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OPÇÃO LACANIANA

Revista Brasileira Internacional de Psicanálise

Rumo a um significante novo


Sobre o Gide de Lacan
SOBRE O GIDE DE LACAN
jACQUES-AlAIN MlLLER (Paris)

Este texto que apresenta o artigo princeps de Jacques único, o do narrador, sem que se perceba muito bem sua
Lacan 'Â juventude de Gide ou a letra e o desejo" (1958) é espessura. As personagens são muito antes funções que
a transcrição de quatro sessões, no fim do ano de 1988, do gravitam em tomo de sua própria perspectiva. O esforço para
seminário de estudos aprofundados de Jacques-Alain Miller. obter perspectivas diversas em Les faux monnayeurs não é
A escolha do tema não deixava de relacionar-se com a ocor- considerado pelos críticos como um sucesso.
rência do Encontro Internacional do Campo Freudiano que Em fins de contas, tem-se a impressão que os êxitos li-
iria ter lugar em Paris em julho de 1989 sobre o tema traços terários de Gide se produzem quando ele assume sua pró-
de perversão. O cartel formado por Marie Hélène Brousse, pria posição, quer seja em La porte étroite ou em Thesée,
Jean-Louis Gault, Philippe Hellebois, Françoise Schereiber que são como que diários de ordem superior. La porte
e Herbert Wachsberger apresentou cinco trabalhos sobre o étroite é um diário do narrador, com o diário de seu vis-à-
artigo de Jacques Lacan. Depois destas intervenções, du- vis, e Thésée, uma narração na primeira pessoa. Isto parece
rante quatro sessões, Jacques-Alain Miller desenvolveu sua indicar que aí se encontra a corrente principal da criação
abordagem do tema. Intervieram Agnes Aflalo, Philippe La em Gide, que continua no seu Diário-, esta narração que
Sagna, Patrick Valas. Estas comunicações ou questões não duplica sua vida, na primeira pessoa. Suas criações literárias
estão retranscritas aqui. Uma edição em espanhol destas são como que deste comentário "egológico", e mais uma
quatro sessões foi publicada em 1989 por Silvia Tendlarz certa formalização. Mesmo La porte étroite é um fragmen-
num caderno especial da revista Malentendido. to de sua biografia, formalizado e condensado.
Tem-se então a tendência de dizer que o estilo encon-
trado por ele - se quisermos falar do estilo de Gide no sin-
I - Respeitemos a máscara gular - vale como solução para seu sintoma. As peças do
dossiê vão majoritariamente no sentido de uma narração
O estilo de Gide, segundo a concepção de Jean Delay, "egológica" contínua. A criação literária recolhe os episódios
retomada por exemplo por Maurice Nadeau em sua introdu- de sua vida e os formaliza. Resumo aqui uma concepção de
ção dos Romances de Gide na edição da Plêiade, é o diag- Gide, senão clássica, ao menos aceita.
nóstico crítico recebido, que considera que Gide jamais pôde Todo o esforço de Delay ao fazer esta cesura sobre a
ser verdadeiramente um romancista, que ele próprio o sa- juventude de André Gide, e seguir o processo de instalação
bia, que chamava de "narrativas" seus pretensos romances, de um estilo, uma solução produzida pelo próprio Gide,
e de uma "Sotia" "Les caves du Vatícan". Não tentou o ro- sem o concurso de qualquer analista. As palavras de Lacan
mance senão com Lesfawc monnayeurs (Os moedeirosfal- vão neste sentido: ele evoca a "composição" da pessoa, a
sos) qualificado pela crítica, antes, como fracasso literário. "construção", a "fabricação". Adota o corte de Delay, que,
Nadeau considera que o que impediu Gide de chegar a ser com efeito, está situado com muita justeza. É apenas de-
verdadeiramente um romancista foi a "introversão geral de pois deste processo que nos deparamos com André Gide
sua personalidade", que lhe torna difícil dar substância e cor - enquanto tal - com a idade de vinte e cinco anos. Alguém
inclusive, para retomar a expressão de Lacan, "cor de sexo"- que tentou continuar o trabalho de Delay, trata-se de Claude
à suas personagens, muito pouco descritas. Até Les fawc Martin, adota também esta cesura, que considera como acei-
monnayeurs elas o são apenas a partir de um ponto de vista ta, já que escreve em seguidaA maturidade de André Gide.

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ORIEXTAC AO IAC A MA \A

A criação literária de Gide está então marcada pelo Eu por vezes bastante repugnantes, nesta língua que perma-
(Je). Há como que uma fatalidade, um peso deste Eu em nece angélica mesmo se o próprio Gide diz ter aí emprega-
sua obra. No que concerne ao seu estilo, tal como este per- do um estilo rústico, malicioso ou libertino. A descrição,
manece na literatura, parece-me possível sustentar que ele por páginas e páginas, das pulgas, dos percevejos, das ba-
não se formou senão apenas no fim deste período chama- ratas, das diversas porcarias que cercam a pessoa do pobre
do de sua juventude. Fleurissoire, é feito no estilo delicado do Traité du Narcisse
Tentemos caracterizá-lo. É um estilo que passou segu- Deixemos a questão do estilo e retomemos à questão clí-
ramente pelo crisol do simbolismo, mas que se despojou nica. Se levamos em conta a abordagem lacaniana do caso -
de numerosas afetações suas, e forneceu à literatura fran- utilizo a palavra "caso" porque é um termo que não repug-
cesa do século vinte um modelo de pureza, de classicismo, na a Lacan utilizá-lo a respeito de Gide - observamos que o
uma tonalidade de base que inspirou a Nouvelle Revue termo perversão está ausente deste texto, e que a palavra
Française. Este lapso, este ato, falho, que foi a rejeição pela fetiche só aparece nele uma só vez. Pode-se portanto apa-
Nouvelle Revue Française de Em busca do tempo perdido rentemente ir bastante longe, na construção, na formaliza-
já está inscrito no estilo de Gide, da mesma maneira que a ção deste caso, sem o utilizar o termo perversão.
dificuldade de acesso a Joyce, se bem que seu tradutor fosse Por outro lado, este texto esconde um segredo, bastan-
Valery Larbaud, ligado a Nouvelle Revue Française. O resul- te aparente. No momento em que escreve, Lacan está na
tado é que o público vai atualmente buscar o picaresco, a vida posição de agradecido para com Jean Delay, na medida em
romanesca, nas grandes criações dos romancistas latino-ame- que este dá abrigo a seu seminário em Saint-Anne. É neces-
ricanos ou nos romances norte-americanos. sário admitir que esta situação de agradecido afeta um pou-
Admitamos que André Gide tenha um estilo clássico, co a crítica. Em todo caso, quando o livro de Delay chega
muito "egológico", que prossegue a tradição da Princesa por intermédio de Critique nas mãos de Lacan para rese-
de Cléves e de Marivaux. Pois bem, em a Juventude de André nha, não se espera certamente dele uma crítica arrasante.
Gide estamos no nível em que isto se cozinha, e de uma Por que viés o estudo de Delay chega a Lacan? Eu o ignoro,
maneira um pouco suja. Obteremos como resíduo, como mas podemos supor que o próprio Lacan o reclamou, ou
produto desta decocção, um estilo muito puro. Pôde-se que, como é corrente, o autor pediu que fizessem uma re-
empregar a palavra "norma" para qualificá-lo, já que se im- senha e, como Lacan tinha relações com esta revista, este
pôs como uma espécie de ideal. O paradoxo divertido é compreendeu o que lhe cabia fazer. Seja como for, é uma
que, do ponto de vista sexual, Gide era um "anormal" en- das componentes do estudo.
quanto que seu estilo valeu no século como modelo ideal Entretanto, é inegável que Lacan não tem de se esforçar
do uso da língua francesa. para homenagear o trabalho de Delay, que, tenha ele sido
Poderíamos dizer que é um estilo que possui alguma em parte feito às apalpadelas, é uma obra em que logo en-
coisa de angélico - termo que tem seu lugar na clínica de contramos o que dela retirar. Aliás, penso que o texto não
Gide -, que tem um contato extremamente delicado com teria sido integrado a coletânea dos Escritos se não hou-
aquilo de que se trata, com sua referência. É como uma vesse uma harmonia de perspectiva entre Delay e Lacan, e
carícia do sujeito, uma delicadeza sem afetação, não se não fosse nos traços de Delay que Lacan decifra o texto
obstante alardeada. Suas notações sobre os pequenos de- de Gide. Existem numerosas referências precisas a Delay
talhes do estilo são extremamente instrutivas. A última nota ao longo de seu estudo, onde a vela está colocada no bom
de seu Journal, em junho de 1949, é a seguinte: «Hugo se lugar. Corrijo portanto o que eu disse: há uma certa afeta-
compraz em fazer rimar duas sonoridades ditongas, uma ção no texto de Lacan mas isto em nada retira a estima que
valendo por duas sílabas, a outra por uma». Eis o que se merece o trabalho de Delay. A única coisa que se pode di-
poderia chamar uma delicadeza de crítica. zer é que as notações a respeito das quais Lacan, para qual-
Em suma, um estilo angélico, que algumas vezes se quer outro que não Delay, teria manifestado uma ironia
acanalha um pouco. «Um dos encantos dos Caves du ácida, não figuram na resenha. Por exemplo, o retrato por
Vatican - não sei se tem encanto para todo mundo, mas Delay do "nervoso fraco", categoria na qual este supõe que
para mim esta "Sotia" o tem - é o de falar de coisas que são Gide se inscreve, falta-lhe um pouco de envergadura. Delay

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considera com enfeito que "o futuro literato, o futuro filó- legíveis no que precede. Ao nível do próprio texto flutua
sofo, sofre muitas vezes destes estados sintomáticos, de um como que um perfume de mistério, se bem que Lacan não
leve afastamento da realidade ambiente e que ele se en- tenha deixado de nos mostrar o que se ocultava no cha-
contra distante da ação em proveito da reflexão e de um péu. Nesta artimanha que ele está em vias de apresentar
gosto por seus pensamentos". A tipologia do nervoso fraco diante de nós, ele nos diz de fato que é aí que reside a
enquanto predisposto para a literatura e a filosofia, apre- questão, ele inclusive no-la mostrou na correspondência.
.senta uma sintomatologia que, enquanto tal, não está ver- Mas um ar de mistério persiste no entanto neste texto, ao
dadeiramente articulada: não é multo específica, ela é por menos nesta expressão: «o segredo do desejo, e com ele
demais ampla. O que ressalta Delay, a «impressão de estar o segredo de toda nobreza», que dá água na boca. Qual é
desdobrado em ator e espectador» , é verdadeiramente trans-
1 o segredo do desejo? Este texto conserva todo seu inte-
categorial, transclínica. resse se o tomamos pelos mistérios mesmos que Lacan
Janet figura nas referências de Delay Lacan o nota, e nele deixa planar.
para criticar Janet, utiliza as próprias munições dadas pelo Notemos o termo imisção, que é próprio de Lacan e
censo que fez Delay, pois este levanta um certo número de não aparece em Delay. Ele retorna duas vezes no texto -
termos em Gide, os serializa e aplica a grade janetiana. A sendo a imisção pessoal de Lacan de acrescentar ao termo
crítica de Lacan consiste em dizer que é melhor conservar de Delay o tema da correspondência, quer dizer aproximar
os termos de Gide do que lhes aplicar esta grade já que são o enorme ensaio de Delay do pequeno livro de Schlumberger.
muito mais precisos. Em sua nota Lacan não assinala que o
2 Assim fazendo, acrescenta um elemento que fazia falta,
levantamento dos termos foi feito por Delay, o que dá a mesmo se a ele se alude, ao livro de Delay. Mas é verdade
impressão de que este está ausente do debate. Lacan indi- que o episódio-chave sai do período da juventude enquan-
ca portanto que prefere a autoclínica gideana. Considera to que o livro se fecha com o casamento não consumado
que é necessário distinguir os estados do eu da posição do de Madeleine. O que concerne a vida do casal permanece
sujeito. Num outro parágrafo, mais adiante, vocês verão fora do corpus. Mas era o elemento suplementar, e como
distinta a divisão do eu, e em seguida, referida ao sujeito, a diz Lacan, a "peça faltante".
frase sobre a decisão e sobre a obstinação, a pertinácia que Esta Juventude de Gide poderia se chamar 'A criação
é a de Gide .3
de André Gide". Com efeito, assiste-se nela à criação por si
Eu dizia que o texto de Lacan esconde um segredo bas- mesmo, ao "auto-engendramento" de André Gide - com
tante aberto que é o da posição de agradecido de Lacan todas as aspas que se impõe, pois isto se faz é certo com
para com Delay. Mas ele comporta um outro, o deste tex- relação ao Outro - o qual tem um acabamento em um nível
to mesmo, que é relativamente alusivo, fechado sobre si por nós agora esquecido em Lacan, que o retoma de Delay,
mesmo, pouco explícito. Talvez isto se deva ao fato de que o chama de persona. Isto não deixará de ter ecos em
Lacan dirigir-se a um público que não é o seu, numa revis- Lacan, uma vez que em seus textos 'A direção do tratamen-
ta que nada tem a ver com a psicanálise. Até então ele se to e os princípios do poder" e "Observação sobre o relató-
mantinha, antes, isolado, excetuando seus discursos para rio de Daniel Lagache":«[...] continua ressoando esta ques-
os filósofos. Não temos portanto o estilo dos textos que tão sobre a pessoa. Os "ideais da pessoa" para qualificar a
foram e serão publicados na revistaispsychanalyse: apa- instalação do ideal do eu, do eu ideal [...]», tudo isso en-
rece um certo esforço literário que, pouco a pouco, vai contra sua origem no livro de Delay. Em Lacan, nós perde-
diminuir em Lacan. O texto comporta muitas imagens, que mos um pouco deste tema da pessoa. Aqui, estamos em
são bastante envoltas, entre as quais ressalto em particu- um momento no qual as coisas, para ele, estão mais com-
lar a evocação da «temível passante [...] cuja sombra está plicadas do que se o tornarão depois de seu trabalho so-
apenas perfilada» e que «deixa sempre deserto o aposen- bre a lógica do significante e sua confrontação bruta com
to de vantagem que ela tem sobre Delay no percurso do o real, de algum modo esvaziado. Aqui, pelo contrário,
apartamento». O que evoca esta imagem? - no texto de temos todas as ondulações, todo o labirinto - é o próprio
Lacan é seguida pouco depois de uma notação: "este va- termo de Lacan - que o momento no qual nos ocupamos
zio". Mas onde está o vazio? Não temos suas referências da persona comporta.

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ORIENTA ÇÂ O LA C-LV/.-LY.4

Uma das coisas mais marcantes desta exegese, e que Na correspondência de Gide com sua mãe, assistimos a
para nós do ponto de vista clínico constitui a chamada uma rixa de morrer de rir entre os dois correspondentes -
absolutamente importante, é que não estamos aqui abso- o livro de Delay fornece grandes passagens, mas é bruto.
lutamente a considerar que com cinco anos, tudo está de- Gide está na Argélia, tem um jovem empregado; ele já
cidido para o sujeito. Um dos aspectos de estranheza, de esteve ao mesmo tempo atraído e um pouco repugnado pelos
"é(s)tranhamentos" (estrangements) que podemos expe- costumes, as maneiras de agir de Lorde Douglas, o amante
rimentar para com esta abordagem, vem do fato que o pro- de Oscar Wilde com quem cruzou por lá. Não é um bom
cesso determinante para o sujeito prossegue na adolescên- encontro, segundo a moral pública e segundo sua mãe. Ele
cia, e até vinte e cinco anos. Assistimos - Delay nos faz assis- acompanha Douglas às sentinas e, num dado momento, as-
tir - a um processo que prossegue na juventude e que tem siste à copulação de Lorde Douglas e de um rapaz com o
portanto a vantagem de valorizar instâncias e funções, que qual ele já se deparou antes. Vê Lorde Douglas com uma
não parecem evidentes quando permanecemos no pré- grande capa, curvado sobre o corpo pequeno do garoto,
edipiano e no edipiano. Tomemos, por exemplo, o fato que "como um vampiro". Ele experimenta um profundo nojo.
aparece em Delay como o término deste processo, aliás cu- Temos aí uma indicação muito precisa sobre o tipo de
riosamente chamado por Lacan de a "mensagem" de homossexualidade de Gide. A lição de Lacan no seu texto,
Goethe. Temos aí um jovem que lê quase tudo o que lhe cai e a de Delay também é de insistir sobre a particularidade
sob os olhos, que não se vê jamais sem um livro na mão - do caso e de por em questão a unidade desta categoria clí-
Delay se diverte em fazer a lista de todos os autores citados nica: a homossexualidade masculina.
por Gide em Les cahiers de André Walter, e isto constitui Ao mesmo tempo que está repugnado pela maneira de
toda uma biblioteca; o livro tem o ar de um repertório de fazer, o modo de gozar de Douglas, Gide tem vontade de
citações. Eis que este leitor ávido cai sobre Goethe. Ele já fazer a mesma coisa. Escreve então a sua mãe uma carta de
tem vinte e um anos, não é um garotinho e se põe a ler. morrer de rir para lhe dizer, en passant que ele pretende
Concedamos seu valor ao termo que emprega Lacan levar para Paris seu jovem criado Athman - de quem temos a
neste momento: ele fala do "efeito decisivo" da mensagem fotografia - que o jovem será de grande utilidade para dar
de Goethe sobre André Gide. O interesse desta abordagem uma ajuda à velha Marie, que encontrou nele um recruta de
clínica é de nos fazer modificar o marco pré-fixado de nos- primeira. A última correspondência entre Gide e sua mãe
sas referências. Alguém de ascendência camponesa me fa- gira em torno deste projeto. Ela lhe explica, com argumen-
lava ontem de um pequeno cercado onde os bezerros são tos bastante razoáveis, que este pobre rapaz argelino de quin-
recolhidos para ficarem tranquilos, de onde são retirados ze anos ficará completamente perdido em nossa terra, que
para a mamada, para encerrando-os aí em seguida. A pala- ele já não faz nada estando, e que fará ainda menos quando
vra em patoá para designar este cercado é castou (redil). estiver aqui. Gide defende seu desejo, passo a passo, até o
Pois bem, temos nosso pequeno castou, e este texto am- momento em que cede. Este diálogo entre Gide e sua mãe é
plia brutalmente o horizonte. Graças a Delay graças tam- verdadeiramente impagável, eu o recomendo como distra-
bém ao trabalho de elaboração de Gide, saímos destes l i - ção. A mãe tem razão, será muito difícil fazer vir para Paris
mites, e abre-se diante de nós um horizonte mais comple- este rapaz, e nós a vemos esmagar o desejo de Gide com seu
xo, onde um processo suscetível de efeito decisivo prosse- espizinhar, tanto mais terrível porque ela tem razão.
gue até vinte e cinco anos. A ideia é antes sedutora. É nesta ocasião que ela incrimina Goethe. Inquieta, ela
A palavra "decisiva" é empregada pelo próprio Delay para lhe mostra que se ele traz seu pequeno argelino, isto vai dar
qualificar a leitura de Goethe. Lacan nota que, antes de Delay o que falar. Explicou aos amigos de Gide que ele atrasou seu
apenas a mãe de Gide se apercebera deste efeito decisivo: retorno da Argélia porque sofre de enjoos e teme a travessia:
Goethe não era apenas um autor de quem Gide gostava mais neste momento, ela apreendeu alguma coisa nos seus ros-
do que os outros. Concedamos portanto todo seu valor a tos: «Tendo surpreendido um sorriso incrédulo e cheio de
este termo "decisivo", se bem que ele não seja desenvolvido subentendidos, tive de um golpe uma emoção dolorosa no
no texto de Lacan. A mensagem de Goethe de certa forma a coração, e num segundo compreendi os comentários que
estofa, põe um ponto de basta na persona de Gide. acolheriam tua aquisição. Pois enfim, suponhamos que

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Albert Saussine, Edouard Rondeaux, Pierre Louys ou qual- Lacan indica a grade de leitura, o materna que ele propõe
quer outro de nossas relações nos conte isso; o que nós como chave para André Gide - o que ele elaborou para
pensaríamos? E quantas vezes será a verdade? Podemos es- todos os usos, a saber o materna de quatro cantos de A, a-a'
perar escapar ambos a este comentário? E se ao menos você e do sujeito como significado. Diz explicitamente que não
pudesse conservar isto em seguida, seria uma questão de vai desenvolvê-lo neste texto, já que seus elementos foram
dinheiro, e nada mais». Nesta mesma carta ressalta Goethe-. encontrados pelo próprio Delay. Remete aos cabeçalhos dos
«Goethe! Goethe! Goethe! É por seu génio que ele domi- capítulos mesmos de Delay, que vai enumerar. E por isso
na, é de seu génio que é necessário se imbuir e não de suas que ele lhe dá esse cumprimento, que basta ser rigoroso
taras. E de resto não são suas taras que se vê nas suas obras para que as coisas se ponham no seu lugar como um
e com as quais alguém se preocupa e que dominam o pú- materna. O fato apenas de que Delay seja rigoroso na abor-
blico. E por fim, querido filho, Goethe já viveu, está morto dagem do caso faz com que ele reencontre o que Lacan
e enterrado, era no primeiro quarto do século que ele vi- chama o "ordenamento do sujeito", que, nesta época, está
via, e nós já estamos bem perto do século vinte. E não exis- para este materna dos quatro cantos. Logo depois desta
te apenas Goethe no mundo como grande homem». observação Lacan nota que as criações do literato retomam
Esta mãe, no meio de um debate onde parece não ter e põem em cena os lugares que foram para ele necessários
o que fazer, por três vezes jacula o nome de Goethe. E eis anteriormente: «se redobram nas construções do escritor,
o término do processo - a mãe vai morrer bem pouco tem- as construções mais precoces que foram na criança mais
po depois. Seu filho vai retornar da Argélia, e Gide tendo necessárias» . Em outras palavras, tem-se a ideia de alguma
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se tornado André Gide, madame Gide terá um ataque e coisa que se joga em partida dupla; uma primeira distribui-
morrerá neste mesmo ano. É uma escanção surpreenden- ção dos lugares da estrutura ordenada do sujeito é redupli-
te desta história. cada nas criações do escritor.
Não estamos mais na presença de um garotinho, mes- Um traço absolutamente marcante é que a homossexua-
mo se ele manifesta uma posição de dependência com re- lidade de Gide não retém tanto Lacan neste texto. Digamos
lação a sua mãe. Para voltar um pouco atrás, quando fala- que ele presta pouca atenção a escolha do objeto homos-
mos da função da sedução pela tia, ao menos na narrativa sexual. É por outras vias que temos precisões sobre esta
que dela temos, Gide é adolescente. Aí, ressaltemo-lo ain- escolha de objeto, sobre os meninos pequenos, com me-
da, estamos sensivelmente além de nosso marco pré-fixa- nos de sete anos de idade, a pele mais para morena, que se
do, pré-edipiano e edipiano, deparamo-nos com um acon- trata de acariciar, em face a face, sem penetração, e odecór
tecimento, com um encontro tardio com relação a primei- natural muitas vezes tem seu lugar para acompanhar o êx-
ra infância. Notemos ainda que Gide sempre falou - segun- tase deste orgasmo manual. O que concerne à escolha de
do Delay - de sua partida para a Argélia como de uma má objeto homossexual é inteiramente deixado no segundo
decisão, que teve consequências nefastas. Se minha lem- plano por Lacan. Toda a sua análise está, pelo contrário,
brança é boa, próximo ao final de sua vida, falando a Henri centrada sobre o amor único de Gide, quer dizer sua esco-
de Regnier, ele diz que foi um «terrível erro de orientação». lha de objeto heterossexual. Ao lado da multiplicidade des-
Em outras palavras, ele continua por muito tempo a tes meninos pequenos, houve uma mulher e apenas uma
entreter a ideia de que a partida para a Argélia foi muito autenticamente amada.
importante. Quando ele embarcou com seu colega - posto Da mesma maneira que Lacan nos apresenta um Gide
que são dois - partem para a tentação da carne, e não pode- coberto de letras, homem de letras, por excelência, temos
mos dizer que haja uma escolha complemente decidida aqui um Gide coberto de mulheres. Quanto ao pai, trata-o
sobre a encarnação desta tentação da carne. Em todo caso muito rapidamente, o que é construído por Lacan como de-
Gide quis entreter esta ficção. Na verdade, a escolha é bem terminante - numa perspectiva mais ampla do que a de uma
anterior, mas faço aqui a lista dos momentos decisivos que psicanálise, já que aqui não existe psicanálise mais estudo
são bem posteriores a este período formativo inicial da pri- de textos - é a perspectiva do destino, para além do horizon-
meira infância. te prático ou da técnica diagnostica. Delay por ingénuo que
Corrijamo-nos no entanto, ressaltando que o próprio seja aqui e ali não o é a este nível porque conserva, graças a

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ORIEMACAO IACA\1A\A

Gide também, o sentido do destino. Ora, ao nível do desti- procurar o elemento mediador que os conecta, encontrou-
no, é com relação às figuras femininas que se inscreve a o com esta tia. Partindo da mãe e considerando qual é o
posição de Gide. A escolha de objeto heterossexual está no resultado, a saber um amor de uma fidelidade completa -
centro da coisa. mesmo se isto não impediu Gide de ter aventuras com ou-
Levo em consideração o que está enviesado aqui pelo tras mulheres - temos a busca e a promoção por Lacan da
fato de que aqui não se trata de uma resenha exaustiva do segunda mãe, que particulariza o caso.
caso, mas antes de uma demonstração que diz respeito ao
que Lacan "considera ser o problema em causa, o das rela-
ções do homem e da letra". E quando ele escreve "letra" II - Amor, desejo e dever
aqui, não esqueçamos que ele é o autor do seminário so-
bre 'A carta roubada" e de 'Â instância da letra". A "Juventu- Existem de fato muitos pontos dos quais poderíamos
de de André Gide" é o terceiro texto que completa este partir de novo, já que fiz na última vez apenas uma introdu-
estudo da letra, pelo viés da correspondência. ção. Poderíamos por exemplo tomar sem delongar a expres-
Então, um amor único por uma mulher, e a reconstrução são tão curiosa de Lacan «o segredo do desejo e com ele o
por Lacan do que ele chama no fim de seu texto de «o trio segredo de toda nobreza» . Por que ligar assim o desejo e a
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das magas fatídicas a se representar no seu destino»: a mãe, nobreza? É mais divertido colocar para si este género
a tia e Madeleine. Eis uma constelação absolutamente sur- de problema de saída do que conduzi-lo de maneira orde-
preendente, que responde a questão de Lacan, mas que po- nada e demonstrativa; mas talvez isto seja um pouco des-
deria ser a de Delay: «O que foi para esta criança sua mãe?» .5 concertante, e pediria para ser articulado com o que Lacan
Acho belíssima esta questão, porque sobre ela recai todo diz na mesma página da aristocracia e do Senhor: «o Se-
o valor da particularidade do caso. Em que Lacan o intro- nhor, o aristocrata e o nobre representam posições exata-
duziu? Sobre uma referência bastante bem conhecida: a in- mente semelhantes?».
cidência do personagem materno sobre o homossexual. Eu tomava este exemplo para mostrar o tipo de ques-
Compreende-se aqui porque Winnicott se deterá na mãe tões que chegamos talvez a nos colocar com a leitura deste
"suficientemente boa"; se a mãe "muito boa" existisse, sabe- artigo. Sabemos que os textos de Lacan são férteis - se que-
se o cortejo de lamentações que se teria levantado do coro remos realmente tomá-los assim, em oferecer conjunções
dos analistas para dizer "alto lá". A "mãe suficientemente surpreendentes que quando menos não são admitidas. Mais
boa" é mesmo a inclusive vã da metáfora paterna em do que ter o sentimento de que quanto mais muda, mais é
Winnicott. Partindo deste lugar comum, toda a ciência de a mesma coisa, mais do que entediar-se com uma termino-
Lacan, em primeiro lugar a de Delay, é de "polimãezar" a logia que parece ser sempre a mesma, podemos provocar a
mãe, de mostrar - para dizê-lo como Aristóteles - que «a nós mesmos para verificar, sobre tal passagem e em tal
mãe se diz em mais de um sentido». momento, que as conjunções, as aproximações, os próprios
A promoção da tia ao nível de mãe pede para ser sus- provérbios que Lacan propõe nada têm de banal.
tentada. Temos os elementos d e Z « p o r t e étroite, mas exis- Precisamente, tratando-se da perversão de Gide - para di-
tem outros, e isto vale também para todas as mulheres que zer a palavra que não aparece no texto - ela não é absoluta-
são afastadas e que se teria podido ver promovidas a este mente abordada por Lacan de maneirzstandard. Seu esforço
patamar, rang de mãe, se não fosse pela famosa governanta é de nos apresentar uma perversão mo-standard, com a ad-
inglesa, Anna Shackleton. Ora, Gide, opera se posso dizer, vertência do que este caso mesmo pode suscitar em nós - será
uma seleção orientada do pessoal. um bom ponto de partida procurar o standard de uma estru-
De quê parte Lacan neste exame? A mãe, sabemos quem tura clínica? Ora existem poucas clínicas que recorrem tanto
é, - sabe-se sempre quem é a mãe. E sabemos que no térmi- ao standard como a da perversão onde, classicamente uma
no do processo, o resultado não é apenas o estilo de Gide, espécie de simplificação imporia uma norma, e quase uma
mas o casamento não consumado, com um amor infinito e norma psicanalítica, a que por duas vezes é lembrada por Lacan,
imóvel por Madeleine. Temos portanto um ponto de partida a saber: a importância da relação com a mãe, que Lacan trata
e um ponto de chegada que são sem equívocos. Lacan foi com um desprezo ao qual talvez não se deve deixar capturar.

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0\
Eis aqui a passagem em questão: «[...] a condescendên- de lavanderia, o menor traço que depositava sobre o papel,
cia do já ouvido [...] que se obterá sem custo em lembrar a no momento mesmo que o escrevia, estava sem dúvida acor-
preponderância da mãe na vida afetiva dos homossexuais» . 7 dado para fazer parte desta juntada moderna que são as
A mesma coisa é dita um pouco mais acima. Lacan louva o obras completas. A posição de Lacan vai então bastante lon-
livro de Delay de se ter «preservado do que a pedanteria ge. Não é simplesmente uma notação do tipo "vou ser mais
psicologisante levou ao drama da relação com figura da esperto que Delay" que com efeito percorre todo o texto,
mãe» . Podemos dizer que de início a abordagem de Lacan
8 ao mesmo tempo que ele homenageia, com justa razão, o
visa tomar pelo avesso a doutrina comum. Ele o diz mesmo trabalho de Delay. Não é simplesmente a ideia de ultrapas-
com muita afetação, e isto tem tanto mais interesse uma sar o detetive precedente, quer dizer, de tomar a mesma
vez que vocês se lembram do condensado clínico que Lacan posição de Dupin em 'A carta roubada". Dupin é aí o não-
propõe sobre a perversão em sua "Questão preliminar a tolo suposto, é por isto que se chama Dupin, aquele em
todo tratamento possível da psicose": «Todo o problema relação ao qual os outros detetives são tolos, com a ideia
das perversões consiste em conceber como a criança, em de que no fim, há ainda alguma coisa que ele não vira. Lacan
sua relação com a mãe, relação constituída na análise e não vai além do que concerne a Delay, a desconfiança é lançada
por sua dependência vital, mas por sua dependência de seu sobre o conjunto dos materiais de que dispomos.
amor, quer dizer, pelo desejo de seu desejo, se identifica Ele não se ocupa com o conjunto da clínica de Gide,
com o objeto imaginário deste desejo na medida em que a mas unicamente com o problema que ele traz, da relação
própria mãe o simboliza no falo» . Em outras palavras, se
9 do homem com a letra. Ainda uma vez, o que faz este escri-
Lacan zomba desta doutrina admitida no texto que nos ocu- to é o autor do seminário sobre 'A carta roubada" e 'A ins-
pa, ele próprio, neste resumo fulgurante da "Questão preli- tância da letra", quer dizer, alguém que se colocou eminen-
minar a todo tratamento possível da psicose" põe em evi- temente a questão do destinatário. Sua desconfiança diz
dência a preponderância da relação com a mãe. Vocês vêm respeito precisamente ao destinatário de toda a obra e de
aqui verificada uma vez mais esta pequena chave de inter- toda a correspondência de Gide, desta enorme massa que
pretação que eu lhes dei há pouco, a saber: quando Lacan hoje continua a ser editada . É necessário supor que este
10

insiste um pouco pesadamente sobre os erros grosseiros destinatário existe, porque não são filantropos, aqueles que
que não se deve, é necessário se perguntar se ele próprio editam esta correspondência com o concurso, é verdade,
não o teria cometido algum tempo antes, se não é contra do Centro Nacional de Letras. Quer dizer que a máquina
sua própria posição que ele se insurge. Isto deve ser toma- para nos renovar a imagem de Gide e para extrair de sua
do aqui de maneira relativa, veremos o porque na sequência. reserva pequenos papéis tem ainda uma certa pregnância
Haveria certamente muito a dizer sobre tudo o que cons- sobre todo um setor da opinião francesa e francófona. Te-
titui a primeira parte do texto, antes da questão: "Que foi nho o sentimento de que isto se estiola um pouco, mas
para esta criança sua mãe?" Mas tomarei as coisas a partir fico surpreso com a acolhida que lhe é dada.

desta questão, porque ela nos põe em comunicação direta A tese de Lacan é que o destinatário desta massa de es-
com o caso de Gide, e não simplesmente com o texto de critos é Delay e os que vão se seguir nesta questão: «E no
Lacan e a abordagem de Delay psicobiógrafo que estes pequenos papéis encontraram seu
Isto não quer dizer que seja necessário negligenciar o destinatário de sempre» . Da mesma maneira que toda a
11

que precede, pois eventualmente poderemos retomá-lo questão de a "A carta roubada" repousa sobre a questão de
depois. Para dizê-lo depressa, Lacan formula explicitamen- saber quem é o destinatário desta correspondência, estamos
te que Delay foi enganado por Gide. O psicobiógrafo foi aqui diante de uma questão que não é anedótica ou perifé-
previsto pelo autor que já havia destinado o lugar de seu rica, a de saber para quem Gide escreve, mesmo quando
parceiro a vir, o qual vem como seu complemento. Lacan escreve a sua mãe. A desconfiança de Lacan é que, talvez

faz pairar sobre o caso Gide, caso textual e não de análise, e ele já escreva para Jean Delay, e para nós todos.

>>bre o material do caso, uma suspeita de inautenticidade. Esta não é uma tese incerta/aventureira, ela tem seu fun-
L-.-ica aue a seu ver. mesmo os pequenos papéis de Gide, damento no que é formulado pelo próprio Gide: «viver sua
: r.—ewr.dèr.cia. e mesmo suas notas de açougue ou vida do ponto de vista em que ela será escrita». Não se pode

11
Eis aqui a passagem em questão:«[...] a condescendên- de lavanderia, o menor traço que depositava sobre o papel,
cia do já ouvido [...] que se obterá sem custo em lembrar a no momento mesmo que o escrevia, estava sem dúvida acor-
preponderância da mãe na vida afetiva dos homossexuais» . 7 dado para fazer parte desta juntada moderna que são as
A mesma coisa é dita um pouco mais acima. Lacan louva o obras completas. A posição de Lacan vai então bastante lon-
livro de Delay de se ter «preservado do que a pedanteria ge. Não é simplesmente uma notação do tipo "vou ser mais
psicologisante levou ao drama da relação com figura da esperto que Delay" que com efeito percorre todo o texto,
mãe» . Podemos dizer que de início a abordagem de Lacan
8 ao mesmo tempo que ele homenageia, com justa razão, o
visa tomar pelo avesso a doutrina comum. Ele o diz mesmo trabalho de Delay. Não é simplesmente a ideia de ultrapas-
com muita afetação, e isto tem tanto mais interesse uma sar o detetive precedente, quer dizer, de tomar a mesma
vez que vocês se lembram do condensado clínico que Lacan posição de Dupin em 'A carta roubada". Dupin é aí o não-
propõe sobre a perversão em sua "Questão preliminar a tolo suposto, é por isto que se chama Dupin, aquele em
todo tratamento possível da psicose": «Todo o problema relação ao qual os outros detetives são tolos, com a ideia
das perversões consiste em conceber como a criança, em de que no fim, há ainda alguma coisa que ele não vira. Lacan
sua relação com a mãe, relação constituída na análise e não vai além do que concerne a Delay, a desconfiança é lançada
por sua dependência vital, mas por sua dependência de seu sobre o conjunto dos materiais de que dispomos.
amor, quer dizer, pelo desejo de seu desejo, se identifica Ele não se ocupa com o conjunto da clínica de Gide,
com o objeto imaginário deste desejo na medida em que a mas unicamente com o problema que ele traz, da relação
própria mãe o simboliza no falo» . Em outras palavras, se
9 do homem com a letra. Ainda uma vez, o que faz este escri-
Lacan zomba desta doutrina admitida no texto que nos ocu- to é o autor do seminário sobre 'A carta roubada" e 'A ins-
pa, ele próprio, neste resumo fulgurante da "Questão preli- tância da letra", quer dizer, alguém que se colocou eminen-
minar a todo tratamento possível da psicose" põe em evi- temente a questão do destinatário. Sua desconfiança diz
dência a preponderância da relação com a mãe. Vocês vêm respeito precisamente ao destinatário de toda a obra e de
aqui verificada uma vez mais esta pequena chave de inter- toda a correspondência de Gide, desta enorme massa que
pretação que eu lhes dei há pouco, a saber: quando Lacan hoje continua a ser editada . É necessário supor que este
10

insiste um pouco pesadamente sobre os erros grosseiros destinatário existe, porque não são filantropos, aqueles que
que não se deve, é necessário se perguntar se ele próprio editam esta correspondência com o concurso, é verdade,
não o teria cometido algum tempo antes, se não é contra do Centro Nacional de Letras. Quer dizer que a máquina
sua própria posição que ele se insurge. Isto deve ser toma- para nos renovar a imagem de Gide e para extrair de sua
do aqui de maneira relativa, veremos o porque na sequência. reserva pequenos papéis tem ainda uma certa pregnância
Haveria certamente muito a dizer sobre tudo o que cons- sobre todo um setor da opinião francesa e francófona. Te-
titui a primeira parte do texto, antes da questão: "Que foi nho o sentimento de que isto se estiola um pouco, mas
para esta criança sua mãe?" Mas tomarei as coisas a partir fico surpreso com a acolhida que lhe é dada.
desta questão, porque ela nos põe em comunicação direta A tese de Lacan é que o destinatário desta massa de es-
com o caso de Gide, e não simplesmente com o texto de critos é Delay e os que vão se seguir nesta questão: «E no
Lacan e a abordagem de Delay. psicobiógrafo que estes pequenos papéis encontraram seu
Isto não quer dizer que seja necessário negligenciar o destinatário de sempre» . Da mesma maneira que toda a
11

que precede, pois eventualmente poderemos retomá-lo questão de a 'A carta roubada" repousa sobre a questão de
depois. Para dizê-lo depressa, Lacan formula explicitamen- saber quem é o destinatário desta correspondência, estamos
te que Delay foi enganado por Gide. O psicobiógrafo foi aqui diante de uma questão que não é anedótica ou perifé-
previsto pelo autor que já havia destinado o lugar de seu rica, a de saber para quem Gide escreve, mesmo quando
parceiro a vir, o qual vem como seu complemento. Lacan escreve a sua mãe. A desconfiança de Lacan é que, talvez
faz pairar sobre o caso Gide, caso textual e não de análise, e ele já escreva para Jean Delay, e para nós todos.
sobre o material do caso, uma suspeita de inautenticidade. Esta não é uma tese incerta/aventureira, ela tem seu fun-
Indica que a seu ver, mesmo os pequenos papéis de Gide, damento no que é formulado pelo próprio Gide: «viver sua
sua correspondência, e mesmo suas notas de açougue ou vida do ponto de vista em que ela será escrita». Não se pode

22
ORIENTA CÃ O L\C 4\ 4 V 4

dizer que na sua vivacidade, tudo o que se lê na correspon- personagens, de não escrever apenas ensaios, de não arti-
dência de Gide com sua mãe dá o sentimento de estar ex- cular apenas ideias, mas de fazer moverfigurasno imaginá-
cessivamente afetado por esta preocupação? Em todo caso, rio. Além do mais, há a noção de uma representação, de
eis uma correspondência cuidadosamente conservada. um parecer composto de desígnio.
Para que de oitenta e oito anos, elas nos cheguem, é neces- Eu estou sempre no ponto preliminar que eu extraio
sário que desde o início se tenha guardado estas cartas. do começo da abordagem de Lacan, que concerne à clínica
Não há dúvida que escrevendo a sua mãe, que tinha por e não simplesmente à posição justa em crítica literária, a
ele, é o mínimo que podemos dizer, ambição, Gide escre- saber: com medida de verdade avaliar a fabricação de Gide?
via a alguém que ele sabia ser mulher de fazer dossiês com Ela não pode se fazer como quando o indivíduo nos traz o
sua escrita, pois ela já o fizera para seus pequenos traba- sujeito em pessoa. A tese da máscara neste texto é funda-
lhos anteriores. Se então eu remeto as primeiras páginas mental para esta abordagem: tomar tudo, inclusive a más-
de Lacan a uma espécie de periferia da clínica, a ser reto- cara, literalmente, porque a máscara, longe de mascarar o
mada mais tarde - esta discussão sobre o que é a literatura, segredo, é ela própria o segredo. A máscara desvela. Ela
sobre o que a psicanálise pode sobre ela, etc. - eu segura- própria é o segredo que se vai buscar por trás dela. A más-
mente o farei não para este ponto, sobre a autenticidade cara é o significante que faz dizer: "o segredo está atrás". É
ou a inautenticidade da escrita de Gide. Isto dá muito mais no que ele é enganador. Ao mesmo tempo, ela revela o se-
valor ao tema mesmo da máscara que percorre todo este gredo, ela é sua evidência. ,
escrito com a tese - "respeitemos a máscara". : Proponho portanto que para avançar, tomemos a proble-
O que concerne à máscara é bastante complexo, mas mática: "Que foi para esta criança, a mãe?". Porque esta é a
remete no fundo a uma proposição simples: somos enga- questão clínica do caso, e que vemos de fato em que sentido
nados pela máscara se vamos procurar atrás. A proposição i ela ecoa a tese clássica sobre a homossexualidade, e em que
"detenhamo-nos aí e olhemos a máscara" é quase recor- sentido ela a modifica. Ela ali láTéroporque diz respeito à
rente neste texto. A verdade da tela não está atrás, está na mãe, qualquer que se tenha, mas ela a modifica, já porque se
frente, e o que está em oposição a toda psicologia e a toda trata desta mãe, da mãe desta criança, arrancando-nos assim
psicanálise das profundezas. ; do universal da mãe. É a questão dominante deste texto por-
Trata-se para nós de ver porque esta proposição é assim [ que o "triodasmagas" que evoquei da última vez procede da
recorrente. Dois temas o são: a máscara e a sombra. A ques- "mãe desta criança".
tão para Lacan de saber em quê o que diz Gide é verdade e Notemos que na ordem, a abordagem clínica de Lacan -
não é uma fabricação. Caso se trate de inautenticidade, não já que é o que retenho por ora, para compará-la com a de
seria a inautenticidade histérica, profundamente dubitativa Delay - apresenta primeiramente um retrato do pai pouco
sobre sua própria verdade, e na qual o verdadeiro se enrola explícito, embora não se pode dizer que não houve relação
no falso de uma maneira que o próprio sujeito sofre e dei- com o pai em Gide. Pelo contrário, o acento é colocado so-
xa ouvir uma queixa. Se houvesse aqui uma inautenticidade bre a aura de que esta imagem encontra-se nimbada para
seria aquela da fabricação. Aí está ainda um tema constante sempre, já que é evocada com respeito, e mesmo com nos-
deste escrito: o que é fabricado, o que é composto, o que é talgia, em Si legrain ne meurt. Isto se passava no quarteirão
construído. E, aliás, assim que Delay nos apresenta Gide, em que estamos, já que a família Gide habitava a rua de Médicis:
como o filho de suas próprias obras, no que concerne ao «Meus pais ocupavam, então, na Rua de Médicis um aparta-
que se trata de representar. Aí reside toda a ambiguidade mento no quarto andar, que deixaram alguns anos mais tarde
da famosa palavra de ordem de Gide, que era para ele como e de que não conservei a lembrança. Vejo no entanto o balcão,
que um segredo que Henri de Regnier arrancou dele, colo- ou melhor o que se via do balcão, a praça de relance e o esgui-
cando-lhe de maneira um pouco brusca a pergunta: "Qual cho de seu lago [...]» . Aliás, a Nouvelle Revue Française foi
12

é o seu princípio em tudo isto?" Gide um pouco confuso, criada no 78, Rue d' Assas. Estamos no perímetro em que es-
solta: "Devemos todos representar", como se desvelasse tes acontecimentos se desenrolam, e isto dá o sentimento de
um segredo - a frase figura aliás em Paludes. Neste "deve- prosseguir como Delay, com o que Gide dispôs para fascinar
mos todos representar" há a ideia de produzir, de criar as gerações futuras - talvez de maneira menos viv que Joyce.

OJL,

23
Gide evoca então seu pai, e a felicidade que experimen- depressa com o joguinho antes inepto que faz o jovem Gide
tava em ir ao Luxemburgo com ele, enquanto sua mamãe com seu papai: o dragão de papel que o vento vai levar até
argumentava que ele já saíra muito tempo ou que ia pegar o lago. De imediato, a função do pai como amiguinho é
frio - eu floreio um pouco, mas evoco este retrato do pai precisada, enquanto a mãe - aí reside o pivô - é introduzida
para acentuar sua presença. Mesmo se temos um pai que por uma questão.
ocasionalmente se fecha no seu escritório de trabalho, e Podemos já fazer variar esta questão nestes termos:
não quer sobretudo que madame Gide aí coloque os pés, "Que acesso à mulher esta mãe permitiu a este sujeito?".
porque tem ali um domínio preservado, com "uma grande Todo o interesse desta variação é que dela se obtém uma
tela de chaminé" - o que deve ainda ser colocado no regis- resposta sem equívoco: ela lhe permitiu a acesso a uma
tro da máscara - não é absolutamente um pai ausente. só mulher. É necessário acrescentar esta precisão no
Mas o retrato dele que é fornecido aqui por Lacan é curio- amor, porque Gide teve aventuras femininas, quer seja a
samente pouco explícito, com relação ao que vamos ver se primeira com Meryen, ou mais tarde com a "pequena
destacar como as figuras femininas desta história, que são de dama", mãe de sua filha. Não sei se foi contado o núme-
fato talhados com traços duros, proeminentes. "O trio das ro destas aventuras que são bastante limitadas, mas o
magas", como eu o dizia a última vez, representa o eco da uma só mulher está no registro do amor. Não se pode
notação que vem no texto sobre Lady Macbeth , ele é o eco
13 dizer que Lacan ponha verdadeiramente em causa,
do trio das feiticeiras que anunciam a Macbeth o que será seu malgrado esta fanfarrice um pouco chamativa da qual faz
destino. Com relação a estas figuras, a imagem do pai está alarde, o fato de que foi finalmente a mãe de Gide que
pintada em tons pastel. É o que muito discretamente Lacan determinou seu acesso a Madeleine. E aqui que o título
indica, mesmo se podemos colocar no primeiro plano a vene- do romance de Gide adquire seu sentido - a porta é de
ração pelo pai - o termo é de Lacan: «É da confissão velada de fato estreita para o outro sexo.
uma máxima perdida num camet íntimo de Paul, do acento Pode-se então dizer que a questão clínica do caso é a
retransmitido da boca de Gide de sua veneração filial - uma seguinte: partindo da prevalência, a predominância da re-
das raras referências de Delay a suas lembranças - que a ima- lação com a mãe, como dar conta desta escolha amorosa
gem do pai, premente, aparece» . 14 única de Gide, concentrada sobre Madeleine?
Notem de passagem que na mesma página, a doutrina Gide não entrou em análise, foi, antes de se casar,con-
que Lacan tira dos documentos que tem sobre o ascenden- sultar uma sumidade da medicina, para lhe explicar que ele
te paterno é a «incubação por seu pai do concurso de Paul tinha alguns interesses do outro lado - no livro de Delay é
Gide». O pai de Gide, catedrático de Direito que ensina na o capítulo da consulta que Lacan louva especialmente -, e o
Faculdade, é incubado por seu próprio pai. É um pai incu- médico lhe diz: «Case-se sem medo, e você vai reconhecer
bado. É preciso ver que a veneração não é absolutamente a bem depressa que todo o resto só existe em sua imagina-
posição normatizada - se existe uma - do pai. A questão ção [...] O que é o instinto natural, quando você estiver
clínica a colocar não é a de saber o que está presente ou o casado, você irá rapidamente compreendê-lo e muito es-
que está ausente, o que é venerado ou o que é maldito - pontaneamente retornará a ele» . São os termos que são
15

um pai detestado faz seu trabalho muito bem - mas de sa- reproduzidos na narração mesma desta consulta.
ber onde no casal se situa a autoridade. A veneração do pai Poderíamos dizer que a questão é de saber como a rela-
absolutamente não substitui uma autoridade que não tem ção parental determina uma relação entre o sujeito e o Ou-
necessidade de ser venerada. Ora, parece que no casal Gide, tro sexo. A relação parental, existe, como eu o indiquei no
qualquer que seja a presença do pai, por mais terno que ano passado marcando que a fórmula da metáfora paterna
ele seja, e constituindo objeto de uma nostalgia, ela nada deve ser articulada com a da relação sexual que, não existe.
tem a ver com o que se trata de maneira operatória. Escrevi da forma mais simples: P v M -> $ 0 As. O s está aí
Retornemos a nossa questão: "o que foi para esta crian- para qualificar o Outro de sexuado. Se queremos escrever o
ça sua mãe?". Desde logo, a função da mãe constitui o obje- Outro sexo Á , suprimiríamos este pequeno s. Estamos aqui
to de uma questão, o que não é o caso da função do pai. em preliminares, apenas para fixar nossas ideias.
"Quem foi o pai para esta criança?", o dossiê se fecha bem Em que a relação parental determina o acesso do sujeito

24
()RIE.\TACA() I' A( A \1A\A

ao Outro sexo, e que acesso ela determina? Esta questão clí- o caráter narcísico desta imagem, a saber, a figura ideal, ide-
nica é central mesmo e sobretudo nos homossexuais. alizada, do que Gide gostaria de ser.
E a boa questão clínica, a que se coloca a partir da abertura Evocamos o amor cortês, Lacan o evoca certamente, mas
ao Outro sexo, para saber, por exemplo, se há ou não porta o primeiro a fazê-lo é Delay: «E ele me diz atribuir uma im-
estreita. Esta relação eterniza, fecha a relação com o Outro portância muito particular ao livro de Denis de Rougemont,
sexo, ou sob que espécies ela o abre? Quanto a isto o pivô Lamour et 1'Occident, no qual se encontra exposta uma
simbólico é o Outro sexo, e sobretudo nos homossexuais. concepção notavelmente original do mito de Tristão. Foi aí,
Prosseguindo assim uma demarche clínica a partir das acrescenta ele, e não nas obras dos psicanalistas, que en-
notações que temos, não podemos deixar de chegar ao contrei a explicação de alguns de meus erros, e dos mais
questionamento da relação do desejo e do amor. Esta pro- antigos» . Temos em seguida algumas páginas sobre o tro-
17

blemática não é o feito de Lacan, ela já está notavelmente vador, sobre uma figura de fidelidade que não é a dos cor-
isolada por Delay de maneira totalmente explicita: «esta pos, sobre a embriaguez angélica, etc. Portanto, os temas
divisão, ou mais precisamente esta dissociação entre o amor que encontramos nos textos de Lacan estão presentes,
e o desejo» . A colocação clínica de Lacan neste texto co-
16 muito bem situados, em Delay A determinação do objeto
menta as modalidades desta "dissociação do amor e do do amor que resulta desta dissociação no caso de Gide é, já
desejo". A tese das duas mães, que pode parecer parado- para Delay, fiel a Gide, qualificada de anjo. Podemos então
xal, vem diretamente do levar em conta a dissociação do dizer que isto faz um par com o objeto de desejo que vai
amor e do desejo - há uma mãe para o amor, uma outra ser produzido do outro lado, isto é, o pequeno pivete. O
para o desejo. A questão: "O que foi para esta criança sua objeto do desejo de Gide é o garotinho de pele morena,
mãe?", repercute esta dissociação. A dissociação destas duas etc. Mas na composição do desejo também é necessário,
funções que deveriam ser associadas, faz ver que o segre- sobretudo, que ele não pense com a fascinação própria a
do, do lado materno, da metáfora paterna, é "a associação" isto; é necessário que tudo o que constitui a ocupação de
do amor e do desejo, e que o traço do caso Gide reside na Gide, por outro lado, não signifique nada para este objeto.
dissociação destes dois termos. A destilação que é efetuada antes, esta dissociação do
Lacan se apropria do diagnóstico de Delay Seguramen- amor e do desejo, produz de um lado um objeto amoroso
te elj^opera sobre o amor e o desejo uma construção intei- especialmente elevado, o anjo, cuja capa cairá sobre Madeleine
ramente diversa. Delay emprega de fato a linguagem de - que não pedirá tanto, ou que pedia o contrário, isto é para
Gide: «o amor coisa da alma, o desejo coisa dos sentidos». ser visto. Lacan tem uma tese sobre o casamento não con-
Desde aí, nos apercebemos que o Lacan deste artigo não sumado que não é a de Delay: «Que Madeleine tenha que-
operou por sua conta a dissociação do desejo e do gozo. rido o casamento não consumado, é algo sobre o qual o
Iremos portanto tentar falar de tal maneira que esta não- livro não deixa dúvida» . Ora, o livro de Delay diz exata-
18

dissociação não constituía grande dificuldade. mente o contrário: discretamente, com os meios de uma
«Dissociação que Gide deveria considerar como uma feminilidade inibida, ela tentava de qualquer maneira des-
particularidade essencial de sua psicologia. Para o adoles- pertar o senhor. Em que nível está então este querer quan-
cente de Si legrain ne meurt, formado por uma educação do Lacan diz "que ela quis?" Pois está claro que ela tinha
puritana, tudo o que vem da carne vem do demónio, e ele disposições para esta posição do anjo.
não pode misturar o desejo, quer dizer o mal, a um amor "Quem faz o anjo faz a besta". "Quem faz o anjo do lado
angélico sem uma impressão de sacrilégio». Temos aí um do amor faz a besta do lado do desejo". Podemos ver avan-
diagnóstico preciso, que de modo exato, conduz Delay a çar de braços dados, ou com os braços sobre os ombros
mostrar que o que se engendra para Gide é uma imagem um do outro, o anjo e o pequeno fauno, que aliás fascina
ideal, capaz de suportar um amor desencarnado, não mis- Gide, e sobre o qual a discrição de Lacan é total. Lê-se sim-
turado à carne, um amor que realiza a dissociação do amor plesmente: «as torturantes delícias cuja a confissão que nos
e do desejo. Ele não hesita em empregar - talvez sem o ri- faz Gide [...] corresponde de fato ao que ele apenas não
gor que se poderia exigir - o termo "sublimação mística", a dissimulava de suas fascinações mais inflamadas» . Os olhos
19

respeito do amor que se deduz desta dissociação, até notar lhe saiam das órbitas no momento em que ele via este objeto
X gozo - mas conservemos aqui o termo de desejo - este ob- homossexual. Leio esta passagem, que explora um fragmen-
leto de desejo passar a seu alcance; e "inflamado" é uma to dos Cahiers de André Walter onde ele acessa os fantas-
maneira doce de descrever esta captação que é notada por mas sexuais de Gide e destaca as características de seus ob-
Madeleine e que ele próprio indica. Gide, com efeito, não jetos: «No riacho eu revia as crianças percebidas de ** que
esconde nada. ali se banham e mergulham seu torso frágil, seus membros
Notamos portanto que estas duas figuras fazem um par, queimados de sol nesta frescura envolvente. Raivas me to-
e que o diagnóstico de "dissociação do amor e do desejo" é mavam por não ser um deles, um desses moleques das gran-
a chave da construção lacaniana do caso. É por esta razão des estradas, que o dia inteiro vadiam ao sol, a noite se
que ele coloca a questão: "O que foi para esta criança sua estendem numa vala sem preocupação com o sol ou com
mãe?". Esta mãe não pode enlaçar o amor e o desejo - é as chuvas: e quando têm febres, mergulham, inteiramente
por isso que, mesmo se isto pode fazer rir um pouco, Delay nus, na frescura dos rios [...]. E que não pensam».
chama Gide, no capítulo da sexualidade, um "angelista", e Gide que foi uma criança sedentária, tem a nostalgia do
cria assim a categoria dos que amam os anjos. Ele nota que vagabundo. Menino de família, estreitamente vigiado por
a dissociação do amor e do desejo é suscetível de muitas sua mãe, tem predileção pelos bastardos. Ele que na sua
soluções diferentes das quais uma é a prevalência do juventude só conhecera o prazer solitário, às voltas com a
onanismo. A partir do momento em que o amor deve con- angústia, o remorso e a culpa, o vadio lhe pareceu um par-
servar seu lugar desencarnado, bater em sua carne é, com ceiro, ou mais exatamente um duplo infantil, tanto mais
efeito, uma solução. A sexualidade homossexual de Gide é desejável porque sendo um vadio, estava por definição des-
antes de tudo uma sexualidade masturbatória. Esta sexuali- provido de valores morais e não pensava. Este privativo é
dade é dedutível da fórmula inicial - a ponto que o próprio talvez, da frase de André Walter, o detalhe mais significati-
Gide, Delay o cita - dizia quando já tinha uma certa idade: vo. O que este puritano desterrado quererá, antes de tudo,
«Neste plano, sou apenas uma criancinha que se diverte» , 20 sob o céu da África no bando de vadios que o acompanha, é
que se diverte com seus amiguinhos, mas com uma preva- a despreocupação, a espontaneidade do instinto, a ausência
lência do elemento masturbatório. de coerção e de inibições. Porém há mais no fantasma de
Eu citava o tomo 1 de Delay, mas no tomo 2, ele retoma a André Walter, no qual se encontra apenas indicado o aspecto
questão desta dissociação, do amor e do desejo - que eu re- mais perturbador da sexualidade de André Gide: «Diante de
pito até perder a voz ou não poder, porque nos dá dois ter- meus olhos se balançavam primeiro indecisas, as formas
mos absolutamente essenciais e simples na construção do macias das crianças que brincavam na praia e cuja beleza me
caso, num texto, que pelo contrário, é muito mais comple- persegue: queria me banhar também, perto deles, e com
xo. Ele escreve: «Não está excluído o fato de que Gide tenha minhas mãos sentir a doçura das peles morenas» . 22

podido traduzir a dissociação do amor e do prazer, da mes- Ver-se-á Delay seguir esta dissociação do amor e do dese-
ma maneira que Baudelaire, enamorado platónico de uma jo, suscetível de várias traduções, e sua apresentação da se-
mulher ideal que ele reverenciava como "um anjo guardião, xualidade de André Gide, como uma variante homossexual
a musa e a madona", mas que tinha seus prazeres junto a da degradação da vida amorosa. Acrescento que a notação
Jeanne Duval ou a outras garotas». O autor deFleursdu mal, mesma de Lacan, "esta criança" está presente no livro: «Sa-
amante de prostitutas, não era mais capaz de misturar a "ho- bemos muito bem que há mais de um modo de amar dema-
nestidade" a seus prazeres físicos do que Gide, capaz tam- siadamente uma criança, e entre as mães de homossexuais
bém ele de desejar uma mulher, mas com a condição de que também» . Esta notação se deve então a Delay, e ao próprio
23

«nada de intelectual nem de sentimental aí se misturasse» .


21 Gide, em Corydon - este extraordinário elogio da homosse-
De minha parte aprecio o termo "tradução" que emprega xualidade que tenta encontrar para ela um fundamento
Delay - esta dissociação do amor e do desejo é suscetível de biológico natural, preocupação que não é a nossa, mas Gide
outras traduções. Evidentemente este tema de dimensão um tentava justificar a homossexualidade na ambiência científi-
tanto ampla, diz respeito à degradação da vida amorosa - de ca da época. De uma maneira bastante irresistível, ele faz a
que temos uma variante homossexual no caso de Gide. consideração de que a homossexualidade conhece todos os
Delay faz uma notação sobre a escolha de objeto graus e todas as nuanças do laço heterossexual.

26
ORIE.XTACÃO I 1 < AX/AXA

Uranismo, uranismo! Sejamos claros, é um pedófilo. Um uma posição homossexual distinta das duas precedentes. A
pedófilo que não conseguiu entrar na Academia Francesa, grande literatura francesa deste século nos oferece um pres-
porque a pedofilia é uma figura geralmente maldita, consi- tigioso ternário, uma importante colheita, três casos de ho-
derada com reprovação. Assim como, socialmente, o inver- mossexuais, três relações com a mãe que poderíamos fazer
tido pode se beneficiar de uma tolerância relativa, ao me- contrastar uma com a outra. Não falo de Julien Green. que
nos em certos setores, da mesma forma há uma caça ao quase não pratiquei, nem de Mauriac, que se confessou
pedófilo. Ainda bem recentemente li no Internacional pouco quanto a isto, ao menos ao leitor.
Herald Tribune a detenção de um pastor americano pedófilo Tomemos agora o que Lacan diz da mãe de Gide. Ele
que confessa cem corrupções de garotinhos, mas segundo decifra da maneira mais clara - se bem que seja formulado
os inspetores do FBI, estaria mais perto de oitocentos. Na com delicadeza - sua posição subjetiva a partir da homosse-
verdade só Gide pode obter, na falta da Academia France- xualidade feminina. Ele decifra a relação privilegiada da mãe
sa, o prémio Nobel. Quanto à tolerância a este respeito, com a famosa Anna Shackleton como uma paixão cujas ba-
podemos imaginar uma mamãe dando uma palmada em ses vão bem fundo. Para servir de revelador, ele põe esta
seu garotinho dizendo-lhe - "Você deveria ficar honrado que relação em paralelo com esta passagem bem surpreenden-
o senhor Gide se interesse por você!" Existe aí todo um te de Si le grain ne meurt, onde o pequeno Gide escuta a
capítulo que não foi escrito, tanto sobre a caça ao pedófilo grande queixa das duas empregadas que têm uma relação
quanto à tolerância da sedução das crianças, ao menos quan- homossexual, no momento em que uma se vai porque se
do o sedutor ocupa uma certa posição social. casa. Isto se passa na Rua de Tournon,«[...] Meu quarto, eu
Seria divertido por em série o caso Gide e o caso Mon- o disse, dava para o pátio, a distância; era bastante grande
therlant - que caminhava pelo boulevard Bonne Nouvelle, [...]. É necessário ainda que eu diga que nossa cozinheira
pelos grandes boulevards, o Marrocos, a Argélia, a Andaluzia, que se chamava Delphine, acabava de ficar noiva do cocheiro
etc, a procura de rapazes muito jovens e, desta vez, não de nossos vizinhos no campo. Ela ia deixar nossa casa para
para pequenas carícias íntimas, mas para sodomizá-los. Nós sempre. Ora, na véspera de sua partida, fui despertado, no
o sabíamos, mas isto foi exposto pela publicação inaudita meio da noite, pelos mais estranhos ruídos. Ia chamar Marie
de sua correspondência com Roger Peyrefitte, na qual os (que era a outra empregada) quando me dei conta de que
vemos ao longo das páginas trocar em linguagem mais ou os ruídos partiam exatamente de seu quarto: de resto eles
menos cifrada, considerações sobre o número de meninos eram bem mais bizarros e misteriosos que aterrorizantes.
que eles tiveram durante a semana e o número de vezes Dir-se-ia uma espécie de lamentação a duas vozes, que pos-
em que os penetraram. Compreende-se então a importân- so comparar hoje a das carpideiras árabes, mas, que na épo-
cia que Montherlant concedia ao fato de ter boas relações ca não me pareceu semelhante a nada: uma melopeia paté-
com o chefe de polícia. tica; cortada espasmodicamente de choros, de risinhos aba-
No que concerne Montherlant, estamos informados fados, de suspiros, que durante muito tempo eu escutei
quanto as suas relações com sua mãe, embora menos do meio acordado no escuro. Sentia que inexplicavelmente
que quanto a Gide. Temos notações que ele próprio aca- alguma coisa se exprimia ali, mais poderoso do que a de-
bou por publicar, sobre o fato de que todos os grandes te- cência, que o sono e que a noite; mas existem tantas coisas
mas de sua obra literária vêm do que sua mãe lia para ele que nesta idade não se explica, que, por minha fé, eu ador-
quando ia se deitar. Quo Vadis, que foi a grande leitura de meci de novo, deslizando-me mais ao longe. No dia seguin-
sua infância, que dirigiu toda a sua existência, fixou-se para te, eu liguei bem ou mal este excesso a falta de educação
ele neste momento. Um encontro decisivo foi o episódio do das empregadas em geral, de que eu acabara de ter um
Liceu, que ele contou em Les garçons, e que nunca deixou exemplo na morte de meu tio Démarest» . Ernestine tam-
24

de remanejar na sua obra, quer seja no teatro, em La ville bém tinha chorado no momento do luto, mas ele não com-
dont leprince est un enfant, ou nos seus romances. preendia que era em função dos outros, enquanto que ali,
Teríamos o caso Gide, o caso Montherlant e para fechar Marie chorava porque pensava não ser vista pelos outros.
a tríade, o caso Proust - que é aliás assinalado por Delay - O que aqui é evocado por Gide, é a relação homosse-
onde está em jogo uma relação específica com uma mãe e xual que se desfaz porque uma vai partir, Lacan o põe

27
3Ç'-OL5_T.er.:e e~ paralelo, um paralelo a la Marivatix, qual o romance do século XLX faz seu tema: por exemplo,
z-2ci i relação tão próxima de Anna Shackleton e de Ma- o casamento é prescrito pelo funcionamento social, en-
dame Gide quanto que o amor puxa em outro sentido. Uma ilustração
Be o introduz inclusive por um «a que responde, as tópica poderia ser ofimdo Vermelho e o Negro. Uma posi-
galanterias das criadas ladinas, assim como ocorre em ção social é permitida a Julien pelo seu casamento, e o ape-
Marivaux ao pathos dos sublimes» . O que ele nos indica?
25 lo da primeira mãe, se posso dizer, de Madame du Renal,
Que na mãe, o falo não tem, sem dúvida, o lugar que deve- torna-se tão forte que lhe é necessário tentar matá-la para
ria ter para assegurar o funcionamento ótimo da metáfora porfimamá-la. Neste momento eclode a dissociação do
paterna. É justamente o que vem modificar "todo o proble- amor e do desejo - ao menos do amor e do social. Portanto
ma das perversões", quando se trata de Gide, na medida o amor contra o dever nos é muito mais familiar - por exem-
em que o problema das perversões" supõe que a mãe sim- plo, o amor identificado ao perdão: enquanto a justiça con-
boliza o objeto de seu desejo no falo. Ora, o que Lacan diz dena, o amor resgata, fecha os olhos, sublima. Ou ainda,
neste parágrafo, de maneira velada, é precisamente que a um amor identificado com a transgressão.
mãe de Gide não simboliza o objeto de seu desejo no falo - Poderíamos referir a perversão a um amor materno que
ou então, trata-se de um falo bem particular. É por isso que encoraja a transgressão, que mina a palavra paterna, a qual
sua posição é a do amor do filho único, enquanto justa- deveria suportar o dever. Pode-se muito bem ter um amor
mente, amor, existe mais de um, inclusive para uma mãe materno identificado à ternura, à doçura, ao contato, na
de homossexual. vertente do erotismo, como em Proust. O objetivo era to-
O amor de que se trata aqui não é um amor enlaçado davia de obter, transgredindo, que sua mãe viesse reunir-se
ao desejo enquanto simbolizado pelo falo. Se quiserem a ele em seu quarto, que o beijasse, que o abraçasse, e sa-
um modelo de amor enlaçado ao desejo, que situe a cri- bemos nas relações de Proust com sua mãe, este caráter de
ança em seu lugar de criança desejada, temos um exem- envolvimento erótico. O amor materno inclui aqui uma
plo dele no traço de perversão do pequeno Hans, que vi- componente erótica. A mãe de Proust não é uma puritana,
ria do fato dele funcionar como uma parte do corpo da ela se faz sentir, se faz tocar, acariciar. Ora, aqui, Lacan de-
senha uma madame Gide mulher do dever, cujo amor por
mãe, exibindo-se diante dela, etc. Aqui, nada disto. Há
como que uma maldição que pesa sobre Gide, cujos tes- seu filho único é envolvente, mas totalmente identificado
temunhos abundam, desde a consideração de Mauriac - ao dever. Não há absolutamente em Gide estas notações
«ele era inteiramente desprovido de graça» - até a de Henri de contato furtivo, de abandono recíproco, de embriaguez
de Regnier que o apelido de Ci-Gide. Um ar fúnebre devia pelo corpo de mulher da mãe.
envolver sua pessoa. É que Gide não é a criança desejada, Temos aqui então um ternário: amor, desejo e dever. O
não é a criança falicisada. Pelo contrário temos uma res- avesso da identificação do amor e do desejo é a identifica-
posta muito precisa a questão: "Qual é este amor?". Ela ção do amor e do dever - com esta consequência que é
mostra em que sentido ele é exclusivo, até que ponto o absolutamente precisa e situada como tal por Lacan, da
singular do amor coloca uma questão. Pois é um amor iden- negação do gozo.
tificado ao dever. A formulação de Lacan, que «o amor permite ao gozo
Temos então uma dissociação do amor e do desejo: condescender ao desejo», é quanto a isto uma proposição
amor//desejo, e por outro lado uma identificação ao dever: surpreendente, que só tem sentido se restituir que o gozo
amor = dever, mais precisamente ao mandamento do de- é do Um enquanto que o desejo é do Outro, que é necessá-
ver. A palavra mandamento retorna em Lacan, quando se rio o amor para que a mônada do gozo ceda e se abra aos
trata do mandamento das leis da palavra, por exemplo. dissabores e labores da relação com o Outro. Esta frase nos
Esta palavra, seguramente, visa o supereu, que não é sim- situa o amor como mediação entre o gozo e o desejo. Nes-
plesmente a lei, mas o aspecto que ela toma quando é su- te sentido - para retomar um termo que está em um outro
portada por uma voz. lugar no texto de Lacan. O amor humaniza o gozo. Há aqui
Naturalmente existem outros amores além deste. Co- de fato invólucro do amor, expressão de Gide, retomada
nhecemos bem melhor o amor contra o dever - aquele do por Lacan - em Si legrain ne meurt. No momento em que

28
OR/FXIA( AO IA( AMAXA

o pai morre, ele diz que está «preso, no invólucro de seu não efetuada do lado do corpo - quanto a isto não temos a
amor» - e a mãe é toda dele. Ora, o princípio fálico do dese- menor imiicacão. Para Lacan, esta homossexualidade parece
jo comporta precisamente que a mãe não é toda da crian- dedfrável no que sabemos das relações estreitas da mãe de
ça, ele desfaz o invólucro do amor. A mãe de Gide é tão Gide com a governanta inglesa, verificada pela lembrança enig-
"toda para ele - temos aqui a mulher toda"- que com efeito, o mática que Gide recupera da depkxação das empregadas, es-
sujeito Gide reproduz sua abnegação do gozo na sua relação pecialmente da empregada Marie, no momento em que - o
com Madeleine, e que ao mesmo tempo, o gozo que lhe res- próprio Gide se exprime aqui com muita discrição - a outra
ta está estritamente fora da lei. O clandestino do desejo que empregada Delphine, vai se casar, fazendo entender que têm
nos assinala Lacan é o resultado desta disposição. relações homossexuais. Gide silencia sobre elas e é apenas
Disse de passagem "toda para ele" porque se existe de muito tempo depois que compreenderá do que se tratava.
verdade um caso, onde está claro que A mulher existe, é Assim, ao mesmo tempo pelos fatos da vida da mãe e por este
de fato este. Este caso de perversão ilustra, que para Gide segundo traço - que Lacan ordena à Marivaux com o primeiro
ao menos, A Mulher existe. Há uma conexão - é necessá- - temos em pontilhado a indicação do que podia ser a posição
rio estar cego para não vê-lo - entre a homossexualidade e subjetiva da mãe de Gide.
o amor único. É clinicamente frequente que o comporta- Evoquei a última vez o que podemos chamar o ternário
mento homossexual masculino seja compatível com o ao clínico que Lacan propõe, entre o amor, o desejo e o dever.
menos uma mulher. Permitam-me simplesmente, a este Poderíamos inscrever as relações que valem sobre este tri-
respeito, após Gide e Madeleine, evocar Aragon e Elsa. ângulo para caracterizar a posição da mãe de Gide. Aqui
Não há dúvida que os mandamentos do dever estavam para uma conjunção entre o amor e o dever, identificada com os
Aragon absolutamente situados em seu lugar, mas apenas mandamentos do dever.
Elsa deixou este mundo, viu-se ressurgir um Aragon a Disse da última vez que o termo mandamento tinha toda
quem tudo era permitido, e , para surpresa da sociedade sua importância em Lacan, mandamento de morte, manda-
parisiense, de um só golpe, ele só era visto com rapazes.
Eis então um caso - e é necessário tirar dele todas as Amor
consequências - no qual A Mulher existe. É a mãe Gide e
em seguida Madeleine reduzida ao singular, enquanto que
os garotos estão no plural. Não há nada como o homosse-
xual para fazer existir A Mulher, donde o interesse que aí
encontra em dada ocasião a mãe neurótica. Dever

mento do superego, mandamento da palavra, mas o termo


III - Dos dois falos figura no próprio Gide, em uma passagem realçada por
Delay das Nourritures terrestres como discursos dosman-
Na última vez eu disse: "ao menos uma mulher". De fato, damentos (cf. nota 35).
na dimensão do amor, é ao menos e no máximo. A fórmula Por outro lado, poderíamos inscrever sobre nosso esque-
"ao menos e no máximo" é utilizada em lógica matemática ma uma disjunção do amor e do desejo, utilizando o símbo-
e quer dizer "um só". Isto se escreve com o quantificador lo do vel, entendendo-se que se trata de um vel modificado.
de existência seguido de um ponto de exclamação 3! - o Vocês se lembram que Lacan, na sua análise da aliena-
que poderia bem qualificar a posição da mulher única no ção, modifica o vel lógico. Dado um termo A e um termo B,
amor de Gide. o resultado da proposição composta A v B é verdadeiro se
Dei, a última vez, sua pontuação forte à questão: "Quem nem todos os termos que estão presentes são falsos. E a
foi para esta criança sua mãe?". Caracterizei rapidamente esta estrutura de verdade do vel lógico. Em outras palavras, só
mãe dizendo que Lacan, de maneira pudica, discreta, velada, é falso no caso em que A e B são falsos:
todavia nos convidava a situá-la, a ela, e não apenas seu reben- AvB
to, do lado da homossexualidade feminina, verossimelmente FF= F

29
Em todas as outras combinações, que seja VF, FV ou W, está o desejo?"- o desejo que aparece aqui o exclui da ques-
o resultado é verdadeiro. O vel da alienação de Lacan é sen- tão. No caso particular que aqui está inscrito - ou existe o
sivelmente diferente, não é absolutamente clássico; supõe amor, ou existe o dever - o desejo parece com efeito em
que em todos os casos, o mesmo termo, o primeiro, é falso posição de exclusão. Talvez Gide poderia ter sido um san-
e que o que está aberto, é saber se o segundo está também t o . . . Sua posição de abstenção em relação ao desejo teria
ou se é verdadeiro. Podemos portanto dizer que o vel da podido induzi-lo a esta posição. Ora, é necessário admitir
alienação modificado por Lacan responde a uma tábua da que se a vida de Gide está aí para mostrar que ele não deixa
verdade que é a seguinte: de ter sentido o apelo desta posição, ao mesmo tempo, é
um homem de desejo, para retomar o título da obra de
FV=V
Saint-Martin. Compreende-se que Lacan tenha sido condu-
FF=V
zido, a partir deste dado de base, a por em Gide o desejo
As duas outras hipóteses:
na posição de intrusão.
W=V E precisamente porque este ternário parece indicar que
W=F o desejo está em posição de exclusão que, já que ele afirma
sendo falsas, a saber, que o primeiro termo é possível sem na vida de Gide sua presença e sua insistência, é necessá-
o segundo, que não se pode ter a vida sem perde-la, e igual- rio, logicamente, reintroduzi-lo por intrusão. Parece que esta
mente falso guardar a bolsa e a vida. necessidade lógica de efração do desejo explica que Lacan
Se queremos aqui empregar este vel para dizer que há tenha selecionado na história de Gide - e lhe tenha dado
dissociação de um e de outro, seria necessário dizer que os um peso particular - o episódio da sedução pela tia, lem-
dois não podem ser verdadeiros juntos. Ou bem um é falso brança de Gide que data de seus treze anos, e que é
e o outro é possível: FV; ou então o primeiro é verdadeiro e concomitante com a escolha de Madeleine como único
o outro não o é: VF; ou então os dois não estão em função: objeto de amor.
FF, mas o que está excluído em todos os casos é que haja os Entre a mãe e Madeleine, é necessário escrever a se-
dois juntos: W gunda mãe. Em primeiro lugar, é a segunda mãe porque é a
Assim, temos a tábua de verdade desta disjunção aqui mãe de Madeleine. Poderíamos consequentemente tentar
chamada de dissociação do amor e do desejo, na qual o dizer - de uma certa maneira Lacan o diz, se bem que não
amor e o desejo não podem ser todos verdadeiros. diga apenas isto - uma mãe para o amor, uma mãe para o
Salvo erro de minha parte, esta tábua da verdade é exa- desejo. Vejamos simplesmente nos dados o que justifica
tamente a do que se chama de barra de Sheffer, signo lógi- elevar a mãe de Madeleine a esta posição.
co que se escreve simplesmente com uma barra |. Este Podemos mencionar já, de memória, que Madeleine apa-
Sheffer permaneceu na história da lógica porque demons- rece por numerosos traços seus, como um duplo de André,
trou que apenas com este signo de valor de verdade, pode- ainda que o fosse pelo lado privado de graça de sua pessoa.
mos engendrar todos os valores de verdade que valem em Gide evoca com efeito seu amor inquebrável por ela, mas ao
lógica: a conjunção, a disjunção, a negação podem ser es- mesmo tempo, de maneira elegante, indica que ela não ti-
critas a partir desta única letra. Utilizemos esta barra, para nha nada absolutamente para despertar o desejo. Outros ele-
escrever a dissociação do amor e do desejo: Amor | desejo. mentos justificam o paralelo construído por Lacan entre as
O caso Gide é uma ilustração disso. duas mães. Por exemplo, La porte étroite, começa por um
É necessário dizer que esta dissociação é uma noção paralelo entre a mãe e a tia - isto está indicado de maneira
clínica maior, da qual podemos perguntar em que medida, pontual e extremamente impressionante. O primeiro pará-
nesta data, Lacan se dera conta dela o bastante. Na sequência grafo, em cinco, seis linhas indica a posição do escriba - ele
das coisas, creio que podemos situar o estudo de Lacan sobre não escreveu, mas viveu esta história - e depois de uma linha
Gide num lugar muito mais importante do que se faz corren- branca, abre-se um segundo parágrafo, que dá a tonalidade
temente, porque este caso coloca na sua elaboração uma ques- da própria história: «Eu não tinha doze anos quando perdi
tão clínica que não deixa de ter grandes consequências. meu pai. Minha mãe, que mais nada retinha no Havre, onde
Nesta construção com os dados que evocamos, estamos meu pai fora médico, decidiu vir morar em Paris... Ela alu-
à altura de fazer valer, tratando-se de Gide, a questão "Onde gou perto do Luxembourg, um pequeno apartamento que

30
ORIE.XTALAO LAC A Y/A\

Miss Ashburton (é o nome de Anna no romance) veio ocu- Parece que temos agora os elementos para tentar racio-
par conosco... Eu vivia junto a estas duas mulheres de ar cinar sobre o Édipo gidiano. sobre o que tem de singular
igualmente doce e triste, e que só posso rever em luto. Um sua metáfora paterna. Não trago aqui fórmulas definitivas,
dia, e, eu penso, bastante depois da morte de meu pai, mi- construo fórmulas possíveis.
nha mãe substituíra por uma fita cor de malva a fita negra de Temos uma mãe que de maneira explícita, suporta o
sua touca matinal: "Ó mamãe! Gritei eu, como está cor vai reino da lei. Este termo lei, entendamo-lo não como um
mal em você". No dia seguinte ela recolocara a fita negra» .
26 termo de Lacan, mas como um termo da mãe do próprio
Eis a nota do começo da história - a morte do pai e a Gide. Lembremo-nos desta frase da mãe dirigindo-se ao
mãe de luto, com a exigência de que ela leve em sua touca pai: «Não poderia ocorrer que uma criança antes de viver
matinal, o signo de que o luto se perpetua, enquanto te- sob o reino da graça, viver sob o reino da lei?». Como se
mos logo na terceira página na edição da Plêiade, a chega- passou do judaísmo ao cristianismo, se passa do antigo ao
da da tia. Ora, como é ela apresentada de saída? Igualmen- novo Testamento.
te pela cor: «Tratava-se de minha tia, minha mãe se indigna- Teríamos portanto o reino da lei que ela incarna, em
va que ela não ficasse de luto ou que ela já o tivesse deixa- oposição ao pai, e que reina como lei na medida em que
do (E-me, para dizer a verdade, tão impossível imaginar mi- domina a função dita do Desejo da Mãe: lei/DM. Podemos
nha tia Bucolin de negro, quanto minha mãe de vestido dizer, é de fato toda a questão do caso, que o desejo da
claro). Neste dia de nossa chegada, tanto quanto me lem- mãe permanece, em sua significação, problemático: DM/x.
bro, Lucile Bucolin estava com um vestido de musseline. Sigamos o que motivou Lacan a propor estes significan-
Miss Ashburton, conciliadora como sempre, esforçava-se tes. Quem é a mãe do desejo, aquela cuja inicial está marcada
por acalmar minha mãe, ela argumentava temerosamente: em DM? E a do capricho. Se um elemento está ausente na
afinal, o branco também é de luto» .27 história da mãe de Gide, é de fato o do capricho. Não existe
Desde o começo do romance, temos portanto uma es- a menor indicação disto, a ideia mesma de capricho está
pécie de par significante, entre estas duas mulheres, uma em oposição completa com a sua posição. Que se passa na
voltada ao negro; para a outra o negro está absolutamen- outra ramificação da metáfora?
te excluído. O paralelo bastante surpreendente que Lacan Não se pode dizer, como o notamos, que o desejo da
estabelece, que pode parecer uma promoção excessiva mãe seja simbolizado pelo falo. Se tomamos como referên-
desta tia, está fundado no começo de La porte étroite. cia a metáfora paterna, somos sensíveis a uma modalidade
Delay evoca as figuras das mulheres de perdição em Gide, especial desta metáfora, que Lacan resume dizendo que
que se vê com efeito retornar regularmente. Em tal episó- André foi a criança amada, não a criança desejada. Se algu-
dio ele é chamado na rua por uma prostituta e escapa com ma coisa faltou a criança Gide, foi o ser uma criança deseja-
um sentimento de terror: «Desde a infância, às mulheres da. Poder-se-ia mesmo ser tentado a escrever entre parên-
virtuosas ele opunha outras, cujo primeiro rosto lhe foi teses o próprio termo do desejo da mãe: (DM). É aqui que
dado por sua tia Mathilde Rondeaux, junto a qual experi- podemos fazer valer o que domina aparentemente a exis-
mentava um "singular mal estar", uma perturbação feita tência infantil de Gide - a mortificação.
de "admiração e de terror"; mas o mal comportamento Há aqui uma mortificação do falo. É o que comporta a
(inconduite) da mãe de Madeleine a fizera ser excluída falha do desejo da mulher em madame Gide. Há muitas
do ambiente familiar, e ele sentira até a angústia a repro- maneiras de escrevê-lo, indicadas em pontilhado por Lacan.
vação que pesava sobre esta pecadora cujo simples conta- Pensemos por exemplo na fórmula que ele vai propor pou-
to lhe parecia uma sujeira» .28
co depois do desejo feminino, Á ((p). A posição de madame
Eis outros tantos elementos que sustentam o paralelo. Gide poderia ser caracterizada pelo fato de que o falo não
Eu evocava da última vez a fórmula química que destaca se inscreve, A ( ) . Ou então procuremos uma fórmula de
Madeleine como objeto único do amor. Madeleine, de um negativação que seja distinta da castração. Há, com efeito,
lado, parece-se com a mãe de Gide em sua cor, sua ausência uma negatividade que vem se depositar sobre esse falo,
de graça, etc. De outro, ela tem também os traços de sua porém de um modo completamente distinto da castração.
própria mãe, é como que um cruzamento destas duas mães. Que incita a pensá-lo? É que a criança Gide está muito

31
I
I

-ocae cie encontrar o sexo insípido ou mesmo de renunci- que não era patente a identificação de Gide com seu ser
ar a eie. Peio contrário, parece que por não estar inscrito de vivente - é assim que Lacan qualifica a inscrição do sujei-
no reino da lei, o órgão, completamente fora da lei, é muito to sob o significante do falo. Se retorna de maneira tão cons-
ativo. A função permanece absolutamente operante, e ao tante o termo morte no caso Gide, é de fato em relação à
mesmo tempo, vai vaguear de maneira totalmente trans- esta falha que se transmitiu ao nível da função fálica, quer
gressora. Devido ao fato de que o amor da mãe se identi- dizer daquela que permite ao sujeito identificar-se a seu ser
ficou com o mandamento do dever, e que esta mãe "ho- de vivente. Gide pelo contrário, por um certo lado, se iden-
mossexual" não simboliza o desejo pelo falo, o gozo do tifica com seu ser de morte. Consequentemente, haveria
órgão não foi enganchado na metáfora paterna, e vagueia lugar de transformar a própria inscrição, que é na época
só através do mundo. De fato temos este episódio espan- citada por Lacan no seu texto sobre a psicose: [(p/S], para
toso - com nove anos, na Escola alsaciana, ao lado daqui, dar conta desta falha.
ele se masturba na sala, percebem isto e ele é expulso. Escrevemos o freio colocado ao erotismo masturbatório,
Não é absolutamente um episódio banal. Testemunha ao a interdição da masturbação. Escrevemos (-<p) e é uma ma-
menos que o gozo fálico aqui anda sozinho, como o gato neira de decifrar o significante da castração. Podemos dizer
na história de Kipling. que aqui, é como se estes dois elementos se encontrassem
Eis uma conjunção muito importante a depreender. De disjuntos, como se tivéssemos de um lado o menos que
um lado, no lugar do que deveria ser o desejo da mãe, ou funciona - é a mortificação - e do outro lado (p que faz a sua
antes do significado do desejo da mãe, temos a mortifica- parte sozinho. Donde o valor que Lacan dá ao famoso
ção, e de maneira concomitante e consequente, o gozo Schaudern, este frémito de todo o ser que vem escandir a
fálico desempenha seu papel totalmente sozinho. Isto dá vida de Gide, e de que Delay assinala a diferença com a
seu valor de articulação clínica à localização que faz Lacan - angústia: «não é a angústia que o acolhe, mas um tremor do
a criança Gide «entre a morte e o erotismo masturbatório». fundo do ser, um mar que submerge tudo, - este Schaudern
Não foi escolhido ao acaso. de que Delay se fia a significância alófana para confirmar
Perguntei-me durante todo um tempo, lendo Delay, sua significação de alogeneidade - ensinando-nos a
Gide e Lacan por que Lacan faz da morte uma função tão semiologia, e especialmente a relação com a "segunda rea-
presente no caso Gide? Nos apercebemos de que há ali lidade", do sentimento também de estar excluído da rela-
uma repartição da função fálica, entre sua mortificação ção com o semelhante, por onde este sentimento se distin-
nas mãos da mãe e sua liberação de modo solitário, como gue também da tentação ansiosa» . 29

gozo do idiota, fora de todo laço social, fora de todo laço Se Lacan nota o «sentimento de estar excluído da rela-
sexual. O termo que Lacan emprega para indicar esta li- ção com o semelhante», é porque o segundo episódio des-
berdade solitária é o de "erotismo masturbatório". Este te Schaudern conclui-se por um "não sou como os outros",
entre-dois, "entre a morte e o erotismo masturbatório", recordado de maneira muito patética. Temos alguma coisa
permitam-me acrescentar que é clinicamente verificável. que não é - é o que Lacan acentua - ao nível imaginário que
Quando nos deparamos com o erotismo masturbatório está na articulação mais íntima do sentimento da vida nes-
sem culpabilidade, poderíamos dizer, como se diz: "Pro- te sujeito. É por isso que Lacan retoma o episódio enigmá-
curem a mulher", "Procurem a morte", "Procurem o apelo tico do Schaudern para estabelecê-lo como o lugar onde a
da morte!". voz da morte se faz ouvir.
Lembrei o que era o ar mortificado de Gide na sua in- Quando eu relia o Journal de Gide, caí sobre uma refe-
fância e na sua adolescência - até o ponto que Henri de rência surpreendente ao Schaudern. Gide está em vias de
Regnier o tinha batizado, vocês se lembram "Ci-Gide". Este ler Molière, em julho de 1941. Ele escreve em 1 de julho: «De
Ci-Gide me parece totalmente conectado com o que eu todas as peças de Molière, é decididamente Le Malade
detalho aqui. Se tomamos as referências que são as de Lacan imaginaire que eu prefiro: é ela que me parece a mais nova,
neste texto, porque são as que ele tomara antes, a saber, as a mais ousada, a mais bela». E em 2 de julho: «eu releio, logo
da "Questão preliminar a todo tratamento possível da psi- em seguida, Le Bourgeois. Por mais belas e sábias que sejam
cose", parece de fato que mesmo seus amigos ao fato de algumas cenas, um voluntário estiramento dos diálogos me
OIW \ AO I AC WIAXA

permite, por comparação admirar o argumento compacto que deixa por outro lado. e desta vez fora do ideal - vaguear
da teia do Malade, tão sólida, tão espessa, tão densa. E que o gozo erótico, que permanece o erotismo masturbatório. Se
solenidade, que Schaudern dá a cada cena o contato com a temos neste momento uma relação de semelhante com se-
morte». Em outras palavras quando ele fala de Schaudern melhante - o menino que lhe é necessário - fundamentalmen-
em 1941, bem depois deste episódio infantil, ele próprio te seu erotismo permanece masturbatório.
coloca no coração do Schaudern o contato secreto com a Não esqueçamos aliás que na formula de Lacan, DM, do
morte. A criança Gide é alguém que teve este contato secre- desejo da mãe, o desejo está enquanto significante. É ele,
to com a morte, devido, como o colocamos, ao invés do de- enquanto significante, que introduz a morte, que, "dá for-
sejo da mãe. Ao mesmo tempo que temos este falo buliçoso ma" - segundo o termo de Lacan - ao ideal do anjo, e de um
em todas as direções orientado para os meninos, que têm a golpe, se desencadeia o gozo do órgão - que é, em Gide, a
mesma vivacidade, correlativamente, temos o lugar já inscri- forma do desmentido da castração.
to do falo morto. É por isso que, logicamente, ele só amou Para dize-lo em curto-circuito, e o fim do texto de Lacan -
uma só mulher que ele nunca tocou. "Ecco, ecco, il vero Pulcinella" - nos convida, o verdadeiro
Este lugar do falo morto, que escrevemos ( - ) , para falo, o verdadeiro Polichinelo, está aqui? Ele está lá? Onde
distinguí-lo do outro, eu estava pronto em outros ensaios, passou ele? Nos deparamos com dois falos, o falo morti-
a escreve-lo (po. Esta fórmula (po/S seria a escrita de "Ci- ficado e o falo do erotismo masturbatório. Não são ape-
Gide". Está tanto mais nos harmónicos da percepção que nas as mães que são duplicadas, enquanto mãe do amor
dele tem Lacan, que ele nos evoca neste texto o amor de e mãe do desejo, é propriamente a função fálica que se
Gide como «embalsamado contra o tempo». Para os que encontra cindida.
têm a prática dos textos de Lacan, isto entra em consonân- Com certeza, num sentido, é a tia que é a mãe do desejo,
cia com o emprego da mesma palavra, um pouco mais tar- mas apenas na medida em que seria a chance de repositivar
de no alexandrino, «o falo perdido de Osíris embalsama- o falo. O desejo da mãe "só deixou sua incidência negativa",
do». Este embalsamamento é no texto de Lacan a assinatu- escreve Lacan, devido ao fato da identificação do amor e do
ra da posição do falo morto e ao mesmo tempo eternizado. dever. Esta incidência negativa, é o que eu reescrevi como
Assinalemos de passagem que no próprio Delay, temos ((po). A intrusão é a do desejo e sua violência: «resta saber
um longo desenvolvimento sobre o mito de Osíris como porque o desejo e sua violência, que por ser a do intruso,
desmentido da castração. Desde então, porque não pensar não era sem eco no jovem sujeito [...] não romperam este
que se no mesmo ano no qual Lacan escreveu este texto charme mortífero, depois de lhe ter dado forma».
ele fez seu informe sobre 'A direção do tratamento", a evo- Há dois elementos em jogo: primeiro um desejo de cer-
cação do mito de Osiris, de que nos ocupamos um mo- ta forma sem violência, um desejo ele próprio neutraliza-
mento aqui mesmo, seria como que um eco do que Delay do, que leva a morte, e em seguida, a intrusão pela qual
teria reavivado com relação a isto. teria havido uma chance que se inscreva, no lugar da
Estas considerações obrigam a não considerar de maneira negatividade do desejo, sua positividade e sua violência.
muito sumária que de um lado há a mãe do amor, e do outro Lacan chega até a dizer que isto repousava sobre quem era
a mãe do desejo - mesmo se Lacan emprega o termo - pois a mãe, que ela teria podido dar ao anjo "cor de sexo", e que
neste caso não se compreenderia nada do texto de Lacan e foi impotente para fazê-lo.
seus enrendamentos. Pelo contrário, a mãe do amor identifi- Terminarei sobre o lugar absolutamente notável que é
cada à lei, tem, sem dúvida, igualmente um desejo - mas mui- dado à função do encontro nesta análise clínica de Lacan.
to exatamente um desejo que tem como consequência (<po). O bom encontro, a pessoa que deve ser, a pessoa que
É no que ela pode ser dita mortífera, ela leva a morte. É neste não deve ser, isto constitui a diferença. O que é clinicamente
nível que o que é para ele a mulher ideal se desenha - sob a mais impressionante aqui, é a articulação precisa que é feita
forma do anjo, quer dizer, do ser sem sexualidade. entre a função da repetição e a do encontro. Decifraremos
No nível desta relação, DM/x, nós podemos já saber - é eventualmente a partir do automaton e da tychê esta repeti-
mesmo o valor do x - o que vai se seguir do objeto: ele é consti- ção e este encontro, mas podemos conservar dele sua força,
tuído como ((po). Assim escreverei como ((po) o ideal do anjo, sem extingui-la imediatamente numa fórmula agora bem

33
conhecida. Isto me pareceu ter em si mesmo possibilidades desejo é pesado em consequências. Teríamos podido ter
de desenvolvimento suficientes para que eu proponha como um Gide santo, renunciando metodicamente a incidência
titulo de uma jornada de estudos que se realizará na Galícia: positiva e só deixando reinar a incidência negativa do dese-
"Encontro e repetição na neurose e na psicose". Com certe- jo. Ora, toda sua história mostra que é um homem de dese-
za, podemos dizer que Lacan irá além considerando a mal- jo. Temos o encontro com a tia, que é apenas uma reprise,
dade fundamental encontro, mas creio há mais a dizer sobre já que, como o notamos, este desejo positivo já estava pre-
isso, e talvez poderemos fazê-lo na próxima vez. sente em Gide, e não é portanto referenciável apenas a este
encontro. Que o gozo essencial para Gide seja o gozo
masturbatório está atestado desde a sua mais tenra idade,
IV - A subtração e o segredo e, como ele diz, tão longe quanto ele o lembre, o prazer
sempre esteve ali para ele. Há aí alguma coisa de absoluta-
Pareceu-me que havia no texto de Lacan uma passagem mente originário na sua sexualidade.
um pouco dispersa, ou talvez imprecisa, ou ainda de um Apresentei no ano passado no meu curso o conceito
equívoco fecundo, que conduzia a opor a primeira mãe, a deste (-) como sendo a tradução mais simples da operação
do amor e a segunda, a do desejo, as duas personagens da do simbólico sobre o real. E me permiti, em Buenos Aires
mãe de André e de sua tia encarnando cada uma delas. No no ano passado - para introduzir um colóquio sobre a "clí-
entanto, as coisas são mais complexas, e de fato, no Édipo nica diferencial das psicoses" - propor justamente uma clí-
gidiano, há lugar para construir uma metáfora paterna com- nica não diferenciada, unificada a base deste menos, do
pleta, levando em conta a maneira especial pela qual no negativo, que é tomado por Lacan neste texto de maneira
seu caso, se apresenta o valor do x, quer dizer a significa- patética, como a morte. Esta presente na metonímia sob as
ção do falo. Lacan lhe dá um valor inteiramente preciso que formas da elisão, mas está também presente na metáfora
domina seu escrito: o da significação da morte, enquanto a sob as espécies da substituição.
significação do falo, por excelência, é pelo contrário a vida. Esta clivagem, podemos inscrevê-la como eu o coloquei
Eu propunha portanto, para escrever o valor da significa- na última vez, com a barra de Sheffer, (-) | (p. Isto escreve a
ção do falo (90). Propunha igualmente uma decomposição, repartição do objeto de amor e do objeto do desejo em
que dá conta do que Lacan chama a incidência negativa do Gide. De um lado, o objeto de amor cercado de um noli
desejo. Se a incidência normal do desejo, apreendido na lei, tangem, e de uma fidelidade inquebrável; do outro, uma
se escreve (-(p), dizer que só temos a incidência negativa do relação fora da lei, de distração onde a palavra fidelidade
desejo, é dizer que só temos aqui operante o (-), enquanto não é nem mesmo para inscrever-se.
que o (<p) permanece exatamente fora da lei. A mãe está sempre lá, e "a envoltura de seu amor", o
A noção de incidência negativa do desejo implica, por que quer dizer que o amor devora o desejo, que ele não
outro lado, que existe uma incidência positiva do desejo. A deixa lugar para esta ausência que é a via mesma do sujeito
castração, podemos dizer, é uma articulação entre a inci- para o desejo. A posição de Gide como "Ci-Gide", é então
dência positiva e a incidência negativa do desejo, quer di- de ser, de certa forma, identificado a seu ser de morte. Lacan
zer uma certa conjunção, e mesmo uma certa dosagem tira ainda muitos outros efeitos deste caso, que manifesta
entre a morte e o gozo. É uma morte parcial do gozo e é uma lógica muito poderosa, capaz de dar conta de muitos
em todo caso, ao nível do mandamento, não a abnegação fatos clínicos ordenando-se a alternativa do amor e do de-
de todo gozo, como o comporta o menos, mas a abnega- sejo. Por exemplo, do que eu escrevo: q>o/ $ , Lacan deduz
ção do gozo fálico, ao menos do erotismo masturbatório. a forma específica do desdobramento do objeto amado em
E neste sentido que pode figurar no texto a notação de Gide. É uma análise extremamente precisa que pede que
que a segunda mãe, a do desejo, é mortífera. A mãe de se tenha posto a funcionar o menos.
Gide é ao mesmo tempo a mãe do amor e a do desejo. A Para que um objeto possa vir se inscrever no lugar do
ambiguidade do texto reside no fato de que, ao mesmo tem- amor, é necessário que em todos os casos, ele leve um tra-
po, existe um segundo personagem para suportar a função ço de cadáver. É necessário que o objeto amável para Gide
da mãe do desejo. Que só reste a incidência negativa do encerre em si mesmo o menos, que tenha a significação da

34
ORIE.XTA CA O LA CAXIXXA

morte. O traço do objeto amável está sempre em relação posição normal do objeto amado com relação ao desejo
com o valor especial da significação do falo para um sujei- seria a convergência dos dois sobre o mesmo. Mas é bem
to. Lacan nos mostra bem que a evocação do objeto do o mais complicado do que isto, é necessário toda uma linha
amor gidiano comporta que seu fantasma morto esteja ao de desenvolvimento que é aquela na qual Lacan se engaja
lado dele. Ele nos dá o exemplo na fantasia que se encontra em seu texto 'A significação do falo" do qual podemos di-
nos Cahiers de André Walter, onde o personagem amado zer que ele continua a elaboração começada em Gide.
vem no lugar de um outro personagem que está morto, ou Insisto no fato que há a mãe do desejo, DM, na qual o
quando fala da própria Madeleine como de Morella, quer desejo está presente por sua incidência negativa (-). Deste
dizer de uma filha de morta. fato, é necessário, dadas as coordenadas, os fatos do caso Gide,
Nos dois casos há duplicação voltada sobre ela própria, que o desejo se manifeste ao lado, que venha muito exata-
ou seja: não se trata simplesmente de um ou outro, não é mente de fora. Poderíamos dizer que temos aqui um desdo-
uma alternativa; é preciso que o próprio objeto se desdo- bramento, como um segundo desejo da mãe e, desta vez um
bre mantendo-se um e leve sobre si a sombra de um objeto elemento cp a tal ponto presente que não traz nenhuma das
morto. O traço de cadáver está certamente muito sensível insígnias, nenhuma das marcas da castração. Neste sentido a
em Madeleine, inconsolável da morte de seu pai. Ele tam- frase de Lacan teria sido mais clara se tivesse mencionado a
bém está presente na mãe do amor, a de La porte étroite primeira mãe do desejo e a segunda mãe do desejo.
que Gide quer que permaneça de luto. É preciso que o luto Primeira mãe do desejo: DM/x=(-);
do falo seja levado a tiracolo. Segunda mãe do desejo: DM/x=((p).
Digo "um traço de cadáver" pensando também no des- Isto a tal ponto que não está excluído que uma vez
dobramento imaginário que conhecemos em Schreber, no feita a escolha de Madeleine no lugar mortificado do anjo,
momento de sua famosa regressão tópica, a saber: «um ca- se ela mesmo tivesse sido então capaz de reanimar as "co-
dáver leproso conduzindo pela mão um outro cadáver le- res do sexo", o milagre da tia teria podido se reproduzir.
proso». Cada vez que implicamos uma falha da metáfora Lacan não exclui que do lugar de anjo que ela tinha no
paterna, em todos os casos observamos a presença desta amor de Gide, se ela tivesse sido capaz de reanimar as
duplicação imaginária, que muito logicamente ocupa o lu- cores do sexo, este encontro teria mudado a orientação
gar onde se inscreveu a falha. Evidentemente a metáfora da vida de Gide. Sabemos que a leitura de Lacan é aqui
paterna só tem interesse porque todo mundo se inscreve bastante curiosa, já que ele considera que é Madeleine que
nela de maneira incorreta... A duplicação do objeto - que se recusou aos abraços de seu marido, enquanto que os
existe sempre, num lugar ou noutro para o neurótico - per- dados que Delay ressalta, não parecem absolutamente ir
mite balizar muito precisamente a falha da metáfora pater- neste sentido. E necessário portanto supor aí uma inter-
na. É o índice imaginário, totalmente sensível, que deve se pretação clínica de Lacan: definitivamente, ela não o que-
ler em dupla partida: ao nível do imaginário e ao nível do ria, escolhera sua inscrição como a mais conveniente ao
simbólico, onde ele tem seus determinantes. que Gide podia esperar dela.
Neste caso - e sem dúvida, porque não, em cada caso - Mas qual é o status deste desejo puro da segunda mãe?
uma fórmula deve ser estabelecida que é a relação especial Ele próprio está fora da lei. Este é de fato o personagem
do amor e do desejo. Se eu penso no tema que eu escolhe- encarnado pela tia de Gide, já que apesar de seu casamento,
ra para as Jornadas de Madri deste ano, "Condição de amor ela vai facilmente para cama com um e outro. Ela é uma
e escolha de objeto", é evidente que temos a condição de infratora da lei e faz algumas carícias em seu charmoso jo-
amor de Gide no traço de cadáver, nesta presença da mor- vem sobrinho. De fato, podemos então dizer esse desejo
te e correlativamente, uma escolha de objeto que deve ser da mãe é, em si-mesmo, fora da lei: permitam-me resolvê-
ele próprio clivado em dois: a escolha de objeto amoroso, lo A /(-<p), para marcar de todos os modos possíveis que
e a escolha do objeto do desejo. Lacan resume esta posição temos aqui um Outro do desejo, e fora da lei. Nesta fórmu-
do problema na fórmula: «a posição do objeto amado com la encontramos as coordenadas que são aquelas que Lacan
relação ao desejo». Ele no-lo explica em Gide: esta posição propõe, no final do ano em que escreve seu Gide, como a
exige um objeto interiormente desdobrado pela morte. A fórmula do desejo feminino. Pois bem, eis o que funda, de
inz-T- - o : i :c:o:6Kão de que Gide, como desejante, falo "significante imaginário", há muito tempo assinalada
Júer.t5^i-íc i rr.ulher. por mim. Vocês sabem até que ponto o status do falo nes-
A r_r_ç&} salutar do desejo. Tive que falar domingo pas- te texto sobre a psicose é ambíguo: é uma imagem, en-
vk» a saúde mental em psicanálise e não pude levar quanto tal é uma imagem significantizada, está no lugar
i? coisas até a função salutar do desejo - a única "saúde men- da significação e, ao mesmo tempo, ela é o significante
tal" e talvez esta. sob o qual a significação do sujeito se inscreve. Dito de
O que lhes digo aqui é coerente com a notação de Lacan: outro modo, neste texto estende-se todo o equívoco do
o desejo e sua violência que por ser a do intruso...» , na30
status imaginário e do status significante do falo. A pró-
qual há que se dar todo valor ao termo violência, que com- pria patologia de Gide faz voar pelos ares esse falo ambí-
pensa a incidência negativa. É por termos de um lado a in- guo; há, de um lado a elisão do falo imaginário como
cidência negativa que o desejo, em sua positividade, vem significante ((po). Isto é o que faltou na relação entre a
de fora à maneira de uma intrusão violenta. mãe e a criança; faltaram os próprios fundamentos que
Estaria completo o paralelo entre essas duas funções, teriam feito dele a criança desejada. E o resíduo desta sub-
entre o falo negativado e o falo sobre positivado (surpositivê), tração do falo como significante, é a pura relação imaginá-
entre o falo oprimido pelo amor até o ponto de dever abne- ria para sustentar o desejo. Por essa razão, é no face a face
gar seu gozo, e o falo buliçoso que vai sozinho? Aqui a cons- com o semelhante que Gide encontrará uma solução para
trução de Lacan é diferente, conforme o que ele avança so- seu desejo e conseguirá superar a negação do gozo.
bre a homossexualidade. Não há paralelo entre (90) e (cp). O É a mesma notação que aquela que conduz Lacan, a res-
próprio fato de que o desejo venha de fora, como intruso, peito da perversão nos Quatro conceitos fundamentais da
indica que o que foi determinante operou ao nível da inci- psicanálise, a assinalar neste nível a prevalência do imagi-
dência negativa. É o que se deve entender quando Lacan nário que aparece como solução ao que foi subtraído ao
opõe, de um lado, uma subtração simbólica e, do outro, uma nível simbólico. Estamos já no caminho que obrigará a dis-
muda transformação imaginária. É uma indicação clínica de tinguir o <I> simbólico do 9 imaginário. Vemos já a partir do
generalidade muito maior de que esse caso e que, até o pre- caso Gide, as dificuldades que existem ao fazer um uso
sente, não foi explorada. Podemos perguntar-nos por muito unívoco da metáfora paterna e do esquema R. O esquema
tempo como isso se estrutura. Não encontraremos a respos- está feito para permitir sua transformação em esquema I, e
ta se nos contentarmos com o esquema L como baliza em- neste caso, suas coordenadas resistem, mas elas resistem
bora, aparentemente, seja a este que Lacan nos remeta. Do mal a metáfora especial que vale para Gide.
ponto de vista teórico, o valor do texto sobre Gide só pode Notarei primeiramente como a metáfora que eu evoco
ser apreendido com referência ao texto sobre a psicose, ou aqui permite dar conta da proposição espantosa de Lacan,
seja, ao esquema R. É em relação a este esquema que o caso espantosa porque formula uma consequência necessária: «o
Gide faz surgir novas questões. No itinerário de Lacan, esse amor devia nascer no ponto em que a morte devia já ter du-
caso de perversão é como um elo que se segue a articulação plicado o objeto faltante». Existe aí uma tese muito precisa:
da psicose em direção a teoria da neurose. para um sujeito dado, o valor especial da significação do falo
Em que nível se inscreve essa subtração simbólica? Já to- condiciona a fórmula especial do amor. Neste caso, a morte -
mamos como referência a metáfora paterna que figura no quer dizer, a incidência negativa do desejo - precede a elabo-
texto sobre as psicoses. Em uma primeira análise, a reflexão ração da condição de amor. É a indicação de uma ordem
incide sobre este triângulo: no vértice o falo, e de um lado e propriamente subjetiva, que vai do desejo ao amor.
do outro da base a criança e a mãe. A notação muito precisa Consideremos a espantosa frase de Lacan: «A segunda
de Lacan indicada pelo que inscrevi ((po), é de que na con- mãe, a do desejo, é mortífera, e isto explica a facilidade com
frontação da criança com a mãe, esta mãe que não simboliza que a forma ingrata da primeira, a do amor, vem substitui-la,
seu desejo pelo falo, houve uma subtração simbólica. Qual para se sobrepor sem que seu charme seja rompido, àquela
será ela senão aquela do falo como significante? da mulher ideal» . Trata-se apenas de um comentário, que
31

Neste sentido, o caso Gide desemboca diretamente no Lacan foi pescar no Ainsi soit-il, nas últimas das ultimas pági-
esquema R para fazer voar pelos ares a ambiguidade do nas que Gide escreveu. Este diz que agora ele escreve em

36
ORIF.\TM AO I AC A \7A\

associação livre de certa maneira: «Mas se agora submeto a problema das perversões» pela «dependência de seu amor
um excessivo controle tudo o que venha à fora de modo (da mãe) quer dizer pdo desejo de seu desejo» . 33

imprevisível, tudo dará errado. É de fato o deixar correr, o Isto vai mesmo muito mais longe, já que esta concep-
abandono. Tanto pior! Melhor vale ainda admitir as repeti- ção recoloca em causa a fórmula mesma da metáfora pater-
ções, tão frequentes quanto possam ser. Uma outra coisa me na. Eis o segredo da questão. Os leitores atentos de Lacan
incomoda, que vem da desordem cronológica de meu espí- jamais deixaram de ficar perturbados pela escrita DM. com D
rito; algumas lembranças sobrepõem, se interpretam, se jus- maiúsculo, enquanto que em seguida elefigurasempre com
tapõem: sobre impressões se produzem. Triunfam sobretu- d minúsculo; já o D maiúsculo notará a demanda. Eu assinala-
do nos sonhos. Por pouco que eu viva ainda algum tempo, ra que o Desejo D não é o desejo metonímico ao nível do
os assombros e os horrores das duas grandes guerras virão significado, mas o desejo definido como significantisado, ao
em mais de um ponto, a se confundir. Como também , mas nível do significante. O que traduz esta fórmula, DM, senão
no sonho apenas, a figura de minha mulher substitui por a presença ou ausência da mãe?
vezes, sutilmente e como que misticamente, à de minha mãe, O caso Gide, onde explode a dissociação do amor e do
sem que eu com isto fique muito espantado. Os contornos desejo, impede que se possa tão facilmente igualar a de-
das faces não são bastante nítidos para me impedir de passar pendência do amor e o desejo do desejo. A partir daí torna-
de uma a outra; a emoção permanece viva mas o que a causa se manifesto que é necessário distinguir a demanda de amor
permanece flutuante; bem mais: o papel que uma ou a outra e o desejo.
desempenha na ação do sonho permanece mais ou menos O caso de Gide é verdadeiramente o caso clínico onde
o mesmo, quer dizer um papel de inibição, o que explica ou a instância do amor é propriamente distinguida e onde a
motiva a substituição» .02
demanda de amor se isola como tal. Neste caso, a deman-
O que é bastante singular, não é tanto esta experiência da de amor foi propriamente preenchida em detrimento
de Gide - que, em fins de contas, é no sonho o equivalente do desejo.
do lapso -, mas a maneira pela qual Lacan a lê. O que lhe A introdução no caso Gide do termo "demanda de amor"
parece misterioso é a elisão da mãe intermediária, é que se é uma reviravolta essencial. Uma quantidade de problemas
passe da mãe do amor a mulher ideal. Por que diz ele clínicos se resolvem a partir do momento em que não nos
que é a mãe do amor? Por que ela é "inibidora": é a espo- contentamos em fazer a relação de amor uma exponencial
sa inibidora. O que faz falta não é tanto a figura da tia quan- do desejo, mas onde estabelecemos uma disjunção entre
to uma figura que viria autorizar, humanizar o desejo. Vocês demanda de amor e desejo. É a novidade que Lacan intro-
se lembram das três palavras que Lacan distinguia - a pala- duzirá com a "Significação do falo": conjunção e disjunção
vra que interdita, a palavra que protege, e aquela que falta, do amor e do desejo, convergência e divergência da de-
a palavra que humaniza. Ora nós temos no sonho de Gide a manda de amor e do significante do desejo. Logo, Lacan
palavra que interdita, podemos dizer que temos a que pro- aproveita esta descoberta para situar a sexualidade mascu-
tege, mas não temos a que enlaça o amor e o desejo. lina e feminina, mas segundo termos estritamente novos que
Eu tinha a este respeito um certo número de referências, encontrarão seu desenvolvimento, agora clássico, na "Dire-
que não vou enumerar, que mostram que função ocupou ção do tratamento". Podemos dizer que é propriamente o
Madeleine, a do "testemunho" que é o lugar mesmo a par- caso Gide que faz explodir a identificação sumária do amor
tir do qual ele diz que escreve, e que lhe permite viver sua e do desejo que prevalecia antes em Lacan. Isso permite
vida como será escrita. ordenar clinicamente com uma clivagem da demanda em
Se menciono esta análise da sobre impressão, a qual Lacan relação ao desejo.
dá um grande valor, se indiquei esta sequência que vai do O aquém da demanda está articulado à necessidade, o
desejo ao amor, é para valorizar que se trata, na articulação além da demanda está articulada ao amor, estando o de-
da psicanálise por Lacan, de uma inovação. Anteriormente sejo na concavidade destas duas demandas. Esta constru-
não existe evidência para Lacan da dissociação do amor e do ção, que repetimos agora de maneira normalizada, tem o
desejo. Aí está o valor já assinalado, da passagem da" Ques- seu nascimento no caso Gide. Não digo que seja a este
tão preliminar" onde Lacan resume num parágrafo «todo o respeito que Lacan a tenha descoberto, ainda que seja

37
r.dubitavel que a ênfase posta por Delay sobre a dissociação gozo do idiota, que é a expressão lacaniana emEncore. Está
do amor e do desejo suscitava em Lacan a preocupação de justamente dado como um gozo infinito, que o põe em
situá-la nas suas coordenadas, e de verificar que elas su- comunicação com a natureza inteira. Em Gide, o gozo do
portavam de ter que inscrevê-la. Donde a complicação órgão é propriamente oceânico. No que podemos dizer que
interna deste texto com todas estas diferenças, esta mãe este gozo mimetiza de todas as maneiras possíveis o gozo
do amor, esta mãe do desejo, etc, que não reencontra- do Outro. É também o caso do outro grande masturbador
ram ainda sua reformulação possível em termos de de- da literatura, Jean-Jacques. Eis dois garotos que chegam a
manda de amor e de desejo. fabricar o gozo do Outro com o gozo do Um. Com o gozo
Está claro que o termo desejo da mãe na metáfora pa- do idiota, chegam a fazer o gozo da louca.
terna, é uma função totalmente equívoca. É aqui o signifi- Eu acentuara o "ao menos e no máximo". Podemos di-
cante da alternância presença ou ausência da mãe, ou seja, zer que na vertente do amor, o amor de Gide obedece a
o ponto preciso onde Lacan situará a demanda de amor fórmula masculina, no que elas são todas as mesmas, com
liberando assim o desejo para lhe dar um novo estatuto o lugar marcado da exceção. Por outro lado, na vertente do
metonímico. Este desejo, não teria sentido algum barrá-lo desejo ou do gozo, já que no texto sobre Gide os dois ter-
neste lugar, sob o Nome-do-Pai (NP). Pelo contrário, o de- mos não estão completamente distribuídos, ele obedece a
sejo é inextinguível. Escrito pelo viés do significante mater- fórmula feminina. É certo que ele coloca a diferença entre
no, sua função pode ser retificada. Colocando-o ao nível do os homens, e faz coleção.
significado, nós o escrevemos imediatamente sob a barra. Haveria ainda muitas coisas a evocar. Primeiro, a verifi-
É, portanto, neste termo desejo da mãe, que se concen- cação desta função mortífera que podemos encontrar no
tram todas as ambiguidades do texto de Gide. Lacan vai tirar caso Gide, e mesmo o que Lacan chama os "objetos de seu
todas as consequências distinguindo o vetor do amor e o do gozo primário": o que ele enumera destes objetos exemplifica
desejo, logo fazendo uma clínica muito elegante, que con- uma valorização da destruição, do estranho, etc.
trasta com a clínica dificultosa do caso Gide: uma clínica fun- À incidência negativa do desejo, Lacan coordena uma
dada sobre a dialética do desejo e da demanda. Está claro outra dimensão: «Ao que corresponde nele um outro abis-
que este operador falta ainda no estudo do caso Gide. mo, o que se abre em seu gozo primário» - o que nos per-
34

Talvez possa eu ainda comentar a proposição de Lacan mite ler em dupla partida a operação do menos (-). Have-
segundo a qual Gide se identifica à mulher desejante. ria muito a dizer a este respeito, mas eu passarei, não sem
Temos no texto sobre Gide os elementos que nos dão notar, no entanto, que a morte domina todo o texto desde
de maneira muito precisa o que podemos chamar a Stim- o começo. Visivelmente o que a surpreendente Lacan, nes-
mung - é o termo alemão que se traduz por "coloração te caso, e que também a surpreendente Delay foi a
afetiva" - de seu gozo masturbatório. Clinicamente, a Stim- prevalência da noção mortífera, com o Schaudern, e o fato
mung de seu gozo masturbatório não é absolutamente or- de que é do "Ci-Gide" que surge o canto das Frutos da ter-
dinária, não é o gozo do Um, todo o acento de Gide está ra, que é como que um canto de reencontro com a vida.
posto aí. «O prazer sempre esteve a meu lado», «vai Em seguida, ao lado do tema da morte, da sombra e da
Nathanael, colha...»: lendo Gide, constatamos uma incha- "passeante temível" que deixa sempre vazio o quarto pelo
ção, um pathos inacreditável no que concerne o gozo, e qual passou - personificação da morte sob a pena de Lacan -
não se tem imediatamente a ideia que aquilo de que aí se há uma segunda figura que é essencial, a da máscara, sobre a
trata, não é o harém, não é o paraíso dos bravos descrito qual gostaria que nos detivéssemos. Como está ligada a ques-
por Maomé, mas que todos osfrutos terrestres, são Gide e tão da nobreza e do desejo, há chances que terminemos aí.
sua mão! Não se tem absolutamente a ideia de que este Coloca-se para nós um primeiro problema, o do lugar
entusiasmo pelo gozo, pelo qual Gide teria corrompido de Goethe. Aqui, nós estamos na profundidade da clínica,
gerações segundo certos guardiães da moral pública, veio a escrutar o desejo da mãe de Gide, sua articulação e suas
do ato de D i ó g e n e s - D i ó g e n e s ajudado, consinto, consequências, e eis que Lacan dá um lugar essencial a
masturbação mútua. O que é que perturba aí? o que exata- Goethe, notando que a mãe bem se apercebeu disso. E um
mente nunca é descrito por Gide como gozo do Um, como lugar, diz exatamente Lacan, de imisção, quer dizer que

38
ORItXTA CA O LA C 1

Goethe vem de fora, como de fora vem a tia, a intrusa. Aí, nobreza»? Vamos ver a teoria da nobreza de Hegel. Ela se
seguimos a construção da persona até seus vinte e cinco inscreve na dialética das duas grandes potências espirituais
anos; não estamos na clínica dos três primeiros meses, dos da soberania e da riqueza. No ponto em que estamos da
cinco primeiros anos, mas naquela que se estende por um história da humanidade, a feudalidade e a monarquia, há
quarto de século. O que se passou na fabricação de Gide? de um lado o poder do Estado que coordena tudo e se im-
Será análogo a uma análise? No fundo, Goethe empresta põe a todos, e de outro lado a riqueza que tem valores dis-
seu selo simbólico a proliferação imaginária dos persona- tintos, que encoraja o desenvolvimento da individualidade
gens gidianos. Quando Lacan evoca: «a máscara aberta a e da liberdade. Por falta de tempo deixo de lado a dialética
um desdobramento cuja repercussão ao infinito esgota a que Hegel estabelece entre soberania e riqueza, dando-lhe
imagem de André Walter» , temos a noção de um encres-
35 alternativamente valores positivos e negativos.
pamento imaginário onde Goethe, e como o diz precisa- Primeiramente, podemos dizer que o bem é o Estado,
mente Lacan, a mensagem de Goethe, nos indica um certo porque é a negação da individualidade, e que o mal é a ri-
restabelecimento da metáfora paterna gidiana. Ele encon- queza, porque pelo contrário ela produz a divisão de todos -
trou em Goethe, com efeito, a palavra que humaniza o de- estes são aí estão termos sempre muito atuais.
sejo. Que o humaniza relativamente, já que este desejo é Em segundo lugar, num sentido a riqueza é o bem, por-
em parte clandestino, mas Gide acabará por colocá-lo em que é a prosperidade, enquanto o Estado, é o assujeitamen-
praça pública. Ele encontrará uma maneira de revelá-lo e to de cada um. Em terceiro lugar, o Estado é o bem porque
articulá-lo ao universal. Encontra exatamente em Goethe a é a coordenação dos indivíduos, enquanto que o gozo da
palavra que vem dizer: "Tu podes ser o que tu és". É uma riqueza, fundamentalmente efémero, remete cada um a sua
licença com efeito, e ao mesmo tempo uma licença que singularidade. Eu lhes peço apenas que depreendam que há
conduz ao universal. Delay faz referência ao mito àeLynceus reviravoltas possíveis de valores entre o Estado e a riqueza.
no ato I I I do segundo Fausto: «Goethe mostra em falta o A partir daí Hegel isola a posição do nobre e a do servo.
vigilante impecável. Lynceus, pela primeira vez em falta, O nobre é fundamentalmente o que está bem com o Esta-
omitiu anunciar a chegada de Helena. Reconhece-se culpa- do e com a riqueza: de um lado ele é o vassalo e se dobra à
do, traiu sua missão e não procura se defender: "Eu esque- lei do conjunto; do outro lado, goza da riqueza enquanto
ci completamente os deveres do vigilante". Mas explica sua indivíduo. A consciência serva, ela, está mal com um e com
falta: seu olhar ficou obnubilado pela aparição de Helena, outro, sempre próxima da rebelião. Seguimos a história do
encarnação da beleza... "Estes tesouros eu os guardarei com nobre como seguimos antes a história do mestre. Simples-
cuidado e os considerarei como meus... Agora creio que mente, o nobre é o mestre pré-moderno, um mestre sob
eram vãos"» . Eis então o que era antes o homem do dever
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uma forma relativamente degradada, que faz abnegação de
que descobre o valor superior da beleza e do desejo. Gide sua individualidade, sacrifica-se ao "heroísmo do serviço" e
nos Frutos da terra se dirige ao que representou sua mãe, isto conduz a Versalhes, ao "heroísmo da adulação".
quer dizer o amor identificado com os mandamentos do Hegel dá uma descrição extraordinária da corte de
dever para escrever: «Mandamentos de Deus, sereis dez ou Versalhes na sua Fenomenologia do espirito, onde se vê
vinte? Até onde estreitareis seus limites? Ensinareis sempre de um lado o poder ilimitado de um monarca «que não
que há sempre mais coisas proibidas?» . Eu tinha evocado
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conhece limites, pois a linguagem da adulação e leva o
o valor da palavra mandamento, é uma palavra gidiana, é a poder à sua universalidade clarificada», e do outro lado,
palavra da interdição, da inibição e pelo lugar que deu à «a linguagem da bajulação eleva a singularidade que de
mensagem de Goethe - durante quatro anos ele se orien- outra forma é apenas visada à sua pureza presente, dando
tou a partir dele - deixa o reino da interdição e do manda- ao monarca o nome próprio» . A questão do nome pró-
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mento: há uma promessa de universalidade se aceitas o mais prio não é o que um vain peuple pensa, questão de refe-
extremo de tua relação com o que desejas. Portanto aqui, o rência, denotação, designador rígido, é o nome de Luís
lugar essencial que permite a persona toma sua seu con- XTV celebrado por seus cortesãos.
torno, é a insígnia goethiana, o ponto de basta Goethe. «Por este nome, o monarca está completamente separa-
Agora, o que é o «segredo de todo desejo e de toda do de todos, exclusivo e solitário [...] e é incomparável [...]
os nobres não estão apenas prestes a servir o poder, mas que o nome próprio de Luís é uma bela encarnação - se ele
estão agrupados em torno do trono como um ornamento» . 39 se forma do recalcamento de um desejo do sujeito, e con-
Desde então, qual é o segredo do desejo que é o segre- duz a adoção da figura do Outro que é o outro deste dese-
do de toda nobreza? Este segredo é o Ideal do eu. jo, então cada um dos traços desta máscara que é o Ideal é
Se há de fato alguma coisa que ilustra a posição de Luis exatamente correlativa de um desejo do sujeito. Portanto,
Xiy sem par, estando os nobres agrupados em torno dele o que apresenta o sujeito para se mascarar, a saber, as ima-
como ornamentos, nada mais é do que o recalcamento que gens do Outro, que ele adotou, ao mesmo tempo que ocul-
está no coração da ereção solitária do Ideal do eu. O nobre tam o desejo, são sua significantisação. Basta seguir a cons-
é exatamente aquele que recalca o desejo no Ideal do eu - trução metonímica da persona para ter a forma humana do
aí está o "fundamento de toda nobreza". O nobre é um avatar desejo. O que o sujeito dissimula, é aquilo mesmo pelo qual
do mestre, mas muita água correu, muitas contradições ele o revela. A máscara desmascarada.
dialéticas sob as pontes, antes que o próprio mestre tenha Esta teoria da máscara é, do ponto de vista clínico, ab-
se tornado o nobre. O nobre é por assim dizer, o mestre, solutamente essencial, tanto mais que Lacan não retornará
mas na medida em que sacrifica seu desejo ao Ideal do eu. a ela de maneira tão extensa. Ela traz esta lição: o imaginá-
Portanto, se o nobre é o contrário do homem do desejo, rio humano é feito de tal forma que acredita fazer máscara
podemos depreender porque é na máscara que se oferece com as marcas simbólicas que leva com evidência, das pró-
o segredo do desejo, e porque não há que ir ver por trás prias operações de recalcamento que realizou. O recalca-
das máscaras. mento não está por trás, está por cima, cada um o traz so-
Se o Ideal do eu é o que neste texto - é antes que Lacan bre sua máscara.
o tenha incluído no conceito de "significante mestre", de Texto traduzido por Manoel Barros da Motta e revisado por Vera Ribeiro.
'DELAYJ., Lejournal, tomol, Paris, Gallimard, 1958, p. 241. 21 DELAYJ, ibid. p. 545.
2 LACANJ., Écrits, Paris, Seuil, 1966, nota da p. 747. 22 DELAYJ, ibid. p. 540.
'LACANJ., ibid. p. 752,3 parágrafo.
o 25 DELAYJ., ibid. p. 521.
4 LACANJ,/W.p. 751. 24GIDE A., "Si le grain ne meurt", op. cit. p. 385 e 386.
5 L A C A N J , * t ó . p. 729. "LACAN J.,op. cit. p. 749.
6 L A C A N J . , « . p . 757. 26GIDE A., "La porte étroite", Romans, La Plêiade, Paris, Gallimard, 1958, p. 495.
7lACM).,ibid. p. 749. 27GIDE A., "Si le grain ne meurt", op. cit. p. 497.
«LACAN J , M . p. 746. 28DELAYJ.,íe journal, tomo II, op. cit. p. 533.
'LACAN J., ibid. p. 554. 2»LACANJ, op.cit.p. 751.
"N. A.: Assinalemos ainda, julho de 1993, a correspondência com Jean Schlumberger. '"LACANJ., op. cit. p. 755.
"LACAN}.,op.cit. p. 744. 31LACANJ, op. cit. p. 755.
GIDE A., "Si le grain ne meurt" (1939-1949), Journal La Plêiade, Paris, Gallimard,
12 GIDE A., "Ansi soit-il", Journal (1939-1949), La Plêiade, Gallimard, 1954, p. 1213.
32

1954, p. 349. 33LACANJ, op. cit. p. 554.


"LACAN J,op. cit. p. 746. 34LACANJ, op. cit. p. 750.
"LACAN J., ibid. LACANJ., op.cit. p. 757.
55

"DELAYJ, Le journal, tomo II, op. cit. p. 517. DELAYJ., Le journal, tomo II, op. cit. p. 266 e 267. A assinalar um erro na nota da
36

DELAYJ., Le journal, tomo I, ibid. p. 362.


,6 p. 757 dos Écrits que remete a p. 264 de Delay.
DELAYJ., ibid. p. 505.
17 GIDE A., "Les nourritures terrestres", Romans, sixième livre, Paris, Gallimard, La
37

LACANJ., op.cit. p. 755.


18 Plêiade, 1958, p. 495.
LACANJ., ibid. p. 753 e 754.
19 Hegel G. W. E, La phénoménologie de 1'esprit, tome II, Aubier, 1941, p. 72.
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°DELAYJ., Le journal, tomo II, op. cit. p. 523.


2 "Hegel G. W F, ibid.

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