como todo início apresenta algumas limitações,
mas ao mesmo tempo abre os horizontes na construção do programa e do desenvolvimento
da especialidade. Para as residentes, há a necessidade de maior estrutura e planejamento,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 335


NO ONTEXTO BRASILEIRO
especialmente pelo foco na prática em detrimento dos suportes teóricos. Contudo, espera-
se que o aprimoramento do programa em psicologia possa vir com o decorrer das turmas de
residência.
Tendo em vista o funcionamento de residências mais antigas em Psicologia na área da saúde,
seria interessante a interlocução com os mesmos para a troca de experiências e aperfeiçoamento
do programa local. De forma geral, compreende-se que a RMS vivencia uma construção gradativa,
estruturando bases que propiciam o seu reconhecimento e constituindo-se como um importante
passo na solidificação da identidade profissional, especialmente para os especialistas.
Portanto, esse trabalho além de demonstrar como acontece a residência, se disponibiliza
em contribuir com a construção da mesma, incentivando seu crescimento, evidenciando o que foi
alcançado e o que precisa ser repensado. Dessa forma, a contar da progressividade do programa,
é relevante que a efetividade das mudanças seja apresentada através de trabalhos futuros,
enfatizando as melhorias alcançadas.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 337


NO ONTEXTO BRASILEIRO
GRUPO DE REFLEXÃO COM PROFISSIONAIS
DO SERVIÇO DE ONCOLOGIA EM UM HOSPITAL
UNIVERSITÁRIO
Laís de Meneses Carvalho Arilo
Maria Beatriz dos Santos Dias
Juliana Burlamaqui Carvalho

Introdução

O
câncer é uma doença caracterizada, principalmente, pela divisão celular sem
controle e com possibilidade de atingir várias estruturas do organismo, de modo
geral, tem comportamento agressivo e invasivo, determinando a formação de
tumores a partir desse crescimento celular desordenado. Segundo o INCA (2017), a doença pode
ser definida como:

Um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado de


células, que invadem tecidos e órgãos. Dividindo-se rapidamente, estas células tendem a
ser muito agressivas e incontroláveis, determinando a formação de tumores malignos, que
podem espalhar-se para outras regiões do corpo. As causas de câncer são variadas, podendo
ser externas ou internas ao organismo, estando inter-relacionadas.

A causa do câncer é multivariada e interrelacionada a fatores externos e internos ao


organismo, contribuindo para o seu desenvolvimento tanto comportamentos relacionados a
hábitos e estilo de vida até fatores geneticamente pré-determinados. (INCA, 2017 & Vieira, 2016).
Atualmente, o número de pessoas diagnósticadas com diferentes tipos de câncer vem
crescendo, fato que pode estar relacionado ao maior acesso da população à saúde, aperfeiçoamento
de exames, qualificação dos profissionais e mudanças nos hábitos de vida. Assim, segundo
Landsksron (2008) citado por Christo e Traesel (2009), a alta incidência do câncer coloca esta
doença como um dos principais males da humanidade, independentemente de sexo, idade ou
classe social.
Dentre os principais tratamentos para o câncer, encontra-se a quimioterapia, a radioterapia,
a hormonioterapia, o transplante de medula óssea e procedimentos cirúrgicos, pondendo estes
serem combinados ou isolados. Nesse contexto, os grandes hospitais do país passam a investir
em equipes qualificadas e tecnologias adequadas para o diagnóstico e tratamento da pessoa com
câncer, com obejtivo de atender a demanda crescente.
Desta forma, na realidade de diagnóstico e tratamento oncológico, a psico onologia surge
com necessidade de oferecer ao paciente um modelo de atenção integral (biopsicosocial). A Psico-
Oncologia representa a área de interface entre a psicologia e a oncologia, sendo definida como:

338  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Um campo interdisciplinar da saúde que estuda a influência de fatores psicológicos sobre o
desenvolvimento, o tratamento e a reabilitação de pacientes com câncer. Entre os principais
objetivos da psico-oncologia está a identificação de variáveis psicossociais e contextos
ambientais em que a intervenção psicológica possa auxiliar o processo de enfrentamento
da doença, incluindo quaisquer situações potencialmente estressantes a que pacientes e
familiares são submetidos (Costa Júnior, 2001, p.37).

Em seu estudo, Carvalho (2002) explica que a presença do psicólogo é um dos critérios de
cadastramento dos centros de atendimento em Oncologia junto ao SUS, a partir da publicação
da Portaria nº 3.535 do Ministério da Saúde, publicada no Diário Oficial da União, em 1998.
O papel do psicólogo nos serviços de oncologia é indispensável para promover as condições de
qualidade de vida ao paciente oncológico, facilitando tanto o processo de enfretamento como a
aceitação da doença e início ao tratamento, através de técnicas especifícas da profissão durante
as suas intervenções, além de prestar auxílio aos familiares.
Entratanto, a prática do psicólogo na oncologia não fica limitada aos pacientes e familares,
cabe a ele também prestar apoio aos demais profissionais de saúde que compõe a equipe.
Estes lidam diariamente com o sofrimento dos pacientes diante dos tratamentos invasivos,
procedimentos agressivos, e que nem sempre levam à recuperação ou cura, podendo gerar
sentimentos de impotência. É comum ainda, os profissionais de saúde apresentarem um alto nível
de estresse relaciondado ao trabalho. (Carvalho, 2002).
Pesquisas apontam que dentre os profissionais, nos serviços de oncologia, os enfermeiros
são os mais suscetíveis ao estresse devido as próprias atribuiçoes do exercício profissional, porém
qualquer profissional pode desenvolver esse sintoma. Confome explica Araújo (2006) apud
Pinheiro (2012), o profissional de enfermagem, ao trabalhar com pacientes sem prognóstico
de cura, vivencia em seu cotidiano o processo de morrer, podendo desenvolver mecanismos
defensivos, como a negação, a fuga e a racionalização da morte, maneiras essas encontradas para
conviver com as perdas rotineiras.
Dessa maneira, os profissionais diante da exaustiva rotina de executar tarefas e de cuidar
dos pacientes, que nem sempre evoluem de forma satisfatória no tratamento, podem apresentar
sentimentos de impotência, avaliando suas intervenções como ineficazes diante do paciente
oncológico. Conforme Silvia (2008) os profissionais de saúde podem:

Perceber que o seu trabalho não está sendo reconhecido e se sentem agredidos por
sentimentos expressados pelos pacientes e familiares, sem ter como elaborá-los por falta de
tempo, não tendo com quem compartilhá-los. Seja qual for o motivo, esse fato pode levar a
uma sobrecarga afetiva, que às vezes se manifesta através de sintomas físicos, adoecimento,
resultando na Síndrome de ‘Burnout’, entendida como uma reação à tensão emocional
crônica de pessoas que cuidam cotidianamente de outros seres humanos (p.94)

A Síndrome de Burnout envolve três componentes principais: exaustão emocional,


despersonalização e diminuição de realização pessoal. “Essa síndrome envolve profissionais
submetidos a estresse emocional crônico, manifestando-se também com sintomas psicológicos e
comportamentais.” (Carvalho, 1996 apud Silvia, 2008).
Diante da dificuldade dos profissionais de saúde em expresssar sentimentos relacionados
a prática diária, seja devido a rotina exautiva ou pela cultura que barra tal externalização, os
mesmos tendem a velar seus sentimentos, fato que pode culminar não só no adoecimento mental
como também no físico.
Um outro fator de dificuldades dos profissionais que lidam com o paciente oncológico é
a comunicação. No percuso da doença, a comunicação do diagnósitco é um aspecto de grande

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 339


NO ONTEXTO BRASILEIRO
dificuldade entre os profissionais de saúde. Em seu estudo, Pinheiro (2012), aponta três principais
situações de complexidade em comunicação de notícias difíceis:

a) A comunicação do diagnóstico de doença avançada com prognóstico reservado; b) A


comunicação e a atenção a graves sequelas dos tratamentos, tais como mutilações, prejuízo
de funções e suas consequências na perda de qualidade de vida (prejuízos nas relações
afetivas e profissionais, perda do referencial de autoimagem e rebaixamento da autoestima);
c) A comunicação de esgotamento dos recursos de cura atual e a preparação para cuidados
paliativos exclusivos (p.32).

Diante disso, os profissionais indagam se tal comunicação deve ser feita e como deve
ser feita, levando em consideração os impactos da notícia no estado emocional do paciente.
Situação muitas vezes desencadeadoras de ansiedade nos mesmos culminando em comunicações
atropeladas e sentimento de culpa. Assim, os profissionais de saúde necessitam de cuidados diante
da rotina de trabalho com pacientes em controle de cuidados constantes, devido as situações de
estresse contínuo e convivência com a dor prolongada e sofrimento.
Nesse contexto, a atuação do Serviço de Psicologia na Unidade de Assistência de Alta
Complexidade em Oncologia (UNACON) de um hospital universitário, engloba os atendimentos
individuais realizados no leito com pacientes internados e na sala de quimioterapia, além dos
atendimentos aos familiares e discussão dos casos com equipe multiprofissional.
A partir da prática psicológica neste ambiente foi possível identificar demandas dos
profissionais da assistência (principalmente enfermeiros e técnicos de enfermagem) em relação
ao manejo com pacientes oncológicos. Tais dificuldades, evidenciadas através dos relatos dos
profissionais, envolviam aspectos relacionados a: como abordar os pacientes que não tem
conhecimento do diagnóstico oncológico; como oferecer suporte qualificado a família no
período de internação do paciente; como agir diante das reações emocionais dos pacientes frente
ao diagnóstico oncológico; como se posicionar diante de óbitos; como administrar os próprios
sentimentos e emoções diante da rotina de trabalho exaustiva de cuidado aos pacientes, que
em sua grande maioria, tendem a evoluir com agravamento do estado geral de saúde (realidade
contrária a dos demais setores de internação do hospital).
Desta forma, o presente trabalho teve como objetivo trabalhar aspectos de comunicação
e manejo de sentimentos e emoções com profissionais da assistência do posto de internação e
ambulatório do setor de oncologia de um hospital universitário do Piauí a partir da perspectiva
de grupos de reflexão.

Método

De acordo com a resolução nº. 013/2007 do Conselho Federal de Psicologia cabe ao


psicólogo especiaista em psicologia hospitalar, dentre outras atribuições, o trabalho com a equipe
multiprofissional “na forma de grupo de reflexão no qual o suporte e o manejo estão voltados
para possíveis dificuldades operacionais e subjetivas dos membros da equipe” (p.22).
Dessa maneira, o presente trabalho trata–se de um relato de experiência desenvolvido a
partir da prática interventiva da psicóloga da UNACON juntamente com a residente de psicologia
durante o seu estágio nessa unidade.
Para Coronel (1997), os grupos reflexivos representam um tipo de grupo operativo onde o
seu objetivo principal está voltado para o ensino-aprendizagem. Porém, a modalidade de grupo de
reflexão com o tempo extrapolou a finalidade proposta por Pichon Riviere, que enfatiza o aspecto
operacional de um grupo, e passou a ser utilizado em outros campos como um instrumento

340  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
importante para diluir tensões e ansiedades causadas na realização de tarefas em especial aquelas
ocasionadas pelo trabalho.
A escolha por essa modalidade grupal se deu pela necessidade de alinhar aspectos teóricos e
práticos à vivência em uma unidade de trabalho hospitalar que repercute em reações emocionais
significativas por parte dos profissionais da saúde. Dessa forma, optou-se pela utilização do
grupo de reflexão que, embora vise questões operacionais, quando bem sucedidos em suas ações,
é capaz de desencadear um efeito terapêutico naqueles que participam. (Coronel, 1997).
Nessa experiência foi utilizada a modalidade do grupo de reflexão como um formato de
grupo que também possibilita aos indivíduos reflexão acerca de si mesmos e responsabilização por
suas funções e papéis, gerando modificação de comportamentos e condutas. Essa reflexão pode
se dar por meio dos temas propostos e da observação e identificação com outros participantes.
Além disso, é possível também que o grupo possua caráter terapêutico, mesmo não sendo seu
principal objetivo
Após identificação das demandas, descritas anteriormente, vindas por parte dos profissionais
do posto de oncologia de um hospital universitário os encontros em grupo foram organizados
com objetivo de contemplar as solicitações dos mesmos.
Organizado, o projeto foi divulgado durante todo o mês de maio de 2017 por meio folders
e de um vídeo convite enviado através de um aplicativo de mensagens para todos os profissionais
que faziam parte do setor.
Definiu-se como público alvo os profissionais assistenciais e administrativos do posto de
oncologia, levando em consideração as especificidades da prática neste contexto. O grupo foi
coordenado e mediado pela psicóloga do serviço e pela psicóloga residente.
Os grupos foram divididos em cinco encontros, acontecendo uma vez por semana (as sextas
feiras pela manhã) durante todo o mês de junho de 2017, em uma sala do próprio hospital.
Foram abordadas as seguintes temáticas por encontro: 1) Entrando em contato/ perdas, luto e
cuidados paliativos; 2) Más notícias; 3) Identificação de limites pessoais; 4) Fé e espiritualidade;
5) Motivação para o trabalho. A seguir os dados estão apresentados e discutidos de acordo com
a organização por temática dos encontros.

Resultados e Discussão

O primeiro encontro foi destinado à apresentação dos integrantes do grupo, suas regras e
a ética diante dos temas e relatos que viriam a surgir a partir da formação do grupo. Em seguida,
foi iniciado uma roda de conversa, utilizando como instrumento fichas de papel que continham
situações comuns vivenciadas por pacientes oncológicos durante o processo de terminalidade,
para que cada integrante verbalizasse sobre os sentimentos e significações advindas a partir da
leitura das fichas. O momento foi finalizado com uma breve discussão sobre os cuidados paliativos
em oncologia e reflexões sobre a própria finitude.
De inicio, nesse primeiro encontro, observou-se a dificuldade dos profissionais em lidar
com a morte, tanto no ambiente de trabalho como na vida pessoal e isso foi evidenciado no
grupo como ponto de principal obstáculo no trabalho. Característica observada facilmente nos
profissionais de saúde de forma geral, formados para salvar vidas sem preparo emocional para
lidar com sentimentos que emergem diante dos pacientes com doença terminal, vivenciando com
frequência angústia, insegurança e impotência.
Em um estudo realizado por Moritz e Nassar (2004) com profissionais de enfermagem
discutiu-se o tema da morte e do morrer e em um dos discursos, uma técnica de enfermagem
relatou que trocava de plantão quando um paciente, sob seus cuidados, estava prestes a morrer.
Esse discurso evidencia a fuga e dificuldade de profissionais da saúde em lidar com o óbito dos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 341


NO ONTEXTO BRASILEIRO
pacientes. Fica claro a necessidade de discursões sobre a temática de morte e morrer. Segundo
Schliemann (2009) é necessário uma reflexão da reação dos profissionais diante da morte do
paciente uma vez que do ponto de vista técnico esse assunto não é abordado nos cursos de
graduação na área da saúde. Ao fim do encontro, os profissionais demonstraram uma maior
sensibilidade para entrar em contato com tema refletindo sobre a necessidade de aceitação diante
das perdas e compreendendo a morte sob outras perspectivas. Assim, conforme explica Moritz
(2005), debates sobre a morte e o morrer devem ser estimulados no ambiente hospitalar, pois
podem influenciar na mudança de comportamento dos profissionais envolvidos com o tratamento
de pacientes com doença terminal.
O segundo encontro teve como foco a comunicação de notícias difíceis, conforme dificuldade
relatada pelos profissionais. Utilizou-se como recurso nesse encontro o trecho do filme “Preciso
ser pai”, uma comedia que apresenta de forma caricaturada/grosseira, a comunicação de um
diagnóstico de câncer ao paciente de maneira atropelada, com muitas informações e falta de
atitude empatia. Em seguida, discutiu-se com o grupo a conduta do profissional exposto no filme,
pendendo para que os participantes se colocassem no lugar do paciente e descrevessem como
gostariam de receber tal notícia, caso estivessem em uma situação semelhante ou como, enquanto
profissionais de saúde, poderiam abordar essa temática. O encontro foi finalizado com uma breve
apresentação do protocolo SPIKES de comunicação, como um instrumento de orientação para
aqueles que apresentam dúvidas de como se comportar e como inicar a comunicação de más
notícias com pacientes e familiares.
É fato que a comunicação eficaz entre profissionais da saúde, paciente e família faz parte
do cuidado em saúde. Bousso e Poles (2009) evidenciam que as habilidades de comunicação
devem ser consideradas a base de um cuidado colaborativo e centrado no paciente e na família
oferecendo assim um cuidado integral. Dessa forma, considerando a comunicação como um
comportamento que pode ser aprendido, o grupo discutiu a partir da apresentação do protocolo
SPIKES sobre habilidades relacionadas a empatia, assertividade, expressividade emocional e
resolução de conflitos interpessoais.
O terceiro encontro foi destinado a necessidade de respeito a fé e da espiritualidade do
paciente oncológico, a partir da exposição do filme “Milagres do Paraíso”. Após a exposição
foi discutido sobre: a diferença entre religiosidade e espiritualidade; como tais aspectos podem
influenciar, tanto positivamente como negativamente, no momento do adoecimento; e como o
profissional pode acolher e manejar estes aspectos no paciente oncológico.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a espiritualidade como um aspecto
integrante da saúde. (WHO, 1998). De acordo com Saporetti (2009), a dimensão espiritual é a
relação do indivíduo com o transcendente, porém se diferencia da religião, pois esta já pertençe
à dimensão cultural.
Esse encontro foi marcado por significativa demosntração de emoções por parte dos
participantes evidenciando o momento que mais ocorreu envolvimento e identificação com
questões pessoais. Foi observado o quanto os profissioanis utilizam da espiritualidade como
recusro para enfrentar as situações consideradas por eles como difíceis no trabalho. Observou-se
ainda o surgimento de uma discursão sobre a importância de respeitar as crenças dos pacientes
atendidos mesmo quando diferentes das do profissional. Segundo Saporetti (2009), impedir a
expressão da espiritualidade é uma forma de violência ao paciente e discutir sobre esse tema pode
evitar o tal desrespeito. Por fim, o grupo demonstrou compreender que a espiritualidade promove
no paciente paz e um sentimento de pertença, bem como pode ser um recurso capaz de diminuir o
sofrimento emocional causado pela doença e favorecer uma melhor tolerência a dor repercutindo
assim na qualidade de vida. (INCA, 2015).
Já o quarto encontro foi o momento destinado a sensibilização quanto ao autocuidado

342  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
do profissional de saúde com sua saúde mental com o foco na prevenção de doenças físicas e
psíquicas, como a Síndrome de Burnout. A mediação do encontro foi realizada por uma psicóloga
convidada, que introduziu a temática com breve explicação sobre estresse no trabalho, suas
consequências e a Síndrome de Burnout como uma das formas de adoecimento. Em seguida,
o grupo foi convidado para uma prática de yoga, com a intenção de promover um momento de
valorização da saúde mental sendo está uma das possíveis maneiras, dentre outras, de autocuidado
e valorização da saúde.
A doença grave, a dor, o sofrimento e a iminência da morte são constantes no setor de
oncologia. De acordo com Kovács (2010), o profissional de saúde, no contexto hospitalar, tende a
enfrentar essas situações de sofrimento e dor com sentimento de impotência, frustração e revolta
e isso pode gerar situações de estresse difíceis de serem solucionadas.
Kovács (2010) acredita que estratégias como psicoterapia, plantão psicológico, atividades
grupais que favoreçam a expressão de experiências do cotidiano, atividade físicas e de lazer são
modalidade de cuidado ao profissional que devem ser adotadas nos hospitais.
Durante o quarto encontro, foi observado um discurso unanime entre os participantes: a
necessidade da prática de atividade física e do cuidado em saúde mental, incluindo a psicoterapia,
e a falta de tempo para realização dos mesmos. Observou-se que o grupo de reflexão proporcionou
um momento de introspecção e funcionou como um impulso para o profissional buscar ações
que valorizem a sua própria saúde mental e minimizem o estresse ocasionado pelo ambiente de
trabalho.
Para finalizar o grupo e reflexão, no quinto e último encontro, foi apresentado o vídeo
motivacional “Fazer o melhor na condição que você tem” de Mário Sérgio Cortella com o objetivo
de valorizar as ações dos profissionais, que mesmo diante das dificuldades e limitações da sua
prática esforçam-se em seu exercício profissional. O momento foi finalizado com uma avaliação
geral do projeto, discussão, críticas, elogios e melhorias para os próximos grupos que possam vir
a ser formados.
Todas as temáticas dos encontros do grupo de reflexão se interligam e possuem como foco
a atenção integral ao profissional da saúde inserido no contexto da oncologia. Dessa forma, a
finalização desse grupo se deu por meio de um encontro motivacional que proporcionou o incentivo
à valorização daquele que mesmo diante de suas questões pessoais desenvolve seu trabalho com
responsabilidade e respeito ao paciente. Acredita-se que a saúde mental do trabalhador está
diretamente relacionada ao prazer que este sente ao desenvolver suas tarefas com competência
técnica e ao respeito e reconhecimento que recebe dos seus pares e superiores. Assim, ressalta-
se a importância da valorização do profissional, pois esse reconhecimento é que possibilita o
trabalhador a enfrentar e dar sentido ao sofrimento vivenciado no trabalho. (Mendes, 2007).

Considerações Finais

A partir da formação do grupo de reflexão, buscou-se discutir sobre práticas profissionais


frente ao paciente oncológico e a sensibilização a respeito das temáticas que envolve o trabalho
na unidade de oncologia, bem como sobre a necessidade do autocuidado em saúde no sentido
de prevenir o adoecimento físico e mental do trabalhador diante das peculiaridades da prática
exercida.
Considerando a Política Nacional de Humanização que apresenta como um dos
pressupostos a humanização é a inclusão das diferenças nos processos de gestão e cuidado,
acredita-se que as mudanças devem ser pensadas não só sob a perspectiva de trazer melhorias aos
usuários, como também de proporcionar benefícios aos profissionais envolvidos. “Mudanças
são construídas não por uma pessoa ou grupo isolado, mas de forma coletiva e compartilhada,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 343


NO ONTEXTO BRASILEIRO
incluir para estimular a produção de novos modos de cuidar e novas formas de organizar o
trabalho.” (Brasil, 2013).
O espaço de grupo permitiu uma compreensão acerca das opiniões e ideias uns dos outros,
favoreceu a melhoria na habilidade para lidar com a dor do paciente e da família, contribuiu
para o reconhecimento das limitações pessoais e impulsionou os profissionais para a procura de
estratégias que proporcione a sua saúde e bem estar.
Em suma, considera-se que os cuidados no ambiente hospitalar devem ser extendidos aos
profissionais, desenvolvendo novas habilidades e consequentemente refletindo no cuidado ao
paciente. Espera-se que ambientes de valorização ao compartilhamento e reflexão devam compor
as estratégias de atenção ao trabalhador. Esse relato de experiência mostrou que espaços com
esse proposto através do grupo de reflexão é de extrema importância para que os profissionais
compartilhem entre si suas experiências, angústias e dificuldade, bem como adquiram habilidades
diante dos aspectos de comunicação e manejo do paciente com câncer, proporcionando uma
abordagem de cuidado holística.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 345


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ACOLHIMENTO PSICOLÓGICO PRÉ-CIRÚRGICO:
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Thamyris Tabosa de Sousa

Introdução

O
s serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em todos os níveis
de complexidade exigem aperfeiçoamento profissional e manejo de condutas,
considerando que são serviços direcionados para pessoas. Ainda que os procedimentos
sejam essencialmente técnicos é necessária uma abordagem humana, não priorizando apenas o
adoecimento, mas levando em conta as particularidades de cada sujeito. Essa é a premissa da
Política de Humanização do SUS (PNH) que busca a prática do cuidado e a humanização da
relação entre profissional e paciente, em uma visão integral, respeitando as subjetividades e limites
de cada um e buscando a melhoria do cuidado. Logo, uma forma de operacionaliza-la é através
do acolhimento, que é uma estratégia de intervenção e apoio à humanização referenciada na PNH
(Caderno Humaniza SUS, 2011; Santos, Fernandes & Oliveira, 2012).
Nesse sentido, é importante considerar que todos os procedimentos em saúde exercem
impactos nos pacientes. Por esse motivo a postura profissional, a abordagem durante investigação
de sintomas, diagnósticos, prognósticos e tratamentos, a preparação do ambiente para os
atendimentos, a responsabilidade e respeito com o paciente, são indispensáveis na saúde pública.
(Santos, Fernandes & Oliveira, 2012).
Fazendo um recorte em toda a abrangência dos serviços do SUS, podemos focar o cenário
cirúrgico como laboratório observacional das práticas e atuações em saúde, considerando o
acolhimento como uma intervenção necessária nesse contexto.
O procedimento cirúrgico, por ser altamente invasivo, favorece a ansiedade e remete
preocupações com intercorrências, pós-operatório e consequências do mesmo. A hospitalização
naturalmente causa alterações na rotina e estimula sentimentos de medo, angústia e tristeza. Esses
sentimentos são potencializados com a possibilidade de procedimentos mais invasivos, como as
cirurgias. Ademais o centro cirúrgico é a unidade menos conhecida nos hospitais, o que contribui
para fantasias e receios (Sousa, Duarte, Silva & Mendonça, 2015; Henriques & Cabana, 2013).
O contexto cirúrgico conta com inovações contínuas, caracterizando-se como uma área
extremamente tecnológica e tecnicista. Além disso, as inúmeras cirurgias realizadas diariamente
pelo SUS tornam esse processo mais objetivo. Como consequência direta desses aspectos tem-se
a dificuldade na humanização, pois a rotina e burocratização do contexto cirúrgico distanciam
profissionais e pacientes, dificultando o contato físico, o ouvir e o acolher, ações que exigem dos
profissionais disposições física e psicológica. Essa dinâmica influencia na percepção e na vivência
do paciente, que se sente vulnerável, temeroso e ansioso frente ao procedimento ao qual será
submetido. Frequentemente o paciente inicia um processo de fantasias marcado por ameaças
concretas e imaginárias que podem interferir no transoperatório (Gonçalves et al., 2016; Oliveira,

346  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Moraes & Marques, 2012; Sousa et al., 2015).
Independente da complexidade cirúrgica que o paciente irá se submeter, há a geração de
estresse, medo e tremor. É um momento em que surgem preocupações relacionadas à morte, à
relação/separação de familiares, ao medo de lesões durante a cirurgia, à dor no pós-cirúrgico, à
possibilidade de ficar incapacitado, à anestesia e suas complicações, à perda da independência,
do trabalho e do controle da própria vida. A reação do paciente é pessoal e subjetiva, logo as
crenças produzidas têm a ver com a sua visão de mundo (Oliveira, Moraes & Marques, 2012;
Sousa et al., 2015; Nascimento et al, 2015).
Diante disso o pré-operatório é considerado o período em que o paciente se sente mais
vulnerável e mais predisposto a desequilíbrios emocionais. É um período extremamente
angustiante e desgastante pelas expectativas geradas. Por isso é importante que no momento pré-
operatório haja espaço para sanar dúvidas, fantasias, inseguranças, medos, temores e ansiedade.
E ainda para realizar orientações acerca do procedimento, tentando transmitir tranquilidade e
segurança ao paciente. Pois, além de evitar que este se sinta inseguro, insatisfeito ou com medo,
as informações e os cuidados prestados antes da cirurgia são fundamentais na diminuição da
ansiedade do paciente (Gonçalves et al., 2016; Sousa et al., 2015).
Os próprios pacientes acreditam que, quando ocorre preparo com orientações a respeito da
cirurgia, há maior sentimento de confiança e segurança na equipe. A sensação de estar preparado
para a cirurgia está associada às orientações recebidas antes de entrar no centro cirúrgico, a
confiança em que tudo ocorrerá bem e a segurança transmitida pela equipe. Nesse sentido é
também responsabilidade da equipe tentar reduzir os sentimentos negativos dos pacientes antes
da cirurgia (Gonçalves et al., 2016; Sousa et al., 2015; Nascimento et al, 2015).
Contudo o que se constata é a carência de condutas de acolhimento pelas equipes. A ausência
de orientações a respeito do procedimento cirúrgico e do acolhimento pela equipe prejudica o
relacionamento entre equipe e paciente, deixando este último na permanência do estado de tensão
e ansiedade. A equipe deve ter o cuidado de não negligenciar a subjetividade dos pacientes, não os
tratando como “mais um procedimento ou mais um tratamento”, desvalorizando a identidade de
cada um (Gonçalves et al., 2016; Oliveira, Moraes & Marques, 2012; Santos, Fernandes & Oliveira,
2012).
É necessário que a equipe possua uma visão do usuário que ultrapasse o seu adoecimento,
considerando suas perspectivas física, social, psicológica e espiritual. Isso possibilitará um
acolhimento adequado e humanizado. O acolhimento e a humanização consistem na compreensão
do paciente e suas necessidades, evitando o tecnicismo. Acolher exige respeito, atenção e empatia
da equipe. Com base na política de Humanização do SUS o acolhimento merece destaque na
prática profissional, sobretudo a escuta qualificada que favorece a relação entre profissionais e
paciente (Caderno Humaniza SUS, 2011; Oliveira, Moraes & Marques, 2012; Santos, Fernandes &
Oliveira, 2012).
Apesar do desenvolvimento do SUS e dos avanços no âmbito cirúrgico, ainda são recorrentes
hiatos na gestão e operacionalização no SUS, principalmente no que se relaciona ao acesso e
acolhimento dos usuários nos diversos contextos da saúde (Santos, Fernandes & Oliveira, 2012).
Em relação ao período pré-cirúrgico, a ausência do acolhimento pode ocasionar
consequências negativas no paciente, especialmente quando este desenvolve fantasias sobre o
procedimento cirúrgico, como já foi mencionado anteriormente. Os pensamentos fantasiosos
podem influenciar no desenrolar do procedimento transoperatório e particularmente na
sua recuperação, tendo em vista que os aspectos emocionais repercutem em toda a condição
física do indivíduo, principalmente em seu sistema imunológico. As fantasias podem elevar o
nível de ansiedade e demais sentimentos, favorecendo a instauração de crises emocionais que
impossibilitem o desenvolvimento do processo. A ansiedade em determinados níveis, pode levar

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 347


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ao cancelamento do procedimento cirúrgico (Gonçalves et al., 2016; Henriques & Cabana, 2013).
A julgar pelos pressupostos é perceptível como os aspectos psicoemocionais exercem
influência no transoperatório, evidenciando a necessidade do acompanhamento psicológico
nessas circunstâncias. O atendimento e a avaliação dos estados psicoemocionais devem ocorrer
independentemente do nível de complexidade, considerando a frequência dos sintomas de
ansiedade e depressão em pacientes pré-cirúrgicos (Santos, Martins & Oliveira, 2014).
O acolhimento realizado pelo profissional de psicologia busca amenizar os impactos
emocionais negativos e auxiliar na passagem das etapas cirúrgicas, de modo que acolha o paciente
em suas particularidades, considerando-o holisticamente e construindo uma relação empática e
verdadeira, para que assim consiga perceber suas dificuldades e medos relacionados à cirurgia,
planejando ações voltadas para estes objetivos e para a promoção de mudanças (Santos, Martins
& Oliveira, 2014).
Particularmente no pré-cirúrgico o psicólogo avalia os aspectos emocionais do paciente, o
conhecimento a respeito da cirurgia e o histórico de internações e outras cirurgias. Aproxima-se de
um planejamento pós-cirúrgico, analisando os impactos e benefícios imediatos e em longo prazo,
os recursos adaptativos e de enfrentamento dispostos pelo paciente, reforça a importância de
adesão ao tratamento e intervém para redução gradativa de fragilidades psicológicas, emocionais
e comportamentais. Os sintomas psicológicos, muitas vezes, são mais recorrentes no pré-
operatório do que os sintomas orgânicos, o que firma a importância em identificar as fragilidades
do paciente para uma intervenção direcionada e para a redução de tais manifestações (Andrade,
Gonçalves & Bretas, 2014; Faria, Ferreira & Prado, 2014; Santos, Martins & Oliveira, 2014).
A prática psicológica baseia-se na psicoeducação, usando a informação como promotora
da autonomia, sobretudo pelo fato de a informação ser também uma estratégia redutora do
nível de ansiedade, como mencionado outrora. O paciente que possui conhecimento sobre seu
adoecimento e processo cirúrgico durante o pré-operatório tem maior possibilidade de elaborar
perspectivas positivas e mais próximas da realidade sobre o seu prognóstico, o que contribui para
decisões mais assertivas (Santos, Martins & Oliveira, 2014).
A psicoeducação é uma forma de instrumentalizar a psicoprofilaxia cirúrgica que consiste no
uso de informações e esclarecimentos a respeito da cirurgia durante o pré-cirúrgico com o objetivo
de sanar dúvidas, minimizar a ansiedade e o ceticismo causado por pensamentos fantasiosos.
Além disso, a profilaxia cirúrgica diminui as chances de complicações fisiológicas e psicológicas,
agindo na promoção da saúde com foco preventivo e com o fortalecimento de estratégias de
enfrentamento. Favorece a recuperação, desenvolve a estabilidade emocional, humanizando o
processo cirúrgico e diminuindo os impactos negativos deste (Lemes & Ondere, 2017; Moraes,
2013).
A combinação entre conhecimento e preparação psicológica favorece a reabilitação após
a cirurgia, enquanto a ansiedade e o medo retardam-na. Uma preparação estruturada antes da
cirurgia influencia diretamente na postura do paciente durante o processo em razão da associação
entre estado psicoemocional e as etapas do transoperatório (Turra, 2012; Silva & Faro, 2015).
A intervenção pré-cirúrgica deve ter foco individual e ambiental, acolhendo as manifestações
verbais e não verbais do paciente, avaliando as expectativas em torno do procedimento e auxiliando
na condução das emoções, tentando aproxima-lo cada vez mais da realidade, eximindo-o da
insegurança e reforçando sua postura ativa no processo (Turra, 2012; Almeida & Maia, 2015).
O acolhimento pré-operatório é uma estratégia para o exercício da política de humanização
e da integralidade da assistência do SUS, entretanto não transcorre da maneira ideal. Estudos
apontam que a maioria dos pacientes assistidos pelo SUS além de possuírem baixa escolaridade
apresentam ainda os maiores índices de depressão e ansiedade pré-cirúrgicos, o que pressupõe
que esse acolhimento pré-cirúrgico não acontece no sistema público, ou pelo menos, não

348  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
funciona como deveria. E o que evidencia também que esse público, por possuírem menor nível
de esclarecimento, é o que mais necessita de informações a respeito do tratamento operatório
(Maluf, Richlin & Barreira, 2015).

Método

Este é um estudo qualitativo e descritivo que corresponde a um relato de experiência,


apresentando a vivência acadêmico-profissional através de um recorte da realidade. Tem como
objetivo relatar a experiência sobre a atuação psicológica pré-cirúrgica na unidade de internação
da clínica cirúrgica do Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí (HU-UFPI), no
período entre os meses de julho e outubro de 2017, realizada através do Programa de Residência
Multiprofissional em Saúde de Alta Complexidade, na área de psicologia.
O posto de internação cirúrgica do HU-UFPI atende pacientes regulados para realização de
cirurgia eletiva e agendada. Atualmente tem capacidade para receber 44 pacientes em internação
pré e pós-cirúrgica. A equipe do posto é composta por profissionais da medicina, enfermagem,
nutrição, psicologia, fisioterapia, serviço social, entre outros.
O serviço de psicologia do HU-UFPI é constituído por seis profissionais efetivos e 04
profissionais residentes. O posto cirúrgico conta com uma psicóloga efetiva do hospital e,
durante a passagem de ciclos, com uma residente de psicologia. O ciclo de cada residente possui
duração igual a quatro meses, nesse período as enfermarias do posto são dividas entre residentes
e preceptora (profissional efetiva).
A rotina do serviço é organizada da seguinte forma: a princípio é realizada a triagem dos
prontuários, onde se observam as prescrições médicas e os diagnósticos mais delicados. Em
seguida, em comunicação com a equipe de enfermagem verificam-se as demandas emergentes
percebidas. Posteriormente é realizada busca ativa diretamente com pacientes e familiares.
Ocasionalmente a psicologia também participa das corridas médicas.
A conduta psicológica com esses pacientes, na maioria das vezes, está relacionada a avaliações
do estado psicológico e emocional antes e depois das cirurgias, habitualmente surgem também
outras demandas relacionadas ao adoecimento e hospitalização. O atendimento pré-cirúrgico
busca avaliar o estado psicoemocional dos pacientes, averiguando histórico de internações e
adoecimentos anteriores, a rede de apoio social e familiar, informações sobre os procedimentos,
disposição em aderir ao tratamento e investigação dos recursos de adaptação e enfrentamento
manifestados pelo paciente nos primeiros atendimentos antes da cirurgia. No atendimento
pós-cirúrgico avalia-se a experiência do paciente, considerando a manutenção dos recursos de
adaptação e enfrentamento, além da sua adesão ao tratamento e a necessidade de apoio da rede
social e familiar. Os casos que necessitam de continuidade dos atendimentos psicológicos são
encaminhados ao ambulatório do HU ou encaminhados para outros serviços da rede de atenção
à saúde.

Resultados e Discussão

A intervenção psicológica nas unidades cirúrgicas é uma temática pouco explorada durante
os cursos de graduação de Psicologia, o que é perfeitamente compreensível pela extensão da
Psicologia Hospitalar como disciplina e especialidade e claro, pelo pouco período para o trabalho
de todos os temas importantes nessa área. Esse contexto fomentou a necessidade em um
aprofundamento específico para a atuação nessa clínica.
O ingresso na unidade clínica cirúrgica foi uma experiência com muitas peculiaridades,
associadas a diversas características do posto de internação e do público alvo do mesmo. Com

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 349


NO ONTEXTO BRASILEIRO
a prática foi possível perceber que a atuação no posto cirúrgico era distinta de outros postos de
internação, a contar pelas internações reduzidas que dificultaram o acompanhamento psicológico
continuado e o estabelecimento de vínculo com o paciente. A equipe possui intervenções específicas
e pontuais, com menos disponibilidade para a o relacionamento multiprofissional. E a cirurgia se
constitui como protagonista do processo de internação.
Considerando a dinâmica da clínica cirúrgica, a atuação psicológica teve que se adequar a
essas características através de intervenções pontuais diretamente ligadas à cirurgia, por meio dos
atendimentos pré e pós-cirúrgicos. Com isso foi perceptível a importância dos aspectos emocionais
nesses períodos, principalmente antes da cirurgia. De acordo com Faria, Ferreira & Prado (2014)
os sintomas psicológicos, muitas vezes, são mais recorrentes no pré-operatório, o que firma a
importância em identificar as fragilidades do paciente para uma intervenção direcionada para a
redução de tais manifestações.
Uma dificuldade imposta pela atuação nessa clínica foi a inexistência de instrumentos de
avaliação pré e pós-cirúrgicos, aflorando dúvidas sobre o que realmente deveria ser avaliado e
de que forma. Ainda com esse impasse os atendimentos tiveram seguimento e a própria prática
aperfeiçoou a avaliação, uma vez que os próprios pacientes evidenciavam suas demandas,
direcionando a conduta psicológica durante o acolhimento pré-cirúrgico.
Foi verificado que pacientes em período pré-cirúrgico apresentavam frequentemente
ansiedade, desinformação sobre os procedimentos, medo da cirurgia, receio quanto ao pós-
cirúrgico, fantasias sobre os efeitos da anestesia, desconhecimento dos profissionais da equipe
(inclusive o médico responsável), entre outros. Essas demandas evidenciaram que a maior parte
dos pacientes necessitava de atendimento psicológico pré-cirúrgico, mas a prevalência era de
apenas uma intervenção nesse período devido à iminência da cirurgia. Dessa forma não havia
tempo para o trabalho das demandas psicológicas emergentes, reflexo da inobservância desses
aspectos e consequentemente desvalorização da avaliação psicológica pré-cirúrgica, que não é
considerada na preparação do paciente para a cirurgia.
Em atenção especial a esse assunto, Andrade, Gonçalves & Bretas (2014) afirmam que a
preparação psicológica pré-cirúrgica é de extrema importância, pois avalia os aspectos emocionais
do paciente, o conhecimento a respeito da cirurgia e o histórico de internações e outras cirurgias.
Aproxima-se de um planejamento pós-cirúrgico, analisando os impactos e benefícios imediatos e
em longo prazo, os recursos adaptativos e de enfrentamento dispostos pelo paciente, reforçando
a importância de adesão ao tratamento e intervindo para redução gradativa de fragilidades
psicológicas, emocionais e comportamentais.
Na prática foi possível perceber que a maior parte dos pacientes não possuem as
informações necessárias a cerca dos procedimentos cirúrgicos aos quais se submeterão. Muitas
vezes as dúvidas quanto à cirurgia eram manifestadas durante o acolhimento psicológico, nesses
casos os pacientes eram incentivados a estabelecerem uma comunicação efetiva com a equipe
profissional. No entanto, notou-se o receio dos pacientes em fazê-lo. Essa circunstância acarretou
no fortalecimento do nível de ansiedade e fantasias sobre o transoperatório, situação que se
buscou reverter através de informações durante o acolhimento pré-cirúrgico, pois, segundo Santos,
Martins & Oliveira (2014), a prática da psicoeducação, utiliza a informação como promotora da
autonomia, sobretudo pelo fato da informação ser uma estratégia redutora do nível de ansiedade.
No entanto, muitas questões emergentes não foram sanadas durante o acolhimento
psicológico, uma vez que existem assuntos específicos que competem ao profissional médico,
que deve dedicar-se também em um atendimento humanizado, levando em conta os aspectos
subjetivos dos pacientes ou que pelo menos se disponibilizando em atender às dúvidas dos
mesmos. É importante ressaltar que a psicoeducação não exime a responsabilidade do médico
no esclarecimento dos pacientes, sobretudo pelo conhecimento básico das psicólogas a respeito

350  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de procedimentos médicos. Ademais, Gonçalves et al. (2016) e Sousa et al. (2015) mencionam
que, devido à vulnerabilidade sentida pelos pacientes antes da cirurgia, somada ao desequilíbrio
e desgaste emocional, é imprescindível que nesse momento haja espaço para sanar dúvidas,
fantasias, inseguranças, medos, temores e ansiedade, além de realizar orientações acerca do
procedimento, tentando transmitir tranquilidade e segurança ao paciente. Pois, além de evitar
que este se sinta inseguro, insatisfeito ou com medo, as informações e os cuidados prestados
antes da cirurgia são fundamentais na diminuição da ansiedade do paciente.
Em atendimentos pré-operatórios foi observável que pacientes que possuíam experiências
cirúrgicas anteriores tinham menor nível de ansiedade, expectativas positivas e recursos de
enfrentamento mais evidentes. Porém, quando a experiência cirúrgica anterior foi negativa ou
traumatizante, verificou-se o contrário: maior ansiedade, pessimismo, desconfiança, medo e
inobservância de recursos de enfrentamento. Nesses quadros buscava-se estimular pensamentos
positivos, esperança e a confiança na equipe, sem omitir os riscos possíveis. O principal objetivo
era suscitar a reelaboração da experiência de forma positiva. Santos, Martins & Oliveira (2014)
ratificam que o acolhimento realizado pelo profissional de psicologia busca amenizar os impactos
emocionais negativos e auxiliar nas etapas cirúrgicas, acolhendo o paciente em suas particularidades,
considerando-o holisticamente e construindo uma relação empática e verdadeira, para que assim
consiga perceber suas dificuldades e medos relacionados à cirurgia, planejando ações voltadas
para estes objetivos e para a promoção de mudanças.
Logo, atuação na clínica cirúrgica constatou a necessidade do acolhimento pré-cirúrgico
refletido pelas demandas dos próprios pacientes. Tornou-se evidente que a avaliação psicológica
nesse período é um fator importante na preparação para a cirurgia. Lamentavelmente o acolhimento
pré-cirúrgico é desvalorizado na preparação do paciente e realizado apenas pelos profissionais
da psicologia, causando uma carência no paciente a respeito de aspectos emergentes antes da
cirurgia. No entanto, a realidade aqui constatada é coerente com o panorama da saúde pública
do país, em que se destaca a ausência de práticas importantes para o bom desenvolvimento do
processo operatório, como o acolhimento.
Destaca-se com isso a importância da valorização desses aspectos na preparação e
acolhimento do paciente pré-cirúrgico, bem como a relevância de que toda a equipe se atente para
essas dimensões. Da mesma forma que se ressalta a pertinência do psicólogo como integrante
da equipe pela sua maior sensibilidade e domínio das condições psicológicas, emocionais e
comportamentais, o que favorece as intervenções e o auxílio aos demais profissionais na condução
dessas variáveis durante o processo cirúrgico. O acolhimento possui maior efetividade quando
realizado em equipe multiprofissional e resulta na abordagem holística do paciente.
A experiência possibilitou aquisição de muitos conhecimentos pertinentes ao contexto
cirúrgico, tanto aspectos psicológicos e emocionais dos pacientes, como aspectos clínicos. A práxis
em clínicas com maior nível de especialidade evoca a necessidade desses conhecimentos e resultam
em um maior repertório de atuação em psicologia hospitalar, beneficiando aos profissionais que
alcançam maior assertividade nas condutas e aos pacientes que dispõem de atendimentos mais
efetivos. As limitações são fator motivador para o progresso da atuação psicológica nesse contexto
e delimitação do psicólogo na equipe profissional. Dessa forma, a construção desse caminho deve
ser reforçada e compartilhada para o alcance de maiores contribuições nesse âmbito.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 353


NO ONTEXTO BRASILEIRO
CUIDADO DE SI E TERMINALIDADE: POR UMA ÉTICA
DO SILÊNCIO NO ESPAÇO HOSPITALAR
Augusto De Bragança Alves Neto

Introdução

O
presente texto constitui-se a partir de reflexões oriundas de uma experiência de
trabalho como psicólogo no espaço hospitalar. Entendemos que a atuação
do psicólogo nesse contexto é atravessada por diversas instituições tais como a
medicina, o paciente e a própria doença. Esses atravessamentos compõem um cenário do qual o
psicólogo faz parte, não deixando também de ser agente transformador. Desta forma, uma das
linhas de intervenção deste profissional se dá a partir de determinada concepção de clínica na
qual, através de sua escuta, acolhe o que o paciente tem a dizer sobre a sua doença, o processo de
hospitalização e o sofrimento surgido na esteira destes acontecimentos.
A dinâmica institucional produz incessantemente situações conflituosas que trazem à tona
o mal-estar oriundo de cristalizações existenciais provocadas pelo adoecimento e pelo próprio
processo de hospitalização. O recebimento de uma notícia difícil referente a um diagnóstico,
problemas de comunicação com a equipe e longas internações são alguns dos problemas que
surgem cotidianamente no hospital. A presença do psicólogo nas enfermarias é requisitada quando
algo escapa ao pragmatismo e aos domínios do saber médico, quando algo acontece fora do
tom pretendidamente hermético da instituição hospitalar. Pacientes chorando de dor, familiares
acompanhantes angustiados por causa da hospitalização de entes queridos, profissionais da
saúde adoecidos em virtude de condições adversas de trabalho, enfim, cenas que compõem uma
paisagem na qual o psicólogo é convocado a intervir com suas ferramentas de trabalho.
A confecção destas ferramentas se impõe como desafio neste ambiente dominado por
outros tipos de instrumentos como seringas, bisturis e máscaras. Diante de corpos costurados,
investigados e revirados, procuramos abrir outras fendas, pequenas brechas nas dimensões espaço-
temporais do rígido funcionamento da maquinaria hospitalar. Torna-se necessário numa paisagem
em que nos deparamos constantemente com algo da ordem do insuportável que atinge não só
o paciente, mas também a equipe cuidadora. A dor silenciosa dos pacientes que se encontram à
beira da morte, fora de uma possibilidade terapêutica, mas que permanecem hospitalizados, por
exemplo.
Buscamos abrir espaço para que algo de outra ordem possa passar, buscando promover
um encontro entre os corpos ali presentes na tecitura de uma prática de cuidado respeitosa e
acolhedora. Diante do adoecimento do corpo e do sofrimento que brota destas experiências até
então inéditas na vida de algumas pessoas, o ato de cuidar configura-se em abraçar o desconhecido
em si e no outro, acolher o estrangeirismo do acontecimento, criando morada para o inesperado.
Neste cenário, não são raras as vezes em que o silêncio aparece como elemento que
permeia as relações entre quem cuida e quem é cuidado. Pretendemos neste trabalho levantar

354  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
algumas considerações sobre as maneiras possíveis de cuidado junto àqueles que se encontram
em condições nas quais a linguagem já não assume lugar de destaque diante do outro. Buscamos,
portanto, evidenciar o registro da hospitalidade no ambiente hospitalar, onde o acolhimento daquele
que sofre em silêncio é condição para que se estabeleça práticas possíveis de cuidado, para que
algo possa se iniciar, se inaugurar em meio a uma situação-limite. Esta é a noção com a qual nos
brinda Derrida (2003) em seus estudos sobre a hospitalidade. O desafio levantado pelo autor de
abrir espaço e acolhida para o estrangeiro que não fala a sua língua, que não é adepto de seus
costumes, sem que lhe sejam impostos códigos previamente estabelecidos por aquele que acolhe,
nos aproxima de experiências vividas no hospital através do acompanhamento de pacientes que
se encontram num registro da vida até então desconhecido.
A construção desta tarefa carrega consigo o desafio de criar um éthos, uma atitude, nesta
caminhada junto àquele que adoece. No perfil dos pacientes internados encontram-se aqueles
inseridos no grupo da chamada atenção terciária, de alta complexidade, em que o paciente necessita
dos cuidados que só um hospital pode oferecer. Nestes casos, as internações podem ser mais
longas, uma vez que, por conta da gravidade do caso, o paciente necessita da infra-estrutura
do hospital. Ao longo do meu percurso como psicólogo não foram poucas as vezes em que me
vi diante de um paciente em estado grave, com poucos recursos para se comunicar e ao mesmo
tempo em intenso sofrimento. Na maioria dos casos, pacientes que se encontravam à beira da
morte, com poucas chances de recuperação.
Um paciente com metástase, enfrentando intensas dores, mostrando-se extremamente
incomodado com sua acompanhante que mostrava fotos antigas de família ao psicólogo.
Familiares relatando uma piora no estado emocional de outro paciente que também se encontrava
em estado grave após a visita de familiares que o instigavam com perguntas. Um paciente relatando
seu espanto ao surpreender-se irritado por ouvir conversas no corredor do hospital sobre seu time
de coração, sobre o qual sempre quis ter notícias. O acompanhamento destes momentos me
permitiu uma aproximação com determinado registro da vida em que as palavras pareciam exercer
um peso doloroso para aquelas pessoas que estavam existindo de uma outra maneira.
Esses encontros estão inseridos em um registro de tempo bastante peculiar, onde a
intensidade do que se vive é inversamente proporcional ao tempo que se tem ao lado das pessoas
que se encontram nessa situação, numa dimensão inegociável da vida. Entendemos que a
dificuldade que brota desses encontros traz consigo os limites e desafios de acompanhar alguém
que se encontra em tal momento da vida.
De que maneira podemos acompanhar aquele paciente que, por conta da gravidade de
uma doença que lhe toma o corpo já não consegue falar, encontrando-se fora de um domínio
onde a linguagem já não é soberana na transmissão do que se vive? Sobre quais registros da vida é
possível intervir em experiências limites em que o psicólogo é um agente de cuidado? Como cuidar
de alguém que se encontra numa zona intermediária da vida em uma instituição cujas práticas
tomam a vida em seu registro puramente biológico?
Deparamo-nos com inquietações provenientes de uma experiência de cuidado que
esbarrou em limites impostos por determinada concepção de clínica que privilegia o que é falado,
o que é dito sobre si, onde é esperada uma trama discursiva sustentada por uma suposta unidade
estrutural do sujeito ali presente. Mas como intervir diante de um corpo que fenece, de uma
subjetividade que parece se decompor em episódios extremos de dor e desesperança? A partir
de qual noção de sujeito podemos caminhar neste cenário que se delineia? Como acompanhar
o silêncio? Como o psicólogo pode estar presente no plano silencioso de existência do paciente
moribundo?

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 355


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Metodologia

Eu penso que o silêncio é uma das coisas às quais, infelizmente, nossa sociedade renunciou.
Não temos a cultura do silêncio, também não temos a cultura do suicídio. Os japoneses, sim.
Ensinava-se aos jovens romanos e aos jovens gregos a adotar diversos modos de silêncio, em
função das pessoas com as quais eles se encontravam. O silêncio, à época, figurava um modo bem
particular de relação com os outros. O silêncio é, eu penso, algo que merece ser cultivado. Sou
favorável a que se desenvolva esse êthos do silêncio.” (Foucault, 2014, 192).
Seguimos então a pista deixada por Foucault (2014) na direção de pensarmos um ethos
do silêncio. De acordo com o autor, existem muitos silêncios, que são partes integrantes de
estratégias que apoiam e atravessam os discursos, sendo importante tentar identificar essas
diferentes maneiras de não dizer e de que forma são distribuídos os que podem e os que não
podem falar. O silêncio sobre o qual nos debruçamos brota de experiências marcadas pela dor e
pelo trágico. Pretendemos caminhar e nos debruçar sobre estas questões a partir de uma ética do
silêncio, que tem como pilar a ética do cuidado de si desenvolvida por Michel Foucault na última fase
de seu pensamento.
Em seu curso de 1982 no intitulado “A hermenêutica do sujeito”, o autor investiga de
que maneira ao longo da história o conhecimento de si sobrepôs-se às chamadas práticas de si: “(...)
é o cuidado de si, relativamente ao privilégio tão longamente concedido ao conhecimento de
si, que […] gostaria de fazer reemergir” (2014a, pp. 67-68). Nesta investigação o autor toma
como ponto de partida a distinção entre estas duas modalidades. O cuidado de si pressupõe que o
acesso à verdade é alcançado por atos ou práticas que transformariam o sujeito. O conhecimento
de si corresponderia ao pensamento do tipo representativo, segundo o qual o acesso à verdade é
privilégio do sujeito em razão de sua própria estrutura, enquanto ser cognoscente. No primeiro
caso encontramos como personagem o sujeito antigo, que se constitui em técnicas ou exercícios
de conversão a si, em que a sua verdade pode ser lida ou descrita. Já no segundo, evidencia-se
a tradição que caracteriza o sujeito moderno, portador de uma identidade já dada, onde está
alojada a sua verdade, a ser descoberta ou decifrada.
Ainda neste campo de discussão, somos guiados pela maneira como o autor contrapõe
duas questões que ilustram de maneira ainda mais precisa as diferenças acima demarcadas: de
um lado a questão “quem somos nós?”, traz à tona o sujeito do conhecimento de si, resguardado
em sua “verdade íntima” e “constituição profunda”; do outro lado o sujeito do cuidado de si, em
sua constituição ética esculpida por suas ações, que irá responder à questão “que devemos fazer de
nós mesmos?”. Identificamos nesta distinção que será trabalhada por Foucault ao longo do curso
uma importante pista, que nos leva na direção da prática do silêncio como técnica de si, como
ato de cuidado, na esteira deste resgate promovido pelo autor. Desta forma, entendemos que a
construção de uma ética do silêncio no espaço hospitalar colocará o agente de cuidado diante da
necessidade de um cuidado de si. É preciso cuidar de si para cuidar do outro.
A entrada da psicologia no hospital geral, instituição até então dominada pelo saber
médico, representou o início de uma tentativa de inserção de algo do registro psíquico, subjetivo
nas práticas de cuidado direcionadas ao paciente. Apostou-se em introduzir uma outra dimensão
de cuidado aos corpos apropriados por saberes e técnicas que negligenciavam o seu sofrimento
e história até então: “Nós não temos um corpo, nós somos um corpo” (Lowen apud Muylaert,
1995). Das experiências limites e gritantes dos pacientes nos hospitais psiquiátricos ao sofrimento
silencioso, desapercebido e em busca de acolhimento dos pacientes das enfermarias de um hospital
geral transitou o profissional de psicologia. Um percurso histórico das intervenções do psicólogo
nos estabelecimentos de saúde que se confunde com o caminho percorrido por quem escreve este
texto.

356  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O início do meu percurso como psicólogo num hospital geral foi marcado por inquietações
que até hoje permeiam a minha prática. Vindo do campo da saúde mental, onde o trabalho
em rede tende a dissolver a rigidez das fronteiras entre as especialidades presentes na atenção
psicossocial, esbarrei-me com a forma de trabalho segmentada do funcionamento hospitalar. A
presença do psicólogo é requisitada através de um parecer elaborado por profissionais da equipe
médica ou da enfermagem, na maioria das vezes. Como dito na introdução, estes pedidos são
feitos diante de casos mais graves, que despertam na equipe uma preocupação em relação ao
aspecto subjetivo do paciente.
“Quem me chamou aqui?”. Não foram poucas as vezes em que me fiz esta pergunta diante
de pacientes que não apresentavam uma demanda para acompanhamento, pelos mais diversos
motivos, dentre eles por já contarem com um suporte de familiares ou por não se sentirem à
vontade de conversar com um psicólogo, recusando a oferta do atendimento. Aos poucos foi
possível notar que não eram raras as vezes em que os pedidos de atendimento eram feitos por
profissionais ou a pedido de familiares por causa do estado grave em que se encontravam os
pacientes por eles acompanhados. A partir de uma análise desta demanda foi possível identificar
o sentimento de angústia daqueles que pediam ajuda em nome do paciente, cujo sofrimento
silencioso acabava por afetar aqueles que o rodeavam.
Esse silêncio que de alguma maneira se presentificava em pedidos de atendimentos feitos
por outras pessoas, passou a me instigar cada vez mais, levando-me a uma maior aproximação
destes casos. A partir desta aproximação fui levado ao desafio de seguir as linhas que constituíam
esse silêncio. Em muitos casos é possível notar que o silêncio é resultado de práticas de
assujeitamento sobre o paciente na instituição hospitalar. Foucault (1995) nos convida a pensar as
relações de poder a partir dos focos de resistência que se estabelecem: nos hospitais psiquiátricos,
essa resistência aparecia muitas vezes em episódios de surtos que facilmente corriam o risco de
serem tomados como crises pontuais e descontextualizadas dos efeitos iatrogênicos produzidos
pela instituição asilar; já no hospital geral foi possível notar que esse mecanismo ocorre de uma
maneira silenciosa em que o paciente se cala e adoece diante da distância que ainda persiste na
relação com o médico. Enquanto uma relação de poder é entendida enquanto uma ação sobre
ações, eventuais ou atuais, a relação de violência agiria sobre o corpo: “(...) ela força, ela submete,
ela quebra, ela destrói; ela fecha todas as possibilidades; não tem, portanto, junto de si, outro
pólo senão aquele da passividade; e, se encontra uma resistência, a única escolha é tentar reduzi-
la”. A relação de poder se articularia a partir da possibilidade de que aquele sobre o qual a relação
se exerce, seja reconhecido enquanto sujeito de ação e, que através da relação estabelecida se
produza “todo um campo de respostas, reações, efeitos e invenções possíveis.” (p.243).
A presença do psicólogo no acompanhamento destes casos é de grande relevância, e
uma vez traçada essa primeira linha do silêncio, na qual o paciente é silenciado nesta dinâmica
institucional que evidencia o registro violento de determinadas intervenções, destacaremos a
segunda, da qual pretendemos nos aproximar. Sublinhamos que esta aproximação é instigada
por um impasse importante surgido no acompanhamento de pacientes graves que não tinham
o que dizer e encontravam-se em intenso sofrimento. Fui levado nesta direção a partir de uma
necessidade de justificar e sustentar a minha presença ao lado destes pacientes com quem
intuitivamente achava importante estar ao lado. Urge fazer retornar para nós o que de intolerável
se apresenta diante de uma existência silenciosa. Por que é tão difícil suportar?
Ao nos debruçarmos sobre os episódios em que se tornava mais difícil o acompanhamento,
identificamos que essa dificuldade emergia dos casos em que os pacientes estavam num estado
crítico, à beira da morte. À medida que o quadro clínico do paciente se agrava, a sua interação
verbal torna-se cada vez mais escassa, sendo possível identificar um processo de silenciamento
gradativo. Em meio a esse processo, as palavras passam a ganhar um peso que até então não

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 357


NO ONTEXTO BRASILEIRO
tinham e a evocação de memórias ganha um tom sufocante. Um discreto despedir-se das palavras
frente a um silêncio que passa a se presentificar cada vez mais, aparece com regularidade no
atendimento a pacientes nestas condições.
Ilustremos estes momentos através de um breve relato. Um paciente encontra-se num
estado avançado de metástase óssea. Gradativamente perde o apetite, começa a interagir menos,
recolhendo-se num sofrimento provocado pela dor, que era verbalizado nos raros momentos em
que conseguia dizer algo. Diante deste quadro, a presença do psicólogo é solicitada e frente ao
paciente, momentos povoados de silêncio eram por vezes interrompidos por gemidos de dor ou
por escassas perguntas: “Você é um padre? Veio rezar por mim”. Esse paciente já não conseguia
falar sobre sua história de vida, sua família ou sobre o início da sua doença. Em alguns momentos
apresentava-se desorientado, dizendo que trabalhava naquele lugar. Na maior parte do tempo
ficava em silêncio e assim permanecemos por algumas semanas. Num determinado dia, após um
intervalo maior entre nossos encontros, ele me reconhece ao entrar na enfermaria, diz que sentiu
minha falta e pergunta: “Isso de psicologia, funciona?”. Pergunto se estava funcionando para ele,
que me responde dizendo que sim, que a minha presença ao seu lado o fazia bem, que quando
eu estava ao lado dele, sentia um bem-estar, a ponto de em alguns momentos conseguir dormir
a despeito da dor. “Você apareceu aqui do nada. Fico feliz quando está aqui. Não me abandona,
você é um braço forte, um amigo”.
A experiência compartilhada com este paciente nos leva a pensar as condições, as regras de
passagem para que algo da ordem de um acolhimento, de um acompanhamento e de um ato de
cuidado possa se dar neste cenário. Uma presença próxima, proposta por Fernand Deligny (2015),
nos chega como importante ferramenta neste trabalho. Instala-se o desafio de estar ao lado de
alguém sem lhe impor um regime de códigos que já não fazem parte do território existencial
instaurado pela doença, respeitando essa cisão e buscando apenas estar ali, paradoxalmente,
à margem de um projeto terapêutico, sem expectativas de uma cura, próxima de uma ausência
de projeto, como define este autor francês. Ao longo de sua vida em companhia de adolescentes
autistas, o autor buscou uma língua sem sujeito, uma existência sem linguagem, onde o corpo e
o gesto sobressaem na paisagem que se desenha. Uma paisagem na qual a linguagem “ainda não
está lá”, sendo preciso subverter a palavra, agir em vez de fazer, uma existência construída sem
projeto, por tentativas, mais próximo do inato ou do que ele chamava de humano.
O caminho percorrido pelo autor, atravessado pelas linhas de errância dos jovens com quem
convivia, nos convida a pensar uma clínica da superfície, reacendendo o chamado deleuziano de
sempre experimentar no lugar de interpretar. No limite de uma prática de cuidado em que aquele
que sofre já não conta mais com a soberania da linguagem, silenciado neste estranho e doloroso
modo de estar na vida, Deligny nos aparece no horizonte como possibilidade de afirmação e
ressignificação do silêncio:
Alguns dirão que há todo um preconceito em Deligny em relação à linguagem, como
portadora de sentido, finalidade, projeto, rendimento... e que o autismo recusa, permitindo
conceber a linguagem a partir deste silêncio, como eventual porvir, e habitar um regime
outro, evacuado precisamente da finalidade.... Assim como a arte é para nada, e a política faz
projeto, aqui estaríamos diante da arte de se colocar no nível do “pra nada”, do acontecimento
ínfimo (para nós) que justamente contrasta com o que se esperaria de uma ansiedade totalizadora
(Pelbart, 2013, p 266)
Seguimos estas pistas no desafio de ocupar um espaço pouco habitado pelas palavras, onde
as possibilidades de acompanhamento podem passar à margem de uma linguagem expressa na
fala, na magreza das condições daquele que adoece. Escassez de palavras, mas ainda assim, uma
vida. Noção sobre a qual iremos nos lançar a partir destes autores aqui mencionados. “Como
estar à altura de sua fraqueza, ao invés de permanecer na fraqueza de cultivar apenas a força?”

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
(Pelbart, 2013, p. 31). Tomemos esta questão para nos guiar na construção desta ética do silêncio
diante de corpos que não aguentam mais.
Passei a me deparar com uma dimensão da clínica pouco experimentada até então. Instalou-
se um desafio de ocupar esse território silencioso acreditando que algo da ordem do cuidado
também poderia estar presente nestes momentos. De que maneira estar ao lado de alguém que já
não consegue falar? Uma presença silenciosa exige uma atitude de despojamento de expectativas,
de melhoras ou de algum tipo de retorno daquele a quem nos disponibilizamos acompanhar
desta maneira tão singular. Reside neste ponto a grande dificuldade desta prática, que nos coloca
diante da necessidade de um reposicionamento clínico neste território pouco habitado.

Resultados e Discussão

Este questionamento torna-se condição de sustentação desta prática, uma vez que
facilmente corre-se o risco de passar direto por um paciente que não consegue falar. Torna-se,
portanto, uma escolha ética escrever sobre estes encontros forjados na solidão de quem os habita,
quando o profissional se abre à possibilidade de acompanhar alguém e não ter nenhum tipo
de retorno do que está fazendo. Assinalamos a dificuldade de ser o destinatário de quase nada
que nos chega, sendo esta a impressão que prevalece quando corremos o risco de tomarmos
o silêncio como ausência de elementos afetivos, em vez de entendê-lo como território povoado
de intensidades, encontro de corpos vibráteis, o que seria uma capacidade, pouco conhecida
e discutida, dos nossos órgãos dos sentidos que nos permite “apreender a alteridade em sua
condição de campo de forças vivas que nos afetam e se fazem presentes em nosso corpo sob a
forma de sensações” (Rolnik, 2007, p. 12).
Em seu estudo “A solidão dos moribundos”, Nobert Elias (2001) nos chama a atenção
para o fato das pessoas morrerem cada vez mais sozinhas, através de um processo de afastamento
em relação àqueles que os cercam e que até então lhe conferiam sentido e conforto. Esta solidão
será objeto de estudo do autor, que enxerga na dificuldade dos vivos se identificarem com quem
está morrendo um motivo importante para a solidão destes:
Aqui encontramos, sob forma extrema, um dos problemas mais gerais de nossa época –
nossa incapacidade de dar aos moribundos a ajuda e afeição de que mais que nunca precisam
quando se despedem dos outros homens, exatamente porque a morte do outro é uma lembrança
de nossa própria morte. A visão de uma pessoa moribunda abala as fantasias defensivas que as
pessoas constroem como muralha contra a ideia de sua própria morte.” (Elias, 2001, pp. 16-17).
Os apontamentos feitos pelo autor são de grande importância para a nossa investigação
ao passo que expõem a complexidade deste processo, em que se busca um sentido em meio a
esta experiência limite da morte. Esta problematização nos leva a indagação sobre o modo como
nos apresentamos diante dos que morrem. Acreditamos que uma maior aproximação passa a ser
possível quando apostamos em modos de vida nos quais a ideia de um sujeito universal, falante
e senhor de si é questionada. Sustentar a minha permanência silenciosa ao lado de um paciente
que sofre, passa necessariamente pela construção de um corpo outro, permeável a “vacúolos de
solidão” (Deleuze, 2008), que seja capaz de compor um plano de coexistência na intensidade
destes momentos.
A efemeridade destes momentos nos convida na direção de uma tentativa de se aproximar
do que é imperceptível e seguir as pistas deixadas no rastro de quem habita o trágico e vive na dor.
Ao longo de alguns anos de experiência no acompanhamento de pessoas que se encontram nesta
situação, persiste uma inquietação que brota de uma experiência breve e intensa destes encontros
não palavreados, onde se encontram nada mais do que dois corpos: um que está mergulhado
num silêncio moribundo e o outro que está ao seu lado, angustiado com as suas ferramentas de
trabalho que parecem não dar conta do silêncio que povoa estes momentos.
Entre a vida e a morte há um momento em que não é mais o de uma vida que brinca
com a morte. A vida do indivíduo deu lugar a uma vida impessoal, portanto singular, que resgata
um acontecimento puro, liberto dos acidentes da vida interior e exterior, ou seja, da subjetividade

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 359


NO ONTEXTO BRASILEIRO
e da objetividade do que acontece. Homo tantum,do qual todos se compadecem, que atinge uma
espécie de beatitude” (Deleuze, 1995, p.4).
Nesta passagem, Deleuze nos traz a figura do homo tantun presentificada no conto de
Dickens pelo personagem que luta por sua vida enquanto se afoga no rio. Nesse embate com a
morte, ele parece despir-se de todas vestimentas existenciais que o fizeram uma figura execrável
aos olhos daqueles que o rodeavam. Algo da ordem de uma placidez em meio à pureza do
acontecimento surge e evidencia a força impessoal daquela centelha de vida que corria o risco
de se apagar dentro d’água. Neste trecho, como bem sublinha Schèrer (2000), aparece um
pilar importante da obra de Deleuze, que seria a questão da dissolução do sujeito, de um “ego
dissolvido”, onde seria possível assistir a uma substituição de um sujeito por deveras “molar”
e preso a uma individualidade maciça, por um fluxo de singularidades nômades e impessoais,
partículas povoadas por intensidades não nomeadas. Quando nos lançamos sobre estas vidas
às quais buscamos acompanhar e que parecem nos escapar em meio ao cenário desconhecido
do silêncio, a força impessoal da noção de uma vida que Deleuze nos presenteia neste breve texto
aparece como importante referência.
Estar ao lado de quem se encontra inserido num processo de perda de referências de
si e de sua história de vida nos coloca diante de um efêmero momento em que se sobrepõem
registros distintos da vida. Enxergamos neste momento o rastro de uma linha impessoal naqueles
que parecem desprender-se de si. O que se entende por vida ganha outros contornos que não
aquele de uma vida biológica a ser preservada pela equipe médica, tampouco uma vida na qual
encontraríamos uma organização psíquica estruturada que poderia ser relatada e acompanhada
por um psicólogo.
Num primeiro plano podemos identificar o registro da vida biológica, aquela que foi alvo
da intervenção médica e que se buscou salvar a qualquer custo. Esta busca incessante pode ser
problematizada a partir do momento em que introduzimos a questão de qual registro da vida
que se busca preservar. Podemos afirmar que a vida entendida como organismo biológico, em
sua funcionalidade, como puro fato de vida possui um lugar de destaque na dinâmica hospitalar.
A vida em seu registro zoé, como afirma Agambem (2002) ao resgatar da tradição grega essa
distinção entre as esferas da vida. Nesse registro, o mesmo autor fala sobre a figura do muçulmano,
oriunda dos campos de concentração nazistas: prisioneiros que se encontravam em tal estágio
de esgotamento que se mostravam indiferentes a tudo que os rodeava, vidas esvaziadas e sem
expectativas em relação ao porvir. Sobreviventes numa zona intermediária entre o humano e
o inumano. À ordem de fazer morrer e fazer viver, o autor acrescenta um terceiro aspecto: fazer
sobreviver. Trata-se então de se criar uma sobrevida no atual cenário biopolitico, surgindo esta figura
do sobrevivente.
Diante de pessoas que se encontram no limiar da vida, não é de se estranhar que nos
aproximemos desta figura resgatada por Agambem (2008), quando o autor toma o campo de
concentração nazista como paradigma do biopoder. Neste cenário passamos a conviver com
este registro da vida de maneira mais íntima, proximidade esta que nos auxilia na criação de
ferramentas para a construção de nosso problema. Ainda neste campo problemático delineado
pelo autor, identificamos que as fronteiras entre os registros zoé e bios da vida ficam esfumaçadas,
assim como nos casos que acompanhamos no hospital.
Caminhando nesta direção e seguindo o desafio de criar formas de resistência diante dos
tentáculos invisíveis do biopoder, aparece em nosso horizonte a temática dos processos de subjetivação
e dessubjetivação. Na esteira destas ressonâncias biopoliticas, Pelbart (2013) recorre a Foucault
quando este autor teria defendido o direito de “desprender-se de si” quando se debruçava sobre
o tema do cuidado de si. Desta maneira, lança a questão de pensarmos uma prática de si que se
afastaria de um processo de subjetivação, criando-se uma “identidade” justamente numa prática
de desapego de si.
O que teria interessado o autor, no final do livro intitulado O que resta de Auschwitz, é
precisamente o resto, o que resta entre uma subjetivação e uma dessubjetivação, uma palavra
e um mutismo, esse espaço não substancial, esse intervalo – é como se aí tocássemos uma nova

360  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
estrutura da subjetividade, não tanto um princípio, mas uma prática, que deve preocupar-se
em não recair numa ressubjetivação que seria ao mesmo tempo um assujeitamento – o grande
risco. Ser um sujeito, pois, apenas na medida de uma necessidade estratégica ou tática, princípio
útil em todos os domínios onde uma prática de si tangencia zona de não conhecimento ou de
dessubjetivação, onde um sujeito assiste ao seu colapso ou roça sua dessubjetivação. (Pelbart,
2013, pp.227-228).
Na esteira desta discussão, as contribuições de Deleuze na busca por um domínio do
impessoal, do acontecimento e das singularidades pré-individuais nos apontam a direção de
pensar um processo de dessubjetivação enquanto devir, linha de fuga (Deleuze e Guattari, 2012),
criando-se possibilidade de habitar essa zona intermediaria entre os diferentes registros da vida.
Partindo de uma atitude hospitaleira na direção de uma prática de cuidado em que se busca acolher
esse silêncio que nos é estrangeiro, apostamos na necessidade de sustentar uma presença neste
território transitório, neste espaço entre os registros da vida, acreditando que ali há uma vida. Para
tanto é preciso despojar-se, num constante exercício de cuidado de si, no desafio de criar um corpo
poroso aos lampejos de vida que ainda se presentificam na terminalidade.

Referências

Agambem, G. (2002). Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Ed. UFMG

Agambem, G. (2008). O que resta de Auschwitz. São Paulo: Boitempo.

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Deligny, F. (2015). O aracniano e outros textos. São Paulo: n-1 edições

Derrida, J. & Dourfourmantelle, A. (2003). Da hospitalidade. São Paulo: Escuta.

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Escritos vol. IX: Genealogia da ética, subjetividade e sexualidade. Rio de Janeiro: Forense
Universitária.

Muylaert, A. 1995. Corpo afecto: o psicólogo no hospital geral. São Paulo. Escuta.

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vida filosófica. São Paulo. Editora 34.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 361


NO ONTEXTO BRASILEIRO
EIXO TEMÁTICO

PSICOLOGIA DO TRABALHO
ADOECIMENTO DOCENTE
Rebeca Castro Santiago
Luís Sávio Veras Lima
Pedro Ivo Rocha Menezes
Rita Carla Matos Maciel

Introdução

C
arloto (2002), já conceituava o professor como aquele que se doava sacerdotalmente
aos alunos, sendo fiel aos princípios da instituição. Atualmente, profissional tão
desvalorizado na nossa sociedade – entretanto de suma importância por ser o
formador de novas profissões- vem sofrendo um desgaste cada vez maior, como já sugere (Cruz,
Lemos, Welter, Guiso, 2010) o profissional que antes era reconhecido e bem visto, agora luta
por esse reconhecimento na sociedade. Esse desgaste, ainda segundo (Cruz, Lemos, Welter,
Guiso, 2010) vem acontecendo por conta das constantes exigências e atualizações no mercado
de trabalho, acarretando em problemas físicos e mentais. A rotina estressante, carga horária
excessiva, falta de incentivo e baixa renumeração, entre esses e outros fatores contribuem para
esses desgastes.
Diversos são os problemas físicos e mentais que esses profissionais podem vir a enfrentar,
entre eles: depressão, problemas na fala, problemas na coluna, estresse, ansiedade e até mesmo
Síndrome de Burnout. Segundo Carlotto (2002), não podemos nos esquecer dos fatores
estressantes psicossociais no exercício dessa profissão.
Escolhemos abordar esse tema devido a nossa proximidade com a realidade comum dos
docentes, e com a identificação de possibilidades de atuação no futuro. Sendo também um tema
pouco estudado na atualidade, mas de relevância social muito importante.
Não podemos deixar de contextualizar o tema na realidade atual, tendo em vista a proposta
de lei da reforma trabalhista, que interfere ainda mais nos aspectos relacionados a profissão de
professor, é importante analisar as problemáticas que surgem a partir de tais aspectos, para que
se possa pensar em uma forma de lidar com o sofrimento que esses profissionais venham a ter, e
o que tem impacto também nas exigências do mercado de trabalho.
Tendo em vista, que a educação vem sofrendo várias transformações, e isso implica em
mais cobranças para os profissionais dessa área, e como o professor é indispensável, é exigido
dele que esteja em constantes atualizações de conhecimento e qualificações, para mostrar
sempre resultados positivos, uma exigência do capitalismo. Silva (2012), já nos alertava sobre o
capitalismo explorador usar maneiras disfarçadas de retirar o direito do trabalhador, utilizando a
alienação para desumaniza-lo.
As condições de trabalho ficam em segundo plano, e muitos profissionais não conseguem
cumprir com todas essas exigências. É importante ressaltar, que a desvalorização econômica e
pessoal, além de excessiva jornada de trabalho, tem um peso grande em como esses profissionais
se sentem em relação ao seu trabalho.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 363


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Em relação a atuação do psicólogo organizacional do trabalho, com essa classe de
trabalhadores, faz-se necessário mais pesquisas e estudos nessa área para, promover uma
estratégia visando uma melhoria dos impactos da profissão na vida dos professores, pois deles
dependem a sociedade, e não é saudável e ate mesmo justo, que uma importante profissão seja
causa de sofrimento. A importância que essa profissão tem é a mesma que deve se dar ao buscar
melhoria dos impactos, pois um profissional que se sente bem é um profissional mais produtivo.
O objetivo geral deste trabalho é: compreender o impacto da rotina de trabalho na saúde do
professor parnaibano. E como objetivos específicos: conhecer sua rotina de trabalho; compreender
a visão do profissional ao seu trabalho; investigar a relação entre o modo de trabalho e a saúde do
profissional. Nossa metodologia abordada foi entrevistas semiestruturadas e análise do conteúdo,
foram entrevistados 10 professores de escolas públicas do contexto piauiense.

Desenvolvimento

Compreender os aspectos que atravessam a profissão de professor é fundamental para os


sentidos e sofrimentos que cada sujeito atribui a essa profissão, pois cada um tem sua percepção
própria dos impactos na sua vida. A saúde psíquica e física implica diretamente em como o
indivíduo se mantem na profissão de professor, levando também em consideração de como foi
a escolha da profissão e o desejo de mudança além das relações interpessoais no ambiente de
trabalho.
Segundo Gasparini, Barreto e Assunção (2006), a prevalência de transtornos mentais é
comum no cenário nacional, e de acordo com Cruz (2010), além da sobrecarga que eles enretam,
ainda há a expectativa social relacionada ao desenvolvimento do seu trabalho. Esses fatos,
também tem um peso significativo na saúde do professor que tem além de lhe dar com desgastes
físicos e psicológicos, ainda a pressão social para mostrar resultados positivos do seu produto de
trabalho. Faz-se necessário um olhar da Psicologia para a saúde dos professores, que são uma
categoria ainda desvalorizada economicamente e que lida com aspectos que podem acarretar
sofrimentos.
Portanto, deve-se procurar obter uma escuta critica a esses profissionais, para assim poder
acolher e poder desenvolver juntamente com estes uma nova maneira de estar inserido nesse
campo de atuação, sem que o mesmo traga muitos sofrimentos e dessa forma sim, até podemos
ter profissionais mais realizados e produtivos.
Ao examinar a questão do abandono do magistério público na rede de ensino, verificou-se
grandes desafios e dificuldades enfrentados no sistema de ensino público no Brasil. As análises
evidenciam que um entre vários fatores que contribuem para o processo gradual de abandono
dos professores à profissão docente está, além dos baixos salários, as precárias situações, a
insatisfação no trabalho e o desprestígio profissional. Este processo acontece lentamente por
meio de uma série de mecanismos pessoais e institucionais de que os docentes fazem uso, até que
ocorra o abandono definitivo.
As redes de instituições de ensino público no brasil defrontam-se com um enorme desafio
a ser enfrentado, a cada ano um número crescente de professores deixa a rede pública de ensino,
consequência da não realização das expectativas criadas pelos profissionais, havendo um
confronto da realidade vivida com a realidade idealizada, impedindo as adaptações necessárias e
provocando frustrações e desencantos que levam à rejeição da instituição e/ou da profissão.
Segundo Bohoslavsky (1977), quando o indivíduo pensa em uma profissão, ele pensa em
“algo que se relaciona com a realização pessoal, a felicidade, a alegria de viver, etc., como quer
que isto seja entendido”, e quando o envolvimento com esse “algo” deixa de resultar na realização
pessoal, a tendência será, certamente, diminuir o envolvimento, diminuir os esforços. Assim,

364  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
pode-se afirmar, com base nos depoimentos obtidos, que o processo de abandono ocorreu,
principalmente para os professores em estudo, por meio do enfraquecimento ou relaxamento dos
vínculos existentes.
O trabalho do profissional da área da educação, especificamente, para que seja realizado
satisfatoriamente e para que cumpra seu papel equilibrador, requer o estabelecimento de
vínculos específicos com determinadas classes de objetos: instituições, pessoas, instrumentos e
organizações. Esses vínculos são de extrema importância pois se trata de um conjunto de relações
que o professor deve estabelecer para que se suceda um desempenho satisfatório de suas atividades
no magistério.
Desse modo, considerando-se tais perspectivas de como se fazer educação, pode-se constatar
que exercer a profissão de professor nos dias atuais é um ato de extrema valentia e dedicação,
tendo em vista que os profissionais responsáveis pela área educacional enfrentam uma série de
problemas e dificuldades durante o desempenho de suas práticas pedagógicas. Pode-se dizer que
nunca foi tão difícil ser professor como nos dias de hoje. A profissão docente, nas últimas décadas,
se depara com um processo de valorização/desvalorização, crítica e perda de identidade frente à
mudança contínua e rápida que dirige nossas propostas de vida e trabalho, a grande preocupação
do professor passa a ser a legitimidade da coisa ensinada.
Segundo Lacerda (2011), nos dias atuais a educação passa por profundas transformações,
tendo em vista as mudanças constantes que vêm ocorrendo no mundo. As novas tecnologias
evoluem num ritmo cada vez mais acelerado, e o mundo científico também avança constantemente,
com novas descobertas e estudos, apontando diferentes competências para atuar na sociedade
e no campo educacional. Diante disso, os novos desafios vêm instigando os profissionais da
educação a buscarem novo saberes, conhecimentos, metodologias e estratégias de ensino.
Em decorrência dessas diversas transformações vivenciadas pelo mundo atualmente, cada
vez mais se faz necessário que os educadores se reinventem com o intuito de ensinar e aprender.
Esse processo de reinvenção profissional é de suma importância pois adequa-se como diferencial
no processo de aprendizagem do aluno através de métodos lúdicos com o objetivo de atrair a
atenção de alunos cada vez mais imediatistas e adversos aos estudos e buscas de informações de
forma mais aprofundada.
Para dimensionar esse aspecto, faz-se necessário que sejam detectadas as novas exigências
enfrentadas pelos professores no mundo contemporâneo. As exigências de mudanças no contexto
escolar e social na atualidade requerem profissionais atualizados e competentes, que estejam
preparados para atuar com diferentes problemas.
O que fica flagrante diante de tais atestações, entretanto, é um dilema sobre a enorme
dificuldade de combinar os muitos fatores que dizem respeito à formação humana. Parece que
a sociedade cobra cada vez mais o bom desempenho profissional dos sujeitos envolvidos na
educação, no entanto, não se é oferecida a autonomia e disposição necessária para abarcar de
maneira satisfatória todas essas demandas. Ao refletir um pouco sobre a função do professor
na atualidade, deparamo-nos com um conjunto de diversos fatores que possibilitariam um bom
desempenho profissional, dentre eles pode-se citar: um bom relacionamento com pais e alunos,
melhores condições de trabalho, valorização financeira, pessoal e profissional, além de outras
condições mínimas necessárias que influenciariam e muito na manutenção da saúde do educador
e, consequentemente, em sua produtividade.

Metodologia

Para a elaboração desse paper de abordagem qualitativa foi utilizado à análise de conteúdo
que é um conjunto de técnicas que permitem analises das comunicações. (Bardin, 1977. p. 31).
A pesquisa contou com a participação de 10 professores da rede pública de ensino da cidade de
Parnaíba.
Realizou-se uma entrevista semiestruturada, que se configura como uma entrevista aberta,
onde o participante pode discorre sobre o tema em questão, a partir de sua própria visão.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 365


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Procede-se da seguinte forma, depois de realizar a entrevista, foi feita a leitura, onde pretendeu
categorizar por eixos temáticos os trechos da entrevista. A entrevista foi construída baseada em
seis eixos temáticos, representados cada um por uma pergunta. Posteriormente, foram analisados
os conteúdos das respostas que se repetiam, as quais foram chamadas de palavras-chave, e
conseguintemente divididas nas seguintes categorias: positivas, neutras e negativas.

Entrevista Categorias Positivas Categorias Neutras Categorias Negativas


Porque você Realização, Oferta, necessidade.
escolheu essa identificação, gosto,
profissão? amor pela leitura,
influências familiares.
Descreva sua Compensa, Dedicação, tempo integral, Pesada, difícil, trabalhosa,
rotina? gratificante, normal árdua, paciência, estressante,
reconhecimento. cansativa.
Como você Ótimo, “sinto me Aposentadoria. “Financeiramente (...) bastante
se sente em realizada”, “sou aquém de outros profissionais.
relação ao seu feliz no que faço”, ”, abandono, falta de recursos,
trabalho? folga, “Adoro desvalorizada, cansativa. “Não
meu trabalho”, me sinto muito bem”.
responsável,
compromissada,
bastante louvável,
gosta do que faz,
prazeroso.
Quanto é sua Bom demais, sim, Não, cansativa, “ compromete
carga horária, “não tenho do que outros afazeres.
você está reclamar. ”
satisfeito com
ela?
Alguma vez Sim, diminuição da carga Problemas sérios de coluna,
você já sentiu horaria, cuidados. fibromialgia. “Sinto muitas
o seu trabalho dores musculares e na coluna,
afetar sua saúde dores fortes, de causar febre”,
pessoal? lado emocional, estresse,
“afeta a saúde de qualquer
indivíduo”, fala, depressão,
estresse, ansiedade, “ não é
fácil”, cansaço, dificuldades
com a voz, dores de cabeça e nas
mãos, garganta, “o trabalho vem
afetando diretamente minha
saúde”.
O que você “Me sinto bem na “A forma de pensar das pessoas, “Metodologias rotineiras”, “Só
mudaria em sua educação” a administração, a organização, o professor que faz parte do
profissão? a questão das leis criadas pelo processo de ensino, o aluno
sistema e os impasses.”, algo se torna simplesmente um
melhor, real significância, ser passivo desse processo.”,
“Gostaria de ter um ambiente de cobrança, ausência dos pais,
trabalho de que nos proporcione avaliação, ausência da família,
apoio diversificado.”, “gostaria Salário, condições de trabalho.
de ter a responsabilidade de
Educar Dividida com a família de
cada (...) estudante, ou alunos
mesmo. (...) teriam mais respeito
pelo próximo, pelo profissional
e até para ele mesmo. ”,
prática pedagógica, relação
professor-aluno, respeito, maior
reconhecimento, valorização do
professor.

366  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Eixo temático 1: Motivação da Escolha

Observa-se que no eixo temático referente a motivação da escolha da carreira, obteve-se


mais resultados positivos do que negativos. Sendo as palavras de maior destaque: realização,
identificação e influências.

Eixo temático 2: Descrição da Rotina

Nesse item pode ser percebido que os maiores resultados foram negativos, pois apesar de
alguns profissionais sentirem-se satisfeitos com sua rotina de trabalho, a maioria acha cansativo
e acredita que interfere em outros afazeres da vida pessoal.
Eixo temático 3: Sentimento em relação ao Trabalho.

Nesse eixo houve uma prevalência de resultados positivos, pois apesar de alguns se sentirem
desvalorizados financeira e socialmente, a maioria está feliz e realizado com sua profissão.

Eixo temático 4: Satisfação com a carga horária.

Aqui os profissionais se mostraram divididos, pois enquanto uns estão satisfeitos outros
acreditam que seja cansativo. Prevalência de sentimentos positivos para quem cumpre uma carga
horária menor.

Eixo temático 5: Trabalho e Saúde

Nesse eixo tivemos uma prevalência de sentimentos negativos, pois a maioria dos profissionais
relata que o trabalho prejudica sim a sua saúde, relataram especialmente problemas com a voz, na
coluna e os estressores emocionais.

Eixo temático 6: Desejos de Mudança.

Nesse item os profissionais entrevistados tiveram opiniões bastante diversificadas, sendo


categorizado oito sentimentos negativos e dez neutros. Expressões mais frequentes envolviam
o desejo de atuar junto a família, que o sistema não os deixasse tão abandonados e os dessas
melhores condições de trabalho e salariais.

Conclusão

Podemos concluir que, os docentes entrevistados encontram-se em sua maioria satisfeitos


com a sua escolha profissional, apesar de acharem que não são tão bem valorizados quanto
deveriam, e encontram-se financeiramente aquém de outros profissionais.
Considera-se, portanto, que a saúde física e psíquica do professor, esta está atravessada
por aspectos positivos e negativos, que influenciam as suas condições de trabalho. Recomenda-
se, que futuramente caso seja desejo de outro pesquisador aprofundar ou revisar a pesquisa para
outros fins, que se realize-a de forma mais abrangente, envolvendo mais profissionais.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 367


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Referências

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Gasparini, Sandra Maria; Barreto, Sandhi Maria; Assunção, Ada Ávila. Prevalência de
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Krawulski, E. A Orientação Profissional e o Significado do Trabalho. Dissertação de Mestrado –


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368  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
DESEMPREGO E SAÚDE MENTAL À LUZ DO FILME O
CORTE
Lícia Calvet Araújo
Carla Jeanne da Silva Cruz
Maurício Antônio Leite Soares Júnior
Virlainne Moreno de Lemos
Carla Vaz dos Santos Ribeiro

Introdução

C
ientes da importância de proporcionar um ambiente de reflexão e debate acerca
de temas contemporâneos da sociedade, decidiu-se trazer um aprofundamento
teórico crítico de um mal que assombra inúmeros brasileiros, este é o desemprego,
temática que abarca o contexto da Psicologia Organizacional e do Trabalho. Na busca de
um maior entendimento da problemática, seu funcionamento e consequências, foi definida a
articulação do filme O Corte com o tema desemprego e seus agravos à saúde mental na sociedade
contemporânea como base para o estudo e desenvolvimento do presente trabalho. O filme em
questão trabalha o desespero de um desempregado e as consequências que pairam seu cotidiano,
o que engloba a concorrência no mundo corporativo, o próprio desemprego, o momento de crise
econômica e as consequências sociais e pessoais dessa problemática, tal como sua interferência
na saúde mental. Dessa forma, a trama apresenta de forma visual as diversas perdas, demandas
e vivências, ora levemente exageradas para manter um tom humorístico, viabilizando uma
suavização e integração do tema em sua profundidade, assim aproximando a imagem fílmica da
realidade de um desempregado. Dentre os diversos pontos de destaque, ressaltam-se não só as
modificações decorrentes da nova situação financeira, mas também a importância e impacto das
relações pessoais como apoio psicológico para superação desse contexto do mundo sem trabalho.
Sendo assim, torna-se necessária a reflexão desse contexto de trabalho vistos os desafios do atual
mercado e seus impactos na sociedade.

Desenvolvimento

Desde o início do cinema buscou-se uma reprodução cada vez mais fiel e completa
da realidade. A imagem fílmica suscita certamente um sentimento de realidade, através das
aparências, para o espectador. A percepção alcança, no nível sensorial, o que no domínio da razão
é conhecido como compreensão. O olhar de cada homem também antecipa, de modo modesto, a
admirada capacidade do artista de produzir padrões que interpretavam validamente a experiência
através da forma organizada (Arnheim, 1986, p.37). Portanto, o cinema possui, mesmo que por
uma ótica industrial, a notória capacidade instrumental para ser objeto de análise da psicologia.
O filme conta a trama de Bruno Davert que, após um processo de fusão ocorrido na empresa

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 369


NO ONTEXTO BRASILEIRO
que trabalhava há 15 anos, é demitido. Desempregado, Bruno perde a autoestima e aos poucos
sua saúde mental. Vendo que há muita competição em seu meio, Bruno decide eliminar seus
concorrentes para uma possível vaga de emprego, matando os mais qualificados do que ele.
O filme O Corte dialoga diretamente com o texto Refletindo sobre desemprego e agravos à saúde
mental (Pinheiro & Monteiro, 2007). A partir da leitura do texto percebe-se claramente como é
presente a realidade expressa pelas autoras quando enfatiza que o trabalho constitui o homem
em sua identidade, personalidade e criando seus sentidos existenciais, visto que, muitas vezes, o
sujeito passa mais tempo dentro do trabalho exercendo sua profissão do que fora dessa realidade
organizacional, como destacam Vasconcelos e Oliveira (2004) ao referir que uma grande parte
dos trabalhadores tem no trabalho o único elo social fora do convívio familiar. Assim, é notório
no filme que o personagem Bruno tem no seu trabalho o sentido de sua vida.
Após perder o emprego e passar por problemas familiares consequentes disso, Bruno vai
ao encontro de um terapeuta de casais por desejo da esposa, Marlene, que com isso busca ter
seu marido de volta ao seu convívio afetivo. Nesse sentido, Leon e Iguti (2003) ressaltam que o
desemprego também representa perdas e rupturas nas mais variadas dimensões da vida do ser
humano, sendo que suas repercussões se estendem não apenas ao indivíduo desempregado, mas
também a todo o seu contexto familiar. Assim, com a perda do seu emprego, sua vida perde o
sentido, seus filhos e esposa ficam em segundo plano e seu pensamento apenas perpassa pela
ideia de como conseguir uma vaga novamente no mercado de trabalho.
No processo de psicoterapia, vê-se claramente o quanto o trabalho era central na vida
de Bruno quando o terapeuta, em uma conversa, tenta investigar os efeitos do desemprego no
relacionamento que se apresenta para ele. A cena mostra uma fala carregada de sentimentos e de
clareza sobre como Bruno se sentia ao estar desempregado: “- tirando meu emprego eles tiraram
minha vida”; ”- destruíram minha vida e a vida da minha família”. Dessa forma, percebe-se que
para Bruno o trabalho é uma condição clara para viver e continuar vivendo, justificando-se tanto
pela questão material como pelo social. Nesse momento, com a fala ‘‘-Ser demitido acabou com
minha tribo, nos tornamos inimigos’’, fica notório como a exclusão abrupta de uma instituição
social caracteriza um afastamento de suas antigas relações no ambiente laboral.
É possível observar já nas primeiras cenas que a demissão não afeta apenas o próprio
personagem, mas sim toda sua família. Em um dado momento o protagonista afirma que após
perder o emprego se tornou “hostil e antissocial”. É perceptível que ele se mostra mais disperso,
perde-se fácil no meio dos diálogos, a própria esposa reclama algumas vezes. Problemas nas
relações pai/filho e problemas com sua esposa vão aparecendo depois do desemprego, há um
distanciamento entre o casal. Além de impactos sociais, a falta de emprego acarreta em uma
redução significativa na vida financeira, a qual posteriormente leva a uma diminuição na qualidade
de vida dessa família, pois mesmo com dois empregos Marlene ganha muito pouco para manter
o antigo padrão financeiro da família. Como resultado, o filho dele posteriormente é preso
roubando equipamentos eletrônicos. É presente anteriormente na trama reclamações dele sobre
cortes nos gastos da família, tais como “-Estamos sem TV a cabo” e “-Mamãe cortou a internet”.
De acordo com Rocha, Carvalho e Barreto (1999):

O desemprego é causa de sofrimento e doenças na medida em que desorganiza as relações


familiares, quebra os laços afetivos, gera relações conflituosas, que, em alguns casos,
culmina com separações, retorno da família à cidade de origem e intensificação de doenças
pré-existentes ou aparecimento de novas doenças.

Segundo Pinheiro e Monteiro (2007), o desemprego é causa direta de sofrimento e de


desenvolvimentos de doenças à medida que desorganiza a vida prática e a rotina do sujeito, quebra

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laços afetivos, e passa a desenvolver relações e momentos de conflitos, que por muitas vezes acaba
levando a divórcios e problemas com os filhos, visto que o sujeito não consegue mais satisfazer o
consumismo antes promovido, e a sensação de impotência passa a se apresentar juntamente com
o isolamento transformando as relações e afastando as pessoas.
Retornando a fala de Bruno ‘‘Ser demitido acabou com minha tribo, nos tornamos inimigos’’,
presente no contexto da terapia, é possível notar que esse perdeu seus amigos, que antes eram
um time, sempre unidos e presentes e que, com a demissão, ele havia perdido sua vida social
que centralmente era na sua empresa. É importante refletir que a situação de desemprego pode
levar a prejuízos intensos para a saúde mental do trabalhador, visto que, como já explicitado, o
trabalho passa a ser algo muito significativo na vida dos seres humanos e no reconhecimento social
necessário ao sujeito (Pinheiro & Monteiro, 2007). O desemprego traz o afastamento dele do seu
meio social, das suas referências cotidianas, da sua rotina. Assim, ocorrem rupturas bruscas nos
relacionamentos construídos ao longo de sua vida, sendo essa construída durante a maior parte
de seus dias no trabalho. No filme pode ser percebido o quanto a condição de desemprego leva
Bruno a se isolar socialmente, não se vê mais amigos no seu cotidiano e seu convívio familiar é
completamente abalado.
A influência do desemprego e suas consequências no ambiente familiar e na autoconfiança
do desempregado se mostraram presentes. Bruno se sentia culpado pela nova situação financeira,
marcada por cortes, vivida pela família. Os dois anos e meio desempregado acabaram por prejudicar
a sua autoconfiança, como podemos perceber na fala de sua esposa: “-É o que você precisa,
confiança” e nas frases de Bruno carregadas de baixa autoestima: “Não sei mais sorrir”, “Não
sei fazer autopropaganda”, “Não adianta, há muitos caras qualificados com caras sexys a minha
frente”. Como afirma Vasconcelos e Oliveira (2004), as consequências sociais e psicológicas,
causadas pelo crescente nível de desemprego, podem vir a gerar diversas formas de transgressão
e delinquência. E, são justamente por meio de delitos que Bruno e o filho buscam solução para
retornarem ao padrão financeiro que tinham. Bruno assassina concorrentes para conseguir a vaga
de emprego, estratégia essa em que Bruno não tinha nenhuma experiência, como observável em
tremedeira nas mãos e em diversos momentos em que treinava tiros e, seu filho passa a roubar
softwares, infração essa que rendia recursos financeiros. Bruno até mesmo relata ao encontrar
tais produtos roubados no quarto do filho: “-Isso vale muito dinheiro!”.
É perceptível o papel social do trabalho presente em vários campos, mesmo que a questão
financeira seja primordial em todo filme. A construção pessoal e o significado que o trabalho
possui é muito presente. Na cena que Bruno e Marlene vão buscar o filho na delegacia havia
uma ficha de preenchimento e uma das principais questões era “Qual o seu emprego?”. Nesse
momento, o personagem põe desempregado e é perceptível a carga negativa que esse rótulo
traz, é como se toda sua história e seu trabalho profissional se resumissem a nada por estar
desempregado. Ainda segundo Pinheiro e Monteiro (2007) e Vasconcelos e Oliveira (2004), estar
produzindo traz inclusão social para o ser humano e revela o quanto a sociedade dá importância
para o consumismo decorrente da globalização que é alcançada dentro da estabilidade do salário
fixo.
A desestruturação da família destaca o desequilíbrio econômico devido à perda de poder
aquisitivo. Dessa maneira, torna-se possível apreender que a maneira dessa família lidar com o
mundo do consumo implica na suavização ou agravamento da saúde mental do desempregado.
Apesar da perda de status e da diminuição do poder aquisitivo –questões que abalam não só Bruno
que perdeu sua identidade relativa ao trabalho, mas também sua família que passa a possuir
apenas um carro e ter cortes em TV a cabo e internet- o apoio familiar se mostrou presente durante
toda jornada de Bruno na busca por emprego. Diversas cenas expressam o cuidado que seus filhos
e mulher tinham para com ele. A cada entrevista realizada os três recebiam-no à porta, ansiosos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 371


NO ONTEXTO BRASILEIRO
para saberem se o pai/marido estava confiante em conseguir o emprego. A esposa demonstrava
apoio constante: “-Você não está sozinho, tem a mim!”. Ademais, o filho preocupa-se em lembrá-
lo: “-Se estiver indo a uma entrevista de emprego, lembre-se de sorrir”.
Apesar do suporte frequente, há momentos que a esposa reclama do grande distanciamento
de Bruno, chegando a relatar que precisava de alguém com quem pudesse rir e conversar –
situações essas que Bruno caracteriza como ingratidão diante dos sacrifícios que faz para com a
família. Entretanto, em conversa com candidatos concorrentes, Bruno ouve relatos de abandono
por parte da família desses seus “inimigos”, tais como pedido de separação da mulher após 1
(um) ano desempregado. Assim, ao final da trama, Bruno se reconhece como um homem de sorte
pelo apoio familiar que sempre recebeu, apesar das perdas financeiras. Nos momentos finais do
filme, com emprego quase garantido, tornou-se notória uma vivência afetiva entre Bruno e sua
família, ratificando o que o próprio protagonista revelou momentos antes: “-Vou achar trabalho
e as coisas serão como antes”, frase essa que expressa a grande importância e centralidade do
trabalho na vida dos sujeitos (Pinheiro & Monteiro, 2007) em suas mais diversas dimensões.
Em síntese, são demonstradas as quatro fases do processo de adoecimento psíquico do
desempregado propostas por Lira e Weinstein (1985, citados por Seligmann, 1994b), as quais
puderam ser visualizadas no decorrer do filme O Corte. A primeira fase é marcada pela busca
de Bruno por soluções para o desemprego, apresentando nessa fase já mudanças de humor e
dificuldade de dormir. A segunda fase é retratada a partir do desânimo, tristeza e isolamento
social, Bruno não consegue mais interagir com sua família e amigos, sua preocupação e sofrimento
influenciam nas suas relações. A terceira fase aparece com a adaptação patológica, onde Bruno
passa a buscar a realização de seu plano de eliminação de seus adversários para conseguir a vaga
de emprego necessária. A última fase se manifesta com o embotamento afetivo e a deterioração
da autoimagem, Bruno se acha sempre o pior dos currículos, ultrapassado e incapaz de conseguir
a vaga de outra maneira, o que o leva a cometer uma série de crimes.

Conclusão

O mundo do trabalho divide a sociedade em duas partes: de um lado os economicamente


favorecidos, e de outro os desempregados. A sociedade capitalista faz com que os sujeitos
estando na última situação sintam-se como inúteis, vazios, improdutivos e, consequentemente,
passam a se sentir como humilhados, à medida que o desemprego gera um processo progressivo
de sofrimento que em alguns casos pode levar a ações extremas e ao desenvolvimento de doenças
físicas ou mentais. A partir da articulação do filme O Corte com o texto Refletindo sobre desemprego
e agravos sobre à saúde mental (Pinheiro & Monteiro, 2007) desenvolvido neste trabalho, percebe-se
claramente que esse processo ataca a identidade, personalidade e consequentemente a vivência
do sujeito que se encontra nessa posição em todos os âmbitos e áreas de sua vida, desde o
físico, social e emocional até ao profissional e econômico, o que afeta não só o indivíduo, mas
também a sua família, com a qual divide sua rotina diária. Assim, a ausência do emprego além de
inviabilizar economicamente, também traz riscos para a saúde mental do sujeito. Esse processo
de sofrimento e desequilíbrio foi percebido na história de Bruno Davert durante todo o desenrolar
do filme O Corte, sendo atestado à medida que se observa as consequências do desemprego em
seu comportamento, ações e relações. Sendo assim, o presente trabalho buscou trazer reflexões a
respeito de algumas das repercussões advindas do desemprego, como exemplos a desestruturação
de laços sociais e afetivos, a restrição de direitos, a insegurança socioeconômica, a redução da
autoestima, o sentimento de solidão e fracasso, o desenvolvimento de distúrbios mentais, bem
como o aumento do consumo ou dependência de droga, dentre outras consequências.
Em suma, tornou-se notório o impacto da inserção no mercado de trabalho e,

372  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
consequentemente, em um grupo social, o qual contribui diretamente para o desenvolvimento da
identidade do sujeito, visto que esta se encontra vinculada, entre outros fatores, também ao ofício,
pois ter um emprego passa a ser visto como um dever tanto moral como social. O desempregado,
como demonstrado no desenvolvimento desse trabalho, passa a ser não mais reconhecido
socialmente, o que traz um grande sofrimento psicológico devido à exclusão e segregação
resultante desta condição, bem como a todas as consequências já mencionadas resultantes do
desemprego. Sendo assim, é importante salientar a necessidade da Psicologia dedicar-se cada vez
mais a esse vasto campo do mundo do trabalho e seus impactos à saúde psíquica dos indivíduos
componentes dessa área.

Referências

Arnheim, R. (1986). Arte & Percepção Visual: uma Psicologia da Visão Criadora (p.37). São Paulo:
Pioneira.

Leon, L. M., & Iguti, A. M. (2003). Saúde em tempos de desemprego. In L. A. M. Guimarães & S.
Grubits (Orgs.), Série Saúde Mental e Trabalho (pp. 196-210). São Paulo: Casa do Psicólogo.

Pinheiro, L. R. S., & Monteiro, J.K. (2007). Refletindo sobre desemprego e agravos sobre à saúde
mental. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 10, 35-45.

Rocha, L., Carvalho, M. & Barreto, M. (Orgs.) (1999). Impactos do desemprego na saúde de homens e
mulheres. São Paulo: UBM.

Seligmann-Silva, E. (1994b). Introdução: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho: marcos


de um percurso. In M. I. S. Betiol (Org.). Psicodinâmica do trabalho: contribuições da escola Dejouriana à
análise da relação prazer, sofrimento e trabalho (3ª ed., pp. 13-19). São Paulo: Atlas.

Vasconcelos, Z. B., & Oliveira, I. D. (Orgs.). (2004). Orientação vocacional: alguns aspectos teóricos,
técnicos e práticos. São Paulo: Vetor.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 373


NO ONTEXTO BRASILEIRO
RELAÇÃO TRABALHO/SAÚDE DOS PROFISSIONAIS
DOS SERVIÇOS GERAIS DE LIMPEZA HOSPITALAR:
UMA REVISÃO SISTEMÁTICA
Flávia Marcelly de Sousa Mendes da Silva
Anísio José da Silva Araújo
Maria Gabriela Costa Ribeiro
Olindina Fernandes da Silva Neta
Heloísa Bárbara Cunha Moizeis

Introdução

O
ambiente hospitalar é um local onde os fatores de risco mais comuns são os
agentes biológicos, físicos e químicos, causadores de inúmeros acidentes e doenças
do trabalho. Portanto, a prestação de serviços no hospital caracteriza-se como
complexo, por conta dos fatores internos e ambientais presentes. Entretanto, ainda que sejam
escassas as análises sobre serviços de limpeza, podem-se citar as seguintes características: a
depreciação identitária, a presença majoritária de mulheres e a preponderância de fatores como
raça/ etnia, aparecem, em maior ou menor grau, em toda a literatura sobre o tema (Sousa, 2011).
A insalubridade do trabalho hospitalar, bem como a constante exposição a fatores de risco,
ambientais, entre outros, causam sofrimento ou doenças, geradas a partir da natureza particular
de tal trabalho e de sua respectiva organização (Salvagni, Quintana, & Monteiro, 2011).
Não obstante, apesar da importância das atividades desenvolvidas pelos servidores de
limpeza para o bem-estar dos profissionais e pacientes, o mesmo não é suficientemente valorizado.
O próprio trabalhador e a sociedade o estigmatizam e o desvalorizam (Ferreira, Procopiak, &
Cubas, 2011; Mathur et al., 2011; Zuberi & Ptashnick, 2011). O trabalho desses profissionais é
frequentemente desconhecido por seus usuários no ambiente hospitalar. Por mais que saibam que
o profissional de serviços gerais hospitalar integra o quadro de funcionários do hospital e, desse
modo, serem também ligados à área de saúde, desconhecem o momento que podem contar com
os mesmos ou por qual motivo procurá-los (Sena, 2013).
Diante deste cenário, esta pesquisa tem por finalidade aprofundar o trabalho em serviços de
limpeza hospitalar e a relação que essa atividade estabelece com a saúde desses (as) trabalhadores
(as). Para tanto, realizou-se uma revisão sistemática na literatura em busca de uma compreensão
mais específica da temática. O resultado obtido com a pesquisa de trabalhos científicos deverá
demonstrar em que situação o tema da relação saúde e trabalho dos profissionais dos serviços
gerais de limpeza hospitalar se encontra no âmbito da Psicologia.

374  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método

Procedimento de coleta de dados e análise dos dados

Para a realização dos propósitos deste estudo, a revisão sistemática da literatura foi realizada
a partir da análise de artigos nacionais disponíveis na base de dados eletrônicas SciELO Brasil 9–
Scientific Eletronic Library Online -, uma base de dados pública e plataforma de livre acesso a
toda comunidade acadêmica e onde estão indexadas as principais revistas brasileiras. O Portal de
Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)10, biblioteca
virtual que reúne e disponibiliza às instituições de ensino e pesquisa no Brasil um acervo de mais de
33 mil títulos com textos completos, 130 bases referenciais, dez bases dedicadas exclusivamente
a patentes, além de livros, enciclopédias e obras de referência, normas técnicas, estatísticas e
conteúdo audiovisual.
Para a organização e sistematização dos artigos foram utilizados inicialmente para a
pesquisa os descritores “trabalhadores de limpeza hospitalar” and “saúde mental”. Porém,
foram encontrados apenas dois artigos no SciELO, assim como também no portal de periódicos
da CAPES. Mediante a escassez de achados, foi realizada uma segunda pesquisa, com outros
descritores, “trabalhadores de limpeza hospitalar” and “saúde”, e dessa forma, foram encontrados
um total de 16 artigos, sendo 7 no ScIELO e 9 no portal de periódicos CAPES, como pode ser
observado na Figura 1. Destes, quatro artigos apareciam duplicados nas duas bases de dados
selecionadas, gerando um total de apenas 12 trabalhos com os temas indicados.

Figura 1. Total de publicações de acordo com as bases de dados.

Na figura 1, pode- se verificar o resultado da busca de trabalhos em cada base de dados.


Para a primeira etapa de filtragem foram delimitados os seguintes critérios de inclusão: textos
produzidos em português no Brasil, sem corte temporal; artigos científicos que abordassem
trabalhos com servidores de limpeza hospitalar; artigos baseados em estudos de campo com
a categoria supracitada (trabalhos teóricos ou de revisão foram descartados); estudos sobre a
temática de saúde e de seus impactos para os trabalhadores de serviços gerais de limpeza hospitalar.

9 Endereço eletrônico do SciELO - http://www.scielo.org


10 Endereço eletrônico do Portal de Periódicos da Capes - http://www.periodicos.capes.gov.br

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 375


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A seleção inicial resultou em 12 artigos. Contudo, ao analisar os títulos e resumos desses
estudos, foram excluídos os artigos repetidos em mais de uma base de dados, os que não
abordavam o tema da saúde relacionada aos trabalhadores de limpeza hospitalar, e que não se
enquadravam nos critérios já mencionados. A partir desta filtragem, obteve-se um total de 10
trabalhos (três não tratavam de pesquisas com trabalhadores de limpeza hospitalar e sendo assim,
foram eliminados). Dos trabalhos analisados, uma era dissertação e o restante artigos científicos.

Resultados

No tocante aos resultados, quanto as áreas de publicação desses artigos, pôde-se observar
que a área de enfermagem teve o maior número das publicações. Houve publicação também
em um periódico da área da saúde (Saúde pública). Considerando apenas os artigos, com
exceção da dissertação de mestrado, foi possível identificar o quanto a Psicologia, em especial à
área de Psicologia Social do Trabalho, tem estado ausente nas discussões a respeito da relação
saúde-trabalho da categoria dos servidores de limpeza hospitalar. Tais constatações reforçam
a importância e a relevância do objeto de estudo da presente dissertação que busca analisar
a relação trabalho-saúde dos servidores de limpeza hospitalar. Na figura 2, pode-se observar a
distribuição dos artigos a partir dos periódicos nos quais foram publicados.

Figura 2. Distribuição dos artigos a partir das áreas de publicação

Com relação ao ano de publicação, os trabalhos se concentraram no período de 1999 a


2014, e pôde-se perceber que houve uma lacuna do ano de 1999 até o ano de 2003, tendo havido
outra publicação com a temática estudada somente no ano de 2004. As mesmas encontram-se
espaçadas até a última publicação em 2014, o que pode ser verificado na Figura 3.

376  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
As mesmas encontram-se espaçadas até a última publicação em 2014, o que pode ser
verificado na Figura
3.

Figura 3.dos
Figura 3. Distribuição Distribuição dos
artigos a partir artigos
do ano a partir
de publicação do ano de publicação

NoNo
queque concerne
concerne as perspectivas
as perspectivas de produção
de produção de dados,de dados,
a figura a figura 4a distribuição
4 apresenta apresenta a
distribuição dos artigos de acordo com a escolha do pesquisador quanto
dos artigos de acordo com a escolha do pesquisador quanto aos instrumentos e técnicas deaos instrumentos
e técnicas dedos
interpretação interpretação dos dados.
dados. A maioria A maioria
optou pela optou
abordagem pela abordagem
quantitativa, quantitativa,
a qual proporciona ao a
qual proporciona
pesquisador uma maior aoabrangência
pesquisador uma maior
geográfica, abrangência
em função geográfica,
da padronização em funçãododa
e impessoalidade
padronização
instrumento e formulário
(e.g., impessoalidade do instrumento
e/ou questionário). (e.g.,naformulário
Entretanto, e/ou questionário).
pesquisa qualitativa, é imperioso
o contato entre pesquisador e entrevistado, tendo em vista que os resultados encontrados e
Entretanto, na pesquisa qualitativa, é imperioso o contato entre pesquisador
entrevistado,
possuem tendo
estreita emcom
relação vistaa condução
que os resultados encontrados
e os maneirismos possuem
nessa relação estreitaSabóia,
(Aquino, relação com
Melo,
a condução
Carvalho, e os maneirismos
& Ximenes, 2016). nessa relação (Aquino, Sabóia, Melo, Carvalho, & Ximenes,
2016).

Figura 4. Distribuição dos artigos quanto a perspectiva de produção de dados


Figura 4. Distribuição dos artigos quanto a perspectiva de produção de dados

Quanto às temáticas dos artigos, foi possível obter uma maior compreensão sobre a
relação trabalho-saúde dos servidores de limpeza hospitalar, bem como os seus impactos para os

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 377


NO ONTEXTO BRASILEIRO
trabalhadores. A partir de leituras dos trabalhos encontrados na revisão sistemática, buscou-se
realizar uma análise do conteúdo das pesquisas com relação à atividade dos servidores de limpeza
hospitalar no contexto brasileiro.

Discussão

A partir da análise da literatura, foi possível identificar vários problemas de saúde aos
quais estão expostos os trabalhadores da categoria estudada. Desses profissionais são exigidas
cargas física, psíquica e mental elevadas, além dos riscos biológicos e químicos aos quais estão
submetidos. As insalubridades do trabalho hospitalar, bem como a constante exposição a fatores
de risco ambientais, entre outros, acabam por causar sofrimento e/ou doenças, gerados a partir
da natureza particular de tal trabalho e de sua respectiva organização (Salvagni, Quintana, &
Monteiro, 2011).
A revisão sistemática constitui um método que possibilita organizar as informações e
contribuir para responder às questões de pesquisa, além de, poder identificar e mapear áreas
com poucos estudos, evidenciando dessa forma a necessidade de novas pesquisas. Para tanto,
caracteriza-se por ser um método de pesquisa de caráter descritivo e exploratório (Petticrew &
Roberts, 2006).
Em razão disto, a atividade de higienização hospitalar requer que os trabalhadores exerçam
movimentos repetitivos, reproduzam posturas inadequadas e façam uso de uma força excessiva
no desempenho de suas funções. O Ministério da Saúde do Brasil (2001), aponta a existência
de diversos fatores de risco para a saúde do trabalhador de limpeza hospitalar, (e.g., diversas
substâncias, líquidas ou gasosas; agentes biológicos, como vírus, parasitas e bactérias que podem
ser caracterizados como fatores de risco para a atividade humana). Cumpre frisar que os aspectos
psicossociais possuem relação com a satisfação no trabalho e podem influenciar na saúde do
trabalhador, uma vez que incidem em várias questões relacionadas ao trabalho, como a utilização
de equipamentos; condições de iluminação; ventilação; conforto; além dos fatores mecânicos,
capazes de causar acidentes de trabalho, no que concerne às sinalizações; ordem; e limpeza no
ambiente de trabalho.
Assim, na análise das publicações, evidenciou-se a exposição a riscos e suas consequências na
saúde destes trabalhadores. Neste sentido, Martarello e Benatti (2009), realizaram uma pesquisa
com 86 trabalhadores de limpeza hospitalar a fim de identificar aspectos da qualidade de vida
e de sintomas osteomusculares nestes profissionais. Os resultados encontrados apresentaram
que metade dos trabalhadores referiu problemas osteomusculares na região dos ombros e 43 %
apresentaram dor na parte superior das costas, sendo que a região do pescoço e a parte inferior
das costas foram significativas (37%). Um resultado considerado alarmante no que concerne à
saúde destes trabalhadores em sua relação com as atividades por eles desenvolvidas. Quando
comparados à realidade do trabalho de uma equipe de enfermagem, a ocorrência de sintomas
osteomusculares acusou diferença significativa para os trabalhadores de higiene com relação aos
ombros, região superior das costas e pescoço, enquanto que a equipe de enfermagem relatou
sintomas nas regiões lombar e dorsal. A diferença entre os grupos de trabalho com ou sem a
presença de sintomas osteomusculares apontados nos instrumentos Questionário Nórdico
e obtidos pela aplicação do questionário genérico de avaliação da Qualidade de Vida relatou
uma diferença significativa nos domínios Capacidade Funcional, Dor, Estado Geral de Saúde,
Vitalidade e Saúde Mental. A partir desses resultados, os autores do estudo concluíram que quem
apresentou sintomas osteomusculares terá sua qualidade de vida provavelmente comprometida,
o que incide nos aspectos da qualidade de vida tanto laboral quanto extra laboral.
Além dos aspectos já mencionados, esta pesquisa também revelou outros acidentes sofridos
por estes trabalhadores, tais como corte, lesão por esforço repetitivo, perfuração, queda e torção
e ainda outras modalidades de problemas de saúde, tais como dermatite, dor muscular, estresse,
hipertensão, rinite e tendinite.

378  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Outra situação referente à saúde desses profissionais diz respeito aos riscos biológicos aos
quais estão expostos. Segundo a Organização Internacional do Trabalho – OIT, na atualidade, os
riscos biológicos que estão presentes nos hospitais são considerados como emergentes, sendo a
gestão de resíduos infecciosos um sério problema para os trabalhadores da saúde (OIT, 2010).
A autora Cristina Osti (2004), em sua dissertação de Mestrado, realizou um estudo com 113
funcionários de limpeza hospitalar no qual objetivou avaliar na população ativa desta categoria,
com esquema completo de vacinação contra o vírus da hepatite B, a presença de infecção natural
pelo VHB, anterior à vacinação, medida pelo anticorpo contra o AgHBc (anti-HBc) e sua relação
com as condições epidemiológicas gerais, de vida pessoal e profissional e de risco de infecção pelo
VHB e os níveis de anticorpo contra o AgHBs (anti-HBs).
Como resultados do estudo, houve presença de anti-HBc denotando infecção anterior
à vacinação encontrada em nove funcionários, sendo oito mulheres, e não foi apresentada
associação entre presença de anti-HBC e as seguintes variáveis: faixa etária, sexo, tempo de
exposição profissional (anos), presença de acidentes de trabalho, número de parceiros sexuais,
contato sexual de risco, transfusão sanguínea e tatuagem. Encontrou-se tendência a associação
entre o não uso de preservativo e a presença de infecção, pois os nove funcionários com anti-
HBs presentes referiram não utilizar proteção durante a relação sexual. Quanto à resposta à
vacinação, com a formação de anti-HBs, encontrou-se associação altamente significativa entre o
sexo feminino e produção de concentrações do anticorpo maiores que ou iguais a 100 mUI/ml.
Também foi encontrada tendência a associação de maiores títulos com ausência de tabagismo.
Osti (2004) ainda destaca que acidentes com perfurocortantes são mais recorrentes com os
trabalhadores da área de apoio hospitalar e do setor de limpeza e que poderiam ser implantadas
medidas preventivas quanto à adequação do descarte destes materiais, pois muitos são descartados
de maneira imprópria, no leito do paciente, na mesa da cabeceira, na bandeja de medicação,
no chão e no lixo comum. Também poderiam ser realizados treinamentos específicos para os
trabalhadores para que os mesmos pudessem estar mais preparados para a sua realidade de
trabalho. Estes dados são corroborados com o estudo de Meneguim, Morine e Ayres (2015), que
evidenciam a necessidade da implantação de programas eficazes na prevenção de acidentes com
materiais perfurocortantes e em relação aos diversos riscos aos quais estão expostos. As causas
do acidente não devem ser meramente apontadas para os trabalhadores do setor de limpeza, e
sim ao processo de trabalho vivenciado na organização. Ressalta-se a necessidade de valorizar os
fatores individuais e institucionais envolvidos no processo, para que sejam asseguradas práticas
hospitalares mais seguras.
Além das informações referentes à revisão sistemática, pode - se verificar que a hepatite B é
considerada atualmente uma das mais prevalentes infecções ocupacionais contraídas no ambiente
hospitalar (Alter, 1975; Focaccia, 1986; Hu, 1991). Ademais, os maiores riscos dos acidentes
perfurocortantes não se restringem as lesões, mas aos agentes biológicos veiculados pelo sangue e
secreções corporais, sobretudo, o HIV e HBV, que se encontram presentes nos objetos causadores,
além de sofrerem com o trauma psicológico durante o período em que esperam os resultados dos
exames sorológicos (Marziale & Rodrigues, 2002). Além do risco de contrair infecções, o acidente
pode vir a gerar sérias repercussões psicossociais no trabalhador, concernentes a mudanças nas
relações de trabalho, familiares e sociais, gerados pelas associações ao HIV e a Síndrome de
Imunodeficiência Adquirida (AIDS), além das reações psicossomáticas pós-profilaxia utilizada
pela exposição ocupacional e o impacto emocional sofridos pelos trabalhadores (Brandão Júnior,
2000).
Com o intuito de enriquecer a discussão sobre o assunto, convém ressaltar que a preocupação
com o manuseio diferenciado dos resíduos hospitalares surgiu a partir do momento em que o
paciente passou a assumir sua condição de consumidor e exigir uma melhoria no tratamento

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 379


NO ONTEXTO BRASILEIRO
para a recuperação de sua saúde. Com o surgimento da AIDS e da Hepatite B, os profissionais da
saúde foram obrigados a rever os procedimentos em relação aos resíduos e sua contribuição na
cadeia de transmissão de doenças (Dias, 2004).
Os materiais perfurocortantes, em especial, exigiram grande atenção para que seu descarte
fosse realizado de forma cautelosa. Tal situação levou ao aumento das preocupações com os
cuidados que são necessários aos resíduos e a limpeza hospitalar, refletindo-se na criação de
legislações específicas, visto que o crescimento das quantidades de resíduos a incinerar agravava
os problemas ambientais (Amaral, 2014).
A literatura visitada na revisão sistemática apontou ainda para a existência de um estudo
de caráter inédito no Brasil por ser o primeiro a avaliar a prevalência da colonização por
Staphylocococcus aureus na boca de trabalhadores de limpeza hospitalar, segundo estudo de
Cruz, Pimenta, Hayashida, Eidt e Gir (2011). Os autores buscaram compreender também os
conhecimentos e as crenças destes profissionais diante deste risco a que estão expostos. A pesquisa
foi realizada com 63 auxiliares de limpeza, sendo que todas do sexo feminino, 20 apresentaram-se
não colonizados e 43 colonizados; 13 para Staphylococcus aureus resistente à meticilina e 30 para
Staphylococcus aureus sensível à meticilina. O estado de carreador persistente por Staphylococcus
aureus, resistente à meticilina, foi detectado em 15,4% dos casos.
Os mencionados autores destacaram, ainda, que os investigados recebem apenas orientações
ocasionais das enfermeiras assistenciais e da equipe do serviço de controle de infecção hospitalar
quanto aos riscos a que estão expostos. É evidente a pouca importância atribuída à qualificação
profissional resultante das análises das publicações referentes a saúde dos servidores de limpeza
hospitalar. Os resultados desse estudo revelaram a baixa escolaridade dos contratados em serviços
de saúde, e que necessitam de conhecimentos técnicos elementares no que tange a transmissão
de microorganismos e higiene em ambiente hospitalar. De acordo com o Ministério da Saúde
no Brasil (2007), os trabalhadores devem ter acesso às informações sobre os riscos e cuidados
que envolvem sua atividade, assim como devem ter participação nas medidas de promoção da
saúde e prevenção dos acidentes. Entretanto, é de suma importância que estas medidas sejam
efetivamente aplicadas, e não somente existam nos documentos.
Outro assunto verificado na revisão sistemática diz respeito ao conhecimento dos
trabalhadores em serviços de limpeza em relação aos riscos de contaminação do ambiente de
trabalho e à importância de seu trabalho para a manutenção de sua saúde. Os autores Monteiro,
Chillida e Bargas (2004) objetivaram analisar as atividades de educação continuada. As enfermeiras
da organização pesquisada são as responsáveis pelo gerenciamento do setor de limpeza e pela
orientação e educação continuada dos trabalhadores terceirizados de limpeza hospitalar com
fins de uma maior conscientização ao processo saúde-doença. Para tanto, contou-se com uma
amostra de seis entrevistados. Os pesquisadores verificaram que, com a terceirização, que se
expandiu ao longo dos anos na área de saúde, é de suma importância que os servidores de limpeza
hospitalar que possuem baixa qualificação profissional, exerçam seu trabalho com clareza de suas
funções e tenham condições adequadas para que possam executá-las com conhecimento dos
riscos ocupacionais a que estão expostos.
O contexto de trabalho dos servidores de limpeza hospitalar oferece ainda outros riscos à
saúde relacionados à terceirização desses serviços. No contexto da área de saúde pública, as autoras
Chillida e Cocco (2004) realizaram um estudo com o objetivo de traçar o perfil do trabalhador
terceirizado que atuava no serviço de limpeza de um hospital universitário, no que se refere às
suas perspectivas quanto ao processo saúde-doença e ao seu futuro. A pesquisa identificou a
baixa escolaridade dos sujeitos, a presença majoritária de mulheres e o início precoce no trabalho,
desde a infância.
Quanto à saúde dos trabalhadores, pouco mais de 50% relacionaram o trabalho ao
desenvolvimento de doenças. As autoras dimensionaram a relação direta entre determinados

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
problemas de saúde e o trabalho efetivamente desenvolvido, citando casos como: tendinite,
dermatite e problemas psiquiátricos decorrentes do trabalho, apontando aspectos relacionados
a saúde mental desses trabalhadores. Estas autoras encontram, ainda, que a dupla jornada de
trabalho é uma realidade para as mulheres, visto que, há a presença de alto grau de rotatividade
entre as trabalhadoras (es).
Outra questão abordada pela pesquisa mencionada anteriormente concerne à perspectiva
dos trabalhadores com relação a probabilidade de sua realidade de trabalho afetar sua saúde, pois,
relacionavam o risco a que estavam expostos no ambiente de trabalho aos produtos utilizados
para limpeza do piso e equipamentos, ao trabalho repetitivo e a possibilidade de desenvolverem
lesão por esforço repetitivo (LER), bem como a alta probabilidade de acidentes com instrumentos
perfurocortantes como já fora mencionado em diversas pesquisas já descritas, assim como os
fluídos biológicos como sangue, fezes, urina, vômito.
Ainda sobre as condições de trabalho destes profissionais, em pesquisa realizada em um
hospital universitário com os trabalhadores do serviço hospitalar de limpeza, os autores Beltrame
et al. (2014) procuraram mensurar o índice de capacidade para o trabalho que envolve aptidões
físicas, mentais e funcionais e buscaram identificar os fatores a ele associados. Contando com
uma amostra de 157 trabalhadores do serviço hospitalar, os resultados apontaram que 79,6% dos
trabalhadores foram classificados com boa/ótima capacidade para o trabalho. Já os diagnósticos
médicos mais prevalentes foram: os distúrbios mentais leves (31,9%) e os musculoesqueléticos
(15,9%). Não obstante, tal pesquisa indicou que os trabalhadores que não possuíam tempo para
o lazer apresentaram uma prevalência de 2,67 vezes mais elevada de ter sua capacidade para o
trabalho reduzida. Estes resultados são reflexos da organização na qual estes trabalhadores estão
inseridos, pois incide de forma direta nas condições físicas e mentais dos profissionais.
Ademais, em relação à capacidade para o trabalho dos profissionais de higiene e limpeza
hospitalar, em pesquisa realizada por Andrade e Monteiro (2007), estes autores buscaram estudar
o envelhecimento destes trabalhadores. A pesquisa, de abordagem quantitativa, também utilizou
o instrumento Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT) que fora mencionado na pesquisa
anterior.
Como resultado de uma amostra de 69 trabalhadores, 21,7% tinham ótima capacidade para
o trabalho; 31,9% boa; 31,9% moderada e 14,5% baixa. As doenças com diagnóstico médico mais
frequentes foram: as lesões por acidentes, musculoesqueléticas e cardiovasculares, que foram
apontados na maioria nas publicações levantadas. A predominância de causas físicas entre estes
trabalhadores é significativa.
Os autores já citados, ao analisar a capacidade para o trabalho, identificaram que, em
alguns casos, esta deveria ser restaurada ou melhorada, tendo em vista que a capacidade foi
avaliada neste estudo a partir da relação idade e número de doenças com diagnóstico médico.
Percebe-se o quão importante é para as organizações a temática do envelhecimento e trabalho,
uma vez que a realização de programas de prevenção de doenças, além de mudanças na própria
organização, propicia a promoção da saúde e de qualidade de vida para estes trabalhadores.

Considerações Finais

Um ponto evidente identificado nos dados das pesquisas apresentadas neste capítulo refere-
se aos acidentes com material perfurocortante. Percebe-se, dessa maneira, as consequências que a
atividade de trabalho dos servidores de limpeza hospitalar tem sobre a saúde desses profissionais.
A própria organização do trabalho revela a complexidade das tarefas que devem executar, em
contraste com a baixa qualificação, falta de conhecimento a respeito dos riscos a que estão
expostos, além da precarização do trabalho decorrente da terceirização a que são submetidos na
sua contratação.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 381


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Em linhas gerais, conclui-se que, este capítulo buscou traçar um panorama acerca da
produção cientifica sobre a relação trabalho-saúde do profissional de limpeza hospitalar no
contexto brasileiro. Observam-se lacunas de pesquisa e escassez de trabalhos científicos sobre o
tema, em especial, na área da Psicologia, que procurasse dimensionar melhor os impactos para a
saúde mental e para a vida privada dos profissionais investigados.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 383


NO ONTEXTO BRASILEIRO
AS IMPLICAÇÕES DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO
NA SAÚDE MENTAL DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE
SAÚDE
Laianny Maria Ribeiro Pires
Sara Moreno Costa
Cyntia Mendes de Oliveira
Igor Prado Vieira
Otávio Ramon Rodrigues de Sousa
Carla Fernanda de Lima

Introdução

O
conceito de trabalho vem sofrendo modificações ao longo do tempo, considerando
a relação entre o homem e o trabalho e as transformações sofridas nessa relação
imbricadas no âmbito social (Siqueira, Alencar, & Aquino, 2012). O trabalho
é considerado como uma parte da vida do indivíduo, da aquisição de habilidades, do ofício
aprendido de cada pessoa e contribui para a suscitação de conteúdos subjetivos, o que resulta no
auto-reconhecimento e no reconhecimento do outro – alteridade (Vieira, Barros, & Lima, 2007).
De acordo com Guimarães Júnior et al., (2016) o trabalho possibilitou o indivíduo descarregar
sua energia psíquica a fim de buscar um equilíbrio, mas se isso não ocorre, este se torna uma
ação fatigante. No atual modelo capitalista, é disponibilizado aos trabalhadores condições
precárias para a atuação que acabam gerando uma depreciação do bem-estar dos trabalhadores,
influenciando assim na sua saúde mental, já que neste contexto é priorizado o produto e a
produção e não o indivíduo que executa e sua saúde (Silva, Bernardo, & Souza, 2016).
O agente comunitário de saúde (ACS) atua como um mediador de conhecimento técnico e
de senso comum, entre a equipe de saúde e a comunidade, e ao mesmo tempo que ele também é
membro desta equipe exerce sua função para a comunidade (Maciazeki-Gomes, Sousa, Baggio, &
Wachs, 2016). As características dos ACS é que eles moram no local que trabalham isso é de grande
importância para o sistema público de saúde, pois possibilita o reconhecimento das peculiaridades
e anseios específicos da comunidade a qual pertence (Brito, Ferreira, & Santos, 2014).
Os ACS constituem-se em profissionais ativos para motivar a população e promover a
melhoria de sua capacidade quanto aos cuidados com a saúde (Baralhas & Pereira, 2013). Desse
modo, transformam-se em atores imprescindíveis para as ações que envolvem o desenvolvimento
psíquico, físico, econômico, político e social da população. Tal profissão foi regulamentada
em 10 de julho 2002, com a lei 10.507, estabelecendo que os ACS sejam responsáveis pelo
acompanhamento de 750 pessoas determinadas de acordo com a área de abrangência da Unidade
Básica de Saúde (UBS).
É fundamental para o bem-estar desses profissionais que os gestores proporcionem suporte
e reconhecimento das vivências práticas dos ACS, levando em consideração tanto a relação entre

384  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
os profissionais que compõem a equipe da UBS, quanto entre os ACS e a comunidade atendida
(Assunção & Filho, 2011). A falta de apoio e reconhecimento por parte dos superiores pode afetar
a saúde mental, gerando sofrimento psíquico decorrente do trabalho (Lopes et al., 2012).
O estresse presente em trabalhadores da área de saúde é um fenômeno muito discutido e
investigado atualmente, revelando que esses enfrentam altas cargas de pressões que culminam
em vários problemas de saúde devido ao elevado grau de estresse (Oliveira & Cunha, 2014). Nos
últimos anos, a temática de saúde mental relacionada ao trabalho se configura como um desafio
oculto num contexto de situações de trabalho pouco esclarecidas (Seligmann-Silva, 2011).
Em uma pesquisa recente (Silva, Bernardo, & Souza, 2016), os autores concluíram que muitos
aspectos estão envolvidos com a relação de saúde mental e trabalho, algumas delas podem ser
o ambiente físico, químico, as relações de trabalho as interpessoais, sistema social e os aspectos
que são característicos do indivíduo, desta forma é compreensível o cuidado com que se deve ter
ao analisar essa relação. Diante disso, este estudo teve como objetivo investigar a relação entre as
condições de trabalho e o impacto na saúde mental dos ACS da cidade de Parnaíba-PI.

Método

Participantes

Trata-se de uma pesquisa qualitativa de cunho exploratório. Os participantes da pesquisa


foram 42 ACS de seis Unidades Básicas de Saúde da cidade de Parnaíba-PI, com idade média de
41,43 anos (variando entre 28 e 61 anos), a maioria do sexo feminino (85,7%), casada (64,3%)
e com filhos (78,6%), ensino superior incompleto (42,9%). No que se refere à naturalidade, a
maioria dos profissionais ACS nasceram no Piauí (85,7%) e 14,3% dos demais são naturais de
outros estados, tais como Ceará, Maranhão e Distrito Federal.
Em relação ao tempo de experiência que exerciam essa atividade laboral, 40,4% apresentaram
um total que varia entre 11 e 15 anos de experiência, trabalhando 40 horas semanais com a meta
de oito visitas diárias, no turno da manhã e da tarde, nos cinco dias úteis da semana. Diante disso,
66,6% fazem cobertura de um total que varia entre 101 e 150 famílias por mês.

Instrumentos

Os instrumentos utilizados foram um questionário sociodemográficos, analisado através


de análise de frequência, e um roteiro de entrevista semiestruturada constituído de 13 questões
que buscavam compreender acerca do processo de trabalho dos ACS, das condições de trabalho
que eles dispõem, da percepção acerca do trabalho que eles desenvolvem e a implicação na
saúde física e mental destes profissionais. A análise da entrevista foi feita por meio da análise
temática de conteúdo proposta por Bardin (2011), que se trata de reunir técnicas de análises
das comunicações, com o objetivo de identificar pontos que permitam ao pesquisador inferir
conhecimentos que estejam relacionados às categorias identificadas na mensagem.

Resultados

A análise dos resultados se baseou a partir dos eixos temáticos: Processo de trabalho;
Condições de trabalho; Percepção acerca do trabalho e Implicações na saúde. A seguir são
apresentados cada eixo com a categorização, além de trechos de falas dos sujeitos entrevistados
que exemplificam as categorias obtidas.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 385


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Processo de trabalho

O processo de trabalho dos agentes comunitários de saúde se caracteriza por visitas


domiciliares, cumprimentos de metas, reuniões e participação em cursos, como pode ser
evidenciado logo abaixo na Tabela 1.

Tabela 1

Processo de Trabalho
Categorias Subcategorias Frequência
Visitas domiciliares Levantamento de demandas para encaminhamento 57
Foco em Grupos prioritários 51
Orientação 49
Acompanhamento 42
Dar informação 35
Pesar crianças 28
Prevenção de doenças 25
Atividades educativas 21
Ações intersetoriais 2
Oito Visitas diárias 18
Cumprimento de metas
Cronograma 14
Entrega de produção 5
Reuniões 12
Participação em cursos 8

A seguir são mostrados fragmentos das falas dos depoentes que se referem ao processo de
trabalho destes.
“[...] nosso trabalho é visitas, 40 horas semanal, oito visitas ao dia e temos que pesar e
visitar todas as famílias, é todas as casas nós visitamos, temos que pesar crianças, é..acompanhar
os hipertensos, diabéticos, gestantes.” (Depoente 6, UBS- I).
“[...] nós temos metas né, nós realizamos uma visita por mês em cada residência e
priorizamos os grupos de diabéticos, os hipertensos, as gestantes, criança menor de dois anos,
idosos.” (Depoente 28, UBS-II).

Condições de trabalho

Em relação às condições de trabalho dos ACS, os entrevistados levantaram condições


inadequadas que englobaram as seguintes categorias: condições mínimas de trabalho, condições
climáticas, falta de estrutura física e socioassistencial, riscos e cobrança por parte das famílias. Os
ACS apontaram condições adequadas que caracterizavam o trabalho ou que estavam acontecendo
no contexto de trabalho, obtendo, assim, as categorias: melhorias nas condições de trabalho e
flexibilidade de horários, conforme apresentado na Tabela 2.

386  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 2

Condições de trabalho
Categorias Subcategorias Frequência
Inadequadas
Condições mínimas de
Disponibilização apenas dos materiais básicos 21
trabalho
Apoio mínimo de órgãos 2
Medicamento insuficiente 1
Condições climáticas Exposição ao sol durante as visitas 87
Exposição a chuva durante as visitas 9
Falta de estrutura física e
Recursos materiais insuficientes 57
socioassistencial
Falta de instalações físicas assistenciais 27
Falta de profissionais de saúde 11
Instrumento com defeito (aparelho quebrado) 1
Falta de transporte para visitas 1
Riscos Risco de contrair doenças 33
Insalubridade 10
Visitas em domicílios que funcionam como local de
5
tráfico de drogas
Ameaças e agressão por parte da comunidade 4
Animais ferozes 4
Cobrança da família 13
Adequadas
Melhorias nas condições de
Chegada de materiais 6
trabalho
Prédio reformado 4
Novos profissionais foram contratados 3
Acesso as famílias (criação de vínculo) 2
Flexibilidade de horários 20

Adiante seguem fragmentos de falas dos sujeitos que exemplificam as condições de trabalho
inadequadas:
“[...] não é um trabalho fácil por ser um trabalho que você está em área, em campo, então
tem alguns fatores, inclusive, climáticos (sol, as vezes chuvas) [...] se tiver um dia chuvoso, ver que
tá um dia menos chuvoso no período, [...]” (Depoente 34, UBS- VI).
“[...] as condições que ainda há um pouco ruim são as questões de materiais que a gente
não tem, é..mochila, roupa adequada certo, nós não temos uma identificação, apenas as camisas
de campanha, [...] ” (Depoente 28, UBS-II).
“[...] o nosso trabalho é muito de risco nesse sentido de contrair qualquer doença, uma
hepatite, uma hanseníase, uma tuberculose [...].” (Depoente 21, UBS-IV).
Apesar de a maioria apontar más condições de trabalho, há exemplos de condições
adequadas de trabalho.
“[...] é muito bom trabalhar aqui né, principalmente nesse posto que é o mais bonito, é o
mais novo e você se sente ainda melhor e a comunidade também tá gostando [...]” (Depoente 3,
UBS-I).
“[...] a gente teve uma melhora muito grande com o médico que veio do ministério né, que
atende, ele é um excelente médico[...]”. (Depoente 30, UBS- III).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 387


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Percepção acerca do trabalho

Quanto à percepção acerca do trabalho os ACS em sua maioria apontaram mais aspectos
positivos, pelo fato de ajudar a comunidade com questões referente à saúde, conhecer mais a
realidade da comunidade com quem convivem; residir próximo ao local de trabalho, pois um
dos pré-requisitos para que seja ACS é morar a mais de dois anos na área que irá trabalhar. Por
esse fator, apontou-se também a questão de não precisar fazer uso de transporte para realizar as
visitas, pela proximidade de suas residências e com isso evitando gastos. Além disso, o trabalho
possibilita lidar com o público, aprender no desempenho das atividades e proporciona uma renda
e estabilidade financeira. Em contrapartida, alguns ACS, apontaram uma visão negativa sobre
o trabalho que desempenham, pois, o fato de residir próximo ao local de trabalho, acaba por
provocar uma jornada de trabalho de tempo integral, pois a comunidade procura o ACS em sua
residência a qualquer horário. Além disso, a profissão foi apontada como desvalorizada.

Tabela 3

Percepção acerca do trabalho


Categorias Subcategorias Frequência
Positiva Auxílio para a comunidade 53
Conhecimento da realidade da comunidade 36
Proximidade entre a residência e o local de trabalho 33
Economia com transporte 21
Lidar com o público 9
Aprendizagem 8
Estabilidade financeira 2
Renda 1
Negativa Trabalho em tempo integral por residir próximo ao local de 19
trabalho
Desvalorização da profissão 1

Quanto aos aspectos positivos, exemplifica-se com fragmentos das falas a seguir:
“[...] é um ponto positivo no meu serviço é morar na mesma área e não preciso pegar
transporte pra ir pra área, já é uma despesa a menos.” (Depoente 5, UBS-I).
“eu gosto do trabalho que eu faço, que é bem gratificante quando a gente pode ajudar
assim as pessoas, quando a gente pode fazer alguma coisa pela família é...é muito importante.”
(Depoente 26, UBS-II).
“[...] eu acho que o agente de saúde ele deve sim, morar na sua área, porque você vai conhecer
realmente a realidade da sua área [...]( Depoente 12, UBS-I ).
Exemplo de fala sobre percepção negativa acerca do trabalho:
“O agente comunitário de saúde ele deixa de ter uma vida privada, é como se a vida dele
fosse pública 24 horas [...] é difícil. Eu pessoalmente sou contra.”(Depoente 9, UBS-I).

388  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 4

Implicações na saúde
Categorias Subcategorias Frequência
Físicas
Problema na coluna 6
Problema renal 4
Problema de pele 3
Cefaleia 3
Outros 3
Problema na visão 1
Psíquicas
Falta de suporte para atender as necessidades de saúde da
Frustração 44
comunidade
Tristeza Necessidades socioeconômicas das famílias 10
Não há sofrimento 9
Estresse 7
Morte de Pessoas da
4
comunidade
Sociais
Prazer Resolução de necessidades de saúde das famílias 44
Reconhecimento do trabalho pela comunidade 14
Respeito dado pelas famílias 9

No tocante às implicações na saúde dos ACS, subdividiu-se em físicas, psíquicas e sociais.


Em relação às implicações físicas alguns ACS apontaram algumas patologias adquiridas em
decorrência da condição de trabalho, como problemas na coluna, renal, na pele, na visão, cefaleia
e outros. Em relação às implicações psíquicas os ACS apontaram sentimentos de frustração,
tristeza, estresse e outras apontaram não haver sofrimento.
Em contrapartida, outra parte também apontou um sentimento de prazer, caracterizando a
implicância social nestes profissionais, pois o fato de conseguirem solucionar problemas de saúde
da comunidade lhes gera um bem-estar subjetivo. Seguem exemplos de falas que contemplam
todas as implicações:
Implicações físicas:
“[...]a física, atrapalha assim um pouquinho porque eu tive câncer de pele e tenho...é...
problema de enxaqueca, eu acho que devido o sol.”(Depoente 3, UBS-I).
Implicações psíquicas:
“[...] as vezes a gente tenta, tipo assim ajudar, fazer algo mais e você não pode porque não
tem a quem recorrer né. O posto em si não dá uma condição realmente assim pra que você faça
um bom trabalho, e isso a gente fica meio bem frustrado.” (Depoente 2, UBS- II).
Implicações sociais:
“[...] felicidade é quando eu vejo um paciente que diz que tá bem e que a gente viu, que
acompanhou essa recuperação dele, que a gente pode dizer assim: poxa, eu participei né, da
recuperação, eu ajudei! Isso me faz bem[...]”

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 389


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Discussão

O objetivo deste estudo foi investigar a relação entre as condições de trabalho e o impacto
na saúde mental dos ACS da cidade de Parnaíba-PI. Os resultados apontaram que a maioria
dos ACS apresentaram condições inadequadas de trabalho, além de sentimento de frustração e
tristeza, caracterizando implicação na saúde mental dos depoentes, porém, grande parte também
apontou aspectos positivos, sentimento de prazer, em relação à atividade que desenvolvem.
Com base nos resultados encontrados, observou-se que o processo de trabalho dos
profissionais ACS versa sobre a promoção de saúde e prevenção de doenças, ou seja, pautada
na produção do cuidado, corroborando dessa forma as afirmações de Franco e Merhy (2012). É
importante ressaltar que o processo de trabalho desses profissionais está diretamente relacionado
com as condições de trabalho que lhes é oferecido, pois os componentes dos processos de trabalho
de acordo com Farias, Werneck e Santos (2009), se desenvolvem mediante aos objetivos a serem
alcançados. Os objetivos do ACS, como citado nas respostas destes, se tratam do mapeamento
da área, executar atividades educativas, preencher os dados da população, pesar as crianças da
comunidade, dentre outros. Parte dos ACS entrevistados evidenciou dispor apenas de condições
mínimas de trabalho para executar a atividade profissional e esse é um dos fatores que acarretam
sofrimento no profissional (Monteiro & Previtali, 2011).
Considerando a descrição acerca do processo de trabalho e relacionando com as condições
de trabalho, de acordo com a maioria dos depoentes, verifica-se que há precariedade no
fornecimento e manutenção dos objetos e instrumentos para execução de suas atividades. Essa
precariedade vem se destacando como um fenômeno contemporâneo que atinge vários âmbitos,
inclusive o do trabalho. O avanço da precarização viabiliza a submissão dos trabalhadores
assalariados a péssimas condições de trabalho, devido ao próprio mecanismo de defesa do ser
humano, negando a existência de um trabalho que proporciona desgaste, a ponto de acostumar-
se com a condição imposta (Seligman-Silva, 2011).
Diante disso, constata-se pelas respostas dos ACS que devido a essas condições precárias de
trabalho há um reflexo na saúde física e mental desses trabalhadores, causando-lhes frustração
e tristeza, acarretando sofrimento. Um estudo (Simões, 2009) encontrou resultado semelhante,
com associação da sobrecarga de trabalho ACS e estresse. Além disso, cabe destacar as patologias
como cefaléias, câncer de pele e problemas na coluna em decorrência das condições de trabalho
inadequadas a que são submetidos. Nesse sentido, Seligman-Silva (2011), traz que as várias faces
da precarização do trabalho repercutem de várias formas na saúde do trabalhador.
Dejours e Jayet (2010), também ressaltam as várias formas que o indivíduo tem de expressar
diretamente esse sofrimento, como preocupação inerente a determinadas situações de trabalho
penosas ou que denotam perigo, que manifestam sentimento de dor, sofrimento. Essas questões
podem ser evidenciadas no discurso dos entrevistados, como por exemplo, lidar com situações de
famílias que se encontram em vulnerabilidade social e não ter como reverter essa situação, pois
muitas vezes há carência de materiais e profissionais de saúde para atender a população.
Para Dejours (2010), o sofrimento inicia a partir da impossibilidade do rearranjo da
organização de trabalho, quando há um bloqueio entre a relação desta com o trabalhador. Levando
para o contexto da organização de trabalho do ACS, este realiza um importante papel no cenário da
política pública de saúde no Brasil, em complexos contextos laborais que possuem peculiaridades
e multiplicidade de situações; o contexto onde está inserido muitas vezes produz limitações para
esse profissional, por não possuir o poder de interferência direta em uma determinada realidade
social, levando-o a vivenciar sentimento de impotência, que pode ser a causa de sofrimento no
trabalho (Lopes et al., 2012; Bachilli, Scavassa, & Spiri, 2008). Com base no que foi exposto, se
pode constatar nas falas dos entrevistados, que devido à falta de recursos humanos e materiais
não conseguem desempenhar seu papel profissional, pois se sentem impotentes, ou seja, sem
autonomia para dar conta dos desafios que surgem no território.

390  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Trazendo para o âmbito da saúde, no que se refere à precarização do trabalho nos serviços
de saúde pública, autores como Machado e Koster (2011), mostram em seus estudos que no
âmbito administrativo e jurídico, a gestão do trabalho enfrenta a problemática da precarização,
por causa do surgimento da flexibilidade de vínculos empregatícios licenciados pelo estado, com o
intuito de preencher o insumo de trabalhadores nas três esferas governamentais, principalmente,
na esfera municipal, em razão da implantação do modelo assistencial que propõe o Sistema Único
de Saúde. Isso é relacionado com o levantamento de alguns ACS quando falam que as condições
de trabalho poderiam ser melhores se a verba fosse mais bem administrada, pois os recursos
financeiros para a área da saúde existem, porém não é repassado de forma correta.
Esses profissionais da saúde vivenciam condições precárias de trabalho pela forma de
flexibilização dessas atividades profissionais, considerando que no final da década de 80
(surgimento do Programa do ACS) as condições de trabalho em saúde sofreram transformações
negativas no Brasil, influenciados pela política neoliberal e em função do aumento das demandas
em saúde de uma grande parcela da população desassistida, ao mesmo tempo em que o setor de
saúde se tornou alvo de uma rigorosa contenção de gastos (Ribeiro, Pires, & Blank, 2004).
As autoras Franco, Druck, & Seligman- Silva (2010), também corroboram o exposto
acima quando colocam que a precarização se configura como um processo social que causa
um desequilíbrio e origina uma incessante falta de segurança e estabilidade no trabalho,
proporcionando a fragmentação dos vínculos e favorecendo prejuízos de diversos tipos, por
exemplo, em relação a vida, a saúde, emprego, para os que dependem do trabalho.
Seligman-Silva (2011), afirma que há muitas pesquisas referentes à precarização do
trabalho no Brasil, e que esta surgiu bruscamente no âmbito econômico, avançando para as
empresas estatais e serviços públicos, transformando e causando prejuízos a excelência e aspectos
fundamentais para o desempenho consolidado submisso ao produtivismo, ou seja, uma lógica
embasada em mostrar resultados quantificáveis, proporcionando a cronificação baseada no rigor
do cumprimento de meta, sendo submetido a uma avaliação de regras. Em meio a esses critérios
não é levado em consideração às vicissitudes das diferentes realidades locais, das situações de
trabalho, insuficiência ou falta de qualidade dos recursos e das condições de trabalho que são
desconsideradas por alguns responsáveis, gestores.
Ademais, os profissionais entrevistados afirmaram sentir prazer no trabalho que desenvolvem,
isso ocorre quando conseguem atender às demandas da população, com isso algumas pesquisas
mostram que apesar das limitações encontradas no trabalho deste profissional, o mesmo também
sente prazer e satisfação na atividade que desempenha, como o reconhecimento desse trabalho
pelas famílias visitadas, a notoriedade da melhora da saúde das famílias que são assistidas,
reduzindo a mortalidade, além do fortalecimento do vínculo do trabalho em equipe (Oliveira,
Chaves, Nogueira, Sá, & Collet, 2010).
Outro ponto a ser destacado é o posicionamento dos ACS em relação ao trabalho que
desenvolvem, em que há um reconhecimento e satisfação pelo exercício da profissão. Alguns
levantaram aspectos negativos, como o incômodo de morar perto da área de trabalho. Em
contrapartida, a maioria relatou aspectos positivos, pois consideram que ajudam a comunidade a
minimizar seus problemas de saúde, por residirem próximo ao local de trabalho e não necessitarem
fazer uso de transporte para trabalhar.
Diante disso, esse processo de reconhecimento advém da competência de poder transformar
a realidade do trabalho, consequência de acordos frente à abundância de discordâncias e interesses
que se referem ao trabalho (Mendes, 2008). O poder que o trabalhador possui, assimilado com
a habilidade de negociar e de influenciar no coletivo de trabalho, formam um processo de ação
recíproca e interdependência mútua que é encontrada na essência da cooperação humana. Em
razão disso o trabalhador direciona sua ação com a finalidade de criar ou manter seu poder. E
são esses fatores que resultam no reconhecimento no trabalho, favorecendo a convergência do
sofrimento em prazer.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 391


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Diante dos resultados obtidos, observou-se que o trabalho do profissional ACS é marcado
pela precarização, e que isso reverbera diretamente na saúde mental destes trabalhadores, pois
se sentem impotentes e sem autonomia para modificar o contexto de trabalho em que atuam.
A respeito das contribuições, esta pesquisa pretende suscitar a importância de novos estudos
da realidade em questão para a promoção de saúde mental e de melhoria das condições de
trabalho desta categoria laboral

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 393


NO ONTEXTO BRASILEIRO
FAZERES DA PSICOLOGIA NO IFMA:
DO TRABALHO PRESCRITO AO REAL DA ATIVIDADE
Vanessa da Silva Alves
Cristianne Almeida Carvalho
Carla Priscilla Castro Sousa

Introdução

O
interesse pela temática proposta neste artigo surgiu a partir da experiência
profissional no Serviço de Psicologia do Instituto Federal do Maranhão ‒ IFMA.
Atualmente, existem no IFMA vinte e oito (28) profissionais distribuídos em vinte e
uma (21) cidades do Maranhão, sendo seis (06) profissionais lotados na capital e vinte e dois (22)
lotados nas demais cidades do interior.
Nesse contexto, utilizou-se a Ergonomia da Atividade como referencial epistemológico para
nortear nosso trabalho. Apesar de não ser um território de consenso entre os pesquisadores que
gravitam em torno dessa temática, neste trabalho a ênfase é dada à discussão entre o trabalho
prescrito e o trabalho real. Assim, o objetivo deste artigo é problematizar o modo como o
psicólogo dá sentido às experiências de sofrimento e prazer da sua atividade profissional no IFMA,
considerando as discrepâncias entre o trabalho prescrito e o real da atividade.
Utilizou-se a metodologia de Relato de Experiência − sob a perspectiva de compreensão
de trabalho da Ergonomia da Atividade − para apresentar e discutir o fazer dos profissionais de
psicologia que atuam na prática realizada no contexto do Instituto Federal do Maranhão.

A inserção do psicólogo nos Institutos Federais

A origem da Educação Profissional no Brasil está vinculada a uma prática assistencialista


cujo objetivo era oferecer às classes menos favorecidas economicamente uma educação para o
trabalho. Um novo modelo de educação surgiu com a sanção da Lei 11.892 de 2008 que institui
a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e cria os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia. Seu objetivo é a formação integral do cidadão, garantindo a todos
o efetivo acesso às conquistas científicas e contribuindo para uma sociedade menos desigual, mais
autônoma e solidária (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão, 2010).
Os Institutos Federais de Educação surgiram, então, com a proposta de ofertar educação
profissional e tecnológica, proporcionando a emancipação do cidadão através de processos
educativos e a geração de trabalho e renda com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local,
regional e nacional (Decreto Lei nº 11.892, 2012). Para cumprir com essa proposta, contam com
uma estrutura organizacional que inclui, dentro dos cargos técnico – administrativos em educação,
uma denominação de Psicólogo/Área, nos quais os profissionais da Psicologia estão inseridos e
cujo ingresso está condicionado à prévia aprovação em concurso público.

394  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Esses profissionais, ao adentrarem o Serviço Público, podem entrar em contato com um
documento disponibilizado pelo Ministério da Educação (MEC) intitulado Plano de Carreira dos
cargos Técnicos Administrativos em Educação no qual constam: os requisitos de qualificação
para o ingresso no cargo; a descrição sumária do cargo; e a descrição de atividades típicas do
cargo, a saber:

Descrição Sumária do Cargo

Estudar, pesquisar e avaliar o desenvolvimento emocional e os processos mentais e sociais de


indivíduos, grupos e instituições, com a finalidade de análise, tratamento, orientação e educação;
diagnosticar e avaliar distúrbios emocionais e mentais e de adaptação social, elucidando conflitos
e questões e acompanhando o(s) paciente(s) durante o processo de tratamento ou cura; investigar
os fatores inconscientes do comportamento individual e grupal, tornando-os conscientes;
desenvolvem pesquisas experimentais, teóricas e clínicas e coordenar equipes e atividades de área
e afins. Assessorar nas atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Descrição de Atividades Típicas do Cargo

• Elaborar, implementar e acompanhar as políticas da instituição nessas áreas.


• Assessorar instituições e órgãos, analisando, facilitando e/ou intervindo em processos
psicossociais nos diferentes níveis da estrutura institucional;
• Diagnosticar e planejar programas no âmbito da saúde, trabalho e segurança, educação e
lazer; atuar na educação, realizando pesquisa, diagnósticos e intervenção psicopedagógica
em grupo ou individual.
• Realizar pesquisas e ações no campo da saúde do trabalhador, condições de trabalho,
acidentes de trabalho e doenças profissionais em equipe interdisciplinar, determinando suas
causas e elaborando recomendações de segurança.
• Colaborar em projetos de construção e adaptação de equipamentos de trabalho, de forma
a garantir a saúde do trabalhador.
• Atuar no desenvolvimento de recursos humanos em análise de ocupações e profissões,
seleção, acompanhamento, análise de desempenho e capacitação de servidores.
• Realizar psicodiagnóstico e terapêutica, com enfoque preventivo e/ou curativo e técnicas
psicológicas adequadas a cada caso, a fim de contribuir para que o indivíduo elabore sua
inserção na sociedade.
• Preparar pacientes para a entrada, permanência e alta hospitalar.
• Atuar junto a equipes multiprofissionais, identificando e compreendendo os fatores
psicológicos para intervir na saúde geral do indivíduo.
• Utilizar recursos de Informática.
• Executar outras tarefas de mesma natureza e nível de complexidade associadas ao ambiente
organizacional (Universidade Federal de São Paulo, 2017).

Diante desse trabalho prescrito para a atuação do psicólogo na rede federal de ensino,
emergem inquietações que se expressam por meio de questionamentos no que concerne à atividade
prática diária do psicólogo do Instituto Federal do Maranhão, a saber: o profissional do IFMA
se identifica com as atribuições do cargo descrito pelo MEC? Quais as emoções mobilizadas na
sua prática diária? Quais os mecanismos defensivos? Quais as frustrações? Quais experiências são
consideradas relevantes ao longo da trajetória profissional?

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 395


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O trabalho prescrito e o trabalho real sob o viés da Ergonomia da Atividade

O termo Ergonomia surgiu em 1857 e foi utilizado pelo polonês Wojciech Jastrzebowski. Ao
longo do tempo sua conceituação foi se modificando e recebendo contribuições de outras áreas
culminando com o surgimento da terminologia Ergonomia da Atividade. Assim, atualmente, é
vista como uma abordagem científica que analisa as contradições entre as relações estabelecidas
pelos indivíduos no seu contexto de trabalho, isto é, analisa o ser humano em atividade na tentativa
de compreender como se dá o trabalho real considerando todos os ajustes necessários para que
sejam superadas as impossibilidades e/ou contradições contidas no trabalho prescrito (Ferreira,
Almeida e Guimarães, 2013).
Para Ferreira (2000), o trabalho prescrito também pode ser chamado de previsto e está
circunscrito a um contexto particular de trabalho, representando os braços invisíveis da organização
que fixa as regras e dita tanto os objetivos qualitativos como os objetivos quantitativos da produção.
Neste objeto de estudo, o trabalho prescrito para o psicólogo do IFMA está operacionalizado nas
atividades descritas pelo documento apresentado acima.
Sobre o trabalho real, a definição, ainda pelo mesmo autor, representa uma categoria que
comporta a atividade do sujeito, seu modo de operar numa temporalidade dada, num lugar
específico onde ele coloca em jogo seu corpo, sua experiência, seu saber-fazer e sua atividade
numa tentativa de construir práticas visando regular suas relações com as condições objetivas do
trabalho. No caso do profissional de psicologia do IFMA, o trabalho real será problematizado a
partir do relato de experiência que se seguirá.
Ainda no bojo da discussão sobre a atividade do trabalho Ferreira et al (2013) a define como
o “espaço” existente entre o que é prescrito e o que é real. Do mesmo modo, Ferreira e Barros
(2003) afirmam que o trabalho é uma atividade mediadora e geradora de significações psíquicas
para os sujeitos e que as vivências psíquicas de prazer e sofrimento são tecidas no cotidiano através
da gestão do trabalho prescrito bem como da gestão das relações, da criação de novas práticas e
da interpretação dos efeitos do trabalho real.

Experiências de prazer e sofrimento no fazer

O trabalho do psicólogo comporta tarefas complexas. Segundo Krawulski (2004), em sua


tese de doutorado intitulada “Construção da identidade profissional do psicólogo: vivendo as
‘metamorfoses do caminho’ no exercício cotidiano do trabalho” destaca que

O trabalho do psicólogo é caracterizado cotidianamente por tarefas que podem ser


consideradas complexas em sua natureza, uma vez que implicam envolvimento em uma relação
profissional que tem por objeto o ser humano. Essa intervenção apresenta especificidades,
uma vez que não se trata apenas de uma relação em que um ser humano intervém junto a
outro: crenças, valores, conflitos, emoções, sentimentos e toda uma gama de elementos
próprios da subjetividade humana, constituintes do contexto da Psicologia por excelência,
fazem-se presentes nas interações do cotidiano de trabalho desse profissional (p.35).

Aqui, vale destacar a importância dessa descrição das tarefas para nortear as atividades do
profissional e orientar sua prática. Para Ferreira e Barros (2003) o conceito de tarefa é anterior à
atividade; veicula de maneira explícita ou implícita um modelo de sujeito; e requer do sujeito tanto
atividade de elaboração mental quanto de execução manual. A tarefa cria uma potencial agenda
de comportamentos para a atividade de mediação dos trabalhadores, estabelecendo parâmetros
de interação com o contexto do trabalho.

396  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Assim, a primeira constatação entre a discrepância do trabalho prescrito e o trabalho
real para os profissionais da psicologia que trabalham em institutos federais inicia pela própria
incompreensão do órgão responsável pela contratação do profissional (o MEC) o qual utiliza um
código de vaga, que é disponibilizado pelo governo para a contratação no âmbito federal, e cuja
descrição de cargo é muito genérica, desconsiderando as especificidades da atuação da psicologia
na educação. Por isso, pretendo descrever as lacunas que surgem a partir dessa incongruência e
seus impactos na atividade do profissional.
Ao ler a descrição das atividades típicas do cargo, encontramos apenas um tópico (o terceiro)
em que a temática da educação é abordada, a saber: “diagnosticar e planejar programas no
âmbito da saúde, trabalho e segurança, educação e lazer; atuar na educação, realizando pesquisa,
diagnósticos e intervenção psicopedagógica em grupo ou individual”. Por isso, essa proposta
de trabalho prescrito não considera o fato de que tal descrição genérica, apesar de contemplar
as diversas áreas de atuação do psicólogo e ensejar a possibilidade do engajamento em vários
contextos de trabalho do âmbito federal, poderia ser elaborada de modo mais direcionado à
educação, pois na prática, quando esse documento é utilizado pelo MEC a finalidade é para ser
um instrumento de contratação de psicólogos para trabalhar como técnico-administrativo da
educação em âmbito federal, seja em institutos federais ou universidades federais.
Surge, então a primeira lacuna: o profissional lê as atribuições que o documento solicita que
ele cumpra e não consegue entender a proposta, pois nem o seu contexto de trabalho é contemplado
adequadamente, desde a descrição da estrutura física uma vez que ele está trabalhando numa
instituição educativa e o documento cita até mesmo que ele irá realizar alta hospitalar, bem como
procedimentos destinados à psicologia clínica individual ou trabalhar em funções destinadas à
psicologia organizacional e do trabalho.
No que diz respeito à descrição sumária do cargo, ressalta-se como os sujeitos para quem a
psicologia endereça suas atividades são vistos como pacientes, pois no documento está escrito que
o psicólogo deve “acompanhar o(s) paciente(s) durante o processo de tratamento ou cura”, o que
revela uma incompreensão por parte do órgão que solicita o trabalho do profissional sobre o tipo
de atividade que ele pode realmente oferecer dentro de uma escola, e ainda abre brechas para que
sejam solicitadas ao psicólogo intervenções incompatíveis com o seu contexto de trabalho.
Nesse sentido, Prediger (2010) apresenta sua experiência de psicóloga em um Instituto Federal
e explica que ao longo desse percurso histórico foram construídas novas possibilidades e práticas
direcionadas a todo o contexto institucional dos institutos federais envolvendo a aprendizagem
como um processo que implica além do ensinar, as relações dentro da escola, as relações com a
comunidade e as relações com a política educacional vigente.
A literatura já discute, de modo incipiente, as práticas do profissional de psicologia nos
institutos federais de educação e apresenta, de acordo com Marinho-Araújo (2009), que a
Psicologia vem ganhando espaço nesse contexto principalmente através de serviços que atendem
aos estudantes: acompanhando-os no processo de adaptação à rotina da Instituição e às novas
relações sociais efetivadas; realizando orientação profissional; atendendo demandas ligadas aos
processos de ensino e aprendizagem, entre outras atividades. Isto é, o foco está no desenvolvimento
de atividades de trabalho cujas práticas são compatíveis com a psicologia escolar e educacional.
Entretanto, o fazer do Psicólogo Escolar e Educacional na rede federal de ensino profissional
e tecnológico traz no seu bojo especificidades que incluem desde o modo de ingresso no campo
o qual se dá por meio de concurso público, passando pela dificuldade em encontrar literatura
científica para consulta, até a chegada ao campus de lotação, emergindo então as particularidades
comunitárias de cada cidade de destino e especificidades organizacionais que se processam nas
relações com os pares de trabalho em cada Campus.
Prediger (2010) retrata essa realidade ao relatar sua própria experiência de psicóloga em
uma pesquisa-intervenção que norteou sua dissertação de mestrado:

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 397


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Vejo-me de repente no mundo da Psicologia Escolar com o qual pouco contato tive
anteriormente. Também trata-se de um contexto um pouco diferente daquele discorrido na
maioria das publicações que abordam o trabalho do psicólogo na escola, onde geralmente
é abordada a atuação no ensino fundamental ou ensino médio [...] configurando-se assim
um espaço singular, diferente das universidades e diferente das escolas de ensino básico.
Destaca-se a diversidade do público que compõe esta instituição, havendo ali adolescentes
que estão no momento apenas estudando, além de trabalhadores que estão voltando à
escola após um longo período de afastamento (p.10).

Além disso, tal descrição de cargo também interfere no modo como a gestão entende e cobra
do profissional o desenvolvimento da sua prática uma vez que pelo fato de o trabalho prescrito
não contemplar de uma maneira mais específica as atividades a serem desempenhadas pelo
profissional, o gestor cai no lugar comum de solicitar intervenções tradicionalmente associadas
ao estereótipo da psicologia clínica devido ao seu maior reconhecimento no contexto social.
Por consequência dessa incompreensão da complexidade da atividade do psicólogo, emergem
as vivências de sofrimento no trabalho. Apresenta-se, aqui, mais um incômodo: as intervenções
propostas pelo serviço de psicologia na instituição são compreendidas como menores por
valorizar a subjetividade em detrimento das maiores, aquelas que valorizam a objetividade. Assim,
quando a psicologia realiza atividades cujo objetivo seja a criação de espaços de vida a fim de
valorizar a importância dos efeitos produzidos pelos encontros na constituição da subjetividade,
há sempre mecanismos de boicote que se dão tanto de modo direto através da justificativa da
incompatibilidade de horários porque os alunos já estão com os dias de aula todos preenchidos,
como de modo desrespeitoso por meio da justificativa de que o professor tem autonomia em sala
e só libera esse aluno para a atividade se ele quiser.
Para Ferreira e Barros (2003), os modelos de gestão que desconsideram a diversidade
dos trabalhadores, acabam por enfatizar o controle do tempo e dos resultados favorecendo o
surgimento de experiências dolorosas de angústia, medo e insegurança relacionadas à organização
do trabalho
Nesse ponto percebe-se um movimento contínuo de tensionamento. Observa-se uma
convergência de forças: a escola enquanto instituição social, a escola enquanto organização
social de trabalho, as necessidades das famílias dos alunos, as demandas particulares dos alunos,
as dificuldades de se trabalhar em equipe, o contexto territorial deste trabalho e, atravessando
todas elas, o desejo, o cuidado de si, as limitações pessoais e a história de vida da profissional da
psicologia.
Assim, ao problematizar essa atividade do psicólogo, percebe-se uma necessidade de dar
sentido à minha prática através não apenas das atividades que eu consigo desempenhar e ser
reconhecida, mas principalmente das atividades que eu gostaria de realizar e não consigo. Com
esse mesmo olhar, Alves e Silva (2014) enfatizam o caráter furtivo da categoria atividade em sua
definição

Atividade é fuga e não estadia. Atividade é escolha, dúvida, afeto, conflito. Atividade é tudo
que foi pensado, dialogado consigo mesmo a respeito do realizado, e do não realizado.
Assim, o não realizado também faz parte da atividade, pois o que é ocultado influi com
todo seu peso na atividade realizada [...] é sempre algo além do que nos propomos na tarefa
prescrita. É mais que gestos realizados, passíveis de observação direta (p.64).

Assim, lembrando que o Serviço de Psicologia lida com uma média de mil e duzentos alunos
e com uma média de cem servidores (entre professores e técnicos administrativos), e que o cargo

398  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
da psicologia é, na maioria dos campi, ocupado por apenas uma psicóloga, pergunto: esse meu
relato não seria própria resposta das perguntas iniciais? Essa recusa em me identificar com a
atividade do referido cargo de psicóloga não seria uma estratégia de mediação individual?
Tais estratégias de mediação individual remetem ao custo humano do trabalho do psicólogo.
Para Ferreira, Almeida e Gumarães (2013) esse custo humano é representado por exigências que
podem ser físicas como: relacionadas ao esforço corporal e ao desgaste fisiológico e mecânico
exigidos pela atividade desempenhada; cognitivas que dizem respeito ao esforço cognitivo e
consequente desgaste mental, além da resolução de problemas e das aprendizagens necessárias
à execução das tarefas; ou ainda afetivas que tangem o dispêndio emocional, à afetividade e ao
estado de humor, demandados pela atividade do trabalho.
Ainda nessa discussão do atravessamento do custo humano na atividade do psicólogo,
onde se localiza o psicólogo entendido como sujeito? Martinez (2009), ao problematizar sobre
o compromisso do psicólogo escolar e educacional com a educação brasileira aborda que “a
ação do sujeito se dá sempre em um contexto que é percebido por ele não apenas pelas suas
características ‘reais’, mas pela construção que faz da situação, e dos sentidos subjetivos que
produz no curso da própria ação.”
Por esta razão, essa caracterização da categoria sujeito também está pautada na atividade
e criatividade do indivíduo, no seu poder de agência e na capacidade de superar os limites
institucionais criando novas possibilidades de atuação (Martinez, 2009).
Essa experiência de Martinez na prática da psicologia escolar e educacional instiga a
percepção do trabalho do psicólogo como um espaço também possível para a emergência de
vivências de prazer no fazer, apesar da predominância do sofrer no fazer. Ao abordar a capacidade
do psicólogo de se reinventar, lembra-se como todas as interdições na atividade de um psicólogo
na rede federal de ensino abrem oportunidades constantes para que o profissional se experiencie
em todos os outros lugares que não comportam o seu trabalho prescrito e faça movimentos de
busca por outros lugares que comportem o seu trabalho real.
Destaco, ao final, que também tenho vivências de prazer as quais estão manifestadas na
oportunidade de revigorar minhas energias no convívio com adolescentes, na possibilidade de me
sentir útil ao poder escutar alguém, na disponibilidade para dar uma orientação para um usuário
desse serviço público e, principalmente, na observação da minha atividade profissional como
propulsora de reflexões na minha vida e na vida de outras pessoas.

Considerações Finais

Este trabalho teve como principal norteador a seguinte questão: como o psicólogo do IFMA
lida com as discrepâncias entre o trabalho pescrito e o trabalho real na sua atividade profissional?
Ao final, percebo minha dificuldade em encontrar literatura na área, isto é, encontrar relatos
dos próprios psicólogos falando sobre suas experiências de prazer e sofrimento no trabalho.
Especialmente, quando se fala nessa atividade profissional desempenhada no contexto dos
institutos federais, o que nos leva a perceber como a falta de diversidade de experiências a serem
conhecidas e problematizadas faz com que meu relato de experiência seja apenas um ponto de
partida para a discussão da temática.
Portanto, é possível concluir que as discrepâncias entre as demandas do trabalho prescrito e as
possibilidades de trabalho real na atividade do psicólogo nos institutos federais é potencializadora
de vivências de sofrimento, assim como apresentado na literatura, mas também propulsora de
vivências de prazer ao instigar reflexões pessoais.
Por último, considero que a inferência de que todos os profissionais de psicologia relatam,
na sua prática profissional, mais vivências de angústia e sofrimento do que experiências de prazer

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 399


NO ONTEXTO BRASILEIRO
seria uma generalização apressada e ingênua. Assim, finalizo reconhecendo que não consegui
responder todas as perguntas apresentadas e que, ao contrário, este trabalho se encerra com mais
perguntas do que respostas. Ressalto que ainda há um vasto campo de pesquisa sobre os sentidos
dessa prática o qual ainda precisa ser mais apropriado e divulgado pelos psicólogos.

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400  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O SOFRIMENTO PSÍQUICO EXPERIENCIADO NO
ÂMBITO DO TRABALHO POR POLICIAIS: UMA
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Karulynna do Vale Fortes
Daline da Silva Azevedo
Iara Sampaio Cerqueira
Mariana Pereira da Silva
Carla Fernanda de Lima

Introdução

Desde os primórdios da civilização e até mesmo na pré-história, o trabalho é base da


construção das sociedades e dos indivíduos, sendo, portando, parte da condição humana e peça
indissociável da sua existência (Mendes, 2004). Assim, o trabalho exerce um importante papel na
construção da subjetividade do sujeito, tornando-se elementar na constituição da saúde, mental
e coletiva, dos trabalhadores.
O trabalho, além de proporcionar a venda da força em busca de remuneração, tem o papel
social integrador e é uma das estruturas mais importantes na constituição do sujeito e de suas
significações, é também gerador de processos de reconhecimento, gratificação e de mobilização da
inteligência, então está diretamente ligado à formação da identidade e da subjetividade (Lancman
&, Sznelwar, 2004).
Se tratando especificamente dos trabalhadores da Polícia Militar, as exigências do contexto
de risco permanente vivido nas ruas, somam-se àquelas relacionadas à forma como o trabalho
está organizado, marcado por um alto rigor prescritivo e alicerçado em um sistema de disciplina e
vigilância também permanentes (Spode & Merlo, 2006).
Para a compreensão do que a profissão policial representa no meio social, a declaração da
missão, segundo o Estatuto da Polícia Militar afirma que é dever da segurança pública promover
através da polícia ostensiva, e respeitando os princípios da constituição federal, a dignidade
do cidadão dentro e fora da corporação envolvendo a sociedade na construção de um modelo
de polícia que atenda aos anseios da sociedade, essa seguridade tanto ao policial quanto de
proteção à sociedade deve se basear nos direitos e deveres do cidadão. Assim, a análise dessa
temática diz respeito às questões que referem à organização e relações sociais no trabalho com
as experiências subjetivas de sofrimento e prazer dos trabalhadores, por isso, algumas questões
devem ser consideradas, como a importância que a organização do trabalho assume.
Dejours (1992) define a organização do trabalho como a área que abarca, tanto o modo
operatório prescrito, como a divisão das tarefas e dos homens pela divisão das responsabilidades,
hierarquia, comando e controle (relações no trabalho). Portanto, essa organização constitui-se
de uma divisão que ultrapassa os aspectos técnicos, pois é social e construída no lastro de uma
relação intersubjetiva.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 401


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Dito isso, os deveres dos Policiais Militares, de acordo com o Art. 30 do Estatuto da Polícia
Militar (PM), emanam de vínculos racionais e morais que estão ligados à sua própria classe
trabalhadora, assim como a dedicação integral ao serviço e a fidelidade à instituição a que
pertencem, ainda que tenham a possibilidade de risco de morte e as grandes responsabilidades,
as quais podem representar uma fonte potencial de sofrimento. As posições de hierarquia,
como os policiais exercem seu trabalho e mais uma série de situações nas quais as relações no
trabalho exigem elaborações, arranjos, acordos, também possíveis causadores de sofrimento e/
ou adoecimento. É uma das profissões que mais sofrem risco de morte e de estresse e isso ocorre
por diversos fatores como, por exemplo, as atividades exercidas, a sobrecarga de trabalho e pelas
relações que existem dentro da corporação, pois exige um sistema de hierarquia que se estabelece
de forma rígida e de disciplina militar. Existem outras fontes causadoras de transtornos e estresses,
são as relações de conflito com a justiça e/ou com o público que prestam atendimento (Minayo;
Souza &, Constantino, 2008).
Martins e Pinheiro (2006), afirmam que a instituição exige que as atividades sejam bem
executadas, portanto devem oferecer condições favoráveis para que as mesmas resultem em êxito,
muitas vezes a organização cobra de forma hostil o resultado não conseguido pelo trabalhador,
e essa rigidez por parte da organização, impede a atividade criativa e a criação das causas do
sofrimento podendo gerar intensa angústia e conduzir a um estado de transtorno mental.
A realização bem-sucedida das atividades satisfaz as necessidades do trabalhador. Desta
forma, é importante que o sujeito esteja familiarizado com seu trabalho e com o local que exerce
o mesmo, pois assim será mais autêntico e capaz de obter uma recompensa emocional positiva
(Senett, 2009).
Policiais de cidades de grande porte, como aponta um estudo com policiais realizados
no Rio de Janeiro, afirmam terem perdido a familiaridade e ocorrer um estranhamento quando
são intimados a trabalhar além do horário que costumam. São encontradas diferenças entre os
policiais que atuam em grandes contextos de criminalidade como os centros e entre os que atuam
no interior do Estado, os que atuam em grandes centros apresentam intenso sofrimento psíquico
e o interior é como um protetor para o sofrimento (Wernersbach Pinto; Bastos Figueiredo &,
Ramos de Souza; 2013).
A organização do trabalho impacta diretamente no aparelho psíquico, pois entra em contato
com histórias, vivências e projetos pessoais, e é um choque atravessado por certas condições,
(e.g., medo da periculosidade, insatisfação com a função desempenhada em seu trabalho, pode
ser gerador de sofrimento) (Dejours, 1987).
O local de trabalho faz-se importante na organização das tarefas, ele se constitui como
espaço social capaz de produzir bem-estar ou males ao aparelho psíquico, pois é onde o indivíduo
passa boa parte de seu tempo de vida e onde tem menor grau de liberdade para o estabelecimento
de estratégias defensivas de proteção a sua saúde. Além disso, as normas contratuais de trabalho
e os valores culturais podem também constituir situações de nocividades para a saúde (Ferreira,
da Silva &, Maux, 2008).
O julgamento social e o reconhecimento ou não-reconhecimento do trabalho realizado,
pode ser configurado como mais um complicador da saúde mental neste tipo de trabalho. É
nesse ponto que aparece outro elemento fundamental para que o sofrimento no trabalho ganhe
sentido e se transforme em prazer e saúde: o reconhecimento. Para Dejours (1987) tais pontos são
importantes no processo de mobilização subjetiva da inteligência e da personalidade percebidas
no ambiente de trabalho. A visibilidade conjuga-se então com a questão da confiança entre os
trabalhadores, a qual em Psicodinâmica do Trabalho refere-se à disposição de reconhecimento do
direito de cada um em obter um julgamento justo.

402  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
De outra forma, quando a organização do trabalho torna-se rígida, dificultando ou barrando
a expressão criativa e autonomia dos sujeitos, ou ainda, quando o reconhecimento não se
faz presente, emerge o chamado sofrimento patogênico (Dejours 1994 apud Spode & Merlo,
2006).

Outro aspecto que marca o trabalho do policial é a de impetuosidade. Nesse sentido, muito
mais do que a aplicação de conhecimento técnico, o trabalho implica mobilização subjetiva. A
impetuosidade pode ser uma produção subjetiva, a qual se compõe e encontra ressonância em
sua inserção no trabalho coletivo, onde envolve as esferas morais e éticas da sociedade assistida
por seus serviços. Isso vem fazer da figura do policial “boa ou ruim”, aos olhos do cidadão (Spode
& Merlo, 2006).
Outra questão que pode proporcionar a reflexão e autopercepção dos policiais sobre
seu próprio trabalho é que eles como servidores públicos estão protegidos por uma legislação
específica e no exercício da sua atividade de manutenção da segurança e da ordem pública se
diferenciam dos demais servidores por seu ambiente e situações diversificadas de trabalho e pela
exposição rotineira às situações de riscos à saúde e à vida, tais como rotina, horas extras, estresse,
insegurança, equipamentos inadequados, entre outras. A partir desse contexto é questionável a
percepção deles como profissionais em serviço e profissionais em folga, na postura de cidadãos
comuns que também precisam de segurança (Souza, Minayo, &, Pires, 2012).
Considerando a importância desses pressupostos teóricos para se entender as vivências
de policiais no exercício de sua profissão, o objetivo deste estudo é conhecer os causadores do
sofrimento psíquico no trabalho de policiais militares através de revisão bibliográfica.

Método

Fonte de dados

Com intuito de aprofundar o conhecimento acerca do sofrimento psíquico no trabalho por


policiais, optou-se por uma revisão de literatura do tipo integrativa, por esta ser um método
de análise capaz de reunir estudos realizados tanto de forma teórica quanto empiricamente,
fornecendo uma análise abrangente sobre o fenômeno (Broome, 2000).
Os termos foram pesquisados, por meio das bases de dados eletrônicas (Lilacs; SciELO
Brasil – Scientific Eletronic Library Online) indexadas no Portal de Periódicos da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a partir dos mesmos descritores.
Para selecionar e avaliar os artigos foi realizada uma leitura prévia dos resumos, e a escolha de
contemplá-los nos resultados dessa pesquisa se deu pelos seguintes critérios de inclusão:
(a) Texto em formato de artigo;
(b) Publicados de janeiro de 2007 a dezembro de 2017;
(c) No idioma português;
(d) Que estejam disponíveis de modo completo e não apenas por seus resumos;
(e) Que tenham foco no sofrimento psíquico enfrentado no dia a dia por profissionais da
carreira policial em cidades grandes e pequenas.

Resultados

Diante dos critérios de inclusão determinados, alguns artigos para a revisão foram
selecionados, fazendo uma busca nas bases de dados (Lilacs; Scielo) através dos descritores pré-
estabelecidos.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 403


NO ONTEXTO BRASILEIRO
a-  Policiais and sofrimento psíquico; Trabalho policial and sofrimento; Sofrimento psíquico and militares.
Na base de dados Lilacs utilizando as palavras chaves Policiais e sofrimento psíquico, foram
encontrados 19 artigos, porém 9 não se adequavam ao tema, 2 estavam em formato de tese e 1
não correspondiam ao idioma de inclusão. Sendo selecionados somente oito para a discussão.
Na base de dados Scielo usando as mesmas palavras chaves Policiais e sofrimento psíquico foram
encontrados 4 artigos, porém nenhum foi selecionado para discussão pois não correspondiam ao
tema especifico e/ou por já estarem sendo trabalhados ou excluídos em buscas anteriores.
Com as palavras chaves Trabalho policial e sofrimento foram encontrados 14 artigos, na base de
dados Lilacs, sendo que 2 não estavam dentro do critério de inclusão “a”, 1 não correspondia ao
critério “b”, 7 não estavam adequados ao tema, sendo assim não enquadravam no nosso critério
“e” e 3 já tinham sido localizados, sendo assim selecionado somente um arquivo para a discussão.
Ainda das palavras chaves Trabalho policial e sofrimento, na base de dados Scielo foram
encontrados nove artigos, porém nenhum se adequava aos critérios ou já estavam sendo usados
para discussão.
Utilizando da combinação Sofrimento psíquico e militares, foram encontrados 17 artigos na
base de dados Lilacs, onde 4 estavam publicados em outro idioma a qual não se adequava ao
nosso critério “c”, 7 não se enquadravam no nosso critério “e”, onde o foco na pesquisa se dava
nos policiais militares e no sofrimento psíquico, e outros 6 já estavam em uso nessa pesquisa.
Sendo assim, nenhum dos estudos foi selecionado para a discussão. O mesmo aconteceu na base
de dados Scielo, dos 8 artigos encontrados metade não correspondia ao tema e outros já haviam
sido encontrados em buscas anteriores.

b-  Análise dos 8 artigos selecionados através dos critérios de inclusão:

1. Bezerra, C. D. M., Minayo, M. C. D. S., & Constantino, P. (2013). Estresse ocupacional em


mulheres policiais.Ciência & Saúde Coletiva,18, 657-666.
2. Costa, M., Accioly Júnior, H., Oliveira, J., & Maia, E. (2007). Estresse: diagnóstico dos
policiais militares em uma cidade brasileira. Revista Panamericana de Salud Pública, 21, 217-222.
3.Couto, G., Brito, E. D. A. G., Vasconcelos-Silva, A., & Lucchese, R. (2017). Saúde Mental do
Policial Militar: relações interpessoais e estresse no exercício profissional. Psicologia Argumento, 30.
4. Couto, G., Vandenberghe, L., & de Araujo Garro Brito, E. (2012). Interações interpessoais e
estresse entre policiais militares: um estudo correlacionali. Arquivos Brasileiros de Psicologia,64.
5. Silva, F. C., Hernandez, S. S. S., Goncalves, E., Castro, T. L. S., Arancibia, B. A. V., & Silva,
R. (2014). Qualidade de vida de policiais: uma revisão sistemática de estudos observacionais.
Revista Cubana de Medicina Militar,43(3), 341-351.
6. Machado, C. E., Traesel, E. S., & Merlo, Á. R. C. (2017). Profissionais da Brigada Militar:
vivências do cotidiano e subjetividade.Psicologia Argumento,33(81).
7. Silva, M. B. D., & Vieira, S. B. (2008). O processo de trabalho do militar estadual e a saúde
mental.Saúde e sociedade, 17, 161-170.
8. Souza, E. R. D., Minayo, M. C. D. S., Silva, J. G., & Pires, T. D. O. (2012). Fatores associados
ao sofrimento psíquico de policiais militares da cidade do Rio de Janeiro, Brasil.Cadernos de
Saúde Pública, 28, 1297-1311.

Quando a finalidade de alcançar o objetivo do presente estudo foram analisados 8 artigos


sendo, no que se refere a natureza dos artigos a maior parte se enquadrou em pesquisa de campo,
sendo um total de 7 artigos e 1 sendo uma pesquisa sistemática.
Em relação ao método os participantes das pesquisas elencadas eram em sua maioria homens,
sendo que seis dos estudos se utilizaram de homens e mulheres e um dos oito utilizaram apenas
mulheres como participantes e outro não teve participante, pois era apenas pesquisa sistemática.

404  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
No que se referem às técnicas de dados de coletas utilizados, quatro dos artigos fizeram
uso de instrumentos quantitativos sendo eles O inventário de sintomas de estresse de Lipp – (ISSL) e Self-
Reported Questionnaire e o Check list de relações interpessoais – revisado (CLOIT-R) e três se utilizaram de
métodos qualitativos através de entrevistas, grupos focais, observação e um se utilizou apenas de
revisão bibliográfica.
No que diz respeito aos objetivos traçados pelos artigos foi identificado como objetivo
comum em todos os estudos o desejo de conhecer a relação entre as vivências profissionais e a
saúde mental, podendo ser divididos da seguinte forma: o artigo 1 visava apresentar e discutir
o estresse ocupacional em mulheres policiais; o 2 diagnosticar a ocorrência e a fase de estresse
em policiais militares; o 3 a investigar características da saúde mental do policial militar; o 4
verificar como as interações interpessoais se relacionam com o estresse; o 5 sumarizar a produção
científica sobre a qualidade de vida de policiais através de uma revisão sistemática de estudos
observacionais; o 6 conhecer os sentimentos e vivências coletivas do profissional policial militar
frente ao seu trabalho, analisando a relação entre prazer, sofrimento e realização; o 7 identificar
como a organização policial se estrutura e sobretudo relacioná-la com a saúde mental; e o 8
estudar a qualidade de vida e as condições de saúde e de trabalho dos policiais militares.
No que se referem aos resultados obtidos pelos artigos, o primeiro buscava apresentar
e discutir o estresse ocupacional vivenciado por mulheres(1) mostrou que as mulheres PM
relacionam o seu cotidiano de trabalho ao estresse vivido, percebendo a influência do mesmo
na saúde e identificando consequências negativas no relacionamento familiar. Em se tratando
de diagnosticar a ocorrência e a fase de estresse em policiais militares, a maioria das mulheres
estudadas encontrava-se em uma fase de estresse na qual ainda era possível lidar com tensões e
eliminar sintomas. Porém, se nenhuma intervenção fosse feita, as estratégias para lidar com os
eventos estressores poderiam se esgotar e as investigadas ficariam sujeitas a uma debilitação do
organismo.
Em diagnosticar a ocorrência e a fase de estresse em policiais militares(2) foi possível destacar
que alguns fatores influenciam o desenvolvimento de sofrimento psíquico entre policias, como
capacidade de reagir a situações extremas, satisfação com a vida e carga horária de trabalho.
Alguns policias afirmaram que certa carga de estresse é vista como positiva por ser capaz de
influenciar a qualidade do serviço, como em situações que precisam lidar com tarefas perigosas.
A qualidade de vida necessita de um alto grau de subjetividade, pois essa se relaciona com diversos
outros fatores, incluindo o trabalho, para alguns policias esse aspecto é um fator preponderante ao
sofrimento psíquico. Policias expostos a altas cargas de trabalho tendem a desenvolver problemas
de saúde que ao longo do tempo se cronificam, acarretando não só o sofrimento físico mas
também desenvolvimento o sofrimento psíquico.
Quanto a investigar características da saúde mental do policial militar(3), revelou-se que a
sobrecarga de trabalho representou a maior fonte de estresse nos policiais estudados, sendo que
os mesmos utilizam-se do manejo dos sintomas, autocontrole, apoio da família, lazer, práticas de
exercício, apoio na religião como sendo estratégias de esquiva.
Já no objetivo verificar como as interações interpessoais se relacionam com o estresse, os
resultados encontrados foram predominância de sintomas físicos assinalados no inventário em
relação aos sintomas psicológicos(4) as queixas mais frequentes foram sensações de desgaste
físico constante, cansaço constante, problemas com a memória, tensão muscular e insônia.
Entre os sintomas psicológicos, as queixas mais frequentes foram cansaço excessivo, pensamento
constante em um só assunto, irritabilidade excessiva, perda do senso de humor e angústia/
ansiedade diária.
Em relação ao objetivo sumarizar a produção científica sobre a qualidade de vida de policiais
através de uma revisão sistemática de estudos observacionais(5), a maioria dos estudos apontou

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 405


NO ONTEXTO BRASILEIRO
que os policiais expostos a desastres apresentaram menor qualidade de vida quando comparados
aos não expostos. Foram identificadas associações da baixa qualidade de vida com a ocorrência
de depressão, doença física e altos níveis de estresse, ao contrário, policiais com maior estatura,
solteiros e com alto nível de atividade física no lazer possuem melhor qualidade de vida.
Se tratando do objetivo de conhecer os sentimentos e vivências coletivas do profissional frente
ao seu trabalho(6), analisando relação entre prazer e sofrimento constatou-se que os profissionais
entrevistados sentem-se satisfeitos pelo trabalho que realizam. Foi possível verificar ainda que, os
profissionais sentem o desgaste físico e mental imposto pelo trabalho, experimentam também
o sentimento de pertencimento, de ser útil, digno, de cumprir com o que lhe foi solicitado, bem
como, o contentamento em servir à população, embora nem sempre tenham o desempenho
reconhecido.
Sobre os objetivos identificar como a organização policial se estrutura e, sobretudo,
relacioná-la com a saúde mental e estudar a qualidade de vida e as condições de saúde e de
trabalho dos policiais militares do Rio de Janeiro(7), constatou-se que o grau de risco permanente
vivido nas ruas, somado ao modo como o trabalho está organizado, normalmente rigoroso e
disciplinado, requer destes profissionais um estado de vigilância contínuo. Percebe-se o incessante
estado de precaução e alerta em que vivem a automatização das intervenções e atendimento às
ocorrências (mesmo fora do horário de serviço) e a preocupação com sua segurança pessoal que
permanece mesmo nos momentos de descanso e lazer.
Sobre estudar a qualidade de vida e as condições de saúde e de trabalho dos policiais
militares(8), revelou-se um nível de estresse semelhante para homens e mulheres. Apresentou um
quadro de funcionários predominantemente novo, porém um alto contingente com carga horária
de 40 horas semanais, sendo a quantidade de policias insuficiente para atender a demanda
solicitada. Os policias estudados encontravam-se sendo capazes de lidar com as tensões do
trabalho, entretanto, se não houver um suporte capaz de ajudar esses funcionários a enfrentar os
fatores estressores, os mesmos estarão sujeitos a decair sobre uma fase subsequente desse quadro
de estresse.

Discussão / conclusão

O objetivo deste trabalho foi conhecer os causadores do sofrimento psíquico no trabalho de


policiais militares através de revisão bibliográfica. Do conteúdo selecionado para análise surgiu
à necessidade de problematizar questões causadoras de sofrimento psíquico no trabalho como
a rotina intensa e desgastante, preocupação, os estereótipos historicamente construídos, o não
reconhecimento por parte da população ou de seus superiores, e a falta de oportunidade de
expressão dos sentimentos e angústias.
Os efeitos da rotina intensa e desgastante dos policiais militares participantes da pesquisa
foram percebidos na falta de horários preestabelecidos para as refeições, na inconstância para
fazê-las, no desconforto causado pelo uso dos equipamentos, no sono instável que levam a
disfunções no organismo e a um provável desequilíbrio físico e psíquico. Esses fatores corroboram
para o prejuízo da saúde e manifestam através do surgimento de instabilidades emocionais, como
a irritabilidade e o estresse (Machado, Traesel &, Merlo, 2015).
Os policiais militares manifestaram o desejo de ser reconhecidos pela atividade que realizam,
uma vez que a população demonstra certa desconfiança e indiferença frente ao trabalho que
desempenham. Essa atividade profissional é, muitas vezes, incompreendida pela comunidade,
por esta desconhecer os limites presentes na execução das tarefas relativas à profissão de policial
militar (Machado, Soares &, Merlo, 2015).
Uma particularidade dessa categoria profissional é o preconceito negativo da população
e de intelectuais sobre os policiais, possivelmente pelo imaginário constituído no processo de

406  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
repressão, acirrado nos períodos de falta de democracia politica do Estado brasileiro. Após
o período do regime militar, de 1964 a 1985, a segurança pública vem se consolidando como
importante questão da construção democrática e objeto das ciências sociais (Maux; Ferreira &,
da Silva, 2008).
Um ponto relatado como fator estressante foram os problemas com a hierarquia, nas
dificuldades em aceitar ordens, vindas de profissionais considerados de pouca qualificação para o
cargo de patente mais alta, o que é atribuído à falta de autonomia agravado pela falta de espaços
institucionais para discutirem seus problemas, darem opiniões, desabafarem, compartilharem
experiências e sofrimentos (Bezerra; Minayo &, Constantino, 2012).
Uma das recomendações mais encontradas na revisão é que as organizações se proponham a
rever as suas práticas atuais e a necessidade de introdução de medidas de controle e manipulação de
estressores para proteger os profissionais. É necessário que se identifiquem os eventos estressores,
presentes do dia a dia dos policiais e que sejam implementados programas de atividades físicas,
assim como a realização de esportes e também a construção de espaços para a realização das
mesmas. E por fim, é necessário que sejam realizados mais estudos sobre o tema para o maior
conhecimento sobre o sofrimento psíquico no ambiente organizacional e assim seja permitida a
comparação entre o bem-estar e sofrimento psíquico de policiais militares nos diferentes contextos
brasileiros.

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408  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
IMPACTOS DO MUNDO DO TRABALHO: AS
IMPLICAÇÕES DO DESEMPREGO NA SAÚDE MENTAL
DE TRABALHADORES DESEMPREGADOS
Raira Torres Cordeiro
Carla Fernanda de Lima
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Luana Gabriella Martins Lima
Geice Maria Pereira dos Santos
Flávia Marcelly de Sousa Mendes da Silva

Introdução

O
trabalho é introduzido, a partir da concepção de Zanelli, Borges-Andrade e Bastos
(2014) como instância que configura ao indivíduo a percepção de condução
própria de sua vida, possibilitando que o mesmo alcance a sua sobrevivência e
realização. Diante disso, destaca-se o significado subjetivo do trabalho para o indivíduo, que
busca nessa atividade muito além do ganho monetário, mas sim, um estado de satisfação por
meio da atividade realizada e o significado social que constitui a mesma.
Contudo, apesar das divergências existentes em relação ao sentido e significado do trabalho
(muitas vezes tido como sinônimo de emprego) tornou-se pertinente pontuar neste estudo como
ele vem se estruturando na atual conjuntura social e econômica da sociedade e, ainda expor suas
diferenciações conceituais em relação ao emprego. Além do mais, ao se admitir as implicações
do trabalho no bem-estar da vida do sujeito, tornou-se necessário partir para reflexões acerca
de outros fenômenos derivados desse processo, tais como: o emprego e, consequentemente, o
desemprego, ambos frutos da racionalização do trabalho.
Desse modo, o estudo em questão fundamenta-se em refletir acerca das implicações do
desemprego a partir de perspectivas concretas, que partem de uma realidade experiencial comum
a diversos indivíduos: estar desempregado. No entanto, ao mesmo tempo vislumbrando as
singularidades que surgem diante dos efeitos objetivos e subjetivos que essa condição processa e
que são experimentados de forma particular em cada sujeito.
Porquanto, a concepção a ser considerada neste estudo não se deteve a pensar o sujeito
desempregado em uma lógica individualizante, mas em concebê-lo na perspectiva construtivista e
processual de saúde/doença, compreendendo que este fenômeno implica tanto na dinâmica quanto
na existência da vida de cada ser humano, em outras palavras, portanto, concebendo indivíduo
como sujeito ativo diante do seu processo de saúde/doença, logo, capaz de modificar e transformar
o meio em que vive, resgatando sua autonomia e poder de ação frente sua realidade (Wickert, 1999).
Em linhas gerais, a ideologia aderente ao modelo econômico atual realmente se manifesta
na culpa do sujeito desempregado, como até mesmo por seu adoecimento devido à situação

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 409


NO ONTEXTO BRASILEIRO
de desemprego. Capoulade, Büll e Bernardo (2010) expõem que o sistema ao responsabilizar
o trabalhador pelo seu desemprego, em razão de uma possível desqualificação ou falta de
competências, acaba por abrir espaço para debates sobre as condições sociais ou ainda fundamenta
discursos que atribuem ao trabalhador algum tipo de fraqueza individual que o torna suscetível
ao adoecimento, como se o mesmo fosse incapaz de “resistir” a pressão das dificuldades ditas
comuns do atual mercado de trabalho.
Inicia-se, portanto, um processo de autoexclusão do sujeito no qual o sofrimento torna-se
um promotor de adoecimento físico ou mental. Dejours (2006) situa que o sujeito desempregado,
seja aquele que ainda não consegue se inserir no mercado de trabalho, o que se nomeia como
“desempregado primário” ou aquele que não consegue reempregar-se (desempregado crônico),
vivencia um processo de dessocialização avançado, resultando no sofrimento, que por sua vez
pode levar o sujeito a adoecer mental ou fisicamente, pois ataca os alicerces da identidade.
Incorporando as ideias de Estramiana (1992) admite-se que a forma de estudo do desemprego
em questão é essencial para o entendimento da conduta humana, ao passo que ao se adotar uma
perspectiva sócio histórica dentro da psicologia, torna-lhe cada vez mais implicada e sensível na
análise da realidade econômica e seus efeitos na condição humana. Os processos de adoecimento
mental podem surgir por meio da exposição ao ambiente laboral. Contudo, a saúde psíquica dos
trabalhadores é vista como algo subjetivo do empregado, no qual problemas de outras realidades
sociais fora da empresa não são levados em consideração para o adoecimento do indivíduo (Da
Costa & Gomez Minayo, 2014).
De tal modo, diante do que fora mencionado anteriormente, este trabalho tem como objetivo
compreender, por meio dos relatos e discursos de trabalhadores em situação de desemprego, as
implicações desse fenômeno em sua saúde mental, ou seja, conhecer quais condições e saber
como repercutem os efeitos decorrentes do desemprego em sujeitos que, uma vez já tendo sido
inseridos dentro mercado formal ou dentro do sistema capitalista de produção, hoje se encontram
às margens da parcela operante e ativa da sociedade.

Método

Amostra
A pesquisa contou com uma amostra não probabilística (por convenciência), de 30 sujeitos
de uma cidade do interior do Piauí, especificamente Parnaíba, com média de idade de 37 anos
(DP = 3,5), em sua maioria solteiros (57%), do sexo masculino (56,7%), com ensino fundamental
incompleto (34%) e com filhos (67%). A maior parte dos participantes possui renda familiar de
um a três salários mínimos (57%), sendo que 37% autodeclaram - se responsáveis pela renda
familiar. Ademais, 54% dos participantes afirmaram que não recebem ou que já receberam seguro-
desemprego.

Instrumentos

Questionário Sociodemográfico: os participantes responderam a perguntas de cunho demográfico


e profissional, a saber: sexo, idade, nível de escolaridade e renda. Tais perguntas foram utilizadas
para caracterizar a amostra.
Entrevista semiestruturada: um guia orientador para a entrevista contendo seis questões, com
o objetivo de compreender as implicações do desemprego sobre a saúde mental de trabalhadores
desempregados.

Procedimento

A participação se deu de forma individual. Inicialmente, aqueles que aceitaram participar da


pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), declaração que garante

410  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
o anonimato e confidencialidade de todas as respostas do participante e o comunica que as
informações obtidas poderão ser usadas, em seu conjunto, para fins acadêmicos e/ou científicos,
mantendo sempre o anonimato dos respondentes. Além disso, solicitou-se a autorização para
gravar a entrevista. Todos os procedimentos éticos para com pesquisas envolvendo seres humanos
foram cuidadosamente tomados, tendo em vista a Resolução 510/16 do Conselho Nacional de
Saúde, que estabelece as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas dessa ordem.

Análise dos dados

Os dados obtidos a partir da entrevista semiestruturada foram analisados por meio de uma
apreciação qualitativa baseada na análise de conteúdo proposta por Bardin (2011). Ademais,
realizou-se uma análise de frequência para os dados sociodemográficos.

Resultados e Discussão

A fim de alcançar o objeto proposto por este estudo foram suscitados questionamentos e
considerações que perpassam o fenômeno do desemprego e suas implicações na saúde mental de
trabalhadores desempregados. Desta forma, esta sessão está organizada de acordo com a análise
das entrevistas que resultou em quatro eixos temáticos. Para tanto segue a descrição dos eixos:

Eixo 1: Aspectos econômicos e sociais proporcionados pelo desemprego e que implicam em


adoecimento

O primeiro eixo aponta sobre as condições econômicas e sociais consequentes da condição


de desemprego que podem implicar em adoecimento. Em suma, quais as situações e considerações
específicas são enunciadas e/ou podem ser indícios da presença de agentes de adoecimento na
vida do sujeito, sendo que estas colocações foram interpretadas desde uma dimensão coletiva até
uma dimensão singular.
A disponibilidade financeira no ambiente familiar apresenta um ponto de saturação para
o indivíduo, pois a partir do momento em que o dinheiro torna-se inacessível ou é reduzido,
há a diminuição do bem-estar psicológico do sujeito desempregado (Argolo & Araújo, 2004;
Estramiana, 1992; Miranda, 2011; Vargas, 2009). De tal modo, o financiamento de projetos
pessoais ou o pagamento de despesas e dívidas torna-se dificultoso no período de ausência de
renda fixa: “Cumprir com os ‘compromisso’ fica mais difícil. Fica mais complicado” (Participante
4); “A gente fica pensando como é que a gente vai comprar aquilo, como é que a gente vai
pagar se a gente não tá trabalhando” (Participante 6). Na Tabela1 podem ser observadas as
principais categorias e subcategorias que surgiram a respeito dos aspectos econômicos e sociais
proporcionados pelo desemprego.

Tabela 1

Aspectos econômicos proporcionados pelo desemprego e que podem implicam adoecimento


Categoria Subcategorias Frequência (f)
Carência de fonte de renda fixa 47

Questão financeira Não colaborar com a renda familiar 13


Depender de terceiros 11

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 411


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Desse modo, a ausência de colaboração no sustento familiar e a dependência de terceiros para
o pagamento de despesas e dívidas remete ao sujeito desempregado sensação de incapacidade,
impotência e estagnação, uma vez que, encontra-se inoperante frente à esfera produtiva, estando
sua força de trabalho subestimada (Miranda, 2011). Outra categoria resultante trata da questão
social. Estudiosos destacam pontos negativos acerca de se estar desempregado (e.g., isolamento
social, ausência de dignidade e de acolhimento pela sociedade), o que mantém uma correlação
negativa com a questão moral do desemprego (Abs & Monteiro 2010; Gautiè, 1998; Gomes,
2003). Na Tabela2 pode ser observar a categoria questão social e as subcategorias resultantes.

Tabela 2

Aspectos sociais proporcionados pelo desemprego e que podem implicam em adoecimento

Categoria Subcategorias Frequência (f)

Isolamento social 39
Autocobrança e cobrança na
16
Questão Social procura de emprego/dinheiro
Falta de acolhimento por parte
3
da sociedade

O desemprego proporciona uma ruptura dos laços sociais essenciais, uma vez que, o indivíduo
percebe-se excluído socialmente, decorrente da perda do papel socializante, proporcionado
anteriormente pelo emprego. Tal situação pode vir a agravar ou promover quadros depressivos,
diminuição dos contatos sociais e, consequentemente, a perda da própria identidade do sujeito
atrelada a sua função na sociedade (Carochinho, 2009; Gomes, 2003; Pereira & Brito, 2006).
A frequente auto cobrança pela busca de emprego/dinheiro foi também um dos pontos
relatados pelos participantes, em sua maioria motivada pela pressão social exercida por amigos
e familiares. A falta de acolhimento por parte da sociedade a essas queixas e demandas, além
da dificuldade ao acesso de bens de consumo potencializa as situações de vulnerabilidade.
Ainda vislumbra-se outros aspectos que surgiram na fala dos sujeitos e que por sua vez estão
relacionados indiretamente tanto a questão social como à questão econômica. Sendo que essas
questões também implicam em adoecimento, todavia são de ordem mais individual. Na Tabela 3
estão situadas tais categorias.

Tabela 3

Aspectos relacionados indiretamente a questão social e econômica


Categorias Frequência (f)
Dificuldades e complicações não especificadas 13
Falta da rotina e ambiente do emprego 12
Estagnação 6

Todavia, cabe ressaltar que mesmo partindo de uma vivência subjetiva, estes aspectos
também aludem a uma realidade coletiva, a saber: falta da rotina de emprego, ou seja, a falta
dos hábitos, amigos e/ou ritual realizado, a exemplo do trajeto percorrido a chegada ao emprego.

412  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Eixo 2: Percepção dos sujeitos desempregados acerca da construção social do desemprego

No que concerne ao segundo eixo, este se refere a percepção dos sujeitos desempregados
sobre como se percebem e a forma como os mesmos acreditam que estão sendo percebidos pela
sociedade. Os resultados são apresentados na Tabela4 a seguir.

Tabela 4

Percepção dos sujeitos desempregados acerca da construção social do desemprego


Categorias Subcategorias Frequência(f)
Preconceito/Discriminação 57
Desvalorização Social Fracasso pessoal 21
Desemprego associado à 7
marginalidade
Falta de dignidade 6
Reconhecimento somente 15
através da formalidade
Supervalorização da Formalidade Falta de credibilidade na 14
sociedade
Desemprego visto como problema sócio/político/econômico 16

Outro ponto relevante que emergiu da fala dos participantes foi sobre a desvalorização
social acerca do preconceito e a discriminação que o trabalhador desempregado sofre em seu
meio, o que por sua vez é ressaltado nos seus relatos acerca da sensação de fracasso pessoal e
marginalidade que lhes são atribuídos, como pode ser observado na seguinte fala: “Quando você
diz assim: ‘Eu tô desempregada!’ É como se você passasse atestado de incompetente. É muito
ruim!” (Participante 7).
Estudiosos a exemplo de Carochinho (2009) discute a respeito do sentimento de inutilidade
que o sujeito trabalhador experimenta quando desempregado. Essa conjuntura também se remete
a chamada ética do trabalho, no qual valores e virtudes só podem ser adquiridos por meio do
trabalho, que em um sentido moderno significa o emprego formal.
Em alusão a desvalorização social e supervalorização da formalidade, Pereira e Brito (2006)
concebem que os sujeitos desempregados reforçam sua condição como desvalorizada diante
de uma sociedade que baseia suas relações em trocas materiais. Sendo assim, o valor humano
passa a ser traduzido no poder de compra que o indivíduo possui ou pode vir a ter, ou seja,
estar desempregado é ter seu valor humano reduzido nas mesmas proporções que esse poder e
possibilidade de compra diminuem.
Entretanto, em contrapartida à desvalorização social surgiu a categoria de supervalorização
da formalidade, na qual o sujeitos entrevistados acreditam ou atribuem que seu reconhecimento
como cidadão na sociedade só é ou poderá ser (re)conquistado em detrimento do emprego formal:
“A gente é reconhecido pelo que tem [e] pelo que faz. Aquele que tem é reconhecido por aquilo
que ele adquiriu através do seu trabalho” (Participante 5). Os sujeitos entrevistados também
aludiram sobre a falta de credibilidade no mercado, já que o fato de não possuir uma renda
fixa (conquistada preferencialmente por meio de um emprego formal e/ou estável) é condição
fundamental para garantir o acesso aos bens de consumo, como também possibilita usufruir do
poder de compra, que na situação em questão torna-se complicada.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 413


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Eixo 3. Impactos biopsicossociais produzidos pelo desemprego na saúde do trabalhador
desempregado

Com relação aos impactos biopsicossociais produzidos pelo desemprego na saúde do


trabalhador desempregado. No que se refere aos impactos biopsicossociais, os estudiosos Abs
& Monteiro (2010) e Estramiana (1992) versam a respeito de como estes aspectos mantém
relação com as experiências singulares geradoras de sofrimento e possíveis psicopatologias dos
trabalhadores mediante o desemprego. Destarte, percebe-se como os impactos biopsicossociais
vão se engendrando nos modos de vida do sujeito, o que mais uma vez ressalta que a análise das
implicações do desemprego não pode ser considerada de forma restrita, por isso as categorias
vislumbradas nesse estudo abordam as três instâncias do indivíduo, ilustrando que estas se
intercruzam e se influenciam de forma mútua. Na Tabela5 a seguir pode se observar alguns desses
efeitos nas três dimensões da vida do sujeito.

Tabela 5

Impactos biopsicossociais produzido pelo desemprego na saúde do trabalhador desempregado


Categorias Subcategorias Frequência (f)
Prejuízo nas relações familiares e sociais 12
Desajuste social (Não estar de acordo com as
Social 3
exigências do sistema)
Falta de lazer 2
Alimentação inadequada 10
Alterações Orgânicas não especificadas 4
Biológicos
Precariedade nos cuidados específicos com a saúde 4
Vício acentuado pelo desemprego 2
Tristeza 31
Frustração (Revolta) 27
Nervosismo 27
Mal-estar 20
Psíquico Traços depressivos e/ou algum outro tipo de abalo 18
psicológico
Preocupação (com família/filhos) 18
Estresse 5
Psicossomatização 2

O estudioso Duarte (1998) aponta que o desemprego gera sentimento de desajuste social,
principalmente para homens que são considerados chefes de família. Além do mais, é lícito colocar
que o sentimento de desajuste social também se refere ao trabalhador desempregado que sente
não estar condizente com as normas e exigências sem meios de aprimorar-se, nesse último caso o
sujeito já sente os efeitos de não estar participando da esfera produtiva.
A dimensão biológica, por sua vez abrange questões referentes à falta de uma alimentação
adequada, ou melhor, de cuidados básicos ou específicos com a saúde física, seja para com a
própria como a de seus familiares. Também outro fator de destaque, embora em menor frequência,
foram os vícios acentuados pelo desemprego, neste caso poucos indivíduos admitiram em suas
falas que a situação intensificou o uso de bebidas e cigarro: “[...] Fiquei desempregado, aí também
comecei a cair na ‘malvada’ da bebida[...] caí em crise, doença. [...] Que eu ‘tomava’ muito, bebia

414  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
muito. Aí, deu uma úlcera dentro de mim. Estourou uma úlcera dentro de mim” (Participante
17). Contudo alguns relatos chegaram a expor até mesmo consequências mais graves, como
uma úlcera estomacal, por exemplo, o que corrobora com os estudos de Estramiana (1992) e
Duarte (1998) no qual o desemprego torna o sujeito vulnerável a estas situações psicologicamente
desestabilizadoras.
A dimensão psíquica foi um ponto fundamental nessa análise, abrigando impactos que
muitas vezes são negligenciados ou passam desapercebidos nas falas dos entrevistados refletindo
aspectos psicológicos (e.g., nervosismo, estresse, ansiedade, angústia pela incerteza e inconstância
gerada pelo desemprego, assim como a sensação de mal-estar constante devido pressões e
cobranças de familiares ou até mesmo perante a sociedade) e que são negligenciados quando se
aborda a respeito de saúde ou promoção desta. O modo negativo de perceber o desemprego na
sociedade, sendo que esta percepção traz significativas repercussões no bem-estar psicológico dos
desempregados (Duarte, 1998).
De forma sucinta, alguns relatos trouxeram a questão referente a traços depressivos e outros
abalos psicológicos. Contudo, essa abordagem breve pelos sujeitos reflete o pouco conhecimento,
ou a subestimação de sintomas referentes à instabilidade da situação em se encontram, a depressão
é vista de forma generalista ou simplesmente como uma tristeza acompanhada de isolamento ou
como uma resposta “normal” ao desemprego (Terra, Carvalho, Azevedo, Venezian, & Machado,
2006).

Eixo 4: Aspectos construtivos e/ou estratégias de enfrentamento relacionados à situação de


desemprego

A presente pesquisa também buscou verificar as estratégias desenvolvidas pelos sujeitos


de vivenciar positivamente o desemprego, seja atenuando os seus impactos biopsicossociais ou
distorcendo as condições de adoecimento, como pode ser visualizado na Tabela6 a seguir.

Tabela 6

Aspectos construtivos e/ou estratégias de enfrentamento relacionados a situação de


desemprego

Categorias Frequência (f)


Aproximação com a família e amigos 14
Estímulo para buscar evolução/aprimoramento pessoal e
9
profissional
Crença no apoio divino 6
Pensamento positivo diante do desemprego 5

Diante das implicações do desemprego abordadas e de forma a também discutir a respeito
dos modos que os sujeitos, a partir de suas vivências particulares experienciam o desemprego
ou ainda como estes vislumbram tal situação de forma a atenuar os agentes de adoecimento,
ressalta-se que a questão do apoio familiar e social são aspectos preponderantes na manutenção
da autoestima do sujeito, reduzindo o impacto psicológico do desemprego (Estramiana, 1992).
De forma semelhante, a crença no apoio divino também aparece como forma de amparo
e acolhimento frente às angústias ou ainda como meio de impulsionar a busca por um outro
emprego ou melhores condições.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 415


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A configuração do desemprego como uma espécie de estímulo para o aprimoramento e
evolução pessoal, significa para o sujeito uma forma de se reajustar às exigências do mercado,
profissionalizando-se ou melhorando a vida curricular, oferecendo a sim mesmo novas perspectivas,
ou melhor, motivação para a procura de outros empregos com melhores condições ou, como
reflete Miranda (2011) ressignificando a trajetória profissional por meios de novas formas de se
relacionar com o trabalho.
Contudo, essa perspectiva oculta a lógica capitalista que confere ao indivíduo a
responsabilização pelo desemprego, em outras palavras, os entrevistados justificam o discurso
de que o desemprego deve-se a falta de qualificação do próprio trabalhador, sendo que o mesmo
é incumbido de adaptar-se ou “evoluir” profissionalmente para retornar ao mercado, a respeito
disso discorrem Pereira e Brito (2006). Em outras palavras, é nesse momento que a autonomia
do sujeito dentro do processo trabalho-desemprego é posta em questão. Pois, se por um lado o
trabalho é considerado uma das formas de constituição da identidade, por outro lado a situação
de desemprego pode ser uma possibilidade para o homem voltar o olhar para si e para os modos
q cue tomou para a sua própria constituição subjetiva.

Considerações Finais

Apesar de a presente análise pretender ser ampla e considerar as relações diretas e indiretas
do indivíduo com o desemprego, sabe-se que todo estudo possui suas limitações em termos de
apreensão da realidade, uma vez que está se trata de um meio complexo e dinâmico, logo, uma
pesquisa que almeja encerrar um discurso sobre uma problemática social, corre o risco de ser
reducionista e determinista.
Ademais, reconstruir e renovar relatos e assumi-los diante das perspectivas existentes, no
intuito de somar a realidade também são considerações levantadas por esse estudo, em prol de
produzir práticas e atos políticos emancipadores diante das situações de vulnerabilidade. Além
disso, o mesmo se coloca a benefício de estudos vindouros e a servir com uma das diversas
formas de reflexão, que complementa, corrobora, contrapõe e inova em determinados termos de
compreensão da realidade e de um fenômeno.

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NO ONTEXTO BRASILEIRO
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO: UMA ANÁLISE
LABORAL DOS PROFISSIONAIS DOS SERVIÇOS
GERAIS DE LIMPEZA HOSPITALAR
Flávia Marcelly de Sousa Mendes da Silva
Anísio José da Silva Araújo
Thiago Medeiros Cavalcanti
Karen Guedes Oliveira
Lucas José Bacalhau Silva

Introdução

A
organização do trabalho busca a representação da vontade do outro, ao implicar
a supressão do desejo e das expectativas afetivas no campo das relações sociais do
trabalho, e que são necessárias para resistir a longo prazo, as pressões, mas que,
entretanto, podem desencadear sofrimentos e doenças ocupacionais. Apesar disso, a organização
do trabalho, quando permite a flexibilidade, a negociação e adaptação de suas necessidades,
expectativas e desejos do modo operatório pode-se tornar mediadora da saúde do trabalhador
(Mendes, 1995).
Dejours (1992) define a organização do trabalho como a forma como as atividades são
divididas, o conteúdo da tarefa resultante, o sistema hierárquico e as relações socioprofissionais
estabelecidas, as modalidades de comando, as relações de poder e as questões que envolvem
responsabilidade. Dejours (1992) destaca ainda que a organização do trabalho exerce, sobre
o homem, uma ação específica, que impacta o aparelho psíquico. Quando há conflitos entre
a história individual do trabalhador, que engloba os sonhos e os desejos dos trabalhadores, e
uma organização que não busca este reconhecimento, ocorre, pois, um sofrimento de natureza
mental. Assim sendo, a psicodinâmica do trabalho busca desvendar as vivências intersubjetivas
dos trabalhadores com relação a organização do trabalho, e com isso, ter acesso as estratégias de
defesa que servem para ocultar a realidade do sofrimento e seu relacionamento dinâmico com o
trabalho (Dejours & Abdoucheli, 1994; Dejours, 2004).
A organização do trabalho estrutura-se sob duas bases: a divisão técnica do trabalho,
que está relacionada aos procedimentos, meios, competências, entre outros; e a divisão social e
hierárquica do trabalho que se trata das formas de comando, coordenação, autonomia (Molinier,
2013). Além disso, Mendes (1995) comenta que cada categoria profissional possui um modelo
pré-estabelecido de organização do trabalho que pode vir a conter elementos homogêneos ou
contraditórios, facilitadores ou não da saúde mental.
O trabalho necessita que o indivíduo supra o que é o e o que não é determinado pela
organização do trabalho. Para tanto, não é suficiente que o trabalhador siga somente às prescrições,
ele precisa interpretar, corrigir, adaptar e ás vezes criar, estando dessa forma constantemente
submetido a um processo de regulação interna. Neste quesito, a inteligência do trabalhador é

418  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
utilizada para suprir as lacunas da prescrição e transitar pela variabilidade da situação de trabalho
(Abrahão, 2000).
Molinier (2013) afirma que a organização do trabalho não é uma “entidade toda poderosa”
(p.86), o indivíduo não se molda as prescrições da atividade que exerce. Pois, como a ergonomia
francesa propõe, em 1970, sob a direção de Wisner: não se trata de adaptar o homem ao trabalho,
mas o trabalho ao homem” (p.86). Nesse cenário, a mobilização dos trabalhadores na tentativa
de regular e gerir variabilidades, referem-se a situações de trabalho marcados pelo dinamismo,
instabilidade e submetidas a imprevistos, o que é possível visualizar a distância entre o prescrito/
tarefa e o trabalho real/atividade (Guérin et al., 2001).
Assim sendo, fatores relacionados à organização do trabalho como o tempo e o ritmo em
que são realizados influenciam diretamente na determinação do sofrimento psíquico na atividade
laboral. As longas jornadas de trabalho, pequenas pausas para alimentação, ausência de horário
de descanso, ambiente de trabalho desconfortável, turnos alternados, pressão de supervisores e
chefia, jornada de trabalho que se inicia muito cedo são causas frequentes de quadros ansiosos,
fadiga, crônica e distúrbio de sono (Schwengber & Baschta, 2010).
No estudo em questão, será dado ênfase a categoria de profissionais dos serviços gerais
de limpeza hospitalar, de um Hospital Universitário de uma capital do Nordeste brasileiro, dois
elementos mostram-se de suma importância para a compreensão de como o trabalho pode
favorecer ou comprometer a saúde dos trabalhadores, sendo estes o processo de trabalho e o
trabalhador, que vende sua força de trabalho em troca de um salário. Através do processo de
trabalho, pode-se observar as variadas formas de consumo da força de trabalho, que podem
implicar em desgaste do trabalhador (Silva, 1999). A tarefa de limpeza nos hospitais foi
direcionada a um setor específico ou a uma empresa prestadora de serviços terceirizados na área
de limpeza e conservação. Para ocupar tal função, os trabalhadores deverão possuir pelo menos
o primeiro grau completo, pois deverão lidar com produtos químicos, diluídos, matéria orgânica,
instrumentos perfurocortantes, equipamentos de limpeza e outros, e de toda forma possuem um
contato com o paciente quando da limpeza dos leitos (Fernandes, 2000).
Tomando por base o que fora descrito anteriormente, neste estudo, buscamos caracterizar
a organização do trabalho dos profissionais dos serviços gerais de limpeza hospitalar, no que
diz respeito às atividades desenvolvidas, ao ritmo, à carga de trabalho, as pausas, os trabalhos
em turnos, bem como às normas prescritas e às relações socioprofissionais. Ademais, buscou-se
descrever as vivências de prazer e sofrimento e como estas tem repercutido no funcionamento
psíquico dos trabalhadores e as estratégias defensivas mobilizadas para lidar com o sofrimento
advindo da organização do trabalho.

Método

Delineamento

A pesquisa caracteriza-se pelo delineamento não experimental (sem manipulação de


variáveis), construído a partir de relatos dos profissionais de limpeza hospitalar, de natureza
qualitativa e de caráter descritivo e exploratório.

Amostra

Contou-se com a participação de 30 servidores de limpeza hospitalar de um Hospital


Universitário do Nordeste brasileiro de uma capital do Nordeste Brasileiro, com idade variando
entre 21 e 61 anos (M = 40,3; DP = 11), solteiros (43,3%), do sexo feminino (66,7 %), com ensino
médio incompleto (50%).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 419


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Instrumentos

Questionário Sociodemográfico: os participantes responderam a perguntas de cunho demográfico


e profissional, a saber: cargo/função, tempo de trabalho como servidor de limpeza hospitalar,
nível de escolaridade, estado civil, idade, sexo, composição familiar e a renda pessoal e familiar.
Roteiro de entrevista Semi-estruturada: um guia orientador para a entrevista, embasados
nas categorias teóricas do estudo. Nesse sentido, as questões estão relacionadas a temas que
versam sobre a atividade do trabalho, condições e organização do trabalho, as situações de risco
identificadas, bem como as estratégias utilizadas para lidar com eles, prazer e sofrimento no
trabalho, as relações intersubjetivas com a hierarquia, com os pares e com os outros funcionários
que compõem o quadro de pessoal, reconhecimento, e dinâmica da vida pessoal e sua relação
com o trabalho.

Procedimento

Contatou-se a empresa terceirizada responsável pela higienização do hospital, que concedeu


a anuência para a efetivação da pesquisa após submissão e aval do comitê de ética em pesquisa
do próprio hospital. Nesse sentido, para atender as exigências da instituição e das normas de
procedimentos éticos em pesquisa, este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de ética
em Pesquisa com o respectivo número do CAAE: 50155715.8.0000.5183. Cabe ressaltar que
todos os procedimentos éticos com pesquisas envolvendo seres humanos foram cuidadosamente
respeitados, baseando-se nos princípios da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde que
regulamenta, através de diretrizes e normas, as pesquisas envolvendo seres humanos.
A participação dos respondentes se deu de forma individual. No ato de cada entrevista,
procedia-se a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e aqueles que
aceitaram participar da pesquisa o assinaram em duas vias, uma que ficava com o respondente e
outra com o pesquisador. Além disso, solicitou-se a autorização para gravar a entrevista. A duração
das entrevistas variou entre 13 e 109 minutos, com média de 28 minutos. Todos os participantes
concordaram com o uso do gravador e, dessa forma, todas as entrevistas foram posteriormente
transcritas para análise.

Organização dos bancos e análise dos dados

Para o processamento da análise dos dados, utilizou-se o software IRAMUTEQ (Interface de


R pour analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaire), que foi desenvolvido por Ratinaud
(2009). No que se refere ao processamento de preparação do corpus para a análise, as entrevistas
foram transcritas, e o texto revisado quanto aos aspectos ortográficos e de pontuação.
Posteriormente, foi executada a importação dos dados textuais para o editor de texto OpenOffice
Writer. As respostas dos participantes foram inseridas separadas entre si através de uma linha de
comando, formada por quatro asteriscos (****) a fim de que o programa reconheça a informação
inserida abaixo desta linha como um texto específico de cada um dos participantes da entrevista.
Após a criação do Corpus Textual de todos os sujeitos da pesquisa e realizado a seguinte
análise: a Classificação Hierárquica Descendente (CHD) que permite classificar os textos em função de
seus respectivos vocabulários e o conjunto deles se divide pela frequência das formas reduzidas e
o qui-quadrado (χ²), criando classes de segmentos de textos com as palavras que apresentam um
vocabulário similar entre si e distintos dos segmentos de textos das demais classes.

420  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Resultados e Discussão

Após realizada a análise da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) a classe


denominada - Organização do Trabalho - foi gerada pelo Corpus Textual. Seu conteúdo apresenta
293 segmentos de texto, explicando 15,9% do total. Esta classe apresenta elementos que remetem
a aspectos estruturais do trabalho. A organização do trabalho é estabelecida a partir da divisão das
tarefas, o seu conteúdo, o sistema hierárquico e as relações estabelecidas entre os trabalhadores.
Os entrevistados, ao descreverem sua jornada de trabalho, evidenciam seus horários de início e
término, o meio de transporte utilizado (em sua maioria ônibus) e sua pausa para o almoço.
A limpeza constitui o núcleo de todas as ações para os cuidados de higiene e de zeladoria
de hospital, sendo antes um processo que é parte destes últimos, os quais são mais abrangentes
e incorporam outros processos (Felix, 2008). A palavra Limpeza sobrevém da forma divergente de
limpo, do latim limpidus, que tem como significado ser transparente, sem manchas, ser algo claro
(Cunha, 1989). Esta função é exigente e intensiva, os trabalhadores deste setor precisam realizar,
em pouco tempo, muitas tarefas, que envolvem trabalho manual excessivo e fisicamente intensos
(Woods & Buckle, 2002).
Os trabalhadores de limpeza hospitalar dos 30 participantes da pesquisa, 25 trabalham em
uma jornada de trabalho distribuídos em um período de plantão de 12 horas seguidos de 36 horas
de folga, denominados plantonistas. O seu horário de trabalho inicia às sete horas da manhã
até às 12 horas, tendo uma hora para almoço, e retornam uma hora da tarde e ficam até às 19
horas, os participantes em sua maioria relataram preferir trabalhar em jornada de plantão pela
possibilidade de folgar o dia seguinte: “gosto de ser plantonista, porque trabalha um dia e está
folgando o dia seguinte e desde que eu comecei a trabalhar aqui sempre foi como plantonista, já
trabalhei eu acho que duas vezes de diarista, mas o mais importante é se acostumar mesmo com
a jornada de trabalho” (Participante 17). Alguns também relataram a insatisfação em trabalhar
todos os dias da semana: “(..) trabalhei como diarista aí eu estava muito cansada esse tempo
todinho, já estava muito cansada, aí eu fui plantonista, eu pedi para mudar” (participante 25).
Não obstante, cinco destes trabalhadores possuem uma jornada de trabalho diária, trabalham
de segunda à sábado. E possuem uma jornada de trabalho que inicia às sete horas da manhã e
finda às 19 horas, estes também possuem uma hora para o almoço, e na sexta-feira os diaristas
trabalham até às 16 horas: “Sinceramente eu gosto mais como diarista, porque os finais de semana
eu passo em casa e os feriados também. E quem é plantão não” (Participante 15).
Na atividade dos profissionais de limpeza hospitalar, estes trabalhadores possuem uma
hora para o almoço e a maioria dos entrevistados relatou ser o único momento de descanso.
Com relação as pausas para pequenos descansos, a saber: tomar um café, lanchar, ir ao banheiro,
estes ocorrem esporadicamente por sempre haver uma demanda de trabalho, sendo ofertados
aos trabalhadores apenas o almoço. Estas pausas não estão prescritas na jornada de trabalho,
impossibilitando o trabalhador de se ausentar momentaneamente da atividade, sendo esta prática
proibida pela empresa contratante:

A pausa é só 1h mesmo, a hora do almoço, somente. Só para beber água assim, quando dá
vontade de beber água e pronto, mas no horário mesmo que tem o repouso assim, é hora de
almoço mesmo. A gente não senta não. Às vezes a gente quer tomar um café, um cafezinho
pelo menos de 15 minutos, mas não dá tempo. (Participante 19)

No que diz respeito à carga e ao ritmo de trabalho, ambos variam conforme o dia, o setor,
a quantidade e a demanda com relação a incidentes de limpeza dos pacientes (vômito, urina).
Ao serem perguntados sobre um dia típico de trabalho a maioria descreveu em sua rotina a
preocupação em chegar antes do horário de sua jornada de trabalho, pois, assim dedicam o seu
tempo a vestir os uniformes e a organizarem os carrinhos que utilizam para limpeza. Destaca-se,
portanto, uma preocupação em se anteciparem as demandas do trabalho real:

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 421


NO ONTEXTO BRASILEIRO
E eu chego cedo, eu gosto de chegar cedo. Daí chego cedo, faço um café, tomo um café,
converso com as colegas e depois me ajeito e ajeito o carrinho, é bom porque fica tudo
ajeitado, não chega em cima da hora, correndo, eu não gosto não, sempre gostei, onde eu
trabalhei, eu sempre gostei de chegar cedo, porque você tem todo um tempo para você trocar
de roupa, para você tomar um café, escovar os dentes, e começar a trabalhar. (Participante
10)

Desse modo, ao chegarem mais cedo ao seu ambiente de trabalho, estes profissionais
antecipam sua jornada, e ultrapassam o prescrito da atividade, já que os servidores de limpeza
têm a necessidade de chegar antes para se organizar e preparar as condições indispensáveis para
o seu trabalho.
Quando perguntados sobre o que fazem em seu tempo livre, muitos trabalhadores
mencionaram que ainda executam serviços em casa, o que aumenta o desgaste físico e emocional,
pois, relatam chegar em casa exaustos após um dia de trabalho intenso. O trabalho executado
pelos servidores de limpeza hospitalar já se caracteriza pelo desgaste físico, para a mulher, em
especial, adicione-se o cuidado com os filhos e as atividades domésticas. A “dupla” ou até mesmo
a “tripla” jornada de trabalho, pois, algumas ainda realizam faxinas para aumentar a renda
familiar: “Embora que eu não pare de trabalhar. Mas o trabalho de casa é menor, que eu não
estou só em casa. Sempre tem, na casa da minha mãe tem eu e minha mãe” (Participante 02). Este
cenário evidencia as condições de profissionais sem qualificação formal e submetidos à disciplina,
especialmente a mulher pelo acúmulo do trabalho doméstico em relação ao trabalho assalariado
(Chillida e Cocco, 2004). Ainda há o desgaste ocasionado na volta para casa, pois a maioria dos
participantes não possui veículos automotores próprios e precisam utilizar o transporte público.
Alguns chegam a pegar mais de dois ônibus para chegar em casa e por consequente o adiamento
de um possível descanso em casa: “para eu vir trabalhar em casa mesmo eu me levanto quatro
horas da manhã, pego o carro, chego em Santa Rita, pego o coletivo às cinco horas. E eu pego
outro ônibus da integração” (Participante 03).
De todo modo, ao serem questionados sobre um dia atípico de trabalho, os trabalhadores
relataram não terem tempo nem para descansar. O tempo de execução de uma determinada
limpeza variava significativamente, de acordo com alguns fatores (e.g., interferência dos pacientes
e usuários, diferenças de arquitetura e do arranjo físico, diferença no grau de sujidade), além de
variados tipos de intercorrências.

Dia movimentado não se tem, não se tem marcado. Pode ser hoje, pode ser no próximo
plantão e por diante. Muitas vezes eu chego, está aquela calma, algumas enfermarias com
pouca gente, desocupada. Mas de repente acontece. Eu limpo uma enfermaria e de repente
uma paciente suja. Vou voltar novamente para o local que ele sujou. Às vezes até o, muitas
vezes até o, a enfermaria completa, tem que fazer a nova higienização de novo, dependendo
da necessidade. É assim, calma, que aqui é hospital, é um entra e sai de pacientes. Uns tem
alta e outros chegam. Não tem hora para parar, e nem dia tranquilo não, sempre, sempre, a
gente nunca para. (Participante 20)

Um fato mencionado pelos trabalhadores refere-se a uma má divisão da distribuição das


tarefas no trabalho. Há uma insatisfação na distribuição desequilibrada das tarefas entre os
funcionários do setor de limpeza, pois, determinados setores possuem tarefas mais frequentes que
outras e sua distribuição acaba sendo diferenciada nos vários setores e turnos. Uma má divisão das
atividades envolvidas no trabalho pode ocasionar um desgaste emocional no indivíduo, interferindo
de forma significativa na sua estrutura física e emocional. Isto determina um descompasso entre o
trabalho prescrito e o trabalho real, gerando uma série de impactos negativos para o trabalhador,
esgotamento psicológico, desgaste físico, afetivo e cognitivo do indivíduo, e desvalorização por

422  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
parte da empresa com atividades “extras” ou “não prescritas” realizadas durante o horário de
trabalho, mesmo que por ordem da própria empresa (Ferreira & Barros, 2002).
Um outro fator relevante no que concerne a organização do trabalho diz respeito às
interferências sofridas pelos servidores (e.g., limpezas terminais, vômitos, partos, secreções,
“alagamentos”, pré-banhos de pacientes ou limpezas extras pedidas pelos outros funcionários
do hospital). Diante disso, exige-se do profissional que busque uma resolução para o problema
ou demandar da chefia que os problemas sejam solucionados. Há durante os dias da semana
uma variação das demandas, podendo uns dias serem mais movimentados que outros. Há ainda
as diversas altas dadas aos pacientes que exigem uma limpeza para que outro paciente possa ser
atendido. Com relação as limpezas terminais, por mais que sejam frequentes na rotina do hospital,
não são devidamente contabilizadas pela organização e divisão do trabalho, o que ocasiona
estresse e ansiedade aos trabalhadores. Quando ocorrem as limpezas terminais necessita-se de
um tempo maior, cerca de uma hora em média para a sua realização, não se pode prever quando
o leito será higienizado, pois, há a dependência da liberação do paciente à família ou algum
conhecido, outrora, quando se trata dos vômitos, requer outra quantidade de tempo, ou quando
há diversos partos durante o dia. Estes problemas não são considerados pela organização do
trabalho o que provoca uma sobrecarga para alguns trabalhadores, que nem sempre podem se
programar para a adequada divisão do seu tempo para realizá-las. Dessa forma, o trabalhador
deve-se manter sempre em prontidão para atender as demandas do seu setor:

Um dia movimentado aqui é, a gente faz, passar pano, e quando tem duas ou três desinfecções,
e sobrecarrega, como já teve dia que teve cinco desinfecções. E é um serviço bem demorado
porque a gente tem que começar do teto, parede, piso, higienização, a cama todinha. A
gente limpa o teto é com o rodinho, a gente tem o rodinho. Coloca o pano e, é, no rodo. A
gente fez uma desinfecção agora de manhã, o paciente veio. Com meia hora depois, se ele
faleceu, vai fazer a mesma coisa, tem que fazer a mesma desinfecção. Não importa se já fez
uma. O paciente chegou no leito, se ele faleceu, tem que a mesma desinfecção, a mesma
coisa. (Participante 07)

Em alguns serviços, os acompanhantes chegam a participar durante a prestação de serviços


dos servidores de limpeza, com exceção das limpezas terminais, o paciente e seu acompanhante
estão presentes durante a limpeza e chegam a interferir no procedimento. Os acompanhantes por
vezes atrapalham o trabalho dos servidores de limpeza, o que pode ser verificado nas seguintes falas:

Assim, as vezes não é muito fácil limpar os leitos, porque as mães não dão espaço. A gente
quer fazer, assim, limpar um negócio, mas não sai. Tem dela que não levanta nem o pé para
você varrer. O filho dormindo, mas quer estar ali, não levanta nem o pé para você varrer.
Mas tem mães que compreende, sai, dá espaço para você fazer a limpeza. (Participante 05)

Quanto aos relacionamentos interpessoais, no que diz respeito a chefia, apareceram opiniões
dispares, pois, alguns avaliaram o seu superior como uma pessoa acessível, chamando a atenção
para falhas quando necessário: “Eu nunca dei trabalho a chefe. Olhe, eu acho que eu já tive aqui
uns cinco chefes, mas eles não têm o que dizer de mim, eu tenho certeza, porque eu nunca cheguei
com reclamação para eles e nunca também receberam reclamação minha” (Participante 23).
Apesar disso, em outros trechos do corpus, é possível ver as dificuldades existentes após a troca de
encarregados (chefia imediata) com as mudanças na empresa terceirizada. Em razão das diversas
trocas de encarregados na fiscalização dos servidores de limpeza hospitalar, a implantação de
muitas regras fica difícil.
As mudanças de regra geraram uma quebra nas relações de cooperação pré-existentes, o
que provocou a quebra de confiança e na coordenação no trabalho, confirmando o que Dejours

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 423


NO ONTEXTO BRASILEIRO
(2011) afirma quanto a confiança que se baseia nas regras do trabalho e também na capacidade de
burlá-las, visto que sua aplicação estrita não é possível. Quando questionados sobre como lidam
com esta constante fiscalização, alguns relatam apenas a expectativa de encerrar sua jornada de
trabalho: “termino a roupa, vamos tomar banho, pronto, o estresse passa um pouco, pega nosso
ônibus e vamos embora para casa” (Participante 23). Por outro lado, um participante relata o
não comprometimento das transgressões das regras. A precariedade das condições de trabalho
tende a neutralizar a mobilização coletiva, a produzir o silêncio, e a buscar o individualismo. O
medo de emprego induz as condutas de dominação e de submissão (Carvalho et al., 2014).

Considerações Finais

Conclui-se que os trabalhadores de limpeza hospitalar não possuem uma rotina de


trabalho diária previsível, tendo que estar disponíveis para eventuais imprevistos que possam
vir a ocorrer, além da pouca valorização do “saber-fazer” e o número reduzido de funcionários
para as necessidades atuais. A constante fiscalização por parte dos encarregados gera uma fonte
de sofrimento a estes profissionais, especialmente para as mulheres, que ainda tem que cuidar
dos afazeres domésticos e dos filhos, sobrecarregando-as ainda mais. O ambiente hospitalar e
a organização do trabalho foram caracterizados principalmente por suas particularidades na
prestação de serviços voltados à saúde, sendo necessárias mudanças significativas quanto a
organização do trabalho, para que se possa realizar as tarefas sem causar danos à saúde dos
trabalhadores.
Em suma, a organização do trabalho para poder funcionar corretamente, depende de dois
fatores: o equilíbrio entre o desejo do trabalhador e o desejo da administração/chefia. Para
que exista congruência entre estes fatores, é necessário que a partir da lacuna entre o trabalho
prescrito e o trabalho real constituísse um espaço para negociações entre o que pode ser feito e o
que é possível fazer. Nestes termos, caso a carga psíquica do trabalho se torne muita densa e sem
possibilidade de encontrar alivio, o resultado pode ser prejudicial à saúde dos sujeitos (Dejours,
Adboucheeli, & Jayet, 2014).

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 425


NO ONTEXTO BRASILEIRO
EGRESSOS DO PRONATEC E SUA RELAÇÃO
COM A TERCEIRIZAÇÃO DO TRABALHO
Anne Graça de Sousa Andrade
Denise Alves de Neiva

Introdução

A
lcançar um trabalho que ofereça sentimento de pertença, valorização e espaço
para a construção da identidade é o desejo de muitas pessoas na atualidade. Para
obter algum trabalho as pessoas buscam um curso superior ou a qualificação
profissional por meio de programas oferecidos pelo Governo Federal. Dentre os programas
federais, destacamos o Programa Nacional do Acesso ao Ensino Técnico e Emprego/Brasil sem
Miséria - PRONATEC/BSM que foi lançado no ano 2011 com o objetivo de qualificar pessoas
entre 16 e 59 anos com renda per capita de R$ 160,00 (Brasil, 2014).
A qualificação profissional é uma forma do indivíduo se inserir no mercado de trabalho,
tanto para aqueles que buscam o primeiro emprego como aqueles que estão fora do mercado de
trabalho já há algum tempo. As pessoas que participam de cursos de qualificação profissional no
âmbito do PRONATEC/BSM encaixam-se na “inserção no trabalho”, como proposto por Gazo-
Figuera (1996) no qual ela está relacionada a uma qualificação menor e desempenho em um
cargo que não permite o desenvolvimento de uma carreira profissional dentro uma formação
universitária.
O PRONATEC/BSM é um programa que é compreendido, por Nascimento (2015),
como uma alternativa de reestruturação e organização do trabalho visando sustentar o sistema
capitalista na desigualdade e exploração da força de trabalho. Dessarte, o “trabalho” produzido
por este programa, não perde a característica de qualquer outro trabalho, no qual este é um
espaço da construção da identidade e local no qual o indivíduo vive tanto o prazer quanto
sofrimento (Dejours, 1992). Por conseguinte, considerando todas as características supracitadas
e que o “trabalho” produzido pelo programa atende principalmente o setor de serviços (foi a
grande massa de trabalho terceirizado no Brasil até 2016), este estudo teve como objetivo geral
analisar a percepção dos egressos dos cursos do PRONATEC/BSM quanto à inserção no mercado
trabalho e sua relação com a terceirização em um município da região norte do estado do Ceará.

O PRONATEC e os caminhos para a terceirização do trabalho

A terceirização tem se tornado um assunto recorrente entre trabalhadores de todos as áreas


no Brasil. Ainda que o assunto possa parecer novo para alguns, ele começou a ser discutido na
década de 1980, período no qual surgiu uma nova abertura econômica e consequentemente uma
reestruturação empresarial (Lima, 2010). Pereira, Albuquerque e Moraes (2015) identificaram
duas abordagens de discussão acerca da terceirização. A primeira delas, comum nos discursos

426  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
do empregador, considera a terceirização como um instrumento relevante da gestão capaz de
gerar novos empregos para todos os pequenos e médios empresários com uma mão de obra
barata reduzindo assim os custo da produção. A segunda abordagem, analisa a terceirização
como uma forma dos empresários não terem mais obrigações trabalhistas legais fazendo com que
eles aumentem os ganhos e a competividade. Esta última abordagem identifica:

O enfraquecimento da classe, e por conseguinte, a individualização das relações de trabalho,


que dificulta a ação coletiva dos trabalhadores a favor de seus direitos, além de provocar
desvalorização dos salários, a precarização das condições laborais e a má distribuição de
renda (Pereira, Albuquerque e Moraes, 2015, p. 107).

A partir do que foi dito acima, ao analisarmos o Guia de Cursos Formação Inicial e Continuada
(FIC) do PRONATEC (Brasil, 2013) observou-se que o programa oferece cursos voltados para o
setor de serviços e este é um dos mais atingidos pela terceirização no Brasil (Pochman, 2012).
Matos e Lima (2016) apontam que o Governo Federal criou o PRONATEC por ter identificado
que o mercado de trabalho estava oferecendo boas oportunidades de empregabilidade e melhores
salários para indivíduos qualificados. Posto isto, no Brasil, a ideia difundida era que não tinha
emprego quem não era qualificado. Segundo Pochmann (2011) o setor de serviços está entre as
áreas que mais predominam as ocupações informais, a baixa qualificação e baixos salários. Essa
situação ocorre devido à política econômica focar nas vantagens comparativas e no caso do Brasil
o setor de serviços está entre elas devido ao baixo custo da força de trabalho (Motta e Frigotto,
2017).
O PRONATEC se torna, portanto, um espaço de oportunidades tanto para empregador
quanto para empregados por atender uma necessidade do mercado. Pode-se observar que as
características do trabalho terceirizado corroboram com as características do trabalho no setor
de serviços. Este fato, só demonstra a força que o mercado possui e que o Estado acaba por
pactuar com o sistema favorecendo os empresários e desfavorecendo os trabalhadores. Dessa
forma, a educação profissional proposta por programas como o PRONATEC, nada mais é do
que uma “estratégia” governamental que encaminha trabalhadores para o setor de serviços e
consequentemente para a terceirização.

Método

A pesquisa qualitativa possui como objetivo explorar questões como: “o que, por que e
como, dessarte, ela tem como objetivo maior compreender os significados ao invés de preocupar-
se com as medidas (Keegan, 2009). Posto isto, a pesquisa social visa apropriar-se de dados sobre
o mundo social, sendo estes resultados e construídos nos processos de comunicação (Gaskell,
2017). Considerando ambos e buscando analisar a percepção dos egressos dos cursos do
PRONATEC/BSM quanto à inserção no mercado trabalho e sua relação com a terceirização, esta
pesquisa configura-se como um estudo qualitativo exploratório tendo em vista a possibilidade de
estudar fenômenos que envolvem seres humanos e suas relações sociais que são estabelecidas em
vários ambientes.
O foco deste estudo forma os egressos do curso de Agente de Limpeza e Conservação
do PRONATEC/BSM, de 25 a 35 anos, em uma cidade da região norte do Estado do Ceará. O
recrutamento dos participantes ocorreu por meio do demandante do curso supracitado entre
os anos de 2013 a 2015 a partir da contratação dos egressos por uma empresa terceirizada de
um hospital após a finalização do curso. Após o primeiro contato com os participantes, 10
colaboradores do sexo feminino se disponibilizaram a participar da pesquisa. A estas participantes

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 427


NO ONTEXTO BRASILEIRO
foi explicado os objetivos da pesquisa, lido e solicitado, se estivessem de acordo, a assinatura do
Termo de Livre Esclarecido – TCLE de acordo com as normas da Resolução 466/12, do Conselho
Nacional de Saúde – MS/Brasil.
Para a coleta de dados as pesquisadoras utilizaram dois instrumentos, no qual o primeiro
foi um questionário sociodemográfico com o objetivo de conhecer o perfil do público estudado,
composto por questões acerca da idade, situação econômica, atividade laboral e estado civil.
Considerando que o grupo focal “é um tipo especial de grupo em termos de propósito, tamanho,
composição e procedimentos (...), no qual seus objetivos são ouvir e reunir informações como
também compreender como as pessoas se sentem ou pensam sobre alguma questão, produto e
serviço (Krueger e Casey, 2000, p. 04),” as participantes deste estudo foram selecionadas porque
possuíam características em comum em relação ao tópico a ser estudado. O segundo instrumento,
a partir das definições supracitadas, foi um roteiro para grupo focal com questões norteadoras
acerca dos objetivos do estudo que estavam relacionadas às percepções dos egressos dos cursos
quanto à inserção no mercado trabalho e sua relação com a terceirização.
No procedimento de análise dos dados utilizou-se da Análise de Conteúdo Temática
(Bardin, 2011) que é composto por três fases: a pré-análise onde ocorre o processo de construção
das temáticas através da “leitura flutuante”, a exploração do material, onde o pesquisador codifica
o material e ocorre a construção das unidades de registro e as unidades de conteúdo e a última,
tratamento de resultados e interpretação no qual o pesquisador deve interpretar e sistematizar os
resultados de acordo com os objetivos iniciais.

Resultados e Discussões

Caracterização sociodemográfica

Os concludentes dos cursos são trabalhadores de 25 a 35 anos, com renda de entre um


e dois salários mínimos e todos do sexo feminino. Elas foram selecionadas para trabalhar no
hospital por meio de uma empresa que presta serviços de limpeza e conservação terceirizado após
o término do curso ofertado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC de um
município da região norte do estado do Ceará. Das dez participantes do estudo quatro faziam
parte do programa bolsa família.

Análise das categorias temáticas

No processo de análise dos dados, identificamos por meio da Análise de Conteúdo Temática
(Bardin, 2011) as categorias que seguem:

Tabela 1

Categorias Temáticas Resultante da Análise das Entrevistas


1.Percepções acerca da inserção no mercado de trabalho
2. Percepções acerca da terceirização do trabalho

Percepções acerca da inserção no mercado de trabalho

De acordo com as entrevistas, ter participado do curso foi uma grande oportunidade
para serem inseridas no mercado de trabalho como podemos observar na descrição de uma das
participantes: “Ainda bem que teve esse curso, graças a Deus! Porque se não tivesse a gente tava era em casa

428  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
vivendo só de fazer chapéu de palha ou trabalhando nas casas dos outros o que é muito ruim! (Participante
1)”. Observa-se dentro deste contexto que a participante considera um grande feito divino a
existência do curso e somente com ele é que elas poderiam ter conseguido este emprego. O fato
das participantes serem pobres e com pouca escolaridade, as oportunidades no mercado de
trabalho são escassas no município, então, a partir de um curso de qualificação gratuito é que
elas poderiam ser inseridas no mercado de trabalho. Podemos compreender essa percepção a
partir do que Martin- Baró (1998) “paralização”, “submissão” e “adaptação” do homem diante
da sua realidade, sendo esta uma característica comum dos povos marginais (Sanchez, 2005).
A Participante 7 afirma que: “Ainda bem que esses cursos apareceram. Eu ficava trabalhando na casa
dos outro. A sra sabe como é né? É muita exigência e pouco dinheiro. Meu marido num gostava disso não. Agora
melhorou foi muito as coisa lá em casa”. Congruente com o que o PRONATEC/BSM propõe, que é dar
a oportunidade às famílias em vulnerabilidade social a qualificação profissional afim de serem
inseridas no mercado de trabalho o programa, a partir deste discurso atende às necessidades das
trabalhadoras.
De acordo com o programa, os cursos devem ser pactuados com realizando a priori um
mapa da situação do trabalho e emprego na cidade, para que os cursos sejam consoantes ao que
o mercado está necessitando (Brasil, 2013). Partindo desse objetivo, os cursos oferecidos pelo
PRONATEC/BSM são concernentes com a demanda do mercado. O curso de Agente de Limpeza
e Conservação, promovido pelo SENAC, era uma necessidade mercadológica tendo em vista a
abertura de um hospital na região. Dessarte, os encaminhamentos para o mercado de trabalho se
tornam focados em uma ação integrativa entre instituições privadas e públicas. Por esse motivo o
curso a qual as entrevistadas participaram teve como foco o treinamento em limpeza específica
em ambientes hospitalares, o que foi observado ao falarem termos técnicos ao serem perguntadas
pela rotina no seu local de trabalho.

Percepções acerca da terceirização do trabalho

O ambiente laboral é um espaço no qual o trabalhador leva a sua identidade que foi
construída por meio da sua experiência e esta é um conjunto das relações sociais e culturais que
foram adquiridas antes de adentrar a organização e irão impactar no desenvolvimento de suas
atividades. No serviço de limpeza, especificamente, as participantes compartilham uma história
de vida similar, porém elas se diferenciam pelas expectativas de vidas e visão de mundo (Barros,
2014). No que tange a estas duas últimas características seis participantes com idades variadas
revelaram o desejo de fazer um curso superior enquanto as outras quatro consideram-se satisfeitas
com a sua atual situação laboral pretendendo aposentar-se com este trabalho.
No que tange sobre as mudanças de vida observou-se que o trabalho trouxe consequências
positivas para as entrevistadas e suas famílias, como o acesso a bens materiais, a “sonhada” carteira
assinada, tendo em vista que anteriormente as mesmas viviam desempregadas ou trabalhando na
informalidade: “Olha aqui, eu mesma não tinha nada lá em casa. Meu sonho era ter carteira assinada... um micro-
ondas... e agora eu tenho. Eu recebo 13º salário... Essas coisas que eu não tinha trabalhando na casa dos outro.”
Podemos perceber que as entrevistadas se sentem satisfeitas no que diz respeito ao salário e
os benefícios garantidos pela CLT. As participantes não percebem a precarização do trabalho, estão
mais preocupadas com a lógica de “ter um trabalho”. Nesse sentido apesar da gratificação monetária
não ser a única forma de motivação e satisfação no trabalho, Descanio e Lunardelli (2007) afirmam
que o colaborador bem remunerado ou remunerado devidamente tende a mostrar vantagens para
a organização como o trabalho em grupo, além de reduzir a resistência a mudanças, sendo assim
a remuneração adequada é aquela necessária para as pessoas atenderem às suas necessidades
pessoais e aos padrões culturais, sociais e econômicos da sociedade em que vivem.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 429


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A empresa terceirizada que as entrevistadas trabalham possuem uma sede no próprio
hospital e durante todo o período de funcionamento existe um supervisor que coordena o trabalho
realizado pelas mesmas. No que tange à atividade realizada, elas revelam que o trabalho é duro,
tem muita cobrança e que os relacionamentos com os superiores (supervisores da empresa e
médicos) são bons e que eles confiam nelas. A Participante 10 explica que: O trabalho é bom. Todo
dia, tem coisa para a gente fazer e tem que fazer tudo. Eu acho tranquilo, fazer essas coisa. A gente faz e pronto,
tá feito. Às vezes a gente fica cansado, mas tudo bem, o trabalho cansa mesmo. (...) Às vezes eu penso que eu
tenho é que agradecer a Deus por todas as coisas, por isso eu não reclamo. Tem que fazer as coisa? Eu faço, não
fico reclamando. Tem muita cobrança em cima da gente, porque se tiver infecção hospitalar a culpa é nossa né?
Então a responsabilidade é grande (...) Meu supervisor é legal ele confia em mim.”
Podemos observar neste discurso que o trabalho é duro, que é bom ter “um trabalho”,
elas sabem da responsabilidade que possuem e se sentem de alguma forma reconhecidas pela
atividade executada. De acordo com Freitas (2000) no ambiente organizacional, o trabalhador
anseia o reconhecimento muito mais pelo desejo de reconhecimento do que como um privilégio. O
reconhecimento é algo que pode ser solicitado por meio de gratificações e encontra-se enraizado no
inconsciente de cada trabalhador podendo encontrar diversas formas de expressão e solicitação.
Dessa forma, dizer que “ele confia em mim”, referindo-se ao supervisor é uma forma no qual estas
trabalhadoras são reconhecidas. Este discurso foi repetido por todas as participantes e revela um
bom relacionamento com os seus supervisores.
As participantes do estudo não possuem vínculo direto com o hospital, tendo em vista
serem prestadoras de serviço por meio de uma empresa no município. Quanto ao tipo de contrato
de trabalho que as mesmas possuem, quando perguntado se elas percebiam alguma diferença
entre elas e os outros trabalhadores elas descreveram diversas situações de discriminação sofridas
pelos diversos setores do hospital. Tal fato corrobora com o que já discutido por Druck e Franco
(2008), Pereira (2013) e Marcelino (2007), no qual a terceirização traz consigo discriminação em
relação aqueles não possuem este tipo de vínculo empregatício.
Entre as situações no qual sofrem discriminação as participantes relataram a inexistência
de vagas na garagem: “A gente entra pela porta que sai do lixo (Participante 2); não podem comer a
“comida tropical”, especial para as pessoas que querem uma alimentação mais saudável; diversas
vezes tiveram as bolsas revistadas e entram pela porta traseira do hospital, sendo proibidas de
entrar pela frente juntamente com os médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. Pode-se
perceber no relato da Participante 8: “No começo foi bem difícil...A gente era revistada na entrada e na saída.
Agora não tem mais isso, porque a enfermeira [profissional da terceirizada] lutou pela gente. Mas, era terrível!
Todo dia a mesma coisa. Agora tem comida especial e a gente não pode comer é? Se eu quiser fazer tem que comer
a outra comida é?(...) Já aconteceu uma vez da minha moto ser arrombada. Eles não botam nem segurança para
a moto. Pros carros dos doutor tudim tem e a gente não pode nem entrar pela porta de frente do hospital.”
De acordo com os relatos das entrevistadas, o motivo dessas regras é devido à instituição
não as consideram colaboradoras, pois como são terceirizadas elas não pertencem à equipe do
hospital, por esse motivo não possuem as mesmas vantagens daquelas que são contratadas via
direta. A situação relatada causa um grande desgaste psicológico e emocional nas trabalhadoras.
Em locais, no qual existem trabalhadores efetivos e terceirizados, como no serviço público, muitas
tensões podem ocorrer inclusive por causa do salário inferior em relação aos trabalhadores de
outros setores. Mesmo havendo uma necessidade de conhecimento específico para executar suas
atividades laborais, o trabalhador do serviço de limpeza é visto com qualificação inferior e a
atividade em si como simples (Chaves, 2014).
Podemos perceber que a execução de procedimentos diferenciados aos colaboradores
terceirizados causam mal-estar e afetam psicologicamente as entrevistadas. Inclusive foi relatado
que muitas vezes elas são chamadas pelo nome da empresa e não por seus nomes pessoais, sendo

430  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
que possuem crachá como todos os outros funcionários do hospital. Ao falarem sobre essas
implicações foi percebido um tom de tristeza e revolta, porém, ao mesmo tempo se sentem gratas
por estarem empregadas.
Sobre a garantia empregatícia as entrevistadas afirmam que sentem muito medo de serem
demitidas, pois como não são consideradas colaboradoras efetivas do hospital, ou seja, não
passaram por seleção pública, seriam as primeiras a serem demitidas, no caso de diminuição da
equipe de trabalho. Segundo Falvo (2010) a terceirização gera no trabalhador incertezas acerca da
estabilidade laboral, tendo em vista que os vínculos não pertencem à empresa onde o trabalhador
desenvolve sua atividade. Assim, a autora considera o trabalhador terceirizado como precarizado,
sofrendo com a mobilidade contratual e não afiliando-se a alguma categoria profissional ou
sindicato.
Com os supervisores o relacionamento das entrevistadas é bom e há sempre cobrança, o
que para elas não faz diferença tendo em vista que elas acreditam que eles confiam no trabalho
delas. A Participante 3 explica: No meu setor, meu supervisor é muito bom. A gente tem as coisa lá pra fazer e
eu faço tudinho que ele manda. Não deixo para quem vem depois não. E isso já é uma coisa nossa. Nosso trabalho
é bom, as pessoa agradece... as enfermeira, os pessoal do meu setor me trata muito bem. Eu acho que eles gostam
de mim. (...) Os médicos raramente causam problemas, mais é as enfermeiras e técnicas de enfermagem. (...)
Quando tem as festinhas deles, eles não chamam a gente. Acerca do relacionamento com os profissionais
médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, como descrito acima, as entrevistadas relatam
algumas dificuldades maiores com os enfermeiros e principalmente com as técnicas de enfermagem
que muitas vezes as fazem se sentir humilhadas. No que tange, às comemorações de aniversários,
festividades dentro da empresa, elas relatam que cada setor faz sua própria comemoração e que
as agentes de limpeza e conservação não são incluídas, assim elas mesmas se reúnem para essas
atividades. Neste discurso pode-se inferir que elas não percebem que o processo de exclusão o
qual vivem, nada mais é do que um reflexo das relações de trabalho. A discriminação ocorre por
não fazerem parte do quadro de funcionários do hospital.

Considerações Finais

O trabalho é um momento condicionante na constituição da vida humana, sendo


portanto, o ponto de partida para o processo de humanização por meio das relações sociais
estabelecidas no seu ambiente. Para alcançar o “trabalho” almejado, principalmente pelas classes
mais desfavorecidas os cursos de qualificação profissional tornaram-se ao longo do século XX
uma grande estratégia para atender às demandas do capital. É fato que desde quando surgiu a
qualificação profissional, ela servia (e ainda serve) para atender aos mais pobres e humildes da
população brasileira.
Neste mesmo caminho as relações de trabalham estabelecidas via qualificação profissional se
desenha para levar os egressos ao caminho da terceirização. Ela surgiu como uma nova forma de
organização do trabalho com o objetivo de diminuir as despesas e responsabilidades trabalhistas.
A partir dessa nova reconfiguração do trabalho, os trabalhadores são os mais impactados com as
relações de trabalho causando novas formas de perceber a atividade laboral e a si mesmos. A partir
deste estudo foi possível perceber, por meio das entrevistas com mulheres egressas do curso do
PRONATEC, o quanto o trabalho assalariado e com os direitos garantidos é uma “dádiva divina”. Foi
possível ainda perceber, como o ambiente laboral influencia na construção de uma nova identidade
das trabalhadoras que saíram da condição de “empregas domésticas”, trabalho este, reconhecido
por elas como mais desgastante e cansativo do que o que elas executam no momento.
O fato de serem terceirizadas é apenas percebido por elas quando descrevem a
discriminação sofrida por não terem acesso aos mesmos privilégios que os outros funcionários.
Para as participantes é difícil perceber a relação entre a terceirização e as relações de trabalho. Na
perspectiva das entrevistadas, não é o tipo de vínculo que faz com que as relações de trabalham

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 431


NO ONTEXTO BRASILEIRO
sejam afetadas, mas sim é apenas uma posição da organização. Anteriormente a esta percepção,
as trabalhadoras estão mais preocupadas com a necessidade de elas terem uma estabilidade
financeira para o sustento da família e para custear um curso superior.
É necessário que a instituição o qual as entrevistadas trabalham protagonize ações com
o objetivo de sanar as discriminações que elas vivem e proporcione benefícios iguais aos outros
profissionais da instituição para que as mesmas possam de fato sentirem-se parte da organização.

Referências

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Barros, Camila Braga. (2014). O impacto da cultura organizacional nas relações de trabalho e na
construção de identidades: um estudo sobre as mulheres do serviço de limpeza da Universidade
de Brasília. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Comunicação. UNB. 96 pg.
Bauer, M. W. & Gaskell, G. (2017). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático
(Orgs.); Trad. Pedrinho Guareschi. Petrópolis, RJ: Vozes.
Brasil. (2014). Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia
para Assuntos Jurídicos. Institui o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
(PRONATEC).
Brasil. (2014). Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Caderno de Resultados do
Plano Brasil Sem Miséria: junho de 2011 a outubro de 2014. Brasília.
Dejours, C. (1992). A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré.
Druck, G. & Franco, T. (2008.) A Terceirização no Brasil: velho e novo fenômeno. Revista Laboreal, 4 (2).
Falvo, F. J. (2010). Balanço da regulamentação da terceirização do Trabalho em países selecionados da américa
latina. Revista ABET. 9.
Freitas, M. E. Cultura Organizacional: identidade, sedução e carisma? 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV.
2000. 180 p.
Gazo-Figuera, P. (1996). La Inserción del Universitario en el Mercado deTrabajo. Barcelona: EUB.
Keenga, Sheila.(2009). Qualitative research: good decision making through understanding people, cultures
and markets. Kogan Page, London & Philadelphia.
Kureger, R. A. & Casey, M. A. (2000). Focus, groups: a pratical guide for applied research. 3ª ed.
Marcelino, P. R. (2007). Afinal, o que é terceirização? Em busca de ferramentas de análise e de ação política.
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Motta, V. C & Frigotto, G. (2017). Por que a urgência da reforma do ensino médio? Medida provisória Nº
746/2016 (LEI Nº 13.415/2017) Educação e Sociedade, Campinas, 38(139).
Pereira, R. J. M. B. (2013). A terceirização, a CLT e a Constituição. MPT Brasília.
Pochmann, M.(2011). Comunicado IPEA n.º 104. Brasília: Ipea.
Pochmann, M. (2017) Nova classe média?: o trabalho na base da pirâmide social brasileira. São Paulo:
Boitempo.

432  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O IMPACTO DO TRABALHO NA CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE DE TRABALHADORES EMPREGADOS E
DESEMPREGADOS
Lana Kelly Santos Baêta
Sara Moreno Costa
Larissa Fonseca Araújo
Luana Gabriella Martins Lima
Maria Victória Sousa Caldas
Carla Fernanda de Lima

Introdução

O
trabalho é um indicador basilar para a identidade, pois é por meio dele que o
indivíduo adquire a sua subsistência, se insere na sociedade, constitui seu perfil
individual, e a forma como é visto na sociedade. Sair deste trabalho ocasiona
sofrimento, especificamente porque ele de alguma forma proporciona o reconhecimento social
de estar em atividade (Moreira, 2012).
As possíveis variedades de identidades tornam o procedimento identitário sujeito ao tempo
e aos ambientes sociais em que as identidades atuam e são reconhecidas. Posto isto, a identidade é
um feito inacabado, inconstante, contraditório, conflitante, que se constitui mediante as relações
socioeconômicas e está vinculada a procedimentos de representação e submetida às linhas de
poder com as quais o sujeito está envolvido (Morin, 2007).
Constatam-se, como feito histórico e psicossocial, as identidades pessoais e grupais sempre
interligadas, podendo ser esta ligação harmoniosa ou não. No que se refere à identidade-trabalho,
a identidade grupal pode remeter ao conjunto dos trabalhadores, ou seja, uma identificação com
os demais trabalhadores, igualmente aos gerentes, com a identificação quanto aos interesses
organizacionais (Tolfo, Silva, & Luna 2009).
Analisando o ponto de vista relacional da identidade, pode se dizer que o âmbito
organizacional se configura como campo fértil para construção de identidades, pois as relações
e a interação indivíduo-organização permitem percepções e avaliações de si mesmo e do outro
(Miranda, Borges, & Moreira 2012). Dessa forma, com ampla literatura teórica disponível sobre
a influência do trabalho nas características pessoais do indivíduo, o presente trabalho tem por
objetivo buscar dados empíricos sobre a temática, buscando averiguar significados e centralidades
no âmbito do trabalho em pessoas da cidade de Parnaíba-PI.

Método

Amostra

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 433


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A amostra foi composta por 40 pessoas, sendo 20 sujeitos empregados e 20 na condição de
ausência de emprego, nos espaços públicos da cidade de Parnaíba-PI. Sendo a maioria homens
(54,1%), com média de idade de 30,77 anos, solteira (54,1%), com filhos (67,6%) e ensino médio
completo (45,9%). Do grupo de empregados, 27% declarou ter renda de até um salário mínimo.

Instrumentos

Para coleta de dados foi utilizada uma entrevista semiestruturada composta de perguntas
abertas que versam sobre as dimensões da importância do trabalho na construção da identidade
do indivíduo e um questionário sociodemográfico, contendo perguntas sobre sexo, renda e estado
civil.

Procedimento

A coleta ocorreu em lugares públicos da cidade de Parnaíba-PI. Inicialmente, entrou-se


em contato com os entrevistados a fim de apresentar a pesquisa e solicitar a participação dos
mesmos. Após concordarem em participar, apresentou-se o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE), em suas duas vias, a fim de que os participantes assinassem autorizando a
participação na pesquisa. Foi enfatizado o caráter confidencial e sigiloso de sua participação,
assegurando a privacidade dos sujeitos. Os instrumentos foram respondidos de forma individual,
levando em média 50 minutos. Ressalte-se que as entrevistas foram gravadas, para posterior
transcrição e análise. Todos os preceitos éticos que orientam as pesquisas com seres humanos
foram cuidadosamente respeitados, tendo em vista a Resolução 510/16 do Conselho Nacional de
Saúde, que estabelece as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas dessa ordem.

Análise de dados

No que diz respeito à análise de dados, utilizou-se a Análise de Conteúdo proposta por
Bardin (2011), a fim de obter uma compreensão e explorar a comunicação e os discursos dos
sujeitos. Ainda segundo o mesmo autor, a Análise do Conteúdo (AC) é um conjunto de técnicas
de análise das comunicações, não se tratando de um instrumento, mas de um vasto campo de
elementos.

Resultados

A análise de conteúdo permitiu o encontro de categorias e os eixos que tem o intuito


de responder aos objetivos. A saber, as categorias se referem aos grupos de empregados e
desempregados. Os eixos, por sua vez, foram denominados: (1) a construção da identidade, que
busca explanar os elementos que contribuíram para o processo de construção da identidade do
indivíduo, trazendo subdivisões nas discussões trabalho e família; (2) a importância do trabalho,
que analisa a percepção dos sujeitos acerca da importância do trabalho; e (3) a implicação
do trabalho na construção da identidade, que busca entender a implicação do trabalho na
compreensão do eu dos indivíduos, havendo poucas distinções entre os dois grupos no que se
refere às categorias encontradas.

Eixo 1. A construção da identidade

Esse eixo engloba características pessoais do sujeito e aspectos que influenciaram na


construção da identidade, tanto extrínsecos quanto intrínsecos, em relação ao grupo de
desempregados e de empregados, como pode ser observado nas Tabelas 1 e 2, respectivamente. No

434  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
que se refere às características pessoais dos desempregados a subcategoria com maior frequência
foi “determinado” e nos empregados foi “batalhador.” E em relação aos elementos extrínsecos
que influenciaram na construção da identidade dos entrevistados, as subcategorias com maior
frequência, em ambos, foi a “família” e a “educação dos pais”.

Tabela 1

Aspectos intrínsecos e extrínsecos que influenciaram na construção


da identidade do grupo de Desempregados

Categorias Frequência
Aspectos intrínsecos
Características pessoais
Determinado (a) 15
Prestativo 11
Responsável 11
Amigável 11
Amoroso (a) 03
Companheiro 05
Tranquilo 05
Forte 06
Alegria 04
Aspectos extrínsecos
Família 37
Amizades 11
Educação 10
Dificuldades 05
Religião 04

Tabela 2

Aspectos intrínsecos e extrínsecos que influenciaram na construção


da identidade do grupo de Empregados
Categorias Frequência
Aspectos intrínsecos
Características pessoais
07
•  Batalhador
•  Forte 05
•  Escolhas 05
•  Persistência
04
Aspectos extrínsecos
10
10
•  Educação dos Pais
•  Família 09
•  Sofrimento
•  Dificuldades 07
•  Adaptação
•  Convívio 05
•  Oportunidades 05
04

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 435


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Eixo 2. Importância do trabalho

Quanto às percepções dos sujeitos acerca do trabalho em suas vidas, tanto os desempregados
quanto os empregados afirmaram que tinha grande relevância, pois essa atividade proporcionava a
sua subsistência, o sustento da família e a sobrevivência. Ressalta-se que o grupo de desempregados
levantou uma categoria que reforça a relação entre trabalho e dignidade, sentimento de utilidade,
autoestima enquanto que o grupo de empregados não trouxe essas questões, pois para eles o
trabalho era fonte de independência, visibilidade e possibilidade de adquirir bens; como pode ser
visualizado nas Tabelas 3 e 4.

Tabela 3

Importância do trabalho na vida do grupo de desempregados


Categorias Frequência
Presença do Trabalho
• Subsistência ou sustento 36
• Dignidade 11
• Sentimento de ser útil 10
Autoestima 08
Ausência do Trabalho
• Mazelas 05
• Dificuldade 05

Tabela 4

Importância do trabalho na vida do grupo de empregados


Categorias Frequência
Presença do Trabalho
• Sobrevivência 13
• Independência ou Renda 13
• Necessidade 09
• Visibilidade 07
• Possibilidade de adquirir bens 06

Ausência de Trabalho
• Instabilidade 07
• Impossibilidade de adequação social 04
• Impossibilidade de sobrevivência 04

Eixo 3. Implicação do trabalho na construção da identidade

Neste eixo, o grupo de desempregados apontou que o trabalho implica em independência


financeira, crescimento e maturidade, manutenção da saúde, dentre outros aspectos. Enquanto
que para o grupo de empregados o trabalho possibilitava estabelecimento de relações sociais,
experiência de trabalho, responsabilidades, garantia de futuro, comunicação, reconhecimento,
visibilidade, posição social, dentre outros.
Os entrevistados de ambos os grupos (Tabelas 05 e 06) não apontaram diretamente que o
trabalho interfere em suas identidades, porém em categorias obtidas nos eixos anteriores, grande

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
parte dos entrevistados apontou que o trabalho, dignifica, é fonte de prazer, lazer, bem-estar, traz
visibilidade, promove o sustento próprio e da família, promove sentimento de utilidade, que sem
o trabalho os indivíduos se sentem indignos e predispostos às mazelas da sociedade e apresentam
impossibilidade de adequação social.

Tabela 5

A implicação do trabalho na construção da identidade do grupo de desempregados


Categorias Frequência
• Independência Financeira 10
• Crescimento e maturidade 06
06
• Compromisso com as responsabilidades
05
• Reconhecimento 05
• Posição social 05
• Planos para o futuro 05
05
• Possibilidade de lazer
04
• Manutenção da saúde 04
• Construção e Manutenção de laços afetivos

Tabela 6

A implicação do trabalho na construção da identidade do grupo de empregados


Categoria Frequência
• Relações sociais 08
• Experiência de trabalho 07
• Responsabilidade 07
• Futuro 06
• Comunicação 06
• Reconhecimento 05
• Visibilidade 05
• Posição social 05
• Aprendizagem 03
• Ocupação 03
• Identidade 03

Discussão

Na primeira análise é necessário compreender, que fatores contribuíram para a construção


da identidade dos sujeitos. Os resultados obtidos estão ligados a situações, motivacionais
tanto intrínsecos como extrínsecas nos dois grupos pesquisados. Em um primeiro momento um
dos aspectos pontuados pelos entrevistados, em relação a características de suas respectivas
identidades, os sujeitos se consideravam como pessoas determinadas, quanto a isto Martins
(2005) aponta que o conceito de determinação é que faz o indivíduo não desistir perante os
obstáculos, ter clareza e foco sobre onde quer chegar. O autor acrescenta que este tipo de atitude
é fundamental para que haja o processo de assertividade no ambiente e trabalho. Isto apontado
pelo autor vai ao encontro de uma das participantes, que se considerava uma pessoa determinada
devido os obstáculos que aconteceram na sua vida.
Chahad e Chahad (2005), como um ser social, a identidade do sujeito é construída por
funções que ele realiza dentro de suas relações como o de marido ou esposa, empregado, amigo,
chefe, pai ou mãe, etc. Para os entrevistados, como se percebe nos discursos de alguns participantes

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 437


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ao se tornarem pai ou mãe de família, fez com que estes procurassem um trabalho, para manter
esta família e manter esta imagem de chefe de família trabalhador, como exemplo para os filhos.
Segundo Hayes e Nutman (1981), a imagem que o sujeito tem de si mesmo é nutrida e
mantida, pelas suas relações sociais, pelo modo como este julga a percepção do outro sobre ele,
sendo nos relacionamentos com os demais, nas atividades sociais, que o indivíduo se reconhece
e constrói sua identidade. Quanto a isto, os entrevistados pontuaram que o convívio com outras
pessoas tanto da família, como do trabalho fizeram com que estes construíssem suas identidades.
Quando o sujeito se encontra em um quadro de desemprego, a valorização e a necessidade
do trabalho interferem muito na identidade do mesmo, passando a serem vistos como
desempregados, mudando sua autopercepção e em como se relacionam com a sociedade. Tal
confirmação indica a relevância que a valorização tem no impacto psicológico do desemprego
sobre o sujeito (Chahad & Chahad, 2005).
Os entrevistados apontaram que com o trabalho, eles adquirem a liberdade financeira,
encontram a fonte de renda gerando bem-estar e autonomia, garantido o sustento da família e
proporcionando a aquisição de bens e/ou posses. O ato de estar trabalhando gera no indivíduo
a sensação de utilidade e senso de propósito na vida. Em algumas falas dos entrevistados o
trabalho trazia esta imagem de cidadão que trabalhava e lutava pelos seus ideais. Nas falas dos
desempregados, estes achavam ser visto como vagabundos pelos outros, ou seja, não se vim como
cidadão lhe trazendo constrangimento.
Neste eixo foram encontradas nas experiências de vida dos entrevistados de ambos os grupos
que o trabalho interfere na sua autoestima, sustento, entre outras palavras relacionadas com a
moral destes, como citado acima. Nos indivíduos na situação de desemprego o não trabalhar
afetava sua autoestima e seu bem-estar. Hayes e Nutman (1981) pontuam que o sofrimento
psicológico do desemprego não é gerado pela perda do emprego em si, mas sim pelo o que o
sujeito considera por “estar desempregado”.
No eixo a implicação do trabalho na vida dos sujeitos em ambos os grupos pode se
encontrar que o trabalho implica nas relações sociais, na fonte de renda, no amadurecimento, nas
experiências, no futuro, nas responsabilidades na posição destes perante a sociedade, implicando
diretamente na autoestima dos entrevistados. De acordo com Martins (2005), autoestima é o que
você pensa sobre si mesmo, sendo que a sua qualidade depende da aceitação, da confiança e do
respeito que o sujeito tem de si mesmo.
Quando este sujeito se encontra fora desta condição, diminui seu contato social, interferindo
assim na sua imagem, uma vez que a literatura mostra a identidade do sujeito como dependente
de seus contatos sociais e da maneira como ele se relaciona. Os entrevistados relataram que o
trabalho lhes proporciona o envolvimento com outras pessoas e a noção de pertencimento e
identificação a determinado grupo.
A socialização tem como uma das suas características o se preocupar com o bem-estar
do outro e com o seu próprio, tratando os indivíduos de forma natural, sem preconceitos
(Martins, 2005). Nas entrevistas percebeu-se que o trabalho estava associado à busca de bons
relacionamentos e a aquisição de mais empatia pelos trabalhadores ao estarem constantemente
lidando com o outro e suas necessidades.
Hayes e Nutmann (1981) explanam que as funções realizadas por um sujeito e ele próprio
fazem interface, de forma que a perda ou a mudança de um destes itens afetam os demais
influenciando a sua identidade como um todo. Logo, o indivíduo que perde seu trabalho tem toda
a sua identidade afetada. Tal ideia dos autores vai ao encontro dos discursos dos entrevistados,
pois estes traziam que, o desemprego trazia uma imagem negativa para seus filhos, mexendo
assim no papel de pai, o homem da casa, o supridor, consequentemente mexendo na autoestima
desses indivíduos.

438  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
De acordo com Rohm (2013), o trabalhador é convencido de que o propósito dele no universo
se efetiva apenas pela realização de si no meio de luta de posições sociais e espaços laborais. É
nítido nas falas dos entrevistados quando trazem que o trabalho proporciona visibilidade, como
cita o autor é uma luta, é uma corrida que o sujeito faz para ser percebido de certa forma, pelo
que faz em sua atividade laboral.
Pesquisas apontam que a identidade masculina é fortemente fundamentada no papel
profissional, enquanto a identidade feminina ainda está mais voltada para papeis relacionados
à família (esposa, mãe, dona de casa). Deste modo o sujeito desempregado, do sexo masculino,
reage diferente dos indivíduos do sexo feminino, frente à perda do emprego, pois sendo sua função
profissional mais central na formação de sua identidade, este é mais influenciado e influencia
mais papeis que este desempenha.
Nesta linha de pensamento Kulik (2000), conceitua que devido à diferença de papeis na
construção da identidade, os indivíduos do sexo masculino quando estão desempregos se sentem
mais estigmatizados, se percebem como uma categoria inferior de cidadão, pois acreditam que
devam prover a família, e, por que não é visto com respeito, devido sua situação, do que uma
mulher desempregada. Nesse contexto, algumas entrevistadas trouxeram em seus discursos, que
na condição de desemprego, e quando suprimidas por seus respectivos conjugues, consideravam
isto normal, uma vez que estes as consideravam como responsável primordialmente pelo lar, cuidar
dos filhos e da casa sendo que o homem já exercia o papel de provedor. Porém, para aquelas que
se consideravam como mantedoras do lar, tal fato já afetava de certa forma, pois envolvia uma
questão de subsistência de sustento próprio e da família.
Quanto o trabalho como fonte de renda, e sentindo de ter posses trazidas pelos sujeitos
entrevistados, para Bridges (1995), a característica financeira de um emprego é tão evidente que
os sujeitos subestimam sua função psicológica: Os rendimentos são modulares e portáteis: podem
ser substituídos. Descobrir novas fontes de renda podem exigir tempo e esforço, mas, assim que
são encontradas, a tarefa se encerra. ‘Substituir as recompensas psicológicas que os empregos
proporcionam é muito mais difícil’ (Bridges,1995, p.132).
Para Nodari e Vieira, (2001) a família atua tanto como elemento social como econômico,
gerando bens no consumo de casa, e para o mercado, ao passo que, socializa os sujeitos em suas
atribuições sociais. Uma concepção integradora da família supõe-na como um grupo, a que todos
pertencem e dela fazem parte, considerando a sua especificidade e a sua unicidade. Ou seja, a sua
história, as suas normas, as suas funções e a sua natureza relacional fazem da relação à sua base
essencial, que se estabelece na pertença familiar dos seus membros (Scabini & Iafrate, 2003).
A educação é indispensável tanto para construir e estabilizar, como para transformar tradições,
colocando em evidencia a função da família e da escola, encarregados pela transmissão dos valores
culturais, considerando o aspecto formativo e socializador que possuem (Pitano & Nunes, 2012).
Tal concepção deste autor vai em direção ao que foi trazido nas falas dos entrevistados, quanto
à educação dos pais na construção identitária destes, deixada como herança e como papel da
família em suas respectivas trajetórias.
Com base na hierarquização das esferas e à medida que se analisou a importância do trabalho
na vida dos sujeitos no que se referem as demais esferas da vida, constatou-se que a esfera família
no discurso dos entrevistados ocupa o primeiro lugar de importância. A saúde em segundo lugar,
seguido do trabalho, por último lazer e religião sendo as esferas de menor expressividade nos
depoimentos. Entretanto apesar dos dois grupos apontarem a família à frente do trabalho, por
este ser algo que direciona os demais âmbitos da vida, de maneira inconsciente este vem a ser o
mais importante, pois através dele a família vem adquirir a saúde e o lazer que tanto os indivíduos
necessitam, e por ser este um elemento que proporciona a continuidade da espécie humana, ou
seja, a subsistência.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 439


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Considerações Finais

Ao pesquisar sobre o impacto do trabalho na construção da identidade dos trabalhadores


empregados e desempregados, foi possível notar as motivações, as construções e a importância
identitária fundamentada e estabelecida em uma base familiar. O trabalho traz para este indivíduo
sentimentos de utilidade, dignidade, moral, comunicação, visibilidade, produção de saúde, relação
social, estrutura do tempo, o prazer de ter, de possuir bens, etc. Ademais, por ter essa amplitude
na vida do sujeito, contribui e influencia em quem ele é, ou seja, na sua identidade.
Deste modo, uma proposta de estudo estaria relacionada ao melhor entendimento de como
é dada a construção das identidades dos sujeitos e a importância do trabalho. Além disso, seria
relevante estudar com mais profundidade a respeito da temática bem como analisando como o
fenômeno de dá em outras localidades.

Referências

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http://www.uricer.edu.br/site/pdfs/perspectiva/134_274.pdf

Moreira, A. H. (2012). A identidade social do idoso e as relações de trabalho: a realidade por


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Nodari, E. S., & Vieira, A.S. (2001). O Oeste de Santa Catarina: a renegociação das fronteiras
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440  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Pitano, S. C., & Nunes, R.B. (2012) A influencia da educação escolar e familiar na construção da
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Rohm, R. H. D. (2013). A produção de subjetividades em organizações contemporâneas: práticas discursivas


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n1/tolfo_e_outros.pdf

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 441


NO ONTEXTO BRASILEIRO
AS IMPLICAÇÕES DO TRABALHO NA SAÚDE MENTAL
DE AGENTES DE SEGURANÇA PENITENCIÁRIA NO
MUNICÍPIO DE PARNAÍBA-PI
Helen Emanuele Pereira Sousa
Marcela Carneiro Sancho
Larissa Fonseca Araújo
Gabriel Campelo Sotero
Antonio Nailton Pereira dos Santos
Carla Fernanda de Lima

Introdução

P
ara se manter, o capitalismo trouxe consigo uma exaltação da função do trabalho,
passando a ter importância significativa no modo como o sujeito se percebe, se define
e se avalia pessoalmente e socialmente. Bendassolli (2009), corrobora essa afirmação
definindo esta exaltação como centralidade do trabalho, que originou um novo sujeito, o sujeito
do trabalho cujo sentido à existência, à autorrealização e à transformação social dependem da
passagem pelo trabalho.
A propaganda do mundo do trabalho promove uma ideia de felicidade, satisfação
pessoal e material que nem sempre condiz com a realidade, já que o sujeito pode encontrar no
meio organizacional infelicidade, insatisfação e frustrações desencadeando o sofrimento nas
organizações (Rodrigues, Álvaro & Rondina, 2006). Borges e Yamamoto (2004), afirmam que para
Marx o trabalho se torna no capitalismo uma mercadoria alienante, exploratória, humilhante,
discriminante e de submissão.
Além disso, as pressões do mundo moderno contribuem para um estado de tensão prolongado
no sujeito e dentre essas pressões está o ambiente de trabalho uma vez que a necessidade de
qualificação constante exerce uma cobrança do profissional que pode acarretar em sentimentos
de impotência e desvalorização (Heloani & Capitão, 2003; Molina & Guimarães, 2007).
Zanelli e Silva (2008), destacam que pessoas que vivenciam o trabalho como sofrimento
tornam-se desgastadas emocionalmente e fisicamente o que acaba refletindo na vida pessoal,
social e na própria organização, prejudicando-a. Este desgaste favorece o aparecimento de
psicopatologias do trabalho como distúrbios de ansiedade, depressão, distúrbios do sono,
síndrome da fadiga, síndrome de burnout, distúrbios somatoformes, alcoolismo, entre outros
(França & Rodrigues, 2007; Ministério da Saúde, 2001).
O estresse ocupacional também se destaca como fonte de adoecimento do trabalhador, e
ocorre quando a pessoa percebe seu ambiente de trabalho como ameaçador às suas necessidades
de realização pessoal e profissional, à sua saúde física e mental, trazendo consigo consequências,
como: irritabilidade, dores musculares, alergias, doenças cardíacas, distúrbios hormonais, perda
de memória e concentração, isolamento, insegurança nas decisões, etc (Caiaffo, 2003; França &
Rodrigues, 2007).

442  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
No que diz respeito aos sujeitos da pesquisa, os agentes de segurança penitenciária (ASPs)
ou agentes penitenciários (APs) são profissionais do setor de segurança responsáveis pelo
confinamento, acompanhamento e vigilância dos detentos e, portanto, estão frequentemente
expostos a situações geradoras de estresse ou sofrimento, como: intimidações, agressões,
ameaças e rebeliões que acarretam riscos de morte (Fernandes et al., 2002; Reichert, Lopes, Loch
& Romanzini, 2007).
A violência que permeia o trabalho do AP gera medo e angústia fazendo com que este fique
permanentemente em um “estado de estresse” que influencia o desenvolvimento de quadros
somáticos e psicológicos (Vasconcelos, 2000). Além do caráter de periculosidade associado à
profissão, estudos relacionando trabalho, saúde e agentes penitenciários, como de Alves (2009),
Lourenço (2010), Rumin (2006), Vasconcelos (2000), Molina e Calvo (2009), Santos (2010), vem
mostrando a existência de aspectos e condições de trabalho patologizantes, como: condições
precárias de higiene, pressão no trabalho, infraestrutura precária, fadiga rotineira, poucos
reajustes salariais, jornada duplicada de trabalho, falta de reconhecimento profissional, descrença
na utilidade social do trabalho, ausência de treinamento para a função, falta de controle do
trabalho, entre outros.
Santos, Conceição e Bacelar (2011) evidenciaram em seu estudo, diversos agentes afastados
por inúmeros problemas de saúde, envolvidos pelo alcoolismo, uso de drogas e muitos visivelmente
com grande desvio mental e de conduta, tendo essas patologias 3 associação com as condições de
trabalho, sendo necessário um acompanhamento psicossocial.
Percebe-se, portanto, a influência clara do trabalho, suas condições e características na
saúde do ASP, assim, objetivou-se analisar as implicações do trabalho na saúde mental de agentes
de segurança penitenciária no município de Parnaíba-PI, buscando averiguar a percepção dos
profissionais acerca dos fatores de riscos na relação trabalho-saúde, bem como das consequências
desta relação; identificar o entendimento acerca de constructos como prazer, sofrimento e estresse
ocupacional; e investigar as estratégias de enfrentamento associadas ao sofrimento no trabalho.

Método

Delineamento

A pesquisa caracteriza-se como exploratório-descritiva uma vez que descreve o fenômeno


estudado pautado em análises empíricas e teóricas, dessa forma a coleta de dados concretizou-se
diretamente no local no qual ocorre o fenômeno, utilizando-se do método qualitativo de análise
de dados (Marconi & Lakatos, 2006). Esse método atribui importância à descrição detalhada
dos fenômenos e dos elementos que o envolvem, aos depoimentos dos sujeitos envolvidos, ao
discurso, ao significado e aos contextos (Vieira, 2006).

Participantes

De um total de 55 agentes penitenciários, estudou-se 20 profissionais que trabalham na


Penitenciária Mista de Parnaíba. Realizando um perfil sócio-demográfico do APs pesquisados,
80% (n= 16) são do sexo masculino, 90% (n=18) piauienses e 60% (n=12) casados, sendo a média
de idade de 46,3. Prevalece como grau de escolaridade o ensino médio completo (30%, n=6) e a
renda mensal mais significativa foi entre 1.000 e 3.000 reais (90%, n=18). 4
No que diz respeito às características ocupacionais 80% (n=16) são agentes dos pavilhões,
10% (n=2) são integrantes do GEO - Grupo de Escolta e Operações, 5% (n=1) são chefes de
grupo e 5% (n=1) trabalha na administração; a média de tempo de trabalho na instituição foi de
17,8; 85% (n=17) tem carga horária de 24 por 72 horas; 55% (n=11) não são concursados; 85%

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 443


NO ONTEXTO BRASILEIRO
(n=17) dos agentes penitenciários não possuem outro emprego e 100% (n=20) relataram ter feito
treinamento para função.

Instrumentos

Utilizou-se para coleta de dados uma entrevista semi-estruturada e um questionário


sócio-demográfico/ocupacional. A entrevista continha oito perguntas norteadoras sobre as
condições e rotinas de trabalho; prazer e sofrimento no trabalho; estresse ocupacional; fatores
de risco e consequências do trabalho na vida do sujeito, principalmente na saúde; e estratégias
de enfrentamento. Enquanto o questionário envolveu aspectos referentes à idade, ao sexo,
naturalidade, estado civil, escolaridade, à função exercida, ao tempo de serviço e carga horária de
trabalho na instituição, à forma de ingresso no trabalho, à ocorrência de outro emprego e renda
mensal.

Procedimento

Primeiramente, foi pedida uma autorização do responsável pela penitenciária, após


aceitação, foi obtida aprovação do comitê de ética em pesquisa (CAAE: 0404.0.045.000-11); os
participantes foram escolhidos de forma aleatória; assinaram o Termo de Consentimento Livre
Esclarecido em suas duas vias; os instrumentos eram aplicados individualmente, garantindo o
sigilo e anonimato; foi solicitada a autorização da gravação da entrevista, quando não aceito, a
pesquisadora buscou transcrever as respostas tais quais estavam sendo ditas.
A escolha dos participantes baseou-se no fato de que os APs são divididos em quatro
equipes (contendo dez ou onze agentes cada) que se revezam em plantões de 24 horas. Buscou-se
entrevistar cinco participantes de cada grupo para que se obtivesse uma amostra mais significativa
da realidade. A pesquisa de realizou no período de fevereiro a abril de 2012.

Análise de dados

Para a análise dos dados utilizou-se da análise de conteúdo temático com base em Minayo
(2006). Esse método deriva de uma adaptação da técnica da análise de conteúdo de Bardin (1997)
e aborda um referencial interpretativo mais profundo, buscando a compreensão dos significados
através de inferências que ultrapassam a descrição, ou seja, o conhecimento que está por trás das
palavras, diferindo-se, assim, da análise de conteúdo tradicional feita pela contagem de frequência
das falas e palavras como critério de objetividade e cientificidade (Deslandes, Gomes & Minayo,
2010; Gomes & Freire, 2005; Minayo, 2006).
As etapas utilizadas para a realização da análise das entrevistas consistiram, primeiramente,
na definição dos eixos temáticos norteadores escolhidos com base nas questões contidas na
entrevista semi-estruturada. Em seguida, de acordo com a frequência das respostas, trechos,
frases, fragmentos marcantes e representativos da fala dos entrevistados foram distribuídos entre
os temas para que se identificassem os núcleos de sentido e suas categorias, caso necessário.

Resultados

Os resultados obtidos foram classificados em quatro eixos temáticos: Rotina e Condições


de trabalho; Prazer, Sofrimento e Estresse no trabalho; Consequências do trabalho e Estratégias
de Enfrentamento. No que diz respeito ao tema rotina (eixo I), a maioria dos APs entrevistados
descreveram seus afazeres diários, como mostra a Tabela 1.

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Tabela 1

Eixo Temático I - Rotina e Condições de trabalho


Núcleo de sentido Descrição
Núcleo 1: Descrição da rotina e função dos As funções dos agentes de pavilhão
profissionais são basicamente vigiar e atender
os detentos nas suas necessidades como: banho de sol,
alimentação, medicamentos, levá-los aos advogados,
médicos, familiares, assistente social, enfermeiro, escola;
revistar as celas, as visitas e pertences trazidos. Os chefes
de grupo definiram-se como os maiores responsáveis pelo
plantão; recebem e instruem os novos detentos; tomam
decisões no que diz respeito a conflitos; e fiscalizam os
demais agentes. Apenas os APs concursados podem exercer
essa função.
Núcleo 2: Monotonia na rotina Alguns agentes entrevistados definiram sua rotina como
monótona, mas a consideram benéfica: “A rotina aqui é sempre
a mesma coisa, só muda quando tem visita, fuga, briga, mas é bom ser
assim, porque a gente fica mais seguro” (AP8).
Núcleo 3: Precariedade das condições de trabalho Todos os APs avaliaram suas condições de trabalho como
precárias e apontaram variáveis que demonstravam esta
precariedade, surgindo assim quatro categorias: Trabalho
em condição de periculosidade, Falta de instrumentos de
trabalho, Estrutura inadequada e Falta de segurança no
trabalho.
Núcleo 4: Sentimentos de desvalorização A diferenciação salarial entre os “concursados” e “não
concursados” foi uma queixa recorrente dos APs, o que gera
sentimentos de insatisfação, revolta, injustiça, discriminação e
desvalorização: “Como eu desenvolvo o mesmo trabalho que os outros e
ganho menos?” (AP10). A falta de valorização social, de perspectiva
profissional, como relatado na seguinte fala:“Gostaríamos de ser
valorizados pela sociedade, pois guardamos os bandidos, mantemos
segurança” (AP1).

Aspectos como sentimentos, afetos e estresse originaram o segundo eixo temático, retratado
na tabela 2.

Tabela 2

Eixo temático II - Prazer, Sofrimento e Estresse no trabalho


Núcleo de sentido Descrição
Núcleo 1: Conceitos de prazer e sofrimento como Percebeu-se que, para os APs, a conceituação de prazer
antagônicos está ligada a não existência dos fatores geradores de
sofrimento no trabalho (trabalhar sem recursos, sem
estrutura, rotina de 24h, desigualdade salarial, etc)
aliada à satisfação pessoal e realização adequada de sua
função. Dessa forma, como a definição de sofrimento
era questionada após a definição de prazer na entrevista,
muitos agentes respondiam: “(sofrimento) é quando
acontece tudo ao contrário do que falei (na definição de prazer)”
(AP3).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 445


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Núcleo 2: Estresse e fatores de riscos Surgiram seis categorias categorias sendo a primeira
“Estado de alerta constante”, como aparece no
seginte relato “Quando a gente entra aqui já sente
um peso, a gente não relaxa, tem que ficar sempre
alerta e isso “suga” as energias da gente” (AP2).
A segunda categoria, “Estresse e medo”, representa uma
minoria dos entrevistados que associou estes dois constructos.
A terceira e quarta categoria foram, respectivamente,
“Estresse e conflitos interpessoais” e “Estresse e tempo de
serviço”.
No que diz respeito à vivência do estresse entre os APs do sexo
masculino e feminino emergiu uma quinta categoria “Estresse
e gênero” uma vez que os agentes mostrarem-se mais
propensos ao estado de estresse devido a maior quantidade
e periculosidade dos detentos, enquanto que a maioria das
agentes entrevistadas considerou que para elas o estresse
dependia do plantão.
A categoria 6, “Estresse e as características do trabalho”,
engloba os fatores de riscos para o estresse ocupacional, de
acordo com a percepção dos próprios profissionais.

O terceiro eixo temático encontrado refere-se às consequencias do trabalho na vida dos


agentes, passando por aspectos de saúde e sobre como o posto de trabalho afetavaa vivencia fora
do ambiente de trabalho, como mostra a tabela 3.

Tabela 3

Eixo temático III - Consequências do trabalho


Núcleo de sentido Descrição
Núcleo 1: Efeitos do trabalho na saúde do agente A primeira categoria emergida foi “Trabalho como prejudicial
penitenciário à saúde”, à medida que a maioria dos profissionais acredita
que a ocupação traz prejuízos: “A gente costuma dizer que a cada
5 anos o agente tem uma piração, um surto” (AP5).

A segunda categoria, “Sintomas frequentes”, engloba os


sintomas relacionados ao trabalho mais percebidos pelos
APs em si e nos outros, são eles: dores de cabeça; estresse;
depressão; fraqueza/desgaste no corpo e na mente; falta
de ar; mudanças de humor; hipertensão; colesterol alto;
ansiedade e medo; e fadiga/cansaço. Sendo a queixa principal
os distúrbios do sono, segundo os APs.

Relatos apontaram também para a presença de APs


alcoolistas, com depressão e transtornos de ansiedade, alguns
fizeram ou fazem uso de ansiolíticos, surgindo uma terceira
categoria: “Psicopatologias e medicamentos”.

446  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Núcleo 2: Reflexos do trabalho na vida extra-muro Uma parcela significativa dos APs demonstrou ficar
hipervigilante, atenta, precavida para entrar em casa
ou andar nas ruas: “O portão da minha casa não fica
aberto” (AP5); “Nunca fico de costas para rua” (AP10),
denotando assim uma primeira categoria: “Hipervigilância”.
A segunda categoria, “Restrição do lazer”, aponta para o fato
de que a maioria dos APs evita certos lugares (como bares
e casas de show) ou ficam sempre alertas nesses ambientes,
selecionando tanto os lugares como as amizades.

O medo, relacionado à segurança da família, foi a maior


interferência do trabalho na vida social e pessoal dos agentes,
sendo citado em quase todas as entrevistas, originando uma
terceira categoria: “Medo constante”.

A quarta categoria, “Desgaste após o plantão”, está


relacionada ao dia posterior ao plantão que foi considerado
por muitos como “perdido”, devido à necessidade de
descanso:.

O eixo 4 “Estratégias de Enfrentamento”, refere-se as formas relatadas pelos agentes para


lidar com as situações resultantes do trabalho, tanto dentro da organização como para amenizar
seus efeitos fora dela, como mostra a tabela 4.

Tabela 4

Eixo temático IV - Estratégias de Enfrentamento


Núcleo de sentido Descrição
Núcleo 1: Medidas para minimizar as Reunindo as estratégias utilizadas pelos
consequências do trabalho APs entrevistados para atenuar as
consequências do seu trabalho surgiram
cinco categorias. A primeira delas, “Lazer,
religião e família”, diz respeito às estratégias de enfrentamento
mais citadas pelo APs: sair e se divertir, viajar, jogar futebol,
dedicar-se a religião e ficar com a família. A segunda
categoria, “Uso de medidas paliativas”, está ligada ao uso
de medidas para atenuar o estresse momentaneamente,
como: o uso de cigarros, bebidas alcoólicas e chás calmantes
A terceira categoria, “Outro emprego como redução do
estresse”, representa uma minoria dos agentes que ressaltou
ter outro emprego, mas não pela necessidade financeira e sim,
pelo prazer de realizá-lo o que reduz o estresse ocasionado
pela atividade de agente penitenciário.
A quarta categoria, “Distanciamento entre
trabalho e vida pessoal”, diz respeito à
estratégia mais utilizada pelos APs que é não “levar” o que
aconteceu no trabalho para a vida familiar e não trazer
problemas pessoais para o trabalho: “O agente tem que esquecer
o mundo lá fora e ficar atento ao trabalho,
preocupado” (AP1); “No dia seguinte eu
apago o que aconteceu e vivo lá, não fico remoendo, esqueço que isso
aqui existe” (AP5).
Segundo relatos a melhor forma de minimizar os problemas
no trabalho e possíveis consequências fora dele é respeitar os
detentos, não entrar na provocação dos mesmos e tratá-los com
naturalidade, o que caracterizou a quinta categoria: “Respeito
com os detentos”.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 447


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Núcleo 2: Estratégias para burlar, negar ou A primeira categoria, “Naturalização das consequências
aceitar a realidade do trabalho negativas do trabalho”, representa uma minoria dos APs que
demonstrou utilizar-se de estratégias de enfrentamento como
o conformismo, a racionalização e a fuga para opinar ou
justificar as consequências negativas do trabalho
Esta pequena parcela de APs também apresentava
contradições em seu discurso no sentido de considerar que o
trabalho não lhe estressa, mas classificar a profissão como um
todo estressante. Havia também discursos daqueles que não
percebiam ou consideravam as interferências e os riscos do
trabalho, mas o discurso se contradizia: a partir dessa análise
surgiu uma segunda categoria: “discursos contraditórios”
A fala “Em um ambiente adoecedor, não se pode adoecer
(sic)” (AP15) representa a terceira categoria,
“Ausência de férias e licença de saúde” e aponta a
insatisfação com relação ao desconto no salário, caso faltem
ao trabalho ou tirem férias, assim, muitos trabalham doentes
ou passam anos sem ter férias.
Uma quarta categoria, “Fuga das prescrições do trabalho”,
abrange atitudes percebidas e relatadas que podem ser vistas
como estratégias para atenuar as consequências do trabalho,
como o hábito de não permanecer no plantão as 24 horas,
havendo facilitações e acordos, por exemplo, fazer suas
refeições em casa, assistir aulas e buscar os filhos na escola; a
troca de plantões; e a corrupção de alguns agentes, que, por
vezes, pode facilitar fugas de detentos, permitir a entrada de
celulares, armas brancas e drogas, além de pequenos furtos,
o que garante uma melhor relação com os presos, gerando,
até mesmo, uma maior segurança no ambiente de trabalho.

Discussão e Considerações Finais

O intuito de mudar de ocupação esteve presente nos discursos de alguns APs, principalmente
os concursados e com nível superior completo, que relataram não ter optado pela profissão por
deseja-la. De acordo com Rumin (2006), a escolha profissional baseada no sustento, e não no
desejo, é uma situação ansiogênica dentro desta classe e pode acarretar desprazer, constituindo-
se em fonte de sofrimento no trabalho.
Contrapondo-se à pesquisa de Fernandes et al. (2002) e Vasconcelos (2000), a carência de
preparo para a função não foi uma realidade encontrada na população estudada, já que todos
os APs realizaram treinamento para o trabalho, porém a qualidade deste treinamento é que foi
questionada por muitos. Aqueles que trabalham há mais tempo na instituição relatam ter que
ensinar o serviço aos mais novos.
Algumas pesquisas apontam insatisfação salarial por parte dos APs, que precisam realizar
outras estratégias como um segundo emprego e jornada dupla para suprir o déficit salarial
(Vasconcelos, 2000; Santos, 2010; Rumim, 2006; Fernandes et al., 2002), porém neste estudo essa
realidade não foi significativa. A maioria dos profissionais acredita que a boa remuneração foi
um dos fatores que os levaram a busca desse emprego, em contrapartida, apontam que merecem
ganhar mais, devido aos perigos e prejuízos advindos do exercício da ocupação.
Seligmann-Silva (2011) destaca que, geralmente, os salários mais baixos são
atribuídos ao trabalho desqualificado do tipo que “qualquer um pode fazer”, assim, pode ocorrer
um conflito sobre a importância do seu trabalho e a sua utilidade enquanto trabalhador, à medida
que os APs não concursados sentem-se inferiores aos demais, como se não fossem merecedores ou
qualificados para a realização da atividade, o que reforça o sentimento de desmerecimento; reduz
a motivação, a perspectiva e o reconhecimento profissional; aumenta a monotonia, a alienação e

448  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
a estagnação profissional; e produz relacionamentos pautados na desigualdade.
Outra questão que surgiu foi a queixa recorrente dos APs sobre a falta de
reconhecimento social na profissão, também evidenciada na pesquisa de Lourenço
(2010) na qual esses trabalhadores relataram sofrer com o estigma do imaginário popular
acerca do carcereiro como um profissional corrupto, agressivo e insensível. Lopes (2002),
destaca que a história dessa profissão esta associada ao uso de torturas, agressões e
castigos o que reforça este imaginário. Os APs da presente pesquisa negaram que o trabalho os
transforme em sujeitos sem sentimentos e alegaram que a corrupção de agentes é mínima na
instituição.
No que diz respeito à saúde destes profissionais, os sintomas que mais se destacaram como
consequências do trabalho, na percepção dos agentes entrevistados, são: o estresse, fadiga/
desgaste mental e físico, dores de cabeça, alternância de humor, irritabilidade, insônia, ansiedade
e hipervigilância. Estes podem estar ligados à rotina e às condições de trabalho, à medida que,
segundo os entrevistados, eles permanecem, constantemente, em estado de alerta e são privados
do sono devido ao plantão de 24 horas. Estes sintomas podem se relacionar tanto ao estresse
ou ainda a distúrbios psiquiátricos, como a depressão e os transtornos de ansiedade, e trazem
prejuízos à relação do sujeito com o seu trabalho.
No que se refere às condições de trabalho, os fatores de riscos para a produção do estresse
e sofrimento giraram em torno da rotina, infraestrutura, clima e funcionamento organizacional
(falta de reconhecimento social e profissional; conflitos interpessoais; distanciamento da chefia;
falta de apoio da secretaria e do governo; falta de solidariedade e cooperação da equipe; falta
de perspectiva profissional etc). Constatou-se, portanto, que o ambiente oferece riscos à saúde
do trabalhador, à medida que não dispõe de equipamentos e estrutura física adequada para a
realização de um trabalho de qualidade, essas deficiências acabam por gerar insegurança e medo
no ambiente ocupacional.
Existem profissões que apresentam fatores potenciais e inerentes para o desenvolvimento dos
sintomas do estresse, como a exposição constante ao perigo, alerta, pressão/tensão, somados a
periculosidade e insalubridade do ambiente ocupacional (Molina & Calvo, 2009). Tomando como
base essa afirmação e a própria percepção do estresse obtida frente às entrevistas nas quais os APs
consideravam esse estado intrínseco à profissão, considera-se o agente penitenciário pertencente
à categoria de ocupações “estressantes”.
A questão é que as inóspitas condições de trabalho nas quais se encontram os agentes
intensificam o estado de estresse, à medida que exigem a permanência constante do trabalhador
na chamada fase de resistência (aquela na qual o agente estressor mantém a sua ação,
impossibilitando o relaxamento físico e mental do indivíduo), propiciando o desenvolvimento do
distresse ou “estresse ruim”, que paralisa o sujeito ou o leva a ter respostas inadequadas, como a
doença (Filgueira & Hippert, 2002; França & Rodrigues, 2007).
Silva (2011) corrobora esta colocação destacando que medo e ansiedade são essenciais
para a sobrevivência do homem, porém a manutenção deste estado é prejudicial à saúde, uma
vez que o excesso de hormônios do estresse (cortisol e adrenalina) acarreta aumento da pressão
arterial, doenças cardíacas, enxaquecas, alergias, úlceras, pânico, fobias, entre outras patologias.
A hipervigilância presente na realidade dos agentes pesquisados também foi
evidenciada na pesquisa de Vasconcelos (2000), visto que relaciona-se diretamente à
insegurança e o medo (de rebeliões, fugas, agressões, ameaças e morte) proporcionados
pelo próprio ambiente de trabalho e agravados pelas insatisfatórias condições de trabalho.
Além disto, esse estado se estende para a vida fora da instituição, principalmente, na tentativa de
garantir segurança à família e acarreta, segundo relatos, a diminuição do lazer e a limitação da
vida social do profissional.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 449


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A pouca pressão no trabalho evidenciada no estudo, ao mesmo tempo em que garante ao
trabalhador uma maior autonomia do seu trabalho, pode interferir no andamento do mesmo já
que observou-se uma relevante quantidade de APs que saiam no local de trabalho, às vezes por um
turno inteiro, para realizar outras atividades pessoais. A constatação da presença da autonomia
apresenta discordância se comparada à pesquisa de Lourenço (2010) que identificou privação de
liberdade, autonomia, bens e serviços, expressão de emoções e voz dentro do presídio por parte
dos agentes.
No que diz respeito às conceituações de prazer e sofrimento no trabalho, propostas pela a
maioria dos APs, percebeu-se que as mesmas se aproximam de uma abordagem epidemiológica
na qual, de acordo com Codo, Soratto e Vasques-Menezes (2004), estes construtos se voltam
à capacidade ou incapacidade do sujeito em controlar o seu trabalho para transformá-lo e ser
transformado por ele em um âmbito social e pessoal. Dessa forma, as respostas giraram em
torno de reconhecimento ou falta de reconhecimento social, sentimentos de utilidade e dever
cumprido, condições adequadas ou inadequadas para o exercício das funções e igualdade entre
os trabalhadores.
Levando em conta as estratégias de enfrentamento destacadas pelos agentes
penitenciários, observou-se a prevalência de uso de medidas saudáveis para atenuar o
estresse, além de apresentarem uma postura consciente e crítica acerca da sua realidade
de trabalho, bem como as consequências negativas desta na saúde e em outros campos,
aliada a estratégias de superação, prevenção e precaução, cautela. Essas atitudes
contrapõem-se aos estudos de Lourenço (2010) e Vasconcelos (2000) que evidenciaram
a prevalência de estratégias conformistas, defensivas e de racionalização e negação nas quais os
agentes incorporavam uma postura rígida e de aceitação das características precárias de trabalho,
tornando o sofrimento banalizado.
É importante destacar que os achados deste estudo pouco se diferenciam das pesquisas
já realizadas sobre a temática: a precariedade do ambiente físico, a falta de equipamento,
a insegurança, o medo, as queixas salariais, a falta de reconhecimento social e ocupacional, a
carência de perspectiva profissional, o adoecimento físico e mental, o desprazer, o estresse, a
restrição da vida social, entre outras consequências aqui abordadas é uma realidade enfrentada
por essa categorial ocupacional no Brasil.
É relevante apontar ainda que o sistema prisional brasileiro se encontra em crise,
negligenciando os profissionais que ali atuam e necessitando de mudanças, a fim de garantir
melhoria nas condições de trabalho e realizar medidas que visem à prevenção e promoção de
saúde dos trabalhadores neste campo. Ressalta-se que os profissionais da saúde presentes na
penitenciária pesquisada têm sua prática voltada apenas para os detentos e no município o CEREST
- Centro de Referência em Saúde do Trabalhador encontra-se com suas atividades suspensas até o
momento da elaboração desta pesquisa, o que dificulta a assistência aos trabalhadores.
Faz-se necessário, além de pesquisas, a realização de políticas públicas e um melhor acolhimento
dessas demandas na rede de saúde, bem como, a adesão de profissionais capacitados para realizar
intervenções interdisciplinares no sistema penitenciário no âmbito tanto organizacional como da
saúde dos envolvidos nesse sistema, trazendo também a comunidade acadêmica para o campo
expandindo o conhecimento do mesmo, desconstruindo estereótipos, ampliando a visualização
do sistema como um campo de trabalho e proporcionando o reconhecimento social almejado por
essa classe de trabalhadores.

450  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 451


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452  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EIXO TEMÁTICO

PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL
IMPACTOS PSICOLÓGICOS DO DESEMPREGO
NA VIDA DE JOVENS RECÉM-FORMADOS
Noádia Cavalcante de Lima
Maria Victoria Sousa Caldas
Luana Gabriella Martins Lima
Hélvia Moreira Mineiro Martins

Introdução

O
desemprego entre jovens é um fenômeno de nível mundial e sua taxa entre os
indivíduos de 15 a 24 anos representa cerca do dobro da taxa de desemprego total
da economia, sendo que os jovens levam mais tempo que as outras faixas etárias
para conseguir um trabalho, alcançando principalmente os que buscam seu primeiro emprego.
(Furtado, 2016).
A transição escola-trabalho é feita muitas vezes por meio de trabalhos informais, e aqueles
que conseguem um emprego formal enfrentam altas taxas de rotatividade, quadro que vem
ameaçando uma transição adequada para a vida adulta e o aumento da produtividade econômica
a longo prazo (Furtado, 2016).
O Brasil vem passando por um processo de transição demográfica, com uma queda no
crescimento da população, o que leva ao envelhecimento populacional. Isso tem se traduzido na
redução de jovens em idade de trabalho. Se somarmos a isso o fato do jovem brasileiro deixar
a escola mais cedo do que os jovens de outros países, a precariedade dos postos de trabalho, a
alta rotatividade e a baixa remuneração, vemos que o principal problema do jovem brasileiro é o
desemprego (Furtado, 2016).
Quando ainda assim esses jovens conseguem cursar o ensino superior, muitas vezes suas
expectativas de serem absorvidos no mercado de trabalho são frustradas ao depararem-se com
negativas constantes, a exigência de experiências prévias e de formações específicas. Com isso, suas
expectativas acabam diminuindo e estes passam a aceitar trabalhos que não condizem com sua
formação ou acabam se isolando e por fim, não alcançando as expectativas da família (Young, 2013).
Esta pesquisa buscou responder ao problema de pesquisa: Quais os impactos psicológicos
do desemprego na vida de jovens recém-formados?; a partir do qual foram elaboradas as
seguintes questões norteadoras: Como o desemprego afeta o aspecto psicológico de jovens que
concluíram recentemente uma graduação? Como o desemprego afeta a relação desses jovens
recém-formados com suas famílias? Quais as dificuldades que esses jovens têm encontrado para
se inserir no mercado de trabalho?
Foram delineados como objetivos: Compreender os impactos psicológicos do desemprego
na vida de jovens recém-formados, verificar como o desemprego afeta o aspecto psicológico
de jovens que concluíram recentemente uma graduação, entender como o desemprego afeta a
relação desses jovens recém-formados com suas famílias e classificar as dificuldades que esses
jovens têm encontrado para se inserir no mercado de trabalho.

454  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Pensou-se inicialmente em falar sobre a crise econômica, por sua relevância e recorrência nos
últimos anos. Ao tentar associá-la com a Psicologia, surgiu o interesse em pesquisar os impactos
do desemprego na vida de jovens recém-formados, as exigências por parte da família, do próprio
indivíduo e do mercado de trabalho.
Com essa pesquisa buscou-se contribuir direta ou indiretamente para as pessoas que se
encontram na mesma condição descrita e investigada, fornecendo subsídios que possibilitem o
autoconhecimento, numa concepção de promoção do bem-estar físico e psicológico.
Procurou-se, assim, resgatar as publicações sobre o tema, analisando e revisando o que a
literatura tem a dizer acerca do assunto, para possibilitar o acesso à informação, assim como sua
disseminação, além de contribuir cientificamente para a área da Psicologia.

Metodologia

Dentro desse quadro geral, o desemprego entre jovens recém-formados tem suscitados
discussões sobre o tema, assim como publicações. Dessa forma, pretendeu-se compreender
os impactos psicológicos do desemprego na vida de jovens recém-formados por meio de uma
pesquisa bibliográfica, que se caracteriza por ser realizada a partir da literatura disponível,
em livros, artigos, monografias, e etc. (Severino, 2017), de abordagem qualitativa descritiva,
pois visa a descrição do fenômeno estudado, classificando, explicando e interpretando os fatos
(Prodanov & Freitas, 2013).
Tendo como critérios de inclusão: publicações dos últimos 10 anos, encontradas utilizando-se
os descritores “impacto psicológico”, “desemprego” e “jovens” no Google Acadêmico. Possuindo
como critérios de exclusão: publicações abaixo do intervalo de tempo estabelecido e/ou que não
satisfaçam os objetivos aqui propostos.
Foram analisadas 8 publicações, entre artigos, uma monografia, um estudo técnico, uma
dissertação e etc, devido à escassa produção sobre o tema dentro dos critérios elaborados, mesmo
com o intervalo de tempo estendido.

Discussão

A Inserção do Jovem no Mercado de Trabalho

A entrada do jovem no mercado de trabalho vem cercada de questões como baixo nível de
escolaridade, exigência de experiência prévia, formações específicas, entre outras. Possuir ensino
superior não é mais garantia de inserção no mercado. Assim muitos acabam desanimados pelo
contexto em que se encontram, optando por trabalhos temporários ou não correspondentes com
suas formações, e quando a situação familiar permite, prolongam sua formação, permanecendo
como estudantes (Young, 2013).
Aqueles que mesmo assim conseguem se inserir no mercado de trabalho, muitas vezes
por meio de redes de contatos, quando são comparados com outras gerações, os membros da
geração Y, dos nascidos nos anos 80 e 90, têm sido vistos como pessoas individualistas, que não
se preocupam com a organização, que mudam constantemente de emprego, não possuem limites
claros entre a vida e o trabalho, esperam flexibilidade de horário e local, valorizam resultados a
curto prazo, e etc. Dessa forma, acabam sofrendo com a resistência e o preconceito por parte dos
contratantes (Anónimo, 2010).
Com relação a classe social, nas famílias de classe baixa, os jovens começam a trabalhar muito
cedo, estimulados pela necessidade de renda e desapontados com a má qualidade da educação
ofertada. Estes obtêm postos de trabalhos em situação precária e tem suas chances de ascensão

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 455


NO ONTEXTO BRASILEIRO
profissional reduzidas, perpetuando um ciclo vicioso. Os que tentam melhores oportunidades
não dispõem do tempo necessário para formações específicas, pois enfrentam longas jornadas de
trabalho e encontram dificuldades em conciliar estudo e emprego (Guimarães & Almeida, 2013).
Young (2013) apontou ainda para a existência de algumas realidades possíveis do ponto
de vista da oferta: quando este jovem possui apoio familiar e financeiro para trocar de emprego
constantemente em busca de oportunidades melhores; na ausência desse apoio quando o jovem
se vê obrigado a aceitar a primeira oportunidade que lhe aparece; além de falta de informação
sobre o mercado de trabalho ou experiência; e ainda os que só são contratados por meio de suas
redes de contatos.
Do ponto de vista da demanda, um jovem recém-formado pode custar menos ao empregador
como temporário, mas este acaba perdendo para o profissional mais experiente e qualificado na
hora da permanência (Young, 2013)
Levando em consideração o contexto histórico, a década de 1990 foi marcada pela
dificuldade dos trabalhadores com baixa escolaridade em conseguirem emprego. Quanto a isso
o governo brasileiro passou a estimular o empreendedorismo e os programas de capacitação,
criando o Plano Nacional de Formação Profissional (Planfor) em 1996, para qualificar a
população economicamente ativa, porém este enfrentou dificuldades como baixa qualidade dos
cursos e a falta de acompanhamento. Já em 2003, o Programa Nacional de Primeiro Emprego
(PNPE) foi criado e pensado para beneficiar o jovem desempregado involuntário de baixa renda e
estudante, mas este, além das dificuldades citadas anteriormente, sofreu com a baixa adesão de
empresas e o excesso de burocracia. Poderiam ser citadas outras tentativas de intervenção, mas
todas apontariam para o mesmo ponto: a necessidade de integração das ações para que o jovem
tenha maiores chances no mercado de trabalho (Guimarães & Almeida, 2013).
Entre os desafios das políticas de emprego para os jovens estão a melhoria na qualidade
da educação, a oferta de incentivos financeiros e condições para a permanência na escola, assim
como oportunidades de requalificação e reciclagem, cursos profissionalizantes em parceria com
empresas e outras medidas, seguindo a linha das experiências europeias (Guimarães & Almeida,
2013).

Aspectos Psicológicos do Desemprego em Jovens Recém-formados

Segundo a Teoria da Privação, estar desempregado ocasiona a ausência de benefícios


manifestos como a remuneração, que possibilita o acesso a bens concretos; e latentes, como a
delimitação de identidade, efetuação de atividade organizada, organização do tempo, interação
social e vinculação de objetivos individuais a objetivos coletivos, embora na maioria das vezes as
pessoas adentram no mercado de trabalho incentivadas pelos benefícios manifestos, é a falta
de benefícios latentes que mais influencia o bem-estar psicológico do indivíduo desempregado
(Arévalo-Pachón, 2012).
Por outro lado, segunda a pesquisa de Lima e Gomes (2010), os significados do trabalho
em jovens recém-formados que ainda não foram inseridos no mercado de trabalho perpassam
primeiro pelas questões manifestas, no sentido de remuneração e sobrevivência, para em segundo
lugar destacarem o trabalho como fonte de prazer para quem o possui. Além disso, o trabalho
é visto como um sistema de referência social, no sentido da pessoa se sentir útil à sociedade. O
desemprego traz a sensação de inutilidade, questões relacionadas ao consumo e à possibilidade
de ajudar a família.
O trabalho é visto por esses jovens não apenas como uma maneira de conseguir recursos
financeiros e materiais, mas como oportunidade de se inserir socialmente, de alcançar certo
reconhecimento e de reconhecer-se como sujeito ativo de sua própria história. Em nossa sociedade,

456  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
é valorizado aquele que produz e caso não produza sua locação desaparece, pois não tem mais
como pagar o aluguel social (Lima & Gomes, 2010).
Estar desempregado, causa consequências como o constrangimento de ter que depender
de seus familiares, frustração e a sensação de que investiu em vão em um curso superior, redução
da autoestima e sentir-se vulnerável tanto às cobranças da família quanto da sociedade. Para
tentar lidar com isso, os jovens acabam desenvolvendo estratégias defensivas, como pedir apoio
financeiro aos pais enquanto procuram emprego, exercer uma atividade remunerada em outra
área que não seja a que se formou, preparar-se para concursos públicos, entre outras (Lima &
Gomes, 2010).
O estudo de Pimentel (2007) buscou compreender como ocorre o processo de inserção
do psicólogo recém-formado. No estudo com 7 participantes, foi relatado que estes jovens
apresentaram certa incerteza quanto ao seu futuro no momento de transição entre faculdade e
mercado de trabalho, além disso:

Em um primeiro momento, logo após a saída da faculdade, os sujeitos viveram o luto pelo
final do vínculo com a universidade e com tudo que esta simboliza, além da insegurança
diante do novo papel que estavam por assumir, o de profissionais psicólogos. Depois,
ao defrontarem-se com a falta de oportunidades e as adversidades durante a busca pela
inserção, experimentaram sentimentos de depressão, ansiedade, baixa auto-estima,
angústia, desânimo, medo frente ao futuro, frustração, vergonha, culpa, incompetência
e inutilidade. Até mesmo a psicóloga que estava empregada quando foram realizadas as
entrevistas, durante o breve período em que esteve sem emprego, experimentou alguns
desses sentimentos (Pimentel, 2007, p. 67).

Assim, não estar empregado afeta o emocional e o psicológico do indivíduo, mesmo que
seja no breve período de transição entre etapas da vida, provocando questionamentos acerca da
sua própria competência profissional, sentindo-se culpados e angustiados por ainda dependerem
da família, responsáveis pela sua situação de desemprego, utilizando-se de estratégias defensivas
e focando o seu sucesso ou insucesso no plano individual, o que termina por causar um grande
sofrimento psíquico nos agentes sociais dessa odisseia (Pimentel, 2007).

A Relação Familiar do Jovem Desempregado

No caso de jovens recém formados há também a expectativa da família sobre esse indivíduo,
pois a família realizou um investimento, depositou a esperança de que este poderia melhorar a
situação da mesma ou pelo menos ter mais chances do que seus familiares (Young, 2013). Ao
mesmo tempo que recebe apoio, estes jovens também são alvos de grande expectativa e ansiedade
para que consigam logo um trabalho, muitas vezes para aliviar as despesas de casa. Porém o
mercado nem sempre colabora, desvalorizando o profissional, dando poucas oportunidades,
exigindo diversas qualificações, entre outros pontos (Pimentel, 2007).
Uma pesquisa realizada com jovens desempregados pertencentes a famílias de classe média
e média alta, constatou-se que nesses casos ambos os pais sempre trabalharam, assumindo a
esfera doméstica apenas quando atingidos pelo desemprego por períodos breves, refletindo o
contexto social e econômico iniciado na década de 1980 (Young, 2013).
Com as mulheres inseridas no mercado de trabalho, os filhos destas passam a entrar na escola
mais cedo, participam de mais atividades extras, para atenderem a dinâmica familiar. A escolha
da carreira foi deixada para os filhos, contanto que essa escolha satisfizesse os pais e pudesse
manter o padrão de vida da família ou melhorá-lo, preocupando-se com a empregabilidade e o
futuro desses jovens (Young, 2013).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 457


NO ONTEXTO BRASILEIRO
No momento da escolha do curso, os jovens passam pela chamada “interferência da dúvida”,
quando os pais questionam se o jovem vai conseguir emprego logo após formado, o que ele pretende
fazer depois de concluir o curso e até o que se fazia com essa formação. Assim, o reconhecimento
familiar, carregado de idealização, é decisivo para a tranquilidade dos sujeitos e na ausência deste,
os jovens não se sentem completos ou confiantes em suas práticas (Young, 2013).
O sucesso estaria traduzido na manutenção do ideal financeiro da família, refletindo-se no
desejo de estabilidade dos jovens. As mudanças causadas pelo desemprego, a instabilidade financeira
e a alta rotatividade contribuem para intensificar esse anseio por estabilidade (Young, 2013).
Para os jovens desempregados que recebem alguma ajuda financeira da família ou moram
com os pais, manifesta-se o sentimento de dependência e a intensa busca pelo reconhecimento, o
que pode fazer com estes jovens valorizem a expectativa do outro em detrimento das suas próprias
expectativas, devendo este problema ser driblado para que uma trajetória de vida diferente seja
construída (Young, 2013).

Considerações Finais

A partir dessa pesquisa, compreendeu-se que o trabalho é visto por esses jovens como
uma maneira de conseguir recursos financeiros e materiais, como oportunidade de se inserir
socialmente, de alcançar certo reconhecimento e de reconhecer-se como sujeito ativo de sua
própria história. Estar desempregado, causa consequências como o constrangimento de ter que
depender de seus familiares, frustração e a sensação de que investiu em vão em um curso superior,
redução da autoestima e sentir-se vulnerável tanto às cobranças da família quanto da sociedade.
Acaba também por não alcançar as expectativas da família, dependendo financeiramente desta.
Por fim, na esfera das políticas de emprego para os jovens encontram-se desafios como
a melhoria na qualidade da educação, a oferta de incentivos financeiros e condições para a
permanência na escola, assim como oportunidades de requalificação e reciclagem, cursos
profissionalizantes em parceria com empresas e outras medidas, seguindo a linha das experiências
europeias.

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 459


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ATUAÇÃO DE ACADÊMICA DE PSICOLOGIA EM
EMPRESA JÚNIOR
Lícia Calvet Araújo

Introdução

F
rente aos desafios do mercado de trabalho, da busca por qualificação/experiência ao
sobressair-se dentre a concorrência, a participação em Empresa Júnior apresenta-se
como ponto de destaque. Sendo assim, o presente trabalho é um relato de experiência
sobre a participação de uma acadêmica de psicologia em Empresa Júnior, através da NovaMente-
Empresa Júnior de Psicologia da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), a qual é sediada
no CEU (Prédio de Empreendedorismo) da própria Instituição. Com o objetivo de demonstrar a
importância desse projeto de extensão na formação de futuros profissionais serão abordadas as
experiências vivenciadas enquanto graduanda de Psicologia e membro na referida empresa.
Nesse sentido, a NovaMente é uma associação civil, sem fins lucrativos e com finalidades
educacionais, constituída exclusivamente por alunos de graduação do referido curso com a
missão de contribuir para a formação e o crescimento profissional e humano dos seus membros
por meio da prestação de serviços dentro da área de Psicologia, tais como: recrutamento e seleção
de pessoal, capacitação e treinamento, elaboração e descrição de cargos e perfil funcional com
base em competências e levantamento de clima e diagnóstico organizacional. A esse respeito Luna
et al. (2014, p. 454) declara que “a criação e o desenvolvimento de empresas juniores (EJ’s) em
universidades brasileiras podem ser explicados, em grande parte, por sua relevância no que se refere
à possibilidadade de aquisição e aprimoramento de determinadas competências profissionais”.
Dessa forma, a partir do contato com o mercado de trabalho, o membro põe em prática
os estudos da sala de aula a partir da vivência da rotina de um psicólogo organizacional, da
preparação de materiais para dinâmica de grupo até correção de testes. Portanto, visto a relevância
do colocar-se em situação real de prática de psicólogo, este relato se torna fonte de contribuição
de saber prático com aporte teórico, posto que divulga a colaboração da Empresa Júnior com a
formação acadêmica e o desenvolvimento profissional.

Método

Trata-se de um estudo descritivo das atividades realizadas pela acadêmica de graduação em


psicologia na Empresa Júnior NovaMente.

Resultados e discussão da experiência

A empresa, que surgiu com o objetivo de proporcionar um espaço empreendedor para


os alunos, visando que eles tenham visão empresarial e prática do serviço de psicólogo ainda

460  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
em sua graduação, tem como consequência a entrega de diversos profissionais capacitados ao
mercado. Desde entrada na NovaMente, em dezembro de 2016, uma nova trajetória teve início.
Durante pouco mais de um ano, através da Empresa Júnior (EJ), foram promovidos inúmeros
treinamentos e capacitações nos serviços do portfólio, tal como: Recrutamento e Seleção, teste
de Atenção Concentrada (AC) e Dinâmica de Grupo. Além disso, é proporcionada a participação
em eventos como congressos, simpósios e encontros direcionados a empresários juniores e/ou
profissionais da área de RH (foco da empresa), propiciando assim aprofundar os conhecimentos
sobre organizacional. Ademais, um aperfeiçoamento de prática profissional foi possível a partir da
participação em serviços para micro e pequenos empresários, auxiliando-os em diversos processos
organizacionais, como recrutamento e seleção de profissionais para essas empresas.
O sucesso da EJ reflete na consolidação profissional de seus membros, sendo projetos/
serviços e atividades planejados e executados os meios a partir dos quais uma EJ proporciona
o aprendizado na prática. O adentrar ao campo torna possível se confrontar com a realidade
do mercado de trabalho e desenvolver competências técnicas e comportamentais que serão
solicitadas na vida profissional. Relativo ao serviço predominantemente vendido, Recrutamento e
Seleção, foram oferecidos grupo de estudo e inúmeros treinamentos de cada etapa constituinte do
processo. Visto o nível empresarial dos clientes, o serviço Elaboração e descrição de cargos e perfil
funcional com base em competências pode, por vezes, ser adicionado. Dessa forma, é aprendido
desde elaboração de um perfil profissional condizente com as necessidades da empresa-cliente,
através do levantamento de funções e de competências exigidas, até a indicação de candidatos
mais adequados ao cargo. É notório salientar que a qualidade dos estudos é garantida pela
orientação de professores do Departamento do curso de Psicologia da UFMA ou ainda pelo auxílio
de profissionais da área. Ademais, visto a quantidade e qualidade de treinamentos nesse serviço
principal, a Empresa Júnior tornou-se referência e até mesmo passou a ministrar treinamentos
sobre esse serviço do portfólio, ministrados por mim e outros membros.
Para o processo de captação de funcionários para organização e seleção dentre os candidatos
a vaga, o estudo das competências é presente a cada etapa eliminatória. A primeira etapa,
destinada ao recrutamento externo, realizada assim por meio da divulgação das vagas disponíveis,
teve as fontes de recrutamento aprimoradas a cada serviço realizado. Com o amadurecimento/
capacitação dos membros, as fontes de recrutamento tornaram-se cada vez mais focais e os
currículos mais condizentes com a vaga. Malvezzi (1999, p. 29) afirma que “treinar consiste no
oferecimneto de oportunidades que propiciem ao indivíduo a reelaboração de seu projeto de vida
profissional e o significado da contribuição do desempenho para a realização deste projeto”. De
início, pela falta de capacitação e dificuldade do mercado de trabalho, eram recebidos currículos
de forma exagerada e, muitas vezes, divergentes da vaga ofertada, dificultando assim a triagem
dos currículos.
Ademais, há a escolha e adaptação de dinâmicas de grupo de acordo com as competências
exigidas e, os candidatos selecionados para entrevista, diante de seu desempenho na dinâmica,
podem ter roteiro de entrevista diferenciada para observação mais precisa de certas competências
do candidato. Ao fim, membros são ensinados a elaborar laudos dos candidatos relatando sobre
pontos fortes e a melhorar. Para mais, é significativo destacar que há treinamentos de aplicação
de teste específico para a vaga pretendida, caso necessária essa outra técnica de seleção. Segundo
Bastos (2003, p. 143), “o fato é que, com a expansão das medidas psicológicas para atender a
demandas práticas de ajuste e preparação da mão-de-obra, se consolida o campo da Psicotécnica
e, neste, o psicólogo passa a ter um papel de destaque”, motivo esse que ratifica o porquê de
capacitação em testes psicológicos.
Durante todo o processo de captação/seleção de candidatos, é interessante realçar a
grandiosidade do sentimento de responsabilidade, ansiedade, comprometimento e precaução ao

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 461


NO ONTEXTO BRASILEIRO
trabalhar na execução de tais serviços, principalmente nas primeiras dinâmicas e entrevistas conduzidas.
Uma experiência marcante foi entrevistar uma candidata que, apesar de mais idade, referia-se a mim
como “senhora”, ressaltando a ‘relação de poder’ estabelecida no momento de seleção. Ademais,
é significativo evidenciar a necessidade/habilidade de manter o profissionalismo mesmo diante do
desespero de candidatos na busca por emprego. Em meio aos relatos dos pretendentes a vaga, observa-
se o sofrimento daqueles que buscam pela sobrevivência da família. O entrar em contato com diversas
histórias de vida ratificam a dificuldade do mercado de trabalho, fator esse que contribui para que
pessoas, mesmo que destoantes o perfil, tentem concorrer às vagas.
Durante o ano foram realizados 5 serviços em Recrutamento e Seleção, sendo o último
de maior destaque e desafio para EJ visto a grandiosidade e complexidade de planejamento. O
primeiro diferencial do serviço foi o recrutamento e seleção para 3 vagas diferentes, sendo uma
delas de Instrutor de Airsoft, cargo esse nunca tínhamos entrado em contato. Foi necessário um
estudo sobre a área do Airsoft e uma pesquisa mais detalhada e aprofundada para captação dos
candidatos convergentes às funções determinadas. Ademais, a demanda do cliente exigia mais de
1 pessoa/cargo, o que resultou em uma média de 80 pessoas para a etapa de dinâmicas, sendo
esses candidatos divididos em 3 salas simultaneamente. Foi necessária toda uma organização da
equipe NovaMente para a realização de um recrutamento e seleção nesse porte.
É relevante perceber que a participação dos alunos em uma EJ funciona como um diferencial na
inserção dos acadêmicos do curso no mercado de trabalho, seja pela valorização desta experiência
por parte das empresas em seus processos de seleção, seja pelo contato com organizações
contratantes que podem absorver esses profissionais em seus quadros. Em processos de seleção,
foi notória a carga de experiência e confiança a mim colocada justamente pela experiência na
Empresa Júnior. Dentre candidatos, apesar de mais nova, possuía um currículo e vivências que
impressionavam os graduandos com mais tempo de curso, o que culminou na chegada até fase
final de seleção. O surpreendente é que o diferencial de graduandos participantes de Empresa
Júnior pode ser percebido desde a sala de aula durante discussões e relato de experiências relativos
à teoria estudada. Por sorte, membros juniores aprendem teoria e prática da Organizacional antes
do período do curso destinado às cadeiras dessa área da Psicologia.
É importante, assim, salientar a importância do oferecimento de treinamentos por parte da
empresa. As cadeiras de Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) somente são oferecidas
a partir do meio do curso. Ademais, poucas são as cadeiras relativas ao assunto, dada a sua
complexidade. Zanelli (2004, p. 577) traz a necessidade de tal destaque ao estudo da área
organizacional ao afirmar que “há evidências de que a área da POT continua sendo pouco
enfatizada na maioria dos cursos do País, embora seja uma das que mais absorve psicólogos no
mercado de trabalho”.
Além da obtenção de conhecimentos teóricos de forma antecipada, ao ingressar em uma
Empresa Júnior o graduando tem a possibilidade de desenvolver habilidades que vão além das que
são conhecidas teoricamente, visto que ao estar inserido em um novo contexto passa a entrar em
contato com situações reais no campo profissional, aprendendo, principalmente, a lidar de forma
ética com adversidades que podem ser encontradas no mundo laboral.
Focando no psicólogo organizacional e do trabalho, pode-se inferir que é na prática
profissional que ele vai consolidar sua identidade, visto que aprende a ter a visão crítica de que seu
trabalho não é desprovido de propósitos e interesses. É de suma importância ter clareza do para
que/quem estou trabalhando de modo a não contribuir com práticas abusivas ou exploratórias,
como observado em Botomé (1979) no questionamento “A quem nós, psicólogos, servimos de
fato?”, ressaltando importância de atender aos interesses do gestor e do funcionário. Assim,
segue-se o que é estabelecido pelo próprio Código de Ética da profissão quando determina, no
VII. Princípio fundamental que “O psicólogo considerará as relações de poder nos contextos em

462  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
que atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se de
forma crítica e em consonância com os demais princípios deste Código” (Conselho Federal De
Psicologia, 2005, p. 7).
Nesse sentido, os serviços prestados além de demandar a teoria estudada em sala, necessita
de conhecimentos legais, tal como o foco no cumprimento do declarado em contrato, lição essa
aprendida em um dos processos seletivos em que o cliente cobrava mais do que o acordado/
possível de ser realizado pela EJ, desejando, ainda, ter acesso a dados de candidatos captados
para além do uso proposto, como por exemplo oferecer/fazer propaganda de seus serviços para
esses através do número de celular. Ademais, já houveram casos de clientes que não desejavam
pagar o salário mínimo e/ou objetivavam aumentar número máximo de horas trabalhadas, o
que é destoante das leis trabalhistas. Além disso, durante conversa com contratante, é possível
perceber preconceitos relativos a gênero, idade, estado civil, dentre outros quesitos. Sendo assim,
nota-se a relevância da Empresa Júnior no processo de amadurecimento da postura profissional
ética de futuros psicólogos, tal como pedir auxílio ao Conselho Regional/Federal de Psicologia e
recusar serviços que estão em desacordo com Código de Ética do Psicólogo.
Em suma, percebe-se o potencial da NovaMente em capacitar os membros a fim de torná-
los mais competitivos no mercado profissional através da realização de atividades que promovam
a Psicologia Organizacional e do Trabalho, utilizando, dessa forma, os conhecimentos adquiridos
em sala de aula na execução dos projetos. Como resultado, é oferecido um diferencial e constante
crescimento aos membros a partir da entrada na EJ. Além de possibilitar a atuação em Psicologia
Organizacional e do Trabalho, a empresa também proporciona a seus integrantes experiências
relativas à administração de uma empresa, trabalho em equipe, capacitação para criação e
implantação de projetos, dentre outros fatores que somam à vida do graduando e aprimoram seu
espírito empreendedor. Segundo Tosta et.al (2011) a EJ consiste em um espaço de aprendizagem
em que os acadêmicos colocarão em prática a teoria aprendida em sala, desenvolvendo suas
capacidades gerenciais e possibilitando uma melhora significativa, profissional e pessoal.
Azevedo e Botomé (2011, p. 183) trazem demanda atual do mundo organizacional ao relatar
que “as constantes e velozes mudanças que as organizações e sociedades sofreram [...] têm exigido
dos psicólogos organizacionais uma disposição estratégica, uma capacidade de gerenciamento de
pessoas, de facilitadores de mudanças [...]”. E, foi durante tempo como membro da NovaMente
que desenvolvi competências como liderança, organização e planejamento, comunicação,
proatividade, relacionamento interpessoal e flexibilidade, as quais permitiram o percurso de
trainee de Projetos para Diretora de Projetos e, atualmente, Vice-Presidente da EJ.
Em síntese, a Empresa Júnior possibilita aos graduandos de Psicologia a possibilidade de
pôr em prática os conhecimentos adquiridos durante o curso, o qual não oportuniza, de forma
empreendedora e gestora, a prática na área ainda durante a graduação, o que é possibilitado na
EJ, visto seu espaço de aprendizagem e ganho de experiêcia no meio acadêmico. Como mostra
Santos et al. (2013, p. 375) “gestão da EJ pelos próprios estudantes também é um diferencial em
relação ao estágio, que normalmente oferece possibilidades de atuação mais restrita, enquanto a
EJ permite maior flexibilidade, autonomia e favorece o comportamento empreendedor”.
Nesse ambiente há a possibilidade de aprimorar as atividades discutidas em sala de aula
além de oportunizar a interação com graduandos de outros períodos e mesmo com clientes,
enriquecendo assim os membros com as experiências oferecidas pela EJ, as quais terão grande
impacto no futuro profissional desses. O cerne da atuação da EJ consiste em trazer aos empresários
juniores participantes uma gama de experiências práticas, estabelecidas a partir da atuação laboral
e do relacionamento com os colegas e clientes (SANTOS et al., 2013, p. 374).
Dessa forma, a participação na Empresa Júnior torna-se uma oportunidade singular
para desenvolvimento pessoal e capacitação profissional, transformando-se, assim, numa das

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 463


NO ONTEXTO BRASILEIRO
atividades de extensão mais ricas para a construção de um capacitado profissional da Psicologia
ainda na Academia.

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Zanelli, J. C., Borges-Andrade, J. E., & Bastos, A. V. B. (2004). Psicologia, organizações e trabalho no
Brasil. Porto Alegre: Artmed.

464  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PARTE 2

EIXOS TEMÁTICOS:
• PSICOLOGIA SOCIAL
• PSICOLOGIA COMUNITÁRIA, PSICOLOGIA
POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS
• TEMAS TRANSVERSAIS
• POLÍTICAS PÚBLICAS
EIXO TEMÁTICO

PSICOLOGIA SOCIAL
INFÂNCIA NOS GRUPOS DE PESQUISA EM
PSICOLOGIA NO DIRETÓRIO DE GRUPOS DO CNPQ
Vanessa Cristiane Guimarães de Moraes
Luciano Domingues Bueno
Maria Laura Barros da Rocha
Suzy Kamylla de Oliveira Menezes
Adélia Augusta Souto de Oliveira

Introdução

A
presente pesquisa realizou o mapeamento dos grupos de pesquisa da infância
utilizando-se dos descritores infância, infâncias, infantil, infantis. O método
estabeleceu a síntese interpretativa dos dados considerados como um todo, tomando
como pressuposto teórico/metodológico a Psicologia sócio-histórica de Vigotski. Nesse sentido,
objetivou-se realizar o mapeamento dos grupos de pesquisa brasileiros através da plataforma
CNPq; sistematizou os dados dessa produção acadêmica; descreveu o panorama histórico-
geográfico dos grupos; elaborou índices estatísticos; Para tanto, desenvolveu-se a metassíntese.
Essa pesquisa vincula-se a linha de pesquisa “Psicologia e processos psicossociais” do Programa
de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, mais especificamente junto
às pesquisas desenvolvidas no Grupo de Pesquisa/CNPq “Epistemologia e a Ciência Psicológica”,
tem buscado construir metodologias de análise da produção de conhecimento científico (Oliveira
& Bastos, 2014; Trancoso & Oliveira, 2016). Em interface com o percurso metodológico, a infância
tem sido temática recorrente de estudos (Bueno et al, 2017; Oliveira et al, 2017).
A infância e seus conceitos vêm sendo modificados desde a criação das primeiras noções
sobre ela. Segundo Ariés (1986), na Idade Média, não havia distinção entre crianças e adultos
como conhecemos hoje. O que ocorria era uma curta fase em que a criança ainda era considerada
frágil fisicamente e logo após a superação desse momento, já era considerada apta para realizar
todas as atividades como um pequeno adulto. A maioria das atividades, até mesmo a escolar em
seus primórdios, era realizada de maneira conjunta com os adultos.
Essa promiscuidade das idades hoje nos surpreende, quando não nos escandaliza: no
entanto, os medievais eram tão pouco sensíveis a ela que nem a notavam, como acontece com as
coisas muito familiares. Mas como poderia alguém sentir a mistura das idades quando se era tão
indiferente à própria ideia de idade? (Ariés, 1986, p.168)
Com o passar dos séculos, o conceito de infância foi se formando e se modificando. A
entrada na escola teve um papel primordial, a distinção das classes escolares fez com que a
sociedade tivesse um olhar diferenciado para as especificidades das idades dos alunos, e a vivência
dessa fase começa a deixar de ser algo restrito ao convívio familiar. Pode-se dizer que a construção
do conceito de infância perpassa várias instâncias sendo privadas (família) e públicas (convívio
social em geral, escola).
A ideia de conceito de Vigotski (1999) está ligada a algo que está sempre em construção,
modificando-se juntamente ao contexto histórico e ainda, “reflete os processos criativos inerentes

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 467


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ao contexto sócio cultural, e participa ativamente do estabelecimento de suas relações ético-
políticas.” (Canuto, 2017, p.18)
De acordo com Prado (2014) como citado em Canuto (2017), os estudos científicos sobre a
infância se renovam a partir do surgimento, na década de 80, da chamada sociologia da infância e
dos estudos sociais da infância. Nesse contexto acadêmico, nota-se que a criança vem sido trazida
na condição de objeto de estudo, muito mais que um ser a ser compreendido.

Método

O Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (DGP), foi  utilizado como instrumento de
busca para coleta de dados. Consiste em uma plataforma online que reúne informações sobre os
recursos humanos dos grupos de pesquisa brasileiros. Todo o processo passou por quatro etapas,
definidas como: etapa exploratória, etapa de consulta, refinamento, cruzamento de dados e
armazenamento. Procedimentos metodológicos desenvolvidos e utilizados anteriores (Oliveira &
Bastos, 2014; Bueno et al, 2017).
Na etapa exploratória, foi escolhido o referido repositório, uma vez que ele reúne
informações sobre os grupos de pesquisa de todo o Brasil, disponibilizadas em uma página de
busca parametrizada dos grupos, que é de fácil utilização e possui mecanismos de exportação dos
dados da busca realizada.
Na etapa de consulta, as buscas iniciaram no mês de abril de 2017. Foram utilizados no
termo de busca os seguintes descritores: Criança, Crianças, Infância, Infâncias, Infantil, Infantis.
A busca pelos grupos foi realizada com cada descritor de forma individual.
A consulta foi executada por “Grupo” e aplicada a busca no campo “Nome do grupo”,
“Nome da linha de pesquisa”, “Palavra-chave da linha de pesquisa” e “Repercussões do grupo”.
Em relação à situação do grupo, foram incluídos os grupos certificados e não-atualizados. Os
filtros utilizados para área do conhecimento foram: “Ciências Humanas”, no campo Grande área;
e “Psicologia”, no campo Área.
A etapa de armazenamento se fez necessária nesse momento, após a localização dos dados
desejados, foram criadas planilhas no Excel. Todos os dados dos grupos de pesquisa foram
tabulados e armazenados em planilhas do Excel contendo as categorias: Instituição criadora,
Nome do grupo, Líder, 2º Líder, Área predominante, Ano e Status dos grupos. A partir dessas
planilhas foi possível a construção de gráficos, recortes e quadros, contendo as análises mais
diversas, que eram sempre compartilhadas com os membros do nosso grupo durante as reuniões
da pesquisa e também compartilhados online, facilitando a troca de informações e dados.
Posteriormente, foi executado o processo de cruzamento e de refinamento para,
respectivamente, eliminar duplicações de dados e refinar a amostra para incluir apenas os grupos
que possuíam os descritores no título.

Resultados e Discussões

O descritor que inicialmente capturou mais grupos de pesquisa foi “criança”, com 133 grupos,
seguido de “crianças” (110 grupos), “infância” (91 grupos), “infantil” (62 grupos), “infantis” (3
grupos) e “infâncias” foi o menos expressivo com apenas 1 grupo. Desse modo, foram capturados,
inicialmente, 396 grupos de pesquisa. A amostra apresentou grupos de áreas diversas, apesar de o
campo da área ciências humanas e subárea psicologia terem sido marcados, por conta do campo
“repercussões do grupo” também ter sido selecionado, trazendo assim grupos relacionados mesmo
que indiretamente com o tema. Observar as repercussões dos descritores se tornou interessante
para conhecer o que se tem estudado e produzido sobre os temas da infância nos últimos anos.

468  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A seguir, realizou-se uma nova etapa de refinamento, onde foi feito o recorte dos grupos
de pesquisa que continham os descritores citados anteriormente no título. Para realização
desse recorte, inicialmente, na etapa de armazenamento, construímos tabelas no programa do
Microsoft Office Excel contendo os dados dos grupos que consideramos mais importantes. Foram
eles: instituição criadora, nome, líder, 2º líder, área predominante, ano e status. Nessas tabelas
foram armazenados os dados da primeira busca com os descritores, selecionando a grande área
e as repercussões dos grupos. Verificamos então, a partir delas, os grupos que continham os
descritores em seus títulos. Os quantitativos diminuíram significativamente. “Infância” se mostrou
o descritor com maior número de grupos, finalizando com 16, número bem discrepante dos
outros descritores. Demonstrando assim, maior representatividade para as pesquisas relativas à
temática. Pormenorizando as análises, “infância” demonstrou um quantitativo de 45,7%, como
citado anteriormente, relativo a 16 grupos; “infantil” 22,9% correspondendo a 8 grupos; “crianças”
representa 20% e 7 grupos; “criança” teve a menor representatividade, de 11,4% com 4 grupos. Já
“infâncias” e “infantis” não evidenciaram potencial descritivo, terminando sem nenhum grupo.

Tabela 1

Quantidade de grupos capturados através de descritores

Descritores Etapa de consulta Etapa de refinamento


Criança 132 4
Crianças 110 7
Infância 91 16
Infâncias 1 0
Infantil 62 8
Infantis 3 0
Total de grupos 399 35

O primeiro grupo foi criado em 1988, na Universidade de São Paulo (USP), com o título
Centro de Investigação Sobre Desenvolvimento Humano e Educação Infantil, e seu status atual é
certificado - não atualizado há mais de 12 meses.
Em nossa amostragem, temos dois grupos mais recentes. Um deles também é da USP,
do ano de 2016, com o título Pesquisa em Psicanálise e Interdisciplinaridade para a Infância e
Juventude, também tem o status certificado e não atualizado há mais de 12 meses. O segundo
é da Universidade Federal Fluminense (UFF), tem como título Abuso sexual infantil: reflexões
contemporâneas, e seu status é certificado.
A USP apresenta o maior quantitativo em produção de grupos na temática da infância, com
4 deles.
A Tabela 2 demonstra os grupos criados com essa temática na Universidade de São Paulo:

Tabela 2

Grupos da Universidade de São Paulo (USP)

GRUPO LÍDER 2° LÍDER DESCRITOR ANO STATUS

Centro de Investigação Maria Clotilde Katia de


Sobre Desenvolvimento Therezinha Rossetti Souza Infantil 1988 Certificado
Humano e Educação Infantil Ferreira Amorim

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 469


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Leila
O teste do desenho da
S. de La
pessoa na chuva: estudos Antonio Augusto
Plata Crianças 2011 Certificado
de validação em Pinto Jr
Cury Tar-
crianças vítimas de violência
divo
Leila S. de
O teste de apercepão infantil
La Plata Cury - Infantil 2013 Certificado
com figuras humanas
Tardivo
Pesquisa em Psicanálise
Patrícia Junqueira Em
e Interdisciplinaridade para - Infância 2016
Grandino preenchimento
a Infância e Juventude

Ainda em relação a maior produção, a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) vem em


segundo lugar, com 3 grupos. Entretanto, existem muitas instituições que produziram apenas
um grupo. São elas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Pontifícia
Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC-MG), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Universidade Católica
Dom Bosco (UCDB), Universidade de São Paulo (USP), Universidade do Estado da Bahia (UNEB),
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Estadual de Londrina (UEL),
Universidade Estadual do Centro Oeste (UNICENTRO), Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), Universidade Federal de Uberlândia (UFU),
Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade
Federal do Tocantins (UFT), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Figura 1. Gráfico de quantitativo de instituições de ensino superior

A maior produção de grupos relacionados à infância se deu no ano de 2013. A concentração


geográfica da produção de 2013 esteve concentrada no sudeste e centro-oeste, tendo as
instituições criadoras bastante variadas: Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO),
Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ) e
Universidade de São Paulo (USP).

470 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Figura 2. Gráfico do quantitativo de grupos por ano

Em relação ao tipo de instituição, 79,2% delas são públicas podendo ser federais ou estaduais
e 20,8% privadas.
Quanto à produção dos grupos de acordo com a localidade, a região que mais produziu
grupos foi a Sudeste, com 16 grupos, o que corresponde a 47,1%. Já a que menos produziu, foi
a região Norte, com apenas 2 grupos, correspondente a 5,9%. As demais regiões produziram
quantitativos intermediários, correspondentes a: Nordeste e Sul com o mesmo quantitativo de
6 grupos e 17,6%; e Centro-Oeste com 4 grupos e 11,8%. O estado federativo que mais produziu
grupos de pesquisa foi São Paulo com 23,5% de produção, relativo a 8 grupos; Seguido do Rio de
Janeiro com 17,6% de produção, relativo a 6 grupos.

Figura 3. Gráfico da análise geográfica dos grupos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 471


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Figura 4. Gráfico da análise dos grupos por unidade federativa

Em relação à situação dos grupos analisados, 48,6% correspondem a grupos certificados,


porém não atualizados há mais de 12 meses; 40% estão certificados; e os grupos com situação em
preenchimento e excluído tem o quantitativo de 5,7% cada.

Considerações finais

O estudo permite concluir que: Infância expressou-se como o descritor com maior potencial
descritivo para as pesquisas nas temáticas da área. A maior produção de grupos relacionados à
infância se deu no ano de 2013, tendo a Universidade de São Paulo (USP) como a instituição que
mais produziu grupos de pesquisa sobre a infância entre 1988 e 2016. Neste contexto, a região
brasileira que mais produziu foi a Sudeste, tendo como estado mais produtivo São Paulo.
Verificou-se que 79,2% das instituições que sediam os Grupos de Pesquisa são públicas.
O que pode ser explicado por uma questão, muitas vezes, de incentivo à pesquisa no âmbito
das universidades públicas desde a graduação, assim como de financiamento governamental.
Observou-se que 48,6% desses grupos se encontram em situação com status certificado - não
atualizado há mais de 12 meses, o que nos leva a algumas inquietações que devem ser exploradas
em estudos posteriores.

Referências

Ariés, P. (1986). História social da criança e da família. (Dora Flaksman, Trad.) (2ª ed.) Rio de Janeiro,
Guanabara: pp. 166-194. Recuperado de: https://edufisescolar.files.wordpress.com/2011/03/
histc3b3ria-social-da-crianc3a7a-e-da-famc3adlia.pdf

Bueno, L. D. ; Santos Junior, P. S. ; Canuto, L. T. ; Oliveira, A. A. S. (2017). Iconografia na


investigação e intervenção de processos psicossociais. Revista de Psicologia da UFC, 8(1), 99-108.
Recuperado de: http://www.periodicos.ufc.br/psicologiaufc/article/view/18783/29535

Canuto, L. T. (2017). O conceito de infância em artigos brasileiros de psicologia. (Dissertação de


mestrado) Universidade Federal de Alagoas - UFAL, Maceió, AL. Brasil. Recuperado de:  http://

472  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
www.repositorio.ufal.br/bitstream/riufal/2125/1/O%20Conceito%20de%20inf%C3%A2ncia%20
em%20artigos%20brasileiros%20de%20psicologia.pdf

Oliveira, A. A. S.; Bastos, J. A. (2014). Saúde mental e trabalho: descrição da produção


acadêmica no contexto da pós-graduação brasileira. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho,
17(2), 239-254. Recuperado de: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1516-37172014000300007

Oliveira, A. A. S.; Miura, P. O. ; Canuto, L. T. ; Santos Junior, P. S. ; Bueno, L. D. ; Rocha, M.


L. B. (2017). Iconography in psychosocial research with children: creation and imagination in
childhood. In: Guillermo Arias Beatón; Laura Marisa Calejon; Maria Febles Elejalde. (Org.). ECOS.
Educación, cultura y desarrollo (pp. 83-98). Disponível na base de dados Googlebooks

Trancoso, A. E. R. ; Oliveira, A. A. S. (2016). Aspectos do conceito de juventude nas ciências


humanas e sociais: análises de teses, dissertações e artigos produzidos de 2007 a 2011.
Pesquisas e Práticas Psicossociais, 11(2), 278-294. Recuperado de: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 473


NO ONTEXTO BRASILEIRO
SAÚDE EM FOCO – ESTIMULANDO A QUALIDADE DE
VIDA NO AMBIENTE DE TRABALHO POR MEIO DA
INFLUÊNCIA SOCIAL
Ludmara Moura Miranda
Juliane Maria da Cunha Monte
Adriana Soares

Introdução

O
principal objetivo do Programa Saúde em Foco foi disseminar dentro da empresa
hábitos de vida saudável em termos de alimentação, atividade física regular, e
consequentemente qualidade de vida, visando diminuir os índices de sobrepeso,
obesidade, sedentarismo e outras doenças. Foi utilizada para isso a Influência Social que o grupo
proporciona.
Gouveia (2013) afirma que em sociedade, dependemos uns dos outros para a compreensão,
o sentimento e o alargamento do sentido da realidade, e que este fenômeno é denominado
Influência Social.
Um dos principais objetivos dos estudos sobre Influência Social é a observação do modo
como a convivência social pode influenciar na formação de valores, crenças, atitudes sociais e
opiniões pessoais, contribuindo para o estabelecimento das normas sociais. (Álvaro e Garrido,
2003, como citado em Gouveia, 2013 p.359,)
Cialdini (2012) fala que existem alguns princípios que influenciam o comportamento
humano. De acordo com o autor, esses princípios são classificados em: Princípio da Afinidade,
Princípio da da Autoridade, Princípio da Coerência e Compromisso, Princípio da Escassez,
Princípio da Prova Social e Princípio da Reciprocidade.
Sobre o Princípio da Afinidade, Cialdini (2012) afirma que somos mais propensos a sermos
influenciados pelas pessoas que gostamos. Isso porque a afinidade gera conforto e segurança,
influenciando no nosso comportamento mais facilmente. Em relação ao Princípio da Autoridade
Cialdini (2012) diz que quando existe uma figura de autoridade, a probabilidade de as pessoas
agirem de forma obediente é maior mesmo se essa autoridade for ilegítima. Esse pensamento é
corroborado ao observar os experimentos de Milgram (1963, como citado em Gouveia p.377)
que realizou estudos sobre obediência à autoridade e chegou à conclusão que uma proporção
substancial de pessoas faz o que lhe mandam desde que considerem que o comando foi emitido
por uma autoridade legítima.
O Princípio da Coerência e Compromisso diz que após fazermos uma escolha ou assumir uma
posição, forças pessoais e interpessoais nos forçam a nos comportarmos de forma consistente com
esta escolha ou posição, como Cialdini (2012) explica que uma dupla de psicólogos canadenses
(Knox e Inskster, 1968) descobriu que a maior parte das pessoas que apostam em cavalos fica
mais confiante na vitória depois que adquirem o bilhete de aposta. Ou seja, mesmo sem mudar
o cavalo, a pista ou o hipódromo, o fato é que as pessoas passam a acreditar mais depois de já
terem realizado a compra.

474  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Já o Princípio da Escassez está relacionado com a oferta e a procura, isto é, quanto mais rara
e incomum é algo, muito maior é o interesse das pessoas em geral naquele objeto, Cialdini (2012)
afirma que menos é melhor e perda é pior, e que isso gera grande influência no comportamento das
pessoas. Esse princípio é utilizado, por exemplo, em campanhas de vendas que anunciam últimas
unidades do produto e acabam por influenciar o comportamento de compra do consumidor.
Ao falar sobre o Princípio da Aprovação Social, o autor afirma que decidimos o que é
correto descobrindo o que as outras pessoas acham que é correto, e dessa forma imitamos o
comportamento do outro. E o Princípio da Reciprocidade é, segundo o autor, tão generalizado
que, após um estudo amplo, Alvin Gouldner (1960, como citado em Cialdini, 2012), em parceria
com outros sociólogos, relatou que todas as sociedades seguem essa regra. Culturalmente, as
pessoas são condicionadas a retribuir os favores que recebem. A partir deste princípio, nós sempre
nos sentimos obrigados a pagar – no futuro – por algo que recebemos em determinado momento
das nossas vidas.
Dessa forma, usou-se como base alguns desses princípios (Princípio da Autoridade, Princípio
da Coerência e Compromisso, Princípio da Escassez, Princípio da Aprovação Social, e o Princípio
da Reciprocidade) para desenvolver um trabalho de estímulo a hábitos saudáveis dentro e fora de
empresa estimulando a Qualidade de Vida dos Empregados.

Objetivo

O objetivo geral do Programa foi disseminar hábitos de vida saudável em termos de


alimentação, atividade física regular, e consequentemente qualidade de vida, visando diminuir os
índices de sobrepeso, obesidade, sedentarismo e outras doenças.
Já o objetivo específico foi compreender se os Princípios da Influência Social impactam nos
resultados de qualidade de vida dos participantes de um grupo.

Métodos

O Programa foi realizado na empresa SEBRAE PI, na cidade de Teresina- PI com um grupo de
empregados que se inscreveram para participar. Para a inscrição usamos o Princípio da Escassez,
visto que, as vagas para participar eram limitadas.
O programa, com duração de três meses, foi composto de quatro etapas: Avaliação
Nutricional; Inscrição; Interação no Grupo; Apuração da Pontuação, com entrega de prêmios
para os primeiros colocados.
Na etapa de Avaliação Nutricional realizada por um nutricionista, o objetivo foi estimar
o estado nutricional do individuo, detectando suas necessidades alimentares. Assim, tornou-
se possível intervir de maneira adequada na manutenção ou recuperação do estado de saúde
do participante. Na avaliação nutricional foram analisados o consumo alimentar e as medidas
antropométricas do participante. Para a avaliação do consumo alimentar utilizou-se o inquérito
alimentar, isto é, uma ficha que possuía dados sobre a alimentação do participante. Para a
avaliação antropométrica, foram necessários os seguintes dados: peso corporal, altura, percentual
de massa magra e de gordura, circunferência abdominal e pressão arterial do participante. Os
dados de massa magra e gorda foram obtidos por meio de uma balança de Bioimpedância.
Na etapa de Inscrição no Programa, a inscrição foi voluntária, e as regras para participar
foram as seguintes: Pagar a taxa de inscrição de participação do programa (esse valor foi convertido
na premiação para o primeiro e segundo colocado. O primeiro lugar recebeu 70% e o 2º lugar
recebeu 30% do valor arrecadado); Entregar o Atestado do profissional de Nutrição; e Assinar
o termo de comprometimento com as Regras do Programa. Nessa etapa, usou-se o Princípio da
Coerência e Comprometimento, visto que, ao pagar para participar, o empregado ficava mais
comprometido com a posição assumida, isto é de cumprir com as regras do programa, e passar a
ter hábitos de vida mais saudável.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 475


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A terceira etapa estimulou a interação no Grupo por meio de um aplicativo de troca de
mensagens instantâneas para evidenciar que os participantes estavam colocando em prática as
orientações da psicóloga, da nutricionista e da fisioterapeuta. Utilizando dessa forma o Princípio
da Autoridade, os participantes ficaram mais propensos a obedecer às orientações dadas pelas
profissionais, mesmo quando as orientações eram sobre dados que eles já tinham conhecimento
prévio.
Como o objetivo do Programa foi desenvolver a Qualidade de Vida dos participantes,
utilizou-se como referência o conceito de Saúde formalmente definido no documento constitutivo
da Organização Mundial de Saúde (OMS), que afirma que a saúde é um estado de bem-estar
físico, mental e social completo e não somente a ausência de doença ou incapacidade (WHO,
1948). Dessa forma, o trabalho foi desenvolvido visando trabalhar a Saúde Física, Mental e Social.
No que diz respeito à Saúde Física houve o estímulo à alimentação saudável e prática
de atividade física. Em relação à Saúde Mental, foi realizado um Workshop com atividades
de Massagem Relaxante, Biodança, reflexão sobre os aspectos da vida em geral, utilizando
ferramentas de coaching. O Workshop aconteceu em formato de Imersão. Ainda impactando na
Saúde Mental, foi ofertado um curso on-line de Educação Financeira, e houve um encontro para
falar sobre Saúde Espiritual.
A Saúde Social foi trabalhada em encontros realizados periodicamente para fazerem
caminhada, piquenique, dentre outros. Realizou-se também uma atividade denominada “Anjo
Oculto” com troca de afeto e cuidado, onde os participantes deveriam durante o período de duas
semanas cuidar da saúde física e mental do seu “protegido”, ofertando frutas, dando dicas de
atividade física, ou outra demonstração de cuidado. Também tivemos uma atividade de estímulo
ao elogio, onde os participantes deveriam colocar no grupo de troca de mensagens instantâneas
o seu elogio para algum colega sobre a sua performance ao longo do programa. O Princípio da
Reciprocidade foi utilizado nessas atividades, pois à medida que um participante recebia um elogio
ou cuidado, ele se sentia no dever de retribuir para algum colega, estimulando um relacionamento
entre eles de harmonia e afeto.
O Princípio da Aprovação Social também foi importante, já que os participantes deveriam
postar no grupo de troca de mensagens instantâneas fotos de sua alimentação e prática de
atividade física, o que gerava um comportamento em cadeia, pois há medida que um observava o
comportamento do outro, eles imitavam as práticas saudáveis gerando maior comprometimento
de todos os participantes do grupo, como comentou uma participante do programa: “às vezes
eu estava deitada, pronta para dormir, e chegava no grupo a foto de uma colega caminhando na
esteira, daí eu pensava que se ela consegue, eu também consigo, e no mesmo instante eu levantava e ia pra
minha esteira caminhar também” (sic).
Na 4º etapa foi realizada a Apuração da Pontuação e Premiação, os pontos foram definidos
conforme Indicadores demonstrados na Tabela 1. Ao final do ciclo do Programa, os participantes
foram reavaliados pela Nutricionista e Fisioterapeuta para obtenção dos indicadores de evolução
e uma Comissão de Avaliação, composta pelos profissionais que estavam acompanhando o
Programa, ranqueou a pontuação de todos os participantes para apuração do primeiro e segundo
colocado do Programa.
O primeiro colocado recebeu 70% do valor arrecadado no ato da inscrição, que foi o
valor de R$ 420,00 (quatrocentos e vinte reais) e o segundo colocado recebeu 30% do valor
arrecadado, que foi o valor de R$180,00 (cento e oitenta reais). Além disso, o terceiro e quarto
lugar receberam brindes doados pela equipe de profissionais. Os prêmios foram uma forma de
estimular a competição, mas esse era o ganho secundário, pois o principal objetivo foi desenvolver a
consciência para uma vida com hábitos mais saudáveis de alimentação, atividade física e cuidados
com a saúde mental e social.

476  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 1. Indicadores Avaliados no Programa
INDICADOR FONTE INDICA O QUE AVALIAÇÃO PONTOS
A - Percentual de Avaliação O participante conseguiu queimar Se o participante 3
gordura corporal nutricional as gorduras corporais e diminuir os conseguiu diminuir o
riscos de doenças cardiovasculares; índice percentual de
gordura corporal,
B-Percentual de Avaliação O participante está realizando Se o participante 4
massa magra nutricional algum tipo de esforço físico para conseguiu aumentar
fortalecer e ganhar massa muscular o índice percentual
refletindo maior saúde de suas de massa magra
articulações prevenindo lesões de corporal,
ordem óssea, articular, muscular e
postural;
C- Combate ao Apresentação Comprometimento e investimento Se o participante 5
Sedentarismo do comprovante do participante para conseguir que está praticando
de pagamento mudança de hábitos de vida, alguma atividade física
da mensalidade além de ser ponto de partida regular
da atividade para melhorar todos os outros
física ou marcadores de saúde
recursos
de mídia
comprovando
que está
fazendo
atividade física
ao ar livre *
D-Peso Corporal1 Avaliação O colaborador perdeu ou ganhou % proporcional ao % de Peso
nutricional (de acordo com a necessidade) peso perdido. Este perdido
composição corporal ** percentual é revestido
em pontos. ***

E - Circunferência Avaliação O participante perdeu volume Se o participante 2


abdominal Fisioterapeuta abdominal** diminuiu sua
circunferência
abdominal
F-Pressão Arterial Avaliação O participante conseguiu manter Se o participante 1
Fisioterapeuta sua pressão arterial em níveis estiver com sua
saudáveis prevenindo doenças pressão arterial nos
cardiovasculares e garantindo níveis saudáveis
quadro favorável para prática de
atividade física regular.
G-Hábito Recursos de O participante está seguindo as Postagem de “fotos” 0,02 por
Alimentar mídia divulgado orientações do nutricionista e relacionadas a postagem
Saudável no grupo de melhorando e incentivando hábitos alimentação saudável
Mensagens alimentares saudáveis. na pontuação final do
Instântâneas participante.
*caminhada ou Cooper, em uma freqüência mínima de 2 vezes semanais, seguindo as orientações dadas na palestra
de abertura do programa “SAÚDE EM FOCO”
** que pode ser devido a perca de líquidos, gorduras ou massa magra, ou seja, este item de avaliação é geral, pois não
indica se o participante realmente está emagrecendo de maneira saudável.
OBS: Somente será contabilizada uma foto por dia para cada participante.
*** Quanto maior a porcentagem de peso perdido maior o número de pontos ganhos nesta categoria, o contrário
também poderá acontecer caso a pessoa ganhe peso
1
O participante que estiver dentro do Peso saudável, ganhará 3 pontos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 477


NO ONTEXTO BRASILEIRO
indicadores de Resultado ora apresentados são referentes ao grupo que participou
primeira e última avaliação, para ser possível realizar quadro comparativo.
Esse grupo, composto de 20 participantes, no que diz respeito ao critério Peso
rporal, conseguiu
Resultados reduzir 55,2 kg, ou seja, uma média de 2,8kg por participante.
O Indicador de Atividade Física Regular, aferido de acordo com a prática de
vidade Física Ao Regular dosdeparticipantes
final do ciclo aumentou
três meses, os participantes foramdereavaliados
30% para e os 59%, como
Indicadores mostra
de Saúde
Física melhoraram consideravelmente se comparados aos índices anteriores ao programa.
Figuras 1 e 2.Inicialmente inscreveram-se 27 participantes, e sete participantes desistiram por motivos
A massa magra,
diversos: gravidez, que é composta
mudança de estado oupor músculos,
outro órgãos
motivo relatado. Dessavitais,
forma os ossos e líquidos
indicadores de
porais, foi aferida
Resultado por meiosãodereferentes
ora apresentados uma ao balança
grupo quede Bioimpedância,
participou da primeira e últimae oavaliação,
resultado
strou quepara
59%ser possível realizar quadro comparativo.
dos participantes aumentaram a Massa Magra, Figura 3, o que, de
Esse grupo, composto de 20 participantes, no que diz respeito ao critério Peso Corporal,
ordo comconseguiu
a Nutricionista significa um aumento no metabolismo destes indivíduos,
reduzir 55,2 kg, ou seja, uma média de 2,8kg por participante.
ue demonstra que o organismo
O Indicador estará
de Atividade Física funcionando
Regular, de forma
aferido de acordo melhor.
com a prática de Atividade Física
A massa
Regulargorda, composta
dos participantes por gordura
aumentou de 30% parapode trazer
59%, como inúmeros
mostra as Figurasmalefícios
1 e 2. para a
A massa magra, que é composta por músculos, órgãos vitais, ossos e líquidos corporais,
úde, como por exemplo, desenvolver doenças como o diabetes, o colesterol alto, o
foi aferida por meio de uma balança de Bioimpedância, e o resultado mostrou que 59% dos
mento daparticipantes
pressão arterial
aumentaram e em casos
a Massa maisFigura
Magra, graves
3, o problemas
que, de acordocardíacos. Portanto
com a Nutricionista
e Indicador se mostra
significa um aumento bastante relevante
no metabolismo no cuidado
destes indivíduos, as saúde
o que e, consequentemente
demonstra que o organismo
Qualidade de Vida, e o resultado alcançado no programa foi que 59% dos
estará funcionando de forma melhor.
A massa gorda, composta por gordura pode trazer inúmeros malefícios para a saúde, como
ticipantes conseguiram reduzir a Massa Gorda, ver Figura 4.
por exemplo, desenvolver doenças como o diabetes, o colesterol alto, o aumento da pressão
De acordo
arterial e com
em casosJama
mais (como citadocardíacos.
graves problemas em Barbosa, Portanto2001), a gordura
esse Indicador se mostraabdominal
bastante
menta a probabilidade do desenvolvimento de Doenças Cardiovasculares, portanto,
relevante no cuidado as saúde e, consequentemente da Qualidade de Vida, e o resultado alcançado
ndicadornodeprograma foi que 59% dos
Circunferência participantesse
Abdominal conseguiram
mostra reduzir a Massa
relevante e Gorda,
é um ver Figura
sinal de4. alerta
De acordo com Jama (como citado em Barbosa, 2001), a gordura abdominal aumenta
acionadoa àprobabilidade
saúde. Odo resultado,
desenvolvimento aode final
Doenças doCardiovasculares,
programa indicou portanto, oque 67%dedos
indicador
ticipantes diminuíram
Circunferência a circunferência
Abdominal abdominal,
se mostra relevante reduzindo
e é um sinal consequentemente
de alerta relacionado à saúde. O o
co de desenvolver
resultado, ao alguma doençaindicou
final do programa cardiovascular, demonstrado
que 67% dos participantes na Figura
diminuíram 5.
a circunferência
abdominal, reduzindo consequentemente o risco de desenvolver alguma doença cardiovascular,
demonstrado na Figura 5.

30% Sim
Não

70%

Figura 1. Atividade Física Regular Antes do Programa


Figura 1. Atividade Física Regular Antes do Programa

478  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
41% Sim

59% Não
41% Sim

59% Não
41% Sim
Figura 2. Atividade Física Regular ao Final do Programa
59% Não
41% Sim
Figura 2. Atividade Física Regular ao Final do Programa
59% Não

Figura 2. Atividade Física Regular ao Final do Programa


Aumentou
41%
Figura 2. Atividade Física RegularManteve
ao Final do Programa
Figura 2. Atividade Física Regular59% ao Final do Programa
Aumentou
41%
Manteve
59% Aumentou
41%
Manteve
Figura 3. Massa Magra
59% Aumentou
41%
Manteve
Figura 3. Massa Magra
59%
Figura 3. Massa Magra
Figura 3. Massa Magra
Diminuiu
41%
Manteve
Figura 3. Massa Magra
59% Diminuiu
41%
Manteve
59% Diminuiu
41%
Figura 4. Massa Gorda Manteve
59% Diminuiu
41%
Figura 4. Massa Gorda
Figura 4. Massa Gorda Manteve
59%
Figura 4. Massa Gorda
33% Diminuiu
Manteve
Figura 4. Massa Gorda
33% Diminuiu
67%
Manteve
33% Diminuiu
67%
Figura 5. Circunferência Abdominal Manteve
Figura 5. Circunferência Abdominal
33% Diminuiu
67%
Manteve
Figura 5. Circunferência Abdominal
67%

Figura 5.CONTEMPORANEIDADE
IDENTIDADE, Circunferência Abdominal
E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 479
NO ONTEXTO BRASILEIRO
Discussão

Observando os resultados alcançados, podemos perceber que o objetivo do Programa, que


era desenvolver a Qualidade de Vida dos participantes utilizando a Influencia Social do grupo, foi
alcançado. Pois o Indicador de Massa Magra aumentou, o índice de Massa Gorda diminuiu, assim
como o peso e a circunferência abdominal. E de acordo com a Nutricionista Adriana Soares,
que acompanhou o Programa, o resultado foi bastante satisfatório, principalmente por que a
perda de peso dos participantes aliada a outros resultados como diminuição de massa gorda e
de circunferência abdominal, indica que os participantes reduziram os riscos de desenvolverem
doenças cardiovasculares.
A Influência Social realizada pela convivência no grupo se mostrou uma variável importante
para que esses resultados tenham sido alcançados. Portanto, podemos afirmar, a partir dos
resultados alcançados que a convivência no grupo tornou o resultado do trabalho mais efetivo. Além
dos resultados evidenciados através dos gráficos, outras consequências foram percebidas, como a
melhora do humor dos participantes, a melhora na relação interpessoal e consequentemente um
melhor clima de trabalho.

Conclusão

Dessa forma, podemos concluir que o Programa mostrou resultados satisfatórios e que
outros ciclos devem ser realizados podendo incrementar a mensuração de outros indicadores tais
como nível de estresse, e nível de satisfação com a saúde social.
Os objetivos foram alcançados, visto que hábitos de vida saudável foram disseminados entre
os participantes do grupo. Assim como foi possível compreender que a Influência Social gera
impactos na mudança de comportamento das pessoas quando estas estão dentro de um grupo.
Atividades como essa realizada no ambiente de trabalho proporcionam ganhos diversos, além
de melhorar relacionamentos, ao trabalhar a Qualidade de Vida, aumentamos, consequentemente
a produtividade desses profissionais dentro da empresa. O ganho é, portanto, para todos os
envolvidos no processo.

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480  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ENTRE O AZUL E O ROSA: MARX COMO
POSSIBILIDADE NA PSICOLOGIA SOCIAL
José da Silva Oliveira Neto
Fábio Pinheiro Pacheco
Ruth Maria de Paula Gonçalves

Introdução

O
uve-se que meninos e meninas brincam de casinha. Dizem que sempre foi assim.
Ouve-se também que meninos são papais e meninas, mamães. Continuam dizendo
que sempre foi assim. A experiência confirma que meninos dirigem carrinhos de
brinquedo, trabalham fora de casa em seus jogos e brincadeiras, jogam futebol, ao passo que
meninas educam suas bonecas – os filhinhos e as filhinhas –, ganham uma cozinha de brinquedo
a qual podem comandar, são cautelosas, cuidadosas e amáveis professoras em suas brincadeiras
de escolinha (Castanho, 2013). Desde muito cedo as diferenças de gênero engendram a maneira
como os seres humanos vivenciam suas identidades e performam suas sexualidades, de maneira
que o imperativo do azul e do rosa se tornam elementos constitutivos da identidade dos sujeitos
envolvidos na trama social das diferenças de gênero e de sexualidade; constituindo-se, assim, em
elemento da subjetividade (Borrillo, 2015).
Logo cedo, conforme Castanho (2013), meninos são ensinados e, inclusive, aprendem que
nasceram para as meninas, e as meninas, por sua vez, são ensinadas e até aprendem que nasceram
para viverem felizes para sempre com e para os meninos. Dessa maneira, foram destinados uns
aos outros, e não há nada mais natural do nascer seja para o que for, seja para quem for, seja para
ser quem for. Continuam dizendo que sempre foi assim. Contudo, quando se realiza uma análise
histórica mais profunda sobre as formas de organização social, é perceptível que os padrões a partir
dos quais devemos nos comportar têm data e história muito bem demarcados, os quais remontam
à divisão sexual do trabalho, a qual, para Engels (2012), foi a primeira forma de divisão do trabalho.
Engels (2012) escreve que, nas organizações sociais anteriores ao estabelecimento do capital
e da propriedade privada, quando havia uma consciência coletiva e cooperativa entre os seres
humanos, não havia diferença entre as atividades desempenhadas por homens e mulheres, de
maneira que caça, coleta e cuidado dos filhos e das filhas eram compartilhadas entre os pares e, no
caso dessa última atividade, entre toda a comunidade, informação que é confirmada por Saffioti
(2013) em A mulher na sociedade de classes. A própria noção de união marital ou casamento, como
se queira chamar, era outra, pois os pares eram mais fluidos, não havendo noção de propriedade
vinculada aos parceiros sexual-afetivos. Foi com o estabelecimento da propriedade privada e da
divisão do trabalho que houve a necessidade de regulação da vida sexual da mulher, porquanto o
homem deveria garantir que quem receberia sua propriedade seria seus herdeiros legítimos.
Assim, para a manutenção da sociabilidade do capital, tornou-se necessários que os seres
humanos se mantivessem no locus estabelecido pelo status quo, a saber o de homem heterossexual

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 481


NO ONTEXTO BRASILEIRO
dominador e de mulher heterossexual passiva (Engels, 2012). Contudo, como coloca Castanho
(2013), apesar de meninos e meninas vivenciarem uma ordem naturalizada carregada de
verdades preestabelecidas a espera de reprodução, nem sempre tais sujeitos estão dispostos
a aprender essas lições, de maneira que fogem à norma, às vezes, muito cedo ao escolherem
para si brincadeiras e jogos ditos do gênero oposto. Todavia, o que espera os sujeitos que não
aprenderam essas lições? O que acontece com os indivíduos que se encontram entre o azul e o
rosa? O que há entre eles?
homofobia1 se estabelece como ação corretiva para aqueles que não aprenderam as lições
sobre os locais de gênero e de sexualidade estandartizados. Borrillo (2015) define, em linhas
gerais, homofobia como atitudes de aversão e medo em relação a homossexuais, as quais geram
preconceitos em direção a tais sujeitos. Contudo, o autor não deixa essa discussão no plano do
subjetivismo, o que poderia gerar a compreensão de que algum processo psicológico a nível pessoal
geraria as atitudes homofóbicas, mas reconhece, conforme já se vem apontado, que a homofobia
também tem uma história, tendo ela sido condicionada por fatores históricos. O autor expõe que
é com o estabelecimento da matriz cristã que a homofobia toma um corpo totalmente diferente,
uma vez que havia tolerância para práticas homossexuais em alguns contextos; ocupando agora
um local de imoralidade e perversão, as práticas homossexuais são marginalizadas socialmente
juntamente com a identidade desses sujeitos.
A fim de seja problematizada a construção do lugar da homossexualidade na sociedade,
este estudo se faz comprometido com uma visão materialista-dialética em Psicologia, o que
pressupõe que a realidade social nem sempre foi assim, ou seja, ela é dialética, é passível de
transformação (Lukács, 2015) mediante o trabalho humano, entendido aqui como ação de
transformação que os seres humanos empreendem sobre o mundo, de maneira que nessa ação
de mudança eles também são modificados, o que constitui suas subjetividades (Marx, 1988).
Contudo, este mesmo trabalho, que medeia a subjetividade humana, no sistema de produção do
capital, é metabolizado, tornando-se alienado. Sobre o fenômeno da alienação, Mészáros (2017)
identifica três eixos em que ela ocorre, a saber: 1) o homem passa a não se identificar com o
produto do seu trabalho e, portanto, consegue vendê-lo, de maneira que a dicotomia interno-
externo aparece; 2) o homem é submetido ao empobrecimento de sua consciência histórica, aquilo
que é próprio do homem, do ser genérico, torna-se-lhe estranho e, por fim, como consequência
do segundo, 3) o homem passa a não se reconhecer no outro homem.
Neste estudo, compreendemos ser na terceira consequência da alienação que a homofobia
se expressa, como violência a um outro em quem o homem não se reconhece mais. A homofobia
se expressa, portanto, como reverberação da alienação e do sistema de reprodução do capital.
Dessa maneira, as diversidades sexuais e de gênero são definidas pelo imperativo do azul e do
rosa, esquecendo-se o que e quem se encontra eles: todo um espectro de cores que apontam para
performances de gênero e de sexualidade. Nesse sentido, Jesus (2015) afirma que, na sociedade
brasileira, as sexualidades não hegemônicas e as vivências transgênero se tornaram historicamente
estigmatizadas, ou seja, os seus atributos passaram a ser vistos como profundamente depreciativos,
o que levou à desqualificação das pessoas e dos grupos associados a elas, prejudicando o seu
pleno convívio social.

1 É necessário que sejam feitas algumas considerações sobre a terminologia homofobia. Conforme exposto
anteriormente, Borrillo (2015) define homofobia como aversão ou medo a sujeitos homossexuais, o que, por sua
vez, forja formas de discriminação e preconceito. Contudo, o autor expõe que a terminologia homofobia não dá
conta das violências dirigidas à população LGBTT*. Dessa forma, o autor sugere maior especificidade, de maneira
que se tem gayfobia, lesbofobia, bifobia, travestifobia, transfobia etc. Como o intuito do presente estudo não é
abarcar as especificidades de violência direcionadas à população LGBTT*, decidiu-se se operar com a categoria
homofobia, referindo-se somente a experiências gays e lésbicas. Quando a intenção for ser mais abrangente, a
terminologia LGBTT* será utilizada.

482  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Entre tais fluxos e influxos, a Psicologia assume um papel de fundamental importância, o
de contribuir para que a marginalização e a estigmatização das pessoas entre o azul e o rosa, a
saber a população LGBTT2, seja enfraquecida; atuando, assim, no fortalecimento das consciência
historicamente empobrecidas, comprometendo-se com uma atuação emancipatória e social. De
acordo com Lane (1984), toda a Psicologia deve ser social. Todavia, não no sentido das áreas da
ciência psicológicas serem reduzidas ao campo da Psicologia Social, mas no sentido de assumir seu
compromissso frente à realidade e às demandas sociais características latino-americanas e, aqui
especificamente, do Brasil (Martín-Baró, 2003). A urgência da atuação com essas populações em
situação de vulnerabilidade social e violência é confirmada quando são considerados os dados
alarmantes expostos por Carroll e Mendos (2017) no relatório anual da Associação Internacional
de Gays e Lésbicas (ILGA): há 72 países que criminalizam relações sexuais entre pessoas adultas
do mesmo sexo, de maneira que 45 desses estados criminalizam tanto homens como mulheres
adultos que estabelecem relações sexuais com pessoas do mesmo sexo; considerando ainda que 8
desses estados aplicam pena de morte a pessoas que forem flagradas em ato sexual com alguém
do mesmo sexo. De maneira que, na América Latina, 10 são os países que criminalizam ou que
imputam alguma pena para experiências LGBTT*.
Logo, faz-se mister que meninos e meninas possam com os padrões morais toleráveis aos
quais cotidianamente é dito “sempre foi assim”, porquanto, no movimento dialético das relações
sociais e históricas, a superação é um processo fundamental para a sublimação das falsas verdades
(Castanho, 2013). A sexualidade, a afetividade e a identidade, portanto, são encaradas enquanto
passíveis de questionamento. Torna-se imperativo o posicionamento da Psicologia frente à
homofobia, que se torna elemento constituinte das subjetividades, reduzindo as possibilidades de
saúde, dignidade e liberdade de toda uma população (Borrillo, 2015). Este estudo objetiva, nesse
sentido, investigar de que maneira o marxismo se configura como uma nova possibilidade em
psicologia para construir reflexões e ações que corroborem para o trabalho com as pessoas entre
o azul e o rosa, uma vez que nada se tem a perder exceto os grilhões que amarram a experiência
humana (Marx & Engels, 2015).

Método

De cunho teórico-bibliográfico, este estudo se encontra dentro da perspectiva histórico-social


em Psicologia Social, considerando que o fenômeno estudado dentro de uma perspectiva dialética
e histórica, de maneira que esses dois elementos são inseparáveis; construindo-se, assim, uma
dinâmica do fenômeno humana baseada no movimento do concreto para o abstrato e vice-versa,
do qual surgem as contradições (Abrantes, Silva & Martins, 2005). A ontologia marxiano-lukacsiana
também orienta a visão do processo psicológico adotada neste estudo, considerando que a realidade
social fala por si só, não sendo o pesquisador que define quais são suas características, pois ela tem
história e realidade material, logo ela comunica seu movimento ao pesquisador (Netto, 2012). A
historicidade é, assim, a categoria de análise principal (Yamamoto, 1994).

2 Alguns posicionamentos teóricos mais atuais, como nos estudos de Jesus (2015a, 2015b)) apontam para
a ampliação da sigla que representa a diversidade sexual e de gênero, de maneira que sua forma mais atual é
LGBTTQIA, de maneira que as letras “L”, “G” e “B” indicam, respectivamente, vivências lésbicas, gays e bissexuais;
as letras “T” e “T” representam as vivências transgênero, a população travesti e transexual; e, por fim, “Q”, “I” e
“A”, na seguinte ordem, indicam pessoas queer – que apresentam uma sexualidade fluida –, intersexuais, aquelas
pessoas que, ao nascerem, apresentam ambiguidade genital, e assexuais. Nesse sentido, será utilizada a sigla
LGBTT* indicando toda essa população.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 483


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Resultados e Discussão

[...] a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como
contrário, inferior ou anormal; por sua diferença irredutível, ele é posicionado a distância,
fora do universo comum dos humanos. Crime abominável, amor vergonhoso, gosto
depravado, costume infame, paixão ignominiosa, pecado contra a natureza, vício de Sodoma
– outras tantas designações que, durante vários séculos, serviram para qualificar o desejo e
as relações sexuais afetivas entre pessoas do mesmo sexo (Borrillo, 2015, p. 13, grifo nosso).

Conforme o II Princípio Fundamental do Código de Ética Profissional do Psicólogo (Conselho


Federal de Psicologia, 2005), o psicólogo deve atuar visando promover a saúde e a qualidade
de vida das pessoas e das coletividades e contribuir para a eliminação de quaisquer formas de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Dessa maneira, conforme
o Art. 2º do referido código, estão vetadas quaisquer ações por parte dos e das profissionais de
Psicologia que conduzam a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de
orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito. Teoricamente, está definido que a ciência
psicológica mantém ou deve manter um compromisso social com relação às populações alvo do
preconceito, distanciando-se de práticas que não sejam favorecedoras de saúde. Todavia, Lacerda
Júnior (2015), evidencia que desde há muito a psicologia, no Brasil, está amarrada aos interesses
do capital; no Brasil especificamente, do capitalismo dependente.
Assim, a Psicologia brasileira, já nos seus primórdios, tem estado comprometida com ideais
hegemônicos de ciência e de conduta social, dedicando-se a estudar as melhores condições para
que o indivíduo responda bem às necessidades do sistema econômico, inclusive a Psicologia Social
(Rodrigues, 2010). Lacerda Júnior (2015) indica, por exemplo, a maneira como a Psicologia entra
no cenário brasileiro: na escola e nas indústrias. Nestas, tecendo estudos sobre produtividade
e como construir espaços adequados para seu aumento e naqueles enfocando-se na ideia do
aluno-problema, não evidenciando a multideterminação de processos como a aprendizagem e o
fracasso escolar. Não era de se esperar, portanto, que as diversidades sexuais e de gênero fossem
vistas sobre o prisma da Patologização, conforme atesta Butler (2009), de acordo com quem
somente em 1994 a homossexualidade foi retirada dos manuais diagnósticos, nos quais figurava
como uma experiência egodistônica.
Contudo, a partir da Escola de São Paulo, tendo como sua principal representante Sílvia
desses processos (Lane, 1984). Posteriormente às prerrogativas expressas pelo Conselho Federal
de Psicologia (CFP) por meio do Código de Ética, o CFP reafirma seu compromisso, dessa vez de
maneira mais específica, para com a população LGBTT*, desnaturalizando a violência frente a
essa população; colocando-se, portanto, como um dispositivo frente às artimanhas da alienação
e das reverberações do sistema capitalista de produção e desenvolvimento. Contudo, apoiando-
se em Lacerda Júnior (2010), faz-se mister que se reconheça que a ciência psicológica, mesmo
em seus posicionamentos ditos críticos, utiliza-se de teorias subjetivistas, entendidas aqui como
aquelas que não revelam o movimento dialético e histórico da realidade, de Lane, é possível que se
verifique uma Psicologia Social crítica e comprometida com os processos de violação do indivíduo,
reconhecendo, inclusive, a natureza histórica maneira que concepções assim também chegam ao
campo da diversidade sexual e de gênero (Araújo, 2016; Teixeira & Magnabosco, 2016; Torres,
2013), resultando em compreensões inadequadas do fenômeno da homofobia.
Diante das críticas realizadas às psicologias a-históricas importadas, principalmente dos
Estados Unidos, surgem, em 1979, propostas concretas de uma psicologia – principalmente para
uma psicologia social - em base materialista histórica, que estivessem socialmente engajadas com
o desenvolvimento de uma práxis transformadora dos contextos de injustiças e desigualdades
sociais (Lane, 1984). Conforme a autora,

484  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
É dentro do materialismo histórico e da lógica dialética que vamos encontrar os pressupostos
epistemológicos para a reconstrução de um conhecimento que atenda a realidade social e
o cotidiano de cada indivíduo e que permita uma intervenção efetiva na rede de relações
sociais que define cada indivíduo-objeto da psicologia social (Lane, 1984, pp.15-16).

Portanto, reconhece-se a necessidade de uma teoria que dê conta do elemento da


historicidade e se reconhece em Marx tal possibilidade para o trabalho frente à homofobia em
Psicologia Social. É em Marx (2009) que fica claro o elemento da dialética, considerando que
esse movimento de constante construção da realidade se dá numa base concreta, não no plano
abstrato das ideias, mas justamente no ir e vir das coisas. A convicção sobre a historicidade como
plataforma pra se chegar à realidade do fenômeno humano é tão certa que Marx (2015) coloca
sobe a mudança das forças de produção toda a história da humanidade, é na luta de classes que
ela se manifesta (Marx & Engels, 2015).
Borillo (2015), nesse sentido, expõe, por exemplo, que em sociedades antigas, como Roma e
Grécia, comportamentos e condutas homossexuais ocupavam um lugar diferenciado na moralidade
das pessoas, ainda que existissem algumas restrições. Segundo o autor, na Grécia, se o casamento
heterossexual era visto como necessário para a vida política e o reconhecimento enquanto cidadão,
relações homossexuais eram o ápice da realização do amor e do prazer, de maneira que, somente
após esse tipo de envolvimento afetivo-sexual um homem poderia se considerar feliz. Em Roma, de
maneira semelhante, na formação dos exércitos, amantes homossexuais eram colocados um ao
lado do outro tendo em vista que se cria que dessa maneira eles se fortaleciam. Somente, segundo
o autor, com o estabelecimento da matriz cristã começa a ocorrer perseguição a esses sujeitos.
Tuleski (2002) reconhece, também, em Vygotsky a possibilidade de construção de uma
espistemologia psicológica marxista. Apesar de aqui não se conceber a possibilidade de uma
psicologia marxista, uma vez que Marx não operacionalizou sua teoria dentro da academia,
acredita-se ser possível trabalhar em Psicologia Social com uma aspiração marxista (Lacerda
Júnior, 2010), o que significa perceber a relação homem-sociedade como uma unidade histórica
totalizante. Nesse sentido, Vygotsky (1994) afirma que a vida psicológica especificamente humana
se formou e se atualiza na relação, ou seja, todas as funções psicológicas superiores, dentre elas
a linguagem, o pensamento e a consciência, descritas pelo mesmo autor (Vygotski, 2008). Alguns
estudos, como o de Antunes (2016) e de Pereira e Leal (2005), ratificam o processo de construção
da homofobia em si como mediado pelas estruturas sociais, ou seja, antes de se estabelecer como
um elemento da identidade (Borrillo, 2015), é antes externo e mediatizado pela cultura, locus de
ação das estratégias e intervenções da Psicologia Social.
A Psicologia Social deve assumir um caminho com vias à libertação, como preconiza Martín-
Baró (1996), com uma atuação voltada para o desfazimento das construções sociais que vituperam
a população LGBTT* e fortalecem os processos homofóbicos nos mais variados contextos sociais.
Gonçalves e Yamamoto (2015), apoiados em Karl Marx, sugerem a práxis, correta harmonia entre
teoria e prática, como um caminho que a Psicologia Social deve traçar, entendo esse decisão como
fundamentação histórica e necessária. As experiências LGBTT* devem ser desmistificadas pela
prática social da ciência psicológica, garantindo saúde, dignidade e liberdade para esses sujeitos,
conferindo-lhes, inclusive, autonomia e acesso àquilo que Marx e Engels (1988) denominam
herança material e cultural, sendo possível a emancipação.
Destarte, Karl Marx aparece como uma pista para que se realizem leituras que deem conta
do grande espectro de cores existentes entre o azul e o rosa, transformando e atualizando os
marcos históricos que garantem o status quo e a permanência da classe dominante no poder, a
qual é homem, heterossexual e branca (Engels, 2012). Reitera-se com o apoio de Marx (2015) um
caminho teórico-metodológico para a Psicologia Social) a: não há nada a se perder com a luta

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 485


NO ONTEXTO BRASILEIRO
contra a burguesia e seus ideais a não ser os grilhões, porquanto a história da humanidade sempre
foi a história da luta de classes, na qual a ciência psicológica necessita assumir um posicionamento
claro. Somente nessa compreensão de atuação é que as raízes sociais da homofobia poderão ser
desveladas; podendo-se, assim, construir ações libertadoras (Okita, 2015).

Considerações Finais

Sim, dizem que sempre foi assim. Contudo, na verdade, a homofobia é um fenômeno
eminentemente social e cultural, com raízes e origem fincadas bem demarcadas no movimento
dialético da história da sociedade de classes, o qual se constitui como um vigilante das normas
de gênero e de sexualidade, as quais mantém a classe dominante e o status quo (Borrillo, 2015;
Castanho, 2013). Dessa maneira, tendo-se naturalizado a homofobia – leia-se as determinações
de gênero e de sexualidade – meninos e meninas cresceram e se subjetivaram crendo que nasceram
um pros outros ou para ser quem haviam determinado que seria, todavia eles podem quebrar
a norma e performarem a sua vivência; construindo-se revolucionários simplesmente por serem
quem são, mexendo na ferida do capital. Embora, como afirma Louro (2014), o caminho para a
cura das feridas geradas pela homofobia seja longo, faz-se mister que se construam intervenções
que levem meninos e meninas – adultos ou não – à libertação das algemas sociais (Okita, 2015).
A ciência psicológica, cuja natureza deve ser social, deve estar comprometida com a reconstrução
das consciências históricas empobrecidas na dinâmica do capital.

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488  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EXPLICANDO O CONSUMO DE ÁLCOOL: EXPLORANDO
O PAPEL DAS ATITUDES E DOS TRAÇOS DE
PERSONALDIADE
Andressa Ramos Oliveira
Bruna Saraiva Candeira
Geovane de Sousa Oliveira Filho
Renan Pereira Monteiro
Carlos Eduardo Pimentel

Introdução

O
uso abusivo de álcool representa um grave problema de saúde pública, sendo uma
das principais causas de mortalidade prematura no Brasil, relacionando-se, por
exemplo, a doenças como cirrose e câncer hepático (Melo et al., 2017). Ademais,
o álcool possui um papel importante para o envolvimento em acidentes de trânsito (Caamaño-
Isorna, Moure-Rodriguez, Varela, & Cadaveira, 2016; Pelição et al., 2016), além de contribuir
para a perpetração de violência em relacionamentos íntimos (Caetano, Schafer, & Cunradi, 2001;
Leonard & Quigley, 2017). Nesta direção, observa-se que variados desfechos negativos se associam
ao consumo de álcool, apontando a necessidade de conhecer seus preditores.
Especificamente, diversos estudos têm sido desenvolvidos buscando os preditores e as
consequências do uso e abuso de álcool. Entre potenciais preditores, variáveis demográficas
como o sexo e a idade podem cumprir papel importante para explicar o padrão de consumo. A
propósito do anteriormente comentado, episódios de consumo pesado são mais frequentes entre
jovens (15 a 19 anos) e o consumo é maior entre homens (Organização Mundial da Saúde, 2014).
Variáveis de cunho psicológico, como os traços de personalidade, também podem auxiliar no
entendimento do uso e abuso de drogas.
No âmbito dos preditores psicológicos, uma série de estudos tem indicado que determinados
traços de personalidade podem representar fatores de risco para uso e abuso de álcool (Stautz
& Cooper, 2013). Concretamente, os estudos neste campo têm explorado o papel dos Cinco
Grandes Fatores de Personalidade, sendo reportado, em metanálise com 20 estudos (7.886
participantes), que maior consumo se relaciona com baixa conscienciosidade, baixa amabilidade
e alto neuroticismo (Malouff, Thorsteinsson, Rooke, & Schutte, 2007). Já em contexto brasileiro,
Natividade, Aguirre, Bizarro e Hutz (2012) verificaram que incrementos em extroversão contribuíram
para aumento nas chances de beber, ao passo que incrementos em conscienciosidade tiveram o
papel oposto.
Para além dos Cinco Grandes Fatores, traços como impulsividade e busca de sensações
também são importantes preditores do consumo de álcool (Magid, MacLean, & Colder, 2007).
Pessoas que pontuam alto em busca de sensações tendem a ter uma necessidade de procurar
experiências novas, complexas, intensas e variadas, além de estarem dispostas a correr riscos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 489


NO ONTEXTO BRASILEIRO
em busca de tais experiências (Zuckerman, 1994). Por outro lado, a impulsividade se refere a
uma propensão para agir de forma instantânea e não planejada a estímulos, internos e externos,
sem ter em conta as eventuais consequências (Moeller, Barratt, Dougherty, Schmitz, & Swann,
2001). Dados com amostras brasileiras tem apontado que uma propensão para buscar sensações
relaciona-se com o uso potencial de drogas lícitas e ilícitas (Formiga, Omar, & Aguiar, 2010) e
grupos que fizeram uso de álcool apontaram níveis maiores de impulsividade (Almeida et al.,
2014).
Os traços de personalidade são aspectos distais do comportamento, podendo não estar
diretamente relacionados com o comportamento de uso, mas sim tendo efeitos indiretos. A
propósito do anteriormente comentado, variáveis proximais possuem um caráter preditor mais
forte, a exemplo das atitudes. De fato, evidências empíricas têm dado suporte ao caráter explicativo
das atitudes em relação ao uso de drogas em geral (Gouveia, Pimentel, Medeiros, Gouveia, &
Palmeira, 2007) e, em específico, ao uso de álcool (Medeiros, Pimentel, Monteiro, Gouveia, &
Medeiros, 2015). Estes últimos autores observaram, ainda, o caráter mediador das atitudes na
relação entre valores humanos e consumo de álcool.
A partir do previamente exposto, a presente pesquisa tem como objetivo checar em que
medida variáveis demográficas (sexo e idade), traços de personalidade (Big-5, impulsividade e
busca de sensações) e as atitudes predizem a frequência auto relatada de uso de álcool. Ademais,
serão explorados os efeitos indiretos traços de personalidade e direto das atitudes com relação
ao consumo de álcool. Considerando a literatura, foram elaboradas as seguintes hipóteses: 1
– O consumo de álcool se correlacionará negativamente com a idade dos participantes; 2 – Os
homens apresentarão um padrão de consumo maior; 3 – Traços de personalidade apresentarão
um efeito indireto na frequência do uso de álcool e; 4 – As atitudes irão predizer diretamente a
frequência do uso de álcool.

Método

Participantes

Participaram 141 universitários, com idades variando de 17 a 49 anos (M = 22,03; DP =


5,00), majoritariamente do sexo feminino (70,9%), solteiros (85%), de religião católica (57,2%)
e de classe social média baixa (44,3%). Os partícipes eram principalmente estudantes da área de
ciências humanas e sociais aplicadas (54,7%).

Instrumentos

Os participantes receberam um livreto contendo perguntas demográficas (e.g., sexo, idade,


estado civil) e as seguintes medidas:
Inventário de Personalidade de Dez Itens (Gosling, Rentfrow, & Swann, 2003): Medida que
operacionaliza os Cinco Grandes Fatores de Personalidade, sendo apresentado pares de adjetivos
(e.g., Item 1. Extrovertido, entusiasta; Item 7. Simpático, acolhedor), onde os indivíduos devem
indicar a sua concordância (1 – Discordo Fortemente; 7 – Concordo Fortemente) sobre a adequação dos
itens para descrevê-lo.
ImpSS – 8 (Webster & Crysel, 2012): Esta medida operacionaliza a impulsividade e busca
de sensações por meio de oito itens, quatro para cada fator. Os participantes são orientados a
indicar se afirmações como “Costumo fazer as coisas por impulso” (Impulsividade) e “Às vezes eu
faço coisas “loucas” apenas por diversão” (Busca de Sensações), os descrevem (Verdadeiro) ou
não (Falso).

490  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Escala de Atitudes Frente ao Uso de Álcool (Gouveia, Pimentel, Leite, Albuquerque, & Costa,
2009). Instrumento que se baseia em escala de diferencial semântico, consistindo em saber a
avaliação global dos participantes acerca do efeito do álcool. Os quatro pares de adjetivos são:
positivo/negativo, agradável/desagradável, bom/ruim e desejável/indesejável. Os pares situam-se
nos extremos do diferencial semântico, sendo que as pontuações variam de +2 a -2, em que +2 e
+1 representam atitudes favoráveis, 0 representa o ponto neutro da escala e -1 e -2 representam
atitudes desfavoráveis.
Por fim, solicitou-se que os participantes estimassem com que frequência consomem álcool,
indicando em escala de cinco pontos (1 – Nunca; 5 – 4 ou mais vezes por semana).

Procedimento

Os dados foram coletados por meio de instrumentos do tipo lápis e papel, em contexto de sala
de aula. Para tanto, inicialmente solicitou-se a permissão dos docentes para que os questionários
fossem aplicados. Após a permissão, os instrumentos foram administrados em ambiente coletivo
de sala de aula, não obstante, as respostas aos questionários eram dadas individualmente. Antes
de iniciar a coleta, os pesquisadores destacaram a natureza voluntária da participação, indicando
que os colaboradores poderiam declinar de sua participação a qualquer momento sem que isso
acarretasse prejuízos. Ademais, destacou-se que nenhum voluntário seria identificado, sendo
os dados tratados em conjunto. Por fim, em linha com o disposto na Resolução 510/2016 do
CNS, que regulamenta pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, era necessário que os partícipes
formalizassem o seu consentimento assinando um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE).

Análise dos dados

Os dados foram analisados por meio dos programas PASW e AMOS, ambos na versão 21.
Com o primeiro foram calculadas estatísticas descritivas (e.g., medidas de tendência central e
dispersão), além de análise de correlação de Pearson (verificar o padrão de associações entre
as variáveis) e regressão hierárquica (conhecer o papel preditivo das variáveis). Com o segundo
verificaram-se os efeitos diretos e indiretos das atitudes e personalidade, respectivamente, sobre o
padrão de consumo de álcool.

Resultados

Inicialmente verificou-se o padrão de correlações que os traços de personalidade e as atitudes


estabelecem com o consumo de álcool (Tabela 1). Concretamente, as atitudes apresentaram as
correlações mais fortes com o consumo (r = 0,61, p < 0,001). Entre os traços de personalidade,
verificou-se correlação entre consumo de álcool apenas com a busca de sensações (r = 0,36,
p < 0,001). Com relação as associações entre as atitudes frente o uso de álcool e os traços de
personalidade, observou-se correlação negativa com o traço conscienciosidade (r = -0,21, p <
0,05) e correlações positivas com os traços extroversão (r = 0,19, p < 0,05), impulsividade (r =
0,21, p < 0,05) e busca de sensações (r = 0,35, p < 0,05).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 491


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Tabela 1:

Padrão de correlações entre as variáveis

1
2 0,61**
3 0,10 0,18*
4 -0,06 -0,05 -0,22**
5 -0,09 -0,19* 0,06 0,29**
6 0,01 -0,03 0,14* -0,39** -0,10
7 0,10 0,00 0,17* 0,07 0,19* 0,12
8 0,06 0,21** 0,01 0,00 -0,09 -0,01 0,05
9 0,36** 0,35** 0,15* -0,06 -0,07 -0,06 0,26** 0,15*
1 2 3 4 5 6 7 8
Nota: *p < 0,05, **p < 0,001 (teste uni-caudal). Identificação das variáveis: 1 = Consumo de álcool, 2 = Atitudes
frente ao uso de álcool, 3 = Extroversão, 4 = Amabilidade, 5 = Conscienciosidade, 6 = Neuroticismo, 7 = Abertura, 8
= Impulsividade, 9 = Busca de sensações.

Conhecido o padrão de correlações entre as variáveis, o passo seguinte foi realizar uma análise
de regressão hierárquica. Para tanto, no primeiro passo entrou-se com as variáveis demográficas
sexo e idade, no segundo passo com os traços de personalidade (Big-5, impulsividade e busca de
sensações) e no terceiro passo com as atitudes frente ao consumo, tendo com variável critério a
frequência de consumo. O primeiro modelo de regressão (idade e sexo) predisse 6% na variabilidade
dos escores na frequência de consumo de álcool, sendo o sexo (codificado como homem = 1 e
mulher = 2) o único preditor (β = -0,23, p < 0,01). Após incluir os traços de personalidade no
segundo passo, verificou-se um aumento para 19% na variância explicada, sendo este incremento
de 13% estatisticamente significativo [F (7, 122) = 2,83, p < 0,01], tendo como preditores o sexo (β
= -0,19, p < 0,05) e a busca de sensações (β = 0,35, p < 0,01). Por fim, no terceiro e último passo,
a inclusão das atitudes aumentou a variância explicada para 44%, sendo esse incremento de 25%
estatisticamente significativo [F (1, 121) = 54,88, p < 0,01], tendo como preditores o sexo (β =
-0,17, p < 0,05) e as atitudes frente ao uso (β = 0,58, p < 0,01).

Tabela 2:

Regressão hierárquica
Preditores Consumo de álcool
Passo 1 Passo 2 Passo 3
Sexo -0,23** -0,19* -0,17
Idade 0,02 0,06 0,02
Extroversão 0,04 -0,06
Amabilidade 0,01 -0,02
Conscienciosidade -0,08 0,04
Neuroticismo 0,09 0,07
Abertura -0,04 0,04
Impulsividade 0,00 -0,05

492  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Busca de Sensações 0,35** 0,15†
Atitudes 0,58**
Nota: ** p < 0.01; *p < 0.05; p ≤ 0.07

Finalmente, testaram-se os efeitos indiretos dos traços de personalidade no consumo,


aferindo o papel de preditor direto das atitudes. Por meio de análise de caminhos (bootstrap com
5000 reamostragens), verificaram-se os efeitos diretos da extroversão (λ = 0,18, IC90% = 0,03 –
0,30, p < 0,05), conscienciosidade (λ = -0,17, IC90% = -0,31 – -0,04, p < 0,05) e busca de sensações
(λ = 0,32, IC90% = 0,19 – 0,45, p < 0,01) sobre as atitudes frente ao uso de álcool. Ademais,
observaram-se efeitos indiretos da busca de sensações (λ = 0,19, IC90% = 0,11 – 0,29, p < 0,01),
da conscienciosidade (λ = -0,11, IC90% = -0,02 – -0, 19, p < 0,05) e da extroversão (λ = 0,11, IC90%
= 0,02 – 0,19, p < 0,05) sobre o consume de álcool e o efeito direto das atitudes (λ = 0,61, IC90%
= 0,51 – 0,69, p < 0,01), sobre este ultimo, confirmando o seu papel proximal e de preditor direto
do consumo de álcool.

Figura 1. Modelo hierárquico para explicação do uso de álcool

Discussão

Considerando as consequências negativas associadas ao uso de álcool (e.g., Caetano et al.,


2001; Melo et al., 2017), o presente estudo objetivou verificar o padrão de relações entre os traços
de personalidade, as atitudes e o consumo de álcool, além de checar o papel preditor de variáveis
demográficas. Considerando a natureza dos construtos, pensou-se em uma hierarquia, onde os
traços de personalidade influenciam indiretamente o consumo, cabendo as atitudes o papel de
preditor direto. Os resultados encontrados deram suporte para esta hierarquia.
Concretamente, verificou-se que os homens tendem a fazer maior uso de álcool, corroborando
achados prévios (Organização Mundial da Saúde, 2014), inclusive tendo um papel preditor
superior aos traços de personalidade. Contudo, não se observou o papel preditor da idade, quiçá
em função da pouca variabilidade em relação à esta variável (mais de 50% dos participantes
tinham idades entre 19 e 21 anos). No que tange as dimensões da personalidade, verificou-se
que as relações mais consistentes com o consumo de álcool envolveram a busca de sensações,
correlacionando-se e tendo um poder preditivo marginalmente significativo, além de ter efeitos
indiretos sobre o consumo. Nesta direção, mesmo controlando pelos Big-5, a propensão para

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 493


NO ONTEXTO BRASILEIRO
buscar novas, complexas e intensas experiências pode ser um fator de risco para o uso e abuso de
álcool (Magid et al., 2007; Zuckerman, 1994).
Apesar de não se correlacionarem com o padrão de consumo e nem predizê-lo, as dimensões
de personalidade conscienciosidade e extroversão tiveram efeitos indiretos sobre o uso. Algumas
características de pessoas com elevada conscienciosidade são a responsabilidade, pontualidade e
organização (Schultz & Schultz, 2015), além desses traços descreverem comportamentos saudáveis
(Raynor & Levine, 2009), maior longevidade (Kern & Friedman, 2008), estando associados ao uso
de substâncias lícitas e ilícitas em geral (Terracciano & Costa, 2004; Terracciano, Löckenhoff,
Crum, Bienvenu, & Costa, 2008) e uso de álcool em específico (Malouff et al., 2007; Natividade et
al., 2012). Com relação à extroversão, este traço descreve aqueles mais sociáveis, comunicativos
e que gostam de se divertir (Schultz & Schultz, 2015), sendo que a extroversão pode ser um fator
indispensável para identificar as diferenças individuais que predispõe ao consumo de álcool
(Natividade et al., 2012).
Para além dos efeitos indiretos que denotam a importância de características mais estáveis,
como a conscienciosidade, extroversão e busca de sensação para o uso, observou-se efeito
direto das atitudes, sendo o principal preditor. Esses resultados vão na mesma direção daqueles
encontrados por Simons e Gaher (2004) em contexto estadunidense. Ademais, em contexto
brasileiro, Gouveia et al. (2007) verificaram o caráter preditor das atitudes sobre o uso de drogas
em geral e Medeiros et al. (2015) observaram o poder preditivo das atitudes sobre o uso de álcool.
Portanto, a presente pesquisa contribui com a literatura, indicando a consistência das atitudes
enquanto preditoras do comportamento aditivo, adicionando uma série de características de
personalidade e variáveis demográficas ao modelo de regressão, mantendo-se como o principal
preditor do consumo de álcool.
Apesar das contribuições, o presente estudo apresenta limitações, a exemplo da amostragem
de conveniência, limitando qualquer possibilidade de generalização (Hanel & Vione, 2016). A
propósito, em possibilidades futuras é importante contar com amostras maiores e heterogêneas,
além de considerar outros preditores, a exemplo dos valores humanos (Gouveia, Milfont, & Guerra,
2014), além de traços desviantes da personalidade, como aqueles que formam a tríade sombria
da personalidade (Paulhus & Williams, 2002). Portanto, existe um vasto campo de pesquisa a ser
explorado no contexto brasileiro, buscando conhecer as diferenças individuais que podem explicar
uma maior propensão para o consumo de substâncias.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
SIGNOS E SIGNIFICADOS DO SOFRIMENTO MENTAL
NA ATENÇÃO PRIMÁRIA A SAÚDE
Josenaide Engracia dos Santos
Yasmim Bezerra Magalhães
Ana Ariel Sousa Almeida

Introdução

A
doença mental constitui, ainda hoje, um importante problema de saúde pública
no Brasil. Estudos epidemiológicos apresentam altas taxas de prevalência de
sofrimento mental na atenção primária à saúde (APS), de modo que o sofrimento
psíquico é uma condição recorrente no cotidiano da clínica médica neste contexto assitencial
(Mendes, 2012). As perturbações mentais estão presentes em todas as sociedades e criam uma
carga pessoal substancial para os indivíduos afetados e as suas famílias, e produzem dificuldades
econômicas e sociais que afetam a sociedade no seu todo (OMS, 2008).
A Reforma Sanitária e a Reforma Psiquiátrica são contemporâneas à luta pela mudança de
modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde do Brasil (OPAS, 2005). Engajados à Reforma
Psiquiatra estavam instituições, movimentos sociais e associações de pessoas com transtornos
mentais e familiares. Para Amarante (2009), a Reforma incide na desconstrução dos conceitos
fundantes da psiquiatria, tais como: doença mental; alienação; isolamento; terapêutica; cura;
saúde mental; normalidade; e anormalidade.
A APS se torna uma prática privilegiada nas intervenções em saúde mental por se tratar do
lócus onde o sofrimento psíquico acontece e precisa ser enfrentado. Para Viegas e Penna (2015)
estas experiências vão sinalizar os signos e significados diante de situações de aflições e sofrimento
na saúde mental. A conformação das queixas e convicções das pessoas estão profundamente
imersas em domínios culturais e contextos sociais, ou seja, a saúde da população é influenciada
pelo seu cotidiano e modo de vida.
Estudos da psiquiatria transcultural têm apontado para a necessidade de que a doença
seja compreendida dentro dos contextos sociais específicos em que ela é concebida, ou seja,
para Kleimann (1978) as pessoas tendem a expressar a situação de sofrimento mental muitas
vezes de formas consideradas aceitáveis para a própria cultura, bem como, a busca por recursos
terapêuticos dependerá do significado e expectativa da doença.
O significado atribuído às aflições não ocorre apenas como um simples ato individual, mas
a partir de processos interpretativos adquiridos na vida cotidiana e a concepção de uma dada
enfermidade está relacionada a contextos sociais e existenciais específicos. Assim consoante, Alves
(1993) discorre que “ Para uma compreensão adequada do sofrimento, deve-se levar em conta
tanto seus aspectos subjetivos, o que determina um mundo de diferenças interpretativas, como
seus aspectos intersubjetivos, o que a torna ‘objetiva’ para os outros”.
A partir das dimensões apresentadas em torno do sofrimento mental no contexro da atenção
primária à saúde esta pesquisa buscou compreender como usuários da APS representam e reagem
às condições de adoecimento mental. O estudo deu enfoque à reflexão em torno dos recursos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 497


NO ONTEXTO BRASILEIRO
disponíveis à otimização dos processos de trabalho dos atores envolvidos com o impacto das
demandas de saúde mental na APS.

Método

A pesquisa tem caráter qualitativo e utilizou a teoria conceitual metodológica do construcionismo


social que se preocupa, sobretudo, com a explicação de processos por meio dos quais as pessoas
descrevem, explicam ou dão conta do mundo (incluindo a si mesmo) em que vivem. Cada descrição é
sempre produto de convenções locais, inseridas em uma tradição de uma comunidade que privilegia
práticas definidas e promove valores específicos (Gergen, 1985; Spink, 2013).
O cenário da pesquisa é a regional administrativa de Ceilândia no Distrito Federal,
especificamente no condomínio Sol Nascente que é considerado a segunda maior favela do Brasil.
O local se caracteriza por extrema pobreza, ausência de saneamento básico, oferta insuficiente
de empregos, o grande déficit habitacional e ocupação indiscriminada. Os serviços públicos de
saneamento básico (água, esgotos, drenagem urbana), escolas, serviços de saúde e transporte são
insuficientes.
O instrumento de pesquisa utilizado foi roteiro de entrevista semi-estruturado. Os
participantes da pesquisa foram 10 usuários da APS, com idades de 18 a 60 anos. Considerou-
se como critério de exclusão indivíduos que possuíssem qualquer déficit cognitivo, avaliado pela
equipe. A entrevista contou com três perguntas norteadoras que objetivaram identificar como o
usuário representa o sentido da saúde mental e os recursos utilizados para cuidar do sofrimento
apresentado.
A análise foi realizada pelo Mapa de Associação de Ideias, que de acordo com Spink (2013)
trata-se de um instrumento de visualização do processo de interanimação através de uma tabela
com colunas definidas tematicamente, a partir de perguntas norteadoras utilizadas como recurso
de investigação do conteúdo presente no discurso dos participantes. As perguntas do mapa de
associação de ideias são organizadas a partir de um processador de dados, o qual se caracteriza
por uma tabela com colunas correspondentes às categorias utilizadas que respeitam a ordem do
diálogo manifesto (Spink & Lima, 2013).
O período da investigação da pesquisa foi em janeiro e fevereiro de 2016. As participações
dos sujeitos foram voluntárias, tendo como critério a assinatura do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido. A pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de
Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (Fepecs) sob número 960.650/2015.

Resultados e Discussão

A partir das narrativas foi organizado o material base que permitiu o agrupamento de
conteúdos referentes aos; significados, causas atribuídas ao sofrimento, e recursos terapêuticos
utilizados pelos usuários de saúde mental da APS. A representação dessas experiências se apresentou
em três dimensões: Significado do sofrimento mental; Atribuição de causas ao sofrimento mental;
Cuidando do sofrimento mental.

Significado do sofrimento mental

O signo da doença mental se apreseta como descontrole ou perda do ‘juízo’. A narrativa,


colocou a ênfase na capacidade pessoal de discernimento do “certo ou errado”, acerca de condutas
reprováveis no contexto de convívio social, cujo comprometimento reflete-se no desempenho
social, psíquico e ocupacional do sujeito:

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Doença mental pra mim é uma pessoa que não tem nexo, ela não fala coisa com coisa, ela, a doença mental
pra mim assim... o doido mesmo, a pessoa que é louca mesmo ela não tem noção de nada, se ela chegar
aqui e ela quiser, ela faz cocô aqui na sua frente, tira a roupa fica nua.

É possível inferir que o significado do sofrimento mental contido no relato permeia o eterno
desconexo entre a realidade e a ilusão, descrita como uma ação em um desvio dissociativo do eu,
perante ele mesmo e à sociedade, sem conexão com o mundo real. A loucura foi associada ao
conceito de “desrazão”, caracteristicamente moral, por isso outra modalidade de razão – aquela
que não obedeceu e transgrediu, os seus limites (morais) perdendo-se totalmente, não sendo mais
senhora de si mesma Foucault (1987).
Como resposta a este adoecimento Rabelo e Alves (1999) apontam que a condição de
isolamento tende a estar associada, por um lado, à indisposição e falta de ânimo que remetem às
ideias de força e fraqueza, e por outro, à condição de se estar apático, uma vez que ameaça um
fluxo de reciprocidade. Trancar-se, deixar a casa em desleixo são comportamentos mencionados
para se descrever uma dinâmica de isolamento que nem sempre se considera digna de pena ou
atenção especial, como podemos ver no depoimento que segue.

Foi um sofrimento muito grande. Eu via tudo, ouvia, mas não tinha como me controlar... entendeu? (...)
Eu conseguia ver, ouvir. Eu via todo mundo, eu vi... eu via o pessoal que vinha aqui me ver, eu via... eu via
os médico, eu via o pessoal do Centro de atenção psicossocial, a Zenaide. (...) E assim, ao mesmo tempo...
ao mesmo tempo eu tinha um medo, eu tinha um medo como que vocês eram tudo falso (...) ‘você passou
da hora de comer, de dormir’ porque tudo tem uma hora, um tempo...o trabalhador tem tantas horas de
serviço, tantas horas de almoço, de descanso’ E eu não tinha nada disso.

Opera-se o não controle de seu próprio corpo com a perda da autonomia, controle dos
sentidos e da ordem dos pensamentos, o que incide na desapropriação de sua identidade,
desorientação temporal e perda da capacidade produtiva. A história da maioria dos doentes
mentais, como mostra Bennelli (2014), começa com ataques a disposições da vida face-a-face,
no lar, no trabalho e em seu desempenho de papeis. Neste contexto fala-se que a pessoa mesmo
diante de desemprego era ativa.

Normal ela não fica desempregada não, ela insiste ela vai à luta, quando ela está normal, ela vai a empresa
entrega currículo saí corre a atrás.

O sofrimento surge como “depressão” e remete a precariedade da vida, onde a vida é tomada
pela desesperança pela sensação de desprezo. O que se verifica não é da ordem de um conflito, mas
da pura insuficiência, de um esvaziamento e esgotamento que debilita e enfraquece. Leite (2012)
salienta como aspecto importante do processo de adoecimento a dificuldade de ajustamento que
produz sofrimento, sensação de abandono e medo do desconhecido:

Acho que a palavra melhor é desprezo, eu não sei se ele me desprezava, aí começou uma tristeza, aí eu
ficava triste. Mas quando você nasce você tem que passar por alguma coisa, eu acredito que você passe
mesmo! A gente se sente forte e tal, resolve tudo para todo mundo, mesmo eu assim... que eu fiquei assim,
eu nunca me joguei só porque eu estava muito mal, depois, assim, que eu estava doente mesmo, eu fiquei
debilitada demais e eu dizia: não sou doida! Foi uma dificuldade muito grande pra mim realmente aceitar
que estava com depressão.

A dificuldade de reconhecimento e aceitação das demandas de sofrimento psíquico se


relaciona com o estigma que esses sintomas conferem. Ao apresentar uma sintomatologia de
saúde mental, o indivíduo leva consigo a preconcepção de ser “doido” que permeia o significado

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 499


NO ONTEXTO BRASILEIRO
de descontrole, irracionalidade (Silva, 2014). Para Alves (1993) a enfermidade envolve uma
significação por meios de processos interpretativos adquiridos na vida cotidiana dos indivíduos e
grupos sociais, através de suas experiências e sensações corporais.

Conjunturas e causas de sofrimento mental

Para os entrevistados, considera-se o sofrimento mental como processo de quebra de


interações cotidianas, situação que se converte em um problema com o qual os indivíduos têm
que lidar e pode estar associado a noção de gravidade do diagnóstico.

Considero mais a esquizofrenia doença mental, porque não tem cura, já a depressão você controla, curável,
a depressão tem cura, assim você ameniza a doença se você se ajudar, e uma coisa assim, se você quer se
ajudar você toma o remédio pro resto da vida, mas tem uma cura, ameniza.

O contexto em que se caracteriza o sofrimento mental está associado a separações conjugais


e esvaziamento da função de mulher, esposa. Aqui, se acredita que a família é uma unidade
estruturada em relações hierárquicas, de cuja integridade depende a integridade das partes.
Assim, a ausência paterna põem em risco a saúde mental como relata a usuária:

Ainda tenho aquela raiva, porque ele tirou muita coisa de mim, minha herança, eu fiquei com uma casa e
ele ficou com a outra. O sítio ele ficou, ele fez tudo pelo sitio e não pela casa, eu vou trabalhar agora pra
terminar a casa por fora, murar fazer coisa que ele não fez, porque ele sabia que ia separar então já tinha
esse plano bolado. A primeira vez depois da separação, que o vi, eu fiquei toda ansiosa, toda nervosa.

Essa percepção se relaciona, segundo Rabelo e Alves (1999), com a necessidade que a mesma
terá de fazer novos arranjos dentro da unidade familiar. A fraqueza que uma situação como esta
provoca é psíquica – uma vez que a mesma terá que lidar com a perda do marido que resulta na
sobrecarregada de desempenhar novos papeis e tarefas sozinha.

Quando eu mudei pra aqui, eu fiquei sem meus clientes, fiquei...e eu tinha muito medo, eu tinha muito
medo...porque eu me preocupava muito com meus filhos, que eu me separei do pai deles, e vim pra cá
pra Brasília, e assim, os meninos ainda pequeno, e eu tinha muito medo, eu tinha muito medo de faltar e
passar necessidade.

Outro contexto atribuído ao sofrimento é o de que o louco ora é um sujeito que afronta a
moral, ora um sujeito com defeitos no sistema nervoso, por vezes englobado em uma massa de
imorais e em outras individualizado num corpo doente. Coloca sempre em relação a natureza e
a cultura, a ciência e a moral, o indivíduo e a sociedade. A moral propicia o domínio da loucura
pela ciência. A ciência que domina a loucura não se sustenta sem a moral que a precede, mesmo
afirmando sua autonomia (Chaves, 2013).

A doença mental é como vejo lá na rodoviária... Ele pelado com órgão genital pra fora, tirou a roupa e é a
coisa mais natural, você vê esses olhos esbugalhados, falando coisa com coisa que não tem nada a ver né?E
um pouco agressivo.

O sofrimento é explicado perpassando o corpo e muitas vezes vem em expressão de fadiga e


fraqueza que caracteriza o impedimento.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Eu fiquei assim, eu nunca me joguei! Só porque eu estava muito mal, depois, assim, que eu estava doente
mesmo eu fiquei debilitada demais e eu dizia não sou doida.

A doença como fraqueza inutiliza o corpo para a ação e passa a caracterizar além do estado
corporal uma situação social de desordem. O sofrimento mental é explicado como uma angustia
sem fim. A angústia, segundo Lacan (2005), é o único afeto que não engana, visto que é real e
experimentado no corpo. Winograd e Teixeira (2011) descrevem como sujeito deprimido aquele
mergulhado em uma angústia desmedida, materializada no corpo sob a forma de dor. Dói o
corpo, dói o peito, dói a alma, como sugere o relato:

Para que viver? Viver nesse sofrimento, nessa tristeza tomando remédio, sempre cuidei das pessoas agora
eu nessa situação, eu dizia assim: Senhor eu não preciso viver, me prepare e me leva que eu vou ficar muito
bem contigo.

É comum atribuírem esta dor à causa precipitante do seu sofrimento mental e de ato suicida,
quando afirmam que matar-se seria a única forma de livrar-se da dor.

Cuidando do sofrimento mental

A aquisição do rótulo de doente, incluindo a formação de uma identidade, é percebida como


um processo socialmente organizado, na medida em que ele ocorre através da ajuda profissional
e na maioria das vezes dentro de uma instituição de tratamento. Às instituições, utilizam um
conhecimento eminentemente prático e as drogas farmacêuticas são vistas como um elemento
necessário no cuidado do sofrimento mental, sua associação à cura ou à melhora é, contudo,
ambígua como a internação.

A segunda internação, que tive dor de cabeça, que descobriu que eu estava com depressão, aí eu fui pra
minha mãe, me deu mais atenção, meus filhos... marido não! Marido só queria ver eu morta.

Uma vez detectado este sofrimento precisa ser tratado e, por vezes, vai requerer uso de
internação ou assitência ambulatorial imediata por falta de “controle” das desordens psíquicas
provocadas (Rabelo & Alves, 1999). A agudização de sintomas mais graves pode indicar a
internação para estabilização dos quadros, mas nem sempre se trata da única opção viável:

Eu não cheguei a ser internada, mas eu tomei... eu fui no Hospital psiquiátrico São Vicente, duas vezes que
eu fiquei assim, porque antes de eu ficar ruim mesmo, o Rodrigo me levava, mas não me internava.

Ainda há uma forte inclinação ao tratamento através da internação, o que reforça o modelo
manicomial. Contudo aparece registrada a utilização do dispositivo hospitalar como emergência,
uma vez que a situação de crise foi acolhida sem necessariamente utilizar-se da institucionalização.
Para Leão e Barros (2008) a segregação que o hospital psiquiátrico representa é uma das faces da
exclusão social, uma vez que o usuário não consegue exercer suas trocas sociais e permanece numa
situação de vida, muitas vezes sem significados ou transformações.
A terapia medicamentosa dos transtornos mentais pode ser definida como tentativas de
modificar ou corrigir comportamentos, humores ou pensamentos patológicos pela química
(Sadock & Sadock, 2016). É o médico que fornece os remédios destinados a curar ou manter
sob controle o paciente. Com o uso continuado de remédios o doente entra numa espécie de
cadeia circular; ele toma o remédio, os sintomas desaparecem temporariamente e ele “fica bom

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 501


NO ONTEXTO BRASILEIRO
para ir buscar de novo o remédio”. Entretanto os sentidos atribuídos ao medicamento são de
desconhecimento.

Amitriptilina eu não sei se ele é psiquiátrico acho que é calmante, mas aí eu deixei por que se tomar dorme,
se não tomar não dorme, então eu não quis tomar aí não teve efeito nenhum pra mim.

Há dúvidas quanto aos possíveis efeitos do medicamento no organismo e aos objetos do


tratamento medicamentoso. Pode-se observar que possivelmente há uma falha na comunicação
entre o usuário e o profissional de saúde, que limita a interação e a liberdade de questionamentos
advindos do usuário.

“Então, o Citalopram e o Donaren”. Mas eu quero...eu queria entender por que? E o que é o Donaren”

A problemática da falha de comunicação é claramente visível e influenciadora da adesão


deste usuário ao tratamento medicamentoso. Há a necessidade da participação do usuário como
componente principal do tratamento, para isso o profissional de saúde deve incluir as informações
necessárias sobre o tipo de medicamento, a função, os adversos e as interações.

Fluoxetina, Rivotril...[...] Tinha outro, mas não lembro o outro. Donaren quem passou foi essa médica
porque eu estava pra morrer na época. “Me libertar de tomar remédio, meu outro sonho também.

O uso do medicamento no tratamento psiquiátrico se mantém em obscuro, é importante


salientar que o manejo da medicação necessita de uma construção compartilhada dos profissionais
para os pacientes. Para Pereira (2013), não devemos descartar a influência da informação para o
emponderamento do sujeito.
A forma de cuidar do sofrimento foi marcada por estratégias de enfrentamento centradas no
trabalho como parte fundamental na construção da saúde e da vida, o que estabelece uma forte
relação com o real do cotidiano da sua vida.

Eu me enterro no trabalho, minha vida e porque eu trabalho 24 por 24 h, ai eu trabalho, tive muita vontade
de fazer enfermagem mais o meu trabalho como eu não ganho o suficiente para pagar a faculdade. Entendeu?
então eu fico trabalhando e vou para a igreja quando eu posso, eu estou muito falha com Deus porque eu
tenho que ir para igreja e eu estou mais trabalhando e assim minha vida e só assim trabalho e casa.

Na narrativa o trabalho aparece como proteção contra os afetos dolorosos oriundos do


mal estar cotidiano que causa sofrimento. A escolha pelo trabalho 24 horas apesar de ter sido
situada como uma estratégia defensiva, pode denunciar um estado de alerta, segundo Barros e
Mendes26, pois em algum momento a intensidade do uso desta defesa pode levar ao seu fracasso,
anestesiando o sofrimento vindo do ambiente laboral e, conseguintemente, levar ao adoecimento
e à alienação.
O adoecimento psíquico dos usuários da APS organiza-se em torno da forma de significar,
explicar e lidar com o sofrimento mental. A identidade do sujeito vincula-se a sua posição
hierarquizada e estabelecida pelas experiências por ele vivenciadas, e tal como contribui Heidegger
(1988), o mundo que nela se abre não é, portanto, um objeto que contemplamos de fora, mas um
mundo em que estamos envolvidos, contidos e, portanto, implicados.
O sofrimento mental manifesto nos discursos apresentados perpassa uma atmosfera que
descortina situações corriqueiras, com as quais já não se pode manter vínculos de familiaridade, é
o estranhamento, expresso no corpo, na fraqueza e no desempenho de papéis. Surge ainda como

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
dificuldade de sustentar a autoimagem e suportar as próprias fragilidades perante as experiências
emocionais emergentes no contexto em que vivem.
As circunstâncias do modo de adoecer envolvem a ligação que se estabelece entre a pessoa e o
sofrimento, este último como experiência física e subjetiva, envolvida em uma rede de sentimentos
que orientam as pessoas em suas buscas pelos significados. Para Rodrigues e Caroso (1986)
quando se referem às causas de suas doenças as pessoas estão necessariamente interpretando
determinadas condições que ajudam a explicar porque tal doença aconteceu em dado momento.
As dinâmicas que envolvem o adoecimento mental presente em usuários da atenção primária,
pouco discutidas enquanto sofrimento, são permeadas pela perda do lugar social que dá sentido
a existência desses sujeitos. A comunicação desses sentimentos se dá por meio da noção de que
algo não está bem, algo está errado, e de um limite que sai do alcance deste indivíduo.
Ressalta-se que é questão central para nortear medidas de intervenção nesse contexto
estudos que façam uma aproximação com a singularidade desses sujeitos enquanto modo
próprio de perceber, descrever e significar sintomas e sensações. A partir da imersão nessa rede
de concepções é possível traçar um caminho de co-responsabilização com as equipes de saúde
enquanto estratégia de empoderamento e adesão às práticas terapêuticas dispostas.

Referências

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504  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PSICOLOGIA EM CONTEXTO: ACOLHIMENTO DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
SEXUAL
Rafaella Coelho Sá Veloso
Beatriz Cardoso Marques
Kelly Raissa Silva
Nathan da Silva Cunha
Samara Sales de Brito

Introdução

P
esquisas epidemiológicas sinalizam que um número significativo de crianças e
adolescentes tem sofrido algum tipo de violação de direitos e tais dados colocam
a questão como um grave problema de saúde pública, agravando-se mais com o
fator de subnotificação desta realidade. Necessitando do rompimento deste ciclo da violência
e reconstrução da rede que se organizou ao redor da criança ou adolescente que é vítima.
De tal maneira que ponto inicial para enfrentar a violência contra a infância e a adolescência
passa por romper os pactos de silêncio e a sua ressignificação, pois sabe-se que essa situação
traumática envolve a criança e sua família e os impactos vão desde alterações no desenvolvimento
biopsicossexual e social, no ambiente familiar aos círculos mais próximo (Morina et al, 2016;
Brasil, 2002; Silva, 2000).
A partir disso, surgiram questionamentos sobre o trabalho que está sendo oferecido às
crianças e adolescentes que passam por essa violação, a respeito da representação psicológica
dessa vivência. Refletindo sobre isso, este presente trabalho pretende abordar a repercussão e as
representações psicológicas na vida de crianças que sofreram violência e/ou abuso sexual, a partir
do olhar de meninas cujos direitos foram violados. Uma vez que norteou-se como objetivo geral
a intenção de investigar a representação psicológica em crianças e adolescentes que sofreram
violência sexual; e, mais especificamente: propiciar um espaço e momento para o acolhimento
de demandas das crianças de institucionalizadas que foram vítimas de algum tipo de violência;
colaborar com estratégias de enfrentamento e promover sua ressignificação; além de contribuir
para o fortalecimento emocional das vítimas, de forma a promover a ressignificação do dano
emocional cometido.
Nesta realidade, fez-se necessária o estudo e aprofundamento de alguns conceitos,
começando pelo entendimento de violência defendido por Chauí (1985) que não como violação
ou transgressão de normas, regras e leis, mais como uma relação de forças caracterizada num
polo pela dominação e no outro pela coisificação. Foucault (1976), por sua vez, afirma que a
violência caracteriza-se por uma relação de forças desiguais, configurando assim uma relação de
poder onde o mais forte subjuga, explora e domina o mais fraco. Já a violência sexual, a partir
do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.69/90), caracteriza-se por atos praticados
com finalidade sexual que, por serem lesivos ao corpo e a mente do sujeito violado (crianças

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 505


NO ONTEXTO BRASILEIRO
e adolescentes), desrespeitam os direitos e as garantias individuais como liberdade, respeito e
dignidade (BRASIL, 1990, Artigos 7º, 15, 16, 17 e 19).
O abuso sexual infantil é considerado uma forma de violência que envolve poder, coação
e/ou sedução, envolvendo duas desigualdades básicas: de gênero e geração. É frequentemente
praticado sem o uso da força física e não deixa marcas visíveis, o que dificulta a sua comprovação,
principalmente quando se trata de crianças menores, que pode variar de atos que envolvem contato
sexual com ou sem penetração a atos em que não há contato sexual. Habigzang, Corte, Hatzenberger
(2008, p.1) afirma que “violência pode ser definida como qualquer contato ou interação de uma
criança ou adolescente com alguém em estágio mais avançado do desenvolvimento, na qual a
vítima estiver sendo usada para estimulação sexual do perpetrador”.
Sendo a interação sexual expressa por atos como toques, carícias, sexo oral ou relações
com penetração genital ou anal, além de situações que não há contato físico, como voyeurismo,
assédio, exposição a imagens ou eventos sexuais, pornografia e exibicionismo. Assim, o impacto
desta violência na vida criança, permeia fatores intrínsecos, extrínsecos e fatores relacionados com
a violência sexual em si.
Os fatores intrínsecos tangencia questões inerentes à criança tais como a vulnerabilidade e
a sua conduta resiliente, ambas ligadas diretamente à sua historicidade e contexto; os extrínsecos
dizem respeito a rede de apoio social e afetiva da vítima; e, fatores relacionados diretamente
com a violência sexual em si, como por exemplo, duração, grau de parentesco/confiança entre
vítima e agressor, reação dos cuidadores não-abusivos na revelação e presença de outras formas
de violência, conforme cita Habigzang et al (2008).
Este presente trabalho, em consonância com seus objetivos, abordou os fatores intrínsecos,
relacionados a representação psicológica e ao sentido subjetivo das crianças e adolescentes e sua
capacidade de lidar com o mesmo, ou seja, sua resiliência, sob a perceptiva de que o trabalho com
tais aspectos, somado às atividades da rede que as acompanha, irão estar refletindo nos fatores
extrínsecos.
O impacto desta violência sexual, principalmente na criança, pode ainda acarretar alterações
comportamentais, cognitivas, emocionais e sintomas físicos. As condutas comportamentais
podem ser representadas pela hipersexualizada, abuso de substâncias, fugas do lar, furtos,
isolamento social, agressividade, mudanças nos padrões de sono e alimentação, comportamentos
autodestrutivos, tais como se machucar e tentativas de suicídio. Com relação às cognitivas, pode-se
destacar baixa concentração e atenção, dissociação, refúgio na fantasia, baixo rendimento escolar
e crenças distorcidas, tais como percepção de que é culpada pelo abuso, diferença em relação aos
pares, desconfiança e percepção de inferioridade e inadequação. (Chauí, 1985; Habigzang et al,
2006/2008; Abrapia, 1997; Cunha et al, 2008; Furniss, 1993; Gabel, 1997)
Esses autores também comentam sobre as alterações emocionais que a violência sexual
provoca nas vítimas referindo-se aos sentimentos de medo, vergonha, culpa, ansiedade, tristeza,
raiva e irritabilidade. E, os sintomas físicos, podemos citar: hematomas e traumas nas regiões
oral, genital e retal, coceira, inflamação e infecção nas áreas genital e retal, doenças sexualmente
transmissíveis, gravidez, doenças psicossomáticas e desconforto em relação ao corpo, conforme
dados de pesquisas dos autores já citados anteriormente.
A violência sexual também pode ser considerada como importante fator de risco para o
desenvolvimento de psicopatologias, como por exemplo, quadros de depressão, transtornos de
ansiedade, alimentares e dissociativos, enurese, encoprese, hiperatividade e déficit de atenção e
transtorno do estresse pós-traumático, dentre outros. (Saywitz apud Habigzang, et al 2008)
Desta forma, torna-se necessário a discussão do tema, para um olhar atento e diferenciado
aos sinais, sintomas e consequências que pode deixar na vida de pessoas que sofrem esse tipo de
violência e para além de contribuir no fortalecimento e preparo das redes de apoio, como familiares,

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aos profissionais da saúde e educação, pois são os mais próximos, estarão em maior contato
com esses sujeitos, além de serem pessoas significativas que compõem os elos de relacionamento
existentes e percebidos pela criança, agregado o elemento afetivo, em função da importância do
afeto para a construção e a manutenção do apoio.
O Ministério da Saúde (2006) destaca outro aspecto relevante é o fato de que esta violação
acontece, em sua maioria, no ambiente familiar e nas redes de apoio que deveriam proteger e
garantir a provisão de afeto e cuidados necessários ao desenvolvimento saudável, dificultando a
não denúncia dos casos de abuso sexual.
Quando a rede está munida de recursos para ajudar essas crianças e adolescentes a passar
por esse sofrimento sem maiores danos, elas conseguem protege-las de maiores prejuízos à saúde.
Esse apoio social e afetivo está relacionado com a percepção que a pessoa tem de seu mundo
social, como se orienta nele, suas estratégias e competências para estabelecer esses vínculos e o
seu fortalecimento subjetivo. Habigzang et al (2006, p. 380) cita tais fatores de proteção:

Fatores de proteção [...] têm sido identificados, principalmente, no cuidado estável oferecido
pela família, que reforça a identificação com modelos e papéis; nas características pessoais,
como a habilidade para resolver problemas, a capacidade de cativar pessoas, competência
social, crenças de controle pessoal sobre os eventos de vida e senso de auto eficácia; e, na
possibilidade de contar com o apoio social e emocional de grupos externos à família, diante de
eventos estressores.

Pode-se citar ainda outros fatores de proteção: a retirada da vítima do contexto abusivo, a
conduta e esclarecimento que se dá à criança sobre o que ocorreu com ela e mais significativo ainda
é o bom e saudável relacionamento entre mãe e filhos além da proteção da rede de apoio social
Habigzang et al (2006). Desta forma, a rede contribui para esses sujeitos adquirir capacidades e
repertórios comportamentais para superar adversidades que é definida como resiliência, ou seja,
capaz de buscar alternativas eficazes que a auxiliarão a enfrentar de forma satisfatória os eventos
de vida negativos.
Em relação aos fatores de risco, estão associados às características ou aos eventos que
podem levar a resultados ineficazes, enfraquecendo a pessoa diante da situação de estresse, como
por exemplo, a falta de fiscalização quanto à medida de afastamento do agressor, a falta de
efetividade da rede de apoio, a negação da violência sexual pela família, o abuso de álcool e drogas,
a dependência financeira do agressor e outras formas de violência (abuso físico, psicológico e
negligência) associadas ao abuso sexual no contexto familiar e comunitário, o não envolvimento
das famílias das vítimas de abuso sexual nas intervenções judiciais, com isso os encaminhamentos
das instituições podem não serem cumpridos, as vítimas não receberem acompanhamento
adequado pelos profissionais atendentes, desenvolvimento de psicopatologias e/ou sintomas
psicopatológicos, comportamentos psicossomáticos (Habigzang et al 2006). Porém é importante
ressaltar também que os fatores de risco e proteção não são categorias fixas definidas a priori, mas
se constituem como tal dependendo do contexto histórico, social e subjetivo, do qual ocorrem.
Nesta realidade a relevância deste estudo se dá à necessidade de se propagar a discussão
acerca da temática, para contextualizar como um problema de saúde pública, compreensão do
abuso sexual infantil, em uma perspectiva sobre dinâmica familiar, incidência epidemiológica,
consequências do trauma para o desenvolvimento e intervenções sócias e clínicas.

Método

Este estudo é um resultado de intervenções realizadas pelo Programa de Extensão da UESPI


intitulado de “Criando Laços & Construindo Abraços: acolhimento de crianças e adolescentes
vítimas de violência sexual”, cujo objetivo geral é investigar o sentido subjetivo e a representação

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 507


NO ONTEXTO BRASILEIRO
psicológica em crianças e adolescentes que sofreram violência sexual, procurando elaborar
estratégias de enfrentamento e promover sua ressignificação.
A pesquisa foi resultado destas intervenções realizada em uma instituição da cidade de Timon-
MA que acolhe a crianças e adolescentes vítimas de violência e/ou abuso sexual. Participaram
um total de 12 meninas que estavam na instituição há no mínimo 12 meses, com idades entre
09 e 16 anos de idade, a maioria das meninas frequentava a escola regular em turno vespertino
e no período da manhã se faziam presentes à instituição, com exceção de uma menina de 09
anos que teve seus documentos extraviados após um acidente em sua residência, fator este que a
impossibilitou, até a data de conclusão das atividades, de frequentar a escola regular sendo ainda
não alfabetizada.
Para a realização da pesquisa, foi usado como instrumento de obtenção de informações,
técnicas de grupos focais e pesquisa-ação, sendo usadas a fim de permitir uma maior aproximação
em relação ao fenômeno a ser estudado. Gil (2002), diz que “esse método exigi o envolvimento
ativo do pesquisador e a ação por parte das pessoas ou grupos envolvidos no problema”. É
defendida por Thiollent (1985, p. 14) como:

[...] um tipo de pesquisa com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação
com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e
participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo
ou participativo.

A cada encontro era escolhido uma temática, que iam sendo discutido a partir de algum
método como, dinâmicas de grupo, encenação, recorte e colagem, exercícios corporais, dentre
outros. O objetivo das intervenções eram investigar as representações psicológicas sobre violência
sofrida, bem como ampliar as habilidades sociais e emocionais das crianças e adolescentes
participantes.
Os grupos focais constituíram-se num importante recurso conforme possibilitaram a
discussão do tema junto aos sujeitos da pesquisa e, dessa forma, permitiram um conhecimento
de como o grupo compreende, vivencia e lida com tais situações. Segundo Jovchelovitch (2000),
os grupos possibilitam a expressão de vozes singulares que, ao discutirem sobre sua experiência e
debatê-la, permitem-nos compreender a realidade social e sua relação com a mesma.
Nelas, manteve-se uma “escuta ativa” e uma “atenção receptiva a todas as informações
prestadas”, intervindo com discretas pontuações, interrogações e comentários, em forma de
conversas que estimulavam a abordagem da temática proposta na pesquisa. Os facilitadores
mantiveram uma atitude aberta, flexível e disponível à comunicação, construindo um clima de
confiança e favorecendo que o entrevistado apresentasse suas ideias livremente, sem receios ou
constrangimentos. (Chizzotti, 1998)
Análise dos dados deu-se, de acordo com o método de análise de conteúdo proposto por
Bardin (1997). Os conteúdos foram divididos em quatro categorias: identidade, autoimagem,
percepção sobre família e percepção e expressão de sentimentos.
A pesquisa está de acordo com as exigências éticas, tendo sido aprovada pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Estadual do Piauí. A instituição participante da pesquisa assinou a
Declaração de Coparticipante e Infraestrutura, uma vez que concordaram com os objetivos da
pesquisa. Da mesma forma, os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Assentimento e
os responsáveis o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Nos encontros foram trabalhadas diversas temáticas com as crianças e adolescentes da


instituição que sofreram violência ou abuso sexual, entre eles, identidade, percepções sobre

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família, autoimagem assim como também, percepção e expressão de sentimentos, todos seguindo
um cronograma de exercício e construção de habilidades a partir das demandas observadas nas
adolescentes no objetivo de contribuir no processo de elaboração e resiliência das mesmas diante
das marcas subjetivas do abuso.

Identidade

Inicialmente foi trabalhada a representatividade individual e subjetivas de cada participante


do projeto, a partir do seu nome, onde ela foi criado um ambiente de acolhimento e reconhecimento
do eu, através de atividades que valorizam suas potencialidades, características pessoais, na qual
muitas nunca tinham parado para voltar o olhar para si e principalmente em suas qualidades.
Através da troca realizada durante o grupo focal, na participação das atividades que se puderam
obter informações do contexto social e subjetivo das participantes, saber sobre suas realidades e
vivências pessoais assim ir construindo um vínculo e o rapport entre as meninas e os facilitadores.

Autoimagem

Referente à autoimagem corporal e os sentimentos a ele associados foi possível observar


certa dificuldade por parte das meninas em expressar seus sentimentos subjetivos relacionados ao
próprio corpo, como por exemplo, as partes que mais gostam ou apontar coisas positivas sobre
o próprio corpo, mantendo suas observações mais em comentários concretos retendo-se mais
as utilidades físicas de seus membros e, até mesmo uma negação ao próprio corpo. Em algumas
das jovens foi notado, falta de cuidados em relação higiene pessoal, gerando mau cheiro, roupas
sujas e adultizadas, feridas infeccionadas, sendo realizada posteriormente uma roda de conversa
abordando-se desenvolvimento humano, o cuidado com o corpo mediante as diferentes faixas
etárias e a relação do corpo com a identidade, de forma simples e esclarecedora, usando-se um
vocabulário compreensível às garotas. A sexualização também foi aparente nessas atividades em
algumas participantes. Outro ponto observado foi o uso da palavra “dor” de maneira pouco
específica e mais generalizada por várias áreas do corpo como pernas e braços, levando a hipotetizar
uma possível somatização psíquica oriunda do fato ocorrido. Pontos também característicos da
violência sexual sofrida.

Percepção sobre família

Sobre esse tema as atividades tinham o objetivo de investigar a representação e o contexto


familiar que as participantes estavam inseridas. Durante as atividades a equipe mediadora
auxiliou as garotas individualmente, instigando que elas falassem sobre o contexto familiar,
de forma confortável, com o manejo adequado, de acordo com a medida que o processo se
encontrava, assim pode-se obter mais dados do contexto social e da história de vida das garotas
estabelecendo gradualmente o vínculo com a equipe para o avanço do trabalho, podendo-se
intervir mais efetivamente com base no contexto nos apresentado. Sendo possível perceber algumas
peculiaridades, dentre elas, não consideram o ambiente familiar como um espaço acolhedor,
fugas de casa, pressões e cobranças sofridas pelos familiares, envolvimento com drogadição por
uma participante, erotização na figura feminina, representação de desenhos com características
sexuais que estão além da capacidade de sua faixa etária, dificuldade em reconhecimento das
emoções e sentimentos. Sendo todos elementos de indicativos de violência sexual.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 509


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Percepção e expressão de sentimentos

A partir das demandas analisadas com as atividades anteriores, observou-se a necessidade


de introduzir o trabalho de habilidade de reconhecer, nomear e expressar sentimentos e emoções,
pelas dificuldades apresentadas pelas jovens, visto que, foi constatado nos conteúdos trazidos
pelas mesmas de muitos entraves no âmbito emocional em relação às suas relações sociais e a elas
mesmas, interferindo na construção identitária e consequentemente no trabalho de ressignificação.
Sendo propostas atividades onde as participantes fossem apresentadas aos conceitos de emoções
como raiva, tristeza, alegria, frustração, angústia, medo, empatia, entre outras e também fossem
capazes de associar esses sentimentos a situações do seu dia a dia. Notou-se na fala das jovens,
um repertorio escasso de reconhecimento das emoções devido ao fato de que elas demonstraram
ter um vocabulário restrito, no que se refere às nomenclaturas dos sentimentos e emoções, e
não sabiam diferencia-los, atribuindo a descrições diferentes as mesmas nomenclaturas habituais
podendo-se relacionar tanto ao desenvolvimento atípico pelo pouco repertório de habilidades
emocionais em relação à faixa etária, quanto ao déficit na escolaridade.

Discussão

Por compreender o abuso sexual de crianças e adolescentes como uma grande violação
de direitos e um problema de grave saúde pública que pode acarretar consequências físicas e
principalmente psicológicas marcantes na subjetividade do indivíduo e, devido os questionamentos
iniciais sobre o trabalho que está sendo realizado por parte da psicologia de maneira geral a essa
demanda, as análises e resultados obtidos através das atividades realizadas no presente trabalho
podem trazer grandes benefícios uma vez que trazem informações sobre as percepções subjetivas
dessas vítimas associadas às informações da literatura sobre o tema e abre discussões sobre
possibilidades de atividades e intervenções que podem contribuir para o exercício de habilidades
de ressignificação e elaboração desses sentidos de maneira assertiva. A relevância do presente
estudo assim como do papel da psicologia dentro desses contextos está em compreender e trazer
à luz a perspectiva da vítima diante dessa condição como também buscar empoderar esse sujeito
diante de sua realidade, e de suas possibilidades de ressignificação, sendo assim um instrumento
de mudança social.
Diversos estudos demonstram que as consequências do abuso sexual infanto-juvenil estão
presentes em todos os aspectos da existência humana, deixando marcas físicas, psíquicas,
emocionais, afetivas, sociais, sexuais, entre outras, que poderão comprometer seriamente a vida
dessa vítima. (Chauí, 1985; Habigzang et al, 2006/2008; Abrapia, 1997; Cunha et al, 2008; Furniss,
1993; Gabel, 1997)

Os sintomas atingem todas as esferas de atividades, podendo ser simbolicamente a concretização,


ao nível do corpo e do comportamento, daquilo que a criança ou o adolescente sofreu. Ao
passar por uma experiência de violação de seu próprio corpo, elas reagem de forma somática
independentemente de sua idade, uma vez que sensações novas foram despertadas e não
puderam ser integradas (Prado, 2004 p. 64).

Furniss (1993) afirma que as consequências ou o grau de severidade dos efeitos do abuso
sexual variam de acordo com algumas condições ou predeterminações de cada indivíduo, dentre
eles: a idade da criança quando houve o início da violência; a duração e quantidade de vezes em que
ocorreu o abuso; o grau de violência utilizado no momento da situação; a diferença de idade entre
a pessoa que cometeu e a que sofreu o abuso; se existe algum tipo de vínculo entre o abusador e a
vítima; o acompanhamento de ameaças (violência psicológica) caso o abuso seja revelado.

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Portanto, compreender e avaliar a extensão das consequências do abuso sexual infanto-
juvenil não é um trabalho fácil. E como compreendemos que cada sujeito que passou por essa
situação de violência irá enfrentar essa situação de maneira diferente, cada um com seus recursos
intra e interpessoal próprios e singulares, nosso objetivo é discutir os aspectos mais comuns e
relevantes que nos chamou atenção nesse processo de acompanhamento desse grupo.
Um desses aspectos a serem discutidos foi a dificuldade por parte das meninas em
resgatar características positivas sobre si mesmas, uma característica que podemos associar as
consequências intrínsecas do abuso, como a distorção da autoimagem que ele acarreta, chamado
por Silva (2000) de alterações na identidade pessoal. Fuks (2006) alerta para subjetividade
fragilizada, associada a uma autoestima deficitária e uma autoimagem rebaixada. Acarretando em
dificuldades de estabelecer contato, confianças ou limites em suas relações futuras, por ter uma
percepção do Eu danificado, como não merecedor de elogios, afeto saudável, por não conseguir
se ver e reconhecer como um ser de potencial.
Através da mediação dos facilitadores compreendendo melhor através dos relatos da
história de vida das jovens, foi possível a elaboração da construção identitária resgatando as
características positivas de cada uma, favoreceu processos saudáveis de subjetivação, passando
a se reconhecer como um Ser de potencialidades, habilidades e qualidades que merecem serem
cultivadas, fortalecendo assim sua autoimagem, autoconfiança e autoestima.
Sabemos que o abuso sexual pode ser definido de acordo com o contexto de ocorrência.
O abuso sexual intrafamiliar ou incestuoso é aquele que ocorre no contexto familiar e é
perpetrado por pessoas afetivamente próximas da criança ou do adolescente, com ou sem
laços de consanguinidade, que desempenham um papel de cuidador ou responsável destes
(Habigzang, 2008). Com isso, corrobora para algumas participantes não se sentirem acolhidas
em suas residências, pôr o agressor está lá, ou nas imediações. Além também da família não
disponibilizar apoio às vítimas, negligencia-las. A violência então, gera um ambiente, no qual
predominam os sentimentos de medo e de desamparo. Sendo que a família deve ser a fonte de
apoio e segurança as crianças e adolescentes, bem como as pessoas que compõem os vínculos
sociais, que estão relacionadas à construção da identidade desses sujeitos, segundo Estatuto da
Criança e Adolescentes (Brasil, 2015).
Além disso, elas apresentaram em seus relatos, dificuldades no controle das emoções,
provocando atitudes impulsivas que traziam prejuízos pessoais e às suas relações externas, uma
adolescente chegando a relatar que “ter aprendido a esconder seus verdadeiros sentimentos de
forma que ninguém notasse quando a mesma estivesse triste”. Com isso, foram trazidas outras
atividades que instigaram este exercício tanto descrevendo e nomeando os sentimentos e emoções
que elas não tinham conhecimento, quanto trabalhando a explanação destes de forma lúdica
usando-se exemplos situacionais. No decorrer destas técnicas foi observado o progresso no
desenvolvimento das habilidades emocionais a partir de relatos pessoais que as participantes
traziam, em que conseguiram lidar com as emoções externas e pessoais de forma mais assertiva
frente a diversas situações, podendo-se exemplificar o relato de uma jovem que após o auxílio da
equipe conseguiu melhorar o relacionamento com um colega na escola que a rejeitada.
Os achados corroboram com a literatura, (Fucks, 2006; Furniss, 1993; Habigzang et al
2008; Silva, 2000) sobre alterações comportamentais e emocionais em vítimas de violência sexual
porém é reducionista trazer as questões com as habilidades sociais como sendo ligadas apenas à
violência. É necessário reconhecer o contexto de vulnerabilidade no qual as participantes estavam
imersas e a violência sexual como um dos pontos na rede. Além disso, a falta de um profissional
da psicologia na Instituição para reconhecer e trabalhar tais questões – com os profissionais da
equipe, inclusive – limitava o trabalho do grupo e a eficácia das intervenções do dispositivo, o que
reforça as dificuldades no desenvolvimento típico das crianças.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 511


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Através das observações realizadas no decorrer das atividades foi não somente possível
identificar os sinais da violência nas percepções e comportamento, mas também a evolução de
repertórios positivos em concorrência destacando assim, a importância dos instrumentos da
psicologia para esse processo de acolhimento e escuta diante de tais demandas. A questão do
trauma psíquico, como cerne da situação do abuso sexual, através dos sintomas como reações
emocionais ligadas ao tema do abuso, alterações no mecanismo de defesa psicológica e alterações
na identidade pessoal, foram observadas e levadas em aspecto na elaboração de estratégias de
manejo no presente projeto, onde habilidades de comunicação de afetos relacionados não somente
ao trauma mais a outros âmbitos fossem compartilhados, assim como buscou pontuar atividades
que resgatassem pontos positivos da identidade pessoal das adolescentes tanto relacionadas ao
próprio corpo como a outras qualidades, bem como a capacidade de resiliência, oportunidades
de elaboração de suas percepções subjetivas diante dos acontecimentos de suas vidas e de suas
futuras potencialidades como indivíduos únicos.
Conforme Gabel (1997) afirma que quando uma criança tem oportunidade de revelar este
segredo, recebendo crédito e ajuda de profissionais, por exemplo, as manifestações mais notórias
desaparecem, isso faz com que a criança ou o adolescente reencontre o interesse por si, pelos
outros e pela brincadeira.
Por fim, a partir da experiência foi possível observar que a pós-vencão dos diversos tipos de
violência passa inicialmente pela formação. O trabalho com as questões psicossociais perpassa
uma revisão constante de conhecimentos além de construção de estratégias em equipe, sendo que
essas devem estar alinhadas às demandas e que sejam facilitadoras de estratégias saudáveis de
enfrentamento e desenvolvimento.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 513


NO ONTEXTO BRASILEIRO
CAMINHO DE VOLTA: PSICOLOGIA ESCOLAR
FAVORECENDO O DESENVOLVIMENTO DE
HABILIDADES SÓCIO EMOCIONAIS
Rafaella Coelho Sá Veloso
Bruna Maria Barbosa da Silva França

Introdução

D
e acordo com Del Prette & Del Prette (2011) as habilidades sociais são descritas,
atualmente, como classes de comportamentos sociais que somente podem ser
classificadas como habilidades sociais na medida em que contribuem para a
competência social. Essa competência social, por sua vez, está relacionada a comportamentos
bem-sucedidos em ambiente social. Tal interação se dá entre duas dimensões de funcionalidade:
instrumental e ético-moral. A dimensão instrumental se refere a consequências imediatas e
individuais, assim como correlatos emocionais positivos que contribuem para aquisição e
manutenção das habilidades sociais. A dimensão ético-moral é referente às consequências
positivas de médio e longo prazo, inclui também o grupo e o outro indivíduo da interação social;
nessa dimensão, são consideradas, portanto, o equilíbrio nas trocas entre as pessoas da interação,
caracterizando consequência positiva para todos os sujeitos da relação.
Considerando o contexto escolar e sua relação como processo de desenvolvimento e inclusão
de repertório das habilidades sociais em crianças e adolescentes, o acréscimo de habilidades
sociais é presente como fator de proteção para o desenvolvimento humano saudável, servindo
de forma preventiva evitando transtornos do desenvolvimento e problemas do comportamento.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o desenvolvimento de habilidades de vida,
entre elas as habilidades de tomada de decisão, de controle da impulsividade, de pensamento
consequencial e de habilidades sociais como estratégias para auxiliar o adolescente a se proteger
em situações de risco à saúde (Gorayeb, Netto & Bugliani, 2003).
Tendo em vista o conceito de habilidade social e a sua importância nos mais diversos
contextos o projeto de extensão “Caminho de Volta” teve como objetivo desenvolver habilidades
sociais no ambiente escolar com crianças em situação de vulnerabilidade social. As atividades de
extensão foram desenvolvidas ao longo de um semestre concentrado em uma escola na zona leste
em um centro social que atende crianças em situação de pobreza e vulnerabilidade social.
Participar e interagir socialmente é característico do ser humano, inserido no ambiente
social ele constrói grande parte de seu comportamento que por sua vez deverá estar de acordo
com as exigências ao seu redor. Para o desenvolvimento saudável do indivíduo na interação com
o ambiente, devem ser promovidos meios, como a aprendizagem de habilidades sociais, para que
ele seja bem-sucedido em diversos contextos.
De acordo com Del Prette & Del Prette (2006) o campo teórico-prático das habilidades
sociais teve início na psicologia clínica e do trabalho, elas são aprendidas durante o ciclo de

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vida das pessoas e contempla as dimensões cultural (normas e valores compartilhados por uma
sociedade que dita que comportamentos devem ser tomados dependendo dos contextos), pessoal
(comportamentos das pessoas, seu pensamentos e sentimentos, fisiologia e características
demográficas) e situacional (contextos físicos onde as pessoas vivem, papéis sociais e padrões
valorizados e coibidos.).
Em decorrência da amplitude que envolve as relações interpessoais em variados contextos
sociais, o campo das habilidades sociais tornou-se complexo, formado por diferentes aportes
teóricos como o cognitivo e o comportamental, dialogando ainda com outros setores do
conhecimento como: educação, filosofia, antropologia e sociologia. (Leme et.al, 2016)
Não há consenso na literatura quanto a definição de habilidades sociais, entretanto é
reconhecida sua importância para o desenvolvimento. As habilidades sociais são expressas através
dos comportamentos imprescindíveis a uma relação interpessoal bem-sucedida de acordo com
cada cultura. (Leme et.al, 2016)
Del Prette e Del Prette (2005) remetem o termo Habilidades Sociais tanto a uma área de
produção/aplicação de conhecimento como a um conceito identificado por esses autores como
voltado para as diversas classes de comportamentos sociais do repertório de um indivíduo que lhe
possibilitam enfrentar de forma adequada as demandas de seu ambiente. A competência social
é um constructo que permite avaliar a funcionalidade do desempenho que ocorre nas interações
das pessoas, trata-se da capacidade de articular pensamentos, sentimentos e ações visando
alcançar objetivos pessoais e lidar com as demandas da situação e da cultura desencadeando
consequências positivas.
Lucca (2016) entende por habilidades sociais “o conjunto de comportamentos aprendidos
verbais e não verbais, que requerem iniciativa e respostas e que afetam a relação interpessoal” (p.
1). São os comportamentos desejáveis que satisfazem as necessidades dos indivíduos envolvidos
numa interação. Esses comportamentos incluem: verbalização, expressão facial, postura, contato
facial, gestos, aparência física, e outras.
A autora acima ainda afirma que as habilidades sociais podem ser consideradas de
grande importância para o desenvolvimento sócio – emocional, visto que a competência frente
a participação bem-sucedida em interações contribui com um bom auto estima e bom censo de
auto eficácia, o que facilita o convívio com dificuldades e eventos estressores.
Entre os principais contextos de desenvolvimento dessas habilidades estão: a família, a
escola e o grupo de amigos. A família como primeiro grupo social do indivíduo oferece modelos de
comportamento e conduta social através de práticas disciplinares, a escola estimula habilidades
envolvidas na vida em grupo (autonomia, capacidade crítica, cooperação) a partir da inserção
do contato da criança com outros adultos e crianças, por sua vez o grupo de amigos permite um
espaço social que possibilitam um autoconhecimento e treino de novas habilidades (Lucca, 2016).
Para Ramirez e Cruz (2009) a escola e a família são consideradas instituições privilegiadas
na formação do caráter humano, mas ambas enfrentam desafios. Famílias em situação de risco
enfrentam dificuldades para sobrevivência e a escola diante desses grupos vulneráveis deverá oferecer
sua proposta de ensino. Diante disso as crianças em situação de risco social sofrem dificuldades
para terem suas necessidades de desenvolvimento atendidas. Além de não encontrarem em suas
famílias os recursos que atendam essas necessidades, os currículos educacionais ignoram como
temáticas de ensino as habilidades tais como comunicar, negociar e resolver conflitos nas relações
interpessoais. Dessa forma consideram-se as crianças como em situação de risco psicossocial,
uma vez que as habilidades para o enfrentamento das várias situações no dia a dia na escola
exigem um repertorio de respostas que nem sempre estão presentes nesses grupos pela própria
condição de vulnerabilidade.
Ainda de acordo com os autores, quando as habilidades tais como autocontrole e
expressividade emocional, civilidade, empatia, assertividade, solução de problemas interpessoais

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 515


NO ONTEXTO BRASILEIRO
e habilidades sociais acadêmicas estão ausentes nas crianças ou são ineficientes pode resultar em
problemas comportamentais e emocionais, ou mesmo até em transtornos psicológicos.
A partir do entendimento de que a ausência das habilidades sociais acentua o risco para
as respostas mais adaptativas e que a sua presença satisfatória resulta em fator de proteção e
resiliência, ou seja, com a preocupação crescente com o desenvolvimento dessas habilidades, Del
Prette & Del Prette (2004) apresentaram o chamado Treinamento de Habilidade Sociais (THS)
como alternativa para o desenvolvimento de habilidades sociais por meio de uma metodologia
que faz uso de vivências como atividades de grupo de modo análogo às situações cotidianas dos
participantes que permitem o fortalecimento dessas habilidades.
Outro método voltado para a temática das habilidades sociais está no programa FRIENDS,
que corresponde a um conjunto de atividades práticas e exercícios com vistas a desenvolver
habilidades sociais e emocionais (resiliência). Desenvolvido pela doutora Paula Barrett em 1998,
na Austrália, foi primariamente elaborado como um método de investigação para tratamento de
crianças com ansiedade foi adaptado e validado para várias idades tanto como meio preventivo
quanto interventivo (tratamento) visando atuar frente o manejo do estresse, medo e tristeza;
desenvolver autoestima e autoconfiança; promover bem-estar mental; prevenção e intervenção
sobre problemas comportamentais, ansiedade e depressão. (CENSUPEG, 2013) O método está
dividido de acordo com as faixas etárias trabalhadas em:

a) Fun FRIENDS (Meus amigos divertidos) para crianças de 4 a7 anos de idade; FRIENDS for life
(Amigos para a vida) para crianças de 8 a 11 anos de idade; My FRIENDS Youth (Meus amigos
jovens) para adolescentes de 12 a 15 anos de idade; e Adult Resilient (Adultos resilientes) para
jovens a partir de 16 anos de idade e adultos. (p.05)

Ainda de acordo com a CENSUPEG (2013) o método FRIENDS é o único do tipo voltado
para treino e desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais a ser reconhecido mundialmente
pela Organização Mundial de Saúde – OMS.

Método

Trata-se de um relatório descritivo do programa de extensão “Caminho de volta” realizada


no segundo semestre de 2015 em um Centro Social vinculado à Igreja Católica no Bairro Ininga
com crianças que vivenciam vulnerabilidade social. A metodologia deste programa de extensão
circunda em encontros temáticos que visam promover desde a construção e reconhecimento
de identidades até o descriminar sentimento e comportamento propiciando um desenvolver de
habilidades sociais e emocionais em seus participantes

Participantes

Participaram dez crianças, sendo quatro meninas e seis meninos entre 10 e 13 anos de idade,
matriculados em escola regular e que no contra turno frequentam o Centro Social, pois o mesmo
promove atividades de lazer, artes, socialização dentre outras. Tal centro social fica localizado
em uma periferia da zona leste de Teresina, onde até os meados de 2010 se encontrava a Vila do
Arame, muito perigosa no sentido de tráfico de drogas, homicídios e brigas entre gangs rivais.
Mesmo não mais existindo o nome “Vila do Arame”, esta localidade ainda é conhecida por abrigar
muitos criminosos, alguns com várias passagens pela polícia.
E, em muitas vezes, as crianças que são atendidas por este centro social, são oriundas de
famílias desta localidade e que tem em parentes próximos ou não algum envolvimento com o
crime.

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Discussão

O Projeto de Extensão “Caminho de Volta” foi iniciada no dia 18 de agosto de 2015


com o reconhecimento do local e apresentação dos membros que trabalham na instituição. O
primeiro encontro ocorreu em agosto, na qual foi feita a apresentação do programa, integrantes
e dos objetivos às crianças; Exibição do vídeo (música) “Aquarela” de Toquinho. Num segundo
momento foi realizado a atividade: “Conhecendo a si mesmo”, onde cada pessoa no círculo falava
ao passar uma bola de mão em mão: nome, idade, o que gosta de fazer, quem mais gosta em
casa, o que mais gosta de fazer na escola, quem é o melhor amigo, a cada rodada. A segunda
atividade do dia chamava-se “Desenhando a família”, cada criança desenhou sua família em uma
folha A4 e apresentou seu desenho e os integrantes de sua família aos demais. Debateu-se que
nenhuma família era igual e que possuíam características semelhantes, mas também individuais e
únicas. (Semelhanças e diferenças em cada família) E por fim, a terceira atividade, que consistiu
na construção de um cartaz para o projeto. Com tinta guache as crianças pintaram as palmas das
mãos e as colocaram no cartaz pertencente ao grupo que havia em cada uma das duas salas. Ao
final, em um papel cartão, cada criança colocou sua mão suja de tinha e fez sua lembrancinha
com o contorno de sua mão assinando logo após seu nome. As lembrancinhas foram entregues a
cada criança.
O segundo encontro visou elaborar o sentido da palavra coragem e conduzir com orientações
às pequenas atitudes corajosas no cotidiano. A atividade “Ser corajoso” consistiu em assistir
um vídeo que dava exemplos de atos corajosos e situações que geram medo. Depois foi falado
sobre o significado de coragem e debatido sobre as situações em que as crianças foram corajosas
em seu dia a dia. Na segunda atividade, as crianças desenharam em balões o seu próprio rosto
expressando o sentimento que estava tendo no dia.
No terceiro encontro foi trabalhada a identificação e a normalização dos sentimentos em si
e nos outros. Atividade: Teatro dos sentimentos. As crianças foram divididas em dois grupos no
qual deveria criar uma história e representá-la em e interpretá-la com as carinhas dos sentimentos
(raiva, alegria, tristeza, medo...). O segundo momento realizou-se a atividade “Sentimentos nas
palmas das mãos”. As crianças fizeram e pintaram as carinhas que expressam os sentimentos em
um molde no formato de luva feito com e.v.a cada sentimento foi pintado de cor diferente.
Ainda sobre a temática dos sentimentos, no quarto encontro buscou-se auxiliar e desenvolver
habilidades para atentar as crianças aos sentimentos de outras pessoas. A primeira atividade
“Círculo dos sentimentos” consistiu em formar um círculo e passar de mão em mão uma corda
feita de fitas de diversas cores unidas formando um círculo. A corda foi passada de mão em mão
ao som de uma música até que esta seja pausada e assim o movimento das mãos. Na cor que
cada criança estava segurando quando a música parava era citado um exemplo em que ocorreu
o sentimento da cor correspondente. Na atividade “Jogo canto dos sentimentos” foi colocado em
cada canto da sala um emotion feito com e.v.a, de acordo com as frases (situações) lidas pela
facilitadora às crianças se direcionava para a emoção no canto da sala correspondente que elas
achassem que corresponderia ao seu sentimento diante da situação.
O quinto encontro objetivou estabelecer o conceito e as diversas formas de sentir as situações
vivenciadas cotidianamente e relacionar as expressões aos sentimentos. Atividade “Criando um
emociomentro” foi distribuída para cada criança um pedaço de folha A4 em formato retangular
e eles desenharam faces de sentimentos que são mais comuns em seu dia-a-dia e relataram tais
situações e como eles reagem nessas situações. Atividade “Procurando expressões”, nesta atividade
as crianças, com revistas em mãos, procuraram expressões faciais que denotavam sentimentos e,
a partir desses hipotetizaram por quais motivos elas estariam felizes. Em seguidas, elas colaram as
figuras recortadas no quadro encaixando conforme os sentimentos listados.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 517


NO ONTEXTO BRASILEIRO
No sexto encontro foi discutido sobre o andamento das atividades e orientado sobre a
transformação de pensamentos vermelhos em verdes, também foi listado os comportamentos
durante as atividades e “descartado”, simbolicamente, os comportamentos ruins. Foi realizada
uma roda de conversa sobre as atividades, ouvido o feedback das crianças e exposto as
dificuldades do desenvolvimento da temática proposta. Em seguida eles colocaram num papel
os comportamentos que eles achavam legais (certo) e os que não eram legais (errados) e depois
de falado sobre o que foi descrito eles descartaram o papel dos comportamentos “não legais” da
forma que eles se sentissem mais à vontade.
Objetivando relacionar as sensações do corpo com os sentimentos e pensamentos diante de
cada estímulo, no oitavo encontro, foi feita a atividade “Nosso corpo e as sensações” na qual, após
técnica de relaxamento, eles encheram e secaram o balão (barriga) de ar, foram, com autorização,
vedados e adivinharam o som, o cheiro e a sensação apresentados para cada um. Por conseguinte,
uma discussão sobre como eles se sentiram por estarem vedados, sobre o grau de dificuldade e
sobre a relação do corpo com as sensações.
No nono encontro foi demonstrada a importância do relaxamento e da respiração lenta
através da atividade “Milk-shake”, as crianças foram instruídas a soprarem em um copo plástico
com 1/3 de água e um canudo da forma a produzirem a menor quantidade de bolhas de ar
possível mudando de posições por aproximadamente 10 min até que se diminuam as atividades
motoras e eles se acalmem e relaxem através da respiração. Depois fora ouvido sobre como eles
estavam se sentindo com a experiência.
Ainda abordando a temática do relaxamento, o décimo encontro visou demonstrar como o
controle da respiração facilita o relaxamento corporal. Na atividade “Labirinto legal” cada criança
recebeu um labirinto pequeno, uma bolinha de papel e um canudo. Posteriormente na atividade
“Mole e duro”, em analogia a brincadeira do morto e vivo, as crianças imitaram um macarrão
enrijecendo o corpo quando a palavra “duro” fosse mencionada e amoleceram o corpo quando a
palavra dita fosse mole e conforme iam errando o comando eles saíam da brincadeira.
No décimo primeiro encontro foram ilustradas situações que exemplifiquem sobre ser um
bom amigo. Objetivou estimular o compartilhar, sorrir, ajudar e ouvir os amigos. Atividade: Como
ser um bom amigo Com folhas de papel A4 eles tinham que desenhar/escrever como fazer novos
amigos e o que eles fazem que afastam os amigos. A discussão seguia conforme o exposto por eles
conduzindo pela necessidade de ouvir, sorrir e ajudar o próximo. Papel A4
O encerramento aconteceu em novembro de 2015 com um Piquenique de confraternização
com as crianças em parque próximo a instituição que as crianças estudam.

Resultados

No Centro Social, para o desenvolvimento do Projeto, as crianças foram divididas em dois


grupos. Inicialmente o grupo era composto de 10 crianças ao total, mas foi concluído com apenas
com 08 crianças, tendo 02 crianças parado de participar das reuniões logo no início dos encontros
devido a problemas externos ao desenvolvimento do projeto.
As estagiárias foram divididas igualmente em dois grupos, assim como as crianças, ou
seja, em cada grupo haviam 3 meninos, 2 meninas e 3 estagiárias. A atividade desenvolvida com
os dois grupos eram a mesma, todavia, as crianças responderam mais efetivamente conforme
as atividades desempenhadas tanto no grupo 1 quanto no grupo 2, nem sempre obtendo os
resultados esperados nos dois grupos simultaneamente.
No grupo 1, pôde-se observar que as crianças eram mais participativas, mais assíduas na
presença, não havia muitos problemas em manter a disciplina na sala e, também, não havia
dificuldade em controlar a entrada e saída das crianças da sala. No grupo 2 as crianças também

518  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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não faltavam muito, todavia, a sala era mais indisciplinada, as crianças muitas vezes relutavam
em iniciar as atividades e quando pediam para sair da sala, como para ir ao banheiro, as vezes não
voltavam ao grupo.
Essa divergência entre os grupos deu-se pela empatia individual de cada grupo de crianças
com as estagiárias de seu grupo. Embora as crianças de um modo geral demonstrassem ser
bastante afetuosas, em algumas atividades, as crianças do grupo 2 não mostravam muito
comprometimento com as atividades desenvolvidas no grupo, haja vista que as estagiárias desse
grupo denotavam uma postura mais rígida e mais séria com as crianças, devido ao fato de que o
comportamento das crianças desse grupo era de difícil manejo, diferentemente das crianças do
grupo 1.
No grupo 1 as dificuldades encontradas eram, concentravam-se na resistência das crianças a
iniciarem as atividades, muitas vezes se dispersando e dificultando o controle geral do grupo, outras
vezes ficavam sentados em um canto da sala, mas que ao ver o que seria proposto na atividade
eles, na maioria das vezes, mudaram a postura e participaram da atividade voluntariamente.
Embora houvesse as dificuldades citadas acima, tanto no grupo 1 quanto no grupo 2 os
resultados esperados foram devidamente alcançados. As crianças conseguiam compreender o que
era proposto em cada atividade e melhoraram, com o decorrer dos encontros, nas relações entre
os colegas do grupo com base nas questões trabalhadas, como família, convivência, coragem, e
demonstraram ter se apropriado efetivamente do conteúdo aprendido. Passaram a identificar
melhor sentimentos e emoções e diferenciá-los uns dos outros. Vimos, também, um gradativo
desenvolvimento de autocontrole nas crianças, principalmente no grupo 2, que após algumas
intervenções teve a dificuldade de conter as crianças para iniciar a atividade diminuída. Observamos
também uma melhor inter-relação das crianças do mesmo grupo, todavia não observamos
mudanças significativas na inter-relação entre crianças de grupos diferentes, demonstrando que
as agentes controladoras da mudança no comportamento delas era o projeto e não havia se
generalizado para situações externas. Agregamos tal resultado ao pouco tempo de execução da
extensão e o intervalo de tempo entre os encontros.
É válido ressaltar, também, que no encontro de encerramento as crianças foram levadas a
um parque externo à escola, onde observamos um bom comportamento em geral nas crianças
e com o grupo, sendo um fator de afirmou o que propomos no início do projeto ao trabalhar
convivência social e a importância da mesma, e recebemos um feedback bastante positivo do
projeto dito pelas crianças.
A segunda parte dos resultados obtidos, como dito, serão os resultados que foram
encontrados nas crianças da Escola Municipal Murilo Braga. Nessa segunda parte o grupo era
composto de 11 crianças, 3 meninas e 8 meninos. Dessa vez as crianças não foram divididas, haja
vista que o número de estagiárias envolvidas no projeto diminuiu para 4 e que as crianças eram
mais jovens que as crianças da primeira escola e com outras peculiaridades específicas, ou seja,
algumas crianças nesse grupo não sabiam ler muito bem e outras não sabiam escrever. Logo, as
atividades realizadas com esse grupo tinham uma abordagem mais lúdica, como atividades com
figuras e com urso de pelúcia, do que atividades motoras mais habilidosas, como desenhar, ler,
escrever e etc.
Os resultados encontrados nesse grupo foram positivos. As crianças concluíam as atividades
em geral, embora houvesse algumas crianças pouco disciplinadas e que, às vezes, eram bastante
relutantes em realizar a atividade. O número inicial e final de crianças foi o mesmo.
Embora houvesse as dificuldades citadas acima, observamos resultados satisfatórios, as
crianças claramente melhoraram as relações entre os colegas do grupo, denotaram uma visão
correta de certo e errado, elas compreenderam bem o significado de ‘’ser corajoso’’ e souberam
reconhecer bem as emoções em geral. Observamos que quando uma temática mais intensa era

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 519


NO ONTEXTO BRASILEIRO
abordada até mesmo as crianças que comumente relutavam em participar das atividades passaram
a participar, e algumas crianças até chegaram a se emocionar. O feedback dado pelas crianças,
assim como na primeira escola, foi bastante satisfatório, contudo, alguns dos objetivos não foram
devidamente alcançados devido ao tempo limitado de intervenções com o período escolar.

Referências

Censupeg - Centro Sul Brasileiro de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação. CURSO DE FORMAÇÃO


NO MÉTODO FRIENDS MANUAL DO ALUNO. Joinville, 2013. Disponível em:< http://sinepepr.
org.br/sinepe_on_line/2013/setembro/11_09_13_leia_mais_associadas.pdf> Acesso em: 02 de
setembro de 2016.

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São Paulo: Casa do Psicólogo.
Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. Treinamento de habilidades sociais com crianças: Como utilizar
o método vivencial. In: COSTA, C. E.; LUZIA, J. C.; SANT’ ANNA, H. H. N. (Orgs.). Primeiros
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Gorayeb, R., Netto, C. J. R. & Bugliani, M. A. P. (2003). Promoção de saúde na adolescência:


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(Eds.), Psicologia da saúde: Um campo em construção (pp. 89-100). São Paulo, SP: Casa do
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______. Perguntas (im)pertinentes sobre a área de habilidades sociais.  In: GUILHARDI, J. H.;
AGUIRRE, N. C. (Org.). Sobre Comportamento e Cognição: Expondo a variabilidade. Santo
André: ESETec, 2005, p. 5 – 13.

______. Relações interpessoais e habilidades sociais: Articulando pesquisa, ensino e extensão. In:


GARCIA, A. (Org.). Relacionamento Interpessoal: Estudos e Pesquisas.   Vitória: Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES), 2006, p 09 – 21.

Leme, Vanessa Barbosa Romera; Del Prette, Zilda Aparecida Pereira; Koller, Silvia Helena;  Del
Prette, Almir. HABILIDADES SOCIAIS E O MODELO BIOECOLÓGICO DO DESENVOLVIMENTO
HUMANO: ANÁLISE E PERSPECTIVAS. Psicologia & Sociedade, [S.l.], v.28, n.1, p.181-193, 2016.

Lucca, Eliana de. Habilidade Social: uma questão de qualidade de vida. Disponível em: <http://
www.psicologia.pt/artigos/textos/A0224.pdf> Acesso em: 02 de setembro de 2016.

Ramirez, Darío Cunha; CRUZ, Roberto Moraes. Conflito Escolar: Vulnerabilidade e


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[S.l.], p. 79-95, 2009.

520  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PSICOLOGIA SOCIAL E OUTROS AGENTES: O CASO DA
OCUPAÇÃO TERRITORIAL NA CIDADE DE SANTARÉM-
PA, AMAZÔNIA, BRASIL
Thayllany Mattos dos Santos
Lívia Cristulinne Arrelias Costa

Introdução

E
ste estudo desenvolveu uma análise comparativa entre psicologia social com base na
saúde coletiva de populações menos favorecidas (política, social e economicamente),
através de uma discussão sobre direitos humanos, políticas públicas e cultura, tendo
como objeto analisar a militância e resistência de mulheres na ocupação de território urbano no
“Bairro” Vista Alegre do Juá, na região norte do Brasil na cidade de Santarém-Pará, que no decorrer
de seis anos se consolida através de um movimento de resistência independente conhecido como
Movimento dos Trabalhadores em Luta por Moradia (MTLM).
O Movimento dos Trabalhadores em Luta por Moradia já existe desde 2011 liderado por
mulheres que se denominam a resistência santarena, organizadas já fundaram a associação dos
moradores do “bairro” Vista Alegre do Juá, atingindo órgãos público como o poder municipal
para discutir as demandas apresentadas pela comunidade e, embora não se tenha previsão de
regularização fundiária com a organização popular e a utilização de mecanismos de acesso a
Celpa (empresa de energia elétrica santarena) já começou a instalação de energia elétrica para
a comunidade. Vale pontuar que o direito à moradia, está assegurado pela lei nº11.124 de 16 de
junho do ano de 2005.
Nesse contexto de luta é possível averiguar a formação de uma organização político-social
que se constrói dia após dia da relação estabelecida entre moradores, militantes e o corpo da
associação que articulados na luta pelo direito territorial fazem progredir medidas alternativas
e movimentam políticas públicas de direito ao acesso a moradia. Fazendo uso das palavras de
Ribeiro e Araújo (2016) na prática política e social prevalece o pensamento masculino podendo
ser evidenciado nas estruturas legislativas sociais e quando observadas na prática as políticas
afirmativas não tendenciam a melhorias significativas de fato, na consolidação de conquistas
dos direitos a igualdade entre homens e mulheres, sendo portanto um regime patriarcal o sistema
democrático liberal da qual estão inseridas as mulheres de grande parte do ocidente e é regido por
eles.
Nesse sentido diz as autoras (citadas acima) que as leis observam as mulheres de acordo como
os homens tratam as mulheres. Sendo necessário reagentes que subverta a lógica programada
por homens para a consolidação de suas estruturas modeladas para homens que excluem de
suas políticas a participação efetiva de mulheres e as limitam a serem identificadas dentro do
sistema capitalista como produtoras de mais valia extra para o capitalismo. Este comportamento
social presente no ocidente pode ter sua manifestação e repouso no Estado que reflete indivíduos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 521


NO ONTEXTO BRASILEIRO
que dialogam entre si, tratando-se de uma questão igualitária de inclusão a participação das
mulheres na vida política, econômica e social de seu país. Mas a submissão feminina não está
evidenciada apenas nas instituições políticas, pode também refletir-se no cotidiano brasileiro.
Devemos questionar os assuntos relacionados a gênero tem forte teor patriarcal estando presente
tanto na vida pública quanto privada, como manifesto vívido do Estado e sociedade.
A princípio com estas colocações o que está sendo considerado é até que ponto estas
instâncias estão separadas numa visão liberal moderna e a partir de que contexto elas se
contextualizam e passam a fazer sentido enquanto logica sistêmica. Mediante a tais afirmações,
pode-se destacar que a crítica feminista problematiza os modelos já estabelecidos socialmente
que rompe pouco a pouco com os modos convencionais de enxergar a relação entre Estado e
sociedade e a participação feminina nesse contexto. O motivo de levantar na construção desse
texto saberes feministas se dá pelo fato de que esse estudo se trata de mulheres que articuladas
entre si constroem o poder popular no movimento de ocupação territorial e que cada vez mais
a participação feminina tem se demonstrado potente na construção biopsicossocial, político e
cultural.
A ocupação territorial do bairro Vista Alegre do Juá é habitada por cerca de três mil famílias
que segundo relatos da liderança equivale aproximadamente quinze mil pessoas incluindo crianças,
adolescentes, jovens, adultos e idosos. A ocupação vem se consolidando por uma série de fatores,
entre eles, a associação dos moradores da ocupação, a luta organizada pelo direito territorial,
planejamento coletivo de ações elucidadoras sobre o direito à cidade, militância feminina,
alteridade, movimentos sociais articulados e outros mecanismos sociais.
A psicologia social se insere nesse campo como forma de discutir a participação de
profissionais na área da saúde para o atendimento das demandas apresentadas pela comunidade
pesquisada, tendo como foco a prevenção em saúde mental e tratamento biopsicossocial
daqueles que por motivos diversos já foram acometidos por doenças mentais, devido a exposição
a problemas geradores, como: pobreza; falta de moradia digna; saúde; educação; infraestrutura;
saneamento básico e entre outros.

Método

Este artigo é resultado de uma pesquisa de campo realizada no decorrer dos meses de agosto,
setembro e outubro com as militantes, as moradoras e associadas do “Bairro” vista Alegre do Juá,
que teve como intenção estabelecer relação com os indivíduos envolvidos no conflito territorial,
descrevendo a organização política da comunidade através de um recorte de gênero feminino,
para isso, foram entrevistadas quatro mulheres atuantes no MTLM, associadas e moradoras da
ocupação, que no decorrer da descrição do diário de campo serão representadas pela seguintes
nomenclaturas: Entrevistada A, Entrevistada B, Entrevistada C.
No dia 11 de agosto de 2017, realizou-se a entrevista utilizada na construção desse artigo
com as lideranças/moradoras/associadas do Bairro Vista Alegre do Juá, sendo questionadas
as seguintes perguntas; 1) Qual a motivação para Ocupar e resistir? 2) quais as dificuldades
enfrentadas e superadas ao longo desse tempo? 3) quais as conquistas alcançadas até o presente
momento? 4) Quais os trabalhos precisam ser desenvolvidos nesse momento da trajetória de
ocupação? 5) psicologicamente falando como se consolida a ocupação a partir do emocional da
militância amplamente feminina? 6) Como se sente sendo uma liderança mulher frente a luta por
direito à moradia?
A proposta desse estudo apoia-se em métodos como trabalho de campo vivencial, diário
de campo, observação participante. Nas elaborações sistemáticas das informações recolhidas no
decorrer da experiência de campo, seguiu-se os seguintes critérios: Levantamentos bibliográficos;

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Tratamento e análise de documentos e relatórios gerados pela experiência de campo; Trabalho
de campo experimental criativo: observação investigadora, aplicação de questionários
semiestruturados para recolhimento de informações pertinentes a construção do estudo,
realização de entrevistas, participação nas reuniões da comunidade; Análise e sistematização de
dados obtidos; Produção de relatórios parciais e final, e de artigo científico sobre a pesquisa.
O trabalho realizado se desenvolveu em quatro etapas, a primeira etapa teve duração de
três meses, ocorreu nos meses de agosto, setembro e outubro referente a participação no campo
da ocupação territorial, sendo realizada entrevistas com as militantes do movimento, a segunda
etapa ocorreu no mesmo período da primeira etapa, a pesquisa bibliográfica e leituras paralelas
ao campo para possibilitar a ligação das informações obtidas com as produzidas; a terceira etapa
foi a construção desse artigo para apresentação a comunidade acadêmica interessada. O projeto
teve duração de cinco meses, efetivando o plano de trabalho para consolidação desse estudo.

Resultados

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com as militantes/associadas/moradoras


da Ocupação de terra do Bairro Vista Alegre do Juá, contendo CINCO perguntas. No decorrer
da descrição foram selecionadas as respostas de acordo com a pertinência do estudo. Quando
questionada a liderança do Movimento de Ocupação territorial que será representada aqui como
sendo a Entrevistada A, sobre 1) Qual a motivação para ocupar e resistir? Obteve-se a seguinte
resposta: “Estamos nessa luta desde 2010 foi quando começamos a nos mobilizar pelo direito
a casa própria e digna, eu, inclusive fui presa passei seis dias na cadeia e não me arrependo fui
presa lutando pelo direito dessas pessoas e também pelo o meu. Nossa motivação como você
mesma coloca, partiu em razão da necessidade que era muito grande da população carente por
moradia. Lembro que ano passado já havia dito sobre as 30 mil famílias santarenas que não
tinham onde morar. Aqui na nossa luta já são aproximadamente 3.000 famílias que tem suas
casinhas. O governo municipal nos retirou nesse processo, mas isso só nos deixou mais fortes,
nos organizamos e avisamos que iriamos ocupar pelo nosso direito e resistir, mandamos chamar
a impressa e avisamos – agora ninguém nos tira daqui. A justificativa que eles utilizaram para nos
tirar foi que estávamos em área de preservação ambiental, mas lá estava o Juá sendo assoreado
pela Sisu/buriti e nós a população santarena as margens do poder público municipal. Mas nós
procuramos ajuda passamos a entender que não erámos invasores e sim ocupantes, nos reunimos
com advogados e universidades e agora estamos aqui cada vez mais garantindo nosso direito.”
Os ocupantes, sendo estes as personas “animus social” da liderança de mulheres no Bairro
Vista Alegre do Juá, se utilizarem da desobediência civil justa para concretizar o direito à moradia
como política pública independente da presença do Estado e do Município. Como no discurso
de uma guerra civil, onde não se busca na realidade legitimar o mais fraco como o submisso
(Foucault, 2008), e sim como sujeito em reação, o que poderia ser encarado como de ameaça
a convivência social daqueles que são intitulados como escória pelo grande corpo contextual
urbano e centralizado através da implementação de uma anarco-didática que na verdade visa a
garantia de direitos fundamentais e assim a eliminação da tensão pré estrutural estabelecida pela
falta de moradia por meio da “des-ordem”.
A entrevistada B, ao ser questionada sobre 2) Quais as dificuldades enfrentadas e superadas
ao longo desse tempo? Respondeu: “Dificuldades encontramos no dia a dia para organizar a
população, conscientizar do que estamos fazendo e a importância disso, reunir com a população
também não é tão fácil, mas nós superamos todas as barreiras com a graça de deus e o apoio da
população estamos seguindo. Contamos hoje com a ajuda do governo do estado – o assessor do
vice governador tem nos apoiado e isso faz com que os próprios moradores consigam entender

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 523


NO ONTEXTO BRASILEIRO
que na situação que ainda estamos não é só morar precisamos estar todo tempo organizados.
Outros problemas conseguimos aos poucos organizar – com a ajuda da associação mantemos
carro de coleta de lixo passando e recolhendo o lixo das casas, queremos além de tudo viver em
um lugar digno não só ocupar, mas ter qualidade de vida para viver bem é isso que desejamos.”
Este processo aponta transformações inevitáveis ocorridas na estrutura social. Onde
a transformação dos locais de falas se apresenta como diversas e a sua diversidade remete a
participação feminina na atuação do campo da prática, da luta e das conquistas e estas
transformações estão presentes e começando a ficar visíveis na sociedade e na família, e, sobretudo
a divisão binaria da sexualidade vem sendo denunciado como já ultrapassado. A nossa cultura
atual traz à tona a insuficiência do modelo binário e hierárquico de diferença sexual, que já não dá
conta do entendimento e acolhimento das subjetividades contemporâneas e é nesse sentimento
de revolta da vontade de potência que nossos atores sociais se manifestam. A ocupação não
se compreende apenas nas sombras de uma identidade, se provêm de identidades de mulheres
que mantêm a luta como didática de resistência pelo direito a alcançar a possibilidade do
morar, “habitar”, ocupando espaços não centralizados no Município de Santarém, situações tão
periféricas frente as dificuldades que se insurgem dentro das questões de gênero, afim de liberar o
ser enquanto representação social do feminino da obscuridade e colocá-lo em contexto pela luta
de seus direitos (Spivak, 2010).
De acordo com Pombo (2017) as estruturas familiares e modos de relacionamentos emitem
uma experiência da sexualidade e de suas práticas sexuais ao longo da história da humanidade,
no entanto, no processo atual passam por transformações consideráveis nos últimos 50 anos.
Fazendo com que indivíduos sejam encorajados a escolher livremente como vivenciar sua
sexualidade e o tipo de relação que desejam estabelecer e se desejam estabelecer – é um novo
modelo de construção social onde os espaços agora são vistos ocupados por aqueles que antes
estavam as margens da dinâmica social pelo contexto construído.
(entrevista realizada no dia 11 de agosto de 2017) Quando questionada a Entrevistada A,
sobre: 3) Quais as conquistas alcançadas até o presente momento? a resposta obtida foi: “Faz
dez dias que recebemos a notícia que a Celpa (empresa de energia elétrica de Santarém) entrará
com a fiação adequada e postes, isso para gente tem um significado positivo e muito grande, pois
logo teremos uma numeração estaremos contando na sociedade como moradores do bairro Vista
Alegre do Juá, estamos nos regularizando aos poucos, mas isso demanda organização, precisamos
saber quem são os moradores tudo certo para que todos tenham acesso a essa bençoa, é cansativo,
mas vale a pena todos os esforços que temos depositado nessa luta, esse é o resultado.”
De acordo com Almeida (2008) as relações estabelecidas sob condições de existência
coletiva indivíduos apresentam-se enquanto posição social. Esta posição social reflete o quadro
histórico de lutas e organização coletiva. Na ocupação de territorial o quadro histórico se reflete
na atuação de mulheres que coordenam o cotidiano cansativo frente a ocupação e resistência.
Essa experiência de luta constitui a vivência de mulheres-narradoras, de uma pedagogia sexista
que passa por um processo de significação por estar vinculado a ‘objetos’ históricos de uma
sociedade que na sua dinâmica se apresenta como reprodutora. A ocupação formada por uma
liderança de mulheres se manifesta como uma oposição a lógica machista de que homens herdam
posições de cargos importantes socialmente, mulheres não. Invertendo este papel que privilegia
o sexo masculino encontra-se uma estrutura sistêmica que ganha voz, vez e força na organização
político e social de ativistas mulheres, sendo além de tudo um contexto de valorização da posição
feminina frente as lutas sociais.
De acordo com Guimarães-Neto (2010) A luta pela apropriação da terra é reforçada pela
importância de seu significado na trajetória de vida dos moradores e militantes e se apresenta
como momentos marcantes de um contexto social histórico para assegurar o acesso aos espaços

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urbanos e a casa própria. Este é um processo de exacerbação do materialismo que remete a
uma discussão contemporânea de quem ocupa os espaços e qual os motivos? Pois vive-se no
modelo aparentemente que produz subjetividade de natureza industrial regida por uma lógica
de funcionamento que é capitalista e tem escala internacional que não visa o bem-estar social
e muito menos a ocupação de pessoas em espaços, mas sim o lucro para o próprio capitalismo
explorando recursos espaços e pessoas.
A Entrevistada C, quando questionada a respeito de: 4) Quais os trabalhos precisam ser
desenvolvidos nesse momento da trajetória de ocupação? Respondeu: “O trabalho de agora muito
importante de ser feito são as elaborações dos nomes das ruas, precisamos numerar as casas e
plaquear as ruas só assim a energia elétrica regularizada poderá chegar até nós. É um passo muito
importante que iremos trabalhar muito para conquistarmos. Estamos mobilizando a população
moradora para ter noção de quem mora e onde moram para que as contas que energia venham
com o nome dos moradores nela. Antes corríamos risco de incêndio, nunca aconteceu, agora
podemos nos sentir mais seguros, mas precisamos trabalhar para garantir est benefício. Como
você disse isso afeta o nosso emocional a gente se sente desprezado socialmente e a população
nos trata com desprezo, mas aprendemos que não estamos fazendo isso por mal estamos lutando
por nossos direitos pois desejamos nos sentir melhor e com a graça de Deus conseguiremos”
Segundo Rodrigues e Almeida (2008) os movimentos sociais tratam-se de indivíduos que se
organizam na massa em busca de uma possível solução para uma problemática coletiva, sendo,
portanto, um fenômeno complexo da sociedade. Nos meados do século XIX em torno de 1840
este termo movimento social foi utilizado pela primeira vez por Lorenz Von Stein, que representava
o modelo semântico em busca de organização sistêmica da população menos favorecida, ou seja,
linhas imaginárias que unem vários indivíduos ativos em função do grupo a fim de solucionar
uma problemática comum, desta maneira, o termo movimentos sociais é uma definição resumida
do movimento operário francês e do socialismo emergente e da forma que foi interpretado nas
organizações de movimentos sociais no Brasil.
A partir do final dos anos 70 as ocupações foram retomadas no sul do país e estiveram
associadas à instalação de acampamentos com dezenas, centenas de famílias. As primeiras foram
organizadas por jovens filhos de pequenos produtores, com apoio da Comissão Pastoral da Terra
(CPT), vinculada à Igreja Católica. Foi este núcleo que criou, em 1984, o MST. Em meados da
década de 80 há registros de ocupações em vários estados brasileiros, graças a uma política de
expansão da organização. Em 1993, o Congresso Nacional estabeleceu que a improdutividade
das terras caracterizava o não cumprimento da função social da propriedade, caso previsto pela
Constituição de 1988 para proceder à desapropriação. As ocupações generalizaram-se em todo
o país. Durante o período, o Instituto Nacional da atuação do INCRA até então era modesto
nas políticas sociais a partir da Reforma Agrária (INCRA), começou a se desenvolver e assumir
o papel de desapropriar as terras ocupadas e as redistribui entre os que estavam nas ocupações,
tornando-os titulares de uma parcela de terra ocupadas.
A entrevistada A, quando questionada sobre 5) psicologicamente falando como se consolida
a ocupação a partir do emocional da militância amplamente feminina? “Nos organizamos a
partir da associação de bairro porque descobrimos que esta forma era mais rápida de se chegar
as autoridades competentes, foi a forma que encontramos de existir para poder público de
Santarém, onde os moradores pagam uma taxa de cinco reais e recebem um recebe que pagaram
a associação, para que as atividades realizadas no bairro possam ser dadas prosseguimento,
pois tudo que é feito aqui não é de graça e para sair dinheiro é necessário entrar é assim que
mantemos o carro de lixo que passa recolhendo, ou que trocamos fiações que quebram e outras
questões relacionadas a manutenção do bairro e resolução de problemas cotidianos que surgem,
ali no nosso mural é possível acompanhar o que entra e para onde vai, somos responsáveis pelo

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 525


NO ONTEXTO BRASILEIRO
trabalho que realizamos e informamos aos moradores como o dinheiro da associação tem sido
utilizado, tudo é um investimento e estamos fazendo a nossa parte para que ocorra tudo bem,
pois acreditamos em Deus e ele tem nos dado força para continuar a realizar o que já fazemos.
Claro que essas responsabilidades que assumimos no dia a dia traz danos emocionais para nós
nem todos que ocupam este território estão de acordo somos mulheres sofremos preconceito,
machismo, humilhações diárias, mas tentamos resistir e sobreviver para continuar a lutar pelo
direito de todos. Tem dias que a luta nos consome, me sinto triste e cansada, mas devo isso a
minha família e a esta comunidade. Queremos dignidade e justiça. Mas pagamos um preço por
isso é caro mas a vitória chegará como chega a cada dia.”
A entrevistada B, quando questionada sobre 6) Como se sente sendo uma liderança
mulher frente a luta por direito à moradia? A resposta obtida foi “Eu me sinto orgulhosa de estar
lutando junto com os moradores desse bairro que em nome de jesus irá se consolidar, sinto que
estou fazendo a coisa certa e lutando pelas pessoas certas, ajudando pessoas a conquistarem a
tão sonhada casa própria, a não terem que morar com seus sogros ou pagarem aluguel sendo
humilhados e passando necessidades até mesmo falta de comida. Damos preferência para
mulheres que estejam inseridas em programas como bolsa família e tem filhos pequenos porque
eu sei a luta que é ser mulher na sociedade que vivemos e as dificuldades que se enfrentam, eu
mesma já lutei muito para estar onde estou, lutando por pessoas como eu, mulheres e crianças e
por todas as pessoas que precisam. Como já foi dito estamos lutando e resistindo.”
A psicologia social e comunitária de cunho voltado para a educação popular passou a ser
desenvolvida no Brasil, a partir de 1970, teve como objetivo a discussão das formas de opressão
política presentes na sociedade. Estes estudos buscavam a produção de conhecimento e técnicas
de intervenção na comunidade, que contribuíam para o enfrentamento de problemas sociais,
injustiças e vulnerabilidade social. A psicologia social e comunitária nos movimentos sociais
pode ser entendida como o empoderamento da massa que significa dizer que é a ação social
coletiva acerca das políticas públicas a conscientização civil sobre os direitos assegurados pela
constituição de 1988. (Lane, 1996). Esta participação da população de forma coletiva é reflexo
da superação da dependência social e de dominação política. Fazendo parte de um processo de
amadurecimento teórico social das classes menos favorecidas socioeconomicamente como forma
de prevenir e conscientizar a população dos eventos que ocasionam em adoecimento psíquico/
mental.

Discussão

A ocupação territorial que faz parte de um conjunto de mobilização social são enfoques
clássicos da psicologia social que tenta compreender a insatisfação psíquica coletiva de indivíduos
que se agrupam com uma mesma intenção. Nesse estudo a intenção elevada é a de ocupar e
resistir pelo direito à moradia digna e justa. Fazendo comparações analíticas pode-se chegar à
seguinte colocação: indivíduos desprivilegiados socialmente tendem a emitir comportamentos
negativos como; ressentimentos, ira, descontentamento, insatisfação e revolta que no geral são
motivos de organização pela luta ao acesso aos meios negados por motivos diversos e estruturais.
Embora, possa ser compreendido fatores emocionais que envolvam estes agentes encontramos
na psicologia social limitações em compreender práticas das coletividades humanas, dada a sua
centralização no discurso do indivíduo em relação as suas relações sociais. De acordo com Jesus
(2012) os ritos sociais são formas de comunicação simbólica entre os indivíduos que interagem
e transmitem mensagem metafóricas sobre seus sentimentos, afetos e emoções. O que deve
ser pontuado na sociedade contemporânea são as pluralidades de sujeitos que participam da
construção do discurso coletivo.

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Os movimentos sociais demonstram transformação em tempo real dos últimos 50 anos,
quando se apresenta em contexto alternativo de militantes mulheres, que apresentam formas
muito próprias de se relacionarem com ambiente e pessoas com sexualidades que não se permitem
limitar pela estrutura social machista, que promovem tomadas de decisões próprias e coletivas
que subvertem a lógica estabelecida de relacionamentos heterossexuais e atuação masculina
enquanto liderança, sendo não apenas um modelo econômico social que se consolida as margens
do poder municipal, mas, para além, uma experiência de luta de classe e gênero. Nesse contexto, é
possível identificar formas diferenciadas de convivência familiar e estruturas familiares, portanto,
evidencia a formação do núcleo diversificado dentro da ocupação como amostra da diversidade
de gênero e sexual da população que ocupa e resiste no bairro vista alegre do Juá.
Os Direitos Humanos hoje, internacionalizados para evitar o domínio reservado ao Estado
e o não cumprimento destes (Piovesan, 2008), são garantidos por força de norma legal- como os
tratados e convenções abraçados pelo Brasil- e devem ter sua aplicação prática a fim de alcançar
o ideal em comum entre todas as nações, vislumbrando a “liberdade básica”3 não contingenciada
para que assim seja possível a promoção de medidas que impulsionem o desenvolvimento social nos
âmbitos nacionais e internacionais. Já que em uma realidade global tecnológica graças a crescente
ascensão das empresas transnacionais, onde os bens e serviços geradores de capital ocasionaram
uma mudança tangente no atual contexto comercial, no usufruir, e consequentemente no que é
necessário para uma vida digna de acordo com os preceitos do princípio da dignidade humana
se tem a maximização das políticas implementadas pelas grandes empresas que se expandem e
consequentemente a minimização da atuação do Estado que teve de se submeter as atividades
que visam a produção de riquezas e de aumento no desenvolvimento tecnológico, assim os
investimentos voltados às políticas públicas se contraíram ao atendimento das necessidades
básicas que abarcam o interesse da coletividade, como a moradia que sempre se apresentou como
um ônus para classe trabalhadora (Ferreira, 2009).
Nacionalmente uma das tentativas de suprir a necessidade de moradia para personas
que se enquadram em um perfil socioeconômico de baixa renda veio conjuntamente a Caixa
Econômica Federal pela alcunha de “Minha Casa, Minha Vida”, criado em 2009, trabalhando
assim o direito de “habitar” com dignidade o território urbano. Mesmo assim o desenvolvimento
socioeconômico de grande contingente da população urbana de diversas cidades, incluindo nestas
Santarém, apresenta obstáculos como a impossibilidade de acesso a estes recursos ainda a muitas
pessoas que deste necessitam, faltando assim um diálogo objetivo de como constituir uma “vida
digna” frente a interpretação dos direitos humanos em conformidade com a realidade social e
o alcance que se tem das políticas públicas de cunho habitacional para grupos não abastados
economicamente como aqueles que estão em situação de ocupação.
Observou-se com a realização dessa pesquisa que a ocupação territorial do “Bairro” Vista
Alegre do Juá, localizada no Oeste do Pará na cidade de Santarém é uma amostra dos problemas
habitacionais a nível nacional da população brasileira, que sofre com a falta do acesso a moradia
digna e com qualidade que assegure seus direitos previstos por lei. A participação de mulheres
nos movimentos de luta de coletivos tem se tornado cada vez mais evidente na leitura de artigos
científicos e permite a análise de sua atuação que até pouco tempo eram invisíveis ou até mesmo
desconsiderados. A preocupação acadêmica em destacar as formas diversificadas de participação
política não institucionais de mulheres nos múltiplos espaços, nem sempre visíveis no campo
do debate, constitui um tipo de contribuição bastante significativa, sobretudo por se tratar de

3 “Liberdade básica” segundo doutrina vai além do âmbito privativo de se ter acesso à educação, água tratada,
energia elétrica, saneamento básico, serviços básicos em saúde, emprego remunerado e segurança tanto social
quanto econômica, mas sim abranger tudo o que é- em uma realidade contemporânea- essencial e necessário
para se obter uma liberdade enquanto desenvolvimento do social coletivo, nisso se inclui direitos a morar em uma
habitação digna entre outros.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 527


NO ONTEXTO BRASILEIRO
questões marcado por longos períodos de exclusão de grupos de classe minoritárias em relação
ao poder político atuante, visibilidade e status sociais.
Para concluir este artigo é necessário pontuar algumas observações que direcionem as
potencialidades do estudo e suas limitações. Em primeiro lugar, fica a reflexão voltada para
participação coletiva das mulheres nos espaços de atuação político e social, que envolvem o
fortalecimento de movimentos sociais em espaços urbanos. Além disso, cabe a pesquisa destacar
o crescimento de estudos voltados para ocupação de terra onde aparecem a participação de
mulheres na política organizacional desses espaços. Ressalta-se que o coletivo se constrói através
de personalidades individuais que possuem em si cada um à sua trajetória/histórico de vida, além
de motivos pessoais que os levam a ocupar e resistir, enfrentando todas as dificuldades cotidianas
de suas ações.
O Movimento dos Trabalhadores em Luta por Moradia (MTLM) se organiza através de sua
associação de moradores meio pelo qual os agentes se comunicam com a comunidade ocupante,
além de realizar reuniões semanais para tratar pautas levadas levantadas pela comunidade, sendo
discutida vias reais de atuação e aperfeiçoamento das práticas vivenciais para consolidação
de seus direitos. As limitações encontradas na atuação em campo foi a falta de compreensão
da população ocupante em relação a participação de mecanismos alternativos que permitam
a inserção de políticas públicas habitacionais, direitos humanos, assistência social, psicologia
social e suas práticas no contexto de saúde mental na comunidade para atender as demandas de
adoecimento populacional gerado pelas dificuldades por eles enfrentadas, como a falta de poder
aquisitivo, dificuldade transitar pelos espaços urbanos, dificuldades em acesso a infraestrutura,
saneamento básico, lazer, esporte e cultura.
Por fim, uma alternativa que poderia vir a ser trabalhada nos próximos estudos voltados
para prevenção ao adoecimento da população ocupante seria a construção de um grupo vivencial
tendo como foco o fortalecimento das relações sociais por eles estabelecidas e a compreensão
de seus direitos no campo político e social. Além de tratar a importância da psicologia como
mecanismo de defesa e prevenção ao adoecimento mental.

Referências

Almeida, A. W. B. (2008). Antropologia dos archivos da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa 8/


Fundação Universidade do Amazonas.

Brasil. Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de
Interesse Social –SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social –FNHIS e institui
o Conselho Gestor do FNHIS. Publicada no DOU de 17.6.2005. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11124.htm>. Acesso em: 26 de outubro.
2017.

Ferreira, A. R. (2009). Programas de combate ao déficit habitacional brasileiro. UFRS, Rio Grande
do Sul, Porto Alegre.

Foucault, M. (2008). Segurança, Território, população. Editora Martins Fontes, Rio de Janeiro.

Guimarães-Neto, R. B. (2010). “História, política e testemunho: violência e trabalho na Amazônia


brasileira. A narrativa oral da presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Confresa (MT),
Aparecida Barbosa da Silva”. História Oral, v. 13, n. 1, p. 53-86, jan.-jun.

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Jesus, J. G. (2012). Psicologia social e movimentos sociais: Uma revisão contextualizada. Psicologia
e saber social, 1(2), 163-186.
Lane, S. T. M., (1996). Histórico e fundamentos da psicologia comunitária no Brasil. Vozes: Rio
de janeiro.

Piovesan, F. (2008). Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. Saraiva São Paulo.

Ribeiro, H. C., Araújo, C. P. (2016). O Estado e a sociedade: Reflexões sobre gênero, status e
poder. Revista Vox, n° 3, V. 1, jan-jul, fadileste, ISSN: 2359-5183

Rodrigues, J. F., Almeida, V. A. A., (2008). Os movimentos sociais pela moradia e seus conflitos
frente à estrutura social vigente. In: XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro
Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” DOI
978-85-61681-00-5

Spivak, G. C. (2010). Pode o subalterno falar? Tradução de Sandra Regina Goulart Almeida;
Marcos Pereira Feitosa; André Pereira. Editora da UFMG: Belo Horizonte.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 529


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A ADOLESCÊNCIA NOS GRUPOS DE PESQUISA
EM PSICOLOGIA NO DIRETÓRIO DE GRUPOS DE
PESQUISA DO CNPQ
Suzy Kamylla de Oliveira Menezes
Adélia Augusta Souto de Oliveira
Vanessa Guimarães de Morais
Luciano Domingues Bueno
Maria Laura Barros da Rocha

Introdução

A
identificação de plataformas de dados que sediam informações de grupos
de pesquisa e de pesquisadores brasileiros contribui na ampliação da rede de
pesquisadores e divulgação de pesquisas sobre a adolescência/juventude. Este
trabalho vincula-se à linha de pesquisa “Psicologia e processos psicossociais” do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, mais especificamente junto
às pesquisas desenvolvidas no Grupo de Pesquisa/CNPq “Epistemologia e a Ciência Psicológica”.
Busca-se desenvolver metodologias de pesquisa críticas sobre a produção de conhecimento
científico em Psicologia. Para isso, são construídas metodologias que viabilizem retomar a
produção de conhecimento científico e tomá-lo como fonte de pesquisa (Oliveira & Bastos, 2014;
Trancoso & Oliveira, 2016).
Nesse sentido, realiza estudos das relações históricas que dão suporte a produção de
conhecimento. Assim, revisitar os grupos de pesquisa científica, como se estabeleceram, quem
são seus pesquisadores e quais são seus estudos, podem contribuir para investigações acerca
da Psicologia Brasileira. Pretende-se assim auxiliar no fortalecimento de ações integradas
para o desenvolvimento de pesquisas interinstitucionais no ambiente brasileiro e investigações
integradas entre as ações da rede de pesquisadores sobre a adolescência/juventude em diferentes
universidades.
Corrobora-se que a adolescência se constitui como uma fase do desenvolvimento humano e tem
um longo percurso de construção como categoria de análise. Buscaram-se fundamentos biológicos,
com o objetivo de encontrar critérios generalizáveis que determinasse essas mudanças percebidas
nos indivíduos. Esse aspecto universal foi marcado pela puberdade, que seria o fenômeno biológico
pelo qual todos os seres humanos passariam no percurso entre a infância e a chegada a vida adulta.
No entanto, contrária a essa concepção universalizante, o trabalho de Mead (1984), antropóloga
norte-americana, foi um marco na desconstrução da adolescência como uma categoria universal.
A partir de seus estudos, Mead concluiu que a puberdade pode se caracterizar como um fenômeno
universal, contudo a adolescência não, sendo essa marcada por tensões de caráter psíquico que vão
além de mudanças fisiológicas (Carneiro, Ribeiro & Ippolito, 2015).
Nesse sentido, o intuito desse trabalho é apresentar uma descrição dos grupos e pesquisadores

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que se dedicam ao estudo de adolescência, por meio da Plataforma - Diretório de Grupos de
Pesquisa do CNPq.

Método

Utilizou-se como instrumento para coleta de dados o Diretório dos Grupos de Pesquisa
no Brasil (DGP), uma plataforma online que reúne informações sobre os recursos humanos dos
grupos de pesquisa de brasileiros. Tais grupos estão localizados em universidades, instituições
de ensino superior com cursos de pós-graduação strictu sensu, institutos de pesquisa científica e
institutos tecnológicos (Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, 2017). Na sistematização da
busca foram estabelecidas as seguintes etapas: etapa de exploratória, etapa de consulta, etapa de
armazenamento e tratamento de dados, conforme coordenadas metodológicas desenvolvidas em
estudos de metassíntese (Oliveira & Bastos, 2014).
A etapa exploratória refere-se à escolha da plataforma online que será utilizada na pesquisa
e na exploração dos recursos que esta disponibiliza. Nessa etapa, foi escolhido o DGP, devido à
possibilidade que o mesmo oferece de reunir os grupos de pesquisa de todo o Brasil. Na etapa de
consulta, as buscas foram realizadas no mês de maio e junho de 2017. Utilizaram-se os seguintes
descritores: Adolescência, Adolescências, Adolescente, Adolescentes, Jovem, Jovens, Juventude,
Juventudes. A busca pelos grupos se deu por meio de pares de descritores e realizado o processo
de cruzamento para excluir duplicações de resultados. Filtros utilizados: “Grupo”, “Nome do
grupo”, grupos certificados e não-atualizados, “Ciências Humanas” e “Psicologia”.
Assim, ao final da etapa de consulta, foram obtidos 26 grupos para realizar a análise e
o descritor “Adolescência” mostrou maior predominância e está presente em 14 dos grupos
identificados, como se pode observar, de forma sistematizada, na Tabela 1.

Tabela 1:

Etapa de Consulta
Descritores Quantidade de grupos
Adolescência 14
Adolescentes 6
Juventude 4
Jovens 2
Adolescente 1
Adolescências/Juventudes/Jovem 0
Exclusão de duplicações -1
Total de grupos 26
Fonte: Autores, 2017.

Após a identificação dos grupos de pesquisa, foi realizada a etapa de armazenamento e


tratamento de dados. Foi criado um banco de dados com os dados dos grupos, onde os mesmos
foram organizados em planilhas para permitir a organização e visualização deles, bem como a
construção de gráficos. Os dados tabulados foram organizados em planilhas online do Excel e
compartilhados entre os membros da pesquisa para viabilizar o trabalho em grupo e tornar mais
fácil a troca de informações (Bueno, Santos Junior, Canuto & Oliveira, 2017).
Para construção da planilha foram considerados os dados: instituição; estado; tipo de
instituição; nome do grupo; descritor; ano de formação; líder; 2º líder; situação do grupo. Foram
construídos gráficos para obter um panorama institucional, geográfico e histórico desses grupos.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 531


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Os gráficos foram referentes à contagem de Estado; contagem de tipo da instituição; contagem
da situação do grupo; contagem de descritor; contagem do ano de formação e série histórica dos
grupos.

Discussão e Resultados

A série histórica de formação dos grupos de pesquisa se apresenta, conforme a Figura 1.

Figura 1. Série histórica de formação dos grupos de pesquisa.


Fonte: Autores, 2017

Pode-se perceber que entre os anos de 2011 e 2014 houve maior número de grupos
formados, ver Figura 1. Em relação aos grupos identificados, por meio dos descritores, podemos
afirmar a existência de 14 grupos “Adolescência, Adolescências”. Sobre a situação do grupo, 10
grupos são certificados, 2 são certificados e não atualizados a mais de 12 meses, 1 grupo está em
preenchimento e 1 grupo foi excluído.
Sobre a localização geográfica das instituições, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul apresentam
3 grupos cada estado. Paraná e Tocantins apresentam 2 grupos cada um. Paraíba, Mato Grosso
do Sul, Pará, Bahia apresentam um grupo cada. As instituições são públicas, com exceção de
uma, a qual é privada e de caráter confessional.
O primeiro grupo com o descritor “adolescência” foi criado em 1992, denominado “Infância,
adolescência, família e sociedade”, na Universidade Federal do Paraná. O qual ainda permanece
ativo e a situação do grupo é “certificado”. O grupo mais recente foi criado em 2017, denominado
“VIA-Redes (Violência, Infância, Adolescência e Redes de proteção e de atendimento)”, na
Faculdade Meridional.
Com os descritores “Adolescente, Adolescentes” foram obtidos 7 grupos. O grupo com o
descritor “Adolescente”, denominado “Psicologia da saúde e desenvolvimento da criança e do
adolescente”, foi formado em 2014 na Pontifícia Universidade Católica de Campinas e apresenta
o status “certificado”. Entre os grupos com o descritor “Adolescentes”, o primeiro foi fundado em
2002, na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, denominado “Desenvolvimento
sociomoral de crianças e adolescentes” e apresenta o status “certificado”. O grupo mais recente foi
criado em 2016 na Universidade de São Paulo, denominado “Automutilação em Pré Adolescentes
e Adolescentes - Estudo e Intervenção” e apresenta o status “certificado”.
Sobre o ano de formação, com os descritores “Adolescente, Adolescentes”, no ano de 2014
foram criados 2 grupos. Sobre a situação do grupo, 4 grupos são certificados, 1 é certificado e

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não atualizado a mais de 12 meses, 1 grupo está em preenchimento e 1 grupo foi excluído. No
que se refere à localização geográfica das instituições, Rio de Janeiro e São Paulo apresentam 3
grupos cada estado. Rio Grande do Sul possui um grupo. Sobre o tipo de instituição, apenas uma
instituição é privada.
A busca com os descritores “Jovem, Jovens” apresentou 2 grupos que apresentam a mesma
líder e são da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Não houve resultados com o descritor
“Jovem”. O primeiro grupo foi formado em 2013, intitulado “Circulando e traçando laços e
parcerias: atendimento para jovens autistas e psicóticos - do circuito pulsional ao laço social” e o
segundo em 2014, “Circulando entre invenções: um novo dispositivo clínico com jovens autistas e
psicóticos”. Os dois grupos apresentam o status “certificado”.
Os descritores “Juventude, Juventudes” apresentaram 4 grupos. Todos os grupos apresentam
apenas o descritor “Juventude”. O primeiro grupo foi criado em 2006, na Universidade Federal do
Mato Grosso, denominado “Infância, Juventude e Cultura Contemporânea - GEIJC” e apresenta
o status “certificado”. O grupo mais recente foi criado em 2016, na Universidade de São Paulo,
“Pesquisa em Psicanálise e Interdisciplinaridade para a Infância e Juventude” e apresenta o
status “certificado - não-atualizado há mais de 12 meses”. Sobre o ano de formação, não houve
predominância quanto ao ano em que os grupos foram criados. Referente à situação dos grupos,
3 grupos são certificados e 1 grupo apresenta o status “certificado - não-atualizado há mais de 12
meses”. Sobre a localização geográfica, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará e São Paulo apresentam
um grupo cada. Sobre o tipo de instituição, apenas uma é privada.
A partir da análise de todos os 26 grupos, foi possível observar a predominância de instituições
do Sudeste, onde o Rio de Janeiro apresenta 8 grupos, São Paulo possui 4 grupos e Minas Gerais
apenas um. Desse modo, essa região representa 50% dos grupos analisados. Em segundo lugar
está a região Sul, com 6 grupos, equivalente a 23,1%. Paraná possui 2 grupos e Rio Grande do
Sul 4 grupos. A região Norte apresenta 3 grupos, equivalente a 11,5% da amostra. O Tocantins
apresenta 2 grupos e o Pará 1 grupo. As regiões Nordeste e Centro-Oeste apresentam 2 grupos
cada, o que equivale a 7,7% respectivamente. Na região Nordeste, Paraíba e Bahia apresentam
um grupo cada. Na região Centro-Oeste, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul apresentam um
grupo cada. A Figura 2 apresenta a distribuição percentual dos grupos de pesquisa por Estados
brasileiros.

Figura 2. Distribuição dos grupos de pesquisa por Estados.


Fonte: Autores, 2017

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 533


NO ONTEXTO BRASILEIRO
No referente ao tipo de instituição, 88,5% (23 universidades) são públicas e 11,5% (3
privadas). A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) apresentou predominância dentre
as instituições, apresentando 5 grupos. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
apresenta 3 grupos, Universidade Federal do Tocantins (UFT) apresenta 2 grupos e Universidade
de São Paulo (USP) apresenta 2 grupos.
As demais universidades apresentam 1 grupo cada: Universidade Federal do Paraná;
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; Universidade Federal da Paraíba;
Universidade Federal de Mato Grosso; Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais;
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; Universidade do Estado do Rio de Janeiro;
Universidade Federal do Pará; Universidade Federal da Bahia; Universidade Estadual do Centro-
Oeste; Universidade Federal Fluminense; Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; Pontifícia
Universidade Católica de Campinas; Faculdade Meridional. Podemos identificar o quantitativo de
grupos na Figura 3.

Figura 3. Distribuição de grupos por universidade.


Fonte: Autores, 2017.

Sobre a situação do grupo, prevalece o status “certificado” com 69,2% (18 grupos). Sobre
os demais status, “certificado - não-atualizado há mais de 12 meses” com 15,4% (4 grupos); “em
preenchimento” com 7,7% (2 grupos) e “excluído” com 7,7% (2 grupos). Sobre o ano de formação,
em 2013 foram formados 4 grupos; em 2011, 2012 e 2014 foram formadas 3 grupos em cada ano;
em 2006, 2007, 2009 e 2016 foram formados 2 grupos em cada ano; em 1992, 1997, 1998 e 2017
foram formados 1 grupo em cada ano.
Em relação aos descritores, “Adolescência” apresentou 53,8% (14 grupos) dos resultados.
“Adolescentes” apresentou 23,1% (6 grupos), “Adolescente” com 3,8% (1 grupo); Jovens com 7,7%
(2 grupos) e Juventude com 11,5% (3 grupos).
Os 14 grupos obtidos para “Adolescência, Adolescências” foram: Infância, Adolescência,
Família e Sociedade; Núcleo de Pesquisa em Construção de Valores, Identidade e Violência na
Adolescência; Núcleo de Pesquisa para a Infância e Adolescência Contemporâneas - NIPIAC; Núcleo
de Pesquisa e Estudos sobre o Desenvolvimento da Infância e Adolescência; VIGODSKAIA - Grupo
de Estudos e Pesquisas da Adolescência na Perspectiva Histórico-Cultural; Grupo de Estudos e
Pesquisa sobre a Infância e Adolescência; NEPEIA - Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em
Infância e Adolescência; Pesquisa Clínica e Inovação na Abordagem da Adolescência; Grupo de

534 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Estudos e Pesquisa em Adolescência, juventude e fatores de vulnerabilidades e proteção; Núcleo
de Investigações Neuropsicológicas da Infância e Adolescência (NEURÔNIA); Núcleo de Pesquisas
e Estudos da Adolescência Contemporânea (NUPEAC); Estudos sobre Infância e Adolescência;
Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Infância e Adolescência (LEPIA); VIA-Redes (Violência,
Infância, Adolescência e Redes de proteção e de atendimento).
Os 7 grupos obtidos para “Adolescente, Adolescentes” foram: Desenvolvimento sociomoral
de crianças e adolescentes; A clínica contemporânea com crianças e adolescentes; Políticas
públicas e direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil; LEVICA - Laboratório de
estudos sobre violência contra crianças e adolescentes; Psicologia da Saúde e Desenvolvimento da
Criança e do Adolescente; Sistema de proteção a crianças e adolescentes: Pesquisas e aplicações;
Automutilação em Pré Adolescentes e Adolescentes - Estudo e Intervenção.
Os 2 grupos obtidos para “Jovem, Jovens” foram: Circulando e traçando laços e parcerias:
atendimento para jovens autistas e psicóticos - do circuito pulsional ao laço social; Circulando
entre invenções : um novo dispositivo clínico com jovens autistas e psicóticos.
Por fim, os 3 grupos obtidos para “Juventude, Juventudes” foram: Infância, Juventude e
Cultura Contemporânea - GEIJC; Família e juventude: relações intergeracionais e de gênero;
Grupo de Estudos e Pesquisa em Adolescência, juventude e fatores de vulnerabilidades e proteção;
Pesquisa em Psicanálise e Interdisciplinaridade para a Infância e Juventude.
Considerando que houve a predominância dos descritores “Adolescência, Adolescências”
e “Adolescente, Adolescentes” percebe-se que, ao abordar sobre o tema da adolescência, esses
descritores são considerados mais significativos para caracterizar os grupos. Desse modo,
foi considerado pertinente fazer um recorte para apresentar as características dos grupos que
trabalham com esses descritores, conforme a Figura 4.

Figura 4.- Distribuição dos grupos de pesquisa com os descritores adolescência, adolescente,
adolescentes.
Fonte: Autores, 2017.

A Figura 4 mostra a distribuição dos grupos por Estado, referente aos descritores
“Adolescência” e “Adolescente, Adolescentes”. Referente à criação dos grupos com esses
descritores, a Figura 5 mostra a série histórica de formação dos grupos.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 535


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Figura 5. Série histórica de formação dos grupos com os descritores adolescência, adolescente,
adolescentes.
Fonte: Autores, 2017.

Considerações finais

Podemos concluir que na Plataforma de diretórios do Cnpq observou-se a prevalência de


grupos de pesquisa na região Sudeste, o que aponta maior movimento quanto a pesquisas sobre
adolescência em comparação a outras regiões do país. A série histórica permite notar que houve
maior número de criação de grupos a partir de 2006. Interessante destacar que os dispositivos
jurídicos de proteção à adolescência como o ECA tenha sido criado em 1990, percebe-se que a
criação de grupos de pesquisa voltados à adolescência não foi significativa durante essa década,
levando em conta os grupos declarados nessa base de pesquisa nacional.
Em relação aos descritores utilizados para nomeação dos grupos, nota-se que o mais
representativo é adolescência. A análise de aspectos relacionados aos pressupostos teóricos,
metodológicos e resultados de pesquisas está em andamento.

Referências

Bueno, L. D., Santos Junior, P. S., Canuto, L. T., & Oliveira, A. A. S. (2017). Iconografia na
investigação e intervenção de processos psicossociais. Revista de Psicologia da UFC, 8, 99-108.

Carneiro, C., Ribeiro, L. M. A., & Ippolito, R. (2015). Adolescência, Modernidade e a cultura dos
direitos. Interthesis, 12(1), 176-191.

Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil. (2017). O que é. Recuperado em 07 de junho, 2017 de
http://lattes.cnpq.br/web/dgp/o-que-e/

Oliveira, A. A. S., & Bastos, J. A. (2014). Saúde mental e trabalho: descrição da produção acadêmica
no contexto da pós-graduação brasileira. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 17, 239-254.

Trancoso, A. E. R., & Oliveira, A. A. S. (2016). Aspectos do conceito de juventude nas Ciências
Humanas e Sociais: análises de teses, dissertações e artigos produzidos de 2007 a 2011. Pesquisas e
Práticas Psicossociais, 11, 278-294.

536 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
DA DIAGNÓSTICA AO DIAGNÓSTICO: A
ADMINISTRAÇÃO DOS AFETOS COMO
METADIAGNÓSTICO CRÍTICO AO CONTEMPORÂNEO
Emanuel Messias Aguiar de Castro
Aluísio Ferreira de Lima

Introdução

O
texto que segue é um recorte de uma pesquisa maior realizada para um trabalho
dissertativo que tinha como tema a administração dos afetos pelo capitalismo na
contemporaneidade. Tal texto recorta a seção do trabalho onde se apresenta a
articulação entre capitalismo, racionalidade e ideologia e a influências destas sobre a administração
dos afetos. Trata-se da proposição de que é preciso a reelaboração crítica dos diagnósticos que
temos hoje sobre o atual estado do capitalismo. Assim ao tentarmos elaborar um diagnóstico das
formas de vida no capitalismo contemporâneo chegamos a centralidade dos afetos como elemento
fundamental para a organização ideológica das atuais sociedades capitalistas. O que está proposto
aqui em um ultima instância não é uma metanarrativa dos afetos, mas a ideia de que estes, também,
são importantes elementos para a reconstrução da crítica contemporânea ao capitalismo.
Assim, do capitalismo industrial ao capitalismo tardio. Da racionalidade iluminista a
racionalidade cínica. Da ideologia do fetiche a ideologia da fantasia. Todas estas formas precisam
ser reconstruídas em sua temporalidade. É precisamente sobre isto que se trata uma diagnóstica,
termo que dá título ao texto. Ela é a reconstrução, histórica, de uma forma de vida hegemônica
em vigor durante uma dada temporalidade. Cada diagnóstico que compõe a diagnóstica é
sempre parcial. É sempre temporal. “O diagnóstico, seja ele formal ou informal, clínico ou
crítica, disciplinar ou discursivo, reconhece, nomeia e sanciona formas de vida entendidas como
perspectiva provisória e montagem hibrida entre exigências de linguagem, de desejo e de trabalho.”
(Dunker, 2015, p. 274).
Assim, a diagnóstica que nos interessa se apresenta como o conjunto de diagnósticos críticos
de uma época, mas não um diagnóstico qualquer, e sim o diagnóstico crítico das formas de vida.
Safatle (2008, p. 12) como sendo

um conjunto socialmente partilhado de sistemas de ordenamento e justificação da conduta


nos campos do trabalho, do desejo e da linguagem. Tais sistemas não são simplesmente
resultado de uma imposição coercitiva, mas da aceitação advinda da crença de eles operarem
a partir de padrões desejados de racionalidade.

A partir deste autor, é possível afirmar que este conceito trata de um sistema de ordenações
sociais partilhadas e impostas através de certa forma de racionalidade. Sua justificativa, portanto,
é minimamente coercitiva. Toda forma de vida é, assim, racional e dispõe de mecanismos lógicos
de justificação e aceitação daquelas que dela compartilham.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 537


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Para Dunker (2015), o diagnóstico é, no fundo, uma nomeação. Desta feita apostamos na
necessidade de nomear, no campo da crítica, uma seriação histórica de tríplices perspectivas sobre
as formas de vida. Não se trata de reconstruir modalmente estas formas. Este seria um trabalho
de cunho antropológico e cultural. A reconstituição das formas de vida confunde-se com uma
radiografia de como ordenamentos políticos e econômicos se inserem na ordem social a partir de
racionalidades que operam hegemonizando certas formas de vida.
Voltemos à ideia de tríplice perspectiva a partir dos estudos dos filósofos Escola de
Frankfurt para exemplificar nossa ideia. O capitalismo tardio, segundo esta escola, justifica-se
pela racionalidade instrumental e se insere na ordem social do cotidiano a partir da indústria
cultural. Esse colorário específico é um diagnóstico provisório das formas de vida no capitalismo
tardio. Ele é interdependente de um conjunto de noções que não são universais, mas históricas.
Notemos que ele não é modal. Não se trata dos modos de vida que as pessoas levam em seu
cotidiano. Parte-se da pressuposição de que os modos de vida são intimamente ligados à forma
de vida em questão.
Podemos citar, como citam Adorno e Horkheimer (1985), o modo vida americano ou
American way of life. Trata-se de um modo de vida possível nessa matriz maior denominada forma
de vida. Sempre dizemos que se trata de uma articulação no campo do desejo, do trabalho e da
racionalidade. Façamos um esforço de abstração para falar do estilo de vida americano e sua
indústria cultural.
O campo do desejo é marcado profundamente pelo imperativo do consumo. Pela produção
em larga escala de utensílios domésticos, pelo nascimento da pop-art e sua descartabilidade. No
campo das relações de trabalho aparece o complexo período de transição entre o fordismo/
taylorismo e o toyotismo. De um lado a automação humana, e de outro a automação tecnológica.
A substituição do homem pela máquina em uma parcela significativa das linhas de produção.
Por fim, no campo da linguagem, temos o nascimento da nova gramática a partir da inserção
nesta dos aparelhos de tecnologia fina que acompanha os outros dois campos. O surgimento dos
primeiros televisores e videogames como aparelhos domésticos. A tecnologia passa a fazer parte
da vida cotidiana e as novas formas de expressão e comunicação passam a ser preenchidas pela
nova aparelhagem.
Ao nomear estas coisas produzimos uma forma especifica de interpretá-las, no nosso caso a
forma crítica, daí a proposição de que estamos nomeando, a partir deste horizonte de sentido, as
formas de vida e assim reconstruindo-as de forma não modal. Não sabemos o que aconteceu em
cada casa americana dos anos de 1930, mas suspeitamos que a forma de vida marcada por essas
contingências históricas produzia certas regularidades nos modos de vida em questão. Afinal
a indústria cultura, ou a mídia, no capitalismo tardio e nas sociedades industriais avançadas
cumprem o papel de unidimensionalização da vida. Mas, é preciso ir mais longe para chegar aonde
queremos. Os dois conceitos precisam ser complexificados para apresentar o diagnóstico que nos
interessa: o da administração dos afetos e suas consequências.

Desenvolvimento

Voltemos-nos para o conceito de formas de vida. Segundo Agamben (2015c), os gregos


faziam uso de duas expressões para referirem-se ao que entendemos hoje por vida: zoé e bio. A
primeira refere-se ao simples ato de viver. Trata-se da vida comum a todos os animais e outros
seres viventes. O segundo caso refere-se à vida própria do homem em coletividade, em outros
termos, a vida política. É possível notar, nessa divisão, duas possibilidades de vida. Na forma de
vida, a vida do vivente torna-se necessariamente uma vida política. Na vida humana a própria vida
e o viver são uma única coisa.

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Na forma de vida a distinção entre zoé e bio perde densidade. A vida animal do homem, como
ser vivente, já é em si uma vida em coletividade. A fusão desses termos indica que a vida política
determina como o ser vivente deve porta-se. A vida política determina, portanto a regra da vida.
O ponto problemático de uma regra da vida é sua dimensão sintagmática. Segundo Agamben
(2014a), o léxico regra não deve ser compreendido sem um referente.
Não existe, assim, uma regra totalizante para a vida, mas um conjunto de regras que se
modificam de acordo com a dimensão sintagmática do referente. Uma forma de vida estaria,
assim, marcada por um conjunto de regras constitutivas que a define. Regras gramaticais, regras
políticas, regras jurídicas, entre outras. A forma de vida não deve ser separada destas regras.
Ela seria, então, uma matriz destas regras de se viver. Até aqui, por exemplo, adotamos desejo,
trabalho e linguagem como moduladores dessas regras.
A regra, contudo, segundo Agamben (2014a), não é lei, porém seu descumprimento
acarreta em penalização. Há nisso um elemento dialético das regras, pois ao mesmo tempo em
que ela penaliza, ela, também, convoca a sua não compreensão enquanto dimensão de lei. O
poder da regra é o da formação do espaço público, ou seja, da formação das comunidas políticas.
Mas, se não há, na forma de vida, distinção entre forma e vida, ser vivente e política, para Agamben
(2014a) regra e vida apresentam-se em um limiar de indeterminação.
A vida do homem, que não pode ser separada de sua forma, contém as regras para viver da
melhor forma. Sobre esse tema Agamben (2015c, p. 14) escreve que

Define uma vida – a vida humana – em que modos singulares, atos e processos de viver
nunca são simplesmente fatos, mas sempre primeiramente possibilidades de vida, sempre e
primeiramente potencia. Comportamentos e formas de viver humano nunca são prescritos
por uma vocação biológica específica nem atribuídos por uma necessidade qualquer,
mas por ordinário, repetidos e socialmente obrigatórios, conservam sempre o caráter
de uma possibilidade, isto é, colocam sempre em jogo o próprio viver. Por isso – isto é,
enquanto um ser de potencia, que pode fazer e não fazer, conseguir ou falhar, perder-se
ou encontrar-se - , o homem é o único ser em cujo viver esta sempre em jogo a felicidade,
cuja vida é irremediavelmente e dolorosamente destinada a felicidade. Porém, isso constitui
imediatamente a forma-de-vida como vida política.

A felicidade aparece ai como o elemento fundamental da forma de vida. Esse diagnóstico


de Agamben, em larga medida, corrobora como diagnóstico frankfurteano da conquista da
felicidade. O que está em jogo, em ambos os casos, é a determinação das regras que devem ser
seguidas para se alcance um tipo de vida pautada em uma ideal de felicidade. A vida, entretanto,
é potencia e a felicidade é só possibilidade. Dialeticamente a vida não feliz acompanha a vida feliz.
Devemos atentar, novamente, para a dimensão racional da forma de vida. Sua adesão
não é coercitiva. A vida não-feliz aparece, assim, como um desvio da realização racional da forma
de vida. A vida não-feliz é, se não, uma patologia. Um corpo desviante. Para Agamben (2010),
a política ocidental funda-se sobre a exclusão do desviante. Sobre a “vida nua”. O que estamos
sugerindo aqui é, pois uma paridade entre essas duas questões. O que é excluído do campo da
política, em paridade a vida nua, é a potencia de não ser feliz.
Adorno e Horkheimer (1985) e Marcuse (2015) já haviam percebido este diagnóstico. A
felicidade é, para eles, quase uma obsessão das sociedades industriais avançadas. Mas, devemos
voltar mais tempo ao passado. Devemos voltar a Hegel (1997) onde a felicidade era a satisfação
das necessidades intersubjetivas: as carências, as tendências, as paixões, as opiniões e as fantasias.
A felicidade é sinônimo de bem-estar e é o Estado que deve administra-la. Segundo Honneth
(2007) o diagnóstico de Hegel é que o homem moderno é incapaz de compreender a sua própria
liberdade. Desta maneira, ele seria marcado por um sofrimento de indeterminação. Para Honneth

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 539


NO ONTEXTO BRASILEIRO
(2007) o diagnóstico hegeliano aponta a origem das patologias da liberdade individual ou da
incapacidade de participar de uma vida social ética.
É nesse ponto que devemos complexificar a ideia de diagnóstico, pois ela nos servirá
para oferecer o que chamaremos aqui de um metadiagnóstico4 possível da contemporaneidade:
a administração dos afetos. Dunker (2015) apresenta dois metadiagnósticos da modernidade,
subsidiários ao diagnóstico hegeliano, que nos serviram de exemplo para a construção dessa ideia:
1) O excesso de experiências improdutivas de determinação; 2) Deficit de experiências produtivas
de indeterminação. O primeiro caso trata-se da hipertrofia da regra. Se formularmos uma tese geral
para Escola de Frankfurt veremos que a crítica desses autores dirige-se ao pensamento positivo ou
instituído. Não em um sentido meramente pejorativa de uma negação cega da potencia do real.
Mas, do bloqueio que esta instituição do pensamento positivo erige sobre as formas de vida.
Tanto o totalitarismo do esclarecimento (diagnóstico adorniano) quanto a
unidimensionalização da vida (diagnóstico marcusiano) atacam diretamente o castelo da
positividade onde a indústria cultural e a mídia são os veículos da positivação da vida, do
pensamento imediato e do discurso instituído. Daí, nos dois casos, a ideologia assumir uma
dimensão puramente cultural. A cultura se torna ideologia na medida em que é bloqueada a
possibilidade da negação da cultura instituída.
Se, talvez, seja preciso um esforço de abstração para perceber essa dinâmica entre positivo
e negativo na crítica a ideologia da Escola de Frankfurt. Tal esforço é bem menos colossal em
Zizek. Para o filósofo a ideologia é a totalização da fantasia. Em outras palavras, uma espécie de
bloqueio da capacidade de fantasiar. Se colocarmos em termos de positivo e negativo veremos
que se trata da positivação do objeto “a” da psicanálise. A parte faltante que articula nossas
aspirações e desejos passou a ser administrada enquanto mercadoria.
O desejo, aquilo de mais rebelde no campo da subjetividade, torna-se amansado pelos
imperativos de gozo. Os objetos de gozo tornam-se positivos e produzidos no capitalismo
contemporâneo. O que resta ao sujeito é administrar sua incapacidade de gozar da imensa
quantidade de “falsos” objetos a que nos são oferecidos. A fantasia, que no campo da psicanálise
surge para tamponar a falta constitutiva, torna-se positiva. É oferecida como um produto do
mercado. Daí Zizek (2015) atentar para a já referida figura do “empresário de si”. Sua fantasia é
a que ele será capaz de ser o gerente de suas próprias dívidas.
O segundo caso, o do déficit de experiências produtivas de indeterminação, nos coloca
diante da incapacidade de negar as estruturas simbólicas tal quais são organizadas no mundo.
Não conseguimos não nos determinar. Dunker (2015) aponta que parece haver, dentro da lógica
das formas de vida, um consenso sobre os efeitos maléficos da indeterminação. Voltemos à ideia
de Honneth (2007) de patologia da liberdade individual, mas agora sobre o ponto de vista da
relação entre regra e vida.
Segundo Agamben (2014a), a regra não é a lei. A regra é uma sugestão de como se deve
viver a melhor vida possível. Contudo, a regra é sintagmática. Não há a regra, mas regras para. O
“sofrimento de indeterminação”, nessa nossa leitura, é um produto da inflação das regras e da
ausência de “A regra”.
Essa leitura sustenta-se na passagem que Honneth (2007, p. 89) escreve sobre o “sofrimento
de indeterminação” afirmando que “a saber aquele que articula todas suas carências e intenções
nas categorias do direito formal tornar-se-ia incapaz de participar da vida social e por isso sofreria
de indeterminação”. O direito formal marca então esse excesso de experiências improdutivas
de determinação. O excesso de normas, de regras disciplinares e das outras formações jurídicas.
Porém, é, também, marcado pela ausência de uma regra geral articuladora. O que chamamos de
“A regra”.

4 O termo metadiagnóstico surge aqui para caracterizar que esta hipótese diagnóstica é subsidiária aos outros
diagnósticos de época. Ela não exclui, apenas acrescentar um adendo a eles.

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A tensão sobre tal questão aparece precisamente nesse consenso. É possível uma forma
de vida em que a experiência de indeterminação seja produtiva? Dunker (2015) apresenta-nos a
narrativa, estudada por Eduardo Viveiro de Castro5, dos povos amazônicos do Xingu. Para eles
não há determinação entre o inimigo e o amigo, por exemplo. Os rituais antropofágicos são os
mesmos para ambos. A lógica da regra da determinação, segundo Dunker (2015), está posta em
xeque. É possível uma forma de vida que seja indeterminada.
Queremos nos deter, porém, sobre outra forma de indeterminação. A da negação como ato
político fundamental. Aqui nos valeremos de Agamben (2015b) e sua análise sobre o conto de
Herman Melville “Bartleby, o escrevente: uma história de Wall Street”. Na história, o contista narra
à vida de Bartleby. Um escrevente contratado para um escritório de advocacia. Sua função era de
fazer cópias de documentos. Bartleby era, portanto, alguém que reproduzia mecanicamente o que
lhe era pedido. Assim descreve Melville (2015b, p. 67) o trabalho do escrivão

No início, Bartleby fazia uma quantidade extraordinária de cópias. Como se há muito


faminto por algo para copiar, ele parecia empanturrar-se com meus papeis. Não havia folga
para digestão. Fazia o turno do dia e o da noite. Copiando a luz do dia e de velas. Tivesse ele
alguma animação, teria me regozijado muito com sua diligência. Mas ele escrevia silenciosa,
apagada, mecanicamente.

O trecho mostra a primeira vez que o trabalho do escriba é descrito. Silencioso, apagado e
mecânico. Bartleby é a representação máxima das experiências improdutivas de determinação. Ele
sabe o que fazer e o faz muito bem, porém de maneira mecânica. Bartleby parece ser incapaz de
tensionar aquilo que lhe é pedido. Nesse momento do conto ele é apenas um executor de ordens.
Devemos evocar rapidamente Adorno e Horkheimer (1985, p. 138) quando escrevem que
“Eis ai o triunfo da publicidade na indústria cultural, a mimese compulsiva dos consumidores,
pela qual se identificam as mercadorias culturais que eles, ao mesmo tempo, decifram muito
bem”. As experiências de determinação podem ser lidas, em nossa ótica, a partir de uma analogia
com a indústria cultural.
Nesta a unidade entre vida e regra se acentua a partir das determinações sobre como portar-
se. A mentalidade de ticket reaparece nessa correlação entre regra e vida. O ticket determina o
conjunto de regras que devem ser seguidas para que a forma de vida no capitalismo tardio se faça
presente. O indivíduo marcado pela égide do capitalismo tardio é como Bartleby. Um executor
preciso de tarefas, ávido pelo trabalho, mas incapaz de refletir sobre sua própria atividade.
Ao terceiro dia de trabalho Bartleby muda sua postura em relação a essa atitude mecânica
de execução das tarefas que lhe são pedidas.

Estava sentado exatamente assim quando o chamei, dizendo ligeiro o que queria que fizesse
– ajudar-me a conferir um documento curto. Imaginem minha surpresa, ou melhor, minha
consternação, quando, sem sair do seu isolamento, Bartleby, numa voz singularmente
calma, firme, respondeu: “Preferiria não”. (Mellvile, 2015, p.68)

A partir deste momento Bartleby passa a recusar qualquer ordem que lhe é dada repetindo
a expressão “preferiria não”. Bartleby apossasse, em um primeiro momento, do biombo onde
trabalhava e depois da sala de advocacia inteira forçando que o escritório mude-se de lugar. Pois,
sempre que convidado a retirar-se ele “prefereriria não” obedecer. O conto se encerra com a prisão
de Bartleby sob a acusação de vadiagem. Mesmo na prisão o escriba continua a “preferirir não”.
A negar qualquer determinação que lhe é imposta.
5 Para mais referências sobre o trabalho de Eduardo Viveiro de Castros vide Dunker (2015) “Mal-estar, Sofrimento
e Sintoma”. Em específico o capítulo quarto: “Diagnóstico da modernidade e o perspectivismo ameríndio”

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 541


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A transição destes dois momentos do conto apresenta-nos a precisa tensão entre o
excesso de experiências improdutivas de determinações e o déficit de experiências produtivas de
indeterminações. O que está subjugado no primeiro caso é a potência de não ser aquilo que lhe
é determinado. O não-ser é bloqueado causando como consequência a impotência de ser. O
próprio ser torna-se produto de uma determinação social. Uma forma de vida determinada e
preenchida pelas regras.
O segundo caso, que em nossa ideia é o caso de Bartleby, trata-se da potência da
indeterminação. É necessária uma breve digressão para entendermos aqui nos referimos quando
usamos a expressão potência. Para Agamben (2015a) o termo potência tem uma longa tradição
que segue desde os gregos até a ciência moderna. Trata-se da possibilidade do ato.
A potência é uma faculdade marcada pela privação. Algo que esta sempre em vias de
acontecer, mas não necessariamente acontecerá. Ela é uma faculdade do homem. Assim como o
pensamento ou a morte. O homem pode pensar, mas pode não pensar. Pode morrer, mas pode
não morrer. Desta maneira, a potência é também marcada pela impotência. As duas coisas são
iminentes ao ato. Poder ou não poder algo sempre que a privação deste algo cessa. (Agamben,
2015a)
Agamben (2015a) opera, com isso, uma inversão conceitual em relação à ideia de potência
e impotência. Nada há de impotente, uma vez que para ele a impotência é a potência de não ser.
De volta à leitura de Bartleby, Agamben (2015b) encontra no “eu preferiria não” a formula da
potência pura em sua dimensão de faculdade. Não é que ele não queira copiar ou que queira não
deixar o escritório – apenas preferiria não fazê-lo.

A formula tão meticulosa repetida, destrói toda possibilidade de construir uma relação
entre poder e querer, entre potentia absoluta e potentia ordinata6.Ela é a fórmula da potência.
(Agamben, 2015b, p. 28).

Em nossa leitura, a fórmula da potência apresenta-se como uma indeterminação produtiva.


O elemento fundamente deste ato de “preferirir não” reside no fato de que não esta em jogo o que
Bartleby prefere. Não se trata de uma troca de algo indeterminado por algo determinado, mas sim
uma espécie de curto-circuito na lógica da determinação.

Se uma potência de não ser pertence originalmente a toda potência, será verdadeiramente
potente só quem, no momento da passagem ao ato, não anular simplesmente sua potência
de não, nem deixá-la para trás em relação ao ato, mas a fizer passar integralmente no ato
como tal, isto é, poderá não-não passar ao ato. (Agamben, 2015a, p.253).

Conclusão

Diante disso, podemos finalmente nos questionar sobre o nosso metadiagnóstico em


específico e que, por fim, intitula todo o trabalhado realizado até aqui. Até aqui tentamos
responder o seguinte questionamento: Como são produzidas e reproduzidas as formas de vida
hegemônicas dentro do sistema capitalista?
Assim, apresentamos o seguinte colorário: a racionalidade capitalista produz os signos de
verdade da ordem impessoal que serão inscritos na ordem individual mediados pelas formações
ideológicas do Sistema. Queremos, agora, lançar uma hipótese complementar a este colorário. Daí
insistirmos em seu caráter metadiagnóstico. Ela não suplanta todos os apontamentos feitos. Ela

6 Os dois termos referem-se, segundo Agamben (2015b), a faculdade de Deus de fazer qualquer coisa, quando se
refere à potência absoluta, ou fazer apenas a sua vontade, referente a potência ordenada.

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é apenas um complemento, um detalhe, uma contribuição que necessita de toda a argumentação
feita até aqui para existir.
A hipótese complementar é que a partir da administração dos afetos mantemos um limiar de
indissociabilidade entre vida e forma de vida a partir de experiências de determinação baseadas na
gestão dos afetos. Questionamos-nos, com isso, se a “obediência” a regra é puramente racional.
Nosso ponto é que não concebemos somente do ponto de vista da formalidade as formas de vida
hegemonicamente impostas.
Existe um arcabouço administrativo que organiza a vida afetiva dentro das sociedades
capitalistas contemporâneas. O bloqueio da produção de outras formas de vida ocorre, também,
pela afetação que as atuais formas proporcionam. Entramos aqui, novamente, no campo da
política. A gestão política da vida não é necessariamente técnica ou decisionista como pensa
Habermas (2014). Esta gestão é comprometida com um tipo de administração dos objetos para
os quais se destinam os afetos.
Esta proposição se confunde com um metadiagnóstico do contemporâneo. Para tal, é
necessário compreender o que estamos chamado aqui de contemporâneo. Nosso entendimento
coincide com a proposição de Agamben (2014b) quando aponta intempestividade do
contemporâneo.

A contemporaneidade é, assim, uma relação singular com o tempo, que adere a ele e, ao
mesmo tempo toma distância dele; mais precisamente, essa é a relação com o tempo que
adere a ele através de uma dissociação e de um anacronismo. (Agamben, 2014b, p. 22).

Devemos atentar aqui para a dimensão anacrônica de nossa ideia. Não há, precisamente,
um momento temporal. A temporalidade do contemporâneo deve ser compreendida nessa ideia
como extensa. O contemporâneo não é um fato, mas uma posição em relação ao tempo presente.
Sua atualidade, portanto, extrapola a datação métrica do tempo.
Não há de se afirmar que o contemporâneo inicia-se na data X ou Y. O passado pode-
nos ser contemporâneos na medida em que ele tornou-se anacrônico ao seu tempo presente.
É precisamente por esse motivo que o diagnóstico crítico da Escola de Frankfurt não pode ser
substituído pelo diagnostico crítico de Zizek, um contemporâneo, se levarmos em conta a datação
métrica do tempo.
O nosso metadiagnóstico do contemporâneo tem a pretensão de situar-se na descrição de
Agamben (2014b, p. 32) quando escreve que

Isso significa que o contemporâneo não é apenas aquele que, percebendo a escuridão do
presente, apreende a sua luz inalienável: é também aquele que, dividindo e interpelando
o tempo, é capaz de transformá-lo e de relaciona-lo com os outros tempos, de nele ler de
modo inédito a história, de cita-la segundo suas necessidades que não provém de maneira
nenhuma de seu arbítrio, mas de uma exigência a qual não pode responder. É como se
aquela luz invisível, que é a escuridão do presente, projetasse sua sombra sobre o passado, e
este, tocado por esse facho de sombra, adquirisse a capacidade de responder as trevas agora
(Agamben, 2014b, p. 32).

Por fim, este trabalho sugere alguns apontamentos sobre a importância de se pensar a obscura
participação dos afetos na constituição das formas de vida para além de suas adesões racionais.
É neste ponto que entendemos que nossa real contribuição para uma Psicologia Social Crítica
aparece. Para o estudo das formas de vida nas sociedades capitalistas, é a crítica da administração
dos afetos e suas consequências que, em nossa aposta, reordenaria as coordenadas da crítica ao
capitalismo contemporâneo.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 543


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Referências

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544  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PSICOLOGIA SOCIAL E FEMINISMOS:
RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA COM MULHERES
DAS ILHAS DE BELÉM DO PARÁ
Amanda Gabriella Borges Magalhães
Débora Melo da Silva Brito
Maria Lúcia Chaves Lima

Introdução

A
psicologia social no Brasil tem como característica principal a pluralidade de
métodos, de objetos e de bases teóricas. Mais intensamente desde os anos 1970 vem
se modificando no sentido de acoplar o compromisso com a mudança social à ciência
psicológica, e fazê-la útil para o enfrentamento das mazelas sociais aqui existentes. Movimento este
que não começou no Brasil, mas que é atravessado por uma série de questionamentos próprios
do solo latino-americano que emergiram por volta desta época, em meio à crise da psicologia social,
e que culminaram na criação de novas formas de produzir saber neste campo, considerando a
subjetividade como indissociável de questões econômicas e políticas.
Vários aspectos da psicologia social mais ampla foram problematizados no período da crise,
tais como: a importação acrítica das teorias psicológicas oriundas dos Estados Unidos e Europa,
a lógica colonial presente na produção do conhecimento, a ênfase na perspectiva positivista e
quantitativista nos estudos realizados, a prevalência do chamado reducionismo psicológico, a
distância das teorizações da psicologia social standard dos fortes problemas que marcavam a
sociedade brasileira e a necessidade de constituir um campo científico que tomasse o contexto
brasileiro como ponto de partida para a produção do conhecimento (Santos et al, 2016). Como
consequência desse posicionamento, deu-se a construção de um corpo teórico, conceitual e
metodológico diferenciado pela psicologia social brasileira nas décadas de 70 e 80 do século
passado.
Foi essa psicologia social que, nesse período de reformulação, melhor acolheu os estudos
com perspectiva de gênero e feministas, férteis à época, devido sua abertura à interdisciplinaridade,
compromisso ético-político e preocupação com as questões sociais. Já na década de 1980,
podemos ver estudos nesta área relacionados ao feminismo, como é o caso da iniciativa de Karin
Ellen von Smigay e Lúcia Afonso (1989), na Universidade Federal de Minas Gerais, a partir de
intervenções com grupos de reflexão para mulheres sobre a condição feminina e promoção do
combate à violência de gênero. Este tipo de intervenção lembra os grupos de reflexão que se
popularizaram nos Estados Unidos na década de 1970 e cuja metodologia foi apropriada pelas
terapias feministas7 criadas também por volta da mesma época.

7 Essa designação não é consensual. Enquanto as terapêuticas tradicionais tinham como cerne da intervenção o
indivíduo (mulheres) enquanto lócus dos problemas, do ponto de vista das críticas feministas e das abordagens
construcionistas sociais, entende-se que uma terapia pode e deve ser qualificada de feminista sempre que tiver

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 545


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O movimento de inclusão das demandas de gênero no meio científico se iniciou com a eclosão
do chamado feminismo de segunda onda8, cujo ápice foi contemporâneo à crise da psicologia
social latino-americana. Pedro (2005) afirma que o esse movimento questionava a universalidade
do masculino em nossa sociedade, o que levava as mulheres a não se sentirem incluídas em suas
demandas tanto na ciência quanto em outros espaços de visibilidade. A ideia de “homem universal”
não deixava espaço para as questões que eram específicas da “mulher”, por exemplo: o direito de
ter filhos ou não; a luta contra a violência doméstica; dentre outras demandas. Posteriormente,
nos anos 1990, o feminismo de terceira onda reivindicou uma “diferença dentro da diferença”,
uma vez que noção naturalizada de “mulher”, produzida a partir das mulheres brancas e de classe
média que marcaram a onda anterior, não contemplava as reivindicações de outras mulheres:
negras, pobres, indígenas, mestiças, trabalhadoras etc.
De acordo com Nogueira (2017), este movimento de crítica feminista à ciência, iniciado em
meados dos anos 1970, envolveu denúncia por parte das mulheres acerca das lacunas e mesmo
das falsificações e generalizações abusivas de um saber que identificava a masculinidade como
universal e promovia a exclusão ou a subordinação das mulheres, seja como objeto, seja como
sujeito de pesquisa. Há muitas divergências em torno do que seria uma postura feminista na
ciência. O simples fato de mais mulheres estarem atuando como de produtoras de conhecimento
científico já seria o suficiente? Ou seria o tipo de pesquisa realizado por essas mulheres o melhor
termômetro para a avaliação sobre a perpetuação ou não de um fazer científico que relegue as
questões femininas ao segundo plano?
Mesmo que esse movimento causado pelas lutas feministas não seja recente, ainda hoje há
bastante polêmica em mesclar ciência e feminismo, como se pudesse haver uma fazer científico
neutro, sem impactos sobre a organização do mundo, e como se declarar esse intrínseco
posicionamento sobre a ordem das coisas levasse à diminuição da qualidade das pesquisas. A
psicologia não está isenta destes questionamentos. Qualificar a “Psicologia” como “Feminista”
é um passo bastante polêmico e, como reafirma a psicóloga feminista portuguesa Conceição
Nogueira, nos torna passíveis de uma série de boicotes institucionais. Porém, também segundo a
autora, tal posicionamento (variável no decorrer do tempo) vem provocando uma série de efeitos
no fazer psicológico, como:

1) a criação de novas áreas de pesquisa, novos assuntos e (re)nomear problemas, sendo o


melhor exemplo a questão da violência de gênero; 2) o questionar de métodos de pesquisa
e de prioridades, por exemplo, a inclusão de métodos qualitativos e preocupação com
investigação associada às desigualdades e às discriminações; 3) novas abordagens à prática
clínica e terapêutica, onde se pode atualmente situar o campo das terapias feministas; e
finalmente, 4) a integração da problemática da diversidade chamando a atenção para as
diferenças entre as mulheres. (Nogueira, 2017, p. 62-63)

Considerar uma psicologia como feminista atribui a este campo uma nova forma de atuar
que envolve, entre outras coisas, o compromisso declarado com a mudança social, a quebra com
o modelo tradicional de ciência9, uso da criatividade e pluralidade metodológica para o alcance
dos interesses feministas (como tomada de consciência, etc.) e a reflexividade sobre o papel de

subjacente à sua prática a à sua teorização os princípios feministas. (Neves & Nogueira, 2004). Cita-se como
exemplo os oito princípios descritos por Worell e Remer (2003) em “Feminist perspectives in therapy: Empowering
diverse women”.
8 O feminismo chamado de “segunda onda” surgiu após a Segunda Guerra Mundial, e deu prioridade às lutas pelo
direito do corpo, ao prazer, e contra o patriarcado. (Pedro, 2005)
9 Ligado aos preceitos de controle, replicabilidade do experimento, etc.

546  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
pesquisador em relação às questões de gênero10 (Neves & Nogueira, 2003). É importante ressaltar,
porém, que da mesma forma com que são múltiplas as concepções de feminismo, são diversas as
possibilidades de produção de uma psicologia feminista. Ela pode variar conforme os preceitos da
vertente feminista que se elege para compor com a psicologia uma atuação conjunta.
A nomenclatura “Psicologia Feminista” não é muito utilizada no Brasil, apesar de nosso
país se configurar como campo bastante fértil de intervenções sobre gênero e sexualidade. Santos
et al (2016) lançam a hipótese de que a abertura da psicologia social brasileira aos estudos com
enfoque feminista fez com que não fosse necessária a criação de um campo de saber diferenciado
para estes estudos. Nesta mesma pesquisa, na qual as autoras realizam uma revisão bibliográfica
usando uma das principais revistas de psicologia social no Brasil11, foram identificados 36 artigos
entre 1996 e 2010 sobre a temática de gênero, e se evidenciou um aumento em números absolutos
das publicações de trabalhos neste campo na revista em questão.
Narvaz e Koller (2006), porém, apontam que a produção feminista ainda permanece
majoritariamente circunscrita a poucas revistas científicas especializadas no tema, tais como
a Revista Estudos Feministas, da Universidade Federal de Santa Catarina, e a Cadernos Pagu, da
Universidade de Campinas. Nos demais periódicos indexados, há pouca produção relativa aos
estudos de gênero e, menos ainda, sobre estudos e metodologias feministas.
A marginalização destes estudos quanto aos meios de publicação, apontada pelas autoras
no trabalho supracitado, também se estende aos cursos de graduação, nos quais temáticas
como gênero e feminismos são comumente postas como anexos de outras disciplinas, apesar da
relevância e urgência desse tipo de reflexão na formação de profissionais de nível superior, em
especial de áreas como saúde, educação e ciências humanas, com as quais a psicologia efetua
grande diálogo e por vezes se confunde entre as fronteiras disciplinares.
Foi na pós-graduação que nossas inquietações pessoais se somaram ao corpo teórico proveniente
de leituras de autoras feministas e nos fizeram refletir sobre a intersecção da psicologia com o feminismo
no Brasil, e em especial no nosso próprio território: como poderia ganhar corpo uma intervenção em
psicologia feminista em solo amazônico? Diante deste e de outros tantos questionamentos, propusemo-
nos a realizar uma intervenção-experiência com mulheres muito próximas a nós que comumente não
têm acesso aos serviços psicológicos: as mulheres das ilhas de Belém.
Nosso território é composto por rios e muitas ilhas ao redor da capital. No caso da ilha
selecionada para esta intervenção, chamada Cotijuba, o acesso é feito por barcos que saem de
um porto da região metropolitana de Belém, cujo tempo de viagem é de aproximadamente uma
hora. De acordo com Cruz (1996), a Ilha de Cotijuba faz parte do arquipélago situado na baía de
Marajó e pertence à grande Belém, distando desta 33 km. Possui uma área de aproximadamente
107 km², limitando-se a Norte e Oeste com a baía do Marajó, a Leste com a baía de Santo Antônio
e a Sul com as Ilhas de Paquetá e Jutuba. A partir de informações levantadas em visitas ao local,
foi possível identificar a existência de uma Unidade Municipal de Saúde que não dispõe do serviço
de psicologia. Como a maior rede de dispositivos de saúde se concentra em Belém, raramente a
população das ilhas possui psicólogas/os para realizar um atendimento no local.
Selecionamos Cotijuba por dois motivos: (1) pela inserção de uma das autoras deste estudo
na ilha, a partir de sua pesquisa do mestrado, trabalhando especificamente com público feminino
da localidade; (2) pela existência de um movimento feminino de referência, chamado Movimento
de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB).

10 A noção de “gênero” surgiu com feministas anglo-saxãs (com o termo gender) passando a ser usado para enfatizar
o caráter social nas diferenças baseadas no sexo. Em outras palavras, emergiu diante do interesse de romper com
a noção do determinismo biológico e apontar a importância do cultural nos papéis e divisões sociais de homens
e mulheres (Scott, 1995).
11 Refere-se aqui à Revista Psicologia & Sociedade, fundada no ano de 1986 pela Associação Brasileira de Psicologia
Social (ABRAPSO) e que se tornou um importante veículo de publicações na psicologia social brasileira.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 547


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O MMIB é uma instituição sem fins lucrativos que tem como objetivo afirmar a autonomia,
a autoestima e desenvolvimento do conhecimento das mulheres. Foi fundado em 1998 por
algumas moradoras da Ilha, que faziam parte da Associação de Produtores da Ilha de Cotijuba
- APIC (Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém [MMIB], s.a.). De acordo com informações
disponibilizadas no blog institucional12, o Movimento desenvolve parcerias com várias instituições
que contribuem com a realização de atividades de geração de renda, como foi o caso de uma recente
parceria com uma empresa nacional de cosméticos para a comercialização de priprioca (uma
semente aromática, cujo óleo essencial é usado para compor fragrâncias). Também produzem
joias artesanais com matéria-prima local e papel reciclado. Para além disso, fazem parcerias com
grupos diversos que promovem atividades com o coletivo.
Entramos em contato com a coordenadora do Movimento para demonstrar nosso interesse
em realizar uma intervenção com o grupo, e pedimos a ela uma indicação de tema de trabalho, para
que pudéssemos conciliar nosso interesse de pesquisa com suas necessidades. Foi-nos encomendado
que trabalhássemos com o grupo questões relacionadas ao machismo presente nas relações
familiares: “como lidar com o machismo dos maridos e filhos?”; “Como ser feminista em um mundo
machista?”. Esses foram alguns dos questionamentos lançados como encomendas a nós.
Pensando nossa intervenção a partir de uma concepção de psicologia feminista, nosso intento
não se configurou em como compreender, estudar essas mulheres, mas conformar nosso fazer à
sua luta. “Que pode a psicologia fazer pelas mulheres das Ilhas?” Esse seria um questionamento
possível a partir da psicologia no encontro com o feminismo, ou de uma psicologia feminista.
Nogueira (2017) afirma que ao promoverem o princípio do ativismo social, da implicação com
causas para diversos grupos (por vezes sub-representados), as psicólogas feministas fizeram com
que suas pesquisas fossem socialmente relevantes para a vida das mulheres e altamente valorizadas,
pela possibilidade de contribuírem com políticas que beneficiem as mulheres (e os homens), e que
diminuíssem as injustiças sociais.
Para desenhar nossos caminhos de pesquisa, fomos buscar nas correntes feministas alguns
conceitos que embasaram nossa intervenção. O conceito de interseccionalidade se fez fundamental,
uma vez que torna possível pensar uma produção localizada e contextualizada da subjetividade, ou
seja, compreender que, embora as mulheres do movimento de ilhas de Belém sejam atravessadas
por questões e demandas generalistas, comuns a outras mulheres, elas vivenciam processos
particulares, relacionados a marcadores específicos, e que precisam ser levados em consideração.
Como afirma Nogueira (2017), gênero não é um componente isolado – deve ser compreendido
na sua intersecção com outros marcadores. Gênero também está associado à raça, à classe, à
orientação sexual, à capacidade física, à nacionalidade, ao estatuto migratório, à religião, etc.
Consideramos o coletivo formado por essas mulheres como dispositivo estratégico para o
enfrentamento das situações adversas relacionadas tanto à condição feminina, quanto a questões
financeiras e de falta de acesso a serviços fundamentais devido a sua localização em relação à
capital. Elegemos o coletivo como nosso objeto de intervenção, para além da vida privada de cada
mulher que o compõe.
Trouxemos também de nossa trajetória de formação ferramentas da Análise Institucional
Francesa, que nos auxiliaram a pensar uma forma de intervenção que propiciasse processos de
autogestão e contribuísse com o coletivo. Não desejávamos chegar como quem traz a verdade.
Queríamos que esse encontro nos provocasse pensar uma Psicologia Feminista na Amazônia, e
para isso, nosso papel seria muito mais de ouvir o que fosse posto do que de prescrever formas de
viver a essas mulheres.
Pensando a partir dos pressupostos teóricos assumidos, estipulamos alguns objetivos: (a)
promover um espaço de escuta sobre questões relacionadas a “ser mulher” para as participantes;

12 http://movimentodemulheres-mmib.blogspot.com.br/

548  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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(b) provocar debate sobre o que é ser feminista e como isso interfere na relação consigo, entre
mulheres e também com os homens; (c) provocar reflexão sobre como este posicionamento
impacta nas relações domésticas, com marido e filhos; (d) instigar a pensar sobre o papel do
coletivo na vida dessas mulheres e quais possibilidades essa organização abre para o enfrentamento
das dificuldades cotidianas.
Desse modo, no mês de novembro de 2017, realizamos a intervenção com o MMIB, a fim de
promover uma experiência de troca a partir do campo teórico da psicologia no encontro com o
feminismo, no intento de contribuir com a luta dessas mulheres, mas também para nos mover a
pensar a psicologia feminista entre os rios e ilhas da Amazônia paraense.

Metodologia

Uma vez que esse foi nosso primeiro contato com as mulheres do coletivo, optamos por
organizar uma roda de conversa mesclada com uma oficina que pudesse promover entrosamento
das pesquisadoras com o grupo, descontração e servir como um disparador para nossa conversa.
Selecionamos uma oficina de rápida e fácil execução: a produção de bonecas Abayomi - cujo
nome significa “meu presente”, em Yorubá (Campos Gomes et al, 2017).
Vieira (s.a.) através de uma matéria jornalística, reporta as Abayomi ao período da
escravatura. Momento este em que parte da população africana foi sequestrada e trazida nos
chamados navios negreiros para ser escravizada nas Américas. Segundo essa versão, conta-se que
durante as viagens as crianças choravam assustadas e, diante disso, as mulheres, para acalentá-las
e distraí-las, rasgavam tiras de pano de suas roupas e faziam bonecas para as crianças brincarem.
Campos Gomes et al (2017), porém, remetem a criação da Abayomi aos anos 1980, período
marcado pela efervescência de movimentos sociais no Brasil, de redemocratização, debates em
torno de uma nova Constituição Federal e dos cem anos da Abolição da escravidão, ambos
culminando em 1988. No ano anterior, segundo as autoras, a Abayomi teria começado a tomar
forma a partir das mãos de Waldilena Serra Martins, mais conhecida como Lena Martins, artesã
que desenvolveu a técnica da boneca negra de pano, sem costura ou cola, no mesmo ano. Os
materiais utilizados eram retalhos, tidos como restos, descartes de fábricas e confecções. No
rosto das bonecas não há demarcação de olhos, nariz e boca para favorecer o reconhecimento da
identidade das múltiplas etnias africanas (Campos Gomes et al, 2017).
A boneca Abayomi se mostrou estratégica pela pluralidade de temas relevantes que
poderíamos extrair a partir de sua confecção: questões sobre os lugares ocupados pela mulher na
sociedade, a função de cuidadora da família etc. Outro aspecto fundamental levantado a partir da
boneca é a negritude, tanto a partir de um aspecto histórico, por recontar o trajeto das mulheres
africanas que vinham ser escravizadas no Brasil, quanto sobre a atualidade desse lugar da mulher
negra na sociedade.
Quanto à execução da roda de conversa, horário e dia foram previamente combinados
com a coordenação do MMIB. Foi disponibilizado o turno inteiro da manhã para a realização da
atividade. Todo material utilizado foi disponibilizado por nós e preparado previamente para agilizar
a produção da boneca. A expectativa era de que estivessem presentes entre 10 e 15 participantes,
contando com a coordenadora do movimento. Levamos material excedente com a intenção de
nos precaver no caso de aparecerem mais pessoas do que o previsto.
Antes da realização da oficina, apresentamo-nos para as participantes e compartilhamos
com elas os caminhos que nos levaram até Cotijuba e à escolha dessa oficina, incluindo o fato
de que estávamos ali não só como psicólogas, mas como feministas, e pensando uma possível
relação entre ambos. Dessa forma, procuramos ampliar a visão que as participantes tinham sobre
o fazer da psicologia, comumente relacionado à atuação clínica nos consultórios e desconectado
de problemáticas sociais e de gênero.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 549


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Optamos por não realizar gravação de áudio, uma vez que isso poderia deixar as participantes
desconfortáveis e engessar nosso contato inicial. Nosso registro do encontro foi feito a partir de
diário de campo. De lá retiramos nossas impressões para compor nossas análises, apresentadas
no tópico seguinte.

Resultados e Discussão da Experiência

A intervenção foi feita na sede do Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém, que dispõe
de um espaço para a realização de oficinas. Nossa atividade foi encaixada no calendário do
movimento, que no ano de 2017 reservava as manhãs de terças e quintas-feiras para este tipo de
encontro. Nestes dias, o coletivo se reúne para participar de aulas de história, inglês, entre outras
atividades, promovidas por voluntários de algumas instituições de ensino superior que também
elegeram este movimento como espaço para suas intervenções.
A proposta da oficina foi muito bem recebida pelas/os participantes: ao todo, 10 mulheres
e 3 homens. Destas 10 mulheres, 8 tinham em média 40 anos e eram antigas no movimento,
enquanto que duas tinham em torno de 20 anos e entraram no MMIB recentemente. Os homens
eram também jovens, com faixa de idade entre 20 e 25 anos, e participaram assiduamente da
oficina e do debate. Desta forma, ficou claro para nós, pesquisadoras, que o Movimento de
Mulheres das Ilhas de Belém não é formado só por mulheres, mas sim idealizado e organizado por
elas desde sua fundação. A participação de homens na oficina foi sugerida pelas componentes do
Movimento por acreditarem que a discussão também fosse importante para eles.
Ao redor de uma grande mesa, após nossa apresentação, compartilhamos com eles a história
da boneca Abayomi, rememorando as questões da escravidão e da luta e resistência femininas, e
em seguida iniciamos sua produção, passo-a-passo. Muitas questões que havíamos pensado em
trazer durante a conversa surgiram espontaneamente ainda no decorrer da realização da oficina,
trazidas pelas próprias participantes.
Foram discutidas questões sobre o feminismo, machismos cotidianos, maternidade,
sexualidade, trabalho, violência doméstica e a respeito do movimento de mulheres. A identificação
com a negritude foi algo bastante forte no coletivo, inclusive algumas participantes relataram já
ter feito parte de movimentos de mulheres negras.
No decorrer da conversa sobre o papel de cuidadora atribuído socialmente à mulher,
também representado pela história corrente da Abayomi, chegamos até o assunto “feminismo”.
Quando foi perguntado se elas se consideravam feministas, as participantes disseram que ficam
receosas em se identificar como tal, principalmente pela forma com que as feministas são vistas.
Afirmaram que, na concepção geral, se dizer feminista é lido como se colocar “contra os homens”, ou
“ser lésbica”, etc. Algumas participantes disseram que no começo de sua trajetória com o MMIB, se
fossem perguntadas sobre essa questão, diriam imediatamente que “não!”, mas hoje em dia, após
o aprendizado e luta coletiva não só se consideravam feministas, como também consideravam o
Movimento dessa forma.
Dentro deste assunto, várias questões sobre machismo foram trazidas: relacionadas
à vivência cotidiana, às relações familiares, religião etc. Segundo elas, o machismo passa pelas
gerações na perpetuação de estereótipos de gênero: “imposição da sociedade que o homem é
machão, não chora, já a mulher deve cuidar dos filhos”. Também foi ressaltado que, para além
dos homens, as próprias mulheres reiteram atitudes machistas através da competição entre si
e do julgamento de quem vai de encontro aos estereótipos de gênero. Uma das participantes
relatou que é bastante criticada pelas mulheres da ilha pelo fato de ir ao bar, beber e dançar sem a
companhia do marido. Mulheres que participam de algumas igrejas também são muito mal vistas
quando bebem – postura com a qual as participantes não coadunam.

550  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
No caso das relações conjugais, relatou-se que na Ilha há casos em que mulheres são
impedidas de trabalhar por conta do ciúme de seus maridos, assim como pela associação imediata
de alguns trabalhos, como o de garçonete nas praias, com a prostituição. Algumas participantes
disseram já ter tentado mudar suas relações com os cônjuges quanto a uma melhor distribuição
das tarefas domésticas para que nenhum dos dois se sinta sobrecarregado. A maioria das mulheres
presentes exercia atividades remuneradas, e, portanto, era corresponsável pela renda familiar.
Algumas, porém, já tinham tentado trabalhar com comércio e afirmaram serem muito duras às
críticas e descrença da comunidade quando uma mulher ousa iniciar algo deste tipo – sempre
dizem que irá dar errado.
Os homens, até então calados, foram instigados a participar da conversa para dizer o que
achavam sobre feminismo e machismo. Um deles relatou que cresceu ouvindo que as mulheres têm
que ficar em casa, sem trabalhar. Ele considera o feminismo interessante pela busca por direitos
iguais, tanto de trabalho quanto outros. Foi ressaltado que a cultura machista em que vivemos
também afeta os homens no sentido de exigir que eles se fixem no papel de “machos” provedores
e repitam uma série de comportamentos para não serem julgados como homossexuais.
Algumas mulheres relataram ter começado a perceber desde cedo a diferença entre os
papéis de gênero em situações cotidianas, como terem que lavar louças e fazer tarefas domésticas
enquanto o irmão brincava, ter que ficar na cozinha com as mulheres, limpando e cozinhando
para as reuniões de família, enquanto os homens conversavam na sala etc. Uma das participantes
compartilhou uma história de seu relacionamento sobre quando esteve se recuperando de uma
cirurgia e seu marido assumiu as tarefas domésticas: “Quando eu estava de resguardo, ele tinha
que fazer tudo, mas dava meio dia e ele ainda não tinha terminado. Então ele só soube como
era pesado o trabalho de casa quando começou a fazer”. Foi unânime considerar como injusto
esse tipo de relação com o trabalho doméstico e fora de casa, mas também foram ressaltadas as
dificuldades de mudar este tipo de relação, o que nunca se dá sem julgamentos externos.
Nos grupos de intervenção que o MMIB tem com idosos, percebe-se muito esse tipo de
postura machista, mas também foi compartilhada muita preocupação com o fato de até mesmo
meninas muito jovens, por volta dos 15 anos, terem esse tipo de atitude – o que traz à vista que não
é só coisa de “gente mais antiga”. Várias tentativas já foram feitas para aproximar a população
mais jovem de Cotijuba das atividades do Movimento. Por hora, o grupo de jovens é bastante
restrito: Quatro participantes, que estavam nesta atividade. Foram discutidas algumas ideias que
pudessem atrair a população jovem a participar: festas, oficinas, e a partir desta intervenção
foi lançada a ideia de realizar rodas de conversa com temas instigantes para a juventude, e que
pudessem tratar também de questões relacionadas a gênero e feminismo para provocar mudanças,
mesmo que sutis, nessa nova geração.
A respeito do coletivo, as participantes mais antigas lembraram que tiveram de enfrentar
muito preconceito para formar o Movimento, e se preocuparam sempre em evitar erros, uma
vez que o julgamento pelo erro ou fracasso, segundo elas, viria bastante forte pela condição de
Movimento de Mulheres. Foram instigadas reflexões sobre o que o movimento já provocou de
mudanças nas mulheres que o compõem e na comunidade. A mudança de ponto de vista sobre o
fato de ser mulher e seus impactos nas relações e na vida como um todo foram evidentes durante
a conversa de acordo com o relato de várias participantes.
Mas, como pesar, elas avaliam que pouco mudou na comunidade nesses 20 anos de existência
do MMIB. As mulheres do MMIB consideram o coletivo como a criação de um espaço de fuga
“do mundo lá fora”. Várias disseram aguardar ansiosamente o dia de participar com o grupo das
atividades propostas. E que dentro do coletivo, parece um outro mundo, um espaço para respirar
e recarregar as energias.
O feedback das participantes foi bastante positivo. Foi levantada a necessidade de realizarem
com mais frequência rodas de conversa sobre temas de relevância para o coletivo, como por

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 551


NO ONTEXTO BRASILEIRO
exemplo: rivalidade entre mulheres e sororidade, violência contra a mulher, violência sexual, o
uso da internet como potencializador da ação política, entre outros. A continuação das rodas de
conversa foi sugerida pelas participantes tanto como forma de aproximar as mulheres (e homens)
do MMIB, quanto estratégia para atrair mais pessoas para participar do coletivo, principalmente
o público jovem.
Após o encerramento, fomos convidadas para um almoço, durante o qual estendemos
nossa conversa e ouvimos algumas sugestões de como continuar nosso contato com o MMIB e
promover outros tipos de intervenções na Ilha de Cotijuba em forma de projetos de extensão ou
trabalho voluntário.
Na Ilha, não há atendimento psicológico disponível – nem particular, nem na Unidade
Municipal de Saúde. E o atendimento público na região metropolitana de Belém é bastante
dificultado pela baixa quantidade de profissionais e alta demanda. Uma opção que elas colocaram
como possível foi o prosseguimento de trabalhos em grupo, criando assim um espaço de escuta
e de troca.

Considerações Finais

Esse relato tratou de uma experiência localizada em um território, com mulheres de um


coletivo através de uma oficina específica, sem ter pretensão de generalizar saberes, pois o impacto
social do gênero é percebido de forma desigual em diferentes grupos. Apesar disso, reconhecemos
também que diversas questões mencionadas pelas mulheres e homens que participaram da oficina
são compartilhadas por outras pessoas em contextos diferentes.
Na organização e execução de nossa atividade, tivemos como norte a escuta da experiência
das/os participantes em relação às questões que perpassam gênero e feminismos, tomando cuidado
para não exercer uma postura “colonizadora” no sentido de impor a forma de pensar produzida
na academia ao coletivo com quem nos dispusemos a trabalhar. Nossos receios “colonizadores”,
porém, foram rapidamente desconstruídos diante da forte organização coletiva e consciência
política das mulheres do MMIB, que desde o momento da recepção até o encerramento da
atividade ficaram bastante marcadas nas atitudes, falas compartilhadas e na condução do grupo,
que revezou, durante o encontro, entre a coordenação do coletivo e nós, pesquisadoras.
A intervenção atingiu seus objetivos, mas deixou uma sensação de falta: há muito a ser feito
para atender à população das ilhas, tanto no que diz respeito ao modelo formal clínico-privado
da psicologia, quanto à atuação mais ampla do psicólogo na atenção primária e na extensão da
Universidade. Nesse aspecto, pesquisas que dialoguem com perspectivas feministas se mostram
úteis e relevantes pela possibilidade de potencialização da organização coletiva que pode ajudar
no alcance de mudança nas condições de vida das mulheres e homens de Cotijuba através das
políticas públicas. Coadunamos com o compromisso de produzir uma psicologia que seja aliada
nas lutas dos movimentos sociais.
O coletivo se mostrou uma estratégia potente para enfrentamento das dificuldades
cotidianas e nossos aportes teórico-metodológicos se fizeram úteis para compor uma intervenção
em psicologia social com uma perspectiva mais ampliada, voltada a esse objeto.
Trouxemos desta experiência mais questões que respostas: o que significa se afirmar uma
Psicologia Feminista na Amazônia? No que a existência dessas mulheres, e a decisão por um
encontro com elas a partir de uma postura feminista, pressiona a psicologia a se reinventar?
Como exercer o nosso compromisso enquanto psicólogas amazônidas para com outras mulheres
amazônidas? Estas foram questões que nos moveram a pensar esta intervenção-experiência e que,
ainda sem resposta, continuam a nos movimentar na produção de pesquisa e diálogos, como é o
caso deste relato.

552  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Referências

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universitária – Desventuras de quem a viveu. Psicologia & Sociedade, 3(5), 103-113.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 553


NO ONTEXTO BRASILEIRO
PORNOGRAFIA: PERCEPÇÃO DA SOCIEDADE
ACERCA DO MERCADO PORNOGRÁFICO E DOS
TRABALHADORES DA ÁREA
Lana Beatriz Reis Lopes
Beatriz Costa Portela
Deuzyanne Zátia dos Santos Silva
Daniele de Carvalho Almirante
Priscilla Aparecida Gomes de Oliveira
Carla Fernanda de Lima

Introdução

A
pornografia faz parte da sociedade, e ainda sim, apesar dessa aparente liberdade
com que ela é tratada atualmente, ainda é um tabu falar ou escrever sobre o assunto,
principalmente no âmbito acadêmico.
A pornografia, de modo geral, possui o propósito de mobilizar a imaginação, instigando
ou não através dos materiais que ela produz (Campos, 2006). Sendo vista como um material
que transgrede o que é aceito pelos padrões culturais da sociedade, algo negativo (Benitez, 2009;
Nunes, 2014). Quando a pornografia ultrapassa esses limites, ela está contrariando os valores
criados pela sociedade dessa forma ela é colocada como um produto de baixa qualidade (Benitez,
2009; West, 2016).
Se bem aceito ou não pela sociedade, o que se prioriza é que este é um mundo cheio de
pessoas que se relacionam direta ou indiretamente e que precisam estar resguardadas, de uma
forma ou de outra. Ressalta-se então outro lado da pornografia, onde a mesma é responsável por
melhorar a qualidade da intimidade de um casal ou dos consumidores em geral que buscam evitar
o isolamento e alienação e aumentar o contato e o prazer (Guerra, Andrade & Dias, 2004).
O meio pornográfico propicia em algumas situações a desigualdade de gêneros, pois em
alguns âmbitos as mulheres, envolvidas direta ou indiretamente nesse meio, são expostas ao
título de submissas e a agressões (D’Abreu, 2013). No entanto, ele é o meio que proporciona que
a sexualidade e o sexo em si sejam trabalhados, permitindo que questões sobre o corpo sejam
debatidas e possa haver uma quebra de tabus enraizados na sociedade.
Entende-se o consumo como a aquisição de algo para satisfação de um desejo (Barbosa,
2010). A pornografia então surge como um produto desse consumo no qual o objetivo é induzir
as pessoas à excitação da sua libido através do que for possível, por outro lado ela é considerada a
responsável por colocar a mostra toda a vergonha e ângulos que não poderiam ser vistos e aceitos
pela sociedade (Campos, 2006; Nunes, 2014; Martinez, 2009, West, 2016).
O material pornográfico tem como intuito principal ser fonte de entretenimento adulto,
excitando, mexendo com a imaginação, com a fantasia e libido de seus consumidores (Campos,
2006; Fonseca, 2015; Guerra et al., 2004; Lopes, 2013; Neto & Ceccarelli, 2015), sendo o seu

554  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
público maior o masculino e jovem (D’Abreu, 2013; Fonseca, 2015; Guerra et al., 2004; Martinez,
2009). A questão do público pode ter uma relação com o aspecto cultural, já que para os homens
a sociedade permite e aceita que eles sejam consumidores desse tipo de material. Os materiais
pornográficos estiveram quase que exclusivamente relacionados e voltados para o público
masculino, que é o seu consumidor mais assíduo, reforçando o papel de submissão da mulher e
prezando/focalizando especialmente o prazer masculino (Martinez, 2009).
A internet proporcionou o aumento do consumo possibilitou que feito de forma mais
sigilosa, por conta do fácil acesso e comodidade de ser visto em qualquer lugar e a qualquer
momento (Benazzi, Fernandes & Maia, 2016; Fonseca, 2015; Lopes, 2013; Martinez, 2009).
Por mais que exista esse consumo carregado de restrições, isso não detém o seu crescimento, a
demanda sempre aumenta proporcionalmente ao seu consumo (D’Abreu 2013; Martinez, 2009).
A religiosidade sempre foi considerada uma barreira, por estar correlacionada com a
moralidade, que é uma das justificativas dos ditos não consumidores criticarem quem consome
(Campos, 2006; Carvalho, 2015; Lopes, 2013; Martinez, 2009). Ainda existe um contraste nessa
forma de consumo, onde por um lado os consumidores quase não se assumem nessa posição, e
por outro a sociedade, principalmente a ocidental, que mesmo se dizendo permissiva em relação
a esse consumo, ainda impõe barreiras morais, religiosas e sociais frente ao consumo, reforçando,
portanto, esse consumo velado. Mesmo diante das barreiras morais, a produção desses materiais
continua a existir devido ao seu lado mercantil, pois a pornografia ainda é um “bom negócio”
(Campos, 2006; Martinez, 2009).
Bendassolli e Gondim (2014) ressaltam o trabalho como parte de um processo transformador
de pessoas, trazendo mudanças para elas e para os outros. Dessa forma, o trabalho é importante
no desenvolvimento da autonomia, da independência, das habilidades, possibilitando o
relacionamento com outras pessoas, aumentando o sentimento de vinculação, fortalecendo a
identidade do indivíduo e servindo como meio de se ter objetivos na vida (Morin, Tonelli & Pliopas,
2007; Morin, 2001).
Os trabalhadores da indústria pornográfica geralmente são considerados pessoas infratoras
da moral, libertinas, desviantes, corruptas, perversas, cujo trabalho não é aceito com normativo
(Benitez, 2009; Campos, 2006; Fonseca 2015). E por mais que os trabalhadores dessa área tenham
seus direitos trabalhistas e previdenciários garantidos e resguardos pela profissão, o trabalho
exercido não é considerado digno, pois a população, e até mesmo os próprios consumidores,
custam a reconhecer a profissão como um trabalho de valor (Garcia, 2015).
Geralmente os motivos pelos quais as pessoas ingressam nesse ramo da indústria pornográfica
são: pelo dinheiro, pela possibilidade de realização das fantasias sexuais, por conta da necessidade
(no caso de pessoas que já estavam na prostituição e com o convite para o pornô e a possibilidade
de um dinheiro maior foram parar nesse ramo provisoriamente) e pela abertura que esse mercado
dá ao indivíduo de transitar em outros meios da pornografia (Benitez, 2009).
Configura-se então que a proximidade com a pornografia se transforma em uma ameaça
social, devido à concepção de algo sujo ou baixo, notada como atividade transgressora que
precisa ter um controle-estímulo na sociedade capitalista (Benitez, 2009). Por mais que exista essa
concepção negativa ao redor da pornografia, não se pode negar o quanto ela faz parte da sociedade,
mesmo que não se admita isso. E enquanto isso ela é desconsiderada ou marginalizada, crescendo
enquanto mercado produtor, consumidor e empregador, aumentando assim a importância de
estudos sobre a pornografia e suas particularidades.
Diante do panorama exposto, o objetivo geral é compreender a percepção das pessoas
acerca do consumo de materiais pornográficos e dos trabalhadores da indústria pornográfica.
Mais especificamente traçar o perfil dos entrevistados, comparar o grupo dos entrevistados,
avaliar a compreensão dos entrevistados acerca do consumo, averiguar os motivos que levam ao
consumo de materiais pornográficos, investigar as barreiras que os consumidores enfrentam em

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 555


NO ONTEXTO BRASILEIRO
relação ao consumo e averiguar a compreensão dos entrevistados sobre o trabalho das pessoas
na indústria pornográfica.
Método
Amostra

A pesquisa foi realizada com pessoas que se autodenominaram consumidores ou não


consumidores de materiais pornográficos, sendo que o critério de seleção foi ter idade a partir
dos 18 anos.
A amostra é composta de 48 entrevistados, sendo a maior parte de homens (56,3%), com
idade variando entre 18 e 35 anos (M = 24,77; DP = 5,22), solteiros (79,2%), sem filhos. Mais da
metade tem ensino superior incompleto (64,6%), heterossexual (77,1%), de classe média (64.6%),
que se consideram médio religioso (43,7%).
Em relação ao consumo de material pornográfico, 83,3% responderam que já consumiram
e/ou consomem; 87,4% assistem e/ou assistiram filmes (vídeos) pornográficos. Dos entrevistados
68,8% disseram nunca terem frequentado um sexshop e paralelamente a isso 62,5% apontaram
nunca ter comprado um produto erótico. Em relação a responderem se gostam de materiais
adultos (pornográficos) 64,6% responderam que sim, em contrapartida 56,3% dos entrevistados
responderam que não se consideram um consumidor de materiais pornográficos (conteúdo
pornô).

Instrumentos

Para a coleta dos dados sociais e demográficos dos participantes foi utilizado um questionário
contendo perguntas tais como: idade, sexo, estado civil, escolaridade, orientação sexual, renda
e grau de religiosidade que possibilitou a construção do perfil dos participantes. No final do
questionário continha 6 perguntas para identificar a qual grupo, de consumidores ou não, o
participante se enquadrava.
A entrevista semiestruturada foi utilizada com o objetivo de conhecer a percepção
da população, autodenominada consumidora ou não, acerca das questões relacionadas à
pornografia.

Procedimento

Os participantes foram abordados individualmente em locais variados, antes de cada


entrevista foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e as pessoas que
aceitaram participar assinaram o TCLE em duas vias, uma que ficava com a mesma e a outra que
ficava com o pesquisador. Também foi solicitado autorização para gravar a pesquisa.

Análise dos dados

Para a análise do questionário sócio demográfico foi utilizado o programa R Studio (https://
www.rstudio.com/), que utiliza como base a estrutura do software R, para caracterização da
amostra. Para a análise da entrevista semiestruturada, utilizou-se o software IRAMUTEQ (Interface de
R pour analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaire) que permite diferentes processamentos
e análises estatísticas de textos produzidos.
Com relação à preparação do corpus para análise, as entrevistas foram transcritas e separada
em dois grupos, corpus dos consumidores e corpus dos não consumidores, e foi utilizada a técnica
de Classificação Hierárquica Descendente (CHD) para análise dos conteúdos textuais.

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Resultados

Os resultados estão organizados de maneira a contemplar os Corpus dos grupos dos


Consumidores e Não Consumidores, e suas classes respectivamente, que referem-se as análises
das respostas dos entrevistados.
O primeiro corpus se refere aos Consumidores e constituiu no software IRAMUTEQ de 396
segmentos de texto, 1410 formas distintas de palavras dentre as 10422 ocorrências de palavras.
Com a análise da Classificação Hierárquica Descendente, esse corpus se dividiu em 5 classes, com
título e descrição de cada uma. Do total de segmentos de textos, o corpus foi dividido em 343
segmentos de textos, dos quais 86,62% foram consideradas na CHD. Inicialmente o corpus se
dividiu em dois eixos. O primeiro eixo, chamado trabalho pornográfico, se subdividiu em duas
partes, uma delas originou a classe 2, e o outra se dividiu formando as classes 1 e 5. O segundo
eixo, chamado de consumo pornográfico, se dividiu nas classes 4 e 3.
O segundo corpus referente aos Não Consumidores constituiu-se no software IRAMUTEQ de
382 segmentos de texto, 1473 formas distintas de palavras dentre as 12851 ocorrências de palavras.
Com a análise da Classificação Hierárquica Descendente, esse corpus se dividiu em 6 classes, com
título e descrição de cada uma. Do total de segmentos de textos, o corpus foi dividido em 316
segmentos de textos, dos quais 82,72% foram consideradas na CHD. Primeiramente, o corpus se
dividiu em dois eixos. O primeiro eixo, também chamado trabalho pornográfico, é dividido nas
classes 1 e 3. O segundo eixo, também chamado de consumo pornográfico, se subdivide em duas
partes, um que se subdividiu em duas partes novamente, uma das partes origina a classe 5 e 4, e
a outra origina a classe 2, a outra parte da subdivisão origina a classe 6.
Os vocábulos verificados que se associam as classes e seus respectivos qui-quadrados e
frequências possibilitam a visualização entre as classes, sendo considerados os índices que atendem
aos critérios estabelecidos [χ² ≥ 6,00, p < 0,001], através de uma representação alternativa do
dendograma ao identificar com maior clareza o conteúdo de cada classe (Figuras 1 e 2).

Figura 1. Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente do grupo dos Consumidores


Fonte: Autores, 2017

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 557


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Figura 2. Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente do grupo dos Não Consumidores
Fonte: Autores 2017

Corpus Consumidor
Classe 2 – Gênero e trabalho

Nesta classe encontra a observação dos consumidores quanto os homens e mulheres que
trabalham dentro do mercado pornográfico, mencionando questões como preconceito, diferenças
no trabalho.

“há uma diferença grande entre o homem e a mulher né, o homem que trabalha com a pornografia ele é
tido por muitos até como garanhão” (sujeito 27, 27 anos, feminina, solteira, com ensino superior
incompleto, médio religioso, que se autodenomina consumidora).
“os homens eles tem uma carga menor de preconceito até por conta da sociedade né, que é mais patriarcal,
tem todo aquele preconceito e aquela dominação em cima da mulher” (sujeito 11, 27 anos, masculino,
solteiro, com ensino superior incompleto, nada religioso, que se autodenomina consumidor).

Classe 1 – Pornografia como meio de trabalho


Nesta classe observa-se que o discurso dos participantes evidencia o trabalho pornográfico
como um trabalho qualquer.

“se você vende alguma coisa isso é considerado um trabalho e tem que ser respeitado como todos os trabalhos
que se tem” (sujeito 11, 27 anos, masculino, solteiro, com ensino superior incompleto, nada
religioso, que se autodenomina consumidor).
“se ela escolheu fazer isso da vida dela, então pra mim é um trabalho normal, qualquer outro trabalho
seria da mesma forma” (sujeito 7, 22 anos, feminino, solteira, com ensino superior incompleto,
médio religiosa, que se autodenomina consumidor).

Classe 5 – Trabalhadores da indústria pornográfica


Esta classe relaciona-se a questões sobre a pornografia como um trabalho, a opinião dos
consumidores sobre as pessoas que produzem o que eles consomem.

558  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
“eu acho super normal, apesar de que eu acho que a sociedade acha, tipo assim, tabu demais, eu na
minha opinião pornografia é super normal” (sujeito 37, 22 anos, masculino, solteiro, com ensino
superior incompleto, pouco religioso, que se autodenomina consumidor).
Mas existe o lado de que se reconhece que trabalhar com isso ainda é difícil.
“profissionais que trabalham com o corpo, a gente ainda têm aquela ideia de objetificação, por exemplo”
(sujeito 36, 23 anos, feminina, outro estado civil, com ensino superior incompleto, pouco
religioso, que se autodenomina consumidora).

Classe 4 – Consumo na atualidade


Esta classe refere-se às facilidades encontradas pelos consumidores em ter acesso a esses
materiais.

“tinha aquela vergonha de comprar porque as outras pessoas iam ver, iam saber, mas hoje em dia com
o celular, com os vídeos, tu assiste sozinho” (sujeito 26, 22 anos, feminina, solteira, com ensino
superior incompleto, médio religioso, que se autodenomina consumidor).

A maior parte dos consumidores não encontra nenhuma dificuldade para consumir seus
materiais.

“você pode consumir pelo celular ou internet, de forma geral é bem mais simples, bem mais fácil, hoje
em dia eu não vejo tanta dificuldade em se achar” (sujeito 39, 21 anos, masculino, solteiro, com
ensino superior incompleto, médio religioso, que se autodenomina consumidor).

Classe 3 – Motivação e materiais de consumo


Essa classe se relaciona tanto com os materiais utilizados quanto com os possíveis motivos
dos próprios consumidores em utilizar tais materiais.

“contos, imagens, e vídeos, é eu acho que um prazer ou ver, no tipo que eu mais uso os contos pra ativar a
imaginação é algo mesmo assim, um prazer individual” (sujeito 49, 33 anos, feminino, solteiro, com
ensino superior completo, pouco religioso, que se autodenomina consumidora).
“é mais vídeo mesmo, de site mesmo, a necessidade, é a necessidade principalmente muitas vezes de
estimular” (sujeito 16, 25 anos, feminino, solteira, com ensino superior incompleto, pouca
religiosa, que se autodenomina consumidor).

Corpus Não Consumidores


Classe 1 – Gênero e Trabalho
Esta classe corresponde à diferença entre os sexos dentro da indústria pornográfica,
levando em consideração o que a sociedade tem a falar sobre o assunto e ainda questões como
preconceitos, diferenças e valorização.

“há um preconceito muito maior com as mulheres que trabalham nessa área entendeu, elas acabam
sendo vistas como vulgares, quaisquer” (sujeito 5, 22 anos, feminina, casada, com ensino superior
incompleto, médio religiosa, que se autodenomina não consumidora).
“a sociedade é machista, ele vê o homem, a imagem dele não fica tão arranhada” (sujeito 34, 35
anos, masculino, casado, com pós-graduação, médio religioso, que se autodenomina não
consumidor).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 559


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Existem ainda os que consideram que apesar da sociedade ser preconceituosa em relação à
inserção da mulher nesse mercado, não concordam com tal posicionamento, apontando que não
deveria existir diferenças entre o homem e a mulher.
“a gente tem uma sociedade muito machista que acha que o homem pode tudo e a mulher não pode
nada, e eu acho que se o comportamento dos dois é praticamente o mesmo, ter relações em
um filme ou alguma coisa do tipo então acho que não torna um nem melhor nem pior do
que o outro” (sujeito 48, 30 anos, feminina, solteira, com ensino superior completo, médio
religiosa, que se autodenomina não consumidora).

Classe 3 – Visão sobre o mercado pornográfico


Esta classe trata sobre a visão sobre o mercado pornográfico por se referir à imagem que o
trabalho com a pornografia transmite para a população não consumidora entrevistada.

“o consumo está voltado só é muitas vezes na exploração de imagem da mulher” (sujeito 25, 18 anos,
feminina, solteira, com ensino superior incompleto, médio religiosa, que se autodenomina
não consumidora).
“eu acho que tudo é voltado para uma questão monetária, eu acho que é a questão financeira que bate mais
forte, por esse motivo existe esse tipo de mercado pra quem consome” (sujeito 44, 27 anos, masculino,
solteiro, com pós-graduação, muito religioso, que se autodenomina não consumidor).

Classe 5 – Motivação do consumo


Aqui se fala sobre o pensamento dos não consumidores em relação ao que eles acham de
motiva para os consumidores estarem em contato com os produtos.

“acho que a pessoa buscar conhecer, tem gente que nunca teve experiências sexuais né, com algum outro
parceiro, é curiosidade mesmo e vontade de fazer coisas novas” (sujeito 18, 24 anos, feminino, solteira,
com ensino superior incompleto, médio religiosa, que se autodenomina não consumidora).

Classe 4 – Olhar sobre os consumidores


Aqui se percebe a relação do consumo com os possíveis motivos que as pessoas idealizam
que levam os consumidores a usufruírem dos produtos do mercado pornográfico.

“curiosidade é um dos pontos, é, fixação por aquilo também pode ser, não sei assim exatamente não, não
sei se é porque eu nunca consumi, não sei” (sujeito 13, 34 anos, feminina, casada, com ensino
superior completo, pouco religiosa, que se autodenomina não consumidora).
“não tenho nada contra quem consome pornografia porque eu também já cheguei a consumir muitas vezes,
já cheguei a frequentar muitos sites e tudo por curiosidade” (sujeito 35, 21 anos, masculino, solteiro,
com ensino superior incompleto, pouco religioso, que se autodenomina não consumidor).

Classe 2 – Pornografia como meio de trabalho


Refere-se às pessoas que falaram sobre pornografia ser um trabalho envolto de tabus apesar
de ser interessante e uma profissão comum.

“os tabus que existem em torno disso, a questão religiosa. Muita gente vê isso como algo errado,
inapropriado, e eu não vejo assim” (sujeito 17, 22 anos, feminina, solteira, com ensino superior
incompleto, médio religioso, que se autodenomina não consumidora).
“ela não é diferente da gente, é uma profissão como qualquer outra, a gente só tem que respeitar e aceitar
ela trabalhar, ela trabalha, é o trabalho dela ou dele, então assim só tem que aceitar viver a vida deles

560  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
e deixar a pessoa viver como eles querem” (sujeito 12, 31 anos, masculino, casado, com ensino
superior completo, pouco religioso, que se autodenomina não consumidor).

Classe 6 – Consumo na atualidade


Esta classe diz respeito ao grupo em questão falar sobre os diversos materiais e as formas de
ter acesso no mercado.

“eu acho que não tem dificuldade nenhuma, até porque a internet veio justamente para abarcar o
conhecimento universalista em todos os aspectos, então com a, com o acesso fácil a internet fica muito fácil
ter acesso a esse tipo de mercado” (sujeito 44, 27 anos, masculino, solteiro, com pós-graduação,
muito religioso, que se autodenomina não consumidor).

Discussão

Os trabalhadores da área pornográfica por vezes são vistos como pessoas desviantes,
imorais, pervertidas ou que possuem algum desvio na personalidade por conta do trabalho que
desenvolvem. Apesar de terem todo o direito resguardado e garantido, até próprios consumidores
têm certa dificuldade de encarar o trabalho como algo normal (Benitez, 2009; Campos, 2006;
Fonseca 2015; Garcia, 2015). Contundo, diante disso, o trabalho dessas pessoas é considerado,
apesar de certa dificuldade como um “trabalho como qualquer outro”.
No grupo dos Consumidores, os trabalhadores são vistos como admiráveis, como pessoas
que estão ali por ser um trabalhado que resolveu seguir por conta de dinheiro ou de gostarem,
reconhecem o peso que é estar trabalhando nesse ramo, e que é um trabalho antes de tudo.
Os consumidores tratam com normalidade a questão da pornografia, apenas relatam que não
gostam quando tem algo a ver com a pornografia infantil. Já no grupo dos Não Consumidores, os
trabalhadores são vistos desde trabalhadores como qualquer outro, como também pessoas que
passam do limite, alguns recriminam e outros tentam a defesa desse tipo de trabalho. Existe uma
divergência nas respostas desses grupos em relação ao trabalho e aos trabalhadores.
Trabalhar com a pornografia envolve muitos estigmas, e, além disso, existe a situações de
desigualdade que esse meio propicia (Benitez, 2009; Campos, 2006; D’Abreu, 2013, Fonseca, 2015).
Tanto no grupo de Consumidores quanto no grupo de Não Consumidores, o que prevaleceu foi à
diferença quanto aos homens e mulheres que trabalham nesse meio, principalmente em relação
às mulheres que sofrerem mais devido a maior exposição, a sociedade, a elas serem retratadas de
maneira submissa. Isso corresponde ao que D’Abreu (2013) argumenta, que o meio pornográfico
proporciona essa desigualdade entre os sexos, fazendo com que as mulheres envolvidas de alguma
forma recebam o título de submissas e que sejam expostas a algum tipo de agressão. Porém,
houve uma parte do grupo de Não Consumidores que considerou que não haveria diferença entre
eles, que eles teriam a mesma carga social quanto ao seu trabalho.
Com relação ao consumo pornográfico, de acordo com Barbosa (2010) está relacionado
com a vontade de obter algo para satisfazer uma necessidade, fazendo ela parte da essência ou
não do sujeito. Tanto no grupo de Consumidores e de Não Consumidores, o que se percebe é que
o motivo do consumo é pelo simples fato de gostar, de sentir vontade, para que seja um momento
de prazer e satisfação consigo mesmo ou com o outro. E juntamente com isso uma parte dos Não
consumidores traz também que um dos motivos para o consumo seria o conhecimento, e que isso
seria normal.
Com a chegada da internet e com a propagação de outros tipos de materiais pornográficos,
utilizá-los se tornou mais fácil (Benazzi, Fernandes & Maia, 2016; Fonseca, 2015; Lopes, 2013;
Martinez, 2009). Em ambos os grupos citam-se vários tipos que existem no mercado, variando

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 561


NO ONTEXTO BRASILEIRO
de vídeos, filmes, a livros, contos e até mesmo os produtos dos próprios sexshop. Com isso a
dificuldade ela é retratada como pouca ou inexistente.
Lopes (2013) fala da curiosidade e do lazer como motivos para o consumo da pornografia.
Distração, entretenimento, objeto de informação, dentre outros são algumas das justificativas
para esse consumo (Cooper et al, 2002, Byers et al, 2004, Gaspar & Carvalheira, 2012 citado por
Lopes, 2013). No grupo de Não Consumidores apareceu o ponto sobre o que eles percebem em
relação às pessoas que consomem pornografia, e eles trouxeram como uma forma de curiosidade,
outros tratam com naturalidade, sendo um consumo para satisfazer um desejo, e ainda existem
aqueles que trouxeram que seria algo aceitável até o ponto de não exagerarem ou utilizaram para
fins ruins.

Considerações Finais

Diante dos objetivos da pesquisa pode-se compreender a percepção das pessoas acerca do
consumo de materiais pornográficos e dos trabalhadores da indústria pornográfica. Traçou-se
o perfil dos entrevistados, foi avaliada a compreensão dos entrevistados acerca do consumo,
averiguaram-se os motivos que levam ao consumo desses materiais pornográficos pelos dois
grupos, puderam ser percebidas as barreiras que os consumidores disseram enfrentar em relação
ao consumo e o que os não consumidores percebiam como barreiras, e por fim averiguaram-se a
compreensão dos entrevistados sobre o trabalho das pessoas na indústria pornográfica.
Notou-se que, em geral, as respostas acerca do que foi perguntado foram semelhantes, se
distinguiam quando os entrevistados se diziam muito religiosos e não consumidores. As respostas
dos consumidores se aproximaram, levando a compreensão sobre a pornografia ser percebida na
sociedade como algo “comum” e presente na atualidade, apesar do tabu que ainda persiste em
torno disso.
Por fim, visto tudo o que foi discutido nessa pesquisa e em relação aos objetivos iniciais,
pode-se notar que ao se comparar os dois grupos, consumidores e não consumidores conseguiu-
se ter uma visão sobre a percepção dos mesmos em relação ao consumo e aos trabalhadores da
área.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 563


NO ONTEXTO BRASILEIRO
TEORIA FUNCIONALISTA DOS VALORES HUMANOS:
TESTANDO A HIPÓTESE DE CONTEÚDO
EM UMA AMOSTRA DE CRIANÇAS
Thaís Coutinho Souza
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Glysa de Oliveira Meneses
Ernandes Barbosa Gomes
Emerson Diógenes de Medeiros
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros

Introdução

A
tualmente, os valores humanos são considerados um dos principais aspectos do
desenvolvimento bem-sucedido das sociedades, que são transmitidos de uma
geração para a outra, sendo fundamentais para a sobrevivência e manutenção
destas (Inglehart, 1977). Dessa forma, entende-se que os mesmos se desenvolvem nos períodos
iniciais da vida, transformando-se, posteriormente, em características individuais relativamente
estáveis, consideradas importantes para explicação de construtos, tais como comportamentos,
atitudes e outros atributos psicológicos. Apesar de sua importância, o seu processo de elaboração
durante a infância ainda é pouco estudado (Cieciuch, Davidov, & Algesheimer, 2015).
Visando superar essa deficiência, alguns pesquisadores têm se dedicado a realizar estudos
com a tematica, principalmente referentes a em socialização em valores (Grusec & Davidof, 2010),
uma vez que a socialização enfatiza a ideia de aprendizagem, que envolve um processo continuo
(Medeiros, Soares, & Vione, 2016). Tais estudo têm englobado diferentes agentes, a exemplo da
família, onde as crianças estabelecem as primeiras trocas na constituição de suas crenças, práticas
e, consequentemente, os seus valores por intermédio da cultura, focando-se, principalmente, na
estrutura familiar (Knafo, 2003). Nessa direção, as pesquisas têm buscado analisar as prioridades
valorativas de crianças e adolescentes, a partir da compreensão dos relacionamentos familiares e
do processo de transmissão de valores entre pais e filhos.
Evidencia-se, desse modo, a necessidade e relevância de se estudar os valores humanos
nas fases do desenvolvimento, por reconhecer que esse construto exerce influência no
comportamento nos âmbitos individual e social (Meneses, 2017), principalmente nas fases
iniciais da vida, onde a literatura ainda é escassa, especialmente no que tange à elaboração e/
ou adaptação de instrumentos psicométricos (Soares, 2013). Isso se deve, em parte, ao fato
de os estudos desenvolvidos focalizarem a estrutura familiar para se considerar os valores
em crianças e adolescentes, empregando, de forma geral, medidas elaboradas para adultos,
avaliando valores dos pais (Moraes, Camino, Costa, Camino, & Cruz, 2007). Ademais,
ressalta-se a importância de testar as diferentes propostas das vertentes teóricas existentes
sobre os valores humanos, de modo a contribuir com uma melhor compreensão de tais teorias
também na infância.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Nesse sentido, em observância a estas questões, acerca da construção teórica referente à
esse construto ao longo dos anos, especificamente em Psicologia, nota-se que essa temática teve
relevância a partir dos estudos de Rokeach, que propôs tornar esse construto independente de
outros os quais era sempre vinculado, (eg. Comportamentos, atitudes e crenças; Medeiros, 2011).
Fato que impulsionou o estudo, principalmente, por duas vertentes: a) Sociológica (cultural),
como os valores culturais de Hofstede (1980) e os políticos de Inglehart (1977); b) Psicológica
(individual), com os valores instrumentais e terminais de Rokeach (1973), os tipos motivacionais
de Schwartz (1992), além da Teoria Funcional dos Valores Humanos (TFVH) (Gouveia, 2003),
que tem se apresentado mais parcimoniosa e integradora que as anteriores, além de demonstrar
padrões satisfatórios de adequabilidade (Soares, 2013), e servirá de pano de fundo para a presente
pesquisa, sendo detalhada a seguir.
A TFVH apresenta cinco suposições teóricas: 1) natureza benévola humana, valores como
positivos; 2) São princípios-guia individuais, servindo como padrões gerais de orientação para
o comportamento das pessoas, não se restringindo demandas situacionais; 3) Possuem uma
base motivacional; 4) Os valores possuem caráter terminal; e 5) Os valores apresentam condição
perene, sendo os mesmos, modificando-se apenas as prioridades valorativas (Gouveia, 2016).
Dessa maneira, os valores se configuram enquanto critérios de orientação (princípios-guias)
individuais, pautadas nas necessidades humanas, que transcendem situações concretas e, assumem
magnitudes distintas. Assim, os valores são combinados com as experiências de socialização,
funcionando como lentes construídas socialmente, dando sentido ao mundo (Gouveia, 2003).
Segundo Gouveia (2016) a TFVH, concebe os valores por uma perspectiva inovadora, ao ser
a primeira a considerar diretamente as funções atribuídas aos valores. Especificamente, aborda
duas que são consensuais na literatura: a) Tipo de motivador (eixo horizontal), que expressam
cognitivamente as necessidades, por dois tipos: materialistas (vida como fonte de ameaças a
serem superadas) ou idealistas (vida como fonte de oportunidades); e b) Tipo de orientação, que
servem a metas, sociais (foco na comunidade), pessoais (foco intrapessoal) e centrais (propósito
geral de vida), estes últimos sendo congruentes e estruturantes dos demais valores, funcionando
como a espinha dorsal da teoria (Gouveia, 2003).
A interação dos valores ao longo dos eixos permite identificar seis subfunções que são
distribuídas de maneira equitativa nos critérios de orientação social (interativa e normativa), central
(suprapessoal e existência) e pessoal (experimentação e realização), esta estrutura pode ser verificada na
Figura 1.

Figura 1. Facetas, dimensões e subfunções dos valores básicos. Adaptada a partir de “Conhecendo os
valores na infância: Evidências psicométricas de uma medida”, de Gouveia, V. V., Milfont, T. L., Soares, A.
K. S., Andrade, P. R., e Leite, I. L., Psico, 42(1), 106-115. Copyright 2011 EDIPUCRS.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 565


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Como verificado na Figura 1, a sobreposição dos eixos funcionais ocasiona a formação de
seis quadrantes, denominados de subfunções valorativas, cada uma com três valores específicos,
que foram sumarizados por Meneses (2017) da seguinte maneira:
Existência. (Orientação social e motivador materialista). Visa garantir as condições básicas
de sobrevivência biológica e psicológica, servindo de referência para a subfunções realização e
normativa, que são os mais importantes na representação do motivador materialista. Agrupa os
valores estabilidade pessoal, saúde e sobrevivência.
Realização. (Orientação materialista e motivador pessoal). As pessoas orientadas por tais
valores são focadas em realizações materiais e buscam praticidade em decisões e comportamentos.
Composto pelos valores êxito, poder e prestígio.
Normativa. (Orientação materialista e social). Tais valores refletem a importância da
preservação da cultura e das normas sociais, enfatizando a vida social, a estabilidade grupal, o
respeito por símbolos e padrões culturais, onde a obediência é priorizada. Seus respectivos valores
são: obediência, religiosidade e tradição.
Suprapessoal. (Orientação central e motivador idealista), correspondendo a necessidade
biológica dos seres humanos por informação, que os conduzem a uma melhor compreensão
e domínio do mundo físico e social. Serve de referência para os valores interacionais e de
experimentação, que são os mais importantes na representação do motivador humanitário. Seus
valores são: beleza, conhecimento e maturidade.
Experimentação. (Motivador idealista e orientação pessoal); contribuem para a promoção
de mudança e inovação na estrutura das organizações sociais. Reúne os valores emoção, prazer e
estimulação.
Interativa. (Motivador idealista e orientação social). Pautam as necessidades de pertença,
amor e afiliação, enquanto estabelecem e mantem as relações interpessoais. Fazem parte dessa
subfunção os valores afetividade, apoio social e convivência.
Em suma, a TFVH, trás a concepção de que os valores não devem ser atribuídos a objetos
ou instituições especificas (e.g. carro, dinheiro, igreja, família), além de considerar apenas os
valores positivos e terminas, sendo coerente com a concepção da natureza benevolente do ser
humano (2003). Assim, tendo em conta que a principal proposta dessa pesquisa é testar uma
fundamental hipótese da Teoria Funcional dos Valores Humanos, compreendendo o conteúdo
relativo aos valores, que será tratada a seguir:

Hipótese de conteúdo

A TFVH considera os valores como um construto latente (variáveis hipotéticas ou não


observadas), admitindo-se que elas sejam descritas por marcadores, que correspondem a valores
específicos (Gouveia, 2016). Segundo Gouveia et al. (2011) a hipótese de conteúdo pressupõe
que as seis subfunções valorativas (modelo hexafatorial) representam uma estrutura fatorial mais
adequada do conjunto de valores, ou seja, a estrutura composta por seis fatores deve apresentar os
melhores indicadores de ajuste quando confrontada com modelos alternativos, que são referentes
ao conjunto de dados empíricos: (1) unifatorial: compreende todos os dezoito itens saturando
em um único fator, originado da desejabilidade social, que está ligada aos valores (Schwartz,
Verkasalo, Antonovsky, & Sagiv, 1997); (2) bifatorial: com a estrutura fatorial sendo distribuída
em dois fatores considerando-se o tipo motivador materialista e idealista (Inglehart, 1977); (3)
trifatorial: os valores são organizados por tipo de orientação, representado por valores sociais,
centrais e pessoais (Rokeach, 1973; Schwartz, 1992); (4) Pentafatorial: originado da junção entre
as subjunções suprapessoal e existência, formando os valores centrais, que são agrupados em
um único fator devido a uma tendência de representarem o mesmo componente motivacional,
indicado pela hierarquia de necessidades de Maslow (Maslow, 1954).

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Para além disso, tendo em conta que os valores se formam nos primeiros dez anos de vida
(Porfeli, 2007; Rokeach, 1973), alguns estudos têm sido desenvolvidos no âmbito do modelo
proposto por Gouveia e colaboradores (2003; 2016) utilizando amostras de infantes (Lauer-Leite,
2009). Entre eles, destaca-se o estudo de Gouveia et al., (2011), o qual objetivou reunir evidências
de adequação psicométrica do Questionário dos Valores Básicos, versão infantil (QVB-I), uma vez
que se observa a relevância na identificação dos valores nesta fase de desenvolvimento (Sousa,
Soares, Gouveia, & Lima, 2013), faz-se necessário contar com instrumentos com boas qualidades
métricas para a sua avaliação.
Assim, haja vista os aspectos elencados até aqui, aliado ao fato de que outros modelos
prévios de valores (Inglehart,1977; Schwartz, 1992) não se dedicarem à investigação acerca dos
valores infantis (Andrade, Camino, & Dias, 2008), a presente pesquisa objetiva aumentar o escopo
acerca dos parâmetros psicométricos do Questionário dos Valores Básicos - Infantis (Gouveia et
al., 2011; Soares, 2013; Sousa et al., 2013), ao reunir evidências de validade de construto e sua
precisão, além de testar a hipótese de conteúdo dos valores, segundo o modelo funcional dos
valores (Gouveia, 2003, 2016).

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 201 crianças de escolas públicas (48,8%) e particulares (51,2%)


da cidade de Parnaíba, Piauí, que foram angariados de maneira não-probabilística. Suas idades
variaram entre 9 e 13 anos (M = 11,12; DP = 1,14), em sua maioria meninas (50,2%).

Instrumentos

Questionário de Valores Básicos - Infantil (QVB-I; Gouveia et al., 2011). Composto por 18 itens
(três itens para cada subfunção). Esta medida foi adaptada por Gouveia, Milfont, Soares, Andrade
e Lauer-Leite (2011), considerando aquela elaborada para adultos por Gouveia (2003). Os 18 iten
são distribuídos equitativamente entre as seis subfunções valorativas (experimentação, realização,
suprapessoal, existência, interetiva e normativa), descritas previamente. Assim, a criança
respondente, deve indicar o grau de importância que cada valor tem como principio que norteia
as suas vidas, de acordo com escala de cinco pontos, que são representados por smiles (rostos) de
bonecos e números, que variam de 1 (Nenhuma importância) a 5 (Máxima importância).
Além disso, aplicou-se um questionário de caracterização sóciodemográfica, composto pelas
seguintes perguntas: idade, sexo e grau de escolaridade.

Procedimentos

Inicialmente, realizou-se o contato com as direções das escolas (públicas e particulares), para
a obter da autorização para a realização da pesquisa. Por se tratar de um estudo com menores,
com a prévia autorização dos diretores obtida, posteriormente, buscou-se a autorização dos pais
e responsáveis, por meio do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para que estes
autorizassem a participação das crianças. Após prévia autorização dos pais, por meio da assinatura
do TCLE, bem como do Termo de Assentimento por parte da criança, designado para que as
crianças indicassem que aceitariam participar da pesquisa, procedeu-se a coleta de dados. Que foi
efetivada por pesquisadores previamente treinados, que permaneceram presentes durante todas
as coletas, para que pudessem esclarecer dúvidas e auxiliar os participantes durante a execução da

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 567


NO ONTEXTO BRASILEIRO
coleta, dirimindo eventuais dúvidas e ajudar as crianças que sentissem dificuldades na leitura dos
instrumentos. Durante a coleta de dados, para todos foi enfatizado que a participação não traria
nenhum prejuízo ou bônus ao respondente e que a mesma seria voluntária, com possibilidade de
desistência a qualquer momento da pesquisa; e que os participantes não seriam identificados,
sendo as análises tomadas no conjunto e que somente os pesquisadores diretamente envolvidos
teriam acesso aos dados.
Cabe salientar que todos os procedimentos éticos para pesquisas com seres humanos
foram rigorosamente tomados, dos quais forsm baseados nas Resoluções nº 466/12 e 510/2016
do Conselho Nacional de Saúde. A coleta procedeu-se em ambiente coletivo (sala de aula),
entretanto, ressalta-se que todos os questionários foram respondidos individualmente. Estima-se
que foram necessários proximadamente 10 minutos para que os questionários fossem respondidos
e a participação na pesquisa fosse finalizada..

Análise de dados

Contou-se com os pacotes estatísticos AMOS e SPSS (ambos na versão 21) para realizar
as análises estatísticas dos dados. Com o AMOS realizaram-se análises fatoriais confirmatórias
(AFCs), objetivando checar a validade de construto (Hipótese de Conteúdo dos valores). Com tais
indicadores de ajuste (Marôco, 2014):
(1) χ² (qui-quadrado). Testa a probabilidade de o modelo teórico se ajustar aos dados
empíricos; valendo-se da razão em relação aos graus de liberdade (χ²/g.l.), onde seus valores
devem ficar entre 2 e 3, admitindo-se até 5; (2) Goodness-of-Fit Index (GFI)
(3) Comparative Fit Index (CFI). São indicadores adicionais de ajuste do modelo, admitindo-se
valores idealmente próximos ou superiores a 0,90;
(4) Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA). Considera intervalo de confiança de
90% (IC90%), para este indicador, recomenda-se que os valores fiquem citados próximos ou
inferiores a 0,05; sendo 0,08, admitindo-se até 0,10.
Com SPSS 21 calculou-se estatísticas descritivas (frequência, médias, desvios padrões),
consistência interna (homogeneidade e Alfa de Cronbach). Ainda calculou-se a confiabilidade
composta (CC; Fornell & Larcker, 1981; Marôco, 2014). A confiabilidade composta, quando
comparada, por exemplo, com o alfa de Cronbach (α), tem a vantagem de não pressupor que
os itens sejam tau equivalentes, isto é, tenham iguais pesos fatoriais, nem que os erros de medida
sejam independentes. Portanto, é um indicador adicional de consistência interna dos fatores
(subfunção) avaliado.
Para comparar os modelos alternativos contou-se com os indicadores, a saber: ∆χ²,
CAIC (Consistent Akaike information Criterion) e ECVI (Expected Cross Validation Index). Diferença
estatisticamente significativa do ∆χ², penalizando o modelo com maior χ², e valores < de CAIC e
ECVI sugerem um modelo mais adequado.

Resultados

Buscou-se inicialmente, conhecer a pontuação média das subfunções valorativas, seus


respectivos índices de consistência interna (alfa de Cronbach, α), homogeneidade (correlação
média interitens, rm.i), Confiabilidade Composta (CC). Tais resultados são apresentados na Tabela
1.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 1.
Estatísticas descritivas, precisão do construto do QVB-I.

Subfunção M DP α rm.i CC
Experimentação 4,17 (4) 0,78 0,58 0,32 0,58
Realização 3,03 (6) 0,97 0,61 0,34 0,61
Existência 4,57 (1) 0,59 0,56 0,29 0,57
Suprapessoal 4,01 (5) 0,76 0,38 0,17 0,48
Interativa 4,50 (2) 0,62 0,53 0,27 0,54
Normativa 4,25 (3) 0,79 0,56 0,30 0,57
Nota: N= 201, M = média, DP = desvio padrão, α = Alfa de Cronbach, rm.i = Índice de homogeneidade, CC = Confiabilidade
Composta, VME = Variância Média Extraída. Os valores entre parênteses correspondem à ordem de importância das
subfunções.

Hipótese de Conteúdo dos Valores Humanos: Testando modelos alternativos.

A hipótese de conteúdo prediz que os valores específicos, do QVBI se distribuíram (saturariam)


em seis subfunções valorativas correspondentes, contando com três itens por fator (subfunções).
Dessa forma, procederam-se as análises fatoriais confirmatórias (AFC). Inicialmente, foi
considerado o modelo hexafatorial, onde todas as saturações (lambda) foram estatisticamente
diferentes de zero (λ ≠ 0; t > 1,96, p < 0,05), variando de 0,19 (Igualdade) a 0,66 (Estabilidade),
com os seguintes indicadores de ajuste: χ2/ g.l. = 1,95, GFI = 0,88, CFI = 0,83, RMSEA (IC90%) =
0,07 (0,06-0,08), ECVI = 1,74 e CAIC = 555,68. Os valores das cargas fatoriais estão sumarizados
na Tabela 2.

Tabela 2.
Cargas fatoriais da estrutura hexafatorial com suas respectivas saturações.
SUBFUNÇÃO/ VALORES Lambdas (λ) Lambdas (λ)
Subfunção Experimentação ---- Subfunção Existência ----
Emoção 0,53 Estabilidade 0,66
Estimulação 0,63 Saúde 0,47
Prazer 0,53 Sobrevivência 0,53
Subfunção Realização ---- Subfunção Interativa ----
Êxito 0,52 Afetividade 0,59
Poder 0,61 Apoio Social 0,46
Prestígio 0,62 Convivência 0,54
Subfunção Suprapessoal ---- Subfunção Normativa ----
Arte 0,61 Obediência 0,57
Conhecimento 0,63 Religiosidade 0,48
Igualdade 0,19 Tradição 0,61

Ademais, objetivando reunir evidências acerca da hipótese de conteúdo dos valores,


confrontou-se o modelo original hexafatorial com os seguintes modelos alternativos: uni (todos
os valores saturando em um fator) bi (os valores agrupados em idealistas e materialistas) e
tri, (valores divididos em pessoais, centrais e sociais) e penta (modelo oriundo da junção das

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 569


NO ONTEXTO BRASILEIRO
subfunções suprapessoal e existência, correspondentes aos valores centrais). Os resultados são
apresentados na Tabela 2.

Tabela 3.
Indicadores de ajustes dos modelos alternativos.

RMSEA
Fat χ2 DF χ2/gl GFI CFI CAIC ECVI Δχ2 (df)
(IC90%)
0,07
6 234,22 120 1,95 0,88 083 555,68 1,74 ―
(0,06-0,08)
0,07
5 245,47 125 1,96 0,88 0,82 535,42 1,73 11,25 (5)
(0,06-0,08)
0,08
3 290,12 132 2,20 0,86 0,76 535,95 1,88 55,9 (12)*
(0,07-0,09)

0,09 112 , 6 6
2 346,88 134 2,59 0,82 0,68 580,10 2,14
(0,08-0,10) (14)*

0,09
119 , 2 7
1 353,49 135 2,62 0,82 0,67 (0,08 – 580,41 2,16 (15)*
0,10)

Nota: N = 201. Modelos hexafatorial (original), pentafatorial (subfunções suprapessoal e existência formando uma
única subfunção: valores centrais), trifatorial (valores pessoais, centrais e sociais), bifatorial (valores idealistas e
valores materialistas) e unifatorial (todos os 18 valores saturando em um único fator).

Como pode se observar nesta tabela 3, o modelo original hexafatorial, composto por
seis subfunções (fatores), e o a pentafatorial, apresentam os melhores índices de ajuste. Dessa
forma, os resultados sugerem que não seria absurdo considerar um fator gerado pela junção das
subfunções existência e suprapessoal. Portanto, parece plausível pensar que os 18 valores específicos
do QVB-I podem ser representados adequadamente por seis fatores, corroborando a hipótese de
conteúdo.

Discussão

Objetivou-se verificar a validade de construto do QVB-I, verificando evidências de precisão


da medida. Adicionalmente, testou-se a hipótese de conteúdo dos valores, segundo da TFVH
(Gouveia, 2003; 2016). Estima-se que os objetivos tenham sido alcançados, sendo discutidos na
presente seção.
Referente aos principais achados da pesquisa, os índices de consistência interna e
homogeneidade da medida achados foram promissores, mesmo ficando abaixo do recomendado
(Tabachick & Fidell, 2013), uma vez que foram similares e/ou melhores que em outras pesquisas
com valores que utilizam o QVB, em diferentes amostras, tais como adultos (Gouveia, 2016) ou
com infantes (Gouveia et al., 2011; Soares, 2013).
Considerando o que foi comentado anteriormente, ressalta-se que apesar de a precisão em
alguns fatores (subfunções), apresentar-se abaixo do ponto de corte admitido para pesquisas,

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
sendo para o alfa de Cronbach considerado 0,50 (Pasquali, 2016) e para a CC valor mínimo de
0,70 (Marôco, 2014), este fato é justificado pela natureza do construto, que tende a ter pouca
variabilidade de respostas entre as pessoas de uma mesma localidade (Gouveia, 2016). Devido a
isto, buscou-se averiguar a homogeneidade (correlação inter-itens), que é um índice complementar
de confiabilidade, sendo este considerado adequado (0,20; Clark & Watson, 1995).
Quando considerada a hipótese de conteúdo, os resultados corroboram o que prediz a TFVH,
ou seja, que os valores podem ser representados por seis subfunções (seis fatores, cada um com
três valores específicos). Dessa forma, o modelo hexatorial, foi comparado com alternativos:
(1) unitorial, que constitui a questão da desejabilidade social, inerente aos valores (Schwartz,
Verkasalo, Antonovsky, & Sagiv, 1997); (2) bifatorial, composto pelos valores materialistas e
idealistas (Braitwite, Makkai, & Pittelkow, 1996); (3) trifatorial, formados por tipo de orientação,
que podem ser social, central, e pessoal (Rokeach, 1973; Schwartz, 1992) e (4) pentafatorial, onde
os valores das subfunções existência e suprapessoal são agrupados em um único fator, denominado
de central, fonte pela qual do qual os outros valores se estruturam e organizam (Maslow, 1954).
Tais resultados similares de adequação hexafatorial já foram relatados em pesquisas subjacentes
em território nacional e internacional (Gouveia, 2016).
Entretanto, apesar dos resultados promissores, entende-se que toda pesquisa cientifica
envolve limitações potenciais. Assim, menciona-se o viés amostral, que foi obtida em 4 escolas
(públicas e particulares) da cidade de Parnaíba, dando-se por conveniência, de forma não foi
probabilística, fato que impossibilita a generalização dos resultados, para além do limite amostral.
A utilização de um instrumento de autorelato também se configura como uma limitação, pois
permite que o respondente falseie as suas respostas, em função da desejabilidade, fato que é
potencializado pela presença do pesquisador.
Para além desses resultados e pensando na possibilidade de estudos futuros, sugere-se que
pesquisas como esta sejam replicadas em outras regiões brasileiras, abrangendo um número
maior de participantes, que tornem a amostra mais representativa. Seria igualmente interessante
considerar amostras com diferentes fases do desenvolvimento, por meio de estudos longitudinais,
visando averiguar a mudanças ocorridas nos valores em diferentes idades. Ademais, seria necessário
investigar a validade atemporal da medida, para verificar se a mesma produz resultados similares
ao longo do tempo. Finalmente, seria interessante relacionar QVB-I, com demais variáveis, para
além das já relacionadas, a exemplo do significado do dinheiro (Lauer-Leite, 2009), nos atos bullying
(Monteiro et al., 2017; Soares, 2013) e no comportamento de mentir em crianças (Meneses, 2017).
De maneira geral, os resultados encontrados, mostrando que o QVB-I se apresenta como
uma ferramenta com evidências psicométricas favoráveis, podendo ser útil para o aumento em
pesquisas interessadas nos valores das crianças, e como os mesmos se desenvolvem durante o
processo de socialização nas fases iniciais da vida. Além disso, o QVB-I pode ser utilizado para
subsidiar propostas de intervenções, principalmente em valores no contexto escalar, que funciona
como um agente importante na construção e internalização dos valores infantis.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 573


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A PARALAXE DA PSICOLOGIA SOCIAL CRÍTICA
Emanuel Messias Aguiar de Castro
Aluísio Ferreira de Lima

Introdução

O
presente texto é produto de uma pesquisa maior realizada para a construção de
uma dissertação de mestrado que tinha como tema a administração dos afetos
pelo capitalismo. O que se encontra aqui são os seguimentos iniciais do texto que
apresentam a proposta que guia toda a dissertação. Trata-se da proposição de uma Psicologia
Social Crítica a partir de uma “visão em paralaxe”. Conceito tomado de empréstimo do filósofo
esloveno Slavoj Zizek. Desta maneira, não apenas essa proposição, mas também o método que a
guia estão explicitados ao longo desse recorte.
A questão paralática nos é cara, pois vivemos, contemporaneamente, um modelo de
capitalismo que, como bem apresentado por Adorno e Horkheimer (1985), opera para além dos
aspectos econômicos da vida, ou seja, nos aspectos culturais. Desta maneira, o capitalismo dita,
através de determinadas formas de racionalidades, não apenas a dinâmica do mundo financeiro,
mas os modos de organização da vida social. Se controle sobre os sujeitos se estende por vários
aspectos da vida em sociedade.
Esse trabalho se lança no universo da teoria crítica que como, aponta Nobre (2003), se
orienta para a superação dessa colonização da vida social pelas formas de racionalidades e
ideologias produzidas pelo Capitalismo.
Para realização desse trabalho, buscamos auxílio no campo da Psicologia Social Crítica,
pois, como bem sugere Lima (2010), esta também é uma Teoria Crítica não no sentido restrito que
pode ser conferido ao termo quando tomado por sinônimo de Escola de Frankfurt, mas em seu
sentido geral: o de uma crítica das formas de dominação e exploração do homem pelo homem.
Uma Psicologia Social que se propõe Crítica, logo tem a função de

[...] desvelar aquilo que não se quer saber. De uma forma extremamente oposta a
Psicologia Social Tradicional (experimental/positiva), essa Psicologia Social Crítica pode
ser descrita como aquela que não reduz a leitura da sua “realidade” ao que existe. Sendo
que sua tarefa consiste, precisamente, em conceituar e avaliar as condições e alternativas
subjetivas e concretas frente ao que está empiricamente dado. Ela é crítica do que existe
como desigualdade de oportunidades e do que é produzido e reproduzido pelos regimes de
invisibilidade. Ela parte do pressuposto de que nossas vivências não esgotam as possibilidades
de existência e que, portanto, existem alternativas as alternativas atuais diante das condições
historicamente construídas de discriminação, de exploração, de segregação, de adaptação e
de poder. (Lima & Lara Junior, 2014, p. 9).

574  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A vastidão e complexidade dos temas abordados pela Psicologia Social Crítica permite-nos
adota-la como um potente instrumento crítico e analítico diante dos conceitos fundamentais que
guiam nossa proposta. Essa potência é decorrente, em grande parte, da labilidade que esta tem
em relação aos mais diversos campos do saber e da crítica social.
Sendo um saber de fácil diálogo (uma vez que seu objeto de estudo é, em grande medida, a
crítica da realidade imanente) a articulação com campos como a filosofia, a economia-política,
as ciências sociais, psicologia e psicanálise não é só possível, mas necessária para a composição
deste trabalho.
Essa articulação não é um mero paralelismo de ideias. É, na verdade, a busca por um
enfoque interdisciplinar onde o diálogo entre esses saberes sejam complementares onde essa
complementaridade é possível. Iniguez-Rueda (2003) sugere que esta á uma das características de
uma Psicologia Social criticamente orientada, pois ela mantém

[...] la permeabilidad hacia las ideas y planteamientos de otras disciplinas distintas de la


Psicología social y de La Psicología, como la epistemología feminista y los estudios gay y
lésbicos, La Lingüística y los estudios del discurso, la Sociología del conocimiento científico
o los estudios sociales de la ciencia y la tecnología. Manteniendo también uma oposición
radical a las formas de pensamiento de carácter despótico y autoritario, manteniendo una
severa crítica al individualismo, un compromiso con los procesos de cambio políticos y
sociales, una difuminación de las fronteras de lo teórico y lo metodológico o de lo natural y
lo social.( Iniguez-Rueda, 2003, p. 236)13
A multiplicidade de movimentos teóricos, metodológicos e temas que a Psicologia Social
Crítica comporta fez com que Lima (2012) propusesse a compreensão desta a partir da noção de
Paralaxe. Para ele, a Psicologia Social Crítica se apresenta como uma Paralaxe do contemporâneo.
O termo, tomado de empréstimo da física óptica, refere-se ao fenômeno da modificação
aparente da posição de um objeto em relação a outro objeto mais distante em consequência da
modificação real da posição de um observador. O interessante a ser observado é a noção de
aparência, fundamental aos estudos críticos, pois a mudança do objeto é meramente aparente.
Essa metáfora, muito mais do que explicar, nos permite questionar esse deslocamento do
objeto que não se deslocou. A esse processo específico Zizek (2008) chama de “lacuna paraláctica”,
ou seja, o espaço entre as antinomias produzidas pelas múltiplas análises do mesmo objeto e que
não são redutíveis entre si. Nessa irredutibilidade Zizek (2008) afirma o potencial da crítica.
Uma Psicologia Social Crítica que se apresenta sob o aspecto de uma paralaxe não busca a
redução de um discurso a outro, mas as várias formas dos discursos como um efeito de paralaxe
sobre o mesmo objeto. A mudança de objeto é aparência em relação a mudança real do observador.
Zizek (2008) entende que o confronto entre, no mínimo, dois pontos de vista mutuamente
irredutíveis que se separam por um vazio de significação intransponível é um elemento crítico
extremamente potente para a já referida crítica das formas de opressão, dominação e exploração
do homem pelo homem no capitalismo.
Um exemplo mínimo deste fenômeno, sugerido por Zizek (2008), é encontrado quando nos
questionamos sobre a lacuna existente entre o indivíduo e o social. Como elementos do social se
inscrevem no nível individual que, por sua vez, constituem a ordem social? É diante deste problema
que podemos iniciar o delineamento do objeto desta pesquisa bem como o método que usaremos
para tratar esse objeto.

13 A permeabilidade às ideias e abordagens de outras disciplinas da psicologia social e psicologia, como epistemologia
feminista e estudos lésbicos e gays, linguística e estudos do discurso, sociologia do conhecimento científico ou
estudos sociais ciência e tecnologia. Mantém, também, uma oposição radical às formas de pensamento de caráter
despótico e autoritário, mantendo uma crítica severa do individualismo, um compromisso com os processos de
mudança política e social, uma indefinição das fronteiras entre o teórico e metodológico e do natural e do social.
(Tradução nossa).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 575


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O filósofo não responde a questão levantada por ele, porém aponta um caminho
relativamente claro a ser trilhado dizendo que “Em outras palavras a lacuna entre o indivíduo e
a dimensão social ‘impessoal’ tem de se reinscrever no próprio indivíduo: essa ordem objetiva da
substância social só existe na medida em que os indivíduos a tratam como tal, relacionam-se com
ela como tal” (Zizek, 2008.p. 17).
Essa breve, mas complexa, proposição nos leva ao problema que tentaremos elucidar ao
longo desse trabalho. Questionamos-nos exatamente sobre esse intertício, esse processo contínuo
de inscrição e reinscrição do social no indivíduo. A nossa “aposta” é que, do ponto de vista de
uma Psicologia Social Crítica, alguns elementos são mediadores deste processo.

Desenvolvimento

Tomemos, pois o capitalismo como a tal ordem social impessoal cujos signos se inscrevem
e reinscrevem na ordem individual. Porém, essa inscrição não é imediata, mas mediada pelas
conformações que a ideologia assume nesse processo inscritivo. Mas, sendo o capitalismo uma
impessoalidade, ou seja, sendo este desprovido de uma espécie de valor, o que o sustenta enquanto
um sistema de influências?
Segundo Löwy (2014, p. 49), o capitalismo “de fato não tem necessidade de nenhuma ética,
pois, enquanto sistema rigorosa e implacavelmente impessoal, ele é radicalmente impermeável a
uma regulação moral: ele não é antiético, mas simplesmente anético (anethisch)”.
Não possuindo um valor em si, um terceiro elemento nessa trama é necessário. Não mais a
mediação entre o impessoal e o pessoal, mas uma interna a própria impessoalidade: falamos da
racionalidade que proporciona um valor moral do qual, por si, o capitalismo é desprovido.
Habermas (2014, p. 75), apoiando-se em Weber, nos fornece uma elucidativa noção de
racionalidade definindo-a como “forma de atividade econômica capitalista, do tráfego social
regido pelo direito privado burguês e da dominação burocrática.” Sendo a racionalidade uma
espécie de axioma lógico do funcionamento do sistema suas operações se efetuam através da
‘racionalização’ entendida como a

[...] ampliação dos âmbitos sociais, que ficam submetidas aos critérios da decisão racional.
Isso corresponde a industrialização do trabalho social tendo por consequência a penetração
dos critérios da ação instrumental penetram em outros âmbitos da vida (como a urbanização
dos modos de vida, a transformação técnica das formas de comunicação) (...) A progressiva
racionalização da sociedade encontra-se ligada a institucionalização do progresso científico
e técnico. Na medida em que a técnica e a ciência penetram os âmbitos institucionais da
sociedade e, dessa forma, transformam as próprias instituições, as antigas formas de
legitimação são decompostas (Habermas, 2014, p. 76).

Marcuse (2015) entende esse processo de racionalização da vida ou, como trataremos aqui,
racionalização das formas de vida14, a partir de uma dimensão ideológica, pois as justificativas
da gestão da vida são pragmaticamente instrumentalizadas para sustentar as “formas de vida”
hegemônicas. Isso significa dizer que o capitalismo propõe, segundo uma racionalidade especifica,
modelos como uma boa vida, uma vida racional, deve ser vivida.

14 O conceito de “Formas de vida” será melhor trabalhado ao longo do texto. Por hora façamos uso da seguinte
definição: “um conjunto socialmente partilhado de sistemas de ordenamento e justificação da conduta nos
campos do trabalho, do desejo e da linguagem. Tais sistemas não são simplesmente resultado de uma imposição
coercitiva, mas da aceitação advinda da crença de eles operarem a partir de padrões desejados de racionalidade.”
(Safatle, 2008, p.12)

576  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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A nossa ideia de uma Psicologia Social Crítica em Paralaxe parte da seguinte proposição: a
racionalidade capitalista produz os signos de verdade da ordem impessoal que serão inscritos na
ordem individual mediados pelas formações ideológicas do Sistema. A questão que se apresenta
diante da eleição desse tema é como fazer essa análise crítica desses termos? Qual o método seria
mais adequado para esta análise? Algumas questões sobre a nossa proposta metodológica devem
tornar-se claras para que possamos prosseguir com nossa análise.
Em primeiro lugar concordamos com a tese de Adorno (2015, p. 71) de que

[...] não é suficiente a velha explicação de que os interessados controlam todos os meios
da opinião pública, pois as massas dificilmente seriam cativadas por falsas propagandas
toscas e capiciosas se nelas mesmas não houvesse algo que correspondesse às mensagens
de sacrifício e vida perigosa.

Tal afirmação, proferida em meados dos anos de 1950, é dirigida para a propaganda fascista,
entretanto nos serve de inspiração na medida em que questiona críticas que tomam o processo de
inscrição da ordem impessoal na dimensão subjetiva da vida um processo como absolutamente
passivo e alheio ao próprio indivíduo.
Uma “crítica paralática”, logo, não pode ater-se apenas à dimensão do macrocosmo do
social, mas adentrar, também, os meandros da atividade do indivíduo frente às dinâmicas sociais
que o cerca. Adotamos, então, uma certa construção sistemática que visa criticar e analisar o
entrelace dessas três categorias, pois entendemos ser este nó aquilo que situa-se no intertício, na
lacuna paraláctica entre o impessoal e o pessoal.
Para Safatle (2008), foi Adorno que primeiro teria percebido esta dinâmica de tal modo
que, diante dela, é necessário repensar nossa concepção de ideologia. Esta não é somente o
obscurecimento de processos econômicos pelo fetiche da mercadoria, mas a própria disposição
da cultura ao ordenar os processos da vida social. Essa dimensão externa com a qual temos de nos
relacionar é oriunda de processo de reificação não mais da mercadoria, mas da própria cultura
transformada em mercadoria. Adorno, então, nos fornecera

[...] os fundamentos de uma teoria da ideologia e das produções culturais no capitalismo


tardio com base na tendência das formas hegemônicas de vida de se organizarem a partir
da ironização de seus próprios valores e normas, como se o diagnóstico hegeliano a respeito
da ironia romântica acabasse por ser reaproveitado no interior de uma teoria geral da
ideologia na fase tardia do capitalismo. Maneira de compreender uma teoria da ideologia
não mais dependente de móbiles clássicos da reificação e da falsa consciência, e isso a fim
de transforma-la em esquema de analise de disposições de condutas, análise essa capaz de nos
explicar como sujeitos são levados a ver como racionais certos modos de subjetivação de
vínculos sociais. (Safatle, 2008, p. 19 grifo do autor.).

Essa nova teoria amarra as três categorias que motivam a produção desse texto e nos
impele a investigação da relação do individuo com as disposições destas formas hegemônicas de
conduta, pois, para Adorno (2015), o indivíduo (referido por ele como o “eu”) é dialético e tem
participação decisiva em certa eleição da forma hegemônica.

A fim de poder se firmar na realidade o eu tem de conhecê-la e operar conscientemente


sobre ela. Para que o individuo consiga realizar as renúncias, muitas vezes sem sentido, que
lhe são impostas, o eu precisa erigir proibições inconscientes e se manter grande parte no
inconsciente. (Adorno, 2015, p. 108).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 577


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Assim recorremos a Freud (1915/1996) sobre a relação entre as ideias e os afetos, ou seja,
como ideias inconscientes tornam-se afetos que influenciam nossas condutas? Como, a partir de
nossos afetos nos relacionamos com ideias gerais que organizam nossas formas de vida?
Zizek (2008, p. 17) busca na psicanálise o elemento capaz de dar conta deste entrelace, pois
nela

o Social, o campo das práticas sociais e das crenças socialmente alimentadas não esta apenas
em nível diferente da experiência individual, mas é algo com o que o individuo propriamente
dito tem de se relacionar, que o individuo propriamente dito tem de experimentar como uma
ordem minimamente “reificada”, externalizada.

Temos com isso uma ordem externa com a qual o individuo tem que se relacionar, porém
que, paradoxalmente, determina os termos dessa relação. Zizek (2010) percebe nessa situação
um impasse dialético onde o indivíduo que constitui a ordem do social é constituído por esta na
medida em que se relaciona com ela. O que está posto não é um fenômeno passivo entre os dois
termos em questão, mas a dialética do fenômeno da inscrição do social no indivíduo.
Zizek (2010) vê, nessa dialética, uma dimensão “performartiva” do laço social. Um conjunto
de imagens, regras e atitudes previamente estabelecidas com as quais temos que nos relacionar
para manter o mínimo de coesão na estrutura social vigente. A aposta de Zizek (2011) é de que a
Economia é uma espécie de ordenador dessa relação. Ideia essa sustentada por Aganbem (2011)
que aponta que as estruturas de poder no ocidente assumem uma forma econômica.
A Economia e a importância desta para a organização dos processos sociais dentro do
capitalismo através produção e gestão das “formas de vida”. Safatle (2008), atenta que devemos
entender a Economia não só como uma ciência monetária, mas como a administração das
vontades, das paixões, dos desejos e dos impulsos, em outras palavras, uma “economia da libido”.
Será através de uma análise da economia da libido que poderemos perceber a relação entre as
formas de vida e os afetos, pois ela une as três dimensões fundamentais aqui trabalhadas. As
racionalidades a partir das quais as formas de vida se erigem. As ideologias que difunde no meio
social estas formas e os afetos que enlaçam os sujeitos e formas de vida.
Para tal intento, é preciso construir uma diagnóstica das formas de vida do capitalismo. O
termo é tomado de empréstimo da “Clínica Clássica” e refere-se à atitude continua de averiguação
de uma hipótese na medida em que ela se “confirma ou se desmente, se especifica, se generaliza,
se atualiza ou se transforma a cada novo tempo (...)” (Dunker, 2011, p. 407).
A diagnóstica implica em uma atenção constante aos signos (sinais e sintomas) de uma
determinada racionalidade. É bem verdade que essa racionalidade, em uma leitura apresada do
termo, pode ser tomada como especificamente clínica. Dunker (2015), porém, sugere que Hegel
teria inaugurado a possibilidade de uma diagnóstica social “diagnóstico de época”. Este seria a ideia
de “atentar para a relação entre as formas de sofrimento e as formas de alienação da consciência
como método para apreender, no tempo e no objeto cultural, as contradições entre sociedade e
indivíduo.” (Dunker, 2015, p. 31)
Hegel (1997b) diagnosticou vários elementos afetivos comuns aos indivíduos modernos
como solidão, abatimento, vacuidade. Segundo Honneth (2003b) esses são elementos subjacentes
ao diagnóstico hegeliano de “sofrimento de indeterminação”. Na leitura deste último, Hegel
(1997b) teria identificado que a sociedade moderna tem uma noção de liberdade equivocada o
que culminaria nesse tipo de sofrimento uma vez que na transição entre as estruturas normativas
pré-modernas e modernas existe uma reorientação dos valores individuais.
Longe de querermos nos aprofundar na questão hegeliana, tomamos esta ideia como
exemplo de um diagnóstico que transcende a clínica tornando-se o diagnóstico de uma época.

578  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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O que Honneth (2003b) aponta como sendo um diagnóstico da modernidade em Hegel é, em
alguma medida, parte de uma diagnóstica, pois esta é

Um discurso local acrescido de efeitos, alianças e injunções que ultrapassam esse campo
específico de autoridade, ação e influência. Assim sendo, o ato diagnóstico ocorre no
interior de um sistema de possibilidades predefinidas envolvendo um sistema de signos, uma
prática de autoridade e uma gramática das formas de sofrimento que são agrupadas em
uma unidade regular. A diagnóstica é a condição de possibilidades dos sistemas diagnósticos.
(Dunker, 2015, p.20).

Honneth (2003b), porém atenta para o fato de que os variados diagnósticos de época estão
sujeitos as variantes históricas não sendo eles confiáveis como elementos capazes de articular uma
leitura conjuntural sobre a estrutura da realidade. Para ele,

Já não passa mais um ano sem que surja uma nova fórmula mediante a qual os novos
traços característicos de nossa sociedade são levados a um único conceito: se primeiro foi a
tendência geral à “mudança de valores”, logo depois foi a “pós-modernidade”, em seguida
“a sociedade de risco” e, finalmente, a “sociedade da vivência” que deveriam ter entrado
no lugar da sociedade industrial, do capitalismo de massas ou da modernidade. (Honneth,
2003b, p. 77)

A crítica deste autor situa-se na busca do contemporâneo por uma espécie de significante
mestre (S1), no sentido que Lacan (1992) lhe confere, uma metanarrativa ou mesmo uma regra
geral capaz de articular o discurso de uma época. Porém, diferente de uma metanarrativa, a
diagnóstica parece esta intimamente ligada a uma determinação temporal. Seu efeito de verdade
parece depender de uma forma de racionalidade que a sustente. Ela não parece pretender-se a
dimensão de um “Inconsciente” ou de uma “Luta de Classes” em seus efeitos históricos, mas
confirmar temporalmente certo dado da realidade.
Desta maneira, ela é, aponta Dunker (2015, p.24), “como a reconstrução de uma forma de
vida.” A análise das condições de possibilidade de como determinadas formas de vida são julgadas
como dignas de serem vividas. E se pensarmos usando essa mesma lógica, mas aplicando-a as
formas de vida hegemônicas, ou seja, aquelas entendidas como racionais dentro do discurso
capitalista?

Conclusão

A nossa proposição é a paralaxe da Psicologia Social Crítica, em alguma medida, as formas


de vida hegemônicas na contemporaneidade, ou pelo menos aquelas formas de vida identificadas
a partir do campo das teorias críticas.
Mas o que, então, justifica a exaustiva tentativa de reconstruir os processos históricos que
culminaram nas atuais hegemônicas formas de viver? Parece ser consenso para a Teoria Crítica
contemporânea um certo esmaecimento da crítica em detrimento dos modelos dos estudos
culturais o que Eagleton (2014) chama de os estudos depois das teorias. A crítica, como aponta
Safatle (2008), encontra-se em processo de falência e é esta situação que justifica a empreitada
aqui realizada. Vale, aqui, elucidar brevemente o que está sendo denominado de “falência da
crítica”.
Adorno e Horkheimer (1985) propõem que o fundamento da crítica não está expresso
somente nas relações político-econômicas que operam sobre a ordem social, mas que é anterior a

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essas. Para esses autores, a ideologia não reside no mero desconhecimento sobre a transformação
do trabalho em forma-mercadoria, como proposto pelo pensamento marxista padrão. O núcleo
ideológico da realidade está na racionalidade que opera os processos econômicos e políticos,
nesse sentido a crítica à ideologia deve pautar-se na crítica da racionalidade que ordena a dinâmica
do Capital.
Os efeitos dessas racionalidades na realidade social apresentam-se sobre a marca de
um capitalismo tardio onde a micropolítica, ou seja, os modos de vida são profundamente
influenciados pelo que Adorno e Horkheimer (1985) denominaram de Indústria Cultural.
É a partir deste conceito que entra em jogo a noção analítica fundamental de economia
libidinal. A indústria cultural opera na ordem do Gozo e não mais na lógica da exploração
objetiva dos corpos nos galpões fabris. O que esta em jogo é, portanto, a felicidade através da
satisfação parcial das pulsões no encontro com os objetos oferecidos por determinada forma de
racionalidade. (Marcuse, 2015)
É esse jogo, fundamentado em uma economia da libido, que reposiciona os interesses dos
circuitos afetivos e dos laços sociais para uma dinâmica de mercado que Zizek (1996) aponta
como embrião de um tipo de racionalidade que Sloterdjink (2012) denominou de cínica. A Razão
cínica é a forma de racionalidade que marca, na visão desses autores, os afetos e os laços do
contemporâneo.
A Razão cínica, segundo Sloterdjink (2012), é um tipo de falsa consciência esclarecida. Ela
não opera mais na ordem do desconhecimento dos processos ideológicos, mas na satisfação
proporcionada pela realidade vigente. É pela lógica dessa racionalidade que Safatle (2008) afirma
a falência da crítica de uma sociedade que administra suas insatisfações.
Trata-se não mais de um mero não saber sobre o conteúdo obsceno que sustenta a realidade,
mas sim de um não querer saber sobre este. Zizek (1996) é categórico ao afirmar os efeitos da
racionalidade cínica nas relações sociais contemporâneas, para ele

Parece mais fácil imaginar o “fim do mundo” que uma mudança muito mais modesta
no modo de produção, como se o capitalismo liberal fosse o “real” que de algum modo
sobreviverá, mesmo na eventualidade de uma catástrofe ecológica global... Assim, pode-se
afirmar categoricamente a existência da ideologia qua matriz geradora que regula a relação
entre o visível e o invisível, o imaginável e o inimaginável, bem como as mudanças nessa
relação. (Zizek, 1996, p.7)

É o fato de não conseguirmos supor outra realidade que não seja esta oferecida por essas
modalidades de racionalidade que indica a necessidade de revitalização das Teorias Críticas no
campo das ciências sociais, da filosofia social e da Psicologia Social.
Por fim, apostamos que uma possibilidade de revitalização desse processo crítica situa-se nas
pistas encontradas na pesquisa maior que originou esse texto. A Psicologia Social, enquanto uma
Teoria Crítica, em sua dimensão paralática, em nosso entendimento, aponta novos caminhos para
a revitalização do debate dialético entre o sujeito (ordem pessoal) e o social (ordem impessoal)
que configuram um dos temas centrais de uma Psicologia Social Crítica que se propõe como uma
Teoria Crítica.

Referências

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 581


NO ONTEXTO BRASILEIRO
UM ESTUDO IDENTITÁRIO DO ROMANCE
“A MORTE DE IVAN ILITCH” DE LIEV TOLSTÓI
Tiago Gonçalves Corrêa

Introdução

O
processo identitário, comum a todos os indivíduos, premeia toda a vida em
sociedade, desde as relações cotidianos até o âmago da relações burocráticas e
tecnicistas próprias do contexto neoliberal, este, entretanto atravessa e influencia
as relações identitárias a ponto de criar processos que cristalizam a metamorfose desta dialética.
Deste modo, objetivo desse trabalho é analisar o contexto e a história de vida de Ivan
Ilitch - personagem principal da novela A morte de Ivan Ilitch, livro escrito em 1886 pelo conde Liev
Tolstói (1828 – 1910) - relacionando-a com os conceitos que estruturam a teoria da Identidade
e postulados da obra de Agnes Heller. A partir da análise poderemos identificar como se dá a
identidade do personagem e, consequentemente, os papéis que foram exercidos por ele de acordo
com o meio em que estava inserido, levando em consideração também os aspectos econômicos,
sociais e culturais.
Compreendemos o contexto do romance por meio das origens de Tolstói, pois esse reflete o
cenário em que decorre sua vida e obra. No final do século XIX, a atual Rússia, era um território
monarca, regido pelo imperador Czar. A grande maioria da população era camponeses que se
encontravam em situação precária. A industrialização começa a se desenvolver e a classe agrária
começa a passar por dificuldades.

Método

O método de análise utilizado foi uma pesquisa qualitativa de uma obra literária. Este
método de acordo com Miranda (2008), é um tipo de investigação indutivo e descritivo, ao passo
em que o investigador amplia conceitos, ideias e entendimentos a partir de resultados encontrados
nos dados.
Desta forma, a analise realizada nos viabilizará uma ampla visão que envolve uma
compreensão metodológica do conceito de Identidade e Vida Cotidiana, a relação constituída
entre literatura e referencial teórico estudado.

Resultados

Revisão de literatura

Contribuindo para o estudo dos fatores que permeiam a vida social dos indivíduos, Agnes
Heller (1989) adentra a vida cotidiana e suas relações no percurso sócio-histórico dos sujeitos,

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nos apresentando um panorama geral sobre a vida cotidiana. Paulino-Pereira (2014) também
comunga da ideia da vida cotidiana, enquanto modelada pelo Estado e pelo capitalismo sendo
fonte permanente de investigação, possuindo conteúdo ambíguo, abrangendo a vida das atividades
rotineiras, tornando-se mundo da alienação, espaço do banal cerceado da mediocridade dos
interesses particulares, entretanto, esse espaço pode, através de um processo de conscientização,
propiciar a resistência e transformação do indivíduo.
Essa reflexão pode propiciar ao sujeito a possibilidade de emancipação, por meio de seu
desejo de transformação e diante de um cenário que elicie a mesma. A vida cotidiana para Heller
(1989) pode ser entendida como o modo de funcionamento do homem, em todos seus aspectos,
colocando-se em evidencia suas particularidades e modos de ser.
A vida cotidiana evolui de acordo com uma dada historicidade e condições sociais (Heller
1989) e, segundo Lane (1989), ao considerar o humano dentro de suas características biológicas,
psíquicas e sociais, o indivíduo interage modificando e sendo modificado pelo meio em que está
inserido e ao tomar conhecimento das contradições dialéticas que o cercam, através da atividade
e consciência de classe, pode agir ativamente sobre aquilo que o determina, embora tendam a
reproduzir ideologias impostas pelas instituições dominantes, nesse sentido, cotidianamente o
homem desempenha e assume papéis sociais.
Sobre os papéis sociais, Heller (1989, p.87) afirma que estes são resultados de “... numerosos
fatores da vida cotidiana dados já antes da existência dessa função e que continuaram a existir
quando ela já se tiver esgotado”. A plena identificação com os papéis apresentados é precisamente
a forma direta de revelar-se a alienação, uma vez que consiste na mera repetição de papéis que
esperam de nós desde a tenra infância e que, em um indivíduo alienado, permeiam o seu vir-a-ser,
revelando assim, as imposições neoliberais e os processos identitários que estamos submetidos.
E é dentro deste contexto que segundo Paulino-Pereira (2014), muitos indivíduos são
impossibilitados de promover sua transformação, replicando papéis involuntariamente, atitude
essa que promove a não reflexão sobre os interesses do sistema reproduzindo assim a ideologia de
pensamento alienante. A essa reposição de papéis, Paulino-Pereira (2014, p. 50) define o conceito
de mesmice, sendo

... aquilo que, muitas vezes pode ser considerado como não metamorfose, na verdade apenas
é aparência de não movimento e não-transformação.... Quando não ocorre a transformação
como superação, o indivíduo vive sua metamorfose como mera reposição de sua identidade
e essa reposição, que é reprodução da mesmice, é sustentada para conservar uma condição
prévia, para preservar interesses em última análise, são interesses do capital.

O homem é o único animal a ser humanizável, processo esse que se dá por meio de sua
inserção ao mundo dos símbolos, levando ao desenvolvimento da linguagem, que nos diferencia
dos demais animais. De acordo com Ciampa (2011) a emancipação da identidade se dá a partir
da humanização, e através da linguagem, que constitui a primeira emancipação do homem.
No processo de humanização também se faz presente o conceito de socialização primária que
segundo Lane (1989), proporciona ao indivíduo valores internalizados de ética e moral, advindos
de sua família, que possui sua própria característica institucional e reproduz esse valores de
acordo com a posição social da mesma, através da visão de mundo dos pais ao longo de sua vida,
posteriormente, o indivíduo segue sua introdução na sociedade através da socialização secundária.
De acordo com Lane (1989, p.84) “A socialização secundária decorre da própria complexidade
existente nas relações de produção...” e é oriunda da instituições que levam o sujeito a internalizar
funções mais específicas, funções essas que influenciam os papéis sociais, ampliando e aplicando
sobre os sujeitos ideias pré-concebidas em relação a valores morais a serem internalizados
juntamente com valores ou atitudes institucionais dados como um padrão normativo, ao tomar
como verdade as representações ideológicas da sociedade.

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NO ONTEXTO BRASILEIRO
Quando a metamorfose oriunda da reflexão sobre esses processos não se efetiva, ocorre à
degradação, que indica uma vida que tem como característica primordial a mesmice. Com ela, o
indivíduo não trabalha a dialética da identidade, podendo assim, adoecer. Entretanto, em oposição
a esta estrutura se apresenta o conceito de mesmidade, que é a vivência de uma nova significação.
O processo de mesmidade atravessado por uma postura atuante tende a proporcionar o processo
emancipatório dos sujeitos, que passa a se apresentar como autor e personagem da historicidade
da vida cotidiana. (Ciampa 2011)
Assim, Heller (1989) propõe em seu trabalho a ideia de suspensão do cotidiano, ação
que distancia em determinado momento a individualidade do sujeito, para que assim alcance
a condição humano genérica de sua existência e volte às vivências habituais de maneira mais
criteriosa e independente, esse retorno é dado como o processo de elevação em relação a vida
cotidiana. Esse elemento caracteriza também a identidade enquanto movimento e plasticidade,
pois se dá pelo ato de refletir sobre o que temos sido e o que podemos ser.
Para que o indivíduo atinja a mesmidade e se liberte desse ciclo de re-posição é necessário que
ocorra o processo de elevação do cotidiano, que é proporcionado por meio da arte, política,
moral, ciência e trabalho que proporciona homogeneização, tornando, consequentemente, as
pessoas menos alienadas sendo a arte o meio de transmissão da cultura, e a ciência aquela que
rompe com a perspectiva da pura singularidade do homem (Heller 1989).
Espera-se que no processo de elevação o indivíduo realize a suspensão de seu cotidiano,
passando assim a refletir sobre o pragmatismo que cerca a vida a sua volta. Através da elevação
e da suspensão, por meio da homogeneização, que proporciona a transformação dialética como
forma de transpor o cotidiano, (Heller 1989), tornando o sujeito assim, humano- genérico.
Na vida cotidiana, a cristalização de ideias pragmáticas pode ser representada pelo
conceito de juízos provisórios falsos, que segundo Heller (1989, p.47) são aqueles os quais “...
poderíamos corrigir mediante a experiência, o pensamento, o conhecimento e a decisão moral
individual, mas que não corrigimos, porque isso perturbaria o êxito, a ‘correção evidente’ ainda
que não moral.” Podemos assim entender que existe conforto em se acreditar em juízos provisórios
falsos ao torná-los inexoráveis.
Os preconceitos reproduzidos pelos indivíduos pragmáticos também podem sofrer
influência dos objetos e ideias de natureza coletiva, previamente determinada pela burguesia, como
forma de manter a coesão do pensamento integrado que visa manter uma ideologia dominante.
Entretanto, segundo Heller (1989), os sujeitos pragmáticos que desempenham papéis por meio de
suas identidades possuem a possibilidade de superar essa posição, o que significa criar, assim, um
novo eu emancipado, livre para colocar em movimento suas forças, habilidades e criação.
Na sua relação em sociedade de acordo com Ciampa (2011), o indivíduo emancipado passa
concomitantemente a ser autor e personagem de sua própria história, fazendo assim, conforme
Paulino-Pereira (2014) parte de um projeto em direção a uma moral que iguala e liberta os homens,
representando o mais elevado estágio da civilização desenvolvida. A identidade representa um
sujeito que efetiva papéis, representa personagens, em constante movimentação múltipla e
variável, envolto por contradições.
A subjetividade da identidade está no vir-a-ser, na forma de personagens possíveis, oriundos
da possibilidade de transformação, metamorfose, podendo ser compreendida como a capacidade
de pensar personagens que contemplam os sonhos, planos e desejos utópicos do sujeito que
ainda carrega traços de sua vida em sociedade, sociedade está que já existia, com seus valores e
tradições, antes mesmo do indivíduo em questão nascer (Paulino-Pereira, 2014).
De acordo com Ciampa (2011) metamorfose da identidade é um conceito que nos refere a
um processo de constante mudança, que ocorre em meio a historicidade, levando em consideração
as condições materiais em que se dá essa dialética, podendo apresentar características de

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metamorfose regressiva, quando vai de encontro a uma re-posição do mesmo personagem social,
mas também apresentar movimentos de metamorfose progressiva quando pode se constitui
como uma superação de um personagem anterior. Entretanto nas relações sociais que cerceiam
a vida cotidiana, a visão subjetiva da natureza desses movimentos pode sofrer influências das
instituições e da sociedade, uma vez que suas atuações no cotidiano são inegáveis na constituição
da identidade.
Do mesmo modo que a identidade individual se constrói permanentemente, a identidade
coletiva, proveniente das relações grupais, também se constitui ao longo do tempo, em processo
de metamorfose, alternando momentos de estabilidade dado como uma reposição, como também
pode se transformar, em momentos dados como superação, assim como em casos excepcionais
se deteriorar, apresentando características de degradação. Movimentando-se neste universo por
meio da diferenciação e identificação de ideias.
A desumanização sofrida por indivíduos ingressos na vida cotidiana, representa a perda
da dignidade do homem e ocorre devido à cristalização causada pela coerção das políticas de
identidade, em que as instituições instauram padrões normativos, fazendo com que os indivíduos
vivam suas identidades dentro do que pregam tais instituições. Ciampa (2002), nos apresenta
o conceito de política de identidade como sendo uma orientação ao indivíduo, indicando os
parâmetros dados como adequados, para que o mesmo tenha um bom convívio, e se constitua
como um sujeito pragmático e heterogêneo. Tornando-se assim uma máquina de reprodução do
pensamento coletivo que alimenta a lógica vigente.
De acordo com Paulino-Pereira (2014), as instituições também influenciam, de forma
simbólica, os indivíduos na constituição de sua identidade política, que representa aquela que
proporciona ao indivíduo uma postura de sujeito privado, que também é aquele que intervem na
sociedade civil, se conscientizando e atuando nas políticas públicas em prol de melhoras reais para
a vida cotidiana em que está inserido. Elevando assim o sujeito a categoria de humano-genérico
consciente de si e provedor de mudanças sociais para os personagens à sua volta.
Compreendendo a relevância do caráter mutável e transformador da identidade, Ciampa
(2011, p.253) defende que, “... identidade, além de uma questão científica, é também uma
questão política.” a afirmação do conceito de identidade como motor de mudanças individuais
e coletivas em suas relações sociais e históricas, que se dão desde o dia em que o sujeito nasce
até seu último respirar, caracterizando uma existência marcada pela constante possiblidade de
metamorfose dialética.

Narrativa de Narrativa

A estória retrata os acontecimentos da vida e morte de um magistrado de carreira chamado


Ivan Ilitch, que vivia uma vida que se enquadrava nos padrões sociais da época, com poucos ou
nenhum acontecimento de grande significância para ele. O início do conto se dá por meio da
recepção da notícia da morte do personagem principal pelos seus colegas de trabalho através
do noticiário do jornal local, enquanto discutiam um caso. Praskóvia Fiódorovna, a viúva, não
se encontrava pesarosa com a morte, mas preocupada com a futura e incerta pensão, desse
modo ela conversa sobre seu receio com um destes amigos, Piotr Ivanovich, para arquitetar uma
possibilidade de assegurar maior lucro diante do ocorrido.
Após esse breve desfecho do funeral, a estória retorna para o princípio da vida de Ivan,
nota-se que ele moldou sua vida de forma conveniente a vida social que almejava. Ao graduar-se
em direito, seu pai lhe providencia um bom cargo em outra província, alcançando rapidamente
uma ascensão em sua posição, o que lhe possibilita uma vida regada de luxos, amigos, jogos e
festas. Neste contexto social que foi apresentado à sua futura esposa, que vinha de uma família
tradicional, respeitada e dona de grandes posses.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 585


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Ele estrutura uma família tradicional, casou-se sem envolvimentos emocionais profundos,
mas sim de acordo com fatores biológicos que favoreciam a procriação saudável. Ivan a considerava
superficial e rabugenta, ele não suportava o matrimônio de modo que se entregava inteiramente
aos afazeres da profissão. Sua carreira está voltada para a estabilidade financeira, ele não tem
prazer pelo que executa, o faz em busca de aprovação e ascensão social, este não se encontra
envolvido ao que faz e vive apenas de aparências.
Neste espaço de tempo entre o casamento e a chegada de seu primeiro filho, Ivan passa a
refletir sobre a vulnerabilidade da vida. O que Ivan encontrava no trabalho era o amor próprio, os
prazeres sociais, a vaidade, e onde ele se sentia realizado era em meio ao jogo de sorte.
Empenhado em alcançar seus objetivos e promoções profissionais a qualquer custo, Ivan e
a família se mudam de cidade algumas vezes, sempre em busca desse objetivo maior, que para ele
é o que tem real valor. Durante as mudanças perdem dois filhos. Entretanto, por pior que fosse
algum acontecimento de sua vida, Ivan não tinha grandes paixões, o zênite de sua rotina era uma
partida de cartas com seus amigos, acompanhado de vinhos e histórias em que podia ostentar
sua posição.
Em uma importante parte da sua vida, onde Ivan vivia este período de ascensão social,
ele resolve comprar uma casa maior e de melhor localidade para a família. Sua faixada de vida
sólida e bem sucedida começa a definhar quando ele torna-se vítima de uma longa e tortuosa
debilitação, após sofrer uma queda enquanto pendurava uma cortina em sua nova moradia. A
partir de então, passa a sentir dores em seu lado esquerdo, essas se tornam constantes e geram um
grande incômodo ao ponto de não conseguir nem mesmo concentrar-se no trabalho, lugar o qual
se sentia confiante de suas ações, pois era onipotente ao desempenhar este cargo. Desesperado
com a enfermidade ele procurava diversos médicos e tratamentos, a ponto de estudar por conta
própria livros que lhe ajudassem no diagnóstico dessa mazela, mas nada surtiu efeito em Ivan e
como uma folha, ele secava ao longo das estações. E seu matrimônio degradava-se paralelamente
aos seus ataques de fúria e dor.
Diante deste fato ele passa a refletir sobre sua vida de acordo com o temor que a morte lhe
causa com sua sensação de proximidade. Como o próprio Ivan ressalta, o sofrimento vivido por
sua família é um sofrimento mascarado, assim como foi sua vida, uma encenação, em que mesmo
estando presente, ele sempre se fez ausente. Ao não sentir-se compreendido, irritava-se facilmente
por estar deprimido e impaciente.
Surpreendentemente neste contexto surge na vida de Ilitch seu único exemplo de humanidade
e bondade, o camponês, Guerássim. Diante de sua condição e dificuldade de locomoção, este
simples empregado torna-se seu único acompanhante e confidente. Incansavelmente Guerássim
visita seu leito para longas horas de conversas e massagens que lhe amenizam a dor, mudando
atenciosamente a posição das pernas de Ivan, Guerássim consegue amenizar seu sofrimento
durante alguns instantes, ao dar-lhe não apenas o conforto, mas à atenção de seu carinho.
A dramaticidade da reflexão de Ivan consome seus últimos meses, em um misto de desespero,
medo e dor perpétuos. A sua autoimagem neste momento já lhe assombrava. E é no momento de
sua morte que ironicamente ele se dá conta de não ter vivido, e esse torna-se mais um ponto de
seu pesar. E contraditoriamente neste momento este percebe que não quer perder essa vida, por
mais miserável que esta tenha sido.

Discussão

O romance é narrado por Piotr Ivánovitch, um dos colegas mais próximos do personagem.
Ivan Ilitch faleceu aos quarenta e cinco anos, estando desde a infância predisposto a seguir o
legado de seu pai na vida pública. Neste ponto podemos perceber como se deu a socialização primaria

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de Ivan, pois como afirma Lane (1989), consoante Gomes (1994) é o processo de humanização
do recém-nascido, que ocorre na relação com as pessoas que cuidam deste; o romance não dá
indícios da mãe de Ivan, apenas relata que ele foi um filho exemplar.
Ivan foi instruído para a carreira do direito, e sob influência de seu pai seguiu carreira na
esfera pública, buscava ascensão social e estabilidade financeira que foi conferido ao seu pai no
decorrer de sua trajetória como funcionário do governo. Ivan internalizou os conceitos e valores
que receberá do pai de modo que estes permearam o curso sua vida em meio ao típico cotidiano
de classe média alta, ele transita e se identifica nessa esfera.
Através do decorrer do romance podemos inferir que Ivan viveu na reposição dos papéis que
desempenhava, ou seja, reafirmava os papéis que lhe foram impostos diariamente. Vivenciando a
mesmice desta realidade. Ivan vivia a representação destes papéis, não realizava nenhuma reflexão
desta ação, apenas desempenhava os que a sociedade lhe impunha.
Um exemplo dessa repetição na execução dos papéis é quando ele se casa sem grandes
interesses afetivos, ele só desempenha o papel que a sociedade espera de um homem de sua classe.
Porque essa união entre nobres era o esperado dentro da classe na qual se encontrava inserido.
Ivan no decorrer de sua vida vive o processo de metamorfose como qualquer outro
indivíduo, pois como afirma Paulino-Pereira (2006 p.55) “... a identidade é sempre processo de
metamorfose”. No entanto, é possível observar que ele apenas vive a reposição dos papéis que
desempenha, pois ao longo de sua vida ele não se eleva, ou seja, apenas desempenha os papéis
que são impostos pela sociedade. Observa-se que ele somente realiza a reposição dos papéis, não
reproduz um papel com senso crítico da realidade.
Podemos observar que as relações identitárias de Ivan, eram voltadas ao seu interesse pessoal
e objetivo social. Sua identidade coletiva baseava-se no que era praticado e aceito socialmente
pela classe que almejava/participava.

Ainda quando estudante fizera coisas que lhe pareceram vis e na ocasião o fizeram sentir-
se enojado consigo, mas, mais tarde, percebendo que a mesma conduta era adotada por
pessoas do mais alto nível e elas não a consideravam errada, chegou a não exatamente
tê-las como certas, mas a simplesmente esquecê-las ou a não se incomodar ao lembrá-las.
(Tolstói, 2006, p.42)

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, podemos afirmar que Ivan comungava da política
de identidade, que a historicidade da época lhe impunha. Entendemos por política de identidade o
conceito discutido por Ciampa (2002), sendo um tipo de orientação imposta ao indivíduo, que
dita o que é esperado que este desempenhe na sociedade em que está inserido. Ivan não fazia uma
reflexão crítica sobre o que era lhe imposto, ele apenas desempenhava as ideias políticas que a
sociedade determinava, que uma figura como ele, exercesse. Um exemplo prático de tal postura
era sua relação com o trabalho, pois ele não exercia uma práxis, sua função laboral resumia-se em
uma relação empregatícia, não era exercida a função de trabalho tal qual compreendemos a partir
da Psicologia Histórico Cultual. O emprego se caracterizava apenas como um meio de conseguir o
status que almejava. Com base na estória de Ivan e no exposto a cima, podemos depreender que
o personagem não exerceu uma Identidade política, conforme Ciampa (2011) nos apresenta, como
sendo uma não aceitação do papel que a sociedade espera, mas sim como uma forma de viver
que tem como base a reflexão do indivíduo a respeito da cotidianidade e a política de identidade
que o rodeiam.
O cotidiano de Ivan em sua maior parte era pautado no vir-a-ser, pois ele é movido através
do sonho, do desejo de sempre conseguir um progresso além do já adquirido. Ele sempre almejava
um serviço que lhe traria mais ganhos financeiros, uma casa maior, ou seja, ele está sempre em
busca de um personagem possível.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 587


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Vemos instaurado no cotidiano de Ivan a categoria dos preconceitos, que nos é apresentado
por Heller (1989) como sendo a cristalização dos juízos provisórios, que se constituem inabalados
pelos instrumentos da razão, ou seja, é cômodo crer nos preconceitos, pois nos protege das
adversidades, pois desta forma reafirma nossos atos anteriores. O personagem é conformado
com o seu cotidiano, torna-se explícito que seu cotidiano é pautado nos preconceitos, pois é
cômodo, ele não precisar analisar o que lhe circunda. Ilitch está pautado na fé, que é considerado
como o “afeto dos preconceitos” pois ele internalizou que, apenas se vivesse em uma determinada
classe social, cercado de determinados arranjos, poderia ser reconhecido socialmente e aceito nos
espaços que almejava.
Ivan vive o juízo provisório falso, que conforme Heller (1989) afirma, é o tipo de juízo que
podemos alterar mediante um pensamento crítico da realidade, ele continuamente abandona
um ideal que havia concretizado, pois deduz que sempre pode almejar algo maior do que já
conseguiu. Ele está continuamente pautado no imediatismo das relações, dos valores, não possui
uma reflexão do que exerce.
Tomando como base o conceito de Suspensão de Heller (1989) que consiste em uma análise
do cotidiano, ou seja uma reflexão do cotidiano em que se está inserido, o que torna as pessoas,
consequentemente, menos alienada, a narrativa nos mostra que Ivan suspende o cotidiano no
início de sua juventude.

Veio-lhe à cabeça a ideia de que aquela sua leve inclinação para lutar contra os valores das
classes altas, aqueles impulsos de rebeldia que mal se notavam e que ele havia tão bem
aplacado talvez fossem a única coisa verdadeira, e o resto todo, falso. E suas obrigações
profissionais e a retidão de sua vida e sua família e sua vida social tudo falso e sem sentido.
Tentou defender essas coisas a seus próprios olhos e subitamente deu-se conta da fragilidade
do que estava defendendo. Não havia o que defender. (Tolstói, 2006, p.41)

Entretanto ele não tomou consciência deste processo, como já dissemos acima, ele nega
essa reflexão do cotidiano em nome de uma pseudo aceitação social, assim, vive praticamente
toda sua vida na mesmice, repondo sempre os mesmos papéis.
Em seu leito de morte, Ivan, reflete sobre sua vida, notando-se portanto, uma suspensão
do seu cotidiano, passando a analisar como foi o percurso de sua vida até então, como foram
vivenciadas suas relações e ações. Ao termino da narrativa, podemos inferir que Ilitch viveu
sua estória de forma homogênea, ele centrou todas as suas forças em conseguir o status que a
sociedade, e ele mesmo, lhe impuseram. Ele não pôde viver outras possibilidades de papéis ou de
metamorfose pelo peso que a aceitação social desempenhava em seu contexto, e também porque
seu processo de suspensão se dá em seu leito de morte, há um trecho da estória, que, pode ser
considerada como uma elevação que ocorre em seus últimos dias de vida, quando ele pensa sobre
toda a situação que envolve sua morte, ele se eleva, e ressignificado ele compreende o sofrimento
singular da família.

Foi nesse exato momento que Ivan Ilitch caiu dentro do buraco e encontrou a luz e lhe foi
revelado que sua vida não fora o que deveria ter sido, mas que ainda era possível dar um
jeito. Perguntou-se o que era, afinal, a coisa certa e ficou quieto, escutando. “... Sim, sou um
sofrimento para eles”, pensou. “Eles lamentam um pouco, mas vai ser muito melhor para
eles quando eu morrer!” Quis dizer-lhes isso, mas não tinha forças para falar. “Além do mais,
para que falar? Resta-me agir”, pensou. Indicou com o olhar seu filho e disse para a mulher:
– Leve-o daqui... sinto muito por ele. Lamento por você também. – Tentou dizer “perdoe
me”, mas não conseguiu terminar e, fraco demais para tentar outra vez, acenou com a mão,
sabendo que quem estivesse interessado entenderia. (Tolstói, 2006, p.43)

588  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
No momento em que Ivan se dá conta do sofrimento de sua família, ele percebe que estão
compadecidos da situação que o acomete, este se eleva, entretanto não se emancipa, pois
suas condições já no leito de morte, não permitem que este intervenha de modo a modificar
significativamente o cotidiano que o cerca. Podemos fazer uma analogia e dizer que sua suspensão
surgiu com um último resquício de vida que pulsava em seu corpo, assim, que ocorre esse último
momento de vivacidade suas forças se esvaem e ele “Respirou profundamente, parou no meio de
um suspiro, esticou o corpo e morreu.” (Tolstói, 2006, p.44)

Considerações Finais

Frente ao exposto, este trabalho buscou realizar uma síntese da obra de Liev Tolstói, mais
especificamente sobre sua novela “A morte de Ivan Ilitch”, nosso objetivo foi realizar uma análise
identitária do personagem principal, analisando o seu meio, suas relações para com as pessoas
com quem convive e a forma como as mesmas interferem em sua identidade e como esta foi
constituída não apenas individualmente, mas também de forma coletiva.
Foi possível evidenciar a maleabilidade de Ivan frente às imposições sociais, como também
o quanto a elevação pode gerar angústia e sofrimento devido às reflexões que o indivíduo faz em
relação a vida cotidiana que o circunda. Ivan se vê frustrado ao final de sua vida por ter vivido
uma vida de aparências. Ao elevar-se Ilitch se sente incompleto, pois, percebe que já chegou ao
final da sua vida e não possui mais capacidade para emancipar-se e assim transformar o seu
cotidiano. Ivan morre confortado por poder perdoar a mulher e os filhos, em seu último momento
de consciência que paradoxalmente é o seu primeiro momento como indivíduo emancipado.
Assim, foi possível observar o quanto os autores utilizados foram perspicazes ao postularem
suas teorias, compreendendo o humano em sua singularidade, postulando aquilo que o humano
é, o que desempenha, e seu vir-a-ser.
O que foi apresentado neste trabalho caracterizou-se como um exercício de práxis, onde foi
analisado e correlacionado os conceitos que foram teorizados, desta forma essa atividade nos
propiciou a oportunidade de realizar a análise identitária de um indivíduo, contribuindo de forma
significativa para nosso crescimento acadêmico e profissional, enquanto uma nova experiência
que busca entender o sujeito e suas vivências coletivas, por meio de suas particularidades.

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 589


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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
APONTAMENTOS PARA UMA NOVA LEITURA DA
ATUAL REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA
Cristofthe Jonath Fernandes
Pedro Renan Santos de Oliveira
Camila Chaves Ferreira
Aluísio Ferreira de Lima

Introdução

O
marco legal da Reforma Psiquiátrica brasileira, a Lei n. 10.216, conta com dezessete
anos desde sua homologação, no ano de 2001. Assim como outras cidades do
país, Fortaleza cria seus primeiros serviços de atenção à saúde mental com ênfase
em relações comunitárias, antes deste marco legal. O primeiro Centro de Atenção Psicossocial
de Fortaleza data do ano de 1998. Desde então, ocorre um aumento significativo dos serviços
substitutivos aos hospitais psiquiátricos na cidade. A redução do número de hospitais psiquiátricos,
o aumento da criação de serviços substitutivos, o aumento de contratação de profissionais nestes
serviços, a regulamentação do trabalho da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e o aumento
orçamentário para os serviços são dados verificados na cidade de Fortaleza, no período que
se estende de 2007 à 2016, conforme estudo realizado por Fernandes (2016), e que refletem o
cenário de âmbito nacional.
A atenção à saúde mental tornou-se tema de suma importância e emergente
internacionalmente, neste último ano de 2017, devido a Organização Mundial de Saúde (OMS)
apresentar que a depressão é a doença responsável pela maior perda de produtividade no mundo
(OMS, 2017), resultando na produção de campanhas de sensibilização internacional sobre o
adoecimento mental. O adoecimento mental passa ter neste momento uma visibilidade até então
não alcançada, situação que se distingue significativamente às décadas de 1960 a 1980, período
no qual se fazia necessária a sensibilização para uma nova forma de cuidado com as pessoas
em sofrimento mental. Atualmente o Brasil é signatário de diversos acordos internacionais que
indicam a importância da vinculação da saúde mental com a atenção básica, indicando o cuidado
em comunitário, caminhando no sentido de inserção do sujeito em sofrimento mental na vida
social, mitigando o estigma desse tipo de adoecimento.
Assim, a pauta da reforma psiquiátrica de transformação da assistência à saúde mental
tem sido efetivada, seja no âmbito micro político de Fortaleza, seja no âmbito macro político
dos acordos internacionais. Todavia, entre o vasto grupo de estudos que tomam como objeto a
reforma há um consenso: a reforma psiquiátrica não está consolidada.
O cenário atual, então, nos parece contraditório, visto que, chega-se a quase duas décadas
da homologação legal da reforma, com o avanço da oferta de serviços substitutivos, ocorre a
redução do número de hospitais psiquiátricos, concomitante a um momento de preocupação
internacional com a questão da saúde mental, e ainda assim, há o consenso da não consolidação

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 591


NO ONTEXTO BRASILEIRO
da reforma psiquiátrica. Há uma incongruência, pois o que atualmente foi alcançado pela
reforma, mesmo que represente o que antigamente se ansiava, atualmente não é fator de conforto
e justificativa de comemoração, visto o consenso de não consolidação da reforma. Entendemos
que esta incongruência nos convoca a decidirmo-nos por um de dois caminhos: o primeiro,
similar ao processo psicológico de fuga, nega qualquer problemática e toma o alcançado como
uma parte da conquista, entendendo que para total consolidação da reforma, seria necessária
apenas ajustes e melhoras, como formação adequada dos profissionais e melhorias na gestão
dos serviços; ou o segundo, que vivencia o sofrimento e assume a problemática, percebendo o
alcançado como resultado preponderante do interesse econômico vigente, e a necessidade de se
construir outras formas de assistência à saúde mental.
Fazemos a escolha pelo segundo caminho, de acolhimento da problemática, entendendo
que os resultados alcançados pela reforma são oriundos preponderantemente de interesses
econômico, sendo que essa decisão trata-se de uma leitura específica da assistência à saúde
mental. O objetivo deste trabalho será, portanto, apresentar essa leitura da história da assistência
psiquiátrica em Fortaleza, relacionando-a com a história nacional, à luz da teoria crítica. Assim,
se evidenciará os resultados alcançados até aqui pela reforma psiquiátrica, como mais uma etapa
da influência econômica na estruturação da assistência psiquiátrica no país.

Desenvolvimento

O início da Reforma Psiquiátrica Brasileira é indicado por Amarante (1995), com a crise da
Divisão Nacional de Saúde Mental (Dinsam), órgão do Ministério da Saúde, em 1978, devido à
deflagração da greve de profissionais e estagiários. A partir desta greve se constitui o Movimento
dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), o qual terá como pautas de reivindicação: melhorias
de condições de trabalho, como regularização de contratos, redução de carga horária, aumento
salarial; crítica à cronificação do manicômio e o uso do eletrochoque; melhores condições de
assistência e humanização dos serviços (Amarante, 1995). A crítica ao modelo médico-assistencial
surge no movimento, ainda conforme Amarante (1995), quando este analisa documentos do
MTSM, constatando críticas ao modelo biológico priorizado pela Dinsam e inviabilidade de uso
de recursos modernos da medicina para tratar os doentes mentais. Parece-nos alinhado com as
reivindicações do MSTS, o clamor de De-Simoni, por mais humanidade no tratamento dado aos
loucos e por condições que permitam a execução das práticas avançadas da medicina, quando
ele diz:

[...] vós que tanto clamais cotidianamente contra a opressão, a tirania, e a barbaridade;
vós que tanto pugnais pela liberdade política do homem, e tanto temeis a sua perda, e o
ferrolho da masmorra, virai-vos um instante para outro lado, para o qual a nossa voz, a
da humanidade, e o vosso mesmo interesse vos chama. Vede esses infelizes, que tiveram o
infortúnio de perderem o juízo, e que gemem presos em um local, que, longe de lhes servir de
asilo salutar e protetor contra seus males, concorre, pela sua insuficiência, e pouco próprias
condições, a exasperar esses males, a torná-los incuráveis, a aumentar sua desgraça, e a
apressar o termo de seus dias. [...] estendei-lhes a vossa mão caridosa, e tirai-os do cárcere
onde gemem. Seus tiranos opressores são a sua enfermidade, a falta dos meios apropriados
a vencê-la. (De-Simoni, 2004, p. 159)

Não seria extravagante atribuir o trecho a um dos documentos utilizados por Paulo Amarante
ao analisar o MSTS, entretanto, trata-se de um trecho de artigo publicado originalmente em 1839.
Mesmo demandas trabalhistas, já se encontram nesse texto, quando ele apresenta a situação

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de trabalho estafante dos dois únicos médicos da instituição, como a falta de formação, a
precariedade dos salários e o status sociais degradante dos enfermeiros responsáveis pelos loucos
(De-Simoni, 2004).
A proximidade entre as pautas do MTSM e a as críticas realizadas por De- Simoni, ainda no
século XIX, nos faz questionar sobre a especificidade da crise da Disam, para que seja tida como
marco inicial da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Poder-se-ia justificar a diferenciação através dos
objetivos buscados, visto que a De-Simoni argumenta pela construção de um manicômio ainda
não existente no Brasil, há época. Entretanto, a pauta de disponibilização de tratamento à saúde
mental na comunidade, distanciando-se do manicômio, não se trata de uma novidade do MTSM,
visto que já em 1954 era previsto serviços comunitários e desvinculação religiosa na atenção à
saúde mental, através da Lei n 2.312 (1954), conforme seu Art. 22:

O tratamento, o amparo e a proteção ao doente nervoso ou mental serão dados em hospitais,


em instituições para-hospitalares ou no meio social, estendendo a assistência psiquiátrica à
família do psicopata.
[...] § 3º As instituições religiosas de seitas doutrinárias e às associações congêneres é
vedada a prática, nos estabelecimentos psiquiátricos, de culto e quaisquer atos litúrgicos
com finalidade terapêutica.  (Lei n 2.312, 1954).

Evidencia-se, assim, o que é denominado correntemente como Reforma Psiquiátrica


Brasileira, trata-se em verdade, da mais recente reforma psiquiátrica, a qual compõe a história
da saúde mental do Brasil, tendo essa, antecedentes à crise da Disam, 1978, os quais se tornam
preponderantes para o entendimento do atual cenário. Alinhamo-nos aqui com a percepção de
Lima (2010) que afirma ser:

preciso discordar de Amarante (1995a, p.91), o qual entende que uma reforma psiquiátrica
concreta somente inicia em fins da década de 1970. Fica cada vez mais explícito o fato de que a
história da saúde mental no Brasil é uma história de reformas iniciadas concretamente desde o
início do século XX e que, após 1960, seguiu por duas frentes: a do fortalecimento dos manicômios
privados e a do aumento da intervenção psiquiátrica na comunidade [...] (2010, p. 98)

Diante disso, torna-se importante a busca pelos antecedentes da assistência psiquiátrica.


O percurso histórico da atenção à saúde mental em Fortaleza possui aspectos de similaridade à
história nacional, caracterizando-se, inicialmente, pelo descaso da metrópole com a capitania do
Ceará. Isso se deveu a esta capitania não se apresentar, por longo período, como economicamente
rentável. A própria ocupação do território e o povoamento da capitania do Ceará, somente, após
várias tentativas fracassadas, se tornam possíveis, devido à atividade pecuária, com o caminhar
do gado em busca de pasto, ladeando os rios, que constituíra uma atividade que necessitou pouca
mão-de-obra e muito espaço, e por isso mesmo, relegada ao interior (Alegre, 1989). Fortaleza
consolida-se, somente, após essa peregrinação do gado, que será repetida muitas vezes ao longo
de sua história, mas, então, pelos retirantes das secas. Esse quadro de descaso, resultante do
interesse econômico vigente na época, é refletido na atenção à saúde de então, nessas terras,
que fica sob-responsabilidade da caridade: “Da Colônia ao Segundo Império (1500 a 1888), a
atuação do poder público é quase inexistente, deixando o processo à espontaneidade popular,
à compaixão religiosa e ao isolamento institucional” (Montesuma, Fé, Gomes, Fernandes, &
Sampaio, 2006, p.6 ).
O primeiro estabelecimento de saúde do Ceará é datado de 1723, resultante do trabalho da
igreja, o que se trata de uma especificidade, visto que a construção de hospitais ocorrera com o

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 593


NO ONTEXTO BRASILEIRO
objetivo de atender soldados, justificando sua vinculação aos Fortes. (Montesuma et al., 2006)
Fortaleza esperará mais de um século, desde sua fundação em 1726, para receber o seu primeiro
hospital, a Santa Casa de Misericórdia, inaugurada em 1861, resultante de ações governamentais
pontuais, não planejadas, no combate às epidemias de alta letalidade, do período, como “varíola,
1824/5; febre amarela, 1851/3; cólera, 1862; e varíola, 1877/8” (Montesuma et al., 2006, p.10).
A imigração da seca, que ocorre desde os tempos de fins de ocupação do território cearense,
apresenta-se como fator importante para o entendimento dessa dinâmica existente, entre
o desinteresse econômico, a ocorrência de epidemias e a construção de serviços de saúde, ela
especificará a história da atenção à saúde mental de Fortaleza. A seca de 1877/9 é marco divisório
nesse processo. Cem mil (100.000) é o número de retirantes, em 1877, que chegam à Fortaleza,
que tem, então, uma população de 27 mil habitantes (Neves, 1995, p.102). As condições sociais
que se estabelecem são dramáticas e alarmantes. Conforme Neves, “Epidemias, crimes, desacato à
recatada moral das famílias provincianas, tragédias indescritíveis se desenvolvem à vista de todos:
assassinatos, suicídios, saques, loucura, antropofagia! A ordem do mundo parecia ter perdido
seus referenciais.” (1995, p. 94)
A mortalidade atinge números extremos:

ocorre uma epidemia de varíola que, em apenas dois meses, vitimou 27.378 retirantes nas
proximidades de Fortaleza. No ano seguinte, o número de óbitos foi de 24.849, tendo ficado
tragicamente famosa, como o “dia dos mil mortos”, a data de 10 de dezembro de 1878.
(Montesuma et al, 2006, p.11)

O abarracamento dos retirantes, em diversos locais aleatórios da cidade, como forma inicial
da contenção espacial desses, que até então ocupam as ruas, abrigando-se sob as arvores e praças,
de Fortaleza, surge como resposta à situação.
Esse processo de contenção espacial do retirante nos parece ocorrer de outras formas
institucionais, distintas ao abarracamento, quando tomarmos, ainda, no ano de 1877, o ato
de colocação da pedra fundamental da construção do Asilo de Alienados São Vicente de Paulo
(Bleicher, 2015, p. 147), o qual será aberto em 1886 como o primeiro manicômio de Fortaleza,
e do Ceará. A justificada apresentada para a construção do manicômio corrobora com nosso
entendimento, visto que o caráter de cuidado clínico, terapêutico, do estabelecimento não é
revindicado, mas antes, de forma explicita, o seu papel de contenção social, pois:

Para o vice-provedor interino da Santa Casa, Victoriano Augusto Borges, esta construção
seria urgente pela necessidade de recolher os loucos, já que ofendiam a moral e os bons
costumes e importunavam os transeuntes (Bleicher, 2015, p. 147)

O nascimento do manicômio no Ceará, ainda especifica-se, pela não ocorrência da


disputa de responsabilidade sobre a loucura da psiquiatria, seja pela constatação da ausência de
investigações sobre a loucura, ou mesmo, pela proximidade da psiquiatria com a igreja, no cuidado
à loucura. (Bleicher, 2015, p. 153). Todavia, tais diferenciações da atenção à saúde mental em
Fortaleza, não resultam em tratamento de qualidade, pois a primeira denúncia de violência dentro
do Asilo dos Alienados já ocorreu em 1890, após apenas dez anos desde o registro da primeira
internação de um doente com distúrbios mentais, em Fortaleza (Bleicher, 2015).
A pobreza teima em ocupar Fortaleza, não se resigna aos abarracamentos, à Santa Casa ou
mesmo ao Asilo. Os pobres chegam a ocupar o espaço do rico, o Passeio-Público - área nobre de
Fortaleza na época, que em sua arquitetura, materializava a hierarquia social, desnivelada em três
níveis, cabendo a cada classe social um desses. É nesse momento, ano de 1915, que o governador

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do estado, então, decide pela construção de campos de concentração (Neves, 1995). Nesse
momento o Asilo não aparece mais como uma solução viável à problemática, visto que, desde o
início de seu funcionamento, ele é marcado por superlotação. (Bleicher; 2005) Entretanto, serão
construídos os campos de concentração compartilhando das mesmas justificativas de fundação
do Asilo, de instituição de contenção social, fato explicitado, quando foi motivo de orgulho do
Presidente do Estado, o não registro de atos de desrespeito ao pudor nos campos. (Neves, 1995)
Os campos tinham por objetivos:

Evitar o contato dos retirantes com a cidade, cercá-los num único local onde possam ser
fiscalizados, dirigir para esse local toda a assistência pública ou privada, gerenciar a mão-
de-obra disponíveis para as obras de utilidade do governo, organizar centralizadamente
a imigração para a Amazônia diretamente do campo; assim o aformoseamento
[embelezamento que passa Fortaleza] não sofre o impacto das “fisionomias marcadas pelo
rictus da miséria”, como vê R. Teófilo, nem da “promiscuidade e imundície aos olhos de
milhares de espectadores”. (Neves, 1995, p. 105)

A contenção dessa massa em locais determinados, a imposição de uma rotina, com a


administração de necessidades coletivas e o uso do trabalho, faz com que o campo de concentração
represente “na prática, um aumento das forças do corpo (em termos econômicos de utilidade)
e, ao mesmo tempo, uma redução dessas mesmas forças (em termos políticos de obediência)”
(Neves, 1995, p. 110). E o controle dessas massas se afirma mesmo que resultem em mortes, já
que nesse espaço o povo morre, mas sem saquear e nem roubar, conforme avaliação positiva do
presidente do Estado, na época. (Ceará, 1916 como citado em Neves, 1995, p 100). Trata-se,
assim, o campo de concentração de uma organização de produção de mortes, ao considerarmos
que “era mais fácil morrer no campo do que fora dele” (Neves, 1995, p. 100).
Não nos parece exagero, tomarmos o campo de concentração, como extensão do asilo,
devido percebermos que a justificativa e objetivos dessas duas instituições aproximam-se de
forma significativa, constituindo-se enfim o campo de concentração preponderantemente pela
incapacidade das instituições como asilo, prisão e hospital, de isolarem o grande numerário
de indivíduos. Assim que outros modos de contenção desses sujeitos no próprio local de
origem tornam-se possíveis, como as frentes de trabalho e mesmo a criação de mais hospitais
psiquiátricos, que são construídos no período de 1933/39, os campos de concentração deixam
de existir, que tem sua última experiência datada no ano de 1932. O campo de concentração não
se tratou de tentativas de auxílio ou cuidado à situação precária do retirante, visto que, já em
momentos anteriores, experiências socioeconômicas bem sucedidas em resposta às secas tinham
sido efetivadas, como o Caldeirão e Canudos (Neves; 1995). Entretanto, Caldeirão e Canudos
eram contestatórios da ordem vigente. Atualmente, podemos ao analisá-los, perceber que apenas
por existirem, essas experiências são contestatórias do campo de concentração, como solução
para o flagelo da seca, e que de fato era um produtor de morte.
Outro fator que corrobora com nosso argumento de que os campos de concentração se tratam
de uma formatação extrema do Asilo, é o fato da psiquiatria consolidar-se no contexto cearense
com aspectos fascistas. Esse final de século XIX e inicio do XX, no qual ocorre a construção dos
campos de concentração, é, também, um período de suma importância à psiquiatria brasileira: ao
constituir-se de forma profundamente imbricada com a Antropologia e Medicina Legal, atribuindo
a causalidade da loucura à fatores biológicos e raciais, de base eugênica (Costa, 2006; Bleicher,
2015; Lima, 2010); ao receber a responsabilidade pela loucura, através da promulgação da Lei
dos Alienados de 1903 (Bleicher, 2015); e devido ocorrer a criação da Liga Brasileira de Higiene
Mental (LBHM), porta-voz da psiquiatria brasileira, que se caracterizará como uma instituição

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 595


NO ONTEXTO BRASILEIRO
de base fascista, justificando-se pela eugenia (Costa, 2006). A evolução e o desenvolvimento
dessa psiquiatria fascista nos parecem muito bem alinhada à perspectiva de instalação de campos
de concentração no Ceará, que somente deixarão de existir, no período de construção de mais
hospitais psiquiátricos e o início da atividade privada nesse setor.
Data de 1935 o primeiro hospital psiquiátrico privado de Fortaleza e do Norte-Nordeste, a
Casa de Saúde São Gerardo (Bleicher, 2015). A ampliação de hospitais psiquiátricos em Fortaleza
seguirá até 1969.
Em 1948 é fundada a Casa de Saúde Antônio de Pádua. O Hospital Colônia de Psicopatas
é fundado em 1963, que depois passará a ser denominado do Hospital de Saúde Mental de
Messejana (Sampaio, 1988). Em 1967 é inaugurada a clínica Dr. Suliano e o Instituto de Psiquiatria
do Ceará-IPC. No ano de emissão do Ato Institucional nº 5, que torna a ditadura militar do Brasil
explícita, em 1968, são fundadas a Casa de Repouso Nosso Lar-CRNL e a “unidade prisional
Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes–IPGSG, existente até os dias atuais, sem nunca
ter passado por nenhuma reforma ou adaptação de sua estrutura” (Diário, 2011 como citado
em Bleicher, 2015, p. 166). O último hospital psiquiátrico construído em Fortaleza é inaugurado
em 1969, o Hospital Mira y Lopez – HML, consolidando o complexo manicomial da cidade de
Fortaleza, que dispõe de nove hospitais psiquiátricos.
A proximidade da constituição de serviço de atenção à saúde mental, em Fortaleza, com
a experiência dos campos de concentração e com a consolidação da psiquiatria, em caráter
eugênico fascista, descrito acima, acabará por influenciar a história da atenção à saúde mental
da cidade, perpetuando-se nesses novos manicômios construídos. Tal ponderação se afirma ao
considerarmos os diversos relatos que denunciam as condições de horror no tratamento dado
aos sujeitos nesses espaços. Remeteremo-nos diretamente aqui apenas a dois de forma literal, ao
Asilo de Alienados e ao Hospital de Saúde Mental de Messejana, este o último manicômio público
construído em Fortaleza e aquele por ser o primeiro serviço específico de atenção à saúde mental
no Ceará. Sobre o Asilo de Alienados o texto de Geraldo Duarte, contribui para termos uma visão
do horror vigente nos anos 60, nesse espaço:

Naqueles vãos, verdadeiros farrapos humanos, alguns com pulsos e tornozelos atados por
cintas de couro, inertes ou agitados, deitavam-se no piso, depois do tratamento com choque
elétrico.(...) Semelhante a autômatos ou zumbis (Duarte, 2009, p. s/n).

A caracterização dos sujeitos como zumbis, resultantes das práticas vigentes nesse espaço,
coincide com a forma de definição utilizada para os prisioneiros dos campos de concentração
nazista (Agambem, 2008).
Sobre o Hospital de Saúde Mental de Messejana, em estudo da sua gestão no período
de 1979/83, Sampaio (1988), no trecho intitulado como o fedor da morte e o fedor do asilo,
descreve o episódio, em que o corpo de uma paciente somente é sepultado após duas semanas
de morta, devido a suposto esquecimento do corpo em um pavilhão abandonado. Episódio, este,
que evidencia a banalização da morte dos sujeitos ali internados, ocorre a perda da dignidade
perante a morte, novamente, como se deu os campos de concentração nazista (Agambem, 2008).
Os anos que se seguem comporão o período da última reforma psiquiátrica, à qual,
conforme citação já realizada acima, Amarante atribui o início à crise da DISAM. Esta reforma
psiquiátrica tem como forte influência a psiquiatria democrática italiana, tendo Franco Basaglia
como principal referência. O fundamento teórico desta tendência se dá que o manicômio é o
criador do adoecimento mental, sendo necessário o fim dessa instituição. A reforma psiquiátrica
ao adotar esse referencial acaba por abrir mão de um posicionamento mais radical.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O saber psiquiátrico não é contestado, como aconteceria nas obras de autores da
antipsiquiatria como Goffman, Laing e Szasz, mas visto como possível de ser reformulado a
partir de uma psiquiatria democrática, menos radical em relação à teorias técno-psicológica,
tal como encontrada na obra de Franco-Basaglia. (Lima, 2010, p. 108)

Esse posicionamento reformista constitui-se antes como uma forma de controle do sistema
não pela imposição de determinada ordem, mas sim pela produção de possibilidades reduzidas
(Lima, 2010). Isto é, ao entendermos que a atual reforma psiquiátrica não é radical, não se trata
de afirma-la como uma imposição da ordem vigente, mas antes percebê-la como produzida pelo
sistema, como única, ou uma das poucas, soluções viáveis de ser realizada. A reforma psiquiátrica
vista como fruto da luta de movimentos sociais, por condições humanas no tratamento da loucura
e até mesmo por melhoras trabalhistas, serve-se como boa opção de fachada aos interesses do
sistema, seja para que não tenha ocorrência de embate por transformações sociais profundas, visto
que o movimento da reforma ter aberto mão da luta pelo enfrentamento da desigualdade social,
seja ainda, ao servir de argumento do avanço da atenção à saúde mental junto à comunidade
internacional.
Data de 14 de dezembro de 1999 a apresentação da petição do caso Damião Ximenes15
junto a Corte Interamericana de Direitos Humanas (CIDH) (2010), que resultará na primeira
condenação do Brasil nesta corte. Passaram apenas um ano e três meses, dessa data, para que
o projeto de lei, o qual estava há nove anos em tramitação, fosse aprovado, resultando a Lei
10.216/2001. A relação entre o caso Damião e a modificação nos serviços de atenção à saúde
mental, no Brasil, já é explicitada por Pontes (2015), ao se debruçar sobre o caso Damião Ximenes
e sua repercussão nos serviços de saúde mental, em sua dissertação. Dirá ela:

as iniciativas estatais dos últimos anos implementadas no campo da saúde mental brasileira
não são de reconhecimento democrático da saúde mental, nem politicamente voluntárias
como parecem. E, assim mostramos o porquê de todos os “avanços” da saúde mental
brasileira do Pós 4 de outubro de 1999 e justificamos o fato destes “avanços” serem enviados
em forma de Relatórios ao Tribunal da Corte IDH. (Pontes, 2015, p. 237)

Caminhamos aqui ao fortalecimento da percepção da reforma psiquiátrica dar-se por ser


conveniente ao sistema. Visto que, o próprio estado escreverá esse argumento ao responder à
Corte IDH, no documento Alegações Finais:

[...] está em debate a forma de tratamento dispensada pelo Estado brasileiro às pessoas
portadoras de transtornos mentais, cabe destacar que o Estado demonstrou ter
implementado, nos últimos anos, uma política reconhecida internacionalmente, com ênfase
na não-internação e nos direitos humanos dos portadores de sofrimento psíquico. Essa medida
tomou por base décadas de atuação dos movimentos sociais, particularmente os de luta antimanicomiais,
sendo o retrato da democratização da saúde pública brasileira. (PIAFBCXL, 2006 como citado em
Pontes, 2015, p.109) [ grifo nosso]

O estado brasileiro ao defender-se da acusação de descaso com os direitos humanos na


saúde mental utiliza-se da justificativa de que as ações de transformações do cenário, o qual
resultou na morte de Damião Ximenes, são resultantes do diálogo com o movimento social,
servindo este como avalista do estado brasileiro, será ele usado como ferramenta por este.

15 O caso Damião Ximenes, corresponde à morte de Damião Ximenes Lopes, ocorrida no Hospício Guararapes,
localizado na cidade de Sobral, na data de 4 de outubro de 199, após três dias de internamento no estabelecimento,
vítima de “morte violenta causada por traumatismo crânio-encefálico” (Pontes, 2015, p.222).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 597


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A relação do caso Damião e do avanço da atual reforma psiquiátrica, confirmando-a como
resultante de uma conveniência do sistema, por fim se fecha, ao tomarmos os interesses nas
repercussões do julgamento do Brasil na Corte IDH. Sobre isso o trabalho de Ceia (2013), que
analisa os casos de condenação do Brasil na referida corte, pode nos ajudar. A autora apresentará
que após condenado pela Corte, o Brasil fica obrigado a cumprir um conjunto de ações, as quais
serão fiscalizadas periodicamente, através de uma supervisão. Caso não sejam cumprida as ações:

Quer dizer, diante da insuficiência dos esforços de supervisão da Corte leva-se o caso à
Assembleia com o objetivo de gerar constrangimento ao Estado violador perante seus pares,
exercendo sobre ele pressão política, a fim de que cumpra integralmente a sentença. Nesse
contexto, a Assembleia pode emitir resolução (não vinculante) recomendando aos demais
Estados-Partes da OEA que imponham sanções econômicas ao Estado violador até que haja
o cumprimento da sentença. (Ceia, 2013, p. 148)

A repercussão de um descumprimento da condenação da Corte IDH seria de possíveis sanções


econômicas para o país, assim, torna-se preponderante, dentro de uma perspectiva capitalista,
como a qual nos encontramos, a busca de ferramentas que resultassem na não perda econômica,
papel que caso não tenha cumprido, a atual reforma psiquiátrica foi pelo menos fiadora.
Percebemos, portanto, que o caso de Damião Ximenes repercutiria em uma perda econômica ao
estado capitalista brasileiro, o qual apresenta como solução adequada para refreamento dessa
perda, a aceitação da atual reforma psiquiátrica, sendo, portanto, ela uma opção posta por esse.
A atual reforma psiquiátrica ao herda e ser constituída, portanto, por interesses econômicos
acaba por expressá-los de diversas formas: seja a não previsão legal do fim do manicômio; sejam
as recorrentes falhas legislativas na constituição dos serviços substitutivos; seja na não assistência,
quando não torna obrigatória a constituição de serviços comunitários de saúde mental; seja
quando permite a criação de serviços substitutivos, com período de internamento superior a média
existente nos hospitais psiquiátricos; seja ainda na possibilidade dos serviços substitutivos serem
ofertados por hospitais psiquiátricos. (Fernandes, 2016) Esta herança da reforma psiquiátrica
acaba por constituí-la, assim o reparo da atual reforma, como proposto por tantos teóricos, ao
apontarem, como a problemática, a falta de gestão, de recursos, de formação, acabam por serem
infrutíferos, pois as problemáticas postas à reforma psiquiátrica atual não são exceções ou falhas,
mas antes aspectos constitutivos dela.

Conclusões

A leitura realizada aqui nos leva a perceber a influência preponderante do interesse


econômico historicamente na assistência à saúde mental seja no período colonial, momento em
que era mais lucrativo a não constituição de serviços de saúde, no período da chegada da família
real no Brasil, fazendo-se necessário o estabelecimento da ordem e contenção social nas cidades,
em período posterior de privatização dos serviços de saúde e enfim, na atual reforma psiquiátrica
em que sua legislação serviu como justificativa para o Brasil não sofrer sanções econômicas.
Perceber o atual cenário da reforma psiquiátrica resultante de interesses econômicos nos convoca
a buscarmos o novo, para além das formas já dadas da assistência à saúde mental. As pessoas
em sofrimento mental, ou melhor, todos nós, que vivenciamos o sofrimento a partir das vigentes
relações sociais adoecidas, não temos tempo para aprimorar o que tem como base o interesse
econômico, necessitamos nos concentrar na produção de algo que tenha como referencial central
a saúde, a vida.

598  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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600  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ECOS DA IDENTIDADE DE LUGAR DE JOVENS EM
SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL NO
MUNICÍPIO DE TIANGUÁ-CE
Francileuda Farrapo Portela
Patrícia Mendes Lemos

Introdução

A
nossa história é atravessada por um cenário social que está em movimento o
tempo todo. Neste movimento, sofremos transformações e consequentemente,
transformamos a realidade que nos circunda. A identidade, enquanto processo,
é construída com elementos biológicos, sociológicos, fisiológicos e, sobretudo, de como esses
elementos são significados para cada pessoa.
Essas transformações do e no ambiente físico e social são responsáveis pelas construções
subjetivas de nossa identidade e como tais, são fontes de reorganização para a comunidade, de
forma que nossa identidade pessoal corrobora numa identidade social, nos fazendo agentes de
papeis em grupos de diferentes representações como identidade feminina, identidade étnica,
identidade profissional, que vão configurando nosso lugar nos diferentes espaços.
Entender o quanto se precisa de um lugar, de um território, onde podemos nos sentir
pertencentes e apreciadores daquele lugar como parte integral do que somos, é fundamental para
a constituição de nossa identidade e de nossa história.
Na relação com o ambiente existem variáveis que dizem sobre este sujeito que precisa deste
lugar como meio de estabelecimento de relações culturais, sociais e políticas.
A Psicologia Ambiental busca discutir as inter-relações entre o indivíduo e seu entorno físico
e social, sempre levando em conta suas dimensões espaciais e temporais e que, portanto, como
campo científico, tem como seu objeto de estudo o espaço físico e social como construtor de
identidade e, dessa forma, apresenta alguns conceitos importantes para que possamos ter um
olhar especial sobre esse ambiente que é carregado de representações, atitudes, percepções que se
ligam diretamente na dinâmica construção do sujeito que ali vive.
Esta proposta de trabalho se torna relevante porque, enquanto transformadores sociais, os
jovens, conhecendo a construção de sua identidade, podem atuar de forma crítica, transformadora
e consciente em sua comunidade. Para tanto, é importante entender como se configuram as
relações no interior das diversas comunidades, uma vez que estes são os lugares que “escolhemos”
estar e representam o que somos, o modo como nos relacionamos uns com os outros. Portanto,
há que se compreender essa relação entre o território e o que ele comunica sobre as relações entre
as pessoas, sobre a imagem que elas têm de si mesma.
Neste trabalho elegemos como comunidade de análise o bairro Dom Timóteo, que fica em
um espaço relativamente afastado do centro da cidade de Tianguá-Ce, separado geograficamente
por um rio (rio Tianguá) e situado em cima de um morro. Este bairro é popularmente conhecido

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 601


NO ONTEXTO BRASILEIRO
como um bairro de pessoas violentas, de jovens ligados à criminalidade, sendo comum ouvir
discursos negativos sobre o local, tais como: “cuidado ao passar por lá”, “não vão trabalhar nesta
escola porque ela é barra pesa”, “cuidado com as gangues”. O lugar caracteriza-se ainda pela
escassez de políticas públicas, de equipamentos de lazer e cultura, de instituições como igrejas ou
organizações não-governamentais que lhe assistam. Tanto é assim que, um fato como dar aula na
escola do bairro, para alguns professores, mostra-se como um castigo destinado aos opositores
políticos dos prefeitos.
De maneira geral, muitos estudos vêm demonstrando que diante das situações de falta de
empoderamento da comunidade nos aspectos econômicos, sociais, educacionais e culturais, muitas
vezes o lugar se torna inadequado, socialmente, para que um jovem construa sua identidade de
forma saudável.
Foi neste contexto que elegemos como objetivo deste trabalho compreender os processos
de construção das identidades de jovens moradores do bairro D. Timóteo, situado na cidade
de Tianguá, Ceará, considerando o histórico processo de estigmatização social vivido pelos
moradores do bairro.
A constituição do sujeito enquanto objeto de estudo, requer, portanto, o olhar sobre as
condições sociais, históricas e econômicas em que este se insere e as características dos grupos
sociais a que pertence, considerando o conceito de identidade de lugar, que é uma subestrutura
da identidade profunda da pessoa e é constituída por cognições sobre o mundo físico, relativas
à variedade e complexidade dos lugares nos quais ela vive e satisfaz suas necessidades biológicas,
psicológicas, sociais e culturais.
O sujeito precisa ser visto dentro de seu contexto, de sua historicidade, de suas relações e de
seus lugares sociais. A partir dessa visão compreendemos que, como sujeitos em relação, sofremos
influências do mundo que nos cerca, mas não somos apenas influenciados, nos constituímos
numa troca a partir de um meio cultural dinâmico e vivo.
Entendendo essa dimensão cultural do homem, podemos perceber o quanto o sujeito
psicológico é influenciado por essa visão construída social e historicamente.

Método

Esta pesquisa é qualitativa que, segundo Marconi e Lakatos (2007) são pesquisas que se
preocupam em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do
comportamento humano, além de permitirem análises mais detalhadas e profundas acerca da
investigação, como hábitos, atitudes, tendências de comportamento da população investigada.
Esta pesquisa também é de caráter descritivo e exploratório. Descritivo na medida em que pretende
“descrever as características de uma determinada população ou fenômeno” (Gil, 1989, p. 45), e
exploratório uma vez que objetiva proporcionar uma visão geral, aproximativa, de determinado
fato (id. ibid.).
Assumimos com princípio do método as inspirações da pesquisa etnográfica. Guiar-se por
um caminho delimitado pela orientação etnográfica é valorizar o campo com suas interações,
transformações e dinamismo e utilizar métodos que, segundo Herskovits (1963) seguem passos
específicos como: escutar conversas, visitar o ambiente em questão, assistir ritos, observar
comportamentos habituais, interrogar, e isso tudo numa visão de conjunto. Uma perspectiva
etnográfica traz consigo a ampla possibilidade de descrição que está implicada na relação direta
com “as qualidades de observação, de sensibilidade ao outro, do conhecimento sobre o contexto
estudado, da inteligência e da imaginação científica do etnógrafo” (Mattos, 2011, p 54). Esse
caráter amplamente descritivo é viabilizado por instrumentos de pesquisas bem específicos, tais
como observações participantes e entrevistas em profundidade.

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Como instrumentos de coletas de dados utilizamos observações participantes em lugares de
congregação social dos jovens do bairro, tais como: escola, praças, festas religiosas, dentre outras.
A observação participante se apresenta como possibilidade ao pesquisador de olhar, sentir, e
compreender a dinâmica dos processos sociais como se fosse um dos membros do grupo, uma
vez que este se comporta como sendo realmente um deles. Como nos diz Lessard-Hébert, Goyette
e Boutin (2008, p. 155), “na observação participante, é o próprio investigador o instrumento
principal de observação”.
Outro instrumento de coleta de dados utilizado por nós foi a entrevista semi-estruturada,
que é aquela em que “o pesquisador tem liberdade para desenvolver cada situação em qualquer
direção que considere adequada” (Marconi & Lakatos, 2007, p. 279), fazendo uso de tópicos
guias. Um momento fundamental na pesquisa porque possibilitou um contato real com a
dinâmica social e a pluralidade de ideias, foi a roda de conversa que, como técnica de coleta de
dados, prioriza discussões em torno de um tema específico, possibilitando uma aproximação das
práticas cotidianas.
A participação na roda de conversa se deu por meio de convite aos alunos da escola.
Apresentamos, na escola, por meio de uma palestra-contextualização, as propostas da pesquisa e
solicitaremos, dentre os presentes, 10 (dez) participantes que queiram, livremente, participar do
momento de roda.
As análises de dados se pautaram pelas posturas epistemológicas trazidas por Spink (1996) quando
nos fala sobre “práticas discursivas e produção de sentido”. Para a autora, a produção de sentido “é
essencialmente uma prática social, intrinsecamente dialógica e, portanto, discursiva (p. 183)”.
Tudo é processo. O sentido que se dá ao tempo, seja ele o tempo histórico ou tempo vivido (a
emergência do presente), é fruto das interações sociais construídas na dinâmica da historicidade
de cada sujeito. É aqui que entendemos os discursos como práticas e, compreendidos desta forma,
estão na roda da história de fazer/construir/produzir sentidos uma vez que as coisas não tem um
sentido ontológico em si mesmas mas estes são assumidos na complexa teia das relações.

Resultados

O bairro Dom Timóteo está localizado na cidade de Tianguá, município brasileiro


pertencente ao estado do Ceará, situado na microrregião da Serra Ibiapaba, na região norte do
Estado. Inicialmente o bairro recebeu o nome de CIBRAZEM16 por ter se originado e crescido no
entorno das instalações da Companhia Brasileira de Armazenamento - CIBRAZEM.
Este nome ficou bastante associado à violência do bairro, fenômeno que foi característico
deste, fazendo com que CIBRAZEM se tornasse uma adjetivação pejorativa, sinônimo de marginal.
A mudança do nome para bairro D. Timóteo (primeiro bispo de Tianguá) e a instalação de alguns
equipamentos e serviços públicos neste bairro, ajudaram significativamente para o surgimento
de um novo discurso sobre o mesmo, fazendo com que os moradores não mais aceitassem ser
chamados de moradores da CIBRAZEM, num movimento de autoafirmação e reconfiguração de
suas identidades.
O Bairro D. Timóteo é um bairro pobre e seus moradores vivem de bicos, pequenos comércios,
as mulheres trabalham como empregadas domésticas e alguns homens trabalham como pedreiros
e serventes. Nele estão instalados apenas equipamentos públicos básicos: uma escola e um posto
de saúde. O que ainda aparece como ação pública para este bairro é uma quadra poliesportiva,
situada em um lugar pouco habitado, e que, por isso, acaba sendo frequentada mais por usuários

16 Empresa extinta num processo de fusão com outras duas empresas que deram origem Companhia Nacional
de Abatecimento – CONAB. Á época de sua existência, a CIBRAZEM, empresa pública ligada ao Ministério da
Agricultura, era responsável pelo armazenamento de grãos e insumos.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 603


NO ONTEXTO BRASILEIRO
de drogas. No bairro também encontramos as instalações da Célula Regional de Saúde e, bem
recentemente, também ganhou a instalação de uma Policlínica.
Outras realidades institucionais contribuem para a configuração do bairro: a 2ª Cia. do 3º
Batalhão da Polícia Militar, uma Igreja Católica, algumas igrejas evangélicas, um clube de festas,
uma praça com academia ao ar livre. Mas no centro do bairro, onde a maioria dos moradores se
encontra, não há praças, as ruas são mal cuidadas (em relação às condições de higiene e estética
do local) e a iluminação pública inadequada.
Consideramos fundamental registrarmos essas questões, uma vez que elas contribuem para
a construção do clima e da dinâmica do bairro. O espaço físico, mas também os embates, as
trocas, os movimentos de apropriação e apego são componentes dinamizadores dos processos de
subjetividade. Como Sawaia (1995) vai nos dizer:

a cidade, a rua, o prédio, a porta representam modelos de subjetividade enquanto portadores


de história, desejos, carência e conflitos. Cada cidade, bairro, rua, até mesmo cada casa
tem um clima que não advém, exclusivamente, do planejamento urbano e da geografia,
mas, do encontro de identidades em processo – identidades de homens e de espaços. Este
clima perpassa diferentes entidades: eu, corpo, espaço doméstico, etnia, arquitetura. Dessa
forma, os espaços construídos formam discurso e manipulam impulsos cognitivos e afetivos
próprios (Sawaia, 1995, p. 21).

A forma como essas relações são vividas pelos jovens com quem tivemos contato, parece
ter um peso social bastante significativo. No primeiro encontro com os mesmos, quando
fomos explicar os objetivos da pesquisa e perguntá-los quem gostaria de participar, muitos não
demostraram interesse e quando perguntamos o motivo do desinteresse, algumas falas deram
o tom do envolvimento e dos afetos: “a maioria não se interessa pelo assunto, pelo bairro” (José, 14
Anos); “não querem participar pra não levar uma furada”17 (Cris, 15 Anos); “acham que pensar o bairro é
uma perca de tempo” (Luiz, 13 Anos). Os que decidiram participar demostraram ter aceitado por se
preocuparem com o bairro e ter um lugar para pensar sobre ele, por curiosidade, troca de ideias
e saber a opinião dos outros e dar suas próprias, num movimento de apropriação e engajamento
deste lugar que ao se tornar seu, assume tons de implicação.
De forma geral, os jovens demonstraram reconhecer este espaço e sentirem-se pertencentes
a ele. Para eles o bairro é “um lugar legal, bom de viver, apesar das influências de pessoas que querem levar a
gente para o mau caminho. As pessoas, os lugares, como a Igreja, a escola, fazem com que o bairro seja um lugar
legal” (Luiz, 13 Anos).
O primeiro tema da nossa roda de conversa foi sobre “o bairro e suas representações”. De
maneira geral, suas casas, a Igreja e a Escola foram apresentadas como representações do bairro
que os jovens relacionam como lugares de vivência e cuja importância reside no fato de estes,
atribuírem um certo poder de transformação à estes lugares. Vejamos um pouco da materialização
disso nos desenhos feitos como motivadores das rodas de conversa quando pedimos para eles se
expressarem sobre seu bairro.

17 Neste momento os alunos riem, numa espécie de confirmação da realidade que, de tão dolorosa, buscam suavizar
em risos (Diário de Campo,18 de maio de 2017).

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Discussão

Deteremo-nos um pouco em analisar o Desenho 1 confeccionado pelos jovens, e tão somente


isso - contemplar, se faz tão importante para nós neste trabalho que concordamos com Bomfim
(2010) quando nos fala que:

Os desenhos e metáforas são recursos imagéticos reveladores dos afetos que, juntamente
com a linguagem escrita dos indivíduos pesquisados, nos dão um movimento de síntese do
sentimento. O desenho é a criação de uma situação de aquecimento para a expressão de
emoções e sentimentos e a escrita traduz a dimensão afetiva do desenho. As metáforas são
recursos de síntese, aglutinadores da relação entre significados qualidades e sentimentos
atribuídos aos desenhos (p. 137).

Mas os desenhos também apontam para as configurações representativas de referências de
si. Eles entendem que certos lugares tanto oferecem segurança e colaboram com seus projetos
de vida, como também contribuem para a construção do bairro que eles gostariam de morar.
Vejamos o que dizem os jovens:

A Igreja representa muito o bairro. Você sabe que hoje em dia o mundo tá vivendo uma
crise muito grande. Os jovens hoje não estão mais ligados ao que verdadeiramente a gente
quer que eles estejam ligados. Ou seja, eles não querem mais saber do futuro deles. Eles só
querem saber de brincar. E essa Igreja representa o bairro porque hoje em dia ela convida
muitos jovens a participar. Nós criamos muitos grupos de jovens. Porque a gente tá vendo
que muitas coisas no bairro... que... às vezes tem muita violência no bairro. E o que a gente
quer? A gente quer levar muitos jovens pra lá pra eles saberem como evitar isso. Ela tenta
tirar os jovens deste mundo para ele não se deixar influenciar pelo que o bairro tem a oferecer
(José, 14 Anos).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 605


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Igreja surge como sinônimo de participação, engajamento, transformação. Para além de um
discurso religioso, proselitista ou catequético, o que nos pareceu foi que se tratava de um lugar
de reconhecimento que possibilita a construção de um percurso individual e coletivo diferente do
que eles sentem e vivem. Os jovens demostram grande preocupação e desejo de mudar o bairro.
Eles acham que, dentre os problemas estruturais encontrados, o mais gritante é a violência. Eles
acham que “o bairro tem que mudar só nisso, na violência. Que o bairro tenha mais compreensão, amor, paz e
harmonia” (Tatiana, 15 anos).
Os jovens deste bairro, ou os jovens constituintes da amostra desta pesquisa, demonstram
forte desejo de que suas histórias não sejam marcadas e afetadas pela antiga e histórica imagem
a partir da qual o bairro foi construído no que toca a questão da violência. Embora este bairro,
na fala dos jovens, já tenha melhorado significativamente quanto a isso, o fenômeno ainda está
presente, limitando suas ações livres e as marcas que ela deixa os estigmatiza significativamente.
Isso tudo aponta para uma construção do ser jovem deste bairro. Existem jovens que
desejam pensar seu lugar, não negando sua pertença, mas transformando-a e se transformando,
por meio da experiência sensível. Como nos diz Lane (1994)

Emoção, linguagem e pensamento são mediações que levam à ação, portanto somos
as atividades que desenvolvemos, somos a consciência que reflete o mundo e somos a
afetividade que ama e odeia este mundo, e com esta bagagem nos identificamos e somos
identificados por aqueles que nos cercam (p. 62).

Entre afetações e resistências, estes jovens, e tantos outros deste bairro, constroem suas
identidades de lugar que, como nos afirma Ponte et. al. (2009), por meio de um processo de
apropriação e significação dos espaços e das vivências, numa construção de um autoconceito
que se originam das/nas experiências relacionais com o outro para a construção também do que
entendemos por Identidade de Lugar (Fernandes et al, 2005). Eles também estabelecem uma
relação com a cidade. Eles são moradores dela. Deslocam-se por ela, vivem e carregam o peso
dos olhares e a necessidade de sempre reafirmarem quem são por morarem onde moram. Ao
mesmo tempo em que se apropriam do lugar onde moram para si constituírem subjetivamente,
eles precisam se diferenciar ou explicar que não são como alguns moradores do bairro. O
processo de subjetividade destes jovens é afetado por um movimento de adjetivação referido por
eles: violentos; o bairro só faz coisa ruim (numa indissossiabilidade entre espaço e as pessoas),
ignorante em todos os sentidos, sem educação.
Neste sentido é que nos pomos a pensar no lugar que ocupa o outro. Para Duarte, Pinheiro
e Cohen (2012)

o lugar do Outro permite que conheçamos um pouco sobre o nosso próprio lugar. Permite
acolher o que nos é diferente e reconhecer a nós mesmos como integrantes de uma sociedade
urbana, representada pelas ambiências que desnudam nossas sensações. A alteridade permite
nos posicionarmos diante da nossa identidade com a cidade em que vivemos, decapitada de
seus marcos ou dilacerada por inúmeras intervenções (p. 7).

Foi possível perceber como o processo de apropriação, necessário para as configurações
identitárias, se tornam complexos e dolorosos, uma vez que implica um duplo movimento de
identificação e rejeição para com o lugar onde se está inserido. Pol (1996) afirma que “as
pessoas, individualmente ou de forma coletiva, necessitam identificar territórios como próprios,
para construir sua personalidade, estruturar suas cognições e suas relações sociais, e ao mesmo
tempo suprir suas necessidades de pertença e de identificação” (p. 50).

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Considerações Finais

Pudemos perceber que há um real sentimento de pertença ao bairro que, embora


questionado, apresentados por outrem como ruim, figura na fala dos jovens como seu lugar. Há
reconhecimento e um reconhecimento autoafirmado, que busca deslegitimar qualquer discurso
estigmatizante e pejorativo de suas identidades. Aquele lugar não é para aqueles jovens o mais
perfeito do mundo. Mas que lugar teria tais atributos? No entanto é o lugar deles. Por ele, são
capazes de muitas coisas porque, ao pensarem, se inquietarem e sonharem com um lugar melhor,
o fazem como meio de serem eles mesmos melhores.
As marcas mais sentidas, mais doídas e mais propulsoras encontram-se no olhar/fala/
distanciamento/rotulação dos outros sobre os moradores deste lugar. Indignação, inconformidade,
contestação, desejo de mudança. Estas eram as ações que advinham das reflexões feitas pelos
jovens quando memoravam o que deles diziam. Daí a força propulsora da alteridade que, nesta
pesquisa, e em tantas outras, se constitui como agente dinamizador dos processos de compreensão
das subjetividades.
Há desejo de enfrentamento. Há pertença e coragem de dizer que vai ser diferente, de
fazer a diferença. No entanto, há uma fragilidade quanto aos processos de participação que,
em nossa opinião, não reside necessariamente nos jovens, mas em dificuldades específicas como
a representação de um lugar depreciativo, onde não se sentem cidadãos dignos de destituir os
discursos que deslegitimam seus direitos, para num movimento de autoafirmação e resistência,
construir alternativas reais de exercício e desfrute de sua cidadania. Esta fragilidade também toca
a sociedade civil, os movimentos sociais e autoridades governamentais, já que estes devem ter o
compromisso ético-político de gerar espaços de participação e empoderamento.

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FOTOGRAFIA COMO MÉTODO E OBJETO NA PESQUISA
PSI: NARRATIVAS E MEMÓRIAS AUTOBIOGRÁFICAS A
PARTIR DE IMAGENS VIRTUAIS
Jéssica de Souza Carneiro
Idilva Maria Pires Germano

Introdução

A
s transformações culturais, econômicas, técnicas e políticas da modernidade
implicaram grandes mudanças não somente no processo de construir memória, mas
nos próprios conteúdos passíveis de serem “capturados” pela memória. A própria
concepção de tempo e, portanto, de memória e narrativa sofreram modificações profundas com
a adesão às novas tecnologias, sobretudo as do olhar. O aparato perceptivo do “homem urbano-
moderno” mudou significativamente com a massiva utilização dos recursos fotográficos, abrindo
portas a novas narrativas, novas competências de linguagem, mudanças na discursividade e nas
possibilidades estéticas de viver o mundo e recordar-se dele (Eckert & Rocha, 2001).
Muitos estudiosos têm se proposto a entender as novas dimensões do uso das imagens no
universo cibernético, assinalando problemas tais como as mudanças nas performances sociais
dos indivíduos no que tange ao uso da fotografia, e ressaltando novos mecanismos de interação
social, de autorrepresentação e de gerenciamento da imagem adotados pelos usuários dessas
plataformas virtuais (Hum, Chamberlin, Hambright, Portwood, Schat, & Bevan, 2011; Van House,
2009; Wilson, Gosling, & Graham, 2012).
As maneiras como os usuários da web começaram a utilizar a fotografia na rede imitavam
o uso que já era feito fora dela: registrar momentos especiais, datas comemorativas, rituais de
passagem e até mesmo autorretratos. Todavia, a partir da digitalização da imagem, reconfigurou-
se a forma de guardar fotos que alteraria dali em diante a forma como nos relacionamos com
imagens e com o mundo ao nosso entorno.
Com a evolução dos aparatos tecnológicos – não apenas as câmeras fotográficas, mas
computadores pessoais e posteriormente dispositivos móveis como smartphones e tablets –, a
própria fotografia passa a ser produzida com a intenção de ser compartilhada senão imediatamente,
num momento posterior muito breve. Esta nova forma de uso, ainda que pareça simples, modifica
os já estabelecidos papéis da fotografia enquanto instrumento de documentação, de registro e de
memória.
Com o hábito cada vez maior de compartilhar momentos vividos através de imagens – os sites
de redes sociais (SRS) (Recuero, 2009) e aplicativos móveis voltados para o compartilhamento
de fotos são bons exemplos disso –, a função de “arquivar a memória”, atribuída à fotografia
durante muito tempo, perde sua primazia quando pensamos em seus usos na internet, de uma
forma geral. Van Dijck (2007, 2008) nos deixa claro que a fotografia digital não erradicou a
função de guardar a memória da câmera fotográfica, tão presente em sua era analógica. Pelo

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 609


NO ONTEXTO BRASILEIRO
contrário: a função de “guardar” lembranças do passado reaparece na natureza interconectada e
distributiva da fotografia digital, visto que muitas imagens são enviadas através da rede e acabam
armazenadas em algum ambiente digital, sejam nos próprios dispositivos móveis, seja na nuvem.
As câmeras, portanto, cada vez mais servem como ferramentas para mediar as experiências
cotidianas, e menos para rituais e momentos cerimoniais.
Mas que mudanças são essas que se dão entre as fotografias, as narrativas de si e a memória
autobiográfica no ciberespaço? Enquanto a fotografia analógica se destinava a um consumo
muito mais doméstico, a fotografia digital, sobretudo na era das plataformas virtuais, rompe as
paredes do ambiente familiar para habitar a memória de inúmeras outras pessoas com as quais
o usuário se relaciona através da rede. Compreendemos a imagem fotográfica como um agente
mediador de experiências e de relações sociais, que implica uma atuação não apenas no campo
estético ou plástico, mas na organização de experiências, no retorno a momentos passados e,
sobretudo, na construção de memória e de narrativa (Sibilia, 2008; Roberts, 2011).
Para Bergson (1896/2010), a memória constituía-se como o ponto de interseção entre o
indivíduo-consciente e o objeto-a-ser-conhecido, tornando a cognição deste objeto alcançável
pelo (re)conhecimento, portanto percebível e memorável. Opondo-nos a uma concepção
individualista/autônoma da memória, a qual investiga a influência do coletivo sobre o indivíduo,
preocupamo-nos substancialmente com os processos de (re)conhecimento, lembrança e
esquecimento atribuídos à memória (Bergson, 2010).
Desta maneira, este trabalho propõe-se a entender como as fotografias compartilhadas
online atuam sobre a produção de memórias autobiográficas, com efeitos sobre as atuais
formas de narração de si e, principalmente, a relação que estabelecem com as narrativas mestras
(Lyotard, 1986) e os processos de subjetivação na contemporaneidade. Em outras palavras,
procuraremos entender como as novas formas de fazer imagens digitais (principalmente aquelas
que são produzidas para serem compartilhadas) operam na forma como os usuários “guardam”
memórias e usam a fotografia para construí-las, forjando concepções de passado-presente-futuro
a partir da imagem que foi midiatizada – ou seja publicada nos SRS.
Apontaremos, assim, quais novos papéis a fotografia digital assume nos ambientes virtuais
e, mais especificamente, buscamos compreender: a) os atuais usos da fotografia nos sites de redes
sociais a fim de analisar os novos efeitos que essa produção fotográfica contemporânea produz
sobre a memória autobiográfica; b) como as memórias autobiográficas ativadas pela fotografia
digital produzem narrativa(s) de si.

Método

Neste trabalho, adotou-se uma pesquisa empírica de caráter primordialmente qualitativo.


De tipo exploratório e analítico, o estudo se divide em duas etapas, conforme descreveremos
abaixo, e que visam dar conta da interface entre fotografia e produção da memória. A tabela 1
sumariza as 2 etapas gerais da pesquisa:

Tabela 1
Resumo das etapas empíricas da pesquisa.

ETAPA I (Construindo o universo de pesquisa e o corpus empírico)


Seleção de participantes. Delimitação do corpus de pesquisa e aplicação do questionário semi-estruturado
digital para validação dos dados
ETAPA II (Analisando as fotografias pessoais dos usuários)
Seleção de participantes para etapa 2. Coleta das fotos publicadas no Facebook dos respondentes
Fonte: acervo próprio.

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Com vistas a entender como as fotografias digitais de cunho pessoal compartilhadas no
Facebook atuam na construção da memória autobiográfica, com efeitos sobre as atuais formas
de narração de si, foram selecionados informantes que atendam aos seguintes critérios: a)
ser usuário cadastrado no Facebook, b) ter entre 18-24 anos, c) ter pelo menos 3 fotografias
publicadas na rede. Os três critérios justificam-se respectivamente em razão de: 1) o Facebook ser
o mais importante site de rede social atualmente no país (Comscore, 2015); 2) a faixa etária de
18-24 anos ser a que mais despende tempo no Facebook, representando 54,4% do total, segundo
estatísticas do Emarketer (2015); 3) as fotografias serem o tipo de conteúdo mais veiculado na
rede social, com 68% de tudo o que é publicado.
O instrumento aplicado a estes sujeitos consistiu em um questionário semiestruturado
digital e compartilhado online, trazendo questões que abordam 1) hábitos e contextos da
produção fotográfica digital e 2) relações entre a fotografia digital e a memória autobiográfica,
no contexto dos SRSs. A análise qualitativa do material dividiu-se entre as respostas dadas no
questionário e suas fotografias. O questionário buscou selecionar os sujeitos que se encaixassem
no perfil delimitado, alcançando um total de 31 questionários respondidos – que representou o
número mínimo estipulado mais um –, número com o qual acreditamos ter garantido uma maior
diversidade de informantes nos sujeitos da pesquisa.
Visto que este estudo qualitativo não busca representatividade amostral,a escolha dos 31
respondentes (codificação e análise de imagens) justifica-se como recorte do corpus intencional
e por conveniência, dado o baixo número de pesquisadores disponíveis para contribuir com a
pesquisa, bem como as limitações de coleta e tratamento dos dados.
Com esta divisão em seções, procuramos respectivamente: 1) identificar os sujeitos que se
encaixam em nosso recorte do corpus empírico; 2) compreender em que medida os usuários se
utilizam das fotografias para construir versões sobre si e sobre sua trajetória, identificando como
a imagem pode contar sobre sua história ou parte dela a partir das memórias autobiográficas
geradas na plataforma digital; 3) identificar se as mudanças de materialidade das fotografias
(antes analógicas, e hoje digitais) interferem no modo como lidamos com as percepções de
passado e construção de memória dos usuários do Facebook, bem como se há uma preocupação
no armazenamento do registro para acesso posterior, além de tentarmos analisar como de fato os
respondentes lidam com os registros de memória e se existe uma preocupação no armazenamento
e no acesso futuro, visto que, se apagadas, essas fotografias jamais poderiam ser revistas.
O questionário foi estruturado e aplicado digitalmente através da ferramenta “formulários”
do Google Docs, posteriormente disponibilizado de forma pública através da publicação do link
nos canais de divulgação. Para tornar o formulário público e obter o número mínimo de 30
informantes, o instrumento foi aplicado estritamente pela internet e amplamente divulgado no
perfil pessoal da pesquisadora no Facebook, em grupos do Facebook que acolhem pesquisas
acadêmicas semelhantes, por e-mails dos contatos conhecidos de âmbito acadêmico e profissional
e por listas de discussões de e-mail.
Antes de responderem o questionário, os interessados concordaram com o termo de
consentimento livre esclarecido constante no próprio instrumento, através de um link que
direcionou o usuário ao documento referido. Apenas foram utilizados os questionários em que o
respondente deu o aceite neste procedimento. As respostas coletadas neste questionário foram
devidamente cruzadas e analisadas com o objetivo de entendermos algumas percepções desses
sujeitos acerca da produção de fotografia compartilhada no Facebook. O instrumento ficou
disponível por 6 semanas.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 611


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Resultados

Procuramos analisar em que medida os jovens desta faixa etária específica (18 a 24 anos),
com um perfil muito semelhante (jovens com elevado grau de escolaridade e participantes ativos
dos SRS), usam a fotografia destinada prioritariamente ao compartilhamento e se eles fazem
o uso do “compartilhamento  pelo compartilhamento”, em que as questões da manutenção
das lembranças ficam sempre em segundo plano, senão olvidadas; em outras palavras, se eles
partilham um conteúdo apenas por partilhar ou se este conteúdo (no caso, as fotografias) é
partilhado por tratar-se de uma lembrança importante. Tal fenômeno refletiria novas formas
de guardar lembranças e construir versões do passado, sobremodo distintas daquelas na era
analógica e até mesmo anterior à adesão significativa aos SRS.
No questionário, procuramos discutir:  i) como as mudanças de materialidade das fotografias
(antes analógicas, e hoje digitais) interferem no modo como lidamos com as percepções de
passado e construção de memória dos usuários do Facebook; ii) se há uma preocupação no
armazenamento do registro para acesso posterior, além de tentarmos analisar como de fato os
respondentes lidam com os registros de memória e se existe uma preocupação no armazenamento
e no acesso futuro, visto que se apagadas, essas fotografias jamais poderiam ser revistas.
Dito isto, uma das questões do questionário (“Você tem o costume de revisitar as fotos
antigas que estão publicadas no seu Facebook?”) procurou investigar se, de alguma forma,
os participantes da pesquisa mantinham no Facebook o hábito cultivado na era analógica da
fotografia, em que as fotografias tinham como único destino os álbuns empoeirados das estantes
de casa. Ao perguntá-los acerca disso, nossa hipótese era de que esses jovens não mantinham mais
tal hábito, uma vez que seu objetivo principal ao publicar fotografias no Facebook era receber
feedback positivo dos amigos, deslocando um pouco a fotografia do lugar de perpetuação da
memória. Para nossa surpresa, 30 dos pesquisadores afirmaram ainda revisitar as fotografias
antigas em seu Facebook, enquanto apenas 1 pessoa negou o hábito.
Muito mais que entender se estes jovens reproduziriam o hábito analógico de revelar as
fotografias, e se eles(as) estavam preocupados ou não em perder todas as suas fotos já publicadas
no Facebook, interessava-nos saber o que aquelas fotografias representavam e a importância que
lhes era atribuída. Desta maneira, em outra questão perguntou-se na questão por quê eles(as)
as revelariam. A resposta do R23 sintetiza bem o que, de maneira geral, os sujeitos pesquisados
concordam:

É bem mais significativo ter a foto em papel, parece que fica mais real e me lembra quando era mais
nova, o desejo de colar no caderno, na geladeira, colocar num porta-retratos e como hj
tudo ficou muito descartável essas lembranças passam com os seus megabytes pra lixeira e são
esquecidas (Respondente 23, 2015; grifo nosso).

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Figura 1. Colagem com fotos agrupadas pelo tema carreira/profissão
Fonte: acervo próprio

A figura 1 mostra o grande tema da carreira/profissão presente nas fotografias publicadas. A


tinta fresca do calouro que acaba de ingressar e o microfone do jornalista são símbolos de uma
trajetória que está sendo trilhada com muita dedicação. A bata e a cerimônia de conclusão de
curso traduz a satisfação/orgulho – sentimentos muito identificados às imagens do corpus empírico
que tematizam carreira/profissão –  e que, claro, sintetizam uma das maiores vitórias conquistadas
pelos jovens de 18-24 anos. O relato de R7 sumariza este sentimento, ao descrever o que essa foto
e aquele momento significou:

Essa foto retrata um dos dias mais felizes da minha vida, a concretização de um sonho! O dia da tão
esperada por mim e meus familiares, minha formatura. Nesse dia estava muito feliz, pois
finalmente consegui, a partir desse dia podia dizer que era enfermeira (Respondente 7, 2015;
grifo nosso).

Tanto a carreira quanto o exercício da profissão estão entre os aspectos do curso de vida
individual bastante tematizados nas imagens compartilhadas no Facebook. Isto se deve ao fato
de a fotografia, enquanto recurso narrativo, ser capaz de captar de falar não apenas sobre como
nos vemos hoje, mas de que maneira queremos ser reconhecidos, além de revelar projeções sobre
quem somos e quem pretendemos ser (Ribeiro, 2009). Conforme aponta Roberts (2011), ao
sermos convocados a narrar nossas fotografias – ou seja, falar quais impressões de passado temos
a partir de uma ou várias imagens –, podemos assumir diferentes formas de falar sobre ela, sendo
não necessariamente de uma forma sempre sequencial, linear e cronológica. A cada vez que somos
chamados a reviver uma experiência passada através de uma foto, acessada pelo relato narrativo,
reconfiguramos nossas próprias noções de passado e de nós mesmos.
Interessou-nos falar, a partir dos resultados aqui elicitados, a forma com que os respondentes
correlacionavam as fotografias e as lembranças decorrentes e os fatores que os impulsionaram
a publicá-las, permitindo-nos analisar as principais temáticas abordadas na imagem em SRS
– levando em conta esse recorte de pesquisa –, e de que maneira narrativas autocentradas e
narrativas mestras se cruzam nessa composição autoral e coparticipativa.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 613


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Discussão

A fotografia, ao mesmo tempo que inventiva e autoral, também repete e reproduz modelos
de vida que devam ser perpetuados, copiados, (re)fabricados, multiplicados e distribuídos
(Eckert & Rocha, 2001). Assim, os registros fotográficos a que temos acesso hoje e que atuam na
manutenção e construção da memória visam produzir formas de guardar o passado específicas,
que retratam um ethos social marcadamente contemporâneo. Não precisamos ir muito distante:
basta pensarmos que tipos de fotografias escolhemos guardar em um álbum de família ou
pendurar na parede, e quais fotografias elegemos para representar aquilo que acreditamos ser, ou
que valores prezamos.
Apostamos que a produção fotográfica contemporânea opera novos efeitos sobre a forma
como construímos nossas lembranças e nosso passado, portanto sobre quem somos, sobre como
narramos nossas biografias e como reivindicamos o reconhecimento do outro. Apontamos que
a forma de produzir, armazenar e socializar uma fotografia afeta diretamente as recordações que
são produzidas de um momento vivido. A produção fotográfica endereçada prioritariamente ao
compartilhamento reflete novas formas de guardar lembranças e construir versões do passado,
sobremodo distintas daquelas na era analógica e até mesmo anterior à adesão significativa aos SRS.
Procuramos verificar de que forma os sentimentos elencados pelos participantes do estudo
eram correlacionados às fotografias apresentadas. Pudemos perceber que determinadas situações
vividas pelos sujeitos – como exemplo, a vivência da carreira e/ou profissão – pareciam ser sentidas
e encaradas de formas semelhantes – geralmente, com muito orgulho e satisfação pelas conquistas
profissionais –, levando-nos a inferir que os sentimentos trazidos por eles ao falar sobre as imagens
têm relação não apenas com a forma pessoal com que encaram determinado momento da vida,
mas também com um modo culturalmente disseminado de enxergar e de sentir tal momento.
Os reflexos que estas novas práticas incidem sobre a memória autobiográfica mostram-se
exatamente na mudança de enquadramentos, de conteúdos e de estética destas imagens que
agora permeiam os ambientes digitais. Deste modo, entende-se que se podem ler as imagens
autorreferentes dispostas nos sites de redes sociais como artefatos que remetem às biografias
de quem as publicou, mas também como documentos importantes sobre formas dominantes de
pensar, sentir, dizer – e também recordar – em curso na atualidade.
No tocante a como as memórias autobiográficas ativadas pela fotografia digital constroem
narrativas de si, argumentamos que as fotos coletadas neste estudo negociavam modos de
falar sobre si inspirados não apenas na história de vida individual dos jovens pesquisados, mas
perpassados modos de ver(-se), ser e sentir predominantes e hegemônicos.
Ao analisarmos as imagens, fomos tomados pela desconfiança de que as maneiras como as
pessoas se apresentam e falam sobre si são também normatizada ou prescrita por alguns valores
que estão presentes o tempo inteiro em nossas sociabilidades, mas que sequer nos damos conta
de que os estamos reproduzindo. Tais prescrições são tão bem incorporadas que as assumimos
como sendo parte constituinte de quem somos.  
As fotografias do Facebook, ao mesmo tempo em que falam de momentos e experiências
tidas como inesquecíveis pelos jovens pesquisados, remetem a outras narrativas que atravessam
as imagens e as histórias das pessoas sem que sequer percebamos. A memória, ainda que
autobiográfica e individual, é também história – sendo assim capaz de falar a respeito não só
de um indivíduo, mas de toda uma sociedade – porquanto acolhe narrativas mestras que são
negociadas pelos sujeitos em suas narrações autobiográficas.
Foi possível detectar que a instantaneidade não parece ser o aspecto mais presente nem o de
maior importância quando se trata de fotografias no Facebook. Vemos fotografias recheadas de
história e de sentimentos e que custaram aos usuários tempo para serem selecionadas, editadas
e compartilhadas a fim de contarem alguma parte de suas histórias, ainda que sem os detalhes,
nem a história anterior que as levaram a ser publicadas.
Porém, ainda assim as fotos que são produzidas com a prioridade e fins de serem em primeiro
lugar compartilhadas online fabricam uma lembrança de passado – embora mais efêmera e fugaz

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– emoldurada pelos cenários, pelas contingências e prescrições socialmente sedimentadas. Ao
elaborar um enquadramento ao invés de outro, ao escolher compartilhar um momento através da
imagem ou não, estamos selecionando que versões das nossas histórias e experiências queremos
contar.
Mais do que uma ferramenta para alguém ser aceito e incluído em um círculo social
específico, a fotografia no âmbito dos sites de redes sociais opera como uma narrativa, porém mais
fragmentada, desruptiva, descontínua, em que cada versão de presente dialoga com incontáveis
versões de passado, dadas as suas similaridades “imagéticas” (Arantes, 2014).
Criam-se ambientes virtuais em que se é preciso falar de si para viver e viver para falar de si;
em outras palavras, esses espaços de interação online permitem que o sentido de viver experiências
esteja em poder falar sobre elas ou registrá-las. Logo, falar e registrar as experiências, seja através
do relato autobiográfico ou de artefatos de memória, é também falar sobre si.  Neste espaço de
interações e constantes atualizações, os participantes destas comunidades virtuais demonstram
na vontade de ver e de ser visto uma maneira de comunicação com o mundo, de autoconhecimento
e autoconstrução.
Assim, o uso do Facebook, além de tornar públicas as fotos partilhadas em rede, apresenta-
se como uma forma de dar conta de um processo de autoformação e autocompreensão – uma vez
que as imagens também se ocupam destas práticas –, além de revelar o modo como as pessoas
percebem a si e reivindicam reconhecimento (Dubois, 2012; Delory-Momberger, 2006). Em outras
palavras, as fotos legitimam e reafirmam as lembranças que deliberadamente decidimos manter de
eventos ocorridos.  Tanto as narrativas pessoais quanto as narrativas mestras interferem no relato
autobiográfico e, por consequência, nos artefatos de memória que perpetuamos e reproduzimos.
A metodologia proposta tentou dar conta tanto dos relatos escritos quanto da análise da
imagem, tentando perscrutar de que forma textos visuais e verbais fornecem juntos subsídios para
uma análise de cunho mais antropológico e social. Ao montar e desmontar as histórias construídas
por meio dos questionários e das fotos, examinamos de que forma a análise das autonarrativas
permitiam também uma análise de ordem social do momento contemporâneo.
Todavia, esta metodologia não pôde dar conta de analisar todos os fatores contingenciais
que possibilitaram a produção de tais imagens, tampouco de explorar com mais profundidade
a história de vida dos jovens participantes da pesquisa, impossibilitando uma possível costura
entre suas histórias, os relatos disponibilizados pelo questionário e as fotos escolhidas.
Além disso, o curto tempo disponível para a realização da pesquisa, bem como o baixo número de
pesquisadores, limitou os achados da pesquisa e o tratamento de seus dados, ao mesmo tempo
em que lança luz para que novas pesquisas nesse sentido sejam feitas.
Ademais, objetivou-se investigar como as novas formas de organizar as “lembranças” e
narrar-se a partir de fotografias, possibilitadas primordialmente pela colonização digital, criam
novos processos de subjetivação, de memória e de percepção de si. Em última instância, tentamos
deslindar em que pontos as imagens e seus relatos derivados reproduzem aspectos culturais,
ideológicos e políticos da sociedade em que estão inseridas – uma sociedade predominantemente
imagética – e como estes aspectos imbricam-se na constituição do sujeito. Ou seja, os atuais usos
e práticas da imagem podem revelar não apenas aspectos de uma trajetória pessoal dos sujeitos,
mas também narrativas mestras que enfatizam determinados valores em detrimento de outros
(Dubois, 2012; Samain, 2005).
Por fim, suspeitamos que o fazer fotográfico na contemporaneidade, ainda que autoral
e pessoal, é também produto de uma estrutura histórica e sociocultural anterior à nossa breve
existência. Esse trabalho surge como uma provocação e um incentivo a uma reflexão crítica de
nossa atuação nas plataformas digitais, a fim de questionarmos sempre as práticas mais cotidianas
e ordinárias com a percepção aguçada de que em todas e quaisquer relações – sejam elas entre
o eu e o outro, sejam uma relação consigo – existem sempre camadas invisíveis que aguardam ser
vistas, problematizadas e descontruídas com o olhar incomodado do pesquisador.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 615


NO ONTEXTO BRASILEIRO
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616  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PESQUISADORES E GRUPOS DE PESQUISA SOBRE
INFÂNCIA NO DIRETÓRIO DE GRUPOS DO CNPq
Maria Sandra dos Santos

Introdução

A
linha de pesquisa em processos psicossociais reúne pesquisadores/as que se dedicam
ao estudo de processos psicossociais e culturais por meio de diversas abordagens
teóricas, metodológicas e da interdisciplinaridade. Sendo assim, desenvolvem
pesquisas relacionadas às temáticas da infância, juventude, família, gênero, política, modos de
subjetivação e intervenções em Psicologia.
Integro o grupo de pesquisa Epistemologia e Ciência Psicológica, da Universidade Federal de
Alagoas - UFAL. O grupo de pesquisa é liderado pela Profa. Dra. Adélia Augusta Souto de Oliveira
e Profa. Paula Orchiucci Miura junto aos integrantes do curso de graduação e pós-graduação em
Psicologia desta mesma universidade. Este se subdivide em duas linhas: Sofrimento Psíquico em
Grupos Vulneráveis e Sujeito e Realidade nas Teorias Psicológicas. Desse modo, contribuem na
construção do planejamento e execução desta pesquisa, visto que está respaldada nos mesmos
referenciais teórico-metodológicos, tomando como base a perspectiva da teoria sócio-histórica
de Vygotsky (1991).
Sabe-se que as pesquisas qualitativas possibilitam um mergulho complexo nas concepções
de sujeito, pensando e construindo saberes que estejam em acordo com os aspectos éticos
estabelecidos e incorporados. A pesquisa em processos psicossociais permite certa variação no
uso de métodos e abordagens, visto que parte de uma busca em conceber o sujeito e as questões
psíquicas e sociais que o circundam.
O processo descritivo dos fenômenos durante o percurso realizado de modo coletivo entre o
pesquisador e os participantes da pesquisa, trata-se da construção de discussões explicativas, que
direcionam diversos olhares de compreensão, reflexão e ressignificação aos fenômenos humanos
estudados. É de suma importância considerar os contextos psíquicos, sociais, culturais e históricos,
envolvidos neste processo para alcançar os objetivos elencados no início do desenvolvimento da
pesquisa qualitativa (Freitas, 2002).
A temática da infância é um campo de estudos da psicologia tanto quanto é de outras áreas,
e isso nos permite identificar diferentes posicionamentos teóricos e metodológicos na investigação
desse fenômeno. Como aponta Canuto (2017) em sua pesquisa sobre o conceito de infância em
artigos brasileiros de psicologia, onde se observa a partir de seus resultados que mesmo dentro de uma
única área de conhecimento, a psicologia, há uma grande diversidade de perspectivas acerca do
mesmo fenômeno. Seus resultados também apontaram que:

A análise empreendida nos artigos demonstra que ainda há uma predominância na


concepção de infância como etapa do desenvolvimento na psicologia. No que diz respeito ao

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 617


NO ONTEXTO BRASILEIRO
método, ressalta-se que alguns autores dos artigos analisados demonstram a preocupação,
reconhecida a nível internacional, sobre o abafamento da voz das crianças nas pesquisas.
Porém, poucas pesquisas dos artigos analisados recorrem diretamente à fala da criança.
(Canuto, 2017, p. 171).

Tal constatação reforça o interesse em perceber como, em um período de tempo e em um


banco de dados diferentes, o conceito de infância está sendo concebido pela psicologia no Brasil.
Esta pesquisa objetiva sistematizar conhecimento produzido nos Grupos de Pesquisa
e pesquisadores que tratam da infância no âmbito da psicologia no Brasil. Assim como
especificamente conhecer o diretório dos grupos de pesquisa no Brasil disposto no portal do CNPq
(Conselho Nacional de Pesquisa); identificar os grupos que tomam a infância como temática de
pesquisa; identificar os pesquisadores líderes e suas produções; descrever a produção dos grupos
e dos pesquisadores; e identificar aspectos teóricos e metodológicos da produção.

Método

Trata-se de uma metassíntese e deve ser estruturada de modo a favorecer o caráter


processual da investigação. Nesse caso, torna-se necessário a delimitação de etapas sequenciais e
complementares (Bastos, 2014; Trancoso, 2012).
Foi feita uma exploração no banco de dados do CNPq, no diretório de grupos; com
posteriores fases de cruzamento, objetivando a redução e refinamento da amostra, seguida da
etapa de refinamento. A seguir, realiza-se a descrição dos dados do diretório de grupos, e, por
último, a fase de interpretação que, segundo Canuto (2017) é a fase que possibilita lançar um
olhar, em perspectiva, para o que foi apreendido no encontro entre as informações obtidas, e
realizar propriamente a metassíntese.
Exploração → Corresponde ao momento de busca dos estudos nas fontes selecionadas.
Para tanto, faz-se necessário uma definição e uso de descritores de busca ou palavras-chave que
tenham a capacidade de localizar documentos pertinentes ao objeto de investigação (Bastos,
2014). Esta etapa caracteriza-se pela definição e busca dos grupos de pesquisa que constituirão o
corpus inicial da pesquisa. Nesse sentido, o recorte utilizado, nesta busca inicial, foi a partir do uso
dos descritores: infância, criança, crianças e infantil, como termos de busca no banco de dados
do diretório de grupos do CNPq, somente da área da Psicologia.
Cruzamento → Com o objetivo de reduzir e refinar a amostra, esta fase objetivou eliminar
os grupos que não apresentavam os descritores no título. Para verificar a repetição de grupos
em cada descritor utilizado, se realizou um cruzamento intradescritores e interdescritores, que
consistem na análise comparativa entre os grupos obtidos por cada descritor e entre os quatro
descritores utilizados. A verificação de duplicidade de grupos no material visa uma maior precisão
nos resultados. Esta é a fase do tratamento dos dados, a qual se caracteriza pela intenção de
convergir criteriosa e, gradualmente, a um corpus de pesquisa que tenha a relevância do conteúdo
como parâmetro. Nesse sentido, esta fase deve aumentar a qualidade e consistência da amostra e
reduzir seu volume. (Bastos, 2014).
Refinamento → Dos 256 grupos contabilizados obteve-se 34, após os cruzamentos. Nessa
fase, realiza-se uma análise comparativa entre todos os documentos que permaneceram no corpus
da pesquisa. Assim, objetiva-se averiguar a duplicidade do material coletado para que não haja
imprecisão no resultado. Os tipos de cruzamento necessários dependem do desenho da pesquisa.
(Bastos, 2014).
Descrição → Nesta etapa buscar-se-á responder ao objetivo de descrever o panorama da
produção nos grupos utilizados nesta pesquisa. Para tanto, se realizará a descrição dos dados dos

618  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
grupos, obtida através do acesso à página oficial do CNPq (disponível nas referências). Assim,
se poderá identificar o histórico e características de cada grupo por meio das produções de seus
líderes, acessando seu lattes.
Interpretação → Este é o momento da pesquisa que possibilita a ampliação do conhecimento
acerca do objeto do estudo – o conceito de infância. A imersão ao conteúdo, alcançada por meio
de análise do material selecionado, permite a realização da fase de interpretação dos dados. É
nesta fase que é possível lançar um olhar, em perspectiva, para o que foi apreendido no encontro
entre as informações obtidas, e realizar a metassíntese. É nessa fase que o pesquisador estabelece
conexões, articulações e confrontos entre as informações, de modo a ultrapassar o conteúdo
particular de cada documento e alcançar um entendimento do que se encontra entre eles. Este
movimento gera uma ação interpretativa e proporciona a superação da síntese, o que viabiliza a
proposição de uma crítica interna à produção científica e a proposição de um novo conhecimento
gerado com base no que já se tem produzido (Canuto, 2017).

Resultados

O Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil constitui-se no inventário dos grupos de pesquisa


científica e tecnológica no país. Foi criado em 1992 e suas informações dizem respeito aos recursos
humanos constituintes dos grupos, ou seja, os pesquisadores, estudantes e técnicos, às linhas de
pesquisa em andamento, às especialidades do conhecimento, aos setores de aplicação envolvidos,
à produção científica, tecnológica e artística e às parcerias estabelecidas entre os grupos e as
instituições, sobretudo com empresas do setor produtivo. Sendo capaz assim, de descrever os
limites e o perfil geral da atividade cientifica e tecnológica no Brasil.
O Diretório dos Grupos de Pesquisa constitui-se em bases de dados (censitárias e correntes)
que contêm informações sobre os grupos de pesquisa em atividade no país. Tem três finalidades
principais: instrumento para o intercâmbio e a troca de informações; caráter censitário no auxílio
de planejamento estratégico ao fomento, e por fim, constituir base de dados importante papel na
preservação da memória da atividade científico-tecnológica no Brasil.
Os grupos inventariados estão localizados, principalmente, em universidades, instituições
isoladas de ensino superior com cursos de pós-graduação stricto sensu, institutos de pesquisa
científica e institutos tecnológicos. O diretório possui uma base corrente, onde as informações
podem ser atualizadas, continuamente, pelos autores envolvidos, realiza censos bi-anuais, que
são fotografias dessa base corrente. Está disponível no portal do CNPq (Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que é uma agência do Ministério da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Tem como principais atribuições fomentar a
pesquisa científica e tecnológica e incentivar a formação de pesquisadores brasileiros.
Segundo as informações dispostas em seu portal online, o CNPq foi criado em 1951,
desempenha papel primordial na formulação e condução das políticas de ciência, tecnologia
e inovação. Sua atuação contribui para o desenvolvimento nacional e o reconhecimento das
instituições de pesquisa e pesquisadores brasileiros pela comunidade científica internacional. Tem
como missão fomentar a Ciência, Tecnologia e Inovação e atuar na formulação de suas políticas,
contribuindo para o avanço das fronteiras do conhecimento, o desenvolvimento sustentável e
a soberania nacional. E objetiva ser uma instituição de reconhecida excelência na promoção da
Ciência, da Tecnologia e da Inovação como elementos centrais do pleno desenvolvimento da
nação brasileira (acesso por meio do link: (http://cnpq.br/apresentacao_institucional/).
Passo a passo da busca no banco de dados:

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 619


NO ONTEXTO BRASILEIRO
1.  Entrar no diretório de grupo de pesquisa no Brasil

Fonte: Autora (2017)

No acesso à página inicial da plataforma foi possível identificar um link que encaminha os
usuários para a busca dos grupos de pesquisa. O primeiro acesso foi no dia 01 de abril de 2017.

2.  Buscar grupos

Fonte: Autora (2017)

Clicando em buscar grupos aparecerão, em seguida, as opções de filtros para a busca dos
grupos a serem pesquisados.

3.  Consulta parametrizada

Fonte: Autora (2017)

620  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Nesta página será possível ao pesquisador escolher o termo de busca para sua pesquisa.

4.  Termos de busca usados (separadamente): Infância → Criança → Crianças → Infantil

Fonte: Autora (2017)

Os descritores escolhidos, como citados acima, infância, criança, crianças e infantil foram
utilizados como termos de busca por representarem o conceito, objeto de pesquisa, a ser analisado.

5.  Filtros usados: Área de conhecimento → Ciências Humanas → Psicologia

Fonte: Autora (2017)

Por meio da busca dos termos e dos filtros utilizados, foram identificados 256 grupos de
pesquisa. Sendo que 75 com termo infância, 80 com termo criança, 55 com termo crianças e 46
com o termo infantil.
Dos 256 grupos identificados com os termos infância, criança, crianças e infantil, após a
aplicação de filtros, do cruzamento intra e entre os termos, de exclusão de repetições e presença
de descritor no título, obtivemos um quantitativo de 34 grupos.
Os quadros que apresentam descritivamente os grupos encontrados em cada descritor estão
no apêndice, onde se pode visualizar o quantitativo geral, incluindo os grupos repetidos e aqueles
que não têm o descritor no título.
Com a utilização do termo infância se obteve um resultado de15 grupos. Já com o termo
infantil 08, com crianças 07 e com o termo criança 04 grupos.
As instituições estão distribuídas nos grupos da seguinte maneira: Sudeste do país com 10
instituições, Sul e Centro-Oeste cada com 04 instituições, Nordeste com 03 instituições, e a região
Norte com 02 instituições. Sendo que a Universidade de São Paulo apareceu em quatro grupos, a

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 621


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Universidade Federal da Paraíba em três grupos, e Universidade Fluminense, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Universidade Federal da
Bahia, Universidade Federal de Mato Grosso e Universidade Federal do Rio Grande do Sul, cada
uma apareceu em dois grupos.

Líder Número de publicações Status e ano de formação do grupo

1) Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo Certificado pela instituição


39
- USP 2013
2) Sônia Regina Fiorim Enumo – PUC Certificado pela instituição
37
Campinas 2014
3) Daniela Barros da Silva Freire Andrade Certificado pela Instituição
35
- UFMT 2010
Certificado pela Instituição
4) Raquel Gonçalves Salgado - UFMT 29
2006
Certificado pela instituição
5) Mauro Luis Vieira - UFSC 23
2004
6) Antonio Augusto Pinto Junior (líder Certificado pela Instituição
20
em dois grupos) – UFF e USP 2011 e 2013
7) Maria de Fátima Pereira Alberto - Em preenchimento
19
UFPB 2006
Certificado pela instituição
8) Débora Dalbosco Dell’Aglio - UFRGS 19
2014
Em preenchimento
9) Sonia Grubits - UCDB 16
2002
Certificado pela Instituição
10) Ana Priscila Batista - UNICENTRO 11
2013
11) Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues Certificado pela instituição
11
- UNESP 2013
Certificado pela instituição
12) Nadia Maria Ribeiro Salomão - UFPB 10
2002
13) Lídia Natalia Dobrianskayj Weber - Certificado pela Instituição
08
UFPR 1992
Certificado pela instituição
14) Cristiana Carneiro - UFRJ 07
1998
Certificado pela Instituição
15) Andrea Gabriela Ferrari - UFRGS 07
2011
Não atualizado
16) Patrícia Martins de Freitas - UFBA 06
2012
Certificado pela instituição
17) Raul Aragão Martins - UNESP 06
2002
Certificado pela instituição
18) Carlos Barbosa Alves de Souza - UFPA 06
2010
19) Ana Claudia de Azevedo Peixoto - Não Atualizado
06
UFRRJ 2013
20) Esther Maria de Magalhães Arantes - Certificado pela instituição
05
UERJ 2009
21) Maria Stella Coutinho de Alcântara Certificado pela instituição
03
Gil - UFSCAR 1995

622  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
22) Maria Ignez Costa Moreira – PUC- Certificado pela Instituição
03
Goiás 1999
Certificado pela Instituição
23) Andrea Soutto Mayor - UFF 03
2016
Certificado pela instituição
24) Andrea Seixas Magalhães – PUC-Rio 02
1994
Não atualizado
25) Patrícia Junqueira Grandino - USP 02
2016
26) Maria Clotilde Therezinha Rossetti Certificado pela Instituição
02
Ferreira - USP 1988
Em preenchimento
27) Ana Cristina Serafim da Silva - UFT 01
2011
Certificado pela instituição
28) Jorgete Pereira Oliveira - UNEB 01
2010
Certificado pela instituição
29) Diana Dadoorian - UFRJ 01
2007
Certificado pela instituição
30) Angela Maria Dias Fernandes - UFPB (0)
2006
Excluído
31) Antonio Marcos Chaves - UFBA (0)
1998
Certificado pela Instituição
32) Cleide Vitor Mussini Batista - UEL (0)
2005
Certificado pela instituição
33) João Luiz Leitão Paravidini - UFU (0)
2007
TOTAL DE PUBLICAÇÕES 341
Quadro 1. Quantitativo de publicações dos líderes de cada grupo de pesquisa, por meio do acesso ao Lattes.
Fonte: Autora (2017)

Todos os líderes de grupo possuem doutorado ou pós-doutorado (sendo essa uma condição
para sua liderança), são 18 com pós-doutorado e 15 com doutorado. Observa-se que um mesmo
pesquisador está como líder, em dois grupos diferentes. Desse modo, temos 33 líderes em relação
ao quantitativo dos 34 grupos.
No quadro acima está apresentada a relação dos líderes pesquisadores, seguindo a ordem
dos pesquisadores com maior número de publicação.
Com o quadro acima podemos observar ainda, o status e o ano de criação de cada grupo,
ou seja, dos 34 grupos, um foi excluído, três estão desatualizados, três estão em preenchimento e
vinte e sete estão certificados pela instituição.
Quatro pesquisadores aparecem com zero em publicação, isso demonstra que, no período de
2013 a 2017, eles não produziram nenhum material que traziam no título, os descritores infância,
criança, crianças e infantil.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 623


NO ONTEXTO BRASILEIRO
no período de 2013 a 2017, eles não produziram nenhum material que trazia
título, os descritores infância, criança, crianças e infantil.

40
30
20
10
0
TARDIVO ENUMO
ANDRADE
SALGADO
VIEIRA
Gráfico 1. Pesquisadores com maior quantitativo de publicações
Gráfico 1. Pesquisadores com maior quantitativo de publicações
Fonte:Autora
Fonte: Autora (2017)
(2017)

No gráficoNo gráfico
acima temosacima
os cincotemos osgrupo
líderes de cinco líderes
com de grupo decom
maior quantidade maior quantida
publicações,
dentropublicações, dentro dos
dos critérios pré-definidos para critérios
essa análise.pré-definidos para essa
Todo tipo de publicação análise. Todo tip
foi considerada,
desde publicação
artigos a capítulos
foi deconsiderada,
livros, e entre outras publicações.
desde artigosNeste primeiro momento
a capítulos tambéme entre
de livros,
foram consideradas as publicações em outros idiomas, além do português.
publicações. Neste primeiro momento também foram consideradas as publicaçõ
Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo conta com o maior número de publicações na área,
com umoutros
total deidiomas,
39, seguidaalém do Regina
de Sônia português.
Fiorim Enumo com 37, Daniela Barros da Silva Freire
Leila Salomão de La
Andrade 35, Raquel Gonçalves Salgado 29 e Mauro PlataLuisCury
VieiraTardivo conta com o maior núme
com 23 publicações.
publicações na área, com um total de 39, seguida de Sônia Regina Fiorim Enum
Discussão
37, Daniela Barros da Silva Freire Andrade 35, Raquel Gonçalves Salgado 29 e M
Luis Vieira com 23 publicações.
Neste artigo pudemos perceber que foram apresentadas as primeiras fases da metassintese.
Ou seja, com a fase de exploração foi possível identificar as especificidades do banco de dados, o
Discussão
diretório de grupos do CNPq, onde foi contabilizado um quantitativo de 256 grupos de pesquisa.
Com o cruzamento e refinamento se pode observar que apenas 34 grupos apresentaram os
descritores no título,
Nesteo descritor que mais apareceu
artigo pudemos foi infância.
perceber que foram apresentadas as primeiras fa
Por meio da descrição identificamos que as regiões do país mais representadas foram
metassintese. Ou seja, com a fase de exploração foi possível identific
sudeste e sul, acredita-se que essa maior representatividade está relacionada ao fato de serem
regiõesespecificidades do banco
onde mais existem atualmente de dados,
programas o diretório
de pós-graduação de Consequentemente
no país. grupos do CNPq, on
contabilizado
as menos umnordeste
representadas são quantitativo
e norte. de 256 grupos de pesquisa. Com o cruzame
Foram descritos os grupos de pesquisa e os seus respectivos líderes. Na busca pelas
produções dos líderes constatamos certa discrepância no quantitativo de publicações entre eles,
ou seja, alguns apresentaram um quantitativo igual ou maior que vinte e outros uma ou nenhuma
produção nos últimos cinco anos.
Pode-se inferir a partir dos resultados encontrados, que existem muitos grupos dedicados
ao estudo da infância no Brasil, sendo que com o recorte do descritor no título esse número se
reduziu a 34 grupos.
Conclui-se que a análise qualitativa das publicações dos líderes é o que permitirá identificar
as conceituações e representações acerca da infância no Brasil. Visto que o que se produz e publica
nesses grupos repercute socialmente. Então, tais publicações são indicadores das repercussões na
sociedade brasileira sobre a infância e suas conceituações.

624 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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Alagoas, Maceió, 114f.

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Federal de Alagoas. Instituto de Psicologia. Programa de Pós-graduação em psicologia. Dissertação
defendida em Março de 2017.

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(Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 222f.

Vygotsky, L. S. (1991). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 625


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O CORPO IDEAL? SOBRE A MÍDIA E SUA INFLUÊNCIA
NA INSATISFAÇÃO CORPORAL DAS MULHERES
Claudiana Pinheiro da Silva
Francisca Daniele Nogueira Albuquerque
Bruna de Jesus Lopes

Introdução

A
sociedade atual tem se caracterizado por uma cultura que destaca o corpo como
forma de identidade. Nesse processo de transformação a mídia passou a prestar
contribuição na elaboração de uma “figura perfeita”, provocando com isso o
afastamento das pessoas do seu corpo real (Martins, Nunes & Noronha, 2008), afetando,
principalmente, as mulheres em qualquer etapa da vida. Na atualidade, o corpo tem pouca
naturalidade, pois é regulado pelos interesses da sociedade capitalista, manipulando e tornando
o corpo um objeto passível, atraído por imagens socialmente desejáveis, que visam especialmente
o consumo e o lucro; a mídia adentra nesse processo, ao transmitir e impor um modelo de
vida, fazendo uso de estratégias de marketing para criar desejos, anseios e angústias, instigando
as pessoas a seguirem os padrões sem questionamentos, levando a consumirem o que está no
mercado (JanjaBloc& De Holanda, 2007).
A mídia deve ser tratada enquanto uma manifestação cultural, que influencia
intencionalmente o comportamento, as atitudes e a corporeidade dos sujeitos contemporâneos,
sobretudo das mulheres (Nascimento, Próchno, & Silva, 2012). Segundo Flor (2017), as mídias
são as responsáveis por disseminar que para ser belo é necessário ter um corpo perfeito, sendo
o mesmo definido como magro, estimulando as pessoas a realizarem sacrifícios para alcançar
esse perfil. Mas até onde a busca pelo ideal deixou de ser saudável e passou a ser disseminado
como o padrão de corpo a ser seguido, acarretando a fragilização da autoestima e da segurança
das mulheres contemporâneas? Para Santos (2015), as mulheres se tornaram servas do sistema
consumidor que adoece e na maioria das vezes só conseguem perceber quando chegam ao seu
extremo e não há mais possibilidade de resistir à pressão ou criar estratégias para encarar as
situações impostas. Portanto, o corpo assume posição de objeto que necessita ser moldado
e adaptado aos padrões vigentes, determinados pela sociedade que contribui com a indústria
cultural (Lopes & Mendonça, 2016).
Maia (2011) reforça que há uma ilusão criada e alimentada pela mídia em união com a
indústria da beleza, ambas obtendo retornos lucrativos generosos através da disseminação de que
a felicidade é fruto do consumo, levando ao alto investimento em busca da aparência perfeita.
Assim, produtos estéticos são postos à venda, tendo como alvo principalmente o público feminino.
Dessa forma, alavancam o consumo de: dietas preparadas, que prometem resultados rápidos e
eficazes para alcançar o corpo de modelos; produtos de beleza para corpo, rosto e cabelo, os
quais são, constantemente, emparelhados a figuras públicas, consideradas belas e satisfatórias; e
o uso de intervenções plásticas como a solução para a conquista da perfeição, influenciando na
percepção quanto a imagem corporal dessas mulheres.

626  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Schilder (1999) entende por imagem corporal como uma representação mental que cada
um produz a respeito do próprio corpo a partir da percepção envolvendo sentidos, ideias e
sentimentos. Almeida, Santos, Pasian e Loureiro (2005) colocam a insatisfação com a imagem
corporal como associada à discrepância entre a percepção e o desejo relativo a um tamanho e a
uma forma corporal, por consequência, há sérias implicações, principalmente psicológicas, na
vida de uma mulher que não possui o corpo que gostaria, ou que lhe fizeram acreditar que é o
ideal, aquelas que não alcançam tal padrão sofrem muito, podendo acarretar no desenvolvimento
de transtornos alimentares, baixa autoestima e depressão, entre outras psicopatologias (Alves,
Pinto, Alves, Mota &Leirós, 2009).
Este artigo trata principalmente da influência da mídia sobre o corpo das mulheres, não se
pretendendo aprofundar detalhadamente os temas, mas apontar como os meios de comunicação
de massa desenvolvem a insatisfação perante os padrões estéticos impostos pela desejabilidade
social. Podendo servir como uma forma de reflexão da implicação na vida dessas que têm seus
corpos usados para pregar um modelo de perfeição frente às câmeras e flashes. As mesmas, que
possuem como objetivo mover o capitalismo pelo consumo daquilo que se mostra e que são um
dos principais responsáveis pela baixa autoestima, frustração e desencadeamento de problemas
de saúde, inclusive distúrbios alimentares; pois a cultura do corpo, que não é o mesmo que a
cultura da saúde, como se quer aparecer, se trata de um sistema fechado onde se constroem
sintomas sociais de drogadição, violência e depressão, deixando claro o vazio da vida frente ao
espelho (Kehl, 2004).
Partindo disso, “tratar o tema boa forma e beleza é também falar em corpo; consequentemente,
falar em corpo remete a questões sociais” (Flor, 2017 p. 269), daí a importância de explanar a
interação mídia- corpo feminino, levando a questões de imposição e ideação de corpo como
implicação na insatisfação e distorção no modo como as mulheres se percebem. Assim, a mulher
em busca da beleza de seu corpo é conduzida a posição de oprimida pela mídia, que lhe impõe
novos meios para se relacionar com seu corpo (JanjaBloc& De Holanda, 2007).  Este, por sua vez,
é cada vez mais vendido pelas as propagandas, pois ele está em alta. São vários os investimentos,
altas cotações e altas frustrações vinculadas ao ideal de perfeição da pós-modernidade, em que se
valoriza a magreza, a forma perfeita, podendo este ser considerado o  marco de uma “época em
que se vive a anestesia dos ideais” (Fernandes, 2005).

Desenvolvimento

Desde o início do século XX, disparo publicitário pós-guerra entra como um dos grandes
responsáveis pela dispersão de hábitos relativos aos cuidados com o corpo e de higiene. No final
da década de 20, o cinema foi a fonte de influência sobre o corpo e a beleza da mulher, pois
construiu a subjetividade, a experiência social feminina e mediou a formação da autoimagem
(Ferreira, 2008; Santos, 2006). Na mesma década houve um forte crescimento no lançamento de
produtos voltados principalmente para a beleza da mulher, havendo um forte engrandecimento
na indústria de cosméticos e produção para o consumo pelo público feminino (Nascimento et al.,
2012).
Já os anos de 1960, marcados pela chamada revolução sexual, foram importantes para
as mulheres. Nessa década, foi conquistada efetivamente alguma igualdade de direitos, como
o voto, a inserção no mercado de trabalho, e os direitos em relação ao corpo e à sexualidade
(Ferreira, 2008; Nascimento et al., 2012). O alcance de emancipação e avanços significativos
na vida das mulheres, fez com que ocorresse uma valorização da beleza do corpo feminino e sua
autonomia financeira, entretanto, essa valorização foi tão reforçada que acabou resultando na
banalização do corpo, extremamente expostas nos meios de comunicações, com o intuito de

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 627


NO ONTEXTO BRASILEIRO
instaurar um modelo corporal para mulher, transformando-as em consumidoras (JanjaBloc& de
Holanda, 2007).
Os anos de 1980 houve a difusão de academias, época marcada também pela chamada
“Geração saúde”; como reflexo disso a alimentação ganhou destaque nas revistas e a mídia
direciona o seu interesse para as publicações acerca das descobertas alimentares, em favor da
saúde e da beleza corporal (Ferreira, 2008; Siqueira & Faria 2008). Desde a segunda metade
do século XX a cultuação corporal aferiu visão social e integrou-se a era das massas, em que a
mercantilização, industrialização, difusão das normas ideais de imagens e cuidados com o rosto
e corpo proporcionaram novas profissões, juntamente com a idealização da beleza feminina em
maior proporção que a masculina (Goldenberg, 2002).
De acordo com Freitas, Lima, Costa, eFilho (2010), foi com a criação e desenvolvimento
de instrumentos de captação e divulgação de imagem, que o corpo passou a ser mostrado e
visto em escala mundial. Entretanto, desde a década 1990, até os dias que correm, a internet
tem provocado mudanças na vida das pessoas através de sua imensurável capacidade de difundir
informações instantaneamente. A força com que são produzidas informações e incentivos na
internet, faz com que inúmeras pessoas acompanhem diariamente a vida e a rotina dos ditos
“influenciadores digitais”, estes, sustentam ainda mais a idealização do corpo aceito, fazendo
com que se crie um padrão de beleza, levando à concepção de que só são belas e desejadas, as
mulheres que praticam exercícios físicos e enfrentam dietas para alcançar aquilo que é imposto
pela era do ter, assim, o modelo do corpo “perfeito” torna-se mais globalizado influenciando
culturas distintas (Ferreira, 2008).
O século XXI traz a obsessão pela magreza, sem qualquer descuido ou preguiça, adquirindo
um sentido de corpo ideal como não visto em outras épocas, construindo um padrão de beleza
feminino que é difundido pelos meios de comunicação que constroem estereótipos de mulheres
inatingíveis para a maioria das consumidoras, fazendo com que sintam a necessidade de ter
um corpo plasticamente perfeito e à prova da velhice, se tornando cada vez mais, um objeto de
design. Este corpo está em alta, estampados em capas de revistas, matérias de jornais, manchetes
publicitárias na televisão e na internet, transformando-se em um sonho de consumo, valendo
qualquer sacrifício para alcançá-lo, nem que para isso, as mulheres tenham que passar por
intervenções cirúrgicas, dietas e exercícios físicos dos mais variados (Caron 2014; Samarão, 2007;
Vasconcelos, I. Sudo, N. Sudo, 2004).
Para Ullmann (2004) a humanidade se tornou obsessiva por beleza, pois ela tem um alto
valor no processo de autoestima e aceitação social. É interessante notar que as expressões do que é
belo no corpo tornaram-se um protótipo a ser adotado, contribuindo para o crescimento evidente
da indústria da beleza e da sociedade capitalista-consumista. Gisele Flor (2017) constatou que a
oferta não só cosméticos e cirurgias plásticas, mas também de dietas e exercícios, que surgem com
um valor simbólico de prestígio, aumenta o consumo das mulheres, promovendo e sustentando
a ditadura da beleza.
Essa indústria age sobre a vida da mulher desde muito cedo e atua ao longo de sua história,
pois a imagem corporal e o descontentamento com o corpo sofrem influências significativas dos
fatores socioculturais, como as relações interpessoais e a mídia. Como já ressaltado por este
estudo, isso acontece em todas as fases da vida, o que talvez diferencie as etapas é que na infância
a influência maturacional interfere no desagrado com a imagem de corpo principalmente nas
meninas que se preocupam com o aumento do peso (Damasceno et al., 2008). Compactuando
com essa afirmação, estudos realizados no Sul do Brasil apontaram para uma maior insatisfação
corporal pelas meninas (8 a 11 anos), quando comparadas com o sexo oposto, revelando o desejo
por uma silhueta mais magra, ressaltando ainda, a busca pela magreza conforme o avançar da
idade (Erling&Hgwan 2004; Triches&Giugliani, 2007).

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Em conformidade com isso, é importante voltar-se para a compreensão do ponto de vista do
desenvolvimento da mulher, uma vez que a mesma possui, desde a adolescência, uma dificuldade
de fixar uma imagem de si. Essa fase na qual é marcada por grandes transformações, a exemplo de,
novos desafios e falta de apoio frente às mudanças, vivência conjuntamente uma forte influência
dos meios de comunicação, os quais propagam modelos de beleza e extrema valorização da
aparência, gerando em alguns adolescentes uma angústia por não se enquadrarem no padrão
ou devido aos esforços para se encaixar no mesmo. Esse período, torna-se mais complexo, pois a
autoimagem apresenta características mais negativas, fruto da preocupação com as mudanças e,
também,  de um meio social que impõe padrões muito idealizados de beleza. O impacto na vida
das adolescentes pode resultar desde baixa autoestima e resistência em aceitar seu corpo, passando
pelo desenvolvimento de distúrbios alimentares e anorexia, sendo esta caracterizada  pelo medo
anormal de engordar, podendo chegar à morte (Campagna& Souza, 2006; Vianna, 2005).
Na fase adulta, o estudo de Alvarenga, Philippi, Lourenço, Sato e Scagliusi (2010) desenvolvido
com um grupo de universitárias, proveniente de todas as regiões do Brasil, com idades variando
entre 20 e 30 anos, revelou que as mesmas apresentam uma elevada insatisfação corporal, levando-
as a cobiçarem um corpo com medidas menores, semelhante aquelas propagadas pelas mídias.
Em concordância, Bevilacqua (2010) em sua pesquisa constatou que as mulheres na idade adulta
com sobrepeso vivenciam um descontentamento com seu corpo, já aquelas as quais apresentam
uma silhueta menor exibem uma elevada autoestima..Isto posto, pode-se observar que na
adolescência e na idade adulta a forma corporal e o aumento de massa são os indicadores que
mais recebem influência sociocultural, principalmente no que diz respeito às mídias, propondo
um corpo magro, longilíneo que se traduz em um baixo índice de massa corporal nas mulheres e a
busca incansável por proporções e formas ditas adequadas (Damasceno et al., 2008).
Essa realidade não deixa de afetar também as idosas, segundo Tribess (2009) as mulheres
com idade média de 71,6 anos, também, realizam julgamento frente ao seu corpo, sendo o perfil
ideal apontada por alguns como esbelto, gerando descontentamento quando o corpo real se
distancia daquele almejado. A diferença da velhice para as outras fases, é que além do culto à
magreza, esse grupo tem como foco a busca pela juventude, pois se vive em uma cultura na qual
a aparência jovem é extremamente valorizada, tornando a juventude sinônimo de beleza (Russo,
2005). Tal entendimento, segundo Russo (2005), pode ser um dos principais motivos da grande
procura, na atualidade, pelas cirurgias de rejuvenescimento e no consumo de medicamentos para
emagrecer.
A insatisfação com a imagem corporal pode ter seu surgimento a partir da frequente
exposição às informações cotidianas e a insaciável ideação do corpo perfeito. Observa-se,
portanto, no atual contexto social, uma supervalorização dos corpos exibidos pela mídia, uma
imagem corporal difundida de forma estereotipada, cuja aquela pessoa que não se enquadra no
padrão socialmente imposto sente-se inferiorizada, deprimida e desprezada. O público feminino
sofre psicologicamente com a ideia do corpo perfeito e por não terem a imagem das atrizes de
novelas, o que prejudica a autoestima pelo descontentamento com seu corpo (Carvalho, Gomes,
& Ferreira, 2016;  Silva  & Lange, 2017).
Goldenberg (2011) coloca que a mulher ao designar para si um modelo físico, engloba
diversos sentidos, os quais estão intrinsecamente relacionados com julgamento popular. A
natureza social oferta uma estrutura para orientar as obesas, as gordinhas ao aperfeiçoamento
do corpo, visando torná-lo esculpido e sedutor. Para o autor, o que é importante para as mulheres
é ter os sentimentos de satisfação e adequação, frente realidade exigente e concorrente. Silva e
Lange (2017) vão ao encontro dessa ideia ao destacar que indivíduos do sexo feminino obesos
sofrem com a desaprovação ou distanciamento do outro, sendo estes os principais fatores para
a insatisfação corporal. Os mesmos autores ressaltam a importância que a mulher dá à imagem

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 629


NO ONTEXTO BRASILEIRO
corporal, sendo esta ligada ao sucesso pessoal, e assim, ficam vulneráveis ao culto do corpo
apresentando sentimentos de inferioridade, ficando expostas ao desencadeamento, em alguns
casos, de transtornos alimentares, como a bulimia e a anorexia nervosa.
Fernandes (2015) propõe que o uso da internet mudou vários aspectos da sociedade,
possibilitando novas formas de trocar informações e de se relacionar, tornando as dimensões
geográficas ínfimas na hora de se comunicar. As redes sociais, por exemplo, é uma ferramenta
que aproxima as pessoas, permitindo qualquer pessoa acompanhar o dia-a-dia dos usuários. Essa
instantaneidade, permitida pela internet e seus aplicativos, colaboram e fortalece cada vez mais
para a cultura da forma, imagem e corpo, através divulgação de imagens corporais “perfeitas”
nas redes, as quais são acompanhadas por milhares de mulheres. Essa realidade, levou Foucault
(1979) a definir as redes sociais com um verdadeiro panóptico, onde todos se controlam e se
observam.
Não é por acaso que a rede a social de maior massificação, atualmente, é o Instagram, que
atingiu no início de 2017 a marca de 700 milhões de usuários; essa plataforma de compartilhamento
de imagens que se apresenta com um convite: “capture e compartilhe os momentos do mundo”,
se tratando de um pesado meio de divulgação de beleza e exaltação de sucesso, com o discurso
“fitness”. Estas plataformas visam o gerenciamento da vida de quem acompanha as grandes
personalidades, os ditos “influenciadores digitais”, celebridades que estão na mídia diariamente
sendo capazes de ditar tendências e costumes, sendo acompanhados assiduamente em suas vidas
digitais, levando as mulheres a sentirem a necessidade de acompanhar e seguir suas formas de
viver, rotinas alimentares e suas belas imagens expostas em seus perfis digitais; fomentando assim,
a opressão que a mulher sofre baseado no discurso fitness de saúde (Fernandes, 2015; M. F. Santos,
Silva, & J. M. Santos, 2016; Jacob, 2014).
No corrente cenário, onde os mecanismos tecnológicos atingem milhares de mulheres,
todos os dias, informações sobre dietas de emagrecimento miraculosas, conseguem ganhar a
credibilidade dos consumidores através de imagens de antes e depois de pessoas gordas, exibindo
um corpo com medidas elevadas e baixas, respectivamente.  As postagens nas redes sociais
aparecem muitas vezes de formas bem explicativas e instrutivas, mostrando como realizar a
execução de exercícios, treinos, dieta, receitas, e ainda abordam os benefícios que essas práticas
podem gerar (Andrade & Bosi, 2003; Fernandes, 2015). Jacob (2014) coloca que os processos de
emagrecimentos que tiverem êxito, claramente impactarão os seguidores, levando-os a colocarem
em prática na esperança de obterem os mesmos resultados, contudo, quando tal expectativa
não é suprida, pode surgir o sentimento de frustração. Vianna (2005) nos traz uma perspectiva
preocupante em relação ao uso da internet na propagação das silhuetas magras, pois é na internet
que ocorre a troca de dicas para emagrecer por parte de meninas que em sua maioria sofrem de
bulimia ou anorexia, mas não se consideram doentes.
Nesses casos há o compartilhamento de técnicas que incluem falta de alimentação (no food),
até a provocação de vômitos após as refeições.  Estes tipos de conduta ligada aos transtornos
alimentares têm merecido a atenção cada vez maior por parte dos profissionais da área da saúde
e da sociedade como um todo, pois é uma situação preocupante que requer auxílio e apoio destes.
Goldenberg (2011) evidencia que o Brasil é líder, em nível mundial, no consumo de remédios para
emagrecer e de moderador de apetite; essas overdoses de consumo, comuns no país, podem ser
bastante perigosas e levar a ataques de pânico ou agressividade, além de alucinações, problemas
respiratórios, convulsões, coma e até morte.
        Além do mais, todas essas implicações referidas sobre a mídia e sua influência na
insatisfação corporal da mulher, são preocupantes e requerem atenção da saúde pública, por
envolver o desenvolvimento mental feminino adequado, com um padrão de beleza que nega os
corpos reais com características específicas, expondo um padrão de beleza europeu, acarretando

630  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
em um tratamento desigual que dá privilégios a tipos físicos, causando, no desenvolvimento de
crianças e adolescentes, um grande obstáculo físico e mental (Vianna, 2005).
Swiatkowski (2016) afirma que apesar dessa falta de diversidade de imagens mostradas na
mídia, as pessoas ainda olham para essas imagens como uma forma de orientação na condução
de seus objetivos. Como visto a mídia apresenta um padrão corporal, e assim, as mulheres reais
não são representadas, o que pode gerar consequências na vida e na subjetividade delas em
todas as idades. Se houvesse essa representação, com os diversos tipos e formas de corpo sendo
mostrados, não focando apenas em corpos magros e jovens, ajudaria a iniciar uma melhora no
quadro de insatisfação corporal das mulheres.  Isso demonstra ainda, a necessidade de haver um
olhar crítico para aquilo que é oferecido e a forma como este aparece, buscando a distinção entre
a promoção de saúde e a promoção da indústria da beleza, pois o corpo feminino ao que parece
foi capturado pelas garras do capitalismo de consumo, transformando-o em objeto com valor de
troca, custo, prazo de validade e regulamentações (Nascimento, 2012).

Conclusão

Este estudo teve como objetivo expor a influência que mídias possuem no desenvolvimento
da insatisfação corporal da mulher, revelando as implicações físicas e mentais que estas sofrem
ao longo da vida. O advento das tecnologias e indústria do consumo voltam-se para o corpo
feminino, tendo-o como um alvo para fins lucrativos na contemporaneidade. Para isso, imagens
de mulheres inalcançáveis são expostas, em seus corpos magros e jovens como modelos de estética,
trazendo sentimentos de frustração e culpa pelo formato de seus corpos, que em suas percepções
acabam por não se encaixar nos padrões impostos.
As redes sociais, que possui milhares de adeptos acompanhando a vida de famosos e
considerados “influenciadores digitais”, leva mulheres e meninas a buscarem não apenas o bem-
estar e a saúde, mas seguir fielmente os padrões de beleza acatando soluções, produtos e serviços
vendidos, e em alguns casos, adquirindo e compartilhando comportamentos de risco psíquico
e físico, como o desenvolvimento de distúrbios alimentares. Revelando assim, a necessidade de:
(1) adotar uma posição crítica ao que a mídia oferece e (2) cuidar para que haja a propagação
de novas ideias as quais se voltem para a disseminação do respeito às mulheres e a diversidade de
seus corpos. Por fim, acredita-se que o propósito do presente estudo tenha sido alcançado tendo
em vista a exposição de reflexões e discussões acerca do tema. Despertando, principalmente,
em profissionais da saúde a importância de se debater constantemente as consequências da
influência da mídia, tanto nos aspectos físicos como mentais das mulheres.  Além disso, instigar
novas pesquisas voltadas para o tema e público em questão, ou seja, a forma como a mídia está
agindo sobre a vida dessas mulheres e as consequências geradas.

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A ABORDAGEM DO PRECONCEITO RACIAL E
DE ESTEREÓTIPOS NO CINEMA NORTE-AMERICANO
Geice Maria Pereira dos Santos
Ely Jean Pereira Rocha
José Leandro da Cunha Machado

Introdução

O
objetivo deste artigo é mostrar as diferentes maneiras em que o preconceito foi
concebido na indústria cinematográfica norte-americana, em filmes de diferentes
décadas, a saber, décadas de 80, 90 e 2000, mas desta vez com um olhar crítico e
reflexivo. Este trabalho procura despertar nas pessoas um olhar mais atento com respeito ao que
elas assistem, para que percebam o sentido por trás de algumas cenas que aparentemente, parecem
inofensivas, mas que possuem um sentido danoso por trás, repleto de preconceitos e estereótipos.
Foi utilizado neste trabalhoo suporte teórico das Representações Sociais de Serge Moscovici, que por
sua vez, nos ajudam a entender como essas representações presentes no cinema atuam de diferentes
formas, e assim fornecem esclarecimentos necessários. Em diversos filmes, existem construções
imaginárias negativas da imagem de determinados grupos, que de certa forma, reforçam mais ainda
a disseminação de preconceitos, visto que, estes comportamentos são interpretados por uma parcela
do público como se fossem a representação exata da realidade, quando na verdade, não passam de
uma informação equivocada, deturpada, incompatível com a realidade.
Embora isso seja ruim, não se pode generalizar a todos os filmes, deduzindo que estes
semprepassam mensagens intolerantes. Há exceções. Existemfilmes que são muito positivos e
marcantes em nossas vidas por quemostram exemplos reais e marcantes de grandes personalidades
que mostraram superação, determinação, e até resiliência diante de situações extremamente
negativas. Pode-se comprovar isso diante de películas que abordam o preconceito racial, que
mostramcenas fortes de discriminação contra outrem, tentando reproduzir a realidade.Por outro
lado, há filmes que possuem uma visão mais apaziguadora, mostrando estereótipos raciais e
étnicos de um modo cômico ou de uma forma sútil. São olhares que os cineastas fazem a partir
daquilo que eles observam em determinados contextos e assim tentam reproduzir isso por meio
de imagens que possuem mensagens, discursos.
Do ponto de vista do antropólogo FrancoisLaplatine (2003, p. 139) é possível e imprescindível
distinguir um observador e quem está sendo observado, contudo, é “impensável dissociá-los”.
Lamentavelmente,isso dificultatanto as observações como as conclusões de alguém, devido ao
constante exercício da observação recíproca, uns pelos outros, isto é, na prática ao se observar
o comportamento de determinado grupo nunca é detalhado com a devida exatidão a forma que
eles ocorrem na íntegra, em sua plenitude.
Quando defini-se preconceito,raramente vem à mente imagens positivas e sim negativas
a respeito de algo, às vezes uma imagem que é concebida sem nenhuma fundamentação. O

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 635


NO ONTEXTO BRASILEIRO
cinema está permeado de exemplos de diversos preconceitos e também de diversos estereótipos,
estereótipos que são a base cognitiva do preconceito. O fato é que muitos estereótipos são
adquiridos na infância sob a influência dos pais, familiares, amigos, professores ou através da
mídia. E quando um estereótipo é apreendido, ele fica armazenado no cérebro, e a tendência
é que ele seja repassado para outras pessoas.Os preconceitos, assim como os estereótipos,
adquirem-se durante osprocessos de socialização, mas também podem ser construídos a partir
dos nossos processos cognitivos, na tentativa de explicar a complexidade do mundo social. São
juízos cristalizados que, geralmente perduram por muito tempo. Muitas vezes, sem perceber, nós
reproduzimos algumas atitudes preconceituosas.
De acordo com Everardo Rocha (1988, p. 10) “as nossas atitudes diante de outros
grupos sociais que fazem parte do nosso convívio diário possuem muitos vestígios de atitudes
etnocêntricas”. Isso acontece por meio dos rótulos e estereótipos que são vinculados quando
ocorre o confronto com eventuais discrepâncias.

Método

A metodologia empregada neste artigo consiste de uma revisão bibliográfica bem como
pela consulta de alguns filmes da indústria cinematográfica norte-americana. Este estudo utilizou
também uma pesquisa qualitativa, visando analisar diversos aspectos da realidade presentes
nestes filmes.

O Racismo e os Estereótipos no Cinema

Amiúde, é comum nos filmes americanos a manifestação de algum tipo de preconceito,


mesmo que este seja quase imperceptível e velado. Só para se exemplificar: existe um racismo
moderno, que simplesmente insiste no discurso de que o racismo é coisa do passado, de que os
negros estão subindo rapidamente em espaços aonde não são bem-vindos, e que os meios e as
demandas dos negros são injustos e que as instituições estão lhes dando muito crédito. Segundo
o racismo aversivo, pessoas brancas, ao entrarem em contato com pessoas negras, elas não as
discriminariam, pelo contrário, elas as tratariam de modo igualitário, mas quando há um contexto
no qual se justifica a discriminação, essas mesmas pessoas discriminariam indivíduos negros.
O preconceito contemporâneo é visto como uma atitude invasiva étnica que pode ser dirigida
a um grupo como um todo ou a um indivíduo, por fazer parte de um determinado grupo com
suas peculiaridades tanto físicas quantas fenotípicas. O racismo por outro lado é fruto de uma
discriminação étnica representada pela cor da pele ou uma marca física rotulada como diferente,
sendo ampliado para a exclusão hierárquica social, ficando explícito que o racismo é uma distinção
biológica entre grupos e o preconceito é a atitude excludente que pode sofrer o indivíduo tanto
institucionalmente quanto culturalmente. O preconceito é a forma verbal do racismo, isto é, o
preconceito se resume como uma atitude sendo uma consequência restringindo-se a um ato, ou uma
ação, enquanto o racismo constitui em discriminação étnica racial juntamente a exclusão social.
Alguns filmes da indústria cinematográfica hollywoodiana tratam do racismo de um modo
não muito peculiar, com pouca profundidade. Na maioria das vezes, são propagadosridículos
preconceitos racistas, como os negros sendo reproduzidos como preguiçosos, briguentos,
violentos, malandros ou como prestadores de serviços básicos, como se estes fossem incapazes
de exercer cargos de altos escalões. São representações sociais que manifestam de alguma forma
discursos inverossímeis.
Serge Moscovici (2007, p. 10) enfatiza que “as representações sociais são entidades quase
tangíveis. Elas circulam, se entrecruzam e se cristalizam continuamente, através duma palavra,

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dum gesto, ou duma reunião, em nosso mundo cotidiano”. Desse modo, as representações
sociais vão se imbuir nas relações que nós instituímos com os outros, seja naquilo que faz parte
do nosso dia-a-dia através da produção, ou no diálogo que nós temos com os outros.A partir do
momento que é criada, compartilhada e aceita, a impressão generalizada em relação a um grupo
social se dissemina, com características opostas ao que outrora era tido. Toma-se como exemplo,
a delimitação de comportamentos à uma determinada etnia.
Da mesma forma que o negro é discriminado, assim também acontece com os latino-
americanos. Por exemplo, alguns cineastas estadunidenses nos seus filmes atribuem determinados
comportamentos a latino-americanos, colocando-lhes à margem da lei da forma que estes são
retratados na maioria das vezes, seja como bandidos, assaltantes, traficantes de drogas, seja com
uma variação de papeis que pode ocorrer na interpretação de personagens honestos, em cargos
de prestadores de serviços básicos.
Para Norbert Elias (1993, p. 19) os conceitos usados pelos grupos que se firmam servirão
como uma forma de estigmatizar e vão variar de acordo com as circunstâncias, costumes, e
características de cada grupo, que por sua vez, só vai ter algum sentido dentro de um contexto, não
fora dele, “mas, apesar disso, ferem profundamente os outsiders, porque os grupos estabelecidos
costumam encontrar um aliado numa voz interior de seus inferiores sociais”.
É nessa visibilidade nada positiva que as representações sociais de negros e latinos são
reforçadas, já estão presentes no imaginário popular, e agora são reforçadas de uma forma
inexorável pelo cinema. Ao invés de colocar representações positivas dessas pessoas com boas
qualidades como pessoas trabalhadoras, honestas, fazem justamente o oposto, com raras
exceções, mas que de alguma forma, nessa compensação, às vezes cometem gafes.
Freire Filho (2004, p. 49) concorda que “Os meios de comunicação de massa são a grande
fonte de difusão e legitimação dos rótulos, colaborando decisivamente, deste modo, para a
disseminação de pânicos morais”. É dessa forma que o cinema poderá contribuir positivamente
ou negativamente com uma informação, pois a propagação do cinema é deveras maior.
Muitos fenômenos que são estudados são ou partes inerentes da ideologia ou substitutos
teóricos dela. Isso vale para conceitos, como hábitos, preconceitos, estereótipos, sistemas de
crenças, psicológica, etc. Quando ocorre a discriminação contra um grupo, não são expressados
apenas preconceitos sobre essa categoria, mas também uma aversão ou desprezo que eles estão
indissoluvelmente ligados.
Paulo Freire (1996, p. 31) argumenta que “mesmo qualquer discriminação por menor que
seja, é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça a força dos condicionamentos
a enfrentar. A boniteza de ser gente se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever
de brigar”.
Com relação ao estigma, este pode se referir as marcas que um indivíduo, grupo ou povo
carregam e como este valor pode ser acentuadamente negativo e até mesmo pejorativo. É difícil
imaginar a situaçãoembaraçosa que se passa na cabeça de um indivíduo que está sendo vítima de
algum preconceito, mesmo que este seja de forma sutil, indireta.
Definitivamente não deve ser nada fácil reconhecer que aquilo que está sendo mostrado,
estána verdade carregado de um valor negativo, pois está de alguma forma marginalizando algum
grupo, excluindo-o, tornando-o piegas, e assim está dificultando a perspectiva de ser tratado com
dignidade ou mesmo de oportunidades iguais. O que indubitavelmente dificulta são os meios de
comunicação de massa que perpetua àquela imagem ruim ao longo de várias gerações, fazendo
assim com que o indivíduo estigmatizado incorpore através de sua identidade um atributo que vai
corresponder a um valor social negativo. Sem dúvidas, um aspecto que é deveras importante nesse
processo é que o atributo negativo pode ser internalizado pelo indivíduo e pode ser um aspecto
importante de sua auto-imagem e por sinal, também de sua autoestima.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 637


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Vigotski (1997 p.39) constata que

Consideramos que o grau de desenvolvimento cultural de uma pessoa expressa-se não só pelo
conhecimento por ela adquirido, mas também por sua capacidade de usar objetos em seu mundo
externo e, acima de tudo, usar racionalmente seus próprios processos psicológicos. A cultura e o
meio ambiente refazem uma pessoa não apenas por lhe oferecer determinado conhecimento, mas
pela transformação da própria estrutura de seus processos psicológicos, pelo desenvolvimento
nela de determinadas técnicas para usar suas próprias capacidades.

Chega-se ao ponto em que a influência dos meios de comunicação de massa, seusconteúdos,


sua participação na vida da coletividade, interferem na subjetividade humana.
Para Ana Bock (2011, p. 155) a importância das informações transmitidas vai ser
preponderante se conseguir atingir todos. “Uma das formas é pela maneira como influenciam
a constituição da dimensão subjetiva da realidade”. Sempre vai ser necessária alguma coisa
representativa que justifique toda a realidade abstrata, e nada mais apropriado que os meios
de comunicação de massa para justificar e cumprir de uma forma cabal esse papel, difundindo
ideias, valores, crenças, opiniões que vão ser consolidadas e internalizadas pelas pessoas nas suas
atividades diárias.
De fato, isso não é algo recente, isto é, isto já se faz há muito tempo, mesmo em tempos
difíceis,como na época da Grande Depressão, o cinema sempre teve sua grande importância na
vida das pessoas.Conforme as palavras de Eric Hobsbawn (1997, p. 155) “o cinema sempre foi
uma importante veículo de massa mundial, mesmo quando o cinema ainda era mudo, contudo
com a linguagem falada isso assume uma maior internacionalização já que o idioma utilizado nos
filmes era o inglês, e este se consolidou como uma língua global graças a indústria Hollywoodiana
americana com suas grandes produções na era dourada do cinema”.
As representações de personagens negros, latinos apresentam muitas celeumas, sendo de
certo modo muito limitados e negativos a maioria dos papeis. O pior de tudo, é que isso se torna
muito natural, pois se vêessas pessoas nesses papeise associa-se determinadas características a
esses grupos. Raramente são papeis de grande notoriedade e respeitabilidade. Sendo assim, será
feita uma abordagem do racismo e dos estereótipos no cinema, tratando inicialmente da questão
do racismo, depois veremos os estereótipos em outros filmes.

Filmes que tratam diretamente do preconceito racial

Cão Branco (1982)

O primeiro filme que será abordado é o surpreendente e quase desconhecido filme “White
Dog, traduzido no Brasil como “Cão Branco”, do ano de 1982. Este filme, por sinal, chegou a ser
boicotado pela produtora Paramount de passar nos cinemas dos Estados Unidos na época, por
considerar a temática forte demais, por considerá-la racista. Contudo, na Europa, este filme pode
ser assistido e foi aclamado pela crítica pela incomensurável profundidade e complexidade, com a
qual o polêmico diretor Samuel Fuller trata essa questão do racismo.
Talvez seja o primeiro filme que trata do ódio racial ensinado e condicionado a um animal,
que neste caso é um cachorroda raça Pastor Alemão, de cor branca, treinado por donos racistas
para atacar e matar pessoas negras. É um filme baseado em uma história real.
Havia na África do Sul nos tempos de Apartheid, cães brancos treinados exclusivamente para
atacar negros. Nos EUA também existiram esses cães com esse tipo de treinamento. No filme, a
história é semelhante, porém nos EUA. Segundo a descrição do adestrador Keys, esses cães vêm
de uma linhagem de cachorros treinados há mais de 100 anos, na época,treinadospara perseguir
e capturar escravos negros e posteriormente, para perseguir prisioneiros negros. Embora os cães

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enxerguem em preto e em branco, os cães foram transformados em racistas por condicionamento
por que os donos racistaspagavam pessoas negras, alcoólatras ou viciadas em algo, que por sua
vez aceitavam fazer qualquer coisa pelo vício,para simplesmente bater em seus cães enquanto eles
eram filhotes, e essas surras metódicas dadas por negros plantavam nos cães a semente do medo,
e o medo se tornou ódio por pessoas negras, é claro que o ódio não era racial, e sim visual, já que
eles atacavam pessoas da cor negra, temendo que as pessoas negras lhes atacassem primeiro.
Na história do filme, a atriz Julie Salwyer atropela o cachorro e o leva para sua casa, e
posteriormente, adota-o. Inicialmente o cachorro parece ser um animal dócil, amigo e muito
protetor para Julie, mas para as outras pessoas ele se torna um animal muito bravo, porém
contra os negros, ele se mostra extremamente feroz.Ela percebe isso, e procura reeducá-lo com
um adestrador negro, Keys, que por sinal, também é um domador de animais selvagens, para que
ele se transforme em um animal dócil. Keys aceita o desafio de tirar o condicionamento, e de que
acima de tudo, não é eliminando o cão e sim o racismo, mas tudo isso é em vão. O cão continuou
com seu instinto feroz, matou um cidadão negro dentro de uma igreja, e feriu outras três pessoas
negras, sendo sacrificado na cena final do filme, pois não havia mais nenhum método adequado
para recuperá-lo, ele já havia se tornado um cão “racista” por condicionamento.
Neste filme pode-se observar que o preconceito pode ser construído pouco a pouco, e
depois de construído, fica difícil demolir sua estrutura, já que os seus alicerces ficaram plenamente
estabelecidos, no que diz respeito à mente de alguém, este pode se tornar algo quase indelével.
É evidente que o cachorro não tem culpa, pois foi condicionado a odiar pessoas pela aparência,
mas o que se vê é que ele se transformou em uma arma e também numa ponte entre a vítima
e o verdadeiro agressor, o seu dono racista. No entanto, assim como é no caso do cachorro
do filme, com os seres humanos poderá ocorrera mesma coisa, o comportamento racista pode
ser apreendido paulatinamente, e assim ações destrutivas poderão ocorrer contra outrem. O
que aconteceu foi a sistematização do ódio que se tornou irreversível. Isso corrobora a teoria de
Skinner do condicionamento. Alguns eventos tendem a ser reforçadoresde comportamento para
toda uma espécie. Existe o condicionamento, mantido por uma sequência de respostas.
Para Skinner (1982)

Subestimamos amiúde o fato de que o comportamento humano étambém uma forma de


controle. Que um organismo deva agir paracontrolar o mundo a seu redor é uma característica
da vida, tanto quantoa respiração ou a reprodução. Uma pessoa age sobre o meio e aquiloque
obtém é essencial para a sua sobrevivência e para a sobrevivênciada espécie. (p. 145-164)

Por outro lado, em outro ponto de vista, o filósofo francês Michel Foucault (1987, p. 121)
diz que “o controle disciplinar não consiste simplesmente em ensinar ou impor uma série de gestos
definidos”.

Tempo de Matar (1996)

Outro filme que aborda o preconceito racial é o filme Tempo de Matar, do ano de 1996. Este
filme conta a história de Carl Lee Hailey, um homem que teve a sua filha brutalmente estuprada
por dois homens da cidade de Canton, estado do Mississipi. Como Carl Lee já conhecia a legislação
favorável aos brancos, ele previu a não punição dos dois homens, e decidiu fazer justiça com
as próprias mãos, matando os dois homens. O contexto histórico do filme mostra o sul norte-
americano, numa época onde os negros eram marginalizados e o racismo imperava nas relações
sociais. Grupos como a KluKluxKlan utilizavam, alguns preceitos do pensamento nazista como
a idéia da raça ariana e da superioridade dos brancos em relação aos negros e judeus em uma
espécie de guerra civil ou apartheid entre brancos e negros. A ousadia de Jake, o advogado branco

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 639


NO ONTEXTO BRASILEIRO
de Carl Hailey, personifica a busca por mudanças estruturais na sociedade, enxergando e tentando
mostrar que estruturas postas podem ser destruídas. Jake conseguiu a absolvição de Hailey por
fazer com que os jurados deixassem de olhar o caso através do racismo e sim, fizessem uma
reflexão e enxergassem com seus valores mais puros o que havia ocorrido. Neste filme, percebe-se
como é o racismo em determinadas sociedade, como ele é disseminado, mas também nos mostra
como ele pode ser rejeitado por pessoas que não concordam com tal ideologia.
Isso só realça os argumentos de Nazaré Costa (2004, p. 17) que afirma que cada indivíduo
vai se comportar de um jeito próprio em determinada situação em virtude da história de vida de
cada um em seu contexto que vão reforçar determinados comportamentos. “Em suma. o EU não
é um agente interno ao homem e causador de uma ação, mas sim comportamentos instalados a
partir da história de reforçamento do indivíduo em interação com o meio cultural”.

Não Chame a Polícia (1993)

Este filme conta a história de um famoso escritor negro, Andrew Sterling. Este compra uma
casa em uma ilha que sempre teve moradores brancos. Antes de fazer a mudança definitiva para
a casa ele vai conhecer melhor a casa, seus vizinhos que não sabiam que os antigos moradores
haviam se mudado, observam pela janela que há um novo morador e percebem que ele é negro,
daí eles associam-no a um ladrão, logo, não decidem hesitar, e chamam a polícia imediatamente.
Quando os policiais chegam até a casa de Andrew Sterling, eles ficam a certa distância. Quando
Sterling sai da casa com a chave do carro, esta é confundida com uma arma, e os policiais disparam
contra Andrew. Ele sobrevive, e chama a polícia. Eles percebem que cometeram um gravíssimo
engano, pois não sabiam que Andrew Sterling era negro. Daí o chefe de polícia tentando remediar
o equívoco, tenta armar uma situação real de sequestro ao fazer um acordo para que o único
detento, Amos, um prisioneiro branco, vá até a casa de Sterling e arme esta situação, para que
aquilo se configure um crime de verdade. Não dá certo, porque Andrew Sterling e Amos se tornam
amigos, apesar da situação, e tudo dá errado para o chefe de polícia.
Assim, conclui-se que houve dentro da situação um equívoco proporcionado pelo
preconceito racial. Na prática, são muitos os casos em que os policiais americanos, munidos do
preconceito e de um estereótipo negativo a respeito de negros, não hesitam em atirar e matar os
“suspeitos” negros, legitimando a sua força contra eles e cometendo injustiças sem proporções.
Para o filósofo Bertrand Russel (2013,p. 32) “As ações dos homens são danosas quer pela
ignorância, quer pelos maus desejos”.

Homens de Honra (2000)

Este filme dramático “Homens de Honra” mostra a história real do primeiro homem negro
a se tornar mergulhador-chefe da Marinha americana. Assim como no filme Tempo de Matar,
aqui o racismo é evidente e escancarado. Nesta época, meados dos anos 50 e 60, a sociedade
estadunidense era extremamente racista, e aqui havia a discriminação racial inexorável, já que
oportunidades e serviços eram negados aos indivíduos negros. Entretanto, houve alguém que
conseguiu quebrar essas regras racistas: Carl Brashear.
Carl Brashearentrou para a história como o primeiro negro a se tornar mergulhador chefe
da Marinha dos E.U.A.Com muita perseverança e determinação, ele conseguiu este feito,que para
muitos naquela época era impossível, afinal de contas, ele enfrentou com honra toda a oposição
dos colegas, do chefe racista Billy Sundaye do alto escalão da Marinha que, por sinal, também era
altamente discriminatória.
Aqui neste filme, embora o preconceito fosse dominante naquela época, nem todos
compartilhavam desta imagem negativa a respeito de pessoas negras, o que fez com que Carl
vencesse apesar dos obstáculos na busca de seu sonho.

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Nada a Perder (1997)

Neste filme, prevalece o típico estereótipo de um indivíduo negro como malandro,


interpretado pelo ator Martin Lawrence. Esse personagem chamado Terrence, inicialmente aparece
como um assaltante, ele assalta o personagem branco e bem-sucedido, Nick Beam, interpretado
pelo ator Tim Robbin, em um sinal de trânsito. Posteriormente, no decorrer da história, eles se
tornam amigos, e Nick Beam descobre que o seu algoz, apesar de morar em um bairro violento,
possui uma família estruturada, e que possui muitos certificados em diversos cursos técnicos, mas
sempre as empresas recusaram-no por ele não ter experiência e nem ter curso superior, e é claro,
por ser negro. Daí, Nick reflete sobre a situação desesperadora que o seu, agora amigo, agisse
contra os próprios princípios ao assaltá-lo (com uma arma de brinquedo) e decide arrumar um
emprego para Terrence. Apesar de tudo terminar bem no final do filme, quando assistimos este
filme com um olhar mais reflexivo, notamos um caso clássico de discriminação racial. Terrence
só conseguiu obter um emprego, graças à condescendência de Nick, que o conheceu em uma
situação inusitada. Nick reconheceu a bondade de Terrence, e observou suas qualidades.
Nesse ponto Paulo Freire (1996, p. 52) constata que nós podemos observar e comparar,
e assim decidir o que é realmente certo, ao efetuarmos nossas escolhas que nos farão seres
éticos, jamais podemos aceitar “a transgressão como um direito, mas como uma possibilidade.
Possibilidade contra que devemos lutar e não diante da qual cruzar os braços”.

Considerações Finais

Este trabalho objetivou mostrar as diferentes formas em que os preconceitos e os estereótipos


são caracterizados no cinema. O presente estudo almejou ampliar a criticidade das pessoas com
relação àquilo que elas veem, mas não se dão conta do efeito daquilo em suas mentes. Notam-
semudançasnos discursos, porém, as abordagens continuam quase as mesmas. Lamentavelmente,
às vezes o cinema de certa forma reforça alguns estereótipos raciais. Entretanto, o cinema procura
colaborar positivamente para a superação dos preconceitos raciais em filmes dramáticos que
mostram lições de vida de pessoas que enfrentaram muitas dificuldades, mas que conseguiram se
superar e vencer os obstáculos em suas vidas. O cinema assume o papel de expor opiniões, formar
conceitos, e também elucidar a verdade, não escondendo fatos sobre determinados assuntos.
Portanto, diante da imensa relevância do cinema em nossas vidas, de como ele pode
influenciar milhões de pessoas em todo o mundo pelo olhar, esse estudo foi muito importante
por que procurou elucidar conceitos e por tentar de alguma forma resgatar o olhar crítico sobre
o cinema.

Referências

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Infancia-Dificil.

642  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA TUBERCULOSE: O
OLHAR DO CONSULTÓRIO NA RUA
Wildo Navegantes de Araújo
Josenaide Engracia dos Santos
Melina Mafra Toledo
Talita Mosquetta Maleski Almeida

Introdução

O
tema tuberculose possui várias facetas e contextos, que não se esgotam,
principalmente depois da implantação, em 2011, do consultório na rua pela Política
Nacional de Atenção Básica, com o objetivo de ampliar o acesso da população
de rua aos serviços de saúde (Brasil, 2012). A população em situação de rua é conceituada
como grupo populacional heterogêneo, constituído por pessoas que têm em comum a garantia
da sobrevivência por meio de atividades produtivas desenvolvidas nas ruas, vínculos familiares
fragilizados e a não referência de moradia regular (Brasil, 2012b), população que padece de vários
problemas de saúde, inclusive a tuberculose.
Apesar de curável a tuberculose é a maior causa de morte por doenças infecciosas em adultos
e a segunda causa mundial de mortalidade. Anualmente, são notificados cerca de seis milhões
de novos casos em todo o mundo, dos quais mais de um milhão vão a óbito (Brasil, 2014). No
Brasil, foram notificados 70 mil casos em 2012, com taxa de incidência de 36,1 casos por 100.000
habitantes, e mortalidade, de 3,4 óbitos por tuberculose por 100.000 habitantes. Em 2011, o que
coloca o país na 16ª posição entre os 22 países com a mais alta taxa de infectados de tuberculose
notificada (WHO, 2012; Brasil, 2014).
A tuberculose integra também o elenco das doenças negligenciadas, ou seja, das que
não mereceram investimento de parte dos programas de atenção e tratamento. É interessante
observar que as chamadas doenças negligenciadas coincidem com as que afetam principalmente
as populações negligenciadas, as que fazem parte das margens das cidades globais dos diversos
países: populações de rua, populações encarceradas, usuários de drogas, trabalhadores do
mercado sexual, ou seja, populações de difícil acesso a ações de saúde pública (Adorno, 2011).
Neste sentido, o tratamento dessa doença exigiu a formulação de políticas públicas de saúde
particulares para tal população, em convergência com as diretrizes de atenção básica e a lógica
da atenção psicossocial, garantindo-lhe o acesso dessa a outras possibilidades de atendimento no
Sistema Único de Saúde.
Os consultórios na rua, integram a rede de atenção psicossocial, para atender os diferentes
problemas e necessidades de saúde da população em situação de rua (Ferreira, 2005), atendimento
que segue diretrizes da Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua,
que preconiza estratégias que os profissionais que atuam junto a esse público tenham sensibilidade
em lidar com o contexto de exclusão, o preconceito e estigma (Brasil, 2009).
Os consultórios na rua, inclui a atenção a tuberculose como parte de estratégias do

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 643


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Sistema Único de Saúde, como um modelo racionalizador e pragmático de atenção a partir
de sua especificidade. Os consultórios na rua são formados por equipes multiprofissionais,
compreendendo as seguintes especialidades: Enfermagem; Psicologia; Assistência Social, Terapia
Ocupacional, Medicina e Odontologia (Brasil, 2012b), que prestam atenção integral à saúde da
população em situação de rua in loco (Ferreira, 2005).
O trabalho do consultório de rua caracteriza-se pelo uso de tecnologia leve, como o
acolhimento, o vínculo, o cuidado como maneira de se comunicar com o sujeito para produção
de um projeto terapêutico (Merhy, 2002). A estratégia a ser utilizada pelos profissionais do
consultório na rua com pessoas com tuberculose deve ser criativa, horizontal e interdisciplinar, com
diálogo junto ao paciente para atendimento de suas necessidades. A prática desses profissionais
é dotada de significados, sistemas de valores, normas e símbolos influenciado por determinados
grupos em condições históricas, socioeconômicas e culturais específica.
A conduta dos profissionais e as ações realizadas, refletem a ideologia - que não se
desvincula da linguagem - presente no cotidiano do consultório na rua e que propõe-se a estimular
processos de cuidado com a saúde e autonomia dos usuários. A importância das representações
sociais está no fato de que elas expressam as condições reais vivenciadas. Para Moscovici, (2003),
as representações sociais é percebida como modalidade de conhecimento prático, orientada à
comunicação e à compreensão do contexto social. Desse modo é importante investigar o universo
dos profissionais que se manifestam em palavras, sentimentos e condutas, quanto a tuberculose.
Nesse panorama, é importante entender as representações sociais acerca da tuberculose na
perspectiva dos profissionais do consultório de rua.

Método

Pesquisa qualitativa, utilizou-se para análise o discurso do sujeito coletivo, estratégia


metodológica, que consiste para Lefèvre e Lefèvre (2004), forma qualitativa de representar o
pensamento de uma coletividade, agregando, em um discurso-síntese. Tendo como fundamento
a teoria da representação social, o discurso do sujeito coletivo é uma modalidade de apresentação
de resultados de pesquisas qualitativas que comporta depoimentos como matéria-prima sob a
forma de um ou vários discursos-síntese, escritos na primeira pessoa do singular, expediente que
visa expressar o pensamento de uma coletividade (Lefrève, Crestana & Cornetta, 2003). Assim,
cada indivíduo entrevistado no estudo, contribui com sua cota de fragmento de pensamento
para o pensamento coletivo que apesar de expresso de forma individualizada, é socialmente
compartilhado, traduzindo a natureza do pensamento coletivo (Lefèvre & Lefèvre, 2004).
A pesquisa foi realizada com profissionais do consultório de rua. O perfil dos profissionais
que aceitaram participar da pesquisa era composto das seguintes categorias profissionais:
enfermeiro (3), psicólogo (3), médico (3), assistente social (3) e técnico de enfermagem (4), total
de 16 profissionais de saúde. Onze mulheres e quatro homens. A média de tempo de serviço, foi
de 2 anos.
Para a coleta de dados, foi utilizada entrevista semiestruturada. A análise dos dados
consistiu em selecionar, de cada resposta individual a uma questão, as Expressões Chaves, que
são os trechos mais significativos destas respostas. A essas Expressões Chaves correspondem
Ideias Centrais, que são a síntese do conteúdo discursivo. Com o material das Expressões Chaves
e das Ideias Centrais semelhantes constroem-se o discurso do sujeito coletivo -síntese, na primeira
pessoa do singular, com um número variado de participantes. Para Lefèvre & Lefèvre, (2005),
nestes discursos, o pensamento de um grupo ou coletividade aparece como se fosse um discurso
individual. Os discursos para Lefèvre; Lefèvre & Marques(2009) é sobre como a coletividade pensa,
e como este pensamento se distribui no espaço social. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde do Distrito Federal /
Distrito Federal sob o número 979139/2015

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Resultados

Expressões Chaves. Espanto e apreensão

Ideia Central. Os profissionais utilizam expressões de medo e surpresa diante do desafio de


produzir cuidado junto as pessoas com tuberculose em situação de rua e na rua.
Discurso do sujeito coletivo: E aí, quando me ofereceram uma vaga, que tinha no consultório na
rua, eu falei: Vou. E a cabeça da gente muda. Quando eu cheguei, eu assustei. Então, eu não nego que foi
chocante. Eu pensei: “Gente, eu não vou conseguir trabalhar com essas pessoas.” Por medo, né!? Não era nem
por discriminação; medo mesmo. Eu falei: “Não existe um protocolo de saída, de como transportar o paciente; se
aborda em uso, se não aborda em uso, se vou contaminar. Como é que é?” Porque, até então, era o meu medo
do desconhecido mesmo. Uso jaleco! Uso máscara! A gente está acostumada a atender em sala, e em mesa, né!?
E ter esse distanciamento na mesa. Na rua, você tem que abaixar para conversar com a pessoa, porque é um
ambiente que não é controlado, né? Eu estou aprendendo a ser um profissional que atende pessoas em situação de
rua na rua. E, com o tempo, você vai se sentindo mais à vontade naquele ambiente que não é ambiente nenhum,
né! A rua, o sofrimento é maior, né!? Porque, é uma realidade difícil de você trabalhar. Então, eu não tinha a
prática (clínica) de lidar com tuberculose na rua. A experiência é boa, é diferente. Eu achei que eu tinha um perfil,
mas eu acho que o perfil, a pessoa vai adquirindo conforme a (sua) necessidade, no serviço que você está e as
trocas que acontece.
O Discurso do sujeito coletivo vem embevecido do modelo biomédico, uma maneira de pensar
e produzir cuidado. O discurso situa as dificuldades em compreender os fatos mais fundamentais
de cuidado das pessoas em situação de rua e na rua. Todavia, citando Freud, eles decidem não
simplificar a situação de medo; nada ocultam, ao contrário, relatam as suas dificuldades e receios
diante da nova empreitada. “Se não conseguirmos ver as coisas claramente, pelo menos veremos
claramente quais são as obscuridades” (Freud, (1926/1996, p. 124).
O Discurso do sujeito coletivo expõe elementos técnico-instrumentais quando faz menção
ao atendimento com sala e mesa, porque na rua faltam inclusive paredes. Estamos sobre a luz
do sol, o vento, o frio, o calor. A sujeira, o forte odor. O medo da polícia e da chuva. Estranhas
sensações. O discurso, deixa claro que os profissionais saúde assume o estranhamento e sua
posição no processo de trabalho. O encontro com histórias de vida em contextos angustiantes no
seu próprio desenrolar, o que, para os profissionais, parece algo assustador seja com as drogas
e tuberculose, é uma intervenção literalmente no território, fugindo do modelo biomédico. Para
Rotelli(1992), é o deslocamento da intervenção terapêutica para o contexto social das pessoas
não pode ocorrer no sentido de “medicalizar, psiquiatrizar ou psicologizar” o território, mas no
sentido de romper com o mandato social de controle e normalização, de inventar projetos de vida
e produzir regimes de sociabilidade.
Um desafio de cuidar em uma imersão de tanto sofrimento acaba por favorecer segundo De
Marco (2006), uma visão integral do ser e do adoecer nas dimensões física, psicológica e social.
No Discurso do sujeito coletivo, a vivência com pacientes de tuberculose na rua, produziu novas
experiências e novas interações sociais, o que de certa forma pode modificar a forma de ver a
tuberculose e a pessoas em situação de rua. Como afirma Blumer (1966), o significado surge no
processo de interação social, e os significados são modificados através de um processo interpretativo
que envolve indivíduos capazes de refletir sobre si mesmos, interagindo simbolicamente uns com
os outros.

Expressões Chaves. Doença como tabu e estigmatizante

Ideia Central. Doença permeia o imaginário dos profissionais por crenças relacionadas ao
contágio e rodeadas por estigma, apesar do avanço científico no tratamento.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 645


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Discurso do sujeito coletivo: “Meu Deus, eu tenho que atender essa paciente, mas, meu Deus, eu não
quero que me dê tuberculose!” “E esse negócio? Como é que vai ser isso para mim? Eu vou passar para os meus
filhos?” Sabe, essas coisas? Então, eu acho que o que foi específico para mim, da tuberculose, foi essa questão de
ser contagioso, de passar. Eu acho que é um dos piores agravos. É um quadro que mexe muito com a gente, muito
mais pelo estigma da tuberculose. Mas assim, realmente, foi um processo que, para mim, eu fui construindo,
assim, de tirar essa coisa de mim, né!? De que não é desse jeito. É verdade. Você pega uma gripe, você pega. Às
vezes trabalha anos e anos com aquilo e nunca pegou, né! Aí, eu venho aqui, do nada eu pego uma doença que
não tem nada a ver. A tuberculose hoje pode ser muito comum, mas é um agravo muito sério; a gente sabe que
é uma doença grave, que é contagiosa, que vai dar trabalho para cuidar e a equipe ficou um pouco temerosa de
transportar o paciente no carro, se transmitia e tal. Então, a gente foi descobrindo as coisas assim, aos poucos.
Representa uma fragilidade do corpo. São as pessoas mais vulneráveis que podem pegar tuberculose porque, elas
não se protegem...” E eu fiquei assim, num primeiro momento, um pouco assustada. Uma doença que é tão
estigmatizada, né, que envolve tanto preconceito, que afasta as pessoas mesmo.
Os discursos mostram que, a respeito da tuberculose, os profissionais adotam uma
perspectiva claramente nominalista, ou seja, o que importa não são os sintomas que o indivíduo
apresenta, mas a forma como eles são percebidos e categorizados por aqueles que estão ao seu
redor (Goffman, 1988). Ainda é uma doença envolta em tabus e crenças de natureza simbólica e
cercada por um forte estigma, evidenciado desde épocas remotas e entre os mais diferentes povos.
Apesar dos avanços científicos que tornaram disponíveis tratamentos eficazes, ainda hoje
as crenças populares sobre a tuberculose são de medo. A concepção que emerge no discurso
do sujeito coletivo sobre a etiologia e o contágio da doença não se restringe aos conhecimentos
biomédicos, mas incluem um amplo leque de diferentes compreensões e possibilidades, não
são reconhecidas pelos serviços de saúde, mas que representam construções sociais da doença
(Gonçalves, 1998). Transparece no discurso do sujeito coletivo que a tuberculose é uma doença
que passa de uma pessoa para outra, uma interpretação dos profissionais orientados por
categorias cognitivas socialmente construídas. Para Moscovici(1978) nenhuma mente está livre
dos efeitos de condicionamentos anteriores que lhe são impostos por suas representações,
linguagem ou cultura. Nós pensamos através de uma linguagem; nós organizamos nossos
pensamentos de acordo com um sistema que está condicionado, tanto por nossas representações,
como por nossa cultura.

Discussão

Um primeiro ponto a ser destacado é sobre o estigma e o preconceito que rondam a


tuberculose. Considerada um horror, que no imaginário das pessoas ainda assusta e fortalece-a
enquanto um tabu, um objeto de interdição, onde o sintoma extremo do doente é seu isolamento
e a relação de medo das pessoas, remetendo-o a estigmatização. Para Goffman (1988, p. 7)
estigmatização é o processo ou a situação do indivíduo que está inabilitado para a aceitação
social plena. Compreender a tuberculose podemos dizer que é um ato interpretativo, pois envolve
reflexão e, em alguma medida, distanciamento. Isto é, o sujeito se volta sobre suas próprias
experiências para interpretar a tuberculose, é o que acontece no discurso do sujeito coletivo.
No discurso, as experiências passadas e presentes em alguma medida criaram um estoque
de conhecimento que fundou o código de interpretação e tornou a tuberculose como uma doença
temida ainda por ser expressão de algo que é socialmente digno de censura, bem como por
representar o estágio último de miséria humana (Porto, 2007). Ferreira (1994) procura demonstrar
como a interpretação da doença se guia por categorias cognitivas socialmente construídas e essas
representações acerca da doença estão visceralmente ligadas aos usos e às representações sociais
que as pessoas fazem relacionada a doença e como se posicionam frente ao tratamento.

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O discurso mostra a divergência que ocorre no cotidiano, ou seja, a contradição do
modelo de assistência à saúde para pessoa em situação de rua e do que realmente se estabelece
na prática com os profissionais do consultório de rua ao lidar com a tuberculose. A discussão
sobre a tuberculose, tem alardeado os profissionais as vezes de forma distorcida, quanto a sua
percepção. Ao mesmo tempo em que se reacende a discussão sobre a temática, são surpreendentes
a superficialidade e o tratamento preconceituosos que emergiram no Discurso do sujeito coletivo.
As evidências e significados encontrados neste estudo podem ser utilizadas como arcabouço
teórico e contribuir para o planejamento de ações das equipes dos consultório de rua, não somente
no que tange a atenção à tuberculose, mas de maneira a repensar as práticas e modelos utilizados
na atenção às pessoas em situação de rua.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 647


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A PRÁXIS COMO FORMA CRÍTICA NA
PSICOLOGIA SOCIAL
Vinícius Furlan
Emanuel Messias Aguiar Castro

Introdução

E
sta apresentação se trata de um trabalho de cunho teórico que visou recuperar o
modo como operam as noções de crítica e práxis na Psicologia Social criticamente
orientada.
Para tanto, como método para nossa reflexão, recorremos a pesquisa de caráter
bibliográfico (Gil, 1987), a qual, a partir de fontes secundárias já trabalhadas por outros autores,
recuperamos as discussões de autores alinhados a esta tradição da Psicologia Social, cotejando
os desdobramentos da noção de práxis em sua interface com a forma crítica nos fazeres e saberes
psicossociais, na medida em que a práxis conforma o conceito nodal que articula as proposições
e fundamentos da Psicologia Social Crítica.

Desenvolvimento

Desde sua emergência em meados dos anos 70, a Psicologia Social Crítica tem se tornado um
saber cada vez mais comum ao corpo epistêmico das Psicologias (Molón, 2002; Ozella &Sanchez,
2001).
Na construção desta perspectiva podemos identificar alguns sentidos que lhes dão os
significados de sua especificidade, a saber: a) um sentido epistemológico; b) um sentido
metodológico; c) um sentido ontológico; d) um sentido axiológico; e, e) um sentido ético-político.
Reconhecer seu sentido epistemológico significa entender que a Psicologia Social de
orientação crítica buscou, em seus primórdios, tomar como base epistêmica o pensamento
materialista-histórico e dialético, especialmente os estudos de Marx, bem como a autores ligados a
Psicologia Soviética, como Vygotsky, Luria e Leontiev, e outros neomarxistas, dos quais Habermas,
os Frankefuteanos, Heller, Pêcheux, Althusser, dentre outros. Embora, em seu panorama atual,
tenha recuperado autores alinhados a outros pensamentos filosóficos, como a filosofia da
diferença e os pós-críticos, bem como, nalguns casos, os estudos da psicanálise.
Em seu sentido metodológico, fazendo jus a sua episteme de base, recorre a práxis
enquanto método e possibilidade de transformação da realidade. Neste sentido, aponta Lane
(1994), significa reconhecer que o pesquisador é também produto histórico-social e intervém nas
relações sociais na interação com seu campo de pesquisa, para tanto, pesquisar sempre implica
intervenção. Assume, assim, a premissa de Marx nas Teses sobre Feuerbach de que por muito se
buscou compreender o mundo, agora é preciso transformá-lo.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 649


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A metodologia na Psicologia Social Crítica, apesar de resguardar o movimento da práxis,
tem ampliado suas possibilidades e se constituído enquanto um conjunto de metodologias
críticas, as quais ora podem se apresentar como distintas ora até contraditórias, mas resguardam
o significante da crítica enquanto eixo comum, que aponta para uma práxis criadora em pesquisa
social (Furlan, Holanda &Castro, 2015).
O sentido ontológico parte da compreensão de que o homem é produto e produtor da
história e da sociedade, constituído social e historicamente. Recuperar uma ontologia do
sujeito que reconhecia seu processo de formação forjado a partir das relações sociais, mostrou-
se enquanto um primado revolucionário para os saberes da ciência psicológica diante de seus
enquadres biologizantes e naturalistas do comportamento humano. A guinada por uma ontologia
do ser social, deste modo, possibilitou novas nuances sobre os saberes psicológicos sobre o
humano, que compreende que este homem biológico também fala, pensa, é cultura, é história
(Lane, 1994). Assim, o homem em sua totalidade é compreendido a partir de suas relações sociais
num dado contexto que o condiciona.
Em seu sentido axiológico a Psicologia Social parte da negação do primado da realidade
psicológica do mundo em nome de uma realidade socialmente construída. Parte, portanto,
da compreensão de que éna relaçãoque o homem estabelece com o mundo concreto que se
produzem os signos da realidade material dando condições a materialidade psicológica, já que
esta realidade é produto histórico e dialético e de relações sociais entre os homem entre si e com o
mundo (Lane, 1994), o que permite desvendar “a ideologia da não transformação do ser humano
como condição para a não transformação da sociedade” (Lane, 2009, p. 12).
O ético-político assume um compromisso com a transformação social da realidade a fim
de colaborar para a contrução de uma sociedade mais justa e igualitária.Nesta esteira, busca
se inscrever num movimento histórico que visa contribuir com a dimensão humano-genérica da
humanidade (Heller, 2008), ou seja, ela pode e tem buscado se elevar enquanto consciência de
“nós” comunidade humana e se inserir na dimensão ética coletiva de colaboração com o bem
comum de todos os homens.
Além destes sentidos também podemos identificar algumas premissas centrais quanto a
criticidade desta tradição: 1) crítica à psicologia, 2) crítica à tradição positivista e experimental,
e 3) crítca à sociedade, por conseguinte, ao capitalismo.
Com relação a crítica à psicologia, Lane (1994) discute um texto específico no qual discorre
acerca da proposição de uma nova concepção de homem na perspectiva da Psicologia Social.
Para Lane, a “desconsideração da psicologia em geral, do ser humano como produto histórico-
social, é que a torna, se não inócua, uma ciência que reproduziu a ideologia dominante de uma
sociedade” (1994, p. 12). Deste modo, a autora afirma que “toda psicologia é social”, não no
sentido de reduzir as especificidades conceituais de cada área de atuação, mas demarcando a
partir de cada especificidade “a natureza histórico-social do ser humano” (Lane, 1994, p. 20).
A crítica à tradição positivista e experimental se refere ao fato de que os estudos sustentados
neste modelo se preocupavam com a descrição de comportamentos restritos no espaço e no
tempo, e não consideravam a relação entre infra e superestrutura da sociedade, repruduzindo
a ideologia dominante e pautando-se na observação de frequências de comportamentos tidos
como naturais e universais.
A crítica ainda se orientava no sentido de que o positivismo, na busca pela objetividade
absoluta, perde o ser humano em sua condição histórica bem como na desconstrução do mito da
neutralidade científica, assumindo claramente o caráter interventivo do pesquisador.
A crítica à sociedade orienta-se no sentido de desvelar as contradições que imperam na
estrutura societária, as condições desiguais e segregadoras, as formas opressoras e hegemônicas
de dominação, exclusão e marginalização das classes sociais, que impedem a emancipação social.

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Isto implica, por sua vez, uma práxis que tenha como horizonte a emancipação social da
humanidade, a qual, para Marx (2010), tem como base a superação das condições materiais que
produzem alienação, e assim se efetive concretamente a liberdade humana,que exige, por sua vez,
a superação dos interesses sócio-político-culturais e econômicos da sociedade capitalista e ainda
mudanças na rede de relações sociais “apolíticas” – do mercado à família -, que podem se dar
por fragmentos emancipatórios pelos rompimentos e negação do status quo, e também podem
ser feitas fora da esfera dos direitos legais dos mecanismos democráticos, os quais, não podemos
esquecer, funcionam como parte dos aparatos estatais do Estado “burguês” que garantem a
manutenção das relações de produção capitalista.
Nesta esteira, podemos entender, acompanhando Nobre (2003), que essa perspectiva de
Psicologia Social comporta as duas dimensões que fundamentamas teorias críticas, a saber: um
conhecimento que se orienta à luz da emancipação e que expressa um comportamento crítico de
si mesmo.
Conforme demarca o autor, uma

(...) Teoria Crítica não se limita a descrever o funcionamento da sociedade, mas pretende
compreendê-lo à luz de uma emancipação ao mesmo tempo possível e bloqueada pela lógica
própria da organização social vigente. De sua perspectiva, é a orientação para a emancipação
da dominação o que permite compreender a sociedade em seu conjunto, compreensão que
é apenas parcial para aquele que se coloca como tarefa simplesmente “descrever” o que
existe – no dizer de Horkheimer, aquele que tem uma concepção tradicional de ciência. Dito
de outra maneira, sendo efetivamente possível uma sociedade de mulheres e homens livres e
iguais, a pretensão a uma mera “descrição” das relações sociais vigentes por parte do teórico
tradicional é duplamente parcial: porque exclui da “descrição” as possibilidades melhores
inscritas na realidade social e porque, com isso, acaba encobrindo-as (Nobre, 2003, p. 9,
grifos do autor).

Assim como,

Por essa razão, a orientação para a emancipação que caracteriza a atividade do teórico
crítico exige também que a teoria seja expressão de um comportamento crítico relativamente
ao conhecimento produzido e à própria realidade social que esse conhecimento pretende
apreender (Nobre, 2003, p. 9, grifos do autor).

Podemos perceber, portanto, a partir do que vimos discutindo, que o projeto utópico que
busca apontar os caminhos para a emancipação humana,bem como os sentidos e premissas
da crítica desta tradição de Psicologia Socialencontra seu principal valor num conceito nodal,
a práxis, na medida em que não apenas se restringe à especulação filosófica para compreensão
das contradições do aparato societário, mas parte da ideia de Marx de que é necessário um
compromisso ético-político com a transformação da realidade social.
A práxis, neste sentido, não é apenas uma prática ou ação humana, mas, conforme
Libâneo (1994), precisamente o movimento que eleva o homem de sua condição de produto
das circunstâncias à condição de consciência do homem que intervém na realidade produzindo
mudanças para superação das contradições sociais no sentido da humanização. Ela é entendida
como uma prática consciente voltada para a transformação do real, um tipo de prática que requer
ação social material, objetiva, transformadora, que corresponde a interesses sociais. Considerada
do ponto de vista histórico-social, não é apenas produção de uma realidade material, mas sim
criação e desenvolvimento contínuos (Vasquez, 1977).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 651


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A guinada desta tradição de Psicologia Social orienta-se, assim, de modo particular pela
indissociação entre a teoria e a prática, “conferindo ao pesquisador o papel de agente político,
responsável pela transformação da realidade e promotor da emancipação” (Lima, Ciampa
&Almeida, 2009, p. 225).
Neste sentido, resguardamos a ideia de que a dimensão da práxis é intríseca a uma Psicologia
Social de orientação crítica, na medida em que ela opera enquanto forma crítica e configura um
aspecto central em sua proposição, isto é, a crítica está indissociada da práxis. Assim, a práxis é
uma noção que permeia seu discurso não apenas enquanto conceito ou ação humana, mas como
forma crítica de seus saberes e fazeres.
Silvia Lane concede uma entrevista a Revista Psicologia e Sociedade intitulada “Parar para
pensar... e depois fazer!”(título dado por Lane), em que reafirma sua real preocupação com a
questão que envolve a articulação entre teoria e prática, a qual surgiu para analisar criticamente
e repensar o saber psicossocial “procurando desenvolver pesquisas que, ao mesmo tempo,
permitissem avanços teóricos e sistematizações que também contribuíssem para modificar
situações e práticas sociais” (Lane, 1996, p. 83).
Lane ainda destaca que essa transformação não visa “abandonar as teorias, elas são
necessárias, mas considerá-las sempre como ‘sínteses precárias’, que devem ser questionadas no
confronto com o real e reformuladas sempre que necessário” (Lane, 1996, p. 83), bem como
demarca que uma psicologia social neste sentido implica apontar e colaborar com os caminhos
possíveis para a superação das contradições sociais desumanizadoras e para a emancipação
humana.
Nesta perspectiva, encontramos a interface entre a teoria e a prática que nos mostra que
o modo de pesquisar e fazer Psicologia Social também pode ser uma práxis, ou seja, “se parte
do empírico, se analisa, se teoriza, se volta ao empírico e assim por diante, se aprofundando
gradativamente para se captar o processo no qual o empírico se insere” (Lane, 1994, p. 46).
Aqui podemos ver, como demarca Nobre (2003), uma outra dimensão da práxis enquanto
forma crítica, na medida em que a práxis também implica o movimento de articulação entre teoria
e prática que, na reflexão teórica da análise do empírico, possibilita as condições de abertura para
a crítica de si mesma, isto é, a crítica a própria teoria enquanto produção de conhecimento, bem
como da realidade social a que pretende compreender.

Olhar a Psicologia Social a partir da perspectiva apresentada por Lane é enxergar a


inseparabilidade da pesquisa, prática e reflexão, nas quais a “realidade” é antes de tudo
o ponto de partida. Como escreve Lima (2009:33), referindo-se a essa postura inerente
à produção de conhecimento a partir da perspectiva do materialismo histórico, “o
conhecimento do real é uma luta contra a opacidade, nunca é imediato e pleno, em outras
palavras, [...] o pensamento empírico somente torna-se claro a posteriori, quando o
conjunto de argumentos é enfim explicitado”. A teoria, nesse sentido, avança para além
de sua condição clássica de mera contemplação e somente pode ser considerada válida na
medida em que for confrontada com as ações dos indivíduos e com as condições materiais
e históricas dadas (Lima, Ciampa & Almeida, 2009, p. 228).

Uma Psicologia que busca, portanto, elevar suas práticas ao nível da práxis, pretende, assim,
conforme Vasques (1977), elevar-nos a consciência de práxis enquanto uma atividade material do
homem que transforma o mundo natural e social para fazer dele um mundo humano.
Uma Psicologia que orienta suas ações buscando elevá-las ao nível da práxis humana,
portanto, aponta os aportes de um saber e um fazer que se norteia em direção a projetos utópicos
– utopiaentendida como aquilo que é o desejável e não o inalcançável.

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Essa maneira de fazer pesquisa serve como catalizador para possíveis superações das condições
sociais desumanizadoras. Pesquisas que apontem para a emancipação humana, entendida
como um tipo de auto-experiência que surge a partir do momento em que o autoentendimento
se entrecruza como o aumento de autonomia individual e social. Nesse sentido, “emancipação”
torna-se um conceito quase sinônimo de “revolução”. A própria Lane defende que é impossível
uma emancipação sem revolução (Lima, Ciampa & Almeida, 2009, p. 228).

Neste sentido, projetos de pesquisa e práticas psicológicas que buscam nortear seu modo
de produção de conhecimento como forma de práxis humana e pretendem apontar os caminhos
para as possibilidades de emancipação humana e as superações das contradições sociais
desumanizadoras, podemos considerar que são projetos que se orientam por pretensões utópicas
e emancipatórias.
Não obstante o caráter crítico desta tradição esteja intimamente ligado ao conceito de práxis,
o qual busca resguardar com veemência, Iñiguez-Rueda (2003)assinala que parte importante
da Psicologia Social Crítica permanece nas proposições que a originaram e que podem ainda se
denominar empiricistas. Isto faz com que a emergência e efervescência da crítica converta-se num
acontecimento pontual e datado, restrito a seu nicho cronológico.
Isto acompanha a análise deLima (2010) ao identificar que, nos últimos anos, parece estar
havendo um enfraquecimento das proposições teóricas de potencialcrítico na Psicologia Social,
sendo necessária sua renovação constante, portanto, sendo necessária constantemente a elevação
das práticas e pesquisas desta tradição ao nível da práxis e, por conseguinte, a dimensão do
conhecimento enquanto forma crítica.

Considerações finais

Na esteira que vimos discutindo, podemos observar que a Psicologia Social criticamente
orientada, em seus saberes e fazeres, suas premissas da crítica e sentidos fundantes, resguardam,
na dimensão da práxis, os fundamentos que alicerçam a tradição das teorias críticas: busca
apontar os caminhos para a emancipação humana e constitui-se a partir de um comportamento
crítico do próprio conhecimento.
Uma Psicologia Social de orientação crítica, neste sentido, tem a práxis humana enquanto
forma críticaque orienta seus fazeres e também como fundamento de seus saberes, na medida em
que busca intervir sobre a realidade sociala partir de projetos utópicos que pretendem transformar
a sociedade e possibilitar condições de vida mais justas e igualitárias.

Referências

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654  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
MODOS DE VIVER E HABITAR DE UMA COMUNIDADE
EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL NO
MUNICÍPIO DE SANTO ÂNGELO
Andrea Fricke Duarte
Paula Cristiele Steinhaus
Dieine Mércia de Oliveira
Jonathan Vieira Costa

Introdução

N
este artigo nos propomos a apresentar e a discutir experiências de uma pesquisa
que se encontra no final de seu segundo ano de trabalho junto a uma comunidade
em situação de vulnerabilidade social na cidade de Santo Ângelo, interior do
Rio Grande do Sul (RS). Trata-se de uma espécie de testemunho, a partir das narrativas de um
percurso de inserção e imersão em um campo marcado pelo signo do esquecimento, e onde tem se
produzido encontros potentes e suas luzes vagalumes, a partir do ensaio de práticas autogestivas
baseadas em Baremblitt (1998). A construção da narrativa segue uma dupla proposição: primeiro
a proposição de Didi-Huberman (2011) sobre as imagens: o regime da imagem e da imaginação é
um local de luta política, principalmente aquelas imagens que portam memórias e têm um poder
de transmitir algo de um tempo que se passou, e em segundo, a compreensão da escrita não como
descrição, mas como criação enredada com a transmissão da experiência a partir de Luis Antônio
Baptista (2017). Vamos também problematizar o conceito de vulnerabilidade social, assim como
a questão relacionada a territorialidade e a produção de subjetividade, entendendo o território
como agenciador de modos de vida. De maneira geral, os objetivos iniciais do projeto consistiam em
cartografar uma comunidade em situação de vulnerabilidade social em Santo Ângelo, seus modos
de viver e habitar, e agenciar o seu protagonismo social através dos dispositivos de autoanálise e
autogestão, a partir de suas principais demandas e potencialidades.

Método

A pesquisa se desenvolve no campo da psicologia social e dentro dele há muitas vertentes.


Aquela que nos interessa e que aqui afirmamos vai recortar uma maneira muito particular de ver
o mundo. Sua certeza parte de que o mundo e o homem estão em obras, estados permanentes de
mudança, uma perpétua alteração: o que se repete, como escreveu Gabriel Tarde nos longínquos
anos de 1870 é a diferença, e afirma uma das mais belas proposições inaugurais do campo de
estudos sociais: Existir é diferir. Tarde inaugurava um pensamento que animou mais tarde Deleuze.
Sua releitura das Mônadas de Leibniz vai introduzir uma proposição filosófica que não vê mais
o indivíduo ou o mundo como entidades separadas ou coisas em si. Tarde (2007, p. 10) pensou
que “o que conta não são os indivíduos, mas as relações infinitesimais de repetição, oposição e

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 655


NO ONTEXTO BRASILEIRO
adaptação que se desenvolvem entre ou nos indivíduos, ou melhor, num plano onde não faz mais
sentido algum distinguir o social e o individual”.
É a partir dessa concepção de inseparabilidade entre o social e o individual que Deleuze e
Guattari (2010a, 2010b) vão conceituar os processos de subjetivação e de constituição do homem e
do mundo como maquinações, agenciamentos, extratos e camadas de linhas diversas (enunciação,
visibilidade, força e de subjetivação) e cabe à psicologia social problematizar e desnaturalizar os
mais diferentes discursos que tentam determinar formas hegemônicas de existência. Esse aspecto
político e de resistência que a psicologia social transmite, necessariamente convoca uma leitura
de desmontagem das engrenagens do mundo, o que confere a ela esse compromisso radical de
que toda tomada de posição implica numa alteração, eis que nada está dado. A dissolução da
ideia de neutralidade é política. Entendemos que a realidade social é composta de diferentes
extratos temporais e advém de uma construção histórica e social, logo, está a todo momento se
constituindo. Deleuze vai afirmar nesse sentido que

A história dos homens, tanto do ponto de vista da teoria quanto da prática, é a da constituição
de problemas. É aí que eles fazem sua própria história, e a tomada de consciência dessa
atividade é como a conquista da liberdade. (Deleuze, 2008, p. 9).

Diante da complexidade que é pesquisar estados moventes, em subjetividades em movimento


de constituição e desfazimentos, e que necessitam ser problematizados e interrogados, encontramos
na cartografia, o método que consideramos o mais adequado para esse campo da experiência. De
acordo com Passos e Barros (2015, p. 17), “a cartografia como método de pesquisa-intervenção
pressupõe uma orientação do trabalho do pesquisador que não se faz de modo prescritivo, por regras
já prontas, nem com objetivos previamente estabelecidos”. Em detrimento de uma metodologia
de pesquisa que busque a representação de um objeto já dado, que apenas aguarda a validação
de sua existência pelo pesquisador, o que se propõe é o acompanhamento da processualidade dos
fenômenos, “pois a intervenção sempre se realiza por um mergulho na experiência que agencia
sujeito e objeto, teoria e prática, num mesmo plano de produção ou de coemergência” (Passos &
Barros, p. 17). Pesquisar dessa maneira é produzir encontros e seus registros – com diário de campo.
A metodologia cartográfica permite acompanhar “os efeitos (sobre o objeto, o pesquisador e a
produção do conhecimento) do próprio percurso da investigação” (Passos & Barros, p. 18), e
segundo Romagnoli (2009) esta radicalidade da cartografia nasce de uma crítica ao paradigma
de ciência moderna, direcionada à insipiência da tentativa de isolamento para fins de estudo
das variáveis e dos objetos a serem investigados, e também da primazia da “neutralidade” do
pesquisador. A cartografia, ao contrário, se dá nas relações que se estabelecem, nas afetações.
Pesquisar-intervir para dar conta das subjetividades. A neutralidade do pesquisador é substituída
pela análise de implicação. Como narrar esta experiência também passa a ser uma questão de
pesquisa, e nosso esforço foi o de nos aproximarmos ao máximo daquilo que cabe ao pesquisador
na perspectiva cartográfica: afetar e se deixar afetar pelas coisas e os seres do mundo, estar de
certa forma poroso, se colocar na posição daquele que sofre a experiência, se deixa tocar por ela,
se contamina, cria e multiplica a produção de sentidos. Um fazer junto com o outro.

Resultados e Discussões

Prelúdio

Quero conhecer essa cidade, mas não somente a cidade do cartão-postal – a Capital
das Missões – mas conhecer aqueles que não podem ser vistos ou que sofrem algum tipo de

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invisibilidade ou restrições a uma circulação (como qualificar?) mais plena do que a cidade
oferece. Como se conhece uma cidade? As cidades acolhem a todos que nela habitam? Quem pode
ocupar determinado espaço? Quais espaços são oferecidos aos que aqui moram? Com algumas
interrogações na mão comecei a desenhar a paisagem social na medida em que adentrei nesse
novo território que foi o encontro entre pesquisador e comunidade, estudantes bolsistas, equipe
de uma Estratégia de Saúde da Família (ESF), Secretaria Municipal de Assistência Social Trabalho
e Cidadania (SMASTC) do munícipio e outros tantos encontros que ainda tem decorrido dessa
pesquisa próxima da fase de finalização.
Quando cheguei a esta cidade, longe, sete horas da capital, encontrei canteiros bem pintados
dividindo as ruas centrais em duas vias, e havia flores em alguns deles. O cuidado dessas ruas
confirmava o traço da herança alemã assim como os corpos esguios, muito altos, dos jovens que
cruzavam às vezes por mim na passagem. E em nada se pareciam com os bairros “esquecidos”
tal como nomeou a assistente social do município em 2016, quando comecei esta pesquisa. A
primeira tarefa assumida por uma “estrangeira” foi ter a rua tendo meus bolsistas como guias.
Professora e pesquisadora, me mudei para a cidade de Santo Ângelo em julho de 2015 depois de
morar 16 anos em Porto Alegre – capital do RS. Com um percurso anterior a essa pesquisa, todos os
bolsistas já haviam atuado nas áreas da assistência social, nos Centros de Referência de Assistência
Social (CRAS) da cidade, assim como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social
(CREAS), além de terem planejado e executado uma edição municipal do projeto Vivências e
Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS), por participarem do movimento
estudantil. Isto os fez adquirir uma boa experiência e/ou conhecimento do trabalho nas redes de
saúde e assistência social de Santo Ângelo, o que facilitou as trocas com os serviços do município
para a efetuação do projeto. Pegávamos o ônibus, na cidade do interior, onde todos, ou melhor,
quase todos, andam de carro. Misturávamo-nos a esse quase: estudantes, pessoas idosas, outras.
Caminhávamos por ruas desertas, o calor, e as casas de madeira que apareciam com maior
frequência assim que se saísse das vias principais. A parceria estabelecida entre pesquisadora e
bolsistas foi desde o começo fundamental, em decorrência da experiência anterior dos mesmos,
e ao começarmos a circular pelo território da cidade existia um mapa de afetos já delineado
nas primeiras andanças, escolhidas justamente por essas relações, até a escolha definitiva das
comunidades a serem pesquisadas.

Os bairros esquecidos e seus invisíveis

A vulnerabilidade pode ser uma potência. A forma-frágil tem seu valor de testemunho e de
quase-coisa que se aventura no percurso. Há uma geografia do espaço, a cidade não recebe a
todos da mesma maneira. Assim como eu nunca tinha entrado no bairro Harmonia e no bairro
União, as moradoras destes respectivos bairros nunca haviam entrado na universidade, o mais
próximo que chegaram foi na calçada, na parada de ônibus: “já tinha vindo aqui, mas nunca tinha
cruzado a linha da calçada”. São linhas invisíveis que determinam lugares onde se pode, ou não,
entrar. São muitas dessas linhas invisíveis que fazem marcas também nos corpos. “O invisível da
cidade nascerá no seu corpo. Repita esta frase lida no livro azul, repita alto: ‘eles marchavam com
a aparência resignada dos que são condenados a esperar eternamente’” (Baptista & Silva, 2017, p.
53). Ao se deixarem tragar e violentar pela cidade do Rio de Janeiro, os autores anunciam lágrimas
que atravessam a pele, olhos que silenciam e vomitam n(uma) cidade desfocada, enrugada, que
fede e que não só é perigosa, mas te fará morrer. E a saída pelas ruas é narrada assim:

A cidade lateja como um tumor que poderá expurgar o que a infecta a qualquer momento.
Olhe pela última vez as constelações das estrelas que lhe dão segurança, o horizonte, a saída

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 657


NO ONTEXTO BRASILEIRO
principal da sua fortaleza. Atenção, a passagem pelo umbral da porta será a primeira morte.
(Baptista & Silva, 2017, p. 53).

Sair para as ruas da cidade e enfrentá-la requer ser atravessado no corpo por muitas marcas
invisíveis:

Esfregue os pés no asfalto, veja através deles as camadas de tempo da avenida . . . esfregue
com força estes pés pálidos no chão. Mais força, grude a pele dos seus dedos ao chão imundo
dessa cidade. Misture o sangue e os dejetos (Baptista & Silva, 2017, pp. 55-56).

Nos bairros esquecidos da cidade aonde eu quis caminhar, ouvir, ver e conversar, fui avisada
pela enfermeira-chefe da ESF: “em hipótese alguma deve andar aqui sozinha sem a agente de saúde”.
Num dos percursos visitamos uma jovem dona de casa de 18 anos, grávida de um jovem marido.
Ela narra a saída precoce da escola e depois, a tentativa de suicídio dias antes de um conhecido
que mora perto. Mais adiante encontramos o rapaz de dezessete anos e seu olhar perdido no vazio.
Uma avó excessivamente presente diante do seu silêncio. Ele viu o pai ser assassinado pelo tráfico
quando ainda era pequeno. Adolescente, após o término do namoro, tenta tirar a própria vida.
Naquele mesmo verão, neste mesmo bairro, outro pai de outros meninos foi morto pelo tráfico.
“Você está perdido. Aprenda a explorar os lugares como ratos. Andorinhas e ratos exploram
cidades de modos diversos. Ratos são atentos aos restos, às migalhas, aos dejetos esquecidos da
cidade” (Baptista & Silva, 2017, p. 56). Conhecemos essa comunidade por alguns fragmentos. Não
lembro de todos os detalhes, mas certas imagens, é impossível esquecê-las, impregnam os poros,
ferem os olhos. Uma casa acumula no pátio, pedaços de coisas, ferro-velho, cadeiras quebradas,
amontado de coisas jogadas fora. O dia está começando a ficar abafado. Vamos até a rua que
tem um braço do rio como limite. A primeira casa que visitamos é a de uma senhora que está com
tuberculose: Dona Márcia (aproveito para informar que todos os nomes foram alterados para
não identificar os participantes). Na frente da casa há duas sacolas imensas com garrafas pets e
plásticos diversos, em outra, grande quantidade de papelão, amarrado. Pergunto se vendem esse
material, a enfermeira Alva confirma – vendem por peso. No chão há barro, sujeira, um pedaço
de carne crua com centenas de moscas varejeiras; quando passamos ao lado, as moscas verdes
se agitam. Passamos o portão, o pátio é grande, chão de barro batido, nenhuma grama e alguns
cachorros que perambulam por ali. Dentro dele também há um amontoado de caixotes de madeira,
e por cima deles três cuias velhas, empoçando água. Sentamos no pátio, quem traz as cadeiras é
o marido. Dona Márcia vem sentar-se conosco, usa pantufas, veste roupas limpas, aparenta ser
velha, asseada, e quando diz a idade me surpreendo: 70 anos. Diabética. A enfermeira verifica sua
pressão, que está boa. Investiga o uso correto da medicação e o seguimento do tratamento para
tuberculose. Dona Márcia confirma e preocupa-se apenas com seus pés, diz que seus dedos até
os ossos gelam. Alva explica que é o sintoma da diabetes, e que é normal, que infelizmente, não
há nada a fazer. Pergunta sobre sua alimentação, e faz uma vistoria sobre água empoçada e foco
de dengue. Tem um caso confirmado no bairro, as orientações sobre os cuidados são bastante
reforçadas.
Outra casa, nela moram dois senhores. Um poço artesiano fechado por causa do foco de
dengue. Tem horta, cresce chuchu na cerca e na parreira. Não há encanamento e nem luz elétrica.
Estamos em janeiro de 2017, e não há saneamento básico em algumas partes do bairro esquecido
da cidade.
Há muitos medos: a violência, a violência, o tráfico. No relato de uma moradora, nem táxis
nem moto-táxis “descem a ponte” (que dá acesso ao bairro) antes de amanhecer, por medo da
violência. Isto dificulta, dentre outras coisas, a ida na Secretaria Municipal de Saúde (SMS) para
agendamento de consultas das especialidades, já que as fichas são distribuídas por ordem de

658  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
chegada e os interessados se posicionam na fila já durante a madrugada. Também são poucos
horários de ônibus para o Centro durante o dia. Esta situação demonstra a importância da
existência da unidade de saúde nesta região.
O caso de Rosa foi o que mais me marcou. Talvez tenha sido a força do seu relato. O que
quer que tenha se passado ali naquele encontro entre bolsista, pesquisadora, agente de saúde e
moradora, fez uma marca, embora invisível, profunda, e tocou de maneira abrupta, interrompendo
a tarde e a vida de quatro mulheres. Rosa tem 45 anos e é desconfiada, não quer se misturar às
mulheres que jogam vôlei no ginásio, tem medo de deixar uma má impressão, de não parecer uma
“mulher direita”, não se agrada da torcida masculina que acompanha os jogos. Está preocupada,
perdeu o emprego. Quando fomos apresentadas como psicólogas, logo veio uma declaração:
depressão. Rosa inicia timidamente um relato sobre o ex-companheiro, sobre seu filho preso,
sobre sua dificuldade de arranjar dinheiro que precisa para o aluguel e o restante de suas contas.
Rosa teve a casa invadida pela polícia de forma brutal, procuravam drogas. Conta ter sido muito
ofendida pelo policial ao revistarem a casa e encontrarem maconha escondida no quarto do filho
de então 16 anos. Rosa não sabia de nada, “nem conhecia droga”. Ficou presa durante três
meses, por tráfico até o filho assumir a autoria. “O padrasto pelo menos orientou o menino, para
isso ele fez certo”. Contou de ter que lavar roupas íntimas das outras presas, de passar limpando
para as outras, de ter que fazer o que lhe era mandado. Depois desse relato compreendi o receio
de Rosa em participar da “junção” em relação ao time feminino do bairro e o seu mundo ser
dividido entre “mulheres decentes/indecentes”.
O modo como a violência se infiltra e atesta o cotidiano dos bairros em questão tem
diferentes camadas e marca os corpos, delimitando territórios não só existenciais, mas modula
o espaço e o acesso a serviços. Depredações e vandalismo acontecem à noite nas repartições
públicas, tanto no ginásio construído na comunidade como no pátio e no prédio do posto de
saúde. Nas primeiras visitas, a torneira exterior da ESF havia sido quebrada, assim como o vidro
da porta. O rádio do carro da enfermeira que coordena o posto também já foi roubado no seu
horário de expediente de trabalho. Há pouco tempo, a cerca de arame que fazia o perímetro
do posto como muro também foi furtada. Como não há um espaço aberto de lazer, uma praça
mais próxima ao coração do bairro, é nesse espaço do pátio do posto de saúde, depois que ele
fecha, que os jovens se reúnem para festas – e como “motel” – comentou um dos membros da
equipe do posto. Há um alto índice de gravidez na adolescência, depressão. Nessas visitas houve
relatos de falta de vagas nas creches para que essas mães possam trabalhar, falta de atividades
para as crianças e principalmente a dificuldade de encontrar trabalho: “quando perguntam onde
moramos, se dizemos que é daqui do bairro não dão emprego”, “quem é daqui é tudo bandido,
tudo não presta. Tem que mentir endereço”.

Pequenas luzes se ensaiam: as mulheres, as crianças

As narrativas acima contam do primeiro momento da pesquisa: saídas com as agentes


comunitárias de saúde para visitas domiciliares e apresentação do projeto de pesquisa. Nessas
visitas, durante as entrevistas, quando perguntávamos sobre algum desejo de trabalho na
comunidade, surgia o silêncio. Para romper essa ausência de palavras ensaiava minhas próprias
fantasias de pesquisadora, a respeito de um trabalho ali: horta comunitária, um grupo de trabalho
para melhorias na vida do bairro. Assim, com o oferecimento de um primeiro contorno alguns se
interessavam pela horta, uma das senhoras ofereceu-se para trabalhar nela e doar mudas de chás,
outra, sugeriu que organizássemos uma atividade para as crianças no turno inverso ao das aulas,
porque “as crianças ficam na rua o dia inteiro”. Outra ainda, sugeriu quem sabe um clube de mães.
Chegamos a propor uma parceria com uma pesquisa desenvolvida pela farmacêutica da SMS que
envolve um projeto de plantas medicinais e previa um momento de entrada na comunidade. Em
seguida, passamos a pensar em reunir um grupo inicial de trabalho.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 659


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Nossa perspectiva de grupo tem inspiração nos conceitos de autoanálise e autogestão de
Baremblitt (1998), apostando na comunidade como capaz de protagonizar ações em seu cotidiano.
“A autoanálise consiste em que as comunidades mesmas, como protagonistas de seus problemas,
de suas necessidades, possam enunciar, compreender, adquirir ou readquirir um vocabulário
próprio que lhes permita saber acerca de sua vida” (p. 17). A ideia com este coletivo era efetivar, de
fato, a busca por melhorias no bairro e na vida comunitária a partir de uma perspectiva horizontal
e a aparente adesão à horta parecia ser um bom disparo para a formação do grupo.

O começo

O grupo teve início no ginásio do bairro Harmonia, e já durante as apresentações iniciais


conduzimos um processo inspirado, então, no modelo de autogestão questionando sobre o que
elas sabiam e o que poderiam ensinar ao grupo. A ideia da horta subsumiu. Além disso, pensamos
em conjunto formas de conseguir mobília para o local – pedir na rádio, na SMASTC e no antigo
centro comunitário. O grupo acordou em encontros semanais e organizaram-se para um mutirão
de limpeza que incluía apenas a moradoras do bairro.
Conseguimos a doação de mesas, cadeiras e de uma estante simples com a SMASTC.
Acreditamos que esse contato com a secretaria é um movimento político interessante e necessário,
pois poderá vir a abrir novas portas para com aquela comunidade, que muitas vezes é desacredita
pelas políticas municipais em decorrência da sua violência. Deleuze e Parnet em seu texto “Políticas”
(1998) discutem as formas que o desejo se apresenta em nossas vidas, e então elucidam: “não que
essas linhas preexistem; elas se traçam; se compõem, imanentes umas às outras, emaranhadas
umas nas outras, ao mesmo tempo que o agenciamento de desejo se faz” (p. 108). Nosso desejo
com essa pesquisa é provocar e produzir movimentos com o grupo, não “dados” objetivos; mas
empoderar aquelas mulheres com o seu lugar no mundo, “uma sociedade, mas também um
agenciamento coletivo, se definem, antes de tudo, por suas pontas de desterritorialização, seus
fluxos de desterritorialização” (Deleuze & Parnet, 1998, p. 110).
Nas reuniões seguintes, tentamos nos aproximar ao máximo de um uso contínuo das
ferramentas de autoanálise e autogestão, numa organização horizontal, sem líderes ou
personalismos. Percebemos que se produziu um estranhamento nas mulheres, que solicitavam
a todo o momento uma estrutura vertical, que disséssemos a elas o que fazer e como fazer em
detrimento da construção coletiva.

O meio

Na continuidade dos encontros o número de participantes variou bastante. Em alguns


chegamos a ter quatorze pessoas presentes, noutros, as mulheres não apareceram. Dessa
forma chegou um momento em que, diante do esvaziamento, foi necessária uma busca ativa
na comunidade. Na tentativa de retomar o grupo, os bolsistas realizaram visitas domiciliares
e a partir disso, o coletivo foi ganhando corpo novamente. Considerando a importância desse
resgate, do querer ver aqueles que se afastaram de nosso olhar, Didi-Huberman (2011) em seu A
Sobrevivência dos Vaga-Lumes escreve:

Mas como os vaga-lumes desapareceram ou “redesapareceram”? É somente aos nossos


olhos que eles “desaparecem pura e simplesmente”. Seria bem mais justo dizer que eles “se
vão”, pura e simplesmente. Que eles “desaparecem” apenas na medida em que o espectador
renuncia a segui-los. Eles desaparecem de sua vista porque o espectador fica no seu lugar
que não é mais o melhor lugar para vê-los. (Didi-Huberman, 2011, p. 47).

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Foi nessa retomada que o trabalho manual assumiu protagonismo nas atividades
desenvolvidas e a ideia da horta ficou suspensa, inoperante. “Fuxicos”, aparadores de panela,
panos de prato, guardanapos, dentre outros artesanatos deram espaço para as mulheres
se colocarem e assumirem funções, umas ensinavam às outras até que a produção grupal foi
suficiente para uma exposição e comercialização na Semana Acadêmica do curso de psicologia
de nossa universidade, espaço nunca antes habitado por elas. Nessa oportunidade – e já antes
– o artesanato tornou-se uma fonte de renda complementar. Como a produção era coletiva,
elas organizaram um sistema de divisão de lucros, deixando uma porcentagem para reposição
de material do grupo. Esse movimento foi um dos ensaios para a dinâmica da autogestão, pois,
apesar da decisão ter sido coletiva, as integrantes necessitavam de uma constante “autorização”
para a tomada de decisões. Essa variabilidade entre protagonismo e dependência das integrantes
do grupo nos aproxima da noção de ensaio proposta por Wampole (2013, p. 6) ao declarar que
“O que podemos dizer sobre o ensaio é quase nada, e que isto é, no entanto, a força do ensaio: ele
o leva a encarar aquilo sobre o que não se pode ter certeza”. Esse sempre foi um grande desafio,
sustentar a incerteza daquele fazer, mas estar lá, afirmar às vezes, o que parecia ser quase nada,
criar um espaço de espera de acontecimentos, como a utopia proposta por Ernst Bloch (2008, p.
18), desenvolvida no gigantesco livro Princípio Esperança: uma aposta “no-que-ainda-não-veio-a-
ser”. E retomando Wampole (2013, p. 9) nesse convite a ensaiar, sabendo que a condição mesma
reside na exigência de conviver “confortável com a ambivalência”, assumindo então, que muitas
vezes “não se trata de descobrir ou conquistar alguma coisa, mas simplesmente experimentar”.

O possível agora

Dentro desta perspectiva de ensaio, o grupo foi se apropriando do que era inventar a si
mesmo e novas possibilidades surgiram. Num encontro mostrei vídeos de trabalhos artesanais
no YouTube e elas pediram que eu os gravasse num CD. Propus então uma ida até o laboratório
de informática da universidade para que elas mesmas pudessem acessá-los. Esse movimento
produziu a descoberta de um novo desejo: o acesso às tecnologias digitais, dando outro formato
aos encontros, que passaram a ser alternações entre o grupo na comunidade e ida ao laboratório
de informática.
Enxergamos uma potência nesses encontros onde muitas trocas se dão. Além de ensinar e
aprender novas técnicas manuais, os encontros são descontraídos e laços afetivos são construídos.
Instituímos naturalmente, sem ser enunciado, um lanche coletivo em todos os encontros. Chá,
bolos, sonhos, pastéis. Também, algumas mulheres passaram a se visitar em outros dias da
semana para dar continuidade aos trabalhos manuais. “Todo ato criativo implica produção de
um conteúdo, que rompe com um continente. Ou seja, toda obra criativa significa uma ruptura
com o estabelecido” (Favaretto, 2001, p. 153).
É importante salientar um aspecto que caracterizou o grupo desde o começo. Este é um grupo
que “gosta de crianças”, tem uma abertura para esse outro – sempre foi acompanhado de netos,
filhos, sobrinhos, aproximados. Algumas jovens mães traziam seus bebês, ali podiam contar com
quem os segurasse um pouco, até mesmo para uma partida rápida de futebol. Havia dias em que
tinham tantas crianças que queriam participar das atividades que chegou a faltar instrumentos de
trabalho (agulhas de tricô e costura, por exemplo). Percebendo o aumento no número de crianças
e assim que foi possível, abri um campo de estágio em práticas sociais, em que a estagiária passou
a fazer um grupo só com as crianças no turno inverso da escola. Este outro grupo tem tido grande
participação, não só das crianças, mas de pré-adolescentes e adolescentes já mães, uma grávida.
Nesse aspecto a pesquisa tem criado novos espaços: aberturas, novos territórios existenciais, e
o principal dispositivo tem sido a arte, as brincadeiras e uma experimentação com fotos. Sousa

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 661


NO ONTEXTO BRASILEIRO
(2001, p. 125) fala que a “arte opera como uma verdadeira invenção da vida, convocando o
laço social a um outro olhar, sobre os traçados que somos levados a fazer para contornar o real
da existência”. Esse encontro entre sujeito e arte atua como um despertador sobre a potência e
vigor dessas mulheres, crianças e adolescentes, possibilita a produção de um novo estilo para sua
existência, dá um novo sentido (Birman, 1997).
A aproximação com a universidade foi ganhando variações. Laboratório de informática, feira-
mostra de produtos, e por fim, fizemos um piquenique ao ar livre, pois o câmpus universitário é
bastante arborizado e tem aspectos de parque/passeio. Desses encontros, o momento da feira na
semana acadêmica foi no qual mais houve troca com a comunidade acadêmica. Novos encontros:
um aluno da psicologia se revela artesão, dá dicas para as mulheres aprimorarem seu ofício,
explica a possibilidade de adquirirem carteira de artesão do município visando legalizar a venda
do artesanato que produzem. Sugere a feira tradicional da cidade nos domingos pela manhã. As
mulheres se interessam.

Sobreviventes – inquietações sobre a vulnerabilidade

Didi-Huberman (2011) diz que:

Para conhecer os vaga-lumes, é preciso observá-los no presente de sua sobrevivência: é


preciso vê-los dançar vivos no meio da noite, ainda que essa luz seja varrida por alguns
ferozes projetores. Ainda que por pouco tempo. Ainda que por pouca coisa a ser vista. (Didi-
Huberman, 2011, p. 52).

Apostar na sustentação de certa fragilidade nos aproxima do olhar de Didi-Huberman a


respeito dos vagalumes, essas luzes menores: desterritorializadas, políticas, coletivas. É com ele
que gostaríamos de pensar a respeito da vulnerabilidade e que pode, num primeiro momento,
parecer estranha. Na literatura corrente, a vulnerabilidade social está associada à falta de acesso
a recursos materiais ou simbólicos (Abramovay, Castro, Pinheiro, Lima & Martinelli, 2002), à
estrutura de oportunidades sociais, econômicas e culturais, resultantes do processo de exclusão
e desigualdade social. Não negamos esse caráter, mas gostaríamos de propor um olhar que de
algum modo vai ver uma potência nessas populações de vidas tão precárias. E trazer o conceito
de Didi-Huberman a respeito da sobrevivência (2011). Na discussão proposta por esse autor, ele
vai valorizar a luz fraca dos pequenos vagalumes a dançar na noite. Que desaparecem em certo
momento do olhar de Pasolini, cineasta italiano, em 1975, mas que podem reaparecer em outro
tempo, em outro lugar, como na Serra da Canastra, em 2008. Didi-Huberman toca no princípio
esperança e nas funções políticas de que os agenciamentos memorialísticos se revelam portadores:
“o caráter indestrutível das imagens em perpétua metamorfose” (pp. 62-63). Chama atenção
para potência das sobrevivências – “porque elas nos ensinam que a destruição nunca é absoluta
– mesmo que ela fosse contínua – as sobrevivências nos dispensam justamente da crença de que
uma ‘última’ revelação ou uma salvação ‘final’ sejam necessárias à nossa liberdade” (p. 84).
Isso nos interessa porque mesmo num bairro esquecido com seus moradores invisíveis aos
olhos da cidade hegemônica e do cartão postal, no começo incapazes de dizer como desejar uma
vida melhor, aos escutarmos, ao segui-los, encontramos uma potência de criação de si, mesmo
quando quase desaparece por alguns momentos. A tarefa mais difícil da pesquisa foi sustentar o
caráter indeterminado da caminhada, a aposta na manutenção de um espaço capaz de sustentar
o não dizer e a espera, onde o corpo do pesquisador atuou como suporte – materialmente, a
presença física. Ali, nesses lampejos era possível estar junto com o outro, ouvir suas histórias e
compartilhar outras, ser cúmplice, mas também estrangeiro; as diferenças não desapareceram,
mas eram acolhidas de ambos os lados.

662  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Considerações Finais

Nosso projeto de pesquisa-intervenção foi efetuado nos bairros Harmonia/União do


munícipio de Santo Ângelo, RS, executado por uma bolsista no primeiro ano e dois, nesse
segundo, junto com a pesquisadora. Consistiu em um processo de imersão na comunidade em
questão, que nos permitiu vivenciar-experienciar e habitar um campo, provocando em mim e
nos sujeitos envolvidos inquietações, movimentos produtores de subjetividades e agenciadores
de mudança. Os objetivos de cartografar as comunidades escolhidas, seus modos de viver e
habitar, assim como ensaiar um protagonismo a partir da autogestão, foram alcançados, embora
essa não seja uma maneira própria de pensar da cartografia – alcançar metas pré-fixadas. O
estabelecimento de alguns objetivos prévios foi necessário para a aprovação do projeto perante
a universidade. Foi ainda na primeira fase de conhecimento do campo que pudemos resgatar a
partir da escuta algumas histórias da comunidade e suas narrativas de vida. Um primeiro modo
de transmiti-las foi um dos objetivos na escolha do formato deste artigo: uma narrativa que
é também criação, inspirada pelas passagens teórico-poéticas que Baptista e Silva (2017) vão
chamar de “uma escrita materialista da cidade” (p. 69). Foi dessa maneira que tentamos alcançar
alguma transmissão ao leitor, o que foi sentir, ouvir caminhar, saber dessa tragédia cotidiana, a
experiência nos corpos marcados por violências diversas. A análise dos efeitos e movimentos deu-se
em consonância com a proposta cartográfica, produzindo diferentes sentidos expostos, abrindo-
se para novas problematizações, como, por exemplo, esse primeiro esboço de pensamento sobre a
vulnerabilidade social como luz menor e sua potência, a partir da sobrevivência dos vagalumes de
Didi-Huberman. Esboço porque percebemos ali, uma exigência de aprofundamento. A pesquisa
ainda fomentou outras inquietações que não puderam entrar neste artigo; aqui apareceu apenas
um começo dessas reflexões e que demandam outras escritas.

Referências

Abramovay, M., Castro, M. G., Pinheiro, L. C., Lima, F. S., & Martinelli, C. C. (2002). Juventude,
violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para políticas públicas. Brasília: UNESCO, BID.

Baptista, L. A., & Silva, R. L. (2017). A cidade dos anjos do improrrogável. Revista Pólis e Psique,
7(1), 49-73. doi:dx.doi.org/10.22456/2238-152X.71867

Baremblitt, G. (1998). Compêndio de análise institucional e outras correntes (4a ed.). Rio de Janeiro:
Rosa dos Tempos.

Barros, L. M. R., & Barros, M. E. B. (2014). O problema da análise em pesquisa cartográfica. In


E. Passos, S. Tedesco, & V. Kastrup (Orgs.), Pistas do método da cartografia: a experiência da pesquisa e o
plano comum (Vol. 2, pp. 175-202). Porto Alegre: Sulina.

Birman, J. (1997). Estilo e Modernidade em Psicanálise. São Paulo: Editora 34.

Bloch, E. (2005). Princípio Esperança (Vol. 1). Rio de Janeiro: Contraponto.

Deleuze, G., & Parnet, C. (1998). Diálogos. São Paulo: Escuta.

Deleuze, G. (2008). Bergsonismo. São Paulo: Editora 34.

Deleuze, G., & Guattari, F. (2010a). Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34.

Deleuze, G., & Guattari, F. (2010b). O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia.  São Paulo: Editora 34.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 663


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Didi-Huberman, G. (2011). A sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: Editora UFMG.

Passos, E., & Barros, R. B. (2015). A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In E.


Passos, L. Escóssia, & V. Kastrup (Orgs.), Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção
de subjetividade (Vol. 1, pp. 17-31) Porto Alegre: Sulina.

Romagnoli, R. C. (2009). A cartografia e a relação pesquisa e vida. Psicologia & Sociedade, 21(2),
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Sousa, E. L. A. (2011). Por Uma Cultura da Utopia. E-topia: Revista Electrónica de Estudos sobre a
Utopia, 12, 1-7. Recuperado de http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/8907.pdf

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Wampole, C. (2013). A ensaificação de tudo (P. Roberto Pires, Trad.). Recuperado de https://tinyurl.
com/yaglxfyo

664  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ATITUDE ALTRUÍSTA: UMA EXPLICAÇÃO BASEADA NA
PERSONALIDADE E VALORES HUMANOS
Anne Caroline Gomes Moura
Emerson Diógenes de Medeiros
Kairon Pereira de Araújo Sousa
Jefferson Machado Nóbrega
Alexia Jade Machado Sousa

Introdução

A
lgumas questões ao longo de décadas têm inquietado tanto a população em geral
como os pesquisadores sociais acerca do altruísmo, interrogando-se acerca do
porquê e quando as pessoas praticam atos nobres de admirável autosacrifício, ao
passo que em outras ocasiões agem de maneira indiferente, ignorando os pedidos desesperados
de pessoas necessitadas. Para muitos estudiosos a resposta para tais questionamentos seria o
altruísmo como um tipo específico de ato pró-social considerado anômalo, raro ou extraordinário
(Batson & Powell, 2003).
O interesse pela temática não é novidade, pois há mais de cinquenta anos, Maslow (1954)
criticou a ênfase colocada na patologia, no que diz respeito à natureza humana, e declarou
que generosidade, benevolência e caridade não possuíam lugar nos livros de Psicologia Social.
Apontando que a Psicologia estava fixada nos aspectos negativos da interação social, ele
retoricamente indagou “onde estão os pesquisadores do altruísmo?” (Maslow, 1954, p.371).
A rápida ascensão da Psicologia Positiva aumentou o interesse pelas interações pró-sociais
(Seligman, Steen, Park & Peterson, 2005; Fernandes & Monteiro, 2017).
Conforme Batson (1998), comportamento pró-social é um termo geral que provém da
literatura nas ciências sociais, definido como oposto do comportamento antissocial. De maneira
abrangente, refere-se a todo e qualquer ato praticado com o objetivo de beneficiar outra pessoa
ou grupo de pessoas (Eisenberg, 1986), podendo ou não envolver possíveis benefícios para o
agente, e ser um ato indireto ou direto (Aronson, Wilson & Akert, 2002).
Já Turner (1948) concebe o altruísmo como uma atitude, ou uma consideração para com
o outro, uma devoção aos interesses dos outros. Outro autor interessado no tema em questão,
Leeds (1963), define altruísmo baseado em três critérios assumidos por Heider (1958), a saber:
(a) ato que possui um fim em si mesmo, (b) não é direcionado a um ganho ou lucro, (c) é emitido
voluntariamente, e (d) deve ser julgado pelos outros como se propondo a “fazer o bem”. Para
Chou (1996) o altruísmo se refere a uma atitude voluntária, em que o indivíduo é intencionalmente
motivado para beneficiar o outro, sem que tal comportamento seja guiado por expectativa de
recompensa externa, ou com o fim de evitar externamente produzir punições ou estímulos aversivos,
sendo este considerado moralmente como uma forma avançada de comportamento pró-social.
O presente estudo tem como objetivo fundamental compreender o comportamento
pró-social (especificamente a atitude altruísta) a partir da Teoria Funcionalista dos Valores

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 665


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Humanos e da Teoria dos Cinco Grandes Fatores da Personalidade. Deste modo, realizou-se dois
estudos, o primeiro para avaliar as propriedades de validade e precisão da Escala de Altruísmo
Autoinformado (EAA) em contexto Parnaibano e o segundo em que se buscou conhecer em que
medida o comportamento altruísta se relaciona com personalidade e os valores humanos.

Método

Estudo 1. Propriedades psicométricas da medida


Delineamento: este estudo tem cunho psicométrico e como principal propósito preliminar
conhecer evidências de validade e precisão da Escala de Altruísmo Autoinformado (EAA).
Amostra: para este estudo contou-se com uma amostra de conveniência (não-probabilística)
de 200 estudantes de uma universidade pública da cidade de Parnaíba-Piauí. Estes tinham idades
variando de 17 a 55 anos (M = 22,44; DP = 4,91), sendo a maioria do sexo feminino (66,5%),
católicos (49,5%), solteiros (88%). Além disso, 92% dos participantes afirmaram não realizar
nenhum trabalho voluntário em alguma instituição ou ONG, enquanto que 70% afirmaram não
realizar nenhuma atividade de caridade.
Instrumentos: (1) Escala de Altruísmo Autoinformado (EAA). Elaborado originalmente por
Rushton et al. (1981), é composta por 20 itens (e.g., já dei dinheiro para uma organização de
caridade; já ofereci ajuda a um deficiente ou idoso desconhecido para atravessar a rua), que
são respondidos em escala de respostas de cinco pontos, variando de 0 = Nunca a 4 = Muito
frequentemente. Representa uma estrutura unidimensional, apresentando consistência interna
acima de 0,70 em diversos países, a exemplo de Canadá (Maclean, Walker, & Matsuba, 2004)
e Estados Unidos (Krueger et al., 2001). No Brasil, Gouveia, Athayde, Gouveia, Gomes e Souza
(2010) observaram resultados similares, apresentando alfa de Cronbach superior a 0,80. (2)
Informações sociodemográficas. Os participantes responderam a um conjunto de perguntas, a
exemplo de: sexo, idade, estado civil, religião, se realiza trabalho voluntário, etc.
Procedimentos: para a realização da coleta de dados, foi contatado o diretor do Campus
Universitário com o fim de obter a permissão para aplicação dos questionários. A amostra
escolhida foi por conveniência. Uma vez obtida a autorização do professor da disciplina, se
solicitou a colaboração voluntária dos estudantes presentes e aquelas que concordaram em
colaborar assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Foi-lhes informado do que
se tratava a pesquisa, bem como o respeito às diretrizes éticas que regem a pesquisa com seres
humanos, assegurado que suas respostas seriam confidenciais, devendo ser tratadas estatística
e coletivamente. Os questionários foram aplicados em de sala de aula e nos diversos espaços
livres da Universidade, estes respondiam ao questionário individualmente. Em média, 20 minutos
foram suficientes para concluir sua participação.
Analise de dados: os dados foram analisados através do pacote estatístico IBM SPSS 21.
Realizaram-se as Estatísticas descritivas, teste t-Student e análise fatorial exploratória, além do
alfa de Cronbach.

Resultados

Parâmetros psicométricos da Escala de Altruísmo Auto-informado (EAA).


Foram realizadas análises do poder discriminativo dos itens da escala de EAA, procurando
verificar a existência de itens que não diferenciassem respondentes com magnitudes próximas.
Esta análise foi realizada a partir de grupos critério internos (Tabela 1).

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Tabela 1.
Poder discriminativo dos itens da Escala de Altruísmo Auto-informado (EAA)

Itens GRUPOS-CRITÉRIO CONTRASTES


INFERIOR SUPERIOR
M DP M DP T g.l.
01. 0,73 1,00 1,57 1,26 - 4,90* 169
02. 2,42 0,83 3,46 0,60 -9,52* 161
03. 1,31 1,08 2,30 1,21 -5,75* 175
04. 1,32 1,07 2,41 1,06 -6,79* 177
05. 1,93 0,76 2,71 0,86 -6,40* 175
06. 1,71 0,98 2,87 1,01 -6,03* 177
07. 0,43 0,86 1,57 1,48 -7,73* 142
08. 0,40 0,90 0,99 1,51 -3,16* 146
09. 1,46 0,90 2,59 1,07 -7,87* 175
10. 0,87 1,05 2,18 1,05 -7,34* 169
11. 1,76 0,87 2,73 0,84 -7,61* 177
12. 0,44 0,82 1,21 1,29 -4,74* 150
13. 1,73 1,02 2,64 0,98 -6,07* 177
14. 0,99 1,05 2,02 1,22 -6,05* 174
15. 0,68 0,99 1,73 1,26 -6,26* 168
16. 1,79 1,03 2,76 1,03 -6,28* 177
17. 0,77 1,03 1,81 1,46 -5,50* 160
18. 1,26 0,93 2,58 1,06 -8,89* 175
19. 2,14 0,88 3,17 0,96 -7,43* 176
20. 1,07 1,01 1,96 1,28 -5,51* 169
Nota: * Item discriminativo (p < 0,001)

Como é possível observar na tabela apresentada previamente, os resultados indicam que


todos os itens apresentam poder discriminativo satisfatório (p < 0,001). Este aspecto confere a
qualidade métrica dos itens deste instrumento, podendo, deste modo, diferenciar indivíduos com
pontuações próximas. Cumprida esta etapa das análises preliminares, partiu-se para a verificação
da estrutura fatorial da referida escala, sendo rodada uma Análise Fatorial Exploratória dos Eixos
Principais (PAF).
Inicialmente foram verificados os índices Kayser-Meyer-Olkin (KMO) e Teste de Esfericidade
de Bartlett que indicaram a adequabilidade dos dados à realização da análise fatorial (Tabachnick
& Fidell, 1996). Os valores encontrados para estes foram KMO de 0,87, e o Teste de Esfericidade
de Bartlett, ² (190) = 1104,40, p < 0,001. Procurou-se ainda checar quantos fatores poderiam ser
adequadamente identificados na matriz de intercorrelações entre os itens, tendo-se em conta três
critérios principais: (1) Kaiser (valor próprio maior do que 1), (2) Cattell (distribuição gráfica dos
valores próprios, scree plot) e (3) estrutura teorizada. Os dois primeiros critérios estatísticos vêm
sendo amplamente usados (Cattell & Krug, 1986). Em todo caso, a interpretabilidade da solução

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 667


NO ONTEXTO BRASILEIRO
fatorial foi igualmente decisiva para indicar o número de fatores a extrair. Realizou-se uma Análise
Fatorial dos Eixos Principais (PAF) com os 20 itens da escala e os resultados indicaram cinco
eigenvalues superiores a 1. Entretanto, ao se ter em conta o critério de Catell (scree plot), percebe-se
que o gráfico sugere um único fator, como pode ser observado na Figura 1, a seguir.

Figura 1. Representação gráfica dos valores próprios da Escala de Altruísmo Auto-informado (EAA)

Deste modo, uma nova PAF foi rodada, fixando a extração de um único fator. Nesta
oportunidade adotou-se como critério para exclusão do item que este apresentasse carga fatorial
abaixo de 0,30, caso do item 8. Os itens da Escala de Altruísmo Auto-informado apresentaram
eigenvalue (valor próprio) de 6,28 explicando 31,42% da variância total (Tabela 2).

Tabela 2.
Análise fatorial dos eixos principais da Escala de Altruísmo Auto-informado.

Cargas Correlação
Itens resumidos*
Fatoriais Item-Total
18. oferecido ajuda a deficiente ou idoso ao atravessar a rua 0,73 0,67
09. ajudado a carregar os pertences de um estranho 0,69 0,64
02. dado direções ou orientado a um estranho perdido 0,65 0,60
10. segurado um elevador e mantido a porta aberta 0,59 0,53
19. oferecido meu assento no ônibus para um desconhecido 0,59 0,50
11. deixado alguém passar à minha frente em uma fila 0,58 0,52
04. dado dinheiro para uma obra de caridade 0,56 0,53
06. doado bens ou roupas para uma obra de caridade 0,52 0,49
16. ajudado um colega de classe em uma atividade 0,52 0,48
17. tomado conta de animais ou crianças sem receber por isso 0,50 0,47
14. deixado um vizinho pegar emprestado algo de valor 0,50 0,48
13. mostrado ao balconista seu erro em cobrar-me menos 0,50 0,46

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05. dado dinheiro para um estranho necessitado 0,50 0,47
03. sido prestativo para um estranho 0,49 0,45
15. comprado deliberadamente cartões de Natal de “caridade” 0,49 0,47
20. ajudado conhecido a mudar de casa 0,47 0,46
07. feito trabalho voluntário para uma obra de caridade 0,43 0,41
01. ajudado um conhecido a mudar de casa 0,38 0,35
12. dado carona no meu carro a um estranho 0,32 0,31
Número de itens 19
Eigenvalue 6,28
% de variância explicada
31,42
Alfa de Cronbach
0,87
Notas: * Itens ordenados de acordo com a magnitude de suas cargas fatoriais

A escala apresentou um alfa de Cronbach de 0,87, o que indica que se trata de uma medida
com consistência interna adequada. Ademais, a confiabilidade também foi avaliada em função da
correlação item-total. Nesta análise, 19 itens apresentaram correlações iguais ou superiores a 0,30.

Estudo 2. Correlatos do altruísmo com os valores humanos e personalidade

Delineamento: tratou-se de um estudo correlacional ex post facto, onde se analisa a relação


existente entre altruísmo, valores humanos e personalidade.
Amostra: para este estudo contou-se com uma amostra de conveniência (não-probabilística)
de 200 estudantes de uma universidade pública da cidade de Parnaíba-Piauí. Estes tinham idades
variando de 17 a 51 anos (M = 21,89; DP = 3,93), sendo a maioria do sexo feminino (63%),
católicos (48%), solteiros (87,5%), com renda entre 1 a 3 salários mínimos (45,5%), os cursos de
maior número de participantes foram Psicologia (62%), Fisioterapia (17,5%) e Biologia (4,5%).
Além disso, 88,5% dos participantes afirmaram não realizar nenhum trabalho voluntário em
alguma instituição ou ONG, 70,0% afirmaram não realizar nenhuma atividade de caridade.
Instrumentos: (a) Escala de Altruísmo Autoinformado (EAA): Trata-se de uma medida elaborada
originalmente por Rushton, Chrisjohn e Fekken (1981). Aqui foi utilizada a versão validada
no estudo anterior; (b) Questionário de Valores Humanos Básicos. Este instrumento foi proposto
por Gouveia (2003), é composto por 18 itens ou valores específicos e avalia seis subfunções
valorativas. Seus itens são respondidos tendo-se em conta uma escala que varia de 1 = Totalmente
não importante a 7 = Totalmente importante. (c) Inventário dos Cinco Grandes Fatores da Personalidade
(ICGFP). Esta medida foi elaborada por John, Donahue e Kentle (1991), composta por 20 itens
que questionam como o indivíduo se percebe (Eu me vejo como alguém que...). Tais itens são
estruturados em sentenças (e.g., gosta de cooperar com os outros; é amável, tem consideração
pelos outros) respondidas em escala tipo Likert de cinco pontos, com os seguintes extremos: 1 =
Discordo Totalmente e 5 = Concordo Totalmente. (d) Informações sociodemográficas. Os participantes
responderam a um conjunto de perguntas de cunho sociodemográfico com a finalidade de
caracterização da amostra.
Procedimentos: os procedimentos deste estudo foram similares aos procedimentos realizados
no estudo 1.
Analise de dados: As análises foram efetuadas através do software IBM SPSS 21. Utilizou-se as
estatísticas descritivas (medidas de tendência central e dispersão, distribuição de frequência) para
caracterizar a amostra, além de análises de correlações de Pearson.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 669


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Resultados

Correlatos entre altruísmo e valores humanos


Através da análise de correlação (r) de Person buscou-se descobrir a relação existente entre
altruísmo e os valores humanos (Tabela 3).

Tabela 3.
Correlatos do altruísmo e das subfunções valorativas
Medidas 1 2 3 4 5 6
1. Altruísmo
2. Subfunção: Experimentação 0,33*
3. Subfunção: Realização 0,17* 0,37**
4. Subfunção: Existência 0,22** 0,36** 0,16
5. Subfunção: Suprapessoal 0,13 0,66 0,31** 0,43**
6. Subfunção: Interativa 0,27** 0,19** -0,06 0,50** 0,26**
7. Subfunção: Normativa 0,11 -0,04 0,05 0,32** 0,18 0,36**
Nota:*p < 0,05, ** p < 0,01 (teste unicaudal).

Diante dos resultados, observou-se que o altruísmo se correlacionou significativa e


positivamente com os valores das subfunções suprapessoal (r = 0,13, p < 0,01), interativa (r = 0,27,
p < 0,05) e experimentação (r = 0,33, p < 0,05). Tais resultados sugerem que pessoas que priorizam
valores humanitários, ou seja, que seguem uma orientação mais universal, baseada em ideias e
princípios mais abstratos e que apresentam menor dependência de bens materiais apresentem
uma tendência altruísta mais forte. O altruísmo também apresentou correlação positiva com os
valores da subfunção existência (r = 0,22, p < 0,01) e realização (r = 0,17), entretanto não houve
relação com a subfunção normativa (r = 0,11, p > 0,05).

Correlatos do altruísmo e os cinco fatores da personalidade


Do mesmo modo, recorreu-se à Correlação (r) de Person para se conhecer o relacionamento
entre altruísmo e personalidade (Tabela 4).

Tabela 4.
Correlatos do altruísmo e os cinco fatores da personalidade

Medidas 1 2 3 4 5
1. Altruísmo
2. Abertura à mudança 0,21**
3. Conscienciosidade 0,14* 0,32**
4. Extroversão 0,24** 0,38** 0,36**
5. Amabilidade 0,35** 0,17** 0,23** 0,31**
6. Neuroticismo -0,05 0,06 0,08 0,09 -0,04*
Nota:*p < 0,05, ** p < 0,01 (teste unicaudal).

O altruísmo se correlacionou estatisticamente significativo e de modo positivo com os traços


abertura à mudança (r = 0,21; p < 0,01), conscienciosidade (r = 0,14, p < 0,05) , Extroversão (r
=0,24, p < 0,01) e amabilidade(r =0,35, p < 0,01).

670  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Discussão

O presente estudo buscou compreender o fenômeno do altruísmo, a partir de seus correlatos


com os valores humanos e traços de personalidade. Especificamente buscou-se compreender a
relação desta variável com as subfunções valorativas e com cinco grandes fatores da personalidade.
Para tanto, dois estudos independentes foram realizados, o primeiro deles foi para conhecer
evidências de validade e consistência interna de uma medida de altruísmo. Já o segundo para
averiguar a correlação existente entre os construtos apontados.
No que diz respeito a avalição psicométrica da medida se comprovou o poder discriminativo
dos itens através de grupos-critério e a homogeneidade dos itens foi avaliada através da correlação
item-total. Na primeira análise, considerando os grupos-critério internos, evidenciou-se que todos
os itens da EAA possuem poder discriminativo (Pasquali, 2003) reforçam a adequação de cada
um dos itens. Deste modo, pode-se assim concluir que no que tange a análise dos itens estes
cumprem o critério de discriminação e homogeneidade (Tabachnick & Fidell, 1996).
No que diz respeito à Análise Fatorial Exploratória dos Eixos Principais (PAF) foi possível
verificar que a EAA é uma medida claramente unidimensional que avalia o altruísmo. As cargas
fatoriais situaram-se acima do recomendado pela literatura como sendo o ponto de corte (|0,30|;
Pasquali, 2003) em 19 itens, apenas o item (08. Tenho doado sangue) foi excluído. Ademais,
o índice de consistência interna, avaliado pelo Alfa de Cronbach, também foi considerado
satisfatório, tendo em conta o recomendado na literatura especializada (Pasquali, 2003). Este
resultado aproximou-se ao que foi identificado no estudo original da referida escala (Rushton,
Chrisjohn & Fekken, 1981) e no estudo de validação realizado em contexto brasileiro (Diniz, 2009).
Diante destas evidências pode-se concluir que a EAA apresenta evidências de validade e precisão
que encoraja seu uso em pesquisas futuras sobre altruísmo.
No que diz respeito ao estudo 2, que tratou da associação entre altruísmo e valores
humanos os resultados apontaram correlações positivas entre o altruísmo e valores suprapessoais
e interativos. Isso parece bastante coerente com o que tem sido estudado acerca do altruísmo,
em que se é esperado que pessoas que priorizam valores humanitários, ou seja, que seguem uma
orientação mais universal, baseada em ideias e princípios mais abstratos e que apresentam menor
dependência de bens materiais apresentem uma tendência altruísta mais forte (Diniz, 2009;
Gouveia, 2013).
No que tange o altruísmo e personalidade, destaca-se que alguns pesquisadores consideram
o altruísmo como um traço de personalidade (Rushton et. al. 1981), deste modo partindo desta
ideia foi possível verificar as relações existentes entre os cinco grandes fatores da personalidade e o
altruísmo. Os fatores Amabilidade, Extroversão e Conscienciosidade são tipicamente relacionados
ao altruísmo (Binet-Martínez & John, 1998). Neste sentido, alguns estudos têm indicado o altruísmo
como correlato dos traços de personalidade, com especial ênfase nos de amabilidade, extroversão
e conscienciosidade (Bartholomeu, et. al. 2010). Foi verificado que altruísmo teve correlação
positiva com o fator abertura a mudança, amabilidade, conscienciosidade e extroversão, de modo
que sujeitos com escores em nestes fatores tendem a ser generosas, bondosas, afáveis, prestativas
e altruístas, com motivação para alcançar objetivos altruísticos, indicando pessoas sociáveis,
ativas, falantes, otimistas e afetuosas (Bueno, Oliveira & Oliveira, 2001; Diniz, 2009).
Conhecido as correlações existentes entre o altruísmo, valores e personalidade é possível
idealizar propostas interventivas pautadas em tais relacionamentos entre as variáveis. Por exemplo,
é possível ser efetivada campanhas pautadas no valores e traços característicos dos fatores de
personalidade que encorajem pessoas a endossarem atividade que não envolvam grande esforço
(e.g., atividade voluntária ou de caridade), até aquelas que implicam em maior autosacrifício
(e.g., doação de medula óssea ou de sangue). Assim, seria possível por exemplo contribuir para

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 671


NO ONTEXTO BRASILEIRO
minimizar a carência de doadores de sangue, ou medula óssea, no contexto brasileiro, a qual se
configura como um emergencial problema de saúde pública. Em suma, estas variáveis podem
ser consideradas em campanhas que visem estimular a doação de sangue, bem como o trabalho
voluntário (Diniz, 2009; Gouveia, Santos, Athayde, Souza, & Gusmão 2014).

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 673


NO ONTEXTO BRASILEIRO
EIXO TEMÁTICO

PSICOLOGIA COMUNITÁRIA
PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA E VALORIZAÇÃO
DO SER: UM RELATO DE ESTÁGIO NO GRUPO DE
PROMOÇÃO À VIDA (NASF)
Bruna Saraiva Candeira
Lídia Maria de Medeiros da Silva
Andresa Ramos Oliveira
Geovane de Sousa Oliveira Filho
Khalina Assunção Bezerra

Introdução

O
Município de Parnaíba, situado ao norte do Estado do Piauí, possui diversos casos
de suicídio, tendo uma das maiores taxas de suicídios consumados no estado. (Site
Oitomeia, postado em 24/08/2017) Diante disso, a equipe do NASF-IV criou o
Grupo de Promoção à Vida, o qual acontece no Hospital Colônia do Carpina (HCC) e é conduzido
pelo psicólogo e pela assistente social da equipe. O grupo trata de sofrimento e é voltado para a
prevenção do suicídio através da promoção à vida. É frequentado por homens e mulheres, onde
se tem desde adolescentes até idosos e no qual a principal atividade desenvolvida é o relaxamento
e o compartilhamento de vivências entre os participantes.
Dessa forma, o presente relato de estágio no Grupo de Promoção à Vida tem como objetivo
falar sobre as possibilidades de práticas psicológicas respaldadas nos pressupostos da psicologia
social comunitária que podem ser operacionalizadas em grupos no intento de promover e a saúde
mental – como no grupo em questão – e conhecer as estratégias psicológicas por trás das atividades
realizadas pelos profissionais de equipes NASF, em modelo de atividade coletiva.
Segundo Vilares e Corgozinho (2011), a psicologia social comunitária percebe o homem como
um ser composto pela ação sócio histórica, simultaneamente em que continua sua construção de
concepções a respeito de si mesmo, dos outros e do contexto social em que vive. Assim o grupo de
Promoção à Vida entende cada sofrimento como único e pertencente a essência de seu portador
como uma ação do contexto sócio histórico onde o sujeito foi inserido.
Campos (2007, p.10) diz que “a psicologia social comunitária procura desenvolver os
instrumentais de análise e intervenção relevantes para as novas problemáticas que se apresentam
aos psicólogos”. É o que se pode perceber atualmente em relação ao suicídio, um tema que vem
ganhando espaço para debate e intervenção. Nesse caso os psicólogos precisam intervir de forma a
promover a vida e possibilitar um enfrentamento das causas que desencadearam a ideação suicida
por meio de uma reflexão potencializada do sujeito sobre ele mesmo e seu contexto sócio histórico.
Campos (2007) também ressalta que os métodos e processos de conscientização são usados
na tentativa de trabalhar com grupos para que eles assumam progressivamente a autonomia de
sua própria história, conscientização de sua situação e sejam atuantes na busca de soluções para
os problemas enfrentados.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 675


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Dessa forma, vê-se que é o sujeito que, no caso do local do estágio aqui relatado, participando
atualmente do grupo de Promoção à Vida, pode conseguir obter essa autonomia de sua história
entendendo que a situação que aconteceu em sua vida foi marcante e produziu consequências nas
quais é necessário entende-las e buscar a melhor forma de enfrentamento do problema, que acaba
sendo feito por um processo não somente do indivíduo, mas com o auxílio do grupo.   
Uma vez que o Grupo de Promoção à Vida é coordenado por uma equipe NASF, vale
ressaltar que o Ministério da Saúde criou as equipes NASF pela Portaria GM nº 154, de 24 de
janeiro de 2008. De acordo com informações do Ministério da Saúde (2009, p. 11) o Núcleo de
Apoio à Saúde da Família (NASF), é uma equipe multidisciplinar na qual estão presentes diversos
profissionais de áreas que devem atuar no suporte e em parceria com os profissionais das ESF -
Equipes de Saúde da Família, focando em práticas de saúde nos territórios sob responsabilidade
destas equipes.
O NASF apresenta-se como uma estratégia ousada com o objetivo de apoiar, ampliar e
aperfeiçoar a atenção e a gestão da saúde na Atenção Básica em Saúde da Família. Uma equipe
NASF tem um número determinado de equipes ESF para auxiliar, de modo que abrangem um vasto
território e vários bairros, segundo o Ministério da Saúde (2009, p. 10).  O apoio matricial é a
base do atendimento NASF, onde uma equipe de profissionais, cada um com suas especificidades,
auxiliam a equipe de referência ESF.
Qualquer município que tem equipes de ESF pode implantar um NASF para que este sirva de
apoio às demais equipes. Parnaíba conta com quatro equipes NASF que abrangem a maioria das
ESF (o município possui quarenta e cinco).
O NASF não tem um local especifico para realizar suas atividades, como diz o site Portal da
Saúde (2017):

Os NASF fazem parte da atenção básica, mas não se constituem como serviços com unidades
físicas independentes ou especiais. Para exercer suas atividades, as equipes NASF devem
ocupar o espaço físico das unidades às quais estão vinculadas, ou ainda outros espaços
disponíveis no território, como o espaço das academias da saúde, escolas, parques, dentro
outros.

Dessa forma a equipe do NASF-IV realiza as suas atividades com o grupo de Promoção
à Vida, o qual funciona no espaço do Hospital Colônia do Carpina, onde dispõem de vários
ambientes para realizar suas atividades. Dependendo do que se pretende eles podem recorrer a
um pequeno auditório, à sombras das arvores ou a uma varanda coberta.
A perspectiva do NASF é que se trabalhe com grupos com base na clínica ampliada, ou
seja, cada profissional tem sua visão sobre o indivíduo e juntos eles terão uma visão holística na
tentativa de perceber todas as especificidades que o usuário do serviço possui. O Ministério da
Saúde (2009, p. 47) ressalta que “Diante da magnitude epidemiológica dos transtornos mentais,
considera-se fundamental a priorização dos profissionais de saúde mental e das ações de saúde
mental pelos NASF”. O grupo de Promoção à Vida é uma dessas ações voltadas para a prevenção
do suicídio através da abordagem de temáticas acerca do sofrimento psíquico que seus usuários
sentem, independente de sua etiologia.
A rotina dos encontros do grupo é dividida em três momentos. O primeiro momento é
voltado para conversa sobre temas como angústia, sofrimento e formas de enfrentamento. O
segundo momento consiste em um relaxamento e o terceiro momento em uma partilha sobre a
experiência do relaxamento ou como um local de expressão da subjetividade do sofrimento. Vê-se
surgir nesse momento, além do alívio do sofrimento, a valorização pessoal e o fortalecimento dos
vínculos.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Segundo Ceccarelli (2005), a valorização pessoal acontece quando a pessoa acredita que ela
enquanto sujeito do processo da vida passa a pertencer a esse grupo, assim surge a valorização
de cada ser humano e de seu aprendizado. Como no caso de uma das usuárias que relatou que
“os problemas são os nossos melhores professores”, demonstrando que ela tem consciência que
os problemas fizeram parte da sua vida e que moldaram a pessoa que ela é, valorizando sua
experiência vivenciada ao longo da vida.    
Vale ressaltar também que, quanto aos modelos de terapia de grupo, as primeiras de que
se tem conhecimento, surgiram nos Estados Unidos no inicio do Século XX. Hoje, de acordo
com Bechelli e Santos (2004), são inúmeras as organizações que se formam espontaneamente,
com alguns milhões de membros em todo o mundo que compartilham questões psicológicas ou
condições médicas semelhantes, reunindo-se para trocar informações e receber apoio mútuo.
O Grupo de Promoção à Vida tem como objetivo promover o apoio mútuo entre os membros,
falando sobre seus modos de lidar com o sofrimento e participando das terapias de relaxamento.
A perspectiva adotada pelo psicólogo do grupo em questão para promover o relaxamento é a
do psicanalista alemão Wilhelm Reich, responsável pela conceituação da Psicoterapia Corporal,
ao qual designa que o trabalho direto sobre a musculatura do paciente vai se tornar parte da
estratégia analítica: o afrouxamento das tensões musculares é visto como um equivalente do
afrouxamento da censura e da eliminação do recalque. (Rego, 2003)

Método

Os participantes do presente trabalho consistiram nos integrantes do Grupo de Promoção à


Vida do NASF-IV do município de Parnaíba. O grupo era formado por pessoas de variadas faixas
etárias, desde adolescentes a idosos.
Os participantes, em sua maioria, residiam próximo a localidade em que se realiza os
encontros do grupo, embora ocasionalmente pessoas de bairros mais distantes apareçam para
participar visto que o grupo não se restringe apenas à comunidade local, mas seja acessível para
toda a comunidade parnaibana.
No grupo, há pessoas que geralmente participam de mais de um grupo do NASF-IV e das
ações na Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro. Alguns participam há anos ou meses, mas
o grupo apresenta grande rotatividade. Em média participam 20 a 25 pessoas por encontro. Em
comum, os participantes apresentam a percepção do sofrimento e o desejo de encontrar uma rede
de apoio que os ajude, dessa forma, o grupo encaixa-se como parte dessa rede.  
Ressalta-se que os temas trabalhados no grupo são fruto da escuta e da percepção do
psicólogo a partir das conversas informais com os participantes, pois alguns preferem conversar
individualmente. Dessa forma, algumas temáticas são mais específicas e contextualizadas, de
acordo com as demandas individuais. Elas são levadas ao grupo de forma não direcionada para
indivíduos em específico, mas para todos os participantes. Assim, o poder terapêutico do grupo
é potencializado e a construção do cuidado se dá de forma grupal.
Para os fins deste trabalho utilizou-se a observação sistemática não estruturada como
técnica de pesquisa a fim de investigar o campo de estágio. Essa observação investigativa consistiu
em averiguar e conhecer o grupo, observando os fenômenos que o construíam e modelavam.
A investigação foi ativa seguindo os moldes da pesquisa-ação consistindo entre agir no
campo da prática e investigar a respeito dela, portanto o papel dos observadores foi participante.
No primeiro momento do estágio, os estagiários buscaram inserir-se no grupo como
participantes, a fim de observar e conhecer o grupo de maneira geral além de tornar-se familiar
aos participantes que já frequentavam o grupo. O grupo era conduzido na maioria dos encontros
pelo psicólogo e a assistente social também sempre se fazia presente.
O encontro do grupo seguia o seguinte roteiro: introdução de algum tema relevante ao
grupo, trabalho com a respiração forte e marcada dita de “limpeza”, trabalho com a respiração
mais lenta para relaxar o corpo e a mente, partilha da experiência e partilha do lanche.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 677


NO ONTEXTO BRASILEIRO
No decorrer das visitas foi-se percebendo através da observação e da interação (nas conversas
informais e nas partilhas grupais) os comportamentos, as relações estabelecidas, os discursos de
sofrimento passados e presentes e a identidade dos participantes e do grupo. Ao longo das visitas
foi sendo mais perceptível a variedade de “sofrimentos” de cada participante na medida em que
alguns compartilhavam sua história de vida. Alguns tinham diagnósticos, outros não.
Vale ressaltar que poucos participantes falavam e havia certo monopólio da fala entre alguns.
Percebendo esta demanda, foi elaborada uma intervenção com o intuito de propor outros meios
de expressão, algo que pudesse ser um meio facilitador para que os processos viessem à tona.

Resultados

As experiências vivenciadas durante as seis visitas ao Grupo de Promoção à Vida foram


enriquecedoras no tocante ao conhecimento acerca da forma de trabalho do psicólogo no manejo
de um grupo, assim como foram importantes para que se tenha um conhecimento maior sobre o
papel que a psicologia tem nos dispositivos de saúde pública inseridos na realidade dos bairros e
comunidades, como o NASF.
Na primeira visita optou-se por dar inicio ao estágio participando do grupo assim como os
outros participantes e só no final do grupo fazer a apresentação como estagiários. O objetivo na
primeira visita foi observar e entender qual a dinâmica de funcionamento do grupo e como era a
participação das pessoas no mesmo.
Observou-se que o grupo é dividido em três momentos: um primeiro momento de fala do
psicólogo (ou da assistente social) a respeito de um tema pré-escolhido – nesse primeiro dia foi
sobre a importância de viver, um segundo momento com uma atividade de relaxamento baseada
na respiração e no método reicheriano e um terceiro momento de partilha (de fala e de lanches).
Ao final do grupo, os estudantes ficavam um pouco no ambiente e buscavam criar vínculos com
os participantes (os quais eram bastante receptivos) através de aproximações e conversas. No
decorrer das visitas os usuários do grupo passaram a se aproximar cada vez mais dos estagiários,
os quais buscaram ter uma escuta ativa e comprometida.
No segundo dia de estágio, o encontro do grupo não se deu no Hospital Colônia do Carpina,
como habitualmente, e sim na quadra da UFPI. Isso porque o grupo foi convidado a participar
de uma atividade sobre o “Setembro Amarelo”, promovida por residentes. Os estagiários
acompanharam o grupo durante o evento, no qual diversos grupos além do Promoção à Vida
foram convidados a participar.
O terceiro dia de visita ainda foi utilizado pelos estagiários como oportunidade de estar no
grupo como participantes, buscando entender melhor como é a postura do psicólogo no manejo
do grupo e buscando criar um vínculo com os participantes. Nesse dia o tema do grupo foi a
respeito do luto e das formas de lidar com ele.
A partir do quarto dia de estágio os estagiários começaram a atuar mais ativamente no
grupo, sendo guiados pelo psicólogo da equipe do NASF-IV, o qual conduz o grupo junto com a
assistente social. No momento de fala inicial o psicólogo abordou o sofrimento, e no momento
do relaxamento, enquanto o psicólogo coordenava o momento através da voz e os participantes
do grupo estavam sentados e de olhos fechados se concentrando nos comandos dados por ele,
os estagiários, conforme ensinado por ele, foram individualmente até os participantes e através
do toque buscaram ajudar a relaxar as tensões e as “couraças” dos mesmos. Foi muito positivo
aprender mais acerca dessa técnica, a qual é baseada nos pressupostos da Psicologia Corporal e
que utiliza da respiração e do toque para o relaxamento dos participantes.
Na quinta visita de estágio, conforme anteriormente conversado e acordado com a equipe
responsável por coordenar o grupo, os estagiários realizaram a primeira atividade de intervenção.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Eles contaram com a ajuda do psicólogo e da professora orientadora do estágio para planejar
a atividade, por fim, chamando-a de “Mesa de Sentimentos”. Ela teve como objetivo abordar a
temática das memórias da história de vida dos participantes, os quais, de forma geral, aderiram
de forma positiva à participação na atividade, a qual se utilizava de objetos diversos colocados em
cima de uma mesa com o objetivo de despertar sentimentos e lembranças nos sujeitos acerca de
episódios (bons ou ruins) da história de vida de cada um. Nessa atividade eles foram convidados
a partilhar suas lembranças para os demais participantes do grupo, caso sentissem-se à vontade.  
No sexto e último dia de estágio, a temática abordada pelo psicólogo no início do grupo foi
a questão das diversas formas de lidar com o sofrimento. Nesse dia de visita, após o momento da
atividade de relaxamento, foi feita uma atividade de intervenção de roda de conversa em que foi
conversado a respeito do efeito que a intervenção “Mesa de Sentimentos” teve em quem participou
da mesma. Os comentários dos participantes foram positivos em relação à atividade. Por fim,
os estagiários agradeceram ao grupo por haverem se disponibilizado a participar das atividades
propostas e por terem ajudado de forma tão ativa na construção do aprendizado dos estudantes.
Também agradeceram ao psicólogo do NASF por todo o apoio e aprendizado compartilhado
através das visitas.
No tocante às duas atividades de intervenção organizadas pelos estudantes, foram
intervenções que objetivaram ir ao encontro das necessidades dos participantes e ao entendimento
do funcionamento do grupo. As intervenções escolhidas foram planejadas tendo em vista que se
percebeu no decorrer das visitas ao grupo que as memórias da história de vida têm um papel
central nos relatos dos participantes. Percebeu-se também que seria uma forma diferente de levar
os participantes a partilharem.
Assim, a intervenção intitulada “Mesa de Sentimentos” foi realizada utilizando-se de
uma mesa com objetos variados em cima (cuja finalidade dos mesmos era evocar lembranças
nos participantes acerca da história de vida) e de uma cadeira posta ao lado da mesa. Após
ser introduzido pelo psicólogo a temática sobre as memórias e lembranças, foi apresentada a
dinâmica e explicado aos participantes do grupo que aquele momento seria aberto para eles,
um de cada vez, sentarem-se na cadeira e contarem aos demais sobre a memória (boa ou ruim)
evocada por algum objeto. Os estagiários e os integrantes da equipe NASF presentes no dia (o
psicólogo e a assistente social) também participaram da partilha com seus relatos de memórias.
Uma vez que nesse dia não houve tempo para a partilha sobre a atividade, outra intervenção
foi programada para o encontro seguinte: uma “Roda de conversa sobre a mesa de sentimentos”.
Essa atividade foi feita na segunda-feira da semana posterior e, após a atividade de
relaxamento, os alunos deram início à Roda de Conversa falando sobre a intervenção que foi feita
e abrindo o espaço para a fala dos participantes a respeito de como foi vivenciar a partilha de
memórias.

Discussão

As intervenções apresentadas tiveram resultados satisfatórios em relação ao objetivo traçado


com a escolha da aplicação das mesmas. Observou-se que os participantes se interessaram em
partilhar sua história de vida para os demais e também em ouvir o relato dos outros. Esse momento
de partilha é importante para o fortalecimento da coesão grupal, a qual é entendida como
resultado da aderência do indivíduo ao grupo e à fidelidade aos seus objetivos. De acordo com
Pavitt (1998) em contextos grupais a comunicação livre, fluida e espontânea entre os membros
contribui para aumentar a coesão, a qual é um fenômeno importante do processo grupal.
Também é importante pois configura uma situação em que os participantes se sentem
apoiados (através de perceber uma escuta ativa não apenas do psicólogo, mas também dos demais

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 679


NO ONTEXTO BRASILEIRO
participantes do grupo). Segundo Dessen e Braz (2000) o apoio social é considerado fundamental
para a manutenção da saúde mental dos indivíduos, daí a importância em desenvolver o apoio
social em um grupo que tem como temática a promoção à vida. De acordo com Cobb (1976)
o apoio social pode ser entendido como a percepção do indivíduo que o leva a acreditar que é
estimado e que faz parte de uma rede social com compromissos mútuos.
Um dos objetivos da atividade também era trabalhar a autonomia dos usuários do grupo
no que diz respeito ao espaço de fala. De uma forma geral é possível considerar que esse aspecto
obteve um resultado positivo, já que cerca da metade do grupo partilhou suas memórias.
Na intervenção da Roda de Conversa sobre como foi vivenciar a experiência da Mesa de
Sentimentos, é importante ressaltar que eram poucos os participantes presentes no grupo nesse
dia que haviam participado da intervenção do encontro anterior (os demais eram pessoas indo pela
primeira vez ao grupo e pessoas que não haviam ido ao grupo no dia da Mesa de Sentimentos) e,
por coincidência ou não, eles eram parte dos que haviam partilhado memórias mais positivas e de
experiências de resiliência em relação a dores do passado. Não se sabe com exatidão o porquê da
falta dos outros participantes e se isso tem relação direta com alguns afetos mobilizados durante
o resgate e a partilha de memórias.
Todavia, a equipe NASF que coordena o grupo relatou que após experiências que mobilizam
afetos e tendem a levantar demandas, cada participante lida com elas de uma forma particular. Isso
ocorre, pois, de acordo com Freitas (1999), na psicologia comunitária os sujeitos são constituídos
por uma constante dialética entre individual e coletivo e, portanto, as experiências vivenciadas na
coletividade vão atingir cada participante de uma forma diferente uma vez que cada um possui
uma subjetividade única.
Assim, cabe à equipe entender o tempo de cada um e dar o apoio necessário para o
desenvolvimento dos processos individuais não apenas através das atividades em grupo, mas
também através de visitas domiciliares, as quais serão feitas a fim de acompanhar os participantes
que faltaram caso continuem faltando e saber os reais motivos de tal ocorrência e se teve alguma
relação direta com a intervenção feita pelos estagiários.
Conclui-se que apesar da ocorrência da falta de participantes após a intervenção sobre
lembranças, isso pode ou não ter relação com a realização da atividade, visto que foi observado
que é um grupo no qual a grande maioria dos participantes não tem uma frequência semanal.
Conclui-se também que a realização da experiência de estágio no campo da saúde coletiva
foi bastante construtiva, visto que os estudantes aprenderam vivenciando na prática como é a
dinâmica de trabalho do psicólogo que coordena grupos (como no caso o Grupo de Promoção à
Vida) e em equipes (como no caso a equipe NASF).
É importante considerar, por fim, que o presente trabalho é relevante uma vez que apresenta
uma perspectiva de como atuar na saúde pública e na condução de grupos (tal como o grupo
Promoção à Vida) respaldando-se no modelo e nas técnicas da psicologia social comunitária.
Ressalta-se a importância de serem feitos mais estudos como este, visando aliar a teoria e a prática
no mesmo trabalho, a fim de servir como modelos de atuação para futuros profissionais da área.

Referências

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Enfermagem, 12 (2), 242-249.

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Limitada.

Freitas, M. F. Q. (1999). Psicologia na comunidade e psicologia (social) comunitária - prática da psicologia


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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 681


NO ONTEXTO BRASILEIRO
PROJETO “O FUTURO EM CONSTRUÇÃO”:
TRABALHANDO PERSPECTIVAS FUTURAS COM
ADOLESCENTES
Elivelton Cardoso Vieira
Jessyca Rodrigues Melo
Camila Siqueira Cronemberger Freitas

Introdução

A
adolescência é caracterizada como uma das fases do desenvolvimento humano
onde ocorrem mudanças físicas, sociais, cognitivas e também psicológicas. Segundo
Davin (2009), nesta fase as modificações físicas, emocionais, sociais e sexuais
ocorrem de forma conjugada e que estas, não eram sentidas da mesma forma pelo adolescente
anteriormente (p. 2). Por conta disso, pode-se dizer que se trata de um período em que o sujeito
passa a ter questionamentos que antes não tinha a respeito de si próprio, do mundo, dos outros,
e também, a respeito de seu próprio futuro.
Vários relatos de experiência (Araújo, Morais, Sousa, Lima & Carvalho, 2010; Mendes, 2008;
Gomes, Tomasi, Ceretta, Birolo & Amboni, 2016) foram feitos mostrando a importância de haver
momentos que propiciem reflexão e emponderamento aos adolescentes a respeito do futuro.
Essas ocasiões podem ser proporcionadas por vários grupos diferentes, quer seja na comunidade
(Centros de Referência da Assistência Social - CRAS, Centros de Convivência, Associação dos
moradores do bairro) e também na escola.
O presente trabalho tratou-se, assim, de uma proposta para se trabalhar com um grupo
de adolescentes da zona norte de Teresina. O grupo é liderado por dois adultos que desenvolvem
atividades semanais com o enfoque na família, autossuficiência, bem-estar, dentre outros temas.
Suas reuniões acontecem num prédio que pertence à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos
Últimos Dias, sendo que o grupo é composto tanto por integrantes da igreja quanto por jovens
da comunidade.
Foi feita uma coleta de demandas, que aconteceu por meio de uma conversa com esses
líderes, onde eles declararam que em meio a diversos temas que poderiam ser trabalhados - como
a ética, política, relacionamento familiar, a importância dos estudos - havia uma necessidade
emergente de que estes adolescentes refletissem a respeito do futuro, para terem assim estratégias
suficientes afim de criar seu próprio projeto de vida.
Este projeto, intitulado “O Futuro em Construção”, teve como objetivo promover reflexões
a um grupo de adolescentes com respeito à adolescência e a construção de seu próprio futuro,
assim como ajudá-los a se enxergarem como ser ativos nesse processo e, a partir disso, propiciar
ferramentas para que eles criassem seu Projeto de Vida.

682  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método

Participaram do projeto 20 jovens com idades entre 12 e 18 anos de idade, de ambos os


sexos. Esses adolescentes moravam na região da comunidade próxima ao local onde aconteceram
os encontros, sendo os encontros realizados em uma das salas do prédio d’A Igreja de Jesus
Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Foram no total de três encontros que aconteceram com
periodicidade semanal, tendo duração de 1 hora e 20 minutos cada encontro.
Foram utilizadas como estratégias, durante a execução do presente trabalho, a produção de
oficinas para promover uma reflexão a respeito da adolescência e da idade adulta, dinâmicas de
grupo, feira das profissões com a participação de diversos profissionais de áreas distintas e rodas
de conversa. Durante a execução do projeto, foi criado um Instagram para que os participantes
pudessem acompanhar as atividades que aconteceriam nos encontros seguintes.
É importante lembrar que ao término de cada um dos encontros eram solicitados feedbacks
a respeito de como havia sido para eles aquele momento e o que haviam aprendido.

Resultados

Para o alcance dos objetivos propostos foram necessários três encontros que tiveram seus
eixos centrais os seguintes temas: O adolescer, Orientação profissional e Projetos de vida. Em cada
um dos encontros foram desenvolvidas atividades que promoveram reflexão e emponderamento
a despeito dos temas propostos, assim como o desejo de aplicar aquilo que foi aprendido, como,
por exemplo, construir um Projeto de vida. Essas atividades, a maneira como foram executadas e
seus resultados estão descritos na Tabela 1.
Os adolescentes participaram das atividades e não se opuseram a nenhuma das sugestões.
O tempo era aberto para todos aqueles que desejavam expressar suas impressões e compartilhar
experiências. O grupo costumou participar bastante, mostrando o quanto tinham proximidade.

Tabela 1:
Apresentação dos encontros
Encontro Atividade Procedimento Objetivo
Dinâmica de apresentação e Dinâmica de grupo Conhecimento do grupo
quebra-gelo

Oficina do presente-futuro Imaginar personagens do convívio Reflexão sobre o tema do


1º por meio de personagens no presente e no futuro projeto

Construção da adolescência Oficina com cartazes Percepção dentro do processo


e idade adulta de construção da adolescência
Feira das profissões Apresentação por meio de Conhecimento sobre áreas
uma roda de conversa algumas profissionais distintas.
2º profissões com a participação de
profissionais das respectivas áreas.
Construção do Projeto de Junção do material que eles Aprendizado sobre como
vida construíram até aquele momento construir um Projeto de vida e
3º com plano a respeito de seus alterá-lo quando necessário.
objetivos para o futuro.

Nota. Apresentação das atividades com suas respectivas atividades, procedimento e resultados alcançados.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 683


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Discussão

No primeiro encontro, pôde-se conhecer o grupo de adolescentes que participariam das


intervenções. Eles já haviam sido convidados previamente pelos dois adultos que eles consideravam
seus líderes para participarem das atividades. Foi aplicada uma dinâmica de apresentação. Foi
solicitado que o grupo se misturasse e andassem pelo espaço em que se encontravam. Logo
em seguida, foi dado o comando para eles se dividissem em duplas – sendo o par de cada um
aquele que estivesse mais próximo. Após a divisão eles deveriam se apresentar um ao outro em
dupla, respondendo a algumas perguntas tais como: “Qual é o seu nome e idade?” e “O que
é ser adolescente para você?”.  Após este momento, foi feita uma roda de conversa onde eles
apresentaram o parceiro e conversamos a respeito do que é ser um adolescente. Esse momento
foi muito importante, pois através da fala deles surgiram comentários como: “Ser adolescente é ser
‘aborrecente’. Todo mundo fala isso!”; “Na adolescência há mudanças no corpo”; “Eu queria continuar sendo
criança”. Pode-se perceber por estes discursos uma visão distorcida do que seria a adolescência.
Eles expressaram como que as pessoas costumam vê-los, criticando muitas de suas posturas.
Oliveira e Hanke (2017) em uma pesquisa embasada na Psicanálise observaram que não cabe a
ninguém dizer “se o adolescente é mais ou menos aborrecedor que uma criança ou um adulto” (p.
297). Dessa forma, pode ser dada mais atenção às características com relação à adolescência no
intuito de compreender esse jovem e não julgá-lo ou usar estereótipos para descrevê-lo.
A medida que eles traziam suas concepções a respeito do tema, foi trabalhado o conceito
de adolescência de acordo com Gomes et al. (2016), que conceituou a adolescência como
“um período  de consolidação da identidade, onde o adolescente reflete sobre si mesmo, suas
escolhas, suas crenças e valores” (p. 6). Foi trabalhado que a adolescência é um período que
há transformações, mas que muitas das ideais que as pessoas – muitas vezes até os pais – têm a
respeito desse período são construções que foram feitas com o tempo e muitas vezes reforçadas.
Após este momento, foi feita uma atividade onde foi utilizada uma apresentação de slides.
Foram mostradas imagens de personagens e pessoas que eles conhecem. Essas pessoas eram cantores,
atores e figuras públicas. Foi feito um paralelo com imagens do “antes” e “depois” dessas pessoas.
O primeiro correspondendo ao período em que essas pessoas estavam na adolescência e o segundo
correspondendo ao período atual. Essa atividade despertou muito a atenção dos mesmos, pois eles
viram pessoas que eles admiravam bastante. Viram-nas adolescentes e adultas também. Essa atividade
foi importante para que eles refletissem que a adolescência faz parte da construção de história de vida
deles e que é um momento importante onde eles tomam decisões. Também foi questionado se eles
conseguiam se imaginar no futuro. A maioria disse que sim. Eles puderam descrever o que imaginavam.
E foi nesse momento em que foi falado para que serve um projeto de vida e da importância de construí-
lo. Verni e Tardeli (2015) confirmaram esse ponto ao afirmarem que “embora o projeto de vida se
refira ao futuro, é no presente que suas formas são construídas”. (p. 3)
Por fim, ao término do encontro foi feita uma oficina. Foi dado a eles cartolinas, pincéis,
revistas, tesouras e outros materiais para corte e colagem. Eles foram divididos em duas equipes
onde precisavam construir juntos os símbolos da adolescência na perspectiva deles. Logo em
seguida, eles apresentaram seus cartazes para o grupo. Em suas colagens e desenhos eles trouxeram
muitas palavras com hastags, destacando a influência que as redes sociais têm em seu dia-a-dia.
Um dos grupos expressou com veemência a questão da afetividade, colando imagens de casais
trocando gestos afetuosos. Ao explicarem essas imagens eles disseram que a adolescência é um
período de se apaixonar e de ter amores, mostrando assim o quanto a questão da afetividade é um
fator importante de ser observado na adolescência.
No segundo encontro foi trabalhada Orientação profissional. Matsouka e Palma (2013)
descreveram orientação profissional como sendo “um processo de desenvolvimento que começa
em casa vivenciando as atividades da família e na escola, (...) deve levar o aluno uma reflexão e ao
conhecimento de outras profissões que estão no mercado de trabalho.” (p. 63).

684  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
E foi esse o objetivo do segundo encontro: Levar reflexão e conhecimento a respeito de
outras profissões para que eles pudessem conhecê-las. Dantas, Nascimento, Monteiro, Oliveira
e Sobrinho (2014) relataram em sua pesquisa que um dos motivos para grande evasão dentro
das Instituições de Ensino Superior (IES) é o fato desses alunos não terem clareza a respeito
do “curso que escolhem, das possibilidades de atuação da área e da própria matriz curricular,
mais precisamente em relação às disciplinas iniciais do curso” (p 179), por isso há uma grande
necessidade de haverem momentos que proporcionem o conhecimento de áreas variadas.
Para trabalharmos essa questão solicitamos, no encontro anterior, que eles citassem
profissões que gostariam de conhecer e, no segundo encontro, foi preparada uma Feira das
Profissões que aconteceu em forma de roda de conversa.  As profissões escolhidas foram: Designer
de modas, gastrônomo, fisioterapeuta, tecnólogo em radiologia, intérprete de libras, psicólogo,
advogado, pedagogo, enfermeiro, nutricionista, assistente social, engenheiro mecânico, policial e
representante de relações exteriores.
As pessoas que participaram foram profissionais da área, mas em sua maioria eram
estudantes dos últimos períodos da graduação. Essa estratégia foi utilizada propositalmente para
que os adolescentes pudessem se enxergar mais próximos dessa realidade de ter um curso superior e
trabalhar com que eles têm afinidade. Isso também propiciou a eles um senso de responsabilidade
e também de que era possível que alcançassem seus objetivos de ter uma formação, assim como
aqueles estudantes e profissionais.
O feedback foi extremamente positivo. Foi feita uma caixa para escrevessem no papel e
colocassem na caixa o que haviam achado da feira. Houve comentários tais como: “Eu gostei
bastante! Aprendi muito sobre outras profissões que eu nem imaginava que eram assim.”; “Muito bom esse
momento!”; “Me ajudou a conhecer mais sobre as profissões.”
No último encontro eles construíram seus projetos de vida. Inicialmente foi feita uma
atividade onde foram colocadas duas perguntas no quadro: “Onde estou agora?” e “Onde quero
chegar?”. Com base nesses questionamentos eles expressaram onde queriam chegar. A maioria
deles já estava sabendo o que desejavam com relação ao futuro e enfatizaram como a Feira os
ajudou muito a pensarem mais sobre isso. E ao responderem a pergunta sobre onde estavam agora
muitos falaram a respeito da importância da educação para o alcance de seus objetivos. Após este
momento, foram distribuídas folhas para que eles escrevessem um esboço de seus projetos de vida
e eles assim, o fizeram.
O encontro foi encerrado com o feedback deles a respeito dos encontros. Eles consideraram
os encontros como muito importantes e chegaram a desejar que outros amigos também pudessem
ter participado dos encontros. Consideraram os temas abordados importantes e de grande
utilidade para eles.

Considerações finais

Os objetivos do presente trabalho foram alcançados. Ele teve uma boa aceitação por parte
dos adolescentes pertencentes ao grupo. Percebeu-se que eles possuíam uma visão distorcida
a respeito da adolescência, mas que através das atividades trabalhadas alguns pontos foram
desmistificados.
A questão da perspectiva futura foi percebida por eles como importante. Os momentos
em que foi trabalhada essa temática foram considerados pelos jovens como mais interessantes.
Vale ressaltar que não foi objetivo do trabalho proporcionar uma definição a respeito do que eles
gostariam de ser no futuro, mas que focamos na reflexão a respeito de se ter um Projeto de Vida,
englobando não só a parte educativa, mas outras áreas, como familiar por exemplo. Percebemos
assim, como relatado por Mandelli, Soares e Lisboa (2011) que “é a partir do projeto de vida que
o ‘bicho-humano’ vai dando sentido a sua vida e orientando-a.” (p.54)

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 685


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Eles também disseram que gostaram bastante dos encontros porque tiveram a oportunidade
de expressar o que pensavam. Com isso, destacamos a importância de haver momentos em que
adolescentes possam falar a respeito de suas vivências uns com os outros.

Referências

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Mendes, J. T. N. (2008). O projeto de vida dos jovens pobres na vivência do tempo presente (Dissertação de
mestrado, Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora).

Oliveira, H. M. de, & Hanke, B. C. (2017). Adolescer na contemporaneidade: uma crise dentro da
crise. Agora 10(2). 295-310.

Verni, P. J.,  & Tardeli, D. D. (2015). Autoestima e projeto de vida na adolescência. 41º Association for
moral education conference.

686  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EIXO TEMÁTICO

PSICOLOGIA POLÍTICA
O CÁRCERE E A REFORMA PSIQUIÁTRICA:
HÁ UM SISTEMA PARA O LOUCO?
Ana Carolina de Lima Jorge Feitosa

Introdução

O
presente estudo advém de uma prática profissional entre a Saúde Mental,
propriamente dita, e a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP)
do Estado do Rio de Janeiro.
Com aproximadamente cinqüenta e duas Unidades Prisionais em todo Estado, sendo, duas,
consideradas Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, direcionadas para os loucos
considerados infratores. A SEAP, atualmente, encontra-se apinhada de Usuários da Saúde Mental
que, por um infortúnio, questões delirantes ou até mesmo por vulnerabilidade ou riscos sociais,
vão sobrestar dentro dos Cárceres, sem o cuidado preciso e o tratamento necessário.
Diante dessa infeliz realidade que nos apresenta como a Psicologia, junto com a política
da Reforma Psiquiátrica pode apostar em formas outras de intervenção dentro dessa Instituição
Total – o Cárcere? Como já dita por Goffman, caracterizada pelo

(...). Seu fechamento ou seu caráter total é simbolizado pela barreira à relação social com o
mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico
– por exemplo, portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, florestas ou
pântanos. (...).(Goffman, 2015, pg. 16).

Portanto, mediante do que fora colocado, o referido trabalho incide a partir do relato de
experiência e da prática do psicólogo dentro do Sistema Prisional do Estado do Rio de Janeiro
em seu defronte com o descuido com aqueles que, ao contrário de estarem em devido cuidado e
tratamento, estão sendo acoimados, campeados e enclausurados.

Método

Trabalhar com esse tema não é uma tarefa nada fácil, pois trata de propor um debate amplo
e digno entre dois campos que merecem toda a atenção e respeito de todos que se comprometeram
em prol daqueles que, ao mesmo tempo em que se encontram encarcerados, apresentam
particularidades referentes à Saúde Mental. Em razão de uma falta de políticas públicas alusivos
ao cuidado, estão sendo impelidos às prisões.
Sendo, então, psicóloga, de duas das Unidades Prisionais da SEAP, é possível escutar os
“gritos” da loucura dentro dos mármores e das grades. Quantos usuários da rede da Saúde Mental
estão tendo seus destinos dentro das cadeias públicas ao contrário dos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS)? Inúmeros! Devido a delitos advindos de seus delírios, por estarem a mercê
da falta de suas medicações ou por seus serviços de referência se sentirem incapazes de oferecer o
mínimo de cuidado, ou seja, por falta de investimento da política local.

688  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Fato, esse, que nos convoca a uma importante reflexão. Em 2001 fora sancionada a lei
conhecida como a “da Reforma Psiquiátrica”, a Lei 10.216 (2001), que, em seus termos, mais
precisamente em seu parágrafo único, coloca que “São direitos da pessoa portadora de transtorno
mental: I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;
(...)”. Sobre isso, ainda, como nos diz Delgado,

(...) a aprovação de uma lei federal, com o destaque que teve, por torna-se parte de
comemorações que se realizam em quase todas as grandes cidades do país, traz o processo
de reforma para um novo estágio de institucionalidade, colocando-o definitivamente na luz
do debate sobre a cidadania e as políticas públicas. (Delgado, 2001, pp. 283-284).

Sendo assim, como se explica a inaplicabilidade desta lei?

Resultado

A atenção psicossocial para funcionar ela precisa laborar como uma rede, rede esta que
precisa auxiliar o usuário em seu território, não somente em termos objetivos, mas como subjetivos,
inclusive. “(...) Isto é, formando uma série de pontos de encontro, de trajetórias de cooperação,
de simultaneidade de iniciativas e atores sociais envolvidos.” (Amarante, 2007, p. 86). E, se não
tivermos uma política pública voltada e investida para essa clínica, teremos a inocuidade de todo
investimento daqueles que trabalham em nome da Reforma Psiquiátrica. E, como escoamento,
usuários perdidos em própria loucura, desassistidos e dentro dos presídios, vigiados por serem
loucos e punidos por serem “perigosos”. Tal observação é colocada uma vez que, dentro da SEAP,
a lógica é classificatória e categórica. O louco é perigoso e o marginal criminoso.
Essa ligação direta entre a loucura e a periculosidade ainda é encontrada nos espaços da
SEAP. Sendo esse o sentido em que a psicologia pode contribuir para a desconstrução de tal
relação. Algo que a ética da Reforma Psiquiátrica vem contestando desde a sua constituição. Um
lugar outro à Loucura, pois “(...) na saúde mental e atenção psicossocial, o que se pretende é uma
rede de relações entre sujeitos, sujeitos que escutam e cuidam (...)”. (Amarante, 2007, p. 82). Algo
que, dentro do Sistema Prisional, fica inexeqüível.

Discussão

Sendo, portanto, uma psicóloga que trabalha na assistência imbuída pela Saúde Mental,
é possível descrever sobre as dificuldades em relação à psicose em sua forma mais aguda. O
sujeito, verdadeiramente, encontra-se despedaçado, fragmentado e comandado por vozes das
quais não consegue controlar. Estando desassistido é o período que o faz cometer algo que a
justiça denomina de delito, resultando em sua prisão e, não em seu encaminhamento para um
serviço da Rede de Atenção Psicossocial. “De fato, há uma responsabilidade social nossa para
com o paciente psicótico. No entanto, tendo em vista a condição subjetiva da psicose, é possível
observar como essa mesma responsabilidade encontra-se inerente ao trabalho clínico realizado
(...)” (Feitosa, 2017, p. 43). Trabalho esse crucial para o cuidado do sujeito, que, quando não
ofertado, ocorre o que é chamado de desassistência.
A partir do instante que deixamos de cuidar de um usuário que esteja em plena devastação
psicótica, algo lhe pode ocorrer. E, ao cometer algo ilícito, e encaminhado ao cárcere, ao contrário
de ter a clínica como aliada, terá como oponente o Sistema, que, como postula Foucault (2008, p.
117), procura localizar “(...) facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao corpo – ao
corpo que se manipula, se modela se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças
se multiplicam”. Ou seja, tem-se como desígnio a “docilidade dos corpos”.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 689


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Tudo o que a loucura não precisa é ser encarcerada. A pretensão de “docializar” está longe da
proposta de “escutar” e “cuidar”, como nos disse Amarante. Prender a loucura é institucionalizá-
la, e ir ao encontro das ideias e das práticas manicomiais, um caminho torto, que a política da
Reforma Psiquiátrica tem resistido ferozmente.
Para seguir nesse caminho, não podemosnos sonegar de outras perguntas. Se, a discussão
aqui colocada está centrada aos direitos dos usuários da Saúde Mental, como instituído em lei, o
que os faz permanecer no Sistema Penitenciário?

“(...) Cheias de estímulos, aventuras, surpresas, desfechos inesperados, risos e lágrimas. As
prisões constituem verdadeiras exceções à vida. Como um conto mal escrito, monótono,
repetitivo, sem ilusões, sem perspectivas, e com desfechos previsíveis de um final quase
sempre infeliz. Os personagens parecem viver um período sem tempo, no qual a paisagem
não sinaliza mudança, nem para o bem nem para o mal. É sempre a mesma e pesa sobre
o cotidiano um ar sufocante em que as tensões jamais se esvanecem.” (Damas & Oliveira,
2016, p. 24).

Um cenário assolador para todos, sendo ainda pior para aquele que se encontra totalmente
submergido pelas invasões psicóticas.
Assim sendo, retomemos ao tema. Há um sistema para o louco dentro das prisões, se temos
uma política calcada pelas ideias da Reforma Psiquiátrica? Faz sentido um louco que pratica um
ato ilícito ser considerado perigoso, sendo sua ação ter sido a partir de uma voz imperativa? Seu
lugar não seria em uma instituição de cuidado?
Bom, esse é um dos desafios encontrados pelo psicólogo que trabalha, tanto no Sistema
Prisional, como na Assistência dentro da Saúde Mental. O psicótico carece da clínica, de quem o
escuta e trabalha com as suas questões delirantes, e, não de muros que “(...) não marcam apenas
a ruptura do ambiente social, mas também a ruptura do tempo e dos afetos que precisam ser
ressignificados em outro ritmo, cadência e uso.” (Constantino & Minayo, 2015, p. 93).
Nesse sentido, pensar em fazer uma política voltada para o campo da Saúde Mental
transcende paradigmas, ideias que consideram o Sistema como o lugar para a loucura. Concepção
errônea e equívoca que a Reforma Psiquiátrica, com sua ética, possui como norte desconstruir
para construir.

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 691


NO ONTEXTO BRASILEIRO
EIXO TEMÁTICO

DIREITOS HUMANOS
OS INIMIGOS DO ESTADO: DA CONSTRUÇÃO DO
ESTIGMA A UMA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL
POR UMA PERSPECTIVA ABOLICIONISTA
José Lucas Soares de Araújo

Introdução

A
s relações contratuais de conduta entre os indivíduos e o estado na contemporaneidade
são calcadas em um conjunto de regras pautadas principalmente em discursos
fundamentados pelas ciências humanas, especificamente a criminologia e as
disciplinas “psi” que respaldaram o judiciário na construção de dispositivos de repressão. Neste
sentido, as ciências humanas surgem historicamente como ponto de apoio para novas técnicas de
gestão das massas humanas, controlando-as, fixando-as e produzindo indivíduos úteis, do ponto
de vista da produção, e dóceis, do ponto de vista político (Foucault, 1987).
Logo é impossível separar direito penal, política criminal e criminologia. O direito
penal embasa as decisões judiciais, conforme um programa concebido com base nos dados e
diagnósticos levantados pela criminologia e traçado pela política-criminal. Esse tipo de política
opera deslocando, agrupando, internando e/ou isolando indivíduos que possuem alguma ligação
determinada por condições específicas em instituições totais (cadeias, penitenciárias, campos de
prisioneiros de guerra, campos de concentração) organizadas para proteger a comunidade contra
perigos intencionais e para o bem-estar das pessoas, pois isolando-as não constitui um problema
imediato (Goffman, 1961). Contudo, este saber penal que se pretenda alienado à questão do
poder (política) e aos dados da realidade social será sempre um saber fantasioso ou mesmo uma
mentira que distancia o indivíduo de uma vida digna e justa.
Diante do que foi posto, é preciso interpelar se a liberdade e a igualdade perante a lei,
como confere a Declaração Universal de Direitos Humanos adotada pela Organização das
Nações Unidas em 1948, realmente é o objetivo das ações do estado e do aparelho jurídico, já
que estas entidades se propõem a resguardar tais garantias, além de empunhar a bandeira da
ressocialização. Será que o julgamento opera sem qualquer espécie de distinção, seja de raça, cor,
sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição como propõe tal declaração? O sistema vigente é o
mais adequado? É do interesse do estado erradicar o crime? Qual o papel da criminologia no
operacionismo do aparelho jurídico? É para responder tais questões que este trabalho surge com
objetivo de debater os discursos que construíram ao longo do tempo a imagem do criminoso no
Brasil e o papel do mesmo frente aos mecanismos de controle. Pretende-se também expor através
de uma ótica abolicionista um modelo de justiça mais coerente com a Declaração Universal de
Direitos Humanos.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 693


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Método

O artigo atende aos procedimentos de uma pesquisa bibliográfica, a qual foi feita a partir
do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meio de livros. Qualquer
trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador
conhecer o que já se estudou sobre o assunto. Existem, porém pesquisas científicas que se baseiam
unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas com o objetivo
de recolher informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura
a resposta (Fonseca 2002).
Em relação aos seus objetivos, é caracterizada como pesquisa explicativa, pois este tipo de
pesquisa visa identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos
fenômenos (Gil, 2007). Já em relação à abordagem será qualitativa, pois a mesma trabalha na
busca de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, as quais correspondem a
um modo mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos, que por sua vez não podem
ser quantificados e reduzidos à operacionalização (Minayo, 2001).

Resultados

A relação entre os denominados saberes “psi” e o sistema penal é historicamente marcada
por uma trágica aliança reforçadora dos danos, das dores e dos enganos provocados pelas nocivas
ideias de punição, privação da liberdade, estigmatização e exclusão como suposta forma de
controle dos comportamentos negativos ou indesejáveis etiquetados como “crimes”. A dimensão
dessa aliança nitidamente aparece na simetria existente entre o manicômio e a prisão, instituições
totais de controle, que têm sua origem comum nos séculos XVIII e XIX. Segundo Rauter (2003), é
perceptível este elo construído a base da disputa de controle entre os juristas e os alienistas sobre
o corpo preso na criação do conceito de inimputabilidade, o “surgimento” da psicopatia e a ideia
de uma perversidade patológica inerente a determinados indivíduos que agrega aos aparelhos
jurídicos um híbrido de prisão e manicômio, o manicômio judiciário. Tais estruturas levantam em
seus discursos e fazeres a bandeira da cura, seja a cura do criminoso ou do louco.
Podemos conceber esses saberes não apenas como encobridores de relações de dominação,
como também podemos ver nos procedimentos de controle, vigilância e observação presentes
na prisão e mesmo fora dela, a rede formada pelos procedimentos policiais, pedagógicos e
assistenciais que a complementam, que são todos eles produtores de “conhecimentos” relativos
aos indivíduos sobre os quais se exercem (Rauter, 2003).É empunhado pelos discursos produzidos
por essas disciplinas que o direito, nascido liberal torna-se um recurso pedagógico e higiênico
do estado. Para refletirmos sobre tais discursos, diante da visível passividade do indivíduo às
preleções que constroem o criminoso, faz-se necessário perguntar: Quem é este? Ou melhor...
Quem são os que sofrem diretamente as sanções do estado através do aparelho jurídico?
Segundo Rauter (2003), a figura do criminoso anormal, cuja anormalidade era
“desconhecida” pelos antigos juristas, é a principal produção do discurso da criminologia. A
inadequação das antigas leis aos criminosos derivou de tal desajuste, visto que as penas não
produziam os efeitos necessários de defesa social. O criminoso não era tematizado pelo direito
liberal, a não ser como o agente de uma transgressão à lei. Todo cidadão devia ser considerado
responsável, já que parte contratante, a não ser que se tratasse de um louco, de um débil ou de
uma criança (Rauter, 2003).
O Brasil, em seu processo de medicalização da vida em sociedade, criou condições para
uma reflexão médica sobre as prisões, que vai acabar por estabelecer um parentesco, desde
então sempre afirmado, entre doença e crime como já vimos nos fatos supracitados a respeito

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do manicômio judiciário. Além disso, ele vai possibilitar uma reorganização do espaço da prisão,
processo que vai se dar de forma lenta e incompleta, pois permanecerão existindo no Brasil,
em maioria absoluta, os depósitos de presos, estes espaços caóticos, cuja finalidade é apenas
a exclusão e o castigo, ao lado de outras instituições, onde já se opera a implantação de uma
tecnologia disciplinar. Na Europa, tais espaços irão servir de cenários de observação e estudo do
indivíduo preso para traçar o perfil do criminoso.
Aragão (1963) relata que o médico italiano Lombroso, em seus estudos irá tomar o criminoso
como um ser atávico suscitado de evolucionismo às avessas, onde o delito era o resultado de
características físicas que passavam pela cor do cabelo, formato do crânio, face e orelha,
predomínio da grande envergadura sobre a estatura até a resistência a dor. Para o mesmo autor o
criminoso típico seria uma cópia nas sociedades modernas do homem primitivo que aparece no
meio social civilizado pelo fenômeno do atavismo, com muitos de seus caracteres somáticos e os
mesmos instintos bárbaros, a mesma ferocidade, a mesma falta de sensibilidade moral (Aragão,
1963).
Logo a descrição do corpo do delinquente irá constituir a sua anormalidade incurável. Diante
disso não faria sentido em punir já que os delinquentes são irresponsáveis pelas práticas ilegais
que comentem. Como nenhum projeto institucional articula com a noção de atavismo, os juristas
brasileiros criticaram bastante as ideias de Lombroso, taxando-as de radicais. Contudo, mesmo
criticadas, tais ideias agregaram a noção de um mal, de uma doença que conduzia o delito, o qual
a pena seria ineficaz.
Outro italiano que irá conduzir o discurso criminológico brasileiro será Ferri que saciará
os novos interesses dos juristas brasileiros que estariam voltados para os vícios, hábitos e
comportamentos dos delinquentes conceituando-os como anormais morais. Segundo ele, os
criminosos são insensíveis, imprevidentes, covardes, preguiçosos, vaidosos e mentirosos, além de
manifestarem sua incapacidade para o amor fino e delicado, seu apetite sexual é exagerado e
tendem para práticas homoafetivas e a promiscuidade não conseguindo realizar um controle moral
(Rauter, 2003). Tal mal se manifesta, além das características físicas e passa por comportamentos
tidos como antissociais. Esboçam-se a partir dessa teoria a noção de periculosidade ou
temibilidade e os novos procedimentos de classificação dos criminosos. Podemos compreender
melhor a classificação dos sujeitos que a teoria de Ferri propõe claramente na seguinte assertiva:

Podemos dividir as camadas sociais em três categorias: a classe moralmente mais elevada,
que não comete delitos porque é honesta por sua constituição orgânica, pelo efeito do senso
moral., do hábito adquirido e hereditariamente transmitido... mantido pelas condições
favoráveis de existência social... Outra classe mais baixa é composta por indivíduos refratários
a todo sentimento de honestidade, porque privados de toda educação e impregnados... da
miséria material e moral... herdam de seus antepassados... uma organização anormal que
une a condição patológica e degenerativa a uma verdadeira volta atávica às raças selvagens...
é nesta classe que se recruta o maior número de delinqüentes natos. A terceira classe [é a dos
que] não nasceram para o delito, mas não são completamente honestos... (Aragão, 1963,
p.286-7)

Partindo dessa perspectiva o meio social terá grande influência na conduta do indivíduo
que será avaliada, tendo-se em conta seus precedentes, condições de existência e educação;
pelo seu grau de periculosidade ou comportamentos antissociais consideradas, neste momento,
transmissíveis hereditariamente. Evidencia-se a necessidade de tomar o crime como resultado
deste mal moral que impele o criminoso e de voltar a atenção para as formas singulares em que
esta condição se apresenta.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 695


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Segundo Rauter (2003) as penas tradicionais poderiam ser eficazes no caso de um criminoso
“de ocasião”, e para criminosos “natos”, “loucos”, “por paixão” ou “por hábito” penas especiais.
A maioria dos criminosos, segundo esta concepção, está entre aqueles para quem as penas falham
como meio de regeneração. Neste momento a construção deste discurso está voltada não para
a recuperação do criminoso mas para a defesa da sociedade, eliminando os degenerados, os
atávicos, os produtos malsucedidos do processo de evolução “natural” da sociedade, tornando
a pena mais severa e rigorosa. Cria-se, assim, a necessidade de adequar as penas à personalidade
do criminoso e de empreender um estudo desta personalidade e de sua origem social assim como
o projeto institucional que se articula a essas inovações suscitando um maior rigor das penas para
defender a sociedade dos criminosos.
Em suma, neste momento, o crime é entendido como um mal psicológico de natureza
específica que possuem uma relação tênue com a enfermidade, mas que não deve ser confundida
com a mesma. É uma anormalidade no terreno da degeneração, das raças e do temperamento
que será tida como parte identitária das camadas menos abastadas da população. E é sobre essa
população que os dispositivos de vigilância policial irão atuar como meio de prevenção do crime
e, atualmente com mais incidência, por meio de medidas higiênicas e pedagógicas.
Após abandonar o paradigma etiológico que busca as causas do crime a criminologia
adotou o paradigma da reação social focando –se em estudar como se dá o processo de
criminalização. Destaca-se aqui a importância das agências policiais, contudo, antes de falar
sobre tais mecanismos de vigilância é preciso destacar que é consenso que criminalização é a
atividade de escolha daqueles a quem se imputará uma infração de natureza penal, presente em
todas as sociedades contemporâneas que institucionalizaram o poder punitivo. Este processo é
realizado por um conjunto de agências que compõem o sistema penal.
O processo de criminalização ocorre em dois momentos denominados criminalização
primária e secundária. Segundo Zaffaroni (2011) a criminalização primária seria o ato e o efeito
de sancionar um direito penal material, que incrimina ou permite a punição de certas pessoas, no
caso, cria-se uma contingência que se estende a todas as pessoas contratantes. Trata-se de criar
as leis penais incriminadoras, atividade exercida, basicamente, pelo poder legislativo e que traça
um programa que deve ser cumprido por outras agências do sistema penal (polícias, judiciário,
ministério público...).
Já a criminalização secundária, segundo o mesmo autor:

Es la acción punitiva ejercida sobre personas concretas, que tiene lugar cuando las agencias policiales
detectan a una persona, a la que se atribuye la realización de cierto acto criminalizado primariamente, la
investiga, en algunos casos la priva de su libertad ambulatoria, la somete a la agencia judicial, ésta legitima
lo actuado, admite un processo (o sea, el avance de una serie de actos secretos o públicos para establecer si
realmente ha realizado esa acción), se discute publicamente si la ha realizado y, en caso afirmativo, admite
la imposición de una pena de cierta magnitud que, cuando es privativa de la libertad ambulatoria de la
persona, es ejecutada por una agencia penitenciaria (prisionización)(Zaffaroni, 2011, p.7).

Em resumo, a criminalização primária determina os comportamentos criminosos e


os submetem a pena, a qual ficará encarregada pelas agências executivas responsáveis pela
criminalização secundária onde realiza-se esse programa, fazendo incidir o poder punitivo sobre
aqueles que praticam as condutas primariamente criminalizadas. Contudo, Zaffaroni (2012)
dirá que nessa primeira instância a proporção do projeto legal é tão grande que as agências
não abarcariam toda a população. Por isso resta às agências executivas atuar de forma seletiva
decidindo de quem irão se ocupar, ou seja, quem serão as pessoas que serão criminalizadas.
Para essa seleção promovida pelas agências policiais seria necessário montar um perfil
para o criminoso. Em relação aos critérios traçados não só por essas agências como também as
de comunicação social, como a mídia, estes assumiriam papel de destaque na tarefa de forjar

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o estereótipo do criminoso em potencial. A esse estereótipo do inimigo, construído nos meios
de comunicação e no imaginário popular, soma-se outro critério orientador da seletividade da
criminalização secundária, demandada das limitações das operações investigativas. Em geral,
esta escolha pelo mais simples significa direcionar os esforços investigativos ao que Zaffaroni
(2011) chama “obras ilícitas toscas”, ou seja, aos crimes praticados sem qualquer sofisticação,
bem como deixam bastantes provas da conduta criminosa e às pessoas sobre quem a incidência
do poder punitivo cause menos problemas, por sua situação de vulnerabilidade social.
Por serem pessoas desvalorizadas, é possível associar todas as acusações negativas que
existem na sociedade sob a forma de preconceito, que acaba por consertar uma imagem pública
do delinquente, com componentes classistas, racistas, etários, gênero e estéticos (Zaffaroni,
2011). Fabrica-se um estereótipo do inimigo do estado que é difundido maciçamente entre o
imaginário coletivo, etiquetando-os como delinquentes potenciais, e concomitante criando a
ideia de um sistema prisional povoado por criminosos extremamente perigosos, autores de delitos
graves e bárbaros (homicídios, estupros, etc.). Na realidade, à grande maioria dos apenados
foram atribuídas obras ilícitas toscas com fins lucrativos (crimes contra o patrimônio) ou crimes,
em sua essência, de duvidosa tipicidade material (como o tráfico de substâncias entorpecentes,
por exemplo). Assim, provoca-se uma difusão criminalizadora epidêmica que atinge somente
àqueles com baixa imunidade ante o poder punitivo, ou seja, os que se encontram em estado de
vulnerabilidade em relação às agências de criminalização secundária porque suas características
pessoais se enquadram nos estereótipos criminais (pobre, negro, feio, jovem, homem...). Tal
etiquetamento produz a assunção do papel social que lhes é atribuído, fazendo com que a
imagem difundida sobre si transforme-se em suas próprias autoimagens, nas quais mergulham,
comportando-se como é esperado, praticando crimes (Zaffaroni, 2011).
Vale ressaltar que a maioria dos presos sequer teve o seu caso julgado para que se demonstrasse
cometimento de delito, logo os presos não são aqueles que foram condenados pela prática
de delitos ou que cometeram delitos. Segundo Hulsman (2003), a grande maioria de eventos
criminalizáveis se localiza na diferença entre os crimes denunciados e os crimes judicializados, de
maneira que à grande maioria das pessoas que praticam delitos não corresponde, como resposta,
sequer uma ação penal, que se dirá efetivamente uma pena.
Em suma, a pena não é simplesmente uma consequência da conduta descrita como criminosa.
Os escolhidos pelo sistema penal para submissão ao enjaulamento não são os criminosos, visto
que alguns crimes são praticados com frequência e são culturalmente aceitos além de, na maioria
das vezes, não sofrerem nenhum tipo de represália por parte das agências, tais como: dirigir sob
efeito de álcool, baixar mídias na internet em violação aos direitos autorais, fotocopiar livros, etc.
Os encarceirados são os vulneráveis e são presos porque atendem ao estereótipo que lhes permite
ser rotulados como delinquentes e capturados pelo sistema penal que funciona baseado em uma
lógica higienista.
É questionável o fato do sistema judiciário insistir em uma política que legitima um
mecanismo de segregação e de estigmatização de sujeitos vulneráveis que propicia a prática de
delitos e não a recuperação do sujeito. Como constata Foucault (2013) desde 1820 já se pode
constatar a incapacidade de transformar os criminosos em gente honesta, pois a prisão serve
apenas para fabricar novos criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade. Porém,
segundo o mesmo autor, os mecanismos de poder tendem a utilizar estrategicamente aquilo que é
inconveniente. No caso da prisão a função de fabricar delinquentes é útil, pois justifica o controle
policial que essa não seria tolerada se não fosse o medo do delinquente (Foucault, 2013).
Posto assim, a conduta do estado frente às pessoas que são taxadas como criminosos só
pode ser redescrito como crueldade e o discurso jurídico-penal que o legitima também não pode
ser mais que a racionalização do trato cruel. É evidente que o modo como opera o sistema penal

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 697


NO ONTEXTO BRASILEIRO
propicia e reafirma a existência do crime, pois não é a famigerada ressocialização que ocupa o
centro de todas as intenções do aparelho jurídico e sim o gozo punitivo. Nilo Batista (1996) relata:

Em primeiro lugar [...], a pena é uma condição de existência jurídica do crime – ainda que ao
crime, posteriormente, o direito reaja também ou apenas com uma medida de segurança.
Pode-se, portanto, afirmar com Mir Puig que a pena ‘não apenas’ é o conceito central de
nossa disciplina, mas também que sua presença é sempre o limite daquilo que a ela pertence.
Em segundo lugar, porque as medidas de segurança constituem juridicamente sanções com
caráter retributivo, e, portanto, com indiscutível matiz penal (p.48)

É visível diante o relatado a necessidade de rever o sistema em vigor, posto que sustenta uma
postura vingativa e retributiva. De acordo com Comparato (2003), a Declaração, que retoma os
ideais da Revolução Francesa, representou a manifestação histórica do reconhecimento em nível
universal dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens,
como ficou registrado em seu artigo 1. Segundo o mesmo autor a cristalização desses ideais em
direitos efetivos, como se disse com sabedoria na disposição introdutória da Declaração, se dará
progressivamente, no plano nacional e internacional, como fruto de um esforço sistemático de
educação em direitos humanos. Para conduzir esta educação é preciso apoderar-se de um ponto
de vista que não só englobe os laços sociais rompidos na elaboração de uma política criminal
como também os priorize.
O Abolicionismo Penal é uma perspectiva sociológica e política que analisa a justiça e os
sistemas penais como problemas sociais que, em lugar de reduzir os delitos e seus impactos,
os intensificam e se contrapõe ao caráter retributivo da pena. A partir desta perspectiva, o
encarceramento atua de modo a reforçar as construções ideológicas dominantes sobre o delito,
reproduzindo divisões sociais e tirando o foco dos delitos cometidos pelas camadas mais
favorecidas da sociedade. Além de promover a mais extrema crítica da legitimidade do sistema
penal, propõem a transformação radical do aparelho carcerário e sua substituição por estratégias
reflexivas e integradoras que lidem com as situações-problema que se costuma chamar crimes fora
da lógica do castigo, da vingança e da crueldade.
Para Hulsman (2012), este modelo conservador e sádico de justiça existe em quase todos nós,
assim como o “preconceito de gênero” e o “preconceito racial” existem em quase todos. Portanto
devemos, em primeiro lugar, a abolir a justiça criminal em nós mesmos: mudar percepções, atitudes
e comportamentos. Para o mesmo autor tal mudança causa uma mudança na linguagem e, por
outro lado, uma mudança na linguagem pode ser um veículo poderoso para causar mudanças em
percepções e atitudes frente aos eufemismos do penalismo. É preciso ver os outros seres humanos,
os enjaulados, os vulneráveis capturados pelo trato cruel punitivo, como “um de nós”, e não como
“eles”, e isso requer uma aproximação e descrição detalhada dessas pessoas e uma redescrição
cuidadosa de nós mesmos.
Podemos inferir que o abolicionismo é uma postura. E como tal deve ser adotado pelo
sistema vigente. A preocupação do sistema penal atual reside sempre na alocação de culpa e no
que fazer com o infrator, quase nunca se indagando sobre a vítima e o que pode ser feito para
minorar os danos por ela sofridos. O modelo de justiça restaurativa surge, então, como uma
perspectiva que pretende devolver à vítima o protagonismo, devolvendo-lhe a titularidade sobre o
conflito que sofreu.
Marshall (1999) define justiça restaurativa como um processo através do qual as partes
que se viram envolvidas em um delito, gozando da oportunidade de que se escute suas versões
sobre as consequências da situação-problema e tornando-se cientes do que se deve fazer para
restaurar a situação das vítimas, dos agressores e das comunidades, resolvem de forma coletiva

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como enfrentar suas consequências imediatas e suas implicâncias futuras. O compromisso,
portanto, neste modelo, é mais o de restaurar laços sociais rompidos do que o de alocar culpa
e infligir sofrimento. Posto isso é preciso relatar que a restauração implica sobretudo em agir
de forma a recuperar contexto em situação de vulnerabilidade. Portanto a criação de políticas
para combater a miséria, para criar acessibilidade a uma educação de qualidade é de extrema
importante, contudo não fica a cargo do judiciário.
No Brasil as experiências com justiça restaurativa têm se focado, principalmente, à
“delinquência juvenil” ou aos delitos de menor potencial ofensivo, portanto é compreensível que
se pense que o modelo de justiça restaurativa não é capaz de dar cabo dos chamados “crimes
graves”. Porém, isto ocorre muito mais por uma ausência de espaço normativo para experiências de
justiça consensual em matéria penal no ordenamento jurídico brasileiro do que por incapacidade
do modelo da justiça restaurativa em lidar com crimes graves (Achutti, 2016).

Discussão

Percebe-se que o discurso criminológico é claramente comprometido com a repressão. Essa


característica torna-se particularmente visível na realidade brasileira, pois tal discurso, não pode
propor um “tratamento” do delinquente sem enfatizar a necessidade de vigilância e punição, ou
não pode falar de reforma social sem defender a repressão policial, ligada ao chamado combate
ao crime. A criminologia tem a função para o Judiciário de dotá-lo de uma racionalidade científica,
de transformar a função repressiva numa função técnica, fruto da “neutra” observação dos fatos
individuais e sociais.
Percebe-se que a pena não é uma resposta à transgressão da lei, logo é possível compreender
que os encarcerados não são aqueles que cometeram crimes, mas aqueles que, por se encontrarem
em posição de vulnerabilidade em relação ao poder punitivo, por serem sacrificáveis em razão de
sua posição política e por se encaixar em um determinado estereótipo, são selecionados pelas
agências de criminalização secundária sujeitando-os ao trato cruel estatal racionalizado vestido
de direito penal.
Compreende-se que não é do interesse do estado acabar com o crime, visto que os
mecanismos de poder tomando as prisões como fábricas de delinquentes justifica a existência de
dispositivos de controle. Essa injustiça “legítima” nos convida a assumirmos uma posição entre:
continuar sendo cruel/excludente ou abolir essa crueldade que impele o nosso sistema.
O abolicionismo penal bem como a justiça restaurativa se apresenta como um estilo de vida,
como um modo de ser e se portar no mundo adotando uma postura teórica de quem entende
que a crueldade é a pior coisa que se pode fazer. Percebe-se que a mudança de paradigmas
empreendida pelo abolicionismo penal é absolutamente compatível com aquela proposta pelo
modelo da justiça restaurativa. Por meio de um modelo de administração de conflitos que devolva
o protagonismo da vítima e envolva a comunidade atingida na forma de lidar com as situações-
problema, pondo o foco mais na restauração dos laços sociais rompidos que na alocação de culpa
e imposição de dor. A justiça restaurativa ao se contrapor a justiça criminal tradicional, que já se
mostrou um problema social a ser solucionado, se apresenta, em muitos casos, como o melhor
caminho para a efetiva solução de problemas sociais mostrando-se o sistema mais congruente aos
artigos da Declaração de Direitos Humanos.

Referências

Achutti, D. (2016). Justiça restaurativa e abolicionismo penal: contribuições para um novo modelo de
administração de conflitos no Brasil. São Paulo: Saraiva.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 699


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Aragão, A. M. S. de (1963). As três escolas penais. Rio de Janeiro: Freitas Bastos.

Bastista, N. (1996). Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de janeiro: Revan.

Comparato, F. K. (2003). A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva.
Fonseca, H. da (2012). Travessia abolicionista: licenciosidades para uma leitura cronópia da obra
penas perdidas, de Louk Hulsman. Em: Bastita, N., Kosovski, E. (Org). Tributo a Louk Hulsman
(151-209). Rio de Janeiro: Revan.

Fonseca, J. J. S. (2002). Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, Apostila.

Foucault, M. (1987). Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes.

Foucault, M. (2013). Microfísica do poder. São Paulo: Graal.

Gil, A. C. (2007). Como elaborar projetos de pesquisa (4. Ed). São Paulo: Atlas.

Goffman, E. (1961). Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Editora Perspectiva S.A.

Hulsman, L. (1997). “Temas e conceitos numa abordagem abolicionista da justiça criminal”. Em:
Passetti, E. e Dias da Silva, R.B. Conversações abolicionistas: uma crítica do sistema penal e da sociedade
punitiva (189-213). São Paulo: PEPG - Ciências Sociais PUC-SP e IBCCrim.

Marshall, T. (1999). Restorative Justice: na overview. Londres: Home Office.

Minayo, M. C. (2001). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes.

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Rauter, C. (2003). Criminologia e Subjetividade. Rio de Janeiro: Revan.

Zaffaroni, Eugenio Raúl, Alagia A, Slokar, A. W. (2011). Derecho Penal: parte general. Buenos Aires:
Ediar.

Zaffaroni, E. R. (2012). Estructura básica del derecho penal. Buenos Aires: Ediar.

700  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EDUCAÇÃO SUPERIOR E DIREITOS HUMANOS NO
AGRESTE ALAGOANO: DA SALA DE AULA PARA OS
ESPAÇOS PÚBLICOS
Gisely Roberta Gomes Silva
Gabriel Melo Viana
José Marques Vasconcelos Filho

Introdução

O
direito é a arte do que é bom e do que é justo, afirmou Celso (Guardalini Junior,
2015). Essa definição que remonta aos tempos da Roma Antiga mostra-se
atemporal e sucinta a discussão sobre o que é justo e o que não é. O ensino do
Direito vem se tornando cada vez mais técnico e menos humanizado: em vez de haver foco em
disciplinas formadoras de profissionais críticos, o há em relação a disciplinas procedimentais.
Nesse sentido, buscou-se humanizar o ensino do Direito aproximando os alunos da prática em
Direitos Humanos, problematizando conceitos e desconstruindo preconceitos em prol da (re)
criação do Direito como sendo a arte do que é bom e do que é justo.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1948, traz em seu primeiro
artigo a afirmação de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
Extrai-se desse artigo um dos principais fundamentos do debate sobre os direitos humanos: a
igualdade entre os seres humanos não confunde-se homogeneidade, pois as pessoas não são, nem
nunca serão todas iguais e sim, diz respeito à plena igualdade de direitos e de oportunidades.
O conceito de igualdade está previsto na Constituição da República Federativa do Brasil
como um direito fundamental inquestionável. O seu preâmbulo prevê que um dos objetivos da
Constituição é instituir um estado democrático onde haja o direito à igualdade como uma das
bases de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Direitos Humanos (DH) são
direitos básicos de todos os seres humanos, a despeito da raça, cor, sexo, idioma, etnia, religião
ou qualquer outra característica, conquistados ao longo da história.
Em 2003, teve início no Brasil, o processo de elaboração do Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos (PNEDH), e, a partir disso, foi possível a execução do Plano enquanto política
pública, com seu texto final em 2006, sendo a Educação Superior um dos eixos de atuação do PNEDH.
“A conquista do Estado Democrático delineou, para as Instituições de Ensino Superior (IES), a urgência
em participar da construção de uma cultura de promoção, proteção, defesa e reparação dos direitos
humanos, por meio de ações interdisciplinares, com formas diferentes de relacionar as múltiplas áreas
do conhecimento humano com seus saberes e práticas” (Brasil, 2007, p.37).
A despeito disso, vivemos em tempos de crise na identidade dos Direitos Humanos no Brasil,
onde comumente são identificados como pertencente a um único grupo social, quando uma das
características dos Direitos Humanos é a universalidade. Tendo a identidade desconfigurada, os
Direitos Humanos sofrem ataques constantes de todos os lados, levando a uma onda de violações.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 701


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Assim, o objetivo deste trabalho é relatar a experiência docente, na educação superior, do
ensino dos Direitos Humanos, em uma faculdade privada do agreste alagoano, região em pleno
desenvolvimento econômico, porém, ainda marcada pela pobreza e com inúmeras violações
contra dos Direitos Humanos.

Método

A atividade foi desenvolvida ao fim do segundo semestre de 2017, como última avaliação
semestral e de caráter interdisciplinar, sob a orientação de três professores do curso de Direito da
Instituição. Participaram da atividade de extensão 63 alunos, do primeiro ao quarto semestre do
curso de Direito, divididos em quatro grupos, com as seguintes temáticas escolhidas pelos alunos:
1. Diversidade Sexual, 25 alunos; 2. Violência contra a mulher, 09 alunos e 3. Direitos das Pessoas
com deficiência, 23 alunos e 4. Racismo e Injúria contra negros e religiões de matrizes africanas,
06 alunos. Todos os alunos participantes cursaram a disciplina ‘Direitos Humanos’.
Os discentes foram acompanhados por meio de orientações semanais, durante as quais
puderam discutir textos acerca das temáticas supracitadas, para a partir disso, desenvolverem
os projetos. Foi pedido aos alunos que utilizassem a criatividade para elaboração, execução e
apresentação dos projetos. Uma das premissas da atividade foi garantir aplicabilidade prática
às discussões teóricas tratadas em sala de aula, permitindo que os alunos consolidassem o
aprendizado de forma empática às necessidades dos grupos socialmente vulneráveis.
A culminância se deu por meio da apresentação dos resultados das atividades, no dia 13 de
dezembro de 2017, em um espaço cedido pelo shopping center da cidade, durante todo o horário de
funcionamento do shopping. A escolha pelo shopping se deu por ser um local de constante tráfego
de pessoas e, regionalmente, ser um espaço de lazer.

Resultados e Discussão

Os alunos desenvolveram quatro atividades sendo, duas interventivas e duas de pesquisa


teórica. Acerca do primeiro tema Diversidade sexual foi desenvolvido o projeto-piloto do Núcleo
de Extensão e Assessoria à Diversidade Sexual (NEADS-UNIRB), com o objetivo de auxiliar a
população LGBTI, de Arapiraca-AL e região, ao acesso aos seus direitos fundamentais, garantias e
proteções e promoção de um espaço de orientação à população LGBTI sobre os seguintes temas:
Adoção, União estável, Casamento civil, Intolerância e violência por questões de orientação
sexual e identidade de gênero e Nome social para pessoas transexuais. Além da análise de artigos
científicos e doutrinadores versando sobre o tema, houve a análise da legislação em vigor que
assegura a diversidade sexual, com ênfase no preâmbulo da Constituição Federal e no seu artigo
3º que prevê, como princípio fundamental, a promoção de uma sociedade livre, justa e solidária,
sem preconceitos de qualquer espécie (Brasil, 1988).
Houve certa rejeição por parte de alguns alunos em relação à temática. Alguns, sorteados
para participar desse grupo, solicitaram a saída do mesmo por motivos pessoais. Isso demonstra
que os desafios na docência no campo dos direitos humanos, na região, ainda são muitos. Os
participantes do grupo utilizaram o principal noticiário do Estado para divulgarem o NEADS
e a atividade de culminância realizada no dia 13 de dezembro de 2017. A figura 1 apresenta o
momento da entrevista ao noticiário.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Figura 1. Concessão de entrevista para o principal telejornal do Estado.

Além das ações de divulgação, produziram um documentário sobre a história de vida de dois
transexuais arapiraquenses, no qual ambos puderam relatar suas experiências, lutas, preconceitos
sofridos e a luta pela conquista de seus sonhos. A culminância das atividades do grupo deu-se no
shopping center da cidade. Esses relatos serviram para alertar aos alunos sobre a não-aplicabilidade
dos direitos previstos pela vasta legislação em vigor no Brasil, levando-os a criticar o status quo
e o oferecimento de soluções simplistas por parte de lideranças políticas e sociais. Os alunos
passaram a entender, in loco, que o Direito difere-se demasiadamente entre o que está previsto
na teoria e o que é efetivado na prática. Sobre o desenvolvimento da temática, uma participante
relatou o seguinte:

Foi de muita importância, tanto por estar no início da minha vida acadêmica e, principalmente,
por ter me aproximado da comunidade LGBTI que foi o tema da minha equipe e juntos
termos criado o NEADS, onde reunidos entramos em discussão de como poderíamos
fazer com que a [avaliação] interdisciplinar não se resumisse somente em um único dia de
exposição, sempre tivemos o objetivo de chegar aos que não conhecem os seus direitos, aos
que conhecem e não sabem como ir a eles, então surgiu o projeto que (...) moldou minha
vida, a forma de ver e me relacionar com o assunto, pode-se dizer que a interdisciplinar
colocou um muro tanto em mim como também em meus colegas do projeto, um muro em
que nos afasta da forma preconceituosa e exclusiva que a sociedade trata os membros dessa
comunidade (N. A. G. S, comunicação pessoal, 24 de janeiro de 2018).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 703


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Figura 2. Apresentação do NEADS no shopping center

O segundo tema Violência contra a mulher foi desenvolvido por meio de pesquisa em campo
e apresentação de resultados. Os alunos elaboraram o projeto ‘Progressão da Mulher’, com o
objetivo de promover um espaço de orientação sobre a violação de direitos das mulheres, violência
doméstica e familiar, valorização da mulher e rede de apoio da cidade. Porém, para construção
do projeto, visitaram espaços de proteção à mulher, tal qual a Delegacia da Mulher, o Juizado de
combate à violência doméstica e familiar, onde assistiram a audiências e realizaram entrevistas e
constataram a burocracia do sistema legal em assegurar proteção às mulheres brasileiras.
Observaram que mulheres brancas, negras, pardas, pobres, ricas, cis, trans, etc., sofrem
violência diariamente e se sentem intimidadas pelo sistema judiciário pátrio, se sentindo
desamparadas. Nesse sentido, entenderam que a emancipação econômica, juntamente com a
conscientização das mulheres acerca de seus direitos, seria a solução mais viável, em curto prazo,
para proteger o gênero feminino da violência.
Os participantes também utilizaram uma das rádios locais para falar sobre a violação de
direitos da mulher e convidar a população para a culminância do projeto, no shopping. A divulgação
do projeto também foi realizada no semáforo de uma das principais vias da cidade. Uma das
participantes expressou o sentido do projeto e da experiência vivida: “Foi gratificante desenvolver
este projeto, pois ele me trouxe muito conhecimento e me levou à realidade dos fatos”. (A. L. S,
comunicação pessoal, 24 de janeiro de 2018).

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Figura 3. Divulgação do projeto na Rádio local

Figura 4. Atividade educativa em uma via pública

O grupo 3 trabalhou a temática Direitos das Pessoas com deficiência e desenvolveram atividade
de pesquisa teórica e visita in loco a um centro de atenção multiprofissional em saúde para pessoas
com deficiência e seus familiares. A Constituição brasileira assegura, em seu artigo 196, a saúde
como sendo um direito de todos e dever do Estado (Brasil, 1988). Esse direito deve ser assegurado
a todos os cidadãos, independentemente de suas condições financeiras, físicas, intelectuais,
orientação sexual, gênero ou cor, sendo a universalidade da prestação dos serviços de saúde
uma das diretrizes essenciais do Sistema Único de Saúde. Para tanto, embasaram o projeto na
Convenção sobre os Direitos das pessoas com deficiência e em artigos científicos que versam
sobre o tema. A figura 5 apresenta o momento da apresentação do grupo.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 705


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Figura 5. Apresentação do grupo sobre os direitos das pessoas com deficiência.

O grupo 4 apresentou o trabalho sobre ‘Racismo e Injúria contra negros e religiões de matrizes
africanas’. O racismo é crime inafiançável e infelizmente está enraizado na sociedade brasileira.
A intolerância e o desrespeito às religiões de matrizes africanas constituem prática do racismo.
A região do agreste alagoano é uma região majoritariamente cristã e os negros correspondem a
uma minoria populacional. Diante desse cenário, os alunos constataram os desafios na prática de
religiões de matriz africana na região. Foram visitados terreiros de candomblé e de umbanda, onde
sacerdotes e praticantes foram entrevistados, além da visita a movimentos sociais de combate
ao racismo. Os alunos concluíram que a solução mais viável para o combate à discriminação
contra esses grupos seria o aumento de sua visibilidade, alinhado a uma conscientização de seus
praticantes dos seus direitos assegurados pela Constituição.

Figura 5. Apresentação do grupo e representantes candomblecistas convidados.


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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Acerca dessa experiência, um dos participantes do grupo relatou:

Fizemos entrevistas, imagens e fotos dos locais, pessoas e dos eventos religiosos daquelas
comunidades (...) pudemos sentir muito daquilo, (...) o quão é grande, rica e de uma extrema
simplicidade os anseios e manifestações dos quilombos e praticantes das religiões de matrizes
africanas, pudemos conhecer a rica e interessante história, culinária, as danças, os orixás, os
cantos sempre exclusivos para cada entidade (...), para mim, o ganho de cultura e o aprendizado
me surpreendeu e, inclusive, vamos tratar desses temas no núcleo de estudos jurídicos, onde
eu e alguns amigos temos a ideia de dar suporte jurídico àquelas comunidades (...). Muito
gratificante essa experiência (E. P. S, comunicação pessoal, 26 de janeiro de 2018).

Considerações Finais

O espaço cedido pelo shopping, uma loja desativada, teve que permanecer tapumada. Isso
desestimulou a população geral em visitar o espaço, além do pouco interesse em questões desse
gênero. O fato de, por exemplo, o espaço ostentar uma bandeira do movimento LGBT pode ter
afastado eventuais visitantes, alguns por serem opositores ao movimento, outros por medo de
serem taxados como apoiadores, tendo em vista que desconheciam o espaço e poderiam temer
eventual associação ao movimento em uma região fortemente patriarcal e machista.
Não houve adesão ao projeto por parte dos professores e alunos de outros semestres ou
cursos. O evento não recebeu patrocínio de instituições públicas ou privadas, exceto o apoio
institucional do shopping center que abrigou a exposição. Há a necessidade de promover a educação
em Direitos Humanos focada na prática, evitando a formação de profissionais descompromissados
com o meio social e evitando, igualmente, a deterioração do ensino com base em um modelo
financeiro de educação.
Trabalhar a temática de Direitos Humanos com os alunos do ensino superior é um grande
desafio, já que muitos desvirtuam seu conceito e abrangência por preconceito e ignorância jurídica
e acadêmica. Superar essas barreiras não é fácil, mas é preciso. Essa experiência de saída da sala
de aula e a promoção da prática da disciplina foram enriquecedoras para os docentes envolvidos,
mas, principalmente para os discentes. Com a experiência vivida por estes alunos e alunas, muitos
desses preconceitos foram questionados e desconstruídos por meio do contato, debate e ida ao
campo para contato com a realidade de cada segmento.
A partir dessa experiência e para futuros trabalhos nessa temática, no contexto da educação
superior, outros espaços podem ser utilizados, como praças, mercados públicos, áreas de lazer
públicas, escolas de ensino fundamental e médio, de modo a potencializar o acesso da população
aos trabalhos produzidos pelos alunos e a possibilidade de divulgação sobre a importância,
aplicabilidade e efetividade dos Direitos Humanos na região.

Referências

Brasil. (2007). Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos
Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO.
Brasil. (1988, 5 de outubro). Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Senado Federal.
Recuperado de https://goo.gl/cKSUjv.
Comparato, F. (2015). A afirmação histórica dos direitos humanos (7a. ed.). São Paulo, SP: Saraiva.
Guandalini Junior, W. (2015). Perspectivas da Tradição Romanística: passado e futuro do Direito
Romano. Sequencia: Estudos Jurídicos E Políticos, 36(70), 163-187. http://dx.doi.org/10.5007/2177-
7055.2015v36n70p163.
Ramos, A. (2016). Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional (6a. ed.). São Paulo: Editora
Saraiva.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 707


NO ONTEXTO BRASILEIRO
EIXO TEMÁTICO

TEMAS TRANSVERSAIS
A PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE A VIOLÊNCIA ENTRE
UNIVERSITÁRIOS E NA UNIVERSIDADE:
UMA REVISÃO DE LITERATURA
Fillipe Rodrigues Santos Pereira
Nathalia Souza Oliveira
Polyanna Bittencourt Correia

Introdução

A
violência é um fenômeno que sempre esteve presente nas sociedades, no entanto
o seu constante crescimento atualmente é motivo de preocupação social, devido a
todas as implicações que causa, sendo atualmente a principal causa de mortes no
mundo de pessoas com idade entre 15 e 44 anos, segundo Relatório Mundial sobre Violência e
Saúde (OMS, 2002).
Nos últimos anos, as universidades brasileiras, locais que deveriam ser ambientes apenas
de conhecimento e de formação, foram cenários de diversas manifestações de violência como
assaltos, furtos, estupros e até mesmo homicídios, mas tratar-se-á aqui, especificamente, das
manifestações ocorridas entre os próprios universitários como trote, assédio moral, bullying,
discriminação de minorias, entre outras, que não são tão evidentes e, por isso, tão perigosas
quanto às primeiras.
Em relação ao referencial teórico, entendendo-se a complexidade do tema e sua relevância
nos estudos das Ciências Humanas e Sociais buscou-se uma interlocução com autores da
Sociologia, Filosofia e História além da perspectiva da Psicologia Social.
A violência pode gerar mudanças de comportamento que afetam a vida até mesmo das
pessoas que não foram vítimas de algum tipo de violência. Isto pode ser explicado pelo sentimento
de insegurança e pelo medo. “O sentimento de insegurança pode ser definido como um conjunto
de manifestações de inquietação, de perturbação ou de medo, quer individuais, quer colectivas,
cristalizadas sobre o crime” (Lourenço, 2010, p. 7). Esse sentimento pode ser percebido, por
exemplo, pelas ações cautelares das pessoas, que podem mudar de caminho, ou deixar de
frequentar um determinado local por considerá-lo perigoso.

É claro que as análises psicológicas da violência refletem, à sua maneira, as contradições


existentes na realidade: o crescimento das tendências anti-sociais, o isolamento, o medo
coletivo e individual, o estado de intolerância, a alienação dos indivíduos e a espetacularização
dos dramas particulares. Seria incorreto negar o mundo subjetivo em que se baseia toda a
vida social e privada (Minayo&Souza, 1998, p. 517).

Esse sentimento de insegurança e a crescente discussão e divulgação da violência, seja pela


imprensa ou por parte da população acaba gerando medo nas pessoas de serem vítimas de algum
tipo de crime, independente da real possibilidade do fato vir a acontecer.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 709


NO ONTEXTO BRASILEIRO
É essa possibilidade imaginada como real - geradora de insegurança - que faz emergir
um medo imaginário que conduz as pessoas a alterarem significativamente seus ritmos
e a dinâmica da vida cotidiana, podendo gerar reações iguais ou mais violentas daquela
imaginada. Isso alimenta e é alimentado por aquilo que denominamos “indústria do medo”
e pela descrença nos sistemas de segurança pública legalmente instituídos”. (Baierl, 2008,
p. 143).

Desse modo, vê-se cada vez mais a necessidade de ampliar o cenário de discussões sobre
esse tema, o que fez a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar, em 1996, durante sua
49º Assembleia Mundial, que a violência passa a se constituir enquanto um problema de saúde
pública crescente em todo o mundo, tornando-se objeto de pesquisa em diferentes campos do
conhecimento (OMS, 2002).
Essa característica pode explicar o crescimento da atenção que este tema teve por parte de
pesquisadores e estudiosos dado o suposto aumento no nível de criminalidade urbana que gera
um clima de insegurança reforçado pelos meios de comunicação (Miranda, 2015). Além disso,
a violência não é igualmente distribuída nas cidades, logo haverá diferenças entres as formas de
vivenciar o medo provocado por essa de acordo com cada grupo e classe de pessoas (Baierl, 2008).
Segundo Mir (2004 como citado emRodrigues, 2011), para o orçamento do país, a violência
custou, ao sistema de saúde nacional em 2004, de forma direta ou indireta, em torno de 10,8
bilhões de reais que foram destinados a atendimentos tanto no setor público como privado. Os
efeitos da violência podem ser percebidos de forma mais ampla quando se entende as diversas
consequências de sua presença, quando perpassa os indivíduos modificando-os e remodelando
as formas de estabelecer suas relações com os outros e com o espaço social que também se
reconfigura de acordo com o estigma criado em torno dos atos de violência.
É comum que as pessoas já tenham passado ou presenciado alguma situação de violência.
Entre a comunidade acadêmica esse número se torna mais visível visto que estão constantemente
expostos a essa problemática social. Neste caso, o aumento desse fenômeno deixa os indivíduos
mais expostos às situações aversivas. Segundo Barros (2012) a violência é um dos motivos pelos
quais o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) passou a ser melhor diagnosticado pois os
critérios e sintomas apresentados para fazê-lo são a exposição a um evento traumático, revivênciae
esquiva de situações que lembrem o evento.

[...] um conjunto de sinais e sintomas que compreendem a reexperiência do trauma


vivenciado, a recusa em relembrar o ocorrido e um estado de hipervigilância. É um estado de
ansiedade intensa, acompanhado de reexperiências dolorosas dos eventos negativos vividos
[...]. (Schneider & Piva, 2009, como citado em Lopes, Sena, Torres, & Lopes, 2013, p. 22).

A definição do TEPT é um bom exemplo de como a saúde mental pode estar comprometida
e associada a fatores onde a violência se configura como aspecto relacional na convivência entre
pessoas.
Devido a importância do tema explicitado, o presente artigo busca investigar o que se vem
produzindo na academia sobre a violência e suas possíveis implicações nos discentes, buscando
compreender o que os discentes pensam sobre a violência, se se sentem partícipes desse processo
e ainda se intervenções estão sendo criadas para lidar com o problema.
Quando a violência e o medo dela resultante são vivenciados em uma Instituição de Ensino
Superior quais são os impactos que podem acarretar na vida dos estudantes? É nesse contexto
e com essa pergunta que buscamos entender como esse fenômeno complexo se relaciona aos
fatores que apontamos como objetivo da pesquisa.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método

Base documental e Processo de coleta


A coleta de dados para o desenvolvimento deste trabalho ocorreu no período entre os meses
de maio e junho de 2017. Constituindo em 3 etapas:
1ª etapa. Levantamento nas bases digitais de dados ScientificElectronic Library Online - Scielo
(http://www.scielo.br/) e na Biblioteca Virtual em Saúde - BVSaúde ou somente BVS (http://brasil.
bvs.br/). Foram incluídos apenas artigos em português e publicados no período entre 1996 a
2016. Desenvolveu-se a pesquisa de levantamento nas bases digitais de dados utilizando-se, como
filtro, os seguintes descritores “universidade” e “universitários” cruzados com um segundo grupo
de descritores: “violência”, “assédio”, “bullying” e “trote”. Para que um artigo ou tese pudesse
ser selecionado, deveria constar pelo menos um dos descritores no título ou nas palavras-chave
do trabalho. Não sendo selecionados artigos que se repetiam nas bases de dados ou que não
continham em seu título ou em suas palavras-chaves, pelo menos um descritor correspondente.
2ªetapa. Levantamento na Base de Dados de teses e dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES (www.capes.gov.br/servicos/banco-de-
teses). Também foram incluídos trabalhos em português. O período das publicações corresponde
ao mesmo tempo das bases digitais, 20 anos (1996 – 2016). Foram utilizados os mesmos descritores
e critérios da etapa anterior.
3ª etapa. Organização, classificação e tabulação de todos os artigos para fins de verificação
do conteúdo coletado.

Análise de Dados

Ao término da seleção dos trabalhos, foi feita uma leitura de todos os materiais para que se
produzisse uma classificação e categorização. Para isso, contou-se com a criação de uma tabela,
onde os principais dados foram expostos para facilitar a organização. Quais sejam: Título, Autores,
Palavras-Chave, Ano, Coleção de Dados, Revista e o Tipo (artigos, dissertações ou teses).
Depois dessa classificação prévia, foram adotados três critérios de investigação, são eles: (1)
artigos que abordam relatos de experiência e identificação com a violência pelos participantes, (2)
artigos que levantam percepções sobre como se configura a violência para os participantes e (3)
artigos que analisam e/ou propõem alguma intervenção ao fenômeno.

Resultados

O trabalho foi orientado por três diferentes categorias de análise, como dito acima, dividindo
assim os 20 trabalhos (19 artigos e 1 capítulo de livro): para a categoria Relatos de Experiência
foram encontrados 10, a categoria Percepções e Opiniões é composta de 6 artigos e 4 artigos
formam a categoria Análise/Intervenção.
A predominância das pesquisas sobre violência relacionada à universidade e universitários é
de abordagem quantitativa, correspondendo a 11 artigos, 7 artigos são de abordagem qualitativa,
e somente 2 são de abordagem quali-quantitativa ou mista. A grande maioria é de natureza básica,
com exceção de 1, e com objetivos de exploração e descrição.
Os instrumentos utilizados pelos autores dos artigos foram entrevistas, questionários
e testes psicológicos, destaca-se aqui os mais conhecidos dentre esses dois últimos:
LeymannInventoryofPsychological Terror (LIPT), Escalas de Crença sobre a Violência Sexual (ECVS),
Self-LabellingofPersonalityExperientialViolence, Social EnvironmentQuestionnaire, Sexual Experience Survey,
RevisedConflictsTacticsScales. Percebe-se que no Brasil ainda não há nenhum instrumento referência,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 711


NO ONTEXTO BRASILEIRO
o que pode ser reflexo da importância dada a temática, por isso são utilizadas traduções de
instrumentos de outros países, na língua portuguesa foi identificado somente o ECVS, desenvolvido
em Portugal. Vale lembrar também que alguns autores criaram seus próprios questionários
particulares exclusivamente para a pesquisa.
Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro lideram em relação a quantidade de pesquisas
realizadas no país, possuindo um número de 8 e 4 artigos, respectivamente. Seguidos por
Minas Gerais com 2 artigos e Santa Catarina e Pernambuco, ambos com 1. Esse quadro apenas
ratifica a hegemonia do Sudeste do país em relação à produção acadêmica (70% dos trabalhos),
tendo apenas 1 artigo do Sul (representado por Santa Catarina) e 1 do Nordeste (tendo como
representante o Pernambuco). Portugal mostra também se preocupar com essa temática, sendo
encontrados 4 artigos.
O trabalho mais antigo encontrado é datado de 1999, enquanto que o mais recente pertence
ao ano anterior, 2016. A maioria dos artigos encontrados estão dentro dos últimos 6 anos, 2010-
2016, o que simboliza o crescimento dessa temática no âmbito acadêmico e é possível perceber
também que no ano de 2012 houve grande produção nessa área, sendo referente a ¼ do número
total de artigos encontrados, isto é, 5.
Nove dos estudos tiveram como público-alvo estudantes universitários sem distinção de
curso e/ou área, selecionados randomicamente, a maioria deles estando entre os três períodos
iniciais de sua graduação. O restante optou por uma amostra mais delimitada a um curso: seis
estudos tomaram como referência o curso de Medicina, dois foram realizados com alunos de
Enfermagem, e Farmácia e Pedagogia tiveram um cada, outro estudo usou alunos de Medicina,
Enfermagem e Odontologia conjuntamente. Cabe destacar a importância que a área da saúde
dá para essa temática, somando 10 artigos, metade do total, sendo 6 desse montante pesquisas
exclusivas do curso de Medicina, o que ilustra que a violência é, sim, um caso de saúde pública que
afeta até mesmo os seus futuros operadores (alunos de graduação). Os dados são apresentados
na Tabela 1 a seguir:

Tabela 1:
Participantes da amostra.
Amostra Número de artigos
Estudantes universitários indiscriminados 9
Estudantes de Medicina 6
Estudantes de Enfermagem 2
Estudantes de Farmácia 1
Estudantes de Pedagogia 1
Estudantes de Medicina, Enfermagem e Odontologia 1
Total 20

Os conteúdos e formas que essas violências se manifestaram foram apresentados em quatro


categorias identificadas: 8 abordam o trote universitário, 6 tratam de violência relacionada à
sexualidade e gênero, 3 discutem o assédio moral e 1 analisa o bullying. Esses dados demonstram
que a violência praticada na universidade acontece de forma “suave” e não-explícita, quase
sempre travestida de “brincadeiras”. O que torna a situação mais preocupante por dificultar a
identificação por parte de quem sofre e até mesmo de quem perpetra, como resume a Tabela 2.

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Tabela 2
Tipos e formas de violência no contexto universitário.

Tipos de violência Número de artigos


Trote 8
Sexualidade e gênero 6
Assédio moral 3
Bullying 1
Violência indiscriminada 2
Total 20

Uma parte considerável dos artigos limitaram sua pesquisa aos alunos nos períodos iniciais
(calouros), devido o trote ser uma das principais formas de violência a ser investigada. Entre os
artigos encontrados, 2 abordam também as perspectivas dos docentes e mais 1 analisa o papel do
professor nessa relação de violência.

Discussão

Para a OMS, em uma proposta apresentada no ano de 2002, o termo violência é entendido
como sendo

O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra
outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande
possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento
ou privação. (OMS, 2002, p. 5).

Porém essa definição deixa de fora diversos perspectivas, entre elas, ações não intencionais
que podem acontecer de acordo com o contexto ao qual os participantes estão inseridos, aspectos
que se casam bem aos tipos de violência sucedidos na universidade.
Outros autores apontam que a violência fora superficialmente abordada ao longo do seu
processo histórico, transformada em um certo “modismo” de desejabilidade social (a exemplo dos
trotes universitários) explorado diariamente pela cultura de massa como se esta fosse “um processo,
um surto cíclico, epidêmico, e não uma realidade endêmica que permeabiliza a concentração da
megalópole” (Goldberg, 1982, p. 137), tendo como consequência sua naturalização.
Não é possível compreender a violência se a reduzirmos à algumas de suas consequências
práticas: delinquência, desordem, crime, etc; mas ao analisá-la, buscar o entendimento do seu
“corpo” inteiro, isto é, das relações sociais, políticas, econômicas, culturais e não obstante,
psicológicas que incidem sobre os sujeitos. A naturalização dos casos de violência ocorridas dentro
da universidade e perpetrada pelos próprios universitários ajuda na ampliação de uma “ideologia
de insegurança” que instala a lógica do medo que vai se constituir como um aspecto da condição
de vida humana (Zizek, 2009). Isso se torna muito claro quando se acredita que o trote é uma
espécie de tradição ritualística e o bullyinge o assédio moral são brincadeiras necessárias para que
se faça a integração dos primeiranistas ao curso.
O campo teórico que a violência está inserida é amplo e carregado de significações que
variam de acordo com o contexto e os objetivos de cada estudo. Não existe um só conceito
para a violência e isto possibilita pensar sobre as diversas modalidades de sua ocorrência bem
como de acordo com o contexto histórico que esses mesmos conceitos vão sendo repensados,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 713


NO ONTEXTO BRASILEIRO
reestruturados e novos são apresentados, nesse caso, mais precisamente nas relações existentes
entre a violência urbana e universitária e sua possível implicação para o aumento do nível de
ansiedade e dificuldades em se relacionar nos discentes.
Segundo Lopes, Sena, Torres e Lopes (2013), as primeiras mudanças manifestadas pelas
vítimas geralmente são os distúrbios psicológicos e alterações de comportamento. “Assim, após
a violência sofrida, o indivíduo pode desenvolver uma série de implicações psicossociais, que vão
atingir tanto o seu meio social (relacionamento com outras pessoas) quanto o seu psíquico”
(Lopes et al., 2013, p. 24).
As universidades enquanto instituições que comportam um conjunto complexo de pessoas
desenvolvendo essas relações e que, por sua vez, reproduzem a lógica cotidiana para além dos
muros acadêmicos, devem ser pensadas de forma a não isolá-las do contexto no qual estão
inseridas, pois elas refletem as “atuais transformações políticas, econômicas, tecnológicas e
culturais.” (Goulart, Coelho, & Pontes, 2013). Entende-se o campusuniversitário como um “campo”
de pesquisa onde a vida estudantil, suas relações e as diversas configurações assumidas através
dele tornem-se objetos de estudo (Goulart et al., 2013), como é o caso aqui.

Considerações finais

Percebeu-se que uma das consequências da violência na universidade é a diminuição na


qualidade de vida dos estudantes, que são afetados principalmente em relação aos aspectos
psicológicos, devido à natureza disfarçada das agressões. A violência gera medo nos universitários,
que acabam realizando mudanças de comportamento, que podem alterar seu cotidiano e,
consequentemente, sua vida. Entender de que forma a violência afeta a vida de estudantes
universitários é o primeiro passo para intervir eficazmente contra determinado fenômeno.
Algumas poucas e tímidas iniciativas já começam a serem tomadas, como a criação de
grupos de apoio para os estudantes primeiranistas, a discussão da temática em palestras e
eventos acadêmicos, além claro, da produção de artigos científicos sobre o assunto. É importante
salientar que a violência entre estudantes deve ser um tema que preocupe e que levante o debate
entre as representações discentes, docentes, técnicas e administrativas da universidade, para com
o objetivo de propor intervenções efetivas que garantam a saúde e segurança física e psicológica
dos universitários.
Esse artigo teve como objetivo resumir e discutir a produção acadêmica sobre o tema
da violência nas universidades, em nenhum momento, ele visa dar por encerrado esse debate,
assim como se acredita que nem todos as particularidades de determinado assunto tenham sido
abordadas, pelo contrário, deseja-se que essa pesquisa possa ser fomentadora de várias outras.
Optou-se aqui, devido a abrangência do tema, por um pequeno recorte desse fenômeno que se
acentua e se modifica cada vez mais na modernidade, mas não se pode deixar de assinalar que
a comunidade acadêmica é extensa e diversificada, não se resumindo apenas aos discentes, e
que muitas outras relações de poder e violência são construídas diariamente entre seus agentes:
docentes, administradores e técnicos concursados e terceirizados, fica o convite e incentivo para
dar prosseguimento a esse estudo a todos os interessados.

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 717


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O USO DO ROLEPLAYING GAME COMO METODOLOGIA
DE PESQUISA EM PSICOLOGIA: POSSIBILIDADES E
DESAFIOS
Bruno Alves Frota
Luis Felipe Sousa Cid
Francisca Naira de Araújo Pereira
Nara Maria Forte Diogo Rocha

Introdução

N
este trabalho pretendemos avaliar tanto os benefícios quanto os desafios de utilizar
uma metodologia de intervenção em pesquisa-ação em psicologia baseada em
jogos de interpretação de papéis. Para isso, retornaremos aos dados construídos
em uma pesquisa realizada no primeiro semestre de 2017, em uma escola pública de ensino médio
da cidade de Sobral/CE, na qual utilizamos como intervenção o RPG.
Em pesquisas qualitativas em psicologia, intervenções têm um papel deveras importante na
construção dos dados. Com isso em mente, ao irmos a campo, formulamos uma intervenção que
se utilizaria de elementos lúdicos e do teatro, assim chegando a idéia de realizarmos um Role-Playing
Game (RPG). Recentemente, existe um movimento crescente de pesquisas com a utilização do
RPG como método de intervenção, principalmente em área relacionadas à educação (Rodrigues
e Costa, 2016).
O RPG é definido como um jogo de interpretação de papéis, onde os participantes se
mobilizam através de uma trama central e podem influenciar o fluxo da narrativa, fazendo com
que cada aventura seja um processo único. É possível iniciar no mesmo ponto mas tendo finais e
jornadas completamente diferentes. O RPG acaba, assim, fazendo uma intersecção entre o que é
teatro e o que é jogo.

Interpretar um papel é bem mais do que mudar o tom de voz e ficar repetindo frases de
efeito. Quando se joga RPG, você precisa se tornar outra pessoa. Fazer o que ela faria, agir
como ela agiria e, principalmente lembrar-se do que ela lembraria. DEL DEBBIO (2004, p.7)

É típico desses jogos, momentos em que os participantes se unem para resolver situações-
problema, fazendo escolhas que podem influenciar no final em que a aventura poderá ter, deixando
o que acontece no jogo como decorrência dos próprios jogadores e de suas escolhas durante a
trama. Famosos jogos de RPG incluem, mas não somente, Dungeons & Dragons (D&D), Tormenta
RPG e Vampiro: A máscara.
A trama da aventura é guiada por um “mestre”, um jogador narrador, que situa e guia os
outros jogadores dentro do universo proposto. O Mestre nesses jogos age como uma entidade à
parte dos “jogadores atores”. Além desses dois tipos de jogadores, existem os Non-Playable Character

718  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
- personagens não-jogáveis - (NPCs - sigla do inglês), que servem de ferramentas narrativas para o
Mestre encaminhar os personagens a pontos centrais da narrativa.

É o Jogador [Narrador] que ficará responsável pelas regras do jogo. É uma espécie de diretor
ou coordenador do jogo. Cabe a ele controlar os outros personagens que não são controlados
pelos jogadores [...] criar e executar as aventuras. Muito do sucesso ou fracasso de uma
Aventura depende dele. Durante uma partida, é o mestre quem irá propor um problema ou
um mistério que os Jogadores irão resolver. (grifo nosso) DEL DEBBIO (2004, p. 6)

Por se tratar de um jogo, condições de sucesso e falha são aplicadas às tentativas de ação
dos jogadores no mundo. Para determinar isso, contamos com as características do personagem
realizando a ação, e também um fator de sorte, no caso, a utilização de dados d seis lados (d6),
para a determinação sucesso/falha. Por questões de simplificação, definimos que a condição de
sucesso eram os lados pares do dado, e falha os ímpares. Essa simplificação se faz necessária,
devido ao nível introdutório dos participantes ao Role-Playing Game, facilitando os sistemas para
jogadores iniciantes.
Em nossa primeira intervenção utilizando o Role-Playing Game (RPG) tivemos como objetivo
construir formas de significação. Vigotski (1991) pensa relação entre os sentidos e significados
em diversos contextos de fala, em processos de transformação constante entre os sentidos e
significados que o sujeito dá a uma palavra. A palavra assumiria por excelência o papel mediador
entre as realidades intrasubjetiva e intersubjetiva, funcionando, portanto, como essencial no
processo humano de transformar a si e ao mundo. O RPG estaria inserido nesse contexto sendo
um meio lúdico de se experienciar uma narrativa.
A temática trabalhada durante as sessões do jogo foi centrada no preconceito racial
e relações étnico-raciais, e como os jovens significavam as situações que envolviam o tema,
trazendo suas próprias experiências e histórias de vida para dentro do mundo construído para
o jogo. A narrativa e o universo criados para essa intervenção foram inspirados na famosa série
de quadrinhos da Marvel Comics “X-men”, pela sua sintonia com os temas trabalhados dentro da
pesquisa. A narrativa foi ambientada num contexto atual, com inspiração em eventos históricos
que ocorreram no período de luta por direitos sociais pela população negra dos Estados Unidos
nas décadas de 1950 e 1960.

Método

Para fundamentarmos a utilização dessa intervenção em uma pesquisa com jovens estudantes
do ensino médio nos baseamos na metodologia de pesquisa-ação. Tripp (2005) define pesquisa-
ação tratando‐se de uma método de pesquisa em que há uma intervenção do pesquisador no
campo, essa ação fica em torno de uma determinada prática e uma investigação da mesma.
Baseamos nossa forma de pesquisa-ação em uma pesquisa participante, onde em conjunto com
os participantes, procuramos entender as significações dadas pelos mesmos sobre conteúdos
étnico-raciais. Com isso em mente, criamos um RPG, com seu próprio conjunto de regras, fica de
personagens próprio, todos sendo inspirados por outros jogos semelhantes, como o D&D.
A criação do jogo compreende a elaboração de alguns instrumentos como a ficha de
personagens, os NPCs, situações problema, todos elementos centrais dentro do RPG. Na ficha de
personagens, constava o nome do personagem, idade, curso que pretende-se passar no vestibular,
os status do personagem, características, e equipamentos. O nome do personagem utilizado deve
ser um nome fantasia, que pudesse situar o jogador dentro do universo proposto. Os status eram
divididos em cinco categorias, baseadas nos eixos teóricos do Exame Nacional do Ensino Médio

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 719


NO ONTEXTO BRASILEIRO
(ENEM), sendo elas: Línguas, Matemática, Ciências humanas, Ciências da Natureza e Redação.
Os status eram definidos a partir do rolamento de um dado d6, o qual diria o valor entre 1 e 6,
sobre as aptidões do personagem em determinado eixo. Os valores do status poderiam interferir
em alguma situação problema apresentada ao longo da aventura, mas também seriam fatores que
ajudariam no final da aventura, ajudando os participantes a passar no vestibular dentro do RPG.
Para o desenrolar da aventura é necessário elaborar uma série de situações‐problema,de
antemão para nortear certos pontos da narrativa, definidas como Eventos. Os Eventos em um
jogo de RPG, tem como características centrais: espaço, que é local onde o evento acontece;
atores, que são os jogadores e personagens não jogáveis (ou NPC’s); e um conflito, aquilo que
move o universo do jogo, geralmente aparecendo como uma situação onde os jogadores tem de
resolver algum problema usando sua criatividade para continuar a história.
Os materiais necessários na implementação dessa intervenção foram de fácil obtenção,
levamos cerca de dez fichas impressas em folhas A4, assim como Lápis e Canetas na quantidade
dos participantes e também dados no formato d6. Utilizamos também fotos de pessoas de
diferentes etnias e gêneros, escolheriam para ser o rosto do personagem que criaram, essas
fotos foram mais uma ferramenta de análise que colocamos devido à temática dessa pesquisa,
tematizada ao redor de relações étnico‐raciais, os participantes eram livres para escolher qualquer
imagem que sentissem que caracterizaria melhor o seu personagem.
Antes de irmos a campo, fizemos uma partida de testes com alguns colegas interessados
em nossa intervenção, com o objetivo de refinar a forma de apresentação dos eventos e certos
sistemas que estavam na ficha de personagem. Os resultados do teste demonstraram que o jogo foi
interessante aos participantes e adequado para atingir os objetivos da pesquisa. Então pudemos
seguir para o próximo passo de nossa pesquisa: realizarmos o RPG em campo.
Durante o processo de produção dessa pesquisa, passamos dois dias em observação dentro
da escola, em semanas diferentes, dois dias para as sessões do RPG e um outro dia para uma
conversa com os participantes com o objetivo de coletarmos dados sobre as temáticas étnico
raciais apresentadas ao longo das sessões, uma devolutiva dos dados e conversar sobre como foi a
metodologia. Após esses momentos em campo, fizemos uma análise da transcrição das falas ditas
pelos participantes, além de uma análise focada no método de intervenção utilizado.

Resultados

Desde os primeiros momentos da aventura, principalmente com a criação dos personagens


os participantes trouxeram processos e histórias marcantes próprias de suas constituições
identitárias, e não de fantasia, o que nos surpreendeu em um primeiro momento. Essa surpresa
se deu, pois a nossa expectativa era a de que criariam um personagem sem muitas conexões
com a identidade e personalidade apresentada pelos jogadores, quando estávamos nos testes
com colegas próximos, isso aconteceu. Segue um exemplo desses momentos, onde o jogador do
personagem William apresenta o seu personagem para a turma, retirado de nossa transcrição das
sessões:

William -O nome do meu personagem é William. Tem dezessete anos. Masculino. E as


qualidades dele, ele é muito inteligente, esperto, rápido e compreensivo. Os defeitos dele é,
baixo, feio, fofoqueiro e egoísta.
Steve - Praticamente o William de verdade.
DIÁRIO DE CAMPO, PRIMEIRA SESSÃO DE RPG

720  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
As características colocadas pelos jogadores, eram reflexos do próprio participante da
pesquisa, como se os personagens fossem pseudônimos para participarem do jogo. Nossa análise
propõe que isso se deve aos participantes da pesquisa serem pessoas que não tiveram contato
anterior com jogos de natureza semelhante. Em relação às fotos que foram utilizadas para serem
representante do personagem, os participantes tiveram uma tendência de escolher aquele que
mais se assemelhava consigo mesmos.
A criação deste “universo” proposto pela narrativa permitiu que os participantes trouxessem
suas experiências e modos de agir de seu próprio contexto. Ao colocar-se dentro do mundo do
jogo, os participantes mantiveram muitos dos modos de agir, valores e sentimentos que teriam
em situações reais, e expressaram isso, mesmo sendo em um universo de fantasia. Esse tipo de
expressão está intimamente ligado com os processos de dramatização, o RPG sendo considerado
um deles, como aparece em Pinheiro (2008, p. 69): “Quando as atividades comunitárias são
reconstruídas na dramatização e os sentidos e significados que estão ali colocados são dialogados,
as regras implícitas e explícitas, não necessariamente compreendidas, podem ser debatidas”. No
terceiro dia, ao serem questionados sobre isso, um dos participantes disse: “No caso, eu não
estava seguindo as regras, eu estava fazendo exatamente o que eu faria.” (Diário de Campo,
Terceira Sessão do RPG).
Essa metodologia também permitiu aos participantes colocarem-se no lugar de uma outra
pessoa, na forma das experiências vividas ao longo da aventura pelos personagens, de forma
segura, lúdica e criativa, podendo ajudar a construir novas significações de natureza empática com
pessoas que passam por situações semelhantes no mundo real. No caso dessa pesquisa tentamos
tratar de temas relacionados ao preconceito racial, relações étnico-raciais, e maneiras de que um
sistema pode se estruturar de formas que prejudicam outras pessoas por razões racistas.
Apesar de todos os resultados positivos, devemos encarar essa utilização do RPG como
um modo de intervenção em psicologia que ainda está em fase de construção, sendo relatado e
analisado apenas o nosso primeiro momento de aplicação dessa intervenção. Tentamos analisar
também uma série de dificuldades que tivemos ao longo das sessões e que devem ser revistas antes
de aplicarmos novamente esta metodologia.
Uma das dificuldades que tivemos foi a de manter os participantes retornando após o
primeiro dia, sentimos que o espaço de tempo dividido em sessões, que aconteceram em dois dias,
impossibilitou que alguns participantes retornassem para a conclusão da aventura. Inicialmente, ao
procurarmos participantes dentro da escola, tivemos uma boa aceitação, preenchemos o número
de vagas bem rápido. Ainda assim, tivemos essa dificuldade. Compreendemos que tal dificuldade
é comum em pesquisas longas, mas não deve ser desconsiderada. Uma possível solução para este
problema, seria diminuir o número de sessões de dois dias para apenas um dia, condensando os
principais pontos da narrativa a esse espaço de tempo.
Contamos com o auxílio de um experiente Mestre de mesas de RPG, o que foi uma experiência
enriquecedora a nossa pesquisa. Entretanto, ao contar com o auxílio de uma pessoa externa ao
grupo de pesquisadores, essa pessoa deve estar a par do foco da pesquisa, os seus objetivos e as
hipóteses que quer-se testar ao longo da aventura, além de como isso deve aparecer nos contextos
da narrativa. Sem isso previamente estipulado, o trabalho de equilibrar os objetivos da pesquisa e
os da narrativa torna-se mais complicado.
Tivemos dificuldade também em saber como fazer um final que fosse satisfatório para os
participantes, tendo em vista que era um jogo, o final foi decidido através dos status dos jogadores,
ações feitas durante a aventura e uma última rolagem dos dados. Nem todos os jogadores
presentes obtiveram finais que foram felizes ou condizem com os objetivos da presente aventura.
Apenas um dos jogadores concluiu a aventura de uma maneira que condizia com os objetivos
do personagem, o que nos fez refletir, pesquisadores e participantes, sobre a desigualdade e a

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 721


NO ONTEXTO BRASILEIRO
exclusão que permeiam o debate étnico-racial sendo reproduzidos também no jogo. Quais as
possibilidades de, no jogo, criar situações de sucesso para todos? Uma solução para esses finais,
seria deixar um final aberto, sem colocar condições de sucesso/falha, mas com condições de
liberdade de ação no universo do RPG, onde o jogador consegue interpretar as problemáticas ali
presentes, e tenta criar uma solução a partir da perspectiva do personagem, transformando esse
final com escolhas um outro ponto de discussões e análise.

Discussão

Este artigo visou discutir a utilização de um recurso lúdico, o RPG, como pesquisa em
psicologia. Foi realizada uma pesquisa a respeito das relações étnico-raciais de jovens na escola,
cujo objetivo era compreender as significações construídas por eles a respeito da temática. Para
tanto experimentamos criar um jogo de RPG que trouxesse à tona os conflitos e a segregação
de forma a interessar e engajar os jovens neste debate. O jogo envolveu a adaptação de ganchos
narrativos com base em eventos históricos de segregação e discriminação racial, bem como a
inspiração no ambiente fantástico dos X-men. Desta pesquisa, realizada numa escola de ensino
médio pública na cidade de Sobral-CE, contamos com a participação de cinco estudantes durante
três dias.
Como potencialidades na utilização do RPG como metodologia, encontramos que essa
metodologia facilitou a construção, em conjunto aos jogadores, de perspectivas e significações
sobre as temáticas que foram trabalhadas ao longo das sessões.
Como dificuldades na utilização desta metodologia encontramos as restrições relacionadas
ao tempo, à participação dos jogadores, e à dificuldade de criar um final que quebre a lógica de
sucesso/falha.
Como questões para novos estudos apontamos a possibilidade da diminuição do número
de sessões de três, para uma, onde concentraremos os principais pontos narrativos e de análise, e
a criação de um final aberto, onde a partir das problemáticas encontradas no universo narrativo
os jogadores teriam a liberdade de propor soluções e discutí-las.
Concluímos que por meio do RPG foi possível construir conhecimento sobre como os jovens
significam as relações étnico-raciais na escola. Momentos de discussão sobre essas temáticas nas
escolas podem se tornar fundamentais na compreensão e no estudo desses fenômenos sociais
e o seu impacto na vida das Juventudes, o Role-playing é mais uma ferramenta a ser utilizada no
enriquecimento destas discussões.

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722  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO:
OPINIÕES DE PAIS E PROFESSORAS DE ESCOLAS
MUNICIPAIS
Alexsandra Pereira da Silva Rodrigues
Maria Aurelina Machado de Oliveira
Welyton Paraíba da Silva Sousa
Lorena Thiciane Silva

Introdução

O
termo Necessidades Educacionais Especiais (NEE) acabou por englobar sujeitos
com deficiência, mas que necessitam de atendimentos educacionais especiais
(AEE) durante seus processos escolares, proporcionando-lhes suporte pedagógico
qualificado, quando há dificuldades educacionais comprovadas. Assim são contempladas nesse
rol crianças com deficiência, que apresentam transtornos ou superdotação, que devem estar
matriculadas na rede regular de ensino, e no contra turno receber um suporte educacional na
sala multifuncional ou em salas de AEE, conforme dispõe o artigo 5º da Resolução CNE/CEB nº
4/2009 (Conselho Nacional de Educação, 2009).
Um dos recursos disponibilizados para atender as NEE é a sala multifuncional, na qual o
professor responsável deve ser especializado e capacitado. As salas de recursos multifuncionais
(SRMF) são ambientes na escola onde se realiza o AEE, por meio do desenvolvimento de
estratégias de aprendizagem, centradas em um novo fazer pedagógico que favoreça a construção
de conhecimento pelos alunos, subsidiando-os para que desenvolvam o currículo e participem da
vida escolar (Ministério da Educação, 2006).
Assim a inclusão de crianças com NEE por deficiência é atravessada pela problemática que
envolve o atendimento precário a essa faixa etária na educação infantil, sendo agravada pelo
desconhecimento desses profissionais - em sua maioria mulheres - em relação as peculiaridades
do desenvolvimento das crianças, às suas necessidades educacionais e as formas mais adequadas
de cuidado e estimulação (Oliveira & Padilha, 2011).
Considerando que a educação é um fator indispensável para se viver em sociedade, pode-se
dizer que o professor é uma peça imprescindível no processo de ensino aprendizagem, por isso
a qualidade do ensino é de grande importância, ele deve criar oportunidades e promoção da
educação no sentido de que as crianças especiais possam superar suas dificuldades. A criança
com NEE na escola regular encontrará obstáculos nas pequenas atividades cotidianas, assim cabe
ao professor, gestores e todos envolvidos no AEE encontrar estratégias que possibilitem da melhor
maneira, formas de adaptação e conhecimento.
De forma que os conhecimentos da Psicologia estão disponíveis para colaborar com a
melhor inclusão de crianças com NEE. Uma das áreas específicas da Psicologia é a Psicologia da
Educação, que tem como objeto de estudo o ser humano em desenvolvimento. A importância

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 723


NO ONTEXTO BRASILEIRO
dessa área engloba suas possibilidades de se constituir como um campo do conhecimento que
visa contribuir para a compreensão do modo de ser dos sujeitos educandos, assim como do modo
de desenvolvimento de sua sensibilidade, na dimensão cognitiva e afetiva. Logo a Psicologia da
Educação auxilia na atuação do educador, pois o ajuda a compreender as bases psicológicas do
desenvolvimento e da aprendizagem (Gatti, 2003; Severino, 1996).
Portanto a Psicologia da Educação precisa ser pensada, nos projetos de formação de
professores, especialmente, em situações específicas como o AEE. Assim, cabe à escola garantir o
acolhimento e o ensino de todas as crianças, independentemente de suas limitações. O processo
de ensino-aprendizagem deve ser adaptado às necessidades dos alunos. Logo, este estudo teve
como objetivo principal descrever como funciona o atendimento às crianças com NEE especiais
a partir da perspectiva de paise professoras de alunos em duas escolas da rede municipal de
educação básica do ensino fundamental em Floriano-PI. Adiante esclarecimentos sobre como a
pesquisa foi realizada.

Método

Participantes e locais de pesquisa

Pesquisa de natureza qualitativa, como esclarece Gil (1999), cujos participantes foram
12 pais e 10 professoras de alunos que estavam matriculados nas escolas selecionadas, e que
estivessem frequentando da 1ª a 5ª da Educação Básica do Ensino Regular.
O estudo foi realizado em duas escolas municipais do município de Floriano-PI, que tinham
crianças com NEE matriculadas e frequentando as referidas instituições. A escolha das instituições
foi feita considerando a quantidade mínima de quatro crianças matriculadas e cujo acesso fosse
conveniente aos pesquisadores.

Critérios de inclusão e exclusão

A seleção dos participantes obedeceu alguns critérios. O primeiro foi ter idade igual ou
superior a 18 anos. O segundo critério foi: ser pai/mãe ou professor(a)de alguma criança que
recebia AEE nas escolas selecionadas. Foram excluídos pais eprofessores que não tinham crianças
com NEEnas referidas escolas.

Instrumentos de pesquisa

Os questionários utilizados para realizar a pesquisa consistiram em dois modelos, um


modelocom itens direcionados aos professores, focando aspectos educativos e pedagógicos
oferecidos aos alunos com NEE. E o segundo modelo contemplou perguntas direcionadas aos pais
desses alunos, sobre suas perspectivas no processo de funcionamento e aprendizagem educacional
de seus filhos. Ambos os modelos de questionários foram elaborados pelos pesquisadores.
Os dois modelos de questionários foram organizados em duas partes. A primeira parte
continha aspectos sociodemográficos (sexo, idade, escolaridade, profissão, tempo de exercício
profissional, especialização na área, carga horária de trabalho, renda, entre outros). A segunda
parte englobou itens referentes aos objetivos do estudo, que consistiu em 5 perguntas abertas,
1 fechada e 2 perguntas parcialmente fechadas. Neste trabalho são apresentados apenas dados
referentes a 2 itens abertos dos questionários, pois versavam diretamente sobre o funcionamento
do AEE.

724  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Procedimentos de coleta

Para realização do estudo foi solicitada inicialmente a anuência das duas escolas municipais,
as quais foram atendidas. Em seguida o projeto foi submetido ao Comitê de Ética de Pesquisa
da Universidade Federal do Piauí, por meio da Plataforma Brasil, tendo obtido aprovação, sob
parecer nº. 1.783.373 e CAAE 72939717.9.0000.5214.
Somente após a aprovação, deu-se início à coleta de dados que ocorreu no período de
agosto a setembro de 2017. Inicialmente, o participante foi esclarecido sobre o estudo e seus
objetivos, e, em seguida, o seu consentimento foi estabelecido através da assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, onde mesmo ficou com uma via do Termo em sua posse
e a outra com o(a) pesquisador(a). Em seguida, o próprio sujeito respondeu aos itens do
questionário, tendo sido aplicado em uma sala reservada disponibilizada pela escola ou outro
local que o participante julgasse ser mais conveniente.

Procedimentos de análise

Com os dados sociodemográficos foram realizadas estatísticas descritivas, sendo


apresentados em sua maioria na forma de frequência relativa. Já a análise dos dados referentes
às respostas aos itens abertos ou parcialmente abertos dos questionários foram feitas com o
auxílio das categorias analíticas. Gil (2010) conceitua categorias analíticas como conceitos ou
aspectos que expressam padrões que surgem dos dados, sendo usadas com a intenção de agrupá-
los conforme a similitude que apresentam.
Assim à medida que os dados são comparados, unidades de dados são estabelecidas.
Portanto, as unidades de dados correspondem a segmentos dos dados, aos quais significados
são atribuídos, de forma que são identificados quando existe algo em comum entre os dados. No
caso da pesquisa as unidades foram as respostas aos itens abertos contidos nos questionários da
pesquisa. A seguir a exposição e discussão dos resultados.

Resultados

Acerca dos dados obtidos, na Tabela 1 estão dispostas as informações sociodemográficas


dos participantes, que foram indicadas na parte 1 dos questionários da pesquisa.

Tabela 1:
Dados sociodemográficos dos pais e professoras pesquisados.
Variável Pais Professoras
Sexo 90% mulheres 100% mulheres
50% - 20-40 anos
Idade 83% 20-40anos
50% - 41-50 anos
50% casados 60% casadas
Estado civil
50% solteiros 40% solteiras
60% não informou
Escolaridade 75% não estudaram
40% 20 anos
Renda pessoal 58,3%- 1-2 salários mínimos 40%- 1-3 salários mínimos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 725


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Os dados obtidos de cada item aberto do questionário (parte 2) foram organizados e
analisados em categorias analíticas, sendo apresentadas as respostas dos pais e professoras forma
conjunta. Tais resultados foram fundamentais para o entendimento do AEE na Educação Básica,
tais dados estão dispostos no Quadro 1.

Nº PAIS PROFESSORAS
O atendimento dar-se de maneira disforme, onde apenas é acei-
to o aluno por força de lei e cuidadores para estar ao lado da
criança, não é oferecido subsídios apropriados a cada necessi-
01 De forma satisfatória
dade, tudo é muito efêmero e vago. As atividades são feitas pelo
professor de turma e nem sempre contempla a real necessidade
do aluno.
02 É bom por causa da cuidadora. Existe, mas é pouco divulgado e comentado.
03 Não funciona Na minha escola não tem.
Funciona de forma superficial, o aluno frequenta a sala regular
04 Não tenho conhecimento e possui um cuidador acompanhando-o.

O AEE não funciona, os alunos são aceitos na sala regular sem


05 Funciona apenas com a cuidadora
suporte educacional algum.
Não funciona como deveria os alunos não recebem o atendi-
06 A escola não possui
mento especializado.
Uma ótima estrutura e excelentes profissionais, que estão sem-
pre aptos a nos ajudar e orientar diariamente e diretamente
Duas vezes na semana com atividades com nossas crianças especiais. O AEE atende em horário con-
07
para estimular o conhecimento dele trário do qual o aluno estuda, fazendo atividades de monitora-
mento e aprendizagem.

08 Atendimento educacional, psicólogo, orientação para com os


Funciona bem, ensina ler, escrever pais, buscando respeito com a diversidade de cada aluno, reu-
niões.
09 São duas horas de atendimento individual Funciona de forma clara e objetiva, os alunos com necessidades
sendo uma vez por semana, onde é reali- especiais são bem atendidos por esses profissionais que traba-
zado tarefas específicas a necessidade do lham com toda dedicação para que esses alunos se desenvol-
aluno. vam.
10 Funciona na sala multifuncional com aten- O AEE funciona nos dois turnos e recebe os alunos que preci-
dimento individual, no horário contrário sam de um atendimento educacional especializado.
da aula.
11 Ensina a criança a desenvolver experiências -
rotineiras, que ele tem dificuldade em de-
senvolver.
12 Funciona de forma acolhedora e segura, -
para ajudar no desenvolvimento da minha
filha.

Quadro 1. Funcionamento da Atendimento Educacional Especializado na opinião de pais e professoras pesquisadas.

No Quadro 2 estão apresentadas as respostas obtidas de pais e professoras acerca do item do


instrumento da pesquisa que solicitou informações acerca das condições reais de funcionamento
do AEE na escola.

726  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Nº PAIS PROFESSORAS
Na escola falta recursos necessários para Não existe, o aluno é um aluno a parte onde alguns professores
desempenho de qualidade de trabalho fazem atividades desconexas para a real necessidade de suas
com relação ao meu filho. especialidades. Mas vejo também que o governo agrava
profundamente o problema quando imagina que o profissional
01 tem poderes mágicos. O profissional de educação não é
obrigado a entender e a saber de todas as doenças, causas e
como trabalha-las, isso cabe a saúde.

02 Ela adquiriu experiências aqui. Não respondeu


A realidade é que ele não recebe suporte
algum sobre a necessidade dele, pois os
03 Não tenho conhecimento.
professores não estão preparados para
ensina-lo.
O PPP promove a inclusão do aluno e seu rendimento escolar,
Não existem condições boas, falta muita
04 porém na realidade não dispomos de recursos inclusivos e o
coisa. aluno perde muito com isso.
Os professores tentam controlar ele na As condições são bem falhas, tudo que deveríamos ter, como
sala de aula, pois ele não fica quieto, só por exemplo, orientações e materiais didáticos específicos,
05 que eles não sabem direito como ensinar não existem.
ele.
Não existe, aliás há casos em que pequenos avanços são
As condições são as mínimas, falta notados, porém casos raros, acredito que se a família
06 muita coisa inclusive capacitação aos participasse da vida escolar dessas crianças, poderiam lutar
professores. pelos seus direitos e nós professores teríamos mais êxito no
que se refere a esse assunto.
07 Não. Não respondeu
Todas as minhas expectativas são
08 correspondidas, ele desenvolveu bastante Desconheço, pois a criança não necessita.
a aprendizagem nessa escola.
As condições concretas são o trabalho
braçal e à vontade de ensinar, pois
os recursos são mínimos. Dentro da
09 Não respondeu
realidade nós já vimos melhorias, diante
da falta de recursos não temos muitas
expectativas.
Acredito que eles fazem o melhor diante As condições concretas são precárias, faltam recursos
10 das condições lhes são ofertadas. materiais, formação e capacitação de professores.
As condições são precárias, contamos -
basicamente com a boa vontade de
11 ensinar dos professores, pois os recursos
utilizados são muito pouco.
As condições não são as melhores, mas -
12 os professores são bem empenhados em
fazer um bom trabalho com as crianças.
Quadro 1. Condições concretas existentes para a realização do atendimento educacional especializado.

Discussão

Acerca dos dados sociodemográficos apresentados na Tabela 1, observou-se a predominância


do sexo feminino no público de pais e professoras, tal dado está em consonância com dados
acerca da educação básica, na qual observa-se um predomínio da figura feminina no exercício
do cuidado seja no lar ou na escola. Acerca da idade tanto os pais e professoras estão numa faixa
etária jovem ou meia-idade, isto pode contribuir para tornar mais fácil o trabalho de ambos com
estes estudantes com NEE, pois podem estar mais informados acerca dos processos relacionados
à inclusão (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas, 2009; Maia, 2015)

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 727


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O fato de predominar pais e professoras casadas está de acordo com colocações sobre a
inserção da criança com NEE em uma família e que isto pode contribuir para o suporte emocional
e educacional. A literatura ainda pontua que crianças que tem convívio com famílias organizadas
tem mais chances de desenvolver um convívio social satisfatório e, dependendo de sua NEE, levar
uma vida de autonomia sobre suas escolhas e atitudes (Matsumoto & Macedo, 2012).
No entanto, verifica-se que a maioria dos pais possuem pouca ou nenhuma escolarização,
isso pode ser um fator que influencia na falta de conhecimento sobre os direitos existentes no
processo de aprendizagem de seus filhos. Enquanto a das professoras se mostrou condizente com
o esperado com a função exercida (IBGE, 2017). Quanto a renda pessoal dos participantes essa
é uma variável que influencia sobremaneira, tanto a qualidade do trabalho do professor como
também na qualidade material e do cuidado dos pais em relação ao filho com NEE (Fukuda,
Carvalho, & Bucher‐Maluschke, 2011; Silva, & Cavalcante, 2015).
Ao analisar as respostas dadas tanto pelos pais quanto pelas professoras, apresentadas
no Quadro 1, foi possível observar que alguns pais consideram que o AEE funciona de forma
satisfatória, com atividades que estimulam o conhecimento, ensinando a ler e escrever, abordando
tarefas específicas às necessidades do aluno e ainda consideram que o atendimento é acolhedor e
poucos disseram não ter conhecimento ou que não funciona.
Já as professoras consideraram que o atendimento se dar de maneira disforme sendo
mais adequado talvez usar o termo não direcionado, poiso aluno é aceito por força de lei e
os cuidadores se encontram no espaço apenas para estar ao lado da criança, não é oferecido
subsídios apropriados a cada necessidade, tudo é muito efêmero e vago. As atividades são feitas
pela professora de turma e nem sempre contempla a real necessidade do aluno.
Assim, diante das respostas dos pais entende-se que estes consideram que o atendimento
especializado dado aos seus filhos tem sido um atendimento satisfatório capaz de fazer com que
o aluno com NEE progrida e se desenvolva. Mas ao analisar as respostas das professoras diante
da mesma pergunta observou-se que estas veem o AEE um atendimento desproporcional ao que
o aluno realmente necessita. Já que muitas vezes são obrigadas a aceitarem estes alunos em suas
salas de aula sem um mínimo de preparo possível, tais como: material didático, qualificação
profissional para trabalhar com estes alunos, apesar de muitas vezes o professor se virar como dá.
Diante desta realidade percebe-se que o que preconiza as Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica, Resolução do Conselho Nacional de Educação - CNE/CEB
nº 2/2001, no artigo 2º, acerca dos sistemas de ensino ter o dever de matricular todos os alunos,
cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com NEE, assegurando as
condições necessárias para uma educação de qualidade para todos, não vendo sendo efetivado.
Entende-se então, que há uma necessidade de as instituições educacionais buscarem meios de
adequar-se às necessidades dos alunos com NEE, pois estes têm direitos adquiridos e assegurados
tanto na Constituição Federal, quanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Masini (2004) ressalta a responsabilidade dos envolvidos diretamente no processo de
inclusão escolar; assinala como requisito que cada um conheça seus próprios limites, pessoais
e de formação, para contribuir para a inclusão do aluno com NEE, examinando as condições e
limites das escolas e analisando as formas possíveis para que a inclusão se realize em benefício do
estudante com deficiência.
Ainda se destaca a importância de investigações que forneçam dados sistematizados sobre
experiências de inclusão de alunos com deficiências em escolas. De forma que se faz importante
identificar: como fazer a inclusão no que diz respeito aos recursos humanos e materiais; as
especificidades dos alunos a serem incluídos e as necessidades a serem atendidas, do ponto de
vista educacional como social; o que se objetiva da inclusão; e as condições humanas, materiais e
institucionais oferecidas para que ocorra (Masini, 2004).

728  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Em se tratando das condições concretas existentes no trabalho dos profissionais diante do
processo ensino aprendizagem, indicados no Quadro 2, os pais comentaram que apesar da quase
inexistência desses recursos os filhos têm se desenvolvido. Enquanto as professoras relataram que
não existe, ou não responderam.
Para Sánchez (2005), a proposta de inclusão tem como pressuposto o sucesso de cada
criança através da utilização de uma pedagogia centrada no aluno, para que se possam ultrapassar
as dificuldades apresentadas, mesmo àquelas que possuem desvantagens severas. Assim, a autora
assegura que os sistemas educacionais primeiramente devem garantir a ampliação da inclusão
social admitindo que crianças, jovens e adultos portadores de necessidades especiais não sejam
únicos, contribuindo assim em direção a uma sociedade inclusiva e quanto mais séria forem as
dificuldades, maiores serão os empenhos da escola para adaptar-se.
Neste contexto, entende-se que há que se levar a educação a todos os alunos, mesmo que
haja diferenças entre estes, potencializando e valorizando as particularidades de cada aluno.
É essencial que as ações indiquem para a inclusão das pessoas com NEE, com mecanismos e
projetos, garantindo as condições necessárias para uma educação de qualidade, respeitando
todos os direitos. É preciso fazer uma avaliação quando os portadores de deficiência são excluídos
da sociedade levando em consideração a importância de se debater este tema que ainda não foi
superado pela comunidade.

Considerações Finais

O AEE tem sido visto especialmente pelas professoras pesquisadas, como um atendimento
permeado de falhas e com recursos didáticos escassos. Uma das escolas pesquisadas não
possui sala de recursos multifuncionais, apesar de esta trazer a oportunidade de aquisição de
conhecimentos de forma lúdica e com materiais diferenciados. Destaca-se ainda a necessidade
de compreensão do(a) professor(a) da sala regular de que este não é um ambiente de reforço, ou
seja, de reprodução das matérias e atividades de sala de aula.
Em se tratando das condições concretas existentes no trabalho dos profissionais diante do
processo ensino aprendizagem entende-se que a educação deve ser ofertada a todos os alunos,
mesmo que haja diferenças, cujo foco são as potencialidades de cada aluno e buscar valorizar as
particularidades de cada aluno. Para que ocorra a evolução no processo de aprendizagem são
essenciais as práticas de educação inclusivas voltadas à participação daqueles que compõem uma
classe escolar e do compartilhar de cada um, em diferentes condições.

Referências

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730  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
HÁ DIÁLOGO ENTRE ARISTÓTELES, HUSSERL,
HEIDEGGER E ROGERS: UM BREVE PERCURSO DA
FENOMENOLOGIA
Carlos Vitor Esmeraldo Albuquerque Beserra
Khalina Assunção Bezerra

Introdução

É
de conhecimento que a fenomenologia tem como união etimológica as palavras:
fenômeno, mais, logos, e que varia em conceito de acordo com o autor que o apresenta.
Diferindo, assim, em ideias, desde estudo do fenômeno (aquilo que aparece e é
apreendido através dos órgãos do sentido), ao sentido do fenômeno, direção difusa, significado,
sensação e ordem expressiva dos fatos apercebidos, e dos atos que a partir daí derivam. É, assim,
que do armazenamento de significado, através dos órgãos do sentido, ou seja, com a fisicalidade,
sensação e corpo, que se agrega o logos ao fenômeno. Como etimologia husserliana, o mais disposto
nos livros é: “a palavra “fenomenologia” significa “o estudo dos fenômenos”, onde a noção de
fenômeno e a noção de experiência, de um modo geral, coincidem” (Cerbone, 2014, p. 13).
Em meio as pesquisas acadêmicas, a fenomenologia, cresce dia após dia e apesar de
inúmeros autores, que nela buscam ênfase, ainda há bastante criadores a explorar como é o
caso de alguns pouco conhecidos e apresentados as academias, como Martin Buber e Bachelard,
fenomenólogos insinuantes, aquele inaugurador da filosofia do diálogo, que traz em seus escritos
as nomenclaturas elucidativas do “Eu-Tu” e “Eu-isso”, consideradas esferas do modo de ser,
podendo, demonstrativamente, auxiliar no fazer terapêutico identificando as nuances experienciais
(Buber, 2005). E Bachelard, poeta e filósofo, responsável por uma reflexão significativa no
que diz respeito a sensibilidade e a importância da imaginação dentro do processo relacional,
propriamente íntimo de cada ser que experiencia a ação do acontecimento (Silva, 2013). No que
concerne ao presente estudo, irá se destacar alguns teóricos conhecidos, são eles por ordem de
aparição: Aristóteles, Husserl, Heidegger e Rogers, os três primeiros, especificamente do ramo
filosófico, mas contribuintes diretos da psicologia, e o último, agente criador de uma linha de
atuação da teoria humanista na psicologia.
Com a busca de alguns escritos desses autores, pôde-se organizar mais sistematicamente
o presente estudo, percebendo a importância do estudar fenomenologia, mais veementemente
ao se deparar com uma filosofia de vida complexa, humana e fonte de estimulação para o
autoconhecimento e construção de si, tendo diversos filósofos, que entenderam a psicologia
como uma fenomenologia existencial. Nesse segmento, amplia o entendimento Akira Goto (2008),
estudioso da área:

O número de pesquisas tem aumentado, porque a ideia de uma psicologia fenomenológica


não se restringiu apenas à concepção de Husserl, mas às diversas filosofias fenomenológicas

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 731


NO ONTEXTO BRASILEIRO
que possibilitaram o surgimento de uma psicologia caracterizada atualmente como
abordagem fenomenológico-existencial” (Goto, 2008, p.15).

Ao passo disso, pretende-se apresentar, mesmo que superficialmente, uma provocação ao


estudo da fenomenologia, começando pelo título afirmativo, mas não imperativo. Trazendo para
isso, alguns autores e junto com eles, definições de seus conceitos-chave, desejando a possibilidade
de uma leitura sintética, setorizada e introdutória sobre o assunto, que possa durante ou ao final
dessa leitura, perceber que há um caráter de semelhança e ligação entre os autores, podendo assim,
concatenar as ideias apresentadas, convergindo-as e aproximando a filosofia fenomenológica da
psicologia humanista em seu percurso.

Metodologia

O presente trabalho é fruto de uma pesquisa que visa apresentar de forma sucinta,
registros sobre a vertente filosófica que marca o início da fenomenologia e alguns autores que
no desvelamento histórico, criaram e aproximaram a filosofia fenomenológica da psicologia,
ressaltando o primado de Carl Rogers como criador da abordagem centrada na pessoa, que
aderiu a fontes de estudos, proeminentemente, fenomenológicos (Fonseca, 1998).
Para o desenvolvimento desse objetivo, se utilizou uma metodologia de pesquisa de revisão
bibliográfica, de abordagem qualitativa, que para Gil (2008), serve como uma construção de saber
dividida entre a captação de outros saberes, a correlação entre eles e a estrutura crítica e reflexiva
que se retira desse processo. No caso em questão, foi intertextualizado a fenomenologia de alguns
livros base de Aristóteles (Metafísica, 1984), Husserl (Investigações lógicas, 1992), Heidegger (Ser
e tempo, 2005 e Cartas sobre o humanismo, 1967), Rogers (Tornar-se Pessoa, 2017), com as obras
de comentadores dos autores debatidos no texto, como, Iniciação à história da filosofia: Dos pré-
socráticos a Wittgenstein (2007), ajudando na exploração dos textos Aristotélicos. Para o auxílio a
compreensão de Husserl, Introdução à psicologia fenomenológica: A nova psicologia de Edmund
Husserl (2008). Em Heidegger, foi utilizado como recurso a obra: Heidegger: Urgente (2013). Em
Rogers, Rogers: Ética humanista e psicoterapia (2012), além de outras visões auxiliares de outros
releitores, que enriqueceram a pesquisa e ajudaram a elucidar o texto com mais propriedade.
Atinente a própria contribuição para o parâmetro psicológico, o estudo busca pronunciar
alguns autores da fenomenologia e tentar linearizá-los, ou seja, cada autor, mesmo que espaçado
a título de época, traz alguma referência que possa aproximar filosofia e psicologia, como
complementares e auxiliadores do entendimento de uma ontologia. Assim, o estudo, mesmo de
forma limitada, pretende demonstrar através de algumas conceituações, o início da fenomenologia
em Aristóteles, discorrer sobre Husserl, apresentar Heidegger e buscar o coeficiente desse método
fenomenológico em Rogers, buscando observar que a essência das ideias apresentadas possam ter
uma conexão não meramente tácita.

Resultados e Discussão

Em Aristóteles

No amontoado de interfaces sobre a teoria, surge o primeiro ponto de estudo, Aristóteles.


Nascido em 384 a.C, em Estagira, desenvolveu esse estudo fenomenológico de afirmação da vida e
dos fenômenos naturais através de seu método de pesquisa filosófico conhecido como empirismo
fenomenológico, que consistia em, conscientemente, sentir e experienciar o objeto de análise
fenomenológica, para a partir daí, descrevê-lo, discuti-lo e anotá-lo a posteriori, mas como noção
primeira, captava as sensações que alcançava o fenômeno, desde cheiro, tamanho, cor, causas
sensacionistas, até seu impacto instantâneo.

732  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tal método, era chamado de peripatético, e decretava o modo de Aristóteles filosofar, destituído
de fixidez e monotonia, buscando, incessantemente, através da mobilidade, abrir a possibilidade
para o novo, o experienciando sem prévios estabelecimentos teorizadores, assim: “Aristóteles
gostava de dar aulas e ministrar seus ensinamentos em caminhadas com os seus discípulos, donde
a origem do nome “escola peripatética” (de “peripatos”, o caminho)” (Marcondes, 2007, p. 69).
Portanto, o que pôde fazer Aristóteles contribuir e ser nomeado aqui como um dos
fundadores da fenomenologia, se não, o fundador? Além do que será apresentado mais à frente,
tem-se como fonte de legitimação, o filósofo e professor Franz Brentano (1938-1917), estudioso
de Aristóteles e professor de Freud e Husserl, este que criador da fenomenologia transcendental
é um dos personagens de nosso artigo. Brentano, além de revisitar a teoria de Aristóteles, foi
buscar no filósofo seu empreendimento de estudo, demonstrado que, por Aristóteles esclarecer
a ideia de Devir, a ideia de investigação de um objeto, de um ser, portanto de um fenômeno
de forma compromissada (é sabido que Aristóteles analisava espécie de peixes e anotava todas
as descobertas), impôs esclarecimentos à fenomenologia dita moderna, agregando conceitos de
tamanha importância a matéria do estudo, como a conceituação de Intencionalidade, que fora
desenvolta e apresentada por Brentano, como uma força tensional e de vontade, capaz de fazer
o indivíduo desenvolver a intuição, pressentir e expressar as sensações de um fenômeno psíquico
(Granzotto; Granzotto, 2007).
Mais especificamente, a intencionalidade aparece como uma flexão à tensão de criar e
possibilitar força de ação a existência (Boris, 2011). Aristóteles no livro I de sua obra Metafísica
(1984), apresenta o homem, entregue por natureza ao desejo de conhecer, tendo como maneira
efetiva desse objetivo, as sensações que causavam prazer e reconhecimento, quanto ao mundo
que era trajeto intencional de sua existência. (Aristóteles, 1984)
Tratando das contribuições de Aristóteles, mais uma importante à temática em tese, é o
apontamento aristotélico sobre o Devir, que pode ser entendido como tudo aquilo que é e pode
vir-a-ser, ou seja, a aleatoriedade, tanto da existência, como da identidade particular de cada ser
é devir, é movimentação que causa uma mudança inevitável naquele que vive e está inserido no
mundo, que por ser natural, também vive, pulsa e metamorfoseasse. Para explicar essa noção, o
filósofo utiliza de mais algumas concepções que abrangem a vivência humana, isto é, a essência
(bastante utilizada séculos depois pelos fenomenólogos modernos) e o acidente, ideias que irão
concatenar com outras, sobre o devir, ainda em explicação, sendo elas, ato e potência.
Bem, enquanto essência, Aristóteles diz que o ser é caracteristicamente uno, singular,
mais claramente, é o que é subjetivado pela capacidade idiossincrática de perceber através de
sentidos particulares e monistas (único em substância). “Acontece-lhe, desta maneira, admitir
[simultaneamente] como princípios o “uno” (que é simples e sem mistura) ... (Aristóteles, 1984,
p. 28). Mas para que ocorra essa definição da personalidade, é preciso passar pelos acidentes,
que transformam o ser, e vêm de forma casual e imprevisível, através do devir-viver, cuja noção de
existir é imprevisível e indecifrável (Marcondes, 2007).
Em apoio a todos esses fatores, enquanto seres do Devir, é apresentado a possibilidade de
uma essência que fortuitamente passa por vários acidentes, acompanhados por ato e potência, onde
o ato é o ser estabelecido em uma essência, onde há a noção do que se é, do que se tem, do que se
fez. E potência, designa a força do provável acontecimento, que dispõe instabilidade contingencial
(de mudança), portanto, um tempo de muda (troca de posicionamentos), emersão e atualização
de acidentes, que atestam a capacidade do ser humano, em renovar e regular a existência.
É mister observar, que o poético conceito de Aristóteles, muito parece com outras convicções
estipuladas ao longo das eras, semelhanças por exemplo, com a criação Rogeriana de Tendência
Atualizante, que é a capacidade inata do indivíduo a inclinar a existência para mudança e atualização,
não se acorrentando ao que ficou para trás e teve caráter dificultoso, e sim, compreendendo-o e
coagulando na memória, estando implicitamente predisposto a ser mais e mais, suscetibilizando

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 733


NO ONTEXTO BRASILEIRO
caminhos para a saúde e cuidado de si (Amatuzzi, 2012). Outrossim, no livro II da Metafísica,
Aristóteles contribui com sentido tratado aqui, com sofisticação:

Ora, nós dizemos que o homem vem da criança como o já gerado do que está a ser gerado, ou
o já completo do que se está completando, pois sempre há um intermédio, como entre o ser e
o não ser, o devir, e o que se está gerando, entre o que é e o que não é (Aristóteles, 1984, p. 41)

Em Husserl

A partir de Husserl, a fenomenologia teve sua quebra de hiato, não considerando aqui a
fenomenologia dialética de Hegel, importante e necessária, porém que toma um caminho diferente
do proposto pelo trabalho, já que valoriza a dialética: tese, antítese e síntese e não a dialógica:
congruência e confluência de estados.

Hegel foi o filósofo mais famoso da Alemanha na primeira metade do século XIX. Sua ideia
central era de que todos os fenômenos, da consciência às instituições políticas, são aspectos
de um único espírito (“mente” ou “ideia”, para ele) que ao longo do tempo reintegra esses
aspectos a si mesmo. Esse processo de reintegração é que Hegel chama de “dialética (...)
(Buckingham, [et al]. 2011, p.180).

A evidência de uma peculiaridade nos estudos e criações de Husserl denota sua capacidade
de envolver filosofia, matemática e psicologia, equacionando em um estudo científico, analítico
e esmiuçado de um objeto, no caso o fenômeno. Para tanto, causando uma ação estimuladora
através do sentido absolvido inteiramente, criando uma psicologia eidética, ou seja, das ideias
apuradas essenciais em início, meio e fim (Goto, 2008).
Em dados teóricos, Husserl avançou os estudos em sua fenomenologia psicológica,
capacitando sua força de alcance a uma reflexão dita transcendental, valorizando a consciência de
algo, e em busca de enlaçar mentalmente esse algo, visto que procura saber, prender e destrinchar
o foco de absorção analítica. “Ao longo de sua carreira filosófica, Husserl está interessado em
entender a natureza e o status da lógica e da matemática e em explicar nosso entendimento
ou compreensão delas” (Cerbone, 2014, p. 29). É possível observar que Husserl teve prolífera
produção, criando diversos conceitos que ajudam a nivelar o conhecimento sobre o outro,
enquanto sujeito de pesquisa vivencial, provendo um instrumento de auxílio e preocupação com
o indivíduo/fenômeno e suas constantes mudanças comportamentais.
De início, há um atributo bastante falado e reconhecidamente Husserliano, chamado
redução fenomenológica, tal ponto, significa um “estar a par” da experiência, distanciando a
matéria reificada (objetificada) e anteriormente classificada, sobre o que é mostrado enquanto
aparência, permitindo a apresentação do fenômeno à prima facie (à primeira vista) para a psique.
Exemplificando, mais palpavelmente, para a psicologia, seria o psicoterapeuta, enquanto ser
imparcial, receber seu cliente não averiguando os rótulos trazidos, os estereótipos demonstrados,
os diagnósticos atrelados e os estigmas apresentados como fator norteador da relação, e sim,
promover um encontro desarraigado de nomenclaturas e impressões padronizadas, desenvolvendo
o trazido com originalidade e sem apego as taxações conceituais empregadas pelas adjetivações
sociais, que atravancam o contato terapêutico.
Husserl em Investigações lógicas, contextualiza a redução, a diferenciando da visada do
objeto e da visada perceptiva que vai além do demonstrado como fundamentado e partidário de
um conceito prenunciado. “Normalmente falamos do conhecimento e da classificação do objeto
da percepção, como se o ato exercesse sobre o objeto. Mas, como já dissemos, o que está na
própria vivência não é nenhum objeto, e sim uma percepção (...)” (Husserl, 1992, p.25).

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Pode-se dizer que, praticamente, Husserl criou a fenomenologia, que vai além de uma
autoanálise, justamente por inclinar a busca verdadeira ao outro/fenômeno, que está fora de
mim, constituindo assim, uma fonte de auxílio e empatia, representando um importante apoio
teórico para matérias de intersubjetividade e relação de contato. “Todavia, a redução das crenças e
opiniões fez com que Husserl estabelecesse outros recursos, sendo preciso reduzir todo o conjunto
de crenças, ideias, opiniões, que nos impede de ver como as coisas realmente são” (Goto, 2008,
p.75). É, assim, que Husserl tem em seu método, fonte de subjetividade na fenomenologia,
produzindo um saber que atribui visibilidade filosófica à psicologia.
É inevitável apresentar diante da redução, outro conceito que agrega ao campo de estudo
o caminho necessário para tomar por efetivo a redução. Portanto, acrescenta-se à redução
fenomenológica o pré-requisito de uma epoché e de uma redução eidética, que aparentemente são
similares, mas destoam enquanto atitude e trajeto da ação.
Dessa maneira, a epoché consiste em uma abstinência conceitual diante do fenômeno, ou
seja, diz respeito a imparcialidade na percepção pela qual participará o sujeito frente ao fenômeno
exposto. A título de psicologia, consistiria em não transferir os conteúdos do terapeuta ao cliente,
como um mecanismo projetivo e subversivo da relação empática. Tal modo de agir é facilitador
para a redução fenomenológica, visto que, a epoché configura uma espécie de colocação de
parênteses nos objetos demonstrados como vistos e enxergados ao fundo, promovendo um novo
olhar, um reaprender a ver as coisas como são e não como parecem ser, natural e impostas pelo
mundo cultural, tradicional, consuetudinário. Um provérbio elucidativo para esse ponto de vista
da redução seria: “não julgar o livro pela capa” (Goto, 2008).
Enquanto, a parentetização é uma atitude fenomenológica que disponibiliza o ser ao encontro
e não julga o ser encontrado, desenvolvendo um processo de entendimento e transformação de
alguma apreensão fenomênica, a terceira etapa, vai trazer para discussão o teor das reflexões e do
campo dos pensamentos, que se mostra muitas vezes superficial, destituindo a integralidade da
relação intrapessoal dos sentidos e da razão.
A redução eidética, ou redução das ideias, quando exemplificada em uma situação
psicoterapêutica, consistiria em um momento pelo qual haveria a contenção das ideias sobre
algo e alguém por parte do terapeuta, que não utilizaria algumas das fontes cotidianas, como as
imagens preestabelecidas, os chavões culturais, a sexualidade, e as representatividades sociais,
como um auxílio para compreensão da pessoa que figura o cliente, mas se voltaria ao ato da retirada
consciente das concepções prévias e dos modelos de comportamento humano, imbricados nos
pensamentos de quem naquela função, detém a posição psicoterapêutica. Todas essas atitudes
fenomenológicas, facilitam a expressão da história e o desvelamento biográfico do cliente.
Husserl na sua obra já citada, guarda um parágrafo de título “Argumentos a favor e contra
a concepção aristotélica”, nele apresenta ideias que corroboram e que também criticam as
meditações de Aristóteles. No caso da redução eidética, intercala o pensado por Aristóteles acerca
dos valores e das sensações das vivências, sobre o avaliado, no caso, o fenômeno, com os juízos de
valor que não são desferidos, em prol da disponibilidade intersubjetiva (Husserl, 1992).

As expressões que se ligam às vivências explícitas não podem relacionar-se a essas ao modo
de nomes, ou de modo análogo aos nomes: como se as vivências fossem primeiramente
representadas objetalmente e, em seguida subsumidas a conceitos, como se, por conseguinte,
sempre que interviesse uma palavra nova, uma subsunção ou uma predicação devesse ter
lugar (Husserl, 1992, p. 160)

Diante do exposto, o entendimento dos termos e suas incidências, são de suma importância
para a articulação da fenomenologia Husserliana com o fazer psicoterapêutico, facilitando assim,
a compreensão do valor de seus escritos.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 735


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Em Heidegger

Decerto, Heidegger tem grande importância em meio a fenomenologia e psicologia. Portanto,


por ter caráter hermenêutico sua teoria será sucessivamente interpretada e correlacionada
com novas formas de pensar. Assim, não será apresentado no estudo, sequer parte de sua
analítica existencial, mas sim, a tentativa de demonstrar a correlação com os autores citados
com a fenomenologia concernente, desenvolvendo o conceito de Dasein, como a base teórica de
articulação, com as referências citadas anteriormente.
Para início, é importante saber que Heidegger foi um filósofo alemão que viveu na época da
grande guerra, contribuindo para seu currículo, diversos fatores negativos, como sua comprovada
participação e corroboração com a ideologia nazista. Foi aluno e discípulo de Husserl, tendo uma
relação de amor e ódio, visto que, após ter sido orientado por ele, pouco tempo depois o destituiu
do cargo de professor de Freiburg por conta de sua etnia judaica, magoando-o e nublando tal
período em sua biografia. Sua obra magistral, Ser e Tempo, foi lançada em 1927, período muito
anterior a Heidegger adentrar na vertente de comando nazista, colocando a centelha de dúvida
se nessa época ele já tinha formações ideológicas a favor ou não da ideologia nazista. Porém, tal
livro é de importância seminal, demonstrando toda sua verve e genialidade criativa linguística e
filosófica.

Ser e tempo foi um acontecimento ambíguo no relacionamento entre Heidegger e Husserl.


O livro, de um lado, demonstra a dívida do jovem filósofo para com o seu mestre, quanto
à abertura para a fenomenologia; de outro, institui um limiar de separação radical entre o
entendimento de fenomenologia dos dois pensadores (Giacoia, 2013, p.16).

Todavia, embora Heidegger tenha tido algumas celeumas pessoais, sua teoria tende a
contribuir com a filosofia e a psicologia de cunho humanista, demonstrando através de sua
ontologia, que o Dasein, célula máter de discussão sobre o homem e seu lançar-se no mundo, é
devidamente desprovido inicialmente de escolhas e preferências. Bem, Heidegger desenvolve por
longo tempo sua ideia sobre o Dasein, alterando-a no intervalo de Ser e Tempo (1927) a cartas sobre
o humanismo (1946), neste último ele reflete o Dasein, como um sentido ético, de ethos (casa), uma
morada do Ser, acomodando tanto o mundo do ser, como do ente, da ontologia e do ôntico, do
ator e do sujeito-objeto, do pré-reflexivo e reflexivo, o ser-no-mundo e o ser-o-aí. Declarando em
resumo, a existência como ação de viver e curar-se, “...o homem suporta o Da-sein, assumindo na
“Cura” o lugar (Da), como a clareira do Ser” (Heidegger, 1995, p. 46).
Acentua-se para aproveitamento de diálogo, palavras como cura, e clareira, ambas muito
utilizadas por Heidegger e repaginadas em Rogers, como uma cura que propõe a retirada de uma
excelência de algo que habitava em mim e era desconhecido, e clareira, como essa chama, que
é uma apropriação de um acontecimento, e portanto, é uma possibilidade disposta a surgir,
sintonizando o meio ao indivíduo.
Nesse sentido, Cerbone (2014) avalia que o Dasein é um modo de ser que cuida, que faz
uma espécie de curadoria, pois em termos de amostra de uma dor, o Dasein, que é o próprio
ser humano, não apenas tem a capacidade de ressecar, e cicatrizar esse conflito emocional, mas
também, ao passo de uma contemplação própria, o Dasein pode escolher suas capacidades de
sustentação interna e colocá-las para fora, como uma munição de enfrentamento e lida para com
as adversidades.
Assim, apresenta a angústia como um esvaziamento do homem, que o coloca em posição
de busca incessante de sentido, que quando irrompe, logo declina e desaparece, aniquilando e
migrando essa angústia para a inauguração de um novo sentido. Caracterizando o homem, como

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
essa recorrente mudança de caminhos, um devir, mesmo sem perceber, onde há elaboração e
composição de algo não formado, que se organiza quando finda, semelhante ao conceito de
Gestalt (uma ação que surge e tem fim), por isso, a assertiva inscrição do homem como um vir-a-
ser-na-morte (Heidegger, 2005).
Por esse viés, avalia Fonseca (1998), vide compreensão heideggeriana, que a própria existência
em sua constância natural é cura. Quando referente ao trabalho psicológico, a habilidade de
tomar consciência dos fatos que atingem a existência em aflição, e após a compreensão, conseguir
retirar esse sofrimento com um sentido dado, esgotando a passagem dessa dor emocional pelo
cliente, diz respeito a cura fenomenológica, já que habilitar-se para enfrentar a dor, não recuando
ou resistindo, é intrínseco a capacidade de curar. Todavia, Heidegger expande a psicologia
fenomenológica existencial a um nível mais resiliente, junto com Nietzsche e outros autores,
afirmam a existência mesmo em sua finitude, incerteza, angústia e mal-estar (Fonseca, 1998).
Seria injustiça pretender colocar mais conteúdo na pesquisa, já que, esse espaço não seria
suficiente para expor Heidegger em sua prolixa e árdua teoria. O trazido acima é apenas um
retalho provocativo, incitando ao possível interesse de quem apresentar-se instigado. Mormente,
Heidegger diz muito e contribui de forma excessiva para as teorias humanistas da psicologia,
sendo sua teoria, de alcance múltiplo, já que atinge campos da psicanálise, linguística e semiótica.

Em Rogers

Rogers conseguiu de forma refinada, entremear psicologia, atendimento psicoterapêutico


e filosofia, pois, apesar de pouco informar suas influências, Rogers parece ter se abastecido de
fontes como Nietzsche, Buber (Rogers participou de uma conferência com Buber e negou sua
incidência teórica como influenciadora), Kierkegaard (O cita constantemente na sua obra tornar-
se pessoa), Husserl, em alguns aspectos, dentre outros.
No ínterim, entre cursos ministrados e o desenvolvimento de sua teoria, Rogers transformava
o que escrevia em profetismo, como que um compilado literário que privilegiava quem o lia a um
exercício do bom viver. Talvez por conta de toda essa aura agraciadora e apostadora no humano,
Rogers ganhou diversas reprimendas por possuir uma ideologia “romântica” e “adocicada”,
demonstrando que quem o criticava, não lia o autor com atenção. “Rogers escreveu sobre a vida
plena, a pessoa em funcionamento pleno, tal como ele podia constatar no final de uma terapia”
(Amatuzzi, 2012, p. 31).
Muitos pontos de sua vertente teórica chamavam atenção tanto pela novidade de atendimento
imposta, como por uma curiosidade na postura que se colocava. Termos novos eram apresentados
(pessoa como centro, congruência, atualização), porém apareciam argumentos implícitos, que
sugestionavam serem aderidos de um conhecimento fenomenológico já estabelecido, colocando
em pauta uma discussão, sobre tal modo de ser, contido em Rogers de forma natural e tácita. Tal
quesito, o fez conquistar espaço na chamada terceira força da psicologia.
Carl Rogers preocupou-se em prover de forma auxiliadora e responsável, um processo
de crescimento, onde o cliente desenvolveria e compreenderia suas lides existenciais de forma
autônoma, independente, e decisória, cabendo única e exclusivamente a quem buscava ajuda,
traçar seu caminho (Amatuzzi, 2012). Demonstrava assim, que apesar do terapeuta não
direcionar e ordenar o certo e errado da relação, o cliente a partir desse ponto de solicitude e
confiança por parte do terapeuta, criava suscetibilidades a arbítrios em diversos campos de sua
vida, até então abalados. Destarte, uma terapia acrítica e que não se pregava no tempo alheio
ao do cliente, foi a forma que Rogers encontrou de manifestar tanto um estilo terapêutico, como
uma originalidade de pensamento. Dessa maneira, surgem equiparações com alguns métodos
utilizados na fenomenologia, como a transcendência e redução.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 737


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Isto posto, ir além do próprio ser como auxílio ao outro, demandava um entendimento
prévio das questões pessoais, passando essa intervenção a fazer parte de uma necessária postura,
para um passo importante ao atendimento centrado na pessoa. Destituindo assim, o olhar ao
ontem e ao amanhã, valorando o presente, o agora e o aqui, não afoitando a figura do tempo,
e sim implicando para a relação de pureza fenomenológica, que foge a perspectiva natural de
ver ‘as coisas’, não centrando no que ela supostamente apresenta, mas averiguando de forma a
despertar os sentidos, e com condescendência, avaliar as circunstâncias apresentadas a partir da
ótica de quem as vivenciou (Fonseca, 1998).

Uma maneira breve de descrever a mudança que se efetuou em mim seria dizer que nos
primeiros anos de minha carreira profissional eu me fazia a pergunta: Como posso tratar ou
curar, ou mudar essa pessoa? Agora eu enunciaria a questão desta maneira: Como posso
proporcionar uma relação que essa pessoa possa utilizar para seu próprio crescimento
pessoal? (Rogers, 2017, p.36).

Consequentemente, Rogers pulveriza a fenomenologia por entre a sua psicologia de trabalho,


declarando através das condições facilitadoras da terapia, seu ensejo fenomenológico. Essa ética
trazida como complementação de um trabalho ao estilo de vida de quem o escolhe, é base para
uma investigação comparativa com alguns princípios vistos no fazer psicoterapêutico.
As três condições começam por consideração positiva incondicional, que figura um respeito
pela outridade (identidade do outro) do sujeito que se apresenta a mim, uma afirmação de sua
alteridade em ponto de culminância e irradiação, apresentando uma interligação com a redução
fenomenológica husserliana, ao passo que me anulo em conceitos designados previamente, para
acolher o outro em surgimento, em suma originalidade. “De modo que o que interessa a um
terapeuta fenomenológico existencial é que o cliente possa afirmar a afirmação que já é este seu
ponto de vista fenomenal”. (Fonseca, 1998, p. 23).
A segunda facilitação é bastante conhecida, pois virou ponto chave de toda uma psicologia.
A relação empática, que indica uma interação de estar com o outro, sentindo o que sente ele, a
minha maneira, mesmo não sendo partícipe da situação. Mais especificadamente, da ordem de
prover uma leitura situacional e eminentemente sensível do exposto pelo indivíduo, colocando
lado a lado essências, provendo evolução e parceria dessas essências em desenvolvimento
correspondente. Uma forma de comunicação dialógica, recíproca, carimbando uma inteireza
coligada e grandiosa, que responde por um mútuo interesse e deferência afetiva, sinérgica, provida
por um cuidado e atenção imediata e sem reservas. “A relação empática desdobra-se exatamente
a partir do interesse espontâneo e ativo pela diferença do outro, que permite uma abertura para
eles enquanto tal” (Fonseca, 1998, p. 28).
Portanto, como um Dasein, que atua perante outro Dasein, relacionando-se de ontologia
para ontologia, um caminho feito por dois, em busca de resultados despropositais, mas
inevitavelmente vitalistas e respeitosos, por conta da força relacional chamada empatia, tem-se a
relação de um bom encontro interativo.
Rogers finda com a genuinidade, que intui ser a capacidade mais abrangente e primeva. Apesar
do traço coalescente entre as três condições, essa parece ser o apoio que estabiliza a função das
outras, sendo possível observar, que genuinidade em seu conceito predisposto no livro, é muito
menos do que se pode compreender sobre, tendo em vista que essa genuinidade ou congruência é
própria de uma escuta e reflexão de si, que originará uma benesse prática e ativa, percebendo tal
característica como um ininterrupto exercício, formativo e de vir-a-ser, tanto quanto no instante
psicoterapêutico, como nos momentos extra consultório (Amatuzzi, 2012).
Afonso Fonseca, que foi aluno de Rogers, traduz à sua guisa genuinidade como: “...uma
relação que privilegia sempre e fundamentalmente o seu caráter dialógico e inter-humano, por

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sobre o valor de suas determinações institucionais e técnicas” (1998, p. 32). É possível observar
um compartilhamento de similaridade com a epoché, visualizada no começo do trabalho, como
esse despojamento intermitente de rotulações que me distanciam de quem sou e promovem uma
relação ‘limpa’, intrassubjetiva e intersubjetiva. À vista disso, se conclui que alguns aparatos de
Rogers, têm ligação explícita com a fenomenologia, mesmo que não admitida, dando ensejo a
improvisação acerca do deixado por esse autor, elucidando sua importância e difusão por entre as
perspectivas que indagam sobre o humano.

Conclusão

Diante de todos os fatores que possivelmente expõem certa aproximação entre as


fenomenologias, fica a sensação de um espaço por entre elas separado, e mesmo que habitado,
pouco explorado. Consequentemente, tal clamor não se faz por uma empáfia dos autores, mas
um desejo de arriscar e trazer a fenomenologia em seus diferentes arcabouços a uma presença
mais tenaz à psicologia, e expandir as linhas de visão teóricas, não reduzindo a um único autor ou
a poucos, mas resgatando a tradição e suas contribuições, ao longo do tempo.
No intento de fazer uma busca de vários protagonistas dessa teoria, pôde-se perceber a
ligação e intersecção que eles possuem, trazendo à tona aspectos, que de um para o outro se
reinventam, mas que têm equiparadas semelhanças. É observável, portanto, uma força conjunta
dos diferentes dizeres, que se desenvolve em benefício de uma teoria definitivamente forte e prolixa,
habitando e considerando a filosofia fenomenológica na psicologia.
A pesquisa conclui com a vontade de deixar algumas propostas. Primeiro, a provocação
do leitor diante do investigado, segundo, a possibilidade da afirmação desse diálogo de autores
e, também, a ratificação de algum. Deseja portanto, trazer lado a lado autores importantes da
fenomenologia e psicologia, demonstrando suas propostas como fluídas uma a outra, deixando
para trás, a intocabilidade ou não alteração do pensamento epistemológico, abrindo para um
processo de diálogo e cruzamento teórico.

Referências

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Buber, M. (2005) Eu e Tu. São Paulo: Centauro.

Buckingham, W., Burnham, D., Hill, C., King, J., P., Marenbon, J. & Marcus, W. (2011). O livro da
filosofia. São Paulo: Globo.

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Giacoia, Jr, O. (2013). Heidegger Urgente: Introdução a um novo pensar. São Paulo: Três estrelas.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 739


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Gil, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social (6a ed.). São Paulo: Atlas.

Goto, A. T. (2008). Introdução à psicologia fenomenológica: A nova psicologia de Edmund Husserl. São
Paulo: Paulus.

Granzotto, J, M, M. Granzotto, J, M, L, R. (2007) Fenomenologia e Gestalt-Terapia. São Paulo. Summus.

Heidegger, M. (1967). Carta Sobre o Humanismo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.

Heidegger, M. (2005). Ser e Tempo (parte I) (15a ed.). Petrópolis – RJ: Vozes.

Husserl. E.G.A. (1992). Investigações lógicas. In: Os pensadores, (Vol. II). Trad. Zeljko Loparic &
Andréa Maria Altino de Campos Loparic. São Paulo. Nova cultural.

Marcondes, D. (2007). Iniciação à história da filosofia: Dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro:
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Rogers, C, R. (2017). Tornar-Se Pessoa. São Paulo: Martins Fontes.

Silva, Luisa Batista de Oliveira. (2013). Imaginação na “poética do espaço” de Gaston Bachelard.
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740  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
INTERLOCUÇÕES ENTRE PSICOLOGIA,
ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE:
UMA REVISÃO DE LITERATURA
Carlos Eduardo Soares Reis

Introdução

A
religiosidade e a espiritualidade mantém íntima relação (Henning&Moré, 2009). A
primeira trata-se do modo como a pessoa vive determinada religião e se constitui
como campo instituído, com práticas delimitadas, compartilhadas entre sujeitos e
direcionadas a um ser superior. Freitas (2014, p. 91) esclarece que “o termo religião fica reservado
para se referir ao corpo social organizado em sistemas de crenças, valores e ritos religiosos ao qual
uma pessoa, no cultivo de sua religiosidade, pode ou não aderir formalmente”.
Quanto a espiritualidade, o termo mantém conexão com a inclinação humana em buscar e
atribuir sentido para a vida em seu aspecto mais amplo levando-se em conta o caráter singular de
tal atribuição. Essa “capacidade de reflexão sobre si e sobre a experiência de sentido no mundo
da vida e ao que lhe circunda”, conforme Freitas (2014, p. 91), é muitas vezes tida como sinônimo
de religiosidade devido a primeira poder manifestar-se pela segunda, mesmo que o contrário não
ocorra (Henning&Moré, 2009).
Isso significa que pessoas espiritualizadas não precisam professar uma religião para assim
serem caracterizadas. Entretanto, a religiosidade é considerada uma forma de expressão da
espiritualidade. Para Holanda (2015) não existe religiosidade ou espiritualidade pura e encerrada
em si mesma. O que há é um ser humano que a expressa fazendo dessas dimensões parte integrante
da subjetividade e, com isso, um fenômeno no qual a psicologia deve se debruçar.
Entretanto, vale ressaltar, que um paradoxo se instala. Apesar do contexto brasileiro ser
permeado por uma variedade de religiões e expressões da espiritualidade e esse tema ser bastante
presente na vida das pessoas, percebe-se pouca inserção desse assunto no ambiente universitário
(Costa et al., 2008), incluindo a psicologia. Então, como uma ciência onde um dos seus focos é a
busca do conhecimento sobre os processos de subjetivação relega, em maior ou menor grau, essa
dimensão humana? Dessa forma, objetiva-se evidenciar como a psicologia tem se aproximado das
dimensões religiosas e espirituais de acordo com as pesquisas levantadas dos últimos 3 anos.

Método

Trata-se de uma revisão sistemática de literatura que fez o levantamento de artigos científicos
que mantinham a relação entre Psicologia e religiosidade e/ou espiritualidade. Para isso, procedeu-
se uma busca nas bases de dados Scielo, Pepsic e Lilacs com os seguintes descritores: Psicologia AND
Religiosidade; Psicologia AND espiritualidade. Com o intervalo temporal entre 2015 a 2017 e com
os critérios de inclusão (Textos completos, artigos científicos no idioma português brasileiro) e

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 741


NO ONTEXTO BRASILEIRO
exclusão estabelecidos (trabalhos teses, dissertações, editorial, artigos em português de Portugal,
trabalhos que não contemplavam os objetivos da pesquisa). Assim, foram encontrados 40 artigos
que, após passar pelos critérios de inclusão e exclusão, foram reduzidos a 17 trabalhos que se
enquadravam na proposta.
Após leitura exaustiva, categorizou-se os trabalhos segundo a análise de conteúdo de
Bardim que, segundo Silva e Fossá (2015), é um conjuntos de procedimentos metodológicos
sistemáticos que visa a análise qualitativa de qualquer conteúdo, sejam estes verbais ou não
verbais. Por meio da análise do material verificou-se a presença de termos com maior frequência
e relevância que foram agrupados em categorias para uma melhor inferência e exposição dos
dados, a saber: “Religiosidade e espiritualidade como estratégia de enfretamento”; “Religiosidade
e espiritualidade como influenciadora de vidas e contextos” e “Religiosidade/espiritualidade como
vivência de sentidos”.

Resultados

Religiosidade e/ou espiritualidade como estratégia de enfrentamento

Dentre as pesquisas analisadas pode-se perceber que a religiosidade/espiritualidade se


encontra como uma importante estratégia de enfrentamento diante de situações aflitivas.
O estudo de Cravinho e Cunha (2015) com 36 enfermeiros que responderam a “entrevista de
Copingmotivacional” e ao inventário COPE afirmam que a religiosidade foi a estratégia de
enfrentamento mais utilizada pela equipe no seu contexto laboral diante da morte fetal. Por
sua vez,Loss, Caprini, Rigoni e Andrade(2015) indica que a busca de práticas religiosas estava
presente de forma significativa na sua amostra de mães que tinham seu filho recém-nascido sob
risco (bebês prematuros e de baixo peso). Nesse estudo, o qual se utilizou da Escala Modos de
Enfretamento de Problemas (EMEP), as práticas religiosas só foram menos evidentes do que as
estratégias focalizadas no problema caracterizadas por agirem de forma mais pragmática.
Domingues, Dessen e Queiroz (2015) entrevistaram oito famílias enlutadas pelo homicídio
de uma familiar. Dentre elas, seis relataram buscar suporte na fé e na religião para lidar com a
realidade da perda. As autoras utilizaram a mesma escala do estudo de Loss et al. (2015) e foi
constatado que quatro das sete mães (uma não pode responder a escala por ser analfabeta) tiverem
na dimensão religiosa o modo de enfretamento mais usado. No que diz respeito a percepção dos
irmãos, três de cinco optaram preferencialmente pela religiosidade para enfrentar o problema.
Um ponto relevante é a condição financeira precária dos entrevistado e o pouco suporte social. As
autoras destacam que características como essa favorecem a busca pela prática religiosa, tendo
em vista que essa prática não depende de outras para acontecer.
Os resultados da pesquisa de Bendassolli, Coelho-Lima, Carlotto, Nüssle eFerreira(2015) com
pessoas desempregadas apontam para direção semelhante. A religiosidade foi identificada como
uma estratégia de enfrentamento subjetiva de maior incidência entre os participantes estudados. Essa
dimensão foi relacionada a outros aspectos como capacidade de reinterpretação e planejamento
diante do estresse, a atitudes de negação diante da situação e a uma predominância de pessoas
mais velhas e com menos escolaridade. Pode-se perceber uma aproximação entre a religiosidade e
situações de perdas, sejam estas reais ou simbólicas, iminentes ou consumadas.Nota-se até aqui que
os estudos de Bendassolli et al. (2015) e Domingues et al. (2015) sugerem que pessoas com menos
escolaridades e suporte social, mais velhas e com condições financeiras mais precárias recorrem
mais as dimensões religiosas/espirituais como forma de encarar a situação pesarosa.
Outro estudo que também se preocupou com a temática do luto, dessa vez relacionada
com perda do filho adulto sob a ótica das mães, ressaltou que os modos de enfrentamento

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predominantes foram o suporte social, a religiosidade, o encontro de algum benefício diante
da perda, permanência de vínculo com o falecido por meio diálogos, incorporação de valores,
cuidados com a sepultura, etc. A religião encontrava-se no discursos de todas as entrevistadas
sugerindoque a religião é promotora de sentido e que este sentido auxilia no processo de aceitação
da perda (Franqueira, Magalhães, &Féres-Carneiro, 2015).
Em outro contexto, Costa, Dimenstein e Leite (2015) entrevistaram 55 mulheres assentadas
e detectaram prevalência de 43% (22 mulheres) de Transtorno Mentais Comum (TMC) entre elas.
O estudo demonstrou que dessas 22 mulheres, cerca de 32% não procuram serviços de saúde
ea estratégia de cuidado que mais se destacou foi a prática religiosa seguida de medicação,
45.4% e 22.7% respectivamente. A religiosidade funciona como uma rede de apoio mútuo e uma
forma de preenchimento do tempo por meio de colaborações a instituição religiosa, bem como
o desenvolvimento de uma ética de caráter protetivo a saúde mental. Por outro lado, as autoras
alertaram que o efeito da religiosidade pode gerar um desmembramento da comunidade tendo
em vista as distinções dos credos (evangélica, católica, etc.) e que em alguns casos a religiosidade
acarreta mais submissões entre as mulheres do que empoderamento.
Por seu turno e com um resultado divergente dos até aqui apresentados, Cano e Moré (2016)
demonstram que a religiosidade pouco se fez presente nas estratégias de enfrentamento de médicos
oncologistas. As autoras sugerem que esse achado está relacionado a próprias características da
ciência médica como a objetividade, controle e previsibilidade, situação contrária aos aspectos
mais abstratos das crenças religiosas. Apesar disso, o estudo aponta que a espiritualidade, que
não está ligada a nenhuma crença instituída, se fez presente em alguns profissionais, propondo
que eles creem em algo que transcendem suas capacidades intelectuais.

Religiosidade e/ou espiritualidade como influenciadora de vidas e contextos

Na análise da literatura foi notório a presença das dimensões espirituais e religiosas


correlacionadas com outras partes integrantes da vida. No estudo deChaves et al. (2015),
avaliou-se o bem estar espiritual e a autoestima de pacientes com insuficiência renal crônica
em tratamento hemodialítico. Constatou-se que, de modo geral, os participantes da pesquisa
demonstraram elevada autoestima e um moderado bem estar-espiritual. Foi demonstrado que
quanto maior a importância dada para religiosidade/espiritualidade pelo indivíduo maior era sua
autoestima e bem estar espiritual, segundo a escala aplicada. Resultados como esse demonstram
que a espiritualidade, como uma inclinação humana a busca de sentido, aliado a alguma prática
religiosa, são recursos para lidar com esse tipo de situação aflitiva.
Consoante a isso, Miranda, Lanna e Felippe (2015) em pesquisa exploratória com 15 pacientes
com câncer avançado verificaram as relações entre qualidade de vida, depressão e bem estar
espiritual. Os resultados indicaram uma correlação positiva entre bem estar espiritual e qualidade
de vida geral; bem-estar espiritual e depressão. As correlações entre as escalas usadas no estudo
indicaram, de forma significativa, que quanto maior a depressão, maior a busca pela dimensão
espiritual/religiosa como também háexistência deuma relação diretamente proporcional entre o
bem estar religioso, espiritual e existencial com a qualidade de vida.
Ao avaliar a influência da espiritualidade na adesão ao tratamento de pacientes com
insuficiência cardíaca, Alvarez et al. (2016) apontam que a espiritualidade está relacionada a
adesão ao tratamento dessa patologia. Os autores deixam claro que, devido ao corte transversal,
não se pode apontar uma relação causal, apenas de associação. Apesar disso, por meio de outras
literaturas, tem-se esclarecido que a religiosidade proporciona conforto e significado a momentos
de angustia, facilitando o processo de elaboração e busca de melhorias.
De outra maneira, Abdala, Kimura, Duarte, Lebrão eSantos (2015) verificaram se a
religiosidade exercia papel mediador entre as seguintes variáveis: condições sociodemográficas;
doenças e funcionalidade familiar; e componentes físico e mental da qualidade de vida relacionada

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 743


NO ONTEXTO BRASILEIRO
a saúde de idosos. Ou seja, se a religiosidade quando inserida na relação dessas variáveis poderia
alterar o efeito entre elas. Os resultados foram positivos quanto ao efeito mediador, demonstrando
que a religiosidade representa uma parte fundamental na saúde física e mental dos idosos.
Por exemplo, as idosas do estudo em questão foram mais religiosas em todos os aspectos
do que os idosos. Entretanto, elas apresentaram valores menores nos quesitos físico e mental.
O estudo demonstrou que a idade é um “fator preditivo negativo” para o componente físico das
idosas, apesar de a religiosidade organizacional quando incluída como mediadora melhora tal
componente. O mesmo aconteceu para o componente mental, no qual o avançar da idade é
um fator negativo. Porém, quando a religiosidade organizacional faz parte da vida do indivíduo
esse fator tende a ter menos impacto. No que diz respeito aos homens idosos a relação entre
escolaridade e o componente mental eram negativas. Ao colocar a dimensão da religiosidade
intrínseca esse índice obteve melhora.
Com relação ao sentido da vida e as dimensões supracitadas nesse artigo os achados de Sá e
Aquino (2017) acerca da associação entre sentido da vida e espiritualidade na visão de indivíduos
ateus constataram que a grande maioria não atribuem associação entre espiritualidade e sentido
da vida. Entre os entrevistados predominou a opinião de que a espiritualidade estava ligada a uma
crença de conexão com o mundo e o sentido da vida como uma motivação pessoal para viver.
Para eles, a expressão da espiritualidade estava ligada a uma esfera psicológica representada por
problemas mentais.
Para Campos e Ribeiro (2017) psicoterapia e espiritualidade estão intimamente ligados. Os
autores elaboraram uma revisão de literatura e encontraram uma forte prevalência das dimensões
religiosas e espirituais em psicoterapia. Dentre as estratégias utilizadas por psicólogos, constatou-
se que o respeito e a abertura ao tema são elementos fundamentais no desenvolvimento do mesmo
e que “terapeutas podem incentivar clientes a expressarem seus conteúdos espirituais, fazendo
uso terapêutico dos mesmos” (p. 214).
Ainda para os autores, há um tendência das abordagens humanistas estarem mais interessadas
nesses aspectos. Não foi possível afirmar que as psicoterapias adaptadas a fé tenham maior eficácia
do que as tradicionais e ressalta-se que há uso de práticas espirituais na psicoterapia, como oração
emeditação, desde que seja com viés secular e por necessidade do cliente. Esses instrumentos se
mostraram terapêuticos no manejo da depressão e ansiedade. Tais autores afirmam ainda que
a espiritualidade do terapeuta pode aprimorar sua prática profissional e facilitar a expressão do
seu cliente em relação ao tema. Para isso, se faz necessário um compromisso ético ao abordar tal
assunto, bem como um treinamento mais aprofundado que não tem se encontrado na formação
do psicólogo (Campos & Ribeiro, 2017).
Dentro do mesmo contexto e buscando caracterizar as ações dos psicólogos clínicos
frente a presença da religiosidade/espiritualidade Henning-Geronasso e Moré (2015) afirmam
que o respeito e aceitação da religiosidade/espiritualidade do cliente foi unanimidade entre os
entrevistados. Ressaltou-se os seguintes pontos como estratégias utilizadas pelos psicólogos para
trabalhar com essas dimensões: Flexibilização no modo como cliente pratica a sua religião se a
mesma estiver ligada a aspectos negativos de sua vida; o funcionamento do cliente frente sua
religião; e a intensidade do vínculo religioso. O uso de metáforas, a utilização das falas dos clientes
relacionadas a religião e espiritualidade e técnicas projetivas foram aproveitadas como recursos
terapêutico para abordar o tema.
Outra possibilidade de recurso, segundo Henning-Geronasso e Moré (2015), é aproveitar-se
do conhecimento religioso, inclusive da bíblia para atingir metas terapêuticas. Para isso, deve-
se conhecer bem a vivência do cliente e se aquele conhecimento é familiar e faz sentido para
ele. Em relação a formação universitária o resultados demonstram que essas dimensões foram
abordadas de forma superficial ou não abordadas – em consonância com os achado de Campos

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e Ribeiro (2017) - bem como consideravam a religião algo nocivo ao humano. Os entrevistados
viam com dificuldades a relação entre postura pessoal e a prática profissional, insinuando como
inconciliáveis religião e ciência. Percebe-se, mais uma vez, a necessidade dessa temática ser incluída
de forma mais especifica na matriz curricular de Psicologia.

Religiosidade e/ou espiritualidade como vivência de sentidos

Com relação ao sentido trazido pela religiosidade, Livramento e Rosa (2016) investigaram
os significados das experiências religiosas de 11 homens em meio prisional. O trabalho demonstra
que a conexão com alguma religião proporciona um sentido para a vida, uma mudança de hábito
e um planejamento para o futuro. A conexão com práticas religiosas favorece uma “suavização” do
cotidiano vivido pelos presos que se mostrou deletéria (mortificação do eu) devido as condições
de vida no presídio, ao rigoroso regimento interno e aos códigos informais de condutas.
Ainda a respeito da vivência religiosa, Delmonte e Farias (2017) levantam uma interessante
questão acerca do estado de possessão. Os autores abordam esse fenômeno em paralelo com
o diagnóstico do DSM-V sobre Transtorno Dissociativo de Identidade e argumentam que é
necessário um maior emprenho de psicólogos brasileiros para compreensão desse estado e um
olhar mais crítico para os critérios diagnósticos do presente manual. O estudo de caso apresentado
demonstra que uma pessoa com todos os critérios preenchidos para tal diagnóstico passou por
um enorme sofrimento psíquico e exclusão social, mas em um contexto de aceitação, no caso a
umbanda, a mesma pessoa conseguiu manejar e ter controle sobre seu estado, relativizando desse
modo o processo do diagnóstico.
Reis, Farias e Quintana (2017) buscaram compreender os sentidos construídos durante
a vivencia do câncer avançado. Demonstra-se que pacientes com câncer avançado vivenciam
uma ruptura existencial permeado por um vazio de sentido. A representação social a respeito
do câncer tem contornos de uma doença sem cura, o que gera um sentimento de impotência no
paciente além de todo processo invasivo no qual este tem que passar. O lado religioso, segundo o
resultados da pesquisa, se fortalece nesses momentos. Os pacientes atribuem uma explicação ao
que está acontecendo e chances de cura à um ser superior. O vazio do sentido é preenchido por
narrativas que transcendem as explicações de cunho técnico cientifico. “A religião, portanto, está
intimamente ligada à possibilidade de sair de uma posição de total impotência para uma posição
em que algum controle é possível ou percebido” (p. 113). Entretanto, os autores demonstram um
outro lado da vivência religiosa, considerando que esta pode servir como um “escape paradoxal”
onde funciona ao mesmo tempo como suporte e negação.

Discussão

Como já salientado, busca-seevidenciar como a psicologia temse aproximado das dimensões


religiosas e espirituais de acordo com as pesquisas levantadas dos últimos 3 anos.A isso, percebe-
se que os estudos encontradosdenotam que a ciência psicológicatem-se aproximado do fenômeno
religioso e/ou espiritual de forma indireta. Segundo o material colhido nas bases de dados
mencionadas na metodologia desse trabalho, o lado religioso e/ou espiritual relacionou-se como
uma forma de enfrentamento (foco principal da maioria dos trabalhos) à situações adversas que
demandavam uma resposta adaptativa do indivíduo no qual este não possuía manejo suficiente
para encará-las. Nessas situações adversas estavam inseridas, por exemplo, a morte e morrer
no contexto laboral (Cano & Moré, 2016;Cravinho & Cunha, 2015)condições de desemprego
(Bendassoli et al., 2015), a morte ou sua iminência no âmbito familiar (Domingues et al., 2015;
Franqueira et al., 2015) e osofrimento advindo do estado de saúde precário (Loss et al., 2015;
Costa et al., 2015).

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NO ONTEXTO BRASILEIRO
Assim, frente as condições aflitivas e pesarosas, a religiosidade e/ou espiritualidade
integraram de forma bastante relevante a subjetividade das pessoas. À guisa de exemplo, Cravinho
e Cunha (2015, p. 314) ressaltam que “para enfrentar o desconforto e aliviar a tensão provocada
pela morte fetal, a religiosidade pode ser considerada como uma forma de suporte social”. De
certo modo, a morte do outro é algo que causa inquietude e angústia por aproximar as pessoas da
realidade de sua própria finitude (Kübler-Ross, 2008) ealguns profissionais requerem estratégias
para lidar com esse fenômeno como buscar outras opiniões e compartilhar vivências semelhantes.
As práticas religiosas funcionam como suporte social pelo fato de as pessoas estarem em comunhão
com um ser superior ou com outros sujeitos que partilham do mesmo credo afastando a sensação
de solidão e desamparo.
Essa natureza de suporte social pode ser confirmado pelo estudo de Bendassolli et al.
(2015) onde as pessoas em situação de desemprego utilizavam a religiosidade como estratégia de
enfretamento. Atitudes como rezar mais que o habitual, pedir ajuda de Deus e encontrar conforto
na religião foram itens de maior relevância no estudo. Os autores alertam que, paradoxalmente, a
religiosidade pode funcionar como uma forma de fuga da realidade ao retirar a responsabilidade
do indivíduo e relega-las a Deus. Entretanto, ao correlacionar com outros itens, a religiosidade
esteve mais próxima de fatores “de natureza mais aproximativa, em detrimento das evitativas” (p.
358), sugerindo que os participantes estão menos sujeitos a uma atitude de negação da realidade
do desemprego.
Ressalta-se que a religiosidade não foi posta como relevante no estudo de Cano e Moré
(2016)com médicos oncologistas. A especificidade do público pode ter relação direta com esse
resultado, pois essa dimensão transcende o manejo técnico de encarar a doença. Nas palavras
das autoras: “aspectos que embasam a profissão médica, como objetividade, a previsibilidade e a
controlabilidade, de modo que a crença alude a algo não palpável, portanto difícil de ser auferido
ou comprovado” (p. 6) contribuem para esse achado. A espiritualidade, por sua vez, mostrou-se
timidamente presente na vivência de alguns desses profissionais por reconhecerem a importância
de crer em algo além das limitações do próprio intelecto.
A morte e sua iminência no contexto familiar demonstram que a religiosidade traz conforto e
sentido para o enfretamento da situação. Em casos onde a pessoa encontra-se enlutada, a religião
foi suporte para a dor e solidão, ratificando mais uma vez a capacidade de integração socialque
essa esfera pode proporcionar (Domingues et al., 2015). Consoante a isso, Franqueira et al. (2015)
reiteram que a fé é apontada como um fator organizador no processo de reestruturação da pessoa
que vive o luto e a figura de um Deus onipotente “que sabe o que está fazendo” traz alívio e consolo
para a dor que assola. Dessa maneira, “a religião também tem a função de fornecer sentido a um
evento tão sem sentido, que é a perda de um filho. A religião funcionaria como um sistema de
significado que influencia o enlutado a construir sentido” (Franqueira et al., 2015, p. 492).
Loss et al. (2015) e Costa et al. (2015)evidenciaram que as práticas religiosas são consideradas
estratégias de cuidado a saúde mental na medida em que oferecem uma possibilidade a mais
de cura ou bem estar. Há uma tendência nos estudo levantados que as situações consideradas
estressoras direcionam as pessoas a se aproximar mais de uma divindade que pode lhe auxiliar ou
atribuir sentido a realidade vivida. A espiritualidade, como busca de sentido, pode transcender
aspectos lógicos e descortinar significados por trás de qualquer situação. A vivência da religião
pode proporcionar práticas de atividades ligadas ao credo, a criação de um círculo social e a
esperança em melhorias na qualidade de vida.
Questões como a autoestima estiveram associadas ao bem estar espiritual demonstrando
relação positiva entre ambas (Chaves et al., 2015). Outro aspecto importante relaciona-se a
qualidade de vida em idosos que também teve impacto salutar quando inserido as experiências
religiosas (Abdala et al., 2015). Na mesma linha de pensamento, o bem estar religioso e

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espiritualestiveramassociados a qualidade de vida de pacientes com câncer(Miranda et al., 2015)o
que é consoante a pesquisa de Reiset al. (2017) onde a vivência de pacientes com câncer permitiu
uma maior abertura para o lado religioso. A espiritualidade também se mostrou com associação
positiva em relação a adesão ao tratamento de insuficiência cardíaca (Alvarez et al., 2016).
Já em pessoas que não acreditavam em Deus ou não professavam nenhuma crença dessa
natureza, a espiritualidade é vista como problemas psicológico por está inclinada a uma conexão
com o mundo de forma menos concreta (Sá & Aquino, 2017). Nota-se como a atribuição de
significados da religiosidade e/ou espiritualidade na existência está diretamente relacionado ao
público estudado, porém a grande parte dos achados aponta para uma presença benéfica das
mesmas na vida das pessoas até em situações de cárcere (Livramento & Rosa, 2016).
No que concerne a psicoterapia é mister salientar como os estudos de Campos e Ribeiro
(2017) e Henning-Geronasso e Moré (2015) alertam para a importância dessas instancias, pois
“tanto a religiosidade quanto a espiritualidade estão presentes na vida das pessoas, inclusive
emergindo como parte de sua constituição psicológica e, portanto, fazendo parte dos contextos
dos atendimentos clínicos da Psicologia” (p. 712). Nesse contexto é imprescindível um maior
debate e preparo dos psicólogos para lidar com essas demandas, principalmente no Brasil, um
país de diversidade religiosa muito rica.
Observa-se uma necessidade de colocar esse assunto de forma mais evidente na formação
do psicólogo para que ele possa desenvolver um maior manejo e respeito a essa parte integrante
da subjetividade. Pode-se constatar que tais fenômenos estão presentes em situações de luto,
enfermidades, psicopatologias como a depressão, em diferentes contextos como assentamentos e
presídios e na própria psicoterapia. Todos estudos, de uma forma direta ou indireta, apontaram
a influência positiva dessa dimensão. Isso serve de alerta e meio para flexibilizar crenças que
consideram as práticas religiosas ou espirituais como nocivas ou estritamente patológicas, tão
bem asseverado no trabalho de Delmonte e Farias (2017) sobre o estado de possessão.
Diante do exposto, espera-se que esses dados propiciem uma reflexão sobre as fronteiras
que “separam” a psicologia, seja em sua teoria ou prática, desses âmbitos que acompanham o
ser humano há séculos. Independente da variedade e singularidade de cada sujeito, crendo ou
não, cabe ao profissional, estudante e professor de psicologia, respeitar e semear uma abertura
sobre esse assunto tão presente na psicoterapia, na saúde pública, no meio penitenciário, em
hospitais, etc. Reconhece-se que o presente estudo possui limitações por não ter abrangido
literatura estrangeira ou por ter restringindo a busca nas bases de dados conforme explicitado no
método desse trabalho. Todavia, é explícito a natureza significativa e influente da vivência religiosa
e espiritual na subjetividade das pessoas. Isso as torna não só dignas de consideração, como
também arcabouço necessário no curso formativo e, quiçá, eterno, do serpsicólogo.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 749


NO ONTEXTO BRASILEIRO
“ESTE LIVRO, ATUALMENTE, É UMA CONTINUAÇÃO DE
68”: ANTI-ÉDIPO, UM LIVRO QUE NÃO ACABOU!
Tarso Ferrari Trindade
André Rossi

Introdução

N
este trabalho teórico objetiva-se trazer um pouco dos acontecimentos políticos
franceses conhecidos como “Maio de 68”, para a partir daí, numa atitude
metodológica que chamamos de fazer coincidir gênese conceitual com gênese
sócio-histórica, trazer a emergência do Anti-Édipo como livro candente das grande recusas.
Segundo Guattari, em uma entrevista conjunta com Deleuze: “Maio de 68, foi um abalo para
Gilles e para mim, bem como para tantos outros: na época não nos conhecíamos, mas mesmo
assim este livro, atualmente, é uma continuação de 68.” (Deleuze, 1992, p. 25). Há nessa atitude
ético-político-metodológica a necessidade de situar que certos conceitos criados respondem a
problemas concretamente colocados. Essa relação entre problemática contextual e produção
conceitual tem sido feita em artigos e comentários do Anti-Édipo principalmente em relação à
psicanálise. Consideramos, no entanto, que o “Maio de 68” tão citado nas entrevistas e escritos
dos autores, permanece por vezes para o público em geral como um nome enigmático. O exercício
historiográfico que se segue liga-se a um projeto maior de apontar pistas que nos façam situar
melhor a prática clínico-política da esquizoanálise, aqui neste texto, articulada aos efeitos do
Maio, sua nova concepção de desejo, política e revolução.

Desenvolvimento

Pré-Maio de 68: anos que quase não acabaram

De 1940, com a invasão alemã, a janeiro 1947, a França não teve presidente oficial. Estava
dividida até 1944 entre territórios ocupados pelos nazistas, a França de Vichy liderada pelo
Marechal Petáin – colaborador dos alemães – e a França livre, sem território, mas constituída em
Londres pelos franceses no exílio, dentre eles, Charles De Gaulle, seu fomentador. Após o fim da
Guerra iniciou-se a Quarta República francesa (Judt, 2011). Nesse período, a França direcionou-
se à modernização a partir da injeção de capital advindo do Plano Marshall, atingindo índices
de crescimento superiores a média européia. Suas fábricas importavam o que havia de mais
moderno em técnicas de gestão a partir de uma Psicossociologia emergente preocupada também
com o funcionamento otimizado das fábricas (Rodrigues, 1994). De certo modo, havia uma
crítica aos rumos da organização científica do tempo nas fábricas (Taylorismo) que transformava
o trabalhador em homem bovino. No entanto, as técnicas introduzidas da Psicossociologia,
com intenções mais humanas, continuavam a não se preocupar com a política e as lutas dos

750  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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trabalhadores. No panorama internacional, o período de 1945 a 1968 simbolizou o declínio do
império colonial francês. Após a retirada das tropas alemãs, os governos sucessivos tentaram
agrupar colonos e colonizadores numa mesma bandeira de união e reconstrução francesa. Essa
colonização disfarçada em união nacional é recusada em primeiro lugar pela Indochina. Seguem-
se guerras sucessivas por independência: guerra da Indochina com derrota francesa em 1954;
a insurreição Malgache em 1947; a intervenção no canal de Suez em 1956 e, principalmente, a
Guerra da Argélia que se estendeu de 1954 a 1962. Os governos franceses se esforçaram para
combater os processos de independência de suas colônias com práticas de repressão, muito
parecidas com aquelas utilizadas pelos invasores durante a Segunda Guerra. A esquerda tradicional
nesse momento tem seu nome manchado e seu apoio popular abalado ao apoiar tais guerras
imperialistas, o que favoreceu o aparecimento de uma nova esquerda na década de 50 (Matos,
1989).
A Quinta República inicia com uma nova constituição entrando em vigor em 1958, tendo
como seu primeiro presidente Charles De Gaulle que governou de 1958 a 1969 (Judt, 2011; Moraes,
2002). A França sessentista, anterior a Maio de 68, era um país em franca expansão capitalista.
A economia e a sociedade estavam estáveis. As prateleiras recebiam uma enxurrada de produtos
(Rodrigues, 1994). Nas vésperas do maio, o The Economist publicou uma notícia elogiando os
dez anos de governo gaullista destacando as maravilhas do capitalismo francês comparando
o nível de vida dos franceses com o de seus vizinhos britânicos (Woods, 2008). Como então
explicar uma revolta em um país tão próspero? Por isso o Maio foi uma surpresa. Porque para
compreendermos esse movimento das grandes recusas temos de ir além das condições materiais:
não era simplesmente por mais pão. É certo que como em qualquer sociedade capitalista, a
França sessentista, apesar de todas as idolatrias, tinha as desigualdades perenes desse modo de
produção: por exemplo, no subúrbio parisiense no caminho de Nanterre localizava-se a favela de
Bindonvilles onde viviam cerca de dez mil trabalhadores norte-africanos (Rodrigues, 1994). Após
o final da Segunda Guerra, a França deixou de ser um país campesino e tornou-se extremamente
urbano e fabril. O aumento do número de trabalhadores somou-se ao aumento das universidades
e da massa estudantil. No entanto, este aumento no número de trabalhadores e as mudanças
ocorridas na economia não foram acompanhados de transformações nas condições de trabalho.
Na França, o panorama geral à época de 68 era de baixos salários aliados a uma jornada laboral
alta e leve taxa de desemprego. Além disso, as relações entre funcionários e dirigentes dentro das
fábricas reproduziam certo autoritarismo presente nas relações sociais (Ali, 2008). Do lado das
organizações trabalhistas, como sindicatos e confederações, tais entidades eram muito próximas
do Partido Comunista Francês (PCF) e da Confederação Geral do Trabalho (CGT), sendo ambas
influenciadas por tendências stalinistas em seu interior. De fato, o que se viu ali, naquele momento,
na França, foi o “transbordamento da esquerda tradicional, legalista e ordeira, com sua política
de moderação . . .” (Matos, 1989, p. 27).
De acordo com Mattos (1989), a sociedade francesa de 1968 era muito marcada por uma
oposição entre a modernização técnica e econômica, fruto em parte do plano Marshall, mas com
poucos avanços nas formas de ordenação social e cultural. Os modelos familiares e educacionais,
os costumes, as relações de trabalho são ainda pautados em arcaísmos. Sua função primeira
parece ser a de dar continuidade a um tipo de sociedade do pré-Guerra do que propriamente
preparar as pessoas para as mudança advindas do capitalismo do pós-Guerra. Em parte, tal
conservadorismo era expresso, por exemplo, nas posições sociais ocupadas pelas mulheres, pelos
homossexuais e pelos negros. As mulheres eram inferiorizadas em muitos sentidos, como por
exemplo, não podiam expressar suas opiniões e ideias sem a anuência de seus maridos, bem
como abrir conta nos bancos (Piacentini, 2008; Rodrigues, 1994). A homossexualidade era vista
como desvio da norma e considerado doença pelos médicos e pelos manuais de diagnóstico. A

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 751


NO ONTEXTO BRASILEIRO
própria sexualidade como um todo era vista como um tabu, um assunto a ser discutido apenas na
intimidade e não como uma questão social ou que dissesse respeito a um coletivo (Matos, 1989).
Um fato ilustrativo desta questão era a separação dos dormitórios masculinos e femininos nas
universidades e a restrição de espaços comuns a homens e mulheres. No que tange aos negros, em
sua maioria provenientes das colônias, estes eram discriminados e viviam em situação de pobreza
na capital francesa, sem falar nos direitos e inserção social. Em certo sentido, Maio de 68 também
contribuiu para uma emancipação das minorias e suas lutas futuras por liberdade de expressão e
por direitos civis.
Após a ajuda financeira dos EUA, a França viveu um período de crescimento e fortalecimento da
economia. As Universidades se expandiram e o número de estudantes aumentou consideravelmente.
Contudo, a Universidade mantinha uma rígida hierarquia e autoritarismo na lida entre professores
e alunos. A crítica espraiou-se, contestando o autoritarismo nas formas de relação social, em
casa e no trabalho. A Universidade, símbolo emblemático do conservadorismo, é palco de luta e
reivindicações. Os alunos também se manifestavam contra a burocracia nas escolas, as diferenças
entre o ensino e aquilo que o mercado de trabalho em transformação exigia. Todavia, segundo
Matos (1989), tais contestações são insuficientes para explicar os acontecimentos de 68. Mais
do que melhor adaptação à Universidade ou às exigências sociais, a crítica dos alunos era em
relação à sociedade ela própria: “aqueles que em Maio de 1968 se sublevaram estavam recusando
muito mais uma certa forma de existência social do que a impossibilidade material de subsistir
nessa sociedade.” (Matos, 1989, p. 8). Eles recusavam aquele modo de vida burguês, opressivo,
autoritário, conformista e conservador que tentava atrelar o bem-estar ao consumo. A carreira
profissional não lhes interessava, eles não queriam se integrar àquela sociedade da maneira como
era esperado deles. A contestação, apesar de ter iniciado com bandeiras políticas e culturais –
antes de ser econômica – passou a ser também por mudanças subjetivas. A grande recusa era em
relação àquele modo de existência (Matos, 1989).
No campo do pensamento, o Maio de 68 também foi revolucionário pela contestação
original ao movimento teórico do Estruturalismo que inundava as ciências humanas. De acordo
com Rodrigues (1994, p. 309), “quando se consultam livros dedicados à história das idéias, 1966
é com freqüência apontado como o ano que representa o ápice do prestígio do estruturalismo
na França.”. O panorama intelectual francês era de grande efervescência, muitos pensadores
adquiriram prestígio dentro e fora da academia e o que se via eram publicações recheadas de
noções emprestadas à lingüística de Ferdinand de Saussure. Surgiam em cena uma antropologia
estruturalista, de Lévi-Strauss, a psicanálise estruturalista de Lacan e o marxismo estruturalista de
Althusser. Sobre isso, Foucault (1991, p. 81) nos diz que havia um modo correto de pensar, “. . .
um certo estilo de discurso político, uma certa ética do intelectual. Era preciso estar na intimidade
com Marx, não deixar seus sonhos vagabundear muito longe de Freud, e tratar os sistemas dos
signos – o significante – com o maior respeito.”.
O que Foucault nos aponta com precisão é justamente a força daquela corrente teórica
na época, e como ela sustentava, alimentava certo modo de existência, os saberes dentro da
Universidade e um discurso político. Basta lembrar que Althusser era um dos teóricos mais
utilizados pelo PCF (Matos, 1989). Tais considerações são necessárias para entendermos também
que uma das grandes recusas do Maio de 68 e, conseqüentemente do Anti-Édipo, foi em relação
ao Estruturalismo em suas diversas vertentes de expressão.

Maio de 68: o impossível exigido de forma realista

Não sendo possível situar com precisão o que desencadeou os acontecimento do Maio,
podemos elencar alguns fatos importantes. Tendo início na Universidade de Nanterre, a revolta

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estudantil tem seu primeiro momento no dia 22 de Março de 1968. Os estudantes ocuparam o
prédio da administração da Universidade para protestar contra a prisão de um estudante que
participava do comitê Vietnã, que se manifestava contra a guerra naquele país. Antes disso já
haviam acontecido outras pequenas revoltas: contestação pública dos professores, interrupção
de aulas, invasão do dormitório feminino pelos homens para protestar contra a separação por
sexos e etc.
De Nanterre, o movimento caminha para a Sorbonne em conseqüência de um início de
incêndio na sede da União dos Estudantes Franceses (UNEF). Para protestar, os alunos de ambas
as universidades decidem se encontrar. Porém, um grupo de direita tenta impedir o encontro. O
reitor, temendo o confronto, chama a polícia que prende vários estudantes e ocupa a Universidade.
Tal fato foi decisivo para incendiar os discentes. Como se sabe, a Universidade tem a tradição de ser
um lugar protegido em relação à polícia. Ato contínuo, manifestações irrompem: universitários,
colegiais, transeuntes e policiais se enfrentam violentamente incendiando coisas, destruindo carros
e toda sorte de confronto físico ocorre (Matos, 1989). O Quartier Latin, palco destes primeiro
embates, se torna um espaço central tendo um papel importante nas manifestações ulteriores.
No dia primeiro de Maio de 68, a CGT organiza junto aos operários uma manifestação
pelo Dia do Trabalho. Durante a passeata, ocorrem encontros fortuitos entre os estudantes e os
trabalhadores, cujas centrais sindicais fazem de tudo para separá-los. Os estudantes protestam
contra a ocupação (e posterior fechamento) da Sorbonne e pela libertação daqueles que foram
presos (Matos, 1989). Como nada disso havia ocorrido, as manifestações se intensificam
e mais pessoas se juntam aos estudantes. No dia 10 de Maio, 30 mil estudantes saem às ruas
para protestar e se dirigem a três alvos: a prisão de Santé, o serviço de Radiodifusão-Televisão e o
Ministério da Justiça. Ao passar pela prisão, vários presos se solidarizam com os manifestantes
gritando liberdade. Durante o trajeto, milhares de franceses se juntam ao cortejo. A polícia
intervém e fecha alguns dos trajetos pelos quais os manifestantes queriam passar. Encurralados,
decidem ocupar o Quartier Latin sem provocar confrontos com a polícia. No local, começam a
arrancar as pedras e paralelepípedos do calçamento para construir barricadas (Ali, 2008). Faz-se
mister destacar que os moradores se solidarizaram com a ocupação do bairro. Muitos ajudaram a
construir as barricadas, outros forneceram comida, água e panos para serem usados caso a polícia
invadisse o local e se utilizasse de gás lacrimogêneo, alguns subiram nos telhados das casas para
vigiar certos pontos e relatar aos ocupantes a movimentação das ruas. Às duas horas da manhã
a polícia invade o local e o confronto tem início com o uso de bombas de gás. Os manifestantes,
a princípio, não reagiram e permaneceram na defensiva. Após algum tempo, resolveram contra-
atacar usando os paralelepípedos e o que tivessem à mão. Depois de quatro horas de embate e
muitos feridos a polícia evacua o bairro. Na França inteira protestos se fazem ouvir e o apoio aos
estudantes aumenta vertiginosamente. “No dia seguinte, o governo francês aceitou as principais
exigências dos estudantes.” (Ali, 2008, p. 291). Com o fortalecimento do movimento, no dia 13 de
Maio todas as faculdades são ocupadas pelos estudantes e seu funcionamento interrompido. Esta
data marcou uma mudança drástica no movimento e constituiu-se como um verdadeiro “golpe”
para De Gaulle (Matos, 1989).
Neste dia, os sindicatos demonstram seu apoio aos estudantes e junto a eles organizam uma
manifestação e decretam uma greve geral de 24 horas. Pela primeira vez desde então trabalhadores
e estudantes caminham lado a lado nas ruas. Tal acontecimento reuniu um milhão de pessoas em
Paris. A partir daí, nos dias seguintes, greves espontâneas começam a ocorrer em toda França:
fábricas e Universidades são ocupadas, circuitos de provisões são organizados... Operários e
estudantes se sentem unidos sob as mesmas bandeiras – ainda que a CGT e o PCF continuassem a
querer separá-los ou tentar direcionar o movimento de acordo com seus interesses (Matos, 1989).
No dia 20 de Maio de 68 a França estremece e o movimento atinge o seu apogeu: 10 milhões de

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 753


NO ONTEXTO BRASILEIRO
trabalhadores paralisam suas atividades. Metrô, ônibus, telefonia e outros serviços amanhecem
parados. Cerca de 300 fábricas são ocupadas em todo país (Piacentini, 2008). De acordo com Ali
(2008, p. 293), foi “. . . a maior greve geral da história do capitalismo . . . Os envolvidos não eram
mais somente estudantes e operários. Os fazendeiros e os camponeses levaram tratores e esterco
para as ruas; advogados e magistrados, arquitetos e astrônomos saíram pedindo mudanças.”.
Pegos de surpresa, as organizações da esquerda tradicional, aliados ao governo de De Gaulle,
tentam colocar um freio no movimento e negociar a saída da greve e das ocupações.
Quando do início das greves e paralisações, os sindicatos faziam o possível para que os
estudantes não se misturassem com os operários, chegando até mesmo a impedi-los de distribuir
panfletos ou entrar em contato com os trabalhadores em greve nas fábricas. No entanto, inúmeros
operários jovens eram afetados pela forma singular com que os estudantes se manifestavam
contra aquela sociedade. Para muitas destas organizações, os estudantes não passavam de
“esquerdistas”, “aventureiros” (Matos, 1989). O que ficou claro a partir destes acontecimentos
é que a política deixa de ser vista se fazendo apenas por meio dos partidos e/ou dos sindicatos,
possibilitando assim que ela se deixasse atravessar por outros processos. Assim sendo, podemos
apontar uma inseparabilidade entre política e cultura, política e sexualidade e a possibilidade de
transformação da sociedade capitalista por outros meios que não aqueles tradicionais defendidos
pela esquerda conservadora. Neste sentido, as paralisações estudantis, as greves operárias, os
protestos silenciosos, os muros e os panfletos como nova impressa oficial, inoculavam uma
vacina contra valores arcaicos. Era uma recusa geral a um funcionamento da sociedade que não
podia mais continuar. Os muros fervilhavam, qualhados da mais impulsiva demonstração de
revolta produtiva e contestação dos velhos valores: “Os muros de Paris se levantam contra a eficácia
revolucionária [grifo nosso] e reabilitam o espaço da palavra . . .” (Matos, 1989, p. 63). Nesses
grafites, surgiram a incitação a diversas atitudes, dentre elas, a deliberada desobediência civil:
“o patrão precisa de ti, tu não precisas dele”; compareceram as amarras subjetivas que fazem
cada um reprodutor da repressão: “As paredes tem ouvidos, seus ouvidos tem paredes”; “as
revoluções devem ser feitas nos homens, antes de serem feitas nas coisas”; “A revolução não é a
dos comitês, mas, antes de tudo, a vossa. Levemos a revolução a sério, não nos levemos a sério”.
Esta última frase aponta que a nossa revolução é mais importante e que a esquerda oficial era
caduca: “A política se passa na rua”; “Juventude Marxista pessimista”. Há também um retorno
dos temas sexuais ligados às transformações sociais: “quanto mais faço amor, mais tenho vontade
de fazer revolução, quanto mais faço revolução, mais tenho vontade de fazer amor.” (Folha online,
2008). É certo também que os trabalhadores representados pelos sindicatos tinham suas metas
salariais e de jornada de trabalho, mas em certa medida, não reformista, o próprio trabalho era
questionado: “Não mude de emprego, mude o emprego da sua vida” (Matos, 1981, p. 61).

O desfecho de Maio de 68 e seus efeitos

A situação geral para o desfecho de maio de 68 foi a de acordos que arrefeceram o potencial
revolucionário do movimento em prol de um espírito reformador. Após o 20 de maio, os sindicatos
lançaram um bote salva-vidas para De Gaulle. As direções sindicais e patronais se reuniram no dia
25 maio no Ministério dos Assuntos Sociais situado a rua Grenelle, nome como ficou conhecido
o acordo que tentaram implementar. George Pompidou, ministro de assuntos sociais, presidiu
a tentativa de negociação. Após o acordo de cúpula que girava principalmente entre aumento
salarial e diminuição da jornada de trabalho são enviados às fábricas pelo PCF comunicados
para cessação imediata da greve geral. Contudo, a essa altura, o movimento revolucionário que
não se resumia a uma questão trabalhista, era uma máquina autônoma. Houve uma rejeição
vigorosa do acordo de Grenelle nas fábricas. Nesse momento acontecia a interdição de Daniel
Cohn-Bendit para retornar a França, o que gerou manifestações, retomada dos movimentos e

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criações de comitês operário-estudantis. Nessa ocasião surgiram as frases: “Nós somos todos
judeus-alemães” e “As fronteiras que se danem”. Novamente no dia 29 ocorreram enfrentamentos
com a polícia no Quartier Latin e a Sorbonne é transformada em enfermaria (Matos, 1989, p. 76).
No dia 30 de maio De Gaulle consulta o General Massu em Baden Baden sobre a disposição das
forças armadas para uma intervenção militar. O uso do exército seria crítico e provavelmente
provocaria uma crise ainda maior. O conteúdo da conversa nunca foi divulgado, mas o The Times
enviou jornalistas à Alemanha para entrevistar os soldados que afirmaram que nunca atirariam
contra os manifestantes, pois eram em sua maioria filhos dos trabalhadores cumprindo serviço
militar obrigatório (Woods, 2008).
A direção dada foi o retorno ao acordo político. Ainda no dia 30, De Gaulle dissolve a
Assembléia Nacional e convoca eleições gerais para o final de junho. A esquerda se direciona para
um acordo: terminar a greve e restabelecer a ordem para desempenhar as tentativas de mudanças a
partir do jogo eleitoral. Os estudantes protestam: “eleição-traição” (Matos, 1989, p.77). Grenelle
é retomado tomando como ponto de pauta aquilo que seria consenso, deixando os assuntos
polêmicos para depois. Dos 3,46 francos a hora almejados, os trabalhadores ficaram com 3; a
aposentadoria por idade fica para discussão posterior; na diminuição da jornada de trabalho,
propõe-se que haja diminuição em 2h das jornadas superiores a 48 e em 1h das compreendidas
entre 45 e 48h (Matos, 1989). Do dia 30 de maio ao final de junho as fábricas foram sendo
desocupadas paulatinamente e os movimentos arrefecendo, culminando nas eleições de 23 e 30
com votação maciça dos gaullistas. Paris é entregue novamente aos turistas (Rodrigues, 1994).

Conclusão

O Anti-Édipo e o legado de Maio de 68

Após os eventos de Maio, para os quais tanto Deleuze quanto Guattari estavam atentos de
modos distintos, eles se encontram pela primeira vez em 1969, apresentados por um psiquiatra
de La Borde. Guattari trabalhava nesta renomada clínica e estava envolvido em pesquisas com
psicanálise, grupos e instituições. Deleuze ensaiava composições com o freudismo e a perversão,
embora falando do campo da filosofia de onde perpetrava a construção de uma crítica à dialética
e ao negativo em favor de um empirismo transcendental e de uma filosofia da diferença. Guattari
era para Deleuze, o criador de ideias que eram como desenhos ou diagramas (Deleuze, 2016b).
O conceito de máquina, desenvolvido por Guattari, por exemplo, foi de suma importância no
primeiro capítulo do Anti-Édipo, indicando para ambos uma saída não-estruturalista. O livro
ficou pronto em 31 de dezembro de 1971 (Dosse, 2010).
Havia um entendimento hegemônico de que o Maio fracassara. As fábricas foram
desocupadas, os trabalhadores voltaram ao trabalho, os estudantes às aulas. O aumento salarial
não foi conseguido por completo e jornada de trabalho foi diminuída de forma incompleta. O
poder não foi tomado. Não foi instalado um governo operário. E pior, nas eleições convocadas há
um retrocesso imenso quando a direita conservadora gaullista tem uma votação maciça. O pós-
maio torna-se “tempos da reconstrução erudita do fracasso” (Rodrigues, 1994, p. 386), como se
pode ver nas palavras de certo autor: “A classe trabalhadora . . . não pode ser ligada ou desligada
como uma lâmpada. Quando se mobiliza para mudar a sociedade, deve permanecer até o final
ou fracassa” (Woods, 2008). Ou ainda: “Como qualquer outro exército, a classe trabalhadora
necessita de uma direção. E isso era o que estava ausente em maio de 1968” (Woods, 2008).
Um terceiro exemplo: “Esperamos com impaciência o futuro . . . Estamos tentando preparar a
vanguarda, assim da próxima vez triunfaremos” (Woods, 2008). Falas como essas denotam que a
esquerda do porvir, reivindicativa, centralista e teleológica teve o seu fracasso.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 755


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Não obstante, Deleuze e Guattari nunca negaram o Maio, porque seus efeitos são indeléveis.
É o efeito-maio que lhes interessa. Eles nunca entenderam a revolução como teleológica, ou
seja, com “o” telos (objetivo, fim) sem o qual todo o caminho seria invalidado. Compreendem
a revolução como local e contínua: molecular ou micropolítica. Entendem as lutas, ao contrário
do PCF totalmente burocratizado e hierarquizado, numa lógica de rede, ou seja, rizomática. Os
efeitos do Maio são muito mais importantes: efeitos para a educação, efeitos para a sexualidade,
para os direitos civis das minorias, efeitos para a família conjugal, para a esquerda tradicional e o
nascimento de uma nova esquerda.
Para Deleuze e Guattari Maio não fracassou, porém não teve lugar. Maio foi para eles um
grande produtor de possíveis que, se por um lado, pôde ser traído na sua potência disruptiva, ao
ser colocado na ordem das causas, datas, das reivindicações, reformas, por outro lado não se
deixa trair, porque comporta algo de inultrapassável. Ele se passa na sensibilidade e percepção dos
indivíduos tanto quanto na espessura de uma sociedade. O mais importante é tomar o Maio como
um fenômeno de vidência, quando uma sociedade percebe o que há de intolerável e enxerga novos
possíveis. Os historiadores, segundo eles, tentam ordenar os fenômenos históricos no regime das
causalidades, ou seja, consideram certas funções de acordo com as quais um certo fenômeno
histórico se efetua. O acontecimento como figura disruptiva, ultrapassa sua própria efetuação,
ele é o desengate com o plano das causalidades (Deleuze, 2016a; 2017b). Diante do intolerável,
deve-se poder criar novos agenciamentos coletivos que comportem a nova subjetividade, de tal
forma que esse coletivo queira a mutação (Deleuze, 2016a). Somente nesse sentido que Maio não
teve lugar, porque um tipo de retrocesso conservador se apossou de sua disrupção. Neste sentido,
inauguram no Anti-Édipo uma nova noção de clínica e de política em que o desejo é inseparável
da própria produção social, embora seja distinta a expressão individual e grupal. Uma política
em que o projeto invasivo é o da micropolítica, tornando a revolução molecular. Assim, clínica e
política também não se separam, apesar de se distinguirem no substrato de atuação e na forma
de luta.
É seguindo esta via que afirmamos que uma das principais noções que surgem no Anti-
Édipo, e que está intimamente ligado ao Maio de 68, é o conceito de desejo. Deleuze e Guattari
(2010) questionam certa concepção tradicional, deslocando tal noção de suas coordenadas
personológicas e familialistas; ele não investe somente o conjunto familiar e não é um vetor que
parte do sujeito em direção a objetos. Ao pensarem o desejo para além da vontade de um indivíduo,
estando ao lado da fábrica, de um produtivismo, alçam-no à condição de uma força incessante,
para além e para aquém do sujeito, sendo ele mesmo aquilo que produz sujeito e mundo. Segundo
Zourabichvili (2004, p 69), tal concepção “. . . concorre, mais do que se alia, com o marxismo,
colocando por sua vez o problema da produção da existência . . .”. É neste sentido que podemos
dizer que desejar algo não está do lado da fantasia, não se refere a um simples objeto, sexual ou
não, ausente ou não; o desejo faz parte das condições de existência objetiva (Deleuze & Guattari,
2010). Para estes autores, o desejo é um construtivismo, ou seja, ele é produtor: o que ele quer é fazer
mais conexões; desejar é produzir realidade. Ao concebê-lo fazendo parte da infraestrutura (numa
linguagem marxista), apontam a impossibilidade de pensar as relações sociais desvinculadas do
desejo, pois é ele que investe estas relações, suas forças produtivas, tais como elas se constituem
em determinado contexto sócio-histórico-cultural. A produção social é simplesmente a própria
produção desejante em condições determinadas (Deleuze & Guattari, 2010). Neste sentido, são
uma só e mesma produção, quer dizer, possuem a mesma natureza, porém, funcionando sob
regimes distintos. Não obstante, se afetam e se modificam mutuamente.
Por este motivo, recorrem a Reich que, em suas palavras, “. . . foi o primeiro a estabelecer
o problema da relação do desejo com o campo social“ (Deleuze & Guattari, 2010, p. 161).
Acreditamos que esta menção a Reich não fora fortuita, mas surge na esteira do Maio. Naquele

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período, alguns grupos anarquistas retomam a obra deste autor para questionar a sexualidade
dominante e o poder centralizador de certas instituições. Além de ser um dos poucos grupos que
defendem a ideia de uma autogestão por parte dos operários, de acordo com Matos (1989, p.
38), os anarquistas também “. . . são, em 68, os únicos militantes políticos a pregar uma liberdade
sexual total e divulgam a obra de Wilhelm Reich”. Coincidência ou não, fora este encontro com o
ex-psicanalista e ex-membro do partido comunista alemão que contribuiu para poder se pensar
o desejo em sua dimensão produtora, isto é, inseparável dos meios de produção social. Em
outras palavras, há uma coextensividade do campo social e do desejo na produção de sujeito e de
mundo. Ao mesmo tempo, eles introduzem o desejo no marxismo e a produção na psicanálise.
O capitalismo é um sistema que captura a produção desejante e a incita em certa direção. Logo,
a tarefa dos autores é, além de indicar a inseparabilidade entre desejo e produção, é também
fazer uma análise de como o desejo, criativo, produtivo, pode ser levado a desejar sua servidão e
a trabalhar em favor do capital. Em 68, a questão importante que tal mutação no campo social e
do desejo colocava era: como conjugar, na mesma luta, política, sexualidade e revolução?
Ali estava em jogo a criação de um novo modo de se fazer política ao incluir a dimensão
desejante. A articulação das lutas e reivindicações que se processavam no Maio de 68 favorecia
um debate onde as práticas clínicas e as práticas políticas emergissem juntas na proposição de
novas formas de subjetividade. Surgem assim as noções de Molar e Molecular no Anti-Édipo e
mais tarde, na esteira destas, as noções de macro e micropolítica. É importante destacar que
tanto o molar quanto o molecular, a macro e a micropolítica, são distintos, porém inseparáveis
(como faces opostas da mesma moeda). Um atua no outro, por modos de funcionamento que
lhes são próprios e modificam-se todo o tempo. Não se trata, portanto, de privilegiar um em
detrimento do outro, mas, sim, ver como cada um funciona, em cada momento e como podemos
nos aliar a um e outro em seu processo de produção social.
A dimensão macro ou molar é caracaterizada por um centro organizador, um eixo central,
que dá as diretrizes de como as coisas devem se comportar. Há todo um projeto, um programa,
composto de uma sequência ordenada de operações que visam a determinado fim. Na face
macropolítica não vemos singularidades, apenas unidades, não vemos multiplicidades, apenas
totalizações (Rolnik, 2011). Há recortes, segmentações por todos os lados, devendo os sujeitos se
encaixarem em um ou em outro, só podendo transitar entre aqueles que guardam alguma relação
de semelhança ou que possuam uma lógica causal linear entre si. A questão principal para entender
o funcionamento do regime molar é que ele cria figuras que parecem muito bem delimitadas,
ou seja, formas estáveis ou “formações estatísticas” (Deleuze & Guattari 2010), aparentemente
sem rachaduras ou porosidade. Sou isto e não aquilo. As formações molares distinguem seus
conjuntos, procedendo por identificações e excluindo as diferenças, constituindo assim unidades
homogêneas.
Já sua contraface, a micropolítica, pertencendo à dimensão molecular, funciona de outro
modo. Ela não lida com formas estáveis, mas, sim, com processos. O tempo não mais se mede
por sua segmentação cronológica, ele se relativiza. As multiplicidades não formam um todo,
elas são variáveis. Seus elementos estão sempre se remanejando, se recompondo, criando outras
conexões entre si, as interações que acontecem não são lineares, podendo se dar de forma
cruzada, transversal, paradoxal (Deleuze & Guattari, 2010). Sou isto e aquilo. Aqui não há mais
unidades, apenas intensidades, singularidades. Também não há mais centro organizador ou
ponto de origem, nada mais é, definitivamente, coisa alguma. Diferentes matérias de expressão
podem se combinar, numa espécie de bricolagem. O molecular só conhece fluxos, parcialidades,
ele desconhece a forma das pessoas individualizadas, inteiriças (Deleuze & Guattari, 2010). Já não
temos mais figuras bem delimitadas, mas, sim, aquilo de que elas são compostas: forças, fluxos,
peças e engrenagens, toda uma junção de elementos que se entrecruzam, de forma dispersa,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 757


NO ONTEXTO BRASILEIRO
fragmentária, na constituição de algo que, adiante, desembocará numa dada forma, instituição
e/ou grande conjunto. Tal dimensão é maleável, ela é o que se faz dela; sua lógica não é a da
identidade ou da exclusão, mas do funcionalismo: como isso funciona? De que modo?
Deleuze e Guattari quiseram atribuir uma relevância para essa dimensão ignorada, inusual,
rejeitada por aqueles que cultuam o fracasso da revolução planejada. Quando valorizam os efeitos
do Maio na produção de subjetividade, quando retoman Reich, quando implementam uma nova
noção de desejo, pinçam a dimensão micropolítica, dando pistas para a mutação de nossas
práticas. Inclusive, posteriormente, “micropolítica” será um dos sinônimos para esquizoanálise.
Quando os grafites invadiram as ruas, quando os estudantes questionaram a separação dos
dormitórios e outros atos, afirmamos, todas estas são ações políticas e possuíam uma potência de
transformação tanto quanto as greves organizadas por sindicatos. Estes autores, tendo vivenciado
e analisado o Maio – a seu modo –, nos mostraram caminhos inéditos para a clínica, para a
política e para a produção de conhecimento. Caminhos estes que se desdobram em outros até os
dias de hoje.

Referências

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 759


NO ONTEXTO BRASILEIRO
VIDAS NA RUA: A CONCEPÇÃO DE CASA
PARA OS USUÁRIOS DO CENTRO POP
Hilana Sousa Ferreira
Sandra Alves Cavalcante
Francisco Jairo Linhares
Anne Graça de Sousa Andrade

Introdução

O
surgimento da população em situação de rua é um dos sintomas mais visíveis
da exclusão social do nosso país. Cresce cada vez mais o número de pessoas que
utilizam as ruas como moradia devido a vários fatorescomo: desemprego, doença
mental, pobreza extrema, rompimento de vínculos afetivos, conflitos familiares, uso de drogas,
entre outros. De acordo com a Política Nacional para Inclusão social da população em situação
de rua:

A população em situação de rua pode ser definida como um grupo populacional heterogêneo
que tem em comum a pobreza, vínculos familiares quebrados ou interrompidos, vivência de
um processo de desfiliação social pela ausência de trabalho assalariado e das proteções
derivadas ou dependentes dessa forma de trabalho, sem moradia convencional regular e
tendo a rua como o espaço de moradia e sustento.(Ministério do Desenvolvimento Social
[MDS], 2008, p. 09).

Silva, Oliveira, Oliveira, Coelho e Garcia (2015,p.04),afirmam que os indivíduos em situação


de rua, “muitas vezes, são vistos pela sociedade como indigentes, vagabundos, mendigos,
bandidos, loucos, sujos, enfim, são seres invisíveis, restritos de respeito, igualdade e dignidade”.
Além disso, essas pessoas se deparam constantemente com a não garantia e acesso aos direitos
sociais conquistados pela Constituição Federal de 1988, tornando-se assim sujeitos à margem de
uma sociedade excludente e preconceituosa. Dilaceradas pelo sentimento de angústia causada
pela situação de desamparo, elas precisam elaborar cotidianamente novos sentidos para suas
vidas fragilizadas.
Apesar das exclusões e dificuldades enfrentadas, as pessoas em situação de Rua, tem como
apoio o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua - CENTRO POP,
que tem como objetivo, “compor um conjunto de ações públicas de promoção de direitos, que
possam conduzir a impactos mais efetivos no fortalecimento da autonomia e potencialidades dessa
população, visando à construção de novas trajetórias de vida” (Ministério do Desenvolvimento
Social [MDS], 2011, p. 10). Observa-se na fala de alguns moradores de rua, a liberdade que tanto
buscam, e o meio que encontram para tal torna-se “a rua”. A maioria dessas pessoas entende que
longe da família se alcança a liberdade, esta que espanta, quando nos inquietamos sobre, uma

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
liberdade que parece longe de nossas expectativas, pois quando pensamos em liberdade a Rua
vai na contramão deste pensamento, onde se pode está a qualquer momento sujeito a violência,
chuva, fome, entre outros, mas esta liberdade é relatada, com outro sentido, no que tange em
não ter “algemas”, no seu sentido figurado, apontado como os pais, estes que representam a
figura das regras, dos limites, e quando se está na Rua, não há, de certa forma, este controle.
Andrade, Costa e Marquetti (2014,p.1254), corroboram com esta reflexão, onde apontam que
“as pessoas vão para as ruas por diversos fatores, mas todos apontam para uma fragilidade em
sua rede social, com seus suportes e cobranças. A rua pode não oferecer suporte, mas diminui as
cobranças e oferece maior liberdade, ainda que relativa”.
Aproximar-se do mundo desses indivíduos leva tempo. É preciso conquistar primeiro
a confiança deles. Com simplicidade e carinho aos poucos fomos tendo acesso ao mundo
desconhecido de quem tem a rua como moradia. Eles querem ser escutados. A construção da
autonomia começa em dar voz às pessoas em situação de rua. Escutar o que elas dizem nos fornecem
informações importantes para compreendermos seus desejos, sonhos e comportamentose assim
elaboração de políticas públicas realmente eficientes.
Depois de algumas visitas ao dispositivo decidimos fazer uma intervenção junto aos usuários
para conhecer melhor o que a maioria sentia ao ouvir falar da palavra “casa”. Ter uma casa como
residência nem sempre é o bastante na vida de uma pessoa, como também, o sentido de casa
parte da subjetividade de cada um, podendo ser a casa algo que está para além de um sentido
físico. Daí a importância de escutar a história de vida dessas pessoas, a fim de captar os vários
sentidos que a palavra casa tem para cada uma delas.
Nesse sentido,essapesquisa teve como objetivo compreender o sentido que a palavra
“casa” evoca no imaginário das pessoas em situação de rua. Deste modo, o sentido de “Casa”
transcende o espaço físico e evoca um estado de bem-estar bem mais amplo. Muitos se encontram
dilacerados pelo sentimento de angústia causada pela situação de desamparo, precisando elaborar
cotidianamente novos sentidos para suas vidas fragilizadas. Portanto, escutar a história de vida
dos usuários do Centro POP de Sobral, torna-se relevante, para a abertura de novos horizontes de
compreensão do que significa uma casa para quem foi levado a morar na rua e a chama de “casa”.

Método

O artigo tem como metodologia um Relato de Experiência a partir de quatro


momentosrealizados na Instituição “Centro POP” de uma cidade do Ceará. As vivências foram
realizadas com os usuários do dispositivo, durante o mês de Maio de 2017. Sobre relato de
experiência Bogdan e Biklen (1982, p. 112), apontam que“envolve um momento vivido, no contato
direto do pesquisador com a situação estudada, que possa contribuir de forma relevante para
área de atuação, onde traz as suas motivações e ações, bem como retratar a perspectiva dos
participantes”.
Os instrumentos/intervenções utilizados foram: a) Música; como forma de socializar criar
vínculo com os usuários; b) Teatro, no qual trouxemos uma encenação da história relatada do
Artigo “Casa é onde não tem fome” de Brum (2016), apresentando o sentido e significado de
casa, não se restringindo apenas à forma concreta, ou seja, estrutura física, mas para além disso,
do qual os usuários expressaram nas mais diversas formas, dando sentido, empoderamento e
voz aos mesmos e; c) Brainstorming onde foi captado palavras promotoras de sentido pelo que
eles entendiam por “Casa”, construindo assim uma “Cartolina Expressiva”. Sobre Brainstorming
Nóbrega, Neto e Santos (1997, p. 249),afirmam, “tem por objetivo coletar ideias de todos os
participantes, sem críticas ou julgamentos”.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 761


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Resultados e Discussão

No primeiro encontro, buscamos socialização entre pesquisadores-usuários através da


música e logo depois o teatro. No início eles se mostraram bastante resistentes, com uma interação
de mutismo e distanciamento. Os usuários, a priori, não queriam a intervenção, demonstravam
mais interesse em tomar sopa, que é ofertada pelo equipamento. Foi quando iniciamos a cantar e
a tocar antigas músicas bregas (a pedido dos mesmos), abrindo caminho para a reflexão proposta
pelo teatro. Segundo Wisnik (1989):

Os sons preenchem cada minuto do dia e as pessoas vivem imersas num mundo de vibrações
sonoras, cujos apelos produzem nelas, efeitos diferenciados dos outros estímulos sensoriais.
Isso se deve ao fato de que a música “fala ao mesmo tempo ao horizonte da sociedade e ao
vértice subjetivo de cada um, sem se deixar reduzir às outras linguagens”. (Wisnick, 1989,
p.12).

Percebemos a influência da música no comportamento dos usuários, exercendo um papel


importante, despertando sentimentos e emoções, onde a ausência de pessoas e coisas queridas
provoca saudade de velhos lugares onde se amou a vida. É nesse contexto de falta que a música
adquire relevância. Desta forma, os usuários exploraram seu próprio instrumento, a voz. De
acordo com Souza (2002, p.23), “todas as situações cotidianas às quais a música de alguma
forma está integrada incluem componentes capazes de provocar o movimento com o corpo, a voz
com instrumentos e objetos que estão próximos, permitindo a expressão e a comunicação”.
Com isso, o mutismo deu lugar à palavra e o distanciamento se transformou em
proximidade, fazendo com que eles ficassem, com os olhares atentos na apresentação do Teatro.
Espontaneamente a palavra foi brotando e muitos começaram a contar suas histórias de vida,
fazendo uma relação e identificação com os personagens da Peça teatral, assim estabelecemos
rapidamente um vínculo e a fome de comida se transformou em fome de sentido. A palavra antes
amordaçada foi liberada, dando vasão a compartilha de histórias, podendo, deste modo, serem
escutados sem julgamentos.
A metodologia utilizada através da arte provocou reflexão, reconhecimento da realidade
e abertura da possibilidade de novas perspectivas de vida, onde buscamos captar o sentido
que “casa” tinha em suas vidas e construindo uma “Cartolina Expressiva”. Através do método
debrainstorming, verbalizaram palavras significavas para eles como: família, confiança, aventura,
sobrevivência, amor, liberdade, sossego, carinho, trazendo também suas inquietações, onde nos
levou a perceber que em suas falas o imaginário “casa” transcende o sentido físico que lhe é
geralmente atribuído. Desta forma, responderam ao objetivo da pesquisa, que é compreender o
sentido que a palavra casa evocava para os participantes.
Segundo Oliveira et al. (2012, p. 931), “o teatro possibilita diálogo, estimula a colaboração
entre as partes e provoca a ação espontânea dos participantes”. Silveira (2009, p.383),
complementa, “o teatro como potencial para descobrir algumas das origens da diferenciação entre
conhecimentos e ações dos sujeitos”. Ou seja, o teatro tem se mostrado um dos mais importantes
meios de expressão humana ao longo dos tempos, apesar do surgimento de tantas outras formas
de comunicação.
A Proposta do teatro foi de situar o que estávamos buscando dos usuários, no caso, a
compreensão do que a palavra “casa” evocava para cada um, pois levamos uma história que
reafirmava que a casa não é meramente um lugar físico, desta maneira os usuários passaram a
observar que a história que estávamos contando se aproximava com a deles, sendo relatada a
partir do momento de diálogo, pós teatro. Alguns relataram que a história de vida do personagem

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
principal, Otávio das Chagas, era parecida com a deles, de estar sendo expulso da sua casa, esta
que era a moradia em algum lugar na rua, já nos afirmando que para eles a Rua, era significado
de “casa”.
Interessante analisar, que cada um atrelava um sentido para suas moradias na Rua,
carregando em suas falas todo um peso de histórias de vida, marcadas muitas vezes, pela rejeição,
a fuga, a busca pela liberdade, fazendo com que pensássemos sobre, pois é inquietante saber
que a rua é procurada para alcançar estas vontades, logo, podemos associar também, com a
pobreza, pois, talvez, se essas pessoas, tivessem condições, a busca pela liberdade, em sair da
casa da avó que prende, como relatado por uma usuária, o meio utilizado poderia ser a moradia
num apartamento, quem sabe. Falar de escolhas, para quem não tem condições financeiras, é
algo muito limitado, por isto não tratamos esta moradia na Rua, como uma “escolha”, mas algo
que foi recorrido de mais fácil alcance, e que a partir do momento que passaram a morar na rua
tiveram que elaborar um sentido para esta, sendo simbolizado a Rua, como a “casa’.

A reação dos transeuntes é individual, singular. Alguns culpabilizam o sistema e argumentam


a má distribuição de renda do país; outros os vêem como pessoas que fogem do trabalho,
preferindo a marginalidade à responsabilidade, e uma parte pensa neles como vítimas sem
opção, sem sorte e abandonados. (Martins et al., 2006, p.170).

Por meio dos relatos, objetivamos que a casa, que eles se referem a moradia na rua, carrega
um sentido subjetivo, sendo esta casa, a família, com quem se apoiam diante as dificuldades
enfrentadas, e os sentimentos que esta proporciona, como o carinho, o amor, e até mesmo o
sossego, tendo uma esposa que esteja presente mesmo em meio a todo enfrentamento. Já, para
outros, simboliza a liberdade, em saber que não vai ter mais uma esposa que reclame da ingestão
de álcool, ou uma avó que priva de sair pela noite, a aventura de estar procurando sempre novos
lugares para ficar, e com isto conhecer novas regiões. Estas palavras foram relatadas pelos usuários
durante a construção da “Cartolina Expressiva”, e logo observamos que falar sobre “casa” para
estas pessoas é despir-se de a prioris e escutá-los, para assim compreender que “casa” é construção,
ressignificação e além de tudo é subjetiva, pois nenhuma das histórias relatadas eram as mesmas,
mas todas carregavam um sentido e tinham suas importâncias.

Considerações Finais

As experiências adquiridas no processo de visita ao dispositivo, possibilitaram-nos um


amadurecimento no nosso percurso acadêmico/profissional, em especial, no que tange ao olhar
apurado e amplo sobre os diferentes contextos das questões sociais, que expressam nas mais
diversas situações e exigindo cada vez mais a vinculação da teoria e prática.
O processo de escuta qualificada, ponto comum a todos os espaços e que pode contribuir
e possibilitar para o fortalecimento dos sujeitos e suas demandas, mesmo com desafios que
permeiam a prática do psicólogo e demais profissionais envolvidos no processo de intervenções
e resgate da dignidade humana. Em contrapartida, percebemos o quanto vivemos ainda um
período em que o preconceito e a exclusão social ainda são determinantes para as dificuldades,
além dos desafios que implicam em maior investimento por parte do Estado, tanto nos recursos
financeiros e humanos para possibilitar melhores e mais eficientes formas de enfrentamentos à
realidade existente no campo Institucional.
Portanto, conclui-se que o sentido da palavra “casa” vai para além do sentido físico,
conforme a captura da Cartolina Expressiva, estando caracterizado de acordo com o contexto
que cada um destes usuários convive.Consideramos válido o momento, um espaço de reflexão de

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 763


NO ONTEXTO BRASILEIRO
escuta desses sujeitos, porém, precisamos de um olhar voltado para as limitações dessas pessoas
que encontraram na Rua, um espaço para morar, indo por assim dizer, construindo suas histórias
e demarcando seus territórios.Desta forma, foi importante conhecer e compreender em suas falas
as diversidades de sentimentos implícitos nos relatos de cada um, forma de obter forças para
suportar as dores emocionais.

Referências

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764  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ESTUDO DE CASO EM UM ABRIGO DE IDOSOS SOB
O OLHAR DA ANÁLISE INSTITUCIONAL
Hilana Sousa Ferreira
Ana Karine Sousa Cavalcante
Maria de Nazaré Eufrásio Alves

Introdução

O
crescimento da população de idosos é um fenômeno mundial que ocorre num
nível sem precedentes. As projeções indicam que, em 2050, a população idosa será
de 1.900 milhões de pessoas (IBGE, 2010). Segundo os dados de envelhecimento
no Brasil fornecidos pelo Ministério dos Direitos Humanos, em 2050 pela primeira vez haverá
mais idosos do que crianças menores de 15 anos, alcançando dois bilhões de pessoas ou 22% da
população global (Ministério da Saúde [MS], 2009).
“É importante compreender que o envelhecimento da população tem ocorrido num período
de mudanças sociais aceleradas, cujas circunstâncias transformam, muitas vezes, a vida do idoso
em sofrimento e privação” (Whitaker, 2010, p. 184). Se, a pouco tempo atrás era comum se
exaltar o Brasil como um país de pessoas jovens, agora precisamos lançar um olhar mais atento
para o crescimento acelerado das pessoas idosas do nosso país. Whitaker (2010) revela ainda
que o estabelecimento dos direitos sociais dessa crescente categoria exige mudanças profundas
nas atitudes da população, face ao seu envelhecimento. Com o crescimento demográfico da
população idosa, surge a necessidade de se implementar políticas públicas e instrumentos legais
em vista de oferecer aos idosos os cuidados necessários.
O cuidado para com idosos, muitas vezes está atrelado às Instituições que se proponham a
oferecer esta atenção, como no caso dos abrigos, conhecidos também como, Instituições de longa
permanência para idosos (ILPI), no qual sua origem está ligada aos asilos, inicialmente dirigidos
à população carente que necessitava de abrigo, frutos da caridade cristã diante da ausência de
políticas públicas (Camarano &Kanso, 2010; Oliveira & Tavares, 2014).
A despeito de Instituição, Lourau (1993, p. 11) relata que “não é uma coisa observável,
mas uma dinâmica contraditória construindo-se na (e em) história, ou tempo”. O cenário atual,
portanto, torna crescente a demanda pelo cuidado com a saúde de idosos, sobretudo aqueles
que vivem em regime de abrigo provisório e/ou permanente e também os que estão em situação
de abandono e/ou com vínculos familiares frágeis ou desconhecidos (Oliveira &Rozendo, 2014).
O interesse em voltar-se para os conceitos da Análise Institucional deu-se pelo fato que
esta é uma maneira singular de entender o que são as relações instituídas, bem como a forma de
trabalhá-las ou agir sobre elas como psicólogo. Sua proposta busca estabelecer um método de
compreensão das relações que os indivíduos e os grupos mantêm com as instituições (Guirado,
1987;Lourau, 1993).
Levando em consideração o apontamento acima, buscou-se trazer a Análise Institucional
como lupa, para o estudo dentro de uma Instituição que cuida de pessoas idosas, propondo analisar

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 765


NO ONTEXTO BRASILEIRO
como se configuram as relações dos cuidadores com os idosos, como também a organização
da própria instituição, suas relações de poder, a burocracia, as possibilidades de intervenção no
espaço sócio institucional e acima de tudo a perspectiva da psicologia sobre este lugar. Tornando-
se de total relevância este olhar da psicologia diante a temática, pois como iremos observar no
decorrer da pesquisa, muito ainda tem que ser trabalhado nesses espaços de cuidado com os
idosos, e poucos são os estudos que se propõem debater os conceitos da Análise Institucional no
âmbito das Instituições de longa permanência para idosos - ILPI, como também a relevância da
psicologia que adentra nesta área, fazendo-se de apoio para o trabalho com este público, que é
tão vulnerável diante os eventos da vida.

Método

A presente pesquisa se desenvolveu como parte integrante da Avaliação Parcial da disciplina


de Análise Institucional do curso de Psicologia da Faculdade Luciano Feijão, no mês de Novembro
de 2017. Teve-se como norte uma visita à uma Instituição na Cidade de Sobral/CE, para discutir
sobre os conceitos estudados em sala de aula. Adentrou-se, então, em uma Instituição de longa
permanência para idosos (ILPI) situada nesta cidade.
O estudo se configurou com o caráter qualitativo. De acordo com Richardson (1999, p.
80) “os estudos que empregam uma metodologia Qualitativa podem descrever a complexidade
de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar
processos dinâmicos vividos por grupos sociais”. Como estratégia de pesquisa foi utilizado
o Estudo de Caso. Segundo Yin (2005, p. 34) “é o método mais adequado para conhecer em
profundidade todas as nuances de um determinado fenômeno organizacional”.
O Instrumento de coleta de dados utilizado foi a Entrevista Semiestruturada, para Boni
e Quaresma (2005, p. 73) “na entrevista semi estruturada, o entrevistado tem liberdade para
desenvolver o tema proposto. Nesse tipo de entrevista, a condução é semelhante a um bate-
papo”. Contou-se com um roteiro sugestivo que abordou os seguintes aspectos: história da
instituição, organograma, serviços prestados, relações de poder e objetivos do trabalho do
psicólogo. Contamos com o apoio da Assistente Social, que trabalha atualmente na Instituição,
para a coleta de dados.

Resultados e Discussão

Em meio aos estudos em sala de aula a despeito da Análise Institucional, debateu-se sobre os
conceitos dos autores que tiveram grande influência nesta área (René Lourau, Georges Lapassade,
Guilon Albuquerque e José Bleger), assim pode-se entrar no campo da análise, com um olhar
voltado ao tema.Foi analisada a instituição como um todo, quanto a sua organização, levando
em consideração desde os seus aspectos históricos, a inserção da psicologia na Instituição, e a
relação dos conceitos da Análise Institucional.
A referida instituição foi fundada na década de 50 no seio da Igreja Católica tendo como vista
a demanda e compromisso ético e político voltado por uma sociedade mais justa. Está situada
em uma casa cedida pela Diocese tendo ao lado uma Igreja Católica tradicional na cidade. Até o
momento, esta instituição se mantém com apoio de doações e trabalhos voluntários.
Foi analisado o Organograma, que tem na parte superior da pirâmide, a Diocese, seguidos
pela Direção, Coordenação, Secretaria, Assistente Social, Enfermeiros, Técnicos de enfermagem,
Cuidadores, Cozinheiras, Merendeiras e Agentes de limpeza, sendo alguns desses funcionários
contratados a partir de Seleção por RH de Instituição parceira, como é o caso da Santa Casa de
Misericórdia de Sobral, como também de Seleção por parte da própria Instituição. Sendo estas

766  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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seleções baseadas na análise de currículo, prova e entrevista, propondo observar o melhor perfil
para o trabalho com os idosos. Percebe-se, assim, que há um quadro bem amplo de funcionários,
e de acordo com a análise no local, como também, a fala da entrevistada, a Instituição busca
promover um melhor atendimento para os idosos, tendo eles, atividades diárias, já desenvolvidas
no início do ano para compor o calendário, como é o caso de visitas a alguns lugares na cidade,
a arterapia, confraternizações, de acordo com as datas comemorativas, com o intuito de não
deixá-los ociosos. Além do quadro de funcionários, o Abrigo conta com o apoio da Universidade
Federal do Ceará – UFC, que proporciona momentos de lazer, como o contato dos acadêmicos
de música.
Para Lourau (1993) as Instituições abrigam relações de poder, visto que as implicações
ideológicas e políticas estão sempre presentes. O apontamento do autor corrobora com a análise
feita a despeito da Diocese, sendo esta, a figura da relação de poder no abrigo. A perspectiva da
Igreja Católica está presente em todas as decisões e orientações do corpo diretivo desta instituição.
Observou-se que a instituição não conta em seu quadro funcional com um psicólogo, apenas
conta com o apoio de uma residente em saúde mental que visita a instituição duas vezes ao mês,
sem ter, portanto, um vínculo com o grupo. A residente que se encontra atualmente no Abrigo,
além de ter um contato breve com a Instituição, não se propõe a utilizar dos seus conhecimentos da
Terapia Cognitiva Comportamental- TCC, para com a equipe, limitando-se assim de desenvolver
um trabalho mais voltado ao público dos idosos, que carecem de uma atenção psicológica.
Percebeu-se na fala da profissional entrevistada, Assistente Social, uma posição de Instituinte,
pois a mesma se propõe a realizar atividades mais direcionadas às limitações dos usuários da
instituição e questiona atuações cristalizadas propostas por profissionais sem nenhuma análise
crítica do contexto (Lapassade, 1987). Já no que tange asrelações de poder, observa-se a Diocese,
estando no topo da pirâmide, administrando toda a Instituição numa posição mais distante,
sendo a direção, comandada por esta, mas estando num contato próximo com a realidade
enfrentada no abrigo.
Em decorrência da postura de Instituinte, análise feita para com a entrevistada, Assistente
Social, Lapassade (1989) vem afirmar que o Instituinte é algo ou alguém que questiona a própria
Instituição e promove mudanças. Se fazendo então, de extrema importância para a transformação
do ambiente.

Considerações Finais

Foi possível identificar que seria interessante um trabalho com o fortalecimento desses
idosos, no que diz respeito ao enfrentamento desta fase que é a velhice, atrelada ao abandono,
também, não menos importante, um trabalho com os cuidadores, que enfrentam diariamente o
sofrimento dessas pessoas.
Os idosos desta instituição passam por um sofrimento psíquico diante a rejeição, por vezes,
do seio familiar, bem como a ociosidade de estar naquele ambiente, limitados de uma maior
liberdade, e das próprias condições físicas e mentais que se apresentam nesta etapa da vida,
que é a velhice. Diante disso, constatou-se que é necessário a inserção de um profissional da
Psicologia, não apenas para acompanhamento do sofrimento psíquico, mas também para uma
atuação institucional como forma de proporcionar autonomia deste grupo no qual se percebe
um acolhimento da instituição voltado tão somente para o assistencialismo. Analisando os
conceitos de Bleger (1984, p. 56)“a psicologia deve estar para além dos consultórios, não se
dedicar apenas a terapia individual e promover saúde e bem estar”, reafirmando então, com este
posicionamento, a importância do Psicólogo nesses ambientes, onde o sofrimento está presente,
e carece da promoção de saúde e exercício da autonomia e liberdade de expressão.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 767


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Mediante o contato com a Instituição, sentimos uma dificuldade no que tange o pouco
tempo de inserção no local, tendo assim como oportunidade futura um aprofundamento dos
conceitos estudados ao longo do semestre, bem como realizar uma pesquisa intervenção neste
campo. Desta forma, teríamos a oportunidade de identificar melhor os conceitos em questão
e propor uma intervenção com o grupo de idosos e com os profissionais. Portanto, para haver
uma análise mais aprofundada da instituição, seria necessário um maior tempo para percepção
das relações de poder, instituído e instituinte. São conceitos bem delicados, e que necessitam de
um maior tempo para análise mais conceituada e fidedigna dos fatos, mas não descartamos a
oportunidade que tivemos, que apesar de ter sido apenas uma visita, alcançamos os objetivos
propostos, como também, foi relevante a inserção ao campo, pois foi possível debater toda a teoria
estudada em sala de aula, desse modo conseguimos captar com mais precisão os fundamentos
teóricos.

Referências

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Sociais. Em Tese, 2(1) 68-80.

Bleger, J. (1984).Psico-Higiene e Psicologia Institucional. São Paulo: Artmed.

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Brasil. Revista Brasileira de Estudos de População, 27(1), 232-235. doi: http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0102-30982010000100014.

Guirado, M. (1987). Psicologia institucional. São Paulo: EPU.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] (2010). Síntese de Indicadores Sociais. Uma
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Lapassade, G. (1989). Grupos, Organizações e Instituições. Rio de Janeiro: Francisco Alves.

Lourau, R. (1993). Análise Institucional e Práticas de pesquisa. Rio de Janeiro: UERJ.

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7167.2014670515.

Oliveira, P. B., & Tavares, D. M. S. (2014). Condições de saúde de idosos residentes em Instituição
de Longa Permanência segundo necessidades humanas básicas. Revista Brasileira de Enfermagem,
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Richardson. (1999). Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas.

Whitaker, D. C. A. (2010). O idoso na contemporaneidade: a necessidade de se educar a sociedade


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Yin, R. K. (2005). Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.

768  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PRINCESAS DISNEY: UMA ANÁLISE DA EVOLUÇÃO
SOBRE A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO
Lídia Maria de Medeiros da Silva

Introdução

A
The Walt Disney Company é uma companhia multinacional, pioneira na indústria
de animação dispondo de várias empresas subsidiárias como: Walt Disney Pictures,
Walt Disney Animation Studios, Pixar Animation Studios, Lucasfilm, Marvel
Entertainment, entre outras. Essa multinacional é responsável pelo lançamento de vários filmes
por ano, no entanto a empresa é reconhecida pelos filmes de princesas que produzem destinados
ao público infantil, mais que acabam agradando diversos públicos de todas as idades.
Santos e Barbosa (2016, p. 83) dizem que a Disney, como é mais conhecida, faz com que as
pessoas que assistem suas produções associem seu nome a magia, fantasia e sonho, no presente,
consideram a Disney um império, devido aos seus parques temáticos, desenhos animados, redes
de televisão, produção de cinema entre outras ramificações.
Através da franquia “Disney princesas” a empresa Disney lançou em 2017 a campanha
sou Princesa sou real. Buscando empoderar as meninas, através da identificação delas com as
personagens femininas dos contos de fadas, usando como base os atos heroicos que estas realizam
durante seus filmes, suas atitudes mediante os conflitos e o desfecho da historia que apresenta
sempre um final feliz.
No site oficial (http://disneyjunior.disney.com.br/princesas, recuperado em 12 de Dezembro,
2017) a campanha possui frases de efeito como: “Sou Princesa sou real” ou “Sonhe alto, sempre
tem uma princesa que mostra que é possível.” Foram criados vídeos que mostram meninas
brincando ou realizando esportes; praticando skate, arco e flecha, canoagem, escalada, dentre
outros. Observa-se que a campanha motiva as meninas a realizarem atividades nas quais pareçam
desafiadoras e grandiosas para elas.
O gosto da pessoa pelo personagem é fruto do processo de identificação que ocorre
quando a pessoa admira/deseja uma qualidade ou atitude que o personagem tem, ou quando o
personagem enfrenta situações que são semelhantes ao que ele (espectador) passa em de sua vida.
O primeiro filme lançado pela Disney sobre princesas foi: Branca de Neve e os Sete Anões
(1937), em seguida, Cinderela (1950) e A Bela Adormecida (1959). Os outros filmes pertencentes
à linha oficial “Disney princesas” são: A Pequena Sereia (1989), A Bela e a Fera (1991), Aladdin
(1992), Pocahontas (1995), Mulan (1998), A Princesa e o Sapo (2009), Enrolados (2010),
Valente (2012), Frozen (2013) e Moana: Um Mar de Aventuras (2016). Os enredos dos filmes são
geralmente releituras de historias consideradas clássicas ou inspiradas em contos já existentes.
A franquia conta atualmente com 14 princesas, onde cada uma se diferencia da outra,
algumas são dotadas de uma personalidade passiva enquanto outras são mais ativas. Dentro
desse mundo de princesas, elas foram divididas em três categorias; clássicas, rebeldes e
contemporâneas.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 769


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Ao longo das divisões feitas, segundo as categorias já citadas, é possível notar a evolução da
representação feminina e dos estereótipos que os filmes trazem. Moscovici e Nemeth (1974, p.48)
ressaltam a cerca das representações sociais que estas são conjuntos dinâmicos, que destacam
a formação de comportamentos e relações com o meio social, referentes a valores e conceitos.
Essas relações sociais e valores são percebidos através de protagonistas com uma personalidade
mais ativa a cada produção, que não esperam que os problemas sejam resolvidos por outras
pessoas e até mesmo a mudança do final dos filmes.
Para Lopes (2015, p. 42) “A transmissão do estereótipo das princesas pelos filmes pode se
dar de forma a orientar, ou reorientar, comportamentos e atitudes, nutrindo em sua audiência um
sentimento de diferenciação, de individualidade, enquanto ao mesmo tempo leva à uniformização
e padronização coletiva”.
O presente trabalho tem como objetivo analisar a mudança pela qual os filmes de princesas
da Walt Disney Company passaram, para tanto buscou-se relacionaro período em que cada
filme foi lançado, com o contexto histórico e social presente no momento de seus respectivos
lançamento.

Desenvolvimento

Na categoria das princesas clássicas incluem-se: Branca de Neve, Cinderela e Aurora,


suas produções foram lançadas entre os anos de 1937 e 1959. Nesses filmes as princesas são
representadas de acordo com o ideal feminino e padrão de beleza da época, que consistia em
relação ao ideal feminino a realização de afazeres domésticos e características como: fragilidade
e dependência, e sobre o padrão de beleza, juventude, traços faciais harmônicos, corpo muito
esbelto, cabelos lisos e pele branca.
Lopes (2015, p. 42) fala que essas princesas possuem como seu único objetivo, encontrar
um par onde possam obter o amor verdadeiro e então dedicar-se a funções domésticas como:
cuidar do marido, dos filhos e da felicidade de sua família.
O enredo dessas animações trazem mulheres que possuem um problema, precisam ou
esperam ser salva, além de idealizarem o amor romântico, a primeira princesa Branca de Neve
tem um problema com a madrasta que tenta mata-la por a princesa ser mais bela que ela, ou seja,
sua beleza exacerbada causa a inveja em sua madrasta e esta por vaidade coloca a princesa em um
estado de sono profundo, no qual um homem desconhecido lhe desperta com um beijo de amor
e ambos passam a viver feliz para sempre.
Cinderela tambem sofre com a madrasta e suas duas filhas que constantemente a humilham
e a ordenam executar toda a espécie de afazeres domésticos, mais por sua beleza ela consegue
chamar a atenção de um príncipe que se apaixona por ela retirando-a da vida de sofrimento
através do casamento, tornando-a uma princesa. Aurora foi abençoada com o dom da beleza e
amaldiçoada por uma bruxa, destinada a cair em um sono profundo, sua única esperança é um
beijo de amor que também a desperte da sua condição. Todas tem um final feliz através de um
casamento com um príncipe.
Na categoria de princesas rebeldes estão: Ariel; Bela; Jasmine; Pocahontas e Mulan; seus
filmes foram lançados entre os anos de 1989 a 1998. Lopes (2015, p. 44) destaca as seguintes
mudanças em relação às princesas clássicas, não são conformistas, lutam contra as regras que
as oprimem por quererem novas experiências, elas buscam mais independência. As modificações
em suas ações são reflexos de uma sociedade que passou a dar mais espaço as mulheres tirando-
as de um papel passivo e possibilitando-as mais autonomia nas suas decisões. Nessa fase ocorre
a inclusão de princesas que representem outros países e partes do mundo, assim como outros
costumes e culturas.

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Ariel é uma sereia que deseja conhecer o mundo da superfície na busca pelo que almeja
desobedece a seu pai, e consegue pernas para ir até a superfície onde tem um romance com um
príncipe e posteriormente se casam. Bela é taxada em sua aldeia como esquisita, pois tem o habito
da leitura, sonha com um mundo diferente, com novas possibilidades para ela e não se interessa
pelo melhor partido da aldeia, Gaston. Bela se apaixona por um príncipe amaldiçoado que esta
em forma de um monstro, ela é a primeira princesa a salvar o seu príncipe, não com um beijo
como se vê nas outras produções mais através do sentimento que surge entre eles durante sua
convivência.
Jasmine representa os países Árabes, por lei ela deve se casar, mas não se agrada de nenhum
dos pretendentes apresentados por seu pai embora todos sejam bastante ricos, ela desobedece
ao pai e consegue fugir do palácio andando pelas ruas de Agrabah para conhecer seus súditos e
acaba se apaixonando por um jovem que pratica pequenos furtos, com quem tem seu final feliz.
Pocahontas é uma jovem índia norte-americana, corajosa e que discorda da ideia de se casar com
Kocoum para obter estabilidade, mesmo ele sendo um dos melhores guerreiros de sua tribo, sua
curiosidade a faz conhecer o inglês John Smith por quem se apaixona.
Mulan representa as mulheres chinesas, numa cultura onde as tradições devem ser seguidas
para honrar sua família, ela não realiza com destreza os afazeres que competem a uma “perfeita
esposa” sendo considerada uma desonra para sua família. Vendo seu pai doente e recebendo a
convocação para servir ao exercito imperial, ela decide se disfarçar de homem e entra no exercito
no lugar do pai (arriscando sua própria vida), para isso corta o longo cabelo e rouba a armadura
do pai, fugindo no meio da noite. Mulan faz o treinamento e luta em combate, suas atitudes
resultam no salvamento da China, e em um romance com o general Chang.
Essas princesas não esperam salvamento, Ariel toma o controle de sua vida, Bela e Pocahontas
salvam seus pares, Jasmine consegue flexibilidade na lei que determinava seu casamento podendo
ela escolher seu cônjuge, enquanto Mulan quebram as regras e finda salvando a China. “Desta
forma, as princesas rebeldes não mais sonham com o príncipe encantado e vivem à espera do amor
verdadeiro para serem felizes. Elas vivem as próprias vidas e, como parte da vida, se apaixonam e
vivem um grande amor”. (Lopes, 2015, p.45)
A categoria de princesas contemporâneas é constituída por: Tiana, Rapunzel, Mérida, Anna,
Elza e Moana. Elas são exemplos de mulheres nos dias atuais, mais independentes e no controle
de suas vidas, essa nova fase iniciou em 2009 e perdura ate o presente ano.
Tiana inicia essa fase, seu sonho é montar um restaurante e para isso trabalha em dois
turnos como garçonete, esse sonho acaba influenciando-a a ajudar o príncipe Naveen que esta
em forma de sapo por causa de um feitiço, a voltar a ser humano. Juntos vivem uma aventura
e descobrem o amor, sem conseguirem se transformar em humanos, Tiana faz uma escolha de
desistir de seu restaurante e casar-se com o Naveen, porém após o casamento ambos tornam-se
humanos novamente e Tiana realiza seu sonho de montar seu próprio negócio.
Rapunzel é sequestrada ainda bebê e criada em uma torre de forma isolada, tendo contato
apenas com sua sequestradora, ela conhece Flynn Rider, um ladrão que invade sua torre para fugir
da perseguição em decorrência de um furto que cometeu. Rapunzel sonha em ir a cidade ver as
luzes flutuantes e decide ir com Flynn Rider por quem se aproxima e apaixona-se. Nessa jornada
ela enfrenta muitas situações perigosas usando como defesa seu enorme cabelo e descobre que
ela é uma princesa.
Mérida não segue as regras da realeza, ela gosta de cavalgar, e devido ao seu gosto pouco
tradicional tem intensos conflitos com sua mãe que tenta fazer dela uma princesa perfeita. Em um
momento do filme três pretendentes disputam pelo direito de se cassarem com ela, ousada, ela
decide participar da competição e ganha, revelando toda sua destreza com arco e flecha.
Anna e Elza são irmãs e tem comportamentos opostos enquanto, Elza é a primogênita e a
próxima na linha de sucessão, devido aos seus poderes mágicos ela vive isolada em seu quarto, o

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 771


NO ONTEXTO BRASILEIRO
que a faz ser objetiva, enquanto Anna a mais nova, é sonhadora, ingênua e romântica. Enquanto
Elza tem como preocupação o controle de seus poderes, Anna, primeiro apaixona-se pelo príncipe
Hans, após um incidente em que Elza trás um inverno a cidade, Anna parte em busca da irmã
para que ela traga o verão de volta, despropositadamente Elza a golpeia no coração com seus
poderes de gelo, para não congelar, ela precisa de um “ato de amor verdadeiro” e nessa jornada
se aproxima de Kristoff, mas é só quando ela impede que Elza seja morta que consegue livrar-se
do encantamento.
Moana é a princesa mais nova da Disney, uma jovem determinada e apaixonada pelo mar, é
filha do chefe da tribo, e escolhida pelo oceano para devolver o coração da deusa Te Fiti, que foi
roubado por o semideus Maui, sozinha ela navega atrás do semideus para junto com ele devolver
o equilíbrio ao mundo, já que as plantas das ilhas estão adoecendo e o oceano ficou perigoso
demais para ser explorado.
Lopes (2015, p. 47) ressalta que as princesas contemporâneas possuem objetivos, são seguras
sobre si e mais independentes, elas se relacionam num sentido de complementar-se, buscando
com o par uma relação de parceria.
A inclusão de protagonistas negras e pardas, assim como, formato do corpo mais encorpado
e cabelos cacheados é percebida, tambem nota-se uma mudança ao se retratar o amor.

Considerações finais

Observa-se que a representação da mulher foi sendo modificada e adequada ao modelo


feminino recorrente na sociedade de acordo com o ano em que a animação foi lançada,
incorporando comportamentos e valores mais atuais, segundo Pimenta (2009, pp. 34-35) as
primeiras mudanças nessa representação se deve aos movimentos feministas que ocorreram e
influenciaram a empresa de Walt Disney a criar ou adaptar as personagens e enredos, portanto
por volta da década de 1970, ocorre de fato uma significativa mudança nas personagens mulheres
que viriam a protagonizar os filmes.
No primeiro momento as princesas personificavam a beleza e o cuidado com os afazeres
domésticos, não só necessitavam de ajuda, precisavam que as figuras masculinas personificada
no príncipe as salvassem. Sendo assim vemos protagonistas passivas sempre salvas por um homem
e que desfrutavam do amor eterno e do felizes para sempre.
Com a luta do movimento feminista sendo reconhecida, ocorreram mudanças decorrentes
de um contexto em que as mulheres tentavam conquistar seu espaço na sociedade, em reflexo
aesse momento, essas princesas passaram a ser representadas também como protagonistas que
lutam para tomar suas próprias decisões, são corajosas, se arriscam, mesmo que para isso elas
quebrem regras que ditavam a norma de sua sociedade. Bela gostava de ler diferente das outras
pessoas de sua aldeia, Mulan toma uma decisão ousada e entra para o exercito, um ato que pode
custar-lhe a vida, mesmo quando abandonada pelo exercito, volta e graças a suas estratégias salva
toda a sua nação.
Percebe-se que nesse segundo momento, as protagonistas tem um objetivo diferente, elas
não pensam inicialmente em encontrar um parceiro, elas gostariam de ter novas experiências, tem
atitude e encaram as consequências de seus atos, são resolutas quando precisam salvar alguém,
e mais do que princesas, podem ser consideradas heroínas, o amor para elas aparece como algo
natural que ocorre com qualquer pessoa, mas não como o único objetivo na vida de uma mulher.
No terceiro momento vê-se a introdução de mulheres que já possuem espaço para solidificar
sua independência, personagens mais encorpadas, cabelos mais naturais como os cacheados
e a diversidade do enredo são características dessa fase. Diminui-se a representação do amor
romântico e amplia-se a abordagem de outras formas de amor.

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Observa-se que a primeira personagem dessa fase é negra, representando uma boa parte
da população, porém ela ainda possui os cabelos bem lisos, determinada ela luta para realizar
um sonho de ter o seu próprio negocio no ramo da culinária, para tanto, exerce uma função
remunerada, sendo a primeira princesa á trabalhar, mostrando-nos uma representação mais
atual do comportamento feminino. Em decorrência das situações que acontecem em sua vida, ela
encontra o amor romântico assim como Rapunzel segundo filme dessa fase, esta adaptação do
conto para o cinema trás uma personagem ingênua como as princesas clássicas, para alguns pode
ser considerada um retrocesso, porem a personagem é curiosa e ousa se arriscar para fora de sua
zona de conforto, se pensado o contexto de isolamento em que ela foi criada é natural que ela não
possua uma personalidade tão marcante como outras de sua fase.
Valente, no entanto mostra uma mulher de atitude, cuja não aceitação dos valores femininos
que lhes são impostos causam conflitos diretos com a mãe. O filme retrata até em determinado
momento uma cena onde Mérida é disputada pelos pretendentes, num entanto o filme retrata
o conflito direto de mãe e filha pela imposição de valores tradicionais, e foca no amor familiar
entre as personagens, sendo o primeiro filme no qual uma princesa acaba sem um envolvimento
romântico.
O filme Frozen trás um diferencial é o primeiro filme que possuem em seu enredo duas
princesas protagonistas, as personagens se diferenciam por possuírem comportamentos opostos,
Anna a filha caçula é romântica e encontra no filme dois personagens por quem se interessa
amorosamente, enquanto Elza a primogênita que foi coroada rainha, preocupa-se em controlar
seus poderes mágicos, a forma de amor expressa é a fraternal, apesar da relação conturbada
que as irmãs possuíam a preocupação que ambas tinham uma com a outra foi o que salvou
Anna de ser congelada por um incidente com os poderes de sua irmã, ficando o amor romântico
em segundo plano, sendo algumas vezes desdenhado pelas indagações e expressões de surpresa
quando Anna conta que conheceu um príncipe e que na mesma noite eles resolveram se casar.
Porem mais do que uma historia que fale de amor, Frozen relata a exclusão ao que é diferente,
Elza possuía habilidades magicas e por isso cresceu isolada e com medo de ferir alguem, no fim
ela assume o trono e todos do reino aprendem a conviver com a diferença que ela porta, enquanto
Anna parece decidir ter um relacionamento com Khristoff antes de decidir se casarem.
Moana quebrou regras, a historia trás uma personagem negra, de cabelos volumosos e
cacheados, determinada à futura líder de sua aldeia é escolhida pelo oceano para devolver o
coração da deusa Te Fite e restaurar o equilíbrio, já que o planeta parece passar por um desastre
ambiental devido a deusa ter o poder da criação. Moana não tem um relacionamento amoroso,
nem um pretendente é apresentado durante o filme e ela não sofre pressão para casar-se, é possível
notar que uma das questões que é retratada é o controle que o pai, chefe da tribo tenta exercer em
relação à filha no que diz respeito à sucessão e a vontade que a adolescente possui em navegar.
Tenaz ela navega sozinha em rumo ao desconhecido, e embarca em uma grande aventura pelo
oceano, na qual encontra um semideus com quem aprende a arte da navegação e juntos eles
completam a missão dada a Moana, no fim ela volta para sua ilha e decidem voltar a navegar
como seus antepassados, ensinando seu povo o que aprendeu com Maui o semideus.
Ao longo da história as mulheres têm sido representadas como frágeis e submissas, passivas
de acontecimentos, para que um filme seja tido como sucesso ele precisa alcançar um alto índice
de bilheteria, esse resultado só é possível se as pessoas se identificarem com os personagens que
lhes são apresentados, desse fato provem o início da Disney com princesas como: Branca de
Neve, Cinderela e Aurora. Princesas extremamente boas e submissas, que sonham com o príncipe
encantado e finalizam com o seu felizes para sempre.
A evolução dos padrões femininos é evidente e torna-se perceptível pelas modificações que as
animações estão apresentando-se. A franquia Disney princesas está mostrando isso, atualmente

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 773


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ás personagens femininas são retratadas de formas mais autônomas e empoderadas, quebrando
com as normas sociaise estereótipos.
Segundo Aguiar e Barros (2015, p. 8) é possível que “o pensamento de uma época influencia
o processo de formação da identidade, que pode ser verificado nas narrativas e, portanto, nas
representações. Os contos de fadas refletem este pensamento, pois seus personagens e a história
são fruto do imaginário de um dado momento histórico”.
Vê-se que ao longo das divisões feitas, segundo as categorias já citadas, nota-se a evolução da
representação feminina e dos estereótipos que os presentes filmes trazem, através de personagens
com uma personalidade mais ativa a cada filme, assim como modificações em seus enredos que
retratam as mudanças da sociedade e até mesmo a alteração do felizes para sempre em algumas
produções. Essas novas princesas, não esperam que as coisas sejam resolvidas por outras pessoas
elas decidem e agem segundo o que julgam certo e preciso.
A diversidade na representação do padrão estético tambem pode ser considerada uma
mudança positiva, as princesas clássicas são brancas de cabelos lisos duas delas são loiras e
são associadas a grandes palácios. Pode-se entender que elas representam uma realeza europeia
devido à forma tradicional como se apresentam.
As princesas rebeldes por sua vez surgem nas telas com uma diversidade inegável, Ariel a
primeira princesa dessa fase é uma sereia que depois vira humana, na historia de A Bela e a Fera
fica claro que Bela é francesa e toda á historia passa-se na França, Jasmine vem com uma pele um
pouco mais escura e roupas diferentes das usadas por as outras princesas, ela representa os países
Árabes. Pocahontas é a princesa que representa uma tribo indígena, Ameríndia ela possui pele
com um tom pardo, roupas que permitam mais movimentos e uma pintura em seu braço. Mulan
mostra-nos a tradição chinesa, seus traços físicos são característicos do estereótipo de seu povo
assim como seus costumes.
Ainda que a representação de outros povos e culturas tenham se modificado foi somente na
fase das princesas contemporâneas, que a Disney trouxe de fato sua primeira princesa negra, mais
especificamente no ano de 2009. Atitude importante para a representação social de uma parte
da população que geralmente é esquecida no cinema, televisão e mesmo na criação de bonecas
e bonecos infantis. Rapunzel nos trás novamente a realeza tradicional, com um castelo imenso
seus cabelos longos e loiros e sua pele clara, no entanto sua dificuldade de adaptação pode ser
considerada uma crítica sutil ao estereótipo que esta no imaginário social de como ser princesa.
Mérida apresenta-se como a primeira a ter uma cabeleira de cachos volumosos e curvas mais
preenchidas, mais um indicio que as animações se atualizam ao passo que a sociedade muda.
Anna e Elza parecem ser da Noruega ou de algum lugar próximo, ambas possuem pele e cabelos
claros, á ultima princesa ate o presente momento, Moana é retratada um pouco mais encorpada,
de pele negra, rosto mais redondo, cabelos cacheados e volumosos e roupas leves, em sua aldeia
todos os habitantes possuem uma cor semelhante a sua inclusive o semideus Maui.
A TRS - Teoria das Representações Sociais, conta com dois processos básicos a ancoragem e
a objetivação, Pavarino (2003) comenta que o processo de objetivação, consiste na parte teórica
da representação que se transformara em imagem concreta devido a capacidade de realização que
a linguagem e o pensamento possuem, dessa forma as ideias e imagens relacionadas a um mesmo
conteúdo, antes teóricas reagrupam-se tornando-se real. Enquanto a ancoragem, diz respeito a
parte simbólica da representação, na qual compreende-se e aprende-se os elementos familiares
identificando-os e denominando-os, esse processo limita-se em assimilar as imagens que foram
elaboradas pela objetivação, de forma que as novas imagens possam se unir as imagens anteriores,
originando novos conceitos.
Se os processos de ancoragem e objetivação forem considerados e possível perceber que
novas representações sociais acercado feminino estão sendo criadas pelos espectadores uma

774  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
vez que constata-se que cada princesa tem sua forma de agir e que a cada filme lançado pela
empresa a partir da fase rebelde sofreu modificações de forma a procurar trazer os personagens
para o mais próximo do público, diversificando os grupos e países aos quais as protagonistas
representam, as formas como agem, atitudes, pensamentos e adaptando-os a tramas mais atuais,
explorando outras formas de amor além do amor romântico e a modificação do final feliz no qual
a princesa termina com o príncipe encantado, para um final que elas não precisam encontrar o
amor romântico, e que podem acabar sozinhas seguindo suas vidas de acordo com o que desejam.
O que acaba sendo positivo para a sociedade, pois as meninas antes submissas e dentro
dos padrões ditados por uma sociedade onde as oprimia e tentava fazer com que seguissem uma
norma, atualmente assistem e inspiram-se em personagens que tomam iniciativas e não desistem
de seus objetivos apesar dos obstáculos que aparecem as mesma como empecilho, as princesas
mais modernas mostram que não deixaram de ser femininas por serem corajosas, independentes
e estarem sem par. Mostrando como o feminino pode ser reconhecido não só na princesa
maquiada, loira e a procura do seu grande amor mas também naquela princesa parda de cabelos
cacheados que luta para cumprir uma missão na qual foi designada e que acaba sozinha mas
realizada em seus objetivos, esses fatos acabam refletindoa realidade, na qual existem mulheres
que pensam e agem diferente mas nem por isso significa que alguma delas esteja agindo errado,
apenas transparece que atualmente as mulheres dispõem de um maior número de escolhas que
lhes permite decidir sobre sua vida.

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776  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ATENDIMENTO PSICOLÓGICO VIRTUAL:
UMA ANÁLISE FENOMENOLÓGICA
Anderson de Oliveira Brasil
Jean Marlos Pinheiro Borba

Introdução

A
s interfaces da psicologia e informática não se resumem a comunicação entre
pessoas. Dentre tantas formas de uso, a internet é utilizada em práticas psicológicas,
principalmente quanto ao atendimento clínico virtual, também denominado
como terapia virtual ou e-terapia18. E-terapia um termo genérico que abrange uma ampla gama
de terapias psicológicas e comportamentais entregue com a assistência de tecnologia digital,
muitas vezes é usado de forma intercambiável com terapia computadorizada ou terapia entre
computadores (Stasiak & Merry, 2013, p. 02).
Lee (2010) aponta que nos Estados Unidos há preocupação apropriada para o atendimento
psicológico virtual, que consiste na adequação do problema do cliente ao que poderá resolver.
Logo, para Lee (2010), demandas psicológicas que dificultem a precisão da avaliação ou que
não seja possível assegurar um retorno confiável para os clientes, talvez não se encaixem nessa
modalidade de atendimento psicológico. A autora argumenta ainda, que em particular, transtorno
alimentar ou psicose grave não seria bem dentro dessa modalidade devido à dificuldade em
garantir a segurança ou a precisão da avaliação sem pistas visuais e a proximidade física do cliente.
Em razão de o atendimento psicológico virtual ser um procedimento bastante utilizado na
sociedade americana, as associações responsáveis pelas diretrizes e código de condutas estão em
constante análise para garantir a seguridade da prestação de serviço. Contudo, há um déficit
na prestação de serviço, na qual muitos profissionais não seguem as diretrizes da Associação de
Aconselhamento Americano. (Shaw & Shaw, 2006 como citado por Lee, 2010, p. 04), mostram
que menos da metade dos sites de aconselhamentos nos Estados Unidos, seguiram as normas
éticas, o que pode proporcionar, segundo esses autores, sérios danos tanto ao terapeuta quanto
ao cliente, bem como contribuir para má reputação do modelo.
O primeiro contato que tivemos com o tema foram os trabalhos realizados pelo Núcleo
de Pesquisas de Psicologia em Informática (NPPI), da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), e também os trabalhos de Farah (2009); Nicolaci-da-Costa (2006); Nicolaci-
da-Costa & Leitão, (2000); & Siegmund e Lisboa (2015). Além do NPPI da PUC/SP, houve ainda
alguns eventos sobre o tema, como aponta o trabalho de Nicolaci-da-Costa e Leitão (2000), que
demonstram importantes fatos históricos do desenvolvimento dos computadores e da internet nos
Estados Unidos e no Brasil, alertando a importância de países europeus também. Trazem ainda,
alguns acontecimentos sobre o tema como no I Seminário de Psicologia e Informática em 1998,
organizado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP).
18 Nesta pesquisa iremos utilizar o termo: Atendimento psicológico virtual.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 777


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Em outros dois eventos importantes o CFP abriu espaço para a discussão direcionada aos
impactos da internet no mundo e para a Psicologia no II Seminário de Psicologia e Informática
realizado no ano 2000, no qual houve polêmica quanto ao se pensar sobre o uso instrumental
da internet com o atendimento psicológico virtual. Na mesma direção, o Conselho Regional de
Psicologia do Rio de Janeiro, realizou o evento intitulado ‘Psicoterapia e Internet: uma parceria
delicada’, que tratou sobre os riscos e limites que o trabalho psicológico pode ter com o uso de
comunicação à distância.
Quanto às resoluções, a mais recente (Resolução n. 11, 2012, p. 01), na qual o CFP
revogou as anteriores, “regulamenta os serviços psicológicos realizados por meios tecnológicos
de comunicação à distância, o atendimento psicoterapêutico em caráter experimental”. Há
o reconhecimento de outras modalidades de serviços psicológicos realizados por meios de
comunicação à distância:

I. As Orientações Psicológicas de diferentes tipos, entendendo-se por orientação o


atendimento realizado em até 20 encontros ou contatos virtuais, síncronos ou assíncronos;
II. Os processos prévios de Seleção de pessoal; III. A Aplicação de Testes devidamente
regulamentados por resolução pertinente; IV. A Supervisão do trabalho de psicólogos,
realizada de forma eventual ou complementar ao processo de sua formação profissional
presencial; V. O Atendimento Eventual de clientes em trânsito e/ou de clientes que
momentaneamente se encontrem impossibilitados de comparecerem ao atendimento
presencial. (Resolução n. 11, 2012, p. 01).

Nesta resolução o CFP deixa claro que os atendimentos devem ser informativos, focados
no tema e que não contrariem o Código de Ética do Psicólogo. Esses vinte encontros que trata o
inciso I, segundo Farah (2009), não se trata de psicoterapia online, ela por sua vez, continua sob
restrições, sendo permitida a sua realização virtual apenas em caráter de pesquisa. Com base
nessa ideia o atendimento psicológico virtual se difere da psicoterapia online, Fortim, Antônio
e Consetino (2007), declaram que esta trata de uma psicoterapia em um modelo presencial
transposto para a internet, porém, essa prática é proibida pela resolução acima citada, cabendo
somente em forma de pesquisa aprovada em comitê de ética e de acordo com a (Resolução n.
196, 96) do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Fortim et al (2007, p.167), informam que existem diversos modelos de atendimento psicológico
virtual “via lista de discussões ou fóruns, via sites ou homepages, chats e mais recentes orientações via
voz e web câmeras”. Outro fator importante para diferenciar o serviço de atendimento psicológico
virtual da psicoterapia online é o número limitado na troca de mensagens. Então, vemos pertinente
o posicionamento do CFP em normatizar o uso de comunicação à distância para os serviços de
psicologia de forma ética, técnica e cautelosa. A resolução aponta que é possível um serviço de
orientação psicológica desde que focado no tema e com o limite máximo de 20 encontros.
O objetivo geral deste trabalho é investigar como se configura atualmente o atendimento
psicológico no meio virtual com o uso de ferramentas de comunicação à distância. Para tanto,
alguns objetivos específicos foram traçados: apresentar trabalhos que fazem interfaces da Psicologia
e Informática; compreender riscos e benefícios desse tipo de trabalho psicológico; investigar em
alguns sites como isso está sendo apresentado; conhecer como a Psicologia Fenomenológica pode
atuar nessa área.

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa de cunho descritivo, bibliográfico, documental e no meio


virtual baseado no método fenomenológico. Foram realizadas três etapas, a saber, (1) levantar

778  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
bibliografias de trabalhos que fazem interface da Psicologia com informática e da fenomenologia;
(2) O procedimento de coleta de dados no site do Conselho Federal de Psicologia (CFP) (https://
cadastrosite.cfp.org.br/cadastro/-siteAprovado.cfm, recuperado em 26 de julho, de 2016)19, onde
constam todos os sites aprovados para exercer a atividade de atendimento psicológico virtual, com
seus respectivos endereços eletrônicos. Acessar cada endereço através da internet e buscar tais
informações: Conselho Regional de Psicologia (CRP) ao qual o responsável pelo site é vinculado;
serviços oferecidos; público alvo; tipos de ferramentas de comunicação à distância; formas de
pagamentos e valores. Assim, nesta etapa, os dados foram coletados diretamente nos sites, um
total de 163 com validação do ano de 2015 ao ano de 2017; e (3) Analisar esses dados levantados
na etapa (2), e correlacionar com as literaturas levantadas na etapa (1), em dois quesitos:
(3.1) inferir sobre os riscos e benefícios; (3.2) mostrar como o terapeuta pautado no modelo
fenomenológico pode trabalhar com tal fenômeno.

Resultados

Os dados levantados quanto ao Conselho Regional de Psicologia (CRP), ao qual o profissional


é vinculado, do total de 163, os seguintes dados sobre as regionais CRP: 22 sites estavam fora do
ar na data de acesso. 3 sites não informaram o CRP do responsável. 61 sites vinculado ao CRP/06,
Estado de São Paulo. 15 sites ao CRP/12 ao Estado de Santa Catarina. 12 sites ao CRP/05, Estado
do Rio de Janeiro. 10 sites ao CRP/08 Estado do Paraná. 9 sites ao CRP/04 Estado de Minas Gerais.
5 sites ao CRP/07 ao Estado do Rio Grande do Sul. 5sites ao CRP/03 Estado da Bahia. 5 sites ao
CRP/16 ao Estado do Espírito Santos. 4 sites ao CRP/01 ao Distrito Federal. 3sites ao CRP/19 ao
Estado de Sergipe. 2 sites ao CRP/14 Estado do Mato Grosso do Sul. 2 sites ao CRP/10 Estados do
Pará e Amapá. 1 site ao CRP/09 ao Estado de Goiás. 1 site ao CRP/20 aos Estados do Amazonas,
Roraima, Acre e Rondônia. 1 site ao CRP/17 ao Estado do Rio Grande do Norte.
Quanto aos serviços oferecidos: orientação psicológica, orientação profissional, orientação
de trabalhos acadêmicos, supervisão para psicólogos, avaliação de currículo, consultoria de
recursos humanos, problemas com luto, pessoas que têm medo de dirigir e orientação familiar.
Entretanto, não optamos pelo quantitativo de cada site, pois entendemos que tudo se trata de
orientação psicológica, embora alguns sites trabalhem temas específicos, como o luto, psicologia
familiar, ou para pessoas com medo de dirigir etc.
Quanto ao público alvo, a maioria atende ao público em geral, maiores e menores de 18 anos.
Há sites que atendem públicos específicos, como é o caso de um programa para atender os alunos
da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul: (http://seape.sites.ufms.br/sobre/, recuperado
em 26 de julho, de 2016); Outro que atende gestantes: (http://www.rodasninguemcrescesozinho.
com.br/, recuperado em 26 de julho, de 2016); Um que atende a comunidade acadêmica da
Universidade Federal do Mato Grosso, mas que nesse caso, esteja fora do Brasil: (http://www.
ufmt.br/ufmt/-unidade/index-.php/secao/visualizar/5401/SECRI, recuperado em 26 de julho,
de 2016). Um que atende cidadãos brasileiros residentes no Japão: (http://www.ufac.br/clipsi/-
index.html, recuperado em 26 de julho, de 2016).
Quanto a ferramenta de comunicação a distância utilizada: as ferramentas mais usadas são
o Skype e email, com quase unanimidade, apenas dois sites visitados usam ferramentas próprias.
Entretanto, aparecem outras ferramentas, caso o cliente deseje, tais como: hangout, whatsapp,
facetime, facebook, e telefone. O Skype é uma ferramenta grátis que possibilita a troca de mensagens
escritas ou de voz, ou ainda de vídeo simultâneos, além de ser gratuita.
O valor médio é de R$ 80,00 por seção de 50 minutos via Skype ou duas trocas de emails,
mas esse valor pode variar quanto ao menor preço encontrado R$ 50,00 (cinquenta reais), e o

19 A pesquisa durou 6 meses, entre janeiro a julho de 2016.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 779


NO ONTEXTO BRASILEIRO
maior R$ 140,00 (cento e quarenta reais). Contudo, a maioria, sendo 87 sites, não informa em sua
página o valor. É oportuno declarar que para ter o conhecimento do trabalho e valores, em alguns
sites, é necessário fazer o cadastro e entrar em contato com o psicólogo para ter os valores, formas
de pagamento e formas de atendimento. As formas de pagamentos mais comuns são o depósito
bancário ou transferência, mas é possível pagar com cartão de crédito, através de empresas como
a Pagseguro, Paypal e Mercado pago.

Discussão

Para fazer as análises dos dados obtidos nas visitas aos sites com o referencial teórico, devemo-
nos a indagações em consonância com nossos objetivos específicos: riscos e benefícios; mostrar
como o terapeuta pautado no modelo fenomenológico pode trabalhar com tal fenômeno. Fortim
et al (2007), que elaboraram um estudo sobre este tipo de fenômeno, o trabalho dos autores faz
um levantamento do crescente número de emails recebidos pelo Núcleo de Pesquisa em Psicologia
e Informática da PUC-SP, com o levantamento de dados e evidências referentes aos motivos pelos
quais pessoas utilizam esse serviço. Considerando que ainda não estão claras as formas de lidar
com as demandas no atendimento psicológico virtual, além de serem escassos os trabalhos sobre
o tema.
Quanto ao levantamento de dados em relação aos atendimentos oferecidos pelo NPPI
entre os anos de 2003-2004, Fortim et al (2007), destacam as principais queixas ou exigências
apresentadas pelos usuários que usam o serviço de orientação por email, “Relatos de baixa
autoestima, descontentamento quanto à qualidade de vida, tristeza excessiva, insatisfação com a
própria vida e descrição de sintomas.” (Fortim et al, 2007. p. 170).
São citados ainda, problemas envolvendo luto, uso de drogas, conflitos familiares diversos,
reclamações de vícios ou usos abusivos da internet. O que condiz com os dados obtidos, pois vimos
que há um site específico para trabalho com luto, outro com orientação familiar.
É notória a diversidade das queixas e que não há como se traçar um perfil exclusivo que
conduziria as pessoas a buscarem o atendimento psicológico virtual. Assim, isso nos leva ao
segundo ponto de análise dos resultados com relação à fundamentação teórica, os riscos e
benefícios ao modelo, como citados nos resultados que podem facilitar tal busca, são de grande
quantitativo de sites em quase todos os Estados do Brasil, facilitando a localização geográfica,
facilidade de pagamento/cartão de crédito, serviços oferecidos sendo os mais variados.
Em conformidade com os dados levantados por Fortim et al (2007), outro trabalho de
Siegmund e Lisboa (2015), tratam a relação terapeuta/cliente, tendo como foco investigar a
percepção de profissionais sobre sua atuação em orientação psicológica online, e suas relações
estabelecidas com os clientes. Participaram da pesquisa quatro profissionais que tinham sites
regulamentados pelo CFP.
Os resultados nos permitiram verificar riscos e benefícios dessa prática, investigando como
se dá o vínculo entre terapeuta e cliente, partindo das dificuldades e facilidades apontadas pelos
participantes e os motivos pelos quais as pessoas buscam esse tipo de atendimento. Para participar
deste estudo os participantes deveriam atender de forma online síncrona. Quanto ao que conduz
as pessoas a buscarem este tipo de atendimento, segundo (Siegmund & Lisboa, 2015, p. 174),
trata-se dos “conteúdos relativos à orientação sexual e afetiva, conflitos familiares, conflitos
interpessoais, transtornos de humor e transtornos alimentares”, além de busca por orientação
profissional condizentes com nossos dados levantados.
O estudo de Siegmund e Lisboa (2015) registra como benefícios a questão do anonimato, ou
seja, um possível benefício dessa modalidade de atendimento psicológico que diminuiria a inibição
e aumentaria a espontaneidade e ausência de possíveis sentimentos preconceituosos. Outro ponto

780  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
positivo é a facilidade do serviço, o atendimento propicia facilidade espacial e temporal, atender
pessoas que estão viajando ou que não conhecem profissionais na sua região. Aqui trazemos para
análise os sites que tem como foco pessoas que estão vivendo no exterior, como apresentado nos
resultados. Sobre pontos de riscos, (Siegmund & Lisboa, 2015. p. 175), enfatizam a característica
inerente ao computador como mediador dessa relação, “o caráter impessoal/superficial que
algumas vezes o atendimento assume a dificuldade de expressar emoções, a impossibilidade de
avaliar o indivíduo deforma mais completa, por consequência da falta da interação corporal”.
Quanto o estabelecimento de vínculo no estudo de Siegmund e Lisboa (2015), as respostas
dos participantes foram variadas. Nessa questão, notamos por parte dos participantes falas
contraditórias, uns apontam que é semelhante à forma tradicional de orientação, que seria um
benefício, outros que o vínculo terapêutico é comprometido pela falta de interação corporal,
que seria um limite do modelo. Em contrapartida, os autores, sinalizam como possíveis riscos
e cuidados que dificultam a consolidação do vínculo, tais como a desconfiança dos serviços
oferecidos de forma online e o medo de possíveis hackers ou vírus poderem acessar informações
confidenciais.
Em relação à empatia, pode ser dificultado à transmissão de sentimentos e de disponibilidade.
Com isso os autores (Siegmund & Lisboa, 2015. p. 177), consideram “muito importante expressar
a empatia com uma linguagem e escrita precisa e objetiva, clara, concreta, a fim de fazer com que o
paciente entenda o que o profissional está querendo passar”. Observamos que os riscos e benefícios
se entrelaçam e é complicado pensá-los separadamente. Toda forma de acompanhamento
psicológico tem suas vantagens e desafios atrelados ao seu uso, e o atendimento psicológico
virtual não fica de fora.
Outro ponto que trazemos para análise dos dados é como a fenomenologia pode nos
ajudar a pensar tais discussões, como o terapeuta pautado no modelo fenomenológico pode
trabalhar com tal fenômeno. Percebemos muitas ambiguidades quanto aos riscos e benefícios. A
fenomenologia apresenta uma nova atitude ou postura que o terapeuta deve ter, embora se tenha
toda uma bagagem teórica de como proceder em um atendimento, seja tradicional ou virtual,
deve haver um afastamento, suspendendo os conceitos prévios sobre o fenômeno, a isso segundo
Guimarães (2003, p. 5), “O esforço da reflexão se dirige à colocação do mundo entre parênteses,
ou seja, suspendemos, provisoriamente, a nossa crença ingênua na vigência do mundo”.
Há de se pensar como a percepção de um fenômeno chega à consciência intencional livre de
pressupostos, no modelo de atendimento psicológico virtual. Entretanto, Ales Bello (2012, p.47),
aponta que a “pureza quer dizer captar a percepção e dizer o que ela é sempre, não somente num
caso específico, mas em todos os casos, dizer o que, em geral, a percepção é: dizer qual é o sentido
do ato perceptivo.” A pureza do fenômeno é o sentido que ele traz para a consciência livre de
pressupostos. O que concorda com o apontamento do próprio Husserl (2012):

Excluímos, por conseguinte, todos os conhecimentos, todas as confirmações do verdadeiro


sentido e de verdades predicativas, tal como são necessárias para a práxis da vida ativa (as
verdades de situação); mas também todas as ciências sejam elas ciências verdadeiras ou
aparentes, como os seus conhecimentos sobre o mundo, tal como ele é, em si, na verdade
objetiva. (Husserl, 2012, p. 127).

Observamos que o panorama que temos de velocidade, comodidade, medos, anseios de


reprovação social, dificuldades familiares/relacionamentos, luto, abuso de drogas como vimos,
há tendência de distanciar as pessoas de uma consciência crítica sobre o que estão vivendo ou
fazendo. Entretanto, quando uma pessoa está passando por um momento de instabilidade
emocional, e usa a tecnologia para buscar um primeiro contato com o que está sentindo através

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 781


NO ONTEXTO BRASILEIRO
do atendimento psicológico virtual, para nós, consolida-se o primeiro passo que é colocar-se
frente ao seu problema.
Então para Husserl (2012), há duas atitudes de como o eu está disposto no mundo, em
atitude transcendental e atitude natural. Esta última que ele chama de viver ingenuamente imerso,
não há possibilidade de epoqué, pois se caracteriza na forma cotidiana de como se relaciona com as
coisas e com as pessoas, de forma naturalizada. Esta unidade é dotada de uma intencionalidade,
mas para Husserl (2012, p. 117), “residem sempre na unidade normal do horizonte da vida”. Já
a atitude transcendental que também é dotada de intencionalidade, mas vê o mundo a partir de
uma mudança de consciência, pois o mundo aparece à consciência dotada de sentido.
Com isso, observamos que a pessoa que busca atendimento psicológico virtual, tem duas
possibilidades de entrar em contato com o que pensa e o que sente. Uma das possibilidades é a
escrita do email, e a outra é a fala pelo Skype. Schutz (2012) mostra que entrar em contato com
o que sente é importante, e vemos que isso é possível na escrita de um email ou na fala com uma
câmera ligada à internet. Vemos ainda, que esta experiência se dá na evidência do fenômeno que é
proposta da fenomenologia como aponta Zilles (2012, p. 20), “a única fonte do conhecimento,
para os fenomenólogos, é a evidência que caracteriza os dados imanentes da consciência”.
A análise desses autores, tanto os fenomenólogos, bem como os que versam sobre a
temática, nos levam a pensar do que vem acontecendo na difusão da comunicação à distância, a
qual vem alterando, ou já alterou a subjetividade das pessoas e suas relações intersubjetivas. Estar
sempre conectado gera uma sensação de sempre estar acompanhado, claro que isso determina
a cultura, e com ela as pessoas por vezes estão ingenuamente imersas nesse paradigma. Deste
modo, há uma tendência de naturalizar suas relações, abstendo-se de outras múltiplas formas de
se relacionarem com o mundo e com outras pessoas. Percebemos ainda, que na relação de ajuda
é função do terapeuta acolher as questões, demandas ou problemas à medida do que trazem, e
ajudar a pessoa a tomar consciência e colocá-la na esfera empírica do que ela está sentindo ou
vivendo.

Conclusão

Vemos que a difusão da internet trouxe uma nova forma de pensar a comunicação, e o mundo
a partir do computador e da internet alterando sobremaneira a intersubjetividade. Observamos
ainda, que a Psicologia através do CFP não ficou inerte frente a essa revolução, sabendo se
posicionar de forma adequada, obedecendo aos princípios técnicos e éticos – e porque não
cautelosos?–, que demandam uma nova área ou ramificação de uma ciência.
Os trabalhos teóricos ainda são escassos, não foi verificada a menção da atual resolução
(Resolução n. 11, 2012) nas bibliografias consultadas. Mais discussões podem avançar quanto
ao uso de sites e softwares, entretanto, muito ainda deve ser discutido quanto às questões técnicas
e éticas. Sobretudo, quanto à questão de possíveis usos irresponsáveis, além de se diferenciar o
modelo que aqui chamamos de atendimento psicológico virtual de psicoterapia online. Pois, a
psicoterapia online ainda é vetada pelo CFP e deve ser praticada somente em forma experimental
de pesquisa aprovada em comitê de ética, como vimos.
Outro ponto observado foi que nas bibliografias levantadas não foi verificado estudos que
abordam a questão das ferramentas usadas, nas quais foi visto nessa pesquisa que as principais são
o Skype e o e-mail. Este trabalho, reconhece que nenhuma ferramenta é mais ou menos apropriada,
ou que gere mais ou menos recursos ou ainda, que seja mais segura. Entretanto, o estudo de
uma ferramenta padronizada fomentada pelas instituições de supervisão da profissão, entre
elas o Conselho Federal de Psicologia, poderia dar mais respaldo técnico científico ao modelo
de atendimento psicológico virtual, pois, nesse campo nada é 100% seguro, por isso deve haver

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
sempre busca de melhores ferramentas para as demandas. Por ser uma área nova, questões de
riscos devem ser pensadas, assim como as potencialidades, como num entrelaçar em conjunto,
tanto do aporte teórico como de ferramentas utilizadas na comunicação à distância.
Por oportuno, observamos ainda, o quantitativo de sites fora do ar, isso sugere algumas
reflexões, por exemplo, a demanda custo-benefício, se na equipe há um técnico de informática
responsável pela manutenção e funcionamento? Outro ponto é a não informação do CRP ao qual
o responsável é vinculado, o que fere a norma da resolução em seu artigo 2º inciso I (Resolução
n. 11, 2012, p. 02), “Especificar o nome e o número do registro da(o) psicóloga(o) Responsável
Técnica(o) pelo atendimento oferecido, bem como de todos os psicólogos que forem prestar
serviço por meio do site”.
É possível uma atitude pautada na Psicologia Fenomenológica para atuar nesse campo, já
que este trabalho propôs apontar que embora haja um horizonte naturalizado das pessoas que
usam os meios de comunicação, o papel do terapeuta é se afastar desses conhecimentos e buscar
essência para uma consciência dotada de sentido. Além de possibilitar que a pessoa saia dessa
atitude natural e passe a uma atitude transcendente.
Por fim, vale destacar que o trabalho do psicólogo no meio virtual é uma realidade que merece
ser conhecida e investigada com elaboração de mais estudos, sobretudo empíricos e com os usuários
desse modelo de atendimento. Não foi de forma alguma proposta desse trabalho propor substituição
do modelo face-a-face pelo atendimento psicológico virtual, mas que este veio para auxiliar.

Referências

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Resolução CFP n. 11, de 21 de junho de 2012. Regulamenta os serviços psicológicos realizados


por meios tecnológicos de comunicação a distância, o atendimento psicoterapêutico em caráter
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 783


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784  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
MÉTODO CARTOGRÁFICO COM METEORANGO KID:
UM MAPA CINEMATOGRÁFICO E DOS PROCESSOS DE
SUBJETIVAÇÃO
Rafael Mendonça Dias

Introdução

“M
eteorango Kid, o herói intergalático” é um filme brasileiro de 1969 realizado em
Salvador, Bahia. Foi produzido no auge da censura e da repressão política
brasileira, logo após o AI-5. Esse filme do jovem diretor André Luiz Oliveira,
então com 21 anos, mapeia as experiências da juventude do desbunde que curtia adoidado e operava
uma política de resistência diante do terror de Estado vivido no país e do conservadorismo familiar
reinante. Depois de mais de quatro décadas da produção do seu primeiro longa-metragem,
queremos pesquisar as produções de subjetividades que atravessavam as estratégias de criação
estética do cinema marginal ou minoritário de André Luiz e as questões políticas que ele encarna.
As questões das drogas, da loucura e da contracultura serão ressaltados nesse mapa estético e
político. Vamos acompanhar os principais personagens de Meteorango Kid, os que participaram da
sua produção (Novos Baianos, Rogério Duarte, Waly Salomão) e os que foram citados naquela
obra cinematográfica (Caetano Veloso, Gilberto Gil). Nesta obra cinematográfica podemos ver as
peripécias de Lula “Bom Cabelo”20, um jovem da classe média baiana que sonha em fazer cinema.
O personagem mostra a angústia e o caráter destrutivo próprios do terrorismo de Estado vivido
na ditadura civil-militar brasileira pós-68. As “viagens” de Lula são apresentadas pelo realizador
com um estilo que vai da paródia à melancolia, sem fazer concessões para o “bom gosto” do
espectador. Atitude radical típica da estética underground que leva a obra até uma zona limite e
cobra do espectador uma postura radical diante do que é mostrado na tela. Essa experiência
estética, que está atravessada pela realidade política da época, mais do que o lema hippie de “paz e
amor” pode ser expressa pela fala do Bandido da Luz Vermelha, personagem de Rogério Sganzerla,
que diz: “Sozinho é ridículo, a gente não pode fazer nada. Meu negócio era o poder. Quando a
gente não pode fazer nada, a gente avacalha, avacalha e se esculhamba.”. Em Meteorango Kid no final
do filme uma voz em off diz: “[...] é só uma questão de desordem, e a gente não entende mais
nada.”. Ou então, como aparece numa cartela no fim do mesmo filme sobre o rosto de Lula:
“Procurado vivo ou morto” e logo após em sentido afirmativo: “Curti adoidado”.

Método

Tendo em vista o percurso exposto acima, se faz necessária a construção de um dispositivo e


a criação de uma rede conceitual para dar conta dessa experiência de André Luiz-Meteorango Kid,
20 André Luiz começa o filme com a seguinte dedicatória: “Aliás....este filme é dedicado a meu cabelo.” O cabelo
longo e rebelde era naquela época a imagem mais evidente da contestação da juventude.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 785


NO ONTEXTO BRASILEIRO
bem como da sua geração, e sua transformação em narrativa audiovisual. O acesso à experiência
dessa geração a partir do manejo cartográfico da entrevista Tedesco, Sade e Caliman (2013) e
a escolha de uma forma de narrativa para a análise dos dados da pesquisa serão importantes
desafios metodológicos da investigação. Segundo Tedesco, Sade e Caliman (2013) o manejo na
entrevista pode fazer emergir a experiência da pluralidade de vozes na fala, ressaltando não os
dados de informação, ao intervir na abertura da experiência do processo de dizer.
O documentário de Eduardo Coutinho, por exemplo, está focado na entrevista como
elemento da construção de uma narratividade a partir do encontro entre documentarista e um
outro (entrevistado). Puccini (2013, p.70) considera que: “nos filmes de Coutinho, a entrevista
não está submetida à exposição e ao tratamento de determinado assunto, à confirmação, ou
não de uma hipótese já previamente levantada, mas possui um fim em si mesma”. Elegemos a
cartografia como método de pesquisa adequado para discutir os processos históricos e a produção
de subjetividade.
Lins (2004, p.101) diz que Eduardo Coutinho usa o termo dispositivo “para referir a seus
procedimentos de filmagem (...) Para o diretor, o crucial em um projeto de documentário é a
criação de um dispositivo, e não o tema do filme e a elaboração de um roteiro.” O conceito de
dispositivo foi proposto nos trabalhos de Michel Foucault em sua produção da década de 70. De
início, o filósofo analisa os dispositivos disciplinares que estão vinculados a diversas instituições
modernas, entre elas o presídio, a caserna e o hospital. Esse conceito surge como um feixe de
relações que articula discursos, elementos heterogêneos: discursos, instituições, arquiteturas,
regramentos, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas,
morais, filantrópicas, aquilo que é dito e não dito.
Assim, o regime de visibilidade e de dizibilidade são relações articuladas por práticas. Deleuze
chama atenção para esse ponto da filosofia de Foucault: a dissociação entre o ver o e falar. No
dispositivo temos, então, regimes de visibilidade e dizibilidade que fornecem material para o
arquivo audiovisual. Para Deleuze (1996, p.60) o trabalho arqueológico de Foucault constitui
“um arquivo audiovisual.”
Estamos diante das relações de partilha da experiência comum (coletiva) que vão produzir
novas sensibilidades, ou se preferirmos, novos modos de subjetivação.
Essa “partilha do sensível” proposta pelo filósofo Rancière (2009, p.15) é o conceito que
denomina “o sistema de evidências sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a existência de um
comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas.” Assim, estamos diante de
uma relação de compartilhamento e experimentação daquilo que nos é comum.
Tal modo de partilhar demonstra que na base da política existe uma estética, que define um
“recorte dos tempos e dos espaços, do visível e do invisível, da palavra e do ruído que define ao
mesmo tempo o lugar e o que está em jogo na política como forma de experiência” (Rancière, 2009,
p.16). Assim, adentramos nas tramas de uma estética que opera em afinidade com a política e que
também pode ser pensada pela produção de uma política da narratividade (Passos e Barros, 2009).
Concordamos com Passos e Barros (2009) quando eles defendem que os modos de narrar
uma experiência são elas mesmas ações políticas sobre o mundo e si mesmo. Uma política da
narratividade nos permite analisar a produção de conhecimento (práticas de pesquisa) a partir do
seu componente de intervenção política no campo, que é, para nós, indissociável da experiência
de subjetivação.

Resultados

A comunicação oral vai colocar em análise o dispositivo drogas e da criação no contexto


da produção estética e subjetiva dos anos 60/70. Com isso queremos inquirir quais foram as

786  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
estratégias foram criadas para narrar a experiência da curtição e da institucionalização da loucura,
tendo o cinema de André Luiz de Oliveira e a estética marginal como intercessores. A partir dessas
questões vamos pensar sobre a linguagem audiovisual e a criação de ferramentas baseadas no
método cartográfico para discutir a entrevista, o dispositivo e uma política da narratividade.
Construiremos essas ferramentas estéticas e conceituais para ter acesso à experiência narrada
em Meteorango Kid. A loucura emerge como modo intenso de experimentar que não pode ser
codificado e interpretado por lógicas dominantes. A intensidade da loucura e das drogas
atravessa a experiência vivida por André Oliveira e por toda sua geração no contexto da censura e
cerceamento existencial operado pela ditadura civil-militar.
Na pesquisa de doutorado encontramos no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro nos
arquivos da polícia política um programa cultural da Alliance Française onde se pode ver a exibição
do filme Meteorango Kid ao lado de uma palestra de Michel Foucault em 1976.21 A polícia política
investigava naquele momento a atuação subversiva dos espaços culturais cariocas. O programa
que unia Meteorango e Michel Foucault chamou a atenção da repressão política. Nesse momento
de disseminação de novas práticas de controle e institucionalização, o filme Meteorango Kid
apresenta um mapa onde aparecem as propostas políticas, estéticas e éticas da juventude na
década de 60/70. A partir da pesquisa conseguimos com André Luiz ter acesso ao roteiro original
do filme, documentos da censura, matérias de jornal e material de divulgação do filme entre
1969-70 que reforçam os processos de subjetivação e resistência.
Assim, a curtição ou a experiência do desbunde irrompem como uma produção desejante da
juventude e possibilita traçar uma cartografia das vanguardas estéticas da década de 60/70 e dos
efeitos que elas produziram quase 50 anos depois. O cinema de André Luiz Oliveira (Meteorango Kid
e Louco por Cinema) e sua relação com a Tropicália empreende um vetor transdisciplinar na fronteira
entre estética, política, subjetividade e história.

Discussão

A comunicação oral pretende também discutir como a pesquisa qualitativa em psicologia


pode atravessar diversos campos de saber para discutir os processos de subjetivação da geração de
68. Essa comunicação oral é concomitante a uma produção de documentário em desenvolvimento.
Há em Meteorango Kid uma aposta estética “marginal” que segue sendo relevante no momento
atual
O cinema marginal brasileiro propôs uma estética de ruptura aliada à proposta tropicalista
que visava construir subjetividades transversais e não hierárquicas que furassem o cerco dos
binarismos. A experiência da loucura e a desconstrução da família edipiana aparecem nesse
cenário. Os tropicalistas e o cinema marginal estavam mais interessados nas “minorias existentes”
22
, enquanto a esquerda tradicional da época tentava, sofregamente, encontrar um povo que
faltava e que faria a revolução do por vir. O contato dos tropicalistas e de artistas como Hélio
Oiticica se dá “com as minorias: negros, homossexuais, freaks, marginal do morro, pivete, Madame
Satã, cultos afro-brasileiros e escola de samba” (Hollanda, 2004, p.75).
De acordo com Lago (2003) os tropicalistas promoviam um descentramento das identidades
(individuais e coletivas) e da rigidez dos discursos sobre a nação, gênero, revolução e concepção de
cultura para promover uma estratégia hibridizante, onde se misturam elementos que parecem, à primeira

21 Encontramos no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro nos arquivos da polícia política um programa
cultural da Alliance de France onde se pode ver a exibição do filme Meteorango Kid ao lado de uma palestra de
Michel Foucault em 1976. A polícia política investigava naquele momento a atuação subversiva dos espaços
culturais cariocas. O programa chamou a atenção da repressão política.
22 Consideramos aqui o termo minorias no sentido proposto por Deleuze e Guattari ao analisar os novos movimentos
sociais que surgem na década de 1960/70 e a nova proposta de relacionar ação política e uma analítica do desejo.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 787


NO ONTEXTO BRASILEIRO
vista, díspares. Uma das questões que atravessa as décadas de 60/70 é o debate sobre o “desbunde” e
as práticas de “curtição” da juventude brasileira que integrava o ambiente contracultural em contraste
com a disciplina requerida pelas organizações que optaram pela luta armada.
O uso de drogas pela juventude era considerado pela esquerda tradicional uma forma de
fuga da realidade e alienação da vida política. Um dos grupos de esquerda armada da década de
70 chega a qualificar os jovens identificados com a contracultura de “transbundados” (Delmanto,
2013, p. 135). Por isso, o chamado desbunde foi inicialmente um modo pejorativo para qualificar
aqueles que abandonavam a luta revolucionária das organizações de esquerda que enfrentavam a
ditadura na clandestinidade. No entanto, esse termo foi assumido pela juventude também como
uma nova forma de fazer política, promovendo experimentações no corpo, com o sexo, as drogas
e novas sensibilidades.
O debate público sobre a repressão política ganhou novos contornos na história recente
brasileira com a constituição da Comissão Nacional da Verdade e a publicação do seu relatório
final em dezembro de 2014. (Brasil, 2014). Embora, o relatório aponte avanços para o debate
da memória histórica sobre os fatos que ocorreram durante a ditadura civil-militar brasileira
(1964-1985), ele não dá o devido relevo à experiência contracultural no Brasil e ao processo
de encarceramento (internação compulsória) que muitos jovens foram submetidos à época em
instituições psiquiátricas. Todas essas questões compõe o traçado dessa cartografia, produzindo
um mapa aberto dos processos históricos, das práticas de pesquisa e dos modos de subjetivação.

Referências

Brasil. (2014). Comissão Nacional da Verdade. Relatório da Comissão Nacional da Verdade; v. 1. p.976–
Brasília: CNV.

Deleuze, G. (1996). Foucault. São Paulo: Editora Brasiliense.

Delmanto, J. (2013). Camaradas caretas: drogas e esquerda no Brasil. São Paulo. Editora Alameda.

Hollanda, H. (2004). Impressões de Viagem: CPC, vanguardas e desbunde: 1960/70. 5ª Ed. Rio de Janeiro:
Aeroplano.

Lago, G. (2003). Tropicália: Artífice de um novo local da cultura: contribuição ao estudo da identidade
cultural da contemporaneidade. (Tese de doutorado. 246f. 2003. Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Culturas Contemporâneas. Faculdade de Comunicação). Universidade Federal
da Bahia, Salvador.

Lins, C. (2004) O Documentário de Eduardo Coutinho. Televisão, Cinema e Vídeo.


Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,

Passos, E & Barros, R (2009). Por uma política da narratividade. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP,
Virginia; ESCÓSSIA; Liliana (Org.) Pista do método cartográfico – pesquisa-intervenção e
produção da subjetividade. Porto Alegre: Editora Sulina.

Puccini, S. (2013). Roteiro de documentário: Da pré-produção à pós-produção. 3ª Ed. Campinas-SP:


Papirus.

Rancière, J. (2005). A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: EXO Experimental org., Ed. 34.

Tedesco, Silvia Helena, Sade, Christian, & Caliman, Luciana Vieira. (2013). A entrevista na pesquisa
cartográfica: a experiência do dizer. Fractal: Revista de Psicologia, 25(2), 299-322. doi.org/10.1590/
S1984-02922013000200006

788  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
LIBERDADE RELIGIOSA X LIBERDADE SEXUAL:
TENSÕES ENTRE AS IGREJAS TRADICIONAIS E OS
LGBTS NO BRASIL
Silvanildo Pereira Noronha
Silvia Patrícia da Silva
João Pedro Sousa Lima
Ana Kelma Cunha Gallas

Introdução

A
complexa relação entre Estado, direitos sexuais e religião deixa entrever o emaranhado
de questões sociais, políticas e culturais relacionadas à discussão de direitos das
pessoas com sexualidades minoritárias, e que são comumente identificadas por
meio da sigla LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais). Ora beneficiados com políticas
específicas que lhes são favoráveis, ora vítimas de severa oposição por parte de segmentos do
Estado, os LGBTs são “são percebidos através das inter-relações de seus atores, pertencentes a
universos sociais e culturais que estão longe de serem homogêneos” (Birman, 2016).
Embora não seja um dos 72 países que criminalizam a divergência com a heterossexualidade,
e estar situado entre os países que garantem certa proteção e reconhecimento aos direitos dos
LGBTs, as estatísticas sobre violência contra essa população só crescem no Brasil. Há 38 anos
coletando estatísticas sobre este fenômeno no país, o Grupo Gay da Bahia (GGB)23 revelou um
aumento de 30% nos homicídios de LGBTs em 2017, em relação ao ano anterior, passando de 343
para 445. De acordo com o levantamento, o Brasil é um dos países que mais cometem crimes
motivados pela aversão ou intolerância às identidades divergentes da heterossexualidade. De
acordo com o relatório de mortes de LGBTs no Brasil, a violência é maior no Nordeste (123,36%),
tradicionalmente mais vinculado à lógica patriarcal, em detrimento das outras regiões brasileiras:
109,33%, na região Sudeste; 45,14%, no centro Oeste; 26,%, na região Norte, e, 22,7% na região
Sul. Nesse sentido, o relatório aponta que os homens são as maiores vítimas da LGBTfobia
(segundo o relatório, dos 326 assassinatos, 297 vitimas foram gays e transexuais), possivelmente,
uma reação ao deslocamento da posição do macho viril, para uma posição considerada inferior,
a da feminilidade passiva.
A investigação dos fatores que influenciam na escalada da violência LGBTfóbica é
fundamental para entender o complexo painel de condições históricas, sociais e culturais que
determinam a concessão e interdição de direitos, sobretudo, das chamadas minorias sexuais.
Um dos mecanismos evocados para a garantia de direitos iguais é a laicidade do Estado, e

23 O Grupo Gay da Bahia é a mais antiga associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais no Brasil.
Fundado em 1980, registrou-se como sociedade civil sem fins lucrativos em 1983, sendo declarado de utilidade
pública municipal em 1987. É membro da ILGA, LLEGO, e da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis
(ABGLT). Disponível em:<http://www.ggb.org.br/ggb.html>. Acesso em: 19. Ago.2017.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 789


NO ONTEXTO BRASILEIRO
as garantias ofertadas no campo jurídico, especialmente designadas no artigo 5° da Constituição
Federal de 1988, que dispõe sobre os direitos e as garantias fundamentais do cidadão brasileiros:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e a propriedade” (Brasil, 2012).
Nesse sentido, um dos importantes referenciais para a luta das minorias sexuais no Brasil foi
a aprovação da Resolução 27/32 (“Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade”), em 2014,
documento que incorporou reivindicações políticas próprias dos LGBTs. A Resolução da ONU
provocou, em muitos países, mudanças consideráveis nas agendas políticas e nos movimentos
sociais, levando a uma intensificação das lutas internacionais pelos movimentos LGBT. Mas, por
outro lado, o avanço das políticas em favor dos LGBTs acabou correspondendo a um crescimento
da presença de religiosos na política partidária e no poder legislativo.
O forte tradicionalismo moral dificulta o reconhecimento de aprovação de projetos leis
que beneficiem as minorias sexuais. Um dos arranjos alcançados por estes políticos religiosos
da Frente Parlamentar Evangélica foi a consolidação de alianças com as lideranças católicas no
mesmo campo político, viabilizando um diálogo historicamente impensável no campo eclesiástico.
As bancadas religiosas trouxeram para si “o mandato da defesa da família e da moral cristã contra
a plataforma dos movimentos feministas e de homossexuais e dos grupos de direitos humanos.
Este discurso tem um apelo que atinge não só evangélicos, mas também católicos e outros grupos
sociais mais conservadores que nem são ligados à religião” (Cunha apud Almeida & Reis, 2015,
p.173). Esse discurso estigmatizante relega os homossexuais a uma categoria de inferioridade
frente ao padrão heterossexual de relacionamentos afetivos socialmente aceitos como a única
aceitável frente às doutrinas teológicas consagrados pelas autoridades religiosas cristãs.

Resultados

Neste trabalho, a problematização desse dilema diz respeito às noções mais caras às
sociedades liberais - a busca da equidade de direitos entre todos, contemplando, neste rol, as
diversas identidades autoafirmadas (gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis), que,
condenadas do ponto de vista das religiões cristãs tradicionais, ainda se constituem em um
desafio para os direitos humanos e para o Estado laico. A própria Carta Magna (1988), ao tempo
em que defende os “valores supremos da sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, [...]
com a solução pacífica das controvérsias”, também se coloca “sob a proteção de Deus”(Brasil,
1998, p. 7).Assim, embora não se possa considerar um “Estado laico”, como um “Estado ateu”; a
sua função é garantir, sobretudo, a pluralidade de crenças e de manifestação das mesmas, já que
“a abordagem religiosa na política deve acontecer de maneira em que não haja espaço majoritário
a uma religião ou a um grupo religioso em relação a outros – e sem que as religiões interfiram no
que é competência estatal” (Franco apud Delcolli, 2017).
Assim, apesar de as tensões no campo social, nas últimas décadas, no Brasil, diversos
direitos negados às pessoas LGBTs foram concedidos pelo Estado, reforçando a sua posição de
neutralidade em relação ao campo da identidade sexual e de gênero, a exemplo do reconhecimento
da união estável entre pessoas do mesmo sexo; a adoção do nome social por pessoas transexuais;
ou, ainda, a possibilidade adotar ou formar famílias. Por outro lado, à medida que tais direitos
foram concedidos, observou-se o recrudescimento dos discursos de ódio e de exclusão destas
minorias, e a ampliação do quadro das violências LGBTfóbicas no país.

Ainda, tem se mostrado um fato comum às tantas sociedades de que se tem registro, da
antiguidade à contemporaneidade, independentemente de suas formas de organização,
a existência da categoria de sexo [biológico], geralmente dicotomizada entre homem e
mulher, fenômeno que, genericamente, se denominaria sexuação sociocultural. Em muitos

790  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
casos, a princípio, o primeiro sendo entendido como possuidor de pênis, e a segunda sendo
entendida como possuidora de vagina. (Sartori, Mantovani, 2016, p.184)
Apoiando-se no argumento da “ordem natural”, a perspectiva essencialista estrutura as
questões sobre o corpo, sexo, gênero e desejo a partir do biológico: o corpo, tido como “natural”,
determina o gênero.A perspectiva essencialista também assegura a tensão permanente entre o
conceito de normalidade e anormalidade, construído a partir do modelo heterossexual, em que
“tudo que se encontra fora dos estereótipos acaba por ser rotulado de ‘anormal’, que não se
encaixa nos padrões, uma visão engessadora e excessivamente limitadora” (Dias, 2009).
Em um país que mantém forte vínculo com a moralidade cristã, as posições do ethos religioso
– fundamentalmente essencialista - repercutem diretamente no concreto da realidade social,
determinando, por exemplo, a validade de certos desejos e afetos, e estabelecendo condenações
aos que extrapolam o modelo da heterossexualidade, considerado o único natural e normal.
Na perspectiva essencialista, a ideação sobre a relação sexo-gênero se dá a partir de categorias
classificatórias binárias, que estabelecem entre si um jogo de oposições excludentes: macho/
fêmea, masculino/feminino, homem/mulher, que repercute, profundamente, na forma como as
sociedades humanas têm se organizado ao longo dos séculos.
Os conceitos sobre o que é considerado normal e anormal no campo da sexualidade e do
gênero implicam no concreto da realidade. Em 2015, por meio de uma discussão controversa
sobre o conceito de “família”, aprovou-se a proposta do Estatuto da Família (PL 6583/13), que
considerava “a entidade familiar formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por
meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
filhos”, conforme o texto defendido por políticos ligados à Bancada Evangélica, no Senado,
restringiu a organização familiar aos vínculos biológicos bastante estreitos, constituindo-se em
uma resposta às conquistas recentes dos LGBTs no campo dos direitos. Em 2011, por exemplo,
a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reconhecer a união estável de casais do mesmo
sexo, abriu precedentes para legitimar outros tipos de família, inclusive, a família formada por
LGBTs. Em decorrência dessa decisão do STF, e por Resolução do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), em 2013, proibiu-se que os cartórios se recusassem a celebrar casamentos civis entre
pessoas do mesmo sexo.

Discussão

Embora as normas constitucionais garantam os princípios de liberdade e de igualdade


intrínsecos a todo ser humano, independente da sua cor, etnia ou sexo, a sociedade normatizada
ainda adota discursos moralistas, de fundo religioso, para deslegitimar as identidades que divergem
do modelo heterossexual. Decorre daí, a construção de sujeitos masculinos, obrigatoriamente
heterossexuais, que“se fazem acompanhar pela rejeição da feminilidade e da homossexualidade,
por meio de atitudes, discursos e comportamentos, não raro, abertamente homofóbicos. (Louro,
1997, p.82).
As nuances dessa aversão LGBTfóbica encontram o seu eco na alteridade e na hierarquia
produzida a partir da percepção das diferenças, construídas e reforçadas ao longo da história
humana, a partir do binarismo macho-fêmeas. Tais percepções, se estruturaram em pressupostos
organizados em torno de valores, normas e crenças, muitas vezes centradas na figura do adulto
masculino, branco, heterossexual, cristão e burguês, física e mentalmente considerado “normal”.
“Tais referências tornaram-se, por conseguinte, espaços em que rotineiramente produzem e
reproduzem preconceitos que movimentam discriminação de classe, cor raça/etnia, sexo, gênero,
orientação sexual, capacidade físico-mental, etc.”. (Prado & Junqueira, 2011, p.52).
Nesse sentido, conforme vai refletir Borillo (2009), o aprendizado do papel do homem se
efetua por meio de uma oposição constante à feminilidade, considerada o gênero fraco e destinado
à submissão. “A virilidade não é dada a priori; ela deve ser fabricada. O defeito mais grave da

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 791


NO ONTEXTO BRASILEIRO
maquinaria destinada a produzir a virilidade é a produção de um homossexual” (Borrillo, 2009,
p.35). O homossexual é, pois, entendido como o oposto doentio do heterossexual, tido como
o normal aceitável. Nesse sentido, “fortalecer a homofobia é, então, um mecanismo essencial
do caráter masculino, pois ela permite repelir o medo secreto do desejo homossexual” (Borrillo,
2009, p.35).
Tais posturas nos diversos setores sociais refletem a não aceitação do outro e induzem
contribuindo para castração de seus desejos e da não vivência de sua orientação afetiva,
suprindodireitos de liberdade e igualdade, na medida em que:
Se seus atos sexuais são tidos como crimes, então seu lugar natural é, na melhor das
hipóteses, o ostracismo, e na pior, a pena capital, como ainda acontece em alguns países.
Considerado um doente, ele é objeto do olhar clínico e deve se submeter a terapias que a
ciência lhe recomenda, em especial os eletrochoques elitizados no Ocidente até os anos
1960. Se as formas mais sutis da homofobia denotam uma tolerância a lésbicas e gays, isso
é feito atribuindo-se a esses sujeitos um lugar marginal e silencioso, o de uma sexualidade
considerada incompleta ou secundária. (Borrillo, 2009, p.18).

Para Simões e Facchini (2009), as tensões giram em torno da compreensão do que seja o
natural, implicando, sobretudo, no (...) preceito segundo o qual a família só pode ser formada
pela união legal de indivíduos de sexos diferentes, assim como o que impõe como ideal para uma
criança viver numa família composta por um pai e uma mãe (Simões & Facchini, 2009, p. 11).
Assim, para autores como Duarte (2013), respostas hostis às demandas que visam a igualdade
de direitos entre grupos majoritários e minoritários indicariam uma “considerável defasagem das
condições ideológicas da população em relação ao projeto modernizante” (DUARTE, 2013, p.8).
Mas, para Gouveia e Camino (2009), a rejeição aos LGBTs não está ligada apenas a uma ameaça
objetiva dessas pessoas aos grupos mais conservadores:

Podemos dizer que os conflitos materiais, embora importantes fundamentos dos conflitos
identitários e simbólicos, não são suficientes para justificar a homofobia. Esta rejeição pode
estar relacionada à heterofobia – entendida como o medo de parecer diferente da maioria -
diante do questionamento subjetivo dos valores que sustentam e afirmam a identidade social
do sujeito, tais como virilidade e heterossexismo. (Gouveia, 2007; Doise, 1991; Ibáñez, 1991).
A não adesão a certos valores sociais pode colocar a categoria homossexual em uma posição
social dissidente perante o que se entende como masculinidade. Em muitos casos, a homofobia
pode ser interpretada como uma afirmação de virilidade que se manifesta através da rejeição
aos modos de ser vistos como impróprios para o gênero masculino, justificando a visão do
homoerotismo como um ato de subversão diante do que se entende como “ordem natural das
coisas”. Não é por acaso que a absoluta maioria dos casos de violência homofóbica tem como
alvo os homossexuais masculinos. (Gouveia & Camino, 2009, p.50).

Embora as políticas liberais do governo e as mudanças promovidas pelo legislativo em prol da


igualdade de direitos, a força dos costumes sociais tradicionais tem se manifestado igualmente no
campo político. Mas, parece plausível explicar como “o avanço das políticas de direitos humanos
em atendimento às demandas dos movimentos feministas e gays” correspondeu a um crescimento
da presença de religiosos na política partidária e no poder legislativo (Machado, 2012). A
presença das religiões na esfera pública repercutiu, particularmente, no campo da moral pública,
combatendo abertamente as demandas importantes de “movimentos sociais como o feminista e
o das comunidades gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTT)” (Machado, 2012,
p.29).

792  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Isso só se tornou possível devido ao impacto dos seguidores dessas religiões no campo
político:

Os evangélicos correspondem a quase um quarto da população do Brasil, comparação a 5%


em 1970, e os líderes religiosos atingem milhões de pessoas por meio de centenas de emissoras
de rádio e televisão que compraram nos últimos anos. (...) Os eleitores evangélicos ajudaram
a colocar mais de 60 deputados para as 513 cadeiras da câmara, dobrando o número deles
desde 2010 e que formam uma das bancadas mais disciplinadas em um legislativo dividido
e indisciplinado (Jacobs, 2016).

A Bancada Evangélica no Brasil começou a sua formação em 1986,abertamente avessa a


pauta progressista e ao pensamento de esquerda, apresentando-se, desde o início, alinhada aos
setores mais conservadores da sociedade. Porém, até os anos 2010, os parlamentares evangélicos
não eram identificados como “conservadores”, e raramente os projetos desses parlamentares
interferiam na ordem social. A preocupação inicial eram questões de ordem prática, como a
criação de feriados para concorrer com os feriados católicos, ou busca de benefícios para os
templos, como alvarás, doações de terrenos e redução de impostos. Nos últimos anos, porém, o
foco dos políticos evangélicos mudou: agora, há um declarado interesse em pautas que possam
influir na moralidade sexual. A FPE - Frente Parlamentar Evangélica adotou um papel definido em
relação às políticas públicas, atuando, segundo um de seus documentos, para “defender a família
e a sociedade, no respeito aos bons costumes e a moralidade” (Revista da Frente Parlamentar
Evangélica, 2004, p.06).

Conclusão

A pluralidade de respostas produzidas pelas instituições religiosas de base cristã no Brasil -


católicas romanas e protestantes evangélicas – às demandas em favor dos LGBTs oferece, ainda,
rico material de análise, especialmente para se entender os dilemas, contradições e ambivalências
da sociedade brasileira contemporânea frente às questões da sexualidade e do gênero.
Assim, o presente estudo possibilitou vislumbrar que embora as identidades LGBTs tenham
alcançado considerável visibilidade no cenário social brasileiro, esta visibilidade é permeada de
estigmas, no que tange à expressão de gênero e/ ou a vivência pública das relações afetivas entre
iguais. A pluralidade de respostas produzidas pelas instituições religiosas de base cristã no Brasil
às demandas que cercam os grupos LGBTs oferece, ainda, rico material de análise, especialmente
para se entender os dilemas, contradições e ambivalências da sociedade brasileira contemporânea
frente às questões da sexualidade e do gênero.

Referências

Almeida, F. M.; Reis, M. V. F.(2015).Estudos da religião no Brasil: um balanço. Entrevista com Magali
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794  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
LEI Nº 13.104: DISCUTINDO SOBRE O FEMINICÍDIO
NO TOCANTE DO MOVIMENTO FEMINISTA
Alessandra Leite
Alany Fortaleza de Sousa
Ramila Oliveira Ferreira
Ana Kelma Cunha Gallas

Introdução

A
organização mundial de saúde define violência como o uso da força física ou
de poder, o ato de ameaçar ou de praticar atos contra si ou contra os outros,
comunidade ou grupo, que resultem em sofrimento, morte, problemas psíquicos
e possíveis desenvolvimento prejudicado. Fon (2014) reforça que o conceito de violência engloba
uma ruptura de integridades da vítima: a física, psicológica, moral e sexual. Dado a generalidade
do conceito, é possível delinear os diferentes tipos de maus-tratos que podem ser caracterizados,
conforme Gadoni-Costa, Zucatti & Dell’aglio (2011, p.220), como: a) violência psicológica,
caracterizada por “humilhações, chantagem, ameaças, discriminação, crítica ao desempenho
sexual e privação de liberdade”; b) violência física, caracterizada pelo “dano ou a tentativa de
causá-lo, por meio da força física ou de uso de objeto (arma, instrumento) que provoque lesões
externas (hematomas, cortes, feridas) ou internas (hemorragia, fraturas)”; c) e a violência sexual,
que é caracterizada como um “ataque em que o agressor obriga a vítima a realizar práticas sexuais
por meio de força ou intimidação, sem seu consentimento”.
Na contemporaneidade, apesar dos significativos avanços para superação dos discursos
que naturalizam o lugar da mulher no campo social, percebe-se um aumento exponencial do
Feminicídio, crime em que a motivação é o gênero da vítima. Assim, como explicar que em 2015,
ano da promulgação da Lei 13.104/15, conhecida como a Lei do Feminicídio, 4.621 mulheres
foram assassinadas no Brasil? A violência de gênero se constitui um fenômeno complexo e difuso,
cuja compreensão deve ser submetida a revisões contínuas, à medida que os valores e as normas
sociais evoluem. Neste sentido, esta é uma investigação que produz uma revisão teórica acerca
do tema, utilizando a perspectiva analítica dos Estudos Feministas, em que se busca refletir
sobre os múltiplos aspectos relacionados à violência contra as mulheres, bem como, as respostas
institucionais desenvolvidas no Brasil, país que ocupa a 5º posição, em um ranking de 83 países,
em número de assassinatos de mulheres. Este estudo, portanto, lança um olhar sobre os diferentes
aspectos relacionados à violência contra a mulher, estabelecendo como recorte, a ocorrência do
Feminicídio no Brasil.

Método

Nesse artigo, por meio do método bibliográfico, discute-se um tipo especifico de violência
contra as mulheres, o feminicídio. Situada em um quadro amplo de violências em que o gênero
é fator decisivo, na maioria dos casos registrados no país, os agressores estão entre pessoas

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 795


NO ONTEXTO BRASILEIRO
próximas às vítimas: são pais, padrastos, maridos, tios, primos dentre outros. Silva & Oliveira
(2014) destacam que muitas vezes a violência doméstica está associada a determinados fatores,
como: consumo de drogas e/ou álcool; condições socioeconômicas como pobreza, desemprego
ou dependência econômica e/ou emocional do(a) parceira; e, ainda, ausência de suporte social
à mulher vítima de violência. Para essa revisão bibliográfica, se adotou, comocritério de inclusão,
textos voltados para a discussão da violência contra a mulher, com enfoque na questão do
feminicídio, por meio das seguintes descritores: violência de gênero; violência contra a mulher;
feminicídio; desigualdades de gênero. Foram selecionados 21 textos dentre artigos,livros, teses e
dissertações, divulgadas entre 1990 e 2017,nas Bases de Dados Scielo, Lilacs e no Banco de Teses
daCAPES.

Resultados

Apesar do evidente quadro de conquistas sociais a que as mulheres tiveram acesso, e


que possibilitaram elevar o nível educacional e econômico da parcela feminina da população,
reconfigurando o espaço social. Os homens deixaram de ser vistos como superiores e passando a
disputar espaços com elas (Fon, 2014). Mas, apesar do quadro otimista, especialmente no tópico
da equidade de direitos, também é flagrante o aumento de casos de violência contra a mulher.
E essa violência, segundo (Gomes; et al, 2014), só é possível entender a partir da perspectiva da
relação de poderes estabelecida entre os gêneros dentro do sistema patriarcal. Diversos autores,
a partir do Século XIX, tentaram encontrar os fundamentos dessa desigualdade, como clássico de
Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, construído em uma perspectiva
marxista, como uma crítica ao sistema capitalista. Para Engels (1980), o casamento, na lógica das
relações desiguais de poder, tornou-se uma forma de sujeitar a mulher, entendendo-a como uma
“propriedade” do homem. Quando o lar se transformou em serviço privado, “a mulher converteu-
se na primeira criada, sem mais tomar parte na produção social”, conclui Engels ([1884], 2017,
p.93). Do mesmo modo, Bourdieu (2011) associou o trabalho doméstico, em que a mulher não
tem qualquer forma de retribuição em dinheiro, como um reforço à desvalorização feminina e um
dos fundamentos da chamada “dominação masculina”. Em sua reflexão sociológica, Bourdieu
afirma que a dominação masculina não é biológica, mas uma construção arbitrária do social
sobre o biológico, fundamentando com uma série de regras, as chamadas divisões sexuais.
“Sempre vi na dominação masculina, e no modo como é imposta e vivenciada, o exemplo por
excelência desta submissão paradoxal, resultante daquilo que eu chamo de violência simbólica,
violência suave, insensível, invisível a suas próprias vitimas, que se exerce essencialmente pelas vias
puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento.” (Bourdieu, 2005, p.7-8).
Para refletir sobre a relação desigual entre homens e mulheres na sociedade contemporânea,
é necessário remontar ao processo de construção ideológica dessa desigualdade existente,
reconhecida, pelo senso comum, como algo a-histórico, portanto, pautado pela própria“natureza
das coisas”. Nesse sentido, as concepções acerca das desigualdades decorrem da percepção sobre
as diferenças sexuais, em que homens e mulheres não têm o mesmo grau de importância. Um
exemplo são as concepções elaboradas sobre a mulher dentro da filosofia grega clássica. Em
Platão e em Aristóteles, a mulher era vista como “um desvio” ou como “uma relação imperfeita”
(Nogueira, 2001). Os gregos associaram a mulher ao desejo, uma atitude desaprovada, em muitos
casos, por seus vínculos com a desordem, a irracionalidade e o impulso, enquanto o homem,
virtuoso em sua capacidade racional, seria o criador da ordem e da lei (Nogueira, 2001).
No âmbito das religiões judaico-cristãs, em que a mulher é associada com a causadora da
“queda” humana do paraíso ao despertar o desejo masculino – e, portanto, a sua irracionalidade,
consolidou a crença de que seria necessário controlar a sexualidade feminina. Assim, essas religiões

796  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
vieram consolidar o androcentrismo, supervalorizando o pensamento masculino.Levando em
consideração os contextos socioculturais vigentes em cada época, é possível observar que os
chamados papéis sexuais se relacionam ao um conjunto de crenças que atribuem características
distintas a cada sexo, definindo, também, os direitos, os ambientes, as obrigações e as condutas
condizentes a cada um. (Salzsman, 1992). Pesquisas desenvolvidas a partir dos anos de 1990
vêm demonstrando detalhadamente como as expectativas estereotipadas em relação aos papéis
sexuais causaram grande impacto sobre os indivíduos, definindo qual lugar lhe competia no
campo social:

Pesquisadores (as) feministas assumem frequentemente e, às vezes deixam explícito,


que mensagens de papéis sexuais estereotipados (parte da totalidade da experiência de
socialização em papéis sexuais) são “bem-sucedidas”. Argumentam, por exemplo, que
as meninas acreditam nas mensagens e, ao final, exibem as atitudes e comportamentos
transmitidos - por exemplo: submissão aos homens, passividade sexual, desejo de cuidar de
crianças e dos maridos e relutância em competir com homens fora das situações domésticas
(Anyon, 1990, p.14).
<
O questionamento sobre os papéis sexuais naturalizados em nossa sociedade ganhou espaço
acadêmico a partir dos anos de 1950, após a filósofa existencialista Simone de Beauvoir defender
que “não se nasce mulher, torna-se mulher”, remetendo à noção de que, se o sexo é um dado
biológico, o gênero é uma construção social. Sua reflexão incidia sobre o campo das desigualdades
entre homens e mulheres nas sociedades modernas, buscando razões históricas e sociais para esse
fenômeno, na mesma medida em que descartava as hipóteses naturalistas. Tal tese resgatava o
argumento da antropóloga norte-americana Margaret Mead, discípula de Franz Boas, que, ainda
nos anos de 1930, defendeu que a identidade pessoal e coletiva era marcadamente influenciada
pelos aspectos culturais de cada sociedade, e não determinada pelos aspectos biológicos.

Movimentos Feministas

O Feminismo apresenta-se como um neologismo do Século XX, criado para designar o


movimento social, histórico, político e filosófico-epistemológico, que atua no sentido de, ao
reconhecer as diferenças existentes entre homens e mulheres, garantir a equidade de direitos entre
os gêneros. Ao reivindicar que pessoas diferentes sejam tratadas não como iguais, mas como
equivalentes, o Feminismo se tornou o parâmetro de várias transformações ocorridas no campo
social nos últimos cem anos da atividade humana (Scott, 1986; Fraisse, 1995; Louro, 1999;
Piscitelli, 2017).
As teorias e movimentos feministas sempre foram pautados no ideal de igualdade,
equiparação dos “direitos cívicos e políticos”, dividindo-se, ao longo de sua história, em três
principais movimentos. A Primeira Onda, no final do Século XIX,foi dominada pelas lutas em favor
do voto feminino e pelo acesso à educação, pelas mulheres (Levatti, 2011).Em contrapartida,
já no final dos anos 1950 e início da década de 1960, começava a surgir na Europa e nos
Estados Unidos, o que ficou conhecido como Segunda Onda do Movimento Feminista. Ao
contrário da Primeira Onda, que não almejava imediatamente abalar os princípios religiosos
e da família (Almeida, 2000), a Segunda Onda trazia a ferrenha oposição ao determinismo
biológico, colocando em pauta o conceito de “construção social”, que mais tarde influenciaria o
surgimento do conceito de gênero. Inspirada nas premissas de Beauvoir (1949), esse movimento
inicial enfatizava a desnaturalização da relação de subordinação de sexo, apontando o papel
da mulher de submissa e a restrição da sexualidade como sendo um constructo sociocultural
(Frazer, 2009).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 797


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Em comparação aos demais países do Ocidente, no Brasil o movimento feminista não
despontou no início do século, apresentando suas reivindicações a partir da década de 1970,
impulsionada pelos demais movimentos de luta contra a opressão da ditadura militar vigente à
época (1964-1983). No seio desse movimento pulsante de demandas, as feministas reivindicavam
a igualdade entre os sexos e o rompimento com os papéis sociais tradicionais direcionados a
elas, tais como a virgindade, o casamento e o confinamento às atividades domésticas (Brazil &
Schumaher, 2000).
Não obstante, nos primórdios da década de 1990, surgiu a Terceira Onda do Movimento
Feminista, que,carregando uma perspectiva pós-estruturalista, requeria uma ruptura do dualismo
biológico e dos modelos idealizados pela sociedade. A Terceira Onda trazia a ideia de pluralidade
e de heterogeneidade possível nos indivíduos. Questionava-se, no corpo teórico diversificado e
provocador, a coerência e vínculo entre corpo-sexo-gênero-desejo, emdiscursos que abalavam
as premissas essencialistas que fundamentavam a ideia de papéis sexuais. (Butler, 2003; Farah,
2004).
Cabe, neste momento, discernir como, na contemporaneidade, as demandas feministas
foramincorporadas, traduzindo-se em mudanças significativas na maneira como a mulher e o
feminino passaram a ser entendidos e tratados no campo social; e, por outro, quais os desafios,
obstáculos e enfrentamentos pelos quais essas mesmas demandas atravessam na sociedade,
considerando seu percurso histórico e os discursos e movimentos relacionados ao antifeminismo
(Siqueira, 2015).

Femicídio\Feminicídio

A expressão máxima de ódio contra a mulher é o crime por assassinato. No feminicídio, as


mortes decorrem dos conflitos de gênero, sendo, dentro desta perspectiva, o gênero feminino as
maiores vítimas deste tipo de crime. O Brasil ocupa a 5º posição, em um ranking de 83 países, em
assassinato de mulheres, figurando, ainda, como uma das nações que mais praticam violência
contra as mulheres. A violência de gênero é impactante e seus reflexos se fazem refletir, diretamente,
nos atendimentos em saúde, segurança e justiça. Em 2015, ano da promulgação da Lei 13.104/15,
conhecida como a Lei do Feminicídio, 4.621 mulheres foram assassinadas no Brasil. O Mapa da
Violência daquele ano reafirmava a crescente violência de gênero. Entre 1980 e 2013, mais de
100 mil pessoas morreram em decorrência da condição de ser mulher. Os assassinatos foram
cometidos, em sua maioria, por homens com os quais a vítima tinha relações afetivas: familiares
(50,3%) ou parceiros/ex-parceiros (33,2%). A situação de fragilidade da mulher, uma das minorias
políticas no Brasil, decorre, portanto, de um menor acesso ao poder ou aos recursos financeiros
(Garcia, Freitas, Silva &Höfelmann, 2013).
Dentro desse pressuposto o termo femicídio\feminicídio é oriundo das teorias feministas,
sendo femicídio usado pela primeira vez por Diana Russel, durante um depoimento para o Tribunal
Internacional de Crimes contra Mulheres, em Bruxelas em 1976. A expressão foi utilizada para nomear o
assassinatos que ocorreram pelo fato de as vítimas serem mulheres ou decorrentes de seu gênero
(Pasinato, 2011). Com a possível definição dos significados dessas mortes, o autor ressalta que
as mortes classificadas por femicídio eram resultados de uma descriminação de gênero, não
encontrando conexões com outras questões como raça\etnia ou geração (Carcedo & Sargot,
2002).
Posteriormente, Diana Russel e Jane Caputti redefiniram o femicídio como sendo “um fim
extremo de um continuum de terror contra as mulheres” vai agrupar uma série de variáveis, como
o abuso físico e psicológico, o estupro, a tortura, abuso sexual contra criança, mutilação genital,
operações ginecológicas desnecessárias, heterossexualidade forçada e etc. (Campos, 2015)

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
reafirma que qualquer dessas práticas terroristas que venham resultar em morte será femicídio,
se caracterizando como um padrão sistemático de violência, universal e estrutural, fundamentada
no poder patriarcal.
Oliveira, Costa & Sousa (2015) destacam algumas das tipologias do feminicídio que se
entende como: a) feminicídio íntimo: quando o agressor mantinha ou manteve com a vítima
relacionamento íntimo ou familiar, o que concentra o mais frequentes dos casos; b) o feminicídio
sexual, em que a morte é precedida de violência sexual ou um estupro seguido de morte; c)
feminicídio corporativo, que acontece em caso de vingança, como resultado do crime organizado;
d) feminicídio infantil, que contempla crianças e adolescentes do sexo feminino que sofrem maus-
tratos por familiares ou de seus cuidadores.
Dentre os tipos de feminicídios o que mais se destaca é o feminicídio intimo com o que mais
acontece com as mulheres, que tem um estreitamento com a violência conjugal, sendo praticado
por àquelas pessoas nas quais mantinham relações afetivas.
Oliveira, Costa & Sousa (2015)destacam que no Mapa da Violência de 2015 entre as mulheres
em situação de violência conjugal, tinham um percentual de 43,1 % sendo jovens, de 18 a 39 anos.
As idosas acimas de 60 anos tinham seus principais agressores os próprios filhos com estimativa
de 34,9%. Em relação à cor da pele a mortalidade está mais presente nas mulheres negras do que
as brancas, atingindo 43,1%, Garcia, Freitas, Silva &Höfelmann (2013) destacam que a taxa de
feminicídios no Brasil é elevada, contabilizando uma morte de mulher por meios violentos a cada
hora e meia. Em seus estudos destaca serem mulheres de todas as faixas etárias, etnias e níveis de
escolaridades variadas.
Carcedo & Sargot (2002) destacam que o feminicídio, como a forma mais letal desse tipo
de violência, caracteriza-se como uma expressão de poder, dominação e controle sobre a mulher.
Assim, o termo feminicídio, proposto por Marcela Lagarte, expressava o vínculo entre estas mortes
com o gênero da vítima. No Brasil, a proposta de acentuar a pena quando tipificada a violência de
feminicídio, reconhecia que a violência em relação à mulher era naturalizada culturalmente, e de
que nessa situação, as mulheres não eram objetos de proteção adequada (Campos, 2015).
A lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, que alterou o art. 121, do Código Penal (Decreto-
Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940), caracterizou o feminicídio como a circunstância
qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que
incluiu o feminicídio no rol dos crimes hediondos.O feminicídio considera, a priori, que o crime
contra a mulher não pode ser desvinculado das visões que, culturalmente, posicionavam a mulher
em situação de inferioridade ou de subalternidade em relação ao masculino. Assim, diante da
pouca influência da Lei nº 13.104/2015 na repressão ou diminuição dos índices de violência
contra a mulher, questiona-se se, de fato, a judicialização dos conflitos sociais é efetivamente
a solução. Nesse sentido, é necessário repensar, em todos os ângulos e dimensões, as posições
determinadas culturalmente para homens e mulheres, reexaminando “as formas pelas quais
as identidades generificadas são construídas e relacionar seus achados com toda uma série de
atividades, organizações e representações sociais historicamente especificas” (Scott, 1990).

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 801


NO ONTEXTO BRASILEIRO
MOVIMENTO FEMINISTAS EM TRANSFORMAÇÃO:
ASSÉDIO SEXUAL E MACHISMO NO TRABALHO
NA REVISTA MARIE CLAIRE
Alessandra Leite
Alany Fortaleza de Sousa
Ramila Oliveira Ferreira
Ana Kelma Cunha Gallas

Introdução

O
Feminismo é uma palavra moderna. Apresenta-se como um neologismo, criado
no Século XX, para designar o movimento social, histórico, político e filosófico
epistemológico, que atua no sentido de, ao reconhecer as diferenças existentes entre
homens e mulheres, garantir a equidade de direitos entre os gêneros. Ao reivindicar que pessoas
diferentes sejam tratadas não como iguais, mas como equivalentes (Scott, 1986), o Feminismo se
tornou o parâmetro de várias transformações ocorridas no campo social nos últimos cem anos
da atividade humana.
Ao longo do século XX, teóricas feministas e ativistas vem discutindo sobre as diversas
assimetrias existentes entre os gêneros, e evidenciando, como discorre Beauvoir na década de
1940 e 1950, que a experiência masculina tem sido privilegiada ao longo da história, enquanto a
feminina foi negligenciada e desvalorizada. (Beauvoir, [1942], 1970). Mas, para Araújo (2002),
até mesmo no âmbito acadêmico, estudos do trabalho e dos trabalhadores realizados no Brasil
até a década de 1970 expressavam uma “visão homogênea da classe trabalhadora, que tornava
invisível o trabalho da mulher e as desigualdades de gênero no mercado de trabalho” (ARAÚJO,
2002, p. 131). Embora, nas últimas décadas, decorrente do aumento do nível de escolaridade da
população feminina e de sua crescente participação em ocupações técnicas remuneradas, ainda
permanecem, no campo social, o caráter excludente desta feminização do mercado de trabalho.
Essa exclusão se expressa, especialmente, pelo confinamento da mulher “em ocupações de menor
prestígio social, na alta instabilidade, nas reduzidas chances de mobilidade, na desigualdade de
oportunidades para homens e mulheres e nas assimetrias salariais” (ARAÚJO, 2002, p. 136) que
evidenciam a desvalorização das atividades qualificadas como femininas e nas dificuldades de
acesso aos postos considerados masculinos.
Entendendo o Feminismo enquanto projeto teórico-epistemológico e político, articulado
com a pesquisa acadêmica e o ativismo histórico, político e filosófico-epistemológico (Narvaz &
Koller, 2006), este trabalho tem como objetivo investigar quais temas são recorrentes nas revistas
“Marie Claire”, correlacionando demandas de assédio sexual no trabalho, voltada para o público
feminino.

802  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método

Neste trabalho, são discutidas publicações de uma revista que circula no Brasil, com
matérias e pautas voltadas para o público feminino: a revista “Marie Claire” (Editora Globo),
publicada desde 1993. O periódico se autodefine como uma publicação que valoriza a capacidade
intelectual das leitoras, intenção expressa no slogan: “Chique é ser inteligente”. O slogan deixa
claro o seu objetivo editorial, substituindo a superficialidade dos interesses meramente estéticos
pelo valor “inteligência”, preocupando-se com temas de interesse para uma mulher independente,
que “trabalha, se diverte, vota com consciência e expõe suas opiniões com vigor”, conforme deixa
apreender por meio de uma mensagem publicitária. Assim, neste trabalho, a partir dos eixos
Gênero e Imprensa, interroga-se como a Marie Claire, publicação voltada ao público feminino na
contemporaneidade, tem trabalhado, em suas matérias, as demandas feministas.
Esta investigação se caracteriza, sobretudo, como uma pesquisa documental que, conforme
Ferrari (1982) tem por finalidade reunir, classificar e organizar informações, contidas em
documentos, a respeito do objeto da pesquisa. Assim, recorre-se a fontes mais diversificadas e
dispersas, que ainda não possuem tratamento analítico, como tabelas, jornais, revistas, relatórios,
documentos oficiais, cartas, filmes, fotografias, pinturas, tapeçarias, relatórios de empresas,
vídeos de programas de televisão, etc., “conferindo-lhes nova importância como fonte de
pesquisa” (Matos e Lerche, 2001, p.40). O método de pesquisa escolhido para esta investigação
se justifica pelo que Yin define como uma “investigação empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o
fenômeno e o contexto não são claramente definidos...” (Yin, 2001, p. 32-33). As categorias
escolhidas para nortear a pesquisa na revista Marie Claire foram: Feminismo, Assédio Sexual no
Trabalho, Gênero, Machismo.
Utilizaram-se, nesta investigação, as edições da Marie Claire publicadas entre abril e agosto
de 2017, em sua versão online, considerando aqui o suporte papel como o critério de exclusão. A
revista foi selecionada para esta análise devido ao seu repertório não estar concentrado em matérias
sobre beleza e relacionamentos. A partir destas metodologias, pretende-se sistematizar dados que
evidenciem quais os principais temas discutidos pela revista Marie Claire, correlacionando com o
percurso histórico do Feminismo. Adotou-se como referencial teórico e metodológico as teorias
feministas, elegendo-se como categorias de análise os temas correlacionados: machismo e assédio
sexual no trabalho.

Resultados

O Feminismo é um movimento moderno que se caracteriza pela luta em favor da igualdade


de direitos sociais e políticos para homens e mulheres. As demandas do movimento feminista,
porém, têm se diversificado: desde uma maior participação política, caracterizada pela Primeira
Onda do Feminismo, ainda no Século XIX, às lutas pelas políticas do corpo e do prazer, ou, ainda,
pela igualdade de direitos entre os gêneros. Embora a maciça inserção da mulher no mercado
de trabalho, com conquista de mais espaços e posições, ainda são flagrantes as situações de
desigualdade salarial, assim como a prática do assédio sexual e moral, que atinge principalmente
as mulheres no ambiente corporativo.
A desigualdade entre gêneros no trabalho é percebida com dados do IBGE (2011) apontando
que mulheres ganham 28% menos que os homens, exercendo as mesmas funções. Segundo dados
IPEA (2009), enquanto o índice de desemprego de homens brancos é de 5,3%, de mulheres negras
é de 12,5%, o que demonstra a maior dificuldade da mulher no momento de conseguir emprego e
permanecer nele (Proni & Gomes, 2015).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 803


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O assédio sexual caracteriza-se como uma abordagem repetida de uma pessoa a outra, com
a pretensão de obter favores sexuais, mediante imposição de vontade. Onde essa atitude pode
ser clara ou sutil, pode ser falada ou apenas insinuadas. Escrita ou explicitada em gestos, em
forma de coação quando alguém promete promoção para a mulher ou em forma de chantagem
profissional, quando advindo de alguém hierarquicamente superior na relação laboral, como
também por colegas de trabalho, clientes e, inclusive do empregador para com o empregado
(Brasil, 2009).
A intenção do assediador pode ser expressa de várias formas. No ambiente de trabalho,
atitudes como piadinhas, fotos de mulheres nuas, brincadeiras consideradas “de macho” ou
comentários constrangedores sobre a figura feminina podem e devem ser evitados. Essa pressão
tem componentes de extrema violência moral, à medida que coloca a vítima em situações
vexatórias, provoca insegurança profissional pelo medo de perder o emprego, ser transferida para
setores indesejados, perder direitos etc.
Ao se tratar do assédio sexual, um ponto que deve ser destacado é que isso não se refere
em primeiro plano à sexualidade, mas sim a relação de poder, decorrente, especialmente, da
naturalização da submissão feminina. Em sua análise sobre os fundamentos da dominação
masculina, o filósofo francês Pierre Bourdieu observa um jogo de oposições construídas histórica
e socialmente: “Se a relação sexual se mostra como uma relação social de dominação, é porque
ela está construída através do princípio de divisão fundamental entre o masculino, ativo, e o
feminino, passivo” (Bourdieu, 2005, 31), diz o filósofo. Esse princípio, segundo Bourdieu, cria,
organiza, expressa e dirige o desejo, sendo o desejo masculino, como desejo de posse, e o desejo
feminino, como desejo da dominação masculina, ou seja, como subordinação erotizada ou, em
última instância, como reconhecimento erotizado da dominação” (idem).
Assim considerando, o assédio se manifesta nas cadeias das relações de força que, no
trabalho, se traduzem pelas hierarquias de poder. Nesse sentido, Coutinho (2015) classifica
o assédio em três categorias: vertical ascendente vertical descendente e horizontal, de acordo
com as modalidades. O assédio vertical consiste naquele que é praticado por pessoas de níveis
hierárquicos distintos envolvidos em uma relação trabalhista, ou que exista a subordinação.
Assim, pode ocorrer tanto o assédio vertical descendente como o ascendente. O primeiro tipo de
assédio, o vertical descendente, consiste em uma agressão que tem por sujeito ativo um superior
hierárquico com o escopo de agredir/abusar o subordinado que, devido às relações assimétricas
de poder, se submete a tais humilhações. É a utilização do poder de chefia para fins de verdadeiro
abuso, seja do poder diretivo ou do poder disciplinar. Já o segundo, o assédio vertical ascendente,
caracteriza-se pela agressão realizada por um ou mais subordinados contra o superior hierárquico.
Esse tipo de assédio, conforme a autora, é mais frequente em empresas privadas.
O assédio horizontal é aquele praticado entre sujeitos que estão no mesmo patamar
hierárquico, inexistindo entre eles qualquer relação de subordinação, sendo esta prática motivada
pela busca de uma promoção, intolerância religiosa, conflitos éticos, políticos, discriminação
sexual, atração física, dentre outros. É o assédio cometido por colega de serviço, manifestando-se
através de brincadeiras maldosas, gracejos, piadas, grosserias, gestos obscenos, apalpamentos,
que podem resultar em conflitos interpessoais ou em isolamento, acarretando dificuldades de
convivência ou exclusão dentro de empresas. O assédio horizontal é um fenômeno percebido entre
os próprios colegas de trabalho, em razão da competitividade, discrepância salarial, inveja do
trabalho realizado pelo colega, o qual pode vir a receber uma promoção, ou ainda pela mera
discriminação por fatores raciais, políticos, religiosos e sexuais. Submetem o sujeito “incômodo”
a situações de humilhação com comentários ofensivos, boatos sobre sua vida pessoal, e acusações
que podem denegrir sua imagem perante a empresa (Coutinho, 2015).
Dentro do local de trabalho, o machismo é considerado um dos principais aspectos que
influencia a consequência do assédio sexual com as mulheres. Em pesquisa realizada com mulheres
em seu local de trabalho, mostrou que 70% das pesquisadas responderam que já identificaram

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ou passaram por situações de machismo no trabalho. Relataram como exemplo as situações de
descriminação devido as questões de maternidade, por serem mais cobradas que os homens e
por “gracinhas” ditas por colegas (Minella, Borges & Karawejczyk, 2017). Decorrente do Sistema
Patriarcal, fundamentado na divisão sexual do trabalho e nas relações assimétricas entre homens
e mulheres, o machismo é uma visão de mundo em que a “liderança” é apenas masculina (Ribeiro
& Silva, 2015).
Entende-se por machismo a atitude de prepotência dos homens relativamente às mulheres.
Engels (2009) cita o desmoronamento do direito materno, como a grande derrota histórica
do sexo feminino em todo o mundo. Segundo ele, depois disso o homem além de substituir a
filiação masculina e garantir o direito hereditário paterno, apoderou-se também da direção da
casa e a mulher viu-se degradada, convertida em servidora, escrava da luxúria do homem e um
simples instrumento de reprodução. Outro fator citado pelo autor é a passagem do matrimonio
sindiásmico para a monogamia, segundo ele, para assegurar a fidelidade da mulher e a posse
da propriedade do pai pelo sucessor masculino mais velho. Nessa perspectiva, o machismo é a
manifestação de um sistema de dominação masculina, que se utiliza de matrizes de pensamento
essencialista, em que os papéis sexuais e de gênero são determinados biologicamente, sendo as
relações decorrentes, entre homens e mulheres, hierarquizadas.

Discussão

Ao correlacionar as temáticas publicadas na revista “Marie Claire” com as demandas dos


movimentos feministas foram contempladas na interseção de dois campos do saber: gênero e
feminismo. Observou-se, a priori, os direcionamentos editoriais de publicações que almejam,
como público, mulheres independentes e com autonomia, que equilibram uma carreira de sucesso
à vida familiar. Porém, quanto ao perfil, o enquadramento do público alvo de ambas as revistas,
no aspecto sociocultural (mulher cisgênero, branca, heterossexual, de classe média-alta, moradora
das zonas urbanas mais ricas do Brasil), apresenta-se excludente em relação a uma grande maioria
da população feminina, de predominância negra e das camadas populares.
A revista Marie Claire adota posicionamentos defendidos pela geração de feministas pós-
1950, que tinham como bandeira a frase célebre de Simone de Beauvoir “Não se nasce mulher,
torna-se mulher”, que questionava a naturalização dos costumes a respeito da posição a ser
ocupada pela mulher no campo social. Porém, observa-se que, embora estes aspectos da revista
Marie Claire, que se posicione a favor da ascensão feminina, e de suas tentativas de desconstruir
a categoria “mulher” como um sujeito coletivo unificado que partilha as mesmas opressões,
os mesmos problemas e a mesma história, ainda não incorporaram de forma mais consistente
as demandas próprias do Feminismo da Terceira Onda, que reivindica “a diferença dentro da
diferença.
O tema assédio sexual no ambiente de trabalho foi trabalhada pela revista em abril de 2017,
após a ocorrência da denúncia da figurinista Susllen Tonani contra o ator global José Mayer. O
tema foi amplamente debatido na em uma matéria publicada no dia 04/05/2017, com o seguinte
subtítulo: “após campanha contra assédio, famosas pedem que mulheres não se calem”. No
dia 11/05/2017, publicou, como reforço para o debate, o ensaio de reflexão crítica intitulado
“Os últimos dias foram cheios de horror para os direitos da mulher”, situando o assédio sexual
como uma decorrência do comportamento machista, cujas implicações não são apenas físicas e
psicológicas, mas na própria imagem pública das mulheres, afetando as conquistas profissionais
das mulheres vítimas dessa violência. Este tipo de assédio praticado pelo ator, foi caracterizado
pela modalidade assédio vertical descendente, onde Mayer sujeito ativo agrediu a Tonani, e está
submetida pelos abusou em detrimento tanto do cargo como às relações assimétricas de poder.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 805


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Em um estudo sobre a Marie Claire, Adriana Piscitelli (2010) observa que a revista é destinada
a um público feminino de classe média alta, intelectualizada. E, não apenas nesse sentido, a revista
tem destoado no conjunto de publicações voltadas às mulheres no Brasil. Comparativamente, a
revista tem dedicado pouco espaço a moda, beleza e receitas de cozinha, e concentrando seus
esforços na discussão das problemáticas femininas. Na edição do mês de julho de 2017, por
exemplo, a revista Marie Claire anunciou a campanha “se eu disser não, é estupro”, com a atriz Cléo
Pires, despida no ensaio da capa da revista (Rodrigues, 2016). Outra importante campanha, que
recebeu tratamento dentro da revista, foi a “Mexeu com uma mexeu com todas”, desencadeada
a partir da denúncia contra o ator global. A revista Marie Claire ampliou a discussão sobre as
lutas femininas e a conquista de espaço no mercado de trabalho pelas mulheres, relacionando a
problemática do assédio à problemática do machismo. Garcia, Abrahão e Sousa (2015) associam
a prática da sororidade às dimensões éticas, políticas e práticas do feminismo, se constituindo,
assim, em “uma experiência subjetiva pela qual as mulheres devem passar com a finalidade de
eliminarem todas as formas de opressão entre elas” (Garcia, Abrahão e Sousa, 2015, p. 1003).
Assim, sororidade pode ser entendida como uma solidariedade entre as mulheres, em uma
perspectiva próxima do ativismo, uma vez que implica que uma mulher lute por outra mulher,
que pratique o feminismo por meio da Sororidade (Marques, 2013). Trata-se, assim, de cultivar
a empatia com outras mulheres que passariam pela mesma situação de opressão (Costa, 2009).
A reflexão adotada pela revista revelou um alinhamento aos posicionamentos feministas,
especialmente, na sua crítica aos fatores sociais que colaboram para a manutenção da desigualdade
de poderes entre homens e mulheres, adotando posicionamentos a favor da igualdade de gêneros.
Por outro lado, a revista não se implicou na discussão de quais comportamentos precisariam ser
rompidos para que ocorresse uma mudança social e política para um maior empoderamento
feminino, especialmente, no que diz respeito à equidade de gênero.

Conclusões

No tocante da proposta apresentada neste trabalho a revista Marie Claire mesmo


apresentando alguns posicionamentos diante de algumas demandas conquistadas pelas mulheres
na contemporaneidade acaba por rejeitar outras já que a revista não é voltada para a maioria
do público feminino. O slogan adotado pela revista (“chique é ser inteligente”) reflete uma
ressignificação do que é ser “chique”, antes, uma expressão associada a uma certa “superficialidade
dos anseios femininos”, e que passa a ser ressignificada por um discurso de caráter distinto, em
que se amplia a categoria “chique” à elegância de pensamento, a um deslocamento que promove
a emancipação feminina.
Assim, ao enfatizar as dimensões políticas e sociais relacionadas com o ser-mulher, a revista
se opõe à imagem da mulher objetificada (que é vista, sobretudo, a partir de um corpo desejado
– jovem, belo, branco, heterossexual, magro), e enfatiza outro perfil de mulher: que estudou,
ascendeu profissionalmente, e tem ambições econômicas e políticas, sem deixar de investigar ou
abordar facetas de seu antigo “papel social”, como casamento, filhos e os desafios envolvidos na
relação trabalho doméstico e trabalho remunerado.
Muitas publicações voltadas para o público feminino ainda refletem as demandas da
chamada Primeira Onda do Feminismo, centrando suas discussões sobre a desigualdade de
gênero – assimetrias de poder entre homens e mulheres consolidadas histórica e socialmente no
campo da cultura – centrando, muitas vezes, suas pautas em torno da sexualidade, do namoro,
casamento, filhos, beleza e etiqueta, entre outros assuntos considerados de interesse “feminino”.
Os temas da Segunda Onda do Feminismo (1960 a 1980), cujo principal interesse era
discutir a igualdade de gênero nas relações econômicas, combatendo a desigualdade entre

806  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
homens e mulheres no campo profissional, especialmente, as diferenças salariais, e especialmente,
a ocupação de vagas no mercado de trabalho pelas mulheres (Pedro, 2008). Em uma matéria
publicada em 22 de agosto de 2017, por exemplo, desenvolveu-se a seguinte matéria: “Emprego,
carreira e propósito: em qual fase profissional você está?”. Nesse sentido, observa-se que, para a
revista, está claro quem é o seu público e quais seus interesses. Nesse sentido, são evocadas muitas
demandas do chamado Feminismo da Terceira Onda, onde se reivindica “a diferença dentro da
diferença”. As preocupações recaem sobre a desconstrução da categoria “mulher” como um
sujeito coletivo unificado que partilha as mesmas opressões, os mesmos problemas e a mesma
história. Embora exista a noção de que existem mulheres negras, analfabetas e sem emprego, a
revista Marie Claire fez uma opção evidente pelas mulheres independentes e escolarizadas, o que
se reflete nos chamados “lugares de fala”. A revista que, pretende-se se colocar como inovadora e
partidária das demandas feministas, está recheada de conservadorismos nas entrelinhas (Barros,
2002). Nesse sentido, a publicação não se posiciona em relação ao feminismo, direcionando suas
preocupações com a vida pessoal e profissional de mulheres quase sempre brancas, heterossexuais
e que lidam com os dilemas da carreira e da vida pessoal. Nesse sentido, são comuns matérias que
tratam do corpo e seus contornos, da sexualidade heterossexual, do casamento e da maternidade
(Swain, 2001).

O recorte específico na Marie Claire se dá pelo fato dela apresentar, supostamente, uma
proposta arrojada que, à primeira vista, tenta subverter, o conceito padrão que impera na
maioria das publicações voltadas para o público feminino. Valendo-se do slogan “chique é
ser inteligente”, ela tenta sugerir que suas abordagens destoarão da configuração ideológica
dos demais produtos da imprensa do gênero (Barros, 2002, s.p.).

Um dos problemas identificados na revista, a construção de um arquétipo de uma mulher


moderna, é paradoxal e esbarra em concepções tradicionais na revista, sendo frágil o conceito
de inteligência apregoado pelas publicações analisadas da revista. Na contemporaneidade, as
discussões próprias do movimento feminista passaram a ser apropriadas e reconfiguradas pelos
dispositivos culturais, entre elas, a revista, sendo tais discursos marcados pela polissemia e
discursos concorrentes. Observa-se que, neste período histórico, o Feminismo tornou-se múltiplo,
abrindo espaço para demandas específicas das pluralidades femininas. A defesa da equidade de
gênero é trabalhada paralelamente à discussão de desafios e problemáticas associadas à mulher
moderna ainda às voltas com vários níveis de machismo. Apesar dos artifícios argumentativos
utilizados pela publicação, ainda reforçam-se alguns estereótipos de gênero, reforçadas, ainda,
pela segmentação de público proposta pela publicação, que elegeu como leitoras, mulheres
das classes A e B, refletindo ideologicamente as demandas desta parcela da sociedade. O tema
assédio sexual, portanto, aparece descontextualizado de discussões mais amplas sobre as relações
de poder próprias destas classes sociais, invisibilizando os fatores sociais, econômicos, culturais e
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 809


NO ONTEXTO BRASILEIRO
EIXO TEMÁTICO

POLÍTICAS PÚBLICAS
PRODUÇÃO DE CUIDADO EM SAÚDE MENTAL SOB A
ÓTICA DE PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO BÁSICA
Francisca Maira Silva de Sousa

Introdução

O
objetivo desta pesquisa é analisar os modos de produção de cuidado em saúde
mental a partir da compreensão dos profissionais da Atenção Básica. A efetivação
da Reforma Psiquiátrica ganha força com a Reforma Sanitária e a criação do
Sistema Único de Saúde (SUS), ao apresentar um novo modelo de assistência e conceito sobre
saúde. A Política Nacional de Saúde Mental vem consolidando a estratégia de cuidado na esfera
da Atenção Básica, uma vez que as práticas de saúde mental estão ficando cada vez mais próxima
do território (Brasil, 2013).
Desta forma, a Atenção Básica em Saúde (ABS), constitui-se como um campo estratégico
para a produção do cuidado em saúde mental. Pois, devido sua proximidade com a população,
chegam a este serviço, constantemente várias demandas referentes à saúde mental. Contudo,
apesar dos avanços nessa aérea, nem sempre a demanda de saúde mental encontra resolutividade.
Em um estudo realizado por Moliner e Lopes (2013) colocam que pela falta de uma escuta não
qualificada, os usuários retornam várias vezes para o atendimento, pois este não ocorre de uma
forma efetiva. Outros estudos como o de Oliveira et al (2016) colocam que a medicalização ainda
é o recurso terapêutico mais utilizado nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) como tratamento
das queixas emocionais. Este autor ressalta que para o atendimento à saúde mental ocorra na
Atenção Básica, é necessário que os profissionais sejam preparados para realizar um acolhimento
qualificado, pautada no respeito, na ética e no compromisso com as famílias pelas quais são
responsáveis, realizando assim um atendimento integral.
Sobre as transformações no campo da produção do cuidado, Merhy (1997) teoriza sobre
o processo de trabalho em saúde, coloca que este é dependente do trabalho vivo em ato, que só
acontece na dinâmica relacional, no momento do trabalho em si, com base no encontro entre
os sujeitos envolvidos. Para este autor, nos processos de trabalho assistenciais os profissionais
utilizam três tecnologias, tecnologias duras (que estão inscritas máquinas e instrumentos), as
tecnologias leve-duras (definidas pelo saber técnico) e leves (as tecnologias das relações) observada
no trabalho vivo em ato, ou seja, através do encontro entre duas pessoas que atuam uma sobre
a outra, onde ocorrem em momentos de falas, escutas e interpretações. Deste modo, para que o
serviço de saúde seja promotor de cuidado, é necessária a mudança do modelo assistencial que
tem por base os recursos instrumentais como exames e maquinário, e passe a incluir nas ações
promotoras de saúde processo de trabalho com acolhimento, escuta e vínculo com os usuários.
A Política de Saúde Mental do município de Quixadá-Ce vem se destacando no cenário
nacional, desde a criação do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), o terceiro do estado, que
trouxe contribuições no movimento brasileiro da luta antimanicomial, ao assegurar que o lugar

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 811


NO ONTEXTO BRASILEIRO
das pessoas com sofrimento psíquico é junto com comunidade e a família e afirmando as diversas
formas de existir no mundo. A trajetória do serviço substitutivos deste município é marcada
por intervenções sociais que buscam dar visibilidade ao lugar destinado ao usuário do serviço
dentro da sociedade, em um modelo de reabilitação que aponta para a necessidade de criação de
mecanismos de cuidados em Saúde Mental que contemplem intervenções sociais orientadas para
a boa convivência com a diferença (Bleicher, Freire & Sampaio, 2014).
Através destas experiências pode-se perceber a Atenção Básica como campo de práticas e
produção de novos modos de cuidado em saúde mental. Constitui-se como espaço fundamental
de cuidado a pessoas com sofrimento psíquico, na tentativa de não reduzir a Reforma Psiquiátrica
à desospitalização.
A Saúde da Família, deste modo, deve integrar-se à rede de relações que se construa em torno
da atenção à Saúde Mental. Na busca de construir uma rede de relações sociais que promovam
novas atitudes diante dos problemas referentes ao processo saúde mental/sofrimento psíquico/
doença mental. Não apenas uma rede sanitária, articulada para prevenir agravos individuais,
concebidos como naturais e produtos de uma história natural, mas articulada à cidade e ao
cidadão, centro ativo de políticas e percepções críticas sobre a cultura (Hirdes, 2013).
Com efeito, devem-se problematizar as ações de saúde mental que estão sendo desenvolvidas
pelos profissionais da Atenção Básica, pois, por estar mais próximo dos territórios e famílias
deparam-se constantemente com demandas referentes à saúde mental. Como os profissionais
compreendem a produção do cuidado? Quais suas percepções sobre produção de cuidado em
saúde mental? Quais os desafios que os profissionais enfrentam para produzir cuidado em saúde
mental na Atenção Básica.

Método

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, de natureza exploratória e descritiva.


O campo do presente estudo foi uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do município de Quixadá-
CE, composta por duas equipes de saúde da família, os dados foram levantados entre os meses
de fevereiro e março de 2015.
Participaram da pesquisa doze profissionais, sendo uma atendente, uma técnica de
enfermagem, três agentes comunitários de saúde, dois assistentes sociais, um dentista, três
enfermeiras e uma psicóloga. Para melhor organização dos resultados, os participantes foram
nomeados com a letra P1 a P12.
A coleta dos dados foi levantada através de entrevistas semiestruturadas. Os dados foram
analisados a partir da Análise de Conteúdo, especificamente a Análise Temática. De acordo com
Bardin (2011), a análise temática consiste em descobrir quais são os núcleos de sentido que
compõem uma comunicação, em que a presença, ou frequência signifiquem algo para o objeto
analítico visado. Utilizou-se, a análise por categorias temáticas que, de acordo com a autora,
busca descobrir uma série de significações que o codificador detecta por meio de indicadores que
lhe estão ligados.
O trabalho obedeceu aos aspectos legais e éticos que envolvem pesquisas com seres humanos,
de acordo com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde-CNS. Foi submetido ao
Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP), sendo aprovado por
parecer número 008896.

Resultados

A fim de facilitar a leitura dos resultados, estes, serão apresentados com base na construção
das seguintes categorias de análises: produção de cuidado em saúde, produção de cuidado em

812  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
saúde mental, modos de produção de cuidado em saúde mental, desafios dos profissionais da
atenção básica na produção do cuidado em saúde mental.

Produção de cuidado em saúde

Sobre a percepção da produção de cuidado em saúde os profissionais trouxeram sentidos


diversos, que vão além dos cuidados com a doença. Para a maioria, o cuidado integral é o que
melhor define o cuidado em saúde. A integralidade faz parte de um dos princípios do SUS. De
acordo com Hoffmann e Koifman (2013), a integralidade pode corresponder ao tratamento
digno, respeitoso, com qualidade, acolhimento e vínculo, por meio de uma relação construtiva e
inclusiva com o outro, constituindo-se uma forma humanizada.
O cuidado integral foi descrito por alguns profissionais como o cuidado que abrange todas
as redes de atenção em seus diferentes níveis. “Para mim é trabalhar com a integralidade, facilitando o
fluxo dos usuários nos diversos níveis de atenção, suas tecnologias dentro de uma rede de serviços articulada,
humanizada e continuada que garanta a resolução dos problemas dos nossos usuários (P1).”
As falas dos profissionais também trouxeram o modo de perceber o ser humano em suas
diferentes necessidades e dimensões. Como pode ser percebido no seguinte relato “É quando você sai
da velha atmosfera somente da cura, e olha para o ser humano por inteiro. Você olha para aquele ser humano que
sente fome, sede, sente suas necessidades, isso pra mim é o cuidado, quando você olha integralmente, e ao mesmo
tempo, que você olha, tenta atender essas necessidades; isso pra mim é produção de cuidado (P2).”
Percebe-se que os profissionais possuem uma visão ampliada sobre o cuidado em saúde que
transcende o campo da doença. Esta forma de compreender requer dos profissionais um maior
envolvimento com usuários além do seu campo de atuação, sendo por vezes necessário articular
com outros profissionais e serviços, considerando a singularidades dos sujeitos e sua autonomia,
ou seja, trabalhar com a clínica ampliada, para efetivar a produção de cuidado em saúde.
Como afirmam Cecílio e Merhy (2003) o cuidado em saúde é resultado da proposta
pensada para superar os desafios de ter uma assistência integral à saúde, começando pela
reorganização dos processos de trabalho na rede básica. Além disso, implantar ações assistenciais,
de procedimentos, fluxos, rotinas em um processo dialético de complementação e de disputa,
onde a maior ou menor integralidade da atenção recebida resulta, em boa medida, da forma
como se articulam as práticas dos trabalhadores.
Outra forma de perceber a produção de cuidado definida pelos profissionais foi referente
ao acolhimento aos usuários e a resolutividade das suas necessidades, como podemos verificar
no que está exposto abaixo. “Eu entendo que a produção de cuidado ocorre quando a pessoa que procurar
a atenção básica, que chega ao posto com aquele seu problema, encontra uma atendente, de mim passa para
uma enfermeira, passa para médica, que a gente soluciona aquele problema de quem chega doente, com algum
desconforto, eu acho que é o acolhimento, como a gente acolhe e o que a gente resolve (P3).”
Nesse discurso observamos que a produção de cuidado é entendida a partir do momento
em que o usuário chega ao serviço de saúde até a resolução do seu problema. O acolhimento
na saúde apresenta-se como uma tecnologia de cuidado eficiente para reorganizar o trabalho, a
partir de uma lógica que oferta e serviços mais adequados, contribuindo para ações mais efetivas
(Minóia & Minozzo, 2015).

Produção de cuidado em saúde mental na atenção básica

Em relação à produção de cuidado em saúde mental na atenção básica, os profissionais


relatam que este cuidado ainda é precário, sendo realizado apenas como uma questão prescritiva
de medicação, queixa-conduta, os usuários vão apenas para renovar receita, e que ao surgir um

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 813


NO ONTEXTO BRASILEIRO
paciente com esta demanda são logo encaminhados para o CAPS, como pode ser observado na
seguinte fala: “[...] Os pacientes são tratados como fossem só paciente dos CAPS, são encaminhando para lá.
Não criam esse vinculo e quando atende é somente para dar receita, mas não há avaliação, não há um PTS com
ele, junto com a família dele, para criar estratégia para dar assistência para esse paciente. A dinâmica do serviço
da atenção primaria ela não prioriza esse cuidado aos pacientes com problemas mentais, trabalha muito com
renovação de receita (P4).”
Esses resultados também foram encontrados na pesquisa realizada em Guarujá-São
Paulo por Gazignato e Castro-Silva (2014), que identificou que as ações em saúde mentais mais
executadas ainda são o encaminhamento para especialidades, como o CAPS. No entanto, este
não é o único tipo de serviço de atenção em saúde mental, pois este cuidado deve ser realizado
por meio de uma rede de cuidados como a atenção básica, comunidade, centros de convivência,
ambulatórios, e todos os equipamentos sociais disponíveis.
Deste modo, apenas fazer encaminhamentos sem que se esgotem as possibilidades
diagnósticas na atenção básica, sem as informações necessárias sobre o quadro do usuário,
revela certo modo de operar o trabalho em saúde, em que falta solidariedade com o serviço e
responsabilização no cuidado ao usuário (Franco & Merhy, 2005).
O apoio matricial é um procedimento que objetiva proporcionar suporte técnico, em áreas
específicas, às equipes responsáveis pelo desenvolvimento de ações básicas de saúde, tornando
possível compartilhar casos/situações com a equipe de saúde local, por meio de ações que
fortalece a corresponsabilização e contribuir para a melhor resolutividade das situações de saúde
mental no nível local (Minóia & Minozzo, 2015).
As práticas hegemônicas de cuidado reforçam a baixa resolutividade dos serviços de saúde,
ao centrarem no ato prescritivo e na produção de procedimentos, ao invés de realizarem prática
que valorize os campos de saberes interdisciplinares, em relação entre si e com o usuário (ASSIS
et al., 2010). Podemos perceber a baixa resolutividade dos casos na fala deste entrevistado: “O
cuidado em saúde mental na atenção básica, tá muito precarizado, por que os pacientes, muitas vezes, são vistos
de forma estigmatizada. Eu vejo pacientes com deficiências pequenas, que podem ter o cuidado aqui na atenção
básica e a primeira coisa que alguns colegas fazem é encaminhar para o atendimento especializado. Mas, a
gente tem plena condição de fazer o atendimento de um paciente que tem depressão, de um paciente que tenha
sofrimento mental, de um paciente que toma medicação x ou y, fazer a condução dentro da atenção básica, sem
problema nenhum (P5)”.
Essa fala revela que apesar dos profissionais argumentarem a existência de deficiências em
trabalhar saúde mental na atenção básica, este serviço tem condição de atender estas demandas,
no entanto, quando chegam, são logo encaminhadas para serviços especializados. Uma escuta
qualificada organizaria o acesso dessas pessoas na rede de saúde, com a garantia de atendimento
mais qualificado.
A dificuldade em encontrar um espaço na agenda para realizar este cuidado também foi
citada pelos profissionais. Uma profissional colocou a possibilidade de que pode ocorrer de modo
transversal, durante uma consulta de rotina por exemplo. “[...] Eu acho que as enfermeiras têm muita
dificuldade de reservar um espaço na agenda só para a saúde mental, mas acredito que a gente acaba trabalhando
muito dentro das outras consultas (P7).”
Esta profissional colocou que a saúde mental pode ser trabalhada na atenção básica,
reconhecendo como uma ação que pode estar presente em diferentes espaços. No entanto,
aborda sobre não ter um espaço na agenda para estas demandas, apontando que essa questão
poderia ser sanada ao pensar o acolhimento como práticas diárias de saúde, pois este se constitui
como operador da integralidade e pode ocorrer de forma transversal, sendo realizado por todos
os profissionais.
Isso é reforçado com o discurso de uma profissional que relata a importância deste trabalho,
mas não acredita que ocorra este tipo de atendimento na atenção básica “É muito importante, se
tivesse um atendimento, porque aqui não temos. Pela saúde mental nós não temos, porque é em CAPS, essas

814  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
coisas, mas se tivesse era muito importante (P 3).” Com este discurso podemos perceber como a saúde
mental, não é reconhecida como função da Atenção Básica por alguns profissionais. Outros
estudos também corroboram com estes dados, como o de Furtado, Campos e Gomes (2006),
onde os profissionais não reconhecem a atenção básica como uma forma de desenvolver cuidado
em saúde mental.
Pode-se notar que a produção de cuidado e a produção de cuidado em saúde mental são
percebidas pelos profissionais como processos de trabalho completamente diferentes, sendo até
difícil para os profissionais relatarem o que seria este cuidado, pois falam apenas nas dificuldades
em realizá-lo, sem citar o que seria.

Práticas de produção de cuidado em saúde

Em relação ao trabalho realizado em saúde mental pelos profissionais do nível médio,


chamou a atenção, o fato destes trabalhadores, afirmaram que realizam cuidado em saúde mental
sem demonstrar dúvidas do que o fazem, enquanto os trabalhadores de nível superior colocam
com frequência a dificuldade de desenvolver este cuidado. “Eu como agente de saúde, primeiramente
eu levo informações de como a pessoa ou até mesmo a família possa intervir junto com minha equipe de saúde
da família para melhorar seu modo de viver. Caso a pessoa não queira procurar ajuda, informo minha equipe de
saúde e junto procuramos um meio de intervir, caso a pessoa já faça tratamento procuro acompanhar e incentivar
para que não desista do cuidado (P8).”
Neste relato fica evidente o vínculo existente entre a agente de saúde com a população do
território, práticas de cuidado como orientação, vínculo, trabalho em equipe, acompanhamento,
estas são ações que fortalecem a saúde mental no território.
Cuidados em saúde mental como a escuta, o relacionamento terapêutico, atividades
educativas em saúde, grupos operativos e terapêuticos, atividades de prevenção e promoção
da saúde mental, práticas intersetoriais e outros são ações resolutivas de saúde, que devem ser
realizadas pelos profissionais da ESF (Minóia & Minozzo, 2015).
Nota-se pelas falas dos profissionais do nível superior, uma controvérsia sobre a articulação
entre os profissionais e os demais serviços. A maioria afirma que não realiza este trabalho. “Não!
Dificilmente chega. Dificilmente a equipe senta para tratar, ou discutir um caso desses. A equipe como um todo, é
fragmentada. O médico encaminha para a psicóloga, e quando encaminha para a psicóloga! Muitas vezes é direto
para o CAPS. [...] o vínculo com a atenção primaria é só com renovação de receita, ai fica aquela bola de neve,
renovando, renovando, então assim, é raro alguns médicos encaminharem pra equipe multiprofissional (P4).”
Nota-se a necessidade de superar o modelo medicalocêntrico ainda hegemônico nas ações
de cuidado, e para que esta mudança ocorra exige uma ruptura com antigos padrões assistenciais
(Silveira & Vieira, 2009). Vale ressaltar ainda a importância do NASF na construção das ações de
saúde mental junto à ESF, pois este serviço foi criado para apoiar os profissionais das Equipes
Saúde da Família, por meio da ampliação da clínica, apoio matricial, discussão de casos, ações
de mobilização, entre outras. Contudo, estes profissionais por vezes passam despercebidos na
função de apoio em saúde da família.
A falta do apoio matricial foi colocada por uma profissional, ao relatar que antes existia essa
articulação entre o CAPS e a saúde da família, mas atualmente com a falta da articulação entre
os serviços deixou de existir, prejudicando assim a continuidade do cuidado em saúde mental,
como pode ser observado no seguinte relato:“Acho que não realizo, o CAPS fazia um trabalho legal de
matricialmente, de acompanhamento do paciente, principalmente com os enfermeiros, mas ai houve uma quebra
de continuidade desse tratamento, e a gente passou a não ter mais essa condução (P6)”.
Percebe-se que a falta de continuidade dessas ações desarticula a rede e torna precárias as
ações de cuidado em saúde mental no território. Assim, destaca-se a importância da efetivação

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 815


NO ONTEXTO BRASILEIRO
do apoio matricial, por possibilitar a ampliação e fortalecimento das ações de cuidado em saúde
mental no território. Pois com a responsabilidade dos profissionais da equipe de referência, equipe
matricial, usuários e da família, ligados no processo de promoção da saúde, cada sujeito tem uma
competência singular na tomada de decisão para a realização do cuidado e produção de saúde,
direcionados pela integralidade (Mielke & Olchowsky, 2010).
Dos profissionais de nível superior, a psicóloga foi à única que reconheceu realizar este
trabalho, ao relatar que: “Realizo cuidado em saúde mental em vários momentos de atuação. Desde o
acolhimento do usuário, passando pela educação em saúde, em visitas domiciliares, atendimentos compartilhados,
até chegar a consulta individual, saindo do modelo de instrumentalização, técnica, para um modelo que compreende
a necessidade de cada paciente de forma ética e respeitosa. Outra forma de cuidado em saúde mental que realizo
é através da Terapia Comunitária (P9).”
Essa fala reflete sobre a prática da saúde mental na Atenção Básica, por vezes, está centrada
apenas no profissional da Psicologia, e os demais profissionais não reconhecerem que também
podem ser produtores desta forma de cuidado. Pois algumas das ações citadas pela psicóloga
são realizadas com uma equipe multiprofissional, como a Terapia Comunitária. No entanto,
os demais profissionais não reconheceram como uma fonte de produção de cuidado em saúde
mental. Podemos assim questionar sobre o que seria um trabalho de saúde mental para estes
profissionais, que por vezes até realizam, mas não o consideram. Como coloca Minóia e Minozzo
(2015) a tarefa de cuidar deve ser integral e é de responsabilidade de toda equipe, não deve ter
hora e nem dia para realizar-se e sim deve ocorrer em qualquer momento durante o atendimento
de saúde.

Desafios de realizar o cuidado em saúde mental na Atenção Básica

Sobre os desafios em realizar cuidados em saúde mental na atenção básica a falta de


capacitação profissional é uma das questões mais colocadas pelos profissionais, tanto na
faculdade, como ao entrar no mercado de trabalho, como podemos observar: “Um dos grandes
desafios é a falta de formação em saúde mental para profissionais da atenção básica (P9).” Outro profissional
discorre que “As vezes, a gente não tem essa formação tão forte na faculdade e quando a gente vê não tem
competência (P10).”
Percebe-se que a formação profissional torna-se uma importante estratégia para superar
esses desafios, fortalecer e incentivar a educação permanente torna-se uma saída para superar
tais desafios. Pois a educação permanente em saúde constitui-se como importante metodologia
para qualificar ações de saúde Mental e efetivar a rede de cuidado no território, visa transformar
o trabalho, concebendo a saúde enquanto lugar de atuação crítica, reflexiva, propositiva,
compromissada e tecnicamente competente19.
Nas falas dos profissionais, demonstraram ainda a dificuldade devido a grande demanda de
usuários “A dificuldade é a demanda muito grande, então você tem dificuldade de ter esse olhar diferenciado. [...]
(P11)”. Diante do exposto anteriormente percebe-se uma falha no acolhimento dos usuários, vimos
também que a escuta qualificada, nos serviços de saúde além de contribuir para a organização do
serviço, organiza a demanda e esta é uma ferramenta de grande potencial que deve ser utilizada
pelos profissionais da atenção básica, para superar tais impasses.
Outra dificuldade posta por alguns profissionais foi referente a postura profissional, de
reconhecer que a pessoa com sofrimento mental também é responsabilidade da Atenção Básica, e
isso seria consequência da própria falta de formação dos profissionais. “O desafio é conscientizar os
profissionais que saúde não é só o bem estar físico, que a partir do momento que a equipe entende que
é todo um bem estar social e psicológico, vão tentar trazer para os profissionais certos, porque o
NASF tá ai uma equipe multi, diversificada e muitas vezes subutilizada. Subutilizada porque não veem, veem

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
só a dor de garganta, a dor de barriga. O desafio é implantar a escuta qualificada nas unidades básicas de saúde,
para escutar todos os usuários que chegam, com o local definido, fazer o acolhimento[...] (P4).”
Este relato cita o NASF, que vem para dar apoio à saúde da família, mas que em nenhum
dos relatos anteriores foi citado. O apoio Matricial em saúde mental e os NASF permitem o
fortalecimento das competências e habilidades dos profissionais da ESF, no entanto essas ações
não foram colocadas no campo estudado.
A conquista do cuidado de saúde mental vem de uma luta que busca superar o modelo
biomédico, para Arce, Sousa e Lima (2011) “Saúde Mental é o primeiro campo da medicina em
que se trabalha intensiva e obrigatoriamente com a interdisciplinaridade e a intersetorialidade
(p. 172)”, desta forma o trabalho em equipe multiprofissional deve ser a marca dos cuidados em
saúde mental, e para isso deve ser superado o modelo hospitalocentrico e hegemônico.
Discussão
A partir dos resultados apresentados, pode-se destacar a importância da produção de
cuidado em saúde mental na Atenção Básica, ressaltando-se a necessidade de uma mudança na
formação dos profissionais de saúde, assim como o fortalecimento da educação permanente
para estes profissionais.
Percebe-se, como a produção de cuidado em saúde e a produção de cuidado em saúde
mental, são colocadas como dois campos de práticas ainda diferentes, sendo difícil reconhecer as
ações de saúde mental desenvolvidas na Atenção Básica.
A experiência vivenciada neste município, e a literatura pesquisada mostram que o
matriciamento seria uma possibilidade de efetivar o fortalecimento e as ações de cuidado
em saúde mental no território. No entanto, diversos fatores como – formação profissional,
preconceitos existentes em torno da saúde mental, grande demanda e precarização dos serviços,
rede assistencial desarticulada – interferem na realização dessa estratégia.
O estudo mostrou ainda a necessidade de ampliar a discussão sobre a produção de cuidado
em saúde mental na Atenção Básica. Ficando clara, a necessidade de fortalecer as ações de
cuidados pautadas em tecnologias leves, onde o acolhimento, vínculo, escuta qualificada e a
relação entre profissional, usuário e gestão são fontes de produção de cuidado em saúde.
São necessários mais estudos nessa área, pois esta pesquisa teve como limitação ser realizada
apenas com profissionais que atuam em uma unidade de saúde, estudos sobre as novas práticas
de saúde mental na atenção básica são relevantes para ampliar os avanços existentes.

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818  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
GRUPO GIRASSOL: RELATO DE EXPERIÊNCIA EM
SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Káren Maria Rodrigues da Costa
Maísa Ravenna Beleza Lino
Rebeca Barbosa da Rocha
Laurentino Gonçalo Ferreira Filho
Thawanna Rego Fernandes

Introdução

A
tualmente o cenário da política de saúde mental no Brasil é resultado da grande
mobilização de usuários, familiares e trabalhadores da saúde que teve início na
década de 1980, cujo objetivo era a mudança da forma como eram tratadas as
pessoas que sofriam de algum problema psíquico dentro dos manicômios (Brasil, 2013), este
caracterizado pela ineficácia dos tratamentos e violação dos direitos humanos (Amarante &
Paula, 2008).
Diante deste quadro de mudanças que foram se processando neste campo, através de lutas
em prol da pessoa em sofrimento psíquico estruturou-se o atual modelo de atenção à saúde
mental, norteado pelos princípios da reforma psiquiátrica brasileira, possuindo como principal
orientação à expansão e qualificação do cuidado às pessoas com sofrimento psíquico nos serviços
de base comunitária, e ainda a reestruturação da assistência psiquiátrica hospitalar (Costa-Rosa,
2000).
Segundo Duarte e Galuschka (2017) a prática de saúde mental na atenção primária possibilita
uma organização mais adequada no atendimento, tratando as pessoas com problemas mentais
na sua própria realidade. Deste modo, diante das inúmeras ferramentas de apoio utilizadas
pelos profissionais da Estratégia Saúde da Família dirigidas as pessoas em sofrimento psíquico
objetivando a inserção e reinserção social e o seguimento do tratamento, evidenciam-se os grupos
terapêuticos de saúde mental.
Deste modo, o grupo em saúde mental opera como uma ferramenta de cuidado, sendo
um mecanismo usado por profissionais de saúde, visto que propicia o alivio de sentimentos
relacionados à solidão, isolamento social, proporcionando trocas de experiências e reflexão aos
usuários e, consequentemente, aos seus familiares (Oliveira & Caldana, 2016).
Por grupos terapêuticos, Zimerman e Osório (1997) afirmam que no campo da saúde
coletiva, os trabalhos de grupo, em sua maioria do tipo operativo, ofertam uma enorme aplicação,
e são muito úteis nas práticas de saúde. Entre algumas modalidades, podemos citar os campos
de: ensino-aprendizagem; institucionais; comunitários; terapêuticos.
Assim, no que diz respeito os diversos instrumentos de intervenção psicossocial na Atenção
Primária destaca-se neste estudo o grupo operativo de base terapêutica. Para Zimermam e Osório
(1997) os grupos terapêuticos têm como objetivo melhorar algumas patologias orgânicas dos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 819


NO ONTEXTO BRASILEIRO
integrantes constituindo uma importante estratégia para produção do cuidado em Saúde. Além
disso, possibilitam um espaço de autoajuda entre seus integrantes, em que eles podem discutir
e aprender com sua doença; construir estratégias de ações; trocar experiências vividas (Brasil,
2013). Nesse cenário, este estudo relata a experiência de um grupo operativo psicoterapêutico
desenvolvido por uma psicóloga residente e sua equipe vinculada ao Programa de Residência
Multiprofissional em Saúde da Família (PRMSF) na cidade de Parnaíba-PI.
Pioneira no município de Parnaíba-PI o Programa de Residência Multiprofissional em Saúde
da Família (PRMSF) teve sua origem no ano de 2016, sendo resultado da parceria da Universidade
Federal do Piauí com a Prefeitura Municipal de Parnaíba/Secretaria Municipal de Saúde, no qual
ofertou na primeira etapa um total de doze vagas para profissionais das áreas de enfermagem,
farmácia, fisioterapia e psicologia. Um de seus principais objetivos é contemplar a formação de
um profissional de saúde crítico-reflexivo, capaz de atuar no processo saúde-doença no nível
individual e coletivo.
É desenvolvido por meio de equipes de residentes em Saúde da Família inseridas nas Unidades
Básicas de Saúde (UBS). O programa garante uma certificação em nível de especialização, com
duração de 24 meses, o que corresponde uma carga horária semanal de 60 horas totalizando
ao final 5.760 horas de atividades teóricas e práticas em regime de tempo integral. O PRMSF se
constituiu como um espaço privilegiado de construção e de reflexão acerca do trabalho em saúde
no contexto da atenção Primária à Saúde.
Destarte, pretende-se, com este relato, contribuir para conhecimento de profissionais da
Atenção Primária, residentes em saúde da família, acadêmicos, comunidade em geral sobre os
benefícios dessa modalidade terapêutica para os usuários, bem como evidenciar a importância
da inserção de residentes em saúde da família na comunidade, principalmente em locais que
não possuem cobertura de NASF, promovendo assim um avanço de estratégias de cuidado mais
abrangente e integral.

Método

Local do cuidado

Esta experiência se desenvolveu em uma Unidade Básica de Saúde localizada no município de


Parnaíba-PI, o bairro no qual a UBS está localizada possui uma população de aproximadamente
7.457 habitantes, composto por 3.641 homens e 3.816 mulheres. A população em sua maioria
é constituída por pessoas na faixa etária de 0 a 14 anos (28%), seguida da faixa etária de 15 á 24
anos (21%). Observa-se nesta área graves problemas de vulnerabilidades, tanto sociais como de
saúde tais como: abuso de drogas, precariedade em serviços de saneamento básico, alto índice de
gravidez na adolescência, abuso de medicações psicotrópicas, entre outros.
Esta UBS pertence ao distrito III de saúde, é composta por uma equipe de ESF, constituída
atualmente por uma enfermeira, uma técnica de enfermagem, uma dentista, uma auxiliar de
saúde bucal, um atendente de regulação, 06 agentes comunitários de saúde. A mesma não possui
cobertura de NASF, contudo conta com uma equipe de residência multiprofissional em saúde da
Família. Uma grande dificuldade deste módulo é a questão da rotatividade de médicos.
Os serviços oferecidos pela ESF são: acolhimento, atendimento de enfermagem, vacinação,
curativos, nebulizações, coleta de preventivo do câncer de colo uterino, distribuição de
medicamentos, visitas domiciliares.
Dentre as atividades realizadas na ESF pela equipe de Residência em Saúde da Família
destaca-se o Grupo Girassol: construindo o equilíbrio, destinado a pessoas em sofrimento psíquico que
fazem ou fizeram acompanhamento psicológico na UBS.

820  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Instrumentos

Como instrumento de coleta das informações, utilizou-se de diários de campo, atas e


relatórios dos encontros.

Resultados

Grupo Girassol: construindo o equilíbrio

Em setembro do ano de 2017, por inciativa de uma psicóloga residente em saúde da


família, em parceria com sua equipe multiprofissional, criou-se o grupo terapêutico denominado
Girassol: construindo o equilíbrio. Este foi criado como estratégia para lidar com a enorme demanda
por atendimentos psicológicos na UBS em que atual, bem como pela verificação de situações
relacionadas ao uso indiscriminado de medicações psicotrópicas por pessoas da comunidade.
O grupo possui como objetivo principal estimular uma atitude de protagonismo em relação ao
processo de saúde mental, através de atividades que promovam o acolhimento à expressão de
questões psicológicas e sofrimentos cotidianos pelas múltiplas linguagens artísticas. Inicialmente
houve a apresentação do projeto do grupo para a equipe da estratégia de saúde da família,
posteriormente houve a confecção dos convites para que os agentes comunitários entregassem
para os usuários que faziam acompanhamento psicológico no posto.
No primeiro encontro do grupo priorizou-se a apresentação da proposta do projeto através
de slides, no qual a psicóloga apresentou aos presentes o objetivo, formato, os pilares (longevidade,
dignidade, respeito, lealdade, glória e altivez com foco na cor amarela que representa felicidade,
alegria, orgulho e amizade) e as etapas do grupo psicoterápico.

Descrevendo as Ações

Tais atividades são realizadas quinzenalmente no turno da manhã, às quartas-feiras. Os


encontros do grupo tem duração de aproximadamente 1 hora e 30 minutos e desenvolve-se em
sete momentos.
O primeiro consiste em criar um ambiente agradável e acolhedor para as pessoas que
participam do grupo, neste momento é incorporada uma atividade de quebra-gelo, que tem
duração em média de 10 a 15 minutos. Entre as dinâmicas que foram desenvolvidas destacam-se:
“Coração”, “O carpinteiro” “Lava saia” “Cumprimento Criativo”.
No segundo momento ocorre uma roda de conversa com os usuários, em que a psicóloga
traz um tema e posteriormente os usuários expõe seus sentimentos, aflições, angústias, superações
de obstáculos, acontecimentos do cotidiano, relação com a doença, entre outros. Os temas
trabalhados foram: pensamentos negativos, alegria/felicidade, relação interpessoal, conquistas.
O terceiro momento denominado “Eu giro em busca do meu sol” baseia-se na estratégia de
Márcio Zepellini-“Inspirações para um dia mais Positivo” que se utiliza de metáforas para
promover desenvolvimento pessoal das pessoas. O objetivo deste momento no grupo é promover
uma comunicação através de metáforas que levem a quebra de resistências e comunicação de algo
que foi tratado no grupo anteriormente. As metáforas que foram utilizadas nos encontros foram:
“Você valoriza o que é seu?” “O Caminhão de Lixo” “A balança”.
O quarto momento denominado Arte terapia, compreende em uma importante estratégia
de intervenção em que se busca usar de várias formas de expressão artística com a finalidade
terapêutica. Nesta ocasião foram realizadas oficinas de confecção de Mandalas, Cartazes, rosas,
cataventos. Esta é uma etapa especial para os usuários, pois proporciona um momento de formação

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 821


NO ONTEXTO BRASILEIRO
e estreitamento de vínculos, interação com o outro, trocas de experiências e descontração, bem
como superação de dificuldades.
A última etapa se dá através de técnicas de relaxamento (respiração e/ou massagem), estas
conduzidas pela fisioterapeuta residente. As técnicas realizadas foram: massagem em círculo,
técnica de respiração profunda. As técnicas de relaxamento eram sempre ao som de uma música
tranquila.
Um momento que se destacou no grupo foi à realização de um passeio à Praia Pedra do Sal,
o passeio foi realizado pela equipe da UBS e a equipe de Residência Multiprofissional em Saúde da
Família. Neste passeio além do banho de mar, foram realizadas algumas atividades: dinâmicas,
caminhada orientada, danças, lanche coletivo.
Verificou-se no passeio que embora morassem em uma cidade que possui mar, alguns dos
participantes não conheciam.

Discussão

No início do grupo os participantes mostram-se retraídos ao falar, mas com o processo


de vinculação, abertura e encorajamento dos mesmos, no decorrer deste processo, a fala se fez
presente. Sobre isto, Tykanori (1996) afirma que reabilitar refere-se à construção ou reconstrução
do poder contratual do paciente, criando possibilidades para que ele possa participar do processo
de trocas sociais, com vistas a ampliar sua autonomia.
O vínculo entre profissionais e participantes são essenciais para o desenvolvimento das
ações, no grupo Girassol prioriza-se o desenvolvimento de um ambiente acolhedor com base no
cuidado integral, para isto os profissionais levam sempre em consideração a singularidade de cada
sujeito envolvido neste processo, suas dificuldades, seus anseios, suas expectativas. Os grupos de
saúde mental vêm para aplicar uma metodologia acolhedora com foco na sociabilidade e cuidado,
diferente do modelo de asilo utilizado no Brasil até a década de 80 (GARBIN & BERNARDO,
2011).
Quanto aos participantes do grupo, a maioria não possuía diagnóstico definido, no entanto,
alguns deles faziam uso crônico de psicotrópicos. Estes que não possuíam diagnóstico definido
faziam uso de Benzodiazepíncos e conseguiam a atualização da receita na UBS. Em relação ao
cuidado em rede, alguns pacientes que frequentavam o grupo eram encaminhados também para
o Centro de Atendimento Psicossocial- CAPS II, para a realização de avaliação, bem como para
um Grupo de práticas corporais realizado as quintas-feiras na UBS.
Houve relatos de melhora dos aspectos psicológicos dos usuários com a participação no
grupo. Sobre este fato, é imprescindível investir em ações grupais que priorizem a saúde mental no
território, para Brasil (2013) nos trabalhos dos grupos de Saúde Mental, observa-se um cuidado
voltado para o desenvolvimento da autonomia das pessoas e dos grupos comunitários. Sendo
que, este processo grupal, permite transformações subjetivas que não seria alcançável em um
atendimento individualizado, pois bem planejado e estruturado possibilita aos pacientes uma
poderosa e rica troca de experiências.
Entre as dificuldades existentes, destacam-se: a não participação da equipe da Estratégia
da Saúde da Família nos encontros do grupo, a inexistência de um espaço adequado na UBS para
a realização do mesmo, além das dificuldades nas ações que priorizem a educação permanente
sobre saúde mental.
Assim, este estudo buscou apresentar as intervenções de um grupo psicoterapêutico em
saúde mental na atenção primária, visando uma olhar ampliado dos profissionais para a pessoa
em sofrimento psíquico, quebrando a lógica do reconhecimento dos sujeitos com o transtorno
e com a concepção de cura exclusivamente por meio do uso de psicotrópicos. Aponta-se para a

822  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
necessidade da criação e fortalecimento de espaços em educação permanente em saúde mental
nas unidades básicas de saúde, que viabilizem a troca de experiências entre os profissionais, o
fortalecimento do apoio matricial, a discussão de casos clínicos, construindo assim propostas
para além do tratamento com medicações psicotrópicas.

Referências

Amarante, P., & Paula, K. V. da S. de. (2008). A questão da saúde mental e atenção psicossocial:
considerações acerca do debate em torno de conceitos e direitos. Revista de Saúde Coletiva, 18 (4),
829-840.

Brasil. Ministério da Saúde. (2013). Secretaria de Atenção á Saúde. Cadernos de Atenção Básica:
Saúde Mental. Brasília, DF.

Costa-Rosa, A. (2000). O Modo Psicossocial: um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar. Em:
AMARANTE, P. (Org.). Ensaios: subjetividade, saúde mental, sociedade (pp. 141-168). Rio de Janeiro:
Fiocruz.

Garbin, A. de C., & Bernardo, M. H.(2011). A atenção à saúde mental relacionada ao trabalho no
SUS: desafios e possibilidades. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 36(123).

Oliveira, T. T. S. S., & Caldana, R. H. L. (2016). Psicologia e práticas psicossociais: narrativas e


concepções de psicólogos de Centros de Atenção Psicossocial. Estudos Interdisciplinares em Psicologia,
7(2), 2-21.

Tykanori, R. (1996). Contratualidade e reabilitação psicossocial. In: PITTA, A. (Org.). Reabilitação


psicossocial no Brasil. São Paulo: Hucitec.

Zimerman, D. E., & Osório, L. C. (1997). Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes
Médicas.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 823


NO ONTEXTO BRASILEIRO
PERSPECTIVAS DE ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO
NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UMA REVISÃO
SISTEMÁTICA
Matheus Barbosa da Rocha
Thalita Pachêco Cornélio
Fauston Negreiros
Sandra Elisa de Assis Freire

Introdução

E
ste artigo tem o intuito de realizar uma análise crítica da produção bibliográfica sobre
as perspectivas de atuação do psicólogo no contexto da Atenção Primária à Saúde
nos dez anos (2006-2016) que antecederam a realização da pesquisa (2017). Com
isto, procura-se visualizar como esta atuação tem se dado e que perspectivas do fazer psicológico
perpassam a inserção deste profissional nesta área.
A Psicologia é uma profissão ainda recente no Brasil, tendo sido reconhecida apenas em
1962, pela Lei Federal nº 4.119. O espaço de trabalho deste profissional no país incialmente
envolvia áreas de seleção e orientação profissional e psicopedagógica, diagnóstico e aplicação de
testes psicológicos, estudos de caso, perícia e psicoterapia. Com o tempo e as pressões impostas
pelo próprio mercado de trabalho, o Psicólogo passou a ampliar sua área de atuação (Dimenstein,
1998).
Dentre os novos campos que a Psicologia passou a adentrar, a assistência à saúde destacou-
se como um dos principais polos a receber esses profissionais, principalmente a partir das
mudanças iniciadas nos anos 1970. Com as transformações ocorridas no setor psiquiátrico no
período, a saúde mental passou a ser vista como um espaço propício à inserção do psicólogo,
principalmente através das equipes multiprofissionais que começaram a se formar (Dimenstein,
1998, Dimenstein & Macedo, 2012).
Mudando o foco hospitalocêntrico que existia até então, o profissional da Psicologia passou
a ser visto como alguém apto a contribuir com a promoção de saúde mental, a partir do momento
em que teria instrumental adequado para detectar situações de risco à saúde mental e preveni-
las. Esta atuação seria voltada para o benefício da comunidade (Dimenstein & Macedo, 2012).
Azevedo, Tatmatsu e Ribeiro (2011) ressaltam que diante da ampliação dos campos de atuação,
se exige tanto que o Psicólogo produza novos conhecimentos como que reflita acerca da prática,
de modo a não realizar intervenções descontextualizadas.
Esta observação é pertinente ao se falar da inserção desse profissional na saúde pública, pois
o encontro entre a Psicologia e o Sistema Único de Saúde (SUS) possui algumas peculiaridades.
Trabalhar no Sistema Único de Saúde é entrar em contato com realidades distintas das comumente
conhecidas pelos psicólogos, principalmente ao se lidar com os serviços de Atenção Primária à
Saúde. O contato com os usuários dos serviços, geralmente de baixa renda, ajuda os Psicólogos

824  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
a questionarem as ferramentas teóricas, técnicas e de trabalho, bem como sua atuação, em um
espaço que necessita de intervenções multidisciplinares (Dimenstein & Macedo, 2012).
A entrada do Psicólogo em instituições públicas de saúde fez com que estes profissionais
tivessem características comuns que “resumem-se num profissional que tende a não ter uma
perspectiva ampliada de saúde e a não pensar acerca da qualidade de vida da população como
uma das prioridades do processo saúde-doença” (Azevedo, Tatmatsu & Ribeiro, 2011, p. 243).
Desta forma, tais autores ressaltam que, ao se graduarem, os profissionais adentram o mercado
de trabalho da saúde com uma concepção ainda curativa e hospitalocêntrica, que se mostra
inadequada para a realidade do SUS.
Assim, este trabalho objetiva compreender como as produções dos últimos dez anos acerca da
atuação do Psicólogo na Atenção Primária à Saúde tem considerado a inserção do profissional neste
campo. Com isto, busca-se visualizar que perspectivas embasam o fazer Psicologia nas instituições
públicas de saúde no Brasil e como elas tem sido retratadas na produção científica da área.

Método

As pesquisas de revisão podem ser compreendidas como formas de investigação nas quais
os pesquisadores, com objetivo de se aprofundar teoricamente em determinada temática, buscam
tanto em fontes bibliográficas quanto em bases eletrônicas resultados de estudos realizados por
outros autores. Suas bifurcações mais conhecidas são as revisões narrativas e as sistemáticas. A
primeira tipologia é caracterizada pelo fato de os pesquisadores não explicitarem as fontes de
dados pesquisadas, a metodologia adotada e os critérios de elegibilidade para inclusão/exclusão
de estudos (Rother, 2007).
As revisões sistemáticas, por sua vez, podem ser compreendidas como uma forma de revisão
planejada para responder determinado problema de pesquisa, utilizando-se, para isso, de métodos
explícitos e sistemáticos para identificar, selecionar e avaliar criticamente as investigações (Rother,
2007). Nesse sentido, o presente estudo trata-se de uma revisão sistemática, que teve como
objetivo analisar criticamente a produção bibliográfica dos últimos dez anos sobre a atuação
do psicólogo no contexto da Atenção Primária à Saúde, procurando visualizar as perspectivas de
atuação dos referidos profissionais.
A busca foi efetivada no período de junho de 2017. Realizou-se uma busca direta nas bases de
dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em
Ciências da Saúde (LILACS) e Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PEPSIC). Como descritores
foram utilizados os seguintes termos: Psicologia, Atuação, e Atenção Primária à Saúde.
Para selecionar os artigos a compor a investigação foram elaborados uma série de critérios
de elegibilidade para inclusão/exclusão das pesquisas, a saber: veículo de divulgação (periódicos
indexados), período de publicação (2006-2016), idioma (português), modalidade da produção
(revisões, estudos empíricos, relatos de experiência e estudos de casos) e natureza da intervenção
(estudos que versassem especificamente sobre a atuação do psicólogo na Atenção Primária à
Saúde, sem considerar o trabalho dos outros profissionais).
Esta busca aconteceu do seguinte modo: dois pesquisadores, isoladamente, realizaram a
busca e leram detalhadamente os resumos das investigações, de modo a selecionar os estudos a
partir dos critérios de inclusão/exclusão previamente definidos. Num segundo momento, ambos
os pesquisadores confrontaram os dados coletados e, posteriormente, entraram em um consenso
de quais artigos permaneceriam e sairiam da presente investigação.
Em seguida, os artigos selecionados foram lidos em sua completude, primeiro em uma leitura
de reconhecimento, depois em um processo mais analítico, procurando investigar as perspectivas
de atuação dos psicólogos que atuam na Atenção Primária à Saúde.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 825


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Resultados

A busca realizada (n=34) identificou a presença de 11 artigos em Scielo, 19 em Lilacs e 4 em


Pepsic, cujos resumos foram lidos em profundidade e, em seguida, selecionados de acordo com
os critérios de inclusão/exclusão, chegando-se ao final com um total de 11 pesquisas. Estas foram
lidas em sua completude a partir de duas leituras, conforme explicitamos anteriormente: uma
primeira de reconhecimento e uma segunda com o intuito de analisar criticamente a perspectiva
de atuação dos psicólogos na Atenção Primária à Saúde a partir de suas atuações profissionais
relatadas nos artigos selecionados. Mais detalhes do processo de seleção do material de análise
podem ser encontrados na Figura 1 “Busca dos Artigos”.
Na Tabela 1 “Caracterização dos Artigos Incluídos na Revisão” são apresentados de maneira
sucinta os objetivos, métodos e as perspectivas de atuação do psicólogo na Atenção Primária à
Saúde, o qual pode ser visualizado logo abaixo.

Figura 1. Busca dos artigos

Os objetivos das pesquisas selecionadas estão assim dispostos: relatar a experiência


de atuação do psicólogo no PSF/ESF/USF (n =3); analisar a atuação do psicólogo na APS (n
=2); discutir/analisar a atuação de psicólogos em Programas de Residência/Aprimoramento
Profissional (n =2); relatar experiência em Psicologia Clínica na APS (n = 1); verificar a percepção
de psicólogos apoiadores matriciais acerca de suas práticas (n = 1); e relatar experiência de atuação
do Psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família.

826  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 1:
Caracterização dos artigos incluídos na revisão

AUTORES MÉTODOS OBJETIVO PERSPECTIVAS DE ATUAÇÃO


Silva & Cardoso Não Esclarece a Evidenciar Superação de uma concepção pautada
Metodologia alguns conceitos num tratamento individual voltado para
(2013) fenomenológicos cura de sintomas. Interdisciplinaridade.
importantes para a Intersetorialidade. Educação Popular.
atuação do psicólogo Integralidade. Controle Social. Educação
na APS. Permanente em Saúde. Promoção da Saúde e
Humanização.

Clemente, Estudo de Caso Refletir e Analisar Perspectiva Clássica: diagnóstico precoce de


Matos, (Pesquisa Avaliativa) a Atuação do queixas e sintomatologias. Consulta, terapia,
Grejanin, psicólogo residente grupos terapêuticos e educativos, oficinas
Santos, do Programa de terapêuticas e visita domiciliar (orientação,
Quevedo, & Residência e Casa triagem e/ou atendimento terapêutico).
Massa de Saúde Santa
Marcelina
(2008)
Souza & Santos Estudo Teórico Discutir a atuação Práticas alternativas à Psicoterapia Individual.
(2012) do psicólogo na APS Protagonismo autogestivo dos usuários das
a partir de processos instituições dos usuários das instituições
grupais alternativos de saúde. Críticas aos especialismos, à
às práticas neutralidade afetiva e à relação hierarquizada
individualistas. entre profissional e usuário. Defesa de
conversas dialógicas.
Pretto, Langaro Relato de experiência Compartilhar uma Clínica tradicional na Saúde Pública: Clínica
& Santos experiência de Integrada de Atenção Básica vinculada ao SUS.
(2009) intervenção em Oferta de Psicoterapia, educação em saúde e
Psicologia Clínica visitas domiciliares.
realizada na APS.
Gorayeb, Relato de experiência Relatar as ações e Conhecimento do território. Identificação
Borges & práticas do psicólogo das necessidades e estabelecimento de
Oliveira em um Programa prioridades. Suporte à equipe. Visita domiciliar.
de Aprimoramento Atendimentos individuais e familiares e
(2012) Profissional (PAP) coordenação de grupos.
realizado nos Núcleos
Saúde Família (NSF).
Dimenstein & Não Esclarece a Percorrer as Observação do contexto. Conhecimento
Macedo Metodologia principais linhas dos aspectos sócio-políticos, dos
problematizadoras problemas e das necessidades de saúde da
(2012) sobre a presença dos comunidade. Diagnóstico Local e Situacional.
psicólogos na saúde Estabelecimento de confiança e vínculo
pública ao longo com as famílias e comunidades. Apoio
desses 50 anos de Matricial. Ferramentas de Cuidado (PTS,
profissão no Brasil estudos de casos, acolhimento individual,
gestão do cuidado, orientação psicossocial,
acompanhamento terapêutico e a busca ativa
em saúde mental).
Freire & Pichelli Estudo descritivo de Verificar a percepção Atividades realizadas (de cunho assistencial-
caráter exploratório, que os psicólogos formativo; caráter técnico-burocrático;
(2013) com ênfase na apoiadores matriciais atividades intersetoriais; escuta psicológica;
metodologia possuem sobre suas visita domiciliar); apoio matricial. Problematiza
qualitativa. atividades. a inadequação do sistema tradicional à atenção
primária. Remete ao compromisso social do
Psicólogo.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 827


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Couto, Relato de experiência Descrever e analisar Oficinas em grupo.
Schimith a experiência
&Dallbello- psicológica grupal
Araújo ocorrida num estágio
em uma Unidade de
(2013) Saúde da Família.
Furtado & Pesquisa bibliográfica Compreender o lugar Problematiza a clínica tradicional na saúde
Carvalho e documental do psicólogo na pública e defende que o papel do Psicólogo
política pública de na atenção primária é o de profissional de
(2015) saúde do NASF. referência, principalmente na saúde mental.

Nepomuceno & Pesquisa de cunho Investigar as Perspectiva mais ampla que tratamento e
Brandão (2011) etnográfico (uso contribuições dos cura em saúde mental. Aponta tentativas de
de questionários e psicólogos nas ESF, mudança do modelo clínico tradicional.
diários e anotações sistematizar práticas
de campo, com desenvolvidas e
análise temática). discutir os desafios.

Azevedo & Kind Pesquisa bibliográfica Identificar as Reuniões de equipe, matriciamento e


(2013) e documental atividades realizadas reabilitação. Atendimento individual (não
(entrevistas pelos profissionais da psicoterapia), visitas domiciliares e atividades
semiestruturadas). Psicologia junto às coletivas. Plano terapêutico. Problematiza a
equipes do Programa diferença entre psicoterapia e a atuação do
Saúde da Família. psicólogo no NASF.

Fonte: Autores, 2017.

No que se refere aos métodos de trabalho dos artigos investigados, estes podem ser assim
descritos: Relato de Experiência (n = 3); Não Esclarece a Metodologia (n = 2); Pesquisa Bibliográfica
e Documental (n = 2); Estudo de Caso (Pesquisa Avaliativa) (n = 1); Estudo Teórico (n = 1); Estudo
Descritivo de Caráter Exploratório (n = 1); e Pesquisa Exploratória de cunho Etnográfico (n = 1).
Por fim, os principais resultados das pesquisas encontradas na busca atestam as seguintes
informações: duas investigações fazem a defesa de um modelo clássico de atuação do psicólogo no
contexto da Atenção Primária em Saúde, através de atividades que envolvem diagnóstico precoce
de sintomatologias, consultas e psicoterapias. Além disso, tais estudos, em alguma medida,
também fazem uso de atividades grupais e acompanhamentos de casos, como por exemplo, visitas
domiciliares, oficinas e grupos terapêuticos e educativos, contudo, em maior ou menor medida
fazendo referência a perspectiva de atuação do modelo da Clínica-Privada-Liberal.
O restante dos estudos (n = 9) apontam um posicionamento contrário à atuação do
psicólogo na Atenção Primária à Saúde se caracterizar por: tratamento individual, cura de sintomas,
especialismos, neutralidade afetiva e relações hierarquizadas entre usuários e profissionais.
Em vez disso, propõem um conjunto de ferramentas de trabalho que tal profissional pode se
utilizar nesse contexto de intervenção, tais como: diagnóstico local e situacional; apoio matricial;
estabelecimento de confiança e vínculo com as famílias e comunidades; visitas domiciliares;
atividades coletivas; atendimentos individuais e familiares; projeto terapêutico singular; estudos
de caso; acolhimento; gestão do cuidado; orientação psicossocial; acompanhamento terapêutico
e busca ativa em saúde mental.

Discussão

Ao observar a Figura 1 é possível perceber que diversos artigos foram encontrados, porém
com a adoção dos critérios de inclusão/exclusão muitos foram eliminados do corpo final de
análise. Observou-se uma preponderância de trabalhos que tratavam da temática estudada

828  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de forma transversal, não sendo o objeto principal de investigação a atuação do psicólogo na
Atenção Primária à Saúde.
Tal realidade pode ser explicada pelo fato de o trabalho no campo da Atenção Primária
à Saúde ser realizado principalmente de forma inter e transdisciplinar. Assim, apesar de muitos
artigos desenvolverem estudos sobre a atuação do psicólogo nesse contexto, muitos acabam
trazendo experiências que enfocam também outros profissionais, tais como nutricionistas ou
fisioterapeutas, conforme pode ser visto nos estudos de Vieira (2011), e Loch-Neckel e Crepaldi
(2009).
Outro elemento observado foi que muitos dos estudos selecionados concentram-se nos
anos de 2012 e 2013, não tendo sido encontradas pesquisas nos anos de 2006, 2007, 2010, 2014
e 2016. Desse modo, apesar da abordagem interdisciplinar de algumas pesquisas encontradas,
percebe-se ainda uma produção insipiente na literatura no que concerne à atuação do psicólogo
na Atenção Primária à Saúde. Apesar de um leve avanço no período de 2012/2013, nos últimos
anos houve uma queda nas publicações da temática em questão, o que sugere a necessidade de
retomar essas discussões.
Contudo, mesmo com uma carente produção bibliográfica sobre a temática, observa-se
que os artigos encontrados, em sua maioria problematizam a utilização de teorias e técnicas da
Psicologia Clínica Tradicional no contexto de instituições públicas de saúde, especificamente na
Atenção Primária à Saúde. Além de estabelecer essa crítica, os autores das pesquisas analisadas
também propõem novos modos de atuação mais adequados ao contexto em que estão inseridos,
tais como Diagnóstico Situacional, Estudo de Caso, Visita Domiciliar e Projeto Terapêutico Singular,
por exemplo (Azevedo & Kind, 2013; Couto, Schimith &Dallbello-Araújo, 2013; Dimenstein &
Macedo, 2012; Freire & Pichelli, 2013; Furtado & Carvalho, 2015; Gorayeb, Borges & Oliveira,
2012; Nepomuceno & Brandão, 2011; Silva & Cardoso, 2013; Souza & Santos, 2012).
Apesar dessas críticas estabelecidas e da mudança de perspectiva em relação à atuação do
psicólogo na Atenção Primária à Saúde, alguns estudos ainda citam práticas baseadas no modelo
clínico tradicional de Psicologia, o qual ainda está relacionado à realização de psicoterapia, por
exemplo. Contudo, tais práticas estão envolvidas em discussões mais amplas e adequadas ao contexto
em que atuam (Azevedo & Kind, 2013; Freire & Pichelli, 2013; Gorayeb, Borges & Oliveira, 2012).
Em relação às metodologias, a maioria dos trabalhos estudam essa temática a partir de
pesquisas de campo, sejam elas relatos de experiência, estudos empíricos ou exploratórios. Nesse
sentido, observou-se uma utilização de experiências práticas como elementos para se pensar a
constituição desse campo de estudo. Isto corrobora com as discussões trazidas por Azevedo,
Tatmatsu e Ribeiro (2011), os quais trazem que a ampliação dos campos gera novos conhecimentos
e reflexões dos profissionais sobre sua prática.
Desse modo, percebeu-se que apesar das constantes discussões acerca da atuação do
Psicólogo nos diferentes campos nos quais ele tem se inserido nas últimas décadas, este continua
sendo um tema atual e relevante para a formação e consolidação desta profissão. Foi possível
perceber através deste trabalho que o caminho percorrido até aqui permitiu uma mudança de
práticas deste profissional na área da saúde, em especial na Atenção Primária.
Um ponto nevrálgico destas discussões refere-se à concepção da Psicologia enquanto escuta
clínica tradicional, modelo que ainda está presente mesmo quando se pensa o fazer da profissão na
área da saúde de forma contextualizada com o território no qual se atua. Desta forma, evidencia-
se o caráter processual desta mudança de concepções e práticas, deixando claro que apesar do
trajeto já percorrido ainda há o que se avançar ao se falar na atuação da Psicologia fora de seus
campos clássicos.
Assim, a partir dos resultados obtidos, conclui-se a necessidade de mais pesquisas sobre
a atuação do Psicólogo na Atenção Primária à Saúde. O cuidado com as práticas já existentes

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 829


NO ONTEXTO BRASILEIRO
possibilita um aperfeiçoamento das mesmas, além da criação de novos modos de fazer a profissão,
evitando a mera transposição de determinados modelos para diferentes cenários.

Referências

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830  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 831


NO ONTEXTO BRASILEIRO
EXPANSÃO AFETIVA: UMA ABORDAGEM EFICAZ
NA CONTENÇÃO DE CRISES
Ingryd Silva Costa
Flávia Sabrynne de Aguiar Freitas
Marlos ribeiro Araújo

Introdução

P
or meio do advento da Reforma Psiquiátrica e a criação de dispositivos substitutivos
aos manicômios é possível perceber um esforço ao resgate necessário, da fala, da vida
e dos direitos dos usuários que vivenciam algum tipo de sofrimento psíquico. Embora,
tenha-se avançado muito quanto a oferta de saúde, ainda é possível perceber o uso de práticas
de contenção física nos momentos de crise (Vasconcelos, 2008). O conceito de contenção física,
para Paes et al (2011, p. 240) este pode ser descrito como “procedimento utilizado na clínica
psiquiátrica em situações de emergência caracterizadas pela manifestação de comportamento
agressivo ou agitação psicomotora do paciente, quando esta não puder ser resolvida pela
abordagem verbal”.
Reforçando o conceito de contenção física, Silva et al (2013, p.190) afirma que “ao uso
de mecanismos mecânicos ou manuais para restringir a movimentação do paciente quando
este oferece riscos para si ou para terceiros. Trata-se de uma conduta excepcional que deve ser
cercada de todos os cuidados”. Este trabalho não tem a intenção de condenar a contenção física,
mas de pensar que outros tipos de contenção podem ser utilizados no cenário da crise em saúde
mental. As diretrizes assistenciais do Hospital Israelense Albert Einstein (2012) apresentam entre
os modelos de intervenção ao evento de agitação e/ou agressividade o uso de psicofármacos que
lhe confere a chamada tranquilização rápida e o uso de intervenção física chamado também de
restrição física, esta deve ser aplicada nos pacientes com transtornos mentais, a depender de sua
demanda clínica. Esta intervenção tem um caráter protetor que leva em consideração a equipe de
saúde e o paciente, pois há um direcionamento quanto à força, sendo aplicada de acordo com
situação e duração do menor tempo possível.
As diretrizes, visto que assumem que a restrição física apresenta certos riscos em seus
procedimentos, ressaltando que deve ser usada em último caso. Portanto, surgem questionamentos,
como por exemplo: se a contenção física é o recurso mais extremo. Porque, há tanto foco na
produção dos protocolos e rotinas ligados a essa abordagem? E praticamente nada produzido
acerca dos recursos que devem ser utilizados para se evitar os efeitos colaterais, desse tipo de
contenção? (Hospital Israelense Albert Einstein, 2012). Partindo de Foucault, novamente, Jardim
e Dimenstein (2007) afirmam que a psiquiatria buscou incessantemente algo que pudesse dizer
de onde vinha à loucura, a que órgão estava atrelada ou que genes causavam a mesma, porém as
tentativas pareciam ser em vão. Diante disso, a crise vem para validar o poder do psiquiatra, pois
a crise é a prova de que se precisava. Logo, o psiquiatra vira médico com poderes de proferir o que

832  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
foi confiado aos seus cuidados, para tratar de doença mental.
A crise passa a ser a explicação mais convincente dada com relação ao que seria a causa
da doença mental, esta explicação se encontra na Psiquiatria Preventiva. Sendo as crises as
causadoras do desequilíbrio do indivíduo e uma vez que o contrário desse estado seria o equilíbrio,
portanto, a crise se torna vilã e a principal causa desse adoecimento. Os meios que surgem diante
da necessidade de realinhar o sujeito àquilo que é normal, ou seja, aquilo que é esperado, diz
respeito ao uso de medicamentos, a contenção e/ou a retirada deste do meio em que está. Tal
encaminhamento deu margem para a criação dos serviços de urgência psiquiátrica, era preciso
agora longe dos murros do hospital psiquiátrico continuar contendo o indivíduo que manifesta a
crise (Jardim & Dimenstein, 2007).
É importante também ter clareza do vasto campo referente a essa experiência chamada de
crise, pois a mesma não é uma propriedade de pessoas com sofrimento psíquico, para Ferigato
et al (2007) a crise não pode ser vista como uma experiência individual e nem como algo que só
as pessoas que apresentam determinado sofrimento psíquico poderão passar, mas que esta pode
estar associada a contextos coletivos e que qualquer pessoa pode estar sujeita a enfrentar um
momento como esse. Ainda com relação à crise encontramos em Carvalho e Costa (2008, p. 154)
uma definição sobre a mesma que também interessa a esse trabalho, pois para os autores pode-
se dizer que a crise é um momento no qual o seu “aparecimento causa desequilíbrio psíquico, no
qual o sujeito se encontra desprovido das competências que o levam a uma reacomodação às
situações de conflito”.
Ferigato et al (2007) fazem reflexões interessantes sobre o manejo na crise. Estes autores
dizem que o profissional de saúde precisa dá suporte no momento da crise, suporte este que passa a
considerar aquele momento vivido pelo usuário assim como ele também o considera. Há também,
o lado afetivo sentido na experiência da crise e este não pode ser negado, para os autores citados
a cima é preciso que o outro que cuida dê valor a esse caráter afetivo, ou seja, os profissionais
de saúde envolvidos no momento da crise são também responsáveis pela reorganização dos
fragmentos do usuário. Para Silva (2009) que indica um eixo norteador, corroborando com este
estudo. Ele realizou seus estudos com famílias, numa proposta de dinamizar as mesmas, os eixos
apresentados tem relação às funções humanas, são eles: contenção afetiva, contenção síntese,
contenção limite e contenção confronto. Diante do empenho de trazer a discussão a importância
de se falar em expansão afetiva na saúde mental, faz-se uso do conceito apresentado por este autor.
Silva (2009, p.1) define contenção afetiva como “ação de oportunizar a construção de
ligação afetiva, assim como a aprendizagem de se envolver afetivamente às pessoas”, ou seja,
é possível fazer uma conexão com a sugestão central desse trabalho e dizer que o momento da
expansão afetiva se permite o estreitamento de laços entre as pessoas, bem como ao fortalecimento
dos mesmos mediante a situação que está posta, vislumbrando um resultado onde as pessoas que
participam desse processo possam se sentir bem. Partindo desse olhar tão humano para com
o sujeito que vivencia a crise é interessante perceber que além da contenção física citada como
intervenção a crise, outros métodos podem ser aplicados, dentre eles o que pode-se chamar de
expansão afetiva, que será proposta ao longo dos passos descritos na metodologia.
Portanto, procurou-se entender porque apesar de todos os avanços proporcionados pela
reforma psiquiátrica no campo da atenção a crise a contenção física ainda se apresenta como o
principal recurso de cuidado e que novos recursos técnicos e relacionais podemos construir juntos
aos pacientes em crise de forma a oferecer um atendimento mais humano e afetivo. Portanto, o
seguinte trabalho tem a pretensão de pensar que outras práticas de atenção a crise podem ser
ofertadas a esses sujeitos. Por conseguinte, serão apresentados, os conceitos de contenção física;
crise; e as primeiras pontuações a cerca de um acolhimento que preza pelo caráter afetivo durante
o tão delicado momento de crise.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 833


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Método

A pesquisa realizada foi de cunho qualitativo, pois detém a aspectos da realidade que
não podem ser vistos e transcritos em números, não são quantificáveis, mas se voltam para a
compreensão das relações sociais. (Gerhardt & Silveira, 2009). Quando se fala em pesquisa
qualitativa se ressalta a interação que deve estar presente entre o pesquisador e os sujeitos que
estarão sendo pesquisados, detalhe que se mostrou muito relevante para o desenvolvimento
da pesquisa em questão (Minayo, 2007). Foi realizada pesquisa-ação, tendo em vista que esta
atendeu a proposta do trabalho. Na definição de Thiollent (1985, apud Gil, 2008, p. 30) este tipo
de pesquisa é do tipo social e tem base empírica, onde a realização desta se dá também por meio
da ação, além da resolução de um problema coletivo e todos aqueles que participam da pesquisa,
ou seja, participantes e pesquisadores se tonam cooperadores desta.
Os instrumentos da coleta foram utilizadas, foram entrevistas semiestruturadas, um grupo
focal e um pré-laboratório de práticas de expansão afetiva. Com relação às entrevistas estas tiveram
a criação de seu roteiro, logo após visitas aos serviços de saúde da cidade de Parnaíba- PI e
estabelecimento de vínculos com os profissionais e usuários destas instituições. Para o momento
das entrevistas foi possível perceber profissionais e usuários muito solícitos e interessados com a
temática do trabalho. A proposta inicial do grupo focal era realizar o processo apenas com os
profissionais de saúde e os usuários do serviço de saúde mental da RAPS de Parnaíba que tivessem
respondido as questões.
Após as primeiras entrevistas optou-se por incluir acadêmicos do curso de Psicologia de
períodos distintos, mas que tivessem percursos de formação relevantes dentro dos dispositivos da
RAPS, e que compartilhassem do interesse pelo tema, com o objetivo de trazer maior interação
na relação universidade-RAPS questão que emergiu na etapa de coleta das entrevistas. O grupo
focal, instrumento fico na coleta de informações (Gondim, 2003, p.151) contou com a presença
de três acadêmicos: A01, A02, A03; um usuário do serviço de saúde de Parnaíba: U001, e dois
profissionais também do serviço de saúde da cidade: P001, P002 e o orientador desta pesquisa:
O01. O grupo focal aconteceu na UFPI de Parnaíba, durou cerca de 2 horas e proporcionou
discussões extremamente pertinentes para os objetivos da pesquisa, o mesmo contou com duas
perguntas disparadoras que foram: O que o grupo compreendia por crise em saúde mental? Que cuidados
podem ser ofertados nesse período.
Após a realização do grupo focal os participantes foram convidados para participar do pré-
laboratório de práticas de expansão afetiva. Este teve início com o seguinte pedido: que os participantes
lembrassem de algum momento em que vivenciaram uma crise e que atitudes das outras pessoas
ajudaram e quais delas atrapalharam, também foi pedido que isto fosse registrado em um papel.
O passo seguinte consistia em que os papeis fossem trocados e logo após os participantes foram
convidados a dramatizar a crise do colega, um por vez dramatizava, ao passo que aos demais
colegas tinham a função de primeiro realçar as atitudes que dificultaram a crise e logo depois as
atitudes acolhedoras.
A pesquisa foi realizada com alguns profissionais e usuários da Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS) da cidade de Parnaíba- PI, cidade que segundo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE- (2014) contava com uma população estimada de 149.348 habitantes no ano
de 2014. Os serviços que participaram da pesquisa foram: CAPS II. CAPS AD e SAMU, num total
de 6 profissionais, suas falas serão aqui representadas pela abreviação; P1, P2, P3, P4, P5, P6. Os
usuários dos serviços em questão foram num total de 3 os que responderam a entrevista e serão
representados por; U1, U2, U3.

834  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Resultados e Discussão

A sessão de resultados deste trabalho está estruturada em três categorias temáticas oriundas
das falas dos participantes das entrevistas, do grupo focal bem como das observações em campo.
A primeira categoria é definida como; Afinal o que estamos chamando de Crise? A segunda categoria
chamada; É preciso treinar para enfrentar a crise. A terceira categoria é denominada de; A integração
ensino/pesquisa/serviço como potente aliada na revisão das práticas de cuidado na crise. Em Afinal o que estamos
chamando de Crise? O que fica perceptível nas falas é o quanto a crise em saúde mental, apesar de
fazer parte da rotina dos serviços de atenção psicossocial é pouco discutida.
É perceptível a pouca produção de novas práticas de cuidado ofertadas nesses serviços.
Tal fato fica evidenciado no distanciamento das concepções de crise e cuidado compreendidas
por usuários e profissionais. Os autores Ferigato, Campos e Ballarin (2007, p.36) ratificam a
discussão em pauta ao dizer que “nem sempre a equipe e paciente estão de acordo em relação ao
conceito da crise, e muitas vezes a família pode também estar ou não de acordo com determinada
intervenção”.

“A gente acompanhava ela e não sabíamos identificar que ela passava por crise silenciosa
(P2). As vezes tem funcionário que não entende quando ele está numa crise, quando ele
está meio lá e cá e procura criticar aquele paciente por isso que as vezes que acontece muito
caso” (U1).

De acordo com as falas acima a crise muitas vezes é algo difícil de ser identificado, ou ainda
não encontra uma postura compreensiva por parte dos profissionais de saúde, em outra fala
encontra-se a seguinte afirmação “eu acho que essa identificação da crise ativa que tem a pré-crise e o pós-
crise, essa pré-crise a gente não tá sabendo lidar com ela” (P2). Para o Ministério da Saúde (2013) não se
trata de retirar um sintoma, mas acolher a situação dando suporte necessário, tendo em vista que
o cuidado precisa está presente na pré-crise, durante a instauração da mesma e bem como após
o surto quando este realmente se externa.
Durante o grupo focal a fala de um dos participantes chamou muito atenção e com certeza
esta encontra neste trabalho total apoio, foi dito; “a crise é um pedido de socorro” (A1), ela também
desnuda a verdade de que muitas vezes esse pedido de socorro é negligenciado, é calado, é
abafado. Outra fala de grupo focal também revela uma visão em concordância com o que está
apresentando, ou seja, de que a crise por vezes é negligenciada, um dos participantes diz: “só
preocupa quando incomoda, enquanto ela vivencia a crise, mas quando não incomoda nenhuma intervenção é
feita” (P02).
A crise em saúde mental também passa pelo estigma de se tratar de algo perigoso ou
que pode ocasionar alguma lesão física aquele que resolver entrar em cena para realizar uma
intervenção. Praticamente todos os manuais que falam sobre contenção física no momento da
crise ressaltam a importância de se proteger de possíveis lesões. Para Mantovani et al. (2010,
p.102) “a adequação do comportamento da equipe de profissionais no manejo da situação é
um aspecto fundamental para a prevenção de agressão física ou danos materiais”. O usuário de
saúde mental ainda é visto como alguém que está nas relações somente para obedecer, portanto
a presença da polícia é justificada pela necessidade de proteção para todos que estão no cenário
do atendimento também pode ser entendida como aquela que está ali para punir. E o cuidado vai
dando lugar ao medo que se transveste de opressão e punição.

“Quando é chamado o SAMU imediatamente a gente pede ajuda da polícia, porque algumas
vezes pode acontecer a necessidade de que haja uma contenção física desse paciente” (P4).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 835


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Também é perceptível que até hoje a crise é associada à violência e agressão física e que para
tal a resolução tem-se a contenção física, é lamentável que ainda não tenha sido superado essa
visão limitada de que a pessoa em sofrimento psíquico será sempre alguém agressivo. A fala: “a
crise não é crime”, (A1) foi dita durante o grupo focal e evidentemente provocou certa agitação no
grupo e alguns pediram a palavra para expressar que também concordavam com essa afirmação.
A potência dessa frase aquece o desejo pela luta.
Para Ferigato et al (2007) o manejo na crise diz de um suporte que o profissional de saúde
precisa dá ao paciente e é imprescindível considerar o momento vivido pelo usuário assim como
ele também o percebe. A crise tem um caráter afetivo que é sentido durante esta experiência e é de
suma importância que este não seja negado. Aquele que faz parte da cena como cuidador precisa
atribuir valor a esse lado afetivo da crise, pois estes também fazem parte do sujeito. Por vezes a
contenção acontece e o sujeito é tratado como um objeto que precisa voltar a sua normalidade o
que pode ser visto nas falas seguintes.

Eu não sei se eles me seguraram, mas eu não sou de agredir, quando eu estou com crise eu
sou de me separar das pessoas, eu tenho medo das pessoas me pegarem, de me bater eu
tenho medo das pessoas é me esconder, me trancar, não comer, não beber, meu negócio é
ficar sempre só, eu não me aproximo de ninguém. (U1)

Na segunda sessão: É preciso treinar para enfrentar a crise, se percebe a necessidade


compartilhada por profissionais e usuários de que haja mais treinamento e formação dos
profissionais sobre crise, isto se manifestou em várias falas dos participantes, como a fala que
vem logo a seguir, e que cita uma formação em atenção em saúde mental na cidade de Parnaíba.
É de suma importância que todas as áreas da saúde possam se reciclar e com a saúde mental não
é diferente, pois a constante atualização da formação ajuda também na garantia do cuidado.

“Atuar em conjunto para proporcionar o cuidado humanizado no momento dessas crises,


como já aconteceu um programa que proporcionou a integração de vários setores da
saúde”... ( P1)

Uma fala muito recorrente diz respeito ao curso de imersão na realidade dos serviços da
cidade São Paulo intitulado de “Percursos Formativos na RAPS- Intercâmbio entre experiências”,
onde um profissional de cada serviço da RAPS de Parnaíba passa um mês em São Paulo conhecendo
as práticas da RAPS naquele local. Durante as entrevistas os profissionais reconheceram a
importância deste no quesito formação em atenção à crise.

“Pra mim em especial desde que eu fui fazer o treinamento (em São Paulo) específico de
atenção à crise, eu modifiquei muito das minhas ações”. ( P2)

A educação permanente foi apontada nas falas como necessidade para reciclar as práticas
em saúde e ofertar assim práticas ainda melhores, um dos grandes aliados nesse processo pode
ser a parceria com a universidade, pois como campo de estudo e como espaço que também se
insere nos serviços através de estágios e de outros programas como o próprio Pet-Saúde, se torna
uma companheira importante neste processo. Abordaremos a seguir sobre esta parceria, sua
caminhada, ainda tímida, e seus possíveis férteis resultados.
A última categoria é; Integração ensino/pesquisa/serviço como potente aliada na revisão das práticas
de cuidado na crise, que nasce devido aos tensionamentos acerca da articulação entre serviço/
pesquisa/ensino, e está também tem o desejo de sinalizar que é possível, pensar que a rede de

836  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
atenção psicossocial trabalhe em parceria com a universidade e que a crise em saúde mental possa
ser palco também desse diálogo. Existe uma potencialidade inquestionável nas ações da equipe
quando está trabalha articulada, buscando sempre melhorar sua prática e ofertando ao usuário
um atendimento acolhedor e de qualidade. Para Merhy (1999) o cuidado deve ser dá de forma
integral e o mesmo deve passar pelo empenho dos profissionais de saúde, que implicados com seu
trabalho estarão mais próximos dos usuários e mais próximos de atender às suas necessidades.

“A gente ver o desejo de mudança, nos momentos de reunião a gente ver que a gente consegue
identificar o que está errado e consegue planejar uma mudança pra isso” (P2).

A mudança da equipe também passa pelo apoio e viabilização da gestão, ou seja, uma
equipe dedicada e comprometida com suas práticas de saúde tem um maior desempenho quando
é apoiada pela gestão, quando esta também se torna parceira no desenvolvimento do trabalho.
Assim, outras parcerias vão agregando mais ajuda ao trabalho das equipes, esse se dá também
pela presença da universidade, não apenas como aquela que vai colher informações se retirando
da cena logo mais as coletas, nem como aquela que presta ajuda esporádica por meio de seus
estagiários, mas como uma aliada na promoção de melhorias nos serviços.

“Nós somos só a engrenagem, precisa de uma gestão forte de uma gestão que nos possibilite
trabalhar” (P2).

O tocante ao laboratório de expansão afetiva é cabível dizer que este é uma ferramenta de teste,
que acabou sendo geradora de afetos marcados pelo desejo de ofertar cuidado de qualidade,
de ser com o outro em seu momento de tormenta, mas também da retomada do equilíbrio.
Acredita-se que a replicação dessa ferramenta dentro dos serviços pode ser catalizadora de
positivas transformações na relação profissional\usuário. Para Moscovici (1985) a Educação
de Laboratório se refere a um processo de ensino/ aprendizagem que encontra na vivência sua
referência, portanto este Laboratório é conhecido como “um conjunto metodológico que objetiva
o alcance de mudanças pessoais, a partir de aprendizagens baseadas em experiências diretas ou
vivências”. A educação de laboratório conta com dois objetivos: aprender a aprender e aprender
a dar ajuda; o primeiro diz de um processo de desprendimento de pré-conceitos. Além da busca
para a solução de problemas através de recursos que são criados com ajuda de sua experiência e
com experiência dos demais que estão participando;
Uma pauta bastante pertinente, diz respeito, a participação dos usuários em seu processo
de descobrir como enfrentar suas crises. Para Vasconcelos (2008, p. 60) o empoderamento pode
ser compreendido como “fortalecimento do poder, participação e organização dos usuários e
familiares no próprio âmbito da produção de cuidado em saúde mental, em serviços formais
e em dispositivos autônomos de cuidado e suporte”, portanto, o usuário também pode e deve
participar ativamente na elaboração de estratégias junto aos profissionais de saúde que o ajudem
no enfretamento de sua crise. Como é notório esta potente ferramenta pode ajudar no abandono
ao modelo onde o usuário ainda seria visto como o aquele tem que um problema de saúde mental
o que o desqualificaria a fazer parte do cenário da sociedade civil.
O laboratório de expansão afetiva fecha a categoria Integração ensino/pesquisa/serviço como potentes
aliados na discussão sobre crise, como exemplo de ação exitosa na busca de ferramentas que promovam
uma atenção a crise mais humanizada, onde de fato a contenção física não possa ser a única
estratégia disponível para os momentos de crises vividos pelos usuários, mas que a expansão afetiva
seja potência que gera vínculo e retorno ao equilíbrio. Se faz necessário em engajamento entre os
profissionais da saúde, o ensino ( Universidades), os familiares e os usuários de saúde mental,
afinal, o processo diz mais respeito, a estes que a qualquer outro.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 837


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Considerações Finais

Este trabalho buscou compreender as práticas de cuidado voltadas para fazer frente à
crise em saúde mental nos dispositivos da RAPS do município de Parnaíba. Inicialmente pensar
em outras estratégias de contenção além da física no momento da crise era uma das questões
centrais deste trabalho, no entanto a discussão sobre o que é a crise? Como percebê-la? E
que atores podem estar atuando neste cenário? Foram questões que também tomaram uma
amplitude significativa.
Não se pretendeu aqui fechar a questão do cuidado e atenção à crise em saúde mental, nem
eleger qualquer técnica reproduzível em escala nos serviços de maneira mecânica, mas evidenciar
cada vez mais a necessidade de repensar práticas sacramentadas por manuais e rotinas de serviço.
O que ficou claro é que praticamente todos os serviços com relação ao manejo da crise fazem
a intervenção pontual, ou seja, a administração do medicamento e o uso de contenção física
quando o quadro do usuário é de muita agitação e de desestabilização. O sujeito que participa
desse processo é visto como aquele que deve ser contido e por vezes não é protagonista de seu
próprio processo.
Este estudo tem o intuito de sugerir, formas que podem ser utilizadas e que também pode
ser visto como incentivador na busca de outras estratégias, que ajudem na garantia de uma oferta
de cuidados, no período da crise, para além dela. Garantir a pessoa em sofrimento psíquico
cuidado não deveria ser algo distante das práticas ofertadas pelos profissionais dos serviços, mas
sim, deve ser algo basilar na rotina daqueles que se propuseram a ser profissionais da saúde. Em
algum momento da história foi mais fácil deixar “o louco” a margem da sociedade, mas pode-se
considerar ao final deste estudo, que não é difícil está com estes e que na verdade é lamentável o
quanto os estigmas impostos pela sociedade se tornam máquinas engessadoras. Vale evidenciar
aqui o quanto é gratificante receber destes um olhar verdadeiro, uma palavra envolvida de carinho,
o quanto é gratificante fazer parte de suas histórias.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 839


NO ONTEXTO BRASILEIRO
(DES)ARTICULAÇÕES DE UM GRUPO DE SAÚDE
MENTAL NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMILIA:
DESAFIOS E POTENCIALIDADES
Karlene Maria da Rocha Freitas
Bruna de Jesus Lopes

Introdução

A
Atenção Básica (AB) caracteriza-se pelo conjunto de ações direcionadas para o
campo da saúde, com atividades voltadas para o âmbito individual e/ou coletivo
visando a promoção, proteção e prevenção de agravos à saúde, bem como
o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde.
Orientando-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado,
do vínculo e continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade
e da participação social (Brasil, 2012).
A AB busca desenvolver ações em saúde compartilhadas por uma equipe multiprofissional
que assume responsabilidade sanitária por uma determinada população adstrita num território,
devendo considerar a complexidade do processo saúde-doença (Brasil,2012), bem como os
riscos, vulnerabilidade e os possíveis atravessamentos epidemiológicos, socioculturais, religiosos,
psicológicos e econômicos existentes para o manejo, promoção e cuidado em saúde no território.
Compreendendo que os sujeitos e/ou famílias em um dado território possuem idiossincrasias e
modos plurais de ser, existir e experienciar seu processo de saúde-doença-cuidado, com o objetivo
de ofertar uma atenção integral à saúde e fortalecer a autonomia das pessoas nesse processo.
A Política Nacional da Atenção Básica consolida a Estratégia de Saúde da Família (ESF),
como forma de expandir, operacionalizar, reorganizar e consolidar a AB de acordo com os
princípios que regem o Sistema Único de Saúde. A ESF possibilita o acesso à saúde próximo da
realidade dos sujeitos e oferece um olhar multiprofissional e intersetorial sobre o processo saúde-
doença-cuidado para a construção de vínculos positivos e responsabilização profissional pela
continuidade do cuidado e proteção da saúde no território, além de atuar como contato preferencial
dos usuários com a Rede de Atenção à Saúde e ser a porta de entrada do SUS (Brasil,2012).
Considerando ainda que a ESF pode atuar como porta de entrada das problemáticas de saúde
mental que emergem no território, e dessa forma realizar ações voltadas para intervenções em
saúde mental a fim de “promover novas possibilidades de modificar e qualificar as condições e
modos de vida, orientando-se pela produção de vida e de saúde e não se restringindo à cura de
doenças”(Brasil,2013,p.23).
Ao reorientar os processos de trabalho, promoção e cuidado em saúde em todos os seus
aspectos (e.g., físico e psicossociais), demanda que ocorra mudanças também nos modos de
conceber e ofertar saúde no cotidiano dos serviços. Um exemplo pertinente à discussão é que o
paradigma biomédico centrado na doença e na figura do médico seja resignificado, de modo a

840  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
compreender os impactos e atravessamento de suas ações, e os determinantes e condicionantes
de saúde e adoecimento das coletividades.
Outra estratégia utilizada para promover mudanças, fortalecer e qualificar o profissional
de saúde para a atuação e implementação do SUS, foi a instituição dos Programas de Residência
Multiprofissional em Saúde, promulgada em 30 de junho de 2005, sob a Lei nº11.129. Esta se
volta para a edificação de um trabalho multiprofissional que visa contribuir para que ocorram
mudanças no modelo assistencial à saúde, na medida em que possibilite a construção de um
novo perfil de profissional de saúde, que atue na direção de construir outros caminhos, práticas
e tecnológicas de cuidado e acolhimento em saúde, implicando assim, numa performance mais
humanizada, preparado para responder com resolutividade às reais necessidades dos usuários e
coletivos no âmbito do SUS (Brasil,2011)
Carvalho, Garcia e Seidl (2006) discutem que os programas de RMS possibilitam uma
formação mais preparada para a atuação em saúde por estar alicerçada na interface “ensino-
trabalho-cidadania” em caráter multidisciplinar e intersetorial, se configurando, assim, como
espaço privilegiado e estratégico para a construção de mudanças nas práticas de saúde.
E pensando na relevância de formar profissionais em saúde por meio da educação no
serviço, o qual permite vivenciar a realidade e os desafios do trabalho no cotidiano da atuação
na ESF, algumas residências multiprofissionais foram criadas. Em 2016, por exemplo, foi criada
a Residência Multiprofissional em Saúde da Família (RMSF) da Universidade Federal do Piauí,
Campus Ministro Reis Velloso, a qual tem parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de
Parnaíba-PI. Atualmente, o programa conta 18 profissionais de diferentes áreas, sendo elas:
Enfermagem, Fisioterapia e Psicologia. A RMSF surge como forma de ofertar ao município um
espaço diferenciado e comprometido com a formação continuada de profissionais de saúde,
possibilitando a construção de uma implicação ética e política com a realidade do trabalho na
AB, contribuindo assim para a construção de uma práxis formativa mais atenuada às necessidades
e princípios do SUS.
A inserção dos profissionais residentes na AB ainda é algo novo no cenário de saúde do
município, que diferentemente da equipe multiprofissional composta pelos Núcleos de Apoio
à Saúde da Família (Nasfs) que surgem como forma de ampliar a abrangência e o escopo de
atuação na AB, bem como a resolutividade das problemáticas de saúde dentro do território e
co-responsabilização dos casos com a equipe da ESF, isto é, no trabalho de apoio matricial às
equipes (Brasil, 2013). A equipe de profissionais residentes se insere de forma mais próxima da
equipe e criam vínculos, afetos com a comunidade, além de atuarem como mais um ponto de
apoio e suporte de matriciamento das questões de saúde, doença e cuidado.
E com a presença do profissional psicólogo na composição da equipe de RMSF inserida de
dentro da equipe mínima da Unidade Básica de Saúde (UBS), possibilita que as problemáticas
de saúde mental ganhem espaço dentro do quadro de ações programáticas da UBS, buscando
o compartilhamento e co-responsabilização dos casos com os demais profissionais que compõe
a ESF. Reconhecendo o papel da UBS no cuidado as questões de saúde mental, como um
campo potente e fértil para a criação de tecnologias leves e de intervenções que viabilizem a
configuração/desconfiguração /reconfiguração de novos territórios existenciais individuais e/ou
coletivos. Deslocando assim, “o olhar da doença para o cuidado, para o alívio e a ressignificação
do sofrimento e para a potencialização de novos modos individuais e grupais de estar no mundo
aponta na direção de concepções positivas de saúde metal” (Brasil, 2013, p. 35).
A inserção desse profissional dentro da RMSF é relevante para a construção de outras
formas de refletir o cuidado das questões de saúde mental mais próximo dos sujeitos em situação
de sofrimento e de suas famílias, tendo em vista que as questões de saúde mental devem estar
para além do campo do SUS. Implicando, assim, para sua abertura aos demais segmentos da

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 841


NO ONTEXTO BRASILEIRO
sociedade na tentativa de potencialização a produção da vida e resgate da dimensão subjetiva que
muitas vezes são capturas no processo saúde-doença (Brasil,2013).
É nesse sentido que se destaca aqui o relato de experiência vivenciada por uma psicóloga
residente no primeiro ano da RMSF, na tentativa de tecer algumas reflexões sobre a atuação no
contexto da saúde e os desafios lançados na articulação de ações em Saúde Mental dentro da
UBS, tendo em vista que o campo das políticas públicas de saúde e o SUS ainda é algo distante
do campo de formação do profissional psicólogo. Bem como discutir a importância da inserção
do profissional psicólogo dentro da RMS, mais especificamente na ESF, como forma de construir
um compromisso social e outros olhares sobre aspectos de saúde física e psicossociais vivenciadas
dentro do território, possibilitando pensar qual a contribuição da Psicologia dentro do leque
multiprofissional para fortalecer os princípios previstos pela PNAB.
Pois bem, tentaremos refletir sobre a experiência de (des)articulação de um grupo de saúde
mental dentro da dinâmica da UBS numa comunidade da periferia da cidade de Parnaíba-PI.

Método

O trabalho em questão trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência,


construído a partir da inserção da residente de Psicologia no espaço de UBS do município de
Parnaíba, no ano de 2017, a partir de um diálogo crítico reflexivo da prática com a literatura
científica.
O processo de inserção na UBS se deu através do processo de territorialização, uma espécie
de mapeamento epidemiológico e sociocultural do lugar, na tentativa que fazer um diagnóstico
situacional dos modos de vida, produção de saúde e adoecimento na comunidade. Para tanto foi
realizado visitas domiciliares em parceria com os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), sala de
espera e rodas de conversas com a equipe da UBS e os usuários, registradas em diários de campo,
fichas de atividades coletivas e registros fotográficos.
Após o período de territorialização da comunidade, demos início a tentativa de rearticular
um grupo de saúde mental que estava há mais de 6 meses sem ter atividades, em virtude da falta
do profissional de referência do grupo. Os encontros do grupo aconteciam semanalmente, nas
quartas feiras na UBS com o apoio dos ACS.
O cenário onde partimos para refletir sobre nosso relato de experiência é uma UBS de
referência da profissional psicóloga, que fica localizada na zona periférica da cidade Parnaíba-PI.

Resultados e Discussões

O território onde está localizada a UBS, está subdividido em nove micro áreas. Conta com
sete agentes comunitários de saúde, estando duas micros áreas descobertas. A comunidade
apresenta traços urbano e rural, isto é, em uma da micro áreas possuem ruas pavimentadas,
circulação de transporte público, saneamento básico. Enquanto que as demais micro áreas não
possuem tais características, o que dificulta o acesso da população as demais áreas da cidade.
E isso é tão significante que os moradores relatam nem pertenceram a cidade. Por falta de
saneamento básico, os moradores queimam ou enterram o lixo, e a maioria faz uso da água para
consumo direto do rio e riachos que atravessam o território. A fonte de renda é basicamente dos
aposentados, beneficiários do Programa Bolsa Família, agricultura familiar e da pesca artesanal.
Um número significante de moradores não são alfabetizados; algumas micro áreas são de
difícil acesso, ainda mais no período de chuvas o que acaba fragilizando ao acesso a UBS. A
comunidade coloca como espaço de produção de lazer os banhos de rio e riachos, as serestas
nos bares a noite e participação nos grupos da igreja; já os grupos que acontecem na UBS, em

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
geral, não têm muita adesão por parte da comunidade. O uso de plantas medicinais, bem como
a procura de benzedeiras e curandeiras para o cuidado à saúde é um pratica bem comum na
comunidade. Atribuem alguns processos de adoecimentos a questões de cunho espiritual, por isso
pontuaram a procura de outras formas de cuidado para além o uso de determinada medicação
e das idas a UBS. Estas são informações que foram sendo desenhadas sobre a comunidade
adstrita, através de rodas de conversas com a equipe da ESF após o período de territorialização da
comunidade, momento de levantamento dos dados epidemiológicos, socioculturais e econômicos
da comunidade, onde objetivávamos fazer o diagnóstico situacional das problemáticas de saúde.
Percebemos que os usuários na maioria das vezes procuram a UBS mais de forma curativa,
renovação de receitas controladas, quando não para atendimentos de urgência, o que nos leva a
pensar que desconhecem o papel preventivo e promocional de saúde que tem a ESF.
A maioria das queixas de adoecimento que chegavam diariamente ao posto de saúde estão
ligadas e/ou atravessadas por questões de saúde mental, como foi sinalizado pela equipe da UBS,
principalmente pelo médico e enfermeira. E os grupos voltados para atividades de promoção
e prevenção de agravos a saúde tem pouca adesão por parte da comunidade, principalmente,
quando são atividades voltadas para o campo da saúde mental.
E qual a necessidade de relatar as características do cenário onde a UBS está inserida?
Resolvemos sinalizar tais aspectos da comunidade tendo em vista que os modos de ser e existir
no território, aponta atravessamentos para o processo de saúde-doença-cuidado dos usuários,
e como estes irão significar o espaço da ESF. Ainda mais quando falamos de dimensões mais
simbólicas e subjetivas que por ventura atrevessem esse processo. E não podemos negar a
importância de uma análise social e epidemiológica do território para as formulações das ações
em saúde dentro das UBS.
Dentro do quadro de ações programáticas do posto de saúde, semanalmente, nas quartas
feiras, aconteciam os encontros do grupo de saúde mental com o apoio do Nasf e tinham na figura
da psicóloga da equipe o profissional de referência. Do período da inserção da RMSF na UBS em
2017, o grupo encontrava-se desarticulado deste outubro de 2016, por falta de profissional para
facilitar o grupo.
Durante a territorialização, realizada em parceria com os ACS, tentamos mobilizar a
comunidade para participarem das ações de promoção de saúde, incluindo aquelas voltadas para
a saúde mental que estavam sendo realizadas no posto. Os primeiros encontros aconteceram
mediados pela psicóloga do Nasf e psicóloga residente. Aos poucos alguns usuários que
faziam parte do grupo foram aparecendo nos encontros e novos participante, mobilizados na
territorialização, foram compondo o grupo.
O grupo funcionava como uma potente tecnologia de cuidado as questões de saúde mental
dentro da comunidade, na oferta de uma atenção integral e produção de autonomia, bem como
espaço na promoção de espaços e momentos que permitissem trocas de experiências, afetos e
“transformações subjetivas que não seriam alcançadas em um atendimento de tipo individualizado.
Isto se deve exatamente à pluralidade de seus integrantes, à diversidade de trocas de conhecimentos
e possíveis identificações que apenas um grupo torna possível” (Brasil,2013,p.121). O grupo
era aberto para a comunidade e tinha como finalidade a oferta de um espaço de trocas, escuta
empática e acolhimento diante do sofrimento e queixas, que na maioria das vezes, escapavam ao
atendimento médico e de enfermagem, no entanto, muitos dos casos que chegavam ao grupo
eram encaminhados por estes profissionais ou pelos os ACS.
O grupo era composto por adultos jovens, homens e mulheres, adolescentes e idosos, de
faixa etárias variadas. Discutíamos temáticas diversas, mas sempre sinalizadas pelas problemáticas
de saúde mental que chegavam até a UBS de modo que as reflexões e discussões suscitadas no
grupo fizesse sentido para o coletivo.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 843


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Nosso objetivo enquanto equipe era fazer do grupo um espaço potente de promoção de
vida, fazer com que os usuários se percebessem para além de uma medicação e de um diagnóstico,
e acima de tudo, como sujeitos de sua própria história. Contudo, não tínhamos o intuito de negar
a doença, mas sim de pontencializará autonomia dos sujeitos e fortalecer seus vínculos sociais
para o enfrentamento e ressignificação do seu modo de viver, “isso significa acreditar que a vida
pode ter várias formas de ser percebida, experimentada e vivida. Para tanto, é necessário olhar
o sujeito em suas múltiplas dimensões, com seus desejos, anseios, valores e escolhas” (Brasil,
2013, p.23). Em cada novo encontro tentávamos sinalizar a importância disso para os usuários
e seus familiares, como também para os demais profissionais da UBS para que compreendessem
os possíveis atravessamentos das questões epidemiológicas e socioculturais, dentre outras,
sinalizadas no processo de territorialização para a promoção e cuidado as problemáticas de saúde
e de saúde mental que chegavam a ESF.
Após a retomada das atividades do grupo, a psicóloga da equipe do Nasf precisou se afastar
de suas atividades laborais, e assim, depois de alguns encontros desde as retomadas das atividades,
o grupo sofre uma quebra. Tendo em vista que a psicóloga do Nasf era a profissional de referência
de alguns usuários que estavam desde as primeiras articulações do grupo, quando ainda não
estávamos presentes na UBS. Podemos perceber diante da situação a importância e potência do
vínculo para a efetivação do cuidado em saúde mental. No entanto, alguns usuários veteranos do
grupo permaneceram, sendo a grande maioria usuários que se integraram ao grupo em virtude da
chegada da equipe de residentes na UBS.
Com o passar dos encontros pudemos perceber nos discursos dos usuários integrantes do
grupo que existiam muitos desafios a serem enfrentados para a promoção e cuidado de saúde
mental no território, desde a compreensão da importância da atenção as queixas e problemáticas
psíquicas à superação dos estigmas sociais em relação à loucura, a participação em um grupo
de saúde mental, bem como os sentidos que os próprios usuários colavam no entorno de seu
processo de adoecimento e tratamento. Questões essas que precisavam ser compreendida,
significadas e cuidadas levando em conta também os aspectos biológicos, subjetivos, econômicos
e socioculturais que atravessavam os modos de ser e existir na comunidade.
O que não significava negar a objetividade dos fatos do processo saúde-doença, questões
físicas e psicológicas, mas sim de encontrar formas de articular e transitar entre a razão e intuição,
como refletem Campos e Gama (2010), a questão está em construir novos caminhos para
tensionar, articular e utilizar o conhecimento científico na operacionalização de práticas em saúde
que possam dialogar com a realidade dos sujeitos, como também dar conta da singularidade e
subjetividade do adoecer concreto.
Tínhamos o desafio de lidar diariamente com os sujeitos em situação de sofrimento,
suas famílias e toda uma rede social existente em seu entorno, o que ainda é algo novo e que
muitas vezes fica distante da realidade da formação dos profissionais psicólogos. Tendo em vista
que a formação em Psicologia ainda preserva característica do atendimento e cuidado clínico
individualizado, e que ao adentrar a ESF se depara com um cenário completamente diferente e
desafiador.
Dimenstein e Macedo (2012) pontuam que tem ocorrido uma crescente aproximação da
Psicologia com o campo do SUS, em especial no trabalho na AB, bem como a saúde mental
tem gerado transformações e aproximações da profissão com uma realidade ainda distante e
pouco problematizada nos cursos de formação. Afirmam que “o encontro com comunidades, em
geral de baixa renda e com problemas de infraestrutura, tem contribuído para o questionamento
das nossas ferramentas de trabalho, do nosso aparato teórico-técnico e da efetividade de nossa
atuação”(Dimenstein & Macedo,2012, p.235), principalmente no diz respeito a uma campo de
atuação que demanda a reinvenção de nossas práticas profissionais, bem como que ocorra novos

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
tensionamentos e reflexões na construções de ações de intervenção interdisciplinares pensadas
em coletivo e realizadas por equipes multiprofissionais.
E a vivência na UBS através do trabalho como psicóloga residente tem sido fundamental
para pensar quais são as contribuições da Psicologia dentro das equipes multiprofissionais e
intersetoriais, no trabalho, na realidade da AB e de pensar qual é o compromisso ético e político
da profissão para com essa realidade.
(In)felizmente com o passar dos encontros o grupo foi se (des)articulando, os usuários
veteranos foram os primeiros a deixarem lacunas no grupo e com o passar dos encontros os
demais foram saindo. Alguns porque mudaram de cidade ou bairro, outros porque continuar
fazendo parte do grupo naquele momento já não fazia tanto sentido, como bem pontuaram
alguns. Enquanto que a maioria dos integrantes do grupo de saúde mental, já se percebendo
diferentes e mais autônomos no seu processo de cuidado e fortalecidos em sua potência de vida,
a nosso convite passaram a compor outros grupos existentes na UBS, a exemplo do grupo de
atividades físicas que acontece 3 vezes na semana.
Compreendemos o percurso que o grupo foi sendo desenhando no decorrer do ano de 2017,
na tentativa de reativar o grupo que estava sem atividades desde 2016, e como os contratempos
que foram surgindo nesse processo ainda mais como a saída da psicóloga do Nasf, no entanto,
aos poucos foi se desvelando outros espaços para o trabalho com as questões de saúde mental.
Com a chegada da residência na UBS, tentamos nos inserir de modos diferentes nas atividades
já existentes no quadro das ações programáticas, o que foi o caso da retomada do grupo de
saúde mental. A tentativa estava em retomar as discussões sobre a promoção da saúde mental na
comunidade fosse por meio do grupo já existente ou em outros espaços, pois o mais importante é
fazer com que as problemáticas de saúde mental existentes no território encontrassem na ESF sua
porta de entrada para a rede de saúde do município. E com o fim do grupo, pudemos tecer novas
reflexões sobre a promoção da saúde mental, bom como ressaltar a importância da integração
das ações e intervenções às problemáticas de saúde mental de modo transversal e mais integral
dentro dos demais grupos existentes na UBS. Assim, as reflexões e discussões de promoção e
cuidado em saúde mental acontecia da sala de espera aos grupos de gestante e atividade física,
passando ainda pelas interconsultas com os profissionais da equipe da UBS e Nasf, atendimentos
individuais e compartilhados na equipe da residência, bem como em ações intersetoriais, tendo
em vista as atividades do Programa Saúde na Escola também existentes na UBS.
A experiência de atuação como psicóloga residente dentro da ESF e diante desse cenário
que foi sendo discutido no decorrer desse artigo, podemos ressaltar a importância da RMSF para
a construção de novas tecnologias e compressões sobre o papel da Psicologia no trabalho na AB
para a implementação da política do SUS e para o fortalecimento da Política Nacional de Saúde
Mental dentro da Rede de Saúde do município.

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atenção primária e psicossocial. Psicologia: Ciência e Profissão, 32, 232-245. Recuperado em 16
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846  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
MODOS DE CUIDAR EM SAÚDE MENTAL: ENTRE
OS MODELOS HEGEMÔNICOS E A ABORDAGEM
PSICOSSOCIAL
Pedro Victor Modesto Batista

Introdução

O
campo da Saúde Mental está associado ao âmbito das políticas públicas de saúde
que, como tal, é rico e diversificado; tendo em vista que várias disciplinas e saberes
apropriam-se desse campo e se entrecruzam no seu estudo, como: semiologia,
epidemiologia, psicopatologia, psicologia, antropologia, psicanálise, história, ciência política,
filosofia, geografia, psiquiatria, neurologia, filologia e neurociências. Isso permite afirmar que
se encontra dificuldade em delimitar suas fronteiras e de se saber o seu princípio e o seu limiar,
não se pode fixá-lo em um estudo de uma disciplina específica, ou campo de conhecimento, nem
ter como problemática principal “o tratamento das doenças mentais” (Amarante, 2008, p. 16).
Deve-se ter por nota que não existem verdades únicas e definitivas referentes à saúde mental, mas
tem-se um campo que convoca à reflexão, complexidade e à transversalidade de saberes.
Em meio a essa complexidade – em sentido diferente ao de complicação - em que um só
conceito, sujeito ou coisa, pode portar em si uma gama diversa de significação e referências, ou
seja, com o sentido de circularidade que comporta no seu seio paradoxos e incertezas (Oliveira &
Fortunato, 2007), pretende-se aproximar com as discussões em torno da loucura e das formas de
cuidado disponíveis no Sistema Único de Saúde e norteados pela Reforma Psiquiátrica Brasileira,
visando percorrer novas impressões, retomar velhas compreensões e ampliar os discursos sobre
esse ser “estranho”, por muito tempo estigmatizado e o qual atualmente buscam humanizar.
A Reforma Psiquiátrica traz em seu bojo uma mudança de foco ao lidar com os loucos,
pois com o processo de extinção dos manicômios, novas práticas de cuidado são oferecidas/
propostas. Com os avanços do processo reformista, o saber psiquiátrico perdeu parte de sua
hegemonia. Os movimentos sociais, em meio às lutas pelos direitos humanos e as transformações
culturais, passaram a pressionar o Estado brasileiro para a implementação de dispositivos que
assistissem aos sujeitos em sofrimento psíquico sem isolá-los ou retirá-los dos lugares onde moram
e constroem suas vidas.
Estudar a saúde mental, a reforma psiquiátrica e a loucura, significa investigar um processo
em movimento, com diferentes atores: familiares, trabalhadores e as pessoas em sofrimento
psíquico nos múltiplos cenários em que tecem suas vidas: a cidade, as instituições de cuidado,
suas moradias e locais de trabalho. Por sua vez, almeja-se contribuir uma reflexão crescente;
pois “reconhecer os processos cotidianos de trabalho como áreas de tensão e interesses sociais
conflitantes encarnados” (Yasui & Costa-Rosa, 2008, p. 33) nos levará a pensar sobre os interesses/
desejos dos sujeitos em sofrimento e a importância da mudança de paradigma para a oferta do
cuidado em saúde mental.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 847


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Pensar sobre a loucura que há em nós, a loucura que não há em nós e de como as subjetividades
são construídas nesses encontros em lugares de ações, atuações, saberes e conceitos, são alguns
dos motivadores que dispararam essa pesquisa. Assim, pretende-se continuar na construção das
verdades ficcionais, narradas pela História da Loucura de Foucault, como afirma Rodrigues (2007),
que conceitua ficção no sentido de que ao se produzir um conhecimento sobre um dado objeto,
se está produzindo uma verdade sobre ele, que pode mobilizar ações e compreensões sobre
processos que estão por vir. Assim, a ficção é uma verdade produzida no agora que só poderá ser
constatada no futuro. Nesse sentido, esta pesquisa é marcada pelo envolvimento e implicação do
pesquisador com o campo da saúde mental e da reforma psiquiátrica. Ao observar o cotidiano
dos serviços, percebemos que, para além dos sujeitos do sintoma e da história da doença, havia
ali indivíduos cuja história pessoal retratava situações de perdas, fragilidades, abandono familiar,
além da dor do estigma que sofrem; mas também, sonhos, projetos e desejos de reconstruir suas
próprias vidas. Por outro lado, os serviços convivem com dificuldades quanto a infraestrutura,
falta de pessoal, especialmente de psiquiatras, cumprimento da carga horária, realização de ações
de continuidade do cuidado e em rede, ações de atenção à crise, dentre outros.
Os profissionais por muitas vezes atribuem à loucura uma roupagem de doença que deve ser
tratada por meio de medicamentos e entretenimentos no aspecto apontado por Saraceno (1996)
servindo para manter dentro de uma cultura de exclusão, mesmo que tenham como princípio as
mudanças sugeridas pela reforma psiquiátrica. Os usuários dos serviços sentem-se cuidados, se
afeiçoam aos profissionais, adquirem alimento e atenção, tratam os profissionais como amigos
ou familiares. A família, por muitas vezes, atribuem a responsabilidade de cuidar aos profissionais,
visto que, mostram-se sobrecarregados e dizem se sentir agradecidos com os serviços oferecidos.
Dessa forma, o campo da saúde mental é polissêmico e aqui se abre para nos fazer pensar
sobre como estão sendo efetivadas as ações de cuidado nos serviços, como estes são percebidos
por aqueles que fazem uso e, principalmente, como essa ação de cuidar é atuada e continuada
na vida dos usuários. Assim sendo, pretende-se traçar essas respostas por meio da leitura de
periódicos, trabalhos científicos, livros e publicações especializadas na área da saúde mental com
a finalidade de situar historicamente os cuidados/modos de tratamento ofertados a loucura e os
possíveis desdobramentos que estes acionam na vida dos usuários dos serviços de saúde mental,
ou seja, qual o efeito dos cuidados quando esses se orientam por um viés biomédico ou pela
abordagem psicossocial.

Loucura, Formas e Reformas

A loucura teve em seu trato investimentos de condutas e orientações que puderam ser
percebidas no decorrer da história. Hipócrates por volta dos séculos VII e VI antes de Cristo dá a
primeira definição de loucura, quando considerava um desequilíbrio dos humores com excesso
de calor, frio e umidade o que causava esse mal. Séculos se passam e o homem medieval está
sobre o poder da igreja e do misticismo, pois é na Idade das Trevas que a figura do louco se
assemelha às culpas morais e sociais, quando não são expressões demoníacas tratadas com a
fogueira e o exorcismo. Ganha sentido de doença mental apenas no início do século XVIII no qual
são lançados aos asilos e distanciados do olhar da sociedade e estigmatizados. Philippe Pinel
(1745-1826) é o precursor de mudanças na conduta para com os loucos, retira-os do convívio dos
ladrões e flagelados de toda espécie e norteava o seu tratamento por meio da moral, observando
os aspectos saudáveis presente na mente do doente o que dá ao saber psiquiátrico soberania no
trato da loucura (Boarini, 2006; Couto &Alberti, 2008).
O saber psiquiátrico classificou e enclausurou a loucura, considerando-a como uma
desordem psíquica produzida no organismo. No final do século XIX, a loucura recebe por meio da

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‘interpretação’ psicanalítica, discurso freudiano, aspectos históricos e subjetivos particulares dos
sujeitos rompendo, assim, com o discurso biológico. Porém, a psicofarmacologia e a psicanálise,
apesar da mudança de postura, não a retira das amarras sejam químicas, teóricas ou do poder
da psiquiatria, pois uma conserva o poder médico produzindo verdades e a outra tenta adequar a
produção de verdade ao saber médico (Oliveira&Fortunato, 2007;Couto& Alberti, 2008; Foucault,
1979).
Dessa forma, a medicalização dos sofrimentos psíquicos torna-se o mais proeminente meio
de tratamento na atualidade, já que conquistou força com: a neurociência e as propostas de
diagnóstico do DSM (Manual de Diagnostico e Estatístico de Transtornos Mentais), o que gera a
perda do sentido subjetivo da experiência da loucura/sofrimento e legitima o saber psiquiátrico
como ciência:

Se a psiquiatria clássica, de forma geral, esteve às voltas com fenômenos psíquicos não
codificáveis em termos do funcionamento orgânico, guardando espaço à dimensão
enigmática da subjetividade, a psiquiatria contemporânea promove uma naturalização do
fenômeno humano e uma subordinação do sujeito à bioquímica cerebral, somente regulável
pelo uso dos remédios (Guarido, 2007, p. 154).

Os países industrializados passam por transformações oriundas do período após Segunda


Guerra Mundial permitindo que se irrompesse movimentos sociais e científicos de diversos
campos teóricos como: a análise política de instituições, a teoria da análise institucional, teoria
da constituição subjetiva e elementos advindos dos movimentos de reforma institucionais, por
exemplo, a psiquiatria de setor e psicoterapia institucional (França); antipsiquiatria e comunidade
terapêutica (Inglaterra), saúde mental comunitária (EUA); o movimento antiinstitucinal (Itália)
e a saúde comunitária (Canadá). Todas essas contribuições serviram para se questionar o modo
asilar de tratamento da loucura, ou seja, o modelo tradicional e o seu paradigma (Costa-Rosa,
2000).
Na saúde mental, existem dois campos antagônicos que norteiam as práticas dos
profissionais: o Paradigma Psicossocial e o Paradigma Psiquiátrico Hospitalocêntrico Medicalizador. O
modelo tradicional norteado pelo Paradigma Psiquiátrico Hospitalocêntrico Medicalizador se
baseia no princípio doença-cura, suas ações são centradas na visão biomédica (voltadas para
o orgânico), dividem os níveis de atenção hierarquizando a assistência, são multidisciplinares
(sem acarretar a relação entre as especialidades) e centram suas ações na atuação do médico
com amplo uso da medicação como estratégia primeira de cuidado. Já a saúde mental, tendo
o Paradigma Psicossocial como seu norteador, compreende o processo saúde-doença como
resultante de processos sociais complexos que necessitam de uma abordagem interdisciplinar,
transdisciplinar e intersetorial; construindo uma variedade de dispositivos territoriais de atenção
e de cuidado produtores de saúde e de subjetividades, pois estes são indissociáveis, o que faz com
que a atuação tenha como princípio ético a reflexão e a crítica como atividades fundamentais
sobre as intervenções no cotidiano do serviço (Yasui& Costa-Rosa, 2008).
Portanto, a Reforma Psiquiátrica é um processo complexo que envolve ações politicas e
sociais articuladas por diversos atores, instituições e sujeitos de diferentes origens, implicada em
territórios diversos. É indagada, gerida e pensada nos governos federal, estadual e municipal; nas
universidades, no mercado dos serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações
de usuários do serviço e seus familiares, nos movimentos sociais, no imaginário social e opinião
pública. Ainda é entendida como uma transformação da prática, do saber, nos valores culturais
e sociais das instituições, serviços e na relação cotidiana dentro desses espaços de trabalho na
saúde ou fora dele (Brasil, 2005; Amarante, 2008; Tenório, 2002).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 849


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Dessa forma, é através do Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado de 1989, que no Brasil
se chega à lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira aprovando a Lei n° 10.216, de 6 de abril de 2001,
que “Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental” (Brasil, 2004a, p. 17).
Dá-se início ao processo de desinstitucionalização, retirando dos manicômios a assistência
às pessoas em sofrimento psíquico e implementando serviços substitutivos ao ambiente hospitalar,
principalmente de base comunitária e integrados em rede. Assim surgem os Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), destinados a acolher os pacientes com transtorno mental, estimular sua
integração social e familiar, promover a autonomia e cuidado no seu território. O conceito de
território é constituído principalmente “pelas pessoas que nele habitam” (Brasil, 2004b, p.11). Dá
impulso para a desinstitucionalização, que não pode ser compreendida apenas como a retirada
do louco do hospital, mas uma mudança de paradigma que trata o sujeito em suas peculiaridades
e de forma integrada com os dispositivos territoriais (escola, postos de saúde, igreja e etc.),
visando uma inserção dos usuários nos espaços sociais. É, justamente, no trabalho territorial,
que se possibilitará o convívio social fora da instituição, trabalhando um novo pacto social que
gera encontros entre diversos campos da sociedade interferindo, assim, no processo de exclusão
(Quintas & Amarante, 2008; Brasil, 2004b).
Segundo Cedraz e Dimenstein (2005), a Reforma Psiquiátrica e, portanto, os serviços
substitutivos como: CAPS; Hospital-dia; Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS); Residências
Terapêuticas; Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAMS); dentre outros, se fundamentam
em dois eixos, o da desinstitucionalização e o da reabilitação psicossocial. O primeiro busca
uma desconstrução cotidiana de ideologia e de práticas cristalizadas indo além dos muros
das instituições e o segundo se fundamenta na ideia de que o sujeito portador de sofrimento
psíquico sofreu, devido a seu adoecimento, inúmeras perdas, que devem ser restauradas. As
autoras concluem que a reabilitação objetiva reinsere o indivíduo na sociedade enquanto a
desinstitucionalização preocupa-se em transformá-la. Desse modo, é uma visão ampla e necessita
de constante questionamento sobre as ações.
Para Saraceno (1996) a reabilitação psicossocial deve ser encarada de forma global ao
invés de pautada em técnicas ou tecnologias. Ela tem que ser encarada como uma abordagem
ética do problema da saúde mental, gerando maior poder de contrato social para os indivíduos e
possibilitando as relações nos vários cenários da vida: o do habitat (autonomia na sua morada),
o da rede social (ocupar os espaços da cidade) e o do trabalho com valor social (saindo, por
exemplo, da lógica da simples construção de artesanato para passar o tempo). Dessa forma, a
reabilitação seria um processo de reconstrução do exercício pleno da cidadania.

Consideramos que circular pela cidade, relacionar-se com outras pessoas, apropriar-se de
novos lugares que produzam sentido, realizar escolhas a partir de desejos mutantes, enfim,
afetar-se por novos processos de subjetivação são ações que potencializam os processos de
desinstitucionalização da loucura e, com eles, os objetivos da Reforma Psiquiátrica (Wachs
et al., 2010, p. 908).

Bezerra Jr. (2007) expõe os desafios para a construção do ideário reformista em várias
dimensões como: a assistencial, que deve ser criativa formulando novos modos de cuidado
referentes aos novos dispositivos promovendo serviços personalizados levando em conta os
aspectos culturais, sociais, econômicos do território; a clínica deve se ampliar para incorporar
múltiplas estratégias de intervenção de diferentes saberes; a avaliação dos serviços no que condiz a
atenção ao sofrimento psíquico tem que buscar formas de “estimar subjetivamente, e não apenas
medir objetivamente” (p. 245, grifo do autor); outro desafio é a formação dos profissionais, que

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
na maioria das vezes não acompanham as questões políticas e ideológicas da Reforma. Para
combater esses desafios uma prática que estimule a auto-reflexão é a ferramenta inicial para
impedir a formação de “manicômios mentais”, que acabará por reproduzir modelos hegemônicos
e excludentes de lidar com a loucura.
Pinto e Ferreira (2010) apontam que é preciso estar atento para que as novas práticas
de cuidado estimuladas pela Reforma Psiquiátrica Brasileira não esteja reproduzindo controles
e tutelas provenientes das condutas manicomiais mantenedoras de uma sociedade de controle.
Assim sendo, a reabilitação psicossocial pautada em um discurso ‘técnico psicopatológico’, ou
como menciona Saraceno (1996), voltada para um entretenimento que mantem dentro da cultura
hospitalocêntrica e viabiliza uma exclusão para a inclusão, provoca, desse modo, o que denominam
exclausuração: um sentimento de estar só em meio a muitos, que contem simbolicamente o
louco, já que esse possui o seu corpo controlado nos espaços exteriores da cidade inviabilizando
a cidadania e deixando o louco a seus próprios cuidados (Pinto &Ferreira, 2010).
Precisamente a reabilitação psicossocial é uma nova estratégia de cuidar em saúde.
Segundo Merhy (2006) o cuidado em saúde é um acontecimento e não um ato, pois é na
relação entre um trabalhador de saúde e um usuário de um serviço que ocorrerá um processo
de intersecção partilhada em que uma mútua produção em ato micropolítico acarretará em
uma produção de um no outro, ou seja, uma mudança nas partes relacionais. Assim sendo, o
cuidado é um acontecimento permeado de múltiplas tecnologias: leves-duras (o saber arraigado
do profissional), duras (os materiais concretos) e outra proveniente da relação entre trabalhador-
usuário, a tecnologia leve, só possível no ato da relação. São essas tecnologias leves que darão
vazão para a produção do cuidado, pois é no encontro que o cuidado e as interdições acontecem.
Nas palavras do autor a produção do cuidado é uma:

certa modelagem tecnológica (de saúde) de realizar o encontro entre o usuário e seu mundo
de necessidades como expressão do “seu modo de andar na vida”, e as distintas formas
produtivas (tecnológicas) de capturar e tornar aquele mundo seu objeto de trabalho (Merhy,
2006, p. 75).

Porém, Merhy (2006) percebeu que nesses encontros de cuidado havia múltiplos fatores
acontecendo ao mesmo tempo e que não se excluíam possuindo, assim, acontecimentos
ocorrendo no momento das interdições, o que chamou de autopoiese que é “um acontecer no
outro acontecimento interdição” (p. 77), ou seja, é a produção de vida mesmo em situação de
interdição; é produção contínua dos sentidos para a existência; é um movimento em que o agir
vivo de um ser dispara a produção de vida no outro, esse é o sentido do cuidado: um movimento
que produz possibilidades de vida mesmo meio as interdições.
É no dia a dia que se produz a vida, os encontros e o cuidado. Produtores também de
subjetividade se forjam na alteridade entre os encontros maus e bons, aqueles que podem
mortificar ou potencializar a vida. A subjetividade é uma construção sócio-histórica; é modelada
no social e, portanto, está em constante mobilidade agarrando-se a sentidos, desejos, saberes
e poderes. Torna-se objeto; é comercializada como produto e capitalizada sendo tratada como
coisa. Essa mutabilidade é sua vantagem, pois, nada é natural mesmo a loucura. Buscar uma
compreensão ético-estética-politica para o problema da saúde mental é se colocar no lugar do
louco, é gerar vida e mobilidade, é se por a entender o que gera e interrompe a vida e como esses
movimentos coexistem, é estar sempre alerta aos modos de cuidar e de afetação que eles acarretam;
modificando as formas de viver e sentir essa vida na cotidianidade dos fatos e ações pautadas no
enfrentamento da dominação, infantilização e flagelo para assim ser criativo e gerar sempre e em
contínuo novas maneiras de fruir a vida. (Romagnoli et al., 2009; Machado & Lavrador, 2007).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 851


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Para Amarante (2009), a desinstitucionalização vai para além da reestruturação técnica,
dos serviços e modos de cuidar. Torna-se um processo complexo em que as problemáticas são
móveis, se recolocam, se reencaixam e que novas relações devem ser constantemente construídas
e pensadas em uma reinvenção da clínica; agindo como uma construção de possibilidades, de vida
e subjetividade, atenta para os sujeitos com sofrimento em uma atitude responsável e centrada no
cuidado. Dessa forma, pensar os modos de cuidado em saúde mental é pensar esses contextos de
tensões e transformações.
Por mais que a política de saúde mental esteja consolidada no país, contando com 2.209
CAPS que cobre 86% da população brasileira e tendo em vista ser um CAPS para cada 100.000 (cem
mil) habitantes, temos 4.349 beneficiados com o Programa de Volta Para Casa e existe no país 111
Consultórios na Rua, 1.008 iniciativas de inclusão social por meio do trabalho e um aumento de
1 bilhão em investimento nas políticas de saúde mental e uma maior articulação e fortalecimento
da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Ainda possuímos problemáticas que requerem nossa
atenção como a saúde mental de populações indígenas, de pessoas em vulnerabilidade social e/
ou que fazem uso de crack e outras drogas, a população infantil e adolescente, como se realiza a
atenção na crise e o combate à violência, bem como, ficarmos atentos às atuais mudanças políticas
e governamentais de um país em crise política regido por uma articulação golpista (Brasil, 2015).
Temos que nos ater a tudo isso e, ainda, nos manter vigilantes e atentos a sempre tênue
institucionalização, a burocratização dos novos serviços, a precarização dos vínculos de trabalho
e profissionais gestores ou servidores desarticulados com o ideário reformista. Essas são questões,
em aberto, que necessitam ser discutidas e que só poderá ter uma resolutividade com a fortificação
dos movimentos sociais, responsáveis por tramitar essa problemática pelos diversos âmbitos e
instigar a criação de novos serviços (mesmo que experimentais), para que daí se retire novos
modos de enfrentar a complexidade das demandas da saúde mental (Vasconcelos, 2010).

Os Cuidadores e os seus Cuidados!

Toma-se como perspectiva que o cuidado vai para além de uma ação, é uma forma de agir,
é uma atitude de zelo, atenção, ocupação, responsabilização, preocupação e envolvimento afetivo
com o outro. A palavra cuidado provém da palavra latina cura ou coera, que significa a atitude de
preocupação pela pessoa amada ou objeto de estima. Dessa maneira, vemos que é por meio
do cuidado que a vida humana toma passagem, que as pessoas se sentem amadas, afagadas,
acalentadas, ou seja, se sentem humanas (Boff, 2008a, 2008b).
As novas práticas de cuidar (tecnologias do cuidar, reabilitação psicossocial, atenção
psicossocial) oferecidas pelos serviços de saúde mental, como: visita domiciliar, oficinas
terapêuticas, atividades de lazer e esporte, projeto terapêutico individualizado, acompanhante
terapêutico (uso das áreas sócias da cidade como espaço de intervenção terapêutica) devem estar
articuladas às necessidades dos sujeitos e atentas ao seu cotidiano. Dessa forma, as práticas de
cuidado visam à manutenção do louco na vida social e que esses possam meio às “limitações” que
possuem exercer suas cidadanias e existências, romper com a cultura de que o lugar do louco é no
hospício (Tenório, 2002; Saraceno, 1996).
Logo, percebemos dois objetivos na Reforma Psiquiátrica: o de favorecer a cidadania às
pessoas em sofrimento psíquico e a mudança de atitude da sociedade frente à loucura. Entretanto,
por mais que seja consenso na comunidade cientifica e sociedade em geral que a terapêutica
asilar é ineficiente, ainda é visível que os modos de vida não aceitos pela maioria despertam:
tentações totalitárias, manicômios mentais e pensamentos fascistas em setores importantes da
sociedade como os cuidadores, gestores e civis recaindo em práticas de marginalização e castigo
mesmo sabendo de sua ineficácia (Desviat, 1999; Alverga & Dimenstein, 2006; Dimenstein,
2006). Assim, alguns autores (Golberg, 1996; Oliveira& Fortunato, 2007; Fassheber&Vidal, 2007)

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problematizam essas novas práticas de cuidado, principalmente, no que diz respeito à maneira
como esse paradigma é efetivado no cotidiano.
Nas práticas cotidianas de acordo com Merhy (2004; 2006) o cuidado é produzido, pois
é nos encontros entre o usuário e o profissional (encontros esses repletos de micropolíticas
geradoras de interdições e interseções), em que agrupamentos de sujeitos interagem com outros
agrupamentos, sejam por vontade de cuidar ou de ser cuidado. É no encontro autopoiético que
se sustenta a produção de vida, pois autopoiese é o movimento que produz vida (mesmo frente
às interdições). Ao ressaltar os encontros e o cuidar como um ato de cunho tutelador que pode
estar facilitando nos processos relacionais à produção de vida (ato de cuidar) ou de morte (ato
de interdição). A saúde passa a ser entendida como a capacidade que o encontro desenvolve em
gerar vida, autonomia e redes coletivas de representatividade (movimentos sociais).
Assim sendo, para entender se um dispositivo de saúde implica-se nos modos de cuidar
que mortificam ou produzem vida, é necessário estar imerso no seu cotidiano de forma atenta
para perceber que tipo de cuidado as ações e as formas de se relacionar com os usuários dos
serviços estão se comprometendo, quais são as intenções no ato de cuidar? Assim, o cuidar em
saúde é um responsabilizar-se sobre intervenções tuteladoras que gera autonomia ao ampliar as
possibilidades de vida. Dessa forma, quanto mais autonomia o trabalhador de saúde possuir e
essa for implicada na produção de cuidado facilitador da vida, mais autônomo e autopoiético
será a ação do usuário (Merhy, 2006).
Portanto, devemos ficar atentos para não reproduzirmos esses pensamentos e modos
fascistas, para não nos orientarmos por uma normalidade que aprisiona em uma classificação
patológica, pois produzir cuidado requer uma mudança paradigmática no lidar com as pessoas
em sofrimento psíquico, requer atos de cuidado que envolvam os coletivos de trabalhos e a
mobilização dos afetos. Nessa perspectiva, esses devem ser inventivos e buscar a processualidade
de suas ações; dar maior relevância ao sujeito, sua singularidade, sua história, seu contexto
cultural e o cotidiano de suas vidas. Devem, sobretudo, afetar-se com os acontecimentos, assumir
características sempre diversas, múltiplas e cambiantes da produção de subjetividade, que também
é produção de cuidado e vida, os profissionais devem buscar ser inventivos e inovadores nas suas
ações para que possam oferecer prazer e sentir satisfação com o que fazem (Martines, 2011).
Assim sendo, voltadas para um modo psicossocial de lidar com os usuários que, por sua
vez, promove espaços de intercâmbio entre profissionais e usuários, bem como, produz encontros
entre pessoas. Funciona como um lugar de interlocução e de acesso livre a população. Também
discrimina a queixa da demanda social, com ênfase na integralidade em saúde pautando-se em
ações territoriais, assim, possibilita um maior auxilio nas demandas complexas apresentadas por
cada indivíduo, o que favorece o controle social e autonomia dos grupos e indivíduos (Amarante,
2008; Costa-Rosa, 2000).
Nessa perspectiva, se clarifica o poder criativo, o trabalho vivo e autopoiético, que possibilita
a inventividade, a potência e a criação de possibilidades; que se sustenta por meio de uma relação
nos atos de promoção de saúde, na aproximação das pessoas, no escutar o que se diz, na liberdade
que todo trabalhador possui de gerir o seu trabalho e que pode por vezes ser tratado de forma
burocrática e cheia de normas, ou seja, pautado em relações duras ou, como também pode ser
feito, de forma singular, espontânea, que preze o encontro com o outro, focando suas ações em
possibilitar a alegria e não a tristeza, a vida ao invés do aprisionamento, o devir no lugar da fixidez,
assim sendo atuando via as relações leves (Merhy, 2006; 2004; Franco, 2010). Dessa forma,

um encontro que produz tristeza, reduz a potência vital do sujeito, ele se torna produtor
de morte nele mesmo, é o caso de situações em que o usuário “esquece” de tomar o
medicamento, não se cuida, não procura ajuda. O contrário, se o encontro produz alegria,
ele aumenta a potência vital, é o caso em que o usuário produz vida em si mesmo, fazendo

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 853


NO ONTEXTO BRASILEIRO
auto-cuidado, procurando interagir com o mundo, socializar-se, ser produtivo, enfim, age
no mundo com base em iniciativas de produção de si como sujeito (Franco, 2010, p.5).
Dessa maneira, potente e alegre, inventivo, indo para além das medicações e aproximando-
se por meio das relações, os profissionais de saúde são cuidadores, que devem ser empáticos,
vivenciar a si e aos outros nos encontros que possuem, para assim romper com os preconceitos,
com os vícios, com os trabalhos mortos, com a falta de vida, de amor e de interação.

Considerações Finais

As dificuldades são muitas, os estigmas, as burocracias, os furos e buracos na rede de


atenção psicossocial, mas acredita-se que o começo de uma ação é sempre dado com os primeiros
passos, a mobilização e a implicação, a luta antimanicomial e a desinstitucionalização devem ser
princípios norteadores dos cuidados. Para que, assim, possamos juntar forças com os demais
profissionais, os usuários e suas famílias, os movimentos sociais e as associações e dessa forma o
empoderamento daqueles que sofrem surja ou torne-os no mínimo acolhedores.
Romper com os paradigmas hegemônicos em saúde pautados no modelo biomédico e
ampliar as ações nos territórios de existência e nas comunidades; envolvendo usuários e sociedade
em busca de garantir os direitos de cidadania, a autonomia, sair da clausura e da anormalidade,
para uma política de diversidade e reconhecimento do outro que mesmo com suas singularidades
são seres que sonham, desejam, amam e vivem. Essa é a luta diária dos profissionais em saúde que
se orientam através da abordagem psicossocial e que buscam uma prática de cuidado relacional,
autopoiética, empática, ou seja, humana.
Assim sendo, essa pesquisa mostra que há muito a ser construído e pensado em saúde
mental, principalmente, no campo da relação profissional – usuário, os modelos de atuação
que esses exercem e desenvolvem nos diversos serviços de saúde, a aproximação, envolvimento
e implicação de sociedade civil, movimentos sociais, os usuários dos serviços e seus familiares e
profissionais de saúde com a luta antimanicomial e o que vem sendo construído pelas Redes de
Atenção Psicossocial e as políticas públicas brasileiras no campo da saúde mental, os direitos
humanos e a garantia de direitos. Uma luta constante que merece ser sempre (re)pensada para
se construir uma sociedade mais respeitosa e amorosa para com todos que em sua diversidade a
habita.

Referências

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ATUAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADA PARA
ADOLESCENTES E AS VISÕES INTERACIONISTA E
SÓCIO-HISTÓRICAS
Sara Moreno Costa
Larissa Fonseca Araújo

Introdução

U
ma importante ferramenta de auxilio a população são políticas públicas, e no
contexto atual de crise e redefinições de valores e objetivos, os indivíduos acabam
passando por problemas como a fome, violência, preconceito e tráfico onde o
Estado pode estar intervindo para melhorar a vida dessas pessoas. Entretanto, segundo Freitas
e Ramires (2010) na elaboração e execução das políticas dependem muito da visão dos gestores
para com os que recebem a assistência. Se a adolescência é vista como uma fase difícil, de rebeldia
e forem tidas como da natureza do homem ou se, pelo contrario for compreendido que a juventude
é uma construção social, as intervenções serão muito diferentes em seus métodos e objetivos.
Desta forma, o objetivo desse trabalho é compreender a visão naturalista e sócia histórica na
atuação das políticas pública referente ao adolescente.

Desenvolvimento

O ser humano começa sua interação com o mundo desde o nascimento, ou melhor, desde
a gestação onde o bebê acumula algumas informações, como por exemplo, sons e sabores. O
desenvolvimento humano é tema de diversas discursões ao decorrer da história sendo muitas vezes
estudado dando ênfase em um aspecto em detrimento de outros. A psicologia do desenvolvimento
tem como objetivo estudar as mudanças psicológicas que permeiam o cotidiano das pessoas ao
longo da sua vida desde a seu nascimento até a morte (Palacios, 2007).
A adolescência é caracterizada como um período entre a infância e a fase adulta, e segundo
Coutinho (2009) os adolescentes vivem essa fase como uma espera para entrar no mundo adulto,
nesse período o individuo não tem um lugar especifico na sociedade como um trabalho, família
entre outros, dessa forma o conceito que se cria na cultura ocidental é o adolescente como um
ser que cultiva a individualidade, a liberdade e autonomia. O crescimento tanto físico quanto
cognitivo das crianças levam os pais a perceberam que eles estão em um momento onde segundo
Calligars(2000), se assemelham aos adultos, pela maturação do corpo e pela necessidade de
alcançar felicidade ou satisfação dos prazeres, que deixam de ser em brinquedos e historias para
desejos sexuais e por dinheiro.
Há, portanto, duas concepções que permeia o estudo da adolescência, uma visa essa fase
como algo natural do desenvolvimento e dessa forma, contendo um caráter universal e abstrato.
Segundo Bock (2007), a visão naturalista ver o homem como formando por uma natureza

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 857


NO ONTEXTO BRASILEIRO
proveniente da espécie que se desenvolve e cresce de acordo com as características que já tinha,
pois são naturais do individuo. Sendo assim, a adolescência é caracterizada pela decorrência do
amadurecer, ou seja, homônimos são liberados na circulação sanguínea e a sexualidade genital
que resultam no surgimento de sintomatologia da adolescência normal.
Dessa forma, é vinculado ao inicio da adolescência o período da puberdade que nada mais
é do que a maturação filogenética predeterminada do aparelho reprodutor. Entretanto, o ser
humano desde que nasceu estar envolvido em algum contexto social e histórico que por sua
vez atravessam o desenvolvimento individual, essa concepção é estudado pela perspectiva sócia
histórica que conforme Bock (2004), dar ênfase na ideia de “como se constitui esse período do
desenvolvimento” em vez de perguntar “o que é adolescência”. Dessa forma, a adolescência é
vista como uma construção social que influencia a constituição subjetiva e o desenvolvimento do
individuo moderno.
Portanto, o diferencial das duas concepções de individuo é o que influencia a construção da
identidade do adolescente e sua importância, pois para a visão naturalista o ser humano é fruto
de um desenvolver biológico que tem como finalidade a chegada ao mundo do adulto isso, ainda
conforme Bock (2014) acaba desvalorizando a fase da adolescência, pois a visão naturizadora toma
como proposito o status da vida adulta, em detrimento das outras fases. Já em uma orientação
sócia histórica o jovem é visto como um ser que possui inúmeras característica que comtemplam o
conceito de adolescência, não somente a puberdade, e até mesmo isso possuem uma significância
diferenciada, ainda segundo a mesma autora, as marcas corporais tem significados no contexto
social, não podendo ser colocadas na ideia de adolescência em si, assim o jovens não se forma de
maneira natural.
A compreensão que abarca todos os aspectos envolvidos promove uma reflexão mais realista
da situação do adolescente na sociedade, principalmente no que se refere à assistência promovida
por terceiros a esse publico. As políticas públicas sofrem grandes influencias dessas concepções
divergentes de juventude. O objetivo das políticas publicas segundo, Freitas e Ramires (2010), é
entender e propor soluções a problemas específicos vivenciados pela população de um determinado
espaço, sendo de responsabilidade do setor publico elaborar e colocar em prática essas politicas,
importante ressaltar que a implementação pode ser feita por organizações voluntarias sem fins
lucrativos e organizações não governamentais.

Conclusão

Sendo assim, as políticas direcionadas a adolescentes que contem uma perceptiva naturalista
deixa de contemplar uma ideia mais critica em relação à sociedade, voltando ao que defende Bock
(2007), esse olhar natural da adolescência tende a responsabilizar o próprio adolescente e seus
pais pelos problemas que permeiam a vida social dos jovens como a violência e o uso de drogas.
Portanto, a visão naturalista promove o encobrimento das determinações sociais, que impossibilita
a produção de uma política pública mais apropriado para inserção dos jovens na sociedade como
parceiros sociais com suas próprias virtudes e desejos (Bock, 2014). Já nas concepções sócio
históricas o individuo é visto dentro de uma serie de fatores que contribui para o estado que ele
se encontra, assim, esta visão tem muito a contribuir para a criação de políticas para atender esse
publico que além de passar por várias mudanças fisiológica, igualmente enfrentam problemas
sócias e especifica de cada momento histórico.

858  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 859


NO ONTEXTO BRASILEIRO
(SUS)TENTANDO UMA HISTÓRIA
Wagner Sousa
Williana Nunes de Moraes Louzada

Introdução

A
Experiência de um Sistema Único de Saúde no Brasil (SUS) acumula seus mais de
vinte e cinco anos com avanços históricos, consolidações marcantes e desafios
singulares a seu próprio processo de constituição. Passadas mais de duas décadas,
o SUS se apresenta como o maior sistema público de saúde do mundo, garantindo acesso a mais
de 145 milhões de usuários nos atendimentos básicos, de média e alta complexidade, para todos
e qualquer um.
Nem sempre foi assim. Antes do advento do SUS os cálculos sanitários costumavam dividir os
brasileiros em basicamente três tipos: os que possuíam recursos próprios para manter assistência
privada, os que acessavam o direito à assistência médico-previdenciária no momento em que
conseguiam um trabalho com carteira assinada, e uma terceira parcela (de maior contingente) que
não possuía nenhum tipo de cobertura assistencial, tendo de recorrer aos tradicionais boticários,
à filantropia ou à caridade das casas de saúde.
O sistema que hoje é responsável por uma cobertura de proporções continentais emerge
na carta constitucional de 1988 como cláusula pétrea e irrevogável. Resultado de um movimento
social que foi se aglutinando ao longo das décadas anteriores e chega na VIII Conferência Nacional
de Saúde (1986) com o nome de Reforma Sanitária. A luta, no entanto, estava apenas começando.
Após a promulgação da carta constitucional seria preciso tecer todo processo de transição.
Era necessário abrir passagem para dar condições de efetuação a um sistema de saúde ainda
inédito no país. Descentralizar o sistema das mãos do antigo Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social (INAMPS), dando poderes de gestão plena aos entes federativos
(estados, municípios e união), efetivar a participação popular no processo, equacionar as formas
de financiamento, construir leis infraconstitucionais para operacionalização do sistema.

A primeira grande missão era tirar do papel uma lei explicativa do SUS constitucional, para
que ele oficialmente pudesse começar a funcionar, pois ainda vivíamos com o preceito do
SUS, mas com as regras e práticas do SUDS. Foi a fórceps que conseguimos ter uma redação
comum construída a muitas mãos. Quem disser que escreveu a Lei 8080 está no mínimo
faltando com a verdade. Fomos vários os escritores: uns com idéias, outros com críticas
e outros escrevendo a síntese da idéias. Foi uma construção coletiva que culminou com o
projeto da lei 8080, que teve como eixo as propostas do Movimento Municipalista de Saúde
da década de 70, da Reforma Sanitária e das deliberações da VIII Conferência Nacional de
Saúde da década de 80. (Carvalho, 2011)

860  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Em espírito coletivo foram redigidas proposições para a lei 8080 (1988-1990). A famosa lei
orgânica da saúde tecia, artigo por artigo, as bases de sustentação do sistema. A aprovação do
texto legal caminharia os passos dos acordos e da sabatina político-partidária no congresso para,
num segundo momento, receber sanção presidencial.
O final dos anos 80 vem, no entanto, com uma forte demanda de expurgar os gastos da
máquina do Estado. Efeito de todo um período de retenção econômica. O início desta década
nasce com a ressaca econômica e financeira de um governo militar em ruínas. O milagre econômico
chegava ao fim escancarando seus efeitos: achatamento das políticas sociais e recessão financeira.
Em meio ao desgaste econômico, havia toda uma tensão instituinte para promover o
processo de democratização, remontar valores, princípios e diretrizes gerais do país em uma
Constituição Federal. Inflações altas e estoque de alimentos convivem lado a lado com bandeiras
de movimentos sociais, MST, índios no planalto, Diretas Já. Como equilibrar as contas públicas e
garantir os direitos sociais alinhavados e construídos durante este período?
As conversas sobre Estado mínimo começavam a cair como luva no final deste período.
Início do governo Collor. Enfim, desembarcara no Brasil as releituras do liberalismo clássico,
um neoliberalismo propagandeado durante os anos anteriores na imagem de um presidente
carismático (Ronald Reagan), uma dama de ferro (Margareth Thatcher) e difundido como modelo
econômico pelos organismos multilaterais (FMI, Banco Mundial).
Em terras sub-equatorianas, o Chile econômico de Pinochet (não mais o político) era o
grande exemplo de que a América Latina também podia dar certo. Estado mínimo, corte de
gastos públicos, contenção e achatamento das proteções sociais. A onda neoliberal se energizava
no cenário nacional brasileiro como solução para o caos econômico que atravessaria os anos 80
de ponta a ponta. Poderia o SUS caber neste pacote?
Sob a alegação de que era preciso dar um ipponna inflação e conter os gastos, a lei orgânica
da saúde recebe veto presidencial nos artigos referentes ao financiamento e participação popular.
Mesmo previsto em texto constitucional, estes pontos persistiam como tensão instituinte
entre o movimento de reforma sanitária e a onda que paralisara os projetos sociais alegando
enxugamento dos gastos da máquina de Estado. Dar ipponnainflação significaria golpear a saúde
e seu financiamento?
Uma oposição se montara, paralisando o andamento e aprovação da lei orgânica. Redatores
do projeto de lei (congressistas e sanitaristas) não aceitavam o veto determinado pelo presidente
Collor. Este, por sua vez, não cedia. Uma indefinição se arrastava pelas velhas gavetas burocráticas
da nova democracia.
Em tempos onde os textos constitucionais eram, por vezes, esquecidos em nome de golpes
de artes marciais, seria preciso ter uma “ousadia para cumprir e fazer cumprir a lei”. Este foi o
lema puxado pelo movimento da reforma sanitária para manter aquecida a força instituinte que
tornou possível o texto da saúde na cláusula constitucional. Era preciso inventar estratégias de
negociação, dialogar, ceder quando necessário.
Inicialmente sem tópicos de financiamento e de participação social, fora carimbada,
promulgada e publicada a primeira lei de operacionalização do novo sistema, a lei orgânica. Houve
todo um manejo político para convencer tanto o presidente quanto o movimento reformista que
os tópicos subtraídos poderiam ser legislados mais à frente. Meses depois, outro texto legaliza os
itens inicialmente subtraídos (Lei 8142/90).
O desafio, a partir de então, seria abrir frentes que incidissem sobre as forças de conservação
que persistiam na manutenção das velhas práticas. Era necessário abrir frestas em meio à robustez
do INAMPS. Não seria uma simples troca de letras, outro sistema de siglas. O instituto que
centralizara toda a política de assistência médico-hospitalar nos anos 80 e cuja extinção jáhavia
sido prevista, atravessara os primeiros anos da década de 90 com a força de imprimir o seu timbre
nas Normas Operacionais Básicas (NOBs) de saúde da época.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 861


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Assim, foram publicadas as NOBs 91 e 92 contrariando todo texto constitucional e as
legislações em vigor à época, centralizando decisões e recursos, reduzindo entes federados a
prestadores de serviço, tabelando os pagamentos por produção de execução das atividades, não
realizando o repasse financeiro direto e automático como pactuado e preconizado pelos textos
legais.

Desenvolvimento

Fortalecendo o novo Sistema

A descentralização do sistema havia sido colocada à prova. Era necessário converter a


indignação e perplexidade das declarações à época em frentes de infiltração e negociação com o
INAMPS, pactuando com os burocratas da máquina administrativa o processo de transição e a
efetuação das leis recém-homologadas.
Aos poucos, as forças de conservação se enfraqueciam. Montavam-se “grupos especiais de
descentralização” e em meio a eles, teciam-se ferramentas com intuito de avançar na concretização
do sistema. É lançado o documento: “Descentralização das ações e serviços de saúde – A ousadia
de cumprir e fazer cumprir a lei” como um anexo do texto maior, a NOB/93. Esta se torna a norma
que marca a virada das lutas políticas do período ao romper com as diretrizes centralizadoras
adotadas até então pelas políticas de saúde. Os primeiros sinais de mudança figuravam neste
cenário.
Extinguir o INAMPS fora o fechamento deste momento. Era julho de 1993, inverno no Rio de
Janeiro. Era o dia em que os jornais apresentavam a extinção do INAMPS como ato de coragem.
Um ciclo se fechara. Os desafios para a constituição do novo sistema mais uma vez ganhavam
modulação.
Os meados da década 90 iam pouco a pouco remontando as engrenagens políticas.
Fernando Henrique Cardoso assume com a presidência da república (1995) a proposta de edificar
um governo forte de bases neoliberais. Finalmente parecia que a inflação havia dado trégua. A
moeda ganhava certa estabilização. Seria este um momento político favorável ao SUS?
De todo modo era um momento emblemático em que incidia uma tensão instituinte onde
havia forças políticas ativas em prol da consolidação do SUS (sobretudo após a publicação da
NOB-93) e vetores que propagavam as ideias de um Estado enxuto, um corte de gastos (Sem
golpes de artes marciais, com força refinada).
Jogamos luz sobre dois efeitos desta tensão, entendidos por nós como desafios próprios do
avanço das lutas políticas. Questões que ganhavam prioridade para o enfrentamento da política
sanitária do SUS em meados da década de 90:

A regulamentação do financiamento à saúde

É neste período que o sistema chega ao auge do seu contraponto: o acesso vai gradativamente
se ampliando ao passo que o financiamento mínimo, tradicionalmente garantido para a
manutenção do sistema, é retirado. O setor perde os 30 % de recursos repassados durante décadas
pela previdência social, no ano de 1994. A alegação era a de que não havia mais condições de
sustentar este repasse para a saúde.
Medidas e tributos provisórios vão determinando o montante de recursos para a saúde, sem
haver regulamentação de um mínimo que viabilizasse o funcionamento do setor. Em 1996 é criada
a CPMF como recurso emergencial, que é mais uma vez desviado para conter o caos da crise
econômica de 1997. As crises da Ásia (1997), da Rússia (1998) e a desvalorização do real (1999)

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não abriam brecha para discussão de financiamento da saúde, que esperaria a virada do século
para que se tomasse alguma decisão.

A baixa articulação dos sistemas de media e alta complexidade, em sua maioria prestadores de
serviço, com as demais redes de saúde

Herança dos acordos para aprovação do texto constitucional, a iniciativa privada faria parte
do SUS como uma rede suplementar. Onde o sistema público não tivesse capacidade técnica ou
infraestrutura para oferecer serviços de saúde, havia a opção de recorrer a prestadores privados
na modalidade de compra de serviços.
Desde o advento do SUS, cerca de 75 % dos serviços de média e alta complexidade são
realizados por unidades privadas (Oliveira, 2011). Uma consequência deste ofertamento do
cuidado na rede SUS é que há uma baixa articulação entre a prestação de serviços destas entidades
privadas e o restante da rede SUS. Há um comprometimento claro do Sistema, uma vez que sua
lógica é operar um funcionamento em rede (Mattos, 2009).
Muito do esforço do funcionamento em rede e da integração dos Serviços de saúde se
perdem neste nó. Questõesenfrentadaspela NOB 93, vão se perdendo por brechas. Frente a
necessária articulação com a iniciativaprivada, imposta pela diretriz neoliberal, justificada como
alternative financeira aos limites de gastos, a prestação de serviçosentrasemcompromisso com as
novas diretrizes e sequer com a lógica de funcionamento preconizada nas unidades hospitalares.
Da miríade de desafios que se abrem ao SUS neste período, encontramos seu ponto de
convergência na discussão de financiamento à saúde. As crises econômicas de 97 (Ásia), 98
(Rússia) e 99 (desvalorização do real), como referimos acima, não oferecem espaço para este tipo
de discussão.
Unidades de excelência em saúde passam por processos de sucateamento. O sistema
atingindo o cume de todo processo de fragilização, pouco consegue criar alternativas para
enfrentar os discursos privatizantes que ganhavam força à época. Era das grandes privatizações
realizadas em lotes fechados. Estava no auge o que alguns teóricos denominaram contra-reforma
do Estado neoliberal, na área da saúde. A reforma da reforma sanitária. (Campos, 2007)
O projeto sanitário do SUS entra nos anos dois mil como um consenso vazio: todos acham
necessário, mas pouco se consegue no que diz respeito a inventar arranjos metodológico-
conceituais que ampliem a capacidade de resposta aos desafios ora colocados.
A virada de século, no entanto, consegue virar também a ideia de crise. Outros significados
vão sendo engendrados, sobretudo após os acontecimentos que ficaram conhecidos como as
batalhas de Seattle.
Planejada para os momentos finais do século XX, a rodada do milênio (reunião capitaneada
pela Organização Mundial do Comércio) é surpreendida por uma multidão de pessoas que
começam a brotar pelas ruas de Seattle. Milhares de pessoas (ecologistas, humanistas, pacifistas,
sindicalistas, anarquistas e trabalhadores), aparentemente sem ter um comando central,
aglutinam-se numa força que surpreende os próprios manifestantes. De repente, as tartarugas
dos ambientalistas atravessam placas de protesto da federação sindical americana (AFL-CIO) e
todos se perguntam de onde vem tanta gente? Era a primeira grande manifestação organizada
com a ajuda da internet.
Os descontentamentos ante os altos índices de desemprego (inclusive nos países
desenvolvidos), os aumentos nos preços de bens consumíveis e os achatamentos das proteções
sociais (saúde, previdência, seguridade) começavam a fazer pressão num movimento claro de
recusa ao mote ‘neo-tradicional’ de contenção dos gastos sociais. Não era apenas um fenômeno
local. Frentes de resistência reverberavam-se em escala mundial.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 863


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Com a expressão “não suportamos mais o que suportávamos antes” e “um outro mundo
é possível”, Seattle emerge em novas expressões de resistência (Lazzarato, 2006). Diferentes
categorias em múltiplas perspectivas se aglutinam em torno de um interesse específico: buscar
alternativas de resistência ante os desdobramentos negativos da globalização neoliberal e do livre
comércio mundial.
É o movimento de altermundialização, expressão alternativa mundial de enfrentamento
aos movimentos propugnados pelo neoliberalismo. Uma emulação à busca de terminologias
metodológico-conceituais, modalidades de interferência diferentes das tradicionais (e agora
pouco potentes) lutas de classe e tomadas de poder. No alvorecer do novo milênio, um outro
mundo “torna-se” possível.
A marcação desta dupla virada, do milênio e dos modos de resistência, abre espaço para
um movimento que gradativamente vai se energizando para torcer a sensação cristalizada de
esgotamento do projeto sanitário do SUS.
No Brasil a criação de possíveis emula seus primeiros sinais, numa aposta de composição
singular com os movimentos sociais para construção de políticas públicas que acompanhassem
uma nova maneira na “distribuição de desejos no mundo”, novas sensibilidades, jeitos diferentes
de se relacionar com o mundo, tempo, trabalho, comunicação. Na esteira deste novo arranjo
relacional foram criadas a Política Nacional de Saúde Mental (2001), Política Nacional de
Humanização (2003), a Política Nacional para Atenção Integral aos Usuários de Álcool e Outras
Drogas (2003), Política Nacional de Promoção da Saúde (2005), Política Nacional da Atenção
Básica (2006), entre outras. Um outro SUS vê-se possível.
Um dos movimentos marcantes desta virada é a XI Conferência Nacional de Saúde (CNS)
realizada em dezembro do ano 2000. Esta tece ao seu final um documento de 335 páginas
(Caderno da XI CNS) traçando uma análise profícua da experiência do SUS da última década.
Constata avanços importantes, analisa os efeitos negativos da onda neoliberal e atualiza os
desafios do sistema.
Uma indicação importante sai ao final deste documento: Era necessário humanizar a saúde,
conferir resolutividade ao sistema, qualificar o acesso e ainda, acelerar a tramitação da PEC 29
(proposta que versava sobre o financiamento da saúde).
Como transbordamento desta conferência, 2001 fervilha em movimentos embrionários em
prol da emulação de apostas para o SUS: é aprovada a emenda constitucional 29 (que garante o
mínimo para financiamento da saúde); são lançados alguns projetos para ampliação do acesso/
qualificação do cuidado e programas para humanização das assistências hospitalares.
O ano de 2003 é marcado pela mudança de governo. Reconfiguram-se as engrenagens
políticas, desta vez com máquinas diferentes, entre elas tornos mecânicos. Emerge a Política
Nacional de Humanização (PNH) modulando as proposições gestadas na XI CNS buscando
produzir um sentido para o tema que equivocasse seus assentos na fragmentação das práticas,
em lógicas caritativas, filantrópicas ou de boa ajuda aos necessitados.
A PNH emerge então como uma aposta que afirma sua força no questionamento do que
Benevides e Passos (2005) apontaram como conceito-sintoma, ou seja, práticas instituídas,
slogans esvaziados que perderam a potência de alteração das ações de cuidado e gestão em saúde.
Uma recusa ao abstracionismo do conceito que paralisa, que o captura a lógicas reprodutoras de
sentidos já dados, à naturalização das práticas. Uma política que refrata o caráter fragmentado
de iniciativas programáticas (fragmentação que confere pouca resolutividade ao sistema) e se
lança num comprometimento com processos efetivos de transformação de realidade.
Não de fora do SUS, mas por dentro. Sem trazer modelos a priori a PNH promove uma
cartografia de práticas de um SUS que já vinha dando certo pelos quatro cantos do Brasil
(mesmo que não evidenciados). As 544 experiências validadas e as 16 selecionadas pelo prêmio

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
HumanizaSUS David Capistrano em 2004 (Mori & Oliveira, 2009) traziam a visibilidade necessária
para isto. Era por dentro que a PNH encontrava a força de contestação ante a sensação cristalizada
de esgotamento do projeto sanitário do SUS. Contestar o esgotamento do sistema pela força
instituinte no próprio sistema.
Entre acolhimento, vivência rural, gestão participativa e descentralizada, farmácia da
família e experiência do método Canguru a Humanização ia dando seus primeiros passos para
se afirmar como um conceito-experiência, refratando os lugares instituídos e programáticos que
lhe conferiam (tema da moda) e se posicionando na sustentação e incitação de movimentos de
experimentação nas práticas de saúde. Movimentos que traziam a força necessária para criação
de modos de gerir e cuidar mais comprometidos com o vívido da vida.
Primeiros passos na experimentação da Humanização como uma política que foi se
desenhando por meio de pistas. Um hodos-metá. Um caminhar que traça nos percursos suas metas,
vai disparando movimentos por meio de dispositivos (sempre provisórios) e traçando os percursos
através de diretrizes (pistas que indicam a direção para o que está em movimento). Não é uma
caminhada solta, abstrata ou perdida. É uma caminhada com outro rigor, que se abre à escuta
dos acontecimentos, que se afirma na potência de criação (no entre às possibilidades dadas).
É a partir de um duplo desafio (conceitual e metodológico) que a PNH vai se afirmando
como uma aposta política para efetuação dos princípios do SUS. Denominamos aqui este “jeito de
fazer” como uma arma metodológica para enfrentamento dos desafios que vínhamos pontuando.
Criação de modos de fazer que como apontam (Barros; Herckert; &Passos, 2009):

Tem afirmado sua força traduzida em diferentes dimensões: de reposicionamento de sujeitos


na perspectiva de seu protagonismo, autonomia e corresponsabilidade; da potência do
coletivo, da importância da construção de redes de cuidados compartilhados, em contraste
com o mundo contemporâneo caracterizado pelo individualismo e pela competição que
transforma a agonística do campo social em antagonismos. A força da PNH vem então
apontar para o compromisso com uma posição ético-estético-política no campo da saúde.
Ética porque implica mudança de atitude dos usuários dos gestores e trabalhadores da
saúde, de forma a comprometê-los como responsáveis pela qualidade das ações e serviços
gerados; estética por se tratar do processo de produção/criação da saúde e de subjetividades
autônomas e protagonistas; política porque diz respeito à organização social e institucional
das práticas de atenção e gestão na rede SUS. (Barros et al,2009)

Experimentação de um não-especialismo, uma não fragmentação (de área, de gênero ou de


níveis de atenção) que, portanto atravessa ações e serviços em saúde num movimento tríplice de
inclusão: dos atores envolvidos (gestores, trabalhadores e usuários); dos analisadores sociais como
matéria de trabalho (crises nos modelos de saúde e nos processos de trabalho) e dos movimentos
sociais como índice de abertura aos movimentos instituintes, produção de novas sensibilidades.
Encontra sua força-inversão na suspensão do metro-padrão de um humano-certo, humano-
moda, para se encontrar na diferença: deflagrar movimentos de experimentação nas práticas de
saúde. Propagação da centelha lançada em meio às análises da XI CNS, que Benevides e Passos
(2005) nomeiam como “um catalisador dos movimentos instituintes que insistem no SUS”.
Arma metodológica que vem desde o ano de 2003 combatendo sensações cristalizadas de
esgotamento do projeto sanitário do SUS encontrando a força vívida e constituinte da saúde
no próprio SUS que dá certo, na experiência concreta. Aposta contra-hegemônica aos processos
de sucateamento da vida, de precarização do trabalho, de enfrentamento às práticas de tutela
dos trabalhadores e usuários, afirmando o direito de uma vida que difere e fabrica um comum.
(Barros et al, 2009).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 865


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Seguimos apostando, contagiados pelo que emerge em nosso kit de viagem como uma arma
metodológica para enfrentamento dos desafios atualizados do SUS.

Conclusão

O SUS se estrutura em meio a esta história e segue nos dias atuais enfrentando os diversos
momentos e crises políticas, e hoje vive uma realidade ainda mais grave, com o recente congelamento
de gastos por 20 anos, aprovado no congresso, a PEC 241.
Apostamos que os enfrentamentos do SUS e embates, principalmente com governos
neoliberais, se fazem por se tratar de um projeto que excede o campo da saúde, propõe uma
alteração social importante quando emplaca com princípios de equidade, universalidade e
integralidade.
Certamente que as políticascomplementares, como a PNH, vêm a partir de diagnósticos e
apresentam-se como enfrentamento às dificuldades que estão par além do financiamento, trata-
se de enfrentar uma lógica hegemônica e alterar modos de vida e visões de mundo. Alterar o
paradigma da saúde.
A invenção de metodologias e criação de políticas para efetivar as propostas do SUS se
fazem fundamentais, mas sempre ressaltando que para um ideal de sociedade e modelo de
saúde integral, equânime e universal, não pensamos em um “chegarlá”. Estamos certos de que
esse percurso é o que nos vale, visto que o fim desse percurso será uma institucionalização de
práticas que imediatamente já precisarão ser revistas à luz processo que a fez, produzindo logo
um desmontar de feitos e um refazer. Sempre em movimento, pois é este que garante a força do
caminho.
Vivemos um momento delicado, de deliberados retrocessos nessa história, vide recentes
declarações do atual ministro da saúde, queapoiaplanos de saúde populares, tem se reunido com
empresários de planos de saúde, recentealteração na política nacional de atenção básica (PNAB),
que é a base consistente do SUS, sua maior aposta na descentralização e implementação de uma
lógica territorial. Mas seguimos acompanhando os movimentos e fazendo nossa luta, apoiados
ou não em leis, trazendo à memória que essa história se fez para aquém e além das leis e certos
de que perseguimos um constant movimentar-se na direção de que uma outra sociedade, outros
modos de vida são possíveis.

Referências

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Saúde (SUS) em debate. In: Interface: Comunicação, Saúde e Educação. São Paulo, v.13. p 493-502.

Benevides, R., Passos, E. (2005). A Humanização como Dimensão Pública das Políticas de Saúde. Ciência
& Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.10, n. 3, p.561-571.

Campos, G. W. S. (2007). O SUS entre a tradição dos Sistemas Nacionais e o modo liberal-privado para
organizar o cuidado à saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, p. 1865-1874.

Lazzarato, M. As Revoluções do Capitalismo. (2006). Rio de Janeiro. Civilização Brasi-


leira.

Massaro, A., Barros, F., Pessatti., M. (2004). Cartilha HumanizaSUS: Ambiência. Brasília: Ministério
da Saúde.

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ato. In: Interface: Comunicação, Saúde e Educação. São Paulo, v.13. p. 627-640. Fundação Uni/
UNESP.

Mattos, R. (2009). Princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e a humanização das


práticas de saúde. In: Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 13, n. 1, p. 771-780.

Oliveira, G. (2011). Devir apoiador: uma cartografia da função apoio. Campinas: SP.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 867


NO ONTEXTO BRASILEIRO
PARTE 3
EIXOS TEMÁTICOS:
• AVALIAÇÃO: MÉTODO E MEDIDAS EM
PSICOLOGIA, BASES BIOLÓGICAS DO
COMPORTAMENTO E NEUROPSICOLOGIA
• FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA, HISTÓRIA E
EPISTEMOLOGIA DA PSICOLOGIA
• PSICOLOGIA JURÍDICA, PSICOLOGIA DO ESPORTE
E PSICOLOGIA AMBIENTAL
• PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E COGNIÇÃO,
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E
PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
EIXO TEMÁTICO

AVALIAÇÃO: MÉTODO E
MEDIDAS EM PSICOLOGIA,
BASES BIOLÓGICAS
DO COMPORTAMENTO
NEUROPSICOLOGIA
TEORIA FUNCIONALISTA DOS VALORES HUMANOS:
TESTANDO A HIPÓTESE DE CONTEÚDO EM UMA
AMOSTRA DE CRIANÇAS
Thaís Coutinho Souza
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Glysa de Oliveira Meneses
Ernandes Barbosa Gomes
Emerson Diógenes de Medeiros
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros

Introdução

A
tualmente, os valores humanos são considerados um dos principais aspectos do
desenvolvimento bem-sucedido das sociedades, que são transmitidos de uma
geração para a outra, sendo fundamentais para a sobrevivência e manutenção
destas (Inglehart, 1977). Dessa forma, entende-se que os mesmos se desenvolvem nos períodos
iniciais da vida, transformando-se, posteriormente, em características individuais relativamente
estáveis, consideradas importantes para explicação de construtos, tais como comportamentos,
atitudes e outros atributos psicológicos. Apesar de sua importância, o seu processo de elaboração
durante a infância ainda é pouco estudado (Cieciuch, Davidov, & Algesheimer, 2015).
Visando superar essa deficiência, alguns pesquisadores têm se dedicado a realizar estudos
com a tematica, principalmente referentes a em socialização em valores (Grusec & Davidof, 2010),
uma vez que a socialização enfatiza a ideia de aprendizagem, que envolve um processo continuo
(Medeiros, Soares, & Vione, 2016). Tais estudo têm englobado diferentes agentes, a exemplo da
família, onde as crianças estabelecem as primeiras trocas na constituição de suas crenças, práticas
e, consequentemente, os seus valores por intermédio da cultura, focando-se, principalmente, na
estrutura familiar (Knafo, 2003). Nessa direção, as pesquisas têm buscado analisar as prioridades
valorativas de crianças e adolescentes, a partir da compreensão dos relacionamentos familiares e
do processo de transmissão de valores entre pais e filhos.
Evidencia-se, desse modo, a necessidade e relevância de se estudar os valores humanos nas
fases do desenvolvimento, por reconhecer que esse construto exerce influência no comportamento
nos âmbitos individual e social (Meneses, 2017), principalmente nas fases iniciais da vida,
onde a literatura ainda é escassa, especialmente no que tange à elaboração e/ou adaptação
de instrumentos psicométricos (Soares, 2013). Isso se deve, em parte, ao fato de os estudos
desenvolvidos focalizarem a estrutura familiar para se considerar os valores em crianças e
adolescentes, empregando, de forma geral, medidas elaboradas para adultos, avaliando valores
dos pais (Moraes, Camino, Costa, Camino, & Cruz, 2007). Ademais, ressalta-se a importância
de testar as diferentes propostas das vertentes teóricas existentes sobre os valores humanos, de
modo a contribuir com uma melhor compreensão de tais teorias também na infância.

870  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Nesse sentido, em observância a estas questões, acerca da construção teórica referente à
esse construto ao longo dos anos, especificamente em Psicologia, nota-se que essa temática teve
relevância a partir dos estudos de Rokeach, que propôs tornar esse construto independente de
outros os quais era sempre vinculado, (eg. Comportamentos, atitudes e crenças; Medeiros, 2011).
Fato que impulsionou o estudo, principalmente, por duas vertentes: a) Sociológica (cultural),
como os valores culturais de Hofstede (1980) e os políticos de Inglehart (1977); b) Psicológica
(individual), com os valores instrumentais e terminais de Rokeach (1973), os tipos motivacionais
de Schwartz (1992), além da Teoria Funcional dos Valores Humanos (TFVH) (Gouveia, 2003),
que tem se apresentado mais parcimoniosa e integradora que as anteriores, além de demonstrar
padrões satisfatórios de adequabilidade (Soares, 2013), e servirá de pano de fundo para a presente
pesquisa, sendo detalhada a seguir.
A TFVH apresenta cinco suposições teóricas: 1) natureza benévola humana, valores como
positivos; 2) São princípios-guia individuais, servindo como padrões gerais de orientação para
o comportamento das pessoas, não se restringindo demandas situacionais; 3) Possuem uma
base motivacional; 4) Os valores possuem caráter terminal; e 5) Os valores apresentam condição
perene, sendo os mesmos, modificando-se apenas as prioridades valorativas (Gouveia, 2016).
Dessa maneira, os valores se configuram enquanto critérios de orientação (princípios-guias)
individuais, pautadas nas necessidades humanas, que transcendem situações concretas e, assumem
magnitudes distintas. Assim, os valores são combinados com as experiências de socialização,
funcionando como lentes construídas socialmente, dando sentido ao mundo (Gouveia, 2003).
Segundo Gouveia (2016) a TFVH, concebe os valores por uma perspectiva inovadora, ao ser
a primeira a considerar diretamente as funções atribuídas aos valores. Especificamente, aborda
duas que são consensuais na literatura: a) Tipo de motivador (eixo horizontal), que expressam
cognitivamente as necessidades, por dois tipos: materialistas (vida como fonte de ameaças a
serem superadas) ou idealistas (vida como fonte de oportunidades); e b) Tipo de orientação, que
servem a metas, sociais (foco na comunidade), pessoais (foco intrapessoal) e centrais (propósito
geral de vida), estes últimos sendo congruentes e estruturantes dos demais valores, funcionando
como a espinha dorsal da teoria (Gouveia, 2003).
A interação dos valores ao longo dos eixos permite identificar seis subfunções que são distribuídas de
maneira equitativa nos critérios de orientação social (interativa e normativa), central (suprapessoal e existência)
e pessoal (experimentação e realização), esta estrutura pode ser verificada na Figura 1.

Figura 1. Facetas, dimensões e subfunções dos valores básicos. Adaptada a partir de “Conhecendo os valores na
infância: Evidências psicométricas de uma medida”, de Gouveia, V. V., Milfont, T. L., Soares, A. K. S., Andrade, P.
R., e Leite, I. L., Psico, 42(1), 106-115. Copyright 2011 EDIPUCRS.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 871


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Como verificado na Figura 1, a sobreposição dos eixos funcionais ocasiona a formação de
seis quadrantes, denominados de subfunções valorativas, cada uma com três valores específicos,
que foram sumarizados por Meneses (2017) da seguinte maneira:
Existência. (Orientação social e motivador materialista). Visa garantir as condições básicas
de sobrevivência biológica e psicológica, servindo de referência para a subfunções realização e
normativa, que são os mais importantes na representação do motivador materialista. Agrupa os
valores estabilidade pessoal, saúde e sobrevivência.
Realização. (Orientação materialista e motivador pessoal). As pessoas orientadas por tais
valores são focadas em realizações materiais e buscam praticidade em decisões e comportamentos.
Composto pelos valores êxito, poder e prestígio.
Normativa. (Orientação materialista e social). Tais valores refletem a importância da
preservação da cultura e das normas sociais, enfatizando a vida social, a estabilidade grupal, o
respeito por símbolos e padrões culturais, onde a obediência é priorizada. Seus respectivos valores
são: obediência, religiosidade e tradição.
Suprapessoal. (Orientação central e motivador idealista), correspondendo a necessidade
biológica dos seres humanos por informação, que os conduzem a uma melhor compreensão
e domínio do mundo físico e social. Serve de referência para os valores interacionais e de
experimentação, que são os mais importantes na representação do motivador humanitário. Seus
valores são: beleza, conhecimento e maturidade.
Experimentação. (Motivador idealista e orientação pessoal); contribuem para a promoção
de mudança e inovação na estrutura das organizações sociais. Reúne os valores emoção, prazer e
estimulação.
Interativa. (Motivador idealista e orientação social). Pautam as necessidades de pertença,
amor e afiliação, enquanto estabelecem e mantem as relações interpessoais. Fazem parte dessa
subfunção os valores afetividade, apoio social e convivência.
Em suma, a TFVH, trás a concepção de que os valores não devem ser atribuídos a objetos
ou instituições especificas (e.g. carro, dinheiro, igreja, família), além de considerar apenas os
valores positivos e terminas, sendo coerente com a concepção da natureza benevolente do ser
humano (2003). Assim, tendo em conta que a principal proposta dessa pesquisa é testar uma
fundamental hipótese da Teoria Funcional dos Valores Humanos, compreendendo o conteúdo
relativo aos valores, que será tratada a seguir:

Hipótese de conteúdo

A TFVH considera os valores como um construto latente (variáveis hipotéticas ou não


observadas), admitindo-se que elas sejam descritas por marcadores, que correspondem a valores
específicos (Gouveia, 2016). Segundo Gouveia et al. (2011) a hipótese de conteúdo pressupõe
que as seis subfunções valorativas (modelo hexafatorial) representam uma estrutura fatorial mais
adequada do conjunto de valores, ou seja, a estrutura composta por seis fatores deve apresentar os
melhores indicadores de ajuste quando confrontada com modelos alternativos, que são referentes
ao conjunto de dados empíricos: (1) unifatorial: compreende todos os dezoito itens saturando
em um único fator, originado da desejabilidade social, que está ligada aos valores (Schwartz,
Verkasalo, Antonovsky, & Sagiv, 1997); (2) bifatorial: com a estrutura fatorial sendo distribuída
em dois fatores considerando-se o tipo motivador materialista e idealista (Inglehart, 1977); (3)
trifatorial: os valores são organizados por tipo de orientação, representado por valores sociais,
centrais e pessoais (Rokeach, 1973; Schwartz, 1992); (4) Pentafatorial: originado da junção entre
as subjunções suprapessoal e existência, formando os valores centrais, que são agrupados em
um único fator devido a uma tendência de representarem o mesmo componente motivacional,
indicado pela hierarquia de necessidades de Maslow (Maslow, 1954).

872  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Para além disso, tendo em conta que os valores se formam nos primeiros dez anos de vida
(Porfeli, 2007; Rokeach, 1973), alguns estudos têm sido desenvolvidos no âmbito do modelo
proposto por Gouveia e colaboradores (2003; 2016) utilizando amostras de infantes (Lauer-Leite,
2009). Entre eles, destaca-se o estudo de Gouveia et al., (2011), o qual objetivou reunir evidências
de adequação psicométrica do Questionário dos Valores Básicos, versão infantil (QVB-I), uma vez
que se observa a relevância na identificação dos valores nesta fase de desenvolvimento (Sousa,
Soares, Gouveia, & Lima, 2013), faz-se necessário contar com instrumentos com boas qualidades
métricas para a sua avaliação.
Assim, haja vista os aspectos elencados até aqui, aliado ao fato de que outros modelos
prévios de valores (Inglehart,1977; Schwartz, 1992) não se dedicarem à investigação acerca dos
valores infantis (Andrade, Camino, & Dias, 2008), a presente pesquisa objetiva aumentar o escopo
acerca dos parâmetros psicométricos do Questionário dos Valores Básicos - Infantis (Gouveia et
al., 2011; Soares, 2013; Sousa et al., 2013), ao reunir evidências de validade de construto e sua
precisão, além de testar a hipótese de conteúdo dos valores, segundo o modelo funcional dos
valores (Gouveia, 2003, 2016).

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 201 crianças de escolas públicas (48,8%) e particulares (51,2%)


da cidade de Parnaíba, Piauí, que foram angariados de maneira não-probabilística. Suas idades
variaram entre 9 e 13 anos (M = 11,12; DP = 1,14), em sua maioria meninas (50,2%).

Instrumentos

Questionário de Valores Básicos - Infantil (QVB-I; Gouveia et al., 2011). Composto por 18 itens
(três itens para cada subfunção). Esta medida foi adaptada por Gouveia, Milfont, Soares, Andrade
e Lauer-Leite (2011), considerando aquela elaborada para adultos por Gouveia (2003). Os 18 iten
são distribuídos equitativamente entre as seis subfunções valorativas (experimentação, realização,
suprapessoal, existência, interetiva e normativa), descritas previamente. Assim, a criança
respondente, deve indicar o grau de importância que cada valor tem como principio que norteia
as suas vidas, de acordo com escala de cinco pontos, que são representados por smiles (rostos) de
bonecos e números, que variam de 1 (Nenhuma importância) a 5 (Máxima importância).
Além disso, aplicou-se um questionário de caracterização sóciodemográfica, composto pelas
seguintes perguntas: idade, sexo e grau de escolaridade.

Procedimentos

Inicialmente, realizou-se o contato com as direções das escolas (públicas e particulares), para
a obter da autorização para a realização da pesquisa. Por se tratar de um estudo com menores,
com a prévia autorização dos diretores obtida, posteriormente, buscou-se a autorização dos pais
e responsáveis, por meio do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para que estes
autorizassem a participação das crianças. Após prévia autorização dos pais, por meio da assinatura
do TCLE, bem como do Termo de Assentimento por parte da criança, designado para que as
crianças indicassem que aceitariam participar da pesquisa, procedeu-se a coleta de dados. Que foi
efetivada por pesquisadores previamente treinados, que permaneceram presentes durante todas
as coletas, para que pudessem esclarecer dúvidas e auxiliar os participantes durante a execução da

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 873


NO ONTEXTO BRASILEIRO
coleta, dirimindo eventuais dúvidas e ajudar as crianças que sentissem dificuldades na leitura dos
instrumentos. Durante a coleta de dados, para todos foi enfatizado que a participação não traria
nenhum prejuízo ou bônus ao respondente e que a mesma seria voluntária, com possibilidade de
desistência a qualquer momento da pesquisa; e que os participantes não seriam identificados,
sendo as análises tomadas no conjunto e que somente os pesquisadores diretamente envolvidos
teriam acesso aos dados.
Cabe salientar que todos os procedimentos éticos para pesquisas com seres humanos
foram rigorosamente tomados, dos quais forsm baseados nas Resoluções nº 466/12 e 510/2016
do Conselho Nacional de Saúde. A coleta procedeu-se em ambiente coletivo (sala de aula),
entretanto, ressalta-se que todos os questionários foram respondidos individualmente. Estima-se
que foram necessários proximadamente 10 minutos para que os questionários fossem respondidos
e a participação na pesquisa fosse finalizada..

Análise de dados

Contou-se com os pacotes estatísticos AMOS e SPSS (ambos na versão 21) para realizar
as análises estatísticas dos dados. Com o AMOS realizaram-se análises fatoriais confirmatórias
(AFCs), objetivando checar a validade de construto (Hipótese de Conteúdo dos valores). Com tais
indicadores de ajuste (Marôco, 2014):
(1) χ² (qui-quadrado). Testa a probabilidade de o modelo teórico se ajustar aos dados
empíricos; valendo-se da razão em relação aos graus de liberdade (χ²/g.l.), onde seus valores
devem ficar entre 2 e 3, admitindo-se até 5; (2) Goodness-of-Fit Index (GFI)
(3) Comparative Fit Index (CFI). São indicadores adicionais de ajuste do modelo, admitindo-se
valores idealmente próximos ou superiores a 0,90;
(4) Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA). Considera intervalo de confiança de
90% (IC90%), para este indicador, recomenda-se que os valores fiquem citados próximos ou
inferiores a 0,05; sendo 0,08, admitindo-se até 0,10.
Com SPSS 21 calculou-se estatísticas descritivas (frequência, médias, desvios padrões),
consistência interna (homogeneidade e Alfa de Cronbach). Ainda calculou-se a confiabilidade
composta (CC; Fornell & Larcker, 1981; Marôco, 2014). A confiabilidade composta, quando
comparada, por exemplo, com o alfa de Cronbach (α), tem a vantagem de não pressupor que
os itens sejam tau equivalentes, isto é, tenham iguais pesos fatoriais, nem que os erros de medida
sejam independentes. Portanto, é um indicador adicional de consistência interna dos fatores
(subfunção) avaliado.
Para comparar os modelos alternativos contou-se com os indicadores, a saber: ∆χ²,
CAIC (Consistent Akaike information Criterion) e ECVI (Expected Cross Validation Index). Diferença
estatisticamente significativa do ∆χ², penalizando o modelo com maior χ², e valores < de CAIC e
ECVI sugerem um modelo mais adequado.

Resultados

Buscou-se inicialmente, conhecer a pontuação média das subfunções valorativas, seus


respectivos índices de consistência interna (alfa de Cronbach, α), homogeneidade (correlação
média interitens, rm.i), Confiabilidade Composta (CC). Tais resultados são apresentados na Tabela
1.

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Tabela 1.
Estatísticas descritivas, precisão do construto do QVB-I.
Subfunção M DP α rm.i CC
Experimentação 4,17 (4) 0,78 0,58 0,32 0,58
Realização 3,03 (6) 0,97 0,61 0,34 0,61
Existência 4,57 (1) 0,59 0,56 0,29 0,57
Suprapessoal 4,01 (5) 0,76 0,38 0,17 0,48
Interativa 4,50 (2) 0,62 0,53 0,27 0,54
Normativa 4,25 (3) 0,79 0,56 0,30 0,57
Nota: N= 201, M = média, DP = desvio padrão, α = Alfa de Cronbach, rm.i = Índice de homogeneidade, CC = Confiabilidade
Composta, VME = Variância Média Extraída. Os valores entre parênteses correspondem à ordem de importância das
subfunções.

Hipótese de Conteúdo dos Valores Humanos: Testando modelos alternativos.

A hipótese de conteúdo prediz que os valores específicos, do QVBI se distribuíram (saturariam) em


seis subfunções valorativas correspondentes, contando com três itens por fator (subfunções). Dessa
forma, procederam-se as análises fatoriais confirmatórias (AFC). Inicialmente, foi considerado o
modelo hexafatorial, onde todas as saturações (lambda) foram estatisticamente diferentes de zero
(λ ≠ 0; t > 1,96, p < 0,05), variando de 0,19 (Igualdade) a 0,66 (Estabilidade), com os seguintes
indicadores de ajuste: χ2/ g.l. = 1,95, GFI = 0,88, CFI = 0,83, RMSEA (IC90%) = 0,07 (0,06-0,08),
ECVI = 1,74 e CAIC = 555,68. Os valores das cargas fatoriais estão sumarizados na Tabela 2.

Tabela 2.
Cargas fatoriais da estrutura hexafatorial com suas respectivas saturações.
SUBFUNÇÃO/ VALORES Lambdas (λ) Lambdas (λ)
Subfunção Experimentação ---- Subfunção Existência ----
Emoção 0,53 Estabilidade 0,66
Estimulação 0,63 Saúde 0,47
Prazer 0,53 Sobrevivência 0,53
Subfunção Realização ---- Subfunção Interativa ----
Êxito 0,52 Afetividade 0,59
Poder 0,61 Apoio Social 0,46
Prestígio 0,62 Convivência 0,54
Subfunção Suprapessoal ---- Subfunção Normativa ----
Arte 0,61 Obediência 0,57
Conhecimento 0,63 Religiosidade 0,48
Igualdade 0,19 Tradição 0,61

Ademais, objetivando reunir evidências acerca da hipótese de conteúdo dos valores,


confrontou-se o modelo original hexafatorial com os seguintes modelos alternativos: uni (todos
os valores saturando em um fator) bi (os valores agrupados em idealistas e materialistas) e
tri, (valores divididos em pessoais, centrais e sociais) e penta (modelo oriundo da junção das
subfunções suprapessoal e existência, correspondentes aos valores centrais). Os resultados são
apresentados na Tabela 2.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 875


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Tabela 3.
Indicadores de ajustes dos modelos alternativos.

RMSEA
Fat χ2 DF χ2/gl GFI CFI CAIC ECVI Δχ2 (df)
(IC90%)
0,07
6 234,22 120 1,95 0,88 083 ( 0 , 0 6 - 555,68 1,74 ―
0,08)
0,07
11,25
5 245,47 125 1,96 0,88 0,82 ( 0 , 0 6 - 535,42 1,73
(5)
0,08)
0,08
5 5 , 9
3 290,12 132 2,20 0,86 0,76 ( 0 , 0 7 - 535,95 1,88
(12)*
0,09)
0,09
112 , 6 6
2 346,88 134 2,59 0,82 0,68 ( 0 , 0 8 - 580,10 2,14
(14)*
0,10)
0,09
119 , 2 7
1 353,49 135 2,62 0,82 0,67 (0,08 – 580,41 2,16
(15)*
0,10)
Nota: N = 201. Modelos hexafatorial (original), pentafatorial (subfunções suprapessoal e existência formando uma
única subfunção: valores centrais), trifatorial (valores pessoais, centrais e sociais), bifatorial (valores idealistas e
valores materialistas) e unifatorial (todos os 18 valores saturando em um único fator).

Como pode se observar nesta tabela 3, o modelo original hexafatorial, composto por
seis subfunções (fatores), e o a pentafatorial, apresentam os melhores índices de ajuste. Dessa
forma, os resultados sugerem que não seria absurdo considerar um fator gerado pela junção das
subfunções existência e suprapessoal. Portanto, parece plausível pensar que os 18 valores específicos
do QVB-I podem ser representados adequadamente por seis fatores, corroborando a hipótese de
conteúdo.

Discussão

Objetivou-se verificar a validade de construto do QVB-I, verificando evidências de precisão


da medida. Adicionalmente, testou-se a hipótese de conteúdo dos valores, segundo da TFVH
(Gouveia, 2003; 2016). Estima-se que os objetivos tenham sido alcançados, sendo discutidos na
presente seção.
Referente aos principais achados da pesquisa, os índices de consistência interna e
homogeneidade da medida achados foram promissores, mesmo ficando abaixo do recomendado
(Tabachick & Fidell, 2013), uma vez que foram similares e/ou melhores que em outras pesquisas
com valores que utilizam o QVB, em diferentes amostras, tais como adultos (Gouveia, 2016) ou
com infantes (Gouveia et al., 2011; Soares, 2013).
Considerando o que foi comentado anteriormente, ressalta-se que apesar de a precisão
em alguns fatores (subfunções), apresentar-se abaixo do ponto de corte admitido para pesquisas,
sendo para o alfa de Cronbach considerado 0,50 (Pasquali, 2016) e para a CC valor mínimo de
0,70 (Marôco, 2014), este fato é justificado pela natureza do construto, que tende a ter pouca
variabilidade de respostas entre as pessoas de uma mesma localidade (Gouveia, 2016). Devido a

876  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
isto, buscou-se averiguar a homogeneidade (correlação inter-itens), que é um índice complementar
de confiabilidade, sendo este considerado adequado (0,20; Clark & Watson, 1995).
Quando considerada a hipótese de conteúdo, os resultados corroboram o que prediz a TFVH,
ou seja, que os valores podem ser representados por seis subfunções (seis fatores, cada um com
três valores específicos). Dessa forma, o modelo hexatorial, foi comparado com alternativos:
(1) unitorial, que constitui a questão da desejabilidade social, inerente aos valores (Schwartz,
Verkasalo, Antonovsky, & Sagiv, 1997); (2) bifatorial, composto pelos valores materialistas e
idealistas (Braitwite, Makkai, & Pittelkow, 1996); (3) trifatorial, formados por tipo de orientação,
que podem ser social, central, e pessoal (Rokeach, 1973; Schwartz, 1992) e (4) pentafatorial, onde
os valores das subfunções existência e suprapessoal são agrupados em um único fator, denominado
de central, fonte pela qual do qual os outros valores se estruturam e organizam (Maslow, 1954).
Tais resultados similares de adequação hexafatorial já foram relatados em pesquisas subjacentes
em território nacional e internacional (Gouveia, 2016).
Entretanto, apesar dos resultados promissores, entende-se que toda pesquisa cientifica
envolve limitações potenciais. Assim, menciona-se o viés amostral, que foi obtida em 4 escolas
(públicas e particulares) da cidade de Parnaíba, dando-se por conveniência, de forma não foi
probabilística, fato que impossibilita a generalização dos resultados, para além do limite amostral.
A utilização de um instrumento de autorelato também se configura como uma limitação, pois
permite que o respondente falseie as suas respostas, em função da desejabilidade, fato que é
potencializado pela presença do pesquisador.
Para além desses resultados e pensando na possibilidade de estudos futuros, sugere-se que
pesquisas como esta sejam replicadas em outras regiões brasileiras, abrangendo um número
maior de participantes, que tornem a amostra mais representativa. Seria igualmente interessante
considerar amostras com diferentes fases do desenvolvimento, por meio de estudos longitudinais,
visando averiguar a mudanças ocorridas nos valores em diferentes idades. Ademais, seria necessário
investigar a validade atemporal da medida, para verificar se a mesma produz resultados similares
ao longo do tempo. Finalmente, seria interessante relacionar QVB-I, com demais variáveis, para
além das já relacionadas, a exemplo do significado do dinheiro (Lauer-Leite, 2009), nos atos bullying
(Monteiro et al., 2017; Soares, 2013) e no comportamento de mentir em crianças (Meneses, 2017).
De maneira geral, os resultados encontrados, mostrando que o QVB-I se apresenta como
uma ferramenta com evidências psicométricas favoráveis, podendo ser útil para o aumento em
pesquisas interessadas nos valores das crianças, e como os mesmos se desenvolvem durante o
processo de socialização nas fases iniciais da vida. Além disso, o QVB-I pode ser utilizado para
subsidiar propostas de intervenções, principalmente em valores no contexto escalar, que funciona
como um agente importante na construção e internalização dos valores infantis.

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 879


NO ONTEXTO BRASILEIRO
USO DO ZULLIGER COM CRIANÇAS: UMA REVISÃO
SISTEMÁTICA DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NACIONAL
Rute da Conceição Machado

Introdução

O
desenvolvimento infantil é um processo dinâmico, perpassado por inúmeras
transformações biopsicossociais que afetam a criança e os que convivem com ela. A
interação entre os diversos aspectos nos campos psicomotor, cognitivo, emocional
e social vão constituindo o, até então, lactante em um ser integral e em constante transformação
(Santos, Xavier, & Nunes, 2009). Ao longo desse processo, contudo, é possivel que haja alguns
percausos que demandem a investigação dos aspectos psicológicos decorrentes. Para investigar
esses fatores, o psicológo pode utilizar como recurso a Avaliação Psicológica, que configura-se
como uma prática privativa da área. Esta atividade constitui-se, conforme Primi (2010), na busca
sistemática de conhecimento sobre o funcionamento psíquico das pessoas, visando orientar ações
e decisões futuras. De acordo com Rigoni & Sá (2016), esta prática, caracterizada principalmente
por sua dinamicidade, permite a compreensão das potencialidades e dificuldades apresentadas
pelo avaliando. Mediante o uso de diferentes ferramentas, tais como as entrevistas, a hora do jogo
diagnóstica, as observações comportamentais e os testes psicológicos, o psicólogo pode conduzir
processos de Avaliação Psicológica com crianças.
Em relação aos instrumentos psicológicos, Reppold, Serafini, Ramires, & Gurgel (2017)
analisaram os 158 testes, disponíveis na lista do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos
(SATEPSI), que apresentavam parecer favorável. Como resultado, verificou-se que, do total de
testes, 18 eram direcionados exclusivamente ao público infantil, sendo 3 voltados à avaliação da
personalidade, a saber, Teste de Apercepção infantil - Figuras de Animais (CAT), Escala de Traços
de Personalidade para Crianças (ETPC) e Teste de Contos de Fadas (FTT). No que concerne aos
destinados a crianças e adolescentes, foram achados 8 instrumentos, destes apenas o Questionário
de Personalidade para Crianças e Adolescentes (EPQ-J) e The House-Tree-Person (HTP) avaliam a
personalidade. Além disso, as autoras encontraram 12 testes voltados a crianças, adolescentes e
adultos, sendo somente o Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister direcionado à personalidade.
Com isso, nota-se que há, no Brasil, uma insuficiência de instrumentos de Avaliação Psicológica
para a população infantil.
Outra problemática que vem sendo observada refere-se à carência de testes para a faixa-
etária dos zero aos seis anos, tenho em vista que a maior parte é direcionada a crianças com idade
mínima de seis anos (Reppold et al., 2017), deixando uma lacuna no período precedente. De acordo
com Pires (2017), o processo de Avaliação Psicológica com crianças é uma prática que vem sendo
bastante solicitada, sobretudo nos contextos clínico e educacional. O mapeamento das funções
cognitivas, a investigação de aspectos comportamentais, emocionais, neurodesenvolvimentais,
visuomotores, intelectuais e relacionais são comumente requisitados durante a avaliação

880  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
infantojuvenil (Pires, 2017). Isso evidencia a necessidade do aprimoramento dos instrumentos
psicológicos para essa fase do desenvolvimento, quer sejam escalas, questionários, inventários ou
métodos projetivos.
Dentre os diferentes métodos projetivos, tem-se o teste de Zulliger. Elaborado em 1942
por Hans Zulliger, baseado no Psicodiagnóstico de Rorschach, este instrumento de avaliação da
personalidade é composto por borrões de tinta simétricos, impressos em três cartões. Durante sua
aplicação, solicita-se ao examinando que verbalize com o que as manchas de tinta se parecem e,
em seguida, na fase de inquérito, o mesmo é convidado a dizer onde viu os perceptos verbalizados
e o que na mancha fez com que ele associasse essas respostas (Villemor-Amaral & Primi, 2009).
Este teste possibilita a investigação de aspectos cognitivos e psicodinâmicos dos examinandos,
desafiando-os a comportarem-se diante de estímulos ambíguos e não-estruturados, quais sejam
as manchas de tinta (Villemor-Amaral & Quirino, 2013). Uma das principais proficuidades do
Zulliger diz respeito à riqueza de informações geradas por ele. Segundo Villemor-Amaral & Primi
(2009), este instrumento permite a avaliação de uma série de aspectos do funcionamento psíquico,
demonstrados por meio das variáveis dos quadros de afeto, autopercepção, relacionamento e a
tríade cognitiva (mediação, ideação e processamento). Outra vantagem refere-se ao seu breve
tempo de aplicação, quando comparado a outros métodos que avaliam o mesmo construto, tais
como o Rorschach (Villemor-Amaral & Quirino, 2013).
Em 2009, Anna Elisa de Villemor-Amaral e Ricardo Primi publicaram o manual do Zulliger
pelo Sistema Compreensivo (ZSC), decorrente de uma série de estudos psicométricos conduzidos
por um grupo de pesquisadores da Universidade de São Francisco (Villemor-Amaral & Primi,
2009). É importante ressaltar que os dados normativos deste manual referem-se apenas à
população adulta. Em relação à infantil, tem-se atualmente poucos estudos no país que versem
sobre a validade de seu uso na prática profissional (Grazziotin & Scortegagna, 2016).
Embora ainda não tenham sido publicados no país dados normativos para o uso do ZSC
com crianças, pesquisas sobre o referido teste, envolvendo amostras infantojuvenis, datam desde
a década de 80. Xavier (1984) procurou dados normativos para o Zulliger, considerando as
localizações D e Dd, em uma amostra de 634 crianças paulistas, cuja faixa-etária variou entre
cinco e doze anos. Como resultado, notou-se um maior número de respostas D nos cartões II e III,
enquanto que no I houve menor frequência dessas respostas. Com base nos resultados desse estudo,
Xavier (1984) ressaltou a aplicabilidade do referido teste na população infantil. A mesma autora
aplicou o Zulliger e a Escala Especial das Matrizes Progressivas de Raven na supramencionada
amostra. Seu objetivo foi identificar possíveis implicações diagnósticas decorrentes da falta de
sistematização metodológica, recorrente naquele período, para a categorização das respostas Ban
no Zulliger. Foi observado um maior número de respostas Ban nas pranchas I e III (Xavier, 1985).
Como já mencionado, ainda há no Brasil uma carência de instrumentos psicológicos para
a população infantil (Reppold et al., 2017). No que tange ao teste de Zulliger, denota-se que o
desenvolvimento de estudos que versem sobre seu uso em amostras infantis ainda são limitados
(Carvalho, 2015). Diante deste cenário, o presente trabalho objetivou analisar a produção
científica brasileira que abordasse a aplicabilidade do teste de Zulliger com crianças, a fim de
verificar as evidências de validade de seu uso, demonstradas na literatura da área, e apontar
possíveis lacunas dos estudos, de modo a sugerir direcionamentos futuros. Denota-se que revisões
sistemáticas sobre o referido teste foram feitas por Carvalho (2015) e Grazziotin & Scortegagna
(2016). O diferencial deste trabalho refere-se ao foco no contexto da Avaliação Psicológica com
crianças, bem como à inclusão de outros materiais bibliográficos, a saber, dissertações, resumos
e trabalhos completos publicados em anais de congressos da área de Psicologia, não limitando-se
à artigos científicos.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 881


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Método

Para alcançar os objetivos delineados, realizou-se um levantamento bibliográfico, entre


setembro de Para 2017 ealcançar
março de os 2018,
objetivos delineados, bases
consultando-se realizou-se um levantamento
de dados e repositórios eletrônicos,
bibliográfico, entre setembro de 2017 e março de 2018,
quais sejam, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde consultando-se bases de
(LILACS), Scientific
dados e repositórios eletrônicos, quais sejam, Literatura Latino-Americana e do Caribe
EletronicemLibrary Online (SciELO Brasil), Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC), Portal de
Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Eletronic Library Online (SciELO Brasil),
periódicos da Capes/MEC,
Periódicos Eletrônicos deSistema de (PePSIC),
Psicologia Bibliotecas FGV
Portal deeperiódicos
BibliotecadaDigital Brasileira de Teses
Capes/MEC,
e Dissertações
Sistema de(BDTD).Os
Bibliotecas descritores foramDigital
FGV e Biblioteca definidos conforme
Brasileira de Tesesa estratégia PICO (Cochrane,
e Dissertações
2016), (BDTD).Os descritores
considerando-se foram definidos
a população de conforme
interesse a(Pestratégia PICO (Cochrane,
- population) e o desfecho2016),do estudo (O -
outcome). Assim, realizou-se a busca dos materiais bibliográficos utilizando-se- as seguintes
considerando-se a população de interesse (P - population) e o desfecho do estudo (O
outcome). Assim, realizou-se a busca dos materiais bibliográficos utilizando-se as
combinações,
seguintesa combinações,
saber, crianças AND crianças
a saber, (“teste deANDzulliger”
(“testeORde zulliger) AND
zulliger” OR (“avaliação
zulliger) AND psicológica”
OR métodos projetivos).
(“avaliação ComoOR
psicológica” critério de inclusão,
métodos buscaram-se
projetivos). pesquisas
Como critério científicas, realizadas
de inclusão,
em âmbito nacional,
buscaram-se que debatessem
pesquisas sobre a utilização
científicas, realizadas em âmbitodo Zulligerque
nacional, com o público infantil. Os
debatessem
critériossobre a utilização
de exclusão do Zulliger
adotados com oestudos
foram público com
infantil. Os critérios
amostras nãodebrasileiras
exclusão adotados
e/ou que debatessem
foram estudos com amostras não brasileiras e/ou que debatessem outros temas. Após
outros temas. Após a exclusão das duplicatas, 165 estudos foram avaliados em função dos títulos
a exclusão das duplicatas, 165 estudos foram avaliados em função dos títulos e dos
e dos resumos. Destes,155
resumos. Destes, 155 foram
foram excluídos,
excluídos, poratenderem
por não não atenderem aos de
aos critérios critérios
seleção,de
e seleção, e 10
foram elegíveis.
10 foram elegíveis.

Estudos identificados em bases de


dados e repositórios (n = 217)
Lilacs = 7; Scielo = 4; Pepsic = 4;
Capes = 8; FGV= 192; BDTD = 2.

Estudos duplicados (n = 52)

Estudos excluídos (n = 155)


Estudos avaliados, considerando título Amostra não composta por crianças = 18
e resumo (n = 165) Outros temas = 137

Textos completos avaliados


(n = 10)

Estudos elegíveis para revisão


sistemática (n = 10)

Figura
Figura1 1
Fluxograma do percurso de busca e seleção dos estudos
Fluxograma do percurso de busca e seleção dos estudos
Em seguida, realizou-se
Em seguida, uma uma
realizou-se buscabusca
secundária nosnos
secundária anais dosdos
anais três
trêsúltimos
últimoscongressos da
Associação Brasileira
congressos de Rorschach
da Associação e outros
Brasileira de Métodos
Rorschach Projetivos (ASBRo),Projetivos
e outros Métodos do Instituto Brasileiro
de Avaliação Psicológica (IBAP) e da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), utilizando-se o
(ASBRo), do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) e da Sociedade
Brasileira
descritor de Psicologia
“Zulliger”. (SBP), utilizando-se
Como critério de inclusão, o descritor “Zulliger”.
buscaram-se Comoou
resumos critério de
trabalhos completos
inclusão, buscaram-se resumos ou trabalhos completos que discutissem sobre a
que discutissem sobre a aplicabilidade do Zulliger em crianças, apresentados em simpósios,
aplicabilidade do Zulliger em crianças, apresentados em simpósios, sessões
sessõescoordenadas,
coordenadas, comunicações
comunicações orais
orais ou em ou em Não
painéis. painéis.
foramNão foram
incluídos incluídos
trabalhos quetrabalhos que
apenas citassem o Zulliger ou que não debatessem sobre o público infantil, bem como resumos de
palestras, oficinas ou minicursos. No total, os anais da ASBRo apresentaram 20 resultados para
o referido teste, sendo quatro em 2012 (20%), três em 2014 (15%) e treze em 2016 (65%). Destes,
foram elegíveis um trabalho completo de 2014 e três resumos de 2016. Em relação ao IBAP, foram
achados 28 resumos, sendo doze em 2013 (43%), onze em 2015 (39%) e cinco em 2017 (18%).
Ao final, selecionaram-se três resumos de 2015 e dois de 2017. No que concerne à SBP, foram

882 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
encontrados quatro resumos nos anais de 2016 (100%). Não foi achado nenhum estudo sobre o
teste de Zulliger nos anais de 2015 e 2017.
Feito isso, os materiais foram sumarizados em uma planilha, considerando as categorias:
ano de publicação, anais (apenas para resumos e trabalhos completos), idioma, instituição
de origem do 1º autor, periódico (apenas para artigos), formato de apresentação (apenas
para trabalhos completos e resumos de anais), especificidades das amostras, estado, sistema
interpretativo e instrumentos utilizados. Subsequentemente, foram rodadas as análises
estatísticas descritivas dos dados obtidos.

Resultados

Após a leitura dos artigos e a compilação dos dados de análise, verificou-se que a produção
científica brasileira que versa sobre o uso do Zulliger com crianças apresenta um limitado número
de estudos. Esses estudos datam de 1984 a 2017. Como mostra a Figura 1, entre o o período
de 1984 a 2013 foram elaboradas apenas 4 pesquisas (16%), sendo observado um considerável
aumento nos anos de 2014 (n= 2; 9%), 2015 (n= 4; 18%) e, sobretudo, em 2016 (n= 11; 48%).
Em 2017, foram encontrados dois resumos de congressos (9%). Dentre os anais avaliados, os do
congresso do IBAP (n= 5; 38%) foi o que apresentou a maior quantidade de resumos, seguido
pelos da ASBRo (n= 4; 31%) e da SBP (n= 4; 31%). Em relação ao idioma de publicação, observou-
se que os artigos científicos foram escritos majoritariamente em Português (n= 5; 71%), sendo
29% publicados em Inglês.

Figura 2
Ano de publicação dos estudos sobre o uso do Zulliger com crianças

Fonte: Elaborado pelo autor.

No que concerne às instituições de origem dos autores dos artigos, constatou-se uma
predominância da Universidade de São Francisco (USF; 57%). As demais instituições verificadas
nos artigos foram a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (14,3%), a Universidade de
Passo Fundo (14,3%) e o Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (14,3%). Em relação
aos anais de congressos, notou-se que a Universidade Estadual do Ceará (UECE) e a Pontifícia
Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás) têm adquirido destaque em estudos relativos à
validade do uso do Zulliger com crianças do nordeste e do centro-oeste. (Tabela 1).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 883


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Tabela 1
Título, autores e periódicos/anais das pesquisas sobre o Zulliger com crianças.
Título do artigo Autores Instituição de Periódico / Anais Tipo
origem do 1º autor

Avaliação das características de afetividade em Rodrigues e Alchieri UFRN PsicoUSF Artigo


crianças e jovens com síndrome de Down (2009)
Estudo comparativo entre indicadores afetivos das Villemor-Amaral e Quirino USF Aval. Psicológica Artigo
técnicas de Pfister e Zulliger. (2013)
Evidências de validade do Zulliger-SC para avaliação Biasi e Villemor-Amaral USF Psico Artigo
do relacionamento interpessoal de crianças (2016)
O teste de Zulliger-SC: avaliação da criatividade em Tavella e Villemor-Amaral CEUNSP Estudos de Artigo
crianças (2014) Psicologia
O Teste Z de Zulliger - problema das localizações D Xavier (1984) USP Arq. bras. Psic Artigo
e Dd
O Teste Z em crianças - análise das respostas Ban Xavier (1985) USP Arq. bras. Psic Artigo

Revisão de pesquisas brasileiras sobre o Teste de Grazziotin e Scortegagna UPF Aval. Psicológica Artigo
Zulliger publicadas em artigos (2016)
Validity Evidence of the Z-Test-SC for Use With Villemor-Amaral, Pavan, USF Paidéia Artigo
Children Tavella, Cardoso e Biasi
(2016)
Zulliger (CS) in Assessing the Relational Maturity of Villemor-Amaral e Vieira USF Paidéia Artigo
Children (2016)
Normatização do teste de Zulliger sc para crianças e Carvalho (2015) PUC Goiás Não se aplica Dissertação
adolescentes (mestrado)
Desempenho médio de crianças no Teste Zulliger: Carvalho, Lopes, Oliveira, PUC Goiás ASBRo (2014) Trabalho
Dados Preliminares Carvalho e Resende completo
(2014)
Dados normativos do ZSC com crianças dos estados Cardoso, Villemor Amaral, UECE ASBRo (2016) Resumo
de São Paulo e Minas Gerais Tavela & Biasi (2016)
Estudos de Validade e Normatização do Zulliger SC Resende & Carvalho PUC Goiás ASBRo (2016) Resumo
para crianças do Estado de Goiás (2016)
Evidência de validade do Zulliger –SC para uso com Cardoso (2016a) UECE ASBRo (2016) Resumo
crianças do Ceará
Comparação do desempenho no teste de Zulliger Oliveira Braga e Cardoso UECE IBAP (2015) Resumo
entre crianças cearenses do sexo masculino e (2015)
feminino
Diferenças entre os desempenhos de crianças Pereira Júnior, Carvalho, PUC Goiás IBAP (2015) Resumo
e adolescentes no teste de Zulliger sistema Resende, Lopes, Souza &
compreensivo Souza (2015)
Estudo comparativo por idade do teste de Zulliger em Gomes, Castro & Cardoso UECE IBAP (2015) Resumo
uma amostra do Ceará (2015)
Métodos de autoexpressão: correlações cognitivas Gomes, Cardoso & UECE IBAP (2017) Resumo
entre o teste de Pfister e Zulliger-SC de crianças Pacheco (2017)
cearenses
Teste de Zulliger e Pfister: correlação dos indicadores Moraes, Bessa, Oliveira & UECE IBAP (2017) Resumo
emocionais Cavalcante (2017)
A importância dos estudos psicométricos dos Cardoso & Oliveira (2016) UECE SBP (2016) Resumo
métodos projetivos para avaliação de crianças expandido
Correlações cognitivas entre o zulliger-sc e o teste de Gomes, Pacheco & UECE SBP (2016) Resumo
Pfister de crianças cearenses Cardoso (2016) expandido
Evidência de validade do Zulliger pelo sistema Cardoso (2016b) UECE SBP (2016) Resumo
compreensivo para uso com crianças em Fortaleza-ce expandido
Evidências de validade para o zulliger-sc com crianças Vieira & Gomes (2016) UECE SBP (2016) Resumo
Cearenses de 6 até 11 anos expandido

Fonte: Elaborado pelo autor.

884  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Em relação às especificidades das amostras das pesquisas, notou-se que estas são bastante
similares, sendo compostas majoritariamente por estudantes do ensino fundamental, advindos de
escolas públicas e privadas (Tabela 2). A idade das crianças que participaram das pesquisas variou
entre quatro e quatorze anos. O tamanho amostral apresentou uma quantidade significativa
de sujeitos, variando entre 50 (Carvalho et al., 2014); 60 (Villemor-Amaral & Quirino, 2013);
70, destes 29 eram crianças de 4 a 11 anos (Rodrigues & Alchieri, 2009); 77 (Gomes, Castro
& Cardoso, 2015; Oliveira, Braga & Cardoso, 2015); 90 (Tavella & Villemor-Amaral, 2014); 103
(Villemor-Amaral, Pavan, Tavella, Cardoso, & Biasi, 2016); 115 (Villemor-Amaral & Vieira, 2016);
119 (Biasi & Villemor-Amaral, 2016); 173 (Cardoso, 2016a; Cardoso, 2016b; Cardoso & Oliveira,
2016; Gomes, Pacheco & Cardoso, 2016; Vieira & Gomes, 2016; Gomes, Cardoso & Pacheco,
2017; Moraes et al., 2017); 250 (Resende & Carvalho, 2016); 304 (Carvalho, 2015; Pereira Júnior
et al., 2015); 622 (Cardoso et al., 2016) e 634 participantes (Xavier, 1984; Xavier, 1985).
Uma das principais lacunas verificadas nas pesquisas refere-se ao fato dos estudos de
evidências de validade utilizarem amostras de crianças advindas exclusivamente dos estados de
São Paulo, Goiás e Ceará. Outro fato que merece destaque diz respeito às publicações em formato
de artigo serem majoritariamente compostas por amostras paulistas. Com exceção do estudo de
Rodrigues & Alchieri (2009), no qual a autora não mencionou o local em que a coleta de dados foi
feita, todos os demais estudos, publicados em artigos, foram realizados em São Paulo. Com isso,
denota-se que uma revisão de literatura restrita à análise de artigos científicos não identificaria
iniciativas que estão ocorrendo em demais estados, quais sejam, Ceará e Goiás. Das treze pesquisas
analisadas nos anais de eventos, oito advieram de amostras de crianças cearenses e quatro de
goianenses. A amostra utilizada na dissertação de Carvalho (2016) também foi composta por
crianças do estado de Goiás.

Tabela 2
Instrumentos utilizados e especificidades das amostras.
Frequência (n) %
Instrumentos Zulliger 5 22%
Zulliger e Questionários 1 4%
Zulliger e Raven 8 35%
Zulliger e Sociograma 1 4%
Zulliger e TCFI 1 4%
Zulliger e TPC 4 18%
Zulliger, TPC e Raven 1 4%
Não se aplica 2 9%
Faixa etária 4 a 26 anos 1 4%
5 a 12 anos 2 9%
6 a 11 anos 8 35%
6 e 12 anos 2 9%
6 a 12 anos 1 4%
6 a 14 anos 1 4%
7 a 12 anos 2 9%
7 a 14 anos 2 9%
9 a 14 anos 1 4%
11 e 12 anos 1 4%
Não se aplica 2 9%
Tipo de escola Pública 4 17%
Privada 2 9%
Pública e privada 14 61%
Não informado 1 4%
Não se aplica 2 9%
Fonte: Elaborado pelo autor.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 885


NO ONTEXTO BRASILEIRO
No que concerne aos sistemas interpretativos, observou-se que foram utilizados nas pesquisas
o Sistema Compreensivo de John Exner e o Sistema Klopfer, desenvolvido por Bruno Klopfer. Dos
nove artigos científicos avaliados, cinco (71,4%) empregaram o Sistema Compreensivo (Biasi e
Villemor-Amaral, 2016; Villemor-Amaral e Quirino, 2013; Villemor-Amaral e Vieira, 2016; Villemor-
Amaral et al., 2016; Tavella e Villemor-Amaral, 2014). Vale ressaltar que todas essas pesquisas
fizeram uso da forma individual deste instrumento. O artigo de Grazziotin & Scortegagna (2016)
não se enquadrou nessa categoria, uma vez que se configurava como uma revisão de literatura,
não fazendo uso, portanto, de sistemas de interpretação para o referido teste. Em relação aos
estudos publicados em anais de eventos, obteve-se que todos utilizaram o sistema compreensivo
para interpretação dos dados do Zulliger.
Em quatro pesquisas foram empregados outros métodos além do Zulliger (Tabela 2), quais
sejam, questionários (Rodrigues & Alchieri, 2009), Sociograma (Biasi & Villemor-Amaral, 2016),
Matrizes Progressivas de Raven (Cardoso, 2016a; Resende & Carvalho, 2016; Vieira & Gomes,
2016; Carvalho, 2015; Gomes et al,, 2015; Carvalho et al., 2014; Xavier, 1985; Xavier; 1984), Teste
das Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC; Villemor-Amaral & Quirino, 2013) e Teste de Criatividade
Figural Infantil (TCFI; Tavella & Villemor-Amaral, 2014). O TPC e o TCFI foram empregados por
Villemor-Amaral & Quirino (2013) e Tavella & Villemor-Amaral (2014) a fim de buscar evidências
de validade de critério para o uso do ZSC com o público infantil. É importante destacar que todos
os estudos de evidências de validade basearam-se em variáveis externas. Nenhum dos estudos
discutiu sobre as evidências de fidedignidade do Zulliger no contexto da avaliação infantil, não
demonstrando, desse modo, as possíveis fontes de erro do teste, bem como a capacidade de seus
dados se manterem consistentes ao longo do tempo.

Discussão

A produção científica sobre o uso do Zulliger com crianças ainda é limitada, principalmente
no que se refere a publicações em formato de artigo. Dados similares foram encontrados por
Grazziotin & Scortegagna (2016). As autoras analisaram 15 artigos científicos nacionais,
publicados entre 2004 e 2014. Destes, apenas três eram relativos ao público infantil. Um dos
possíveis motivos apontados pelas autoras para essa limitada produção seria a inexistência de
parâmetros normativos do ZSC, durante aquele período, para a referida faixa-etária. Ressalta-se
ainda que a participação de crianças em pesquisas demanda a autorização de seus responsáveis
legais, o que geralmente dificulta sua realização, quando comparado a estudos com adultos
(Carvalho, 2015; Grazziotin & Scortegagna, 2016). Cumpre mencionar que o desenvolvimento de
estudos psicométricos, utilizando os métodos projetivos, envolve diversas situações dificultantes,
a saber, a complexidade dos sistemas de interpretação, a aplicação individual do instrumento e os
cuidados com o setting, demandando um longo período para compor amostras quantitativamente
representativas (Cardoso & Villemor-Amaral, 2017). Se estas práticas, por si só, comportam alguns
percalços durante a condução de pesquisas, esses esforços tornam-se ainda maiores quando
envolvem a participação de crianças e adolescentes.
Apesar disso, sabe-se que os métodos projetivos, semelhantes ao Zulliger, são excelentes
instrumentos para a avaliação psicológica de crianças. De acordo com Resende & Argimon (2010;
Apud Carvalho, 2015), a aplicação desses métodos é acessível ao público infantil, uma vez que a
resolução destes não exigem habilidades cognitivas de leitura e autorreflexão, por exemplo, que são
pouco desenvolvidas em crianças pequenas. Outra proficuidade refere-se à riqueza de informações
que podem ser geradas por esse instrumento, cuja aplicação é considerada breve, se comparada
a outros métodos projetivos, tais como o Rorschach (Villemor-Amaral & Primi, 2009; Villemor-
Amaral & Quirino, 2013). Considerando a reduzida quantidade de instrumentos psicológicos

886  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
disponíveis no país para o uso com crianças (Reppold, et al., 2017), faz-se necessária a elaboração
e normatização de novos instrumentos, assim como a análise das qualidades psicométricas
dos já existentes para essa população. Somado à escassez de instrumentos psicológicos, tem-
se aumentado, no contexto hodierno, a procura por processos de avaliação psicológica para
o público infantil, quer seja por questões cognitivas, comportamentais, neuropsicológicas ou
afetivas dos infantes. Além dessas demandas, são comumente requisitados nesses processos a
realização de diagnósticos diferenciais, a prevenção e identificação precoce de déficits, bem como
o auxílio no tratamento de transtornos do neurodesenvolvimento (Pires, 2017).
Como já mencionado, a condução de pesquisas com amostras de crianças envolvendo o
teste de Zulliger datam da década de 80 (de Xavier, 1984; Xavier, 1985). Por outro lado, estudos
com amostras de adolescentes existem deste os anos 60 (Carvalho, 2015). Verificou-se no presente
estudo que pesquisas sobre a referida temática vêm sendo desenvolvidas principalmente por um
grupo de pesquisadores, a maioria vinculados à Universidade de São Francisco. Conforme Primi
(2010), a USF foi a primeira instituição brasileira, sendo ainda hoje a única, cujo Programa de pós-
graduação concentra-se na área de Avaliação Psicológica e desenvolvimento de testes psicológicos.
Vale salientar que os autores do manual do ZSC são docentes dessa instituição (Villemor-Amaral
& Primi, 2009).
Constatou-se que as pesquisas desenvolvidas no país sobre a aplicabilidade do Zulliger
com crianças foram compostas por amostras bastante similares, formadas majoritariamente
por estudantes do ensino fundamental. É importante ressaltar que a formação de amostras
com participantes de ambos os sexos, advindos de escolas públicas e privadas, contribui para a
representação das especificidades dos diferentes grupos. Denota-se que o tamanho das amostras
dos estudos também foi significativo, variando entre 50 e 634 crianças. De maneira geral, os
estudos de evidência de validade apresentaram dados favoráveis ao uso do Zulliger com crianças.
Todos esses estudos se basearam em variáveis externas, que, conforme Cardoso & Villemor-Amaral
(2017), representa um tipo de procedimento comumente utilizado com os métodos projetivos,
quer seja por meio da análise de correlações entre construtos (convergentes ou divergentes) ou
pela predição de variáveis critério.
Em relação às lacunas das pesquisas, acredita-se que a principal diz respeito à concentração
das coletas de dados dos estudos, publicados em formato de artigo, em São Paulo. Conquanto,
verificaram-se iniciativas na condução de pesquisas nos estados de Goiás e Ceará, disponíveis, até
o presente momento, apenas em materiais adicionais, a saber, dissertações, resumos e trabalhos
completos publicados em anais de congressos. As revisões sistemáticas de Carvalho (2015) e
Grazziotin & Scortegagna (2016) não detectaram essas informações. Isso se deve ao fato das
autoras limitarem o estudo à análise de artigos, desconsiderando outros materiais bibliográficos
que compõem a produção científica da área.
De modo geral, acredita-se que o presente trabalho possibilitou uma compreensão mais
apurada sobre a produção científica nacional que aborda o uso do Zulliger com crianças No
que concerne às limitações dessa pesquisa, destaca-se o fato dos dados psicométricos dos
estudos avaliados não terem sido enfatizados, bem como a não inclusão de capítulos de livros
e produções internacionais. Com isso, sugere-se que em novas revisões sistemáticas a ênfase se
dirija às evidências descritas pela literatura internacional sobre o grau de legitimidade do Zulliger.
Acredita-se que a análise qualitativa desses estudos e a metánalise dos dados proporcionará um
significativo panorama sobre a validade do uso profissional desse intrumento nesse população.
Por fim, depreende-se que a ampliação das publicações sobre o Zulliger, observada no último
triênio, demonstra um avanço no investimento de estudos que verifiquem sua aplicabilidade em
infantes.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 887


NO ONTEXTO BRASILEIRO
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 889


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ATITUDES FRENTE À ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS:
TESTANDO UMA MEDIDA REDUZIDA VIA ANÁLISE
CONFIRMATÓRIA
Gleidson Diego Lopes Loureto
Leogildo Alves Freires
Ana Karla Silva Soares
Maria Gabriela Costa Ribeiro
Bruna de Jesus Lopes
Introdução

D
ebates sobre a homossexualidade, assim como a luta pelos direitos humanos de
gays, lésbicas, travestis, transgêneros e bissexuais (GLTTB) são identificadas já no
início da década de 1980 (Baranoski, 2016). Tais debates e discussões decorrem,
sobretudo, da preocupação de saúde pública, mais especificamente, relacionadas à Síndrome
de Imunodeficiência Adquirida, AIDS, sendo os homossexuais classificados como grupo de risco
(Baranoski, 2016). O fato é que a mudança de concepção em torno da AIDS, isto é, não estar
vinculada a grupos de risco, mas sim a comportamentos de risco não surtiu efeitos positivos para
essa população, na medida em que os mesmos, em razão da maior visibilidade obtida no período,
tornaram-se, então, alvos de violência de grupos neonazistas que surgiram no Brasil em 1980
(Costa, 2007).
Apesar da população LGBT no Brasil, historicamente, enfrentar diversos obstáculos no
cotidiano (e.g., preconceito, violência, etc.), ocupando papéis secundários na sociedade (Futino,
& Martins, 2006), recentemente no cenário jurídico, pôde-se identificar alguns avanços. Um
importante exemplo dessa mudança no cenário brasileiro foi a decisão tomada pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) em 2011, que considerou a união homoafetiva como regime jurídico da
união estável. O STF, de igual modo, legitimou essa união como entidade familiar, o que garante
direitos formais aos casais homossexuais de todo o país no que tange, por exemplo, a herança e à
possibilidade de adoção (JusBrasil, 2015).
Nessa direção, uma vez que os casais homoafetivos se definem como famílias, estes passam
a exigir não somente o direito à cidadania, em termos individuais, mas também o direito à
constituição de famílias enquanto sujeitos sociais, responsabilizando-se, portanto, pela educação
e socialização de seus filhos, adotivos ou não (Mello, 2005). Porém, o exercício de tal direito
tem encontrado diversas barreiras. Concretamente, apesar de existir ampla evidência empírica
mostrando ausência de diferenças no desenvolvimento e na socialização de crianças educadas
por famílias homoparentais ou por famílias heterossexuais (Bailey, Dobrow, Wolfe, & Mikach
1995; Golombok & Tasker 1996; Picazio, 1998), a rejeição a esse tipo de adoção ainda é forte,
dificultando a adoção de crianças por famílias homoparentais (Zambrano, 2006).
Exemplo dessa oposição pode ser encontrado no estudo realizado por Figueiredo (2003)
sobre a adoção de crianças por homossexuais solteiros e por casais homossexuais, o qual mostrou

890  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
que menos da metade dos participantes (incluindo juízes e desembargadores; promotores e
procuradores de justiça; psicólogos e assistentes sociais; advogados; professores universitários
e donas de casa) são favoráveis à adoção em favor do homossexual solteiro e que apenas 36,8%
eram favoráveis à adoção por casal homossexual. Ainda, o estudo de Castro, Abramovay e Silva
(2004) em 14 capitais brasileiras, com estudantes do ensino médio e seus pais, mostrou que
25% dos participantes não gostariam de ter um homossexual como colega na mesma sala de
aula. Ademais, a homofobia constituiu a motivação de 250 casos de assassinatos em 2010, o que
colocou, na ocasião, o Brasil em primeiro lugar no ranking desse tipo de crime, ficando muito à
frente do México, com 35 assassinatos, e dos Estados Unidos com 25 (Grupo Gay da Bahia, 2011).
No ano de 2015, foram registrados 318 assassinatos, um crime de ódio a cada 27 horas, sendo as
travestis e transexuais as mas vitimizadas (Grupo Gay da Bahia, 2016). O ano de 2017, por sua vez,
registrou um total de 455 assassinatos, com um crime de ódio a cada 19 horas, constatando um
aumento de 30 % quando comparado o ano de 2016 (Grupo Gay da Bahia, 2017).
Ainda frente à questão da adoção de crianças por pares homoafetivos, há que se considerar
tanto aspectos históricos referentes aos impedimentos legais recentes, quanto fatores intrínsecos
como é o caso do preconceito contra os homossexuais que, muitas das vezes, fundamentam
atos de violência explícita contra os mesmos (Araújo, Oliveira, Sousa, & Castanha, 2007; Falcão,
2004), conforme já mencionado. Nesse sentido, tais questões apresentam impactos no que tange
à adoção dentro de tais arranjos familiares, de modo que é muito provável que, no imaginário das
pessoas, adotantes que não se encaixam dentro das normas sociais estabelecidas são indesejáveis
como pais (Falcão, 2004).
Dessa forma, tendo em vista o panorama acima exposto, conhecer as atitudes frente à adoção
por homossexuais constituiu tarefa importante, uma vez que a sociedade brasileira tem passado
por algumas mudanças no que se refere às minorias sexuais (Pereira, Torres, Falcão, & Pereira,
2013). Assim, neste momento, decidiu-se enfocar concretamente nas atitudes frente à adoção de
crianças por casais homossexuais, definindo as atitudes a partir da concepção de Eagly e Chaiken
(1998) que apresentam a que pode ser a mais convencional e contemporânea definição (Albarracín,
Johnson, & Zana, 2005), compreendendo uma atitude como uma tendência psicológica que é
expressa por meio da avaliação de uma entidade particular com algum grau de favorabilidade
ou desfavorabilidade, isto é, as atitudes são concebidas como propensão a responder de forma
favorável ou desfavorável a um objeto, evento ou situação. Assim, a operacionalização de tal
construto, consiste, portanto, em uma etapa preponderante para levar a cabo estudos sobre tal
temática no contexto brasileiro.
Tal panorama, motivou ter em conta a Escala de Atitudes Frente à Adoção Homossexual
(EAFAH) que foi inicialmente desenvolvida por Falcão (2004) composta por 30 itens que avaliam
atitudes positivas e negativas frente à adoção de crianças por casais homossexuais, sendo utilizada
recentemente por Pereira et al. (2013) como uma medida de oposição à adoção homossexual,
a partir do cômputo dos itens que mencionam as atitudes negativas frente a estes arranjos
familiares. Não obstante, nenhum outro estudo além do de Falcão (2004) fez menção a análise
dos parâmetros psicométricos da EAFAH, mesmo tendo decorrido mais dez anos desde a sua
elaboração e levando em conta as mudanças supracitadas ocorridas na sociedade brasileira em
relação a este fenômeno social.
Nesse sentido, o objetivo do presente estudo consistiu em reunir evidências de validade fatorial
e consistência interna da EAFAH no contexto brasileiro, além de propor uma versão reduzida
desta medida, disponibilizando a comunidade acadêmica uma versão atualizada, parcimoniosa e
integradora da referida medida para que possa ser empregada em estudos futuros que levem em
consideração tal temática.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 891


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Método

Participantes

Participaram deste estudo 241 pessoas da população geral do Brasil. As idades dos
participantes variaram de 18 a 58 anos (M = 30,00; DP = 9,35), sendo em sua maioria do sexo
feminino (62,7%), heterossexuais (73,0%) e pós-graduados (56,8 %). Em relação ao nível de
religiosidade (variando de 1 = pouco religioso a 5 = muito religioso), a média dos participantes foi
de 3,24 (DP = 1,49), e a maioria se autodeclarou católica (41,5%).

Instrumentos

Solicitou-se que os participantes respondessem a um questionário que, além de perguntas


com características sociodemográficas (como idade, sexo, orientação sexual e estado civil),
continham a seguinte medida descrita a seguir:
Escala de Atitudes Frente à Adoção Homossexual (EAFAH). Originalmente desenvolvida por Falcão
(2004), tal medida é composta por 30 itens, sendo que metade avaliam atitudes positivas (e.g.
Item 12. Se o casal homossexual é formado por duas pessoas ajustadas, a criança irá se desenvolver normalmente.)
e os demais descrevem um posicionamento desfavorável a esse tipo de adoção, (e.g. Item 05. É
melhor que uma criança permaneça numa instituição aguardando um casal heterossexual do que
ser adotada por homossexuais). Os itens são respondidos em uma escala de sete pontos, sendo
1 = discordo totalmente e 7 = concordo totalmente. No que tange aos resultados encontrados
por Falcão (2004), a estrutura fatorial da medida foi investigada através de uma análise fatorial,
empregando-se o método dos eixos principais (principal axis factoring), culminando em uma estrutura
solução unifatorial, explicando 52% da variância total (com saturações fatoriais variando de
0,57 a 0,81; e valor próprio = 16,0). Essa medida também apresentou consistência interna muito
elevada, sendo avaliada por meio do coeficiente alfa de Cronbach (α = 0,95).

Procedimento

Os dados foram coletados via Survey (online). O procedimento de contato e solicitação


da participação das pessoas ocorria através das redes sociais (e.g., Facebook) e por e-mail. O
questionário de coleta de dados ficou disponível por meio da plataforma LimeSurvey. Todos
os princípios éticos foram respeitados, em consonância com a Resoluções CNS nº 466/12 e
510/2016, garantindo aos respondentes o anonimato de suas respostas, a participação voluntária
e a possibilidade de declínio do preenchimento em qualquer momento sem prejuízo. Em média, as
pessoas levaram cerca de 20 minutos para concluir sua participação no estudo.

Análise de dados

Os dados foram analisados por meio do software R (R Development Core Team, 2012). Para
a realização da Análise Fatorial Confirmatória da EAFUH, utilizou-se o pacote Lavaan (Rosseel,
2012) considerando a estimação Robust Maximum Likelihood (MLR) que prevê correção para a não
normalidade dos dados (Satorra & Bentler, 2001).
Para fins de avaliação de ajuste do modelo confirmatório do presente instrumento, contou-se
com os seguintes critérios (Byrne, 2010; Hair, Black, Babin, & Anderson, 2014; Hooper, Coughlan,
& Mullen, 2008; Tabachnick, & Fidell, 2013): (a) razão Qui-quadrado por graus de liberdade
do modelo (χ²/gL), valores entre 2 e 3 são preconizados, aceitando-se até 5; (b) Goodness-of-Fit

892  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Index (GFI) e Adjusted Goodness-of-Fit Index (AGFI); tais indicadores apontam quanto de variância
é explicada pelo modelo, admitindo-se valores próximos a 0,90 ou superiores; (b) Comparative
Fit Index (CFI); um índice adicional de ajuste em que valores próximos a 0,90 ou superiores são
aceitos; e (d) RMSEA (Root-Mean-Square Error of Approximation), com intervalo de Confiança de 90%
(IC90%), que considera os residuais. Um valor próximo a zero aponta para o ajuste do modelo,
uma vez que os residuais se aproximam desse valor; preconiza-se que o RMSEA se situe entre 0,05
e 0,08, admitindo-se até 0,10. Ademais, com a finalidade de reunir evidências complementares de
consistência interna da medida, calculou-se, além do alfa de Cronbach, o índice de Confiabilidade
Composta (CC) da EAFAH, recomendando-se como valores aceitáveis aqueles iguais ou superiores
a 0,70 para ambos os indicadores (Škerlavaj, & Dimovski, 2009).

Resultados

Com a finalidade de reunir evidências psicométricas mais robustas para a solução fatorial
da EAFAH no contexto brasileiro, realizou-se uma AFC do referido instrumento buscando atestar
sua unidimensionalidade indicada pelas análises exploratórias relatadas a priori no estudo de
Falcão (2004).
No que tange aos resultados, ao investigar o ajuste do modelo confirmatório considerando
a estrutura unifatorial da EAFAH, composta por 30 itens, em seu estudo de origem, os seguintes
indicadores estatísticos foram observados: χ2 (405) = 1486,0, p < 0,001, χ2 /gl = 3,66, GFI = 0,98,
AGFI = 0,98, CFI = 0,84, RMSEA = 0,105 (IC90% = 0,100-0,111), em que todos os pesos fatoriais
(lambdas) foram estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05). Em síntese, os
resultados apontam para um ajuste relativamente satisfatório. Quanto aos índices de consistência
interna, os mesmos foram considerados altamente adequados (alfa de Cronbach = 0,97;
Confiabilidade composta = 0,97).
Em seguida, decidiu-se testar um modelo unifatorial alternativo para o presente instrumento,
mais especificamente uma versão reduzida composta por 15 itens, denominada de EAFAH-15. Para
tanto, como critério para exclusão de itens, utilizou-se o índice de modificação, desconsiderando
aqueles itens com termos de erros superiores a 20 (MI > 20,0), fato que pode indicar potencial
sobreposição de conteúdo. Dessa forma, os seguintes itens foram retirados: 1, 2, 4, 7, 9, 12, 13,
17, 18, 19, 20, 26, 27, 28, 29.
Concretamente, os resultados encontrados para a EAFAH-15 ratificam a pertinência e
ajuste estatístico do modelo: χ2 (90) = 253,08, p < 0,001, χ2 /gl = 2,81, GFI = 0,99, AGFI = 0,99,
CFI = 0,92, RMSEA = 0,058 (IC90% = 0,046-0,069), sendo que todos os pesos fatoriais (lambdas)
foram estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05). Na mesma direção do
instrumento composto por 30 itens, o modelo reduzido, apresentou índices de consistência
interna satisfatórios (alfa de Cronbach = 0,94; Confiabilidade composta = 0, 94). Finalmente,
quando comparados ambos os modelos, identificou-se uma diferença estatisticamente
significativa [Δχ2(315) = 824,5, p < 0,001], apontando a superioridade da versão reduzida do
instrumento. Na Tabela 1 são expostos os pesos fatorais da EAFAH em suas versões completas
e reduzida. Uma vez finalizada a etapa de apresentação dos resultados empíricos, a seguir, os
principais resultados são discutidos.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 893


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Tabela 1. Estrutura Fatorial Confirmatória da Escala de Atitudes Frente à Adoção por
Homossexuais-EAFAH (N = 241)

Fator I
Itens Descrição do conteúdo dos itens
λ* z**
Uma criança criada por gays terá problemas psíquicos no futuro pela falta da
1 0,87 27,6
figura materna.
As crianças adotadas por um casal homossexual masculino ou feminino) cer-
2 0,85 22,3
tamente irão apresentar personalidades desajustadas.
Se uma criança recebe amor e atenção, o fato de ser criada por homossexuais
3 -0,83 -19,9
não influenciará seu desenvolvimento.
Uma criança adotada por um casal homossexual aprenderá essa imagem de
4 0,84 20,9
família e se tornará homossexual no futuro.
É melhor que uma criança permaneça numa instituição aguardando um casal
5 heterossexual do que ser adotada por homossexuais***. 0,79 16,5

Uma criança adotada por homossexuais irá desenvolver a capacidade de acei-


6 -0,77 -14,7
tar sua família e se desenvolver normalmente***.
Um menino adotado por lésbicas se tornará gay pela falta de referência mas-
7 0,84 25,1
culina em casa.
Para que uma criança possa desenvolver é essencial que seja educado por um
8 -0,74 14,9
homem e uma mulher adaptados e estáveis emocionalmente***.
Um casal de gays pode suprir o amor materno de tal forma que a criança
9 -0,85 -23,1
se sinta amada e respeitada.
10 Na criação de filhos o amor é mais importante que opção sexual dos pais***. -0,83 -21,4
Uma criança criada por gays homens apresentará várias inseguranças e pato-
11 0,85 27,2
logias psicológicas pela falta de figura materna***.
Se o casal homossexual é formado por duas pessoas ajustadas, a criança irá
12 -0,77 -18,0
se desenvolver normalmente.
13 Uma criança adotada por lésbicas no futuro terá medo de homens 0,87 35,5
Uma criança pode ser adotada por homossexuais e não apresentar compor-
14 -0,77 -17,0
tamentos homossexuais***.
As crianças criadas por homossexuais são tão ajustadas com as criadas por
15 -0,79 -16,6
heterossexuais***.
Um casal homossexual (masculino ou feminino) não ensinará para uma crian-
16 0,81 20,9
ça os valores morais que a sociedade exige***.
Um menino criado por um casal de gays homens terá medo de mulheres no
17 0,79 17,2
futuro***.
Num lar composto por homossexuais onde existe muito diálogo, a criança
18 -0,76 -17,3
adotada não guardará traumas da infância.
Uma criança educada com os valores morais numa família homossexual será
19 -0,72 -12,3
um adulto adaptado socialmente.
Casais homossexuais têm condições emocionais de oferecerem lares dignos
20 -0,83 -22,0
para crianças.
Num lar composto por homossexuais, onde são respeitados os direitos da
21 -0,65 -9,99
criança, no futuro ela terá direito de optar o sexo do seu parceiro***.
Os filhos aprendem observando os comportamentos dos pais e uma criança
22 educada por homossexuais (masculino ou feminino) irá desenvolver compor- 0,75 16,1
tamentos diferentes das criadas por um homem e uma mulher***.
Uma criança adotada por gays ou lésbicas aprenderá que a homossexualida-
23 0,68 11,7
de é algo natural e terá comportamentos homossexuais desde pequena***.

894  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Os estímulos oferecidos para uma criança se desenvolver num lar composto
24 -0,67 -12,2
por homossexuais são iguais de um lar formado por heterossexuais***.
Uma criança adotada por gays ou lésbicas poderá ser abusada sexualmente
25 0,54 8,06
por eles***.
Uma criança educada com os valores morais numa família homossexual será
26 -0,82 -22,5
um adulto normal.
Devido os homossexuais serem mais promíscuos, uma criança adotada por
27 0,82 27,2
gays ou lésbicas futuramente será promiscua.
Um jovem adotado por homossexuais ao chegar na adolescência irá ques-
28 tionar a opção sexual dos adotantes (gays ou lésbicas) e provavelmente se 0,72 14,0
tornará um delinquente.
Uma criança adotada por dois homens sofrerá mais traumas psicológicos do
29 0,65 12,3
que uma adotada por lésbicas.
Um casal de gays ou lésbicas bem adaptados tem mais condições de adotar
30 uma criança do que um casal formado por um homem e uma mulher desa- -0,61 -9,66
justados***.
Nota. *Pesos fatoriais, **Escores padronizados, *** Itens que compõem a versão reduzida EAFAH-15.

Discussão

Atualmente, observa-se uma diversificação de modelos de família na atualidade (Uziel, 2009)


que, dentre eles, há as famílias formadas por pessoas do mesmo sexo. Tais arranjos familiares
formadas por pais/mães homossexuais do ponto de vista prático, segundo Machin (2016) geram
novas demandas sociais, culturais e legais, tornando-se, então, objeto de atenção de áreas do
conhecimento, tais como, a Sociologia, Antropologia, Direito e Psicologia. Por outro lado, de
acordo com a mesma autora, apesar dessa situação, a literatura no país tem sido relativamente
silenciosa em como esses casais que constroem um projeto de parentalidade. Fatalmente,
tal situação cria, adicionalmente, barreiras para o processo de adoção em tais configurações
familiares.
Nesse sentido, é dentro de tal cenário de escassez sobre investigações sobre tal temática
que o presente estudou buscou disponibilizar à comunidade acadêmica uma versão atualizada e
parcimoniosa de um instrumento que mensure as atitudes frente à adoção por casais homossexuais,
denominada de Escala de Atitudes Frente à Adoção Homossexual (EAFAH). Para tanto, utilizou-se
da análise fatorial confirmatória, uma vez que esta possibilita o pesquisador testar um modelo
de mensuração pré-especificado (e.g., um dado número de fatores, itens, etc.) (Brown & Moore,
2012). Neste caso, testou-se a adequação unifatorial da EAFAH, originalmente proveniente do
estudo de Falcão (2004).
No que tange aos parâmetros psicométricos confirmatórios da EAFAH-15, isto é, sua versão
reduzida composta por 15 itens, os dados apontaram que os indicadores de ajuste mostraram-se
satisfatórios frente aos pontos de corte recomendados na literatura (Hair et al. 2014; Tabachnick,
& Fidell, 2013), tendo ajuste estatístico superior ao instrumento composto por 30 itens. Ademais,
atestou-se seus índices de consistência interna, sendo, portanto, um instrumento preciso (Cohen,
Swerdlik, & Sturman, 2014; Škerlavaj, & Dimovski, 2009).
Finalmente, o presente estudo não encontra-se isento de limitações. Por exemplo, menciona-
se a natureza da amostra, não probabilística, fato que impossibilita a generalização dos resultados
para o contexto brasileiro. No entanto, o número e o tipo de participantes foram coerentes com a
proposta de investigação de adequação psicométrica do presente instrumento (Pasquali, 2003).
Desse modo, confia-se que o objetivo a priori relatado tenha sido alcançado, apresentando-
se uma medida capaz de mensurar as atitudes frente à adoção por casais homossexuais no
Brasil, EAFAH-15 (Falcão, 2004), sendo, ainda, um instrumento parcimonioso, adequado para

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 895


NO ONTEXTO BRASILEIRO
contextos de pesquisa. Quanto aos direcionamentos futuros, espera-se fomentar pesquisas na
área de comportamentos sociais neste país, permitindo compreender variáveis antecedentes
e consequentes das atitudes frente à adoção por casais homossexuais, de modo a subsidiar o
aprimoramento de políticas públicas frente a tal matéria no país.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 897


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ATITUDES FRENTE À CONJUGALIDADE
HOMOSSEXUAL: EVIDÊNCIAS PSICOMÉTRICAS
CONFIRMATÓRIAS DE UMA MEDIDA REDUZIDA
Gleidson Diego Lopes Loureto
Leogildo Alves Freires
Olindina Fernandes da Silva Neta
Anderson Mesquita do Nascimento
Bruna de Jesus Lopes

Introdução

D
urante muito tempo, a homossexualidade foi concebida enquanto pecado, sendo
inclusive já considerada doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Concretamente, este fato implicou em questões tal como o preconceito em relação
aos casais homoafetivos (Rios, 2001) e, consequentemente, em atos discriminatórios e/ou violentos
contra a população homossexual, de modo que as denúncias de agressões e discriminações
motivadas pela orientação sexual tornaram-se uma pauta central para o movimento homossexual
brasileiro (Ramos & Carrara, 2006). Mais recentemente, percebe-se o impacto dessas questões
em inúmeras esferas da vida dessa população, criando obstáculos em termos de direitos civis no
país, como por exemplo, voltados ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Quanto ao contingente populacional de casais homossexuais no Brasil, no censo demográfico
brasileiro no ano de 2010 foi apontado que existem mais de 60 mil casais homossexuais no Brasil
(IBGE, 2011), fato que revela uma crescente notificação no número de casais do mesmo sexo no
país, segundo o levantamento realizado. De acordo com Pereira, Torres, Falcão, & Pereira (2013),
tal informação contribui para traçar o retrato da população brasileira e assim fornecer bases para
o desenvolvimento de políticas públicas, além de que a simples inclusão dessa variável no censo
indica as mudanças profundas que vêm ocorrendo na sociedade brasileira frente à garantia dos
direitos civis das minorias sexuais. Outro fato relevante neste contexto, segundo esses mesmos
autores, foi a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 5 de maio de 2011, a qual
passou a considerar, por unanimidade de votos, a união estável entre pessoas do mesmo sexo no
Brasil.
Segundo Bunchaft (2012), as discussões em torno dos direitos das uniões homoafetivas
constitui um dos temas mais interessantes do direito civil-constitucional, considerando ainda, que
o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal não reconhece expressamente a união homoafetiva,
inexistindo norma específica. Ademais, ressalta-se que a Constituição Federal reconhece as uniões
heterossexuais como sociedades de afeto, não havendo nenhuma regulamentação legal frente às
uniões homossexuais (Bunchaft, 2012).
É importante mencionar que embora o STF tenha reconhecido juridicamente as uniões
homoafetivas, tal decisão tem sido alvo de críticas por parte da comunidade jurídica, observando-

898  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
se resistências na própria esfera judicial, baseadas no pressuposto de que tal órgão do poder
judiciário extrapolou os limites de suas funções e modificou o conteúdo da Constituição (Maués,
2015). É nessa direção que tal cenário tem motivado campanhas e até mesmo projetos de lei em
defesa da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, tomando como referências a
legislação existente em outros países em que o casamento homossexual é legalizado.
Tal conjuntura, por sua vez tem dividido opiniões e gerado polêmica tanto na comunidade
acadêmica quanto na sociedade em geral no que tange à extensão da garantia destes direitos
das minorias sexuais. Diante das informações levantadas, pode-se constatar que o casamento
civil entre pessoas do mesmo sexo, é um tema que suscita debates quanto a sua aplicação,
encontrando-se presente em diversos contextos e países e apresenta atualidade e relevância,
necessitando ser compreendido como um fenômeno social, cujas implicações decorrentes ainda
precisam ser melhor investigadas, justificando-se assim a realização de estudos.
Neste sentido, para abordar a união homossexual como objeto de estudo, é necessário
contar com um conceito mais flexível do que o de hábito, mais diretamente relacionado aos
objetos e situações sociais do que os traços da personalidade, mais específico do que os valores,
mais diretivo do que as crenças e mais abstratos do que os padrões de motivo (Rokeach, 1973).
Assim sendo, decidiu-se operacionalizar tal construto, conceituando-o como uma variável de
natureza atitudinal.
Não por acaso, o estudo das atitudes tem assegurado a hegemonia na Psicologia Social,
ao longo de sua história, além de ser o mais amplamente referenciado (Cooper, Kelly, & Weaver,
2002). Albarracín, Johnson e Zana (2005) argumentam que Eagly e Chaiken (1998) apresentam
a que pode ser a mais convencional e contemporânea definição; especificamente, uma atitude
é compreendida como uma tendência psicológica que é expressa por meio da avaliação de uma
entidade particular com algum grau de favorabilidade ou desfavorabilidade, isto é, as atitudes
são concebidas como propensão a responder de forma favorável ou desfavorável a um objeto,
evento ou situação. Seguindo a recomendação de Albarracín, Johnson e Zana (2005) de que a
mais contemporânea e parcimoniosa estrutura para atitudes é a que se fundamenta em avaliações
favoráveis ou desfavoráveis, influenciando, por conseguinte, as crenças, afetos e comportamentos
das pessoas, neste caso particular, as atitudes frente à união homossexual.
A mensuração das atitudes é bastante difundida entre os psicólogos sociais para medir
suas causas e impactos sobre cognições e comportamentos, tendo em vista que as atitudes
se constituem durante nosso processo de socialização, segundo Michener, Delamater e Myers
(2005). Devido às atitudes compreenderem um construto latente, a sua medida tem implicações
axiomáticas ou de representação e psicométricas, a forma mais comum de medir atitudes é por
meio do que se designou como escalas de atitudes que consistem na aferição das atitudes por meio
das avaliações que as pessoas fazem acerca de um determinado objeto, evento ou situação, que
no caso do presente estudo consiste no objeto atitudinal da união homossexual, especificamente
o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Nesta direção, uma escala de atitudes, desta natureza, foi desenvolvida por Falcão (2004)
com objetivo de mensurar as atitudes frente à união homossexual, a mesma foi intitulada de
Escala de Atitudes Frente à União Homossexual (EAFUH), reunindo evidências preliminares de
adequação psicométrica no contexto brasileiro. Recentemente, esta mesma medida, foi utilizada
por Pereira et al. (2013) para, dentre outros objetivos, investigar a oposição ao casamento entre
pessoas do mesmo sexo, por meio das atitudes negativas frente a este arranjo. No entanto, apesar
da utilização da mesma, não foi identificado nenhum estudo que levasse em consideração a
testagem dos parâmetros psicométricos da EAFUH, mesmo tendo se passado mais de dez anos
desde sua construção, carecendo assim de estudos que atestem a qualidade psicométrica desta
medida na atualidade, tendo em vista as mudanças supracitadas ocorridas no cenário brasileiro

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 899


NO ONTEXTO BRASILEIRO
durante este intervalo de tempo. Não obstante, considerando a natureza exploratória do estudo
de Falcão (2004) e ainda a ausência que qualquer menção realizada por Pereira et al. (2013)
quanto à adequação psicométrica, neste estudo, planeja-se reunir evidências complementares de
validade e precisão da EAFUH, propondo-se uma versão reduzida do instrumento, por meio da
testagem e comprovação da sua estrutura fatorial e consistência interna, justificando-se assim o
desenvolvimento do presente estudo.

Método

Participantes

Participaram deste estudo 241 pessoas da população geral do Brasil, sendo a maioria da
região Nordeste (68,9%), seguida das regiões Norte, Sudeste, Centro-Oeste e Sul (22%, 4,9%, 2,4%
e 1,8%, respectivamente). As idades dos participantes variaram de 18 a 58 anos (M = 30,00; DP =
9,35), sendo em sua maioria do sexo feminino (62,7%), heterossexuais (73,0%) e pós-graduados
(56,8 %). Em relação ao nível de religiosidade (variando de 1 = pouco religioso a 5 = muito
religioso), a média dos participantes foi de 3,24 (DP = 1,49), e a maioria se autodeclarou católica
(41,5%).

Instrumentos

Solicitou-se que os participantes respondessem um questionário que, além de perguntas


com características sociodemográficas (como idade, sexo, orientação sexual, religião e grau de
escolaridade), continha a seguinte medida descrita a seguir:
Escala de Atitudes Frente à União Homossexual (EAFUH). Originalmente desenvolvida por Falcão
(2004), a escala é composta por 23 itens, sendo 10 descrevendo posicionamentos favoráveis (item
01. As pessoas devem ter o direito de escolher o sexo do parceiro que deseja se casar; Item 03. “Os políticos
devem legalizar as leis do casamento homossexual) e 13 descrevendo posições contrárias (e.g., item 15.
“Nosso país não deveria legalizar a união homossexual”; “item 08. O casamento homossexual fere os valores da
família tradicional”) ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Os participantes são demandados
a indicar o seu grau de concordância com cada item da escala. As respostas podem variar de 1
= discorda totalmente a 7 = concorda totalmente. No estudo realizado por Falcão (2004), os
escores obtidos foram submetidos a uma análise fatorial (método dos eixos principais). Apenas
um fator foi extraído, explicando 44% da variabilidade nos escores (cargas fatoriais variando de
-0,83 a 0,76; autovalor = 10,00. Essa medida tem consistência interna muito elevada (α = 0,94),
contendo em sua versão final um total de 20 itens.

Procedimento

Os dados foram coletados via Survey (online). O procedimento de contato e solicitação


da participação das pessoas ocorria através das redes sociais (e.g., Facebook) e por e-mail. O
questionário de coleta de dados ficou disponível por meio da plataforma LimeSurvey. Todos
os princípios éticos foram respeitados, em consonância com a Resoluções CNS nº 466/12 e
510/2016, garantindo aos respondentes o anonimato de suas respostas, a participação voluntária
e a possibilidade de declínio do preenchimento em qualquer momento sem prejuízo. Em média, as
pessoas levaram cerca de 20 minutos para concluir sua participação no estudo.

900  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Análise de dados

Os dados foram analisados por meio do software R (R Development Core Team, 2012). Para
a realização da Análise Fatorial Confirmatória da EAFUH, utilizou-se o pacote Lavaan (Rosseel,
2012) considerando a estimação Robust Maximum Likelihood (MLR) que prevê correção para a não
normalidade dos dados (Satorra & Bentler, 2001).
Para fins de avaliação de ajuste do modelo confirmatório do presente instrumento, contou-se
com os seguintes critérios (Byrne, 2010; Hair, Black, Babin, & Anderson, 2014; Hooper, Coughlan,
& Mullen, 2008; Tabachnick, & Fidell, 2013): (a) razão Qui-quadrado por graus de liberdade
do modelo (χ²/gL), valores entre 2 e 3 são preconizados, aceitando-se até 5; (b) Goodness-of-Fit
Index (GFI) e Adjusted Goodness-of-Fit Index (AGFI); tais indicadores apontam quanto de variância
é explicada pelo modelo, admitindo-se valores próximos a 0,90 ou superiores; (b) Comparative
Fit Index (CFI); um índice adicional de ajuste em que valores próximos a 0,90 ou superiores são
aceitos; e (d) RMSEA (Root-Mean-Square Error of Approximation), com intervalo de Confiança de 90%
(IC90%), que considera os residuais. Um valor próximo a zero aponta para o ajuste do modelo,
uma vez que os residuais se aproximam desse valor; preconiza-se que o RMSEA se situe entre 0,05
e 0,08, admitindo-se até 0,10. Ademais, com a finalidade de reunir evidências complementares de
consistência interna da medida, calculou-se, além do alfa de Cronbach, o índice de Confiabilidade
Composta (CC) da EAFUH, recomendando-se como valores aceitáveis aqueles iguais ou superiores
a 0,70 para ambos os indicadores (Škerlavaj, & Dimovski, 2009).

Resultados

Com a finalidade de reunir evidências psicométricas mais robustas para a solução fatorial
da EAFUH no contexto brasileiro, realizou-se uma AFC do referido instrumento buscando atestar
sua unidimensionalidade indicada pelas análises exploratórias relatadas a priori no estudo de
Falcão (2004).
Em relação aos resultados, isto é, quanto à adequação da estrutura unifatorial, observaram-
se indicadores satisfatórios de ajuste para a EAFUH composta por 20 itens: χ2 (170) = 793,41, p
= <0,001, χ2 /gl = 4,66, GFI = 0,99, AGFI = 0,98, CFI = 0,85, RMSEA = 0,123 (IC90% = 0,115-
0,133). Adicionalmente, ressalta-se que todos os pesos fatoriais (lambdas) foram estatisticamente
diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05). Em síntese, os resultados apontam que em termos
de estrutura fatorial não são considerados plenamente satisfatórios. Por outro lado, quanto aos
índices de consistência interna, os mesmos foram considerados altamente adequados (alfa de
Cronbach = 0,96; Confiabilidade composta = 0,96).
Em seguida, decidiu-se testar um modelo unifatorial alternativo para o presente instrumento,
mais especificamente uma versão reduzida composta por 10 itens, denominada de EAFUH-10. Para
tanto, como critério para exclusão de itens, utilizou-se o índice de modificação, desconsiderando
aqueles itens com termos de erros superiores a 20 (MI > 20,0), fato que pode indicar potencial
sobreposição de conteúdo. Dessa forma, os seguintes itens foram retirados: 1, 2, 3, 8, 11, 12, 14,
22, 17 e 18.
Concretamente, os resultados encontrados para a EAFUH-10 ratificam a pertinência e
ajuste estatístico do modelo: χ2 (35) = 128,5, p < 0,001, χ2 /gl = 3,67, GFI = 0,99, AGFI = 0,99,
CFI = 0,95, RMSEA = 0,065 (IC90% = 0,049-0,082), sendo que todos os pesos fatoriais (lambdas)
foram estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05), variando de -0,37 (Item 20.
Deus aceitaria o casamento homossexual, pois alma não tem sexo) a 0,94 (Item 16. A pessoa tem o direito
de escolher o sexo do parceiro que deseja se casar.). Na mesma direção do instrumento composto
por 20 itens, o modelo reduzido, apresentou índices de consistência interna satisfatórios

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 901


NO ONTEXTO BRASILEIRO
(alfa de Cronbach = 0,93; Confiabilidade composta = 0,93), mantendo-se, portanto, alta
precisão. Finalmente, quando comparados ambos os modelos, identificou-se uma diferença
estatisticamente significativa [Δχ2(135) = 443,8, p < 0,001], apontando a superioridade da
versão reduzida do instrumento.
Na Tabela 1 são expostos os pesos fatorais da EAFUH em suas versões completas e reduzida.
Uma vez finalizada a etapa de apresentação dos resultados empíricos, a seguir, os principais
resultados são discutidos.

Tabela 1. Estrutura Fatorial Confirmatória da Escala de Atitudes Frente à Conjugalidade


Homossexual (EAFUH) (N = 241)
Fator I
Itens Descrição do conteúdo dos itens
λ* z**
01 A pessoa tem o direito de escolher o sexo do parceiro que deseja se casar. 0,63 8,87
O casamento homossexual (gays ou lésbicas) é um pecado segundo as leis
02 -0,70 -21,0
de Deus.
Os políticos devem legalizar as leis do casamento homossexual (gays ou lés-
03 0,85 26,3
bicas).
04 Num casamento o que importa é a felicidade do casal. *** 0,71 10,2
Um casamento homossexual é anormal, pois os homossexuais (gays ou lés-
05 -0,79 -14,2
bicas) são doentes. ***
O amor é fundamental para o casamento entre heterossexuais ou homosse-
06 0,65 10,1
xuais.
07 É necessário que se formulem leis que protejam a união homossexual. 0,68 12,5
08 Os homossexuais devem procurar tratamento em vez de casarem. -0,76 -14,1
09 Deus não aceitaria o casamento entre pessoas do mesmo sexo. *** 0,66 11,2
Os homossexuais devem ter direito à pensão e herança nas relações estáveis.
10 -0,78 -14,2
***
11 Aceitar o casamento homossexual é banalizar um desvio de gênero. -0,85 -24,5
12 Os homossexuais podem se casar pois, todos são filhos de Deus. 0,71 17,1
Nosso país não deveria legalizar a união homossexual, pois esse tipo de fa-
13 -0,87 -25,5
mília não é uma união. ***
Se duas pessoas se amam elas têm o direito de casarem independente do
14 0,91 53,6
sexo.
O direito à pensão e a herança de um casal homossexual deve ser igual a um
15 0,79 19,8
casal heterossexual. ***
A pessoa tem o direito de escolher o sexo do parceiro que deseja se casar.
16 0,94 -68,8
***
O casamento homossexual vai contra o ideal de família, pois não pode gerar
17 0,85 24,1
filhos.
18 Os homossexuais devem ter os mesmos direitos que um casal heterossexual. -0,37 -5,44
Um casal formado por duas mulheres ou dois homens deve ter o direito de
19 0,88 21,8
constituir família. ***
20 Deus aceitaria o casamento homossexual, pois alma não tem sexo. *** -0,37 -5,08
Nota. *Pesos fatoriais, **Escores padronizados, *** Itens que compõem a versão reduzida EAFUH-10.

902  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Discussão

Explicitamente, ao longo da história, a configuração familiar tem apresentado mudanças


que, consequentemente, têm ampliado a concepção do termo família, de tal modo que, os
novos arranjos familiares não devem ser concebidos como resultados de uma crise da instituição
“família”, mas tão somente enquanto mudanças no seio da própria sociedade (Araújo, Oliveira,
Sousa, & Castanha, 2007). Nesse sentido, observa-se uma diversificação de modelos de família
na atualidade (Uziel, 2009) que, dentre eles, há as famílias formadas por pessoas do mesmo sexo,
fato que tem atraído crescentemente maior visibilidade tanto por parte da comunidade científica,
quanto pela sociedade civil.
Nessa direção, tendo em vista a relevância da temática ora mencionada, assim como
buscando fornecer um instrumento psicológico adequado para mensuração da conjugalidade
homossexual no contexto brasileiro, tal estudo objetivou reunir evidências psicométricas
complementares de validade e precisão da EAFUH (Falcão, 2004), atualizando seus parâmetros
estatísticos e, adicionalmente, buscando fornecer uma medida breve (e.g., em relação ao número
de itens), isto é, mais adequada aos contextos de pesquisa.
Concretamente, o estudo de caráter confirmatório (AFC) realizado, apontou que os
indicadores de ajuste mostraram-se satisfatórios frente aos pontos de corte recomendados na
literatura (Hair et al. 2014; Tabachnick, & Fidell, 2013). Quanto aos índices de consistência
interna, ambos os indicadores presentemente empregados (alfa de Cronbach e Confiabilidade
Composta) apresentaram-se adequados, sustentando portanto evidências de precisão da EAFUH
em suas versões original e reduzida (Cohen, Swerdlik, & Sturman, 2014; Škerlavaj, & Dimovski,
2009). Ademais, quanto ao procedimento analítico adotado nesta ocasião, mais especificamente
a AFC, esta permite o pesquisar testar um modelo de mensuração pré-especificado (e.g., um
dado número de fatores, itens, etc.) (Brown & Moore, 2012). Neste caso, testou-se a adequação
unifatorial da EAFUH, originalmente proveniente do estudo de Falcão (2004), indicando-se ajustes
estatísticos mais favoráveis à versão breve da medida, intitulada EAFUH-10.
Ainda, embora o presente estudo não esteja isento de limitações, como por exemplo a
natureza da amostra, não probabilística, fato que impossibilita a generalização dos resultados
para o contexto brasileiro, o número e o tipo de participantes foram congruentes com a proposta
de investigação de adequação psicométrica do instrumento (Pasquali, 2003). Desse modo, confia-
se que o objetivo a priori relatado tenha sido alcançado, apresentando-se uma medida capaz
de mensurar as atitudes frente à congugalidade homossexual no Brasil, EAFUH (Falcão, 2004).
Ademais, assevera-se que o instrumento ora apresentado consiste em uma medida parcimoniosa,
adequada para contextos de pesquisa.
Finalmente, espera-se com o presente estudo, em termos de direcionamentos futuros sobre o
fenômeno da conjugalidade homossexual, ter em conta impactos favoráveis nas pesquisas na área
de comportamentos sociais neste país, permitindo compreender seus antecedentes e consequentes,
nesta oportunidade, frente ao casamento das pessoas do mesmo sexo, desdobrando-se temáticas
correlatas, também em evidência, como é o caso dos processos de adoção de crianças dentro de
tais arranjos familiares.

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 903


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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 905


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ESCALA DE ATITUDES RELIGIOSAS (VERSÃO
EXPANDIDA-20): VALIDADE DE CONSTRUTO EM UMA
AMOSTRA DE UNIVERSITÁRIOS
Kairon Pereira de Araújo Sousa
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Emerson Diógenes de Medeiros
Thais Coutinho Souza
Larissa Nascimento dos Santos
Liene Martha Leal
Marcus Vinicius de Sousa da Silva

Introdução

A
religiosidade é uma das mais ricas experiências vivenciadas pelo ser humano
(Martins, 2009), presente na vida das pessoas desde o início dos tempos, como
constatado em registros históricos e arqueológicos, abrangendo crenças e valores
individuais, além de práticas sociais (Henning & Geronasso, 2009). Especificamente, no Brasil, a
religiosidade, constitui-se como uma dimensão da vida humana importante para o entendimento
de comportamentos e avaliação frente aos temas cotidianos, principalmente daqueles que
abarcam questões morais ou axiológicas (Aquino, Gouveia, Silva, & Aguiar, 2013).
As conceituações de religiosidade não são consensuais na literatura. Assim, visando aclarar
a definição do construto empregada nesse trabalho, parece salutar diferenciá-lo de outro
comumente utilizado como sinônimo: a religião (Camboim & Rique, 2010). Nesse sentido, Panzini,
Rocha, Bandeira e Fleck (2007) descrevem a religião como uma crença na existência de um poder
transcendental, criador e controlador do mundo, responsável pela natureza espiritual do ser
humano, que continua a existir mesmo após a morte do corpo. Enquanto que a religiosidade, é
a extensão da religião, referente ao nível de envolvimento do indivíduo com o grupo religioso, ao
qual ele integra.
Por outro lado, pesquisadores, como Dalgalarrondo (2008), compreendem a religiosidade
de forma mais ampla, não a reduzindo à prática ou frequência à uma instituição religiosa,
significando que ser religioso não implica em vínculo a uma religião específica (Antoniazzi, 2003).
Já a religião envolve os aspectos comportamentais, sociais e doutrinários compartilhados por um
grupo e praticados pelo indivíduo (Gobatto & Araujo, 2013). Apresentadas essas duas posições
em relação ao termo religiosidade, cabe ressaltar que, nesse trabalho, optou-se por considerar
a primeira definição, tendo em vista que esta engloba tanto os aspectos individuais quanto os
institucionais (Faria & Seidl, 2005), identificando o nível de envolvimento religioso e a influência
deste nos hábitos e relações que o indivíduo estabelece com o mundo (Stroppa & Moreira-Almeida,
2008).

906  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Embora a religiosidade esteja presente nas sociedades há séculos, modulando as emoções,
comportamentos, decisões e atitudes das pessoas, o emprego dessa variável nos estudos científicos
é relativamente recente. Conforme ressaltam Stroppa e Moreira-Almeida (2008), durante muito
tempo esse construto foi renegado como objeto de estudo pela ciência. Nessa perspectiva, nota-
se, no cenário atual, um aumento crescente do termo na literatura, ligado à diversas investigações
nas áreas de ciências sociais e médicas, que apontam a religiosidade como um fator de proteção
a comportamentos disfuncionais (Gomes, Andrade, Izbicki, Moreira-Almeida, & Oliveira, 2013).
Assim, como um mecanismo, que baliza a conduta humana, a religiosidade contribui para
diminuir tendências autodestrutivas, e esquiva de comportamentos prejudiciais à saúde, bem
como o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento aos dilemas da existência (Zerbetto et
al., 2017). Sobre essa questão, Koening (2012) ressalta que a religiosidade influencia a saúde de
três maneiras: (1) enquanto uma estratégia de enfrentamento religioso, (2) como um mecanismo
de suporte social e (3) como controle de comportamentos mediante às crenças religiosas.
Na literatura, são numerosos os estudos que apontam a relevância da religiosidade
como estratégia de enfretamento aos problemas de saúde, ou mesmo frente à morte. Em uma
pesquisa, envolvendo pacientes com câncer, cujo o objetivo era investigar o uso do enfrentamento
religioso destes em quimioterapia, Mesquita et al. (2013) constataram que a religiosidade é uma
importante estratégia de enfrentamento à doença, auxiliando no processo de tratamento. De
forma semelhante, Nepomuceno, Melo, Silva e Lucena (2014) verificaram que a religiosidade
influencia na qualidade de vida dos pacientes com insuficiência renal crônica.
No tocante à religiosidade como um recurso de apoio social, Geronasso e Coelho (2012)
destacam que o apoio dos grupos religiosos aos pacientes em situação de câncer contribui para
fortalecê-los frente a essa adversidade da vida. Ao oferecer suporte social, a religiosidade também
anima essas pessoas, atribuindo um sentimento de pertença, dando sentido à vida (Murakami &
Campos,2012) e prevenindo contra o vazio existencial e o desespero (Aquino et al., 2009).
Ademais, a religiosidade auxilia na mudança de comportamentos disfuncionais, sendo
um fator promissor de manutenção da saúde, prevenção e reabilitação (Oliveira et al., 2017),
a exemplo de alcoolistas, onde a presença da religiosidade pode influenciar positivamente no
tratamento dos usuários, contribuindo no processo de abstinência, dando as pessoas motivação
para cuidar da saúde, promovendo alteração de hábitos, rotinas e comportamentos. Dito isto,
entende-se que a religiosidade pode ser um fator positivo para a saúde (Camboim & Rique, 2010),
o que justifica tê-la em conta nas pesquisas (Aquino et al., 2013). Segundo Alves e Aquino (2017),
a religiosidade, na atualidade, também pode ser compreendida como uma atitude frente a um
objeto: a religião. Considerando essa relação, a seguir aborda-se o construto atitudes religiosas.

Atitudes religiosas

As atitudes representam um construto importante para explicar o comportamento das


pessoas frente à determinados temas ou questões sociais, sendo utilizadas para compreender
o modo como elas pensam, sentem e se comportam em relação a algum objeto, a exemplo de
atitude frente ao álcool (Gouveia, Pimentel, Leite, Albuquerque, & Costa, 2009) e atitude frente à
tatuagem (Medeiros, Gouveia, Pimentel, Soares, & Lima, 2010).
Rokeach (1981) define atitudes como um conjunto de crenças duradoras em relação a um
objeto ou situação, predispondo o tipo de resposta. Na literatura, comumente, o termo aparece
relacionado à três componentes: um conteúdo cognitivo - que diz respeito à crença e conhecimento
sobre o objeto em análise -, um afetivo - caracterizado como um sentimento positivo ou negativo
em relação ao objeto, e um comportamental - definido como uma predisposição à ação (Pessoa,
2011).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 907


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Nessa perspectiva, as atitudes desenvolvem um estado de predisposição à ação que, quando
relacionada a uma situação, resulta em um comportamento concreto. Assim, ao se identificar as
atitudes de uma pessoa em relação a um objeto, é possível, em certa medida, prever como ela se
comportará face aos acontecimentos futuros associados ao mesmo objeto (Pessoa, 2011). Desta
maneira, a religiosidade também pode ser estudada como um construto atitudinal, uma vez que
pode apresentar os mesmos componentes: estados afetivos, conhecimentos prévios a respeito do
sagrado ou divino e comportamentos previsíveis ou prescritos pela denominação religiosa, a qual
os indivíduos participam (Aquino et al., 2013).
As atitudes religiosas apresentam quatro dimensões (Diniz & Aquino, 2009; Pereira & Aquino,
2016), que são: (1) Conhecimento religioso - referente à busca e conhecimento a respeito de Deus,
por meio da análise das Sagradas Escrituras e livros sobre a religiosidade, bem como da busca
de compreensão das doutrinas ou princípios religiosos e à presença em reuniões ou trocas de
experiências que debatem sobre a religião ou a religiosidade; (2) Comportamento religioso - envolve a
procura e cumprimento de valores e regras religiosas, e a influência da religiosidade nas decisões
e ações, indagando se a pessoa, de fato, baliza sua ação conforme a sua religião prescreve como
sendo o mais correto, além da periodicidade nas celebrações religiosas, e à relação de contato com
Deus através de orações; (3) Sentimento religioso - compreende às emoções e sentimentos evocados
através de cantos religiosos, da entrada na igreja e conversão de uma pessoa a um Ser Superior;
(4) Corporeidade religiosa - caracteriza as expressões corporais para exteriorizar a religiosidade, tais
como: erguer os braços nos momentos de adoração à Deus, ajoelhar-se para orar, bater palmas e
movimentar o corpo para expressar a comunicação com o Ser Transcendente.
Considerando que ainda são escassos os estudos de revisão dos parâmetros psicométricos
da Escala de Atitudes Religiosas, versão expandida (AR-20), no cenário nacional, o presente estudo
teve como objetivo reunir evidências de validade de construto e precisão da referida medida, para
o contexto piauiense.

Método

Participantes

Participaram 411 estudantes universitários de uma instituição pública na cidade de Parnaíba,


Piauí, selecionados de maneira não-probabilística e possuindo idades variando entre 18 e 50
anos (M = 22,86; DP = 5,47), a maioria cursando Psicologia (24,8%), mulheres (63%), solteiras
(90%), da religião católica (65,3%) e com renda familiar média de 2.991,21 reais (DP = 4.143,40;
amplitude 300 a 4.500).

Instrumentos

Escala de Atitudes Religiosas (EAR-20). Com 20 itens distribuídos em quatro fatores (Aquino
et al., 2013): F1. Conhecimento (α= 0,85); F2. Comportamento (α= 0,82); F3. Sentimento (α=
0,65); F4. Corporeidade (α= 0,90). Os itens são respondidos, de acordo com uma escala de
cinco pontos, variando entre 1 (Nunca) e 5 (Sempre), além de um Questionário de caracterização
sóciodemográfica, composto pelas seguintes perguntas: idade, sexo, curso universitário, religião,
nível de religiosidade e renda familiar.

Procedimentos

Os participantes foram recrutados em ambiente coletivo de sala de aula, entretanto, os


instrumentos foram respondidos individualmente. Um pesquisador manteve-se presente,

908  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
explicando os objetivos da pesquisa, enfatizando que a mesma não traria bônus e nem ônus aos
respondentes, sendo de caráter voluntário, de modo que os participantes poderiam desistir em
qualquer etapa. Todos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), para
que fosse prosseguida a coleta de dados. Ressalta-se, que todos os procedimentos éticos para
pesquisas com seres humanos foram tomados, baseados nas Resoluções nº 466/12 e 510/2016
do Conselho Nacional de Saúde, sendo necessários 10 minutos, para que os questionários fossem
respondidos.

Análise de dados

Utilizou-se programa IBM SPSS, versão 21, sendo realizadas análises descritivas (tendência
central) e cálculo da consistência interna (Alfa de Cronbach) e homogeneidade. Com o AMOS,
versão 21, empregaram-se análises fatoriais confirmatórias, com o método de estimação Maximum
Likelihood, (ML), que foi utilizado para investigar a adequação do modelo teórico aos dados
empíricos, no âmbito da análise de equações estruturais (SEM – Structural Equation Modeling).
Tendo em conta os seguintes indicadores: (1) o χ² (qui-quadrado), comprova a probabilidade de
o modelo teórico se ajustar aos dados. Este, por ser sensível a tamanhos amostrais grandes (n >
200), deve ser interpretado com reserva, valendo-se de sua razão em relação aos graus de liberdade
(χ²/g.l.), e seus valores devem figurar entre 2 e 3 (ajustamento adequado), sendo aceitável até
5; (2) o Comparative Fit Index (CFI), este índice varia de 0 a valores mais próximos de 1, valores
superiores a 0,90 indicam um modelo ajustado; (3) Tucker-Lewis Index (TLI) varia de 0 a 1, e valores
acima de 0,90 indicam ajuste adequado; (4) a Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA),
com seu intervalo de confiança de 90% (IC90%), com valores iguais ou inferiores a 0,05; aceitam-
se valores de até 0,10 (Tabachnick & Fidell, 2013).
Para comparar os modelos alternativos, contou-se com indicadores, a saber: ∆χ²,
CAIC (Consistent Akaike information Criterion) e ECVI (Expected Cross Validation Index). Diferença
estatisticamente significativa do ∆χ², penalizando o modelo com maior χ², e valores < de CAIC e
ECVI, sugerem um modelo mais adequado (Marôco, 2014).
Por último, calculou-se a variância média extraída (VME), que fornece evidências
complementares de validade de construto, além da confiabilidade composta (CC) que é um
índice mais robusto de confiabilidade, quando comparado ao coeficiente alfa (Hair, Black, Babin,
Anderson, & Tatham, 2009). Assim, valores iguais ou superiores a 0,50 para a VME e 0,70 para a
CC, respectivamente, consideram-se adequados. A VME é considerada uma medida da validade
convergente do fator, servindo para explicar o conjunto de itens e, a CC, para dirimir dúvidas
quanto ao alfa de Cronbach, que é influenciado pelo número de itens (Fornell & Larcker, 1981;
Marôco, 2014).

Resultados

Testando Modelos Fatoriais Alternativos da Escala de Atitudes Religiosas- 20.

Inicialmente, buscou-se reunir evidências psicométricas sobre a EAR-20. Assim, como


proposto por Aquino et al. (2013), testou-se o modelo teórico, tetrafatorial, que corresponde aos
domínios de religiosidade, que são: comportamento, conhecimento, sentimentos e corporeidade.
Estes, sendo comparados aos seguintes modelos: (a) Bifatorial, que pressupõe a existência de
dois fatores oriundos da junção dos fatores de comportamento e conhecimento religioso, além
da união dos fatores sentimento e corporeidade religiosa; e (b) Unifatorial, com todos os itens da
medida, saturando em um único fator, compondo um fator geral. Os resultados são apresentados
na Tabela 1.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 909


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Tabela 1.Comparação de três modelos da Escala de Atitudes Religiosas - 20.

RMSEA
F χ2 Gl χ2/gl CFI TLI CAIC ECVI Δχ2 (Gl)
(IC90%)
4 707,82 164 4,32 0,90 0,89 0,09 1.030,68 1,96
(0,08-0,10) _

2 989,60 169 5,86 0,85 0,83 0,11 1.277,36 2,62 281,78 (5)*
(0,11-0,12)

1 1.275,27 170 7,50 0,80 0,78 0,13 1.556,01 3,32 567,45 (6)*
(0,12-0,13)

Nota: F= Modelos: 4. tetrafatorial, 2. bifatorial e 1. unifatorial. χ²/gl= razão qui-quadrado / graus de Liberdade;
CFI= Comparative Fit Index; TLI= Tucker-Lewis Index; RMSEA= Root-Mean-Square Error Aproximation, IC 90% = Intervalo de
Confiança de 90%; CAIC= Consistent Akaike Information Criterion; ECVI= Expected Cross-Validation Index; * p < 0,001.

Na Tabela 1, tendo em conta os indicadores de ajuste dos modelos testados, percebe-se que
o tetrafatorial é o mais adequado, ainda que o índice TLI tenha ficado abaixo do recomendado: χ²
(164) = 707,82, p < 0,001; χ²/gl= 4,32, CFI= 0,90, TLI= 0,89, RMSEA= 0,09 (IC90% = 0,08 – 0,10).
Fato que é reforçado por outros dois critérios (CAIC e EVIC), apresentando valores inferiores
aos demais. Além disso, foi observado que o modelo composto por quatro fatores apresenta
diferenças significativas, quando comparado com o bifatorial [Δχ2 (5) = 281,78, p < 0,001] e o
unifatorial [Δχ2 (6) = 567,45, p < 0,001], indicando que os modelos testados não são igualmente
representados. Assim, hierarquicamente, o modelo tetrafatorial é o mais ajustado.
Posteriormente, visando identificar um modelo mais adequado, foram observados os IMs
(Índices de Modificação) para as saturações (Lambdas, λ) e os erros de medida (Deltas, δ). No
caso, constatou-se que seria recomendável (IM =74,94) correlacionar os δ dos itens 8 (A religião/
religiosidade influência nas minhas decisões sobre o que eu devo fazer.) e 12 (Ajo de acordo
com a minha religião/ religiosidade prescreve como sendo correto.), que estão agrupados no
fator Comportamento religioso. Tais modificações resultaram em uma estrutura fatorial com
indicadores de ajuste que reuniram melhor os dados empíricos: χ² (163) = 624,99, p < 0,001, χ²/
gl= 3,83, CFI= 0,92, TLI= 0,90 RMSEA= 0,08 (IC90% = 0,08 - 0,09). Como é possível comprovar
na Figura 1, todas as saturações se encontram no intervalo comumente esperado (0-1), sendo
estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05). Apresentada na Figura 1.

Figura 1. Estrutura Tetrafatorial da Escala de Atitudes Religiosa – 20.

910  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Estatísticas descritivas, Consistência Interna, Confiabilidade Composta e Homogeneidade e
Validade Convergente

Contando com a estrutura tetrafatorial, posteriormente, averiguou-se as estatísticas


descritivas de cada fator da EAR-20, Tabela 2: Fator 1. Conhecimento religioso, (M= 2,74; DP=
0,87); Fator 2. Comportamento religioso (M= 3,27; DP= 1,07); Fator 3. Emoção religiosa, (M=
3,43; DP= 1,04); Fator 4. Corporeidade religiosa (M= 2,82; DP= 1,15). Além disso, calculou-se,
ainda, para cada fator, sua consistência interna (alfa de Cronbach,α), confiabilidade composta
(CC) e a homogeneidade (correlação média inter-itens / ri.i) apontando os seguintes resultados:
Fator 1. Conhecimento, α= 0,88, CC= 0,88, ri.i= 0,52, VME= 0,52; Fator 2. Comportamento, α= 0,90, CC= 0,90,
ri.i= 0,64, VME= 0,64; Fator 3. Sentimento, α= 0,76, CC= 0,75, ri.i= 0,51, VME= 0,50; Fator 4. Corporeidade, α= 0,59,
CC= 0,89, ri.i= 0,62, VME= 0,63.
Ademais, foram reunidas evidências adicionais de validade, especificamente, a convergente,
que tem o objetivo de avaliar o quanto os itens que representam cada fator (construto latente)
apresentam correlações positivas e elevada entre si. Para tanto, foram utilizados os critérios
propostos por Fornell e Larcker (1981), que avalia a validade convergente por meio da variância
média extraída (VME), correspondendo à média das variâncias dos itens que compõem
determinado fator. Dado o exposto, entende-se que foi evidenciada, pois os valores da VME foram
≥ a 0,50, para os quatro fatores da EAR- 20. Os resultados estão sumarizados na Tabela 2.
Tabela 2. Precisão, validade de construto, correlações entre os fatores e raízes quadradas
das variâncias médias extraídas.

Fat M DP rm.i VME α CC Correlações (r)


1 0,88 0,88 0,52 0,52 0,88 0,88 ―
2 0,90 0,90 0,64 0,64 0,90 0,90 0,75** ―
3 0,76 0,75 0,51 0,50 0,76 0,75 0,65** 0,77** ―
4 0,89 0,89 0,62 0,63 0,89 0,89 0,59** 0,72** 0,71** ―
1 2 3
Nota: Fator = 1. Conhecimento, 2. Comportamento, 3. Sentimento, 4. Corporeidade; M = média; DP = desvio padrão;
α = Alfa de Cronbach; rm.i = Índice de homogeneidade; CC = Confiabilidade Composta; VME = Variância Média Extraída;
r = correlação de Pearson, ** p < 0,001.

Discussão

Esta pesquisa objetivou averiguar a validade de construto da Escala de Atitudes Religiosas


- 20 (validade fatorial, alfa de Cronbach, homogeneidade e confiabilidade composta e validade
convergente), em uma amostra de universitários piauienses. Estima-se que o principal objetivo
tenha sido alcançado. Os resultados demonstram que, no conjunto, foram apresentadas
qualidades métricas satisfatórias da medida supracitada (Aquino el al., 2013). Os principais
achados serão discutidos a seguir.
Referente a validade de construto, a estrutura tetrafatorial foi corroborada, com índices
de ajuste considerados adequados: χ², GFI, CFI, TLI e RMSEA (Maroco, 2014). Esta, testada
com modelos alternativos que foram considerados inadequados, sendo: (a) Bifatorial (junção
dos fatores de comportamento e conhecimento, além da união dos fatores de sentimento e
corporeidade) e (b) Unifatorial (itens compondo um fator geral). Ressalta-se, que foi realizada uma
reespecificação do modelo, correlacionando os erros dos itens 8 e 12, por meio dos IMs, fato que é
justificado devido à proximidade teórica dos itens que compõem o mesmo fator (comportamento
religioso), possibilitando que erros correlacionados alterem apenas a distribuição dos pesos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 911


NO ONTEXTO BRASILEIRO
fatoriais, mantendo a estrutura fatorial do construto, sem interferir na medida. Além disso, a
EAR-20 apresentou evidências de validade convergente, obtida por meio da VME ≥ 0,50 em todos
os fatores (Fornell & Larcker, 1981; Marôco, 2014).
Quando considerados os índices de consistência interna, todos foram adequados, sendo
observadas evidências empíricas complementares de parâmetro psicométrico da medida, pois os
indicadores de homogeneidade foram consistentes ao que recomenda a literatura (> 0,20; Clark
& Watson, 1995), e a confiabilidade composta em todos os fatores foi superior ao ponto de corte
comumente admitido (≥ 0,70; Marôco, 2014).
Tendo em conta, que todo empreendimento científico apresenta limitações, na presente
pesquisa, elencam-se algumas, que serão abordadas brevemente, além de serem indicadas possíveis
direções futuras. Inicialmente pode-se citar a amostra como uma potencial limitação, que foi
constituída, exclusivamente, por estudantes universitários, majoritariamente oriundos da religião
católica (65,3%), angariados de forma não-probabilística (por conveniência), impossibilitando a
generalização dos resultados para além da amostra considerada. Entretanto, deve-se considerar
que, na presente pesquisa, não se pretendeu generalizações, mas apresentar uma medida com
boas qualidades métricas para o contexto piauiense. Outra potencial limitação identificada,
refere-se ao instrumento, que sendo de autorrelato permite que o participante falseie a resposta,
em função da desejabilidade social.
Sendo assim, visando diminuir as limitações supracitados, recomenda-se que estudos
futuros repliquem a EAR-20 em outros contextos, diversificando as amostras, tornando-as mais
representativas. Isto posto, seria interessante contar com diferentes grupos, tais como o gênero e
o tipo de religião. Nessa direção, também é importante a realização de Análises Multigrupos, para
averiguar se a medida se manteve invariante, mesmo havendo restrições da medida referentes ao
modelo teórico proposto.
Em suma, os resultados encontrados são promissores, inclusive, melhores que o estudo
original (Aquino et al., 2013), mostrando que modelo teórico proposto por quatro fatores, como
previsto, apresentou evidências psicométricas adequadas, que justificam a utilização da medida
em estudos que elejam a atutide religiosa como variável de interesse, auxiliando na compreensão
de comportamentos psicossociais.

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914  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PROBLEMATIC INTERNET USE QUESTIONNAIRE SHORT
FORM: EVIDÊNCIAS DE VALIDADE DE CONSTRUTO NO
BRASIL
Thais Coutinho Souza
Alexia Jade Machado Sousa;
Paulo Gregório Nascimento da Silva;
Emerson Diógenes de Medeiros;
Talídyna Moreira de Oliveira

Introdução

A
distinção entre o mundo online e offline está separada por uma linha tênue que
vem sendo afinada cada vez mais. Com o crescimento exponencial das formas de
comunicação a internet, como ferramenta, recebeu lugar de destaque, posto que
sua flexibilidade e possibilidades variadas de acesso (e.g. computadores, tabletes, celulares),
contribuem para uma melhora na vida social e cotidiana (Puerta-Cortés & Carbonell, 2013).
Esta ferramenta acarreta inúmeros benefícios como fonte ilimitada de armamento e
recuperação de informação, contato imediato com outras instituições ou pessoas de qualquer
lugar do mundo, lazer, entre outros. Apesar de fornecer vantagens de uso, inúmeros estudos
elencam consequências do uso abusivo da Internet (Castillo et al., 2008; Demetrovics, Szeredi, &
Rózsa, 2008), sendo elas: negligência de aspectos da vida, diminuição do rendimento educacional
ou da produtividade do trabalho, declínio do tempo de sono, refeições com baixa nutrição, além
de ter efeito nas relações interpessoais e familiares. Assim, evidencia-se que na medida que a
Internet foi se tornando amplamente utilizada, os problemas associados ao seu uso excessivo
tornaram-se cada vez mais alarmantes (Koronczai et al., 2011).
Segundo Cheng e Li (2014), estima-se que o vício na internet esteja presente em cerca de 6%
da população global, como mostram os dados obtidos em mais de 89 mil pessoas de 31 países,
de diferentes regiões. Nessa direção, para as autoras, o vício em Internet pode ser considerado um
problema de controle de impulso marcado por uma incapacidade em inibir o uso da Internet, o que
pode afetar negativamente a vida das pessoas, incluindo sua saúde e relacionamentos interpessoais.
Devido a isto, a Psicologia passa a demonstrar interesse sobre o estudo dos comportamentos
relacionadas ao uso da Internet em 1996, na reunião anual da American Psychological Association
- APA. No entanto, os estudos que abrangem a temática ainda estão muito concentrados entre
os Estados Unidos e a China, que se destacam devido a seu constante e crescente número de
pesquisas a cada ano.
Ademais, sabe-se que muito pesquisadores referem-se a esse vício como o uso patológico
da Internet, o Pathological Internet Use (PIU; Puerta-Cortés & Carbonell, 2013). Entretanto, para
outros, a exemplo de Young (1998b), o vício na Internet é identificado pela deterioração do seu
controle, manifestando-se em sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos, ocasionando

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 915


NO ONTEXTO BRASILEIRO
uma distorção dos objetivos pessoais ou profissionais (Puerta-Cortés & Carbonell, 2013). Esse
uso excessivo da Internet apresenta efeitos negativos também quanto as relações familiares, além
de diferentes problemas mentais e comportamentais, como evidenciado em estudos que apoiam
essa hipótese (Demetrovics, Szeredi, & Rózsa, 2008).
Entretanto, apesar das consequências adversas o Manual Diagnóstico e Estatístico de
Distúrbios Mentais (DSM-IV) não considera vícios comportamentais como transtornos mentais,
exceto o jogo patológico elencado dentro dos distúrbios de controle de impulsos. Porém, a atual
edição do manual adicionou à Seção III o transtorno do jogo na Internet, contribuindo desta
forma para a promoção de estudos nesse campo (Puerta-Cortés & Carbonell, 2013).
Young (1998b) propôs em seu trabalho uma classificação diagnóstica e ofereceu uma série
de critérios adaptados do DSM-IV para a avaliação dos comportamentos relacionados ao tema.
A autora altera o termo ‘substância’ ou ‘jogo’ pela palavra ‘Internet’ (Blanco, Anglada, Pérez, &
Arbonés, 2002). O estudo de Young foi considerado um dos pioneiros relacionados ao uso da
Internet, no entanto recebeu várias críticas posteriores, principalmente no que tange a estrutura
subjacente da medida psicométrica proposta pela autora supracitada. Entretanto, apesar das
críticas, com seu estudo foi possível concluir que o vício na Internet é real, ainda que a Internet por
si só não seja viciante, mas a natureza interativa de alguns serviços pode ser viciante ou despertar
outros vícios psicológicos.
Ademais, a temática é abordada de maneiras distintas, dificultando uma melhor compreensão
e mensuração, uma vez que não há um consenso quanto a definição do construto, aliado a
ausência de critérios de diagnóstico universalmente aceitos e a falta de reconhecimento desta
patologia no DSM-5 (Associação Americana de Psiquiatria, 2013). Apesar disso, tem-se percebido
que as atividades realizadas offline seriam mais saudáveis do que aquelas online (Koronczai et al.,
2011), isto é, acredita-se que uma rotina de vida baseada em maiores interações com o mundo
real poderia ser mais proveitosa do que aquelas atividades com o uso da Internet; entretanto, são
inúmeros os benefícios na socialização a partir do uso dos aparelhos com Internet, porém com um
uso regular e não prejudicial (Abreu, Karam, Góes, & Spritzer, 2008).
Para além disso, Koronczai et al. (2011) apontaram a ausência de uma medida única e
universal para mensurar o fenômeno, devido a não convergência de terminologia e a escassez de
instrumentos que possuam validade e fidedignidade psicométrica. Pois, embora existam medidas
relacionadas a temática, tais como Brenner’s Internet-Related Addictive Behavior Inventory (Brenner,
1997), The Generalized Problematic Internet Use Scale (Caplan, 2002), the Online Cognition Scale (Davis,
Flett, & Besser, 2002), Chinese Internet Addiction Inventory (Huang, Wang, Qian, Zhong, & Tao, 2007),
estes e outros instrumentos de avaliação do UPI ainda não apresentam evidências psicométricas
consistentes.
Dado o exposto, Koronczai et al (2011) sugerem que para uma medida seja considerada
adequada para avaliar o uso problemático de internet, ela deve atender a seis requisitos básicos, a
saber: (1) examinar de forma abrangente, possivelmente todos os aspectos do uso problemático
da internet; (2) deve apresentar-se de maneira concisa, na medida do possível, seguindo o critério
da parcimônia, e adequando-se a população mais impulsiva, em um tempo reduzido de coleta,
(3) precisa apresentar valida e precisa em diferentes métodos de coleta de dados, tais como
online e autorrelato (lápis e papel); (4) ser apropriada para diferentes faixas etárias, (5) ser
utilizada em diferentes culturas e (6) apresentar pontos de corte, que devem ser definidos com
base em critérios e amostras clínicas.
A partir disso, e observando-se um número crescente de relatos clínicos sobre o tema, foi
construído inicialmente um questionário de 30 itens, com base nos estudos pioneiros de Young
e o Internet Addiction Test Problematic (IATP; Young, 1998a), este foi avaliado juntamente com
outras perguntas sobre o uso da Internet. Posteriormente, Demetrovics, Szeredi, e Rózsa, (2008)

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desenvolveram o Problematic Internet Use Questionnaire (PIUQ), composto por 18 itens, distribuídos
em três fatores: (a) Obsessão: refere-se uma fixação psicológica, ou seja, pensamentos obsessivos
sobre a Internet e sintomas de abstinência mental, tias como preocupação, ansiedade e depressão,
devido a incapacidade de acessar a Internet; (b) Negligência: quando a começa a negligenciar as
necessidades básicas e atividades diárias, tais como comer e trabalhar; e (c) Descontrole: definida
como a incapacidade de diminuir a quantidade de tempo gasto na Internet ou a autopercepção
de excesso, ou seja, ocorre quando apresentam-se as dificuldades de controlar o uso da internet
(Kelley & Gruber, 2010; Koronczai et al., 2011).
Especificamente, observa-se que a PIUQ, composta por 18 itens, tem apresentado indícios
confiáveis para avaliar a extensão das consequências do uso problemático da Internet, destacando-
se dos demais instrumentos supracitados. Posteriormente foi desenvolvido o Problematic Internet
Use Questionnaire Short Form (PIUQ-SF, Koronczai et al., 2011) composto por 9 itens distribuídos
em três fatores teóricos, supracitados (obsessão, negligência e descontrole). Ambas versões (18
itens e 9 itens) tem se demonstrado validas e confiáveis, mesmo considerando diferentes métodos
de coleta de dados ou faixa etárias distintas, tais como adultos e adolescentes (Demetrovics et al.,
2008; Koronczai et al., 2011) e em diferentes culturas, a exemplo dos Estados Unidos (Kelley &
Gruber, 2010), Pérsia (Ranjbar, Thatcher, Greyling, Arab, & Nasri, 2014), Eslovênia (Macur, Király,
Maraz, Nagygyörgy, & Demetrovics, 2016) e China (Koronczai et al., 2017).
Nesse sentido, ressalta-se a importância da realização de estudos neste campo, tendo em
vista os impactos desse fenômeno, principalmente os referentes a medidas psicometricamente
adequadas, que possibilitem pesquisar a temática de forma sistemática. Dito isto, e considerando
a necessidade de contar com instrumentos breves e concisos, que ajudem no avanço de pesquisas
(Demetrovics et al., 2008; Koronczai et al., 2011). Desse modo, tendo em conta o que foi exposto
até o momento, na presenta pesquisa, será considerada a versão reduzida do PIUQ, por ser um
instrumento mais parcimonioso e que tem se demonstrado adequado psicometricamente em
outros contextos.
Assim, esse estudo tem como principal objetivo adaptar e validar para o contexto brasileiro
a Problematic Internet Use Questionnaire Short Form (PIUQ-SF; Koronczai et al., 2011), buscando
averiguar evidências psicométricas de validade e precisão da medida, para tanto serão comparados
dois possíveis modelos: (1) o trifatorial como sugerido originalmente e (2) e o unifatorial. Tal
empreendimento se faz necessário, tendo em vista a escassez de medidas sobre o uso problemático
da internet em cenário nacional.

Método

Participantes

Contou-se com 210 participantes de dez estados brasileiros, tendo o Piauí (59%), Maranhão
(21,9%), Ceará (11,4%) como os com maiores números de partícipes. As suas idades variando entre
18 e 48 anos (M = 23,28; DP = 4,78), em maioria mulheres (57,6%), solteiras (90,5%), católicas
(63,8%), com salários em média variando entre 954 e 2.862 reais e que relataram usar a internet,
em média 5 (DP = 3,83) horas por dia.

Instrumentos

Problematic Internet Use Questionnaire Short Form (PIUQ-SF). Composto por 9 itens, que
são distribuídos equitativamente em três fatores, que apresentam boas evidências de precisão
em amostra de adultos: Obsessão (α)= 0,84; Negligência (α)= 0,77 e Descontrole (α)= 0,77

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 917


NO ONTEXTO BRASILEIRO
(Koronczai et al., 2011). Os itens são respondidos de acordo com escala do tipo likert de cinco
pontos, variando entre 1 (Nunca) e 5 (Sempre), além de um questionário de caracterização sócio
demográfica, com as seguintes perguntas: idade, sexo, nível de escolaridade, tempo que passa
conectado e renda familiar.

Procedimentos

Inicialmente, o PIUQ-SF foi submetido ao método do Back Translation. Dessa forma, a


medida foi traduzida para o português brasileiro e posteriormente, retraduzida para a língua nativa
(inglês), onde foi verificado se os itens das duas versões (português e inglês) eram equivalentes,
sendo consideradas as variações culturais. Após essa etapa, a medida passou por uma validação
semântica, contando com 20 participantes da população geral (público alvo da pesquisa), com
idades e níveis de escolaridade variados, sendo averiguado a deselegância ou dificuldades de
leitura e interpretação dos itens dos instrumentos utilizados (Pasquali, 2016).
Posteriormente, foi realizada a pesquisa empírica. Nessa etapa, os participantes foram
recrutados por meio das redes sociais (e-mail, whatsApp, Facebook ou Twiter), por convites individuais,
ou mensagens, solicitando que os mesmos respondessem a pesquisa. Aos participantes, eram
esclarecidos os propósitos da pesquisa, assegurado o anonimato, e garantido que a participação
não traria ônus ou bônus, e que apenas os pesquisadores responsáveis teriam acesso aos dados.
Todos os procedimentos utilizados nesta pesquisa seguiram as normas estabelecidas pela
Resolução 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. Foram necessários entre 10 a 15
minutos para participar pesquisa.

Análise de dados

Contou-se com o SPSS 21, realizando-se análises descritivas (tendência central) e cálculo
da consistência interna (Alfa de Cronbach) e homogeneidade. Com o AMOS 21, empregaram-
se análises fatoriais confirmatórias, considerando tais indicadores: (1) o χ² (qui-quadrado),
comprova a probabilidade de o modelo teórico se ajustar aos dados; considerando sua razão em
relação aos graus de liberdade (χ²/g.l.), seus valores devem ficar entre 2 e 3 (adequado), sendo
aceitável até 5; (2) o Comparative Fit Index (CFI) e 3) Tucker-Lewis Index (TLI), consideram-se valores
superiores a 0,90 (modelo ajustado); (4) a Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA), com
intervalo de confiança de 90% (IC90%), cujos valores devem ser ≤ a 0,05; admitindo-se até 0,10.
Para comparar os modelos alternativos contou-se com os indicadores: ∆χ², CAIC (Consistent
Akaike information Criterion) e ECVI (Expected Cross Validation Index). Diferença estatisticamente
significativa do ∆χ², penalizando o modelo com maior χ², e valores < de CAIC e ECVI sugerem um
modelo mais adequado. Ademais, foi avaliada a confiabilidade composta (CC), avaliada para
cada fator, é utilizado para superar a deficiência do alfa de Cronbach, que é influenciado pelo
número de itens (Tabachick & Fidell, 2013; Marôco, 2014).

Resultados

Os resultados serão a apresentados e estruturados em subseções, seguindo a ordem que


as análises foram realizadas, tendo como foco os parâmetros da do PIUQ-SF: validade fatorial
(construto) e consistência interna (precisão).

Evidências de validade de construto do PIUQ-SF

Inicialmente, foram realizadas Análises Fatoriais Confirmatórias (AFCs), visando reunir


evidências psicométricas de construto sobre o Problematic Internet Use Questionnaire Short Form (PIUQ-

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SF). Assim, buscou-se testar o modelo teórico composto por três fatores: Obsessão, Negligência e
Descontrole (Koronczai et al., 2011), confrontando com um modelo alternativo unifatorial, com
todos os itens da medida, saturando em um fator geral. Os resultados podem ser observados na
Tabela 1.

Tabela 1.
Comparação de três modelos da Problematic Internet Use Questionnaire Short Form.

RMSEA
F χ2 Gl χ2/gl TLI CFI CAIC ECVI Δχ2 (Gl)
(IC90%)
3 61,382 24 2,56 0,94 0,96 0,09 194,67 0,56
_
(0,08-0,11)
1 200,83 27 7,43 0,75 0,82 0,18 315,08 1,14 139,45 (3)*
(0,15-0,20)

Nota: F= Modelos: 3. Trifatorial (original) e 1. Unifatorial (alternativo). χ²/gl= razão qui-quadrado / graus de Liberdade;
CFI= Comparative Fit Index; TLI= Tucker-Lewis Index; RMSEA= Root-Mean-Square Error Aproximation, IC 90% = Intervalo de
Confiança de 90%; CAIC= Consistent Akaike Information Criterion; ECVI= Expected Cross-Validation Index; * p < 0,001.

Com base na tabela 1, observa-se que os resultados da SEM (Structural Equation Modeling)
demonstraram que o modelo unifatorial apresentou índices de ajuste bem abaixo do recomendado
[χ² (27) = 200,83, p < 0,001; χ²/gl= 7,43, CFI= 0,75, TLI= 0,82, RMSEA= 0,18 (IC90% = 0,15 – 0,20],
ou seja, inadequados, ao passo que o modelo original, composto por três fatores, apresentou
excelentes indicadores de ajuste, sendo adequados: [χ² (24) = 61,382, p < 0,001; χ²/gl= 2,56, CFI=
0,94, TLI= 0,96, RMSEA= 0,09 (IC90% = 0,08 – 0,11], fato corroborado pelos indicadores CAIC e
ECVI, que apresentaram valores menores no modelo trifatorial.
Além disso, ressalta-se que todas as saturações se encontram no intervalo comumente
esperado (0-1), sendo estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05). Em suma,
tendo em conta os valores apresentados na Figura 1, foram reunidas evidências de validade de
construto do PIUQ-FS, ou seja, os resultados encontrados dão suporte a estrutura trifatorial
composta por nove itens (três itens por fator). Como apresentado na Figura 1.

Figura 1. Estrutura composta por três fatores do PIUQ-SF.

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NO ONTEXTO BRASILEIRO
Com a estrutura trifatorial, posteriormente, averiguou-se as estatísticas descritivas e a
consistência interna (precisão) do Problematic Internet Use Questionnaire Short Form. Os resultados
estão sumarizados na Tabela 2 e serão brevemente descritos, considerando cada fator especifico.

Tabela 2.
Estatísticas descritivas, índices de precisão e correlações entre os fatores.
FATORES M DP α rm.i CC CORRELAÇÕES (r)
1. Obsessão 2,19 0,91 0,83 0,63 0,83 ―
2. Negligência 2,45 0,92 0,78 0,54 0,78 0,59** ―
3. Descontrole 2,29 0,92 0,82 0,59 0,76 0,55** 0,83** ―
1 2 3
Nota: M = média; DP = desvio padrão; α = Alfa de Cronbach; rm.i = Índice de homogeneidade; CC = Confiabilidade
Composta; r = correlação de Pearson, ** p < 0,001.

Fator I. Obsessão, composto por três itens (Item 01, Com que frequência você sente-se tenso, irritado
ou estressado se você não usa a Internet por vários dias?; Item 02, Com que frequência acontece de você sentir-se
depressivo, mal-humorado ou nervoso quando você não está conectado à Internet e esses sentimentos param assim
que você volta a se conectar?; Item 03, Com que frequência você sente-se tenso, irritado ou estressado se você não
pode usar a Internet o quanto gostaria?), que apresentaram um valor médio de 2,74 (DP= 0,87) e cargas
fatoriais que variaram entre 0,77 (Itens 01 e 02) a 0,83 (Item 03). A consistência interna (alfa de
Cronbach, α), foi de 0,83, a confiabilidade composta (CC = 0,83) e a homogeneidade (correlação
média inter-itens, ri.i )= 0,63, variando de 0,61 (Itens 01 e 02) a 0,66 (Item 01 e 03).
Fator II. Negligência, agrupa três itens (Item 05, Com que frequência você passa horas conectado quando
você deveria dormir?; Item 08, Com que frequência as pessoas que fazem parte da sua vida reclamam sobre você
passar tempo demais conectado?; Item 09, Com que frequência você negligencia tarefas domésticas para passar
mais tempo conectado?), com média de 2,45 (DP= 0,92). Os pesos fatoriais foram de 0,68, (Item 08)
a 0,77 (Item 09). A confiabilidade (α) foi de 0,78, a CC= 0,78 e a homogeneidade (ri.i)= 0,54, que variou
de 0,50 (Item 05 e 09) a 0,60 (Item 08 e 09).
Fator III. Descontrole, com três itens (Item 04, Com que frequência você tenta ocultar a quantidade
de tempo gasto conectado?; Item 06, Com que frequência acontece de você desejar diminuir a quantidade de
tempo gasto conectado, mas você não consegue?; Item 07, Com que frequência você sente que deveria diminuir
a quantidade de tempo gasto conectado?), com valor médio de 2,29 (DP= 0,92). Os níveis de saturação
(cargas fatoriais) variaram entre 0,61 (Item 04) a 0,89 (Item 06). A confiabilidade (α) foi de 0,81,
a CC= 0,76 e a ri.i= 0,59, variando de 0,50 (Itens 04 e 06) a 0,75 (Item 06 e 07).

Discussão

A presente pesquisa objetivou adaptar e verificar a adequação psicométrica do Problematic


Internet Use Questionnaire Short Form (Koronczai et al., 2011) para o contexto brasileiro. Entende-se
que o principal objetivo do estudo foi alcançado, pois a medida apresentou boas evidências de
validade de construto e consistência interna. Isto posto, a seguir serão discutidos os principais
achados, além de direcionamentos para estudos futuros.
A validade de construto, foi testada por meio de Análises Fatoriais Confirmatórias (AFCs),
onde o modelo trifatorial demonstrou-se mais adequado, refletindo os seguintes fatores a) Obsessão,
que envolve preocupações cognitivas obsessivas, além de sintomas de abstinência psicológica, que
ocorre quando existe um impedimento para o uso da internet; b) Negligência, correndo quando
áreas da vida que anteriormente eram tidas como importante são negligenciadas devido ao uso

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excessivo da internet e c) Descontrole, referente a dificuldades ou falta de controle, ou seja, um
desejo descontrolado de usar a Internet (Demetrovics, 2008; Koroncza et al., 2011). O modelo
supracitado foi posto à prova, comparando-o a outro unifatorial, que apresentou indicadores
de ajuste inferiores (Marôco, 2014), corroborando a solução trifatorial como a mais adequada
teórico e empiricamente.
Quando considerados os índices de consistência interna, avaliados pelo coeficiente alfa de
Chonbach e pela confiabilidade composta, além da homogeneidade da medida, os resultados
mostraram-se promissores. Dito isto, ressalta-se que os indicadores de precisão (alfa e a CC)
ficaram acima dos pontos de corte admitidos, ou seja, ≥ 0,70 para ambos (Marôco, 2014). Além
disso, o índice de homogeneidade (correlação inter-itens) também apresentaram-se dentro dos
limites sugeridos (> 0,20; Clark & Watson, 1995).
Ademais, entendendo que todo estudo científico apresenta limitações, este estudo apresenta
algumas que são elencadas na sequência. Inicialmente, a amostra que foi por conveniência (não
probabilística) de usuários da Internet, não sendo possível considerá-la representativas dos usuários
da Internet. Nessa direção, entende-se que apesar do esforço de angariar participantes de todas
as cinco regiões brasileiras, abrangendo uma amostra mais heterogênea, a mesma apresentou
um número reduzido de participantes (N=210), não refletindo assim, os usuários de internet da
população brasileira, portanto impossibilitando generalizações. Outra limitação refere-se ao fato
de medida ser de auto relato, que permite que haja o falseamento das respostas por parte dos
respondentes, influenciada pela desejabilidade social ou o estado afetivo atual do participante no
momento da coleta.
A despeito de possibilidades, recomenda-se que essa pesquisa seja replicada considerando
amostras mais representativas, heterogêneas ou distribuídas equitativamente, como por exemplo,
entre sexo ou distintas regiões do Brasil, que possibilitariam reunir evidencias complementares
de validade da medida, tais como a comparação de grupos, por meio da invariância fatorial, ou
considerando as validades convergente e discriminante. Além disso, recomenda-se estudos com
amostras clínicas que visem estabelecer critérios diagnósticos, oriundas do Brasil, que abordem
adequadamente os domínios do uso problemático da Internet, sugerindo pontos de corte que
ajudem a distinguir corretamente o uso normal e o patológico da Internet, uma vez que esta
distinção se configura como uma das principais dificuldades dos pesquisadores e profissionais
(Koronczai et al, 2011). Ademais, pode-se considerar outras variáveis, que funcionem como
antecedentes ou consequentes desse fenômeno, a exemplo da personalidade o vício no WhatsApp
ou regulação emocional (Chan & Leung, 2016).
Em suma, os resultados encontrados são animadores, pois a PIUQ-FS demonstrou ser
uma medida adequada para o contexto brasileiro, constituindo-se como uma ferramenta
parcimoniosa, composta por nove itens, que preservou a estrutura teórica trifatorial subjacente.
Assim, a mesma pode ser útil para subsidiar estudos que avaliem o uso problemático da internet,
a exemplo em contextos clínicos ou em pesquisas que demandem um tempo hábil do pesquisador,
possibilitando que a mediada seja relacionada a outras variáveis para um melhor entendimento
da temática.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 921


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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 923


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ESCALA DE AFETOS NEGATIVOS E POSITIVOS:
EVIDÊNCIAS DE VALIDADE
E PRECISÃO NO CONTEXTO PIAUIENSE
Larissa Fonseca Araujo
Emerson Diógenes de Medeiros
Gabriela Ellys de Araujo
Sebastiana Sarah Martins
Paulo Gregório Nascimento da Silva

Intoducão

K
oller e Paludo (2007), destacam que a Psicologia não deve restringir-se apenas aos
aspectos negativos e às psicopatologias, ao contrário, deve propor-se também a
otimizar áreas positivas dos seres humanos, aumentando as forças já existentes. A
Psicologia Positiva aponta para essa direção, lançando o olhar para o lado virtuoso, desenvolvendo
pesquisas empíricas nesse quesito e dando subsídios para que o homem encontre formas de
realização e aceitação (Seligman, 2004).
A Psicologia Positiva, uma das mais recentes abordagens na área, surgiu como tentativa de
ampliar o foco para além do patológico e teve início quando Seligman assumiu a presidência da
American Psychololycal Association (APA) em 1998 (Snyder, 2009). Desde então pesquisadores
em Psicologia Positiva vem promovendo discussão e pesquisas sobre as virtudes e forças pessoais,
observando que tais fatores servem para promoção de saúde mental, para tanto tem estudado
resiliência, florescimento, bem-estar subjetivo, satisfação com a vida, realização pessoal e felicidade
(Diener, Scollon, & Lucas, 2009).
Para Scorsolini-Comin (2011), o bem-estar subjetivo (BES) tem sido aceito como uma
alternativa para mensurar o constructo felicidade e inclui conceitos diversos que vão desde
modos momentâneos de humor, até julgamentos globais de satisfação de vida culminando em
uma avaliação geral do indivíduo sobre a própria vida. Zanon, Bastianello, Pacico e Hutz (2013),
categorizam o BES em duas dimensões: cognitiva e afetiva, sendo esta a própria vivencia da pessoa
de acordo com as suas emoções, tanto positivas quanto negativas, e aquela a forma como o
sujeito percebe e avalia sua satisfação com a vida.
Especificamente, a presente pesquisa foca no aspecto afetivo do bem-estar subjetivo, que
envolve os componentes emocionais, que podem ser divididos em afeto positivo e negativo. Os
afetos positivos e negativos refletem experiências básicas dos eventos cotidianos da vida das pessoas.
Assim, muitos pesquisadores afirmam que essas avaliações afetivas constituem como uma base
para julgamentos de BES (Kahneman, 1999). Tais avaliações afetivas podem ser entendidas como
emoções e estados de espírito. Embora hajam debates sobre a natureza e a relação entre estas
duas concepções (Morris, 1999), uma vez que as emoções são geralmente pensadas como reações
rápidas que estão vinculadas a eventos ou estímulos externos (Frijda, 1999). Enquanto estados

924  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de espirito, são considerados sentimentos afetivos mais difusos, que podem não estar ligados
a eventos específicos (Morris, 1999). Ao estudar os tipos de reações afetivas que os indivíduos
experimentam, os pesquisadores podem entender as maneiras que as pessoas usam para examinar
as condições e os eventos ocorridos em suas vidas (Diener et al., 2009).
Desde o estudo de Bradburn (1969), que observou que os afetos (positivos e negativos)
são relativamente independentes um do outro, a relação entre os dois componentes tem sido
controversa. Entretanto, atualmente, há extensa evidência mostrando que níveis proporcionais de
afeto negativo e positivo são independentes, mesmo quando diferentes instrumentos de medidas
são usados (Diener, & Emmons, 1985).
Devido a sua importância, é possível encontrar alguns instrumentos para a sua mensuração,
sendo dois amplamente utilizados, que são o Positive and Negative Affect Schedule (PANAS; Watson
& Clark 1988), composto por vinte itens que avaliam os afetos em duas dimensões, nomeadas de
negativos e positivos, com itens distribuídos equitativamente, onde as sentenças correspondiam
a adjetivos referente a estados afetivos e de humor. Posteriormente, Watson e Clark (1999),
desenvolveram a escala PANAS-X, uma versão expandida e aprimorada da anterior, com 60 itens,
que consistiam em adjetivos ou frases curtas relacionados a estados de humor (e.g. calmo, com
medo, orgulhoso, confiante).
Na tentativa de ampliar a avaliação de afetos e em consequência a avaliação da dimensão
emocional do bem-estar subjetivo, Zanon, Bastianello, Pacico e Hutz (2013) criaram a Escala
de Afetos, que, diferente da PANAS, é baseada em sentenças e não em adjetivos. Além disso, foi
pensada para a realidade brasileira e, portanto, evitou-se palavras que causem incompreensão ou
duplo sentido, como “arrojado” ou “excitado” presentes na PANAS.
Dessa forma, o objetivo geral deste estudo é validar a Escala de Afetos para o contexto
Piauiense, averiguando evidências de validade fatorial, precisão e poder discriminativo dos itens.

Método

Participantes

Contou-se com uma amostra não probabilística (por conveniência). Participaram da


pesquisa 221 estudantes universitários da cidade de Parnaíba, Piauí, com idades que variam de
17 a 46 anos (M = 21,51; DP = 4,59), sendo que (66,1%) eram do sexo feminino e (33,5%) do sexo
masculino, destes 42,1% eram do curso de psicologia e possuíam renda familiar média de 2054,34
(DP = 1606,55).

Instrumento

Utilizou-se a Escala de Afetos (EA) elaborada por Zanon, Bastinello, Pacico e Hutz (2013),
que contém 20 itens referentes a sentimentos e emoções, tanto passadas quanto presentes, de
aspectos positivos e negativos. As respostas deram-se por uma escala tipo Likert de 5 pontos, sendo
que quanto mais próximo de 5 mais o item descreve o sujeito e quanto mais próximo de um menos
o representa. O instrumento é de ordem bifatorial: 10 itens correspondendo ao fator positivo e os
demais ao fator negativo. Além disso, aplicou-se também o questionário sociodemográfico a fim
de caracterizar a amostra (sexo, idade, curso).

Procedimentos

Os participantes foram convidados a responder os questionários de forma individual. A


todos era esclarecido o caráter voluntário e que a participação na mesma não causaria danos ou
ônus aos participantes, além de ser ressaltado que não existiam respostas certas ou erradas, o

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 925


NO ONTEXTO BRASILEIRO
caráter anônimo da participação e que somente os pesquisadores responsáveis teriam acesso às
informações. Ademais, os participantes assinaram o Termo de Consentimento, logo em seguida
foram orientados a lerem atentamente o instrumento, entregue no formato lápis-papel. Estima-se
que o tempo início e conclusão da pesquisa foi de 10 minutos.

Análise de dados

Os dados foram analisados por meio do pacote estatístico SPSS, em sua versão 21.
Realizaram-se as Estatísticas Descritivas (medidas de tendência central e dispersão). Foi empregada
uma Análise multivariada da variância (MANOVA), para verificar o poder discriminativo dos
itens, além do índice KMO e do Teste de Esfericidade de Bartlett, que foram realizados com o
objetivo de decidir acerca da adequabilidade de se empregar uma análise fatorial. Realizou-se o
método de fatoração dos eixos principais, objetivando verificar a validade fatoral da medida, em
seguida, foram calculados os índices de consistência interna, referentes a precisão da escala, que
foi avaliado pelo coeficiente alfa de Cronbach, além de considerar a homogeneidade, que se refere
as correlações médias inter itens do instrumento.

Resultados e discussão

Os resultados serão apresentados em subseções, a partir do objetivo que se propõe as


análises estatísticas realizadas. Dessa forma, inicialmente será apresentado a qualidade métricas
dos itens da Escala de Afetos.

Poder discriminativo dos itens

Inicialmente, procurou-se conhecer o poder discriminativo dos itens, formando dois grupos,
partindo da mediana da pontuação total da Escala de Afetos Positivos e Negativos, considerando
a pontuação dos participantes com pontuação abaixo e acima da mediana formaram os grupos
critério inferior e superior, respectivamente. Por meio de uma MANOVA, pode-se verificar se seus
itens discriminam pessoas com pontuações próximas, a fim de decidir pela permanência destes
entre o conjunto que o compõe.

Tabela 1.
Poder discriminativo dos itens da Escala de Afetos.

Itens Grupos-Critério
Inferior (105) Superior (102) Constante
Positivos M DP M DP F P ɳ²p
02 2,54 0,84 3,76 0,71 125,264 0,001 0,379
03 2,72 0,91 3,78 0,70 87,554 0,001 0,299
06 3,27 0,90 4,26 0,78 72,172 0,001 0,260
08 3,79 0,88 4,55 0,59 52,320 0,001 0,203
09 3,00 1,01 4,31 0,67 120,462 0,001 0,370
13 3,10 0,96 4,20 0,66 92,387 0,001 0,311
14 3,70 0,96 4,38 0,63 35,824 0,001 0,149
15 3,18 0,95 4,38 0,63 94,796 0,001 0,316
17 3,02 0,95 4,00 0,80 64,612 0,001 0,240

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
18 3,32 0,93 4,37 0,63 90,548 0,001 0,306
Negativos M DP M DP F P ɳ²p
01 3,15 1,07 4,20 0,75 69,716 0,001 0,242
04 3,70 1,07 4,54 0,65 49,150 0,001 0,184
05 3,35 1,03 4,40 0,65 80,116 0,001 0,269
07 2,85 1.23 3.54 1,09 19,275 0,001 0,081
10 2,70 1,03 3,66 0,95 51,628 0,001 0,191
11 2,10 1,05 2,74 1,17 17,880 0,001 0,076
12 2,48 1,11 3,87 1,05 90,723 0,001 0,294
16 2,52 1,13 3,68 1,01 63,603 0,001 0,226
19 2,10 1,06 3,04 1,19 37,350 0,001 0,146
20 2,30 1,02 3,57 1,08 78,333 0,001 0,264

Considerando os resultados apresentados na Tabela 1, é possível observar que os dois fatores


da Escala de Afetos apresentam um poder discriminativo dos itens satisfatório, onde o conjunto de
todos os itens conseguindo diferenciar a média das pontuações de maneira adequada, ou seja,
p < 0,01. Especificamente, no fator referente aos Afetos Positivos, averiguou-se que os dez itens
discriminaram na direção esperada [Lambda de Wilks = 0,36, F (10, 196) = 34,800; p < 0,001, ɳ²p=
0,64], com o tamanho de efeito (ɳ²p) variando de 0,149 (item 14, Me dá prazer experimentar coisas
novas.) a 0,379 (item 02, Me sinto confiante no dia a dia..), sendo este último o item com o melhor
poder discriminativo. Após essa etapa iniciou-se a verificação da estrutura fatorial do instrumento
utilizando-se da análise fatorial exploratória.

Análise fatorial exploratória

Inicialmente, foi realizada uma análise fatorial exploratória, tendo como finalidade
conhecer a estrutura fatorial da matriz de correlações entre os 20 itens da EF. Nesse sentido,
através das estatísticas do índice de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o Teste de Esfericidade de Bartlett,
buscou-se comprovar a fatorabilidade dos dados a realização da análise exploratória. O critério
de Kaiser trabalha com as correlações parciais das variáveis, considerando-se valores iguais ou
superiores 0,60 (Tabachinick & Fidell, 2013), enquanto que o teste de Bartlett verifica se a matriz
de covariância é uma é uma identidade. Para que a matriz seja passível de ser classificada em
fatores, essa hipótese deve ser rejeitada (Pasquali, 2003).
Por meio dos resultados é possível observar os seguintes valores: KMO = 0,84 e Teste de
Esfericidade de Bartlett (190) = 1449,310; p < 0,001. Inicialmente, realizou-se essa análise sem fixar o
número de fatores a serem extraídos e a rotação. Assim, foi possível identificar a possibilidade de
extração de oito componentes com valores próprios (eigenvalue) superior a 1 (Critério de Kaiser).
A representação gráfica dos valores próprios (Critério de Cattell) observou que era mais adequada
a retenção de dois fatores, como pode ser observado na Figura 1.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 927


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Figura. 1. Representação Gráfica do Valores Próprios (Critério de Cattell).

É possível observar na distribuição gráfica dos valores próprios (Critério de Cattell) na figura
1 acima, que dois fatores se discrepam dos demais, ficando evidenciado ao ser traçada uma linha
(pontilhada); pode-se perceber que os demais valores próprios quase não se diferem uns dos
outros, demonstrando assim, uma estrutura com dois fatores.
Posteriormente, realizou-se uma Análise Fatorial Exploratória, considerando o método de
Fatoração dos Eixos Principais (Principal Axis Factoring, PAF), assim, procedeu-se a AFE, adotando a
rotação oblimin e fixando o número de fatores em dois, como teorizado. Ademais, foi considerado
como critério de saturação as cargas fatoriais com valores mínimos iguais ou superiores a |0,30|.
Os resultados desta análise podem ser observados na Tabela 2.

Tabela 2.
Estrutura fatorial da Escala de Afetos Positivos e Negativos.

Escala de Afetos Positivos e Negativos Fatores


Itens F1 F2 h²
15. Sinto orgulho de mim mesmo. 0,71* -0,18 0,51
17. Sou valente quando estou diante de um desafio. 0,66* 0,07 0,48
02. Me sinto confiante no dia a dia. 0,72* -0,28 0,54
06. Sou determinado para conseguir o que quero. 0,65* -0,10 0,43
18. Sou uma pessoa feliz. 0,64* -0,43 0,50
03. Sou corajoso. 0,62* -0,10 0,38
13. Em geral me sinto forte para superar as dificuldades da vida. 0,62* -0,23 0,39
09. Muitas situações me deixaram alegre nos últimos tempos. 0,58* -0,28 0,36
20. Tenho me sentido triste ultimamente. -0,55 0,52* 0,47
08. Sou apaixonado por algumas coisas que eu faço. 0,48* -0,10 0,23
14. Me dá prazer experimentar coisas novas. 0,41* 0,02 0,19

928 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
19. Nos últimos tempos ocorreram situações em que me senti humilhado. -0,35 0,33* 0,19

16. Eu me irrito facilmente. -0,07 0,62* 0,39


12. Ultimamente ocorreram situações em que senti muita raiva de algu- -0,18 0,59* 0,35
mas pessoas.
01. Muitas vezes eu fico nervoso. -0,18 0,59* 0,34
10. Fico zangado quando sou contrariado. 0,01 0,53* 0,29
04. Tenho me sentido cansado nos últimos meses. -0,16 0,50* 0,25
05. Ando muito preocupado nos últimos tempos. -0,34 0,49* 0,29
11. As pessoas dizem que sou mal-humorado. 0,02 0,38* 0,16
07. Me sinto culpado por coisas que fiz no passado. -0,12 0,27 0,08
Número de itens 10 9
Valor próprio 4,83 1,98
Variância explicada 24,16% 9,10%
Alfa de Cronbach 0,86 0,76
Homogeneidade 0,38 0,26

Nota: * Item retido no fator, valores iguais ou superiores a |0,30|; F1= Afetos Positivos; F2 = Afetos Negativos; carga
fatorial considerada satisfatória, isto é, > |0,30|; h² = comunalidade.

Dessa forma, como pode ser observado na Tabela 2, a medida ficou composta por dois
fatores, permitiu explicar conjuntamente 33,26%. da variância total. Ademais, como evidenciado
na tabela 1, dois itens apresentaram carga fatorial alta em mais de um fator (Caso dos itens 20 e
19, respectivamente). Entretanto, esses itens foram mantidos devido o tipo de rotação utilizada
(Oblimin), que admite que os itens possam saturar mais de um fator, devido a suposição que os
fatores sejam correlacionados entre si (Damásio, 2012), ressaltando-se que os itens supracitados
foram mantidos no fator indicado teoricamente. Assim, os fatores ficaram distribuídos da seguinte
maneira:
Fator I. Este fator ficou composto por dez itens (02, 03, 06, 08, 09, 13, 14, 15, 17 e 18) e
foi denominado de Afetos Positivos, apresentando um maior valor um valor próprio de 4,83, que
explicou 24,16% da variância total. Os itens apresentaram cargas fatoriais que variaram entre
0,41, (item 14, Me dá prazer experimentar coisas novas.) e 0,71, (item 06, Sinto orgulho de mim mesmo.). O
índice de consistência interna foi medido através do coeficiente alfa de Cronbach (α), que apresentou
um valor de 0,86, que é considerável aceitável. Além disso, visando assegurar mais evidências de
consistência interna, verificou-se o índice de homogeneidade (correlação média inter itens/ ri.i),
que apresentou uma média de 0,38, variando de 0,13 (Itens 06 e 14) a 0,57 (Itens 06 e 17).
Fator II. Este fator ficou composto por nove itens (01, 04, 05, 10, 11, 12, 16, 19 e 20), sendo
nomeado de Afetos Negativos. O item 07 (Me sinto culpado por coisas que fiz no passado.) não conseguiu
atingir a carga fatorial mínima estabelecida pela literatura, de 0,30, optando-se, por excluí-lo.
Assim, esse fator apresentou um valor próprio de 1,98 e sua variância explicada foi de 9,10%.,
com cargas fatoriais variando entre 0,33, (item 19, Nos últimos tempos ocorreram situações em que me
senti humilhado.) a 0,62, (item 16, Eu me irrito facilmente.). O índice de consistência interna, alfa de
Cronbach (α), obtido nesse fator foi de 0,76. Além disso, averiguou-se o índice de homogeneidade
(correlação média inter itens/ ri.i), apresentando uma média de 0,26 variando de -0,04 (Itens 05 e
11) a 0,56 (Itens 04 e 05).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 929


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Considerações finais

A presente pesquisa objetivou validar para o contexto piauiense a Escala de Afetos Positivos
e Negativos, além de averiguar evidências de precisão da medida. Para tanto, foi considerada uma
amostra composta por estudantes universitários, residentes no interior do Piauí. Estima-se que o
principal propósito desta pesquisa tenha sido alcançado, pois a EF reuniu evidências favoráveis de
sua adequação em cenário piauiense, ficando composta por 19 itens, dos 20 do estudo original
(Zanon et al., 2013).
Entretanto, mesmo que tenha sido alcançado o objetivo proposto, ressalta-se que a presente
pesquisa não está isenta de limitações, que tais como a amostra, que foi por conveniência não
probabilística, de estudantes de apenas uma instituição de ensino superior. Tal fato impossibilita
que os resultados extrapolem a âmbito amostral, impedindo a generalização dos resultados. Dito
isto, entende-se que esta pesquisa não teve o objetivo de generalizações, mas verificar e apresentar
uma medida de afetos, com boas qualidades métricas para o contexto piauiense. Ademais, sem
deixar de reconhecer as limitações já mencionadas, parece pertinente discutir os principais achados
da pesquisa.
Nessa direção, a EA demonstrou ser adequada, fato que foi comprovado devido os
indícios favoráveis de validade fatorial, além de apresentar boa consistência interna (precisão)
da medida, pois os dois fatores alcançaram alfas satisfatórios, variando entre 0,76 e 0,86, que
são considerados índices aceitáveis, ou seja, > = 0,70 (Cohen, Swerdlik, & Sturman, 2014). Além
disso, considerando a limitação do alfa de Cronbach, que sofre influência do número de itens,
buscou-se evidências complementares de fidedignidade da EA, por meio da homogeneidade, que
é representada pela correlação média inter itens (rm.i), que foram aceitáveis nos dois fatores, ou
seja, com valores situados acima de 0,20 (Clark & Watson, 1995).
Na possibilidade de estudos futuros, recomenda-se que sejam realizadas mais investigações
com amostras maiores e diversificadas, visando corroborar os achados até o momento,
confirmando a estrutura encontrada pelos no estudo original (Zanon et al., 2013), além de
compará-la com a medida apresentada na presente pesquisa, composta por 19 itens. Para tanto,
recomenda-se que sejam utilizados de métodos estatísticos mais sofisticados, a exemplo da
análise confirmatória, podendo, inclusive, realizar a invariância multigrupos, visando angariar
evidências complementares de validade de construto, além da Teoria de Resposta ao Item (TRI),
que possibilitará propor uma medida mais parcimoniosa.
Seria igualmente interessante que através dessa medida fossem verificados outros tipos de
validade como a convergente e a discriminante, permitindo encontrar possíveis relações entre o
construto afetos e outras escalas, tais como satisfação com a vida, otimismo ou florescimento.
Recomenda-se também que em pesquisas posteriores sejam utilizadas análises que possibilitem
elaborar modelos explicativos que incluam os afetos.
Em resumo, mesmo com estes resultados positivos, recomenda-se que pesquisas
como essas continuem a ser realizadas na tentativa de contribuir com a literatura acerca da
temática, principalmente em âmbito nacional. Ademais, os resultados apresentados até o
momento, servem apenas como uma abordagem inicial das características psicométricas da
escala, necessitando de estudos posteriores, uma vez que se trata de um instrumento novo,
necessitando que seja apresentado um escopo maior de provas satisfatórias de sua adequação,
que justifiquem utilizá-la em pesquisas voltadas a construtos advindo da Psicologia Positiva
ou da Psicologia em geral.

930  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 931


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ESTRESSE: UM ESTUDO REALIZADO COM
ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS
Maria Isabele Ferreira
Sara Moreno Costa
Ana Lúcia Trindade Martins

Introdução

O
conceito de “estresse” é amplo e estudado por muitas vertentes, tornando-se parte
do senso comum. Está ligado a capacidade de adaptação e à mudança. Apesar da
existência de um consenso sobre o estresse, a sua definição é questionada, gerando
maiores discussões quando se estuda o tema (Filgueras & Hippert,1999; Faro & Pereira, 2013).
Diante das variadas disciplinas que estudaram a temática do estresse surgiram novas correntes,
dando origem a muitas outras concepções, por exemplo, as abordagens fisiológicas e bioquímicas
destacaram a importância da resposta orgânica; algo interno ao indivíduo. Nas abordagens
psicológicas e sociais enfatizaram os estímulos estressores com o foco nas situações externas
(Caldera, Pulido, & Martínez, 2007).
Hans Selye (1936) considerado pai do estresse, foi um dos precursores ao utilizar esse termo.
Após inúmeras pesquisas, voltado ao campo da fisiologia, usou o termo “stress”, designando
como uma resposta inespecífica do organismo aos estímulos internos ou externos, ou seja, alguma
situação estressante. O estresse é um estado manifestado por meio da Síndrome de Adaptação
Geral (SGA), apresentando três fases: alarme, resistência e exaustão, sendo encontrado em
qualquer uma das fases.
No Brasil, Lipp (2003) após estudar o modelo Trifásico de Selye, considera a existência de
uma quarta fase. A “fase de quase exaustão”, que ocorre entre a fase de resistência e exaustão.
A nova etapa proposta por Lipp, é caracterizada pelo surgimento de doenças, também pelo
enfraquecimento da pessoa, onde a mesma não consegue se adaptar ou resistir a um estressor.
Embora, os sintomas se manifestem, as pessoas ainda conseguem trabalhar, algo que não se pode
realizar na fase de exaustão. A autora cita o estresse como um estado de tensão que causa uma
ruptura no equilíbrio interno do organismo.
Na Psicologia, o estresse é considerado como estado de tensão emocional desagradável, sendo
acompanhado por irritabilidade, distúrbio de sono e do apetite, dificuldade na concentração e
aflição excessiva com o contexto (Paz, 2014). Na visão interacionista de Lazarus e Folkman (1984)
o estresse é definido diante da interação entre indivíduo e ambiente, onde o evento é dito como
estressante quando limita ou excede seus recursos, prejudicando seu modo de vida. Quando se
considera um acontecimento estressante, este depende da avaliação cognitiva do indivíduo, cada
enfrentamento ao estressor é único, pois cada indivíduo reage de forma diferente.
O estresse é uma reação intensa do organismo perante a qualquer tipo de acontecimento,
seja bom ou ruim. A Organização Mundial da Saúde (OMS) acredita que o estresse é o mal do

932  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
século XXI e principal causador de doenças crônicas (Silva & Brigante, 2013). Frequentemente, a
palavra estresse é usada para se referir a uma doença, sendo resultado da sociedade e do modo
de vida, em que as condições trazem impacto negativo a saúde. O estresse é um estado em que
o indivíduo sofre uma série de distúrbios diferentes, consequentemente, causados por uma má
adaptação ao ambiente. Contudo, esses transtornos podem ser controlados, no entanto, implica
em mudanças nos hábitos de vida (Ávila, 2014).
O estresse pode atingir qualquer indivíduo, visto que a sociedade por completo está
submissa ao excesso de condições estressantes, que ultrapassam a parte física e emocional de
resistir (Lipp & Malagris, 2001). Em determinadas situações da vida, as pressões biopsicossociais
são responsáveis por desequilíbrio na homeostase do corpo. Essas pressões desencadeadoras
do estresse podem ser vivenciadas em diversos momentos na vida pessoal, social e, não sendo
diferente na vida acadêmica (Monteiro, Freitas, & Ribeiro, 2007).
O estresse no ambiente universitário engloba variáveis inter-relacionadas: estressores
acadêmicos, experiência subjetiva, moderadores do estresse acadêmico, e por fim, os efeitos
do estresse acadêmico. A entrada na Universidade gera mudanças significativas ao aluno,
possibilitando o contato com estressores específicos, como medo, ansiedade, insegurança,
dúvidas acerca da profissão escolhida, maiores responsabilidades, além do distanciamento da
família. O estresse acadêmico afeta o estado emocional, a saúde física e as relações interpessoais
(Calais et al., 2007; Monzón, 2007).
Segundo Macias (2006) o estresse acadêmico é um processo sistêmico de origem adaptativa
e psicológica. O autor apresenta três momentos: 1) o aluno é submetido a uma série de exigências,
onde o próprio aluno considera estressante. 2) esses estressores causam um desequilíbrio sistêmico,
sendo manifestada em diversos sintomas. 3) o desequilíbrio no momento estressante impõe ao
aluno praticar ações de enfrentamento para manter equilíbrio sistêmico.
A realidade acadêmica demanda do aluno um maior esforço, onde este tem a necessidade
de controlar sua ansiedade. Além disso, cobra-se um alto desempenho, sendo importante uma
boa concentração. Considera-se que a incansável rotina de estudos seja um fator potencializador
para a manifestação do estresse (Mondardo & Pedon, 2012). Diversos estudos surgem para
compreender o estresse entre estudantes. Estima-se que a prevalência de distúrbios psiquiátricos
entre os estudantes é cerca de 15% a 25% (Lima, Soares, Prado, & Albuquerque, 2016).
As formas de moradia podem contribuir para o surgimento de sintomas estressantes. De
qualquer maneira, o aluno deve buscar formas de adaptação à nova rotina. Estudantes que vivem
em residências públicas; certamente são obrigados a conviver com diferentes indivíduos, a grande
maioria, moram distante dos pais e o nível socioeconômico é baixo. Por outro lado, os estudantes
com uma maior autonomia financeira; vivem em residências particulares, adequando-se as tarefas
domésticas. Geralmente, a falta de privacidade e o barulho atrapalham a rotina de estudos, além
disso, o aluno tende a administrar as despesas (Lameu, Salazar, & Souza, 2016).
A vida do acadêmico tende a ser mais estressante nos últimos períodos do curso, isto é,
nesse momento, as reações emocionais são diversas. Essa intensidade pode ser explicada por prazo
mais rigoroso de atividades, relatórios de estágio, seminários, além do Trabalho de Conclusão de
Curso, que deve ser defendido (Assis, Silva, Lopes, Silva, & Santini, 2013).
O estresse pode portar de efeitos positivos e negativos, sendo possível o enfraquecimento
ou não do organismo, esse fator depende da forma que o indivíduo dispõe de suas habilidades de
administra-lo, da intensidade, ou seja, algumas pessoas são mais vulneráveis ao estresse, devido
as características genéticas e ambientais (Junior, Cardoso, Domingues, Green, & Lima,2014).
Os efeitos do estresse comprometem a saúde, sendo geradores do desenvolvimento
de inúmeras doenças, além disso, causam prejuízos para a qualidade de vida e a eficiência do
indivíduo. Nesse sentido, é necessário aprender e prevenir o estresse, pois aquele que coloca

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 933


NO ONTEXTO BRASILEIRO
em prática maneiras para evitar situações estressoras pode desfrutar de um estilo de vida mais
satisfatório. Diante disso, busca-se maneiras de reduzir o estresse (Sadir, Bignotto, & Lipp; 2010;
Pereira, 2009).
Lazarus e Folkman (1986) consideram que há dois tipos de estratégias de enfretamento
ao estresse, também chamado de “coping” na língua inglesa. Uma das funções está situado no
problema, ou seja, na causa, a fim de mudar ou eliminar o fator estressor. A outra estratégia
está focada na emoção, com a função de amenizar ou reduzir as sensações físicas provocadas
por situações estressantes presentes nas ocasiões estressoras que não podem ser modificadas. O
“coping” está intimamente relacionado com a avaliação cognitiva de situações analisadas como
estressantes, ademais, pode ser compreendido como um estilo pessoal de superar o estresse
(García & Zea, 2011).
Cohen, Kamarck e Mermelstein (1983) ao estudarem o estresse elaboraram a Perceived Stress
Scale – PSS (Escala de Estresse Percebido, com o propósito de medir o grau em que as situações
na vida são avaliadas como estressantes. Os itens da PSS foram projetados para aproveitar o grau
em que os entrevistados acham suas vidas imprevisíveis, incontroláveis e sobrecarregadas: três
questões centrais para a avaliação do estresse. Os inquiridos são questionados com que frequência
no último mês eles experimentaram sentimentos específicos. Como exemplos, os itens na escala
de 4 itens perguntam sobre “capacidade de controlar coisas importantes em sua vida”, “sentir-se
confiante sobre sua capacidade de lidar com problemas pessoais”, “sentir que as coisas estavam
indo ao seu caminho” e “dificuldades para empilhar tão alto que você não poderia superá-los “.
Em suma, a escala tenta representar situações em que as pessoas percebem que suas demandas
excedem sua capacidade de lidar.
O presente artigo buscou avaliar a presença de estresse em alunos de uma universidade de
Parnaíba – PI, com o objetivo de adaptar e validar a Perceived Stress Scale (PPS-14) para mensurar o
estresse percebido entre universitários.

Método

Amostra

Contou-se com uma amostra não-probabilística (por conveniência) de 244 estudantes


universitários de uma Instituição Ensino Superior Pública da cidade de Parnaíba – Piauí. Com
idades que variaram de 17 a 64 anos (m = 21,75; dp = 6,37), em sua maioria do sexo feminino (57,8
%), solteiro (70,5%) e renda média de 2574,54, (dp: 2356,13).

Instrumento

Foi utilizada a versão traduzida da Perceived Stress Scale (Escala de Estresse Percebido). Trata-
se de um instrumento que possui 14 itens na sua versão original e unidimensional.
Os 14 itens possuem opções que variam de 1 a 5 (1=Nunca, 2=Quase Nunca, 3= Às vezes,
4=Quase sempre e 5=Sempre). Os itens (4, 5, 6, 7, 9, 10 e 12) são de conotação positiva e devem
ser invertidos, sendo, 1=5, 2=4, 3=3, 4=2, 5=1. A outra metade dos itens são de origem negativa.
Existem versões reduzidas da escala PSS; versões da PSS-10 com dez itens; versões PSS-4 com
quatro itens.
Ressalta-se que a escala foi adaptada ao contexto brasileiro. Os itens foram traduzidos de
acordo com a equivalência semântica, analisou-se a equivalência cultural, verificando a coerência
dos termos utilizados em nosso país. Examinou-se a validade de conteúdo.

934  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Análise dos dados

Utilizou-se o programa estatístico IBM SPSS na versão 21 para analisar os dados. No programa
foram retiradas medidas de tendência central (medidas de tendência central e dispersão) das
variáveis sociodemográficas, objetivando caracterizar a amostra descrita. Foi rodado a Analisa
Multivariada da Variância (MANOVA) para analisar a discriminação dos itens. A fim de verificar a
estrutura fatorial da escala, foi realizada uma Análise Fatorial Exploratória. Por fim, na análise de
consistência interna da escala foi utilizado o coeficiente alfa de Cronbach.

Resultados

Poder discriminativo dos itens

Para verificar a qualidade métrica dos itens, ou seja, se eles conseguem distinguir sujeitos
com pontuações próximas foi executado a somatória de dos itens da Perceived Stress Scale, logo
após, foi retirada a mediana para então dividir em grupos critérios superiores e inferiores. Por
último, foi utilizado a MANOVA para comparar os valores de cada item entre os dois grupos. Os
resultados são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1.
Poder discriminativo dos itens

GRUPOS CRITÉRIOS
INFERIOR SUPERIOR CONTRASTE
Itens M DP M DP F p n²p

1 2,73 0,10 3,93 0,08 87,95 0,001* 0,316

2 2,40 0,10 3,95 0,08 131,20 0,001* 0,409

3 2,91 0,97 4,37 0,07 137,27 0,001* 0,419

4 2,56 0,11 2,80 0,89 2,759 0,098 0,014

5 2,79 0,99 2,99 0,79 2,346 0,127 0,012

6 2,10 0,10 3,36 0,81 73,627 0,001* 0,279

7 2,47 0,09 3,51 0,76 50,703 0,001* 0,211

8 2,93 0,11 3,94 0,08 25,741 0,001* 0,119

9 2,47 0,11 3,19 0,08 28,855 0,001* 0,132

10 2,59 0,10 3,28 0,80 87,263 0,001* 0,315

11 2,60 0,10 3,85 0,08 175,33 0,001* 0,495

12 3,00 0,10 3,28 0,08 4,593 0,033 0,024

13 2,08 0,11 3,55 0,08 104,45 0,001* 0,355

Nota: *Item discriminativo (p<0,01).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 935


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Conclui-se que apenas dez itens da escala PPS se mostraram com poder discriminativos. Os
itens 4. No último mês com que frequência enfrentou com sucesso coisas aborrecidas e chatas? (p=0,098),
5. No último mês com que frequência sentiu que estava a enfrentar com eficiência mudanças importantes que
estavam a ocorrer na sua vida? (p=0,127) e 12. No último mês com que frequência foi capaz de controlar o seu
tempo? (p=0,033) apresentaram medidas métricas p>0,001, portanto, não discriminativos. Diante
disso, foram excluídos da amostra. O tamanho de efeito n²p variavam entre 0,119 no item 8 (No
último mês com que frequência reparou que não conseguia fazer todas as coisas que tinha que
fazer?) e 0,495 no item 11 (No último mês com que frequência se sentiu irritado com coisas que
aconteceram e que estavam fora do seu controle?).
Análise Fatorial Exploratória
Diante dos dados da pesquisa, optou-se por aplicar a análise fatorial exploratória (AFE)
com o método de extração dos eixos principais. Diante disso, verificou-se se os dados são
indicados para a fatoração. Calculou-se os índices de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO)=0,782 e o teste de
Barllett= 705,50 (45), p<0,001. Os resultados demonstraram que as matrizes de correlações são
significativas para continuar a análise.
De início, realizou-se a AFE sem fixar o número de fatores a extrair. Utilizando os critérios
de Kaiser observou-se três fatores com autovalores superiores a um. O critério de Cattel na figura
1, indica a existência de um único fator. Por fim, realizou-se a Análise Paralela (AP), com um
propósito de diminuir as dúvidas em relação aos fatores. De acordo com esse mecanismo, foi
delimitado dois fatores.

Figura 1- Critério de Cattel

Executado todos os procedimentos, em vista, das dúvidas quanto aos fatores, sugere-se
seguir a teoria. Contudo, foi realizada uma nova Análise Fatorial Exploratória (AFE), com um

936  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
único fator. Logo, fixou a extração de um fator, apropriando o critério de saturação mínima e
superior a |0,30|. Os resultados são demonstrados na Tabela 2.

Tabela 2.
Estrutura Fatorial da Perceived Stress Scale
Cargas Fatoriais
Itens
F1 F2
1. No último mês com que frequência se sentiu aborrecida com algo que ocorreu 0,70* -0,19
inesperadamente?
2. No último mês com que frequência se sentiu que era incapaz de controlar as 0,66* -0,03
coisas que são importantes na sua vida?
3. No último mês com que frequência se sentiu nervoso ou estressado? 0,65* 0,10

6. No último mês com que frequência se sentiu confiante na sua capacidade para 0,62* 0,05
lidar com os seus problemas pessoais?
7. No último mês com que frequência sentiu que as coisas estavam a correr como 0,60* -0,26
queria?
8. No último mês com que frequência reparou que não conseguia fazer todas as 0,49* 0,51
coisas que tinha que fazer?
9. No último mês com que frequência se sentiu capaz de controlar as suas 0,47* 0,22
irritações?
10. No último mês com que frequência sentiu que as coisas estavam a correr pelo 0,46 0,08
melhor?
11. No último mês com que frequência se sentiu irritado com coisas que 0,02 0,93*
aconteceram e que estavam fora do seu controle?
13. No último mês com que frequência sentiu que as dificuldades se acumularam 0,11 0,78*
ao ponto de não ser capaz de as ultrapassar?

Número de itens 7 3
Valores próprios 7,92 1,79
Variância explicada 39,64% 8,95%
Alfa de Cronbach 0,83 0,79

Além disso, os resultados apresentaram um Alfa de Cronbach de 0,80. Diante disso, os


dados indicam níveis de precisão adequados.

Discussão

De acordo com Ribeiro e Marques (2009), o estresse é algo ambíguo e complexo. Por um
lado, o estresse tem sua origem na biologia, porém, mais tarde, se faz presente na psicologia e,
em diversas nuances. A ambiguidade se mostra, devido, o stress está relacionado aos conceitos
patológicos, como depressão e ansiedade.
No âmbito nacional, encontrou-se instrumentos de mensuração do estresse, no entanto,
de forma restrita. Paschoal e Tamayo (2004) criaram a Escala de Estresse no Trabalho (EET).
Ressalta-se que a PSS vem sendo validada por diversos países, como EUA, Espanha e Portugal.
No Brasil, os autores Luft, Sanches, Mazo e Andrade (2007) validaram a Perceived Stress Scale (PPS)
para idosos.
No artigo original de Cohen (1983) usa-se o método da Análise dos Componentes Principais
(ACP). Todavia, no presente artigo utilizamos a Análise Fatorial Exploratória com o método do eixo

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 937


NO ONTEXTO BRASILEIRO
principal. Damásio (2012) trata a ineficiência da ACP para a psicologia. Ademais, as saturações das
cargas fatoriais foram apropriadas acima de |0,30| e, em relação a precisão da medida, os índices
foram aceitáveis, ou seja, superiores a 0,70; ambos os valores são recomendados pela literatura.
As características psicométricas da Perceived Stress Scale (PSS -14) preencheram os critérios de
consistência interna, boa validade e bons níveis de precisão, visto isso, confia-se que o objetivo foi
alcançado. Apesar da exclusão de alguns itens, por apresentar baixas cargas fatoriais; os resultados
se assemelham com outras validações da PPS. Uma limitação desta pesquisa, é o fato da amostra
ter sido somente realizada com estudantes universitários. Portanto, reitera-se que mais pesquisas
sejam realizadas com diferentes públicos.

Considerações Finais

De acordo com o presente artigo, o estudo revelou uma versão dos alunos universitários
da cidade de Parnaíba (PI) a respeito da problemática do estresse por eles vivenciado no âmbito
acadêmico. Verificou-se que isso implica de forma negativa no desenvolvimento das suas atividades
acadêmicas. Ademais, a qualidade da sua saúde mental é prejudicada, podendo deixá-los mais
ansiosos, irritados e deprimidos.
Diante do que foi apresentado, observa-se que o acúmulo de dificuldades e a facilidade
de se irritar devido à falta de controle mostra o quanto estão sobrecarregados, seja pela falta de
tempo por causa da distribuição da carga horária ou pelo excesso de atividades propostas pelos
professores, sem excluir os assuntos pessoais. Desse modo, verifica-se que o estresse exige esforços
tanto físicos como psicológicos, seja de forma positiva ou negativa, para lidar com as situações.
Portanto, ao expor os resultados deste estudo demonstra uma necessidade de ampliar
as possibilidades de uma melhoria na organização dos cursos de graduação, a fim de tornar o
ambiente acadêmico mais produtivo e menos desgastante. Ainda se espera que sejam utilizadas
estratégias para auxiliarem os estudantes, por exemplo, dando mais assistência e uma melhor
distribuição da carga horária. Assim visa tornar algo menos estressante.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ESCALA DE ESTIGMA SOBRE PEDÓFILOS: EVIDÊNCIA
DE VALIDADE FATORIAL E CONSISTÊNCIA INTERNA
NO BRASIL
Bruna Paulino de Araújo Falcão
Rildesia Silva Veloso Gouveia
Alessandro Teixeira Rezende
Camilla Vieira de Figueiredo
Maria Aparecida Trindade

Introdução

A
pedofilia pode ser definida como uma atração sexual por crianças que se encontram
na fase da pré-puberdade, sendo caracterizada por recorrentes pensamentos,
fantasias e comportamentos sexuais voltados para infantes (Azambuja, 2006;
Seto, 2012). Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V, 2014),
trata-se de um desvio sexual categorizado como parafilia, e que, para ser diagnosticado, solicita
o cumprimento de critérios específicos (tempo de duração das fantasias, sofrimento intenso,
dificuldades interpessoais etc.) que existem, tal como descreve o Manual, para serem aplicados
tanto a sujeitos que revelam abertamente essa parafilia quanto àqueles que negam qualquer forma
de atração sexual por crianças, apesar de haver evidências concretas do contrário (DSM-V, 2014).
Os indivíduos que sofrem desse transtorno podem reconhecer seu intenso interesse sexual
por crianças, afirmando que este é maior ou igual ao interesse por indivíduos maduros, ou ainda,
que é exclusivo a pré-púberes. Nesse caso, se essas pessoas afirmam que suas preferências são causa
de angústia e dificuldades psicossociais, podem ser diagnosticadas com transtorno pedofílico
(DSM-V, 2014), contudo, se demonstram não sentir culpa ou vergonha por essas razões, e seu
relato e história legal indicam que jamais colocaram em prática suas vontades, essas pessoas,
então, apresentam orientação sexual pedofílica, mas não transtorno pedofílico (DSM-V, 2014).
A prática do sexo pedofílico detém diferentes significados que se sustentam em razão de
variâncias culturais, sendo frequente que este tipo de ato ocorra em diversas partes do mundo,
principalmente em países do oriente (Dexheimer, 2009). Por outro lado, há pessoas, grupos e
sociedades que se posicionam fortemente contra a licitude desta prática, argumentando que
adultos que se envolvem em relações sexuais com meninos ou meninas pré-púberes devem ser
considerados perversos, independentemente do “consentimento” do menor (Islam, 2015).
Na literatura acerca desta temática é possível encontrar artigos (Bailey, 2015; Seto, 2012)
que se propõem a investigar se a pedofilia pode ser denominada como uma orientação sexual,
assim como a bissexualidade, ou se trata de uma forma extrema de perversão, fundamentando-se
como uma desordem psiquiátrica. Em vista disso, há um consenso razoável por definir pedofilia
como uma irregularidade psicológica, não inata, e passível de tratamento, como, por exemplo,
através da terapia cognitiva (Islam, 2015).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 941


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Não obstante, a pergunta “pedofilia é uma orientação sexual?” se faz relevante ao passo que
influencia na ciência, na prática clínica, assim como nas políticas públicas (Seto, 2012). Para a
ciência, a temática tem sido foco de pesquisas acerca da etiologia do quadro e do desenvolvimento
sexual em diferentes idades; para tanto, têm-se utilizado de uma diversidade de técnicas, métodos
e procedimentos científicos que buscam elucidar estas questões. Em relação à clínica, as
investigações em pedofilia podem moldar as hipóteses diagnósticas, avaliação e prognóstico do
transtorno; e, por sua vez, no contexto das políticas públicas, a resposta pode afetar as percepções
e estigmatizações da sociedade, o que implica na modificação de leis cíveis e políticas contra a
discriminação de orientação sexual ou, ao menos, a menor associação subjetiva entre pedofilia
(transtorno) e abuso sexual de crianças (ato criminoso contra a autodeterminação sexual de um
menor) (Feelgood,&Hoyer, 2008).
Supõe-se que a escassez de estudos empíricos no Brasil que visem a investigar esta temática
se deve, entre outras razões, ao fato de que a pedofilia é um construto de difícil mensuração,
sobretudo, em razão dos altos índices de desejabilidade social associados a esta questão.
Enquanto métodos de mensuração explícita que exploram crenças estigmáticas, como racismo
e homofobia, assim como pedofilia, têm-se a palometria. Este método busca avaliar a excitação
sexual em direção às crianças (Gray, Brown, Macculloch, Smith,&Snowden, 2005), entretanto,
seu uso solicita alto investimento financeiro e exige a exposição de materiais de sexo explícito
(Harris, Rice, Chaplin, & Quinsey, 1998).
A fim de conhecer as publicações nacionais sobre a temática, procedeu-se uma busca de
dados Index Psi (www.bvs-psi.org.br) e Google Acadêmico (2017) com as palavras e/ou expressões-
chave “pedofilia” e “escala”, e “pedophilia” e “scale”. A partir das buscas constatou-se que no
âmbito nacional ainda não há nenhuma publicação empírica relacionada a medidas voltadas para
o entendimento da pedofilia. Considerando a escassez de pesquisas que investiguem a pedofilia
utilizando medidas objetivas no Brasil, o presente capítulo pretende preencher esta lacuna na
literatura nacional. Desse modo, buscou-se conhecer as propriedades psicométricas da Escala de
Estigma sobre Pedófilos desenvolvida por Imhoff (2015) no contexto Brasileiro.

Método

Amostra

Participaram 218 estudantes universitários do sexo masculino, de universidades públicas e


privadas da cidade de João Pessoa/PB. Suas idades variaram entre 18 e 52 anos (M = 23,59; DP =
5,71) e a maioria autodeclarou-se solteira (83,5%), heterossexual (91,3%), católica (44,0%) e de
classe média (28,0%).

Instrumentos

Os participantes receberam um livreto, impresso frente e verso, onde constavam os seguintes


instrumentos:
Escala de Estigma sobre Pedófilos (Imhoff, 2015). Este instrumento é composto por 17 itens que
buscam avaliar três dimensões: Periculosidade (e.g. 14. Os pedófilos são criminosos sexuais perversos;
α = 0,69), Intencionalidade (e.g. 01. Pedofilia é algo que você mesmo escolhe para si; α = 0,71) e Desvio
(e.g. 15. Pedofilia não é uma patologia; α = 0,74). A primeira dimensão, Periculosidade, refere-se à
associação que pode existir entre ter interesse sexual em crianças e cometer um crime de abuso
sexual contra uma criança. A segunda dimensão, por sua vez, Intencionalidade, diz respeito
ao grau em que o interesse sexual na criança é responsabilidade do pedófilo ou é resultado de

942  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
uma desordem da qual este indivíduo não tem controle. Por último, o fator Desvio é escalado
como o grau em que o interesse sexual por crianças é percebido como uma doença. Esses três
componentes foram identificados como fatores fortemente representativos da rejeição social de
indivíduos com transtorno mental (Feldman & Crandall, 2007). Os itens deste instrumento devem
ser respondidos em escala tipo Likert, variando de 1 (Discordo totalmente) a 7 (Concordo totalmente).
Questionário Sociodemográfico. Visando a caracterização da amostra, foram incluídas questões
como idade, sexo, orientação sexual, estado civil, religião, classe social e curso.

Procedimentos

Após a avaliação e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do CCS/UFPB, sob o número


CAAE 56768816.8.0000.5188, iniciou-se a coleta de dados. Todos os preceitos éticos que orientam
as pesquisas com seres humanos foram cuidadosamente respeitados, tendo em vista a Resolução
510/16 do Conselho Nacional de Saúde, que estabelece as diretrizes e normas regulamentadoras
de pesquisas dessa ordem.
Os instrumentos foram respondidos individualmente, porém, em ambiente coletivo de sala
de aula. Uma vez obtida a autorização do professor responsável pelo componente curricular,
o pesquisador se apresentava solicitando que os estudantes voluntariamente se dispusessem a
participar do estudo. Todos estes foram informados sobre o caráter voluntário de sua participação
e sobre a inexistência de respostas corretas ou erradas, sendo esclarecido que poderiam deixar o
estudo a qualquer momento sem quaisquer prejuízos.
Solicitou-se daqueles que decidiram participar que assinassem um Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, declaração que garante o anonimato e confidencialidade de todas as respostas
do participante e o comunica que as informações obtidas poderão ser usadas, em seu conjunto,
para fins acadêmicos e/ou científicos, mantendo sempre o anonimato dos respondentes. O tempo
médio para concluir a coleta de dados foi de 15 minutos.

Análise de dados

Os dados foram analisados por meio do pacote estatístico SPSS, em sua versão 21, a fim
de realizar estatísticas descritivas (médias, desvios padrões, porcentagens), teste t de Student para
averiguar o poder discriminativo dos itens, além da análise de componentes principais para checar
a estrutura da medida e alfa de Cronbach para avaliar a consistência interna dos fatores.

Resultados

A princípio, com o propósito de verificar se os itens discriminaram sujeitos com pontuações


próximas, procedeu-se a análise de poder discriminativo dos itens da Escala de Estigma sobre
Pedófilos. Teve-se em conta a pontuação total dos participantes e, considerando o critério interno
da mediana, formaram-se os grupos-critério inferior e superior. Por conseguinte, as médias dos
grupos foram comparadas para cada item do instrumento por meio de um teste t de Studentpara
amostras independentes. Somente o item 03 (Se alguém é pedófilo, não há nada que possa ser feito a
respeito) não foi capaz de discriminar sujeitos com magnitudes próximas e, por essa razão, foi
excluído da escala. Os demais itens discriminaram satisfatoriamente os indivíduos com pontuações
altas e baixas (p<0,05).
Posteriormente, buscou-se averiguar se a matriz de dados era passível de fatoração, o que foi
apoiado observando-se os resultados do Kaiser-Meyer-Olkim (KMO) = 0,72 e Teste de Esfericidade de
Bartlett, χ² (120) = 630,606; p<0,001. Estes índices estão de acordo com o que a literatura preconiza,
tendo em vista que o KMO apresentou valor superior a 0,60, assim como o Teste de Esfericidade de
Bartlettassumiu um qui-quadrado estatisticamente significativo (Tabachnick&Fidell, 2013).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 943


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Dessa forma, foi realizada uma análise de componentes principais. Inicialmente, não se fez
qualquer fixação quanto ao número de fatores a extrair e nem ao tipo de rotação. Baseado no
critério de Kaiser, foi possível identificar uma estrutura composta por quatro fatores com valor
próprio (eigenvalue) superior a 1, explicando 50,52% da variância total. Já o gráfico de sedimentação
(Critério de Cattell) não possibilitou uma interpretação conclusiva, podendo ser admitida uma
estrutura fatorial de três ou cinco fatores, baseados na inflexão da curva (ver Fig. 1).

Figura 1. Gráfico de sedimentação

Haja vista que o critério de Kaiser tende a superestimar o número de fatores a serem extraídos
em uma matriz de dados e a dubiedade na interpretação do gráfico de sedimentação, procedeu-se
uma análise paralela (Horn, 1965) efetuando 1.000 simulações com as mesmas características do
banco de dados empírico (218 participantes e 16 itens). Comparando os valores próprios obtidos
na análise dos eixos principais com os valores da análise paralela, constatou-se que o quarto valor
próprio do banco empírico (1,17) foi inferior ao simulado na análise paralela (1,23), evidenciando
a existência de uma estrutura trifatorial.
Tendo em conta que a análise paralela é um critério mais robusto para definir o número
de fatores a ser extraído, foi executada uma nova análise de componentes principais, fixando a
extração de três componentes e utilizando a rotação varimax. Os fatores explicaram conjuntamente
46,95% da variância. Posteriormente foi verificada a matriz rotacionada das cargas fatoriais, onde
foi utilizada a carga mínima de |0,40| para que o item fosse atribuído a um fator. Todos os itens
obtiveram a saturação mínima.
Observou-se que, para a presente amostra, a distribuição dos itens nos fatores foi
correspondente àquela encontrada no estudo original. Com exceção apenas dos itens 04 (Não
existe uma relação forte entre pedofilia e abuso sexual infantil) e 16 (Pedofilia é uma disposição que você não
pode fazer nada a respeito), que não saturaram no fator previsto na literatura, todos os demais
situaram-se de modo similar aos achados de Imhoff (2015). Por essa razão, optou-se por excluir
os dois itens supracitados. Os resultados são apresentados na Tab. 1 situada a seguir:

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 1

Estrutura fatorial da escala de estigma sobre pedófilos

Fatores
I II III
02. Pedofilia não requer tratamento*. 0,47

05. Pedofilia não é uma patologia*. 0,60

17. Pedófilos são pessoas normais com uma orientação sexual incomum*. 0,44
07. Alguém que é pedófilo, mas nunca abusou sexualmente de uma criança,
0,53
não é um doente mental*.

10. A pedofilia é um transtorno mental, como a esquizofrenia. 0,61

13. Pedófilos são doentes. 0,70

01. Pedofilia é algo que você mesmo escolhe para si. 0,71

05. As pessoas podem decidir se são ou não pedófilas. 0,76


06. Se alguém é pedófilo, a culpa é somente sua. 0,54
09. As pessoas que são pedófilas decidiram conscientemente seguir essa
0,77
orientação.
08. Muitos pedófilos nunca tiveram qualquer tipo de contato sexual com
0,66
criança*.

11. Os pedófilos são perigosos para as crianças. 0,55

12. Cedo ou tarde, a pedofilia sempre leva ao abuso sexual de crianças*. 0,77

14. Os pedófilos são criminosos sexuais perversos. 0,73

Número de itens 6 4 4
Valor próprio 2,93 2,29 1,33
Variância explicada 20,97 16,42 9,55
Alfa de Cronbach 0,62 0,70 0,66
Nota: * Item retido no fator; Fator I = Desvio, Fator II = Intencionalidade, Fator III = Periculosidade

Nessa direção, o primeiro componente, denominado Desvio, inicialmente formado por oito
itens, passou a contar com seis itens. Este componente apresentou valor próprio igual a 2,93,
explicando 20,97% da variância total. Seu alfa de Cronbach mostrou-se razoável (α = 0,62).
O segundo componente, por sua vez, é chamado Intencionalidade. Tal componente foi
composto por quatro itens que apresentou valor próprio igual a 2,29 e foi capaz de explicar
16,42% da variância total. Seu índice de consistência interna foi igual a 0,70.
Finalmente, o terceiro componente, Periculosidade, apresentou valor próprio igual a 1,33 e
explicou 9,55% da variância total. Este componente engloba quatro itens e apresenta consistência
interna de valor igual a 0,66.

Discussão

O presente capítulo buscou adaptar ao contexto brasileiro a Escala de Estigma sobre


Pedófilos, reunindo evidências de validade fatorial e consistência interna. Confia-se que este
objetivo tenha sido alcançado.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 945


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Especificamente, verificou-se que apenas um dos itens (03. Se alguém é pedófilo, não há nada
que possa ser feito a respeito) da Escala de Estigma sobre Pedófilos não foi capaz de discriminar de
forma satisfatória os participantes com baixas e altas pontuações, considerando o critério da
mediana empírica (Pasquali, 2003). Dessa maneira, tal item foi excluído e a versão adaptada
passou a contar com 16 sentenças. No entanto, após a realização da análise de componentes
principais, observou-se que a distribuição dos itens em suas respectivas dimensões foi semelhante
àquela do estudo original (Imhoff, 2015), com exceção dos itens 04 (Não existe uma relação forte
entre pedofilia e abuso sexual infantil) e 16 (Pedofilia é uma disposição que você não pode fazer nada a respeito)
que não saturaram no fator correspondente. Por essa razão, considerando uma série de aspectos,
tais como a criteriosa construção da escala original e os índices de consistência interna aceitáveis
encontrados pelo autor, optou-se por excluir os itens supracitados e conceber a adaptação da
versão brasileira com 14 itens.
Verificou-se que esta escala pode ser adequadamente representada por três fatores,
que não emergiram em consonância com o critério de Cattell, mas a partir do critério que a
literatura tem apontado como mais exigente e confiável, a análise paralela (Horn) (Lorenzo-seva,
Timmerman,&Kiers, 2011). Além disso, é pertinente ressaltar que os itens apresentaram saturações
aceitáveis, superiores ao que é recomendado pela literatura, isto é, |0,30| (Pasquali, 2012) ou,
com maior rigor, |0,40|, sobretudo, contou-se com a participação de cerca de 200 pessoas (Hair,
Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2009).
Quanto à estrutura fatorial observada, foi possível corroborar o modelo com três fatores,
como originalmente proposto por Imhoff (2015), explicando conjuntamente 46,94% da variância.
De tal modo, sugere-se que a adaptação desta escala para o contexto brasileiro continua a
contemplar a avaliação de três dimensões do estigma sobre pessoas com transtorno pedofílico. A
primeira, Desvio, verifica a percepção das pessoas sobre se a pedofilia se trata de uma doença da
qual o “portador” não tem culpa, ou se o interesse sexual por crianças diz respeito a algo de outra
natureza, podendo a pessoa decidir e responder pelos seus atos. Esse é um debate interessante,
visto que apesar de ser categorizado como um transtorno pelo DSM-V, as pessoas diagnosticadas
como pedófilas são imputáveis, assim como aquelas que possuem transtorno de personalidade
antissocial (psicopatia).
O segundo fator corroborado foi chamado Intencionalidade e resguarda uma relação próxima
com o primeiro fator, haja vista que, são ideias oponentes. Tal como o nome revela, pretende
averiguar se as pessoas acreditam que ser pedófilo é algo que se escolhe, isto é, não se concebe
como doença ou transtorno, mas como uma opção (e, portanto, intencional) que determinado
indivíduo faz sobre sua preferência sexual (Feldman,&Crandall, 2007).
O último fator de estigma é a Periculosidade. A discussão sobre esse aspecto que diz respeito
à pedofilia é necessária, pois há diferenças consideráveis nas legislações e penas entre os países,
como também entre as categorias psicomédicas e legais referentes a esse transtorno (Imhoff, 2015)
(para a compreensão da pedofilia no contexto clínico e jurídico ver também Harrison, Manning,&
Mc-Cartan, 2010). Com essa colocação é preciso reiterar que não há uma relação de causa e
efeito entre ter transtorno pedofílico e cometer crime de abuso sexual contra crianças, apesar de
estes aspectos serem recorrentemente confundidos, tanto nas informações veiculadas pela mídia,
quanto por parte de algumas publicações científicas (Ames,& Houston, 1990; Feelgood,&Hoyer,
2008).
Em síntese, a versão ora apresenta, embora mais parcimoniosa, reunindo 14 itens, parece
abarcar o conteúdo que originalmente se propunha a medir, sugerindo evidências de sua validade
de construto (fatorial) e precisão.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Considerações Finais

Apesar dos achados importantes, o estudo ora realizado não está livre de limitações. Por
exemplo, embora tenham sido consideradas pessoas da população geral e universitária, não se pode
presumir que sejam representativos deste universo. No entanto, o presente estudo não propõem
generalizar os resultados, mas comprovar os parâmetros da medida correspondente, sendo o
número de participantes suficientes para este propósito (Pasquali, 2003). Para investigações
futuras, caberá ampliar a amostra, bem como analisar de forma mais aprofundada a relação entre
as informações sociodemográficas e a estigmatização da pedofilia.
Do mesmo modo, é interessante que outras variáveis sejam incluídas em pesquisas posteriores,
de modo a diversificar e ampliar as possibilidades de correlações a serem encontradas. A este
propósito, poderá ser interessante conhecer os antecedentes das condutas, podendo os valores
humanos e os traços de personalidade assumirem um papel relevante nessa direção, considerando
que podem explicar comportamentos sociais, antissociais e delitivos (Gouveia, 2016; Santos, 2008,
Monteiro, 2017). Sugere-se também conhecer evidências de validade discriminante da medida
com relação à desejabilidade social, tal como realizado no estudo de Imhoff (2015), e, ainda,
confirmar os parâmetros psicométricos da escala a partir de Análise Fatorial Confirmatória. Em
qualquer caso, um primeiro passo já foi dado para contar com a versão brasileira de tal medida.

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948  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ESCALA DE ATITUDES FRENTE AO ASSISTENCIALISMO
SOCIAL (EAFAS): ELABORAÇÃO E EVIDÊNCIAS
PSICOMÉTRICAS PRELIMINARES
Bruna Paulino de Araújo Falcão
Valdiney Veloso Gouveia
Alessandro Teixeira Rezende
Nicole Almeida Ventura
Maria Aparecida Trindade

Introdução

D
esde o final da década de 1980, como resultado das exigências da Constituição
Federal de 1988, os espaços institucionais de participação tornaram-se elementos
marcantes do sistema político brasileiro. Eles se tornaram foco crescente do
interesse de diversos pesquisadores, num processo contínuo de consolidação dessa área de estudos
(Almeida, Cayres, & Tatagiba, 2015). O desenvolvimento e a implementação de programas sociais
no Brasil estão orientadas, em geral, para o combate à fome, à pobreza e à exclusão social. Desse
modo, estas categorias constituem uma realidade socioeconômica vigente no país, propiciada
pela desigualdade, sobretudo da distribuição de renda (Silva, 2010). Em sua análise acerca das
políticas públicas no Brasil, Camargo (2004) atesta que o mercado capitalista promove uma
distribuição de renda e graus de pobreza indesejáveis à sociedade, o que define, em teoria, os
programas sociais como compensadores dessa realidade. Desta forma, estes garantem a proteção
social de todos os cidadãos do país, considerando que, mediante eventualidades como doenças,
desemprego, acidentes no trabalho etc., os brasileiros encontrariam suporte para conseguir
manter o mínimo necessário à sobrevivência.
Todavia, as políticas assistencialistas no Brasil, estabelecidas a partir dos programas
sociais, atendem a uma sucessão de necessidades que não se limitam ao combate à pobreza e à
fome, amparando demandas que carecem de recursos também relacionados à educação, saúde,
infraestrutura, moradia, renda etc. Neste âmbito, destacam-se aquelas voltadas à fome e à miséria,
como o Fome Zero e o Brasil sem miséria, à moradia, a exemplo do Minha casa, minha vida, à melhoria
da renda, como o Bolsa Família, e à educação, tais como o Prouni e o Pronatec. Dessa forma, o
governo criou um número considerável de programas sociais, os quais serão evidenciados em
seguida.
O ano de 2003 representou um ponto de inflexão nas políticas sociais ao colocar a questão
do combate à pobreza e a fome no Brasil no centro da agenda governamental. O programa Fome
Zero (PFZ) tem o compromisso de alterar situações agudas de miséria e contribuir para a mudança
de paradigmas de segurança alimentar que impedem o crescimento do país. O Programa Bolsa
Família, por sua vez, é um programa federal de transferência direta de renda. Foi criado em 20
de outubro de 2003, através da Medida Provisória nº. 132, e regulamentado em 09 de janeiro de

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 949


NO ONTEXTO BRASILEIRO
2004, por meio da Lei nº. 10.836. Sua operacionalização consiste no repasse mensal de valores em
dinheiro para famílias cadastradas, sendo considerado o maior programa nessa modalidade na
história brasileira. Portanto, é um programa de transferência de renda desenvolvido para melhorar
a vida das famílias pobres e extremamente pobres do Brasil.
O Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que também se enquadra como programa social,
é um fundo especial, de natureza contábil-financeira, vinculado ao Ministério do Trabalho e
Emprego (TEM), destinado ao custeio do Programa do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e
ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico. No que cerne a moradia, tem-
se o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), implantado em 2009, que tem por objetivo
principal facilitar a aquisição da casa própria pelas famílias com renda mensal entre zero e dez
salários mínimos, sobretudo por aquelas localizadas nas periferias das grandes cidades, através
do financiamento da habitação.
Em 2 de junho de 2011 foi lançado o ambicioso Plano Brasil Sem Miséria (PBSM) com o objetivo
de erradicar a extrema pobreza no Brasil até 2014. O plano articula mais de 120 ações distribuídas
em 20 ministérios e é coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(MDS) (Paes-Sousa, 2013). Esse programa pretende elevar a renda e as condições de bem-estar da
população. Agrega a transferência de renda e acesso a serviços públicos, nas áreas de educação,
saúde, assistência social, saneamento e energia elétrica, e inclusão produtiva.
No que se refere à educação, há ainda o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
(PRONATEC), que foi aprovado pelo Congresso Nacional e transformado na Lei nº. 12.513, de 26
de outubro de 2011. Castioni (2013) relata que este programa tem o objetivo de ampliar as vagas
e continuar a expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, além de fomentar
a ampliação de vagas das redes estaduais de Educação Profissional, contribuindo, assim, para
a melhoria da qualidade do ensino médio público, além de democratizar a oferta de cursos de
educação profissional e tecnológica no país.
Ainda no âmbito dos programas relacionados à educação, está o Ciência sem Fronteiras, que
consiste num programa que busca promover a consolidação, expansão e internacionalização da
ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da
mobilidade internacional. Já o Programa Universidade para Todos (ProUni), lançado em 2004, tem
como intuito possibilitar e incentivar o estudo e o acesso a esse ensino a brasileiros de baixa renda,
ex alunos da rede pública do ensino médio ou de bolsistas integrais das escolas particulares. O
programa oferta, por intermédio de parcerias com instituições de ensino superior particulares,
bolsas que cobrem integral ou parcialmente os custos das mensalidades.
Ainda neste sentido, é importante relatar que, de acordo com Grisotti e Gelinski (2010),
apesar do enfrentamento às desigualdades do país, as repressões mais evidentes a respeito
dos programas sociais se voltam para o apelo eleitoreiro que elas sustentam, haja vista a forte
associação destas à um governo específico. Além disso, o princípio das políticas assistencialistas
se baseia essencialmente em um discurso de humanização e solidariedade, desvinculando o Estado
de seu papel de obrigatoriedade para com o bem-estar da população. Estes aspectos acabam por
gerar percepções negativas frente a implementação dos programas sociais, podendo resultar em
atitudes desfavoráveis em relação aos mesmos.
Um estudo realizado por Lowery, Unzueta, Knowles e Goff (2006), concluiu que as
objeções políticas para com os indivíduos assistidos pela proteção social impulsionam a crença
de que programas sociais violam o princípio da meritocracia, sendo ideal que as pessoas
fossem recompensadas com base no talento e esforço, ao invés de serem vistas como membros
de um grupo desfavorecido. Entretanto, Grisotti e Gelinski (2010) apontam que, no contexto
acadêmico, as políticas sociais brasileiras tanto têm tido suas propostas enaltecidas, quanto suas
limitações denunciadas, sendo as principais críticas relacionadas à configuração dos programas

950  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
(abrangência, valores monetários estipulados etc.) e ao padrão de proteção social que, segundo
as autoras, estaria se edificando a partir deles.
Tendo em vista o que foi anteriormente mencionado, é relevante averiguar as impressões e
atitudes da população a respeito das metas propostas pelos programas sociais brasileiros, bem
como acerca das mudanças possivelmente propiciadas pelo seu funcionamento. Assim, antes
de maiores considerações, busca-se conceituar as atitudes, uma vez que estas são a base dos
comportamentos humanos (Álvaro, & Garrido, 2007). À propósito, Ajzen e Fishbein (1980) as
descrevem como uma predisposição para responder de forma favorável ou desfavorável a um
objeto, pessoa, instituição ou acontecimento. Nesta mesma direção, Maio, Haddock, Manstead
e Spears (2010) indicam que elas se referem à avaliação geral de um dado objeto, a julgar por
informações cognitivas, afetivas e comportamentais. É importante ressaltar que o objeto de
análise das atitudes pode ser concreto ou abstrato, incluindo de pessoas a ideias, o que faz com
que estas sejam aplicadas no estudo de diversos fatores e construtos.
Nessa direção, a partir de buscas realizadas no “Google Acadêmico” (2017) e nas bases de
dados Index Psi, MEDLINE, PubMed, PsycINFO e SCOPUS com as palavras e/ou expressões-chave
“escala”, “atitudes”, “assistencialismo social”, “scale”, “attitude”, “social welfare” não foram identificadas
publicações relacionadas a pesquisa empírica de construção ou adaptação de alguma medida que
avaliasse as atitudes frente ao assistencialismo social.
Portanto, considerando a importância de avaliar as atitudes que os indivíduos apresentam
em relação ao assistencialismo social, entendendo que a maneira como as pessoas se posicionam
mediante a determinados programas sociais pode levar a uma aceitação ou rejeição dos mesmos,
bem como dos beneficiários assistidos por estas políticas de proteção social, justifica-se considerar
a elaboração de um instrumento específico para mensurá-las, conhecendo evidências empíricas
acerca de suas evidências de adequação psicométrica no contexto brasileiro.

Método

Participantes

Participaram deste estudo 251 estudantes universitários residentes na cidade de João Pessoa.
As idades dos participantes variaram de 16 a 47 anos (M = 20,58; DP = 4,25), sendo em sua
maioria do sexo feminino (64%), solteiros (91,6%), e de classe média (52,4 %). Em relação ao nível
de religiosidade, a média dos participantes foi de 2,93 (DP = 1,19), e a maioria se autodeclarou
católica (53%).

Instrumentos

Os participantes foram solicitados a responder os seguintes instrumentos:

• Escala de Atitudes frente ao Assistencialismo Social. Constitui-se a partir da adaptação de itens


provenientes de oito instrumentos disponíveis na literatura internacional, tentando fornecer
uma medida geral de atitudes frente ao assistencialismo social. Resultou em 65 itens (e.g.,
É mais difícil obter ajuda financeira quando estou competindo com indivíduos beneficiados
por programas sociais; De maneira geral, os programas sociais beneficiam à sociedade; As universidades
devem exigir maior pontuação para a admissão de estudantes não quotistas). Tais itens deverão ser
respondidos em escala tipo Likert, variando de 1 (Discordo totalmente) a 7 (Concordo Totalmente).
• Questionário Sociodemográfico. Buscou-se contemplar questões sobre idade, sexo, estado
civil, religião, religiosidade e classe social.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 951


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Procedimento

Para a realização da presente pesquisa, os participantes responderam a uma versão


lápis e papel de um questionário contendo os instrumentos previamente mencionados. O
projeto primeiramente foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética do CCS/UFPB, segundo a
resolução n° 466/2012. Após a aprovação do projeto, o bolsista foi devidamente orientado para
proceder com a coleta de dados. Os estudantes universitários responderam individualmente ao
questionário, em ambiente coletivo de sala de aula. Os participantes foram informados sobre
o objetivo da pesquisa e formalizaram sua participação por meio da assinatura do Termo de
Consentimento Livre Esclarecido, no qual foi garantido o anonimato e sigilo das respostas e,
informando sobre a inexistência de respostas corretas ou erradas. A participação foi voluntária e
durou aproximadamente 25 minutos.

Análise de dados

Para a tabulação e as análises estatísticas dos dados, foi utilizado o programa PASW (versão
21). Realizaram-se análises estatísticas descritivas (frequências, medidas de tendência central e
dispersão), com a finalidade de comparar as pontuações dos participantes, além de análises de
correlação e regressão, com o objetivo de verificar como as variáveis se relacionam.

Resultados

Inicialmente, com o intuito de verificar se os itens discriminaram sujeitos com pontuações


próximas, procedeu-se a análise de poder discriminativo dos itens da Escala de Atitudes Frente
ao Assistencialismo Social (EAFAS). Teve-se em conta a pontuação total dos participantes e,
a partir do critério interno da mediana, formaram-se os grupos critérios (inferior e superior).
Posteriormente, as médias dos grupos foram comparadas para cada item do instrumento por
meio de um teste t de Student para amostras independentes. Os itens 01, 03, 24, 27, 29, 32, 33, 34,
35, 40, 48, 55 não foram capazes de discriminar sujeitos com magnitudes próximas e, por isso,
foram excluídos da escala. Os demais itens discriminaram satisfatoriamente os indivíduos com
pontuações altas e baixas (t>2,240; p<0,05).
Posteriormente, foi verificado se a matriz de dados era passível de fatoração, o que foi apoiado
observando-se os resultados do KMO (0,81) e do Teste de Esfericidade de Bartlett (χ² = 5236,075;
p < 0,001). Dessa forma, foi realizada uma análise fatorial exploratória com fatoração dos eixos
principais. A princípio, não se fez qualquer fixação quanto ao número de fatores a extrair e nem
ao tipo de rotação. Baseado no critério de Kaiser, foi possível identificar uma estrutura composta
por sete fatores, com valor próprio (eigenvalue) superior a 1, explicando 40% da variância total.
Já o gráfico de sedimentação (Critério de Cattell) não possibilita uma interpretação conclusiva,
podendo ser admitidas estruturas fatoriais de dois ou seis fatores, baseados na inflexão da curva
(Ver Figura 1). Tendo em conta que o critério tende a superestimar o número de fatores a serem
extraídos em uma matriz de dados e a interpretação dúbia do gráfico de sedimentação, procedeu-
se uma Análise Paralela efetuando 1.000 simulações com as mesmas características do banco
de dados empírico (251 participantes e 53 itens). Comparando os valores próprios obtidos na
análise dos eixos principais com os valores da análise paralela, constatou-se que o quinto valor
próprio do banco empírico (1,60) foi inferior ao simulado na análise paralela (1,72), evidenciando
a existência de uma estrutura tetrafatorial.

952  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Figura 1. Gráfico de sedimentação.

Tendo em conta que a Análise Paralela é um critério mais robusto para definir o número
de fatores a ser extraído, foi executada uma nova análise dos eixos principais, fixando a extração
de quatro fatores e utilizando a rotação varimax. Os fatores explicaram conjuntamente 31,51%
da variância. Posteriormente foi verificada a matriz rotacionada das cargas fatoriais, onde foi
utilizada a carga mínima de |0,40| para que o item fosse atribuído a um fator. Dessa maneira, os
itens 08, 10, 13, 14, 16, 17, 19, 23, 25, 30, 31, 37, 38, 50, 56, 60, 61, 63 não obtiveram saturação
mínima em nenhum dos quatro fatores. Ademais, com o intuito de apresentar um instrumento
mais curto e parcimonioso, optou-se por escolher os seis melhores itens de cada dimensão. Os
resultados são apresentados na Tabela 1 a seguir:

Tabela 1

Estrutura fatorial da escala de atitudes frente ao assistencialismo social

Fatores
PC
AG IO CP

26. A política de quotas é uma boa política. 0,77* 0,12 -0,14 -0,18

05. Os programas sociais ajudam as organizações a promoverem a


0,70* 0,07 0,05 -0,10
igualdade de racial e de gênero no campo do trabalho.

28. As metas propostas pela política de quotas são boas. 0,66* 0,08 0,19 -0,16

04. Os programas sociais promovem a igualdade de oportunidades


0,62* 0,11 0,06 -0,08
na admissão de empregos e bolsas de estudos.

07. De maneira geral, os programas sociais beneficiam a sociedade. 0,58* 0,12 0,25 -0,05

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 953


NO ONTEXTO BRASILEIRO
43. O governo deveria oferecer melhor suporte para os desabrigados. 0,10 0,80* 0,15 -0,08

46. O governo deveria fornecer habitações às pessoas de baixa


0,21 0,72* -0,04 0,004
renda.

45. O governo deveria oferecer merenda escolar gratuita. 0,01 0,69* 0,04 -0,04

44. O governo deveria dar mais apoio à educação. -0,06 0,65* 0,21 0,02

22. Os serviços básicos de saúde e assistência jurídica devem ser


0,01 0,57* -0,001 -0,07
fornecidos a todos gratuitamente pelo governo.

47. O governo deveria garantir empregos para todas as pessoas. 0,10 0,49* 0,07 0,19

53. Os programas sociais deveriam exigir uma contratação em igual


0,39 0,45 0,06 0,32
proporção para grupos minoritários.

42. O governo deveria patrocinar cuidados em relação à saúde. -0,02 0,36 0,61* 0,12

59. Os programas sociais deveriam fornecer treinamento para


ensinar aos grupos minoritários as habilidades necessárias para 0,09 0,23 0,60* 0,11
obter um emprego dentro da organização.

02. É mais difícil tirar notas boas quando estou competindo com
-0,13 0,09 -0,51* 0,19
indivíduos beneficiados por programas sociais.

39. É benéfico para todos o gasto de dinheiro público nos setores da


0,10 0,21 0,44* 0,01
educação, habitação e saúde.

18. Precisamos de políticas públicas para reduzir a desigualdade de


renda entre pessoas que são beneficiadas socialmente e as que não 0,29 0,31 0,42* 0,10
são.

51. Os programas sociais deveriam possibilitar que os grupos


minoritários pudessem ser contratados na mesma proporção que os 0,25 0,28 0,40 0,27
grupos não-minoritários

57. Os programas sociais implicariam em um tratamento


-0,11 -0,01 0,08 0,44*
preferencial aos grupos minoritários.

12. A maioria das pessoas tem aquilo que merece na vida -0,14 -0,03 -0,25 0,41*

41. As instituições de caridade sociais apenas criam dependência. -0,39 -0,04 -0,30 0,41*

15. Muitas pessoas pobres simplesmente não querem trabalhar


-0,34 -0,16 -0,03 0,40*
duro.

Número de itens 6 6 6 4

Variância explicada 15,92% 6,7% 5,16% 3,48%

Alfa de Cronbach 0,86 0,81 0,73 0,56

Nota. * Item retido no fator; PC = Promoção de cotas; AG = Ação governamental; IO = Igualdade de oportunidades;
CP = Contestação dos programas.

954  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O primeiro fator, denominado Promoção de Cotas, considerando a carga fatorial mínima,
englobou doze itens, porém, como citado anteriormente, optou-se por utilizar apenas os seis itens
que apresentaram maior carga fatorial (4, 5, 7, 26, 28, 53). Dessa maneira, este fator apresentou
valor próprio igual a 8,44, explicando 15,92% da variância total. Este apresentou consistência
interna adequada (α = 0,86).
Por sua vez, o segundo fator, chamado Ação Governamental, foi composto por dez itens e,
assim como foi pré-estabelecido, adotou-se apenas os seis itens com maiores cargas fatoriais (22,
43, 44, 45, 46, 47). Este segundo fator apresentou valor próprio igual a 3,69, explicando 6,7% da
variância total e apresentando um alfa de Cronbach com valor igual a 0,81.
Já o terceiro fator foi nomeado como Igualdade de Oportunidades e, inicialmente, era formado
por sete itens, ficando, então, os seis que apresentaram maiores cargas fatoriais, são eles: 2, 18,
39, 42, 51, 59. Este fator apresentou valor próprio igual 2,73, explicando 5,16% da variância total
e o alfa de Cronbach apresentou valor igual a 0,73.
Finalmente, o quarto fator foi nomeado Contestação de Programas, apresentando valor próprio
igual a 1,84, sendo capaz de explicar 3,48% da variância total. Especificamente os itens 58 e
64 foram excluídos, pois faziam com que o fator apresentasse uma baixa consistência interna.
Dessa maneira, o fator Contestação de Programas foi composto por quatro itens e apresentou
consistência interna de valor igual a 0,59.

Discussão

O presente estudo objetivou reunir evidências de adequação psicométrica da Escala de


Atitudes frente ao Assistencialismo Social, avaliando sua validade fatorial e consistência interna.
Os achados do estudo anunciam que foi possível reunir evidências psicométricas da EAFAS. Com
o intuito de reduzir a escala, observou-se, primeiramente, quais itens foram discriminativos,
utilizando-se do critério mais estrito da mediana (Pasquali, 2012). Em seguida, a Análise Fatorial
Exploratória, com o apoio da Análise Paralela, permitiu averiguar que a EAFAS é uma medida
tetrafatorial. Dessa forma, definiu-se o critério de carga fatorial |0,40| para seleção dos itens,
selecionando-se, então, vinte e dois itens: seis em cada um dos três primeiros fatores e quatro no
quarto fator.
Dessa maneira, os parâmetros psicométricos da escala apresentaram valores que são
próximos ou superiores a aqueles recomendados pela literatura (Pasquali, 2012). No que diz
respeito à confiabilidade dos fatores, observou-se o valor do alfa de Cronbach, verificando, assim,
que os fatores apresentaram índices aceitáveis de consistência interna para fins de pesquisa, apesar
de um deles apresentar um alfa ligeiramente abaixo do limite recomendado (α = 0,59), algo que
pode ser reflexo dos poucos itens que o formam, tendo em vista que o valor do alfa é influenciado
pelo número de itens e tamanho amostral.
Considerando os resultados alcançados, acredita-se que esta pesquisa contribuiu para
elaboração de um instrumento com índices psicométricos apropriados que poderá ser utilizado
para nortear estudos futuros.

Considerações Finais

Apesar desta pesquisa oferecer importantes contribuições, não se pode negligenciar


possíveis limitações deste estudo. Especificamente, faz-se importante ter em conta que embora
este empreendimento tenha contado com amostras de estudantes universitários, sua amostragem
decerto não é representativa da população brasileira. Não obstante, não se pretendeu generalizar
os resultados deste estudo, mas proporcionar uma medida válida e fidedigna para a mensuração
das atitudes frente ao assistencialismo social no contexto nacional.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 955


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Além disso, considerando que esta é uma medida de autorrelato do tipo “lápis e papel”,
é possível que alguns participantes possam ter alterado suas respostas ou respondido ao
instrumento em razão da desejabilidade social. Contudo, reitera-se que o objetivo não foi apenas
investigar as atitudes frente ao assistencialismo social, mas construir e validar uma medida que
pudesse avaliar tais atitudes, considerando o caráter incipiente de outros instrumentos que teriam
a mesma finalidade. Nesse sentido, o número e a natureza dos participantes foram suficientes
para os propósitos psicométricos delineados (Pasquali, 2012).
É pertinente ressaltar que estas limitações não são particulares à essa medida, uma vez
que grande parte dos instrumentos desenvolvidos em psicologia também estão suscetíveis a um
viés de resposta devido a desejabilidade social. Em vista disso, o desenvolvimento e utilização de
testes que mensuram atitudes implícitas têm se configurado como possível alternativa (Gouveia,
Athayde, Mendes, & Freire, 2014).
Quanto a pesquisas posteriores, sugere-se contar com a participação de maior número de
sujeitos, sobretudo um equitativo das diversas regiões brasileiras, considerando as variâncias
históricas, econômicas e culturais existentes (Etges & Degrandi, 2013), o que pode indicar
diferenças no modo em que os indivíduos compreendem as ações afirmativas e os programas
sociais. Recomenda-se, ainda, buscar conhecer em que medida as pontuações na Escala de Atitudes
frente ao Assistencialismo Social podem estar associadas com outros construtos, como, por exemplo,
os traços de personalidade.

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 957


NO ONTEXTO BRASILEIRO
IDENTIFICAÇÃO COM TIMES DE FUTEBOL: A
AVALIAÇÃO PSICOMÉTRICA DE DOIS INSTRUMENTOS
Talídyna Moreira De Oliveira
Emerson Diógenes De Medeiros
Paloma Cavalcante Bezerra De Medeiros
Anne Caroline Gomes Moura
Jefferson Machado Nóbrega

Introdução

O
futebol, esporte herdado da cultura inglesa, chega ao Brasil em 1894, (Caldas,
1994), conquista o país e torna-se um dos principais elementos de identificação
nacional. O que antes era uma modalidade elitista, transforma-se em um fenômeno
de massa (Lourenço & Bravin, 2011), que se desvincula do amadorismo e se instaura em padrões
profissionais, transformando a indústria do entretenimento e o mercado brasileiro (Costa, Rocha
& Oliveira, 2008).
Nomeado como país do futebol, o Brasil não encara esta prática apenas em termos técnicos,
de jogadas e passes, mas obtém nessa modalidade esportiva um estilo de vida, um conceito de
cultura, que constituí identidades e dita hábitos e costumes de uma nação devota, que assiste,
consome, vibra, discute e se une pela paixão ao esporte (Souza, 2013).
O fenômeno que explica a devoção do brasileiro para com seu time é conhecido como
identificação grupal, construto que é compreendido por Tajfel (1972) como a noção que os
indivíduos possuem de seu pertencimento aos grupos sociais, que envolve a significância emocional
e o valor adquirido nessa pertença. A concepção de grupo nessa perspectiva transcende a ideia de
grupo como uma formatação de sujeitos interdependentes em interações reais (Bouas e Arrow,
1996) e adota uma concepção mais abrangente de grupo psicológico, que compreende um
conjunto de sujeitos que se sentem vinculados a uma categoria social (Tajfel, 1982).
Na teoria de identificação grupal, o pertencimento ao grupo per si não é suficiente, uma
vez que faz-se necessário a categorização de si e dos outros enquanto membros de uma instância
coletiva (Wachelke, 2012). Biscoli e Lima (2017) comentam que é afirmando sua identidade e
enfatizando o não pertencimento a outros grupos, que os indivíduos tornam-se cientes de sua
pertença grupal. A argumentação dos autores é observada no comportamento extremista de
torcedores altamente identificados que tendem a encarar sujeitos de outra torcida como inimigos
a serem combatidos. Esse comportamento muitas vezes extrapola a fronteira dos estádios e acaba
se instaurando no convício social (Bicoli & Lima, 2017).
Sendo a identificação grupal a medida da magnitude da conexão dos indivíduos com
seus grupos (Fisher & Wakefield, 1998), pode-se inferir que os sujeitos se envolvem com as
instâncias coletivas em níveis variados, assim, no caso da identificação com times de futebol,
teremos torcedores menos identificados, que possivelmente assistirão jogos esporadicamente

958  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
e apresentarão certa solidariedade quanto ao seu time, mas também iremos nos deparar com
torcedores com altos níveis de identificação, que serão assíduos em seu comprometimento com o
clube e provavelmente estarão incluídos em movimentos coletivos ou torcidas organizadas.
Algumas pesquisas apontaram relações existentes entre os níveis de envolvimento com o
time e o comportamento dos torcedores. Branscombe e Wann (1994) constataram que indivíduos
com alto nível de identificação utilizam o menosprezo como estratégia para aumentar a auto-
estima em situações de ameaça ao time, o que não é observado em indivíduos com níveis baixos.
Também observa-se que torcedores mais identificados frequenta mais jogos, consomem mais
produtos, são mais satisfeitos com seus time (Madrigal, 1995; Wann & Brasncome, 1993) e têm
maior adesão a serviços ofertados por seu clube (Pereira, Pessôa, Ferreira & Giovanni, 2014).
Fisher e Wakefild (1998) ao estudarem sobre identificação com times, se interessaram em
compreender a identificação de torcedores com times vitoriosos e pouco vitorioso. Em seu estudo,
os autores observaram que a variável desempenho do time não era eficaz em predizer a força da
conexão em times poucos vitoriosos, visto que o envolvimento com o esporte e a atração por
jogadores do time se mostraram mais importantes na identificação. Entretanto, nos torcedores
de times vitoriosos, o desempenho do time se mostrava um importante preditor, juntamente com
a variável envolvimento com o esporte.
Mesmo que o desempenho do time tenha influências distintas na identificação de torcedores
de times vitoriosos e fracassados, a derrotas em jogos, rebaixamentos e outras situações conflituosas
envolvendo o time parecem ocasionar emoções fortes e negativas ou até transtornos psicológicos
de alguma severidade aos torcedores (Banyard & Shevlin, 2001; Kerr, Wilson, Nakamura & Sudo
2005), principalmente naqueles extremamente identificados, que passam a enxergam o sucesso e
o fracasso do time como seu (Absten, 2011).
Essas emoções intensas vivenciadas por torcedores geralmente ocorrem em uma condição
denominada fanatismo, que é caracterizada por um elevado nível de identificação, que resulta em
dedicação excessiva ao time e ocasiona uma série de comportamentos não adaptativos à vida social
e cotidiana (Wachelke, Andrade, Tavares & Neves, 2008). Os denominados fanáticos possuem
investimento pessoal e emocional de longo prazo com os clubes, estão sempre comprometidos
com a torcida e geralmente oferecem apoio financeiro ao time (Giulianotti, 2012).
O elevado nível de identificação desses indivíduos tem favorecido as finanças dos clubes
brasileiros, dado que esse construto parece ter influência direta no comportamento de consumo
dos torcedores (Patrocínio, 2017). Capelo (2017) informa que no ano de 2016 os maiores clubes
país arrecadaram cerca 5 bilhões de reais, sendo 770 milhões desse montante arrecadados através
de bilheterias e programas de sócio-torcedor e 660 milhões adquiridos através de patrocínio de
marcas e venda de produtos.
Visto isso, pesquisas nas áreas de psicologia, administração e marketing têm se interessado
por tal fenômeno, e chegaram a constatar que além de consumirem mais e frequentarem mais jogos
(Wann & Brasncome, 1993), os torcedores mais identificados tendem a ter maior reconhecimento
dos patrocinadores do seu time e possuem atitudes de rejeição a marcas patrocinadoras de times
rivais (Patrocínio, 2017; Toledo & Andrade, 2017).
A identificação com times de futebol também tem se mostrado variável importante em
campos como as políticas públicas e a segurança nacional, uma vez que o fanatismo com times
está diretamente correlacionado com a agressividade e o Brasil possui estatísticas alarmantes de
violência entre torcedores (Coriolano & Conde, 2017). Sendo considerado um dos países com
maiores índices de homicídios entre torcidas, o Brasil e suas estatísticas de violência nos estádios
obtiveram repercussão mundial em episódios como o confronto entre torcidas na arena Joinville em
2013 (Moreira, 2013), o arremesso de vasos sanitários entre torcedores no Estádio Arruda em 2014
(Lins, 2014) e a invasão e vandalismo no Maracanã em 2017 (Burlá, Almeida & Castro, 2017).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 959


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Visualizando a importância do estudo da identificação com times de futebol e ressaltando
as diferenças entre as magnitudes desse construto, Wachelke, et al. (2008) validam para o
contexto brasileiro a Escala de Identificação do Torcedor com o Time (EITT) e constroem uma
escala destinada a discriminar níveis mais elevados de identificação, que é denominada de Escala
de Fanatismo em Torcedores de Futebol (EFTF). A escala construída pelos autores apresentou um
fator que explicou 55,8% de seus itens e obteve um alfa de Cronbach satisfatório de 0,91. A EITT,
no entanto, extraiu um único fator que explicou 66 % da variância, tendo um valor alfa de 0,91.
As duas escalas obtiveram no estudo de Wachelke, et al. (2008) uma correlação positiva de
0,79, sustentando assim, a cobertura dos instrumentos no construto de identificação grupal. Os
autores supõem em sua pesquisa que a diferença entre as duas escalas reside no fato da EFTF possuir
itens que cobrem níveis mais elevados de identificação, entretanto, eles não apresentam e também
não existe na literatura evidências psicométricas que confirmem tal premissa. Considerando dada
limitação, o presente estudo destina-se a apresentar as qualidades psicométricas das duas escalas,
baseando-se para isso, nos parâmetros discriminação (a) e dificuldade (b) da Teoria de Resposta
ao Item – TRI (Pasquali, 2007).

Método

Participantes

O estudo contou com uma amostra não probabilística de 149 estudantes universitários
de uma Instituição de Ensino Superior (IES) pública da cidade de Parnaíba - PI. Estes possuíam
uma média de 22,86 anos (DP= 5,56), eram em sua maioria solteiros (85,9%), do sexo masculino
(57,0%) e de classe média (91,3%).

Instrumentos

Utilizou-se de um questionário autoministrado que continha questões sociodemográficas


(e.g., idade, sexo, estado civil e classe social) e as duas escalas propostas no trabalho de Wachelke,
et al. (2008):
Escala de identificação com o Time (EITT)
Este instrumento é uma adaptação e tradução da Sport Spectator Identification Scale (SSIS)
(Wann & Branscombe, 1993), ele foi validado e adaptado para a realidade brasileira e para o
contexto do futebol por Wachelke, et al. (2008). A EITT é uma medida de sete itens que se dispõe
em uma escala de resposta de 7 pontos, com âncoras que variam de acordo com o enunciado da
questão.
Escala de Fanatismo em Torcedores de Futebol (EFTF):
Escala construída por Wachelke et al. (2008), é destinada para avaliar níveis elevados de
identificação grupal, já que EITT não estaria apta para avalição de sujeito demasiadamente
identificados . O instrumento proposto pelos autores é composto por 11 itens, respondidos em
uma escala do tipo likert de 7 pontos, com âncoras adaptativas ao enunciado de cada item.

Procedimentos

O requisito básico para a participação na pesquisa consistia na torcida ou simpatia dos


respondentes por algum time de futebol. Com isso, os participantes em potencial foram abordados
e receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para que pudessem autorizar sua
participação no estudo e assim, responder aos instrumentos. Nesta oportunidade foi assegurado

960  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
a confidencialidade das respostas e enfatizado o caráter voluntário da pesquisa, que dava
ao respondente o direito de desistir da mesma a qualquer momento sem ônus. As aplicações
aconteceram em ambiente de sala de aula, no entanto, os instrumentos foram respondidos de
forma individual. Estimou-se que aproximadamente dez minutos foram necessários para finalizar
a participação dos estudantes.

Análise de dados

Inicialmente, fez-se uso do programa estatístico IBM SPSS versão 20 para descrição da
amostra e para o cálculo da correlação média inter-itens dos instrumentos. Em seguida, foi
empregado o uso do programa R versão 3.1.3 para avaliação da confiabilidade das escalas e
para realização das Análises Fatoriais Confirmatórias (AFC), pelo pacote Lavaan (Rosseel, 2012).
Com a confirmação da estrutura fatorial dos dois modelos, pode-se seguir com avaliação dos
parâmetros discriminação e dificuldade da Teoria de Resposta ao Item – TRI através pacote ltm
(Ripouzolos, 2006).

Resultados

Considerando o princípio da unidimensionalidade, que pressupõe a homogeneidade do


conjunto de itens sobre um único traço latente (Barbetta; Trevisan; Tavares & Azevedo, 2014),
realizou-se uma Análise Fatorial Confirmatória (AFC), método de estimação dos Mínimos
Quadrados Ponderados Robustos (WLSMV – Mean and Variance Adjusted Wighted Least Squares),
para checar a estrutura fatorial das duas escalas. Em seguida, os parâmetros dos itens foram
analisados através da TRI, modelo de Samejima (1969).
No que refere-se a estrutura fatorial, tanto a Escala de Identificação do Torcedor com o Time
[CFI = 0,97 ; TLI = 0,96 e RMSEA (IC90%) = 0,08 (0,04 – 0,13)] quanto a Escala de Fanatismo
em Torcedores de Futebol [CFI = 0,96 ; TLI = 0,95 e RMSEA (IC90%) = 0,05 (0,00 – 0,08)]
apresentaram índices satisfatórios de ajuste em seus modelos. As escalas também apresentaram
saturações estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05), tendo a EITT apresentado
valor médio de 0,76 (DP=0,11), que varia de 0,56 (Item 6. “O quanto você gosta dos times que
são os maiores rivais do seu?”) a 0,87 (Item 2. “Quão fortemente você vê a si mesmo como um
torcedor de seu time?”) e a EFTF um valor de 0,65, variando de 0,50 (Item 1. “Os torcedores do
maior rival de seu time geralmente são pessoas arrogantes” e Item 9. “Você se desfaria de algum
bem pessoal importante se isso pudesse melhorar a situação de seu time”) a 0,77 (Item 3. “Você
fala de acontecimentos relacionados a seu time e a futebol o tempo todo” ).
Realizou-se também a avaliação da fidedignidade das escalas através do alfa de Cronbach (α)
e da correlação média inter-itens (rmi), e os resultados apontaram que EITT (α = 0,90; rmi =0,57
) apresenta indicadores mais robustos em comparação a EFTF (α = 0,88; rmi =0,43 ). Tendo os
dois instrumentos atestado seus modelos unifatoriais e apresentado bons índices de consistência
interna, pode-se analisar a quantidade de informação psicométrica fornecida por seus itens e
avaliar seus parâmetros de discriminação (a) e dificuldade (b) através da Teoria de Resposta ao
Item (Pasquali, 2007). Os resultados da avaliação dos itens são sumarizados nas Tabela 1 e 2.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 961


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Tabela 1.
EITT- Lambdas, discriminação, dificuldade e informação dos itens e sub-escalas.

Λ a b1 b2 b3 b4 b5 b6 I(θ; -4/+4)
Identificação — — — — — — — — 68,92
Item 1 0,80 3,24 -0,61 -0,32 0,27 0,61 0,98 1,35 9,64
Item 2 0,87 4,77 -0,41 -0,13 0,53 0,74 1,09 1,38 17,02
Item 3 0,76 3,79 -0,43 -0,16 0,63 0,94 1,31 1,54 15,37
Item 4 0,78 2,51 -0,87 -0,35 0,10 0,35 0,61 0,86 6,03
Item 5 0,86 4,18 -0,58 -0,26 0,32 0,58 0,99 1,19 13,52
Item 6 0,56 1,50 0,03 0,46 0,80 1,19 1,52 1,70 2,74
Item 7 0,69 2,06 -0,36 0,22 0,68 1,04 1,33 1,46 4,59
Nota: λ = lambda; a = discriminação; b1-6 = dificuldade; I (θ; -4/+4) = Informação no intervalo de -4 a +4

Tabela 2.
EFTF- Lambdas, discriminação, dificuldade e informação dos itens e sub-escalas.
Λ a b1 b2 b3 b4 b5 b6 I(θ; -4/+4)
Fanatismo — — — — — — — — 60,03
Item 1 0,50 1,28 0,12 0,73 1,03 1,55 1,94 2,47 2,53
Item 2 0,72 2,25 -0,47 -0,19 0,04 0,48 0,74 1,00 4,71
Item 3 0,77 2,95 -0,06 0,49 0,87 1,28 1,72 1,91 8,34
Item 4 0,70 3,42 0,64 0,90 1,13 1,41 1,89 2,04 8,61
Item 5 0,57 1,59 -0,25 0,10 0,62 0,84 1,06 1,31 2,89
Item 6 0,63 2,02 0,28 0,70 0,96 1,16 1,49 1,61 3,79
Item 7 0,73 2,84 0,21 0,67 0,88 1,15 1,41 1,54 6,34
Item 8 0,68 3,42 0,79 0,92 1,08 1,42 1,75 1,96 7,83
Item 9 0,50 1,98 1,00 1,39 1,61 1,86 2,11 2,28 3,63
Item 10 0,65 1,92 0,00 0,51 0,92 1,20 1,55 1,67 3,94
Item 11 0,67 2,83 0,70 1,02 1,33 1,62 2,20 2,49 7,39
Nota: λ = lambda; a = discriminação; b1-6 = dificuldade; I (θ; -4/+4) = Informação no intervalo de -4 a +4

Na Escala de Identificação do Torcedor com o Time, todos os itens mostraram-se


discriminativos (a), possuindo uma média de discriminação de 3,15 (DP = 1,18), variando de 1,50
(Item 6. O quanto você gosta dos times que são os maiores rivais do seu?) a 4,77 (Item 2. Quão
fortemente você vê a si mesmo como um torcedor de seu time?). Esse instrumento apresenta
68,92 de informação no intervalo de - 4 a + 4 desvios padrões e tem o item 2 como o mais
informativo [I (θ; -4/+4) = 17,02]. Na Escala de Fanatismo em Torcedores de Futebol nota-se
uma discriminação média de 2,41 (DP = 0,72), com amplitude do parâmetro (a) variando de 1,28
(Item 1. “Os torcedores do maior rival de seu time geralmente são pessoas arrogantes”) a 3,42
(Item 8. “Você prefere acompanhar jogos de seu time que atender a compromissos pessoais ou de
trabalho” e 4. “Quando o seu time perde um jogo importante, você fica perturbado, e isso afeta
o andamento de outras tarefas de seu dia-a-dia”). No geral, este instrumento aponta para uma
informação de 60,03, no intervalo de -4 a +4, sendo o Item 4 o que mais contribui [I(θ; -4/+4) =
8,61].
A amplitude do theta das escalas sugeriu melhor cobertura da EITT no intervalo de -1 e + 2,
sugerindo sua eficácia na discriminação de indivíduos com níveis intermediários de traço latente.

962  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A EFTF, entretanto, demostra-se útil na avaliação de indivíduos com níveis mais elevados de theta,
já que se expressa mais informativa nos intervalos de -0,5 e +3.
Quanto ao parâmetro de dificuldade (b¹-6), na EITT (M=1,35; DP=0,27) ; o item 4
(“Durante os campeonatos, com que frequência você acompanha o desempenho do seu time
por pelo menos um dos seguintes meios: a) nos estádios ou TV; b) Rádio; ou c) Noticiário de TV
ou jornais impressos?”) exigiu menor quantidade de theta para ser completamente endossado
(b-6= 0,88), já o item 7 (“Com que frequência você exibe o nome ou escudo de seu time em seu
local de trabalho, onde você mora ou em suas roupas e acessórios?”) exigiu maior quantidade
(b6= 1,70). Na EFTF (M=1,84; DP=0,47) o item 2 (“Você sente muita angústia durante jogos
difíceis envolvendo o seu time” ) foi considerado o mais fácil dos itens, uma vez que exigiu menor
quantidade do traço para haver total concordância dos respondentes (b-6=1,00) e o item 11 (“O
sucesso de seu time de futebol é uma das coisas mais importantes de sua vida.”) apresentou-se
como o mais difícil (b-6=2,49).

Discussão

Sendo a identificação com times de futebol um construto importante para a compreensão


dos diversos fenômenos e comportamentos entrelaçados ao ato de torcer, tomou-se como
objetivo desse estudo a investigação das qualidades psicométricas dos instrumentos propostas
por Wachelke, et al. (2008). Visto a inexistência de evidências que comprovem a eficácia das
escalas na cobertura de níveis distintos de identificação, apresentar-se-á nas seguintes linhas uma
discussão sobre as propriedades psicométrica dos instrumentos, tomando como base a Teoria de
resposta ao Item.
Inicialmente, observou-se que tanto a Escala de Identificação do Torcedor com o Time
quanto a Escala de Fanatismo em Torcedores de Futebol confirmam suas estruturas unifatoriais
ao apresentarem bons índices de ajuste em seus modelos (Brown, 2015). Deste modo, pode-se
confirmar a capacidade dos dois modelos em apreender e explicar o fenômeno da identificação
grupal no contexto das torcidas de futebol.
No que tange a fidedignidade das escalas, notou-se que embora o valor alfa seja sensível
a quantidade de itens de um instrumento (Krus & Helmstadter, 1993), a escala de fanatismo,
mesmo possuindo mais itens, apresentou um alfa de Cronbach (α) inferior a escala de identificação,
o que também ocorreu em relação a correlação média iter-itens. No entanto, apesar da EFTF ter
apresentado valores inferiores, os dois instrumentos apresentaram bons índices de confiabilidade
para fins de pesquisa (Landis & Koch, 1977) e índices aceitáveis na correlação média inter-itens
(Clark & Watson, 1995).
Adentrando nos parâmetros da TRI, a duas escalas obtiveram a maioria de seus itens
enquadrados em nível alto de discriminação (a > 1,70; Baker, 2001), o que confirma a capacidade
dos instrumentos em diferenciar adequadamente os sujeitos ao longo do traço latente. Em questões
numéricas, pode-se observar que a EITT apresentou média de discriminação superior a escala de
fanatismo, demostrando-se assim, mais apta na diferenciação dos sujeitos, principalmente em
amostras de cidadãos comuns, com níveis de intermediários de identificação, como foi o caso do
presente estudo.
Quanto ao parâmetro dificuldade, a Escala de Fanatismo em Torcedores de Futebol, como
previsto por seus elaboradores (Wachelke, et al., 2008), apresentou itens mais difíceis quando
comparada com a escala de identificação. Com isso, ela apresentou média superior no parâmetro
dificuldade e também demonstrou-se mais informativa na avaliação de indivíduos com níveis
mais elevados de theta. Entre os itens dessa escala, o Item 11, que coloca o sucesso do time como
prioridade na vida do indivíduo, foi o que necessitou de maior quantidade de traço para ser

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 963


NO ONTEXTO BRASILEIRO
completamente endossado. Tal resultado, confirma os achados da literatura que pressupõem
que altos níveis de identificação levam a um investimento pessoal e emocional exacerbado com o
time (Giulianotti, 2012) e acabam por ocasionar comportamentos não adaptativos à vida social e
cotidiana (Wachelke et al.,2008), como é o caso do exemplo contido nesse item.
Ainda sobre a escala de fanatismo, o item 2, que retrata o sentimento de angustia em jogos
difíceis, foi o item mais fácil de ser pontuado pelos respondentes, uma vez que é bastante comum
a presença de emoções fortes e negativas em torcedores que assistem a jogos desfavoráveis para
seu time (Kerr et al., 2005). Quando trata-se de níveis mais baixos de identificação, o Item 7
da Escala de Identificação do Torcedor com o Time foi o mais difícil do instrumento, já que ele
trata da frequência com o que o indivíduo expõe o escudo do time em ambientes e em suas
roupas e acessórios, e esse comportamento possivelmente não é demasiadamente adotado por
indivíduos com níveis mais baixos de identificação. Quanto ao item mais fácil da EITT, o Item 4,
que questiona a frequência com que o torcedor acompanha seu time nos campeonatos, foi o mais
facilmente endossado pelos participantes, visto que esse é um comportamento que aumenta com
o nível de identificação do torcedor (Shank & Beasley, 1998).
Em suma, com a análise das propriedades psicométricas dos dois instrumentos pode-se
confirmar a suposição de que as duas escalas cobrem o construto de identificação grupal em
níveis distintos. A EITT nesse sentido, seria recomendada para avaliação de indivíduos comuns,
com níveis intermediários de identificação, pois ela demonstra-se mais capacitada na detecção da
variabilidade interindividual. Já a EFTF, por contar com itens com maior dificuldade, seria mais
adequada na investigação de sujeitos com níveis mais extremos de engajamento, como é o caso
de integrantes de torcidas organizadas, consumidores ávidos por produtos e serviços relacionados
ao clube e sujeitos envolvidos em episódios violentos durante jogos.
Mesmo com as contribuições do presente estudo pata a compreensão e avaliação das
qualidades psicométricas das duas escalas, assume-se que a pesquisa não está isenta de falhas e
limitações. A mais importante delas diz respeito ao tipo de amostra utilizada, que foi probabilística,
não aleatória e contou com a participação voluntária de estudantes universitários, o que
possivelmente comprometeu a potencial participação de indivíduos com níveis mais elevados de
identificação. No entanto, mesmo com a dada limitação, assegura-se a validade das estimativas,
pois a Teoria de Resposta ao Item alcança a invariância dos parâmetros, não dependendo da
amostra utilizada para estimação confiável da discriminação e dificuldade de um item (Couto &
Primi, 2011).
Ademais, sugere-se que pesquisas futuras contem com amostras maiores e mais heterogêneas,
que adentrem outros contextos e avaliem a fidedignidade e estrutura fatorial dos dois instrumentos.
Também apoia-se a proposição de novas escalas que comtemplem mais itens e possuam diferentes
dimensões para o fenômeno de identificação grupal.
Propõe-se por fim, que os pesquisadores interessados na temática se atenham à investigação
dos preditores e descritores do fanatismo por times de futebol, visto que temática é recente e
demanda aprofundamento no contexto brasileiro.
Em conclusão, acredita-se que os objetivos do estudo foram alcançados pois pode-se, através
Teoria de Resposta ao Item, atestar as qualidades psicométrica das duas escalas, que apresentaram
modelos bem ajustados, índices de consistência interna recomendados e bons itens segundo os
parâmetros da TRI. Com isso, reporta-se que os dois instrumentos mostram-se úteis para fins de
pesquisa, ficando a critério de quem investiga a temática decidir sobre qual instrumento utilizar,
tomando como base os objetivos do seu estudo e as evidências aqui reportadas.

964  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 967


NO ONTEXTO BRASILEIRO
VALIDADE FATORIAL CONFIRMATORIA E
CONSISTENCIA INTERNA DA ESCALA ABREVIADA DE
RESILIENCIA (EAR)
Jefferson Machado Nobrega
Emerson Diógenes de Medeiros
Anne Caroline Gomes Moura
Alexia Jade Machado Sousa
Thais Coutinho Souza
Ernandes Barbosa Gomes

Introdução

A
Psicologia ao longo de sua história teve como enfoque principal investigações acerca
de aspectos psicopatológicos e resoluções de problemas comportamentais em
detrimento dos aspectos positivos, e suas vantagens no melhoramento da vida dos
indivíduos (Park, Peterson, & Sun, 2013; Salanova, Llorens, Acosta, & Torrente, 2013; Seligman
& Csikszentmihalyi, 2001; Yunes, 2003). Dito isso, o que vem chamando a atenção da ciência é
a capacidade de algumas pessoas, apesar de várias fatalidades, conseguirem se desenvolver de
maneira saudável. Fala-se aqui sobre um construto que ganha cada vez mais destaque: a resiliência
(Taboada, Legal, & Machado, 2006).
O termo resiliência surgiu no contexto da física e da engenharia sendo conhecido pelos
estudos sobre a relação entre força aplicada e a deformação decorrida desta em um corpo, este
corpo em si é considerado “resiliente” quando não possui deformações duradouras (Barreira &
Nakamura, 2006).
Devido a essas características conceituais observadas na física, a terminologia “resiliência”
passou a ser utilizado no campo das ciências sociais e surgiu como substituição para o termo
invulnerabilidade, dado a pessoas que, segundo estudos realizados na passagem da década de
1970 para 1980, permaneciam saudáveis apesar de expostas a severas adversidades (Brandão,
Mahfoud, & Gianordoli-Nascimento, 2011). Grotberb (1995) define a resiliência consonante com
o autor anterior, ou seja, como a capacidade universal, que tanto pessoa ou grupo, possuem para
se recuperar dos danos acarretados por adversidades, e ainda assim saírem mais fortalecidas e
com uma nova perspectiva mesmo tendo sido lesadas.
No Brasil, os primeiros estudos sobre resiliência datam da segunda metade dos anos
noventa, abordando a exposição de menores a situações de risco e fatores de vulnerabilidade
psicossocial (Hutz, 1996a, 1996b; Hutz, Koller, & Bandeira, 1996), e ainda redes de apoio social
e afetivo de crianças em situação de rua (Hoppe, 1998). Estudos mais recentes englobam outras
características como espiritualidade, transtornos e categorias específicas de trabalhadores (Angst,
2017; Souza & Cerveny, 2006).
Em relação a sua definição no campo psicossocial, Garcia (2001) afirma existirem três
tipos de resiliência: a emocional, a acadêmica e a social. A primeira relacionando experiências

968  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
positivas que levam a sentimentos de autoestima, autoeficácia e autonomia, que possibilitam
um trato melhor com mudanças e adaptações, obtendo um repertório de abordagens para a
solução de problemas. O segundo tipo, engloba a escola como um lugar no qual habilidades para
resolver problemas podem ser adquiridas com a ajuda dos agentes educacionais. E, por fim, a
resiliência social que envolve fatores relacionados ao sentimento de pertencimento, supervisão de
pais e amigos, relacionamentos íntimos, ou seja, modelos sociais que excitem a aprendizagem de
resolução de problemas.
De forma mais operacional, esse construto é constituído por três componentes, sendo eles:
a) capacidade de enfrentamento; b) propensão a continuar desenvolvendo-se; e c) capacidade de
adquirir novas habilidades (Infante, 2005; Rutter, 1999 e 2012). Devido a isso, as habilidades de
resiliência atuam como um papel fundamental em muitos aspectos da vida cotidiana, enfrentar
situações de desemprego, violência, privação emocional e social, sofrer um acidente, são apenas
alguns exemplos. Pessoas que possuem capacidade de reagirem com uma maior resiliência, ao
atravessam esses momentos de adversidade na vida, têm mais chances de darem a volta por cima
e obterem habilidades de melhoramento e adaptação mais rapidamente (Angust, 2017; Yunes,
2003).
Por outro lado, politicamente falando, o aumento das exigências de medidas preventivas
e melhoramento da qualidade de vida e saúde mental dos indivíduos implica na necessidade
de mais estudos nesse campo, tanto buscando uma conceituação mais precisa quanto formas
de sua avaliação. Tais estudos podem contribuir com o mapeamento deste fenômeno, bem
como a criação de estratégias interventivas, pois, apesar de existirem distintas conceituações de
resiliência, as poucas medidas que foram desenvolvidas não a mensuram diretamente (Angust,
2017). Logo, embora exista consenso entre os estudiosos (Barreira & Nakamura, 2006; Yunes,
2003), a respeito da definição do termo, por ser um fenômeno que deve ser estudado em seus
múltiplos fatores e peculiaridades, torna-se difícil a criação de instrumentos para mensurar tal
construto. Por exemplo, os instrumentos: Escala de Resiliência (Wagnild & Young, 1993) e a Connor-
Davidson Resilience Scale (Connor & Davidson, 2003) avaliam os meios de proteção e enfrentamento
individuais, não buscando, em contrapartida, avaliar a resiliência em si como uma tendência a
superação, resistência, adaptação e capacidade de prosperar diante circunstâncias estressantes
ou traumáticas (Smith et al., 2008).
Portanto, pensando na importância desse construto para a vida humana, parece ser
importante e necessário poder contar com medidas que avaliem válida e confiavelmente a
resiliência. Um dos instrumentos disponíveis é o BRS (Brief Resilience Scale), que terá um maior
detalhamento a seguir.

The Brief Resilience Scale (BRS)

Smith et al (2008) desenvolveram a BRS, segundo ele, para responder à necessidade de


uma escala que avaliasse diretamente a resiliência, pois, os instrumentos que haviam disponíveis
focavam, além da resiliência, em diferentes construtos como “habilidade bem-sucedida de
enfrentamento ao estresse”, “comportamento de enfrentamento resiliente “ou” recursos de
proteção central de ajuste de saúde (Ahern, Kiehl, Sole, & Byers, 2006).
Ao elaborar a escala o autor pensou em um instrumento parcimonioso, ou seja, curto (o
instrumento proposto possui apenas seis itens), e ao mesmo tempo em que fosse confiável. Para
isso, ele selecionou apenas seis itens, de uma grande lista, após aplicação e analise com amostras
de estudantes universitários e auxílio na seleção dos mais pertinentes a partir de avaliações de
especialistas sobre o tema.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 969


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Escala Abreviada de Resiliência (EAR)

A versão brasileira foi adaptada por Coelho, Hanel, Cavalcanti, Rezende e Gouveia (2016).
Para tanto, os autores aumentaram a variedade de amostras, que incluiu, além de estudantes
universitários, pacientes em reabilitação cardíaca e mulheres que sofriam de fibromialgia. Após
a realização de Analise Fatorial Exploratória, os autores decidiram que a melhor solução para
a versão brasileira apresentaria apenas cinco itens, perdendo, portanto, o item “Eu costumo
passar por momentos difíceis com poucos problemas”, por não saturar com a carga mínima
(0,30). Os autores justificaram indicando a possibilidade de o item não ter sido compreendido
adequadamente.
O instrumento em questão foi elaborado com o intuito de avaliar a resiliência diretamente,
buscando abranger todo o aspecto teórico característico do construto em questão. Além
de apresentar-se adequado psicometricamente para uma amostra brasileira. Neste sentido,
considerando uma amostra piauiense, este estudo teve como objetivo verificar a estrutura fatorial
da EAR, buscando reunir indícios de sua adequabilidade métrica.

Método

Participantes

Participaram 200 estudantes universitários da cidade de Parnaíba-PI, Brasil, com idade


média de 22 anos (DP= 5,31), a maioria foi do sexo feminino (72,4%), solteiros (92%), do curso
de psicologia (78%). Ao serem indagados, 32% dos respondentes indicarem que possuem nível de
religiosidade mediana. A maioria (57%) afirmou também ser de classe média.

Instrumentos

Os participantes responderam a Escala Abreviada de Resiliência – EAR. Elaborada originalmente


por Smith et al. (2008) e validada para uso no contexto brasileiro por Coelho et al. (2016). Trata-
se de uma medida, que originalmente possui seis itens, muito embora, na versão validada para
o Brasil, tenha ficado composta por apenas cinco desses itens (e.g., “Não costumo demorar
para me recuperar de eventos estressantes”; “Costumo levar um longo tempo para superar os
contratempos na minha vida”). Para responder esse instrumento, os participantes contaram
com uma escala do tipo Likert de cinco pontos, que varia de 1 (fortemente em desacordo) a 5
(fortemente de acordo). No questionário ainda havia perguntas de cunho sociodemográfico para
a caracterização da amostra (e.g., sexo, idade, religiosidade). Os questionários foram aplicados
em ambiente de sala de aula de forma coletiva, porém com respostas fornecidas individualmente.

Procedimentos

Primeiramente buscou-se estar em conformidade com as exigências da Resolução nº 510/16


do conselho Nacional de Saúde – CNS, que regulamenta os procedimentos da pesquisa com seres
humanos, logo todos os princípios éticos foram assegurados, garantindo o caráter anônimo e
sigiloso aos participantes em relação às suas respostas. Também foi informado que a participação
seria voluntaria e que eles poderiam desistir do processo a qualquer momento sem nenhum ônus
ou bônus. Foram levados em média, cerca de 5 minutos para responder o questionário.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Análise de Dados

Os dados coletados foram analisados usando os seguintes softwares: pacote estatístico IBM
SPSS versão 21 para realizar o cálculo das estatísticas descritivas visando a caracterização dos
participantes (Wagner III, 2016) e o R (R Development Core Team, 2015) para a realização da
análise fatorial confirmatória e ainda as análise de confiabilidade (Alfa de Cronbach). Para a
execução da AFC foram utilizados os pacotes Laavan (Rosseel, 2012) e Psych (Raîche, Walls, Magis,
Riopel, & Blais, 2013). Assim, nessa etapa, a AFC permitiu testar a estrutura unidimensional
da escala em questão seguindo o método de estimação WLSM (Mínimos Quadrados Ponderados
Robustos). Esse procedimento da análise fatorial confirmatória permite testar a estrutura teorizada
diretamente, para tanto foram considerados os seguintes indicadores de ajuste: O χ²/g.l. - valores
entre 2 e 3 indicam um ajustamento adequado; o Goodness-of-Fit Index (GFI), cujos valores variam
de 0 a 1, com aqueles próximos a 0,90 indicando um ajustamento satisfatório do modelo teórico
na explicação da matriz de variância-covariância; Comparative Fit Index (CFI) que se trata de um
índice comparativo, adicional, de ajuste do modelo, que assim como o GFI valores mais próximos
de 1 indicam melhor ajuste, recomendando-se valores em torno de 0,90; A Root-Mean-Square Error
of Approximation (RMSEA), com seu intervalo de confiança de 90% (IC90%), é considerado um
indicador de “maldade” de ajuste, isto é, valores altos indicam um modelo não ajustado. Quanto
mais próximo de zero, melhor, admitindo-se valores de até 0,10 (ponto de corte de 0,08; Hair,
Black, Babin, & Anderson, 2015; Tabachnick & Fidell, 2015). Por fim, foi calculado o coeficiente
de confiabilidade composta (CC).

Resultados

Concretamente, os indicadores de ajuste do modelo correspondente revelaram uma solução


satisfatória para a amostra considerada, indicando que a estrutura unidimensional se ajustou
bem aos dados da amostra piauiense. Uma visualização mais dinâmica desses índices pode ser
feita, a seguir, na Tabela 1.

Tabela 1.
Indicadores de ajuste do modelo da EAR

Indicadores de ajuste da
χ²/g.l CFI GFI RMSEA (IC 90%)
medida (EAR)

1,46 0,99 0,99 0,001 (0,001 - 0,034)

Nota: A tabela mostra os índices de ajuste e seus respectivos resultados para o modelo estudado. Esses índices são:
χ²/g.l: Quiquadrado/Graus de liberdade; CFI: Comparative Fit Index; GFI: Goodness Fit Index; RMSEA: Root Mean
Square Error Approximation com seu intervalo de confiança.

Todos os itens apresentaram saturações (pesos fatoriais, λ) estatisticamente diferentes de


zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05), variando entre 0,26 (Resiliência 3. Não costumo demorar para
me recuperar de eventos estressantes) e 0,86 (Resiliência 4. É difícil me recompor quando algo
ruim acontece.). A estrutura correspondente pode ser observada a seguir na Figura 1.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 971


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Figura 1. Estrutura final da Escala Abreviada de Resiliência

Fonte: Criado e extraído do programa AMOS versão 21.


A figura ilustra a estrutura fatorial da EAR. A elipse maior representa o construto (variável)
latente principal; os retângulos constituem a variáveis observáveis (itens do instrumento); E os
círculos menores, os erros associados.

Os indicadores de ajuste dão evidencias de que o instrumento avalia o construto (resiliência)


a que se propõe, no entanto é necessário saber ainda se avalia confiavelmente, ou seja, com
precisão. Para tanto, se buscou avaliar tal parâmetro através de dois indicadores de consistência
interna, os resultados podem ser observados na Tabela 2.

Tabela 2.
Indicadores de confiabilidade

Indicadores de confiabilidade Alfa de Cronbach (α) Confiabilidade composta (CC)


0.71 0.73
Nota: A tabela apresenta a precisão da medida. Dois critérios de consistência interna foram utilizados, o primeiro
(Alfa de Cronbach) é sensível à quantidade de itens do instrumento, já o segundo (Confiabilidade composta) não.

É possível averiguar na Tabela 2 que o coeficiente de consistência interna (Alfa de Cronbach)


foi satisfatório para o componente da medida, isto é, resiliência. Não obstante, esse resultado
ainda fora reforçado com outro índice, a saber, o coeficiente de confiabilidade composta (CC)
que diferente do primeiro, não é sensível ao número de itens.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Discussão

Essencialmente, esse estudo teve como objetivo principal avaliar a estrutura unidimensional,
da Escala Abreviada de Resiliência, adaptada para o Brasil por Coelho et al. (2016). Para tanto,
efetuou-se uma CFA considerando a matriz de covariância como entrada e empregando o
estimador WLSM (Mínimos Quadrados Ponderados Robustos).
Confiavelmente, todos os critérios levados em conta para essa avaliação apontaram para
um resultado favorável á adequação da medida no contexto considerado. Os índices de ajuste
revelaram um bom ajuste da medida. Por exemplo, os indicadores GFI e o CFI, tidos como
indicadores de bondade de ajuste, se apresentaram acima do recomendado pela literatura (≥
0.95). Ao passo que o RMSEA, tido como um parâmetro de maldade de ajuste apresentou um
valor beirando a nulidade (ver tabela 1) (Hair et al., 2015; Tabachnick & Fidell, 2015).
Logo, esses resultados reforçam os a estrutura unidimensional proposta originalmente
e encontrada no Brasil. É importante mencionar o fato de o item três ter saturado com peso
fatorial de apenas 0,26 (ver figura 1). Por tratar-se de uma CFA, onde se testa a estrutura fatorial
diretamente considerando os pressupostos teóricos da medida, entende-se que esse detalhe não
penaliza de forma decisiva o ajuste geral do instrumento (Hair et al., 2015).
Já os indicadores de confiabilidade, por mais que tenham apresentado um coeficiente
relativamente baixo, quando comparados aos encontrados nos estudos de Smith et al. (2008) e
Coelho et al (2016), estes ainda são considerados satisfatórios (acima de 0,70) indicando que o
instrumento é uma alternativa com boa precisão para uso em pesquisas (Pasquali, 2003).
Diante do que foi dito, considera-se que os objetivos propostos nessa pesquisa tenham sido
alcançados, a saber, a obtenção de evidencias de que a Escala Abreviada de Resiliência pode ser
usada no contexto Piauiense com a mesma estrutura psicométrica da versão adaptada para o
Brasil.
Como qualquer empreendimento de investigação cientifica este não está isento de possíveis
pontos fracos, logo faz se necessário ressaltar as potenciais limitações que esse estudo apresenta.
Primeiramente, a amostra utilizada, por mais que tenha sido de tamanho adequado (de no mínimo
200 participantes), esta fora coletada por conveniência (não aleatória) e apenas com estudantes,
restringindo os resultados a amostra considerada não havendo a possibilidade de generalização
dos mesmos. Neste caso, parece ser interessante que, em pesquisas futuras, este seja aplicado em
amostras distintas e mais heterogêneas.
Condições precárias de trabalho, ou mesmo o desemprego; verificar se a resiliência se
comporta da mesma forma em adultos e crianças (Fernandes de Araújo & Bermúdez, 2015);
pacientes em contexto hospitalar, por exemplo, parecem ser campos pertinentes para a aplicação
da EAR. Outros estudos podem usar a EAR de forma aplicada para investigar cenários que
enfrentam precariedade social, no sentido de buscar dados que possam ser uteis para a tomada
de decisões no emprego de politicas de prevenção, de qualidade de vida e saúde mental.
É interessante que outros pesquisas busquem investigar, também, a relação de resiliência com
outros constructos, por exemplo, a gratidão, satisfação com a vida (Seligman, & Csikszentmihalyi,
2014), ou valores humanos (Gouveia, 2017), pois espera-se, de antemão, que a relação desses
construtos se perpassem significativamente e contribuam no entendimento de muitos fenômenos
sociais e psicológicos.
Por fim, entende-se que essa pesquisa tenha contribuído com o fornecimento de evidencias
que comprovem a estabilidade do uso da EAR em diferentes contextos.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 973


NO ONTEXTO BRASILEIRO
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 975


NO ONTEXTO BRASILEIRO
VARIAÇÃO DIÁRIA DOS PROCESSOS ATENCIONAIS:
UM ESTUDO ELETROFISIOLÓGICO
Lucas Galdino Bandeira dos Santos
Jéssica Bruna Santana Silva
Michael Jackson de Oliveira Andrade
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Eveline Silva Holanda Lima
Natanael Antonio dos Santos

Introdução

A
cronobiologia pode ser definida como o estudo dos mecanismos relacionados as
alterações temporais do organismo em várias situações, seu estudo vem sendo
desenvolvido há cerca de 4000 anos com estudos em plantas e animais (Dunlap,
Loros, & Decoursey, 2009). Esta ciência estuda os processos fisiológicos e cognitivos que estão
diretamente relacionados com variáveis ambientais, como a ritmicidade da luz incidente no dia,
hora e meses do ano (Buzsáki, 2006).
A susceptibilidade dos mais diversos organismos a variações temporais diárias com um
período reativamente constante pode ter sido um importante fator para as alterações rítmicas dos
organismos. Além disso, estruturas relacionadas à percepção sensorial também podem ter passado
por esta adaptação, e se tornaram sincronizadas em ritmos biológicos que podem modular padrões
de organização entre o meio interno e externo (Dunlap, Loros, & Decoursey, 2009).
Os ritmos biológicos são aqueles que têm característica oscilatória por meio de um fenômeno
periódico, sendo dependente ou não das variações ambientais. Medições em um bioperíodo1
podem ser classificadas a partir de três teoremas: período, amplitude e fase. O período é definido
como o intervalo de tempo necessário para que ocorra um ciclo completo; a amplitude está
relacionada com os valores de máximos e mínimos dentro de um período; enquanto a fase é o
valor de qualquer ponto no período (Halberg, 1969).
Além da classificação supracitada, os ritmos biológicos também podem ser classificados de
acordo com a frequência em ritmos circadianos, infradianos e ultradianos. Os ritmos circadianos
compreendem as variações entre 20 a 24 horas com sincronização no período de um dia; os
ritmos infradianos se referem as oscilações em períodos maiores que 28 horas, enquanto os ritmos
ultradianos compreendem oscilações menores do que 20 horas (Besílio et al., 2012). Com relação
a ritmicidade circadiana em humanos (ciclo sono-vigília), alguns indivíduos possuem preferência
para iniciar ou terminar o sono, podendo ocasionar em uma preferência para realizar as atividades
diárias, que podem estar relacionadas aos níveis hormonais, de temperatura corporal e do
momento do padrão sonoro (Reppert & Weaver, 2001).

1 Período no qual ocorrem oscilações biológicas, tais como: variações diárias de temperatura, variação mensal
do ciclo menstrual ou ciclo de sono-vigília. Ou seja, quaisquer variações biológicas de forma periódica e bem
delimitadas. (CUGINI, 1993)

976  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
É discutido, portanto, as relações entre as preferências cronobiológicas (como ciclo de
sono/vigília e cronotipos) e a performance cognitiva. De maior interesse na neste trabalho, uma
das funções cognitivas que parece sofrer modulação das variações cronobiológicas é justamente a
aprendizagem (Onder et al., 2014; Russo et al., 2016), que está diretamente relacionada a atenção.
Diante do que foi exposto, pretende-se demonstrar que características como o ciclo sono/
vigília e o período do dia podem estar relacionadas com o modo de funcionamento cronobiológico
do organismo humano, onde por fim, estas características devem ser levadas em conta no estudo
dos processos atencionais. Deste modo, é esperado que o componente da função cognitiva
relacionada à atenção esteja também relacionada as variações diárias (ou circadianas). Sendo
assim, este trabalho tem como objetivo verificar se a resposta eletrofisiológica de amplitude e
latência varia ao longo do dia em função de uma tarefa de atenção.

Método

Desenho do Estudo

Trata-se de um estudo quantitativo com desenho de pesquisa do tipo quase-experimental,


possui um delineamento misto com avaliações intra sujeitos com medidas repetidas. O protocolo
experimental foi realizado no período da manhã e da tarde (duas condições) de acordo com os
horários de avaliação: 09:00 e 15:00.

Local do Estudo

Esta pesquisa foi realizada no Laboratório de Percepção, Neurociências e Comportamento


(LPNeC). O LPNeC está situado na cidade de João Pessoa (Paraíba, Brasil), com coordenadas
geográficas de Latitude: -7.11532 (7° 6′ 55″ Sul) e Longitude: -34.861 (34°51′ 40″ Oeste) e
amplitude 43.02 m em relação ao nível do mar. Variáveis intervenientes como temperatura e
iluminação foram controladas, de modo que a temperatura mantenha-se a 24˚C e a incidência de
luz proveniente apenas do monitor onde foi exibido os estímulos.

Participantes

Participaram deste estudo oito jovens adultos de ambos os sexos com idades entre 18 e 45
anos (M = 25,88; DP = 3,06). Os voluntários foram recrutados da população em geral e todos
participaram foram testados nas duas condições. A participação no estudo foi voluntária e
todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Estudos
desta natureza não oferecem nenhum risco à saúde física e mental dos voluntários e no máximo
pode causar efeitos de fadiga e cansaço devido a duração do experimento, desde montagem dos
eletrodos, até a apresentação dos estímulos.
Os critérios de exclusão da pesquisa foram os seguintes: 1) Ingestão de cafeína em excesso nos
três dias prévios à avaliação; 2) Uso de ansiolítico de forma crônica; 3) Indivíduos com distúrbios
graves do sono; 4) Doenças como diabetes, retinopatias, hipertensão, AIDS; 5) Indivíduos com
acuidade visual pobre (abaixo de 20/20); 6) Uso de álcool e drogas ilícitas de forma crônica; 7)
Presença de transtornos neuropsiquiátricos.

Eletrofisiologia

Neste estudo foi utilizado um sistema de EEG actiCHamp (Brain Products, Herrsching,
Alemanha) com 32 eletrodos ativos com um software para o registro das atividades eletrofisiológicas
a uma taxa de amostragem de 1000 Hz (BrainVision PyCorder). Os eletrodos foram conectados
a uma touca permeável a ar e tamanho ajustável a cabeça do participante (Easy-cap, Herrsching,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 977


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Alemanha) com padrão de distribuição de acordo com o sistema internacional 10/10 (Figura
1). Foi utilizado o gel salino SuperVisc (EasyCap GmhH, Herrsching, Alemanha) para facilitar a
transdução do sinal.
Todos os participantes da pesquisa foram instruídos a não utilizar cremes capilares, que
estivessem com o cabelo recém lavado e seco. Este critério visa diminuir a resistência do sinal
coletado. A impedância (resistência) dos eletrodos foi mensurada através do software BrainVision
PyCorder, e a avaliação só foi iniciada quando estivesse abaixo de 10 quilo ohms (k Ω) em todos
os eletrodos.

Figura 1. Posição dos eletrodos no sistema 10/20 e 10/10 para um sistema de


32 eletrodos. Os círculos azuis indicam os eletrodos nos quais foi mensurado
amplitude e latência de P3B (P7, P3, Pz, P4 e P8). Fonte: Adaptado do
Manual e Localização de Eletrodos (Brain Products, Herrsching, Alemanha).

Na análise dos dados, foram aplicados os seguintes filtros e passos para pré-processamento
e processamento dos dados: 1) Referência Comum a todos os Eletrodos; 2) Filtros: foi aplicado o
filtro passa alta a 0,3 Hz, passa baixa a 30 Hz e filtro de nó em 60 Hz; 3) Inspeção de Artefatos: foi
aplicado de forma semiautomática e se baseia na marcação de segmentos que contenham artefatos,
tais como piscada, movimentos oculares laterais, compressão mandibular, artefatos cardíacos e
etc. 4) Análise dos Componentes Independentes; 5) Diminuição da taxa de amostragem de 1000
Hz para 250 Hz; 6) Marcação do estímulo (trigger): foi utilizado o eletrodo auxiliar (Fotosensor)
para marcar o momento em que os estímulos de interesse apareceram para os participantes.
Esta inspeção foi realizada de forma manual no próprio software; 7) Segmentação: os dados
foram segmentados de acordo com triggers. Desta forma, foram originados dois nós – palavra
correspondente e palavra não correspondente – que serão explicados na seção de estímulos; 8)
Média dos segmentos; 9) Identificação dos componentes de onda: foi selecionado o maior pico
de amplitude para os componentes de onda P3B (Figura 3) e extraídos os valores de amplitude e
latência dos mesmos.

978 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Estímulo

O software Paradigm Experiment® foi utilizado na confecção da rotina experimental do


estudo. A tarefa consistiu em um treino prévio, seguido do experimento propriamente dito. O
experimento realizado teve como base uma modificação da tarefa do tipo GO/No Go (Figura 2).
Desta forma, foram confeccionadas duas classes de estímulos: Estímulo Real e Estímulo
Distrator. A classe “Estímulo Real” correspondia a 43 fotos de animais e 43 fotos com seus
nomes correspondentes. A classe Estímulo Distrator correspondia a 17 fotos de objetos e 17
fotos com os nomes destes objetos. No estímulo do tipo real, a ordem de aparição foi do tipo
Estímulo Correspondente (EC): quando a palavra após a imagem era correspondente; ou Não
Correspondente (NC): quando a palavra após a imagem não era correspondente.

Procedimento Experimental

Os participantes foram acomodados em uma poltrona reclinável em uma sala com


luminosidade, temperatura e isolamento acústico controlado. Após a verificação da impedância,
foram dadas as instruções tanto da tarefa (modo de resposta S ou L), quanto instruções para
evitar artefatos no sinal do EEG, tais como: evitar piscadas oculares excessivas, movimentos
bruscos, e contração muscular exagerada do pescoço e maxilar.
A tarefa dos participantes foi, portanto, pressionar o botão “S” do teclado quando a
sequência das imagens foi do tipo EC ou “L” quando a sequência fosse do tipo NC. As respostas do
tipo distrator não foram consideradas na análise. A ordem de exibição das imagens e palavras foi
aleatória para cada medida dos participantes para evitar o efeito de fadiga nas últimas exibições.
Todos os participantes era autorizados a participar da pesquisa mediante a assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Análise dos Dados

Figura 2. Representação esquemática do estímulo e tarefa no experimento.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 979


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Os valores de amplitude e latência foram extraídos no formato “.doc” do software Analyzer
2.1 do componente de onda P3b nos eletrodos P3, P4, Pz, P7 e P8 para posterior análise. Estes
valores foram analisados utilizando-se o software IBM SPSS Statistics versão 21. O nível de
significância de 5% foi utilizado para todas as análises. Como os dados não atenderam os critérios
de normalidade, realizou-se análise estatística inferencial não paramétrica (Teste de Wilcoxon)
para amplitude e latência de P3b.

Resultados

Comparação aos pares de amplitude e latência de P3b:

A análise topográfica cortical nos mostra que o local responsável pela resposta de P3b é
restrita à região parietal do encéfalo, (Figura 3), sendo que estes locais são bem descritos como
local responsável por gerar o componente P3b (Kropotov, 2009; Santos-Mayo, San-Jose-Revuelta,
& Arribas, 2017)”title” : “Quantitative EEG Event-Related Potentials and Neurotherapy”, “type”
: “book” }, “uris” : [ “http://www.mendeley.com/documents/?uuid=bb9b6303-571a-455e-87e8-
eeb45a50cc3d” ] }, { “id” : “ITEM-2”, “itemData” : { “DOI” : “10.1109/TBME.2016.2558824”,
“ISSN” : “15582531”, “PMID” : “28113193”, “abstract” : “Objective: To design a Computer-aided
diagnosis (CAD.
Os resultados mostraram diferenças em todos os valores de amplitude do componente de
onda P3b para o estímulo do tipo real correspondente nos eletrodos Pz (Z = -2,38; p = 0,017),
P3 (Z = -2,52; p = 0,012), P7 (Z = -2,10; p = 0,036); P4 (Z = -2,52; p = 0,012) e P8 (Z = -2,380;
p = 0,017) através da análise comparativa entre os horários Matutino e Vespertino (Figura 4).
Este resultado sugere que a performance cognitiva relacionada a atenção e processamento
de informações tem um certo aumento quando avaliado próximo às 15:00, e portanto, sofre
modulação cronobiológica do tipo circadiano.

Figura 3. Mapa topográfico cortical do Potencial Relacionado a Evento


em uma escala de tempo (Do baseline a 800 ms). Em vermelho é
ilustrado o potencial positivo e em azul o potencial negativo. Fonte:
Dados da Pesquisa, 2017.

980 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Figura 4. Ilustração no domínio do tempo (Eixo x) pela amplitude (Eixo y) da resposta
para o estímulo do tipo real correspondente. Em preto a resposta no horário da manhã,
e em preto, pela tarde.

Discussão

A partir dos resultados observa-se que a atenção possui flutuações diárias. Temos indícios
suficientes para sugerir que a circuitaria neuronal responsável pelo processo de atenção seletiva
foi responsável por uma melhor resposta pela tarde em todos os participantes da pesquisa, de
modo que a amplitude do componente P3b foi superior, para todos os indivíduos da amostra, no
período da tarde. Apesar do número amostral ser considerado pequeno, estes resultados podem
ser importantes na discussão acerca da escolha do turno de estudo, uma vez que outros estudos
já observaram que outros aspectos da cognição superior também variam ao longo do dia e são
superiores no período da tarde.
Um aspecto que pode ser levado em consideração é o padrão de sonolência e a melhor resposta
de P3b no turno da tarde, uma vez que o ciclo de sono-vigília tem um papel preponderante na
recuperação do indivíduo e na manutenção da homeostase. O sono está diretamente relacionado
com todas as funções cognitivas (Sutter et al., 2012), de forma que quaisquer alterações no sono
ou na vigília podem desencadear efeitos cognitivos que dependendo da frequência podem ser
reversíveis ou irreversíveis. Porém, a influência de padrões de sonolência segue como sugestão
para estudos posteriores.
Partindo do pressuposto que as preferências circadianas, qualidade e padrões do sono
podem influenciar diretamente no desempenho escolar (Roeser, Schlarb, & Kübler, 2013; Onder
et al., 2014; Russo et al., 2016) e por conseguinte, na atenção seletiva (mensurada a partir do P3b

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 981


NO ONTEXTO BRASILEIRO
parietal). A presença do P3b no córtex parietal é permeada pela ação comportamental e atencional
para elucidar um tipo de estímulo em específico e, portanto, pode estar diretamente relacionado
com o processo de atenção (Kropotov, 2009). Outros autores o definem como resultado
da sincronização de neurônios que controlam a atenção seletiva (ou atribuição da atenção)
(Pontifex, Hillman, & Polich, 2009)latency, and general characteristics. The neuropsychological
origins of the P3a and P3b subcomponents are detailed, and how target/standard discrimination
difficulty modulates scalp topography is discussed. The neural loci of P3a and P3b generation are
outlined, and a cognitive model is proffered: P3a originates from stimulus-driven frontal attention
mechanisms during task processing, whereas P3b originates from temporal-parietal activity
associated with attention and appears related to subsequent memory processing. Neurotransmitter
actions associating P3a to frontal/dopaminergic and P3b to parietal/norepinephrine pathways
are highlighted. Neuroinhibition is suggested as an overarching theoretical mechanism for P300,
which is elicited when stimulus detection engages memory operations. \u00a9 2007 International
Federation of Clinical Neurophysiology.”, “author” : [ { “dropping-particle” : “”, “family” :
“Polich”, “given” : “John”, “non-dropping-particle” : “”, “parse-names” : false, “suffix” : “” } ],
“container-title” : “Clinical Neurophysiology”, “id” : “ITEM-1”, “issue” : “10”, “issued” : { “date-
parts” : [ [ “2007” ] ] }, “page” : “2128-2148”, “title” : “Updating P300: An integrative theory of
P3a and P3b”, “type” : “article-journal”, “volume” : “118” }, “uris” : [ “http://www.mendeley.com/
documents/?uuid=940b4235-23db-4761-9357-5e3ebf8324ce” ] }, { “id” : “ITEM-2”, “itemData”
: { “DOI” : “10.1111/j.1469-8986.2008.00782.x”, “ISBN” : “0048-5772”, “ISSN” : “00485772”,
“PMID” : “19170947”, “abstract” : “The influence of age and fitness on the neuroelectric correlates
of attentional orienting and processing during stimulus discrimination were investigated. Younger
and older adult participants completed a maximal aerobic exercise test and were separated into
higher- and lower-fit groups according to their cardiorespiratory fitness. Task performance and
event-related potential measures were obtained during two- and three-stimulus oddball tasks.
Results indicated that fitness may ameliorate or protect against cognitive aging for simple
stimulus discriminations. Increases in task difficulty indicated that fitness may not be sufficient
to overcome age-related deficits in stimulus discrimination. Further, fitness did not influence
attentional orienting. The findings suggest that fitness-related changes in cognitive function may
originate from other attentional mechanisms. Theoretical implications are discussed.”, “author” :
[ { “dropping-particle” : “”, “family” : “Pontifex”, “given” : “Matthew B.”, “non-dropping-particle”
: “”, “parse-names” : false, “suffix” : “” }, { “dropping-particle” : “”, “family” : “Hillman”, “given”
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particle” : “”, “family” : “Polich”, “given” : “John”, “non-dropping-particle” : “”, “parse-names”
: false, “suffix” : “” } ], “container-title” : “Psychophysiology”, “id” : “ITEM-2”, “issue” : “2”,
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{ “formattedCitation” : “(POLICH, 2007; PONTIFEX; HILLMAN; POLICH, 2009. O controle das
porções corticais onde o P3b é encontrado indica ser modulado diretamente pelo Locus Cerúleo
(Figura 5) que emite projeções para o córtex parietal e frontal (onde é encontrado o P3a). Além
dos indícios relacionados à atenção serem bem estabelecidos, o P3b também está relacionado
com processos cognitivos, tais como aprendizado (Bouret & Sara, 2004), memória (Uematsu, Tan,
& Johansen, 2015) e adaptação/flexibilidade comportamental (Aston-Jones, Rajkowski, & Cohen,
1999)or what mechanisms may be involved. We review our recent work examining activity of LC
neurons in monkeys performing a visual discrimination task that requires focused attention. Results
indicate that LC cells exhibit phasic or tonic modes of activity, that closely correspond to good or
poor performance on this task, respectively. A computational model was used to simulate these

982  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
results. This model predicts that alterations in electrotonic coupling among LC cells may produce
the different modes of activity and corresponding differences in performance. This model also
indicates that the phasic mode of LC activity may promote focused or selective attention, whereas
the tonic mode may produce a state of high behavioral flexibility or scanning attentiveness. The
implications of these results for clinical disorders such as attention-deficit hyperactivity disorder,
stress disorders, and emotional and affective disorders are discussed. Copyright (C.

Figura 5. Esquema da modulação cortical a partir do Locus Cerúleo (em azul) durante
uma tarefa de atenção. Fonte: <https://news.usc.edu/91957/researchers-pinpoint-
brain-region-as-ground-zero-of-alzheimers-disease/> e adaptada de Kropotov (2009).

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984  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ASPECTOS E MODELOS DE LEITURA SOBRE O PRISMA
DE STANISLAS DEHAENE E VITOR CRUZ
Murilo Cezar de Souza Albuquerque
Mírian Carla Lima Carvalho
Carla Moita da Silva Minervino

Introdução

A
linguagem é necessária, pois pode ocupar o status de fator primário para
socialização, comunicação e, muito provavelmente, evolução do pensamento. Ela
pode ser considerada inata, pela existência de aparatos biológicos propícios a isso
(tanto que uma lesão no nosso cérebro pode afetar a compreensão, o falar e a leitura). E ainda,
pode ser considerada como construção social, pois as palavras são aprendidas, inicialmente e
primordialmente, na família e outras relações no meio social.
A linguagem, na condição de um dos componentes da cognição, é considerada um sistema
comunicativo, composto por um conjunto de regras que posteriormente poderá representar
ações, expressar sentimentos e necessidades. Outro aspecto da linguagem, refere-se a condição de
um componente cultural primordial a transmissão de ensinamentos (Papalia & Feldman, 2013).
Nessa perspectiva, um aspecto importante é a leitura, esta requer aprendizado formal e maturação
de aparatos biológicos.
Segundo Leffa (1996), definir o processo de leitura depende do grau de generalidade e do
enfoque dado (social, psicológico, fenomenológico, linguístico, etc.). A referida autora propõe
quatro definições (geral, duas específicas e uma conciliatória). Sendo a geral o acesso indireto,
formado pelo processo de representação do conjunto de elementos constituintes, interligados
com a percepção e os conhecimentos prévios do leitor a fim de produzir o resultado interpretativo.
As duas definições específicas, são tratadas como antagônicas, traçando direções do significado
do texto ao leitor e do leitor ao texto. Desta forma, ler seria atribuir ou extrair o significado do
texto. A definição integradora considera as duas definições específicas atuando alternadamente
durante o processo.
Para Roazzi, Minervino, & Melo (2014), duas abordagens sobre os processos subjacentes
de leitura e escrita têm, ao longo do tempo, influenciado concepções de como entender tais
processos. A primeira abordagem, tradicional ou simplificada, preconiza a leitura como ato de
transformar uma expressão escrita em oral. Tal relação, entre signos e sons, respeita determinadas
regras de associação e correspondência. A segunda abordagem, inovadora ou ampliada, considera
a leitura como o ato de busca e extração de significados. Tais processos, dão-se pela mediação
entre algumas expectativas do sujeito (de natureza variada) e o texto.
A leitura representa um ponto chave para a aprendizagem do indivíduo, na qual permite
que se desenvolva enquanto ser autônomo, pensante e crítico, e ainda lhe fornece meios para
se desenvolver profissionalmente. Embora esta possa ser compreendida por meio de diversas

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 985


NO ONTEXTO BRASILEIRO
perspectivas teóricas, neste estudo será ressaltado os aspectos cognitivos da leitura, seja por
processos internos ao indivíduo (biológico), ou influenciados por processos externos (ambientais
e culturais).
No funcionamento cerebral, considera-se que o hemisfério esquerdo é predominante para
a função da linguagem. De fato, lesões nessa área podem provocar afasias, disfasias e agnosias.
Já o hemisfério direito é predominante para os seguintes aspectos linguísticos: prosódia, funções
discursivas, pragmática, inferências e aspectos léxico-semânticos (Gil, 2002; Gazzaniga, Ivry, &
Mangun, 2006; Fuentes, Malloy-Diniz, Carmargo, & Cosenza, 2014).
Uma das ideias essenciais de Luria, abordada por Fuentes et al. (2014), é a noção de que
vínculos funcionais entre regiões cerebrais são construídos historicamente. Por exemplo, a partir
da invenção da escrita, áreas responsáveis pela linguagem se tornam funcionalmente conectadas
as regiões vinculadas ao processamento visual e motor. Para Kandel, Schwartz, Jessell, Siegelbaum
e Hudspeth (2014), o processamento da linguagem em bilíngues tardios, para o idioma nativo e
o segundo idioma, ocorre em áreas separadas no frontal esquerdo, já em bilíngues precoces são
processadas na mesma área.
Contudo, mais que centros especializados para a linguagem, há a noção de redes ou circuitos
neurais, uma para linguagem com epicentros frontais (área de Broca) e temporoparietais (área
de Wernicke), com predominância à esquerda; o que pressupõe que as estruturas cognitivas
funcionam de forma interconectada (Fuentes et al., 2014).
Perante as diversas abordagens e perspectivas da leitura, isso suscita a necessidade traçar uma
definição atual na qual seja capaz de explicar satisfatoriamente a complexidade deste processo.
Diante dos aspectos acima abordados o objetivo deste trabalho consta em revisar, por meio
de uma análise comparativa, de duas obras as quais dissertam sobre uma abordagem cognitiva da
leitura, traçando os principais aspectos da mesma.

Método

Foi feita uma revisão narrativa, que consta de uma revisão crítica em dois livros, sendo
um de origem portuguesa, intitulado “Uma Abordagem Cognitiva da Leitura”, escrito por Vitor
Cruz (Professor da Universidade Técnica de Lisboa), publicado em 2007, originado de sua tese
de doutorado “Uma abordagem cognitiva às dificuldades na leitura: avaliação e intervenção”,
publicada em 2005; e o outro de origem francesa, intitulado “Les neurones de la lecture”, escrito por
Stanislas Dehaene (Professor Collège de France e diretor da Unidade de Neuroimagem Cognitiva
do INSERM - Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale), publicado em 2007, traduzido
para o português brasileiro em 2012 por Leonor Scliar-Cabral, na tradução recebeu o título de
“Neurônios da Leitura: Como a Ciência Explica a Nossa Capacidade de Ler”.
Victor Cruz reflete em sua obra acerca dos aspectos cognitivos, internos ao indivíduo, desde os
aspectos iniciais da linguagem de forma biológica, seguido de modelos de estratégias de leitura, que
dão suporte a modelos de aprendizagem e ensino da mesma, e as dificuldades de aprendizagem da
leitura. Já Dehaene analisa o aprendizado da leitura em seu aspecto neuronal, (no âmbito dos circuitos
cerebrais e as estruturas neuroanatômicas envolvidos na leitura), apresentando uma compilação de
estudos sobre modelos de processamento da leitura e, mais especificamente, vai de encontro ao fato
de nosso cérebro aprender a ler de forma apropriado no que tange ao método fônico.
Foi feita a leitura integral das obras por meio de fichamento destacando os trechos
relacionados com o objetivo deste estudo. Posterior a este processo, iniciou-se um debate sobre
as obras e dissertou-se acerca os conteúdos que aqui são pertinentes.
Utilizou-se inicialmente de duas características principais como critério de análise: os
modelos de leitura e os processos de aprendizagem apresentadas nas obras. Posteriormente,

986  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
estabeleceu-se um debate entre os pesquisadores para a comparação e discussão dos resultados
aqui apresentados. E, não havendo concordância entre os pesquisadores, o terceiro pesquisador
foi solicitado para sanar as divergências.

Resultados  

De um lado a perspectiva cognitiva, cuja visão destaca a organização mental da leitura, e


de outro, aspectos socioculturais, a partir de um simbolismo cultural; essas duas consistem em
estruturas neuronais interligados à língua, na qual o aprendente domina (Cruz, 2007; Dehaene,
2012).
Para Cruz (2007), a leitura é uma atividade cognitiva em um processo de decodificação
e identificação de palavras escritas, respectivamente, a percepção e o léxico, e cuja função é de
compreensão, envolvendo a sintaxe e a semântica. Desta forma, existe um local onde se armazena
os significados, denominado de léxico. O autor, ainda, refere-se a consciência fonológica -
capacidade de escuta, identificação e manipulação dos sons individuais da linguagem falada
- como primordial para aquisição e domínio da leitura, pois tal compreensão é indicada na
concepção de que bons leitores utilizam a estratégia de processamento fonológico e maus leitores
utilizam a estratégia contextual (Cruz, 2007).
Infere-se que ler é detectar combinações de padrões arbitrários em suas sequências invariáveis,
o que corrobora com Dehaene (2012), onde este autor apresenta o processo da leitura como uma
representação hierárquica de agrupamento de letras em palavras, com aspectos fixos (tamanho
das letras, posição das palavras e no que tange a forma dos seus caracteres) e mutáveis. Ele, ainda,
ressalta que neurônios específicos são recrutados para identificar tais padrões, isto é, as palavras
quando escritas em tamanhos distintos (invariância de tamanho) por exemplo, “três”, “TRÊS”
ou “TrÊs” ocorre sem que nossa leitura seja afetada. No entanto, quando as palavras são muito
próximas, como “bela” e “bala”, estas palavras são analisadas com detectores mais refinadas, o que
suscita gradativamente selecionar, separar e religar as significações diferentes (Dehaene, 2012).
De outro modo, variâncias nas palavras, como por exemplo, “bela” e “BELA” que são
graficamente variáveis, estão inicialmente processadas por detectores neuronais distintos da
área visual primária e posteriormente recodificados em áreas associativas. Estes detectores estão
agrupados em dois grupos, os de forma e os de letras, sendo que os de forma tendem a identificar
similaridades como, por exemplo, em “x” e “X”, e os detectores de letras tendem a identificar
formas mais abstratas, por exemplo “e” e “E”, como sendo duas formas para a mesma letra
(Dehaene, 2012).
É provável que estes níveis coexistam e se completam ao processar gradativamente as
estruturas da escrita, inicialmente a letra, depois o dígrafo, o morfema e, por fim, a palavra. Desta
forma, do ponto de vista visual, o processamento da palavra se assemelha como uma árvore
invertida, considerando a palavra como a raiz da árvore e as estruturas menores como troncos,
galhos e folhas). Ao final deste processo, a palavra está refinada e pronta para ser analisada em
instâncias cerebrais superiores, seja para calcular o som ou para chegar ao significado (Dehaene,
2012).
Dehaene (2012) apresenta o efeito gatilho, um tipo de prime, o que implica na facilitação
em ler a palavra subsequente, quando estas apresentam o mesmo morfema, menor unidade
dotada de significado, independente do seu aspecto visual como, por exemplo, “lido” e “lemos”,
apresentam este efeito, e “vinte” e “pinte”, que são visualmente semelhantes, não apresentam
este efeito. No entanto, tal ocorrência não se dá apenas no aspecto do significado. É como se
houvesse um sistema que decodifica as unidades significativas e prepara possíveis resultados para
o significado seguinte.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 987


NO ONTEXTO BRASILEIRO
As bases biológicas da leitura estão diretamente relacionadas às áreas cerebrais visuais
(occiptal) e outras áreas como Broca (Frontal), Wernicke (parieto-temporal), e a área de visão
da forma das palavras occipto-temporal (Cruz, 2007). Além disso, existem perspectivas que
consideram que o Cerebelo como responsável pelo processo automático da leitura. Dehaene
(2012) verificou que há um certo grau de universalidade na região occipotemporal esquerda,
quanto a identificação das palavras escritas, forma das letras e sua reunião em palavras.
Existe uma divisão entre duas vias de tratamento da leitura, uma fonológica e, outra, lexical,
e que evidências apontam para o funcionamento em paralelo, uma dando suporte a outra. Esta
divisão, aparentemente didática, dividiu a comunidade científica por mais de 30 anos. Atualmente,
aceita-se que os dois modelos de leitura estão presentes de forma paralela no adulto, sendo que
nos leitores fluentes há uma predominância do modelo lexical e em leitores não fluentes ou na
leitura de palavras raras, novas e pseudopalavras com ortografia regular há predominância da via
fonológica (Dehaene, 2012).
Este processo é feito de forma automática por meio do cérebro, que transforma os grafemas
em fonemas e organiza-os em estruturas das suas respectivas palavras, mesmo os leitores mais
advertidos não podem impedir este processo de converter inconscientemente os grafemas em
imagens acústicas (Dehaene, 2012). Em crianças, é esperado a não efetividade destas duas vias,
onde muitas vezes leem o sinônimo ao invés das palavras que estão por ler, por exemplo, “lanche”
onde deveria ser merenda. Também, espera-se que só depois de muitos anos de aprendizado que
haja a integração dessas duas vias. Outro processo controlado pelo cérebro, refere-se ao acréscimo
feito por ele a fim de permitir o acesso lexical, priorizando as palavras mais frequentes.            
Dehaene (2012) apresenta alguns entraves para modelos de leitura puramente fonológicos,
por exemplo, a compreensão de “holorrimas”, “que rimam em sua totalidade”, não seria possível
a compreensão destas sem uma via de conversão dos grafemas em imagens acústicas, e está
longe de ser um processo sem ambiguidades, como por exemplo, faxina rima com china, mas não
rima com taxima, o que denota a necessidade de informações suplementares, assim como em
“cassa” e “caça” ou “cela” e “sela”, não seria possível distinguir na escrita se transcrito apenas
fonologicamente, não distinguindo as palavras homófonas, aquelas que têm o mesmo som, mas
grafias diferentes.
E, não sendo as estruturas fonológicas por si só capazes de responder às variações, implica
dizer que existem duas vias de leitura, e sem um funcionamento adequado de cada uma destas vias
“não seria possível ler todas as palavras”. O reconhecimento das letras não se dá sem o contexto o
qual ela é apresentada. “Assim, o que nós vemos depende do que nós acreditamos ver” (Dehaene,
2012, p.64).
Para Dehaene, as vias paralelas da leitura estão estruturadas em via fonológica e via lexical,
sendo a via fonológica aquela que processa e converte as letras (grafemas) em sons da língua
(fonemas). A via lexical, por sua vez, permite acessar o dicionário mental, também conhecido
como léxico mental, onde é armazenado o significado das palavras (Dehaene, 2012).
Numa língua existem regras que definem uma regularidade fonética, assim quanto maior a
transparência grafema-fonema em uma língua, ou seja, a correspondência da letra ao som, maior
a regularidade. As línguas podem ser classificadas de acordo com a sua regularidade fonética
(transparência). O Finlandês, por exemplo, é uma língua considerada mais regular, enquanto o
inglês é classificado como uma língua irregular (Cruz, 2007).
Os modelos de leitura, apresentados por Cruz (2007), estão categorizados em três
possibilidades, variando conforme a estratégia decodificação e interpretação da informação:
1) modelos de uma via: esta estratégia supõe o acesso diretamente ao léxico;
2) dupla via: supõe o acesso fonológico e lexical;
3) tripla via: tem a estratégia semântica, a fonológica e a lexical.

988  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O autor apresenta três métodos utilizados para o ensino da leitura: fônico, global e métodos
mistos. O fônico prioriza o ensino primeiro dos fonemas, ou seja, o ensino pelo som, iniciando-se
pelas letras, seguido por sílabas, palavras e frases. O Global prioriza a compreensão, iniciando a
partir das frases para as letras; por fim, o misto procura associar os dois modelos anteriores.
Cruz (2007), estrutura em quatro os modelos de como se aprende a ler:

1) Gough apresenta o modelo ascendentes, ou de baixo para cima, no qual começa com
o aprendizado das pequenas partes fonológicas, para se chegar às grandes estruturas
semânticas, sendo assim o contexto não influencia no processo, e o método de ensino
adequado seria o fônico;
2) Goodman apresenta o modelo descendentes, ou de cima para baixo, no qual a leitura
parte da compreensão geral para as menores unidades, sofrem influência do contexto, cujo
método de ensino indicado seria o global;  
3) Elis e Young apresentam o modelo interativo, no qual faz a junção dos anteriores;
4) Rumelhart apresenta o modelo interativo compensatório, semelhante a este último, no
entanto, a escolha da estratégia é do leitor.

Discussão

Nessa perspectiva, a partir do pensamento dos autores, entende-se a leitura como um


processo cognitivo, dependente da concordância entre as habilidades individuais e os métodos
de ensino experienciado por este.  Os aparatos biológicos associados em circuitos neurais são um
indicativo da amplitude desse processo e das possíveis implicações nos indivíduos, interferindo
diretamente no aprendizado e consequente nas didáticas de ensino. Salienta-se que as estratégias
de aprendizagem e ensino podem ser mais bem compreendidas a partir do entendimento da leitura
como um aspecto cognitivo.
Atualmente, não existem evidências que comprovem o funcionamento independente
das vias de leitura, provavelmente tais divisões são apenas didáticas, afinal, concebe-se hoje o
processamento neuronal por meio do paradigma interacionista, onde centros especializados
desempenham parte da demanda cognitiva.  Para Dehaene (2012), ao processar lexicalmente a
informação, processa-se, até inconscientemente, a mesma informação de forma fonológica.
Além do aparato biológico universal para linguagem e o surgimento de organizações
neuronais, após o processo de alfabetização, das estruturas que dão suporte à leitura, entende-
se que o cérebro interage de forma interconectada por uma engenhosa circuitaria. Em Dehaene
encontra-se essa magnífica descrição inserindo a existência da “caixa de letras” agindo no processo
cerebral - neuronal, e neurônios que reciclaram para adaptação do homem a leitura.
Mediante ao apresentado, conclui-se que não há um método único e universal de
aprendizagem, ensino ou processamento da leitura, seja ele global ou fônico, Top-down ou Bottom-
up, via direta ou indireta, via lexical ou fonológica. O que há em ambos é a relação entre o grafema-
fonema, na qual há atribuição por associação da relação entre um significado e seus representantes
visuais e auditivos. No entanto, é possível atribuir outras representações cognitivas, como o sabor
ou cheiro, ao processo de leitura.
Portanto, na perspectiva da cognição, no que tange a leitura, ressalta-se unidades
estruturais e circuitos cerebrais envolvidos, o que implica em especificidades de estratégias para a
aprendizagem da leitura, e ainda metodologias de ensino apropriadas às condições cerebrais do
indivíduo (Dehaene, 2012; Gazzaniga, Ivry, & Mangun, 2006; Gil, 2002; Fuentes et al., 2014).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 989


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Referências

Cruz, V. (2007). Uma abordagem cognitiva da leitura. Lisboa: Lidel.

Dehaene, S. (2012). Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de ler. Porto
Alegre: Penso.

Gazzaniga, M. S., Ivry, R. B., & Mangun, G. R. (2006). Neurociência cognitiva: a biologia da mente.
Porto Alegre: Artmed.

Gil, R. (2002). Neuropsicologia (2ª ed). São Paulo: Santos.

Fuentes, D. et al. [organizador] (2014). Neuropsicologia: teoria e prática. (2ª ed). Porto Alegre:
Artmed.

Kandel, E. [organizador] (2014). Princípios de neurociências (5ª ed). Porto Alegre: AMGH.

Papalia, D. E., & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento humano (12ª ed). Porto Alegre: Artmed.

Roazzi, A. Minervino, C. A. S. M., & Melo (2014). A aprendizagem da leitura e da escrita: princípios
teóricos, históricos, níveis conceituais e aspectos motivacionais do processo de aprendizagem do
código alfabético. In: A. Roazzi F. G. Paula & M. J. Santos (Org.). Leitura e Escrita: a sua aprendizagem
na teoria e na prática. Editora Juruá.

990  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA DAS FUNÇÕES
EXECUTIVAS NO TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA NO BRASIL
Heloanny Vilarinho Alencar
Letícia Maria Carvalho Mendes Costa
Maria Andréia Bezerra Marques

Introdução

D
e acordo com Malloy-Diniz, Fuentes, Mattos e Abreu (2010), a avaliação
neuropsicológica é um método de investigação das funções cognitivas e do
comportamento. Para isso, ela vale-se da aplicação de técnicas de entrevistas,
exames quantitativos e qualitativos das funções que compõem a cognição, não se constituindo
um método de investigação pronto, mas um processo em estruturação.
Dentre as funções cognitivas, há um conjunto de habilidades denominadas funções executivas,
que são essenciais para que o indivíduo obtenha sucesso ao realizar atividades cotidianas. Os
déficits nas funções planejamento, controle inibitório, tomada de decisões, flexibilidade cognitiva,
memória operacional, categorização e fluência, denomina-se síndrome disexecutiva (Malloy-
Diniz, De Paula, Sedó, Fuentes & Leite, 2014).
Para a avaliação das funções executivas, utiliza-se uma série de aplicação de testes e escalas
específicas que fornecem informações sobre cada processo cognitivo (Malloy-Diniz et al., 2014).
Carreiro et al. (2014), afirmam que dentre os instrumentos mais utilizados no Brasil para avaliação
das funções executivas, destacam-se os testes: Wisconsin, Trilhas, Stroop e Torre de Londres. No
que se refere aos instrumentos utilizados para avaliação da flexibilidade cognitiva, evidenciam-
se o Teste Trilhas e o Teste de Classificação de Cartas de Wisconsin. Com relação à avaliação
do controle inibitório, um dos mais importantes e escolhidos para utilização é o teste Stroop
e quanto à avaliação das habilidades de planejamento, o teste Torre de Londres é um dos mais
utilizados (Malloy-Diniz et al., 2014).
Segundo Malloy-Diniz et al. (2014), é possível observar déficits nas funções executivas
em diversos quadros de patologias neurológicas e psiquiátricas. Um destes é o Transtorno do
Espectro Autista (TEA), caracterizado pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM–5) pela presença de déficits na interação social e comportamentos repetitivos e
estereotipados, que acarretam grande prejuízo e sofrimento para a vida pessoal, acadêmica e
profissional do sujeito (APA, 2014).
As alterações encontradas nas funções executivas são consideradas o ponto de explicação
para grande parte das dificuldades encontradas em pessoas com TEA e explicam a presença da
grande maioria dos déficits neuropsicológicos apresentados. Isso porque a disfunção executiva
está relacionada aos comportamentos repetitivos, interesses restritos, desatenção e à dificuldade
na realização de atos que envolvam uma sequência de mudança, flexibilidade e planejamento
(Carreiro, Reppold, Córdova, Vieira & Mello, 2014).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 991


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Segundo Muszkat, Araripe, Andrade, Muñoz e De Mello (2014), por meio da Neuropsicologia
é possível compreender alterações dos processos cognitivos de pessoas com TEA, avaliar as funções
executivas, bem como as alterações da linguagem e da cognição social, além de contribuir para
o diagnóstico precoce e oferecer auxílio para o planejamento e elaboração de intervenções mais
precisas.
Os principais instrumentos apontados como os mais utilizados para avaliação
neuropsicológica deste quadro são, atualmente, o Teste de Stroop, Teste de Classificação de
Cartas de Wisconsin e Testes de fluência verbal (F.A.S.) e não verbal (Teste dos Cinco Pontos)
(Muskat et al., 2014). Na literatura, encontra-se uma escassez de estudos que apontem as técnicas
e os instrumentos usados no Brasil para avaliar especificamente as funções executivas do indivíduo
com Transtorno do Espectro Autista.
Dessa forma, este estudo teve como objetivo geral compreender o estado da arte da
avaliação neuropsicológica das funções executivas de pessoas com TEA no Brasil, mediante os
seguintes objetivos específicos: identificar os instrumentos utilizados no Brasil para avaliar as
funções executivas de indivíduos com TEA; e conhecer as dificuldades associadas ao prejuízo nas
funções executivas no TEA encontradas a partir de pesquisas brasileiras.

Método

Foi realizada uma revisão de literatura acerca de estudos relacionados à avaliação


neuropsicológica das funções executivas no Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil. Para
a busca de materiais, utilizou-se as bases de dados brasileiras Bireme, Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações (BDTD), Scielo, PePSIC e o Portal de Periódicos CAPES/MEC. Como
descritores, foram utilizados os termos “transtorno do espectro autista”, “autismo”, “funções
executivas” e “avaliação neuropsicológica”.
Como critérios de inclusão para seleção dos estudos, estes deveriam ter sido realizados no
Brasil e abordar a avalição neuropsicológica das funções executivas de pessoas com TEA, sem
limitação de datas. Por sua vez, o critério de exclusão abrangeu as pesquisas de revisão e os estudos
indisponíveis em versão integral.
Na busca empreendida, encontrou-se inicialmente 556 estudos que se enquadraram entre
artigos científicos, teses, dissertações e revisões. Além disso, os estudos encontrados não se
restringiram ao Brasil e não se limitaram à avaliação neuropsicológica das funções executivas no
TEA.
Para refinar os resultados a fim de obedecer aos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos,
foram lidos os resumos dos materiais encontrados e selecionou-se para análise integral apenas
pesquisas empíricas realizadas no Brasil que abordaram a avaliação neuropsicológica das funções
executivas no TEA e disponíveis integralmente. Desse modo, um total de 7 estudos, publicados no
período de 2008 a 2017, foi analisado.

Resultados

Na tabela 1 são apresentados os dados gerais das publicações analisadas integralmente:


título, nome dos autores, ano de publicação e modalidade de documento. Tais dados demonstram
que o número maior de estudos (3) concentrou-se no ano de 2014, com um artigo científico e
duas dissertações de mestrado. Analisando o título dessas três publicações, é possível observar
que se trataram de estudos com crianças e/ou adolescentes. Quanto à natureza dos documentos,
cinco foram dissertações de mestrado e dois foram artigos científicos, totalizando sete estudos
originais.

992  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 1
Dados gerais dos documentos pesquisados
Nº Título Autor/es Ano Tipo de documento

01 Novas possibilidades na avaliação neurop- Fernanda T. Orsati, José Salomão 2008 Artigo científico
sicológica dos Transtornos Invasivos do Schwartzman, Décio Brunoni, Tatiana
Desenvolvimento: análise dos movimentos Mecca e Elizeu C. de Macedo
oculares.
02 Gêmeos monozigóticos com Síndrome de Waldir Toledo de Paiva Jr. 2010 Dissertação de Mestrado
Asperger: sociabilidade e cognição

03 Avaliação Neuropsicológica das funções Fernanda Rasch Czermainski 2012 Dissertação de Mestrado
executivas no Transtorno do Espectro do
Autismo.

04 Funções Executivas em Crianças e Ado- Fernanda Rasch Czermainski, Rudimar 2014 Artigo científico
lescentes com Transtorno do Espectro do dos Santos Riesgo, Luciano Santos Pin-
Autismo. to Guimarães, Jerusa Fumegalli de Salles
e Cleonice Alves Bosa

05 Intervenção Neuropsicológica para Flexi- Yanne Ribeiro Gonçalves 2014 Dissertação de Mestrado
bilidade Cognitiva em Adolescentes com
Transtornos do Espectro do Autismo.

06 Caracterização de aspectos da cognição Samantha Santos de Albuquerque 2014 Dissertação de Mestrado


social, habilidades sociais e funções exe- Maranhão
cutivas de crianças diagnosticadas com
Transtorno Autista e Transtorno de Asper-
ger.
07 Correlação entre os resultados de avalia- Sabrina David de Oliveira 2017 Dissertação de Mestrado
ções neuropsicológicas e o desempenho em
discriminação condicional com crianças
com Transtorno do Espectro do Autismo.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

É possível depreender que, embora haja pesquisas empíricas no Brasil que se dediquem à
avaliação neuropsicológica das funções executivas de pessoas com TEA, seu número é reduzido.
Esta constatação justifica a necessidade de pesquisadores brasileiros dedicarem maior atenção a
essa temática.
A tabela 2 apresenta os achados quanto a duas categorias: 1) Instrumentos utilizados; e 2)
Prejuízos nas funções executivas e dificuldades associadas. No que diz respeito à primeira, pode-
se observar que foi utilizado um total de 13 testes com o objetivo de avaliar as funções executivas
de indivíduos com TEA. Dentre eles, a Escala de Inteligência Wechsler para Crianças – WISC III
e o Teste de Trilhas foram os instrumentos mais utilizados nos estudos analisados, tendo ambos
aparecidos, respectivamente, cinco e quatro vezes na tabela. Em uma de suas quatro aparições,
está a versão do Teste de Trilhas para pré-escolares.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 993


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Tabela 2
Instrumentos utilizados e dificuldades encontradas
Autor/es Instrumentos utilizados Prejuízo nas funções executivas e
dificuldades associadas
Fernanda T. Orsati, José Teste Escala de Inteligência Wechsler Dificuldade de regulação de atenção,
Salomão Schwartzman, Infantil – WISC III; preparação para atenção e inibição de
Décio Brunoni, Tatiana Tarefa de Sacada Preditiva (SP); respostas para execução da atividade
Mecca e Elizeu C. de Tarefa de Anti-Sacada (AS). proposta.
Macedo.
WISC-III – Escala de Inteligência Atenção sustentada;
Waldir Toledo de Paiva Jr. Wechsler para Crianças. Diferenciação de detalhes essenciais dos
não essenciais;
Flexibilidade cognitiva; Julgamento.

Fernanda Rasch Teste Stroop; Controle Inibitório; Planejamento;


Czermainski. Teste de Trilhas; Memória de trabalho; Flexibilidade
Figuras Complexas de Rey; Subtestes Cognitiva; Fluência verbal.
Fluência verbal ortográfica ou
fonêmica,
Fluência verbal semântica,
Tarefa Go/no GO auditiva,
Memória de trabalho do Instrumento
de Avaliação Neuropsicológica Breve
Infantil -NEUPSILIN-INF.
Fernanda Rasch Subtestes Fluência verbal ortográfica Flexibilidade cognitiva;
Czermainski, Rudimar dos ou fonêmica, Fluência verbal;
Santos Riesgo, Luciano Fluência verbal semântica, Inibição;
Santos Pinto Guimarães, Tarefa Go/no GO auditiva, Memória de trabalho visuoespacial;
Jerusa Fumegalli de Salles e Memória de trabalho visuoespacial, Planejamento.
Cleonice Alves Bosa. Span de Dígitos e
Span de Pseudopalavras do
NEUPSILIN-INF;
Figuras Complexas de Rey;
Matrizes Progressivas
Coloridas de Raven;
Teste de Trilhas;
Teste Stroop.
Yanne Ribeiro Gonçalves Subtestes Procurar Símbolo e Código Flexibilidade cognitiva;
da Escala de Inteligência Wechsler Atenção seletiva;
para Crianças-WISC III; Velocidade de processamento;
Teste Stroop; Atenção alternada.
Teste Wisconsin de Classificação de Atenção concentrada
Cartas – WCST; Controle inibitório
Teste de Trilhas;
Teste de fluência de desenhos;
Teste de Atenção por Cancelamento.

994  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Escala de Inteligência Wechsler para Flexibilidade cognitiva;
Samantha Santos de Crianças -WISC III; Dificuldade na compreensão verbal de
Albuquerque Maranhão Teste de Atenção por Cancelamento; regras ouvidas para execução de tarefas;
Matrizes Progressivas Déficits na atenção auditiva, seletiva e
Coloridas de Raven; sustentada;
Teste de Trilhas Coloridas; Dificuldades visuoespaciais e
Figuras Complexas de Rey; visuoconstrutivas; Controle Inibitório;
Subtestes Cubos e Arranjo de Figuras Planejamento.
– WISC III;
Subtestes Atenção Auditiva e Conjunto
de Repostas, Classificando Animais,
Fluência em desenhos,
Inibindo respostas, Teoria da Mente
-tarefa verbal e
Relógios da bateria - NEPSY-II.

Sabrina David de Oliveira Teste Cubos de Corsi; Teste de Atenção Atenção seletiva;
por Cancelamento; Teste de Trilhas Flexibilidade cognitiva;
para Pré-escolares; Teste Wisconsin de Memória de curto prazo;
Classificação de Cartas – WCST. Memória operacional visual.
Tarefas de MTS.
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Os outros instrumentos que mais se repetiram foram o Teste Figuras Complexas de Rey,
Teste de Atenção por Cancelamento e o Teste Stroop, cada qual tendo sido usado em três estudos.
Em seguida, foram identificados o Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil
-NEUPSILIN-INF, Matrizes Progressivas Coloridas de Raven e Teste Wisconsin de Classificação de
Cartas – WCST, todos com duas aparições.
Em menor frequência foram utilizados o Teste Cubos de Corsi, Teste de fluência de desenhos
e a bateria NEPSY-II, cada qual tendo aparecido em apenas um estudo. Ademais, além dos testes,
outros instrumentos também contribuíram para a avaliação das funções executivas, que foram as
Tarefas de MTS, a Tarefa de Sacada Preditiva (SP) e Tarefa de Anti-Sacada (AS), também presentes
em apenas um estudo.
Quanto à segunda categoria, que engloba os prejuízos em funções executivas de pessoas
com TEA e suas dificuldades associadas, a atenção apareceu com maior frequência (9), incluindo
seus subtipos atenção sustentada, seletiva, alternada, auditiva e concentrada. Em seguida, a
flexibilidade cognitiva, com déficits em seis estudos, e o controle inibitório, prejudicado em cinco
pesquisas.
Verificou-se, ademais, que a memória de trabalho, incluídos seus componentes visual e
visuoespacial, foi apontada como deficitária em três estudos com indivíduos com TEA. A mesma
frequência foi encontrada para o planejamento. Em dois estudos, por sua vez, foram identificadas
dificuldades relacionadas à fluência verbal. Por fim, dificuldades em funções cognitivas como
memória de curto prazo, velocidade de processamento e julgamento, assim como dificuldade
na compreensão verbal de regras ouvidas para execução de tarefas, dificuldades visuoespaciais
e visuoconstrutivas e na diferenciação de detalhes essenciais de não essenciais evidenciaram-se,
cada qual, em apenas um estudo.

Discussão

O uso de escalas e questionários, juntamente com a avaliação formal das funções executivas,
pode contribuir para um melhor entendimento da avaliação do funcionamento executivo no TEA
e colaborar para a formação de profissionais mais capacitados no atendimento a pessoas com

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 995


NO ONTEXTO BRASILEIRO
esse transtorno (Czermainski, 2012). É também de extrema importância a utilização de outros
meios de avaliação, não se limitando somente aos instrumentos neuropsicológicos padronizados,
mas abrindo-se a possibilidade para a utilização de outros recursos como entrevistas e observação
sistematizada (Gonçalves, 2014). Tal constatação pode ser corroborada no estudo de Gonçalves
(2014), onde o uso de questionários e entrevistas possibilitou uma maior compreensão das
análises das funções executivas e contribuíram para o fornecimento de dados mais detalhados.
A análise dos resultados mostrou que houve grande diferença nas funções executivas das
pessoas avaliadas por meio de testes neuropsicológicos e outros instrumentos nos estudos
analisados. Nestes, foram predominantes os prejuízos na atenção, identificados a partir da
avaliação desta função através do Teste de Atenção por Cancelamento, Teste de Trilhas parte
B, Teste Stroop, subtestes Atenção Auditiva e Conjunto de Respostas da bateria NEPSY-II e
subtestes Procurar Símbolos e Código da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças-WISC
III. Se sobressaindo em termos de frequência de uso o Teste de Trilhas e a Escala de Inteligência
Wechsler para Crianças-WISC III.
De forma inédita foi publicado um estudo por Orsati, Schwartzman, Brunoni, Mecca e
Macedo (2008), que utilizaram a Tarefa de Sacada Preditiva (SP) para avaliar a regulação da
atenção de crianças e jovens com Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID), categoria que
era utilizada para englobar diagnósticos como Transtorno autístico e Síndrome de Asperger, que
hoje se conhece por Transtorno do Espectro Autista. Através da análise dos movimentos oculares
desses indivíduos, foi possível verificar dificuldade de regulação da atenção e de preparação da
atenção.
No mesmo estudo, a Tarefa Anti-Sacada (AS) permitiu a avaliação do controle inibitório de
indivíduos com TID, que apresentaram dificuldades para a inibição de respostas para a execução
de uma atividade proposta. Assim, foram encontradas pelos autores diferenças na execução e
inibição do movimento ocular, responsáveis por diferenças ao extrair informações visuais do
ambiente e influenciam como a pessoa age sobre esse contexto.
Um fator relevante encontrado na literatura foi a dificuldade de pessoas com TEA em entender
regras para execução de alguma tarefa, identificada através da avaliação neuropsicológica. Tal
dificuldade foi observada na pesquisa de Gonçalves (2014), com a utilização dos testes Procurar
Símbolos, Teste de Atenção por Cancelamento e Fluência de desenhos. Já Maranhão (2014),
identificou dificuldades na compreensão verbal para execução de alguma tarefa, sugerindo que
pode haver uma relação dessa dificuldade com os déficits na atenção auditiva, sustentada e
seletiva, por meio dos Subtestes Atenção Auditiva, Conjunto de Repostas e Inibindo respostas da
bateria - NEPSY-II.
Assim, a literatura aponta para o prejuízo dos seguintes subtipos de atenção em indivíduos
com TEA: atenção sustentada, seletiva, alternada, auditiva e concentrada (Maranhão, 2014;
Orsati et al., 2008; Paiva Jr, 2010; Gonçalves, 2014 & Oliveira, 2017). A atenção seletiva envolve
a seleção de informações relevantes para o sujeito e seu processamento cognitivo, enquanto a
atenção sustentada é a capacidade de manter a atenção ao longo do tempo (Dalgalarrondo,
2008). A atenção auditiva permite que o indivíduo selecione um estímulo sonoro dentre outros
para observar seletivamente, ao passo em que a atenção alternada é a capacidade de mudar o
foco entre um estímulo e outro na realização de uma tarefa; a atenção concentrada, por sua vez,
consiste na capacidade de focar, selecionar e manter a atenção em um determinado estímulo
dentre vários outros disponíveis (Wagenaar, Fredrickson & Loftus, 2012; Gomes, 2010; Benczik,
Leal; & Cardoso, 2016).
Outra função executiva cujos déficits foram identificados em pessoas com o referido
transtorno é a flexibilidade cognitiva ou flexibilidade mental. Segundo Gonçalves (2014), a
flexibilidade cognitiva se refere à capacidade de alternar estratégias de ação ou pensamento para

996  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
resolução de conflitos. Como apontado pela autora, pessoas com TEA apresentam mais prejuízos
nesta função, visto que dispõem de um repertório de comportamento restrito e rígido, o que
ocasiona no sujeito uma maior dificuldade frente a novas demandas, tendendo sempre a agir da
mesma forma e a ter pensamento rígido.
As dificuldades encontradas na flexibilidade cognitiva explicariam a presença dos padrões
restritos de interesses e atividades, assim como dificuldades em adaptar-se a novas situações, o
que implicaria no ajustamento da dinâmica familiar e escolar (Maranhão, 2014). Tal constatação
pode ser corroborada pela pesquisa de Gonçalves (2014), no que diz respeito ao desempenho
abaixo da média dos participantes no Teste Código da Escala de Inteligência Wechsler para
Crianças-WISC III, na Fluência de desenhos e na primeira fase do Stroop. A autora menciona ainda
que o baixo desempenho nos testes citados pode sugerir dificuldades nas funções de velocidade
de processamento.
Para a avaliação da flexibilidade cognitiva, os seguintes testes foram utilizados nos estudos
analisados: Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR), Teste Wisconsin de Classificação
de Cartas – WCST, Teste de Trilhas, Teste Stroop, Escala de Inteligência Wechsler para Crianças-
WISC III, Teste de Fluência de desenhos, segunda etapa do subteste Atenção Auditiva e Conjunto
de Respostas, terceira etapa do subteste Inibindo Respostas e o Teste Classificando Animais da
bateria NEPSY-II.
No entanto, dos testes citados, Gonçalves (2014) aponta que o Teste Stroop mostrou-se não
tão efetivo para a avaliação desta função, visto que alguns participantes da amostra de seu estudo
apresentaram dificuldade em relação à leitura, o que, segundo a autora, sugere que o índice de
escolaridade é um fator importante e deve ser levado em conta para a escolha deste instrumento.
A terceira função executiva encontrada com maior frequência deficitária nos estudos
analisados foi o controle inibitório, definido por Orsati et al. (2008) como a habilidade de inibir
respostas. Encontrou-se que, no Brasil, essa capacidade vem sendo avaliada através do Teste
Fluência de desenhos, segunda etapa do subteste Inibindo Respostas, segunda etapa do subteste
Atenção Auditiva e Conjunto de Respostas da bateria NEPSY-II, Teste Stroop, Tarefa Go/No Go
auditiva, Tarefas de Fluência Verbal, Parte B do Teste de Trilhas e Tarefa Anti-Sacada (AS).
Nos resultados da pesquisa de Maranhão (2014), foram observadas significativas
dificuldades de alguns participantes com TEA no funcionamento do controle inibitório, que
foram evidenciadas pelo baixo desempenho nos Subtestes Inibindo Respostas, Atenção Auditiva
e Conjunto de Respostas da bateria NEPSY-II. Czermainski et al. (2014) também encontraram
prejuízos na referida função em pessoas com esse transtorno, através do baixo desempenho
no Teste Stroop (escore de interferência cor-palavra), na tarefa do teste Go/No Go auditivo,
nas Tarefas de Fluência Verbal (inibição de todas as palavras do léxico que vêm à mente e não
completam o critério requerido pelo examinador), e na parte B do Teste de Trilhas.
A análise dos estudos aponta para déficits na memória operacional de indivíduos com TEA,
além de prejuízos nos seus componentes visual e visuoespacial. Essa função executiva armazena
temporariamente informações e permite a monitoração e o manejo desses dados, fornecendo
base para outros processos cognitivos (Malloy-Diniz et al., 2014). A avaliação da memória
operacional se deu através do uso dos seguintes testes: Figuras Complexas de Rey, Subtestes
Cubos e Arranjo de Figuras (WISC-III), Subteste Relógio e segunda etapa dos subtestes Atencão
Auditiva e Conjunto de Respostas da bateria NEPSY-II.
Ademais, Maranhão (2014) observou em sua pesquisa que o baixo desempenho de alguns
participantes no Subteste Relógios da bateria NEPSY-II sugere para a possibilidade de dificuldade
em atividades que demandam habilidades visuoespaciais. A autora menciona ainda que 4 das 6
crianças de sua amostra apontam para a presença de dificuldade nas habilidades avaliadas pelo
referido teste.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 997


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O planejamento, segundo Czermainski et al. (2014), pode ser definido como a capacidade
de estabelecer a melhor rota que leve ao alcance de um objetivo definido. Em indivíduos com TEA,
foi encontrado pelos autores um desempenho no Teste de Figuras Complexas de Rey indicativo
de existência de prejuízos na habilidade de planejamento, percepção visual e memória imediata
(componente visual). Além do instrumento citado, a presente revisão encontrou nas pesquisas
brasileiras analisadas a utilização do subteste Relógios da bateria NEPSY-II e do Teste de Trilhas
para avaliar a função planejamento.
No estudo dos autores citados acima, também foi analisada a fluência verbal, função
através da qual é possível emitir comportamentos verbais obedecendo a regras preestabelecidas
(Malloy-Diniz et al., 2014). Os subtestes Fluência verbal ortográfica ou fonêmica e Fluência verbal
semântica do Instrumento de Avaliação Breve Neuropsicológico Infantil (NEUPSILIN-INF) foram
utilizados por Czermainski (2012) e Czermainski et. al. (2014) para avaliar a fluência verbal de
indivíduos com TEA, que apresentaram dificuldades nesta habilidade. Além disso, Czermainski
et al. (2014) observaram que o grupo com TEA de sua pesquisa apresentou, no subteste Span de
Pseudopalavras, um desempenho que forneceu indícios de prejuízos no processamento fonológico
da habilidade linguística.
Maranhão (2014) aponta que o processo de aquisição da linguagem verbal depende do
envolvimento da integração dos aspectos linguísticos, tais como: sistema fonológico, semântico,
pragmático e gramatical ou morfológico. A autora cita que a interpretação do sistema pragmático
requer do desempenho da teoria da mente. Sendo assim, déficits na teoria da mente podem sugerir
prejuízos no processamento da linguagem não literal. Ainda no seu estudo, a mesma autora
verificou por meio do Subteste Teoria da Mente, tarefa verbal da bateria NEPSY-II, que a fluência
verbal foi marcada por fala rebuscada e vocabulário amplo em algumas pessoas com TEA, ao
passo em que não houve indícios de atraso no desenvolvimento da linguagem verbal em pessoas
com diagnóstico de Síndrome de Asperger.
Paiva Jr (2010) realizou um estudo com um par de gêmeos monozigóticos de 12 anos de
idade, que possuíam o diagnóstico de Síndrome de Asperger e algumas diferenças quanto a suas
capacidades cognitivas, descobertas após aplicação da Escala de Inteligência Wechsler para
Crianças-WISC III. Às crianças, o autor atribuiu os pseudônimos Gustavo e Ricardo. Enquanto
Gustavo apresentou apenas dificuldades em diferenciar detalhes essenciais de partes irrelevantes, a
avaliação de Ricardo indicou, além disso, prejuízos na atenção sustentada, flexibilidade cognitiva,
raciocínio verbal e julgamento.
Quanto aos instrumentos mais utilizados nos estudos analisados, ressalta-se que a Escala
de Inteligência Wechsler para Crianças – WISC III e o Teste de Trilhas de Coloridas são testes
psicológicos e, portanto, de uso privativo de psicólogos. O Teste de Trilhas Coloridas, de autoria
de Sílvia Verônica Pacanaro, Ivan Sant’Ana Rabelo, Irene F. Almeida de Sá Leme e Milena de Oliveira
Rosseti, foi publicado em 2010 pela editora Casa do Psicólogo. Quanto ao WISC III, teste que já
está na sua 4ª edição (WISC-IV), sua autoria é de Nelimar Ribeiro de Castro, Acácia Aparecida
Angeli dos Santos, Fabián Javier Marín Rueda, Maria de Lourdes Duprat Teixeira da Silva, Ana
Paula Porto Noronha e Fermino Fernandes Sisto e foi publicado em 2011, também pela editora
Casa do Psicólogo (http://satepsi.cfp.org.br/listaTeste.cfm?status=).

Considerações Finais

Procurou-se, nesse estudo, identificar os instrumentos utilizados no Brasil para avaliar as


funções executivas de pessoas com Transtorno do Espectro Autista e compreender as dificuldades
associadas ao prejuízo nas funções executivas no TEA. Foi possível observar, dentre os instrumentos
utilizados nas pesquisas analisadas, a carência de material validado para a avaliação das funções
executivas em pessoas com esse transtorno.

998  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A análise dos resultados permitiu a constatação de que todos os estudos conduzidos
com indivíduos que apresentam esse transtorno identificaram prejuízos em diferentes funções
executivas e dificuldades associadas: atenção seletiva, atenção sustentada, atenção auditiva,
atenção alternada, atenção concentrada, flexibilidade cognitiva, controle inibitório, memória
de trabalho, memória de trabalho visual, memória de trabalho visuoespacial, planejamento,
fluência verbal, memória de curto prazo, velocidade de processamento, julgamento, dificuldade
na compreensão verbal de regras ouvidas para execução de tarefas, dificuldades visuoespaciais,
visuoconstrutivas e diferenciação de detalhes essenciais de não essenciais.
No entanto, a falta de consenso sobre quais funções estariam prejudicadas não torna possível
a generalização dos resultados a fim de enunciar quais delas encontrar-se-iam relacionadas às
dificuldades apresentadas por pessoas com TEA. Desse modo, faz-se necessária a realização de
mais estudos que contribuam: para a elucidação da relação entre o TEA e os prejuízos das funções
executivas e o desenvolvimento de instrumentos validados para avaliação das funções executivas
de pessoas com o referido transtorno. Esses estudos contribuiriam com a construção de métodos
e técnicas de intervenções mais efetivas na reabilitação neuropsicológica das funções executivas
no TEA.

Referências

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1000  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EFEITOS DA INGESTÃO AGUDA DE ÁLCOOL NO
PROCESSO DE TOMADA
DE DECISÃO: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA
Jéssica Bruna Santana Silva
Eva Dias Cristino
Thiago Paiva
Ana Raquel de Oliveira
Lidyane Costa
Natanael Antonio dos Santos

Introdução

O
uso de bebidas alcoólicas é popular e constitui um problema relevante no cenário
mundial. Inclusive, sendo considerado um problema de saúde pública (Vieira,
Serafim, & Saffi, 2007) devido aos prejuízos físicos, sociais e econômicos associados
ao seu consumo. Tais prejuízos estão relacionados não somente ao uso crônico, mas também ao
consumo agudo de doses moderadas, em situações como comportamentos violentos e acidentes
automobilísticos (Andrade & Oliveira, 2009).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2014), ― uso moderado constitui
um termo impreciso relacionado a um padrão de ingestão de quantidades de álcool que, por si
só, não causam problemas à saúde, sendo utilizado como sinônimo de uso social, conforme os
costumes, as motivações e as formas socialmente aceitas. Investigações acerca do padrão de uso
de álcool têm se mostrado relevantes, visto que dependendo da forma, pode aumentar o risco
ao desenvolvimento de problemas de saúde. Fatores como a concentração alcoólica no sangue,
tipo de bebida, características individuais do consumidor, quantidade e velocidade no consumo,
e atitudes culturais influenciam quantitativa e qualitativamente a ação provocada pelo álcool no
organismo (Andrade & Oliveira, 2009).
O álcool funciona como um depressor do SNC (Xiao & Ye, 2008), podendo comprometer
habilidades cognitivas e perceptuais. Essa associação entre álcool e déficits cognitivos tem sido
relatada na literatura, particularmente em relação aos déficits no funcionamento executivo,
especificamente no processo de decisão (Lyvers, Mathieson e Edwards, 2015; Silva, Cristino,
Almeida, Medeiros, & Santos, 2017). A tomada de decisão é uma função complexa que envolve
a escolha entre duas ou mais alternativas concorrentes, exigindo análise dos riscos e benefícios
de cada opção e a avaliação de suas implicações a curto, médio e longo prazo, bem como suas
possibilidades e probabilidades, dedução de influência de suas escolhas em futuras ações (Malloy-
Diniz et al., 2010).
De acordo com Bechara et al. (2002), o padrão comportamental de indivíduos que fazem
uso de álcool assemelha-se ao comprometimento comportamental exibido por pacientes com
lesões no córtex pré-frontal ventromedial, caracterizando-se por decisões pobres em situações

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1001


NO ONTEXTO BRASILEIRO
da vida real, na qual a gratificação imediata é escolhida em detrimento de metas de longo
prazo, frequentemente envolvendo-se em comportamentos sociais de risco, tais como violência,
atividade sexual de risco, padrões de direção perigosa e uso de outras substâncias (Euser, van
Meel, Snelleman, & Franken, 2011).
Nessa perspectiva, considerando-se que a maioria dos estudos detêm-se aos prejuízos
causados pelo abuso/dependência do álcool na cognição humana (Rigoni, Oliveira, Susin, Sayago,
& Feldens, 2009), e existem poucos relatos sobre os efeitos psicofarmacológicos agudos do álcool
nos processos cognitivos, a presente revisão tem como objetivo sistematizar evidências sobre a
influência da ingestão de doses agudas de álcool no processo de tomada de decisão.

Método

A pesquisa e a análise do material bibliográfico foram realizadas nas bases de dados eletrônicas
Web of Science, Pubmed e Scopus. Foram definidos como campos de busca: título, abstract e palavras-
chave. A coleta dos dados foi realizada em Novembro de 2017, utilizando de forma combinada na
sintaxe as seguintes palavras-chave: “alcohol” OR “drinking” AND “decision making” OR “choice”.
Tais palavras foram escolhidas por serem frequentemente empregadas em artigos clássicos que
avaliam a relação entre as variáveis consideradas nesta revisão e foram extraídas do Medical Subject
Headings (MeSH). Foram analisados abstracts de artigos publicados nos últimos 10 anos.
Além disso, foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão dos estudos: (a) artigo
empírico escrito em língua inglesa como modalidade de produção científica; (b) dados com
humanos; (c) uso de instrumentos ou tarefas comportamentais ou de avaliação neuropsicológica;
(d) responder à questão de pesquisa comparando/considerando o desempenho de indivíduos
após ingestão de álcool em tarefas que avaliem a tomada de decisão; e (e) estar disponível
em texto completo. E os critérios de exclusão adotados foram: (a) dados de populações com
diagnóstico clínico psiquiátrico, inclusive dados clínicos referentes a dependência do álcool;
(b) artigos sobre decisões médicas realizadas por profissionais da saúde quanto a diagnósticos
ou métodos de tratamento e (c) publicações que abordassem decisões empresariais, éticas, ou
morais, vocacionais e decisões tomadas em grupo.
Na terceira etapa, artigos potencialmente relevantes dentro desses critérios foram pré-
selecionados, com base no título, abstract e palavras-chave. Posteriormente, foi realizada uma
análise minuciosa, na íntegra, dos artigos pré-selecionados por duas pesquisadoras, de forma
independente, para definir o número final de estudos a serem revisados, que atenderam aos
critérios de inclusão e exclusão.
A tabulação foi realizada de acordo com autores e ano de publicação, objetivos, caracterização
dos participantes, instrumentos utilizados e principais resultados. Discrepâncias quanto ao
número final de estudos revisados foram resolvidas por consenso, não havendo consenso na
inclusão de dois estudos, sendo posteriormente excluídos pela análise de um terceiro avaliador.

Resultados

O processo de seleção considerando os critérios de exclusão teve como resultado final


10 artigos, os quais foram analisados com ênfase nas seções Método, Resultados e aspectos
referentes às limitações na seção de Discussão. Na Figura 1, é apresentado um fluxograma da
análise sistemática de abstracts e artigos pelos juízes avaliadores.

1002  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Descritores:
“alcohol” OR “drinking” AND “decision making” OR
“choice”.

Publicados entre 2008 and 2017

PubMED Scopus Web of Science

18 artigos para 18 artigos para 18 artigos para


potencial inclusão potencial inclusão potencial inclusão

Triagem de artigos Triagem de artigos Triagem de artigos

4 artigos incluídos 2 artigos incluídos 7 artigos incluídos

Artigos duplicados
removidos

10 artigos

Figura1. Fluxograma da busca e processo de seleção nas bases de dados.


Figura1. Fluxograma da busca e processo de seleção nas bases de dados.
A tabela 1 sumariza os objetivos, uma breve descrição da amostra, instrumentos utilizados
e os principais achados de cada estudo.

Tabela 1
Autor (ano) Objetivo Amostra Instrumentos Principais resultados
Johnson et al. Testar a hipótese de N = 207 Iowa Gambling Task Adolescentes que apresentam
(2008) que adolescentes adolescentes (IGT); consumo elevado da
que fazem uso de substância apresentaram
doses elevadas de Drinking behavior- comprometimentos na
álcool apresentam avalia hábitos tomada de decisão atribuída
sinais de de consumo de à hipersensibilidade a
comprometimento álcool. recompensa.

em tarefas de
tomada de decisão
afetiva.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1003


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Kasar, Avaliou-se N = 65 (GE: 34 Temperament and Os participantes que
Gleichgerrcht, desempenho infratores do sexo Character Inventory dirigem sob efeito de álcool
Keskinkilic, de infratores masculino e GC: 31 (TCI); apresentaram escores
Tabo, & Manes de trânsito que homens saudáveis). significativamente menores
(2010) dirigem sob o Wisconsin Card do que o grupo controle
efeito de álcool na Sorting Test; no IGT, escolhendo cartas
tomada de decisão, Iowa Gambling Task. significativamente mais
utilizando o IGT. arriscadas.
Euser, van Meel, Investigar os efeitos N = 64 indivíduos Task Risk Balloon O álcool pode impedir as
Snelleman, & agudos do álcool do sexo masculino Analogue; pessoas de prever de forma
Franken (2011) sobre mecanismos randomicamente eficaz a probabilidade de
neurais subjacentes designados aos Habitual drinking ganhos e perdas futuras.
ao processamento grupos: Experimental patterns (QFV-
da tomada de (0,65 g/kg de álcool) index);
decisão sob risco. ou placebo.

Gilman, Smith, Investigar como N = 12 mulheres Risk-taking task; O álcool aumentou os


Ramchandani, o álcool afeta saudáveis que faziam comportamentos de risco, o
Momenan, & a atividade de uso “social” de Escala de que foi sinalizado por regiões
Hommer (2011) múltiplas álcool receberam Impulsividade de do cérebro envolvidas na
álcool (0,08% BrCA, Barratt (BIS). ativação de recompensas
regiões do cérebro concentração no quando uma decisão é
que têm sido ar expirado) ou tomada.
implicados na placebo.
tomada de decisão.

Xiao et al. Investigar os N = 14 adolescentes Drinking behaviors Em comparação aos não


(2013) correlatos neurais bebedores excessivos questionnaire; bebedores, bebedores
da tomada de e 14 adolescentes excessivos apresentaram
decisão afetiva que que nunca haviam Academic desempenho prejudicado no
estão associados performancey; IGT e maior atividade nos
com consumo consumido álcool. subcomponentes do circuito
A subscala Urgency
agudo de doses do neural de tomada de decisão.
elevadas de álcool
na adolescência. IGT;

Tarefa similar
ao IGT em seus
componentes
sensório-motores,
mas sem o
componente de
decisão.
Hopthrow et al. Investigar o N = 101 indivíduos, Dilema de O consumo moderado de
(2014) impacto do distribuídos entre o escolha (decisão álcool parece produzir uma
consumo de álcool GE (consumidores individual) e um propensão a assumir maiores
nas decisões de álcool) e GC (não dilema de escolha riscos na decisão de dirigir
de risco tanto consumidores). em grupo. embriagado, o que pode
individualmente ser atenuado quando essa
como em grupo decisão é tomada em grupo.
composto por
quatro a seis
pessoas.

1004  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Malone et al. Investigar a relação N = 96 adolescentes IGT; O consumo de álcool foi
(2014) entre o uso de gêmeos associado com desempenho
álcool e habilidade monozigóticos (50% Versão da prejudicado na tarefa de
de tomada de do sexo masculino). Substance Abuse tomada de decisão.
decisão. Module (SAM) do
Composite

International
Diagnostic inventory
(CIDI).
Worbe et al. Avaliou-se a GE:40 consumidores A versão adaptada Os achados sugerem uma
(2014) sensibilidade à de altas doses de da tarefa de diminuição na sensibilidade
recompensa e à álcool escolha entre um à antecipação de resultados
perda através da montante certo ou negativos de alto risco em
probabilidade de GC:70 voluntários uma aposta com consumidores de altas doses
risco sob efeito do saudáveis e que não baixa e moderada de álcool.
álcool. fazem uso de bebida probabilidade.
alcoólica.
Lyvers, Examinar a relação N = 49 participantes IGT Os resultados indicam efeitos
Mathieson, & entre os níveis de de ambos os sexos agudos do álcool nos sistemas
Edwards (2015) consumo de álcool que participaram de AUDIT cerebrais e as consequências
e o desempenho no condições entre 0, Escala de comportamentais de tais
IGT. 002% e 0,19% BAC. Impulsividade de efeitos na tomada de decisão.
BARRAT

DUDIT- avalia o
comportamento
de consumo de
drogas ilícitas.
Silva, Cristino, Investigar os N = 20 jovens Teste do Labirinto Os resultados sugerem que
Leandro, efeitos da ingestão adultos participaram Visual- avalia doses moderadas de álcool
Medeiros, & moderada de álcool de ambas as processos alteram os movimentos
Santos (2017) nos movimentos condições: Álcool cognitivos oculares durante a resolução
oculares, como (0,08%) e placebo envolvidos em do teste do labirinto, o que
indicativo do (0,00%), em ordem uma tomada de evidencia comprometimentos
processamento contrabalanceada. decisão visual. na tomada de decisão.
cognitivo
subjacente tarefa Eye tracker- avaliar
de tomada de os movimentos
decisão visual. oculares durante
o desempenho no
teste do Labirinto
visual.

AUDIT
Nota: alguns nomes de instrumentos foram mantidos originais conforme citado no artigo, em inglês. Os testes
ou tarefas mais genéricos e conhecidos no Brasil foram traduzidos.

Discussão

O consumo de bebidas alcoólicas é observado em quase todas as culturas e os impactos


negativos do álcool na saúde pública estão relacionados ao uso crônico e ao consumo agudo
moderado. O álcool é capaz de afetar de forma difusa o SNC, podendo comprometer processos
cognitivos e perceptivos que podem levar a alterações subclínicas transitórias causadas pelo uso
agudo de bebidas alcoólicas (Andrade & Oliveira, 2009). Portanto, o presente estudo objetivou
sistematizar evidências sobre a influência da ingestão de doses agudas de álcool no processo
decisional.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1005


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Dos 10 artigos incluídos na análise, oito não manipularam a quantidade de álcool examinada
nos estudos. Sete estudos avaliaram os efeitos da ingestão de altas doses de bebida alcoólica,
confirmando o fato de a maioria dos estudos deterem-se aos prejuízos causados pelo abuso do
álcool (Rigoni & Oliveira, 2009). Além disso, apenas 2 dos estudos apresentaram delineamento
experimental com medidas repetidas, aumentando a influência de variáveis intra-sujeitos nos
resultados alcançados.
Verificou-se que nos estudos que avaliam os efeitos do álcool por meio de experimentos
onde há a manipulação de doses alcoólicas, os participantes frequentemente são instruídos a
abster-se de álcool por 24 horas e de alimentar-se em média até 3 horas antes do experimento.
Neste experimentos, as doses tipicamente consistiram na proporção de uma parte de álcool (em
100% dos estudos foi utilizada a vodka) para quatro partes de outras bebidas (água tônica, suco
de fruta). Aos participantes foram dados em média 15 minutos para ingestão da bebida e 15
minutos para a absorção de álcool. Os estudos experimentais avaliaram concentrações alcoólicas
moderadas de álcool no sangue, utilizando como parâmetro entre os níveis 0,06% e 0,08 % BAC,
sendo estes níveis de alcoolemia avaliados antes e depois da ingestão.
No tocante a avaliação da tomada de decisão, observa-se uma heterogeneidade de tarefas/
testes utilizados, dificultando uma comparação mais acurada entre os resultados, já que tais
tarefas podem ter demandas cognitivas mais ou menos exigentes. Além disso, o teste mais utilizado
foi o Iowa Gambling Task, em sua versão original e também em versões modificadas, sendo usado
em sete dos estudos analisados. O Iowa Gambling Task é um teste de jogo simulado que representa
recompensa imediata contra punição futura e
imita tomadas de decisão da vida real. Este teste foi originalmente desenvolvido para testar a
tomada de decisões em indivíduos com dano no córtex pré-frontal ventromedial, que apresentam
comprometimentos na cognição social (Bechara, Tranel, & Damasio, 2000).
Entre os estudos que utilizam tal instrumento, destaca-se a pesquisa de Lyvers, Mathieson
e Edwards (2015), os quais examinaram a relação entre os níveis de consumo de álcool e o
desempenho no IGT. Participaram 49 indivíduos de ambos os sexos e que foram testados em
condições entre 0, 002% e 0,19% BAC. Os resultados indicam efeitos da ingestão aguda de álcool
nos sistemas cerebrais e as consequências comportamentais de tais efeitos na tomada de decisão.
Quanto aos instrumentos utilizados na identificação dos hábitos de consumo de álcool, a
maioria foi obtida através do AUDIT, o qual foi desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde
e se configura como uma das medidas mais empregadas em todo o mundo para a identificação de
grupos de risco e rastreamento do uso inadequado de álcool em amostras clínicas e da população
geral.
Ressalta-se ainda a utilização de instrumentos psicofisiológicos nas medições da tarefa de
escolha. É o caso do estudo desenvolvido por Silva e colaboradores (2017), os quais utilizaram o
Eye tracker para avaliar a influência do álcool nos movimentos oculares durante a execução do teste
do Labirinto visual, tarefa que possui áreas onde o participante deve escolher qual percurso seguir
para encontrar a saída do labirinto.
Salienta-se que no estudo empreendido por Malone e colaboradores (2014) a amostra
foi composta por gêmeos monozigóticos no sentido de esclarecer sobre decisões desvantajosas,
avaliando se o desempenho no IGT consegue predizer comportamentos ligados ao abuso de álcool,
ou se decisões pobres são consequência da utilização desta substância. Os achados sugerem que
o álcool pode estar associado a um desempenho prejudicado na tarefa. Além disso, os dados
apontam diferenças entre irmãos gêmeos quanto ao uso dessa bebida, sugerindo um efeito causal
de álcool, já que níveis moderados de uso de álcool podem diminuir a qualidade da tomada de
decisões do adolescente.
O estudo de Hopthrow et al. (2014) destaca-se por investigar um aspecto em particular, o
impacto do consumo de álcool sobre as decisões de risco tomadas tanto individualmente como

1006  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
em grupo, que neste estudo variou entre quatro a seis pessoas. O trabalho foi realizado com
delineamento misto 2 (álcool: consumo de álcool e não consumo) × 2 (decisão: individual e em
grupo), sendo a decisão uma medida repetida. Além disso, a variável dependente foi a preferência
de risco, mensurada por meio de dilemas de escolha que perguntavam aos participantes qual
o nível de risco de acidente no qual recomendariam a alguém dirigir sob efeito de álcool. Os
resultados indicaram que decisões feitas em grupos apresentaram nível de risco menor do que
as feitas individualmente. Já consumidores de álcool individualmente optaram por opções de
maior risco do que os não-consumidores, enquanto julgamentos de risco feitas em grupos de
consumidores foram menores.
Apesar da grande concordância entre os estudos em relação a questão norteadora deste
trabalho, a diversidade de métodos utilizados dificulta maiores comparações entre os resultados,
impossibilitando maiores conclusões dos efeitos do uso agudo de álcool na tomada de decisão.
Tal heterogeneidade entre os métodos diz respeito, por exemplo, quanto ao: a) uso ou não de
procedimento de randomização dos participantes entre as condições; b) critérios de inclusão/
exclusão no estudo (ex.: exclusão de condições neurológicas e psiquiátricas); c) controle ou
manipulação de variáveis, d) variedade de instrumentos de mensuração da tomada de decisão,
e) diversidade de tipos de bebida e teor alcoólicos, e f) diferentes delineamentos, experimentais,
correlacionais, com medidas repetidas e independentes.
Em suma, o panorama de pesquisas analisadas na presente revisão sistemática sugere que
a ingestão aguda de álcool pode alterar a capacidade de tomar decisões, e mostra-se relevante
por ser o álcool a substância mais consumida pelos jovens no Brasil, além de evidenciar o uso do
álcool como um fator para a adoção de outros comportamentos de risco à saúde, tais como beber
e dirigir, atividade sexual desprotegida, violência e suicídio (Brasil, Pedrosa, Camacho, Passos, &
Oliveira, 2011).

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1007


NO ONTEXTO BRASILEIRO
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1008  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
DESEMPENHO EM TAREFA DE MEMÓRIA DE TRABALHO
COM O USO DE PALAVRAS: ESTUDO PILOTO
Mírian Carla Lima Carvalho
Murilo Cézar de Souza Albuquerque
Carla Moita da Silva Minervino

Introdução

A
memória de curto prazo é de grande relevância para que o conteúdo perpassa a mente
do sujeito, especialmente a memória de trabalho a qual manipula as informações
ativamente, que é um fator primordial para que as informações permaneçam na
memória de longo prazo, isto é, o conteúdo armazenado no cérebro e consequente a informação
que permanece no sujeito, também designado aprendizado.
O modelo multicomponente de Baddeley (2012) tem como subdivisões a alça fonológica,
retendo as informações verbalmente apresentadas, o esboço visuoespacial, na qual retém imagens e
localização da mesma, executivo central, este gerencia as informações dos outros subcomponentes
e controla o foco atencional, além desses tem o Retentor episódico, na qual reúne conceitos não
relacionados e cria novas combinações. Nesta pesquisa, destaca-se a avaliação da memória de
trabalho fonológica.
A aprendizagem significativa é definida como a interação entre as ideias expressas
simbolicamente e com aquilo que o aprendiz já sabe (Moreira, 2012). Também, nossas memórias
são organizadas “em redes de associação”, ou seja, as palavras são guardadas de acordo com uma
associação de significados, de forma flexível, pois de fato podemos esquecer algumas informações
e aprender novas, numa espécie de dicionário mental denominado léxico mental, sendo esta
a maneira facilitadora de guardar informações no cérebro (Gazzaniga, Ivry, & Mangun, 2006;
Baddeley, 2011; Gazzaniga & Heatherton, 2005). Desta forma, cérebro apreende melhor o que
tem significado ou seja aquilo que se associa ao já conhecido (Cosenza & Guerra, 2011).
Compreende-se que nos processos de aprendizagem do sujeito, a informação passa por
uma integração da informação referente à associação de conceitos já formalizados em seus
processos anteriores com os novos a serem visto, é dessa maneira que se processa aprendizagem
com sentido/significado ao sujeito. E para este estudo, o conceito de significativo consiste em:
palavras frequentes ao sujeito, as quais fazem parte do seu contexto e já foram armazenadas no
léxico mental.
A aquisição de vocabulário possui grande influência no armazenamento fonológico
temporário, sendo crucial para a construção de representações estáveis de novas palavras. Quanto
maior o vocabulário, maior a capacidade de consolidar novas palavras na memória de longo-
prazo (Baddeley, Gathercole, & Papagno, 1998).
Shaywitz et al. (1995), aponta que há evidências para níveis cerebrais diferentes de organização
funcional voltados à linguagem entre homens e mulheres, o que pode indicar variação entre sexo

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1009


NO ONTEXTO BRASILEIRO
no processamento fonológico. Apesar das meninas tenderem a iniciar o processo de fala antes
dos meninos, seja por fatores biológicos ou ambientais, o que pode sugerir uma memória mais
detalhada para as meninas (Papalia & Feldman, 2013).
A memória de curto prazo em adultos jovens, para Miller (1956), teria a capacidade de
armazenar por volta de sete letras, seis números ou cinco palavras, o que ele denominou de chuncks
(pedaços). Cowan (2001), encontrou indícios para este armazenamento ocorrer em quatro
chuncks, sendo menor para crianças e idosos. No entanto, em outro estudo, Cowan (2010) sugere
chuncks, em memória de trabalho, de 3 a 5 em adultos jovens.
Não existe aprendizado sem uma memória em bom estado, visto que esses processos estão
entrelaçados, estudos sobre esses processos são relevantes, especialmente a memória de trabalho
para que em meio a tantas informações recebidos haja uma boa manipulação temporária,
favorecendo o armazenamento na memória de longo prazo e a evocação das memórias/
aprendizados adquiridos, assim o bom desempenho permanece na qualidade de aprendizado.
Surge a partir daí o questionamento: qual a relação do desempenho em tarefa de memória de
trabalho com o uso de palavras frequentes?
Seabra et al. (2014) argumenta que estudos transversais revelam a contribuição expressiva da
memória de trabalho na aprendizagem e que crianças com comprometimento na aprendizagem,
apresentam baixo índice no uso da habilidade de memória de trabalho.
Quanto ao desenvolvimento da memória de trabalho, Dias e Seabra (2013), afirmam existir
evidências que após os doze meses de vida, ocorre a emergência da habilidade da memória de trabalho.
Entretanto, as autoras consideram que é só a partir dos três anos e até aproximadamente os cinco
anos de idade, que as crianças precisarão cada vez menos da presença e da manipulação física do
objeto para pensar sobre ele, ou seja, desenvolverão a memória de trabalho; nesse período elas se
tornam capazes de criar imagens mentais e operar sobre elas. Além disso, quanto maior a idade melhor
o desempenho na memória de trabalho (Dias, 2013; Dias & Landeira-Fernandez, 2010).
Portanto, reflete-se que entre os 11 e 12 anos a criança já opera, de maneira eficaz,
mentalmente as imagens para um bom desempenho na memória de trabalho. Aos doze anos um
adolescente já tem uma boa organização e repetição na memória, esta última estratégia utilizada
pela MCP (Memória de Curto Prazo) também é útil para o armazenamento na MLP (Memória de
Longo Prazo). A repetição ajuda a lembrar de aspectos não significativos, como um número de
telefone ou algo distante de sua compreensão, mas também é útil para organização de aspectos
significativos, isso permite formar categorias de palavras, mantendo-as na MCP e possibilita um
armazenamento na MLP (Coll, Palacios, & Marchesi, 1995).
A presente pesquisa espera, portanto, que: (1) as crianças de 11 e 12 anos já são eficientes
em memória de trabalho, (2) a memória de trabalho é influenciada por estímulos significativos ao
sujeito, ou seja a criança memoriza melhor o que tem significado para ela; (3) existem diferenças
entre o desempenho em tarefas de memória de trabalho na utilização estímulos significativos e
não significativos.
Assim sob a concepção dos aspectos acima citados e a relevância que tem a aprendizagem e
a memória, o objetivo principal é analisar o desempenho em tarefa de memória de trabalho com
o uso de palavras significativas, e mais especificamente (1) verificar o desempenho da memória
de trabalho em crianças entre 11 e 12 anos; (2) identificar se há diferença de desempenho com
palavras significativas e com palavra não significativas; (3) comparar o desempenho na tarefa de
memória de trabalho entre crianças com 11 e 12 anos.

Método

Esta pesquisa de natureza básica, com objetivo descritivo e delineamento transversal. É


uma versão piloto (a qual consiste em um desenho primário) de uma posterior que ocorrerá
com uma amostra maior, no total de 160 participantes. Desta forma, este estudo visa calibrar

1010  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
os instrumentos, além de possibilitar maior familiaridade para os pesquisadores com os
procedimentos e instrumentos adotados.
Este estudo contou com 65 participantes, cuja faixa etária variou entre nove e dezoito anos
na primeira fase, dos quais apenas 20 foram selecionados, para a segunda fase, por atenderem
o critério de inclusão (faixa etária) afim de atender aos objetivos propostos. No entanto, um
participante foi excluído por não estar presente no dia da segunda fase de aplicação.
Preparou-se três instrumentos, a saber, questionário sociodemográfico, questionário de
levantamento vocabular e tarefa de repetição de palavras. O primeiro instrumento, questionário
estruturado, subdivido em três seções (1- sociodemográfico, 2- treino do levantamento vocabular
e 3- levantamento vocabular). Na seção 1, sociodemográfico, para que haja uma descrição da
amostra, elaborou-se oito (08) questões relacionadas a dados de identificação dos participantes:
nome, sexo, idade, escolaridade, desempenho escolar, a relação com a disciplina e o professor que
a ministra. Na seção 2, treino do levantamento vocabular, objetivou familiarizar o participante
com o procedimento a ser realizado, aproveitando este momento para sanar possíveis dúvidas
e erros de compreensão. Na seção 3, levantamento vocabular, visou identificar vinte palavras
significativas ao participante, dentro do contexto da disciplina escolar português, para tal foi
solicitando que o participante escreva as 20 primeiras palavras, que lhe vierem à mente, referente
a disciplina.
Após esta etapa de levantamento vocabular, organizou-se um teste de memória de trabalho,
tarefa de repetição de palavras (TRP), construída com as palavras mais frequentes na seção 3 do
questionário estruturado (apenas dos 20 alunos com idades entre 11 e 12 anos) e com palavras
elencadas pelos pesquisadores, isto é, que não foram nomeadas pelos participantes, designadas
respectivamente de palavras significativas e não significativas. A TRP constitui-se da manutenção
e repetição das sequencias de palavras, imediatamente após proferidas pelos pesquisadores. As
sequencias de palavras foram estruturas em ordem crescente contendo de 1 a 8, sendo as primeiras
monossílabas e as últimas polissílabas.
Adotou-se como critério de inclusão, para as palavras consideradas como significativas, os
seguintes aspectos: aquelas com maior frequência no questionário de levantamento de palavras
e, sendo esta, maior que um (1); foram elencadas, atendendo o critério anterior (frequência),
conforme a classificação fonêmica (monossílabos, dissílabos, trissílabos e polissílabos) e
sem relação semântica ou contextual na mesma sequência de palavras, afim de evitar força
de associação entre as palavras - priming semântico – (conferir em: Salles, Jou & Stein, 2007).
Prevaleceu a palavra que apresentou maior frequência, no tocante ao gênero da profissão e
quando em plural ou singular. Utilizou-se como critério para elencar as palavras não significativas
que possuem a semelhança fonêmica e que possivelmente não façam parte do contexto vocabular
dos participantes.
Este estudo piloto, realizado em um centro de línguas estrangeiras, situado na cidade de João
Pessoa. Este espaço conta com uma diversidade de alunos oriundos majoritariamente de escolas
públicas, para estudos das línguas inglesa, espanhola, alemã, francesa e Libras (Língua Brasileira
de Sinais), no entanto, os instrumentos só foram aplicados em turmas de nível I (iniciantes) de
língua inglesa e espanhola.
No que se aos procedimentos de aplicação dos instrumentos: após o questionário
sociodemográfico, iniciou-se um treino com um número menor de palavras, no total de seis, e
logo em seguida a atividade de identificação das 20 palavras significativas. No treino e na atividade
foram cronometrados o tempo gasto, retirando a média pelo término do primeiro e do último.
A primeira fase consistiu na aplicação coletiva do questionário estruturado em cinco turmas
em momentos diferenciados, entre as quais duas de língua inglesa e três de língua espanhola, entre
os turnos manhã e tarde. Em todas as turmas aplicou-se de forma padronizada os instrumentos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1011


NO ONTEXTO BRASILEIRO
e procedimentos aqui descritos. Explicou-se aos participantes como os itens dos questionários
deveriam ser preenchidos, após o termino da seção 1, iniciou a explicação e aplicação da seção 2
(treino), e seguiu-se para a aplicação da seção 3. O tempo gasto pelos participantes, na seção 2
e 3, foram contabilizados.
A segunda fase decorreu de forma individual, em salas silenciosas e fechadas, durante a
aplicação com a TRP, um dos pesquisadores ficou à porta, pelo lado de fora, a fim de impedir os
desavisados de interromperem a aplicação, ao bater na porta ou, até mesmo, tentar abri-la, o que
possivelmente atuaria como um distrator.
Antes da aplicação dos questionários, exceto no sociodemográfico que contou com
explicação prévia, reitera-se que foi aplicado uma fase treino, para o questionário de levantamento
vocabular, utilizou a sentença alvo em conformidade com a língua estudada, disciplina de espanhol
para língua espanhola e disciplina inglês para língua inglesa. Na fase treino da tarefa de memória
de trabalho, foi utilizado a repetição de duas sequencias que não constavam na tarefa (sendo a
primeira bola, e a segunda lápis e boneca), a fim de promover familiaridade do participante com
o tipo de atividade e, também, dirimir possíveis dúvidas.
Após esta etapa, foi aplicada a tarefa de repetição de palavras, a qual foi executada em
dois modos, a fim de evitar um possível efeito similar ao de aprendizagem, o que possibilitou,
aos dois grupos de palavras, chances equiparadas de acertos e erros. O primeiro modo, iniciou-
se pelas palavras frequentes e depois não-frequentes; o segundo modo, iniciou-se pelas palavras
não-frequentes e em seguida pelas frequentes. As ordens da aplicação foram selecionadas
randomicamente por meio de sorteio.
Este estudo piloto, visa atender o projeto de iniciação científica, o qual foi submetido e
aprovado pelo Comitê de Ética da UFPB, com o número de Certificado de Apresentação para
Apreciação Ética  (CAAE): 67248317.3.0000.5188, desta forma, atendendo os critérios das
resoluções 466/12 e 510/16, foi explanado os objetivos do estudo; que a participação é voluntária
e, que, poderiam interromper parcialmente ou totalmente, a qualquer momento, sem prejuízos ou
perdas, caso julgassem ser necessário ou se sentissem desconfortáveis de alguma forma.
Forma efetivadas análises descritivas e análises comparativas para perceber se existem
diferenças no desempenho em tarefa de memória de trabalho com a utilização de palavras
significativas e não-significativas. As análises foram feitas com o apoio do pacote estatístico
Statistical Package for the Social Sciences – SPSS 21 (para Windows).

Resultados

Totalizando onze participantes do sexo feminino e nove do sexo masculino, dos quais
oito com onze (11) anos e doze com doze (12) anos, sendo onze do 6° ano e nove do 7° ano,
provenientes, majoritariamente, de redes públicas da cidade de João Pessoa.
Na primeira fase foram encontradas um total de 48 palavras, as quais foram selecionadas
36, pelos motivos já descritos no método, e agrupadas em forma de sequência de até oito
palavras, para aplicação tarefa de repetição de palavras. As palavras encontradas foram quadro
monossílabas, doze dissílabas, 24 trissílabas e sete polissílabas.
No grupo meninos, no que tange as palavras frequentes, dois acertaram 5, quatro acertaram
4, e três acertaram sequências com 3 palavras. No grupo meninas, no que tange as palavras
frequentes, uma acertou 5, sete acertaram 4 e duas acertaram 3.No grupo de meninos, no que
tange as palavras não-frequentes, um acertou 5, quatro acertaram 04, três acertaram três e um
acertou 1. No grupo meninas, no que tange as palavras não-frequentes, uma acertou 5, seis
acertaram 4, três acertaram 3. Sendo que nenhum dos participantes acertou os itens sequenciais
que contém seis, sete ou oito palavras.

1012  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A partir dos testes de hipótese aplicados, foi verificado que há diferença estatisticamente
significativa no que tange ao maior número de acertos para palavras frequentes, quando comprado
com palavras não-frequentes. No entanto, verificou-se, também, que o desvio padrão mostrou-se
elevado, sendo maior para palavras não-frequentes, conforme ilustra as Figuras 1 e 2 e na Tabela 1.

Figura 1. Acertos de palavras frequentes Figura 2. Acertos de palavras não-frequentes

Tabela 1. Testes de qui-quadrado

Valor df p
Qui-quadrado de Pearson 14,302a 6 ,026
Razão de verossimilhança 12,095 6 ,060
Associação Linear por Linear 4,364 1 ,037
N de Casos Válidos 19

Nota.a.11células (91,7%) esperam contagem menor do que 5. A contagem mínima esperada é ,16.

Discussão

Esta pesquisa atendeu a proposta de um estudo piloto, verificar a precisão das diretrizes do
método e familiarizar os pesquisadores com o procedimento, para posterior aplicação em uma
amostra maior e com padronização mais sistematizada, assim evitando possíveis erros e falhas no
estudo procedente.
Atendeu, também, ao objeto geral de analisar a relação entre memória de trabalho e
palavras frequentes. Ao comparar os escores das palavras frequentes e com as palavras não-
frequentes, observou-se um número maior de acertos para as palavras frequentes, com uma
diferença significativa, apesar do número pequeno da amostra e da não validação da tarefa, o
que pode indicar que há relação entre memória de trabalho e palavras frequentes. A partir da
constatação de uma tendência maior de acertos para até quatro palavras numa sequência, não
havendo acertos para sequências de seis, sete ou oito palavras, sugere-se que há um possível
condicionamento para o quantitativo de dados processados pela memória de trabalho, o que já
foi evidenciado por Miller (1956).
O fato do grupo meninas ter um resultado levemente superior ao grupo meninos, também
pode ser verificado em Shaywitz et al. (1995), o qual apontou que há evidências para níveis cerebrais
diferentes de organização funcional voltados à linguagem entre homens e mulheres, o que pode
indicar variação entre sexo no processamento fonológico. Papalia e Feldman (2013) indicam que
apesar de haver diferenças morfológicas entre meninos e meninas, uma outra variável precisa ser

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1013


NO ONTEXTO BRASILEIRO
levada em consideração, a relação dos responsáveis com os seus filhos, afinal, as diferenças na
educação de meninos e meninas tender a ser diferente. Desta forma, pode haver um fator exógeno
o qual faz as meninas tenderem a um melhor desempenho neste tipo de tarefa.
Infere-se que, em grupos maiores, estes dados poderão persistir. Afinal, é esperado que
a memória de trabalho fonológica, ou auditiva, interfira diretamente no momento inicial de
absorção do conhecimento pelo sujeito, isso pode indicar a influência desses estímulos frequentes
e também pode incidir no fazer educacional, conforme demonstrado por (Baddeley et al.,1998)
O desfecho a partir dessa pesquisa, a qual traça possíveis evidências da relação entre
memória de trabalho e as palavras frequentes, podem sugerir novos modelos e estudos científicos,
novas metodologias de ensino e estratégias de aprendizagem, as quais possam atender a este
paradigma.

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1015


NO ONTEXTO BRASILEIRO
EIXO TEMÁTICO

FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA,
HISTÓRIA E EPISTEMOLOGIA DA
PSICOLOGIA
NOTAS SOBRE A PSICOLOGIA NO BRASIL NAS
DÉCADAS DE 1980 E 1990: OUTROS ESPAÇOS, OUTROS
FAZERES
Amanda Gabriella Borges Magalhães
Flávia Cristina Silveira Lemos

Introdução

E
studos sobre a história da psicologia no Brasil costumam dividi-la, para fins
didáticos, em seis períodos. De acordo com Antunes (2006), seriam eles: (1) o pré-
institucional, referente a ideias psicológicas produzidas em obras do período colonial;
(2) o institucional, em que se estudava psicologia dentro de outras áreas do conhecimento em
instituições do século XIX; (3) de autonomização (1890-1930), no qual a psicologia passa a ser
reconhecida como ciência independente; (4) de consolidação (1930-1962), onde acontece a
efetivação e desenvolvimento do ensino em psicologia, criação de associações profissionais, e
aumenta-se a produção de pesquisas e a realização de congressos na área; (5) de profissionalização,
considerado a partir do reconhecimento da psicologia enquanto profissão no ano de 1962, e que
se estende até meados de 1980; e (6) de ampliação dos campos de atuação do psicólogo e explicitação de seu
compromisso social, movimento que se inicia por volta da década de 1980, concomitante ao período
de redemocratização brasileiro, e que se estende até hoje.
Apesar de considerarmos que as práticas que definem as fases supracitadas não apareçam
e desapareçam automaticamente na delimitação temporal estabelecida, ou seja, que elas não
superam uma à outra num sentido evolucionista, utilizamos essa divisão didática como ponto
de partida para a escolha de um recorte que nos permitisse pesquisar a ampliação do espaço de
atuação do psicólogo e seu encontro com as questões sociais.
Nosso interesse neste estudo se volta, portanto, para o último destes períodos, mais
especificamente às décadas de 1980 e 1990, nas quais se ampliam os espaços de trabalho para
os psicólogos em campos alternativos à clínica privada com a inserção destes profissionais
nos estabelecimentos ligados às políticas sociais emergentes, em especial no âmbito da saúde
e da assistência social. Temos nesta época uma psicologia instada a se reinventar em tempos
de instabilidade financeira e redução do mercado de trabalho. Neste contexto, fez-se de suma
importância a luta das entidades profissionais para a ampliação de perspectivas de atuação
profissional, aumentando consideravelmente a empregabilidade de psicólogos como assalariados
em estabelecimentos das políticas públicas.
Considerando a importância deste momento da história da psicologia no Brasil para sua
atual conformação enquanto ciência e profissão, este trabalho teve por objetivo produzir uma
caracterização histórica inicial das décadas de 1980 e 1990, a partir do levantamento de produções
escritas da área da psicologia neste recorte, que possa servir de base para pesquisas que enfoquem
a psicologia durante o processo de redemocratização.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1017


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A fim de atingir nosso objetivo, nos utilizamos de técnicas de pesquisa bibliográfica e
documental. Inicialmente, realizamos busca avançada na base de dados “Periódicos Capes” com as
palavras-chave cruzadas: “Psicologia” e “Redemocratização”, “Psicologia” e “Políticas Públicas”,
e “Psicologia” e “Políticas Sociais”, sem recorte temporal estabelecido. Nossa intenção com
esta busca foi encontrar artigos com perspectiva histórica que remetessem ao nosso período de
interesse e que pudessem se transformar em fontes para a pesquisa, ou mesmo indicar, a partir
de suas referências, possíveis documentos que nos ajudassem a produzir uma categorização do
contexto da psicologia no Brasil nos anos 80 e 90 do século passado.
Seguindo por estes caminhos criados no decorrer das leituras, chegamos a documentos
elaborados pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) provenientes do período tratado, a estudos
sobre a situação da formação e atuação profissional da psicologia produzidos e publicados na
época de nosso interesse, assim como a pesquisas contemporâneas em história da psicologia
no Brasil que nos trouxeram informações históricas importantes. A partir destes documentos e
estudos pudemos criar pistas para pensar a psicologia durante a redemocratização brasileira e
a expansão de suas áreas de atuação, incremento da formação e produção de novos saberes
capazes de atender às demandas advindas dos novos espaços ocupados.
Este texto está composto de duas partes: primeiramente, faremos uma breve contextualização
da história da psicologia no Brasil desde sua regulamentação enquanto profissão e estabelecimento
de um currículo mínimo para a formação no ano de 1962. Feito isto, mais ênfase será dada nas
décadas de nosso interesse para a produção de um panorama sobre a psicologia no Brasil neste
período, tanto do ponto de vista da atuação profissional quanto da formação e pesquisa.

Desenvolvimento

Psicologia no Brasil: breve histórico

A psicologia teve sua regulamentação enquanto profissão2 e a criação do primeiro currículo3


básico para a formação de psicólogos (até então denominados “psicologistas”) no ano de 1962.
Desenvolveu-se em meio à ditadura, com um perfil de atuação privatista e majoritariamente
localizado na clínica privada. Os campos de atuação para o psicólogo envolviam, além da
clínica, a área escolar-educacional e de organização do trabalho, conforme estabelecido nos anos
anteriores (1930-1962)4, marcados pelo processo de consolidação da psicologia enquanto campo
independente de estudos.
A formação era dividida em três níveis: bacharelado (4 anos), licenciatura (4 anos) e
formação do psicólogo (5 anos) (Lisboa & Barbosa, 2009). Segundo Mello (1989), o currículo
mínimo para a formação em bacharelado e licenciatura em psicologia compreendia sete matérias:
Fisiologia, Estatística, Psicologia Geral e Experimental, Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia
da Personalidade, Psicologia Social e Psicopatologia Geral. Já para obter o grau de Psicólogo,
precisava-se estender um pouco mais a formação cursando:

Técnicas de Exame e Aconselhamento Psicológico, Ética Profissional e mais três matérias


dentre o seguinte rol: Psicologia do Excepcional, Dinâmica de Grupo e Relações Humanas,
Pedagogia Terapêutica, Psicologia do Escolar e Problemas de Aprendizagem, Teorias e Técnicas
Psicoterápicas, Seleção e Orientação Profissional e Psicologia da Indústria. (Mello, 1989, p.18)

2 Lei nº 4.119/62 regulamenta a profissão e o curso de formação de psicólogos.


3 Instituído pelo parecer nº 403/62 do Conselho Federal de Educação (CNE).
4 Para mais informações, ver Antunes (2006).

1018  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Apesar de apenas em 1962 a profissão e formação terem sido regulamentadas, o primeiro
curso superior autônomo de psicologia data de 1953, localizado na Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde também surgiu, mais tarde, o primeiro curso de mestrado em
Psicologia do Brasil, na área Clínica, em 1966. Também no ano de 1953, a Universidade de São
Paulo (USP) aprova a criação de seu curso superior em psicologia, que, porém, só começa a
funcionar a partir de 1958. Na década de 1970 surgem, nesta mesma universidade, os mestrados
em Psicologia Experimental e Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (1970), e
os primeiros cursos de doutorado, nas mesmas áreas citadas anteriormente (1974) (Lisboa &
Barbosa, 2009; Gomes, 2003).
No ano de 1975, os cursos de graduação em psicologia no Brasil já somavam 61, com
8.795 vagas disponíveis, enquanto nos Conselhos Regionais de Psicologia estavam inscritos 4.951
psicólogos, conforme a pesquisa de Santos (1977, como cita Gomes, 2003). Este crescimento
rápido da quantidade de cursos se deveu à Reforma Universitária5 ocorrida no ano de 1968, que
propiciou uma multiplicação rápida de faculdades privadas, e como efeito tornou a docência um
campo importante de atuação profissional para a psicologia. Ainda segundo o autor, as áreas de
especialidade que mais concentravam psicólogos neste período eram: Psicologia Clínica (30,16%),
Magistério em Psicologia (17,58%), Psicologia do Trabalho (17,16%), Psicologia Educacional
(12,34%) e Psicometria e Psicodiagnóstico (7,55%).
Dentre os periódicos que tratavam sobre assuntos da psicologia vigentes neste momento histórico,
temos: Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada; Boletim de Psicologia de São Paulo; Boletim da Sociedade de
Psicologia do Rio de Janeiro; Boletim da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul; Revista de Psicologia Normal e
Patológica; e Alter-jornal de Estudos Psicodinâmicos. Artigos destes periódicos foram estudados por Figueiredo
e Seminério (1973) em suas publicações no período de 1962 a 1971. Os autores encontraram 610
artigos, dos quais “30,8% tratavam de psicologia teórica e experimental; 43,4% de psicologia aplicada;
e 25,6% de psicologia instrumental (psicometria)” (Gomes, 2003), caracterizando assim a pesquisa
realizada até este momento como majoritariamente aplicada e instrumental.
Considerando que o primeiro estudo em larga escala sobre a atuação e formação profissional
do psicólogo feito pelo Conselho Federal de Psicologia data do fim da década de 1980, torna-se
complicado ter uma visão mais ampla sobre estas questões nas décadas de 1960 e 1970. Uma da
fontes de informação relevantes é o estudo de Sylvia Leser de Mello, realizado em 1975, sobre a
formação do psicólogo em São Paulo. Segundo a autora, neste estado:

O mercado de trabalho para o psicólogo (...) não é extenso e corresponde à própria


exiguidade das áreas tradicionais de atuação: a psicologia clínica, se possível em clínicas
e consultórios particulares, e psicologia aplicada à escola e ao trabalho, que ainda não se
caracterizaram como áreas de grande interesse para os psicólogos (Mello, 1975, p.16).

A década de 1970 foi marcada pela criação dos Conselhos Federal6 e Estaduais7 de Psicologia,
assim como do primeiro Código de Ética da Profissão8 (Lisboa & Barbosa, 2009), e, também, por
um movimento forte de crítica ao modelo intimista e psicologizante assumido por esta área de
saber. Teceu-se críticas ao fato de as análises dos acontecimentos desviantes da norma produzidas
pela psicologia não considerarem sua dimensão social e histórica, produzindo, assim, estigmas
e culpabilização de determinados grupos sociais pelos problemas de inadequação à ordem
vigente, explicando, assim, a exclusão social a partir de termos psicológicos (Conselho Regional
de Psicologia de São Paulo, 2011).
5 Lei nº 5.540/68.
6 Lei 5766/1971. Neste momento, haviam 895 profissionais atuando no país (Soares, 2010).
7 Instaurados pela resolução nº 01/1974, divididos entre 7 regiões (idem).
8 Resolução nº 08/1975, aperfeiçoado pela Resolução nº 14/1976 (ibidem).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1019


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Diante destes acontecimentos, são gestadas, neste período, as psicologias comunitária e
jurídica, com o objetivo de atender a demandas de uma maioria da população cujos problemas
não eram pensados pela psicologia, e sobre os quais, dentro deste campo de saber, não existia
perspectiva possível de intervenção. Segundo Bomfim (1989), nesta década:

são criados os primeiros cursos de Psicologia Comunitária, voltados para a realidade social
local e engajados nos movimentos citadinos, trabalhando as questões de higiene (arte
de viver), saúde (numa perspectiva preventiva) e na melhoria da qualidade de vida. (...)
A Psicologia Comunitária nasce, portanto, como uma ramificação da Psicologia Social
interessada no conhecimento e na prática junto a uma particularidade específica. Surge, nos
cursos de Psicologia, como uma disciplina optativa e não consta da relação de disciplinas
propostas pelo Ministério da Educação (p. 45-46).

O aumento do número de psicólogos formados agravou a situação já existente de falta de


locais de trabalho, apesar do incremento na demanda por serviços psicológicos por parte da
população (Pereira & Pereira Neto, 2003, como citado em Lisboa & Barbosa, 2009). Os Conselhos,
junto a outras entidades profissionais, foram fundamentais na luta pela ampliação dos espaços
de trabalho dos psicólogos através da inserção nos serviços ligados às políticas públicas que serão
gestadas a partir da década de 1980, concomitante ao processo de redemocratização brasileiro e
a aprovação da Constituição Federal de 1988.

Os anos 80 e 90 do século XX: redemocratização e novos espaços de atuação para o psicólogo

Ozella (1996) realizou um estudo sobre a formação em psicologia, no qual compara o


número de cursos existentes no Brasil em 1983 e uma década depois. Analisa, também, os objetivos
apresentados por estes cursos no ano de 1993. Segundo o autor, no primeiro período, existiam
74 cursos de psicologia no Brasil. Já dez anos depois, o número subiu para 103, representando
um aumento de 39, 2%. A concentração regional, porém, se manteve: a maioria dos cursos
permaneceu situada no Sudeste, seguida das regiões Sul e Nordeste, e com menor presença no
Centro-Oeste e Norte. Ainda conforme o autor, “durante a década de 80 repetiu-se a expansão da
rede privada de ensino no terceiro grau verificada na década de 70 com uma participação quase
insignificante do ensino oficial” (Ozella, 1996, p. 125).
Quanto aos objetivos apresentados por estes cursos, Ozella (1996) nota serem mais voltados
à formação profissional, tendo a missão de desenvolver responsabilidade e compromisso social/
político/ético apenas em segundo plano, trazendo este objetivo desvencilhado do primeiro. Os
outros objetivos apontados foram, respectivamente: desenvolver capacidade para o trabalho
científico de pesquisa; propiciar serviço de extensão à comunidade; e desenvolver atitude crítica
sobre teorias/atuação e realidade social. Esta ordenação de prioridades coadunaria com a lógica
cada vez mais presente do ensino privado na proliferação dos cursos de psicologia no Brasil.
Já a pós-graduação, em 1987, contava com 17 programas, 14 deles situados na região
Sudeste, 2 no Nordeste, 1 no Sul e 1 no Centro-Oeste (Matos, 1992). E as pesquisas realizadas
por estes programas no período de 1980 a 1987 (recorte temporal da pesquisa referenciada
anteriormente), se caracterizavam por uma preocupação predominante com o campo social e
clínico, com pouco interesse nas áreas de trabalho/organização e estudos etológicos. Apresentava
crescimento no número de pesquisas em processos complexos9 e diminuição no campo escolar/
educacional.
Conforme salienta a autora, no recorte selecionado por ela, algumas áreas ainda não se
9 “Estudos experimentais ou não de processos complexos tais como : pensamento, linguagem e resolução de
problemas” (Matos, 1992, p. 138)

1020  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
faziam presentes como campos de pesquisa, como é o caso da Psicologia da Saúde, que começava,
já no ano de publicação do estudo, a ser citada por várias instituições. Outra informação
interessante que Matos (1992) traz em seu artigo diz respeito à mudança de modelo referente às
pesquisas realizadas na área Comunitária: “No princípio desta década estas tinham um caráter
quase político ou ideológico de conscientização social, pode-se dizer. Gradualmente a natureza
destas intervenções mudaram, assumindo um cunho clínico” (p. 155).
No ano de 1988 temos o primeiro levantamento do Conselho Federal de Psicologia realizado
a nível nacional sobre a formação e atuação profissional do psicólogo, publicado sob o título
“Quem é o psicólogo brasileiro?”, produzido a partir de questionários com uma amostra de
2448 profissionais. Conforme este documento, “o estoque de psicólogos graduados (segundo o
Ministério da Educação) atingiu 102.862 em 1985, tendo crescido exponencialmente, a partir dos
anos 70, com a conhecida proliferação de instituições particulares de ensino” (Bastos & Gomide,
1989, p. 6). Havia, porém, uma grande defasagem em relação ao número de formados e quantidade
de psicólogos que realizavam sua inscrição nos Conselhos Regionais - porcentagem que beirava os
50%, na época. Ou seja, pouco mais de 50.000 psicólogos formados tinham iniciado sua atuação
profissional nesta área após a graduação, devidamente associados aos Conselhos.
Neste período, quase 75% dos profissionais se concentravam na região Sudeste, sendo
aproximadamente 42% deles em São Paulo. Grande parte da categoria era formada por mulheres
(em torno de 80 a 90%), com atuação profissional bastante restrita às capitais dos estados (70%).
Segundo Bastos e Gomide (1989, p. 9):

Tradicionalmente, o conjunto de atividades e objetivos da atuação do psicólogo foi agrupado


em quatro grandes áreas: clínica, escolar, industrial e docência. Hoje, os conceitos associados
a estas áreas encontram-se ampliados e novas áreas foram concebidas (comunitária,
social, pesquisa, por exemplo). A clínica absorve 43,4% dos empregos, vindo a seguir a área
organizacional (18,8%), escolar (14,3%), e a docência (11,5%).

A discussão sobre o local de trabalho dos psicólogos se fez bastante presente nas décadas de
1980 e 1990, impulsionada pela necessidade de democratizar o acesso aos serviços psicológicos.
A respeito disso, os autores afirmam, baseados no relatório do CFP, que:

Há, de fato, uma reduzida inserção do psicólogo nos serviços públicos – o poder público
(municipal, estadual e federal) mantém, apenas, cerca de 26% dos psicólogos que declararam
atuar profissionalmente (...) No Rio e em São Paulo, encontramos um índice ligeiramente
superior à média nacional de 10% de trabalhos em postos de saúde, ambulatórios e
hospitais, nestas mesmas regiões, entretanto, encontramos também os maiores índices de
trabalho em consultórios particulares. O trabalho em instituições de ensino público absorve
apenas 34,5% dos que atuam na área escolar (...) Embora a questão da democratização
seja bem mais complexa, não deixa de ser preocupante a constatação de que os serviços do
psicólogo chegam, preponderantemente, ainda hoje, a parcelas privilegiadas da população
(...) Romper o elitismo da profissão requer, certamente, medidas de amplo espectro que
passam pela formação de novos profissionais e pela luta por políticas públicas para a área
social que privilegiem o atendimento global dos indivíduos e suas múltiplas necessidades
(Bastos & Gomide, 1989, p. 10).

Em meio a este forte movimento de busca pela democratização do acesso aos serviços da
psicologia e de ampliação do campo de trabalho visando aumentar as vagas de emprego para
os graduados, as discussões acerca do currículo e dos novos espaços de atuação do psicólogo se

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1021


NO ONTEXTO BRASILEIRO
intensificaram bastante na década de 1990. O currículo mínimo, instaurado por volta de 1962,
ainda permanecia o mesmo, e já não atendia as necessidades de formação do psicólogo para a
atuação nos novos estabelecimentos, conforme reitera a citação de Melo (1989):

Continuo a achar que a Psicologia pode contribuir muito a nível institucional. Ela pode ser
cada vez mais exercida nas instituições públicas ou privadas (empresas, escolas, hospitais,
centros de saúde etc.) Essa é uma prática que não é muito evidente nos cursos. Os cursos
não estão preparando os psicólogos para esta prática mais ampla (p. 17).

Na década seguinte, o CFP publica dois importantes documentos que demarcam este
processo de ampliação das possibilidades de atuação profissional. São eles: “Psicólogo Brasileiro:
construção de novos espaços” (1992) e “Psicólogo brasileiro: práticas emergentes e desafios para
a formação” (1994) – ambos compostos por capítulos que tratavam da atuação do psicólogo nas
áreas tradicionais (clínica, organizacional, escolar/educacional) e emergentes (psicologia jurídica,
do esporte, social e comunitária), assim como da formação.
A possibilidade de inserção deste profissional em outros espaços de atuação começou a
despontar com maior ênfase após a Constituição Federal de 1988, a regulamentação do Sistema
Único de Saúde (SUS) e sanção da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) – apesar de a
assistência social ter se estabelecido como importante campo de emprego para os psicólogos
apenas nos anos 2000.
No que tange à saúde, antes das mudanças provocadas pela Constituição de 1988, a
presença do psicólogo se resumia aos hospitais psiquiátricos e serviços de saúde mental, com uma
atuação não sistematizada nem regulamentada (Yamamoto & Oliveira, 2010, p.16). Foi a partir
da proposta de uma reforma psiquiátrica que a presença destes profissionais no campo da saúde
se efetivou, porém, este processo não se deu sem tensões. A ampliação dos campos de trabalho
por vezes se confundiu com expansão da oferta de atendimento clínico privado a quem não tinha
possibilidade de pagar por ele.
A atuação no Sistema Único de Saúde, porém, tornou necessária a produção de novos saberes
capazes de contribuir com os princípios do SUS, incitando assim um processo de reinvenção de
práticas desindividualizantes dentro da psicologia que pudessem ser executadas em conjunto com
uma equipe transdisciplinar:

. . . el SUS, com sus princípios y directrices impacta la forma de actuación, exigiendo de


los psicólogos uma visión menos orientada hacia la clínica individual y ambulatorial y, por
conseguiente, más dirigida a la comprensión de los determinantes de la salud-enfermedad
y la contextualización de las prácticas, considerando al ser humano em sus condiciones
históricas, económicas, sociales y culturales (Aragaki, Spink & Bernardes, 2012, p. 69).

Já nos anos 2000, podemos ver frutos destas discussões e debates se refletirem na atuação do
psicólogo e na mudança dos currículos de formação. E neste movimento de constante produção
e crítica da psicologia, “Emergem temas como clínica ampliada, acompanhamento terapêutico,
apoio matricial, filosofia da diferença, humanização, entre outros” (Yamamoto & Oliveira, 2010,
p. 16), que subsidiam as práticas do psicólogo nesses novos espaços ocupados trazendo elementos
capazes de compor a psicologia segundo um outro modelo: não individualizante e naturalizante
de subjetividades, e com espaço para a atuação transdisciplinar com um olhar diferenciado sobre
o sujeito.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Conclusões e Considerações Finais

O processo de redemocratização iniciado e executado pelos idos dos anos 80 e 90 do século


passado teve forte impacto na produção da psicologia no Brasil enquanto ciência e profissão,
pela abertura de espaços de trabalho para o psicólogo nos equipamentos das políticas sociais
e pela necessidade de produção de novos saberes que subsidiassem essas práticas. Pode-se
afirmar, porém, que essa nova concepção de psicologia com compromisso social não determinou,
sozinha, a inserção do psicólogo nestes novos espaços. Esta se deu principalmente pela atuação
das entidades profissionais que lutaram pela abertura de novos campos de trabalho, abrindo
possibilidades de atuação para além da clínica privada e das áreas tradicionais de trabalho.
As grandes lacunas temporais entre os levantamentos sobre a situação da formação e
inserção profissional do psicólogo no Brasil nas décadas de 1980 e 1990 dificultaram a realização
dessa pesquisa, porém ressaltamos que elas podem ser diminuídas a partir da busca por outros
documentos para embasar a análise, como jornais sobre a psicologia, atas dos Conselhos Federal
e Regionais e algumas publicações que não se encontram digitalizadas e disponíveis na internet.
Uma atualização da pesquisa sobre atuação profissional e formação do psicólogo feita pelo
CFP em 1988, realizada pelo GT de Psicologia Organizacional e do Trabalho da ANPEPP10 entre
os anos de 2006 e 2008, aponta muitas permanências e modificações do perfil do psicólogo no
Brasil. Segundo esta pesquisa, as mulheres continuam representando mais de 80% do contingente
de profissionais de psicologia, e a atuação predominante permanece sendo a clínica privada.
Porém, a área da saúde, que não estava presente no levantamento de 1988, surge neste como
segunda área de atuação que mais concentra psicólogos (Bastos, Gondim & Borges-Andrade,
2009). Conforme os autores:

Embora em muitas atividades se perceba uma afinidade entre clínica e a saúde, não se pode
minimizar o fato de que esse novo domínio envolve uma significativa ampliação do escopo
de atividades e contextos de inserção do psicólogo, nas unidades de saúde de diferentes
níveis de atenção, nos setores público e privado. A área organizacional cresce um pouco,
embora passe a ser a terceira área a absorver mais psicólogos. Há uma expressiva queda
no percentual de psicólogos atuando na área escolar/educacional. Aparecem, embora com
percentuais bem reduzidos, as áreas social e jurídica, o que indica a consolidação de novos
campos de atuação profissional, muito incipientes na primeira pesquisa. Verifica-se, ainda,
o crescimento da docência em função da expansão do sistema de ensino superior no país
com oferta de cursos de psicologia (Bastos, Gondim & Borges-Andrade, 2009, p. 262).

Fazem-se necessários, porém, para uma melhor caracterização da psicologia enquanto


profissão hoje, levantamentos mais atualizados sobre a atuação profissional, que considerem
os anos pós-regulamentação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), hoje em dia um
campo importante de inserção do psicólogo, e que nos permitam observar a mudança no perfil
profissional em razão da ampliação dos espaços de trabalho.
Outra inflexão dos novos espaços ocupados para atuação profissional diz respeito à
produção teórica da psicologia, que se reinventa concomitantemente às novas demandas de
intervenções a ela dirigidas. Consideramos de bastante importância para o estudo da história da
psicologia no recorte aqui selecionado pesquisas sobre as novas apropriações teóricas e criações
metodológicas produzidas no decorrer deste processo.
Apesar das limitações deste estudo, ainda inicial, esperamos ter contribuído com outros
pesquisadores e pesquisadoras com interesse na história da psicologia durante a redemocratização
brasileira.
10 Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1023


NO ONTEXTO BRASILEIRO
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1024  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EM BUSCA DA ESQUIZOANÁLISE:
CLÍNICA, TEORIA E FORMAÇÃO
André Rossi

Introdução

E
ste é um relato de pesquisa de doutorado ainda em curso, a ser finalizada em
julho de 2019. As indagações para a consecução desta pesquisa começam há pelo
menos uma década e meia a partir das experiências clínico-institucionais vividas
como acompanhante terapêutico, como estagiário do Serviço de Psicologia Aplicada-UFF em
clínica transdisciplinar, nove anos de supervisão autogestiva em grupo, experiência clínica em
consultório e ainda, atuação como supervisor clínico-institucional de grupos de psicólogos.
Durante esses anos, a esquizoanálise foi um tipo de fazer-saber que perpassou todas as minhas
práticas, nas quais, fazendo-as, seguia minha formação gradual e contínua. Nesse caminho, uma
questão seguia pululante, afetando a mim e aos meus colegas: “afinal, o que é esquizoanálise?”
Consequentemente, se há um trabalhador coextensivo a essa prática – um esquizoanalista – como
se dá sua formação?
O problema desta pesquisa se delineia melhor ao final da minha dissertação quando cheguei
ao conceito de transversalidade. O trabalho se constituiu no que chamei de “devir dos conceitos”:
da transferência e contratransferência em Freud, Ferenczi e algumas analista inglesas da década
de 50, passando pela transferência institucional e contratransferência institucional no movimento
da Psicoterapia Institucional, chegando à transversalidade de Guattari e à análise da implicação
de Lourau e Lapassade, no movimento que ficou conhecido como Análise Institucional. O devir
desses conceitos, da transferência à transversalidade, liga-se sobremaneira às criações conceituais
da juventude de Guattari. A transversalidade ficou como conceito charneira para mim, porque
finda um projeto e abre outro na atualidade. Compareceu no horizonte das minhas práticas
citadas, a necessidade de ir além e explorar o encontro entre Deleuze e Guattari, pois este se tornou
propositivo de uma esquizoanálise, a partir da publicação d’O Anti-Édipo. Faz-se necessário
entender suas contribuições, porque Deleuze e Guattari deixaram um legado que influencia muitos
trabalhadores da subjetividade que participam de práticas clínicas, institucionais, grupais, na
produção de políticas públicas, na construção de leis, no questionamento de campos de saberes
instituídos, entre outras ações no Brasil, Argentina e Uruguai.
Esta busca atual se desenvolve na continuidade da instigação daquele campo problemático
citado e foi preciso alguns anos fora da academia desde o mestrado e algum tempo de experiência
para escrever um projeto com a clareza e sinceridade dessa busca. Objetivo mais geral era apontar
pistas para a delimitação da esquizoanálise, mantendo ao mesmo tempo seu caráter indelimitável,
colhendo também experiências que alguns trabalhadores da subjetividade têm com esse saber.
Entendemos que quando se fala em “organizar” ou “sistematizar”, quando se pergunta pelo “ser”
de algo (o que é?), estamos entrando numa querela conceitual com os próprios autores. Contudo,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1025


NO ONTEXTO BRASILEIRO
também entendemos que a atitude de não fazer escolas e de entender o ser como devir, também,
erroneamente, embotou pesquisas na área que pudessem fazer-nos avançar no tema. As diferentes
formas de lidar com essa questão nos levou a um terceiro objetivo que gira em torno da formação.
A pesquisa em desenvolvimento tem por objetivos: a) pesquisa bibliográfica enfrentando (a
palavra é correta) O Anti-Édipo, Mil Platôs, entre outros textos lapidares com esse fio condutor
das pistas para uma esquizoanálise; b) Colher, através de entrevista, a experiência de trabalhadores
clínico-institucionais norteados por esse saber; c) Colher as trajetórias de formação desses
trabalhadores;

Método

Para mim é importante propor uma discussão metodológica não tão descritiva, uma vez que
o método cartográfico se configura, em uma de suas facetas, como uma pesquisa-intervenção, no
sentido de que, a ação não está separada do pensamento, está diretamente ligado à construção
do saber aqui implicado. Dessa forma, o método faz parte também da teoria e da prática dessa
pesquisa. Ele é esquizoanálise em ato.
Querendo me aproximar da prática desses trabalhadores da subjetividade (objetivos b e c) que
têm a esquizoanálise como um saber que lhes compõe, ao longo da pesquisa, delimitamos melhor
o campo, através de um corte, que é ao mesmo tempo geracional, institucional e circunstancial,
sobre um feixe problemático que afetou sobremaneira as práticas, a formação e os saberes psi
no Brasil da década de 70 e 80. A partir das orientações, definimos que as entrevistas seriam
feitas com os egressos – alunos e professores – do Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e
Instituições (IBRAPSI), criado em 1978 e findado por volta de meados da década de 90.
Dessa forma, foi construído um instrumento semiestruturado que pudesse balizar as
entrevistas, visando colher com esses egressos, a experiência do contato com esse saber. Qual era
sua formação prévia? Como havia chegado ao IBRAPSI? Qual foi a formação recebida? Houve
algo como uma esquizoanálise? Como suas práticas clínico-institucionais são hoje influenciadas?
As entrevistas estão sendo gravadas e tem sido construído um diário de campo. A construção do
instrumento, da entrevista e do diário estão guiadas por uma ética cartográfica em entrevista.
O número de entrevistados atualmente, em janeiro de 2017, está em dez pessoas, tendo ainda
duas entrevistas agendadas para fevereiro de 2017, quando talvez finde a incursão ao campo. O
critério usado é o da redundância, quando as temáticas nas respostas se tornarão repetitivas. Essa
avaliação será feita em grupo, a partir da orientação coletiva. Juntamente das entrevistas, outros
materiais surgiram, ofertados pelos entrevistados: o jornal interno do IBRAPSI (“Sigmund”),
importante para entendermos o que estava sendo veiculado em termos de saber e o tipo de
organização interna da instituição; os “cadernos do IBRAPSI”, um tipo de caderno manuscrito
das aulas gravadas, criado por uma aluna e alimentado por um coletivo transcritor. Ele contém de
uma forma panorâmica e específica a estrutura das aulas e seu conteúdo.
As entrevistas e a pesquisa bibliográfica estão permitindo um levantamento de como esse
saber se propagou na França, sua entrada na América Latina - principalmente na Argentina -
acompanhando hoje seus polos de discussão e suas pistas em relação à transmissão e formação
clínico-institucional.
A parte comumente chamada de revisão bibliográfica (objetivo a) está se dando com base
da espinha dorsal do projeto Capitalismo e Esquizofrenia em dois tomos: O Anti-Édipo, publicado
originalmente em 1972, é o volume 1 e o Mil Platôs publicado originalmente em 1980, é o volume
2. Prefiro chamar esse movimento de enfrentamento conceitual, já que o estilo do material é
de uma obra aberta e hiperconectiva, nos convocando a um enfrentamento das dificuldades
ao mesmo tempo em que uma revisão dela se faz iminentemente criativa. Há a possibilidade,

1026  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
em avaliação de um espraiamento para as obras de Guattari, a saber – Linhas de Fuga (1979),
Inconsciente Maquínico: ensaios de esquizoanálise (1979), Cartografia Esquizoanalíticas (1989)
e comentadores. Além disso, fiz em 2013 uma pesquisa com os unitermos “esquizoanálise” e
“filosofia da diferença” em três bases de dados brasileiras – scielo, google acadêmico e pepsic –
obtendo um total de quarenta e oito artigos. Excluindo as repetições e não pertinências, cheguei
ao total de vinte artigos a serem lidos. Esses também compõem os resultados parciais da pesquisa.
O que buscamos com a pesquisa de campo? Como alcançá-lo? Objetivos e metodologia
se entrelaçam e se querem concisos numa dinâmica de variação mútua. É do nosso interesse
pesquisar a experiência que alguns trabalhadores da subjetividade têm com o arcabouço teórico
da esquizoanálise em suas práticas clínico-institucionais. E, para entender o que propomos por
“experiência”, precisaremos nos explicar um pouco mais.
Em se tratando de acessar um plano da experiência, estaremos guiados por um ethos
cartográfico na entrevista e não necessariamente por um modelo de entrevista específico. Não
existe, dessa forma, entrevista cartográfica, mas manejo cartográfico da entrevista, presente não
apenas nela, mas em toda a pesquisa, iniciando pela construção do campo problemático, passando
ao manejo na colheita de dados, ao uso da linguagem, ao cuidado na transcrição, nas discussões
coletivas do material transcrito e na elaboração do relatório final (Tedesco, Sade & Caliman,
2013). No intuito de formar direcionamentos e uma ética para a entrevista, devemos apontar
algumas pistas e afirmações que nos guiem. São pontos-chave: a forma como se compreende a
realidade e a obtenção/criação de conhecimento; o entrevistador e o manejo; o entrevistado e a
experiência; o plano comum; e a linguagem.
Podemos agora evocar rapidamente três pistas para destacar as nuances do método
cartográfico aplicado à entrevista expondo também suas consequências na forma de entender
todo o processo de pesquisa: a) cartografar é acompanhar processos. Sendo assim, entende-se que
a realidade é feita de processos, constituída heterogeneticamente, de vetores, valências, processos
dinâmicos e não de objetos totais imutáveis (Pozzana de Barros & Kastrup, 2009.); b) cartografar
como método de pesquisa-intervenção (Passos & Benevides de Barros, 2009) Em certo campo das
pesquisas qualitativas, parece ponto de consenso que não se obtém objetos que estão no mundo,
mas se acessa e participa de processos dinâmicos. Devemos, contudo, ir além. A participação é
ela mesma uma intervenção. E, nesse intervir, é que se conhece. Isso nos leva ao terceiro item; c)
Dado que os processos consistem em forças, cujas condições de possibilidade e efeitos surgem no
plano coletivo, a experiência produzida coletivamente entre pesquisador e campo problemático é
o principal objetivo da entrevista (Kastrup & Passos, 2013). Dito isso, podemos afirmar: pesquisar
uma experiência, produzir uma experiência, pesquisar a experiência que se produz.
Aqui já estamos aptos a distinguir dois planos indissociáveis da experiência, a saber, a
experiência vivida e a experiência pré-refletida ou ontológica. O primeiro refere-se ao que, no
senso comum, chamamos da experiência de vida de cada um. São as reflexões do sujeito sobre
sua história. O segundo se refere à processualidade ou ao plano comum, ao coletivo de forças de
onde emergem os conteúdos representacionais das experiências de vida (Tedesco, Sade & Caliman,
2013). O manejo, a escuta, a atitude na entrevista cartográfica visa o acesso à experiência em suas
duas dimensões: experiência vivida e experiência pré-refletida, forma e força. O enunciado válido
não é formado somente por componentes linguísticos - léxico e sintaxe –, “mas principalmente por
extralinguísticos como variações de entonação, ritmo e de velocidade somados a componentes
como expressão facial e corporais” (Tedesco, Sade & Caliman, 2013, p. 302). A escuta, o olhar e
as falas do entrevistador devem estar atentos aos múltiplos fatores presentes na experiência do
dizer. A surpresa, o espanto, o desconcerto, o afeto que comparecem indicam a experiência e a
processualidade na entrevista. Se nos furtarmos às modulações citadas, extrairíamos o dito do
plano da experiência, dissociando novamente aquilo que apostamos indissociável, nos colocando
somente à escuta da informação.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1027


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Duas diretrizes são possíveis para lidar com o manejo da entrevista. Em primeiro lugar, não
privilegiando o dito sobre experiências vividas, que retoma o caráter representacional da linguagem,
visamos à experiência ali mesmo do dizer. A entrevista não media o acesso à experiência, descrevendo-a
como referente externo, mas ela interfere ali para uma experiência imediata. A entrevista visa à
experiência na fala. Que afeto provoca a variação da fala? O que o sujeito está dizendo ao falar,
torna-se pertinente na abertura à emergência da experiência pura, imediata, pré-refletida. Em
segundo lugar, a entrevista em sua inspiração cartográfica assumindo seu caráter de pesquisa-
intervenção, buscando a experiência na fala, intervém na abertura ao dizer. Afirmamos então que
“[...] a entrevista não é um procedimento para a coleta de dados, mas sim para a ‘colheita’ de relatos
que ela mesma cultiva”. (Tedesco, Sade & Caliman, 2013, p. 307). A entrevista, no lugar de descrever
a experiência, porta ali mesmo em seu curso, a experiência na fala. “Isso aproxima a entrevista na
cartografia bem mais do diálogo na clínica, do que das perguntas de um repórter ou jornalistas
na busca por informação” (Tedesco, Sade & Caliman, 2013, p. 307). Portanto, ao assumirmos o
caráter de produção da experiência da/na entrevista, devemos pensar nas posições éticas a seguir, a
realidade a ser criada e potencializada nas pesquisas e em nossas práticas metodológicas.

Resultados e Discussão

“Afinal, o que é esquizoanálise?”. Esta não é uma pergunta simples, porque a esquizoanálise
não se pretende um constructo fechado e nem propriamente uma clínica. Não existem seus “textos
técnicos”. Não existe uma produção teórica que bordeie essa nuvem maquínica funcional. Pelas
pesquisas já feitas, não há essa produção no Brasil e nem na França. Da pesquisa nas bases de
dados brasileiras feita em 2013, citada na metodologia, obtive alguns resultados. Alguns artigos
eram focais em relacionar a esquizoanálise com prática especifica na educação, com trabalhos em
grupo, com a dança, com a literatura, artes plásticas ou em transmitir alguns conceitos de forma
competente. Outros textos eram vagos e pouco elucidativos. Também percebi uma ausência
de casos clínico-institucionais e de panorama histórico da constituição do saber. Permanece
então a ser explorada, a produção argentina e uruguaia, que utiliza muito mais o significante
“esquizoanálise” em suas publicações.
A esquizoanálise, de forma preliminar, podemos entendê-la como uma prática-teoria
que está assistematicamente difundida dentro de uma vasta obra e que nasce do encontro de
um filósofo, Gilles Deleuze, e de um psicanalista militante, Félix Guattari. Podemos situar sua
espinha dorsal dentro do projeto capitalismo e esquizofrenia (1972 e 1980), assim como suas
ramificações em obras guattarianas contemporâneas ao projeto e também posteriores (Guattari,
1988; 1989). A partir do livro inaugural, Deleuze e Guattari (2010) colhendo os frutos de Maio
de 68, lançam as ideias sobre uma clínica-política-estética que apelidam de Esquizoanálise. Por
não ser propriamente uma clínica, é reducionista, fechar o Anti-Édipo numa atitude antagonista
à Psicanálise e assim reduzir a proliferação de seus diálogos com a literatura, com a antropologia,
com a psiquiatria, com a filosofia, com a matemática, com a sociologia, com a física, entre outras
disciplinas, inclusive inomináveis.
De início, para que um constructo como a esquizoanálise, que se encontra dentro de
uma obra maior, faça sentido, temos que indicar com o que ela conversa. Devemos fugir de
uma demonstração conceitual estéril. Qual a necessidade da criação de novos conceitos? Com
o que ela rompe? Dessa forma, é adequada uma atitude político-epistemológica-metodológica
de inseparabilidade entre gênese conceitual e gênese sócio histórica. Não como denuncismo de
conceitos datados, mas como forma de análise da implicação das forças envolvidas na criação
de toda e qualquer prática-teoria. Sua análise das forças torna esses saberes vivos, prontos a se
conectarem com as práticas e problemas contemporâneos.

1028  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Percebendo a trajetória de Félix Guattari, entendemos que antes de seu encontro com Deleuze,
havia um pensamento próprio a partir do qual ele conduzia suas práticas clínico-institucionais.
Depois, na separação momentânea na década de 80, foi Guattari quem continuou a produzir
e levar a esquizoanálise como campo problemático para pensar as questões de sua época.
Obviamente um estudo dos trabalhos de Deleuze, os de cinema, por exemplo, poderão coletar neles
“ressonâncias esquizoanalítica”, mas de uma forma inespecífica para os objetivos aqui traçados.
Assim, na contracorrente da hegemônica “desguattarianização” da esquizoanálise, vemos através
desta pesquisa que, pelo contrário, é de suma importância tomar Guattari como fio condutor
para entendê-la. Então, tomando-o como fio, podemos nos perguntar: há uma esquizoanálise
pré-Deleuze (uma Análise Institucional guattariana) nos moldes de uma aproximação entre
Psicoterapia Institucional, Análise Institucional e lacanismo? Se concordarmos que sim, teremos
que levar adiante essa afirmação, pensando então, além de uma esquizoanálise pré-Deleuze,
também uma esquizoanálise deleuze-guattariana assentada no troco Anti-Édipo e Mil Platôs, e
ainda uma esquizoanálise pós-Deleuze, que aglutina a militância clínico-política de Guattari na
década de 80 e 90, conjugando todo o acumulado e mais sua ecosofia, sua aproximação com a
ciência, com Daniel Stern, com a Terapia Sistêmica e com os movimentos sociais pelo mundo,
incluindo o Brasil. Esse achado tornou a pesquisa atual mais complexa, porque comumente o
que se entende como “a” Esquizoanálise, seria então, uma parte dela. Isso tudo, sem tomar os
comentadores e toda a produção atual, o que nos leva, por conseguinte, a nos perguntarmos: o
que é a esquizoanálise hoje? Podemos falar de uma clínica esquizoanalítica hoje?
O enfrentamento conceitual na atualidade desta pesquisa recorta e se localiza no que
acabamos de enunciar como segundo momento da esquizoanálise, o que só pôde ser percebido
assim, através dos próprios resultados da pesquisa, relativos à história da construção desse saber.
Pretendemos trazer a discussão de forma resumida, disparando questionamentos e apontando
direções para onde a pesquisa tem nos levado.
No Anti-Édipo, ao modo de um programa político, a esquizoanálise está personificada nas
tarefas, que têm sua sustentação nos usos legítimos e ilegítimos das sínteses do inconsciente, que
estão sustentados no entendimento de um inconsciente maquínico que funciona segundo uma
perspectiva microfísica de três sínteses (conectiva, disjuntiva e conjuntiva) e a perspectiva tipológica
de três máquinas (paranoica, miraculante e celibatária). Demonstrando essa articulação de trás
pra frente, das tarefas (último capítulo) às máquinas desejantes (primeiro capítulo), passando
pelo uso legítimo e ilegítimo das sínteses (segundo capítulo) se tem a esquizoanálise no Anti-Édipo.
Não é nada simples, pois carece de uma demonstração que demora longamente, mas dito assim
como chave de leitura, instiga o leitor a perpetrar seus estudos com esse olhar esquizoanalítico,
sem se perder nas querelas do antagonismo. Esse passeio proposto cria uma ética, uma forma de
se conduzir na condução mais ampla do regime de forças que o livro nos traz, quando se pretende
ser um trabalhador da subjetividade, um interventor das instituições, um militante clínico-político.
No Mil Platôs, oito anos depois, ela reaparece como a operação de quatro componentes
circulares articulados, entendendo-os como operações pragmáticas da esquizoanálise. Uma
variação importante se faz, porque já na introdução os autores fazem uma autocrítica dizendo
que no Anti-Édipo ainda queriam fazer uma sistematização do inconsciente tal qual uma crítica
da razão pura kantiana que trabalha com a distinção das sínteses do tempo. Lembremos que no
Anti-Édipo os autores trabalham com três sínteses, três máquinas e três energias para explicar
seu inconsciente maquínico. Influências filosóficas deleuzianas às maquinas guattarianas? Talvez.
Dessa forma, desde o projeto conjunto sobre a obra de Kafka (Deleuze & Guattari, 1975) –
que está no meio do caminho entre Anti-Édipo e Mil Platôs - já havia aparecido uma teoria do
agenciamento, que de alguma forma transforma a subdivisão maquínica, em uma única operação,
o agenciamento como unidade mínima do real (Deleuze & Parnet, 1977). As máquinas, antes

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1029


NO ONTEXTO BRASILEIRO
severamente divididas, retornam às suas origens guattarianas. O Mil Platôs é uma obra filosófica
robusta que dialoga com a epistemologia, com a linguística, com a política, bem menos com a
psicanálise, com a literatura, mas de onde tiraríamos daí pistas para uma esquizoanálise? Até o
momento, podemos afirmar: principalmente dos três primeiros volumes. Obviamente, os volumes
quatro e cinco têm todas as ressonâncias do pensamento que funciona de forma conjunta. Isso
também pode ser demonstrado por uma simples busca pelo termo “esquizonálise” que aparece
majoritariamente nos três volumes citados, mas não desaparece nos demais.
De uma forma ainda parcial, podemos trabalhar aqui com quatro pistas para a esquizoanálise
no Mil Platôs: a) no platô rizoma, a distinção entre os modelos arborescentes e rizomático e a
proposição de uma cartografia; b) os dois platôs sobre linguagem, onde trazem de forma declarada
seu modelo de esquizoanálise; c) o platô sobre as linhas e o platô sobre o perigo das linhas como
um só método de avaliação da realidade; d) o platô do modelo ético do como construir para si
um CsO.
O platô “rizoma” (Deleuze & Guattari, 1995a) vale como uma reforma do pensamento,
expondo e radicalizando a teoria dos agenciamentos. Utilizando-se de um modelo retirado da
botânica, pretendem constituir uma teoria da multiplicidade. Seu ponto nodal é a explicitação
do modelo arborescente e do modelo rizomático. O primeiro, constitui-se com um tronco
principal, o Um, de onde todo numerário múltiplo - o dois, o três, o quatro, etc - é depreendido
por dicotomias e hierarquização. É uma crítica à dialética e ao pensamento que se embasa em
fundamentos últimos para que os constructos de mantenham de pé. Opondo-se a esse modelo,
apresentam o rizoma, uma rede tubercular, na qual não há separação entre raiz, talo ou ramo (não
há hierarquização), de onde não se pressupões ponto de origem e nem fim. Seu agrupamento não
é totalizante, porque seu total está subtraído e disponível como parte. Os autores nos oferecem
essa ideia de totalidade como parte ao lado ou totalidade sempre subtraída ao múltiplo através
da fórmula n-1. Um conjunto n que tem o Um enquanto totalidade sempre subtraída. Dessa
forma, pegando sempre pelo meio, lidando com conjuntos que se sustentam parciais e múltiplos,
há a necessidade de categorias que lidem com processos em movimentos. Para isso pensam
oito princípios do rizoma. O quinto princípio é o da cartografia que, por sua vez, se distingue
do decalque. Enquanto o primeiro fala de um mapa de regime de forças em transformação, o
segundo diz da transposição de partes ou a totalidade de um modelo original. Nesta reforma
rizomática do pensamento que querem empreender, demostram que mesmo o decalque supondo
um modelo último, um fundamento garantidor, esse modelo também é mapa, embora pelo jogo
de saber-poder da ciência, da filosofia, da religião, etc, tenha, só depois, sido colocado antes.
Ficaremos, portanto, aqui com o princípio da cartografia, um dos sinônimos para esquizoanálise,
revelando um tipo de teoria-prática referida ao sem fundamento, que trabalha com uma analítica
das forças em jogo. Aqui podemos entrever onde objeto de estudo e metodologia se entrelaçam:
uma metodologia cartográfica em busca da cartografia (esquizoanálise).
Os platôs sobre linguagem (Deleuze & Guattari, 1995b; 1995c) retomam o discurso enquanto
palavra de ordem, reafirmando a operação maquínica (se toda máquina é máquina de máquina,
todo discurso se apoia num outro discurso e não num referente externo, ou seja, privilegiam a
dimensão pragmática da linguagem e os autores que a estudam), além de complexificar a teoria
do agenciamento com a apresentação de sua tetravalência (eixo horizontal de um polo ao outro:
agenciamento coletivo de enunciação e agenciamento maquínico de copos; eixo vertical de cima
para baixo: picos de desterritorialização e lado territorial). Destacamos que eles fazem uma nova
afirmação e sistematização da esquizoanálise, nesse momento como operação circular de quatro
componentes (gerativo, transformacional, diagramático e maquínico) que acontece através
distinção de regimes de signos imbricados e com objetivo de chegar à máquina abstrata. Esse é
um platô de suma importância para aqueles que querem entender a esquizoanálise nas difíceis

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formulações dos autores, onde ela aparece de forma sistematicamente colocada. Contudo,
para os não iniciados nos estudos da linguística e da filosofia da linguagem, para um campo de
psicólogos e trabalhadores da subjetividade, é um platô muito árduo, que arrisco dizer, o menos
lido ou o mais deixado de lado nessa empreitada.
Nos platôs das três novelas (Deleuze & Guattari, 1996b) e da micropolítica (Deleuze &
Guattari, 1996c), os autores criam uma teoria geral da avaliação das linhas que constituem toda a
realidade (linhas duras, linhas flexíveis e linhas de fuga) e seus perigos (o medo, a clareza, o poder
e o grande desgosto). Há certa genialidade na avaliação das três novelas literárias, que podem ser
tomadas, cada uma delas, como um “caso” clínico-institucional, a partir da visada das três linhas.
Esses critérios imanentes de avaliação e seus perigos podem ser aplicados ao funcionamento de
um grupo, de uma instituição, de um livro ou de uma pessoa. Os perigos das linhas marcam
bem, para a idolatrada linha de fuga no nosso campo de saber, o paradoxo sempre trabalhoso
de manter a si no fio da navalha: morte e criação andam juntas na aposta da existência. Falando
nisso, o platô do “como construir pra si...” (Deleuze & Guattari, 1996a) traz justamente o que
poderíamos chamar de direção de trabalho na assunção de um sujeito, grupal ou individual. Se
há uma cura, uma alta, ou acesso uma existência ética, trata-se de construir pra si um corpo que
lida com sua organização mantendo-se poroso à abertura. É uma militância do fragmento, no
lugar de um recrudescimento da apologia da totalidade. Se conseguirmos fazer esse saber-prática
rizomático operar na circularidade dos quatro componentes conjuntamente da avaliação das três
linhas, criando pra si algo criativo e vivendo no coletivo de forma ética, estaremos operando uma
esquizoanálise na visada do Mil Platôs. Obviamente é uma passagem deveras veloz, mas a vertigem
também compõe a transmissão de um saber.
Mudando um pouco a perspectiva, a pesquisa de campo tem se revelado fonte de muitos
questionamentos importantes sobre a forma de difusão da produção teórica de Deleuze e
Guattari no Brasil, Argentina e Uruguai, além de trazer a experiência clínico-institucional desses
trabalhadores da subjetividade.
Como dito, houve a opção por entrevistar os egressos do Instituto Brasileiro de Psicanálise,
Grupos e Instituições. O IBRAPSI foi criado em 1978 por Gregório Baremblitt, Chaim Samuel
Katz e Luís Fernando de Mello Campos, fruto direto do I Congresso Brasileiro de Psicanálise
Grupos e Instituições, realizado no Hotel Copacabana Palace no mesmo ano. Esse evento foi um
grande acontecimento na sociedade carioca do final da década de 70, ainda sob ditadura civil-
militar, com a participação de Basaglia, Becker, Guattari, Castel, Goffman, Szaz, entre outros. As
entrevistas, que estão em andamento, mostram que Osvaldo Saidon e Eduardo Losicer, também
foram figuras importantes desde o início na idealização e construção da instituição e depois
participaram como professores, analistas e supervisores. Saidon, Losicer e Baremblitt se exilaram
no Brasil por conta do recrudescimento e perseguição da ditadura argentina que, já em 1976,
fez desaparecer mais de cem psiquiatras e psicólogos militantes argentinos. Isso nos remonta ao
grupo PLATAFORMA, um grupo de psicanalistas freudo-marxistas em ruptura com a Associação
Argentina de Psicanálise (APA) ligada à International Psychoanalytical Association (IPA) criada por Freud
em 1910. O descontentamento estava ligado ao elitismo da instituição, oferecendo formação clínica
exclusiva para médicos, com análise e supervisão muito caras, e com práticas desconectadas do
panorama político que a Argentina vivia desde o golpe militar em 1976. Dessa forma, o grupo em
ruptura criou sua própria formação a partir de 1973, recebendo profissionais da saúde de várias
áreas, conjugando tanto conteúdos freudianos e marxistas, quanto influências de um grupalismo
argentino extremamente profícuo como o de Bleger e Pichon-Rivière. Foi criada então a Escola
de Socioanálise. Os três entrevistados citados, relatam que seguiam eles mesmos em sua própria
formação pessoal de forma pulverizada, através grupos de estudos temáticos e com supervisores
e analistas escolhidos na gama disponível no mercado argentino. Todas essas atividades, sem a

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1031


NO ONTEXTO BRASILEIRO
chancela de uma Escola reguladora. Dessa libertação, tentaram criar também uma formação
que fosse libertadora. Com o início da perseguição política, a Escola de Socioanálise termina e
todos, em momentos diferentes, saem do país. Chegando ao Rio, a partir de 1976, o panorama
era de hegemonia das sociedades psicanalíticas ligadas à IPA e a repetição daquilo que os fizeram
romper com a APA na Argentina. Em que pese esse panorama, alguns psicanalistas como Chaim
Samuel Katz, Hélio Pelegrino e Anna Kattrin Kemper já vinham desenvolvendo trabalhos com
inspiração da Psicanálise e Análise Institucional desde 1972, em diálogo com Lapassade que já
havia estado algumas vezes no Brasil. Pelegrino e Kattrin Kemper, possuíam um diálogo estreito
com uma psicanálise militante, que se pretendia acessível ao sofrimento social, criando a Clínica
Social de Psicanálise, numa sede em Copacabana que oferecia atendimento gratuito a uma parcela
desassistida da população, num Brasil em estado de exceção e anterior a lei do SUS. Luís Fernando
de Mello Campos era outro nome importante. Com formação múltipla - advogado, psicólogo e
médico -, vindo da área de educação, tradição familiar, ajudou a criar em 1972, a Associação
de Psiquiatria e Psicologia da Infância e Adolescência - APPIA, em diálogo com a psicanálise,
psiquiatria e psicologia militantes. Foi uma instituição de grande importância formativa para os
psicólogos excluídos das instituições ipeístas, além da função de organização de classe, numa
época ainda sem conselho federal. O IBRAPSI nasce dessa junção do caldo cultural militante em
que Baremblitt, Katz e Mello Campos estavam imersos. Promovendo o evento citado, criaram a
instituição formativa coextensiva às demandas sociais existentes e àquelas criadas pelo próprio
evento, na medida em que as aspirações de liberdade política e formativa que apareciam nos
debates entre os ilustres convidados, deixaram marcas reverberativas indeléveis. No período que
sucedeu o evento, Katz por discordâncias, não embarcou na aventura ibrapsiana. As aproximações
e dissensões entre Katz e Baremblitt podem ser encontradas em dois suplementos do Jornal do
Brasil - Folhetim e Ilustrada - entre 1978 e 1982.
O IBRAPSI viveu seu apogeu entre 78 e 83, por onde passaram algumas turmas
hegemonicamente de psicólogos. Estes eram excluídos sumariamente das instituições ligadas à IPA
por não serem médicos, critério de corte. Além disso, existiam os altos custos exigidos na formação,
tornando-a proibitiva e elitizada. Segundo os relatos, nem todos aqueles que estavam em formação
no IBRAPSI eram psicólogos, sendo aceitos profissionais das áreas humanas em geral. Lá, esses
alunos tiveram acesso a uma formação, a princípio, quadripartite, com supervisão em grupo,
análise em grupo, aulas, e grupos operativos, que destoava do modelo tripartite da IPA instituído
desde 1926 pelo Instituto Psicanalítico de Berlim. De saída, a veia grupalista argentina estava
posta, pela opção político-metodológica de terem tanto análises (didáticas) quanto supervisões
em grupo e uma proposta totalmente inovadora, que era o grupo operativo, criação original de
Pichon-Rivière, onde um grupo funciona tomando um objetivo como mote de funcionamento.
O intuito era que no grupo operativo, o aluno assumisse o protagonismo de sua formação,
quando o grupo, com a ajuda de um coordenador, discutiria o conteúdo da aula. A esse modelo
quadripartite, amplamente comentado pelos entrevistados, Baremblitt incluiu a assembleia geral
como elemento formador. Podemos então, pensar num modelo formativo pentapartite, onde
a assembleia tinha, ao mesmo tempo, uma função deliberativa e formativa. Curiosamente, o
apontamento de Baremblitt para a dimensão formativa da assembleia, concomitantemente em
que destaca o seu valor coletivo, acentua a diferença de como ela aparece nas outras entrevistas.
Ela foi apontada como ponto nevrálgico. A assembleia era geral, mas existia uma cúpula. Sendo
uma instituição com donos, as decisões permaneciam um tanto truncadas em relação às direções
coletivas.
O afluxo de alunos ao IBRAPSI, turmas iniciais de cem alunos e depois cursos preparatórios
para entrada na formação, geraram a ira das instituições oficiais, ilustrada por um artigo de
04/06/1980 do Jornal do Brasil, onde se pode ler que “uma ruidosa legião de psicopatas tomou

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de assalto a psicanálise” proferido por Leão Cabernite, didata da Sociedade Psicanalítica do Rio
de Janeiro - SPRJ. O importante aqui para esse trabalho é do potencial formativo, o contato com
saberes díspares e a experiência clínica de abertura e experimentação. Em que pese os problemas
institucionais citados, o IBRAPSI teve uma vida muito profícua, sendo classificado como uma
instituição muito festiva, estando sempre próxima de pensadores como Guattari e Lourau,
podendo formar, ao longo dos seus anos, uma quantidade de trabalhadores da subjetividade
que seguiram, de forma aberta e crítica, o pensamento e a prática de outras formas de clínica
e intervenção social, compondo inclusive outras instituições. Destaco a criação do Centro de
Estudos Sociopsicanalíticos, do Núcleo de Psicanálise e Análise Institucional, e o pertencimento
de vários desses formados ao Grupo Tortura Nunca Mais.

Considerações Finais

O maior desafio atual é o do recorte. Trabalho atualmente com duas hipóteses. A primeira
é a das três esquizoanálises. Considerando esta hipótese, o trabalho de pesquisa torna-se muito
superior a de um tempo de doutorado. Assim, afirmando o caráter empírico da pesquisa, é preciso
indagar que conceitos o campo requer. Ou seja, na experiência de formação desses entrevistados, o
que esteve presente? Não era o IBRAPSI certamente uma instituição de formação esquizoanalítica
(nem o Mil Platôs havia sido publicado). É possível uma instituição esquizoanalítica? Osvaldo
Saidon comenta que Guattari na década de 80, estava pensativo, a partir das indagações dos
companheiros brasileiros e argentinos, se não deveria ceder à criação de uma instituição nos
moldes das instituições de psicanálise. Quando indagado qual foi a resposta de Guattari, Saidon
me disse que não o acompanhou na resolução dessa questão. De toda forma, nós aqui no cone
sul das Américas fizemos algo disso, o que podemos cartografar como duas posições atuais do
campo. Por um lado, houve o IBRAPSI e depois o Instituto Félix Guattari, quando Baremblitt
seguiu para Belo Horizonte dando formação, desde a década de 90 até a atualidade, já com a
alcunha de “esquizoanalítica”. Além dessa experiência, hoje existem outras instituição na Argentina
e no Uruguai que dão formação em esquizoanálise. Por outro lado, outros grupos se posicionam
politicamente de maneira que, toda ideia de escola é querer tornar institucional um pensamento-
prática que não se pode institucionalizar, com risco de torná-lo burocrático, inócuo e avesso à
crítica. De toda forma, quem faz escola e quem se posiciona contra, fala desde a perspectiva
de um trabalhador clínico-institucional formado nesse campo. Como? Isso nos leva a segunda
hipótese: toda formação em esquizoanálise tem que ser uma formação transinstitucional. Assim,
colocamos a questão fora de um antagonismo escola versus não escola e a situamos numa questão
agônica, fazendo seu modelo ser mais o do grupo sujeito de Guattari do que certamente aquilo
que ele tão jocosamente taxou de “as igrejinhas”. Imediatamente dois conceitos-práticas devem
ser observados: autogestão coletiva e a vocação do grupo sujeito para incluir sua própria morte.
Devemos esconjurar o nascimento do autoritarismo, da vontade de perpetuação infinita, mas não
da vontade de estarmos juntos compondo formações, transmissões, mesmo que parciais, finitas
e localizadas.
Do campo emana a necessidade do entendimento desses conceitos guattarianos de grupo
sujeito, grupo sujeitado, analisador e transversalidade. Essa primeira esquizoanálise exige também
entendermos um diálogo com Lacan em tono do significante social e da tentativa de alteração
em grupo dos dados de acolhida do superego. Os cadernos do IBRAPSI bem como o Anti-Édipo
exigem um estudo de Karl Marx. O segundo livro do Mil Platôs exige uma indagação e um estudo
coextensivos: Do signo saussereano ao significante, Lacan tentou dar conta de um imobilismo,
mas Guattari retorna ao signo para tentar dar conta do mesmo problema. Por quê? Sem um
estudo da semiótica, projeto exportado de um pensamento de Guattari (1988) aos dois platôs

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1033


NO ONTEXTO BRASILEIRO
sobre linguagem, permanece difícil operacionalizar a circularidade da esquizoanálise no Mil Platôs.
Por fim, mil caminhos, Mil Platôs, tempo finito, resultados parciais, n-1, esquizoanálise.

Referências

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Deleuze, G., & Guattari, F. (1975). Kafka: Pour une litterature mineure. Paris: Édittion de Minuit;

Deleuze, G & Guattari, F. (1995a). Rizoma. Em: Mil Platôs vol1: Capitalismo e esquizofrenia 2. Rio de
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Deleuze, G & Guattari, F. (1995b). Postulados da linguística. Em: Mil Platôs vol2: Capitalismo e
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Deleuze, G & Guattari, F. (1995c). Sobre alguns regimes de signos. Em: Mil Platôs vol2: Capitalismo e
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Deleuze, G & Guattari, F. (1996a). Como construir para si um Corpo sem Orgãos? Em: Mil Platôs
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Deleuze, G & Guattari, F. (1996b). Três novelas ou “o que se passou?” Em: Mil Platôs vol3: Capitalismo
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Deleuze, G & Guattari, F. (1996c). Micropolítica e Segmentaridade Em: Mil Platôs vol3: Capitalismo
e esquizofrenia 2. Rio de Janeiro: Ed. 34;

Deleuze, G., & Guattari, F. (2010). O Anti-Édipo: Capitalismo e esquizofrenia 1. São Paulo: Ed. 34;

Guattari, F. (1998). O inconsciente maquínico: Ensaios de Esquizoanálise. Campinas: Papirus;

Guattari, F. (1989). Cartografies schizoanalitiques. Paris: Éditions Galilée;

Kastrup, V., & Passos, E. (2013). Cartografar é traçar um plano comum. Em: Passos, E., Kastrup,
V., & Tedesco, S. (orgs). Pistas do método da cartografia vol.2: A experiência da pesquisa e o plano comum
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Passos, E., & Benevides de Barros, R. (2009). Cartografia como método de pesquisa-intervenção.
In: Passos, E., Kastrup, V., & Escossia, L. (orgs). Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e
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Pozzana de Barros, L., & Kastrup. V. (2009) Cartografar é acompanhar processos. Em: Passos,
E., Kastrup, V., & Escossia, L. (orgs). Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de
subjetividades (pp. 52-75). Porto Alegre: Sulinas;

Tedesco, S., Sade, C,. & Caliman, L. (2013). A entrevista na pesquisa cartográfica: A experiência
do dizer. Em: Passos, E., Kastrup, V., & Tedesco, S. (orgs). Pistas do método da cartografia vol.2: a
experiência da pesquisa e o plano comum (pp.92-127). Porto Alegre: Sulinas;

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INVISIBILIDADE SOCIAL NO CAMPO DO TRABALHO:
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO EM
PSICOLOGIA
Ariana Campana Rodrigues Daltro de Paiva Oliveira Filho
Jéssyca Cristina Gomes Nunes
Jhulyane Cristine da Cunha Nunes
Kelyane Vieira de Lima

Introdução

C
ompreendemos a Psicologia como o estudo do comportamento em suas relações
sociais. Freud (1996) já versava que toda psicologia é uma psicologia social, pois
o ser humano só se constitui como tal na relação com outros seres humanos.
Concomitante a isso, somos impelidos por questões que relacionam a ciência psicológica com a
atualidade em que vivemos. Nossa proposta de estudo busca relacionar o ensino e a aprendizagem
científica intrínsecos à nossa realidade social.
Nesse terreno, durante o curso de graduação em Psicologia na Universidade Federal do
Piauí, campus Ministro Reis Velloso, no ano de 2014, produzimos uma rica experiência na disciplina
Estágio Básico III11, que transformou nossa concepção de sujeito psicológico pela vivência e estudo
da representação social de funcionários de higienização terceirizados12 encarregados pela limpeza
de nosso campus universitário. Esse trabalho científico consiste em um relato dessa experiência,
com reflexões sobre a relação que estes estabelecem com seu local de trabalho e como eles afetam
e são afetados por este ambiente, além da relação destes com o público que frequenta o campus.
Indagamo-nos sobre qual o lugar desses trabalhadores e, ao mesmo tempo, qual o possível papel
da Psicologia na análise e transformação do cotidiano de trabalho desses sujeitos. Esses encontros
foram realizados por estagiários do curso de Psicologia e pela docente responsável pela disciplina.
A insígnia histórica da representação social do trabalhador que ocupa cargos de higiene e
limpeza no país os situa em uma posição de pouco reconhecimento social. Seu valor na manutenção
e cuidado do espaço, seja público ou privado, é subestimado. Em nosso campo de atuação, além
dessa representatividade em termos de valorização, esses trabalhadores carregavam ainda outra
marca que os diferenciava da maioria dos trabalhadores que com eles se relacionavam: a da
terceirização. Num campus onde a grande maioria dos trabalhadores eram servidores públicos
federais, estatutários e, por isso mesmo, com cargos com mais estabilidade que o cargo dos
terceirizados, essa é uma diferença que não passa despercebida.

11 Disciplina do 6° período do curso de graduação em Psicologia da Universidade Federal do Piauí, campus Ministro
Reis Velloso, no município de Parnaíba. Essa disciplina foi ministrada entre os meses de março a agosto de 2014.
12 Esses trabalhadores serão chamados, ao longo do texto, também como “servidores da limpeza” (ou somente
“servidores”), tendo em vista que é dessa maneira que eles são conhecidos no ambiente do referido campus
universitário.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1035


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Instigados pelo tema da terceirização do trabalho e os impactos que isso pode provocar na
subjetividade dos trabalhadores, somado à insígnia de se tratar de funcionários historicamente
marginalizados em virtude de sua ocupação profissional relacionada à higiene e limpeza, nos vimos
imbuídos de desenvolver um estágio que provocasse problematizações neles, em nós próprios e na
população que frequenta o espaço.
Tal percepção despertou o desejo de uma intervenção no campus universitário com vistas a
aproximar a população usuária e os trabalhadores em questão. Relataremos aqui a experiência de
estágio que suscitou a busca de conteúdos teóricos para nos respaldarmos em nossas investigações,
fazendo assim um elo entre a atividade realizada e a literatura pesquisada.
Nosso estudo foi realizado com o objetivo de compreender como afetam e são afetados
os servidores terceirizados encarregados do serviço de limpeza do campus por seu ambiente de
trabalho, sendo este constituído não apenas do espaço físico, mas, principalmente, pelas
dinâmicas das relações que lá se produzem.
Essa experiência permitiu que nos questionássemos sobre temas pertinentes ao debate
da precarização do trabalho e aos problemas de representação social no trabalho: como lidar
com o vínculo empregatício da terceirização na atualidade, em ambientes que mesclam diversas
modalidades de contratos de trabalho? Quais as implicações tais vínculos produzem, suas
influencias na qualidade de vida no trabalho e, consequentemente, na vida desses trabalhadores?
Como seus olhares contribuem para nos indagarmos sobre os lugares sociais que eles ocupam?
Como desconstruir um processo de invisibilidade social, em que acontece a exclusão social do
trabalhador decorrente de um processo de despersonalização do sujeito? Quais as conexões de
uma atuação marcada pelo sofrimento da invisibilidade social e a produção de aprendizagem e
conhecimento em Psicologia?
Em nosso campo de atuação, durante a realização do estágio, nos percebemos contaminados
por olhares de curiosidade, indiscrição e estranhamento dos frequentadores do campus, que
denotavam algum desajuste de nossa parte por acompanharmos as atividades de trabalho dos
servidores. Algo soava estranho: “Mas o que esses estudantes fazem lá? O que querem com eles?
Por que conversam tanto? Do que falam?”. Ser alvo desses olhares e comentários nos conduziu
a pensar que nos aproximávamos da vivência de uma certa representação social que, a nós, era
conhecida apenas de longe. Nós, estudantes de Psicologia, estávamos imersos no campo de
trabalho dos servidores carregando pesos e medidas diferentes das que eles carregavam.
Para pensarmos sobre isso, usamos conceitos de representações sociais (RS), que são
elaborados coletivamente com base no senso comum e no cotidiano, tendo como finalidade construir
e interpretar a realidade. Nelas estão presentes aspectos cognitivos, culturais e ideológicos. As RS
englobam as expressões e interações humanas, compreendendo elementos como atitudes, imagens,
opiniões, ramos de conhecimento, entre outros. As RS são criadas para que haja a assimilação do
não familiar, pois o ser humano tende a rejeitar o que é estranho e desconfortável. Dessa forma, com
a construção de RS, busca-se o bem-estar dos sujeitos (Oliveira & Werba, 2003).
As RS são geradas em um processo que analisa dois universos de pensamentos na sociedade:
os universos consensuais (UC), contendo práticas integrativas do cotidiano que produzem RS, sendo
a sociedade vista como um grupo de pessoas livres, igualitária e sem hierarquia de poder; e os
universos reificados (UR), correspondendo a um mundo restrito, objetivo, em que a sociedade é
percebida com diferentes papéis sociais e cujos membros são desiguais. Nesse processo, tem-
se a ancoragem como um recurso pelo qual se busca enquadrar o não familiar, classificando
pessoas, ideias ou objetos, funcionando no campo da abstração dos signos e contribuindo para
a compreensão do mundo, e a objetivação, que procura materializar uma realidade, tornando uma
imagem, antes signo, em um aspecto da realidade. Dessa forma, pode-se afirmar que as RS são
dinâmicas e transformáveis, pois os significados adquirirem diferentes sentidos no decorrer do
processo histórico (Oliveira & Werba, 2003).

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A Psicologia Social, nesse sentido, resgata questões cotidianas que dão margem à formulação
do constructo invisibilidade social, emergindo do campo das representações sociais uma problemática
que corresponde à dimensão do reificado e instituído em uma sociedade culturalmente capitalista,
sendo esta baseada na estrutura hierárquica e que, no contexto mercadológico, constitui-se
pela sobreposição de uma profissão à outra, considerando, essencialmente, a escolaridade e a
qualificação para o trabalho.
A invisibilidade social configura-se, portanto, como um fator que pode acarretar sofrimento
psíquico ao sujeito, principalmente àqueles que ocupam cargos marcados por pouca valorização
social e financeira no sistema social vigente e que, muitas vezes, tem seus direitos feridos na
vivência do trabalho.
Em nosso campo de atuação, constatamos que o lugar social atribuído aos servidores, tanto
por eles serem responsáveis pelo setor da limpeza do campus, quanto por seu vínculo empregatício
terceirizado num espaço em que a maioria dos funcionários são estatutários, era um lugar de
representação social de pouquíssimo valor, o que gerava o fenômeno da invisibilidade social. Além
disso, eles eram significados como parte do ambiente de trabalho, sendo, portanto, percebidos
somente pela função que exerciam ali, havendo, assim, a desconsideração deles como sujeitos que
portavam outras marcas em outras esferas da vida.
A invisibilidade social é um fenômeno próprio de muitas sociedades, mas, em especial, tomou
força na sociedade capitalista, pois engloba humilhação social e reificação do sujeito. É um evento
decorrente de um longo processo histórico que rebaixa a percepção do outro diante de quem o
olha. Esse fenômeno está principalmente vinculado ao trabalho desqualificado, à alienação e ao
baixo salário. Representa, ainda, um tipo de violência que se configura no campo simbólico e
material, originada e estabelecida pelo antagonismo de classes e por motivações psicossociais.
Consiste, assim, na percepção de menor valor ou mesmo na não percepção de um ser humano
para com o outro (Costa, 2008).
Invisibilidade social, portanto, é direcionada para aqueles que vivem à margem da sociedade,
que sofrem indiferença e/ou preconceito. Esse fenômeno é consequência da crise de identidade
que permeia a contemporaneidade, identidade esta que se constitui na relação do eu com o outro.
Na sociedade atual, a massificação faz com que o diferente seja substituído pelo único; dessa
forma, o sujeito perde a condição de se afetar com e no mundo, automatizando suas relações e
dando espaço para o surgimento de simulacros (Celeguim & Roesler, 2009).
A temática da invisibilidade social está fortemente embasada nos preceitos defendidos por
Costa (2008), em obra acadêmica relacionada aos garis da Universidade de São Paulo e que nos
inspirou a refletir sobre o assunto. Ele aborda o conceito da invisibilidade social como uma “espécie
de desaparecimento psicossocial de um homem no meio de outros homens.” (Costa, 2008, p.1).
Partindo para a conceituação no âmbito do trabalho, Celeguim e Roesler (2009) apresentam o
conceito referindo-se à distorção da percepção humana relacionada à condição de divisão social
do trabalho, destacando a função exercida pelos “sujeito” e “não sujeito” propriamente ditos.

Método

Em nossa experiência de estágio, avaliamos que o objeto de nosso estudo – o processo


de trabalho dos funcionários terceirizados da universidade - deveria estar em movimento
de transformação com nossa própria prática de aprendizagem estudantil. Nessa proposta,
inserimo-nos no campo em contato direto com o objeto, visando modificá-lo tanto quanto nos
modificávamos em nossas ações de aprendizes.
Para embasar essa pesquisa, escolhemos usar o método da observação participante, pois
esta é uma técnica investigativa que prima por cuidar dos dados criticamente, refletindo sobre os

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1037


NO ONTEXTO BRASILEIRO
sentidos e processos do pesquisador no campo em relação com o objeto a ser pesquisado. Ela foi
introduzida pela Escola de Chicago a partir dos anos 1920, com o intuito de aprimorar os estudos
nas Ciências Sociais. Desde então, tal método vem sendo utilizado em pesquisas de muitas áreas,
tais como saúde, comunicação, educação, dentre várias outras (Queiroz, Vall, Sousa & Vieira,
2007).
A pesquisa qualitativa pretende a realização de investigações dos processos vividos pelos
indivíduos e suas subjetividades. Para Minayo (2004), esse método considera características,
atributos e propriedades não necessariamente passíveis de quantificação, mas, mais que isso,
investigações que necessitem de problematizações na imersão de processos subjetivos do objeto.
Por isso, a escolha da pesquisa qualitativa nos interessou: com ela, é possível abarcar pensamentos
críticos que gerem intervenções com a intenção de produzir transformações.
O método da observação participante, imerso no terreno da pesquisa qualitativa, apresenta
aspectos variados, como, por exemplo, instrumentos de coleta de dados que consideram que o
sujeito pesquisado apresenta ao pesquisador elementos subjetivos que transcendem a contagem
de elementos comportamentais, mas que se mesclam em necessidades de análises críticas por
parte do pesquisador.
Para Queiroz et al. (2007), a observação participante visa a integração do observador ao
seu objeto de pesquisa e a informação ao seu especulador, promovendo uma interação social
que viabiliza conhecimento entre as partes. Além disso, ela também estimula a produção de
“linguagem, cultura, regras e assim o efeito é ao mesmo tempo a causa.” (Queiroz et al, 2007, p.
278).
De acordo com Martins (1996), a observação participante também contempla o
estabelecimento adequado da participação dos pesquisadores dentro dos grupos observados, de
modo a reduzir a estranheza entre ambos no ambiente. Diante disso, os pesquisadores são levados
a compartilharem papéis e hábitos dos grupos observados, facilitando, assim, a observação de
fatos, situações e comportamentos que não aconteceriam ou que seriam alterados na presença
de outras pessoas. Um dos principais pressupostos da observação participante é o de que a
convivência do investigador junto ao grupo estudado possibilita condições que podem propiciar
uma melhor observação.
A observação participante é um processo que demanda disponibilidade de tempo e de
ampliação do olhar do pesquisador. Trata-se de uma proposta caracterizada pela promoção de
interatividade entre o pesquisador, os sujeitos observados e o contexto ao qual fazem parte. Com
ela, pretende-se que o pesquisador compreenda a realidade dos sujeitos de pesquisa na troca de
experiências por meio dos sentidos humanos, dando abertura ao campo das afetações. Nessa
proposta de observação, o pesquisador busca a raiz do fenômeno, desafiando seus valores e
tabus (Fernandes & Moreira, 2013).
Esse método de pesquisa não propõe a neutralidade entre o pesquisador e os sujeitos
pesquisados, pois não dicotomiza sujeito e objeto. Além disso, observar participativamente pode
ser uma técnica que possibilita ao observador compreensões mais abrangentes do contexto em
que o objeto e suas ações estão inseridos, pois considera os aspectos sociais, culturais e históricos
na constituição da pesquisa.
Portanto, na prática da observação participante, o pesquisador se envolve com sua amostra
de estudo, participando de seu modo de funcionamento. Assim, de acordo com os seus objetivos,
pode-se, intencionalmente ou não, alterar a dinâmica da amostra estudada, interagindo e
partilhando significados e subjetividade.
Sendo assim, na observação que nos propusemos realizar, justamente pelo observador
ter sido parte integrante do processo de pesquisa, isso implicou também na reflexão sobre sua
própria realidade (Fernandes & Moreira, 2013).

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Após a escolha desse método, por avaliarmos ser o que mais condizia com a proposta da
pesquisa, partimos ao campo para realizar as atividades, que foram feitas em cinco visitas a
campo, de três horas cada uma, sendo que em três delas realizaram-se observações e, ao mesmo
tempo, interações com os participantes. A quarta visita foi destinada à intervenção e no último
encontro ocorreu a devolutiva.
As observações iniciais revelaram a existência de uma boa comunicação entre os servidores
do setor de limpeza, os seguranças e a administração. Observou-se a ausência de um espaço para
descanso bem estruturado para os servidores que almoçam no local de trabalho. Percebeu-se que
vários servidores, ao concluir suas tarefas, sentavam-se e conversavam em lugares em que não era
possível desfrutar com conforto dos espaços.
Na segunda visita, escutamos mais relatos. Alguns nos contaram que, no relacionamento com
professores e alunos, incomodava com o fato destes não agirem educadamente, cumprimentarem
com um “bom dia” e só lhe dirigirem a palavra quando precisavam de algum serviço.
Eles relataram ainda que gostam do trabalho, mas que, às vezes, este se torna pesado quando
há a necessidade de descarregar ou carregar algum caminhão de entrega, momento em que é
solicitada a participação de todos os servidores deste setor (realizando um mutirão). Disseram
também que estabelecem uma interação sem atritos entre os colegas de trabalho.
Outros relataram que eles mudam sua área de trabalho a cada seis meses e que alguns
sentem dificuldade de adaptação à nova dinâmica de trabalho, pois há dificuldade em aprender
toda a nova situação, como, por exemplo, fazer contato com os professores e saber qual a rotina
destes para poder abrir as salas para a realização das aulas (uma das funções que lhes é atribuída).
Alguns contaram que costumam conversar com professores e alunos do campus. No entanto,
outros relataram não conseguirem esse contato.
Mais um relato interessante foi o de que, às vezes, eles fazem um mutirão para realizarem
determinadas tarefas consideradas mais exaustivas, como limpar o muro, encerar as salas de aula
no recesso/férias, entre outras, o que denota solidariedade entre eles.
Em virtude de esses trabalhadores usarem uniformes que tem uma imagem vinculada a um
grupo de cidadãos que representa socialmente uma classe desprovida de direitos e tão somente
cumpridora de deveres, os servidores gerais podem vir a sofrer abusos no campo de atuação.
Costa (2008) corrobora com a discussão ao associar o fenômeno da invisibilidade social a valores
pessoais que estão vinculados à posição social, ao status e à aparência que, segundo ele, estão
ligados à atual sociedade consumista, enfatizando que o uso do uniforme é característica marcante
para marginalização social. Desse modo, o uniforme, que deveria ter uma função utilitária tão
somente de identificação de cargo de trabalho, acaba tornando a pessoa um ser invisível perante
os demais sujeitos (Celeguim & Roesler, 2009).
De acordo com Celeguim e Roesler (2009), os trabalhadores que exercem funções técnicas,
são olhados pela sociedade, em geral, de modo estigmatizado e com valoração negativa,
ressaltando que o símbolo que caracteriza essa realidade é o uso dos uniformes de trabalho e
relacionando esse aspecto com um trabalho sem qualificação satisfatória para fazer parte da
hierarquia social dominante.
Entre todos os elementos, e considerando a situação de terceirização do trabalho desses
servidores, evidenciaram-se queixas que pudemos elaborar como da ordem da invisibilidade social
no campus, o que nos possibilitou refletir sobre a necessidade de uma intervenção nesse sentido.
Diante da reflexão acerca das demandas apresentadas, elaboramos uma proposta de
intervenção13 que teve início com a preparação do ambiente. Colamos cartazes e expusemos uma
faixa, contendo as seguintes frases: “Dê um bom dia e ganhe um sorriso”, “Você conhece quem faz

13 É importante ressaltar que a proposta de intervenção foi previamente analisada com a gerência desses servidores
e com eles próprios. Após a aceitação da proposta, iniciamos o processo de intervenção.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1039


NO ONTEXTO BRASILEIRO
a limpeza do campus?”, “Um ‘obrigado’ é sempre bem vindo”, “Por que é importante o campus estar
limpo?”, “Um ‘oi’ ou um ‘olá’ são palavrinhas que transformam relações”, “Não saia desarmado
de casa; leve sempre o seu sorriso”. “Você sabe que pessoas fazem parte do campus? Servidores,
seguranças, técnico-administrativos, professores, alunos, direção e comunidade.”. Também houve
a caracterização de alguns alunos do grupo mediador que vestiram a camisa da farda utilizada
pelos servidores. A intenção primeira desses materiais era despertar no leitor a sensibilização para
a temática que queríamos apresentar, gerando reflexões e eventuais debates e, mais que isso,
chamando a atenção para os servidores.
A partir de 08h00 até meados de 09h00, iniciamos o contato com o público da universidade,
interagindo com as pessoas que frequentavam o campus para estabelecermos diálogos, partindo do
questionamento sobre sua relação com esses servidores. Buscamos explanar aspectos relevantes
nessa interação, ressaltando a importância do respeito com estes servidores. A conversa foi
realizada com diversos grupos de pessoas em diferentes lugares da universidade, tais como
biblioteca, auditório, áreas abertas, corredores, entre outros.
No momento em que as pessoas foram abordadas, algumas delas ficaram retraídas para
estabelecer o diálogo, sendo que em certas ocasiões evidenciou-se um constrangimento. No
entanto, outras se mostraram abertas ao diálogo e a repensarem a relação estabelecida com os
profissionais referidos.
A maior parte do público abordado relatou que não há uma interação mais próxima e/
ou cordial com os servidores, mas que a tarefa que eles executam tinha grande relevância para
o campus. Alguns relatos buscaram justificar as causas dessa indisponibilidade a essa relação,
utilizando comentários como: a correria do dia-a-dia, a falta de conhecimento com relação aos
servidores e a timidez. No entanto, um número reduzido de pessoas informou que estabeleciam
vínculo mais próximo com os servidores. É interessante ressaltar que, desse número pequeno de
pessoas, poucos sabiam o nome dos servidores.
Nessa ocasião específica, observou-se nos relatos de alguns alunos que há um incômodo no
fato de algumas pessoas não conservarem as salas de aula limpas e significaram este aspecto como
“falta de educação”, principalmente no que se refere à valorização do trabalho do funcionário da
limpeza. No decorrer dessa atividade, percebeu-se que os alunos demonstraram estar disponíveis
para discutir sobre as problemáticas levantadas.
No tocante à devolutiva, foi feito o último contato com os servidores a fim de proporcionar
um espaço para que estes pudessem expor suas afetações sobre a intervenção realizada.
Constatamos que, inicialmente, eles estavam um pouco dispersos, mas que, aos poucos, foram
interagindo com o grupo mediador. Este público demonstrou que ainda estava um pouco
receoso em expor opinião. Alguns servidores relataram que gostaram de participar da atividade
desenvolvida, outros expressaram que não perceberam mudança na relação com o público
frequentador do campus e alguns outros relataram bastante suas experiências cotidianas referentes
ao contato com professores e alunos. Com isso, pode-se afirmar que houve uma expectativa,
por parte dos servidores, em obter resultados na potencialização de melhores relações entre eles
e os demais frequentadores do campus pela estratégia da intervenção que tinha acabado de ser
realizada. Percebeu-se, ainda, a necessidade de uma escuta mais acurada a fim de acolher as
novas demandas expressa por eles.
Com a realização da intervenção, observou-se que os usuários do campus se apresentaram
mais abertos para receber saudações e olhar diretamente para os servidores, pois antes era comum
que desviassem o olhar. Estes pequenos detalhes fazem a diferença nas relações e na forma do
público significa a presença dos servidores.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Resultados e discussão

Nessa experiência de estágio, constatamos que, nos relatos dos servidores, de modo
geral, percebe-se o que alguns deles pensam a respeito dos prós e contras de seus empregos. Em
relação à função exercida, eles não apresentaram queixa: estavam satisfeitos com a atividade que
executavam, com o salário e com a carga horária de serviço; no entanto, alguns relataram medo
de demissão. Esse é um aspecto relevante nessa modalidade de trabalho terceirizada: além dos
eventuais atrasos no pagamento do salário – o que, por si só, já apresenta desrespeito em relação
às leis trabalhistas brasileiras – o elemento da demissão é aspecto que fortemente caracteriza
esse vínculo empregatício, podendo gerar sofrimento psíquico nos trabalhadores. O temor de ser
demitido e ter sua vida desestabilizada por isso foi verificado em alguns relatos.
No que tange às condições subjetivas de trabalho que envolvem o modo como eles se
relacionam com o campus, houve queixas sobre como os outros frequentadores do ambiente
(professores, alunos e funcionários) os veem, pelo fato de eles serem servidores da limpeza.
Relataram não serem cumprimentados, falta de cordialidade e ordenações para que façam tarefas
que muitas vezes não são atribuições de suas funções. Além disso, também foi preponderante o
apontamento sobre as condições de trabalho, por não existir, por exemplo, um local específico onde
estes pudessem descansar no horário de almoço, ficando, portanto, sem condições de conforto
e acolhimento em seu espaço de trabalho. Avaliamos que há pouco ou nenhum movimento de
contestação sobre essas situações, dado o receio por parte dos servidores de terem seus contratos
de trabalho rompidos. Aqui, a fragilidade da situação de serem terceirizados se evidenciou.
Assim, percebemos que a problemática das relações permeia várias instâncias das vivências
destes trabalhadores. Há questões que envolvem a relação entre eles mesmos, a relação deles com
a chefia e a relação deles com os demais frequentadores de seu ambiente de trabalho como, por
exemplo, professores, alunos e funcionários técnicos.
Amaral (2011) retrata que a qualidade de vida é compreendida como o conjunto das
condições que o ambiente oferece como, por exemplo, aspectos socioeconômicos, educacionais,
psicossociais e de políticas que permitam ao ser humano viver dignamente. Assim, compreendemos
que o trabalho também está contido nessas condições, já que é fundamental na vida do ser
humano na atualidade. O trabalho, além de ocupar grande parte do tempo, do investimento de
energia e de desejo da pessoa, também é alicerce de constituição da sociedade atual. Desse modo,
é inviável pensar no sujeito descolado de seu ambiente de trabalho.
As vivências dos sujeitos no ambiente de trabalho repercutem saudavelmente ou não em seu
cotidiano, pois este sujeito se constitui em diversas esferas das quais faz parte (trabalho, social,
familiar, religiosa, entre outras). Embora não acreditemos que há uma compartimentalização tão
marcada como a que descrevemos, pois ele vive essas esferas em um só corpo - que é o seu próprio -,
inegavelmente ele frequenta ambientes diversos e as afetações que experimenta em um repercutem
em outro. Sendo assim, se houver demasiadas questões no trabalho, a qualidade da vida como
um todo pode se comprometer, ocasionando turbulências não apenas na vida profissional, mas,
também, em outras esferas, já que todas estão inter-relacionadas entre si.
No contexto social brasileiro, as funções de limpeza e de trabalhos manuais são subjugadas e
consideradas inferiores àquelas que precisam de formação técnica ou acadêmica, envolvendo um
maior grau de raciocínio crítico em seu fazer. Provavelmente essa caracterização se deva ao longo
período histórico de colonização do país, que foi sustentado, em grande parte, pelo trabalho
escravo. Desse modo, tem-se uma cultura que propicia que se tratem os trabalhadores da limpeza
com indiferença, desrespeito, assédio, fazendo emergir preconceitos sociais e invisibilidade social.
Isso tudo pode acarretar sofrimento e perda de qualidade de vida.
Somado a isso, as organizações, em sua estrutura, impõem condições de trabalho aos
seus profissionais a partir de um modelo gerencial predominante com valores próprios que

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1041


NO ONTEXTO BRASILEIRO
refletem nas práticas, influenciando no desempenho do pessoal e podendo ou não desvalorizar o
trabalhador (Amaral, 2011). Nesse sentido, pode-se perceber que a forma como os servidores da
limpeza são geridos, somado aos seus contratos de trabalho precários, afetam significativamente
o desemprenho exercido no trabalho, podendo causar desmotivação, angústia e insegurança e
limitar a livre expressão. Assim, a “qualidade de vida é criada e mantida através de valores da
organização como respeito ao ser humano, à saúde, à integridade moral, física e psicológica e aos
direitos das pessoas.” (Amaral, 2011, p.11).

Considerações finais

O trabalho é a atividade fundamental para a construção da identidade e não se resume apenas


ao âmbito técnico, pois produz sentido para a vida de quem o realiza e afeta a qualidade de suas
relações. O desenvolvimento do ser humano em suas potencialidades requer motivações como o
reconhecimento e a valorização. Assim, quando não são atingidas, causam frustração devido à
ausência de sentido no trabalho, pois há uma distância entre a expectativa sobre o trabalho e o
trabalho real, o que gera sofrimento. Especificamente no caso que estudamos neste texto, a falta de
reconhecimento está diretamente ligada à questão da invisibilidade (Lykawka, 2013).
No contexto analisado, verificou-se que a invisibilidade no trabalho afetava as relações
sociais dos servidores, como foi observado no fato destes não utilizarem abertamente os espaços
recreativos que os estudantes frequentam, fato percebido também na dificuldade de adaptação
à mudança de alguns servidores de áreas de trabalho. Escutamos a fala de um dos servidores
durante a devolutiva que apresentou a queixa pela falta de reconhecimento da importância da
realização de sua atividade por parte dos usuários do campus, expressa na pergunta direcionada a
um dos componentes do grupo mediador que vestiu o uniforme de servidor: “alguém pelo menos te
deu bom dia quando você estava fardada?”.
Observamos que há frequentemente pouca valorização e desrespeito com as pessoas que
realizam o trabalho de higienização do campus universitário. Verificamos esses dados tanto nos
relatos dos servidores, quanto na observação. Em certa ocasião, houve atitudes de pessoas que
davam ordens aos servidores, sem sequer refletirem se estas faziam ou não parte das suas funções,
o que poderia denotar desconhecimento das atribuições do cargo desses trabalhadores ou mesmo
atitude de interesse em subordiná-los à prática vigente de obediência e sujeição.
A terceirização é outro aspecto que influencia na construção de vínculo nessas relações
de trabalho. Por se tratarem de trabalhadores com contratos de trabalho terceirizados em um
ambiente em que a maioria dos demais funcionários são estatutários, verificamos que há uma
diferenciação nas relações com os demais servidores do campus. Os empregados terceirizados
são referidos de forma impessoal, sendo, às vezes, denominados de “postos de trabalho”. Desse
modo, as pessoas não são consideradas pela função que ocupam, mas como um lugar que poderá
ser reposto para que se realize determinada tarefa. Essa situação pode causar insegurança no
trabalhador e a sensação de “não pertencer” ao ambiente de trabalho (Lykawka, 2013). Houve
um momento, ao longo das observações de estágio, em que foi percebido certo desconforto dos
servidores em participar da atividade de estágio, visto que relatavam sobre o receio de serem
destituídos de seus cargos.
A valorização do trabalho é essencial para que haja a construção de sentido e, dessa forma, a
constituição de um universo de significado do sujeito que o executa. Portanto, a desvalorização do
trabalho afeta a motivação do trabalhador, pois interfere na necessidade de estima, de ser aceito
e reconhecido socialmente (Lykawka, 2013). Com base neste aspecto, observamos, em alguns
relatos dos servidores, que estes se sentiam desvalorizados no trabalho quando, por exemplo, os
usuários do campus não preservam a limpeza dos espaços que eles haviam cuidado.

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A atividade de intervenção desenvolvida teve grande êxito no tocante à discussão dos
temas da invisibilidade social e da precarização do trabalho, ao discorrer e enfatizar a rotina
e os sentimentos vivenciados por esses trabalhadores. Ela surpreendeu pelo fato de encontrar
pessoas disponíveis a discutir sobre essa temática e também por abordar honestamente discursos
pertinentes à nossa atualidade, tais como desigualdades sociais, preconceito e sofrimento no
trabalho.
Nesse sentido, com instrumentais da pesquisa qualitativa em Psicologia, compreendemos a
relação dos temas abordados e propusemos ações que geraram bem estar físico, psíquico e social
aos sujeitos em questão. O bem estar do trabalhador é fundamental para que este desempenhe
suas atividades e, consequentemente, estabeleça relações interpessoais que propiciem vínculos
saudáveis e qualidade de vida a todos os envolvidos.

Referências

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Grande, 1-13. Recuperado de http://www.jfms.jus.br/intranet/secoes /1/305/306/ARTIGO%20
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Costa, F. B. (2008). Moisés e Nilce: retratos biográficos de dois garis. Um estudo de psicologia social a partir
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Freud, S. (1996). Psicologia das massas e análise do ego. In S. Freud Edição standard brasileira das
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1043


NO ONTEXTO BRASILEIRO
EDUCAÇÃO EM SAÚDE, PLANEJAMENTO ESTRATEGICO
E EDUCAÇÃO INTERPROFISSIONAL: RELATOS DE
EXPERIENCIA NA GRADUAÇÃO
Jessyca Rodrigues Melo
Leonardo Sales Lima
Alysson Fernando Oliveira da Cruz
Elivelton Cardoso Vieira

Introdução

O
verbo cuidar em português denota atenção, cautela, desvelo, zelo. Porém representa
mais que um momento de atenção. É na realidade uma atitude de preocupação,
ocupação, responsabilização e envolvimento afetivo com o ser cuidado (Remen,
1993; Boff, 1999; Waldow, 1998; Silva, Damasceno, Carvalho, & Souza, 2001). Segundo Araújo
e Leitão (2012) a Organização Mundial da Saúde considera o atendimento às necessidades dos
cuidadores um dos principais objetivos dos cuidados paliativos e determina que se disponibilize
um sistema de apoio para ajudar a família durante a doença do paciente e no processo do luto.
Compreende-se, assim que, a tarefa de acompanhar alguém que vivencia o adoecimento
gera sentimentos de desesperança, revolta, medo da possibilidade de perda além de alterar a
dinâmica familiar comprometendo a integridade psicológica, emocional e até mesmo biológica
do cuidador e consequentemente a qualidade do cuidado implementado. (Henrique, Barros, &
Morais, 2012). Além do que, a falta de preparo para lidar com o sofrimento humano, presente o
tempo todo na atividade do profissional de saúde pode enloquecê-lo. (Balint, 1984)
Segundo Araújo e Leitão (2012) o cuidador também poderá ser classificado de acordo com
o cuidado que irá prestar: Primário, se assumir as responsabilidades diretamente relacionadas
aos cuidados mínimos como higiene e alimentação; Secundário aquele que auxiliar em eventuais
necessidades do paciente, sendo caracterizado como não primordial para a recuperação do
paciente.
Diante disso, este trabalho visa apresentar um relato de experiência tendo como base a
educação interprofissional, com um grupo de graduandos de diversas áreas, cujo objetivo é a
realização de ações com acompanhantes de crianças em diferentes estágios de tratamento
quimioterápico de forma conjunta nos moldes de uma prática colaborativa, a fim de abordar o
cuidado ao cuidador na busca de um cuidado humanizado em saúde bem como tecer reflexões
acerca das emoções, vivências no grupo e aprendizagem compartilhada com o trabalho em equipe.
Ampliam-se, deste modo, que segundo Araújo e Leitão (2012) há significativos estudos
sobre o comportamento e as necessidades do cuidador no período de adoecimento do paciente
com câncer, desde o diagnóstico, passando pelo tratamento inicial, recidivas da doença,
“retratamento”, sucessivas internações, até o encaminhamento para os cuidados paliativos.
Essa etapa final, em geral, é árdua e penosa, motivada por esperança de cura, mas também com

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
desilusões, sofrimentos e importante carga de trabalho dispensada ao paciente, vivências que
tendem a se intensificar com a evolução da doença.
Desta forma, a ação se sucedeu por meio de atividades como dinâmica para criação de
vínculo, roda de conversa e discussão informativa com o intuito de minimizar o sofrimento causado
pela doença. Realizada em um Departamento Oncologia Pediátrica na Ala de quimioterapia
infantil em um hospital da cidade de Teresina-PI. Além disso, o trabalho também objetivou trazer
a educação interprofissional como os desafios diários e reais sob a ampliação de experiência
ainda na graduação o que garante uma formação mais ampla.

Método

Trata-se de um estudo descritivo, tipo relato de experiência, elaborado a partir das


experiências da disciplina Educação em Saúde Interprofissional, ministrada para os cursos de
Graduação em Fisioterapia, Medicina e Psicologia da Universidade Estadual do Piauí (UESPI),
Campus Centro de Ciências da Saúde (CCS).
Nesse processo foram realizadas visitas técnicas ao local onde seria realizada a ação de
educação em saúde com o intuito, de se conhecer o espaço, conhecer os funcionários tendo
como metodologia de partida a Educação Popular de Paulo Freire. Segundo Carvalho (2007) a
Educação Popular como processo e relações pedagógicas emergentes de cenários e vivências de
aprendizagens que articulam as subjetividades coletivas e as relações de interação que acontecem
nos movimentos sociais, implicando na aproximação entre agentes formais de saúde e população,
diminuindo a distância entre a assistência que representa intervenção pontual sobre a doença
em um tempo e espaço determinados, e o cuidado, que significa o estabelecimento de relações
intersubjetivas em tempo contínuo e espaço de negociação e inclusão dos saberes, dos desejos e
das necessidades do outro.
Sob tal enfoque, foi decidido que a intervenção viria a ser feita no centro de oncologia infantil
em um Hospital de Teresina-PI, devido a maior facilidade ao acesso, por possuir um espaço amplo
para a realização da intervenção e, também, pela quantidade de pacientes daquele centro (cerca
de 30 pacientes) e seus respectivos cuidadores. Os profissionais da instituição nos aconselharam
para fazer a mediação no momento de intervalo/descanso dos pacientes e cuidadores, pois aquele
espaço era específico para descontração e seria propício a nossa intervenção. O que seria feito
em um encontro na manhã decidida pela equipe multiprofissional que estivesse maior número de
participantes e acompanhantes daquela semana.
Na ocasião foi observada que os acompanhantes dessas crianças, geralmente suas mães,
passam a maior parte do seu tempo nesse ambiente, na maioria das vezes abandonando os
seus empregos, sua casa, se afastando do seu convívio familiar e de muitas outras coisas do
seu cotidiano para se dedicar exclusivamente aos cuidados dos seus filhos, chegando mesmo a
passar meses no ambiente hospitalar. Além disso, observou-se também que existe um número de
pacientes e cuidadores que não são residentes de Teresina e sim, de outras cidades do interior do
Piauí, Maranhão, Tocantins o que gera uma dificuldade maior neste processo.
No que concerne aos relatos das pessoas demostraram ainda, que o alto nível de ansiedade,
estresse dessas pessoas, mudanças de humor, a postura, a péssima qualidade da acomodação,
a estrutura não tão humanizada, a qualidade do sono ruim, o afastamento dos familiares, a
situação econômica, e os vários fatores contribuíam para este momento complexo que estão
passando. A somatória desses problemas, consequentemente, pode evoluir para uma depressão,
ou elevados níveis de ansiedade. Decidiu-se, então que esse seria o problema que iremos abordar.
Segundo Rezende et al. (2005) a depressão e a ansiedade no cuidador podem desencadear
depressão e ansiedade no paciente e vice-versa; ou seja, se a família é afetada pela doença, as reações

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1045


NO ONTEXTO BRASILEIRO
familiares também afetam o paciente. Tais evidências reforçam a ideia de que o processo de cuidar é
bastante complexo, influenciando e sendo influenciado pelo contexto do adoecer e do morrer.
Dessa forma, pudemos aplicar na prática o Planejamento Estratégico Situacional na saúde,
diagnosticando a situação, identificando os problemas, e estruturando a problemática enfrentada.
O PES, “focaliza problemas de uma realidade, sobre a qual se pretende agir, cuja delimitação
considera a perspectiva dos atores que os vivenciam e reconhece que há modos diversos de
perceber e explicar a realidade” (Kleba, Krauser, & Vendruscolo, 2011, p. 184-193).
Assim, foi possível realizar o “momento explicativo” do PES, que se resume em explicar a
situação encontrada, reconhecer os problemas e priorizar o principal, que irá ser trabalhado.
Outra pauta discutida foi a respeito de como iriamos abordar essas pessoas, possibilitando um
espaço mais humanizado e acolhedor, em um trabalho em que as diferentes especialidades da
saúde pudessem trabalhar em conjunto. No intuito de minimizar o sofrimento causado pela
doença, oferecer suporte emocional e favorecer a qualidade de vida dos cuidadores assistidos por
esta Instituição.

Resultados

A ação foi realizada em uma espécie de brinquedoteca do Setor Oncológico do Hospital


durante uma manhã, tendo como público alvo os acompanhantes de crianças em diferentes
estágios de tratamento quimioterápico.
O primeiro momento consistiu no acolhimento dos participantes através de uma roda de
conversa e explicação da ação a ser realizada. Posteriormente, realizou-se a dinâmica da “Teia da
amizade”, que funcionou da seguinte maneira: após a disposição em círculo, um dos estudantes
pegou um novelo de lã e, em seguida, prendeu a ponta do mesmo em um dos dedos da mão e disse
seu nome. Em seguida, passou o novelo para outra pessoa que, após enrolar a linha em um dos
dedos, repetiu o nome da pessoa que terminou de se apresentar, apresentou-se e passou o novelo
para outra pessoa até que todos se apresentassem. Como cada um passou o novelo adiante,
no final formou-se uma grande teia de fios que unia uns aos outros. Que teve como objetivo
(produto) a apresentação dos nomes de todos os envolvidos na ação e visou, como resultado, que
as pessoas se conheçam melhor e possam criar uma proximidade ao chamar umas as outras pelo
nome. Além de trazer como reflexão de que todos somos importantes na imensa teia que é a vida;
ninguém pode ocupar o seu lugar.
Ao planejar a preparação da ação, desenhamos operações para impactar e tentar minimizar
o problema ou demanda (momento normativo). As operações podem ser definidas como um
conjunto de ações ou agrupamentos de ações consumidoras de recursos que tem como intuito
obter produtos (resultados mais objetivos) e resultados (mais diluídos, indiretos). (Kleba, Krauser,
& Vendruscolo, 2011, p. 184-193).
No segundo momento, usou-se o “Dado das emoções”, no qual cada face representava uma
emoção (amor, alegria, nojo, raiva, tristeza, ciúme). O objetivo era que cada participante jogasse o
dado e, de acordo com a face, relatasse alguma situação que remetesse a essa emoção. A participação
foi espontânea e tanto os pais, como pacientes e componentes do grupo arremessaram o dado.
Que tinha como objetivo favorecer um espaço propício ao diálogo, além de ter, como resultado, o
favorecimento do bem-estar emocional. Pois ouvindo acerca das emoções e as histórias do outro
cada participante se sentiu acolhido por não se sentir sozinho naquele momento que muitos estão
longe de casa e principalmente de suas cidades e famílias, desenvolvendo também um momento
empático para com o outro.
De acordo com Mesquita e Carvalho (2014) a partir do Modelo Centrado na Pessoa,
desenvolvido por Carl Rogers, a utilização da escuta passa a valorizar a pessoa como sujeito que
busca e é capaz de se desenvolver. No cuidado, a escuta pode minimizar as angústias e diminuir o

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sofrimento do assistido, pois por meio do diálogo que se desenvolve, possibilita ao indivíduo ouvir
o que está proferindo, induzindo-o a uma autorreflexão.
A terceira operação é a abordagem de uma discussão sobre um tema recorrente na segunda
operação, que tem como objetivo (produto) o aconselhamento sobre um problema recorrente
e visa como resultado a resolução dos problemas apresentados. Segundo Trindade e Teixeira
(2000) o aconselhamento psicológico (counselling) é uma relação de ajuda que visa facilitar uma
adaptação mais satisfatória do sujeito à situação em que se encontra e optimizar os seus recursos
pessoais em termos de autoconhecimento, auto-ajuda e autonomia.
A abordagem da discussão sobre o tema recorrente que aparecer durante a atividade
tem como recurso a conversa, sendo o ator controlador o grupo e os pacientes. Quando nos
perguntamos qual problema deveria ser priorizado para o momento estratégico, chegamos à
resposta Depressão. Como causas, elencamos os fatores genéticos, a ansiedade e o estresse e
os nós críticos são a angústia, o isolamento social, a insônia, distanciamento do ciclo familiar e
apatia.
Além disso, analisamos a possibilidade de adesão dos atores que controlam os recursos,
sendo esta categorizada em: favorável (ceder seus recursos), indiferente (não ajuda, não atrapalha)
ou desfavorável (não libera seus recursos e atrapalha). A aplicação da dinâmica com o novelo
de lã foi classificada como favorável, assim como a intervenção com o dado das emoções e a
abordagem da discussão.
Desenhamos estratégias para construir a viabilidade da intervenção. A estratégia escolhida
para a dinâmica com novelo de lã foi desenvolver atividades que promovam a interação com o
grupo. Já a estratégia para a intervenção com o dado das emoções foi fazer uma roda de conversa
informal. E por último, a estratégia para a abordagem da discussão sobre o tema mais recorrente
foi depois de analisar as informações obtidas na última atividade, fazer uma breve discussão com
o ponto de vista do grupo.
Por fim, no planejamento tático-operacional, fizemos um desenho do plano operativo
com intuito de designar responsáveis por cada operação e fixar prazos. Acordamos que todos os
integrantes do grupo seriam os responsáveis pela a dinâmica com o novelo de lã, a intervenção com
o dado das emoções e a abordagem da discussão sobre um tema recorrente durante a atividade.
O prazo estabelecido para estas operações foi o próprio dia da ação.

Discussões

Partindo da ideia de que algumas pessoas do grupo não se conheciam a proposta da dinâmica
de grupo inicial ocorreu para um entrosamento maior entre os participantes seria a melhor forma
de iniciarmos as atividades. Segundo Silva (2008) em razão de possuir, em sua imensa maioria,
um caráter de natureza lúdica, a dinâmica de grupo tem o condão de promover uma reprodução
do mundo das relações, a realidade corpórea universal, vivida pelo indivíduo. Justamente por essa
similitude com a realidade experimentada pelo sujeito da dinâmica, a atividade constitui-se em
um poderoso agente de mudanças.
Nessa perspectiva, o embasamento da intervenção foi feito em duas teorias: a utilidade
das rodas de conversa e da abertura emocional no manejo dos pacientes e acompanhantes. Pois
os relatos emocionais dos participantes permitiram a percepção de sentimentos antes sufocados
pela situação em que se encontravam. A roda de conversa proposta em nossa ação representa
uma aposta na medida em que o ato educativo contextualizado demarca a imersão de sujeitos de
direitos engajados no ato de conhecer e transformar a realidade.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1047


NO ONTEXTO BRASILEIRO
As rodas de conversas possibilitam encontros dialógicos, criando possibilidades de produção
e ressignificação de sentido – saberes – sobre as experiências dos partícipes. Sua escolha se
baseia na horizontalização das relações de poder. Os sujeitos que as compõem se implicam,
dialeticamente, como atores históricos e sociais críticos e reflexivos diante da realidade.
Dissolve-se a figura do mestre, como centro do processo, e emerge a fala como signo de
valores, normas, cultura, práticas e discurso. (Sampaio, Santos, Agostini, & Salvador, 2014,
p. 1299-1311).

Outro aspecto pertinente foi à descrição de uma experiência que integra conhecimentos
teóricos e práticos na solidificação de uma aprendizagem científica adquirida nos componente
trabalho em equipe e colaboração ainda na formação. Segundo Segundo Peduzzi, Norman,
Germani, Silva, & Souza, (2013), a educação interprofisisonal é uma modalidade de formação
em saúde que promove o trabalho em equipe integrado e colaborativo entre profissionais de
diferentes áreas com foco nas necessidades de saúde de usuários e população, com a finalidade
melhorar as respostas dos serviços a essas necessidades e a qualidade da atenção à saúde.
Levando-se em consideração o objetivo proposto desta intervenção ampliam-se,
deste modo, a importância de implementar um cuidado humanizado ao cuidador de forma
considerar um trabalho interprofissional, pois esta desencadeia uma serie de processos que
também precisam ser observados pela equipe, para que a assistência a quem necessita seja
qualificada. A ação permitiu aprimorar o sentimento de empatia entre nós, futuros profissionais
de várias áreas da saúde, no que diz respeito ao tato e sensibilidade com as demandas de certos
pacientes e acompanhantes. Também foi importante para conhecermos o local, a estrutura e
funcionamento do setor de quimioterapia pediátrica, de modo a perceber as necessidades dos
participantes e familiares.
De acordo com Rezende et al. (2005) a prática interprofissional colaborativa se refere à
articulação entre equipes de diferentes serviços da rede de atenção, tendência da organização
do cuidado em saúde com novas práticas clínicas. Trata-se de uma característica das equipes
integradas, cujos atributos são: respeito mútuo e confiança, reconhecimento do papel profissional
das diferentes áreas, interdependência e complementaridade dos saberes e ações.
No âmbito profissional, a preocupação com ações de educação em saúde e a educação
interprofissional facilitam a interação com os pacientes e o estabelecimento de vínculos de
confiança visando a uma conduta mais humanizada e empática. Percebemos que ainda há muito
a se aprender quando se trata de lidar com o manejo das emoções de pessoas em situações de
cuidado, porém após a ação, nos sentimos mais preparados do que antes.
Durante a ação, foi perceptível o envolvimento emocional entre estudantes e acompanhantes
na troca de experiências, além do apoio recebido entre os cuidadores que passam pelas mesmas
circunstâncias. Concluímos que ações como essas são triviais a formação de profissionais aptos a,
mais do que tratar os males do corpo, tratar as demandas psíquicas para prevenção e promoção
de saúde na educação interprofissional.

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1049


NO ONTEXTO BRASILEIRO
EXPERIÊNCIAS DE ESTÁGIO NO SERVIÇO ESCOLA
DE PSICOLOGIA: UMA ANÁLISE DAS TRIAGENS
REALIZADAS
Maria do Livramento Pereira dos Santos
Fransnadine de Maiara Costa Gomes
Raquel Ramos Barreto Gueidia
Livia Gomes Viana-Meireles

Introdução

U
ma das principais áreas de atuação dos psicólogos é a Psicologia Clínica, que esteve
historicamente associada ao exercício autônomo das atividades de psicoterapia,
psicodiagnóstico, a solução de problemas de ajustamento e na promoção do bem-
estar subjetivo e psicológico (Bastos, Gondim, & Peixoto, 2010). O estudo da Psicologia Clínica deve
ser associado à prática, pois é preciso ter contato com o paciente para aprender a ser um psicólogo
clínico. O ensino prático é o principal papel das clínicas-escola que, por lei, devem estar presente
nos cursos de graduação de Psicologia (Melo & Perfeito, 2004). Segundo a Lei 4.119 (Decreto Lei,
1964) que dispõe sobre os cursos de formação e regulamenta a profissão do psicólogo no Brasil, é
obrigatório que a instituição disponha de um Serviço Escola de Psicologia aberto à comunidade de
forma gratuita ou remunerada em conformidade ao nível de curso que oferecem.
Os Serviços Escolas de Psicologia (SEP) dispõem de uma série de serviços prestados à
comunidade pelos alunos dos cursos, é “onde o estudante, ou o profissional em formação, recebe
treinamento e orientação na forma de supervisões dos atendimentos clínicos, com o objetivo
de capacitá-lo para a prática e a reflexão do exercício profissional” (Capitão & Romaro, 2003,
p. 111). Os SEPs são importantes não só para a comunidade como mais um espaço de cuidado
e prestação de serviço psicológico, mas também como ambiente de formação qualificada de
profissionais e ampliação de estudos e pesquisas, contribuindo assim para o crescimento da
Psicologia. A clínica escola também tem o papel social de prestar serviços à comunidade (Zilli,
Santos, Yamaguchi, & Borges, 2017). Chammas e Herzberg (2009) trazem que por está ligado
ao contexto das universidades, aos eixos de desenvolvimento de pesquisa, na formação de
alunos e serviços de extensão à comunidade, os serviços-escolas de psicologia constituem-se em
laboratórios de excelência.
A operacionalização da clínica escola apresenta dois desafios, inicialmente promover a
capacitação do aluno nos aspectos conceitual, formal e ético, e concomitantemente atendimento
de forma mais eficaz possível satisfazer as demandas da comunidade que procura o serviço
(Capitão & Romaro, 2003). Os estudantes em formação precisam desenvolver competências como:
capacidade de utilizar conhecimentos teóricos e as habilidades adquiridas para o desempenho em
uma situação profissional de forma ética, cuidadosa e empática, desenvolver boa capacidade
de abstração, boa comunicação oral e escrita. É a oportunidade dos estudantes receberem

1050  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
treinamento e orientação na forma de supervisões dos atendimentos clínicos, objetivando sua
capacitação para prática e reflexão do exercício profissional.
Quando o sujeito se dirige a um SEP, seja com encaminhamento ou demanda espontânea,
na busca por um dos serviços ali prestados, inicialmente ele passa por um serviço comum, a
triagem. O objetivo da triagem psicológica é compreender a demanda apresentada pelo sujeito
que procurou o serviço de psicologia. A triagem é uma prática comum nas instituições públicas de
saúde em Psicologia e tem por objetivo realizar de modo mais detalhado a coleta de dados com
elaborações sobre a queixa, necessidade e interesses dos clientes.
Algumas pesquisas nacionais foram desenvolvidas com objetivos de caracterização do
processo de triagem nos serviços-escola de psicologia (por exemplo, Capitão & Romaro, 2003;
Albuquerque, Barroco, Facci, Leal, & Tuleski, 2005; & Benetti, & Cunha 2009; Campezatto, &
Nunes, 2007). Em uma revisão de literatura sobre as clínicas-escola de Psicologia, Amaral et al.
(2012) encontraram 45 trabalhos que descreviam experiências em clínicas-escola que tratavam de
diferentes temas, além da caracterização da clientela, representação social do psicólogo, práticas
em determinadas abordagens, tipos de serviços prestados e descrições sobre atendimentos.
Estudos sobre triagens em clínicas escolas de Psicologia apontam que estes serviços recebem
diferentes demandas e públicos, e consequentemente, o estagiário em processo de formação
se vê diante de muitas possibilidades de aprendizagem prática. Em estudo de Melo e Perfeito
(2006) foi possível perceber que as crianças que realizaram triagem apresentaram queixas de
cunho comportamental, afetivo-emocional, escolar, relacional, cognitivo e fisiológico-funcional-
somática. Já Casazola, Nascimento e Rodrigues (2015) em uma pesquisa de avaliação da triagem,
verificaram que as principais psicopatologias em pacientes do gênero feminino na faixa de 25 a 35
anos eram casos de depressão (40,14%), outros Transtornos de Ansiedade (11,97%) e Transtorno
Fóbico Ansioso (11,27%).
A experiência da triagem é fundamental para que os estudantes comecem a desenvolver
habilidades de escuta ativa, planejamento de atendimento, tenham um contato inicial com a
população e percebam como devem agir em atendimentos psicoterápicos futuros, por isso a
supervisão, desde a triagem, é fundamental. Segundo Barletta, Delabrida e Fonseca (2012, p.163.)
“a supervisão é um momento contratual, de relação formal e colaborativa entre supervisor e
supervisionando com o objetivo de desenvolvimento, ensino e aprendizagem da prática clínica
e que ocorre em um contexto organizacional específico”. Na supervisão é onde ocorre o
compartilhamento entre aluno e professor sobre os atendimentos clínicos ou de triagem, que pode
ser feita uma troca de vivência com o supervisor e com os demais estagiários, permitindo assim uma
reflexão conjunta quanto aos casos. Durante a supervisão, visa-se também o desenvolvimento de
habilidades e competências do estagiário para o desenvolvimento da postura terapêutica diante
do cliente, seja em psicoterapia ou na triagem (Sousa & Padovani, 2015).
O Serviço Escola de Psicologia (SEP), que é contexto do presente trabalho, funciona em
uma universidade federal no interior do Piauí e oferece serviços de atendimentos psicológicos à
comunidade da cidade e municípios vizinhos. Os atendimentos são realizados por estudantes a
partir do 8º até o 10º semestre, sob supervisão de um professor. No oitavo semestre os alunos, via
de regra, são responsáveis pela triagem e aos alunos do 9º e 10º períodos cabem os atendimentos
psicoterápicos. Existem atendimentos de psicoterapia individual do público infantil ao idoso e são
oferecidos serviços de Plantão Psicológico visando suprir a demanda de situações emergenciais.
O SEP ainda conta com dois psicólogos técnicos concursados que organizam os atendimentos
da clínica e são responsáveis por realizar psicoterapia com alunos dos semestres mais avançados
e funcionários da instituição. Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho foi fazer um
levantamento das características da população atendida na triagem do primeiro semestre de 2016
por um grupo de estagiárias do 8ª período da abordagem em Terapia Cognitivo Comportamental,
bem como analisar a importância da triagem para os alunos.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1051


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Método

Neste SEP para que uma pessoa seja chamada para realização da triagem, ela deve,
incialmente, deixar seu nome e contato em uma lista de espera. No início de cada semestre letivo
são realizadas as triagens, que tem duração aproximada de 50 minutos e é quando são levantadas
as principais queixas. Quando a demanda de atendimento é para crianças a triagem é realizada
com a mãe, pai ou algum cuidador próximo à criança. Somente após a realização da triagem que
o cliente é chamado para iniciar a psicoterapia.
Para caracterização das triagens, foi utilizado o referencial metodológico da pesquisa
documental, fazendo uma que retrospectiva das triagens realizadas entre abril e junho de 2016, por
oito estagiárias. “Esse método baseia-se em materiais que não receberam ainda um tratamento
analítico ou que podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa” (Prodanov &
Freitas, 2013, p.55) e quantitativo-descritiva. Os dados levantados foram coletados através de
consulta dos roteiros de triagem feitos pelas estagiárias, além de registros de supervisão. Os dados
foram tabulados em planilha eletrônica e analisados através do programa estatístico SPSS versão
21, utilizando-se de procedimentos de estatística descritiva (frequência, média e porcentagem).
Foram consideradas as variáveis: gênero, idade e principais queixas.

Resultado e Discussão da Experiência

Ao realizarem as triagens o grupo de alunas percebeu a riqueza das informações geradas


pelos atendimentos e surgiu o desejo de avaliar o trabalho que foi desenvolvido analisando de
forma quantitativa as características dos 87 usuários que passaram pela triagem deste grupo de
estagiárias, considerando as variáveis: sexo, idade, escolaridade e principais queixas. A seguir, na
tabela 1, são apresentadas as triagens realizadas divididas entre a faixa etária e gênero.

Tabela 1.
Distribuição da população atendida em triagem por um grupo de supervisão na abordagem TCC.
Faixa Etária Masculino Feminino
Infantil 45,2% 11,4%
Adolescente 12,9% 3,8%
Juventude 22,6% 39,6%
Adulto 16,1% 37,7%
Idoso 3,2% 7,5%
Total 100% 100%

Na Tabela 2, estão expostos os resultados percentuais dos atendimentos, separados por


intervalos de idades dos pacientes. Pode-se inicialmente observar significativo percentual de
atendimentos infantis nos intervalos de 0 a 5 anos, as demandas de atendimentos destas crianças
foram apresentadas pelos pais. O que demonstra uma procura por atendimento psicoterápico
ainda na tenra idade. No entanto, percebeu-se uma maior demanda de atendimento para
adolescentes e jovens, com intervalo de idade entre 16 e 25 anos de idade que somou 38,1% dos
atendimentos de triagem.

1052  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 2.
Distribuição de pacientes atendidos por idade.
Intervalo de Idades Porcentagem Intervalo de Idades Porcentagem
00-05 9,5% 36-40 7,1%
06-10 10,7% 41-45 2,4%
11-15 6,0% 46-50 2,4%
16-20 20,2% 51-55 2,4%
21-25 17,9% 56-60 2,4%
26-30 7,1% 61-65 3,6%
31-35 6,0% 66-70 2,4%

As triagens de criança, adolescentes e jovens foram as que tiveram maior demanda


para psicoterapia no período avaliado, sendo que 45,2% das crianças triadas eram meninos,
permanecendo a maioria de meninos (12,9%) também quando observado a demanda de
adolescentes. No entanto, quando se trata de jovens (acima de 20 anos) e adultos a porcentagem
de mulheres foi superior a de homens. A parcela de triagens de pacientes idosos foi a menor e
predominantemente do sexo feminino com 7,5%.
Esses dados vão ao encontro dos resultados encontrados por Capitão e Romaro (2003)
que apontaram uma variação do gênero em relação à faixa etária, no estudo destes autores, os
pacientes com idades até 15 anos teve uma predominância de meninos e isso se inverte quando
observado a clientela de idade superior a 15 anos. No estudo de Oliveira, Lucena-Santos e
Bortolon (2013) também foi encontrada uma porcentagem de 66,5% de mulheres quando
analisadas a clientela adulta (idade média de 32,8 anos). Portanto, percebe-se que os resultados
aqui encontrados corroboram com a literatura que aponta uma maior procura de atendimento
por mulheres do que por homens em geral (Campezatto & Nunes, 2007; Maravieski & Serralta,
2011).
Conforme observado nos registros das triagens, quando observada a queixa principal (Tabela
3) a maior parte da clientela possui como queixa Ansiedade e Dificuldades de Relacionamento. O
termo “Dificuldade de Relacionamento” foi utilizado para representar um conjunto de demandas
que são de caráter interpessoal e social, como queixas de timidez ou problemas conjugais. Há
grande variação das queixas apresentadas, “Medo e Fobia”, pôde ser observada em todas as
faixas etárias, estando mais presentes nas categorias Infantil e Feminino. A queixa “Estresse” foi
encontrada significativamente no público adulto (24%), presente em sua maioria no público
masculino e ausente nas queixas infantis.

Tabela 3.
Distribuição de pacientes por tipos de queixas.
Queixa Masculino Feminino Infantil Adulto
Ansiedade 16,1% 39,3% 20% 48%
Depressão 6,5% 19,6% 0% 20%
Dificuldade escolar 16,1% 0% 25% 0%
Dificuldade de Relacionamento 22,6% 28,6% 10% 32%
Agressividade 16,1% 1,8% 25% 0%
Medo e fobia 3,2% 14,3% 25% 4%

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1053


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Autoconhecimento 9,7% 3,6% 0% 4%
Estresse 3,2% 23,2% 0% 24%
Autismo 19,4% 0% 30% 0%
Outras 12,9% 8,9% 5% 12%
Tentativa ou Ideação Suicida 6,5% 3,6% 0% 10,7%

Observou-se que a porcentagem de pacientes triados apresentou 10,7% com queixa de


“tentativa de suicídio ou ideação suicida”, nestes casos, os pacientes foram considerados casos
de urgência e priorizados no atendimento. A nomenclatura “Outras”, utilizada para representar
outras queixas que surgiram nas demandas apresentadas nas triagens. Estas queixas apareceram
em pequenas frequências, entretanto faz-se necessário explora-las no presente trabalho, dentre
elas estão alguns Transtornos tais como: o Transtorno desafiador de oposição, Borderline,
Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e Transtorno de Desatenção e Hiperatividade. As queixas
“Dificuldade Escolar”, “Agressividade” e “Autismo”, estão presentes em maior significância nos
casos infantis, e frequentemente estão interligadas nos casos triados.
Os dados relacionados às principais queixas encontradas se aproximam de alguns estudos.
Olivieira, Santos e Bortolon (2013), verificaram maior prevalência de problemas clínicos
relacionados ao âmbito familiar, de amizades e ambiente de trabalho para a clientela adulta do
serviço de atendimento psicológico. Quando observado o estudo de Borsa, Segabinazi, Stenert,
Yates, e Bandeira (2013) sobre a clientela infanto-juvenil foi encontrada frequência elevada quanto
às queixas como retraimento, ansiedade, depressão, medos e manifestações psicossomáticas.
No momento da triagem é possível treinar algumas habilidades tais como escuta ativa,
gerenciamento de tempo da sessão, treino de registro das informações fundamentais e realização
da síntese do atendimento. Os alunos veem como principal dificuldade na realização da triagem
a pouca maturidade, insegurança e ansiedade para realização das mesmas. No entanto, durante
as supervisões percebe-se que a demanda de insegurança e ansiedade por parte dos estagiários vai
diminuindo na medida em que eles vão realizando mais triagens, trocando experiências, estudando
especificamente sobre o atendimento de algumas queixas e se aprofundando no desenvolvimento
de habilidades terapêuticas relevantes.
Outra dificuldade encontrada é a grande demanda de atendimento e a quantidade restrita de
alunos por semestre. Tem se percebido um grande número de encaminhamentos para atendimento
no SEP de vários dispositivos de saúde da cidade, além de escolas, pediatras e psiquiatras, o que
demonstra credibilidade no trabalho que vem sendo realizado, mas aponta para a fragilidade dos
atendimentos de psicoterapia na cidade.
É importante que mais pesquisas sobre a realidade dos atendimentos realizados na clínica
escola. Sugere-se que seja realizado outro estudo para se avaliar mais profundamente as principais
queixas, abrangendo o período de acesso aos prontuários e a exposição de queixas advindas de
uma Avaliação Psicológica, pois muitas vezes a queixa principal não se sustenta nos primeiros
atendimentos individuais.
Compreender as principais queixas relacionadas à busca de atendimento psicológico
pela população pode contribuir para um melhor planejamento das supervisões, organização
dos estudos na disciplina de Seminário de Prática, além de uma maior articulação com outras
disciplinas da grade curricular do curso, tal como Psicopatologia, Técnicas de Exame Psicológico
e Psicologia do Desenvolvimento, por exemplo. Além disso, com um maior esclarecimento da
demanda durante a triagem é possível que se possa realizar uma parceria entre a equipe de
saúde da clínica, as escolas ou outros serviços (Sala de atendimento educacional especializado
(AEE), Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), por exemplo, proporcionando assim,
atendimentos com mais qualidade, segurança e eficácia. É possível também, a partir da análise

1054  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
dos atendimentos ocorridos no SEP, reconhecer quais demandas psicológicas estão mais presentes
na vida das pessoas da cidade e, assim, refletir sobre a saúde mental da comunidade construindo
estratégias de intervenção e de prevenção para estas demandas.

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1056  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
GÊNERO E PSICOLOGIA: QUAIS CAMINHOS
ESTAMOS TRILHANDO?
Carla Priscilla Castro Sousa
Yuri Pacheco Neiva
Vanessa da Silva Alves

Introdução

O objetivo deste trabalho é apresentar os caminhos pelos quais as discussões de gênero


vêm perpassando e propor algumas reflexões e repercussões desses caminhos no campo da
Psicologia. Entende-se que a Psicologia, representada aqui como a ciência do comportamento
humano em suas mais diversas vertentes, é fruto de uma construção histórica a qual cabe sempre
reformulações e questionamentos da prática. Dessa forma, a proposta deste estudo refere-se a
compreender como as questões de gênero vêm sendo trabalhadas dentro desta ciência, bem como
suas limitações e possibilidades.
Entende-se que a noção de gênero, tal qual utilizamos, deriva dos estudos feministas, que
se apropriam do termo gênero para enfatizar a vivência de desigualdade e opressão feminina
e superar justificativas tais como a de diferenças biológicas, por isso demonstra ser de suma
importância sua abordagem em uma ciência do comportamento humano. Além disso, o Código
de Ética Profissional do Psicólogo (Resolução n° 010, de 21 de julho de 2005) preconiza, em
seus princípios fundamentais, a responsabilidade ética do profissional da Psicologia em atuar de
acordo com parâmetros que promovam a liberdade, a dignidade e os Direitos Humanos e que
contribuam para a eliminação de qualquer forma de preconceito, opressão e violência. Tendo em
vista estes fatores, percebe-se a necessidade de psicólogos trabalharem a categoria de gênero e sua
influência na subjetividade e na qualidade de vida dos indivíduos de forma comprometida e ética.
Para isso, será realizado um estudo teórico que consistirá em duas partes, a primeira dedicada
a repensar o conceito de gênero como uma categoria histórica, representado principalmente pelas
contribuições das autoras Judith Butler (2003) e Guacira Lopes Louro (2014), a partir de uma
perspectiva foucaultiana. Posteriormente, propõe-se uma reflexão sobre como o gênero vem
sendo discutido e trabalhado nos campos da psicologia, para nos fazermos o questionamento:
estamos reproduzindo práticas normativas e excludentes?

Desenvolvimento

Os estudos sobre gênero vêm se propagando a partir de diversos campos teóricos, assumindo
perspectivas e significados distintos. Por isso, constata-se a necessidade de compreender o conceito
de gênero neste estudo, bem como problematizar sua historicidade, para, então, entendermos as
repercussões no campo da Psicologia.
Embora já houvesse alguns trabalhos que utilizavam o termo gênero, foram nos estudos
feministas ingleses da década de 1970 que este passou a ser usado para evidenciar e discutir as

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1057


NO ONTEXTO BRASILEIRO
relações sexistas (Stolke, 2004). O movimento feminista contemporâneo foi o responsável por
contestar a invisibilidade da mulher como sujeito social e político e os discursos que a designavam
como pertencente somente ao mundo doméstico. As pesquisadoras feministas descreviam
as condições de vida e de trabalho que as mulheres eram submetidas e buscavam denunciar e
problematizar as desigualdades e posições sociais (Louro, 2014). A vinculação de um movimento
político de emancipação e uma vertente teórica que buscava discutir a opressão feminina era,
para Stolke (2004), o que demonstrava a originalidade e importância do feminismo.
Com o tempo, os estudos de gênero passam a focar não só na opressão vivenciada pelas
mulheres, mas ressaltar como as diferenças entre homens e mulheres foram historicamente
instauradas e convertidas em desigualdades nos espaços de poder. Os estudos sobre as mulheres
se transformam em estudos sobre as relações de gênero e de poder envolvidas nesse sistema,
produzindo novos conhecimentos baseados na perspectiva das epistemologias feministas, onde
o homem não é mais tomado como sujeito universal (Narvaz, 2009). Um dos questionamentos
produzidos nesse momento refere-se a busca da teoria feminista pela identidade do que é ser
mulher, percebendo-se que não há uma categoria fechada, estável e permanente de mulher, mas
sujeitos mulheres (Butler, 2003).
Butler (2003), a partir de uma perspectiva pós-estruturalista e foucaultiana, ressalta que os
sistemas jurídicos estabelecem a priori as categorias as quais nos identificamos e nos formamos
como sujeitos, ao mesmo tempo que oculta este processo, tornando as normas naturalizadas.
Dessa forma, as normas não são problematizadas e a ação reguladora continua a se legitimar.
A categoria mulher representada pela teoria feminista seria uma forma de ilustrar isso, sendo
historicamente constituída e expressa a partir de discursos científicos sobre traços de gênero e
práticas normativas, ou seja, para se identificar e ser identificada como uma mulher, o indivíduo
deveria ser do sexo feminino e ter comportamentos do tipo passiva, dócil, maternal, traços esses
que legitimam e engendram o sujeito, diferenciando grupos que fazem parte da categoria e aquelas
que fogem à norma. Questiona-se então como nossas normas sobre feminilidade e masculinidade
vêm influenciando a forma como nos comportamos e o modo como nos subjetivamos como
homens e mulheres.

Quando não problematizadas, as afirmações “ser” mulher e “ser” heterossexual, seriam


sintomáticas dessa metafísica das substâncias do gênero. Tanto no caso de “homens” como
no de “mulheres”, tal afirmação tende a subordinar a noção de gênero àquela de identidade,
e a levar à conclusão de que uma pessoa é um gênero e o é em virtude do seu sexo, de seu
sentimento psíquico do eu, e das diferentes expressões desse eu psíquico, a mais notável
delas sendo a do desejo sexual (Butler, 2003, p. 44, grifo da autora).

Para Butler (2003), o conceito de identidade perpassa pela instauração de uma definição
fixa e, consequentemente, pela exclusão de qualquer outra possibilidade que não esteja
referenciada pela norma. Dessa forma, a noção de identidade de gênero estaria ligada à uma
substância ou materialidade que são representadas por características internas e estáveis do
indivíduo. A autora questiona se a noção de identidade de gênero não funcionaria como uma
prática de heterossexualidade compulsória, visando formar, classificar e excluir aqueles que não
fazem parte do ideal normativo. Butler (2003), então, introduz o conceito de gêneros inteligíveis
para representar os indivíduos que possuem uma relação de linearidade entre sexo, gênero, desejo
e práticas sexuais.
O abandono de uma identidade universal, uma essência que une todas as mulheres e que se
volta sempre à noção biológica possibilita a luta pelos direitos das mulheres nas suas interseções
com outras categorias, sejam negras, brancas, indígenas, de classe econômica baixa, média ou

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alta, da classe operária ou acadêmica, etc. A concepção de identidade de gênero passa a ser
pensada a partir das relações de poder, atravessadas por discursos, práticas e normas, mas que
também carrega em si um caráter dinâmico, múltiplo e instável, que se relaciona com outras
variáveis tais como etnia, sexualidade, regionalidade, etc. É a partir desses marcadores que se
formam modos de subjetivação (Louro, 2014; Cardoso, 2005).
Ao descrever os dispositivos de poder utilizados no engendramento dos sujeitos, Louro (2014)
descreve o caráter positivo do poder, que fabrica corpos dóceis e induz comportamentos, para
apontar o gênero constituído por um regime de verdades que produz e é produzido por relações
de poder (Foucault, 2014; Butler, 2003). O gênero não se constitui como uma essência, mas se
materializa nos corpos a partir de suas normas reguladoras. Segundo Narvez (2009), essa rede atua
com suporte em mecanismos formados por discursos, leis, organizações que se complementam.
Assim, os dispositivos determinam práticas normativas que constituem os sujeitos, perpetuam
formas de dominação e fabricam saberes e verdades buscando sua legitimação.

Transforma-se o “bebê” antes mesmo de nascer em “ele” ou “ela”, na medida em que se torna
possível um enunciado performativo do tipo: “é uma menina”! A partir desta nomeação, a
menina é “feminizada” e, com isso, inserida nos domínios inteligíveis da linguagem e do
parentesco através da determinação de seu sexo. Entretanto, essa “feminização” da menina
não adquire uma significação estável e permanente. Ao contrário, essa interpelação terá que
ser reiterada através do tempo com o intuito de reforçar esse efeito naturalizante. (Arán;
Peixoto, 2007, p. 133).

Nestas práticas é possível reconhecer como as estratégias de poder instituem lugares


socialmente diferentes para os gêneros, ao estabelecerem, por exemplo, medidas de incentivo ao
casamento, controle da natalidade, dentre outros comportamentos que atuam de forma sutil e
que diferem posturas específicas para cada gênero, determinando assim uma hierarquia entre o
masculino e o feminino e, consequentemente, uma matriz heteronormativa (Louro, 2014). Nessa
perspectiva, entende-se que o gênero é performativo, não no sentido de atuação ou performatizar,
mas como uma prática que se consolida a partir das repetições de comportamentos e normas e
por sua necessidade de ser reiterada (Butler, 2003).
Em resumo, a teoria produzida sobre gênero está dividida em três abordagens principais. A
primeira estaria pautada no determinismo de base biológica entre homens e mulheres, em que o
papel cultural é refutado na construção dos gêneros. A segunda abordagem destaca a socialização
como fator primordial para aprendizagem de funções de gênero, ou seja, as diferenças são
consideradas culturais e funcionariam a partir da internalização de normas reguladoras, que seriam
diferenciadas do sexo por seu caráter biológico. A terceira abordagem, mais contemporânea,
concebe tanto o gênero quanto o sexo como construções culturais, questionando o paradigma
biológico predominante (Giddens, 2005). A ênfase volta-se para o caráter social do gênero, o que
não significa negar que são em corpos sexuados que os gêneros se constituem, mas destaca-se
a sua condição relacional (Louro, 2014). Dessa forma, a dualidade dos conceitos é evidenciada;
a noção de que o gênero seria a construção social de algo estabelecido previamente (sexo) é
abandonada, levando à compreensão de que ambos são discursos historicamente estabelecidos
e desconstruindo a relação gênero/cultura e sexo/natureza, que por vezes são fixados no domínio
pré discursivo, consolidando tais discursos como uma estruturação naturalizada (Butler, 2003).
Levando em consideração os questionamentos existentes nas discussões de gênero, propõe-
se, então, refletir sobre como esse campo vem influenciando as áreas de pesquisa e prática de
psicólogos, propondo repensá-los a partir de uma postura ética e comprometida.
Como já relatado durante este trabalho, os estudos de gênero não são exclusivos a uma área
específica do conhecimento e vem se tornando uma temática cada vez mais transversal. Entretanto,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1059


NO ONTEXTO BRASILEIRO
podemos nos perguntar como o conceito e as reformulações de sexo e gênero vem influenciando
na atuação dos profissionais da psicologia. Estamos fechando os olhos para as novas demandas?
Continuamos perpertuando práticas excludentes em relação à diversidade humana? São esses
questionamentos que irão nos guiar na proposição deste trabalho.
Para Santos (2013), a importância de estudar a temática de gênero refere-se à necessidade
de compreensão dos comportamentos de homens e mulheres influenciados e prescritos
culturalmente, mas instituídos como naturais ou universais. A internalização da depreciação do
gênero feminino e sua posterior subordinação teve o aval dos mais diversos discursos teóricos,
seja a igreja, a medicina, a biologia ou a psicologia, com repercussões diretas na constituição dos
sujeitos. A autora pontua que, atualmente, os estudos de gênero na psicologia devem voltar-se
para duas vertentes: a primeira seria referente ao estudo e proposição de mudanças no contexto
de violência de gênero, onde cada vez mais o número de casos é alarmante e reflete a cultura
machista e misógina ao qual estamos inseridos. A outra vertente refere-se à problematização da
prática profissional de psicólogas e psicólogos nas mais diversas áreas de atuação, que muitas
vezes reproduzem explicações deterministas no campo do gênero e da sexualidade e subjugam
aqueles indivíduos destoantes da norma como anormais.
Entender e rever os discursos estabelecidos na psicologia deve ser um dever ético de todos
os profissionais de uma ciência comprometida com mudanças sociais e com a promoção dos
Direitos Humanos, desvelando nessa prática os discursos que propagam a violência e que são
fruto de construções históricas e sociais, problematizando seu caráter naturalizado. Santos (2013,
p. 28) indaga:

De que que modo temos contribuído para a redução ou o fortalecimento das negligências
e discriminações no que se refere à categoria de gênero? Como a psicologia contribui
para reforçar ou quebrar estigmas e estereótipos de gênero? Como vem essencializando
as diferenças de gênero, criando universais sobre o “ser mulher” ou problematizando as
especificidades de cada sujeito? Como tem se posicionado no enfrentamento às violências
física, psicológica, simbólica e midiática exercida contra mulheres?

Segundo Narvez (2009), o esboço da Psicologia cientiífica esteve diretamente relacionado


com o desenvolvimento de práticas de observação e descrição do comportamento humano,
assim como ocorreu com outras ciências humanas. Além disso, Melo e Barreto (2014) pontuam
que esse projeto científico, a partir do afastamento da Filosofia e posterior aproximação das
ciências médicas, permitiu a “construção de saberes sobre o homem fortemente vinculado às
dicotomias saúde/doença, indivíduo/sociedade, à identificação psicodiagnóstica e cura das ditas
anormalidades nos modos de viver contemporâneos.” (Melo & Barreto, 2014, p. 678), ou seja,
práticas estas que tinham a função de normalizar e que eram desconexas da realidade social.
Estariam assim relacionadas às chamadas práticas disciplinares foucaultianas, que possuem como
funções principais a classificação, o controle e a normalização (Foucault, 2012; Narvez, 2009).
Com o tempo, esses saberes adquiriram o status de teorias científicas e se tornaram
indispensáveis para o controle dos corpos, a partir de discursos que justificavam diversos atos
de exclusão e preconceito, dentre esses alguns discursos regulamentados pela psicologia. Para
ilustrar, Narvez (2009) cita algumas teorias psicanalíticas, a teoria da aprendizagem social e a
teoria do desenvolvimento moral e cognitivo como fontes de explicações psicológicas para as
diferenças de gênero levando em consideração o determinismo biológico. Nessas abordagens,
o gênero masculino seria tido como referência e as diferenças existentes, quando abordadas,
seriam consequências do sexo biológico e se constituiriam como “núcleos” psicológicos internos
e imutáveis (Narvez, 2009).

1060  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
De acordo com Harding (1986) e Nogueira (2001), podemos dividir o estudo do gênero na
psicologia em duas perspectivas: o modelo empiricista, composto pelas abordagens essencialista
e de socialização e o modelo pós-moderno, composto pela abordagem construcionista. As
ideias da abordagem essencialista perpassam pela existência de diferenças inatas entre os sexos,
considerando o gênero/sexo como uma propriedade estável que irá ser descrita a partir de
traços de personalidade ou processos cognitivos separados da influência do contexto ao qual
está inserido. A abordagem denominada de socialização era predominante na psicologia social
durante as décadas de 60 e 70, onde o gênero era entendido como um processo resultante de
forças sociais e culturais a partir de recursos como a modelagem e imitação. Neste modelo ainda
predomina a noção de masculinidade e feminilidade como traços estáveis de personalidade,
entretanto, estes são prescritos e aprendidos socialmente. Embora a teoria da socialização traga
avanços aos estudos de gênero, esta apresenta alguns dilemas, visto que ainda permanece em uma
noção dicotômica das diferenças entre os gêneros e as reafirma como entidades reais e internas
do ponto de vista psicológico.
Já a perspectiva pós-moderna tem a linguagem e as relações sociais como campos centrais
para a produção de conhecimento, tentando, a partir disso, superar a busca de uma verdade
universal. O gênero não é mais estabelecido a partir de diferenças biológicas ou estáveis, mas
como uma categoria ideológica, produzida pelas relações de poder (Nogueira, 2001).

O aparecimento de algo coerente que possa ser explicado como propriedade do indivíduo é
precisamente o efeito mais potente desse movimento ideológico, já que permite a atribuição
de uma importância simbólica (excessiva) à diferenciação sexual, o que por sua vez reforça
e mantém a ordem social vigente. (Nogueira, 2001, p. 11).

Nesse aspecto, as questões de gênero desenvolvem-se como práticas discursivas que


constituem um sistema de significados previamente estabelecidos e que são naturalizados como
comportamentos femininos e masculinos. Os construcionistas sociais entendem que a mudança
de perspectiva perpassa não só pelo nível individual, mas deve-se voltar à estrutura de poder por
trás dos discursos (Nogueira, 2001).
Os questionamentos dos discursos de gênero e sexualidade podem levar ao conflito e
resistência de modelos estabelecidos anteriormente e já naturalizados dentro do contexto científico.
Melo e Barreto (2014) ressaltam que, de certa forma, são os discursos científicos que moldam
formas de subjetivação, e a partir da problematização destes e da adoção de algumas medidas
como a abertura das grades curriculares do curso a outros discursos, isso também influenciará na
produção de novos modos de subjetivação. Para eles, a proposição de uma formação generalista
e com maior compromisso social possibilita que as/os psicólogas/os assumam a postura de
“agentes de transformação” nas demarcações de gênero, sexualidade e desejo.
Entretanto, pode-se perceber dois “problemas” quanto aos estudos de gênero na Psicologia,
o primeiro refere-se ao número limitado de pesquisas no campo de gênero nas universidades
e, especificamente, na Psicologia e o segundo diz respeito aos limites acadêmicos dos estudos.
É necessário que as pesquisas e discussões de gênero com perspectiva inclusivas extrapolem os
limites da universidade e reflitam na prática profissional destes, bem como em discussões na
própria sociedade, ou seja, precisamos que as discussões de gênero perpassem pela prática de
psicólogas e psicólogos lotados em escolas, hospitais, presídios, esportes, etc.
Para ilustrar esse cenário, Narvez (2009) realizou uma pesquisa propondo investigar em sua
universidade, a UFRGS, a existência de linhas de pesquisa e a produção de dissertações e teses que
abarcavam o indexador gênero. Os resultados demonstraram uma invisibilidade dos discursos de
gênero na Academia, onde as pesquisas muitas vezes permaneciam com discursos normalizadores

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1061


NO ONTEXTO BRASILEIRO
e pouco questionadores da ordem social. A universidade brasileira ainda permanece como um
campo estritamente representado por homens, saberes androcêntricos e discursos universais,
isso ocorre tanto no campo da Psicologia, como em outras áreas do conhecimento. A autora
provoca uma reflexão nos discursos que estão sendo produzidos, propondo a transversalização
das questões de gênero nos planos curriculares da Academia.
No estudo realizado por Borges, Canuto, Oliveira e Vaz (2013) foram revisadas produções
da Pontifícia Universidade Católica de Goiás a nível de graduação e pós-graduação. As autoras
buscaram produções do período de 1993 a 2008, justificando a escolha desse período por
demarcar a expansão dos estudos de gênero no país. Os resultados encontrados foram de 63
produções com pelo menos um dos indexadores (gênero, sexualidade, homossexualidade) na
graduação e 9 dissertações do programa de pós-graduação da universidade. As pesquisadoras
destacam ainda que as produções do curso de pós graduação da universidade apresentam uma
discussão mais ampla e interdisciplinar em seus trabalhos, enquanto na graduação a discussão
reflete um caráter menos plural e com escassez de estudos sobre gênero.
Informações como as levantadas nas pesquisas de Narvez (2009) e Borges et al. (2013)
demonstram a invisibilidade do tema de gênero nas universidades brasileiras, principalmente no
curso de Psicologia, em que práticas normalizadoras e classificatórias ainda são muito utilizadas.
Além disso, os cursos brasileiros de Psicologia ainda propagam o ideário de uma prática clínica e
suas abordagens como o principal foco de formação, ignorando muitas vezes demandas e dilemas
sociais.

Considerações Finais

Compreende-se que a realidade do gênero e da sexualidade não é necessariamente física ou


biológica, mas perpassa pela linguagem e pelo social. Não se constitui como fatos naturais, um
núcleo pré-estabelecido anterior à vida e que se desenrolaria em seu curso, mas como práticas
reiterativas constituídas por processos históricos e sociais na produção dos sujeitos (Perez, 2013)
e que se intersecciona com outras modalidades – étnicas, raciais, sexuais, etc. – para constituir
identidades e subjetividades (Butler, 2003). Esses cruzamentos nos ajudam a compreender as
problemáticas subjetivas e sociais aos quais homens e mulheres estão expostos e que demandam a
contribuição crítica da Psicologia. Por isso, defende-se a proposta do estudo de gênero como uma
categoria que constitui os indivíduos e que se reitera ativamente no comportamento cotidiano
dos indivíduos.
É possível reconhecer que os estudos de gênero começaram a se disseminar e problematizar
as hierarquias de gênero vivenciadas, liderados pelas ciências humanas e sociais, especialmente
a Sociologia e Antropologia e pelos grupos feministas. Embora a Psicologia tenha assumido
muitas vezes em sua história o papel de saber normalizador, a sua reinvenção no século XXI
vem se direcionando para que a mesma assuma o compromisso social de impulsionar novos
discursos de respeito e valorização humana, bem como desconstruir práticas reguladoradas que
visem o controle social por meio da exclusão de pessoas que estejam fora do enquadramento
normativo. Para isso, deve-se refletir sobre algumas teorias psicológicas até hoje utilizadas na
Academia e na prática profissional, onde o gênero é descontextualizado e naturalizado, e que
contribuem para a perpetuação de discursos estereotipados sobre papéis masculinos e femininos
e, consequentemente, na discriminação e hierarquias de gênero.
Por fim, entende-se que a questão levantada neste artigo refere-se ao caminho pelos quais o
conceito de gênero perpassou e suas transformações, entendendo as circunstâncias históricas às
quais as diferenças de gênero foram propagadas. Não mais situada em faticidades biológicas, os
estudos de gênero contemporâneos se propõem a compreender a construção social dos corpos

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
e sua implicação em relações de gênero desiguais e naturalizadas entre sujeitos. A partir disso,
buscou-se refletir como a psicologia, enquanto pesquisa e prática, vem se posicionando diante
dessas temáticas.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO À BRASILEIRA:
DESCOLONIZANDO A PSICOLOGIA
Gabriel de Figueiredo Maciel Vilella
Gabrielle Freitas Chaves

Introdução

A
leitora e ao leitor que repousam os olhos sobre estas palavras, preciso de antemão
esclarecer que esta escrita é atípica. Ela é composta de narrativas baseadas em
minhas vivências e descobertas pessoais, ou seja, escrevo de intimidades, deslizes
e surpresas. Proponho fazê-la assim para que você, leitor, possa se enveredar pelos mesmos
caminhos que percorri e que aqui culminaram, com o limite que se dá entre a experiência e a
comunicação e a distância do que eu posso pronunciar com o que você pode compreender. Minha
escrita também pode ser contestada, já que a posição que pleiteio é singular, por tanto parcial,
num entendimento que a realidade é fragmentada, múltipla de perspectivas. Fragmentada pelas
relações de poder e pelo outro e suas perspectivas.
Inicio no ano de 2016 o trabalho na Colônia Juliano Moreira no Serviço Residencial
Terapêutico, parte da estratégia do SUS na área da Saúde Mental do Estado do Rio de Janeiro. O
trabalho, em seu principio me toma muito tempo e saúde; em poucos meses já me sinto fadigado,
esgotado e depressivo. Fico confuso já que tenho amparo terapêutico e, ainda que de maneira
precária, o serviço oferta estratégias de sustentação do trabalho (reuniões de equipe, supervisão).
Paralelo a isso, sou apresentado por Gabrielle - minha esposa na época - a Joimar, um amigo
Zelador de Santo14. Conversamos e, depois de explicar a minha situação, ele me indica jogar os
búzios15, mas não antes de prescrever - com a firmeza de um médico veterano - banhos de ervas
para aliviar um pouco o mal-estar que sinto. Sinto um frio na barriga, eu estava entrando em
território desconhecido.
Os banhos de ervas seriam três diferentes tomados em uma sequência específica, o preparo
deveria ser em silêncio, as ervas deveriam ser quinadas- maceradas na mão - e dissolvidas em
água. O ato de banhar deveria ser do pescoço para baixo com uma caneca, e durante o processo
deveria eu pensar boas coisas. Assim foi feito e não senti nada. Achei que seria instantâneo como
alguns remédios alopáticos. Entretanto, com o passar dos dias fui me sentindo mais revigorado,
voltava menos cansado do trabalho e tinha mais disposição, não era uma cura milagrosa nem teve
seu efeito eterno, mas já me sentia melhor. Ainda assim decidi seguir sua indicação e procurar o
terreiro para jogar os búzios, havia em mim um sentimento de que algo importante seria me dito.
Chego ao terreiro Ilè Asé Iya Obi Ogunté, em que Mãe Zilá, uma senhora de 83 anos que é
conhecida por ter uma mão boa pra resolver problemas, prontamente nos recebe. Após muita
conversa sobre política e religião, ela dá o sinal para jogarmos os búzios. Em uma sala à parte,

14 Bàbálorìsà/ Íyálòrísá- Pai/Mãe que cuida dos Orisás. Sacerdote dos Orisás.
15 Oráculo popular nos terreiros.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1065


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ela acende uma vela, anota meu nome em um papel, diz inúmeras palavras em baixo tom e um
tipo de sintonia se estabelece entre nós. Dentre as muitas coisas que ela diz entre os lances do
jogo de búzios, com certo pesar anuncia que tenho “uma missão no Candomblé16”, indicando a
necessidade da iniciação no culto. Há o chamado de seu Orisá17, diz ela, mas antes podíamos tentar
outras coisas, dar uma comida pra ele, acalmá-lo, acalmar a “cabeça”. Junto a isso, confidenciou
também que sou o que ela chamou de rodante18 e que todas as questões que eu passava podiam
ser resolvidas, não era nada grave. Sem fazer promessas, descreveu precisamente como prosseguir
e o que seria a “terapia” para o meu caso. Essa foi minha primeira consulta, saí atordoado, algo
aconteceu ali, algo que não sei explicar. A convite da mãe de santo, eu inicio então algumas idas à
casa e começo a conhecer o Candomblé. Contudo, poderia eu estar nesse espaço?

Desenvolvimento

Nesse período de minha vida experimentava meus primeiros encontros com meus privilégios
enquanto homem branco, de classe média e heterossexual - vale ressaltar também do sudeste do
Brasil. A branquitude que me refiro aqui é entendida a partir do que Maria Aparecida Silva Bento
(2002) nos traz; enquanto “traços de identidade racial do branco brasileiro” que é forjada junto
ao processo de branqueamento de outras culturas e raças.
O que é branco em nossa cultura ocidental é produzido como modelo universal de
humanidade. Minha cor de pele, meus traços físicos, minha classe social, meu gênero, minha
localidade no Brasil, estão mais próximos desse modelo do que as pessoas negras, pardas,
indígenas, nortistas e nordestinos estão.
Tão próximos que fui capaz de ignorar durante muito tempo a possibilidade de vida em
uma estrutura comunitária (e não individualista), uma prática religiosa politeísta (totalmente
fora das bases cristãs) baseada na organização familiar não nuclear; capaz de não perceber a
ausência de autoras negras e autores negros em minha formação, ignorar a ausência de colegas e
amigas negras e negros em meus círculos sociais, nem reparar nisso, ter o luxo de não perceber as
diferenças raciais, ter o luxo de nem me questionar sobre isso.
A branquitude produz modelos éticos, estéticos e políticos, cegos, pautados em um
imaginário sobre o homem e a mulher negra e indígena, que por fim, justificam as desigualdades
raciais. Tais modelos derivam de uma construção histórica de violências que permitiram a
elaboração de um discurso hegemônico do homem branco sobre o não branco.
Nós, brancos cristãos, por exemplo, nos opusemos violentamente em toda história do
Brasil ao exercício das religiosidades negras, todavia, os colonizadores no escravagista de 1675,
quando lhes interessavam, faziam uso dessas religiosidades. Os Calundus19 não eram permitidos,
mas como brancos não dispunham de médicos para cura de seus males, recorriam às alternativas
negras (Cossard, 2014). Mesmo séculos depois, comigo não foi diferente: procurava eu cuidar de
meus males que a psicologia não parecia dar conta e em algum momento fui encaminhado ao
terreiro.
A pergunta ressoava em mim incessantemente, eu poderia estar nesse espaço? Entendi
que Íyálòrísá Zilá de Iemanjá, a mãe de santo da casa, poderia me ajudar. Ela, mulher de oitenta
16 É costumeiro o uso do termo Candomblé no singular, porém, como Mãe Zilá bem aponta, ela só pode dizer de sua
casa, do que acontece ali e do que ela faz. Não é possível estabelecer a unicidade desse termo, pois há candomblés,
são muitos e de muitas maneiras existindo em nações diferentes (Efon, Fon, Angola, Jeje, Ketu, Tambor de Mina,
Xambá, Candomblé de Caboclo, Ijexá e etc.) e formas de cultos diferentes. Não existe centralidade, um comando
ou padrão, a experiência é sempre local, porém há tradições, há o que se faz tradicionalmente em cada nação, em
cada casa.
17 Divindade.
18 Aquele que recebe o Orisá em seu corpo.
19 Espaços de cura, dos usos das ervas e de adivinhações.

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e quatro anos, negra é sábia e conhece essas questões. Afirmara para mim que “frente aos Orisás
todos eram iguais e que, seja preto ou branco, doutor ou peão de obra, todos devem trabalhar
igual”. Considerei, dessa maneira, minha permanência naquele espaço submetida à outra forma:
minha branquitude deveria ser repensada, deveria ser deslocada do lugar de poder e colocada em
pé de igualdade à negritude, assim como meu lugar nas relações de classe.
O terreiro reside em São Gonçalo, mais especificamente em uma pequena e pobre parte do
bairro de Tribobó. É atravessado por uma estrada; as ruas têm chão de terra batida e muito verde,
lugar com jeito de interior. A ida não é difícil, um ônibus do centro do Rio de Janeiro e alguns
minutos de caminhada são o suficiente para chegar lá: o espaço não tem nada de extravagante,
mas causa estranhamento a olhares cristãos; há estruturas de ferro sob jarros nos mais variados
formatos, há quartinhos em todo canto, entre outras coisas. As idas ao terreiro ocorrem geralmente
aos sábados, e noto que a casa é composta por poucas pessoas, não mais de quinze.
Frequentam mulheres e homens, de classes e raças variadas. Frequentam também a filha
– mãe pequena da casa - e netas da mãe de santo. O ambiente acolhedor, de pessoas risonhas e
próximas, faz desse espaço algo leve e agradável, uma espécie de família extensa, com as alegrias
e dificuldades que uma família tem.
Chego com vontade, questionando tudo, perguntando os porquês e não demora me
deparo com muitos segredos e poucas respostas. O contato com a espiritualidade, com o dia a
dia de trabalho na roça20, foi aos poucos dando contorno àquilo que incomodava; agora sabia o
que no trabalho em saúde mental fazia me sentir mal e como cuidar disso. Em verdade, já estava
cuidando e sentia esses efeitos.
No Candomblé as respostas vêm com o tempo, com as iniciações, e não só, com o dia-a-
dia de trabalho também. Passei naturalmente a dedicar todos os meus sábados, lá trabalho nas
mais diversas atividades, geralmente ligadas à manutenção como varrer, pintar, recolher lixo, lavar
banheiros. Não me compreendia mais em uma relação utilitarista com o espaço e pude ver um
novo universo desvelado cuidadosamente à custa de muito trabalho e esforço. O aprendizado ali
é oral e, ora ou outra, escuto algo sobre o culto, alguém diz de seu funcionamento e aos poucos
me foi possível montar uma rede de pequenos saberes.
Esse novo universo é construído por valores que partem de um lugar diferente dos quais
estou habituado, valores como: comunidade, troca, família, respeito, liberdade, etc, passaram
a ter outro sentido. Valores esses que me fizeram experimentar mudanças, reposicionamentos
subjetivos, viradas em minha maneira de relacionar com a vida. Penso nesse momento com bell
Hooks (2013) e Paulo Freire (1967), e entendo que esses valores são transgressores, libertadores
ao produzirem noções críticas que me põem em conflito com o branqueamento. Incomoda(va) a
mim e em mim o que coopera(va) para a manutenção de uma normatividade excludente. Estava
mais intensamente em contato com minha branquitude e seus efeitos.
Estar em contato com a minha branquitude é angustiante e também curativo. A
ancestralidade negra africana que é a matriz do Candomblé, e a prática em meu terreiro – imagino
que em outros terreiros aconteça o mesmo –, me direcionaram para um caminho potente, repleto
de vida. Em meu encanto, senti a necessidade de começar um diário o qual relatava o meu cotidiano
de idas à roça e notei aos poucos também, que enquanto psicólogo, não era possível ignorar o
bem que aquele espaço me fazia para além de sanar o problema que me levou até lá.
O passar do tempo no Asé fez crescer minha vontade acadêmica, de produzir algum material
a esse respeito, de tentar de alguma maneira cooperar com o Candomblé. Tinha em mente como
psicólogo a força de cuidado, de cuidar do ori, da cabeça, que aquele espaço e as pessoas nele
possuíam. Contudo não havia percebido que minha branquitude estava operando novamente: o
Candomblé resiste ao racismo e à colonização há séculos sem precisar de mim ou da universidade

20 Terreiro.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1067


NO ONTEXTO BRASILEIRO
para isso. As maneiras de resistir são inúmeras; desde sua conformidade política e geográfica, sua
descentralização no território nacional, passando por seus rituais e segredos, formas de luta, até
seus valores. Queria eu salvar quem com essa ideia?
Amadurecendo mais a ideia entendi que a universidade é um espaço no mundo ocidental que
dita o conhecimento (as normas, validade, etc). Dentro dessa relação de poder, afirmar o Candomblé
enquanto conhecimento e o terreiro como espaço de produção de saúde é operar o movimento
inverso. A academia passa a validar outros saberes e a destituir seu próprio movimento autoritário.
Mãe Zilá sinaliza que pesquisar pode ser uma boa maneira de preservar e difundir alguns
elementos da religião, mas em seguida aponta que “a nossa religião não pode ser grande, porque
quando fica grande estraga. Hoje ela já cresceu muito, o que é bom e é também ruim porque as
coisas começam a se perder”. Fica nítido que devemos ter atenção em como a difusão do Candomblé
acontece no Brasil. A manutenção de certos fundamentos, disso que se perde, é intrínseco a
diversos cuidados que devo praticar enquanto pesquisador e filho de santo. Na hierarquia de um
terreiro sou Iawò, aquele que acabou de se iniciar; que pouco sabe sobre a religião e começa a
conquistar seu direito de aprender mais.
Assim, a amplitude do pesquisar já tem um grande limitador. Desconheço muito do que
experimento estando em franco processo de aprendizado e há universos de mistérios à frente, dos
quais muitos não me podem ser ditos ou mencionados. Nessas condições não me sentia autorizado
em pesquisar, havia muitos complicadores. A pergunta que anteriormente importunava, volta em
outro contexto; agora se tratava de minha presença enquanto pesquisador no terreiro e também
enquanto candomblecista na universidade. Poderia eu estar aqui e produzir isso lá?
Poupei-me tempo e procurei logo conversar com as autoridades do terreiro. Nas diversas
conversas, concluiu-se que a condição básica para que a pesquisa acontecesse, era que fosse
realizada em conjunto, respeitando as múltiplas vozes que ali constituem os ensinamentos. A
Íyálòrísá e pais pequenos da casa acordaram em auxiliar no que pode ser dito e a revisar o material
produzido. Também só seria possível escrever a partir das experiências e sensações, poderia falar
do Candomblé que conheço e pouco vivi, mas que já tinha me transformado tanto.
Agora autorizado, pude ingressar como bolsista no programa de pós-graduação da
Universidade Federal Fluminense - UFF. Com o passar do tempo dediquei ao estudo mais a fundo
dos autores que já conhecia, aqueles que acreditava se adequar mais as às limitações e anseios que
se atualizavam a cada nova literatura. Todavia, apenas alguns pareciam contemplar de maneira
mais ou menos adequada a proposta de escrita. Sentia que faltava algo.
Debatendo-me com a angústia da produção de uma dissertação sem saber como fazê-la (o
drama de muitos alunos(as) da pós-graduação), tenho encontros com Iyá Zilá, com a orientadora
Luiza Oliveira, meu coorientador Abrahão Santos, com as pessoas que compõe a supervisão
coletiva, o laboratório Kitembo de Estudos da Subjetividade e Cultura Afro-Brasileira, com
algumas poucas disciplinas que me provocam e me põem em movimento crítico, também com
parcerias outras. Esses encontros me instigam a pensar e me repensar, a explorar novas referências
bibiográficas, e passamos a construir outros caminhos.
As referências bibliográficas propostas eram principalmente de pessoas negras, mulheres
e homens de nacionalidades diferentes. As leituras desses materiais faziam sentir coisas diversas,
por vezes alívio e muitas vezes eram extremamente desconfortáveis. Entrar em contato comigo e
entender que me privilegio -e reproduzo- de muitas maneiras a branquitude ao custo do sofrimento
de negros, mulheres, LGBTQ é difícil, indigesto.
Apesar disso, era uma leitura necessária. Fora o contato com Djamila Ribeiro, Maria
Aparecida Silva Bento, bell Hooks, José P. Castiano, Achille Mbembe, Conceição Evaristo, Antônio
Bispo dos Santos, entre outros, que me fizeram compreender que é possível outra maneira de
pesquisar.

1068  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Os encontros com essas autoras e autores me trouxeram a noção mais ampliada de quanto
sou fruto de uma graduação eurocentrada (ainda que seja voltada para as questões sociais e
aposte na filosofia da diferença), cuja epistemologia, a forma de produção de conhecimento,
é principalmente pautada em uma discursividade21 cientifica que produz regimes de poder que
privilegiam a população branca e elitista. Como a feminista branca Linda Alcoff (2016) afirma:

A epistemologia tem sido a teoria protocolar para o domínio da discursividade no ocidente, situada
numa posição de autoridade que lhe permite um julgamento bem além dos ciclos filosóficos.
A epistemologia presume o direito de julgar, por exemplo, o conhecimento reivindicado por
parteiras, as ontologias de povos originários, a prática médica de povos colonizados e até mesmo
relatos de experiência em primeira pessoa de todos os tipos. (p.131).

Facultamos-nos enquanto autoridades dos mais diversos assuntos e elegemos, a partir


de nossos interesses, o que é conhecimento. A experiência prática das parteiras, erveiras e mães
de santo, são preteridas em lugar do saber médico, por exemplo. Ao reforçar certos regimes de
poder que conferem regalias a uma parcela da população, faz-se sob a bandeira da neutralidade
e universalidade. É-nos dada uma potente lente supostamente imparcial que chamamos razão
científica para enxergar e somos convencidos que só podemos ver através dela.
Essa lente opera em esforço semiótico de filtrar tudo que vejo, inclusive no Candomblé.
Contudo, a multiplicidade de histórias, de possibilidades, valores e perspectivas que o Candomblé
de Mãe Zilá me produz, faz parecer que há mais fé investida em manter a lente que confiar nos
processos que sinto e substituí-la. É quando experimento em terreiro as sensações descompensadas
à razão cientifica que a lente cede.
Como é dito no conhecimento popular: a razão é rasinha. Entendo assim que há uma
desrazão no Candomblé, um absurdo incrível à razão e à ordem hegemônica. A desrazão não é
loucura – mesmo quando sobram esforços para que seja -, não é ausência de sentido, é o tempo
certo, é o que é repleto de sentido. Acessar essa desrazão é estar em contato com a espiritualidade.
Essa lente é característica da produção de conhecimento da branquitude. A tipicidade
universalista, de não localizar a produção de conhecimento, passa quase despercebida. Os
cientistas que adotam essa discursividade entendem que é possível a neutralidade, realizar uma
pesquisa sem posicionamento político. Como também não precisam localizar a cor de sua pele,
visto que ele mesmo não é objeto de estudo, no entanto não se refuta em objetificar o outro.
Estudamos o negro, o Candomblé, as populações indígenas, sem sermos negros, candomblecistas
e indígenas. Somos como o Deus cristão; não temos corpos, somos tudo e estamos em todos os
lugares, logo não somos passiveis de objetificação (Haraway, 1995). Daí vê-se a indiferença em
localizar a cor da pele, classe econômica e gênero. Nós brancos pouco nos estudamos, pouco
produzimos conhecimento sobre nós mesmos.
O grande ente científico sem corpo da produção universal se refestela a cada não menção
da identidade social de quem produz conhecimento. O branco ao não falar de sua branquitude
reforça a identidade do ser humano hegemônico, perpetrando o não-dito que se refere a diversidade
racial, social, econômica, de gênero e cultura que compõe o Brasil. Mantém-se assim, homens e
mulheres negras sob um regime de invisibilidade.
Ao leitor(a) branco(a), chamo atenção que não se trata de eu, homem branco, estar
comprando o discurso de “vitimização” da população negra. Djamila Ribeiro (2017) nos mostra
a concretude dessa maneira velada de racismo:

21 Como apontado por Djamila Ribeiro (2017) em seu livro; o uso que se faz das palavras “discurso” e “discursividade”
é a do sentido Foucaultiano, enquanto sistema que estrutura um determinado imaginário social.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1069


NO ONTEXTO BRASILEIRO
[...]“mulheres ganham 30% a menos que homens no Brasil”. Esta afirmação está correta?
Não, do ponto de vista ético não está. Explico: mulheres brancas ganham 30% a menos que
homens brancos. Segundo o Ministério do Trabalho e da Previdência Social em parceria
com o IPEA: Homens negros ganham menos do que mulheres brancas e mulheres negras
ganham menos que todos. Ou seja, quando ainda se insiste nessa visão hegemônica de
homens e mulheres, homens negros e mulheres negras ficam implícitos e acabam não sendo
beneficiários de políticas importantes. (p.40).

Há de explicitarmos nossa localização social, o lugar cultural, o contexto de produção


(Haraway, 1995; Ribeiro, 2017; Castiano, 2010). Afinal, quem fala? Dar visibilidade a nossa cor
de pele é uma política de escrita que intenta em tirar o branco da universalidade, da ausência
de corpo, e nos responsabilizarmos no que tange as hierarquias de saber que produzimos, das
questões de desigualdade. Marcar nosso lugar de fala é exigência para descolonizar o pensamento
e a produção de conhecimento em uma psicologia que se propõe brasileira.
O modelo de pesquisa e formação eurocentrada, permite extirpar e deformar os saberes
de terreiro. Isso me entristece. Reproduzi-lo é ir de encontro e chocar contra os ensinamentos
que tanto prezo, é trair essa outra ancestralidade que hoje repousa em meu ori. Esse movimento
desautoriza o saber de terreiro, reafirma o saber acadêmico, e autoriza a branquitude sobre a
ancestralidade negra. Isso é colonização. Como exemplo temos os saberes ditos produzidos na
Grécia, considerada o berço da civilização, entretanto:

Vocês sabiam que a civilização egípcia, uma das mais antigas e imponentes civilizações,
era composta por negros? Vocês sabiam que os negros do Egito construíram as Pirâmides
antes de Pitágoras formular o teorema? Sabiam que gregos iam muito ao Egito em busca
de conhecimento? Sabiam que as bibliotecas egípcias foram saqueadas pelos gregos após
a invasão e tomada do Egito? Sabiam que Aristóteles foi um desses saqueadores? Que
a filosofia que dizem ter nascido na Grécia, na verdade nasceu às margens do Rio Nilo?
Que Tales, Homero, Demócrito, Parmênides, Heráclito, Platão e Aristóteles copiaram as
construções filosóficas dos egípcios e difundiram como sendo suas? Sabiam que a base que
sustentou o pensamento e o progresso do ocidente foi construída pelo nosso povo? (James,
1954 como citado em Veiga, 2017).

Não é incomum que colegas pesquisadores ao realizarem investidas em determinada


localidade, deixem de atribuir a coautoria22 que caberia aos informantes e dão-se os créditos
enquanto mestres e líderes. Dizemos também que elementos são ou não são importantes para
pesquisar e temos enquanto consequências recortes e costuras de povos e suas tradições. Nesse
exercício acadêmico descuidado – ou seria mal intencionado? - traduzimos os elementos usurpados
dessas culturas e povos em certa linguagem acessível a poucos e com isso hierarquizamos os
saberes nos colocando no topo da pirâmide, na posição de quem pode usufruir da base que a
sustenta:

A função normativa da epistemologia diz respeito não apenas à questão de como o


conhecimento é produzido, de quem é autorizado a produzir, de como a presunção de
credibilidade é distribuída e de como os objetos de investigação são delineados. Mais do
que isso: diz respeito à forma como o conhecimento deve ser produzido, a quem deve ser

22 Do Latim AUCTOR, “o que aumenta, fundador, mestre, líder”, literalmente “o que faz crescer”. O significado
de “aquele que emite ordens por escrito” é do século XIV. <Retirado de https://origemdapalavra.com.br/site/
palavras/autor/>

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autorizado, à forma como a presunção de credibilidade deve ser distribuída e à forma
como podemos ganhar alguma influência politicamente reflexiva sobre as delimitações da
ontologia. (Alcoff, 2016, p.131).

A linguagem que é utilizada na universidade se afasta do processo de produção de uma


psicologia brasileira já que, a depender de como é utilizada, “pode ser uma barreira ao entendimento
e criar mais espaços de poder em vez de compartilhamento, além de ser um –entre tantos outros-
impeditivos para educação transgressora” (Ribeiro, 2017). O fazer ciência colonizadora utiliza sua
linguagem para se retroalimentar e toma quem não é acadêmico, como o quem não pode falar.
Torna-se instrumento de gozo de poucos sobre a humilhação de muitos outros (Hooks, 2013).
Entendo que Paulo Freire e bell Hooks são autores que tive contato que puseram em
prática uma escrita que se proponha romper barreiras ao entendimento. Ambos localizaram suas
produções, tanto no que dizem de suas vidas (como homem branco nordestino e como mulher
negra periférica norte americana), do local que se encontram e ao público a quem falam (ou de
quem só ouvem). Suas escritas são compostas de suas histórias em linguagem acessível e tem
como resultado da produção de conhecimento linhas fluídas e vivas.
Em Ensinando a Transgredir, Hooks (2013) traz a dimensão transformadora da prática
de pensar a língua que usamos ao afirmar que “A mudança no modo de pensar sobre a língua
e como a usamos necessariamente altera o modo com sabemos o que sabemos.”(p.231). Em
qualquer espaço haverá indivíduos que não vão compreender o que está sendo dito (no caso de
uma palestra ou obra escrita) e a linguagem cientifica como já dito aqui, abrange uma pequena
parcela da população –principalmente branca- e não alcança um amplo público. Assim propõe
ela que utilizemos os nossos vernáculos culturais, as particularidades de nossa fala:

[...] não necessariamente tenhamos que ouvir e conhecer tudo que é dito, que não precisemos
“dominar” ou conquistar a narrativa como um todo, que possamos conhecer em fragmentos.
Proponho que possamos aprender não só com espaços de fala, mas também com espaços
de silêncio; que, no ato de ouvir pacientemente outra língua, possamos subverter a cultura
do frenesi e do consumo capitalistas que exigem que todos os desejos sejam satisfeitos
imediatamente; que possamos perturbar o imperialismo cultural segundo o qual só merece
ser ouvido aquele que fala inglês padrão. (p.232).

Ao fazê-lo assim, caminhamos em direção à ruptura da frieza acadêmica e envolvemos


nossos discursos de mais afetos e intensividades. Operamos torções na universalidade que a
branquitude tenta nos impor – brancos são também reféns de seus padrões-, nos movimentamos
em direções outras e fazemos operar silêncios ao resgatar particularidades vividas. Esse é para mim
um exercício custoso, difícil de atuar e que exige repetição; me exponho ao dizer de minha história
e percurso, entretanto me é necessário para manter um rigor ético ao produzir conhecimento,
como um compromisso com a validade interna de mim mesmo enquanto sujeito.

Conclusão

Nós, homens brancos heterossexuais, temos raros momentos que ocupamos espaços de
silêncio. Não aprendemos ainda a ouvir e a sermos postos em xeque. Nunca o precisamos. Ocupamos-
nos de vozes que falam para si mesmas e, falamos para nossos parceiros, também brancos,
assuntos que precisamos reafirmar. Quando falamos a não brancos, às mulheres, negros, LGBTQ,
costumeiramente é em tom imperativo, dando lições do que se deve ou não fazer, e as melhores
maneiras de se fazer. Entretanto no anseio de me pôr e pôr outros iguais em xeque produzo essa escrita.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1071


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Minha preocupação nesse trabalho é atentar para elementos básicos que devemos nos
debruçar ao pensarmos a produção de conhecimento na psicologia, seja no campo das pesquisas
ou da formação, enquanto alunos(as) e professores psi, especialmente os(as) brancos(as).
Caminhar em direção a uma psicologia à brasileira é pensar em outro projeto de construção
nacional que não aquele que clareia as ideias, mas que as faz denegrir, que as tornam negras.
Como nos aponta Lucas Veiga (2017):

O que a academia brasileira vem fazendo com os negros e negras que chegam ao ensino
superior é submetê-los a um silencioso processo de embranquecimento. Nossa formação
é majoritariamente branca, masculina e europeia. A formação acadêmica no Brasil tem
a cara do colonizador. O pensamento brasileiro ainda é extremamente colonial. E não
podemos esquecer que o que promoveu a diáspora africana e a escravidão foi o processo de
colonização perpetrado pelos brancos europeus. Um pensamento colonial é um pensamento
escravocrata. Uma escravidão quase invisível ou inconsciente que mantém a nós, negros,
apartados de nossas origens, das produções de conhecimento de nosso povo e submetidos
ao conhecimento ou, dito de outro modo, à epistemologia do colonizador branco. É urgente
enegrecermos nosso pensamento, enegrecermos a formação, decolonizarmos a academia.

Os elementos contra-coloniais aqui apresentados não são novidade. Há tempos homens e


mulheres negras produzem materiais acadêmicos e não acadêmicos que se propõem a resistir à
branquitude no ocidente. No entanto estes discursos e corpos sempre foram invisibilizados pelo
racismo estrutural. Produzimos um complexo sistema de subalternização dos outros – negros,
mulheres, LGBTQ, a população pobre -. Uma máquina que é alimentada por nosso racismo e
preconceitos, quase autosuficiente.
Se engajar em um movimento contra-colonizador não é se por enquanto salvador ou protagonista
dessas lutas; os grupos subalternizados não precisam de nós. Foucault (1972) já apontara que as
massas, os oprimidos, não precisam dos intelectuais para saber. As massas já o sabem e melhor
que os intelectuais. Nosso papel então é o de lutar contra as formas de poder produzidas por nós
em nós mesmos, contra esse sistema que proíbe, barra e invalida esses discursos. Entremos em
franco movimento de questionar nossa atuação, nossos lugares de fala, pois como aponta Djamila
Ribeiro (2017), “O fundamental é que indivíduos pertencentes ao grupo social privilegiado em
termos de lócus social, consigam enxergar as hierarquias produzidas a partir desse lugar e como esse
lugar impacta diretamente na constituição dos lugares de grupos subalternizados”. (p.86).
Assim, cara leitora e leitor, irão vocês questionar ao entrar em sala de aula e/ou ao realizar
sua pesquisa quem pode falar? O que acontece quando você fala? Sobre o que lhe é permitido
falar? Talvez a partir desses questionamentos possamos produzir conhecimento à brasileira,
descolonizarmos a psicologia e tomar a universidade em sua diversidade.

Referências

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– Volume 31, Número 1. doi: 10.1590/S0102-69922016000100007

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Zilá, M. (comunicação pessoal, 01 de janeiro de 2015 a 01 de janeiro a 2018).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1073


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A EXTENSÃO COMO FERRAMENTA FORMATIVA
PARA A ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA NAS
POLÍTICAS PÚBLICAS
Emilie Fonteles Boesmans
Antonio Dário Lopes Júnior
Estéfanni Mairla Alves
Mayara Luiza Freitas Silva

Introdução

A
psicologia, historicamente no Brasil, caracterizou-se como uma profissão que
oferecia serviços de difícil acesso àqueles com pouco poder aquisitivo, atuando
primordialmente na clínica individual. Para Bock (2009) tínhamos “uma profissão
com pouca inserção social, baixo poder organizativo”. Entretanto, tal realidade vem gradativamente
se alterando, conforme podemos perceber em estudo realizado por Macedo & Dimenstein (2011),
no qual se pode compreender a progressiva expansão da atuação da psicologia, principalmente
para o campo do bem-estar social, por meio da atuação em inúmeros programas e serviços na
área de saúde e assistência social. Em outros termos, os psicólogos passaram a estar inseridos de
forma cada vez mais expressiva nas políticas públicas.
Os dados de estudos realizados acerca da atuação da psicologia apontam números
relevantes de profissionais atuando nas políticas públicas. Segundo dados publicados
em 2016 pela Comissão Nacional de Psicologia na Assistência Social (CONPAS) do
Conselho Federal de Psicologia (CFP) são 23.553 psicólogas e psicólogos no SUAS
(Conselho Federal de Psicologia [CFP]), 2016), muitos deles inseridos nos serviços de acolhimento
institucional, tema central deste artigo.
No Ceará, dados da pesquisa sobre Condições de Trabalho dos Psicólogos(as), realizada
pelo Centro de Referência em Psicologia e Políticas Públicas (Conselho Regional de Psicologia
11ª Região [CRP11], 2014-2016) da 11ª região do Conselho Regional de Psicologia apontam uma
prevalência de atuação de psicólogos nas políticas públicas de assistência social, somando 53%
do total amostral.
A inserção do profissional da psicologia no âmbito do Sistema Único de Assistência Social,
de forma obrigatória, é deliberação de 2011, tendo sido instituída por meio da Resolução 17/2011
do Conselho Nacional de Assistência Social (Resolução Nº 17 CNAS, 2011). Deste modo, a própria
consolidação da psicologia nas equipes de referência é recente, sendo a inclusão do debate sobre
tal política nos cursos de graduação ainda insipiente.
Em se tratando do acolhimento institucional pode-se circunscreve-lo, no que diz respeito
à Assistência Social, no âmbito dos serviços da Proteção Social Especial de Alta complexidade.
Portanto, compreende-se como um serviço que trabalha com sujeitos que tiveram seus direitos
violados, em sua maioria pela própria família, e cujos vínculos familiares estão fragilizados ou
rompidos. O acolhimento institucional está na interface com o sistema judiciário, já que é o juiz

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
quem determina tal medida protetiva, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei n. 8.069, 1990).
Este trabalho tem como objeto central apresentar a prática de extensão como importante
elemento na formação de psicólogos comprometidos com os Direitos Humanos e promotores
de saúde nos espaços de acolhimento institucional para crianças e adolescentes. Para tanto,
parte-se das observações realizadas no espaço de um serviço de acolhimento no que tange à
alguns aspectos inerentes à realidade do acolhimento institucional em articulação com os limites
e possibilidades que a formação do psicólogo proporciona para a atuação neste campo.
A proposta de abordagem do tema é a apresentação das situações centrais percebidas acerca
da atuação do psicólogo na unidade em articulação com a reflexão acerca do papel da extensão
como um dos tripés da Universidade, juntamente com o ensino e a pesquisa, na formação do
psicólogo. Desta feita, a atuação do psicólogo está extremamente implicada com o relato, pois
foi a partir da forma de inserção da psicologia na unidade em contraste com o limite da atividade
da extensão que puderam ser compreendidas algumas carências formativas.

Método

Parte-se do relato de uma experiência de extensão realizada em um serviço de acolhimento


do município de Fortaleza, delineando os elementos que puderam ser apreendidos pelos
extensionistas em campo e as reflexões que foram suscitadas a partir dessas vivências.
A atividade em tela aconteceu entre semanalmente entre 2013 e 2014 em uma unidade que
acolhe crianças de 0 a 12 anos, no município de Fortaleza-CE. O objetivo central da extensão em
tela consistia no registro de narrativas autobiográficas dos acolhidos por meio da Ferramenta do
Fazendo Minha história. A extensão ocorreu por iniciativa do projeto Liga de Direitos Humanos do
Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisa sobre a Criança (NUCEPEC) da Universidade Federal do
Ceará. Além dos encontros em campo com as crianças, eram realizadas atividades de supervisão
semanal e grupos de estudos temáticos.
A ferramenta do Fazendo Minha História, segundo Lopes et al. (2016, p. 225)

... é um dos cinco programas desenvolvidos pelo Instituto Fazendo História desde 2005,
cujo objetivo é promover meios de expressão para que os acolhidos conheçam, lembrem e
reflitam sobre fatos e momentos importantes de sua vida e registrem sua história pessoal
(Instituto Fazendo história, s.n.). Os registros são realizados em um álbum individual e têm
como auxílio a mediação de leitura.

Tal ferramenta mostrou-se interessante uma vez que se ancora na contação de história,
atividade que funciona como um elemento propiciador da construção de narrativas autobiográficas.
Assim, a proposta inicial consistiu em trabalhar em pequenos grupos separados pelo critério
etário, tendo em vista que cada período do desenvolvimento apresenta características específicas.
Era realizado o planejamento da atividade, em relação a tempo de execução, materiais, objetivos
etc. Semanalmente também eram realizados estudos teóricos e atividades de supervisão que serão
propriamente apresentadas ao longo do trabalho.

Resultados e Discussão

O serviço de acolhimento que foi o campo de atuação na referida extensão suscitou


diversas questões acerca dos modelos vigentes de acolhimento, do impacto do acolhimento no
desenvolvimento e na subjetividade dos acolhidos, bem como questões concernentes ao campo
da análise institucional.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1075


NO ONTEXTO BRASILEIRO
As que vamos dar ênfase aqui dizem respeito às situações que emergiram no campo de
extensão, mas que estavam sob ingerência dos profissionais da unidade, em especial, do psicólogo.
Isso possibilitou aos extensionistas entrarem em contato com situações corriqueiras do serviço
num espaço supervisionado de formação e de maneira reflexiva acerca da atuação do psicólogo.
A primeira questão de extrema relevância encontrada no campo diz respeito a atuação da
psicologia em interface com o serviço social. Esses profissionais dividem seu campo de atuação na
assistência social em todos os serviços do SUAS e, com frequência, existe dúvida acerca do papel
de cada um. Longe de adentrar a questão do papel do assistente social, o que se ressalta é que,
no caso da instituição em que realizamos a extensão, ocorria certa centralização das informações
acerca da história de vida das crianças por esses profissionais.
O que ficava claro para os extensionistas era a divisão entre o papel desses profissionais
como sendo o assistente social aquele que estava a par do processo da criança e o psicólogo como
aquele que faz uma escuta das “crianças problemas” da unidade.
Essa perspectiva de trabalho, que visa intervenção individuais, vai ao encontro da
representação social da psicologia, cujos profissionais, conforme apresentado por Dimenstein
(2000), aspiram a um ideal liberal, mediante uma formação teórica que privilegia a clínica dentro
de um modelo de atendimento individual, o qual, por vezes é tido como o fazer psicológico
propriamente dito, principalmente para o público leigo. Esse processo permite apreender os
aspectos da atuação da psicologia em suas acepções históricas, ou seja, remonta ao início da
psicologia no Brasil, que visava a rotulação e a segregação social de indivíduos considerados
perigosos e desajustados (Conselho Regional de Psicologia 6ª Região [CRP6], 2011). No entanto
tal abordagem vai de encontro à perspectiva de trabalho do psicólogo na política pública de
assistência, corroborando a ideia de culpabilização individual e de patologização da vida cotidiana.
Essa perspectiva é fruto de um processo histórico que já apontamos acima com Dimenstein e é
corroborada por diversas publicações do sistema Conselhos, como podemos citar a Referência
do CREPOP para atuação no Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS):
“A reprodução deste modelo clínico tradicional em muitos casos, pode se transformar em uma
prática normativa e reguladora de comportamentos sociais” (Conselho Federal de Psicologia
[CFP], 2012. p. 49) e esta não é a perspectiva de atuação do psicólogo nos abrigos institucionais.
Em decorrência desta percepção, por vezes, entra-se em voga uma certa leitura dos aspectos
sociais, na qual a realidade é vista de uma forma individualizante e acrítica. Em outros termos,
uma visão do social apartadas das múltiplas determinações desta realidade, donde se presencia
a legitimação da ideologia individualista dominante em detrimento dos aspectos vivenciados por
aquela parcela da população com a qual o psicólogo atua. Portanto, este entendimento pobre do
social acaba relegando ao segundo plano tanto a contextualização histórica, social e cultural das
problemáticas vivenciadas na unidade, quando os aspectos subjetivos, ou seja, o vínculo e o afeto
envolvida na mesma. Isso vai na contramão de todas as orientações da política de Assistência
Social, que preconiza o afeto como elemento central na organização do núcleo familiar, em
especial quando se trata do retorno familiar.
O próprio documento de ‘Orientações Técnicas sobre os Serviços de Acolhimento’ aponta
que:

Para decidir se a reintegração é a medida que melhor atende aos interesses da criança e
do adolescente deve-se levar em conta, dentre outros elementos: a necessidade e o desejo
da família, da criança e do adolescente pela continuidade da relação afetiva; a vinculação afetiva da
criança e do adolescente com a família de origem e o desejo pela retomada do convívio [grifo nosso];
se os encaminhamentos realizados foram viabilizados e qual tem sido a resposta da família
aos mesmos; as mudanças nos padrões violadores de relacionamento [grifo nosso]; as reações da

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
criança ao afastamento e ao acolhimento no serviço; dentre outros. (Orientações Técnicas,
2008, pp.18-19).

Compreende-se desta forma que, sendo o psicólogo o profissional aquele que tem como
ponto central de atuação “o desafio de contribuir para os processos subjetivos de emancipação e
autonomia dos sujeitos em situação de violação de direitos” (CFP, 2012, p. 48), muito ele tem a
contribuir com os aspectos destacados acima para uma boa avaliação da possibilidade ou não de
retorno da criança ou adolescente à sua família de origem.
Em casos em que a carência de recursos materiais, ou pobreza, figura tanto como um dos
principais motivos para o acolhimento quanto como empecilho para o retorno à convivência
familiar, cabe ao psicólogo uma atuação mais crítica, a qual possa fazer frente aos ditames do
senso comum, onde, por vezes a família de origem é tida como o foco dos problemas das crianças
e adolescentes abrigados, e desta forma depreciada em detrimento da possível família substituta,
a qual, por vezes ganha contorno messiânico.
Outra situação diz respeito ao papel do psicólogo junto ao educador social. Tal categoria
profissional, no Brasil, não decorre de nenhum tipo atividade de formação obrigatória. Nas
Orientações Técnicas já mencionadas, cabe a tal profissional:

Cuidados básicos com alimentação, higiene e proteção; Organização do ambiente (espaço


físico e atividades adequadas ao grau de desenvolvimento de cada criança ou adolescente);
Auxílio à criança e ao adolescente para lidar com sua história de vida, fortalecimento da
auto-estima e construção da identidade; Organização de fotografias e registros individuais
sobre o desenvolvimento de cada criança e/ou adolescente, de modo a preservar sua história
de vida; Acompanhamento nos serviços de saúde, escola e outros serviços requeridos no
cotidiano. Quando se mostrar necessário e pertinente, um profissional de nível superior
deverá também participar deste acompanhamento; Apoio na preparação da criança ou
adolescente para o desligamento, sendo para tanto orientado e supervisionado por um profissional
de nível superior [grifo nosso]. (Orientações Técnicas, 2008, p. 66).

Com efeito, se a função do psicólogo consiste em contribuir para os processos subjetivos


de emancipação e autonomia dos sujeitos, tal função encontra íntima relação com o papel do
educador social, pois o mesmo teria por função auxiliar a criança e o adolescente a lidar com sua
história de vida. Sendo por meio de nossas histórias, de nossas vivências coletivas e individuais que
conseguimos nos relacionar com o mundo. Dito isto, cabe a pergunta: não seria também uma
função importante do psicólogo na unidade de acolhimento a aproximação/orientação com o
educador social, de modo a prover o suporte necessário para sua atuação.
Embora o foco do trabalho de extensão fossem as crianças e os adolescentes, foi inevitável
a identificação de questões institucionais: o expressivo despreparo dos profissionais, visto na
manutenção de práticas moralistas e discriminatórias problemas, bem como problemas de
comunicação, referente às crianças, estas centralizadas profissionais do serviço social. Isso acaba
por reproduzir uma dinâmica de massificação e embotamento da subjetividade comprometendo
a autonomia destes sujeitos e levando a consequências psicológicas expressivas.
Não é a pretensão neste trabalho depositar todas as expectativas e todas as frustrações
sobre o funcionamento de um serviço de acolhimento no profissional de psicologia da unidade.
Trata-se de ressaltar as potencialidades do trabalho deste profissional para o bom funcionamento
de tal serviço, que exige, para tanto um bom processo formativo, que tem início na graduação.
Diante das conjunturas apontadas, a extensão se faz um instrumento essencial para tensionar tais
situações em direção a uma prática profissional adequada ao campo da política pública.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1077


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A vivência in loco, proporcionou aos extensionistas uma maior articulação entre a teoria
e a prática. Como já foi mencionado, uma das atividades concomitantes e indispensáveis foi
a discussão teórica em grupos de estudo acerca da temática do acolhimento. Isso se deu em
dois sentidos. O primeiro diz respeito a uma tentativa de compreender o campo da extensão.
Para tanto, temas como a compreensão das políticas públicas de Assistência Social, quais suas
prerrogativas legais que sustentam estes espaços, como se organizam os serviços de acolhimento
e mesmo qual seria a função do psicólogo dentro destes espaços. Cabe destacar que, os espaços
que existem para estas discussões são diminutos na graduação, sendo o psicólogo “formado”
para atuar como um profissional da saúde, uma atuação por meio das normativas do Sistema
Único de Saúde (SUS), sendo as questões inerentes ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS)
relegadas ao segundo plano.
A importância de iniciar o planejamento de uma atuação partindo do reconhecimento das
especificidades do campo demonstra que, embora didaticamente seja possível pensar em uma
divisão entre os aspectos da tríade Ensino-Pesquisa-Extensão, os mesmos estão intimamente
relacionados. Comumente as atividades de Extensão são concebidas como sendo uma atuação
mais prática, o processo de pesquisa é necessária para compreender a estruturação do espaço
em que vamos atuar, e quais são os saberes que por ventura nos auxiliam a compor uma prática
intencional e crítica.
De tal forma incluiu-se o segundo momento de preparação teórica para a atuação que
consistiu em discutir sobre a metodologia de trabalho escolhida: o registro das narrativas
autobiográficas produzidas por crianças por meio da ferramenta do Fazendo Minha História, tal
como já explicitada anteriormente.
Cada encontro era planejado pelo subgrupo de extensionista responsável. Isso permitiu a
cada um dos subgrupos compreender a importância do diagnóstico ou da situação inicial, da
consideração acerca das condições de desenvolvimento das crianças do grupo, a reflexão sobre
os materiais a serem utilizados, questões da rotina da casa etc. Ou seja: a proposta nua e crua
da ferramenta não era suficiente para o planejamento das ações, pois ela precisa ser utilizada em
articulação com dinâmica que tem um serviço de acolhimento. Após a realização de cada encontro
no acolhimento um processo de avaliação/supervisão das atividades era realizado, a qual nos
permitia o confronto com as especificidades de cada subgrupo, e com os limites e possibilidades
da atuação.
Outra questão importante foi que, como agentes externos à instituição, conseguimos
identificar muitos aspectos de sua lógica que poderiam ser adoecedores, mas que, por serem
arraigados na prática cotidiana, acabavam por ser repetidas e mesmo, passar despercebido pelos
profissionais.
Este fato já fora apontado por Goffman (2010, p. 48), uma vez que este reconhecia que
os processos de mortificação do eu (os processos que causam os adoecimentos) muitas vezes
se deviam a um processo de racionalização, criada “por esforços para controlar a vida diária de
grande número de pessoas em espaço estrito e com pouco gasto de recursos”. Os extensionista,
advertidos de algumas dessas questões conceituais, conseguiam, portanto, identificar tais
dinâmicas. Isso permitiu a compreensão de que a supervisão é instrumento indispensável em
qualquer prática profissional, assim como o é o estudo teórico. Ao mesmo tempo, foi possível
apreender o limite da intervenção proposta: não havia espaço pra que tal análise institucional
pudesse ter as repercussões devidas, de modo que estes dados recolhidos foram utilizados para
a compreensão do funcionamento da instituição, suas consequências na vida de cada criança do
grupo e, por fim, a tentativa de elaboração de tais situações por parte das crianças. Com isso foi
possível identificar a potência da atividade de extensão, já que estas crianças causavam um efeito
na dinâmica institucional, fato nem sempre visto com bons olhos pelos educadores sociais.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Em resumo, ficou claro que não é possível prever com exatidão uma atividade sem conhecer
os participantes da mesma de forma vivencial. Mesmo que os subsídios teóricos sejam conhecidos,
somente a vivência no espaço de atuação respalda a ação. Com efeito, ao adentrar em um espaço
até então desconhecido, em constante transformação, depara-se com variáveis que não poderiam
ser pensadas a priori.
Estar advertido disto permite também lidar com o sentimento de impotência frente aos
rumos da intenção inicial. Frente a tal sentimento é possível tomar o caminho de nega-la ou
reconhece-la. Ao ser negada a impotência permeia toda a execução do trabalho, impossibilitando o
reconhecimento de pontos nodais e a confrontação dos mesmos. Ao ser reconhecido, o sentimento
de impotência pode ser oportunamente discutido nos momentos de supervisão/avaliação
permitindo a compreensão dos aspectos acima pontuados: limites e possibilidades da atuação em
extensão, a relação teorização, diagnóstico e planejamento da atividade, dinamicidade do serviço,
aspectos institucionais concorrentes. Em outros termos, o reconhecimento desta dimensão pode
ser entendido enquanto um elemento potencializador das intervenções.
O outro ponto de extrema relevância nessa discussão é que o espaço da extensão se torna o
espaço potencialmente articulador entre o que se aprende do ponto de vista conceitual e teórico
e como estes aparecem na prática profissional. Como já foi dito, um dos pontos centrais da
atividade de extensão realizada foi a discussão teórica em grupos de estudos. Nestes grupos foram
discutidas questões como a massificação, o controle e a supervalorização das normas coletivas
em detrimento das subjetividades, a não brevidade de excepcionalidade da medida, dentre outras
apontadas por autores como Altoé (1993, 2008), Goffman (2010), Rizzini e Rizzini (2004),
questões estas que puderam ser identificadas em sua expressão singular dentro da unidade.
Ficou evidente como a rotina da instituição se impunha sobre toda a vida das crianças,
fato constatado pela observação e pela entrevista com profissionais da unidade, bem como pela
fala dos próprios acolhidos, as quais se assemelham, em muito, com as discussões de Goffman
(2010), ao que se refere às instituições totais, uma vez que, as características principais das mesas
residem em que, os seu internos, tem todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local e
sob uma única autoridade; cada fase da atividade diária do participante é realizada na companhia
imediata de um grupo relativamente grande de pessoas, todas tratadas da mesma forma e que
todas as atividades diárias são rigorosamente estabelecidas em horários, pois uma atividade leva,
um tempo determinado. É preciso fazer a ressalva de que, embora nas instituições de acolhimento
as crianças façam atividades, tenham os passeios, ou vão à escola, sua vivência comunitária é
majoritariamente tutelada pelas normas do abrigo, os muros deixam de ser exclusivamente físicos
se convertendo em estruturas simbólicas.
Com efeito, embora nossa atuação tenha se desenvolvido por meio de uma parceria entre à
Universidade e a o órgão gestor responsável pela unidade, era percebido um constante movimento
de resistência a qualquer mudança que a presença da extensão pudesse causar, por parte dos
profissionais, o qual era visto em algumas sutilezas, como, por exemplo, quando o horário do
descanso ou do lanche coincidia com os da atividade de extensão. Assim, embora muitos arranjos
e acordos tenham sido feitos para viabilizar a atuação, eles deveriam ser constantemente reiterados
ao longo do período de atividades. Por vezes, crianças que estavam vinculadas a pretendentes para
adoção eram retiradas da atividade de forma abrupta, sem permitir nem mesmo o fechamento do
momento. Embora seja de reconhecimento inegável a importância do processo de vinculação para
a adoção, tal atitude era compreendida como uma supervalorização da norma em detrimento
da experiência específica. Ou seja, a preocupação era que houvesse visita, independente de que
outras atividades estivessem sendo realizadas pela criança no momento da mesma, tal qual uma
atividade burocrática.
Pode-se perceber também que mesma dinâmica de coletivização dos materiais era estendida
aos materiais utilizados pelo projeto de extensão, embora este tivesse sido especificamente destinado

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1079


NO ONTEXTO BRASILEIRO
à atividade de extensão, outros setores da unidade o utilizavam, mesmo compreendendo que isso
implicaria na falta do material para o desenvolvimento do projeto. Da mesma forma, os álbuns
produzidos não eram compreendidos como sendo da criança, questão que afetava principalmente
as crianças menores, já que se compreendia que não tinham condição de permanecer com o álbum.
Entretanto, tampouco conseguiam mante-lo guardado de forma segura e privada na unidade.
Segundo a metodologia do Fazendo Minha História, o álbum se configura como uma posse da
criança, devendo ser guardado em local seguro, mas que ao mesmo tempo permita o acesso da
criança a ele sempre que esta deseje vê-lo ou fazer algum registro. Como na instituição isto não era
possível, os extensionistas, responsabilizaram-se de guardar os álbuns de cada criança.
O último ponto a ser debatido neste trabalho diz respeito aos casos encaminhados para a
atividade de extensão. Estes foram escolhidos por meio de identificação da psicóloga da unidade
em diálogo com demais membros da equipe do abrigo e tomou-se como critérios o tempo longo de
institucionalização e a pouca ou nenhuma convivência familiar. A equipe da extensão foi tomando
conhecimento da situação jurídica de cada criança por meio de entrevistas com as assistentes
sociais ou com as próprias crianças.
Com isso, ficou evidente que muitas crianças não tinha ideia de sua situação jurídica,
muitas estavam em processo de destituição do poder familiar e tampouco sabiam, e muito menos
tinham notícias acerca do andamento de seu retorno familiar, o que muito se assemelha ao que
Goffman (2010) apresenta que existem restrições à transmissão de informações, sobretudo sobre
os planos sobre o destino dessas crianças. Tal característica vai de encontro ao que é previsto pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que preconiza que é direito da criança ser informada
acerca de sua situação jurídica. Também foi constatado o elevado número de crianças que tinham
excedido o período máximo de acolhimento de dois anos e que muitas estavam ali sem saber
por que tinham sido acolhidas. Em outros casos, ficava claro que medidas anteriores deveriam e
poderiam ter sido implementadas antes do acolhimento ou mesmo permaneciam acolhidas pela
ausência de encaminhamento adequado de sua situação. Ou seja, embora o ECA estabeleça que
o acolhimento institucional deveria ser uma medida provisória e excepcional, ele acaba, por vezes
se tornando porta de entrada.
A hipótese levantada era a de que tanto o judiciário, que é o órgão que determina o
acolhimento, quanto o Conselho Tutelar, e mesmo a equipe do abrigo, agem sobre as famílias e
sobre as crianças de forma tutelar. Historicamente as instituições serviram como instrumento de
segregação e dominação sobre a classe mais pobre, o que perpetuou por muito tempo medidas
paternalistas e de desautorização da família em suas estratégias e formas de cuidado (Faleiros,
2011; Fávero, Vitale & Baptista, 2008). Tal movimento ainda ocorre hoje (Boesmans, 2015).
Poder perceber tal questão deu ensejo para discussões teóricas importantes acerca do
processo histórico das políticas votadas para a criança e ao adolescente pobre no Brasil, sobre
o papel segregador e normatizador da própria psicologia que por muito tempo se posicionou de
forma a legitimar certas estratégias de biopoder, bem como o grande abismo existente entre o
ECA e sua aplicação. Tal constatação permitiu a identificação da hipótese de Pinheiro (2006), a
qual aponta que ainda hoje coexistem diversas representações sociais da criança e do adolescente
no Brasil: objeto de proteção social, objeto de repressão, objeto de disciplina, e sujeito de direito.
A partir dos diversos pontos elencados neste trabalho, pode-se defender a efetiva importância
que a extensão pode ter na formação do psicólogo. Os dados colhidos provocaram o grupo no
sentido de diversas discussões que, de outra forma, dificilmente seriam abordadas no cenário
atual da formação do psicólogo no nosso Estado.
Pode-se apontar que os extensionista neste campo está preparado para lidar com questões
relativas à relação teoria versus prática, está advertido da importância de um diagnóstico e de
um planejamento, bem como da centralidade das atividades de extensão. Também pode entrar

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em contato com o fazer do psicólogo no serviço de acolhimento, abrangendo os aspectos da
intersetorialidade e interprofissionalidade do serviço. Da mesma forma, pode compreender os
aspectos sociais e jurídicos envolvidos na questão do acolhimento institucional, a organização e
execução de tal serviço no município de Fortaleza. Também foi possível se aproximar de aspectos
da relação entre subjetivação e formação da identidade nos contextos de institucionalização e das
estratégias que a instituição se utiliza para a execução de suas atividades cotidianas.
Desta forma pode-se destacar como principal ganho da extensão a formação de profissionais
cientes do papel da psicologia como profissão que tem como princípio básico do seu fazer o
compromisso ético-político com os direitos humanos e o trabalho em direção à superação das
desigualdades, violências e violações de direito em qualquer espaço. Foi importante perceber que o
psicólogo nesse serviço, deve estar alinhado a um modelo de superação da lógica segregacionistas
e, portanto, manicomial, visando o trabalho político e interinstitucional de extrapolar os muros
do abrigo, ou seja, ter como principal objetivo a manutenção do vínculo familiar e a convivência
familiar e comunitária, bem como a atuação que eleja a rede como elemento indispensável do
rompimento da lógica asilar e, desta forma, promovendo saúde mental e cidadania.

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1082  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR: PROFESSORES,
ALUNOS E A FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA
Antonio Dário Lopes Júnior
Emilie Fonteles Boesmans
Estefanni Mairla Alves
Mayara Luiza Freitas Silva

Introdução

O
presente estudo nasce de questionamentos, a muito feito pelos autores, acerca
da proliferação de Instituições de Ensino Superior (IES), bem como o aumento
de profissionais ingressantes no mercado da psicologia. O reflexo deste fato
pode ser visto enquanto o aumento do número de psicólogos cadastrados junto ao Conselho
Federal de Psicologia (CFP), no qual podemos constatar um quantitativo de 305.6011
profissionais.
Em artigo desenvolvido por Macedo e Dimenstein (2011), os autores abordam o crescimento
como decorrente de alguns fatores, com destaque para a ampliação do número de psicólogos
trabalhando no campo das políticas públicas destinadas ao bem-estar social, e o expressivo
número de cursos de psicologia em funcionamento nas diversas IES espalhadas pelo país.
Dito isto, o nosso objeto de análise consiste em discutir de que forma a lógica da expansão
da oferta de cursos de psicologia – no qual nos deparamos com a preponderância do setor privado
em detrimento do público, por meio da qual impera a lógica privatista do receituário neoliberal –
pode afetar no processo formativo do profissional da psicologia, uma vez que, a educação deixa
de ser um direito, passando a ser um produto a ser consumido.
O estudo em questão terá como metodologia o materialismo histórico-dialético, uma vez
que, sua premissa básica inclui o aspecto da historicidade, entendendo que os pressupostos que
embasam um método são produzidos historicamente, expressando as relações concretas presente
na vida material dos homens (Gonçalves, 2011).
Compreendemos assim, que não podemos analisar o fenômeno da Expansão do Ensino
Superior, partindo das ideias, mas remetê-lo a totalidade social, que é histórica. Uma vez que, para
Vygotski (2012, p. 67, grifo nosso, tradução livre) estudar algo historicamente, significa “aplicar
as categorias do desenvolvimento à investigação dos fenômenos. Estudar algo historicamente
significa estuda-lo em movimento. Esta é a exigência fundamental do método dialético”. Na
esteira das proposições de Marx e Engels (2007), sinalizamos que, somente o plano material pode
dizer como se é possível chegar ao objeto.
Com efeito, para efeitos deste artigo, utilizamos como técnica de pesquisa, os estudos
bibliográficos, uma vez que entendemos que por meio da literatura conseguiremos ter acesso a
certas nuances do real, onde poderemos compreender o fenômeno de desenvolvimento do Ensino
Superior Privado, bem como as suas transformações até chegar a seu estado atual.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1083


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Situar tais questões é importante, tendo em vista que serve de base para que percebamos
parte do pano de fundo para o ordenamento do sistema educacional brasileiro, em seu aspecto
formativo, os quais são influenciados e influenciam a sociedade como um todo.
Desenvolvimento
A proliferação das Instituições de Ensino Superior (IES) privado no Brasil não é um
movimento que começou com as políticas de acesso, como os Programas Universidade Para Todos
(PROUNI), ou o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), este é um fenômeno que se desenvolveu
paulatinamente dentro do cenário educacional brasileiro. Assim sendo, na tentativa de sinalizar
tais transformações, deveremos, primeiro, a tratar de uma forma histórica, dito isto, afiançamos,
ancorados em Martins (2009), que um dos momentos primordiais para o desenvolvimento do
Ensino Superior no Brasil se dá por meio da Reforma Universitária, ocorrida no ano de 1968,
no entanto o autor advoga que estas eram instituições organizadas a partir de conhecimentos
isolados, onde o que estava mais em voga era a mera transmissão de conhecimentos de cunho
marcadamente profissionalizante, sendo mais distantes do processo pesquisa. Desta forma, os
moldes para tais instituições, em grande medida se relacionam a lógica empresarial/mercado,
em outros termos, para a obtenção de lucro econômico e para o atendimento das demandas do
mercado educacional em termos de formação de mão-de-obra qualificada.
Com efeito, tais pressupostos ecoam no movimento tecnicista, onde se prega que o processo
educativo deveria ser reordenado de forma que se torne mais objetivo e operacional, onde o foco
passa a ser a organização racional dos meios, ou da forma como as habilidades serão aproveitadas
no mercado de trabalho.
Destacamos, conforme o apresentado por Martins (20009) que a emergência do ensino
superior primado nos anos de 1960 é fruto de uma série de fatores complexos, os quais permeavam
o campo político nacional naquele período e que impactaram sobremaneira a área educacional.
Dentre esses fatores podemos destacar a instauração do regime militar, onde as medidas de
modernização e expansão do ensino superior, por vezes, mascaravam as progressivas medidas
repressivas, em relação tanto ao movimento estudantil, quanto a docentes.

Com relação ao dispositivo repressivo, vale mencionar o Decreto n. 4.464/64, que extinguiu
a União Nacional dos Estudantes (UNE); o Decreto n. 228/67, que limitou a existência de
organizações estudantis ao âmbito estrito de cada universidade; o Decreto n. 477/69, que impôs
severas punições aos estudantes, professores ou funcionários que desenvolvessem atividades
consideradas hostis ao regime militar, com a criação, no interior do MEC, de uma divisão de
segurança e informação para fiscalizar as atividades políticas de professores e estudantes nas
instituições (Martins, 2009, p. 18-19).

De acordo com o autor, ao contrário do que ocorrera no período populista, por meio do
qual vigorou uma discussão pública tendo por objetivo à construção de uma universidade crítica
de si mesma e da sociedade brasileira, a política educacional do regime autoritário seria confiada
a um pequeno grupo designado pelo poder central. Na esteira deste processo, a educação superior
deveria ter objetivos práticos e adaptar seus conteúdos às metas do desenvolvimento nacional
(Martins, 2009).
Destacamos que a realidade de uma ditadura civil militar não era circunscrita ao Brasil,
vários países latino-americanos passavam pelo mesmo. Fato este que justifica que, no ano de
1968 ocorressem diversas manifestações contrárias aos regimes. No Brasil, em reposta a elas, o
Governo Militar lança, no ano de 1969 um Grupo de Trabalho (GT) da Reforma Universitária,
afim de propor soluções para as questões estratégicas reais, as quais seriam demandadas pela
Universidade. A este respeito, Saviani (2013), acrescenta que o projeto da referida reforma,
deveria responder a demandas contraditórias, por um lado, a dos estudantes e professores que
reivindicavam a abolição das cátedras, e a autonomia universitária, bem como mais verbas para

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
o desenvolvimento das pesquisas e aumento do raio de atuação das universidades, por outro, o
dos grupos ligados ao regime instalado, que visavam atrelar mais o ensino superior aos ditames do
mercado e um projeto político de modernização em consonância com as diretrizes do capitalismo
internacional. No entanto, os aspectos progressivos que poderiam ser vistos na referida reforma
foram abafados pelo regime militar.
Assim, em meio as discussões da reforma universitária, abriu-se uma brecha para o
florescimento das IES privadas. Nas palavras de Martins (2009, p. 21):

Embora não fizesse menção à participação do ensino privado no processo de expansão, o GT


abriu brechas para sua posterior presença no campo do ensino superior. Ao permitir a existência
dos estabelecimentos isolados em “caráter excepcional” – uma vez que a universidade deveria
constituir o “tipo natural de estrutura para o ensino superior” –, o GT criou condições favoráveis
ao processo de privatização que viria logo em seguida, ancorado na criação de estabelecimentos
isolados. A produção de um discurso oficial que insistia na escassez de recursos financeiros
permitiria, num momento posterior, evocar a situação de “complementaridade” da rede privada
na ampliação do sistema.

O significativo aumento da participação privada na oferta de ensino, principalmente em


nível superior, foi possível pelo incentivo governamental assumido deliberadamente como política
educacional. O grande instrumento dessa política foi o Conselho Federal de Educação (CFE), o
qual, fortalecido pela aprovação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), em 1961, passou a deliberar
sobre abertura e funcionamento de instituições de ensino superior (Martins, 2009; Saviani, 2008).
Para Saviani (2008), no órgão, nunca deixou de ter representantes das escolas particulares em
sua composição, assim sendo, sua atuação principal consistia no fortalecimento deste setor,
conseguido por meio de sucessivas autorizações e reconhecimento de cursos de natureza privada.
Um outro fator que convêm destacar, de acordo com Martins (2009) consiste em que
o forte controle político que ocorria no período acabou por cercear possíveis movimentos de
contestação à proliferação destas instituições. Aliado a este processo, temos o incremento de
uma lógica privatista, a qual prega a carência da coisa pública em detrimento a esfera privada,
tida como a seara da virtude.
Se os anos da Ditadura Militar corresponderam a um aumento da demanda do Ensino
Superior privado, conseguimos sinalizar que, em virtude da crise econômica potencializada
na década de 1980, enquadrada num grave quadro inflacionário e no aumento das taxas de
desemprego, acaba gerando uma desaceleração da expansão do ensino superior. Ao mesmo
tempo, eclodiam críticas sobre a qualidade do ensino privado por parte de várias associações
profissionais e de outros segmentos da sociedade civil (Martins, 2009).
Acerca da influência dos Organismos Multilaterais neste processo, podemos destacar que,
os mesmos, para os países periféricos do capitalismo, conferiam a educação a função de uma
espécie de panaceia dos males, elemento determinante para a mobilidade social (Baretto, 2013)
ascendente no plano individual, uma vez que auxilia no desenvolvimento de competências, em
face as exigências do competitivo mercado. Por outro, conforme Saviani (2011, p. 428), se passa
a assumir o discurso do fracasso da escola pública, sendo justificada pela incapacidade que o
Estado tem de gerir o bem comum. “Com isso se advoga, também no âmbito da educação, a
primazia da iniciativa privada regida pelas leis do mercado”.
Nesse sentido, os responsáveis pelas políticas educacionais no país incorporaram
determinados princípios das agendas de Organismos Multilaterais, os quais recomendavam que
os investimentos do governo deveriam ser na educação básica, enquanto que o ensino superior
deveria ser privatizado, tendo em vista que a educação não é tida como um direito, mas um

investimento em capital humano individual que habilita as pessoas para a competição pelos
empregos disponíveis. O acesso a diferentes graus de escolaridade amplia as condições de

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1085


NO ONTEXTO BRASILEIRO
empregabilidade do indivíduo, o que, entretanto, não lhe garante emprego, pelo simples fato de
que, na forma atual do desenvolvimento capitalista, não há emprego para todos [...] (Saviani,
2013, p. 430).

Na esteira da discussão pode-se ressaltar que a LDB (1996) preconiza a educação como
direito público subjetivo e que deve ser ofertado de forma gratuita dos 4 aos 17 anos, pelos
diversos níveis de ensino, bem como devem ser ofertadas possibilidades de escolarização àqueles
que por qualquer motivo estão fora dessa faixa prevista como idade escolar. Entretanto, refere-se
a educação superior da seguinte forma: “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e
da criação artística, segundo a capacidade de cada um” (Título III). Desta forma, fica clara a visão
meritocrática, aludindo às capacidades individuais de acesso ao ensino superior.
Com isto, sinalizamos a paulatina entrada do ideário empresarial, como grande expoente
os Organismos Multilaterais, dentro do contexto e do ambiente deliberativo para as propostas
educacionais, para os quais, “o processo educativo deveria priorizar uma formação que prepare
o indivíduo para o mercado de trabalho, pois apenas assim é possível à educação reverter as
condições de desigualdade social existente nos países pobres” (Santos, D.; Mendes Segundo,
M. D.; Freitas, M. C. C.; & Lima, T. V. A. 2014, pp. 153-154), destacando o ensino por meio
das competências. Conforme Jimenez (2010) e Saviani (2013), podemos ver claramente que a
forma pela qual o Estado tenta promover esta preparação é mediante a paulatina submissão da
educação aos interesses empresariais.
Esse legado do regime militar consubstanciou-se na institucionalização da visão produtivista
de educação. Esta resistiu às críticas de que foi alvo nos anos de 1980 e mantém-se como
hegemônica, tendo orientado a elaboração da nova LDB, promulgada em 1996, e o Plano Nacional
de Educação, aprovado em 2001 (Saviani, 2008).
O quadro de recessão não se modifica muito nos anos de 1990. De acordo com estudo de
Mancebo (2004), neste hiato ocorria a ascensão das políticas neoliberais no país, tendo, como eixos
centrais, o ajuste fiscal e a implantação de um Estado mínimo, o qual, dentre os efeitos podemos
destacar: a desnacionalização da economia, por meio do progressivo processo de privatização,
a reforma do Estado, com a diminuição da participação do poder público em detrimento da
iniciativa privada; o trânsito da sociedade do emprego para a sociedade do trabalho, isto é, a
tendência ao desaparecimento dos direitos sociais do trabalho e a transferência de deveres e
responsabilidades do Estado e do direito social e subjetivo do cidadão para a sociedade civil (Silva
Júnior; Sguissardi, 2005).
Silva Júnior e Sguissardi (2005) apontam que durante o governo de Fernando Henrique Cardoso,
colocou-se em prática uma política ajustada aos ditames do capital financeiro internacional,
preocupando-se apenas tangencialmente com o fortalecimento do capital industrial (produtivo)
brasileiro, onde o correu uma redefinição do papel Estado, este, segundo Mancebo (2004), agora
entendido como um mero regulador dos bens e serviços oferecidos pela inciativa privada.
Assim, embora na década de 1990 não tenha ocorrido uma reforma universitária, oficial,
o discurso neoliberal cunhava uma, pautada na crítica à presença do Estado nas mais diversas
esferas da vida nacional, tendo reflexo nas políticas de austeridade fiscal, com diminuição de
recursos e progressivo desmantelamento dos bens públicos. Os quais refletiam, e ainda refletem
no Ensino Superior (Mancebo, 2004).
Nos anos do Governo Lula, vivenciamos um novo período de uma reforma universitária,
por meio da qual conseguimos uma série de investimentos das Instituições Federais de Ensino,
como também, acabamos por presenciar um aumento nos investimentos no setor privado,
principalmente por meio de Programas como: Programa Universidade Para Todos (Prouni) e o
Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), por meio deles, o Estado promoveria o acesso de
estudantes de baixa renda ao ensino superior privado. No entanto, tais programas acabam por

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
figurar enquanto um agravamento do processo de privatização do ensino, uma vez que passa a
delegar responsabilidades, que antes seriam da esfera pública para a iniciativa privada.
Embora tenhamos traçado o panorama histórico do Ensino Superior Privado, nosso objetivo
não se converterá em uma ode à esfera pública em detrimento da privada, tendo em vista que,
se ocorre uma expansão deste setor se deve, em parte, a uma vacância do Estado, ou seja, estas
instituições também cumprem um papel social. Em segundo lugar, segundo a lógica do capital,
como dito, a educação deixa de ser um direito, convertendo-se em um produto a ser consumido,
em processo de produção massificada, avaliações cada vez mais quantitativas que qualitativas,
estando presentes nas duas esferas, pois em maior, ou menor medida, esta passa a se configurar
na estrutura que engendra as políticas de ensino.
Ao evocarmos na memória algo referente a instituições de ensino, logo nos vem à mente o
par professor/aluno, não podendo existir um sem o outro, e não havendo instituições de ensino
sem ambos.
No momento em que nos questionamos acerca da docência no Ensino Superior, esta passa
a ter características díspares, as diferenças entre cursos e instituições, uma vez que é sabido, e
corroborado pela literatura que, a grande maioria dos estudantes dos cursos de alta demanda
tem origem no ensino médio privado. Por outro lado, são altos os percentuais de estudantes
originários da escola pública em cursos de baixa relação candidato/vaga (Ristoff, 2014). Nas
instituições públicas, os cursos de psicologia figuram entre os primeiros, curso ainda elitista, tal
como a própria profissão se manteve durante décadas.
Com as políticas de acesso e o crescente mercado no qual o Ensino Superior se converteu,
chegam à psicologia uma miscelânea de alunos que antes não havia, as quais geram novas
dificuldades enquanto pensar na formação deste aspirante a psicólogo, uma vez que, cada vez
mais as cruezas da sociedade cada vez mais se tornam presentes no momento formativo.
Se considerarmos que no Brasil sempre existem dois sistemas dirigidos a dois grupos
diferentes, podemos depreender que o psicólogo em formação nas Universidades públicas, são
pessoas, em sua maioria provenientes das camadas mais abastadas, sendo um estudante que
tem ou teve pouco contato com a política pública de forma geral e busca, na psicologia, uma
possibilidade de atuação liberal. Nesse espaço da Universidade pública, entretanto, deveriam
ser pautadas as políticas públicas, e o desenvolvimento de uma formação socialmente engajada,
tendo em vista que, a atuação de seus profissionais deveria se voltar para a sociedade.
Em contrapartida, o psicólogo em formação nas faculdades particulares está submetido de
maneira mais visceral a uma lógica de mercado, que reproduz aquilo que é de interesse momentâneo,
ou seja, que é mercadoria a ser vendida. Por vezes, a preocupação maior destas instituições se
converte na retenção do aluno em detrimento dos aspectos curriculares ou qualidade do ensino.
Esse aluno, portanto, que, por vezes adentra ao Ensino Superior com certas dificuldades
provenientes de sua educação básica, encontra um modelo de formação que, se arvora em uma
dicotomia, entre aquilo que está previsto em suas diretrizes curriculares
e o que é realizado na prática cotidiana, onde não se prioriza a apresentação dos clássicos
em psicologia, mas sim daquilo que é vendável, ou versões mais resumidas. A este aluno, por vezes,
não chegam muitas discussões importantes, tanto para uma compreensão mais aprofundada
sobre o fazer do psicólogo, como também aspectos necessários para sua atuação enquanto um
agente nas políticas públicas, em especial na seara da assistência social, uma atuação que deveria
ser pautada, sobremaneira em uma perspectiva crítica das instituições e sociedade.
Se considerarmos a crescente quantidade de cursos de psicologia nas Faculdades
particulares, podemos supor que a grande maioria dos psicólogos em formação e formados há
poucos anos não está preparado para uma atuação em políticas públicas. Conforme dados do
e-Mec, no Ceará atualmente temos 26 cursos de psicologia, dos quais 10 iniciaram suas atividades

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1087


NO ONTEXTO BRASILEIRO
em 2016 e 2017, o que corresponde a 38,46% do total. Se incluirmos o ano de 2015, chegamos ao
percentual de 53,84% dos cursos de psicologia do Estado, dentre os quais apenas 3 são ofertados
por instituições públicas. Destes, há grande concentração na capital, o que também aponta a
pouca democratização do acesso (http://emec.mec.gov.br/ recuperado em 05 de fevereiro, 2018).
Essa fragilidade repercute de forma significativa nas próprias condições de trabalho dos
profissionais da psicologia, que não se reconhece enquanto categoria e que tampouco reivindica
de forma coletiva melhorias trabalhistas. Primeiro porque não se reconhece trabalhador, fenômeno
cada vez mais presente e recorrente que tem como ícone a figura do psicólogo empreendedor.
Segundo, porque a própria formação não da conta de transmitir ao aluno a importância de
estratégias coletivas de enfrentamento, de cuidado, e de reivindicação de direitos. O graduando
entra na psicologia com uma ideia acerca da atuação do psicólogo enquanto uma atuação clínica,
e, o que é pior, sai dela muitas vezes da mesma forma: enaltecendo formas individuais e privadas
de cuidado, que são válidas, mas não são as únicas. Uma vez que, mesmo que estejam pautadas
pelas Diretrizes Curriculares para os Cursos de Psicologia a questão de ênfases de aprofundamento,
as quais seriam a oportunidade de aprofundamento dos estudos em algum domínio de atuação
profissional, algumas vezes as diferenças entre uma ênfase e outra são irrisórias, se configurando
como duas formas de se compreender a esfera clínica.
Após abordar em linhas gerais alguns aspectos sobre a questão discente, deveremos pensar
em um outro componente do espaço acadêmico, o professor. Neste sentido, Forattini e Lucena
(2015) apontam que a docência de nível superior, em uma IFES são atribuídas as atividades de
ensino, pesquisa e extensão, além de funções administrativas. Sendo cada uma dessas searas,
compostas por um conjunto de atividades altamente complexas, as quais exigem atualizações
constante do docente. Para os autores, a pressão constante dos professores residiria no processo
de qualificação, carreira, convívio com discentes com os mais variados níveis de cognição, a
carga de trabalho excessiva, sem o reconhecimento, aos quais geram um significativo impacto na
estrutura psíquica do docente. Concordamos com os autores, em sua colocação e, ao se pensar
em instituições privadas, as quais, como demonstrado na primeira parte deste esboço, são as que
mais crescem e, consequentemente mais empregam, outros fatores mostram uma lógica perversa.
Se, na esfera pública as pressões estariam em um processo de qualificação constante, nas
instituições privadas, o professor é cobrado a se qualificar, conseguir mais títulos, mas os mesmos,
ao se converterem em profissionais titulados e, consequentemente, “mais caros”, dificulta o seu
processo de empregabilidade. É comum se ouvir que a Faculdade só tem o número de doutores
exigidos pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC).
Um outro aspecto que se avoluma nas instituições privadas, são alunos com os mais diversos
níveis cognitivos, onde, por carências do Estado em promover uma educação pública de qualidade,
coloca no ensino superior público e privado alunos com dificuldades provenientes da sua base
estudantil. No ensino privado, como o aluno é o consumidor, cliente, um dos fatores que preocupam
o professor é o processo de retenção do mesmo, o aluno permanecer dentro da instituição.
Assim existe um duplo padrão, enquanto em discursos se escuta de uma pretensa valorização
do docente, se prega uma valorização do resultado imediato, onde a formação teórica do aluno e
a preparação do material didático por parte do professor, ficam a segundo plano, o que, por vezes,
dificulta na tarefa de instiga-los à discussão, ou a sair dos limites impostos por sua experiência
cotidiana para compreender mais acerca de sua futura profissão e o pretenso compromisso
político da mesma.
Este quadro se agrava com o esgarçamento das relações trabalhistas, onde muitos docentes
em instituições de privadas passam a trabalhar no regime de professor horista, em outros termos,
o salário é visto pelo número de horas passadas em sala de aula, ou seja, atividades como
planejamento, correção de atividades não são contabilizadas, assim, o docente acaba tendo que

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assumir várias disciplinas em uma ou mais instituições, o que pode afetar na forma de execução
de seu trabalho.
Pensar tais questões se configura enquanto um dos deveres docentes, em uma das funções da
academia, no entanto vai de encontro aos interesses do mercado, ou de encontro a uma formação
que tenha em vista apenas a adequação dos alunos, com o seu status de empregabilidade. Em meio
a uma lógica que cada vez mais despe os professores de suas prerrogativas, cabe nós questionar
em meio a esta lógica imediatista, o que nós fazemos, ou o que podemos fazer para nadar contra
a corrente e, em meio a esta automatização de nosso fazer, tentar resgatar a humanidade e a
criticidade para a formação?

Conclusão

Por meio deste estudo, esperamos ter conseguido demostrar a maneira como a expansão
do Ensino Superior Público no Brasil, por vezes vai de encontro aos interesses da esfera pública,
com os progressivos insumos que são dados pelo Estado ao setor privado, o qual se estrutura
de uma forma histórica, onde embora o fenômeno se apresente de uma nova conformação sua
raiz imediata encontra-se na Reforma Universitária promovida pelo Regime Militar. Assim, ao
acompanhar o desenvolvimento histórico, sinalizamos ás políticas de austeridade dos anos de
1990, com o Governo de Fernando Henrique Cardoso com a redefinição do papel do Estado, mais
uma enfraquece o papel do Estado, este visto como um regulador, em detrimento da iniciativa
privada. Tal fato pouco se modifica no Governo Lula, tendo em vista que, embora seja inegável os
investimentos deste feito no fortalecimento da Universidade Pública, às políticas de financiamento
estudantil também acabam por encorpar o setor privado, onde a educação passa a ser vista como
um bem de mercado.
Esta discussão foi necessária para que pudéssemos discorrer sobre alguns dos aspectos
que o contato com a esfera privada nos suscitaram, a qual tentamos pensar sob a lógica dos
estudantes e professores. Ficando claro que, pelas políticas de acesso a gama o contingente que
adentra às IES é bem maior, gerando uma série de situações novas, as quais irão afetar a formação
do psicólogo e como as diretrizes do mercado acabam influenciando neste segmento.

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1090  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EIXO TEMÁTICO

PSICOLOGIA JURÍDICA
PSICOLOGIA DO ESPORTE
PSICOLOGIA AMBIENTAL
RETIFICAÇÃO SUBJETIVA DO AGRESSOR: RELATO DE
EXPERIÊNCIA DO GRUPO DE EXTENSÃO E PESQUISA
EM VIOLÊNCIA E GÊNERO
Rayane Barbosa da Silva
Hávila Raquel do Nascimento Gomes Brito
Hianka Hingridy Gomes Maia
Ernand Silva Rocha
Anna Paula Fagundes Bezerra

Introdução

A
violência contra a mulher é um fenômeno complexo e que pode ser definida,
segundo Pinafi (2012, p.1), como “toda e qualquer conduta baseada no gênero,
que cause ou passível de causar morte, dano ou sofrimento nos âmbitos: físico,
sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada”.
A diferença anatômica entre o corpo feminino e masculino, muitas vezes, é usada como
razão para a forma como é delimitado o papel da mulher na sociedade, principalmente no que
diz respeito à divisão de atividades e do trabalho (Bourdieu, 2002). Na visão patriarcal, a figura
masculina é eleita como detentora de poder, e a mulher como sendo submissa a este, recebendo
então, uma autorização, ou, tolerância por parte da sociedade a diversos tipos de violência.
Apesar de se destacar no meio familiar, a violência contra a mulher pode vir a ocorrer em
diferentes ambientes e situações, deixando marcas que não se delimitam ao corpo, mas que
repercutem em toda a vida da mulher (Lettiere, Nakano & Rodrigues, 2008). Tais padrões devem ser
rompidos com a conscientização dos atores sociais de seus papéis e da introdução do conceito de
igualdade de gêneros, como forma de evitar a perpetuação de condutas violentas e sexistas. Nesse
sentido, mudar a conduta de cada um dos envolvidos no cenário de violência doméstica é retificar
subjetivamente e criar novos padrões de comportamento que quebrem o círculo da violência.
Partindo dessa perspectiva, foi desenvolvido no Centro Universitário Católica de Quixadá,
no interior do Ceará, um grupo de retificação subjetiva de homens acusados de agressão à
mulher, a cargo do Serviço de Psicologia Aplicada (SPA), do curso de Psicologia da instituição.
Os participantes do programa foram encaminhados pelo aparato judicial para participar do
grupo, seguindo proposições previstas em lei. Quando deferida para eles as medidas protetivas de
urgência, a participação no grupo foi uma das medidas protetivas.
O grupo contou com o acompanhamento de profissionais da psicologia, sendo que foi
buscado atuar junto ao agressor, através de técnicas da psicologia, de modo a levá-lo a questionar
seu comportamento, sem julgamento de valor por parte dos integrantes do grupo ou dos
profissionais e estudantes da psicologia. Foi procurado ofertar um ambiente acolhedor, no qual o
machismo enquanto ideologia seja questionado e as práticas violentas, oriundas desta ideologia,
sejam repelidas.

1092  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A aplicação de uma medida judicial deve, sobretudo, estabelecer um novo paradigma
de intervenção junto ao indivíduo infrator, com o objetivo de promover um espaço reflexivo/
responsabilizante, no qual o homem autor de violência doméstica possa ter a experiência de
refletir criticamente sobre suas práticas violentas no interior de suas relações. Os grupos reflexivos
viabilizam uma maior qualidade e efetividade na execução da determinação judicial, contribuindo
para uma cultura de paz e para a diminuição da violência, através da intervenção em fatores de
risco social e da promoção do sentido educativo da pena.
Portanto, é importante que informações de experiências como esta sejam compartilhadas,
pois assim irão colaborar com a replicação de grupos como este, contribuindo com a busca pelo
combate à violência contra a mulher, à igualdade de gênero e para mudanças de comportamentos
prejudiciais a toda a sociedade. Diante disso, este trabalho tem como objetivos relatar a experiência
de estagiários do curso de psicologia que participaram e facilitaram os encontros realizados com
os homens encaminhados para o grupo, descrevendo as intervenções que foram propostas em
cada um dos momentos e discutindo sobre as contribuições que o grupo teve na retificação
subjetiva dos sujeitos.
Na década de 50 a Organização das Nações Unidas formulou tratados que garantiam direitos
iguais entre homens e mulheres, afirmando que os direitos humanos devem valer igualitariamente
para ambos, sem quaisquer distinções. Apesar da garantia de tais direitos, a impunidade de crimes
cometidos contra a mulher ainda era bastante presente.
O conceito de feminismo, de acordo com Soares (1994), é entendido como a ação política
das mulheres, englobando teoria, prática e ética. Os movimentos feministas reúnem um conjunto
de discursos e práticas que dão prioridade à luta das mulheres para denunciar a desigualdade de
gênero (Descarries, 2002).
Segundo a Lei nº. 11.340/2006, intitulada Lei Maria da Penha, nas disposições preliminares,
em seu Art. 2°:

Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura,
nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência,
preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social ((Lei n.
11.340, 2006, pp. 11-12).

Antes da referida Lei entrar em vigor, o dispositivo legal utilizado para proteger a mulher
da violência doméstica era a Lei 9.099/95, Lei dos Juizados Especiais, que no âmbito penal foi
instituído o Juizado Especial Criminal (JECRIM), visando primeiramente à conciliação entre
acusado e vítima.
Com a implementação da Lei Maria da Penha, foram propostas e estabelecidas modificações
relacionadas ao enfrentamento da violência contra a mulher, com o intuito de possibilitar a
segurança e a proteção que a mulher deve ter.
Dias (2008, p. 21) enfatiza que até o advento da Lei Maria da Penha, “[...] a violência
doméstica não mereceu a devida atenção, nem da sociedade, nem do legislador, muito menos do
Poder Judiciário”, uma vez que, por serem situações correntes nas relações familiares em meio ao
espaço privado, ninguém interferia, o que fez com que a mulher sofresse resignada durante anos.
As medidas de urgência delineadas no art. 22 da lei 11.340/06 tem como objetivo inicial e de
imediato cessar a violência no convívio familiar. Dessa forma, o que se pretende de imediato é que
o agressor não tenha contato com a vítima, para que as agressões não prossigam.
As medidas protetivas de urgência ligadas à ofendida estão elencadas nos artigos 23 e 24 da
Lei nº 11.340/06:

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1093


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção
ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio,
após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens,
guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos (Lei n. 11.340, 2006, pp 25-26).

Metodologia

Este trabalho é resultado de experiências vivenciadas por estudantes do curso de Psicologia do


Centro Universitário Católica de Quixadá. As vivências são oriundas da participação dos mesmos,
como facilitadores de um Grupo de Autoconhecimento e Retificação subjetiva do agressor, tal
grupo foi idealizado pelo Poder Judiciário Local juntamente com o Serviço de Psicologia Aplicada
(SPA), do curso de Psicologia, deste centro universitário.
O grupo teve 12 encontros, e contou com a participação de oito homens autores de violência
doméstica e intrafamiliar contra a mulher, que foram encaminhados pelo aparato judicial,
seguindo proposições previstas em lei. Cada encontro teve a duração de 02 horas, no período de
setembro a dezembro de 2017, e foi conduzido por um profissional da psicologia devidamente
inscrito em seu conselho de classe, juntamente com dois estudantes do curso de psicologia. Cada
reunião cumpriu um objetivo específico, de acordo com o encadeamento de temas propostos,
que serão relatados nos resultados.
Semanalmente os estagiários, juntamente com outros discentes, se reuniam para estudos
teóricos, no qual também eram discutidos e trazidos recortes dos momentos de prática. Os
encontros contaram com a participação de uma docente do curso de psicologia, que também
conduzia o grupo e por vezes, a participação de uma professora do curso de direito.
Para fundamentação teórica das observações e experiências vistas em campo, foi realizado
uma revisão de literatura com o intuito compreender melhor a visão histórica da violência contra a
mulher, os direitos adquiridos, o uso dos grupos reflexivos como medida protetiva e a Retificação
Subjetiva.

Resultados

O primeiro encontro foi realizado pela psicóloga responsável pela mediação do grupo de
modo individual. Além da exposição do que se tratava o grupo e seus objetivos, por se referir a
um público encaminhado pela justiça de maneira compulsória. A meta nesse momento inicial era
trazer o indivíduo para um contato mais próximo, visto que estes foram encaminhados pela justiça
e não tiveram contato prévio com a equipe, este momento objetivou também a apresentação dos
critérios a serem seguidos para suas permanências no grupo, como, horários, faltas e frequência.
Os quatro primeiros encontros, que foram os primeiros contatos entre participantes,
profissionais e estagiários, buscou-se maneiras de estabelecer vínculos, criando inicialmente um
ambiente de escuta e acolhimento, livre de julgamentos e expondo o caráter sigiloso do grupo.
Ressaltou-se que por mais que a participação deles se devesse por um encaminhamento judicial,
aquele local era de prática de psicologia e não de direito/justiça. Considerando a relevância
da participação de todos para que o objetivo almejado se efetivasse, procurou-se construir um
espaço democrático de interação para que os sujeitos em questão se sentissem mais propensos à
comunicação grupal. Foi utilizado nos primeiros encontros o Objeto da Palavra, para facilitar o

1094  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
controle e participação de todos os membros, após se verificar a demasiada altivez e tentativa de
posse e controle da fala por parte de alguns membros. Essa característica favorecia a resistência
e a padronização dos discursos do grupo pelos mais ativos. Nesses mesmos encontros, focou-
se também em proporcionar esclarecimentos jurídicos, contando com a participação de uma
profissional do curso de Direito. Os participantes questionavam sua participação obrigatória,
sendo que diante da condição processual diversa, alguns não haviam sido julgados, outros nem
ouvidos pelo poder público. Com isso traziam muitos anseios e dúvidas acerca dos próprios casos,
alegavam inocência o tempo todo, o que poderia significar uma possível resistência à participação
no grupo. A presença de uma docente do curso de direito proporcionou um ambiente de escuta
necessário neste primeiro momento.
Os temas e metodologias a serem abordados eram pensados e planejados previamente pelos
mediadores do grupo, que discutiam temas e métodos de condução para o coletivo. Para facilitar
a emergência e melhor circulação dos conteúdos abordados, foi empregada a técnica Círculo
de Cultura de Paulo Freire, que consiste em um local de simultâneas trocas de experiências e
aprendizados, entre aprender e ensinar, onde não se traça um foco, mas elicia-se um movimento
onde todos estiveram sujeitos a trocas de argumentos e pontos de vistas da situação, para que cada
integrante pudesse compartilhar de suas realidades com os demais, estabelecendo uma relação
de igualdade e respeito entre todos os envolvidos no processo. Fez-se importante e necessária a
utilização desta técnica tendo em vista o caráter plural do grupo, com idades, profissões, nível de
escolaridade e costumes diversos.
No quinto encontro trabalhamos com a técnica Zona de Desenvolvimento Proximal de
Vigotsky. O intuito dessa prática foi estabelecer uma relação de trocas entre os participantes,
onde cada um, dentro da sua individualidade pudesse colaborar na construção de conhecimento
do coletivo dentro do tema levantado. Assim, através das trocas, o sujeito que não reconhecesse
seu ato como de caráter violento, pudesse se identificar na fala dos demais, gerando uma possível
reflexão. Nesta sessão pediu-se que eles elencassem situações cotidianas de sua comunidade/
bairro onde se pudesse verificar a ocorrência de violência de gênero. Após o relato a equipe
pontuava com algum questionamento para estimular o discurso de opinião, em seguida o caso
era aberto para debate em grupo, sempre moderado pela professora e estagiários.
No sexto encontro, após identificarmos que alguns tinham dificuldade ou resistência em
reconhecer o conceito de violência, trabalhamos com essa temática para estimular o pensamento
crítico do que vem a ser a violência na sociedade e na vida particular de cada um. Pedimos que cada
membro evocasse da memória e compartilhasse alguma situação em que o mesmo teria sido alvo
de algum tipo de violência. Em seguida os demais faziam comentários. Os facilitadores pontuavam,
ou questionavam quando percebiam ser pertinente ao desenvolvimento da questão. Falou-se sobre
os conceitos de violência física, moral e psicológica lançada as mulheres cotidianamente. Pediu-se
que os participantes trouxessem mais exemplos presentes em suas realidades, a fim de aproximá-
los da questão e enxergar que o agressor, o praticante de violência contra o sexo feminino está
gravemente inserido no modelo de sociedade atual. Constatou-se, através de questionamentos
feitos pelos moderadores o protagonismo masculino nas questões abordadas. Nessa mesma
ocasião versou-se sobre a construção social do corpo feminino, sua erotização, mercantilização e
simbolismos, sobre direitos, vestes e costumes. Sempre com o foco nas relações de gênero.
No sétimo encontro levamos três matérias de jornais, inclusive uma de um veículo local,
impressas e uma série de comentários reais, com altos teores machistas, retirados da internet
sobre as referidas notícias relacionadas com a violência contra a mulher. Expôs-se na parede as
manchetes e um a um os participantes iam escolhendo a notícia, comentando-a. e depois os
moderadores retiravam um comentário dos internautas e pediam que eles falassem sua opinião a
respeito. Os comentários escolhidos eram propositalmente muito agressivos, causando surpresa

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1095


NO ONTEXTO BRASILEIRO
e repulsa nos partícipes. Partindo daí apontou-se os traços machistas contidos nos discursos dos
homens internautas.
No oitavo encontro abordamos o tema Masculinidade e Machismo. Através da música Mal
Secreto, de Jards Macalé, na voz de Gal Costa. A letra faz alusão a alguns aspectos marcantes na
mítica figura do macho. Incitamos o pensamento crítico de como esses aspectos podem se tornar
opressores do outro e de si mesmo. Após a leitura da letra em voz alta por um dos estagiários a
música foi posta para audição e reflexão. Parte a parte a canção foi completamente comentada e
ponderada. Nesta oportunidade abriu-se espaço para que os integrantes falassem acerca de sua
masculinidade e da fragilidade desta.
O nono encontro foi marcado pela atividade de associação de imagens com o conceito de
amor. Após debater-se a violência em seu amplo entendimento foi trazido o amor como tema.
Diversas fotografias foram impressas e levadas pela equipe com imagens que pudessem remeter
a ideia de amor, foram dispostas no chão para observação e posterior escolha daquela que o
integrante tivesse mais identificação com o significado de amor para si. Após isso era aberto
para comentários e reflexões. Analisou-se que muito se associou o amor com família em termos
gerais e muito pouco dentro das relações entre parceiros. Os facilitadores orientaram o discurso
para o campo das relações afetivas, trazendo à tona um discurso de dificuldade em expressar
sentimentos.
No décimo encontro propôs-se e executou-se técnicas do psicodrama: cadeira vazia e
inversão de papeis. Dentro do contexto da dificuldade masculina em pedir perdão, assumir o
erro, iniciar um diálogo ou expressar um sentimento. Inicialmente foi dito sobre o que se tratava
a referida técnica e da possibilidade da abertura de um canal para manifestação das intenções
de arrependimento (baseadas em autorrelato) e das emoções. A adesão dos participantes foi
completa e marcada por sensível entrega ao processo. Notou-se o empenho e o respeito do
grupo neste momento. Por se tratar de uma técnica que ia totalmente contra as expectativas
demonstradas no início do grupo, com participantes fechados ao diálogo. Após a encenação o
participante comentava sua experiência e interagia com os demais.
No décimo primeiro elencou-se Amor x Posse como eixo central de trabalho. Por meio de
imagens os participantes iam reconhecendo e escolhendo entre amor e posse e comentando sobre
esses conceitos que muitas vezes se confundem. Ciúmes e cerceamento de liberdade também
foram discutidos na ocasião.
Os últimos encontros foram individuais onde falou-se sobre as expectativas e os resultados
auto descritos pelos participantes, o significado do grupo para cada um, o sentimento individual
após o engajamento e as novas percepções que surgiram após a participação no projeto.

Discussões

A Proposta da criação do grupo de Autoconhecimento e Retificação Subjetiva como uma


medida protetiva de urgência, se deu pelo grande número de parceiros envolvidos em denúncias de
violência contra a mulher na delegacia do município de Quixadá. A partir disto, a juíza encarregada,
propõe uma parceria com o SPA-Serviço de Psicologia Aplicada do Centro Universitário Católica
de Quixadá, a fim de resguardar as vítimas, ao passo que oferece uma pena com uma proposta
realmente restaurativa.
Não podendo abordar o sujeito de maneira separada, sem relação com seu contexto
histórico-cultural, tentou-se refletir sobre que fatores influenciam na construção da violência.
Diante do relato dos participantes em questão, percebeu-se que de uma maneira geral, estes
tiveram suas origens dentro de um panorama machista, patriarcalista, no qual a mulher era
tratada como objeto de posse do marido, fazendo apenas aquilo que ele a permitia, se dando

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
uma “permissão” de puni-la caso fugissem as suas regras. Bourdieu (2002), afirma que a força
masculina é ratificada pela imposição de uma visão androcêntrica. E a ordem social cada vez
mais fortalece a dominação masculina, como por exemplo, na divisão social do trabalho, com
distribuição bastante estrita a cada um dos dois sexos.
Como nos apresenta Quinet (2000), a retificação subjetiva implica em promover
responsabilização por parte do próprio sujeito, quanto a sua participação em uma determinada
desordem pessoal ou social. Para este fim, foi empregada a técnica Círculo de Cultura de Paulo
Freire, tal técnica proporcionou o estabelecimento de vínculo entre os participantes, dando margem
a uma fala mais livre. Como nos afirma Freire (1987), dentro do “círculo de cultura” há processos
de encontros e reencontros entre os participantes, todos no mesmo mundo comum, promovendo
à comunicação, o diálogo, a criticidade. Assim, juntos recriam criticamente seu mundo, não mais
o aceitando passivamente, mas o transformando. Notou-se algumas vezes durante a realização
das atividades propostas a dificuldade de alguns participantes em reconhecer aspectos violentos
ou machistas em si mesmos, entretanto eles conseguiam visualizar nas imagens, notícias e frases
trazidas para as dinâmicas de grupos, como também na fala dos outros. Esse reconhecimento
favoreceu ao grupo a visualização do perfil do agressor, que como traço mais forte trouxe a
heterogeneidade de pessoas e personalidades. O impressionante cidadão comum. Longe dos perfis
midiáticos de transgressores incuráveis, ‘monstros’, diriam. Isso ensejou uma maior facilidade de
um vínculo empático e aceitação da situação por parte dos membros do grupo.
Partindo da ideia de Vigotsky de que o ser humano se desenvolve a partir de suas relações
de trocas sociais. A utilização da técnica Zona de Desenvolvimento Proximal proporcionou aos
integrantes do grupo uma postura crítica diante de seus próprios atos, causando uma identificação
de si no discurso dos outros participantes. Assim, cada um saindo do seu nível atual de
conhecimento e contribuindo para o desenvolvimento dos demais, gerando novos conhecimentos
acerca da temática abordada. Para Vigotsky as conquistas que garantem a humanização das
pessoas, partem das suas relações sociais, em que o sujeito participa ativamente (Zanella, 2004).
Utilizou-se também das técnicas do psicodrama para favorecer a eclosão de assuntos de difícil
contato para os participantes, como traz Almeida (1989, p. 1) “trata-se de proposta para trabalhar
as relações individuais e grupais, psicológicas, terapêuticas e existenciais, através dos elementos
revolucionários do chamado “teatro espontâneo” criado em 1921 por Jacob Levi Moreno. ” Dentro
dessa proposta foi aplicada a técnica da cadeira vazia para encenar o contato do agressor com
a vítima num contexto de pedido de perdão e revisão do acontecido, pois se verificou que essa
dificuldade encontrava no grupo vontade para ser enfrentada. Nessa técnica o participante torna-
se o protagonista e tem numa cadeira a figura complementar à sua dramatização. Algumas vezes
isso permite uma expressão mais espontânea de sentimentos ternos, ou agressivos dependendo da
configuração do grupo, ou das dificuldades que o paciente tenha de trabalhar com outra pessoa.
(Blatner 1988, p. 165). Logo após essa técnica era proposta a Inversão de Papeis, para estimular
que o participante possa ter contato com o ponto de vista da vítima. Segundo Blatner (1988, p.
172) a inversão de papeis sempre que convém que o protagonista tenha empatia com o ponto
de vista dos outros. No início dos encontros grupais muitos negavam veementemente culpa,
ou participação no ocorrido. O discurso da maioria era o de injustiçados. Com o decorrer dos
encontros ratificou-se a mudança de narrativa ao apresentarem grande aceitação e participação
nas técnicas psicodramáticas.
A experiência aqui relatada objetivou provocar estes sujeitos a refletirem criticamente sobre
o modelo de relação presenciada desde as suas origens e posteriormente reproduzida por eles, e a
partir disto questionarem, de forma mais consciente e respeitosa, a relação com as suas parceiras,
contribuindo para uma quebra dos paradigmas machistas e para uma sociedade mais justa e
igualitária. Partiu-se de um grupo resistente, com a sensação de injustiça presente no processo,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1097


NO ONTEXTO BRASILEIRO
da negação, para um grupo com maior sensibilidade para discorrer sobre as questões femininas,
vinculados entre si e com a equipe facilitadora. Percebeu-se que os integrantes passaram a
valorizar o grupo, mantendo a assiduidade, elogiando o trabalho da equipe e transcendendo o
caráter compulsório do grupo, chegando a relatar sentirem falta dos encontros durante feriados
e afins. Viu-se uma evolução na elaboração de ideias e no discurso dos partícipes, que mesmo na
diversidade de níveis de escolaridade e cultural, conseguiram conectar pensamentos através de
metáforas relacionadas ao cuidado, ao amor e ao machismo concebidas pelo próprio grupo.
Dentro do que foi exposto no último encontro individual, pode-se constatar que a participação
no grupo possibilitou o levantamento de questionamentos acerca de seus comportamentos,
instigando-os a desejarem uma mudança. Contatou-se também que os benefícios alcançados não
se deram apenas no seio familiar, mas se estendia às demais relações sociais. Na fala de alguns,
se fez notório a satisfação em contar que parentes e/ou amigos os abordavam relatando sobre
suas notáveis mudanças. Mesmo a proposta sendo de caráter experimental e sabendo que cada
grupo poderá responder de maneira positiva, ou não, é importante citar a relevância da interseção
entre os campos Direito/Psicologia, pois se amplia a visão apenas punitiva do direito penal e abre
espaço para uma visão restaurativa, de maneira que beneficie as vítimas e a sociedade em geral.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1099


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A ESTRATÉGIA DO DEPOIMENTO ESPECIAL:
A ESCUTA DA CRIANÇA VÍTIMADE VIOLÊNCIA SEXUAL
Hortência Evelyne Santos
Larissa Nascimento dos Santos
Liene Martha Leal;
Marcus Vinicius de Sousa da Silva

Introdução

O
abuso sexual infantil se configura como todo ato ou jogo sexual, relação hétero ou
homossexual, entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente, tendo por
finalidade estimular sexualmente esta criança ou adolescente ou utilizá-los para
obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa. Em diversas vezes o caso fica
impune, pois a vítima não se sente amparada em denunciar o abuso sofrido, por diversos fatores,
tais como sentimentos de culpa, vergonha, medo e em alguns casos os sentimentos ambivalentes
em relação ao agressor (Souza & Duarte, 2011).
Pensando nessa temática, o Judiciário do Rio Grande do Sul, Magistrado José Antônio
Daltoé Cezar em 2003 pensou em algo que pudesse amenizar a maneira como a escuta de
crianças poderia ser feita sem causar a revitimização nas mesmas, denominado “Depoimento
Especial”, onde este prioriza o depoimento de maneira mais apropriada as necessidades infantis
e supostamente condizentes com seu nível de desenvolvimento, tendo em vista que esse projeto
abrange todo o país.
O sistema de oitiva tradicionalmente utilizado pelo judiciário brasileiro é considerado
revitimizante uma vez que requer que a criança/adolescente que tenha sido vítima de um crime
de natureza sexual, tenha que relatar perante o magistrado, promotor e advogado a agressão que
vivenciou que provocaria um trauma suplementar à violência sofrida.
É inquestionável a importância de discutirmos tal assunto. Por esse ter se tornado mais
frequentes, no sentido de denuncias aos órgãos policiais, uma vez que infelizmente esse abuso a
crianças ocorre há décadas, suscitou o interesse pela autora da presente pesquisa em se fazer uma
revisão bibliográfica sobre como o âmbito judicial aborda, escuta e acolhe crianças que sofreram
violência sexual.
Por este depoimento ocorrer de diversos modos, por não ser levado em consideração o estado
psicológico, físico e emocional em que a vítima se encontra, a maior preocupação é relacionada à
coleta de dados para anexar ao processo judicial. Relacionado aos danos psicológicos da vítima, é
relevante a investigação de como a oitiva, esta se refere no âmbito do Direito refere-se à audição de
uma testemunha de um processo, neste caso como a oitiva destas crianças estão sendo realizadas?
A maneira invasiva e dolorosa de lembrar, os momentos em que esteve sobre o jugo do agressor.
Esses pontos e demais aspectos psicossociais em que essa criança está inserida precisa
ser analisado de uma maneira diferenciada. Esses questionamentos precisam ser repensados e

1100  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
reformulados possibilitando assim Depoimento Especial às crianças, além dos danos que já foram
causados pela violência sexual sofrida, caso não venha ocorrendo como o esperado. Lembrando
que o presente trabalho contempla o abuso sexual sem discriminação de gênero, sexo, raça,
cor ou classe social, uma vez que o abuso está sendo investigado como um evento traumático
independente desses critérios.
Dessa forma o trabalho buscou investigar como se dá o processo da escuta e acolhimento da
criança que sofreu abuso sexual. Como também conhecer a forma como esse tema foi abordado e
analisado em outros estudos; averiguar os avanços nesse campo da Psicologia Jurídica, em relação
à escuta e acolhimento a vítima de violência sexual; verificar a relação entre o psicólogo e a vítima
e ainda objetivou constatar as implicações éticas, no Depoimento Especial.

Método

Trata-se de uma revisão bibliográfica, não sendo necessária coleta de dados em campo,
pois a pesquisa foi realizada por meio do levantamento retrospectivo de artigos científicos e
livros publicados nos últimos cinco anos (2010 – 2015). A busca bibliográfica foi realizada em
estudos abrangendo bancos de dados como: Scielo, Portal da Capes, Google Acadêmico e livros
considerados relevantes neste âmbito de estudo.
Os artigos selecionados foram nacionais e publicados no idioma português no período
anteriormente mencionado e que se referiam ao depoimento especial e a violência sexual em
crianças.
Os descritores foram: depoimento especial, violência sexual em crianças. Os critérios de inclusão para
seleção dos artigos foram que os mesmos tivessem esses descritores no título ou resumo, que a
temática fosse depoimento especial e artigos publicados na íntegra e/ou resumos no período entre
2010 e 2015, em Português. Porém, as citações dentro destes artigos em anos anteriores que foram
consideradas relevantes pela autora da presente pesquisa também foram utilizadas como referência.
Os critérios de exclusão foram artigos em outros idiomas ou que se tratava de outra temática.
Como se trata de uma pesquisa bibliográfica, não houve necessidade de submissão do
presente estudo ao Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

A estratégia do depoimento especial

Diante do contexto de sofrimento, vergonha, em alguns casos os sentimentos ambivalentes


em relação ao agressor, medo de como sua família irá reagir diante de uma violência sexual
infanto-juvenil, pode em alguns casos dificultar a extração de informações durante o depoimento
(Azambuja, 2013).
Pensando nisso o poder judiciário vem se adequando e elaborando estratégias para fazer a
oitiva da vítima sem grande exposição da mesma, buscando oferecer a ela e a sua família segurança
e acolhimento, evitando um maior sofrimento psíquico das partes envolvidas.
Logo, o Depoimento Especial surgiu de uma proposta do judiciário do Rio Grande do Sul,
Magistrado José Antônio Daltoé Cezar em 2003, que pensou em algo que pudesse amenizar
as consequências ou efeitos que o depoimento da criança, vítima de abuso produz, como essa
poderia ser feita sem causar a revitimazação na mesma, denominado inicialmente “Depoimento
sem Dano”, onde este tem a finalidade de tornar o depoimento mais apropriado as necessidades
infantis e supostamente condizentes com seu nível de desenvolvimento cognitivo e emocional da
criança, tendo em vista que esse projeto abrange todo o país.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1101


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O abuso sexual infantil se torna mais complicado quando é de natureza intrafamiliar, os
fatores psicológicos imbricados ao longo desse processo são muitos, os julgamentos morais que
recaem sobre a vítima e sua família, ela relembra uma situação constrangedora, na qual ela não
que reviver ao relatar exaustivas vezes a pessoas desconhecidas.
O Depoimento Especial tem como base, criar uma rede de apoio que possa acolher essa
criança em um ambiente propício, onde ela consiga interpretar o que a criança diz por meio do
seu corpo, dos jogos simbólicos, sem acarretar em um trauma maior. Por se tratar de crimes de
alta complexidade, devesse ter um cuidado em relação às eficiências da Justiça Penal para com
esses casos de importante valor (Reis, 2015). Para caracterizar o Depoimento Especial é preciso
seguir três etapas, sendo: Acolhimento inicial; Depoimento ou Inquirição e Acolhimento final/
Encaminhamentos.
O acolhimento inicial, dar início desde período de denúncia, onde a criança e a pessoa
de sua confiança devem ser acolhidas por técnicos (assistentes sociais ou psicólogos) esses por
sua vez irão explicar sua atuação juntamente ao juiz, advogado, promotor de justiça, durante o
processo. Neste período inicial também será apresentado para a vítima e sua família a sala onde
acontecerão as audiências, passando para estes, segurança e proteção. Ainda, se faz importante
que nesse contado inicial o técnico observe e conheça como essa criança se expressa em relação
ao abuso, evitando assim para está uma exposição desnecessária durante o julgamento, deve-
se averiguar também como ela se comportará na presença do acusado durante a sua fala na
inquirição.
Durante a segunda etapa, que se refere ao depoimento na audiência, onde é de exclusividade
do juiz iniciar e dar prosseguimentos aos atos processuais, desta forma manejando a oitiva/escuta
da vítima, aos técnicos cabe facilitar o depoimento. No Depoimento Especial o técnico pode vim
a realizar as perguntas iniciais, desde que autorizado pelo o juiz antes do início do julgamento.
A última fase trata da valorização da criança ou adolescente vítima da violência sexual,
neste caso ao fim da inquirição o técnico deve permanecer com a criança/adolescente e sua
família. Acolhendo estes, dano uma devolutiva do depoimento, colhendo assinaturas do termo
de audiência se for preciso, verificando os sentimentos que atravessa está criança como, raiva,
vergonha, angustia dentre outros.
Dessa forma, o Ministério Público deve criar políticas públicas para que a sociedade, a família
e acriança possa vim a denunciar a violência, pois o tabu gera o silêncio. Onde esse conjunto de
pessoas sinta que a estrutura pública é adequada para acolher e fazer a indagação de provas e o
modo de tratamento para com as vítimas, com a finalidade de quebrar a barreira do silêncio e da
violência.
Com a prática do Depoimento Especial espera-se que não seja desconsiderado o sujeito
que está em uma situação como está de extrema complexidade, devendo haver compreensão e
acolhimento a essa criança e sua família, que foi afetado na sua esfera Biopsicossocial.
Essa rede de proteção e acolhimento refere-se aos órgãos públicos que devem estar preparados
para receberem tal demanda tais como, os Conselhos Tutelares, os Centros de Referência de
Assistência Social (CRAS), a Secretaria de Saúde, a Secretaria de Educação, o Ministério Público,
os Centros de Defesa da Criança e a Defensoria Pública (REIS, 2015).
Dessa forma, o Estado, instituições e a família precisam se mobilizar para a construção
de uma verdadeira ponte de direitos, que se materialize em iniciativas reais e exequíveis para
a efetivação dos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta. Tendo o intuito de
amenizar o sofrimento desses que foram agredidos, violentados na maioria das vezes por pessoas
de sua confiança, onde havia um laço afetivo, como por exemplo, seus pais, padrastos, tios e
pessoas próximas a sua família.

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O abuso sexual infantil

Determinadas relações são pautadas na relação de poder dominação e submissão, há uma


hierarquia, na qual se estabelece relações conflituosas. Nesse contexto de violência pode haver
abuso sexual infantil, de ordem intrafamiliar, que se refere ao abuso praticado por parentes de
primeiro, segundo grau ou muito próximo da estrutura familiar.
Uma relação caracterizada como desumana, com agressões no lugar de afeto, com descaso,
sem proteção, abusiva e dominadora entre adultos e crianças. Relações pautadas na superioridade,
onde alguém se considera detentor do poder, a hierarquia entre agressor e a vítima, onde está
ultima é a mais prejudicada tanto na sua esfera física quanto psíquica (Luz, 2015).
Conforme Maes e Junior (2014), o abuso sexual infantil é um tipo de violência onde o poder,
coação e/ou sedução são seus pilares. Uma violência pautada pela a desigualdade tais como, de
gênero e geração. O abuso sexual de crianças é comumente cometido sem o uso da força física,
devido isso não deixa marcas visíveis, o que no ato da comprovação gera dúvida, o abuso pode ser
praticado de certa maneira envolvendo o contato sexual com ou sem penetração a atos em que
não há contato sexual, como o voyeurismo.
Segundo Luz (2015), a violência sexual tem como base o abuso ou exploração do corpo
do individuo, com o cunho de obter prazer sexual. Em suma essa pratica acontece por meio da
força física, manipulação, para ser considerada violência sexual não é preciso haver a penetração,
a violência que envolve danos psíquicos, sociais e culturais e uma relação caracterizada como
abusiva, já é um ato de violência sexual.
Nem todas as relações de abuso sexual são de forma intrafamiliar, pode ser não familiar
e por relações incestuosas, como por exemplo, pai-filha, irmão-irmã, pai-filho e mãe-filha. O
intrafamiliar envolve aspectos delicados, pois a criança tem um laço afetivo e parental com seu
abusador, gerando conflitos nessa criança, ela entende que quem deveria cuidar e protegê-la está
lhe causando uma espécie de dor psíquica, física e emocional.
O incesto trata-se da relação sexual entre parênteses consanguíneos e afins, onde a relação
deve ser protagonizada por adultos e a relação não é pautada em hierarquias e poder, causando
mal-estar na sociedade por infligir suas normais e condutas sociais. Nessa relação incestuosa
pode haver afeição ou atração sexual mútua, descaracterizando como abuso (Maes Junior, 2014).
Para o Código Penal Brasileiro, no seu art.217-A, praticar sexo com menores de 14 (catorze) anos,
gera uma pena de reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos, pois esse ato carnal é visto como abuso.
Durante a inquirição civil do suposto abuso sexual infantil intrafamiliar, a escuta da criança
no decorrer do processo pode ser uma nova ocasião para a criança significar novos sentimentos
diante do contexto da violência como culpa, vergonha, medo ou até mesmo a dubiedade de
sentimentos quanto o seu suposto agressor parental (Caribé & Lima, 2015).
De acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) art.18. Apresenta que é dever
de todos velarem pela a sua dignidade, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano,
violento, aterrorizante vexatório ou constrangedor.
Um conceito definido para o abuso sexual, não existe algo tão pontual e enrijecido, o fato
é que qualquer ação que envolva conotações de cunho sexual com crianças, já é uma forma de
abuso. Pois quando não se tem conhecimento sobre determinado assunto não pode tomar uma
decisão consciente, já que não possui por completa sua capacidade de discernimento, nem a
maturidade para consentir tal ato.
Outro fator que dificulta um conceito fechado e globalizado sobre a violência/abuso sexual
é a cultura e o contexto social que um povo está inserido e convive. Já que em determinadas
sociedades, como os povos indígenas, africanos dentre outros, tal comportamento pode ser visto
como ritual com significados religiosos e naturalmente aceito por esses povos (Luz, 2013).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1103


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O abuso a crianças e adolescentes é visto como um mal dos últimos tempos, embora seja
algo presente nas sociedades desde primórdios, no entanto com mudanças politicas e religiosas
na época da Renascença, a violência sexual passou a ser vista como crime e essa relação adulto/
criança já não era aceita pelo o no âmbito social. Tornando na atualidade uma problemática de
ordem da Saúde publica (Luz, 2013).

O abuso sexual intrafamiliar

Esse tipo de abuso é uns dos mais complicados de ser descoberto e revelado, é uma violência
que envolve laços afeitos com o agressor, onde a vítima se ver coagida e submissa ao desejo do outro.
A criança em determinado momento pode vim a pensar que esse ato é uma espécie de carinho
e de afeto demonstrado por esse adulto, que tem um vínculo afetivo, com esse pensamento a
criança tende a satisfazer esse desejo do outro acreditando que isso é uma relação de troca de
afetos entre ambos. Em outros casos em que já se inicia a pratica com agressões e força física para
a satisfação do adulto, restringindo a integridade física e psicológica da criança, esse ato brutal e
invasivo tende a desenvolver traumas que perpassam por toda a vida desse sujeito, ocasionando
possíveis dificuldades no estabelecimento de laços sociais e afeitos (Cordeiro, 2013).
A facilidade e a reincidência desse tipo de abuso se dar pelo fato de agressor e vítima estarem
em constante convívio, pois reside na mesma casa. Segundo um estudo da Associação Brasileira
Multiprofissional de Proteção a Infância e Adolescência (ABRAPIA) mostram que os maiores
agressores dentro do lar na maior parte dos casos são pais, padrastos, irmãos, tios, primos e avós,
a minoria dos casos ocorre por estanhos (Cordeiro, 2013).
Uma temática pouco abordada é o abuso sexual em meninos, devido os estereótipos,
que é algo mais frequente de acontecer com meninas. Os meninos passam pelo sentimento de
vergonha, culpa, ambiguidade em relação ao abusador, e questões que envolvasua masculinidade
e sexualidade. A sociedade tem a visão que com meninos esse tipo de violência não ocorre (Luz,
2013).
O processo de negação nesse contexto familiar pode ser algo bem presente, onde essa negação
é um mecanismo de defesa, que pode ter a finalidade de preservar a dinâmica ou núcleo familiar,
como uma forma de justificar tal violência. O progenitor pode declarar que a pratica sexual seria
uma forma de educar sexualmente o filho e a negação da mãe em reconhecer e processar os sinais
mais evidentes possíveis, talvez com a finalidade de preservar e manter seu casamento (Silveira
Filho, 2013).
O abuso sexual intrafamiliar pode desencadear a “síndrome de segredo”, o segredo de
família gera um agravamento, pois o agressor continua convivendo com a vítima o que pode vim
a tornar o abuso reincidente. A criança sofre chantagem emocional de ser culpado pelo término
do casamento dos pais, de destruir a família, da prisão do seu abusador, que a criança pode ser
expulsa da casa que mora e outras séries de ameaças, que o faz calar por medo que as chantagens
se concretizem, gerando o segredo entre ele e o abusador (Maes & Junior, 2014).

Os possíveis efeitos traumáticos

O abuso sexual é um atentado contra a dignidade, violento e constrangedor, de qualquer


pessoa, quando remetido a uma criança se torna mais afrontoso. Nesse caso, a violência contra a
criança e o adolescente, gera em seu entorno um campo de silêncio, como uma forma de proteger
a intimidade, a privacidade e as angústias vividas.
Os danos podem ser permanentes, visíveis ou ocultos, dependo da rede de apoio que essa
criança pode vim a ter ou não, isso poderá gerar desordens comportamentais, emocionais, sociais

1104  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
e cognitivos. Os danos psicológicos podem desenvolver um estresse pós-traumático, ansiedade,
depressão, transtorno de conduta e abuso de substancias.
Esses danos à literatura os dividem em primários e secundários, onde os primários ou
imediatos refere-se os prejuízos causados durante o processo do abuso, na fase de sedução da
interação sexual abusiva e do segredo.
O secundário pode ocorrer em distintas esferas, através do estigma social, traumatização
secundaria no processo interdisciplinar, família-profissional, familiar e individual. Sendo esses
danos acentuados por uma intervenção, uma escuta ou acolhimento mal elaborado ou mal
conduzido nas redes de apoio ou por atuantes do judiciário (SILVEIRA, 2013).
Oliveira (2013) apresenta danos de curto e longo prazo, nos de curto prazo podem ser
psicológicos mascarados por sintomas físicos como, dores abominais crônicas, enurese, encropese,
infecção no trato urinário, corrimento vaginal, erupção nos genitais, dano anogenital, queixa
anal, dificuldade em sentarem-se, muitas idas ao banheiro, principalmente em vítimas masculinas
(fissuras, constipação) e em alguns casos a gravidez precoce.
O de longo prazo pode caracterizar na adolescência ou na fase adulta em distúrbios
psicológicos e psicossomáticos, frigidez, vaginismo, promiscuidade sexual, impotência, pedofilia,
pederastia, dificuldade sexual no casamento, incesto, prostituição, homossexualismo, uso de
drogas, delinquência juvenil, baixa estima, depressão, sintomas conversivos e Dissociativos,
automutilação e múltiplas tentativas suicidas.
Outras possíveis consequências na perspectiva psicológica é que em alguns transtornos
psíquicos podem não apresentar uma correlação direta com o abuso sexual, pois o psiquismo
pode adotar mecanismos de defesa para recalcar do consciente uma vivência que lhe é insuportável
(Oliveira, 2010).
Estudos analisam que as psicopatologias mais recorrentes nas vítimas correspondem
a Transtornos Dissociativos, Transtornos de Humor, Transtornos de Ansiedade, Transtornos
Alimentares, Depressão, Hiperatividade e Déficit de Atenção (TDAH), Transtorno de Estresse
Pós-Traumático (TEPT) e Transtorno de Abuso de Substâncias. Ressaltando que no Transtorno
de Estresse Pós-Traumático (TEPT), existe uma maior prevalência entre jovens vítimas de abuso,
estimando-se que 20% a 70% das vítimas que possam desenvolver esse transtorno (Gava, Silva,
Dell’Aglio, 2013).
O fato é que tal evento é traumático para a criança que sofre devida violência, a oitiva
infantil deve ser conduzida de acordo com os direitos da criança e do adolescente e que os demais
julgamentos e descriminações devem ser posta de lado, buscando somente acolher, compreender
e fazer o possível para potencializar nessa criança seus aspectos positivos, para que está venha a
ter seu desenvolvimento humano com menores danos possíveis, podendo superar esse episódio
que marcou sua infância.

O psicólogo no contexto do depoimento especial

O psicólogo atuando ao Depoimento Especial usa de seus conhecimentos, métodos, técnicas


e instrumentos, para colher o depoimento da criança buscando sempre fazer isso de modo não
invasivo e traumático.
A Psicologia atuando e articulando com o Direito, ambas as áreas aborda de maneira
diferenciada os aspectos jurídicos, como o abuso sexual. Para o Direito o importante é as provas
concretas sobre seus processos criminais. A Psicologia visa às probabilidades do que em certezas
concretas, observando todos os contextos biopsicossociais do individuo.
Não é por acaso a troca de nomes no Depoimento Especial, inicialmente denominado como
Depoimento sem Dano, pois estudiosos dessa metodologia acreditam que nenhum depoimento

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1105


NO ONTEXTO BRASILEIRO
é sem dano, por mais acolhedor e realizado de maneira propícia ao desenvolvimento infantil,
esse relato poderá desencadear outras demandas nesse individuo. Em 2010 o Conselho
Federal de Psicologia (CFP) designa a Resolução 010, regulamentando a escuta de crianças e
adolescentes envolvidos em situações de violência. O Conselho Federal de Psicologia proibiu a
atuação de psicólogos na coleta do depoimento das vítimas, prejudicando, assim, a concretização
deste procedimento e a fabricação necessária de provas em audiência, que possibilitaria a devida
responsabilização do autor do crime.
O psicólogo pode atuar no Depoimento Especial, pois se entende que esse profissional se
faz importante está presente no acolhimento da vítima, tendo claro o seu papel de uma escuta
profissional e não de inquiridor a serviço de um juiz ou do judiciário como um todo, sempre
respeitando o tempo, o anseio da criança e preservando o sigilo.
Para o Conselho Federal de Psicologia, o Depoimento Especial difere do trabalho a ser
realizado pelo psicólogo, devido à confusão de papeis, das atribuições entre profissionais.
No caso da Psicologia por acreditar que não é atribuição do profissional dessa ciência a
busca por a “verdade”, essa oposição à metodologia do Depoimento Especial, por crer que ele
visa à punição do agressor, e não a garantia contínua da proteção integral da vítima, se a criança/
adolescente tem a real noção das consequências em dizer a verdade ou não, a possível naturalização
do despreparo de outros profissionais e podendo reafirma a subalternidade profissional de alguns
profissionais em relação ao juiz (Ribeiro, Bonadim, Gonçalves & Rassele, 2012).
Sobre um olhar mais rígido acerca do Depoimento Especial, observasse que o tempo não
é suficiente para permitir uma entrevista mais detalhada e elaborada com os responsáveis, o
hipotético abusador e o psicólogo acaba sendo prejudicado, já que a falta de tempo para debruçar
o seu olhar acerca do caso, com a devida concentração que tal violência exige.
O psicólogo atuante no projeto pode se deparar com vários entraves, já que algumas
evidências podem ser entediadas como uma fantasia infantil, no entanto essa ideia vem perdendo
força e se tem percebido que raros os casos onde a denuncia de tal violência seria apenas uma
fantasia (Oliveira & Sei, 2014).
Pois se imaginava que o psicólogo iria decifrar se a criança estava ocultando informações
sobre abuso ou não, ainda por uma questão de não ver a palavra da criança como uma verdade
absoluta, no entanto essa postura perante a fala da criança vem sendo reformulada.
A Psicologia tem muito a contribuir com o a área jurídica, pois ela é quem maior detém de
recursos para li dar com a violência sexual. O psicólogo orienta-se pela sua postura ética de seu
trabalho, na defesa dos direitos da criança e do adolescente.
Para o CFP, existe uma inquietação com a temática escuta de crianças e adolescentes, onde
essa preocupação é regida por dois aspectos: O papel profissional do psicólogo e a garantia de
direitos, isto é, no que determina de Acordo com o CFP o papel do profissional psicólogo que
está implicado segundo as reflexões a que estão atribuídos e como se deve proceder, como se
está inserida no compromisso ético-político da Psicologia. O compromisso de psicólogos, nessa
perspectiva é de resguarda a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes, compromissos
lastreados pela afirmação da vida e sua potencialização em que as pessoas precisam de cuidadores
(CFP, s d, p. 04).
Outra variável é o que está no projeto do depoimento e como este realmente vem sendo
executado, na teoria deve ocorrer da seguinte forma, de acordo com seu projeto: uma sala
especialmente montada com equipamento de áudio e vídeo, interligando a sala de audiências
a um ambiente reservado, sem a formalidade de uma sala de audiências, retirando, assim, o
caráter solene do evento. A vítima é recebida, antes da audiência por uma das profissionais da
equipe multidisciplinar e encaminhada prontamente à sala especial, não se encontrando com o
acusado. Durante o depoimento, ela não vê nem ouve a nenhuma das pessoas que estão na sala
de audiências.

1106  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Apenas um profissional toma o depoimento da vítima, ou seja, um psicólogo ou assistente
social, integrantes da equipe interdisciplinar dos Juizados da Infância e Juventude. O juiz, o
promotor de justiça, o defensor e o acusado acompanham o depoimento pelo sistema de TV e
têm a possibilidade de enviar perguntas ao técnico, que, como interlocutor, as repassa à criança
ou adolescente, em linguagem adequada.
Um questionamento pertinente pelos os conselhos é o porquê de laudos e pericias feitos
por psicólogos ou assistentes sociais não seriam válida como porta voz das crianças, evitando
assim o protocolo de um julgamento. Isso não ocorre devido o magistrado não atribuir a esses
documentos o valor de uma audiência com a vítima, por compreender que a fala do depoente é
um fator primordial para a inquirição.
O psicólogo ou o assistente social que atue nesse projeto do Depoimento funciona como
uma espécie de mediador para juiz, pois este profissional realiza sua intervenção de acordo com
as perguntas e respostas que o magistrado deseja obter, impedindo assim a atuação psicológica,
propriamente dita.
Dessa forma, será que o sistema judiciário tem capacidade manter essa estratégia de
depoimento em todo o país, com os equipamentos e profissionais, ocorrendo passo a passo
como está descrito acima, respeitando a ética e os princípios de cada Ciência.
A metodologia de Depoimento Especial é polêmica e diverge de opinião entre diversos
saberes e profissionais, talvez essa discussão seja útil, no sentido de estimular novas estratégias
de enfrentamento em relação à violência sexual infantil, novas revisões no âmbito jurídico, no
fazer dos magistrados, buscando refazer essa metodologia de acordo com a interdisciplinaridade
acontecendo de forma igualitária, sem uma Ciência sobressair à outra.
A Psicologia tem muito a contribuir com Depoimento Especial, com suas avaliações
psicológicas, uma anamnese muito bem elaborada acerca de toda a dinâmica familiar e social
que a vítima está inserida, dentre outros recursos que auxiliam na elaboração e reconstrução da
fala, de maneira ética e sigilosa, buscando o que é melhor para os indivíduos que se encontra em
fragilidade pelo o abuso que vivenciaram.
A violência sexual é um trauma que o abusado irá conviver com ele diariamente e a maneira
que ele irá significar isso ao longo de sua vida, dependerá da rede de apoio que este teve no
momento de descoberta e da inquirição acerca da violência sexual.

Discussão

O presente trabalho procurou demonstrar a relevância do estudo da problemática da escuta


e acolhimento de crianças vítimas de violência sexual, na estratégia do Depoimento Especial.
Diante da gravidade da questão apresentada, verificou-se a necessidade de tratar os aspectos
jurídicos, sociais e psicológicos que envolva esta prática.
Inicialmente, o depoimento especial foi tratado em seus aspectos, o contexto da vitimização,
e como a interdisciplinaridade atua nessa estratégia e os resultados de sua aplicabilidade.
Vislumbrou-se, que o crime de violência sexual infantil pode ocorrer tanto no contexto
intrafamiliar, onde o agressor é o próprio membro da família, no extrafamiliar o abusador é extra
a vivência da vítima e sua dinâmica familiar. O abuso sexual praticado no âmbito familiar, pode se
tornar reincidente e acontece com maior frequência, pois vítima e abusador convivem no mesmo
ambiente, o que torna a lembrança do abuso mais evidente, deixando maior sequela na vítima.
Sobre o extrafamiliar, existe uma dificuldade em encontrar estudos, artigos, livros que
tragam conceitos e exploração maior sobre esse tipo de abuso. Esse tema tem grande importância
e merece a devida atenção.
A temática do abuso sexual envolve os possíveis danos, sendo eles de ordem primaria e
secundária. No primeiro, haja vista que o sofrimento da vítima causada por essa violação ao seu
corpo, não esgota quando o abuso acaba, os traumas psicológicos se prolongam para o resto

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1107


NO ONTEXTO BRASILEIRO
da vida desse sujeito, especialmente quando esse fato ocorre com crianças, que ainda estão em
desenvolvimento físico e cognitivo.
O secundário refere-se a intervenções inadequadas realizadas por alguns profissionais do
Direito, que não possuem a devida aptidão exigida para a inquirição de uma criança, que está
fragilizada diante de toda sua situação traumática. Expor essa criança a pessoas desconhecidas,
em um local desagradável para falar sobre um assunto delicado, para diversas pessoas pode
agravar sua situação traumática.
Nessa perspectiva de evitar a revitimazação, que a estratégia do Depoimento Especial busca
amenizar esses danos traumáticos, causados por um acolhimento e inquirição mal realizada, no
âmbito judiciário. Um profissional qualificado tem as noções da psicologia do desenvolvimento
infantil, conhecimento específico acerca do abuso sexual infantil sobre os possíveis efeitos
traumáticos.
O abuso sexual é uma temática difícil de discutir, pois envolve varias peculiaridades e
consequências, no que se refere ao abuso intrafamiliar este é mais difícil de abordar com essa
vítima. Eis que engloba questões familiares como a síndrome do segredo, já que um membro da
família será responsabilizado por essa violência, além de danos psicológicos e sociais.
Notam-se as concordâncias e dissidências perante a estratégia do Depoimento Especial, para
o judiciário ela é de grande relevância. Não se nega esse avanço no legalístico, no entanto, para
os outros saberes que dialogam nessa estratégia ainda há muito que se avançar. As delimitações
que o Direto impõe sobre as outras Ciências, o papel do psicólogo nesse contexto, que é visto
como mediador entre o judicial e a vítima. O psicólogo precisa ter sua autonomia, para realizar
suas práticas, se vincular a essa criança, verificar o contexto atual que ela está inserida, a dinâmica
familiar e a rede de apoio que ela está tendo durante esse processo de descobrimento do abuso e
de inquirição.
A interdisciplinaridade é de suma importância para corroborar com a estratégia, onde as
Ciências podem dialogar e uma contribuir com a outra, visando sempre um melhor resultado para
com aqueles que irão usufruir desse serviço. Nota-se que na prática, essa interdisciplinaridade
não advém da maneira que se esperava, visto que implicações no contexto da superioridade
interferem nessa harmonia dos saberes, pois o âmbito judicial tem seu conceito enrijecido, na
contemporaneidade essa rigidez vem sendo rompida, de acordo com as necessidades que o Direito
emana, pois nenhum Saber é completo e autossuficiente, é preciso buscar outras fontes, para
suprir as lacunas que não são compreendidas.
O Depoimento Especial já é uma pratica bastante comum em diversos países, onde cada um
a adéqua de acordo com seu contexto sócio histórico e cultural, para suprir as necessidades de
sua população. Em cada contexto ele tem sua resolutividade, obviamente com algumas limitações
e dividindo opiniões, por ser uma temática tão complexa, não existe uma maneira que irá colher
o depoimento de uma criança vítima da violência sexual, seja intra ou extrafamiliar, sem causar
danos secundários ou a revitimização neste ser, pode elencar varias estratégia na tentativa de
suavizar esses danos na vítima.
A estratégia, em si, busca promover o bem estar da criança. No entanto, ficam alguns
questionamentos como, o papel do psicólogo em relação a sua postura mais ativa e que o laudo
realizado por esse profissional tenha o lugar de respaldo, pois esse lugar de mediador não favorece
essa Ciência, visto que ela se mantém subordinada ao Direito, este por sua vez precisa compreender
que a Psicologia não estar para apresentar provas sobre o acusado e sim para promover o bem
estar subjetivo e psicológico da criança.
Outro ponto é a falta de acompanhamento maior após encerrar o processo, uma vez que
comprovado os fatos, o agressor é punido, a criança vitimada volta para sua rotina e parece que
está tudo foi solucionado, assim espera o legislativo. Acreditam que ao termino do processo
judicial esse trauma será esquecido e tudo seguirá da maneira mais natural possível para o
vitimado.

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Estudos comprovam que esta vítima terá sequelas para resto de sua vida, como se trata de
um abuso infantil, isso ressoará na sua adolescência, criar uma política de acompanhamento até
a fase adulta deste sujeito com uma equipe multidisciplinar, pode amenizar mais ainda os efeitos
traumáticos.
Embora se acredite que nenhuma estratégia irá de fato sanar esses efeitos, mas tudo que
se pensa na perspectiva de aprimorar a escuta, o acolhimento e os estigmas sociais, visando
minimizar os danos, só vêm a contribuir para essas crianças em desenvolvimentos, que de repente
se percebem em um “turbilhão” de informações, pois seus desenvolvimentos físicos e cognitivos
não estão preparados para uma violência dessa ordem. O seu corpo não está apto para receber
estimulações de cunho sexual e o seu cognitivo não tem a maturidade para elaborar o que está se
passando com ela, onde existe uma ambiguidade em relação a seu abusador, quando este é do seu
convívio familiar, já que este devia protegê-la de todas as mazelas que poderiam lhe acontecer, que
nesse contexto vem sendo o gerador desse mal estar.

Referências

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nos casos de abuso sexual. ius gentium, 1(1), 22-39.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1109


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O ENSINO DA PSICOLOGIA JURÍDICA NO CURSO DE
DIREITO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DO ESTÁGIO
DOCENTE
Carla Priscilla Castro Sousa

Introdução

A
Psicologia Jurídica configura-se como a área em que os saberes psicológicos são
aplicados em questões relacionadas ao campo do Direito. É uma denominação
genérica para representar diversas esferas ligadas às práticas jurídicas como a
Psicologia Criminal, Psicologia Judiciária, Psicologia Prisional, entre outros. Trata-se de um dos
ramos da Psicologia que mais vem crescendo nos últimos anos no cenário nacional e internacional,
diante do aumento de demanda de intervenções jurídicas nas relações sociais, seja no âmbito civil
ou criminal (Leal, 2008).
Não é possível demarcar um marco inicial na história da Psicologia Jurídica, entretanto,
autores como Altoé (2003) e Leal (2008) ressaltam o seu surgimento no final do século XIX
atrelado ao que se denominou posteriormente de “psicologia criminal”, em que os profissionais
eram chamados para verificar e avaliar os processos mentais do sujeito envolvido em um processo
jurídico, principalmente pessoas que haviam cometido crimes sem motivo aparente. Este momento
ficou marcado pela utilização de métodos científicos e por um ideário positivista, que muitas
vezes fez com que os profissionais descartassem a influência do contexto social em que estavam
inseridos.
No Brasil, a partir da regulamentação da profissão em 1962, houve uma maior inserção de
psicólogos no contexto jurídico, de maneira lenta e gradual. Alguns estabelecimentos prisionais já
possuíam psicólogos na equipe, mas não havia nenhum reconhecimento legal do exercício profissional
na instituição, o que ocorreu apenas em 1984, a partir da promulgação da Lei de Execução Penal
(Lei 7.210, de 11 Julho de 1984) em que o psicólogo passa compor a equipe multidisciplinar de
penitenciárias oficialmente (Lago, Amarato, Teixeira, Rovinski & Bandeira, 2009).
Para Soares e Cardoso (2016), a interseção entre Psicologia e Direito é firmada de forma
definitiva com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de Julho de 1990) que
reivindica uma equipe interdisciplinar para atender essa população. Assim, há o reconhecimento
da necessidade de atuação do psicólogo para auxiliar serviços da Infância e Juventude, o que
contribui diretamente na consolidação da prática interdisciplinar da área. Inicialmente o papel do
psicólogo na área envolvia perícia psicológica em processos cíveis, crimes de violação de direitos
e adoção. Posteriormente, houve uma ampliação das responsabilidades dos profissionais da
área, que passaram a atuar também com aplicação de medidas de proteção e socioeducativas,
atividades interventivas e acompanhamentos (Lago et al., 2009). É importante ressaltar que estas
atividades podem ser variáveis em diferentes estados brasileiros.
O Conselho Federal de Psicologia (2010) entende que os psicólogos jurídicos são todos

1110  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
aqueles que atuam com os sistemas de justiça, mesmo que não estejam vinculados a tribunais
de justiça como, por exemplo, psicólogos clínicos que recebem solicitação judicial para emitir
pareceres também estão atuando com a Psicologia Jurídica. Inicialmente o psicólogo aparece
como a figura responsável por psicodiagnóstico como característica principal de seu trabalho
(Lago et al., 2009), este papel é ampliado de acordo com as novas demandas sociais e jurídicas
em expansão, juntamente com a necessidade de um trabalho cada vez mais interdisciplinar. Lago
et al. (2009) delimitam as seguintes áreas como os principais campos de atuação do psicólogo
jurídico: Direto Penal, Direito do Trabalho, Direito da Família, Direito da Criança e Adolescente,
além de outras questões cíveis.
Em seus primórdios, a Psicologia Jurídica possuía uma perspectiva teórica com forte influência
positivista, com visão dos fenômenos sociais pautados na ciência da natureza, categorizados
nos padrões de objetividade, neutralidade e universalismo. Acompanhando o desenvolvimento
da ciência psicológica, a Psicologia jurídica adota um caráter histórico e social dos fenômenos
psicológicos e da produção de subjetividades (Soares & Cardoso, 2016).
Para entendermos a estruturação da Psicologia Jurídica como disciplina fundamental nos
cursos de Direito, iremos apresentar inicialmente um panorama sobre a formação acadêmica em
Psicologia Jurídica nas universidades a partir de um estudo realizado por Jacinto, Suzuki, Carvalho
e Rosolem (2012).
Os autores pontuam que, embora a Psicologia Jurídica seja uma área que está em ascensão
dentro da Psicologia e que haja uma demanda cada vez maior de profissionais para este
campo, quando realizado um panorama dentro da Academia, a mesma ainda consiste muitas
vezes em uma disciplina eletiva e que, para sanar a procura dos alunos, são ofertados estágios
supervisionados e projetos de extensão (Jacinto et al., 2012). A pesquisa realizada por Jacinto
et al. (2012) buscou investigar as instituições de ensino superior públicas do Brasil que possuem
cursos de Psicologia e ofertam disciplinas de Psicologia Jurídica no ano de 2008 e caracterizar seus
programas curriculares. Os autores perceberam que de 33 universidades públicas que possuíam o
curso de Psicologia, somente 11 possuíam alguma disciplina de Psicologia Jurídica. Os principais
conteúdos programados referiam-se aos pressupostos teóricos, áreas de atuação e formas e
técnicas de atuação. A carga horária era, em média, de 65 horas horas, em que a maioria era dada
exclusivamente de forma teórica.
O curso de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão é um reflexo desse panorama,
em que até o ano 2014 não havia em sua estrutura curricular nenhuma disciplina referente ao
campo jurídico, seja ela obrigatória ou optativa. Todavia, diante da demanda dos alunos, esta
era ofertada em forma de estágio curricular na área. Em 2015 é implementado um novo projeto
pedagógico do curso em que consta a disciplina de Psicologia Jurídica com trinta horas/aula de
cunho obrigatório para os alunos do quinto período. Um dos questionamentos nesse campo
refere-se ao relacionamento entre operadores do Direito com profissionais de outras áreas, como
psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, etc.
Diante do exposto, percebe-se que as demandas sociais cada vez mais solicitam a presença
do profissional da Psicologia no campo jurídico e esta movimentação ainda está ocorrendo
de forma lenta nas grades curriculares dos cursos de graduação. Para além disso, busca-se
compreender a solicitação de professores dessa área para ministrar aulas no curso de Direito. A
partir disso, questiona-se como se configura a introdução da disciplina de Psicologia Jurídica nos
cursos de Direito? Quais são os objetivos desta na formação de operadores do Direito? Quais são
as limitações enfrentadas pela Psicologia no ensino para os alunos do campo jurídico?

Método

Este trabalho utilizou a metodologia de Relato de Experiência para realizar a discussão


dos questionamentos propostos. Para isso, foi realizado um levantamento bibliográfico sobre o

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1111


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ensino de Psicologia Jurídica na graduação de Direito buscando integrar à experiência de estágio
docente realizado pela pesquisadora no período de 2017.2 no Curso de Direito da Universidade
Federal do Maranhão. Foram analisados os conteúdos e práticas pedagógicas utilizadas durante
a disciplina, bem como os desafios e perspectivas futuras. Ressalta-se que este trabalho não
se propõe a realizar um levantamento aprofundado sobre a relação entre Psicologia e Direito,
mas compreender, a partir de sua constituição histórica, a perspectiva atual da disciplina, suas
possibilidades e a contribuição que esta pode oferecer nos cursos jurídicos.

Resultados

O art. 5º da Resolução CNE/CES nº 9 de 2004 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais


do curso de Direito aborda a inclusão do ensino da Psicologia no curso, bem como de outras
áreas, ressaltando a importância do trabalho interdisciplinar nos sistemas de justiça.

Art. 5º O curso de graduação em Direito deverá contemplar, em seu Projeto Pedagógico e


em sua Organização Curricular, conteúdos e atividades que atendam aos seguintes eixos
interligados de formação:
I - Eixo de Formação Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante no campo,
estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo dentre outros,
estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia,
Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia.

Diante disso, percebe-se um esforço no sentido de ampliação na demarcação dos


conhecimentos jurídicos. Entretanto, a regulamentação não especifica quais conteúdos devem
ser abordados, ficando a critério de cada instituição de ensino superior sua delimitação. O que
pode ser um problema, visto que há uma carência de professores com formação específica nessa
área de atuação e que pode ter como consequência a inadequação dos conteúdos ao propósito
da disciplina (Chaves, 2014). Soares e Cardoso (2016, p. 65) propõem algumas indagações a esse
respeito:

Quais conteúdos de Psicologia seriam relevantes para a formação de um operador do


Direito? Qual seria o objetivo dessa disciplina? Seria instrumentalizar os graduandos em
Direito, fornecendo ferramentas da Psicologia para sua atuação? Isso é desejável ou mesmo
ético de ser feito? Não seria uma banalização dos conteúdos da Psicologia?

O que nos leva a compreender a tarefa do professor de Psicologia Jurídica no sentido de


propiciar uma formação ética e comprometida socialmente, a fim de promover cada vez mais o
trabalho interdisciplinar e não mais perpertuando a ideia do psicólogo como mero instrumento
jurídico para se chegar a uma verdade (Soares & Cardoso, 2016).
Essa ideia é corroborada por Chaves (2014) e Fragale (2000), que ressaltam que os cursos
de Direito durante muito tempo alimentaram visões reducionistas sobre o homem, buscando
sobretudo sua autossuficiência no campo jurídico diante da contribuição de outros saberes.
Chaves (2014) complementa dizendo que essa postura dos operadores do Direito era perceptível
na Academia, comprometendo a formação dos discentes e produzindo profissionais que atuam
de forma acrítica diante das transformações e demandas sociais.
Nesse sentido, ainda é possível perceber em alguns cursos de Direito uma abordagem
tecnicista, onde o foco refere-se somente às normas jurídicas e seu funcionamento nos sistemas
de justiça, muitas vezes descolados da realidade (Pastana, 2007).

1112  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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O bacharel em Direito deve ser formado para ser um profissional de alto nível, com
capacidade para refletir sobre problemas da sociedade brasileira, formular soluções jurídicas
e estudar os meios de assegurar, à sociedade, o acesso ao Direito e à Justiça, conforme
disposto na Resolução CNE/CES n° 09/2004. Mas, não é essa a realidade que se encontra
na maioria das IES. As faculdades de Direito continuam, em muitos casos, como redutos
de uma transmissão arcaica do saber jurídico, empreendida quase sempre por profissionais
bem sucedidos, mas indiferentes às demandas sociais. (Chaves, 2014, p. 10).

Por isso a necessidade de implatação do ensino da Psicologia Jurídica nos cursos de Direito
do país, visando promover os discursos interdisciplinares dos fenômenos jurídicos independente
do campo de atuação e a formação de profissionais críticos e que dominem os conteúdos jurídicos
sem negar as complexidades do contexto social ao qual está inserido. Para compreendermos esse
fenômeno, será abordado a experiência de estágio docente na disciplina de Psicologia Jurídica
ofertada ao primeiro período de Direito no semestre de 2017.2 na UFMA.
O mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Maranhão foi criado em 2012 e
tem integralizado em sua estrutura curricular a proposta de estágio docente visando desenvolver
habilidades e competências da prática de ensino, tornando-se facultativa somente para os
profissionais que comprovem prática docente em alguma instituição de ensino. De acordo com
Freire (2001), o estágio possibilita que os mestrandos tenham um primeiro contato com a prática
docente, sendo que esta envolve não só a transmissão de conhecimento, como também a avaliação
das propostas pedagógicas desenvolvidas. Deve ser composto também pela interação com os
alunos e professores, observações e participações durante as aulas, demonstrando domínio dos
conteúdos trabalhados e possibilitando o aprendizado dos alunos. Para Santos (2013), a inclusão
e obrigatoriedade deste componente curricular demonstra uma iniciativa para a resolução de
questões acadêmicas atuais, visto que mestres e doutores estariam sendo capacitados muito mais
para o desenvolvimento de pesquisas, do que para as exigências da prática de ensino em nível
superior.
Diante da importância da realização do estágio docente na formação de mestrandos e
doutorandos, e da experiência vivenciada pela pesquisadora, buscou-se compreender como
o ensino da psicologia jurídica se constitui na graduação do curso de direito da Universidade
Federal do Maranhão, bem como a atuação da estagiária e as contribuições para a formação de
professores de Psicologia Jurídica e alunos do Direito. A disciplina de Psicologia Jurídica é ofertada
ao primeiro período do curso de Direito, com carga horária de trinta (30) horas, visando contribuir
para a ampliação de questões vivenciadas nesta área e sua relação com o campo psicológico,
assim como compreender a problemática da subjetividade nas demandas jurídicas.
Assim como ocorre em outras disciplinas ofertadas pelo Departamento de Psicologia a
diferentes cursos, geralmente os professores alocados nesses componentes curriculares possuem
contratos provisórios para ministrar diversas disciplinas, não possuem formação específica no
campo e mudam constantemente de acordo com a disponibilidade dos docentes no semestre,
isso faz com que haja uma variabilidade nos conteúdos escolhidos para as disciplinas e em suas
propostas pedagógicas.
Durante a realização do estágio docente, a proposta da ementa foi dividida em três unidades.
A primeira unidade foi referente à introdução aos conceitos e campos da Psicologia Jurídica e a
apresentação das “principais” abordagens psicológicas (Análise do Comportamento, Psicanálise
e Humanismo). Na segunda unidade foi proposto o estudo dos processos mentais superiories, tais
como memória, percepção, atenção e emoção, para que os alunos identificassem a importância
do reconhecimentos destes processos nas demandas jurídicas. E, por fim, foram discutidos em
turma tópicos específicos e atuais da Psicologia Jurídica, entre eles, alienação parental, adoção,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1113


NO ONTEXTO BRASILEIRO
mediaçã, o contexto da adolescência em conflito com a lei e justiça restaurativa. Entende-se que
a limitação da carga horária impossibilita a apresentação de conteúdos mais aprofundados deste
campo, o que também era corroborado pela ausência de conhecimentos jurídicos específicos
necessários a essas discussões, visto que os alunos estavam no primeiro período do curso.
Além disso, por ser ofertada ao primeiro período, a disciplina possuía uma quantidade elevada
de alunos, cerca de cinquenta (50) pessoas, o que dificultava a proposição de algumas práticas
docentes específicas, tais como a proposta de seminários ou trabalhos em grupos pequenos,
visto que estes demandariam mais tempo, o que não era possível diante de uma carga horária
reduzida. Dessa forma, utilizou-se como práticas de ensino aulas expositivas, discussões de tópicos
específicos em sala, trabalhos individuais extraclasse e utilização de recursos audiovisuais, como
filmes e vídeos. Outro elemento relevante no estágio era que a turma continha dois alunos com
necessidades especiais, o que fez com que a estagiária em conjunto com a professora supervisora
buscassem orientações de ensino e de propostas pedagógicas que incluísse de forma efetiva a
todos.
Ao final da disciplina foi requisitado que os alunos pudessem avaliar disciplina e a
participação da estagiária em sala a partir de um questionário. Entre os pontos positivos da
disciplina, os alunos pontuaram que esta possibilitou uma abertura aos temas propostos a partir
do conhecimento interdisciplinar, além de conteúdos voltados para a área social que estimulam
o pensamento crítico. Além disso, os alunos elogiaram a participação da estagiária, vendo este
experiência de forma positiva e pontuaram, como sugestão, que a mesma pudesse ter uma carga
horária maior para lecionar os conteúdos, visto que, por se tratar de uma disciplina de trinta
horas, a estagiária ficou responsável por ministrar somente uma aula.

Discussão

A estruturação da Psicologia e sua relação com as demandas do Direito estariam mais


ligadas inicialmente a uma visão científica acerca da subjetividade e da personalidade humana,
buscando distinguir o sujeito “normal” e controlar aquele que foge aos padrões regulatórios. Por
isso, os trabalhos iniciais nesse campo geralmente se resumiam a avaliações e exames psicológicos
sobre indivíduos que possuíam alguma questão a resolver na justiça. A Psicologia seria, então,
um dos saberes reconhecidos como científicos que funcionava como mecanismo de controle e
classificação dos sujeitos. O que nos leva a questionar a quem este campo está a serviço, quais
suas funções e objetivos. Ao controle social ou a uma superação desse modelo criminológico?
(Jacinto et al., 2012).
Isso nos faz refletir sobre todo o trajeto deste campo para pensarmos como se estrutura
atualmente a formação de psicólogos jurídicos e como isso influencia na atuação de professores
no ensino para outras áreas, em específico, para o campo do Direito. É possível reconhecer que
houve, de certa forma, uma superação do modelo classificatório nesta área, buscando uma
compreensão do comportamento humano de forma biopsicossocial. Além disso, percebe-se que,
embora a Psicologia Jurídica seja um campo que vem requisitando cada vez mais profissionais,
ainda há um déficit na formação acadêmica voltada para esta área e consequentemente, menos
professores sendo formados. Por isso, geralmente os professores responsáveis por ministrar essa
disciplina no curso de Direito possuem formação em outras áreas da Psicologia e são remanejados
pelos Departamentos para assumir o programa curricular.
Embora existam questionamentos como os apresentados neste trabalho, ressalta-se que
a inclusão da Psicologia Jurídica na graduação em Direito demonstra ser de suma importância,
proporcionando olhares mais amplos diante das demandas jurídicas e sociais e promovendo
posturas flexíveis ao trabalho interdisciplinar. Isso também foi percebido enquanto a pesquisadora

1114  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
realizou seu estágio docente na disciplina de Psicologia Jurídica no curso de Direito da Universidade
Federal do Maranhão, em que foi notório o aproveitamento da disciplina pelos alunos e possibilitou
discussões críticas.
Por fim, entende-se a proposição de disciplinas básicas na graduação do curso de Direito
como uma forma de possibilitar a ampliação dos olhares para as demandas legais e propor uma
atuação multidisciplinar.

Referências

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1116  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
VIVÊNCIAS DE UM ESTÁGIO EM PSICOLOGIA
JURÍDICA SOB A PERSPECTIVA DO PARADIGMA
“VIDA APAC X VIDA PÓS APAC”
Anna Karoline Gomes Dourado
Allan Victor Leal Gomes
Regina Maria Roberta Silva
Pedro Wilson Ramos da Conceição

Introdução

O
sistema prisional brasileiro possui grandes falhas. Os presídios enfrentam
superlotação, pois culturalmente acredita-se que a solução para os crimes em geral
é a reclusão, a privação de liberdade, a qual favorece a revitalização de estigmas.
O foco desse sistema não vem a ser a recuperação do indivíduo para trazê-lo de volta a sociedade
da qual foi retirado, mas sim, por falta e falha das políticas públicas, isolá-lo, excluí-lo. A história
entre psicologia e sistema penal por muito tempo manteve esse paradigma, baseada na Lei de
Execução Penal 7.210/1984 – LEP.
O exame criminológico, extinguido pela Lei n. 10.792 (2003) que trouxe mudanças a LEP,
ainda é requerido pelos juízes das Varas de Execuções Criminais para saber se o apenado tem
possibilidades de progredir de regime ou ir para um mais brando; porém, devido à falta de
acompanhamento do indivíduo encarcerado e as condições nas quais ele se encontra, isolado,
em presídios superlotados em sua maioria, sem nenhuma ocupação ou atividades produtivas
intelectualmente, a conjuntura colabora para a não evolução dentro do sistema.
Toda a conjuntura problemática que engloba o sistema carcerário atual no Brasil segue um
modelo antigo e que, também seguido por outros países, vem se mostrando ineficaz. Os desafios
desse sistema anseiam por alternativas que sejam mais humanizadas, as quais possibilitem
reinserção e participação social, profissionalização, garantia de direitos e suporte as famílias que
são parte do processo de recuperação. Nessa perspectiva de mudança destaca-se o sistema APAC
(Associação de Proteção e Assistência aos Condenados).
Como uma das alternativas ao sistema convencional esta surge, em 1972, em São Paulo,
sob liderança do advogado e jornalista Mário Ottoboni. A APAC é uma entidade jurídica de
direito privado, sem fins lucrativos, seu objetivo é promover a justiça restaurativa, objetivando a
recuperação. Segue as regras mínimas da Organização das Nações Unidas (ONU) e recebe todas
as assistências preconizadas pela Lei de Execução Penal para o tratamento do preso, chamados de
recuperandos, que cuidam e zelam pela instituição. Pode-se também as definir como centros de
reintegração social, com a finalidade de humanizar as prisões. Seus resultados, em poucos anos,
chamam atenção, com um índice de reincidência inferior a 10% (indicadores da Fraternidade
Brasileira de Assistência aos Condenados – FBAC, Sede em Itaúna/MG) contrariando as estatísticas
à nível nacional, de 85% (Conselho Nacional de Justiça - CNJ), e mundial, de 70% (dados da

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1117


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Prision Fellowship International - PFL). Pode-se evidenciar também que, uma vez que no sistema
APAC não existem agentes penitenciários, armamento ou nenhum tipo de presença militarizada, o
recuperando ajuda o recuperando, desenvolvendo ações de responsabilidade e fraternidade para
um convívio harmonioso.
A Método APAC funciona sob o aporte de 12 elementos fundamentais, apresentados por
Ferreira e Ottoboni (2016) no livro Método APAC Sistematização de processos, são eles:
1. A participação da comunidade – Diferente do sistema tradicional que isola o indivíduo da
sociedade, o objetivo da APAC é aproximar a comunidade do processo de ressocialização
dos recuperandos, uma vez que, estes estão sendo preparados para o retorno da vida fora
da Instituição.
2. O recuperando ajudando o recuperando – Dentro deste elemento destaca-se o Conselho
de Sinceridade e Solidariedade, no qual os recuperandos discutem e buscam juntos soluções
diante das dificuldades.
3. Trabalho – No regime fechado tem-se a fase de recuperação com oficinas de laborterapia,
o semi-aberto abarca a profissionalização, e o aberto, a reinserção no seio social.
4. A espiritualidade e a importância de se fazer a experiência de Deus – O método presa pela
profissão da fé e representantes de diferentes religiões realizam atividades na instituição.
5. Assistência jurídica – A APAC oferece assistência jurídica gratuita, visto que, segundo
dados estatísticos (indicadores da FBAC), 95% da população prisional não reúne condições
financeiras para contratar um advogado.
6. Assistência à saúde – Os atendimentos são, sempre que possível, realizados por voluntários
(médicos, dentistas, psicólogos, etc.), o que reitera ao indivíduo que sua recuperação
importa e que ele não está abandonado a própria sorte.
7. A Família – Na APAC a família é trabalhada concomitantemente na recuperação dos
indivíduos e participa da metodologia durante os estágios prisionais.
8. O voluntário e o curso para a sua formação - O trabalho dos voluntários, por meio de
gestos concretos de caridade, revelam aos recuperandos o amor gratuito. Voluntários podem
receber ainda cursos de formação sobre o método.
9. CRS – Centro de Reintegração Social – Este centro aposta no cumprimento da pena
próximo ao núcleo afetivo, o que oferece maior suporte emocional, compreendendo os
regimes previstos em lei.
10. Mérito – O recuperando possui um relatório que contém todas as conquistas, elogios,
cursos realizados, saídas autorizadas etc., bem como as faltas e as sanções disciplinares
aplicadas. Este documento é avaliado em caso de pedidos de benefícios jurídicos.
11. Jornada de Libertação com Cristo – Constitui um momento forte de reflexão e encontro
consigo mesmo, pautados por palestras de cunho espiritual que ocorrem ao longo de dias
pré-estabelecidos.
12. Valorização humana – A base do Método APAC - Essa valorização está em toda a
metodologia, como por exemplo, na forma do recuperando ser abordado pelo próprio
nome, no reconhecimento dos seus sonhos, história de vida e medos.
Nesse trabalho, a inserção dos estagiários em Psicologia Jurídica da Universidade Estadual
do Piauí - constituída por meio de um dos elementos fundamentais de funcionamento do método
APAC: a participação da comunidade - dentro do Regime Fechado, buscou promover, através
de encontros semanais, empoderamento dos sujeitos quanto às demandas apresentadas numa
perspectiva “Vida APAC e Vida pós-APAC”. Por meio de atividades em grupo, o estágio esteve
mais focado em trabalhar as demandas gerais que se referiam ao grupo do que em perpetuar a
prática de avaliações psicológicas individualizadas que não caberiam naquele contexto, uma vez
que constituía um trabalho já desempenhado pelo psicólogo jurídico responsável pela Associação.

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Deste modo, o trabalho buscou contribuir de outras formas, especialmente no paradigma de
recuperação central do método, de modo que trabalhássemos as percepções e angústias que
perpassavam as vivências do grupo. Dentro das atividades buscou-se: Identificar as demandas
dos recuperandos do sistema fechado; Gerar discussões acerca das temáticas levantadas, de modo
a promover empoderamento e autoconhecimento; Instigar reflexão e criação de estratégias de
enfrentamento às dificuldades encontradas no processo de encarceramento e pós encarceramento.

Método

Trata-se de um estágio supervisionado em Psicologia Jurídica com carga horária de 30h, o qual
ocorreu na APAC em Timon – MA. Inicialmente foram realizadas duas visitas para reconhecimento
do campo de estágio e aproximação ao grupo de recuperandos do Regime Fechado. Após estas
visitas foi realizado um encontro para levantamento de demandas através de roda de conversa.
Baseado nestas vivências o Projeto de intervenção do estágio foi então planejado.
As demandas estavam voltadas tanto para a dualidade Sistema convencional X Sistema
APAC como Vida APAC X Vida pós APAC. Assim, estruturado em torno dessa temática principal,
as atividades do estágio foram organizadas desta maneira:
1º Meu presente X Meu futuro - Atividades: Desenho do presente x futuro, Apresentação dos
desenhos e Discussão. Realizou-se produção de desenhos representativos do presente e do
futuro. Em seguida, os desenhos foram fixados na parede com a distância considerada pelo
recuperando entre esses dois tempos. No próximo momento foi proposto uma Roda de
Conversa sobre o significado destas distâncias para eles.
2º Ansiedade e Vida moderna - Atividades: Roda de conversa, Sentimento com emojis e Discussão.
Primeiro promoveu-se roda de conversa sobre ansiedade, diferenciando patologia e senso
comum. Depois, através de emojis, os sentimentos e implicações em torno da ansiedade
foram discutidos, discutiu-se ainda estratégias de enfrentamento a este acometimento tão
presente na vida moderna.
3º Potencialidades - Atividades: Roda de conversa, Em busca de Potencialidades e Teatro improvisado.
Primeiro fez-se uma roda de conversa sobre o tema. Em seguida todos tiveram um momento
para elencar 5 potencialidades suas. Após isso, em subgrupos, cada indivíduo escolheu a
potencialidade que mais lhe representava e juntos montaram um esquete teatral de modo
a entrelaçar as potencialidades de cada um. As sensações e sentimentos envolvidos na
atividade foram discutidos ao seu término.
4º Motivação - Atividades: Sessão cinema e Discussão do filme. Exibiu-se o filme À procura da
Felicidade e depois fez-se uma discussão mediada deste. Pipoca e Refrigerante foram servidos
no objetivo de tornar o momento o mais próximo de uma sessão no cinema possível.
5º Fortalecimento de vínculos no grupo - Atividades: Dinâmica do nó e Como me sinto no grupo.
A dinâmica do nó consistiu em desatar as mãos entrelaçadas sem soltá-las até que o círculo
estivesse novamente organizado, esta atividade trabalha conflitos e resolução de problemas.
No segundo momento distribuímos fichas de papel e pedimos que todos escrevessem como
estavam se sentindo no grupo, depois redistribuímos as fichas e cada recuperando falou o
que havia sentido diante do sentimento do outro.
6º Encerramento e Feedback - Atividades: Distribuição de mensagens, Dinâmica da imitação
integrada, Feedback em fichas, Discussão e Cofee Break. Distribuiu-se mensagens com conteúdo
referente às discussões de encontros anteriores, estas foram lidas e comentadas. Em seguida,
a dinâmica da imitação integrada conseguiu animar a todos diante da atividade anterior
que tinha promovido um momento mais reflexivo, ela consistia em imitar o comando de
bater palmas em sincronia com o grupo. O encontro foi finalizado com o recolhimento de
feedback do estágio em fichas, cofee break e músicas tocadas pelos recuperandos.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1119


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Resultados

Nos primeiros contatos com o grupo do Regime Fechado, os recuperandos se mostraram


curiosos quanto ao trabalho do estágio, queriam saber se íamos avaliar suas condutas para levar
até a direção. Procuramos desmistificar tais percepções informando que o trabalho não se tratava
de algo para dedurá-los, mas sim para trabalhar suas demandas de modo que pudesse ajudá-los de
alguma forma. Durante as primeiras visitas foi possível perceber como a Associação é organizada
a partir dos dormitórios e demais espaços sempre arrumados e limpos, da divisão de horários
para a execução das atividades e especialmente a partir do compromisso dos demais funcionários.
A cada encontro e atividade proposta percebíamos a partir da fala e feedback do grupo
como estas estavam sendo percebidas e significadas por eles. Em muitos momentos propusemos
atividades que requeriam um olhar para si, o que parecia uma dificuldade, pois não era um hábito
os questionamentos para autoconhecimento. Especialmente no encontro sobre Potencialidades, o
buscar em si pontos positivos foi um problema inicialmente, eles disseram que não conseguiriam,
no entanto, discutimos que cada um é detentor de potencialidades, embora não sejam as mesmas.
Assim, depois de um tempo acabaram conseguindo. Neste mesmo encontro, o Teatro improvisado
foi um sucesso, o grupo se divertiu com as encenações e eles puderam se soltar mais quanto à
capacidade expressiva também.
Muitas atividades buscaram desenvolver tal capacidade, como as Rodas de conversa,
Discussão de filme e demais discussões que envolviam as atividades de Desenho do presente x
futuro, Sentimento com emojis e Como me sinto no grupo. Percebeu-se ao longo dos encontros
que o grupo se tornou mais comunicativo, recuperandos que não participavam muito no início
foram se tornando mais participativos, o que inclusive foi apontado por eles no Feedback de
encerramento.
No encontro sobre Ansiedade e Vida Moderna, o feedback esteve muito relacionado ao que
haviam aprendido sobre o tema ali. Ao final, um dos recuperandos nos procurou para falar que
precisava conversar com o psicólogo da Associação, pois após um trauma vinha apresentando
sintomas de ansiedade que o incomodavam e diante da discussão promovida acreditava que
precisava de ajuda. O encaminhamento foi realizado.
A cada atividade proposta o grupo trazia a importância da união dentro da convivência do
método, era algo bem valorizado dentro da Instituição. No entanto, após um episódio de fuga
do Regime, percebemos o grupo mais distante e por conta disso no 5º Encontro foi trabalhado
o Fortalecimento de Vínculos. Nesse dia, os sentimos mais tristes, entretanto, com o decorrer da
atividade, os conteúdos referentes à união e companheirismo continuavam a surgir. Entendemos
que o movimento do grupo se referia na verdade à vergonha que estavam sentindo diante da fuga
de dois companheiros, uma vez que o Método apostava neles e a cobrança por se fazer dar certo
pesou neste sentido.
Em alguns encontros como Meu presente X Meu futuro e Motivação, acabamos falando do
preparo para o futuro, mas sempre colocando a importância de não se angustiar ou ficar muito
ansioso com este, uma vez que vivenciar o presente é importante tanto para o bem estar como
para aprender mais sobre o próprio futuro. Eles trouxeram o desejo de constituir família, ter uma
casa e trabalhar e colocavam a APAC como o início dessa jornada de transformação. Podemos
perceber muitos traçando planos de como chegar ao que almejavam.
No Feedback de encerramento do Estágio todos foram unânimes em colocar o quanto
se sentiram ouvidos e valorizados diante das atividades, confirmaram o progresso quanto a se
expressarem mais dentro do grupo e reafirmaram a importância da união em sua convivência. Vale
ressaltar que durante o tempo que estivemos lá podemos perceber a Ressocialização acontecendo
de verdade, mesmo com o episódio da fuga, o que de início nos deixou um pouco frustrados, mas

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buscamos trabalhar a ideia de que não existe sistema perfeito e se fossemos discutir resultados,
dois haviam fugido, mas todos os demais ficaram e continuavam buscando a ressocialização. Os
recuperandos produziam peças artesanais lindíssimas, tocavam e compunham músicas e muitos
demonstravam uma sensibilidade que ninguém jamais esperaria dentro de um sistema prisional. A
sociedade precisa voltar os olhos para um sistema que de fato busca ressocializar indivíduos antes
de discutir questões como pena de morte por exemplo.

Discussão

A partir da LEP a profissão de psicólogo passou a existir oficialmente nos presídios. No seu
art. 7º , o psicólogo está presente como membro da comissão técnica de classificação, necessário
para a elaboração e planejamento adequado do programa individualizado da pena privativa de
liberdade ao condenado ou preso provisório; ainda assim, o acompanhamento penal ocorre
com muita dificuldade no atual sistema carcerário pois, devido à superlotação, as avaliações
psicológicas individualizadas se tornam inviáveis. Neste contexto, tendo em vista que a APAC
se constitui como um método diferenciado de ressocialização mais humanizado, o trabalho do
psicólogo nesta Instituição não se restringe ao acompanhamento penal individualizado que sequer
acontece eficazmente no sistema tradicional.
Primeiro que não ocorre superlotação no método, a Associação só recebe a quantidade que
realmente suporta, segundo que, diante da ressocialização o trabalho do Psicólogo se amplia,
passando de um atendimento individualizado por si só a um trabalho do grupo, uma vez que o
próprio trabalho do psicólogo constitui contato com a comunidade, bem como os estagiários.
A união tão discutida no decorrer do estágio está em consonância com a organização
do próprio método, uma vez que, o funcionamento da Associação depende do trabalho
desempenhado pelos recuperandos, além do fato de eles terem apenas uns aos outros lá dentro.
A união se constitui de fato como uma estratégia de convivência expressa inclusive no segundo
fundamento do método abordado por Ferreira e Ottoboni (2016), “O recuperando ajudando o
recuperando”.
Uma das principais devolutivas ao estágio foi a respeito do quanto o grupo se sentiu ouvido
e valorizado enquanto pessoas. Muitos vinham do sistema convencional onde suas vozes são
totalmente rejeitadas. Foucault em sua obra Vigiar e Punir (1987), fala do processo punitivo das
prisões e discute a penalização do próprio corpo com os castigos físicos até a punição da própria
alma, de modo que a avaliação do crime e consequente pena instituída a ele se tornam mais
importantes que a recuperação do próprio indivíduo. As vivências do método APAC, por sua vez,
têm modificado um pouco essa realidade diante dos preceitos de humanização da pena e nesse
contexto, a atuação dos psicólogos jurídicos também vem sendo construída.

A subjetividade, o encarceramento e o sistema prisional são, sem dúvida, um grande desafio


para a Psicologia. Sabemos da triste realidade e do estado atual de horror do nosso sistema
penitenciário. Vislumbramos uma pequena luz de esperança nos novos métodos de humanização
da pena que têm surgido timidamente, como o método APAC. (Mameluque, 2014, p.630)

O método aposta e trabalha em prol da recuperação dos indivíduos, de modo que estes
se implicam e também se responsabilizam por seu progresso e pelo dos colegas, uma vez que, na
APAC recuperando ajuda recuperando. Segundo Falcão e Cruz (2015, p.10), “APAC’s distinguem-
se do sistema prisional tradicional na medida em que nas Associações o preso, aqui chamado de
reeducando, é o protagonista de sua recuperação, ... obedecendo a rígida disciplina em que se prima
pelo respeito, pela ordem e pelo trabalho”. Outro aspecto a ser observado é o Mérito pelas conquistas

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1121


NO ONTEXTO BRASILEIRO
que também é um dos elementos fundamentais do método, no qual relatórios contam as histórias
dos recuperandos e seu progresso dentro da Associação. Frente a estes aspectos presenciamos a
frustração diante do episódio da fuga vivenciado, o que deixou o grupo triste e envergonhado.
Com as atividades desenvolvidas os objetivos iniciais de proporcionar empoderamento, maior
autoconhecimento e reflexão quanto a criação de estratégias de enfrentamento às dificuldades
encontradas no processo de encarceramento e pós encarceramento puderam ser trabalhadas
e promoveram bons resultados neste sentido, percebidos pela maior interação do grupo nos
encontros e pelas falas de feedback deles próprios. Recomenda-se a continuação deste trabalho
por hora iniciado para melhor desenvolvimento do grupo.
Desse modo, apostar em um sistema que de fato busque ressocialização é uma saída a
ser considerada a partir da implantação de mais APAC’s. A Psicologia por sua vez, pode ser um
forte aliado nesse processo enquanto promovedores de saúde frente a auto cobrança gerada pela
responsabilidade por sua própria transformação, ajudando a tornar o processo mais eficaz.

Referências

Falcão, A. L. S., & Cruz, M. V. G. D. (2015). O método APAC–Associação de Proteção e Assistência


aos Condenados: Análise sob a perspectiva de alternativa penal. VIII Congresso CONSAD de Gestão
Pública, Brasília, DF, Brasil.
Ferreira, V. A., Ottoboni, M., & Senese, M. S. R. (2016). Método APAC: sistematização de processos.
Belo Horizonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Foucault, M. (1987). Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Lígia M. Ponde Vassalo.
Petrópolis: Vozes, 1, 977.
Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados – FBAC. Indicadores da FBAC. Recuperado
em 16 de novembro de 2017, de http://www.fbac.org.br/
Karam, M. L. (2011). Psicologia e sistema prisional. Revista EPOS, 2(2), 0-0.
Lago, V. D. M., Amato, P., Teixeira, P. A., Rovinski, S. L. R., & Bandeira, D. R. (2009). Um breve
histórico da psicologia jurídica no Brasil se seus campos de atuação. Estudos de Psicologia. Campinas.
Vol. 26, n. 4 (out./dez. 2009), p. 483-491.
Lei, n. 7.210, de 11 de Julho de 1984 (1984). Institui a Lei de Execução Penal no Brasil. Brasília, DF.
Recuperado em 14 de novembro de 2017 de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm.
Lei, n. 10.792, de 01 de dezembro de 2003 (2003). Altera a Lei no 7.210, de 11 de junho de 1984 - Lei
de Execução Penal e o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal
e dá outras providências. Brasília, DF. Recuperado em 14 de novembro de 2017 de http://www.
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Mameluque, M. D. G. C. (2006). A subjetividade do encarcerado, um desafio para a psicologia.
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Queiroz, N. G. (2017). Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC): uma ferramenta
para redução da reincidência criminal (Trabalho de Conclusão de curso). Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÌ, Santa Rosa, RS, Brasil.
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instituições: uma análise a partir de entrevistas com egressos e reincidentes. Boletim Academia
Paulista de Psicologia, 78(1).

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ANÁLISE DO PAPEL DO ATLETA: RELAÇÃO ENTRE
PRÁTICAS ESPORTIVAS E MECANISMOS DE
IDENTIFICAÇÃO E PROJEÇÃO NA SOCIEDADE
Thatiane da Silva Carvalho
Helen Emanuele Pereira Sousa

O
esporte não representa apenas qualidade de vida, saúde e uma boa forma de viver
bem, ele tem uma representação social onde interfere no modo de como é visto pela
sociedade, e seus indivíduos. Um esporte não se limita só a práticas de exercícios
físicos e também não se limita a participar, ganhar, colecionar troféus e medalhas. Há um novo
sentido social dado ao esporte, diferente daquele dado nas olimpíadas, onde o objetivo era se
reconhecer, superar suas próprias adversidades, não ganhar dos outros e sim ganhar de si mesmo.
Após essa grande revolução social no sentido do esporte, que se transforma em um espetáculo e é
transmitido pela mídia para todos os torcedores, afeta na importância do esporte e o transforma
em mais um produto da grande indústria de entretenimento.
O esporte não é apenas um exercício ou trabalho, seu papel representa muito mais que isso
na saúde mental de um torcedor. Para este, o esportista é um herói, que luta suas batalhas, cada
campeonato, e como um herói que passa as adversidades, compete com os outros e transforma-
se em um campeão. Esse campeão do esporte tem uma vida social. Essa vida social se define
pelos comportamentos diante da sociedade, tais como a relação com as outras pessoas, saber
conviver com a sociedade e com responsabilidade, o que come, bebe e o que usa; enfim, esse herói
que é admirado por suas vitórias, influencia não só pelo seu desempenho no esporte que serve
de motivação, mas também seu corpo físico, lugares que frequentam e sua imagem difundida
pela mídia. Esta ajuda a construir essas identidades e vendê-las. As imagens dos esportistas
se transformam em conceitos absorvidos pela sociedade mudando os valores do esporte
constantemente.
Os impactos causados por essa comercialização do esporte na sociedade, as consequências
desses sentidos e valores divulgados pelos meios de comunicação; e os comportamentos resultantes
desses processos e mudanças no sentido do esporte e papel social do atleta foram tratados na
elaboração deste artigo, procurando demonstrar através de uma revisão sistemática, a relação do
papel social do atleta: o que ele representa, os mecanismos de projeção e identificação da sociedade
com o desportista e sua condição de “herói”. Trabalhar questões como: fanatismo, perfeccionismo do
atleta, influência nos valores. Isso tudo incentivado pela imagem construída do atleta no esporte, que
vai além da imagem no esporte, auxiliados pelo marketing, por exemplo, que acaba influenciando
a população usando sua admiração pelo esporte para ir além dele mesmo, além das quadras,
das bolas e agindo como uma forma de controle social. Aí está a importância de discutir tal
assunto, investigar como ocorre a elaboração do imaginário esportivo e os elementos utilizados
pela mídia para sua construção e assim, identificar as possíveis consequências comportamentais
que poderão vir a ser positivas ou negativas. Bracht (2005), menciona que:

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1123


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Sem dúvida, o esporte faz parte hoje, de uma ou de outra forma, da vida da maioria
das pessoas. Tão rápido e tão ‘ferozmente’ quanto o capitalismo o esporte expandiu-se
pelo mundo todo e tornou-se a expressão hegemônica no âmbito da cultura corporal de
movimento. Hoje ele é, em praticamente todas as sociedades, uma das práticas sociais que
reúne a unanimidade quanto à sua legitimidade social (p. 09).

Método

Trata-se de um estudo de revisão sistemática sobre a relação entre o papel social do atleta
e os mecanismos de projeção e identificação da população. O levantamento bibliográfico foi
realizado nas bases de dados MEDLINE e LILACS com as seguintes palavras-chave: atleta herói,
papel social do atleta, mecanismos de projeção no esporte, análise social do atleta, papel do
atleta, atleta e sociedade. Somente foram utilizados termos em português.
Para identificação e seleção de artigos, foram definidos como critérios de inclusão:
Referências que tiveram como objeto de estudo crianças, adolescentes ou adultos; referências
relacionadas ao tema, tendo como norteador do estudo a análise do papel social do atleta,
evidenciando os mecanismos de identificação e projeção com os desportistas em geral, sua
condição de “herói”, pela população brasileira; a influência da mídia e possíveis consequências
comportamentais. Artigos cuja população-alvo são atletas e a população brasileira, limitando-
se a trabalhos escritos na língua portuguesa, publicados no período de julho de 2001 a julho de
2016 em periódicos e bibliotecas virtuais. Artigos que não preenchiam os critérios de inclusão, tais
como diferissem do objetivo proposto ou que focalizassem apenas na descrição dos mecanismos
de identificação e projeção sem relacionar com o papel do atleta nem suas possíveis consequências
comportamentais foram excluídos.
Após a consulta às bases de dados e a aplicação das estratégias de busca, foram lidos todos
os títulos e resumos. Quando os resumos não eram objetivos para serem incluídos, considerando-
se os critérios de inclusão, lia-se o texto completo para determinar se estavam aptos ou não.

Resultados

Foram selecionados 52 artigos no total, sendo 3 artigos duplicados e excluídos. Dos 49


restantes, 32 foram excluídos após análise dos títulos e resumos de acordo com os critérios de
inclusão. Dos 17 artigos admitidos, 7 foram excluídos pelos seguintes motivos: dois estudos
descreviam as práticas esportivas e o atleta, entretanto não correlacionava com as projeções dos
espectadores; um trabalho investigava a percepção de atletas paralímpicos brasileiros a respeito
dos conteúdos da mídia sobre o esporte paralímpico, sem correlacionar com o imaginário
esportivo; um estudo verificava os conflitos vivenciados por jovens atletas, priorizando a prática
esportiva em suas vidas; um artigo pontuava a presença de talento nato ou esforço para realização
de vitórias nas práticas esportivas; e duas pesquisas tiveram como objetivo a formação do jogador
de futebol e busca do sucesso, e a construção da identidade de jovens atletas no esporte de alto
rendimento. Assim, tais artigos diferiam do objetivo proposto.
Ao final, 10 artigos foram incluídos na presente revisão sistemática. Desses, a publicação
mais antiga era de 2002 e a mais recente de 2016.
Com relação a população – alvo do presente trabalho, dez artigos abordaram atletas
e sociedade, relacionaram o imaginário esportivo em espectadores e o fenômeno do atleta-
herói. Todos os estudos analisaram a influência da mídia e exploração do marketing na criação
do imaginário esportivo, das identificações e projeções da sociedade em tornos dos atletas
considerando-os como heróis/ídolos.

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Dois artigos analisaram em específico a imagem do jogador de futebol, Ronaldo, difundida
pela mídia representando-o como mito, herói e correlacionando ao imaginário do torcedor, sua
identificação social. Abordaram a contribuição da mídia na elaboração da mitificação de Ronaldo
como ídolo do futebol. Um estudo buscou investigar a partir de duas mídias digitais, o outro a
partir de uma análise do discurso da Folha de S. Paulo na Copa do Brasil de 2009.
Três artigos buscaram descrever e analisar o fascínio das pessoas em relação aos fenômenos
esportivos e o que acontecem com elas diante das performances dos atletas. Dentre esses, um
estudo analisou a produções de dois autores, como Rodrigo Helal e Katia Rubio que abordam o
fenômeno do herói; um por meio de uma periodização do esporte com uma comparação entre
o esporte na Grécia Helênica e o esporte no momento atual, analisa as mudanças ocorridas no
fenômeno esportivo e a presença do mito do herói durante todo esse período para auxiliar a
identificar o significado do mito do herói. Outro artigo buscou descrever o heroísmo do atleta e
a identificação social a partir de três conceitos: Estética, presença e excelência do desempenho.
Oito estudos relacionaram o fenômeno esportivo e os mecanismos de identificação e projeção
na sociedade. Conforme Rubio (2001) há uma representação do mortal como um ser mítico, um
herói, a partir de seus grandes feitos e conquistas. Desse modo, o mortal possui características de
deuses, pela sua força e superação de obstáculos, por estarem sempre à frente de suas batalhas. Os
atletas de alto rendimento se assemelham a esses heróis do Olimpo, também pela correlação entre
os lugares de realização dos jogos atuais e as zonas de combate na Grécia Antiga. Rubio(2001)
aponta características fundamentais para criação do atleta como herói, tais como “a capacidade
de vencer e de satisfazer as necessidades do grupo, performances extraordinárias, aceitação social
e espírito de independência.” (p.100).
Com relação a influência midiática na transformação de atletas em heróis, cinco estudos
propuseram a analisar tal relação. Desses cinco; um artigo fez um levantamento histórico para
analisar a ação dos meios de comunicação na transformação dos atletas em heróis, mitos
correlacionando com os mecanismos de identificação e projeção no espectador e avalia também
por meio de uma pesquisa de campo com alunos de uma escolinha de futebol como a mídia
interfere na decisão de um jovem querer se tornar um jogador de futebol profissional; um investiga
como a Conmebol (Entidade organizadora) utiliza de estratégias sociodiscursivas em cinco notícias
para a adesão e aceitação das pessoas para a Copa América 2015, elucidando-as, fazendo uma
correlação entre a criação de imagens do atleta como mito e a identificação social; um fez uma
correlação sucinta entre a prática esportiva, a construção do mitos e heróis pela contribuição da
mídia e os mecanismos de identificação – projeção; um artigo constatou a influência da mídia e
a exploração do marketing esportivo na admiração das pessoas sobre os atletas, exaltando – os
a condição de herói; e um analisou o tratamento da mídia em relação ao paralimpismo, a sua
influência com a criação de estereótipos e emoções na construção do imaginário esportivo, ou
seja, relacionando com os mecanismos de identificação e projeção na sociedade.
Dos dez artigos analisados para elaboração deste estudo, cinco constataram o impacto que
a influência da mídia na construção de atletas como mitos e heróis relacionados aos mecanismos
de identificação e projeção tem na sociedade, explicitando temas como sentimento de eugenia
entre as pessoas, a busca do corpo ideal; distanciamento das classes populares ao acesso ao
conhecimento e mercadorização esportiva.

Discussão

A mídia precisa de fato, ser criativa para atrair a atenção de seus espectadores. Então além
de criar conteúdo, este conteúdo tem que ser atrativo e interessante para o público. O esporte tem
se tornado um dos grandes alvos da indústria midiática em busca de entretenimento. Tal efeito

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1125


NO ONTEXTO BRASILEIRO
tem tido uma repercussão notável na população, pois transforma o sentido que a população
dá para o esporte. O esporte transformou-se em um produto a ser consumido, assim como a
paixão pelo time, a imagem do jogador e as vitorias conquistadas usados como elementos para a
mercadorização esportiva.

As representações sociais se modificam ou se atualizam dentro de relações de comunicação


diferentes. Dessa forma, a mídia, integrada por um grupo de especialistas formadores e
sobretudo difusores de representações sociais, é responsável pela estruturação de sistemas
de comunicação que visam comunicar, difundir ou propagar determinadas representações
(Alexandre, 2001, p. 123).

Nas primeiras olimpíadas, o esporte tinha os mais simples dos objetivos, a superação
de si mesmo, desafiar-se e o fato de ganhar seria a mera consequência de seus esforços. Mas
atualmente, no sistema capitalista, o time apenas “serve” se ganhar todas as jogadas, tiver bons
patrocinadores e jogadores bem tratados pela mídia, não bastando somente seu desempenho no
esporte. Grandes impactos no esporte e maiores ainda nos torcedores, causados pela mídia, pois
cada um desses sentidos dados por ela transforma-se em informação e valores causando grandes
mudanças na sociedade.
E no meio dessa confusão de novos sentidos e significados, qual seria o real papel do esporte
e do atleta nessa sociedade? É importante pensar neste assunto quando o esporte não é um
movimento, exercício, mas está presente em vários âmbitos das nossas vidas, em camisas, copos,
toalhas que compramos, que nos faz chorar, sorrir e gritar, percebendo isso é importante estudar os
aspectos que este determinado assunto nos atinge e as consequências dessa influência no cotidiano.
A mídia produz uma imagem de atleta-herói que causa um processo de identificação e representação
nos esportistas. O atleta-herói, herói, aquele que luta e vence suas batalhas; o mocinho sempre
forte e admirado por todos; um ícone de motivação, bravura e vitória aplicada ao atleta; onde esses
aspectos do herói são vistos e observados, seu físico, sua imagem e suas atitudes são analisadas
e utilizadas como modelo pelas mais diferentes classe e idades. Cada peculiaridade do atleta é
analisada de uma forma diferente para a significação de um todo. E as mais diferentes classes e
idades são seduzidas por esse herói, ícone de sucesso, fama e vitória; pelos mais variados motivos.
Mulheres se inspiram nas suas heroínas campeãs ganhadoras de medalhas para suas lutas
diárias, as crianças identificam-se com os atletas admirados por todos e anseiam essa admiração,
assim como as identificações com os atletas paralímpicos, ícones da superação das dificuldades e
temos também o fator onde vários atletas “venceram na vida” através de uma boa participação no
esporte. No Brasil, o esporte é algo comum no cotidiano brasileiro. Compra-se camisas, copos,
toalhas e ingressos para prestigiar as vitórias, pois, a conquista do time é a conquista de cada
família, de todos. Essa representação é algo que nos traz orgulho. No esporte, que também é
um comércio, os patrocinadores ajudam aqueles que os torcedores admiram (time ou atleta) a
alcançar sucesso, conquista, um golpe de marketing onde a paixão do torcedor se assimila com os
patrocinadores que acabam assim expandindo a sua marca e atraindo mais consumidores.
Este são alguns exemplos de como o esporte e a mídia pode interferir na vida dos torcedores
em diferentes áreas. A mídia procura chamar atenção de seus alvos a partir da apresentação
de valores, cultura, identidade nacional, valorização do corpo, status e estes fatores que são
supervalorizados pela população. A cultura, por exemplo, influencia muito e a mídia também leva
em consideração a cultura ao então criar o conteúdo, este procura ter uma identidade em que
muitas pessoas se identifiquem. No Brasil, por exemplo, pode se correlacionar o “brasileiro nunca
desiste” com a garra ao jogar, assim a população se sente representada.

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Nós escolhemos como modelos aqueles indivíduos que nos parecem mais bem-sucedidos
do que nós na gratificação das próprias necessidades. A criança se identifica com os pais
porque eles parecem ser onipotentes, pelo menos durante os anos da infância inicial. À
medida que as crianças crescem, encontram outras pessoas com as quais se identificar,
pessoas cujas realizações estão mais de acordo com seus atuais desejos. Cada período
tende a ter suas figuras de identificação características. Nem é preciso dizer que a maioria
dessas identificações ocorre inconscientemente e não, como pode parecer, com intenção
consciente. (Hall, Lindzey, & Campbell, 2000, p. 62)

Nas classes sociais, o esporte pode ser visto como além de identificação, um sonho, um
meio de mudar de vida para as classes mais baixas, de estabilizar-se, enriquecer, ganhar status e
ser reconhecido. Esse é o desejo de muitos, e aqueles que conseguem são levantados como heróis
pelo seu povo, por ter conquistado e mostrado a todos de onde ele veio e o que pode se tornar.
Servindo de inspiração para toda a sociedade, pois além do processo de identificação com o
herói, a sua projeção na sociedade; aquilo que é admirado é imitado.
Não só existem impactos positivos, mas também há os impactos negativos que essa projeção
pode causar. Os esportistas por serem considerados tanto como heróis, eles acabam forçando-se
a se comportar de tal maneira, como heróis; mas eles não são perfeitos e erram, esses erros por
sua vez causam uma projeção com consequências no atleta e na sociedade. Essa pressão de herói
sobrecarregam o atleta que não quer decepcionar os fãs, e não quer perder e isso o leva a buscar
certas saídas como doping. Tal atitude pode acabar com a carreira do esportista, sem mencionar
o impacto emocional sobre ele. Ao usar doping, ele assume que não poderia vencer com suas
próprias habilidades, mas tentou infligir a regras, deixou de ser um herói. Uma derrota já causa
uma comoção muito grande como foi visto nas quartas da copa do mundo, onde o brasil perdeu
para a Alemanha. O uso de doping pode levar além de tristeza e sentimento de raiva, revolta e
frustação.

Daqui a 10, 20, 50 anos, dirão aos brasileiros que a Seleção, lá atrás em 2014, perdeu uma
semifinal de Copa do Mundo para a Alemanha, em casa, por 7 a 1. Esse texto é para quem
era garotinho ou nem sequer havia nascido na época. Tomara que o encontrem na internet
(ou seja lá qual for a ferramenta que estarão usando no futuro) e tentem entender o que
nenhuma palavra pôde explicar aos que estiveram no Mineirão, em Belo Horizonte, ou aos
200 milhões que viram. (Lozetti, 2014, p.1)

Uma das maiores fontes de representação de superação são os atletas paralímpicos que são
pessoas que possuem algum tipo de deficiência. Eles possuem maiores dificuldades em desenvolver
atividades diárias, mas estão ali no esporte competindo, vencendo e ganhando medalhas. Ícone
de superação e inspiração para muitos que se identificam. Há ainda várias outras formas de
identificação como a busca pelo corpo ideal, a história de vida difícil de vários atletas e os sonhos.
São vários os meios que o público pode se identificar dependendo do material que a mídia oferece
e o impacto disso seria o surgimento do sentimento de eugenia, na valorização de apenas um
biótipo humano, do corpo perfeito para se parecerem com os atletas-heróis e um maior consumo
dos produtos esportivos.
Pode-se observar que dentre os artigos analisados, todos buscam apresentar a relação dos
mecanismos da mídia na construção dos “heróis esportivos” e a influência da mídia a partir de
estereótipos que despertam e representam as imagens do inconsciente das pessoas. A partir da
análise do estudo sobre o encerramento da carreira do jogador Ronaldo, foi verificado que a
condição de ídolo se dá pela relação e influência da mídia aos torcedores; com fatos, muitas

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1127


NO ONTEXTO BRASILEIRO
vezes, percebidos e relatados superficialmente, com um certo sensacionalismo e marcado pela
busca de consumo dos produtos da indústria cultural. Dessa forma, esta pesquisa alcançou
o objetivo proposto, mostrando os mecanismos de projeção e identificação de atletas pela
sociedade. Exemplificando em base de pesquisas como ocorre a identificação e as consequências
dessa projeção na sociedade, onde e como interfere nas mais diferentes áreas de vida das pessoas
independente da classe social do indivíduo.

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1129


NO ONTEXTO BRASILEIRO
PSICOLOGIA DO ESPORTE NO BRASIL:
UMA REVISÃO DE LITERATURA
Mateus Egilson da Silva Alves
Marcelly de Oliveira Barros
Maria Gabriela do Nascimento Araújo
Pedro Vitor Cerqueira Paiva
Livia Gomes Viana Meireles

Introdução

A
prática esportiva, competitiva ou não, envolve muitos aspectos a serem estudados,
entre eles as questões emocionais, relacionais e sociais. Sendo assim, falar de esporte
vai além da questão física, pois coloca em voga, também, os estados psíquicos dos
competidores e participantes, com seu caráter psicológico inerente ao ser humano. Vilarino et al
(2017) destacam que caráter psicológico pode fazer diferença quando se espera em esportistas
um rendimento adequado que não se concentrem somente nas habilidades físicas. A psicologia
tem como foco de investigação o esporte nos seus diferentes campos e busca compreender a inter-
relação do indivíduo com a atividade esportiva. Em uma perspectiva de investigação relacionada às
características, aos traços, processos, estados e qualidades psicológicas no esporte (como ansiedade,
estresse, liderança, etc.); e em outra perspectiva relacionada às características das modalidades
esportivas, incluindo seu modo de ensino, treinamento e exigências psicológicas, o que explicita a
interdependência da preparação psicológica e do treinamento esportivo (Falcão, 2008).
A Psicologia do Esporte (PE) desde o final do século XIX e início do século XX, desenvolvia-
se nos Estados Unidos e na União Soviética, culminando com a criação do primeiro laboratório
de PE em 1925 por Colleman Griffith nos Estados Unidos (Vieira, Vissoci, Oliveira & Vieira, 2010
& Hernandez, 2011). No Brasil a PE tem como marco inicial a atuação de João Carvalhaes no
futebol na década de 1950. A área ganhou mais força nos anos de 1990, sendo reconhecida pelo
CFP (Conselho Federal de Psicologia) como uma das especialidades da Psicologia por meio da
Resolução CFP nº 014/00 e está em franco desenvolvimento em nosso país com aumento na
produção científica. A Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (ABRAPESP) que atua,
desde 2006, discutindo e promovendo a PE no país (Vilarino et al., 2017, Vieira et al., 2010 &
Hernandez, 2011).
Conceitualmente a PE possui definições na literatura que se estendem como: É descrita
no CFP como uma prática que pode ofertar auxílio psicológico a atletas e comissão técnica,
procurando atingir sua saúde mental, rendimento e performance, não se restringindo a esportistas,
mas como adultos, crianças e portadores de necessidades especiais, integrando-os á pratica de
atividades físicas e amparando-se em ações diagnósticas e interventivas (Vilarino et al., 2017).
Busca analisar aspectos emocionais envolvidos na prática esportiva e entende a relação interativa
em como fatores psicológicos afetam o desempenho físico e em como a participação em esportes

1130  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
e exercícios afetam o desenvolvimento psicológico, saúde e bem-estar nos indivíduos (A. M. B.
Silva, Foch, Guimarães e Enumo, 2014).
Tendo em vista o aspecto referente ao equilíbrio das relações interpessoais no esporte,
Cheuczuk et al. (2016) diz que estudos realizados comprovam a eficácia da participação do
psicólogo no contexto esportivo quando observado que atletas expressaram maior rentabilidade
nas modalidades esportivas, a partir, do momento em que um cuidado por seus processos
psíquicos foi evidenciado. As demandas de cunho motivacional na psicologia do esporte ganham
destaque em processos de reabilitação de atletas com lesões provenientes, ou não, de práticas
esportivas, assim como o acompanhamento de atletas com deficiências físicas, como em desportos
paraolímpicos, os quais tem ganhado, cada vez mais, prestígio social (Costa e Silva et al., 2013).
Apesar do bojo de definições e conceitos, as pesquisas realizadas pela PE possuem marcas
de delimitações claras e densas, ao que Vilarino et al. (2017) falam que há carência quanto a
estudos de análises sócio-históricas e geopolíticas em Psicologia do Esporte no Brasil; há uma
prevalência de grupos de pesquisa voltadas a PE em regiões específicas, como Sudeste e Sul, em
detrimento de regiões como Nordeste e Norte. Quando se busca artigos da área, percebe-se
que as temáticas com maior número de produções são voltadas para a ansiedade, motivação e
estresse, sendo voleibol, futebol e basquete as modalidades mais comuns desses estudos (Vilarino
et al., 2017). Ainda são escassos os estudos com esportes que envolvam desportos paraolímpicos,
assim como as atividades de lazer e aventura, tal como instrumentos de testagem e avaliação
psicológica especificas para a PE.
Desse modo, os estudos em PE mostram-se em ascensão no Brasil, mas necessitam de
propagação nacional, com investimentos que se voltem para a educação e pesquisa, a vista que
os polos de cursos que possuem a PE no currículo concentram-se no Sul e Sudeste, assim como os
estudos realizados em grupos de pesquisa. Apesar de entraves é possível observar na região Norte
e Nordeste crescimento nestes aspectos, que no futuro pode ser visto com mais pesquisadores
nas instituições, como doutores, e apropriação da PE para as condições e demandas dessa região
segundo Vilarino et al. (2017). Esse movimento já se iniciou nos últimos anos, principalmente,
com a realização de eventos nas regiões Norte e Nordeste tais como o I Simpósio de Psicologia
e Sociologia do Esporte de Pernambuco em aconteceu em Recife (PE) em 2010; o II Simpósio
Pernambucano de Psicologia do Esporte em Recife (PE) em 2015, o I Encontro Norte-Nordeste
de Psicologia do Esporte que aconteceu em São Luís (MA) em 2016; o I Encontro Piauiense
de Psicologia do Esporte que aconteceu em Parnaíba (PI) em 2017, o I Encontro Cearense de
Psicologia do Esporte ocorrido em Fortaleza (CE) no ano de 2017 e a VI Semana de Psicologia da
UFMA (Universidade Federal do Amazonas) em 2017.
Diante do exposto o presente trabalho busca verificar as últimas produções nacionais de
Psicologia do Esporte no que concerne verificar os temas que ainda são considerados escasso,
tais como Psicologia do esporte em grupos específicos de atletas como com deficiência física ou
trauma lesional. A partir, da revisão descritiva e sistemática da literatura, encontrada em bancos
de dados da Psicologia, é exposto aplicações, limitações e relevância dessa área referente aos
temas emergentes e analisar como as publicações apresentam tais temáticas.

Método

Foi realizada uma revisão da literatura com base nas produções nacionais que tem como
tema a Psicologia do Esporte. A busca dos estudos foi realizada no mês de janeiro de 2018. Foram
pesquisadas as seguintes bases de dados para a identificação dos artigos a serem incluídos: BVSPsi
(Biblioteca Virtual da Saúde), Scielo (Scientific Electronic Library Online) e Periódicos Capes.
A busca de artigos teve como descritores: “psicologia do esporte”, “psicologia do esporte
e deficiência física”, “psicologia e lesão”, “psicologia e esporte”. A partir da leitura dos resumos,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1131


NO ONTEXTO BRASILEIRO
278

A busca de artigos teve como descritores: “psicologia do esporte”, “psicologia


do esporte e deficiência física”, “psicologia e lesão”, “psicologia e esporte”. A partir da
leitura dos
foram incluídos resumos,
aqueles foram
estudos queincluídos
seguiam aqueles estudos
os seguintes que seguiam
critérios: os seguintes
a) temática referente ao
objetivocritérios:
proposto;a)b)
temática referente
publicados ao objetivo
no período proposto;
de 2008-2018; e c)b) publicados
publicados na no período
língua de
portuguesa.
2008-2018; e c) publicados na língua portuguesa. Foram excluídos trabalhos
Foram excluídos trabalhos com as características que não preenchiam os requisitos anteriores com as
ou eramcaracterísticas
duplicados. Aque não
fonte depreenchiam os requisitos
acesso foi online, assim asanteriores
publicaçõesou que
eram duplicados. A aos
corresponderam
fonte de acesso foi online, assim as publicações que corresponderam aos critérios
critérios listados foram lidos na íntegra e analisados quanto aos seus objetivos propostos.
listados foram lidos na íntegra e analisados quanto aos seus objetivos propostos.
Resultados
Resultados
A busca seguindo os critérios de inclusão selecionou 38 publicações nos três bancos de dados
(BVSPsi, ScieloAebusca
Periódicos Capes).
seguindo A seguir de
os critérios o fluxograma apresenta38ospublicações
inclusão selecionou artigos encontrados
nos três e a
estratégia de busca
bancos nas bases
de dados de dados.
(BVSPsi, Scielo e Periódicos Capes). A seguir o fluxograma apresenta
os artigos encontrados e a estratégia de busca nas bases de dados.
BVS-Psi Scielo Periódicos Capes

N = 17 N = 19 N = 02

Total de artigos incluídos após a leitura integral do resumo.


Total de artigos
BVS-Psi Scielo Periódicos Capes selecionados
Total
N = 06de artigos
N =incluídos
13 após
N =a 02
leitura integral do resumo. N = 21

Foi verificado por meio da leitura dos artigos alguns temas comuns entre os 22
artigos
Foi selecionados
verificado por meio e foram descritos
da leitura três eixos
dos artigos para temas
alguns a apresentação
comuns entredos resultados
os 22 artigos
encontrados: a) psicologia do esporte e pessoas com deficiência física
selecionados e foram descritos três eixos para a apresentação dos resultados encontrados: e trauma a)
lesional;
psicologia b) psicologia
do esporte e pessoasdo esporte
com e saúde
deficiência mental
física dos lesional;
e trauma esportistas e c) psicologia
b) psicologia do e
do esporte
esporte e limitações para atuação do profissional PE.
saúde mental dos esportistas e c) psicologia do esporte e limitações para atuação do profissional
PE.
Discussão
Discussão

Psicologia
Psicologia do Esporte
do Esporte e Pessoas
e Pessoas comcomDeficiência
Deficiência Física
FísicaououTrauma
TraumaLesional
Lesional

Foram encontrados oito artigos que embasam a PE com pessoas com deficiência física
Foram encontrados oito artigos que embasam a PE com pessoas com
ou com trauma lesional, descritos na Tabela 1. Os artigos apontam que a construção relacional
deficiência física ou com trauma lesional, descritos na Tabela 1. Os artigos apontam
do psiquismo, do social e do cognitivo, influenciam diretamente no indivíduo por meio de sua
que a construção relacional do psiquismo, do social e do cognitivo, influenciam
imagemdiretamente
corporal, suas
no experiências,
indivíduo porinterações
meio dee qualidade
sua imagemde vida (Pereira,
corporal, Osborne,
suas Pereira, &
experiências,
Cabral,interações
2013). e qualidade de vida (Pereira, Osborne, Pereira, & Cabral, 2013).

Tabela 1
Artigos Encontrados Relacionando PE a Pessoas Com Deficiência Física ou com
Trauma Lesional

1132  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 1
Artigos Encontrados Relacionando PE a Pessoas Com Deficiência Física ou com Trauma Lesional
n Autores Artigos Revista Ano
A importância do desporto de alto rendimento
R. Pereira; R. Osborne; A. na inclusão social dos cegos: Um estudo
1 Motricidade 2013
Pereira; S.I. Cabral centrado no Instituto Benjamin Constant -
Brasil
Lenamar Fiorese Vieira;
João Ricardo Nickenig
Psicologia do esporte: uma área emergente da Psicologia em
2 Vissoci; Leonardo Pestillo 2010
psicologia Estudo
de Oliveira; José Luiz Lopes
Vieira
Anselmo de Athayde Costa
e Silva; Renato Francisco
Rodrigues Marques;
Luis Gustavo De Souza
Esporte adaptado: abordagem sobre os fatores Revista Brasileira de
Pena; Sheila Molchansky;
3 que influenciam a prática do esporte coletivo Educação Física e 2013
Mariane Borges; Luis
em cadeira de rodas Esporte
Felipe Castelli Correia de
Campos; Paulo Ferreira de
Araújo; João Paulo Borin;
José Irineu Gorla
S.S. Gomes; G.S. Leite; V.
4 Pedrinelli; R. Ferreira; R. Fluxo no para-atletismo Revista Motricidade 2012
Brandão
Victor Barroso Ribeiro;
Preditores psicológicos, reações e o processo
Sandra Regina Garijo de
5 de intervenção psicológica em atletas Ciências & Cognição 2013
Oliveira; Flavia Gonçalves
lesionados
da Silva
Juliana Cristina da Silva;
Maria Regina Ferreira
Brandão; Jaime Roberto
Implicações psicológicas das lesões em atletas Psicologia em
6 Bragança; Aline Iris Gil 2015
de judô paralímpico com deficiência visual Estudo
Parra Magnani; Luis Felipe
Tubagi Polito; Marcelo
Callegari Zanetti
Carlos Roberto de Oliveira
Nunes;
Revista Brasileira
Max Jaques; Processos e intervenções psicológicas em
7 de Psicologia do 2010
Fabiana Thaís de Almeida; atletas lesionados e em reabilitação
Esporte
Georgette Iara Ullmann
Heineck
Revista da Faculdade
Lesão e dor no atleta de alto rendimento: o de Ciências
8 Clarisse Medeiros 2016
desafio do trabalho da psicologia do esporte Humanas e da
Saúde
Nota: tabela criada pelos autores, a partir, dos artigos encontrados nos bancos de dados (BVSpsi, Scielo e
Períodicos Capes).

Por muitas vezes, tais aspectos são esquecidos e negligenciados quando relacionados às
pessoas portadoras de deficiência. Nesse meio o esporte torna-se um instrumento valioso na
introdução de tais construções, isso pelo fato, do mesmo abranger uma série de aspectos,
concepções, atitudes e atividades que atuam direta ou indiretamente na fomentação de percepções
e ações que podem gerar componentes diferenciais e transformadores, aliados a variados contextos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1133


NO ONTEXTO BRASILEIRO
multiprofissionais que somarão à busca por melhor eficácia e resultado, dentre eles, a psicologia
do esporte (Vieira et al., 2010).
Por aliar aspectos motores, físicos e técnicos a aspectos psicológicos e cognitivos, vê-se
na literatura a psicologia do esporte despontando como ferramenta útil, pois em meio à uma
sociedade preconceituosa e marginalizadora, que autovaloriza às aparências em detrimento da
essência, onde a deformidade do corpo consiste em barreiras intra e interpessoais, permeando
a falta de empatia e a auto rejeição, a PE contribui para a fomentação de discussões e busca o
aprimoramento de práticas referentes a tais concepções (Costa e Silva et al., 2013).
O esporte de alto rendimento é evidenciado nos artigos como forma de proporcionar a
chance de ampliar suas potencialidades, cultivar alegrias e prazeres, almejar e experimentar
sucessos, bem como superar limites (Pereira et al., 2013). Podendo até mesmo atingir o fluxo,
que consiste num estado mental advindo de uma alta carga de motivação e esforço, aliados a
uma diversidade de emoções comportamentais e funcionais (Gomes, Leite, Pedrinelli, Ferreira &
Brandão, 2012).
Para os artigos analisados, é importante que os profissionais que trabalham diretamente
com esporte e pessoas com algum tipo de deficiência devem atentar para todos os aspectos
envolvidos na realidade deste atleta ou praticante de atividade física. Sejam aspectos relacionados
à personalidade, ao contexto familiar e social, como as questões estruturais e funcionais. O
profissional deve atentar para aspectos importantes como ambientação, variáveis psicológicas,
buscando desenvolver no atleta a autoconsciência emocional, física, psíquica e comportamental,
para que assim identifiquem-se com maior facilidade seus pontos fortes e fracos para que estes
sejam trabalhados (Costa e Silva et al., 2013).
Em relação a temática dos artigos selecionados, a motivação é a de maior destaque, segundo
os autores, pois esta propiciará ao portador de necessidades especiais encontrar no esporte a
possibilidade de se ver e de se mostrar como um ser humano ‘normal’. Além de reafirmar a inclusão
esportiva, pois só o fato de se fazer presente nesse meio, origina um levantamento da quebra de
paradigmas impostos sobre sua deficiência, confirmando sua capacidade (Gomes et al., 2012;
Costa e Silva et al., 2013).
O trauma derivado de lesão figura nos artigos como fato que pode contribuir para a
desestabilização do atleta. Esta, além de gerar graves consequências físicas, muitas vezes traz
consigo implicações emocionais e comportamentais, como o medo, a frustação, tristezas,
impaciência e pessimismos, isso devido a avaliação cognitiva feita pelo próprio atleta, que, por sua
vez, avaliará em si mesmo o grau e as consequências da lesão, sendo esta sua resposta psicológica
em virtude do trauma físico sofrido (Ribeiro, Oliveira & F. G. Silva, 2013; J. C. Silva et al., 2015 &
Medeiros, 2016).
O psicólogo do esporte, para todos os artigos analisados, atua na busca da diminuição
de sofrimentos psíquicos e emocionais, no aprimoramento cognitivo ao que se relaciona ao
confronto do problema, bem como na potencialização de ações que corroborem para a eficácia
da reabilitação desempenhada por ele e pelos demais profissionais (Nunes, Jaques, Almeida, &
Heineck, 2010). Gerando assim um espaço de escuta, com olhares externos a diagnósticos médicos,
favorecendo percepções e articulações sobre o lesionado e aquilo que o agride (Medeiros, 2016),
atentando para contextos extra técnicos, aliando concepções ambientais, sociais e pessoais, o
que por sua vez, facilitará o desenvolvimento e o avanço do atleta frente à lesão sofrida e as
consequências por ela acarretadas.

Psicologia do Esporte e Saúde Mental dos Esportistas

Dos artigos selecionados, quatro deles referem-se a saúde mental dos esportistas, que é
tratada na área de Psicologia do Esporte, os mesmos estão em destaque na Tabela 2, a seguir.

1134  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 2
Artigos Encontrados Relacionando PE a Saúde Mental
n Autores Artigos Revista Ano
Revista Brasileira
Interfaces entre dismorfia muscular e
1 Rodrigo Scialfa Falcão de Psicologia do 2008
psicologia esportiva
Esporte
Mauro Menegolli Ferreira
da Silva; Marina Belizário
de Paiva Vidual; Rafael Ansiedade e desempenho de jogadoras de
Revista da Educação
2 Afonso de Oliveira; Hélio voleibol em partidas realizadas dentro e fora 2014
Física / UEM
Mamoru Yoshida; João de casa
Paulo Borin; Paula Teixeira
Fernandes
L. Segato; R. Brandt; C.M.
Estresse psicológico de velejadores de alto nível
3 Liz; D.I.C. Vasconcellos; A. Motricidade 2010
esportivo em competição
Andrade
Paula Barreiros Debien;
Franco Noce; Jurema O estresse na arbitragem de ginástica rítmica: Revista da Educação
4 2014
Barreiros Prado Debien; uma revisão sistemática Física / UEM
Varley Teoldo da Costa
Nota: tabela criada pelos autores, a partir, dos artigos encontrados nos bancos de dados (BVSpsi, Scielo e
Períodicos Capes).

A saúde mental é seguramente um fator fundamental para a capacidade de alcance de


desempenho máximo, tanto dentro como fora do âmbito esportivo. Entre os aspectos emocionais
destaca-se a ansiedade, que é entendida na literatura como uma das principais ameaças à saúde
mental dos atletas. A ansiedade deriva-se, principalmente, da pressão exercida sobre o indivíduo
na busca do alto rendimento, em parte por espectadores, mas principalmente, do próprio
sujeito, fazendo com que o campo de atenção dos atletas seja reduzido, diminuindo a proporção
ambiental e provocando o desvio da atenção dominante para fontes inadequadas segundo M. M.
F. Silva et al. (2014).
Os artigos apontam a Ansiedade Física Social que está relacionada com o nível de ansiedade
que o indivíduo pode apresentar quando outros observam seus atributos físicos. Diferentemente
da ansiedade mostrada em jogos, quem possui esse mal-estar demonstra maiores níveis de estresse
e desequilíbrio emocional durante avaliações de condicionamento físico e reações mais negativas
com relação ao seu próprio corpo, tal como posto no DSM-V como uma preocupação excessiva
com relação ao seu próprio corpo, causando prejuízos em diversos âmbitos sociais do indivíduo
(Falcão, 2008).
Outro aspecto que afeta a saúde mental dos esportistas são os elevados níveis de estresse,
o que pode provocar alterações na concentração, aumento dos níveis de ansiedade e tensão
muscular ampliando assim a propensão de tais indivíduos sofrerem lesões. Segato, Brandt,
Liz, Vasconcellos e Andrade (2010) dizem que esportistas que possuem níveis muito baixos de
estresse também detém graus baixos de motivação e estímulo fazendo com que o atleta mostre
desconforto com a prática esportiva, consequentemente não apresentando resultados positivos
ao final do exercício. Debien, Noce, Debien e Costa (2014) alertam sobre o estresse quando este
pode atingir dimensões biológica, psíquica e social. Constatando-se as consequências desse mal-
estar individual expandindo-se a treinadores, equipes e expectadores.
Assim o cuidado com a saúde mental dos atletas é posto em evidência quanto atinge diversos
aspectos da vida profissional e pessoal dos indivíduos, que acabam por ressaltar a presença e
acompanhamento do PE junto as equipes e comunga com o observado em literatura.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1135


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Psicologia do Esporte e Limitações para Atuação do Profissional PE

O último eixo temático inclui sete artigos analisados e volta-se para limitações que perpassam
o trabalho de psicólogos do esporte no Brasil, descritos na Tabela 3, a seguir.

Tabela 3
Artigos Encontrados Sobre Limitações ao Trabalho dos Psicólogos do Esporte no Brasil
n Autores Artigos Revista Ano
A prática da avaliação psicológica em contex-
Renata Parente Garcia; tos
1 Temas em Psicologia 2016
Juliane Callegaro Borsa
esportivos
Andressa Melina Becker
da Silva; Gisele Fernandes
Instrumentos Aplicados Em Estudos Brasileiros Estudos Interdiscipli-
2 de Lima Foch; Claudiane 2014
Em Psicologia Do Esporte nares em Psicologia
Aparecida Guimarães; Sô-
nia Regina Fiorin Enumo
José Augusto Evangelho João Carvalhaes, um psicólogo campeão do Estudos e Pesquisas
3 2011
Hernandez mundo de Futebol em Psicologia
Antonio Carlos Simões;
Paulo Felix Marcelino Con- Psicossociologia do esporte: Um jogo parado- Boletim de Psico-
4 2009
ceição; José Alberto Agui- xal de forças inconscientes logia
lar Cortez
Cristianne Almeida Car- Psicologia e esporte: um olhar fenomenológico Revista da Aborda-
5 2009
valho para um encontro marcado pela modernidade gem Gestáltica
José Augusto Evangelho
Validação da escala de liderança para o espor- Psicologia: Ciência e
6 Hernandez; Rogério da 2012
te: versão preferência dos atletas Profissão
Cunha Voser
Validação para a população brasileira da Es- Revista Brasileira de
Guilherme Moraes Balbim;
7 cala de Dominância Télica (TDS) no contexto Educação Física e 2015
Lenamar Fiorese Vieira
esportivo Esporte
Nota: tabela criada pelos autores, a partir, dos artigos encontrados nos bancos de dados (BVSpsi, Scielo e Períodicos
Capes).

Entre estas estão a escassez de recursos metodológicos específicos para a psicologia do


esporte, sendo necessário adequação de práticas tradicionais da Psicologia e a falta de instrumentos
de avaliação psicológica específicos da área, fazendo com que alguns profissionais façam uso
de tradução de instrumentos internacionais de testes psicológicos e avaliações psicológicas na
psicologia do esporte, o que pode afetar a avaliação psicológica ao se fazer uso pela utilização de
testes sem requisitos de evidências de validade e confiabilidade (Garcia & Borsa, 2016; Hernandez,
2011).
A. M. B. Silva et al. (2014) alertam para a inexistência de testes psicológicos aprovados
para uso profissional, validados para atletas no Brasil no Sistema de Avaliação dos Testes
Psicológicos (SATEPSI) do CFP. Os instrumentos de medida mais utilizados na psicologia do
esporte acabam envolvendo medidas de processos psicológicos motivacionais subjacentes, tais
como autoconfiança, autopercepção de eficácia, autoconceito, autoestima, autocontrole ou
autorregulação, medidas de enfrentamento do estresse, por vezes medidas de personalidade, de
desempenho e de personalidade também vieram subsidiar a prática dos psicólogos no campo
esportivo (A. M. B. Silva et al., 2014). Entre os artigos selecionados, foram encontrados dois

1136  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
artigos de validação de instrumentos internacionais: Escala de Dominância Télica (TDS) (Balbim
& Vieira, 2015) e Escala de Liderança para o Esporte (ELE) (Hernandez, & Voser, 2012).
No entanto, há necessidade de desenvolvimento de instrumentos específicos para avaliar
especificidades de esportistas, levando em consideração o ambiente de atuação (piscina, quadra,
ar livre, pista), pois há um risco generalizado do uso de instrumentos da área clínica no esporte,
pois estes instrumentos não contemplam as especificidades do contexto esportivo ou mesmo de
características psicológicas importantes ao contexto diz A. M. B. Silva et al. (2014).
Contudo, a atuação do psicólogo do esporte para produção de uma avaliação psicológica,
ou psicodiagnóstico esportivo, tal como relata-se nos artigos, por meio do uso de práticas
consagradas como entrevistas, dinâmicas e observação, amparando-se em alicerces da atuação
e competência do psicólogo: entrevistas, aplicação de questionários, observação sistemática de
treinos e jogos, e com cautela a aplicação de testes psicológicos, tal para que o psicólogo do
esporte consiga conhecer os indivíduos com que trabalhe e faça uso da avaliação psicológica de
maneira humanitária e ética (Garcia & Borsa, 2016).
Por fim, denota-se na literatura também a dificuldade de inserção do trabalho do psicólogo
do esporte junto aos esportistas e técnicos, devido ao desconhecimento das práticas psicológicas,
preconceito e estereótipos como associação a patologias. Devendo o psicólogo do esporte
desmistificar tais pensamentos, além de assumir uma postura crítica e consciente ao utilizar o
arcabouço da Psicologia para prezar pela qualidade de vida em oposição a efeitos prejudiciais à
saúde mental como ansiedade, imediatismo de resultados, midiatização do sucesso e busca pela
perfeição estética que podem estar presentes junto aos esportes e seus integrantes (Simões et al.,
2009, & Carvalho, 2009).

Conclusão

A Psicologia do Esporte é uma subárea da Psicologia, mas ligada a um dos pilares históricos
da humanidade – o Esporte. O presente trabalho buscou levantar a partir de revisão de produções
nacionais, evidenciar que a PE se faz imprescindível junto ao campo desportivo, sendo uma área
emergente da Psicologia. Ficou evidente na revisão dos artigos que a área de Psicologia do Esporte
possui uma história que denota proximidade com a consolidação da Psicologia Brasileira, em
contramão ao cenário atual que carece, consequentemente, de maior repercussão dentro desta
área, tal como maiores investimentos em pesquisas e propagação nas regiões do país com mais
profissionais que possam influenciar em nossa realidade que é tão bem marcada pelo esporte.
Ressalta-se que seu enfoque principal concede na prevenção e promoção da saúde
psicológica de desportistas. Devido a isso, seu cerne está voltado para o trabalho aspectos tal
como a ansiedade, estresse, quando estes são fatores causadores da diminuição da qualidade
de desempenho dos mesmos, como são agravos para a saúde mental, de modo que se trabalha
permanentemente aspectos motivacionais.
Assim, nota-se- a tamanha relevância do esporte para a Psicologia, tanto em âmbitos
teóricos, como prático. A prática esportiva, de alto rendimento ou não, é fundamental para
o desenvolvimento pessoal, social e de qualidade de vida das pessoas. Para atletas lesionados,
a PE possui grande valia por trazer resultados no processo de reconhecimento de causas e
consequências, além de auxiliar diretamente na recuperação dos mesmos. No entanto, aponta-
se a necessidade de maior investimento em pesquisas relacionadas ao tema, implicando que é
necessário a exploração de novos horizontes.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1137


NO ONTEXTO BRASILEIRO
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1139


NO ONTEXTO BRASILEIRO
PRÁTICA DE ATIVIDADE FÍSICA EM UNIVERSITÁRIOS
DE UMA INSTITUIÇÃO FEDERAL DO PIAUÍ
Jeilson Barroso Silva
Talídyna Moreira De Oliveira
Willian Dos Santos Souza
Livia Gomes Viana-Meireles

Introdução

I
ngressar na universidade tem um papel significativo na vida de muitos jovens, pois,
geralmente, tem uma conotação de sonho realizado e a esperança de um futuro melhor.
No entanto, esse momento também representa o marco de novas barreiras e desafios
aos estudantes, pois é uma época marcada por mudanças significativas na rotina dos discentes, e
novas responsabilidades são assumidas (Bardagi & Hutz, 2011).
As mudanças ocorridas aos discentes devido a transição para o nível superior costumam
provocar dificuldades a estes de adaptação. Dentre as mudanças que ocorrem comumente, pode-
se citar: sair de casa, maior distanciamento da família, assumir novos papéis e responsabilidades
(Brooks & Dubois, 1995). Na academia se fazem necessárias novas estratégias de aprendizagem,
com o intuito de uma maior absorção de conteúdo científico. Também há os desafios de
estabelecimentos de novos padrões de relacionamentos e ampliação das relações interpessoais
(Soares, Almeida, Diniz, & Guisande, 2006). Esse período pode gerar tanto expectativas positivas
quanto negativas nos indivíduos, impondo metas pessoais, interpessoais e acadêmicas, dentre
outras. E se tem observado que o perfil desses estudantes tem passado por mudanças, mais
recentemente é visto um perfil mais heterogêneo de acadêmicos, em termos de idade e classe
social. A expansão e à democratização de ensino superior no Brasil e as exigências sociais de uma
maior qualificação profissional podem ser apontadas como as responsáveis por esse fenômeno
(Sarriera, Paradiso, Schütz, & Howes, 2012).
Diante de tantas novas demandas, juntamente com outras já existentes, é comum o
sujeito se deparar com a falta de tempo. Somando-se a isso comportamentos e hábitos danosos
a saúde, como, alimentação inadequada, consumo de bebida alcoólica, tabagismo, e pequena ou
nenhuma frequência de atividade física. Tais práticas tendem a deixar a saúde desses indivíduos
vulnerável (Sousa, José & Barbosa, 2013). Souza, Lopes, Almeida e Sousa (2014) destacam que
devido ao aumento da demanda de atividades os discentes têm, consequentemente, menos
tempo para atividades de lazer, como é o caso da atividade física. Se considerarmos ainda as
intensas alterações biológicas, instabilidade psicossocial e falta de comportamento preventivo,
adolescentes universitários compõe um grupo significativamente vulnerável à riscos com relação
a sua saúde (Vieira, Priore, Ribeiro, Franceschini, & Almeida, 2002).
A prática de atividade física (AF) tem um papel importante na produção de bem-estar
ao sujeito. Inclusive, cada vez mais sua importância tem aumentado na sociedade atual. Uma

1140  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
explicação plausível para esse fenômeno são os benefícios advindos da exercitação do corpo,
valendo ressaltar que estes não se limitam a benefícios físicos/fisiológicos, mas também
possibilitam produção de bem-estar psicológico, oferecendo ao sujeito uma melhor qualidade de
vida (Pieron, 2017).
Nesse sentido, é válido destacar alguns dos diversos benefícios à saúde física/fisiológica
proporcionados pela prática de atividade física, como: aumento no fluxo sanguíneo cerebral,
mudanças nos neurotransmissores cerebrais (tais como norepinefrina, endorfinas, serotonina),
alterações estruturais do cérebro, entre outros. Já em relação aos benefícios na esfera psicológica,
pode-se citar: interações sociais positivas, oportunidades de diversão e lazer, melhoria no
autoconceito e na autoestima, diminuição nos níveis de ansiedade, dentre diversos outros
benefícios (Weinberg & Gould, 2017).
Todavia, apesar de tantos benefícios advindos da prática de atividade física, a literatura
aponta que a prevalência de sedentarismo ainda é alta na sociedade em geral, assim como no
meio acadêmico. A pouca frequência da prática de atividade física entre os discentes se intensifica
ainda mais à medida que estes vão avançando nos semestres de seus cursos. Por conseguinte,
o final do curso é um momento no qual a frequência de atividade física é reduzida, devido ao
aumento de atividades e a consequente diminuição de tempo (Sousa et al, 2013).
O presente artigo busca verificar se, dentro de uma população de graduandos em psicologia,
tem ocorrido os fenômenos citados pela literatura, tais como uma redução na prática de atividades
físicas à medida em que o curso de graduação avança. Dentro de um questionário com perguntas
sociodemográficas e questões que relacionam a pratica dessas atividades antes e depois do ingresso
na graduação, verificamos ainda quais são as modalidades mais praticadas pelos estudantes e se
participam atualmente do quadro esportivo da instituição de ensino em questão. O software
IBM SPSS (em sua versão 21) foi utilizado a fim de calcular estatísticas descritivas e de frequência
para caracterização da amostra. Realizamos também análises de correlação para verificação do
padrão de associação entre variáveis.

Método

Participantes

O estudo foi realizado com uma amostra de 116 estudantes de psicologia de uma instituição
federal do Piauí. Estes possuíam idade média de 22,96 anos (DP=6,56), sendo 69,8% do sexo
feminino. No que tange ao semestre dos respondentes, a amostra contou com sujeitos do primeiro
ao décimo período do curso. De todos os participantes, apenas 29,3% alegaram receber auxílio de
bolsas assistenciais estudantis.

Instrumento

O questionário utilizado foi constituído por perguntas sociodemográficos (e.g., idade, sexo,
semestre) e questões sobre a prática de atividade física antes e depois do ingresso na universidade.
Os estudantes também foram questionados sobre quais eram as modalidades que praticavam e se
constituíam o quadro de atletas universitários da instituição.

Procedimentos

Os questionários foram aplicados com estudantes de psicologia nas dependências de uma


instituição federal do Piauí. Quando abordados, os potenciais participantes foram informados

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1141


NO ONTEXTO BRASILEIRO
sobre os objetivos do estudo, nesta oportunidade, também foi assegurado a confidencialidade
das respostas e enfatizado o caráter voluntário da pesquisa, que dava ao respondente o direito
de desistir da mesma a qualquer momento sem ônus. Ao concordar em participar do estudo,
os participantes tiveram que assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram
necessários em média de 5 minutos para finalizar a participação. Por fim, ressalta-se que a
pesquisa respeitou todos os preceitos éticos para pesquisas com seres humanos, obedecendo as
Resoluções nº 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. Este trabalho foi aprovado no
Comitê de Ética e Pesquisa da UFPI (Campus Ministro Petrônio Portella) sob o número de parecer
2.100.381.

Análise dos dados

O software IBM SPSS (em sua versão 21) foi utilizado para calcular as estatísticas descritivas
e de frequência a fim de caracterização da amostra. Fazendo uso do mesmo software foram
realizadas análises de correlações (r de Pearson) para verificação do padrão de associação entre
as seguintes variáveis: (a) prática de atividade física antes do ingresso na universidade, (b) prática
de atividade física durante a vida universitária, (c) frequência de atividade física, (d) composição
do quadro de atletas universitários da instituição, e (e) semestre do curso.

Resultados

Inicialmente, realizou-se a análise de frequência para averiguar a prática de atividade física


dos participantes no momento anterior ao seu ingresso na universidade e tal prática enquanto
universitários. Os gráficos das figuras 1 e 2 evidenciaram um maior percentual na prática física
no momento anterior a vida universitária, na qual 50% dos respondentes afirmaram praticar
atividade física antes de ingressarem na graduação e apenas 31,8% afirmaram tal prática enquanto
universitários. Tais dados demostram uma queda que 18,2% na prática de atividade física dos
entrevistados após ao ingresso na instituição de ensino.

Figura 1. Prática de atividade física antes do ingresso na universidade

1142  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Figura 2. Prática de atividade física durante a vida universitária

Além da prática, buscou-se mensurar a regularidade com que estes estudantes se exercitavam
semanalmente. As análises apontaram para uma prática média de 3 vezes semanais com uma
amplitude de 0 a 7 dias de exercícios (DP= 1,92). Os respondentes também foram solicitados a
identificar quais modalidades realizavam. As modalidades esportivas estão detalhadas no Gráfico
da figura 3.

Figura 3. Modalidades praticadas pelos universitários

Por fim, realizou-se uma análise de correlações (r de Person) com as variáveis de interesse,
que estão expostas na Tabela 1. Como observa-se pelas correlações estatisticamente significativas,
a prática de atividade física anterior ao ingresso na graduação mostra-se um preditor considerável
para tal prática durante a vida universitária (r= 0,25; p< 0,01), tendo também relações significativas
com a variável que corresponde a inclusão do participante como atleta universitário(r= 0,25;
p< 0,01). Outro dado relevante diz respeito a correlação negativa que existe entre as variáveis
frequência de atividade física e semestre cursado pelos entrevistados (r= -0,21; p< 0,05).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1143


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Tabela 1.
Correlações entre as variáveis de interesse
Semestre Frequência de Prática de AF antes Prática de AF Atleta Universitário
AF na graduação durante a gra-
duação
Semestre -0,28 -0,13 -0,21* -0,06
Frequência de AF -0,28 0,18 0,66** 0,14
Prática de AF antes -0,17 0,18 0,25** 0,25**
na graduação
Prática de AF du- -0,21* 0,66** 0,25** 0,18
rante a graduação
Atleta Universitário -0,06 0,14 0,25** 0,18
Notas: * Correlação estatisticamente significativa a um p<0,05; ** Correlação estatisticamente significativa a um p<0,01.

Discussão

O principal intuito deste trabalho é colaborar com a temática da prática de atividade física
em universitários. Importa destacar que esse tema tem ganhado gradativamente importância
nos últimos anos, tendo em vista a valorização do corpo, da saúde e os benefícios de bem-estar
psicológico advindos da exercitação do corpo. A partir dos resultados desta pesquisa foi possível
constatar achados importantes que corroboram com a literatura.
Nesse sentido, um importante achado foi o decréscimo na frequência da prática de
atividade física dos discente após serem inseridos na universidade. Esse dado é preocupante,
tendo em vista que devido esse público ser composto por maioria de jovens, esperava-se uma vida
mais ativa quanto a prática de AF (Weinberg & Gould, 2017). Preocupa também o fato de que
apesar do público acadêmico ser dotado de conhecimentos e informações pertinentes quanto ao
cuidado da saúde e prevenção, a prática de AF ter tido uma acentuada queda em sua frequência
na amostra explicitada.
Esse resultado encontrado na pesquisa vai ao encontro daquilo que a literatura aponta, de
que muitos indivíduos após adentrarem a universidade diminuem ou deixam de praticar atividade
física (Sousa et al., 2013). Tal fato acontece, na maioria das vezes, devido as diversas atividades
acadêmicas que os discentes devem dar conta, bem como também, em consequência às mudanças
e transformações que naturalmente acontecem por esses indivíduos viverem uma nova fase em
suas vidas, e precisarem se adaptar a ela (Souza, Lopes, Almeida, Sousa, & Filho, 2014).
Quanto a frequência da prática de AF, os participantes que assumiram ter o hábito de
se exercitar apresentaram uma média de três atividades físicas semanais. É válido destacar que
essa frequência poderia ser maior, se não fosse as diversas atividades que esses discentes são
exigidos a dar conta, bem como devido a inflexibilidade de horário causada por tantos afazeres
acadêmicos e de ordem pessoal. Apesar de nem sempre esses discentes conseguirem alcançar a
média semanal de atividade física moderada, recomendada pela Organização Mundial de Saúde,
de 150 minutos, importa destacar que eles conseguem ter uma frequência que lhes possibilitam
ter um corpo saudável e um maior bem-estar.
No que tange às modalidades mais praticadas pelos alunos de psicologia, evidenciou-
se a preponderância da musculação, seguida pela caminhada, dança, atividades variadas e
atividades esportivas como, vôlei, natação e futebol. Em relação à musculação, é natural ela ter
sido apontada como o exercício mais praticado, tendo em vista que essa prática tem ganhado
importância gradativa, fato esse comprovado por academias cada vez mais cheias, sobretudo
do público jovem (Tahara, Schwartz, & Silva, 2003). A caminhada é outra atividade física muito

1144  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
praticada na contemporaneidade, e se torna uma via prática e útil diante da correria do dia-dia,
possibilitando, inclusive, os praticantes socializarem enquanto fazem a caminhada.
Adentrando a análise das correlações, o fator que representa a prática de AF antes do
ingresso na graduação apresentou correlação positiva com o fator referente a esta prática durante
a vida acadêmica, ou seja, a prática de atividade física quanto hábito aumenta a probabilidade
de que a frequência de exercícios físicos se mantenha presente mesmo diante das transformações
e mudanças na vida. Por conseguinte, se os indivíduos têm uma rotina de prática de atividade
física na adolescência, é provável que essa prática continue na vida adulta (Farias, Lopes, Mota,
& Hallal, 2012). No entanto, como evidenciado através da análise de frequência, 18,2% dos
entrevistados relataram abandonar a prática de AF após ingressarem na vida acadêmica, o que
pode ser explicado pela sobrecarga de atividades da universidade, reduzindo assim o tempo que
poderia ser dedicado para atividades de lazer, e a prática de atividades físicas (Souza et al., 2014).
O abandono da prática de AF, de acordo com a relação negativa existente entre os fatores
semestre cursado e a frequência de AF, parece ser potencializado com a proximidade ao fim do
curso. Os resultados desta análise corroboram com os achados na literatura que pontuam o fim
do curso como um momento estressante, que culmina em uma diminuição do tempo livre dos
graduandos devido à sobrecarga de atividades e uma não uniformidade dos horários disponíveis
para atividades somo, Estágio Profissional, Trabalho de Conclusão de Curso, Projetos de Extensão
e Pesquisa, horários de aula, e etc. (Sousa et al., 2013).
Por fim, a análise de correlações também apontou para uma correlação estatisticamente
significativa entre o fator da prática de atividade física antes da vida acadêmica e o fator que diz
respeito a participação do respondente no quadro de atletas universitários. A relação apresentada
por estes fatores salienta a maior probabilidade que um sujeito que pratica atividades esportivas
antes de ingressar na academia tem de vir a ser um atleta universitário. Esse achado se justifica pelo
fato de a universidade incentivar as práticas esportivas, e possibilitar que os discentes participem
ativamente nos jogos universitários internos, e em competições com outras universidades. Nesse
sentido, naturalmente leva vantagem aqueles que têm uma maior afinidade e mais tempo com as
práticas de atividades esportivas.

Considerações Finais

O estudo aqui explanado, embora relevante, não está isento de falhas e limitações, uma delas
diz respeito ao tipo de amostra utilizada, que foi probabilística, inviabilizando uma participação
aleatória e mais heterogênea de sujeitos, uma vez que se contou com uma amostra restrita de
poucos estudantes de psicologia, de uma única universidade brasileira.  Com isso, sugere-se que
pesquisas futuras contem com amostras maiores e mais representativas, tendo estudantes de
diferentes universidades públicas e privadas do país, com a finalidade de obter amostras mais
diversificadas e consequentemente resultados mais robustos para que possam agregar mais
contribuições nessa temática discorrida.
Por fim, conclui-se que os objetivos do estudo foram alcançados, uma vez que, pode-se,
com auxílio dos dados coletados e analisados, explanar a prática de atividade física em estudantes
de psicologia de uma instituição federal. Apesar da amostra não ter sido tão grande, os resultados
encontrados na pesquisa corroboram com o que a literatura aponta em relação a prática de
atividade física entre os discentes universitários. Além disso, cabe ressaltar que os resultados
descritos, além de apresentar estatísticas relevantes para o meio acadêmico, podem vir a contribuir
para projetos e políticas de promoção à saúde dentro das universidades brasileiras.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1145


NO ONTEXTO BRASILEIRO
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1146  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
UMA COMPREENSÃO HISTÓRICO-CULTURAL DA
HOMOFOBIA NA ESCOLA A PARTIR DA PSICOLOGIA
AMBIENTAL
José da Silva Olveira Neto
Fábio Pinheiro Pacheco
Zulmira Áurea Cruz Bomfim
Introdução

A
Psicologia Ambiental nasce na década de 1970 nos Estados Unidos. Um pouco
mais tarde, na década de 1980, encontra lugar na França, no contexto do período
posterior à II Guerra Mundial, com a expectativa de responder ao processo de
reconstrução das cidades. Com a implementação de programas habitacionais, cientistas do
comportamento juntamente com arquitetos e urbanistas perceberam que o ambiente deveria ir
além de princípios de construção e estética, considerando “[...]também outros fatores como as
necessidades psicológicas e comportamentais dos ocupantes” (Melo, 1991, p. 85), de maneira
que fosse possível compreender a forma como o ser humano responderia ao ambiente em que ele
se encontrasse.
A Psicologia Ambiental define-se, assim, como a aplicação em psicologia que se dedica ao
estudo da pessoa em seu contexto, destacando as interrelações e as relações entre a pessoa e
o meio físico e social como especificidades de seu objeto (Moser, 1998). Ressalta-se, ainda, a
existência de vertentes teórico-metodológicas, principais, a saber: as teorias situacionistas e as
interacionistas, que se apresentam dentro de uma proposta linear e unidirecional, e as teorias
transacionistas, as quais, por sua vez, enfocam a reciprocidade das interrelações pessoa-ambiente,
e é dentro dessa proposta, corroborando com Bonfim (2010), que este estudo se posiciona.
Segundo Moser (1998), as dimensões sociais e culturais se fazem presentes na construção
dos ambientes, evidenciando o movimento dialético presente na percepção da pessoa sobre
o ambiente e a impressão que este causa àquele. Concebe-se, assim, que existe um processo
específico de cada pessoa na sua relação com o ambiente. Dessa forma, “estamos estudamos
uma reciprocidade entre pessoa e ambiente” (Moser, 1998, p. 121). Contudo, vale que se note
que há uma diferença substancial entre a proposta da Psicologia Ambiental e outras áreas como
o Urbanismo e a Geografia humana. Enquanto a Psicologia Ambiental busca o entendimento
do contexto ambiental em que o comportamento ocorre, as outras áreas se situam na busca por
resposta causalistas de como o comportamento humano responde mecanicamente ao ambiente
(Melo, 1991). Nesse sentido, o fazer da Psicologia Ambiental se volta para a realização de um
discurso sobre a pessoa no ambiente, sempre em interrelação com o seu contexto ambiental
(Moser, 1998).
Bonfim (2010, p.76) concebe a Psicologia Ambiental “como área interdisciplinar, estuda
a interação das pessoas com seu entorno sociofísico, considerando o meio urbano, os recursos
naturais e o comportamento”. A autora destaca que, atualmente, uma nova perspectiva em

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1147


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Psicologia Ambiental tem surgido, que lê os fenômenos que emergem das interrelações homem-
ambiente por meio de um prisma psicossocial23, o qual se contrapõe às perspectivas cognitivistas e
reducionistas das questões pessoa-no-ambiente, como bem pontua Pinheiro (1997). Por sua forte
relação com a perspectiva crítica da psicologia social latino-americana (Lane, 1984), é possível
atuar em Psicologia Ambiental por meio de um prisma socioambiental capaz de vislumbrar
alternativas, prevenções e intervenções para as problemáticas latino-americanas, que, ao serem
assim adjetivadas, assumem a complexidade do subdesenvolvimento (Mészáros, 2009).
Nesse sentido, aporta-se em Lane (1984) para apontar a impossibilidade de se fazer uma
psicologia desvencilhada da realidade concreta latino-americana, isto é, que conduza à emancipação
dos povos empobrecidos historicamente em todos os âmbitos de suas vidas, porquanto, segundo
a autora, toda psicologia é social. Todavia, isso não em um sentido que reduza todas as áreas de
aplicação da psicologia à psicologia social, mas no sentido de que cada uma das áreas da ciência
psicológica assuma seu respectivo compromisso social frente aos processos de vulnerabilidade
social. É essa identidade que advogamos para a Psicologia Ambiental, cujos laços estreitos com a
Psicologia Social e Psicologia Comunitária levam Moser (1998) dizer que a Psicologia Ambiental
desenvolvida nos países latino-americanos distancia-se da desenvolvida nos países europeus.
Dentre os processos de vulnerabilidade social que se interpõe cotidianamente na relação
homem-ambiente e que, portanto, devem se constituir como possibilidade de enfrentamento
em Psicologia Ambiental, a homofobia - descrita por Borrillo (2015) como uma ferramenta de
manutenção do status quo uma vez que se configura em um vigilante das fronteiras de gênero,
diferenças essas que foram erigidas historicamente - tem se destacado nos relatórios mundiais,
conforme apontam Carroll e Mendos (2017), no relatório anual da Associação Internacional de
Gays e Lésbicas (ILGA). Os autores evidenciam, por exemplo, que, considerando os dados de 2017,
há 72 países que criminalizam relações sexuais entre pessoas adultas do mesmo sexo, de maneira
que 45 desses estados criminalizam tanto homens como mulheres adultos que estabelecem
relações sexuais com pessoas do mesmo sexo; considerando ainda que 8 desses estados aplicam
pena de morte a pessoas que forem flagradas em ato sexual com alguém do mesmo sexo. Esse é
o panorama contextual em que somente uma perspectiva crítica em Psicologia Ambiental pode se
inserir, com vias a desnaturalizar as relações construídas historicamente no ambiente.
Diante disso, este trabalho objetiva discutir a construção da relação alunos homoafetivos-
ambiente escolar à luz do encontro entre as psicologias Ambiental e Social. A escola aqui urge
como locus de aprendizagem e desenvolvimento humano (Vygotsky, 1984), configurando-se,
também, pela sua função social comprometida com debate de questões socioculturais presentes
no sistema capitalista, marcado pela exclusão e desigualdade social.

Método

Trata-se de um estudo eminentemente teórico-bibliográfico, promovendo uma leitura


psicológica da (des)construção do espaço escolar homofóbico. Seguindo o eixo teórico-
metodológico apresentado anteriormente sobre as perspectivas transacionais em Psicologia
Ambiental (Bonfim, 2010), este estudo também encontra como locus a psicologia social latino-
americana de base histórico-cultural, a qual inaugura uma compreensão dialética da atividade
humana, que é, sobretudo, mediada pela afetividade (Lane, 1984) e que capta o processo emotivo
da linguagem, nomeado por Vygotsky subtexto da linguagem (Vygotsky, 2008).

23 A perspectiva psicossocial em Psicologia Ambiental se encontra representada pelas teorias transacionistas (ou
transacionalista), as quais estudam a relação pessoa ambiente pelas lentes subjetivas das pessoas que constituem
essa relação, ou seja, esta vertente, dá uma especial atenção à construção do significado relacionado ao ambiente
(Bonfim, 2013). Destacam-se, nesse sentido, os estudos e as pesquisas realizadas no Laboratório de Pesquisa em
Psicologia Ambiental (LOCUS) na Universidade Federal do Ceará (UFC).

1148  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Resultados e Discussão

A psicologia histórico-cultural, representada, sobretudo, na figura da Troika – Vygotsky, Luria


e Leontiev – propõe uma visão específica da relação homem-mundo, a saber: que esse sujeito é
eminentemente histórico e é ativo na sua relação com o mundo, seja essa mundo o próprio entorno
que ele constitui ou os outros sujeitos que nele se configuram e se subjetivam (Lima & Carvalho,
2013). Dessa maneira, considera-se o humano um sujeito cujas formas superiores e específicas de
comportamento foram cunhadas no movimento histórico da sua relação com o mundo mediante
o processo do trabalho e do aparecimento da linguagem, processo organizador do pensamento e
uma das pontes para os caminhos mais complexos dos mecanismos de generalização e abstração
(Vygotsky, 2008).
Segundo Dias (2005), esse olhar se volta para a noção de subjetividade como resultante de
uma construção social e histórica, o que faz com o processo psicológico e sua rede de significados
sejam entendidos, dentro de uma perspectiva dialética, como mediados pela percepção, seleção
e significação das informações do meio interno e externo, por exemplo. A esse respeito, Vygotsky
(1994) mostra que a formação dos processos especificamente humanos se dá na relação,
de maneira que as formas hoje internalizadas e participantes da vida psíquica antes foram
necessariamente externas e forma aprendidas na relação com os outros homens, processo esse
também nomeado por Leontiev (1978) de hominização. Este, contudo, só é possível mediante o
trabalho como o ato de transformação da natureza empreendido pelo homem de maneira que ele
também é transformado por ela nessa relação. Contudo, como expõe Marx (1988), esse processo
perde sua natureza ontológica com sua apropriação pelo capital, gerando as mais variadas formas
de alienação.
Mészáros (2017) esclarece que o fenômeno da alienação, próprio da sociabilidade do capital,
manifesta-se em três esferas, a saber: 1) o homem passa a não se identificar com o produto do seu
trabalho e, portanto, consegue vendê-lo, de maneira que a dicotomia interno-externo aparece; 2)
o homem é submetido ao empobrecimento de sua consciência histórica, aquilo que é próprio do
homem, do ser genérico, torna-se-lhe estranho e, por fim, como consequência do segundo, 3) o
homem passa a não se reconhecer no outro homem.
Mas por que considerar o fenômeno da alienação neste estudo? Enxergamos, pois no
processo de alienação, em destaque para o terceiro aspecto, um caminho teórico-metodológico
para entendermos a homofobia na escola enquanto fenômeno psicossocial na estruturação do
ambiente escolar. Ora, a alienação faz com o homem não se reconheça em um outro homem,
minando qualquer forma de consciência coletiva e humanizada. Eis o berço da violência, aqui,
especificamente, da homofobia. Nesse fluxo de compreensão, Saviani (2003) reconhece a
instituição escola como dentro da trama histórica, não de maneira isolada ou neutra, isto é,
a-histórica, o que quer dizer que as determinações e os processos de violência que nela ocorrem
são mediados historicamente, inclusive a homofobia.
Borrillo (2015) define incialmente homofobia como uma forma específica de preconceito ou
aversão a pessoas homossexuais no geral, contudo o autor é claro ao mostrar que tal definição é
subjetivistas, uma vez que situa esse fenômeno, que é histórico, somente no plano da subjetividade.
Evidenciando sua historicidade, o autor mostra como as relações homossexuais foram encaradas
em outros momentos históricos em outras organizações sociais que não as ocidentais assim como
as conhecemos. Nesse sentido, o autor reconhece o papel das instituições que compõe a sociedade
como mecanismos de vigilância às fronteiras de gênero e de sexualidade, dentre elas a escola.
Louro (2014) entende que a escola, como locus do encontro cotidiano dos sujeitos escolares,
não é isenta das formas de violência que nele acontecem, pois ela não somente reproduz os
preconceitos, mas também os produz, de maneira que se transforma em uma vigilante das relações

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1149


NO ONTEXTO BRASILEIRO
de gênero e de sexualidade que se interpõe em seus corredores e salas. Contudo, como bem
pontua a autora, não há como não se falar sobre gênero e sexualidade na escola, pois ambos se
constituem como fenômenos biográficos, isto é, estão inscritos na vivência dos sujeitos envolvidos
na trama escolar.
Compreendendo a escola como ambiência, recorremos às categorias de espaço e
lugar (Tuan, 1983) para problematizar de que maneira a Psicologia Ambiental pode construir
estratégias de proteção a estudantes homossexuais na escola. Conforme Tuan (1983), espaço
e lugar são termos familiares que indicam experiências comuns, assim “lugar é segurança e o
espaço é liberdade” (Tuan, 1983, p.1); em outras palavras, os lugares são estáticos, uma vez que
neles o homem repousa, e os espaços são dinâmicos, porquanto são para o homem transitório. A
Psicologia Ambiental aponta que o sujeito, a partir do processo de apropriação, pode se relacionar
de maneira mais ou menos implicada, isto é, afetiva, com o ambiente em que situa, de maneira que
pode transformar os espaços em lugares, embebendo-o com carga simbólica e afetiva (Cavalcante
& Elali, 2011).
As autoras definem apropriação enquanto “um processo psicossocial central na interação
do sujeito com seu entorno por meio do qual o ser humano se projeta no espaço e o transforma
em um prolongamento de sua pessoa, criando um lugar seu” (Cavalcante & Elali, 2011, p. 63).
Alguns estudos em Psicologia Ambiental já têm demonstrado que a afetividade se constitui como
um fator mister para que esse processo ocorra de maneira ao indivíduo se apropriar do espaço,
inclusive no contexto escolar; significando- o, então, e transformando-o em lugar (Bonfim,
Alencar, Santos & Silveira, 2013; Furlani & Bonfim, 2010).
Todavia, o que se entende aqui por afetividade? A afetividade de falamos aparece como
uma categoria de análise dos processos de inclusão e exclusão (Sawaia, 2011), que integra as
emoções e os sentimentos que afloram no modo como a pessoa é afetada no encontro com o
outro (pessoa e/ou ambiente). Ou seja, com base na teoria dos afetos de Baruch de Espinosa,
compreendemos a afetividade como “as afecções (affectiones) do corpo, pelas quais a potência de
agir desse corpo é aumentada ou diminuída, favorecida ou entravada, assim como as ideias dessas
afecções” (Gleizer, 2005, p. 33, grifo do autor).
Para a construção de um locus escolar plural e democrático, Pereira e Bahia (2011) advogam,
apoiados na concepção de que a educação é um direito fundamental, que a construção de uma
escola democrática e livre de preconceitos é o pressuposto para a cidadania, para a liberdade e para
a diversidade. Neste sentido, acredita-se no desenvolvimento de uma prática crítica e ambiental
na escola comprometida com a análise afetiva dos encontros entre alunos homoafetivos-ambiente
escolar-professores-alunos. Tornam-se necessárias atividades que promovam a expressão dos
afetos (potencializadores e despotencializadores) na relação homoafetividade-escola, analisando-
os em sua construção e transmissão social, cultural e ideologicamente.
A experiência já aponta para esse fazer como possibilidade de intervenção. Bonfim, Alencar,
Santos e Silveira (2013) mostraram, em uma pesquisa realizada com estudantes de escolas
públicas da cidade de Fortaleza, no Ceará, que relações de apropriação e de envolvimento com
o ambiente são acompanhadas de uma estima de lugar potencializadora sobre ele, de maneira
que os indivíduos agem sobre esse ambiente com vias de ação-transformação, o que se constitui
em fator de proteção para estudantes em situação de vulnerabilidade. Acredita-se que apostar
nesse caminho teórico-metodológico para o trabalho com estudantes homossexuais em escolas se
constituirá em fator de proteção para tais sujeitos, reduzindo os índices de homofobia na escola
alertados por Rizzato (2011) e Efrem Filho (2016).
Estudos, como o de Campos (2007), sobre a intervenção psicológica na escola demonstram
que o envolvimento dos estudantes nas decisões e atividades das suas respectivas escolas faz
com que resultados dos processos de vulnerabilização social sejam revertidos. Dessa maneira,

1150  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
construir ferramentas que captem como estudantes homossexuais se sentem em suas escolas e a
operacionalização de ações interventivas e preventivas a partir desse diagnóstico, nessa ordem de
urgência, devem se tornar norte das atividades da Psicologia Ambiental nas escolas, favorecendo
a metamorfose da identidade individual e identidade de lugar numa perspectiva libertadora e
igualitária.
Compreende-se, então, que uma das frentes de luta contra a homofobia na escola ocorre
por meio da participação dos alunos (homoafetivos ou não) na transformação dos espaços
escolares de segregação e preconceitos em lugares de afetos potencializadores, com sentimentos
de pertencimento e agradabilidade. A análise dos encontros afetivos e o desenvolvimento de
atividades com base na participação e apropriação na escola rompem com a alienação em relação
ao reconhecimento do outro, proporcionando a compreensão histórica e processual da construção
dos comportamentos homofóbicos fossializados. Destarte, aponta-se para o incentivo de práticas
que promovam o acesso igualitário ao ambiente, minando a segregação (Silva & Santos, 2015),
para que a relação do sujeito com o ambiente amplie suas possibilidades de vida, identidade e
cidadania.

Considerações Finais

A Psicologia Ambiental não escapa do chamado imperativo para ser social, isto é, comprometida
com a realidade dos povos latino-americanos e com seus processos de vulnerabilização social, dentre
eles a homofobia. Nesse sentido, a instituição escolar também responde, em responsabilidade,
ao movimento dialético da história das diferenças, de maneira que também produz e reproduz
homofobia, enquanto comportamentos alienantes historicamente construídos e transmitidos.
Nesse sentido, convém que práticas promovam o encontro e a integração na escola, a fim de que os
afetos potencializadores dos sujeitos homossexuais na escola os conduzam à ação sobre o ambiente,
transformando tais sujeitos em partícipes na construção de uma escola não como um espaço de
exclusão, mas um lugar de vivência afetivamente caloroso e emancipador.

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AMBIENTE E AFETIVIDADE SEGUNDO JOVENS DA
COMUNIDADE PEDRA DO SAL
Marluce Eduardo Da Silva
Dayanne Batista Sampaio
Andressa Lília Sousa Dos Santos
Hérica Maria Saraiva Melo

Introdução

A
relação homem-ambiente sempre foi objeto de estudo das ciências. No entanto,
são ainda recentes as discussões em Psicologia, sendo a Psicologia Ambiental (PA) a
disciplina responsável por aprofundar o estudo dessa relação. Assumindo também
esse desafio, este estudo considera que o homem busca em suas relações com o ambiente algum
sentido que explique sua existência.
O homem se constitui como sendo histórico-cultural, tendo no ambiente, elementos que
lhe compõem e transformam suas histórias ao longo do tempo. Da mesma maneira, o ambiente
se modifica com as transformações ocorridas com o ser humano (Alencar, 2010). Nesse sentido,
pode-se assumir a perspectiva de um homem-ambiental, uma vez que em PA não se estuda o
indivíduo per se ou o ambiente per se, mas a inter-relação constante (Moser, 1998).
A partir disso, transpõe-se a objetificação do homem ou do ambiente e adentra-se no estudo dos
afetos que permeiam, compõem e transformam a relação dos sujeitos com o espaço, o que resgata
o aprofundamento deste enquanto lugar. Essa discussão vem sendo desenvolvida, por exemplo, por
meio do conceito de identidade de lugar, que é constituída por atitudes, valores, crenças e significados
atribuídos na relação que o sujeito estabelece com os espaços (Arcaro & Gonçalves, 2012).
Em outras palavras, para que as pessoas se impliquem significativamente na existência com o
lugar, elas precisam sentir que este é uma extensão de sua identidade, desenvolvendo sentimentos
de pertencimento e identificação. Isso porque os afetos podem ser entendidos como uma forma
de conhecimento, orientação e ética na relação com o lugar (Bomfim, 2015).
Espinosa (1983) explica que quando o sujeito cria uma relação de afeto agradável com a
comunidade, por exemplo, fica mais fácil o seu envolvimento com atividades que favoreçam sua
relação com a mesma e o crescimento saudável dela. Desenvolve-se, a partir de então, uma relação
de cuidado que é enfatizada por Boff (1999, p. 33) como “uma atitude de ocupação, preocupação,
de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro”. Assim, para que o sujeito esteja
envolvido com esse processo de cuidado é necessário que ele se sinta pertencente ao ambiente,
tendo afetos que possibilitem essa atitude. O ambiente como “Outro” é merecedor de uma ética,
que pode ser vislumbrada e compreendida a partir da afetividade como uma componente decisiva
na ética ambiental enquanto possibilitadora de cuidado (Bomfim, 2015).
Diante do exposto, estende-se essa preocupação ética à comunidade Pedra do Sal,
localizada na cidade de Parnaíba-Piauí-Brasil, tendo como tema central a relação pessoa-afetos-

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1153


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ambiente. Para tanto, os seguintes questionamentos nortearam esta pesquisa: Quais os afetos
que permeiam a relação dos jovens com a comunidade Pedra do Sal? Assim, objetivou-se com este
estudo compreender como os jovens se relacionam com a comunidade Pedra do Sal, partindo do
enfoque de identificar como os mesmos percebem e definem a comunidade e conhecer como se
dá a relação afetiva desses sujeitos com o espaço.

Método

Esta pesquisa contou com a participação de 11 (onze) jovens pertencentes ao grupo de jovens
da comunidade Pedra do Sal, com faixa etária de 15 a 21 anos de idade, que aceitaram participar
da pesquisa. Este grupo foi criado em 2012 e atende aos critérios e objetivos desta pesquisa, já
que atua na comunidade desenvolvendo ações religiosas em contexto local. Para a realização
da pesquisa, foram utilizados todos os critérios éticos necessários, inclusive, sua apreciação ao
Comitê de Ética da Universidade Federal do Piauí-UFPI.
O percurso metodológico escolhido ocorreu da seguinte forma: 1) adaptação do
instrumento gerador de mapas afetivos proposto por Bomfim (2003); 2) realização de uma trilha
ecológica (Silva, Netto, Azevedo, Scarton, & Hillig, 2012) definida pelos participantes conforme a
elaboração de um mapa coletivo; e, 3) uma roda de conversa para compartilhamento e discussão
das experiências com o lugar (Gatti, 2012). A escolha destas duas últimas técnicas prevê o
reconhecimento da necessidade de elaboração da pesquisa pelos participantes, como forma de
contribuir mais concretamente com os mesmos por meio da pesquisa. No que tange à análise
dos dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo temática proposta por Minayo (2010). O
Quadro 1 apresenta o perfil dos participantes desta pesquisa.

Quadro 1
Perfil dos participantes da pesquisa

IDADE/ TEMPO DE TEMPO DE


IDENTIFICAÇÃO NÍVEL DE
PROFISSÃO MORADIA NA PARTICIPAÇÃO
DO PARTICIPANTE SEXO ESCOLARIDADE
COMUNIDADE NO GRUPO
P1 15 anos Ensino Fundamental Estudante 15 anos 5 meses
Completo
Feminino
P2 16 anos Ensino Fundamental Estudante 16 anos 2 anos
Completo
Feminino
P3 17 anos Ensino Fundamental Estudante 17 anos 8 meses
Incompleto
Feminino
P4 17 anos Ensino Fundamental Estudante 17 anos 7 meses
Incompleto
Masculino
P5 18 anos Ensino Médio Com- Garçom 18 anos 4 meses
pleto
Feminino
P6 18 anos Ensino Fundamental Estudante 18 anos 5 anos
Completo
Feminino
P7 18 anos Ensino Fundamental Surfista 18 anos 3 anos
Incompleto
Masculino

1154  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
P8 19 anos Ensino Médio In- Estudante 19 anos 4 anos
completo
Masculino
P9 20 anos Ensino Médio Com- Bailarina 15 anos 5 anos
pleto
Feminino
P10 21 anos Ensino Fundamental Surfista 21 anos 7 meses
Incompleto
Masculino
P11 21 anos Ensino Fundamental Estudante 21 anos 5 anos
Completo
Feminino
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

Resultados

Ao iniciar este eixo de diálogos entre teoria e prática, pesquisadores e participantes, iniciou-
se um movimento fluido de retorno à experiência da pesquisa. Primeiramente, a aplicação dos
mapas afetivos, realizada individualmente (somente a etapa qualitativa), permitiu o acesso
primeiro às visões imediatas dos jovens sobre a comunidade. Aqui foi possível entender que a
paisagem é elemento essencial na representação do lugar. Do ponto de vista geográfico, paisagem
“é uma categoria de análise espacial relacionada à dinâmica do tempo. Ela representa um conjunto
que é compreendido pela combinação de elementos físicos, biológicos e sociais, que interagem
e evoluem de forma indissociável” (Bier & Verdum, 2014, p. 52). No entanto, como explicam os
autores, ela pode ser entendida e trabalhada sob diversas concepções, a depender da proposta e
da metodologia escolhida.
A paisagem da Pedra do Sal, explanada em um conjunto de elementos da natureza,
expressa a característica marcante da comunidade: a pedra, o farol, o mar e o sol – elementos
sempre presentes na descrição local. É por meio dessa representação que também se faz
conhecer a comunidade sob o ponto de vista turístico. Os desenhos são, dessa forma, recursos
reveladores de afetos, pois criam uma situação de aquecimento para a expressão das emoções e
sentimentos (Bomfim, 2003).
Após a realização do desenho, os participantes tiveram a possibilidade de discorrer sobre o
significado, os sentimentos, as qualidades atribuídas ao lugar e as metáforas associadas a ele. Na
análise dos mapas afetivos, identificaram-se os sentimentos e as qualidades atribuídos ao lugar a
partir de algumas categorias definidas por Bomfim (2003), ao construir o instrumento gerador
dos mapas afetivos, a saber: agradabilidade, pertinência, contraste e insegurança. O Quadro 2
demonstra como tais elementos surgiram a partir da imagem representada nos desenhos e sua
significação apontada pelos participantes deste estudo. No tópico seguinte, apresenta-se o
diálogo entre os resultados e as proposições teóricas.

Quadro 2
Sentimentos e qualidades atribuídos à comunidade Pedra do Sal

SENTIMENTOS ATRIBUÍDOS
IMAGENS QUALIDADES ATRIBUÍDAS TOTAL DE METÁFORAS
AO LUGAR

Beleza, Lazer, Diversão, Ri- Bem-estar, Paz, Prazer, Orgulho Incomparável (6)
Agradabilidade
queza
Tranquilidade, União, Simpli- Amor, Alegria, Orgulho, Respeito Comunidade unida (1)
Pertinência
cidade

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1155


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Bela-Suja, Tristeza, Inconformação, Insegu- Algo abandonado (3)
Contraste Desenvolvimento-Destruição, rança
Segurança-Insegurança
Abandono, Vulnerabilidade, Tristeza, Medo, Insegurança, Produto descartável para
Insegurança
Destruição Inconformação os outros (1)
Fonte: Pesquisa de Campo (2017).

Discussão

A categoria “agradabilidade” refere-se a sentimentos e a sensações de vinculação ao


ambiente, apresentados por qualidades positivas. De maneira semelhante, encontram-se
na categoria “pertinência”, sentimentos, emoções e palavras de identificação com o lugar,
representados também por qualidades positivas. Com relação ao “contraste”, são encontrados
sentimentos, emoções e palavras contraditórias com polarização positiva e negativa. Por fim, na
categoria “insegurança”, surgem sentimentos e palavras que envolvem algo inesperado, instável e/
ou negativo (Bomfim, 2003).
Bomfim (2003) também entende a importância das metáforas em paralelo com os
sentimentos. Ambos se caracterizam pelo cultivo da intimidade ao passo que refletem a experiência
da vida cotidiana e do contato com a coletividade, pois o uso figurado depende do mesmo
conhecimento, das mesmas crenças, intenções e atitudes utilizados na língua comum.
Os elementos da agradabilidade e da pertinência foram os principais da paisagem
representada pelos participantes e são esses mesmos elementos que mobilizam afetos e despertam
significações diversas e positivas na relação com o lugar. Embora a imagem de insegurança e
os contrastes estejam presentes, não definem negativamente a experiência dos jovens com a
comunidade, principalmente porque são interferências não enraizadas no lugar, mas elementos
externos e acrescentados a ele.
Nesse sentido, as transformações que ocorrem no espaço, com seus aspectos temporais
(Mourão & Cavalcante, 2006), também são destacadas no entendimento da relação que os
jovens estabelecem com a comunidade. Vale esclarecer de maneira bem simples, a dinâmica da
conceituação espaço e lugar para entender como transitar nesta discussão: o lugar começa como
espaço e se modifica ao passo que é dotado de valor, significado e afeição (Tuan, 1983). Uma vez
carregado de afetividade, o lugar torna-se referência aos sujeitos que dele fazem parte (Felippe &
Kuhnen, 2012).
Desse modo, conhecer como se dá a relação afetiva dos sujeitos com o espaço permite
identificar que elementos podem possibilitar seu aprofundamento enquanto lugar. Para os jovens
que participaram desta pesquisa, a conexão estabelecida com os recursos naturais é traduzida
pela imagem de agradabilidade e que lhe desperta afetos positivos de bem-estar, paz, prazer,
orgulho; e pela imagem de pertinência, reforçada por afetos de amor, alegria, orgulho e respeito.
Tal conexão também pode ser explicitada por meio de modos de vida singulares: a figura dos
pescadores e suas famílias, a simplicidade do espaço – a proximidade das pessoas e da natureza e
o seu valor de subsistência (peixes, cajueiros, lagoas).
Esses aspectos disparam sentidos e significações que os fazem reconhecer o espaço em que
vivem como lugar. Associado a todos esses elementos, a história local se firma com a presença
do farol: “O farol é o que marca a Pedra do Sal, falar na Pedra do Sal, a gente lembra das pedras, do farol,
que é o que marca a Pedra do Sal é o farol” (P8/Trilha Ecológica). Este, por sua vez, faz parte de um
conjunto de lendas que compõem as crenças e cultura local, como a lenda do farol. Além de servir
como ponto de orientação para embarcações que por ali passaram, a lenda aponta o farol como
“condição favorável para experiências astronômicas e contatos com extraterrestres” (Andrade,
2009, p. 33).

1156  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Percebe-se, então, que a identidade de lugar constrói-se com uma complexidade de ideias,
sentimentos e valores, o que implica existir dimensões e características do entorno físico que são
incorporadas pelo sujeito via interação com o ambiente (Gonçalves, 2007). Nesse sentido, a praia
ou o mar acrescentam à composição “pedra-farol-mar-sol” outros significados que a fazem se
sobressair como elemento mais importante para todos: “É um ponto turístico da nossa cidade [...] um
lugar prazeroso, lugar tranquilo” (P9). “Tem o sustento de muita gente, muita gente vive da pesca, do mar” (P8).
Tais aspectos levam a entender um ambiente que atende necessidades básicas de subsistência,
sociabilidade e lazer.
O mapa coletivo permitiu identificar lugares não representados nos mapas individuais.
Nesse momento ficaram explícitas as perspectivas de reconhecimento coletivo dos espaços. No
ponto de referência inicial e basilar do mapa está a igreja: “um ambiente de paz, né, uma casa pra gente,
onde a gente se encontra” (P9). “É o nosso preferencial” (P8), “nossa segunda casa” (P7) (Trilha Ecológica).
Em conjunto, apresenta-se a praça localizada em frente à igreja.
Na sequência de localização, outro lugar que foi possível perceber como sendo um ambiente
de união, alegria, festividades e lazer foi a quadra, apontada pelos jovens como sendo um lugar de
encontros e atividades prazerosas para eles: “nosso segundo lugar, jogando bola, fazer amizades também”
(P10). No entanto, aqui foi apresentada uma imagem de contraste, pois ao mesmo tempo em
que a quadra representa um lugar agradável, a falta de estrutura desperta um sentimento de
inconformação, tristeza e abandono. Esses sentimentos despotencializam os indivíduos e os
enfraquecem na sua condição de buscar o encontro com o espaço. No entanto, embora as
polaridades de sentimentos (contrastes) diminuam as ações e a composição da estima (Bomfim,
2003), os jovens mantêm-se partilhando os afetivos positivos com o lugar e fazendo uso do espaço
de maneira integrada.
Nesse sentido, retoma-se a importância de entender a vinculação dos jovens com a
comunidade. Pôde-se perceber a predominância dos afetos positivos e o reconhecimento da
comunidade como lugar do qual não pretendem sair e com o qual pretendem contribuir de maneira
mais ativa, especialmente, em relação às transformações locais. A esse respeito, identificou-se
uma imagem de insegurança associada às transformações locais. As mudanças ocorridas na
comunidade, segundo os jovens, são compreensíveis à medida que ocorrem o crescimento do
número de famílias e o desenvolvimento turístico. No entanto, esses dois elementos acarretam
algumas fragilidades sociais, econômicas e ambientais.
É possível citar que o crescimento rápido e incontrolado do fluxo turístico provoca não só
mudanças estruturais, mas produz efeitos na cultura e no estilo de vida (Carvalho, 2015). A presença
de novos moradores juntamente com a nova configuração de uso do espaço por empresas que
desejam fortalecer o turismo local, ou explorar os potenciais recursos da comunidade (recursos
naturais), trazem junto uma imagem de insegurança, devido às incertezas sobre os impactos que
isso causará. Também o empreendimento do Parque Eólico tem sido uma das maiores incertezas
para esses jovens da comunidade Pedra do Sal. Segundo Santos et al. (2006), a implantação
dessas usinas pode trazer desvantagens como a restrição de ambientes, devido à estrutura dos
cataventos demandarem um grande espaço de terra, os ruídos das hélices e o deslocamento de
finalidades de uso do espaço, o que também ocorreu na Pedra do Sal.
Deve-se reconhecer que, embora sendo um ambiente propício ao turismo, sua importância
não se reduz à visão utilitarista do lazer, mas conta com a formação de uma história, com
pessoas e modos de vida peculiares, com elementos ambientais físicos e simbólicos que ganham
essencialidade na relação afetiva com o lugar. São essas mesmas pessoas que se sentem afetadas por
tudo o que afeta a comunidade em todos os seus elementos, que encontram formas de resistência
à destruição de seus laços comunitários e ambientais. E é isto que aumenta a capacidade de

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1157


NO ONTEXTO BRASILEIRO
comunhão com todas as coisas entre si e com o próprio lugar para que elas possam manter as
condições de se desenvolverem enquanto agentes de cuidado ambiental (Boff, 2005).
Nessa perspectiva, o grupo de jovens soma possibilidades de atitude de cuidado ambiental,
uma vez que seus afetos com a comunidade se sobressaem como potencializadores de ação.
Destaca-se, assim, a religião como outro ponto de encontro dos afetos e que atua como meio de
formação de valores, de ação comunitária, cuidado de si e do outro, colaborando para que eles
pensem formas de cuidado nos contextos onde estão inseridos. Por fim, a relação afetiva desses
jovens com a comunidade aliada à participação em um grupo religioso, representa potência
de desenvolvimento de cuidado, sendo necessário, pois, um trabalho contínuo de informação,
reflexão e educação ambiental para maior potencialização de seus afetos em direção a uma
formação de agentes de cuidado ambiental.

Considerações Finais

A experiência de campo viabilizou a proposta objetivada por esta pesquisa. À medida que os
participantes puderam expressar seus afetos imediatos, por meio dos mapas afetivos, trouxeram
suas identificações, sentimentos e significados associados ao espaço, sendo possível acessá-los
em sua atribuição como lugar.
Ao mesmo tempo, o mapa coletivo possibilitou uma vivência compartilhada em que se
reconheceu a experiência coletiva do espaço, com seus afetos positivos e negativos. Enquanto
grupo, foi possível refletirem sobre toda uma história de pertencimento social e afetivo, mediada
pelo elemento da religiosidade, fortemente presente no modo de vida comunitário.
A trilha ecológica e a roda de conversa puderam contribuir não somente como instrumentos
de coleta de dados, mas alcançaram sua proposta interventiva, no sentido de uma experiência
de reflexão-ação, em que o reencontro com os sentidos e a partilha das sensações-percepções
promovem uma obtenção de insigths e uma provocação do ser na sua relação com o mundo.

Referências

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1158  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1159


NO ONTEXTO BRASILEIRO
COMUNIDADE PEDRA DO SAL: ASPECTOS
IDENTITÁRIOS E RELAÇÃO PESSOA-AMBIENTE
Maria Teresa Rodrigues De Oliveira
Dayanne Batista Sampaio
Andressa Lília Sousa Dos Santos
Pedro Victor Modesto Batista

Introdução

A
interação do sujeito com seus diferentes espaços é algo que vem despertando
o interesse de vários pesquisadores, pois tentar compreender como se dá a
relação homem-ambiente é tarefa complexa. Um dos fatores que reafirmam essa
complexidade se refere ao fato de que cada sujeito pode vivenciar e significar o meio em que vive
de maneira singular, considerando, obviamente, seu contexto individual e social. Em vista disso, a
Psicologia Ambiental (PA) surgiu a fim de reconhecer o quão dinâmica é essa inter-relação.
Enquanto área da Psicologia, a PA estuda os aspectos físicos e sociais do ambiente e como esses
influenciam o comportamento humano, bem como, esses alteram o ambiente. Sua preocupação
inicial era estudar os ambientes construídos, os espaços físicos, as questões de urbanidade.
Atualmente, vêm se ocupando do comportamento pró-ambiental, das demandas sociais, das
mudanças climáticas, do apego ao lugar e das interações com o ambiente, incluindo a conservação
do meio ambiente e a sustentabilidade (Tassara & Rabinovich, 2003; Carvalho, 2016).
Para Günther e Rozestraten (2005), a PA possui seis características básicas para a sua
definição: 1) é uma abordagem holística ou gestaltista, pois o efeito do ambiente sobre os
organismos não é percebido fora de um contexto ou totalidade e nem analisado a partir de um
único ponto da relação pessoa-ambiente; 2) estuda a inter-relação dos fenômenos, ou seja, a
relação recíproca entre comportamento e ambiente; 3) se fundamenta em múltiplas disciplinas
sendo uma área interdisciplinar, utilizando vários saberes como arquitetura, biologia, paisagismo,
dentre outras; 4) é multimetodológica, tendo em vista a interdisciplinaridade e amplitude dos
seus objetos de estudo; 5) a maioria dos pesquisadores são treinados em Psicologia Social, já que
herdam pressupostos e teorias desse campo e, 6) é uma área que se ocupa de problemas práticos
e intenta solucionar questões provenientes de situações do ‘mundo real’, o que faz suas pesquisas,
em sua maioria, desenvolverem uma pesquisa-ação. Em síntese, as seis características da psicologia
ambiental são: gestaltista (holística), ecológica, social, interdisciplinar, multimetodológica e de
pesquisa-ação.
Moser (1998, 2005) define a PA como o estudo da pessoa em todo seu contexto, tomando
como tema central as inter-relações entre pessoa e ambiente e não somente as relações, buscando,
portanto, compreender a pessoa em sua totalidade com o meio em que vive, tentando avaliar a
ocorrência de influência e percepção entre o sujeito e seu ambiente e, ao mesmo tempo, como a
influência ocorre sobre ambos.

1160  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Assim, em vez de estudar a preocupação ambiental, talvez devamos trabalhar com
comprometimento ambiental, como fazem os psicólogos organizacionais e de outras áreas.
Na verdade, estamos interessados no comprometimento das pessoas com o ambiente à sua
volta, e não com a preocupação que elas têm com o ambiente. A Psicologia vive dizendo
que, para se ter qualidade de vida, deve-se reduzir o estresse, evitar preocupação. Devemos,
portanto, estudar e incentivar o comprometimento, e não a preocupação (Pinheiro, 2005,
p. 110, grifo do autor).

Assim sendo, a PA deve trabalhar o comprometimento em vez da preocupação ambiental, o


que faz com que ela saia de um modelo prescritivo de comportamentos para uma implicação de
como as pessoas se relacionam com o ambiente. Dessa forma, ao ampliar a compreensão da relação
pessoa-ambiente nos seus mais variados contextos, contribui-se tanto para o esclarecimento da
complexidade da relação pessoa-ambiente como para a compreensão dos modos de existência e
de vida nos espaços e lugares de coabitação.
Por isso, uma temática bem importante nessa área de estudo está relacionada ao conceito
de espaço e seu aprofundamento enquanto lugar. A transformação de espaços em lugares
é a busca por identificação dos sujeitos com o ambiente, sendo o lugar, um espaço vivido de
experiências, construído a partir da vida de pessoas e de grupos que habitam e produzem nesse
espaço, transformando o lugar e o cotidiano da própria vivência (Callai, 2004). A partir desse
entendimento, a identidade de lugar surge como uma evidência do processo de reconhecer-se.
Assim, a identidade de lugar é uma estrutura que abarca uma enorme complexidade, pois é
constituída por atitudes, valores, crenças e significados que se referem à relação psicológica que
o sujeito estabelece com os espaços físicos (Arcaro & Gonçalves, 2012). Lima e Bomfim (2009)
explanam que a subjetividade está relacionada aos mais diversos espaços que envolvem a história
de vida dos sujeitos, ou seja, espaços que constituem seu cotidiano.
Nesse sentido, ao buscar conhecer a realidade de moradores da comunidade Pedra do Sal, no
município de Parnaíba, litoral do Piauí, surgem possibilidades de compreender como se dão as relações
que eles estabelecem com o seu ambiente e quais aspectos identitários permeiam essas relações.
A partir do referencial da PA, a presente pesquisa teve a intenção de articular em campo,
por meio do conceito de identidade de lugar, os sentimentos, as experiências e identificações
que acompanham os sujeitos e a comunidade na construção de sua história e identidade. Desse
modo, o estudo objetivou compreender aspectos identitários de moradores da comunidade Pedra
do Sal/PI. Para efeitos de síntese, serão apresentados neste trabalho, os aspectos mais recorrentes
no processo de obtenção dos dados.

Método

Esta pesquisa é de natureza qualitativa e se baseia na proposta de Minayo (2010) para ter
um enfoque nos significados, crenças, valores e atitudes que correspondem a um espaço mais
profundo das relações e de seus processos. Tendo em vista o seu enfoque interacional e de imersão
em campo, foram utilizados como instrumentos o diário de campo, a observação direta, bem
como a entrevista semiestruturada e as entrevistas narrativas para possibilitar ao participante que
ele falasse da sua história na/com a comunidade Pedra do Sal.
A pesquisa contou com a participação de sete moradores mais antigos da comunidade, que
tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a todas as orientações
definidas pela Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O estudo foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI) segundo o
parecer nº 1.607.544.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1161


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Para a análise dos dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo temática definida por
Minayo (2010), que busca identificar o que está sendo dito sobre determinado tema, visando seus
sentidos e significados no contexto em que é explícito e para além do que é dito. Desse modo,
foram adotados os seguintes procedimentos: categorização, inferência, descrição e interpretação. Alguns
dados serão apresentados adiante por meio da descrição das falas identificadas em ES (entrevista
semiestruturada) e EN (entrevista narrativa) dialogados, em seguida, com os recursos teóricos
concernentes à temática.

Resultados

A partir da imersão em campo, foi possível conhecer a Associação Comunitária que, além
de porta de entrada, passou a nortear os próximos passos na comunidade. Dessa forma, também
foi possível apreciar a história local, suas características, seus registros, sua gente. E a Pedra do
Sal foi se apresentando para além do cenário de pesquisa e da paisagem comumente lembrada:
o farol, a pedra, o mar e o sol.
Efetuando-se as leituras e a esquematização do material, apresenta-se o seguinte eixo de
análise segundo as informações obtidas na pesquisa e as proposições teóricas.

Quadro 1: Eixo de análise e categorias encontradas


CATEGORIAS ENCONTRADAS

EIXO DE ANÁLISE DIMENSÃO SOCIAL DIMENSÃO ECONÔMICA DIMENSÃO


AMBIENTAL
A Pedra, o Mar e o Sol: O mar como centro O mar como fonte de renda e O mar como conexão
intimidades e narrativas organizador da história e subsistência com a natureza
cultura local

Fonte: Elaborada pelos autores com base nas entrevistas (2016).

O eixo acima dá norteamento à apresentação e discussão acerca da experiência e dos


resultados desta pesquisa. A partir de agora, pede-se permissão ao leitor para adentrar no
descortinado dessa experiência, nas intimidades do mar e nas vivências dos homens com olhos de
mar (pescadores).

Meus avós e meus pais já nascero aqui mermo, eles foram campeão da pedra do Sal, os antigos. Até que a
avó, sogra e mãe dele aí que era antiga como minha mãe e meu pai, eles contam que a família deles foram os
fundadores, sabe. Aí depois apareceu a família Silva que se apossou da Pedra do Sal. (ES/Participante 6)

Adentrando nessas intimidades, a figura do pescador é tida como elemento singular na


construção da identidade de lugar, sendo protagonista da relação pessoa-ambiente. Eles se
reencontram com suas intimidades e relatam seu romance com as águas, “o cheiro do mar levava-o
de volta as suas lembranças” (Andrade, 2009, p. 19):

Comecei a trabalhar com 8 anos de idade porque meu pai era deficiente visual e um certo tempo foi
piorando e o que ele teve de me ensinar foi o trabalho, o trabalho na pesca. [...] desde muito cedo ele
começou a me ensinar a pescar e mestrar a embarcação. E nesse continuamento de vida eu aprendi a
trabalhar, pescar, e sempre fui respeitado pelos outros amigos como um bom pescador, um dos melhores
pescador na região. (EN/Participante 3).

1162  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Acompanhando ele, pra onde ele ia, pra pescaria dele, ia pra praia pescar de tarrafa, aí naquela vida que
ele seguiu, eu também segui. Não tinha alternativa mesmo. Pesquei até me aposentar, até uns 60 anos.
Com uns 10 anos de idade eu num ia pro mar ainda não, mas na praia eu já pescava, com uma tarrafinha.
Mas aí dos 10 pros 12 anos eu já entrei no mar, no grosso, junto com ele, anoitecia pelo mar e a vida foi essa
até quando completei os 60 anos e me aposentei, porque apareceu essa oportunidade de aposentadoria
que antes não tinha, aí ajudou muito. Aí quando me aposentei me afastei e nunca mais pesquei. Mas às
vezes tenho saudade porque fico me lembrando, a gente lutar com peixe é tão bom (EN/Participante 1).

Nesse misto de elementos e sentimentos, também se encontram as especificidades do ofício,


representadas pelas dificuldades em seus tempos mais antigos, tanto de ordem de segurança,
quanto a sua estrutura: “o benefício da pescada amenizava a penúria da labuta diária” (Andrade,
2009, p. 31), e assim seguia a vida no mar: “Muito trabalho naquele tempo, eles tinham que pegar a
canoa nas costas mesmo, nos ombros dos homens, com um pau metido no meio e aí eles tiravam lá da areia onde
estavam e levavam pro mar” (EN/Participante 6).
Essa prática direta e diária com o mar e tudo o que ele propicia(ou) à vida desses pescadores
estreita ainda mais sua história com a comunidade. Nesse cenário, o mesmo mar que organiza a
história e cultura local é o mesmo que proporciona renda e subsistência a todos os moradores,
seja por meio da pesca artesanal ou pelo atrativo turístico. Esse romance com as águas também
se caracteriza por meio de uma relação de amor, respeito, fidelidade e conexão com a natureza e
se estende para questões de sobrevivência.
Compondo essa singularidade, encontram-se a simbologia das lendas contadas pelos
pescadores e a forte religiosidade que marcam os moradores e que se associam à luta, à comunhão
e, principalmente, à fé. Estes elementos são identificados nas pedras, no farol e na igreja como um
referencial histórico e de reconhecimento social, e também de encontros (entre eles e os viajantes,
os próprios moradores e com a fé).
Também o cemitério foi destacado como espaço importante, pois conta a história da
comunidade e de seus moradores. E assim, tem-se uma comunidade conhecida e reconhecida por
suas belezas naturais e culturais, tendo no mar os amores dedicados; no farol e estruturas rochosas
os registros dos turistas e moradores que se encantam pela sua ornamentação e sua história;
na religiosidade, a simbologia da proteção dos navegantes e de suas famílias; e no cemitério, a
garantia de uma história enraizada.
Outro fator marcante nessa identidade é a transformação espacial provocada pelo fluxo
turístico e os empreendimentos que passam a se instalar na comunidade. Quanto a isso, os
posicionamentos se divergem bastante, tendo aqueles que veem como algo positivo e outros que
abordam seus pontos negativos, e/ou até mesmo os que não sabem opinar sobre isso. Esses pontos
de vista diferem uns dos outros por diversos fatores, alguns consideram a dimensão ambiental,
outros a econômica. Além disso, são apontadas consequências sociais como a disputa por terras,
o aumento da violência, drogas e prostituição.
Esses são apenas alguns dos aspectos identitários percebidos através do encontro com esses
moradores. São elementos e significados de forte conotação porque se relacionam diretamente
com as suas histórias de vida e falam de um pertencimento social e afetivo, como se discute
adiante.

Discussão

Essa essência do lugar guarda em sua intimidade as lembranças e o imaginário de seus


moradores. A satisfação por reconhecer-se partícipe do cenário também reluz aos moradores o
desejo de estar sempre perto, de renovar os laços e de transmitir a história. Para os participantes desta

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1163


NO ONTEXTO BRASILEIRO
pesquisa, a satisfação das necessidades oportunizada pelo ambiente, a contribuição simbólica e
física na formação da identidade desses moradores e o seu tempo de moradia e familiaridade com
o lugar são determinantes para o fortalecimento desses laços. Há uma apropriação desenvolvida
a partir de um sentimento de identificação com os espaços físicos, sociais, psíquicos e culturais
(Arcaro & Gonçalves, 2012).
O ser pescador representa mais que uma profissão, mais que um simples meio de subsistência,
torna-se um elemento primordial na construção da identidade desses sujeitos, uma vez que esta
privilegia suas dimensões pessoais e sociais, ajudando-os a formar e tomar consciência de sua
subjetividade e de sua posição histórica e cultural (Monteiro, 2011).
Também o fato de essa pesca ocorrer de maneira artesanal, suas particularidades aumentam
ainda mais o vínculo entre o sujeito e o ambiente, pois o pescador artesanal, “de forma autônoma
ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de
parceria” utiliza embarcações de pequeno porte (Araújo, Sassi & Lima, 2014, p. 431) e técnicas
provenientes da experiência, além de vivenciar uma relação de maior intimidade com o mar,
atendendo às suas exigências. Ao existirem e resistirem durante os anos, estas práticas artesanais
permitem que a tradição não fique apenas no passado, mas que tenha uma grande influência
sobre o presente e o futuro (Ribeiro, Silva & Lessa, 2006).
Ao lado disso, a religiosidade aparece fazendo a mediação entre gerações e, desse modo,
sendo uma das principais características da identidade cultural da comunidade. Nesse sentido, a
religião enquanto fenômeno social atua na vida de todos e desperta memórias, valores e a própria
fé que continuam presentes no modo de vida coletivo (Silva, Ávila & Maciel, 2010).
A comunidade enquanto lugar é assim definida por ser mais que um espaço, pois se constrói
como resultado da vida dos diversos sujeitos e dos grupos, com as suas formas de trabalho bem
específicas e estilos de vida. Portanto, um espaço que se enche de marcas e significados construídos
ao longo do tempo e que fazem cada sujeito que nele vive adotá-lo como seu lugar (Callai, 2004).
Pedra do Sal, apesar de ainda ter traços tradicionais despertou no turismo e nos
empreendimentos de grande porte (usinas eólicas e resorts) um grande interesse, o qual já
deixa sinais de transformações, mesmo que pequenas, mas que não deixam de serem mudanças
significativas nas paisagens, pessoas e histórias.
Essa é uma preocupação para os moradores de toda a comunidade, no entanto, seus
impactos passam a ser reconhecidos mais pelos pescadores, realmente. Mas isso ainda não é tão
claro, até porque há uma transformação cultural que marca essa identidade: a pesca já não será a
atividade principal para os jovens. A chegada de turistas, com novas culturas e costumes interfere
diretamente no estilo de vida da comunidade. Por isso, a necessidade de um trabalho por meio
do qual o turismo seja pensado como atividade econômica, social e ambiental, considerando as
necessidades dos sujeitos e do ambiente (Dias, 2005).
Entre vantagens e desvantagens de um processo de transformação local, os conflitos por
terra costumam se repetir em comunidades litorâneas. Pedra do Sal vive hoje o que diversas
comunidades litorâneas do Ceará viveram e ainda vivem. Isso porque se “coloca em evidência os
interesses divergentes: de um lado, o Poder Público, investidores, turistas, imigrantes e do outro,
moradores menos abastados” (Lopes, 2015, p. 73).
Esse “esquecimento” da comunidade, segundo Oliveira (2015), já vem sendo apontado por
historiadores desde a década de 1970, quando o surto de desenvolvimento brasileiro indicou a
praia da Pedra do Sal como um atrativo ao turismo e as discussões sobre melhoria nesse local
vislumbravam melhores condições para os turistas e não para os moradores.
Observa-se a partir disso, que a dimensão econômica é um aspecto extremamente importante
para esses moradores. O reconhecimento do setor público deve ser reforçado no sentido de
fomentar condições que favoreçam a comunidade local, por exemplo, por meio de incentivos

1164  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
fiscais a empreendedores locais, à infraestrutura e promovendo cursos de capacitação (Cruz,
2011). Mas essa relação entre empreendedores e comunidade vai além da dimensão econômica,
ingressa em uma dimensão subjetiva, envolvendo todo o conhecimento conquistado em uma
relação do homem com seu ambiente de origem. É claro o receio de que essas transformações
venham a romper com a singularidade da Pedra do Sal.
Diante de tantas inovações e incertezas que envolvem a pedra, o mar e o sol e suas narrativas
sociais, econômicas e ambientais, verifica-se que esses moradores/pescadores se encontram em
um processo de afetação de sua identidade de lugar, porque sofrem transformações que afetam
diretamente sua história e da comunidade.
Com base no exposto, percebe-se a importância do encontro com os sujeitos para uma
melhor aproximação com o seu olhar e os significados que eles atribuem à própria vida e ao
lugar onde vivem. A respeito disso, as transformações espaciais da comunidade se entrelaçam
com as histórias de vida dos seus moradores. Isso confirma o fato de que a identidade de lugar
é atravessada diretamente pela identidade pessoal. Esta, por sua vez, indica possibilidades de
aprofundamento do espaço como lugar.

Considerações Finais

Por meio dos dados obtidos na experiência de campo e, privilegiando o que os participantes
trouxeram de sua relação com o lugar, foi possível compreender que os aspectos identitários
retratam as singularidades da relação pessoa-ambiente. Para esses “homens com olhos de mar”,
o vigor de uma longa história de conexão com o seu ambiente expressa por um elemento central
(o mar) reforça a importância da relação humano-ambiental defendida pela PA.
Cabe aqui potencializar a necessidade de mais pesquisas que complementem essa
abordagem sobre identidade de lugar na comunidade Pedra do Sal, para que a comunidade possa
ser revisitada em cada intimidade e narrativa, possibilitando o encontro com novos atores que
direta ou indiretamente escrevem os inúmeros capítulos da história da Pedra do Sal/PI.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O USO DE HABILIDADES SOCIAIS COM
TRABALHADORES RURAIS BENEFICIADORES DA
CASTANHA DE CAJU NO INTERIOR DE SERGIPE
Paula Helen Santiago Soares
Zenith Nara Costa Delabrida
Joelma Santos Araújo
Wilverson Santos Correia
Flávia de Ávila
Victor Fernando Alves Carvalho

Introdução

A
s mulheres do campo têm garantido o seu lugar de cidadã na vida e no mundo,
mas esse lugar é muito dificultado nos contextos de machismo, na ausência do
estado e suas políticas públicas para esse público. Segundo Cruz e Chelotti (2005)
a condição da mulher no meio rural ainda é vista de modo que só perpassa quatro meios: o lar, a
parte agrícola, a reprodução e a educação dos filhos. Essa visão é perceptível quando há discussões
sobre gênero, pois a discussão é antidemocrática e machista porque para as mulheres, na sua
educação, elas foram ensinadas para servi os homens, uma condição de submissão e nem sempre
é fácil romper com essa postura que elas foram ensinadas. Mulheres que, em muitas condições,
não encontram uma forma de ter uma postura crítica em determinadas ações e situações dentro
dos contextos em que convivem, aceitando uma condição de submissão e tornando-se assim
submissas.
No contexto do estado e das políticas públicas, algumas já foram feitas como, por exemplo,
Programa Nacional de Documentação da Mulher Trabalhadora Rural fornecendo documentos
que muitas não tinham, e programas gerais que também tiveram impacto, como o Fome Zero e o
Bolsa Família. Um número maior políticas que envolviam o plano previdenciário, como o Estatuto
do Produtor Rural e o Pro Rural - Plano de Assistência ao Trabalhador Rural, que encontrava uma
grande barreira pois muitas mulheres não se intitulavam como produtoras rurais e sim como dona
de casa e que no contexto rural só fazia ajudar o marido, percebe-se assim a desigualdade instalada.
Mas que para se diminua essa desigualdade é necessário que haja um ambiente democrático,
em que a cidadania de todos seja respeitada e que não haja essa condição de submissão. O
estado tem que tornar presente com a criação de novas políticas públicas, pois as existentes não
foram suficientes para erradicar a desigualdade e exclusão social de gênero, contribuindo para a
efetivação da cidadania da mulher do campo que ainda é violada (Costa & Nunes, 2014).
Situação esta que não se encontra muito diferente do contexto do Povoado Carrilho,
localizado a 6 km da cidade de Itabaiana, localizado na região agreste de Sergipe. O povoado e
outros circunvizinhos, como o Dendenzeiro, Taboca e Lagoa do Forno são conhecidos como “Rota
da Castanha” pois são responsáveis pelo beneficiamento da castanha mas o Carrilho com um

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1167


NO ONTEXTO BRASILEIRO
maior número. Povoado este que se caracteriza por cerca de 200 famílias, que predomina a mão
de obra familiar e a cultura da castanha é passada de pai para filho. Encontra-se no povoado uma
escola, um posto de saúde, uma associação de moradores, uma cooperativa, igrejas, mercearia,
bares, sorveteria, um campo de futebol e mais recentemente foi feita a construção de uma praça.
Segundo Rocha, Costa, Delabrida, Araújo & Rocha (2015) a comunidade se encontra em
vulnerabilidade social pois as instituições que deviam promover a proteção e suporte para a
comunidade são escassas. A comunidade enfrenta com a questão dos atravessadores, que são
pessoas que trazem a castanha in natura para ser beneficiada e compram a castanha beneficiada
para revender na capital, a relação deles com o contratado é de exploração, o que não garante
aos trabalhadores os seus direitos. Uma outra questão encontrada na comunidade são problemas
como relatados pelas moradoras, “ a questão do som alto” , “ meu marido não deixa eu estudar”,
“ passo muito tempo fora de casa e meus filhos me respondem”, “aqui não tem opções de lazer”.
Diante do que foi explanado, uma forma de lidar com essas situações e outras é aprendida
com a Psicologia, que desenvolveu algumas técnicas, dentre elas algumas baseadas na teoria
das habilidades sociais. Essa teoria foca a importância de ser hábil socialmente, tendo um
bom desempenho social e fornece ferramentas para sua investigação e intervenção. Dentro das
habilidades sociais existem os comportamentos agressivo, passivo e assertivo, e o comportamento
assertivo é um comportamento que é hábil e estratégico que viabiliza um excelente exercício de
direito ao permitir que a pessoa se expresse de maneira, clara, consciente, mas sem ofender
favorecendo a cooperação. Pensar assertivamente implica uma compreensão das relações
interpessoais e da vida social. (Del Prette e Del Prette, 2006).
Uma comunidade que habilidosa socialmente poderá ir ao alcance do seu desenvolvimento
local, conceito este que segundo Ávila (2006) se trata do empoderamento da comunidade para
que ocorra mudanças no âmbito social, ambiental e sociais, mas mudanças estas de acordo
com seus anseios e orientações, livrando-se assim as amarras tanto interna quanto externa que
lhe prendem ao subdesenvolvimento. E que este desenvolvimento ocorra de baixo para cima, a
base para ela mesma se desenvolver, identificando seus interesses coletivos com base nas suas
capacidades, competências e habilidades.
O projeto de extensão era constituído por sua interdisciplinaridade e visou o desenvolvimento
local através de intervenções sob a perspectiva dos direitos humanos e da psicologia ambiental.
Dentro da Psicologia Ambiental foi realizado o treino de habilidades sociais aos moradores da
comunidade (grupos de jovens, homens e mulheres). A este plano de trabalho cabia a explanação
sobre o treinamento feito ao grupo de mulheres do povoado, percebe-se isto por levar em
consideração o relato das mesmas sobre seu modo de ser e suas interações sociais.
Inicialmente, ao grupo de mulheres, os objetivos eram que elas fossem mais assertivas em
suas interações, automonitoramento (conhecimento de si), empatia (se colocar no lugar do
outro ou outra) e também estratégias de conhecimento das emoções. Mas ao longo da extensão
conhecendo melhor a comunidade e entendendo a sua dinâmica, focou-se mais a apresentação da
assertividade para elas, pois as mesmas se mostravam passivas em seus relatos, preocupadas com
o futuro da sua família, a falta de união na comunidade, que não pensasse só no individual mas
no bem comum a todos, apresentando assim que careceriam de um repertório de Habilidades
Sociais mais elaborado, pois ali existia muito pouco ou quase nenhum.

Método

O método está dividido em preparação para a realização do trabalho com a comunidade


e aplicação do treino de habilidades sociais. Dessa forma é possível entender a dinamicidade do
trabalho realizado.

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Preparação da equipe para a realização do trabalho com a comunidade

Por ser um projeto interdisciplinar, planos foram desenvolvidos para que abrangesse cada área
do conhecimento, formando assim quatros planos de trabalho. Na tabela pode ser visualizado o
nome do trabalho, a área do integrante, ou seja, qual curso o integrante cursa e a definição dos
planos. O plano da psicologia se desdobrava em três mas isso será mostrado na parte do treinamento
de habilidades sociais. O projeto era articulado entre os planos mostrados na tabela 01.

Tabela 01
Planos de trabalho do projeto de extensão
Nome do Plano Área do integrante Definição
Cartografia Social História Utilizar a cartografia social para identificar as
potencialidade e fragilidades do povoado visando
o empoderamento local e a definição das politicas
publicas prioritárias. 
História Oral: Tradução e Comunicação Social Conhecer as tradições orais prevalecentes nos
Cidadania povoados sobre o beneficiamento da castanha,
bem como tais como tais costumes regulam a vida
laboral e social dos

povoados.
Instituições Jurídico-Políticas e Direito Conhecer, por meio da própria comunidade, por
Cidadania meio de oficinas participativas, seu entendimento
sobre cidadania e exercício de direitos.
Treinamento de Habilidades Psicologia Capacitação de Habilidades Sociais para que
Sociais a comunidade se torne mais assertiva nas suas
interações.

Durante o ano de 2017, o projeto se desenvolveu com reuniões semanais discutindo aspectos
teóricos e práticos. As principais atividades teóricas se referiram à apresentação sistemática do
projeto de extensão; exposição do diagnóstico da área de estudo; Revisão de literatura e debate
grupal sobre as bases teóricas do Desenvolvimento local, Teoria da Paz e Psicologia Ambiental e
Habilidades Sociais, além de discussão sobre os planos de ação interdisciplinares; e, planejamento
de atividades de campo bem como estratégias de intervenção e comunicação com a comunidade.
E as atividades práticas foram as visitas realizadas para entrar em contato com os moradores do
povoado, o estabelecimento e fortalecimento de vínculos, além da divulgação, implementação e
realização das atividades. Foram realizadas visitas a dispositivos como o CRAS e CREAS da cidade
de Itabaiana-SE que é onde o povoado está localizado. As atividades foram dividas em duas
etapas: a aproximação com a comunidade e a implementação das atividades. A aproximação foi
inserida no planejamento para atrair a atenção dos moradores.
Na primeira etapa: houve o conhecimento da comunidade pelo fato de alguns integrantes
do grupo de extensão nunca terem visitado o povoado, então foi realizada a primeira visita na qual
os novos integrantes puderam conhecer o povoado, além do encontro com alguns moradores,
o fortalecimento de alguns vínculos já estabelecidos, a descoberta de um novo espaço para a
realização de trabalho do grupo, que seria a associação. Ocorreram visitas ao posto de saúde,
tendo contato com a médica do mesmo e a escola com a interação com as crianças. Uma
segunda visita foi realizada para a divulgação do “Cine Carrilho” houve a seleção de dois filmes,
que seguindo o plano de trabalho propunha a exposição de filmes como forma de trabalhar as
habilidades sociais. Os filmes selecionados foram “O fabuloso destino de Amélie Polain” e “Os 33”
pois nos dois filmes mostravam que os personagens desenvolvem habilidades sociais , assim foram

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1169


NO ONTEXTO BRASILEIRO
desenvolvidos urnas para que a comunidade votasse entre esses dois, qual gostaria de assistir, junto
com as urnas foram colocados cartazes expondo a sinopse dos filmes. Urnas e cartazes foram
distribuídos em pontos de grande circulação do povoado, como a escola, a mercearia, o posto de
saúde, a associação e a cooperativa. Foi realizada a visita as “casinhas” que são os lugares onde
ocorre a queima e a quebra da castanha, caminhando pelo povoado e convidando e divulgando
o Cine Carrilho para a comunidade. A visita seguinte já foi para a realização do cine, a qual teve
uma grande adesão de crianças e jovens, as urnas foram recolhidas e abertas na presença de todos
e o público presente ajudou na contagem dos votos. Foram também questionados e explicados
sobre a importância do voto, a de fiscalizar as eleições. Uma grande participação da comunidade
foi obtida devido a quantidade de cédulas preenchidas e que na contagem de votos ocorreu o
empate entre os filmes e foi feita assim uma nova votação com o público presente, e quem venceu
foi o filme “Os 33”. Por o filme ser extenso, não ser especificamente para o público de crianças
e o horário de voltar para a casa para almoçar e irem para escola, houve uma evasão no final do
filme, ficamos sem receber o feedback dos presentes naquele momento e levamos essas questões
como aprendizado.
A cada visita realizada o grupo de extensão se reunia entre seus integrantes para debater o
que ocorreu na visita e novas estratégias para as próximas, pontuar os erros e acertos. Sempre
tendo como base o plano de trabalho de cada um e fazendo adaptações. Com isso, foi realizada
uma reunião de planejamento das próximas atividades, o grupo se apropriou de uma metodologia
utilizada por economistas como ferramenta de planejamento estratégico, segundo Osterwalder
(2011) a Business Model Canvas, mais conhecido como Canvas, que permite desenvolver e
esboçar modelos de negócio novos ou existentes. Esse modelo consiste em nove etapas e permite
uma análise e visualização de como será a atuação no mercado, são elas: Proposta de valor:
o que será oferecido para o mercado precisa realmente ter valor para os clientes. Segmento de
clientes: saber quais segmentos de clientes serão o foco da empresa. Os canais:  são os meios que
levam os produtos e serviços para os clientes. Relacionamento com clientes: preciso definir como
a empresa se relacionará com cada segmento de cliente. Atividade-chave: o que é fundamental
ser realizado para que seja possível a entrega da Proposta de Valor. Recursos principais: são
os recursos essenciais para fomentar as atividades-chave. Parcerias principais: ajuda vinda de
fora para realização das atividades-chave e na captação de recursos. Fontes de receita: são as
maneiras de obter dinheiro por meio de propostas de valor. Estrutura de custos: São os custos
mais necessários para que a estrutura proposta possa funcionar.
Baseado neste modelo, buscou-se avaliar cada etapa, adaptando para a realidade do projeto
de extensão, pensando nas ações que precisavam ser realizadas por cada plano de trabalho. Desta
forma, através da participação de toda equipe em um trabalho interdisciplinar, um modelo de
Canvas foi criado com a proposta de intervenções no Carrilho. Para isso, identificou-se o que
seria cada item do modelo de acordo com a realidade do projeto e adaptações foram feitas,
para que se contemplasse cada plano de trabalho. Os itens ficaram esses: parceiros (pessoas
que ajudam tanto dentro quanto fora da comunidade, no caso lideranças locais, pessoas que
dão apoio ao projeto desde o início), atividade (o que seria realizado, oficinas com Jovens,
mulheres e homens adultos), produto (o que ficará das intervenções, acesso a informação sobre
aposentadoria rural, bolsa família, habilidades sociais, mapa do Carrilho construído pelos
próprios moradores, dentre outros), relacionamento (contínua vinculação com os moradores),
participantes (moradores do Carrilho organizados por faixa-etária e sexo), recursos (materiais
utilizados, data-show, questionários, folha para marcar os pontos principais do Carrilho, caixa de
coleta de votos, dentre outros), canais (meios pelos quais a equipe terá acesso as pessoas, como
casas de beneficiamento, escola, rodas de conversa proporcionadas pelo grupo, praça, bares,
lanchonetes, campo de futebol).

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Além desse planejamento, também foi utilizado outra ferramenta que faz parte da mesma
Metodologia Canvas para Negócios, o mapa de empatia, fazer o mapa possibilita se colocar no
lugar do cliente, no caso do projeto, no lugar dos moradores do Carrilho. Esse mapa é constituído
por algumas perguntas (O que ele vê? O que ele pensa? O que ele ouve? O que ele fala? O que
ele faz? Quais são as dores dele? Quais as necessidades e desejos?) que foram respondidas por
toda a equipe do projeto, sempre saindo do singular para o plural, colocando como sujeitos os
moradores do Carrilho. Foi assim que o grupo partiu para a segunda fase.
Na segunda fase, sempre pensando na sua interdisciplinaridade, o grupo formado pelo
pessoal do plano de psicologia, de direito, da história e da comunicação social, além de mestrandos,
permitiu que se montasse uma estratégia que fossem visitadas todas as casas do povoado,
e assim foi montado um calendário de atividades contemplando todos os planos do grupo e
todos os grupos da comunidade. Diante disso confeccionamos os cartazes e na visita fixamos em
lugares estratégicos para que a comunidade ficasse ciente das atividades que seriam realizadas
lá. O primeiro plano foi o de Cartografia Social, e atividade realizada era visitar as casas e foi
aplicada parte do plano e eles preenchiam um questionário com informações como a quantidade
de integrantes da família e quem são, além de idade, sexo, escolaridade e função de trabalho de
quem tivesse respondido. Seguinte a isso era deixado com a família um panfleto com todas as
atividades que seriam realizadas lá durante os meses de agosto e setembro. Além dessa estratégia
de comunicação, o grupo contou com a colaboração e parceria de líderes da comunidades desde
o início do projeto, pessoas estas que lidam com grande grupos da comunidade, exemplo como
a diretoria da escola, a dona da mercearia, a secretária da unidade básica de saúde, a presidente
da cooperativa, e responsável pela associação de moradores, em todas as nossas visitas íamos
ao encontro delas nos seus postos de trabalho para saber como estava a comunidade, perguntar
sobre quais melhores dias e horários para as nossas atividades, quais festividades ou reuniões
ocorreriam na comunidade. E essas pessoas foram fundamentais para a disseminação do projeto
e para captação de participantes, pois elas mantiveram a comunidade informada sobre o que se
estava propondo e ia ser realizado.

Aplicação do treino de habilidades sociais

Com o plano da psicologia, foi proposto um treinamento de habilidades sociais, aos grupos
homens, mulheres e jovens. Na tabela 02 se encontram mais informações sobre os planos

Tabela 02
Plano Objetivos
Treino de habilidades sociais Promover a capacitação dos homens que aceitarem participar focando na
para homens habilidade de assertividade, empatia e autocontrole.
Treino de habilidades sociais O jovem assertivo tem a capacidade de gerir sua vida, sua decisões, sabendo
para jovens negociar com seus pais e outros membros do seu convívio social.
Treino de habilidades sociais Trabalhar a assertividade, devido a índice de passividade que existente no
para mulheres convívio social relatado pelas moradoras.

Inicialmente se pensou em dez encontros, mas por questões logísticas, não se conseguiria
realizar os dez encontros. Foram reduzidos para seis, caso houvesse uma grande adesão da
comunidade. Diante disso, pensou-se em unir os planos em rodas de conversa envolvendo dois
planos e assim o plano de psicologia que trabalhava as habilidades sociais com as mulheres
se uniu com o plano de direito, atraindo assim a comunidade pois as questões que o plano de
direito abordou foi questões de grande interesse para o público como por exemplo: bolsa família,
aposentadoria rural.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1171


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O encontro foi realizado a tarde na associação e contou com a presença de 5 mulheres, no
primeiro momento se prontificamos a ouvi-las e foi perguntado os desafios de interação delas e
foram expostos os seguintes relatos: “ meus filhos não seguem a mesma forma e não tem a mesma
dedicação a religião que eu, vê a religião como algo importante, mas é coisas desse tempo.”, outra
participante falou “ passo muito tempo fora de casa e meus filhos me respondem, não brigar
com eles pra compensar minha ausência” , outra senhora relatou “ nada me incomoda, a gente
acomoda quando não tem mais o que fazer”, uma mulher ali presente trouxe um acontecimento
da vida dela que foi “ minha filha se casou aos 14 anos com um rapaz de 18 anos, tive que
aceitar”. Todas presentes relataram um problema comum na comunidade, pegando relato de
uma especificamente “ não há acordo, o som alto aqui na comunidade incomoda, são paredões e
todos se conhecem, cada dia é um que coloca o som alto e se for questionar ou pedir para abaixar
eles falam “ mas fulano não estava ontem com o dele, hoje eu quero colocar o meu.” quando
vem os sons de pessoas de fora, quando vamos lá conversar muitas vezes vão embora mas o
daqui abaixam só na nossa presença e quando saímos eles tornam a aumentar, muitos fazem isso
quando chamamos a polícia, outras vezes a polícia nem vem e assim a gente passa nossa noite de
sono muitas vezes acordada.” A roda de conversa seguiu-se, no plano de psicologia foi explanado
o que é habilidades sociais, a diferença entre agressivo, passivo e assertivo, a importância de ser
assertivo sempre com exemplos que foram observados na comunidade, as relações com a família,
os atravessadores, a comunidade, com ela própria e foi feito uma dramatização de um caso que
foi relatado para equipe quando era aplicada o plano de cartografia e a visita as casas como
também anos atrás quando o grupo realizava pesquisa no povoado e realizou um grupo focal
com as mulheres, relato esse “ meu marido não deixa eu estudar”. Na dramatização a esposa
chegava em casa relatando que tinha acabado de ir na escola e conversado com a diretora, com
uma fala mansa e cabisbaixa, o marido com um tom de agressividade e falando alto perguntou
se tinha ocorrido algo com o filho deles, a esposa continuou e respondeu que não e era que ela
estava conversando com a diretora na possibilidade de voltar a estudar e perguntava ao marido
se ele se incomodaria. O marido em alto bom tom perguntou se era brincadeira, para que voltar
a estudar, não tem necessidade e a questionou sobre quem iria fazer a janta dele, cuidar das
crianças e da casa, falou também que era para deixar de ter ideias na cabeça e se falar mais uma
vez nessa história, ele a deixaria. A esposa pede desculpa e disse que vai deixar para lá essa história
de estudar.
Depois foi perguntado o que as senhoras presentes observaram na cena, o que mudariam,
se condiz com a realidade delas ou que elas conhecem e elas relataram que existem muitos
casos desses, que a mulher não deveria ser tão passiva e nem marido agressivo, que eles podiam
conversar. No caso das presentes o marido “deixa” estudar, observando a ideia, muito presente,
de posse. E em seguida foi a roda de conversa com o plano de direito sobre aposentadoria rural.

Resultados

Os resultados encontrados foram divididos como as atividades implantadas em duas fases:


Fase 1: Houve a interação e trocas de conhecimentos de forma interdisciplinar entre os membros
da equipe, que corroborou para ampliação das metodologias a serem implementadas em campo.
A integração do grupo permitiu que, todos os membros ao se comunicarem com a comunidade
obtivessem o mesmo discurso. Esse entrosamento foi fundamental para o engajamento da comunidade
nas atividades. Foram firmadas parcerias com alguns moradores e lideranças locais que foram solícitos
e ajudaram na divulgação e em aspectos práticos do projeto. Parcerias já existentes devidos aos
trabalhos em anos anteriores, além desses apoios, os integrantes do grupo ao estarem em visitas a
comunidade sempre se apresentavam aos moradores e explicavam sobre o projeto.

1172  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Fase 2: A divulgação do projeto em eventos de comunicação ambiental e estudos para paz,
além de reportagens, difundindo o que executado e adquirido mais parcerias para o projeto.
Além disso, ainda há pouco se observar de forma concreta, pois sabe-se que trabalhar com a
promoção de desenvolvimento local, exige paciência pois os resultados surgem a longo prazo. As
mulheres que estavam presentes no dia do grupo foram solícitas ao falarem das realidades que
vivem, ao verem nos exemplos realizados que o que era representado na dramatização fazia parte
da vivência delas e das outras mulheres do povoado, elas pontuaram que por meio dos exemplos
dados puderam compreender melhor o que se tratava do comportamento assertivo, agressivo
e passivo. Relataram que em a depender com quem elas estejam falando variam de agressivas
a passivas, algumas desconheciam a assertividade. Ao fim do encontro elas agradeceram e
solicitaram que voltássemos para novos encontros com o objetivo de aprenderem mais sobre as
habilidades sociais e levarem para o seu cotidiano.
De modo geral, o grupo ofereceu ferramentas para a comunidade, mesmo que de forma
rápida e com todas as limitações. A comunidade do Carrilho foi munida de informações que
nem sempre são possíveis de acesso, fazendo com que os moradores sejam mais integrados e
promovendo assim o seu desenvolvimento local.

Discussão

Conclui-se que durante esse ano de trabalho houve um conhecimento melhor da comunidade
pelo fato de ser um projeto de extensão, o grupo estava mais presente na comunidade, conseguindo
articular as visitas e as atividades com os horários da comunidade, a realização das atividades
permitiu que fosse observado a importância da continuidade do trabalho de habilidades sociais
com as mulheres. O ano foi marcado por pontos negativos que pode ser exposto como a falta de
compromisso da reitoria de extensão para com o projeto pois o que foi demandado no início do
projeto não foi feito o repasse dos recursos, e de limitações que com um apoio da universidade
poderia ser suprido que eram as visitas realizadas ao povoado do qual os recursos como gasolina
e carro foi arcado e disponibilizado pelas professoras responsáveis do projeto. Outra limitações
que podem ser citadas: a comunidade pensar que as nossas idas lá se tratavam de “mais uma
pesquisa” no povoado. Lá são feitas muitas pesquisas, até por instituições internacionais. Mas
a cada visita nossa apresentação era feita como um projeto de extensão e a explicação do que
se trata um projeto de extensão. Outra limitação foi a incompatibilidade de horário, e isso foi
perguntado às pessoas que tem mais influências no povoado e assim nos foi informado qual
melhor dia e horário para serem feitas as atividades.
Seguindo como estava nos objetivos com o treino de Habilidades Sociais não só as mulheres
se tornariam mais assertivas e conseguiriam suas opiniões, seus pontos de vistas, ter um melhor
relacionamento consigo mesma e com as pessoas que se comunicam, como a comunidade
poderia dialogar melhor entre si e com os outros, contribuindo assim para o seu desenvolvimento
local. Pessoas habilidosas socialmente que agem assertivamente são mais cooperativas e mais
produtivas a longo prazo. Esperando-se que a comunidade se torne menos explorada, mais unida,
e compreensiva sobre o que estão fazendo que é em prol do seu desenvolvimento.

Referências

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Costa, M. M. M Da, Nunes, J. B. A. (2014). Políticas públicas de gênero voltadas à mulher do campo:
uma caminhada em busca da cidadania. XI Seminário Internacional de Demandas Sociais e Políticas
Públicas na Sociedade Contemporânea. VII Mostra de Trabalhos Jurídicos Científicos.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1173


NO ONTEXTO BRASILEIRO
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o preconceito e as estratégias de sobrevivência no espaço do município de Mirassol D’Oeste-MT. III Simpósio
Nacional de Geografia Agrária. II Simpósio Internacional de Geografia Agrária Jornada Ariovaldo
Umbelino de Oliveira - Presidente Prudente.

Del Prette, A., Del Prette, Z. A. P. (2006). Habilidades Sociais: Conceitos e campo teórico-prático. Texto
online, disponibilizado em http://www.rihs.ufscar.br/.

Osterwalter, A., Pingner, Y. (2011). Business Model Generation – Inovações em modelos de Negócios: um
manual para visionários, inovadores e revolucionários. Altas Books, Rio de Janeiro, RJ.

Rocha, C. S. Da, Costa, K. dos S., Delabrida, Z. N. C., Araújo, J. S., Rocha, L. R. (2015). Riscos
Socioambientais do Beneficiamento da Castanha de Caju no povoado Carrilho. Interfaces Científicas, Saúde
e Ambiente, 2015.

1174  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
ASSIMETRIAS, AMBIVALÊNCIAS E PATRIARCADO:
REVISANDO O COTIDIANO DA MULHER INSERIDA EM
CONTEXTO RURAL
Rafaela Pinheiro Pereira
Ana Amábile Gabrielle Rodrigues Leite
Elaine Soares de Freitas Leitão

Introdução

A
s relações estabelecidas no espaço rural têm sido tratadas na literatura sob duas
perspectivas dicotômicas, quais sejam, a visão do meio rural que existe como
antônimo do meio urbano, que é bucólico, atrasado, sem tecnologia e isento de
desenvolvimento, e a interpretação desse espaço como detentor de vivências, de produção, nutrido
de subjetividades e experiências que perpassam pelos mais variados aspectos do “ser” humano e
suas construções socioculturais (Martins, 2010).
As complexas relações existentes entre indivíduo e sociedade, seus valores e crenças, e como
esses últimos estão atrelados aos sistemas culturais, se constroem a partir dos diferentes contextos
presentes em cada uma das relações intergrupais (Bonomo, Trindade & Coutinho, 2008). Dessa
forma, parece apropriado tratar o meio rural, de fato, como um detentor de vivências, sob uma
óptica mais ampla que leva em consideração todas as produções advindas desse espaço, assim
como todos os indivíduos pertencentes a ele.
Portanto, ao se falar em campo, propõe-se a utilização do termo “ruralidades”, que sugere
uma não homogeneização do campo e a valorização do processo de instauração da vida nestes
espaços (Gomes & Nogueira, 2016; Karam, 2004). Muito embora essa concepção pareça ser
levada em consideração apenas no viés acadêmico-científico, no sentido de que esse espaço rural
corriqueiramente é visto e tratado por uma perspectiva meramente funcional (Karam, 2004), ou
seja, como um complemento para a vida existente na cidade, onde o campo é provedor de grãos,
produtor de laticínios, e está disponível quando se pretende desfrutar de seus lazeres, mas não
realmente como um ambiente único e complexo.
Adota-se aqui o conceito da Psicologia Ambiental para “ambiente”, como um espaço que
compreende o meio físico concreto em que se vive, sendo ele natural ou construído, achando-se
indissociável das condições sociais, econômicas, políticas, culturais e psicológicas daquele contexto
específico (Cavalcante & Elali ,2017). E é nessa perspectiva que considera as multiplicidades do
ambiente do campo que se baseiam os estudos sobre a mulher que se encontra em contexto rural.
A temática sobre pesquisas envolvendo mulheres e questões de gênero alcançaram certa
notoriedade nos últimos anos (Cordeiro & Scott, 2007). Sendo grande parte dessa notoriedade
atribuída ao papel que a mulher vem conquistando, e a forma como vem demarcando seu espaço
na sociedade moderna contemporânea (Ramos, 2014). Desta forma, emerge a necessidade de
discussões para que essa temática seja problematizada nas mais diversas áreas em que “o ser

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1175


NO ONTEXTO BRASILEIRO
mulher” esteja presente. Apesar do avanço mundial do movimento feminista, no Brasil essa
discussão caminha a passos lentos, especialmente no meio rural e na Extensão Rural (Villwock,
Germani & Roncato, 2016). Assim, para expansão do conhecimento e divulgação da temática,
busca-se apreender quais as características e aspectos que norteiam o cotidiano da mulher que
se encontra no meio rural, usando como base o que a literatura atual tem dito a respeito das
relações de gênero nesse contexto.

Método

Elaborou-se um plano de análise para delimitação do objetivo da pesquisa, escolha das


bases de dados para coleta dos artigos, eleição de descritores correspondentes ao objetivo da
pesquisa, definição dos critérios de inclusão e exclusão dos artigos, busca e armazenamento dos
artigos selecionados após as etapas de execução da revisão dos artigos.
Foi realizada uma revisão sistemática da literatura sobre as questões que perpassam a mulher
rural e o gênero. As bases de dados consultadas foram: Dialnet, Literatura Latino-americana e do
Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Scientific Electronic Library Online (Scielo). Os descritores
utilizados para a busca dos artigos foram “mulher e rural e gênero”, nos idiomas português,
espanhol e inglês.
Os procedimentos de busca, seleção e análise dos artigos foram realizados por dois juízes
independentes em quatro etapas, obedecendo aos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos
para esta revisão. A primeira etapa configurou-se na busca dos artigos pelos descritores
estabelecidos publicados entre os anos de 2006 e 2016 – a busca foi empreendida em novembro
de 2017. Na segunda etapa apreendeu-se a exclusão dos artigos duplicados, para dar seguimento
a terceira etapa que correspondia a análise dos resumos por intermédio de dois juízes no qual
foram revisados os artigos a luz dos critérios estabelecidos para a pesquisa.
Foram excluídos os artigos que não estavam de acordo com o objetivo principal da pesquisa,
sem centralidade temática, artigos teóricos, estudos realizados no exterior que não abrangessem
a realidade brasileira e textos incompletos. Na quarta etapa apreendeu-se a seleção final dos
artigos e discussões e análises dos artigos restantes derivados da busca nas bases científicas para
elaboração da revisão sistemática.

Resultados e Discussão

A busca retornou um total de 117 publicações, sendo 59 da base Dialnet, 30 do Scielo e


28 artigos inseridos na base Lilacs. Foram excluídos 33 artigos por estarem presentes em mais
de uma base indexadora. Após a análise e utilização dos critérios de inclusão e exclusão diante
dos 84 artigos restantes, foram excluídos por não apresentarem centralidade temática com o
objetivo da pesquisa 18 artigos, 4 artigos foram excluídos por se tratarem de artigos teóricos, 46
artigos excluídos por não se referirem a realidade da mulher rural brasileira e 1 artigo por ser texto
incompleto.
Dos 15 artigos analisados, todos contemplavam a realidade da mulher rural brasileira como
sendo o principal foco da discussão, configurando-se assim em 100% de centralidade temática
com o objetivo proposto pelo artigo de revisão. Além disso, as pesquisas abordaram tanto
métodos quantitativos quanto qualitativos para análise dos resultados obtidos.
Ao considerar os estudos brasileiros para a discussão neste artigo, atenta-se para a presença
da má distribuição dos estudos no que tange a territorialidade, onde se configuram num total
53% dos estudos derivados de realidades vivenciadas no Sul do Brasil, 20% no Nordeste do Brasil
e apenas 13, 33% na região Sudeste e Centro-Oeste, não sendo verificado diante das análises
estudos sobre a realidade da mulher rural brasileira no Norte do Brasil.

1176  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Identificou-se a correspondência de alguns conceitos que se repetiram nos artigos, a
saber: saúde, violência, matrimônio, machismo, desvalorização do trabalho, submissão, movimentos sociais e
empoderamento. Portanto, a discussão deste trabalho respalda-se nesses conceitos e a tentativa de
explorá-los.

Percepções e Relações Ambivalentes

Pizzinato, Hamann, Maracci-Cardoso e Cezar (2016) apresentam a realidade de jovens


mulheres residentes de cidades do interior do Rio Grande do Sul, através de fotocomposições e
entrevista semi-estruturada que tinham por objetivo captar a essência de sua relação com o meio
de convívio. Como resultado, percebeu-se que grande parte das garotas apresentam perspectivas
e anseios quanto ao êxodo para centros urbanos em busca de estudo, com forte referência à
justificativa de que ir embora para a cidade as livraria de uma vida semelhante à de suas mães,
tida como sofrida.
No entanto, em contrapartida, além de não terem de fato uma idealização concreta de
como se daria esse ingresso ao ensino superior, devido a pouca informação a respeito do tema
e a percepção de dificuldades socioeconômicas que dificultariam o projeto (Pizzinato, Hamann,
Maracci-Cardoso & Cezar, 2016), também é presente uma supervalorização das relações de
matrimônio (apego ao ideal de casar-se e constituir um núcleo familiar) e a forte afetividade em
relação a seu lugar de origem, que teria de ser deixado para trás caso a realização de ir viver na
cidade fosse efetivada.
Essa relação de apego ao cotidiano, família e o desejo de estudar fora tende a provocar
tensionamentos, a exemplo da entrada na universidade de moradoras de pequenos municípios
rurais, como motivo responsável por modificar o cotidiano do trabalho familiar (Nascimento,
2012). Essa ambivalência, ou seja, desejo de deixar o campo e ao mesmo tempo o receio de fazê-
lo, tende a ocorrer porque há no meio rural uma atribuição à mulher dos papéis tradicionais de
mãe, esposa e dona de casa, responsável pela manutenção do núcleo familiar (Costa, Lopes &
Soares, 2015).
Pautada nos preceitos da heteronormatividade, essa concepção atua naturalizando as
idealizações quanto ao que é obrigatório às mulheres, dessa forma, a ideia de casamento é aos
poucos cristalizada como projeto de vida feminino, sendo o matrimônio responsável por lhes
assegurar um conjunto de papeis sociais, no que o rompimento do casamento não é uma opção,
pois existe em si o medo de ser julgada socialmente caso cogite largar seu lar e marido.
Constatou-se essa atitude de atribuições feitas à mulher em um estudo onde participaram
56 trabalhadores do serviço de saúde, que, quando questionados sobre a situação das mulheres
no contexto rural em que atuavam, deixaram uma postura clara de que a mulher rural é vista sob
a ótica da relação de serviço, subordinação e obediência (Costa, Lopes & Soares, 2015). Nesse
há emergência de um posicionamento hierarquizado, que valoriza o homem em detrimento da
mulher e legitima condutas de dominação.

Assimetria nas Relações de Poder

Causada pela permanência e manutenção do poder do homem, a assimetria nas relações


aponta para uma visão que há em relação ao homem, que é tido como provedor e chefe da casa,
enquanto a mulher é tratada a partir da ótica de subordinação, obediência e responsável pela
reprodução biológica (Costa, Lopes & Soares, 2015).
Em um estudo de associação livre de palavras, usando como estímulo o termo “violência
contra a mulher rural” realizado na região sul do estado do Rio Grande do Sul, constatou-se

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1177


NO ONTEXTO BRASILEIRO
haver uma consciência da existência da dominação de gênero, e, através deste termo foi possível
perceber a qualificação da mulher como submissa, a justificação dos motivos do agressor por
seus atos de violência e uma dominação simbólica sofrida pelas mulheres rurais, especialmente
as casadas (Costa, Lopes & Soares, 2015). Dados que corroboram com estudos que pontuam as
mulheres como vítimas de diferentes vulnerabilidades e violência, resultando em assassinatos e
outras situações de comprometimento da saúde, as quais refletem as iniquidades de gênero, raça
e classe (Bonfim, Costa & Lopes, 2013).
O casamento e a união estável aparecem relacionados ao início dos episódios de violência
para boa parte das entrevistadas. Das que relataram casos de violência doméstica, todas
vivenciaram mais de um episódio de violência, e em geral com mais de um companheiro (Costa,
Dimenstein & Leite, 2014). Verificou-se que o casamento (ou a união estável) ocupa um status
de uma das maiores fontes de angústia para as assentadas, e que na agricultura familiar, esses
relacionamentos (a chegada dos filhos, o cuidado com a casa) têm um papel central na lógica
da organização dos grupos domésticos como orientadora para a vida social no campo, o que se
associa com os estudos anteriormente citados de Pizzinato, Hamann, Maracci-Cardoso e Cezar
(2016) sobre a importância que os matrimônios exercem no cotidiano das relações das mulheres
em contextos rurais.
Há preponderância também da tripla jornada de trabalho da mulher (o trabalho de casa, a
maternidade e o trabalho no campo), sendo que esse trabalho não é reconhecido e é tido como
“invisível” (no sentido de que o trabalho doméstico e o “trabalho produtivo” estão tão intrínsecos
que não há uma diferenciação dos mesmos, fazendo com que só o homem seja reconhecido por
seu trabalho na roça).
A constatação da tripla jornada de trabalho é citada por Costa, Dimenstein e Leite (2014)
como sendo um fator gerador de muito sofrimento e problemas de saúde “[...] Ou eu morro de
trabalho ou eu morro de fome”, conta uma mulher assentada para os pesquisadores. Em síntese,
pobreza, casamento, sobrecarga de trabalho e violência (principalmente doméstica e sexual)
foram identificados pelas participantes como principais fatores no que se refere ao sofrimento em
saúde física e mental.
Apontam-se também como fatores preponderantes no surgimento de transtornos mentais
o uso indiscriminado de agrotóxicos no manejo do solo por algumas famílias do assentamento,
visto que 67,6% das famílias não recebe nenhum tipo de assistência técnica para a produção,
podendo acarretar em agravos à saúde dos trabalhadores (Costa, Dimenstein & Leite, 2014).
A supervalorização do trabalho masculino em detrimento do feminino é apontada, quando
em referência ao manejo de atividades veterinárias, os homens são considerados como detentores
de maior aptidão para as atividades que exigem força física. Isso porque na assistência a grandes
propriedades em atividades que coloque em risco a integridade física da mulher, o profissional do
sexo masculino parece se enquadrar melhor, ao passo que as mulheres também estão afastadas de
atividades relacionadas à vida pública e a comercialização da produção (Freitas, Abreu, Mesquita,
Jaime, Gordo & Silva, 2014).
Portanto, quanto maior a importância dos trabalhos e atividades no meio rural, maior a
participação dos homens e irrelevância e dependência das mulheres, o que evidencia uma menor
participação feminina, fazendo com que essa seja vista apenas como complementar ao masculino
(Vidal 2011a; 2011b).

Empoderamento Através do Engajamento Político-Social

No viés de atenção à saúde da mulher assentada, Ebling, Falkemback, Gomes, Silva &
Oliveira Silva (2014) realizaram um estudo em que objetivou-se compreender as concepções de

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
mulheres assentadas em relação à educação em saúde, com foco na saúde da mulher, procurando
apreender questões de gênero.
Os resultados encontrados apontam o descontentamento existente, por parte das mulheres
do assentamento (participantes da pesquisa), com as formas tradicionais de abordagem de
educação em saúde, bem como o desejo dessas pela existência de ações em saúde que contemplem
a diversidade que rodeia o mundo da mulher assentada. Elas anseiam receber informações sobre
diversos contextos, e que esses se estendam para além da dimensão reprodutiva. É notório, de
acordo com os dados da pesquisa, a vontade e ansiedade dessas mulheres em serem ouvidas,
já que elas acabavam por considerar os momentos individuais como um espaço oportuno de
educação em saúde e formação política (Ebling, Falkemback, Gomes, Silva & Oliveira Silva, 2014).
Em processos de formação como esse, é possível que se note uma significativa alteração
na autoestima dessas mulheres, como a proporcionada pelo grupo operativo de intervenção
instalado por Vasquez (2009) em uma comunidade no estado de São Paulo.
A análise da intervenção indicou um aumento da autoestima e da autonomia dessas mulheres,
bem como da capacidade de lutarem por seus direitos. Sendo possível notar um aumento da
solidariedade entre as participantes e as mulheres de fora do grupo (as do grupo passaram a dar
um suporte social as outras em casos de violência doméstica,) do interesse em orientações de
cuidados com a saúde, e em outros direitos da mulher.
Esses grupos operativos acabam por possibilitar uma reflexão sobre o papel da mulher no
assentamento. O grupo em questão, por exemplo, serviu como espaço de emergência e elaboração
de temas como a relação com os homens, o papel feminino no meio rural, a sexualidade, a violência
doméstica e sexual, o sexismo e o surgimento da problematização do cotidiano em comum, em
especial do papel que era tido como natural para as mulheres (Vasquez, 2009).
Constatações como essas remetem à importância do reconhecimento de si própria como
atuante em seu espaço e detentora de autoconceito. As mulheres do campo, mesmo que exerçam
atividades não agrícolas como principais fontes de renda (por exemplo, como consultoras de
vendas de catálogos cosméticos), se autodeclaravam como trabalhadoras rurais, impulsionadas
por dispositivos como o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e movimentos
de trabalhadores rurais (Costa, Dimenstein & Leite, 2014). E tal prática contribui nesse processo
de reconhecimento próprio enquanto mulheres campesinas, abrindo portas para gestão de seus
próprios ganhos, fomentando uma maior autonomia e um possível empoderamento.
Corroboram com esse preceito, Adão, Stropasolas e Hotzel (2011), quando citam em seu
trabalho o exemplo do Movimento das Mulheres Camponesas, que é percebido pelas mulheres
rurais como impulsionador da sua participação nos espaços públicos e a valorização de suas
atividades cotidianas, no que o cultivo de sementes, por exemplo, passa a transcender o simples
manuseio e perpassa por questões como a soberania alimentar.
Assim, o envolvimento em ações de movimentação social é de valiosa importância no que
diz respeito à conquista de autonomia. E, a trajetória de vida das mulheres que atuam nesses
movimentos perpassa por transformações sociais que alteraram a forma como se comportavam
na esfera familiar e comunitária (Adão, Stropasolas & Hotzel, 2011). Essas mulheres antes se
sentiam reprimidas e submissas ao marido, e marginalizadas nas esferas públicas, até então um
espaço tipicamente masculino. Com o passar do tempo, as inquietações que permeiam a questão
de gênero permitiram a construção de um ideário relacionado à valorização do papel da mulher
agricultora com foco na produção, com viés agroecológico.
Dessa maneira, o saber social produzido na práxis da luta social tem empoderado a mulher
camponesa, promovendo sua politização e sua organização. E, muito embora essas mulheres
ingressem na luta como mães, esposas ou filhas, ocupando papeis secundários, dentro de
um movimento social camponês que também reflete em sua organização a lógica da cultura

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1179


NO ONTEXTO BRASILEIRO
patriarcal, as mulheres Sem Terra vão ocupando espaços e se tornam protagonistas na luta pela
terra (Schwendler, 2015).
Diante disto, percebe-se que a participação das mulheres camponesas nos movimentos
sociais de luta de classe, sua articulação interna e sua organização específica têm ampliado seu
saber social, o que contribuiu para seu empoderamento, e consequentemente, sua ação estratégico-
organizativa (Schwendler, 2015). Para essas mulheres, o acampamento tem se constituído como
um espaço por excelência para o desenvolvimento da liderança política, para consciência de
gênero e de classe. A participação da mulher na luta social também tem levado à politização de
seu papel de mãe e mulher.
Entretanto, apesar dessas conquistas, pesquisas constatam que mesmo com a participação
nos movimentos sociais rurais e na luta por melhores condições de trabalho, as mulheres
apresentam maior vulnerabilidade social no meio rural. Essa se expressa pela desigualdade de
acesso aos serviços estatais públicos e a desigualdade de acesso ao mercado de trabalho e a posse
da terra (Bonfim, Costa & Lopes, 2013). E tais atitudes podem estar relacionadas à concepção
de identidade fixa, na qual as definições de papeis sociais atribuídas a homens e mulheres ainda
resultam em leituras que reforçam estereótipos (Diniz & Jardilino, 2015).

Considerações finais

Esse trabalho buscou apreender as características e aspectos que norteiam o cotidiano


da mulher do campo. A partir dos estudos levantados, foi possível observar a existência de um
paradigma social, no qual as mulheres são interpretadas e determinadas pela soberania da
concepção masculina, que indica as funções, as ocupações e os espaços que devem ocupar.
Outro aspecto percebido, a partir das produções analisadas, é a possibilidade de
enfrentamento e empoderamento ocasionados pela participação em movimentos sociais
por parte das mulheres. Todavia, faz-se importante retificar as dinamicidades do meio rural
supracitada. Assim, os cenários, as regiões, as subjetividades e contextos irão diferenciar-se
quanto ao envolvimento e organização em tais movimentos, estando associados a identidade
de lugar cognitivamente estabelecidos por esse indivíduo. Portanto, tal retificação é valiosa para
compreendermos a existência de uma dinâmica, tida como óbvia, mas ainda não é tão apreendida
nos estudos sobre o meio rural.
Tornou-se evidente ao decorrer da pesquisa o baixo número de estudos em psicologia quando
se trata de contexto rural, e a necessidade de uma visão mais crítica em relação às dinamicidades
do cotidiano, das formas de viver, e da apropriação deste ambiente. Além disso, se faz pertinente
atentar-se para a falta de representatividade quando se fala em estudos ambientados nas regiões
Norte e Nordeste, tendo em vista que a maior parte das pesquisas de campo compreendida pelo
presente estudo se ambientou principalmente na região Sul.

Referências

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perspectivas: os significados da (re) produção de sementes crioulas para as mulheres no oeste
catarinense. Repositório Institucional UFSC, 8(2), 160-198. Recuperado de http://repositorio.ufsc.
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Bonfim, G.E., Costa, M. C., & Lopes, M.J.M. (2013). Vulnerabilidade das mulheres à violência
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
AFETIVIDADE COM O ESPAÇO E ÉTICA AMBIENTAL:
ALCANCES DO RECONHECIMENTO DA NATUREZA
COMO NOSSO LAR
Sara Leite Fernandes

Introdução

V
ivemos diante da existência de uma natureza a qual constantemente fazemos uso
de seus recursos e, por esta e outras razões, ela pode até mesmo ser considerada
decisiva para a nossa existência, mas não é inesgotável. Segundo Worster (1991),
as últimas décadas definiram a história do movimento ambientalista, ativo na defesa do meio
ambiente, em decorrência da fortificação de discussões sobre a situação do planeta, este marcado
por constantes alterações no fluxo natural dos ecossistemas provocadas por fenômenos naturais
ou pela própria ação humana. Acompanhando essas discussões surgem também ações populares
e acordos políticos em todos os níveis de organização governamental, que discutem problemas
ambientais e elaboram planos de ação de cunho resolutivo, como a realização da Primeira
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano pela ONU em Estocolmo, Suécia,
no ano de 1972, por exemplo.
Worster (1991) chama a atenção para a década de 70, aonde surgem as primeiras denúncias
da crise global motivada pela forma como o ser humano afeta o ambiente natural. Tudo isso
abriu espaço para promover reflexões sobre o uso consciente dos recursos naturais, a forma
como muitas sociedades fazem o retorno de materiais em forma de lixo para o meio ambiente,
provocando poluição e alteração de ecossistemas, ou até mesmo devido conflitos políticos que
tornam territórios inóspitos devido à falta de nutrientes ou à poluição química, por exemplo.
Entretanto, cotidianamente, a atitude das pessoas ainda parece dar sinais de ignorância em
relação a esses impactos, tornando-se um verdadeiro desafio encontrar soluções que sensibilizem
e ocasionem mudanças em todas as dimensões, visto que a questão ambiental “é uma questão
de alta complexidade na qual os aspectos econômicos, políticos, sociais, biológicos e culturais
se integram a ponto de não ser mais possível isolá-los” (Oliveira Filho, 2013, p. 17). Não é como
se faltasse educação ambiental, noções da influência do homem no ambiente e suas devidas
responsabilidades, como saber o destino correto que deve-se dar ao lixo para que não acabe caindo
na rede de esgoto da cidade, por exemplo, até mesmo se lembrar que, no Brasil, em decorrência
da lei 9.765/99 (Brasil, 1999), tornou-se obrigatório a Educação Ambiental em todos os níveis do
ensino formal das escolas brasileiras. Muito embora, reconhecendo esse mérito onde dispositivos
escolares se transformam em espaço e ferramenta de debate, juntamente de propagandas na
mídias, não é garantia que a educação ambiental vire uma prática para cada pessoa, podendo
trazer à tona a insuficiência dessas medidas que costumam ser utilizadas.
Tal modo de vida antropocêntrico, onde homens e mulheres se encontram como figuras
centrais e se utilizam de elementos da natureza, acaba por se legitimar como um bloqueio para

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1183


NO ONTEXTO BRASILEIRO
segmentos pautados em valorizar e fundamentar a ideia de ambientalismo, portanto de uma ética
ambiental, dando espaço para um consumo irracional. Como a forma como a pessoa se comporta
acaba dizendo muito dos seus valores e crenças, atribuir significações simbólicas e sentidos para
a natureza implica, inclusive, em um maior envolvimento com as questões que dizem respeito à
preservação ambiental (Florit, 2016). É o caso de “populações tradicionais”, representadas por
comunidades indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, ribeirinhos, etc, que desenvolveram
o seu estilo de vida relacionado ao meio ambiente ao longo da história e, assim, muitas vezes
responsáveis pelo manejo e conservação de áreas naturais ou, nas palavras de Arruda (1999, p.
90), “segmentos culturalmente diferenciados que historicamente preservaram a qualidade das
áreas que ocupam”.
A natureza pode representar não só uma fonte de recursos naturais mas também uma
espécie de grande lar da humanidade a partir de uma tomada de consciência da posição do ser
humano em relação à ela, assim podendo fazer um paralelo com o que o espaço privado da
casa pode significar. Para Maíra Fellippe (2010, p. 301), a construção de uma casa, além de ser
“a materialização do sonho de retorno ao paraíso” (no sentido bíblico e popular do termo), é
“uma projeção do próprio homem, um reflexo de seu ser”. A autora também comenta como os
elementos decorativos e simbólicos tornam a casa mais humanizada e, portanto, espaço primário
– um lar –, onde a posição de portas e janelas refletem noções de “segurança, respeito, liberdade,
mas também de curiosidade e hesitação” (2010, p. 305), por exemplo.
A Psicologia Ambiental compreende a intrínseca relação entre o humano e o ambiente na
qual o primeiro se insere (Moser, 1998), e dessa forma o ambiente constantemente apresenta
estímulos capazes de determinar o comportamento humano dentro de uma relação onde, por
consequência, homens e mulheres são dotados da capacidade de provocar alterações no meio
ambiente. Ao passo que a Psicologia Ambiental participa fortemente no processo de análise e
solução para problemas ambientais, aos situar a interferência humana, faz crer também que
“todas as chamadas questões ambientais são na verdade questões humano-ambientais, refletindo
não uma crise ambiental, mas uma crise das pessoas-nos-ambientes” (Pinheiro, 1997, p. 378),
provocando efeitos maléficos para as próprias pessoas.
É pensando nos fatos acima e na proposta ambiental da trama desenvolvida no filme
Mother! (2017) de Darren Aronofsky, o qual se refere aos efeitos da humanidade sobre a “Mãe
natureza”, que teoriza-se uma proposta de consciência ambiental, no que se refere à um maior
zelo e preocupação sobre o meio ambiente a partir do momento que o ser humano compreende
a natureza como seu lar e moradia, utilizando uma parte da literatura da Psicologia Ambiental.
Em outras palavras, a falta de cuidado com um determinado espaço natural é consequência da
falta de envolvimento e identificação com ele e como espaço que habitamos, logo nosso lar? Se as
pessoas tivessem a ideia de que o meio ambiente é o seu lar, seria suficiente para colocar um freio
sobre a devastação ambiental que avança atualmente?
Como é colocado por Lima & Bomfim (2009, p. 492), pensar nos problemas ambientais
acaba sendo uma “questão da sustentabilidade da vida enquanto responsabilidade dos seres
humanos e na preocupação com a humanidade”. Responder à essas perguntas leva a priorizar a
perspectiva das questões afetivas em relação ao ambiente como forma de contribuir nessa linha de
estudo que tomou forças na década de 90 (Lima & Bomfim, 2009) e contribuir para a efetivação
de políticas ambientais consistentes.

Desenvolvimento

Os territórios pelos quais o ser humano se aventura desde a sua existência, como a casa para
morar, a escola, o local de trabalho, provocam sentimentos de pertencimento e territorialidade à

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
medida que a pessoa se identifica com tal espaço, o transforma e sente ter o domínio sobre esse
lugar, processo chamado de apropriação (Cavalcante & Elias, 2011). “Pela apropriação, o sujeito
sente que de alguma forma está ligado ao lugar, e que este lhe pertence, mesmo que dele não
tenha a posse legal” (Mourão & Cavalcante, 2006, p. 145).
Dependendo da forma como a interação pessoa-ambiente se desenvolve, em questões de
tempo gasto dentro do ambiente ou pelo o que este vem a representar, o lugar pode acabar sendo
ocupado por muitos elementos dotados de carga afetiva, que é, inclusive, um componente de
grande importância nos estudos de mapas afetivos, cujo tem por finalidade traçar os vínculos
afetivos existentes em um indivíduo que são despertados pelo espaço que se pretende estudar
(Bomfim, 2003). A partir dessa interação com o ambiente as pessoas podem identificar qual
espaço ela compreende como o seu lar, principalmente derivado de um bom conhecimento sobre
si e o que se deseja ter para lhe representar dentro desse espaço doméstico.
Se questionar sobre que tipo de pessoa se é no mundo é um exercício que nos faz dar conta
da identidade e manifestá-la em aspectos físicos e afetivos no lar para estar em uma relação de
bem-estar, considerando variáveis de idade e histórico de vida, por exemplo, pois “a partir de
práticas ambientais somos capazes de criar e sustentar um senso coerente de nós mesmos e revelar
aos outros nosso eu” (Mourão & Cavalcante, 2011). Como já comentado, na construção de uma
casa é levado muito em consideração as expectativas e intenções que o indivíduo idealiza como
moradia ideal, afim de realizar as suas necessidades e assim poder viver de forma harmoniosa. A
sensação de controle sobre o lugar de moradia passa também a ideia de vinculação afetiva com o
ambiente e responsabilidade pelo o que acontece dentro dele. É nesse contexto que Maíra Fellippe
(2010, p. 300) se refere à casa como nosso “microcosmo particular, modelo reduzido de nosso
Universo”.
O sujeito associa a sua casa como seu território particular e espaço privado pois cada
objeto parece ser carregado de algum sentimento que reforça a apropriação desse lugar, se
fazendo diferente para o morador e para o visitante. De tal forma, há uma motivação a partir da
apropriação do espaço que leva a pessoa a investir determinados cuidados e preservação afim de
manter a identidade, quem a pessoa é naquele lugar (Elali & Medeiros, 2011).
O habitar, então, se constitui além do cenário de dominação e controle de um lugar, sendo
até de identificação e preservação do espaço, busca de segurança, etc (Mourão & Cavalcante,
2011). Modifica-se qualquer território em prol do conforto próprio, já que não há como negar
um fluxo de desenvolvimento e progresso em busca do bem-estar, principalmente influenciado
pelos princípios antropocêntricos. Mas o que se tem feito é necessário e sob a consciência de que
podemos estar colocando a natureza em desequilíbrio?
Assim como ocorre com o espaço privado da casa, também acontece com o espaço público
e, por consequência, a natureza. No espaço identificado como lar, as pessoas demonstram
preocupação em manter os significados que foram construídos nestes espaços, pois falam muito
de suas identidades. Na identificação com o espaço público, sendo de posse coletiva e uso
compartilhado, há uma “tendência do indivíduo a sentir-se pertencente a grupos sociais como
parte de uma afiliação necessária para o desenvolvimento de um sentimento de segurança e não
discrepância de uma coletividade” (Mourão & Bomfim, 2011, p. 217). A relação com um ambiente
aberto não dispõe da privacidade identificada em um ambiente fechado, o que culmina em uma
maior responsabilidade às pessoas que circulam nesses ambientes abertos em decorrência da
possibilidade de julgamento e preocupação com o bem-estar coletivo, por exemplo.
Existem várias possibilidades de relação com a natureza pois cada pessoa se identificará e
irá interagir de uma forma particular, pois, mesmo que não seja possível controlar e tomar posse
desse espaço, não há obstáculos para que não haja apropriação, como já comentado. Pode-se
inferir, portanto, que todos os indivíduos estão ligados ao espaço público, ao meio ambiente

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1185


NO ONTEXTO BRASILEIRO
que é compartilhado pelo comum e que as consequências são coletivas. Ao modificar o meio
ambiente em prol de benefícios próprios sem considerar os impactos ambientais o ser humano
ignora que habita o meio ambiente, ou seja, não se identifica com o lugar e coloca em risco o
equilíbrio humano-ambiental, problemática que se tornou tão debatida atualmente.
O filme Mother!, de 2017, é um thriller psicológico que discute esse atual dilema do
desequilíbrio com a natureza e com um ponto relevante em associar a personagem principal,
interpretada por Jennifer Lawrence, com o perfil de mãe e dona de casa socialmente difundido. O
diretor Darren Aronosfky tinha a real intenção de personificar a Mãe Natureza nesta personagem,
sob influência de algumas teorias do Ecofeminismo, e recria a história bíblica da evolução da
humanidade e se insere temas sociais da atualidade.
No filme, a evolução das cenas mostra o vínculo de Jennifer Lawrence com a casa,
representado pelo coração, e chama a atenção o surgimento de partes escuras no órgão pulsante
fazendo referência ao mal estar e às tonturas apresentados pela personagem. Esses sintomas
surgem com o início das visitas de estranhos, e por essa razão indesejadas pela personagem, a qual
é contrariada pelo seu marido, interpretado por Javier Bardem, que recebe os visitantes por longos
dias dentro da casa. As visitas, além de não escutarem os pedidos e orientações da personagem de
Lawrence, passam a deteriorar a estrutura da casa e, por consequência, os sentimentos da dona
da casa, que começa a viver um verdadeiro inferno.
Um elemento que chama atenção logo no início é a forte ligação entre a personagem de
Jennifer Lawrence e a casa representada pelos momentos onde a personagem toca as paredes
da casa e um coração pulsante é mostrado em seguida, podendo provocar no expectador o
pensamento de que ambas são uma só. Como comentado anteriormente citando Fellippe (2010),
há uma preocupação em manter algum tipo de ordem dentro do espaço doméstico para que o
dono se identifique com a mesma.
O filme possui um início e um fim bem delimitados. Se fosse possível colocar a história
em uma linha cronológica, observaríamos um início marcado por um clima calmo, as atividades
domésticas fluem, além do uso de cenas que se passam em ambientes de cores claras, bem
iluminados. Até que, com tantas visitas indesejadas e que realmente destroem a casa, o clima fica
mais tenso e agonizante, dentro de uma sequência de percas do controle da casa e confusões que
fazem lembrar problemas sociais bem atuais, e assim a dona da casa não se reconhece mais. Dessa
forma o diretor resume de uma forma cinematográfica a realidade da natureza próspera e ativa
afetada pelos comportamentos destrutivos do homem, tornando-se necessário agora uma larga
produção de soluções para conter o avanço do ser humano.
Na literatura da teoria ecofeminista por vezes é mencionado a preocupação da mulher
em seus mais diversos contextos, principalmente nos países ocidentais subdesenvolvidos ou
em desenvolvimento, e que é afetada diretamente pelas questões ambientais, pois muitas delas
desempenham atividades ligadas com o meio ambiente. Um exemplo de preocupação com a
ordem da natureza diante da interferência da modernização é retrata no livro Staying Alive (1988)
de Vandana Shiva que traz a realidade de mulheres indianas afetadas pela destruição da natureza
que põe em cheque a sobrevivência da família.
A natureza agrega a função de lar em decorrência da importância de sua existência. Não
quer dizer que a natureza substitua a casa onde homens e mulheres habitam, porque conceitos
como o de privacidade, por exemplo, é algo que já não se aplica em um espaço coletivo, mas
pensar a natureza isolada do espaço da casa é ignorar a força da cadeia que liga ambiente natural
e modificado. Veja, de onde vem os produtos que você coloca dentro da sua casa para fazer a
decoração, ou para onde vai o lixo que você descarta? Portando, sabendo que a relação com
o lar e os elementos com que a pessoa vem a se identificar dizem muito da sua personalidade,
negligenciar o papel exercido pelo ser humano no meio ambiente dá margem a presumir não saber
como a natureza é afetada pela humanidade.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
É indiscutível o fato de que habitamos o meio ambiente. O processo de reconhecimento e
conscientização da natureza parte de um local indiferenciado para a pessoa para um lugar aonde
é desenvolvida uma relação singular de apego e valorização (Mourão & Cavalcante, 2011). Pegar
essas características de identidade, pertencimento e cuidado que há do morador para com o seu
lar e estendê-las para o meio ambiente é uma sugestão que tem por finalidade provocar os seres
humanos para a implicação e responsabilidade com os desastres que acontecem do lado de fora
da casa em que se mora, por reconhecer a dependência em relação aos recursos da natureza e o
potencial de transformação e participação social os quais o ser humano está apto.
É uma possibilidade, em decorrência do caráter multifatorial as questões ambientais estão
ligadas, questionar até aonde estão as margens que reconhecem um espaço como lar. É bom saber
que existe uma casa esperando por nós no final de um dia cansativo, aonde é possível descansar,
se sentir seguro e cuidar de si. Soa como se o não se importar com as alterações provocadas nos
territórios é o mesmo que não dar importância aos impactos ambientais e que também significa
não se importar em como a sua casa está organizada, o que entra na sua casa e como afeta também
aqueles que moram com você. Não é muito diferente pensar isso olhando para o meio ambiente lá
fora, em todo o redor, independente se a natureza já se está dominada pela vida social humana ou se
ainda se define como área de preservação, pois os problemas não acontecem isoladamente em vista
das cadeias que conectam toda a existência de vida orgânica e inorgânica na Terra.

Conclusão

Ao interferir e/ou causar modificações em um território, o ser humano deveria preocupar-se


mais com os efeitos que serão causados no ambiente e, por consequência, a ele mesmo. Assim
torna-se conveniente conceber a natureza como um lugar habitado por si e por todos para que
os sentimentos de apropriação e pertencimento do espaço desenvolva um vínculo afetivo com
o ambiente que culminem em uma ética ambiental e para evitar que a significação do ambiente
fique reclusa a suprir apenas as próprias necessidades humanas.
É difícil frear a devastação ambiental tomando conhecimento da quantidade populacional
mundial e de seus mais diversos modos de vida. A percepção de que outras pessoas se relacionam
com o meio ambiente de formas similares, assim provocando uma ligação entre elas, atinge
o ponto de repensar também como determinadas atitudes podem vir a prejudicar a mim mas
também ao outro.
A proposta de reconhecer a natureza como lar tem o intuito de sugerir um nova alternativa e
não deixar de considerar as outras alternativas já existentes como forma de somar, por se tratar de
um questão atravessada por vários aspectos. Assim sendo, a ética e o cuidado deveria ser constante,
permitindo que atividades desde extração de minérios ou criação de gado sejam feitas de forma tão
consciente quanto a produção de lixo dentro de casa, permitindo um equilíbrio entre o homem e
ambiente, com perspectiva de um futuro aberto para a resolução de problemas ambientais.

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1188  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
EIXO TEMÁTICO

PSICOLOGIA DA
APRENDIZAGEM E COGNIÇÃO
PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO
PSICOLOGIA ESCOLAR E
EDUCACIONAL
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NO ENSINO
FUNDAMENTAL I NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE
PICOS-PI
Thuanny Mikaella Conceição Silva
Milena Valdinéia Da Silva Leal
Juliana De Sousa Fialho
Gilka Mary Alves De Sousa

Introdução

A
aprendizagem humana é um processamento complexo de informações, sendo que
os processos centrais são modificações e combinações que ocorrem nas estruturas
cognitivas. No Brasil, cerca de 40% da população que frequentam as primeiras séries
escolares tem algum tipo de dificuldade acadêmica (CIASCA, 2003). É importante compreender
estas dificuldades de maneira a diminuir o impacto na vida do indivíduo. Ao longo da literatura
escrita sobre os distúrbios de aprendizagem e, especificamente, sobre as deficiências, mostram que
crianças que recebem tratamento apropriado, desde cedo, apresentam uma menor dificuldade
ao aprender a ler, a calcular, superam o problema e passam a se assemelhar àquelas que nunca
tiveram qualquer dificuldade de aprendizado (CIASCA, 2003).
Diante disso, a escolha por esse tema se justifica em virtude de que as crianças e adolescentes
com dificuldades de aprendizagem, comumente, estão lutando em uma ou mais áreas básicas
que evitam o processamento adequado de informações. Geralmente, as crianças que apresentam
dificuldades específicas no início da escolarização, embora não tenham nenhum problema
neuropsiquiátrico, normalmente são aquelas que precisarão de maior atenção. E esses alunos
estão sendo acompanhados por profissionais adequados para a superação e/ou melhoria dessas
dificuldades.
Desse modo, terão de desenvolver as habilidades de apreensão daquilo que é ensinado.
Portanto, precisa ser investigada e compreendida particularmente em suas dificuldades. As
dificuldades de aprendizagem foram e são identificadas por diferentes critérios, que implicam em
distintas definições do que realmente poderia ser considerado como dificuldades de aprendizagem
(CIASCA, 2003).
Diante disso, o papel do psicopedagogo consiste em diagnosticar através de um processo
investigativo, as causas que podem estar impedindo o curso regular da aprendizagem institucional,
a circulação do conhecimento, o papel das lideranças e dos liderados, bem como os motivos que
podem levar ao insucesso organizacional. Uma vez que o mesmo, faz sua intervenção a partir
da história da organização e de suas características atuais. Nesta perspectiva, a contribuição
da Psicopedagogia é empenhar-se em levar a instituição à vivência que permita aos personagens
(funcionários) desse cotidiano dar-se conta da importância do seu trabalho para a manutenção
da saúde e sobrevivência organizacional, atuando diretamente nas relações de aprendizagem.

1190  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Considerando-se as diversas causas que podem interferir no processo ensino aprendizagem,
investigar o ambiente no qual a criança/adolescente vive e a metodologia abordada nas escolas
é importante antes de se traçar o enfoque terapêutico, uma vez que o aluno pode não apresentar o
distúrbio de aprendizagem, mas apenas não se adaptar ou não conseguir aprender com determinada
metodologia utilizada pelo professor, como também a carência de estímulos dentro de casa.
Por isso, devem ser questionados inúmeros fatores, bem como, quais as dificuldades de
aprendizagem apresentadas pelos alunos do Ensino Fundamental I, como esses estudantes
podem superar as dificuldades de aprendizagem se existe uma forma de essas dificuldades serem
resolvidas? Existe um trabalho psicopedagógico com os mesmos, como acontece esse trabalho?
Sabe-se que estas questões podem ter uma resposta difícil, pois muitos fatores contribuem
para essas dificuldades de aprendizagem. Haja vista os estudantes dessa escola provêm de famílias
de baixa renda, desestruturada, os pais em sua maioria são analfabetos e não acompanham as
atividades escolares dos filhos. Dessa maneira, este trabalho tem por finalidade conhecer as
dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos estudantes da 3º e 4º ano do Ensino Fundamental
da referida escola, procurando saber quais as principais dificuldades encontradas pelos alunos na
aprendizagem dos conteúdos?
O estudo do tema tem como base uma pesquisa bibliográfica e uma pesquisa de campo
para elucidação da hipótese e alcance dos objetivos pretendidos. Uma vez que foi realizada uma
observação na cidade de Picos-PI, tida como sendo o local de escolas que mais apresentam crianças
e adolescentes com distúrbios de aprendizagem. Por isso, foram realizadas entrevistas com dez
professores e um psicopedagogo que trabalham na Secretaria Municipal da Educação. As entrevistas
ocorreram através de registro escrito em forma de questionários aplicados aos sujeitos da pesquisa.
Com isso, espera-se que as informações apresentadas neste trabalho sirvam para que os
professores possam oferecer novas maneiras de avaliar essas deficiências e de localizar a fonte dos
problemas individuais de aprendizagem, sabendo trabalhar de forma adequada com as crianças e
adolescentes que as apresentem.

Método

A pesquisa sobre as dificuldades de aprendizagens apresentadas pelos alunos da escola da


rede municipal de ensino, funcionando a mesma no turno diurno e noturno.
O estudo do tema tem como base uma pesquisa bibliográfica e uma pesquisa de campo
para elucidação da hipótese e alcance dos objetivos pretendidos.
No primeiro momento, foi realizado o estudo em fontes bibliográficas especializadas em
autores que abordam o tema entre quais se destaca Almeida (2004), Barbosa (2006), Weiss
(2003) para ser desenvolvida a teorização das dificuldades de aprendizagem e qual o papel da
psicopedagogia no diagnóstico e tratamento de tais dificuldades, contextualização do trabalho
pedagógico na escola, a metodologia utilizada em sala de aula no ensino aprendizagem, para
isso, foi uma leitura sistematizada com fichamento de cada obra, de modo a destacar as idéias
fundamentais às arguições sobre o tema.
No segundo momento, a pesquisadora realizou um trabalho de pesquisa e observação
na referida escola, tida como sendo a escola que mais apresentam crianças e adolescentes com
distúrbios de aprendizagem.
Além disso, foram realizadas entrevistas com dez professores e um psicopedagogo que
trabalham na Secretaria Municipal da Educação. As entrevistas ocorreram através de registro
escrito em forma de questionários aplicados aos sujeitos da pesquisa.
Para análise e interpretação do material obtido, utilizou-se a técnica da tabulação das
informações, em que todos os registros foram analisados com rigor científico para a elaboração
da presente monografia.
Os professores entrevistados possuem formação superior, com tempo de atuação no
magistério entre dois a quinze anos. A média de alunos por turma é de quinze a vinte e cinco com

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1191


NO ONTEXTO BRASILEIRO
idade média de dez a quatorze anos de idade.
A escola pesquisada está localizada na zona urbana da cidade de Picos-PI. A escola possui
grupo gestor formado por um diretor, a mesma estão adaptadas com sala de computação, sala
de Atendimento Especializado e Biblioteca.

Resultados e Discussão

Apesar do conceito de dificuldades de aprendizagem apresentar diversas definições e ainda


ser um pouco ambíguo, é necessário que se tente determinar que a criança com transtornos de
aprendizagem tem uma linha desigual em seu desenvolvimento, bem como seus problemas de
aprendizagem não são causados por pobreza ambiental, têm um quociente intelectual normal,
ou muito próximo da normalidade, ou ainda, superior. Seu rendimento escolar é manifesto e
reiteradamente insatisfatório.
Diante disso, perguntou-se aos professores o que significa dificuldade para eles.
Responderam então que o termo “dificuldade está relacionado a problemas de ordem pedagógica
e/ou socioculturais, e o problema não está centrado apenas no aluno, mas também no ambiente
do mesmo na escola”.

Tabela 01 – Questões propostas e as opiniões dos entrevistados


Questões Sim Não
Dificuldades para aprender a ler e escrever 90% 10%
Foram muitos casos de dificuldades na aprendizagem 90% 10%
Alunos reprovados 90% 10%

No que se refere à dificuldades para aprender, percebe-se que a grande maioria dos
professores entrevistados se deparam com essa situação, acarretando com isso na reprovação
dos alunos que apresentam tal dificuldade.
Conforme Dorneles (1990 p. 251)

À medida que começamos a estudar mais profundamente a questão do ensino do português e


em especial a leitura e escrita, percebe-se que, no Brasil, esse problema adquire características de
fenômenos de massa, ou seja, atinge a maior parte da população em idade escolar.

Percebe-se que na realidade o ensino precisa na escola pesquisada, de um maior trabalho


pedagógico e administrativo, e que toda comunidade ao invés de criticar e ficar apontando os
pontos negativos da escola procurando participar e ajudar a escola no desenvolvimento do ensino.
É preciso que pais e família procurem ajudar no acompanhamento dos filhos, nas tarefas
diárias, enfim, no processo de ensino aprendizagem, pois só com a participação e interação entre
família e escola, a escola poderá melhorar a qualidade, o seu trabalho. Posto que, na maioria das
vezes, professores colocam a falta do desinteresse dos alunos nos pais e nos próprios alunos.

Tabela 02 – Áreas em que as dificuldades de aprendizagem estão mais relacionadas


Área Porcentagem
Cognitivas 30%
Afetivas 30%
Social 30%
Física 10%

1192  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Os dados acima revelam que, em relação às áreas em que as dificuldades de aprendizagem
estão mais relacionadas, destacam-se as áreas: cognitiva 30%, afetiva 30%, social 305, ficando a
área física em menor ocorrência, apenas 10%.
Segundo Smolka (1998), os aspectos cognitivos estão ligados basicamente ao desenvolvimento
e funcionamento das estruturas cognoscitivas em seus diferentes domínios. Inclui-se nessa grande
área aspectos ligados à memória, atenção, antecipação.
Sendo assim, o fracasso escolar está ligado ao aluno enquanto aprendente, isto é,
especificamente às condições internas de aprendizagem.
Com relação à área afetiva, o autor ressalta a ligação entre o desenvolvimento afetivo, e sua
relação com a construção do conhecimento e a expressão deste através da produção escolar.
O não aprender pode, por exemplo, expressar uma dificuldade na relação da criança com a
sua família, será o sintoma de que algo vai mal nessa dinâmica.
Quanto à área social, Smolka (1998) afirma que no diagnóstico de deficiência em relação à
leitura e escrita de um aluno não se pode desconsiderar as relações significativas existentes entre
a produção escolar e as reais oportunidades que a sociedade possibilita aos representantes das
diversas classes sociais.
Em relação à área física, constata-se que os professores entrevistados não consideram como
a área que esteja mais relacionada com as dificuldades de aprendizagem, pelo fato de que em suas
classes não havia crianças portadoras de necessidades especiais ou com déficit físico ou orgânico,
mas reconhecem a importância do corpo na aprendizagem da leitura e da escrita na escola.
Conforme Martins (2001) é com o corpo que se fala, se escreve, se tece, se dança, resumindo,
é com o corpo que se aprende.
As condições do mesmo sejam constitucionais, herdadas ou adquiridas, favorecem ou
atrasam os processos cognitivos e, em especial, os da aprendizagem.

Tabela 03 – A quem atribuem as dificuldades de aprendizagem da leitura?


Questões Porcentagem
Ausência da família 60%
Mídia 10%
Condição social 10%
Pobreza 10%
Falta de interesse 10%

No quadro acima, verifica-se que a maioria dos professores entrevistados considera a ausência da
família como um fator que contribui para as dificuldades de aprendizagens durante as séries estudadas
no ensino fundamental. Sabe-se que a influência familiar é decisiva na aprendizagem dos alunos.
Posto que os filhos de pais extremamente ausentes vivenciem sentimentos de desvalorização
e carência afetiva, gerando desconfiança, insegurança, improdutividade e desinteresse, sérios
obstáculos à aprendizagem escolar.
A influência da mídia aparece como o segundo fator que contribui para as dificuldades de
aprendizagem, pois conforme Luckesi (1991) a televisão passa a ser um instrumento cada vez mais
poderoso no processo de socialização.
Um dos aspectos negativos dessa influência é a tendência à passividade e à dependência das
crianças, prejudicando o desenvolvimento pleno de suas capacidades cognitivas e sócio afetivas.
Desta maneira os professores entrevistados consideram que a condição social dos alunos
como um fator que influencia nas dificuldades de aprendizagem, pois consideram que os alunos
que os pais não têm hábito de leitura, não têm livros, revistas, jornais, como os que mais dificuldade
apresentam em relação à leitura.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1193


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Martins (2001) ressalta que sem querer negar que grande parte do fracasso de alguns alunos
pode estar relacionado à pobreza material a que estão submetidos, é importante estar atento
para que a baixa renda das famílias não seja utilizada como justificativa para o insucesso escolar
das crianças, eximindo a escola de qualquer responsabilidade.
Os professores apontaram a falta de interesse do aluno como um fator que contribui para as
dificuldades de aprendizagem da leitura. Mas, para Scoz (1994), é preciso que o professor competente
e valorizado encontre o prazer de ensinar para que possibilite o nascimento do prazer de aprender.
Visto que o ato de ensinar fica sempre comprometido com a construção do ato de aprender,
faz parte de suas condições externas. E a má qualidade do ensino provoca um desestimulo na
busca do conhecimento.
Não há assim um investimento dos alunos, do ponto de vista emocional, na aprendizagem
escolar, e essa seria uma condição interna básica. Casos há em que tal desinteresse é visto como
um problema apenas do aluno.
Se os professores agem assim diante das dificuldades dos alunos, nota-se que esta é uma
visão conforme Belleboni (2004) que tenta superar a concepção patológica tradicional dos
problemas escolares que se apóia em enfoques clínicos centrados nos déficits dos alunos e em
tratamentos psicoterapêuticos em anexo aos processos escolares.
Pois se sabe que este é um processo complexo em que estão incluídas inúmeras variáveis:
aluno, professor, concepção e organização curricular, metodologias, estratégias, recursos. Mas,
a aprendizagem do aluno não depende somente dele, e sim do grau em que a ajuda do professor
esteja ajustada ao nível que o aluno apresenta em cada tarefa de aprendizagem. Se o ajuste entre
professor e aprendizagem do aluno for apropriado, o aluno aprenderá e apresentará progressos,
qualquer que seja o seu nível.
Os professores disseram ter em mente que nem todas as crianças aprendem da mesma
maneira, cada uma aprende a seu ritmo e em seu nível. Por isso, tentam criar novos contextos que se
adaptem às individualidades dos alunos, partindo do que cada uma sabe de suas potencialidades
e não de suas dificuldades.
De acordo com Perrenoud (2001), sem subestimar o efeito de fatores externos à escola,
variadas pesquisas sobre a eficácia do ensino têm demonstrado a influência dos professores
e da maneira como conduzem a ação pedagógica, não somente sobre a forma como se dá a
aprendizagem dos alunos, mas também sobre o modo com que se comportam em aula. O
conhecimento dos processos associados ao ato de aprender e uma prática didática capaz de
facilitá-los pode minimizar grande parte dos problemas e dos rótulos colocados nos alunos com
“dificuldades de aprendizagem”.
Coloca ainda o autor, se considerar o currículo real como uma série de experiências, chega-
se a uma conclusão, grosso modo, a uma conclusão evidente, o currículo real é personalizado,
dois indivíduos nunca seguem exatamente o mesmo percurso educativo, mesmo se permanecerem
de mãos dadas durante anos.
Os professores colocaram no questionário que utilizam além das atividades trabalhadas
em sala de aula, carinho e afeto como sendo um dos recursos para trabalhar com os alunos que
apresentam problemas de aprendizagem. Os mesmos disseram ainda que há outras coisas em
jogo na aprendizagem, não é só planejamento, organização e regras, e uma é a afetividade.
Foi observado que os professores entrevistados se mostram sensíveis ao fato de que exigências
e punições provocam nas crianças com problemas de aprendizagem frustrações e marcam seus
fracassos, fazendo com que sua auto imagem se carregue de características negativas, provocando
o sentimento cada vez mais penoso de inadequação e incompetência por parte das mesmas.
Diante disso, não resta dúvida de que o processo de avaliação deve refletir os progressos
alcançados mesmo quando pequenos, e que, ao fazer com que a criança perceba sua evolução,

1194  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
a professora poderá motivá-la para a aquisição de novas aprendizagens. Assim, segundo os
professores, tem criança que tem mais facilidade, é mais inteligente, é mais rápida. As crianças
que tem dificuldade têm que ter uma avaliação mais branda, porque ela está fazendo um esforço
muito grande pra chegar até ali.
Entretanto, observa-se que, para que haja um avanço na aprendizagem, também é necessário
que a criança possa perceber que pode “errar” na construção de seu conhecimento e que nem
sempre o caminho por ela escolhido é o mais adequado.
De acordo com entrevista realizada com a psicopedagoga que atua na rede municipal de
ensino, o trabalho do psicopedagogo acontece no âmbito clínico e institucional.
No município de Sussuapara “atendemos nestas duas instancias, fazendo visitas às escolas
e participando dos planejamentos mensais realizados assim um trabalho institucional”. E na
Secretaria municipal da Educação “desenvolvemos um trabalho clínico, atendendo os casos de
dificuldades de aprendizagem de maneira personalizada” (fala da psicopedagoga).
Isso está de acordo com o que diz Weiss (2003) a psicopedagogia no campo clínico
emprega como recurso principal a realização de entrevistas operativas dedicadas a expressão e a
progressiva resolução da problemática individual e/ou grupal daqueles que a consultam.
Sabe-se que o trabalho do psicopedagogo também é preventivo, segundo a mesma, procura
orientar professores e gestores de como estes podem atuar e minimizar as chances de fazerem
aparecer às dificuldades. Desde a construção do Projeto Político Pedagógico às metodologias
usadas em sala de aula também são dadas as colaborações das mesmas.
Ao diagnosticar algum caso de dificuldade de aprendizagem, segundo a psicopedagoga,
procuram entrar em contato com a família deste aprendente para conhecer a realidade a qual se
encontram inseridos e para fazer os futuros atendimentos. Nesta fase, o apoio da família é muito
importante, pois é a família principal referencia e fonte de segurança para a criança.
Na sede na SME (Secretaria Municipal de Educação) possui uma sala bem equipada com
materiais didáticos e paradidáticos como jogos, brinquedos, livros, revistas a fim de poder
desenvolver um trabalho de qualidade (depoimento da psicopedagoga entrevistada).
No que concerne à família, segundo a psicopedagoga, todos os alunos que estão em
tratamento têm desestrutura familiar, e sabe-se que esses são apontados como aspectos
agravantes para a maturidade e estrutura de uma criança, como por exemplo, o alcoolismo, as
ausências prolongadas, as enfermidades e a separação dos pais. Tudo isso afeta a aprendizagem.
Em relação aos irmãos, são ressaltadas as relações de competitividade e rivalidade. Os maus
hábitos (permitidos ou negligenciados pelos pais), como assistir televisão demasiadamente e falta
de descanso também contribuem, a falta de limites. Existem fatores socioeconômicos, descritos
pelos alunos dos quais os pais participam, sem poderem facilmente modificá-los. Entre eles
encontram-se as más condições de moradia, a falta de espaço, de luz, de higiene, assim como da
alimentação mínima necessária para o crescimento e desenvolvimento infantil adequado.
No que se refere à escola, conforme a psicopedagoga, as dificuldades de aprendizagem
podem ser decorrentes de déficits cognitivos que prejudicam a aquisição de conhecimentos como
também, na maioria delas, são apenas resultantes de problemas educacionais ou ambientais que
não estão relacionados a um comprometimento cognitivo.
Portanto, é fundamental a importância das intervenções nas dificuldades de aprendizagem
e a participação familiar como mediadora ativa do processo de aprendizagem dos alunos. Dessa
forma, os psicopedagogos, os pedagogos devem ter conhecimentos que os permitam diagnosticar
problemas presentes no processo de ensino-aprendizagem, para que pela análise de sua prática
possam modificá-la em busca de mudanças na realidade escolar e social dos alunos.
Entretanto, a psicopedagoga declarou que infelizmente algumas pessoas ainda conseguiram
perceber a importância da continuidade do acompanhamento psicopedagógico, uma vez que

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1195


NO ONTEXTO BRASILEIRO
algumas famílias e escolas começam empolgadas e empenhadas no tratamento das crianças, mas
ao longo do tempo acabam desistindo e deixando as intervenções para segundo plano. Dessa
maneira, os resultados não são alcançados e o trabalho fica prejudicado.
Sendo assim, deve-se considerar diversas causas que podem interferir no processo ensino/
aprendizagem, por isso, é preciso investigar o ambiente no qual a criança vive e a metodologia
abordada nas escolas é importante antes de se traçar o enfoque psicopedagógico, uma vez que
a criança pode não apresentar o distúrbio de aprendizagem, mas apenas não se adaptar ou não
conseguir aprender com determinada metodologia utilizada pelo professor, como também a
carência de estímulos dentro de casa. Por outro lado, muitas crianças podem não apresentar
nenhum fator externo a ela e mesmo assim não conseguir desenvolver plenamente suas habilidades
pedagógicas.
É importante considerar que a escola deve valorizar os muitos saberes do aluno, e que seja
oportunizado a ele demonstrar suas reais potencialidades. A escola tem valorizado apenas o
conhecimento verbal e matemático, deixando de fora tantos conhecimentos importantes para
sociedade.

Considerações Finais

Diante das informações expostas e discutidas ao longo do trabalho, foi possível verificar
que os educadores devem estar preparados para a ação na realidade atual, da qual faz parte as
dificuldades de aprendizagem, e os cursos de formação de profissionais da educação precisam
proporcionar um entendimento desta realidade. Neste sentido, o Ensino Fundamental faz parte
do campo de atuação do pedagogo e deve haver uma preocupação específica com a construção
do conhecimento nesta faixa etária.
Uma vez que conforme os dados observados, em relação às áreas em que as dificuldades
de aprendizagem estão mais relacionadas, destacam-se as áreas: cognitiva, afetiva, social, e a
hiperatividade. E essas dificuldades podem ser decorrentes de déficits cognitivos que prejudicam a
aquisição de conhecimentos como também, na maioria delas, são apenas resultantes de problemas
educacionais ou ambientais que não estão relacionados a um comprometimento cognitivo.
Mas, o não-aprender pode, por exemplo, expressar uma dificuldade na relação da criança
com a sua família, será o sintoma de que algo vai mal nessa dinâmica.
Posto que conforme entrevista com os professores e a psicopedagoga, a maioria dos
pais das crianças que fazem acompanhamento psicopedagógico são extremamente ausentes,
vivenciam sentimentos de desvalorização e carência afetiva, gerando desconfiança, insegurança,
improdutividade e desinteresse, sérios obstáculos à aprendizagem escolar.
Por isso, é fundamental a importância das intervenções nas dificuldades de aprendizagem
e a participação familiar como mediadora ativa do processo de aprendizagem dos alunos. Sendo
assim, é preciso que pais junto à escola procurem ajudar no acompanhamento dessas crianças,
nas tarefas diárias, enfim, no processo de ensino-aprendizagem, pois só com a participação e
interação entre família e escola, a escola poderá melhorar a qualidade, o seu trabalho.
Dessa forma, os pedagogos e psicopedagogos, diretores devem ter conhecimentos que os
permitam diagnosticar problemas presentes no processo de ensino/aprendizagem, para que pela
análise de sua prática possam modificá-la em busca de mudanças na realidade escolar.
Posto as dificuldades de aprendizagem se constituam num desafio ao educador, conforme
foi visto com os professores pesquisados. Sabe-se que um trabalho diferenciado em turmas
heterogêneas é complexo, no entanto, é um trabalho possível. Superar as dificuldades de
aprendizagem é garantir a esses sujeitos que apresentam a possibilidade de enfrentar a realidade
de modo digno e consciente.

1196  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
É importante colocar que essas crianças/adolescentes só querem dos pais e dos professores
requer carinho, atenção, compreensão e amor. Que estes lhe encorajem com atitudes positivas
como: incentivo, elogios, invenção, recompensas, estabelecimento de normas, repetição dessas
sempre que possível, o máximo de vez, permitir-lhe brincar, brilhar, divertir-se.
Portanto, cabe ao profissional da educação, comprometido com a transformação social,
utilizar-se da cultura socialmente disponível e historicamente construída em suas aulas, de maneira
a criar espaços para a reflexão crítica da realidade. Cabe a ele lutar para que a sua mediação
contribua com a formação de sujeitos ativos e transformadores, cientes da possibilidade de
emancipação.
O que ficou mais evidente no trabalho com as dificuldades de aprendizagem apresentadas
pelos alunos da rede municipal de ensino é que vem sendo tomadas as medidas adequadas,
ou seja, as crianças são atendidas e fazem acompanhamento por psicopedagogos, assim são
incentivados, motivados a continuar os estudos, bem como buscando solucionar as dificuldades
na aprendizagem. Apesar de que existem casos, em que o tratamento é interrompido por falta de
interesse da família, da escola.
Espera-se que este trabalho tenha cumprido seu objetivo, que é possibilitar uma reflexão
a respeito do tema, e sensibilizar as pessoas para a problemática das crianças que apresentam
dificuldades de aprendizagem.

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1198  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O ADOLESCENTE E SEUS PARES: DORES E
DELÍCIAS DO AMBIENTE ESCOLAR
Estefanni Mairla Alves
Antonio Dario Lopes Junior
Mayara Luiza Freitas Silva
Emilie Fonteles Boesmans

Introdução

S
ocialmente, a população adolescente no Brasil, de acordo com o último Censo compõe
uma parcela significativa do povo brasileiro. Os mais de 21 milhões de adolescentes
representam para o País um quadro singular de energias e possibilidades, havendo uma
oportunidade única: nunca houve e não haverá no futuro tamanho contingente de adolescentes
(Unicef, 2011).
A adolescência é uma das mais ricas fases do desenvolvimento humano; repleta de
possibilidades de aprendizagem, de experimentações e inovações. Etapa que necessita ser vivida
de forma plena, saudável e estimulante. Para isso, precisa ser protegida e assegurada pelo Estado,
através do cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente; pela família, assegurando a
provisão ambiental e afetiva para a continuidade de um espaço potencial de desenvolvimento
desse adolescente e pela escola, principal instituição de educação formal de crianças e jovens.
Esta fase da vida é marcada por transformações que constituirão o sujeito no mundo adulto,
atravessada pela maturação física; marco de que o sujeito está pronto para pôr em prática suas
funções sexuais e reproduzir-se. Contudo, além disso, ao longo desse processo, o adolescente
tem a tarefa de se constituir como sujeito no mundo em que vive: construindo sua identidade
e descobrindo seu papel na comunidade na qual está inserido. Para isso, o jovem questionará
aos pais e a sociedade na busca de descobrir o que querem dele, qual lugar ele ocupa, o que é
necessário que ele faça para ser considerado adulto.
Ao longo do processo de constituição de sujeito, no qual o adolescente está imerso, pode-
se destacar como uma das características importantes a formação de grupos de iguais. Espaço
no qual adolescente busca no outro um entendimento mútuo e empreende identificações. Tudo
isso pressupõe dificuldades, dúvidas, conquistas e realizações do outro. Uma vez que ambos
sabem pelo que estão passando, pois estão vivendo o mesmo processo, ao mesmo tempo. Então,
com isso, a Psicologia tem a possibilidade de trabalhar modos de partilha de vivências entre
adolescentes e como, ao mesmo tempo em que se identificam com o outro, formam opiniões,
conceitos e identidades diferentes entre si.
A escola é o espaço no qual os adolescentes cada vez mais, passam a maior parte de seu
tempo, e o espaço no qual depois da família é o lócus de principal socialização destes. Então, na
escola tem-se a oportunidade de observar a constituição e as formas de vivências nesses grupos,
incluindo: suas aproximações e afastamentos, momentos de discórdia e companheirismo, os

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1199


NO ONTEXTO BRASILEIRO
amores e as raivas que perpassam as relações. E, ao longo da pesquisa encontraram-se dados os
quais demonstram que os adolescentes atribuem um grande valor às suas relações de amizade,
como fonte de apoio e compreensão. No entanto, apresentou-se também que essas relações
causam desconforto e dificuldades para esses adolescentes. Então, tais vicissitudes encontradas
nas descrições das relações desenvolvidas entre os adolescentes os pesquisadores decidiram lançar
um olhar para a importância da convivência entre grupos de adolescentes no ambiente escolar.
Partindo de tal contextualização, este trabalho objetiva descrever a importância da formação
dos grupos de pares na adolescência dentro do ambiente escolar, bem como analisar as vicissitudes
das relações de adolescentes com seus pares na escola. O presente escrito é fruto da experiência
dos autores em uma pesquisa que acompanhou alunos de quatro turmas de uma Escola Estadual
de Ensino Profissional do Estado do Ceará ao longo de todo seu Ensino Médio.
O enfoque nos grupos de adolescentes emergiu da peculiaridade da experiência que tais
alunos tinham de uma convivência entre si e com atores do ambiente escolar. Devido ao fato
desses jovens passarem o dia na escola, com uma jornada de sete e quinze da manhã às cinco da
tarde, tais relações eram intensificadas, sendo geradoras tanto de identificações e suporte, bem
como de discórdias e mal estar que precisavam ser administrados por todos.

Método

Esta pesquisa teve a duração de três anos e passou por quatro etapas de coleta de dados
divida em: aplicação dos questionários; dois blocos de oficinas e aplicação de um questionário final.
Foi necessário o empreendimento de todos esses passos para que se pudesse aprofundar
na realidade, que é múltipla e dinâmica, da qual os adolescentes pesquisados faziam parte.
Isto permitindo conhecê-la a partir das diferentes vivências e pontos dos de vista dos sujeitos
implicados na pesquisa (Goetz & Lecompte, 1988). Também, o desenho da pesquisa e a atuação
do pesquisador, foram sendo permanentemente construídos (Tesch, 1990) devido às necessidades
demandadas por esse campo de atuação múltiplo e francamente mutável. Foram necessários
abertura de novas discussões, criação de novas estratégias e elaboração de outras possibilidades
de atuação.
É importante ressaltar que embora o desenho geral da pesquisa seja de natureza qualitativa,
utilizaram-se alguns procedimentos quantitativos, para que a partir deles fosse possível acessar
a realidade de forma mais aprofundada e mergulhar em seus múltiplos aspectos. Assim, rompe-
se, também, com a dicotomia: qualitativo X quantitativo, que muitas vezes têm permeado as
investigações científicas.
A amostra definida, por seleção baseada em critérios, tomou como sujeitos integrantes da
pesquisa, os alunos do primeiro ano do ensino médio da escola, na época em que a pesquisa foi
iniciada, uma vez que esta teve a duração de três anos. Foi desenvolvido um acompanhamento
dessa turma ao longo de todo o Ensino Médio.
O instrumento utilizado, inicialmente, para a coleta dos dados foi o questionário, no qual
foram coletadas informações de ordem socioeconômica, fatores de vulnerabilidade, elementos
estressores, configurações familiares, fatores de resiliência e aspectos da dinâmica de sociabilidade.
Este instrumento continha questões abertas e fechadas, que permitiram um tratamento de
natureza quali-quanti. Elaborado pelas professoras orientadoras do laboratório em parceria
com os bolsistas de graduação.O questionário, continha, além dos dados pessoais, 78 questões
divididas em três macro categorias: 1. eu - minha escola; 2. eu – minha família – meu bairro e 3. eu
– comigo. Para análise das informações obtidas, usou-se programa informático Microsoft Excel.
Após as análises que permitiu um diagnóstico da instituição e do contexto de vida dos discentes,
elaborou-se as atividades seguintes da pesquisa. Em uma etapa seguinte, a fim de dar espaço para

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a expressão dos adolescentes, desenvolveu-se uma pesquisa-intervenção, método que considera
fundamental a produção de conhecimentos a partir do tratamento teórico e prático da realidade
social. Além de caracterizar-se como estratégia de constituição de sujeitos capazes e de história
própria (Demo, 2004).
Em tais momentos de intervenção focou-se o olhar nos sujeitos e em suas singularidades
vivendo em grupo. Buscou-se perceber situações e elementos estressores, causadores de angústia,
ansiedade e sofrimento psíquico, bem como aqueles que podem ser mediadores na superação
da doença e na potencialização da saúde. Fatores que fortalecem a autoestima, autonomia, o
sentimento de identidade, a resistência às pressões externas, a capacidade de lidar com conflitos e
frustrações, a escuta de si e do outro etc. Isto nos possibilitou propor ações formativas interventivas
visando à melhoria na qualidade das interações no contexto escolar, o conhecimento e consciência
de si por parte de alunos e a promoção de saúde mental.

Resultados

Inicia-se trazendo elementos de identificação geral dos 75 alunos participantes da pesquisa,


obtidos com o questionário, tais como: sexo, idade, situação conjugal, pessoas com quem mora
e renda familiar. Com relação a essas informações, constata-se que a população dentre sexo
feminino e masculino é equitativa, tendo uma leve maioria do público feminino (51%); a maioria
dos sujeitos (57% do total) tem entre dezesseis e dezessete anos, indicando que estão cursando
o ano certo de acordo com a sua idade prevista para o ensino regular. Constatamos que 98%
dos alunos são solteiros e não têm filhos; 57% moram apenas com mãe e irmãos, confirmando a
pesquisa do último Censo (2010) que apontou que a maioria das famílias brasileiras são chefiadas
por mulheres. A renda familiar de mais de 71% dos alunos varia entre quinhentos e mil reais. O
número de pessoas com quem esses adolescentes dividem a casa, na maioria (69%) varia entre
quatro e cinco moradores. O cruzamento desses dados indica que a maioria da população de
nossa pesquisa tem uma renda per capita que oscila entre 100,00 e 250,00 R$, ou seja, membros
da Classe econômica D.
De uma forma geral, o relacionamento desses adolescentes com a família apresentou dados
positivos, apontando que aproximadamente 81% deles têm o hábito de conversar com os pais
sobre sua vida, especialmente com a mãe. Mais de 98% deles também relata sentirem-se amados,
amparados, cuidados e respeitados por sua família e 99% apontam que também respeitam a família.
Em relação às percepções e sentimentos dos alunos em relação à escola encontrou-se que
pouco mais de 56%, ou seja, uma maioria absoluta dos alunos relata sentir-se bem na escola. Esta
era uma questão aberta para que pudessem colocar com as próprias palavras seus sentimentos
e percepções acerca do ambiente escolar. As respostas revelaram que esse sentimento de bem
estar estava associado à percepção da escola como a própria casa, tanto pelo tempo que passam
nesse ambiente, como pelas relações ali estabelecidas, com aqueles com quem eles possuem mais
vínculos.
Contudo, ao longo do questionário, percebeu-se que passa dos 77% o número de adolescentes
que indicam que há algo na escola que lhes causam estresse. Ficou ressaltado como causa desse
estresse as dificuldades de relação entre eles e colegas ou entre eles e professores, somando-se 42%
das respostas. É certo que o estresse funciona também como elemento protetor do ser humano,
pois segundo Wallon (1995) o conflito é dinamogênico. Contudo, quando ele causa intenso
sofrimento psíquico interfere negativamente na qualidade de vida e no caso escolar, no processo
de aprendizagem. Na instituição em questão, foi recorrente por parte da direção e dos professores
a queixa quanto ao desinteresse dos alunos pelos conteúdos ensinados e queixa dos alunos sobre
a qualidade das aulas e o dia a dia na escola.

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NO ONTEXTO BRASILEIRO
Perguntando o que os adolescentes mudariam na escola para que esta contribuísse com a
qualidade de vida deles, em aproximadamente 26% das respostas eles afirmam que mudariam
questões estruturais como: mais conforto na sala de aula e na escola, mais equipamentos
tecnológicos, mais espaço e tempo para descanso, atividades artísticas e esportivas e a redução de
atividades acadêmicas. Em segundo lugar, com aproximadamente 22%, aparecem: substituição de
professores ou a melhoria na relação entre esses e os alunos. Aproximadamente 17% alegam que
não mudariam nada na escola, gostam do jeito que ela é. Em quase 14% das respostas eles alegam
que para melhorar era necessário uma melhor relação com os colegas e cerca de 3% expressa que
mudaria tudo.
A respeito das relações interpessoais, todos os alunos disseram ter amigos dentro da escola.
Em seguida, solicitou-se que assinalassem três comportamentos que eles considerassem mais
frequentes na escola. Nesse quesito, as “relações de amizade” constam em 55% das respostas. Dando
continuidade, os sujeitos escreveram três palavras para expressar como eles se viam percebidos pelos
colegas e professores. 88,5% enumeraram pelo menos uma boa característica que acreditam que os
colegas e professores percebem neles e dessas, 36,8% apresentam como uma dessas características
amizade, lealdade e companheirismo. O que está em sintonia com o momento da adolescência,
quando há um afastamento maior da família e uma maior aproximação dos pares.

Discussão

Autores como Outeiral (2008) Caligaris(2011) consideram a passagem para a adolescência


como um período de muitas transformações e mudanças, e que pode ser vivido pelo adolescente
com um sentimento de perda muito grande, uma perda que se transforma em vivência de luto.
Luto pela perda do corpo infantil, que demarca que o período da infância precisa ser deixado para
trás, com isso, o luto pela perda dos pais infantis internalizados.
Diferente da puberdade que tem um espaço de tempo delimitado para início e fim, a
adolescência é um período mais variável. Embora seu início seja juntamente com a puberdade, o
fim se torna bastante variável, podendo se estender indefinidamente. Tal perspectiva é trazida por
Calligaris (2011). Ele traz uma visão de que a adolescência é uma fase que se instituiu na nossa
cultura e gerou uma problemática pela carência de definição melhor estabelecida das competências
sociais adultas, consequentemente do adolescente, ou seja, “Falta uma lista estabelecida de provas,
rituais. Só sobram, então, a espera, a procrastinação e o enigma, que confrontam o adolescente –
este condenado a uma moratória forçada de sua vida – com uma insegurança radical” (Calligaris,
2011, p. 21), faltando então informação aos jovens sobre o que ser.
Esse “o que ser” para o jovem indica uma tarefa muito importante da adolescência, diz
respeito à estruturação da identidade “que iniciada desde o nascimento (talvez possamos dizer
que começa nos momentos de vida intra-uterina) adquire nesta etapa seu caráter mais definitivo”
(Outeiral, 2008, p. 12). A identidade se constitui através de identificações, que na infância se dão
basicamente com as figuras parentais. Já na adolescência, por conta do processo de separação
e afastamento dos pais, o jovem passa a buscar seus modelos identificatórios na sociedade e na
cultura as quais pertence (Outeiral, 2008). Nesse período, o adolescente passa a incorporar os
valores que permeiam o grupo no qual está inserido, incluindo suas regras, os compromissos que
assumem e as aspirações que almejam (Oliva, 2004). E levando em consideração essas aspirações,
em uma das atividades na pesquisa indagou-se aos adolescentes o que eles desejavam. A maioria
absoluta trazia que os principais desejos eram de valores afetivos, como “amizade verdadeira”,
“amor verdadeiro”, “paz mundial”, “família feliz” entre outros. São respostas que demonstram o
valor atribuído pelos jovens ao companheirismo, e o desejo de ter relações boas e duradouras não
somente para eles, mas para a sociedade como um todo.

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No tocante à família considera-se que esta tende a oferecer ao adolescente uma combinação
de apoio afetivo, comunicação e favorecimento da autonomia. A supervisão da família, nessa
etapa do desenvolvimento, é tão relevante quanto na infância. Contudo, é importante que os
pais saibam dosar e mesclar essa vigilância e confiança, sendo capazes de ser flexíveis frente às
mudanças rápidas ocorridas nos processos de pensamento e significação do que lhes ocorre.
Podendo ainda, proporcionar aos adolescentes gradativamente a capacidade de tomarem suas
próprias decisões e assumir novas responsabilidades (Oliva, 2004). Nessa perspectiva pôde-se
escutar o relato de alguns pais dos alunos os quais faziam parte da pesquisa, explicitando que
tentam pôr em prática essas indicações. Por exemplo, o depoimento de uma mãe que dizia: “eu
confio na minha filha, se ela sai de casa dizendo que vai estudar na casa da colega eu acredito. Mas
antes eu quero saber quem é essa colega, onde mora, essas coisas, pra segurança dela mesmo” ou
outra na qual dividiu com o filho a decisão da troca de escola

Eu e ele decidimos juntos que ele viria estudar aqui, eu mostrei pra ele as opções e expliquei
as qualidades daqui e ele achou interessante a possibilidade de fazer o ensino médio com o
técnico, sendo que ele mesmo disse que assim teria mais chances de conseguir um emprego e
logo começar a ganhar o dinheirinho dele. Então, fomos nós dois que decidimos, ele também
participou. (M.L.Silva, comunicação pessoal, 25 de abril de 2017)

Isso mostra a importância que a família desempenha na constituição desse adolescente, na


capacidade de suportar, apoiar, proteger e fornecer confiança para que desenvolva sua capacidade
de individuação e independência. Porém, sabendo que ele pode contar com um “porto seguro”
no qual possa refugiar-se e encontrar amor e carinho para enfrentar os percalços encontrados
ao longo desse processo de tornar-se adulto. Tal como discorre Winnicott (1975, p. 194) “Se
a família tem disponibilidade para ser usada, ela o é em grande escala, (...).”. Este é um fator
tão importante que nas respostas dos questionários evidenciou-se que a maioria absoluta dos
adolescentes participantes tinham o hábito de conversar com os pais sobre sua vida, especialmente
com a mãe. E afirmavam que se sentiam amados, amparados, cuidados e respeitados por sua
família e apontavam que também respeitavam a família. Demonstrando a disponibilidade dessas
famílias e as possibilidades de relações recíprocas que conseguem estabelecer.
Com isso, indica-se que esses jovens têm espaço para se manifestar em casa, têm a quem se
dirigir e onde encontrar apoio nos momentos difíceis pelos quais passa. Pois, quando o sujeito
não encontra formas de expressar o que sente através do diálogo, tende a se isolar, a sentir-se só e
desamparado (Santos, Xavier & Nunes, 2008). Levando-se em consideração essa disponibilidade
da família, entende-se que ela desempenha seu papel de promover um espaço potencial entre o
sujeito e a sociedade, lugar em que a experiência cultural se localiza (Winnicott, 1975). A família
está preparando o sujeito para ser um membro da sociedade, apresentando as possibilidades de
vivências. Isso inclui permitir que ele descubra sua totalidade em si; o que inclui a agressividade e
os elementos destrutivos que a ela estão atrelados, mas também os elementos amorosos.
Por outro lado, durante a adolescência abre-se para o sujeito a oportunidade criada nos
grupos de pares os quais podem responder às suas necessidades de solidariedade, de comunicação,
de democracia, de trocas afetivas e, principalmente, de identidade e de autonomia numa relação
mais horizontal que aquela experienciada no âmbito familiar (Dayrell, 2007). Na escola pesquisada
todos afirmaram ter amigos na escola. Inclusive, a maioria absoluta afirmou ter amigos fora do
ambiente escolar e mais da metade fazia parte de outros grupos como: comunidades religiosas e
grupos culturais (de apresentação de quadrilha, um dos que mais apareceu). E é com esses grupos
de pares com quem os jovens se sentem mais a vontade para conversar, especialmente quando se
sentam tristes, dado este também encontrado nas respostas dos questionários.
Dentro desse grupo social, as dinâmicas das relações são perpassadas por diferentes
gradações, a qual tem os amigos mais próximos, os melhores amigos, e os colegas, que são aqueles
mais distantes. Porém, elas não são relações estáticas, estão sempre passando por movimento de

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NO ONTEXTO BRASILEIRO
aproximações e afastamento, numa mobilidade entre os grupos (Dayrell, 2007). E isso, pôde-se
ouvir em alguns depoimentos dos alunos. Em uma das oficinas finais, discutiu-se o percurso ao
longo do ensino médio e houve a seguinte fala de um dos adolescentes, que retratava bem essa
característica da mobilidade grupal:

No começo do primeiro ano ninguém se conhecia, aí fomos formando nossas ‘panelinhas’,


encontrando com quem tinha mais haver com a gente, e ao longo do tempo foi passando
por algumas modificações. Eu mesmo, no começo sentava sempre perto da mesma pessoa,
conversava, mas depois nem foi ela quem virou meu melhor amigo, foram outros, que sentavam
do outro lado da sala, mas que fomos descobrindo gostos em comum, aí vai mudando mesmo.
Mas, depois de um tempo estabilizou e os grupos ficaram mesmo com as mesmas pessoas, mas
todo mundo fala com todo mundo (L.L. Pereira, comunicação pessoal, 23 de maio de 2017).

Outra possibilidade que o grupo apresenta é a de identificações; uma das particularidades


das relações interpessoais que é descrita pela Psicanálise como a expressão mais remota de laço
emocional com outra pessoa (Freud, 1996). E o amor que é dirigido a esse outro é devido às
perfeições que o sujeito observa naquele, que admira e tenta conseguir tais características para
o próprio ego. Então, por meio dessa maneira indireta, que é a identificação, o sujeito busca
satisfazer seu narcisismo (Freud, 1996). O estabelecimento da identificação pode ocorrer através
de três formas distintas: como forma primitiva de relacionamento emocional com o objeto de
amor (que é a identificação que se estabelece com os pais); de maneira regressiva, a identificação
toma forma de substituição para uma vinculação com objeto libidinal, através da introjeção do
objeto no ego (que é o que ocorre na melancolia, quando o ego se perde juntamente com o
objeto); e, por fim, pode aparecer com a observação de uma qualidade comum partilhada com
outra pessoa que não é objeto alvo da pulsão sexual (Freud, 1996).
É baseado no terceiro tipo de identificação que se constrói o laço mútuo existente entre
membros de um mesmo grupo, embasada numa relevante qualidade emocional em comum, e
que “quanto mais importante essa qualidade em comum é, mais bem sucedida pode tornar-se
essa identificação parcial” (Freud, 1996, p 117). No caso dos adolescentes, podemos inferir que
essa qualidade em comum, são as experiências que estão vivendo, as dificuldades pelas quais
passam e as exigências que lhes são demandadas. Cada um se vê no outro, mas ao mesmo tempo
pode perceber as particularidades deste outro, perceber como este enfrenta as questões que lhes
são colocadas e num movimento dialético de identificação com o outro, poder constituir sua
identidade diferente deste.
Faz-se, pois, relevante uma discussão acerca do ambiente escolar, no qual além de ocorrer a
educação formal destes adolescentes, também é o lócus onde se estabeleceram vínculos e trazem
ricas experiências de vivência social. Constitui-se então, espaço significativo no processo de
constituição psíquica do adolescente, mediante sua maior inserção fora do seio familiar.
Com o passar dos anos, a exigência cada vez maior de uma especialização e a necessidade
econômica de atrasar o ingresso dos jovens no mercado de trabalho, gradualmente, foi ampliando
o período de tempo em que os jovens passam na escola. No Brasil, exigência da escolaridade
obrigatória (assegurada por direito através de leis sancionadas, capítulo IV, art. 53 do Estatuto
da Criança e do Adolescente) já levava a essa condição. Com a implantação de escolas de tempo
integral vem aumentando ainda mais esta vivência.
Outra oportunidade que a escola oferece é a de não somente mediar a relação entre o
adolescente e o conhecimento formal, como também, promover as primeiras incursões dele na
sociedade, de uma forma mais ampla. A escola se constitui para o jovem como um grupo que
possui cultura própria e singular (Outeiral & Cerezer, 2005), no qual cada sujeito desenvolverá
um significado próprio para si e que serão diversos e particulares. Não dificilmente, podem até
ser contrastantes, como na escola onde se deu esta pesquisa. Nela, muitos alunos definiam a

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instituição como “uma segunda casa, uma segunda família”, enquanto outros a representavam
como: “prisão e tirania”. Mas se faz importante que a escola, para desempenhar seu papel
com eficiência, seja percebida pelo jovem como um espaço que lhe possa acolher e que ofereça
oportunidades de se desenvolver, mas também que lhes apresente os limites necessários para a
convivência em sociedade (Dayrell, 1996). Mas ainda que em geral, seja sentida com um espaço
no qual ele possa sentir-se bem. Na instituição esse sentimento de bem estar no ambiente escolar
foi percebido, uma vez que a maioria absoluta dos alunos relata sentir-se assim nesse local.
Destaca-se então que nas respostas do questionário as relações com os colegas apareceram
como fator estressor na escola. A maioria absoluta afirmou que a principal causa de mal estar
na escola está relacionado com a convivência com os colegas, por conta de discórdias e sensação
de falsidade nas relações que são estabelecidas. Quando indagados em relação ao que pode ser
feito para que se modifique essa situação, um terço das respostas apontou que era necessário o
estabelecimento de uma melhor relação com os colegas; o que marca que o desconforto dentro das
relações com os pares é explicitado frequentemente como elemento negativo no cenário escolar.
Na convivência com o outro, o sujeito é colocado diante do impasse: o outro não se submete
às suas vontades e com isso mobiliza sentimentos que se alternam; quando o outro faz o que ele
quer, o ama; quando o outro o frustra, incomoda ou decepciona – sente raiva. (Santos, Xavier
& Nunes, 2008). Essa tensão é expressa dessa na relação que os jovens estabelecem com os seus
colegas, cuja centralidade é expressa pelos próprios alunos, por exemplo, quando escolhe os
amigos como principais confidentes. Com isso o cotidiano escolar mostra-se como um complexo
espaço de interações, com a construção de identidades e estilos, visíveis na formação dos mais
diferentes grupos.
Os jovens admitem a existência de muitos atritos entre si, mas afirmam que vieram aprendendo
a conviver com as diferenças, estreitando as relações. A amizade, junto com os interesses comuns,
faz do grupo uma referência importante para cada um deles; nas expressões que encontramos
os adolescentes enfatizam as relações de confiança existentes expresso em falas como “uma das
minhas qualidades é sinceridade e é isso que eu espero das pessoas que convivem comigo. Escolho
meus amigos levando isso muito em consideração” (M.P. Teixeira, comunicação pessoal 23 de
maio de 2017). Isso destaca a que nessas relações os adolescentes buscam poder contar uns com os
outros, trocando ideias sobre a vida pessoal e afetiva de forma direta e honesta, construindo uma
identidade coletiva, mas também individual. Para esses adolescentes o estabelecimento de boas
relações, envolvendo respeito e diálogo é apresentado como o principal fator colaborador para o
estabelecimento de qualidade de vida e promoção de saúde mental na escola. Pois eles, diversas
vezes, enfatizaram a necessidade e a importância dessas duas características no estabelecimento
das relações com os demais colegas e amigos.

Conclusão

Ao final da pesquisa, pôde-se perceber o quanto as relações que os adolescentes estabelecem


são relevantes na sua constituição subjetiva. Vínculos que possibilitam o jovem se identificar,
estabelecer troca de saberes, encontrar apoio e compreensão. Porém, também permitem poder
demonstrar que a convivência com o outro frustra, pois nem sempre o outro está disponível. Para
aproveitar as gratificações que a vida em sociedade oferece, muitas vezes, é necessário abrir mão
de satisfações pessoais imediatas, arriscando na possibilidade de uma satisfação maior a posteriori,
ou seja, para conviver com outras pessoas é necessário sacrificar uma parcela de narcisismo
(Freud, 1996).
No ambiente escolar, a formação de grupos é francamente observável. Dentro da comunidade
maior que é a escola, outras micro-comunidades são formadas. Cada uma tem sua cultura própria,

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NO ONTEXTO BRASILEIRO
reunindo os mais estudiosos, os que gostam de certos tipos de estilo musical, os membros do
grêmio e assim segue. A convivência com esses grupos de amigos torna-se um dos grandes motivos
de se ir à escola, principalmente o lado bom e incentivador de diariamente o jovem se dispor a sair
cedo de casa e passar a maior parte de seu dia neste ambiente. Este é um aspecto importante, dito
pelos próprios adolescentes. Torna-se ainda mais relevante na escola trabalhada, pois o regime de
tempo integral leva a uma convivência mais intensa entre esses adolescentes e, portanto, não pode
ser tratada como um elemento coadjuvante no cenário escolar.
Os jovens trazem recorrentemente os aspectos de suas vivências com os demais, suas
dificuldades e possibilidades e percebeu-se como a falta de espaço para poder tratar essas relações
de forma mais explícita e aberta pode causar desconfortos para esses sujeitos. Isto interfere no
seu bem estar dentro do ambiente escolar, na forma de se portar e, inclusive, na qualidade de sua
aprendizagem. O tema é tão relevante que a própria gestão da escola, quando na realização da
última etapa da coleta de dados, colocou a percepção da mudança de algumas turmas. Informou
que a turma que era a mais bagunceira, ou seja, aquela com a qual os professores encontravam
maior dificuldade de lidar, estava menos inquieta, mais tranquila. Esta turma era uma das quais
se notava as maiores dificuldades de relacionamento entre os adolescentes. Entre eles estava
muito presente a necessidade falar, mas como todos queriam isso, nenhum se dispunha a escutar
gerando sempre tensões, brigas e como descreviam professores e gestores: bagunça.
Então, a partir do momento em que se deparou com essa particularidade da turma, essa
necessidade de falar o que os incomodava, concentrou-se em explorar essa vertente das relações.
Buscou-se trabalhar de uma forma que propiciasse um espaço para que eles pudessem se colocar,
pudessem expor suas insatisfações e suas necessidades, mas atentando também para o exercício de
um trabalho que proporcionasse a esses jovens a percepção de que todos buscavam basicamente
a mesma coisa: possibilidade de expressão. No entanto, era necessário aprender que para cada
um ser ouvido é preciso que os outros calem, e assim construir formas que oportunize o direito à
fala e à escuta a cada um. Essa passagem vai de encontro com a perspectiva de poder adiar uma
satisfação imediata, para que depois esta se apresente de uma forma mais efetiva e significante,
pois enquanto todos falam, ninguém é ouvido.
Essas colocações demonstram como a vivência em grupo é difícil para todos, em especial, os
próprios adolescentes. Vivências de relações que estão presente no cenário escolar e que reverbera
no desempenho das tarefas de cada um dentro da instituição. Isso aponta para questões de:
Como promover esse espaço dentro da escola? Estão os adultos (professores e gestores) aptos
para proporcionar e mediar um diálogo com e entre os adolescentes? As tensões das relações que
os adolescentes vivem em casa devem também ser discutidas na instituição educacional?
O empreendimento dessas questões, geradas a partir dos dados apresentados e discutidos,
corrobora com a hipótese inicial da pesquisa a qual é essencial lançar uma visão sobre a escola
como espaço promotor de saúde mental. Numa perspectiva não somente de ausência de
patologias, mas numa perspectiva mais ampla de promotora de bem-estar e qualidade de vida para
todos aqueles que fazem parte da instituição. Revelando, portanto, que as questões relativas aos
aspectos emocionais e sociais, devem ser consideradas nos projetos pedagógicos da instituição.

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A FUNÇÃO PATERNA DURANTE O COMPLEXO DE ÉDIPO
PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL NO CASO
HOMEM DOS RATOS
Sara Moreno Costa
Larissa Fonseca Araujo

Introdução

D
urante o desenvolvimento infantil a relação mãe-bebê é fundamental para
realização das primeiras fases do crescimento, mas a figura do pai aparece para
fundamentar uma importante mudança. “Mas haverá um momento, no decorrer
do amadurecimento, em que essa integração também necessitará e dependerá, em grande
parte, da participação paterna, sobretudo em fases mais amadurecidas, como nos estágios
do consentimento e no edípico, quando a identidade unitária torna–se uma conquista mais
consistente, e o pai, como terceira pessoa, passa a fazer sentido na vida da criança.” (Rosa,
Claudia Dias,2010).
É no desenvolvimento infantil que reside as principais causas de doenças psíquicas, é nas
primeiras fases, principalmente no complexo de Édipo, que a criança formará sua identidade, assim
os pais têm a função de realiza-la da melhor forma possível. Isto por que um Édipo mal resolvido
pode se desenvolver para uma neurose, a neurose é um sofrimento psíquico, provocada pelos
sentimentos contrários existentes neste período, como amor, ódio, medo e desejos incestuosos.
Sendo assim é importante questionar-se sobre o papel do pai realizado de forma correta
para que a criança possa passar saudavelmente pelas fases do desenvolvimento sexual infantil,
se for concretizada de forma apropriada a tendência é que a criança se torne um adulto com
comportamento adequando para a convivência social. Portanto, para a construção da
personalidade da criança a função paterna, essa exercida pelo pai biológico ou não, é de
fundamental importância. É na relação com o pai, que o menino adquire valores que o ajudaram
a viver em sociedade.
Esse artigo tem como objetivo compreender a importância da função paterna durante
o complexo de Édipo para o desenvolvimento infantil, para tanto analisou-se o um dos casos
clínicos mais famosos de Freud: o Homem dos Ratos.

Método

O presente artigo traz a relação entre as questões de complexo de édipo e a função paterna
para a formação da personalidade. Para a compreensão desse assunto foi utilizado o método de
pesquisa bibliográfico. O material utilizado nesta pesquisa bibliográfica é composto por textos
pré-selecionados das obras freudianas, principalmente da análise do caso Homem dos Ratos
escrita em 1909, enriquecida com escritos contemporâneos de artigos científicos pesquisados,
de 2013 a 2015 na base de dados PEPSIC, buscando aliar os conceitos trazidos pelos autores de
referência citados ao contexto atual.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Desenvolvimento

Complexo de Édipo e sua importância

A família é uma das instâncias que mais influencia o indivíduo durante seu desenvolvimento,
principalmente na fase inicial, desde o nascimento até a adolescência. Essa influencia é movida por
descobertas tanto de si próprio quanto do mundo ao seu redor. Durante os primeiros anos de vida
a criança é exposta a situações que serviram para moldar a sua personalidade e, por conseguinte
o adulto que virá a ser. Segundo Laplanche e Pontales (1992), o complexo de Édipo funciona
como parâmetro para a estruturação da personalidade e na orientação do desejo humano, ele é
o principal aspecto observado para saber a causa de uma psicopatologia.
Segundo os estudos de Freud, fundador da psicanálise, o complexo de Édipo é uma fase
universal, ou seja, que todos passam na sua infância na qual há uma relação de amor e ódio de
conhecimento e reconhecimento. É quando a criança tem três ou cinco anos que os pais começam
a se afastar e neste momento ele percebe que entre a mãe e o pai há uma relação diferente, desse
modo ele tenta reaver a intimidade que antes tinha com mãe, assim ele ver o pai como inimigo e
quer tomar o lugar deste. Nesse interim a criança, se for menino, sente que o pai é o que afasta
a mãe dele, assim criando um sentimento de repulsa em relação ao pai por querer a mãe. “O
complexo de Édipo ocorre quando a criança está atravessando a fase fálica, ou seja, quando
descobre que ao atingir três anos de idade passa a ser alvo de varias proibições que para ele eram
desconhecidas.” (Martins, 2002).

Papel do pai no desenvolvimento infantil sexual

As proibições derivam da fase genital no qual o local que propicia o prazer é o seu próprio
órgão genital. “O menino revela seu interesse por seus órgãos genitais com o comportamento de
manipulação do mesmo. Logo, descobre que os adultos reprovam tal comportamento à medida
que inferem a ele uma punição – a castração.” (Martins, 2013). A partir da ameaça de castração
é que o completo de Édipo é dissolvido, com os desejos pela mãe reprimidos ao inconsciente e a
identificação com o pai começa a ser o principal foco da criança.
No período entre os desejos incestuoso do menino pela mãe, o pai tem a função de colocar
limites, reconhecendo e aceitando as diferenças, realizando a passagem do prazer para o desprazer
habituando à criança a realidade regida por normas tanto da família quanto da sociedade me
geral. São estas ações que originam as frustrações que estimulam as funções do ego e formam a
capacidade de pensar (Nasio, 2007).

Caso do Homem dos Ratos

Tendo em vista os conceitos que envolvem a definição de complexo de Édipo, pode-se ter
uma compreensão mais abrangente da importância da função paterna no caso do homem dos
ratos, uma analise clinica feita por Freud sobre neurose obsessiva. No caso, Freud recebe um
cliente que se queixa de ideias obsessivas das quais fora intensificada por um episodio que ele
ouviu sobre tal tortura com ratos. Durante a associação livre com o rapaz, constatou-se que a sua
infância foi marcada por uma intensa atividade sexual, ocasionando em ideias reprimidas desde
cedo, as quais deram origem a pensamentos obsessivos sobre seu pai. Para o paciente o pai no
período da consulta, estava vivo, entretanto tinha morrido há 9 anos.
Foi na época de criança que começou a manifestar algumas ideias obsessivas, que tiveram
origem nos sentimentos reprimidos pelo pai na primeira infância, que geraram um sentimento
intenso de amor contrastando com a raiva. Segundo Freud ( 1909/1977)

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1209


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Por um lado, então, alguma conexão dessa espécie deve estar mantendo vivo seu ódio pelo
pai, ao passo que, por outro lado, o seu intenso amor o impedia de tornar-se consciente.
Por conseguinte, nada restou para ele, a não ser existir no inconsciente, embora fosse, vez ou
outra, capaz de irradiar-se, por instantes, para dentro da consciência (p. 105).

Foi por meio desses desejos reprimidos no inconsciente que o paciente desenvolveu sua doença,
que Freud analisou ter ligação direta com os acontecimentos durante o complexo de Édipo.

Função do pai da infância de Hans

A função do pai no Homem dos Ratos durante a infância foi de um repressor que era visto
com temor pelo filho. Era duramente reprendido pelas suas práticas, um acontecimento que Freud
determinou como o início da neurose, foi que quando criança tinha desejos de ver as mulheres
nuas, e pensava que se imaginasse sobre isso seu pai morreria. Criou-se assim uma relação de
causa e efeito o que fez o desejo sexual ser reprimido. Dessa forma, havia um sentimento de raiva
que nutria a vontade de que o pai morresse, mesmo que o paciente afirmasse que amava seu pai e
nunca quis que nada de mal acontecesse com ele. “foi precisamente a intensidade de seu amor que
não permitiu que seu ódio - embora dar este nome fosse caricaturar o sentimento - permanecesse
consciente.”(Freud, 1909/1977,p.105)
Outras participações do pai na infância do paciente foram às censuras sobre as
masturbações que o filho fazia.

Partindo dessas indicações e de outros dados de natureza semelhante, arrisquei-me a


apresentar uma construção segundo a qual ele, quando criança de menos de seis anos, fora
culpado por alguma má conduta relacionada com a masturbação, tendo sido duramente
castigado por seu pai, por isso. Essa punição, consoante minha hipótese, pusera, era
verdade, um fim em sua masturbação; contudo, por outro lado, deixara atrás de si um
rancor inextinguível pelo seu pai e o fixara para sempre em seu papel de perturbador do gozo
sexual do paciente. (Freud, 1909/1977,p.118)

Esse sentimento de ódio repercutiu na formação do caráter do paciente, pois depois do


acontecimento descrito acima ele passou a ter uma atitude medrosa “também atribuiu a essa
experiência parte da mudança que ocorreu em seu próprio caráter. A partir daquela época, tornou-
se um covarde, por medo da violência de sua própria raiva. Aliás, por toda a sua vida, teve terrível
medo de pancadas, e costumava agachar-se e esconder-se, cheio de terror e indignação, quando
um de seus irmãos ou irmãs era espancado”( Freud, 1909\1977, P. 118).

Conclusão

Durante o crescimento e amadurecimento da criança os pais, em especial do pai, exercem


fundamental importância, pegando como exemplo o caso do Homem dos Ratos pode-se perceber
de que forma isso pode acentuar ou amenizar o desenvolvimento de uma psicopatologia. A partir
de um comportamento de repressão junto com a iniciação cedo demais da sexualidade o paciente
de Freud teve que conviver com sintomas obsessivos compulsivos.
Diante dessas considerações, este trabalho conclui que a figura do pai no desenvolvimento
infantil para a formação a personalidade é de suma importância, pois se a criança passar de
forma saudável é grande a probabilidade da mesma crescer e se desenvolver sem transtornos
psicológicos que influenciaram por toda a vida.

1210  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Referências

Fonseca, D. S. J. J. (2002). A metodologia da pesquisa científica. Recuperado de http://leg.ufpi.


br/subsitefiles/lapnex/arquivos/files/apostila__metodologia_da_pesquisa(1).pdf. p. 32

Laplanche, J., & Pontalis, J. B. (1992). Vocabulário da psicanálise, (P. Tamen, trad.) São Paulo: Martins
Fontes.

Martins, F. (2002). O complexo de Édipo. Brasília. Editora Universidade de Brasília.

Nasio, J. D. (2007). Édipo: o complexo do qual nenhuma criança pode escapar. Zahar.

Rosa, C. D. (2010). O pai e a integração da instintualidade. Winnicott e- prints, 5(2), 1-20.


Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-432X20100
00200001&lng=pt&tlng=pt.

Sigmund, F. (1977). Duas Histórias Clínicas (J. Salomão, Trad.) Rio de Janeiro: Iamgo (Obra original
publicada em 1909)

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1211


NO ONTEXTO BRASILEIRO
IMPLICAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS
NO ADOLESCENTE VÍTIMA DE CYBERBULLYING
Leilyssa Layane da Costa Penha
Milena Bezerra de Sousa Falcão

Introdução

V
ivemos na era digital, onde há uma grande influência do célere desenvolvimento
dos meios de comunicação no âmbito social. O uso de dispositivos tecnológicos
– que visam à troca de informações com mais agilidade – tornou-se algo quase
indispensável no mundo e muito atrativo principalmente para os adolescentes. Estefenon e
Eisenstein (2011) também citam que esse mundo virtual é visto pelos adolescentes como mais
interessante, pois está repleto de aventuras e oportunidades. O ciberespaço proporciona uma
gama extensa de conteúdos, onde se é possível selecionar o site ideal, um canal específico ou
uma rede social de preferência que se encaixe no que se quer transmitir e para quem no tempo
escolhido. O anonimato, a fácil utilização e as diferentes atividades realizadas nesse ambiente
virtual, junto com impulsividade e a vontade de conhecer tudo dos adolescentes, pode acarretar a
sensação de que se pode fazer tudo ignorando os limites do mundo real, levando-os a se exporem
de maneira excessiva e ficarem vulneráveis a riscos (Gonçalves & Nuernberg, 2012).
Não se pode negar que a internet proporciona uma série de benefícios para o usuário.
Mas, ao mesmo tempo em que a internet contribui de maneira positiva, ela também oferece
riscos. Dentre os riscos que os adolescentes podem ser expostos estão o cyberbullying, a perda
de privacidade, a pedofilia e material pornográfico (Estefenon & Eisenstein, 2011). Além disso,
Gonçalves e Nuernberg (2012) citam o distanciamento do convívio social real, as várias horas
conectadas que podem ser sinais de dependência, e a exposição excessiva da intimidade. Com isso,
a violência que antes se continha ao espaço físico, passou a se manifestar também virtualmente
por meio de agressões morais. É no contexto dessa transição da infância para a adolescência,
que manifestações de violência repercutem de maneira negativa no desenvolvimento saudável de
crianças e adolescentes.
O bullying e cyberbullying são fenômenos presentes principalmente durante essa fase e pode ser
considerado um problema social que atinge várias culturas pelo mundo. Vale ressaltar que bullying
pode ocorrer em diversos âmbitos sociais e em diferentes faixas etárias, sendo mais frequente
em escolas, tantos públicas como privadas, e entre crianças e adolescentes (Maldonado, 2011).
Segundo Rodeghiero (2012), o bullying não pode ser visto como um fenômeno restrito ao ambiente
escolar, como até então era relacionado. Este pode aparecer em várias relações interpessoais, como
em relacionamentos românticos, familiares ou profissionais que apresentem um comportamento
agressivo, repetitivo, proposital e com intenção de magoar, intimidar e ferir o outro.
O cyberbullying apresenta-se como uma forma de agressão praticada no ambiente virtual,
sendo um ato de agressão moral intencional que visa prejudicar e denegrir a imagem pública

1212  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de alguém, através de insultos e difamação, causando consequências de cunho psicológico,
tais como afetar a autoestima da pessoa e em alguns casos incitar ao suicídio. A prática do
cyberbullying pode se dar por meio do uso de telefones celulares, internet, e-mails ou quaisquer
outros meios de comunicação, onde a vítima recebe mensagens de assédio, conteúdos
difamatórios, comentários ofensivos em redes sociais ou quando tem conteúdos de cunho
pessoal, como imagens e vídeos comprometedores, divulgados sem permissão (Maldonado,
2011). Valle (2011) destaca:

As ameaças, nessa modalidade chamada de cyberbullying, ocorrem através de e-mails,


mensagens ameaçadoras e depreciativas da moral, do corpo, do modo de ser, de se vestir, ou
de se comportar de alguém, com fotos da vitima em torpedos e em sites de relacionamentos
associados a textos depreciativos e constrangedores, demolidores, a respeito da vitima (p 17).

Apesar de o cyberbullying ser uma forma de manifestação do bullying na rede virtual, esses
fenômenos apresentam características peculiares que os diferem, tornando o primeiro, por vezes,
mais danoso. As principais diferenças encontram-se no conceito de repetição do ato, onde um
só ato já é suficiente; rapidez na transmissão das informações e a amplitude da audiência; o
caráter de permanência da informação no ambiente virtual; o anonimato do agressor; o caráter
atemporal e sem lugar específico para se manifestar.
De acordo com Wendt e Lisboa (2013), pesquisar sobre o cyberbullying e a relação da
influência do universo online sobre os aspectos subjetivos e emocionais das novas gerações de
crianças e adolescentes, se torna relevante, pois tal fenômeno representa um desafio cotidiano
não apenas para os profissionais da Educação e Saúde, como também para os responsáveis pela
criação de políticas públicas. De tal maneira, fica evidente a relevância de mais estudos sobre a
complexidade do processo de cyber agressão em diferentes culturas, com o intuito de aprofundar
o conhecimento sobre os impactos precisos e as formas de enfrentá-lo.

Método

O presente trabalho objetivou realizar um levantamento sobre o fenômeno do cyberbullying,


com a finalidade de destacar as consequências do mesmo na fase da adolescência. Para este fim,
foi realizada uma revisão de literatura do tipo narrativa com abordagem qualitativa de caráter
exploratório sobre as produções científicas acerca do tema em questão.
Como define Matias-Pereira (2012, p. 86), a revisão de literatura é “[...] abordagem
utilizada para conhecer as contribuições científicas sobre determinado assunto, tendo como
objetivo recolher, analisar e interpretar as contribuições teóricas já existentes sobre determinado
assunto”. Ou seja, optou-se por trabalhar com dados secundários que são aqueles dados pré-
existentes obtidos por outros pesquisadores. Gil (2002) assevera que a revisão de literatura
permite ao investigador a vantagem de uma gama maior de fenômenos do que a pesquisa realizada
diretamente.
Para o estudo foram adotados os seguintes passos: primeiramente foi realizado uma busca
nos portais Scielo – Scientific Eletronic Library Online, PePSIC – Periódicos Eletrônicos de Psicologia,
BVS - Biblioteca Virtual em Saúde, BDTD - Banco de Teses e Dissertações, e no Google Acadêmico.
Foram utilizados os seguintes descritores: ‘bullying’, ‘bullying virtual’, ‘cyberbullying’, ‘consequências’
e ‘adolescência’. Em seguida, esses termos foram relacionados às palavras ‘bullying e cyberbullying’,
‘cyberbullying e consequências’ e ‘cyberbullying, consequências e adolescência. A escolha dos
descritores se deu com base na proposta da pesquisa, onde se procurou utilizar apenas os que
fossem de maior relevância.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1213


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Durante as buscas foram utilizados como critérios de inclusão os trabalhos científicos
empíricos e teóricos, publicados em revistas cientificas ou apresentados em congressos, disponíveis
em língua portuguesa, publicados no período entre 2000 a 2016, assim como teses, dissertações
e livros dentro do mesmo período citado. Os critérios de exclusão foram às publicações em língua
estrangeira, artigos repetidos, fora do período mencionado e que fugissem do tema proposto.
Não se optou em restringir a busca por artigos apenas na área da Psicologia, visto que o objetivo
não é dar ênfase apenas a essa área, mas buscar uma reflexão acerca da temática. Por ultimo,
realizou-se a leitura na íntegra dos artigos escolhidos, atentando para o conteúdo, verificando a
forma que a temática foi desenvolvida e a relevância dos mesmos para o que se pretende abordar,
destacando as partes principais de cada um. Os dados foram coletados e selecionados por um
dos pesquisadores.

Resultados

Os episódios de bullying e cyberbullying apresentam sempre três personagens: a vítima são


aquelas que sofrem a agressão; o agressor, bullis e cyberbullis, aqueles que praticam a violência
contra seus pares em busca de poder e reconhecimento; e o espectador, são aqueles que não
participam diretamente das agressões, se omitem, apenas observam e não tomam atitudes em
prol da vítima.
Tognetta e Bozza (2012) realizaram estudo com 63 estudantes de 14 anos das escolas
públicas da cidade de Campinas-SP, com o intuito de averiguar os sentimentos sentidos durante
o ato da agressão nos papeis envolvidos na cyber vitimização e as representações que estes tem
de si. Da amostra, constatou-se que 40% já foram vítimas, desses, 65% disseram terem sido alvos
uma vez, 15% de duas a três vezes e 20% mais de uma vez. Em relação aos autores, 16% disseram
já terem intimidado alguém virtualmente, sendo que 25% desses disseram ter feito apenas uma
vez, 12% de duas a três vezes, 25% de quatro a dez vezes, e 38% disseram terem insultado mais de
dez vezes. Entre aqueles se identificaram como autores de cyberbullying, 46% disseram ter sentido
“satisfação” ao praticarem o ato, 27% acharam justo, e 19% demostraram sentimento de vingança.
Quando esses no papel de espectadores, 25% acharam graça da situação, 25% sentiram pena da
vítima e 50% disseram que ela merecia estar naquela situação. Assim, os atores averiguaram que
os cyberbullis normalmente sentem prazer com o sofrimento que infligem seguros na crença que o
outro fez por merecer estar naquela situação, demostrando carecer de uma sensibilidade moral ao
não aderirem valores éticos em suas representações de si (Tognetta & Bozza, 2012).
O estudo também averiguou o sentimento expressado pelas vitimas durante a agressão
no contexto virtual, 34% dos estudantes vítimas disseram ter sentido raiva, 13% sentiram-se
“revoltados” e 6% mostraram-se indignados. Quando perguntados sobre o que achavam da
mesma violência infligida a outras pessoas conhecidas, 30% responderam que eles mereceram
demostrando concordar com as agressões. Essa atitude pode ser explicada pela representação
que as vítimas têm de si, onde elas se veem como inferiores e sem valor, interiorizando a crença
de que quem é vítima merece sofrer. Em relação aqueles que assumem o papel de espectadores,
tendo sofrido ou praticado cyberbullying, são os que mais apresentam sentimentos de indignação
e revolta. Desses, 38% evidenciaram o sentimento de indignação e 24% responderam sentir pena
(Tognetta & Bozza, 2012).
Em uma pesquisa realizada por Bandeira e Hutz (2010), com 465 adolescentes estudantes
de duas escolas públicas e uma privada na cidade de Porto Alegre – RS, sendo 52,7% do sexo
masculino e 47,3% do sexo feminino, constatou-se níveis de autoestima diferentes entre meninas
e meninos em diferentes papeis envolvidos no bullying. Na pesquisa, meninas vítimas-agressoras
apresentaram níveis mais baixos de autoestima que os meninos. Os autores explicam esta

1214  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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diferença nos fatores que influenciam a autoestima para cada sexo. As meninas têm a autoestima
fortemente influenciada pelos relacionamentos e integração social, já nos meninos é influenciada
pelos seus feitos pessoais. A mesma pesquisa revelou que nos meninos os níveis mais baixos de
autoestima estão relacionados ao papel de vítima, e que dentro dos grupos dos papeis do bullying,
o de vítima-agressor apresenta os índices mais baixos.
A depressão aparece como uma psicopatologia associada ao cyberbullying. De acordo com
estudo citado anteriormente, realizado por Wendt (2012) na região Sul do Brasil, com uma amostra
de 367 adolescentes, verificou-se que vítima-agressores de cyberbullying demostram maiores índices
de sintomas depressivos. Eles ainda trazem que a depressão pode potencializar o envolvimento
com episódios de cyberbullying, seja como meio de retaliação ou pelo fato de passarem mais tempo
na frente do computador – em decorrência da psicopatologia, o que leva ao isolamento – assim
ficando mais propícias às agressões online. No estudo, averiguou-se que a depressão aumenta
2,70 vezes a chance de envolvimento com o fenômeno. Bottino, Santos, Martins e Regina (2015)
relatam que os sentimentos de desemparo, insegurança e impotência para se defenderem dos
ataques do cyberbullying contribuem para o aumento da sensação de medo e sofrimento emocional,
colaborando para o aparecimento de sintomas depressivos.
Adolescentes vítimas do cyberbullying podem estar mais propensos a tentativas de suicídio do
que aqueles que não estão envolvidos com a agressão virtual (Wendt & Lisboa, 2013). Tanto as
vítimas como os agressores apresentam duas vezes mais chances de realizar tentativas de suicídio
do que os adolescentes que não estão envolvidos com cyber vitimização (Bottino, Santos, Martins
& Regina, 2015). Vale (2011) pontua que o cyberbullying não é o causador direto da ideação ou do
suicido, mas que este fenômeno junto a outros fatores pode contribuir para esses acontecimentos.
A depressão pode aparecer como mediador nessa situação.
Bottino et al. (2015) discorrem que adolescentes envolvidos com o fenômeno podem
apresentar estados psicológicos negativos, levando-os a fazer uso de substâncias químicas para
lidar com sentimentos. Assim, o abuso de substâncias aparece associado ao fenômeno da cyber
agressão, podendo encorajar adolescentes com ideação suicida, inibir e exacerbar humores
negativos, além de contribuir para atos autodestruitivos ou de automutilação.
Vítimas de cyber vitimização podem apresentar quadros de estresse pós-traumático, como
coloca Maldonado (2011):

Em casos extremos, quando a pessoa já apresenta antecedentes de vulnerabilidade


emocional, isso pode resultar na síndrome do estresse pós-traumático, a pessoa mergulha
em um estado de angustia crônica, em que as cenas mais traumáticas permanecem nítidas
na memoria, trazendo de volta as sensações físicas e emocionais de desconforto, medo,
insegurança e desamparo (p. 35).

As vítimas de cyberbullying costumam passar por um grande estresse emocional, que pode
resultar em diversos sintomas psicossomáticos, tais como perda e ganho de peso, enxaqueca, dor
abdominal, insônia, sudorese, distúrbios do sono, apatia, perda de apetite etc. O desempenho
na escola também é afetado, prejudicando o rendimento e contribuindo para a evasão (Rondina,
Moura & Carvalho, 2016).
Rondina, Moura e Carvalho (2016) enfatizam que grande parte do impacto psicológico
da cyber agressão recai para aqueles que assumem o papel de vítimas-agressor, e esse fato traz
impactos ao fato de que aproximadamente 25% das vítimas não procuram ajuda especializada.
Wendt e Lisboa (2013) relacionam a não procura por ajuda ao fato dos adolescentes terem
medo de serem privados de certos privilégios, como o uso dos celulares ou a restrição ao acesso
a internet. Os autores destacam que as crianças e adolescentes que recebem supervisão dos
pais enquanto navegam na internet ou que recebem orientações sobre o uso das tecnologias,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1215


NO ONTEXTO BRASILEIRO
têm menores chances de apresentarem comportamentos de risco, mostrando a importância do
monitoramento dos pais e uma comunicação mais efetiva entre estes e seus filhos.

Discussão

Diante do mundo globalizado ao qual vivemos, a cada dia surgem novas tecnologias de
comunicação e informação que transformam a maneira com que os indivíduos interagem
socialmente. As tecnologias estão demasiadamente presentes na vida das pessoas e passam a
influenciar diretamente nos relacionamentos interpessoais, na construção da identidade dos
indivíduos, nas formas de aprendizagem, em novos comportamentos, no desenvolvimento como
um todo e, por conseguinte, nas violências deferidas aos pares, como o cyberbullying.
Podemos observar a partir dos estudos encontrados que o cyberbullying pode ter um impacto
considerável na autoestima dos adolescentes. A autoestima pode ser considerada como a percepção
positiva que o indivíduo tem de si mesmo a partir das atitudes que ele tem consigo e na crença
de suas capacidades e habilidades. Ela é constituída no decorrer da vida, sendo influenciada pela
maneira como os outros enxergam um ao outro. Ter autoestima num grau positivo é fundamental
para o desenvolvimento saudável dos adolescentes, estando ela relacionada à saúde metal e ao
bem estar psicológico. Ela também está diretamente relacionada à aprovação e status social.
Adolescentes que apresentam uma boa autoestima são mais persistentes, fazem mais progressos
diante das dificuldades e estabelecem relações sociais com mais facilidade. Já os que apresentam
carência de autoestima têm dificuldades no desenvolvimento de habilidades sociais e estão mais
propensos a apresentarem sintomas de depressão e ideação suicida (Bandeira & Hutz, 2010).
Constatou-se que meninas vitimas-agressoras apresentam índices menores de autoestima, e que
os meninos apresentam a autoestima inferior no papel de vítima (Bandeira & Hutz, 2010).
A depressão aparece associada à agressão online, sendo ela uma consequência advinda
ou uma predisposição do envolvimento com esta. As vítimas e vítimas-agressoras têm maiores
chances de apresentarem sintomas depressivos do que os sujeitos não envolvidos no cyberbullying.
A depressão pode aumentar em 2,70 vezes a chance de envolvimento com cyber agressão (Wendt
e Lisboa, 2014). Bottino et al. (2015) mencionam que os adolescentes deprimidos são mais
propensos a perceberem uma situação como ameaçadora devido às alterações cognitivas e do
humor depressivo, que em conjunto com a ausência de pistas sociais nas interações online, alteram
sua percepção e resultam em interpretações negativas.
Outro fenômeno que parece estar relacionado com as agressões do bullying e cyberbullying é
o comportamento suicida. O comportamento suicida pode ser divido em três conceitos: ideação
suicida, tentativa de suicídio e o suicídio consumado. A ideação suicida caracteriza-se por ideias,
pensamentos e planos acerca da morte do próprio sujeito. A tentativa de suicídio seria o ato com
o intuito de por fim à vida; e o suicídio consumado é quando o ato colocado em ação resulta na
morte do sujeito. As pessoas que recorrem a essa ação se encontram em situação de sofrimento
intenso e angústia insuportável, onde não conseguem enxergar estratégias para amenizar seu
sofrimento, e assim veem no suicídio uma forma de libertação desesperada para a situação de dor
intolerável ao qual estão (De Faria, 2015). A investigação constatou que os adolescentes, tanto
vítimas como agressores apresentam duas vezes mais chances de realizar tentativas de suicídio do
que os adolescentes que não estão envolvidos com o cyber vitimização (Bottino et al., 2015).
Adolescentes envolvidos com o fenômeno do cyberbullying têm maiores chances de fazerem uso
de substâncias psicoativas, terem comportamentos autodestrutivos (Id.) e apresentarem sintomas de
estresse pós-traumático (Maldonado, 2011). As vítimas podem desenvolver sintomas psicossomáticos
e apresentarem um menor desempenho escolar (Rondina, Moura & Carvalho, 2016).
Os resultados obtidos permitem constatar que o fenômeno da vitimização online pode
acarretar em prejuízos sérios a níveis biopsicossociais que podem se prolongar durante anos no

1216  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
desenvolvimento dos envolvidos, tendo um impacto significativamente negativo nas crenças e
no comportamento dos jovens. Conclui-se que as pessoas reagem de maneiras diferentes aos
ataques, tanto do bullying como do cyberbullying, e que isso se deve às suas interpretações pessoais
e características próprias, podendo assim adotar medidas drásticas para dar fim a uma situação
de sofrimento ou encontrar estratégias de enfrentamento e fortalecimento de suas habilidades.
Desta forma, a revisão aqui presente não tem o intuito de encerrar a investigação sobre o
assunto, haja vista a finalidade de produzir uma discussão e chamar atenção para a complexidade
do fenômeno do cyberbullying hodiernamente. Vale salientar a escassez de estudos sobre a temática
disponíveis em literatura na América Latina, mais especificamente no Brasil, o que aponta a
relevância de mais investigações sobre a agressão virtual nos diferentes contextos culturais,
buscando compreender os aspectos que o envolvem em sua totalidade, para que assim sejam
desenvolvidas medidas mais efetivas de proteção e prevenção, como também um conhecimento
mais específico das repercussões desse processo.
Diante disso, as repercussões do cyberbullying representam desafios cotidianos que são
impostos a toda a sociedade, o que salienta a importância que pais, educadores, instituições de
ensino, profissionais da saúde e responsáveis pelas políticas públicas estejam conscientes sobre
os benefícios e os riscos do uso das tecnologias pelos jovens, assim sendo, serão mais capazes
de desenvolver medidas e propostas de intervenção eficazes. Destaca-se a significância de
conscientizar os jovens sobre o uso abusivo das mídias sociais, ajudá-los a desenvolver estratégias
de autoproteção que visam prevenir o envolvimento com cyberbullying e esclarecer as consequências
dos seus atos, tanto na realidade quanto no âmbito virtual.
É valido destacar que a violência entre pares não se restringe somente ao espaço virtual,
assim, é importante pensar em intervenções juntos as crianças e jovens que busquem discutir a
violência de modo geral, como rodas de conversas, debates e palestras dentro do âmbito escolar
que se propusessem a discutir a temática. O treinamento das habilidades sociais dos jovens que
promovam o relacionamento entre pares, ajustamento e asserção mostra-se importante para o
desenvolvimento saudável e trás consequências positivas nas relações interpessoais. Diante disso,
grupos e oficinas que busquem treinar as habilidades sociais dos jovens poderiam ser úteis para
prevenir futuros comportamentos disfuncionais como os do cyberbullying. Um exemplo poderia ser
oficinas de habilidades que abordassem as diferenças entre as pessoas propondo-se a melhorar
a aceitação do diferente e oficinas que estimulem o trabalho em grupo, assim melhorando o
relacionamento entre os pares tanto no ambiente virtual como no real.
Com efeito, mostra-se eficaz medidas a nível comunitário que busquem a criação de espaços
de discussão sobre a problemática. Em suma, cabe à sociedade buscar de maneira sistemática
mudanças em relação às atitudes em torno da aceitação das diferenças e do respeito ao próximo,
para que dessa forma evitem comportamentos de violência como o cyberbullying.

Referências

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1218  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
QUESTÃO SOCIAL, PROCESSOS SOCIAIS, CUIDADO
E NEGLIGÊNCIA PARENTAL INFANTIL
Hivana Raelcia Rosa da Fonseca

Introdução

O
objetivo desse artigo é discutir a negligência parental infantil na atualidade,
relacionando esse fenômeno às expressões da questão social e aos processos sociais
e culturais que atravessam as famílias na atualidade. Trata-se de um ensaio teórico
fundamentado na literatura sobre questão social, parentalidade e negligência.
A família é o lugar potencialmente mais protetivo, entretanto nem sempre o cuidado ofertado
é adequado ao desenvolvimento de seus membros. Em muitas circunstâncias esse cenário que
deveria ser de proteção, acaba sendo perpassado por diversos tipos de violência, especialmente
contra aqueles que são vulneráveis, como é o caso das crianças e adolescentes.
Um dos tipos de violência que pode atravessar o contexto familiar é chamada de negligência
parental que refere-se a eventos isolados ou padrões de comportamentos negligentes no âmbito
da parentalidade, ou seja, no cuidado exercido pelos progenitores, pais ou cuidadores em relação
a seus filhos (Pasian, 2015).
O cuidado parental repousa em elementos socioculturais. Nesse sentido, Harkness et al.
(2007) salientam que inicialmente se tem uma cultura com modelos implícitos para o exercício
da parentalidade, ou seja, diversos elementos considerados adequados e melhores para cuidar de
uma criança. É nesse contexto e a partir desses modelos que vão surgir as crenças específicas dos
pais que filtram e elegem aquilo que faz sentido diretamente em sua família. Essas crenças sobre
desenvolvimento, sobre práticas, consequências e etc, são mediadas por fatores intervenientes,
tais como as características dos pais, das crianças e aspectos culturais. A partir disso surgem
as práticas propriamente ditas, tanto no que se refere a estruturação do ambiente, interações e
organização das atividades diárias. O resultado, por fim, incide diretamente no desenvolvimento
das crianças e adolescentes, bem como em todo o funcionamento familiar.
O contexto oferecido pela família para as crianças e adolescentes será fundamental para seu
desenvolvimento saudável. Do mesmo modo, quando um cuidado adequado não é disponibilizado
às crianças e adolescentes, isso pode ter consequências negativas a seu desenvolvimento. A atenção
que a literatura tem dado a parentalidade ocorre em virtude justamente do quão importante e
impactante é o modo de cuidar e socializar que se estabelece na família.
Muitas vezes, a família não consegue proporcionar às crianças um contexto adequado ao
seu desenvolvimento. As crianças e adolescentes são as maiores vítimas da violência intrafamiliar,
sendo a negligência a mais notificada. É um tipo de violência que pode ter consequências diversas
para o desenvolvimento de crianças e adolescentes (Pasian, 2015).
Outro aspecto comumente associado à negligência parental refere-se ao contexto das
famílias identificadas como negligente. De modo geral, tem uma vida marcada por inúmeras

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1219


NO ONTEXTO BRASILEIRO
vulnerabilidades e situações de risco. Destarte, torna-se importante observar a negligência a partir
de toda a complexidade que é a vida familiar, sua organização, dinâmica e os recursos de cuidado
dos quais dispõe.

Desenvolvimento

Expressões da Questão Social no Cuidado com as Crianças

A Questão Social pode ser definida como “expressão das desigualdades sociais oriundas do
modo de produção capitalista” (Santos, 2012, p. 17). Ainda que autores como Castel (1998) e
Rosanvallon (1995) defendam que essa questão social tenha sido superada e atualmente existe
uma nova questão social, entende-se que as expressões das desigualdades tem se transformado,
amplificado, mas não foram, em nenhuma medida, superadas. Corroborando essa ideia, Pastorini
(2010) salienta que existem várias expressões e versões da questão social e, apesar de terem sido
dadas diversas respostas a ela, os elementos básicos que a definem se mantem na atualidade.
Dentre as várias expressões da questão social, a pobreza atravessa a vida de muitas famílias.
O pauperismo aliado a outras expressões, tais como não inserção ou inserção precarizada por
parte dos responsáveis familiares no mercado de trabalho, além de elementos fragilizados nas
próprias Políticas Sociais, que deveriam favorecer o enfrentamento da questão social.
De modo geral, é grande o número de famílias que tem que enfrentar as expressões da
questão social em seu cotidiano e, nesse contexto, ainda produzir um cuidado que responda
suficientemente às demandas desenvolvimentais das crianças e adolescentes.
A pobreza afeta a organização e dinâmica familiar e, consequentemente, impacta sobre
o desenvolvimento das crianças e adolescentes. Sem dúvidas, o cuidado parental acaba sendo
impactado pelo estresse oriundo de todo esse contexto. Conforme explicita Koller, De Antoni e
Carpena (2012), a pobreza é um fator que pode afetar a capacidade de cuidado das famílias.
A própria noção de cuidado pode ser construída com base em elementos culturais específicos
e não atendam adequadamente aquilo que efetivamente as crianças precisam. É importante ainda
salientar que a construção da parentalidade é feita caucada em diversos elementos culturais,
familiares e individuais.
Apesar de não estar relacionada à pobreza, as situações de violência contra as crianças são
geralmente notificadas em famílias pobres. Por um lado pode-se pensar que essa fragilização
dos recursos protetivos advindos das expressões da questão social pode resultar em situações de
violação de direitos. Por outro lado, historicamente as famílias pobres são rotuladas de incapazes
e desqualificadas em suas funções protetivas.
Destarte, discutir o cuidado familiar e a negligência parental em famílias pobres requer
o cuidado contínuo com a compreensão do que seja uma violação de direitos cometida pelas
famílias daquelas violações que atravessam toda a família, inclusive as crianças e adolescentes.
Já há bastante tempo que autores como Volic e Baptista (2005) salientam a necessidade de
mais estudos acerca da negligência. A avaliação das situações de negligência pode ser perpassada
por subjetivismo que rotulam e violam os direitos e os vínculos familiares. Nesse sentido, as autoras
ratificam a importância de uma contextualização daquilo que está sendo nomeado de negligência
a fim de que sejam destacados os elementos reais que denotam as práticas negligentes.
A negligência inclui, segundo a Organização Mundial de Saúde, eventos isolados ou um
padrão de cuidado estável no tempo, por parte dos pais ou outros membros da família, que
deixam de prover o desenvolvimento e bem estar para criança, quando teriam recursos e
condições de fazê-lo. Esse aspecto pode ser observado em uma ou mais áreas: saúde, educação,
desenvolvimento emocional, nutrição, abrigo e condições seguras (World Health Organization –
WHO & International Society For Prevention Of Child Abuse And Neglect - ISPCAN, 2006).

1220  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Corroborando esse conceito, Paisan (2015, p.667) define que

a negligência se configura quando os pais, frequentemente, não têm vontade/disposição


ou capacidade psicológica requerida para cuidar da criança e, dessa forma, acabam
respondendo inadequadamente às necessidades de seus filhos e não demandam ou não
conseguem aproveitar da ajuda de outras pessoas que poderiam/deveriam ajudar.

Os efeitos da negligência podem ser graves e prejudiciais ao desenvolvimento infantil. Os


efeitos deletérios se dão a curto, médio e longo prazo: há a privação daquele cuidado específico,
o trauma e a marca que pode deixar e ainda seus efeitos na vida posterior que podem se refletir em
problemas e dificuldades diversas tanto para as crianças como para a sociedade (Pasian, 2015;
Pasian et al., 2013; Pfeiffer, Rosário & Cat, 2011). A negligência ocorre quando a criança é privada
de algo essencial ao seu desenvolvimento, sendo assim pode se refletir desde na nutrição, em um
atraso global em seu desenvolvimento e mesmo na morte (Paisan, 2015).

Processos Sociais e Suporte Social

Paugam (2014) salienta que a população pobre comumente é desqualificada. Discutindo


sua categoria de “desqualificação social”, o autor explicita que esta é uma das formas possíveis de
relação que se estabelece entre aqueles nomeados pobres e o restante da sociedade. Essa relação
é definida, conforme o autor, a partir de cinco elementos: estigmatização, integração específica
na sociedade, inexistência de possibilidade de reação, heterogeneidade do grupo e as condições
históricas-sociais.
A partir dessa discussão de desqualificação social, é possível entender que as famílias pobres
já estabelecem processos sociais diferenciados que, em muitas situações é, nas palavras de Paugam
(2014, p. 76) “uma experiência humilhante”. E como pensar famílias pobres e consideradas
negligentes? Como a desqualificação social pode afetar seus contextos familiares e suas praticas
de cuidado?
A identificação de uma família com práticas negligentes precisa estar pautada em todo
um cuidado com o contexto social na qual a família está inserida. Vale salientar que, conforme
lembram Volic e Baptista (2005), não se configura negligência o não atendimento a demandas
das crianças em virtude da inexistência de recursos de cuidado.
A rotulação de uma família pobre como negligente, sem que haja efetivamente uma negligência
configurada, pode ter diversos efeitos em sua família e em sua sociabilidade. Por outro lado, não
se deve negligenciar a negligência, visto que a mesma tem efeitos nocivos no desenvolvimento e na
saúde das pessoas.
Compreender as práticas de modo contextualizados aos processos sociais que atravessa
as famílias é fundamental. Sendo assim, é importante identificar de que suporte social a família
dispõe e como lida com o mesmo.
Por suporte social entende-se “um sistema composto por pessoas suportivas que em
determinados contextos oferecem apoio instrumental e emocional ao indivíduo em suas diferentes
necessidades” (Rigotto, 2006, p. 7). O suporte social pode ser formal, quando propiciado pelas
instituições e profissionais, tais como os serviços de assistência social, saúde, educação, entre
outros, e pode também ser informal, que se compõe por indivíduos próximos que dão apoio, a
exemplo dos familiares, vizinhos e da comunidade em geral.
Contar com uma rede de suporte é bem importante para as famílias, especialmente em
situação de vulnerabilidade e pobreza. Quando se pensa especificamente no cuidado com os
filhos, poder contar com ajuda pode fazer toda a diferença.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1221


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Atualmente tem se percebido que as famílias estão cada vez mais nuclearizadas e reduzidas e
isso por vezes pode limitar a rede de suporte social para o cuidado com as famílias. A sobrecarga
advinda da luta pela sobrevivência, o estresse gerado pela pobreza e diversas outras demandas que
atravessam as famílias brasileiras podem repercutir na qualidade do cuidado prestado às crianças
e adolescentes. Essa compreensão é destacada por Fávero (2007, p. 77)

A luta pela sobrevivência percorre o seu dia-a-dia, e sobrevivência não apenas no que se
refere às condições materiais, mas também afetivas. Estão fora dos processos organizativos
de sua comunidade, e mesmo não pertencem a nenhuma comunidade na medida em que
muitos não conseguem enraizar-se na cidade.

Sendo assim, as proporcionar um suporte às famílias pode favorecer um cuidado mais


adequado e prevenir situações de negligência. A inserção comunitária e o acesso aos serviços
públicos pode criar uma rede de suporte protetiva às famílias e, desse modo, ao desenvolvimento
das crianças e adolescentes.
Vicente (1988) salienta a importância da comunidade no apoio às famílias e também na
luta por equipamentos públicos. Desse modo, pode-se entender que a comunidade pode exercer
o suporte informal e também auxilia na articulação do suporte formal.

Conclusão

É necessário que se entenda efetivamente o que é a negligência e qual o contexto parental da


família. O suporte adequado ao enfrentamento das situações adversas que atravessam às famílias
pode favorecer práticas mais saudáveis de cuidado parental. O fortalecimento das funções
protetivas das famílias é essencial no cuidado e combate à negligência parental. Nesse sentido, as
Políticas Públicas podem ser importantes recursos de auxílio às famílias pobres e marcadas pelas
várias expressões da questão social.
É necessário salientar ainda que quando se trata de recursos protetivos, isso excede às
questões econômicas, sendo necessário uma atenção cuidadosa aos recursos psicossociais das
famílias. Os processos de sociabilidade, quando marcados pelas expressões da questão social,
também contribuem para a fragilização das famílias, tanto das relações intrafamiliares, como
das relações comunitárias. As acentuadas expressões da questão social na atualidade ratificam
a necessidade de respostas coerentes, articuladas e fundamentadas. Um conceito de negligência
que seja operacional e amplamente conhecido pelos atores do Sistema de Garantia de Direitos
das Crianças e Adolescentes é fundamental, a fim de que se caminhe para uma identificação mais
adequada das situações de negligência, bem como de um cuidado satisfatório com as famílias,
tanto no enfrentamento de situações com a negligência já instalada, como de modo preventivo.

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1223


NO ONTEXTO BRASILEIRO
EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL NA
PARENTALIDADE
Hivana Raelcia Rosa da Fonseca

Introdução

A
questão social se expressa de muitas formas no cotidiano das famílias. A pobreza, a
desigualdade, a fraca inserção no mercado de trabalho, entre outras expressões da
questão social afetam diretamente as famílias, sua organização e a dinâmica que
se estabelece.
Nesse contexto, é inevitável que as expressões da questão social afetem também o
desenvolvimento das funções parentais e implique diretamente no cuidado com as crianças e
adolescentes. A parentalidade, portanto, é afetada por todo o contexto, história de vida e inserção
social e cultural da família.
O objetivo desse trabalho é refletir acerca das expressões da questão social no cuidado
com crianças. Busca-se, através desse trabalho, contribuir com as reflexões acerca das expressões
da questão social e das consequências que tem em vários níveis de vida do sujeito, inclusive no
desenvolvimento das crianças e adolescentes.
Trata-se de um ensaio teórico fundamentado na literatura acerca da questão social, bem
como em referências acerca do desenvolvimento em contexto de vulnerabilidade. Inicialmente
serão feitas algumas discussões acerca da categoria questão social, a seguir será discutida como
se organiza a parentalidade no contexto da pobreza e desigualdade e feito alguns apontamentos
sobre resiliência e suporte social. Por fim, são tecidas algumas considerações acerca de toda essa
demanda e do enfrentamento necessário das expressões da questão social na atualidade.

Questão Social: conceitos e debates

As discussões sobre a questão social são extensas. Quanto a sua origem, os autores de modo
geral concordam que ela se constituiu a partir das desigualdades do modo de produção do sistema
capitalista (Behring & Boschetti, 2011; Pastorini, 2010; Santos, 2012).
Atualmente há um debate sobre a pertinência da questão social, como tradicionalmente é
entendida, ou se existe uma “nova questão social”. Autores como Rosanvallon (1998) e Castel
(1998) consideram que a questão social se transformou e que hoje existiria uma nova questão
social, uma vez que o ponto essencial de definição da questão social já foi superado pelo Estado
Providência.
Castel (1998) salienta que o problema atual seriam os supranumerários, uma vez que eles
não podem se inserir no mercado de trabalho, sendo assim inúteis para o mundo. Na percepção
desse autor, a questão social teria se transformado, não estando mais relacionada à exploração
do sistema capitalista, mas a exclusão de parte da população nesse sistema.

1224  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Para Rosanvallon (1998), a expressão questão social faz referência às desigualdades oriundas
da sociedade industrial e que a ‘nova’ questão social diferencia-se por já não se referir às mesmas
categorias de exploração do homem, mas advém especialmente da inadaptação dos modos de
gestão social dessas desigualdades.
Outro debate contemporâneo refere-se à existência de uma “questão social” ou de “questões
sociais”. Entende-se que a questão social é uma só: as desigualdades do sistema capitalista.
Entretanto, existem inúmeras expressões da questão social. Essas variadas expressões se alteram
ao longo do tempo, mas os traços essenciais remetem a uma única e mesma questão social.
Para fins desse trabalho, entende-se que a questão social permanece vinculada aos processos
de exploração subjacentes ao sistema capitalista. Além disso, entende-se que existe uma questão
social, ainda que se expresse de inúmeras formas. Corroboram-se as discussões de autores como
Pastorini (2010) que ratifica que “não se trata de uma ‘nova questão social’, uma vez que [...] os
traços essenciais da ‘questão social’ que tem sua origem no século XIX, estão vigentes” (p. 115).
Portanto, estando a questão social atrelada ao modo de produção capitalista e este continuando
vigente, não se pode dizer que se tenha uma “nova questão social” (Santos, 2012). Também autoras
como Behring e Boschetti (2011) salientam que ao longo do tempo as expressões da questão
social se transformaram, assim como as formas de enfrentamento, mas o cerne de desigualdade
é o mesmo.
Sendo assim, compartilha-se o conceito de questão social de Pastorini (2010, p. 141),
que a define como “um conjunto de problemas que dizem respeito à forma como os homens
se organizam para produzir e reproduzir num contexto histórico determinado, que tem suas
expressões na esfera da reprodução social”. No mesmo sentido, Santos (2012)
Behring e Boschetti (2011) ressaltam que a questão social implica nas condições de vida, de
cultura e produção de riquezas, ou seja, no processo de produção e reprodução da vida cotidiana.
Sendo assim, expressões da questão social como pobreza e desigualdade atravessa cotidianamente
a vida das pessoas e afetam suas condições e modos de existência.

Parentalidade em contexto de pobreza e desigualdade

A pobreza e o empobrecimento são expressões da questão social. Esses elementos não são
definidores, mas constituem-se como marcadores importantes no desenvolvimento e na vida das
pessoas. É importante então entender mais diretamente como as expressões da questão social
podem marcar a vida familiar e o desenvolvimento das crianças.
A organização familiar tem mudado ao longo dos tempos. Essas mudanças ocorreram e
ocorrem de modo articulado a todas às mudanças que perpassam a sociedade, tanto do ponto
de vista social, cultural e econômico (Petrini, 2005; Zola, 2015).
O modo de produção econômica afeta a própria organização familiar. Um exemplo
largamente citado é da mulher que, antes sendo responsável por exercer (sozinha) os cuidados
parentais às crianças, adentra ao mercado de trabalho. Sem dúvidas, esse movimento reverbera
também na dinâmica familiar, especialmente porque se, por um lado, a mulher passa a
compartilhar a responsabilidade da subsistência com o homem, por outro ainda tende a ser a
única responsabilizada pelos cuidados com as crianças e afazeres domésticos.
Além disso, outras mudanças que ocorrem nas famílias, como a redução do número de
filhos e também o processo de nuclearização, através do qual as famílias tenderam a se distanciar
da família extensa, como avós e tios, também impacta na dinâmica das famílias. É importante
salientar que não há uma negatividade inerente nesses acontecimentos, mas sim nos precários
ajustes para o exercício da parentalidade, especialmente no que tange ao suporte social para o
cuidado com as crianças.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1225


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Costa (1998) refere que, de modo geral, “todas as problemáticas relacionadas às pessoas
(criança, adolescente, jovem, mulher, deficiente e idoso) encontram seu desaguadoro natural na
grande questão da família” (p. 21). Nesse sentido, pensar as expressões da questão social no
contexto familiar exige uma complexidade, tendo em vista ser necessário levar em conta questões
micro e individuais, mas também relacionais.
É importante então pensar que a parentalidade vai se construindo a partir de contextos
por vezes permeados de inúmeras situações de vulnerabilidade e expressões da questão social.
Antes de dar seguimento a essa discussão, é importante delimitar as compreensões sobre família,
parentalidade e práticas parentais. A família então, enquanto espaço privilegiado de cuidado e
proteção, requer um olhar cuidadoso tendo em vista ser o ponto de encontro de todos os conflitos
e vulnerabilidades.
A construção da parentalidade nas famílias em situação de vulnerabilidade requer
especial atenção. A parentalidade pode ser entendida como o conjunto das funções e atividades
desenvolvidas por um progenitor ou cuidador, com vista ao saudável e pleno desenvolvimento da
criança a seu cargo (Féres-Carneiro & Magalhães, 2011; Macarini & Vieira, 2011). Nesse sentido, a
parentalidade pode ser entendida como o cuidado direto que é prestado pela família às crianças.
O cuidado parental repousa em elementos socioculturais. Nesse sentido, Harkness et al.
(2007) salientam que o inicialmente se tem uma cultura com modelos implícitos para o exercício
da parentalidade. É nesse contexto que vão surgir as crenças específicas dos pais que filtram e
elegem aquilo que faz sentido diretamente em sua família. Essas crenças sobre desenvolvimento,
sobre práticas, consequências e etc, são mediadas por fatores intervenientes, tais como as
características dos pais, das crianças e aspectos culturais. A partir disso surgem as práticas
propriamente ditas, tanto no que se refere a estruturação do ambiente, interações e organização
das atividades diárias. O resultado, por fim, incide diretamente no desenvolvimento das crianças
e adolescentes, bem como em todo o funcionamento familiar.
O contexto oferecido pela família para as crianças e adolescentes será fundamental para seu
desenvolvimento saudável. Do mesmo modo, quando um cuidado adequado não é disponibilizado
às crianças e adolescentes, isso pode ter consequências negativas a seu desenvolvimento. A atenção
que a literatura tem dado a parentalidade ocorre em virtude justamente do quão importante e
impactante é o modo de cuidar e socializar que se estabelece na família.
Koller, De Antoni e Carpena (2012) salientam que situações de pobreza, desemprego ou
inserção precária no mercado de trabalho, dentre outros elementos que sabidamente são expressões
da questão social, são situações que afetam todo o contexto familiar e, inclusive, as possibilidades
da família no exercício do cuidado parental. Somado a isso, não se pode desconsiderar que as
crianças sob esses cuidados também sofrem, por outras vias além do cuidado, o impacto desses
eventos adversos diretamente. Conforme as autoras citadas “viver na pobreza em si é um fator
de risco que ameaça o bem-estar e as oportunidades do desenvolvimento” (Koller et al., 2012, p.
160).

Questão Social, Desenvolvimento e Resiliência

Uma noção de desenvolvimento contextual e sistêmica favorece a compreensão de todos esses


elementos que perpassam o âmbito familiar. Bronfenbrenner & Morris (1998) e Bronfenbrenner
(2011) discorre acerca do desenvolvimento humano a partir de quatro núcleos: pessoa, processo,
contexto e tempo. Em relação a pessoa, o autor destaca que a mesma é dotada de características
de recursos, demanda e disposição. Cada pessoa em desenvolvimento interage com as outras
pessoas e com o mundo e a isso ele dá o nome de processo. Para Bronfenbrenner (2011) o processo
proximal, ou seja, aquele que é recíproco, progressivamente complexo, contínuo por algum tempo
e com engajamento, seria o motor do desenvolvimento.

1226  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O contexto é estudado em quatro níveis distintos: microssistema, mesossistema, exossistema
e macrossistema. O microssistema é o contexto imediato das interações e onde ocorrem os
processos proximais, como por exemplo, a família. Cada pessoa interage ao longo da vida em vários
microssistemas: escola, trabalho, etc. O conjunto desses microssistemas e a interação que eles
estabelecem é o que é chamado de mesossistema. O exossistema por sua vez compreende aqueles
ambientes que, mesmo que a pessoa não esteja inserida, tem influência sobre seu desenvolvimento.
Um exemplo de mesossistema para o desenvolvimento de uma criança é o trabalho dos pais ou
o conselho tutelar. Por mim, o macrossistema compreende o conjunto das ideologias, crenças,
políticas e demais elementos que em um nível mais amplo também influencia as pessoas.
Outro elemento considerado importante para compreensão do desenvolvimento é o
elemento tempo. Sendo assim, não é suficiente olhar para a família sem levar em conta sua história
de vida e a passagem do tempo.
Nessa perspectiva pode-se entender que a pessoa em desenvolvimento vai estabelecendo
relações e sendo influenciada por múltiplos fatores. Há uma dinamicidade importante, mas que
precisa de atenção uma vez que diversos elementos influenciam o processo de desenvolvimento e
podem impactar de forma positiva ou negativa.
Enfrentar cotidianamente as expressões da questão social e ainda assim exercer um cuidado
saudável é muito desafiador. Vivenciar as iniquidades sociais, em si, já é um elemento produtor de
sofrimento. Associado aos cuidados demandados pelas crianças e no contexto social e cultural que
mais julga que suporta, tudo isso pode promover nas famílias uma situação de estresse nas relações,
no cuidado e promover o agravamento das situações de vulnerabilidade e mesmo expor a situações
de violência. Ratifica-se que a pobreza e as situações de vulnerabilidade não estão relacionadas a
situações de negligência, mas são elementos que podem fragilizar os recursos de cuidado.
Apesar das situações menos favoráveis de desenvolvimento frente às diversas expressões da
questão social, é possível pensar em estratégias de enfrentamento e prevenção. Nada é definidor
quando se trata de vidas ou de desenvolvimento.
Aspectos de resiliência individual e familiar podem favorecer o enfrentamento de situações
adversas e tem se mostrado bem importantes entre famílias mais pobres e vulneráveis (Koller et al.,
2012). Sendo assim, pode-se pensar recursos que, ao mesmo tempo que enfrentam as expressões
da questão social também promovam processos de resiliência.
Cabe ainda esclarecer que a resiliência não é um processo simples, nem tampouco pode ser
tomada no mesmo sentido que a resiliência na Física, que entende a resiliência como uma propriedade
através da qual um corpo pode voltar a sua forma original depois de submetido a forte pressão e
deformação. Quando se trata de resiliência psicológica, é importante entender que se refere a um
processo, através do qual os indivíduos, em contexto de adversidades significativas, consigam buscar
recursos psicológicos, sociais, culturais e materiais que sustentem seu bem estar (Koller et al, 2012).
Destarte, não é possível individualizar o sofrimento e os impactos das expressões da questão
social na família e no desenvolvimento das crianças. Sendo assim, pensar no enfrentamento das
expressões da questão social tem que ser a partir de ações que tentem atender às demandas de
forma coletiva e social, de forma particularizada, mas sem individualizações.
Zola (2015) salienta que histórica e naturalmente a família é espaço de proteção social para
os indivíduos. A autora discute a importância das Políticas Sociais no apoio e proteção às famílias.
Cuidando-se das famílias, pode-se favorecer para que cuidem mais adequadamente e protejam
seus membros, especialmente os mais frágeis e dependentes, como é o caso das crianças.
As Políticas Sociais são possíveis respostas às expressões da questão social, entretanto
sua fragmentação e fragilização dificultam o enfrentamento efetivo das expressões da questão
social (Behring & Boschetti, 2011). No contexto atual, de iminentes contrarreformas e ameaça
de direitos, torna-se ainda mais fundamental refletir acerca do significado e importância de uma
proteção social que assegure o desenvolvimento e uma vida com dignidade às crianças e suas
famílias.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1227


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Zola (2015) discute as Políticas Sociais familiares e apresenta uma classificação em três
grupos: Políticas de apoio às famílias para cuidado de seus membros, Políticas de combate à
pobreza e Políticas de conciliação trabalho e família. Todas elas representam serviços e estratégias
importantes de cuidado com as famílias e, desse modo, podem ter impacto nas crianças e
adolescentes e em seu desenvolvimento.

Considerações Finais

É necessário refletir acerca do impacto que se tem das expressões da questão social nas
famílias e também no desenvolvimento das crianças. Discutir a categoria “questão social” não
deve apenas ser feita da perspectiva social, mas também desenvolvimentista.
Pensar estratégias de enfrentamento que efetivamente favoreçam a organização e a dinâmica
familiar é essencial também na perspectiva de defesa dos direitos das crianças e adolescentes.
Ações que buscam enfrentar às diversas expressões da questão social podem produzir um
desenvolvimento mais saudável.
O cuidado com as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade não pode se
furtar de tais reflexões e de ações concretas de enfrentamento das desigualdades sociais que se
refletem em um acúmulo de desvantagens no desenvolvimento.Buscou-se, através desse trabalho,
contribuir com as reflexões acerca das expressões da questão social na família, na parentalidade
e no desenvolvimento das crianças. Espera-se que novas reflexões sejam tecidas e que favoreçam
não apenas o desenvolvimento de trabalhos, teóricos ou de pesquisa, mas especialmente fortaleça
a necessidade urgente de enfrentamento das iniquidades produzidas pelo sistema capitalista e
que, em contexto de contrarreformas, podem agravar ainda mais as possibilidades de vida e
desenvolvimento das pessoas.

Referências

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humanos. Porto Alegre: Artmed.

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Zola, M. B. (2015). Políticas Sociais, família e Proteção Social: um estudo acerca das políticas
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1229


NO ONTEXTO BRASILEIRO
APROXIMAÇÕES ENTRE PSICOLOGIA
EDUCACIONAL E ESPIRITUALIDADE
Pedro Victor Modesto Batista

Introdução

A
Psicologia Educacional e Escolar é uma área de atuação e especialidade da Psicologia
que se ocupa das conexões entre Educação e Psicologia. Se compreendermos a
Psicologia como saber que se compromete a estudar, intervir e desdobra-se sobre
o comportamento ou a subjetividade dos seres humanos e a tudo que ela pode alcançar. E a
Educação como prática social que orienta e transmite conhecimentos, hábitos, valores, crenças,
condutas e ofícios. Dessa maneira, podemos perceber que ambas as áreas se relacionam com o
ser humano e sua subjetividade, com as formas como se articulam em uma dada comunidade ou
sociedade, como ela pode facilitar o processo de desenvolvimento humano e suas habilidades e
potencialidades que envolvam o processo de ensino-aprendizagem. Assim, pensar de forma crítica
os muitos fios e laços de conexão que possam surgir dessa complexa e interdisciplinar articulação
entre os saberes psicológicos e a educação é uma das propostas desse estudo (Bock, Furtado &
Teixeira, 2001; Brandão, 2007).
Assim sendo, estamos de encontro com um campo complexo em um mundo complexo, pois a
globalização, as constantes mudanças no mundo das informações, a mídia e as novas tecnologias,
as transformações socioculturais, políticas, econômicas, as situações de vulnerabilidade e violência,
a desigualdade social, as carências de recursos estruturais nas escolas e a desvalorização do
trabalho docente influenciam na prática do educador e exigem que pensemos de forma complexa,
contextualizada e crítica possíveis soluções para esses desafios.
Para enfrentar esses desafios, precisamos mudar o nosso modo de ensinar e de produzir
conhecimento, pois deve-se compreender que a educação é mais do que a transmissão de
conhecimento, é a capacidade de pensar ou elaborar pensamentos de forma livre e que favoreça
uma vida digna e autônoma. Como afirma Edgard Morin (2009, p. 11):

ensino é transmitir não mero saber, mas uma cultura que permita compreender nossa
condição e nos ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto
e livre [e que] a educação pode ajudar a nos tornarmos melhores, se não mais felizes, e nos
ensinar a assumir a parte prosaica e viver a parte poética de nossas vidas.

De acordo com Geertz (2008), essa cultura é um sistema de padrões de significados


transmitido historicamente, incorporados em símbolos herdados pelos quais os seres humanos
comunicam e difundem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida. Tendo em vista que
a espiritualidade é uma das dimensões humanas que assim como a educação serve para produzir
sentido à vida das pessoas; ajuda, a lidar com as dores e sofrimentos existenciais, bem como,
produz sentido às experiências compartilhadas coletivamente, nos perguntamos como pode a
espiritualidade servir de ferramenta ao trabalho do psicólogo educacional e escolar.

1230  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A partir desse questionamento desenvolveremos uma explanação sobre a atuação do
psicólogo educacional escolar e o seu fazer de forma crítica e apresentaremos como a sua
contribuição pode ser potencializada ao utilizar-se da compreensão integral do ser humano,
abordando a dimensão da espiritualidade como um fator relevante a ser utilizado na sua atuação.

Metodologia

De acordo com Traina e Traina Jr. (2009) a pesquisa bibliográfica é norteada, principalmente,
pelo objetivo do que se quer pesquisar. Atualmente é facilitada devido à grande quantidade de
informações disponíveis na internet em plataformas de pesquisa que possuem ferramentas que
oferecem o refinamento da pesquisa partindo de pesquisas por abrangência, busca avulsa por
artigos e conteúdos disponíveis na web e por profundidade, na qual se selecionam as palavras-
chave, os assuntos e temas que se relacionam com os objetivos da pesquisa.
Dessa maneira, buscou-se material de referência em periódicos online (SciELO, BVS Saúde,
Pepsic, dentre outras), livros, revistas e artigos que pudessem embasar as discussões selecionando,
principalmente, aqueles que em suas palavras chave e conteúdo tratavam sobre: psicologia
educacional e espiritualidade, educação e espiritualidade, psicologia educacional escolar e dada a
relevância de obras de referência para a temática em questão.

Psicologia Educacional Escolar

Para Viana (2016), a Psicologia Educacional, em seus múltiplos contextos de atuação


(escolas, comunidades, empresas, organizações), se norteia como um recurso que visa favorecer
o desenvolvimento humano de forma saudável de crianças, adolescentes, jovens e adultos;
considerando os vários aspectos que integram a vida humana: a afetividade, a motricidade, a
sociabilidade, a intelectualidade e, porque não, a espiritualidade.
Porém, antes de entrarmos na especificidade da articulação da atuação do psicólogo
educacional com a dimensão da espiritualidade, devemos pensar sobre esse campo de atuação;
pois o mesmo deve ser abordado de forma crítica para não levantarmos as incompreensões
clássicas aplicadas à atuação do psicólogo no campo da educação.
Seguindo as reflexões de Patto (2010) sobre a produção do fracasso escolar, ao nos
demonstrar que é da convergência entre origem do capitalismo, processo de industrialização
e mercantilização, desenvolvimento das ciências sociais e humanas imbuídas de uma visão
positivista e experimentalista, das noções higienistas e racistas que ela nos introduz em uma
cautelosa construção dos saberes educacionais mostrando-nos qual é o sujeito que essa educação
pretende formar, ou melhor, pretende possuir nos bancos das suas escolas de forma passiva e
docilizada. Assim, inicia-se a produção desse fracasso escolar, que ao não considerar a pluralidade
e diversidade humana e pensar no contexto de desigualdade do sistema educacional brasileiro e a
formação social do país delega a exclusão dos oprimidos.
O fracasso, de acordo com Ferreira (2004) é o estrondo de coisa que se parte ou cai; desastre;
desgraça; ruína; perda; mal êxito e malogro. Logo, podemos usar essa definição de dicionário e
imaginar que o fracasso escolar é o mal êxito do sistema educacional. Mas tenho a impressão
que antes de nos aproximar do seu mal funcionamento o conceito de fracasso escolar nos leva ao
ruído, ao barulho, ao estrondo de algo que se está caindo ou ruindo e como mostra Patto (2010)
pouco escutado ou analisado de modo equivocado, por lentes preconceituosas provenientes
da construção de um ideário de classe burguesa dominante que no seio das suas construções
ideológicas promove uma visão de educação voltada para a criança branca, limpinha, silenciosa;
de uma suposta família nuclear e patriarcal, distanciada dos processos históricos de exploração e
desigualdade que operam significativamente na realidade brasileira.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1231


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Segundo Ceccon, Oliveira e Oliveira (2008)

Todo mundo espera que a escola cumpra o seu papel que é o de fornecer instrução,
qualificação e diplomas a todos. Na verdade, a escola produz muito mais fracasso do que
sucessos, trata uns melhor do que outros e convence os que fracassam de que fracassam
porque são inferiores. Ela só educa e instrui uma minoria. A grande maioria é excluída e
marginalizada (p. 23).

Assim, ao se assumir uma perspectiva crítica em psicologia educacional devemos concordar com
Martin-Baró (2009) ao afirmar que a própria psicologia deve se emancipar, se libertar de modelos
hegemônicos e fora de contextualização e psicologizantes que favorecem o processo de dominação
e opressão, pois desviam o foco para uma visão individualista e subjetiva dos problemas sociais. A
psicologia deve desfazer-se do mimetismo cientifico, reprodução de modelos descontextualizados,
desenvolver uma epistemologia adequada, já que se baseando em modelos positivistas, individualistas,
hedonistas e a-historicos ela se distancia da realidade e fica a serviço da dominação.
Dessa forma, a produção do fracasso escolar se apresenta de forma mais contundente nos
ambientes educacionais quando não se compreende as multiderterminações sociais e a formação
social dos seres humanos em sua diversidade e diferença. A psicologia educacional deve partir
dessa concepção de pluralidade para oferecer seus serviços para desconstrução dos preconceitos,
promover a autonomia e a emancipação dos seres humanos, assim como, compreender os
aspectos culturais e simbólicos que perpassam os ambientes educacionais, construir juntamente
com os demais membros da comunidade uma conscientização das desigualdades e potencializar
a autonomia e o senso crítico.

Psicologia Educacional e Espiritualidade

Partindo desse entendimento que a Psicologia Educacional, para se fazer atuante contra
o processo de exclusão e opressão, deve ser pensada de forma crítica, respeitar a pluralidade e
diversidade sócio-histórica da formação humana e promover o desenvolvimento humano e sua
emancipação não poderá excluir de sua compreensão a dimensão da espiritualidade.
Assim, compreender a formação social, histórica, cultural e simbólica é papel do psicólogo
educacional, para poder intervir e pensar de forma contextualizada a realidade que atravessará
e formará os campos de força de sua atuação. De acordo com Machado (2008), apoiada nas
leituras de Foucault e Deleuze, esclarece-se nos que os jogos de forças, os campos coletivos e a
produção de subjetividade são essa pluralidade de forças que se entrecruzam e são construídas
e reconfiguradas nos movimentos coletivos e plurais do social. A normatização, controle,
disciplinamento precisam ser problematizadas e enfrentadas pelo psicólogo em sua atuação para
apontar as singularidades, tencionar resistências, oferecer fugas e rupturas ao instituído na escola;
promovendo a crise e o ato de mudança do que deve ser movimento ao invés de estagnação.
São campos de tensão, justamente, a definição no campo da educação o que vêm a ser
essa espiritualidade na educação. Para Morais (2012), espiritualidade é diferente de religião;
pois religião está associada a crenças, dogmas e instituição enquanto que espiritualidade seria a
experiência religiosa que sobrevive na medida em que se afasta do que está instituído por doutrinas.
Para esse autor, a discussão sobre estado laico e democracia é um dos pontos nodais que se
apresentam nesses conceitos, já que é sabido que desde o processo de colonização a educação é
vinculada a instituições religiosas.
Conforme Ferreira (2004), religião é a crença na existência de uma força ou forças
sobrenaturais, considerada(s) como criadora(s) do Universo e que, como tal, deve(m) ser adoradas

1232  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
e obedecidas. A manifestação de tal crença por meio de doutrina e ritual próprios envolve,
em geral, preceitos éticos. Assim, é notório o caráter normatizador e moral que as instituições
religiosas impõem aos indivíduos, que tem um sentido diferente do que vem a ser a religiosidade
ou espiritualidade.
Segundo Geertz (2008) a religiosidade é:

(1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e
duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de
uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade
que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas. (p. 67 )

É como um sistema de símbolos que produz significados e interpretações sociais, culturais


e orientações na vida dos indivíduos que a espiritualidade se manifesta como uma das dimensões
fundamentais do ser humano, já que norteiam comportamentos, condutas coletivas, preceitos
éticos e de valores humanos. Assim como a educação que é potencializada por meio da
assimilação e mediação dos símbolos, como afirma Vigotsky (2007) ao nos explicar, por exemplo,
a aquisição da fala pelas crianças por meio da leitura de signos e palavras que constituem para
ele, primordialmente, um meio de contato social para com os seus pares, servindo para facilitar o
conhecimento e a socialização.
A espiritualidade pode ser esse meio facilitador para aquisição de novos conhecimentos,
sociabilidade e aprofundamento de noções existenciais como o conceito de vida, morte, existência,
interioridade, sustentabilidade, respeito, amor e, dentre outras temáticas, que podem ser
facilitadas a partir dessa dimensão humana. Como afirma Rubem Alves (2014), as experiências
religiosas sempre existiram e continuarão a existir e a se fazer presente no nosso cotidiano, mesmo
com o avanço do pensamento cientifico e as revoluções tecnológicas, pois elas utilizam-se na
contemporaneidade de novas roupagens e dialetos, por meio de símbolos secularizados pelas
ciências psicológicas/ psicanalíticas como promessas terapêuticas de paz individual, liberação
das angústias, esperanças de ordens sociais fraternas e justas, harmonia com a natureza, dentre
outras.
Assim, “a religião se nos apresenta como um certo tipo de fala, um discurso, uma rede
de símbolos” (Alves, 2014, p. 25) que, segundo o autor, transforma os nossos vazios, os nossos
desejos, a nossa representação da realidade produzindo sentido a ela. A educação, de acordo com
Pierre Weil (2007), é essa ação de transformação de realidades e de pessoas das mais diferentes
idades, origens, gênero e sexo, que proporcionam a evolução nos seguintes planos: físico, em prol
da saúde, do equilíbrio e da transformação corporal; emocional, desenvolvendo a afetividade;
mental, contribuindo para a evolução do conhecimento, as opiniões e atitudes; “espiritual, visando
a transformação e evolução da relação da consciência com os vários níveis de realidade” (p. 40).
Dessa forma, podemos articular a Psicologia Educacional com a espiritualidade ao
compreendermos como se dá essa dimensão que os seres humanos se dirigem na busca de algo
sagrado e como vivenciam experiências transcendentes, visando produzir sentido a complexidade
das suas vidas, que os aproxima de questionamentos sobre sua existência (Gomes; Farina & Dal
Forno, 2014). Logo, o psicólogo educacional ao se aproximar das realidades das pessoas pode
facilitar a exploração desses sentidos e promover intervenções que visem o desenvolvimento
humano de forma integral, que possa oferecer cuidado, acolhida e educação conectada a essa
pluralidade humana.
Realizar a sua ação na produção de sentidos de vida é colaborar para a descoberta das
pessoas das suas potencialidades, crescimento e autonomia. Corroborando com Amatuzzi (2015)
ao afirmar que:

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1233


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O significado de uma vida é, primeiramente, vivido; é o sentido de vida apenas implícito e não
ainda colocado em signos. Mas ele pode e deve ser pensado, descoberto, para que o sujeito
se torne realmente sujeito ativo. Temos esse potencial. Quando descubro significados que
foram sendo construídos ao longo de minha vida e os pronuncio para mim mesmo, posso
então tomar posição em relação a eles e transformá-los até certo ponto (p. 37).

Dessa maneira, colaborar para o reconhecimento de si, das suas histórias, das suas crenças e
da pluralidade cultural e social que possuímos no cotidiano escolar só contribuirá para desenvolver,
nesse ambiente, relações humanas de respeito, compreensão a diversidade religiosa e de crenças.
Pode, também, servir para aproximar os jovens de temas como o futuro, comportamentos éticos,
corresponsabilidade para com a vida e o ambiente, enfrentar a violência, promover uma cultura
de paz, alimentar a esperança e a autonomia.

Considerações Finais

Assim, tanto um posicionamento crítico sobre a realidade educacional e escolar,


quanto um posicionamento ético que esteja consonante com a promoção da vida e com o
desenvolvimento humano, visando atingir, por meio das suas ações e reflexões, a autonomia das
pessoas; compromissada com a realidade social que o circunda, aberta as mediações simbólicas
da cultura, só pode é contribuir com o papel da Psicologia Educacional Escolar.
Desenvolvemos, uma reflexão sobre o papel do psicólogo educacional e o seu fazer frente a
pluralidade do ambiente escolar e a diversidade humana, nos possibilitou questionar a produção
do fracasso escolar e como esse é proveniente de uma forma de pensar erigida em um saber
hegemônico e a serviço da dominação, justamente, por não se fazer contextualizado nas formas
de se apresentar da coletividade.
Apontamos que essa atuação contextualizada não pode esquecer de olhar a formação
social e simbólica, ou seja, as construções no cotidiano da cultura e as muitas representações
que a religiosidade, as crenças e a dimensão humana da espiritualidade podem oferecer ao
desenvolvimento de um ser humano que, entendido em suas muitas dimensões, alcance os seus
muitos e possíveis potenciais.
É necessário afirmar que esse é um estudo que buscou realizar essa aproximação do
campo da educação, o fazer da psicologia educacional e a dimensão da espiritualidade como
uma articulação possível para se ampliar, conscientizar e promover a autonomia e a pluralidade
humana. Em um país que afirma ser laico em suas instituições, mas utiliza-se de imagens,
símbolos e tradições nos ambientes educacionais, sem nenhuma reflexão crítica, promove mais a
ambiguidade e a intolerância do que a humanização, pois pode segregar ao invés de diversificar as
experiências espirituais e promover a compreensão das muitas formas de religiosidade presentes
no ambiente escolar.
Dessa forma, anunciamos a carência de mais estudos e o desenvolvimento de ações e
projetos que saiam de práticas apenas pontuais em datas comemorativas como os muitos dias:
do índio, das mães, da arvore e de festinhas e passem a oferecer ações continuadas que exploram
temas que possibilitem a produção de sentido de vida, reflexões existenciais, a aprendizagem de
valores e habilidades humanas de cuidado, amor e espiritualidade.

Referências

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Amatuzzi, M. M. (2015) Psicologia do desenvolvimento religioso: a religiosidade nas fases da vida. São
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1235


NO ONTEXTO BRASILEIRO
RELATO DE EXPERIÊNCIA NA REALIDADE ESCOLAR:
UMA INTERVENÇÃO COLABORATIVA
Marcos Antonio de Sousa Rodrigues Moura
Sara Leite Fernandes
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva

Introdução

D
esde muito cedo na sua criação, a Psicologia interseccionou a Educação, o que deu
origem a discussões e debates sobre como esta influenciou aquela, quais as bases
epistemológicas de ambas, de que forma elas se complementam ou se diferenciam.
Surge então, neste meio, a noção de uma Psicologia Educacional, e, posteriormente, seu par que
diz respeito à área de atuação: a Psicologia Escolar. É cabível dizer que o surgimento destas áreas
não finalizou o debate, mas possibilitou a chegada a um consenso por parte dos estudiosos da
área (Coll, Marchesi & Palácios, 2004).
Defende-se que esta Psicologia Educacional e Escolar (doravante PEE) funcione como uma
disciplina-ponte, que liga Educação e Psicologia, e não como uma área de produção de saber que
esteja dissociada delas, embora, com isso, não deixe de produzir seus saberes específicos. Acerca
dela também, é interessante destacar dois conteúdos, isto é, objetos de estudos, que vão servir de
base para ela, a saber: 1) os processos de mudança acontecidos nos indivíduos como resultado de
sua inserção em situações e atividades educacionais, e 2) fatores, variáveis e dimensões adjacentes
que influenciam e contribuem com tais processos de mudança (Coll, Marchesi & Palácios, 2004).
No Brasil, a partir das décadas de 1920, começou-se uma movimentação, dentro das
universidades, da Psicologia, em nível de disciplina, para outras áreas, como Pedagogia, o que
possibilitou uma aproximação com esta área, e com as temáticas educacionais (Pereira & Pereira
Neto, 2003). Devido a uma aproximação destes saberes com áreas de avaliação e testagem
psicológica, além de uma ligação com a área clínica, já nas décadas de 1950 a 1960, surge uma
certa tendência dentro da PEE de uma atuação voltada para a resolução “problemas” no âmbito
escolar e uma tendência diagnosticadora dos “problemas” de ensino-aprendizagem que surgiam
na escola (Guzzo, 2010).
Contudo, da década de 1980 em diante, foi possível pensar a PEE de forma crítica, não
por boa vontade, mas pela necessidade de desenvolver novos paradigmas, mais coerentes com
a realidade brasileira, e pelos esforços de estudiosas da situação da Educação no Brasil. Dentre
estas é possível destacar os trabalhos de Martinez (2010) e Guzzo (2008, 2010), principalmente.
A primeira faz o mapeamento – que embora de caráter eminentemente didático, é possível
de ser observado na prática – das práticas e dos modelos interventivos das(os) psicólogas(os)
educacionais e escolares (PEE), no sentido de compreender de que forma atuam os profissionais
já formados na área, para que se pudesse intervir a partir de então. Segundo Martinez (2010) há
dois tipos de práticas: as tradicionais e as emergentes. O primeiro conjunto diz respeito a práticas

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em alguma medida excludentes, individualizantes, que favorecem o conservadorismo, assimetrias
e hierarquizações na distribuição do poder no ambiente institucional escolar. No outro conjunto,
por sua vez, dá-se importância à interdependência entre processos educacionais e psicológicos, e
busca-se a associações que englobem todo o ambiente institucional.
A perspectiva de Guzzo (2008, 2010), por seu turno, é mais voltada para questões de
formação do profissional, principalmente no que diz respeito ao período em que se passa pelo
ambiente universitário. Esta autora critica frequentemente a estrutura curricular dos cursos de
formação de psicólogo, denunciando a pouca abertura para experiências práticas no âmbito
escolar, o que, somada à inexistência de um modelo de atuação específico em PEE, dificulta um
encaixe harmonioso do par teoria-prática nas diversas realidades de atuação profissional.
O olhar sobre uma Escola, por sua vez, amplia-se quando, além de atentar-se aos aspectos
de ensino-aprendizagem, compreende os processos que acompanham o sujeito durante o seu
desenvolvimento. Este fenômeno tem relação direta com a forma que as relações são construídas
e apresentadas no ambiente escolar, assim, influenciando o comportamento dos envolvidos
(Rodrigues & Melchiori, 2014).
A Psicologia do Desenvolvimento que dá ênfase aos aspectos gerais e globais e aos contextos
históricos e culturais, os efeitos e reações (Papalia, Olds & Feldman, 2006), tem ligação direta
com o campo das instituições educacionais no momento de consideração do sujeito atuante nesse
campo e a qualidade de como ele responde a esse meio, suas atitudes, valores, conhecimentos,
dentro das áreas emocional-afetiva, cognitiva e social. É dentro dessa perspectiva que se faz
possível traçar um plano de desenvolvimento saudável para que a Psicologia Escolar faça uso e
contribua com o compromisso potencializador e promotor de bem-estar aos quais a escola está
relacionada (Pfromn Neto, 2001; Oliveira & Marinho-Araújo, 2009).
A heterogeneidade do perfil de aluno adolescente é um contexto que ajuda a entender a
noção de formação de grupos como fundamental. A teoria de Elkind dá ênfase ao desenvolvimento
do self a partir do outro (Papalia, Olds, Feldman, 2006), dentro de uma perspectiva social, e
assim, entende-se que é o momento que o adolescente traça os seus semelhantes e aqueles com
quem não se identifica. Essa situação envolve o surgimento de relacionamentos insatisfatórios e
que podem prejudicar o ritmo das atividades da escola.
Outra marca do cotidiano é a construção da relação professor-aluno que muitas vezes
chega a ser assunto de comentários pelo aparecimento da violência por queixas de indisciplina.
Mas, diferente do que se espera, segundo Boarini (2013) e Aquino (1998), a indisciplina não se
apresenta apenas como uma resposta dos alunos contra as regras institucionais que a escola
coloca, mas também um sintoma do autoritarismo que os docentes apresentam durante a
tentativa de manutenção da ordem e estabelecimento dos limites da liberdade. Entretanto, a
produção da postura de privilegiar a posição que ocupa em relação ao aluno e a forma como o
professor entende o fenômeno do autoritarismo não permite abrir espaço para diálogo entre ele
e aluno. Dessa forma,

o comportamento indisciplinado pode estar revelando os conflitos velados da instituição e, mais


que isso, pode estar indicando a insatisfação com uma escola, que dia a dia torna-se cada vez
mais anacrônica e incompetente para cumprir sua função social” (Boarini, 2013, p. 128).

Além disso, no ambiente escolar, fala-se com receio sobre assuntos concernentes à temática
da sexualidade, no entanto, à medida que a escola tenta controlar ou ocultar o acesso que os
alunos têm sobre assuntos de sexualidade cria-se sujeitos cheios de dúvidas e alienações sobre
o assunto que procuram discutir isso fora da sala de aula, utilizando-se de materiais midiáticos
inadequados e alheios aos processos psíquicos ligados à acontecimentos que marcam a puberdade
e da influência do meio sociocultural sobre a própria concepção de gênero, como os papéis de

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1237


NO ONTEXTO BRASILEIRO
homem e de mulher ideais que devem ser seguidos, e sexualidade (Marola, Sanches e Cardoso,
2011; Moura, Pacheco, Dietrich, Zanella, 2011). Em um levantamento feito por estagiários em
uma escola estadual de Santa Catarina verificou-se que nas “7ª e 8ª séries as principais dúvidas
eram a respeito do ato sexual e das consequências deste” (Moura, Pacheco, Dietrich & Zanella,
2011, p. 443).
Após todo o exposto fica clara a necessidade de se discutir e aprofundar em assuntos
concernentes a questões das relações interpessoais da escola e mais, na exposição de experiências
de intervenção dentro da PEE. Tendo-se em vista a necessidade de ampliação da literatura
concernente a este assunto, objetivou-se desenvolver um relato de experiência sobre as atividades
realizadas, de forma colaborativa, no Estágio Básico II do curso de Psicologia da Universidade
Federal do Piauí, Campus Ministro Reis Velloso, com foco no campo escolar, a fim de que tais
atividades possam ser veiculadas e sirvam de base para estudos posteriores ou de inspiração e
motivação para a criação de modelos de atuação e intervenção dentro deste campo.

Método

Sujeitos

O estágio foi realizado em uma escola pública da rede de ensino estadual da cidade de
Parnaíba, Piauí. Esta contem turmas do 6º ao 9º anos do Ensino Fundamental e duas turmas de
EJA – Educação de Jovens e Adultos – no turno da tarde, o que totalizava cerca de 120 alunos neste
turno. Os alunos tinham, em média, entre 12 e 17 anos, nas turmas de Ensino Fundamental, o que
caracteriza um público majoritário de adolescentes e pré-adolescentes – os alunos da EJA tinham
uma idade mais variável, contando com adultos jovens nas salas.

Instrumentos

A fim de obter dados e poder sistematizar e organizá-los posteriormente, foram utilizados os


métodos de observação sistemática e observação participante, técnica de registro contínuo, a ser
efetuada em diários de campo, e duas entrevistas semiestruturadas. Como método de organização
dos dados colhidos, fez-se uma análise do conteúdo (Bardin, 1977) dos materiais registrados em
diários de campo a fim de eleger categorias para a posterior discussão, além de elaborar um plano
de intervenção com base nas demandas (categorias) elegidas.

Procedimentos

Foram realizadas oito visitas, com duração média de uma hora e meia, durante o turno
da tarde, à Unidade Escolar Epaminondas Castelo Branco no decorrer dos meses de setembro
a novembro, na cidade de Parnaíba no estado do Piauí. A partir destas, foi possível perceber
aspectos físicos do local, bem como o envolvimento entre gestão, professores e alunos. A Unidade
Escolar faz parte do sistema de ensino público estadual do Piauí, sendo financiada por este, e
conta com auxílios financeiros como PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), que é
de origem federal, sendo um auxílio relativo à alimentação e PACTUE.
Inicialmente foram realizadas atividades de observação sistemática e participante. Para tanto,
necessitou-se de duas visitas que se direcionaram a conversas com a gestão, especificamente, a
coordenadora e a diretora, que tiveram duração média de quarenta minutos, e foram realizadas em
dias diferentes. As conversas foram devidamente registradas em diários de campo, e posteriormente
foram analisadas e discutidas em sala, no momento da supervisão, juntamente com a orientadora.

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Nestes mesmos dias em que houve a conversa com a gestão, aconteceram, respectivamente, uma
palestra sobre suicídio e a culminância de um evento organizado pela professora de artes, o que
aconteceu nestes locais também foi anotado e discutido em sala posteriormente.
Por fim, para que maiores informações acerca da dinâmica de eventos e participação dos
alunos nas atividades da escola fossem captadas, procedeu-se à conversa com duas professoras,
uma de artes e outra de geografia, em dias diferentes, com duração media de trinta minutos, a
qual se deu em forma de uma entrevista semiestruturada, que continha perguntas centrais (seis),
que guiariam a conversa, mas também dando possibilidade das entrevistadas explanarem sobre o
assunto livremente.
As quatro visitas restantes disseram respeito à organização de uma atividade em parceria
com a escola com um todo, que contou com a adesão dos alunos de todas as turmas do turno da
tarde, todos os professores deste turno, que cederam suas aulas, a gestão, ao autorizar e viabilizar
a parceria, disponibilizando local e material. Sendo necessário destacar também que a atividade
foi organizada de forma colaborativa por todos os estagiários.

Resultados e Discussão

A partir da análise dos dados recolhidos em conversas com a diretora da escola, sua
coordenadora pedagógica, e duas professoras, uma de artes e outra de geografia, além da
observação do comportamento dos alunos em seu recreio e em atividades extraclasses, neste
caso, uma palestra e a culminância de uma atividade realizada em sala pela professora de artes,
foi possível captar duas categorias principais, as quais influenciavam as relações, principalmente
dos alunos entre si, a saber, a necessidade de se falar mais abertamente sobre sexualidade; e dos
alunos com professores e gestão que estava relacionada à noção de indisciplina vigente entre os
professores e a gestão.
É importante destacar também que, embora não tenha sido considerada uma categoria
principal, as expectativas por parte tanto das professoras como das gestoras sobre os estagiários
estavam bastante relacionadas à resolução de problemas e a uma visão diagnosticadora, o que
é bastante coerente com o que Guzzo (2010) e Matinez (2008) haviam explicitado em relação às
expectativas que geralmente se têm em relação à Psicologia Escolar, e que, segundo estas autoras,
deve ser transformado.
Relativamente à noção de indisciplina, é visível que tanto as gestoras como professoras,
com base no que consideravam o melhor para o estabelecimento de uma relação e de um espaço
que fosse favorável ao ensino e à aprendizagem, tomavam o termo disciplina, principalmente por
ordem ou respeito, dentro e fora de sala de aula. Em alguns momentos em que eram realizadas
atividades extraclasses, tais professoras e gestoras solicitavam aos alunos que fizessem silêncio e
prestassem atenção no que era exposto, o que é normal, tendo-se em mente que elas visavam uma
melhor captação da mensagem por parte deles.
No entanto, tal atitude “disciplinadora” que beirava o autoritarismo, gerava efeitos adversos nos
alunos, que às vezes não atendiam ao seu chamado e resistiam a ele ou atendiam momentaneamente
e voltavam a se comportar de uma maneira “indisciplinada”. Tal atitude “indisciplinada”, contudo,
como apontam Boarini (2013) e Aquino (1998), poderia ser vista, por outro lado, como uma
expressão da insatisfação dos alunos em relação ao que estava sendo exposto, ou à forma de
exposição, e denota também a ausência de espaços de fala para eles dentro da instituição, o que foi
reforçado a partir, por exemplo, do fato de que ao término de apresentações culturais os espaços
para discussão do que foi apresentado eram mínimos ou inexistentes.
Durante o tempo de observação, nenhuma atividade realizada pelos professores fez menção
a um questionamento mais aprofundado sobre questões de corpo e sexualidade, malgrado todos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1239


NO ONTEXTO BRASILEIRO
os indicativos de que este tema tem um grande peso entre os alunos. Em um primeiro momento,
ao entrar na escola, é possível perceber que há locais com pinturas de cunho sexual nas paredes,
frases relativas a casais, marcas de batom nas paredes. Nada disso, contudo, deve ser observado
em forma de assombro, visto que é natural que os alunos, em sua maioria adolescentes, tenham a
tendência a querer falar sobre tal assunto. Todavia, é necessário refletir acerca do porquê de isto
acontecer e também sobre as consequências disso. A primeira indagação não era feita com muita
frequência na escola.
Relativamente às consequências foi possível observar que, 1) havia um padrão estético,
de beleza, vigente que corporificava o que estava exposto nas paredes, dito de outra maneira,
as garotas da escola consideradas bonitas pela maioria de seus pares, apresentavam-se, quase
sempre, com maquiagens pesadas e roupas apertadas – o que poderia, na outra ponta, que era
a das garotas que não se encaixavam no padrão, gerar focos de bullying; e 2), era comum entre
alguns grupos de garotos da escola objetificar as meninas que se adequavam ao padrão de beleza
supracitado. Por isso, a urgência de um debate mais aberto sobre sexualidade na escola, a fim de
que houvesse maior familiarização com o assunto e a quebra deste paradigma da objetificação
dos corpos femininos.
Desse modo, os planos de intervenção colaborativa, isto é, num modelo de cooperação
entre os alunos do estágio, onde haveria atribuições específicas, mas todos os alunos executariam
funções complementares que ajudariam a sanar questões concernentes à escola como um todo,
foram pautados em incentivar a fala por partes dos alunos, ou seja, abrir espaços onde eles
pudessem se expressar livremente acerca de determinado tema, com foco na quebra do paradigma
da “indisciplina” e na compreensão do porquê da objetificação do corpo feminino por parte dos
garotos e dos problemas relativos a isto.

Intervenção: O plano

Tendo-se em vista as categorias citadas acima, esta dupla ficou responsável por intervir
de maneira a compreender e transformar as situações em que se percebia tanto a questão do
autoritarismo/indisciplina, trabalhando-se no caminho oposto, isto é, na criação de espaços de
fala e expressão em detrimento de espaços disciplinadores, quanto à necessidade de diálogo acerca
da sexualidade. Devido a uma questão logística e de coerência com a proposta de colaboração e
cooperação entre as duplas de estágio, esta dupla se dividiu e cada membro se aliou a outras duas
duplas na execução das tarefas, a saber: 1) a execução, com os alunos, de um jogo de perguntas
e respostas (quiz) relativas a conteúdos aprendidos em sala, para que estes expusessem seus
conhecimentos, e de uma atividade de soletração, e 2) a elaboração de uma canção que dissesse
respeito ao papel da mulher, isto é, a forma de representação social da mulher entre os alunos.
Toda a intervenção se deu em três momentos. Dois diziam respeito a momentos de
preparação e treinamento, a partir de oficinas que aconteciam em horários nos quais os alunos
estavam em sala de aula, sendo a aula cedida pelo respectivo professor para a preparação dos
alunos. Estas aulas eram cedidas semanalmente, logo houve duas semanas de preparação. O
último momento foi o de culminância, um espaço em que as atividades construídas de forma
colaborativa pelos alunos, estagiários, professores, gestão e funcionários, cada um colaborando
de uma forma diferente – desde os professores que cederam suas aulas, os funcionários cedendo
materiais e ajudando na organização, até os estagiários que guiaram e construíram juntamente
com os alunos todas as atividades –, um espaço, por excelência, de fechamento de um grande
ciclo que havia começado em setembro, com o estágio e se corporificado nas duas semanas de
preparação, acontecidas em novembro, após um mês e meio de observação.

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Intervenção: A preparação

Como dito, foram duas as atividades executadas: 1) quiz e soletrando e 2) a elaboração da


música. Agora, detalhar-se-á o processo relativo à preparação para ambos, bem como o resultado
final no dia da culminância.
A ideia do quiz e do jogo de soletração nasceu com o objetivo principal de ajudar nos
participantes as noções de trabalho em equipe e cooperação dentro de um grupo, tendo-se em
mente que caso estes aprendessem isto neste local mais descontraído, levariam também para
suas vidas cotidianas, inclusive para a sala de aula, relação com professores, amigos, familiares
e assim por diante. Além deste objetivo, havia o intuito de fazer com que os alunos participantes
olhassem mais para a biblioteca de sua escola, que tinha um acervo bastante variado e, dentro de
suas possibilidades, até mesmo rico, no entanto o espaço era pouco aproveitado.
A fim de fazer com que os participantes desenvolvessem tais competências e um olhar
mais aprofundado para o material da sua biblioteca, foram elaboradas rodadas de perguntas
e respostas, e algumas palavras foram escolhidas pelos estagiários para que houvesse o jogo
de soletração. Participaram os alunos de todas as classes ofertadas no período da tarde, tanto
os alunos do Ensino Fundamental como os de EJA. Os interessados deveriam ingressar em dois
grupos diferentes, A ou B, que competiriam entre si, sendo que ambas as atividades aconteceriam
no pátio da escola.
Assim como as outras atividades, a preparação desta durou duas semanas, sendo que
aumentaria o nível de dificuldade das perguntas e as palavras eleitas para fazerem parte das rodadas
de cada jogo a cada semana, sendo as mais difíceis deixadas para o dia da culminância, visto que
os participantes já estariam preparados. No primeiro dia de preparação, os participantes ainda
não familiarizados com a ideia central de cooperação e trabalho em grupo às vezes depreciavam
uns aos outros, fato que começou a diminuir de frequência a partir do segundo dia, onde os
alunos demonstravam bastante vontade de participar e respeito em relação aos outros.
Os estagiários que realizariam a atividade da composição musical, por sua vez, também
tiveram duas semanas de preparação, no entanto, impuseram uma dinâmica diferente para as
atividades. De forma rápida, é possível dizer que houve uma fase de prospecção, isto é, de busca
de dados mais concretos e outra de composição e ensaios da música, tendo havido a necessidade
por parte dos estagiários de ir à escola mais duas vezes em horário de recreio para ensaiar com os
alunos.
Os momentos de preparação para esta atividade aconteceram prioritariamente em sala
de aula, com os alunos do 6º ano que estavam interessados. Em um primeiro momento, os
estagiários facilitaram um momento de construção por parte dos alunos de cartazes que diziam
respeito às representações deles acerca da mulher, do feminino. Como era de se esperar em uma
sala com muitos alunos, houve grande variedade de ideias, no entanto é cabível ressaltar que
neste momento, as meninas se emprenharam mais na atividade, fazendo cartazes com muitas
imagens, às vezes textos pequenos e que foram muito uteis para entender a forma como elas
percebiam o papel da mulher. Algumas davam enfoque maior ao físico, apresentando mulheres
mais arrumadas, bem vestidas, outras, por sua vez, davam maior enfoque ao respeito que se deve
ter à mulher, até mesmo com um ar de crítica à objetificação do corpo feminino e também a
agressões às mulheres.
Dentre os meninos, por outro lado, poucos demonstraram interesses, alguns se apresentaram
inquietos e desconcentrados, com uma atitude de esquiva mesmo, visto que embora tenham
entendido o objetivo da atividade, não a executaram, por motivos que não ficaram muito claros.
Dentre os que participaram, alguns deixaram seu cartaz em branco, embora tenham folheado
revistas, dando preferência a revistas que apresentavam mulheres em posições consideradas

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1241


NO ONTEXTO BRASILEIRO
sensuais; de outro lado, os outros meninos que participaram utilizaram seu cartaz para escrever
um texto que expunha de forma romantizada frases que incentivavam o respeito à mulher e suas
qualidades.
Na primeira semana, os alunos demonstraram certa dificuldade para se acalmar, fato que
não aconteceu na segunda. Contudo, houve uma queda no número de alunos do primeiro para
o segundo dia, o que pode ser associado ao fato de estes estarem participando de atividades
como quiz e soletrando ou outras, que aconteciam de forma concomitante. No segundo dia,
após a finalização dos cartazes houve um momento de exposição por parte dos alunos que os
construíram, para que os estagiários pudessem perceber melhor o que eles queriam dizer com seus
cartazes, neste momento, todos os que haviam confeccionado cartazes participaram e houve um
momento de fala sobre a temática.
Após isso, as ideias centrais já haviam sido percebidas. Como dito, havia grande variedade
de ideias, no entanto, as que mais se repetiam retratavam o respeito à mulher, igualdade entre os
gêneros, e a ideia romantizada das qualidades femininas. Isto pode trazer duas reflexões principais,
caso se lembre da demanda comentada acima. A primeira pode dizer respeito a uma melhora na
forma como os alunos enxergavam a mulher e o conceito de feminino, pois embora houvesse
traços e objetificação no que foi encontrado, estes não eram majoritários.
Outra observação importante diz respeito à possibilidade de que alguns dos alunos que
tinham um posicionamento menos respeitoso em relação à mulher não tenham se sentido a
vontade para expressar tal posicionamento em público, devido à grande quantidade de garotas
em sala e a grande quantidade de ideias divergentes que circulavam em sala, além disso, não se
pode deixar de observar a possibilidade de que estes tenham se sentido intimidados pela presença
dos estagiários que, embora estivessem na posição de facilitadores e não de juízes, podem ter sido
confundidos com sensores ou pessoas que estavam no local para vigiar, punir ou disciplinar.

Intervenção: Culminância

O momento da culminância, com a exposição dos produtos finais das atividades, deu-se
no pátio, para toda a comunidade escolar, tendo participado professores, gestores, funcionários,
alunos, estagiários e mesmo familiares, os quais ainda não tinham mostrado muita presença no
local e nas atividades, mas foram prestigiar o momento. Este momento foi facilitado apenas pelos
estagiários, que abriram e o encerraram, tendo total autonomia para a condução das atividades
– o que é um avanço em relação à noção disciplinadora citada mais cedo, visto que a equipe de
estágio foi deixada bastante à vontade.
Em alguns momentos, houve espaços para que acontecessem falas curtas sobre o que
acabara de ser exposto, como foi o caso de uma peça de teatro que retratou o bullying e ao final
os estagiários que facilitaram a oficina de teatro buscaram refletir sobre o que havia sido exposto.
De modo geral, os alunos se comportaram muito bem, foram atenciosos – mais do que se
havia observado até então em outras atividades –, talvez por estarem envolvidos nas atividades
e assim terem dado maior valor tanto ao que suas equipes iriam apresentar como a observar
o que as outras iriam expor, em respeito a seu esforço. Este fato em especial chamou bastante
atenção, pois foi incrível a “melhora” no comportamento dos alunos, que em outros momentos
se apresentavam inquietos ou distantes e desta vez estavam concentrados em sua maioria, além de
terem feito uma autorregulção do comportamento, isto é, eles próprios pediam a seus pares para
que silenciassem caso fosse necessário. Dando voz, autonomia e incentivando a responsabilidade
deles, foi visível a melhora em relação à “indisciplina”.
Sobre a atividade de quiz e soletrando, a qual foi primeira atividade a ser realizada, fazendo
uma comparação entre as vezes que o trio de estagiárias responsáveis por essa atividade visitou as

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salas convidando os alunos, pode-se dizer que houve uma evolução na forma como os alunos se
sentiam mais a vontade para partir do quiz ou soletrando, principalmente lembrando da resistência
percebida nas primeiras vezes. É interessante pontuar isto quando tempos uma situação onde os
professores costumam mais ditar do que orientar esses alunos, os impedindo de poder sentir a
independência em relação a eles, o que acabava por provocar situações de resistência dos alunos
para com as ordens dos professores.
Com isso também se pode notar a menor necessidade da participação apenas se todo o
grupo de amigos participasse, e esses acabaram socializando bem com todo o grupo, sendo a
boa relação de grupo e noções de coletividade e cooperação percebidas com o passar dos dias de
atividade. Nesse contexto também foi notado uma maior inclusão de pessoas que apareciam mais
afastadas em outros momentos no início do estágio. Os alunos, inclusive, tinham uma relação
muito boa com as estagiárias, tanto no momento dos jogos quanto no momento de organização
do pátio, onde muitos se ofereciam para guardar materiais como cadeiras e caixa de som. Ao
final, foram entregues lembrancinhas as participantes daquele dia, porque foi percebido que
algumas pessoas sempre se fizeram presentes nas atividades, como forma de agradecer à todos
pela participação pois quiz e soletrando, por envolver um conhecimento mais teórico, não se fazia
muito interessante para alguns e pela despedida.
Por fim, em relação à canção elaborada, esta foi executada pelos alunos do 6º ano que
tiveram interesse de ensaiá-la. Ela foi a atração final, após aproximadamente uma hora e vinte
minutos de apresentações, e mesmo assim os alunos que não pertenciam à turma que compôs
a canção tentaram acompanhar sua execução cantando ou mesmo gesticulando. Em relação a
esta questão, à da abertura do debate acerca da sexualidade, pelo fato de envolver determinantes
diversos e ser mais complexa, não é sensato fazer prognósticos acerca de melhoras no nível de
consciência dos alunos em relação ao papel da mulher e ao corpo feminino, no entanto, pela
adesão dos alunos que compuseram a música e dos outros, que participaram do momento de
apresentação para a comunidade escolar, é possível constatar que com estas atitudes, deu-se
início a um processo importante, que necessita ser continuado por outras pessoas, para que
futuramente apresente bons resultados.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: ESTUDO
COMPARATIVO EM ESCOLAS PÚBLICAS E PRIVADAS
DA CIDADE DE SALVADOR-BAHIA
Amélia Santana Da Silva
Cláudia Regina De Oliveira Vaz Torres

Introdução

E
ste trabalho aborda a medicalização da educação, com o objetivo de traçar um
comparativo entre escolas de nível fundamental públicas e particulares no Bairro do
Rio Vermelho, da cidade de Salvador - Bahia, sobre o uso de medicações psiquiátricas
e seus respectivos diagnósticos. Trata-se de uma pesquisa de iniciação científica, desenvolvida na
graduação em Psicologia, onde utilizou-se a abordagem qualitativa de natureza exploratória.
Segundo Collares e Moysés (1994, p.25), o “termo medicalização refere-se ao processo
de transformar questões não médicas, eminentemente de origem social e política, em questões
médicas, isto é, tentar encontrar no campo médico as causas e soluções para problemas dessa
natureza”.
Na atualidade, comportamentos desconcentrados, desatentos, indisciplinados, agitados ou
impulsivos de crianças, são rapidamente transformados em patologias, diagnósticos e receituários
sucessivamente. A lógica medicalizadora no âmbito escolar tornou-se a ferramenta mais utilizada
para aquietar e conter as crianças, em que manifestações humanas perdem espaço para uma
categoria disciplinada e obediente.
A escola como instituição designada socialmente para construção da infância como projeto
político e social, foi instituída na Modernidade como agência formal das ações educativas (Áries,
1978). Na contemporaneidade a escola é espaço de socialização e acesso à cultura letrada, aos
valores que fundamentam a ordem social. Nos saberes, discursos, rotinas, interações e linguagem,
o sujeito pedagógico é construído.
Assim, a escola passa a ser corresponsável pela educação e, também, pelo processo
medicalizador, onde identifica questões comportamentais muitas vezes antes da família e passa
a interpretar como exclusivamente biologizante, atrelando-se às queixas e encaminhando para
profissionais da área de saúde avaliar, diagnosticar e recomendar possíveis tratamentos.
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, lei n. 9.394/96), tornaram-
se possíveis, numerosas iniciativas sistemáticas de organização escolar nessa modalidade, com
proposições diferenciadas, em várias redes de ensino, tanto municipais quanto estaduais.
Atualmente, a política educacional prioriza a educação para todos, incluindo alunos que há
pouco tempo, eram afastados do sistema escolar, por terem deficiências físicas ou cognitivas,
e hoje existe um grande número de alunos que ao longo do tempo apresentaram dificuldades
de aprendizagem e que eram rotulados em geral, como alunos difíceis, doentes e/ou estavam
fadados ao fracasso escolar, podem enfim frequentar as escolas.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1245


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O Decreto Nº. 6.571, de 17 de setembro de 2008, que dispõe sobre o Atendimento Educacional
Especializado o AEE, destina recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica
– FUNDEB ao AEE de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação, matriculados na rede pública de ensino regular, admitindo uma dupla
matrícula desses alunos em classes comuns de ensino regular público e no AEE, conforme registro no
Censo Escolar. Esse Decreto possibilita às redes de ensino o investimento na formação continuada
de professores, na acessibilidade do espaço físico e do mobiliário escolar, na aquisição de novos
recursos de tecnologia assistiva, entre outras ações previstas na manutenção e desenvolvimento
do ensino para a organização e oferta do AEE, nas salas de recursos multifuncionais.
De acordo com as Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento
Educacional Especializado na Educação Básica, publicada pela Secretaria de Educação Especial
– SEESP/MEC, em abril de 2009, o Projeto Político Pedagógico da Escola deve contemplar o AEE
como uma das dimensões da escola das diferenças. Mais recente a Lei Brasileira de Inclusão
ou Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146/2015 destinada a assegurar e promover em
condições de igualdade o exercício dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas com
Deficiência. A exigência legal do PPP está expressa na LDBEN – Lei Nº. 9.394/96 que, em seu
artigo 12, define, entre as atribuições de uma escola, a tarefa de “elaborar e executar sua proposta
pedagógica”, deixando claro que ela precisa fundamentalmente saber o que quer e colocar em
execução esse querer, não ficando apenas nas promessas ou nas intenções expostas no papel.
Nesse sentido, é preciso planejar, organizar, executar e acompanhar os objetivos, metas e ações
traçadas, em articulação com as demais propostas da escola comum. Em concordância com essas
ideias, Mantoan (apud GAVIOLI, 2006) defende que

A escola reproduz a manifestação do controle exercido pela sociedade. Agrava a exclusão por
intermédio da competitividade que “seleciona naturalmente” os seres humanos e os responsabiliza
pelos seus fracassos escolares, não levando em conta as causas histórico-sociais. Não revê suas
práticas pedagógicas, não muda; espera que os indivíduos se adaptem a ela.

Com base em modelo clínico e destacado no trabalho a seguir, o contexto social, cultural
e histórico, passa a ser desconsiderado como fator essencial da formação do indivíduo, onde o
processo de medicalização acaba naturalizando a história de vida de cada um. Manifestações
expressas, comportamentos aprendidos, aspectos recriados ou de nascença que não se ajustam
aos padrões de normalidade, são interpretados como desviantes e denominados como possíveis
transtornos de aprendizagem e logo em seguida rotulando o indivíduo como “doente” ou “pessoa
com necessidade especial”.
De acordo com Machado (2000), as ideias de falta, anormalidade, doença e carência,
dominam a formulação das queixas a respeito de inúmeras crianças que são encaminhadas
pelas escolas para avaliações psicológicas e clínicas. Essas ideias ganharam vida própria, pois
muitas vezes deparamo-nos com cenas do dia a dia escolar nas quais ouvimos que as crianças
têm distúrbio e/ou transtorno de aprendizagem, desnutrição, família muito pobre, como se essas
ideias não tivessem sido produzidas historicamente.
Com relação aos diagnósticos, comumente encontramos crianças e adolescentes que
são compreendidos como pessoas que apresentam transtornos de aprendizagem. O Transtorno
de Aprendizagem é definido como uma categoria de problemas que engloba alguns transtornos
nos quais as modalidades habituais de aprendizado estão alteradas desde as primeiras
etapas do desenvolvimento. O Transtorno de Aprendizagem se caracteriza pelo desempenho
substancialmente abaixo do esperado para a idade, escolarização e nível de inteligência nas áreas
de leitura, expressão escrita e matemática.
A criança com Transtornos na Aprendizagem apresenta como manifestação mais evidente

1246  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
o baixo desempenho escolar, sendo que essas dificuldades podem ser transitórias (dificuldade de
aprendizagem) ou permanentes (distúrbio de aprendizagem ou dislexia) e ocorrer em quaisquer
momentos no processo de ensino-aprendizagem, correspondendo a déficits funcionais superiores,
como alterações cognitivas, de linguagem, raciocínio lógico-matemático, percepção, atenção e
afetividade.
Já o Distúrbio de Aprendizagem é definido como uma desordem neurobiológica do
processamento cognitivo e da linguagem, causada por um funcionamento cerebral atípico. Como
consequência dessa disfunção cerebral, a forma como indivíduos com distúrbio de aprendizagem
processa e adquire informações é diferente do funcionamento típico de crianças e adultos sem
dificuldades.
O Distúrbio de Aprendizagem está presente academicamente nas áreas que envolvem
decodificação ou identificação de palavras, compreensão de leitura, cálculos, reações matemáticas,
atividades de soletrar e/ou expressão escrita, assim como funcionamento atípico na área da
linguagem/fala.
Desta forma, os transtornos de aprendizagem, como a dislexia e o distúrbio de aprendizagem,
não devem ser considerados sinônimos de dificuldade de aprendizagem, pois a dificuldade é um
termo mais global e abrangente e suas causas são relacionadas com: o sujeito que aprende, os
conteúdos pedagógicos, o professor, os métodos de ensino e o ambiente físico e social da escola,
enquanto os transtornos de aprendizagem se referem a um grupo de dificuldades, mais difíceis
de serem identificadas, mais específicas e pontuais, caracterizadas pela presença de disfunção
neurológica, responsável pelo insucesso na escrita, na leitura e no cálculo matemático.
A escola passa então a cometer equívocos como: fragmentação do conhecimento,
padronização do conhecimento, padronização das pessoas, consideração da aprendizagem
apenas em sua dimensão reprodutiva, sem assumir a possibilidade de sua produção, e evitam
considerar a aprendizagem como função do sujeito, em sua configuração subjetiva e produtora
de sentidos subjetivos.
Este trabalho será pautado nesses aspectos, e principalmente sobre a responsabilidade que
é perpassada para as crianças, por não conseguirem acompanhar os conteúdos escolares ou se
encaixarem no que é dito como “normal”, eximindo assim os pais, professores e a sociedade de
problemas de natureza pedagógica, emocional, ambiental, entre outros. A civilidade do aluno
que se adapta ao meio que está inserido, através de formas disciplinares na escola, passa a ser o
que Foucault (2002) chama de “copos dóceis”. Utilizamos como base teórica, Foucault (2002),
Machado (2000), Collares e Moyses (1994), entre outros para compreender conceitos que
alicerçam os estudos.
Para Foucault (2002), corpos utilizáveis são corpos dóceis, que podem ser submetidos,
transformados e aperfeiçoados. Esses se prendem no interior de poderes que lhe impõem
limitações, proibições ou obrigações. O disciplinamento tem ligação direta com o poder, que
submete e subjuga o outro que é frágil e docilizado.

O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o


recompõe. “Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma ‘mecânica do poder”, está
nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente
para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a
rapidez e a eficácia que se determina. À disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados,
corpos “dóceis”. Á disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade)
e diminuem essas mesmas forças (em termos políticos de obediência) (FOUCAULT, 2002, p.119).

Dessa maneira, o poder atua por meio de dispositivos de controle, dos corpos e da vida,
onde se apresentam nos discursos da área médica, espaços escolares, contexto familiar, os
anseios e desconforto dos problemas relacionados à hiperatividade, dislexia ou distúrbios de

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1247


NO ONTEXTO BRASILEIRO
aprendizagem. Esses distúrbios acabam trazendo para os profissionais de educação, receio e
preocupação, o que não os tonam desnecessários. Não há afirmações na presente pesquisa da
inexistência de distúrbios ou problemas neurológicos, o que se pretende é buscar o entendimento
dos altos índices de diagnósticos psiquiátricos e sua correlação com outros contextos.

Método

Este estudo iniciou com uma pesquisa bibliográfica, ou seja, um estudo de fontes secundárias
sobre o tema medicalização da educação, com o objetivo de identificar e comparar os índices de
crianças medicadas e medicalizadas em escolas públicas e privadas do Bairro do rio Vermelho na
cidade de Salvador – Bahia. Em relação ao método de estudo o presente trabalho é uma pesquisa
exploratória. São inúmeros os estudos que podem ser classificados sob o título desde trabalho
e uma de suas características mais significativas está na utilização de técnicas padronizadas de
coleta de dados, tais como o questionário e a observação sistemática.
Para coletar os dados sobre o público-alvo (professores, diretores e coordenadores) do
estudo e descrever os aspectos que envolvem tal público, foi executada uma pesquisa com a técnica
de coleta de dados e o uso de questionários padronizados e sistemáticos. Outras ferramentas
para a obtenção de informações foram a observação, entrevistas com os pais e visitas frequentes
às instituições, ou seja, uma pesquisa exploratória nas escolas.
A análise dos dados foi configurada como predominantemente qualitativa, pois foram
analisados os contextos que influenciam na opinião dos profissionais das escolas e dos pais. Os
dados quantitativos ampliaram as possibilidades de análise. Após análise e avaliação dos dados
coletados com base nas observações participantes, entrevistas e questionário, foi elaborado um
relatório com dados necessários para melhorias na organização do trabalho pedagógico dos
contextos escolares pesquisados. Fez-se com os participantes da pesquisa a escolha da melhor
alternativa e que fosse a mais confiável, ressaltando a confidencialidade das informações
prestadas, antes, durante e pós coleta.

Resultados

Entre as 19 crianças selecionadas e avaliadas, mediante informações que constavam nos


cadastros da escola, sobre o uso de alguma medicação ou necessitarem de acompanhamento
psiquiátrico e psicológico, cinco apresentaram comportamentos que se distanciam do esperado
para a idade e são denominados como “patológico”. Foi percebido no comportamento das
crianças uma agressividade dentro e fora da sala de aula, falta de atenção e agitação, bem como
falta de motivação nas atividades lúdicas em sala e choros frequentes.
Os resultados qualitativos foram agrupados com base em categorias que evidenciavam as
semelhanças e também divergências de informações. Por exemplo, a relação familiar e aspectos
sociais informais, ambos estabeleceram relações de proximidade, por isso, os dois construtos
puderam ser analisados tanto separadamente quanto em conjunto. Os participantes demonstraram
haver uma aproximação entre buscar amparo e apoio na escola, retratar a violência do contexto
familiar e suas divergências nesse mesmo contexto.
Fez-se necessário a utilização de uma escuta sistematizada das queixas e demandas da
referida instituição, quanto dos pais e crianças/adolescentes entrevistados, em que se percebia a
vulnerabilidade dos mesmos em relação à construção de vínculos familiares, à aspectos de violência
em casa e no bairro em que residiam, à instrumentação de aparatos tecnológicos de forma intensa
e frequente, fazendo com que houvesse um maior distanciamento dos filhos para com a realidade
e necessidade familiar e escolar. Foi percebido o medo referente ao percurso de casa para a escola
e vice-versa, visto que os bairros que abarcam os arredores das escolas em questão é um dos mais

1248  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
violentos da cidade de Salvador e por isso, reflete o sentimento de insegurança e vulnerabilidade
no discurso dos entrevistados.
Cabe ressaltar que através da pesquisa e da identificação das demandas para atendimentos
psicológicos, foi feito o encaminhamento de duas listas de alunos para acompanhamento no
Núcleo de Estudos e Práticas Psicológicas da UNIFACS, mediante acordo de parceria para inserção
de outras atividades além da psicoterapia. Houve a realização de duas palestras na referida escola,
sobre sustentabilidade e sexualidade na adolescência, com aceitação e efetiva participação dos
pais e alunos.

Discussão

Os resultados encontrados na presente pesquisa sugerem que o acompanhamento psicológico


e psiquiátrico deveria ser pautado numa avaliação séria e com procedimentos concretos, baseados
nas informações gerais e que abarcasse todo o contexto dessa criança/adolescente, como o
contexto familiar, o contexto escolar e o contexto social, visto que a construção do ser humano é
regida com aspectos vivenciados ao longo da vida, etapa por etapa.
O estudo também evidenciou que o sistema de ensino atua sobre os alunos através da
autoridade e do trabalho pedagógico, mediante forças simbólicas que exercem seu papel ao
reproduzir relações, saberes e posições legitimadas como mais apropriadas para crianças e
adolescentes. Desse modo, concordamos com Charlot (2000) ao analisar que o aluno é um sujeito
confrontado com a necessidade de aprender e com a presença, em seu mundo, de conhecimentos
de diversos tipos. O aluno é um ser humano aberto ao mundo, tem desejos, interage. É um ser
social, nasce e cresce em uma família, ocupa uma posição social e está inscrito em relações sociais.
A escola e todo o sistema de ensino precisam contemplar as singularidades e aproximar-se do
sentido que tem a escola e o conhecimento para os alunos.
A caracterização e quantificação de crianças/adolescentes do ensino fundamental, usuárias
de medicamentos para questões comportamentais, transtornos diversos, dislexia, problemas
neurológicos, na escola em questão, possibilitou o entendimento sobre a pouca responsabilidade
da escola e dos pais com os filhos/alunos. Collares e Moysés (1994) analisam que nas cidades
ocidentais, é crescente a translocação para o campo médico de problemas inerentes à vida,
com a transformação de questões coletivas, de ordem social e política, em questões individuais,
biológicas.
Tratar questões sociais como biológicas iguala o mundo da vida ao mundo da natureza.
Isentam-se de responsabilidades todas as instâncias de poder, em cujas entranhas são gerados
e perpetuados tais problemas. Isso nos traz a reflexão do quão grave tem sido as questões
interpretadas como “patologizantes” e/ou “biologizantes”, onde a família e a escola se isentam
da responsabilidade de se adequar e reaprender a lidar com as questões fora da “normalidade” e
passam a responsabilizar as crianças/adolescentes por não se enquadrarem como “copos dóceis”
e manipuláveis.

Considerações Finais

A pesquisa apontou que as observações no cotidiano escolar são instrumentos necessários para
o entendimento e compreensão do despreparo existente no âmbito em questão, e da necessidade
de um suporte no que diz respeito ao processo inclusivo e eficiente. Diante das entrevistas
realizadas com todos os envolvidos, foi percebido que a escola não consegue lidar sozinha com
questões biologizantes ou de cunho patológico, mas vale ressaltar que a participação da família e
o amparo de profissionais da psicologia e da pedagogia são de extrema importância, tanto para

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1249


NO ONTEXTO BRASILEIRO
identificação das demandas, quanto do cuidado. Nos casos relacionados à comportamentos,
associados ou não a transtornos e/ou dificuldade de aprendizagem, traz a preocupante associação
com a “cura” através da medicação, como também o estigma da rotulação “eterna”, onde essa
criança poderá em situações futuras, ser percebida por outros colegas como a “doente” ou a
“louca” que usa remédio tarja preta.
Percebe-se a antecipação de encaminhamentos para os serviços de saúde, como psiquiatria,
psicologia, fonoaudiologia, além de outros encaminhamentos para juizado de menores e
instituições filantrópicas com atividades de orientação e recreação. A escola repassa a demanda
para terceiros, que por sua vez absorve o discurso da família e logo sana o problema com a
medicação, caracterizando assim o que chamamos de processo medicalizador. Não há afirmações
da inexistência de questões biológicas e patológicas, longe disso, estamos dizendo que os
diagnósticos estão cada vez mais rápidos e sem uma avaliação eficiente e concreta. Precisamos
que essas crianças, supostamente “hiperativas”, “dispersas”, dislexas”, ou com dificuldade de
aprendizagem, sejam vistas em sua subjetividade, de forma que possam trazer não só a demanda
patológica, como também outros dados para possíveis soluções.
Contudo, faz-se a ressalva de que, estamos distantes de findar com o processo medicalizador
a qual o público escolar está inserido.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1251


NO ONTEXTO BRASILEIRO
RELATO DE EXPERIÊNCIA: CULTIVAR A PAZ,
SEMEAR VALORES
Jessyca Rodrigues Melo
Camila Siqueira Cronemberger Freitas
Alysson Fernando Oliveira da Cruz
Cecília Maria Almeida e Almendra Sousa
Elivelton Cardoso Vieira
Louanne Sousa Silva

Introdução

A
través da prática na disciplina de Psicologia Escolar II, realizou-se o levantamento
de demandas e promoção de um projeto interventivo acerca do papel do psicólogo
escolar, com o enfoque na demanda mais urgente. Desta forma, constatou-se, por
meio da análise institucional, que a demanda principal seria a violência presente em determinadas
turmas da escola. Assim, correlacionou-se o tema violência ao de cultura de paz, culminando em
um projeto executado por alunos do 6º período do curso de Psicologia da Universidade Estadual
do Piauí.
Desse modo, este projeto teve como objetivo geral realizar atividades lúdicas que
levassem os alunos do 6º ano do ensino fundamental de uma escola pública da rede municipal
de Teresina-PI, a refletirem sobre seu futuro diante do contexto de violência, crime e
marginalização em que estão inseridos. Como objetivo específico, visou-se uma reflexão sobre
o papel da escola como agente transformador da realidade através de estratégias promovidas
pela cultura de paz.
Soma-se a isto, a acepção da temática cultura de paz definida como um conjunto de valores,
atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados no respeito pleno à vida e na promoção
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, propiciando o fomento da paz entre as pessoas,
os grupos e as nações (Declaração sobre uma Cultura de Paz, ONU, 1999, artigos 1 e 2).
O presente projeto foi realizado de acordo com as demandas observadas, bem como os
relatos dos professores diante não só do comportamento dos alunos dentro da sala de aula,
mas também fora da escola, estando grande parte deles envolvidos em situações de violência e
criminalidade. É responsabilidade de a escola formar cidadãos conscientes de suas escolhas e
desafios presentes e futuros e, portanto, desse modo, pensou-se em atividades ligadas à cultura
de paz, com o intuito de conscientizar os jovens quanto a boas ações, atitudes e pensamentos
que envolvam conceitos como solidariedade, segurança e, acima de tudo, respeito. Parte daí a
importância deste projeto para os alunos e também para a escola como um todo. Levando os
alunos a pensar e a construir um futuro mais pacífico e consciente de suas ações e escolhas.

1252  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método

Trata-se de um estudo descritivo, tipo relato de experiência elaborado a partir das experiências
da disciplina Psicologia Escolar II, realizado pelos acadêmicos de Psicologia da Universidade
Estadual do Piauí (UESPI). O projeto teve como público alvo 25 alunos do 6º ano do ensino
fundamental de uma escola pública da cidade de Teresina. Onde foram realizadas dinâmicas que
abordaram o tema proposto, cultura de paz, a fim de atender as demandas emergenciais. O
projeto foi realizado em dois encontros com 1 hora e 30 minutos de duração cada, e em dias
diferentes da mesma semana.

Resultados

Os resultados obtidos apontaram a importância de se trabalhar com a cultura de paz no


contexto escolar. Pois segundo Skinner (2003), a família funciona como uma agência educacional
primária, no entanto, as crianças e adolescentes também tem seus comportamentos influenciados
por modelos comportamentais de pessoas que fogem do seio familiar e que fazem parte da
comunidade em que estão inseridos. Assim, em ambientes de grande vulnerabilidade social e
níveis elevados de criminalidade, crianças e jovens tem seus conceitos éticos de “certo” e “errado”
distorcidos, acabando por naturalizar comportamentos inaceitáveis e prejudiciais para o convívio
em sociedade. Dessa forma, faz-se necessário que a escola exerça seu papel de agência educacional
e de instituição que prepara os indivíduos para se inserirem na sociedade, e implemente ações que
visem a mudança das crenças e perspectivas de futuro que essas crianças têm enraizadas.
Segundo Silva (2008) em razão de possuir, em sua imensa maioria, um caráter de natureza
lúdica, a dinâmica de grupo tem o condão de promover uma reprodução do mundo das relações, a
realidade corpórea universal, vivida pelo indivíduo. Justamente por essa similitude com a realidade
experimentada pelo sujeito da dinâmica, a atividade constitui-se em um poderoso agente de
mudanças.
No primeiro dia, antes de início das atividades, um contrato foi firmado, onde os alunos
deveriam aceitar as regras de fazer silêncio e colaborar com as atividades propostas. Depois disso,
foram iniciadas as dinâmicas, sendo a primeira uma dinâmica de apresentação intitulada “Nomes
e qualidades”, com o intuito de conhecer um pouco mais sobre o grupo e criar vínculos. Cada
aluno escreve seu nome numa folha A4 na posição vertical. As folhas são recolhidas e redistribuídas
entre os alunos para que eles encaixem qualidades no nome do colega que ele recebeu. Tem como
objetivos a apresentação dos alunos e também instigá-los a encontrar qualidades nas pessoas
que são mais próximas deles, no caso os colegas de sala. Outro objetivo é fazê-los refletir sobre a
questão de todos terem qualidades mesmo tendo defeitos. Ampliam-se, deste modo, a partir da
aceitação inicial do grupo em participar ativamente das outras atividades.
A segunda dinâmica intitulada como “Heróis do Quebra-Cabeça”, onde os alunos foram
divididos em cinco grupos e a cada grupo foi dado um quebra-cabeça a ser montado para, em
seguida as crianças identificarem o personagem neles presentes. A partir disto realizou-se uma
discussão sobre as qualidades desses heróis, os poderes que os alunos gostariam de ter, os poderes
que eles já acreditam possuir e quais heróis eles conseguem identificar em seu dia-a-dia. Através
das seguintes perguntas: Quais as qualidades e poderes desses super-heróis? Qual poder você
gostaria de ter? O que você tem em comum com os heróis? Porque as pessoas os consideram
heróis? Tendo como objetivo principal reconhecer e refletir sobre valores. Fazer com que eles
percebam que podem ser seus próprios super-heróis. Reconhecer os super-heróis do dia-a-dia.
Mostrar que inteligência, compromisso com a escola, ajudar em casa, por exemplo, também são
superpoderes, pois podem mudar a realidade e a vida deles.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1253


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A terceira e última dinâmica, a ser realizada ainda nesse primeiro encontro, intitulada como
dinâmica do pirulito, realizou-se da seguinte forma os alunos ficaram de pé e formaram duas
filas, dispostos um de frente para o outro formando duplas, segurando o pirulito com a mão
direita, não podendo utilizar a mão esquerda, a colocando para trás do corpo. Sem curvar o
braço direito eles o esticaram e então será dado o comando para que abram e coloquem o pirulito
na boca. O objetivo dessa dinâmica é perceber que só é possível realizar a tarefa com a ajuda do
colega. Constatou-se na prática a cooperação e o trabalho em equipe, a conscientização sobre a
necessidade do outro em nossas vidas e criação de vínculos entre os membros do grupo.
O segundo encontro, iniciou com a dinâmica do “Like e Deslike”, onde se utilizou um projetor
para exibir imagens com atitudes éticas (legais/positivas) e antiéticas (não legais/negativas), em
que os alunos as julgaram utilizando plaquinhas com os símbolos do like e do deslike, para dizerem
o que eles acreditam ser certo e errado. Depois da apresentação da plaquinha eles os mesmo
foram questionados sobre o porquê de terem julgado daquela forma. Constatou-se na prática
a reflexão acerca das atitudes e ações diárias que promovem o bom convívio e a Paz. Além da
reflexão sobre o papel da escola como agente transformador da realidade em que estão inseridos.
Ampliam-se, deste modo, a segunda atividade do dia, intitulada “Árvore da Paz”, nessa
dinâmica foi solicitado que os alunos escrevessem ou desenhassem, dentro de uma pomba branca
feita em papel A4, o que eles acham que a árvore precisaria para representar a Paz. A árvore ficará
exposta na sala de aula, como uma lembrança de tudo que foi discutido nos dois dias de encontro.
Por fim, com o auxílio da árvore e de tudo que foi escrito e colocado nela, será promovida uma
discussão sobre os dois dias de encontro, o que ficou de aprendizado para os alunos e a reflexão
sobre construir seu próprio futuro a partir de ações éticas, de solidariedade e respeito. Constatou-
se na prática a reflexão sobre quais comportamentos são necessários para que se possa promover
a paz, dentro e fora da escola.

Discussão

Cabe traçarmos um paralelo entre a diferença que muitas das vezes é feita acerca do
significado contextual da paz com o significado prático. Conforme afirma Milani (2000), ser
um cidadão de paz transcende a visão de não ser um indivíduo violento, visto que fazer o bem
assume um caráter mais amplo que não fazer o mal. Segundo o autor, a prática da paz implica o
envolvimento de cada cidadão, família, organização e comunidade na vivência e construção de
relações baseadas no respeito, na unidade na diversidade e na empatia. O vínculo existente nas
relações sujeito-ambiente torna a construção e a vivência da paz a sua mais efetiva e eficaz forma
de promoção e difusão (Dusi, 2005).
Percebeu-se no decorrer da intervenção a relevância de se fazer o contrato no início de cada
dia e explicar o objetivo da atividade e concluir esta com a sintetização da temática apresentada.
No que diz respeito às atividades que obtivemos resultados na questão de atenção do aluno e
obtenção de reflexão destes como, por exemplo, a dinâmica de conscientização Heróis do
Quebra-Cabeça que necessitou do trabalho em grupo e cada estudante de psicologia indagava
perguntas para as crianças de como associar aqueles super-heróis com algo de seu cotidiano, além
da pontuação dos aspectos positivos das relações interpessoais dentro de sala de aula. Como
também a construção da Árvore da Paz na conclusão desta ação para assimilação do que foi
absorvido de cada aluno dentro da temática como forma de feedback do trabalho realizado.
Em contrapartida temos que elencar pontos que precisam ser revistos, de modo que algumas
atividades necessitariam prender mais a atenção deste aluno como, por exemplo, na dinâmica
de Conscientização: Like e Deslike poderiam ser somados a dinâmica mais recursos áudio visuais.
Além disso, o papel do psicólogo escolar nesse sentido se torna fundamental, sendo este

1254  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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organizado de forma estruturada. Assim é imprescindível a observação e a análise do espaço a ser
trabalhado, sistematizando um mapeamento institucional para um levantamento de demandas e
escolhendo a demanda emergencial que deve ser focalizada de acordo com cada necessidade para
elaboração de intervenções e execuções desta.
Visto que, no contexto escolar, a atuação do psicólogo escolar envolve intervenções voltadas
ao desenvolvimento de competências individuais e coletivas, a capacitação para a prática dos
diferentes atores de forma reflexiva, intencional e planejada, articulada aos conhecimentos,
habilidades e saberes, tende a promover a construção da competência nas inúmeras zonas
indeterminadas da prática (Plantamura, 2002) que clamam por ações pontuais, promotoras de
soluções pacíficas.
A Psicologia Escolar apresenta-se, desta forma, como uma área de atuação promotora da
Cultura de Paz no contexto educativo, por meio de construções, em níveis micro e macro, de ações
direcionadas ao respeito pleno à vida, aos Direitos Humanos, à dignidade e ao desenvolvimento
(Dusi, 2005).
Desta forma, os principais resultados obtidos se relacionam à troca de experiências das quais
não se limitavam entre alunos e interventores, pois através do lúdico se concretizou o processo de
ensino aprendizagem abrangendo à cultura de paz. Além do despertar para a reflexão sobre quais
comportamentos são necessários para que se possa promover a paz, dentro e fora da escola.
Efetivou-se também a cooperação, o trabalho em equipe, criação de vínculos e a conscientização
sobre a necessidade do outro em nossas vidas.

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1255


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ORIGEM, DESENVOLVIMENTO E ATUALIDADE DO
FRACASSO ESCOLAR:
UM OLHAR HISTÓRICO-CULTURAL
Artur Bruno Fonseca De Oliveira
Genira Fonseca De Oliveira

Notas Introdutórias

O
trabalho se constitui numa reflexão sobre o fracasso escolar, fenômeno polêmico e
amplamente debatido nos meios acadêmicos e midiáticos. É importante considerar
já de início que fracasso escolar é uma temática trabalhada de forma aprofundada
por Maria Helena Souza Patto em seu livro “A produção do fracasso escolar: histórias de submissão
e rebeldia”, dando maior visibilidade a uma vertente crítica em Psicologia Escolar e Educacional.
Tal vertente busca transformar o imediato em mediato e, por isso, nega as aparências
ideológicas, apreende a totalidade do concreto em suas múltiplas determinações e compreende
a sociedade como um movimento de “vir-a-ser” (Meira, 2003). Então, fornece-nos uma
compreensão do fracasso na escolarização inserindo-o numa conjuntura educacional onde há
múltiplas determinações que o produz. Não reduz a explicação do Fracasso Escolar a uma causa
individual.
Esse fenômeno corresponde à falha da educação pública em concretizar a sua função (Patto,
2015), que, segundo Saviani (1995, p. 21), corresponde ao

o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade


que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da
educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam
ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de
outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse
objetivo.

Depreende-se que o trabalho educativo atinge seu objetivo quando o indivíduo apreende
aspectos culturais imprescindíveis à sua formação como ser humano, necessários à sua
humanização (Duarte, 1998). Ampliando essa discussão, Davidov (1988), psicólogo e pesquisador
russo, afirma que a escolarização gera desenvolvimento psicológico, pois é possível que a criança
assimile modos de pensar típicos da cultura letrada, científica, escolarizada.
Contudo, a escola, ao longo da história e na atualidade, não tem possibilitado o acesso de
todos ao bem cultural, gerando, por isso, impeditivos para o processo de humanização, de tornar-
se sujeito, de desenvolvimento das funções psicológicas superiores das pessoas. Desse modo,
elas ficam sujeitas a um processo histórico de marginalização, o que constitui uma das mazelas
educacionais. Esse quadro é o cenário do qual surgem as queixas escolares, o que contribui com

1256  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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as possíveis dificuldades identificadas pelos educadores no que se refere ao rendimento escolar
ou ao comportamento dos alunos. Todos os fatores apresentados interferem negativamente
no processo ensino-aprendizagem, corroborando para a produção do fracasso escolar (Facci,
Leonardo, & Ribeiro, 2014).

Aspectos Metodológicos

A abordagem desse fenômeno se dará por meio dos aportes da Psicologia Histórico-
Cultural, a qual se propõe a estudar os fenômenos humanos e sociais tendo em vista a sua gênese
e historicidade para compreendê-los em suas complexidades (Vigotski, 2001a).
Essa abordagem de compreensão do psiquismo humano, intimamente relacionado
com o contexto histórico-cultural, toma como base metodológica o materialismo histórico e
dialético (Zanella et al., 2007). Os princípios metodológicos da Psicologia Histórico-Cultural são
congruentes com os aportes do materialismo histórico e dialético, visto que

salientam-se, como princípios metodológicos da psicologia histórico-cultural, a concepção


de unidade presente na conexão universal de objetos e fenômenos que se faz no estudo dos
fenômenos psíquicos, além das noções de movimento e de desenvolvimento que expressam
as contradições internas dos objetos e fenômenos. Tais princípios estão ligados a leis do
materialismo dialético expressas pela unidade e luta de contrários, da transformação da
quantidade em qualidade e vice-versa e da negação da negação (Bernardes, 2010, p. 305).

A noção de movimento é uma categoria do método dialético e se constitui num dos pilares
da compreensão da Psicologia Histórico-Cultural sobre os fenômenos humanos e sociais. Assim,
“Estudar algo historicamente significa estudá-lo em movimento” (Vigotski, 2001a, p. 67-68).
Considera-se também o estudo dos fenômenos em sua concreticidade, ou seja, “o ponto de
partida da investigação na psicologia histórico-cultural é considerado por Vigotski como sendo os
fatos” (Bernardes, 2010, p. 308). Esses fatos compõem a realidade objetiva a qual se transforma
ao longo da própria história da produção humana e é identificada pelo materialismo histórico
dialético como a realidade concreta.
Além dessas considerações, é importante expor três traços fundamentais do método de
investigação da Psicologia Histórico-Cultural, os quais foram utilizados para construir o presente
trabalho. São eles: 1) análise de processos em substituição à análise de objetos; 2) explicação
do fenômeno em substituição à descrição do mesmo; 3) investigação do “comportamento
fossilizado” (Vigotski, 1989).
A análise de processos em substituição à análise de objetos refere-se à busca por entender o
desenvolvimento dos fenômenos, os quais não são estáticos nem dados, mas produzidos ao longo
do tempo. Baliza-se na compreensão de que os fenômenos humanos e sociais são dinâmicos e
precisam ser estudados não num recorte, mas nessa dinamicidade.
A explicação dos fenômenos em substituição de sua descrição remete à busca pela essência
dos fenômenos além da aparência. Contudo, Vigotski não exclui as manifestações externas do
fenômeno, mas subordina-as à descoberta de sua origem real, ou seja, à sua essência.
A investigação do comportamento fossilizado refere-se à busca pelo estudo daquelas
condutas instituídas no comportamento do homem como ser universal que, mediadas pelas
condições da vida em sociedade, constituem a sua individualidade. No entanto, é importante ir
além dos processos automatizados e mecanizados.
A pesquisa, então, visou investigar alguns elementos que pusessem em cheque visões
arraigadas e estanques sobre o fracasso escolar, desvelando situações da realidade concreta a
partir de uma breve análise histórica da constituição do Fracasso Escolar, índices educacionais –

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1257


NO ONTEXTO BRASILEIRO
guardando-se as devidas críticas a tais dados –, fatos da realidade política-educacional e oportunas
críticas aos mesmos.

Fracasso Escolar como produção histórica

Uma compreensão história da constituição do fracasso escolar é considerada relevante quando


se entende que qualquer análise sobre a educação e seus processos deve levar em consideração o
contexto histórico-social-político-cultural (Forgiarini & Silva, 2007). Julga-se, a partir disso, que o
fenômeno do fracasso escolar, assim como muitos presentes na sociedade, foi produzido histórica
e socialmente. Ademais, presenciamos sua continuidade na contemporaneidade a partir de uma
atual conjuntura educacional propiciadora.
É importante referir que a abordagem do fracasso escolar está intimamente relacionada
com a constituição da escola pública como mecanismo de alicerce dos ideais liberais burgueses,
mais especificamente quando uma parcela considerável da classe trabalhadora teve acesso a ela
(Forgiarini & Silva, 2007).
Essa instituição é típica da sociedade capitalista, visto que seus ideais surgiram com a
Revolução Francesa, em 1789, cujos participantes levantavam a bandeira dos princípios de
liberdade, igualdade e fraternidade, proclamados na Declaração dos direitos do Homem e do
Cidadão (1789) (Silva, 2007, p. 26). Nascem, com isso, as primeiras reivindicações de direitos,
dentre eles, o direito à escola pública como responsabilidade do Estado.
Os ideais burgueses também exerceram influência na realidade educacional brasileira a partir
da Proclamação da República (1889), a qual se caracterizou como um “movimento cujos ideais
nasceram inspirados numa concepção positivista de educação, marcada pela crença sistemática
na educação como mola propulsora para a modernização da sociedade brasileira” (Silva, 2007,
p. 27).
A partir do advento desses ideais, buscou-se definir um projeto educacional para o país
com a finalidade de se atingir o pleno desenvolvimento. Ao longo das décadas, esse foi o rema da
agenda educacional brasileira. O acesso ao espaço escolar se expandia a fim de que se concretizasse
o objetivo de levar o país ao desenvolvimento.
No entanto, a história da educação no Brasil tem registrado a democratização do acesso
à escola - traduzida no aumento do número de vagas - mas não o preparo da escola no que diz
respeito à garantia da qualidade da aprendizagem  (Tuleski & Eidt, 2007;  Tacca & Branco, 2008).
No século XXI ainda não é possível ver esse quadro histórico sobre a educação revertido, visto que
“à maior parte das crianças e adolescentes do país se oferece muito menos do que o direito faculta
as pessoas” (Freitas & Biccas, 2009, p. 345).
Vê-se, portanto, o fenômeno do fracasso escolar ainda sendo produzido nas escolas públicas.
Chega-se à contemporaneidade, na qual a escola desempenha um papel nitidamente excludente
em um contexto complexo, não cumprindo sua função de popularização do saber possibilitando
uma educação de qualidade a toda sociedade.
Ribeiro (2000), ao analisar a conjuntura da educação no Brasil apontando perspectivas para
o século XXI, afirma que dados estatísticos mostram o país muito próximo da universalização do
ensino fundamental, mas esses dados são questionáveis. De fato, houve aumento do número de
matrículas em 2011 (98,3% matriculados em 2011), ou seja, “quase todas” as crianças de seis a
catorze anos estão nas escolas (Indicadores de desenvolvimento brasileiro, 2016).
No entanto, a realidade da educação nordestina, por exemplo, mostra que uma significativa
parcela dos alunos de escolas públicas, que concluíram o 3º ano do Ensino Fundamental, não
adquiriram os conhecimentos esperados para essa etapa: 64,4% para leitura, 46,6% para escrita,
25,9% para matemática, enquanto a média brasileira nessas respectivas áreas foi de 77,8%, 65,5%
e 42,9%, como indica o índice de leitura da Avaliação Brasileira do Ciclo de Alfabetização-Prova

1258  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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ABC (Anuário Brasileiro da Educação Básica, 2016). Os dados mostram considerável discrepância
entre a média do país e a média regional, havendo uma defasagem da região Nordeste em relação
ao restante do país, segundo os critérios da referida avaliação.
Em se tratando do município de Fortaleza, capital do estado do Ceará, de acordo com o
último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principal indicador da qualidade
da educação básica no Brasil, o valor do Ideb do município é de 4,6 em uma escala que vai de 0
a 10, sendo, portanto considerado baixo. Além disso, 13,2% das escolas desse município estão
em situação de alerta, 64,9% estão em situação de atenção totalizando 80,1% de escolas que
apresentam desempenho bem abaixo do esperado para as escolas de Fortaleza. Os índices são
mais preocupantes em municípios do interior do estado. Viégas (2017) expressa que um número
significativo de alunos com queixa escolar tem sido encaminhado para outros serviços públicos.
Portanto, no século XXI ainda não é possível ver esse quadro histórico sobre a educação
revertido, visto que “à maior parte das crianças e adolescentes do país se oferece muito menos do
que o direito faculta as pessoas” (Freitas & Biccas, 2009, p. 345).
O fracasso escolar, desse modo, tem como pano de fundo, na atualidade, a globalização
neoliberal “que se materializa pela desestruturação e submissão das economias dos países pobres
às determinações das grandes corporações internacionais” (Ribeiro, 2000, p. 29). Além disso,
ainda é presente a lógica de que a educação é o remédio para o combate ao subdesenvolvimento,
deturpando, assim, o propósito da escola. Vê-se, então, que o ideal burguês ainda continua
presente no planejamento e organização da educação e se constitui numa das bases para a
produção do fracasso escolar.
Com o que foi discutido e em concordância com Senicato e Ometto (2014), o contexto
complexo com base no qual procura-se analisar o fracasso escolar exige que essa discussão seja
ampla e não simplificada, categorizada ou materializada de forma simples. Ou seja, a discussão
em torno do fracasso escolar sempre demandará profunda e densa análise concentrada na
materialidade e na concretude dos símbolos em que as relações são caracterizadas, ou seja, a
realidade e as experiências enfrentadas pelos alunos. É importante que se vá além de uma visão
reducionista.
Por isso, é importante salientar que, partindo de uma análise concreta da materialidade a
qual vive a escola pública, vemos ações que podem colaborar com o distanciamento da escola
de sua função, apresentada neste trabalho. Por exemplo, o Projeto de Lei 867/2015, o projeto
Escola sem Partido, o qual vai na contramão de uma prática pedagógica livre e democrática
(Viégas & Goldstein, 2017). O projeto gera impedimentos, sobretudo, de que discussões políticas
sejam engendradas em sala de aula, amordaçando os professores em sua prática, pois “impede
a construção dos valores necessários a uma convivência democrática e o combate de toda forma
de valores preconceituosos” (Penna, 2016). Impede também que temáticas importantes sejam
trabalhadas em sala de aula, as quais podem contribuir para o desenvolvimento dos alunos.
Outra peça da conjuntura política-educacional também tem seguido a linha mercadológica
neoliberal de transformar a educação num campo onde são produzidos os frutos do desenvolvimento
do país: a Medida Provisória 746/16, da qual resultou a Lei 13.415/17. Ela também gera fortes
impedimentos à execução da função da escola, pois se acredita que ela

aproxima a última etapa da educação básica a uma visão mercantil da escola pública e
contraria seu caráter público, inclusivo e universal. Ela sustenta que a prioridade da reforma
é a melhoria do desempenho dos estudantes nos testes padronizados que compõem
a política de avaliação em larga escala; que a finalidade do ensino médio é de preparar
os jovens para ingresso no mercado do trabalho, seja para conter a pressão por acesso
à educação superior, seja para atender a demandas do setor produtivo; que a oferta e a

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1259


NO ONTEXTO BRASILEIRO
organização curricular precisam, para observar essas intenções, se adequar a requisitos de
eficiência inspirados na lógica de organização mercantil, e por isso, tornar-se-ia necessário
“flexibilizar” o currículo, dividindo-o e ofertando o conhecimento de forma parcimoniosa
(redução das disciplinas obrigatórias) e distinta aos diferentes sujeitos (distribuição
pelos cinco itinerários formativos); implica, ainda, a construção de novas hierarquias que
menosprezam determinados conhecimentos, como é o caso da Sociologia, da Filosofia e
das Artes (Silva & Scheibe, 2017, p. 28).

Através da conjuntura apresentada, é possível ver como o fracasso escolar se constitui


numa questão que vai além de um problema do aluno, compreensão que vai na contramão de
explicações dadas ao longo da história e na atualidade. Continua-se a não levar em consideração
fatores políticos, econômicos e sociais. Assim, a escola não é repensada em suas estruturas senão
para atender aos ditames do capital. A constituição de um espaço de formação humana não é
contemplada nessa perspectiva.
Partindo dessa ideia, cabe fornecer, nesse momento, aportes para se pensar numa visão
e postura ante a manifestação do fracasso escolar, questão concreta que surge na realidade do
cotidiano educacional. Para isso, será utilizado os fundamentos da Psicologia Histórico-Cultural
desenvolvida por Vigotski.

A Psicologia Histórico-Cultural e um novo olhar lançado ao Fracasso Escolar

Angelucci et al. (2004) expõe que a maioria das pesquisas produzem um campo de
conhecimento que não caminha por meio da superação de concepções examinadas em suas raízes
epistemológicas e ético-políticas, mas de acréscimos estanques, que não fazem o conhecimento
avançar. Por outro lado, algumas pesquisas ressoam como um desvelar do caráter ideológico de
concepções do fracasso escolar, que retiram a escola e as práticas que nela se dão de seu contexto
econômico e político, e põem em questão o caráter neutro ou desinteressado da ciência.
Para melhor compreender as dificuldades presentes no processo de escolarização é
imprescindível que se abandone uma visão reducionista que culpabiliza, ora os alunos, que
possuem desordens orgânicas ou psíquicas; ora o professor, o qual não é investido de competência
suficiente para oportunizar um aprendizado eficaz; ora a família, que não se insere no processo
de aprendizagem do aluno; ora o entorno social e cultural, o qual apresenta impedimentos para
o pleno desenvolvimento da criança.
Vigotski (2001a) traz importantes contribuições para essa mudança de visão, pois postula
que para entender um determinado aspecto do desenvolvimento, deve interessar saber qual a sua
origem e desenvolvimento numa explicação histórica do fenômeno. A partir desse posicionamento
teórico, o desenvolvimento infantil

se trata de um complexo processo dialético que se distingue por uma complicada


periodicidade, desproporção no desenvolvimento das diversas funções, metamorfose ou
transformação qualitativa de umas formas em outras, um entrelaçamento complexo de
processos evolutivos e involutivos, o complexo cruzamento de fatores externos e internos,
um complexo processo de superação de dificuldades e adaptação. (Vigotski, 2001a, p. 141).

Há, a partir da ideia exposta, um atravessamento de diversos aspectos no desenvolvimento


da criança, de modo que o desenvolvimento cultural é considerado muito mais importante do que
a maturação biológica. As novas conquistas da criança não se originam pelo desenvolvimento dos
potenciais internos, mas através do “choque real entre organismo e meio” (Vigotski, 2001a, p.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
143). Por isso justifica-se o equivoco na visão de que a explicação do fracasso está na criança ou
no meio individualmente, superando-o para a compreensão de que a explicação está na complexa
relação entre esses âmbitos.
A partir disso, todo o sistema educacional deve ser mobilizado não para solucionar um
problema da criança, da escola ou da sociedade, mas para intervir na relação da criança com a
escola e com a sociedade, a partir do processo de escolarização. Isso traz aportes para atuações
bem diferentes das tantas desenvolvidas ao longo da história do trabalho da Psicologia Escolar
e Educacional, como utilização de testes para mensurar habilidades individuais, transposição da
psicoterapia para o âmbito institucional e, a mais nova forma de atuação: intervenção favorecendo
as habilidades socioemocionais dos alunos.
Sem dúvidas, contemplar aspectos emocionais é essencial para o processo de ensino e
aprendizagem. Considerar só o aspecto cognitivo não é suficiente, pois o ser humano deve ser
compreendido em sua totalidade, pois não é possível a construção de um pensamento sem os
afetos (Vigotski, 2014). Ao longo de muito tempo a educação brasileira, marcada pela pedagogia
tradicional, deixou de lado os aspectos emocionais no processo de ensino e aprendizagem. Apesar
de ainda existirem práticas que põem sua centralidade nos aspectos cognitivos, veem-se tentativas
satisfatórias desse modelo.
De fato, é importante que as crianças aprendam a relacionar-se consigo mesmo e com os
outros, estabelecendo metas, autocontrole emocional e resiliência (Ambiel, Pereira & Moreira,
2015), que sejam flexíveis e motivados (Lee, 2013). Contudo, a busca por desenvolver essas
competências na educação básica pública brasileira atende a uma agenda neoliberal, visto
que é “evidente o imperativo de que sejam inventados indivíduos, desde a infância, com mais
habilidades e flexibilidade para mudanças, de forma que possam se tornar adultos produtivos,
participantes do jogo do consumo e empreendedores de si mesmos” (Carvalho & Silva, 2017,
p. 181). O trabalho educativo necessita ir além da criação de subjetividades produtivas ou
economicamente favoráveis.
Um elemento, trabalhada por Vigotski, importante para a compreensão e superação do
Fracasso Escolar é a relação que o indivíduo estabelece com o meio. Considerá-la é imprescindível
para a compreensão do processo de produção do fracasso escolar e para que uma atuação
profissional seja eficaz, pois toda a dinâmica psíquica (interna) da criança que passa por problemas
na escolarização corresponde a impedimentos estruturais, econômicos, sociais, políticos, como
os apresentados no subtópico anterior. Depreende-se isso a partir da ideia vigotskiana de que “As
relações entre as funções psíquicas superiores (as quais chamamos de dinâmica psíquica) foram
anteriormente relações reais entre os homens. Relaciono-me comigo mesmo como as pessoas se
relacionam comigo” (Vigotski, 2001a, p. 147). Se o contexto não favorecer um posicionamento
crítico e humano, o sujeito não vai desenvolvê-lo.
Destarte, se desde cedo a criança que possui particularidades no processo de escolarização, as
quais remontam a uma dificuldade, for denominada de incapaz, muito provavelmente se relacionará
consigo mesma como uma pessoa que não vai conseguir, o que representa um impedimento muito
maior ao desenvolvimento do que aquela trazida inicialmente por ela. É o que Vigotski denomina
de deficiência secundária (Vigotski, 2001b). Desse modo, a conjuntura neoliberal gera mais
impedimentos para a prendizagem do que a suposta deficiência ou limitação do aluno.

Considerações Finais

Com base nos dados que foram discutidos, vê-se que as dificuldades envolvendo o processo
de escolarização continuam presentes na realidade educacional. Torna preocupante, além desse
fato, a postura que se toma para enfrenta-lo: cada vez mais pautada na lógica burguesa do capital,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1261


NO ONTEXTO BRASILEIRO
criando formas sutis de exclusão. Essa lógica vem sendo inclusive metamorfoseada para continuar
dominante, ainda que passe por constantes crises.
Persevera a formulação de estratégias de enfrentamento que enfocam somente o aluno,
como é o caso da busca pelo desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Contudo, não
se pensa em como esse aluno pode ser formado para enfrentar as contradições sociais geradas
pelo neoliberalismo, como a escola pode ser reconfigurada para não ser submetida à lógica da
exclusão, como o sistema educacional pode balizar sua organização na promoção de um sujeito
crítico, etc.
É urgente que pesquisas sejam desenvolvidas desvelando a falência do modelo neoliberal
para a educação e que elas ganhem espaço no âmbito da construção de políticas públicas
consoantes com as problemáticas concretas do cotidiano escolar. Isso envolve uma postura ética
comprometida de pesquisadores e profissionais que têm como objeto de estudo e intervenção as
dificuldades no processo de escolarização.
A Psicologia Histórico-Cultural aparece, dentro dessa perspectiva, como fundamentação
teórico-metodológica para entender e intervir na questão do Fracasso Escolar de forma
contextualizada e eficaz.

Referências

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1262  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1263


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O ATO DO BRINCAR E A SOCIALIZAÇÃO ENTRE
CRIANÇAS: UM RELATO DAS VIVÊNCIAS
Antonio Nailton Pereira Dos Santos
Deuzyanne Zátia Dos Santos Silva
Brunno Ewerton De Magalhães Lima
Helen Emanuele Pereira De Sousa
Francisca Thays Silva Costa

Introdução

O
desenvolvimento infantil, segundo Vygotsky (1998), é fundamentado na interação
com o meio, então pode-se afirmar que o desenvolvimento humano acontece pela
aquisição/ aprendizagem do que socialmente é construído. Nessa construção
de conhecimento de mundo a criança, na primeira infância, possui como auxiliar o brinquedo.
Segundo o mesmo autor, é pelo brincar que a criança passa a conhecer o mundo que a cerca.
Nesse processo, ela descobre, aprende, se desenvolve e, essa maturação, não ocorre apenas
na escola, mas nos ambientes em que este ser em formação está inserido: na casa, rua, parquinho,
quintal e tantos outros lugares. Brincar, portanto, é tida como uma atividade social, de natureza
cultural. O ato de brincar é o primeiro contato com a realidade, já que por meio da brincadeira se
reproduz o ambiente inserido da criança.
Corroborando com este pensamento Elkonin (1998) diz que o brincar é uma atividade
social, humano que supõe contextos sociais e culturais. Então, o brinquedo ou os jogos acabam
por reconstruir as relações sociais do real. Segundo o mesmo autor, o ato de brincar deveria ser
sempre orientado por um adulto, visto que ele estimula e motiva a criança. Brincar ainda é uma
importante forma de comunicação e é por meio deste ato que a criança transparece sua visão de
mundo, fantasias e imaginação. É brincando que ocorre o processo de aprendizagem da criança,
pois há a facilitação da construção da reflexão, autonomia e criatividade.
O brincar infantil seria então de suma importância para que haja o desenvolvimento integral
do ser humano de forma física, social, cultural, afetiva, emocional e cognitivo. Brincar, portanto,
perpassa a esfera do lazer, ela é a parte constituinte de uma aprendizagem prazerosa. Para
Oliveira (2000), o brincar não significa apenas recrear, mas sim desenvolver-se integralmente.
Caracterizando-se como uma das formas mais complexas que a criança tem de comunicar-se
consigo mesma e com o mundo, ou seja, o desenvolvimento acontece através de trocas recíprocas
que se estabelecem durante toda sua vida.
Ainda segundo Oliveira, é pelo brincar que a criança pode desenvolver capacidades
importantes como a atenção, a memória, a imitação, a imaginação, ainda propiciando à criança
o desenvolvimento de áreas da personalidade como afetividade, motricidade, inteligência,
sociabilidade e criatividade. Quanto ao termo “brincar”, o dicionário Ferreira (2003) aponta que é
o ato de “divertir-se, recrear-se, entreter-se, distrair-se, folgar”, também pode ser “entreter-se com
jogos infantis”, ou seja, brincar é algo muito presente nas nossas vidas, ou pelo menos deveria ser.

1264  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A importância do lúdico (jogos, brincadeiras e brinquedos) para a criança

É por meio do brincar que a criança apreende as regras socais: aprende a respeitar regras,
consegue ampliar relacionamentos e passa a respeitar a si ao outro. É por meio do lúdico que a
criança passa a expressar-se, ouvir, respeitar, emitir opiniões confirmatórias ou contrárias, exercer
liderança, entre outras coisas. É pelo lúdico que se pode vivenciar a aprendizagem como um
processo social.
É por meio do lúdico que o contato educacional se torna efetivo, visto que é pela ludicidade
que se estimula o aumento do conhecimento, oralidade, pensamento e até mesmo o sentido.
Elucida-se que o educacional tem caráter de ensinamentos, não escolar. O brincar vem sendo
objeto de interesse de diversos autores, pois o jogo, o brinquedo e a brincadeira atuam diretamente
no processo de desenvolvimento infantil.
Quanto ao jogo especificamente, Antunes (2003) afirma que ele significa divertimento,
brincadeira, passatempo, pois em nossa cultura o termo jogo é confundido com competição.
Ainda o autor relata que os jogos infantis pode até incluir uma ou outra competição, mas visando
sempre a estimular o crescimento e aprendizagem com relação interpessoal, entre duas ou mais
pessoas realizada através de determinadas regras, ainda que jogo seja uma brincadeira que envolve
regra.
Jogar é assim um excelente recurso para facilitar a aprendizagem, neste sentido, Carvalho
(1992 p. 28) afirma que: “[…] o ensino absorvido de maneira lúdica, passa a adquirir um aspecto
significativo e afetivo no curso do desenvolvimento da inteligência da criança, já que ela se modifica
de ato puramente transmissor a ato transformador em ludicidade, denotando-se, portanto em
jogo”.
Oliveira (2000) aponta o ato lúdico do brincar, como sendo um processo de humanização, no
qual a criança aprende a conciliar a brincadeira de forma efetiva, criando vínculos mais duradouros.
Assim, as crianças desenvolvem sua capacidade de raciocinar, de julgar, de argumentar, de como
chegar a um consenso, reconhecendo o quanto isto é importante para dar início à atividade em
si, portanto, pode-se afirmar que o brincar passa a ser um pilar importante no desenvolvimento
da criança e estes são elementos elaborados que proporcionarão experiências, possibilitando a
conquista e a formação da sua identidade. Percebe-se então que os brinquedos e brincadeiras são
fontes intermináveis de interação por meio da ludicidade e afeto.

Método

O Projeto realizado possui como proposta a promoção de um conjunto de atividades


de caráter lúdico e recreativo para o entretenimento e divertimento de crianças de 4 a 12 anos
durante o período de férias. Foram pensadas atividades das quais gerasse o interesse da criança
em participar e que essas fossem condizentes com os objetivos do projeto.
Algumas das atividades do cronograma foram substituídas, pois diariamente foi perguntado
às crianças do que elas queriam brincar. Para que fosse prazeroso tanto para os monitores quanto
principalmente paras crianças a execução dessas atividades. Além dessas atividades brincantes e
jogos foram oferecidas às crianças oficinas de hip hop, de fotografia e palestra sobre saúde bucal.
E ainda visitas ao Sesc Caixeiral e Sesc Praia.
As atividades realizadas foram: calçado, vôlei cego, jogo sete pecado, piscina, marco polo,
choca o ovo, dança das cadeiras, queima, basquete arremesso na cesta, pega rabo, caça ao tesouro,
bola quente, jogo da bandeira, chute tonto, chefe aquático, túnel na piscina, cuidando do meu
corpo (bate papo “higiene pessoal”), corrente humana, futebol de mãos dadas, corrente, torre,
moedas, perguntas e respostas, dinâmica da bexiga, sopro na bexiga, caça-números, esponjas

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1265


NO ONTEXTO BRASILEIRO
cheias, pega-pega sentado, dinâmica passa a bola, giro com a bola, corrida de bola de praia,
afunda balão, desfaz o nó, conectados, guerras das bolas, a múmia, garçom de toboágua, gol
entre as pernas, futsal.
Achou-se necessário que as atividades extras fossem explicitadas. Elas foram:

1. Cabo de força
Formação: Os alunos ficam separados em duas equipes, cada uma em uma extremidade da
corda.
Execução: os dois grupos tentam puxar a corda para o seu lado, porém os que colocarem
mais força serão retidos de ambos os lados.
Recurso: Corda

2. Acerte o alvo
Formação: Os alunos ficam distribuídos em equipes,
Execução: O primeiro de cada fila tem em suas mãos um bambolê e na frente de cada equipe
em um espaço limitada é colocado um representante da equipe. Ao sinal do monitor o 1º
aluno de cada equipe tenta acertar o bambolê no alvo (o representante). Ao acertar esse
deve se dirigir até o final da fila e entregar o bambolê ao próximo. Finaliza quando o aluno
que era o alvo voltar para a posição inicial.
Recurso: 4 Bambolês

3. Corrida do saco
Formação: Duas equipes enfileiradas
Execução: As crianças iram disputar corrida, mas elas estarão dentro de um saco.
Recurso: Sacos grandes.

4. Balão com água


Formação: Duas filas.
Execução: correm na lateral, jogando com o balão um para o outro, se deixar cair volta e
reinicia a disputa.
Recurso: Saco de balões.

5. Corrida com balões na barriga


Formação: Duas filas.
Execução: correm na lateral, com o balão na barriga sem deixar cair ou estourar.
Recurso: Saco de balões.

6. Jogo psicodramático
Duas pessoas posicionam-se uma frente à outra. Em seguida um dos participantes lê um
roteiro, que lhe é entregue, para o outro participante e depois é feita a inversão dos papeis.
Na continuidade é feita uma conversa sobre como foi dizer e ouvir o roteiro e sobre as
afetações gerais de cada um dos participantes. O roteiro é construído de acordo com as
queixas ou observações feitas e deve ser sempre elaborado a partir do tema que está em
evidencia no grupo que se acompanha. Este jogo sugere que os participantes sejam afetados
por sentimentos de alteridade. Percebendo sua fala e que emoções e o que ela evoca no
outro e experimentando o efeito dessa fala quando direcionada para si. Após essa atividade,
como forma de promoção da integração, foi proposto aos participantes que estes fizessem
uma produção artística coletiva. Uma pintura em tela e em um painel para exposição final.

1266  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Roteiro:
(falas ditas com raiva e rispidez)
•  Você não sabe brincar;
•  Você só me atrapalha;
•  Você é muito chato;
•  Você tem que sair da brincadeira;
•  Eu não quero brincar com você;
•  Você é muito burro.
Recursos: Tecido branco, tela para pintura, tintas, pinceis e impressão de roteiro.
O psicodrama é uma técnica psicoterápica desenvolvida pelo psiquiatra romeno Jacob
Levy Moreno com a finalidade de propiciar uma ação dramática no indivíduo. Acredita-se que é
através da dramatização que o indivíduo entrará em contato consigo mesmo, com suas estruturas
e inter-relações. Assim, entende-se que é um processo que pode auxiliar no resgate às diversas
possibilidades de criatividades e ação no sujeito. Segundo Moreno (2003), a espontaneidade e
a criatividade são recursos inatos, fundamentais para o desenvolvimento saudável do homem. O
autor explica que a espontaneidade habilita o indivíduo a superar situações como se carregasse
o organismo, estimulando e excitando seus órgãos para modificar suas estruturas, a fim de que
possam enfrentar suas novas responsabilidades.

7. Jogo dos encantados


Uma pessoa será o observador se colocando de costas e o restante do grupo se coloca a cinco
metros do observador. O objetivo do grupo de pessoas é chegar até o observador e tocá-lo
sem que ele os veja se movendo, assim libertando-o do encanto e vencendo a brincadeira.
O objetivo do observador é encantar mais pessoas olhando pra trás no momento que ele
achar que os demais estejam se aproximando. Se o observador ver alguém se movendo estes
são encantados e ficam a lado dele para ser libertados do encanto também. Quando o
observador olhar os demais que se aproximam ficam imóveis para não ser encantados. Se
o observador encantar todo o grupo este vence o jogo. Sempre que o observador capturar
alguém o grupo volta a posição inicial. Nesta atividade não foi necessário o uso de recursos
materiais.

8. Corre cutia
Todos se sentam em circulo e um dos participantes anda em volta do circulo e deixa um
objeto (chinelo) atrás de uma pessoa escolhida. Os que estão sentados devem ficar atentos
para perceber se o objeto foi posto atrás de quem. A pessoa pela qual o objeto foi deixado
atrás deve levantar e perseguir o que pôs o objeto. Tentando pega-lo antes que este se sente
no local do que levantou. O que for pego antes de sentar deve sair da brincadeira e assim
até restar o mínimo de pessoas. Enquanto a brincadeira acontece é cantado uma cantiga
descrita abaixo. Nesta atividade não foi necessário o uso de recursos materiais.
Cantiga:
Corre, corre la cutia
Tá de noite, tá de dia
O teu pai matou uma gia
Pra comer no outro dia.

9. Esquizo-dança
Pediu-se que as crianças fizessem uma roda e que um participante fosse ao centro da roda e
executasse uma dança/ movimento que preferisse e os demais imitassem ao som de música.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1267


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Assim foi com todos os participantes ao fim elaborou-se uma espécie de baile dançante onde
todos dançavam as suas maneiras expressando através do corpo dançante seus sentimentos
e afetações. Dentro de seus tempos, limites e necessidades.
Recurso: Equipamento de som e música. Segundo Noronha (2007), pode-se dizer que a
esquizo-dança é a análise que se pretende na investigação, pois contamina e arrebata o corpo
dançante, por meio do movimento poético, do mundo sensível.

Discussão

No desenvolvimento deste projeto que buscou atender os interesses esportivos, artísticos,


culturais e sociais de crianças da comunidade e que possuiu, com essa iniciativa, resgatar os jogos
e brincadeiras populares, por meio de um resgate da infância, além de oferecer uma alternativa
saudável para ocupação do tempo livre. Observou-se a interação entre as crianças e destas com
as equipes envolvidas.
Entre as atividades desenvolvidas houveram as relacionadas à parte físicas e esportivas como:
jogos, recreação aquática, gincana. Essa programação é repleta de brincadeiras que estimulam a
prática esportiva, o raciocínio lógico e a coordenação motora, de forma prazerosa.
Ainda sobre este projeto, que teve como essência ações educativas, fomentando propostas
de trabalho que utilizam a ludicidade como elemento de contribuição ao desenvolvimento
humano. Foram vivenciados momentos repletos de atividades de caráter interdisciplinar que
promovem as bases da educação para o lazer e pelo lazer. Durante os dias de programação,
os participantes brincam, se divertem, aprendem, se desligam do mundo digital, interagem,
desenvolvem autonomia e senso de pertencimento de grupo, bem como participam do resgate de
brincadeiras e constroem novas amizades.

Conclusão

A partir do referencial exposto pode-se perceber a importância do “brinquedo” no


desenvolvimento físico e cognitivo da criança. Daí a importância de uma nova metodologia que
resgate a infância e que perceba a criança como criança e não como um mini adulto. Onde esta
apenas não se mantém subordinada aos desejos do adulto, mas que seja desenvolvido a sua
autonomia. Essa nova metodologia sugerida pode ser ainda um resgate e uma leitura de teorias já
existentes como a afetividade falada por alguns teóricos. Partindo do pressuposto de que quando
se respeita o tempo, os limites e necessidades da criança esta também respeita o seu, ou seja, ouça
acriança e dê fala a ela, adentre no universo da criança e perceba que o processo de respeito se
estabelece de maneira automática entre as partes.
Nesse sentido, o Projeto Brincando nas Férias trouxe como objetivo o resgate da infância
partindo do ponto que o brincar faz parte se ser criança e que deste modo colabora com o
processo social de construção da identidade.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1269


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO PROCESSO
DE INCLUSÃO DO ALUNO COM NECESSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS
Maria Beatriz dos Santos Dias
Rafaella Coelho Sá Veloso

Introdução

O
presente estudo tem a Educação Inclusiva como tema central, tendo em vista as
numerosas mudanças que tal proposta educacional vem provocando nos mais
diversos contextos da sociedade contemporânea. Além disso, acredita-se que
a Educação Inclusiva é um processo que amplia a participação de todos os estudantes nos
estabelecimentos de ensino regular, buscando constantemente atender e perceber as necessidades
educacionais específicas de todos os educandos num sistema de escolar, com o intuito de promover
a aprendizagem e o desenvolvimento de habilidades e capacidades dos mesmos.
Com isso, torna-se importante analisar como se dá a prática do profissional de psicologia
no processo de inclusão do aluno com Necessidades Educacionais Especiais (NEEs), para que se
possa perceber sua efetividade e, assim, propor possíveis mudanças. Portanto, devido à escassez
de material produzido de acordo com a realidade da cidade de Teresina (PI) e estudos relacionados
com o tema, a pesquisa tem grande relevância, auxiliando na prática do psicólogo e na elaboração
de políticas que favoreçam a inclusão do aluno com NEE.
Para tal, se faz necessário à compreensão do processo histórico da educação, desde a
prevalência de práticas segregadoras até a atualidade, onde a inclusão deve fazer parte do
sistema educacional. Analisando-se o período histórico da educação especial no Brasil, em
muito acompanhou todo o cenário mundial, o qual ao longo da história é possível notar que
se evidenciam teorias e práticas sociais de discriminação, promovendo infinitas situações de
exclusão. Essa época, de acordo com Vieira (2007), foi caracterizada pela ignorância e rejeição do
indivíduo deficiente: a família, a escola e a sociedade em geral condenavam esse público de uma
forma extremamente preconceituosa, de modo a excluí-los do estado social.
É a partir do século XX que, gradativamente, iniciam-se os movimentos sociais de tirar esses
indivíduos do privado para o público, pensando em uma sociedade inclusiva, além de iniciar
os questionamentos sobre as práticas de ensino-aprendizagem. As práticas educacionais eram
de cunho segregadoras, sendo caracterizadas por uma pedagogia de exclusão, onde apenas os
indivíduos que se apresentavam dentro dos padrões de normalidade poderiam ter acesso. E,
aqueles considerados incapazes eram destinados a ambientes específicos como escolas especiais,
manicômios ou até mesmo internados em hospitais.
Com a necessidade de haver modificações na sociedade, de segundo Anache (2005), os
movimentos referentes a inclusão influenciaram a percepção político-social no final do século XX.
O objetivo desse movimentos eram de sensibilizar a sociedade da necessidade de aceitar e respeitar

1270  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
os indivíduos, independente de terem alguma deficiência. Com toda sua repercussão o movimento
estendeu-se para à escola, já que a mesma se caracteriza por ser um ambiente fundamental para
o desenvolvimento de crianças e adolescentes devido as interações que acorrem entre diferentes
tipos de sujeitos, proporcionando o ensino-aprendizagem e solidificando o processo educativo.
Nessa vertente, surgem políticas publicas educacionais com o intuito de assegurar o direito
da pessoa com deficiência à educação, sendo papel das escolas acolhê-las, independente das suas
condições físicas, intelectuais, sensoriais, sociais e emocionais, proporcionando um ambiente de
estimulação para seu desenvolvimento e aprendizagem, provocando uma educação igualitária
e justa para todos, de acordo com a especificidade educacional que cada sujeito apresenta. Os
movimentos que englobam políticas educacionais mais efetivas passam a ser mais constantes
gerando reflexões acerca da práxis pedagógica e assim, cobrando mudanças.
Legalmente, em 1984 com a Conferência de Salamanca, na Espanha, legitimou-se assegurando
a toda pessoa (crianças, jovens, adultos) com NEEs, a educação dentro de escolas regulares de
ensino, por acreditar que a pessoa com algum tipo de limitação possui características, interesses,
habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas, devendo por isso serem respeitadas
e acolhidas por todos em suas dificuldades. De acordo com o documento, “as escolas se devem
ajustar a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas ou
outras” (Brasil, 1994, p.1).
Diante disso, o sistema educacional vê-se obrigado a ajustar-se às novas normas tendo que
buscar recursos, seja na formação dos profissionais ou na aquisição de tecnologias para passar a
acolher esses alunos que até então não tinham contato com a educação regular formal. Favorecendo,
assim, não apenas alunos que apresentem limitações físicas ou cognitivas, como também aqueles
em situação social ou cultural, vulneráveis e ainda, aqueles que apresentem altas habilidades,
sejam acadêmicas, artísticas ou esportivas. Sendo, na atualidade, papel da escola proporcionar um
ambiente de desenvolvimento de aprendizagem e potencial de todos os seus alunos.
Conforme relata Carneiro (2011), a construção da escola inclusiva implica na elaboração de
novos espaços, profissionais preparados e recursos pedagógicos objetivando o desenvolvimento
pleno também dos alunos com necessidades educacionais. A autora ainda aponta que a escola
inclusiva deve construir uma história de interação com esse aluno, percebendo-o como um
organismo capaz de aprender, mudando com isso o foco da responsabilidade da aprendizagem
que antes se colocava para o aluno e agora a escola e todo corpo pedagógico também começa a
ser chamada para esse processo. Assim sendo, o sucesso ou o fracasso não fica restrito ao aluno
ele é compartilhado com a escola, cabendo a ela, proporcionar aprendizagem para todos, de
acordo com as diferentes maneiras de aquisição do conhecimento que cada sujeito tem.
A inclusão escolar, segundo defende Matos e Mendes (2013), deve considerar a capacidade
de aprendizagem desses alunos, seu singular processo de desenvolvimento e a possibilidade de
oferecer, a esses sujeitos, diferentes modos de compensação e instrumentos adaptativos que
venham a contribuir com a superação de suas dificuldades. Seguindo esse raciocínio, o ser humano
é interativo e dinâmico, e seus processos de desenvolvimento e aquisição de conhecimento, ponto
que toca a dinâmica que é a aprendizagem, vão se encontrar instrinsecamente relacionado. Dessa
maneira, cabe à escola ser um ambiente pluralista e propício ao desenvolvimento de seus alunos
sem qualquer distinção.
Gaoi (2004) define o termo “especial” como uma associação de fatores que não somente o
aluno, tais como: material pedagógico; barreiras físicas e atitudinais; alternativas de flexibilidade
de comunicação, currículo e metodologia, capacitação profissional constante. Contemplando
que, necessidades educacionais especiais se torna uma nomenclatura ampla que abrange a todos
os sujeitos, situações e espaços que tangenciam a vida da pessoa com deficiência. Sendo, assim, o
aluno com NEEs aquele que se caracterizada pela necessidade de alguns desses suportes citados.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1271


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Dentro do contexto educacional, principalmente no que tange a intervenções de inclusão do
aluno com necessidades educacionais, é necessário o envolvimento de toda equipe profissional
da escola, dentre a qual o psicólogo escolar se faz presente. Sendo sua atuação essencial, por se
tratar de um profissional capacitado e sensível aos processos de inclusão escolar, tendo sua ação
caracterizada como mediadora, pois irá servir de ponte entre as demandas da escola e dos alunos
de maneira que todos sejam beneficiados. Sendo, portanto, um facilitador desse processo de
inclusão do aluno com necessidades educaconais especiais, atendendo as necessidades de todos
os alunos, levando em consideração suas diferenças dentro do contexto da escola.
Gomes (2011), descreve a atuação do psicólogo escolar como diretamente ligada ao processo
de ensino e aprendizagem, através de estratégias de treinamento de professores e familiares além
de auxiliar o aluno com NEEs. Assim, observa-se que o trabalho do psicólogo engloba a utilização
de instrumentais caracterizados como facilitadores do processo de aquisição de conhecimento
dos alunos. Será através do seu olhar ampliado no que diz respeito à aprendizagem que ele poderá
auxiliar professores e pais a perceber cada aluno como único, de acordo com seu histórico de
desenvolvimento, contexto social, emocional e físico, e a partir daí desenvolver estratégias que
beneficiem o grupo como o todo, como também cada sujeito enquanto singular.
A presença do profissional de psicologia no contexto educacional, de acordo com Guzzo
(2005) é essencial para que o mesmo utilize estratégias e acompanhe o desenvolvimento de
crianças e adolescentes em seus espaços de vida, procurando relacionar elementos dos diferentes
contextos, como familiares ou comunitários que favorecem ou dificultam este processo. Sendo
essenciais ao psicólogo escolar algumas habilidades necessárias para execução de intervenções
bem sucedidas.
Corresponde ao psicólogo ter a sensibilidade para se integrar com modéstia e profissionalismo
a uma equipe que geralmente já está constituída. Também cabe ao psicólogo assumir um plano
de superação profissional que lhe permita estar à altura do que se pode esperar de sua ação
nas condições concretas da escola em que atua, assim como propor criativamente, a partir da
ampla gama de suas possibilidades de atuação, direções e estratégias de trabalho que constituam
uma contribuição real para a escola em que trabalha. Esse seria, enfim, seu aporte à construção
e à consolidação de uma nova e mais produtiva representação do psicólogo escolar em nosso
contexto social. (Martinez, 2010, p. 22).

Método

Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo e descritivo. Participaram da pesquisa 6


psicólogos, do sexo feminino, com idade entre 27 e 30 anos e todas atuantes em escolas da rede
particular, na cidade de Teresina (PI). Os critérios de escolha dos profissionais foram: trabalhar
diretamente na psicologia escolar, estarem inscritas no conselho profissional, e terem mais de um
ano de atuação no contexto escolar. Vale ressaltar que todas foram de acordo com o estipulado
no Terno de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE), segundo as exigências do Comitê de Ética
em Pesquisa.
O instrumento de coleta de dados foi uma entrevista semiestruturada com os seguintes
tópicos, que contemplavam os objetivos do estudo: 1) O que você entende por Educação
Inclusiva?; 2) Caracterize o aluno com NEEs; 3) Quais instrumentais, métodos ou estratégias
você utiliza para favorecer a inclusão do aluno com NEEs?; 4) Quais aspectos você considera
como facilitadores do processo de inclusão do aluno com NEEs?; 5) Quais aspectos você
acredita serem barreiras, dificuldades ou limitações no processo de inclusão do aluno com
NEEs?; 6) Como você avalia sua atuação, enquanto psicólogo escolar, no processo de inclusão
do aluno com NEEs?

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Para registro das informações obtidas, utilizou-se gravador e posteriormente as informações
foram transcritas e arquivadas. A análise foi realizada a partir da análise de conteúdo realizando
associações dos resultados com o que a literatura aponta. Em termos éticos, a pesquisa foi
aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres humanos da Universidade Estadual
do Piauí em 14/10/2015, com parecer de aprovação CAAE de número 45810215.7.0000.5209.

Resultados e Discussão

Com o intuito de perceber como o psicólogo escolar compreende o processo de inclusão


do aluno com necessidades educacionais especiais, questionou-se inicialmente sobre o que as
profissionais entendem por Educação Inclusiva. Existindo uma equiparação na resposta, esta
pode ser mais bem evidenciada na fala do participante 3 (P3): “Acredito que sejam todas as
formas que a equipe da escola, onde eu me incluo, utiliza para favorecer o aprendizado de todos
os seus alunos, principalmente aqueles que por algum motivo (seja físico ou intelectual) estão
prejudicados nessa aquisição de conhecimento”.
A partir da análise do discurso das entrevistadas, percebeu-se que todas compartilham de
visões semelhantes sobre a inclusão escolar. As participantes, em geral, apresentaram respostas
referentes a ações que a equipe escolar promove para contemplar o aprendizado de todos seus
alunos. Sant’Ana (2005) reafirma tal importância quando fala que a inclusão está diretamente
relacionada às praticas escolares colaborativas, que favoreçam a aprendizagem e, ainda, que são
capazes de retirar as barreiras que venham a prejudicar essa aprendizagem favorecendo, assim, a
participação dessas pessoas ao conhecimento.
A educação inclusiva deve fazer parte de toda escola, onde a equipe deve estar atenta,
percebendo e buscando estratégias para atingir de maneira democrática o acesso de todos
à educação. Conforme Melo (2008), essa garantia de aprendizagem para todos implica em
um redimensionamento não só de aceitação, como também de valorização das diferenças.
Desde modo, percebe-se que a inclusão é um processo de ganho para todos da sociedade e,
principalmente, para aqueles que estão participando diretamente.
Partindo da concepção de Educação Inclusiva, foi solicitado aos psicólogos educacionais
para definirem quem é esse aluno com necessidades educacionais. Todos afirmaram que são
aqueles alunos que apresentam dificuldades mais evidentes no processo de aprendizagem, quando
comparado aos demais do mesmo curso de desenvolvimento. Sendo caracterizado como o aluno
que foge de alguns padrões e que por isso precisa de um acompanhamento mais individualizado:
“Aquele aluno que precisa de um olhar mais específico, e que necessita de algumas orientações,
de algumas estratégias específicas. Que precisa de um suporte tanto técnico, como o humano”;
“Como o que, geralmente foge de alguns padrões, pois precisa de acompanhamento/atenção
mais individualizado”. Alguns participantes ainda acrescentaram como sendo aquele aluno que
tem algum diagnóstico: “Podemos usar como exemplos que são comuns aqui na escola, os alunos
com autismo, déficit auditivo e TDHA”.
Observa-se que tais concepções acerca do aluno com NEEs apresentam-se concentradas a um
grupo de indivíduos que são caracterizados de acordo com as suas limitações. Gaio e Meneghetti
(2004), afirmam que todos os alunos, independente das suas necessidades reais ou circunstanciais,
física ou intelectual e social, tem a mesma obrigação de serem aceitos, compreendidos e respeitados
em seus limites. Assim, partindo dessa visão acredita-se que o aluno com NEEs é aquele que apresenta
em algum momento da sua história alguma demanda extra no seu processo de aprendizagem, e
que devido às circunstâncias necessitam desse suporte. Nesse sentido, “NEEs se torna um termo
abrangente, que implica não apenas a alunos com deficiências profundas, mas, todos aqueles que,
ao longo da vida, possam vir a ter necessidade de apoio”. (Gaoi, 2004, p.30).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1273


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Quando se fala em diagnóstico para Meira (2012) existe uma epidemia no cotidiano das
escolas de diagnósticos, associado ao não aprender ou se comportar de maneira inadequada. Para
a autora, acaba-se por considerar que as crianças apresentam dificuldades escolares por causa de
disfunções ou transtornos neurológicos, desconsiderando os demais fatores que estão envolvidos
quando se trata do assunto. Característica pode ser evidenciada na fala do participante: “Aqui
na escola, a gente tem recebido bastantes crianças diagnosticadas com TDAH com três anos de
idade, e já tomam remédio. E eu fico bastante receosa porque são muito novos.”
Característica que merece ser pontuada. O diagnóstico e a medicalização no contexto
escolar vêm ganhando destaque no cenário da educação e pode ser observada na realidade local.
Então, nesse cenário, é importante a presença do psicólogo, desmitificando questões a respeito
dos diagnósticos e explicando as diversas interferências que podem surgir ao longo do processo
de aprendizagem e no curso do desenvolvimento, que nem sempre necessitam da utilização de
medicamentos ou de um diagnóstico para que sejam compensadas.
A psicologia escolar se caracteriza devido a sua complexidade por englobar em um único
campo de atuação uma diversidade de fenômenos e saberes necessários para lidar com a prática
do dia a dia. Ao conceituar a psicologia escolar, Mitjáns Martinez (2010) engloba outros processos
além dos princípios da educação e aprendizagem, contemplando todos os eixos culturais e
subjetivos de cada sujeito, percebe que a Psicologia Escolar tem seu delineamento a partir do
seu próprio campo de atuação, cabendo ao psicólogo compreender todos esses influenciadores,
das diversas ordens já citadas, como elementos que estão em consonância com o processo de
aprendizagem e desenvolvimento, favorecendo ou o dificultando.
Partindo do pressuposto de perceber como se da atuação do psicólogo escolar na inclusão,
buscou- se verificar quais instrumentais o mesmo utiliza para desenvolver a inclusão do aluno com
necessidades educacionais. Questionou-se sobre quais métodos/estratégias são utilizados com
esse intuito. Todos responderam como principal estratégia a orientação dos professores, pois
consideram a sua capacitação como crucial no processo de inclusão por passarem a maior parte
do tempo com os alunos: “A principal forma de você atingir é trabalhar com os professores, porque
eles é que vão lidar direto e vão ser os responsáveis pelas adaptações pedagógicas. Então, a gente
vai trabalhar com a orientação dos professores, as instruções sejam elas coletivas ou individuais,
e trazendo, também, pessoas de fora para fazer treinamentos”.
Tais concepções são coerentes com o que a literatura aponta, segundo Sant’ana (2015)
o desafio inicial da proposta de inclusão é a execução de um trabalho que venha a favorecer a
conscientização de educadores, da equipe técnica, da família e da comunidade a respeito das novas
demandas produzidas por essa política. A autora ainda aponta que devido à complexidade e
diversidade que envolve o atendimento da criança com NEEs, a atuação do psicólogo é ainda
mais reverenciada e necessária nesse processo. Portanto, sendo necessárias as habilidades do
profissional e seus conhecimentos referentes à inclusão na elaboração e desenvolvimento de
programas de ensino, na orientação aos pais e professores, favorecendo a educação de todos.
Nesse contexto, percebe-se que existe uma preocupação dos participantes da pesquisa em
trazer essa família para a escola e envolvê-la em todo o processo. Todos falaram da importância
da família em participar como agentes ativos.Nota-se, que a prática do psicólogo escolar requer
uma atuação efetiva e com resultados, sendo este sempre um instrumento necessário no cenário
da escola, haja vista os demais profissionais já apresentarem suas práticas e identidades bem
definidas.
No decorrer da pesquisa, indagou-se aos profissionais acerca das estratégias utilizadas
por elas no trato da inclusão educacional. Algumas entrevistadas colocaram como estratégias
secundárias a presença da família, reuniões com a equipe e adaptação curricular: “A presença
da família nesse ponto é muito importante, para que ela junto com a equipe possa auxiliar nas

1274  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
intervenções, dando informações e continuando o trabalho que é feito na escola em casa”; “Outra
estratégia a ser utilizada vai ser na adaptação curricular, principalmente nos momentos de provas
ou algum exercício. Alguns alunos precisam de um tempo maior para fazer as tarefas e provas, ou
então que elas sejam fracionadas, ou de um ambiente mais tranquilo e reservado”.
No que tange os aspectos familiares, Portela e Almeida (2009) explicam que a escola e a
família devem se encontrar em ligação constante, principalmente quando se trata de alunos com
NEEs. Tendo esse vínculo direcionado para as necessidades específicas de cada individuo, de acordo
com a sua realidade econômica e social, proporcionando um entendimento global. Devendo abrir
as portas para ela ocupar seu lugar participativo e auxiliando-a em uma relação igualitária, pois
só assim as propostas educacionais para as pessoas com NEEs poderão se concretizar.
Dessa forma, os psicólogos entrevistados utilizam como principal canal de intervenção
com a família a informação compartilhada, instrumento necessário para lidar com o aluno com
NEEs, e norteador de sugestões de como esse trabalho pode ser estendido para todo o contexto
domiciliar, uma vez que o processo de aprendizagem é continuado e deve ser estendido para
além dos muros da escola, devendo ser partilhado com a família. Ainda, 50% dos participantes
relataram a necessidade de se realizar essa adaptação curricular de acordo com as demandas de
cada aluno. Alterações que podem ser desde uma mudança na forma de avaliação, às adaptações
físicas como no ambiente ou em instrumentos (lápis, carteiras, quadro, entre outras).
Com o intuito de perceber como se dá a prática do psicólogo no processo de inclusão
perguntou-se quais os instrumentos facilitadores e quais barreiras identificam que beneficiam ou
atrapalham sua atuação. As profissionais pontuaram como facilitadores o diálogo entre escola
e família, o conhecimento, a informação e a aceitação: “Acredito que seja mesmo a aceitação
e o conhecimento, tanto por parte da família como por parte da equipe da escola. A partir do
momento que eu reconheço que determinado aluno apresenta alguma dificuldade eu tenho
condições de buscar recursos e me apropriar daquelas especificidades e traçar meios de favorecer
o desenvolvimento desse aluno na escola”; “Outra estratégia seria a possibilidade de acesso a
diversos recursos; recursos que eu falo não só materiais, mas também os recursos humanos,
capacitação. Que pudessem ocorrer mais capacitações, que as pessoas pudessem estar preparadas
para receberem essa demanda”.
Quanto às barreiras e dificuldades pontuaram a falta de conhecimento, não aceitação e
a falta de diálogo com as famílias: “As barreiras vão ser exatamente o contrário, essa falta de
disposição das pessoas de estarem estudando, de estarem se informando, o comprometimento
da família no processo”; “Eu acho que a resistência não só por parte da família, mas a resistência
por parte de alguns educadores que se negam a mudar sua maneira de lidar com esses alunos”.
A respeito do discurso dos profissionais, Mendonça (2015) afirma que para que a educação
inclusiva de fato ocorra é imprescindível que os professores e demais profissionais da escola se
empenhem em se capacitarem, já que segundo o autor, existem professores sem o devido preparo
para atuar com alunos na educação inclusiva. Sendo essencial o investimento na formação inicial
e continuada no quesito educação inclusiva. Corroborando com o que foi mencionado pelos
profissionais.
Percebe-se, de acordo com a fala dos entrevistados, que existe uma preocupação real quando
se fala em capacitação dos profissionais que lidam diretamente com a educação inclusiva. Será
somente através da apropriação adequada de como intervir com esses alunos, que possuem
demandas e características únicas, que os educadores poderão adequar de acordo com a sua
realidade e nortear a sua prática, para que seja concretizada com êxito. Nesse sentido, estratégias
devem ser utilizadas a fim de melhorar a relação da equipe escolar proporcionando momentos de
reflexão e discussão de suas práticas e, quando necessário, promover ações do tipo capacitações,
workshops e treinamento para um exercício profissional consciente.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1275


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Dessa maneira, ressalta-se que a união entre professores, pais, diretores, e os demais
profissionais que atuam na escola, pode contribuir com a elaboração de uma educação inclusiva
efetiva. Sendo a presença do psicólogo escolar essencial, que devido a sua formação, percebe como
importante a participação de toda a comunidade escolar no desenvolvimento das estratégias de
ensino que englobem todos os alunos de maneira democrática. promovendo, dessa maneira, o
acesso às estratégias facilitadoras e descontruindo as barreiras.
Por fim, questionou–se como o psicólogo escolar avalia sua atuação no processo de inclusão,
com o objetivo de perceber como o mesmo qualifica sua prática e; proporcionar, reflexões diante
da mesma. Os profissionais relataram acreditar estarem no caminho certo, apesar de ser apenas
o inicio, quando se fala de educação inclusiva. Avaliando, assim, como positiva a prática, como
pontua uma das entrevistadas: “Acho quer estou no caminho certo, apesar de acreditar que ainda
tem muita coisa a se modificar. Mas já tivemos um avanço muito grande no que diz respeito à
educação inclusiva. E eu trabalho dentro das minhas limitações porém, buscando me atualizar, me
informar”; “Dentro do que o Conselho orienta, eu acho que o serviço de psicologia vem fazendo
um trabalho bom, dentro do possível. Precisando melhorar, claro, mas já avançamos bastante”.
A partir dos resultados, pode-se perceber, e de acordo com o que a literatura afirma que
a educação inclusiva ainda é um campo relativamente novo devido a todo o percurso histórico
de construção até se consolidar como um campo de estudo e atuação. As práticas de exclusão
e preconceito, em alguns momentos observadas no contexto escolar, evidenciavam a natureza
discriminatória de uma sociedade inteira. Então, romper com essas ações tão enraizadas na
história da educação não foi uma tarefa fácil, da mesma maneira que continua não sendo, devido
aos seus resquícios na atualidade. Portanto, um campo recente e devido a isso a práxis necessita
ser reformulada e aperfeiçoada, com o intuído de melhorar o acesso à educação desses indivíduos
que durante muito tempo ficaram à margem da comunidade escolar.
A busca de métodos para melhorar o exercício profissional, evidenciado na fala dos
participantes, é mais um ponto positivo. Os estudiosos da área apontam que a capacitação
profissional é o principal ponto de partida para o desenvolvimento da educação inclusiva.

Considerações Finais

Nesta pesquisa buscou-se analisar a atuação do psicólogo escolar no processo de inclusão


do aluno com necessidades educacionais especiais em escolas da rede de ensino privada da cidade
de Teresina (PI), em termos de perceber como o psicólogo escolar compreende o processo de
inclusão deste aluno; verificar quais instrumentais utilizam para desenvolver a inclusão desse
aluno e; avaliar como o psicólogo escolar percebe sua atuação no processo de inclusão. Assim, a
partir da análise das respostas dos profissionais percebe-se que existe uma consonância entre o
que a teoria aponta e seus discursos.
Em relação à compreensão do processo de inclusão, os entrevistados destacaram como
prática necessária para que tal processo ocorra toda e qualquer ação que a equipe da escola possa
realizar para favorecer a aprendizagem de seus alunos, sendo esse aluno com NEEs aquele que
precisa de um suporte mais especifico no processo de aprendizagem. Definindo como estratégias
de atuação a capacitação dos professores e da equipe escolar, a aproximação com a família e a
adaptação curricular. Considerando a falta de informação, de conhecimento e a inexistência de
diálogo com a família, barreiras que atrapalham o desenvolvimento da educação inclusiva. E, em
contrapartida, o diálogo da escola com a família e a capacitação dos profissionais as principais
formas de facilitar esse processo.
Os dados obtidos revelam a importância da pesquisa realizada no sentido de perceber
como se dá a prática do psicólogo diante da inclusão. Com base nas entrevistas realizadas com

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
os profissionais é possível inferir que os mesmos apresentam conhecimento teórico e parecem
associa-los com a prática para traçar estratégias de intervenções. Porém, como o estudo limitou-
se a uma entrevista não se pode ter acesso a como realmente se dá a prática de inclusão e se ocorre
de maneira efetiva, sendo este uma limitação do estudo. Além, do contexto de realidade que se
limitou ao da instituição privada.
Diante disso, acredita-se que a educação inclusiva na cidade de Teresina, de acordo com
a amostra do estudo, apresenta certo avanço, considerando que nesses espaços as discussões
sobre a temática são presentes evidenciando, assim, a necessidade e relevância do exercício do
profissional de psicologia na educação. E, ainda, chamando atenção para elaboração de políticas
públicas que integrem o psicólogo aos demais profissionais em instituições públicas, visto à
inexistência de legislação que assegure tais a obrigatoriedade do profissional nestes locais.
Por fim, considera-se que, ao compreender como se dá a atuação do psicólogo escolar
no processo de inclusão do aluno com NEEs, ela irá, pois, possibilitar discussões profundas,
contribuindo assim, com o avanço da Psicologia Escolar quando se fala de inclusão. Sendo assim,
a pesquisa atingiu os objetivos propostos se configurando como um material de interesse aos
psicólogos escolares, possibilitando reflexões e discussões sobre o tema, favorecendo dessa forma,
novas pesquisas, envolvendo a inclusão sob novas perspectivas.

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1278  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA ASSISTÊNCIA
ESTUDANTIL: POSSIBILIDADES E DESAFIOS NA
UNIVERSIDADE FEDERAL
DO MARANHÃO (UFMA)
Adauto de Vasconcelos Montenegro
Geysa Carvalho Cantanhede Marques
Karoline Andrade Pereira
Valéria Assunção Lima

Introdução

A
vida estudantil no âmbito universitário é permeada por aspectos potencialmente
motivadores, como a escolha de uma profissão, o exercício de independência e
autonomia e a convivência com colegas e professores oriundos, muitas vezes, de
diferentes contextos socioeconômicos e culturais. Diversos estudos (Alves, 2014; Bolsoni-Silva,
2014; Fernande, 2009; Morais & Mascarenhas, 2010; Pereira & Lourenço, 2012) evidenciam que
os primeiros anos na universidade podem estar relacionados à ocorrência de transtornos mentais
e de novos desafios de caráter social, identitário e afetivo.
Com base na contextualização prévia, o objetivo deste estudo é traçar um panorama da
atuação do psicólogo no campo da Assistência Estudantil, especificamente, no contexto da Pró-
Reitoria de Assistência Estudantil (Proaes), da Universidade Federal do Maranhão. Os objetivos
específicos são: realizar um levantamento das demandas recebidas pelo profissional de Psicologia,
relatar as ações desenvolvidas e apresentar uma proposta de perfil de atuação.

Método

O presente trabalho configura-se como relato de experiência institucional e utilizou como


método a pesquisa documental aliada à pesquisa bibliográfica, permitindo a discussão da prática
realizada pelo profissional de Psicologia na Assistência Estudantil na referida instituição. Foram
considerados dados de registro documental de novembro de 2015 até dezembro de 2017. Após a
realização da pesquisa bibliográfica e documental, as principais ações realizadas pelo Serviço de
Psicologia, vinculado à Assistência Estudantil, foram sistematizadas. Após isso, foram também
organizados alguns fatores que atuam como potencialidades e desafios para a atuação do
profissional de Psicologia nesse campo.
O campo de atuação que funcionou como base para este trabalho foi escolhido em função
da vivência de três psicólogos atuantes na instituição e pelo acesso aos registros, respeitando
aspectos confidenciais de cada estudante beneficiado pelo Serviço de Psicologia.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1279


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Resultados

Os resultados serão divididos em dois tópicos. O primeiro refere-se aos resultados


relacionados às demandas recebidas pelo Serviço de Psicologia. Ressalta-se, aqui, que os dados
foram analisados de forma coletiva, preservando a identidade de cada estudante. As demandas
presentes no cotidiano do Serviço mostram-se de caráter bastante heterogêneo. Estão presentes
tanto aquelas relacionadas à dimensão clínica e psicopatológica propriamente dita quanto aquelas
que se aproximam de demandas e questões de caráter educacional e de ensino-aprendizagem.
No que concerne à dimensão clínica e psicopatológica, são predominantes questões ligadas
a transtornos de ansiedade, transtornos depressivos, aliados a questões significativas da dinâmica
familiar. Em menor incidência, são também identificados transtornos alimentares, transtorno
obsessivo-compulsivo e transtornos do sono-vigília. Carvalho e Bertolini (2015) e Medeiros
e Bittencourt (2017) discutem a questão da ansiedade em universitários, o que confirma que
determinados aspectos da vida universitária têm se tornado um fator ansiógeno entre estudantes.
Cavestro (2006), por sua vez, aponta índices de depressão em amostras de universitários.
A dimensão ligada às questões educacionais e de ensino-aprendizagem, por sua vez, congrega
questões ligadas à orientação vocacional e profissional, dificuldades em organizar a rotina de
estudos, ansiedade decorrente das atividades finais do curso de graduação (exemplos: trabalho
de conclusão de curso e estágios).
O segundo tópico de resultados apresenta as ações que vem sendo realizadas pelo Serviço,
com vistas a dar uma resposta à complexidade das demandas que se apresentam no cotidiano
profissional. Tais atividades têm se organizado, principalmente, em três eixos de atuação:
orientação individual, ações coletivas e aperfeiçoamento da equipe.
O eixo de orientação individual diz respeito ao momento reservado ao acolhimento inicial
do estudante que procura o Serviço e o delineamento de um projeto de intervenção singular,
o qual tentará ser adequado à demanda trazida, clínica e/ou educacional. Tais momentos são
fundamentais, pois existem diversas demandas que exigem uma atenção singular e intervenções
individuais, ainda que prévias, respeitando o sigilo do que é tratado entre o psicólogo e o
estudante. Compreende-se, também, que o estigma associado à procura de um profissional de
Psicologia ainda é muito presente na atualidade. Nesse sentido, um acolhimento individual torna-
se fundamental para aqueles estudantes que não se engajariam em atividades coletivas em um
primeiro contato com o Serviço. Por outro lado, as atividades coletivas permitem a divulgação
do Serviço de Psicologia e uma tentativa de desmistificação do processo realizado junto a um(a)
psicólogo(a), o que será detalhado no eixo seguinte.
O eixo de ações coletivas, por sua vez, compreende as seguintes atividades: realização de
ciclos de oficinas, rodas de conversa e ações junto à comunidade docente. Os ciclos de oficinas e as
rodas de conversa têm como temáticas as demandas mais presentes no momento das orientações
individuais, o que permite um direcionamento mais eficaz do serviço. Os temas abordados no
período considerado para este estudo foram: “autoconhecimento”, “organização da rotina de
estudos, gestão do tempo e autonomia estudantil”, “desafios do ingresso e permanência do
estudante na universidade”, “saúde mental e vida universitária”, “conversando sobre ansiedade
e depressão na universidade”. Tais oficinas e rodas de conversas tinham carga horária de um
turno e sempre utilizavam metodologia de exposição dialogada e técnicas vivenciais. Alguns temas
foram ministrados por psicólogos(as) do Serviço, enquanto outros foram de responsabilidade de
docentes parceiros na área de Psicologia Escolar e Educacional e Psicologia Clínica. Todas estas
ações citadas foram direcionadas, especificamente, aos estudantes da instituição. Outras ações
foram destinadas a docentes. Uma delas foi um ciclo de palestras na Semana do Calouro como
forma de sensibilizar e conscientizar alguns professores de questões ligadas à relação entre saúde

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mental e vida universitária. Outra delas consistiu em um minicurso voltado aos docentes com a
temática “estratégias frente à ansiedade e depressão na universidade”. Tais ações alinham-se à
busca da promoção de atividades que considerem a qualidade de vida universitária (Lantyer et al.,
2016).
O terceiro eixo de ações, o de aperfeiçoamento da equipe, consiste na busca constante por
estudos clássicos e recentes acerca da saúde mental de estudantes universitários e da participação
em congressos nas áreas de Psicologia, Medicina e Educação. Esta iniciativa, por parte da equipe
e com o apoio da gestão, permite o intercâmbio de conhecimentos e práticas com profissionais
e pesquisadores, bem como permite a capacitação e aperfeiçoamento da equipe executora do
Serviço de Psicologia.

Discussão

Os resultados apresentados evidenciam um campo de atuação complexo para o profissional


de Psicologia, no qual este precisa estar atento não apenas às questões individuais trazidas por
cada estudante, mas também à teia de relações psicossociais construída no ambiente acadêmico
e universitário.
Os resultados encontrados remontam também às potencialidades e desafios vivenciados
na prática profissional. As primeiras podem ser identificadas na valorização das especificidades
e singularidades da atuação do profissional de Psicologia por parte da gestão e da comunidade
universitária, bem como por parte da comunidade acadêmica, em especial, os estudantes. As
limitações se confundem com os próprios desafios da atuação no setor público, como recursos
insuficientes, infraestrutura inadequada e equipe de recursos humanos insuficiente.
Percebe-se, de maneira significativa, que as demandas evidenciadas nos resultados deste
estudo são confirmados por outros estudos semelhantes que abordam o campo da saúde mental
em universitários (Bardagi & Hutz, 2011; Brandtner & Bardagi, 2009; Catunda, 2008; Fioretti et
al., 2010; Padovani et al., 2014).

Considerações finais

Os resultados apontam uma prevalência significativa de demandas relativas à ansiedade e


manifestações relacionadas e questões relativas à dinâmica familiar. As ações realizadas foram,
em sua maioria, orientações de caráter individual aliadas a ações de caráter coletivo e preventivo.
O perfil proposto para a atuação do psicólogo no campo da Assistência Estudantil sugere
a apropriação de aspectos teórico-metodológicos do campo da Psicologia Escolar e Educacional
e da Psicologia Clínica. Entende-se que a prática deste profissional deve considerar o contexto
socioeconômico e cultural em que o estudante se encontra inserido e como esse contexto mistura-
se ao ambiente acadêmico, espaço desafiador a ser explorado pelo discente.

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1282  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
CARACTERIZAÇÃO DO REPERTÓRIO DE HABILIDADES
SOCIAS DE ESTUDANTES DE GRADUAÇÃO EM
PSICOLOGIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
Fransnadine de Maiara Costa Gomes
Livia Gomes Viana-Meireles
Talídyna Moreira de Oliveira
Daniele Ildegardes Brito Tatmatsu

Introdução

O
estudo das Habilidades Sociais (HS) diz respeito ao repertório comportamental
global dos indivíduos, visto que abrange comportamentos sociais verbais e não
verbais, como ressalta Del Prette e Del Prette (2002). Atualmente, as definições de
habilidades sociais não são consensuais, pois, conforme Del Prette e Del Prette (2010) há uma
constante atualização para uma definição do campo teórico-prático das habilidades sociais. No
entanto, uma possibilidade é defini-la como um conjunto de comportamentos emitidos por um
indivíduo em um contexto interpessoal que expressa sentimentos, atitudes, desejos, opiniões de
maneira adaptativa ao contexto que ocorrem em função da resolução de problemas imediatos e
auxilia na minimização de problemas futuros (Caballo, 2003). Considerando-se essa definição,
justifica-se a importância das Habilidades Sociais para um melhor convívio social e saúde mental
dos sujeitos. Além disso, ter um repertório comportamental amplo auxilia na qualidade de vida,
visto que tal repertório irá refletir como o sujeito lida com seu meio social e consigo mesmo.
Para Del Prette e Del Prette (2001a), as habilidades de comunicação, de resolução de
problemas, de cooperação e habilidades empáticas são comportamentos sociais aprendidos
e essenciais a uma boa convivência e interação social de qualidade. Independente da idade da
pessoa, sempre se aprende em novos contextos. É a experiência de cada um que irá facilitar ou
dificultar o seu convívio social. Toda a vida de uma pessoa envolve processos de aprendizagem
que servirão para atualizar constantemente a aquisição de novos repertórios essenciais para a
convivência em sociedade.
As situações educacionais, desde a entrada da criança na escola até a inserção no ensino
superior exigem inúmeras habilidades e diferentes desempenhos sociais. O contexto acadêmico é
um lugar onde há um conjunto de interações sociais de diferentes tipos, tais como: dar opiniões,
responder as perguntas, expressar dificuldades, entre outras (Del Prette & Del Prette, 2001a). A
aquisição das habilidades sociais acontece medida em que surgem demandas e os estudantes
tentam adaptar-se às mesmas. A entrada na universidade caracteriza-se como um momento em
que há crescente exigência para aquisição de novas habilidades sociais. Estudos voltados para
a compreensão desse contexto são relevantes, considerando as mudanças e os desafios que o
circundam e que, indubitavelmente, demandam comportamentos socialmente habilidosos. Ao
iniciar a faculdade há uma mudança significativa na rotina e com isso muitos desafios. Del Prette

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1283


NO ONTEXTO BRASILEIRO
e Del Prette (1983) apontam a notória influência dos cursos de graduação sobre as habilidades
sociais e sobre assertividade, sendo o desenvolvimento interpessoal um dos objetivos acadêmicos,
principalmente em áreas que dependem de uma relação de qualidade entre profissional e cliente,
como é o caso da Psicologia e demais áreas da saúde. Vale ressaltar que hoje em dia está surgindo
um novo campo de pesquisa sobre a saúde mental dos estudantes da graduação e pós-graduação
e alguns dados apontam para resultados alarmantes com altos índices de transtornos mentais,
ideação e tentativa de suicídio, por isso o estudo das habilidades sociais para esse público é
fundamental para se pensar em prevenção e proteção da saúde mental de estudantes (Silva &
Costa, 2012).
A preocupação com as habilidades sociais desse grupo justifica-se na medida em que se trata
de um segmento populacional do qual tem sido exigido cada vez mais competência em administrar
situações interpessoais (Del Prette & Del Prette, 2001a) e alguns estudos encontram correlações
positivas entre habilidades sociais e adaptação ao ambiente acadêmico (Gerk & Cunha, 2006;
Soares, Poubel & Mello, 2009). Diante do padrão estabelecido para o profissional de psicologia
as mudanças curriculares no que se referem a esses novos padrões sociais deveriam ser inclusos no
ambiente acadêmico (Carneiro & Texeira, 2011).
O novo ambiente exige, então, o desenvolvimento de novas habilidades que auxiliem os
estudantes a lidar com o que as vivências desse novo contexto podem exigir. Habilidades de
comunicação, de expressão do pensamento, de crítica, expressão de uma opinião contrária,
desenvoltura em apresentação de trabalhos acadêmicos individuais e em grupo, organização de
uma rotina que permita se dedicar a outras atividades fora da universidade, entre outros.
Pesquisas em habilidades sociais como a de Del Prette, et al. (2004) com estudantes de
Psicologia em quatro cidades brasileiras apontam que os estudantes do curso de Psicologia possuem
escores mais altos que os da amostra normativa no Inventário de Habilidades Sociais, em fatores
que diz respeito enfrentamento e autoafirmação, conversação e desenvoltura social, autoexposição
a desconhecidos e situações novas. A pesquisa ainda aponta influência da localidade, sexo e idade
no repertório de habilidades sociais, resultados que reforçam o caráter eminentemente social do
desenvolvimento das habilidades, estando, portanto, diretamente relacionadas com o ambiente
cultural no qual a pessoa está inserida e, principalmente, da situação, já que dependendo do meio
social uma pessoa pode ter um comportamento socialmente habilidoso ou não (Del Prette & Del
Prette, 1999; Caballo, 2003).
Nesse sentido, é importante que diferentes estudos sobre habilidades sociais em estudantes
de Psicologia possam ser desenvolvidos, principalmente para se avaliar se há diferenças em
relação à localização da cidade do curso (se na capital ou no interior), a escolaridade dos
pais dos alunos, a idade, o semestre que cursam, entre outras variáveis que podem afetar o
repertório de habilidades sociais neste público. Se tratando dos cursos de saúde como o de
Psicologia espera-se para uma boa desenvoltura profissional que algumas habilidades sociais
possam ser adquiridas durante a graduação. Tendo em vista que a Psicologia é uma profissão
em que a relação interpessoal é fundamental para uma boa relação terapêutica, espera-se
que uma formação de qualidade envolva o aumento do repertório das habilidades sociais dos
estudantes deste curso.
Levando em consideração essa natureza interativa da atuação do profissional psicólogo
apoia-se a necessidade de avaliar e caracterizar a aquisição de habilidades interperssoais
na graduação a fim de transformar a competência social como um objetivo, mais do que um
subproduto da formação (Del Prette, Del Prette & Castelo Branco, 1992). Diante do exposto, a
presente pesquisa tem como lócus de observação um campus universitário no interior do Estado
do Piauí e pretende caracterizar o repertório de habilidades sociais de estudantes e verificar a
influência das variáveis sexo e semestre que cursa neste repertório.

1284  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Método

Amostra

Participaram da pesquisa 116 graduandos do curso de Psicologia da UFPI, Campus Ministro


Reis Velloso. A amostra foi selecionada por conveniência e composta por alunos do 1° período
ao 10° semestre, sendo 6% do primeiro semestre, 13,8% do segundo, 6,9% do terceiro, 17,2% do
quarto, 3,4% do quinto, 13,8% do sexto, 3,4% do sétimo, 6,9% do oitavo, 12,1% do nono e 13,9%
do décimo semestre. A idade média dos respondentes foi de 22,9 anos (DP = 6,5 anos), 69,8%
eram do sexo feminino e 29,3% eram do sexo masculino, nesta variável tivemos um respondente
que não respondeu. Dos respondentes a maioria (85,3%) não trabalha e se dedica integralmente
ao curso, enquanto que apenas 12,9% afirmaram trabalhar, ao passo que maioria (69,8%) afirmou
não possuir nenhum tipo de bolsa de auxílio e somente 29,3% possuem bolsa. Em relação ao
local de nascimento a maioria dos respondentes é dos Estados do Piauí (51,7%), Ceará (12,1%) e
Maranhão (8,6%), sendo que 62,9% dos respondentes afirmaram ter se mudado para Parnaíba,
exclusivamente, para cursar a graduação em Psicologia, tendo 36,2% estudantes que já moravam
na cidade antes mesmo de começar a graduação. Quando observada a escolaridade dos pais dos
respondentes, apenas 10,3% dos pais e 13,8% das mães possuem ensino superior completo.

Instrumentos

Foi utilizado para coleta dos dados o Inventário de Habilidade Social (IHS) por Del Prette e Del
Prette (2001b). O IHS foi desenvolvido para aferir o repertório de habilidades sociais usualmente
requeridas em situações interpessoais do cotidiano. O instrumento contém 38 itens, cada um
apresentando uma ação ou sentimento diante a uma situação social. Os participantes da pesquisa
tiveram que responder a frequência com que agia ou se sentia conforme o que estava exposto em
casa item. As respostas foram preenchidas numa folha com cinco opções A (nunca ou raramente),
B (com pouca frequência), C (com regular frequência), D (muito frequentemente), E (sempre ou
quase sempre). Em relação aos dos itens o IHS oferece um escore total e escores agrupados em 5
fatores: F1) Enfrentamento e autoafirmação com risco, que diz respeito a afirmação e defesa de direitos
e de autoestima com risco potencial de reação indesejável por parte do interlocutor, este fator
avalia, principalmente, a assertividade; F2) Autoafirmação na expressão de sentimento positivo, este fator
reúne afirmações que dizem respeito a demandas interpessoais de expressão de afeto positivo e de
afirmação da autoestima, com risco mínimo de reação indesejável; F3) Conversação e desenvoltura
social, envolve situações sociais neutras com risco indesejável, demandando “traquejo social”;
F4) Auto-exposição a desconhecidos e situações novas que envolve situações de abordagem de pessoas
desconhecidas; e F5) Autocontrole da agressividade reúne afirmações que demandam controle da
raiva e da agressividade.
Além do IHS, os estudantes responderam ao Questionário sóciodemográfico que continha
pergunta sobre sexo, local de nascimento, idade, nível socioeconômico e escolaridade dos pais
período que estava cursando. Além dos dois instrumentos, os participantes também assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Procedimentos

A coleta de dados foi realizada com estudantes dos períodos iniciais e concludentes maiores
de 18 anos que aceitaram participar da pesquisa com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE). Ao entregar o questionário os aplicadores compartilhavam o objetivo da pesquisa,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1285


NO ONTEXTO BRASILEIRO
explicavam as instruções enfatizando a ausência de respostas certas ou erradas e a necessidade de
responder todos os itens, mantinham-se disponíveis para possíveis esclarecimentos. As aplicações
ocorreram de forma individual ou coletiva e foram realizadas nas salas de aula da UFPI e também
nas dependências do Serviço Escola de Psicologia. Esta pesquisa foi submetida ao comitê de ética
e Pesquisa da UFPI e foi aprovado com o parecer número 2.100.381.

Análises dos dados

Os dados coletados foram digitados em um banco no programa SPSS (versão 22.0). Os


escores do IHS foram analisados de acordo com cada fator já mencionado acima e comparados
à média da amostra normativa. Os itens foram tabulados inicialmente nos seus escores brutos
(de acordo com a escala likert de 0 a 4) e depois foram transformados em valores fatoriais
(Resultado T), conforme manual. Os autores do IHS identificam a interpretação do escore total
e dos escores fatoriais dos participantes com base na posição do percentil de 0% a 100%. Valores
situados no percentil 50 indica um repertório mediano de habilidades sociais, valores situados
abaixo do percentil 25, indicam que o respondente tem repertório de HS deficitário, o que requer
indicação para Treinamento de Habilidades Sociais (THS); valores situados entre os percentis 30
e 45 apontam participantes com repertório baixo de HS, percentis entre 55 e 70 indicam que o
respondente tem um bom repertório de HS e percentis acima de 70 apresentam respondentes com
repertório bastante elaborado de HS. Neste trabalho, consideramos a análise do repertório dos
estudantes de psicologia de acordo com esta classificação dos autores que vai desde repertório de
habilidades sociais deficitários até repertório bastante elaborado de habilidades sociais.
Foi feita uma análise descritiva dos resultados separando a amostra por sexo a fim de
identificar possíveis relações das características da amostra com o repertório de HS, assim como
uma os resultados do IHS foram correlacionados, por meio de Correlação de Pearson, com a
variável semestre para verificar se há diferenças significativas entre os estudantes iniciantes e
graduandos.

Resultados

Os dados descritivos gerais do repertório de habilidades sociais da amostra, dividida


por sexo, são apresentados na Tabela 1, composta apenas com a média e posição aproximada
do percentil dos escores fatoriais em relação aos padrões normativos disponíveis (Del Prette&
Del Prette, 2001b). Os resultados situaram a amostra com a posição percentil média ou
acima da média para os escores F3 (conversação e desenvoltura social), F4 (auto-exposição a
desconhecidos e situações novas), F5 (autocontrole da agressividade) para os respondentes de
ambos os sexos. Os escores abaixo da média foram identificados nos fatores F1 (enfrentamento
e autoafirmação com risco) e F2 (expressão de afeto positivo). Os resultados mostram diferenças
relevantes em relação ao sexo, tendo as mulheres uma média levemente maior que a amostra
masculina.

1286  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Tabela 1. Médias e percentis indicadores das habilidades sociais, por fator, dos
respondentes do sexo feminino e masculino.

Fatores Sexo M Percentil


Masculino 8,25 15/20
F1-Enfrentamento e autoafirmação com risco Feminino 8,24 45/50

Masculino 8,10 35/40


F2-Expressão de afeto positivo Feminino 8,77 35/40

Masculino 6,59 40/ 45


F3- Conversação e desenvoltura social Feminino 6,86 55/60

Masculino 3,16 40/ 45


F4- Auto-exposição a desconhecidos e situações no- Feminino 3,55 50/55
vas

F5- Autocontrole da agressividade em situações aver- Masculino 1,20 45


sivas. Feminino 0,99 50/55

No que se refere aos resultados obtidos, com a variável semestre e os fatores do IHS por
meio da Correlação de Pearson, não apresentou uma correlação significativa, ou seja, não houve
influência do período cursado e o repertório dos alunos na amostra dessa pesquisa.

Discussão

Em relação à amostra normativa disponível, os estudantes de Psicologia da UFPI apresentaram


percentis abaixo da média, contudo, obteve-se nos resultados escores acima da média na
amostra feminina caracterizando-a com bom repertório nos fatores F3, F4, F5. Corroborando
com a pesquisa de Bartholomeu, Nunes e Machado (2008), no qual as mulheres obtiveram mais
habilidades de socialização do que os homens.
Os alunos de forma geral emitem maior frequência de habilidades em auto-exposição a
desconhecidos e situações novas (F4), o que pode indicar que os estudantes conseguem ter maior
facilidade ao abordar pessoas ou lidar com situações como apresentar palestras a um público e
pedir favores ou fazer perguntas às pessoas desconhecidas, ou seja, maior desenvoltura social.
Nesse fator, embora seja o mais alto da amostra em ambos os sexos, houve diferença na posição
do percentil: as mulheres obtiveram escore acima da média em F4, enquanto os homens apenas
apresentaram bom repertório, mas abaixo da média.
O escore bem situado em ambos os sexos, porém também com maior percentil na amostra
feminina, foi o F5 que diz respeito ao autocontrole da agressividade indicando a capacidade em
reagir à estimulação negativa do interlocutor com razoável controle da raiva e da agressividade. Isso
não quer dizer que a pessoa não expressa a raiva, mas o faz de maneira socialmente competente.
Essa habilidade inclui, por exemplo, a capacidade de lidar com críticas ou brincadeiras ofensivas
de forma competente. Levando em conta que os comportamentos envolvidos nesse fator envolvem
situações que podem acontecer fora do ambiente acadêmico, seria relevante considerar a história
de vida das participantes, visto que seja possível que esse grupo tenha passado por contingências
ambientais que estabeleceram esse tipo de relação mais reforçadora. Sabe-se que a cultura é
fator essencial no comportamento e temos uma sociedade que se caracteriza por não reforçar
comportamentos menos violentos ou agressivos em mulheres. Portanto, o próprio meio social se
encarrega de punir alguns comportamentos agressivos em meninas e reforçar alguns em meninos
selecionando assim essas diferenças entre os sexos (Vieira, 2007) possibilitando que meninas
aprendam ao longo de suas vidas a serem menos agressivas que os meninos.
No entanto, o fato de F5 ter sido acima da média pode apontar que os respondentes
tenham capacidade de controlar a agressividade e agir de modo competente ou pode indicar que

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1287


NO ONTEXTO BRASILEIRO
os estudantes, principalmente os meninos, possam emitir mais comportamentos não assertivos
do que assertivos, pois os respondentes tiveram escores abaixo da média no fator 1 que avalia,
principalmente, a assertividade. Bolsoni-Silva e Marturano (2002) citam Albert e Emmons (1978)
ao diferenciar comportamento assertivo, não assertivo e agressivo. Assertividade é o processo
pelo qual o indivíduo expressa adequadamente a sua opinião, sentimentos e pensamentos,
ouvindo a opinião do outro e atingindo seus objetivos sem comprometer o relacionamento com o
interlocutor, ao passo que a não assertividade ocorre quando a pessoa inibe seus pensamentos e
sentimentos, não atinge seus objetivos, muitas vezes se sente explorado ou prejudicado na relação
e envolve sentimentos de ansiedade e autodesvalorização (Bolsoni-Silva & Marturano, 2002). Essa
hipótese pode ter respaldo no estudo de Bandeira e Quaglia (2005) que aponta que estudantes
de Psicologia tendem a compreender a adequação social como a capacidade de evitar conflitos
abrindo mão dos seus direitos e, assim, demonstrando certo grau de inassertividade. Essa relação
precisa ser melhor explorada, pois os escores relacionados dos fatores F1 e F5 podem indicar que
esta amostra precisa desenvolver comportamentos de assertividade. Neste caso era preciso avaliar
de forma mais precisa se os comportamentos de autocontrole da agressividade estariam ou não
relacionados com comportamentos não-assertivos.
A amostra demonstrou ter um repertório mais habilidoso no Fator 3, que sinaliza maior
facilidade em conversação e desenvoltura social, tendo maior percentil para as mulheres. Algumas
das situações avaliadas no IHS são manter e encerrar conversação em contato face a face, encerrar
conversas, abordar autoridades, pedir favores, recusar pedidos abusivos e reagir a elogios. O fator
3, conversação e desenvoltura social, também foi o que os alunos de Psicologia do estudo de
Carneiro e Teixeira (2011) obtiveram valores mais altos. Os autores indicam como explicação,
que também pode ser atribuída a esta amostra, que, por estarem no nível superior, espera-se,
socialmente, que tenham um repertório mais habilidoso.
Os fatores com menores percentis foram F1 e F2. Esses fatores que se relacionam com
assertividade, autoafirmação, defesa de direitos, autoestima, e risco potencial de reação indesejável
por parte do interlocutor, são fortes indicadores de assertividade e controle da ansiedade em
contextos onde requer apresentar-se a desconhecidos e abordar parceiro para relacionamento
sexual, lidar com críticas injustas. Características que devem ser priorizadas no curso de psicologia.
Na amostra masculina o F1 apresentou-se bem abaixo da média, ou seja, com indicação
para Treino de Habilidades Sociais (THS) quando os déficits se tornarem fonte de problemas.
Já em F2 que se refere à autoafirmação de afeto positivos foram pouco frequentes na amostra,
apesar de ser uma característica deficiente, não foi suficientemente baixa para indicar intervenção.
Resultados semelhantes foram encontrados na pesquisa de Couto, Vandenberghe, Tavares e Silva
(2012). Um outro aspecto da pesquisa foi o resultado sobre a ampliação dos repertórios dos
alunos conforme o tempo de graduação. Não existem mudanças significativas no repertório dos
estudantes iniciantes e concluintes. Não se obteve correlações entre os períodos e as habilidades
sociais, ou seja, não houve diferença significativa na amostra. Resultado semelhante foi encontrado
na pesquisa da Bandeira et al, (2006) no qual ao analisar também os estudantes de Psicologia,
encontrou que, na reta final do curso os alunos até percebem a importância de lidar com situações
sociais, entretanto, não têm maior competência social quando comparados aos iniciantes.
Conforme Del Prette et al. (2004) as variáveis sóciodemográficas, como sexo e semestre
cursado, afetam o rendimento social, porém o peso dessa influência irá variar de acordo com
contexto. Em nossa pesquisa houve influência significativa, no entanto, para além do impacto do
contexto isso poderá indicar uma pesquisa com amostra pouco aleatória. Esses resultados levam
a hipóteses e discussões para pesquisas adicionais.
É importante ainda ressaltar que a qualidade da adaptação ao ensino superior depende
do desenvolvimento psicossocial do aluno, porém, esse fato não isenta a escola e a universidade

1288  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de suas reponsabilidades nesse processo (Carneiro & Texeira, 2011). Espera-se que o ambiente
acadêmico amplie o repertório social dos sujeitos, todavia, os resultados obtidos demonstram
que os ensinos teóricos e práticos da graduação em Psicologia da UFPI não contribuem de forma
sistemática para o desenvolvimento de respostas sociais, o que não se trata apenas de uma
característica local, mas de um reflexo do cenário nacional nos cursos de saúde.

Conclusão

Este estudo almejou caracterizar o repertório de habilidades sociais de estudantes de


Psicologia e os resultados sugerem que de uma forma geral os estudantes parecem ter bom
repertório de habilidades sociais com indicação de treino de habilidades sociais apenas quando
se trata do fator autoafirmação na expressão de sentimento positivo, principalmente, quando
considerada a amostra masculina. Os estudantes de Psicologia parecem estar desenvolvendo
adequadamente o seu repertório de habilidades sociais, mas o treino de habilidades sociais pode
trazer benefícios ainda maiores para a formação dos estudantes, pois o aperfeiçoamento do
repertório de HS de estudantes de Psicologia contribui para uma formação de qualidade, melhora
na saúde e qualidade de vida dos futuros profissionais.
Considera-se a necessidade de um estudo mais aprofundado para se identificar em que
situações e diante de quais interlocutores os estudantes parecem ter maior desafio ao emitir um
comportamento socialmente competente.
O presente estudo indicou que fatores necessitam de maior cuidado e olhar mais
aprofundado, além de sinalizar uma possível necessidade de treino de habilidades sociais a fim de
aperfeiçoar a formação em Psicologia nesta universidade o que poderá trazer ainda mais benefícios
e qualificação aos estudantes de Psicologia em formação.

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1290  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL NO CEARÁ:
RELATO DE EXPERIÊNCIA NA REDE ESTADUAL DE
ENSINO
Estefanni Mairla Alves
Mayara Luiza Freitas Silva
Emilie Fonteles Boesmans
Antonio Dario Lopes Junior

Introdução

O
presente escrito tem como objetivo partilhar as experiências de psicólogos na área
de Psicologia Escolar e Educacional atuando na Rede Pública Estadual de Ensino
do Ceará. A motivação para tal partilha se dá pelo fato de ser uma experiência de
atuação que está se constituindo, uma vez que a proposta de trabalho colocada pela Secretaria
de Educação do Estado do Ceará (SEDUC) apresenta diferenças frente ao que os profissionais já
tinham vivenciado na mesma atuação, mas em contexto privado.
Para embasar a discussão proposta inicia-se justificando a escolha pelo termo escolar e
educacional, não se fixando apenas em ou outro. Propõe-se, portanto, a princípio, um détour pela
história da Psicologia Escolar e Educacional, a qual se enraíza com a história da própria Psicologia
como Ciência e Profissão no Brasil.
Autores como Barbosa (2012) e Antunes (2003, 2011) afirmam que a prática da Psicologia
Escolar e Educacional é fundante da própria Psicologia no Brasil. A prática e pesquisa de
profissionais como Manoel Bonfim24 e Helena Antipoff25 se situam na área desde o início do século
XX, ou seja, muito antes do reconhecimento de profissionalização da Psicologia, ocorrido apenas
em 27 de Agosto de 1962 através da Lei n° 4.119. Barbosa (2012) traçando uma historiografia
da Psicologia Escolar e Educacional no Brasil aborda o uso de recursos psicológicos na educação
desde o período jesuítico, passando pelo Pedagogium, Escola Nova até chegar ao período de crise e
reorganização da Psicologia Escolar e Educacional a partir dos anos 1980.
A princípio a Psicologia foi compreendida como saberes constituídos que eram
compartilhados, elaborados e utilizados em diversas áreas de conhecimento. Antunes (2011)
aponta a origem da Psicologia brasileira a partir dos conhecimentos médicos e educacionais. As
primeiras publicações científicas que abordavam temáticas do campo psicológico se deram ainda
no Século XIX, nos cursos de Direito e Medicina (Pfromm Netto, 1979), as quais os conhecimentos

24 Coordenador do Laboratório de Psicologia Experimental, criado em 1906 com a função inicial de ser museu
pedagógico dispondo de uma exposição permanente de materiais educacionais. Também tinha como função
promover cursos, conferências e intercâmbio com laboratórios similares estrangeiros.
25 Nos anos de 1950 organizou o Laboratório de Psicologia da Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Belo
Horizonte que promovia cursos que difundiam conhecimentos psicológicos trazendo profissionais estrangeiros,
como: Leon Walther e Theodore Simon.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1291


NO ONTEXTO BRASILEIRO
na área de Psicologia serviam às práticas higienistas. É nesta época também que se dá a inserção
da Psicologia nos cursos de formação de professores nas Escolas Normais.
Segue-se, então, um período26 de desenvolvimento de autonomia da Psicologia em relação
às outras áreas de atuação e campos de saberes, passando, então, a produzir as próprias
teorias, desenvolvendo um conhecimento autônomo, com técnicas, objeto e meios específicos.
Por consequência, entre os anos de 1930 e 1962, foi o período de consolidação, marcado pela
constituição das primeiras associações de Psicologia: como a Sociedade Brasileira de Psicologia
de São Paulo, fundada em 1945, isso seguido pela criação dos primeiros cursos de formação
de Psicologistas, acompanhadas das primeiras revistas científicas da área, culminando com o
reconhecimento da profissão.
Passa-se então a desenvolver a aplicabilidade da Psicologia em diversas áreas como: clínica,
processos organizacionais, do trabalho e principalmente educacionais. É neste momento que os
conhecimentos produzidos pela Psicologia passam a servir a um ideal normativo e classificatório
advindo da difusão de testes dos laboratórios das Escolas Normais, isso em consonância com os
ideais capitalistas do Brasil industrial da década de 1950. É neste momento, que os processos
educativos incorporam as testagens e classificação de crianças, com a premissa de conhecer suas
potencialidades e limites, porém, tal iniciativa desembocou na separação das crianças em normais
e com problemas de aprendizagem (também classificadas como anormais, deficientes, crianças
problema) (Barbosa, 2012).
Para a teórica Maria Helena Souza Patto (2000), esse período em que a Psicologia Educacional
e Escolar se desenvolve e cresce de forma vertiginosa no cenário da Psicologia brasileira, foi
resultante da situação política, social e econômica do momento vivido pelo país. Durante a década
de 1970 a tecnologia educacional, fruto de teorizações behavioristas, culminou com o ensino
tecnicista aliado aos ideais do governo ditatorial militar. Nesse momento os departamentos de
psicologia públicos que atendiam, principalmente, alunos das classes sociais mais baixas tentavam
demonstrar que a escola estava buscando promover uma igualdade de oportunidades, quando
na verdade servia a uma ideologia que mascarava a injustiça social e desigualdades do sistema. O
foco dos estudos e ações da Psicologia Educacional e Escolar era o aluno, voltava-se para o não
aprender do estudante da escola pública das classes mais pobres, e então, a teoria da carência
cultural27 torna-se a justificativa das dificuldades de aprendizagem de tais escolares. Com isso,
desenvolveram-se os programas de educação compensatória, aumentando a oferta de serviços
de Psicologia Escolar em secretarias municipais de educação, e que tinham o foco do trabalho
em testagens psicométricas e atendimento clínico para as chamadas “crianças com problemas de
aprendizagem” (Barbosa, 2011).
A partir do início da década de 1980, com a força que a luta pela redemocratização ganhou,
o cenário na Psicologia também começou a mudar. No ano de 1981, Maria Helena Souza Patto
publica sua tese de Doutorado intitulada “Psicologia e Ideologia: Reflexões sobre a Psicologia
Escolar”, na qual a partir do estudo dos serviços de Psicologia Escolar na Prefeitura de São Paulo,
ela traça uma série de críticas ao que a Psicologia Educacional e Escolar se tornou. Com práticas
focadas apenas no problema que o aluno apresentava, desconsiderando não só o estudante como
um todo, mas também a realidade escolar, familiar e social deste, tendo, pois uma visão simplista
e recortada da criança ou adolescente.
A obra de Patto lança uma compreensão mais ampla e crítica da atuação da Psicologia no
26 Antunes (2001) descreve como período da Autonomização compreendido entre 1890 e 1930.
27 Teoria originada nos Estados Unidos buscando responder o porquê de crianças negras e de origem latinas não
obterem os mesmos resultados escolares de crianças brancas. Psicólogos e outros profissionais empenharam-se
em passar a pesquisar as causas dos problemas de aprendizagem, buscando-as nos aspectos do desenvolvimento
infantil, nas áreas de linguagem, motricidade, estimulação, cognição, nutrição e inteligência, porém os resultados
das crianças destas classes eram comparados aos de crianças da classe média alta americana, que eram os
considerados como normais. Fazendo com que se atribuísse à pobreza o não aprender de crianças de classes
marginais.

1292  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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campo da Educação, buscando demonstrar a necessidade de que o psicólogo que atuasse no
campo educativo deveria buscar uma visão holística do aluno, da escola e da comunidade escolar,
sair do foco individual. Isso faz com que se mude o conceito de escola, educação, psicologia e
de uma atuação unificada destas três. Portanto a década de 1990 surge como um momento de
crítica à própria Psicologia, esta lançando um olhar sobre seu fazer e tornando-se cada vez mais
crítica, buscando traçar novas perspectivas de atuação, afastando-se de um ideal classificatório,
normativo e disciplinatório apresentado até então, buscando finalizar com a ideia de uma
Psicologia que servia ao ajustamento do sujeito aluno.
Desde então, os profissionais atuantes na área buscam o estabelecimento de uma prática que
não seja focada apenas em problemas de aprendizagem, em patologização de comportamentos
considerados desviantes e em promoção de adequações à norma dos sujeitos integrantes do
ambiente escolar. Tal fazer demanda não somente prática e exercício profissional da Psicologia na
escola, mas também da constante pesquisa e construção de conhecimento no âmbito educacional.
Portanto a opção pela denominação do termo Psicologia Escolar e Educacional justifica-se por
não compreender a Psicologia Escolar como um mero campo de atuação prática e o da Psicologia
Educacional como o de realização de pesquisa. A necessidade da construção de uma atuação
crítica exigiu o exercício das duas: prática e pesquisa, para a consolidação de uma Psicologia
Escolar e Educacional condizente com as demandas atuais.
Com isso, passa-se à inserção dos psicólogos na área de Psicologia Escolar e Educacional
na SEDUC. O edital de chamada se deu no final de 2016, com a seleção pública no início de 2017
e o início da atuação dos profissionais aprovados em junho do mesmo ano. A demanda para a
contratação se deu após a greve dos professores da rede estadual de ensino básico, a qual uma
das pautas era a presença de Psicólogos no corpo profissional das escolas, devido às grandes
dificuldades que estes vêm enfrentando na sua atuação diária. Destarte, professores e gestores
viam que a qualidade do trabalho por eles desempenhado poderia ser melhorada mediante a
intervenção de Psicólogos Escolares e Educacionais na realidade das instituições de ensino públicas
do Ceará. Marcando, pois, a abertura do campo de atuação da Psicologia Escolar e Educacional
no estado, até então restrito a atuação em instituições privadas.

Metodologia

O ponto de partida da atuação dos psicólogos ligados às vinte Coordenadorias Regionais


de Desenvolvimento da Educação (CREDE’s) e seis Secretarias Regionais de Fortaleza (SEFOR’s)
passou, inicialmente, por um treinamento visando a apresentação da proposta de trabalho que
nortearia a atuação dos mesmos nas CREDE’s. Essa formação inicial contou com momentos de
apresentação de algumas células de trabalho da SEDUC, bem como dos projetos que mais se
destacam nas escolas públicas estaduais e os quais os psicólogos deveriam acompanhar mais
de perto por trabalharem diretamente com competências socioemocionais: NTPPS28 (Núcleo de
Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais), presente em escolas de ensino regular e integral; o Projeto
de Vida, presente nas escolas de ensino técnico; e o PPDT29 (Projeto Professor Diretor de Turma),

28 O Projeto Professor Diretor de Turma (PPDT) originou-se, no Ceará, após o contato com a experiência de escolas
portuguesas durante o XVIII Encontro da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE)
– Seção Ceará em 2007. Inicialmente, abrangeu escolas piloto nos municípios de Eusébio, Madalena e Canindé,
gradativamente expandindo-se para várias escolas nas demais regionais de educação do estado. O projeto
funciona com um professor responsabilizando-se por uma atenção mais próxima a determinada turma de alunos.
Apresenta-se como uma tecnologia educacional voltada para humanização e desmassificação das relações no
ambiente escolar, procurando viabilizar a permanência e sucesso escolar dos alunos. (Secretaria de Educação do
Estado do Ceará [SEDUC], 2011)
29 Núcelo de Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTPPS) funciona como um elemento integrador curricular.
Objetiva o desenvolvimento de competências socioemocionais através da pesquisa, da interdisciplinaridade e do
protagonismo estudantil. Possui um total de 160 horas/aula distribuidas ao longo do período letivo, conduzidas

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1293


NO ONTEXTO BRASILEIRO
presente nas três modalidades de ensino médio (regular, integral e técnico).
Durante esse momento inicial, apresentou-se a participação do Instituto Ayrton Senna
(IAS), instituto criado em 1994 que se define como uma instituição sem fins lucrativos, que foca
suas ações no campo de soluções educacionais através de parcerias com secretarias de educação
estaduais e municipais, promovendo produção de conhecimentos e formação de educadores. O
IAS “[…] pesquisa, produz e aplica conhecimento em larga escala para melhorar a qualidade da
educação.” (Santos & Primi, 2014, p. 4). Tal Instituto firmou parceria com a SEDUC, ficando a
frente das formações continuadas dos profissionais de Psicologia. A proposta de atuação do IAS
é centrada no desenvolvimento de competências socioemocionais30, através de uma metodologia
em desenvolvimento chamada Diálogos Socioemocionais , este consiste no instrumental de uma
ficha onde professor e aluno respondem sobre as competências socioemocionais dos estudantes.
As respostas comparadas, por meio de uma metodologia de feedback, servem como norteador
inicial, que orienta as competências a serem desenvolvidas a partir do projeto de vida singular
do aluno (http://www.institutoayrtonsenna.org.br/, recuperado em 16 de fevereiro, 2018). Ainda
segundo o IAS, é uma metodologia que mesmo estando em desenvolvimento, contribuiu para
o estímulo das competências socioemocionais nas escolas onde foi implementada, citando as
escolas de Goiás como exemplo, onde o projeto vem acontecendo. A iniciativa é fruto da concepção
que o IAS tem de uma educação integral, voltada para a formação do cidadão do século XXI e
objetivando sucesso acadêmico e pessoal.
O IAS trouxe uma proposta de atuação baseada em três eixos: I. levantamento de informação
sobre as redes de atenção de Saúde, Assistência Social, Lazer etc. Bem como coleta de informações
sobre as escolas selecionadas para atuação inicial; II. Formação, acompanhamento e apoio aos
professores de programas que fomentam o desenvolvimento das competências socioemocionais,
com foco principal no PPDT; III. Compartilhamento periódico dos conhecimentos.
O Eixo I desdobrou-se em quatro atividades: complementação e atualização do mapeamento
inicial dos territórios onde se localizam as escolas, visando à identificação dos serviços de
assistência social, saúde, educação e lazer; conhecimento dos dados de desempenho acadêmico,
clima escolar e das competências socioemocionais (programas e instrumentais); compreensão
e análise dos projetos presentes nas escolas, visando estabelecer pontos fortes e pontos que
necessitavam de atenção; identificação de casos individuais que precisassem de encaminhamento
para as redes assistenciais, auxiliando as escolas no seu manejo.
Tendo em vista o número elevado de escolas por cada CREDE, a orientação dada aos
profissionais foi de que atuariam acompanhando mais de perto oito escolas de cada coordenadoria,
desta maneira, deveriam fazer um levantamento focado na situação dos programas de PPDT e
NTPPS, bem como levantamento do clima escolar e demais elementos relevantes para atuação.
Os critérios de escolha das escolas foram definidos pela equipe SEDUC e IAS, e levaram
em consideração: a localização geográfica que facilitasse o acesso; incluísse o maior número de

por um professor da escola no formato de oficinas. Os professores atuantes do projeto foram formados e
acompanhados pelo Instituto Aliança, bem como utilizam material de apoio estruturado para realização das
atividades no formato de Planos de Aula e Caderno do Aluno elaborados pelo Instituto Aliança. Ao longo dos
três anos de Ensino Médio, o tema geral dos projetos de pesquisa desenvolvidos pelos alunos e orientados pelos
professores muda: no primeiro ano é escola e família, no segundo ano é a comunidade e no terceiro ano é o
mundo do trabalho. Promovem com tais projetos interdisciplinariedade entre o NTPPS e as demais disciplinas.
(SEDUC, n.d.)
30 Competência diz respeito a uma capacidade de “[…] mobilizar, articular e colocar em prática conhecimentos,
valores, atitudes e habilidades, na inter-relação de seus aspectos cognitivos e sociemocionais.” e competência
socioemocional diz respeito a elementos para “[…] aprender a se relacionar com os outros e consigo mesmo,
compreender e gerir emoções, estabelecer e atingir objetivos, tomar decisões autônomas e responsáveis e enfrentar
situações adversas de maneira criativa e construtiva.” (Instituto Ayrton Senna [IAS] & Secretaria de Educação do
Estado do Rio de Janeiro [SEEDUC], 2016, p.22)

1294  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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iniciativas com potencial de trabalhar competências socioemocionais, o interesse e disponibilidade
da direção; o tipo de escola, se integral ou parcial; o tipo de desempenho (Alto desempenho ou
escola prioritária); e o tamanho da escola, focando nas de médio e grande porte. Somando-se todas
as escolas acompanhadas pelos trinta psicólogos, teve-se um total de 240 escolas acompanhadas.
Tendo em vista a diversidade de cenários e especificidades de cada regional, nem todas
possuíam escolas contemplando integralmente os pré-requisitos. Por exemplo: havia regional
onde só existia uma escola de alto desempenho, uma de desempenho prioritário (baixo) e as
demais eram de desempenho mediano. Diante disso, fez-se uma adaptação dos critérios de
escolha, pactuando as exceções junto às lideranças regionais e tentando incluir as escolas que
mais se encaixavam nas especificações orientadas pela SEDUC e IAS.
O Eixo II englobou dois pontos, a participação nas formações ofertadas aos psicólogos
pela SEDUC; e a realização de formações inicial e continuadas com os Professores Diretores de
Turma (PDT’s), incluindo atuar como replicadores da metodologia dos Diálogos Socioemocionais
e apoiar as escolas em demandas que emergirem com os alunos.
A equipe do IAS, ao longo das formações, apresentou continuamente conceitos de
competências socioemocionais, e trouxe para os psicólogos as ações e instrumentais que deveriam
ser desenvolvidas. Durante as formações, em alguns momentos, os psicólogos foram convidados
a contribuir na adaptação de instrumentais pré-elaborados pelo IAS a serem utilizados para a
realidade do Ceará.
No Eixo III, objetivou-se compartilhar com gestores da Rede Pública Estadual de Ensino
do Ceará, informações obtidas pelos psicólogos, provenientes de seu cotidiano de trabalho nas
escolas, o que poderia ser fortalecido, o que precisaria de mais atenção, se haveria possibilidade
de integração de programas.

Resultados e Discussão

A inserção nas Credes, bem como as visitas às escolas contou com uma expectativa pela
atuação clínica do psicólogo, para Viana (2016) ainda há pouca compreensão sobre o papel da
Psicologia Escolar e Educacional por parte da comunidade escolar, o que é um desafio ainda
apontado pelos profissionais da área. Nos momentos de partilha entre as(os) Psicólogas(os),
foi comum o relato de que as escolas e as CREDE’s esperavam que os profissionais fizessem
atendimentos clínicos com os alunos percebidos por elas com algum sofrimento psíquico, e mesmo
de professores e funcionários. Desta maneira, um dos primeiros desafios, foi o de conscientizar a
comunidade escolar de que atuação do psicólogo escolar/educacional era diferente da atuação
do psicólogo clínico, presente no imaginário popular. A Psicologia Clínica se estabelece como uma
importante área de atuação da Psicologia e com um lugar presente no imaginário popular. Porém,
frente às demandas do contexto escolar, o modelo clínico mostra-se insuficiente no oferecimento
de respostas efetivas, reforçando muitas vezes a culpabilização do sujeito pelo seu fracasso
escolar ou inadaptação ao que a escola espera dele. Ainda para Viana (2016), a atuação em
Psicologia Escolar deve ser baseada em uma visão sistêmica e levar para as escolas novos modelos
de intervenção pautados em uma reflexão crítica.
Tendo em vista os diferentes cenários de prática onde as psicólogas e psicólogos inseriram-
se, e seus processos formativos, os profissionais teceram diversas estratégias de atuação. Dentre
elas, recortou-se nesse artigo, as ações realizadas na CREDE de uma das autoras, que teve foco
principal na formação de professores através de oficinas.
Durante as visitas as escolas, foram levantadas temáticas as quais os professores sentiram
dificuldades no trabalho com os alunos. Destacaram-se inicialmente a temática de prevenção
ao suicídio e a temática relacionada a questões de gênero e respeito à diversidade. A primeira
foi trabalhada em algumas escolas no segundo semestre de 2017 e a segunda será trabalhada no
primeiro semestre de 2018.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1295


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A preocupação com a saúde mental dos alunos foi uma temática que se sobressaiu durante
as visitas para conhecer a realidade das escolas. Os professores e gestores mostravam muita
preocupação com casos de alunos que aparentavam sintomas depressivos, ansiosos, casos de
automutilação, ideação ou tentativa de suicídio. Indagavam-se como lidar com tais situações, se
não foram preparados para isso. Ressalta-se que a atenção à saúde mental, e mais especificamente
à saúde mental infanto-juvenil carece de efetivação do campo das politicas públicas, que não
englobam apenas espaços de institucionais de atenção à saúde mental, mas os espaços de lazer,
o acesso ao mundo do trabalho, a proteção quanto as vulnerabilidades sociais, enfim, uma série
de direitos que encontram muitas dificuldades em serem garantidos à juventude que compõe os
alunos da rede pública.
Diante deste contexto de preocupação com saúde mental, destacou-se a prevenção ao
suicídio como temática inicial a ser levada aos educadores. O tema emergiu por ser percebido pela
própria CREDE como relevante na região que abrange, por ser uma causa de morte recorrente
na juventude, por esses eventos terem uma grande repercussão nas comunidades das pequenas
cidades do interior – gerando sentimentos de comoção coletiva, medo, frustrações, impotência
diante da morte – pela persistência de tabus que contribuem para dificultar o acesso dos sujeitos
em sofrimento psíquico aos serviços de saúde, e por ser uma discussão que gera muita insegurança
nos educadores. As oficinas abordaram a desconstrução de mitos em torno da problemática
do suicídio, bem como o manejo de situações problema na escola. Serviram como espaço de
acolhimento de dúvidas e angústias dos profissionais, em suas vivências lidando com os afetos
mobilizados pelo tema.
Resgatando a discussão introdutória acerca da evolução da atuação da Psicologia Escolar
e Educacional, destaca-se que frente à nova experiência na SEDUC está se construindo novas
formas de atuação da Psicologia Escolar e Educacional no estado. Observa-se uma menor
preocupação com problemas de aprendizagem e um foco maior em questões de saúde mental. Os
temas destacados como: suicídio e automutilação foram abordados por todos os psicólogos das
CREDE’s nos encontros de ordenação de demandas. Ainda não se pode assinalar se essa mudança
de enfoque deu-se, seja porque na adolescência (população atendido pela educação pública
estadual) as queixas de dificuldades de aprendizagem realmente diminuem, ou se elas ficam em
segundo plano frente às temáticas exemplificadas. Só se terá essa resposta com o avançar dos
trabalhos empreendidos.
Outro fato relevante foi de que os professores, gestores e funcionários buscaram uma
atuação da equipe de Psicólogos junto a eles. Assim, mesmo que numa concepção equivocada de
expectativa clínica (que se pode assumir que a educação ainda guarda no imaginário o modelo
de atuação da Psicologia Escolar predominante até a década de 1980, não acompanhando
as profundas transformações dos últimos 30 anos, haja vista que a própria Psicologia Escolar
e Educacional ainda está se reorganizando) já se tem uma compreensão de que o trabalho do
Psicólogo não é exclusivo com alunos e família, ele pode – e deve – estender-se aos demais atores
da comunidade escolar.
Destarte, a saúde mental no ambiente escolar mostrou-se como um dos desafios, mas não
o único. Soma-se a ele a própria inserção do psicólogo na Rede Estadual de Ensino por ser um
campo novo da Psicologia Escolar e Educacional. Ainda em processo inicial, os profissionais
tentam construir o seu lugar frente a uma série de demandas e uma grande quantidade de escolas
em contextos diversos, mas de acordo com o que Patto (2000) e Barbosa (2012) trazem sobre
a atuação do profissional de Psicologia nesta seara. A Psicologia Escolar e Educacional é um
fazer constante de atuação e pesquisa, os profissionais cearenses encontram-se em um momento
próspero, que ao mesmo tempo de sua atuação prática indo às escolas, escutando suas demandas
e buscando atendê-las, está desenvolvendo a pesquisa, pois tem contato com realidades diferentes
das já habituais e tecendo constantemente novos fazeres em Psicologia Escolar e Educacional.

1296  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1297


NO ONTEXTO BRASILEIRO
TECNOLOGIAS EDUCATIVAS EM SALA DE AULA:
APERFEIÇOANDO AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS
Raianny de Sousa Gondim
Inês Falcão Nogueira de Oliveira
Danielle Gomes Batista
Karla Julianne Negreiros de Matos

Introdução

O
processo de ensino-aprendizagem ocorre a partir da relação de diversas variáveis
como: a relação que se estabelece entre professor e aluno e as metodologias que
serão aplicadas. As metodologias de ensino-aprendizagem auxiliam nos obstáculos
a serem superados pelos estudantes, direcionando os alunos a ocuparem o lugar de sujeitos na
construção do conhecimento enquanto o professor ocupa a posição de facilitador e orientador
desse processo (Melo & Sant’anna, 2013).
Existem diversas abordagens pedagógicas de ensino, como metodologias tradicionais e as
metodologias que tem foco no sujeito que aprende. Nas tradicionais geralmente há um sujeito
que sabe algum conhecimento específico e ensina a outro sujeito, o qual não tem o conhecimento
prévio desse novo conceito específico. O problema com essa abordagem é de que há a tendência
em o possuidor do conhecimento se considerar o único responsável pelo processo de ensino-
aprendizagem assim, o uso da Metodologia Ativa enfrenta o ensino tradicional, caracterizado
por retenção de informação, disciplinas fragmentadas e avaliações que exigem memorização,
podendo levar os estudantes à passividade e aquisição de uma visão estreita e instrumental do
aprendizado, promovendo carências de constante atualização deixando de lado as potencialidades
do sujeito aprendiz, assim como suas crenças e valores (Melo & Sant’anna, 2013). Como coloca
Berbel (2011, p.25), “as informações em si teriam, quando apenas retidas ou memorizadas, um
componente de reprodução, de manutenção do já existente, colocando os aprendizes na condição
de expectadores do mundo”.
A partir desta nova dinâmica da Metodologia Ativa, surgiram questionamentos acerca do
modelo tradicional de ensino, pois aquele sistema pautado apenas no professor transmitir as
informações e os alunos as decorarem ficou defasado e desmotivador. Agora, é importante e
também necessário que os alunos “aprendam fazendo”, tornando-se capazes de construir novos
conhecimentos a partir da sua relação com o mundo, dos elementos e das informações (Medeiros
& Shimiguel, 2012).
Berbel (2011) coloca que é função da escola facilitar e permitir que o desenvolvimento
de habilidades humanas ocorra e é o professor o sujeito que deve mediar esse processo, tanto
promovendo autonomia nos alunos quanto mantendo atitudes de manutenção e controle de
comportamentos.
O sujeito aprendiz, quando colocado nesse papel de mero receptor de dados e se vendo
obrigado a realizar tarefas apenas por fatores externos se vê desmotivado, o que atrapalha o

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processo de ensino aprendizagem. (Berbel, 2011). Gomes et al (2010, p. 392) contribui para essa
discussão colocando que há “a necessidade de ultrapassar a postura de mera transmissão de
informações, na qual os estudantes assumem o papel de receptáculos passivos, preocupados
apenas em memorizar conteúdos e recuperá-los quando solicitado”. Nesse sentido, o professor
deve ouvir seus alunos, acolher seus pensamentos, sentimentos e ações, quando se manifestam,
bem como apoiar o seu progresso e sua aptidão para autorregular-se (Gomes et al, 2010). Dentro
dessa perspectiva, Berbel (2011) traz a importância do uso de metodologias ativas no processo de
ensino aprendizagem, pois possibilitam o despertar da curiosidade dos alunos, seu engajamento
e apropriação do processo e a escuta de suas colocações diante disso em relação ao seu processo
de inserção no mundo.
Ao falar de metodologias ativas, Moran (2015, p. 18) coloca que “quanto mais aprendamos
próximos da vida, melhor. As metodologias ativas são pontos de partida para avançar para
processos mais avançados de reflexão, de integração cognitiva, de generalização, de reelaboração
de novas práticas”. Dessa forma, pode-se perceber as metodologias ativas como de grande
potencial para os processos educacionais e sua caminhada como uso de tecnologias pode ser
mais engrandecedora ainda.
Barbosa et al. (2016) colocam que incentivar a criação e uso de tecnologias para a
disseminação de informações que contribuam para a aprendizagem de temas relacionados a
saúde da mulher no pós-parto e posterior aumento da qualidade de vida é importante. Por mais
que o autor traga a discussão para o contexto de saúde, é possível observar que essa relação se
dá muito bem no contexto educativo, pois se pretende passar conhecimento de algo aos sujeitos
de forma que o processo de aprendizagem seja mais rico e completo e isso possa gerar algo de
positivo na vida do sujeito.
Paim, Nietsche e Lima (2014, p. 583) contribuem para essa discussão colocando que “as
tecnologias vêm sendo planejadas e implementadas levando em consideração a necessidade de
traduzir o conhecimento técnico-científico em ferramentas, processos e materiais criados ou
utilizados para difundir tal conhecimento e, assim, melhorar a qualidade da assistência”.
Figueiredo, Rodrigues-Neto e Leite (2010, p. 338) colocam que, dessa forma, as práticas
educativas devem permitir aos sujeitos “a oportunidade de conhecer e reconhecer a obtenção de
destreza para a tomada de decisões” , tendo em vista, assim, o melhoramento da qualidade de
vida. A entrada das tecnologias cabe muito bem nessa prática de cuidado, pois algumas dessas
tecnologias quando inseridas quanto materiais educativos podem ser elementos de facilitação e
suporte que complementem o processo de ensino-aprendizagem (Schall & Modena, 2005). Nesse
sentido, Barbosa, Dias, Pinheiro, Pinheiro, Vieira (2010, p.341) coloca que o uso de tecnologias
“facilita o desenrolar do processo, prende a atenção do público-alvo e permite o concurso de
todos os envolvidos na atividade educativa”.
Dentro dessa perspectiva, é importante a valorização de uma relação dialógica saudável, que
permita o compartilhar de informações, pois é essa relação que facilita a aquisição de conhecimentos
e práticas reflexivas diante do processo, assim como um consequente aprimoramento de práticas
e comportamentos mais saudáveis que contribuam para uma boa qualidade de vida (Beserra,
Torres & Barroso, 2008). Barbosa et al. (2010) coloca muito bem essa relação ao dizer que

“os encontros para aplicação do jogo devem partir dos pressupostos que as atividades
educativas serão significativas se houver uma elaboração compartilhada do conhecimento,
uma interação ativa de todos os participantes e a colaboração mútua na elucidação de
dúvidas e na redução no nível de déficit de conhecimento” (p. 340).

Nesse sentido, existem os mais variados tipos de tecnologias que podem ser usadas enquanto
metodologias de educação. Teixeira, Medeiros e Nascimento (2014) colocam que as tecnologias
se organizam em dois tipos: dependentes e independentes. A primeira diz respeito às tecnologias

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1299


NO ONTEXTO BRASILEIRO
que dependem de recursos elétricos para serem utilizadas, como computador, televisão, internet,
etc., por exemplo. A segunda é aquela que não depende de recursos elétricos, como por exemplos
cartazes, portfólios, manuais, folhetos, jornais, livros, jogos, etc. Moran (2015) afirma que o uso
de jogos no processo de ensino-aprendizagem está cada vez mais comum.
O uso de jogos na educação, além de serem fontes de diversão, podem ser utilizados para
vários fins educativos e como uma alternativa de desenvolvimento de crianças e jovens. Para o
público infantil, o jogo possui o objetivo central de diversão. Já para os educadores e toda a equipe
que trabalha com crianças, o jogo é um meio, o qual possibilita chegar a um determinado assunto e
transmitir uma mensagem educativa de forma atraente e prazerosa (Medeiros & Shimiguel, 2012),
Dessa forma, o presente artigo pretende discutir e analisar o uso de jogos (tecnologia
independente) em uma turma de Ensino Fundamental I em uma escola particular localizada na
cidade de Fortaleza, Ceará. Para tanto, os jogos serão descritos na metodologia, assim como em
que circunstâncias foram aplicados, para depois serem analisados enquanto métodos de inovação
tecnológica para a aquisição de novos conhecimentos e comportamentos dos alunos.

Método

Participante:

Uma turma de 13 alunos do Ensino Fundamental I com faixa etária entre seis e sete anos de
uma escola particular do município de Fortaleza.

Desenvolvimento da atividade

A Intervenção foi baseada na confluência de jogos para as crianças selecionados com a


orientação da professora responsável pela turma.
Metodologia de aplicação do jogo:
Um cubo de seis faces no qual: Cada face do cubo correspondia a um jogo, que era
reconhecida por suas cores: Verde, marrom, amarelo, azul, rosa, laranja. As intervenções ocorriam
semanalmente, de forma seguida, por seis semanas. Os jogos trabalhados foram o bingo, o jogo
da memória, o jogo dos sentimentos, a história coletiva, leitura de história e jogo da audição.
Descrição dos jogos:

1) Bingo:
Adaptação: o bingo, não foi de números, foi composto por palavras que faziam parte do
vocabulário das crianças e dentro dos limites de leitura apresentados por elas, como exemplo
das palavras que constavam nas cartelas pode-se citar cachorro, dentista, escova e estrela.
Cada cartela continha nove palavras e o objetivo era que todas as crianças participassem, sem
o intuito de ter ganhador ou perdedor, mas a exemplificação da importância de participar.
Para marcação das cartelas, foi utilizado tampas de garrafa PET.
2)  Jogo da memória:
Adaptação: De acordo com realidade escolar, foram selecionadas imagens gratuitas obtidas
da internet. As gravuras utilizadas foram de atividades realizadas por crianças da faixa etária
trabalhada, considerando a rotina escolar, higiene infantil, boas maneiras, tais como crianças
brincando no parquinho, escovando os dentes, indo para a escola, acordando, lanchando,
dormindo, etc. Foram criados 28 pares de figuras para que as crianças encontrassem os
iguais.

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3)  Jogo dos sentimentos:
Adaptação: Corresponde a seis rostinhos de crianças, como placas, com expressões faciais
diferentes, como alegria, tristeza, raiva e vergonha. Nelas, as crianças teriam que identificar
qual sentimento estava sendo expresso e quando ela o sentia.
4)  História Coletiva:
Adaptação: Uma história que tem um ponto de partida dito pelo facilitador e cada criança
contribui de sua forma, importando que a história tenha começo meio e fim e que todos
estejam atentos para dar continuidade a história que está sendo criada por eles.
5)  Jogo da audição:
Adaptação: Todas as crianças ficam vendadas e atentas aos ruídos emitidos pelos
facilitadores, no caso, foram utilizados sons que fizessem parte da sala de aula e outros
que fossem de fácil reconhecimento, como bater a porta, bater palmas, estalar os dedos,
assobios, abrir e fechar o livro, chacoalhar uma caixa de brinquedos com peças, chacoalhar
o balde com tampas de garrafa PET. Para os alunos ficarem vendados, foi utilizado TNT,
feito faixas ajustáveis às crianças.
6)  Leitura de História:
Adaptação: A leitura de história foi feita por duas facilitadoras com um livro infantil com
tema de relevância para a idade, no caso, foi lida a historinha: “E pele tem cor?”, a qual
retrata as indagações de uma criança a respeito da cor da pele.
Local: A aplicação ocorreu em sala de aula da turma participante era comporta por 13
crianças, com uma sala bem estruturada, vários jogos educativos e bem decorada.

Cuidados éticos: A elaboração dos jogos surgiu a partir da necessidade de atuação do


estagiário da Psicologia que está há cinco meses na instituição. Esse relato de experiência deu-se a
partir da intervenção da autora, principal deste artigo, sob supervisão da psicóloga da instituição.
Destaca-se que o nome usado ao se referir a criança é fictício e não há menção ao nome da escola
onde a criança estudava para assegurar que ela não possa ser identificada.

Resultados

Os alunos participaram calorosamente da experiência e ansiaram por qual novo jogo seria
feito no próximo encontro. O jogo de menor repercussão foi da leitura da história infantil, uma
vez que foi o que eles menos participaram. O jogo com mais participação foi o jogo da memória,
em que todos participaram.
O primeiro jogo que foi aplicado foi o jogo dos sentimentos, no qual havia quatro
rostinhos, alegria, tristeza, raiva e vergonha, os quais as crianças teriam de identificar por meio
das expressões faciais qual sentimento estava sendo representado. Em seguida, cada criança
teria que falar alguma situação que a deixasse com o mesmo sentimento do rostinho mostrado.
Inicialmente, as crianças pareceram interessadas com a novidade, já que os rostinhos estavam em
uma caixa bem decorada, mas ao iniciar e explicar o que seria pedido, foram perdendo o interesse
gradativamente. No rostinho da alegria, todos participaram, assim como no rostinho da tristeza,
porém, nos outros dois, as crianças estavam mais dispersas, o que impossibilitou a continuidade.
Portanto, foi combinado que na sexta-feira seguinte teriam outros jogos.
Na intervenção seguinte, foram apresentados os outros jogos e foi explicado que o cubo seria
lançado por um estudante e aquele seria o jogo do dia. Por o cubo ser um grande atrativo para
os alunos, ficou acordado que a escolha para a sexta-feira seguinte e todas as outras seria feita
mediante o comportamento dos alunos, sendo escolhido aquele que mais colaborasse durante as
aulas no decorrer da semana.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1301


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Ao ser lançado, a face do cubo escolhida foi a de cor verde que correspondia ao bingo.
Foi explicado que cada criança receberia uma cartela de bingo, a qual continha nove palavras,
que seria feito o sorteio e anotado na lousa os nomes sorteados. Ao perceber que a palavra
sorteada tinha no seu cartão, a criança receberia uma tampinha de garrafa PET para colocar em
cima da palavra. Além disso, foi explicado que todas as crianças participariam e continuariam
jogando até que todas as palavras da cartela fossem retiradas proporcionando uma redução na
competitividade e um ganho coletivo na brincadeira. Em seu decorrer, algumas crianças ficaram
chateadas com a demora do preenchimento de suas cartelas, algumas tentaram manipular o
jogo para sair especialmente aquela palavra que faltava, mas no final compreenderam que todos
ganharam o jogo por saber identificar a palavra escrita na cartela, ter a compreensão das regras
e a leitura das palavras.
Na sexta-feira seguinte, ocorreu o mesmo processo, uma criança lançou o cubo, o qual
mostrou a cor laranja correspondente à história coletiva. A história coletiva tem a participação
de todos os alunos a partir de um comando inicial. A história iniciou com: “Dois amigos estavam
andando pela rua quando...”. A partir disso, cada criança deu a sua contribuição ao qual resultou
na seguinte história: “Dois amigos estavam andando pela rua quando foram atravessar sozinhos e
foram atropelados. Adultos passaram e levaram para o hospital, depois de alguns dias internados,
voltaram pra casa. Até que foram atropelados de novo e morreram. Viraram fantasmas e de
fantasmas passaram a ser borboletas, mas o desejo era voltar a ser humano, até que encontraram
uma lâmpada mágica e fizeram o pedido e voltaram a ser crianças.” Dessa história foram feitas
algumas indagações, como se criança pode andar sozinha na rua ou atravessar, de quem precisa
estar acompanhado, quem foi que ajudou as crianças nessa história e o que se deve fazer para
ajudar. As respostas para os questionamentos foram estar sempre acompanhadas por adulto,
chamar um adulto para ajudar, que não se pode atravessar a rua sem ajuda e sem olhar para os
dois lados, que o médico salvou a vida das crianças uma vez, mas da outra não conseguiu e que
tinha que ter mais atenção ao andar na rua.
A brincadeira da semana seguinte, mediante o lançamento do cubo, foi a brincadeira da
audição. As treze crianças foram vendadas com tiras de TNT, deveriam permanecer sentadas, bem
atentas aos comandos e em silêncio para ouvir os mais variados sons. Foi explicado que não era
competição e sim para saber o quão atentos conseguiriam estar para detectar os sons. Todas as
crianças participaram e identificaram os sons, já que grande parte foi com o som que os materiais
dentro de sala poderiam causar e ao final, ao perguntar como tinha sido essa experiência, eles
descreveram como diferente porque nunca tinha experimentado ficar vendados e apenas ouvir,
acrescentaram que gostaram muito. As reflexões feitas a partir desta brincadeira foi que eles
poderiam aprimorar a audição, poderiam ouvir mais e aproveitar melhor os ensinamentos em sala
de aula, onde muitas vezes precisa estar em silêncio para ouvir as explicações e ser participativo
em outros momentos.
O jogo sorteado na intervenção seguinte foi o jogo da memória, composto por 28 pares de
figuras que fizessem parte da rotina das crianças, como higiene infantil, boas maneiras e rotina
escolar, tais como crianças brincando no parquinho, escovando os dentes, indo para a escola,
acordando, lanchando, dormindo, etc. Desta forma, foram criados dois grupos, o grupo das
crianças e o grupo dos adultos. Ganharia quem tivesse o maior número de acertos. O intuito da
atividade é que as crianças cooperassem entre si para que obtivessem o êxito, já que estavam em
maior quantidade do que os adultos presentes em sala. No caso, o grupo das crianças tinha 13
crianças e o dos adultos apenas duas representantes. No decorrer do jogo, uma criança torcia pela
outra, já que todas estavam com um objetivo em comum. No fim do jogo, as crianças ganharam e
a reflexão realizada após o jogo foi que se eles colaborassem entre si, todos poiam sair ganhando
e felizes, inclusive o grupo de adultos que perdeu, mas que ficou feliz por participar da brincadeira
e aprender um pouco mais.

1302  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Por fim, a última intervenção realizada foi a leitura do livro, a qual foi realizada por duas
facilitadoras com um livro infantil com tema de relevância para a idade. No caso, foi lida a
historinha: “E pele tem cor?”, a qual retrata as indagações de uma criança a respeito da cor da
pele. Foi explicado inicialmente que por ter apenas mais um jogo, não haveria necessidade do cubo
ser lançado, já que seria a leitura de histórias. Foi feita a leitura e no final foi perguntado o que
entenderam da história, o que aprenderam e se gostaram. As respostas foram que aprenderam
que a pele tem várias cores e não apenas uma, que vários lápis de cor podem ser cor de pele.

Discussão

De acordo com Melo e Sant’anna (2013) existem metodologia que desafiam os alunos
e os induzam a superar os degraus para avançar na sua aprendizagem, tento em vista esses
pontos, os jogos foram desafios elaborados para que as crianças participassem ativamente de
cada jogo, expondo suas ideias, contribuições, superando limites e exercitando aprendizados.
As potencialidades desse aluno que aprende, colocando-o como transformador crítico desse
processo e tirando-o de um processo de repetição e memorização, como reprodutor de saberes já
bem estabelecidos (Berbel, 2011), e isso se dá muito bem com um aprimoramento dos materiais e
metodologias utilizadas por aquele que ensina, sendo importante então o uso das tecnologias no
processo de ensino-aprendizagem.
Ao longo do jogo observou-se que o poder de escolha e autonomia nesse processo, assim
como a estimulação da criatividade e a participação ativa no processo. Teixeira et al. (2014) define
dois tipos de tecnologias: as dependentes, as quais dependem de recursos elétricos para serem
aplicadas e as independentes, as quais não necessitam de recursos elétricos e o jogo aplicado foco
deste trabalho se constitui como uma tecnologia independente. Como coloca Berbel (2011), a
escola tem a função de contribuir para o desenvolvimento das habilidades humanas e o professor
responsável por mediar esse processo. Foi isso que se pretendeu com a aplicação dos jogos,
que eles pudessem favorecer mudanças de comportamento dos alunos em sala de aula através
da aquisição de novos conhecimentos e a possibilidade de refletirem em cima disso através da
aplicação de uma tecnologia.
Em continuidade, Berbel (2011) coloca que o aluno se vê desmotivado quando é obrigado
a realizar atividades por motivações externas e Gomes et al. (2010) contribui afirmando que há
a necessidade de ultrapassar esse modelo e isso é possível minimamente quando o professor
se permite ouvir seus alunos e captar e desenvolver suas potencialidades dentro do processo
de ensino-aprendizagem. Foi isso que se pretendeu com a aplicação dos jogos, garantir que os
alunos se colocassem no processo através de conteúdos importantes para sua inserção no mundo
enquanto sujeitos pensantes, como apoia Berbel (2011) ao discorrer sobre metodologias ativas,
as quais permitem aos sujeitos se colocar diante de uma problemática e refletir em cima dela,
através de reflexões, conexões, generalizações e reelaborações de novas soluções (Moran, 2015) e
o uso de tecnologias nesse processo pode ser de grande valia. A inserção do cubo e de suas facetas,
possibilitou a autonomia dos alunos diante do que seria trabalhado, uma vez que as atividades
foram explanadas, mas não impostas, possibilitando um sorteio no qual o próprio aluno seria a
personagem principal do momento lúdico.
Barbosa et al. (2016) contribui para essa discussão ao colocar que é importante o
desenvolvimento de tecnologias que possam dar suporte a disseminação de conhecimento e que
isso gere uma aprendizagem mais rica e positiva na vida dos alunos, como foi pretendido pelas
mediadoras do jogo aplicado. Paim et al. (2014) corrobora essa ideia afirmando que o uso de
tecnologias é importante por difundir o conhecimento científico através de ferramentas que
facilitem e promovam qualidade no processo de ensino-aprendizagem.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1303


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Figueiredo et al. (2010) afirma que as práticas educativas devem oferecer ao aprendiz o
exercício em tomada de decisões e é isso que se pretende com a aplicação do jogo, pois este
permitiu aos alunos que através de um novo conhecimento pudessem tomar atitudes e decisões
mais saudáveis para o processo de ensino-aprendizagem. O jogo, nesse sentido, enquanto
ferramenta tecnológica facilita e dá suporte a esse processo (Schall & Modena, 2005). Como
coloca Barbosa et al. (2016), o uso de tecnologias permite uma fluidez nos processos educativos
e garante ou tenta garantir a atenção e motivação dos alunos nesses processos.
Uma vez que, segundo Medeiros e Shimiguel (2012), as crianças “aprendem fazendo” e
partindo deste conceito, as mediadoras do jogo procuraram o tempo todo manter uma relação
positiva com os alunos e para isso desenvolveram com eles uma relação dialógica positiva, pois
é ela quem facilita e permite a adesão de novos conhecimentos aos sujeitos aprendizes, mas,
além disso, permite que essa adesão gere mudanças de comportamento significativas (Beserra
et al., 2008). Barbosa et al. (2010) contribui para a discussão colocando que o uso e aplicação
de jogos devem partir de uma relação entre sujeitos que compartilham o saber e que se ajudam
mutuamente nesse processo, não colocando um ou outro dentro de uma categoria de mais ou
menos saber. Como coloca Moran (2015), os jogos têm sido cada vez mais usados nos processos
de ensino-aprendizagem, pois ele se mostra como um facilitador interessante do processo de
ensino-aprendizagem.

Considerações finais

O presente relato buscou descrever a experiência de uma intervenção em sala de aula com
crianças entre seis e sete anos. Objetivando o aprendizado e mudança de comportamento em
alguns aspectos, principalmente, atenção em sala de aula e competição. A experiência foi positiva,
uma vez que, os alunos participaram de forma ativa, dinâmica e interessada no decorrer dos jogos
e intervenções realizados. Mesmo com o resultado positivo, é importante reconhecer que o estudo
possui limitações, reconhecendo que poderia ter se estendido por mais algumas intervenções
e necessitando de um retorno para ver como a turma encontra-se atualmente após meses da
intervenção realizada.
Além disso, é importante ressaltar a relevância de novos estudos, artigos e registros sobre o
que é feito na escola e sala de aula, a fim de ajudar os colegas de trabalho com novas metodologias
ativas, em que o aluno esteja no centro e autônomo diante do que será trabalhado. Em acréscimo,
como ponto positivo, ainda será melhorada as relações interpessoais em sala de aula, uma vez que
o lúdico além de proporcionar aprendizado possibilita a integração dos alunos entre si e dos alunos
com os profissionais que estão à frente como responsáveis por seu aprendizado, socialização e
aspectos emocionais.

Referências

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Alegre: Moriá.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1305


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A INCLUSÃO EDUCACIONAL DE CRIANÇAS AUTISTAS:
UMA REVISÃO DE LITERATURA
Luana Gabriella Martins Lima
Dhekson Marinho de Souza
Mariane Letícia de Sousa
Társila Emanuella Alves de Sousa
Noádia Cavalcante de Lima
Flávia Danielli Martins Lima

Introdução

S
egundo Cunha (2009, p.20) “o termo autismo origina-se do grego altós que significa
desse mesmo. Foi “empregado pela primeira vez pelo médico psiquiatra suíço E.
Bleuler, em 1911, que buscava descrever a fuga da realidade e o retraimento interior dos
pacientes acometidos de esquizofrenia”. Ainda de acordo com Cunha (2009, p.20) “o autismo
compreende a observação de um conjunto de comportamentos agrupados em uma tríade
principal: comprometimentos na comunicação, dificuldades na interação social e atividades
restrito-repetitivas”
Conforme a Associação Americana de Psiquiatria, no Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais-DSM-5 (2014) o autismo infantil é um distúrbio neurológico que para
uma criança ser enquadrada como autista é necessário que apresente algumas características
próprias do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Conforme Pinto (2016, p.40) “a criança
com autismo infantil possui seus primeiros sinais antes dos 3 anos, apresentando dificuldades
na comunicação verbal e não verbal e também na interação com outras pessoas no meio em
que vive”.
Cerca de 698 mil estudantes especiais, no ano de 2014, estavam matriculados em classes
comuns e o percentual sobe para 93% em escolas públicas de todo o Brasil (Ministério da
Educação, 2014).
Segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(Brasil, 2016) “traduz em seus objetivos e suas diretrizes a garantia do acesso á escolarização
na sala de aula comum do ensino regular e a oferta do atendimento educacional especializado
complementar aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento”
Ainda sob a perspectiva de inclusão educacional, Brooks, Floyd, Robins e Chan (2015),
retrata que a participação das crianças em atividades sociais está positivamente relacionada ao
ajuste social das mesmas. Os autores ressaltam a importância de atividades para crianças no
intuito de desenvolver algumas habilidades que são afetadas pelo autismo.
Os professores têm a necessidade de orientação, devido a sua falta de conhecimento, pois
isso impede que o aluno seja visto como um todo, ou seja, a criança é somente vista com suas
limitações (Silva, 2009).

1306  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Conforme cita Lima (2016), a inclusão escolar é uma das políticas que foram inseridas na lei
recentemente, para que todas as crianças tenham o direito de ser alfabetizada, independentemente
de ser uma criança especial, de baixa renda ou de alta renda. Ainda de acordo com o autor, é
revelado a importância da inclusão escolar de crianças autistas para que se possa interagir com
outras crianças da mesma idade. Além disso, percebe-se que a convivência do ambiente em que
esta possa estar inserida, irá desenvolver melhor suas habilidades.
Para que as crianças com TEA tenha um ótimo desenvolvimento dentro da escola, é preciso
que a família esteja presente em todo o processo para que se possa estabelecer uma relação
mutua, ou seja, uma relação de ajuda das 2 partes interessadas: a família e a escola (Cruz, 2015).
O psicólogo tem um papel fundamental no contexto escolar principalmente quando se está
relacionado a inclusão de uma criança autista dentro da escola. Cabe ao psicólogo preparar a
equipe educacional da instituição, estabelecer diálogo sobre o significado do autismo, ajudar no
acolhimento da família dessas crianças (Salomão & Ramos, 2016).
Sabendo da importância de assegurar o direito de aprender e de ir à escola para crianças
com TEA como forma de garantir e estimular o seu desenvolvimento, esta pesquisa tem como
objetivo aprimorar os conhecimentos acerca da inclusão educacional de crianças autistas.

Método

O método adotado foi de revisão da literatura e consistiu na busca retrospectiva num


intervalo temporal de 5 anos, nomeadamente as publicações durante o período de 2012 a 2017.
Com a finalidade de atingir o objetivo proposto por esta revisão da literatura, formulou-se a
seguinte questão de investigação: Qual a importância da inclusão escolar de crianças autistas?
A pesquisa foi realizada utilizando as bases de dados SciELO (Scientific Electronic Library
Online), MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online) e LILACS (Literatura
Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde) para artigos publicado em inglês, português
e espanhol. Na estratégia de busca utilizaram-se as palavras-chave “Autism” (autismo) e
“Mainstreaming” (inclusão educacional)
Os títulos e resumos (e, quando necessários, os artigos completos) foram avaliados para
verificar a relevância dos estudos para a revisão. Os estudos considerados relevantes foram
discutidos de modo a identificar se encontravam nos critérios de inclusão ou exclusão pré-
determinados.
Os critérios de inclusão foram:

-Artigos publicados no período de 2012 a 2017.


-Estudos originais que abordem a temática do autismo no processo de inclusão educacional.
-Estudos publicados em português, inglês ou espanhol.
Após análise dos estudos, 11 artigos preencheram os critérios de inclusão.

Resultados

Para análise dos artigos, optou-se por seguir um fluxograma de seleção das publicações.
De acordo com as expressões de pesquisa “Autism” (autismo) AND “Mainstreaming” (inclusão
educacional) obteve-se 156 publicações ao todo e, a partir daí, após remoção das duplicadas,
análise dos critérios de inclusão e leitura do título, abstract ou texto completo obteve-se 11 artigos
selecionados para análise (Figura 1).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1307


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Expressões de Pesquisa
18 SciELO
105 MEDLINE
156 publicações 33 LILACS

121 publicações após 35 publicações


remoção das duplicadas duplicadas

95 publicações excluídas após


26 publicações após critério análise por não preencherem
de inclusão os critérios de inclusão

11 publicações selecionadas 15 publicações excluídas


e incluídas na revisão após leitura do título/abstract

Figura 1- Fluxograma de seleção das publicações.


Figura 1- Fluxograma de seleção das publicações.
Para esse trabalho foram escolhidos os artigos que se encontraram dentro dos critérios
dePara
inclusão, nos quais foram
esse trabalho 7 dos artigos estudados
escolhidos foram feitos
os artigos que seemencontraram
países subdesenvolvidos
dentro doscomo:
Brasil e África. Outros 4 artigos foram analisados em países desenvolvidos
critérios de inclusão, nos quais 7 dos artigos estudados foram feitos em como Grécia e Estados
países
Unidos (Tabelacomo:
subdesenvolvidos 1). Brasil e África. Outros 4 artigos foram analisados em países
desenvolvidos como Grécia e Estados Unidos (Tabela 1).
Tabela 1
Tabela 1 Estudos selecionados e principais resultados.
EstudosAutor
selecionados e principais resultados.Principais Resultados
Tipo de Estudo
Autor Tipo de Estudo Principais Resultados
Lemos, Salomão & Qualitativo As crianças com espectro autista interagem com as pessoas e objetos
Lemos,Ramos
Salomão & Qualitativo
(2014) As
emcrianças
ambientes com espectro
escolares autista interagem
e as mediações com assão
pelas professoras pessoas e objetos
aspectos
Ramos (2014) em ambientes escolares e as mediações pelas professoras
de grande relevância para a elaboração de estratégias de intervenção são aspectos
de
quegrande relevância
favoreçam para
a interação a elaboração
social e o processo de estratégias
de inclusão de intervenção
escolar.
Schimdt et al Qualitativo que favoreçam a interação social e o processo de inclusão
O autismo é uma condição pouco conhecida pelos professores docen- escolar.
Schimdt et al
(2016) Qualitativo Otes,autismo é uma condição pouco conhecida pelos
que se sentem despreparados para educar essa população. Por isso, professores
(2016) docentes,
é importante que se sentem
a formação despreparados
continuada a fim depara
melhoreducar essa
preparar os população.
pro-
Por isso,para
fessores é importante a formação
atuar em classes continuada a fim de melhor preparar
inclusivas.
Sharbati et al Quantitativo os professores
Devido a falta depara atuar em classes
conscientização sobre oinclusivas.
autismo, é revelado que isso
Sharbati et al
(2013) Quantitativo Devido a falta
ocorre por contadea cultura
conscientização sobre
daquele local o autismo,
e também é revelado
dos meios de comu-que isso
(2013) ocorre
nicação.por conta a cultura daquele local e também dos meios de
Hebron & Hum- Quantitativo comunicação.
O bullying sofrido pelas crianças com autismo varia de acordo com a
phrey (2014) idade e as dificuldades de comportamento.

1308  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Majoko (2016) Quantitativo A rejeição social, a falta de comunicação interfere de forma significativa
na inclusão de crianças com transtorno do espectro autista em classes
comuns.
Zablotsky, Brad- Quantitativo As crianças em salas de aula de inclusão completa foram mais propen-
shaw, Anderson & sas a serem vitimadas do que aquelas que passaram a maior parte do
Law (2014) tempo em contextos de educação especial.
Pimentel & Fernan- Quantitativo Os professores estão despreparados para ensinar alunos com DEA, ne-
des (2014) cessitando de melhores instruções e mais apoio de outros profissionais,
podendo, assim, proporcionar educação de melhor qualidade para es-
sas crianças.
Chang, Shih & Ka- Quantitativo As crianças com amigos eram mais propensas do que crianças sem ami-
sari (2016) gos a se envolverem em conjunto com seus pares durante o jogo livre, e
eles usavam habilidades de atenção articular mais altas. Os professores
usaram poucas estratégias facilitadoras de amizade e mais frequente-
mente usaram estratégias de gerenciamento comportamental dentro
das salas de aula.
Togashi & Walter Qualitativa A comunicação é um dos fatores fundamentais para que a inclusão es-
(2016) colar de um aluno com TEA ocorra de forma mais efetiva.

Salomão, Ramos, Quantitativo As concepções de pais e professores é fundamental para promover a in-
Aquino & Lemos clusão escolar de crianças autistas, que ocorre através da participação
(2016) efetiva das duas partes.

Lima & Laplane Qualitativo As crianças inseridas nas escolas, não concluem os estudos por evasão,
(2016) devido a falta de preparo da escola.

Brooks et al (2015) As crianças quando se envolve em atividades sociais se relaciona com as


Qualitativo pessoas de uma forma mais eficiente.

Discussão

De acordo com a avaliação dos estudos supracitados, obteve-se uma categoria principal de
análise das publicações.

Inclusão Educacional para crianças autistas

O ambiente escolar segundo Lemos, Salomão e Ramos (2014) é extremamente importante


para que a criança com TEA possa desenvolver tanto sua comunicação quanto suas outras
habilidades. Quando se fala em inclusão educacional e interação social, Chang, Shih e Kasari
(2016) revela que as amizades que as crianças autistas fazem dentro das escolas é de suma
importância para o desenvolvimento em relação a seu colega durante as brincadeiras. Ainda sobre
o autor, os pais e professores relataram diante disso, que as crianças começaram a expressar
mais sentimentos depois que tiveram essa inserção no âmbito escolar. Nesse mesmo pensamento
Brooks, Fayol, Robins e Chan (2015) concordam com o que foi falado por Chang, Shih e Kasari, e
ainda complementa em seus estudos que a participação das crianças em atividades sociais ajuda
em seu desenvolvimento com as pessoas que estão ao seu redor.
No que diz respeito às partes envolvidas no processo de inclusão, Pimentel e Fernandes
(2014) ressaltam a importância que a família tem nesse processo de inserir sua criança em uma
escola. A família juntamente com os professores tem o papel em conjunto para que essas crianças

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1309


NO ONTEXTO BRASILEIRO
tenham um melhor desempenho. Lemos, Salomão, Ramos e Aquino (2016) afirmam que para
que se tenha uma inclusão efetiva seja necessário não apenas teoria, e o trabalho dos educadores,
mas que se faz necessário a presença regular dos pais naquele ambiente para que se possa fazer
um trabalho de ambas as partes envolvidas.
De acordo com Salomão, Ramos, Aquino e Lemos (2016) o psicólogo tem um papel
fundamental no contexto escolar, principalmente quando se está relacionado a inclusão de uma
criança autista dentro da escola. Cabe ao psicólogo preparar a equipe educacional da instituição,
estabelecer diálogo sobre o significado do autismo, ajudar no acolhimento dessas crianças. Ainda
nessa visão Salomão, Ramos, Aquino e Lemos (2016) dessa ação o psicólogo escolar, dará um
melhor auxilio para a criança, para que possa desenvolver atividades inclusas para estas, além
de promover palestras de conscientização com todos os profissionais envolvidos e quando for
solicitado para um acompanhamento da família. Ainda sobre a ação do psicólogo dentro das
escolas, Lemos, Salomão e Ramos (2014) retrata em seus estudos a eficácia de um psicólogo
intervindo nesses casos para uma melhora significativa dentro do contexto escolar.
De acordo com um estudo realizado por Lima e Laplane (2016), relata que no seu estudo
as crianças que possui autismo estão matriculadas em escolas, mas infelizmente o sistema
educacional não ajuda a permanecer essas crianças nas salas de aula para que possam aprender
o essencial. Infelizmente nem a escola e nem o governo dá o suporte necessário para que essas
crianças continuem matriculados.
Diante disso Schimdt, Nunes, Pereira, Oliveira, Nuermberg e Kubashi (2016) revela em sua
pesquisa, que os professores não possuem um preparo suficiente para receber crianças com TEA
em suas classes. Os professores possuem dificuldades para desenvolver suas atividades dentro das
classes, pois existe o sentimento de frustação e o medo da criança ser agressiva dentro da sala
de aula. Ainda nessa perspectiva, Pimentel e Fernandes (2014) concorda com esse pensamento
quando realizou seu estudo, demonstrando que os professores não possuem estrutura, não tem
preparo, não tem informações, não tem apoio quando se trata de alguma criança dentro da sala
de aula que possui algum tipo de transtorno, principalmente aquela criança que possui TEA.
Nesse contexto, é necessário que educadores e os outros funcionários que possuem em uma
instituição, estejam preparados e capacitados para o acolhimento dessas crianças na intenção de
oferecer uma qualidade de ensino melhor e por consequência uma forma de inclusão escolar mais
acessível e correta (Pimentel & Fernandes, 2014). Logo, a escola apoia o trabalho dos professores,
mas que ainda é muito escasso em relação a atividades que possam ser desenvolvidas com os
alunos com TEA (Pimentel & Fernandes, 2014).
O estudo realizado por Sharbati et al (2013) revelou que a falta da conscientização sobre o
que é o autismo, como se deve tratar as crianças com TEA, varia de acordo com a cultura de cada
país, ou de cada região. Por isso, tem-se a dificuldade dessas crianças serem inseridas em colégio
regulares. Devido a essa falta da conscientização dos profissionais acaba dificultando ainda mais
o processo da inclusão desses alunos.
De acordo com Hebron e Humphrey (2014) crianças com autismo sofrem mais o bullying do
que as outras crianças que também são especiais. Essas agressões contra o outro, varia de acordo
com a idade e também as dificuldades comportamentais que uma criança autista demonstra
dentro da escola. Zablotsky, Bradshow, Anderson e Law (2014) corroboram e complementam
afirmando que crianças autistas que estão matriculados em escolas regulares são mais propensas
a serem vítimas dos agressores, do que as crianças que estão matriculadas nas escolas especiais.
Em contrapartida, o estudo de Majoko (2016), realizado em escolas do Zimbábue, refere
que as escolas disponibilizam meios para que os profissionais que trabalham com alunos especiais
possam ajudar na inclusão escolar. Dentre estes meios tem-se a capacitação para estes profissionais
sobre as formas de inclusão escolar, como saber lidar com o gerenciamento das crianças em sala

1310  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de aula, além dos professores desenvolverem atividades para habilidade mais apuradas de alguns
alunos. O autor cita ainda a importância dos professores do Zimbábue em se preocuparem com
a educação que será oferecida a essas crianças.
Os professores acreditam que a escola lhe dá apoio suficiente para que esses educadores
que possuem algum aluno com TEA, desenvolva seu trabalho de forma clara. Apesar do apoio
da escola, ainda se faz necessário o uso diferenciado de brincadeiras que possa entreter essas
crianças, além da falta de compreensão por parte dos outros funcionários na escola, em que isso
faz a inclusão escolar ser mais difícil (Pimentel & Fernandes, 2014).

Considerações Finais

De acordo com a investigação realizada pôde-se analisar a importância da inclusão escolar


para crianças autistas nas escolas regulares, contando com o apoio da escola, dos educadores, da
família, do psicólogo e também da rede municipal de educação para que se tenha mais recursos
financeiros voltado para a educação infantil de todos os países, pois sem o apoio da rede municipal
não se possui uma eficácia tão grande quanto seria se tivesse essa contribuição. Com isso, vale
ressaltar novamente a importância do trabalho em conjunto seja mais eficaz para a criança e para
seu próprio desenvolvimento.
Crianças autistas de acordo com a Lei deve ser inserida em qualquer escola regular,
diante disso, entende-se a necessidade de desenvolver formas de acolhimento dessas crianças,
introduzindo no planejamento das escolas palestras sobre inclusões, capacitação para os
educadores e os funcionários, conscientização do autismo para que seja evitado quaisquer tipo
de agressão contra essa criança que possui TEA, desenvolvimento de atividades para as crianças
que possuem grandes habilidades, conversas com os pais das crianças, se necessário atendimento
familiar para que se possa ver outras alternativas saudáveis para essa criança que possui TEA,
entre outros.
A necessidade de uma criança autista estar inclusa dentro do âmbito escolar é fulcral para o
seu desenvolvimento, principalmente nas áreas de comunicação, interação com o meio e com as
outras pessoas, desenvolvimento das habilidades de acordo com a sua capacidade de competência,
conseguir estabelecer vínculos afetivos, e por consequência ser inserido dentro da sociedade de uma
forma saudável para que não ocorra constrangimento posterior. Esse seu desenvolvimento será
importante não somente para a criança naquela fase da escola, mas quando essa está for adulta.
A utilização de estratégias pedagógicas e formativas assim como o uso de metodologias que
favoreçam a participação, interação e aprendizagem dos alunos com autismo deve ser assegurada,
de modo a garantir o acesso a ambientes comuns e aconchegantes para a criança e sua família no
contexto escolar.
Considerando a escassez de artigos sobre inclusão educacional vale ressaltar a importância
de terem mais pesquisas voltadas para essa temática, no intuito de desmistificar o autismo e
sua inserção dentro das escolas regulares como também na tentativa de evitar que o número de
crianças com TEA que não estejam matriculados aumente novamente de forma exacerbada.

Referências

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Washington: American Psychiatric Association, (pp. 50-59).

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1311


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1312  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O TEA E AS DIFICULDADES DE ADAPTAÇÃO AO
SISTEMA REGULAR DE ENSINO: UM ESTUDO DE CASO
Evelyne Ellene Alves De Carvalho

Introdução

D
e acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), estima-se que o autismo
afeta uma em cada 160 crianças no mundo. Esta condição, nomeada de Transtorno
do Espectro Autista (TEA), tem início na infância e permanece pela adolescência e
vida adulta. Muito se tem ouvido falar sobre o tema em diferentes mídias existentes, possivelmente
pelos exaustivos estudos que vem sendo feitos ao longo do tempo e pela constatação de que o
indivíduo autista quando bem assistido em suas peculiaridades, pode ter seu desenvolvimento
preservado, bem como suas necessidades de adaptação sanadas.
O autismo não é uma condição que possa ser detectada no nascimento, pois bebês com este
transtorno não apresentam características óbvias, nem se pode detectar o problema com exames
laboratoriais. Os sintomas afetam aspectos motores, cognitivos, sociais e de linguagem. Tal fator
é importante de ser considerado, já que o diagnóstico deve ser feito a partir de uma avaliação
multiprofissional e da observação comportamental.
Esta pesquisa buscou analisar o processo de inclusão de alunos portadores de Transtornos
do Espectro do Autismo (TEA) ao ensino regular de ensino, na cidade de Floriano, estado do
Piauí, utilizando como norteador um estudo de caso exploratório e descritivo, aqui apresentado
enquanto instrumento de investigação e modalidade de pesquisa que pode ser aplicada em
diversas áreas do conhecimento. O enfoque mais significativo são as dificuldades de adaptação
deste indivíduo, a partir da análise do seu discurso e da representação da realidade que o cerca.
Apesar do respaldo legal e do que já se caminhou no sentido da inclusão de pessoas com
deficiências, muito ainda precisa ser feito, pois é visível certa inabilidade das escolas regulares em
lidarem com essa realidade, que se constitui ao mesmo tempo como assustadora e desafiante. Ou
seja, não é só a obrigação legal de matricular em turmas condizentes com a idade, nem adaptar
a escola para receber essas crianças, mas se faz necessária uma mudança de posturas e atitudes.
A escolha do tema se justifica a partir da observação do processo que se desenha no que
tange a Educação Inclusiva, onde campanhas são feitas, leis são promulgadas, mas na prática
se percebe um grande abismo, evidenciado principalmente pelo discurso dos pais de autistas,
guerreiros incansáveis na luta pela inclusão de crianças, sutilmente colocadas à margem, mas que
se bem assistidas podem ter um nível de desenvolvimento satisfatório, porém que acabam sendo
excluídas e/ou se auto excluindo por não se sentirem adaptadas ao sistema que as deveria acolher
e incluir.
A pesquisa apresentou como objetivo geral analisar o processo de inclusão de alunos
portadores de Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) ao ensino regular na cidade de Floriano,
estado do Piauí. Delimitou como objetivos específicos caracterizar os Transtornos do Espectro do

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1313


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Autismo; identificar os problemas que impedem a efetiva inclusão de alunos com Transtornos
do Espectro Autista ao sistema regular de ensino; Identificar as dificuldades de adaptação dos
alunos com TEA ao sistema regular de ensino e analisar o discurso de um estudante autista que
abandonou o sistema regular por não se sentir compreendido, acolhido e/ou incluído.
A ótica de um indivíduo autista, apresentada através do um estudo de caso, salienta as
dificuldades desse indivíduo em se adaptar, devido as suas limitações pessoais advindas do
autismo e ao despreparo das instituições em recebê-lo. O estudo poderá contribuir para que se
possa observar de forma diferenciada, a partir da prática vivida e relatada, sobre as possibilidades
reais de inclusão, não como modismo ou exigência legal, mas como uma melhoria na qualidade
de vida destas pessoas e uma ajuda preciosa nessa difícil tarefa de se sentirem aceitos e incluídos
em uma sociedade que ao mesmo tempo em que é plural, deixa a margem as diferenças com as
quais não consegue lidar.

Método

A metodologia, de acordo com Demo (1998), é um ponto crucial de todo trabalho


científico, já que a não preocupação com esta levará fatidicamente o trabalho a mediocridade,
pois é um instrumento científico que norteará os passos que darão resolutividade aos objetivos
desta pesquisa.
O Universo da população indica para um estudo de caso de um indivíduo autista jovem.
Autismo, do grego autós, significa de si mesmo. Compreende a observação de um conjunto de
comportamentos agrupados inicialmente em uma tríade principal: comprometimentos na
comunicação, dificuldades na interação social e atividades restrito-repetitivas. (Cunha, 2011).
Na nova edição do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) o DSM-V (2014), surgiu uma nova estruturação
de sintomas, especialmente no que tange ao pilar de sustentação do diagnóstico de autismo, e
esta tríade, do DSM-IV foi substituída por uma díade no V: 1- déficit de comunicação social; e 2-
comportamentos/interesses restritos e repetitivos.
O estudo de caso utilizado nesta pesquisa se constitui como um método qualitativo que
consiste, geralmente, em uma forma de aprofundar uma unidade individual. Contribui para uma
melhor compreensão dos fenômenos individuais, dos processos organizacionais e políticos da
sociedade. Geralmente é utilizado para auxiliar as formas e motivos que levam a uma determinada
decisão, sendo uma estratégia de pesquisa que se favorece da coleta e análise de dados. (Yin,
2001).
Um Estudo de Caso busca esclarecer decisões a serem tomadas investigando um fenômeno
contemporâneo partindo do contexto real e da utilização de uma multiplicidade de evidências.
Mostrou-se muito rico em informações para corroborar com os estudos bibliográficos feitos
sobre o tema em apreço, pois possibilitou um contato efetivo com as problemáticas, angústias,
dúvidas e questionamentos de um estudante autista, que chegou a abandonar o sistema regular
de ensino por não conseguir suportar a pressão do mesmo sobre sua estrutura atípica, que e
ao invés de incluir o acabou excluindo. Durante o período de estudo do caso, foram utilizadas
entrevistas, escuta analítica, conversas com a família e observação.

Resultados

O paciente de iniciais N.S.S. é branco, nascido aos vinte e um dias do mês de julho de 1994,
natural do município do Floriano-PI, filho do meio de uma prole de 3, sendo suas irmãs mais
jovem e mais velha do sexo feminino. Reside com os pais em uma casa confortável no centro

1314  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
da cidade. É atualmente acompanhado por equipe multiprofissional composta por psiquiatra,
psicólogo e terapeuta ocupacional. Iniciou o acompanhamento psicoterápico no dia 15 de agosto
de 2008 e permanece até os dias atuais.

Os dados epidemiológicos internacionais indicam uma maior incidência de TEA no sexo


masculino, com uma proporção de cerca de 4, 2 nascimentos para cada um do sexo feminino
com prevalência estimada em um em cada 88 nascimentos, confirmando a afirmação de
que o autismo tem se tornado um dos transtornos do desenvolvimento mais comuns (Brasil,
2013).

Queixas Principais: Dificuldade de interação social; Isolamento. Crises de ansiedade e de


agressividade quando frustrado; Comportamentos inadequados para a idade; Movimentos Físicos
Involuntários (Estereotipias motoras); Angústia; Frustração; Dificuldades Escolares. Fala com
“inflexão de adulto”, uso de palavras rebuscadas, neologismos; Fixação por novelas, seriados,
programas de televisão. Repetições.

“A principal área prejudicada, e a mais evidente, é a habilidade social. A dificuldade de


interpretar os sinais sociais e as intenções dos outros impede que as pessoas com autismo
percebam corretamente algumas situações no ambiente em que vivem. A segunda área
comprometida é a da comunicação verbal e não verbal. E a terceira é a das inadequações
comportamentais. Crianças com autismo apresentam repertório de interesses restritos e
repetitivos (como interessar-se somente por trens, carros, dinossauros, etc.), têm dificuldade
de lidar com o inesperado e demonstram pouca flexibilidade para manter rotinas.” (Silva,
Gaiato & Reveles, 2012, p. 200).

Histórico Clínico: de acordo com os genitores N.S.S. não apresentou nenhum traço que o
descaracterizasse como uma criança em pleno desenvolvimento típico até os cinco anos de idade.
Apesar de ser um pouco tímido, sempre fora muito inteligente e aprendia as coisas com muita
facilidade. Referem que a partir dos 5 anos começaram a observar comportamentos diferentes de
outras crianças da mesma idade, mas foram orientados pelo pediatra da criança que seria cedo
para qualquer diagnóstico, pois a criança estaria se desenvolvendo satisfatoriamente.
N.S.S. começou a apresentar dificuldade em fazer amigos nas séries iniciais e se isolava do
grupo. A família começou a perceber que ele se comunicava já muito cedo como um adulto, com
termos rebuscados e formais demais para sua idade. Começou a ficar arredio com pessoas que
não fizessem parte da sua zona de conforto, no caso representada especialmente pela família.
Seus interesses começaram a serem restritos a assuntos específicos, cansando a família com os
mesmos interesses, as repetições e a inflexibilidade para mudar de assunto. Por levar tudo “ao
pé da letra” apresentava dificuldade para entender a maneira informal de algumas pessoas se
comunicarem e de manter contato visual com quem conversava.
Começou a apresentar comportamento de recusa de interação social. Genitores relataram
ansiedade que o fazia “andar de um lado para o outro”, movimentos repetidos e estereotipados,
fixação por atividades e objetos específicos. Pais referem que N.S.S sempre foi estudioso,
responsável e metódico.

“A vida escolar é especial e todos têm o direito de vivenciar essa experiência. Afinal, é na
instituição de ensino que se aprende a conviver em grupo, a se socializar, trabalhar em
equipe, conviver com as diferenças: são os primeiros passos rumo à vida adulta.” (Silva et
al., 2012, p. 107).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1315


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Apresenta história do desenvolvimento motor satisfatória, porém com dificuldades
de se adequar no espaço físico, ou seja, mostrando-se muito desengonçado, com uma visível
inabilidade espacial. À medida que o tempo passava seu isolamento voluntário também, por se
sentir angustiado ao considerar que era ignorado pelos colegas por ser esquisito e diferente.
Ao se apresentar para inicio da psicoterapia, verificou-se boa aparência, disponibilidade,
consciência, embora em algumas situações disperso, inquieto e ansioso. Demonstrou uma ótima
capacidade de memorização, especialmente para temas específicos, como novelas e séries de TV,
linguagem rebuscada, demonstrativos de volição preservada e inteligência normal.
Evolução Médica: Já foi assistido por pediatra, psiquiatra, neurologista, psicólogo, clínico
geral, terapeuta ocupacional e faz uso periódico de psicofármacos, alternando-se as dosagens de
acordo com o estado emocional do mesmo. Bem assistido por equipe multiprofissional.
Queixas Escolares: desde o início do contato N.S.S. se refere às dificuldades encontradas na
escola. Sempre se sentiu humilhado, excluído, preterido pelos colegas. Refere-se a situações como
a escolha dos times de futebol nas aulas de educação física e o fato de nunca ninguém o escalar
para seu time. Estudou durante maior parte de sua vida escolar até aqui em uma escola Particular,
de abordagem tradicionalista, com métodos rígidos e controles bem definidos.
A escola foi informada quanto as suas “particularidades” devido ao diagnóstico de TEA,
mas isto em nada mudou a maneira de lidar com o aluno. Suas angústias foram aumentando
junto com as mudanças de séries; presente sempre uma grande preocupação em ser reprovado,
até que em meio a uma crise nervosa os pais optaram por retirá-lo da escola.

“Uma das maiores falhas na educação é tentar encaixar todos os educandos em um mesmo
modelo educacional. Nosso sistema conteudista transforma a escola em um meio de exclusão
para todo e qualquer educando, uma vez que o educando tem que adaptar-se ao sistema.
Mesmo o método construtivista não consegue atender a 100% da demanda escolar, pois
alguns educandos não se adaptam, optando pelo método tradicional. É nossa personalidade
que nos dá esta identidade única e que nos possibilita fazer escolhas ou adaptar-se a certos
ambientes. Então, como encaixar todos os métodos em um único sistema, uma vez que não
somos todos iguais? Este é um dos grandes desafios que a inclusão enfrenta.” (Brito & Sales,
2014, p. 17).

Passou um período sem frequentar aulas e depois de um tempo por necessidades próprias
tentou voltar par outra escola, mas novamente foi frustrado e abandonou mais uma vez o sistema
regular. Ingressou no EJA (Educação de Jovens e Adultos) e depois de muito desgaste emocional e
de alguns acordos feitos entre os pais e os professores concluiu o ensino médio. Fez teste seletivo
para uma faculdade particular semipresencial onde cursou Administração de Empresas à distância,
modalidade que o entristece por não poder fazer amizades, mas o agrada por não ser cobrado por
seu comportamento “estranho”, “diferente”.
Remete ao período escolar regular, especialmente o ensino fundamental, como os piores
anos de sua vida; Guarda mágoa e sentimentos controversos em relação a professores, colegas
de classe e a direção da escola. Ainda chora com frequência ao lembrar que precisou deixar a
escola por não aguentar mais. Fala repetidamente que apesar de ter sido humilhado não consegue
esquecer os colegas da escola. Hoje, com um bom nível de entendimento sobre sua síndrome,
acredita que os colegas e professores não souberam lhe compreender nem dar-lhe o apoio que
necessitava.
Este é um ponto cego de N.S.S., que sempre aborda os assuntos relativos à sua vida escolar
uma carga emocional negativa, sendo seu maior ponto estressor.

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Discussão

Com N.S.S., além da observação, coleta de informações gerais para o estudo de caso, foi
fomentado um diálogo aberto e produtivo onde ele revelou seus medos, frustrações e opiniões a
respeito da própria síndrome.
N.S.S. reside com os pais e seu transtorno do espectro autista enquadra-se em uma modalidade
anteriormente conhecida como Síndrome de Asperger. Foi escolhido para o estudo de caso devido
ao fato de suas características apresentam desenvolvimento fluente da linguagem verbal.
Para ele o autismo não é uma doença, mas sim uma condição na qual o ser humano se
encontra que apresenta suas dificuldades, mas que pode ser contornado. Seu diagnóstico chegou
tardiamente, por volta dos quatorze anos, engrossando as estatísticas de que muitas vezes mesmo
tendo acesso a saúde o autista demora para ser diagnosticado, já que N.S.S. apresenta boa
condição financeira e sempre tenha tido acesso a saúde.
Quando o diagnóstico foi fechado já havia sido acompanhado por pediatra, psicólogo
e psiquiatra. Relatou que não se sente bem informado sobre o tema e alegou falta de tempo
ou mesmo que não procure obter informações como deveria. Atualmente é acompanhado por
psicólogo, psiquiatra e terapeuta ocupacional, o que consome boa parte do seu tempo, já que sua
única ocupação é com o curso de Administração de Empresas, em regime semipresencial que faz
em uma faculdade particular.
Atualmente com a maior divulgação do autismo o diagnóstico tem sido apresentado cada
vez mais cedo, sendo a detecção precoce um grande aliado para controle e remissão de sintomas.
De acordo com Brasil, (2013), o diagnóstico do TEA permanece essencialmente clínico e é feito
a partir de observações da criança e entrevistas com pais e/ou cuidadores, o que torna o uso de
escalas e instrumentos de triagem e avaliação padronizados uma necessidade.
Em relação ao preconceito ou discriminação por ser autista aponta que: “me sentia sozinho,
excluído, não via necessidade de me comportar com amigos para ser aceito e não conseguia me
comportar com eles. Nunca era escolhido para o time de futebol da escola e embora não gostasse
de jogar, nunca ser escolhido para nenhum time me deixava extremamente triste.” (fala de N.S.S.).
Toda a sua vida escolar até o ano de 2010 foi feita em escola particular regular. Sentia-se
deslocado e muito cobrado dentro do sistema, começou a ter ataques de fúria e de choro até pedir
à mãe que o retirasse da escola, pois, segundo ele “não aguentava mais sofrer”. Considera que teve
uma adaptação tumultuada por que acha que os professores não estavam preparados para lidar
com sua problemática e cobravam excessivamente dele.
Considera que a escola em que estudava não estava preparada para lidar com sua
problemática: “ninguém é um competidor que memoriza tudo”. Relatou que já teve problemas
com professores por não compreenderem nem se interessarem por sua problemática: “às vezes
falava e ninguém me escutava, não adiantava argumentar, me sentia muito incompreendido.”.

“Estudos baseados em evidências mostram que crianças com TEA, na grande maioria dos
casos, não aprendem pelos métodos de ensino tradicionais. Estudos anteriores, quando
ainda não era discutida com tanta veemência a prática escolar inclusiva, já alertavam que
crianças diagnosticadas com TEA não conseguiam manter a atenção, responder a instruções
complexas nem manter e focar a atenção em diferentes tipos de estímulos simultâneos (por
exemplo, visual e auditivo), e que, desse modo, precisavam de estratégias específicas e
diferenciadas de intervenção de ensino.” (Khoury, 2014, p. 26).

Para melhorar a inclusão considera necessário mais informação, uma reforma na legislação
para atender de fato as necessidades dos autistas, capacitando profissionais e melhorando

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1317


NO ONTEXTO BRASILEIRO
estruturas. Não só os indivíduos serem recebidos nas escolas, mas principalmente que estas tenham
estratégias viáveis e concretas, como os métodos ABA (Análise Aplicada do Comportamento, do
inglês Applied Behavior Analysis), ou PECS (Sistema de Comunicação pela troca de Figuras - do
inglês Picture Exchange Communication System).

“Todavia, os problemas da educação não podem ser resolvidos tão somente equipando e
atualizando as salas de aula, atendendo as demandas da pós-modernidade, mas deve-se
propor uma nova perspectiva de atuação docente para podermos enfrentar o descompasso
que há entre o modelo pedagógico emergente e o modelo hegemônico que se institucionalizou
na escola através dos anos.” (Cunha, 2009, p. 117).

Não conhece a legislação que defende os direitos dos autistas e acredita que muitos
progressos podem ser visualizados, embora ainda tenha muito a ser feito. As vezes chora com
saudades do grupo de amigos estabelecido desde as séries iniciais e que se constituía como única
fonte de contato social fora a família, mas mesmo assim garante não ter visto outra alternativa a
não ser abandonar a escola.
Não acha que os professores estejam preparados para receber alunos com deficiências, mas
mesmo assim se sente em partes satisfeito com o nível de educação que vem recebendo ao longo
dos anos. Acredita na importância de leis mais rígidas como forma de proteção e defesa dos
direitos dos estudantes com TEA.
O professor às vezes se sente frustrado com as limitações do aluno autista, mais um fator
primordial é que este compreenda o transtorno para melhor lidar com ele. Segundo Cunha (2011),
ao receber um aluno autista o educador deve desde o inicio transmitir-lhe segurança, para que ele
sinta que está conquistando um novo ambiente e se sinta bem recebido. O ambiente escolar deve
fornecer estímulos afetivos, sensoriais e cognitivos, pois “Ainda que o espectro autístico demande
cuidados por toda a vida, o derrotismo é o maior obstáculo para a aprendizagem...” (p. 53). A
concepção de educação deve priorizar como foco a pessoa e não a patologia que este apresenta,
seja ela qual for.
Quando se fala em incluir o aluno ao sistema regular, deve ser dada uma atenção especial a
formação de professores, pois o discurso de não estarem preparados não é somente dos pais, já
que os próprios professores de acordo com Lima (2002) se sentem inseguros e ansiosos diante da
possibilidade de receber uma criança com necessidades especiais na sala de aula.
De acordo com Bueno (2003), a formação de docentes para lidar com crianças que
apresentem necessidades especiais deve abarcar dois tipos de formação profissional, quais sejam:
1º- Professores do ensino regular que conte com o conhecimento mínimo exigido, diante da
possibilidade de lidarem com alunos com “necessidades educativas especiais”; 2º- Professores
especialistas nas variadas “necessidades educativas especiais” que possam atender diretamente os
discentes com tais necessidades e/ou para auxiliar o professor do ensino regular em sala de aula.
Acredita que suas maiores dificuldades estão atreladas a falta de conhecimento. Tanto ele
próprio como a escola deveriam conhecer melhor para poder ajudar. Pontua que os pais sempre
lhe deram o apoio necessário, mas que chega um ponto em que não sabem mais o que fazer ou o
que responder a ele, diante de suas angústias.
É responsabilidade do professor promover uma adaptação do conteúdo e a utilização de
metodologias que funcionem efetivamente para aquele aluno autista, estreitando um canal de
comunicação que respeite as singularidades dos espectros autistas e favorecendo a interação deste
com seus pares, para que se sintam confortáveis em seu mundo singular, em perfeita harmonia
com o mundo que o cerca.
Expressa a situação do autismo no Brasil com a palavra ESPERANÇA: “Tenho esperança
que um dia as pessoas possam ter igualdade, ser vistas sem preconceito, que elas possam ter seus
direitos garantidos. Tenho a esperança que um dia os autistas possam ser felizes.” (N.S.S.).

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É um rapaz reservado, com interesses restritos, dificuldades de interação social comprometida
e um nível de sofrimento emocional significativo por não conseguir se adaptar ao mundo que o
cerca, muitas vezes padecendo de grande sofrimento psíquico por se sentir excluído. Se o sistema
regular de ensino onde passou boa parte de sua vida escolar o tivesse acolhido da maneira
adequada e se o diagnóstico tivesse chegado precocemente, é provável que NSS estivesse em um
nível de satisfação cognitiva, social e afetivo capazes de promover uma melhor adaptação deste ao
todo que tantas vezes lhe parece frio, distante e excludente.
O movimento pela educação inclusiva ocorre no contexto dos direitos humanos, ou seja, na
defesa das condições necessárias para que as pessoas possam viver com dignidade, são inalienáveis
e independem de qualquer característica pessoal ou social. É também um direito legal, já que a
Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 208, Inciso III, postula que o Estado deve garantir
o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiências, preferencialmente na
rede regular de ensino, o que é endossado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse
sentido também, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, em seu capítulo V,
diz que a oferta da educação especial deve ter início na educação infantil devendo ser oferecida
preferencialmente em escolas regulares.
Tomando por base o estudo de caso utilizado neste trabalho, partindo do pressuposto de
que a família do caso em questão é de classe média alta e como o estudante, apesar de sua
condição financeira e de todo o apoio multiprofissional (psiquiatra, neurologista, psicólogo,
professores de reforço, terapeuta ocupacional) acabou sendo excluído do sistema regular de
ensino, como, portanto, acontece esse processo com os vários indivíduos autistas que não tem se
quer seus diagnósticos definidos por falta de acompanhamento e que passam suas vidas sendo
vistos apenas como “estranhos”, “esquisitos”, relegados à exclusão por não terem direito a um
atendimento digno e a condições de se desenvolverem segundo suas necessidades? Esses tantos
que abandonam a escola porque são integrados, mas não incluídos?
É muito importante que a escola não receba o aluno e o integre apenas porque esta é uma
garantia legal, mas que realmente esse indivíduo possa ser incluído, e um passo necessário para
que isso aconteça é a informação sobre o tipo de deficiência para que esta possa ser abordada da
maneira mais efetiva e realmente possa propiciar o desenvolvimento do estudante dentro de suas
limitações.
Não é possível esse processo de inclusão se a escola aceita o aluno, mas utiliza parâmetros
inflexíveis e impessoais de avaliação pedagógica. Não podemos aceitar que a escola faça de
conta que inclui e que pais ou responsáveis se sintam com a consciência tranquila porque suas
crianças estão frequentando classes regulares de ensino, como preconiza a lei, pois muitas vezes
esta experiência por não ser orientada corretamente é mais danosa do que produtiva, levando o
indivíduo ao invés de desenvolver habilidades a se tornar mais frustrado e recluso à sua deficiência.
De acordo com Berenice Piana, criadora da Lei do Autismo (12.764) e mãe de autista: “A
solução para o autismo tem que ser para todos ou não é a solução possível”. A pesquisa demonstra
que infelizmente a solução não tem sido para todos, já que o que se percebe é que muitos autistas
continuam sendo diagnosticados tardiamente, excluídos do sistema regular que os de deveria
acolher e incluir. A inclusão é um processo viável, porem encontra entraves de várias ordens, que
vão desde o despreparo dos profissionais que se angustiam por não se sentirem preparados para
lidar com alunos deficientes, até o sistema que exclui a diferença de forma velada, alimentando
o preconceito e a desigualdade que se avoluma através das diferentes formas de exclusão social.
O autista necessita ser atendido em suas particularidades para que alcance seu desenvolvimento
pleno.
Como pontua Mantoan (2001), mudar a escola é enfrentar uma tarefa que exige trabalhos
em muitas frentes. Faz-se necessária uma ação urgente, que coloque a aprendizagem como eixo das

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1319


NO ONTEXTO BRASILEIRO
escolas, abrindo espaços para que a cooperação e o diálogo entre professores, administradores,
funcionários e alunos, bem como estimulando, formando continuamente e valorizando o
professor, peça fundamental neste processo.
O autista precisa se sentir confortável na escola regular, para aprender com seus pares,
não ser visto como coitadinho, mas como um ser humano com potencial latente de se tornar
um indivíduo produtivo e integrado. Infelizmente os dados demonstram que a implantação da
Educação Especial é escolas regulares é uma realidade que necessita de um olhar mais minucioso,
pois se efetiva à medida que os resultados forem sendo verificado no cotidiano destas pessoas e
ninguém melhor que seus pais para atestarem isso.
Precisa-se conhecer cada vez mais de perto o autismo para conviver com ele de maneira
satisfatória, incluindo esses anjos azuis na convivência social que tanto lhes custa mais que lhes é
necessária para se aproximarem cada vez mais da sua condição humana de ser social.

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1321


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A RELAÇÃO ENTRE O BRINCAR E A REPRODUÇÃO DOS
PAPÉIS DE GÊNERO: UM ESTUDO DE CASO NA
SEGUNDA INFÂNCIA
Jessica Freire Sales Ponte

Introdução

O presente artigo objetiva apresentar os resultados de uma pesquisa desenvolvida numa


instituição de Ensino Infantil com Crianças do Infantil IV sob o propósito de investigar, por meio
da observação não participativa, as relações entre o brincar e a reprodução dos papéis de gênero
na segunda infância. Segundo Papalia, Olds e Feldman (2008), compreende-se a segunda infância
(ou período pré-escolar), como a etapa aproximada de desenvolvimento que se inicia aos três
anos e se estende até os sete anos de idade.  
A importância da temática se relaciona também com o campo da Psicologia Escolar ou
da Educação em si, pois de acordo com Valle, 2003 p. 22 “A educação representa a capacidade
de um povo organizar-se e construir seu futuro, portanto, não se realiza ao acaso, mas como
consequência de um esforço expressivo”.
Na literatura vigente, reconhecida por articular as temáticas de gênero, infância e educação,
diversas autoras (Louro, 1997; Rosemberg, 1996, 1999; Auad, 2006; Sayão, 2003, 2008; Finco,
2003, 2013; Vianna; Finco, 2009) problematizaram a escola, em especial a educação infantil e as
séries iniciais, como um dos primeiros espaços em que ocorre a socialização de gênero (Giongo,
2015)
De acordo com Louro (1997):

As instituições escolares fabricam os sujeitos que a frequentam, ou seja, elas são produzidas
por eles e pelas representações de gênero que nelas circulam. Assim, nestas instituições pode
haver a produção de diferenças e desigualdades destes indivíduos, e também a informação,
do que cada um/a pode ou não fazer e do lugar que meninos e meninas devam ocupar. 

Posto isto, este trabalho buscou subsídios metodológicos de comprovação dentro do


campo escolar, a partir da observação não participante, sobre de que forma são internalizadas
os papéis de gênero por meio da brincadeira. Dessa forma, a fim de chegar ao objetivo proposto,
torna-se necessário, segundo alguns autores, conceituar institutos importantes para este estudo:
segunda infância, gênero, cultura, papel social e papéis de gênero. Do mesmo modo, evidenciar a
importância do brincar e suas relações com os referidos conceitos supra mencionados. Outrossim,
é fundamental exemplificá-los com casos concretos, observados em campo.
Por outro lado, surgem outras questões relacionados aos objetivos dessa pesquisa, como:
Podemos sustentar a ideia de que a criança reproduza representações de gêneros através da
brincadeira? É possível afirmar que a cultura onde essas crianças estão inseridas fabricam sujeitos

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
dotados de supostos papéis ou lugares que o homem ou a mulher devem ocupar por questões de
gênero?
Segundo argumenta Oaklander (1978, p. 347):

Quando os adultos estimulam meninas a desenvolver apenas qualidades rotuladas


socialmente como femininas, e meninos apenas ao seu correspondente masculino, se está
“inibindo imensas áreas de capacidades humanas inerentes a ambos”, o que acaba por
acarretar uma série de prejuízos ao crescimento e saúde emocional de meninos e meninas,
impedindo o seu desenvolvimento pleno.

Em seu artigo: A Concepção de Cultura em Vigotski: contribuições para a educação


escolar, as autoras Martins e Rabatini (2011) discutem a aquisição da cultura através de Vigotski
(1995), no qual conduziu sua análise em direção ao conceito de interiorização, isto é, ao processo
que transmuta formações externas em internas e, no centro desse processo, destacou o emprego
dos signos. Ou seja, o emprego da cultura.
Do mesmo modo, Corsaro (2011, p. 31) afirma que: “[...] as crianças não apenas internalizam
a cultura, mas contribuem ativamente para a produção e a mudança cultural”. Nesse contexto, o
estudo de caso delimitou-se na segunda infância, pois de acordo com Papalia e Feldman (2013), é
nessa fase que a criança adquire a função simbólica (Piaget) no leque de suas habilidades, através
das brincadeiras, como, por exemplo, faz de conta, jogos de fantasia ou jogos imaginativos.
Assim sendo, Franco (2008), afirma que: “brincando, as crianças desenvolvem sua
imaginação, seus pensamentos, sua corporeidade, sua afetividade e capacidade de se relacionar
com o outro de forma ética’’. E mais, é nela que realizam seus sonhos, extravasam seus medos,
confrontam seus limites, imitam o mundo adulto e lhe dão novos significados.
Nessa perspectiva, Carraro, (2015, p.78) afirma que:

Nas suas brincadeiras com as outras crianças é novamente a fantasia que lhe ensinará os
papéis sociais que, posteriormente, irá desempenhar. As conversas com as bonecas, as
tarefas que desempenha na atividade de dona de casa, na de médico, professor, cientista etc.
Proporcionarão vivências que serão úteis na formação de atitudes, no respeito às normas, e
na aquisição do conceito de justiça.

De forma complementar, Scherer (2013, p. 9) afirma que:

A criança, em seu “faz-de-conta” cria um mundo próprio, através do lúdico e da representação


de sua vivência com os adultos. Desse modo, ao brincar, ela utiliza seus conhecimentos de
mundo, manipula objetos, interage com outros indivíduos e cria novas situações ricas de
aprendizagem.

Entretanto, torna-se necessário assinalar o conceito de gênero, haja vista ser a partir dele que
podemos (des)construir o feminino e o masculino. Nesse sentido, de acordo com Scott (1995),
gênero é um elemento constituído a partir das relações sociais fundadas sobre as diferenças
identificadas entre o sexo, que fornece uma via de compreensão em relação às formas de interação
humana.
Nessa perspectiva, Amorim (1997, p. 121) apud Unger, (1979), definem gênero como a
soma das características psicossociais consideradas apropriadas para cada grupo sexual, sendo a
identidade de gênero o conjunto destas expectativas, internalizado pelo indivíduo em resposta aos
estímulos biológicos e sociais

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1323


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Por outro lado, abordar o conceito de papel social é um dos resultados do processo de
socialização primário e secundário, que merece observação e análise como realidade determinante
dos padrões da sociedade e dos indivíduos que dela fazem parte, tendo em vista que constituem a
identidade coletiva e a identidade individual do ser humano (Martins, 2010).
Para entendermos “papéis de gênero’’ usaremos o conceito de Papalia (2012) e Grossi
(1998): tudo aquilo que é associado ao sexo biológico fêmea ou macho em determinada cultura é
considerado papel de gênero. Estes papéis mudam de uma cultura para outra.
Diante disso, Papalia (2012, p.289), afirma que:

Papéis de gênero são os comportamentos, interesses, atitudes, habilidades e traços de


personalidade que uma cultura considera apropriada para homens e mulheres. Todas as
sociedades têm papéis de gênero. Historicamente, na maioria das culturas, esperam que as
mulheres dediquem a maior parte do seu tempo para cuidar da casa e das crianças, enquanto
homens são provedores e protetores. Espera-se que elas sejam obedientes e sustentadoras;
os homens ativos, agressivos e competitivos.

Metodologia

A pesquisa foi realizada no modelo qualitativo, sendo caracterizado por sua flexibilidade,
compreensão, descrição e geração de hipóteses sobre uma determinada questão para um indivíduo
ou grupo social. Sendo o entrevistador coadjuvante e imparcial. Segundo Gaskell (2002, p. 68)
“a finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário,
explorar o espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão’’.
Utilizou-se, como ferramenta de coleta de dados, o método de observação não participante,
que segundo Richardson (1999):

A observação não participante é uma técnica indicada para estudos exploratórios,


considerado que pode sugerir diferentes metodologias de trabalho, bem como levantar novos
problemas ou indicar determinados objetivos para a pesquisa. Nesse tipo de observação o
investigador não toma parte nos conhecimentos objeto de estudo como se fosse membro
do grupo observado, mas apenas atua como espectador atento. Baseado nos objetivos da
pesquisa, e por meio de seu roteiro de observação, ele procura ver e registrar o máximo de
ocorrências que interessa ao seu trabalho.

Para Martins Filho (2011, p. 101) “A observação participante possibilitará o acesso dos
adultos ao que as crianças pensam, fazem, sabem, falam e a como vivem, esmiuçando suas
peculiaridades e as particularidades desse grupo geracional”.
A pesquisa foi realizada em um colégio de ensino infantil, no qual é oferecido ensino regular e
integral. Sua missão pedagógica se dá pelo desenvolvimento intelectual, afetivo e motor; formação
da consciência social e aprendizagem significativa.
As observações foram desenvolvidas durante as aulas numa turma do Infantil IV, com um
grupo de 16 crianças e faixa etária de 4 anos por um período de 5 meses.
O artigo foi feito em forma de estudo de caso, visto que de acordo com Yin, (2001, p. 32)
“um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto da vida real, especialmente quando os
limites entre os fenômenos e o contexto não estão claramente definidos”.
As anotações manuais feitas durante as observações foram transcritas com permissão do
colégio. Todos os dados obtidos serão utilizados apenas no campo acadêmico, mantendo em
sigilo os nomes e os locais de trabalho dos profissionais por motivos éticos.

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Resultados

De acordo com o objetivo da pesquisa, foram observados os comportamentos tanto das


crianças quanto dos adultos, bem como o ambiente no qual estavam inseridos. A sala de aula era
decorada com várias atividades feitas pelas crianças, tais como desenhos e colagens. As cadeiras
e mesas eram de cores diferentes e as crianças separadas em grupos mistos e distribuídas em
várias mesas no interior da sala de aula. Com relação a higiene pessoal de cada criança, a escola
dispunha de banheiros masculinos e femininos.
Os brinquedos eram todos guardados em uma caixa e quando a professora entregava a caixa
para as crianças, cada uma escolhia dois brinquedos. Lá estavam guardados bonecas, carrinhos,
jogos de cozinha, itens de salão de beleza, bonecos a maioria super-heróis, massinhas, bolas, entre
outros materiais.
Nas aulas de Educação Física, foram realizados vários tipos de atividades, na qual havia uma
separação entre meninos e meninas, principalmente nas brincadeiras de futebol e dança.
Durante as aulas de culinária, realizadas uma vez por semana, a participação de todos os
alunos era considerada obrigatória. O ambiente no qual a referida disciplina era ministrada,
simulava uma cozinha em todos os seus aspectos funcionais.
No intervalo destinado à recreação, observou-se que meninas e meninos, em sua maioria,
optavam por brincar a partir de uma distinção do que julgavam ser brincadeiras destinadas a eles,
ou seja, de acordo com o sexo masculino ou feminino. Sendo assim, havia uma nítida separação
entre meninos e meninas. Nesses tipos de brincadeiras, as meninas que brincavam com os meninos
eram “excluídas” dos grupos das meninas. Nessa mesma perspectiva, verificou-se a intervenção de
professoras nas escolhas das crianças em relação as brincadeiras e comportamentos denominados
femininos ou masculinos. Em relação ao material escolar, constatou-se uma procura muito grande
por personagens infantis, sobretudo nas bolsas, lancheiras e garrafas. A maioria das meninas
usavam rosa e lilás e os meninos cores mais frias, como azul e verde. Nas atividades escolares,
notou-se uma preferência pelo lápis de cor rosa por parte das meninas. Em relação a escolha dos
meninos, não se notou preferências quanto à paleta de cores.

Discussões

De acordo com Papalia e Feldman (2013, p. 289) “algumas explicações sobre o


desenvolvimento de gênero centralizam-se nas diferentes experiências e expectativas sociais que
meninos e meninas encontram quase desde do nascimento. Essas experiências e expectativas
dizem respeito a três aspectos relacionados à identidade de gênero: papéis de gênero, tipificação
de gênero e estereótipos de gênero”.
Ainda de acordo com os autores, papéis de gênero são os comportamentos, os interesses, as
atitudes, as habilidades e os traços de personalidade que uma cultura considera apropriada para
cada sexo; diferem para homens e mulheres. Nesse contexto, observou-se que frequentemente a
professora pedia que as meninas sentassem de pernas fechadas, sob a alegação de que “mocinhas”
não podiam sentar de pernas abertas. Posto isto, o referido episódio denota a comprovação do
que fora discutido de forma conceitual e comprovado de maneira empírica.
Do mesmo modo, Jeffrey Weeks (1999, p. 51) afirma que:

Recorrendo às teorizações foucaultianas, salienta que o período moderno é formado por


uma sociedade disciplinar que vigia e controla os corpos por meio das relações de poder.
Mais do que vigiar é preciso construir um sistema capaz de moldar (sujeitar) o indivíduo,
para que ele se torne passivo, útil e disciplinado, de acordo com os ditames da cultura na
qual está inserido.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1325


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Outro aspecto concernente à identidade de gênero diz respeito à tipificação de gênero que
como bem esclarece Papalia e Feldman (2013 p.289) “é um processo de socialização pelo qual a
criança, ainda pequena, aprende a se apropriar dos papéis de gênero”.
Assim sendo, dado o contexto analisado, observou-se que, numa segunda situação, a
professora pegou o baú de brinquedos e pediu que cada criança escolhesse 2 opções de brinquedos.
Constatou-se que os brinquedos estavam dispostos de maneira aleatória no referido baú e que
em seu interior continha bonecas, carrinhos, itens de cozinha, barbies, bonecos, quebra-cabeça,
brinquedos de montar e de madeira. Nesse cenário, observou-se que havia um grupo de meninas
que brincava de casinha, as mesmas optaram por buscar brinquedos relativos (especificamente)
aos itens de cozinha. Nesse mesmo cenário, um menino aproximou-se e manifestou a intenção de
unir-se ao grupo para também brincar de casinha. Nesse instante, as meninas disseram que ele
só poderia brincar se fosse o “papai”, entretanto, na condição de “papai” e que, no contexto da
brincadeira, deveria sair pra trabalhar.
Dessa forma, podemos analisar a partir do comportamento das meninas que houve uma
apropriação dos papéis do homem e da mulher em relação às atividades do cotidiano de ambos,
ou seja, a mulher cuida dos afazeres de casa e o homem sai para trabalhar fora.
Em outra situação, a professora pediu que as crianças desenhassem como elas se viam,
desenho esse nomeado como autorretrato. As meninas geralmente se desenhavam de saia ou
vestido, algumas com brincos, pulseiras ou de sapato de salto alto e todas se desenhavam com
a boca colorida de rosa ou vermelho, como se fosse batom. Já os meninos, geralmente não
desenhavam acessórios e a maioria dos desenhos eram pintados de verde ou azul, os cabelos
geralmente eram curtos e em outros nem desenhavam o cabelo.
Nessa perspectiva, Oliveira e Bossa (1994, p. 23) asseguram que:

A maneira como uma criança brinca ou desenha reflete sua forma de pensar e sentir, nos
mostrando, quando temos olhos para ver, como está se organizando frente à realidade,
construindo sua história devida, conseguindo interagir com as pessoas e situações de modo
original, significativo e prazeroso, ou não. A ação da criança ou de qualquer pessoa reflete
enfim sua estruturação mental, o nível de seu desenvolvimento cognitivo e afetivo-emocional.

Ainda no mesmo contexto, na aula de culinária que acontecia uma vez por semana, observou-
se que, de forma recorrente, os meninos não prestavam muita atenção na receita que a professora
estava ensinando. Ao ser chamado atenção, um menino respondeu que “meninos não cozinham”
e riu da situação.
Como pontua Louro (1997, p. 33), “a lógica dicotômica [...] supõe que a relação masculino-
feminino constitui entre um pólo dominante e outro dominado - e essa seria a única e permanente
forma de relação entre os dois elementos”. Assim, desde a infância, a sociedade vigente contribui
para a formação das diferenças de papéis e funções do que é ser homem e ser mulher, beneficiando
mais um do que o outro.
Entretanto, nas aulas de inglês, a professora trazia músicas, nas quais as crianças tinham
que fazer as coreografias. Percebeu-se que, independente da dança, as crianças as faziam sem
nenhuma imposição.
Por fim, “estereótipos de gênero são generalizações preconcebidas sobre o comportamento
masculino e feminino” (Papalia e Feldman, 2013 p. 289). Dada essa afirmação, identificamos um
exemplo que trata do referido conceito. Observou-se que havia três meninos brincando de luta e
uma menina que também queria entrar na brincadeira, mas foi chamada atenção pela professora,
porque de acordo com a mesma, essa brincadeira poderia machucá-la pelo fato de ser menina.
Todavia, na realidade, a brincadeira poderia machucar qualquer indivíduo independente do sexo.

1326  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
De forma complementar, podemos evidenciar o que fora conceituado como Teoria Social
Cognitiva de Albert Bandura, (Papalia e Feldman, 2013 p. 294):

A socialização – o modo como a criança interpreta e internaliza experiências com os pais,


professores, colegas e instituições culturais –desempenha um papel central no desenvolvimento
de gênero. A socialização começa na primeira infância, bem antes da compreensão de
gênero consciente de gênero. Gradualmente, à medida que a criança começa a regular suas
atividades, os padrões de comportamento passam a ser internalizados. A criança não mais
precisa de elogios, de reprimendas ou da presença de um modelo para agir de maneira
socialmente aprovada. As crianças sentem-se bem consigo mesmas quando vivem de acordo
com os seus padrões internos, e sentem-se mal quando não o fazem. Uma parte substancial
da passagem do controle socialmente orientado para a autorregulação do comportamento
relacionado ao gênero pode ocorrer entre os 3 e 4 anos (Bussey e Bandeira, 1992).

Assim sendo, os meninos tendem a ser mais acentuadamente socializados por gênero no que
diz a respeito às brincadeiras do que as meninas. Com relação a isso, percebeu-se que quando um
menino escolheu a prancha de cabelo de plástico rosa para brincar, logo foi repreendido por sua
amiguinha que queria o mesmo brinquedo, justificando para a professora que aquele brinquedo
era de menina. A professora pediu que ele a entregasse o brinquedo para e que fosse brincar com
os carrinhos.
Nesse contexto, podemos afirmar de acordo com os autores que “As meninas têm mais
liberdade que os meninos para escolherem roupas, jogos e colegas” (Papalia e Feldman, 2013 apud
Miedzian, 199, p. 295). Isto pode ser comprovado mediante observação realizada no intervalo
designado para a recreação. Na ocasião, algumas meninas brincavam de bola, de carrinho e não
eram repreendidas. Já os meninos, se brincassem com algum brinquedo considerado de meninas,
eram repreendidos pelos demais.
Ou seja, mesmo na segunda infância, o grupo de colegas é uma influência importante na
tipificação de gênero. Aos 3 anos, as crianças geralmente brincam em grupos segregados por sexo que
reforçam o comportamento tipificado por gênero e a influência do grupo igual aumenta com a idade.

Conclusão

Em conclusão, destacamos a importância da contribuição da escola para uma educação


mais humana e livre de qualquer preconceito, pois a partir disso podemos “quebrar” lugares ou
papéis do homem e da mulher tradicionalmente construídos. Nesse sentido, a escola configura-
se como um dos espaços possíveis para a reprodução dos papéis de gênero, bem como o brincar
também se configura como uma das possíveis formas de se evidenciar a referida reprodução.
Entretanto, vale destacar que a reprodução dos papéis de gênero ocorre também em outros
espaços culturalmente construídos.
Assim sendo, o espaço escolar e o brincar possuem a capacidade de reforçar uma cultura
de distinção entre os papéis de gênero dada a comprovação empírica. Posto isto, com base na
pesquisa realizada, foi possível compreender como se dá a reprodução dos papéis de gênero por
meio da brincadeira, bem como a associação dos mesmos com a cultura.
A relevância da pesquisa é notória, pois, de acordo com Kishimoto e Ono (2008):

“A construção do gênero é social, histórica e contínua, as relações entre homens e mulheres,


os discursos e as representações dessas relações estão em constante mudança. As identidades
de gênero estão continuamente se transformando’’.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1327


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Então, cabe a propagação da igualdade através da reprodução de discursos que intensifiquem
a internalização do papel do homem e da mulher de forma justa e humanitária, principalmente a
partir da infância, onde a criança irá internalizar e levar consigo pelo resto da vida.
Sendo assim, o incitamento de escolha dos brinquedos ou das brincadeiras por parte dos
colegas, como também a repreensão por parte dos adultos, faz com que as crianças determinem
papéis ou funções em relação ao sexo feminino ou masculino, não por uma questão de identificação
ou habilidades, e sim por uma construção social.
Portanto, as discussões do gênero, da infância e do brincar na educação é de suma
importância, pois nos faz refletir sobre as práticas educacionais e, como suporte, podemos
nos situar na Psicologia do Desenvolvimento ou na Psicopedagogia para possíveis avanços e
desmistificações em relação a construção da identidade de gênero ainda na segunda infância.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1329


NO ONTEXTO BRASILEIRO
REFLEXÕES A PARTIR DE UMA PESQUISA SOBRE
A RELAÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE COM A
CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE
Luana Lima Fonseca Couto

Introdução

O
propósito deste artigo é o de explicitar, sob mediação do Materialismo Histórico
Dialético, sistematizado por Marx (1983) e Engels (1979) e, a partir da Psicologia
Sócio-histórica, formulada por Vygotsky e Luria (1996) e Leontiev (1978), elementos
que sirvam à discussão crítica sobre a constituição da identidade docente, considerando-a como
processo intrínseco às vivências que se efetivam no exercício profissional. Para tanto, destaca-se a
educação como um processo histórico que, ao se efetivar, implica os seres humanos em constante
e recíprocas relações, formando uma rede, pela efetivação da qual, cotidianamente, constituem e
transformam a sociedade em que vivem.
A identidade é reiterada como categoria do psiquismo, como uma formação vinculada à
maneira como os eventos histórico-sociais são vivenciados. Nesse processo, conforme Vigotski
(2009), são constituídos significados e sentidos que, articulados, mediarão a produção de
significações sobre os mais diversos objetos, processos ou situações.
Este artigo justifica-se pelo reconhecimento da centralidade do papel do professor, na educação
escolar e, por isso, da importância de se entender como se constitui o modo de sentir, pensar e agir
dos docentes, considerando-o como eixo fundamental do estudo sobre as significações produzidas
sobre a prática docente e sua relação com a constituição da identidade docente.
No contexto educacional, partindo do pressuposto de que as instituições escolares são
constituídas como espaços, nos quais a atividade educativa vai para além da objetivação da
socialização do conhecimento científico e que as relações sócio-afetivas, em seu interior, também
são determinantes para a formação e transformação pessoal e coletiva, destaca-se a problemática
desse estudo, que reflete a realidade vivenciada por professores, impelindo as pesquisadoras
à investigação sobre significações produzidas sobre a prática docente e sua relação com a
constituição da identidade docente, considerando, tal como Ciampa (2005), essa constituição
como metamorfose.
A seguir apresenta-se o método, os resultados, discutindo-os, mediante os objetivos propostos
pela pesquisa, em articulação teórica com os seguintes autores: Vigotski (2009), Ciampa (2005),
Martins (2015), Furtado e Svartman (2011), Lane (2002), Carvalho (2011), Alfredo (2013) e,
Ferreira (2010).

1330  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Identidade docente: reflexões mediadas pelo Método Histórico Dialético e pela Psicologia Sócio-
Histórica

Considerar a pesquisa como processo que investiga questões resultantes do histórico


movimento da realidade objetiva, direciona o pesquisador a organizar-se, buscando compreender
o movimento das relações que constituem essa realidade. Assim, visando o alcance de respostas
que possibilitem a produção de conhecimento sobre significações produzidas por professores da
Educação Básica sobre a prática docente e sua relação com a constituição da identidade docente,
realizou-se a pesquisa, a que se refere este artigo, sob mediação dos fundamentos do método
histórico dialético.
Com o suporte do arcabouço teórico metodológico do Materialismo Histórico Dialético,
defende-se ser humano como ser histórico-social, sendo constituído como síntese das relações que
se configuram ao longo da sua vida. Essa defesa sustentou, na pesquisa realizada, a pertinência
da consecução da análise dos dados a partir da análise dos Núcleos de Significação, proposta
de Aguiar e Ozella (2006, 2013). Segundo estes autores, nesse tipo de análise, os pesquisadores
avançam para além da descrição do objeto em estudo, podendo explicar as múltiplas mediações
que o constituem.
Para Furtado e Svartman (2009, p. 83), “a relação dialética do ser humano com a natureza
por meio da atividade consciente produz relações de sociabilidade e de cultura”, levando o
ser humano a buscar sua sobrevivência, não apenas de maneira instintiva, mas desenvolvendo
potencialidades e formas de relacionamentos entre os demais da sua espécie, criando formas de
compreender a natureza e a si mesmo, apropriando-se da sua história. A atividade que medeia a
relação do ser humano com a natureza, que a princípio, visa a sobrevivência, quando situada em
uma sociedade, passa a ser constituída pelas determinações sociais e históricas.
Aguiar e Ozella (2006, p.231) esclarecem que “a articulação de conteúdos semelhantes,
complementares ou contraditórios” permite verificar “as transformações e contradições que
ocorrem no processo de construção dos sentidos e dos significados”, possibilitando que se
produza compreensões sobre as condições subjetivas, contextuais e históricas, em um processo
de análise que vai além da aparência, permitindo, ao pesquisador, a identificação de categorias
essenciais para o desenvolvimento da análise das significações acerca do seu objeto de estudo.
Neste caso, da identidade docente.
O termo identidade, ao ser ouvido, pensado ou pronunciado, favorece a produção de
pensamentos dos interlocutores sobre esse complexo assunto, despertando a necessidade de
elaborações que, na maioria das vezes, não são concluídas rapidamente. A complexidade da
elaboração de ponderações acerca da constituição da identidade pode ser compreendida a partir
da consideração de que a constituição da identidade seja determinada pelas subjetivações das
relações objetivas, que são estabelecidas na realidade.
O processo de constituição da identidade se inicia com o nascimento do ser humano, que
corresponde à sua inserção num mundo histórico, de coisas e relações já existentes. Assim, começa a
receber cuidados e, a partir disso, estabelecer relações, em um movimento de múltiplas determinações,
que o vão constituindo, na medida em que necessidades são satisfeitas e novas surgem.
Lane (2002) explica que são os grupos sociais que medeiam as relações entre os indivíduos
e, ainda, que a sobrevivência do indivíduo humano depende de sua inserção num grupo social,
no seio do qual ele adquire a linguagem, própria da sociedade e, nesse processo, desenvolve
pensamentos, afetos e sentimentos, que constituirão sua identidade. Para a referida autora, a
identidade é categoria que constitui o psiquismo do ser humano.
As relações desenvolvidas nos grupos sociais sofrem alterações em suas formas, na medida
em que o indivíduo se desenvolve biológica e histórico-socialmente, dando nova forma à rede

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1331


NO ONTEXTO BRASILEIRO
de relações que o constitui. Assim, o processo de formação da identidade de um indivíduo é
resultado de um processo de contínuas e, recíprocas transformações no tempo e no espaço, ao
longo de sua vida, sob mediação de múltiplas e históricas determinações.
As necessidades que se formam no processo histórico-social de desenvolvimento do ser
humano, o levam a se relacionar com seus pares e com o mundo. Essas necessidades determinam
e constituem, de modo recíproco, o ser humano e o mundo em que ele vive. Pode-se dizer que
a história de vida de um indivíduo reflete tanto o social, como o individual, isto é, o processo
histórico-social de desenvolvimento do ser humano, em seu modo singular de pensar, sentir e agir,
em sociedade, consigo mesmo e com os outros indivíduos, por meio do uso de signos e objetos,
criados pela humanidade, pela atividade coletiva.
É pela articulação igualdade e diferença que, segundo Carvalho (2011), o indivíduo interioriza
os substantivos, adjetivos e predicativos, que lhe são atribuídos pela sociedade e, os reconhece ou,
não, como referentes a si. Isso se dá como resultado da relação do sujeito com o mundo, através
da atividade. A partir dessa relação, ele desenvolve consciência de si mesmo como igual, mas
diferenciando-se dos demais.
Para explicar a complexidade da vida consciente do ser humano, é necessário que se
ultrapasse os limites do organismo e, tal como Luria (1986, p. 21), se busque “as origens desta
vida consciente e do comportamento nas condições externas da vida social, nas formas histórico-
sociais da existência do homem”. Na relação dialética com o mundo, o indivíduo transforma
a realidade e é por ela afetado, gerando o processo de transformação no seu pensar e agir,
num movimento que possibilita novas condições para sua existência, em virtude, também, das
transformações histórico-sociais ocorridas na sociedade em que vive.
A identidade, tratada como constituição singular, segue um movimento que, de acordo com
Ciampa (2005), a partir da história, se (trans)forma na igualdade e na diferença, na objetividade
e na subjetividade, no pensar e no sentir do indivíduo inserido no mundo. De acordo com o autor,
a rede de relações que formam a identidade se transforma na dinâmica da história de vida, do
momento histórico-social do qual o indivíduo participa, constituída e diferenciada, entre si, por
múltiplos fatores, tais como, idade, gênero, classe social, ideologia política, religião, etnia, etc.
Fatores esses que interferem e se conectam na (trans)formação pessoal e profissional do indivíduo.
A ideia de identidade em movimento, a partir da realidade objetiva, afirma a concreticidade
que a constitui. Ciampa (2005, p.206), explicando que esse movimento de concretização
de si, porquanto, seja contingencial, se realiza “porque é o desenvolvimento do concreto e,
contingencialmente, porque é a síntese de múltiplas e distintas determinações. O homem, como
ser temporal, é ser-no-mundo, é formação material. É real porque é a unidade do necessário e do
contingente”.
A identidade é uma categoria constitutiva do psiquismo ser humano e tem, portanto,
origem na realidade objetiva, na qual o indivíduo, pela atividade, se insere. Esta inserção resulta
em múltiplas relações que dão origem ao processo de produção de significações, que articulam
significados e sentidos produzidos sobre os mais variados objetos, processos ou situações. Deste
modo, considera-se que os significados e sentidos estão em dialético movimento de transformação
e que são produzidos a partir de atividades e pensamentos, que contém a unidade social e
individual, que retornam à realidade na objetivação de ações concretas.
Para Ciampa (2005), a identidade é desenvolvimento concreto, não é algo pronto, acabado
e atemporal, é resposta a cada momento histórico, é fenômeno resultante da relação dialética do
indivíduo e da sociedade. O nome de alguém ou a forma como esse alguém pode ser chamado
identifica-o entre seus pares. A identidade, traduzida na forma de nome próprio é constitutiva do
modo de sentir, pensar e agir em sociedade. Diversos modos de sentir, pensar e agir, com relação
a objetos, processos ou situações, podem ser compreendidos como papéis, que os indivíduos

1332  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
desempenham em sociedade. O referido autor utiliza o termo de personagem para identificar os
papéis que um indivíduo assume, na tentativa de perceber esse indivíduo em relações, determinado
por elas e, não mais isolado, vivendo ativamente em sociedade.
A identidade, como resultado de múltiplas determinações, possui simultaneamente uma
dimensão individual, constituída reciprocamente pela singularidade sócio-afetiva, objetivada em
ideias e concepções e, pela dimensão coletiva, relacionada a determinados modos de sentir, pensar
e agir em sociedade, que são desenvolvidos nas relações e desempenhados em cada grupo ao
qual se pertence, como familiar, profissional, escolar, religioso, etc. Ferreira (2011), ao se referir
à identidade, reitera que a determinação do ser humano acontece na realidade em que ele está
inserido e onde estabelece as relações que o constituem.
Em que se considere que a educação é um processo constitutivo do ser humano, que acontece
em um contexto histórico e social e que as relações educacionais são determinadas por indivíduos,
que tem suas identidades constituídas por múltiplas determinações, ao longo da história de cada
um e, da história da sociedade humana, afirmamos o docente como figura central no processo
de constituição humana.
A identidade de um indivíduo, em sua unidade, pode ser entendida como um processo
histórico-social, constituído por múltiplas determinações, que encampam tradições e, também,
no fluxo histórico, as contradições moventes da sociedade.
A identidade docente, no contexto sócio histórico da educação, é constituída pelas relações
efetivadas nos processos de formação e de objetivação da prática docente, a partir da qual se dá,
reciprocamente, a produção de significações sobre o seu modo de sentir, pensar e agir. Trata-se,
por conseguinte, de uma realidade objetiva produzida por meio de processos, que são formados
pelas relações constituídas social e historicamente, determinando os indivíduos, favorecendo
o surgimento de novas necessidades, a formação de novos grupos, produzindo múltiplas
determinações, que transformam a realidade objetiva e que constituem novos modos de sentir,
pensar e agir.
A possível identificação, no contexto educacional, de múltiplas relações em constante
movimento é condição para que se discuta a metamorfose da identidade docente. A atividade
profissional dos professores, inserida nessa relação dialética com a educação, desencadeia
mudanças na maneira como eles se veem, sentem, pensam e agem mediante a profissão, tornando
relevante a produção de análises que expliquem essas modificações.
O professor como produtor de conhecimentos, de crenças, valores e expectativas é um ser
que, em seus processos constitutivos, vai produzindo significações, que articulam significados
e sentidos em relação ao aprender e ao ensinar. Processo que, historicamente, teve início, na
infância, enquanto desempenhava seu papel de aluno.
Alfredo (2013, p. 116), ao analisar a pedagogia de Makarenko31, defende a constituição
histórica de relações, que reafirmam a proposição “do desenvolvimento da individualidade como
processo histórico-social, consolidado por meio da efetivação de dois processos fundamentais, a
apropriação e objetivação das formas e conteúdos, historicamente acumulados nas objetivações
que resultam das atividades humanas”. A autora esclarece que esses processos, de apropriação
e, de objetivação, se efetivam desde o nascimento, num processo geral de educação, que não
é institucionalizado, mas se sofistica e ganha o sentido estrito da educação escolar, quando o
indivíduo ingressa na instituição escolar.
Martins (2015) evidencia que no meio educacional tem se estabelecido um mal-estar
docente, representado pelo que poderia ser denominado de crise da identidade do professor,

31 Anton Semionovitch Makarenko (1888-1939) educador e escritor Ucraniano. Obteve grande sucesso na educação
em colônias de trabalho de jovens, em condição de alta vulnerabilidade social devido às particulares circunstâncias
pós-revolucionárias. Publicou Pedagogitscheskaja Poema (Poema Pedagógico - O Caminho para a Vida).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1333


NO ONTEXTO BRASILEIRO
caracterizada, muitas vezes, por sentimentos de desajuste e insatisfação perante os problemas
reais da profissão. As necessidades de mudanças, constituídas historicamente, tem exigido dos
docentes um processo de formação que transformam os modos de pensar, sentir e agir, desvelando
dificuldades e resistências, que determinam o surgimento de novas necessidades.
Os estudos no âmbito da psicologia sócio histórica, tais como os de Lane (2002), Carvalho
(2011) e Martins (2015), orientam a compreensão da multideterminação da subjetividade do
professor na formação da sua identidade, mediante o conhecimento de seus pensamentos,
sentimentos e ações nas relações dialéticas que mantém com a realidade objetiva.
Em que se tenha como objetivo a compreensão dos processos que constituem a identidade
docente, corroborando com a teoria sobre pensamento e linguagem, de Vigotski (2009), pondera-
se que a consecução desse objetivo seria possível a partir da análise de significações, que articulam
significados e sentidos que o professor produz sobre si mesmo e sobre o seu pensar, sentir e agir
no mundo. Isto, permite a produção de considerações sobre o movimento que o professor realiza
no processo de constituição da sua identidade, entendido como processo de metamorfose.

Em discussão, a análise das significações sobre a prática docente e sua relação com a constituição
da identidade docente

Mediante os objetivos de investigar as significações produzidas por professores da educação


básica sobre a prática docente e suas relações com a constituição da identidade docente, de
compreender os principais processos que tem constituído a identidade docente e, de entender como
os elementos da relação pedagógica medeiam essa constituição, apresenta-se as considerações
alcançadas no processo de pesquisa.
Reitera-se que a constituição da identidade docente é tema relevante no campo educacional,
pois, se transforma conforme se transformam as condições histórico-sociais, nas quais os seres
humanos se desenvolvem, pela mediação do processo de educação em geral e de educação escolar,
em específico. Assim sendo, afirma-se que a investigação do referido tema desvela processos, cuja
compreensão se faz de grande relevância para a ampliação do debate educacional.
O aporte teórico-metodológico, Materialismo Histórico Dialético, possibilitou que
compreendêssemos que o ser humano se constitui, dialeticamente, na realidade objetiva na qual
participa ativamente. E, a compreensão de desenvolvimento humano, afirmada pela Psicologia
Sócio-Histórica, viabilizou a investigação sobre a prática docente e a constituição da identidade
docente a partir da análise de significações produzidas por uma professora da Educação Básica.
A compreensão da constituição da identidade, como metamorfose, possibilitou a
compreensão do movimento de constituição e de transformação da identidade da professora
partícipe da pesquisa, como processo multideterminado e dinâmico, que ocorre durante toda
vida. Nesse processo ela sente, pensa e age transformando o mundo e sendo transformada por ele.
A partir do processo de análise das significações, pudemos concluir que a prática docente se
constitui como uma das múltiplas determinações da constituição da identidade docente. Todavia,
essa prática é realizada a partir de condições reais, que formam a particular circunstância, na qual
se constitui o modo de pensar, sentir e agir da professora partícipe da pesquisa.
Reitera-se que o movimento de análise dos dados foi desenvolvido conforme o procedimento
núcleos de significação. Apresenta-se, de modo resumido, o movimento da análise, ressaltando-se
que os pré-indicadores, após a transcrição da entrevista, e, a partir da realização de uma leitura
flutuante, foram destacados e organizados, possibilitando a nomeação de conteúdos temáticos.
Dada a natureza desta publicação não se explanará o amplo conjunto de pré-indicadores,
restringir-se-á à apresentação dos conteúdos temáticos.
Segundo Aguiar e Ozella (2006), esses temas devem ser caracterizados pela frequência, pela

1334  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
importância enfatizada na fala dos entrevistados, pela carga emocional que apresentam ou pelas
ambivalências que manifestam, sempre verificando a relação com o objetivo da pesquisa.
Os conteúdos temáticos resultantes do movimento de aglutinação dos pré-indicadores
foram os seguintes: Escolha profissional; A família como determinante na escolha profissional;
A questão socioeconômica determinando a escolha profissional; Prática docente: a professora
jornalista; Prática docente: o jornalismo na sala de aula; Prática docente: contribuições para
a constituição da identidade; Concepção de si; A relação professor-aluno e a constituição da
identidade: “a gente começa a mudar!”; Relação professor-aluno; Prática docente e a relação
professor-aluno; Prática docente: conhecendo a realidade escolar; Prática docente: a professora
e o planejamento das atividades; Prática docente: concepção de aluno e o planejamento das
atividades; Prática docente: a professora e sua metodologia; Prática docente: “experiência em
sala de aula”; Prática docente: os anos iniciais e a oposição teoria e prática; Prática docente: anos
iniciais; Prática docente: o conhecimento tácito; A contradição entre os sentimentos e expectativas
sobre a realização profissional e os determinantes históricos sociais; Formação inicial; Formação
contínua: a validade do conhecimento.
O movimento de aglutinação dos conteúdos temáticos resultou na constituição dos
indicadores que serão apresentados nos próximos parágrafos, como constituintes dos núcleos de
significação.
A relação prática docente e a metamorfose da identidade: “Será que eu quero mesmo ser
professora? Será que é isso que eu queria?” - 1º) Escolha profissional: os múltiplos determinantes
da escolha pela docência;2º) O jornalismo e a docência; 3º) Metamorfose da identidade docente;
4º) “Eu sou diferente! Eu tenho humildade!”; 5º) O afeto e a motivação na relação pedagógica;
6º) A prática docente muda a maneira como o professor vê a sociedade; 7º) Prática docente:
“Você tem que o que?”; 8º) Prática docente: anos iniciais e a relação teoria e prática; 9º) A escolha
profissional e seus múltiplos determinantes: a docência como negação da carreira de jornalista.
A importância do professor é exatamente para quê? - 1º) Formação docente: a validade do
conhecimento; 2º) Formação docente: a constituição da necessidade formativa; 3º) Mudança
histórica no papel do professor na sala de aula; 4º) Concepção de professor.
A relação pedagógica mediada pela desvalorização do professor e pela relação família-escola
- 1º) A questão salarial e a histórica desvalorização do professor
2º) A relação dos recursos financeiros com a qualidade da prática docente; 3º) A escola e a
família: “Cadê a família?”; 4º) A relação família e o processo ensino-aprendizagem; 5º) A relação
pedagógica na prática docente.
No decorrer da pesquisa, que dá base a este artigo, inferiu-se que as contradições, presentes
no processo de escolha profissional pela docência, movimentam o desenvolvimento da prática
docente, podendo revelar modos de pensar, sentir e agir, constituídos a partir da não escolha por
outra profissão.
Essas contradições, que se revelaram no processo de escolha profissional, dão indícios de
que a escolha pela docência pode se concretizar mediada pela necessidade iminente de entrada no
mercado de trabalho. A investigação evidenciou que as determinações histórico-sociais no processo
de escolha profissional podem impossibilitar a escolha por uma profissão específica, movimentando
o indivíduo a buscar, prioritariamente, a satisfação de suas necessidades básicas, deste modo,
submetendo-o a seguir carreiras que, supostamente, possam prover retorno financeiro rápido.
Particularidades da história de vida da professora partícipe da pesquisa se revelaram como
mediações determinantes do processo de escolha profissional, relacionando-o com a constituição
da identidade, no processo formativo. Tais mediações possibilitaram o desenvolvimento de sua
prática docente ora mediado pela afirmação da profissão docente, ora mediado pela escolha não
realizada de outra profissão.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1335


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Destaca-se, ainda que, os sentimentos e afetos vivenciados no decorrer da história de vida da
professora, também se revelaram como constituintes de contradições, que determinam o planejamento
da prática docente e o movimento de sua relação pedagógica com alunos, pais de alunos, colegas, etc.
Isto porque, a história de vida é manifestada a partir do desvelamento de um processo de educação
em geral, que determina a concepção que professores tem do processo de educação escolar, levando-
os, muitas vezes, a desenvolver expectativas em relação a um tipo ideal de educação em geral e, de
educação escolar em específico, por exemplo, com maior participação da família.
A pesquisa revelou também que a desvalorização do professor é um determinante, que se
manifesta no dia-a-dia do professor de inúmeras maneiras, tais como, pelos baixos salários, pela
falta de recursos materiais, pela impossibilidade de desenvolvimento de projetos, pela ausência de
formação continuada, dentre outros.
O processo de formação inicial e continuada se revelaram como elementos constitutivos
da identidade docente e do modo de pensar, sentir e agir, que se evidencia na prática docente.
Tanto a formação inicial, como a formação continuada foram manifestadas como lacunares,
a primeira, pelo distanciamento da prática efetiva. A segunda, pelo conteúdo não-dito e pelas
significações que apresentavam tão somente o movimento constitutivo da necessidade formativa,
sem a menção do atendimento de tais necessidades.

Considerações Finais

Em consonância com as motivações que direcionaram ao interesse por esta pesquisa e


com os resultados evidenciados, conclui-se que a constituição da identidade docente acompanha
o desenvolvimento histórico da realidade, que é determinado pelas condições econômicas, que
movimentam a realidade e, assim, as relações que se constituem, constituindo os seres humanos.
Conclui-se, ainda, que a constituição da identidade docente é multideterminada pelo
movimento que abrange relações que motivam e, fazem com que professores continuem sendo
professores e, que abrange, também, relações que desvalorizam a função social do professor,
criando condições para questionamentos acerca de quais outras possibilidades profissionais
podem ser constituídas, para além da docência.
Para finalizar este processo, destaca-se a necessidade do desenvolvimento de investigações
sobre como se constituem, particularmente, os processos que se apresentam como constitutivos
da identidade docente e que, muitas vezes, possibilitam que professores vivam dilemas, tal como o
vivido por Hamlet, da obra de Shakespeare32: “To be, or nor to be, that is the question”, o qual foi
apropriado às culturas de uma forma geral com significado “Ser ou não ser, eis a questão!”33, o qual,
pode-se dizer, que se refere a situações de possíveis transformações, em que os seres humanos se
questionam acerca de “permanecer ou avançar?”, “agir ou não agir?”, dilemas que, supostamente,
explicariam as expectativas de muitos professores em relação à profissão que exercem. Afinal,
“ser ou não ser professora”? Eis a questão mediadora da constituição da identidade docente da
partícipe da pesquisa, discutida neste artigo e, talvez, de tantos outros professores.

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32 Shakespeare, W. Hamlet, Prince of Denmark. The Illustrated Stratford Shakespeare: All 37 Plays. All 160 Sonnets
and Poems. London: Chancellor Press, 1993.
33 Tradução nossa.

1336  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1337


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A PSICOLOGIA EDUCACIONAL E O
DESENVOLVIMENTO DAS COMPETÊNCIAS
SOCIOEMOCIONAIS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Hávila Raquel do Nascimento Gomes Brito
Eliane Clares Barbosa
Ana Beatriz Almeida Sampaio
Cândida Maria Farias Câmara
Maria Elenilda do Nascimento
Carlos Eduardo de Sousa Lyra

Introdução

O
sistema educacional brasileiro tem enfrentado sérias dificuldades nos últimos
anos e uma delas é justamente a forma de se fazer educação, de se transmitir
conhecimento e estabelecer um diálogo justo e crítico com seus atores – alunos,
professores, gestores, famílias. Considerando a atual realidade histórica permeada por mudanças,
que se instauram do nível tecnológico até a esfera social, não se tem como negar ou adiar a
necessidade do estabelecimento de novas práticas e metodologias no sistema de ensino (Santos
& Primi, 2014).
Tendo como impulsionador esse desafio, pontua-se como alternativa um ensino que seja
alicerçado a partir de quatro elementos base, a saber: Aprender a Conhecer, Aprender a Fazer,
Aprender a Ser e Aprender a Conviver. Esses pilares trazem como ideia o pressuposto de que tanto
professores e quanto alunos não podem ter suas práticas tão enrijecidas, uma vez que o papel do
docente não é apenas transmitir conhecimentos, e os discentes não são meros receptores, visto
que suas ações estão entrelaçadas (Delors et al., 1999).
Partindo de um cenário de transformações e refletindo sobre questões como o baixo
desempenho cognitivo dos alunos, bem como os diversos processos – sociais, culturais,
psicológicos – existentes em sala de aula, a Prefeitura Municipal de Quixadá, na região do
Sertão Central do estado do Ceará, juntamente com a Comissão Quixadaense de Psicologia
Educacional, idealizou o projeto “Serviço de Psicologia Educacional: uma perspectiva de
intervenção para o desenvolvimento das competências socioemocionais nas escolas de Quixadá
(CE)”, que tem como objetivo implantar o serviço de psicologia no município de Quixadá,
com ênfase no desenvolvimento das competências e habilidades socioemocionais no contexto
educacional. Salienta-se que suas ações tiveram início no mês de setembro de 2017. Para
tanto, tais ações são divididas em três etapas: o “cuidado consigo” (trabalho com gestores
e professores); o “cuidado com o outro” (o que envolve professores e alunos); e o “cuidado
com a comunidade” (o que inclui toda a comunidade escolar). Isto posto, este trabalho tem
como objetivo relatar uma experiência piloto da primeira fase desse projeto em três escolas do
Ensino Infantil e duas escolas do Ensino Fundamental I da rede pública de ensino do município

1338  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
de Quixadá – CE, descrevendo as intervenções realizadas pelas estagiárias nas instituições e
discutindo sobre as contribuições do projeto para a comunidade escolar.
A entrada da psicologia na educação foi historicamente marcada pela categorização e
classificação de crianças que não se adequavam a um padrão estabelecido pela sociedade. Apesar
dessas primeiras intervenções deixarem marcas que perduram até os dias atuais, foi a partir da
década de 80 que houve uma reflexão sobre o papel do psicólogo escolar; as crianças que eram
taxadas com “problemas de aprendizagem” passaram a ser compreendidas de forma mais ampla,
sendo levados em consideração fenômenos históricos, sociais, políticos e econômicos (Lima,
2005).
Com essas mudanças, o olhar do psicólogo passa a ser voltado para a comunidade escolar
como um todo. O foco, portanto, não é mais intervir de forma individualizante, mas passa a
ser mais abrangente, levando em conta aspectos que vão além do cognitivo, como é o caso das
competências e habilidades socioemocionais. Para considerar o desenvolvimento do aluno em
suas diferentes dimensões, é importante que o psicólogo proporcione espaços de reflexões, nos
quais todos que fazem parte da comunidade escolar participem, dos funcionários aos pais dos
estudantes, e, por fim, a sociedade de um modo geral (Barbosa & Souza, 2012; Lima, 2005).
Sinaliza-se ainda que a psicologia escolar realiza suas intervenções a partir de um modelo
de ação interdisciplinar, ou seja, o diálogo com outros campos de saberes, como a educação e a
história, por exemplo, é crucial para o entendimento do contexto educacional e desenvolvimento
de estratégias que possam contemplar as necessidades existentes, visualizando o sujeito em todas
as suas dimensões. Sendo assim, a psicologia, com todo o seu arcabouço de conhecimentos e
práticas fundamentadas, precisa dialogar com outros saberes para enriquecer suas práticas (Dias,
Patias & Abaid, 2014).
Portanto, vemos que o desenvolvimento do aluno é influenciado por múltiplos fatores,
os quais devem ser levados em consideração no processo de ensino-aprendizagem. Para que a
psicologia venha colaborar com esse processo, é necessário a ir além da visão clínico-terapêutica.
Isso só será possível na própria prática do psicólogo dentro da escola, através do trabalho
interdisciplinar, com o propósito de desenvolver intervenções que contribuam para uma prática
pedagógica contextualizada, transformadora e que compreenda o aluno de forma integral, levando
em conta suas competências cognitivas e também socioemocionais (Antunes, 2008; Santos &
Primi, 2014).
Atualmente os sujeitos estão inseridos em uma sociedade marcada pelo desenvolvimento
tecnológico, por novas necessidades e pela coexistência de diferentes formas de pensamento.
No entanto, por vezes, ainda encontramos pessoas que defendem posições que podem ser
consideradas retrógradas. No contexto educacional, por exemplo, se percebe que o modelo de
ensino e de interação entre seus atores está direcionado às demandas pertencentes ao passado.
Porém, o ser humano em toda a sua complexidade e integralidade, necessita ser compreendido
e atendido em suas diversas dimensões, como a social e a emocional, que vão além da cognitiva
(Santrock, 2009).
Uma alternativa, portanto, é a de realizar um trabalho que tenha como enfoque as
competências socioemocionais, habilidades que o sujeito pode desenvolver, mas que também
pode aprender ou ensinar. Estas caracterizam-se como:

Processos através dos quais as crianças e os adultos adquirem e aplicam de forma eficaz os
conhecimentos, atitudes, e competências necessárias para compreender e gerir emoções,
estabelecer e atingir objetivos positivos, sentir e mostrar empatia pelos outros, estabelecer
e manter relações positivas, e tomar decisões responsáveis. (Casel, 2012, como citado em
Coelho et. al, 2016, p. 62).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1339


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Essas competências são pensadas com base na teoria da personalidade conhecida como “Big
Five”, que compreende os cinco grandes fatores da personalidade, quais sejam: abertura a novas
experiências, extroversão, amabilidade, conscienciosidade e estabilidade emocional. O indivíduo
com abertura a novas experiências, por exemplo, pode ser caracterizado como curioso, criativo
e com interesse em questionamentos. Já a extroversão é a capacidade de dirigir seus interesses
às pessoas e ao mundo externo, através da amizade e da socialização. A amabilidade representa
a cooperação, a tolerância e o altruísmo. A conscienciosidade, por sua vez, é a tendência de ser
organizado, responsável e de ter autonomia. Por fim, a capacidade de ter estabilidade emocional é
saber como controlar suas emoções, sem ter mudanças bruscas de humor. É importante ressaltar
que tais competências não são inatas, mas podem ser aprendidas e ensinadas através de sua
prática (Santos & Primi, 2014).
O número de evidências acerca da eficácia do desenvolvimento das competências
socioemocionais tem crescido. Demonstra-se que elas colaboram não apenas para o sucesso
escolar da criança, mas também para o seu êxito em outras dimensões da vida. A partir disso, há
um aumento considerável no número de iniciativas para promover saúde mental através dessas
habilidades. Embora o período ideal para o seu desenvolvimento seja a infância, quando isso
não acontece o adulto também pode trabalhar no sentido de desenvolvê-las e obter uma melhor
qualidade de vida. As competências socioemocionais fazem parte da educação e estabelecem
uma relação entre o conhecimento acadêmico e habilidades que são pertinentes para o bem-estar
social, escolar e em outras dimensões da vida do indivíduo (Coelho et. al, 2016).
Adotar estratégias de aprendizagem mais flexíveis e abrangentes, levando em conta as
competências socioemocionais, não implica abandonar as competências cognitivas; pelo
contrário, a combinação dessas diferentes dimensões resultará em um aprendizado mais completo,
com incidência longa na vida do indivíduo. Trabalhar nessa perspectiva é considerar que o ser
humano possui um componente subjetivo que também precisa ser contemplado em seu percurso
educacional (Santrock, 2009).
Tendo em vista essas necessidades, a Psicologia, quando inserida no contexto da educação,
pode traçar e trazer contribuições importantes para um desenvolvimento saudável e satisfatório de
toda a comunidade escolar, contemplando gestores, professores, funcionários, alunos e famílias.
Desse modo, centra-se em dar visibilidade aos inúmeros fenômenos subjetivos que emergem nesse
contexto e que, muitas vezes, precisam ser trabalhados, pois influenciam fortemente o processo
de ensino-aprendizagem (Oliveira & Dias, 2016).

Metodologia

Este trabalho é produto de experiências vivenciadas em um estágio e os relatos feitos referem-


se às práticas desenvolvidas na primeira etapa deste, que já se encontra finalizada. As ações aqui
descritas estão sendo realizadas no Distrito Educacional do Campo Velho do município de Quixadá.
Destaca-se que a partir deste trabalho estão sendo beneficiados 38 professores e 621 alunos.
Para fundamentar as inferências levantadas, a partir da experiência, o estudo apoiou-se em
uma revisão de literatura, assim como em discussões realizadas nos encontros quinzenais em um
grupo de estudo na Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central (FECLESC), onde
foi examinada a problemática do mal-estar docente, apoiando-se nos escritos do psicanalista
Marcelo Ricardo Pereira (2016) e em outros autores.
Semanalmente, as estagiárias também frequentam se fazem presentes a um outro grupo
de estudo, que acontece no Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA), onde
se discute a respeito das competências socioemocionais e outros temas da psicologia escolar.
Além do mais, os integrantes do projeto reúnem-se, uma vez por semana, na Secretaria

1340  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Municipal de Educação do município de Quixadá para um momento de supervisão com
a psicóloga que coordena o projeto no município e com os professores que conduzem os
momentos de estudo.

Resultados

O projeto Serviço de Psicologia Educacional é composto por três etapas. A primeira tem
como público-alvo gestores e professores, com ênfase socioemocional no cuidado consigo,
partindo do pressuposto que, para cuidar do outro, nesse caso o aluno, tanto a gestão como os
docentes da escola precisam aprender a cuidar de si e estar bem. É esta é a fase do projeto descrita
neste relato de experiência.
O Serviço de Psicologia está presente em todas as sete escolas do Distrito Educacional do
Campo Velho do município de Quixadá. No entanto, aqui consta o relato de vivências em cinco
instituições.
No primeiro contato com as escolas, o papel das estagiárias não era bem compreendido,
pois os professores e funcionários tinham a ideia de que seria um trabalho clínico, no qual seriam
oferecidos atendimentos individuais. Para mudar essa visão, foi necessário, no decorrer do primeiro
mês, a realização de momentos de conversa e a elaboração de folhetos informativos, com o intuito
de esclarecer melhor como se daria a prática da Psicologia Escolar naquele contexto.
Após o período de observação e esclarecimentos nas escolas de Educação Infantil, buscou-se
realizar atividades de valorização do professor, através da entrega de cartões com homenagens aos
professores e gestores. Durante o mês de novembro, foram feitos momentos de escutas coletivas
com os professores das escolas de Educação Infantil. No primeiro momento, foi realizado uma
roda de conversa, na qual o ponto norteador era saber “quais os pontos positivos e negativos de
ser professor”, com a intenção de trabalhar o autoconhecimento e a competência socioemocional
denominada “abertura a nova experiências”. Foi levado eles a refletirem como ser professor os
afeta e de que forma eles poderiam ser criativos para mudar os pontos negativos nas situações
que foram relatadas. Nessa ocasião, foi ofertada a oportunidade para que todos se expressassem
e fossem escutados.
No segundo momento de escuta, foi iniciado com a fala de como as marcas da infância
influenciam na nossa formação e em quem nós somos. Foi pedido para que eles refletissem
sobre como as atitudes de pessoas importantes como pais, familiares e professores afetar, tanto
positivamente como negativamente. A partir dessa introdução, foi requisitado que eles relatassem
momentos positivos e negativos que viveram na escola. Esse momento teve como objetivo levar
os professores a pensar em como suas atitudes influenciam na formação de seus alunos, a partir
da percepção de que eles também já foram alunos e, portanto, já foram afetados pela atitude de
outros professores. Para finalizar, foi entregue marcadores de livro com uma frase baseado no
pensamento de Paulo Freire (1996) sobre a eternização do educador em cada educando e a partir
disso foi questionado como eles gostariam de ser eternizados.
Com base nessa relação, na qual as atitudes dos professores afetam diretamente os
alunos, foi percebido que, os professores vinham se sentindo desvalorizados e desestimulados.
Esse sentimento foi atribuído ao fato de estar sendo bastante ressaltado, na escola, que este
mês era dedicado às crianças, e pouco enfatizado que também era dedicado aos professores. Foi
possível observar que fato estava aumentando o estresse dos professores e acabava por afetar as
crianças. Para tentar reverter um pouco essa situação, foi aproveitado os mesmos momentos que
estavam sendo utilizados para falar do projeto sobre o dia das crianças para instigar as crianças
a lembrarem que naquele mês também seria comemorado o “dia das tias”. A cada semana foi
pedido a três crianças diferentes que dissesse para todos o porquê gostava do professor. Foram

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1341


NO ONTEXTO BRASILEIRO
momentos que serviram para um maior fortalecimento dos vínculos professor-criança e assim, ser
trabalhado também a amabilidade como competência socioemocional.
Para finalizar essa atividade, foi promovido um momento no qual as crianças construíram,
em grupo, cartões especiais para os professores, com cartolina e tinta guache, de maneira a
concretizar o reconhecimento da importância deles e assim, se sentissem mais valorizados.
As escolas de Ensino Fundamental I receberam a mesma estagiária de psicologia o que fez
com que algumas atividades fossem realizadas nas duas instituições de acordo com as necessidades
que foram evidenciadas. Os primeiros momentos foram destinados ao conhecimento da dinâmica
institucional das escolas, bem como ao estabelecimento de um contato inicial com gestores,
professores, alunos e funcionários, para posteriormente se pensar em ações que poderiam ser
desenvolvidas.
Dentre as intervenções realizadas em ambos os espaços escolares, pode-se citar: momentos
de escuta e interação com gestores e professores; momentos de escuta e interação com alunos;
confecção de acrósticos – composição poética na qual quando as letras iniciais de cada verso são
lidas na vertical uma palavra é formada (estes últimos foram feitos com os nomes das professoras
e de todos os funcionários das escolas); vídeos com os alunos homenageando os professores;
confecção de folhetos com informações sobre fases de desenvolvimento das crianças e sobre o
Serviço de Psicologia; doação de livros; entrega de mensagens motivacionais; discussões sobre
ideias a serem desenvolvidas no espaço escolar.
Cabe detalhar aqui, dentre as ações desenvolvidas, dois momentos importantes na escola
Benigno Bezerra e Brincando e Aprendendo, respectivamente. No mês de outubro foi programado,
junto à coordenação das escolas, um momento com as professoras, o qual precisou ser realizado
na hora do intervalo, uma vez que este era o único período em que todas poderiam estar reunidas.
A ocasião foi usada para entregar cartões com mensagens, flores e laços simbolizando o “Outubro
Rosa”, produzidos pelos estagiários; parabenizar pelo dia do professor e promover uma reflexão
acerca da prática do professor, salientando seus êxitos e dificuldades; e solicitar um feedback sobre
a presença do Serviço de Psicologia.
Em relação às competências socioemocionais trabalhadas, cita-se o autoconhecimento,
que é um dos fatores pertinentes a essas habilidades. Em um dos momentos realizados com as
professoras, por exemplo, trabalhou-se com uma dinâmica intitulada “autoanálise”, a qual exigia
que os envolvidos se descrevessem. A maioria das participantes relatou dificuldade em realizar a
atividade e todas concordaram a respeito da necessidade da realização de momentos como esse
para refletir sobre si, trocar experiências sobre sua prática e se descontrair na companhia dos colegas.

Discussão

Todas as atividades realizadas tiveram como pretensão proporcionar aos envolvidos –


com ênfase no corpo gestor e docente – momentos agradáveis, de interação, estabelecimento
de vínculos, escuta, acolhimento e trocas de experiências, foi procurado sempre trabalhar na
perspectiva do desenvolvimento e fortalecimento das competências socioemocionais. Percebeu-
se a relevância de estabelecer e cultivar os vínculos tanto com os profissionais da escola quanto
com os alunos, pois foi por meio da confiança alcançada através desse processo que conseguimos
realizar as intervenções.
Portanto, nesse tópico será apresentada a discussão acerca dos recortes vivenciados em
campo, considerando a necessidade do desenvolvimento de ações que possam oferecer apoio e
suporte a esses atores do sistema educacional, que também precisam receber atenção.
Nas primeiras semanas dentro do ambiente escolar, foi possível notar que o papel da
psicologia nesse local ainda é pouco explorado. Devido à prática da Psicologia Escolar ser pouco

1342  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
frequente, principalmente em escolas públicas, há uma visão de que o psicólogo escolar é um
profissional que irá ajustar os “alunos problemas”. Tal visão é um resquício do tempo em que
o papel do psicólogo escolar era o de categorizar alunos com diferentes dificuldades e tentar
adequá-los a um padrão (Oliveira & Araújo, 2009). Antecipando-se a essa concepção por parte da
comunidade escolar, um dos objetivos do projeto é desmistificar as práticas ligadas ao trabalho
do psicólogo na escola, pretensão esta que consideramos exitosa.
Nos momentos de observação e de escuta foi possível notar que boa parte dos professores
encontra-se em sofrimento, cansados e que acabam externando isso nas crianças, por meio de
gritos. Esse sofrimento prejudica a saúde do professor e o processo de aprendizagem do aluno.
Desse modo, este é um fenômeno atual que se coloca como preocupante em nossa sociedade:
o mal-estar docente, termo geral que engloba problemas específicos, como: esgotamento
emocional, estresse da profissão ou depressão. Esse sofrimento vivenciado pelos educadores pode
ser colocado em duas estruturas: a primeira, com fatores que incidem diretamente nas ações do
professor em sala de aula (sobrecarga de trabalho, falta de materiais); e a segunda, com fatores
que afetam o desempenho da sua função indiretamente, mas que quando acumulados podem
intensificar a angústia já existente (problemas pessoais, por exemplo) (Pereira, 2016).
Gouvêia (2016) destaca uma série de fatores que podem colaborar para o adoecimento
de professores. Dentre eles, pode-se citar o acúmulo de atividades; desmotivação em relação
ao trabalho, devido às frustrações advindas do mesmo; relações interpessoais conflituosas com
colegas de profissão; bem como ter que trabalhar em um espaço inadequado ao desenvolvimento
do seu cargo. Diante disso, foi constatado que um dos papéis do psicólogo dentro da escola é o de,
através da escuta do professor, “possibilitar a circulação de necessidades, exigências, incertezas,
expectativas, angústias, possibilidades, limitações, entre outras” (Oliveira & Araújo, 2009).
Nos momentos em que foram realizadas as escutas, tanto coletivas como individuais,
procurava-se questionar os professores de que forma eles poderiam agir diante das situações
problemáticas que eles relatavam. Através desses questionamentos, ao apontarem a relação entre
a família e a escola como marcadas por um distanciamento, os próprios professores trouxeram
diversas ideias de projetos que poderiam fortalecer esses laços. Ao incentivar a busca de soluções e
a autonomia dos professores, tivemos a oportunidade de trabalhar a competência socioemocional
denominada “abertura a novas experiências”. Eles se dispuseram a imaginar, de forma criativa,
maneiras de resolver o problema na relação família-escola (Santos & Primi, 2014).
É importante destacar também o que fala Wallon (1971) sobre o contágio das emoções. Ele
diz que os seres humanos afetam uns aos outros por meio da emoção. Por exemplo, quando um
bebê chora, contagia as pessoas que estão a sua volta e estas podem se sentir angustiadas. Da
mesma forma acontece em sala de aula: se um professor está angustiado, e se sente desvalorizado
e desestimulado, acaba se estressando; assim, ele pode fazer com que o seu estresse contagie os
alunos e estes também fiquem estressados.
Ademais, é satisfatório saber que as escolas, além de acolherem as ações do projeto, também
são impactadas por essas atividades. Nesse cenário, destaca-se a importância da inserção da
psicologia no ambiente educacional, funcionando como uma rede de apoio e intervenção que visa
sempre facilitar as relações e enriquecer o meio onde está inserida. Toda a sensibilidade empregada
nas ações desenvolvidas tem o objetivo de mediar e se fazer notar os aspectos subjetivos envolvidos
no processo de ensino-aprendizagem.
A clientela das instituições está imersa em um contexto social bastante conturbado e
fragilizado, o que gera várias demandas para a escola, que, muitas vezes, não pode supri-las. No
entanto, mesmo diante de situações como essas, haverá sempre muitos alunos bons, talentosos,
inteligentes, visionários, dóceis, amigos, que precisam não apenas de conhecimento cognitivo,
mas de carinho, atenção e de uma oportunidade para falarem do seu dia-a-dia, dos seus gostos,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1343


NO ONTEXTO BRASILEIRO
das suas experiências, medos e desejos. É emocionante perceber a forma como eles se vinculam
após enfrentarem uma barreira que é construída, às vezes pelo sofrimento e pela privação de
carinho. Eles têm a necessidade de um abraço, de um beijo, de uma palavra. Por fim, podemos
dizer que sentir e perceber o impacto na vida do outro (seja este um aluno, professor ou gestor) é
a melhor recompensa por qualquer trabalho realizado, é o melhor reconhecimento que pode ser
alcançado.

Referências

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perspectivas. São Paulo. Psicologia Escolar e Educacional, 12(2), 469-475.

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1344  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO EDUCACIONAL EM
INSTITUIÇÃO DE ENSINO NÃO-FORMAL: UM RELATO
DE EXPERIÊNCIA
Danielle Gomes Batista
Luciana Martins Quixadá
Alana Braga Alencar

Introdução

A
Psicologia Educacional é uma sub-área de conhecimento da Psicologia e tem por
objetivo a produção de saberes referentes aos fenômenos psicológicos inseridos
no processo educativo (Antunes, 2008). A grande problemática que envolve
a Psicologia Educacional é uma questão conceitual, pois muitos teóricos a conceituam como
Psicologia Escolar, ou seja, dizem que as duas são iguais, não havendo diferenças teóricas e
metodológicas entre as duas. Por outro lado, entende-se que, enquanto a Psicologia Educacional
se constitui como uma sub-área de conhecimento, a Psicologia Escolar se constitui como campo
de atuação, no qual serão realizadas intervenções focadas nos fenômenos psicológicos dentro da
escola fundamentando-se nos saberes produzidos pela Psicologia Educacional (Antunes, 2008).
Diante dessa confusão conceitual, a maioria dos artigos e trabalhos científicos focam a
Psicologia Educacional dentro da prática do psicólogo dentro da escola, educação formal, mas
esquecem de dar conta dos processos educativos referentes à educação não-formal. Nesse sentido,
faz-se importante delimitar que atuações pode um psicólogo educacional estar realizando dentro
de uma instituição não-formal de educação. De acordo com Bianconi & Caruso (2005, p.20),
“. . . os espaços fora do ambiente escolar, mais comumente conhecidos como não-formais, são
percebidos como recursos pedagógicos complementares às carências da escola”. Mas, qual
a diferença entre elas, educação formal, não-formal e informal, muitas vezes confundidas ou
apresentadas como sendo a mesma coisa? De acordo com os mesmos autores:

A educação formal pode ser resumida como aquela que está presente no ensino escolar
institucionalizado, cronologicamente gradual e hierarquicamente estruturado, e a informal
como aquela na qual qualquer pessoa adquire e acumula conhecimentos, através de
experiência diária em casa, no trabalho e no lazer. A educação não-formal, porém, define-se
como qualquer tentativa educacional organizada e sistemática que, normalmente, se realiza
fora dos quadros do sistema formal de ensino. (Bianconi & Caruso, 2005, p. 20)

Para se concretizar os objetivos da educação não-formal é preciso dar ouvidos aos
indivíduos ali inseridos. Tuleski (2005) afirma que desvalorizar o discurso da criança é o mesmo
que desvalorizar a sua capacidade cognoscente. O psicólogo nos espaços de educação não-
formal pode proporcionar escutas antes restritas ou não autorizadas. Assim, proporcionando às

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1345


NO ONTEXTO BRASILEIRO
crianças o desenvolvimento de conhecimentos e consciência crítica acerca dos fenômenos sociais
que as circundam. Trata-se, portanto, de outro processo educativo que transcende os aspectos e
objetivos costumeiramente presentes na educação formal.
No entanto, é importante deixar claro que, mesmo que não esteja inserido na escola, o
psicólogo, enquanto profissional da área da Educação, deve ter em vista a compreensão dos
fenômenos psicológicos e como eles afetam o processo de aprendizagem, seja em educação formal
ou não-formal. Nesse sentido, por mais que se pretenda diferenciar a atuação do psicólogo em
uma escola e em uma Organização Não-Governamental (ONG), por exemplo, nos dois campos
observam-se processos educativos bem estabelecidos, percebendo assim que a atuação pode ter
pontos em comum. Eis a importância da Psicologia Educacional como sub-área de conhecimento,
pois ela vai dar suporte ao psicólogo que exerce trabalho em instituição de ensino, qualquer
que seja, para dar andamento ao seu entendimento dos fenômenos psicológicos presentes nos
processos educativos e para propor intervenções coerentes com a dinâmica educacional da
instituição.
Em vista do que foi explanado, pretende-se abordar o fazer do psicólogo dentro de uma
instituição não-formal de educação, tendo em vista que o psicólogo trabalhando nesses moldes
pode receber muita sabedoria e conhecimentos em cima da prática do psicólogo escolar, já
que em ambos se pretende entender os fenômenos psicológicos concernentes aos processos de
aprendizagem. Para tanto, será feito um relato de experiência da prática de uma das autoras
deste artigo enquanto estagiária em uma ONG. A atuação da estagiária se fez mediante disciplina
obrigatória na graduação, chamada de Estágio I: Psicologia e Processos em Educação, a qual
objetiva inserir estudantes de Psicologia da ênfase de Educação em instituições de ensino formais
ou informais, mediante escolha do aluno, para compreender como a Psicologia pode servir nesse
contexto, construir reflexões críticas em cima de sua atuação e pensar em intervenções que possam
contribuir para o processo educativo dentro da instituição escolhida.
Nesse sentindo, e pensando a inserção do psicólogo em instituição de ensino não-formal,
pode-se atribuir a esse profissional nesse contexto a função de trabalhar em equipe, ou seja, em
conjunto com o educador, com a família, com a criança ou jovem e com a instituição como um
todo, tendo em vista os fenômenos psicológicos ali manifestos (Maluf & Cruces, 2008). Essa
é uma das principais funções do psicólogo escolar, mas que pode muito bem ser atribuída ao
psicólogo que atua em instituição não-formal. A partir dessa ideia de trabalho em equipe, o
psicólogo pode pensar em intervenções que potencializem o processo educativo (Andrada, 2005).
O mais importante, no entanto, é o psicólogo construir na instituição a compreensão acerca de
sua atuação e de como ela está ali a serviço da comunidade educacional e de seu bem-estar como
organismo institucional (Maluf & Cruces, 2008).
A atividade foco de análise desse artigo é a oficina de Desenvolvimento Sociopedagógico
ofertada pela instituição na qual a estagiária se inseriu e nela ocorria uma atividade de mediação
de leitura. Segundo Vieira (2007 apud Neves, 2008), “é através da leitura que o pensamento
infantil se desenvolve, resolvendo os conflitos internos, e ao mesmo tempo torna o indivíduo mais
flexível para resolver problemáticas na vida cotidiana, como conhecer as diferenças que permeiam
as culturas” (p. 4). Abramovich (1997 apud Neves, 2008) afirma que a leitura é importante por
desenvolver na criança a habilidade de imaginar, pensar em novas possibilidades de solucionar
questões que possam surgir e estimular novas maneiras da criança se colocar artisticamente diante
do texto livro, como a elaboração de desenhos, músicas, brincadeiras, etc.
Para tanto, é necessário que nesse processo esteja junto da criança um mediador, uma pessoa
capaz de mediar esse caminho entre a fantasia da história contada e a realidade da criança. Neder
et al. (2009) afirma que para ser um bom contador de histórias basta colocar seu coração na
hora da leitura e contagiar o público com entusiasmo. Para tanto, é recomendado ao contador

1346  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
que memorize bem a história antes de contá-la, que vivencie a história e passe as emoções dos
personagens e que o ouvinte, ou seja, a criança, possa ser ouvida nesse processo, que se abra um
espaço onde ela possa expressar sentimentos e pensamentos acerca da história contada; além
disso, alguns materiais se fazem necessários, como fantoches, desenhos, massa de modelar, etc.
(Neves, 2008). Matos & Sorsy (2009 apud Raulino, 2011) sintetizam essa ideia ao colocar que a
arte de contar histórias e a habilidade do contador envolve a expressão corporal, improvisação,
interpretação e a interação com seu público. É importante nesse processo dar atenção para a
escolha dos livros, os quais devem se adequar a idade das crianças e às necessidades que elas
possam apresentar diante da leitura.
Nesse sentido, é importante remeter-se à importância do lúdico durante a contação.
Conforme Winnicott (1995 apud Pinto & Tavares, 2010, p. 230-231), “o lúdico é considerado
prazeroso, devido à sua capacidade de absorver o indivíduo de forma intensa e total, criando
um clima de entusiasmo”. Pinto & Tavares (2010, p. 231) continuam colocando que é por meio
do lúdico que “a criança canaliza suas energias, vence suas dificuldades, modifica sua realidade,
propicia condições de liberação da fantasia e a transforma em uma grande fonte de prazer”.
Ainda segundo os autores, o lúdico deve estar presente não somente no ato de brincar, ler ou
jogar, mas na forma de se relacionar com a criança.

Método

Um relato de experiência é uma prática metodológica que possibilita ao pesquisador, como


o próprio nome diz, expor suas experiências vividas dentro de determinado campo de atuação.
O seguinte trabalho se enquadra nesse modelo, pois serão descrevidas as experiências vividas por
uma das autoras deste artigo enquanto estagiária. Nesse sentido, pode-se falar em estudo de
caso, o qual se concretiza como modalidade de pesquisa em que um objetivo específico de estudo
é escolhido. Visa à investigação de um caso específico e deve ser bem delimitado, contextualizado
em tempo e lugar para que se possa realizar uma busca circunstanciada de informações.
O local de estágio foi em uma ONG que se pretende trabalhar a arte-educação com crianças
e jovens inscritos no projeto, residentes do bairro Jardim Iracema, Fortaleza-CE. Os participantes
do estudo de caso são crianças entre sete e dez anos e a estagiária de Pedagogia que as acompanha.
As crianças fazem parte de uma oficina desenvolvida pelo projeto chamada Desenvolvimento
Sociopedagógico, a qual tem o propósito de trabalhar mediação de leitura e arte com as crianças
e é conduzida pela estagiária de Pedagogia.
Para descrever o presente relato de experiência foram utilizados os diários de campo
produzidos pela estagiária de Psicologia a cada visita à Instituição. Além disso, foram utilizados
artigos que abordem o tema da Psicologia Educacional, da mediação de leitura, das diferenças
sobre instituições de ensino formal e não-formal e da importância do trabalho lúdico com crianças,
os quais foram relacionados criticamente com a experiência vivida em campo.
O presente estudo surgiu, portanto, a partir de uma experiência prática realizada durante a
formação da graduanda de Psicologia sob supervisão. Durante a realização dos procedimentos
não havia a intenção de proceder com pesquisa acadêmica, dispensando a demanda de submissão
da pesquisa para análise do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Conselho Nacional de Estudos
com seres Humanos (CONEP), conforme consta no artigo 1o, paragrafo único, alínea VII da
resolução CNS 510/2016.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1347


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Resultados e discussão

A atividade do Desenvolvimento Sociopedagógico (DS) funciona no viés da arte-educação.


Nesse sentido, é dada as crianças a possibilidade de expressarem suas emoções, seus sentidos
produzidos em cima do que é realizado naquele espaço, suas angústias, etc. através da arte. Ele
ocorre três dias na semana (segunda-feira, terça-feira e quarta-feira), pela manhã e pela tarde,
cada turno com uma turma diferente. Neste artigo serão abordadas as experiências no turno da
tarde, pois o foi foco de observação e intervenção principais da estagiária de Psicologia, além do
que só foram feitas duas observações no turno da manhã.
O DS se mostra como um espaço com grande potencial para se trabalhar situações
interessantes com as crianças, como as relações com a comunidade, a violência, cidadania, direitos
da criança, etc., temas muito importantes de serem discutidos ali, já que elas fazem parte de
uma parcela da sociedade e comunidade que tem seus direitos violados todos os dias e marcada
pelo tráfico e pela constante ameaça de violência. Há a possibilidade de se trabalhar temas mais
amplos do desenvolvimento humano, para além do ensino formal, podendo se caracterizar como
um espaço de emancipação, empoderamento e conscientização.
Nesse sentido, a instituição como um todo se constitui como uma organização não-
governamental com um viés em uma educação não-formal. De acordo com Bianconi & Caruso
(2005, p.20), “... os espaços fora do ambiente escolar, mais comumente conhecidos como não-
formais, são percebidos como recursos pedagógicos complementares às carências da escola”. No
entanto, antes de mais nada, é importante diferenciar a educação formal, da não-formal e da
informal, muitas vezes confundidas ou apresentadas como sendo a mesma coisa. De acordo com
os mesmos autores:

A educação formal pode ser resumida como aquela que está presente no ensino escolar
institucionalizado, cronologicamente gradual e hierarquicamente estruturado, e a informal
como aquela na qual qualquer pessoa adquire e acumula conhecimentos, através de
experiência diária em casa, no trabalho e no lazer. A educação não-formal, porém, define-se
como qualquer tentativa educacional organizada e sistemática que, normalmente, se realiza
fora dos quadros do sistema formal de ensino. (Bianconi & Caruso, 2005, p. 20)

Geralmente, o que se realiza no DS são atividades de mediação de leitura e desenho. A


estagiária de Pedagogia escolhe um ou mais livros, realiza a leitura de um, fazendo perguntas ao
longo da história, a fim de que as crianças possam criar relações entre as partes do livro, e no fim
da leitura, sobre o que as crianças acharam da história e o que elas mais gostaram. Ao fim dessa
pequena conversa, ela coloca à disposição das crianças papel, lápis, lápis de cor, canetinha, giz de
cera e borracha para que elas possam desenhar algo relacionado à história que foi lida.
As crianças sempre se mostravam muito agitadas, conversavam entre si durante a mediação
de leitura, falavam alto, algumas gritando, levantavam das cadeiras na hora da leitura, etc.,
comportamentos que eram sempre alvos de chamada de atenção pela estagiária de Pedagogia.
É interessante ouvir as crianças, mesmo que seja em uma situação de interrupção, pois a escuta
de suas demandas caracteriza um maior entendimento do que aquela criança mostra sobre si e
sobre a forma como se relaciona no mundo, além do que ela também é particip(ativa) no grupo,
é detentora de potências assim como o adulto (a estagiária de Pedagogia) e tem capacidade para
participar do processo pedagógico desenvolvido ali.
Tuleski (2005) fala muito bem dessa questão da escuta da criança ao colocar que a exclusão
do discurso da criança e de sua participação no processo educativo acaba por se caracterizar
como uma desvalorização da capacidade cognoscente da criança. O autor coloca que “Como não

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há a prática de ouvir os alunos, torna-se difícil vê-los como seres totais o que, consequentemente,
limita as possibilidades de reflexão acerca de novas propostas para o ensino” (p. 133). Nesse
sentido, é importante dar ouvidos à criança e, além disso, é importante passar a vê-la como
agente de transformação do processo educativo.
Ainda sobre a mediação de leitura, as crianças ficavam sentadas cada uma em uma cadeira,
que juntas formavam um círculo e algumas delas interrompiam com comentários sobre o livro,
sobre a história, alguns conversavam entre si e outros perguntavam constantemente se a história
estava acabando, ao que a mediadora os reprimia pedindo atenção à história, que naquele
momento de leitura não era momento para falar e interromper. A mediadora, enquanto lia, a
cada página mostrava o que continha ali, os desenhos e as falas, para as crianças. A leitura é uma
modalidade extremamente importante para o desenvolvimento da criança. Segundo Vieira (2007
apud Neves, 2008), o pensamento infantil se desenvolve através da leitura, pois é com ela que a
criança passa a resolver conflitos internos e conflitos cotidianos de outras maneiras que antes não
conhecia. Além disso, a leitura permite à criança o desenvolvimento da imaginação. Como coloca
Abramovich (1997, p. 17 apud Neves, 2008):

“Ler histórias para as crianças, sempre, sempre... É suscitar o imaginário, é ter a curiosidade
respondida em relação a tantas perguntas, e encontrar muitas ideias para solucionar
questões - como os personagens fizeram... - é estimular para desenhar, para musicar, para
teatralizar, para brincar... Afinal, tudo pode nascer de um texto”. (p. 5)

Neder et al. (2009) afirma que para ser um bom contador de histórias não é necessário que
a pessoa tenha habilidades específicas ou que tenha um dom, basta que o contador de histórias
coloque ali seu coração na hora da leitura e possa contagiar o público. No entanto, algumas
recomendações são feitas: é importante que a história a ser contada seja bem memorizada, a
fim de torná-la espontânea e envolvente; é importante procurar vivenciar a história, ou seja,
envolver-se com ela, sentir e passar as emoções dos personagens; é importante dar destaque aos
momentos de êxtase da história, dando tonalidades de voz para cada personagem, cada ação,
cada sentimento e emoção ali presentes; é importante oferecer espaço aos ouvintes que querem
participar da história e interferir nela, a fim de estimular a criatividade e a imaginação da criança,
algo que não ocorre no DS. Como afirma Neves (2008, p. 10), “Para ser um contador de história
basta gostar de interagir com um mundo de possibilidades”. Matos & Sorsy (2009, p. 8-9 apud
Raulino, 2011, p. 36) sintetizam essa ideia ao colocar que:

A arte do contador envolve expressão corporal, improvisação, interpretação, interação com


seus ouvintes. O contador, . . . recria o conto juntamente com seu auditório, à medida que
conta. O leitor, por sua vez, empresta sua voz ao texto. Pode utilizar recursos vocais para
que a leitura se torne mais envolvente para o ouvinte, mas não recria o texto, não improvisa
a partir dos estímulos do auditório.

Rauliano (2011, p. 33) afirma que “Desde o surgimento do livro na Idade Média, a maioria
dos narradores não se preocupou mais em memorizar um conto, que seus ancestrais passaram
de pai para filhos. Simplesmente baseiam-se na leitura de um conto, aproveitando-se das
ilustrações”. Ao se memorizar um texto, tornar a leitura espontânea, a interpretação dos papéis
daquela história, dos personagens e de suas falas torna-se mais fácil e mais envolvente. Dar
vida ao personagem e à história é dar vida à imaginação da criança. Assim, seria muito mais
interessante fomentar com as educadoras responsáveis pelo DS a necessidade e importância
de se ler com a alma, com entusiasmo. Nesse sentido, a motivação e atenção das crianças

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1349


NO ONTEXTO BRASILEIRO
provavelmente seriam maiores, pois elas teriam a possibilidade de vivenciar a história de maneira
mais entusiástica e espontânea. Para tanto, mais uma vez, é importante dar abertura para a fala
da criança, mesmo que seja interrupção, principalmente na hora da leitura, pois isso possibilita
que ela desenvolvesse a história junto com o mediador com criatividade e imaginação. Para
tanto, é preciso que o mediador possa contar com alguns instrumentos que bem utilizados se
configuram como importantes ferramentas de desenvolvimento da criatividade e imaginação
da criança, tais como fantoches, massa de modelar, mudar de ambiente, fanelógrafo, desenhos,
etc. (Neves, 2008).
A leitura para o público infantil não deve ser uma leitura sem imagens, sem fantasia e sem
vibração e esses instrumentos completam a mediação nesse sentido. Para tanto, é importante
que o livro a ser lido possa ser escolhido com cautela. A escolha do livro deve levar em conta o
período de desenvolvimento no qual o grupo se encontra, o gosto literário das crianças e o que
se pretende trabalhar com elas naquele momento, ou seja, não basta escolher qualquer livro da
prateleira, mas é preciso escolher um livro que traga alguma mensagem importante para a criança
e que possa desenvolver algo nela, como cidadania, autonomia, como conviver com a diferença
do outro, etc.
Além disso, é preciso levar em conta a ludicidade, como dito antes. No DS apesar de se estar
trabalhando com crianças, percebe-se uma carência de ludicidade, não somente na forma como as
atividades são conduzidas, como na mediação de leitura, mas também na forma como o educador
se coloca diante das crianças, como se relaciona com elas. Diante dessa questão, muitas foram
as sugestões da estagiária de Psicologia para contornar o problema, como o desenvolvimento de
um jogo voltado para as crianças, o qual seria construído em formato de tabuleiro e abordaria
temas que as crianças considerassem importantes e que pudessem desenvolver a ludicidade entre
as crianças e as estagiárias presentes. No entanto, as sugestões sempre foram colocadas de lado.
Conforme Winnicott (1995, apud Pinto & Tavares, 2010, p. 230-231), “o lúdico é considerado
prazeroso, devido a sua capacidade de absorver o indivíduo de forma intensa e total, criando um
clima de entusiasmo. É este aspecto de envolvimento emocional que torna uma atividade de forte
teor motivacional, capaz de gerar um estado de vibração e euforia”. Pinto & Tavares (2010, p. 231)
continuam colocando que:

Por meio do lúdico, a criança canaliza suas energias, vence suas dificuldades, modifica sua
realidade, propicia condições de liberação da fantasia e a transforma em uma grande fonte
de prazer. E isso não está apenas no ato de brincar, está no ato de ler, no apropriar-se da
literatura como forma natural de descobrimento e compreensão do mundo, proporciona o
desenvolvimento da linguagem, do pensamento e da concentração.

Nesse sentido, percebe-se o quanto o lúdico caminha de mãos dadas com o processo
educacional nessa relação que se constrói com a criança. Como coloca Pinto & Tavares (2010, p.
232), “Uma postura lúdica não é necessariamente aquela que ensina conteúdos com jogos, mas
na qual estejam presentes as características do lúdico, ou seja, no modo de ensinar do professor,
na seleção de conteúdos e no papel do aluno”. Assim, o educador deve o tempo todo tentar se
colocar no mesmo nível da criança. Relações de poder hierárquicas somente impedem que uma
boa relação de aprendizagem seja construída.
Considerando o brincar enquanto parte do lúdico, pode-se pensar em uma situação que
ocorreu no DS, na qual a estagiária de Psicologia, após a hora do lanche, brincou de cavalinho e
de cobra com as crianças. Nessa situação, as crianças se envolveram muito mais com a atividade
do que quando estão em sala com as estagiárias de Pedagogia, pois naquele momento elas se
sentiram livres para brincar a sua maneira e aprendendo uma com as outras, sem limitações e

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imposições. As crianças são sujeitos que estão o tempo todo em relação com o próprio corpo,
descobrindo-o e desenvolvendo-o. Privá-los disso é privá-los de entrarem em contato consigo
mesmos.
Mas, como pode o psicólogo educacional intervir nesse espaço? Antes é preciso diferenciar
Psicologia Educacional de Psicologia Escolar. Por mais que alguns autores as vejam como face
comum da mesma moeda, como algo que fala da mesma coisa e só muda a nomenclatura, pode
ficar confuso entender o que um psicólogo educacional faz em uma instituição não-formal, já que
a Psicologia Escolar, percebida como idêntica à Psicologia Educacional, se desenrola na escola,
instituição formal. Antunes (2008, p. 470) coloca que:

... a psicologia da educação pode ser entendida como subárea de conhecimento, que tem
como vocação a produção de saberes relativos ao fenômeno psicológico constituinte do
processo educativo. A Psicologia Escolar, diferentemente, define-se pelo âmbito profissional
e refere-se a um campo de ação determinado, isto é, o processo de escolarização, tendo
por objeto a escola e as relações que aí se estabelecem; fundamenta sua atuação nos
conhecimentos produzidos pela psicologia da educação, por outras sub-áreas da psicologia
e por outras áreas de conhecimento.

Feita essa diferenciação, pode-se buscar responder à pergunta feita no parágrafo anterior.
Antes de mais nada, o psicólogo educacional deve sempre procurar deixar claro que o sujeito
alvo do processo de aprendizagem, aqui no caso a criança, é multideterminado. A criança se
relaciona com a família, com a comunidade, com a escola, com as outras crianças e aqui no caso
com a instituição. Nesse sentido, cada criança possui uma forma de se relacionar com o mundo
e, por conseguinte, com os processos educativos dos quais faz parte. O psicólogo educacional
precisa formar nos educadores e na gestão institucional a ideia de que cada criança possui um
grau de desenvolvimento próprio e que cabe ao educador, ao identificar essas diferenças, pensar
em estratégias que facilitem o processo de aprendizagem de todos. No entanto, o educador
ou pedagogo, não anda sozinho nesse processo, mas em parceria com o psicólogo, que deve
proporcionar ao educador o conhecimento e compreensão dos fenômenos psicológicos dentro do
processo educativo do sujeito.
Nesse sentido, é importante que o psicólogo educacional possa formar uma equipe com
todos os envolvidos no processo educativo, a fim de facilitar a compreensão dos fenômenos
psicológicos individuais de cada criança e como eles afetam a forma como cada uma se relacionará
com o processo educativo. O psicólogo educacional, nessa perspectiva, deve ter bem claro
que um de seus papeis dentro de uma instituição é o de capacitação de educadores acerca do
desenvolvimento humano. Maluf & Cruces (2008, p. 94) comprovam isso, mesmo que falando do
ambiente escolar, ao afirmar que:

Eles atuam na elaboração de políticas educacionais, na instituição escolar, no planejamento


e avaliação de programas de ensino, na capacitação de docentes, nas relações da escola com
as famílias e comunidade, no enfrentamento dos problemas de aprendizagem e de ensino,
no atendimento educacional a alunos com necessidades especiais, na supervisão de estágios
em cursos de Psicologia, em postos de saúde, em consultórios particulares, na docência nas
instituições de ensino superior.

Para tanto, é preciso que o psicólogo educacional tenha uma base teórico-metodológica
que em base bem o seu trabalho. Assim, é imprescindível ao psicólogo o conhecimento acerca
de teorias do desenvolvimento, de aprendizagem, sobre dinâmica familiar, sobre os processos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1351


NO ONTEXTO BRASILEIRO
cognitivos (atenção, memória, percepção, concentração, linguagem, etc.), sobre problemas
de aprendizagem, sobre grupos, etc. A partir daí, o psicólogo pode pensar, junto com a equipe
pedagógica e institucional, intervenções que fomentem positivamente o processo educativo
(Andrada, 2005).
Foi exatamente isso que a estagiária de Psicologia tentou desenvolver com a equipe do
DS, atividades que fomentassem de maneira melhor estruturada processos de aprendizagem nas
crianças ali inseridas. No entanto, vários foram os empecilhos, pois mesmo diante de todas as
sugestões feitas pela estagiária de Psicologia, como atividades em espaços maiores, atividades
que envolvessem trabalho em equipe com as crianças, planejamento de “treinamento” com as
estagiárias de Pedagogia para uma melhor realização das mediações de leitura, temas novos e
relevantes para as crianças, como amizade, violência, morte e medo, desenvolvimento de jogos,
desenvolvimento de atividades que envolvessem os direitos das crianças, entre outras, mas as
estagiárias de Pedagogia colocavam que seria impossível realizar as sugestões devido a um plano
anual, o que posteriormente foi desmistificado pela coordenadora da ONG.
Em vista disso, o mais importante é que o psicólogo educacional construa na instituição na
qual ele atue uma visão de que a Psicologia Educacional é mais uma área de saber que tem muito
a oferecer no desenvolvimento de intervenções que potencializem o processo educativo. Como
afirma Maluf & Cruces (2008, p. 96):

Agora é tempo de mostrar como pode a Psicologia Educacional estar a serviço do bem-estar
da comunidade escolar, do desenvolvimento psicológico de todos os envolvidos no processo
educacional, da aprendizagem significativa que produzirá no aluno as condições individuais
e sociais necessárias para o pleno exercício da cidadania.

Conclusão

Em vista do que foi explicitado, pode-se concluir afirmando que a Psicologia Educacional
apresenta papel importante dentro de instituições de ensino, sejam elas formais ou não. O psicólogo
educacional deve sempre deixar claro sua função dentro da instituição e a importância dela para
potencializar os processos educativos, principalmente para os sujeitos alvos desse processo.
É importante que os profissionais responsáveis por esse processo possam estar sempre se
reciclando e se colocando diante dos desafios e possibilidades que o espaço educacional lhes
propõe. Não é fácil lidar com tantas demandas e desafios, mas é importante reconhecê-los como
importantes, devendo o psicólogo educacional caminhar com a instituição nessa jornada de
reconhecimento de suas potencialidades e capacidades, assim como de suas falhas e dificuldades.
Diante disso, conclui-se que a experiência foi de extrema valia para a estagiária, pois
possibilitou a inserção em um campo tão esquecido nas discussões na graduação e possibilitou
a construção crítica e reflexiva em cima da prática do psicólogo, diante de tantas expectativas
e demandas que são impostas a ele nesse contexto educacional. Assim, essa experiência foi
importante por possibilitar na estagiária a construção de processos pessoais, éticos e acadêmicos
mais amplos e críticos.

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1353


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ATITUDE DA POPULAÇÃO BRASILEIRA
PERANTE A MORTE
Camila Maria de Oliveira Ramos
Danielle Feitosa Araújo
Cynthia de Freitas Melo

Introdução

A
morte é um processo que não se resume à finitude biológica, pois revela as
representações socioculturais construídas com o passar da história (Santos &
Hormanez, 2013; Simões, 2014; Souza et al., 2017). O processo de morte relacionado
ao homem compreende uma pluralidade nas suas perspectivas que inclui o biológico, o social, o
psicológico, o filosófico e o antropológico (Machado, Lima, Silva, Monteiro & Rocha, 2016). A
compreensão sobre a morte hoje, demanda, portanto, uma perspectiva global e histórica que
busque abranger algumas premissas desse universo mutável.
De modo geral, na Idade Média, a morte era vista com naturalidade, compreendida como
uma morte domada. Existia a possibilidade de planejar e realizar o ritual que envolve a despedida,
em companhia da valorização do significado da identidade e subjetividade do morto. A morte
era pública, por consequência, os cuidados e os rituais eram coletivos. Dessa forma, a família não
isolava o doente que estava na condição de proximidade à morte e reconhecia os sentimentos
e sofrimento que o permeavam (Almeida & Falcão, 2013; Aquino, Vasconcelos, & Braga, 2014,
Kovacs; Vaiciunas & Alves, 2014; Machado et al., 2016; Santos & Hormanez, 2013).
Outrossim, as representações sociais em relação a morte mudaram no séc. XX e a denotaram
como um processo de negação, no qual, evitavam essa conjectura através da forma de recusa e
por ser indesejável, compreendida como morte interdita. Nesse momento, a visão de naturalidade
se perde, assim os rituais fúnebres já não eram mais públicos e foram transferidos do ambiente
familiar e pessoal para o hospitalar. Somado à revolução tecnológica, que permitiu avanços na área
da saúde relacionada à prevenção e à reabilitação de doenças, a morte passa a ser combatida, na
busca do prolongamento da vida, mesmo que com medidas invasivas que promovem sofrimento
dos pacientes e familiares, remetendo a finitude ao fracasso da ciência. Desse modo, a morte não
é mais assistida, se tornou um evento privado, se resumindo ao leito hospitalar impossibilitando
as despedidas, havendo um controle sob os sentimentos que envolvem o processo (Kovacs et al.,
2014; Machado et al., 2016; Santos & Hormanez, 2013).
Hoje, paralelamente, com a realidade do cenário urbano, se manifesta ainda a morte
escancarada que faz alusão à invasão da morte privada no que concerne à violência urbana. Desse
modo, essas mortes violentas retratam como características a exposição e vulnerabilidade das
vítimas, além de invocar sentimentos de falta de controle e imprevisibilidade sobre a questão
(Kovacs et al., 2014).

1354  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Essa variedade de concepções sobre a morte em diferentes (ou nas mesmas) culturas
e espaços temporais, de acordo com Aquino et al. (2014), podem ser compreendidas em oito
dimensões: 1) a dimensão dor e solidão, que se fundamenta na morte associada à negatividade; 2)
a dimensão vida, que se refere à morte um aspecto positivo, como continuidade e não um fim; 3)
a dimensão indiferença, que se refere ao desinteresse do indivíduo diante da morte; 4) a dimensão
desconhecida, que alude a morte como um elemento incerto, desconhecido e misterioso; 5) a
dimensão abandono, que direciona a morte ao abandono de entes queridos e culpabilização; 6) a
dimensão coragem, onde a morte elucida e promove a expressão das virtudes e o último teste da
vida; 7) a dimensão fracasso, a partir da qual a morte impossibilita a execução da competência
individual da pessoa; e, por último, 8) a dimensão fim natural, que remete à morte como um
elemento que faz parte do ciclo natural da vida.
Além dessas dimensões da morte, verifica-se também as diferentes reações de aceitação da
morte, caracterizadas por três dimensões: 1) a aceitação neutra, que contempla a morte como
um fim irremediável; 2) a aceitação religiosa, que reconhece a morte como uma transição para
uma vida melhor; e 3) a aceitação de escape, que pontua a morte como uma possibilidade de
cessar o sofrimento da vida (Aquino et al., 2014; Simões, 2014; Souza et al., 2017).
Para além das dimensões supracitadas, Kubler – Ross (2008) descreve cinco estágios de
luto sendo eles: a negação e o isolamento, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. A
negação aparece como a não aceitação da atual situação, quando se nega diretamente a morte,
ou faz discursos de aceitação da morte com comportamentos de evitação e negação. A raiva
ocorre quando em meio a crise do luto, gerando o rompimento, o choque de duas ideias (a vida
é desejável e a morte é inevitável), junto com uma forte carga emocional. A barganha, terceiro
estágio apresentado, é compreendida como uma forma de negociação, fantasiando formas
de reverter ou fugir da morte, geralmente por meio de promessas. A depressão aparece como
quarto estágio, onde se deixa de fantasiar realidades paralelas, se voltando ao presente com uma
profunda sensação de vazio. Por fim, com a diminuição da dor, ocorre o estágio de aceitação da
morte, quando ocorre a reorganização das próprias ideias.
Interessante destacar que as dimensões de compreensão sobre a morte, de aceitação da morte
e estágios de luto sobre a morte são condicionadas a alguns determinantes individuais (além dos
culturais e sociais), como a relação/proximidade que a pessoa tem com o morto e a fase da vida em
que ocorreu a morte (infância, adolescência, fase adulta ou velhice). Ou seja, a morte de alguém
próximo é mais dolorosa que de alguém distante. Igualmente, a morte na infância e adolescência
traz um maior sofrimento, visto que essas fases estão relacionadas à ideia de projetos e/ou planos
ainda a serem conquistados, evidenciando a morte como algo imprevisível. Por outro lado, esse
pensamento é diferente na velhice, manifestado como algo previsível e esperado (Santos, 2014).
Conforme o modo em que a morte ocorre em decorrência de mortes repentinas, inesperadas
ou mortes violentas, apresenta-se como um dos fatores de risco para o luto complicado, por
exemplo. Desta forma, reflete-se a necessidade de abordar sobre o luto advindo de um suicídio,
um ato que acompanha a humanidade desde o início dos tempos e declarado como um problema
de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em que vem aumentando a cada
ano atingindo especialmente os jovens. Neste cenário, o suicídio é algo inesperado e ainda
estigmatizado. A família nesse contexto, por muitas vezes, esconde a forma da morte por medo de
julgamentos. Assim, a partir deste isolamento, o luto advindo do suicídio poderá desencadear um
luto complicado/patológico (Santos, 2014).
O luto complicado ou patológico pode advir de algumas condições, como por exemplo,
o luto adiado em que as pessoas não vivenciam o luto, negando a perda, de forma que vivem
como se nada tivesse ocorrido; o luto suspenso, comum em casos de pessoas desaparecidas na
medida em que há sempre uma esperança que a pessoa retorne; luto não autorizado, no qual a

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1355


NO ONTEXTO BRASILEIRO
perda acaba por não ser socialmente reconhecida como dolorosa ou aceitável, como na morte
de animais, aborto, natimorto etc; luto crônico, a pessoa encontra-se aprisionada ao luto, não
conseguindo dar prosseguimento a sua vida sem a outra pessoa que faleceu; luto parental, que
está associado ao luto dos pais pela morte dos seus filhos e luto traumático advindo de mortes
repentinas, como por exemplo, por assassinato (Santos, 2014).
A partir dessas reflexões, observa-se que a discussão sobre a morte ao longo do tempo
vem trabalhando questões das mais diversas, objetivando promover uma melhor compreensão
e manejo sobre os sentimentos que perpassam esse momento (Machado et al., 2016). Entre as
estratégias de enfrentamento, destacam-se a religiosidade, dando sentido ao morrer e minimizando
o sofrimento e o medo, e o apoio das redes sociais (família e amigos), ao confortar e dar a sensação
de segurança e apoio (Aquino et al., 2014).
Isto posto, reforça-se a importância de conhecer a atitude dos indivíduos sobre a morte. A
atitude, teoria da Psicologia Social, se caracteriza como uma ação que está associada ao campo
psicológico que reage diante de pessoas ou objetos, através da opinião ou ação. Importante
ressaltar que uma atitude não é um comportamento, ela apresenta sentimento direcionado a algo
ou alguém. Atitude pode ser definida como “uma organização de crença, relativamente duradoura,
em torno de um objeto ou situação que predispõe que se responda de alguma forma preferencial”
(Rokeach, 1981, p.91). Fundamenta-se em quatro atividades do homem, sendo elas: pensar,
sentir, comportar-se e interagir com os outros, de modo que a atitude de um indivíduo, ou grupo,
sobre algo pode criar uma expectativa, não determinar, como ele reagirá sobre esse fato. Ou seja,
ao compreender a atitude das pessoas sobre a morte, pode-se saber o que esperar delas sobre
como reagirão diante do tema. Tal acesso às atitudes dos indivíduos é possível na medida que são
variáveis intervenientes, ou seja, apesar de não serem observáveis, são diretamente inferíveis. Dá-
se por meio da comunicação ou demonstração do próprio indivíduo (Lucian & Dornelas, 2015).
Dentro dessa perspectiva, observa-se que homem convive com a morte a todo instante e
de maneira próxima, de forma direta, por meio da morte de alguém próximo, ou indireta, por
meio do envelhecimento ou do adoecimento que gera reflexão sobre a possibilidade de morte
(Taverna & Souza, 2014). E, a partir desse contato com a morte, forma atitudes sobre ela. Atitude
que depende de fatores históricos, sociais e individuais, bem como das experiências anteriores
no contato com a morte do outro. Um processo que vai se transformando ao longo do tempo e
história, interligado às características socioculturais.
As atitudes perante a morte se manifestam de forma positiva, que retrata a aceitação da
morte, ou negativa, que representa o evitamento e medo (Simões, 2014; Souza et al., 2017).
Inclusive, a Tanatologia é a ciência que busca estudar a morte e o morrer, o ser humano e sua
totalidade ao lidar com esse fenômeno. Ainda, facilitará na compreensão sobre esse processo e
trabalhará nas estratégias de enfrentamento com as questões da finitude (Farber, 2013). Mediante
o exposto, o presente estudo objetivou investigar a atitude da população brasileira sobre a morte.

Método

Trata-se de uma pesquisa exploratória, de levantamento, de cunho quantitativo. Contou-


se com uma amostra não probabilística composta por 432 participantes. Entre os dados
sociodemográficos, observou-se que os participantes possuem em média 29,61 (DP = 10,49)
anos, variando entre 18 e 72 anos. A maioria dos participantes é mulher (f = 334; 77,30%), com
ensino superior completo (f = 219; 50,70%) e incompleto (f = 182; 42,10%), de diferentes cursos
de todas as áreas do conhecimento, sem vínculo religioso (f = 150; 64,70%) ou católico (f = 139;
32,20%) e já vivenciou a morte de alguém próximo (f = 377; 87,30%).

1356  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Utilizou-se um questionário sociodemográfico para caracterizar a amostra por gênero,
idade, escolaridade, região do país onde reside, religião e vivência de morte de alguém próximo.
Foi usada ainda a escala de “Perfil de Atitudes Perante a Morte” – Death Attitude Profile Revised
- DAP-R (Wong, Reker e Guesser, 1994). É constituído por 32 itens, com respostas do tipo Likert
de 1 a 7 (“discordo muitíssimo” à “concordo muitíssimo”), distribuídos em cinco dimensões: 1)
Medo da Morte (itens 1, 2, 7, 18, 20, 21 e 32), 2) Evitamento da Morte (itens 3,10, 12, 19 e 26), 3)
Aceitação Neutra (itens 6, 14, 17, 24 e 30), 4) Aceitação Religiosa (itens 4, 8, 13, 15, 16, 22, 25, 27,
28 e 31) e 5) Aceitação de Escape (itens 5, 9, 11, 23 e 29), com alfa de Cronbach entre 0,65 e 0,97.
Considerando-se os aspectos éticos referentes a pesquisas envolvendo seres humanos,
o presente estudo foi submetido à Comissão de Ética em Pesquisa, aprovado com parecer Nº
1.310.495 de 05/09/2015. O instrumento foi disponibilizado na internet, por meio de uma página
específica e de domínio privado, divulgado por meio de redes sociais on-line e respeitados os
aspectos éticos exigidos pela Resolução nº466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
As análises de dados foram realizadas com auxílio do pacote estatístico SPSS (Statistical
Package for Social Science) for Windows versão 22, dividida em quatro etapas. Primeiro foi traçado o
perfil da amostra, por meio de estatística descritiva. Em seguida, foi realizada a análise descritiva
das dimensões do instrumento verificando a média da pontuação de cada fator e realizando
a interpretação da pontuação a partir da comparação com os resultados indicados pelos
autores Wong et al. (1994) e Andrade (2007), respectivamente com uma população geral e com
profissionais de saúde - “Medo da morte” (3.03 e 4,32), “Evitamento da morte” (2.91 e 4,08),
“Aceitação neutra” (5.57 e 5,41), “Aceitação religiosa” (4.95 e 3,78) e “Aceitação de escape”
(4.45 e 3,37). Por fim, foram realizadas comparações das pontuações das dimensões em função
dos dados sociodemográficos: sexo, idade, escolaridade, curso e religião.

Resultados

Os resultados da escala de “Perfil de Atitudes Perante a Morte” será apresentado em dois


blocos: o medo e evitamento da morte (fatores 1 e 2) e tipos de aceitação da morte (fatores 3, 4
e 5).
O medo da morte obteve pontuação 3,81 (DP = 1,47), com valores superiores ao da
população em geral (M = 3.03) (Wong et al., 1994), e valores inferiores aos profissionais de saúde
(M = 4,32) (Andrade, 2007).
O evitamento da morte apresentou pontuação 3,38 (DP = 1,53), novamente valores
superiores ao da população em geral (M = 2,91) (Wong et al., 1994) e inferiores aos profissionais
de saúde (M = 4,08) (Andrade, 2007).
Sobre a aceitação da morte, os resultados avaliaram os índices dos três tipos de aceitação:
aceitação neutra (pontuação mais alta), religiosa e de escape (pontuação mais baixa).
A aceitação neutra foi o tipo de aceitação que apresentou maior pontuação (M = 5,65; DP
= 0,77), com valores superiores aos apresentados na literatura em pesquisas com a população em
geral (M = 5.57) (Wong et al., 1994) e com profissionais de saúde (M = 5,41) (Andrade, 2007).
A aceitação religiosa apresentou uma média 4,13 (DP = 1,33), com valores inferiores aos da
população em geral (M = 4,95) (Wong et al., 1994) e superiores que os profissionais de saúde (M
= 3,78) (Andrade, 2007). Por fim, a aceitação de escape foi o tipo de aceitação que apresentou
menor pontuação (M = 3,96; DP = 1,49), com valores inferiores aos apresentados na literatura
em pesquisas com a população em geral (M = 4,45) (Wong et al., 1994) e superiores aos de
profissionais de saúde (M = 3,37) (Andrade, 2007).
É possível verificar ainda que os índices de atitudes perante a morte apresentaram diferenças
percebidas pelas comparações realizadas a partir de algumas variáveis sociodemográficas (sexo

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1357


NO ONTEXTO BRASILEIRO
e vivência de morte). Para tanto, destaca-se que todos os fatores se apresentaram não normais
a partir do teste de Shapiro-Wilk: fator 1 (W = 0,98; p < 0,01), fator 2 (W = 0,09; p < 0,01), fator
3 (W = 0,11; p < 0,01), fator 4 (W = 0,09; p < 0,01) e fator 5 (W = 0,06; p < 0,01). Portanto, foi
utilizado o teste não paramétrico Mann-Whitney.
Verificaram-se diferenças estatisticamente significativas nas comparações das pontuações
por sexo nos fatores “Medo da morte” (U = 12370,00, p < 0,05), “Aceitação religiosa” (U =
12536,50, p < 0,05) e “Aceitação de escape” (U = 13538,50, p < 0,05), no qual as mulheres
apresentaram maiores índices que os homens: medo de morte [mulheres (M = 3,93; DP = 1,49);
homens (M = 3,37; DP = 1,33)]; aceitação religiosa [mulheres (M = 4,25; DP = 1,30); homens (M
= 3,74; DP = 1,50)]; e aceitação de escape [mulheres (M = 4,04; DP = 1,48); homens (M = 3,66;
DP = 1,49)].
Verificaram-se diferenças estatisticamente significativas nas comparações das pontuações
entre pessoas que já vivenciaram (ou não) a morte nos fatores “Medo da morte” (U = 8161,00, p <
0,05) e “Aceitação religiosa” (U = 8280,50, p < 0,05). No fator “Medo da morte”, os participantes
que nunca vivenciaram a morte apresentaram maiores pontuações (M = 4,18; DP = 1,53) que
os participantes que já vivenciaram a morte de alguém próximo (M = 3,75; DP = 1,45). No
fator “Aceitação religiosa”, os participantes que já vivenciaram a morte apresentaram maiores
pontuações (M = 4,18; DP = 1,37) que os participantes que nunca vivenciaram a morte de alguém
próximo (M = 3,81; DP = 1,31).

Discussão

A literatura mostra que algumas pessoas possuem medo da morte e, em determinado nível,
apresentam inclusive evitamento da morte. Ou seja, evitam todo e qualquer pensamento ou
contato com o tema da morte, a tornando um tema interdito, como um mecanismo de defesa
psicológico para evitar que o conteúdo chegue à consciência, que se configura como negação da
morte (Kubler - Ross, 2008; Machado et al., 2016; Souza et al., 2017).
Tais resultados mostraram que os participantes da presente pesquisa apresentaram mais
medo de morrer que a população em geral, porém menos medo de morrer que os profissionais
de saúde. O medo da morte pode ser reforçado por diversos motivos e de modos distintos, em
diferentes fases da vida e consoante o grau de exposição à morte. Tal quadro remete a concepção
da morte do indivíduo como uma construção pelas experiências socioculturais, no qual se
transforma, com novos fenômenos, em significado pessoal da vida e morte (Kovacs et al., 2014;
Machado et al., 2016; Santos & Hormanez, 2013).
Ademais, observa-se que os participantes apresentaram alto índice de evitamento da morte
(maior que a população em geral), porém inferior ao de profissionais de saúde. Com base nos
resultados, nota-se que os participantes da pesquisa se utilizam do evitamento da morte, que se
configura como um modo de lidar com o conteúdo da finitude. Assim, relevamos que o sentido
dado ao processo de morrer, mesmo sofrendo influências socioculturais como já foi supracitado,
é pessoal. Conforme Kovacs et al. (2014), Machado et al. (2016) e Santos & Hormanez (2013)
a negação da morte acontece pela recusa, desnaturalização e medo. Com isso, fazendo uma
correlação, o evitamento dos participantes foi maior que os resultados dos profissionais de saúde,
porque há a possibilidade daqueles não terem tanto contato com a temática quanto os estes.
Na avaliação dos índices de aceitação da morte, os resultados da aceitação neutra
caracterizam, em geral, que há uma aceitação de que a morte faz parte da vida. Ou seja, a
concepção da morte na aceitação neutra descreve como um evento irremediável, inerente,
constituinte e natural à vida (Aquino et al., 2014; Simões, 2014; Souza et al., 2017). Sendo assim,
os participantes concebem a morte como um acontecimento natural do fim da vida.

1358  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A aceitação da morte evidencia a crença de felicidade para uma vida depois da morte
(Aquino et al., 2014; Simões, 2014; Souza et al., 2017) e destaca que essa crença se associa
espiritualidade e religiosidade do indivíduo em questão (Wong et al., 1994). Como a população
pesquisada possui ensino superior incompleto ou completo, ainda que sejam de diferentes áreas
do conhecimento, sugere-se que a variabilidade da espiritualidade (mesmo que na maioria sem
religiosidade) dos participantes da presente pesquisa pode ter contribuído para os índices de
aceitação religiosa inferior ao da população, porém mais presente que em profissionais de saúde.
Ou seja, na pesquisa, 64,70% dos participantes não têm vínculo religioso, corroborando que a
média apresentada é inferior à população geral e está diretamente relacionada com a crença da
espiritualidade.
Na aceitação de escape com menor pontuação que os demais índices, os resultados aludem
que, em geral, os participantes não percebem a vida como sinônimo de sofrimento ou dor, logo
que esse tipo de aceitação demonstra uma alternativa para dissipá-los e ainda, considerada como
a atitude positiva frente à morte, fundamentada na vida ser sentida como má (Wong et al., 1994).
A partir das análises entre os dados do sexo e fatores “Medo da morte”, “Aceitação religiosa”
e “Aceitação de escape” observa-se que as mulheres possuem maior medo da morte, e utilizam a
aceitação religiosa (baseada na crença em uma continuidade feliz da vida, para além da morte)
e aceitação de escape (baseada numa atitude positiva face à morte, devido ao fato da vida ser
sentida como má) para lidar com tal fato.
Desse modo, nota-se que as mulheres possuem atitudes frente à morte com perspectiva
negativa como o medo e evitamento da morte, porém ao mesmo tempo, apresentam atitudes
frente à morte com perspectiva positiva no que concerne à aceitação religiosa e aceitação de
escape. Isso significa que não aceitam como um acontecimento natural da vida e se utilizam de
outras maneiras para enfrentar o medo diante da morte como a religiosidade (Aquino et al.,
2014).
Também, a correlação entre pessoas que já vivenciaram (ou não) a morte nos fatores “Medo
da morte” e “Aceitação religiosa” demonstrou que as pessoas que nunca vivenciaram a morte
possuem mais medo dela e os que já vivenciaram a morte possuem uma maior aceitação a partir
da crença religiosa que os demais. Taverna & Souza (2014) relatam que pessoas que experienciaram
a morte mostram uma maior reflexão e, subsequentemente, um conhecimento sobre a temática.
Aquino et al. (2014) falam que a religiosidade é um aspecto que possibilita o entendimento
do processo de finitude, além de minimizar o medo e o sofrimento. Assim, entende-se que os
participantes que se dispõem das experiências anteriores de morte e religiosidade enfrentam
melhor o processo de finitude.

Conclusão

Diante do que foi exposto, neste estudo foi proposto investigar a atitude da população
brasileira sobre a morte. Nota-se que a pesquisa expressa resultados importantes sobre o
conteúdo morte, em que os participantes apresentaram uma média maior do medo de morrer que
a população em geral, porém uma média menor que os profissionais de saúde. Ainda, demonstra
um alto índice de evitamento da morte comparado à população em geral.
Os resultados da aceitação neutra se mostraram elevadas, porém inferiores na aceitação
religiosa e aceitação de escape comparando com as médias da população em geral. Por outro
lado, as médias mais elevadas medo da morte foram apresentadas pelos participantes do sexo
feminino, que se utilizam da aceitação religiosa e aceitação de escape para lidar com tal fato.
Ainda, os participantes que nunca vivenciaram a morte apresentam uma média maior de medo,
logo, os participantes que já vivenciaram a morte possuem uma média menor e assim, uma maior

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1359


NO ONTEXTO BRASILEIRO
aceitação a partir da crença religiosa.
Nessa perspectiva, observa-se a necessidade da discussão e reflexão sobre a finitude e todos
os aspectos social, psicológico, cultural, histórico e orgânico nos diversos ambientes. Também,
sugere-se uma pesquisa qualitativa que investigue as nuances por detrás desses medos, assim
podendo elucidar esses dados quantitativos, além de averiguar a influência sociocultural do
sentido da morte.
Por fim, esse estudo possibilita a compreensão da morte e suas atitudes perante a mesma,
no quesito medo e evitamento da morte e tipos de aceitação da morte. Além de fazer um
importantíssimo paralelo com a população em geral e profissionais de saúde. Ainda, mostra
a subjetividade e construção sociohistórica como influência para o desenvolvimento dessas
estratégias de enfrentamento da morte.

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1361


NO ONTEXTO BRASILEIRO
RESILIÊNCIA E QUALIDADE DE VIDA:
UM ESTUDO CORRELACIONAL EM JOVENS
E ADOLESCENTES
Camila Maria de Oliveira Ramos
Marina Braga Teófilo
Icaro Moreira Costa
Cynthia de Freitas Melo

Introdução

O
conceito de resiliência é complexo, mas pode ser definido como a capacidade de
uma pessoa ou grupo passar por uma situação adversa, conseguir superá-la, por
meio de adaptação ou controle, e sair dela fortalecido (Grotberg, 1995; Juliano
& Yunes, 2014; Roque, 2013; Rozemberg, Avanci, Schenker, & Pires, 2014). Trata-se de uma
característica dinâmica, que relaciona reciprocamente os recursos individuais, a história de vida e
o ambiente no processo de adaptação e recomeço diante das adversidades. Ou seja, a experiência
da resiliência pode variar no decorrer da trajetória de vida do sujeito, ponderando que cada fase
do desenvolvimento humano apresenta suas características e particularidades. Desta forma,
a resiliência não é um escudo protetor permanente, mas sim algo pontual, de modo que cada
acontecimento despertará diferentes reações de resiliência. Por isso, fala-se em estar resiliente, e
não em ser resiliente (Miguel, 2012).
Em decorrência disso, em diferentes momentos os indivíduos podem se apresentar
vulneráveis à uma determinada situação e resilientes à outra, dependendo de como ele interage
com o ambiente, ressaltando-se os fatores de risco e de proteção existentes. Nesse contexto,
a resiliência é perpassada por um dinamismo que admite na construção do seu conceito três
diferentes níveis os quais podem ser avaliados: o suporte social, as habilidades individuais e a
força interna (Conzatti & Mosmann, 2015).
A partir da interação entre esses fatores, em que é considerado o modo de vida dos sujeitos,
questiona-se sobre o impacto da classificação de uma qualidade de vida na capacidade de
uma pessoa tornar-se mais ou menos resiliente, uma vez que essa define-se a partir de como
o indivíduo percebe sua posição na vida, contextualizado com a cultura e com seu sistema de
valores, assim como em relação aos seus objetivos, expectativas e padrões (Miguel, 2012; Sutter
& King, 2012). Ademais, a qualidade de vida abrange uma compreensão multidimensional, em
que é ressaltada a necessidade de inserir no seu entendimento os aspectos físicos, as interações
sociais, o comportamento afetivo e emocional, e a saúde mental, fatores que variam a partir da
capacidade atual de resiliência (Lira, Avelar & Bueno, 2015; Roque, 2013). São, portanto, dois
construtos tratados na literatura isoladamente, mas que caminham paralelamente, ou mesmo
interlaçados.
A qualidade de vida não exige um padrão, já que é um conceito variável para cada pessoa,

1362  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
e que se apropria da corresponsabilidade pela sua reabilitação física, social, psíquica e espiritual.
Percepção semelhante pode ser feita quanto à resiliência, em que não se apresenta como uma
característica do indivíduo, mas se remonta à capacidade de encontrar um modo de enfrentar
as situações adversas, mobilizando recursos individuais e de sua rede social, que podem, mesmo
minimamente, perpassarem por aspectos da sua qualidade de vida (Haack, Vasconcellos, Pinheiro,
& Prati, 2012; Miguel, 2012; Roque 2013).
Ao tratar da relação da díade resiliência e qualidade de vida em jovens e adolescentes, é
necessário contemplar que esse grupo, assim como os adultos, apresenta necessidades de
preservação da saúde, que podem variar de acordo com a interação entre os âmbitos biológico,
psicológico e social, e que são impactados positiva e negativamente pelo ambiente onde estão
inseridos. A exemplo, eles podem vivenciar situação de pobreza, perdas de pessoas importantes,
rede de apoio social e afetiva fragilizada, ou rupturas na estrutura familiar, que podem comprometer
seu desenvolvimento biopsicossocial saudável (Baraldi et al., 2015; Campos, Borges, Lucas, Vargas
& Ferreira, 2014).
Além disso, a literatura evidencia que as realidades próprias dessa faixa etária destacam
que os cuidados voltados à saúde precisam ser mais eficientes, abrangentes e criativos, uma vez
que a privação de possibilidades e expectativas positivas para enfrentar problemas e desafios
podem indicar um agravante na garantia de qualidade de vida, prejudicando o fortalecimento
dos processos de resiliência (Libório, Castro, Ferro, & Souza, 2015).
Uma pesquisa acerca da promoção da resiliência em adolescentes de 12 a 15 anos do Vale
do Paranhana, no Rio Grande do Sul (RS), apontam que o desenvolvimento biopsicossocial
relevante está associado a fatores resilientes, porém foi percebido que características pessoais
podem inviabilizar ou proporcionar o acesso a programas de prevenção à vulnerabilidade social
(Haack et al., 2012). Com foco sobre os jovens, uma pesquisa realizada em Brasília com estudantes
de 18 a 25 anos mostrou que esse grupo pode apresentar fragilidades físicas e emocionais,
caracterizadas por sentimentos negativos e de insatisfação relacionada ao sono, energia para dia-
a-dia e oportunidade de lazer (Baraldi et al., 2015).
Perante a existência de indícios na literatura de que a qualidade de vida pode impactar
na capacidade do indivíduo de desenvolver uma maior ou menor resiliência à determinada
circunstância, a presente pesquisa objetiva verificar em que medida a capacidade de resiliência
se relaciona com o nível de qualidade de vida em jovens e adolescentes da população brasileira.
Pretende-se, desta forma, contribuir para uma melhor compreensão no desenvolvimento saudável
dessa população.

Método

Tipo de estudo
Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratória, gerado a partir de um levantamento via
internet em todo o Brasil.

Amostra de participantes
Contou-se com uma amostra não probabilística por conveniência composta por 5.884 jovens
brasileiros - adolescentes (14-17 anos) e jovens adultos (18-24 anos). A maioria dos participantes
é mulher (f = 3.941; 67%), solteira (f = 4.941; 84%), branca (f = 2.459; 41,80%), católica (f = 1.764;
30%), com ensino superior incompleto (f = 3.151; 53,60%), e não trabalha (f = 2.825; 48 (ver
Tabela 1).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1363


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Tabela 1 - Dados sociodemográficos da amostra
SEXO
Homem Mulher
f = 1943; 33,00% f = 3941; 67,00%
ESTADO CIVIL
Solteiro Casado União estável Outros
f = 4941; 84,00% f = 147; 2,50% f = 312; 5,30% f = 484; 8,20%
ETNIA
Branca Negra Parda Outros
f = 2459; 41,80% f = 609; 10,40% f = 2446; 41,60% f = 370; 6,30%
RELIGIÃO
Católicos Agnóstico Cristão protestante Outras
f = 1764; 30,00% f = 1278; 21,70% f = 1291; 21,90% f = 1551; 26,40%
ESCOLARIDADE
Ensino médio Ensino superior in. Ensino superior
Pós-graduação
completo Incompleto completo
f = 2030; 34,50% f = 3151; 53,60% f = 450; 7,60% f = 114; 1,90%
TRABALHO

Empregado Desempregado Profissional autônomo Outros

f = 1396; 23,70% f = 2825; 48,00% f = 378; 6,40% f = 1285; 21,80%

Instrumento
Para a mensuração da qualidade de vida, foi utilizada a versão abreviada, em português,
do WHOQOL-bref (Fleck et al., 2000), que possui 26 itens, com escala de resposta Likert que
varia de 1 a 5. As duas primeiras questões são referentes à autopercepção da qualidade de vida
(WHOQOL-1) e à satisfação com a saúde (WHOQOL-2). Os 24 itens restantes apresentam-se
distribuídos em quatro domínios: físico (7 itens), psicológico (6 itens), relações sociais (3 itens) e
meio ambiente (8 itens).
Para avaliar a resiliência, foi utilizada a versão brasileira (Pesce et al., 2005) da Escala
de Resiliência desenvolvida por Wagnild e Young (1993), que é considerado um dos poucos
instrumentos usados para medir níveis de adaptação psicossocial positiva perante eventos
importantes da vida. A escala dispõe de 25 itens descritos de forma positiva com resposta
tipo Likert que varia de 1 a 7, em que os escores oscilam de 25 a 175 pontos, com valores altos
indicando elevada resiliência. É composta por três fatores:
•  Fator 1 - Resolução de ações e valores (14 itens). Indicam resoluções de ações (levar
os planos até o fim; lidar com problemas de alguma forma; aceitar os fatos sem muita
preocupação; ser disciplinado; fazer as coisas um dia de cada vez; ser uma pessoa com quem
se pode contar em uma emergência; geralmente encarar uma situação de diversas maneiras;
normalmente encontrar uma saída quando está em uma situação difícil; ter energia suficiente
para fazer o que deve ser feito) e valores (sentir orgulho de ter realizado metas em sua vida;
ser amigo de si mesmo; frequentemente encontro motivos para rir; perceber sentido em
sua vida e levar em conta o apoio dos valores que dão sentido à vida, como a amizade, a
realização pessoal, a satisfação e o significado da vida;
•  Fator 2 - Independência e determinação (06 itens). Transmitem manutenção de interesse
pelas coisas, poder estar por sua própria conta, sentir-se bem ainda que haja pessoas que
não gostam dele e ser determinado;
•  Fator 3 - Autoconfiança e capacidade de adaptação às situações (05 itens). Transmitem
capacidades como ser capaz de depender de si mais do que de qualquer outra pessoa, sentir

1364  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
que pode lidar com várias situações ao mesmo tempo, pode enfrentar tempos difíceis porque
já experimentou dificuldades antes, crer em si mesmo a ponto de sentir-se apto a atravessar
tempos difíceis, não insistir em situações sobre as quais não pode fazer nada.

Procedimentos
A pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza,
sob parecer Nº 1.356.319, tendo por base os aspectos éticos relativos às pesquisas envolvendo
seres humanos. Posteriormente, o instrumento foi disponibilizado na internet juntamente com o
Termo de Consentimento Livre Esclarecido – TCLE, através de uma página específica e de domínio
privado. Houve a divulgação mediante a publicação em redes sociais, reportagens televisionadas,
revistas e portais digitais de grupos de interesse e de interesse em geral. Vale ressaltar que foram
respeitados os aspectos éticos exigidos pela Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Análise dos Dados


As análises de dados foram efetuadas por meio do pacote estatístico SPSS (Statistical Package
for Social Science) for Windows versão 22, separadas em quatro etapas. Primeiramente, foi verificado
o perfil da amostra, através da estatística descritiva. Na segunda etapa foram analisados os índices
de qualidade de vida: dos itens WHOQOL-1 e WHOQOL-2 (resultados que variam de 1 a 5) e de
cada um dos quatro domínios (resultado que variam de 0 a 100). Posteriormente, esses foram
interpretados em quartis: 0 a 24 - muito insatisfeito; 25 a 49 - insatisfeito; 50 a 74 - satisfeitos; e
75 a 100 - muito satisfeitos.
Na terceira etapa foram analisados os resultados da escala de resiliência: foram efetuados
os somatórios das pontuações da escala total de resiliência (resultados que variam de 26 a 182)
e de cada fator da escala (resultados que variam de 14 a 98 – fator 1; 6 a 42 – fator 2; e 5 a 35 –
fator 3). Para interpretação, considera-se que não se pode medir a resiliência, mas sim verificar a
tendência de um sujeito ser mais ou menos resiliente e investigar o seu potencial para resiliência
(Poletto, Wagner, & Koller, 2004) e, portanto, observou-se a quantidade de sujeitos que ficam na
média de pontuação e os que ficaram abaixo da média. Por fim, na quarta etapa, consistiu nas
análises de correlação entre o índice geral de resiliência e os índices de qualidade de vida.

Resultados

São apresentados nesta seção os resultados encontrados na pontuação dos dois primeiros
itens da escala de qualidade de vida e dos domínios anteriormente descritos: Domínio físico,
Domínio psicológico, Relações sociais e o Meio ambiente. Em seguida serão apresentados os
resultados na pontuação total de resiliência e nos fatores anteriormente descritos: Fator 1 -
Resolução de ações e valores; Fator 2 - Independência e determinação e Fator 3 - Autoconfiança
e capacidade de adaptação às situações. Por fim, serão apresentadas as comparações dos
participantes entre esses dois índices.

Índices de Qualidade de Vida


A autopercepção da qualidade de vida (WHOQOL-1) dos participantes obteve média 3,51
(DP = 0,89); e a satisfação com a saúde (WHOQOL-2) obteve média 3,15 (DP = 1,05). Revela-
se, desta forma, que os jovens brasileiros investigados possuem uma “boa” avaliação sobre sua
qualidade de vida e satisfação com a saúde.
O Domínio Físico apresentou média 61,69 (DP = 17,36), indicando que os jovens brasileiros
estão “satisfeitos” com sua condição física. O Domínio Psicológico apresentou média 50,97 (DP =
19,54), classificado como “satisfeitos”. O Domínio Relações Sociais apresentou média 54,29 (DP

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1365


NO ONTEXTO BRASILEIRO
= 19,90), compreendido como “satisfeitos”. O Domínio Meio Ambiente apresentou média 50,62
(DP = 16,84), classificado como “satisfeitos”.

Índices de Resiliência
A pontuação de Resiliência Total dos jovens apresentou uma média de 119,20 (DP = 23,46).
Observou-se que 2.783 (47,30%) jovens apresentaram pontuação abaixo da média e 3.101
(52,70%) apresentaram-se acima da média.
O Fator 1 - Resolução de ações e valores – apresentou uma média de 67,78 (DP = 14,63).
Observou-se que 2.661 (45,20%) jovens foram apontados abaixo da média e 3.223 (54,80%)
foram verificados acima desta.
O Fator 2 – Independência e determinação, a média apresentada foi 25,57 (DP = 5,88).
Constatou-se que 2.820 (47,90%) sujeitos estão abaixo da média e 3.064 (52,10%) apresentam-se
acima.
O Fator 3 - Autoconfiança e capacidade de adaptação às situações, obteve pontuação 24,03
(DP = 5,49). Observou-se que 2.962 (50,30%) sujeitos apresentam-se abaixo da média e 2.922
(49,70%), encontram-se acima da média.

A relação entre Qualidade de Vida e Resiliência


Por intermédio do coeficiente de correlação de Pearson constatou-se correlação positiva,
moderada e significativa entre Resiliência Total e a Questão 1 (como você avaliaria sua qualidade
de vida?) (r = 0,381; p < 0,01), assim como entre o índice de Resiliência total e a Questão 2
(quão satisfeito(a) você está com sua saúde?), em que obteve uma correlação também positiva,
moderada e significativa (r = 0,318; p < 0,01). Compreende-se, então, que quanto maior o índice
de resiliência total, maiores serão os índices de autopercepção acerca da qualidade de vida e de
satisfação com a saúde (Tabela 2).

Tabela 2 - Correlações entre resiliência total e qualidade de vida

R.T Q1 Q2 D.F D.P D.R.S D.M.A

Correlação de Pearson 1 ,381** ,318** ,528** ,685** ,438** ,332**


R.T Sig. (bilateral) ,000 ,000 ,000 ,000 ,000 ,000
N 5884 5884 5884 5884 5884 5884 5884
**. A correlação é significativa no nível 0,01 (bilateral).

RT= Resiliência Total; Q1= Questão 1; Q2= Questão 2; D.F= Domínio Físico; D.P= Domínio
Psicológico; D.R.S= Domínio Relações Sociais; D.M.A= Domínio Meio Ambiental.
Em relação às demais correlações realizadas, averiguou-se correlação positiva, moderada
e significativa entre Resiliência Total e Domínio Físico, (r = 0,528; p < 0,01), correlação positiva,
moderada e significativa entre Resiliência Total e Domínio Psicológico (r = 0,685; p < 0,01),
correlação positiva, moderada e significativa entre Resiliência Total e Domínio Relações Sociais
(r = 0,438; p < 0,01), assim como correlação positiva, moderada e significativa entre Resiliência
Total e Domínio Meio Ambiental (r = 0,332; p < 0,01). Tais resultados apontam que quanto maior
o índice de resiliência, maiores serão os índices de qualidade de vida supracitados (Tabela 2).

1366  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Discussão

Nos Índices de Qualidade de Vida apontam uma boa avaliação sobre sua qualidade de vida e
satisfação com a saúde dos jovens brasileiros. Assim, a qualidade de vida descreve a compreensão
de um sujeito diante do seu papel na vida, seu próprio espaço pessoal e coletivo, juntamente com
fatores associados ao planejamento de vida e que contribuem nesse processo. (Miguel, 2012; Sutter
& King, 2012). Sendo assim, constata-se que os jovens brasileiros apresentam um posicionamento
positivo a frente de seu lugar e atuação sobre sua própria qualidade de vida e saúde.
Outrossim, a qualidade de vida sinaliza a importância de considerar, de maneira integral,
os diversos aspectos existentes na composição de vida do indivíduo, sendo físicos, sociais,
comportamentais, emocionais e psicológicos. Tais fatores podem influenciar no processo de
composição da QV (Lira, Avelar, & Bueno, 2015; Roque, 2013).
Compreende-se que os jovens brasileiros participantes da amostra demonstram uma postura
de satisfação perante a todos os domínios, que evidenciam conteúdos como dor e desconforto,
atividades da vida cotidiana, sentimentos positivos, espiritualidade/religião/crenças pessoais,
relações pessoais, suporte (apoio) social, segurança física e proteção e ambiente no lar, dentre
outros. Assim resultando diretamente na satisfação da sua qualidade de vida, ratificado pelos
estudos de Libório et al. (2015).
Contudo, vale ressaltar que apesar da maioria ser identificado como satisfeito nos domínios
psicológicos, das relações sociais e do meio ambiente, percebe-se uma significativa aproximação
desses valores ao que se considera “insatisfeito”. Nesse sentido, ainda relacionando aos estudos
de Libório et al. (2015) pondera-se que a promoção de espaços públicos saudáveis, que podem
fomentar a construção de vínculos e relações sociais, aliado ao desenvolvimento de cuidados
que refletem no bem-estar psíquico dos sujeitos, são fundamentais para a obtenção de uma boa
qualidade de vida, uma vez que na realidade brasileira muitos jovens não possuem acesso à essa
forma de convívio dentro da comunidade a qual pertence.

Índices de Resiliência

A resiliência é a forma de uma pessoa ou grupo de se comportar na presença de algum um


problema, em que resulta na superação do mesmo (Grotberg, 1995; Juliano & Yunes, 2014; Roque,
2013; Rozemberg, et al., 2014). Além disso, relevam características individuais, as experiências
pessoais e coletivas e o ambiente que influenciam no funcionamento do sujeito na situação
adversa (Miguel, 2012). Por conseguinte, os resultados da resiliência total foram uma pontuação
abaixo da média e acima da média, isso corrobora que os sujeitos têm formas diferentes de reagir
diante das adversidades, não sendo um comportamento padrão.
Ademais, pode-se perceber que assim como nos índices de qualidade de vida em que
apesar da maioria mostrar-se satisfeita com determinado domínio é expressivo a porcentagem
de indivíduos que se apresentam insatisfeitos. Tal fato reflete-se na percepção dessa população
diante da resiliência total. Esse fenômeno pode ser melhor compreendido na pesquisa de Campos
et al. (2014) quando afirma que os jovens considerados satisfeitos com a sua vida são mais
favoráveis a pensar numa perspectiva positiva em relação à sua saúde e, consequentemente obter
mais habilidades para lidas com as diversas situações de vida.
O Fator 1 se trata de um sujeito operante, enérgico e racional no ciclo que o contorna, no
qual, age de forma a solucionar qualquer problema, além de conhecer a si mesmo e valorizar
suas relações interpessoais. Desse modo, nota-se que a maioria dos participantes lidam com
os problemas de forma eficiente e ativa, buscando meios decisivos para resolução dos mesmos,
além de ter um apoio social presente, mesmo considerando um ambiente desfavorável para seu
desenvolvimento, assim como encontrado nos estudos de Haack et al. (2012).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1367


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O Fator 2 infere-se que os jovens se apresentam como capazes de dar continuidade ao interesse
pelas coisas, que conseguem solucionar conflitos de forma individual e que são perseverantes.
Esses aspectos são fundamentais para considerar um bom índice de resiliência, uma vez que
mesmo reconhecendo a necessidade de se ter uma boa rede de apoio para o desenvolvimento
saudável de um jovem ou adolescente, considera-se também essencial a capacidade de transpor
dificuldades de maneira auto dependente, assim como relatado na pesquisa de Rozemberg et al.
(2014).
Tal dado do Fator 3 revela-se como notável já que a maioria se apresenta abaixo da média.
Assim, pode-se constatar que a amostra não se considera suficiente para solucionar alguns
problemas, não consegue suportar diversas situações adversas ao mesmo tempo e não se percebe
ser capaz de enfrentar desafios.
Contudo, questiona-se os aspectos envolvidos nessa amostra de jovens para que apenas no
fator 3 seja apontado um índice abaixo da média, apesar de ser constatado pouca diferença entre
os valores. Esse resultado pode evidenciar o fato da resiliência ser bastante considerada a partir
do momento de vida do indivíduo, como algo pontuar e não permanente, consequentemente
se caracterizando como algo dinâmico e que pertence ao conjunto de variáveis existentes no
cotidiano desses jovens, como apresentado na pesquisa de Conzatti e Mosmann (2015).

A relação entre Qualidade de Vida e Resiliência

O movimento entre a resiliência e qualidade de vida se dá de forma conjunta. Então, se há


a promoção de saúde e qualidade de vida, isso refletirá no reforçamento dos mecanismos que
sustentam a resiliência (Libório et al., 2015). De acordo com os resultados da pesquisa, é possível
inferir que à medida em que o jovem ou adolescente se percebe como tendo uma boa qualidade
de vida, refletirá também positivamente na sua capacidade de enfretamento de situações de
adversidade. Além disso, esse dado influência de forma proporcional no aumento da compreensão
dos jovens sobre a sua qualidade de vida e saúde, como relatado em Rozemberg et al. (2014) em
sua pesquisa.
Posto isto, ressalta-se a importância de se atentar a influência das dimensões biológica,
social, psicológica e ambiental no vínculo entre a qualidade de vida e resiliência dos jovens. Uma
vez que é necessário que a perspectiva sobre esse processo seja referenciado de forma transversal
pelas dimensões supracitadas, já que o sujeito deve ser visto integralmente (Baraldi et al., 2015;
Campos, Borges, Lucas, Vargas, & Ferreira, 2014). Sendo assim, observa-se nos resultados, que
a correlação positiva, moderada e significativa entre a Resiliência Total e os domínios físico,
psicológico, relações sociais e meio ambiental corrobora a concepção que a resiliência possui
uma conexão intrínseca com essas dimensões.

Conclusão

Neste estudo, foi proposto verificar em que medida a capacidade de resiliência se relaciona
com o nível de qualidade de vida em jovens e adolescentes da população brasileira. Partindo-se
do pressuposto que a resiliência é um conceito complexo, mas que pode ser definido como a
capacidade de uma pessoa ou grupo passar por uma situação adversa, conseguir superá-la, por
meio de adaptação ou controle, e sair dela fortalecido, foi possível verificar, a partir da Escala de
Resiliência desenvolvida por Wagnild e Young (1993), em que âmbito determinada característica
do sujeito está relacionada à sua maior ou menor tendência a ser resiliente, baseado nos fatores
de resiliência total e fatores 1, 2 e 3.

1368  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Além disso, para constatar o nível de satisfação com a qualidade de vida, foi possível utilizar-
se da escala WHOQOL-bref (Fleck et al., 2000) para concluir que a amostra referida se apresenta
satisfeita com a autopercepção da qualidade de vida (WHOQOL-1) e com a satisfação com a
saúde (WHOQOL-2). Ademais, os sujeitos da amostra também se percebem satisfeitos quanto aos
domínios psicológicos, das relações sociais, físicos e do meio ambiente que abrangem o conceito
de qualidade de vida. Contudo, tais valores se mostraram próximos aos níveis de insatisfação
considerando a maioria da população estudada.
Constatou-se que a maioria da amostra se apresenta acima da média em relação à análise
da Resiliência Total, assim como mostra-se acima da média nos fatores 1 e 2 de resiliência. Apesar
disso, quando verificado o fator 3, jovens e adolescentes manifestam-se abaixo da média, refletido
o mesmo fato ocorrido na análise da qualidade de vida. Ou seja, apesar da maioria ser identificada
como acima da média, há uma parcela significativa de sujeitos que se encontram abaixo dela.
Também se destaca que os resultados da amostra apontaram para quanto maior o índice
de resiliência total, maiores serão os índices de autopercepção acerca da qualidade de vida e de
satisfação com a saúde. Assim como, quanto maior o índice de resiliência, maiores serão os índices
de qualidade de vida dos referidos domínios. Esse resultado corrobora com os outros índices que
remontam para a influência da qualidade de vida sobre a resiliência e vice-versa.
Pode-se ponderar como aspecto limitante deste estudo o fato de ter sido pontual, não
sendo permitido fazer uma pesquisa a longo prazo, de forma longitudinal. Não obstante, por se
considerar que o nível de resiliência pode alterar ao longo do tempo, devido a fatores individuais
e ambientais, assim como a percepção sob a qualidade de vida e de saúde, é recomendado que
novos estudos sejam avaliados, bem como novas pesquisas apontem para outras correlações,
com o propósito de investigar possíveis mudanças e resultados referente à população brasileira de
jovens e adolescentes.
Portanto, os resultados deste estudo poderão contribuir para uma melhor compreensão
acerca da influência da resiliência sobre a qualidade vida em jovens e adolescentes, a fim de
fomentar novas estratégias de assistência no trabalho em saúde, assim como proporcionar ao
ensino e à pesquisa a possibilidade de construção de novas concepções sobre o tema e uma maior
consolidação acerca da importância em se tornar resiliente a partir de uma boa percepção sobre
a qualidade de vida.

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1370  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
RELATÓRIO DE ESTÁGIO BÁSICO I: DELEGACIA DE
ATENDIMENTO ESPECIALIZADO A MULHER
Lucas Pereira dos Santos
Andreia de Medeiros Cunha
Lorrayne Fernandes Galdino de Souza
Igor Eduardo de Lima Bezerra
Maria Wanessa Barbosa dos Santos

Introdução

O
estágio diz respeito ao ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no
ambiente de trabalho, visando à preparação para o trabalho produtivo de
graduandos que frequentem o ensino regular, o qual objetiva o aprendizado de
competências próprias da atividade profissional e a contextualização curricular, buscando
o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho (Ministério da Justiça,
2008). Nesse contexto, tem-se a proposta de estágios básicos, que segundo o Regulamento de
Estágios Curriculares do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Piauí – UFPI, Campus
Ministro Reis Veloso – CMRV (Ministério da Educação, 2010) consiste em uma das etapas de
formação básica, cujo objetivo central é integrar, através de planos de ação e intervenções numa
dada realidade social, conhecimentos e habilidades básicas desenvolvidas na dinâmica curricular
do Curso de Psicologia.
O estágio básico ocorre em três semestres letivos: 2º, 4º e 6º, respectivamente estágios
básicos I, II e III. Sua operacionalização comporta: componente orientação (em sala de aula, com
1 hora semanal) e componente prática (no local, com 3 horas semanais) totalizando 60 horas ao
final de um semestre letivo. Este relatório foi elaborado por alunos que se encontram no segundo
período do curso de Psicologia da UFPI– CMRV, portanto no estágio básico I, sendo proposta
uma aproximação com o campo de conhecimento e atuação profissional da psicologia, utilizando
recursos metodológicos como a observação sistemática, conversas informais com profissionais e
diários de campo (Ministério da Educação, 2010).
Escolheu-se, para a realização desse estágio básico I, a Delegacia Especializada em
Atendimento à Mulher (DEAM) na cidade de Parnaíba, Piauí. Esta instituição faz parte do
complexo de Delegacias Evaldo Dias de Farias que foi fundado em Agosto de 2015, tendo como
órgão mantenedor a Secretaria Estadual de Segurança do Governo do Estado do Piauí, atendendo
toda a planície litorânea (composta por 14 municípios no entorno da cidade de Parnaíba). Tal
local foi selecionado tendo em vista a grande demanda organizacional que a instituição apresenta,
além das situações de vulnerabilidade das vítimas que requerem o serviço.
Segundo a Portaria No.008-GDG/NA 2017, esta Delegacia é responsável pela apuração das
infrações penais envolvendo: (a) violência contra mulher baseada em gênero; (b) crimes em que
crianças e adolescente forem vítimas; (c) crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente;
(d) crimes de feminicídio (Secretaria Estadual de Segurança do Piauí, 2017).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1371


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O referido estágio ocorreu em cinco visitas técnicas, sempre às terças-feiras, entre os dias
19/09 e 17/10 de 2017, no horário de 09:00h às 12:00h. Considerando a realização do estágio
e as demandas levantadas, elaborou-se um plano de intervenção baseado nos princípios da
Psicologia Organizacional e em literatura pertinente, a fim de contribuir com a eficiência do
trabalho desenvolvido na instituição em questão. Para isso, estabeleceu-se um cronograma de
atividades propostas, com o intuito de efetivamente sugerir mudanças e melhorias no ambiente
organizacional.

Método

Contou-se com uma amostra de 07 (sete) funcionários, sendo 01 (um) Delegado Regional, 01
(uma) Escrivã de Polícia (Chefe de cartório), 03 (três) Agentes de Polícia Civil (duas do sexo feminino
e um do sexo masculino), 01 (uma) Técnica de Apoio Policial, 01 (uma) Assistente de Serviços II; e 02
(duas) Estagiárias. Eventualmente contava-se com um número variável de depoentes (testemunhas,
vítimas e agressores), acompanhantes de depoentes, funcionários de outras delegacias (agentes,
delegados, etc.), advogados, vendedores ambulantes, entre outras pessoas.
O instrumento pelo qual se realizou essa pesquisa foi a observação sistemática. Segundo Gil
(2009), esse tipo de observação é frequentemente utilizado em pesquisas que têm como objetivo
a descrição precisa dos fenômenos e para isso elabora-se previamente um plano de observação.
Nesse plano são definidas categorias que orientam a coleta, análise e interpretação dos dados
(atos, atividade, significados, participação, relacionamentos, situações).
O estágio foi realizado através de cinco visitas técnicas, nas seguintes datas: 19/09/17;
26/09/17; 03/10/17; 10/10/17; 17/10/17. O horário de início era às 09:00h e o término às 12:00h.
Os estagiários se distribuíram entre os espaços físicos da Delegacia (recepção, cartório, gabinete
do Delegado), revezando entre duas duplas e observações individuais.

Resultados e Discussão
Humanização no Ambiente de Trabalho

Para Maslow (2011) humanizar significa respeitar o trabalhador e o usuário enquanto


pessoa, enquanto ser humano, valorizando-o em razão da dignidade que lhe é intrínseca. Essa
dignidade jamais deve ser negligenciada ou colocada em segundo plano, e, portanto, a prática da
humanização deve ser observada ininterruptamente. No entanto, o que se observa na DEAM de
Parnaíba é que depoimentos são colhidos em ambiente inapropriado (Cartório) em meio a grande
movimentação de pessoas, onde há conversas paralelas, brincadeiras fora de hora, atrapalhando
as tomadas de depoimentos e constrangendo testemunhas.
O fato é que, os depoimentos deveriam ocorrer no gabinete da Delegada, com a presença
da mesma, da Escrivã e das testemunhas. Como a Delegada encontrava-se afastada, e o Delegado
interino ocupava-se sobremaneira com as atribuições da Delegacia Regional, na maior parte
das vezes, a Escrivã necessitava colher depoimentos na ausência do Delegado. Por questões de
segurança, ela preferia fazer essa tomada junto aos demais funcionários do Cartório, tendo em
vista que em situações de maior risco ela estaria amparada pelos demais agentes.
Ainda no tocante a humanização no ambiente de trabalho, evidencia-se que na DEAM
de Parnaíba, este atributo mostra-se falho com relação a alguns aspectos tais como: falta de
disponibilização de salas específicas para assistência jurídica e psicológica, além de não ocorrer
a presença periódica dos funcionários da DEAM em reuniões dos serviços de encaminhamento
(CRAS, CREAS, SAVID, etc.). Estes fatos estão em desacordo com a Norma Técnica de Padronização
das DEAMs (2010), que estabelece a existência de um ambiente próprio para prestação de apoio

1372  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
jurídico e psicológico nas DEAM’s. Além disso a ocorrência de reuniões entre os serviços seria
bastante necessária levando em consideração o pensamento de Maslow (2000), segundo o qual,
o relacionamento interpessoal (necessidade social), conforme o fator higiênico, segundo a teoria
herzbergiana – deve se pautar pelo diálogo, sem o qual a relação entre os indivíduos resvala para
conflitos vários.

Estrutura Física

No que tange a estrutura física, nota-se que a DEAM de Parnaíba, encontra-se em um local
improvisado onde antes funcionava uma escola, sendo as salas de tamanho reduzido, espaço
limitado e com distribuição inadequada, estando em desacordo com várias recomendações
da Norma Técnica de Padronização das DEAM’s. Chama atenção a ausência de ambientes
que separem agressor e vítima na sala de espera. Para solucionar esta questão algumas vezes
são marcados depoimentos de agressores e vítimas em datas diferentes. No entanto, em dias
de audiência, muitas vezes, ambos permanecem lado a lado, ocorrendo situações de ameaças e
discussões veladas, de agressores em relação às vítimas, que foram presenciadas durante o estágio.
A DEAM de Parnaíba conta com uma área de espera externa, sem conforto, sem painel de
informações, sem sistema de senhas, sem funcionário para dar esclarecimentos. Conta também
com uma brinquedoteca, o que revela especial atenção em relação ao público infantil, sendo
um ponto positivo encontrado na precária estrutura física. O Cartório é pequeno e conta com
6 mesas e cadeiras onde se acomodam 2 Estagiárias, 1 Assistente de Serviços, 2 Agentes de
Polícia e, às vezes, 1 Escrivã. A Técnica de Apoio Policial, que supostamente seria responsável pela
brinquedoteca e por organizar a demanda, não tem um espaço físico definido no Cartório, assim
como um dos Agentes de Polícia.
Apesar do espaço reduzido, observa-se uma razoável organização e limpeza do ambiente.
A iluminação e temperatura também parecem adequados. Por outro lado, os móveis são antigos
e pouco confortáveis. Dejours (1994) afirma que as condições de trabalho prejudicam a saúde
do corpo do trabalhador, enquanto a organização do trabalho atua no nível do funcionamento
psíquico. Nesse sentido, na DEAM de Parnaíba é notório observar que as condições de trabalho
podem acabar desencadeando fatores negativos em relação à saúde física dos trabalhadores.
Entretanto, o que mais chama atenção se refere à organização do trabalho no sentido de: acúmulo
de pessoas, o barulho e a sobrecarga de demandas, podendo ocasionar estresse nos funcionários
e nos usuários.

Postura Profissional, Capacitação e Formação Continuada

Contrário ao que foi observado na DEAM de Parnaíba, a Norma Técnica de Atendimento


Especializado à Mulher (2010) recomenda uma orientação específica aos profissionais da
instituição. Tal orientação visa proporcionar conhecimentos humanísticos relativos a direitos
humanos, ética, cidadania e violência de gênero e de raça; aliados, principalmente, a um
direcionamento teórico a Lei Maria da Penha. A organização curricular deve promover a visão
sistêmica e o aprimoramento do trabalho em equipe, com fim de qualificar os funcionários e,
dessa forma, proporcionar a melhora crescente e sustentável da qualidade do atendimento e do
acolhimento aos usuários das DEAM.
No entanto, o que se constata na DEAM de Parnaíba são desvios na postura profissional
(tais como emissão de juízos de valor), muito provavelmente devido à ausência de capacitação
e treinamento continuados orientados especificamente para o atendimento das demandas em
questão. Questionados sobre o conhecimento da Norma Técnica de Padronização das DEAM’s

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1373


NO ONTEXTO BRASILEIRO
formulada pelo Ministério da Justiça e atualizada em 2010, alguns funcionários afirmaram não
ter conhecimento a respeito de tal documento. Da mesma forma que mencionaram, não possuir
nenhum tipo de formação específica voltada para conhecimentos humanísticos relativos a direitos
humanos, ética, cidadania e violência de gênero e de raça; a não ser alguns treinamentos acerca
da Lei Maria da Penha.

Desvio de Função

Devido a existência de muitas demandas na DEAM de Parnaíba, funcionárias que prestaram


concurso para determinadas áreas desempenham atividades laborais não correspondentes ao seu
real trabalho. Tais comportamentos, contrariam o pensamento de Andrade (2011) que constatou
em seus estudos que o desvio de função só poderá ocorrer de forma remunerada ou em situações
de emergência. Caso não ocorra dessa maneira implicará no descumprimento da legalidade.
Além disso, essa prática, após uma exposição prolongada, gera no empregado uma grande
sobrecarga, stress e desânimo. Muitas vezes, na prática, isso se reflete no tratamento indevido
oferecido às vítimas e usuários dos serviços da DEAM. Portanto, faz-se extremamente necessário
o desenvolvimento real das atividades a cargo de seus respectivos responsáveis.
A DEAM de Parnaíba é responsável pela apuração das infrações penais envolvendo, além dos
casos de violência contra mulher baseada em gênero; crimes em que crianças e adolescentes forem
vítimas; crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente; crime de feminicídio e crimes
contra Idosas (Secretaria Estadual de Segurança do Piauí, 2017). Todos esses que acontecem na
Planície Litorânea, região que corresponde a 14 municípios do entorno da cidade de Parnaíba-PI.

Carga Horária

Em relação à carga horária, nota-se um déficit bastante grande, pois na DEAM de Parnaíba,
a Delegada e os Policiais trabalham em uma carga horária de 40 horas semanais, os Funcionários
Administrativos trabalham 30 horas semanais e os Estagiários 20 horas semanais. Contudo,
devido à grande demanda de denúncias, esta é insuficiente.
A exemplo, casos ocorridos no sábado e no domingo só são atendidos na segunda-feira,
unindo-se às demandas deste dia, acumulando e desencadeando estresse nos funcionários
e usuários do serviço. Entretanto, segundo a Norma Técnica de Padronização da DEAM, o
atendimento qualificado deve ser ofertado de forma ininterrupta, nas 24 horas diárias, inclusive
aos sábados, domingos e feriados, em especial nas unidades que são únicas no município, como
é o caso da DEAM parnaibana.

Plano de Atuação

Objetivo Geral: Assegurar o contato dos acadêmicos com situações e contextos da Delegacia
Especializada de Atendimento à Mulher de Parnaíba, permitindo que o acesso a conhecimentos
práticos e habilidades capacitem os estudantes a desenvolverem atividades baseadas em condutas
éticas e profissionais de acordo com Psicologia Organizacional e do Trabalho.
Objetivos Específicos: propor atividades e ações voltadas para a melhoria do processo de
humanização no ambiente de trabalho; sugerir práticas direcionadas a melhores condições na
estrutura física do local em que funciona a organização; implementar medidas de aprimoramento
da postura profissional no exercício da atividade laboral; incentivar mudanças e propor alternativas
para os desvios de funções que ocorrem frequentemente entre os cargos desempenhados na
organização; levantar a possibilidade de estender o horário de funcionamento da DEAM.

1374  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Cronograma de Atividades Propostas para a Organização

Tabela 01
Cronograma de atividades
Atividades NOV DEZ JAN
Reuniões semanais sobre a Norma Técnica X X
Palestra sobre ética, postura profissional e POT X
Rodas de conversa sobre competências X X X
Reuniões com serviços de apoio X X X
Criação de painel informativo X
Preparação de inventário X X
Encaminhamento de inventário às instâncias competentes. X

Considerações Finais

O trabalho desenvolvido pelos profissionais que atuam na DEAM de Parnaíba-PI é


atuante e apresentam eficácia dentro das limitações que são inúmeras. Eles se propõem a cobrir
funções que não lhe são pertinentes para cumprir as obrigações necessárias. Trabalham sob
condições estruturais inadequadas, em ambiente improvisado e em desacordo com a normativa
correspondente. Apesar das condições adversas, muitos casos são solucionados e encaminhados
às instâncias competentes.
Por outro lado, este estudo mostrou que o perfil organizacional da instituição em análise
é permeado de problemas no que se refere à humanização no ambiente de trabalho; postura
inadequada, falta de capacitação e formação continuadas; bem como em relação à reduzida
carga horária. O total desconhecimento da Norma Técnica de Padronização das DEAM’s por
parte da equipe, dificulta a busca por melhorias. Tendo em vista a elaboração de um plano de
atuação e implementação de um cronograma de atividades, partiu-se do princípio de que a
normativa precisa ser estudada, analisada e pensada de que maneira pode ser viabilizada. As
propostas deste relatório foram lançadas no intuito de oferecer alternativas frente às dificuldades
que se estabelecem diante do funcionamento organizacional.

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549-582.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1377


NO ONTEXTO BRASILEIRO
PERSONALIDADE COMO PREDITOR DO SEXTING:
REVISÃO SISTEMÁTICA
Anne Caroline Gomes Moura
Emerson Diógenes de Medeiros
Sandra Elisa de Assis Freire
Fauston Negreiros

Introdução

N
a última década, os avanços tecnológicos ocasionaram em mudanças consideráveis
na dinâmica de comunicação, gerando um novo espaço para a ciber-socialização
utilizado tanto por adultos quanto por adolescentes em suas relações sociais.
Esta nova modalidade de comunicação virtual se dá através de telefones celulares, aplicativos de
mensagens instantâneas (e.g., WhatsApp, entre outros) e redes sociais (como Facebook, Instagram,
Twitter ou Badoo). Estes avanços levaram ao surgimento de fenômenos novos, a exemplo o sexting
e, consequentemente, o interesse científico nessas novas realidades aumentou (Rodríguez-Castro,
Alonso-Ruido, Fernández, Fernández, & Fernández, 2017).
O termo sexting foi criado no século XXI nos Estado Unidos, deriva do inglês e resulta da
união de duas palavras sex (sexo) e texting (envio de mensagens), é definido como a troca de
mensagens de textos, fotos ou vídeos sexualmente sugestivos e/ou provocantes por intermédio de
smartphone, internet ou redes sociais (Chalfen, 2009). Esse conceito faz menção a uma prática
sociocultural, que se constitui no compartilhamento pela internet de fotos, vídeos e mensagens
escritas com teor erótico/sensual/sexual, por intermédio de algumas tecnologias digitais (e.g.,
smartphones, celulares, e-mails, sites de redes sociais, webcams, entre outras), com pessoas
próximas e conhecidos/as (como namorados/as, “ficantes”, “paqueras”, amigos/as) ou para
desconhecidos/as (Chalfen, 2009).
O sexting tem sido divido em categorias, de acordo com o assunto descrito nas imagens
que inclui o “sexting primário” que é o compartilhamento dos próprios sexts, enquanto “sexting
secundário” é o compartilhamento de sexts que retratam alguém; e conforme os objetivos por trás
dos comportamentos de sexting, que inclui o “sexting experimental” que é o compartilhamento sem
intenção de prejudicar alguém e o “sexting agravado” implica na intenção de prejudicar alguém
(Calvert, 2013; Wolak, Finkelhor, & Mitchell, 2012).
Nesse sentido, podem ser consideradas expressões de sexting agravado (Bianchi, Morelli,
Baiocco & Chirumbolo, 2016) o “compartilhamento de sexts não permitidos” referindo-se ao
compartilhamento e encaminhamento de sexts retratando outra pessoa sem sua permissão
(Morelli, Bianchi, Baiocco, Pezzuti, & Chirumbolo, 2016) e o “sexting indesejável, mas consensual” que
acontece quando alguém envia um sext em resposta a pressão do parceiro, fenômeno relatado
por cerca de 50% dos jovens adultos (Tobin & Drouin, 2013). Ambos são sexting não permitido e
indesejado, mas consensuais, expressando comportamento agressivo, que podem ocorrer entre
parceiros de namoro ou ex-parceiros (Morelli, Bianchi, Baiocco, Pezzuti e Chirumbolo, 2016).

1378  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
O sexting está se tornando algo corriqueiro (Walrave et al., 2015), que além de estar se
tornando algo comum, há evidência de estar associado danos e riscos psicológicos, físicos e
sociais (Henderson & Morgan, 2011; Houck et al., 2014).
De acordo Delevi e Weisskirch (2013) certos traços de personalidade podem aumentar a
probabilidade de praticar o sexting. Conforme Rebollo e Harris (2006) a palavra personalidade
refere-se a padrões de atitudes e comportamentos que são característicos de um determinado
indivíduo, de forma que os traços de personalidade se diferem de uma pessoa para outra, sendo
relativamente constantes e estáveis em cada pessoa.
O modelo dos Cinco Grandes Fatores da Personalidade ganhou espaço nos estudos sobre
a personalidade, principalmente por apresentar uma base empírica sólida, emergindo com
diferentes medidas e métodos de extração dos fatores (Monteiro, 2014) e também por ser um
dos modelos mais empregados para descrever a estrutura da personalidade dentro da teoria dos
traços, principalmente da personalidade adulta do ponto de vista psicométrico, considerado uma
teoria explicativa e preditiva da personalidade humana e de suas relações com a conduta (Garcia,
2006).
Os cinco fatores de personalidade são representados originalmente pelas iniciais OCEAN
(Openness to experience, Conscientiousness, Extraversion, Agreeableness e Neuroticism), ainda que traduções
sejam verificadas um pouco diferentes na literatura, no presente estudo a seguinte classificação é
adotada (Binet-Martínez & John, 1998):

1- Abertura à mudança (Openness to experience). É denominada também como cultura, imaginação


ou intelecto. Pontuações altas neste fator são obtidas por indivíduos curiosos, imaginativos
e criativos, que se divertem com novas ideias e valores não convencionais. Por outro lado,
pontuações baixas são indícios de indivíduos que tendem a ser convencionais em suas atitudes
e crenças, menos responsivos emocionalmente e conservadores em suas preferências.
2- Conscienciosidade (Conscientiousness). Comumente, esta dimensão também tem sido
nomeada como falta de impulsividade ou vontade. Pontuação alta nela indica comportamentos
que evidenciam o sentido de organização, persistência, controle e motivação para alcançar
objetivos altruísticos. Por outro lado, aquelas baixas revelam pessoas que tendem a não ter
objetivos claros, não serem confiáveis e serem preguiçosas, negligentes e hedonistas.
3- Extroversão (Extraversion). Esta dimensão também é denominada de expansão, onde
pontuações altas indicam pessoas sociáveis, ativas, falantes, otimistas e afetuosas.
Contrariamente, pontuações baixas revelam pessoas que tendem a ser reservadas, sóbrias,
indiferentes, independentes e quietas.
4- Amabilidade (Agreeableness). Frequentemente nomeada como agradabilidade ou sociabilidade,
esta dimensão descrevendo, por um lado, pessoas que tendem a ser generosas, bondosas,
afáveis, prestativas e altruísticas, e, por outro, aquelas que são cínicas, não cooperativas e
irritáveis, podendo chegar a ser manipuladoras, vingativas e implacáveis.
5- Neuroticismo (Neuroticism). Esta dimensão é também conhecida como instabilidade emocional.
Indivíduos com pontuações altas neste fator são propensos a sofrimentos psicológicos,
podendo apresentar ideias irreais, baixa tolerância à frustração e respostas de coping
(enfrentamento) não adaptativas, enquanto que aqueles mais equilibrados emocionalmente
apresentam pontuações baixas em tal fator.

Considerando a importância da personalidade como preditor do sexting, objetivou


neste estudo realizar uma revisão sistemática de artigos científicos em âmbito nacional e
internacional que verificassem a relação entre os dois construtos, afim de observar como
se configura o panorama de estudos sobre a temática. Foram consultadas quatorze bases

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1379


NO ONTEXTO BRASILEIRO
de dados: ERIC, Gale, JSTOR, PSyINFO, PubMed/MedLine, SAGE, Science Direct, SCOPUS, Web
of Science, BVS, LILACS, PePSI, SciELO e Periódico CAPES No período de 2013 à Julho de
2017. Foram encontrados 368 artigos, sendo considerados 3 artigos. Foi observado que a
quantidade de estudos realizados relacionando os traços da personalidade como preditor do
sexting é ainda é pouco expressiva.

Método

Trata-se de uma revisão sistemática da literatura dos artigos científicos sobre a personalidade
como preditor do sexting. Para garantir a qualidade a presente revisão foi realizada de acordo com
as diretrizes sugeridas por Koller, Couto e Hohendorff (2014).
Deste modo, elaborou-se o seguinte plano de trabalho: 1) delimitação da questão a ser
pesquisada; 2) escolha das fontes de dados; 3) eleição das palavras-chaves para busca; 4) busca
e armazenamento dos resultados; 5) seleção de artigos pelo resumo, de acordo com o critério de
inclusão e exclusão; 6) extração dos dados dos artigos selecionados; 7) avaliação dos artigos e 8)
síntese e interpretação dos dados.
A pesquisa foi realizada em quatorze bases de dados: ERIC, Gale, JSTOR, PSyINFO, PubMed/
MedLine, SAGE, Science Direct, SCOPUS, Web of Science, BVS, LILACS, PePSI, SciELO e Periódico
CAPES. Os descritores em inglês e português foram: 1) Sexting AND Personalidade 2) Sexting
AND Personality 3) Sexting; Personality 4) Sexting; Personalidade.
Os critérios de inclusão empregados foram: artigos científicos publicados entre o ano de
2013 até 05 de Julho de 2017, nos idiomas Inglês e Português, cujos objetivos e resultados se
referissem a personalidade, especificamente os traços da personalidade como preditores do
sexting. Os critérios de exclusão se referiram a pesquisas que não correlacionasse as variáveis, teses
e dissertações.

Resultados

A busca nas bases de dados resultou no total de 368 artigos, nas seguintes bases de dados:
SciELO (n = 0), Pepsic (n = 0), BVC (n = 2), Lilacs (n = 0), Scopus (n = 0), Science Direct (n = 106),
Sage (n = 0), Pubmed (n = 08), PsycINFO (n = 0), JSTOR (n = 21), Gale (n = 0), ERIC (n = 0),
Periódicos CAPES (n = 231).
A partir dos critérios de inclusão e exclusão foram encontrados 368 artigos, sendo que três
corresponderam aos critérios de inclusão, dois localizados no Periódicos Capes e um no PubMed.
A seleção inicial destes artigos ocorreu através de seus títulos e resumos, sendo excluídos, neste
processo artigos que não apresentaram estudos correlacionando os traços da personalidade e
sexting. Foram analisados uma amostra total de três artigos, destes dois foram encontrados no
Periódico capes e um no PubMed, como pode ser visto na Figura 1.

1380  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Figura 1. Fluxograma do levantamento em bases de dados

368 artigos
Busca realizada nas bases de dados

Scielo (n = 0), Pepsic (n = 0), BVC (n = 2), Lilacs (n = 0), Scopus


(n = 0), Science Direct (n = 106), Sage (n = 0), Pubmed (n = 08),
PsycINFO (n = 0), JSTOR (n = 21), Gale (n = 0), ERIC (n = 0),
Periódicos capes (n = 231).

363 artigos
Excluídos conforme os critérios de exclusão

3 artigos
Analisados e incluidos

Periódicos capes (n = 02) e Pubmed (n = 01)

Observou-se nos artigos analisados, que um foi publicado no ano de 2013 nos Estados
Unidos Figura 1. Fluxograma
e os demais artigosdo
nolevantamento
ano de 2017emnabases de dados
Espanha e Nigéria, e que estes são de cunho
quantitativo, como apresentado na Tabela 1.
Observou-se nos artigos analisados, que um foi publicado no ano de 2013
Tabela 1. Caracterização dos estudos
nos Estados Unidos e os demais artigos no ano de 2017 na Espanha e Nigéria, e que
estes são de cunho quantitativo, como apresentado na Tabela 1.
Id Título do Estudo Ano País Delineamento
Personality factors as predictors 2013 Estados Quantitativo
1.
of sexting Unidos
Id Título
Sexting do Estudo
among Spanish 2017Ano País
Espanha Delineamento Quantitativo
2. adolescents:
Prevalence and personality profiles
1. Personality factors as predictors 2013 Estados Quantitativo
of sexting
Sexting: Prevalence, Predictors, 2017 Unidos
Nigéria Quantitativo
and Associated Sexual Risk
3. Behaviors
2. Sexting among
among Spanish 2017 Espanha Quantitativo
Postsecondary School Young
adolescents:
People in Ibadan, Nigeria
Prevalence and personality profiles

Discussão

A partir dos resultados encontrados, foi observado que a quantidade de estudos realizados
relacionando os traços da personalidade como preditor do sexting é ainda é pouco expressiva.
Um artigo foi publicado no ano de 2013 e após três anos, até Julho de 2017 foram publicados
2 artigos, publicados em diferentes países, a saber Estados Unidos, Espanha e Nigéria, observou-
se ainda que os estudos sobre personalidade e sexting são de cunho quantitativo.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1381


NO ONTEXTO BRASILEIRO
A partir dos estudos encontrados, foi apontado que os traços de personalidade que
apresentaram maior correlação com o sexting foram Extroversão, Conscienciosidade e Neuroticismo
indicando a probabilidade do comportamento de sexting, já a abertura a experiência não apresentou
relação significativa com o sexting (Gámez-Guadix, Santisteban & Resett, 2017). No estudo realizado
por Delevi e Weisskirch (2013) os traços da personalidade Extroversão e Neuroticismo predizem o
comportamento de sexting e por fim no estudo realizado por Olatunde e Balogun (2017) apontou
que o traço da personalidade Extroversão apresentou correlação com o sexting.

Conclusão

Este estudo teve como objetivo revisar a literatura cientifica sobre a personalidade como
preditor do sexting. De um modo geral, este estudo possibilitou uma observação do panorama das
últimas pesquisas sobre personalidade relacionado com o sexting. Observou-se que a produção
científica em que há correlação entre sexting e personalidade ainda é escassa.
Uma sugestão para futuros estudos seria a realização de uma análise de estudos somente
sobre o sexting, para que houvesse uma visão geral e mais abrangente sobre o a temática no geral
e observar os estudos em contexto nacional como internacional.

Referências

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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1383


NO ONTEXTO BRASILEIRO
APONTAMENTOS PARA UMA NOVA LEITURA DA ATUAL
REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA
Cristofthe Jonath Fernandes
Pedro Renan Santos de Oliveira
Aluísio Ferreira de Lima

Introdução

O
marco legal da Reforma Psiquiátrica brasileira, a Lei n. 10.216, conta com dezessete
anos desde sua homologação, no ano de 2001. Assim como outras cidades do
país, Fortaleza cria seus primeiros serviços de atenção à saúde mental com ênfase
em relações comunitárias, antes deste marco legal. O primeiro Centro de Atenção Psicossocial
de Fortaleza data do ano de 1998. Desde então, ocorre um aumento significativo dos serviços
substitutivos aos hospitais psiquiátricos na cidade. A redução do número de hospitais psiquiátricos,
o aumento da criação de serviços substitutivos, o aumento de contratação de profissionais nestes
serviços, a regulamentação do trabalho da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e o aumento
orçamentário para os serviços são dados verificados na cidade de Fortaleza, no período que
se estende de 2007 à 2016, conforme estudo realizado por Fernandes (2016), e que refletem o
cenário de âmbito nacional.
A atenção à saúde mental tornou-se tema de suma importância e emergente
internacionalmente, neste último ano de 2017, devido a Organização Mundial de Saúde (OMS)
apresentar que a depressão é a doença responsável pela maior perda de produtividade no mundo
(OMS, 2017), resultando na produção de campanhas de sensibilização internacional sobre o
adoecimento mental. O adoecimento mental passa ter neste momento uma visibilidade até então
não alcançada, situação que se distingue significativamente às décadas de 1960 a 1980, período
no qual se fazia necessária a sensibilização para uma nova forma de cuidado com as pessoas
em sofrimento mental. Atualmente o Brasil é signatário de diversos acordos internacionais que
indicam a importância da vinculação da saúde mental com a atenção básica, indicando o cuidado
em comunitário, caminhando no sentido de inserção do sujeito em sofrimento mental na vida
social, mitigando o estigma desse tipo de adoecimento.
Assim, a pauta da reforma psiquiátrica de transformação da assistência à saúde mental
tem sido efetivada, seja no âmbito micro político de Fortaleza, seja no âmbito macro político
dos acordos internacionais. Todavia, entre o vasto grupo de estudos que tomam como objeto a
reforma há um consenso: a reforma psiquiátrica não está consolidada.
O cenário atual, então, nos parece contraditório, visto que, chega-se a quase duas décadas
da homologação legal da reforma, com o avanço da oferta de serviços substitutivos, ocorre a
redução do número de hospitais psiquiátricos, concomitante a um momento de preocupação
internacional com a questão da saúde mental, e ainda assim, há o consenso da não consolidação
da reforma psiquiátrica. Há uma incongruência, pois o que atualmente foi alcançado pela

1384  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
reforma, mesmo que represente o que antigamente se ansiava, atualmente não é fator de conforto
e justificativa de comemoração, visto o consenso de não consolidação da reforma. Entendemos
que esta incongruência nos convoca a decidirmo-nos por um de dois caminhos: o primeiro,
similar ao processo psicológico de fuga, nega qualquer problemática e toma o alcançado como
uma parte da conquista, entendendo que para total consolidação da reforma, seria necessária
apenas ajustes e melhoras, como formação adequada dos profissionais e melhorias na gestão
dos serviços; ou o segundo, que vivencia o sofrimento e assume a problemática, percebendo o
alcançado como resultado preponderante do interesse econômico vigente, e a necessidade de se
construir outras formas de assistência à saúde mental.
Fazemos a escolha pelo segundo caminho, de acolhimento da problemática, entendendo
que os resultados alcançados pela reforma são oriundos preponderantemente de interesses
econômico, sendo que essa decisão trata-se de uma leitura específica da assistência à saúde
mental. O objetivo deste trabalho será, portanto, apresentar essa leitura da história da assistência
psiquiátrica em Fortaleza, relacionando-a com a história nacional, à luz da teoria crítica. Assim,
se evidenciará os resultados alcançados até aqui pela reforma psiquiátrica, como mais uma etapa
da influência econômica na estruturação da assistência psiquiátrica no país.

Desenvolvimento

O início da Reforma Psiquiátrica Brasileira é indicado por Amarante (1995), com a crise da
Divisão Nacional de Saúde Mental (Dinsam), órgão do Ministério da Saúde, em 1978, devido à
deflagração da greve de profissionais e estagiários. A partir desta greve se constitui o Movimento
dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), o qual terá como pautas de reivindicação: melhorias
de condições de trabalho, como regularização de contratos, redução de carga horária, aumento
salarial; crítica à cronificação do manicômio e o uso do eletrochoque; melhores condições de
assistência e humanização dos serviços (Amarante, 1995). A crítica ao modelo médico-assistencial
surge no movimento, ainda conforme Amarante (1995), quando este analisa documentos do
MTSM, constatando críticas ao modelo biológico priorizado pela Dinsam e inviabilidade de uso
de recursos modernos da medicina para tratar os doentes mentais. Parece-nos alinhado com as
reivindicações do MSTS, o clamor de De-Simoni, por mais humanidade no tratamento dado aos
loucos e por condições que permitam a execução das práticas avançadas da medicina, quando
ele diz:

[...] vós que tanto clamais cotidianamente contra a opressão, a tirania, e a barbaridade;
vós que tanto pugnais pela liberdade política do homem, e tanto temeis a sua perda, e o
ferrolho da masmorra, virai-vos um instante para outro lado, para o qual a nossa voz, a
da humanidade, e o vosso mesmo interesse vos chama. Vede esses infelizes, que tiveram o
infortúnio de perderem o juízo, e que gemem presos em um local, que, longe de lhes servir de
asilo salutar e protetor contra seus males, concorre, pela sua insuficiência, e pouco próprias
condições, a exasperar esses males, a torná-los incuráveis, a aumentar sua desgraça, e a
apressar o termo de seus dias. [...] estendei-lhes a vossa mão caridosa, e tirai-os do cárcere
onde gemem. Seus tiranos opressores são a sua enfermidade, a falta dos meios apropriados
a vencê-la. (De-Simoni, 2004, p. 159)

Não seria extravagante atribuir o trecho a um dos documentos utilizados por Paulo Amarante
ao analisar o MSTS, entretanto, trata-se de um trecho de artigo publicado originalmente em 1839.
Mesmo demandas trabalhistas, já se encontram nesse texto, quando ele apresenta a situação
de trabalho estafante dos dois únicos médicos da instituição, como a falta de formação, a

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1385


NO ONTEXTO BRASILEIRO
precariedade dos salários e o status sociais degradante dos enfermeiros responsáveis pelos loucos
(De-Simoni, 2004).
A proximidade entre as pautas do MTSM e a as críticas realizadas por De- Simoni, ainda no
século XIX, nos faz questionar sobre a especificidade da crise da Disam, para que seja tida como
marco inicial da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Poder-se-ia justificar a diferenciação através dos
objetivos buscados, visto que a De-Simoni argumenta pela construção de um manicômio ainda
não existente no Brasil, há época. Entretanto, a pauta de disponibilização de tratamento à saúde
mental na comunidade, distanciando-se do manicômio, não se trata de uma novidade do MTSM,
visto que já em 1954 era previsto serviços comunitários e desvinculação religiosa na atenção à
saúde mental, através da Lei n 2.312 (1954), conforme seu Art. 22:

O tratamento, o amparo e a proteção ao doente nervoso ou mental serão dados em hospitais,


em instituições para-hospitalares ou no meio social, estendendo a assistência psiquiátrica à
família do psicopata.
[...] § 3º As instituições religiosas de seitas doutrinárias e às associações congêneres é
vedada a prática, nos estabelecimentos psiquiátricos, de culto e quaisquer atos litúrgicos
com finalidade terapêutica.  (Lei n 2.312, 1954).

Evidencia-se, assim, o que é denominado correntemente como Reforma Psiquiátrica


Brasileira, trata-se em verdade, da mais recente reforma psiquiátrica, a qual compõe a história
da saúde mental do Brasil, tendo essa, antecedentes à crise da Disam, 1978, os quais se tornam
preponderantes para o entendimento do atual cenário. Alinhamo-nos aqui com a percepção de
Lima (2010) que afirma ser:

preciso discordar de Amarante (1995a, p.91), o qual entende que uma reforma psiquiátrica
concreta somente inicia em fins da década de 1970. Fica cada vez mais explícito o fato de
que a história da saúde mental no Brasil é uma história de reformas iniciadas concretamente
desde o início do século XX e que, após 1960, seguiu por duas frentes: a do fortalecimento
dos manicômios privados e a do aumento da intervenção psiquiátrica na comunidade [...]
(2010, p. 98)

Diante disso, torna-se importante a busca pelos antecedentes da assistência psiquiátrica.


O percurso histórico da atenção à saúde mental em Fortaleza possui aspectos de similaridade à
história nacional, caracterizando-se, inicialmente, pelo descaso da metrópole com a capitania do
Ceará. Isso se deveu a esta capitania não se apresentar, por longo período, como economicamente
rentável. A própria ocupação do território e o povoamento da capitania do Ceará, somente, após
várias tentativas fracassadas, se tornam possíveis, devido à atividade pecuária, com o caminhar
do gado em busca de pasto, ladeando os rios, que constituíra uma atividade que necessitou pouca
mão-de-obra e muito espaço, e por isso mesmo, relegada ao interior (Alegre, 1989). Fortaleza
consolida-se, somente, após essa peregrinação do gado, que será repetida muitas vezes ao longo
de sua história, mas, então, pelos retirantes das secas. Esse quadro de descaso, resultante do
interesse econômico vigente na época, é refletido na atenção à saúde de então, nessas terras,
que fica sob-responsabilidade da caridade: “Da Colônia ao Segundo Império (1500 a 1888), a
atuação do poder público é quase inexistente, deixando o processo à espontaneidade popular,
à compaixão religiosa e ao isolamento institucional” (Montesuma, Fé, Gomes, Fernandes, &
Sampaio, 2006, p.6 ).
O primeiro estabelecimento de saúde do Ceará é datado de 1723, resultante do trabalho da
igreja, o que se trata de uma especificidade, visto que a construção de hospitais ocorrera com o

1386  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
objetivo de atender soldados, justificando sua vinculação aos Fortes. (Montesuma et al., 2006)
Fortaleza esperará mais de um século, desde sua fundação em 1726, para receber o seu primeiro
hospital, a Santa Casa de Misericórdia, inaugurada em 1861, resultante de ações governamentais
pontuais, não planejadas, no combate às epidemias de alta letalidade, do período, como “varíola,
1824/5; febre amarela, 1851/3; cólera, 1862; e varíola, 1877/8” (Montesuma et al., 2006, p.10).
A imigração da seca, que ocorre desde os tempos de fins de ocupação do território cearense,
apresenta-se como fator importante para o entendimento dessa dinâmica existente, entre
o desinteresse econômico, a ocorrência de epidemias e a construção de serviços de saúde, ela
especificará a história da atenção à saúde mental de Fortaleza. A seca de 1877/9 é marco divisório
nesse processo. Cem mil (100.000) é o número de retirantes, em 1877, que chegam à Fortaleza,
que tem, então, uma população de 27 mil habitantes (Neves, 1995, p.102). As condições sociais
que se estabelecem são dramáticas e alarmantes. Conforme Neves, “Epidemias, crimes, desacato à
recatada moral das famílias provincianas, tragédias indescritíveis se desenvolvem à vista de todos:
assassinatos, suicídios, saques, loucura, antropofagia! A ordem do mundo parecia ter perdido
seus referenciais.” (1995, p. 94)
A mortalidade atinge números extremos:

ocorre uma epidemia de varíola que, em apenas dois meses, vitimou 27.378 retirantes nas
proximidades de Fortaleza. No ano seguinte, o número de óbitos foi de 24.849, tendo ficado
tragicamente famosa, como o “dia dos mil mortos”, a data de 10 de dezembro de 1878.
(Montesuma et al, 2006, p.11)

O abarracamento dos retirantes, em diversos locais aleatórios da cidade, como forma inicial
da contenção espacial desses, que até então ocupam as ruas, abrigando-se sob as arvores e praças,
de Fortaleza, surge como resposta à situação.
Esse processo de contenção espacial do retirante nos parece ocorrer de outras formas
institucionais, distintas ao abarracamento, quando tomarmos, ainda, no ano de 1877, o ato
de colocação da pedra fundamental da construção do Asilo de Alienados São Vicente de Paulo
(Bleicher, 2015, p. 147), o qual será aberto em 1886 como o primeiro manicômio de Fortaleza,
e do Ceará. A justificada apresentada para a construção do manicômio corrobora com nosso
entendimento, visto que o caráter de cuidado clínico, terapêutico, do estabelecimento não é
revindicado, mas antes, de forma explicita, o seu papel de contenção social, pois:

Para o vice-provedor interino da Santa Casa, Victoriano Augusto Borges, esta construção
seria urgente pela necessidade de recolher os loucos, já que ofendiam a moral e os bons
costumes e importunavam os transeuntes (Bleicher, 2015, p. 147)

O nascimento do manicômio no Ceará, ainda especifica-se, pela não ocorrência da


disputa de responsabilidade sobre a loucura da psiquiatria, seja pela constatação da ausência de
investigações sobre a loucura, ou mesmo, pela proximidade da psiquiatria com a igreja, no cuidado
à loucura. (Bleicher, 2015, p. 153). Todavia, tais diferenciações da atenção à saúde mental em
Fortaleza, não resultam em tratamento de qualidade, pois a primeira denúncia de violência dentro
do Asilo dos Alienados já ocorreu em 1890, após apenas dez anos desde o registro da primeira
internação de um doente com distúrbios mentais, em Fortaleza (Bleicher, 2015).
A pobreza teima em ocupar Fortaleza, não se resigna aos abarracamentos, à Santa Casa ou
mesmo ao Asilo. Os pobres chegam a ocupar o espaço do rico, o Passeio-Público - área nobre de
Fortaleza na época, que em sua arquitetura, materializava a hierarquia social, desnivelada em três
níveis, cabendo a cada classe social um desses. É nesse momento, ano de 1915, que o governador

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1387


NO ONTEXTO BRASILEIRO
do estado, então, decide pela construção de campos de concentração (Neves, 1995). Nesse
momento o Asilo não aparece mais como uma solução viável à problemática, visto que, desde o
início de seu funcionamento, ele é marcado por superlotação. (Bleicher; 2005) Entretanto, serão
construídos os campos de concentração compartilhando das mesmas justificativas de fundação
do Asilo, de instituição de contenção social, fato explicitado, quando foi motivo de orgulho do
Presidente do Estado, o não registro de atos de desrespeito ao pudor nos campos. (Neves, 1995)
Os campos tinham por objetivos:

Evitar o contato dos retirantes com a cidade, cercá-los num único local onde possam ser
fiscalizados, dirigir para esse local toda a assistência pública ou privada, gerenciar a mão-
de-obra disponíveis para as obras de utilidade do governo, organizar centralizadamente
a imigração para a Amazônia diretamente do campo; assim o aformoseamento
[embelezamento que passa Fortaleza] não sofre o impacto das “fisionomias marcadas pelo
rictus da miséria”, como vê R. Teófilo, nem da “promiscuidade e imundície aos olhos de
milhares de espectadores”. (Neves, 1995, p. 105)

A contenção dessa massa em locais determinados, a imposição de uma rotina, com a


administração de necessidades coletivas e o uso do trabalho, faz com que o campo de concentração
represente “na prática, um aumento das forças do corpo (em termos econômicos de utilidade)
e, ao mesmo tempo, uma redução dessas mesmas forças (em termos políticos de obediência)”
(Neves, 1995, p. 110). E o controle dessas massas se afirma mesmo que resultem em mortes, já
que nesse espaço o povo morre, mas sem saquear e nem roubar, conforme avaliação positiva do
presidente do Estado, na época. (Ceará, 1916 como citado em Neves, 1995, p 100). Trata-se,
assim, o campo de concentração de uma organização de produção de mortes, ao considerarmos
que “era mais fácil morrer no campo do que fora dele” (Neves, 1995, p. 100).
Não nos parece exagero, tomarmos o campo de concentração, como extensão do asilo,
devido percebermos que a justificativa e objetivos dessas duas instituições aproximam-se de
forma significativa, constituindo-se enfim o campo de concentração preponderantemente pela
incapacidade das instituições como asilo, prisão e hospital, de isolarem o grande numerário
de indivíduos. Assim que outros modos de contenção desses sujeitos no próprio local de
origem tornam-se possíveis, como as frentes de trabalho e mesmo a criação de mais hospitais
psiquiátricos, que são construídos no período de 1933/39, os campos de concentração deixam
de existir, que tem sua última experiência datada no ano de 1932. O campo de concentração não
se tratou de tentativas de auxílio ou cuidado à situação precária do retirante, visto que, já em
momentos anteriores, experiências socioeconômicas bem sucedidas em resposta às secas tinham
sido efetivadas, como o Caldeirão e Canudos (Neves; 1995). Entretanto, Caldeirão e Canudos
eram contestatórios da ordem vigente. Atualmente, podemos ao analisá-los, perceber que apenas
por existirem, essas experiências são contestatórias do campo de concentração, como solução
para o flagelo da seca, e que de fato era um produtor de morte.
Outro fator que corrobora com nosso argumento de que os campos de concentração se tratam
de uma formatação extrema do Asilo, é o fato da psiquiatria consolidar-se no contexto cearense
com aspectos fascistas. Esse final de século XIX e inicio do XX, no qual ocorre a construção dos
campos de concentração, é, também, um período de suma importância à psiquiatria brasileira: ao
constituir-se de forma profundamente imbricada com a Antropologia e Medicina Legal, atribuindo
a causalidade da loucura à fatores biológicos e raciais, de base eugênica (Costa, 2006; Bleicher,
2015; Lima, 2010); ao receber a responsabilidade pela loucura, através da promulgação da Lei
dos Alienados de 1903 (Bleicher, 2015); e devido ocorrer a criação da Liga Brasileira de Higiene
Mental (LBHM), porta-voz da psiquiatria brasileira, que se caracterizará como uma instituição

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de base fascista, justificando-se pela eugenia (Costa, 2006). A evolução e o desenvolvimento
dessa psiquiatria fascista nos parecem muito bem alinhada à perspectiva de instalação de campos
de concentração no Ceará, que somente deixarão de existir, no período de construção de mais
hospitais psiquiátricos e o início da atividade privada nesse setor.
Data de 1935 o primeiro hospital psiquiátrico privado de Fortaleza e do Norte-Nordeste, a
Casa de Saúde São Gerardo (Bleicher, 2015). A ampliação de hospitais psiquiátricos em Fortaleza
seguirá até 1969.
Em 1948 é fundada a Casa de Saúde Antônio de Pádua. O Hospital Colônia de Psicopatas
é fundado em 1963, que depois passará a ser denominado do Hospital de Saúde Mental de
Messejana (Sampaio, 1988). Em 1967 é inaugurada a clínica Dr. Suliano e o Instituto de Psiquiatria
do Ceará-IPC. No ano de emissão do Ato Institucional nº 5, que torna a ditadura militar do Brasil
explícita, em 1968, são fundadas a Casa de Repouso Nosso Lar-CRNL e a “unidade prisional
Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes–IPGSG, existente até os dias atuais, sem nunca
ter passado por nenhuma reforma ou adaptação de sua estrutura” (Diário, 2011 como citado
em Bleicher, 2015, p. 166). O último hospital psiquiátrico construído em Fortaleza é inaugurado
em 1969, o Hospital Mira y Lopez – HML, consolidando o complexo manicomial da cidade de
Fortaleza, que dispõe de nove hospitais psiquiátricos.
A proximidade da constituição de serviço de atenção à saúde mental, em Fortaleza, com
a experiência dos campos de concentração e com a consolidação da psiquiatria, em caráter
eugênico fascista, descrito acima, acabará por influenciar a história da atenção à saúde mental
da cidade, perpetuando-se nesses novos manicômios construídos. Tal ponderação se afirma ao
considerarmos os diversos relatos que denunciam as condições de horror no tratamento dado
aos sujeitos nesses espaços. Remeteremo-nos diretamente aqui apenas a dois de forma literal, ao
Asilo de Alienados e ao Hospital de Saúde Mental de Messejana, este o último manicômio público
construído em Fortaleza e aquele por ser o primeiro serviço específico de atenção à saúde mental
no Ceará. Sobre o Asilo de Alienados o texto de Geraldo Duarte, contribui para termos uma visão
do horror vigente nos anos 60, nesse espaço:

Naqueles vãos, verdadeiros farrapos humanos, alguns com pulsos e tornozelos atados por
cintas de couro, inertes ou agitados, deitavam-se no piso, depois do tratamento com choque
elétrico.(...) Semelhante a autômatos ou zumbis (Duarte, 2009, p. s/n).

A caracterização dos sujeitos como zumbis, resultantes das práticas vigentes nesse espaço,
coincide com a forma de definição utilizada para os prisioneiros dos campos de concentração
nazista (Agambem, 2008).
Sobre o Hospital de Saúde Mental de Messejana, em estudo da sua gestão no período
de 1979/83, Sampaio (1988), no trecho intitulado como o fedor da morte e o fedor do asilo,
descreve o episódio, em que o corpo de uma paciente somente é sepultado após duas semanas
de morta, devido a suposto esquecimento do corpo em um pavilhão abandonado. Episódio, este,
que evidencia a banalização da morte dos sujeitos ali internados, ocorre a perda da dignidade
perante a morte, novamente, como se deu os campos de concentração nazista (Agambem, 2008).
Os anos que se seguem comporão o período da última reforma psiquiátrica, à qual,
conforme citação já realizada acima, Amarante atribui o início à crise da DISAM. Esta reforma
psiquiátrica tem como forte influência a psiquiatria democrática italiana, tendo Franco Basaglia
como principal referência. O fundamento teórico desta tendência se dá que o manicômio é o
criador do adoecimento mental, sendo necessário o fim dessa instituição. A reforma psiquiátrica
ao adotar esse referencial acaba por abrir mão de um posicionamento mais radical.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1389


NO ONTEXTO BRASILEIRO
O saber psiquiátrico não é contestado, como aconteceria nas obras de autores da
antipsiquiatria como Goffman, Laing e Szasz, mas visto como possível de ser reformulado a
partir de uma psiquiatria democrática, menos radical em relação à teorias técno-psicológica,
tal como encontrada na obra de Franco-Basaglia. (Lima, 2010, p. 108)

Esse posicionamento reformista constitui-se antes como uma forma de controle do sistema
não pela imposição de determinada ordem, mas sim pela produção de possibilidades reduzidas
(Lima, 2010). Isto é, ao entendermos que a atual reforma psiquiátrica não é radical, não se trata
de afirma-la como uma imposição da ordem vigente, mas antes percebê-la como produzida pelo
sistema, como única, ou uma das poucas, soluções viáveis de ser realizada. A reforma psiquiátrica
vista como fruto da luta de movimentos sociais, por condições humanas no tratamento da loucura
e até mesmo por melhoras trabalhistas, serve-se como boa opção de fachada aos interesses do
sistema, seja para que não tenha ocorrência de embate por transformações sociais profundas, visto
que o movimento da reforma ter aberto mão da luta pelo enfrentamento da desigualdade social,
seja ainda, ao servir de argumento do avanço da atenção à saúde mental junto à comunidade
internacional.
Data de 14 de dezembro de 1999 a apresentação da petição do caso Damião Ximenes1
junto a Corte Interamericana de Direitos Humanas (CIDH) (2010), que resultará na primeira
condenação do Brasil nesta corte. Passaram apenas um ano e três meses, dessa data, para que
o projeto de lei, o qual estava há nove anos em tramitação, fosse aprovado, resultando a Lei
10.216/2001. A relação entre o caso Damião e a modificação nos serviços de atenção à saúde
mental, no Brasil, já é explicitada por Pontes (2015), ao se debruçar sobre o caso Damião Ximenes
e sua repercussão nos serviços de saúde mental, em sua dissertação. Dirá ela:

as iniciativas estatais dos últimos anos implementadas no campo da saúde mental brasileira
não são de reconhecimento democrático da saúde mental, nem politicamente voluntárias
como parecem. E, assim mostramos o porquê de todos os “avanços” da saúde mental
brasileira do Pós 4 de outubro de 1999 e justificamos o fato destes “avanços” serem enviados
em forma de Relatórios ao Tribunal da Corte IDH. (Pontes, 2015, p. 237)

Caminhamos aqui ao fortalecimento da percepção da reforma psiquiátrica dar-se por ser


conveniente ao sistema. Visto que, o próprio estado escreverá esse argumento ao responder à
Corte IDH, no documento Alegações Finais:

[...] está em debate a forma de tratamento dispensada pelo Estado brasileiro às pessoas
portadoras de transtornos mentais, cabe destacar que o Estado demonstrou ter
implementado, nos últimos anos, uma política reconhecida internacionalmente, com ênfase
na não-internação e nos direitos humanos dos portadores de sofrimento psíquico. Essa medida
tomou por base décadas de atuação dos movimentos sociais, particularmente os de luta antimanicomiais,
sendo o retrato da democratização da saúde pública brasileira. (PIAFBCXL, 2006 como citado em
Pontes, 2015, p.109) [ grifo nosso]

O estado brasileiro ao defender-se da acusação de descaso com os direitos humanos


na saúde mental utiliza-se da justif icativa de que as ações de transformações do cenário, o
qual resultou na morte de Damião Ximenes, são resultantes do diálogo com o movimento

O caso Damião Ximenes, corresponde à morte de Damião Ximenes Lopes, ocorrida no Hospício Guararapes,
1

localizado na cidade de Sobral, na data de 4 de outubro de 199, após três dias de internamento no estabelecimento,
vítima de “morte violenta causada por traumatismo crânio-encefálico” (Pontes, 2015, p.222).

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social, servindo este como avalista do estado brasileiro, será ele usado como ferramenta
por este.
A relação do caso Damião e do avanço da atual reforma psiquiátrica, confirmando-a como
resultante de uma conveniência do sistema, por fim se fecha, ao tomarmos os interesses nas
repercussões do julgamento do Brasil na Corte IDH. Sobre isso o trabalho de Ceia (2013), que
analisa os casos de condenação do Brasil na referida corte, pode nos ajudar. A autora apresentará
que após condenado pela Corte, o Brasil fica obrigado a cumprir um conjunto de ações, as quais
serão fiscalizadas periodicamente, através de uma supervisão. Caso não sejam cumprida as ações:

Quer dizer, diante da insuficiência dos esforços de supervisão da Corte leva-se o caso à
Assembleia com o objetivo de gerar constrangimento ao Estado violador perante seus pares,
exercendo sobre ele pressão política, a fim de que cumpra integralmente a sentença. Nesse
contexto, a Assembleia pode emitir resolução (não vinculante) recomendando aos demais
Estados-Partes da OEA que imponham sanções econômicas ao Estado violador até que haja
o cumprimento da sentença. (Ceia, 2013, p. 148)

A repercussão de um descumprimento da condenação da Corte IDH seria de possíveis sanções


econômicas para o país, assim, torna-se preponderante, dentro de uma perspectiva capitalista,
como a qual nos encontramos, a busca de ferramentas que resultassem na não perda econômica,
papel que caso não tenha cumprido, a atual reforma psiquiátrica foi pelo menos fiadora.
Percebemos, portanto, que o caso de Damião Ximenes repercutiria em uma perda econômica ao
estado capitalista brasileiro, o qual apresenta como solução adequada para refreamento dessa
perda, a aceitação da atual reforma psiquiátrica, sendo, portanto, ela uma opção posta por esse.
A atual reforma psiquiátrica ao herda e ser constituída, portanto, por interesses econômicos
acaba por expressá-los de diversas formas: seja a não previsão legal do fim do manicômio; sejam
as recorrentes falhas legislativas na constituição dos serviços substitutivos; seja na não assistência,
quando não torna obrigatória a constituição de serviços comunitários de saúde mental; seja
quando permite a criação de serviços substitutivos, com período de internamento superior a média
existente nos hospitais psiquiátricos; seja ainda na possibilidade dos serviços substitutivos serem
ofertados por hospitais psiquiátricos. (Fernandes, 2016) Esta herança da reforma psiquiátrica
acaba por constituí-la, assim o reparo da atual reforma, como proposto por tantos teóricos, ao
apontarem, como a problemática, a falta de gestão, de recursos, de formação, acabam por serem
infrutíferos, pois as problemáticas postas à reforma psiquiátrica atual não são exceções ou falhas,
mas antes aspectos constitutivos dela.

Conclusões

A leitura realizada aqui nos leva a perceber a influência preponderante do interesse


econômico historicamente na assistência à saúde mental seja no período colonial, momento em
que era mais lucrativo a não constituição de serviços de saúde, no período da chegada da família
real no Brasil, fazendo-se necessário o estabelecimento da ordem e contenção social nas cidades,
em período posterior de privatização dos serviços de saúde e enfim, na atual reforma psiquiátrica
em que sua legislação serviu como justificativa para o Brasil não sofrer sanções econômicas.
Perceber o atual cenário da reforma psiquiátrica resultante de interesses econômicos nos convoca
a buscarmos o novo, para além das formas já dadas da assistência à saúde mental. As pessoas
em sofrimento mental, ou melhor, todos nós, que vivenciamos o sofrimento a partir das vigentes
relações sociais adoecidas, não temos tempo para aprimorar o que tem como base o interesse
econômico, necessitamos nos concentrar na produção de algo que tenha como referencial central
a saúde, a vida.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1391


NO ONTEXTO BRASILEIRO
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1393


NO ONTEXTO BRASILEIRO
TEORIA FUNCIONALISTA DOS VALORES HUMANOS:
EVIDÊNCIAS DE ADEQUAÇÃO EM UMA CIDADE
LITORÂNEA DO PIAUÍ
Kairon Pereira de Araújo Sousa;
Millena Vaz da Costa Valadares;
Paulo Gregório Nascimento da Silva;
Emerson Diógenes de Medeiros
Talídyna Moreira de Oliveira

Introdução

O
termo “valores” é utilizado cotidianamente e, segundo Tamayo e Porto (2009),
é estudado desde os tempos mais remotos. Entretanto foi apenas em 1970 que
pesquisas sobre Valores Humanos ganharam importância e despertaram interesse
de autores de diferentes áreas, como antropologia, filosofia e Psicologia (Ros, 2006).
Segundo Ros (2006), Rockeach é o primeiro autor a discutir a centralidade dos valores para a
Psicologia Social. Assim, Rockeach proporciona uma discussão acerca da legitimidade dos valores
como construto, influenciando diretamente nas concepções atuais (Campos & Porto, 2010),
permitindo avanços teóricos e metodológicos, principalmente em duas distintas perspectivas: a)
sociológica (cultural), com as orientações materialistas e pós-materialista de Inglehart (1977) e
os valores individualistas e coletivistas de Hofstede (1984); e b) psicológico (individual), com os
valores terminais e instrumentais de Rokeach (1973) e os tipos motivacionais de Schwartz (1992),
considerada a teoria com maior destaque, principalmente no meio acadêmico.
Não obstante, a temática dos valores humanos não está imune a críticas, principalmente no
que tange à fonte dos valores e a quantidade de valores existentes, que tendem variar de acordo
com o interesse ou necessidade do pesquisador (Gouveia, 2013). Assim, visando buscar respostas
às críticas e contribuir com o avanço científico na temática (Gouveia, Milfont, & Guerra, 2014),
Gouveia (1998, 2003) propõe um novo modelo de valores, genuinamente brasileiro, denominado
de Teoria Funcionalista dos Valores Humanos (TFVH).
Especificamente, a TFVH integra os modelos de Inglehart (1977) e Schwartz (1992), assumindo
cinco principais suposições teóricas: 1) a natureza benevolente ou positiva dos seres humanos;
2) valores como princípios-guia individuais que servem como padrões gerais de orientação
para os comportamentos, onde os valores culturais pautam-se em respostas individuais; 3) os
valores apresentam uma base motivacional; 4) consideram-se apenas os valores terminais e 5) os
valores não mudam, possuem Condição Perene e o que seria “conflito de valores” na realidade
caracterizaria uma mudança nas prioridades em decorrência das gerações (Soares, 2013).
São esses os pressupostos que permitiram a definição de valores como guias para seleção ou
avaliação de comportamentos e eventos, além de representarem cognitivamente as necessidades
humanas (Gouveia, 2013). Desse modo, a TFVH entende os valores, partindo da concepção do

1394  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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desejável, onde os mesmos são considerados categorias de orientação baseadas nas necessidades
humanas e nas pré-condições para satisfazê-las, sendo adotadas por atores sociais, variando em
termos de magnitude e/ou elementos que a define (Gouveia, 2016).
Para a TFVH existe um consenso com relação as funções dos valores humanos que seriam
duas, a saber: (1) Tipo orientação: padrões que guiam os comportamentos e ações humanas
(Inglehart, 1977; Schwartz, 1992) e inclui os valores pessoais, centrais e sociais; (2) Tipo de
motivador, que expressa cognitivamente às necessidades humanas (Maslow, 1954) e inclui valores
materialistas e idealistas.
Portanto, compreende a existência de duas dimensões funcionais dos valores, a primeira
(tipo de orientação) formada por 3 categorias valorativas e a segunda (tipo de motivador) formada
por duas. Desse cruzamento emerge um modelo 3 x 2 dos valores humanos básicos, gerando e
organizando espacialmente as seis subfunções valorativas, que são distribuídas entre três critérios
de orientação: social (interativa e normativa), central (suprapessoal e experimentação) e pessoal
(experimentação e realização); e dois tipos de motivadores: idealistas (interativa, suprapessoal
e experimentação) e materialista (normativo, existência e realização). Segundo Gouveia (2013),
subfunções valorativas são descritas da seguinte maneira:

Valores Pessoais: Enfatiza as metas pessoais, ganhos próprios e condições que favoreçam o
alcance de objetivos. As subfunções que o orientam são:
a) Experimentação. Representa as necessidades fisiológicas de satisfação, o princípio de prazer.
Compõem esta subfunção os seguintes valores: prazer, e sexualidade e emoção;
b) Realização. Tem como foco as realizações materiais. Tendo os seguintes valores
representantes: êxito, poder e prestígio.

Valores Centrais. São a base organizadora dos valores, sendo referência para os demais. É
a espinha dorsal dos valores sociais e pessoais (Gouveia et al., 2009), com as seguintes
subfunções:
c) Suprapessoal. Presente em pessoas que pensam de forma geral e ampla, importando-se
com ideias abstratas, e com menor ênfase em coisas materiais e concretas. É constituído dos
valores: conhecimento, beleza e maturidade.
d) Existência. Refere-se as necessidades cognitivas mais básicas de sobrevivência e as condições
necessárias para garanti-las, ao nível biológico ou psicológico. Composto pelos valores:
estabilidade, saúde e sobrevivência;

Valores Sociais. Enfatiza a convivência e integração aos grupos e aos atores sociais (Gouveia,
2003). Os critérios que os orientam são divididos nas subfunções:
e) Interativa. Ênfase em necessidades afetivas, como a pertença, amor e afiliação. Esses
valores são essenciais no estabelecimento e manutenção das relações, agrupando os valores:
afetividade, convivência e apoio social;
f) Normativa. Possui uma orientação social, focando-se em normas sociais e na preservação
cultural. Compondo os valores: tradição, obediência e religiosidade.

Ademais, sabe-se que esse modelo teórico tem sido consolidado empiricamente,
principalmente por meio do Questionário de Valores Básicos (QVB), no contexto brasileiro
(Gouveia et al., 2014; Medeiros et al., 2012) e em diversos países (Ardila, Gouveia, & Medeiros,
2012; Gouveia et al., 2010; Medeiros, 2011; Soares, 2015), demonstrando favoráveis evidências de
validade, precisão e poder preditivo. Sendo utilizado em diversos estudos com medidas correlatas
(ver-se Gouveia, 2013; 2016).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1395


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Tendo em conta o que foi exposto e entendendo a importância dos valores para explicar os
comportamentos humanos, essa pesquisa tem como principal objetivo observar a adequação da
Teoria Funcionalista dos Valores Humanos proposta por Gouveia (1998, 2003, 2013), especificamente,
na cidade de Luís Correia, situada no litoral piauiense, levando em consideração suas duas
principais hipóteses: estrutura e conteúdo dos valores humanos.

Método

Participantes
Participaram do estudo 152 pessoas de uma cidade litorânea do Piauí, especificamente, Luís
Correia. Os participantes apresentaram idades entre 18 e 78 (M = 27,3, DP = 9,49), a maioria eram
mulheres (54,6%), solteiras (60,5 %), com ensino médio completo (39,5%), declararam-se fazer
parte da classe social média (61,1%).

Instrumentos

Questionário de Valores Básicos (QVB): Trata-se de uma medida elaborada por Gouveia (2013),
composta por 18 itens (valores), respondidos em uma escala de 7 pontos, com os extremos
variando de 1 (Nenhuma Importância) a 7 (Extremamente Importante). Ao respondê-la a pessoa
estará indicando o grau de importância que cada valor específico tem como um princípio guia
para sua vida, além de um Questionário de caracterização sócio demográfica, composto por perguntas
como sexo, idade, escolaridade, etc.

Procedimentos
Os questionários foram aplicados em praças, residências, instituições privadas e públicas,
entretanto, todos os instrumentos foram respondidos individualmente. As instruções necessárias
foram informadas e ao menos um pesquisador esteve presente para dirimir as eventuais dúvidas,
eximindo-se de explicar os conteúdos. Aos participantes, foi informado que as respostas seriam
tratadas no conjunto, sendo garantida a confidencialidade e o anonimato das respostas. Além
disso, ressalta-se que a pesquisa respeitou todos os preceitos éticos para pesquisas com seres
humanos, obedecendo fielmente baseada nas Resoluções nº 466/12 e 510/2016 do Conselho
Nacional de Saúde. Ao concordar em participar da pesquisa, os participantes tiveram que assinar
um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram necessários em média de 10 a 20 minutos
para finalizar a participação.

Análise de dados
Os seguintes programas estatísticos foram usados para realizar as análises estatísticas dos
dados: AMOS e SPSS (ambos 21). Com o AMOS, realizou-se análises fatoriais confirmatórias
(AFCs), objetivando: (a) testar a hipótese de conteúdo, e (b) checar a validade de construto (Byrne,
2001; Joreskög & Sörbom, 1989). Considerou-se os seguintes indicadores de ajuste (Hu & Bentler,
1999; Tabachnick & Fidell, 2013):
(1) χ² (qui-quadrado). Testa a probabilidade de o modelo se ajustar aos dados; valendo-se
da razão em relação aos graus de liberdade (χ²/g.l.), que deve figurar entre 2 e 3, admitindo-
se até 5; (2) Goodness-of-Fit Index (GFI). É uma versão ponderada do AGFI, admitindo-se valores
próximos ou superiores a 0,90; (3) Comparative Fit Index (CFI). É um indicador adicional de ajuste,
admitindo-se valores próximos ou superiores a 0,90; (4) Root-Mean-Square Error of Approximation
(RMSEA). Considera intervalo de confiança de 90% (IC90%), referindo-se aos residuais entre o
modelo teórico estimado e os dados empíricos, recomendando-se valores próximos ou inferiores
a 0,05; sendo 0,08 comumente aceito, admitindo-se até 0,10.

1396  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Para comparar os modelos alternativos, contou-se com os indicadores, a saber: ∆χ²,
CAIC (Consistent Akaike information Criterion) e ECVI (Expected Cross Validation Index). Diferença
estatisticamente significativa do ∆χ², penalizando o modelo com maior χ², e valores < de CAIC e
ECVI, sugerem um modelo mais adequado.
O SPSS 21 calculou-se estatísticas descritivas (frequência, médias, desvios padrões),
consistência interna (homogeneidade e Alfa de Cronbach) das subfunções e o escalonamento
multidimensional confirmatório (MDS, com algoritmo Proxscal), testou a hipótese de estrutura.
Assim, anteriormente à criação da matriz de distâncias euclidianas, transformou-se os valores
em pontuações z. Posteriormente, a organização espacial dos valores foi definida de acordo
com a teoria, com as subfunções assumindo os seguintes parâmetros para tipo de orientação:
experimentação [1,0], realização [1,0], existência [0,0], suprapessoal [0,0], interativa [-1,0] e
normativa [-1,0];Para tipo de motivador, os parâmetros foram: experimentação [0,5], realização
[-0,5], existência [-1,0], suprapessoal [1,0], interativa [0,5] e normativa [-0,5]. Portanto, cada
valor foi forçado a ocupar uma posição específica no espaço, congruente com sua subfunção de
pertença, assumindo o nível ordinal de medida, permitindo break ties. O coeficiente Phi de Tucker
(ϕ) foi utilizado como medida de ajuste do modelo, aceitando-se valores de 0,90 ou superiores
(Van de Vijver & Leung, 1997).

Resultados

Inicialmente, foi comprovado o índice de consistência interna (α) médio de 0,43 (DP =
0,16), com alfas que variaram entre 0,56 (realização) e 0,30 (Interativa). Calcularam-se ainda as
correlações inter-itens para cada subfunção, as quais apresentaram valor médio de 0,20 (DP =
0,10).

Tabela 1.
Estatísticas descritivas, precisão do construto na cidade de Luís Correia.

Subfunção M DP α rm.i
Experimentação 4,55 (6) 1,05 0,45 0,22
Realização 4,90 (5) 1,02 0,56 0,32
Existência 6,12 (1) 0,80 0,46 0,22
Suprapessoal 5,63 (4) 0,74 0,33 0,15
Interativa 5,65 (3) 0,72 0,30 0,03
Normativa 5,81 (2) 0,82 0,47 0,28
Nota: M = média, DP = desvio padrão, α = Alfa de Cronbach, rm.i = Índice de homogeneidade.

Finalmente, por meio de uma MANOVA para medidas interdependentes, foi possível verificar
diferenças nas médias entre as subfunções [Lambda de Wilks = 0,28; F (5, 2.323) = 1.135,77, p <
0,001]. O teste de post hoc de Bonferroni mostrou diferenças entre todas as subfunções.

Hipótese de conteúdo
Para testar esta hipótese, procederam-se as análises fatoriais confirmatórias (AFC).
Inicialmente foi considerado o modelo hexafatorial, onde todas as saturações (lambda) foram
estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; t > 1,96, p < 0,05), apresentando valor médio de 0,42,
variando de 0,16 (Apoio social) a 0,74 (Êxito), com os seguintes indicadores de ajuste: χ2/ g.l. =
1,72, GFI = 0,87, CFI = 0,74, RMSEA (IC90%) = 0,07 (0,07-0,05), ECVI = 2,04 e CAIC = 514,38. A

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1397


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Figura 1 descreve o modelo testado.

Figura 1. Estrutura fatorial com suas respectivas saturações na cidade de Luís Correia.

Este modelo foi contrastado com os outros quatro modelos alternativos anteriormente
descritos, isto é, formado por diferentes estruturas fatoriais (um, dois, três e cinco fatores). Os
resultados são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2.

Indicadores de ajustes dos modelos na cidade de Luís Correia.


RMSEA
Fat χ2 DF GFI CFI CAIC ECVI Δχ2 (df)
(IC90%)
0,07
6 217,17 120 0,87 0,74 524,386 2,04 ―
(0,05-0,08)
0,06
5 210,00 125 0,86 0,75 487,10 2,00 7,17 (5)
(0,05-0,08)
0,07
3 240,57 132 0,85 0,68 475,508 2,11 33,4 (12)*
(0,06-0,09)
0,08
2 269,55 134 0,83 0,60 492,439 2,27 62,3 (14)*
(0,07-0,09)
0,08
1 269,81 135 0,83 0,60 486,674 2,264 62,64 (15)*
(0,06 – 0,09)
Nota: N = 152. Fat (fator) = hexafatorial (original), pentafatorial (junção das subfunções suprapessoal e existência:
valores centrais), trifatorial (valores pessoais, centrais e sociais), bifatorial (valores idealistas e materialistas) e
unifatorial (os 18 valores em um único fator).

1398 Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Como pode-se observar na tabela 2, o modelo original, com seis subfunções (fatores), e
o alternativo, com cinco fatores, apresentam claramente os melhores índices de ajuste. Dessa
forma, os resultados sugerem que não seria absurdo considerar um fator gerado pela junção das
subfunções existência e suprapessoal. Portanto, parece plausível pensar que os 18 valores específicos
do QVB podem ser representados adequadamente por seis fatores, corroborando a hipótese de
conteúdo.

Hipótese de estrutura

Esta hipótese prediz que os valores centrais (suprapessoal e existência) situam-se entre os
valores sociais (normativo e interativa) e pessoais (experimentação e realização), por fazerem parte
de ambos, formando, assim, a espinha dorsal da teoria, constituindo, assim, a dimensão tipo de
orientação; sendo que os valores materialistas e humanitários compõem dois polos da dimensão
tipo de motivador. Para tanto, executou-se um escalonamento multidimensional confirmatório
(MDS com algoritmo Proxscal). Os resultados desta análise podem ser observados na Figura 2.

Figura 2. Representação espacial dos valores na cidade de Luís Correia.

Segundo a Figura 2, é possível representar as seis subfunções valorativas em um espaço


bidimensional, que apresentou um ajuste satisfatório (Phi de Tucker = 0,93). Ademais, observa-
se, que os valores materialistas (figuras fechadas) e idealistas (figuras vazadas), apresentam-se em
duas regiões distintas do espaço; de um lado os valores sociais (quadrados) e de outro os pessoais
(triângulos), aparecendo entre ambos os centrais (círculos). Estes achados corroboram a hipótese
de estrutura.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1399


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Discussão

Objetivou verificar a adequação da TFVH, na cidade de Luís Correia. Foram levados em


conta as duas principais hipóteses (conteúdo e estrutura) teóricas. Confia-se que os objetivos
tenham sido alcançados, pois as duas hipóteses, anteriormente citadas, foram corroboradas.
Ademais, entende-se que mesmo os indicadores figurando abaixo do recomendado (Byrne,
2001; Tabachick & Fidell, 2013), os mesmos foram promissores, quando comparado com outras
pesquisas (Gouveia, 2013).
Referente ao teste e comprovação da hipótese de estrutura dos valores, os achados obtidos,
através do Escalonamento Multidimensional Confirmatório (MDS), empregando o estimador
Torgerson, foi adequado. O índice de Tucker ficou acima de 0,90, coerente com a teoria (Gouveia,
2013). Entretanto, não é impossível pensar em um modelo pentafatorial, uma vez que os índices de
ajuste de bondade desse modelo especifico ficaram próximos do original, além de não apresentar
diferenças significativas, fato que é justificável, pois os valores centrais, funcionam como uma
base estrutural e servem de referência para os demais valores (Gouveia, 2003, 2013, 2016).
A hipótese de conteúdo, que indica que os valores podem ser expressos por seis subfunções, foi
confirmada. Assim, o modelo original, hexatorial, foi comparado com alternativos: (1) unifatorial,
correspondendo a desejabilidade social, inerente ao construto (Schwartz, Verkasalo, Antonovsky,
& Sagiv, 1997); (2) bifatorial, considerando o tipo motivador (valores materialistas e idealistas;
Braitwite, Makkai, & Pittelkow, 1996); (3) trifatorial, compreendendo o tipo de orientação: social,
central, e pessoal (Rokeach, 1973; Schwartz, 1992) e (4) pentafatorial, considerando os valores
situados no eixo central (subfunções existência e suprapessoal) pelo qual os outros valores se
estruturam (Maslow, 1954). Os resultados subsidiaram a adequação hexafatoral, já corroborado
anteriormente (Gouveia, 2013; Gouveia et. al. 2014; Medeiros, 2011, Soares, 2015).
A consistência interna e homogeneidade do QVB foram promissores. Entretanto, ressalta-
se que a consistência interna (α) média figurou abaixo do recomendável em algumas subfunções
(entre 0,50 a 0,70; Pasquali, 2016), o que é justificado pela natureza do construto, pois os valores
tendem a apresentar pouca variabilidade de respostas entre os participantes (Gouveia, 2016).
Adicionalmente, o índice de homogeneidade (correlação inter-itens) foi adequado, ou seja, > 0,20
(Clark & Watson, 1995).
Considerando as principais limitações deste estudo, pode-se citar o viés da amostra, uma
vez que esta não foi probabilística, mas por conveniência, não refletindo a população geral,
impossibilitando a generalização dos resultados. Outra potencial limitação refere-se à utilização de
um instrumento de autorrelato que permite a obtenção de respostas em função da desejabilidade
social
A despeito de possibilidades, recomenda-se que essa pesquisa seja replicada em outros
contextos. Sugere-se, ainda, que novas investigações considerem amostras mais representativas
e heterogêneas, e distribuídas equitativamente entre os grupos, além de considerar pessoas com
idades variadas, grau de escolaridade e o nível socioeconômico
Em suma, os resultados encontrados são animadores, mostrando que o modelo teórico
que fundamenta este trabalho, como previsto, mostrou evidências psicométricas com bons
indicadores. Ainda foi comprovado empiricamente através da medida QVB, com seus 18 valores
propostos, que duas de suas principais hipóteses (estrutura e conteúdo) estão adequadamente
representadas na realidade, fornecendo subsídios para continuar focando esforços para consolidar
este modelo no interior do Brasil.

1400  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS E AS NUANCES
PSICOLÓGICAS: UMA EXPERIÊNCIA EM GRUPO
Thayse Emanuelle Menezes dos Santos

Introdução

O
s transplantes de órgãos são práticas cirúrgicas capazes de salvar vidas e trazer
esperança para os pacientes acometidos por variadas doenças. A Psicologia da
Saúde precisa estar engajada na temática de doação de órgãos, pois nos deparamos
com questões sociais, clínicas e institucionais a respeito dos procedimentos que permeiam a
doação e o transplante (Bendassolli, 2001).
Vale destacar que o preparo psicológico do paciente para a realização do transplante é
necessário porque as reações são as mais diversas possíveis e depende da significação que o
receptor atribui ao órgão substituído, sua experiência de preparação para adaptar-se às novas
condições de vida, ao seu conhecimento real ou fantasioso do que esta ocorrendo, diante de tais
variáveis. Portanto, um paciente que apresenta sofrimento psíquico sobreposto ao sofrimento
físico, faz necessário entendê-lo na sua totalidade num contexto de mal-estar, de sequelas do
tratamento e hospitalização (Chiatonne, 2000).
Pratt organizou grupos de vinte a trinta pacientes tuberculosos que se reuniam uma ou duas
vezes por semana. Tratava seus pacientes como alunos, lendo para eles acerca da doença e do
método de cura e os apoiava quanto ao prognóstico. Eventualmente, havia a presença de pacientes
que melhoraram com o tratamento e os pacientes difíceis eram atendidos por uma enfermeira, em
sessões individuais. Logo, tem influência de Pratt na proposta de grupos homogêneos (que reúnem
pacientes com o mesmo sintoma) devido ao incentivo à presença de pacientes que obtiveram
sucesso com o tratamento como, por exemplo, os “Alcoólicos Anônimos” (Kaplan & Sadock,
1983).
Em 1910, Moreno descreveu o uso da psicoterapia de grupo. Criou, em Viena, o “Teatro
do Homem Espontâneo”, no qual veiculou o psicodrama e a representação de papéis utilizando
situações-problema para desenvolver a conscientização dos conflitos e propiciar sua resolução. O
psicoterapeuta (“diretor”) facilita ao paciente (“ator”, “protagonista” ou “sujeito”) a expressão
espontânea por meio da dramatização de experiências passadas ou atuais, de ansiedades e
expectativas futuras e mesmo de fantasias e sonhos, contando com a cooperação de outros
profissionais (“egos auxiliares”) ou dos membros do grupo (“plateia”). Ao final da representação,
ela é comentada com o grupo servindo de ajuda para o paciente e, também, para os demais
participantes da experiência vivida (Kaplan & Sadock, 1983).
Nesse contexto, a psicoterapia de grupo têm como base a interação e a comunicação. É um
modelo terapêutico que nasceu após a Segunda Guerra Mundial, por meio de Kurt Lewin (1978),
para o qual o fato de ouvir as pessoas falando de seus próprios problemas já era em si terapêutico.
Dessa concepção resultou uma das características atuais que é o “fator da universalidade”, isto

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1403


NO ONTEXTO BRASILEIRO
é, em grupo os pacientes não sentem que estão sozinhos e que são os únicos que sofrem. Além
desses fatores, Yalom (2006) menciona outros como o altruísmo e a socialização.
Na literatura nacional recente foram apresentados 21 formatos diferentes de atendimento
em grupo, segundo a situação clínica que se apresentava, o tipo de paciente e o estilo do
psicoterapeuta (Zimerman & Osório, 1997). Ao decidir pelo estilo terapêutico é preciso levar em
conta: a) o tipo de paciente e sua patologia orgânica; b) o estágio em que se encontra a doença e,
c) os objetivos para a intervenção grupal. É importante lembrar que o paradigma do transplante
de orgãos acaba orientando para o tipo de intervenção psicossocial.
Esse procedimento de intervenção favorece a integração também com a equipe de saúde
durante a internação e a adaptação inicial pós-transplante, mobilizando a busca de recursos
pessoais na resolução dos problemas deflagrados pela situação de crise, colaborando assim para
que os pacientes procurem otimizar sua volta às atividades produtivas e sociais. Nessas condições,
o grupo da fila de espera de transplante destaca-se como uma efetiva opção de acompanhamento
psicológico, que atua tanto no sentido psico-profilático, prevenindo o surgimento, agravamento
ou cronificação de problemas psicológicos, como no sentido de criar formas de enfrentamento
para o paciente diante de sua vulnerabilidade física e emocional provocada pela doença e suas
consequências.
Assim, a Terapia cognitivo-comportamental é uma abordagem usada em terapia de grupo
e pode ser classificada em três divisões principais: 1) terapias de habilidades de enfrentamento,
que enfatizam o desenvolvimento de um repertório de habilidades que objetivam fornecer ao
paciente instrumentos para lidar com uma série de situações problemáticas; 2) terapia de solução
de problemas, que enfatiza o desenvolvimento de estratégias gerais para lidar com uma ampla
variedade de dificuldades pessoais; e 3) terapias de reestruturação, que enfatizam a pressuposição
de que problemas emocionais são uma consequência de pensamentos mal adaptativos, sendo a
meta do tratamento reformular pensamentos distorcidos e promover pensamentos adaptativos.
Esta abordagem teve grande contribuição da terapia cognitiva de Aaron Beck (Knapp, 2007).
O presente trabalho objetiva, principalmente, verificar a efetividade da terapia cognitivo-
comportamental de grupo em pacientes transplantados ou em fila de espera. Como objetivos
específicos tem-se: identificar cognições e emoções sobre o processo do transplante em pacientes
transplantados ou em fila de espera; e estimular estratégias de enfrentamento através de mudanças
comportamentais em pacientes transplantados ou em fila de espera.

Método

Neste estudo, participaram 6 transplantados e 2 ainda na fila de espera de transplante, no


total de 5 do sexo feminino e 3 do sexo masculino. As sessões eram semanais, num total de 12
encontros realizados voluntariamente na clínica Espaço do Equilíbrio em Teresina (PI), no ano de
2016, e guiados por uma psicóloga. Os relatos foram gravados em dispositivo de mídia mediante
autorização dos pacientes e depois foi realizada a transcrição do conteúdo.
Utilizou-se a Terapia Cognitivo Comportamental em Grupo que tem como princípios: o
primeiro deles às cognições, cujas influências chegam a dominar a emoção e o comportamento
humano e o segundo relaciona-se à maneira como as atitudes ou comportamentos afetam, tanto
positiva quanto negativamente, a forma como se pensa e se sente. Um dos pilares da Teoria
Cognitivo-Comportamental aponta para o fato de que o ambiente social, no qual o indivíduo
está inserido, influencia sobremaneira as crenças sobre si e sobre o outro e são essas crenças que
nortearão suas interações e pensamentos (D’El Rey, 2007).
Acredita-se que o fator grupo favoreça maior exposição aos pacientes transplantados, uma
vez que eles evitam atividades que são realizadas na presença de outras pessoas. Esta pesquisa

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Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
esteve de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (196/96) para estudos
envolvendo seres humanos. Todos os pacientes assinaram o Consentimento esclarecido.
Foi usado o Inventário de Ansiedade Beck (BAI): o BAI é um inventário autoaplicável,
composto de 21 itens, com alternativas de respostas variando entre “nada” e “gravemente”. A
pontuação total do inventário varia de 0 a 63. A classificação recomendada para a ansiedade é:
0 – 7 = ansiedade mínima; 8 – 15 = ansiedade leve; 16 – 25 = ansiedade moderada; e 26 – 63 =
ansiedade grave (Cunha, 2001).
Nas sessões 1 e 2, os pacientes receberam informações sobre os aspectos psicológicos
envolvendo o transplante e explicação da abordagem cognitivo- comportamental na terapia de
grupo, como por exemplo a reestruturação cognitiva e tarefas para casa.
Nas sessões seguintes, a terapeuta usou o Inventário de Ansiedade Beck (BAI) e trabalhou
com os pacientes a exposição às situações sociais temidas pelo grupo. Durante toda a exposição
houve a orientação sobre a reestruturação cognitiva. Os pacientes foram incentivados a corrigir
as distorções cognitivas que apareceram durante a terapia. Ao final de cada sessão, os pacientes
comentaram sobre as tarefas de casa realizadas durante a semana. Tais tarefas de casa consistiam
na exposição, na vida real, das situações que foram dessensibilizadas nas sessões de tratamento.

Resultados e Discussão

De acordo com o critério utilizado para considerar que o paciente respondeu favoravelmente
à terapia cognitivo-comportamental, 80% dos participantes do grupo de TCCG ao final de 12
semanas de acompanhamento psicoterápico foram considerados como “respondedores”, ou
seja, receberam os escores “melhorado” e “muito melhorado”.
Os pacientes relataram muitos medos sobre o procedimento falhar, mesmo sabendo
que poderia aumentar sua sobrevida. Sobre isso, Persch et al (2013) afirmam que as variáveis
psicossociais vinculadas ao transplante apresentam peso significativo para o receptor e familiar,
uma vez que os envolvidos experimentam receios, medos e preocupações acerca do procedimento
cirúrgico e o que o envolve.
No grupo, foi tão grande a disposição dos pacientes de interagirem entre si, cada um
expressando suas peculiaridades da evolução de seu transplante, da expectativa na lista de
espera, dentre outros, que a psicóloga, teve a estranha sensação de ser uma mera espectadora da
experiência que recém era instalada. Ao oferecer uma escuta empática para o grupo, foi possível
mostrar suas virtudes terapêuticas, ajudar cada um e entre eles se ajudarem. Um exemplo disso
foi o relato de um paciente transplantado há 10 anos, o qual trouxe esperança sobre o futuro dos
pacientes com transplantes recentes.
O fator terapêutico de Yalom e Vinagrodov (1991) da universalização surge em um primeiro
plano já que, nos grupos homogêneos por diagnóstico, todos têm experiências similares por
pelo menos quatro motivos: a) todos têm uma história para contar sobre o diagnóstico comum;
b) todos têm suas curiosidades estimuladas sobre as peculiaridades e os recursos criativos da
personalidade que cada um e todos utilizam para lidar com o tratamento e os desafios provocados
pela evolução da doença; c) o fator terapêutico da coesão surge espontaneamente no grupo como
se já estivesse esperando o grupo se reunir e; d) a livre discussão circulante ocorre nos grupos onde
a reabilitação anima a todos, passando esperança.
As transformações das relações emocionais que permeiam todo o procedimento de
transplante são causadas pela imprevisibilidade da dinâmica das relações existentes e dificilmente
podem ser diagnosticados por meio de protocolos clássicos. Em casos de transplante cadavérico,
sentimento de culpa no receptor muitas vezes se faz presente e alguns referem terem adquiridos
algumas características do doador por informação efetiva ou fantasias fabricadas. Em geral,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1405


NO ONTEXTO BRASILEIRO
quando o órgão é de um cadáver, a identidade do doador não é revelada. Este é um procedimento
que vale para os dois lados, nem o receptor fica sabendo quem é o doador e nem a família do
doador fica sabendo quem foi o receptor, esta é a condição para a doação, preservar a intimidade
de ambos, tendo exceção quando há autorização da família do doador.
Isso foi discutido no grupo, onde uma paciente, de 48 anos, transplantada de rim e pâncreas,
expressou emoções antes reprimidas por ela mesma. Foi relatada elevada perda visual e de alguns
dedos dos pés, o que levou ao isolamento social, por temer cair enquanto andasse pelas ruas.
Mesmo com o tratamento, a paciente apresentou insuficiência renal passando por quatro anos de
sessões de hemodiálise. Foi cadastrada na lista de transplantes. Feito o transplante, foi operada
por complicações duas vezes, onde em uma delas passou vinte e oito dias na UTI. Após doze
anos, os órgãos transplantados funcionam sem necessidade de insulina ou hemodiálise. E ao se
encontrar com a família do doador, que autorizou a informação, afirmou: “Agora tenho vida
dentro de mim”.
A mistura de sintomas de natureza orgânica e psicológica é característica de mudanças
psicológicas em pacientes transplantados no período imediato e posterior do pós-cirúrgico. Livre
do tratamento e do contato intensivo com a equipe médica, o paciente em sua “nova liberdade”
sente-se inseguro e desprotegido, inundado pela relação ambivalente frente as suas novas
habilidades e seus velhos desejos (Contel, 1997). No período pós-cirúrgico imediato, o medo
da rejeição do órgão paira sobre toda ação que ele faz e determina o seu comportamento, seu
humor e restringe suas atividades. Com o tempo, o medo é diluído gradualmente e deixa de estar
focalizado na possibilidade da morte.
Nesse contexto, a contribuição do psicólogo é introduzir e respeitar a dimensão subjetiva
do paciente durante todo o processo de transplante. Desde o contato inicial para avaliação pela
equipe responsável, os pacientes passam por uma série relativamente padronizadas de etapas do
processo de transplante: avaliação para ser aceito como um potencial receptor de transplante; a
espera de um órgão satisfatório de doador; a cirurgia e o período de recuperação pós-cirúrgica e
os ajustes a longo prazo do pós-transplante (Lazzaretti, 2006).
Para Botega (2006), o processo de adoecimento e hospitalização são vividos como quebra
da linha de continuidade da vida, das funções desempenhadas no dia a dia e, de certa
previsibilidade que guardamos sobre o dia de amanhã, há uma interrupção da continuidade
existencial e da referência temporal. Os resultados desse estudo corroboram com a afirmação
acima, uma vez que a maioria dos participantes identificou o longo período de hospitalização e as
alterações do cotidiano como situações estressoras.
A psicoterapia de grupo tem a vantagem de facilitar o reconhecimento dos recursos que
cada paciente individual utiliza para fazer frente à crise vital provocada pela doença orgânica
aguda ou pelas sequelas, muitas vezes catastróficas, produzidas pela cronicidade. Nas situações
mais drásticas é a morte, a dor insuportável ou a mutilação irreversível que ronda o grupo.
Infelizmente, há poucos estudos controlados em nosso país sobre o tratamento cognitivo-
comportamental de grupo para os transplantados ou quem está na lista de espera de um
transplante, embora a literatura internacional já tenha mostrado a eficácia dessa modalidade de
tratamento nessa temática.
Assim, as evidências encontradas nesse estudo sugerem que a TCCG seja um tratamento a
ser empregado na assistência a esses pacientes, para que os anseios negativos que os acarretam
sejam minimizados.

1406  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Referências

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Botega, N. J. (2006). Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência (2a. ed.). Porto
Alegre, RS. Curitiba, PR: Artmed.

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Um novo Significado para a Prática Clínica. São Paulo: Pioneira.

Contel J. O. B. - Psicoterapia de grupo com pacientes internados e egressos. Em: Zimerman D.; Osorio L. C.
(Orgs.). (1997). Como Trabalhamos com Grupos. pp. 269-282, Artes Médicas.

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D’El Rey GJF, Beidel DC, Cejkinski A, Greenberg PN, Chavira DJF. (2007). Manual de tratamento
cognitivo-comportamental em grupo para fobia social generalizada. Psychiatry On Line Brazil [serial
on the Internet].[citado 2007 Jun 11]; 12(4). Disponível em: http://www.polbr.med.br/ano07/
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Lazzaretti, C. T. Transplante de órgãos: avaliação psicológica. (2006). Psicol. Argum., Curitiba, v.


24, n. 45 p. 35-43, abr./jun.

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Ciências Biológicas e da Saúde, 1(1):1-14. Disponível em: http://200.230.184.11/ojs/index.php/
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Zimerman D.; Osorio L. C. (1997). Como Trabalhamos Com Grupos. Artes Médicas. Porto Alegre.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1407


NO ONTEXTO BRASILEIRO
EDUCAÇÃO E SAÚDE MENTAL: CAMINHOS PARA
A PREVENÇÃO DO SUICÍDIO
Flavia Regina Sousa Martins
Evelyne Ellene Alves de Carvalho
Michelangela Alves de Brito
Rosa Régia Sousa de Medeiros

Introdução

O
interesse inicial pelo tema Suicídio para a realização desta pesquisa surgiu a partir
de uma experiência na equipe de saúde mental no Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS), na cidade de Floriano-PI, no ano de 2013, período no qual as tentativas
de suicídio pelas pessoas atendidas no serviço faziam parte de um cotidiano que preocupava a
equipe como um todo, merecendo maiores aprofundamentos analíticos que favorecessem uma
atuação mais efetiva sobre o fenômeno.
Sentiu-se a necessidade de revisitar esta realidade, com o intuito de identificar alguma
mudança a partir da tentativa de intervenção no que se refere à redução dos índices de tentativas
de suicídio, após trabalho de conclusão que levantou o perfil sócio demográfico dos usuários
de procedimento assistidos no Centro de Atenção Psicossocial - CAPS II Adulto, que tentaram
suicídio.
Esta pesquisa constitui-se, portanto, como uma breve ampliação da discussão teórica a
respeito do tema, voltando a atenção para a perspectiva atual com relação ao suicídio, seus
índices, correlações entre ele e o transtorno mental, bem como as possibilidades de ampliação das
informações a respeito do tema. Pretende-se ainda trazer a discussão para o contexto educacional
nas instituições de ensino, uma vez que, em nossa prática profissional cotidiana como docentes,
psicólogas e enfermeiras, temos identificado constantemente situações de estudantes jovens, em
idade produtiva, com histórico de transtornos de humor. Dentre os mais comuns a depressão e
transtorno bipolar bem como transtornos mentais mais graves como episódios psicóticos, uso
de substancias entorpecentes, utilizados como forma de superar dificuldades emocionais, e por
fim alunos e alunas que em algum momento desenvolveram equivocadamente pensamentos e/ou
ideação suicida como forma de minimizar sofrimentos psíquicos intensos.

Desenvolvimento

Discute-se a partir das sessões seguintes, aspectos importantes relacionados ao


comportamento suicida. Busca-se abordá-lo a partir de perspectivas distintas de diversos autores
e áreas do conhecimento como a Psicologia, a Sociologia, a Medicina e a Educação. Igualmente
busca-se dar importância ao comportamento suicida como um problema de saúde pública.
Nesse sentido pretende-se a partir da relação existente entre as citadas áreas do saber, construir

1408  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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ou mesmo perceber o tema em discussão de um modo multidisciplinar na tentativa de chegar
até o público alvo que se deseja por meio de diversas possibilidades e intervenções continuadas
e pontuais. Acredita-se assim que as discussões propostas possam se caracterizar um caminho
através do qual seja possível compreender melhor e como resultado ajudar as pessoas com
sofrimento psíquico intenso.

Suicídio: Contextos e Concepções

Historicamente o comportamento suicida sempre existiu, mas a forma de compreensão


sobre este fenômeno variou nas sociedades, intrigando estudiosos, com tendências na sociedade
ocidental moderna a ser um tema tabu. Assim como a morte, de uma maneira geral, também o
suicídio se configura algo sobre o qual normalmente as pessoas não gostam de falar. Contudo,
modificaram-se com o passar do tempo o modo de concebê-lo socialmente. Com maior ou
menor tolerância, resultado de conflitos existenciais dos mais diversos, decorrentes muitas vezes
de vivencias de violência, agressão, manifestações de ódio, sofrendo a influência religiosa que
considera o comportamento suicida como pecado mortal ou que contribui com a intensificação
dos conflitos que ampliam o sofrimento psíquico das pessoas e ainda são equivocadamente
concebidos como forma de chamar atenção sobre si mesmo, ou simplesmente aceito em
determinadas circunstâncias, como parte de um transtorno ou um sintoma já esperado em
situações de diagnósticos psiquiátricos crônicos definidos.
Conforme Correa & Barreto (2002), o vocábulo suicídio deriva do latim, a partir das palavras
“sui” (si mesmo) e “caedes” (ação de matar-se). Percebe-se etiologicamente uma definição
simplória que apenas traduz o termo a que se refere, porém essa análise precisa ir muito além do
que os termos etiológicos limitam.
O comportamento suicida, independentemente das polêmicas sobre sua origem, sempre
esteve presente entre as sociedades. Desde as culturas pré-históricas, entre os habitantes gregos,
no México antigo, entre os Wikings e no Oriente. Cada uma das várias escolas filosóficas tinha sua
própria posição sobre a questão, variando de uma completa oposição, como entre os pitagóricos,
até uma completa aceitação como entre os epicurianos (Durkhein, 2005).
De acordo com Durkheim (2005 p.13) “o suicídio é toda a morte que resulta mediata ou
imediatamente de um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima”. Compreende-se
a partir desta definição inicial do autor que o comportamento ou ação suicida somente assim
poderá ser considerada quando a ele for possível atribuir causa seja ela interna ou externa ao
indivíduo. Compreende-se igualmente que a incompletude do conceito não oferece diferenciação
entre o comportamento suicida que ocorre dentro de um quadro psicótico daquele realizado
pelo indivíduo que, apesar do intenso sofrimento psíquico mantém preservada funções mentais
importantes como a consciência. Em um tentativa de ampliação do conceito, Durkheim (2005,
p.15) completa, “chama-se suicídio, toda morte que,. . .ato que a vítima sabia dever produzir esse
resultado. A tentativa de suicídio é o ato assim definido, mas interrompido antes que dele resulte
a morte”
Até o século XVII, o suicídio foi tratado principalmente por um viés filosófico-moral-religioso.
Foi somente a partir do século XIX que se tentou uma abordagem mais cientifica com Esquirol na
psiquiatria e Durkheim na sociologia com seu “Lê Suicide”. Com isso foi possível tentar entendê-
lo em vários aspectos diferentes: psiquiátrico, sociológico, psicológico e, mais recentemente,
biológico.

“É principalmente a partir de Agostinho de Hipona (séc. V), também chamado por alguns de
Santo Agostinho, que a morte de si passa a ter uma conotação pecaminosa. Posteriormente,

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1409


NO ONTEXTO BRASILEIRO
ainda na Idade Média, passa a ser compreendida como crime, porque lesava os interesses da
Coroa: aqueles que se matavam tinham seus bens confiscados pela Coroa, em detrimento
de suas famílias, e os cadáveres eram penalizados. Ao final da Idade Média, com a separação
entre a Coroa e a Igreja, o poder médico passa a ocupar um lugar privilegiado no controle da
sociedade, de maneira que, a partir de então, são os “médicos” que definem a negatividade
da morte voluntária, deslocando o fenômeno do pecado à patologia e qualificando-o como
loucura.” (Conselho Federal de Psicologia, 2013, p. 16).

Psicologicamente o estudo do suicídio indica a existência de estágios no desenvolvimento da


intenção suicida, iniciando-se geralmente com a imaginação ou a contemplação da ideia suicida.
Posteriormente, um plano de como se matar, que pode ser implementado por meio de ensaios
realísticos ou imaginários até, finalmente, culminar em uma ação destrutiva concreta. Contudo,
não podemos esquecer que o resultado de um ato suicida depende de uma multiplicidade de
variáveis que nem sempre envolve planejamento (Durkheim, 2005).
Algumas teorias tentam explicar o suicídio. Dentre elas temos a teoria Psicanalista, da
Aprendizagem, da Desesperança/Desespero/Culpa, Teoria Sociológica e Teoria Biológica.
Conforme a teoria psicanalítica o ser humano possui dois instintos primários básicos
conhecidos como Eros e Thanatos, instinto de vida e morte subsequentemente. O Thanatos tem
como meta devolver ao indivíduo o estado de calma e não existência do qual ele veio e uma vez
sobreposto ao instinto de vida pode levar o individuo a cometer o suicídio. Ainda conforme a
mesma teoria a meta do suicida não é a autodestruição, mas a destruição de um objeto externo
internalizado. Este objeto gera sentimentos ambivalentes de amor e ódio, que podem permanecer
latentes e serem despertados a qualquer momento da vida do indivíduo em situações que
provoquem sentimentos de dor e raiva reprimidos inicialmente. (Holmes, 2001).
Na Teoria da Aprendizagem a imitação é a premissa básica para a explicação do suicídio.
Pessoas realizam tentativas de suicídio após ouvirem relatos históricos de outras pessoas ou
mesmo após assistirem reportagens sobre o tema na televisão. O contagio comportamental se
refere ainda a restrições culturais que podem impedir o individuo de fazer algo. Diferencia-se
da imitação porque no contágio comportamental a pessoa deseja fazer algo, sente-se impedido
porque a sociedade julga o ato como errado, mas ao ver alguém realizar aquele ato e escapar
pensa ser possível escapar também.
Em estudo realizado por Bowlby (1981), constatou-se que fatalidades com veículos
automotores aumentaram após suicídios bem divulgados e levantam a possibilidade de que
outros acidentes nos quais os indivíduos foram mortos fossem na verdade suicídios encobertos.
Refere também que o contagio comportamental ao se referir a restrições culturais podem impedir
o indivíduo de fazer algo contra si. Diferencia-se da imitação porque no contágio comportamental
a pessoa deseja fazer algo, sente-se impedido porque a sociedade julga o ato como errado, mas
ao ver alguém realizar aquele ato e escapar pensa ser possível escapar também. Por (Bowlby, 1981
citado em Holmes 2001 p. 205)
No mesmo estudo identificaram a desesperança como fator cognitivo central subjacente
na predisposição ao suicídio. O indivíduo sente-se incapaz e impotente para realizar qualquer
mudança apesar de perceber a impossibilidade de ir adiante sem que haja uma modificação na
sua vida, o que gera culpa e auto-recriminação. (Ghosh e Victor 1994, citado em Holmes 2001,
p.207)
Segundo Durkheim (2005) a tentativa de definir conceitualmente o suicídio passa por diversos
pontos de vistas. Em sua análise cita Sêneca que refere que o suicídio é um ato de heroismo; Kant
que define como a destruição arbitrária e premeditada que o homem faz de sua natureza animal;
Rosseau que define como uma violação ao dever de ser útil ao próprio homem; Nietzsche que diz

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ser o suicídio admitir a morte no tempo certo e com liberdade e por fim em última análise cita Jean
Paul Sartre que compreende o suicídio como uma fuga ou um fracasso. Posições diversificadas
que deixam claro a natureza do julgamento do suicídio como positivo ou negativo e de extremos
opostos como entre Sêneca e Sartre.
A primeira teoria que tentou explicar as causas do suicídio foi a psiquiátrica a partir de Pinel
e Esquirol. Historicamente foi associada à loucura e como tal deveria ser abordada prevenindo
seus efeitos, por exemplo, a partir de um choque violento para corrigir os “defeitos mentais”.
[grifo nosso]. Em 1927, Esquirol sistematizou sua teoria a partir dos quatro tipos: escapista,
que caracteriza fuga de situações intoleráveis; agressivo que envolve subtipos como o crime, a
vingança, correio-negro e apelo e oblativo caracterizado pelo sacrifício lúdico pela necessidade de
se provar algo e o jogo (Corrêa & Barrero, 2002).
Segundo Holmes (2001, p 192) há três características próprias do estado em que se encontra
a maioria das pessoas sob risco de suicídio: “A ambivalência , o predomínio do desejo e a rigidez/
constricção” Respectivamente a ambivalência seria atitude interna característica das pessoas que
pensam em ou que tentam o suicídio. Quase sempre querem ao mesmo tempo alcançar a morte,
mas também viver. O predomínio do desejo de vida sobre o desejo de morte é o fator que possibilita
a prevenção do suicídio. Muitas pessoas em risco de suicídio estão com problemas em suas vidas e
ficam nesta luta interna entre os desejos de viver e de acabar com a dor psíquica. Se for dado apoio
emocional e o desejo de viver aumentar, o risco de suicídio diminuirá. A impulsividade que leva ao
suicídio pode ser transitória e durar alguns minutos ou horas. Normalmente, é desencadeado por
eventos negativos do dia-a-dia. Acalmando tal crise e ganhando tempo, o profissional da saúde
pode ajudar a diminuir o risco suicida. A rigidez/constrição vai caracterizar o estado cognitivo de
quem apresenta comportamento suicida é, geralmente, de constrição.
Entende-se que a consciência da pessoa passa a funcionar de forma dicotômica: tudo ou
nada. Os pensamentos, os sentimentos e as ações estão constritos, quer dizer, constantemente
pensam sobre suicídio como única solução e não são capazes de perceber outras maneiras de sair
do problema. Pensam de forma rígida e drástica: “O único caminho é a morte”; “Não há mais
nada o que fazer”; “A única coisa que poderia fazer era me matar”. Análoga a esta condição é a
“visão em túnel”, que representa o estreitamento das opções disponíveis de muitos indivíduos em
vias de se matar. Esses fatores associados ou em conjunto podem contribuir significativamente
para o aumento dos riscos de suicídio, principalmente em pessoas jovens, em idade produtiva
De acordo com o a cartilha do Conselho Federal de Medicina intitulada Suicídio: conhecer
para prevenir, lançada em 2014, o suicídio é definido como um ato deliberado executado pelo
próprio individuo, cuja intenção seja a morte, de forma consciente e intencional, mesmo que
ambivalente, usando meio que ele/ela acredita ser letal, fazendo parte ainda do que habitualmente
chamamos de comportamento suicida, os pensamentos, os planos e as tentativas de suicídio
Compreende-se a partir da conceituação acima que a sua própria definição é bastante
ampla e considera aspectos relacionados à subjetividade da pessoa que sofre. Ao considerar que o
suicídio é um ato deliberado e letal isso nos leva ao entendimento de que, a depender do nível de
sofrimento e comprometimento psíquico, a pessoa pode realizar tentativas as mais diversas. Para
uma pessoa sem a informação necessária, as tentativas não são consideradas de fato uma ideação
ou mesmo um comportamento suicida.
A exemplo disso, muitas pessoas ao tomarem conhecimento de que alguém tentou suicídio
através do uso de medicamentos, afirmam categoricamente não se tratar de uma tentativa porque
no seu entendimento quando alguém assim deseja, utiliza outros meios como arma de fogo,
enforcamento ou envenenamento. Essa compreensão dificulta o processo de entendimento sobre
o pensamento, a verbalização e mesmo a tentativa de suicídio como algo grave, independente da
forma que a pessoa escolheu para fazê-lo.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1411


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Do ponto de vista biológico a reduzida produção de hormônios específicos a exemplo da
serotonina e noradrenalina dentre outros também contribuem com alterações significativamente
o humor, e se caracterizam alertas importantes que precisam ser cuidados. Alguns sinais podem
ser identificados na história de vida e no comportamento das pessoas que podem sinalizar risco
de suicídio. Portanto, deve-se ficar mais atento com aqueles que apresentam: comportamento
retraído, inabilidade para se relacionar com a família e amigos, parca rede social; doença
psiquiátrica; alcoolismo; ansiedade ou pânico; mudança na personalidade, irritabilidade,
pessimismo, depressão ou apatia; mudança no hábito alimentar e de sono; tentativa de suicídio
anterior; odiar-se, sentimento de culpa, de se sentir sem valor ou com vergonha; uma perda
recente importante – morte, divórcio, separação; história familiar de suicídio; desejo súbito de
concluir os afazeres pessoais, organizar documentos, escrever um testamento, etc.; sentimentos
de solidão, impotência, desesperança; cartas de despedida; doença física crônica, limitante ou
dolorosa; menção repetida de morte ou suicídio.
Conforme dados do National Institute of mental Health, 1976, existem explicações
psicodinâmicas contemporâneas para o suicídio que envolvem fenômenos como conflito, estresse
e suicídio. Pessoas cometem suicídio para escapar de conflito e estresse. O aumento das taxas
de suicídio durante a Grande Depressão na década de 30 e a recessão econômica da década de
70 evidenciou esta relação. De modo geral, porém pairam dúvidas quanto a esta relação direta
devido a duas situações especificas: nem todos que são expostos ao estresse cometem suicídio e
a segunda é que indivíduos que cometem ou tentam suicídio nem sempre estão vivendo situação
de estresse. (Holmes, 2001).

O suicídio como um problema de saúde pública no Brasil: intervenções possíveis entre saúde e
educação

O suicídio atualmente é concebido como um problema de saúde pública no mundo inteiro.


A Organização Mundial da Saúde – OMS, estimou no ano de 2014 cerca de 804 mil pessoas
morreram por suicídio em todo o mundo, o que corresponde a taxas ajustadas para idade de 11,4
por 100 mil habitantes por ano, sendo 15,0 para homens e 8,0 para mulheres. Ainda conforme
a mesma fonte, a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio, e a cada três segundos uma
pessoa atenta contra a própria vida. As taxas de suicídio vêm aumentando globalmente. Estima-se
que até 2020 poderá ocorrer um incremento de 50% na incidência anual de mortes por suicídio
em todo o mundo, sendo que o número de vidas perdidas desta forma, a cada ano, ultrapassa o
número de mortes decorrentes de homicídio e guerra combinados.
Conforme o Manual do Conselho Federal de Medicina, (2014), O Brasil é o oitavo país em
número absoluto de suicídios pois em 2012 foram registradas 11.821 mortes, cerca de 30 por
dia, sendo 9.198 homens e 2.623 mulheres. Entre os anos 2000 e 2012, houve um aumento de
10,4% na quantidade de mortes, sendo observado um aumento de mais de 30% em jovens. O
autor chama atenção no entanto para uma análise cautelosa dos dados devido a possiblidades
de subnotificação e a variabilidade regional das taxas. Isso significa que os números de casos
podem ser superiores aos divulgados pelo Serviço de Notificação de Mortalidade SIM, uma vez
que devido ao preconceito que envolve o tema, muitos casos não chegam ao conhecimento dos
serviços de saúde.
Segundo Brasil (2017), através de dados do Ministério da Saúde, o Brasil, é signatário do
Plano de Ação em Saúde mental lançado em 2013 pela Organização Mundial de Saúde – OMS e
a redução das taxas de mortalidade fazem parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
até o ano de 2013. Nesse sentido faz parte das ações acompanhar o número de mortes e o
desenvolvimento dos planos de ação.

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Apesar dos esforços, assustadoramente observa-se que, de acordo com os dados do
Ministério da Saúde analisados no ano de 2017, permanece um aumento significativo nos casos
de suicídio no país, principalmente entre jovens de 15 a 29 anos de idade, mesmo diante da
implantação e implementação de programas e projetos que visam desconstruir os estereótipos e
preconceitos na discussão do tema e reduzir o número de mortes.
Essas constatações resultaram em um esforço mundial para tentar modificar esse panorama
desfavorável através do planejamento de políticas de saúde pública e ações específicas de combate/
prevenção ao suicídio.
Nesse sentido o Brasil tem estabelecido agenda estratégica de prevenção ao suicídio com
a finalidade de qualificar a assistência e a notificação dos casos. Uma das ações é o reforço à
prevenção através do Setembro Amarelo, da ampliação do Acordo de Cooperação Técnica com
os Centros de Valorização da Vida (CVV) em estados do país onde os números de tentativas de
suicídio aumentaram muito nos últimos anos, a exemplo do Piaui. A distribuição de materiais
direcionados aos profissionais da saúde, população e mídia além da discussão permanente de
grupos de trabalho em vigilância e de atenção à saúde e saúde indígena.
A fim de alcançar o objetivo assumido no plano de Ação e Prevenção de Saúde Mental, o
Brasil ainda desenvolve em sua agenda de ações, estratégias visando a melhoria na qualificação da
assistência em saúde mental a partir de eixos de discussão que envolvem a própria notificação das
tentativas de suicídio, o registro dos óbitos, além de estudos e pesquisas na área em discussão.
Outros eixos igualmente importantes que fazem parte dessa política são aqueles relacionados
com a prevenção ao suicídio propriamente dito. Nesse sentido o Ministério da Saúde promove
a articulação inter setorial visando o desenvolvimento de ações de promoção da saúde mental e
automaticamente a redução dos casos de suicídio.(Brasil, 2009)
Podemos pois afirmar que em tese que existem iniciativas que favorecem a ampliação das
discussões acerca da prevenção das tentativas de suicídio bem como ações mais especificas no
campo da terapêutica dos casos identificados intencionando a melhoria na qualidade da saúde
mental das pessoas que sofrem com os transtornos e no desenvolvimento de ações educativas
continuas que oriente a todos os profissionais no sentido do caminhar para a identificação de
potenciais e o suporte necessário a intervenções pontuais.
Olhando nessa direção percebemos que com o terceiro eixo de que trata o plano de ações do
Brasil, o processo de educação permanente em articulação com os serviços de saúde e de outras
políticas assistenciais, intenciona alcançar o maior número de pessoas com sofrimento psíquico
através de uma atuação mais segura e destituída de preconceitos dos mais diversos modos que
só imperam o processo de conscientização e de entendimento acerca dos fatores envolvidos nos
transtornos psicológicos. Acredita-se que desta forma, chegando aos profissionais imbuídos da
missão de cuidar seja possível igualmente chegar àqueles e aquelas que necessitam desse auxilio.
Observa-se, contudo que os investimentos vultuosos têm um foco predominantemente
voltados para as ações ligadas ao aspecto da saúde como principal possibilidade de alcance da
população que sofre. Isso nos leva ao entendimento que se faz necessário um maior investimento
coletivo de ações voltadas para ampliar as ações que visem a educação permanente dos serviços,
levando à interdisciplinaridade dos diversos saberes e assim alcançar outros espaços enquanto
possibilidade de atuação e de intervenção eficaz no combate ao crescente índice de suicídio que
nos deixa cotidianamente impactados com os números, que além de ser um dado estatístico
representa um contingente de pessoas que decidiram por algum motivo por um fim à própria vida.
Nesse sentido acredita-se que além das intervenções realizadas a partir da implementação
de ações de saúde individual ou coletiva, outros espaços como a escola precisam ser revisitados
em seu mais amplo sentido. No seu sentido conceitual onde a entendemos como uma estrutura
fixa, estável e fria, caracterizada por muros, paredes, salas de aula onde se ensina conteúdos

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1413


NO ONTEXTO BRASILEIRO
necessários ao desenvolvimento cognitivo das pessoas que lhe frequentam. Revisitar esta escola
significa entende-la como um espaço de construção do saber formal e ao mesmo tempo da
construção de vida e de cidadania.
Na escola também enquanto espaço dinâmico de relações, e muitas vezes fonte da única
possibilidade de contato com a afetividade, alegrias e conquista são compartilhados. Mas
também é neste espaço que segredos, angustias, sofrimento, frustrações são na maioria das vezes
escondidos por jovens que perderam ou que perdem diariamente a esperança e a expectativa
de futuro. E por pensar assim, veem no suicídio, muitas vezes anunciado e não ouvido, a única
possibilidade de libertação.
Por tudo isso se acredita que é urgente a necessidade de transformar esta realidade através de
ações mais eficazes e pontuais no que se refere à discussão como medida preventiva ao suicídio. E
se observarmos de perto pode ser mais simples do que imaginamos. Não é necessário ter formação
específica em psicologia ou psiquiatria para entendermos que mudanças súbitas significativas que
normalmente alteram o comportamento de alguém, principalmente de jovem, precisam ser vistos
com a devida atenção e zelo. Normalmente mudanças que interferem no desempenho escolar ou
acadêmico do estudante e mesmo no seu cotidiano.
Acredita-se que a intervenção da escola nos casos de tentativa de suicídio é urgente.
Comportamentos como a falta de interesse nas atividades habituais, o declínio geral nas nota,
a diminuição no esforço/interesse, a má conduta na sala de aula, as faltas não explicadas e/
ou repetidas, o comportamento de ficar “matando aula”, o consumo excessivo de cigarros
(tabaco) ou de bebida alcoólica, ou abuso de drogas (incluindo maconha) e ainda incidentes
envolvendo a polícia e o estudante violento são alterações significativas que, isoladamente são
apenas comportamentos, mas, associados ou em conjunto em uma sequência de três a cinco em
situações frequentes, podem ser indicio de que algum processo de sofrimento psíquico esteja se
realizando e colocando a pessoa jovem em situação de vulnerabilidade.
Nesse sentido intervenções pontuais precisam ser realizadas. Tais ações precisam envolver a
todos que fazem parte do contexto. Voltadas para o fortalecimento da autoestima e auto imagem
positivas; o desenvolvimento junto ao jovem, da compreensão de que se faz necessário a expressão
do seu afeto seja ela de qual natureza for. Bom, ruim, positivo, negativo, de amor ou de desamor,
para assim trazê-los à consciência e ter condições de se perceberem imperfeitos e exatamente por
assim serem, humanos.
Em última instancia os serviços de saúde dispõem de núcleos de educação permanente
que visam instrumentalizar as diversas equipes tanto dos serviços de saúde como de outras áreas
como a educação e assistência social no sentido de oferecer subsídios, materiais, treinamentos
especiais para a identificação dos casos, melhor resultado na identificação de possíveis sinais
ou comportamentos característicos e a forma mais eficaz de atuar em situações de crise ou
nas possibilidades de encaminhamentos aos demais serviços quando da impossibilidade de
intervenção pontual.

Considerações Finais

Os tabus que ainda cercam a temática do suicídio é algo ainda preocupante uma vez que
observamos cotidianamente expressões de uma linguagem plena de equívocos, pré-conceitos e
distorções que impedem um maior entendimento da sua importância. É comum nos diversos
contextos ouvir de pessoas, situadas em níveis de escolaridade igualmente diferenciados expressões
que trazem implícito e explicitamente a ideia de que quem quer matar não avisa e outras expressões
do gênero.
As concepções sociológicas e psicológicas sobre o suicídio versam sobre a busca de um
entendimento que situe homens e mulheres em uma perspectiva mais humanizada do fenômeno

1414  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
do suicídio, entendendo de igual forma que ele se trata de uma questão mais séria e complexa do
que as pessoas costumam tratar e que desse modo precisam ser rediscutidas nos mais diversos
espaços.
No que se refere ao sentido do fazer educacional enquanto medida de promoção da
vida parte-se do princípio de que além das intervenções realizadas a partir da implementação
de ações de saúde individual ou coletiva, espaços como a escola sejam revisitados em seu mais
amplo sentido, desde sua estrutura até sua funcionalidade e influencia na vida dos jovens que a
frequentam diariamente.
A intervenção pontual permeia ainda a tomada de atitudes ao perceber situações potenciais
e suicídio, indo além da prevenção. Percebendo o risco iminente de suicídio, as pessoas que são
parte do contexto educacional precisam da habilidade necessária para o manejo da situação a fim
de fornecer a ajuda pontual e a condução da situação junto à pessoa que sofre e também junto à
família momentaneamente vulnerável e carente de orientação e apoio. Comunicar a família, dar
a assistência necessária, a discrição que a situação pede, sem alarde e o acompanhamento das
intervenções, tratamentos até que a situação mude são meios que, uma vez bem utilizados podem
levar a eficácia e ajudar a reduzir os riscos das tentativas de suicídio entre os jovens.
Importa ainda maiores esforços no sentido da implementação das ações prevista pelos
programas e projetos que fazem parte da agenda nacional de compromissos e estratégias do
Ministério da Saúde no tocante à prevenção do suicídio e a redução dos casos e do número de
pessoas que morrem vitimados pela desesperança, pela falta de perspectiva e pelo sofrimento
mental impregnado em tudo isso.

Referências

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Programáticas Estratégicas. Agenda Estratégica de Prevenção ao Suicídio e Promoção da Saúde no Brasil:
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1415


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1416  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
A RECIDIVA EM ONCOLOGIA PEDIÁTRICA A PARTIR
DA PERSPECTIVAS DOS PROFISSIONAIS
Sabrina Magalhães Martins da Silva
Bárbara Jéssyca Magalhães
Cynthia de Freitas Melo

Introdução

O
câncer se configura como um problema de saúde pública, principalmente em
países em desenvolvimento. Expresso em dados numéricos, é responsável por
12% das mortes no mundo, com mais de seis milhões de mortes a cada ano.
No Brasil, é a segunda maior causa de morte da população, com 190 mil casos por ano, 60%
desses diagnósticados em estágio avançado (Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes
da Silva, [INCAa], 2017a). Entre esses números, encontram-se os casos de câncer infantil (0,5%
a 3%), compreendido como toda neoplasia maligna que acomete indivíduos menores de 15
anos (INCA, 2017b). Ocupam a primeira causa de morte por doenças entre crianças (12%),
cuja sobrevida é de 64% (INCA, 2017c). Números que denotam a importância do diagnóstico
precoce, planejamento e avaliação de ações de prevenção e combate ao câncer (Robb & Hanson-
Abromeit, 2014).
Reforçado por esses números, o câncer infantil é um tema que é temido e distanciado
pela sociedade, e uma área que é difícil, e evitada, por muitos profissionais de saúde. Tem uma
representação social bastante negativa, sendo associado à impossibilidade de cura, morte e
sofrimento (Kohlsdorf & Costa Junior, 2012). Seu diagnóstico gera comoção, pela possibilidade de
morte e seu tratamento é temido, por ser um processo longo e doloroso, para todos os envolvidos
(pacientes, familiares e profissionais), apesar da evolução tecnológica das últimas décadas e do
bom prognóstico (Arruda-Colli, Lima, Perina, & Santos, 2016; Rech et al., 2013).
O Câncer gera uma total desestabilização da rotina da criança, visto que esta precisará
passar por longos períodos de hospitalização para o tratamento, ficando impossibilitada de
realizar atividades de cunho escolar, recreativo e social, sofrendo com procedimentos invasivos
e efeitos colaterais que afetarão a sua dieta, autoimagem e autoconceito. Paralelamente, entre
os aspectos psicológicos, ocorrem as queixas, medos, dúvidas e incertezas acerca da realidade
e do tratamento submetido (Arruda-Colli, Perina, & Santos, 2015; Studart-Pereira, Cordeiro, &
Queiroga, 2015).
Igualmente, causa impactos significativos sobre a dinâmica familiar, exigindo uma
reorganização total desta para lidar com a doença (Lanza & Valle, 2014). Isso ocorre, porque,
embora haja possibilidades de cura, há sempre um sentimento de insegurança sobre a probabilidade
de um regresso da doença durante e até o fim do tratamento, podendo gerar adoecimento na
família, fragilizando os relacionamentos, do casal de pais e dos filhos que ficam secundarizados
(Arruda-Colli et al., 2015).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1417


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Paralelamente, os profissionais de saúde, capacitados para a cura como ideal único, com o
dever de “lutar pela vida” até o último suspiro, consequentemente, tem dificuldade de lidar com
a morte, muitas vezes interpretada como impotência, fracasso ou vergonha. Como mecanismo
de defesa, evitam o contato com a morte, com o fracasso, com os sentimentos do próprio
paciente e adiam a comunicação com a família. Também ficam expostos de forma intensa e em
maior frequência diante de sua própria fragilidade e vulnerabilidade enquanto seres humanos e
sofrem com essa rotina, por meio do luto, fadiga, burnout, autorreprovação, distúrbio do sono ou
alcoolismo (Silva, 2009).
Após todo o tratamento, custoso para toda a tríade hospitalar (paciente, familiares e
profissionais), pode ocorrer ainda o ressurgimento da doença após um período de melhora. O
momento da comunicação da recidiva, representa um grande desafio para os profissionais e
resgata nos familiares a vivência do abalo inicial do recebimento do diagnóstico. Essa dificuldade
dos profissionais para a comunicação de más notícias, inclusive de recidiva do câncer infantil,
dá-se por diversos motivos, a destacar a falta de habilidade / capacitação e o desejo da família de
negar ao paciente. Geralmente a equipe de saúde não se sente capacitada para tal tarefa, por falta
de formação, desde a graduação, e desconhecimento de técnicas necessárias para a realização de
comunicação de más notícias. Acompanhar e cuidar de crianças com câncer frente a possibilidade
de morte presente exige competências específicas por parte dos profissionais, como posturas
facilitadoras, sensibilidade e equilíbrio emocional com o propósito de favorecer a resolução do
luto antecipatório que pode desenvolver nos familiares e na própria criança. (Contreras Contreras
& Sanhueza Alvarado, 2016).
A compreensão e avaliação desse processo doloroso, para a criança, família, mas também
para os profissionais, muitas vezes silenciosos, se faz necessária, para que se possa oferecer, não
apenas uma intervenção mais adequada, o que é extremamente importante, mas também retirar
o silêncio desses profissionais, compreendendo as suas limitações, dificuldades e sentimentos
associados. Desta forme, pretende-se contribuir com uma visão mais ampliada, a partir do olhar
dos profissionais. Objetiva-se compreender a vivência de trabalho na recidiva do câncer pediátrico
a partir da perspectiva dos profissionais.

Método

Foi realizada uma pesquisa exploratória, descritiva, de cunho qualitativo com o intuito de
aprofundar-se sobre esse tema pouco explorado na literatura. Para tanto, por critério de saturação,
participaram dez profissionais de saúde (5 psicólogas, 3 médicos e 2 enfermeiras) que atuam na
oncologia pediátrica. Para tanto, foram contatados indivíduos seguindo a técnica da bola de
neve. De acordo com Diehll e Tatim (2004), a partir dessa técnica um participante (escolhido de
forma intencional ou conforme a conveniência do pesquisador) indica outro participante para
constituir a amostra. Teve como critérios de inclusão: ser profissional atuante da na oncologia
pediátrica ou ter tido experiência mínima na área.
Foram utilizados dois roteiros de entrevista semiestruturado, contendo as seguintes
categorias: (1) atuação na oncologia pediátrica (2) comunicação de más notícias e compreensão
sobre a recidiva do câncer (3) a vida e a morte; (4) e a relação paciente-família-profissionais
diante do câncer e da possibilidade de morte e as intervenções utilizadas pelos profissionais de
saúde para uma melhor qualidade de vida.
De acordo com os aspectos éticos referentes a pesquisas envolvendo seres humanos, o
presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza
(UNIFOR), sob o parecer Nº 1.939.406. Posteriormente, foram iniciadas as entrevistas com os
participantes previamente conhecidos, e, a partir desses, foram contatados outros participantes,

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aplicando-se a técnica da bola de neve. Foi solicitado para que estes lessem e assinassem o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, cujo modelo foi elaborado de acordo com a resolução
nº 466/12, informando ao participante que se trata de um estudo científico e que todas as
informações serão mantidas em sigilo, bem como o anonimato de sua participação. As entrevistas
foram realizadas pessoalmente, de forma individual e com auxílio de gravador, em local escolhido
pelos participantes.
As análises dos dados ocorreram em cinco etapas, utilizando-se o programa Iramuteq
(Interface de R pour les Analyses Multimensionnelles de Textes et de Questionnaires). Foram realizadas
análises lexicográficas clássicas para verificação de estatística de quantidade de evocações e
formas. Obteve-se a Classificação Hierárquica Descendente (CHD), para o reconhecimento do
dendograma com as classes que surgiram, desconsiderando as palavras com x2 < 3,80 (p < 0,05).
A partir disso, foi realizada a Análise Fatorial por Correspondência (AFC), para a verificação das
diferenças nos discursos diante dos dados sociodemográficos, bem como a Análise de Similitude,
que a partir da teoria dos garfos, foi permitida a identificação das ocorrências entre as palavras
e sua conexidade. Emitiu-se a Nuvem de Palavras, a fim de agrupar as palavras e as organizar
graficamente em função da sua frequência.

Resultados

Este tópico refere-se às análises realizadas com o objetivo de identificar compreender a


vivência de trabalho na recidiva do câncer pediátrico a partir da perspectiva dos profissionais.
O corpus geral foi constituído por 536 segmentos de texto (ST), com aproveitamento de 406 STs
(75,75%). Emergiram 19.028 ocorrências (palavras, formas ou vocábulos), sendo 2.580 palavras
distintas e 1.337 com uma única ocorrência. O conteúdo analisado foi categorizado em seis classes:
Classe 1, com 74 ST (18,23%); Classe 2, com 71 ST (17,49%); Classe 3, com 71 ST (17,49%); Classe
4, com 77 ST (18,97%); Classe 5, com 56 ST (13,79%); e Classe 6, com 57 ST (14,04%).
Essas seis classes se encontram divididas em três ramificações (A, B e C) do corpus total em
análise. O subcorpus A, recebe o nome de sua única Classe 1 (“A decisão por trabalhar na oncologia
pediátrica”), que se refere aos fatores que influenciaram os profissionais por trabalhar na área
da oncologia pediátrica. O subcorpus B, “O trabalho em oncologia pediátrica”, que contém os
discursos correspondentes à Classe 2 (“A limitações e os desafios de se trabalhar na oncologia pediátrica”),
abordando os desafios e as dificuldades enfrentadas no cotidiano desses profissionais, bem
como o reconhecimento dos próprios limites, e a Classe 3 (“Os sentimentos associados ao trabalho em
oncologia pediátrica”), que aponta para os sentimentos mais presentes e o como lidam com eles. O
Subcorpus C, “A recidiva do Câncer”, que é composto pela Classe 4 (“Possibilidade de cura, tratamento
e cuidados paliativos”), que aponta sobre a possibilidade de cura, indicando que o fato de não ter
possibilidade de cura não necessariamente não tem mais tratamento, a Classe 5 (“A comunicação
da recidiva do Câncer e o Acompanhamento psicológico”), indicando que o acompanhamento psicológico
inicia durante e depois do processo de comunicação do diagnóstico da recidiva, ou seja, desde a
entrada do paciente no hospital, e a Classe 6 (“Compreensão da Criança”) apontando que apesar da
idade da criança ela é capaz de compreender, mesmo que minimamente (ver Figura 1).

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1419


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Figura 1 – Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente

Classe 1- A decisão por trabalhar na oncologia pediátrica

Compreende 14,04% (f = 57 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e


radicais no intervalo entre x2 = 6,53 (Hospitalar) e x2 = 76,05 (Oncologia). Essa classe é composta
por palavras como “Oncologia” (x² > 76,06); “Pediatria” (x² > 68,61); “Residência” (x² > 49,02);
“Graduação” (x² > 37,29); “Escolha” (x² > 36,96); “Apaixonar” (x² > 24,73); “Contato” (x² > 19,93);
“Vontade” (x² > 18,25); “Oportunidade” (x² > 12,44) e “Hospitalar” (x² > 6,53). Predominaram as
evocações dos indivíduos que atuam na área médica há dezesseis anos (16 ST; x² = 9.79); na área
psicológica atuante há dois anos (19 ST; x² = 4.42) e há seis meses (7 ST; x² = 3,89).
No estudo realizado, verificou-se a decisão por trabalhar na área da oncologia pediátrica
ocorreu devido à existência de um interesse mínimo pela área desde o período de graduação,
assim como uma identificação particular pelo trabalho com crianças, passando a olhar a pediatria
com certo entusiasmo em algum período do curso. Outro fator importante pela decisão foi a
oportunidade de ter experiência e contato com a área, especialmente durante a residência. Dessa
maneira, pode ser observado nos exemplos:

Trabalhar com criança sempre foi meu foco, então eu tinha certeza que meu público seria criança,
onde eu fosse. E aí na graduação eu fui me apaixonando pela saúde, especificamente pelo
hospital. E aí fiz minha residência em pediatria, fiz especialização também em psicopedagogia,
todas as áreas que eu poderia estar com criança eu fui, e fiz neuropsicologia também. Então
eu vim para o hospital, já fui contratada para vim para pediatria (Psicóloga 2).

Quando eu era aluno de medicina eu tinha muitas dúvidas. Eu cheguei a dizer a alguns
colegas que pediatria era uma coisa que eu nunca faria. Então, pediatria não foi exatamente
minha primeira escolha. Gostei muito de pediatria quando comecei a fazer internato, e eu
gostei de um jeito que resolvi que eu não queria fazer outra coisa, se não, pediatria. Aí eu
resolvi fazer residência em pediatria, entrei e durante a residência, eu entrei em contato com
pacientes da oncologia. Então, o aluno de medicina que dizia que jamais faria pediatria, se
apaixonou por pediatria (Médico 1).

1420  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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Classe 2 – A limitações e os desafios de se trabalhar na oncologia pediátrica

Foi constituída por 18,23 % (f = 74 ST) do corpus total analisado. Composta por palavras
e radicais no intervalo entre x2 = 4,76 (Respeitar) e x2 = 32,18 (Entender). Apresenta palavras
como “Entender” (x² > 32,18); “Limite” (x² > 31,96); “Conseguir” (x² > 29,03); “Trabalhar” (x² >
26,91); “Mãe” (x² > 20,37); “Morrer” (x² > 18,44), “Conhecer” (x² > 9,59) “Chorar” (x² > 9,59),
“Sofrimento” (x² > 5,4); e “Respeitar” (x² > 4,76). Predominaram as evocações de profissional da
área de enfermagem atuante há 8 anos (9 ST; x² = 6.36).
Na análise realizada, verificou-se que estão contemplados os discursos sobre como os
entrevistados compreendem suas limitações diante da criança na oncologia. Observou-se como
uma grande dificuldade lidar com o sofrimento dos pais perante o adoecimento dos filhos, bem
como a pressão que estes exercem sobre os profissionais, exigindo ações mais resolutivas para o
regresso da doença. Como exemplo tem-se:

A maior dificuldade para mim é lidar com o sofrimento da mãe, porque o que se sabe é que
temos que ser profissional, que não podemos se envolver, não podemos levar para casa. Mas
como não fazer isso? (...) Muitas nos culpam pela piora do filho, porque acham que não
estamos fazendo o trabalho direito, da melhor maneira possível, ou o suficiente. Acreditam
que a criança teve piora por consequência de algo que fizemos ou deixamos de fazer. Eu não
tomo isso pra mim, na verdade eu tento entender isso, pois ali tem sofrimento (Enfermeira,
2).

Ainda mediante a fala dos entrevistados, também foi percebida grande dificuldade em lidar
com a morte da criança, alegando necessidade de reconhecer os próprios limites emocionais
frente a essas situações. Alegam que se sentem propensos a desenvolver afeição, uma vez que a
criança oncológica é aquela que passa longos períodos de internação, criando o estreitamento da
relação profissional-paciente e profissional-família.

As maiores dificuldades que eu vejo, é mais a questão do enfrentamento. Quando a gente


perde a criança, é muito difícil! Porque o tratamento é muito amplo, nossos pacientes o
mínimo de tratamento deles é de 6 meses, então passam muito tempo, e você se apega,
porque se acompanha todas as crianças, conhece a vida delas e isso não tem como acontecer
(Psicóloga 2).

Classe 3 –Os sentimentos associados ao trabalho em oncologia pediátrica

É constituída por 17,49% (f = 71 ST) do corpus total analisado. Composta por palavras e
radicais no intervalo entre x2 = 6,34 (Pequeno) e x2 = 23,89 (Espaço). Apresenta palavras como
“Espaço” (x² > 23,89); “Lidar” (x² > 23,89); “Desafio” (x² > 20,73); “Impactante” (x² > 19,06);
“Aprender” (x² > 18,92); “Vida” (x² > 15,41); “Gratidão” (x² > 14,26); “Sofrimento” (x² > 13,08);
“Questionar” (x² > 14,26) e “Pequeno” (x² > 6,34). Ponto de Partida 17,49% - 71 ST. Predominaram
as evocações de Psicóloga 2, atuante há 2 anos (21 ST; x² = 20.7) e Psicóloga 3, há 2 anos, mas
com experiência na área de 3 meses (17 ST; x² = 17.16).
Estes referem-se aos sentimentos mais vivenciados diante do adoecimento da criança,
que vão desde a impotência à gratidão, reconhecendo a importância de atuar num espaço tão
íntimo como o universo das crianças e dos pais. Reconhecem a necessidade de estar bem para
desempenhar um bom serviço, assim como a urgência de um espaço autêntico e acolhedor para
trabalhar suas questões. Esses elementos são mostrados em algumas falas:

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1421


NO ONTEXTO BRASILEIRO
No começo era muito impactante, eu sonhava com as crianças, eu tinha um medo muito
grande dos meus sobrinhos adoecerem, porque tudo eu achava que era câncer. A gente
entra no centro pediátrico do câncer, que diariamente tem crianças sendo diagnosticadas,
em distintas fases da vida, e de repente ele vem ser como uma ruptura mesmo, e eu ficava
com muito medo, de alguém da minha família ter, mas hoje eu aprendi a lidar com isso
(Psicóloga 5).

Na análise desse tema, verificou-se que pessoas que se dedicam ao atendimento de crianças
oncológicas vivenciam sentimentos ambíguos e contraditórios na realização de suas atividades,
suscitando conflitos tanto psíquicos quanto físicos, podendo ocasionar intenso desgaste
emocional. A exemplo:

“Nesse trabalho há também tem o sentimento de alegria quando a criança obtém a cura.
Realmente é algo extremante gratificante” (Médico 2)

Classe 4–Possibilidade de cura, tratamento e cuidados paliativos

Foi constituída por 17,49 % (f = 71 ST) do corpus total analisado. Composta por palavras
e radicais no intervalo entre x2 = 5,98 (Paliativo) e x2 = 103,23 (Cura). Apresenta palavras como
“Cura” (x² > 103,23); “Tratamento” (x² > 45,3); “Recidiva” (x² > 41,46); “Possibilidade” (x² >
38,18); “Doença” (x² > 20,37); “Diminuir” (x² > 19,06); “Opção” (x² > 14,26); “Oferecer” (x² >
9,26) “Continuar” (x² > 7,76), “Tentar” (x² > 7,89) e “Paliativo” (x² > 5,98). Predominaram as
evocações de médico atuante há 16 anos (19 ST; x2 = 10.36), médico atuante há 10 anos (13 ST;
X2= 25.74) e Médica 3 atuante há 5 anos (14 ST; X2 = 5.15).
Mediante o estudo realizado essa classe discorre acerca do trabalho e as opiniões dos
profissionais frente a possibilidade de cura, o tratamento e utilização dos cuidados paliativos
quando se esgotam os recursos que possam viabilizar a evolução positiva do quadro clínico
da criança, bem como as respostas e sentimentos dos pais frente ao diagnóstico. Conforme os
discursos, evidencia-se a recidiva como a diminuição das chances de sobrevivência do paciente
pediátrico, e ainda que a cura em um determinado momento não seja mais possível, não se dissipa
a possibilidade de cuidado.

“De uma forma geral o número de doenças que nós temos com opção curativa para recidiva
é pequeno, é mais fácil realmente não se ter uma opção de cura. Agora a inexistência da
possibilidade de cura, não significa exatamente a inexistência de tratamento, você pode
tratar um paciente de forma paliativa para prolongar a sobrevida dele ou pode simplesmente
tratar para diminuir os sintomas” (Médico 1).

“A partir do momento que a criança não tem a possibilidade de cura, jamais ela vai deixar
de ter uma possibilidade de tratamento, porque aí entra os cuidados paliativos” (Médico 2).

Classe 5– A comunicação da recidiva do Câncer e o Acompanhamento psicológico

Foi constituída por 13,79% (f = 56 ST) do corpus total analisado. Composta por palavras
e radicais no intervalo entre x2 = 4,89 (Família) e x2 = 45,02 (Médico). Apresenta palavras
como “Médico” (x² > 45,02); “Acompanhar” (x² > 32,06); “Momento” (x² > 27,77); “Notícia”
(x² > 25,25); “Receber” (x² > 18,41,37); “Apoio” (x² > 14,32); “Demanda” (x² > 14,32);
“Comunicação” (x² > 13,5) “Complicado” (x² > 9,09), “Cuidado” (x² > 9,0), “Intenso” (x² >

1422  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
7,11) e “Família” (x² > 4,85). Predominaram as evocações da Psicóloga 2 atuante na área há
2 anos (18 ST; X2= 10.57).
Esta seção evoca os discursos dos profissionais sobre como compreendem a comunicação
da recidiva e como se dá o acompanhamento psicológico à criança adoecida e à família. Fica
evidente que a comunicação da recidiva é um processo difícil e doloroso, visto que é muito temida
pelos pais, que passam a observar todas as reações da criança. Nesse processo a equipe busca
acolher família e paciente e desenvolver uma comunicação inteligível e transparente sobre a real
situação, com propósito de oferecer um bom suporte.

Geralmente o diagnostico vem da equipe medica. Médico e o psicólogo vão juntos para dar
essa má noticia, eles falam e a gente dar o suporte, mas isso não ocorre sempre, não é regra.
Vejo muito questionamento entre a equipe e a família, que não quer um determinado tipo
de terapia, ou uma quimioterapia mais forte, porque sabe o que ela pode causar, então a
família e a equipe medica também tem muito esse medo em relação ao tratamento (Psicóloga
2).

“Se dá no consultório, a família já vem meio que sabendo, a gente abre o jogo mesmo e
já pedimos vários exames. Não utilizamos a palavra recidiva, para ficar mais claro para a
família, falamos que a doença voltou” (Médico 2).

Classe 6– Compreensão da Criança

Foi constituída por 18,97% (f = 77 ST) do corpus total analisado. Composta por palavras
e radicais no intervalo entre x2 = 3,97 (Perceber) e x2 = 58,49 (Pai). Apresenta palavras como
“Idade” (x² > 33,52); “Perguntar” (x² > 29,94); “Compreender” (x² > 16,42); “Nomear” (x² >
12,91); “Explicar” (x² > 12,27); “Escutar” (x² > 9,31); “Exame” (x² > 8,25); “Internar” (x² > 8,02)
“Medicação” (x² > 5,55), “Comunicar” (x² > 5,11) e “Perceber” (x² > 3,97). Predominaram as
evocações de Médica 3 atuante há 5 anos (25 ST; x² = 16.13) e Psicóloga 2 atuante há 2 anos (14
ST; x²= 3.89).
A Partir da análise realizada verificou-se que a criança em algum momento passa a
compreender o percurso e as especificidades de sua doença, mesmo sem entender a complexidade
e os riscos a que está submetida diariamente. Enfatiza-se a preocupação dos pais sobre o sofrimento
dos filhos caso venham a se aprofundar em detalhes, tentando a todo custo esconder o quadro
clínico como tentativa inicial de proteção, solicitando aos profissionais que não expliquem às
crianças a real situação.

É muito pela idade, a compreensão de uma criança pequena é diferente de um adolescente,


que já é super consciente, ele ler na internet, ele já chega com tudo em mãos, ele já chega
com as dúvidas dele, ele ver os outros colegas, como passam muito tempo juntos e são
processo de anos. (Médica 5)

Independentemente da idade, as crianças sempre sabem sobre o processo delas, mesmo


que elas não consigam dizer “eu estou com câncer” elas percebem, pois é o corpo dela
que está sobre intervenção, fazendo exames, ela ver a mãe chorando, ver o pai, ver toda a
desorganização, ela está ali no leito do hospital internada (Psicóloga 4)

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1423


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Discussão

A literatura enfatiza que escolha por atuar na pediatria se dá frequentemente pela


oportunidade de contemplar na prática a relação discente-docente e discente-paciente no
ambiente hospitalar. O médico residente geralmente toma a decisão após familiarização com a
rotina da especialidade médica, alguns para abdicação e outros pela total dedicação (Silva et. al,
2014).
Entre as dificuldades elencadas pelos participantes na prática de pediatria oncológica está
o lidar com a morte. Isso ocorre porque a sociedade ocidental atual, de uma forma geral, possui
dificuldade em aceitar e lidar com a morte, e sustenta o lugar de responsabilização da vida ao
profissional de saúde, que deve alcançar de qualquer maneira a missão de curar (Hercos et al.,
2014).
Além disso, o ambiente hospitalar e o contato com as famílias e crianças em contexto de
adoecimento, posiciona os profissionais da saúde constantemente diante situações estressoras,
de perdas e de sofrimento contínuo. Esse fator pode gerar excessiva carga emocional, o que eleva
o risco de estresse ocupacional e pode afetar diretamente a qualidade do trabalho oferecido ao
paciente. (Santos & Santos,2015).
Verificou-se também que pessoas que se dedicam ao atendimento de crianças oncológicas
vivenciam sentimentos ambíguos e contraditórios na realização de suas atividades, suscitando
conflitos tanto psíquicos quanto físicos, podendo ocasionar intenso desgaste emocional. O
contato com esses pacientes motiva a vivencia de sentimento de impotência, angústia e frustração
por pressupor resultados quase sempre negativos em relação ao câncer (Hercos et al., 2014).
Embora se compreenda as dificuldades do cuidar na oncologia pediátrica, também se
verifica muitos sentimentos positivos na relação com o trabalho, como a gratidão pelos pacientes
e pelos próprios familiares, que mesmo em sofrimento reconhecem minimamente as ações dos
profissionais como algo significativo. Mencionam as atitudes, as lutas que expressam força diárias
como algo que coopera de maneira relevante para o crescimento pessoal destes, visto que sempre
tinham algo de importante a ensinar. Segundo os discursos analisados o amadurecimento e o
desenvolvimento da empatia são pontos assertivos no desempenho deste trabalho, posto que
não se desenvolve apenas habilidades técnicas ao longo do tempo, mas habilidades como escuta,
colocar-se no lugar do outro, compreensão da dor, do silencio. Também se expressa sentimentos
de alegria, de conquista, principalmente quando há melhora, recuperação e alta do paciente
(Salimena, Teixeira, Amorim, Paiva, & Melo, 2013).
Por outro lado, os discursos dos profissionais também mostraram que o tratamento da
recidiva do câncer é compreendido como um período muito sofrido, sobretudo quando este,
está acompanhado do esgotamento da possibilidade de cura. Dessa forma, a equipe médica que
atua nesse contexto deve ser capacitada para lidar com as inúmeras questões que se apresentam,
inclusive saber reconhecer de acordo com o percurso da doença se a morte é iminente ou não,
como meio proveitoso de resguardar-se de atitudes invasivas e persistentes que prejudiquem o
paciente, recorrendo aos cuidados paliativos tardiamente, limitando o suporte de vida (Valadares,
Mota, & Oliveira, 2013).
Através dessas falas é possível reconhecer que a comunicação de más notícias é um momento
de grande impacto e dificuldade para a família e também para o profissional, visto que se exige
que este desenvolva dispositivos favoráveis à uma comunicação de qualidade, sensível e que cause
um impacto mais ameno sobre quem escuta. Nesse momento é importante oferecer cuidados
específicos a quem recebe o diagnóstico, uma vez que o aparecimento de sintomas já é um grande
alerta para a família, que neste momento já está tomada de intensa ansiedade e expectativas
sobre os resultados, que podem trazer sérias repercussões. A comunicação deve estar circundada

1424  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
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de uma linguagem mais simples possível, clara e objetiva, a fim de que a família possa reconhecer
suas possibilidades e limitações frente à nova situação e ao novo tratamento (Silva, Santos, &
Castro, 2016).
A partir dos discursos dos profissionais, pode-se perceber que a doença vai se apresentando
de forma muito clara para criança independentemente da idade, uma vez que a vivência do
câncer é uma experiência individual, mas que está inserida num contexto de sofrimento, choro,
desespero, desorganização, experimentação da dor por efeito das inúmeras intervenções sobre o
corpo, hospitalização, separação familiar, escolar e limitação da autonomia, entre outros fatores,
o que estimula a criança buscar entender minimamente o que se passa com ela. Mesmo sem
compreender a doença em sua complexidade, tem a capacidade de perceber que está acontecendo
algo de impreciso naquele momento. Os pais são os maiores comunicadores dos atributos da
doença, visto que geralmente são eles que transmitem aos filhos o significado que atribuem ao
câncer (Gomes, Lima, Rodrigues, Lima, & Collet, 2013).

Conclusão

A presente pesquisa objetivou compreender o processo de recidiva do câncer na oncologia


pediátrica a partir da perspectiva dos profissionais de saúde. Com base nas análises dos dados,
constatou-se que a pediatria oncológica não é uma área inicialmente estimada pelos estudantes
em formação, o que demanda um olhar mais sensível e voltado à necessidade de suporte à
criança de um modo geral e não apenas a oncológica. Os dados também revelaram que quanto
aos desafios, lidar com o sofrimento dos pais e da própria criança submetida à tratamentos
intensamente invasivos, conduz o profissional cotidianamente a lidar com situações estressoras,
o que pode desencadear excessiva carga emocional, elevando o risco de estresse ocupacional em
todas as categorias, possuindo assim grande probabilidade de afetar a qualidade do trabalho
oferecido ao paciente.
Também se destacou um misto de sentimentos vivenciados pelos profissionais, que geralmente
envolvem sentimento de impotência, frustração, mas também de gratidão, pela oportunidade de
atuar num espaço tão íntimo como o universo das crianças e dos pais. O material também aponta que
embora a recidiva esteja associada a ideia de diminuição das chances de sobrevivência do paciente
pediátrico e não haja mais em determinado momento possibilidade de cura, não quer dizer que
para este não haja mais possibilidade de tratamento, sendo os cuidados paliativos compreendido
pela equipe de saúde como um importante recurso de cuidado. Outro fator encontrado diz
respeito a comunicação da recidiva, que se evidenciou como um processo extremamente difícil
para todos os envolvidos, principalmente para os pais que sofrem a possibilidade da perda. Nesse
momento o apoio psicológico é visto como uma importante ferramenta em todo o decurso da
doença. Os resultados também revelam que, mesmo as crianças mais novas, em detrimento do
vivido e das experiências de dor no contexto hospitalar, embora não compreendam o que é o
câncer, tem a capacidade de perceber que está acontecendo algo de impreciso com elas. Quanto
as crianças maiores, bem como os adolescentes acabam tendo uma compreensão ampla sobre a
sua doença, embora leve um tempo para compreender sua complexidade.
Pode-se considerar como aspecto limitante desta pesquisa o fato de ter sido realizada de
forma pontual, não sendo possível efetuá-la a longo prazo, de forma longitudinal. Conquanto,
por considerar as transformações e oscilações dos pensamentos inerentes aos sujeitos, em razão
de fatores individuais e ambientais, é sugerido que novas análises sejam apreciadas, bem como a
partir de novas consultas apontem outros dados, como meio de explorar outros fatores vigentes
nesse contexto.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1425


NO ONTEXTO BRASILEIRO
Desse modo, torna-se primordial ampliar os conhecimentos acerca dessa temática,
considerando um cenário que apresenta inúmeras demandas psicológicas. Ademais, as
compreensões aqui expressas poderão contribuir tanto para incrementar novos estudos, como
servir de referência e compartilhamento de práticas em favor de outros indivíduos que irão vivenciar
ou já vivenciaram o contexto de recidiva do câncer pediátrico.

Referências

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1426  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
Salimena A.M.O, Teixeira S.R, Amorim T.V, Paiva A.C.P.C, Melo M.C.S.C. O vivido dos enfermeiros
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IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1427


NO ONTEXTO BRASILEIRO
SOBRE AS ORGANIZADORAS

CARLA FERNANDA DE LIMA


Possui graduação em Psicologia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI), mestrado em
Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e doutorado em
Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Docente do curso de Psicologia da
Universidade Federal do Piauí (UFPI). Coordena o Grupo de Estudos em Psicologia Organizacional
e do Trabalho (GEPOT). Atua principalmente na área de ensino e pesquisa nos seguintes temas:
relações étnico-raciais e trabalho, significado do trabalho, desemprego, precariedade no trabalho,
minorias no mercado de trabalho.

CYNTIA MENDES DE OLIVEIRA


Graduada em Psicologia pela Faculdade Integral Diferencial (2014). Mestre em Psicologia pelo
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais pelo Instituto de Terapias Cognitivo-
Comportamentais (InTCC). Atualmente é Doutoranda em Psicologia (UFRGS) e membro do
Núcleo de Estudos em Psicologia Positiva (NEPP).

ALGELESS MILKA PEREIRA MEIRELES DA SILVA


Psicóloga, licenciada em psicologia, com especialização em Psicologia Educacional e Mestrado
em Psicologia Social pela UFPB; possui Mestrado e Doutorado em Psicologia da Educação pela
Universidade de Barcelona (Espanha). Docente do Curso de Psicologia da UFPI, professora-
formadora do Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR),
coordenadora do Laboratório de Psicologia e Inovação Educativa (LAPSIN), desenvolvendo projetos
de pesquisa de cooperação internacional sobre inovação educativa e aprendizagem mediada pelas
tecnologias digitais da informação e comunicação. Associada à ABRAPEE (Associação Brasileira
de Psicologia Escolar e Educacional - Secção Regional Piauí) e à ABED (Associação Brasileira de
Educação Distância).

FLÁVIA DANIELLI MARTINS LIMA


Enfermeira formada pela Universidade Federal do Piauí (2008). Possui especialização em Análise
de Dados em Ciências Sociais pelo ISCTE/Instituto Universitário de Lisboa- Portugal (2014).
Mestre em Gestão e Economia de Serviços de Saúde pela Universidade do Porto- Portugal (2011).
Atualmente é doutoranda em Enfermagem pela Universidade de Lisboa- Portugal. Docente do
curso de Bacharelado em Enfermagem da Faculdade Maurício de Nassau-Campus Redenção/
Teresina

1428  Carla Fernanda de Lima • Cyntia Mendes de Oliveira • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Flavia Danielli Martins Lima • Flávia Marcelly de Sousa Mendes
FLÁVIA MARCELLY DE SOUSA MENDES DA SILVA
Possui Formação em Psicologia (2014) pela Universidade Federal do Piauí - UFPI e Mestrado em
Psicologia Social (2017) pelo Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba,
João Pessoa. Atualmente é Doutoranda em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba
- UFPB. É colaboradora do Núcleo de Pesquisa Bases Normativas do Comportamento Social -
BNCS.

IDENTIDADE, CONTEMPORANEIDADE E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS 1429


NO ONTEXTO BRASILEIRO

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