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Leonardo Machado
Vicente de Carvalho
INTRODUÇÃO
Há coisas que todos sabem que existe e o que é, mas é difícil descrevê-las em palavras.
A ansiedade é uma delas. A felicidade também.
Para aqueles que trabalham na área de saúde em geral e da saúde mental em particular,
a dor é uma presença mesmo quando aparentemente ausente. A angústia é um fenômeno tão
real para um psiquiatra ou para um psicólogo que chega a ser quase palpável.
VINHETA CLÍNICA
– Meu artigo foi aceito para publicação. Fizemos uma revisão sistemática sobre os
correlatos neurais das emoções positivas. Olha que legal: os estudos de neuroimagem têm
demonstrado que nosso cérebro funciona de modo diferente quando nós estamos sentindo
emoções como felicidade. Não é apenas uma desativação de áreas límbicas ligadas à
ansiedade e ao medo. –, comentou empolgado o jovem pesquisador para a analista.
– Verdade –, respondeu ele. Nunca tinha parado para pensar nisto. Eu precisei encontrar
uma explicação neuronal para acreditar que o que eu já senti não era mera ilusão.
Kierkegaard via o paradoxo como uma ideia aparentemente contraditória que, sob uma
observação mais atenta, faz sentido e não é contraditória. Nesta perspectiva, ele ponderava
que a ansiedade seria a realidade da liberdade, porque sua existência tornaria a liberdade
possível. Este seria o motivo de nunca ser encontrada nos animais1,5.
Heidegger, por sua vez, dizia que a angústia seria a experiência do nada, sendo que o
homem seria o único ser da natureza que estaria ciente de sua própria finitude. No entanto, o
ser-autêntico teria consciência dessa angústia que o impulsionaria, diferentemente do ser-
artificial que seria seguidor e viveria a vida sem a menor consciência1,5.
Schopenhauer, a seu turno, notava que a vontade inspiraria o desejo e que o desejo seria
uma memória constante das coisas que não se tem na vida. Se o indivíduo não satisfaz os
desejos, a dor e a frustração aumentam. No entanto, diferente dos objetos inanimados e dos
animais, o ser humano tem a consciência de sua enlouquecedora vontade e sofre com esse
conhecimento5.
Além disso, a psicanálise pondera que existem várias fontes de ansiedade ao longo do
ciclo de vida. Mais inicialmente, é comum o predomínio da ansiedade de desintegração do eu.
Depois, é comum a ansiedade de perder o amor ou a aprovação dos genitores ou do objeto de
amor. Mais adiante, a ansiedade costuma estar associada a sentimentos de culpa sobre não
satisfazer padrões internalizados de comportamentos.
ANSIEDADE E PERCEPÇÃO DA REALIDADE: PROPOSTA ESTOICA E COGNITIVA
Uma das visões filosóficas que mais influenciou o mundo antigo foi dada pela escola
estoica. Para o estoicismo, só a virtude é um bem e só o vício é um mal. Tudo o mais é
indiferente, o que significa dizer que não é nem benéfico nem nocivo, ou, de modo equivalente,
que não exerce efeito sobre a felicidade ou a tristeza do indivíduo9.
É por esse motivo que outro famoso estoico, Epicteto, escreveu que há coisas que
dependem de nós e outras que não dependem. As que dependem de nós são livres, sem
impedimentos e sem entraves; já as que não dependem são frágeis, servas e facilmente
impedidas. Dessa maneira, para esse filósofo, não são as coisas que perturbam os homens,
mas os juízos sobre elas10.
É verdade que uma postura totalmente estoica é bastante difícil de se efetivar. Entretanto,
a grande lição que essa corrente parece querer ensinar é que os estados emocionais são muito
mais influenciados pela percepção dos fatos do que pelas situações em si. É justamente sobre
esta base de pensamento que se construiu o arcabouço teórico da psicologia cognitiva.
Neste sentido, a psicologia cognitiva pondera que existe uma série de distorções
cognitivas, como pensar de modo dicotômico (tudo ou nada), que estão associadas a estados
emocionais desagradáveis12. Além disso, em relação à ansiedade, tem sido bastante replicada
a tendência de que pessoas com transtornos de ansiedade, sobretudo o transtorno de
ansiedade generalizada, têm de ter uma intolerância à incerteza13,14.
É natural que a maior parte das pessoas não goste da incerteza. No entanto, uma
intolerância à incerteza leva a um estado semelhante a uma alergia psíquica, na qual pequenas
situações novas, mesmo que com baixíssimo risco, são interpretadas e vivenciadas com muita
angústia. Assim, tende-se a se ter uma série de comportamentos para aumentar a sensação de
segurança, mas que, por serem muito inflexíveis, acabam gerando mais problemas para o
indivíduo ou para terceiros15.
Um catador de lixo com mais ou menos a mesma idade dele sorria largamente. O rapaz,
vestido somente com um calção rasgado, havia tentado parar no posto esperando que o sinal
de trânsito mais à frente fechasse e ele pudesse atravessar a rua, dando assim
prosseguimento ao seu trabalho.
No entanto, com a rapidez dos carros, o cavalo que carregava a carroça repleta de
entulhos, possibilitando menor esforço físico para o rapaz, assustou-se e, dando um pinote,
quase avançou em cima do tráfego intenso. Ato contínuo, o catador segurou as rédeas do
animal. Contudo, pela parada brusca, um lixo caiu no chão. Tentando recuperar o trabalho do
dia, o rapaz instantaneamente dirigiu-se para apanhar a sacola e colocá-la novamente na
carroça. Ao fazer isto, porém, precisou relaxar as rédeas e o cavalo deu novo impulso de
partida... E a cena se repetia...
– Eu me sinto inútil e, por isto, triste e com um vazio... apesar de ter tudo –, falara-lhe.
De fato, aquela jovem era o protótipo do que se coloca como pré-requisito para ser feliz,
pois tinha tudo: beleza, dinheiro, viagens pelo mundo todo, inteligência – além de futura
médica, era poliglota –, família amorosa, relacionamento amoroso satisfatório, imensa casa a
beira-mar... Porém, confessava-lhe não se sentir útil e, consequentemente, sentir-se infeliz.
Ponderação: será a felicidade condicionada pelas contingências da vida? Até quando ou
até quanto a percepção dos fatos da vida consegue influenciar o bem-estar subjetivo?
AMPLIANDO OS ESTUDOS
Um novo conceito para avaliar o desenvolvimento social foi introduzido no reino de Butão,
em 1972, recebendo o nome de Felicidade Interna Bruta (FIB). O índice FIB teve a intenção de
contrabalancear a ênfase de um sucesso nacional baseado largamente no Produto Interno
Bruto (PIB)19,20. Curiosamente, o então presidente dos Estados Unidos da América, Robert F.
Kennedy, proclamou em 1968:
O produto nacional bruto não possibilita que nossas crianças tenham saúde, educação ou
alegria de brincar. (...) Ele não mede nossa inteligência, nem a nossa sabedoria, nem os
nossos ensinamentos, nem a nossa compaixão, nem nossa devoção a nosso país. Ele mede
tudo, resumindo, com exceção daquilo que faz com que a vida valha a pena.21
Saiba mais sobre o FIB e sobre como lideranças mundiais têm ampliado esforços em
torno da felicidade como norteadora de políticas públicas:
•www.grossnationalhappiness.com
•www.worldhappiness.report
•www.happinesscouncil.org
É preciso ressaltar, porém, que o termo “positiva” pode gerar uma ideia de que exista uma
psicologia negativa, o que não é verdadeiro. Igualmente, pode-se ter a impressão de que a PP
negligencia o sofrimento humano ou que só se dedica à análise de situações favoráveis da
existência, o que também não é verdadeiro.
Positiva refere-se à ênfase que este campo dá ao entendimento das emoções positivas e
a questões relacionadas a estas. Refere-se, ainda, ao estudo dos aspectos saudáveis do
indivíduo28, os quais têm demonstrado utilidade na construção do bem-estar e no
enfrentamento das adversidades com florescimento psicológico.
As pessoas acreditam que a Psicologia Positiva lida somente com aspectos positivos
porque elas confundem experiências com desfechos. Apesar de os desfechos da Psicologia
Positiva serem sempre positivos em alguma maneira, os caminhos, as jornadas e aquilo que
nós experienciamos a caminho destes desfechos podem ser dolorosos e desafiadores29.
(tradução livre deste autor)
CONCEITO-CHAVE
A PP é um novo campo que procura entender as emoções positivas, as potencialidades
psicológicas e o funcionamento humano/social/institucional saudável, e aplicar esse
conhecimento para ajudar as pessoas e as instituições, tendo sobretudo o enfoque na
prevenção e na promoção da saúde mental26,28,31.
Filha de Elíseo
Sugestão de filmes:
Na infância, as emoções positivas são fundamentais para atrair carinho dos cuidadores e
promover um desenvolvimento saudável. Seriam elas desprezíveis na idade madura? A ciência
e a academia começam, acertadamente, a se debruçar sobre elas, flexibilizando o foco do
patológico, das emoções negativas e do fisiológico. Todos esses três campos de estudos são
importantes, mas adicionar um quarto, ou seja, o estudo dos estados funcionais otimizados ou
de aspectos felizes da existência, tende a ampliar o entendimento científico sobre o humano. A
arte colocou a felicidade como um de seus focos. Interessante é que a ciência também
continue fazendo isso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1.Peregrino A. Ansiedade normal e patológica. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. 1996;
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2.Miguel EC, Gentil V, Gattaz WF (eds.). Clínica psiquiátrica. Barueri: Manole; 2011.
7.Zimerman D. Manual de técnica psicanalítica: uma re-visão. Porto Alegre: Artmed; 2004.
14.Hanrahan F, Field AP, Jones FW, Davey GC. A meta-analysis of cognitive therapy for
worry in generalized anxiety disorder. Clinical Psychology Review. 2013;33(1):120-32.
20.Tobgay T, Dorji T, Pelzom D, Gibbons RV. Progress and delivery of health care in
Bhutan, the Land of the Thunder Dragon and Gross National Happiness. Trop Med Int Health.
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26.Siegel RD, Allison SM. Positive psychology: harnessing the power of happiness,
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