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Artigo escrito por Márcio Marastoni.

Instituto Oráculo de Psicanálise, 2021.

A ANGÚSTIA

A angústia é fundamental para a prática analítica, isto é inegável, sendo


Jacques Lacan quem, por assim dizer, a resgatou, a partir de Freud, a terminologia e
seu alcance. Sigmund Freud propôs, entre 1905 a 1926, a sua primeira teoria da
angústia, entremeando-se, adiante, na construção da segunda teoria acerca da
angústia. Por problemas de tradução do alemão angst, tem-se que o medo, a
ansiedade e a angústia propriamente teriam por significação — passando-se para o
Português — muito proximamente o mesmo significado. Pois que a angústia pode ser
o meio mais substancial de nos aproximarmos de outro ser, qual seja, do paciente.

Freud inicia dizendo que a angústia era uma consequência do processo de


recalcamento (...uma espécie de emergência do recalque). Em sua primeira teoria,
mais detalhadamente se expõe, a angustia diria respeito a uma excitação sexual não
satisfeita, dada de modo desviada, aberrante — um acúmulo de excitação somática
que não teria mais “para onde fugir”, não conseguindo mais permanecer no
inconsciente sob a forma de recalque e fazendo gerar, assim, tal sentimento.

Na segunda teoria sobre a angústia de Freud, este viera a dizer que a angústia
é o que faz com que certo objeto se inscreva por recalcado, seja recalcado — a
angústia sendo, por outras palavras, anterior ao recalque e motivada por um perigo
real ou imaginário, notadamente o da castração.

A angústia pode ser pensada, de qualquer modo, e agora refletindo-se de


modo menos sofisticado que Freud, como um estado de uma presença insuportável
que precisa ser simbolizada, precisa ser mostrada, dita, expressada e... Sentida.

Cuidam-se de sensações ou acontecimentos experimentados a desestabilizar


o indivíduo, inserindo-se uma interrogação que dá lugar a interpretações das mais
simples às mais mirabolantes, mas sempre uma interpretação de resultado
decepcionante.
Ao longo dos tratamentos dados no set analítico, como por exemplo, no caso
de um neurótico obsessivo, a angústia é o acontecimento dado a favorecer o
questionamento do imperativo do gozo, que acaba massacrando o sujeito,
potencializando-o ao desprendimento do desejo, desejo este que “resolveria”, ao
menos em termos, a situação. Isto porque se constrói, na cabeça do analisando, pela
angústia, certo jogo, certo flerte ao gozo, que por vezes se dá realmente. Mais
importante do que o gozo ou ao prazer (que sabemos, não carece de ser alcançado
por obrigatoriedade e de modo ultraconstante), o que está em jogo é o desejo,
lembrando que Lacan nos ensina que o melhor remédio para a angústia é o desejo.

Dito de outro modo, o imperativo do gozo (seja qualquer prazer ou satisfação


ou solução a serem alcançados) parece, de certo modo, obrigar a que não tenhamos
angústia (o que não é possível a todo tempo, obviamente), sabendo também que, na
clínica psicanalítica, precisamos elaborar essa angústia, por vezes aceitando-a (como
se dá com alguns de nossos vazios) e atravessando-a, elaborando-a de modo diverso
como se apresenta.

Ainda quanto à sua delimitação sensorial, a angústia é um estreitamento, uma


dificuldade daquela respiração “profundamente leve” ou simplesmente natural; ela é,
contrariamente a isto, um aperto no peito, um sobrepeso. A angústia, registra-se — e
de novo o problema da tradução do alemão e mesmo da semântica da Língua
Portuguesa —, algo que sugere ser mais forte do que a ansiedade ou o medo: é um
sofrimento e uma sensação de impotência do sujeito diante desse sofrimento —
sofrimento este que em linhas gerais não aponta para um objeto único e propriamente
apartado.

Ainda que alguém chegue à nossa clínica e diga que está angustiado com o
medo de certa perda, pode ser que se tenha, fundamentalmente, um receio da perda
ainda não ter ocorrido. Ainda não se dera a separação de algo ou de alguém, podendo
ser esta “a verdadeira”, sob aspas, angústia — ou seja, repito, não a de algo
acontecer, mas de algo ainda não acontecer por derradeiro. Teorias complexas...
Complexas... E daí a necessidade de depurarmos nossa inteligência a fim de
investigar sobre o que não está sendo dito ou de traçar as costuras interpretativas
possíveis sobre esses sentimentos.

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Ainda na retórica bastante científica sobre a angústia, temos que a angústia
se constitui quando certa demanda, obrigatória e parcialmente falsa, e destas que
estamos falando, acontece com uma resposta saturadora, uma resposta demasiada,
uma resposta que não poderia jamais falhar. A angústia e a tristeza, o medo e
ansiedade em face de algo externo e concreto, e que tenha a intensidade devidamente
balanceada e no seu tempo apropriado administrada, também interessa à Psicanálise,
mas não são destes sentimentos que estamos falando, até porque, em muitos
momentos reais, atuais, na condição de adultos e sob equilíbrio, saberemos por eles
perpassar. É o caso de se casar daqui a alguns instantes, da pressa em consertar um
pneu furado para alcançar certa reunião etc. etc. É quando o sentimento persiste que,
daí, a Psicanálise irá o sujeito socorrer, promovendo os reencontros e assimilações e
entendimentos pertinentes.

E perguntamos aqui, se a medicação de ordem psiquiátrica não soluciona —


e claro que não soluciona a questão —, o que faria resolver a angústia? Para Lacan,
como referido, a melhor saída para a angústia é o desejo. E para haver desejo, é
cogente que a pessoa aprenda a suportar a falta, ou seja, que nele (sujeito) se faça
inscrever aquilo que, para a Psicanálise, denominamos de castração simbólica a
solucionar seu dilema, a resolver este quebra-cabeça.

A angústia é tão essencial para a Psicanálise e tão humana, que, por vezes,
parece ser a resposta para tudo: tudo seria, no set analítico, um manejo da angústia
(lembrando que a teoria nos aponta acertadamente que a Psicanálise é, em realidade,
o manejo da resistência, da transferência e do desejo — e aqui, no desejo, teríamos
essa pretensa correlação mais direta com a angústia) Tal coisa acontece, fico
angustiado porque desejaria que não ocorresse; tal coisa não acontece, e fico
angustiado por isso.

Mas... Seria certo falar em manejo da angústia? Bem, fiquemos com essa
pergunta e com a resposta que o tempo tem mais acertadamente mostrado: manejo
do desejo.

Ainda sobre o desejo, em primeiro lugar é preciso registrar a falta. Se eu


desejo alguém ou algo, é porque esse algo ou alguém a mim me faz falta. Se,
contrariamente, sinto-me completo, nada tenho a almejar, pois nada me falta. Caso

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eu não deseje, angustio-me, pois um sujeito sem desejo não é mais um sujeito,
tornando-se um objeto dado para o desejo e gozo do Outro.

A psicanálise é inegavelmente a única prática que faz o contrário: ela não se


esforça por fazer o “fugir da angústia”, ela ao sujeito viabiliza uma escuta que tem por
efeito conceder-lhe a chance, a oportunidade de suportar sua angústia para, daí,
atravessá-la e alcançar o desejo.

Bem, como dito por Lacan, o tempo da angústia não está ausente da
composição do desejo: “é depois de superada a angústia, e fundamentado no tempo
da angústia, que o desejo se constitui”. Dito de outro modo, não é possível vencer a
angústia por intermédio de sua escapatória, pode-se somente atravessá-la no
caminho para alcançar o desejo ou a sua compreensão — sua elaboração: não posso
ter isto ou aquilo, não suporto não ter isto ou aquilo, mas posso conviver com tal
situação; posso transformá-la com a sublimação, por exemplo.

Pode-se dizer, desse modo, que a angústia serve para sustentar o desejo,
pois este requer uma diferenciação entre o que é buscado e o que é obtido. Ela nos
chama à atenção do risco de sufocar o desejo, exsurgindo quando começa a se
apagar a divisão dada entre o gozo neurótico do sintoma e a fruição da vida pelo
desejo. Pois que fazer brotar o desejo é o melhor remédio para a angústia, valendo-
se repetir que apenas a Psicanálise combate a angústia justamente com esse
remédio.

Ainda em termos conceituais, vale reproduzir que a angústia é igualmente


uma emoção que antecede algo (uma circunstância, ocasião, acontecimento), ainda
podendo-se chegar à angústia por meio de lembranças traumáticas que fragmentaram
ou dilaceraram o ego. A angústia é, evidentemente, ligada pela simbolização de
perigos reais e imaginários, daí a se mostrar, por vezes, como motor de certas
neuroses.

E nem vamos mencionar, já mencionando, a filosofia de Arthur Schopenhauer


de que viver é obrigatoriamente sofrer. Vamos nos distanciar disto, pensando aqui,
ousando pensar, em período terrestre dedicado à evolução: daí as provas que
passamos, daí os problemas que nos são apresentados e que, em última análise, mais
espiritualista, nós mesmo “cavamos”, por assim dizer.

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Para o filósofo Jean-Paul Sartre, de pensamento existencialista, a angústia
aparece no exato instante em que o homem percebe a sua irrevogável condenação à
liberdade, ou seja, o homem estaria “condenado” a ser livre, vez existir sempre a
opção de escolha. É de se refletir...

Dito tudo isso de outro modo, há conflitos interiores dados entre as três
instâncias psíquicas basilares ao equilíbrio do ser: as vontades (Id) que vivem em
permanente atrito com o instintual repressor (Superego), e com o equilíbrio dado entre
as repressões e as vontades a serem pelo Ego buscadas...

É de fato o Ego que verifica a possibilidade real de se colocar em prática uma


ação pelo Id desejada. Todavia, controla a rigidez imposta pelo Superego. A esse
conflito entre Id e Superego, Freud batizaria de angústia — poder-se-ia dizer. E é
justamente o Ego almejando o equilíbrio a ser dado entre estes pavimentos estruturais
do funcionamento da mente humana, que se cuida, tarefa esta que precisa ser por
nós psicanalistas, obviamente, facilitada.

Márcio Marastoni
Psicanalista
Diretor Acadêmico do Instituto Oráculo de Psicanálise

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