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Jacques-Alain Miller

Sintoma e Fantasma

Essa conferência, promovida pela Biblioteca Freudiana Brasileira, em 9 de agosto de 1993, se


iniciou pela apresentação de Jacques-Alain Miller por Jorge Forbes, que agradeceu todos os que
colaboraram na organização desse ciclo de palestras, em especial o diretor da Aliança Francesa
de São Paulo, prof. Jean Claude [...], que cedeu o auditório para sua realização.

Também fez um breve relato das atividades da B.F.B. e relembrou a primeira visita de
Jacques-Alain Miller ao Brasil, dois anos antes desta.

Texto estabelecido por Jorge de Figueiredo (?)

Equipe de tradução: (?)

J.A. Miller - Vou falar algumas palavras em francês para agradecer a todas as pessoas que
tornaram possível essas conferências aqui, isto é, todas as pessoas que Jorge Forbes citou e quero
acrescentar especialmente o nome dele, Jorge, pois efetivamente é a segunda vez que a seu
convite eu me encontro aqui em São Paulo.

Tenho o sentimento que o tempo não foi perdido. Quando eu vim há dois anos, é
necessário dizer que era como uma garrafa no mar e que de fato alguém encontrou essa garrafa.
Hoje, Jorge Forbes não está sozinho, há todo um grupo de pessoas que trabalham com ele e que
se encontram na vanguarda do desenvolvimento do ensino de Lacan no Brasil.
Espero poder ajudar este desenvolvimento com as poucas considerações que vou relatar
hoje.
A partir de agora vou falar em espanhol, talvez com alguns erros, vocês vão me ajudar.

O tema que me preocupa agora, do ponto de vista teórico e prático, isto é, desde minha
própria prática analítica, é o das relações entre as que me parecem duas dimensões distintas dessa
experiência. Pode-se pensar que sobre elas, essas duas dimensões, a do fantasma e a do sintoma,
descansa o fundamento do axioma do Dr. Lacan - seu axioma freudiano: "0 inconsciente é
estruturado como uma linguagem". Poder-se-ia pensar que esse axioma é matriz da unificação do
campo analítico.
Contrariamente à opinião comum, a verdade do ensino de Lacan não é que o campo da
experiência analítica seja completamente unificado. Há uma separação, também uma vinculação,
mas é importante ver essa separação entre duas vertentes: a vertente do sintoma e a vertente do
fantasma.
Vou introduzir esse tema através do caminho que eu mesmo produzi.
Jorge recordou a história dos Encontros Internacionais. O primeiro foi em Caracas em
1980. Ali, foi a última vez que eu tomei a palavra ante a presença do Dr. Lacan sobre o tema
teórico que interessava a psicanálise. Foi nessa ocasião que eu fiz uma certa retificação na leitura
de Lacan, enfatizando que é um erro considerar, como se costumava fazer, que seu ensino se
reduzia à proposição de que tudo é significante. Isso é para dizer que Lacan não disse que tudo é
significante. Não disse que seu próprio descobrimento na psicanálise é que "o inconsciente está
estruturado como uma linguagem". Essa proposição, aos próprios olhos do Dr. Lacan, é seu ponto
de partida, quer dizer, ela é o ponto de Arquimedes que encontrou para apoiar a alavanca com
que levantou o ensino de Freud.
Esse ponto de Arquimedes: ver que em freud o inconsciente é estruturado como uma
linguagem, não está assim formulado em sua obra; é um ponto exterior a partir do qual Lacan
levantou essa obra para nos permitir entendê-la, entender sua verdade e também os meios de
colocá-la a trabalhar na experiência analítica.

Foi também, pode-se dizer, uma renovação da transferência moderna com a obra de
Freud; porque a nossa relação com ela não é a mesma que se pode ter com um museu,
conservando estritamente todas as referências do autor à ciência de sua época.
Já há um certo tempo de história na psicanálise. Essa história faz parte da própria prática
analítica, é uma dificuldade que encontramos nela mesma.
No tempo de Freud, quando ele via um analisante, ele podia dizer que este queria sua mãe
e tinha certa hostilidade pelo seu pai... Era uma interpretação, quer dizer, era uma surpresa para o
sujeito. Mas agora, são os analisandos mesmo que vem ao encontro do analista e na primeira
entrevista dizem as vezes:- "eu tenho um problema edípico".
A interpretação tão eficaz no começo do século, já está inscrita na cultura. É um fato com
o qual é necessário trabalhar, que a análise passou a fazer parte da cultura comum, e para
renová-la há que se tomar em conta essa culturalização da psicanálise.
Esse ponto de partida, que é uma formalização, pode-se assim dizer, do que se pode
encontrar na obra de Freud, não é o descobrimento de Lacan na psicanálise. Seu descobrimento
próprio é outra coisa, é o que chama o objeto 'petit a'. A posição desse objeto na experiência
analítica existe a partir de que, no campo analítico, nem tudo é significante, ainda que tudo nele
seja estrutura.
Esse foi para mim em 1980 meu ponto de partida: que detrás do Lacan conhecido como
fenômeno cultural de nosso tempo, houve um outro Lacan: um Lacan para quem nem tudo é
significante.
Assim creio, por exemplo, que foi um erro, dos chamados Lacanianos, mas, não somente
em psicanálise senão também em outros campos como na crítica literária pensarem que o
essencial do ensino de Lacan era seu escrito famoso: “4 Instância da Letra”, sobre a metáfora e a
metonímia. É um artigo famosíssimo: Mas, repito, é um erro pensá-lo como a chave universal do
seu ensino. Esse foi o tema que desenvolvi há dois anos em Paris.
Vou resumir as minhas investigações desses dois anos, entre minhas duas visitas à São
Paulo. Esse tema depois eu o retomei no Encontro Internacional de Paris, de fevereiro de 1982.
Jorge estava lá, quando novamente opus Sintoma e Fantasma, partindo da definição, por parte de
Lacan, do final de análise a partir da travessia do fantasma. E uma definição propriamente
lacaniana para esse ponto de obscuridade da experiência analítica, dizer que esse é o final proprio
e essencial dela: a travessia do fantasma.
Tratei de perguntar-me qual era o termo correspondente para o começo da análise.
Pareceu-me que a entrada em análise tem suas bases não no fantasma mas no sintoma. Essa é a
porta de entrada, como o fantasma pode ser a porta de saída
Tratei então de descrever o concernente ao sintoma na entrada em análise. A fórmula
correlativa do sintoma é o início de análise e me pareceu que nesse momento a formalização dos
sintomas se precipitam, que a entrada em análise é marcada, precisamente, pela precipitação, no
sentido cristalográfico, do Sintoma. É o primeiro resultado de uma entrada em análise que pode
levar a um agravamento do sintoma.
Não é uma publicidade excelente para a psicanálise, dizer que no primeiro momento há
uma espécie de piora dos sintomas, mas é a verdade! Assim, essa oposição entre sintoma e
fantasma, foi para mim uma direção e é por essa razão que esse ano, em Paris, retomei em meu
curso esse tema. Esta tarefa provém da prática e eu diria que é um ponto referencial.
Como expus esse tema durante um ano a um público de analistas, me parece que pode ser,
com o testemunho deles, meus colegas, um ponto de referência na prática analítica como tal.
Poderia, sem mais detalhes, começar com o próprio tema, acentuando o nível somente
fenomenológico, sensível, uma fenomenologia de primeiro nível no que se pode ver, no que se
pode ouvir do paciente.

A propósito de seu sintoma, o paciente fala, fala muito, para dele se lamentar. É
precisamente a causa de sua chegada ao analista. A propósito do fantasma, a situação parece
completamente diferente. Normalmente, o paciente não vem dele se lamentar, bem ao contrário,
pensando na generalidade, o paciente obtém prazer através de seu fantasma.
É uma observação, creio, que cada analista pode fazer e já é suficiente para colocar
fantasma e sintoma sobre duas vertentes diferentes, isto é, vertente do desprazer para o sintoma
vertente do prazer para o fantasma; é assim que isso funciona na experiência, na clínica analítica.
Podemos dizer que o paciente tem um recurso no fantasma contra o sintoma. Há uma
função, por assim dizer, de consolação no fantasma. Isso é uma observação de Freud e é assim
que ele introduz o fantasma na Psicanálise: como uma produção imaginária, que o sujeito tem à
sua disposição em certas ocasiões mais ou menos frequentes. Uma produção imaginária que
Freud chama, nos primeiros momentos de seu descobrimento do inconsciente, "o sonho diurno".
Uma referência conhecida está nos 'Estudos sobre a Histeria', onde a famosa Ana O. fala
de seu teatro privado, que, em termos técnicos, são seus fantasmas. Freud diz: "esse talento de
expressão, essa felicidade de expressão que às vezes pode caracterizar o sujeito histérico, é seu
teatro privado". É uma linda sentença para falar do imaginário do fantasma! No fantasma há
personagens, é uma pequena história com figuras que o sujeito conta para si próprio como uma
consolação frente às dificuldades que vida nunca faltam.
Poder-se-ia dizer que o fantasma é a consolação filosófica por excelência. A consolação
filosófica é a mas turbação como a praticou Diógenes. Isso se vê no texto que podemos chamar o
paradigma freudiano do fantasma, “Bate-se numa criança”. Freud abre esse texto com a
vinculação entre o fantasma, resumido dessa maneira: Bate-se numa criança, e a satisfação
masturbatória.
Temos aí um exemplo do gozo chamado 'gozo fálico', se, com esta expressão pensamos,
com Lacan, no gozo que é distinto do ‘gozo do Outro’. Esta versão muito simples da oposição
entre ‘gozo do Outro’ e 'gozo fálico’ possibilita pensar que o gozo fálico como tal, não é o gozo
do Outro, senão o gozo do um só, do um em sua solidão.
Vocês entendem isso? (risos)
Gozo é uma palavra muito interessante em todas as línguas.
E nesse sentido que o gozo fálico existe tanto nas mulheres como nos homens. Existe
enquanto que o gozo fálico é oposto ao gozo do Outro.
As mulheres não estão somente vinculadas ao gozo do Outro, tampouco. Assim, já na
própria introdução desse conceito de fantasma na experiência analítica, há essa vinculação entre o
fantasma e uma satisfação sexual. De tal modo que aqui temos somente que seguir passo a passo,
o que se apresenta na experiência e o que se apresenta na leitura de Freud.
O fantasma produz prazer no sujeito enquanto o sintoma, pelo contrário, lhe produz
desprazer. É na própria fenomenologia da experiência que se dá uma inversão entre sintoma e
fantasma. E na comunicação do paciente esse é um fato constante sobre o qual os analistas estão
de acordo que o sujeito fala com abundância de seus sintomas e, pelo contrário, têm muita,
muitíssimas reticências sobre seus fantasmas.
Há sujeitos muito prolixos sobre seus sonhos, são mesmo talentosos e para eles os sonhos
são verdadeiramente uma produção essencial em sua relação com o inconsciente. Outros, podem
gostar de seus próprios lapsos ou de seus chistes e contá-los ao analista como uma produção
criativa. Mas, sobre o fantasma, podemos dizer que não tem palavras, são mudos, podem passar
anos sem dele falar. Por vezes se referem as suas fantasmatizações, suas pequenas ideias,
geralmente bobagens que lhe vêm à cabeça durante o dia, mas podem esconder do analista, a
quem devem contar tudo, por muito tempo, o fantasma a que está verdadeiramente vinculada sua
satisfação. E isso é assim…
Uma moça que havia feito uma análise por sete anos, me contou depois de duas ou três
entrevistas que tinha um fantasma que nunca havia contado a seu analista anterior, por pensar
desde o primeiro momento, que ele não seria capaz de recebê-lo. Era um fantasma difícil de
dizer, é verdade, pois era um fantasma de ter entre suas pernas uma criança e sobre ela urinar.
Foi dificílimo para ela, "confessar" esse fantasma. Não existe confissão, mas as vezes
quando abordado, a sessão toma esse tom, essa maneira.
Devemos tratar de entender o que se passa nesses fenômenos, que podem ser muito
surpreendentes. Essa mulher não era uma perversa, não é muito frequente a perversão nas
mulheres, como se sabe a perversão, é uma disposição primariamente masculina, tratava-se de
um caso gravíssimo de neurose obsessiva.
Essa dificuldade em dizer o fantasma, a por o fantasma em análise, tem por razão que os
fantasmas dos neuróticos são fantasmas perversos. Não quer dizer que por isso eles sejam
perversos, mas sim que seus fantasmas geralmente o são.
É interessante ver o que acontece no obsessivo que apresenta uma inibição. Ele fala de
sua inibição, de várias inibições e sobre esse tema ele não é inibido, ao contrário, fala com
paixão. Em troca, o fantasma do obsessivo é uma das coisas mais escondidas do mundo, também
isto é uma observação de Freud, e o extraordinário é que podemos constatar na experiência
cotidiana.
Em um pequeno texto, de 1908: 'Der Dichter und das Phantasieren’, Freud o diz muito
simplesmente: "o fantasma aparece como o tesouro do sujeito, sua propriedade mais intima", o
que não é o caso do sintoma. Assim, como podemos entender, articular, teorizar sobre essa
diferença clínica tão aguda nos próprios ditos do paciente? Há uma pergunta, perguntas, é
verdade.
Isto se vê na clínica dos neuróticos. E por esta razão também que não se pode dizer
demasiado sobre esse tema a um público amplo, não por razão da comunicação científica, da
comunicação ao público, pois esta é uma necessidade dos analistas, mas, ao mesmo tempo,
alguns pontos não pertencem a essa dimensão, onde o que se pode comunicar é a reflexão teórica
a partir dessa experiência.
A vergonha do fantasma liga-se ao fato de que em um primeiro nível, geralmente, o
fantasma se apresenta em relação de oposição aos valores morais do sujeito. Isso porque seu
conteúdo no neurótico, manifesta-se como que tomado do discurso da perversão, isto é, que ele
não se reconhece, que não assume seu próprio fantasma. É uma erupção de um outro discurso.
Não é dizer que o neurótico seja um perverso, ao contrário, seu fantasma é somente
tomado ao campo do gozo perverso e, geralmente, ele mantém com seu fantasma "perverso" uma
certa distância. Isso se vê quando, às vezes, tem a ocasião de realizar seu fantasma. Nesse
momento, normalmente ele escapa. Não há coisas que lhe fazem mais medo, pode-se dizer, do
que a realização do seu fantasma; esse momento precisamente no qual se desvanece, desaparece,
ao menos o seu desejo. Para sustentar seu desejo, a distância do fantasma é necessária para ele.
Pode-se perguntar de que maneira há um fantasma perverso, porque precisamente o
fantasma perverso e integrado ao comportamento. Em um certo sentido também nas neuroses,
mas aqui trata-se de distinguir, digamos, duas dimensões do próprio fantasma. Há um sentido
muito preciso do fantasma, quando se trata do fantasma fundamental do sujeito. Podemos dizer
que, no limite, o sujeito não conhece seu próprio fantasma fundamental que é como uma
construção na análise. E há também um sentido muito amplo do fantasma quando se refere a
matriz do próprio comportamento do sujeito. Necessariamente, quando se trata do fantasma, há
um distanciamento entre este sentido amplo e sua utilização fundamental e estreita. Vamos ver
isso.
Há uma contraposição no neurótico, entre o que podemos chamar a posição ética do
sujeito e o elemento fantasmático em geral. O elemento fantasmático normalmente não está em
harmonia com o resto da neurose, tem um lugar à parte. Não sei se nestes diversos papeis vou
encontrar a citação de Freud, creio que é na segunda da parte do seu texto 'Bate-se numa criança’
que diz precisamente, que em geral o fantasma permanece a parte do resto do conteúdo da
neurose (cf. página 230 em português) "essas fantasias subsistem a parte do resto do conteúdo de
uma neurose e não encontra lugar adequado na sua estrutura. Mas as impressões dessa espécie,
conforme sei por experiência própria, são apenas postas de lado muito pronta mente".
Essa frase é uma frase essencial e Lacan, que não criou essa citação de Freud, fez que sua
teoria tomasse todas as consequências deste fato "que o fantasma é colocado à parte do resto do
conteúdo da neurose".
Então, a dificuldade tão própria do fantasma na experiência analítica pode vir disso:
quando alguém fala do sintoma, de coisas que não andam bem, se introduz naturalmente uma
problemática de curar os sintomas.. Assim sendo, tomando a experiência analítica do ponto de
vista do sintoma unicamente, faz-se uma redução da análise à terapia, à terapia dos sintomas e
com esse ponto de vista se pode esquecer o fantasma. Pode-se curar alguns sintomas do sujeito,
os mais agudos, obtendo-se resultados do ponto de vista terapêutico mas, sem tocar de nenhuma
maneira no fantasma. Para o Lacan é no lugar do fantasma e do fantasma em seu sentido mais
estreito, no fantasma fundamental, que está em jogo o final da análise.
O sentido que vocês já podem entender da travessia do fantasma é que, com esta palavra,
Lacan não quis dizer a 'cura do fantasma’. Bem, quando o fantasma toma a forma de uma
obsessão, pode-se dizer que é sintomatizar o fantasma e ao falar-se em cura, mas não é uma
expressão analítica: 'curar fantasma'. Trata-se de outra coisa que foi formalizada só por Lacan:
não curar, mas em certo momento mudar a relação do sujeito com seu fantasma.

Há um paradoxo no fantasma; o fantasma é vinculado ao prazer. Assim, podemos dizer


que por si mesmo o gozo não dá prazer. É por esta razão que Lacan faz uma fina diferença entre
prazer e gozo. O gozo não é por si mesmo um prazer, apresentando uma mescla de prazer e
desprazer que vai mais do lado deste último
Existe uma velha ideia analítica de um masoquismo feminino. E um ponto de vista que
está fundado sobre a incompreensão do gozo feminino. Há uma maneira de situar a singularidade
do gozo que tem uma vertente de desprazer. E devido à incompreensão e, a impossibilidade de
situar o gozo feminino que se fala em masoquismo feminino. Não há masoquismo feminino;
quando se trata de masoquismo como uma forma clínica, é essencialmente uma forma masculina.
Não se trata de perversão masoquista, é um privilégio masculino e normalmente é no fantasma do
homem que a mulher quer sofrer. É verdade que há às vezes uma docilidade feminina ao
fantasma do homem produzindo uma aparência de masoquismo feminino.
O gozo tem uma ligação com o desprazer Freud o reconheceu quando falou da reação
terapêutica negativa, ao constatar uma resistência à cura do sintoma. Descobriu que de um certo
modo, o sujeito gostava dos seus sintomas, que nos sintomas que o faziam sofrer havia um gozo
especial, um gozo no desprazer e que ele não queria ser curado. Havia esta dimensão de um gozo
escondido no desprazer do sintoma.
Há muito a dizer, a desenvolver sobre este ponto lindo na experiência analítica. Diria que
o fantasma é uma articulação que permite domar o gozo e transformá-lo em prazer, Esta é
também uma investigação freudiana que encontramos no 'Mais além do principio do prazer’, este
descobrimento que para o ser humano prazer não é sua finalização essencial. Certo, há uma
função nesse princípio de equilíbrio presente que ele chama de princípio de prazer. Além do
princípio de prazer há uma dimensão de gozo do sujeito, há um quê de infração a este princípio.
Isso foi um eixo encontrado por Freud na experiência analitica e também na experiência da
observação cotidiana, como na de seu neto.
Há que se observar também as crianças. Lacan, por exemplo, observando sua primeira
filha, foi descobrir o estádio do espelho, como Freud descobriu o exemplo do 'Fort: Da!’ através
de seu neto, que brincava com o carretel. Agora estou observando um pouco o filhinho do Jorge
em sua casa, mas, como acabei de chegar, o pouco tempo não me permitiu ainda um
descobrimento desta importância, mas…
Podemos tomar o jogo do 'Fort! Da!', como uma articulação semelhante a um fantasma
realizado; é uma proposta. Aqui o sujeito aprende a dominar uma situação de desprazer pela
ausência da mãe, através da pequena máquina do jogo, obtendo prazer por meio desta
maquinação. De uma maneira geral o fantasma é uma maquinação, há uma manobra do fantasma
que conduz à essa situação, ou seja, que na ausência, que na falta do Outro, haja uma produção de
prazer. Isto pode ser uma definição: o fantasma é o que permite ao sujeito na presença da falta do
Outro, uma produção de prazer. Permite que em lugar da angústia produzida pela falta do Outro
haja produção de prazer.
Vamos ver a escritura lacaniana da falta do Outro. Em francês Outro é 'Autre', com A
maiusculo e, barrado, 'A', com a finalidade de dizer muitas coisas; esta é a vantagem de uma
escritura que não permite uma só leitura mas muitas. Pode-se ler a ausência do Outro, como se
pode ler a falta do Outro; pode-se ler também o desejo do Outro porque o desejo do Outro é uma
função vinculada com a sua ausência. Isto porque quando o Outro está sempre presente não há
nenhuma emergência do desejo, e somente quando não está aqui é que se pode perguntar o que
quer. O desejo é vinculado a esta pergunta: o que quer? E quando não se abre esta pergunta não
há desejo. O desejo é em si mesmo uma pergunta sobre o desejo.
Aproximadamente diríamos que na matriz do jogo do 'Fort! Da!' a ausência da mãe
representa uma encarnação da ausência deste Outro. mas esta pequena história é somente um
exemplo ilustrativo, porque na análise não se trata da observação cotidiana do comportamento
dos adultos e das crianças.
Esta comparação entre jogo e fantasma tem sua importância também na análise de
crianças e, na conferência de Freud que eu jā citei 'Der Dichter und das Phantasieren' ele diz que
se bem os adultos já não mais joguem como quando eram crianças, o fantasma vem neles
substituir a capacidade lúdica infantil, tendo por função produzir prazer numa situação que é ao
mesmo tempo de gozo e de angústia.
Alguns de vocês conhecem a famosa fórmula lacaniana da metáfora paterna, onde há uma
frase que parece muito complicada, quando Lacan escreve o desejo da mãe dizendo, que se
inscreve no lugar que foi primeiramente simbolizado pela ausência da mãe. Bem, esta frase
suposta tão complexa, como me disse um jornalista esta tarde, "o pensamento tão complexo de
Lacan..." pode-se explicar de uma forma muito simples quando se conhece um pouco Freud e um
pouco as crianças.
Assim, as reticências fenomenológicas em comunicar o fantasma que é apreciável em
uma observação de primeiro nível, é somente o primeiro passo para destacar a diferença entre
sintoma e fantasma e há que se articular isto um pouco mais.
Todos conhecem o título ‘Bate-se numa criança’ Vale a pena lê-lo. E um texto onde Freud
apresenta este fantasma reduzido a uma frase, isto é importantíssimo, frase essa que foi
encontrada por ele em vários casos, o que diz de uma certa generalidade do fantasma.
Os fantasmas não são infinitos. Há poucos tipos de fantasmas na humanidade. Podemos
nos lamentar disto, o semelhante à lamentação de Lacan: que a análise não foi capaz de inventar
nenhuma nova perversão. Ve-se isto ao nível do fantasma quando alguém lê o texto de Freud
onde ele apresenta esta frase encontrada em vários casos. O paciente diz: "não sei, mas... batem"
Isso é importante; há para o paciente uma reticência, uma vergonha, no fantasma.
É comum uma discrepância entre o fantasma e a vida do sujeito. Homens humanistas
podem apresentar fantasmas muito agressivos; mulheres feministas, fantasmas de submissão
escrava ao homem, etc. Isso leva ao sofrimento e pode-se ver que a vergonha não é sem motivo.
Sobre este tema do fantasma fundamental o sujeito ", ou seja, este é precisamente o ponto onde o
saber falta para ele. É na falta mais aguda do saber que está inserido o fantasma fundamental. Isto
que é tão perto da mais precisa clínica e também tão perto de muitas indicações de Freud, pode-se
nele retomar uma a uma; isto foi o que fiz nesse ano.
Também podemos trabalhar esse tema no grafo de Lacan, esse grafo supostamente tão
complexo, ali escrevendo a fórmula do fantasma.
A fórmula do fantasma de tacan e a escritura de sua vinculação entre o sujeito, como
sujeito do inconsciente, esta é a abreviação: S (barrado), e a vinculação (◊) desse sujeito com o
famoso objeto 'a': S(barrado) ◊ a. Não é difícil e vamos depois ilustrar isto.
No grafo de Lacan, a fórmula do fantasma nao se preocupem em entender esta formula,
saibam somente que é a fórmula lacaniana do fantasma está situada debaixo de um matema onde
está presente o A, de maneira a dizer que é, precisamente, no ponto que Lacan chama o
significante do A [S (A)] que se inscreve o fantasma fundamental e isto é ao mesmo tempo,
perfeitamente exato tanto do ponto de vista clínico quanto dos textos freudianos. É uma
formalização que permite ver as coisas na clínica e de entender a obra de Freud e não lê-la de
uma maneira cega.
Assim, vocês já estão sabidos pois, por anos, este gráfico foi comentado sem que se
entendesse verdadeiramente o funcionamento essencial destes dois termos. Vou tratar de dar, de
ilustrar um outro paradigma do fantasma, para dar a vocês uma ideia desta fórmula que foi a
introdução. Por que esta fórmula?

É muito difícil ilustrar o fantasma. Por que é difícil?


É difícil, e a dificuldade em si mesma é interessante pois quando se trata do que Lacan
chama de formações do inconsciente, isto é, os sonhos, os lapsos, os atos falhos, etc.,
encontram-se livros e livros sobre isto. Por exemplo: os livros e livros de Freud sobre os sonhos,
os lapsos e atos falhos; para os sonhos, a ‘Interpretação dos Sonhos’, para os atos falhos a
‘Psicopatologia da vida cotidiana’ para o chiste, ‘O chiste e sua relação com o inconsciente’
tudo isto de Freud. E, quando alguém pode ir através da literatura analitica que está mais ampla a
cada dia, especialmente a produção norte-americana, nesse campo, ampla e ao mesmo tempo
vazia, não encontrará nenhum livro composto por uma grande diversidade de fantasmas, ao
contrário do que se produz com os sintomas, os sonhos, etc. Isto é uma evidência para quem vai a
uma biblioteca. Vale a pena refletir sobre este fato. E verdade, não é possível imaginar um livro
composto como compilação de fantasmas se o paradigma do fantasma e "bate-se numa criança",
e nada mais. Se há uma lista de frases deste tipo, esta não compõe um livro.
Não se pode se divertir com os fantasmas de outros, como nesta dimensão tão divertida da
psicanálise, que é a dimensão dos jogos de significante. Há analistas que pensam que a lição
essencial de Lacan são os jogos de significantes. Mas, ao contrário da diversidade de todas estas
formações do inconsciente, há uma certa monotonia do fantasma.
Podemos pagar por exemplo a obra literária do Marquês de Sade. Esta obra é fundada
sobre a exploração do fantasma, do fantasma sadiano. Confessamos que não é muito divertida,
mas conserva no entanto, um alto interesse.
Uma parte interessante nessa literatura é o próprio fato de se conseguir o livro de Sade, o
que é muito difícil. Quando estudante, aos 17 anos, tratando de comprá-lo em Paris, em Paris dos
anos 60, me foi dito que não era algo recomendável aos menores de 18 anos; para mim faltava
um ano... Foi uma luta em Paris, nos anos 50, para que estes livros saíssem da clandestinidade, o
que era também um motivo de certo interesse.
A obra de Sade, esta obra fundada sobre o fantasma, uma obra sem chistes, sem nenhum
Witz, é uma obra sem jogo de significantes, fundada não sobre a estrutura do sintoma, mas sim
sobre a monotonia do instante fantasmático. Isto se vê nas ‘120 Jornadas de Sodoma’; são 170
Jornadas dedicadas ao mesmo fantasma. Não é muito divertido, não se pode contar, por exemplo,
170 vezes o mesmo chiste. Assim, é um bom exemplo da diferença entre a dimensão do fantasma
e a das formações do inconsciente.
Bem, buscando um exemplo paradigmático para fazer entender isto, fui pensar no que se
pode chamar um fantasma literário e também um fantasma estético, fantasma de pintores,
fantasma codificado. Um fantasma que foi como um jogo para os escritores de uma mesma
época.
Parece-me uma ilustração linda é tema de pintores - do instante do fantasma que fixa o
sujeito na posição que não pode mudar se não existe algo como final de análise. Meu exemplo é a
história que funcionou como um fantasma comum à literatura barroca: a história de Diana e
Acteon. De certo modo esta história ilustra o que Lacan chama o instante de ver, como primeiro
momento, primeira instância de seu tempo lógico. Trata-se exatamente neste fantasma do instante
de ver de ver a deusa nua e das consequências deste ato.
Convergem värios temas na história de Diana e Acteon: o tema da beleza surpreendida, da
visão, do olho, do caçador, dos cachorros e, nisto tudo, desenha-se o elemento imaginário do
fantasma: uma relação fixada de um sujeito frente a um objeto único, um objeto, podemos dizer
entre aspas: "libidinal". Melhor escrevê-lo 'a', para utilizar outra formalização.
Bem, desse modo Acteon surpreende a deusa nua. O que representa isto? Acteon num
bosque, com seus olhos fitando a deusa como este objeto magnífico, formoso, no meio das
ninfas: Diana no seu banho. Isto é verdadeiramente o instante de ver a deusa, instante mortífero,
porque Diana imediatamente, como vocês sabem, o transforma em um cervo e contra ele atiça os
cachorros que o devoram.
Assim, o preço que o sujeito Acteon teve que pagar para ver a encarnação do gozo, foi o
da sua desaparição. Pode-se desenvolver isto, mas eu gostaria de tomar as coisas por um outro
lado, que interessa ao sujeito Diana, tomando a fórmula em um outro sentido. Isto porque, de
certo modo, é Acteon a encarnação do desejo do Outro; e a presença de Acteon que funciona
como irrupção no campo cerrado da deusa: uma irrupção do desejo do Outro.
Podemos inventar um pouco, fazer variações sobre as respostas possíveis do sujeito frente
ao desejo do Outro. Este A (Autre) é o A maiusculo do nome Acteon. Podemos imaginar que
Diana se apresenta nesta história como uma histérica, jogando com seus véus, que utiliza para
provocar a tentação do Outro em descobri-la. Sabemos que não quer ser surpreendida por Acteon,
mas ao mesmo tempo se desnuda e se esconde.
Há uma expressão em francês para isto, que Lacan utiliza a propósito do sujeito histérico,
é: "elle se dërobe", que em francês significa ao mesmo tempo: desnuda-se, tira suas roupas e se
esconde. Isto é uma manobra essencial, tradicional da histérica, frente ao desejo do Outro.
Diríamos que é seu fantasma; esta manobra frente ao desejo do Outro é a sua resposta
fantasmática, que se manifesta em seu comportamento.
Há um exemplo magnífico, que pode ser uma ilustração semelhante a esse de Diana e
Acteon, no artigo de Freud sobre 'Os Fantasmas Histéricos e suas relações com a
Bissexualidade’. Lembro, de passagem, que bissexualidade não é um conceito verdadeiramente
freudiano, é um conceito da herança de Fliess, que é preciso ver o que significa.
Neste texto, ao analisar um ataque histérico, é como se Freud ilustrasse a posição de
Diana, ao relatar que a histérica com uma mão tenta proteger seu vestido e com a outra tenta
arrancá-lo.
Freud interpreta dizendo que isto é típico do fantasma histérico, pois a histérica aí se
comporta como uma mulher e como um homem. Com uma mão se protege como uma mulher
frente a um ataque masculino, e com a outra se comporta como um homem que vai lhe tirar o
vestido. Deveríamos precisar um pouco mais o que significa "como um homem e como uma
mulher"
Mas, para continuar estas variações sobre as diferentes respostas fantasmáticas frente ao
desejo do Outro, o que se passaria se Diana não fosse histérica, se esta conduta não fosse como
um fantasma histérico encarnado, mas se Diana fosse, por exemplo, fóbica? Como seria esta
história se Diana fosse fóbica?
Creio que se daria o seguinte: os cachorros que originalmente concorrem a castigar o
caçador, depois do instante da observação, apareceriam antes que ele a visse, isto é, quando ele
ainda estivesse longe, os cachorros já estariam proibindo. É o que se passa na fobia como
estrutura clínica, se há uma; antes da manifestação, antes da presença do desejo do Outro, já os
cachorros proíbem a aproximação desse desejo.
Podemos dizer mais: na fobia os cachorros se dirigem contra o próprio sujeito, para
impedir a aproximação do desejo do Outro. Isto se vê. Isto se vê com o próprio tema dos animais,
tá frequentes na fobia. Vê-se no paradigma freudiano da fobia, com Joãozinho. Não são cachorros
e sim cavalos, mas a função é a mesma: há a presença de um elemento animal para impedir a
aproximação do desejo do Outro.
Com esta versão não falamos de fantasma fóbico por que é a mais elementar, a mais
comportamental proteção contra a angústia produzida pela aproximação do desejo do Outro. É
como uma base elementar que se encontra muito frequentemente nas crianças de uma forma
transitória. A emergência de um elemento que lhe dá medo, não é tanto uma estrutura cíclica mas
sim um cruzamento de várias vias a partir de onde pode-se escolher uma estrutura clínica. A fobia
é como o primeiro toque do desejo do Outro; há a emergência do desejo do Outro e depois se vai
buscar em que estrutura clínica situar-se.
É o que diz Lacan quando afirma que "na fobia o desejo é prevenido". Não sei se vocês
compreendem em portugués o duplo sentido que há em francês: "le désir prévenu". Há dois
sentidos no 'prevenido': evitado e antecipadamente informado.
Diana pode parecer fobica porque tem seu próprio círculo, um círculo de ninfas, que a
protege dos homens e, por isso, é conhecida como a deusa virgem. Mas, se poderia dizer também
que Diana é como uma obsessiva. Foi muitas vezes apresentada como tal na mitologia e na
literatura barroca, por ter uma paixão exclusiva de caçador. Se fosse obsessiva os cachorros
estariam a seu redor, impossibilitando a aproximação. Seria um exemplo do que Lacan diz a
respeito da neurose obsessiva: “o desejo impossível”. Acteon não poderia se aproximar pois seria
comido, antes de chegar.
Assim, pode-se dizer que nestas três formas de fantasma como respostas ao desejo do
Outro: fóbica, histérica e obsessiva, temos uma maneira de situar o fantasma em relação ao A,
como desejo do Outro. Mas, como disse antes, isso é somente uma maneira de traduzir esta
fórmula. A outra maneira é a que vou tratar de exemplificar no pouco tempo que me resta antes
das discussões; liga-se à questão de como situar a relação do fantasma ao - A - como falta no
saber, falta no significante.
Ao nível propriamente imaginário, o fantasma é como uma cena, mas há também um
aspecto simbólico no fantasma, quer dizer o fantasma é uma articulação de significantes. É desta
forma que Freud o representa em 'Bate-se numa criança’, porque trata-se essencialmente de uma
frase. Isto se vê na escritura lacaniana mas, seria demasiado longo e complicado retomar o longo
caminho de Lacan sobre esta questão. Porém, sua primeira visão do fantasma era uma visão
enquanto cena imaginária. Toda a fantasmatização estudada pelos kleinianos, por exemplo, pode
reduzir-se ao estádio do espelho. Deste modo, para os lacanianos a fórmula de todos os fantasmas
teria em sua primeira escritura lacaniana uma relação especular, variedade sobre a
especularização.
Já aqui se escreve outra coisa, porque não mais se trata da fórmula imaginária do "eu"
mas do sujeito do inconsciente, isto é, do sujeito do significante. Com esta reflexão, já se trata do
fantasma numa dimensão simbólica.

Pode-se desenvolver esta questão, para tomar esse ponto de como se vincula a uma falta
de saber. Como ele se vincula ao significante? Vincula-se através deste "não sei, mas...".
Quando Freud trata da frase fantasmática, vamos usar esta expressão: ‘frase fantasmática’
não se trata do fantasma em seu sentido mais amplo mas do fantasma em seu sentido mais estrito,
mais fundamental. É preciso ver que toda a análise deste fantasma, (e seria necessário retomar
passo a passo isto, foi o que acabei de tentar em Paris), toda essa articulação freudiana fundada
sobre a gramática do fantasma, ou seja, sobre inversões gramaticais entre sujeito e objeto, entre
passivo e ativo, etc. Vocês podem verificar isto no texto de Freud. Mas, o novo, o
verdadeiramente novo não é esta gramática do fantasma; é que o essencial do fantasma disse
Freud, nunca é dito pelo próprio sujeito, é necessário uma construção na análise, não há uma
experiência como a do ponto fundamental do fantasma. No fantasma "bate-se numa criança" é
como se houvesse uma cobertura sobre um fantasma mais fundamental que somente é construído
na análise.
Encontramos em Freud: “Os fantasmas subsistem à parte do resto do conteúdo das
neuroses". Esta frase quer dizer que o fantasma está à parte das formações do inconsciente. O que
isso quer dizer? Quer dizer que para o fantasma não basta agregar um significante, um
significante interpretativo, para que se mova. Desta maneira podemos falar que o fantasma
fundamental não se interpreta porque é um ponto limite; somente se interpretam os sintomas, ou a
sintomatização do fantasma. Mas, o ponto limite, o próprio sujeito não pode, é um ponto absoluto
de falta de saber, é somente pela construção analítica que se pode obter isto. Assim, se pode
entender que Lacan não fale tanto da gramática do fantasma, que certamente é fundada em Freud
Lacan fala da lógica do fantasma, aí o localiza e isso foi pouco comentado porque foi pouco
compreendido.

Na análise, o fantasma é como um axioma. O que é um axioma? Podemos entender: um


axioma é diferente das deduções que permite. Um axioma e como as definições: o que pode abrir
um cашро de significantes, um campo de interpretações. O axioma como fundamental, foi nessa
posição que Freud colocou o fantasma, está ao lado do resto do sistema, não tem o mesmo
estatuto significante. neste sentido que se pode dizer que um axioma, o fantasma como axioma,
certamente é uma articulação de significantes, mas que tem lugar, tem função de real.
É como o elemento limite, um elemento de real, é como o real do simbólico, o real do
sistema simbólico. Tem o lugar desse real, e essa é a terceira função do fantasma, a função menos
conhecida.
Há a função imaginária que foi a única dimensão investigada pelos kleinianos. Há a
dimensão simbólica que Freud marca em “Bate-se numa criança”, mas, o importante, o mais
importante, o mais enigmático, o mais escondido na experiência e me parece o ponto sobre o qual
está em jogo o final da análise, de cada análise, é o real do fantasma.
Assim, "Bate-se numa criança” é um fial (?); tem um sentido porque se pode entender,
mas o que significa? Pode significar tudo: uma criança apanha e isso me agrada, uma criança
apanha e isso me desagrada, uma criança apanha e muito bem ou muito mal; tudo isto está em
aberto mas é um fato puro de significante. É um índice, como disse Lacan, de uma significação
absoluta, ou seja, completamente separada como tal. É assim que se apresenta na clínica. Como
um "não sei, mas..." e a fórmula do axioma fantasmático. Essa é a motivação essencial da
fórmula de Lacan, quando ele fala da lógica do fantasma.
Não tenho tempo agora de desenvolver o que isto implica para o final da análise. A ideia
de uma travessia do fantasma é também a ideia de que o sujeito poderia em um momento, deixar
cair sua vinculação ao seu fantasma, por um momento deixar cair precisamente o que é a matriz
da própria submissão ao mundo.
O fantasma que é fundamentalmente este pequeno tesouro do sujeito, é ao mesmo tempo a
matriz da submissão ao mundo, sendo os limites de toda significação para ele. Isto se vê na
análise, no que o sujeito conta, no que aparece neste discurso chamado livre, onde há uma inércia
fundamental de significação para ele; são as mesmas coisas que para ele têm uma significação. O
fantasma é o enquadre destas significações, de tudo o que pode entender.
Quando vocês entendem qualquer coisa é porque um significante foi "fazer cócegas" nos
fantasmas de vocês. É somente por esta razão que entender não é tão essencial. Entende-se
quando se vai nesta direção.
A esperança de uma análise e ir, por um momento, por um instante de ver, atë a visão para
cada um, de sua deusa, desnuda. Para se ir até este ponto, ir ver sua deusa desnuda, paga-se um
certo preço. Não é o de ser transformado em cervo mas se paga, geralmente, em ser transformado
em analista, Por vezes, podemos dizer para terminar, quando alguém vai ver sua deusa desnuda e
se transforma em analista encontra também os cachorros. Eu os encontrei durante este período
chamado de dissolução da escola freudiana. Mas, por sorte, pode-se dizer que os cachorros eu os
passei.

DEBATES

P. - Acompanhando o conjunto do que foi colocado estes dias, gostaria de saber se a construção
que foi desenvolvida hoje à respeito do fantasma, poderia ser argumentação da mesma forma para
o fantasma na psicose. Se não for a mesma coisa, que maneira poderíamos ter aem relação ao
fantasma na psicose?
J.A. Miller: Há fantasmas na psicose, isto é seguro, é certo, e também há função do fantasma na
realidade do sujeito. Vamos pensar no jogo do 'Fort! Da! como um exemplo realizado do
fantasma, como um exemplo da resposta a ausência do Outro, isto é, ao seu desejo. No caso
Schreber é no real, é o próprio Schreber o carretel, ou é o seu gozo que vai e vem. E
verdadeiramente como se o seu fantasma se passasse no próprio real, no que é realidade para o
sujeito. É como uma encarnação material deste funcionamento, ou seja, como se o fantasma não
ficasse numa dimensão imaginária, senão que passasse diretamente à realidade.
Isto necessitaria muito mais desenvolvimento. A questão da psicose foi este ano para mim
diretamente tocada por este ponto de vista. Estou articulando a experiência analítica sobre a base
destas duas vertentes, mas seria um pouco difícil resumir tudo isto esta noite, porque não é o
mesmo por exemplo, na paranoia e na esquizofrenia.

P. - Gostaria de fazer uma pergunta sobre a relação do fantasma com a visão de mundo.

J.A. Miller: O fantasma constitui, para cada um, num sentido amplo, segundo uma expressão de
Lacan, sua única janela para o mundo com a única exceção dos cinco sentidos. Isto quer dizer que
não há nenhuma significação vivaz para o sujeito que não passe pelo fantasma. O que não se
enquadra no fantasma, o sujeito não percebe, não vê. O fantasma e ao mesmo tempo o que
permite que o sujeito veja já e o que também o torna cego.

P. - Não consigo entender bem a diferença entre o fantasma no sentido amplo e no sentido estrito.
Porque o fantasma tomado no sentido amplo pode ser tomado mais como um sintoma, uma vez
que do (?) feito, há diversos tipos de fantasmas: histérico, fálico, obsessivo. Parece mais um
sintoma, mesmo porque uma das características da histeria é a tendência aos sonhos diurnos.
Vendo por esse lado parece que o fantasma é um sintoma a mais. Agora, no sentido estrito, como
um: visão de mundo, como uma janela aberta para o mundo, eu queria entender no que este
conceito difere por exemplo, de outros conceitos psicológicos como: caráter e personalidade, que
também podem ser caracterizados como uma forma de visão de mundo.

J.A. Miller: Todas as perguntas me parecem precisas. Responder à última pergunta. É certo que o
fantasma seja nossa forma na análise de tentar apreender este dado chamado de personalidade. O
sujeito do significante, o sujeito barrado, é um sujeito móvel, que pode se colocar sobre qualquer
significante. É este sujeito que entusiasmou os filósofos a propósito dos ensinamentos de Lacan.
Mas, na experiência analítica, não se encontra somente este sujeito, pois também há a sua inércia;
não somente a sua mobilidade, como também a sua imobilidade. Se falamos então do fantasma
fundamental, é para tentar operar com isto e ao mesmo tempo, se possível, tentar nisto tocar. No
fundo, o fantasma fundamental é um resíduo da operação analítica, é o resultado da dinâmica do
sintoma; é o verdadeiro princípio da resistência:
O fantasma no seu sentido amplo e distinto do sintoma porque o sintoma, para o sujeito é
o que não está dando certo em sua vida, enquanto que o fantasma para ele é, ao contrário, sua
própria vida.
Escolhi em Lacan uma expressão que não foi suficientemente sublinhada, ele fala da:
"pantomima da estrutura". O fantasma em seu sentido amplo é esta pantomima da estrutura. O
sujeito não se queixa disto como se queixa dos seus sintomas, pois ele não vê isto, uma vez que é
com isto que ele vê. Há uma pantomima histérica, uma obsessiva; é muito difícil curar a
pantomima histérica, pois pode-se curar uma histérica de tudo, menos de sua histeria. As três
perguntas que você me colocou, definem muito bem a posição do problema.

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