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ACONSELHAMENTO EDUCACIONAL

Marcio Ferreira de Araujo Miyazato.

Introdução

Pedir conselhos é uma prática comum no relacionamento humano, seja, no


meio privado: na família, entre pais e filhos, amigos, casais; ou no meio público:
mercado de trabalho, escolas, ONGs e igrejas. Independente do meio, a prática do
aconselhamento não é tarefa fácil, implica em várias questões complexas que fazem
parte da vida humana. Para um conselheiro profissional, o conhecimento de
técnicas, métodos, postura ética são fundamentais em seu trabalho, mas não se
limita a isso, pois o conhecimento teórico, também pode contribuir muito com o a
prática do aconselhamento. Assim, neste artigo veremos como uma teoria pode
potencializar o trabalho do conselheiro.

Como conselheiros, com abordagem profissional, não podemos conceber o


ato de aconselhamento no sentido comum do termo. Quando observamos a práxis
de aconselhamento no espaço privado, no ambiente familiar, na relação de amizade
ou entre casais, vemos que o ato de aconselhar, muitas vezes, se reduz à fazer
exortações, votos de encorajamento ou mesmo, propor condutas ideais para a
pessoa seguir. No geral, quem aconselha se coloca na posição de sábio, mestre ou
daquele que é “dono da verdade”. Por vezes, os conselhos são mais impostos do
que sugeridos e, raramente, tem como objetivo auxiliar o sujeito na compreensão do
problema, ou em mostrar a responsabilidade que a pessoa tem com sua condição,
para conduzi-lo a tomar uma decisão consciente, independente das consequências
futuras.

No aconselhamento público, onde o conselheiro se dispõe a uma atuação


profissional, assim a noção de aconselhamento pode ser ampliada, de modo que,
não corramos o risco de agirmos como mestre, onde o cliente é geralmente excluído
e passa a ser tomado como um objeto ou como um robô a ser reprogramado e
reintegrado no sistema social. Para isso, vamos em nossa reflexão, partir de
algumas noções de aconselhamento, para em seguida, vermos como o auxilio de
algumas teorias e técnicas podem ajudar nesta tarefa de aconselhar, principalmente
na área educacional.
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Definições

No novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2010), a palavra


“aconselhamento” é definida com três aspectos distintos: Primeiro, o
aconselhamento como ato ou efeito de aconselhar. Segundo, do ponto de vista
educacional, como uma prática de orientação do discente em relação à escolha de
um curso. E terceiro, no sentido psicológico, o aconselhamento é definido como uma
forma de assistência para solução de desajustes e condutas leves. Como veremos
mais adiante, essas três definições parecem apresentar as dimensões de uma
prática de aconselhamento, mas vamos prosseguir um pouco mais com a definição.

No primeiro aspecto do aconselhamento, como ato ou efeito de


aconselhar, o aconselhamento seria uma pratica de indicar uma vantagem a alguém,
ou mesmo sugerir para que uma pessoa faça algo ou possa levar algo em
consideração, ou ainda, que possa usufruir de algo. Assim, nessa primeira definição,
o aconselhamento é tomado no sentido comum e geral do termo, em que a prática
do aconselhamento serve para beneficiar alguém, uma perspectiva positiva, em que
os conselhos podem ser um ato benéfico, orientador e vantajoso. Porém, fica
implícito nessa definição, um sentido instrutivo ou mesmo persuasivo, aonde
aconselhar é indicar ou levar uma pessoa a tirar proveito de algo no qual o
orientador, possivelmente, segundo seus próprios valores, tome como vantajoso.
Por outro lado, ao apresentar que o aconselhamento é um ato de sugerir que algo
seja feito ou considerado, parece mais apropriado a uma prática de
aconselhamento, pois o valor semântico de uma “sugestão”, não tem a mesma
implicação de uma “indicação”, que parece estar mais próximo semanticamente de
uma indicação no sentido medicinal ou da indicação com um significado próximo de
um diagnostico médico.

No segundo aspecto, o aconselhamento como uma orientação de


alunos à escolha de uma profissão, referente ao aconselhamento educacional, há
um reducionismo, pois sabemos que o aconselhamento educacional, mesmo em um
nível informal, não se limita a orientação de carreiras. Pois, os problemas levados
aos conselheiros na área de educação, além dos vocacionais, há também os de
aprendizagem e de desenvolvimento. (STEFFLRE & GRANT, 1976, p. 60).
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No terceiro, o aspecto psicológico, é talvez termo mais polêmico para a


definição de aconselhamento, devido haver um forte debate sobre os limites do
aconselhamento na área de psicoterapias. Há aqueles que se alinham a essa
definição do dicionário, do aconselhamento como uma forma de tratamento de
transtornos, e defendem o aconselhamento como prática psicoterapeuta, limitada a
uma assistência psicológica para solução de desajustes de conduta leves. Para esta
linha, o aconselhamento, tem foco em uma abordagem criativa, aplicada em
transtornos de ansiedade "normais", a psicoterapias de conflitos intrapessoais e
problemas de papéis, enquanto que os problemas mais graves, de alteração de
personalidade, uma ansiedade neurótica e doenças mentais seria tarefa de um
psicoterapeuta clinico e não de um conselheiro. (STEFFLRE & GRANT, 1976, p.17).
Por outro lado, existe outra corrente que esses limites não existem, e cabe ao
conselheiro, atender ou não ao caso de acordo com as habilidades e competências
pessoais, podendo expandir sua prática para o campo da psiquiatria e da
psicanálise. De qualquer forma, se faz necessário discutir a identidade dessas
práticas, mesmo que isto aponte para poucos limites precisos ou gerais e que haja
desacordo quanto aos pormenores. (STEFFLRE & GRANT, 1976, p.15). Apesar de
merecer uma discussão mais aprofundada, vamos prosseguir com o foco no aspecto
educacional do aconselhamento, o que não necessariamente, excluem questões
emocionais ou existenciais.

Aconselhamento e terapia

O aconselhamento visa uma terapêutica, no sentido em que trabalha


em função de uma mudança ou transformação do comportamento e atitudes das
pessoas. No aconselhamento há uma intervenção deliberada na vida das pessoas,
essa intervenção no comportamento, ocorre no sentido mais amplo do termo.
(STEFFLRE & GRANT, 1976, p. 244). Cabe sabermos a qualidade desse
aconselhamento terapêutico, para isso vamos recorrer à classificação de três
abordagens na prática do aconselhamento que esta implícita nos três aspectos dado
anteriormente. Podemos conceber três abordagens para os problemas em
aconselhamento, a saber: a abordagem de apoio ou suportivas, abordagem
reeducativa e abordagem reconstrutiva.
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A abordagem suportiva ou de apoio, procura propiciar um equilíbrio


emocional, de modo a reduzir os sintomas ou sofrimentos do individuo por meio de
uso de técnicas de orientação diretiva, manipulação ambiental, persuasão e
exposição de interesses a fim de fazer com que o individuo possa agir segundo seus
padrões normais. (STEFFLRE & GRANT, 1976,p.18) Assim, teria como objetivo
fazer com que um individuo descontrolado ou desequilibrada pudesse haver apoio
do conselheiro para se adaptar ao meio social.

Abordagem reeducativa, procura integrar a vida adaptativa, por meio


de modificações no comportamento, a partir insights de processo conscientes e com
as modificações de comportamento limitadas a pequenos problemas em áreas
delimitadas da vida. (STEFFLRE & GRANT, 1976, p.18). Diferente da suportiva que
reforça as defesas existentes e trabalha com mecanismos de autocontrole para
adaptação a uma vida normal, a reeducativa trabalha com a readaptação dos
indivíduos, por meio do estimulo de potencialidades criativas do sujeito,
independente do conflito que esteja sofrendo.

E por fim, a abordagem reconstrutiva, foca em conflitos inconscientes,


e tem como alvo a ampla modificação estrutural de caráter, muito comum na prática
das terapias psicanalíticas que tratam com neuroses graves e outros distúrbios
estruturais de caráter. (STEFFLRE & GRANT, 1976, p.18,19) Na terapia
reconstrutiva o objetivo é a alteração de estrutura intrapsíquica do individuo o que
exige um conhecimento mais profundo de teorias de orientação psicanalíticas.

Dessas três abordagens, de apoio, reeducativa e reconstrutiva, a


prática do aconselhamento tem seu maior foco nas duas primeiras, enquanto a
ultima fica com as psicoterapias que de modo geral não assumem o
aconselhamento como práxis, principalmente as de corrente psicanalítica. Logo
vamos abordar neste trabalho que tem como alvo o aconselhamento educacional a
abordagem reeducativa por valorizar o individuo e seu caráter criativo e uma
abordagem em problemas da vida que possam ser delimitados e aconselháveis.
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Aconselhamento educacional

Aconselhamento educacional, como está explicito no próprio termo, trata-se


de uma prática de aconselhamento voltado ao campo e as questões da educação de
crianças, adolescentes, jovens e adultos. O conselheiro no campo educacional
trabalha num ambiente onde o objetivo principal é a educação, assim, os problemas
mais comuns desse campo são de ordem vocacional, problemas de aprendizagem e
de desenvolvimento do discente, desse modo, as questões de perturbação psíquica
e reabilitação não são o foco do trabalho de aconselhamento. (STEFFLRE &
GRANT, 1976, p.60). Estes casos de comportamento ou transtorno psíquico mais
grave, o conselheiro pode sugerirum encaminhamento a um especialista.

O conselheiro na área educacional trabalhara em conjunto com outros


profissionais da educação como professores, direção da escola, etc. Apesar de não
estar diretamente envolvido em problemas disciplinares, será pressionado pelos
vários atores envolvido no campo, com: professores, gestores, pais e alunos, no
entanto, apesar dos problemas interpessoais que poderá enfrentar, o papel do
conselheiro é defender e preservar o espaço da individualidade do aluno.
(STEFFLRE & GRANT, 1976, p. 42, 43). É importante levarmos em consideração a
importância da existência desse espaço do discente dentro do ambiente
educacional, pois, é neste espaço, que o aluno terá a liberdade de expressar seus
problemas e frustações, e também, é um espaço fundamental para o trabalho do
conselheiro.

Os sintomas que frequentemente chegam para aconselhamento educacional,


nem sempre são aqueles colocados de forma clara e imediata ao conselheiro, pois,
quando um discente se queixa que quer abandonar a aula por causa de uma dor de
cabeça, a questão pode estar referindo a outra causa não explicitada na queixa,
assim, o conselheiro nem sempre pode confundir sintoma com causa. (STEFFLRE &
GRANT, 1976, p. 44). Logo. A escuta no aconselhamento deve ser tão aberta e
flexível, quanto às formulações de hipóteses ou a averiguação de probabilidades
para a identificação do problema, assim, a base teórica para a prática do
aconselhamento educacional pode tanto auxiliar, quanto prejudicar o conselheiro
com relação a escuta ou a leitura dos problemas, como no que fazer ou qual atitude
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ter diante do problema. Vamos então em seguida discorrer sobre esta questão da
base teórica na prática dentro do aconselhamento educacional.

Abordagens teóricas na prática do aconselhamento educacional

No aconselhamento educacional é comum haver uma defasagem entre teoria


e prática, no geral, os profissionais teóricos da educação, menosprezam o trabalho
do conselheiro educacional e, em contra partida, o conselheiro educacional
considera inútil o trabalho teórico. (STEFFLRE & GRANT, 1976, p.32).
Não devemos limitar a prática do aconselhamento a um modelo teórico, por
outro lado, o aconselhamento sem uma perspectiva teórica pode cair num
subjetivismo negativo, a ponto do conselheiro usar sua experiência de vida pessoal
como base para orientação, o que pode ser pior, pois o orientando corre risco de
sofrer projeções da vida do conselheiro na orientação, e isto, pode prejudicar a
leitura do problema especifico do orientando. Podemos observar essa abordagem
subjetivista, naquele momento em que o conselheiro após escutar o orientando, diz
para o orientando, que passou por problemas semelhantes, ou piores na sua vida.
Enfim, para evitar os reducionismos extremos o conselheiro pode ampliar seus
conhecimentos em relação às perspectivas teóricas disponíveis, que privilegiam um
lugar de sujeito para o discente, isso implica numa visão de desenvolvimento
humano que o conselheiro assume na relação com o outro. No aconselhamento
cristão, ter como base somente uma cosmovisão na qual todo individuo é pecador e
que este deve se arrepender de seus pecados para ser salvo, não vai auxiliar o
discente nos seus problemas educacionais, por isso é necessário conhecermos
perspectivas teóricas ou filosóficas que leve numa relacionação com o outro, a partir
do ponto de vista, de como se dá a apreensão do conhecimento e o
desenvolvimento humano.

As teorias do desenvolvimento em educação

De modo geral. As teorias do desenvolvimento podem ser divididas em três grandes


correntes: Teorias de hereditariedade; Teorias ambientalistas e Teorias
interacionistas.
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As teorias de hereditariedade

As teorias de hereditariedade defendem que cada individuo nasce com


potencial de inteligência e despreza a influencia ativa do ambiente em relação ao
desenvolvimento dessas competências, assim, os fatores biológicos tem privilegio
sobre a determinação do potenciais dos indivíduos. (CÓRIA-SABINI, 1993, p.121).
Também, conhecida como inativismo, essa linha pressupõe que o conhecimento é
fruto da herança genética do individuo e que as influencias do ambiente não exerce
influência no processo de aquisição e desenvolvimento do conhecimento. Nessa
perspectiva, o ambiente é importante apenas como suporte para o desenvolvimento,
sua influência prejudica o desenvolvimento das potencialidades inatas quando
ocorre privação nutricional, cultural ou forte pressão emocional. (CÓRIA-SABINI,
1993, p.121).

Um dos índices para mensurar o nível da inteligência do individuo, nessa


abordagem inatista é otradicional teste de Q.I. (quociente de inteligência) que
quantifica e compara o potencial de um individuo com à media de outros indivíduos
da mesma classe e cultura. Pesquisadores com a ferramenta de Q.I.,chegaram a
resultados com alto viés ideológico, demonstrando diferenças de inferioridade e
superioridade entre classes econômicas, étnicas, ambientes profissional, urbano e
rural, de modo a pontuar que indivíduos com desnutrição, ou que tinham um
“ambiente cultural pobre” eram inferioresno desenvolvimento cognitivo,em relação
aos que não sofriam tais privações. (CÓRIA-SABINI, 1993, p.122). Programas de
governos que defendem a alimentação como fonte de investimento na educação, de
certa forma, têm inspiração nessa corrente. Apesar de possuir suas razões, o
desenvolvimento cognitivo dos indivíduos não deve ser reduzido apenas a projetos
de alimentação e incentivo a cultura, pois, em sua forma extrema, se assemelha a
tradicional “politica do pão e circo”. Também, com essa abordagem, surgiu o
conceito de déficit cognitivo para explicar o rendimento escolar baixo dos alunos.
(CÓRIA-SABINI, 1993, p.124). Outros termos como prontidão e dom fazem parte
dessa abordagem, a partir dai, podemos observar problemas de um determinismo
biológico, mas também, uma interpretação teológica, pois tem rastro numa tradição
bíblica do livro da Gênese, onde expressa que o humano é o centro da criação e
deve dominar e ordenar sobre toda natureza ou universo. A versão moderna
paraessa teologia está na filosofia racionalista de Descartes (1596-1650), com sua
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máxima “Penso, logo sou”,negligenciou a importância dos sentidos para a formação


do conhecimento. Atualmente estas teorias de hereditariedade tomam nova
roupagem via as teorias em neurociências.

Teorias ambientalistas

Em oposição às teorias de hereditariedade ou inatismo, a corrente


ambientalista ou empirista da importância maior ao externo e aos sentidos na
formação do conhecimento. Com raízes em John Lock (1632 - 1704), que defendia
uma concepção de mente do homem como uma “tabula rasa”, em queo
conhecimento no humano se dá pela impressão de informações na mente através
da apreensão dos cinco sentidos, têm como lema: "sinto, logo sou". A corrente
ambientalista favorece o pólo do ambiente como determinante. Para restaurar as
vivencias de uma criança com uma origem ambiental pobre, a reversãoseria possível
pelo investimento na qualidade do ambiente. (CÓRIA-SABINI, 1993, p.127).

A perspectiva do Behaviorismo, do russo Ivan Pavlov (1848-1936), do


psicólogo-norte americano John Watson (1878 – 1958) e Skinner (1904 – 1989)é um
exemplo mais clássico da abordagem ambientalista. O comportamento humano, na
perspectiva behaviorista, deriva da experiência do organismo e modificações por
meios psicológicos, processos considerados idênticos e comum a qualquer espécie
de aprendizagem humana. (STEFFLRE & GRANT, 1976, p. 209).O behaviorismo
parte de uma posição no qual a aprendizagem ocorre por um modelo de estimulo-
resposta, em que o fruto desse conhecimento deve-se as alterações e estímulos
vindos diretamente do ambiente para o individuo. Com a técnica de estimulo-reposta
ou por via de treinamento era possível fazer com que qualquer indivíduo,pudesse se
tornar um advogado,médico,um comerciante, entre outros, independente de suas
vocações, por meio de método de gravar respostas corretas e eliminar as incorretas.
Para influenciar as respostas certas utilizamos a noção de reforços negativos ou
reforços positivos, ou seja, a ideia de punição e recompensa. O condicionamento
acontece por meio de repetitivos reforços e uma visão mecanicista e colaborou com
a lógica pedagógica das escolas tecnicistas onde o conhecimento é uma cópia ou
imitação do mundo externo. Nesta linha, a participação do individuo no processo de
conhecimento é passivo ou mesmo negligenciado, pois o ambiente é sua forma de
pensar. (CÓRIA-SABINI, 1993, p.128.)
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Teorias interacionistas

A perspectiva interacionista nasce como uma possível solução para do


dualismo implicado entre as teorias inatistas e ambientalista e coloca como
pensamento: "Interajo, logo existo." Apesar de uma possibilidade de considerar tanto
o ambiente quanto o individuo como importantes no processo de formação de
conhecimento, apresenta duas linhas fundamentais, porém que mantém uma leve
núncia dessa disse dualismo entre ambiente versus ambiente. Podemos perceber
isso com os pontoteóricos de dois autores essenciais do interacionismo, o suíço
Jean Piaget (1896 - 1980) e o bielo-russo Lev Vygotski (1896 - 1934).

Piaget e o construtivismo

Piaget, um autor bem conhecido no meio educacional brasileiro, tem posição


interacionista em relação a inteligência. Para ele, não existe conhecimento, ou
estrutura cognitiva inata, nem conhecimento resultante da mera observação, pois,
defende que o conhecimento deriva das ações e de organizações de esquemas
mentais efetuadas somente pelo sujeito, e é por meio desses esquemas, que uma
criança desenvolve conceitos. (CÓRIA-SABINI, 1993, p.140)

Dois conceitos são fundamentais na teoria piagetiana, o construtivismo e o


conceito de estágio. O construtivismo coloca que o adulto tem um processo cognitivo
distinto qualitativamente da criança, pois,o conhecimento de cada individuo é
adquirido por um processos de interações continuas entre esquemas mentais
peculiares do evento ou do objeto do conhecimento e o sujeito que conhece, desse
modo, devido esta particularidade do processo, a formação dos valores moral e
intelectual tem um impacto singular na formação educacional do individuo. (CÓRIA-
SABINI, 1993, p.145). Assim, a perspectiva piagetiana considera o individuo ativo no
processo de aprendizagem por ter uma interação cognitiva com o meio dinâmico.
Este ponto de vista, colocou em xeque aquela visão tradicionalista que posicionava
a criança no lugar de umpequeno adulto ignorante que deveria absorver conteúdos,
informações e experiência de caráter adulto para obter um desenvolvimento
adequado, pois para Piaget o conhecimento não é um produto simples e pronto, mas
um processo de interação ativo e complexo. Este processo que é de assimilação ou
apropriação da cultura da humanidade durante a história, foram acumulados e
transmitidos gradualmente de geração em geração, de maneira tal que passouà
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constituir-se como patrimônio da humanidade. (Cória-Sabini,1993,p.150). Com


relação ao método construtivista de Piaget, é comum nos cursos de pedagogia,
reduzir numa ação que busca fazer com que a criança tenha contato com
instrumentos modernos, o que é um equivoco, pois o método de assimilação não é
adaptação. Devemos evitar confundir o método ativo, com uso concreto de materiais
ou mesmo a simples utilização de recursos de tecnologia, contrario a isso,o
métodopiagetiano concebe como ativo a pratica de levar o aluno à construir,
elaborar e produzir conhecimentos. (CÓRIA-SABINI, 1993, p.149).

O conceito de estágio em Piaget tem um aspecto em direção a um tipo de


determinismo, no sentido em que estes estágios de desenvolvimento são tomados
como universais e necessários a qualquer individuo independente do tempo e
cultura. Por defender uma concepção universal de desenvolvimento, Piaget se
posiciona com um pré-determinista. (CÓRIA-SABINI, 1993, p.141). Segundo
Roberta M. Berns (2002), os estágios de desenvolvimento humano em Piaget são:

1. O estágio sensório motor (entre 18 – 24 meses), fase da imitação retardada


fase na qual o bebê desenvolve a capacidade de imitar uma ação de alguém que ela
observou. Por exemplo: acenar ou mostrar a língua. Estes gestos não são meras
cópias, mas uma espécie de representação ação que levara a criançaà progredir
para a representação pensamento do segundo estágio.

2. Estágio pré-operacional, (dois níveis - de 2 e 4 anos e o segundo de 4 e 7


anos), a linguagem da criança se desenvolve para um nível simbólico e possibilita a
definição do ambiente por meio de manipulação de objetos. Num primeiro nível, do
pensamento simbólico ou pré-conceitual, a criança utiliza símbolos mentais para
objetos ausentes, como por exemplo: mostrar o dedo para representar uma arma.
Num segundo nível, é caracterizado por um pensamento pré-lógico, no qual a
criança sabe responder uma pergunta, porém, não reconhece o sentido da resposta.
Por exemplo: Diante da questão, o que é o vento? A criança responde que é o sopro
de alguém e se perguntarmos sobre como ela sabe se a resposta está correta, ela
responde que sabe por saber, pois nesta fase a criança é incapaz de distinguir
percepção de razão, experiência subjetiva de experiência objetiva. Ademais, tem
dificuldade compreender conceitos como, divorcio amor e morte. Fantasias, amigos
imaginários, animismo, são marcas dessa fase. Neste estágio a criança tem como
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obstáculo, o centramento, o egocentrismo e a incapacidade de lidar com


transformações, para a passagem do estágio seguinte.

3. Estágio operatório concreto, (7 a 11 anos ou 15 anos), nesta fase, que


abrange uma passagem da infância para pré-adolescência, a solução de problemas,
acontece com uso de pensamento operacional concreto, seriação, classificação e
habilidades de compreender conceitos numéricos. Há uma diminuição do
egocentrismo e uma orientação para o sóciocentrismo, ou seja, ocorre um progresso
para a relação com o outro, porém, a criança não consegue perceber seu próprio
pensamento. O que ela pressupõe toma como fato.

4. Estágio operatório formal, (11 - 15 anos em diante), é a fase que a criança


passa a pensar além da realidade concreta e começa progredir para o raciocínio
para o uso de abstrações matemáticas, uso de metáforas na linguagem e aborda
conceitos universais como, ética, justiça e amor. Neste estágio, que caracteriza a
adolescência, o individuo constrói hipóteses que contraria os fatos, consegue pensar
seu próprio pensamento, distingue fatos de pressuposições, entre outras operações
formais. O interessante é que os adolescentes tem uma imagem de si, distintas dos
adultos, geralmente, uma autoimagem hipervalorizada, devido um pensamento
idealista de mundo. Mesmo sendo autocêntricos e autocríticos, a tendência a
relações imaginarias prevalecem, dessa maneira, são presos a uma lógica especular
e fazem as coisas para serem visto e admirados.

O pensamento de desenvolvimento humano piagetiano é muito interessante,


porém atualmente vem sendo questionado e criticado, pois há descobertas que
muitas crianças têm seu estágio desenvolvido antes do período estabelecido por
Piaget, e há irregularidade em relação à aquisição de conceitos cognitivos. (BERNS,
2002, p. 326).

Vygotski e o sócio-interacionismo

Para o russo, Vygotsk o desenvolvimento humano não ocorre por um processo de


adaptação e nem somente pela assimilação, mas por uma apropriação da
experiência acumulada da humanidade na história, que foram transmitidas de
geração em geração como patrimônio da humanidade. (CÓRIA-SABINI, 1993,
p.150). Neste ponto de vista a cultura tem um papel importante no desenvolvimento
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psicológico do humano e posiciona o sujeito como um ativo responsável, pois, o


individuo não basta somente assimilar para produzir o conhecimento, agora ele deve
se apropriar e por consequência se responsabilizar como sujeito,no seu papel ativo.
Vygotski parte da ideia que o desenvolvimento mental da criança acontece devido a
mediação humana e não simplesmente por haver um mundo objetivo com alimentos,
vestuários e instrumentos. As relações que a criança tem com o ambiente, seja este
tecnológico ou natural, são mediadas pelos adultos, ou seja, inicia-se num mundo
humanizado. (CÓRIA-SABINI, 1993, p.150).

Como Piaget, Vygotski valoriza a produção de categorias, as operações de


classificação e seriação, mas para a linha vygotskiana, á linguagem é fundamental
em relação ao desenvolvimento mental do humano. Diferente da linha piagetiana,
Vygotski não acredita que o desenvolvimento mental interno, ocorre de modo
espontâneo, mas acontece pelo contato social e interações grupais, e como
consequência dessas relações, instauram sistemas de signos como, a
linguagem,escrita, sistema de números e os demais instrumentos que possibilitam a
transformação da natureza. (CÓRIA-SABINI, 1993, p.151). A partir do processo de
assimilação, cada individuo assimila a realidade conforme sua organização mental
de modo a modificar a percepção da realidade. A linguagem é responsável pelo
surgimento de todos os processos mentais como, a percepção, a memoria e a
atenção, assim, é só por meio da linguagem que a criança cria instrumentos
auxiliares para solucionar problemas, superar ações impulsivas e conseguir controlar
seus comportamentos. (CÓRIA-SABINI, 1993, p.152). Esta implícita nessa ideia um
pensamento evolucionista, em que a linguagem separa o humano do selvagem, na
perspectiva psicanalítica freudiana, o individuo evolui da ordem dos instintos para
um regime pulsional e por seguinte uma ordem psíquica, dito a maneira do
psicanalista Jacques Lacan (1901-1981), a linguagem constitui o sujeito. Vejamos
essa ideia evolucionista:

O inicio de tudo são respostas adaptativas mais básicas, tais


como reflexos condicionados e incondicionados. Logo em
seguida esses comportamentos deixam de ser predominantes.
Aparecem os comportamentos superiores que se desenvolvem
nas relações sociais. (CÓRIA-SABINI, 1993, p.156)
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A função da fala tem um papel fundamental no desenvolvimento do sujeito. A


criança, ao utilizar a fala em sua atividade, organiza e molda o seu mundo dentro da
estrutura da linguagem que permite uma ordenação e possibilidade de
reorganizações, também, na medida em que a criança planeja o seu mundo por
meio da função da fala, ela se desenvolve e adquire independência em relação ao
ambiente imediato e concreto. (CÓRIA-SABINI, 1993, p.152,153). Com a
reconstrução mental de uma ação mediada pela linguagem ocorre uma função
psicológica superior que é a internalização, atualmente alguns denominam essa
função como subjetivação. Segundo Cória-Sabini (1993), o processo de
internalização se dá em três etapas: Na primeira etapa, a forma de raciocínio é
caótica, devido a falada criança acompanhar as ações, desse modo, age por
tentativa e erro com uma linguagem que serve para descrever verbalmente esses
movimentos na resolução de problemas estabelecido pelo ambiente. Na segunda
etapa, a fala vai auxiliando na resolução dos problemas e evoluindo ao inicio do
ambiente, para num terceiro estagio funcionar como um instrumento de plano de
ação.

É importante é ressaltar que no processo de mediação, a criança pensa e


transforma a realidade por meio de seus esquemas lógicos conceituais e parte de
seus próprios conceitos, significados e generalizações e com auxilio do adulto.
(CÓRIA-SABINI, 1993, p.157) Da mesma forma que a criança raciocina com seu
esquema lógico, cada individuo em suas distintas fases se utiliza de esquemas
próprios, porém diferente de Piaget, esses esquemas cognitivos universais, mas
esquemas que cada individuo adquire por meio do contato com sua cultura e
linguagem. A partir desta concepção, a abordagem do desenvolvimento além da
dimensão psicológica, vai abranger uma dimensão sociológica e antropológica.

Como podemos ver, há diversas teorias do desenvolvimento. Cada corrente,


seja ela, inatista ou de hereditariedade, ambientalista e interativista, apresenta
problemas e soluções diversas acerca do individuo e sua relação com a aquisição
do conhecimento e aprendizagem, cada uma delas trás implicações, resultados,
consequências, prós e contras para o trabalho do conselheiro no campo
educacional. Neste trabalho não podemos abordar de forma mais profunda essas
teorias, mas, obtermos uma pequena noção de que é necessário para o conselheiro
na área de educação ter um posicionamento consciente de seus instrumentos
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conceituais que auxiliam na interpretação e orientação do discente. Isto, não é


apenas por uma questão de competência do conselheiro, mas pela questão ética
que esta implicada na relação dos sujeitos envolvidosno trabalho de
aconselhamento. Vamos prosseguir com a leitura de um caso em relação e a
aplicação dessas abordagens teóricas.

CASO MARA: LOUCA ADOLESCENCIA

Mara tem 16 anos, é a caçula de duas irmãs e um irmão. Tem uma origem
numa família humilde de periferia que em outros tempos passou muitas dificuldades
financeiras. Na infância teve muitos problemas de saúde. Atualmente estuda em
uma escola particular de classe média no período da manhã, duas vezes por
semana trabalha na casa da irmã mais velha (Val - 27 anos), e nos outros períodos
fica em sua casa, vive com sua mãe (Maria 47 anos), seu padrasto (Pedro 48 anos)
e seu irmão (Tiago 19 anos) a outras duas irmãs moram fora.

Sua mãe Geni, é evangélica de linha pentecostal, professora de educação


infantil, trabalha 6 horas por dia e durante o outro turno trabalha no lar e cursa uma
especialização. Teve uma educação bem rígida no campo em Minas Gerais, fugiu
de casa e procurou tentar em São Paulo. No principio morou na favela passou
necessidade e chegou viver de sobra dos alimentos do CEAGESP. Em alguns dias
livres Geníleva Mara para passear no parque, ir ao cinema no shopping e fazer
compras. Geni protege e é muito afetuosa com a filha Mara. Esse cuidado vem
desde os primeiros anos da infância, pois Mara quando criança apresentava uma
saúde fragil.

Seu padrasto, José, tem um perfil bem humorado e tem problemas com
alcoolismo, o que gera conflitos com a mãe dentro de casa. Segundo a família tem
crises de possessão demoníaca e resiste aceitar a crença cristã da família. Ele
trabalha como caminhoneiro, o que faz com que fique muitos dias ausentes no lar.

A irmã mais velha, chefe de um grupo de escoteiros, participa muito em sua


educação e por muito tempo atuou como papel de mãe. Chama muito atenção
corrigindo seu comportamento muitas vezes de maneira rígida. Outra irmã (Luana 20
anos) é bem próxima, conversa muito com Mara e também cobra muito de cumprir
tarefas do lar.
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Mara admira muito o irmão ao mesmo tempo em que o inveja por ter total
liberdade e proteção da mãe. Queixa que sua mãe não lhe oferece carinho e que
gosta mais do irmão, pois mesmo cometendo erros, muitas vezes não é corrigido do
mesmo modo.

Na escola teve sempre um desempenho negativo, dificuldade de


concentração, irritabilidade e resistência com as lições para casa. Na escola teve
várias pontuações em relação a comportamentos de isolamento, dificuldade de
sociabilização ou comportamentos fora do “normal” em relação aos colegas e
professores como: falar mal ejogar objetos em direçãoà professora, pegar os objetos
das colegas, sofrer agressões físicas e verbais de outras meninas. Devido tais
problemas teve mudanças de escola de pública para privada e nestas escolas teve
queixas de comportamento por parte de professores e dirigente de modo a ser
encaminhada para tratamento psicológico. Diagnosticada com hiperatividade teve
indicação de medicamentos. Devido esta situação a mãe começou a desconfiar e a
trata-la com uma pessoa com limitações e distúrbios mentais. Quando
ocorremalguns comportamentos estranho com Mara, Geni , grita, aplica castigo
(punições de retirada de celular e tablets e uso da tv) em sua filha e em raros dias
bate em Mara. Apesar disso Mara demanda muito da presença da mãe.

Quando Mara saiu da escola pública e foi para uma particular, seu
desempenho escolare sua relação com os colegas melhorou, porem alguns
comportamentos não habituais não mudaram.

Há três pontos neste caso que destacaremos para poder pensar o aconselhamento,
são eles:

1. A influência das atitudes dos familiares em relação a estudante,


principalmente no que se refere a mãe e o pai;
2. A intervenção da escola com seu discurso psicopedagógico;
3. E a fala de Mara, estudante com suas demandas de identidade adolescente
e seu contexto sociocultural.

A interação da família

A mãe segundo Freud, é o primeiro objeto de amor da criança e do ponto de


vista da teoria de Vygotski exerce um papel muito importante para a constituição do
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sujeito, pois, ela é o primeiro adulto que a criança terá contato na vida, desse modo,
a mãe é o primeiro ambiente cultural de todo o individuo tem para constituir os
primeiros passos para o laço social. A mediação materna é o que possibilita para
com que a criança possa entrar no discurso e na linguagem. “A criança bebe as
palavras da mãe tanto quanto seu leite” (JERUSALINSKY, 2002).

Geni, mãe de Mara, em sua história, se esforçou muito como mãe solteira e
mantenedora do lar para dar cuidados a todos seus filhos. As duas primeiras filhas,
irmãs mais velha, ficaram com a responsabilidade de cuidar de Mara na ausência de
Geni, o pai de Mara também distanciou-se da família. No entanto, Mara e seu irmão,
gravidez de outro pai, tiveram contato com seu pai, mesmo que morando em casa
separada. Esse contato foi num determinado momento interditado por Geni, que
julgou, com suas razões particulares, que o pai era uma má influencia para seus
filhos, outro motivo era por haver casado com outro homem, José o padrasto de
Mara. Como podemos observar, a mãe de Mara, sempre procurou exercer sua
função materna, dando sustento e cuidado moral e afetivo para Mara. Mara cresceu
e se desenvolveu de forma saudável num ambiente com muita atenção, mas ao
chegar no período escolar, Mara começou a dar problemas na escola, no ensino
fundamental teve dificuldades de aprendizagem, mas foi no foi entre o segundo
ciclo do ensino fundamental, a partir da quinta série, que Mara começou apresentar
os problemas comportamentais como, isolamento, problemas com relacionamento e
comportamento violento, que agravavam seu desenvolvimento educacional. A partir
do que é apresentado de material, podemos supor que em parte, Geni colaborou
para com que ocorresse essa dificuldade de sociabilização de Mara, pois, na
infância já em período escolar, Mara e seu irmão foram cuidados muito trancado
dentro de casa, devido Geni trabalhar no período da tarde e não ter que cuidar dos
filhos. Algumas vezes, as irmãs mais velhas cuidavam de Mara, mas esses cuidados
consistiam em poucos momentos lúdicos e bastantes repasses de tarefas da casa
como varrer o quintal, lavar a louça e fazer a lição da escola, quando Mara se
recusava, não havia conversa, apanhava muito e levava altos gritos. Gostaria de
apontar três pontos desse material:

1. O primeiro é em relação ao período longo que Mara ficava isolada na casa


com o irmão, sem ter contato com outros colegas. Sabemos que a proteção da mãe
é fundamental para o filho, essa atitude materna de Geni proteger Mara trancando
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dentro de casa e proibindo que ela tenha contato com os outros ou as outras
crianças na rua, é compreensível para os dias atuais, porém é importante para o
desenvolvimento do sujeito, que as relações e as interações sociais sejam
expandidas, de modo a oferecer um lugar de alterização que é importante para o
desenvolvimento da criança:

Uma mãe não pode ficar instalada como pura detentora e


provedora dos objetos de dom para o filho, a interdição da
função materna é fundamental para que abra um lugar de
alterização que também é fundamental para a constituição do
sujeito. (JERUSALINSK, 2002, p. 162).

A partir da constatação da importância das relações de alteridade, uma


superproteção materna poderia ter influencia negativas na capacidade da criança
desenvolver categorias cognitivas que auxilia a criança na constituição de outros
laços sociais fora do lar, desse modo, a dificuldade de Mara estabelecer amizades
na escola pode ter relação com essa hiper-proteção e interdição da criança no
contato com outras crianças da rua.

2. Segundo ponto é sobre o impacto que a mãe pode exercer quando procura
fazer uma transferência do cuidado da filha para as outras filhas mais velha. Até que
ponto isso não prejudica a função materna na medida em que esta função não só é
deslocada de um ponto de referência, mas também ampliada para o lar mesmo na
ausência da mãe, não possibilitando outras qualidades de laços sociais que
poderiam ser exercidos pelas irmãs?

3. O terceiro ponto é a violência utilizada para resolver problemas


disciplinares no lar, seria ela uma forma social, possível de ser internalizada, ou
subjetivada como um tipo de linguagem para lhe dar com alguns problemas que
fogem a compreensão? Se sim, talvez isso possa responder o comportamento
violento de Mara na escola.

Claro que a função materna não a causa de todos os males que uma
adolescente tem na escola, mas não podemos desconsiderar a influencia dessa
função que por vezes insiste prolongar em outros períodos do desenvolvimento
humano, inclusive na adolescência. Algumas queixas de Mara, apontam para
insistência que sua mãe tem em tratá-la como alguém que tem transtornos mentais
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e atribuir a causa do mau comportamento para esse transtorno. Assim a mãe por
orientação da escola insiste em forçar a adolescente ir a consultas de psicólogos e
psiquiatras. Talvez caiba aqui um conselho para mãe de suspender por um tempo
essa insistência e apostar na filha para que Mara possa resolver seus problemas
sem essa imagem de uma menina psicologicamente perturbada.

A questão do pai, Devido a profissão de caminhoneiro o padrasto é muito


ausente no lar, apesar do pouco dialogo que o padrasto tem com Mara, poderia ser
importante sugerir o investimento qualitativo desses poucos momentos para com
que o padrasto pudesse criar uma impressão positiva da figura paterna, como da
figura masculina no imaginário da Mara, pois, em sua fala a figura masculina é
ausente e quando aparece é seguido de criticas. Nas ultimas queixas
comportamentais de Mara, apareceu questões de homossexualismo.

Com relação às irmãs, apesar da distancia, ainda procura quando possível,


agir no papel de mãe quando o assunto implica problemas de disciplina. Quando
possível, caso o conselheiro tenha possibilidade de conversar com os familiares
apontar estas questões que podem auxiliar na qualidade do laço social do
adolescente, já que o desenvolvimento do sujeito é mediado pela interação com os
outros que estão ao redor.

Na interação com a escola

No caso do ambiente escolar que a Mara interagiu, varias escolas à


posicionaram como uma garota com problemas psicopedagógicos ou com
problemas psiquiátricos, com exceção da ultima escola que enquadrou o problema
do mau comportamento de Mara como algo comum a fase da adolescência. O que
podemos observar nessa questão dos atores no ambiente escolar, é essa
problemática do referencial teórico para interpretar o comportamento do adolescente
em relação ao seu desenvolvimento psicológico. A maioria dos orientadores da
escola, aconselharam e indicaram para Geni, levar Mara para um tratamento
psicológico, terapias familiares e até psiquiatria. Somente a atual escola não
interpretou o comportamento e a dificuldade de aprendizagem como uma causa
ambientalista ou como um problema de "doença mental", diagnostico dado pelas
novas abordagens da hereditariedade. Pelo material do caso, podemos supor que
apenas a ultima escola tem uma abordagem interativista, pois Mara traz em sua fala,
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muitos elogios dos professores, colegas, ambiente, além do interesse pelas


disciplinas.

As interações de Mara

Em sua fala, Mara reflete os vários problemas destacados no plano


familiar e no campo escolar. Com relação a sua mãe, ela conta dos tempos em que
apanhava e diz que o motivo era por realmente ter aprontado, e outros momentos
diz ser por culpa do irmão que aprontava. Percebemos nessa fala um dispositivo
discursivo importante para dar sentido a questão da violência, que é o discurso de
merecimento de punição e o discurso de vitima e a identificação de um culpado.
Independente se realmente ela mereceu ou o irmão de fato aprontou, o que esta em
jogo na perspectiva interacionista, é o mecanismo de linguagem e fala, que serve
para ordenação do caos inicial e constituição da percepção, memória e
representações que constituíram o modo do individuo interpretar a realidade e se
posicionar no mundo perante essa realidade. Como foi dito anteriormente, a
preocupação da perspectiva vygotskiana, consiste em tomar como ponto central é
em que medida a criança planeja o seu mundo por meio da função da fala, de modo
a adquirir independência em relação ao ambiente imediato e concreto.(CÓRIA-
SABINI, 1993, p.152 e 153).

Com relação ao protecionismo materno, ela diz ser uma forma de amor da
mãe e que gosta muito, mas ultimamente tem evitado o excesso de afeto. Perguntei
sobre o incômodo, ela respondeu que é devido a mãe o tratar como criança e que
isso a prejudicava para sair com as colegas da escola. Neste dia procurei a partir de
uma curiosidade que ela teve em relação a uma aula de psicologia, em que a
professora trouxe um assunto relacionado e perguntei sobre o que ela achava desse
excesso de afeto e até que ponto isso não a afetava na abertura de confiança para
sair com as colegas da escola. Ela comentou que isso poderia afeta-la e por isso
estava ficando menos grudada à mãe. O que podemos notar nessa ultima fala é que
agora esta refletindo sobre o impacto de suas ações sobre si. Com essa evolução
dos esquemas mentais, ela aos poucos, vai ganhando independência, tornando-se
autoconfiante, e assumindo sua identidade de cultura adolescente, abandonando
alguns modelos de comportamento da cultura infantil e esta com o tempo
conquistando sua liberdade e reorganizando sua posição ativa. Novos colegas
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surgiram, juntamente com laços mais consistentes de amizade, e junto com essa
nova etapa, novos problemas, como no caso das questões se sexualidade e gênero.
Afinal, a adolescência não se trata apenas de um período de transição da infância
para a fase adulta, mas, também, de uma identidade cultural e histórica
caracterizada por um estilo de vida conflituoso.

Considerações Finais

Não podemos negar a dimensão ideológica e ética em jogo na prática do


aconselhamento. Ideológica, pois, mesmo que o conselheiro dispense as
abordagens teóricas no seu trabalho, não significa que o seu modo de pensar será
mais neutro ou isento de algum valor ideológico, pelo contrario, a diferença é que ao
não tomar seu modo de ouvir, ver,selecionar, interpretar, julgar e aconselhar como
algo que mereça reflexão critica, ele poderá causar mais danos com sua pratica do
que aquele que usa uma abordagem teórica definida. Um orientador habilidoso
pode até chegar a elaborar sua própria teoria, mas não parte do nada, escolhe
algum autor ou abordagem teórica com quem possa identificar-se, e com maturidade
em sua experiência possa tornar mais seguro em sua prática. (STEFFLRE &
GRANT, 1976, p. 61). E sobre a questão ética, nunca podemos colocar a vida do
outro como mero objeto de trabalho, mas respeitar e posicionar o individuo,
independente da sua fase ou cultura, como sujeito, responsável pelo destino de sua
própria vida. Isto não se trata de um lema humanista, mas uma bandeira cristã que
prega o livre arbítrio e a liberdade no amor para com o próximo.
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BIBLIOGRAFIA:

BERNS, Roberta M. O desenvolvimento da Criança. São Paulo: Loyola, 2002.

CÓRIA-SABINI, Maria Aparecida. Psicologia do desenvolvimento. São Paulo: Ed.


Ática S.A., 1993.

HOLANDA, Aurélio Buarque. Mini Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. São


Paulo: Editora Positivo, 2010.

JERUSALINSK, Julieta. Enquanto o futuro não vem: A psicanálise na clinica


Interdisciplinar com bebês. Salvador: Ágalma, 2002.

STEFFLRE, Buford. & GRANT, W. Harold. Teorias de Aconselhamento. São


Paulo: Editora McGraw - Hill do Brasil, .LTDA, 1976.

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