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FACULDADE EDUCAMINAS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

FILOSOFIA E EDUCAÇÃO: UMA ABORDAGEM FILOSÓFICA DA


APRENDIZAGEM
Graciele De Azevedo Mendonça Camargo

RESUMO: O presente artigo científico intenciona desenvolver reflexões válidas


sobre as nuances do processo de aprendizagem, sob a lente da filosofia e a vasta
gama de teorias filosóficas que perpassam os estudos relacionados ao tema.
Arcabouçado pela formação primária da autora no campo pedagógico, nas
experiências e pesquisas realizadas e inspirado pelos autores e estudos
constituintes do presente ciclo estudantil, este esboço organiza alguns fundamentos
filosóficos, alinhando-os às teorias da aprendizagem, problematizando as relações
teórico-práticas e propondo novos olhares para um tema que não conhece barreiras
e constrói-se a partir da prática educacional diária.

Palavras-chave: Filosofia; Educação; Aprendizagem.

1. INTRODUÇÃO

A aprendizagem desenvolve-se por meio de um constructo complexo que


incorpora elementos internos e externos ao indivíduo, sobrepondo-se
constantemente, à medida em que modificam e são modificados, interagem e
incorporam-se, enquanto estabelecem relações fundamentais entre o antigo e o
novo. As teorias buscam explicações e caminhos, os quais não são permanentes ou
estáticos, estando longe de uma conceituação definitiva.
Tendo como elemento gerador, a experiência desta pós-graduanda,
construída ao longo de seus estudos no campo educacional, os quais perpassam
pela formação acadêmica nas licenciaturas em pedagogia, artes e letras, além de
especializações nos campos da educação social, gestão escolar,
neuropsicopedagogia e filosofia, pretende-se analisar, sob a lente da filosofia, as
raízes das dificuldades de aprendizagem enfrentadas por tantos, ao longo da vida
escolar.
Entender ou, em um âmbito mais modesto, minimamente refletir as causas ou
razões da ausência de concretude das aprendizagens no correr de uma década de
frequência em salas de educação básica, à medida em que conteúdos abordados
não alcançam o intento de constituírem-se em aprendizagens e experiências
validamente significativas para os estudantes.
Tal incômodo permanece latente, não só na trilha acadêmica desta estudante,
mas na constante produção científica, à medida que estudiosos e teóricos,
permanecem debruçados sobre tais questões, as quais evolvem diretamente o
processo ensino aprendizagem, numa perspectiva que pensa as relações entre
aprendizagem, arte e criação, tal como nos ínsita o filósofo francês Deleuze apud
Kastrup:
(...) a aprendizagem não é entendida como passagem do não-saber
ao saber, não fornece apenas as condições empíricas do saber, nem
é uma transição ou uma preparação que desaparece com a solução
ou resultado. A aprendizagem é, sobretudo, invenção de problemas,
é experiência de problematização. A experiência de problematização
distingue-se da experiência de recognição. (KASTRUP, 2001, p.19)

A discussão versará, portanto, sobre a perspectiva de Deleuze, que pensa a


aprendizagem para além dos processos de cognição e recognição, propostos por
teóricos como Piaget e Vygotsky, propondo que todo processo de
ensino/aprendizagem deve partir de propostas que proporcionem ao ato do pensar,
algo que transcenda a representação da vida e incite a criação de possibilidades e
hipóteses até então não concebidas.

2. METODOLOGIA

O presente trabalho de conclusão de curso, desenvolvido no formato


de artigo científico, está baseado, conforme já descrito, nas experiências
construídas ao longo da caminhada acadêmica desta pós-graduanda e
fundamentada em um levantamento bibliográfico, que recorreu a fontes e
levantamentos de dados evidenciados e estruturados por teóricos em livros

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físicos, artigos publicados e revistas eletrônicas. Todo o trabalho foi
estruturado a partir de criteriosa revisão teórica de obras e autores
relacionados mormente à Filosofia da Educação, para uma análise crítica dos
resultados mediante à proposição inicial.

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A relação entre a filosofia e a educação é complexa e polissêmica, tem


sua origem na própria gênese humana, à medida em que constrói sua
existência na busca pela compreensão de si mesma e na ânsia por
compreender sua existência no mundo e transmitir esta experiência aos que
vêm após. A fuga das explicações mitológicas e a busca pela razão
impulsionaram o modelo de pensamento que ganhou força e influenciou as
antigas e contemporâneas formas de pensar:
A Filosofia começa dizendo não às crenças e aos preconceitos do
senso comum e, portanto, começa dizendo que não sabemos o que
imaginávamos saber; por isso, o patrono da Filosofia, o grego
Sócrates, afirmava que a primeira e fundamental verdade filosófica é
dizer: “Sei que nada sei”. Para o discípulo de Sócrates, o filósofo
grego Platão, a Filosofia começa com a admiração; já o discípulo de
Platão, o filósofo Aristóteles, acreditava que a Filosofia começa com
o espanto. Admiração e espanto significam: tomamos distância do
nosso mundo costumeiro, através de nosso pensamento, olhando-o
como se nunca o tivéssemos visto antes, como se não tivéssemos
tido família, amigos, professores, livros e outros meios de
comunicação que nos tivessem dito o que o mundo é; como se
estivéssemos acabando de nascer para o mundo e para nós mesmos
e precisássemos perguntar o que é, por que é e como é o mundo, e
precisássemos perguntar também o que somos, por que somos e
como somos. (CHAUÍ, 2006, p.9,10)

Indagações e questionamentos levaram à inquietude humana na busca


por explicações racionais sobre eventos naturais, humanos e sociais, que
permeavam sua existência, tendo em vista que os mitos já não se faziam
suficientes. A filosofia propõe um olhar além, uma visão que alça voo e
enxerga o problema em sua totalidade:
(...) a filosofia não é, de modo algum, uma simples abstração
independente da vida. Ao contrário ela é a própria manifestação
humana e sua mais alta expressão (...) A filosofia traduz o sentir, o
pensar e o agir do homem. Evidentemente, o homem não se

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alimenta da filosofia, mas sem dúvida nenhuma, com a ajuda da
filosofia. (BRANGATTI, 1993, p.14)

Chauí propõe uma linha do tempo, como mecanismo de sistematização


da Filosofia ao longo da história. Em sua visão, o conhecimento dos principais
períodos da filosofias grega construíram os fundamentos para a formação do
pensamento ocidental:
A história da filosofia grega é composta por quatro períodos, são
eles: Período pré – socrático ou cosmológico (do final do século VII
ao final do século V a.C.), período em que a filosofia se ocupa
fundamentalmente com a origem do mundo e as causas das
transformações da natureza. Período socrático ou antropológico (do
final do século V e todo o século IV a.C.), quando a filosofia investiga
as questões humanas. Período Sistemático (final do século IV ao
final do século III a.C.) quando a filosofia busca reunir sistematizar
tudo quanto foi pensado pela cosmologia e pelas investigações sobre
a ação humana na ética, na política e nas técnicas. Período
helenístico ou greco-romano (do final do século III a.C. até o século
IV d.C.) Nesse longo período, que abrange a época do domínio
mundial de Roma e do surgimento do cristianismo, a filosofia se
ocupa sobretudo com as questões da ética, do conhecimento
humano e das relações entre homem e a natureza e de ambos com
Deus. (CHAUÍ, 2006, p.39)

É também Chauí, que melhor descreve o significado do termo filosofia,


conforme pode-se ler no trecho seguinte, retirado da obra “Convite à
Filosofia”, de sua autoria:
A palavra filosofia é grega. É composta por duas outras: philo e
sophia. Philo deriva-se de philia, que significa amizade, amor
fraterno, respeito entre os iguais. Sophia quer dizer sabedoria e dela
vem a palavra sophos, sábio. Filosofia significa, portanto, amizade
pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. Filósofo: o que ama a
sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber. Assim, filosofia
indica um estado de espírito, o da pessoa que ama, isto é, deseja o
conhecimento, o estima, o procura e o respeita. (CHAUÍ, 2006, p.19)

Deleuze, por sua vez, afirma que a tarefa da filosofia é, essencialmente


criar conceitos. Ele explica que:
O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência. Quer
dizer que a filosofia não é uma simples arte de formar, de inventar ou
de fabricar conceitos, pois os conceitos não são necessariamente
formas, achados ou produtos. A filosofia, mais rigorosamente, é a
disciplina que consiste em criar conceitos. (DELEUZE e GUATARRI,
1992, p.13)

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Criando um paralelo necessário entre a filosofia e a aprendizagem,
cabe refletir sobre o conceito atribuído ao segundo termo em questão, como este se
realiza, como se constitui. Pedro Demo assegura que a aprendizagem só é possível
mediante um ensino de qualidade, o qual deve ser avaliado sob diversos olhares,
sendo o professor primordial, porém não único, Demo afirma que:
A aprendizagem supõe pelo menos dois componentes interligados: o
primeiro, é o esforço reconstrutivo pessoal do aluno; o segundo, é
uma ambiência humana favorável, onde se destaca o papel
maiêutico do professor”.(DEMO, 2013, p.167).

Paulo Freire, explicitando sobre o que hoje definimos como “método Paulo
Freire”, define concepção de aprendizagem como:
(...) um pensar que percebe a realidade como processo, que capta
em constante devenir e não como algo estático. Não de dicotomiza a
si mesmo na ação. Banha-se permanentemente de temporalidade
cujos riscos não teme. (FREIRE, 1987, p.47)

Freire (1996) reafirma ainda, que “ensinar não é transferir conhecimento, mas
criar as possibilidades para sua própria produção ou a sua construção” (p.21), ao
que Demerval Saviani faz eco, reafirmando o caráter reflexivo da filosofia e sua
inquestionável contribuição ao processo de aprendizagem:
Eis por que se pode considerar como uma das funções precípuas da
filosofia da educação acompanhar reflexiva e criticamente a atividade
educacional de modo a explicitar os seus fundamentos, esclarecer a
tarefa e a contribuição das diversas disciplinas pedagógicas e avaliar
o significado das soluções escolhidas. (SAVIANI,1980, p.30)

Ressaltando que a aprendizagem não se realiza de forma isolada, Paulo


Freire traz ainda, uma visão que integra filosofia, educação e política; dando voz a
uma reflexão premente à questão aqui abordada:
O diálogo não é um produto histórico, é a própria “historicização”. É
ele, pois, o movimento constitutivo da consciência que, abrindo-se
para a infinitude, vence intencionalmente as fronteiras da finitude e,
incessantemente, busca reencontrar-se a si mesmo num mundo que
é comum; porque é comum esse mundo, buscar-se a si mesmo é
comunicar-se com o outro. O isolamento não personaliza porque não
socializa. Intersubjetivando-se mais, mais densidade subjetiva ganha
o sujeito. [...] o "saber" é uma doação dos que se julgam sábios aos
que julgam nada saber. Doação que se funda numa das
manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a
absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de
alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no
outro. (FREIRE, 1987, p. 16, 67)

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Ao refletir sobre a importância fundamental do diálogo no processo
educacional, bem como a preocupação quanto à intencionalidade deste, Paulo
Freire concorda com Kant em sua afirmação de que se aprende a filosofar e não a
filosofia, conforme cita Marilena Chauí:
“Não se aprende Filosofia, mas a filosofar”, já disse Kant. A Filosofia
não é um conjunto de ideias e de sistemas que possamos apreender
automaticamente, não é um passeio turístico pelas paisagens
intelectuais, mas uma decisão ou deliberação orientada por um valor:
a verdade. É o desejo do verdadeiro que move a Filosofia e suscita
filosofias. (CHAUÍ, 2006, p.111)

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

A prática do pensamento que se ocupa da busca por respostas aos


problemas essencialmente existencialistas pode ser compreendida como uma
definição viável ao ato de filosofar, conforme explicitado pelos autores supracitados.
É válido portanto, inferir que a filosofia está apta a analisar e problematizar questões
intrínsecas ao processo educacional, partindo do pressuposto de que é esta uma
questão primordial da existência humana: a produção do conhecimento.
Nessa direção, é importante tomar posse de tais pressuposições e transportá-
las como fundamentos para o processo de ensino e aprendizagem, deixando de lado
metodologias prontas e lançando-se à prática do pensamento, como propõe a
experiência filosófica.
Quando o educador lança mão de um trabalho postulado com base em uma
metodologia pré-definida, está determinando a linha de pensamento à qual o aluno
deverá limitar-se, delimitando igualmente, o alcance de seus possíveis resultados.
Se, diferente disto, o professor é capaz de posicionar-se como mero facilitador/
provocador de ideias, permitirá ao estudante a oportunidade de refletir sobre as
possibilidades.
Os referenciais teóricos comprovam que não há uma receita de sucesso,
mas que a escola deve ser lugar privilegiado para experimentação e sistematização
de conhecimentos e saberes que se inserem socialmente como bens simbólicos que
representam a existência concomitante de cultura x valor. Vale reforçar que tais
valores estão invariavelmente relacionados à concepção de sociedade em que está
inserido. Sobre isso, é valido citar SAVIANI:

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Na sociedade atual, pode-se perceber que já não é possível
compreender a educação sem a escola, porque a escola é a
forma dominante e principal de educação. A educação escolar
é simplesmente a educação; já as outras modalidades são
sempre definidas pela via negativa. (SAVIANI, 2005, p. 98)

Propor uma nova perspectiva em relação ao ato de pensar, aprender e


ensinar, implica uma ação filosófica, à medida em que o educador ousa pensar
modos que se desprendam da lógica fundamentalista, a qual norteia a educação,
limitando sua evolução. “Apostemos numa filosofia que invista no risco da diferença,
em lugar de investir na segurança do mesmo.” (GALLO, 2011, p.16)
Para tanto, é necessário pensar filosoficamente sobre as possibilidades de
aprendizagem, bem como sobre os caminhos pelos quais tal processo perpassará,
libertando a educação para novas experiências que despertarão sentidos, emoções
e a curiosidade que conduzirão ao impensado, construindo novos aprendizados e
novas possibilidades.

5. CONCLUSÃO

As pesquisas e reflexões permitem que se conclua que a filosofia permeia a


humanidade desde os primórdios, à medida em que as indagações sobre a própria
existência principiam, e as possibilidades insinuam-se diante da consciência crítica
inerente ao ser humano.
A filosofia contribui, portanto, para o meio educacional a partir de suas
especificidades, sendo capaz de colaborar para o adequado desenvolvimento e
riqueza das práticas educacionais, mediando as relações entre estas e outras áreas
científicas que possam contribuir para o aperfeiçoamento das metodologias,
diálogos e práticas, os quais implicam profunda reflexão.
Partindo de outro espectro, vale ressaltar que a filosofia, enquanto estética do
pensamento, influencia valiosamente no processo do desenvolvimento cognitivo
desde antes da alfabetização e permanece igualmente influente ao longo de todo o
processo escolar.
O processo de pesquisa provocou o levantamento de questões acerca da
racionalidade, do pensar filosófico e da essência do ser enquanto individuo dotado

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de razão, sustentando o caráter contínuo e ininterrupto do pensar que por
consequência, determina a premissa igualmente válida da premente capacidade de
desenvolvimento e evolução enquanto espécie.
Por fim é importante ressaltar que as proposições ora registradas não
destoam ou mesmo descreditam quaisquer linhas educacionais já estabelecidas; ao
contrário, reforçam a incontestável necessidade de permanente revisão dos
conhecimentos científicos, bem como das teorias e práticas que nelas estão
arcabouçadas.

6. REFERÊNCIAS

BRANGATTI, Paulo R. O ensino de filosofia no segundo grau: uma necessidade


de leitura do cotidiano. Piracicaba: Unimep, 1993.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo, Editora Ática, 2006.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Tradução Bento Prado Jr.
e Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Editora 34, 1992.

DEMO, Pedro. Desafios modernos da educação. 19 ed. São Paulo: Editora Vozes,
2013.
FERREIRO, Emília. Reflexões Sobre Alfabetização. 26 ed. São Paulo: Cortez,
2011. – (Coleção questões da nossa época; v. 6)

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1989.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática


educativa. São Paulo: Paz e Terra,1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.

GALLO, Sílvio. As múltiplas dimensões do aprender. Santa Catarina: Congresso


de educação básica: Aprendizagem e currículo, 2012.

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KASTRUP, Virgínia. A atenção na experiência estética: cognição, arte e
produção de subjetividade. Revista Trama Interdisciplinar. V.03, nº1, 2012.
http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/tint/article/view/5000/3817. Acesso em:
12/04/2023.

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SAVIANI, Demerval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 8. ed.


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tecnologias. In: FERRETTI, Celso João et al. Novas tecnologias, trabalho e
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Sensível Na Escola, XVI ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Práticas de
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XAVIER, Ingrid. Filosofia no Ensino Médio: possibilidade de uma educação


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em: 16/04/2023.

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