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Iniciamos este tópico com a ideia apresentada por Gauthier (2014, p. 57) de que
“o cristianismo dá origem à escola”, porque “para ser cristão é preciso ser instruído”.
Sendo o cristianismo uma religião cuja doutrina remete às grandes escolas filosóficas, a
formação escolar é fundamental para compreender as verdades da fé. Portanto, a relação
desta religião com a educação é muito estreita, desde os primórdios fundacionais do
Cristianismo.
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Embora a escola tenha surgido na Idade Média, como definem Durkheim (2002)
e Cambi (1999), não é desse período o modelo escolar que conhecemos na atualidade,
mas da Idade Moderna, mais especificamente do século XVII. A escola moderna surgiu
como uma evolução do pensamento do humanismo quinhentista. E, mais uma vez,
nasceu motivada pelo Cristianismo. A defesa da necessidade da educação como forma
de compreender a Sagrada Escritura, que deveria estar acessível a todos, foi retomada
por Martinho Lutero, ao fixar suas 95 teses na Catedral de Wittenberg em 15171.
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As 95 teses de Lutero podem ser encontradas em: https://www.luteranos.com.br/lutero/95_teses.html.
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Nestas teses, Lutero repete várias vezes: “Deve-se ensinar aos cristãos...”.
Deixava claro que a ignorância é nociva para os cristãos, pois quando eles não
conhecem aquilo em que creem podem ser enganados por seus líderes. Também
demonstrava que a religião não pode ser algo puramente devocional, mas precisa ser
compreendida à luz da razão.
Essas teses iam contra aquilo que a Igreja defendia até então, e por isso Lutero,
monge agostiniano e renomado professor de Teologia, foi considerado herege e
excomungado. Contudo, elas abriram as portas para que a Igreja Católica, com o
Concílio de Trento (1545-1563), passasse a considerar a educação como um meio para
chegar à salvação. A Companhia de Jesus (Jesuítas), ainda no século XVI, teve uma
grande importância nesse processo ao inventar o Colégio como uma forma de propagar
a fé. Os Jesuítas assumiram a tarefa da evangelização, tanto que poucos anos depois da
fundação (1534), a jovem Ordem Religiosa chegava ao Brasil em 1549 e dava início ao
processo de evangelização dos indígenas e à fundação de colégios. Não se pode
esquecer o legado dos Frades Franciscanos que aqui estavam desde a chegada dos
portugueses e também tiveram um papel importante na cristianização do Brasil.
No século XVII nasceu a Pedagogia, considerada por Gauthier (2014, p. 102)
como “uma reflexão consciente e ordenada sobre a maneira de fazer e de organizar a
classe”. No início do século XX, Durkheim (2013, p. 75) já concebia a pedagogia como
teorias que “explicitam as maneiras de conceber a educação, não de praticá-las”. De
todos os modos, considera-se pedagogia uma reflexão intencional sobre o fazer
educativo. A Pedagogia nasceu junto com a educação moderna e, como afirmado em
página anterior, movida pelo pensamento cristão.
Os diversos historiadores que descrevem as escolas existentes no começo do
século XVII o fazem demonstrando que não havia educação escolar sistematizada até
então. Os professores não tinham preparação efetiva para isso, limitando-se a ensinar
aquilo que sabiam; não existia um método pedagógico – cada professor ensinava a uma
criança de cada vez e o fazia do seu jeito; não havia um espaço escolar adequado – cada
professor ensinava onde bem lhe aprouvesse, seja na própria casa, seja em outro lugar.
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O resultado foi uma escola que conseguia associar ciência e conteúdos religiosos
– dentro do modelo de pensamento da época. Nas Escolas Cristãs de La Salle, bem
como nas demais escolas iniciadas nesse período, o conhecimento científico servia
como base tanto para a organização da própria escola quanto para as atividades
curriculares. A partir da religião se ensinava ciência.
Assim, segundo Gauthier (2014), Cambi (1999) e Manacorda (2010) a escola
moderna surgiu na Europa, um modelo de escola que perdurou até a Revolução
Francesa, no final do século XVIII. Com a Revolução Francesa institui-se o Estado
laico, e as congregações religiosas foram expulsas da França, bem como as escolas
cristãs fechadas. Contudo, e para não alongar demais essa parte, pode-se afirmar que a
escola moderna nasceu cristã e manteve essa identidade, apesar de a moderna
compreensão de mundo exigir – e com razão – uma educação laica.
2. E no Brasil?
No Brasil, a educação seguiu uma trajetória parecida, e não podia deixar de ser,
uma vez que o Brasil foi dependente de Portugal por três séculos. Por aqui, contudo, a
defesa da educação para todos, que já existia na Europa desde o final do século XVI,
chegou tardiamente.
A partir deste tópico, nos voltaremos mais ao Ensino Religioso, uma vez que é
este o objeto do curso. Os dados históricos até aqui apresentados servem para mostrar
que a trajetória do Ensino Religioso passou por dois momentos antes de aparecer na
legislação educacional brasileira: o primeiro quando não era necessário, uma vez que a
educação em si mesma era cristã e trabalhava-se religião e ciência em conjunto, sem
conflitos; e o segundo, quando não era permitido, já que o ensino deveria ser laico.
Voltando o olhar para a educação brasileira, encontramos estes dois momentos
bastante definidos mas, ao mesmo tempo, um tanto confusos, como se verá nos
parágrafos que seguem. Alguns dados aqui apresentados foram destacados por Schütz
(2020) em sua dissertação de Mestrado, mas podem ser encontrados em bons livros de
História da Educação no Brasil.
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Três anos depois, a nova Constituição de Vargas mudou a redação para melhor
atender aos escolanovistas:
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Art. 133 - O ensino religioso poderá ser contemplado como matéria do curso
ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém,
constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de frequência
compulsória por parte dos alunos.
Manteve praticamente a mesma redação das anteriores, mas deu origem a uma
reflexão mais extensa sobre o Ensino Religioso nos quase dez anos nas quais se
elaborou a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1996,
especialmente por definir a necessidade de uma formação básica comum.
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Considera-se, porém, que o Ensino Religioso não pode ser confundido com Ciências da
Religião, muito embora a formação do professor passe, atualmente, pela Licenciatura em
Ciências da Religião. O fenômeno religioso é estudado a partir da realidade dos educandos e da
sociedade brasileira. Ao mesmo tempo em que se estudam os símbolos, os mitos e os ritos
ligados à relação humana com o Sagrado, há a necessidade de voltar o olhar para o mundo que
rodeia o educando, como em qualquer área do conhecimento.
Esses temas serão aprofundados no próximo módulo; contudo, o Ensino Religioso leva
em consideração que o ser humano é essencialmente um ser em relação: relaciona-se consigo
mesmo, com o mundo, com os outros e com o Sagrado. Essas relações acontecem de modo
distinto, pois elas variam de acordo com a pessoa, a cultura, a compreensão de mundo, etc. Elas
são também permeadas por diferentes linguagens.
Na relação com o Sagrado, estão presentes três grandes linguagens, apresentadas por
Croatto (2004): os símbolos, os mitos e os ritos. Elas também variam de acordo com a cultura
da sociedade na qual o indivíduo está inserido, ou mesmo podem sofrer variações de acordo
com o modo pelo qual o indivíduo concebe o Sagrado. A linguagem simbólica é uma linguagem
primordial, pois transmite aquilo que o ser humano não consegue comunicar em palavras. Por
exemplo, o símbolo da cruz, pelo qual os cristãos compreendem a morte e ressurreição de Jesus.
Já a linguagem dos mitos transmite por meio de palavras aquilo que a razão humana não
consegue entender, como a criação do mundo. E a linguagem dos ritos é a tradução gestual dos
símbolos e dos mitos.
Todas as tradições religiosas, sejam as mais tradicionais ou as mais contemporâneas,
possuem linguagens de comunicação com o Sagrado, e elas sempre são diferentes para cada
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grupo. Conhecer e compreender isso é a base para a tolerância do diferente que, por sua vez, é
elemento básico para os conteúdos do Ensino Religioso. A compreensão e aceitação do
diferente passa pelo conhecimento.
Também é importante a compreensão do que é religião, tendo presente que uma religião
não é apenas a sua doutrina, e que conhecer a doutrina de uma determinada religião não é
proselitismo, a não ser que se excluam as demais. O ser humano é considerado por Eliade
(1992) como o Homo Religiosus, ou seja, faz parte da identidade do ser humano a busca pelo
Sagrado.
Não há consenso sobre a etimologia da palavra “Religião”, que pode ser compreendida,
no contexto das ciências da Religião como Re-legere, ou seja, fazer outras leituras do mundo;
ou então, no contexto teológico, Re-ligare, ou restabelecer a ligação com o Sagrado.
Independentemente do caminho escolhido, ter presente o lugar de fala ajuda a situar tanto o
professor quanto o educando. Os dois conceitos são importantes, mas devem ser conhecidos e
compreendidos.
A partir dessas ideias, que têm como ponto de partida o ser humano como um ser em
relação, os conteúdos são escolhidos. Nas escolas de gestão pública, obrigatoriamente esses
conteúdos devem ter um enfoque laico, ou seja, não devem ter a pretensão de converter
ninguém a uma determinada religião e precisam ser mais abrangentes, no sentido de evitar o
enfoque em uma determinada doutrina. Em 2017 o STF deliberou, por seis votos a cinco, que
nas escolas públicas pode-se trabalhar a partir de uma religião sem quebrar o princípio
constitucional da laicidade do ensino. O STF considerou que este princípio deve ser regido por
outro, que é o do respeito e valorização de todas as religiões.
Já nas escolas de gestão privada, dentre as quais estão as confessionais, a legislação
permite que o ensino religioso seja ministrado de acordo com a confissão religiosa à qual
pertence a escola, sem qualquer prejuízo à sociedade, uma vez que essas escolas possuem um
regimento interno, que deve ser do conhecimento dos pais, e que tem valor legal. Porém, mesmo
nas escolas confessionais o princípio legal do respeito às religiões e ao ser humano precisa
necessariamente ser seguido. As matrizes curriculares e o regimento das escolas confessionais
devem estar de acordo com a LDB e a BNCC.
Nos próximos módulos, serão discutidos outros e novos conteúdos.
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Referências
LA SALLE, João Batista. Obras completas de São João Batista de La Salle. Canoas:
Unilasalle, 2012.