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Vanessa Campos Santoro

Dimensões clínicas da angústia


Vanessa Campos Santoro

Resumo
A autora aborda as dimensões da angústia através da clínica.

Palavras-chave: Trabalho clínico, Angústia, Real, Objeto a, Desejo.

O objetivo deste trabalho é fazer uma castração como angústia de separação de


reflexão sobre a incidência da angústia uma parte do corpo muito valorizada: o
na clínica. Vamos tratar inicialmente do órgão genital.
conceito de angústia. Abordaremos em A angústia aparece como pontos
seguida as modulações da angústia que num deslizamento da associação livre e só
se apresentam nas estruturas clínicas e de falar há uma contenção do gozo, pois a
como manejá-las pela transferência. cadeia significante trata o real pelo sim-
Freud elabora em sua obra duas teo- bólico. A estrutura da angústia é a mes-
rias sobre a angústia. ma da fantasia. Quando atuo a fantasia,
A primeira – no início de sua práti- sinto angústia porque, ao me colar nessa
ca – postula que a angústia é provenien- resposta que é a fantasia, a falta falta.
te da transformação da carga energética A ilusão da satisfação aparece na
(affekt) oriunda do aumento de tensão no captura narcísica ou na cena fantasmá-
limite entre o orgânico e o psíquico (Ras- tica. Quando estou aprisionada numa
cunho E). Ao permanecer não ligada, a cena, faço um acting out (atuação). O ac-
carga se transforma em angústia. ting out implica sair da cena pela janela
O acúmulo das cargas livres se da- do fantasma. Tem aí uma certa estrutura
ria de duas formas, a saber: as cargas ou significante. A passagem ao ato é uma
não se ligam (Bindung) às representações forma louca de sair de cena. Cai como o
(neuroses atuais), ou são desligadas (En- próprio a.
tbindung) pelo processo do recalcamento A angústia se dá num tempo de se-
(psiconeuroses). paração, de corte. É na queda do objeto
A segunda teoria da angústia primei- que a angústia aparece ou quando a fal-
ramente proposta em Inibições, sintomas ta precisa aparecer e não aparece, mas já
e ansiedade (1926) postula uma situação está tocada.
traumática originária (trauma do nasci- O trabalho com a angústia, ou seja,
mento) da qual a angústia atual funcio- o manejo da angústia é fazer faltar. Esse
na como um sinal de alarme, causando manejo é caso a caso, pontual, a cada
o recalque. Aqui, portanto, o recalque é momento e pela transferência.
consequência da angústia, enquanto na A angústia aponta para uma falta
primeira teoria o recalque é causa dela. que está sendo tamponada. Uma das saí-
Ainda nesse texto Freud dá mais das da angústia é falar da situação fan-
ênfase à angústia de separação do que tasmática. Uma das estratégias é atender
à angústia de castração e coloca o nas- mais vezes.
cimento como protótipo da separação Angústia é o simbolicamente real
da criança da mãe. Situa a angústia de → entre o somático e o psíquico.

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Dimensões clínicas da angústia

Lacan retoma o corpo: o que toca o no lugar da divisão do sujeito em relação


corpo desperta o sujeito. São marcas sig- a seu gozo, fazendo semblante de objeto a
nificantes no corpo vivo, o corpo não en- e sustentando uma análise.
tende o que acontece com ele. Quando O dispositivo psicanalítico da trans-
o corpo se manifesta, temos que escutar. ferência acolhe e opera com os afetos
que a articulação significante transporta,
Caso Clínico 1 transfere. Daí o valor clínico da angústia,
– Fragmentos de uma supervisão que precede a formação dos sintomas e
A., grávida do primeiro filho, muito an- indica o desejo. O próprio sujeito, quan-
gustiada pensa em morte: “Para que vi- do deseja, deseja enquanto Outro.
ver?” A partir de 1974-1975, Lacan se re-
Quanto ao filho, pensa: “Para que fere à angústia como acontecimento de
nascer neste mundo?”. REAL. No Congresso de Roma, realiza-
O obstetra, preocupado, quer interná do de 30 out. a 3 nov. 1974, ele faz uma
-la. A. recusa a internação e vem à sessão comunicação intitulada A terceira, em
todos os dias, às vezes, duas vezes por dia. que afirma: “Angústia é o sintoma tipo de
Só se levanta da cama para vir à análise. todo o acontecimento do real” (Lacan,
De modo repetitivo, o tema da morte 1981, p. 14).
domina as sessões. No Seminário 10: a angústia Lacan
([1962-1963] 2005) esclarece certos
O que é morrer? Para onde vamos? pontos precisos:
Melhor acabar logo com isso. Mas não
tenho coragem. O filho? Ele nem exis- • Angústia, afeto que não engana.
te ainda. Profissão? Agora nem isso me • A angústia é quando a falta falta.
sustenta. Cansei de estudar, de ser sabe- • A angústia tem uma estrutura de
tudo. exceção: todos os afetos se desviam, des-
locam ao longo das cadeias significantes.
A. se angustia com o fim da vida: • A angústia é amarrada ao objeto,
“Tudo vai terminar. Ninguém sabe a não sem objeto.
hora”. • A angústia não é sem Outro. Esta-
Lembra-se do pai, que morreu num belece o objeto a causa do desejo, que é
desastre aéreo, quando sua mãe estava a marca de uma falta radical na estrutura
grávida dela. Não o conheceu. “Deve ser do humano.
por isso que não suporto pegar avião.”
Faz-se uma borda na repetição. Foi- Há uma diferença entre objeto como
lhe dito que ela não suporta não poder causa de desejo e objeto que serve para
saber sobre a morte. A morte está na vida fixar a angústia. Lacan faz uma leitura
como limite. da angústia num além do Édipo. Há uma
As flutuações da teoria da angústia distância entre desejo e angústia.
progridem com o conjunto da doutrina e A natureza da angústia se refere a mo-
com as exigências da clínica. mentos, fenômenos de aparição no ima-
A angústia é experimentada no Eu. ginário de alguma coisa do invisível e do
Tem a estrutura temporal do instante. A informulável do sujeito e do Outro. São
angústia irrompe diante de uma ruptura aparições no nível das rupturas de signi-
de significação. É uma experiência de ficação (rupturas da cadeia significante).
destituição subjetiva selvagem. Na relação do sujeito ao Outro, o
O lugar do analista é não-todo, ele lugar vazio é questionado. Ele se angus-
opera não com sua subjetividade, e sim tia por duas razões: quando não se pode
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saber o que o Outro quer do sujeito (im- O superego profere uma ordem im-
potência de saber) e quando essa falta se possível de ser cumprida pelo sujeito,
preenche pela iminência de resposta pos- mesmo que se esforce bastante, porque
sível. o gozo é fálico, limitado, fixado ao um
Exemplo: o angustiado da página em e dura pouco. Angústia e culpa se avizi-
branco. nham, pois as duas estão na linguagem e
no saber.
Perguntem ao angustiado com a pá- A angústia segue o gozo fálico de
gina em branco, e ele lhes dirá quem é maneira muito próxima: o homem sofre a
o excremento de sua fantasia (Lacan, angústia da detumescência, de não mais
[1960] 1998, p. 832). poder (impotência).
A mulher sofre por ser objeto de uso
Na análise, essa destituição subjetiva (instrumento de gozo) e em ser reduzida
programada toca os fenômenos da angús- a objeto fora do uso. Quanto mais agar-
tia. rado ao gozo fálico, como na melancolia
E aí chegamos às estruturas clínicas e na neurose obsessiva, mais o supereu se
e aos efeitos que elas sofrem em decor- enfurece.
rência do discurso capitalista, lembrando
que cada estrutura implica uma posição Histeria
ética. As formas de angústia são diferentes no
Tomaremos mais a clínica da neuro- obsessivo e na histérica. A histérica se
se. A neurose é a mais defendida das es- identifica com a castração como faltosa.
truturas clínicas, o que explica o neuróti- O obsessivo tem a resposta. Ele sabe por
co fabricar sintomas; ele sintomatiza seus que corre mais risco de cair no lugar de
gozos. A neurose, então, é uma estrutura objeto do desejo do Outro (a mãe): ele
de defesa em relação ao gozo. tem o que ela deseja.
Na experiência clínica as angústias A histérica faz greve do corpo (La-
superegoicas são as mais difíceis de redu- can, [1969-1970] 1992, p. 88) e parece
zir e as mais devastadoras. paradoxal com as somatizações que re-
Freud atribui ao superego a reação conduzem o gozo ao corpo, deserto de
terapêutica negativa, apresentada por gozo, corpo que só goza na superfície. A
aqueles sujeitos que não suportam o êxi- somatização é o significante que se imis-
to e recusam qualquer sinal de melhora. cui nas funções do corpo, que atravessa a
É uma angústia paradoxal em relação ao superfície e que toca as próprias funções.
princípio de prazer. Não é o mal que en- A partir de agora as histéricas têm
gendra a culpa, mas o bem. acesso a um leque muito amplo de angús-
Nesse sentido, para Freud o superego tia quando querem bancar O Homem e
interdita o gozo, enquanto para Lacan o apresentam novas oportunidades de an-
superego comanda o gozo. Superego é de gústias em vez de novos sintomas. Estão
início uma voz que repreende herdada do sujeitas a todas as angústias ligadas ao
Outro. É uma cadeia significante que se poder fálico: à angústia de impotência, às
impõe na dimensão de voz. angústias superegoicas, que demandam
O superego é diferente do ideal do sempre mais. Atualmente, a inveja do
eu, que também pode ser esmagador. pênis desemboca em angústia e não em
Os afetos do superego são angústia e depressão.
culpa. Entretanto, há diferença entre os Para Soler (2012), os novos sintomas
dois: a culpa é um afeto que engana; a têm uma dimensão de acting out histéri-
angústia é um afeto que não engana. co, pois gozam de um corpo sem passar
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Dimensões clínicas da angústia

pelo órgão e pelo sexo: estresse, teta- Neurose obsessiva


nias, sintomas uretrais, anais, genitais A neurose obsessiva apresenta o fracas-
e os transtornos da oralidade – as buli- so do recalque, numa luta interminável.
mias e as anorexias, os obesos e os es- A ideia rejeitada é substituída por deslo-
queléticos. camento para qualquer coisa que seja de
Hoje em dia os acting out estão mais pouca importância.
do lado da destituição do objeto. As his- Na neurose obsessiva prevalece o
téricas vestem o objeto decaído, o objeto sintoma, que prolifera para produzir o
abandonado, confundido muitas vezes maior evitamento possível da angústia.
com a melancolia. Os sintomas obsessivos são de dois tipos:
• Os negativos: proibições, precau-
Caso clínico 2 – fragmentos ções e expiações. São mais antigos.
Abandonada pelo namorado, B. diz: • Os positivos: satisfações substitu-
tivas que aparecem sob disfarces simbó-
A falta que sinto dele é como uma faca licos.
enfiando na perna. Dói demais, depois A anulação retroativa e o isolamento
passa. Agora, a saudade... essa não pas- são sintomas substitutos do recalque.
sa.... É horrível ficar sozinha. Tenho pâ- No isolamento há uma destituição
nico de domingo em casa. Daí não como. do afeto ligado a uma certa experiência, e
suas conexões associativas são suprimidas
Enquanto o homem tem um sinto- ou interrompidas.
ma que serve a seu gozo ‘a-sexuado’, e Na anulação trata-se de fazer desa-
muitas vezes esse sintoma é uma mu- parecer algo que foi feito e é uma forma
lher, a mulher é um corpo que não é de substituir o que não foi recalcado.
somente falo, mas é sintoma de um ou- O obsessivo que afirma ter sido mui-
tro corpo. A histérica se define não por to amado pelo Outro e que se identifica
ter ou por ser um sintoma, mas por se com o falo imaginário, tem um eu muito
interessar pelo sintoma e pelo gozo de consistente e, portanto, usa mecanismos
um outro. de defesa muito estruturados.
A mulher histérica não é o gozo que O sadismo do superego não triunfa
ela quer. Exemplo disso é a grande tole- sobre o obsessivo porque seu sadismo é
rância das histéricas à impotência do ho- dividido: uma parte maltrata a si mesmo
mem e à sua própria frigidez. através das autorrecriminações, e a outra
Um ponto extremo de angústia é a parte persegue seu objeto, agredindo o
devastação tanto da mãe quanto do par- parceiro.
ceiro. A única coisa em comum entre a Na neurose obsessiva a ideia rejeita-
reivindicação e a devastação é a dor. da não retorna metaforicamente pela via
A devastação está fora do falicismo, substitutiva. Surge no lugar uma “altera-
é o afogamento mais radical dos traços ção do eu” sob a forma de maior cons-
significantes que a inveja do pênis e vem ciência.
junto com a desorientação. Refere-se ao Há o afastamento da libido no pro-
gozo Outro, que é desidentificante e ape- cesso de recalque através da formação
la ao Outro do amor (absolutização do reativa. É um método diferente da forma-
amor). ção de um sintoma, e a ideia rejeitada é
Freud já dizia que a angústia das deslocada para algo indiferente ou peque-
mulheres é perder o amor. Aí a mulher no, persistindo uma satisfação pulsional
procura quem a nomeie e quem nomeia infindável que não se integra ao processo
o inominável. metafórico da formação de sintoma.
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O recalque fracassa, e o retorno do – “E o que mais você escuta à noite”?


que foi recusado volta como ansiedade Chegamos à conturbada vida sexual
moral e autocensura acentuada, pondo dos pais com brigas e agressividades.
em jogo mecanismos de fuga, evitações e Afetada pelo comportamento dos pais, a
proibições. criança diz:
O obsessivo estende ao infinito o – “De noite eles se transformam, tão
“tempo para compreender”, procrasti- calmos de dia...”
nando e evitando o momento de concluir. Um dia, bate com força na porta an-
O modo particular de o sujeito ob- tes da sessão:
sessivo de lidar com a própria angústia é – “Olha aqui. É disso, é isso que me
a dúvida. apavora”.
Abre uma revista Seleções, que repro-
Fobia e pânico duz o órgão genital masculino em tons de
A fobia é a casa de guarda que protege da verde e rosa.
angústia. O objeto fóbico vem preencher – “Meu pai me mostrou um atlas de
sua função sobre o fundo de angústia. médico enorme e fiquei apavorado e ele
Trata-se da angústia de castração. falando sem parar. Aí é que fiquei com
A fobia é a primeira articulação sub- muito medo.”
jetiva perante a angústia. É o sinal, o Quem é o ladrão que rouba a paz da
tempo de espera de uma operação sim- criança trazendo-lhe a genitalidade de
bólica que só chega depois, atrasada em uma forma ascética, sem a criança mani-
relação ao real pulsional. festar interesse? E os vampiros da noite
É na encruzilhada a caminho da que se transformam e não o deixam dor-
subjetivação do sujeito que se cruzam as mir?
operações fundantes de desamparo e su- O pânico é uma irrupção direta, súbi-
jeição ao Outro e o que não se articula na ta e intensa de angústia, aparentemente
dimensão significante e se introduz como fora de toda rede de significação mani-
gozo. A fobia como tempo de compreen- festando-se sintomaticamente no corpo.
der é uma placa giratória, que pode levar É um encontro com o real na forma de
às neuroses ou à perversão. Ela irrompe exposição ao objeto a, sem recursos sim-
quando há ausência ou precariedade de bólicos para contornar a falha.
simbolização e abalo de uma significação Esses processos de alteração no eu
fálica. atrapalham a direção do tratamento.
Lacan situa o surgimento da angústia Freud ([1932] 1976, p. 274) fala da “ade-
diante não da falta, mas da falta da falta, sividade da libido” quando o paciente
onde há uma falha na operação de castra- fica fixado a seus objetos de gozo. Chama
ção, não instaurando a falta e vindo um de “inércia psíquica” esse esgotamento
significante se colocar no seu lugar. Ou da plasticidade. É um modo de gozar do
seja, na fobia a falta está na iminência de sintoma carregado de pulsão de morte na
ser instaurada ou na iminência de faltar. sua obstinação repetitiva.
A presença da angústia na direção
Caso clínico 3 – fragmentos da cura é como uma bússola para seu
Criança com pavor de ladrão fez terapia manejo e as manobras transferenciais do
comportamental. Deslocou o medo para analista.
vampiros. Chega ao consultório dizendo: A angústia é insuportável de supor-
– “É pior, porque não durmo. Eles tar, não tem remédio, mas tem tratamen-
atacam à noite. Fico acordado escutan- to. O sintoma e o psicanalista são trata-
do, esperando algum barulho”. mentos possíveis para a angústia.
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Dimensões clínicas da angústia

O analista também se angústia e tem A angústia tem que ser um instante


que atravessar a própria angústia. Em A de ver, para logo compreender e concluir.
crise do analista: fragmentos de um caso (Bo- Se for um estado permanente vira um
letim Informativo do CPMG, n. 13, 1979), sintoma, como na melancolia, na obses-
o colega José Domingues de Oliveira es- são e na síndrome do pânico, quando pa-
creve sobre um paciente que ameaça sui- ralisa as operações possíveis do sujeito a
cidar-se. Uma análise começa com o sin- partir do objeto a.
toma e não termina sem angústia. O me- Ficar siderado a um desejo do Outro
lhor que se pode esperar de uma análise consistente é “ficar na pior”.
no seu fim é o caminho da letra (bonheur). O manejo da angústia pelo desejo de
O sujeito procura a análise quan- analista propicia que a separação não seja
do seus sintomas não o protegem mais uma volta da alienação e que o sintoma,
da angústia. Daí pode-se dizer que uma no fim, seja um significante novo que
análise terá sempre que tocar na angústia porta um desejo inédito.
subjacente ao sintoma e manejá-la pelo A angústia que interessa à psicanáli-
trabalho da transferência. se diz respeito ao sujeito em suas opera-
Transformar o sintoma em questão ções de falta, ao desejo e ao gozo que o
para o sujeito pela operação do SsS (su- determina nos modos como se enlaçam o
jeito suposto saber) é des-velar o molde real, o simbólico e o imaginário, de onde
fantasmático de todas as formas do sin- se extrai o objeto a.
toma. No Seminário 11: os quatro concei-
A fantasia tem na neurose um lugar tos fundamentais da psicanálise, Lacan
estrutural. É uma tela protetora em rela- ([1964] 2008) recomenda não só o ma-
ção ao real, sendo efeito do recalcamento nejo da transferência e da demanda, mas
originário. também o necessário manejo da angústia,
Lacan postula uma travessia da fan- na direção do tratamento, para que o su-
tasia no final de análise, necessária para jeito não sucumba a ela.
se desvencilhar das fixações imaginárias
próprias da fantasia, permitindo ao sujei- A angústia é, para a análise, um termo
to bascular entre sua própria divisão e o de referência crucial, porque, com efei-
objeto a, causa de desejo (S<>a). to, a angústia é o que não engana. Mas
O analista incluído no sintoma pela a angústia pode faltar. Na experiência é
transferência é que faz o corte de todo necessário canalizá-la e, se ouso dizer,
sentido possível dos jogos neuróticos e dosá-la, para não ser por ela submer-
trata o mal pelo pior, isto é, o sintoma so. Aí está uma dificuldade correlativa
pela angústia. da que há em conjugar o sujeito com
É o desejo do analista que opera o es- o real... (Lacan, [1962-1963] 1993, p.
vaziamento das significações fantasmáti- 43).
cas do sintoma causando a angústia.
Desejo de analista, função que toca o Se a angústia é uma das manifesta-
real e que faz objeção ao amor de transfe- ções possíveis para um analisando sob
rência, que preserva a angústia e eviden- transferência e faz trabalhar na análi-
cia o sem sentido do desejo do Outro. se, ela pode paralisá-lo quando se trata
O percurso de uma análise parte do de um supereu feroz, produzindo culpa,
sintoma – tratamento do real – para pro- punição, sentimento de inferioridade. É
duzir angústia e daí atravessá-la pela fan- necessária a intervenção do analista para
tasia, pois a destituição subjetiva não é o modulá-la, enfim, manejá-la. É uma for-
fim da análise. ma de tratar o real pelo simbólico.
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Vanessa Campos Santoro

No final de análise, com a dessupo-


sição de saber ao Outro, pode irromper Referências
muita angústia em certos analisandos.
A angústia representa na análise BADIOU, A. Em busca do real pedido. Belo
Horizonte: Autêntica, 2017.
o encontro narrado com o real, com as
quedas das identificações, dos ideais, do FINGERMANN, D.; DIAS, M. M. Por causa do
narcisismo inerente à alienação do sujei- pior. São Paulo: Iluminuras, 2005.
to e à extração do objeto a da separação.
Cabe ao analista sustentar análises FREITAS, I. (Org.). Angústia. Salvador.
Publicação da Associação Científica Campo
que exijam manejos a mais, como aqueles
Psicanalítico da Bahia, 2006.
casos graves de angústia que são medica-
lizados. FREUD, S. Conferência XXXII: Ansiedade e vida
Concluindo, o difícil manejo da an- instintual (1932). In: ______ . Novas conferências
gústia na clínica é feito sob transferência, introdutórias sobre psicanálise e outros trabalhos
(1932-1936). Direção-geral da tradução de Jayme
passa pelo analista e o envolve. A análise
Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 85-112.
do analista é fundamental para lidar com (Edição standard brasileira das obras psicológicas
a angústia do analisando sem tamponá-la completas de Sigmund Freud, 22).
nem deixá-lo à deriva em suas manifesta-
ções excessivas como no pânico, quando FREUD, S. Inibições, sintomas e ansiedade (1926
[1925]). In: ______. Um estudo autobiográfico,
o corpo é invadido.
inibições, sintomas e ansiedade, análise leiga e outros
Lembramos sempre que precisamos trabalhos (1925-1926). Direção-geral da tradução
da angústia, sinal para chegar ao objeto a, de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
que por sua vez nos sinalizará o fantasma p. 91-167. (Edição standard brasileira das obras
do analisando. psicológicas completas de Sigmund Freud, 20).
Sentir o que o sujeito pode suportar
FREUD, S. O mal-estar na civilização (1930
dessa angústia é o que nos põe à prova [1929]). In: ______. O futuro de uma ilusão, o
a todo instante (Lacan, [1962-1963] mal-estar na civilização e outros trabalhos (1927-
2005, p. 13). j 1931). Direção-geral da tradução de Jayme
Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 67-153.
(Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud, 21).
ANGUISH’S CLINICS
DIMENTIONS FREUD, S. Rascunho E. Como se origina a
angústia (jun. 1894). In: ______. Publicações
Abstract pré-psicanalíticas e esboços inéditos (1886-1889).
Direção-geral da tradução de Jayme Salomão.
This paper treats the anguish dimensions’
Rio de Janeiro: Imago, 1969. p. 269-276.
though clinic works. (Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud, 1).
Keywords: Clinic works, Anguish, a
Object, Real, Desire. JORGE, M. A. C. Fundamentos da psicanálise:
de Freud a Lacan, v. 3: a prática analítica. Rio de
Janeiro: Zahar, 2017.

LACAN, J. A terceira. Escola Freudiana de São


Paulo, Departamento de Publicações Internas.
São Paulo, 1981. (Distribuição interna).

LACAN, J. O seminário, livro 10: a angústia (1962-


1963). Texto estabelecido por Jacques-Alain
Miller. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:
Zahar, 2005. (Campo Freudiano no Brasil).

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Dimensões clínicas da angústia

LACAN, J. O seminário, livro 11: os quatro


conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Texto
estabelecido por Jacques-Alain Miller. Tradução
de M. D. Magno. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar,
2008. (Campo Freudiano no Brasil).

LACAN, J. O seminário, livro 17: o avesso da


psicanálise (1969-1970). Texto estabelecido por
Jacques-Alain Miller. Tradução de Ari Roitman.
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desejo no inconsciente freudiano (1960). In:
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de Janeiro: Zahar, 1998. p. 807-842. (Campo
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OLIVEIRA, J. D. A crise do analista – fragmentos


de um caso. Boletim do CPMG, n. 13, 1979.
SOLER, C. Declinações da angústia. São Paulo:
Escrita, 2012.

Recebido em: 28/02/2018


Aprovado em: 16/03/2018

Sobre a autora

Vanessa Campos Santoro


Psicóloga.
Psicanalista.
Sócia do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.
Coordenadora da XXXVI Jornada do CPMG
do triênio 2018-2020.

Endereço para correspondência


E-mail: <vansantoro@uol.com.br>

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