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Aula #013 - O analista como ímã transferencial, obstáculos intelectuais à Psicanálise e o medo

dos efeitos da Psicanálise

Aula passada:

Vimos que Freud caracteriza a neurose como uma fuga, o adoecimento neurótico é uma fuga,
o sujeito que não dá conta de se satisfazer na realidade ele vai buscar refúgio nas suas
fantasias, isso acontece com todos nós, a realidade é frustrante, é insatisfatória pra todos nós,
nós nunca nos sentimos plenamente satisfeitos na realidade, ela nos frustra, isso que Freud
mostra com muita clareza em um texto chamado “o mal-estar na civilização”, viver, existir é
existir insatisfeito, frustrado, porque a realidade nunca nos proporciona uma satisfação
completa, precisamos então da fantasia. A fantasia é essa espécie de remendo que nós
mesmos fazemos para compensar um pouco essa “deficiência” da realidade, então nós
construímos fantasias.

O que é a neurose? A neurose ocorre quando nós nos refugiamos na fantasia e nos afastamos
da realidade. Eu posso contar com a fantasia, posso construir e recorrer à fantasia quando a
realidade frustra mas não necessariamente sair da realidade, o que acontece na neurose é um
afastamento da realidade e não um afastamento completo como acontece na psicose, um
afastamento radical, mas o neurótico se afasta da realidade e refugia nas fantasias, mas
acontece um problema, porque? Porque o neurótico não só se refugia nas fantasias, ele se
refugia nas fantasias mas essas fantasias não podem ganhar expressão na sua vida, porque?
Porque você já sabem, um dos grandes problemas do neurótico é que ele quer ser perfeito,
quer ser certinho, esse é um dos grandes problemas do neurótico, ele quer ser bom, a imagem
do neurótico é aquele sujeito que chega pra Jesus falando “mestre, eu tenho guardado a lei
desde que eu era jovem e eu cumpro todos os mandamentos, mas quero ainda saber o que
preciso fazer para ser bom” ele faz aquele exercício de falsa modéstia. Como ele quer ser bom
ele não pode expressar as fantasias porque as fantasias via de regra não são muito
politicamente corretas, são fantasias ligadas à aqueles elementos da infância, sadismo,
masoquismo, exibicionista, voyeurismo, coprofilia, analidade, oralidade e como as fantasias
não são politicamente corretas o neurótico não pode expressar as fantasias em sua vida, o que
ele acaba fazendo então? Ele acaba arrumando outro problema, além da insatisfação que a
realidade lhe ofereceu ele encontra outro problema, porque como ele quer ser perfeito ele
acaba não podendo expressar as fantasias na realidade, resultando no adoecimento do
paciente e por meio da doença ele expressa as suas fantasias de forma disfarçada, de forma
simbólica e aí os grandes problemas da neurose é que o sujeito está gozando, está
experimentando satisfação com a fantasia mas ele não sabe e esses é um dos maiores
problemas do neurótico: ele goza sem saber. Enquanto o perverso que é o cara que concretiza
as fantasias na realidade, ele goza com conhecimento de causa, o neurótico não, o neurótico
goza mas sem saber, ele não sabe que está se satisfazendo e aí ele vai ao analista justamente
porque ele não entende porque aquele negócio permanece na vida dele se aquilo é tão
desprazeroso, e então ele chega no analista, acha que o analista vai fazer uma espécie de
decepação, vai tirar o sofrimento da vida dele e quando ele menos espera o analista diz: isso aí
permanece na sua vida porque isso é satisfatório pra você, isso permanece na sua vida porque
você goza, e o paciente “eu gozo com isso? como pode, eu que quero ser bonzinho, como
posso gozar com isso?” É isso aí mesmo, vamos descobrir e essa é a proposta da psicanalise.

Mas Freud diz que não existe só a neurose, mostrei aquele esquema dos três destinos
possíveis da fantasia, dado que todo mundo recorre à fantasia há pessoas que vão recorrendo
a fantasia tentar transformar essa fantasia em realidade, não necessariamente perversamente,
não estou me referindo sempre aos perversos embora os perversos faça isso, concretizem as
fantasias, eles encenam as fantasia mas não estou me referindo necessariamente a isso, estou
me referindo ao fato de você tomar consciência de suas fantasias, a você fazer com que suas
fantasias se tornem parte da sua realidade, isso significa se apropriar delas, ou seja, ao invés
de ser gozado por elas, ao invés de reprimi-las e satisfaze-las pela via do sintoma, você as
reconhece, você então transforma essas fantasias em realidade pra você e você pode
simbolicamente concretizar essas fantasias, quer dizer, eu que certamente devo ter uma
fixação exibicionista pra gostar tanto de aparecer na câmera, nos perfis das redes sociais,
sempre gostei de apresentar trabalho tem uma fixação no exibicionismo, mas eu não preciso
expressar essa fixação pela via perversa, eu começar a ficar pelado na frente das pessoas no
meio da rua que é a via perversa de expressão do exibicionismo, começar a me mostrar para
as pessoas, cometer crimes como muitos homens fazem nos ônibus, eu não preciso fazer isso,
posso canalizar meu exibicionismo na direção do trabalho, do estudo e nesse caso entramos
no terceiro destino que Freud apresenta para a fantasia que é a sublimação, na sublimação
transformo algo que é particular, algo que é carnal, transformo isso em algo sublime no
sentido de que isso no que estou transformando, a minha fixação, minha fantasia é algo de
valor para a sociedade, estou produzindo algo de valor pra sociedade quando publico um vídeo
no youtube, quando dou uma aula estou produzindo algo de valor pra sociedade e isso é
sublimação, ou seja, estou dando um destino criativo para meu exibicionismo, para minha
fantasia exibicionista. Essa é uma possibilidade que se apresenta pro sujeito que passa pelo
processo analítico, ao invés de continuar reprimindo suas fantasias e gozando delas por meio
dos sintomas ele passa a se apropriar da fantasias e poder utiliza-las de maneira simbólica e
interessante pra sua vida, que vai contribuir pra sua vida.

Aí Freud passou a falar então da transferência, Freud vai acentuar o aspecto afetivo da
transferência, então é muito importante isso, embora a gente tenha o Lacan falando muito do
sujeito de suposto saber como um fator importante na transferência, mas quando pegamos
em Freud, Freud acentua, enfatiza a dimensão afetiva da transferência, ou seja, ele mostra que
a transferência é um fenômeno emocional, o que se transfere de fato para o psicanalista são
emoções, só que emoções que não são novas, não são emoções que brotaram da própria
relação com o psicanalista, são emoções antigas, são emoções que estavam muito vinculadas a
pessoas significativas do passado desse paciente e agora ele transfere inconscientemente para
o psicanalista. Freud acentua bastante isso, pra gente saber que um fenômeno é transferencial
ele precisa não ter brotado da própria relação com o psicanalista porque se ele é resultado da
interação real que esse sujeito está tendo com o psicanalista não se trata de transferência, por
exemplo: o sujeito está esperando o psicanalista e toda sessão o psicanalista atrasa 30
minutos, vamos combinar que sentir raiva por esse cara é uma reação natural que brota da
própria relação ali? Ninguém gosta de ficar esperando não significa necessariamente que está
transferindo, é claro que esse comportamento do analista que é incorreto, esse
comportamento pode acabar evocando em você comportamento semelhantes que foram
protagonizados por pessoa do passado, e para além de uma raiva natural, espontânea que
brota da relação com o psicanalista você pode também acabar intensificando essa raiva a
partir de elementos transferenciais.

E o que se manifesta na transferência? A fantasia, justamente. Aquela fantasia que aparece no


sintoma neurótico, que é a base para a neurose é justamente essa fantasia que vai ser
encenada no tratamento o que é muito bom, porque? Por que se a fantasia que é algo de
ordem inconsciente, é encenada e se manifesta ao vivo e a cores na transferência (porque a
transferência é algo de ordem comportamental, emocional, não é uma lembrança, é algo
concreto) se a fantasia se manifesta concretamente ali, então é o sinal de que estou assisitindo
o inconsciente daquele paciente ao vivo e a cores, o que é uma maravilha no ponto de vista do
tratamento, quer dizer, o esforço que a gente faz na psicanalise é justamente para chamar o
inconsciente pra conversa, na transferência o inconsciente não só vem mas ele se manifesta ali
na relação entre o sujeito e o psicanalista.

Freud menciona esse ponto que também é importante, o paciente frequentemente, na


maioria das vezes não percebe que está transferindo, é como se um certo trecho sentimental
da história desse paciente, dos vínculos que ele teve lá no passado com pai, mãe, irmão,
pessoas significativas de sua vida, é como se esse vínculo, esse pedaço da vida do paciente ao
invés de ser trazido à memória, ele fosse encenado. A gente pode fazer uma comparação entre
o teatro e o romance, o que acontece no romance? No romance tem uma história, uma
narrativa e essa narrativa é escrita, mas você pode também pegar essa narrativa escrita e
encenar essa escrita no teatro. A narrativa escrita a gente pode comparar ao discurso do
paciente em análise, ao discurso que de repente traz uma memória, uma lembrança, que traz
um raciocínio, um insight, uma elaboração, é algo textual. Na transferência se trata de algo
mais teatral, o paciente dramatiza, ele encena o seu inconsciente, sua fantasia ali no
tratamento. “Lucas não consigo perceber isso com muita clareza” De fato pelo fato de
praticarmos a psicanalise com 1 sessão por semana, por conta disso as transferências hoje,
nesse esquema de trabalho, ela se manifeste de forma mais sútil, Freud atendia paciente 6
vezes por semana, então é muito mais fácil a transferência se manifestar com toda sua
intensidade num esquema de trabalho como esse, e aí então a transferência fica muito mais
facilitada porque você tem mais oportunidades de dramatizar, por isso que as transferências
hoje são mais sutis, precisa de mais observação por parte do psicanalista.

Freud também diz que a transferência ela é a evidencia indiscutível da força do inconsciente
nas nossas vidas, porque se alguém tem alguma dúvida de que o inconsciente no move, que
somos de alguma maneira gerenciados pelo nosso inconscientes, comandados, direcionados
pelo inconsciente, quando você se depara com o fenômeno transferencial essas dúvidas caem
por terra, por isso Freud recomendava “você é cético com relação à psicanalise? Você acha
que psicanalise é tudo falácia, acha que psicanalise é um monte de historinha? Então faça
análise, se submeta à análise e você vai ver se é história pra boi dormir ou se de fato todos
esses conceitos comparecem no tratamento ou não”.

E aí caminhamos pro final da aula da semana passada dizendo o seguinte, é uma expressão
interessante de Freud “na elevada temperatura da transferência é que o sintoma se dissolve”
porque isso? Freud não explica muito bem esse ponto no texto mas trago pra vocês aqui a
explicação, pensa o seguinte: se eu estou transferindo coisas pro meu analista é porque essas
coisas não estão bem resolvidas, é por essa razão que a gente transfere, a gente transfere
coisas pro analista porque essas coisas não estão bem resolvidas, porque essas questões estão
abertas, e aí eu só posso matar uma barata se essa barata estiver presente aqui, não tem como
matar a barata à distância, pra eu matar a barata tenho que estar em contato com a barata,
tem que ser algo concreto, então se quero fechar uma questão, fechar não no sentido que
essa questão vai estar absolutamente resolvida, fechar no sentido de dar um desfecho, de dar
uma destino para aquela questão que está aberta desde a infância, se eu quero fazer isso eu
preciso entrar em contato com essa ferida, e olha que coisa maravilhosa: os nossos pacientes
eles levam para a análise justamente essas feridas abertas, pra relação conosco e aí a gente
pode matar a barata, porque se aquilo está se manifestando conosco, na concretude do
relacionamento analítico, então é a oportunidade que nós precisamos pra fechar essas
questões, por isso Freud usa essa comparação “é na elevada temperatura emocional da
transferência que o sintoma se dissolve”, porque? Porque as questões ganham destinação, a
partir do relacionamento concreto que se estabelece ali com o psicanalista. Foi o que mostrei
com o exemplo da paciente que citei, paciente que tinha uma questão aberta na relação com
sua mãe e ela se sentiu abandonada e ela reproduziu isso comigo achando que eu fosse
abandona-la tendo essa mesma expectativa em relação a mim e eu não a abandonei e a fiz
perceber e se dar conta que estava transferindo isso pra mim, que essa questão estava aberta
pra ela e essa questão está ganhando uma destinação especifica na vida dela que até então
não havia, ela só estava repetindo, repetindo com o namorado e com outras pessoas, a gente
transfere pra tentar resolver, quando você transfere pra outras pessoas não dá pra resolver
porque elas não estão preparadas pra te espelhar, elas vão reagir, no caso do psicanalista é
diferente.

Foi nesse ponto que paramos e a partir daqui começaremos de fato nossa aula.

É só na “elevada temperatura da transferência” que os sintomas podem se dissolver, pois ela


traz para o presente os elementos mal resolvidos do passado que então na origem da
neurose.

O analista, por sua simples presença, mas, principalmente pelo modo com que se comporta
(abstinente), funciona como um imã que atrai a dinâmica afetiva progresso do paciente.
A psicanalise, o arranjo psicanalítico, este artificio que criamos, porque a psicanalise é um
artificio, não é uma relação natural, você no dia-dia não conversa com as pessoas falando das
suas questões e esperando que elas ouçam você de maneira flutuante, te forneçam
interpretações, pontuações, isso não acontece. A relação psicanalítica é uma relação criada,
artificial, experimental e essa relação experimental, essa relação artificial que criamos que é a
psicanalise facilita a transferência, porque? Em primeiro lugar pela presença do psicanalista,
ou seja, só posso transferir se houver um destino, só posso pegar este carregador a transferir
esse carregador para uma caixa se houver a caixa, se não houver vou deixar esse carregador
cair no chão, então só posso transferir porque tem uma pessoa para receber, o psicanalista se
oferece. Então é importante que saiba disso. A sua presença, o simples fato de você estar ali
vai chamar os demônios pela sua presença, com suas características, com seu tom de pele,
com seu tipo de cabelo, com a roupa que você utiliza, seu jeito de ser, sua simples presença vai
evocar os demônios, você vai fazer esse convite para que o paciente transfira, pela sua simples
presença, mas existe uma postura do psicanalista que é a postura que facilita a transferência,
então a gente não precisa usar uma técnica especificar pra facilitar a transferência, o simples
fato de utilizarmos a postura natural do psicanalista já faz com que a transferência seja mais
provável, porque veja, para que eu possa transferir, eu quero transferir esse carregador daqui
onde ele está, desta mesa, quero transferir pra uma caixa, se essa caixa estiver cheia eu não
vou conseguir transferir porque ele não cabe lá, então vou ter que deixar ele aqui, não vou
conseguir transferir. O que quero dizer com isso? Que o paciente só pode transferir pra nós as
coisas do seu passado, as feridas, as questões abertas do seu passado, o paciente só pode
transferir pra nós porque nós nos apresentamos vazios. Lucas, mas como assim vazios? Sim,
você não conta pro seu paciente seus problemas. Quando a gente chega pra atender nosso
paciente o que a gente faz? A gente diz pra ele: fale, se o paciente pergunta “mas o que você
acha do governo?” “o que eu penso sobre o governo não tem interesse aqui” “mas o que você
acha que eu deva fazer?” “eu não tenho que achar nada sobre sua vida, porque não sou eu
que estou tomando a decisão sobre sua vida, é você”. Todas as vezes em que fazemos isso,
todas as vezes em que a gente se recusa a colocar a nossa pessoa ali no tratamento, a gente
está contribuindo pra transferência acontecer, porque estamos deixando aquele lugar vazio, aí
na hora que o paciente querer transferir o carregador dele pra nós ele vai conseguir, porque
estamos ali vazios, se a gente ocupa essa lugar com a nossa personalidade, com as nossas
questões, com nossa vida, nossas perspectivas, nossa visão de mundo estamos deixando esse
lugar cheio aí não tem como o paciente transferir, por isso Freud defendia que o analista
precisa se comportar de maneira abstinente, o que é abstinência? Abstinência é o que
acontece com um dependente químico que decide não usar mais aquela droga, ele se torna
abstinente, ele evita usa-la, abstinência é portanto uma evitação, o cara quer cheira aquela
carreira mas ele se abstém, ele quer mas ele não cheira. Muitas e muitas vezes o nosso desejo
enquanto analistas é de dizer para o paciente “vá por aqui, vá por ali, meu filho como você não
percebeu que não pode estar com essa pessoa, como você não percebeu que tem que sair
desse emprego?” muitas vezes o nosso desejo é esse, muitas vezes se você é solteiro e seu
paciente também e você percebe que ele é atraente pra você pode ser que seu desejo seja
ficar com ele, pode ser que você tem uma crença religiosa e veja seu paciente praticando algo
que na sua percepção religiosa é pecado e queira dizer “Não faça isso se não vai pro inferno”
mas você não faz, pode ser que você tenha uma convicção política e seu paciente fale mal de
um político que você gosta, e você sabe que o que ele está falando não é verdade mas você
não fala, você se abstém, você deixa esse lugar vazio, a posição do analista é uma posição que
resguarda um vazio para que o paciente, a história do paciente possa se manifestar, é o único
lugar da face da terra onde você pode expressar sua singularidade sem alguém te enchendo o
saco e querendo se fazer presente, é em uma sessão de analise que se faz isso, você vai ter
uma pessoa 100% voltada a te escutar se abstendo de se apresentar como pessoa. A gente vai
ver “nós vamos ter a oportunidade aqui na confraria de estudar Ferenczi e Ferenczi vai nos
ensinar ocasiões em que o psicanalista precisa se fazer presente como pessoa, ocasiões em
que o psicanalista vai quebrar a regra da abstinência, situações que o analista não se apaga
como pessoa à circunstancias mas esse não é o padrão, o padrão para o tratamento das
neuroses é a abstinência, precisamos deixar os nossos pacientes fazer a transferência deles”.
Quando você se coloca de modo “neutro” (não entenda como indiferença), neutralidade é o
paciente perguntar “eu voto no candidato A ou B” “você decide, eu não tenho nada a ver com
sua posição política, não posso sequer dar minha opinião aqui”, quando você adota essa
postura neutra se abstendo de participar como pessoa no tratamento o que acontece com
você? Você funciona com um imã que atrai a dinâmica afetiva pregressa do paciente. Como se
inconscientemente o paciente pensasse assim “oba, com esse aqui posso fazer o que quiser” e
a gente está ali pra isso mesmo, como dizia uma analista que eu tive ela falava assim “a gente
evoca os demônios, só não podemos sair correndo deles depois que eles aparecem”. Gosto de
usar analogias e metáforas, é como se a gente dissesse pro paciente depois que a transferência
se consolidou “olha o teatro, você está percebendo o teatro que você criou? Olha o teatro,
você está me colocando pra nesse teatro no lugar de vilão, nessa história você está me
colocando no lugar de Deus, você está me colocando no lugar do seu parceiro amoroso, no
lugar daquela mãe amorosa, olha o teatro que você criou aqui”. E aí conforme o processo vai
avançando o paciente vai se dando conta desse teatro, e mais, ele vai se apropriando desse
teatro, e ao se apropriar ele pode dar um desfecho pra essa história que até então estava com
o final aberto, ele pode dar um desfecho pra ela.

A transferência é o mecanismo psíquico que está na base da hipnose. O paciente transfere


para o hipnotizador o amor e a obediência cega que concedia a seus pais na infância.
Hipnose é algo que chama atenção das pessoas, “a hipnose é eficaz, funciona?” gente, a
psicanalise foi criada por Freud justamente pra suprir as deficiências da hipnose, e a
psicanalise é um tratamento tão mais avançado que a hipnose que através da psicanalise
entendemos o mecanismo que promove a hipnose. O que hipnose? É um procedimento do
qual uma pessoa se submete quase que integralmente, docilmente ás vontades de outra
pessoa. O Pyong Lee vai e me hipnotiza, se ele conseguir ele vai poder fazer o que quiser
comigo, vai me dar comandos, vai dizer que quando me mostrar as mãos vou enxergar 9 dedos
e não 10, é como se ele instalasse uma estação de comando dentro da minha cabeça e ficasse
mexendo, é uma manipulação que pode ser utilizado para fins terapêuticos e hoje continua
sendo utilizada, temos o uso da hipnose tanto no campo da psicoterapia como também no
campo da medicina. Qual o mecanismo de base da hipnose? É o mecanismo da transferência,
o que acontece na hipnose? O paciente transfere pro hipnotizador o amor e obediência cega
que concedia aos seus pais na infância, a criança de forma geral tem uma idolatria por seus
pais, ela acha os pais os seres mais especiais do planeta, tanto que a criança tem a fantasia que
os pais são reis, a criança ama e idolatra seus pais e os obedece cegamente porque tem medo
de perder o amor deles, por conta disso ela os obedece num primeiro momento, depois ela
aprende a desobedecer e então ela não obedece nada, obedece agora seu super-ego, mas no
início é isso que acontece, a criança se submete aos pais. O que acontece na hipnose? O
paciente transfere pro hipnotizador exatamente essa obediência, esse amor cego que ele tinha
quando criança para seus pais, ou seja, ele chama o hipnotizador para vestir o papel de seus
pais e aí a hipnose acontece. Na hipnose a pessoa volta a ser criança, volta a ser ingênuo,
transfere para o hipnotizador o lugar que seus pais ocuparam na sua vida quando criança. Só
na psicanalise?

A transferência não acontece apenas na psicanalise, mas em todo tipo de terapia e nas
relações humanas de formas geral. Contudo, é só na psicanalise que há análise e resolução
da transferência.
A transferência não acontece só na psicanalise, acontece na hipnose, acontece nas relações
conjugais, a gente está o tempo todo transferindo para nossos companheiros coisas do nosso
passado, questões abertas do nosso passado para essas pessoas, estamos o tempo todo
chamando essas pessoas para encenar conosco uma peça e muitas vezes essa pessoas não
querem encenar essa peça, ou muitas vezes, encenam e encarnam o personagem que a
colocamos para encarnar, e de repente você coloca o seu namorado para encarnar o papel do
vilão e ele encarna, e você acha que está em um relacionamento abusivo, sim você pode estar,
mas pode ser que esse relacionamento esteja sendo potencializado pelo fato de que você
transferiu para ele um papel e ele disse “beleza, vou ocupar, vou executar, vou desempenhar
esse papel que você está me chamando para encenar”.

Uma vez eu estava dando aula, não era pra curso de psicologia, era para curso de serviço social
e eu sempre tive uma relação muito boa com os alunos, um ou outro num contexto
universitário tem que puxar a orelha dos alunos de vez em quando, o professor ele ocupa esse
papel não só de transmissor do conhecimento mas muitas vezes de controlador do
comportamento para que a coisa funcione, mas de forma geral sempre tive uma relação boa
com os alunos. Dei aula pra essa turma num semestre e no semestre seguinte fui dar aula pra
eles de novo e uma aluna teve uma crise de choro e ansiedade no primeiro dia desse segundo
semestre e aí achei estranho aquilo e as pessoas começaram a dizer que ela estava com muito
medo de mim sendo que minha relação com aquela turma tinha sido muito boa, nunca havia
dado motivos para que eles tivessem medo de mim, nunca fui um professor carrasco, e aquela
aluna desenvolveu um medo apavorante, ela teve uma crise de ansiedade tendo aula, o que
era aquilo? Uma transferência, ela estava transferindo pra mim provavelmente que outra
pessoa exerceu na vida dela e que provocou aquele medo, então aquele medo não foi
derivado da minha relação com essa paciente, ela trouxe pra relação comigo aquilo que estava
lá no passado. Está vendo como isso acontece o tempo inteiro? Acontece nas relações
conjugais, professor-aluno, na relação de vocês comigo, a transferência está o tempo todo em
funcionamento. Qual a diferença? Quando ela ocorre na psicanalise? É que na psicanalise a
gente tem a oportunidade de analisar e resolver a transferência. Ali na relação comigo como
professor essa aluna não tinha como resolver essa transferência comigo porque meu papel
não era esse, não estava ali para atende-la e fazer uma análise com ela, estava como
professor, tentei acalca-la, usar um procedimento acolhedor de dizer “não se preocupa, não
precisa ter medo, fui apelando ali pro ego, mas se aquilo permanecesse ela precisaria recorrer
ao tratamento analítico, porque na análise ela teria a oportunidade de entender da onde veio
aquilo, de onde surgiu aquele medo todo já que não foi da relação propriamente dita comigo,
esse foi o grande diferencial.

A transferência não ajuda apenas o paciente a se convencer da existência e de como


funciona o Inconsciente, mas também terapeutas a princípio céticos em relação às
descobertas da psicanalise.
A transferência é uma espécie de remake, sabe remake como se fez recentemente com aquele
filme madmax, recentemente se fez uma nova versão desse filme, foi um remake, porque? A
história permaneceu a mesma do filme original, o que mudou? O atores, o cenário, efeitos
especiais, mas o enredo, a história é a mesma e isso que é a transferência, na transferência
fazemos um remake na relação com o analista, fazemos esse remake o tempo inteiro mas
quando fazemos com o analista, um analista que é um cinéfilo nesse sentido, ele conhece e
saca como são as encenações, o analista percebe que se trata de transferência e te ajuda como
paciente a sacar isso, e então tem a análise desse processo. Na transferência o paciente nos
convida a vestir um personagem que ele nos atribui, pode ser o pai, a mãe, o pai abusador, a
mãe acolhedora, irmão, tio etc, ele nos chama a ocupar esse lugar, a vestir esse personagem
mas de forma geral a gente não encena esse personagem, a gente se abtém, ele nos pede pra
colocar a roupa e agir como personagem, a gente só coloca roupa, a gente não age, a gente se
abstém, mas há situações e outros analista posteriores a Freud nos fizeram ver isso, há
situações em que nós vamos agir, nós analistas vamos agir, mas não vamos agir conforme o
personagem que o paciente nos chama pra agir, a gente vai vestir a roupa só que nossa
conduta vai ser diferente, não vai ser a conduta que o paciente espera, vai ser diferente pra
melhor mas isso é outra história.

Freud menciona que existem dois obstáculos intelectuais à aceitação da Psicanalise: a pouca
familiaridade do senso comum com o determinismo psíquico e o desconhecimento de como
o inconsciente funciona. (1:00:00)

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