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Felicidade existe?

Leonardo Machado

Só a leve esperança, em toda a vida,

Disfarça a pena de viver, mais nada:

Nem é mais a existência, resumida,

Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,

Sonho que a traz ansiosa e embevecida,

É uma hora feliz, sempre adiada

E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,

Árvore milagrosa, que sonhamos

Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos

Porque está sempre apenas onde a pomos


E nunca a pomos onde nós estamos.

Vicente de Carvalho

INTRODUÇÃO
Há coisas que todos sabem que existe e o que é, mas é difícil descrevê-las em palavras.
A ansiedade é uma delas. A felicidade também.

Para aqueles que trabalham na área de saúde em geral e da saúde mental em particular,
a dor é uma presença mesmo quando aparentemente ausente. A angústia é um fenômeno tão
real para um psiquiatra ou para um psicólogo que chega a ser quase palpável.

De fato, essencialmente, a ansiedade é um fenômeno onipresente na vida humana e, por


si só, embora desagradável, não é algo que seja necessariamente negativo. Em muitas
situações, ela é desejável para uma devida preparação e/ou precaução. Em outras
oportunidades, acaba sendo inerente ao processo de mudança. Além disso, há momentos em
que parece surgir sem a sensação de perigo iminente ou de desorganização, mas apenas com
uma expectativa de algo, muitas vezes positivo, que está para acontecer.

VINHETA CLÍNICA

– Meu artigo foi aceito para publicação. Fizemos uma revisão sistemática sobre os
correlatos neurais das emoções positivas. Olha que legal: os estudos de neuroimagem têm
demonstrado que nosso cérebro funciona de modo diferente quando nós estamos sentindo
emoções como felicidade. Não é apenas uma desativação de áreas límbicas ligadas à
ansiedade e ao medo. –, comentou empolgado o jovem pesquisador para a analista.

– Curioso, você nunca sentiu felicidade? –, provocou a psicóloga.

– Verdade –, respondeu ele. Nunca tinha parado para pensar nisto. Eu precisei encontrar
uma explicação neuronal para acreditar que o que eu já senti não era mera ilusão.

Ponderação: a emoção também é uma forma de saber e de conhecer a realidade. Será?


Mas e o que dizer da felicidade, das emoções positivas e da alegria? O senso comum
tende a posicionar a vida como um lago de tristeza com alguns diques de alegria. O maestro
Tom Jobim muito bem traduziu essa visão ao cantar que: “Tristeza não tem fim / Felicidade sim
/ A felicidade é como a pluma / Que o vento vai levando pelo ar / Voa tão leve / Mas tem a vida
breve / Precisa que haja vento sem parar”. Algumas visões psicológicas a vislumbram como
uma grande defesa do ego. Outras perspectivas religiosas a colocam em um local longínquo,
tido como o paraíso. Enquanto isso, a academia tendia a não se ocupar dessa característica
infantil e/ou imatura.

Apesar disto, um crescente interesse da psicologia, da economia e das neurociências tem


levado a repensar essa temática antigamente filosófica e medievalmente religiosa. Na atual
releitura do tema, parece haver um consenso de que a felicidade é uma emoção que tem
existência própria e que algumas pessoas tendem a ter uma predisposição a sentir, com maior
constância, emoções positivas, mesmo que as adversidades da vida apareçam. Neste sentido,
felicidade e ansiedade poderiam ser vistas como duas faces da vida emocional que variam em
constância no indivíduo, a depender da genética do temperamento integrada às contingências
ambientais do caráter.

ANSIEDADE, ANSIEDADE PATOLÓGICA, MEDO E ANGÚSTIA


Pode-se conceituar a ansiedade genericamente como um estado emocional desagradável
caracterizado por uma sensação de perigo iminente, uma atitude de expectativa e um sentido
de desorganização e desamparo1 (Figura 1). Apesar de ser inerente à condição humana, há
situações em que esse estado emocional ganha características patológicas, sendo, assim,
passível de alguma intervenção terapêutica. Um dos aspectos é quando ela é desproporcional
ao estímulo ou às possíveis causas; outro quando é muito persistente, perdurando meses e
muito tempo além de um possível ponto desencadeador; e, por fim, quando invade vários
setores da vida do indivíduo, interferindo negativamente no funcionamento social e/ou
ocupacional2.

Figura 1 Ansiedade segundo Pierre Pichot.

É comum a pessoa se sentir com os nervos à flor da pele, excessivamente apreensiva


e/ou preocupada, inquieta, bastante irritada e com muitos pensamentos catastróficos acerca do
futuro. São comuns também sintomas físicos como tensão muscular e cansaço, além de
sensação de falta de ar, de “bolo” na garganta e/ou de coração acelerado, que pode vir em
crises ou de modo mais ou menos constante. Além disso, dificuldade na concentração e lapsos
de memória também são frequentes, bem como dificuldade para conciliar o sono e alguns
sintomas depressivos, como tristeza e desânimo. A ansiedade patológica consome e desgasta
o organismo e o indivíduo.

Além de poder fazer parte de um diagnóstico específico, a ansiedade patológica pode se


apresentar como sintoma na maior parte das síndromes psiquiátricas e pode decorrer de outras
condições médicas, como abuso de substâncias psicoativas ou uso em doses
supraterapêuticas de alguns medicamentos.

Existem alguns conceitos e alguns fenômenos psíquicos que, muitas vezes, se


apresentam com a ansiedade e guardam algumas semelhanças e diferenças com ela. São eles
angústia, medo e fobia.
Angústia vem da palavra latina ango e significa estreitar. Na tradição psiquiátrica alemã e
francesa, a palavra angst era utilizada para expressar sintomas corporais, sobretudo o que
popularmente se entende como aperto no peito. Já a palavra ansiedade vem das palavras
latinas anxius e anxiosus e significa estar preocupado expressando eminentemente os
sintomas psíquicos desta condição. Na tradição psiquiátrica norte-americana, anxiety é a
palavra que engloba, indistintamente, os conceitos originais de angústia e de ansiedade. De
fato, com o tempo, antes mesmo de a psiquiatria norte-americana exercer grande influência no
mundo, essa diferença vinha sendo diluída, transformando angústia e ansiedade em
sinônimos1,3.
Por sua vez, medo é uma emoção básica direcionada a um objeto específico, enquanto a
ansiedade não tem esse direcionamento, ganhando características mais difusas. Inclusive,
talvez característica de ser difusa seja a que torna a ansiedade algo até mais difícil de
compreender e, eventualmente, mais assustador do que o medo. Pode-se dizer, pois, que o
medo é dirigido a um objeto, enquanto a ansiedade não é dirigida.
Por outro lado, o medo geralmente é uma reação justificável, compartilhada por grande
parte das pessoas e proporcional ao estímulo. A fobia, entretanto, não tem essas
características e é uma reação de medo extremamente intensa, em geral, associada a um
comportamento de esquiva.

ANSIEDADE COMO ALGO HUMANO: VISÃO EXISTENCIALISTA E PSICANALÍTICA


Descrita desde a Antiguidade, a ansiedade é um fenômeno estudado pelos diversos
ramos do conhecimento humano. Assim, já foram pensados vários caminhos para a sua
origem.
Para a visão existencialista, a ansiedade é algo inerente à condição humana. Na
realidade, ela se constitui na grande essência da vida. A variação no pensamento
existencialista é encontrada na fonte dessa angústia.

Kierkegaard via o paradoxo como uma ideia aparentemente contraditória que, sob uma
observação mais atenta, faz sentido e não é contraditória. Nesta perspectiva, ele ponderava
que a ansiedade seria a realidade da liberdade, porque sua existência tornaria a liberdade
possível. Este seria o motivo de nunca ser encontrada nos animais1,5.

Heidegger, por sua vez, dizia que a angústia seria a experiência do nada, sendo que o
homem seria o único ser da natureza que estaria ciente de sua própria finitude. No entanto, o
ser-autêntico teria consciência dessa angústia que o impulsionaria, diferentemente do ser-
artificial que seria seguidor e viveria a vida sem a menor consciência1,5.

Schopenhauer, a seu turno, notava que a vontade inspiraria o desejo e que o desejo seria
uma memória constante das coisas que não se tem na vida. Se o indivíduo não satisfaz os
desejos, a dor e a frustração aumentam. No entanto, diferente dos objetos inanimados e dos
animais, o ser humano tem a consciência de sua enlouquecedora vontade e sofre com esse
conhecimento5.

Bastante influenciados pela visão existencialista, renomados psiquiatras dos primeiros


tempos teorizaram algo semelhante sobre a origem da ansiedade. O psiquiatra Henri Ey
ensinava que a angústia e a ansiedade, consideradas indistintamente, são uma das
características da condição humana. O medo é encontrado em todos os animais porque tem
por objeto um perigo exterior. Contudo, a angústia enquanto reação a uma ameaça interna – o
medo de si mesmo – é específica do ser humano. De fato, para Lopes Ibor, as duas grandes
ameaças ao eu estão representadas pelos riscos de dissolução do eu físico (morte física) ou
mental (a morte psíquica ou a loucura)1,3.

Historicamente, a palavra ansiedade ganhou maior interesse científico quando Freud


trouxe o conceito de “neurose de ansiedade” ou “neurose de angústia”, separando-a de uma
entidade clínica chamada neurastenia1,6. O pai da psicanálise estudou a angústia em dois
momentos. Inicialmente, ponderou que a angústia seria uma consequência da repressão, pois
esta provocaria um acúmulo de libido que seria tóxico ao organismo. Posteriormente, ele
percebeu que seria o inverso: a repressão seria uma forma de defesa contra a ameaça de
irrupção da angústia7.

Além disso, a psicanálise pondera que existem várias fontes de ansiedade ao longo do
ciclo de vida. Mais inicialmente, é comum o predomínio da ansiedade de desintegração do eu.
Depois, é comum a ansiedade de perder o amor ou a aprovação dos genitores ou do objeto de
amor. Mais adiante, a ansiedade costuma estar associada a sentimentos de culpa sobre não
satisfazer padrões internalizados de comportamentos.
ANSIEDADE E PERCEPÇÃO DA REALIDADE: PROPOSTA ESTOICA E COGNITIVA
Uma das visões filosóficas que mais influenciou o mundo antigo foi dada pela escola
estoica. Para o estoicismo, só a virtude é um bem e só o vício é um mal. Tudo o mais é
indiferente, o que significa dizer que não é nem benéfico nem nocivo, ou, de modo equivalente,
que não exerce efeito sobre a felicidade ou a tristeza do indivíduo9.

É por esse motivo que outro famoso estoico, Epicteto, escreveu que há coisas que
dependem de nós e outras que não dependem. As que dependem de nós são livres, sem
impedimentos e sem entraves; já as que não dependem são frágeis, servas e facilmente
impedidas. Dessa maneira, para esse filósofo, não são as coisas que perturbam os homens,
mas os juízos sobre elas10.

Sendo assim, para combater as expectativas, o estoicismo recomendava ter os impulsos


“com reserva”, ou seja, não prometer a si mesmo que se conseguirá o que se deseja, bem
como ter consciência de que há alguma possibilidade de não se conseguir.9 Em suma, para
essa corrente filosófica, a felicidade consistiria em uma alma livre, sem medo e constante,
inacessível ao temor e à ganância11.

É verdade que uma postura totalmente estoica é bastante difícil de se efetivar. Entretanto,
a grande lição que essa corrente parece querer ensinar é que os estados emocionais são muito
mais influenciados pela percepção dos fatos do que pelas situações em si. É justamente sobre
esta base de pensamento que se construiu o arcabouço teórico da psicologia cognitiva.

Neste sentido, a psicologia cognitiva pondera que existe uma série de distorções
cognitivas, como pensar de modo dicotômico (tudo ou nada), que estão associadas a estados
emocionais desagradáveis12. Além disso, em relação à ansiedade, tem sido bastante replicada
a tendência de que pessoas com transtornos de ansiedade, sobretudo o transtorno de
ansiedade generalizada, têm de ter uma intolerância à incerteza13,14.

É natural que a maior parte das pessoas não goste da incerteza. No entanto, uma
intolerância à incerteza leva a um estado semelhante a uma alergia psíquica, na qual pequenas
situações novas, mesmo que com baixíssimo risco, são interpretadas e vivenciadas com muita
angústia. Assim, tende-se a se ter uma série de comportamentos para aumentar a sensação de
segurança, mas que, por serem muito inflexíveis, acabam gerando mais problemas para o
indivíduo ou para terceiros15.

VINHETA DA VIDA REAL


Um jovem de classe média abastecia o tanque de seu carro em um posto de gasolina
quando ouviu uma gargalhada gostosa e simpática. Automaticamente, atraído pelo som da
alegria, virou o olhar para o local. Surpreso, observou uma cena trágico-cômica.

Um catador de lixo com mais ou menos a mesma idade dele sorria largamente. O rapaz,
vestido somente com um calção rasgado, havia tentado parar no posto esperando que o sinal
de trânsito mais à frente fechasse e ele pudesse atravessar a rua, dando assim
prosseguimento ao seu trabalho.

No entanto, com a rapidez dos carros, o cavalo que carregava a carroça repleta de
entulhos, possibilitando menor esforço físico para o rapaz, assustou-se e, dando um pinote,
quase avançou em cima do tráfego intenso. Ato contínuo, o catador segurou as rédeas do
animal. Contudo, pela parada brusca, um lixo caiu no chão. Tentando recuperar o trabalho do
dia, o rapaz instantaneamente dirigiu-se para apanhar a sacola e colocá-la novamente na
carroça. Ao fazer isto, porém, precisou relaxar as rédeas e o cavalo deu novo impulso de
partida... E a cena se repetia...

Sensibilizados, alguns transeuntes intercederam e conseguiram colocar o lixo na carroça,


enquanto o rapaz segurava as rédeas do cavalo, estabilizando-se a situação.

Naquele momento, o jovem que estava abastecendo o carro decidiu ir ao encontro do


catador de lixo. Surpreso, encontrou um rapaz sereno, que conseguia sorrir com a própria
desgraça, afinal – dizia ele – com aquele trabalho, ao vender o lixo para determinado local,
conseguia colocar comida em casa, ajudando, assim, a mãe doente e os irmãos órfãos, como
ele mesmo, de pai.

O jovem de classe média se sensibilizara sobremaneira com aquela cena, justamente


porque, 1 semana antes, uma colega lhe pedira para desabafar.

– Eu me sinto inútil e, por isto, triste e com um vazio... apesar de ter tudo –, falara-lhe.

De fato, aquela jovem era o protótipo do que se coloca como pré-requisito para ser feliz,
pois tinha tudo: beleza, dinheiro, viagens pelo mundo todo, inteligência – além de futura
médica, era poliglota –, família amorosa, relacionamento amoroso satisfatório, imensa casa a
beira-mar... Porém, confessava-lhe não se sentir útil e, consequentemente, sentir-se infeliz.
Ponderação: será a felicidade condicionada pelas contingências da vida? Até quando ou
até quanto a percepção dos fatos da vida consegue influenciar o bem-estar subjetivo?

ANSIEDADE POR FELICIDADE


De acordo com o filósofo Sêneca, a questão mais difícil a ser respondida não é quem
deseja ser feliz, mas o que torna a vida feliz11. Essa foi uma das maiores preocupações dos
filósofos pós-socráticos9,16 e, possivelmente, continua sendo uma das maiores questões da
humanidade até hoje. Para muitos, incluindo Aristóteles, todos os outros comportamentos
humanos teriam como escopo final atingi-la17,18. Entretanto, Sêneca escreveu que não é fácil
alcançar a felicidade, pois é difícil descobrir o que torna a vida feliz e, muitas vezes, quanto
mais ela é procurada, mais dela se afasta11.

É interessante lembrar dessa proposta enunciada pelo famoso estoico Sêneca. Na


atualidade, um certo vazio existencial, que domina os corações humanos desde o período após
a Segunda Guerra Mundial, parece levar a humanidade a localizar a felicidade no aumento
exclusivo do prazer. Essa movimentação excessivamente hedônica, porém, tende a gerar um
estado de ansiedade por felicidade, levando a senti-la desesperada e fugazmente.
Viktor Frankl* ponderava que o prazer não deveria ser a finalidade última da atividade
humana, mas o efeito de uma meta. Dizia ainda não ser possível perseguir a felicidade, uma
vez que, ao se fazer da felicidade o objeto de motivação, ela passa a ser, também, o objeto de
atenção, e uma hiperintenção tende a criar comportamentos neuróticos. Dessa maneira, a
verdadeira busca deveria ser por um sentido, uma motivação, pois quando se tem uma razão
para ser feliz, a felicidade se apresenta automática e espontaneamente.

AMPLIANDO OS ESTUDOS

Um novo conceito para avaliar o desenvolvimento social foi introduzido no reino de Butão,
em 1972, recebendo o nome de Felicidade Interna Bruta (FIB). O índice FIB teve a intenção de
contrabalancear a ênfase de um sucesso nacional baseado largamente no Produto Interno
Bruto (PIB)19,20. Curiosamente, o então presidente dos Estados Unidos da América, Robert F.
Kennedy, proclamou em 1968:

O produto nacional bruto não possibilita que nossas crianças tenham saúde, educação ou
alegria de brincar. (...) Ele não mede nossa inteligência, nem a nossa sabedoria, nem os
nossos ensinamentos, nem a nossa compaixão, nem nossa devoção a nosso país. Ele mede
tudo, resumindo, com exceção daquilo que faz com que a vida valha a pena.21
Saiba mais sobre o FIB e sobre como lideranças mundiais têm ampliado esforços em
torno da felicidade como norteadora de políticas públicas:

•www.grossnationalhappiness.com

•www.worldhappiness.report

•www.happinesscouncil.org

A SEGUNDA ONDA DA PSICOLOGIA POSITIVA


Quando Martin Seligman assumiu a presidência da Associação Americana de Psicologia
(APA), um novo ramo da psicologia foi estabelecido, a chamada Psicologia Positiva (PP). O
objetivo principal foi estudar as virtudes e as forças humanas22,23 (Figura 2).

No primeiro momento, a PP enfocou bastante a felicidade22,24. Em um segundo


momento, essa felicidade ganhou uma visão mais ampla com a proposta intitulada P.E.R.M.A.,
composta pelas cinco esferas seguintes23,25-27:
▪Alimentar emoções positivas (positive emotions – P).

▪Estar engajado (engagement – E).

▪Ter relacionamentos saudáveis (relationships – R).

▪Encontrar sentido de vida (meaning – M).

▪Sentir-se realizado (achievement – A).

É preciso ressaltar, porém, que o termo “positiva” pode gerar uma ideia de que exista uma
psicologia negativa, o que não é verdadeiro. Igualmente, pode-se ter a impressão de que a PP
negligencia o sofrimento humano ou que só se dedica à análise de situações favoráveis da
existência, o que também não é verdadeiro.

Positiva refere-se à ênfase que este campo dá ao entendimento das emoções positivas e
a questões relacionadas a estas. Refere-se, ainda, ao estudo dos aspectos saudáveis do
indivíduo28, os quais têm demonstrado utilidade na construção do bem-estar e no
enfrentamento das adversidades com florescimento psicológico.

De fato, desde o início, os psicólogos positivos anotaram que a PP enfatizaria os aspectos


saudáveis e os potenciais humanos, fazendo uma espécie de contrapeso na demasiada ênfase
que a ciência tinha dado até então ao adoecimento24. De qualquer modo, recentemente, uma
segunda onda da PP vem surgindo com o intuito de englobar o que chamaram de “dark side”,
ou seja, as experiências desafiadoras da vida, bem como os pensamentos, as emoções e os
comportamentos que geram desconforto. No entanto, o enfoque neste “dark side” vem com um
olhar de retirar algum desfecho “positivo”29,30:

As pessoas acreditam que a Psicologia Positiva lida somente com aspectos positivos
porque elas confundem experiências com desfechos. Apesar de os desfechos da Psicologia
Positiva serem sempre positivos em alguma maneira, os caminhos, as jornadas e aquilo que
nós experienciamos a caminho destes desfechos podem ser dolorosos e desafiadores29.
(tradução livre deste autor)
CONCEITO-CHAVE
A PP é um novo campo que procura entender as emoções positivas, as potencialidades
psicológicas e o funcionamento humano/social/institucional saudável, e aplicar esse
conhecimento para ajudar as pessoas e as instituições, tendo sobretudo o enfoque na
prevenção e na promoção da saúde mental26,28,31.

A FELICIDADE ESTÁ SEMPRE APENAS ONDE A COLOCAMOS


O poeta Vicente de Carvalho parece ter razão ao começar seu soneto sobre felicidade
justamente falando da angústia de se viver. Essas são duas realidades vivenciais e
experienciais humanas. Olhar para uma negando a outra parece ser uma redução da
tonalidade emocional que colore a existência.

APRENDENDO COM A ARTE

Alegria, mais belo fulgor divino

Filha de Elíseo

Ébrios de fogo entramos

Em teu santuário celeste!

Abracem-se milhões de seres!

Enviem este beijo para todo o mundo!

Irmãos! Sobre a abóbada estrelada

Deve morar o Pai Amado

Vos prosternais, Multidões?

Mundo, pressentes ao Criador?


Buscais além da abóbada estrelada!

Sobre as estrelas Ele deve morar

(parte do poema Ode à alegria musicado por Beethoven em sua 9ª sinfonia)

Sugestão de filmes:

•O segredo de Beethoven (2006; direção: Agnieszka Holland)

•Happy (documentário; 2011; direção: Roko Belic)

Na infância, as emoções positivas são fundamentais para atrair carinho dos cuidadores e
promover um desenvolvimento saudável. Seriam elas desprezíveis na idade madura? A ciência
e a academia começam, acertadamente, a se debruçar sobre elas, flexibilizando o foco do
patológico, das emoções negativas e do fisiológico. Todos esses três campos de estudos são
importantes, mas adicionar um quarto, ou seja, o estudo dos estados funcionais otimizados ou
de aspectos felizes da existência, tende a ampliar o entendimento científico sobre o humano. A
arte colocou a felicidade como um de seus focos. Interessante é que a ciência também
continue fazendo isso.

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* A obra de Viktor Frankl insere-se em um contexto mundial de injeção de existencialismo


nas psicoterapias. No entanto, muitos consideram Frankl o mais humanista dos
existencialistas.

LIVIA RODRIGO MICHELI MARIA

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