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No inóspito contexto alemão de 1927, Heidegger explicava que la angústia não se produz
frente a nenhum objeto do mundo, e sim frente o mundus (ordem) como tal, esse mundo
que duplica o corpo e que Lacan, que o lia com cuidado, reduziria a um objeto a. A
angústia nos extrai da realidade cotidiana e impessoal do discurso comum, do mercado
em que as coisas têm valor de troca ou de descarte. Essa ordem de mercadorias se impõe
a todas as referências, deixando o falante mais e mais vulnerável a uma angústia que,
subitamente, o reduz ao corpo como solus ipse em um mundo shopping, não-lugar,
unheimlich. Por isso, a certeza da angústia, ainda sem realidade, assinala a possibilidade,
a iminência certa de Outra coisa.
A cura que propõe o filósofo é a introdução da existência singular no tempo, a cada dia
lhe basta seu afã (Sorge, souci), a cura consiste na ação do ser para a morte. Várias
décadas antes, Freud havia advertido que a angústia não se produz só nessa perspectiva
e, sem pseudônimos, introduz o ser para o sexo, o ser dois: a angústia é perante o corpo
Outro, o desejo do Outro, a relação deficiente com o Outro, o abandono e, inclusive, o
desejo de morte (do Outro).
Fragmento 2 – A aderência
A angústia adere – pequena, mão leve, no antebraço; violenta, acaba em sangue. Pode-se
empenhar-se em civilizá-la cada vez mais, ela está sempre lá, à espreita; ela surge
quando não se espera e tudo cai por terra. É por isso que os psicanalistas, desde Freud,
se empenharam em buscar uma angústia mais fundamental que a da castração, a qual
suporia um cenário já bem elaborado. Encorajados por Rank e seu trauma do
nascimento, que forçou Freud a retomar a questão, eles inventaram a aphanisis, o
despedaçamento, o colapso, o desmantelamento, o desenraizamento, toda uma série de
cenários do terror supostamente mais primitivos, à altura de uma angústia sem limite.
Tocar nesse ponto não é necessário senão ao psicanalista, se ele quiser acolher uma
demanda de verdade que esgotou seus semblantes e que não está pronta para reciclá-los
a qualquer preço. Há uma angústia que não tem nome e que Lacan chamou por uma
letra, a primeira: a. A angústia da impossibilidade de se fazer escutar senão pela dor e
pelo mal estar. Poderia também correr o risco, porque há risco aí também, de tentar
enganar o horror com o véu mais ou menos gracioso do fantasma, até ele escapar mais
uma vez. Se os fantasmas são compartilhados, a maneira com a qual cada um fracassa é
contingente, própria a cada um. Nesse ponto, vale a pena ir ver o que se passa e talvez
dar um passo para trás para conseguir se descolar do sintoma e acalmá-lo. Como nós
fazemos falar os rastros do instante em que tudo escapa? Como nós interpretamos a
castração?
Se o final de análise implica um passo pela destituição subjetiva, via o saber, é inevitável
um tempo de angústia que implica um esforço a mais por parte do analisante e, do lado
do analista, não ceder de seu lugar. O trabalho com o moinho das palavras permitirá
reconhecer-se aí, saber-se constituído por essa matéria angustiante. O dispositivo
permite uma saída, faz a angústia falar.
Pode-se poetizar a angústia, tal como em Werther: “Não reconheces a voz da criatura
extenuada, desfalecida, que afunda sem remédio…?”, mas cabe aos analistas dar-lhe o
estatuto estruturante que lhe corresponde, se pretendem captá-la em seus pacientes,
quando o percurso a faz surgir ou quando se encontra na entrada por um advento do
real.
Assim diz Freud em seu livro sobre os Chistes [jokes[1]] e sua relação com o inconsciente
(Freud, 1905, vol. VIII, p. 34), que o tradutor é um traidor. Contudo isso não é uma
brincadeira para o tradutor, mas uma realidade que o tradutor enfrenta devido às
inevitáveis dificuldades apresentadas pelas particularidades de cada língua, o papel
crucial desempenhado pela metáfora e metonímia e o chamado jogo de palavras. Pode-
se, afinal, brincar com a língua, trocar algumas letras, e é essa maneabilidade, segundo
Freud, que permite o prazer obtido com um chiste, com a libertação do absurdo
[nonsense] e o levantamento da inibição. É claro que Lacan levou a maneabilidade da
linguagem um passo adiante com seu uso inventivo e instrutivo de neologismos.
James Strachey, tradutor de Freud, conta-nos um pouco sobre o problema que enfrentou
ao traduzir “der Witz”em sua tradução para o inglês de Chistes e sua relação com o
inconsciente (Freud, 1905, vol. VIII, p. 6-7).Observou que, por uma questão de coerência,
uma concessão se fazia necessária. A palavra “wit”[2], ou “witty“, em inglês,tem um
significado muito mais restrito, referindo-se mais a um tipo refinado ou intelectual de
humor. Tal dificuldade implicava que nem a palavra “joke” nem “wit” se encaixavam
perfeitamente para o tradutor. A palavra“joke” tinha um significado mais amplo que
permitia ao leitor fazer sua própria interpretação, mesmo que, em alguns casos, a
tradução estivesse incorreta. Para Strachey, uma vez adotada a palavra inglesa, a
coerência no uso era importante.
Assim também acontece com a palavra alemã “Angst”. Strachey comenta diretamente
sobre a tradução de “Angst”para o inglês (Freud, 1895, vol. III, p. 116). Assim como
“anxiety”[3], no inglês, “Angst” é uma palavra bastante comum em alemão. No entanto, o
que parecia importante para Strachey era que a tradução tinha que refletir o que era o
uso psiquiátrico de Freud da palavra “Angst”, que estava presente em palavras como
“Angstneurose”. Isso levou Strachey a usar a palavra “anxiety”, a despeito de ter usos
mais amplos em inglês. Strachey nos diz que o uso psiquiátrico da palavra “anxiety”
remonta a meados do século XVII e, assim como “Angst”, seu uso psiquiátrico está
refletido em sua etimologia. Ambos têm uma referência à constrição e à característica
psicológica em questão (Angst – eng: estreitar, restringir; anxiety – angere: apertar,
sufocar). A palavra em inglês “anguish” também tem a mesma raiz etimológica de
“anxiety” e “Angst”, mas Strachey afirmou que aquela refletia uma estado psicológica
mais aguda. Strachey faz concessões ao usar “anxiety”no lugar de “Angst”, uma tradução
mais técnica, caracterizada por um elemento antecipatório e pela ausência de um
objeto.
“Anxiety” como uma tradução em inglês para“Angst” é uma concessão. A
angústia[anxiety] tornou-se uma das queixas mais frequentes e aparentes na clínica
psicanalítica moderna. Como na época de Freud, ela pode aparecer de várias maneiras,
de modo que tem se tornado cada vez mais difícil de saber o que o sujeito pretende
quando se diz angustiado. Seguindo Freud, Lacan vincula a angústia ao real,
“Hilflosigkeit” diante do que não pode ser falado. A angústia é, como Lacan a chamou,
um afeto excepcional. É o afeto que não engana, justamente por não ter objeto possível,
mas um objeto impossível, o objeto a. Devido à concessão e ao uso mais amplo da
palavra “anxiety”, cabe, portanto, a nós, analistas na clínica, descobrir o que o paciente
está falando quando se refere ao significante “anxiety”, como muitos fazem na clínica
psicanalítica inglesa. É preciso apurar se o real está em jogo quando se fala em “anxiety”.
Quando um paciente chega falando de “anxiety”, não podemos supor que ele esteja
falando de outro afeto menos excepcional por não usar a palavra “Angst” ou “anguish”,
que é menos comumente usada em inglês. Tampouco podemos supor que haja um
objeto real impossível em jogo. Falam de angústia) real? Como fazê-la falar?
O uso da palavra “anxiety”tem uma ressonância para quem lê e estuda Freud e Lacan em
inglês. Podemos ter herdado essa tradução com relutância, mas a coerência, quando
precisamos nos tornar o traidor, permanece apropriada. Estou ansiosa para uma
discussão animada sobre o tema em Paris.
[1] NT: Em inglês, chiste, “Witz”, foi traduzido por “joke”, que significa brincadeira,
piada, anedota.
[2] NT: O termo “wit” significa sagacidade, astúcia, perspicácia.
[3] NT: A despeito dos outros termos para Angst, em inglês, Strachey optou por “anxiety”,
que é mais frequentemente utilizado com o sentido de ansiedade.
A valência fálica, entendida em termos lógicos, f(x), imprime sua força nos debates
atuais sobre a sexuação e os diferentes semblantes que articulam esse nó entre o desejo,
o gozo e o amor.
Mas é no final desse Seminário onde Lacan, alinhando-se com Kierkegaard, dirá que as
mulheres são mais angustiadas do que os homens, que elas são mais angustiadas na
dialética do desejo e do amor. Isso é um fato de casuística na psicanálise.
Frequentemente elas se consultam por problemas amorosos. As diferentes
circunstâncias e épocas da vida não disfarçam esse fato: as relações de amor, desejo e
gozo em termos de angústia.
Colette Soler tratou desse assunto em diferentes ocasiões. Estou interessada em destacar
o que ela chama de clínica diferencial, referindo-se à angústia: uma espécie de
“aritmética sexuada” [2]. “. Tomarei apenas um de seus recortes sobre o assunto, quando
ela adverte que a angústia da mulher pode ser devida ao fato dela não ser uma lagartixa,
ou seja, diante do enigma do desejo do Outro, a mulher é mais angustiada porque, não
tendo um objeto para ceder, o que está em questão é ela mesma. Essa afirmação se
sustenta pelo que Lacan articulou, no final do Seminário, sobre a cessão do objeto.
Isso certamente inclui a valência fálica a que me referi anteriormente, que está no
centro da discórdia… da sexuação. Seja para o universal “Para todo x, f(x)” ou para o
não-todo. Essa valência fálica é válida para todos os falantesseres, mesmo que alguns
possam, não-todo, responder ao referencial dessa função.
Uma observação, então, é que aqueles que são ordenados apenas na valência fálica estão
à mercê da angústia, uma vez que os hábitos de potência e impotência não são
suficientes para responder à impossibilidade do enigma do desejo do Outro. Aqueles que
não-todo se agenciam na valência fálica podem estar à mercê da angústia por causa do
efeito da estranheza do gozo enigmático, mas podem, no entanto, responder por meio do
poder da palavra.
Parece-me que, em ambas as situações, fazer a angústia falar é precisamente dar origem
ao desenvolvimento das versões da pulsão nas quais o sintoma e o fantasma são
articulados. É um passo além da estranheza, sabendo sobre ela e contando com ela.
“A angústia, sintoma”, da epígrafe, pode, portanto, ser entendida como o sinal de todo
“advento do real”. Lacan evoca o advento do real pela primeira vez em “Televisão [6]”,
situando-o como um efeito da ciência. Ele introduz esse termo em um contexto em que o
evento de corpo, ou seja, o gozo de um corpo vivente, não está presente. Isso levanta a
questão de definir o que ele chama de advento do real no campo da psicanálise. Em
contrapartida, ele desenvolveu muito o evento de corpo. Na “Conferência de Genebra
sobre o sintoma[7]”, descreve o evento de corpo graças ao qual Freud descobriu o
inconsciente, a partir da questão sobre a relação entre a angústia e o sexo. Hans, com
sua primeira ereção, é confrontado com uma experiência de gozo, um evento de corpo, o
encontro com o real sexual que coloca a fobia em ação. Assim, ao substituir o objeto da
angústia por um significante que dá medo, se produz o advento de um primeiro fato do
inconsciente-linguagem, o cavalo do gozo, o sintoma-gozado que constitui o inconsciente
que não representa o sujeito, mas que determina seu gozo.
“Não é o paraíso que se perde. É um certo objeto [8]”. Talvez, em um nível formal, não
fosse correto dizer que o significante é produzido pelo sujeito, mas a função significante
dada a esse objeto é determinada pela eficácia do sujeito em fazer falar a angústia, e é
isso que faz com que a língua evolua. No decorrer do Seminário A angústia [9], Lacan
formula que “a angústia é um afeto do sujeito […] que não engana [10]”. Ele a ordena de
acordo com a estrutura, a do sujeito falante, que se determina por um efeito do
significante. É aqui que a angústia é o sinal, o testemunho de uma hiância essencial que
a doutrina freudiana esclarece [11]. Essa estrutura da relação da angústia com o desejo,
essa dupla hiância entre o sujeito e o objeto caído do sujeito, na angústia.
Se o real é o fora do simbólico, quais são as vias de acesso ao real na experiência
analítica? Em primeiro lugar, o que não vai bem na vida, o que recai sobre nós, essa é a
definição de traumatismo, e depois há os caminhos traçados pela linguagem. Qualquer
trauma, e Freud o coloca na origem da neurose, afeta, não diretamente o sujeito, mas seu
corpo. “O acontecimento de um real somente é advento se o aporte significante a ele se
acrescentar”, assim o advento propriamente dito seria: “a invenção do significante pela
fobia e, em seguida, sobre esse eixo, a invenção freudiana do inconsciente e o advento
da psicanálise como novo discurso [12]”.
Fragmento 7
Fazer falar a angústia, é tudo o que temos feito desde nossa origem. A angústia, “entre
enigma e certeza”, é, quanto à ela, muda, um “funil temporal”, uma “petrificação”, um
“silêncio aterrador”, como disse Lacan. Vista hoje, deste início do século XXI, a angústia
se impõe como o afeto crescente do Antropoceno. É isso que diz o grande clamor
contemporâneo com vozes tão diversas. Porém antes, com Heidegger por exemplo, ela
era vista como a experiência metafísica dos falantes por excelência, se o “diante de
quê[1]” da angústia era de fato “ser-no-mundo lançado[2]”. Facticidade da existência.
Esta já foi uma mudança na ancoragem da angústia, que pode ser lida em nossa história,
digamos, a partir de Lutero, para marcar algumas balizas. Uma passagem que vai das
angústias do penitente da Idade Média ou, mais originalmente, do sacrifício de Abraão,
até o homem sem Deus do nosso tempo. Blaise Pascal, perante o “céu estrelado”, emitiu o
grito deste abalo: “O silêncio desses espaços eternos me apavora”, sem que saibamos se
se trata ainda do pavor perante um deus que se cala ou perante um deus que
desapareceu. Sem dúvida por isso a aposta foi, no fundo, tão necessária. Um século
depois, Kierkegaard, com sua fórmula da “angústia como condição do pecado”, fazia da
própria possibilidade, o primeiro “diante de quê” da angústia, e já realizava, assim, a
facticidade da existência.
Tudo isso para nos lembrar que, apesar do seu valor ontológico bem estabelecido, o que
fazemos a angústia dizer é função da história. E assim se coloca nossa questão sobre a
variação propriamente psicanalítica quanto à amarração da angústia.
Que sucesso para esta teoria da ancoragem da angústia no traumatismo! Ainda existem,
segundo a vox populi atual, sofrimentos psíquicos que não estariam ligados a um
traumatismo – como uma exoneração de tudo, sem dúvida.
Lacan não parece dizer que não, “o que temos que surpreender”, através das surpresas
da associação livre, “é algo cuja incidência foi marcada como trauma[5]”. Terreno
aparentemente conhecido na psicanálise, mas Lacan evoca, logo em seguida, a menos
conhecida “imbecilidade[6]” que esta incidência traumática implica – caso postulemos
que ela provém da realidade das situações. Isso obrigar-nos-á a interrogar novamente, a
causa… que não é imbecil.
[1] “A angústia tem uma inconfundível relação com a expectativa: é angústia diante de
algo” [Freud, S. (1926/2014). Inibição, sintoma e angústia. In Obras completas (v. 17, p.
114, grifo do autor). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das
Letras].
[2] Heidegger, M. Ser e tempo. Tradução de Márcia Sá C. Schuback. Petrópolis, Rio de
Janeiro: Vozes, 2005. § 41, p. 255.
[3] “… a angústia se angustia com o ser-no-mundo lançado” (Heidegger, M, op. cit., § 41,
p. 255).
[4] Freud, S. (1926/2014), op. cit. p. 115.
[5] Lacan, J. (1967) Da psicanálise em suas relações com a realidade. In: Outros escritos.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 352.
[6] Ibid. « estupidez”, p. 352.
Mas o que é a angústia? Um afeto que não engana, diz Lacan, o que o diferencia dos
outros afetos propensos ao extravio, à confusão, como o amor ou o ódio, por exemplo.
A angústia, portanto, afeta o sujeito desde seu despertar para a vida. Spitz identificou-a
com a chamada angústia do 8º mês. O bebê reage com desconfiança diante de uma
pessoa desconhecida. Manifestação visível de inquietação diante do desejo do Outro, O,
que representa qualquer outro, o, da linguagem. O que (ele) quer de mim? Qual é o
desejo do O/outro? Eis a criança entrando no tormento da obscuridade dos laços.
O desejo do sujeito funda-se no desejo que lhe é atribuído pelo o/Outro. Mas a sua tarefa
é não fundir-se nele e confundir-se com ele, para que possa encontrar e viver o seu
próprio caminho.
A angústia não é sem objeto que a causa, mas tem um objeto impossível de definir e,
portanto, de dominar. Lacan chama-lhe de objeto a. Ele é irrepresentável, um traço
virtual de um clarão que revelaria a voracidade desejante do O/outro, ao mesmo tempo
que a tentação de a isso se submeter.
O que chocou tanto nesse quadro de Klimt? Seria o duplo aspecto da mãe
descoberto por Freud, que é ao mesmo tempo santa e prostituta? Ou seria a
representação de uma mulher dominando um homem, fazendo-o objeto de seu gozo
fálico de poder? Judith teria triunfado por conseguir projetar sobre Holofernes a
angústia ligada ao que Lacan chamou de “destituição subjetiva”[2], enquanto momento
em que o sujeito se sente reduzido ao corpo como instrumento das conquistas fálicas do
Outro? Segundo Lacan, a angústia aparece assim que a palavra não pode dar um sentido
ao que é vivido no corpo e que o sujeito sente que o desejo obscuro do Outro visa seu
próprio ser. Se interpretamos assim sua satisfação erótica, a Judith de Klimt não parece
evitar essa angústia ao procurar Holofernes como Outro do sexo, com a morte como
castração suprema?
Ao definir a angústia como “o sintoma tipo de todo advento do real” para todo ser
falante, Lacan foi mais além das definições freudianas que fazem da angústia no homem
o afeto do medo da castração como perda do órgão de união com a mãe e, na mulher, o
afeto do medo da perda do amor do homem enquanto possuidor do órgão. No caso das
mulheres, Lacan situa a causa da angústia em seus encontros específicos com o real do
sexo. Por um lado, esse encontro coloca a mulher na posição de ser objeto do desejo e do
gozo do homem; por outro, ele pode expô-la à experiência de um gozo suplementar,
tipicamente feminino e não autoerótico ou fálico. Há um contraste visível entre o quadro
de Klimt e a escultura de Bernini representando o êxtase de Santa Tereza em um gozo
mais além da possessão fálica.
[1]. « Klimt et Schiele. Eros et Psyché », filme documentário italiano realizado por
Michele Mally, 2018.
[2]. Lacan, J. (1967/1970) Discurso na EFP 6 de dezembro de 1967. Outros escritos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, pp. 265-287.
[3]. Freud, S., (1950 [1895]) Projeto para uma Psicologia Científica. In: Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Tradução J. Salomão. v. I.
Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 333-454.
[4]. Lacan, J. (1962 – 1963) O seminário, livro 10: A angústia.
[5]. Soler, C. (2011), Os afetos Lacanianos. São Paulo: Aller Editora: 2022.
[6]. Pesquisa de l’Ipsos et de Global Institute for Women’s Leadership at King’s College
London : https://www.ipsos.com/en/international-womens-day-global-opinion-remains-
committed-gender-equality-half-now-believe-it
A angústia tem um valor epistêmico e, sem ela, nada saberíamos sobre o que há mais
além do fantasma com o qual nos protegemos do real.
Pois bem, se pensarmos em relação a alguns casos de psicose, um uso ético do fármaco
pode ser favorável ao tratamento analítico para alojar um lugar para a palavra?
Cabe lembrar que Lacan advertiu os analistas de que “a análise deve desangustiar, não
desculpabilizar” e que “o desejo é um remédio para a angústia” (6) de modo que, nesse
momento de seu ensino, trata-se de desangustiar apontando à interpretação do desejo, o
qual ganhará outra perspectiva a partir de suas elaborações posteriores nas quais o ato
analítico pode ser uma resposta a um real que não é representável nem capturável pelo
significante.
É certo que, na clínica atual, alguns casos apresentam maior dificuldade quanto à
retificação subjetiva ou à histerização e à associação livre. São alguns dos desafios que
enfrentamos na clínica em nossa civilização atual.
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