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Em torno do prazer e do gozo 1

Daniel Schoffer Kraut

Revista Brasileira de Psicanálise daniel schoffer kraut 


volume 49, n.2, p. 117-125 · 2015 é psicanalista, analista didata da
Associação Psicanalítica de Madri
(APM).

Resumo
Neste trabalho, bordejaremos o buraco do real. E o faremos
em torno dos conceitos de prazer e de gozo. Como Freud
disse, só se aprende nos casos em que a defesa fracassa, porque
então há retornos do recalcado e a moção pulsional encontra
um modo substitutivo para se descarregar, ainda que seja
um substituto mutilado, inibido ou deslocado, que já não
é reconhecível como satisfação, que não produz sensação
de prazer, mas gozo. Prazer e gozo. Prazer freudiano e gozo
lacaniano. Em Além do princípio do prazer, Freud diz que a
parte essencial do recalcado não pode ser lembrada e que não
se repete a serviço da recuperação de uma vivência prazerosa,
mas a serviço de uma vivência que não pôde ser. Para Lacan,
em contrapartida, o sexual é o que fica fora do discurso, do
lado do gozo, que, enquanto experiência do real, fica fora da
palavra. Trata-se, portanto, do gozo do corpo enquanto real,
do corpo que fica fora do discurso e do qual só podemos falar
através de seus semblantes. Esse gozo se produz quando o
sujeito é capturado pela linguagem. É o que fica como um
resto que alíngua não pode significar.
Palavras-chave
prazer; gozo; imaginário; simbólico; real; outro; estádio do
espelho; pulsão.

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E m torno do prazer e do gozo, bordeja-


remos o buraco do real.
Prazer e gozo. Prazer freudiano e gozo
lacaniano.
Quer dizer que não encontraremos
a verdade dos conceitos numa definição
fechada, e sim na impossibilidade que as Freud e o prazer
palavras têm de nomear as coisas.
A palavra não se ata à coisa, nem o sig- Num primeiro tempo, Freud afirmava que
nificante ao significado. Castração. Não há a atividade psíquica consistia em evitar o
relação sexual. Tudo não é possível (Lacan, desprazer.
1953/1989b). O desprazer, tal como o formula Freud no
Não é possível porque há falta na palavra “Projeto de psicologia” (1950[1895]/1986b), é
e também falta na coisa. produzido por um aumento de energia, e o
Na hiância que se abre entre a palavra prazer, por sua descarga. O desprazer pode
e a coisa, o mais real é a própria hiância. ser evitado por meio do desvio da atenção,
Discordância da qual surge o desejo mas, se essa defesa não puder operar, o pra-
como insistência para encontrar o que não zer é alcançado por meio do “princípio de
se pode nem se deve encontrar, e que se inércia neuronal”, que se ocupa da descarga
mostra nos sintomas e demais formações total da excitação.
do inconsciente como um modo de dizer Como a descarga total significaria a
o que não se pode dizer de outra maneira. morte do indivíduo, Freud tem de recor-
Ao decifrar essas formações do incons- rer ao “princípio de constância” e, deste,
ciente, Freud descobre que o sintoma passa para o “princípio do prazer” como
irrompe na vida do sujeito como o indício regulador do aparelho psíquico, na medida
e o substituto de uma satisfação pulsional em que o aparelho deve conseguir que se
interceptada pela defesa. conserve uma excitação mínima necessá-
Essa defesa procura impedir a descarga ria para a vida.
pulsional direta e coibir o devir consciente O primeiro modelo que Freud encontra
da representação que era portadora da para explicar o funcionamento do aparelho
moção pulsional incompatível com o eu psíquico é aquele que conhecemos como
(Freud, 1894/1986a, p. 49). “a primeira experiência de satisfação”.
Só nos ensinam algo os casos em que o Como resultado dessa vivência, a ima-
recalcamento fracassa, porque, então, há gem mnêmica do alimento fica associada
retornos do recalcado e a moção encon- ao traço mnêmico da fome. Quando a
tra um substituto para sua satisfação, ainda necessidade ressurge, reativa o traço da
que seja um substituto mutilado, inibido fome, que provoca o aparecimento da ima-
ou deslocado, que já não é reconhecível gem do alimento.
como satisfação, que não produz sensação
de prazer, mas gozo, e que, além disso,
adquire o caráter de uma compulsão.

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O processo primário percorre o cami- primários que buscam a descarga pela


nho regressivo para encontrar o objeto que identidade de percepção e pela alucina-
não deve encontrar, porque a identidade de ção, desconsiderando a realidade.
percepção alcançada geraria a realização Segundo o princípio do prazer-despra-
alucinatória do desejo e a correspondente zer, o sujeito não procura o alimento na
produção de desprazer. realidade, procura descarregar a excitação.
Esse impulso ou movimento que carrega Há desprazer por fome, mas, se o desejo for
psiquicamente a imagem mnêmica do ali- descarregado e se esgotar na alucinação, há
mento é o que Freud denomina “desejo”. uma produção de desprazer que faz desapa-
O desejo, que é a única coisa que põe o recer a excitação da fome e o sujeito morre.
aparelho psíquico em movimento, vai da É pulsão de morte porque, para satisfa-
representação do objeto ausente à recarga zer a fome, não busca a presença do objeto,
desse objeto. busca recuperar o que anteriormente exis-
Nesse modelo, nem tudo é quantitativo, tiu, busca a percepção idêntica à “primeira
porque o meio de que o eu se vale para ini- experiência de satisfação”.
bir a produção da quantidade é a palavra, Ou seja, enquanto se tratar de quan-
que, ao introduzir os signos de qualidade, tidades não ligadas, tanto o desprazer
permite a postergação da descarga. (aumento de quantidade) quanto o prazer
O mínimo de excitação que deve perdu- (produção de quantidade) se transformam
rar sem ser descarregado é aquele necessá- em “além do princípio do prazer” se a ação
rio para que haja estabilidade do aparelho não estiver articulada com o “princípio de
psíquico. realidade”. Por isso, Freud diz que há uma
Desse modo, o desprazer deve ser enten- função mais importante que a do princípio
dido em relação ao princípio de constân- do prazer, que é a de ligar a energia.
cia, porque a produção de prazer para Outro ponto que deve ser assinalado na
além do limiar de constância é princípio “primeira experiência de satisfação” é o
de nirvana, que é “além do princípio do tema do Outro (geralmente a mãe), por-
prazer” porque não é compatível com a que é a intervenção do Outro que trans-
vida (Freud, 1920/1984). forma o corpo biológico em corpo erógeno,
Mas o próprio Freud se corrige e diz que determinando o advento sexuado e cultural
pensar que o princípio do prazer rege os pro- do bebê.
cessos anímicos é incorreto, como demons- Essa experiência que vai e vem entre o
tra o fato de que nem todos os processos desamparo inicial do ser humano e a pre-
anímicos têm uma tendência ao prazer. sença-ausência do Outro é, para Freud,
O princípio do prazer deve ser inibido “a fonte primordial de todos os motivos
porque trabalha segundo os processos morais”, na medida em que essa presença-
-ausência da mãe estatui no bebê a con-
dicionalidade do Outro enquanto sujeito
submetido a seus próprios objetos de desejo.

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Há um discurso, um código e uma lei independente do princípio do prazer.


que preexistem ao bebê no psiquismo da Trata-se de algo alheio à autoconservação
mãe e, no modo como a mãe decifra o e também aos interesses narcisistas.
choro de seu filho e no modo como satis- Diz ainda que o essencial do recalcado
faz sua necessidade, a mãe cifra o filho não é recordado e que, no “além do prin-
introduzindo significantes com os quais cípio do prazer”, não se repete a serviço
ela mesma está cifrada. da recuperação de uma vivência praze-
Ou seja, a partir da primeira experiência rosa, mas que se repete a frustração do
de satisfação, produz-se uma submissão do que não pôde ser, tal como comprovamos
infans à determinação cultural de que o nos fenômenos transferenciais, nos quais
Outro é suporte. o analisante não busca o prazer por via
Desse modo, e por intermédio do desejo da satisfação pulsional, mas busca o gozo
da mãe, o pai é introduzido enquanto na repetição da cena de rejeição ou de
Outro do outro. exclusão.
A partir daí, o conceito de objeto per- Então, Freud termina afirmando que a
dido já não está relacionado com a sua compulsão à repetição não está do lado do
presença ou ausência na realidade, mas eu, mas do lado da pulsão, e que esta repe-
com o objeto como impossível porque tição é mais originária que o princípio do
proibido. Freud introduz, entre o corpo prazer-desprazer.
biológico e o corpo erógeno, a questão da É o mais original da pulsão porque
licitude da descarga como requisito do pra- não está ligada à experiência subjetiva de
zer (Schoffer, 2008). prazer-desprazer.
O falo, a castração e o ideal do eu Não há deslocamento porque se trata
entram em cena como elementos cruciais do gozo pulsional em si mesmo, e é o que
da encruzilhada edípica enquanto com- permite explicar a reação terapêutica nega-
plexo nuclear que determina a estrutura tiva, a repetição do destino trágico e o sofri-
do psiquismo. mento ante o êxito.
Como se nota, em relação ao prazer, Essa compulsão à repetição que Freud
Freud passa da defesa inibitória a uma atribui à pulsão de morte é o verdadeiro
defesa – o recalque – que vai operar em amo do aparelho psíquico e o que dá real-
função do simbólico, que determina se o mente conta da pulsionalidade. Caracte-
objeto que se deseja é lícito ou ilícito em riza-se por operar em silêncio, é muda e
relação à lei fundamental da proibição do não está interessada em descarregar a pul-
incesto. são mantendo a homeostase, mas insiste e
Quando Freud aborda o tema do “além procura descarregar para além da constân-
do princípio do prazer”, diz que repetimos cia necessária à autoconservação.
algo não para obter um excedente de pra-
zer, mas que repetimos o desprazeroso
como desprazeroso mesmo, como fonte

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Lacan e o gozo o sexual do lado do gozo, que, enquanto


experiência do real, fica fora da palavra/
Para Lacan, o gozo afeta o corpo e, por isso, fala. É por isso que Lacan diz que o sexual
apresenta-se como o mais real da experiên- “não cessa de não se escrever”.
cia psicanalítica. E aqui estamos nós, falando do gozo,
Enquanto real, é o que não pode ser tentando vesti-lo de significantes. Mas,
nomeado e produz como efeito uma desar- como o gozo é o real que não pode ser
monia no sujeito da palavra/fala. atado pelo simbólico, tudo o que puder-
Aqui, é importante não nos confundir- mos dizer sobre o gozo é da ordem do
mos, porque o fato de o real afetar produ- imaginário.
zindo efeitos de gozo no sujeito não quer O que quero dizer é que tanto os obje-
dizer que o real seja a causa primeira, já tos de que falamos quanto a própria fala
que, por sua vez, é efeito da palavra. se transformam em semblantes da coisa,
Se o inconsciente se constitui pelo recal- do real.
camento primário produzido pelo acesso Então, como entender o conceito de
ao simbólico da linguagem e se a lingua- gozo em Lacan?
gem separa radicalmente o sujeito do uni- Trata-se do gozo no corpo enquanto
verso da coisa, isso se deve ao fato de que real. Do corpo que fica fora do discurso.
a coisa de que a psicanálise fala é a coisa Do corpo de que só podemos falar através
perdida, o Ding (Schoffer, 1993). de seus semblantes.
A “algo tem de faltar para que se queira Já em “O estádio do espelho”, Lacan
dizer algo” devemos agregar que algo falta (1949/1989a) afirma que, num primeiro
porque é dito. tempo, a criança capta algo que se produz
Por isso, a falta-a-ser que constitui o como movimento no espelho, surpreende-
sujeito como falante se espelha no sujeito -se ante a imagem e responde com “uma
falante que cria a falta-a-ser. inspiradora mímica”.
É a questão da coisa como perda fun- É um primeiro tempo de tipo instan-
damental e constituinte do inconsciente. tâneo, seguido de um segundo tempo de
Coisa elidida do discurso, que, ao não intensa atividade em que há uma maravi-
poder ser dita, funda a possibilidade do lhosa concordância entre os movimentos
dizer com uma palavra que busca a evo- da criança e os que se refletem no espelho.
cação e a nomeação no reencontro com o Essa experiência culmina num terceiro
que nunca foi nem se teve. tempo decisivo, porque a criança tenta se
Pois bem: o que é que fica fora do dis- erguer e procura, apesar de sua “impotên-
curso? Lacan diz que é a sexualidade. Não cia motora”, adotar uma posição rígida,
há relação-proporção sexual, o que situa como de estátua.
Essa experiência “manifesta, numa
situação exemplar, a matriz simbólica
em que o eu [je] se precipita numa forma

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primordial” e isso, antes de o infans “se do gozo produzido pelas perturbações do


objetivar na dialética da identificação com corpo provenientes da força pulsional.
o outro e antes que a linguagem lhe resti- Além disso, porém, pode agora pedir ao
tua, no universal, sua função de sujeito” Outro que, com seu olhar, com sua pre-
(Lacan, 1949/1989a, p. 87).* sença e com seu desejo, esteja ali para apa-
O que quero ressaltar é que essa expe- ziguar os gozos do corpo.
riência precoce está relacionada, por um Contudo, nem tudo é tão simples, porque
lado, com certa eficácia que a imagem pos- a imagem especular não consegue capturar a
sui de produzir efeitos sobre o corpo, e, por totalidade dos gozos parciais do corpo.
outro, com a transformação que se produz Ou seja, há uma parte dos gozos do
no infans pelo fato de assumir uma imagem. corpo que serão capturados pela imagem e
Lacan diz que o que se produziu foi se transformarão em modos de desfrute sob
um fenômeno libidinal por efeito da iden- o princípio do prazer-desprazer e há outros
tificação com uma imagem. E que esse gozos que ficam fora do olhar aplacador do
fenômeno libidinal produz um efeito de Outro e que, como restos não integrados na
unificação corporal. unidade do eu, continuarão perturbando o
Vai chamar esse primeiro investimento corpo do infans.
libidinal do corpo de narcisismo primário, Esses outros gozos, que não se ­con-formam
vinculado à constituição do eu ideal. com a imagem de completude do eu,
Esse narcisismo primário, esse fenô- são o que Freud denominou de “pulsões
meno de unificação corporal, ressignifica sexuais”.
retroativamente o corpo prévio à experiên- Pulsões sexuais que, como já vimos com
cia do espelho. Um corpo que até aquele Freud, não se interessam pela satisfação
momento era feito de pedaços não integra- acorde com o princípio de realidade, mas
dos, com que gozava de modo um tanto buscam um gozo não simbolizável.
desordenado. O aplacamento do gozo vai depender do
A partir dessa experiência do espelho, o funcionamento do princípio do prazer em
infans vai poder se defender, por meio do relação com o princípio de realidade, que
narcisismo, da angústia de fragmentação inscreve o sujeito nessa experiência cultu-
corporal que se produz com a irrupção de ral que Freud definiu como complexo de
suas pulsões parciais. Édipo.
No entanto, Lacan diz que para que essa A partir daí, é preciso entender os modos
imagem unificada se consolide é necessária como a pulsão é civilizada pelos ideais do
a intervenção do Outro, que, por meio de eu por meio da irrupção da demanda do
seu olhar desejante e de seus significantes, Outro, que barra o sujeito e constitui seu
lhe confirma que ele é isso. corpo pulsional.
Essa imagem de unificação corporal
produz no bebê um efeito de júbilo que
poderá ser implementado para se defender

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Demanda que se faz presente no dis- A linguagem, enquanto sistema incom-


curso materno, que, ao introduzir seus sig- pleto e inconsistente, antecede o nasci-
nificantes na criança, resgata-a de seu gozo mento do sujeito.
autoerótico ao mesmo tempo que ordena E o gozo é o efeito que se produz quando
simbolicamente suas zonas erógenas. o sujeito é pego pela linguagem, é o que
Nos termos de Lacan, a mãe ordena os fica como um resto que alíngua não pode
buracos de seu corpo. significar.
Como vimos anteriormente, ela estabe- Na alíngua podemos encontrar diversos
lece que, se o bebê está chorando, é por tipos de signos que se articulam no incons-
fome, bem como o objeto que irá lhe pro- ciente e que amarram diversos tipos de
porcionar. Transforma desse modo a boca gozo.
em zona erógena, buraco em torno do qual Por um lado, há significantes que se
se organiza a satisfação. caracterizam pelo fato de, ao se combina-
Os gozos deixam de estar dispersos e rem e substituírem, produzirem efeitos de
começam a ser nomeados, ou seja, cifrados, significação.
organizados em torno dos orifícios do corpo. Mas, por outro lado, há signos que
Essa simbolização do corpo do bebê Lacan chamou de “letras”. Esses signos são
depende de o que o bebê representa para inscrições no corpo do falante; inscrições
o desejo da mãe, isto é, para seus gozos isoladas, carentes de significação, traços
neuróticos, perversos ou psicóticos. sem sentido que não podem ser significa-
O gozo do que não tinha sido pego e dos e que estão condenados a se repetir
aplacado pela imagem é pego pelo signi- sempre da mesma maneira.
ficante e, desse modo, algo da ordem da Há uma discordância, um encontro
perturbação corporal se transforma em traumático entre o sujeito e a língua que
representante pulsional, que é uma das trata de inscrever seu corpo sexuado num
maneiras de dizer que a pulsão foi atraves- mundo de cultura.
sada pela lei e que foi cifrada no incons- Por efeito da significação do discurso,
ciente pelos significantes maternos. o corpo fica perdido enquanto real e só
É assim que parte do gozo do real se entrará na economia do desejo de forma
transforma em realidade sexual do incons- fragmentada e a partir do gozo próprio das
ciente, em gozo humanizado, em gozo pulsões parciais, de um gozo que deve ser
pulsional, em gozo atravessado pela lei; situado no além do princípio do prazer,
um gozo que, de signo, se transforma em na pulsão de morte, na inscrição de um
significante, o que possibilita que as pul- gozo do corpo que se supõe perdido a par-
sões possam se combinar e se substituir tir do momento em que o sujeito ingressa
entre si. no campo do significante.
O inconsciente é o que fica como resto
do que não pode ser pego no mundo das
significações, é aquilo que, ficando fora do

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sentido, se faz letra, marca sobre o corpo e 1. O gozo do sentido: o sujeito que fala goza
que emerge como o gozo do sintoma. da produção de sentido. Desfruta de si
Lacan denomina esses restos de “a”, mesmo falando. Que, como diz Colette
causa do gozo; gozo vinculado às pulsões Soler (2011), põe em jogo o imaginário
parciais e a partes do corpo, que denomina do corpo e das representações que a ele
de “objeto mais-de-gozar” (Lacan, 2006). se juntam;
E esse é o campo em que toda a psica- 2. O gozo fálico (J ): é um gozo de órgão.
nálise se dá, o campo em que se dá o mais Prazer de órgão. Subordina as pulsões
de gozo como um resto que não pode ser à ordem fálica. Gozo parcial, que posi-
pego na rede do significante. ciona o sujeito em relação a objetos
Como dizem Jorge Alemán e Sergio pulsionais na fantasia. Nesse gozo, sus-
Larriera (2001): “Em Lacan, o contraste tentado pelo significante fálico (e garan-
entre prazer e gozo é bastante forte e cha- tido pela castração), trata-se de um gozo
mativo. O gozo não só não é o prazer como parcial que não consegue atravessar o
constitui seu além. Um além de difícil limite imaginário, ou seja, não consegue
representação, já que confina com a dor ir além da superfície da imagem corpo-
e o sofrimento”. E agregam que “o prazer, ral que fascina;
por seu caráter homeostático e regulador, 3. O gozo do Outro (JA): o sujeito goza
é um dique para o gozo”. do corpo, mas não enquanto imagem,
Para terminar, Lacan faz uso do nó bor- não enquanto superfície, mas do corpo
romeano para localizar topologicamente enquanto interior. É um gozo que não
os diversos pontos de gozo em três bura- está localizado em nenhum órgão que
cos que rodeiam o buraco de “a”, que, cumpra a função de sustentação do falo.
enquanto causa de desejo, é impossível de Trata-se da dimensão material do corpo.
alcançar: Está fora do simbólico.

Notas
1 Trabalho apresentado na VII Jornada de Lacan na
IPA, sobre a angústia, realizada na sbpsp em 9 e 10
de maio de 2014.
* N.T.: Lacan, J. (1998). Escritos (V. Ribeiro, Trad.). Rio
de Janeiro: Zahar, p. 97.

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En torno del placer y del goce About pleasure and jouissance

En este trabajo bordearemos el orificio de lo real. In this paper, we discuss the hole of the real, taking into
Y lo haremos en torno a los conceptos de placer consideration the concepts of pleasure and jouissance
y de goce. Como dice Freud, solo es posible (joy). As Freud said, we only learn when our defense
aprender en casos en los que la defensa fracasa fails, because, in this way, the repressed returns and the
porque entonces hay retornos de lo reprimido y la instinctual impulse finds a substitute mode to relieve
moción pulsional encuentra un modo sustituto para itself, even if it is a mutilated, inhibited, and displaced
descargar, aunque se trate de un sustituto mutilado, substitute, which is no longer able to be recognized as
inhibido o desplazado, que ya no se reconoce como satisfaction, and does not bring pleasure but jouissance
satisfacción, que no produce una sensación de placer (joy). Pleasure and jouissance. Freudian pleasure and
sino de goce. Placer y goce. Placer freudiano y Lacanian jouissance. In his work Beyond the pleasure
goce lacaniano. Si Freud, en Más allá del principio principle, Freud says the essential part of the repressed
del placer dice que lo esencial de lo reprimido cannot be remembered, and it does not repeat itself in
no se recuerda y que no se repite al servicio de la order to bring back a pleasurable experience, but it does
recuperación de una vivencia placentera sino de una in order to live an experience that could not be lived.
vivencia que no pudo ser, para Lacan, en cambio, On the other hand, Lacan believes it is the sexual that is
lo sexual es lo que queda fuera del discurso, del excluded from the discourse – in the side of jouissance,
lado del goce, que, si bien la experiencia de lo real, which remains outside the word, as an experience of the
queda por fuera de la palabra. Se trata por lo tanto real. Therefore, it is about the jouissance of the body,
del goce del cuerpo real, del cuerpo que queda fuera as a real experience, the body that remains outside the
del discurso y del que solo podemos hablar a través discourse, and about which we can only speak through
de sus semblantes. Este goce se produce cuando el its looks (facial expressions). This jouissance is brought
sujeto es atrapado por el lenguaje. Es lo que queda forth when the subject is captured by language. This is a
como un resto que lalengua no puede significar. remainder that lalangue cannot mean.
Palabras clave: placer; goce; imaginario; simbólico; Keywords: pleasure; jouissance; imaginary; symbolic;
real, otro, estadio del espejo; pulsión. real; other; mirror phase/mirror stage; drive/instinct.

Referências
Alemán, J. & Larriera, S. (2001). El inconsciente: existencia experiencia psicoanalítica. In J. Lacan, Escritos I (T.
y diferencia sexual. Madrid: Síntesis. Segovia, Trad., pp. 86-93). México: Siglo XXI. (Traba-
Freud, S. (1984). Más allá del principio de placer. In S. lho original publicado em 1949)
Freud, Obras completas (J.L. Etcheverry, Trad., Vol. 18, Lacan, J. (1989b). Función y campo de la palabra y del
pp. 1-62). Buenos Aires: Amorrortu. (Trabalho original lenguaje en psicoanálisis. In J. Lacan, Escritos I (T.
publicado em 1920) Segovia, Trad., pp. 227-310). Mexico: Siglo XXI. (Tra-
Freud, S. (1986a). Las neuropsicosis de defensa. In S. balho original publicado em 1953)
Freud, Obras completas (J.L. Etcheverry, Trad., Vol. Lacan, J. (2006). Seminario 10: la angustia (1962-1963) (E.
3, pp. 41-68). Buenos Aires: Amorrortu. (Trabalho ori- Berenguer, Trad.). Buenos Aires: Paidós.
ginal publicado em 1894) Schoffer, D. (1993). La metáfora milenaria: una lectura
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Obras completas (J.L. Etcheverry, Trad., Vol. 1, pp. Schoffer, D. (2008). La función paterna en la clínica freu-
323-446). Buenos Aires: Amorrortu. (Trabalho origi- diana. Buenos Aires: Lugar Editorial.
nal publicado em 1950[1895]) Soler, C. (2011). Los afectos lacanianos. Buenos Aires:
Lacan, J. (1989a). El estadio del espejo como formador Letra Viva.
de la función del yo [je] tal como se nos revela en la

Tradução Claudia Berliner Daniel Schoffer Kraut


[Recebido em 2.6.2015, aceito em 16.06.2015] Príncipe de Vergara, 205, esc. 3, 6.o B
28002 Madrid, España
danielschoffer@yahoo.es

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