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Teoria Psicanalítica
Angústia e castração
Marco Antonio Coutinho Jorge
Resumo
O artigo retoma alguns aspectos da teoria da angústia na obra de Freud e no ensino de Lacan.
Em Freud, destaca-se a relação entre angústia e castração, ao passo que em Lacan é salientada a
dimensão do gozo, a partir da tripartição estrutural real, simbólico e imaginário. São apontadas
algumas particularidades do comparecimento da angústia na histeria, na neurose obsessiva e na
fobia.
Palavras-Chave
Angústia Castração Neurose Gozo Pulsão de morte
pode ser considerado seja em sua verten- midade do objeto, quando no familiar
te ligada aos eventos do mundo externo, acha-se insinuada a presença da Coisa e
seja em sua vertente ligada à pulsão. do estranho, dito de outro modo, a sen-
O trauma é aquilo para o que o sujei- sação do desejo do Outro.
to não possui uma representação simbóli- Lacan considera, por isso mesmo, a
ca para lidar com ele, algo que se revela angústia como sendo o afeto de base, o
como inassimilável pelo sujeito. Desse afeto por excelência, ou, como ele mesmo
modo, o trauma rompe o sentido dentro diz, o afeto que não engana. Todas as ou-
do qual o sujeito encontra alguma home- tras inúmeras gamas de afetos possíveis são
ostase e introduz uma falta de sentido, um apenas derivados simbólicos e imaginá-
não-senso. Dito de outro modo, o trauma rios amor e ódio, por exemplo do afeto
introduz algo de real não-senso no da angústia. No que ela é a insinuação da
imaginário do sujeito, no sentido home- Coisa e do estranho, a angústia acarreta a
ostático dentro do qual todo sujeito ten- falta de palavras, a falta de possibilidade
de a se instalar. de simbolização. Nisso reside a articula-
Por isso as teses de Otto Rank sobre o ção que Lacan fará entre a angústia e o
trauma do nascimento são objeto de uma gozo. A entrada do sujeito no mundo sim-
resposta por parte de Freud em 1926, em bólico se dá através da perda do gozo, que
Inibição, Sintoma e Angústia. Rank pre- fica para sempre situado fora da estrutura
tendia atribuir ao que considerava como psíquica. Lacan dirá que o sujeito não pode
sendo o trauma primordial, o trauma do afirmar: Eu gozo, pois o gozo é precisa-
nascimento, um valor principal. Mas Freud mente a falta do verbo, a ausência da pa-
se insurge contra essa concepção que con- lavra, o mais-além do simbólico. Nesse
sidera por demais simplista e indica uma sentido, a angústia é a insinuação, a evo-
ordem traumática que pode ser reativada cação desse gozo perdido e que, como tal,
por diferentes situações, desencadeando se revela mortífero para o sujeito.
diversos tipos de angústia em diferentes O conceito de gozo, introduzido por
fases da vida do sujeito. Lacan, terá inúmeras conseqüências na
Lacan irá dedicar todo um ano de seu compreensão de fatos clínicos. Para La-
seminário à angústia e é precisamente em can, o gozo está ligado à pulsão de morte
relação à angústia que ele irá criar aquilo introduzida por Freud em Mais Além do
que considerava como sendo sua única Princípio de Prazer. Embora para Lacan,
invenção: o objeto a. Se Freud aborda a segundo algumas precisas indicações de
angústia pelo viés da perda do objeto, La- Freud, toda pulsão seja pulsão de mor-
can irá conceber o advento da angústia te, as pulsões sexuais se caracterizam por
precisamente na relação com a proximi- constituir um poderoso obstáculo à pul-
dade desse objeto. Para Lacan, o que an- são de morte, no que elas investem os ob-
gustia o bebê não é que o objeto seio falte, jetos a vestidos, revestidos com suas ves-
mas sim que ele o invada. A angústia sur- timentas imaginárias e construídas simbo-
ge quando algo vem ocupar o lugar do licamente para cada sujeito a partir de sua
objeto faltoso do desejo, o objeto a. Ela história edípica e de seus avatares.
revela a proximidade do objeto a, objeto As pulsões sexuais, ruidosas por na-
causa do desejo, cujo comparecimento sig- tureza, fazem anteparo, por meio da fan-
nificaria a morte do desejo. tasia, a esse encontro com o real da Coi-
Lacan irá reler o texto de Freud sobre sa. Mas a grande lição de Lacan nesse as-
o Unheimlich, o estranho, mostrando que pecto foi a de nos mostrar que, mais-além
a sensação do estranho e a angústia que dos objetos sexuais cativantes, a pulsão,
ele causa estão relacionadas com a proxi- como vetor único dirigido à morte e ao
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Angústia e castração
sens. Além disso, concebe três diferentes que, aliás, permite a ele situar esta consti-
invasões de um registro sobre outro para tuição precoce do eu como o único ele-
indicar nelas a trilogia clínica freudiana: mento que poderia responder pela esco-
a invasão do simbólico no real correspon- lha dessa neurose. Levando-se em conta
de ao sintoma; a invasão do imaginário no a observação freudiana sobre a maior in-
simbólico corresponde à inibição; e a in- cidência da neurose obsessiva nos sujei-
vasão do real no imaginário corresponde tos masculinos e da histeria nos sujeitos
à angústia. femininos e mesmo que se considere com
Tais invasões de um registro sobre Lacan não mais a diferença anatômica
outro partem de definições depuradas que apenas, mas também as posições subjeti-
Lacan fornecerá de cada um desses regis- vas masculinas e femininas , podemos
tros. Trata-se de definições precisas, po- observar que o obsessivo (o qual afirma,
demos dizer até minimalistas, que enxu- ele próprio, ter sido muito amado pelo
gam todos os desenvolvimentos lacania- Outro), tendo se identificado com o falo
nos anteriores em torno da questão do imaginário e constituído seu eu com uma
sentido: o imaginário é definido como da consistência extremamente forte, apresen-
ordem do sentido; o real, Lacan o conside- tará mecanismos de defesa muito estrutu-
ra como o avesso do imaginário, o não- rados, em especial aqueles destacados por
sentido ou não-senso; quanto ao simbólico, Freud: o isolamento, a supressão do afeto
podemos resumir toda a concepção laca- e a anulação retroativa.
niana do significante enquanto eminen- Os rituais obsessivos, os atos obsessi-
temente binário (baseada na lógica expos- vos funcionam como verdadeiros impedi-
ta por Freud em alguns trabalhos e, em mentos para o surgimento da angústia,
especial, em A Significação Antitética das posto que ligam toda a energia libidinal
Palavras Primitivas, e defini-lo como sen- para sua consecução. O obsessivo não con-
do da ordem do duplo sentido. segue evitar o ritual justo porque sua fun-
Se o simbólico representa a ambigüi- ção é a de impedir a emergência da an-
dade, a anfibologia, o equívoco, o duplo gústia e a supercomplexificação dos ritu-
sentido, o imaginário é precisamente a ais se acentua sempre nessa direção e com
amputação do simbólico de sua caracte- esse objetivo. Por isso, Freud irá dizer que
rística primordial, é a redução desse du- a angústia precedeu os sintomas obsessi-
plo sentido ao sentido unívoco. Quanto vos, que foram criados precisamente para
ao real, Lacan dirá que ele é o ab-sens, o evitar seu surgimento.
sentido enquanto ausente, o sem-sentido. No caso da histeria, os sintomas his-
Assim, a inibição é o efeito da inva- téricos convertem toda a energia em sin-
são do simbólico pelo imaginário, isto é, tomas corporais e, por isso, eles impedem
ela representa a redução do sentido; o sin- igualmente o aparecimento da angústia.
toma, sendo a invasão do real pelo simbó- Na histeria, o mecanismo do recalque sen-
lico, tem como paradigma excelente o sin- do prevalente, a representação recalcada
toma histérico, cujo corpo expressa sim- retorna através da conversão, produzindo
bolicamente a verdade de seu desejo; a o sintoma que, ao expressar o desejo, terá
angústia representa a invasão do sentido revelada na análise a fantasia a ele subja-
pelo não-sentido, por isso seu paradigma cente. Toda análise de um sintoma (S R)
mais excelente prossegue sendo o trauma, consistirá, por isso mesmo, no destaca-
isto é, a irrupção do não-senso radical do mento de uma fantasia inconsciente que
real no seio da homeostase imaginária. suporta o desejo. Freud escreveu dois ar-
Na neurose obsessiva, segundo Freud, tigos em 1908, Fantasias Histéricas e sua
o eu foi formado muito precocemente, o Relação com a Bissexualidade e Algu-
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Angústia e castração
RECEBIDO EM 15/06/2007
APROVADO EM 27/06/2007
SOBRE O AUTOR