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Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB

Curso: Psicologia Período letivo: 2022.1


Disciplina: Práticas de Intervenção Psicanalítica
Docente: Prof. Odilza Lines
Discente: Mécia Pires

FICHAMENTO IV - O método psicanalítico freudiano, Sobre psicanálise “selvagem” e


Lembrar, repetir e perlaborar.

1. O método psicanalítico freudiano (1904 [1905])

O procedimento catártico pressupunha que o paciente fosse hipnotizável e fundava-se na


ampliação da consciência, que se instaura na hipnose.

Essa experiência, repetida regularmente, foi explanada pelos dois autores em seu trabalho
conjunto, no sentido de que o sintoma estaria no lugar de processos psíquicos reprimidos
[unterdrückten] e que não chegaram à consciência, ou seja, seria uma transformação
(conversão) da última. (p. 47)

[...] não era uma impressão única (traumática), mas geralmente uma série dessas impressões,
difíceis de serem superadas, que participavam do surgimento do sintoma.

As mudanças que Freud fez no procedimento catártico de Breuer inicialmente eram


mudanças técnicas; mas estas precisavam de novos resultados e acabaram, na sequência, por
mostrar a premência de uma concepção de um trabalho terapêutico de outro tipo, mas que não
contradizia a concepção anterior. (p. 48)

[...] uma sessão assim transcorre como uma conversa entre duas pessoas igualmente
despertas, sendo que uma delas poupa todo e qualquer esforço muscular, assim como toda
impressão dos sentidos que possa atrapalhar a concentração na sua própria atividade anímica.
(p. 48-49)

[...] foi recusando a hipnose que se conseguiu garantir que o procedimento fosse aplicável a
uma quantidade ilimitada de doentes.
Para se apoderar dessas ocorrências, ele convida os doentes a falarem à vontade em suas
comunicações, como, por exemplo, em uma conversa na qual de um assunto se passa a outro
totalmente diferente.

[...] reforça a instrução de que eles lhe contem tudo que lhes vem à cabeça, mesmo se
acharem não ser importante, ou se acharem que aquilo não vem ao caso, ou que não faz
sentido. Mas com bastante ênfase exige deles que não excluam nenhum pensamento ou
nenhuma ocorrência da comunicação pelo fato de lhes parecer vergonhoso ou embaraçoso.
(p. 49)

Se insistirmos com o narrador que preencha essas lacunas da memória com um esforço de
atenção, perceberemos que as ocorrências que surgem a partir daí são refreadas
[zurückgedrängt] por ele com todas as formas de crítica, até que, por fim, ele sinta o
mal-estar direto quando a lembrança realmente aparece.

Freud conclui que as amnésias são resultado de um processo que ele chama de recalque
[Verdrängung], e cujo motivo ele entende serem as sensações de mal-estar.

O momento da resistência acabou se tornando um dos fundamentos de sua teoria.

Quanto maior a resistência, maior será essa deformação. Nessa relação das ocorrências
involuntárias com o material psíquico recalcado reside, então, o seu valor para a técnica
terapêutica. (p. 50)

Freud desenvolveu uma arte da interpretação, que tem o mérito de, a partir dos minérios das
ocorrências involuntárias, representar o teor de metal dos pensamentos recalcados. (p. 50)

[...] a hipnose não acaba com a resistência, ela apenas desvia dela e, por isso, só fornece
informações incompletas e sucessos apenas passageiros. (p. 50-51)

[...] a tarefa do tratamento é suspender as amnésias. Se todas as lacunas da memória forem


preenchidas e todos os efeitos misteriosos da vida psíquica forem esclarecidos,
impossibilita-se a continuidade e até mesmo uma nova formação do sofrimento.
Em outra formulação, ainda vamos além: tratar-se-ia de tornar o inconsciente acessível ao
consciente, o que ocorre através da superação das resistências

[...] o objetivo do tratamento nunca será algo diferente do que a cura prática [praktische
Genesung] do doente, o estabelecimento de sua capacidade de realizar e de gozar.

À exceção de pequenas modificações, o processo terapêutico permanece o mesmo para todos


os quadros sintomáticos da histeria multiforme e também para todas as formações da neurose
obsessiva. (p. 52)

A natureza do método psicanalítico cria indicações e contraindicações, tanto do lado das


pessoas a serem tratadas quanto em respeito ao quadro da doença.

Os mais favoráveis para a Psicanálise são os casos crônicos de psiconeuroses com sintomas
pouco intempestivos ou potencialmente pouco perigosos [...]

Em primeiro lugar, ela deverá ser capaz de mostrar um estado psíquico normal; em tempos de
confusão ou de depressão melancólica, nada podemos fazer, nem no caso de uma histeria.

Deformações marcantes de caráter, traços de constituição realmente degenerativa


expressam-se no tratamento [Kur] como uma fonte de resistências praticamente insuperáveis.
(p. 53)

Em casos de doenças mais leves, a duração do tratamento possivelmente seria muito mais
curta, e poderse-ia obter um ganho extraordinário em termos de prevenção para o futuro. (p.
54)
Sobre psicanálise “selvagem” (1910)

O médico dos nervos [Nervenarzt], em todo tipo de tratamento, não só facilmente virará
objeto, sendo alvo das múltiplas moções hostis do paciente; às vezes, ele precisará assumir a
responsabilidade pelos desejos secretos recalcados dos doentes de nervos, através de uma
espécie de projeção. (p. 75)

O conceito do sexual engloba muito mais na Psicanálise; tanto para cima quanto para baixo,
ele vai além do sentido popular.

Essa ampliação tem justificativa genética; julgamos ser parte da “vida sexual” também todas
as ativações de sensações carinhosas que se originaram da fonte das moções sexuais
primitivas, mesmo se essas moções experimentam um bloqueio de seu objetivo sexual
original ou se elas trocaram esse objetivo por outro, não mais sexual.

Também já sabemos há tempos que a insatisfação anímica pode perdurar com todas as suas
consequências onde não há falta de relação sexual normal [...]

[...] como terapeutas sempre nos detemos diante do fato de que das aspirações sexuais não
satisfeitas, aspirações que combatemos quando assumem a forma de satisfação substituta
como sintomas nervosos, muitas vezes, apenas uma pequena parte delas pode ser
descarregada pelo coito ou por outros atos sexuais. (p. 76)

É verdade que a Psicanálise afirma que a insatisfação sexual seja a causa dos males nervosos.
Mas será que ela não diz mais que isso? Será que se quer deixar de lado, por ser mais
complicado, que ela ensina que os sintomas nervosos brotam de um conflito entre dois
poderes, entre uma libido (que geralmente cresceu em excesso) e uma recusa sexual ou um
recalque demasiadamente rígido?

Se elas fossem capazes de se satisfazer, se não tivessem as suas resistências internas, a força
da pulsão lhes apontaria o caminho para a satisfação. (p. 77)

Alguns dos estados nervosos, as chamadas neuroses atuais [Aktualneurosen], como a


neurastenia típica e a neurose de angústia pura [reine Angstneurose], aparentemente
dependem do fator somático da vida sexual, enquanto ainda não temos uma concepção
[Vorstellung] segura quanto ao papel do fator psíquico e do recalque nesses quadros.

Quem sofre de angústia [Angst] nem por isso tem necessariamente uma neurose de angústia;
o diagnóstico não pode ser deduzido a partir do nome; precisa-se saber que fenômenos
caracterizam uma neurose de angústia, para distingui-los de outros estados de doença também
manifestados pela angústia. (p. 78)

Não é o desconhecimento [Unwissenheit3] em si o momento patogênico, mas a


fundamentação do desconhecimento em resistências internas que primeiro evocaram o
desconhecimento e ainda agora o sustentam. E é no combate contra essas resistências que
reside a tarefa da terapia.

[...] a comunicação do inconsciente ao doente, via de regra, tem como consequência a


intensificação do conflito dentro dele e o aumento do sofrimento. (p. 79)

Uma intervenção psicanalítica, portanto, certamente pressupõe um contato mais prolongado


com o doente, e tentativas de, logo na primeira sessão, atropelá-lo com a comunicação
abrupta de seus segredos, adivinhados pelo médico, são tecnicamente condenáveis e
geralmente colhem como resultado uma inimizade profunda por parte do doente em relação
ao médico, cortando todas as possíveis influências futuras.

Essa técnica até hoje não pode ser aprendida através de livros e certamente só poderá ser
atingida por si próprio, com grande empenho de tempo, esforço e sucesso. (p. 80)
Lembrar, repetir e perlaborar (1914)

[...] a técnica atual, coerente, em que o médico abdica do estabelecimento de um determinado


momento ou problema e se contenta em estudar a superfície psíquica do analisando, usando a
arte da interpretação basicamente para reconhecer as resistências que surgem ali e para
torná-las conscientes para o paciente. (p. 139-140)

Precisamos continuar gratos à antiga técnica hipnótica, pois ela nos apresentou alguns
processos psíquicos específicos da análise de forma isolada e esquemática.

O esquecimento de impressões, cenas e vivências geralmente se reduz a um “bloqueio” delas.


Quando o paciente fala desse “esquecido”, raramente ele deixa de acrescentar a seguinte
afirmação: “Na verdade, eu sempre soube disso, mas não pensava nisso”. (p. 140)

[...] tive a impressão de que a conhecida amnésia da infância, tão importante para nós do
ponto de vista teórico, é totalmente compensada pelas lembranças encobridoras. Nelas, não
apenas se perpetuou muito do essencial da vida da infância, mas sim tudo o que é essencial.

Aqui acontece com bastante frequência que se “lembre” algo que nunca poderia ter sido
“esquecido”, porque não foi percebido em nenhum momento, nunca esteve consciente e,
além disso, parece ser totalmente indiferente para o percurso psíquico se tal “conexão” foi
consciente e depois esquecida, ou se nunca chegou à consciência.

Especialmente nas variadas formas da neurose obsessiva, o esquecido geralmente se limita à


dissolução de nexos, ao não reconhecimento de sequências e ao isolamento de lembranças

Para um tipo especial de vivências extremamente importantes, que fazem parte dos
primórdios da infância e que à sua época foram vividas sem compreensão, mas que a
posteriori [nachträglich] encontraram compreensão e interpretação, geralmente não se
consegue evocar uma lembrança. (p. 141)

[...] o analisando não se lembra de mais nada do que foi esquecido e recalcado, mas ele atua
com aquilo. Ele não o reproduz como lembrança, mas como ato, ele repete sem, obviamente,
saber que o repete. (p. 142)
É evidente que isso nada mais é que a repetição de uma postura homossexual, que se impõe
como uma resistência contra todo tipo de lembrança.

Logo percebemos que a resistência, ela própria, é apenas uma parcela de repetição, e que a
repetição é a transferência do passado esquecido não apenas para o médico, mas também para
todos os outros aspectos da situação presente.

Quanto maior for a resistência, de forma mais frequente o lembrar será substituído pelo atuar
[agieren] (repetir).

Se o tratamento começar sob os auspícios de uma transferência suave e positiva, sem que o
seja de forma expressa, ele inicialmente permite um aprofundamento na lembrança [...]. (p.
143)

É no arsenal do passado que o doente busca as armas com as quais se defende da


continuidade do tratamento e que precisamos tirar dele peça por peça. (p. 143-144)

[...] o analisando repete em vez de lembrar, ele repete sob as condições da resistência;

[...] ele repete tudo que já se impôs a partir das fontes do seu recalcado em sua essência
evidente, suas inibições e posições inviáveis, seus traços de caráter patológicos.

Peça por peça desse estar doente será colocada agora no horizonte e no raio de influência do
tratamento, e enquanto o paciente vivenciar isso como algo real e atual, entramos com o
trabalho terapêutico, que em boa parte consiste na recondução ao passado.

O fazer repetir durante o tratamento analítico segundo a técnica mais recente significa
invocar uma parcela de vida real e, por isso, não é inofensivo e sem problemas em todos os
casos. Entra aqui toda a questão da “piora durante o tratamento”, muitas vezes incontornável.
(p. 144)

A doença em si não pode mais ser algo desprezível para ele, deve ser antes um adversário
digno, uma parte de sua essência que se apoia em bons motivos, de onde se trata de buscar
algo valioso para a sua vida futura.
[...] podemos consolar o paciente com facilidade se dissermos que se trata de pioras
necessárias, mas que são passageiras, e que não se pode matar um inimigo que está ausente
ou que não está perto o suficiente. (p. 145)

Quando o vínculo se tornou útil de alguma forma através da transferência, o tratamento


conseguirá impedir o paciente de realizar todas as ações de repetição significativas. (p. 146)

Mas o principal recurso para conter a compulsão à repetição no paciente e reconfigurá-la num
motivo para a lembrança encontra-se no manejo da transferência.

A transferência cria, assim, uma zona intermediária entre a doença e a vida, onde se dá a
transição da primeira para a segunda. (p. 147)

Precisamos dar tempo ao paciente, para que ele se aprofunde na resistência que até então lhe
era desconhecida, para perlaborá-la, superá-la, na medida em que ele, a ela resistindo,
continua o trabalho de acordo com a regra analítica fundamental. (p. 148)

Essa perlaboração das resistências na prática pode se tornar uma tarefa difícil para o
analisando e uma prova de paciência para o médico. Mas é aquela parte do trabalho que terá a
influência mais transformadora no paciente e que diferencia o tratamento analítico de todo
influenciamento por sugestão. (p. 148-149)

Do ponto de vista teórico, pode ser comparado à “ab-reação” dos montantes de afeto
[Affektbeträge] retidos pelo recalque, sem o que o tratamento hipnótico não teria influência
alguma. (p. 149)

REFERÊNCIA

FREUD, S. Fundamentos da clínica psicanalítica. 1 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora,


2017.

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