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DIMENSÕES

HISTÓRICO-
FILOSÓFICAS DA
EDUCAÇÃO FÍSICA E DO
ESPORTE

Wilian Bonete
U N I D A D E 1
A evolução do
pensamento filosófico
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Descrever os pilares básicos da filosofia.


„„ Elencar cronologicamente os principais filósofos da humanidade.
„„ Identificar as principais referências filosóficas contemporâneas.

Introdução
O pensamento filosófico não é estático. Desde a Antiguidade, inúmeras
mudanças e transformações ocorreram nessa área do saber. Ainda assim,
a filosofia possui alguns pilares básicos. Além disso, ao longo de sua
história, ela contribuiu para o entendimento da ciência e da vida humana
de diferentes formas.
Neste capítulo, você vai estudar as principais disciplinas que bali-
zam as discussões no campo da filosofia, como a metafísica, a lógica, a
epistemologia, a estética, a política e a ética. Além disso, vai conhecer o
pensamento de diferentes filósofos que se destacaram desde a Antigui-
dade, passando pela Idade Média e pela Idade Moderna e chegando às
reflexões dos pensadores contemporâneos.

Pilares básicos da filosofia


A filosofia é um ramo da ciência que por vezes causa espanto e estranheza.
Muitos já ouviram falar dela, mas poucos conhecem os filósofos e suas ideias.
No geral, as pessoas imaginam que a filosofia trata de temas abstratos, com
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linguagem complexa e quase incompreensível, ou ainda que é uma reflexão


que pouco contribui para a vida cotidiana.
Afinal, o que é a filosofia e qual é a sua origem? Por que é importante
estudar filosofia? E quais são os pilares básicos dessa forma de saber? Você
pode considerar que essas questões são guias para a compreensão do campo
das reflexões filosóficas. Uma primeira abordagem, postulada por Marilena
Chauí (2012, p. 21), é a seguinte:

[...] uma primeira resposta à pergunta “o que é filosofia” poderia ser: “a decisão
de não aceitar como naturais, óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos,
as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana;
jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido”.

Chauí (2012) sugere que levantar questionamentos deve ser a primeira


reação aos diversos acontecimentos da vida diária. Jamais se devem aceitar
ideias ou visões sem antes refletir criticamente sobre elas. Nesse sentido,
a autora aponta que a filosofia surge justamente quando os seres humanos
começam a exigir provas e justificações racionais que validem ou invalidem
as crenças e ideias cotidianas.

A palavra “filosofia” possui origem grega. Philo significa “[...] aquele ou aquela que
possuem sentimentos amigáveis”, enquanto sophia significa “sabedoria”. Logo, filosofia
significa “[...] amizade pela sabedoria ou pelo saber”. A invenção dessa palavra é atribuída
ao filósofo grego da Antiguidade Pitágoras de Samos (CHAUÍ, 2012, p. 19).

Strenger (1998) afirma que a filosofia grega abarca um período de seis


séculos antes e seis séculos depois de Jesus Cristo. Ela pode ser dividida em
quatro grandes períodos:

1. de Tales de Mileto até Sócrates (do séc. VII ao séc. V a.C.) — preocu-
pações de cunho cosmológico;
2. Sócrates, Platão e Aristóteles (séc. V e IV a.C.) — preocupações
psicológicas;
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3. depois da morte de Aristóteles até o surgimento da escola neoplatônica


(fim do séc. IV a.C. ao séc. III d.C.) — preocupações de cunho moral;
4. escola neoplatônica (do séc. I d.C. até o fim da filosofia grega, no
séc. VI d.C.) — preocupações místicas.

Como você sabe, o pensamento grego continua exercendo influência sobre


o pensamento filosófico contemporâneo (STRENGER, 1998). Não é raro, por
exemplo, que intelectuais e filósofos retornem a Sócrates ou Aristóteles para
refletirem sobre a ética na sociedade e sobre a felicidade a partir de diferen-
tes correntes, como o epicurismo ou o estoicismo. E aí que reside o grande
interesse pela história da filosofia e pelo que ela pode oferecer à vida humana.
Ao longo dos séculos, a filosofia foi se constituindo como um campo de
reflexão sistematizada. Sua história foi dividida nas seguintes etapas: filosofia
da Antiguidade, filosofia medieval, filosofia moderna e filosofia contemporâ-
nea. Os diversos filósofos criaram inúmeros conceitos e estabeleceram aquilo
que se pode chamar de os pilares básicos da filosofia ou seus grandes temas.
Kleinman (2014) os relaciona da seguinte maneira:

„„ metafísica;
„„ lógica;
„„ epistemologia;
„„ estética;
„„ política;
„„ ética.

A metafísica é a investigação filosófica a respeito do que é a realidade,


do que existe e de qual é a essência daquilo que existe. Os filósofos gregos
como Platão e Aristóteles procuravam investigar a realidade em si. Para isso,
se baseavam não em dados obtidos da experiência sensível, mas nos puros
conceitos formulados pelo intelecto humano. Já o filósofo escocês David Hume
(séc. XVIII) afirma que os conceitos metafísicos não passam de nomes gerais
dados às coisas pelo hábito mental de associar em ideias os sentimentos, as
emoções, as sensações, etc (CHAUÍ, 2012).
Para Kant, a metafísica deve ser uma forma de conhecimento da própria
capacidade humana de conhecer, uma crítica da razão pura teórica. A me-
tafísica contemporânea é denominada ontologia e investiga os diferentes
modos como os entes ou seres existem; analisa a essência ou o sentido desses
entes ou seres. Em suma, a ontologia descreve as estruturas do mundo e do
pensamento humano (CHAUÍ, 2012).
4 A evolução do pensamento filosófico

A lógica é uma área da filosofia que estuda o desenvolvimento de raciocínios


e argumentos. De maneira geral, os investigadores dessa área preocupam-se em
compreender as relações que se estabelecem quando as pessoas raciocinam,
ou seja, as relações entre o que se sabe, o que é colocado em hipótese (ponto
de partida) e as conclusões. Desse modo, conforme apontam Bonjour e Baker
(2010), lançar outras alegações em suporte a uma alegação defendida é oferecer
um argumento. Na filosofia, esse é o momento de estabelecer reflexões sobre
argumentos e de dar razões lógicas a eles.
A epistemologia é o estudo do conhecimento e de como ele é adquirido.
Há muito tempo, filósofos e outros intelectuais tentam explicar como o fe-
nômeno do conhecimento acontece e qual é a sua confiabilidade. Bonjour e
Baker (2010) afirmam que a epistemologia trata das relações entre pensar,
conhecer e compreender os aspectos cognitivos da realidade. Também é
possível compreender a epistemologia como a investigação sobre as pos-
sibilidades do conhecer, a origem do conhecimento, a essência do objeto
do conhecimento, os tipos de conhecimento e os métodos de obtenção do
conhecimento (CASTANON, 2007).
A estética, segundo Chauí (2012), refere-se ao estudo das obras de arte
enquanto criações da sensibilidade (das experiências dos cinco sentidos e dos
sentimentos despertados por elas), tendo sempre o belo como finalidade. Ao
longo da sua história, a estética passou a designar uma área da filosofia cujo
objeto são as artes. De maneira mais específica:

Do lado do artista e da obra, a estética busca compreender como se dá a reali-


zação da beleza; do lado do espectador e receptor, busca compreender como se
dá a reação à obra de arte sob a forma do juízo de gosto ou do bom gosto. [...]
Como seu nome indica, a estética se ocupa preferencialmente com a expressão
da sensibilidade e da fantasia do artista e com o sentimento produzido pela
obra sobre o espectador ou receptor (CHAUÍ, 2012, p. 8).

Herwitz (2010) observa que a riqueza da estética consiste nas múltiplas posições
culturais a partir das quais tomou forma a reflexão sobre a arte, sobre o belo, sobre a
sublimidade, sobre a natureza, sobre a intuição e sobre a experiência. Desse modo,
não há como compreender a estética como algo desvinculado da filosofia e também
do campo da arte.
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Por sua vez, a política é o estudo dos direitos, das relações de poder e do
papel dos cidadãos (KLEINMAN, 2014). A palavra “política” vem da expressão
grega ta politika, vinda de polis (cidade enquanto espaço cívico, comunidade
organizada, formada pelos cidadãos). O filósofo Aristóteles compreendia a
política como a habilidade humana de organizar e orientar as relações internas
e externas dos grupos sociais, estabelecendo normas e ações para a superação
das adversidades e em prol do bem comum. Todavia, nas diferentes sociedades,
a política desenvolve-se de maneira diferente. Está associada ao poder do
Estado, ao poder ideológico, ao poder econômico, entre outros.
Por fim, outro campo fundamental da filosofia é a ética, conjunto de
princípios e normas que auxiliam os indivíduos a distinguirem o bem do mal,
o certo do errado, o justo do injusto. O objetivo final da ética é estabelecer a
boa convivência em sociedade. É importante você considerar que não há como
pensar a ética sem outro termo essencial: a moral (CHAUÍ, 2012). A moral
também se refere a um conjunto de normas e princípios, porém ela baliza o
comportamento individual. A ética, enquanto ramo da filosofia, é uma ciência
que estuda o comportamento moral dos seres humanos na sociedade e fornece
suportes à moral (PASSOS, 2004).

Os principais filósofos da humanidade


Até aqui, você viu os principais pilares da filosofia, que constituem os grandes
temas de reflexões do campo filosófico. Agora, você vai conhecer, em ordem
cronológica, pensadores que contribuíram para a sistematização da filosofia
no mundo ocidental. Contudo, você deve notar que não é possível elencar aqui
todos os filósofos importantes da história. Por isso, você vai estudar aqueles
pensadores cujas teorias ainda são debatidas na atualidade.

Idade Antiga
A Idade Antiga inicia-se aproximadamente 4 mil anos a.C., com o surgimento
das primeiras formas de escrita, e segue até 476 d.C., com a queda do Império
Romano do Ocidente. Nesse recorte temporal, se destacam filósofos como
Sócrates, Platão e Aristóteles.
6 A evolução do pensamento filosófico

Sócrates (Grécia, 469–399 a.C.)

A reflexão filosófica de Sócrates estava direcionada para a experiência humana,


concentrando-se na moralidade individual. Ele questionava o que torna uma
vida boa e refletia sobre aspectos políticos e sociais. O pensamento de Sócrates
é essencial na construção da filosofia ocidental. Todavia, esse filósofo não
deixou nenhum documento escrito. O que se sabe sobre ele é baseado nos
trabalhos de seus discípulos e alunos, principalmente Platão. Sócrates postulava
que um indivíduo, para se tornar sábio, deveria ser capaz de compreender a si
mesmo. Desse modo, as ações humanas estariam diretamente relacionadas à
inteligência e à ignorância do homem (KLEINMAN, 2014).

Platão (Grécia, 428–348 a.C.)

Platão acreditava que a filosofia era um processo de contínuo questionamento


e diálogo. Seus trabalhos foram escritos seguindo esse formato. Segundo
Kleinman (2014), Platão nunca afirmava explicitamente suas opiniões sobre
os assuntos e nunca se colocou como participante dos diálogos. Com isso, ele
queria que as pessoas formulassem suas próprias opiniões. Desse modo, seus
diálogos abordam inúmeros assuntos, como arte, teatro, ética, imortalidade,
mente e metafísica. Uma das principais teorias de Platão é a teoria das formas.
Segundo ela, a realidade existe em dois níveis específicos: o mundo visível,
feito de imagens e sons; e o mundo inteligível, que dá sentido e existência ao
mundo visível.

Aristóteles (Macedônia, 384–322 a.C.)

Aristóteles contribuiu com reflexões sobre diversos temas, mas uma de suas
contribuições mais significativas para o campo da filosofia e do pensamento
ocidental foi a criação da lógica. Para ele, o aprendizado se estabelece a partir
de três categorias: teoria, prática e produção. A lógica, por sua vez, não pertence
a nenhuma delas. Ela poderia ser utilizada para se obter conhecimento sobre
algo, tornando-se o primeiro passo do aprendizado. Assim, a lógica capacita
o ser humano a descobrir erros e estabelecer verdades (KLEINMAN, 2014).

Idade Média
A Idade Média inicia-se aproximadamente no ano 476 d.C. e estende-se até
1453, com o fim da Guerra dos Cem Anos e a tomada da cidade de Cons-
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tantinopla (capital do Império Romano do Oriente) pelos turcos otomanos.


Segundo Marías (2004), a filosofia medieval começa propriamente no século
IX. Entre os pensadores desse período, se destacam: Santo Anselmo, Santo
Tomás de Aquino e Roger Bacon.

Santo Anselmo (Reino da Borgonha, 1033–1109 d.C.)

Santo Anselmo foi um dos grandes filósofos da Idade Média, fundador da


escolástica. Sua obra teológica e filosófica está orientada às demonstrações
da existência de Deus. Santo Anselmo parte da fé. As demonstrações não se
destinam a sustentar a fé, mas estão sustentadas por ela. Para ele, é necessário
crer para entender, e não o inverso. Todavia, não há uma separação de fé e
razão, e sim uma fé que busca a intelecção. Assim, o cristão deve avançar, por
meio da fé, até a inteligência, e não chegar à fé pela inteligência. Quando ele
não conseguir entendê-la, deve se afastar da fé (MARÍAS, 2004).

Santo Tomás de Aquino (Itália, 1225–1274 d.C.)

De acordo com Marías (2004), Santo Tomás de Aquino foi um homem pu-
ramente espiritual, uma vez que toda a sua vida foi dedicada à teologia e à
filosofia, movidas pela religião. No que tange à filosofia, ele adaptou o pensa-
mento de Aristóteles à escolástica. Um dos pontos importantes de sua filosofia
consiste na demonstração da existência de Deus por cinco vias:

„„ pelo movimento;
„„ pela causa eficiente;
„„ pelo possível e pelo necessário;
„„ pelos graus da perfeição;
„„ pelo governo do mundo.

Para Santo Tomás de Aquino, é no mundo que se pode perceber a existência


de Deus, visto que todas as vias partem de uma realidade verificável. Com
essas vias, Santo Tomás de Aquino não procurou definir Deus, mas provar
a sua existência.

Roger Bacon (Reino Unido, 1214–1292 d.C.)

Roger Bacon estudou em Oxford e Paris, entrou para a Ordem Franciscana e se


dedicou amplamente aos estudos da filosofia, das línguas e das ciências. Para
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ele, não há outro sentido na filosofia a não ser explicar a verdade revelada na
escritura sagrada. Roger Bacon reconhece três modos de saber: a autoridade,
a razão e a experiência. A autoridade em si não basta; ela requer raciocínio.
Todavia, esse não é seguro enquanto não for confirmado pela experiência,
que é a principal fonte de certeza (MARÍAS, 2004).

Idade Moderna
A Idade Moderna inicia-se aproximadamente em 1453 e estende-se até a
Revolução Francesa, em 1789. Trata-se de uma época marcada por grandes
transformações sociais, como a ascensão da burguesia, o intenso desenvol-
vimento do comércio, as novas descobertas científicas, o desenvolvimento
de diferentes teorias filosóficas e o rompimento com os valores religiosos
advindos da Idade Média. Essa época marca o surgimento de novas correntes
filosóficas a partir de pensadores como René Descartes, Francis Bacon, John
Locke e Immanuel Kant.

René Descartes (França, 1596–1650 d.C.)

O projeto filosófico de Descartes pode ser considerado uma defesa do novo


modelo de ciência, iniciada por Copérnico, Kepler e Galileu, contra a concepção
escolástica vigente na Idade Média. Para tanto, Descartes propõe um método que
visa a garantir o sucesso de uma tentativa de teoria científica. A primeira regra
é colocar as coisas em evidência, duvidar de tudo; a segunda regra é elaborar
divisões das dificuldades; a terceira regra é a síntese, que implica conduzir por
ordem os pensamentos, dos mais simples aos mais complexos; a quarta regra é
a elaboração de enumerações completas e revisões gerais sobre os objetos em
análise. Para Descartes, todo conhecimento científico deve se iniciar com uma
dúvida e, em seguida, exige uma atitude crítica (MARCONDES, 2001).

Francis Bacon (Reino Unido, 1561–1626 d.C.)

Francis Bacon é considerado um dos fundadores do pensamento moderno por


sua defesa do método experimental contra a ciência teórica e a especulativa
clássica e por sua rejeição à escolástica. Segundo Marcondes (2001), há dois
aspectos na filosofia de Bacon: sua concepção de pensamento crítico, con-
tida na teoria dos ídolos; e sua defesa do método indutivo do conhecimento
científico e de um modelo de ciência integrado com a técnica. Os ídolos,
A evolução do pensamento filosófico 9

segundo Bacon, bloqueiam a mente humana e impedem o desenvolvimento


do verdadeiro conhecimento. Os ídolos podem ser de quatro tipos: ídolos da
tribo, ídolos da caverna, ídolos do foro e ídolos do teatro. Em suma, Bacon
propõe um modelo para a nova ciência: o homem despir-se de seus preconceitos,
“tornando-se uma criança diante da natureza”. É somente dessa forma que
ele pode alcançar o saber.

John Locke (Reino Unido, 1632–1704 d.C.)

John Locke teve grande influência em sua época. Sua principal obra foi escrita
ao longo de 20 anos e é denominada Ensaio sobre o entendimento humano
(1689). Locke vê a filosofia como uma tarefa crítica e preparatória para a
ciência. Nessa obra, ele desenvolve uma concepção empirista, antiespeculativa
e antimetafísica do conhecimento. Para Locke, todo o conhecimento e todas
as ideias são derivadas de experiências sensíveis, não havendo outras formas
de conhecimento. Portanto, para ele não há conhecimento inato, mas saber
elaborado a partir dos dados obtidos pela experiência concreta da realidade.
É nesse sentido que Locke afirma que a mente humana é como uma tábula
rasa, uma folha em branco na qual a experiência vai deixando as suas marcas
(MARCONDES, 2001).

Immanuel Kant (Prússia, 1724–1804 d.C.)

Immanuel Kant é considerado um dos maiores filósofos que já existiram,


pois o seu trabalho mudou para sempre a estrutura da filosofia ocidental
(KLEINMAN, 2014). Ele trabalhou como conferencista na Universidade
de Königsberg por 15 anos até que, em 1770, tornou-se professor de lógica
e metafísica. Aos 57 anos, Kant publicou uma de suas principais obras,
denominada Crítica da razão pura, em que afirmou que a mente humana
organiza as experiências de duas formas: como o mundo aparece aos olhos
do indivíduo e como o indivíduo pensa sobre o mundo. Segundo Kleinman
(2014), o tema recorrente em todo o trabalho de Kant é o uso do método
crítico para compreender e entrar em acordo com os problemas filosóficos.
A filosofia não poderia especular acerca do mundo; em vez disso, todos
deveriam criticar suas próprias habilidades mentais. Para Kant, ao olhar para
dentro de si mesmos, os sujeitos descobririam as respostas para muitas das
questões filosóficas. Desse modo, Kant desloca-se da metafísica em direção
à epistemologia.
10 A evolução do pensamento filosófico

As principais referências da filosofia


contemporânea
Agora que você já conhece os pilares da filosofia e alguns dos principais filó-
sofos da história da humanidade, vai ver algumas referências filosóficas que
marcaram o século XX. Segundo Marcondes (2001), a filosofia contemporânea
é o resultado de uma crise do projeto moderno, cujo objetivo era a busca pela
fundamentação do conhecimento e das teorias científicas. A concepção de uma
filosofia sistemática e teórica, que pudesse dar conta de toda a realidade e dos
saberes humanos, passou a ser vista como problemática e, por vezes, irrealizável.
É importante você compreender que uma abordagem sobre as principais
referências da filosofia contemporânea não é uma tarefa fácil. Afinal, há uma
quantidade enorme de pensadores e referências. Por isso, aqui você vai ver
aqueles filósofos que ainda marcam a filosofia. Assim, você vai estudar aspec-
tos da filosofia da linguagem, do Círculo de Viena e da Escola de Frankfurt.
De acordo com Marcondes (2001), a filosofia analítica desenvolveu-se
sobretudo na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Austrália, embora tivesse
vertentes na Alemanha, na Áustria e na Polônia. Suas raízes estão ancoradas
na filosofia de Leibniz, bem como no desenvolvimento da matemática e das
ciências naturais desse período. Uma das principais questões propostas pela
filosofia analítica é a seguinte: como os atos mentais, sendo subjetivos, podem
ter a validade universal e objetiva requerida pela ciência?
A filosofia analítica considera que o tratamento e a solução dos problemas
filosóficos devem ser superados por meio da análise lógica da linguagem,
como aponta Marcondes (2001, p. 261):

Não se trata, evidentemente, da língua empírica, o português, o inglês, o francês,


etc., mas da linguagem como estrutura lógica, subjacente a todas as formas
de representação, linguísticas e mentais. A questão fundamental é, portanto,
como um juízo, algo que afirmo ou nego sobre a realidade, pode ter significado
e como podemos estabelecer critérios de verdade e falsidades de juízos. O
juízo passa a ser interpretado não como ato mental, mas tendo como conteúdo
uma proposição dotada de forma lógica. O significado dos juízos é analisado
assim a partir da relação entre a sua forma lógica e a realidade que representa.

Os principais filósofos que fazem parte dessa corrente filosófica são


Gottlob Frege, Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein. Entre eles, existem
inúmeras diferenças, porém o que os une é o projeto de desenvolvimento de
uma análise lógica da linguagem e a adoção de formas lógicas da proposição
como ponto inicial da análise filosófica. Os filósofos do chamado Círculo de
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Viena acreditavam que a lógica e o distanciamento do subjetivismo seriam o


caminho para a fundamentação das teorias científicas (MARCONDES, 2001).
Entre os anos 1929 e 1938, na Universidade de Viena, um grupo de notáveis
estudiosos, como Philipp Frank, Otto Neurath, Hans Hahn, Moritz Schilick,
Rudolf Carnap e Hans Reichenbach, unem-se em torno da defesa de uma
tradição empirista. Os estudiosos do Círculo de Viena (Wiener Kreis) — ou
neopositivistas, como ficaram conhecidos — iniciaram seu projeto a partir da
publicação do manifesto A Concepção Científica do Mundo (1929). Assim, o
grupo atraiu muitos pensadores com a intenção de discutir as possibilidades
de todas as ciências adotarem o mesmo método legitimamente científico.
Você deve notar que:

Uma das consequências mais importantes do Círculo de Viena repousa na


proposta de abolir a distinção entre as ciências da natureza e as ciências hu-
manas, e de adotar a distinção entre ciências empíricas e ciências analíticas.
Em geral, a unificação das ciências levaria, aos olhos de Carnap — um de
seus membros mais destacados —, ao “empirismo”, já que todo conhecimento
não analítico é oriundo da experiência; e ao “logicismo”, uma vez que toda
ciência deve se submeter a uma análise lógica (BASÍLIO; PEREIRA; ME-
NEZES, 2016, p. 412).

A física, enquanto ciência empírico-formal, forneceria as bases da cienti-


ficidade para todas as formulações teóricas que se pretendessem científicas,
formulando assim, por meio da linguagem, noções rigorosas e precisas sobre
a realidade. Nesse sentido, uma teoria deveria consistir em princípios estabe-
lecidos pela lógica e em hipóteses científicas passíveis de serem verificadas
pelo método empírico (MARCONDES, 2001).
A importância das ideias desenvolvidas pelo Círculo de Viena, elaboradas
entre as duas grandes guerras mundiais, pode ser percebida em seus prolon-
gamentos. Filósofos, entre eles Karl Popper, desenvolveram suas posições
teórico-filosóficas a partir de duras críticas ao método neopositivista. Popper,
por exemplo, desenvolveu a tese de que toda descoberta científica deve pautar-
-se por critérios objetivos e não subjetivos. Assim, para esse filósofo, toda
teoria é falsificável. Por essa razão, pode ser refutada como falsa ou aceita
como verdadeira (BASÍLIO; PEREIRA; MENEZES, 2016).
Por fim, a teoria crítica da Escola de Frankfurt teve como preocupação
central estabelecer análises sobre o contexto social e cultural do surgimento das
teorias, dos valores e da visão de mundo da sociedade industrial avançada. Os
pensadores dessa corrente procuraram ver e atualizar a teoria marxista enquanto
pressuposto teórico-metodológico de suas reflexões (MARCONDES, 2001).
12 A evolução do pensamento filosófico

[...] a Escola de Frankfurt teve sua origem em Frankfurt, na Alemanha, por


um decreto do Ministério da Educação, em acordo juntamente com o Instituto
de Pesquisas Sociais, em 03 de fevereiro de 1923. Teve como principal incen-
tivador Félix J. Weil, filho de um negociante argentino de cereais, doutor em
Ciências Políticas, que procurou organizar a “Primeira Semana de Trabalho
Marxista”, e que poderia ser uma escola de corrente sociológica, mas que
optou por ser uma corrente de ordem filosófica, também preocupada com
diversos assuntos, dentre eles: econômicos e políticos [...] (NASCIMENTO,
2014, p. 245).

Os filósofos de Frankfurt, entre eles Max Horkheimer, Theodor Adorno,


Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Erich Fromm e Jürgen Habermas, criti-
caram a concepção de ciência originária do neopositivismo. Eles postularam
uma diferença radical entre a metodologia das ciências naturais e formais
(como a física ou a matemática) e a metodologia das ciências humanas e
sociais. Além disso, questionaram a adoção do paradigma das ciências natu-
rais como paradigma da cientificidade. Desse modo, as ciências humanas e
sociais teriam um propósito interpretativo acerca da sociedade e da cultura.
Elas possuiriam um interesse emancipatório, possibilitando a libertação do
homem da dominação técnica (que poderia levá-lo à subordinação, ao controle
e à dominação) (MARCONDES, 2001).

Você conhece o ensaísta e filósofo Albert Camus? Nascido na Argélia em 1913, ele
abordou as contradições da existência humana. A sua obra O Mito de Sísifo aborda
questões complexas como o suicídio. Segundo Camus, o suicídio é o único problema
filosófico. Afinal, muitos visualizam nesse ato somente uma maneira de conseguir o
que almejam, a saber, acabar com o absurdo da existência.
A morte passaria, então, a ser uma maneira de escapar ao absurdo, importando
apenas a relação estabelecida entre o homem, no silêncio do seu coração, e o suicídio.
No momento em que reflete se a vida merece ou não ser vivida, envolvendo-se com
os devaneios do absurdo, o homem principia o diálogo com o suicídio enquanto
perspectiva de consciência e esperança. Nesse momento, ele se sente invadido por
um sentimento de abandono e esvaziamento, que pode interferir em sua vida.
A complexidade da vida perante um mundo problemático que traz como garantia
apenas a certeza da morte surge à consciência do homem. Na esperança, ele se depara
com outros caminhos. O suicídio parece trazer consigo a ilusão de liberdade. Para
Camus, acreditar que ao morrer se estará livre da rotina, da irracionalidade e do absurdo
é apenas uma possibilidade. De fato, a morte não finda com o absurdo existencial.
14 A evolução do pensamento filosófico

BASÍLIO, R.; PEREIRA, R.; MENEZES, R. A epistemologia científica que subjaz aos estudos
da linguagem no âmbito do Interacionismo sociodicursivo. D.E.L.T.A., v. 2, n. 32, 2016.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0102-­
44502016000200405&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 20 ago. 2018.
BONJOUR, L.; BAKER, A. Filosofia: textos fundamentais comentados. 2. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2010.
CASTANON, G. Introdução à epistemologia. São Paulo: EPU, 2007.
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. 14. ed. São Paulo: Ática, 2012.
HERWITZ, D. Estética: conceitos-chave em Filosofia. Porto Alegre: Artmed, 2010.
KLEINMAN, P. Filosofia. São Paulo: Gente, 2014.
MARCONDES, D. Iniciação à filosofia: dos pré-socráticos à Wittgenstein. 6. ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 2001.
MARÍAS, J. História da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
NASCIMENTO, J. F. A escola de Frankfurt e seus principais teóricos. PIDCC, n. 5, 2014.
Disponível em: <http://www.pidcc.com.br/artigos/052014/11052014.pdf>. Acesso
em: 20 ago. 2018.
PASSOS, E. Ética nas organizações. São Paulo: Atlas, 2004.
STRENGER, I. História da filosofia. São Paulo: LTR, 1998.

Leitura recomendada
BISPO, M.; ROSA, R. O mito de Sísifo: a decisão de viver ou suprimir a vida. Filosofando:
Revista de Filosofia, n. 2, jul./dez., 2013.

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