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TEXTO 1 - POR UMA DEFINIÇÃO FILOSÓFICA DA EDUCAÇÃO

Haveria, ainda hoje, sentido em se buscar a filosofia para definir a educação? O que teria, atual
mente, a filosofia a contribuir para a teoria sobre a educação? Para aqueles que a ela não foram
introduzidos, a filosofia passa frequentemente por ser um conhecimento abstrato e distante de tudo
o que se vive, e o seu ensino uma longa enumeração de respostas que autores do passado remoto
forneceram a questões que não são mais as nossas, que jamais nos ocorreria interrogar. Em uma
palavra, um conhecimento inútil e enfadonho, e ainda por cima muito difícil de ser apreendido.

Ela se constituiu numa reação contra o poder dogmático que em filosofia da educação. Nome da
filosofia foi exercido pelo Estado, pela tradição ou pelos religiosos.

Assim, resume Franco Cambi, no s éculo XX o saber pedagógico se emancipou do modelo


metafísico que, desde a antiguidade até pelo menos o século XVII, dominou a educação, fornecendo
definições acabadas sobre sua natureza e seus fins.

A concepção histórica que Cambi defende para a pedagogia – a concepção científica – manteve-se
largamente dominante na educação a partir da modernidade, sobretudo no que se refere à definição
da prática educacional, que teria sido libertada da dependência das verdades definidas de uma vez
por todas pela metafísica.

Na definição cientificista da educação, o fazer educativo é campo de permanente exploração das


ciências humanas – feitas, agora, ciências da educação. Assim, a influência da filosofia foi sendo
substituída pela autoridade do conhecimento científico, que, à medida que vai s e especializando e
complexificando, passa a fornecer tantas definições para a educação quantos são os ramos da
ciência e, em seu interior, as correntes assumidas pelos cientistas.

Assim, no início do século, Antônio Gramsci proclamava: todos são filósofos! No campo da
educação, a concepção gramsciana de filosofia exerceu uma enorme influência, sobretudo a partir
dos anos 1980, vindo somar-se a uma tendência mais antiga, de designar como filosofia não mais
uma atividade conscientemente realizada, mas, genericamente, um «modo de ser» de um
indivíduo ou de um grupo:

Na medida de nossas forças, construímos, então, uma filosofia e a ela nos acomodamos, tão bem
como tão mal, em nossa ânsia e inquietação de compreender e de pacificar o espírito. Ou, como
resumiu o autor dessas palavras, o educador Anísio Teixeira: conforme o tipo de experiência de
cada u m, será a filosofia de cada um». Face à decadência dos grandes sistemas teóricos e das
verdades que produziam, a filosofia já pode ser confundi da com a própria «a atividade de pensar
.
Definida como atividade plenamente inserida na vida cotidiana de cada um – pesquisador ou
homem comum, a filosofia torna-se o campo das escolhas, dos valores. Mas – questão que os
filósofos nunca deixaram de fazer – em que então a filosofia, a reflexão, se apoiaria, para
fundamentar essa decisão? Como, para a modernidade, a filosofia só é atividade especializada se ela
se fizer científica, a resposta mais evidente é: ela deveria se amparar na crítica racional, na razão
científica que se emancipou do dogmatismo metafísico.
É preciso convir que é impossível fazer caber a realidade humana nos estreitos limites da
racionalidade científica. Assim, deduz Anísio Teixeira, tudo que não decorre das certezas rigorosas
da razão, deve ser comparado à arte, à profecia… à crença:
A filosofia não busca verdade no sentido estritamente científico do termo, mas valores, sentido,
interpretações mais ou menos ricas de vida. Vai às causas últimas para usar a velha expressão,
porquanto nos deve l evar à compreensão mais larga, mais profunda e mai s cheia de sentido que for
possível obter, do universo, à vista de tudo que o homem fez e conhece na terra.

A filosofia tem, assim, tanto de literário quanto de científico. Científicas devem ser as suas bases, os
seus postulados, as suas premissas; literárias ou artísticas as suas conclusões, a sua projeção, as suas
profecias, a sua visão. E, nesse sentido, a filosofia se confunde com a atividade de pensar, no que
ela encerra de perplexidade, de dúvida, de imaginação e de hipotético. Quando o conhecimento é
suscetível de verificação, transforma-se em ciência, e enquanto permanece como visão, como
simples hipótese de v alor, sujeito aos vaivéns da apreciação atual dos homens e do estado presente
de suas instituições, diremos, é filosofia.

A democracia é o projeto de romper o fechamento em nível coletivo. A filosofia, que cria a


subjetividade com capacidade de refletir, é o projeto de romper com o fechamento do pensamento…
O nascimento da filosofia e o nasci mento da democracia não coincidem, eles consignificam.
Ambos são expressões e encarnações centrais do projeto de autonomia.

Portanto, sob a perspectiva democrática, isso é, à luz do projeto de autonomia individual e coletiva,
a filosofia não é a atividade espontânea pela qual as sociedades criam seus costumes, v alores,
representações e finalidades, mas a forma sistemática e deliberada de interrogar esta criação. Ela é a
busca de definição, em primeiro lugar, do espaço que cabe à deliberação e à iniciativa
humana: individual mente, como decisão que constitui a conduta ética.

Nesse momento, e após muitos séculos, a definição filosófica da educação voltou a buscar, na
radicalidade de sua tradição de questionamento, seu caráter eminentemente instituinte. Essa
dimensão instituinte do fazer educativo foi proclamada com insistência durante o período da
Revolução Francesa, que redescobriu a direta relação entre este fazer e a instituição política da
sociedade. Decorre daí uma nova definição filosófica da educação, uma definição política. Aos
poucos, porém, em face das exigências de construção de uma sociedade nova e unificada, a
autoridade científica foi retomando o poder que havia sido subtraído ao dogma: a prática do
controle s e reinstituiu, pela ambição ampliada de uma definição científica da educação, que
promove as «ciências da educação» em referências absolutas para os métodos e procedimentos de
administração e de realização do fazer educativo.

Nossos tempos já não desconhecem os efeitos nefastos do mito do progressotécnico-científico, que


Jean-Jacques Rousseau começara a denunciar, e os riscos da descontrolada ambição de domínio
racional da real idade. Por isso, na área da educação, as diferentes disciplinas dificilmente
convergirão para uma compreensão organizada e harmônica da realidade humana e social – e não é
essa a função da filosofia.
Um dos maiores expoentes da filosofia moderna, Immanuel Kant havia começado a demonstrar os
limites do conhecimento científico, no que se refere ao homem e à sociedade: sob esse aspecto, sua
contribuição para a definição filosófica da educação é i negável, ainda que pouco explorada.

Todavia, qualquer definição que parta apenas das determinações que pesam sobre a natureza
humana e social, e não, igualmente, do questionamento dos limites dessas determinações é nefasta
para a educação. Volta-se, assim, repetidamente, à tradição platônica, e à herança metafísica:
Com Platão começa a torção , e a distorção, platônica que dominou a história da filosofia ou, pelo
menos, a sua principal corrente. O filósofo deixa de ser um cidadão. Sai da pólis, ou coloca-se
acima dela, e diz às pessoas o que devem fazer, deduzindo isso de [seu próprio conhecimento].
Começa com Platão, diz Cornelius Castoriadis, a crença de que se possa encontrar uma teoria única
e válida para todas as questões sobre o humano, uma ontologia unitária, da qual, em seguida, se
tenta derivar o regime político ideal. É essa a «torção e a distorção» que sofrem, primeiramente, a
filosofia e, em seguida, a ciência moderna: a de acreditar que o conhecimento pode e deve substituir
a liberdade humana. Em fins do século XIX, Friedrich Nietzsche afirmava que só seríamos de fato
modernos quando, enterrando de uma vez por todas a tradição platônica, abraçássemos
definitivamente o nihilismo.

Dessa forma, alguns críticos pós-modernos renunciam à filosofia como práxis e à educação como
ação deliberada e racional.

Mas, feita compromisso racional e deliberado com o projeto de autonomia, a filosofia pode definir a
educação como prática de formação coletiva de subjetividades reflexivas e deliberantes de que a
democracia carece.

ANÍSIO TEIXEIRA
Na medida de nossas forças, construímos, então, uma filosofia e a ela nos acomodamos, tão bem
como tão mal, em nossa ânsia e inquietação de compreender e de pacificar o espírito. Tais filosofias
individuais não se articulam, porém, em sistemas filosóficos. Esses, quando não são criações
pedantes de gabinete, mas expressões reais de filosofia, representam e caracterizam uma época, um
povo ou uma classe de pessoas. Porque, no sentido realístico de que falamos de filosofia, tal seja a v
ida, tal seja a civilização, tal será a filosofia. A filosofia de um grupo que luta corajosamente para
viver, não é a mesma de outro cujas facilidades transcorrem em uma tranquila e rica abundância.
Conforme o tipo de experiência de cada um, será a filosofia de cada um.

A filosofia se traduz, assim, «em educação, e educação só é digna desse nome quando está
percorrida de uma larga vi são filosófica. Filosofia da educação não é, pois, senão o estudo dos
problemas que se referem à formação dos melhores hábitos mentais e morais em relação às
dificuldades da vida social contemporânea.[Dewey]. Considerada assim, a filosofia, como a
investigadora dos valores mentais e morais mais compreensivos, mais harmoniosos e mais ricos
que possam existir na vida social contemporânea, está claro que a filosofia dependerá, como a
educação, do tipo de sociedade que se tiver em vista.

CORNELIUS CASTORIADIS
Atravessamos um período de crise prolongada da cultura ocidental. À crise pertencem também a
proclamação – em particular por Heidegger, mas não só por ele – do “fim da filosofia” e toda a
gama de retóricas desconstrucionistas e pós-modernistas. Pois a filosofia é um elemento central do
projeto grecoocidental de autonomia individual e social; o fim da filosofia significaria nem mais
nem menos do que o fim da liberdade. A liberdade não está apenas ameaçada pelos regimes
totalitários ou autoritários. E sim, de maneira mais escondida, porém não menos forte, pela atrofia
do conflito e da crítica, pela expansão da amnésia e da irrelevância, pela incapacidade crescente de
questionar o presente e as instituições existentes, quer sejam propriamente políticas ou contenham
concepções do mundo. Nessa crítica, a filosofia sempre teve uma parte central, ainda que, na maior
parte do tempo, sua ação tenha sido indireta.

Um filósofo escreve e publica porque crê que tem coisas ver dadeiras e importantes a dizer , mas,
também, porque quer ser discutido. Ser discutido implica a possibilidade de ser criticado e,
eventualmente, refutado. E todos os grandes filósofos do passado – inclusive Kant, Fichte e
Schelling – explicitamente discutiram, criticaram e refutaram – ou pensaram que refutaram – seus
predecessores. Pensavam, com razão, que pertenciam a um espaço social-histórico público e
transtemporal, na ágora trans-histórica da reflexão, e que sua crítica pública dos outros filósofos era
um fator essencial da manutenção e do alargamento desse espaço como sendo de liberdade (… ).

(…) É por isso que, para um filósofo, não pode haver história da filosofia a não ser crítica. A crítica
pressupõe evidentemente o esforço mais laborioso e mais desinteressado para compreender a obra
crítica. Mas ela exige também uma vigilância constante quanto às limitações possíveis desta obra,
limitações que resultam do fechamento quase inevitável de toda obra de pensamento queacompanha
a sua ruptura com o fechamento precedente.

IMMANUEL KANT
O homem é a única criatura que precisa ser educada. Por educação entendesse o cuidado de sua
infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução com a formação. Consequentemente, o
homem é infante, educando e discípulo. (…) A disciplina transforma a animalidade em humanidade.
Um animal é por seu próprio instinto tudo aquilo que pode ser; uma razão exterior a ele tomou por
ele antecipadamente todos os cuidados necessários. Mas, o homem tem necessidade de sua própria
razão. Não tem instinto, e precisa formar por si mesmo o projeto de sua conduta. Entretanto, porque
ele não tem a capacidade i mediata de o realizar, mas vem ao mundo em estado bruto, outros devem
fazê-lo por ele.

HANNAH ARENDT
A filosofia tem duas boas razões para não se limitar a apenas encontrar o lugar onde surge a
política. A primeira é:
a) Zoon politikon: como se no homem houvesse algo político que pertencesse à sua essência –
conceito que não procede; o homem é a- político. A política surge no entre os homens; portanto,
totalmente fora dos homens. Por conseguinte, não existe nenhuma substância política original.
b) A concepção monoteísta de Deus, em cuja imagem o homem deve ter sido criado. Daí só pode
haver o homem, e os homens tornam-se sua repetição mais ou menos bem-sucedida. O homem,
criado à imagem da solidão de Deus. É a rebelião de cada um contra todos os outros, odiados
porque existem sem sentido – sem sentido exclusivamente para o homem criado à imagem da
solidão de Deus.

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