Você está na página 1de 12

#037 - Os erros de Freud no manejo das transferências de Dora

Hoje nossa última aula sobre caso Dora, temos ainda vários pontos a serem vistos sobre esse
caso, especialmente sobre a transferência, o fenômeno a respeito do qual começamos a falar
semana passada, já havíamos falado um pouco sobre ele nas aulas sobre as 5 lições de
psicanalise mas nesse caso clinico de Dora é um momento especial sobre a transferência
porque é a segunda vez na obra de Freud em que ele fala sobre o assunto então muito
importante analisar esse momento de descoberta que Freud está fazendo desse fenômeno
que é crucial para o tratamento psicanalítico.

O que vimos na ultima aula?

Começamos a ver as observações complementares que Freud fornece ao caso na seção


“posfácio” que é a última sessão do caso.

Vimos que ele modestamente menciona algumas limitações do trabalho, reconhece a


importância dos fatores orgânicos na histeria e retoma as principais objetivos da exposição
do caso.
Ele faz questão de dizer que o objetivo primordial, a meta principal que ele procurou atingir
com esse caso foi mostrar como a interpretação dos sonhos pode ser uma ferramenta clinica
extremamente útil no tratamento de transtornos mentais, além disso ele acredita ter
conseguido mostrar com o caso toda a complicada, complexa e ao mesmo tempo rica teia de
relações inconscientes que estão por trás dos sintomas neuróticos, e também, ele menciona
isso com certo relevo, ele pretendeu com o caso mostrar que a sexualidade, o fator sexual não
é um fator que interfere no desenvolvimento da histeria. A sexualidade, Freud acredita ter
conseguido demonstrar isso com o caso Dora está na própria origem do adoecimento
histérico.

Como nós vimos extensamente ao longo do caso Dora, no fim das contas a gente pode dizer
que Dora adoeceu de histeria por amor, um amor não admitido pelo sr. K, um amor nutrido e
retomado pelo pai, um amor também não reconhecido pela sra. K, Dora adoeceu de amor,
adoeceu de sexualidade. Freud acredita ter conseguido atingir o objetivo, de mostrar isso com
esse caso.

Finalizamos a aula quando adentrávamos ao extenso comentário que Freud faz sobre a
transferência, apresentando-a inicialmente como um obstáculo ao processo terapêutico.
Ele passa de maneira muito pontual, muito superficial pelo fenômeno da transferência, em
alguns momento do caso, especialmente naquele momento em que ele formula a hipótese de
que Dora possa ter sentido o cheiro de fumaça logo depois do primeiro sonho em função de
uma possível referência aos charutos que ele fumava enquanto a atendia, mas tirando esse
ponto, Freud não trata pormenorizadamente do fenômeno da transferência durante o caso,
ele vai falar sobre esse fenômeno agora do posfácio e ele apresenta inicialmente a
transferência para nós como um obstáculo ao processo terapêutico, ele vai dizer “olha,
quando nós estamos tratando de um caso de neurose, se existem motivos externos, motivos
concretos para que o paciente sustente seus sintomas, o tratamento fica emperrado, ele se
depara com um obstáculo, e um desses motivos para a sustentação dos sintomas pode ser
exatamente a transferência” o fato do paciente trazer para o tratamento e para a relação com
o analista as suas fantasias, os seus impulsos e atuar, encenar, concretamente apresentar
esses impulsos e fantasias na relação com o analista, esse fenômeno é um obstáculo ao
potencial terapêutico da psicanalise, de tal maneira, Freud diz que em muitos casos o paciente
melhora, o paciente abandona seus sintomas justamente quando o tratamento termina, ou
seja, ele vinha mantendo de certa forma os sintomas em função do tratamento, o que talvez
pra uma pessoa que está do lado de fora possa parecer uma certa iatrogenia da psicanalise,
quer dizer: a psicanalise supostamente é um tratamento mas ela está produzindo
involuntariamente problemas pro paciente. Freud faz questão de dizer que não se trata
exatamente disso mas se trata do fato de que a psicanalise evoca ou invoca aquilo que ela
pretende tratar e ao fazer essa invocação “do mal” aquilo que está se apresentando pela via
do sintoma vai se apresentar na relação com o analista, é o fenômeno da transferência.

Freud apresenta as “transferências” como “reedições” (Neuauflagen), termo utilizado para


designar o processo em que um livro é publicado novamente ou em que um produto
experimenta atualizações.
A gente fala de reedição quando a gente está se referindo a um livro que foi publicado em um
certo momento e depois alguns anos depois ele vem a ser publicado outra vez, com outra
capa, outro formato a gente fala de uma reedição do livro e nessa reedição esse livro pode vir
com algumas modificações leves, superficiais ou com modificações substanciais, mas o fato é
que é o mesmo livro que está sendo publicado novamente, e a gente fala também de reedição
pra falar de um produto que sofre atualizações, de repente você tem um certo tênis que é
labçado nos anos 90 e aí ele é relançado nos anos 2020 e vem em uma nova edição, numa
reedição mas vem com uns detalhes diferentes, com algumas pequenas modificações, algumas
atualizações pra torna-lo mais conveniente para esse momento atual mas é o mesmo tênis,
portanto.

Ou seja, trata-se de um fenômeno paradoxal: ele é novo e, ao mesmo tempo, antigo.


E o defunto não deve enjeitar a cova humilde, desumano
Não vou duvidar do passado
Como se já não existissem velas para acender
Mas que a diferença faz
Se nossas mães não choram mais
E de meu pai não vejo sorriso
Se os velhos não podem
Criar sua rugas
O novo já nasce velho
“O novo já nasce velho” O rappa.

A transferência é um fenômeno paradoxal porque ao mesmo tempo em que ela é um


fenômeno novo porque o relacionamento transferencial que o paciente desenvolve com o
analista é novo, ele é um novo relacionamento, ele não é simplesmente um repeteco daquilo
que já aconteceu lá atrás de relacionamentos que o paciente já teve em outros momentos com
figuras importantes de sua vida, não é um replay apenas, então é um relacionamento novo, é
um fenômeno novo mas ao mesmo tempo ele é antigo, é velho e novo ao mesmo tempo. É
novo porque se trata de um novo relacionamento mas é antigo porque o esquema, a estrutura
daquele relacionamento é a mesma de outrora. Na hora que o paciente de repente desenvolve
fantasias persecutórias em relação ao seu analista, ele começa a achar que o analista está
contra ele, que o analista quer prejudica-lo, ele começa a achar que o analista tem intenções
maléficas em relação a ele, supondo aqui, essa transferência negativa, quando o paciente
começa a desenvolver esse tipo de expectativa, de imaginação, se trata de um fenômeno
novo, aquele objeto (o analista) que está servindo como suporte para essas fantasias é um
objeto novo mas ao mesmo tempo a estrutura dessas fantasias, desses pensamentos, dessas
expectativas não são nada novas, são antigas, é na verdade uma mesma estrutura que se
desenvolveu lá atrás e que agora está sendo reeditada, então da mesma forma que um livro
antigo que foi publicado em 1970, ele sofre uma reedição e é publicado em 2021 com uma
outra capa, um outro formato. Da mesma forma que esse livro é um livro novo e ao mesmo
tempo é um livro velho a transferência é assim, ela é novo e velha ao mesmo tempo.

No fenômeno da transferência se trata justamente de uma impossibilidade dos velhos criarem


rugas. A transferência mostra que embora nós cresçamos, embora nós cronologicamente
avancemos em idade e embora cronologicamente o tempo esteja passando há coisas que
permanecem. Freud faz questão de dizer que o inconsciente é atemporal, o inconsciente não
conhece a passagem do tempo, ou seja, existe uma região da nossa alma que é indiferente à
passagem do tempo. Então você tem a passagem cronológica do tempo em uma linha reta e
tem ao mesmo tempo a permanência do inconsciente através dessa passagem do tempo e isso
faz com que aquilo que é da ordem do inconsciente seja sempre novo e velho ao mesmo
tempo, isso não acontece só na transferência, eu acentuei no caso da tansferencia pela
comparação que Freud faz com a reedição de um livro, mas isso acontece com todos os
fenômenos e formações do inconsciente, um ato falho é novo no sentido que está
acontecendo pela primeira vez mas o desejo que está em jogo naquele ato falho em última
instancia é antigo, os desejos que habitam nosso inconsciente e que estão o tempo todo
buscando se manifestar seja pela via dos atos falhos, dos sintomas, da própria transferencia
são desejos antigos, são desejos infantis, os padrões relacionais que nós reproduzimos pela via
da transferência numa terapia psicanalítica não são adultos, não são padrões adultos, são
padrões infantis, aquilo que está sendo trazido a tona pela via da transferência é sempre algo
de natureza infantil, portanto é algo antigo mas que ao mesmo tempo se menifesta com uma
roupagem nova por conta da relação com o analista que é uma relação nova para o paciente.

No seminário 11, Lacan (1964/1998, p. 139) dirá que “a transferência não é a atualização da
ilusão que nos levaria a essa identificação alienante que constitui qualquer conformização,
ainda que a um modelo ideal, de que o analista, em caso algum, poderia ser suporte – a
transferência é a atualização da realidade do inconsciente”.
Como habitual na obra lacaniana, trata-se de um texto que não é facilmente compreensível
sem o contexto apropriado. Lacan aqui está discutindo com outros autores contemporâneos e
anteriores a ele da psicanalise que propunham a ideia bastante complicada e problemática de
que em última instancia o objetivo da analise seria promover uma espécie de identificação do
paciente com o analista, supondo que o analista é aquele que chegou até o fim do processo
analítico, até o final da análise, supondo que o analista seria um sujeito digamos purificado, a
partir da passagem pela analise didática, esses analistas sustentavam a ideia de que o analista
portanto seria uma espécie de padrão, de modelo. E aí o paciente chegaria ao final de sua
análise e no final da analise ele faria uma identificação com seu analista.

Lacan vai ser totalmente contrário a essa ideia e aí nesse contexto em que ele está discutindo
isso ele vai dizer “a transferência não é isso, não é o paciente se identificar com seu analista,
ele conclui, a transferência é a atualização da realidade do inconsciente. Essa formula pra
mim é uma formula perfeita pra caracterizar o fenômeno da transferência. E notem que ele
não fala de repetição, interessante isso, a repetição é a atualização da realidade do
inconsciente. O que ele está dizendo é: o inconsciente possui uma realidade e nesse mesmo
seminário Lacan vai dizer que essa realidade do inconsciente é uma realidade sexual, uma
realidade da ordem do amor. Então a realidade do inconsciente é a realidade sexual e essa
realidade sexual vai se atualizando, como um livro que vai sendo permanentemente reeditado.
A transferência vai ser isso, vai ser a atualização dessa realidade do inconsciente. Mas, e aqui
entra um ponto muito importante que tem a ver com a tradução dessa palavra, atualização é
uma tradução de uma expressão em francês e é uma tradução questionável, ao meu ver ela
tem méritos e defeitos.

O termo “atualização” é uma tradução da expressão francesa “mise em acte” efetivamente


pronunciada por Lacan. Uma tradução mais literal (e mais fiel) seria “colocação em ato”.
A tradutora desse seminário de Lacan, Vera Ribeiro, optou por traduzir “mise em acte” por
atualização.

A palavra “atualização” tem o mérito de evocar a ideia freudiana (a ideia do posfácio do caso
Dora) de que, na transferência, trata-se de uma espécie de renovação do objeto que outrora
estava vinculado às “moções e fantasias” despertadas no paciente pela análise.
Um produto que está sendo atualizado, está ganhando uma roupagem nova, é o mesmo
produto mas está ganhando uma roupagem nova. Quando por exemplo quando vai fazer a
atualização do Windows, é o mesmo Windows mas está ganhando uma roupagem nova, de
repente os ícones vem com formato diferente, tem umas funcionalidades novas mas é o
mesmo Windows, é novo mas e é o mesmo, esse é o grande barato da ideia de atualização.
Então eu acho que quando a tradutora escolha atualização pra traduzir,”Mise em acte” ela tem
esse mérito de evocar essa ideia freudiana de que na transferência se trata de uma renovação
do objeto. O objeto original que era o alvo das minhas fantasias era minha mãe e agora na
transferencia, na análise ocorre uma renovação desse objeto, aquelas mesmas fantasias que
eu tinha na relação com minha mãe agora transfiro para o analista, então eu faço uma
atualização desse cenário fantásistico. A fantasia continua a mesma mas ela recebe uma nova
roupagem porque se trata de um novo objeto, então se trata de uma espécie de renovação do
objeto que outrora estava vinculado às noções e fantasias despertadas no paciente pela
análise; Aqui vem um ponto interessante, o Freud está dizendo o seguinte: a “analise desperta
moções e fantasias”, nós partimos do pressuposto de que essas moções, esses impulsos, esses
movimentos de desejo que estão no paciente, nós partimos do pressuposto de que essas
moções e fantasias estão se realizando pela via dos sintomas, mas na hora que o paciente
entrar em analise o que vai acontecer? Vai acontecer uma modificação na dinâmica libidinal do
paciente, então se antes ele estava descarregando essas fantasias e moções apenas ou
sobretudo pela via dos seus sintomas e o sintoma é sempre relacional, o sintoma é sempre
uma mensagem dirigida ao outro, se a gente pega por exemplo a afonia de Dora, Dora ficava
afônica quando sr. K ia viajar, era uma forma dela dizer através da afonia que sem a presença
do objeto amado a voz dela não tinha utilidade. O sintoma é sempre relacional, implica o
outro. Mas o que acontece na hora que o paciente entra em analise? As fantasias e moções
que estavam vinculadas aos sintomas passam a se dirigir para a relação com o analista, então o
paciente que antes sonhava para os outros da sua vida ele passa a sonhar para o analista, o
paciente passa a fazer sintoma para o analista, isso que é a transferencia. Então as fantasias e
desejos que estavam vinculados aos sintomas são despertadas e invocadas para a relação com
o analista, e aí o analista passa a ser o destinatário dessas fantasias e moções, vem tudo pra
ele, é o como se o analista vai funcionando como esse objeto que atrai, uma espécie de imã
que atrai as fantasias e moções do paciente, e isso que está acontecendo na transferencia,
então ocorre uma atualização dessas fantasias e impulsos que agora passam a se concentrar
na relação analítica. Bom, por outro lado a expressão original que Lacan utiliza “mise em acte”
enfatiza o aspecto também apontado por Freud, mas que escapa nessa tradução “atualização”
o aspecto de que a transferência é um fenômeno da ordem do ato, “colocação em ato” a
transferência é um fenômeno da ordem do ato, da vivencia, do comportamento. Palavras de
Freud “toda uma série de experiências psíquica prévia e revivida, não como algo passado, mas
como um vínculo atual com a pessoa do médico” ela é REVIVIDA não como algo passado mas
como um vinculo atual com a pessoa do médico. Perceba: o paciente de modo geral não sabe
que está fazendo transferência e mesmo quando ele sabe, por conhecimento teórico (a pessoa
está estudando teoria psicanalítica então sabe que de repente a paixão, o desejo erótico que
ela tem em relação ao seu analista é transferencial embora o paciente possa saber que se trata
de uma transferencia, aquilo não é vivido como uma lembrança, não é vivido como algo
imaginário, é vivido como algo real), o paciente que está apaixonado por seu analista ele está
apaixonado de verdade, ele não está achando que está apaixonado, o paciente que se sente
oprimido por seu analista, que se sente ameaçado por ele, o paciente pode até saber “isso é
uma transferência, estou transferindo a mesma relação de opressão que eu tinha com meu pai
estou transferindo pro analista” isso não muda a realidade da vivencia que está sendo
experimentada, esse é o ponto, esse que é o aspecto especifico da transferencia, isso que
diferencia a transferencia de outras formações do inconsciente, porque eu posso também
simbolizar essa fantasia persecutória que tenho com meu pai ou com minha mãe posso
simbolizar essa fantasia persecutória por meio de um sonho, mas isso não vai ter a força
vivencial de uma transferencia. Eu posso simbolizar essa fantasia persecutória por meio de um
ato falho, mas isso não vai ter a força experiencial da transferencia porque a transferencia é da
ordem do ato, é uma vivencia, é um comportamento, é uma experiência real que acontece, ela
é velha no sentido de que aquela fantasia não foi criada ali na relação, aquele desejo erótico,
aquele sentimento de ameaça, aquele sentimento de opressão, aquele sentimento
persecutório, nada disso foi criado a partir dali, aquilo é trazido do inconsciente, é velho, mas
ao mesmo tempo é novo porque a relação com o analista é uma relação nova na vida daquele
sujeito. Então quando a gente preserva essa expressão original que o Lacan utilizou “mise em
acte”, a gente dá ênfase pra esse aspecto que também é mencionado pelo Freud que é dessa
revivescência, transferir é reviver. O sujeito vem à analise pra tratar o seu sentimento de
rivalidade com seu pai e quando ele menos percebe ele está rivalizando com o analista, o
sujeito vem pra tratar na analise o seu sentimento de abandono, de se sentir abandonado pela
mãe e quando ele menos percebe ele se sente abandonado pelo analista e o problema da vida
dele passa não ser só mais o abandono da mãe mas o abandono do analista e isso é
maravilhoso, é ótimo, porque como você vai amarrar um touro a distancia? O touro está lá
precisando ser amarrado “vou amarrar aqui a distancia” não dá pra fazer amarração de touro
remota, tem que pegar o touro, então a transferência é necessária pro tratamento, precisamos
trazer a doença pro tratamento, a doença tem que se manifestar no tratamento, aí a gente
consegue mexer com ela, é como se o analista com sua postura incomoda, o analista é um
sujeito incomodo, é muito bom saber que você tem ali uma vez por semana com quem pode
falar mas é muito ruim saber também que essa pessoa não vai te dar tapinha nas costas, que
não vai te abraçar, não vai sentar com você no boteco, muitas vezes a gente fala isso “como é
bom ter um momento de terapia pra você falar” só que você fala e aquela pessoa quase não
fala, você fala e aquela pessoa de repente presta atenção em uma coisa que você achava que
era irrelevante, aquela pessoa fica fazendo um monte de perguntas sobre coisas que pra você
talvez não sejam as mais cruciais, o analista é um sujeito incomodo, e justamente por ser esse
sujeito incomodo, por ser esse objeto, essa pedra no sapato muitas vezes, o que ele faz? Ele
chama os demônios pro tratamento e é como se ele com essa postura incomoda dissesse “vem
pra cá, se manifeste aqui, pra gente poder trabalhar e matar esse negócio” isso que acontece
na transferencia.
Prosseguindo com a analogia entre a transferência e a reedição de um livro, Freud faz uma
distinção entre transferências mais e menos diretas:

Transferências mais diretas: equivalentes a meras reimpressões de livro (“nada se


diferenciam de seu modelo, no tocando ao conteúdo”)

Transferências menos diretas: equivalentes a reedições revistas e atualizadas (“passam por


uma moderação de seu conteúdo, uma sublimação, como costumo dizer”)
Freud faz uma distinção interessante entre o que seriam transferências mais diretas e menos
diretas. Ele diz que existem transferências que nada diferenciam de seu modelo, no tocando
ao conteúdo. São transferências equivalente a meras reimpressões de livros. De repente
aquele paciente ele encena com você ali no tratamento, exatamente uma situação que
efetivamente aconteceu na vida dele com o pai, com a mãe ou que ele fantasiou com o pai e
com a mãe. Ele simplesmente reencena, e aí a comparação que Freud faz é com uma
reimpressão simples de livro, quer dizer, tem um livro que foi publicado em 1998 e agora está
sendo publicado em 2021 sem qualquer alteração, a capa é a mesma, paginação é a mesma.
Claro que é um livro novo no sentido de que é um objeto recém criado, mas ele é exatamente
uma cópia do que aconteceu, do que se passou, isso é mais raro. Exemplo: no caso do homem
dos ratos ocorre isso, ocorre em alguns momentos situações em que o homem dos ratos
reproduz com Freud no consultório exatamente determinadas fantasias que ele tinha na
relação com o pai dele.

E aí tem transferências que são menos diretas. Freud diz que elas passam por uma moderação
de seu conteúdo, uma sublimação como costumo dizer. Interessante ele utilizar o termo
sublimação e esse grifo é do próprio Freud, mas a ideia é de que aquela fantasia ou aquele
impulso original passa por um processo de abrandamento, passa por um processo que a gente
poderia chamar atualmente, utilizando a terminologia psicanalítica atual, passa por um
processo de simbolização, de tal maneira que ele vai aparecer de uma forma mais sútil, de
uma forma menos explicita, que vai requerer do analista uma interpretação, um olhar
diferenciado que não vai ser fácil de captar, a gente vai ver que as conclusões que Freud tira a
respeito das transferências de Dora mostram que as transferências que ela fez pro Freud são
todas dessa ordem. E a comparação que Freud faz dessas transferências menos diretas é com
reedições revistas e atualizadas de livros. Então você tem um livro que foi publicado em 1980,
ele é publicado em 2021 mas ele vem numa nova edição, revista e atualizada, então vem com
comentários novos, com certos trechos omitidos, o autor de repente achou que valia a pena
tirar uma parte do texto, acrescentar outra, a capa muda então tem um edição do mesmo livro
mas ele vem alterado. Esse é o tipo de transferencia que encontramos com mais frequência na
clinica, então o paciente por exemplo, que tem impulsos hostis em relação ao analista, que
tem uma fantasia sádica em relação ao analista, uma fantasia agressiva que quer de repente
prejudicar o analista, machucar o analista, esse paciente por exemplo pode manifestar essa
transferencia negativa de uma forma completamente disfarçada pela via por exemplo de uma
formação reativa em que ele se coloca extremamente exageradamente solicito em relação ao
analista, em que ele se coloca extremamente dócil, submisso, passivo em relação ao analista.
Pra quem está olhando de fora o que se menos imagina é que essa pessoa tem intenções ou
impulsos agressivos em relação ao seu terapeuta, mas quem tem olhos para ver e ouvidos para
ouvir, pode conseguir detectar nessa atitude de extrema docilidade, passividade, submissão
desejos agressivos, o Ferenczi falava bastante sobre isso, de pacientes que escondem o seu
desejo de questionar o analista, o seu desejo de rivalizar com ele por meio de uma postura de
extrema aceitação, tudo o que o analista fala o paciente toma como uma verdade absoluta,
Ferenczi vai dizer que esse paciente pode estar justamente escondendo críticas em relação ao
analista, ele esconde essas críticas por meio de uma postura extremamente dócil, passiva,
submissa, se trata portanto de uma transferência indireta. Para que o analista consiga sacar o
que está em jogo ali, ele vai precisar exercitar bastante a atenção flutuante e sua capacidade
interpretativa pra conseguir perceber o que está por trás dessa aparente docilidade,
submissão do paciente. Da mesma forma uma atitude de por exemplo, de certa falta do que
dizer em análise, uma preferência por assuntos superficiais pode também esconder uma
transferência erótica, é preciso ter olhos para ver e ouvidos para ouvir.

A transferência é indispensável, incontornável e o fenômeno mais difícil de interpretar no


tratamento, já que aparece em formato de cena e não de texto.
Ou seja, não dá pra trabalhar em psicanalise negligenciando a transferência, ela é
indispensável para o tratamento. O tratamento psicanalítico se diferencia de outras formas de
psicoterapia justamente porque a gente trabalha a transferência. Freud diz que é o fenômeno
mais difícil de interpretar no tratamento porque? Porque ela não aparece em formato de
texto, ela aparece em formato de imagem, de cena, quer dizer, no caso das lembranças, das
fantasias do paciente que são expressas na associação livre, isso vem em formato de texto e é
muito mais fácil interpretar um texto do que interpretar uma imagem, o texto fala por si só,
ele vem encadeado, associado, o paciente vai fazendo vínculos mas no caso da transferência
não, pra que você consiga extrair do fenômeno transferencial as possíveis lembranças,
impulsos e fantasias que estão sendo expressos ali requer um grau de interpretação e de
observação da parte do analista muito mais apurado do que o que ele vai utilizar pra abordar,
escutar as associações do paciente.

A transferência é um fenômeno que tende a acontecer naturalmente em qualquer relação


de ajuda e é ela que está na base da sugestão hipnótica: “o tratamento psicanalítico não cria
a transferencia, mas simplesmente a revela [...]”
Freud faz questão de dizer “transferência não é um privilégio da psicanalise, não acontece só
na psicanálise, inclusive o que explica a eficácia de praticamente qualquer processo
psicoterápico, muitas vezes vemos charlatões na internet sendo expostos e criticados e
sempre aparece gente no comentários no youtube dizendo “você está aí criticando mas essa
pessoa já me ajudou bastante” o fato de uma pessoa ter ajudado a outra não deveria ser
tomado como critério para avaliar a pertinência, a eficácia, ou mesmo a propriedade de um
tratamento porque ser ajudado por uma pessoa não é um processo muito difícil, justamente
por conta da transferência, a transferência é o que está na base do fenômeno da sugestão
hipnótica, o que leva uma pessoa ser hipnotizada por outra? O fenômeno que está na base
do processo da hipnose é justamente a transferência, quando me entrego, eu confio tao
plenamente naquela pessoa como eu confiava nos meus pais quando era criança. A imensa
maioria das pessoas pequenas são hipnotizadas por seus pais, o que seus pais falam é lei, não
sei se vocês chegaram a ver isso na internet, estava circulando uma série de vídeos de pais e
adultos de forma geral dizendo para as crianças assim “olha o Gustavo lima ali” e as crianças
começam a chorar, saiam correndo morrendo de medo, não por causa da expressão, mas
porque as crianças saiam correndo? Porque os pais falavam de maneira que dava a entender
que se tratava de algo assustador, o tom que eles utilizavam na voz dava a entender na criança
que se tratava de algo perigoso e assustador e a criança saia correndo, a criança não parava
em nenhum momento pra se perguntar “porque ele está falando isso? Quem esse Gustavo
lima? Porque ele está usando essa voz?” a criança simplesmente saia correndo chorando
muitas vezes, porque toda criança pequena é hipnotizada pelos adultos, acredita piamente no
que os outros falam e é exatamente isso que acontece com uma pessoa hipnotizada, ela se
coloca exatamente da mesma forma, se colocando totalmente ao dispor da outra pessoa,
confiante plenamente que a outra pessoa será capaz de leva-la para o bem, e não é preciso
haver a hipnose nos moldes clássicos da pessoa perder a consciência etc, em muitos desses
processos psicoterepeuticos mais ou menos picaretas o que acontece é justamente isso, tem
um processo hipnótico, o sujeito acredita piamente que o outro é capaz de cura-lo e ele
melhora, não porque houve de fato um processo de cura mas porque o sujeito simplesmente
acreditou no outro, se colocou entregue ao outro, e o que está na base disso é a transferencia,
é apenas uma atualização da realidade do inconsciente dessas pessoas. Por isso Freud diz “o
tratamento psicanalítico não cria a transferencia, simplesmente a revela” esse é o diferencial
da psicanalise. Em todo tratamento psicoterapêutico existe o fenômeno da transferencia, a
diferença é que na psicanalise a gente não se aproveita da transferencia apenas, claro que há o
uso psicoterapêutico na psicanalise da transferencia, quando o paciente faz uma transferencia
positivo conosco nos colocando ali num papel de sujeito de suposto saber isso facilita o
processo, faz o processo andar mas pra além disso o que a psicanalise faz é revelar a
transferência, trazer a transferencia á tona, é trabalhar a transferência o que não acontece em
outras formas de psicoterapia.

Nos tratamentos não-analíticos a transferencia tende a se apresentar apenas em sua faceta


positiva, ao passo que a psicanalise, por sua natureza, também evoca impulsos
transferenciais hostis.
Porque? Paciente chega, ele pelo menos aparentemente no discurso deseja se ver livre de seus
sintomas, o terapeuta se apresenta como o todo poderoso capaz de cura-lo de seus sintomas e
se estabelece um vínculo 100% positivos, eu encontrei o meu papai que vai me curar,
encontrei minha mamãe que vai me carregar nos braços e me curar, isso nos tratamentos não
analíticos. Mas o que acontece na psicanalise? Por sua natureza, e qual a natureza da
psicanalise? O psicanalista é um terapeuta diferente, que usa a atribuição de saber que o
paciente faz a ele como uma manobra, mas não encarna a figura do sujeito do suposto saber, o
analista não está na posição de professor, de mestre pra dizer o que o paciente tem que fazer,
qual é o suplemento que ele tem que tomar, qual a cirurgia plástica que ele tem que fazer,
qual a moda que ele tem que seguir, qual o ideal filosófico que ele tem que adotar pra vida
dele, qual a camada da personalidade que ele tem que atingir pra ser uma pessoa feliz. Freud
costumava dizer “não fica tentando fazer os homens felizes porque eles não querem ser
felizes” o analista não é esse cara que vai ficar ali dizendo “venha que vou te curar, vou
devolver a saúde pra você” como eu disse, o psicanalista é esse cara ao mesmo tempo
acolhedor e incomodo, que vai fazer perguntas que você não quer responder, que vai ficar
tocando em pontos que você não quer mexer, que vai chamar sua atenção pra coisas que você
vai falar que não tem nada a ver, que vai ficar em silêncio quando tudo o que você queria era
ouvir uma palavra de consolo, pela sua própria natureza a psicanalise também evoca impulsos
transferenciais hostis. Então o psicanalista pode levar o paciente a adora-lo em alguns
momentos, a se apaixonar por ele em alguns momentos mas também pode levar o paciente a
odia-lo em alguns momentos. Por isso Freud diz que no próprio caso Dora vimos isso, quem
como eu está acostumado a evocar demônios não pode ficar com medo de sair chamuscado
porque está evocando demônio, ora o que eu quero? Se me coloco diante de uma pessoa
muitas vezes em silencio, muitas vezes essa pessoa está chorando, essa pessoa está
precisando de colo (pelo menos ela acha que precisa, ela QUER um colo) e você não oferece
esse colo, o que eu espero com isso a não ser que essa pessoa em determinados me odeie e
tenha raiva de mim? Mas é assim que funciona o processo, tem que fazer essa raiva sair daí,
porque tem que ser só bem-bom? Porque tem que ser só uma relação agradável? A vida é
feita só de amor? Ou a vida é feita de muito ódio também? Ou será que aquilo que nossos
pacientes sofrem frequentemente não tem a ver com raivas mal digeridas de figuras parentais,
figuras do passado? Porque o psicanalista quer se poupar de ser também alvo também do ódio
do paciente? Ele tem que aguentar, tem que suportar, é esse seu papel, é estar na posição
desse objeto, pra ser muitas vezes espancado, pra servir como saco de pancada, mas em
fantasia servir como saco de pancada. Se a gente não está disposto a passar por essa situação
a gente vai ter que fazer outra coisa que não psicanalise. Dai a importância da analise do
analista, porque quando o analista não faz seu percurso pela sua própria analise ele fica muito
preso ao seu narcisismo e ai ele não dá conta e não suporta, sobretudo essa transferencia
negativa, e aí ele vai acabar seduzindo o paciente para não experimentar esse ódio.

Freud esclarece que precisou falar sobre a transferência porque considera que uma das
razões do término prematuro do tratamento foi o fato de ele não ter dominado “a tempo a
transferência”.
Freud esclarece que precisou falar da transferencia porque? Porque ele considera que uma das
razões do término prematuro do tratamento foi justamente o fato dele não ter dominado a
transferencia a tempo. Interessante Freud escancarar a gente os seus erros, suas falhas, ele diz
que não percebeu na hora certa que lá no início do tratamento Dora tinha transferido pra ele a
imago do pai e portanto o sentimentos hostis de desconfiança que ela dirigia ao pai, Dora
estava possessa com o pai, ela achava que o pai tinha feito uma espécie de negociação dela,
tinha usado ela como moeda de troca pra ficar com a senhora K. Então ela tinha uma
desconfiança muito grande em relação ao pai e Freud acredita que ela transferiu essa
desconfiança pra ele mas ele não se deu conta, não percebeu, a tempo de trabalhar essa
questão com Dora.

Já no relato do primeiro sonho, Freud notou que Dora o havia colocado no lugar do Sr. K,
mas não interpretou essa transferência a tempo de impedir que a jovem o utilizasse para “se
vingar” do Sr. K mediante o abandono do tratamento.
No primeiro sonho a Dora está fugindo do Sr. K, fugindo e ao mesmo tempo querendo ficar
com ele e Freud acredita que como o sonho ocorreu em analise, então evidentemente se
repetiu em analise, evidentemente era um sonho dirigido ao Freud e Freud estava no lugar do
Sr. K só que ele não interpretou essa transferencia a tempo de impedir que Dora fizesse com
ele exatamente o que fez com sr. K, o que ela fez com o Sr. K? No sonho ela consegue escapar
do Sr. K e foi justamente o que aconteceu lá na cidade onde ela teve o sonho pela primeira
vez, ela deu um bofetão no Sr. K e saiu dali e ela fez a mesma coisa com Freud. Colocando
Freud no lugar do sr. K ela também abandonou e se vingou de Freud abandonando-o, mas
Freud não interpretou essa transferência a tempo, ele notou que Dora havia colocado ele no
lugar do sr. K mas não trabalhou a tempo de evitar que ela se vingasse dele mediante o
abandono do tratamento.

Freud acredita que, se tivesse revelado a Dora essa transferência, a paciente teria
conseguido tomar consciência de alguma lembrança ou fantasia relacionada ao Sr. K. No
entanto, Dora “atuou uma parte essencial de suas lembranças e fantasias, em vez de
reproduzi-las no tratamento.”
Se ele tivesse mostrado pra ela que ela estava transferindo pra ele o mesmo padrão de
relacionamento que ela havia desenvolvido com sr. K o que teria acontecido? Dora a partir
dessa revelação, Dora teria conseguido se lembrar de algum detalhe que fazia o link entre o
Freud e o Sr. K, entre aquilo que estava acontecendo na analise e o que aconteceu lá com o sr.
K. Ela teria conseguido se lembrar de alguma coisa que aconteceu ou alguma fantasia que ela
teve em relação ao senhor K, mas ele não revelou essa transferencia a tempo, ele não
trabalhou essa questão a tempo com ela.

Ele diz que em vez de se lembrar de alguma coisa, Dora atuou uma parte essencial de suas
lembranças e fantasias ao invés de reproduzi-las no tratamento, isso que acontece na
transferencia. Na transferencia de repente vou me ver desejoso de esganar o analista, mas na
verdade quem eu queria esganar mesmo era o meu pai, como eu transferi o lugar do meu pai
para o analista, eu agora quero esganar o analista. Então ao invés de me lembrar do meu
desejo de esganar meu pai, eu fico com vontade de esganar o analista. Se a transferencia é
trabalhada o paciente pode então deixar de continuar reencenando esse desejo de esganadura
e passar a pensar, a elabora, a rememorar seu desejo de esganar o pai, e aí o negocio pode ser
trabalhado. A transferência portanto é o inconsciente ao vivo e a cores, só que é o
inconsciente encenado, não o inconsciente rememorado, elaborado, por isso que não basta o
paciente fazer transferencia, se essa transferencia não é analisada cai no vazio e foi o que
aconteceu com Dora. Dora ao decidir sair do tratamento, ao decidir abandonar, ela estava
atuando transferencialmente com Freud, e porque ela fez isso e evidentemente a coisa
acabou? Porque Freud não analisou a tempo essa transferencia. Se ele tivesse analisado a
tempo, Dora não teria tomado essa atitude, ela teria pensado, elaborado o seu desejo de se
vingar de Freud, Freud sabia que estava no lugar do Sr. K mas ele não manejou isso e aí passou
batido.

No caso do segundo sonho, Freud acredita ter deixado escapar a alusão do elemento “2
horas” ao prazo que Dora já havia estabelecido para o término do tratamento (só mais 2
sessões). Além disso, a preferência de Dora por ir sozinha no sonho também estaria
indicando a decisão dela de abandonar a análise.
Lembra que no sonho aparece esse elemento das 2 horas e Dora se lembra do tempo que ela
passou olhando pra pintura da Madonna sistino, e aí Freud vê nesse elemento 2 horas uma
indicação da intenção de Dora de sair do tratamento. E de fato, quando ela contou o sonho pra
Freud ela já estava decidida a sair porque ela contou o sonho pra Freud 3 dias antes do
término, ela contou e tiveram mais duas sessões que analisaram o sonho e depois ela foi
embora, e já tinha decidido há 14 dias que ela iria sair do tratamento. Então o sonho pra Freud
já tinha um indicativo de que havia só mais duas sessões, duas horas de trabalho. Além disso,
aquele aspecto que aparece no sonho da preferência de Dora por ir sozinha no sonho também
estaria indicando a decisão dela de abandonar a analise e Freud não sacou, deixou passar
batido. Freud comenta que quando o paciente transfere pro analista impulsos de vingança e
essa transferência não é analisada, o êxito terapêutico do tratamento fica comprometido
porque, qual é a maior vingança que um paciente pode fazer em relação ao analista? É mostrar
a insuficiência dele? A incompetência dele? Mostra “você não é de nada, não conseguiu me
curar”. Então a manutenção dos sintomas acaba sendo utilizada como meio de vingança e
Freud acredita que isso aconteceu com Dora. Ela não quis permitir a continuidade do
tratamento em vingança Freud, Freud encarnando aí o sr. K. Como Freud não analisou
oportunamente essa transferencia, ele acabou pagando o pato do sr. K, o alvo original da
vingança de Dora é sr. K mas como ela estava em analise ela transferiu isso pra Freud, e como
Freud não analisou ela pagou pato, ela se vingou dele e se vingou como? Pela via que o
paciente tem que é a manutenção dos seus sintomas ou o abandono do tratamento.

Em nota de rodapé, Freud reconhece que não se atentou também para o vínculo
homossexual de Dora com a Sra. K, expresso, por exemplo, na facilidade com que a jovem a
perdoou e como recalcou o fato de ter sido ela, a Sra. K, sua primeira “professora” nos
assuntos sexuais. Para Freud, esse impulso homossexual “era a mais forte das correntes
inconscientes de sua vida anímica”.
Ele até fala em alguns momento do texto, precisamos reconhecer, mas ele confessar que
durante o tratamento ele estava tão focado nos seus preconceitos de época, tão focado em
achar que Dora tinha que se livrar logo do pai e desenvolver um amor adulto com sr. K, que ele
deixou passar batido o vínculo homossexual de Dora com Sra. K, expresso por exemplo na
facilidade com que ela a perdoou sendo que quem contou pro Sr. K que ela vinha lendo coisas
sexuais foi Sra. K contribuindo para que o relato de Dora sobre o assédio tivesse sido tratado
como fantasia, e também esse vínculo homossexual teria ficado nítido no fato de ela ter
recalcado a lembrança de ter sido a Sra. K quem havia sido sua primeira professora em matéria
de assuntos sexuais, tudo leva a crer que a Sra. K foi a pessoa quem primeiro instruiu Dora
sobre questões relacionadas à sexualidade, foi primeira pessoa com quem Dora conversou a
respeito desse assunto e Dora se esqueceu disso, ou seja, a lealdade de Dora à sra. K era muito
grande, o que está por trás disso só poderia ser um vínculo homossexual. Freud diz uma coisa
impressionante, ele diz “esse impulso homossexual era a mais forte das correntes
inconscientes de sua vida anímica”. Ou seja, até o édipo de Dora estava num nível mais brando
no inconsciente dela do que esses impulsos homossexuais na direção da sra. K, era do ponto
de vista de Freud, a mais forte das correntes inconscientes de sua vida anímica. Uma pena que
Freud não desenvolveu essa ideia, só coloca isso em uma nota rodapé, mas importante
reconhecer que essa homossexualidade latente de Dora vinculada a sra.K tinha tamanha força
no psiquismo dela.

Quinze meses após o fim do tratamento, curiosamente no dia 1 de abril, Dora procurou
novamente Freud desejando retomar a análise, mas o médico notou que ela não desejava
isso de fato.

A moça disse a Freud que nas quatro ou cinco semanas posteriores ao abandono do
tratamento, ela vivenciou um estado de “atrapalhação” – estado de confusão -
[Durcheinander], mas depois os ataques pararam de acontecer e seu ânimo melhorou.

Em maio do ano anterior (1901), um dos filhos do casal K morreu. Ela fez uma visita e
confrontou a antiga amiga dizendo que sabia do caso dela com o pai e extraiu do Sr. K a
confissão do assédio. Depois disso, nunca mais teve contato com o casal.

Em outubro daquele ano, ela teve mais um ataque de afonia, com duração de 3 semanas,
que começou depois que ela viu o Sr. K sendo atropelado por uma carruagem. Dora atribuía
o ataque ao susto que tomara diante da cena...

Ainda sentia um leve incomodo ao ouvir falar do caso do pai com a sra. K, mas não se metia
mais nessa história, dirigindo seu interesse para os estudos. Não pensava em se casar...

A jovem decidira procurar novamente Freud por conta de uma nevralgia no lado direito do
rosto, sintoma que havia surgido justamente... há 14 dias. Freud o interpreta como uma
autopunição pela bofetada dada no Sr. K, ato simbolicamente equivalente ao abandono do
tratamento.

Freud não aceita Dora novamente como paciente, mas diz a ela que a “perdoaria” por tê-lo
“privado da satisfação de livrá-la muito mais radicalmente de seus padecimentos.”

Freud termina o trabalho dizendo que Dora havia se casado com o engenheiro mencionado
por ocasião do segundo sonho. Isso leva o médico a interpretar que, se o primeiro sonho,
representava o afastamento do homem amado (sr. K), o segundo anunciava “que ela se
desprenderia do pai e ficaria recuperada para a vida”.

Livros: Seminário 11 os quatro conceitos fundamentais da psicanalise Lacan – O seminário.

Seria possível a partir dessas atualizações a transferência ser modificada? Sair de uma
transferência positiva pra negativa e vice-cersa?
Na manifestação da transferência ela vai vir com o conteúdo que é próprio dela, uma
transferência negativa em que o paciente se sente ameaçado pelo analista, que tem impulsos
hostis em relação ao analista, isso vai aparecer assim ainda que de maneira disfarçada mas
esse vai ser o conteúdo dessa transferência. O que vai acontecer é que se o analista consegue
observar e perceber isso ele vai trabalhar essa transferência com o paciente, isso vai ser
analisado ali dentro do contexto analítico, isso não significa que essa transferência vai ser
modificada, vai ser convertida, o que vai acontecer é que ela vai ser dissolvida no sentido de
que vai se haver uma analise dessa transferência, o trabalho em cima dela e aí ela não vai mais
precisar ser manifesta porque a transferência só se manifesta porque tem uma coisa não
resolvida, o paciente só precisa transferir pprque aquilo não foi adequadamente simbolizado, a
partir do momento em que o paciente consegue simbolizar esse movimento transferencial, ou
seja, faze-lo passar do ato para a palavra ele perde a razão de ser, não precisa mais se
manifestar como transferência. Eu não diria que há uma modificação da transferência mas
uma dissolução.

Como Freud colocaria para Dora que ela estava colocando ele no lugar do sr. K?
Não dá pra saber como seria a formulação de Freud, certamente Freud estava começando,
psicanalise tinha 10 anos, estava logo no inicio, então Freud até por ser pesquisador tinha uma
atitude um tanto didática, pedagógica muitas vezes com seus pacientes, então é provável que
Freud utilizasse uma formulação bem pedagógica do tipo “Dora, você percebe que você está
me colocando exatamente no lugar do sr. K observe isso e aquilo outro, essas coisas mostram
que você está me colocando nessa posição, nesse ligar” ele provavelmente utilizaria um estilo
pedagógico, o que não é recomendável, hoje sabemos que essa não eé a maneira mais eficaz,
o ideal eu diria que é trabalhar da mesma forma como o inconsciente se manifesta, o
inconsciente não se manifesta de maneira sutil? A interpretação também deve se manifestar
de maneira sutil, então ao invés de dizer explicitamente, na cara e pedagogicamente,
contemporaneamente tentaríamos insinuar pro paciente de tal maneira que o próprio
paciente chegaria a essa conclusão por seus próprios meios sem que a gente precisasse
explicar, a explicação do contexto analítico sempre deve ser evitada, o ideal é a gente sugerir,
indicar, incomodar, provocar para que o próprio paciente faça esse processo de elaboração
que vai ser dele.

Quando o analista sente sente que está acontecendo a transferência nas sessões seria
prudente deixar claro pro paciente?
Foi o que eu acabei de dizer, é preciso pontuar isso para o paciente mas não de maneira
explicativa, jamais de maneira explicativa, as vezes a gente acaba utilizando isso em alguns
momentos mas o ideal é sempre a gente utilizar uma postura mais provocativa, insinuadora
para que o próprio paciente faça esse processo de elaboração.

Você também pode gostar