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objeto a nas variações do humor 

Elisa Alvarenga 

Agradeço ao Henri pelo convite para compartilhar com Maria de Fátima esta noite preparatória 
à nossa jornada, na qual gostaríamos de manter o tom de investigação que foi dado aos dois 
primeiros  encontros.  Conversamos  sobre  o  que  seria  interessante  abordar  a  propósito  do 
objeto  e  do  humor  e  eu  me  interessei  por  explorar  as  relações  entre  o  humor,  o  afeto  e  o 
objeto a. Isso está perfeitamente dentro do tema proposto para nossas jornadas, cujo título – 
Depressão  e  bipolaridade  –  transtorno  ou  dor  de  existir?  –  aparece  nas  classificações 
psiquiátricas atuais como um transtorno afetivo, embora se refira às variações do humor que 
oscilam entre as “depressões leves, moderadas e graves, com ou sem sintomas psicóticos”, que 
substituem  o  que  classicamente  se  repartia  entre  as  depressões  neuróticas  e  as  psicoses 
maníaco‐depressivas.  Não  me  debruçarei  sobre  a  questão  do  objeto  a  na  mania  e  na 
melancolia,  evocada  por  Lacan  em  1963,  no  Seminário  da  Angústia,  e  10  anos  depois,  em 
Televisão,  mas  sobre  a  presença  do  objeto  a  no  campo  da  neurose,  tentando  precisar  as 
diferenças e semelhanças entre a maneira como o objeto se apresenta na angústia – o afeto, 
segundo  Lacan,  que  não  engana  ‐  e  naquilo  que  se  nomeia  depressão  –  termo  utilizado,  na 
atualidade, para nomear, tanto estados relacionados com a perda e o luto quanto estados que 
afetam  gravemente  a  vida  de  um  sujeito.  Pareceu‐me  oportuno  servir‐me  de  um  caso 
apresentado  por  Philippe  La  Sagna  –  convidado  internacional  da  nossa  jornada  –  na 
Conversação  Clínica  do  Instituto  do  Campo  Freudiano  em  Paris  em  junho  de  2007,  sobre  “As 
variações  do  humor”,  não  tanto  para  comentar  o  caso  em  si,  mas  para  me  servir  da  rica 
discussão dos colegas franceses sobre o tema que aqui nos concerne. Essa conversação coloca 
em questão o termo “humor”, pouco utilizado na Orientação lacaniana, tentando dar uma nova 
interpretação aos fenômenos do humor, a partir de questões suscitadas pela prática analítica. 
Situado  na  “junção  mais  íntima  do  sentimento  de  vida”  (Escritos,  p.  565),  como  propõe  JAM 
retomando  Lacan,  o  humor  se  demonstra  possível  de  decifrar  na  experiência  psicanalítica, 
permitindo que nos orientemos na estrutura, para saber fazer aí com os seus fenômenos. 

No seu texto, “Da angústia à depressão”, P. La Sagna retoma Freud, que em ISA opõe a angústia 
como  medo  do  perigo  da  perda  do  objeto  à  dor  como  conseqüência  dessa  perda1.  A  dor 
psíquica supõe um mínimo de elaboração: o investimento de um objeto perdido se elabora na 
depressão como objeto exterior.  

                                                            
1
 FREUD, S. Inibição, Sintoma e Angústia, in ESB XX, RJ, Imago, 1976, p. 194‐196. 

 
Lacan  inverteu  essa  perspectiva  mostrando  que  a  angústia  na  sua  relação  ao  real  supõe  o 
retorno sobre o sujeito de um objeto perdido, retorno que pode alterar o eu por identificação. 
Há então um efeito depressivo, base sobre a qual se elabora um objeto “psíquico” no sentido 
de Freud e no entanto, para Lacan, da “ordem irredutível do real” (A angústia, p. 178), que será 
apreendido  pelo  sujeito  como  defeito  ou  falta.  Quando  a  assimilação  do  objeto  ao  eu 
permanece  instável,  esse  retorno  pode  também  assinalar‐se  por  uma  angústia  extrema,  sinal 
do real. Assim, angústia e culpa podem se alternar. O deslizamento da angústia à depressão e 
retorno  são  particularmente  interessantes,  como  assinala  La  Sagna,  para  a  clínica  e  a  teoria 
psicanalíticas.  

A angústia, a partir do caso apresentado, se apresenta quando o objeto a surge como falta da 
falta. O que também significa que falta o apoio da função fálica, que introduz uma medida na 
perda  ou  no  ganho  de  gozo  do  corpo.  Verifica‐se  também,  no  caso  apresentado,  a  hipótese 
freudiana de “Luto e melancolia”: o fraco investimento da libido objetal coexiste com um forte 
laço de amor.  

A propósito das relações entre o afeto e o humor, JAM assinala que a descrição fenomenológica 
supõe  que  os  afetos  são  descontínuos,  afeto  disso  ou  daquilo,  elementos  discretos  e 
significantes,  ao  passo  que  o  humor  evoca  uma  tonalidade  contínua:  baixa,  exacerbação, 
inversão, o que nos remete a um defeito na regulação do gozo. A angústia não se inscreve no 
registro  do  humor.  Se  a  angústia  não  engana,  há  uma  relação  estreita  entre  a  angústia  e  a 
verdade, enquanto há, por outro lado, uma relação entre humor e gozo2.  

Véronique  Mariage  distingue  a  angústia,  como  perturbação  do  afeto,  da  depressão  como 
perturbação do humor. A passagem de uma à outra se faz pela via das relações do sujeito ao 
objeto,  pelo  retorno  do  objeto  perdido.  Esse  retorno  sobre  o  sujeito  de  um  objeto  perdido 
produz o afeto da angústia. Quando esse retorno altera o eu por identificação, ele produz uma 
inibição, um afeto depressivo ou um transtorno do humor. A perda do objeto produz a dor e 
supõe  um  mínimo  de  investimento  que  se  elabora  na  depressão.  Angústia  e  depressão  se 
entrecruzam,  fazem  borda,  litoral.  Para  Jean‐Pierre  Deffieux,  o  objeto  causa  de  desejo  no 
inconsciente se opõe à presença invasora da angústia, operando uma nova aliança desse objeto 
com o saber inconsciente.  

P.  La  Sagna  distingue  o  estado  melancólico,  onde  haveria  uma  rejeição  do  inconsciente,  da 
posição melancólica, na qual os analisantes são exemplares, aproximam‐se da verdade, como 
diria  Freud.  Eles  seriam  sujeitos  não  embaraçados  pelo  falo,  com  a  possibilidade  de  que  o 
inconsciente  como  tuché  funcione  às  vezes,  fora  das  crises.  O  que  permitiria  ao  sujeito  se 

                                                            
2
 MILLER, J.‐A. Variétés de l’humeur, Paris, Navarin, 2008, p. 74. 

 
arrancar da angústia produzindo efeitos de tuché teria por função restaurar um outro tipo de 
objeto. JAM objeta que a oposição entre posição e estado é um pouco porosa. Como poderiam 
ter traços opostos quanto à questão da rejeição do inconsciente? 

No que concerne o objeto, podemos distinguir a melancolia e o suicídio, em que o objeto a e o 
gozo dominam o quadro clínico, da “depressão”, estado transitório caracterizado pela retirada 
dos investimentos de objeto. A essa retirada se acrescentariam os golpes do supereu e a culpa, 
como assinala Serge Cottet3. A depressão, para Freud, não é um afeto, mas o resultado de um 
despovoamento  simbólico,  desinvestimento  do  mundo  exterior.  O  que  está  em  causa  é  o 
campo do Outro. A dor psíquica é a causa das inibições do eu. Em Freud, o trabalho do luto faz 
com que, depois de ter superinvestido os traços da pessoa de quem se faz o luto, o objeto se 
reduza aos significantes que o representaram, numeráveis e finitos. Tendo esgotado o conjunto 
dos significantes que dão consistência ao objeto, seu casulo narcísico, despido de sua cobertura 
imaginária – i(a) – que lhe assegurava o significante do ideal do eu, cai na condição de objeto 
não  assimilável,  sem  mais  nenhum  suporte  narcísico.  O  luto  se  completa  e  um  novo  objeto, 
ornado com as insígnias precedentes pode surgir.  

Na análise, o exame dos significantes do ideal do eu conduz a um empobrecimento subjetivo: o 
estofo  narcísico  que  sustenta  o  sujeito  em  sua  enfatuação  começa  a  falhar.  Trata‐se,  não  de 
uma perda de objeto, mas de seu brilho fálico. Trata‐se da castração, pois esse desnudamento 
do  objeto,  correlato  a  essa  perda  de  consistência  narcísica,  se  acompanha  de  uma  perda  do 
gozo fálico.  

Serge Cottet situa a depressão neurótica no registro da alienação: o sujeito tenta se situar no 
desejo  do  Outro  e  fabrica  a  significação  desse  desejo  como  significação  fálica.  A  posição 
depressiva corresponde ao entrave dessa significação, daí a emergência da culpa, relacionada 
com  a  falha  do  gozo  e  com  o  objeto  que  resiste  à  significação  fálica.  Esse  momento  crucial é 
típico  da  neurose  obsessiva,  onde  a  fantasia  veste  o  objeto  a  com  a  idealização.  Não  a 
vestimenta narcísica desse objeto, i(a), mas a idealização do dejeto como tal. O descolamento 
do grande I do objeto a, previsto por Lacan no final da análise, pode levar o sujeito a uma fase 
depressiva.  Se  o  único  significante  do  desejo  é  o  falo,  ir  além  do  objeto  fálico  conduz  a  um 
Outro gozo, além do falo, nem sempre tolerável. Na histeria, Cottet aponta o “amor extremo do 
objeto”. A devastação dos ideais pode vir no lugar do semblante fálico.   

Enquanto no suicídio melancólico o sujeito se identifica com o furo que falta no Outro – suicídio 
de separação – o suicídio do “deprimido” é um apelo ao Outro.  

                                                            
3
 COTTET, S. A bela inércia, in Curinga 27, EBP‐MG, Nov. 2008, p. 97‐98. 

 
Para abrir a discussão, trago um pequeno fragmento clínico onde se coloca então o diagnóstico 
diferencial  entre  uma  depressão  em  um  sujeito  histérico  ou  melancólico,  hospitalizado  após 
uma tentativa de suicídio. 

Divina 

Divina  é  internada  no  IRS  após  dois  anos  de  tratamento  infrutífero  para  uma  depressão 
recorrente  e  uma  tentativa  de  autoextermínio  tomando  cerca  de  50  comprimidos.  Foi 
encontrada  pelo  marido  que  voltou  em  casa  em  um  horário  não  previsto,  trancada  em  seu 
quarto, desacordada. Ficou no CTI e recebeu alta do hospital após uma semana, envergonhada. 
Diz que não acreditava mais na sua possibilidade de melhora e estava cansada de dar trabalho 
ao  marido,  que  havia  dito  a  ela  que  ele  mesmo  estava  cansado  de  levá‐la  para  consulta  com 
vários psiquiatras.  

Inicialmente Divina não tem vontade de falar ou de comer, só se queixa da “depressão”. Não há 
auto‐recriminações,  idéias  de  culpa,  ruína  ou  hipocondríacas.  Kraepelin,  na  sua  Introdução  à 
Clínica  Psiquiátrica  de  19054,  separa  os  estados  maníacos  e  melancólicos  dos  estados 
depressivos  circulares,  onde  aponta,  em  primeiro  plano,  uma  detenção  do  conhecer  e  do 
querer, uma detenção da vontade. Isso é muito evidente no caso de Divina, que só quer ficar 
deitada, não queria mais trabalhar e nem realizar as tarefas domésticas em sua casa. Não quer 
tampouco  saber  nada  sobre  as  causas  de  seu  estado.  Sua  única  demanda  é  fazer  sessões  de 
ECT, pois sua mãe esteve internada no IRS e melhorou com este procedimento. Seu marido diz 
que o casamento deles acabou, mas não pretende abandoná‐la “enquanto estiver assim”. Ao 
cabo de 3 semanas de atendimento e uso de psicofármacos, Divina surpreende a todos: voltou 
a ter sono e apetite, participa da TO, acha graça nas pacientes e quer retornar ao trabalho de 
servente em uma escola do interior.  

Ela nos conta que é a 8ª de 17 filhos e até se casar não teve tempo de adoecer. Os irmãos mais 
velhos  iam  cuidando  dos  mais  novos,  parou  de  estudar  na  4ª  série  para  cuidar  dos  irmãos  e 
depois  trabalhar.  Casou‐se  aos  25  anos  com  o  atual  marido  e  aos  28  teve  sua  primeira 
“depressão”.  Não  sabe  dizer  porque  perdeu  a  vontade  de  fazer  as  coisas  e  de  comer,  fez 
tratamento e logo melhorou.  

Aos 33 anos o marido arranjou uma namorada e quis separar‐se dela, mas acabou voltando. Ele 
se  queixa  de  que  ela  vivia  na  casa  dos  pais  e  não  se  interessava  em  cuidar  da  própria  casa. 
Tiveram  duas  filhas,  a  mais  velha  das  quais  mudou‐se  há  dois  anos  para  trabalhar  em  uma 
cidade vizinha.  

                                                            
4
 KRAEPELIN, E. Introduccion a La clinica psiquiátrica, 2ª edición,  Madrid, Ediciones Nieva, 1988, p. 38. 

 
Há  7  anos  perdeu  o  pai  e  há  5  a  mãe,  tendo  cuidado  de  ambos  sem  maiores  conseqüências 
após a morte de cada um. Sua atual “depressão” teve início 3 anos depois. Não associa as crises 
com suas perdas, a não ser com o fato de sua filha ter saído de casa e não com o marido ter 
saído de seu quarto. Nos perguntamos se o humor deprimido de Divina não estaria relacionado 
à  perda  do  investimento  fálico  pelo  seu  marido  e  se  sua  recusa  em  melhorar  não  teria  a  ver 
com  a  expectativa  de  ser  abandonada,  anunciada  pelo  marido.  Nesse  sentido,  pensamos  que 
não  se  trata,  em  Divina,  da  sombra  do  objeto  que  cai  sobre  o  eu,  mas  de  sua  queda  como 
objeto,  uma  vez  retirado  o  brilho  fálico  que  lhe  era  conferido  pelo  desejo  do  marido.  Divina 
continua econômica nas palavras, mas está mais conectada à vida, ao trabalho e às pessoas. Ela 
aceita retornar para o tratamento ambulatorial, durante o qual talvez se possa explorar melhor 
os detalhes do que passou, mas ela não se mostra muito interessada em saber. Ela parece ser 
uma figura da tristeza como covardia moral evocada por Lacan.  

  

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