No seminário sobre o Desejo e sua interpretação, Lacan
chega a identificar o desejo com sua própria interpretação, a ponto de dizer que o desejo nada mais é do que sua interpretação. O desejo apresenta-se como uma função eminentemente simpática uma vez que se baseia no axioma de Lacan: o desejo é o desejo do Outro. Lacan formulou esse axioma em relação à histeria, antes de torná-lo o axioma fundamental do desejo. Este axioma faz do desejo uma função dialética, o Outro está implicado desde o início em sua constituição. Este aspecto sempre reteve aqueles que defendiam a ideia de uma intersubjetividade, de um humanismo intersubjetivo. O gozo, ao contrário, não é uma função dialética, é isso que determina que sua gestão, prática e teórica, seja tão complexa. O gozo não começa com uma definição no estilo "o gozo é o gozo do Outro", não acaba sendo tão legal. No que diz respeito ao desejo, o que chamou a atenção foi a relação entre desejo e demanda. A demanda também é sempre uma demanda ao Outro, uma demanda do Outro, assim eles abrem caminho, desejo e demanda, desejo como metonímia de demanda. Ouvido este ponto do ensino de Lacan, concluiu-se, imediatamente, que essa oposição entre o registro do desejo e o registro da demanda implicava que a demanda era consciente e que o desejo era inconsciente. Partindo do que Lacan propôs como conselho ao psicanalista, concluiu-se que a demanda se expressa como uma demanda sim, e que o cúmulo do refinamento analítico era recusar-se a satisfazê-la. Por exemplo, se alguém quisesse mudar sua sessão, a resposta era um não, se dissesse que queria reduzir o número de sessões, a resposta também era não. Você pode ver a que foi reduzida uma teoria psicanalítica tão complexa. Isso é uma aberração. É evidente que, em sua face mais profunda, a demanda é inconsciente. A demanda no registro da psicanálise pode ser, por exemplo, a demanda de uma mulher por um pênis. Você não precisa do conselho de Lacan para que o analista se sinta impotente diante da possibilidade de enxertar esse órgão no corpo do outro. Hoje existem cirurgiões que respondem a esta demanda em casos de transexualismo. É evidente que não é preciso ler Lacan para perceber que a mola da demanda reside no fato de ser uma demanda inconsciente. De que outra forma entender que ela continua com a pulsão? Sem a demanda, é impossível compreender qualquer coisa sobre a pulsão no sentido de Freud e no sentido de Lacan. A vantagem da demanda e do desejo é que desde o início implicam o Outro, a ponto de Lacan fazer do desejo, em seu grafo uma pergunta que toma emprestado do pequeno romance de Cazotte, O diabo apaixonado, que espero que você tenha lido, Che Vuoi? Já se considerou que a cura analítica tinha por objetivo introduzir o sujeito na pergunta sobre seu desejo; que o analista tinha que fornecer uma resposta, que obviamente não era direta, mas através de interpretação e que a psicanálise existe para garantir que a interpretação tenha, de fato, uma incidência sobre o desejo. O gozo não é de início do Outro. Para formular que o gozo é o gozo do Outro é preciso uma enorme construção, não é pelo menos um ponto de partida como é no caso do desejo. O ponto de partida, quando se trata de gozo, é o corpo. O que toma o lugar do desejo é o desejo de gozo do Outro. O gozo só aparece através do que é corpo, só um corpo pode ou não desfrutar. As relações do gozo com o significante são muito diferentes das relações do desejo com o significante. O desejo está ligado à cadeia significante e, portanto, às suas permutações, por isso é muito móvel, é dúctil, plástico ao significante. Pelo contrário, as relações do gozo com o significante são relações de exclusão. Lacan se perguntou muitas vezes, como se sonhasse em obter uma resposta: Qual é o prazer de uma ostra ou de uma árvore? Concluiu, com bom senso, que não sabemos do que isso goza, a ostra ou a árvore. Não sabemos porque não há aí distância entre o gozo e o corpo, essa distância que introduz o significante. Isso leva a essa posição do significante como aquilo que separa o gozo do corpo. De certo modo, só se pode ter uma ideia do que é gozo quando se perde, ao procurá-lo, ao falar dele. Mas, onde o gozo está no corpo, lá onde estamos - falando em certo sentido estrito- antes da carne, não sabemos o que está lá. Poderíamos dizer que há, na teoria psicanalítica, um nome específico para a barreira entre o significante e o gozo do corpo, o nome dessa barreira é justamente desejo. O desejo é uma barreira ao gozo baseada na linguagem. Lacan modificou a inflexão de sua primeira abordagem do desejo, observando que, com efeito, o desejo é uma defesa contra o gozo. O gozo em si, dependendo do que podemos saber, é uma perturbação do corpo, constitui em si uma relação perturbada do animal falante com seu próprio corpo, não há harmonia de gozo a esse respeito. Buscar através da terapia o bom entendimento do gozo com o corpo é um fracasso. Seria buscar a restituição impossível de um acordo com o gozo. Isso teve suas virtudes na Antiguidade, ou em culturas que não são as nossas, onde eram chamados de sabedorias. Podemos continuar sonhando com esse saber de gozo que define uma sabedoria, mas vemos que ele não está entre nós no momento do discurso da ciência. Podemos abordar o assunto pura e simplesmente no nível da lógica do significante. O efeito de sujeito também está no efeito de separação do corpo do gozo. Podemos até dizer que é isso que Freud introduz como castração. Isso é difícil de escrever. Como tornar conciliáveis, por exemplo, a escrita da castração imaginária que Lacan faz, como (menos phi), e depois sua escrita do falo simbólico: (phi) impossível de negativizar o significante de gozo? Qual é, precisamente, a relação entre a significação do falo, tal como emerge da metáfora paterna -quando o Nome-do-Pai liga o desejo da mãe e o falo- e o falo como significante do gozo? Há obviamente um aspecto em que o falo é o significado universal, é mesmo o que permite o surgimento dessa ilusão -que não é freudiana, mas schopenhaueriana- que é o pansexualismo. Tudo o que dizemos, ouvido de uma certa maneira, pode ter uma conotação fálica. Basta que haja mal-entendidos para que esse efeito seja produzido, a suposição é ela mesma erótica. No entanto, o falo e o gozo são outra coisa. Temos que começar separando os termos da expressão “significante de gozo". Deve-se perceber que é uma captura do gozo por parte do significante, que o falo é uma captura e uma limitação do gozo pelo significante e a castração do gozo puro é, a rigor, exatamente isso. O gozo como fálico já é um regulamento do prazer. Você também deve perceber que o gozo fálico não implica a relação com o Outro, é o que se chama masturbação. O gozo fálico pode bastar por si mesmo, por isso ao contrário, é proibido, esse gozo direto e imediato não é social. Somos forçados a ter uma relação com o Outro, que nos indica desde o início que o gozo não é o gozo do Outro, que pode, antes de tudo, ser o gozo do Um mesmo. Na verdade, é onde devemos começar, o gozo é o gozo do Um, este é aliás o caminho de maior sabedoria: bastar-se a si mesmo. Temos sobre isso uma imagem clássica do sábio Diógenes, que descobriu como tirar sarro de todos. Eu queria saber como ele se arranjou com seu superego. Podemos ter certeza de que ele administrou muito bem seu superego, já que não renunciou a nenhuma satisfação instintiva, nem mesmo no mínimo. Podemos ter a certeza de que ele tinha a total aprovação de seu superego. Não há nenhum traço deixado na história que foi jogado do Etna como fez o outro. Obviamente, este é um gozo de outro alcance. É essencial, para esta questão, diferenciar prazer e gozo. O gozo não proporciona prazer, o gozo é antinômico ao bem-estar, pode mesmo confinar com dor. É isso que permite a Lacan formular que o princípio do prazer equivale ao medo de gozar. O princípio de prazer consiste antes em dormir, sendo o gozo mais relacionando com o acordar. O gozo é uma abertura à bem-aventurança sem medida, -da qual Schreber nos dá o exemplo vivido- que é insustentável. É preciso ler Schreber para perceber o que é o gozo como intolerável. Outra imagem da bem- aventurança sem medida é a de alguém em coma profundo. Temos ali a imagem de um corpo transformado em ostra, a morte não está longe, mas muito próxima. Gostaria de me deter mais nessa antinomia entre gozo e significante. Muito mais atenção foi dada a Lacan, que colocou a ênfase na presença do significante no inconsciente, o que demonstrou então uma linguística e uma lógica desse significante, que apresentou memória inconsciente como cibernética. Ao Lacan que poderia usar paradoxos lógicos para demonstrar o efeito do sujeito, que, afinal, provavam a Outra Cena de significantes. Ao Lacan que enfatizou que essa cena também poderia ser sustentada pelo psicanalista, que deveria inscrever-se naquele lugar Outro para poder operar pela interpretação no campo da palavra. Reteve- se o Lacan do campo da linguagem e função da palavra e se esqueceu o posterior Lacan, que trata do gozo na medida em que está fora de tudo isso, o Lacan que descolou Das Ding, a Coisa de Freud, que abordou especialmente na ética da psicanálise. A coisa, tal como ele a introduziu pela primeira vez, é intolerável, sua estrutura não está de acordo com a estrutura significante. Em certo momento de seu seminário diz que o Outro, no que diz respeito ao gozo, nada mais é do que uma esplanada varrida. Que o gozo, que por enquanto sigamos falando dele no singular, o gozo em nós que falamos só adquire seu peso por ser evacuado desse campo do Outro, da instância da carta, da palavra, por ser evacuado do simbólico. Também é evacuado do conhecimento, isso, nós, no momento da ciência, não podemos ignorar. Vocês conhecem a frase de Rabelais "ciência sem consciência não é senão a ruína da alma". Finalmente, deve-se saber que antes da existência da ciência havia saber, saber e ciência não são sinônimos. A iniciação também é uma forma de saber, você pode ter conhecimento que não é uma ciência. Os armários estão cheios de saber, como Lacan lembra. Os eruditos se especializam nisso, quando ninguém mais se interessa pelo conhecimento, quando ele não tem mais consequências, você pode abrir os armários e começar a encomendar o que tem lá dentro. Respeito os estudiosos, mas é evidente que no caso da psicanálise estamos interessados em outro tipo de conhecimento, um conhecimento que tem consequências. No discurso da ciência encontramos um saber varrido das exigências de prazer. A psicanálise não se reduz a palavras e linguagem, é isso que diz Lacan. Eu disse uma vez que o ensino de Lacan era o desenvolvimento de uma hipótese, que o inconsciente é estruturado como uma linguagem. O ensino de Lacan desenvolve essa hipótese, mas de maneira que não é necessário imaginar que seja harmoniosa, pelo contrário, este ensinamento é feito de retificações constantes de desenvolvimento desta hipótese. A restituição do conceito de gozo permite superar as primeiras consequências deduzidas do "inconsciente é estruturado como uma linguagem", é algo como uma segunda corrente que acompanha a primeira. O que eu acabei de dizer é uma simplificação, porque o gozo supõe também no ser falante o significante. Se dissemos antes que o gozo como tal é evacuado de simbólico, também sabemos o que isso significa na teoria de Lacan: o rejeitado no simbólico reaparece no real. Esta fórmula Lacan a extraiu do texto de Freud sobre Schreber. Gozo, impedido também do simbólico, reaparece no real. A elaboração de o real do gozo também faz parte do ensino de Lacan. Não podemos deduzir tudo isso do "fi" maiúsculo como significante do gozo, o "fi" maiúsculo significa gozo quando o gozo tem um significante. O falo tempera o gozo, ou seja, dá-lhe medida e também seu semblante, porque o gozo como tal não tem medida. Ao mesmo tempo, Lacan admite o gozo como o único real da prática psicanalítica, o que o obrigou a restabelecer o que falta na instância da letra, a relação entre o sintoma e o gozo. Se há algo que torna necessária a introdução do conceito de gozo na psicanálise, esse algo é precisamente o sintoma. O gozo dá conta da existência do sintoma, da satisfação que o sujeito encontra em seus sintomas, do que Freud chamou de masoquismo primordial. Em A instância da letra enfatiza de maneira unívoca a estrutura significante do sintoma, de alguma forma prometendo que a interpretação poderia desfazer a articulação do sintoma. A própria consistência do sintoma exige que se acrescente a ele aquilo que, nessa metáfora, satisfaz o sujeito. Ao mesmo tempo, se o gozo está excluído do simbólico, a ele se aponta sempre na articulação significante. Está por sua vez também originalmente excluído e onipresente. O superego está exatamente na conjunção de simbólicos e reais nesta matéria. Porque o superego, assim como a psicanálise o isola, é justamente uma lei que se articula visando o gozo, mesmo tornando-se um imperativo: goze. Por este desvio, a função do superego como organizador dos sintomas pôde ser delimitada por Alexander -já em 1925- como evocado por Lacan em seu Seminário I sobre os Escritos Técnicos. Obviamente, se a cura for abordada nesta perspectiva, não será pode reduzir a prática da interpretação psicanalítica ao jogo de palavras. O gozo nem sempre escapa como o desejo, ele retorna sempre para o mesmo lugar, a isso deve seu status real. A função da histérica não é apenas recordar o desejo, como disse Lacan no início, porque logo ele disse outra coisa: que a eminente função da histeria para a psicanálise é a de não se contentar apenas com o desejar. Se seu desejo não é satisfeito, é porque o desejo não a satisfaz, ela torna o gozo um absoluto. Assim ela sabe que o falo não é mais que um semblante. Por não reduzir o gozo ao semblante fálico, desconcerta enormemente a medida da ordem do mundo, porque a medida da ordem do mundo nada mais é do que o falo. O que Freud conseguiu aparentemente com a histérica é que, ao final de uma análise, ela teimosamente afirma aquele semblante. Essa função de gozo é necessária para ordenar as determinações do desejo, permite uma leitura retroativa de Lacan de seu próprio ensino. Neste ensino avançado muitas coisas são esclarecidas, tomando momentos posteriores de seu ensino para aplicá-los a momentos anteriores dele. A histérica também é uma forma de entender por que o superego feminino criou tantos problemas para a psicanálise. Haveria de escrever assim: o superego, feminino. Se o superego feminino não for encontrado é, justamente, porque está ali diante dos olhos, é do estilo da carta roubada, porque é óbvio que não percebemos sua presença. Então você pode me perguntar: o que você faz com a primazia do falo, afirmada por Freud e posteriormente reafirmada por Lacan? O que significa a primazia do falo? Segundo o matema de Lacan, significa que o significante da mulher não existe, ou seja, A mulher não existe. Eu acho que não é necessário especificar que isso não representa uma vantagem para o homem, pelo contrário. Porque esse significante primário é tomado de sua própria semelhança. As mulheres são mais ligeiras. É preciso levar muito a sério essa formulação de que a mulher não existe. Ela pode explicar muitas coisas, por exemplo porque Lacan dizia que todo mundo é delirante. Dizer que a mulher não existe no sentido estrito quer dizer que para a espécie humana a forclusão do significante da mulher produz um delírio. Esta é a loucura genérica do ser humano, estamos todos atrapalhados nela. Isto é o que acontece quando ocorre a forclusão do Nome do Pai que anula a significação fálica, a mulher aparece mais ainda na realidade. Leia Schreber novamente e você verá como é difícil viver no gozo, como as ondas do gozo conseguem inflá-lo e desinflá-lo, como conseguem transformá-lo em sua própria textura, feminilizando-o. Deve-se colocar Totem e Tabu ao lado de Édipo. Todo o esforço de Lacan, desde o início dos anos 70 foi, justamente, retificar o conceito de pai elaborado desde o Édipo e até do pai construído a partir de Totem e Tabu. O pai ao lado Édipo tem antes de tudo uma função de saber: sabe ou não sabe e, dado o caso, é um pai que proíbe. O pai de Totem e Tabu é o pai que goza, isso merece que corrijamos o que é unilateral sobre o Complexo de Édipo. Freud não conseguiu nos fazer perceber isso. Ele também não teve sucesso com a segunda tópica, porque longe de lembrar do gozo, voltou-se para a psicologia do eu, que vai exatamente contra o esforço de Freud. Freud coloca o superego no declínio do Complexo de Édipo, pois o superego é um chamado ao gozo puro, por assim dizer, um apelo à não castração. Também poderia situá-lo no grafo de Lacan, quando Lacan escreve em seu grafo, na linha inferior significante e voz e na superior, gozo e castração, podemos situar o lugar do superego neste vetor que atravessa o lugar do Outro, e que faz a voz grossa do superego. Se levarmos em conta o que se diz do superego como imperativo do gozo, vemos que devemos unir essa voz com o gozo. Os quatro termos mencionados servem para ordenar o superego. Também poderia explicar o que é perturbado na psicose através desses quatro termos. Por exemplo, você poderia dizer que o que nos protege de escutar no real a voz que ordena o gozo é, justamente, o significante da castração. Quando, como no caso de Schreber, voz e gozo se conjugam, o significante e a castração do Outro de encontram separados. A psicose anula a castração, e em todo caso, revela, como no gozo feminino, pelo menos dois gozos. Aqui começamos a usar o plural, o gozo fálico e o gozo que deveria ser chamado de além do falo, este último é o efeito que Lacan chamou na psicose de "empuxo à mulher", a feminização que a psicose acarreta em si mesma. Em função disso, ele diz em Televisão que todas as mulheres são loucas, o que corrige imediatamente, dizendo que elas não são nada loucas. Há uma normalidade própria do delírio da qual estamos protegidos pela metáfora fálica. Schreber torna Deus paciente em tanto suporte desse gozo e, ao mesmo tempo, deve pensar todo o tempo de forma articulada senão Deus, esse Outro, foge e o abandona. O que há de específico na psicose de Schreber é essa conjunção entre o Outro do significante e o Outro do gozo. É por isso que Lacan, de forma que passou completamente despercebida, foi capaz de definir a paranoia como a identificação do gozo no lugar do Outro. Isso mostra até que ponto, na teorização de Lacan, o gozo e o lugar do Outro se excluem. A psicose paranoide consiste precisamente na conjunção do saber e do gozo sem a interposição da castração. Obviamente, o gozo também figura naquilo que Lacan isola como os quatro discursos e às vezes figura como a verdade. Se supõe que no discurso universitário a verdade está dominada; o discurso do mestre pode exibir sua produção e no discurso do analista o Gozo (Jouis) do superego torna-se um Oigo (J'ouis), por isso o analista pode crer-se o superego. Toda uma teoria clássica em análise deseja que o analista se coloque no lugar do superego. No fundo, essa teoria situa-se na homofonia entre o Jouis, o Goza e o J'ouis (Oigo), ouvi dizer. Por isso o psicanalista é quase um supereu. Em todo caso não pode desconhecer que também atua daquele lugar. Havia em Lacan, por outro lado, uma prática que seus analisandos sentiam como um encorajamento. Diante de suas reflexões sobre certos pontos, ele dizia: "vá em frente, sim, é isso, faz isso". Isso é da ordem de: "dá lá velho, aproveita até o fim do seu fantasma." É óbvio que era muito difícil com Lacan saber o que ele queria dizer quando disse Sim. É fácil fazer jogos de palavras complicados, mas conseguir fazer um jogo de palavras dizendo Sim é muito difícil. O gozo está, portanto, presente nos quatro discursos, mas, não está presente como o gozo pleno e completo, como a bem-aventurança sem medida de Schreber. Está presente como objeto a, que é também um dos nomes do gozo, ao qual Lacan deu o nome de mais de gozar. Pode-se dizer que, em princípio, em análise, o objeto a está na origem da pulsão invocante, que é, em última análise, a única coisa que você pode encontrar satisfação na análise, já que os outros modos de satisfação estão descartados, já que o dispositivo analítico personifica a ausência de relações sexuais. O resultado da posição do analista como um mais de gozar no discurso analítico é que o analisando imagina que o analista goza do que ele lhe conta. Deve pagar justamente para colocar os pés no chão em relação a essa ilusão. Se não pagar, terá certeza de que o outro goza, o que é muito perigoso, pode acabar como Schreber. Sabe-se que a entrada em análise pode precipitar um sujeito na psicose. É um paradoxo no discurso analítico que o gozo, assim como eu o evoquei, é a coisa mais real que temos na experiência analítica, seja ela situada ao mesmo tempo como um semblante, no lugar que Lacan chama do semblante em relação ao suposto saber. Fazer semblante do gozo é um paradoxo. A ciência, ao contrário, só poderia se desenvolver porque os cientistas se convenceram de que o conhecimento de Deus era algo muito diferente do gozo de Deus. Quando as pessoas se ocupavam do gozo de Deus, faziam sacrifícios para satisfazê-lo. Hoje em dia não fazemos mais esse tipo de sacrifício, fazemos ciência, finalmente imaginamos que Deus nos pede o saber. O resultado é que não são mais feitos sacrifícios humanos, mas, de modo diferente, a humanidade toda é sacrificada à ciência. Seria preciso conseguir articular essa multiplicidade de gozos, não tenho uma doutrina acabada sobre esta articulação. Eu sei, em vez disso, que é preciso partir do conceito de repetição em que precisamente se ajudam o significante e o gozo. A cadeia significante ordena o além do princípio do prazer, princípio homeostático. A cadeia significante vai além do limite imposto pelo prazer. Mas, o gozo é justamente o que está além do princípio do prazer, como uma violação do referido princípio. Até que ponto o princípio do prazer em Freud pode ser reduzido ao princípio antigo, tão bem enfatizado pelos epicuristas, que, resumindo, diz que você tem que fazer o mínimo possível, aquela lição de sabedoria que faz fronteira com o sono? Apesar de tudo, o princípio do prazer no próprio Freud é habitado pelo gozo. Em Lacan você encontra formulações exatamente opostas sobre o princípio do prazer, como ele mesmo diz, como uma espécie de barreira orgânica. Finalmente, no caminho do prazer não podemos ir além de um certo ponto. Isso é especialmente evidente naquilo que o homem é capaz de suportar do gozo fálico, este se desenvolve segundo uma curva extremamente limitada; a esse respeito, o princípio do prazer abrevia o desejo. Esta barreira orgânica está, portanto, especialmente presente no sexo masculino. Na fêmea da espécie, o gozo aparece como uma abertura sem medida e sabemos que isso a torna especialmente fascinante para os da outra metade. A hipótese de Lacan é que a interdição do incesto, a interdição fundamental, ou seja, a do incesto com a mãe, não é mais do que a metáfora dessa barreira orgânica. O Édipo é finalmente uma pequena história que nos permite situar o gozo através da proibição do incesto, a proibição de gozar da mãe. Há também outra proibição importante, a do gozo fálico como gozo do órgão. O que diz o superego? Isso quer dizer ‘goze do seu próprio corpo ou goze do corpo do outro como sua própria metáfora’? Nem tudo já foi dito sobre as formas de gozo, não há porque limitar-se a falar de gozo sexual, há muitos outros gozos, incluindo falar ou ouvir. Por que o gozo está relacionado especialmente com a sexualidade? Não é algo óbvio. O ser falante tem acesso ao gozo através da sexualidade, acesso que é o orgasmo, que às vezes é considerado como um fim em si mesmo. Lacan, refletindo sobre esse ponto, chegou à conclusão que não há ato sexual, formulação anterior à de "não há relação sexual". O fato de não haver ato sexual significa, justamente em relação ao orgasmo, que o gozo do orgasmo não faz o significante, que não permite fundar a relação significante para a qual, de outro modo, em todo caso, falta o significante correspondente ao significante primário e único. É curioso que se fale do superego em termos de introjeção, identificação; a suposta introjeção do superego só encontra sua estrutura a partir da exclusão interna do gozo em relação ao campo do simbólico. Exclusão interna é um termo muito preciso que se explica a partir de um certo número de estruturas significantes a que me referi no seminário que aqui desenvolvo, noutro horário, na lógica do significante. Isso torna o superego aquilo que há em mim mais do que eu mesmo, fórmula com a qual Lacan, em Os quatro conceitos, introduz o objeto a, e é especialmente pelo seu estatuto de voz, voz que se confundia com a consciência moral: este é de fato o status do superego como introjetado, de fato, como um objeto, a voz. Obviamente, já que o lugar do Outro é o apagamento de Das Ding, a proibição do gozo poderia ser esquecida sem a presença do superego, ou seja, do sintoma. Isso tem sido frequentemente chamado na psicanálise a dívida, a dívida a pagar. Finalmente eu gostaria de fazer um comentário sobre o masoquismo primordial. O masoquismo primordial é o nome mais freudiano do gozo, é também o que pode dar lugar a supor que o analista na experiência é um masoquista. Essa hipótese é possível porque o analista faz semblante de objeto a. Enfatizo que o objeto a é uma função assexuada. O conceito de pulsão em Freud só faz sentido na medida em que diz respeito a uma sexualidade assexuada, a sexualidade da zona erógena. A psicanálise é mais um assexualismo do que um pansexualismo. O gozo não é a satisfação de uma necessidade, mas de uma pulsão. Se quisermos ordenar os gozos que se multiplicam, seria preciso dizer que no simbólico, o gozo é abordado a partir do significante fálico. Isso permite a Lacan escrever as fórmulas da sexuação a partir da função fálica e a inscrição do sujeito como variável dessa função, enquanto no real o gozo, o que dele podemos saber, deve-se ao objeto a. Não é nada fácil estabelecer a relação entre gozo sexual e gozo pulsional, eles não têm a mesma estrutura. Também não têm a mesma estrutura o gozo fálico, que é o gozo do Um, e o gozo do Outro, que é gozo sem medida.