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MORAES, Renate Jost.

As Chaves do Inconsciente, Rio de Janeiro, Ed, Agir, 1990

9. Existe a convicção genericamente aceita de que o ser humano é um todo psicossomático e que o
organismo físico ou o psiquismo não adoecem isoladamente. A interinfluência de uma área sobre a
outra é contínua, gerando-se, muitas vezes, um círculo vicioso, que não permite a cura total do
paciente, enquanto uma só dimensão é atendida.
Muitas vezes a pessoa recorre a vários tipos de ajuda e como não consegue, acaba por perder a
esperança de curar-se, desilude-se da ciência, da vida e de Deus, cai na apatia, no vazio, quando não
se entrega a alguma forma de auto-destruição progressiva.
A interdisciplinariedade às vezes não tem sucesso, e mesmo profissionais da mesma área dialogam,
mas cada qual fica na sua posição e esquema interpretativo.
11. Diversos tipos de experiência – com tuberculosos e leprosos - levaram à reflexão de que as
doenças são, na realidade, causadas, em primeiro lugar, por um estado de insatisfação interna; e este
estado dispõe o organismo ao ataque de agentes externos, tais como bacilos, micróbios e outros. Os
pacientes deveriam ser atingidos num núcleo mais centralizante de seus males, que a terapia deveria
abordar simultaneamente o aspecto físico e psicológico dos pacientes, para possibilitar-lhes cura.
12. A isso se acrescem problemas morais, sentimentos de culpa que pareciam dispor o organismo ao
contágio. Dali se chegou a uma conclusão: para que uma ajuda fosse mais eficaz, essa ajuda não
deveria abarcar simultaneamente os problemas psíquicos e físicos, mas ainda a dimensão espiritual
ou noológica.

Além disso, o trabalho com casais fez ver que durante as entrevistas sobre certos problemas,
brotavam elementos que vinham de muito longe e que, estavam ligados aos antepassados. Esses
elementos eram repetidos, projetados ou transferidos e agiam como se fossem um fio de vida ativo
dentro da mente do casal, perturbando inconscientemente o seu relacionamento.
Esse “fio de vida ativa” registrava-se no inconsciente, portanto, tornava-se difícil chegar até ele ou
acompanhar a sua extensão até a origem.

12. A parapsicologia, com seus recursos, permite chegar ao inconsciente. E conseguia-se descobrir o
início de cadeias de reações físicas, psíquicas e noológicas, que se manifestavam numa gama de
manifestações e sintomas e doenças na área consciente. Era possível, também, pelos recursos
paranormais, quebrar esta cadeia e eliminar a sintomatologia.
O uso de pessoas mais sensitivas permitia entrar no conteúdo negativo dos outros, mas nem sempre
com resultados satisfatórios, sobretudo quando misturavam sua própria problemática com a dos
outros. E o paciente não participava, mas apenas sofria o processo, o que o tornava dependente
desses recursos.

13. Vários autores estudaram o psiquismo humano realizavam diagnósticos e análises, e o


tratamento a nível consciente. Freud, com toda ênfase que deu ao conteúdo inconsciente, trabalhava
o afloramento deste material no consciente.

14. Dali, destes trabalhos intuitivos sobre o inconsciente, e tendo em mente uma terapia mais global,
mais eficiente e rápida, concluímos que o inconsciente era um campo bem mais adequado para uma
atuação direta, diagnóstico-terapêutica de problemas, que o consciente. Mas também era necessário
criar uma metodologia com meios de entrar no inconsciente e trabalhar sobre ele.

18. Faz parte desta teorização a metodologia que, pouco a pouco, foi se estruturando e configurando,
a partir da mesma experiência. O nosso método de “abordagem direta do inconsciente” transforma
e transfere uma prática milenar, intuitiva e milenar, para o domínio do saber universal.

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Devido ao seu enfoque antropológico, a metodologia denominou-se Terapia de Integração Pessoal.
Nesse sentido, aproxima-se muito da atual tendência filosófica-psicológica expressada por
Binswanger, Scheler, Bérgson, Gabriel Marcel, Vicktor Frankl e outros.

23. Conceito de inconsciente


Pela TIP foi possível compreendê-lo mais amplamente, precisar-lhe os conteúdos, as funções, as
capacidades, conscientizá-lo diretamente e trabalhá-lo tecnicamente.

A palavra “inconsciente” é, talvez, uma das expressões da Psicologia que mais penetrou no uso
popular. Ao inconsciente são atribuídas certas características e comportamentos que nem sempre
foram oficialmente definidos, mas que são aceitos tacitamente. Por exemplo: quando somos
surpreendidos por atitudes de agressividade, sentimentos de simpatia ou rejeição, etc. O inconsciente
é entendido sempre como sendo uma área de nossa mente que é um tanto misteriosa em suas
manifestações, que não pode ser bem compreendida e que, de certa forma, desculpa nossos
procedimentos menos aceitáveis diante de nós mesmos e diante dos outros.

Para Freud, o inconsciente é, principalmente, um conjunto de processos dinâmicos, formado por


desejos recalcados e pela libido. Os conteúdos são psiquicamente analisados pelo afloramento
simbólico ao consciente, onde devem ser analisados e interpretados por experimentado terapeuta.
24. Jung amplia esse conceito, diferenciando o inconsciente pessoal do coletivo. O inconsciente
coletivo é formado por “arquétipos”, as características arcaicas, resultante da experiência de nossos
ancestrais.

24. Ao lado dessas concepções convencionais, foram-se desenvolvendo, ao longo dos séculos, certas
práticas empíricas e intuitivas de levar o ser humano à introspecção, a um nível interno de percepção
de si mesmo, o que é uma condução da pessoa a seu inconsciente. Ex.: hipnose, relaxamento,
sugestão...

Hoje, a Sofrologia e a Parapsicologia assumiram essas práticas de modo oficial. A primeira divide o
consciente e o inconsciente em compartimentos estanques, graduados, até atingirem o
“inconsciente”. A segunda, utiliza de recursos para estudar os fenômenos “paranormais”, ou extra-
sensoriais.

25. No método da TIP, o inconsciente é abordado diretamente por meio de um método de


concentração, e sobre ele realiza-se todo o processo de diagnóstico e tratamento, tanto psicológico
quanto físico ou noológico, do paciente. Semelhante acesso direto ao inconsciente permite a
descoberta de um mundo totalmente novo de conteúdos, capacidades e funções específicas e mostra
um espaço bem mais amplo e mais rico do que tradicionalmente conhecido.
O inconsciente é um nível mental que difere do consciente, não só quanto ao que contém como
características, mas também na sua maneira de revelar os fatos, de registrá-los, de desenvolver
raciocínios e julgamentos, na sua comunicação e na sua linguagem.

25. A melhor maneira de se explicar este inconsciente é através da descrição do que paciente
vivencia durante o processo de terapia sobre este nível mental. Um paciente, quando conduzido pela
técnica da abordagem direta ao seu inconsciente, ou ao seu Inconsciente, evidenciará, de imediato,
cenas do passado, vivências de profundo significado emocional, de conteúdo negativo,
acontecimentos traumatizantes. A cena apresentar-se-á como um quadro vivo e, além disso,
acrescido da realidade interna dos sentimentos, pensamentos e emoções dos protagonistas. O
paciente, por exemplo, não perceberá apenas que “papai está batendo em sua irmã”, mas saberá
dizer quais os sentimentos do pai, quais os pensamentos da irmã, quais as conseqüências afetivo-
emocionais desse ato, etc.
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Este segundo tipo de percepção, o dos processos internos que acompanham emocionalmente a cena
percebida, é exclusivo do inconsciente. Uma vez que não se encaixa na lógica do consciente,
dificilmente pode ser “conscientizada”.
Por isso, a pessoa passa por uma aprendizagem para entrar no seu inconsciente.
O próprio terapeuta não precisa de grandes relatos conscientes, porque em geral são distorcidos.

26. Nem tudo o que está no inconsciente é material reprimido ou trauma. Apesar de as cenas de
sofrimento serem as primeiras a serem visualizadas pelo paciente em concentração inconsciente, a
conduta técnica do terapeuta pode levar o paciente a reativar, na memória desse nível, os registros
positivos, as “mais belas lembranças” de determinada faixa etária ou acontecimento, quando isto for
considerado importante para a terapia. Deduz-se daí, que a memória inconsciente traz o registro
completo dos fatos vivenciados, desde o princípio da vida, no útero materno, e que os fixou com
dimensões muito mais profundas e mais amplas do que pode fazer o consciente.

26. A memória inconsciente de fatos passados – positivos e negativos – estende-se para além do
início da própria vida, porque o registro do inconsciente pessoal traz em si o registro de
inconscientes de antepassados, como se pode verificar e confirmar continuamente pela experiência
TIP. Essa memória não é arquivada passivamente, mas exerce sua ação ativa sobre o psiquismo e o
organismo (mas há a disponibilidade em potencial e a ativa. A potencial pode ser ativada, muitas
vezes é um saber que existencialmente é menos significativo).

26. Outros conteúdos do inconsciente esclarecem que existem dimensões humanas as quais, a partir
do inconsciente, são capazes de agir sobre as influências do passado no indivíduo, de compreender
os códigos inconscientes já programados e os comportamentos e reações daí resultantes, podendo
reformular a programação inconsciente, substituindo-o por novo código – outras frases-registro ou
outros fatos.
27. No inconsciente, percebe-se, junto ao momento da concepção, a existência de uma espécie de
semente humana que encerra a totalidade do ser humano, as funções orgânicas, as capacidades
potenciais psicofísicas e espirituais, e que libera seu conteúdo, parceladamente, no devido tempo.
Esta semente inicial é capaz de tecer raciocínios e de formar julgamentos antes do desenvolvimento
do cérebro.

27. O inconsciente não só revela conteúdos psicológicos, mas também físicos. No inconsciente
encontram-se as primeiras causas geradoras de doenças. O paciente, em nível de relaxamento,
esclarece o motivo pelo qual seu inconsciente “escolheu” um determinado mal físico.
Percebe-se uma forte busca de humanização. O inconsciente é um potencial de energia e não se
limita ao espaço e tempo, nem à matéria.

28. O inconsciente nos conduz à compreensão da natureza ontológica do ser humano, a uma linha de
coerência e unidade existente entre todas as dimensões humanas e de cuja harmonia depende a saúde
psicofísica e mental.

O inconsciente evidencia-se como um outro nível de percepção cognitiva, diferente do processo


cognitivo consciente.

29. Abordagem direta e indireta do inconsciente


30. A abordagem direta do inconsciente consiste de técnicas que ensinam o paciente a assumir
“conscientemente” o seu inconsciente e “sobre” o nível inconsciente. Em outras palavras, o paciente
aprende a entrar com o seu “consciente” em seu inconsciente” e verifica, in loco, os problemas
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responsáveis por muitos sintomas desagradáveis, focalizando-os exatamente da forma como
aconteceram, percebendo-os com uma carga emocional similar à sofrida naquela época, embora de
maneira mais suave. O paciente sente mais do que lembra.

30. Com a experiência, mais e mais foram se descortinando outros aspectos, tais como: alguns se
referem ao paciente só ele, mas outros diziam respeito aos inconscientes das pessoas em geral, de
todas aquelas que se submetiam ao tratamento, fossem elas pessoas sadias, ligeiramente doentes ou
pacientes graves.

Assim, pela abordagem direta, o inconsciente ia revelando, além dos impulsos recalcados,
explicitados por Freud, e além das características arcaicas de Jung, novos conteúdos e componentes
diversificados, capacidades extraordinárias, percepções cognitivas mais amplas e profundas,
propriedades especiais, o núcleo de constituição onto-antropológica, funções orgânicas,
psicossomáticas, noológicas e outras realidades.

31-35.- Na abordagem indireta afloram os conteúdos do inconsciente ao consciente, visando


interpretá-los. Na concentração focalizada, o consciente é conduzido ao inconsciente para
verificação dos problemas.

- Na abordagem indireta do inconsciente, o afloramento de conteúdos inconscientes ao consciente


precisa transpor o limiar da racionalização, uma espécie de auto-interpertração defensiva, que
distorce o conteúdo aflorado. Requer interpretação do analista.
Na abordagem direta, o conteúdo é atingido sem a camuflagem da racionalização, o que dispensa o
moroso processo de interpretação. Ali há objetividade: o trauma é encontrado como aconteceu.

- Na abordagem indireta do inconsciente emergem elementos isolados sobre problemas sofridos pelo
paciente, os quais precisam ser selecionados.
Na ADI, apresenta-se um conteúdo global, e tem-se a possibilidade de focalizar, de imediato, as
cenas graves, de gravidade média ou leve, sem precisar selecionar posteriormente.

- Na abordagem indireta, exploram-se exaustivamente os sintomas e procuram-se as causas


correspondentes.
Na ADI, os sintomas são considerados secundários, pois procuram-se localizar diretamente os
sofrimentos e traumas da memória inconsciente. A eliminação do trauma pode eliminar vários
sintomas, mas existe o hábito, o que torna a mudança lenta, em alguns casos.

- Na abordagem indireta, o tratamento é direcionado, primeiramente no sentido vertical, na relação


sintoma-causa, sendo que a quebra de cadeias em linha horizontal é um processo posterior e lento.
Na ADI, os triângulos formados pelos traumas e sintomas correspondentes geram, espontânea e
simultaneamente uma quebra de cadeias, não só na linha vertical, mas também na horizontal. Por
isso, a sensação de alívio é imediata.

- Na abordagem indireta, a conscientização das causas inconscientes é normalmente considerada o


suficiente para promover o alívio do sofrimento e a melhora do desequilíbrio.
Na ADI, os conteúdos de problemas inconscientes não são apenas conscientizados. São eliminados
do registro inconsciente, e além de apagados, substituídos pela reativação dos “registros positivos”,
os quais também existem no mesmo inconsciente. Tal substituição gera cadeias de reações positivas.

- Na abordagem indireta do inconsciente, pelo que se esclarece através dos esquemas comparativos
apresentados, o número de sessões de terapia é imprevisível, e um tempo longo.

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Na ADI, o tempo de tratamento é perfeitamente previsível, e pode-se fazer testes para avaliar a
eliminação dos problemas de base.

- Na abordagem indireta, atinge-se apenas o passado do paciente, e até onde a memória é alcançável
na infância.
Na ADI, a memória pode ser reativada até a concepção do paciente e vão além, localizando registros
inconscientes de antepassados até várias gerações.

- Na abordagem indireta o objetivo se basta, geralmente, com a situação terapêutica sobre os


problemas do passado que interferem sobre o presente.
Na ADI. Além desse passado, visa-se a “reestruturação” de uma personalidade sadia para que o
paciente, longe de sentir-se vítima do que sofreu, compreenda e assuma sua responsabilidade para
consigo mesmo, para com os outros e para com o mundo numa visão autotranscendente.

35. Muitas vezes a pessoa quer-se ver livre apenas dos sintomas, sem agarrar a vida na mão, o que
dificulta a mudança.
36. Para que este método tenha a eficácia desejada, é preciso que o paciente assuma o tratamento
com determinação e energia, e que esteja disposto a reformular atitudes e comportamentos que estão
comprometendo sua saúde e bem-estar psicossomático.

36. Conflito consciente x inconsciente.


37. Quando um paciente procura uma terapia psicológica, encontra-se geralmente num conflito
interno entre duas vontades fortes: a do consciente e a do inconsciente. Pelo consciente, ele
apresenta as queixas sintomáticas: angústia, insônia, fobias, problemas de relacionamento. Um
conflito externo ou interno que impeça o desabrochar equilibrado e progressivo do eu, acaba por
refletir-se em problemas psíquicos e psicossomáticos.
Mas é bom lembrar que não são tanto as situações problemáticas em si que nos fazem sofrer e sim a
atitude que assumimos diante destas situações: é que nossa ordem natural de hierarquia interna
requer que nosso consciente comande o organismo psicofisiológico. Respeitada essa hierarquia, o
inconsciente, cuja função é de assessoria, adapta-se e ajuda o consciente nas suas decisões livres.
Infelizmente, deixamo-nos seduzir, com freqüência, pelo bem aparente sugerido pelo inconsciente e
nos tornamos vítimas dele. Quando o inconsciente assume o comando de nossa personalidade,
surge, então, uma desordem geral que se expressa primeiramente em ansiedade e angústia, e depois,
pela mais variada sintomatologia.
37. Potencialmente nosso inconsciente teria poder suficientemente forte para impedir estes
desajustes, mas a nossa opção livre, freqüentemente é fraca.

38. A perda de equilíbrio entre consciente e inconsciente gera uma vontade dupla e contraditória
dentro de nós mesmos. Daí, às vezes, o paciente querer e não querer. São as resistências, ligadas a
ganhos secundários. O paciente bloqueia seu inconsciente não para o terapeuta, mas para si mesmo.
39. A pessoa em conflito entre os desejos do consciente e do inconsciente pode manifestar sua
resistência no princípio da terapia, no meio ou até no final.

45.Um passo importante na terapia é o de ensinar ao paciente a comandar seu inconsciente em vez
de deixar-se dominar por ele. Usa-se da explicação verbal, de relaxamentos com sugestões
simbólicas, de exercícios de projeção de imagens, de testes de avaliação para ver os resultados do
treinamento inicial.

46. Registro e memória inconscientes


Se cada trauma de inconsciente tratado elimina, em conseqüência, dezenas de sintomas negativos,
não há necessidade de se focalizar, analiticamente, estes sintomas.
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47. A revelação que parte do inconsciente do paciente é sempre mais exata, porque não é envolvida
pelo processo de racionalização. E essa revelação acaba mostrando ao paciente, mesmo aos que
pensavam conhecer seus problemas e causas, uma realidade totalmente diferente da que conheciam.

Na memória inconsciente, os registros realizam-se de maneira muito diferente da memória


consciente. Se um paciente for solicitado a falar de seus 10 anos de idade, ele certamente contará
sobre a escola, os amigos, cidade onde mora, passeios, ou um fato que o impressionou. A nível
inconsciente, poderá relatar, por exemplo: “estou sentado debaixo de uma arvore, brincando com
umas pedrinhas... sinto-me angustiado” (Papai e mamãe estão discutindo dentro de casa, pois papai
vai viajar e mamãe está com ciúmes).
Outra diferenciação entre as memórias consciente-inconsciente é que o consciente enfraquece em
relação aos fatos passados, na medida em que se aproxima dos primeiros anos de vida, sendo que a
memória inconsciente não depende do tempo. A reativação da memória inconsciente focaliza
qualquer questão, em qualquer época, com a mesma precisão.

49. A memória inconsciente, se não sofre a influência do tempo, é, no entanto, atingida pela emoção
do paciente, principalmente a negativa. Daí, o “esquecimento inconsciente” existe, mas é uma
defesa ligada ao grau de gravidade da emoção. (causa predisponente e causa desencadeante).

A memória inconsciente, embora existindo sempre de forma viva, pode manter-se aparentemente
desativada, enquanto a pessoa está com o seu tempo preenchido com muitas atividades e planos a
realizar. Mas quando algum fato atual a coloca diante de si mesma, quando se criam situações
graves de perda, quando surge a sensação que a missão já foi cumprida, quando a pessoa não vê
mais a sua utilidade ou tarefas a realizar, quando surge o “vazio existencial”, então se rompe
repentinamente, a casca de cobertura da memória inconsciente, e aflora o seu conteúdo.

53. Numa percepção mais ampla dos fatos, está presente o elemento “emoção positiva”, o amor, a
dedicação, o desejo de ajudar, que evocam o auxílio do inconsciente e ampliam nossa capacidade
consciente. A rejeição, o ódio, o egocentrismo também evocam a colaboração do inconsciente, pois
também são emoções, mas fazem-no em sentido oposto, em termos destrutivos, perturbando ou
bloqueando o raciocínio consciente.

53. A memória inconsciente retém tudo que acontece conosco e com os outros, numa amplitude
praticamente ilimitada.

54. A memória inconsciente de várias gerações


55. Por meio do arquivo vivo do inconsciente, pode-se encontrar o pai, a mãe, os avós, bisavós e
também parentes e amigos colaterais, focalizá-los na infância, compreendê-los em suas doenças e
em seus problemas ou lutas, em sua personalidade e, isto com muito mais precisão que pelo contato
pessoal, direto.
Outros detalhes dessas propriedades do inconsciente são a possibilidade de se focalizar o
inconsciente dos antepassados da forma como eram na época do acontecimento traumatizante,
dentro do contexto em que então as pessoas viviam e pouco importando se hoje estão vivas ou
falecidas, pois está se lidando com os registros no inconsciente do paciente, não com as pessoas em
si. Dentro da mesma linha de raciocínio, entende-se também que a busca do inconsciente dos
antepassados não sofre alterações com o fato de o paciente ter ou não conhecido o ancestral do qual
resultaram certos comportamentos ou tendências psíquicas suas, da mesma forma como isso não faz
diferença para as heranças físicas.
56. Trazemos de nossos antepassados não apenas a hereditariedade física, mas também a psicológica
e noológica, e que tal “hereditariedade” pode ser reativada na memória inconsciente.
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57. Diante de estímulos emocionais negativos, o paciente “escolhe”, inconscientemente, a
“identificação” à doença do pai, da mãe, dos avós, etc.

57. A herança ou as tendências que estão dentro de nós, portanto, chamam à imitação e à repetição.
Dois aspectos são relevantes nessa questão: primeiro, que não são apenas físicos, mas psíquicos e
noológicos. As vitórias pessoais que nossos antepassados tiveram sobre suas fraquezas, seu esforço,
as reformulações de atitudes, os comportamentos novos adquiridos e as atitudes nobres de
autotranscendência e de conversões para Deus, também estão registrados na memória inconsciente.
Outra consideração: a evidência de uma nova dimensão da liberdade humana, capaz de reestruturar,
não apenas o presente e o futuro, mas inclusive, os efeitos negativos vindos do passado.

57. Os registros positivos atingem o inconsciente como força mais decisiva que os negativos do
passado, embora estes, na terapia, se manifestem por primeiro. Ao entrar no inconsciente, aflora de
imediato, o que foi negativo, não o positivo.
60. Veja-se Deut 5, 9-10 (cf Ex 20, 3-5) onde se vê que a herança positiva é mais forte que a
negativa: “Eu sou o Deus zeloso, ciumento, que castigo a iniqüidade dos pais nos filhos, até a
terceira ou quarta geração daqueles que me odeiam, mas uso de misericórdia até a milésima geração
para com aqueles que me amam e guardam meus mandamentos”.

61. Propriedades específicas do inconsciente.

61. A qualidade e a intensidade das lembranças do nível inconsciente não sofrem alteração pelo fato
de se distanciar da atualidade em direção ao passado, ou seja, que pouco importa se as recordações
envolvem acontecimentos recentes ou da infância, do útero materno, do momento da concepção. O
inconsciente é atemporal.
Uma vez que os fatos vivenciados na infância se manifestam no adulto, levam a mesma carga
emocional da época em que aconteceu o trauma causador dessas manifestações sintomáticas. Se
questionarmos o paciente, em nível inconsciente, sobre a idade ligada à semelhante sintoma, ele
identificará aquela que corresponde a sofrimento gerador do mesmo, ainda que não tenha nenhuma
lembrança consciente relevante desta faixa etária.

62. A ação do paciente sobre o meio pode ser realizada sem palavras, onde deduz-se que é possível
fazer uma comunicação entre os inconscientes no momento presente ou de forma não-verbal.
O inconsciente tem uma linguagem própria de comunicação que depende de treino e aprendizagem,
da mesma forma como é preciso aprender a falar na comunicação consciente. Na realidade, é preciso
reaprender a comunicação inconsciente, pois esta é a primeira e natural linguagem de comunicação
da criança. Por isso, algumas pessoas, geralmente levadas por um mecanismo de defesa diante de
muito sofrimento, conservam essa capacidade paralelamente ao desenvolvimento consciente, o que é
encarado pelos outros adultos como estranho, quase misterioso. São os “sensitivos”, mas seu
mistério resume-se numa capacidade natural e bem desenvolvida de realizar a comunicação direta e
não-verbal de inconsciente a inconsciente.
Todo paciente pode se treinar e desenvolver esta capacidade e utilizá-la a seu favor (a intuição
funciona assim, bem como a empatia). A comunicação não-verbal de inconsciente a inconsciente,
sendo uma aprendizagem como outra qualquer exige compreensão consciente, atitudes de
concentração, exercícios e técnicas. Um sensitivo não “tratado” mistura seus problemas nestas
percepções.
64. A comunicação não-verbal e atual entre inconscientes, evidencia outras características deste
nível mental, ou seja, a ausência de limitação de matéria e espaço.

65. Outra propriedade do inconsciente é a existência nele de uma espécie de força ou energia capaz
de atuar sobre o próprio organismo, sobre outras pessoas e sobre objetos.
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Ainda que não se soubesse com exatidão a natureza física desta energia, verifica-se, no entanto,
pelos efeitos, que o inconsciente pode ser comandado a agir positiva ou negativamente sobre o
psiquismo e o organismo da própria pessoa e de outros.

68. Dimensão antropológica do inconsciente

69. Na terapia pede-se ao paciente para reativar outros aspectos da memória inconsciente e será
questionado sobre atitudes diferentes que, na ocasião eram potencialmente possíveis. Há uma
substituição dos registros negativos por positivos, e é uma espécie de revisão de suas atitudes e
comportamentos, face a situações difíceis da vida e é também a retomada de novas decisões e
opções, orientadas dentro de valores mais humanísticos. Na substituição o paciente constrói pontes,
e se conduz o paciente a compreender dimensões bem mais amplas de sua capacidade e de sua
liberdade. (é mais refocalização e re-orientação das referências motivacionais; veja-se também,
fato parcial e fato total)

70. O paciente, portanto, em vez de se sentir “produto do meio ambiente” reconhece-se como
responsável e fica preparado a assumir esta nova atitude.
70. O clímax da descoberta de uma capacidade livre e responsável acontece no instante da
concepção. Nesse momento o paciente descobre nitidamente o seu eu original, diferenciado das
realidades psicossomáticas herdadas de seus pais. A cena que se esboça á sua percepção na junção
dos gametas é o surgimento do “eu” para dar vida humana a esse encontro, é a percepção e a
assistência visual ao acontecimento da formação de seu próprio ser único e irrepetível, é a
observação de si mesmo, por dentro, por fora, sem limites materiais.

É interessante notar que a percepção desse “eu” acontece em todos os pacientes, sejam eles ateus,
materialistas ou religiosos. Denominamos a esse “eu” de eu-pessoal.
Esse eu-pessoal tem algumas características.

- Embora surgindo simultaneamente com o corpo e expressando-se pelo processo de corporização


no útero materno, tem características próprias e distintas desse corpo do qual faz parte integrante.

- O paciente distingue que o seu eu tem dois aspectos: um psicofísico e material, vindo dos pais,
outro imaterial, representado por sua pessoa. Mas percebe-se eu os dois se fundem e formam um
único ser.

- Esse eu-pessoal é livre e, em princípio, capaz de evitar as influências psicofísicas ou ambientais


que agem sobre ele. Ele teria sido capaz de evitar a instalação da grande maioria dos sofrimentos
dos quais se queixa um paciente. E essa constatação quebra, de imediato, o conceito de que somos
vítimas passivas do passado. Quando alguém se torna “paciente” e precisa submeter-se ao
tratamento, é porque a seleção de influências recebidas, por circunstâncias várias, não foi bem
realizada e porque a pessoa não encontrou outro meio de libertar-se delas.

- O eu-pessoal é também o coordenador das funções do consciente e do inconsciente e decide sobre


estes dois níveis mentais, dos quais o consciente busca o bem real e o inconsciente, o agrado.
Se falamos em bom uso da liberdade, é porque na realidade existe só uma direção geral para o eu-
pessoal consciente e livre: a escolha dos caminhos que conduzem ao pleno desabrochar do ser
humano. O inconsciente, embora voltado diretamente para proporcionar o agrado ao nível
psicofisiológico, globalmente está orientado para o atendimento psicoespiritual do homem. É o que
conhecemos na Filosofia por “orientação teleológica” do ser humano: a orientação de cada nível
inferior de sua estrutura para o nível imediatamente superior. E, para zelar por esta ordem interna no
ser humano, existem no próprio inconsciente fundações de auto-censura e auto-punição, que
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desencadeiam a sua ação automaticamente, toda vez que o eu-pessoal permite uma inversão de
valores. Isso é um mecanismo de defesa no nível noológico, pois a inversão de valores, na hierarquia
interna do ser humano, é sinônimo de processo de autodestruição do homem.
Quando há inversão de valores, as funções inconscientes de auto-censura e auto-punição expressam-
se por meio de sintomas de desequilíbrios psicossomáticos, os quais tendem a ser resistentes à
medicação e outros processos de tratamento.
Pela auto-censura inconsciente, nós próprios nos fiscalizamos com muito mais rigor do que o faz
qualquer instituição externa, de ordem social ou religiosa.
Isso mostra que a necessidade ontológica de se realizar, caminhando em direção à sua plena
realização, a qual, por sua vez, resulta da transcendência para os outros e para Deus, não é uma
imposição moralista ou religiosa externa ao homem, mas emergente da própria natureza integral de
seu ser.
Por outro lado, os valores básicos que se evidenciam naturalmente no inconsciente do homem, para
surpresa de muitos, são semelhantes e estáveis e não relativos à aprendizagem social. Resumem-se,
entre outros aspectos, na premente necessidade do homem em julgar-se bom, em sentir-se útil, em
achar importante o equilíbrio entre direitos e deveres, em sentir-se feliz pela doação ou pela
autotranscendência e em perceber que deve evitar o mal.

- O eu-pessoal, como coordenador do consciente-inconsciente busca sua referência na


transcendentalidade do homem, na sua abertura ao Absoluto, para o encontro com Deus.
O ser humano está ontologicamente definido e tem uma estrutura e constituição intrínseca estável, a
qual inclui o aspecto psicoespiritual e ético-religioso.

- O eu-pessoal é completo desde a concepção. Não é ontologicamente sujeito a crescimento ou


desenvolvimento, como o corpo. O eu-pessoal não é criança, nem adulto, nem limitado em sua
percepção. Desenvolve-se qualitativemente. Por isso, é questionável que “nada existe no intelecto
que primeiro não tenha passado pelos sentidos”.
O homem é inteligente em seu consciente e inconsciente e não só em seu intelecto. Seria apenas
preciso verificar se os sentidos já funcionam no óvulo humano. É como a semente, já tem em si todo
o potencial.

- O eu pessoal é perfeito. Não há defeitos nesse eu imaterial ou espiritual que se une aos gametas
masculino ou feminino no momento da concepção. As imperfeições sob o aspecto físico vêm através
dos pais. Desde a concepção vêm estados psicologicamente negativos desses pais, da ação e da
influência muito decisiva sobre o eu-pessoal, o qual por assimilação ou identificação pode iniciar,
desde então, o seu processo de somatização e doenças e de auto-destruição.

- O eu-pessoal é responsável. O eu-pessoal que responde e nos torna responsáveis. Apesar das
influências negativas que agem sobre nós, nunca perdemos totalmente nossa liberdade, podemos
sempre discernir, optar e reagir diferentemente. Um trauma pode gerar sentimentos de revolta, mas
pode também decidir não prejudicar alguém.

- O eu-pessoal é único e irrepetível. É assim, único e irrepetível que o eu-pessoal emerge da


experiência. Os pacientes não localizam a existência de seu eu-pessoal, antes da concepção, se bem
que possam, pelo registro inconsciente, ter conhecimentos de uma média de quatro gerações. Este
conhecimento não pode ser confundido com a manifestação real dessas pessoas. Em termos de
percepção inconsciente, sentimento e somatização, é perfeitamente possível que imitemos um desses
antepassados.
O terapeuta pede, não que consulte sua sabedoria, mas uma figura imaginária – um sábio (ou outra
figura que seja a personificação do inconsciente – para simbolizar a sua sabedoria e que consulte,
depois, a esse sábio imaginário.
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Pelo eu-pessoal, a pessoa pode saber a situação – amor ou não – de sua geração.

- O eu-pessoal procura o sentido existencial. Abre-se ao mundo material, a outro ser humano, ao
Absoluto. Só podemos nos doar e dar amor na medida em que nos sentimos amados, na medida em
que nos sentimos aceitos como somos, na medida em que somos alimentados na fonte de todo o
amor. Só podemos nos autotranscender sobre o mundo e em relação ao próximo se encontrarmos
para além deles, um sentido mais completo de autotranscendência. Só vemos sentido em valores
limitados se os compreendermos em função de um valor ilimitado, infinito.

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