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O Sexo Tantrico e a Filosofia do si mesmo


Bhagwan Bhava

Resumo

O homem bruto é o que está esvaziado dos símbolos que dão sentido
moral ao trabalho, ao comércio, a ordem social, ao direito e a as relações
pessoais por onde tudo passa, e uma filosofia deve ser aquela que forneça
aos interessados a significação dos símbolos de forma que o símbolo passe
a preencher e dar sentido nas suas relações pessoais. Isto requer um meio
prático de utilizar esta interpretação da realidade que possa ser usada
pelo indivíduo, tanto para se deslocar pela realidade, Tan, como para ser o
si mesmo, Tra; Tantra. E ao usar esta interpretação da realidade este
indivíduo passa a ter uma pessoalidade que lhe garanta um mínimo de
bem estar. O Tantra se baseia tanto no fenômeno sexual com no
entendimento como forma de auto realização.

O Tantra é a filosofia do si mesmo, si mesmo que tem o mesmo sentido de


Purusha, do “homem” como o ser além da nossa pessoalidade, e diferente
das demais filosofias o tantra não apela que este si mesmo seja a
consciência, este é talvez o maior diferencial do Tantra das demais
filosofias orientais, principalmente hindus. O si mesmo não tem relação
direta com a consciência e sim com o entendimento que temos da
realidade e como nós nos deslocamos nela.

Para ser uma filosofia o Tantra deve fornecer uma interpretação da


realidade; uma interpretação da pessoalidade; e uma interpretação do si
mesmo. E elaborar com estas três um meio de aplicar a filosofia no dia a
dia, ou seja, uma meditação. A realidade é tripla, temos a vigília, os sonhos
e o sono, a pessoalidade é tripla, ela vive na vigília, vive nos sonhos e
desaparece no sono, e o si mesmo apresenta para nós uma visão tripla de
sua atuação significando tudo e sendo ele mesmo no sono. A partir desta
constatação temos um corpo físico, um corpo psíquico, e um si mesmo.

O corpo é a nossa base física onde exercemos todo nosso poder, o corpo
psíquico é a nossa “mente” onde existimos para nós mesmos e onde
podemos perceber a realidade, e o si mesmo é quem significa os objetos
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do mundo para nossa mente, mas esta “mente” para o Tantra é apenas o
entendimento, Cit, e não uma estrutura como memoria ou arquivo. A
mente como objeto não existe, embora o entendimento intersubjetivo
exista e seja viso como sendo a mente.

Pela constatação de que podemos gozar sexualmente com nosso corpo


mesmo sem um parceiro sexual, o Tantra parte com uma base inédita, a
da significação simbólica, de que podemos preencher um signo com nossa
significação e alcançar com ele o gozo, o que é inédito no mundo animal, e
assim nosso corpo assumiu uma função transcendente que as outras
espécies animais não alcançaram.

A psique no Tantra é Cit, é o nosso entendimento que é capaz de


reproduzir a realidade, como se criasse um filme projetado para dentro
onde podemos imaginar e assim ter uma dimensão intersubjetiva, e
mesmo sendo imaginado o si mesmo fornece as significações mesmo que
elas não estejam de fato ocorrendo no mundo físico, e o nosso corpo
recebe as impressões como se fosse físico. Este é o mistério do si mesmo.

O si mesmo no Tantra é quem significa tudo, seja simbólico, seja


imaginário, seja real, mas no mundo real esta significação precisa ser feita
por verossimilhança, ou seja, nós precisamos ter a capacidade de perceber
as possibilidades de conexão entre os objetos do mundo externo, o que
pode conduzir a um sentimento de não-pertencimento ou de
pertencimento a ele, pelo poder de fazer estas conexões, e aí está a
diferença entre viver como iluminado ou não.

A prática de meditação no Tantra é um deslocamento pela realidade


através de Cit, do entendimento que recebe misteriosamente as
informações e cria três dimensões: A dimensão da forma, da
concentração; a dimensão da continuidade, da intuição e a dimensão da
verossimilhança, que cria a fé em si mesmo. Yantra, Mantra e Tantra são
estas dimensões.

A percepção que temos da realidade tem três dimensões co-dependentes,


e o que fazemos no nosso modo não meditativo é se concentrar na
realidade imediata como se ela fosse tudo, que tudo estivesse presente
nela, desta forma os nossos atos não levam em conta a nossa
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continuidade na segunda dimensão, e surge a ilusão de que os objetos do


mundo existem sem nossa percepção, nos removendo da cena de se
representar como se o si mesmo fosse uma instancia além de toda a
realidade, o que é a terceira dimensão. A magia do cinema está ai nos
transportando para outro lugar onde podemos significar o mundo.

A continuidade da percepção da realidade não co-dependente, cria ao


longo do tempo uma perda da fé em si mesmo, já que os signos ficam
esvaziados de seus sentidos ao longo do tempo, e com isto é gerada a
depressão. Na forma meditativa este processo de construção da realidade
integrada pelo si mesmo é Tan, uma expansão pela realidade e que deve
terminar na conexão que fazemos entre as coisas do mundo, e pelo
sentido contrário, como é o si mesmo quem significou a realidade para
nós, a realidade se recolhe nele, Tra. Tantra.

Há um transe na vigília que leva as interpretações oníricas para o sonho,


criando disfarces provisórios e escamoteando assim aquilo que os desejos
têm de semiótico e simbólico. De fato, é impossível desejar qualquer coisa
sem ter falta dela, isto é, sem possuir dela nada mais que um signo sem a
coisa dentro, coisa em que iremos colocar o Linga. Se o desejo fosse uma
presença física e não apenas o sinal da falta de símbolo no signo, Linga, a
masturbação seria impossível. Assim o desejo mesmo só poderia vir à tona
na presença plena do seu objeto, o que o tornaria praticamente
indistinguível da sua satisfação.

Quando cremos na realidade bruta ela causa o Transe por se impor como
uma logica tática, da falta de um objeto físico de satisfação, e cria a ilusão
de um corpo que falta para nós, uma reminiscência do corpo da mãe. Mas
a nossa capacidade de autossatisfação destrói esta ideologia física,
Marxista, e expõe algo mais sutil e poderoso, que é a existência da nossa
imaginação entregue pelo entendimento, Cit. E são as interpretações
oníricas que trazem para a realidade a capacidade imaginativa,
conduzindo a tática de nosso comportamento para buscar apenas a
satisfação física no sexo comum, uma ilusão.

A crença apenas na satisfação física põe fim ao deslocamento pela


realidade logo na primeira dimensão, a da forma, do Yantra, porque ela
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inverte a logica dos sonhos, esta dimensão somente pode ser continuada
no Mantra, quando pretendemos continuar nosso desejo por
entendermos que ele tem outro fim, sem, entretanto, reprimir este desejo
da primeira dimensão, e é o que faz o deprimido, suprime a libido para
suprimir o desejo e assim suprimir a falta, em uma suposta autonomia que
lhe custa a vida. É a tática sem a estratégia o que produz a depressão. E
quem não consegue reverter a depressão é porque tem uma crença na
liberdade fundada apenas em si mesmo, mas não consegue expressar.

Essa premissa de uma liberdade funda apenas em si mesmo é


estupidificante em si, mas o fato de que faz permanecer quase sempre
inconsciente ou pelo menos indeclarada o que seja esta liberdade,
aumenta “ad infinitum” o seu poder de estupidificar o individuo até que
por fim destrua sua curiosidade e apague dele o mistério que está na sua
alma. O transe causado pela realidade sem o mistério do entendimento
retira da pessoalidade a dimensão do desejo fazendo do corpo um veículo
morto vivo, sem mais conexão com a segunda dimensão, proporcionado
uma transcendência baseada apenas na suposta liberdade da própria
pessoalidade, a mercê dos traumas parentais e da infância.

Como filosofia do si mesmo o Tantra declara o corpo santo, e o sexo a


pulsão sagrada do entendimento que busca uma realização continuada
além do próprio gozo, ele exige da pessoalidade um compromisso de que
o gozo continue após o ato, não com alivio das tensões, mas como
intuição, a abertura da consciência para a sua capacidade de fazer os
sonhos saírem de seu papel reparador e se deslocarem para a realidade,
dando significação as coisas do mundo. O meditador dorme bem,
imperturbado, pois o si mesmo é ele no sono.

As típicas representações de rituais sexuais medievais hindus tinham o


papel de criar na memoria coletiva uma continuidade que colocasse a
satisfação sexual como um sinal, um Linga, em torno do qual se poderia
criar uma cultura que restabelecesse o corpo como a sede da primeira
dimensão, o que na cultura ocidental foi combatido pela cultura judaico
cristã, que encontrou na forma da confissão e na absolvição uma
possibilidade de ruptura para uma possível transcendência.
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O sexo Tantrico é o sexo que continua além do gozo, e continua a


pertencer a pessoalidade, provado pelo fenômeno de que podemos nos
auto satisfazer, provado pela presença do entendimento que é capaz de
criar um universo simbólico, sendo portanto a única ligação entre o corpo
e nosso entendimento, e se o gozo desliga o nosso interesse e a alegria de
viver, é porque o indivíduo vive no transe da realidade e não nela. A ilusão
da realidade não é facilmente superável pelo entendimento, mas ela é
impossível de ser superada sem entender o papel do sexo no
entendimento.

Concessões esporádicas às exigências do “politicamente correto” têm


trazido mais doenças e mortes que todas as guerras juntas, que todas as
pandemias juntas, e a má interpretação do sexo tem escravizado a maioria
das pessoas da humanidade e causado todas as doenças psíquicas
elencadas pela psicologia, Freud estava certo. Sexo tântrico tem seu
segredo, que é no ato sexual imaginar a sua continuidade, amanhã e daqui
há um ano, dez anos, criando em si uma instancia continua, e desta forma
o seu ato não será desesperado e nem apenas animal.

Muitos teóricos criaram o sexo continuo sem gozo, o que extermina com a
pulsão sexual e leva a demência, mas apenas a fé na sua continuidade
com você mesmo e com o outro, e a sua capacidade de significar as coisas
do mundo, faz o sexo ser Tantrico. Este acordo sexual não pode ser feito
pelas palavras, mas sim como ato, comportamento, não há como ter como
parceiro sexual alguém que não seja seu parceiro de vida, e não há como
ter um parceiro de vida sem ser seu parceiro sexual, pois é o
entendimento intersubjetivo de ambos que é o despertar da energia
sexual. O sexo tântrico pode ser feito em oito estágios desde o físico que
aqui não serão descritos, o físico é menor estágio.

A energia sexual, a pulsão detectada por Freud é na verdade o


entendimento que fazemos, Cit, entendimento que busca suprir a falta da
continuidade do corpo, e ele não está em uma nova pessoa, nem em um
corpo mais perfeito, está na descoberta da meditação como sendo a sua
continuidade e a sua capacidade de significar as coisas do mundo –
concedidas à nós pelo si mesmo em nós.
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Tan é nossa expansão pelo mundo externo manifestado e Tra é o


recolhimento para nossa intimidade onde temos o Universo do
inconsciente a nossa disposição. A libido é uma heurística e Freud a define
especialmente em “Além do Princípio do Prazer” (1920), e ele usa, em vez
da palavra libido um novo sinônimo de origem latina, Eros, que descreve
como sendo a energia que impulsiona a vida. Na obra “Psicologia das
Massas e Análise do Eu” (1921), ele definiu a libido como sendo a "energia
de tais instintos, que tem a ver com tudo o que pode ser resumido como o
amor." Jung adota a definição de libido, em geral, como sendo toda a
energia psíquica e mental de um homem. Ao contrário de Freud, Jung
considera que esse poder como semelhante ao conceito do Extremo
Oriente do chi ou Prána do Tantra, ou se a, como um esfor o geral para
alguma coisa. nclusive a primeira palestra de ung foi sobre antra e
publicada no seu livro he Ps cholog of undalini oga - N-10
0691006768 : Notas dos quatro seminários que ele deu em Zurique em
1932. Isto demonstra a enorme distorção que as pessoas fazem sobre
tantra onde libido é o esforço, a energia para qualquer atividade humana.

Bhagwan Bhava é Mestre de Tantra, atua há 36 anos no ensino e


divulgação do Tantra.

https://www.mestrebhava.com/

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