associação (pontuando atos falhos, chistes, lapsos de memória e incoerência):
Após todas as etapas mencionadas no módulo
anterior, a transferência está estabelecida de forma favorável ao processo, então iniciaremos com a “livre associação”. A associação livre como todos sabem, é o processo pelo qual o paciente fala livremente sem um direcionamento do analista. É muito importante que o analista deixe que o paciente fale livremente pois é na fala livre que se produz conteúdo para ser trabalhado, e também é quando o paciente comete atos falhos, chistes, lapsos de memória e incoerências. Nesse estágio, o manuseio da transferência será diferente, não vamos mais legitimar o lugar de mestre, o qual se é colocado pelo paciente, isso será feito através de uma conduta um pouco mais neutra em relação ao que o paciente leva para a sessão.
Segundo Freud, o inconsciente se manifesta de
forma indireta, já para o Lacan, o inconsciente funciona de uma forma articulada entre os significantes. Então não devemos esperar que o paciente saiba sobre seu inconsciente ou que nós vamos encontrar o ponto inicial do transtorno psíquico. Em Freud, a proposta é encontrar um ponto onde tudo iniciou, mas em Lacan trata-se de entender como os significantes se articulam para formar significados e introduzir uma nova lógica a essa estrutura. Para atingir esse objetivo vamos pontuar questões importantes para o paciente que ele não percebe na sua fala, para que ele possa refletir sobre esse elemento que tem muita relevância em sua constituição psíquica, mas que ainda ele não consegue trabalhar, porque nem mesmo sabe de sua existência.
Como são escolhidos os pontos a serem colocados
para o paciente?
Freud deixou uma grande contribuição nesse
aspecto que foi modernizado por Lacan. Isso inclui atos falhos, lapso de memória, incoerência linguística, entre muitos outros, e são exatamente esses pontos fundamentais que devem ser colocados para serem trabalhados pelo paciente.
Quando o paciente começa a falar livremente,
o analista usa a “atenção flutuante” (sempre é usado uma metáfora para explicar essa técnica). Imagine uma corrente passando na sua frente, todos os elos são iguais, então você os percebe, mas não dá muita importância, mas, de repente passa um elo trincado e ali está o ponto que o analista busca num discurso. Nesse caso o elo rachado está sendo representado por chistes, atos falhos, lapsos de memória e incoerências linguísticas. Em Freud ele analisa isso dentro de um contexto e cria uma interpretação do que aquilo significa, mas numa visão mais moderna do Lacan, ele vai pontuar isso para o paciente para que ele fique ciente desses elementos, fazendo-o refletir o porquê do uso de tal termo.
Vamos a um exemplo prático: em minha
experiência clínica, uma de minhas pacientes sempre cometia o ato falho de matar sua mãe verbalmente, ao referir-se sobre sua mãe ela diz: “quando minha mãe estava em vida”. Detalhe: a mãe dela está viva. No primeiro momento eu não a falei sobre esse ato falho, pois é recomendado analisar a frequência e o contexto para que você consiga formular o caminho, mas com o passar do tempo e das sessões, eu fiz a demarcação desse ponto e gerou a seguinte reflexão na paciente: “eu usei esse termo porque após o adoecimento dela, ela me tomou o lugar de filha e aquilo que está ali não é mais a minha mãe, eu as vezes me sito culpada porque lá no fundo acredito que só terei alívio quando ela se for”. Como podemos ver, a forma que a linguagem se articula diz muito sobre a condição emocional do paciente.
Vamos agora nos debruçar sobre cada ponto
mencionado acima.
Ato falho: É por uma troca de objeto no momento
da fala. Exemplo: paciente está falando de sua namorada e de repente ocorre uma troca e ele se refere a namorada como mãe. Podemos usar o exemplo de Freud quando ele menciona um juiz que ao iniciar a sessão do julgamento, ao invés de dizer essa sessão está aberta, ele diz: essa sessão está encerrada. Para Freud pode existir ali um sentimento de não fazer a sessão e por isso ocorre a troca de palavras. Assim como todos os outros pontos, vamos analisar os “atos falhos” dentro de um contexto e, somente após formular bem uma explicação em nossa mente que vamos transmitir para o paciente e apontar para ele seus “atos falhos”, as frequências e o contexto, pois ao colocar fora de contexto, o paciente possivelmente não conseguirá gerar reflexão sobre isso.
Chiste: principalmente relacionado ao “falar
brincando” algo que tem um fundo de verdade. Freud diz: “brincando pode-se dizer tudo, até mesmo a verdade”. Vamos ao exemplo prático: um paciente sempre usava um termo pejorativo para referir-se a si mesmo de uma forma bem humorada, não direi para preservar a identidade dele, mas ao longo do tempo fica evidente um sentimento de hostilidade direcionada a sua própria imagem e isso, Freud nos relata que é uma característica da melancolia, e o paciente apresentava um quadro depressivo devidamente diagnosticado por seu psiquiatra. Analisar os “chistes” é o outro ponto a se considerar dentro de um contexto.
Lapsos de memória: os esquecimentos, de acordo
com Freud, estão relacionados a repressão, mecanismo de defesa que visa manter o paciente em seu estado emocional. Como se trata de esquecimento e não tem uma articulação discursiva, vamos analisar contexto anterior ao esquecimento e associar o contexto, e considerar que naquele ponto existe algo importante na articulação significante do paciente na hora de construir significações.
Incoerências discursivas: diferentemente dos atos
falhos que são muito específicos dentro do discurso, a incoerência discursiva é mais abrangente. Essa incoerência será percebida como uma mudança na construção do discurso e assim como os outros pontos mencionados, será analisado dentro do contexto.
Como pudera perceber, o contexto onde cada
elemento se insere é muito importante e faz toda a diferença na hora de projetar qualquer ato analítico.
Obs: Pode ocorrer nesse segundo momento uma
insistência do paciente para que você responda do lugar do mestre, isso porque ao longo do processo ele se cansa de falar e receber como respostas apenas pontuações. Nesse caso, o analista vai direcionar a análise para o primeiro momento e manejar essa transferência, ou o analista pode contextualizar essa postura no segundo momento e fazer o manejo sem retornar ao estágio anterior da análise.
Lançando Mão Das Contribuições Da Disciplina Introdução As Teorias e Técnicas Psicoterápicas, Tentaremos Estabelecer Uma Compreensão Do Sofrimento de Carlos Através Da Psicanálise
Nação tarja preta: O que há por trás da conduta dos médicos, da dependência dos pacientes e da atuação da indústria farmacêutica (leia também Nação dopamina)