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MÓDULO 5

Segundo Momento

Manejo da transferência consolidada e a livre


associação (pontuando atos falhos, chistes,
lapsos de memória e incoerência):

Após todas as etapas mencionadas no módulo


anterior, a transferência está estabelecida de forma
favorável ao processo, então iniciaremos com a
“livre associação”. A associação livre como todos
sabem, é o processo pelo qual o paciente fala
livremente sem um direcionamento do analista. É
muito importante que o analista deixe que o paciente
fale livremente pois é na fala livre que se produz
conteúdo para ser trabalhado, e também é quando o
paciente comete atos falhos, chistes, lapsos de
memória e incoerências.
Nesse estágio, o manuseio da transferência será
diferente, não vamos mais legitimar o lugar de
mestre, o qual se é colocado pelo paciente, isso
será feito através de uma conduta um pouco
mais neutra em relação ao que o paciente leva
para a sessão.

Segundo Freud, o inconsciente se manifesta de


forma indireta, já para o Lacan, o inconsciente
funciona de uma forma articulada entre os
significantes. Então não devemos esperar que o
paciente saiba sobre seu inconsciente ou que nós
vamos encontrar o ponto inicial do transtorno
psíquico. Em Freud, a proposta é encontrar um
ponto onde tudo iniciou, mas em Lacan trata-se
de entender como os significantes se articulam
para formar significados e introduzir uma nova
lógica a essa estrutura. Para atingir esse objetivo
vamos pontuar questões importantes para o
paciente que ele não percebe na sua fala, para
que ele possa refletir sobre esse elemento que
tem muita relevância em sua constituição
psíquica, mas que ainda ele não consegue
trabalhar, porque nem mesmo sabe de sua
existência.

Como são escolhidos os pontos a serem colocados


para o paciente?

Freud deixou uma grande contribuição nesse


aspecto que foi modernizado por Lacan. Isso inclui
atos falhos, lapso de memória, incoerência
linguística, entre muitos outros, e são exatamente
esses pontos fundamentais que devem ser colocados
para serem trabalhados pelo paciente.

Quando o paciente começa a falar livremente,


o analista usa a “atenção flutuante” (sempre é usado
uma metáfora para explicar essa técnica). Imagine
uma corrente passando na sua frente, todos os elos
são iguais, então você os percebe, mas não dá muita
importância, mas, de repente passa um elo trincado
e ali está o ponto que o analista busca num discurso.
Nesse caso o elo rachado está sendo representado
por chistes, atos falhos, lapsos de memória e
incoerências linguísticas. Em Freud ele analisa isso
dentro de um contexto e cria uma interpretação do
que aquilo significa, mas numa visão mais moderna
do Lacan, ele vai pontuar isso para o paciente para
que ele fique ciente desses elementos, fazendo-o
refletir o porquê do uso de tal termo.

Vamos a um exemplo prático: em minha


experiência clínica, uma de minhas pacientes
sempre cometia o ato falho de matar sua mãe
verbalmente, ao referir-se sobre sua mãe ela diz:
“quando minha mãe estava em vida”. Detalhe: a
mãe dela está viva. No primeiro momento eu não a
falei sobre esse ato falho, pois é recomendado
analisar a frequência e o contexto para que você
consiga formular o caminho, mas com o passar do
tempo e das sessões, eu fiz a demarcação desse
ponto e gerou a seguinte reflexão na paciente: “eu
usei esse termo porque após o adoecimento dela, ela
me tomou o lugar de filha e aquilo que está ali não
é mais a minha mãe, eu as vezes me sito culpada
porque lá no fundo acredito que só terei alívio
quando ela se for”. Como podemos ver, a forma que
a linguagem se articula diz muito sobre a condição
emocional do paciente.

Vamos agora nos debruçar sobre cada ponto


mencionado acima.

Ato falho: É por uma troca de objeto no momento


da fala. Exemplo: paciente está falando de sua
namorada e de repente ocorre uma troca e ele se
refere a namorada como mãe. Podemos usar o
exemplo de Freud quando ele menciona um juiz que
ao iniciar a sessão do julgamento, ao invés de dizer
essa sessão está aberta, ele diz: essa sessão está
encerrada. Para Freud pode existir ali um
sentimento de não fazer a sessão e por isso ocorre a
troca de palavras. Assim como todos os outros
pontos, vamos analisar os “atos falhos” dentro de
um contexto e, somente após formular bem uma
explicação em nossa mente que vamos transmitir
para o paciente e apontar para ele seus “atos falhos”,
as frequências e o contexto, pois ao colocar fora de
contexto, o paciente possivelmente não conseguirá
gerar reflexão sobre isso.

Chiste: principalmente relacionado ao “falar


brincando” algo que tem um fundo de verdade.
Freud diz: “brincando pode-se dizer tudo, até
mesmo a verdade”. Vamos ao exemplo prático: um
paciente sempre usava um termo pejorativo para
referir-se a si mesmo de uma forma bem humorada,
não direi para preservar a identidade dele, mas ao
longo do tempo fica evidente um sentimento de
hostilidade direcionada a sua própria imagem e isso,
Freud nos relata que é uma característica da
melancolia, e o paciente apresentava um quadro
depressivo devidamente diagnosticado por seu
psiquiatra. Analisar os “chistes” é o outro ponto a se
considerar dentro de um contexto.

Lapsos de memória: os esquecimentos, de acordo


com Freud, estão relacionados a repressão,
mecanismo de defesa que visa manter o paciente em
seu estado emocional. Como se trata de
esquecimento e não tem uma articulação discursiva,
vamos analisar contexto anterior ao esquecimento e
associar o contexto, e considerar que naquele ponto
existe algo importante na articulação significante do
paciente na hora de construir significações.

Incoerências discursivas: diferentemente dos atos


falhos que são muito específicos dentro do discurso,
a incoerência discursiva é mais abrangente. Essa
incoerência será percebida como uma mudança na
construção do discurso e assim como os outros
pontos mencionados, será analisado dentro do
contexto.

Como pudera perceber, o contexto onde cada


elemento se insere é muito importante e faz toda a
diferença na hora de projetar qualquer ato analítico.

Obs: Pode ocorrer nesse segundo momento uma


insistência do paciente para que você responda do
lugar do mestre, isso porque ao longo do processo
ele se cansa de falar e receber como respostas
apenas pontuações. Nesse caso, o analista vai
direcionar a análise para o primeiro momento e
manejar essa transferência, ou o analista pode
contextualizar essa postura no segundo momento e
fazer o manejo sem retornar ao estágio anterior da
análise.

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