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Vasco D. Lopes
Universidade Federal Fluminense
Instituto de Artes e Comunicação Social
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O Desejo do Outro 3
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essa ausência, mas sim qual é o seu desejo não se apercebe”), mas principalmente por-
(?). Na angústia suscitada pelo enigma do que são essas imagens subliminares (me-
desejo (evocação) do Outro materno a cri- mórias/evocações) que nos transtornam no
ança produz essa maquinação do Fort-Da. filme. Apesar desse efeito traduzir bem o
Trata-se de domesticar esse desejo do Ou- que vive o personagem principal que está o
tro que suscita angústia e obter a partir desse tempo todo como que preso num sonho, di-
fundo de angústia um prazer através da sua zendo o tempo todo que não sabe o que é
maquinação lúdica. O que ilustra este jogo é real; isso tudo, o tempo todo, as imagens in-
generalizado ao fantasma: o fantasma é uma comodam o leitor e deixa a leitura ser des-
máquina que se põe em jogo quando se ma- confortável. Não que isso seja uma desvan-
nifesta o desejo do Outro (imagens sublimi- tagem. É claro que não. Não esquecer que
nares em Fight Club - evocação), uma má- o fantasma é tecnologia de comunicação en-
quina destinada a proteger-se da angústia e quanto imagem e enquanto matéria.
coordenando o gozo ao prazer. Lacan virá dizer que é imagem aquilo que
O fantasma desencadeia-se, portanto, provoca realmente a angústia, simboliza a
quando encontramos uma falta do Outro, perda que causa o desejo, ou encarna o auto-
uma falta de significante que responda qual é erotismo que a imagem no fantasma fixa.
o seu desejo (?). Perante este enigma do de- Ninguém diria que o jogo da criança se
sejo do Outro a resposta é o fantasma. Ora, opõe à realidade. Pelo contrário, constitui
é sob esta conjuntura teórica que Fight Club, uma actividade central na vida da própria cri-
David Fincher (1999) se vai debruçar. É pelo ança. Através do jogo vemos como a criança
desejo do outro (na sua realidade psíquica) organiza, interpreta e se relacciona com os
que o protagonista vai evocar um alter ego outros e com o mundo: através do jogo ela
que se manifesta em forma de imagens su- vai construir a sua própria realidade. Quando
bliminares no inicio do filme: antes de Ty- a criança deixar de jogar, a pergunta que
ler Durden (o Outro) surgir em cena, a sua surge é qual é a coisa que pode estar a subs-
evocação é feita através do dispositivo téc- tituir o jogo (?): a resposta de Freud é muito
nico de 4 fotogramas isolados inseridos no clara: o fantasma, quer dizer, as histórias que
decorrer do filme, tendo como intencionali- a criança conta para si mesmo. E o jogo,
dade expressiva o desejo pelo Outro. É isso esse, será executado de outra forma (dife-
que vemos. rente da outra).
Estas imagens inseridas no filme vão pro- Através deste filtro, a criança vai fabricar
duzir mediação e rematerializar um mundo a sua própria realidade. Dito de outra forma,
desaparecido, não só porque os fantasmas a realidade, que nao é o real, está marcada
entram no mundo dos vivos através do apa- pelo fantasma, nao é senão uma fantasmati-
relhos mediáticos ( no próprio filme -ficção zacão do real, uma construção do sujeito e
dentro da ficção- Tyler Durden é projecci- de sua reacção com o mundo. O mundo para
onista “ o circulozinho à direita quer di- o sujeito humano, é antes tudo o mundo dos
zer que se vai mudar de bobine” e ele co- outros, daqueles que falam e com os quais
loca um fotograma pornográfico na mudança toda a reacção está mediada pela palavra e
de bobines em filmes infantis e “o público linguagem.
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Voltando à pergunta pelo desejo do Ou- falta no Outro como desejo do Outro; ao
tro, como se manifesta este desejo (?). A mesmo tempo indica que não há significante
pergunta pelo desejo do Outro é uma con- para inscrever a relação sexual; por isso jus-
sequência da inconsistência da língua. A lin- tamente há um desejo; há um desejo porque
gua é inconsistente porque um significante nao se inscreve a relação sexual. Assim a
só se define pela sua reacção a outro signi- pergunta do enigma da sexualidade está in-
ficante, sem que haja um último significante timamente ligada à pergunta pelo desejo do
que seja a garantia da significação. Outro. Ante estes enigmas as crianças in-
Já sabemos que o primeiro Outro da lín- ventam uma série de teorias que tem o valor
gua permanece suportado para a criança na de uma resposta fantasmática. O decisivo
figura da mãe: "fazes isto, mas o que é que é que a resposta ao desejo do Outro - o falo
queres?". Se o que uma mão diz é incompre- - condenará o sujeito à ausência de relação
ensível, não é porque a criança não entenda sexual.
as palavras e a sua significação, porque para Em Fight Club, David Fincher (1999)
além do seu valor de signo, temos de ter em deparamo-nos com uma relação estritamente
consideração o valor de significante. Que masculina (pela ausência da figura feminina
resposta poderá haver perante este vazio da ele vai evocar como carrinho - exemplo do
ausência da significação do seu desejo enig- jogo - uma figura masculina: um alter ego).
mático? É o corpo. O corpo irá preencher o Esta relação poderá ser confundida com um
tal vazio. homoerotismo baseado numa suposta atitude
Efectivamente, ante o insimbolizável, ante comportamental misógina do protagonista,
o real do desejo do Outro, o fantasma ofe- remetendo-o para um contexto gay. Juízo
rece uma resposta que implica sempre o pressuposto este, que poderá ter algum fun-
corpo (materialidade). Encontraremos no damento somente do ponto de vista emoci-
fantasma o corpo como imagem; mas des- onal em que há uma espécie de adicção to-
cubriremos também que essas imagens do xicomaníaca no sentido de se complemente-
corpo que habitam, que conformam o argu- rem (aliás, eles são a mesma pessoa – duali-
mento do fantasma, são a vestimenta que co- dade personificativa), já no que diz respeito
bre o outro corpo que não é o corpo tranqui- ao ponto de vista material nada na imagem,
lizador que nos dá uma resposta ou o corpo explicita ou implicitamente, nos leva a essa
como esperamos que seja reconhecido pelo conclusão (apesar de não chegar a ter rela-
olhar do outro. Noutras palavras, encontrare- ções sexuais com Marla Singer -!-).
mos o corpo no fantasma como imagem, mas O Cinema é a 7a arte. Ele tem de pos-
também na relação às pulsoes (que é aquilo suir uma grande intencionalidade expressiva:
que articula a sexualidade no ser falante des- a função do Cinema é representar as emo-
provido de instinto). ções humanas, e neste filme a reprodução da
No entanto, Teorias sexuais infantis é um vida mental é cuidadosamente reproduzida:
texto fundamental de Freud para entender o vai representar os processos psicológicos in-
modo de resposta do fantasma à falta do Ou- teriores do sujeito que cria o mundo como
tro. Uma falta que tem uma dupla dimen- uma narrativa. Se o filme aborda temati-
são. Por um lado indica o significante que camente as profundezas do inconsciente hu-
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