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A ANGÚSTIA
Na segunda teoria sobre a angústia de Freud, este viera a dizer que a angústia
é o que faz com que certo objeto se inscreva por recalcado, seja recalcado — a
angústia sendo, por outras palavras, anterior ao recalque e motivada por um perigo
real ou imaginário, notadamente o da castração.
Ainda que alguém chegue à nossa clínica e diga que está angustiado com o
medo de certa perda, pode ser que se tenha, fundamentalmente, um receio da perda
ainda não ter ocorrido. Ainda não se dera a separação de algo ou de alguém, podendo
ser esta “a verdadeira”, sob aspas, angústia — ou seja, repito, não a de algo
acontecer, mas de algo ainda não acontecer por derradeiro. Teorias complexas...
Complexas... E daí a necessidade de depurarmos nossa inteligência a fim de
investigar sobre o que não está sendo dito ou de traçar as costuras interpretativas
possíveis sobre esses sentimentos.
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Ainda na retórica bastante científica sobre a angústia, temos que a angústia
se constitui quando certa demanda, obrigatória e parcialmente falsa, e destas que
estamos falando, acontece com uma resposta saturadora, uma resposta demasiada,
uma resposta que não poderia jamais falhar. A angústia e a tristeza, o medo e
ansiedade em face de algo externo e concreto, e que tenha a intensidade devidamente
balanceada e no seu tempo apropriado administrada, também interessa à Psicanálise,
mas não são destes sentimentos que estamos falando, até porque, em muitos
momentos reais, atuais, na condição de adultos e sob equilíbrio, saberemos por eles
perpassar. É o caso de se casar daqui a alguns instantes, da pressa em consertar um
pneu furado para alcançar certa reunião etc. etc. É quando o sentimento persiste que,
daí, a Psicanálise irá o sujeito socorrer, promovendo os reencontros e assimilações e
entendimentos pertinentes.
A angústia é tão essencial para a Psicanálise e tão humana, que, por vezes,
parece ser a resposta para tudo: tudo seria, no set analítico, um manejo da angústia
(lembrando que a teoria nos aponta acertadamente que a Psicanálise é, em realidade,
o manejo da resistência, da transferência e do desejo — e aqui, no desejo, teríamos
essa pretensa correlação mais direta com a angústia) Tal coisa acontece, fico
angustiado porque desejaria que não ocorresse; tal coisa não acontece, e fico
angustiado por isso.
Mas... Seria certo falar em manejo da angústia? Bem, fiquemos com essa
pergunta e com a resposta que o tempo tem mais acertadamente mostrado: manejo
do desejo.
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eu não deseje, angustio-me, pois um sujeito sem desejo não é mais um sujeito,
tornando-se um objeto dado para o desejo e gozo do Outro.
Bem, como dito por Lacan, o tempo da angústia não está ausente da
composição do desejo: “é depois de superada a angústia, e fundamentado no tempo
da angústia, que o desejo se constitui”. Dito de outro modo, não é possível vencer a
angústia por intermédio de sua escapatória, pode-se somente atravessá-la no
caminho para alcançar o desejo ou a sua compreensão — sua elaboração: não posso
ter isto ou aquilo, não suporto não ter isto ou aquilo, mas posso conviver com tal
situação; posso transformá-la com a sublimação, por exemplo.
Pode-se dizer, desse modo, que a angústia serve para sustentar o desejo,
pois este requer uma diferenciação entre o que é buscado e o que é obtido. Ela nos
chama à atenção do risco de sufocar o desejo, exsurgindo quando começa a se
apagar a divisão dada entre o gozo neurótico do sintoma e a fruição da vida pelo
desejo. Pois que fazer brotar o desejo é o melhor remédio para a angústia, valendo-
se repetir que apenas a Psicanálise combate a angústia justamente com esse
remédio.
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Para o filósofo Jean-Paul Sartre, de pensamento existencialista, a angústia
aparece no exato instante em que o homem percebe a sua irrevogável condenação à
liberdade, ou seja, o homem estaria “condenado” a ser livre, vez existir sempre a
opção de escolha. É de se refletir...
Dito tudo isso de outro modo, há conflitos interiores dados entre as três
instâncias psíquicas basilares ao equilíbrio do ser: as vontades (Id) que vivem em
permanente atrito com o instintual repressor (Superego), e com o equilíbrio dado entre
as repressões e as vontades a serem pelo Ego buscadas...
Márcio Marastoni
Psicanalista
Diretor Acadêmico do Instituto Oráculo de Psicanálise